9 - Do Significante Ao Signo (a Psicanálise Do Fim Do Mundo)
9 - Do Significante Ao Signo (a Psicanálise Do Fim Do Mundo)
9 - Do Significante Ao Signo (a Psicanálise Do Fim Do Mundo)
IX
Do significante ao
signo
Sumário
Fazer com o sinthoma .......................................................................................................2
Sublimação e fantasia .......................................................... Erro! Indicador não definido.
Sublimação e escabelo ........................................................ Erro! Indicador não definido.
Politica do Sinhtoma ............................................................ Erro! Indicador não definido.
A teoria do signo ................................................................................................................5
Este texto reproduz o encontro do seminário do ICP-RJ “A psicanálise do fim do mundo” ocorrido em
21/09/17, transcrição Cida Malveira, revista pelo autor.
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Bem-vindos,
No intervalo tivemos o VIII Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana
e XX Encontro Internacional do Campo Freudiano: Assuntos de Familia seus enredos na
prática, ocorrido em 14 e 15 de setembro de 2017 na cidade de Buenos Aires, não
saberia dizer de que maneira ele poderá incidir aqui, mas aposto que incidirá.
A última vez foi um momento forte, ponto de parada sobre a oposição parcial entre a
política do sujeito e a política do sinthoma. Foi também de uma definição da politica do
sinthoma meio vaga, e ainda de uma espécie de oposição: o fazer da interpretação e o
fazer com o sinthoma. São bandeiras que estou levantando para a gente ir desdobrando
e para não ficar completamente no ar.
Fazer com o sinthoma [savoir-y-faire], Lacan, Seminário 231 é fazer com algo que não
muda. Fazer com algo que não muda, muda a vida. Já esse “algo” não muda.
Por outro lado, toda uma linhagem de intervenção do analista no sentido da
interpretação, vai mais no sentido de algo que corta, que rompe a cadeia, abre uma
nova sequência, o que nesse sentido, muda.
Só que essa coisa que faz furo, continua sempre voltando e em dado momento a análise
começa a tratar especificamente dela, como alguma coisa que tem inércia, que até
continua fazendo furo, mas você passa a lidar com ela, digamos, “em si”, para além de
seu poder de ruptura.
Outra maneira de dizer: “aquilo que está fora do sentido, é utilizado para produzir cortes
no sentido”. Mas há algo a fazer com o que está fora do sentido além de vreificar seu
poder de corte no campo do sentido”. Na psicanálise lidamos com o que está fora da
nossa história, isso vem fazer com que a nossa história seja recontada, vem produzir
ressignificação. Esse refazer da história, prosseguindo, vai permitindo também algum
trabalho com o que volta fora da história. É um fazer com isso, que não é trazê-lo para
a história, senão era fácil.
Outra versão da mesma coisa: uma análise tem um tempo de lida com a fantasia, em
que a fantasia é o campo da história, o campo histórico de alguém, histórico no sentido
de uma estruturação de uma narrativa. Essa narrativa tem sempre um ponto de origem,
um ponto cego, é ele que vai ficar voltando, inicialmente como objeto (perdido ou
achado) que vai reestruturar a própria fantasia. Ela tem, porém, um limite de
reestruturação, isso implica em lidar com alguma coisa que está fora da fantasia, e que
ao mesmo tempo é o gozo fundante dela, que chamamos sinthoma.
Poderíamos pensar esta oposição como dois tempos de uma análise, duas ênfases, duas
orientações de trabalho, concomitantes numa análise e se articulando. Por que opor e
chamar as duas de política?
Porque a política do sinthoma só se constitui como tal nos escombros do mundo do
sujeito.
A chegada nesse trabalho com o sinthoma, se dá num eclipse do espaço da fantasia, que
sustentava o mundo onde alguém vivia. A fantasia é o mundo, desde que entendamos
a fantasia no sentido lacaniano, como uma matriz que sustenta uma realidade, é uma
estrutura que sustenta um ser. É uma espécie de “ideologia privada”, uma espécie de
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concepção, jeito de estar e ler que dá consistência a uma existência, lhe dá ares de
essência, dá a um viver ares de um modo de ser.
O sujeito, não é este mundo, o mundo do sujeito é sua subjetividade, mas o sujeito é
deste mundo, como seu ponto cego, enigma. A leitura fantasmática é uma tentativa de
resposta a esse enigma, que é também o enigma do desejo do Outro. Essa leitura e suas
ressignificações continuam insistindo, mas isso vai fazendo desconsistir a estrutura da
fantasia. Quando você está lidando com, a essência do sinthoma, você está lidando com
uma espécie de enfraquecimento ou esvaziamento da fantasia.
Por que fazer essa oposição? Porque temos o sentimento geral de fim de mundo, um
exemplo: “o chão da fábrica”. O chão da fábrica era um mundo, ser torneiro mecânico
no ABC paulista era um mundo. A fábrica, não tem mais chão, está globalizada, ouo seja,
desespacializada, todos os componentes dos iphones, genuinamente americanos, são
feitos na China. Neste sentido, hoje temos em evidência o empresário-consumidor, não
mais o trabalhador que não é mais alguém, só um elemento em uma cadeia global
explodida, por isso o poder neoliberal se permite destruir as conquistas dos
trabalhadores com algumas canetadas.
O fim do mundo é o fim dos direitos trabalhistas, por exemplo, dos direitos humanos,
que antes faziam mundo. Podemos lutar ainda pelos direitos humanos, devemos, mas
devemos nos interrogar porque eles não fazem mais mundo. A prova é alguém
considerar que “direitos humanos” é o nome de um grupo e não de um valor universal.
Quando alguém diz: “você dos direitos humanos” é isso e desde o momento em que só
algumas pessoas moram no mundo dos direitos humanos ele já não tem mais o mesmo
sentido de mundo, universal.
Esse seminário se iniciou no começo do ano com o desenvolvimento da ideia sobre o
que era o fim do mundo. O fim do mundo se apresenta de muitas maneiras, na
sociedade de hoje, mas envolve essa ideia de falta um elemento comum, universal, que
pudéssemos dizer “todos nós partilhamos do mesmo postulado” Conhecemos isso no
nosso campo como “pluralização do Nome-do-pai”, há muitas outras inscrições disso,
na sociologia. A seguir aproximamos o fim do mundo do fim da fantasia, ou do fim de
uma maneira de estar dentro da sua própria matriz pessoal. A matriz continua, mas você
deixa de estar onde ela está. Se a gente leva a sério a ideia de que há uma espécie de
eclipse do mundo da fantasia numa análise, onde uma coisa a mais acontece, a
psicanálise, terá algo a dialogar com o mundo pós mundo.
Aparece esse “fazer com o sinthoma”, como um guia, que nos permite procurar coisas
afins. Fomos andando intuitivamente em direção a ideia de uma “fazer com” em curso
na sociedade que se aparentasse com o “fazer com do sinthoma”.
Num primeiro momento, vimos o fim do mundo como o fim da escrita linear, em Vilém
Flusser, uma escrita histórica. Em lugar dela, outro modo de escrita, um fazer com o
sentido como construir mosaicos sobre o mundo, que ele chamou transcodificação,
seria uma pouco como recobrir o absurdo do real com um mosaico de sentidos, ao invés
de tentar dizer o real, linearmente, com um começo-meio e fim. Esse fazer seria
aparentado ao fazer do sinthoma, diferente do fazer na fantasia.
Como? Quando procuramos um objeto perdido em casa agimos linearmente. Procuro o
objeto como a polícia do conto de Poe, sempre do mesmo jeito e não acho porque ele
está fora do lugar, procuro em todos os lugares que estou acostumado a procurar, a
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seguir dizemos “é melhor você procurar na memória onde que você esteve”, duas
soluções lineares, é nesse sentido que estou querendo falar.
Participante: as mulheres acham.
O que você está chamando de “as mulheres acham”, é procurar aleatoriamente.
Já o modo de fazer com o sinthoma, sugerido pelo Flusser, não éVamos procurar de três
maneiras, então? Uma maneira é você perder o objeto na sua própria casa, vamos
imaginar que a casa é a fantasia, nós vivemos dentro de alguma casa, ela tem uma
estrutura, tem ponto obscuros, mas tem uma estrutura fixa. Quanto estou fazendo
análise, estou vasculhando a minha casa da memória, que a minha história e estou
procurando alguns objetos perdidos.
Procurar o que acho que quero achar, onde acho que deve estar. Então vou procurar
meu celular em cima da mesa, onde costumo deixar, eu não encontro, então vou
procurar no entorno. Faço raciocínios para procurar em outro lugar, posso buscar a
memória, e procurar por onde andei nos últimos instantes da minha infância, onde
encontrei pela última vez esse objeto perdido.
O que estamos dizendo é que tem alguma coisa nesse caminhar, vamos a todos os
lugares da casa e vendo que são as andanças do objeto que faz a casa e não tanto a casa,
que esconde o objeto. É uma inversão difícil, mas é mais ou menos isso. É onde você
teve emoção na sua casa que faz a sua casa, e não, ela é assim e por isso eu tenho a
emoção dentro dela. Esses é que são os encontros com o objeto, e nisso a casa vai
desconsistindo e no final, talvez teria sido melhor procurar aleatoriamente.
Aleatoriamente, talvez seja o modelo que você citou, o modelo feminino. Porque quem
está muito no feminino, na perdição, sem localização, é sempre assim “deixa em
qualquer lugar, encontra em qualquer lugar. Mas não existe alguém só assim.
Estamos saindo do campo da fantasia quando imaginamos que a casa desconsistiu e que
os objetos podem estar em qualquer lugar, o que é andar nesse ambiente, referido a
casa ainda, mas ao mesmo tempo, tentando fazer alguma coisa, é onde entramos com
a ideia do fazer com, o sinthoma. Eu não disse ainda o que é isso. Estamos interrogando
sobre isso e estou querendo mostra o ponto onde estamos, isso é uma maneira de fazer
muito estranha para quem está habituado a historia com linearidade das casas. E ainda
temos de nos perguntar se essa maneira de fazer é possível sem casa, ou seja,
totalmente perdido. Nesse caminho a gente se perguntou sobre o escrever e a relação
entre a escrita, linear, ou a escrita com o Flusser e uma escrita não-linear.
Ao invés de continuar com a literatura, me pareceu que tinha alguma coisa dessa história
que envolve as imagens. A gente lida com as imagens, de maneira não-linear. Talvez
fosse melhor buscar pelas imagens, pelo menos objetos não só literários. Tem gente que
aleatoriamente faz alguma coisa com alguns objetos e promovem esses objetos, criam
uma espécie de localização, não é exatamente uma casa, mas cria uma área, e não
precisa para isso se referir a nenhuma casa prévia.
Em nosso último encontro, estavámos falando de alguma maneira de lidar com a arte,
então trabalhamos com a sublimação, porque ela parecia ser uma maneira dentro da
psicanálise de pensar o que é fazer com essa maneira.
Fizemos uma tensão de sublimação: a sublimação do objeto, que é pegar no lugar da
Coisa e colocar um objeto, é como se “eu encontrasse o real”, encontrei o objeto, criei
um lugar o objeto fica nesse lugar, ao mesmo tempo sei que ele não é a coisa, mas a
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experiência é como se fosse, é diferente de buscar um objeto sem parar dentro da casa.
É colocar o objeto de uma maneira tal que parece que não preciso procurar mais
nenhum outro.
Participante: tem uma sutileza “a perda e o perdido”, porque a perda implica que você
já teve o perdido.
É bonito isso, você pode está numa perdição, sem perda, era isso que você estava
dizendo.
A pergunta é: “fazer o que com a perdição?
Lacan trabalhou anos para construindo a teoria do significante, o que quero dizer é que
durante, ele também fez a teoria do signo.
A teoria do signo
A teoria do signo não é a teoria do significante e é essa teoria, a teoria do signo, que
serve para pensarmos a arte.
Proponho essa tese, por isso enviei o texto “ Signo e significante”2, onde tentei distinguir
a teoria do significante e a teoria do signo. Temos uma doxa lacaniana que é a teoria do
signo de Saussure. Lacan desmontou, fazendo a teoria do significante, mas também tem
a teoria do signo de Lacan, essa que temos que recuperar para entender esse objeto
porque essa coisa que vai se fazer, sei lá qual.
Por exemplo, a “cozinha colocada na Praça Tiradente pelo Opavivará”3. Coloca uma
cozinha na Praça e fica lá fazendo comida, todo mundo entra e participa, conversa, fica
um tempo fazendo isso. Vocês conhecem esse coletivo carioca que se chama
Opavivará?? Por exemplo, a “obra” Tupycolé: um monte de picolés com a cara de objeto
sexual, a mesma coisa foi com a cozinha; expõe fotos, narrativa, espalha alguma coisa
na hora, o mercado tenta pegar mas tem dificuldade. Isso que eles fizeram no tecido
social, para nossa vida, aquilo não vale como significante. O significante tem que falar
para outro e ele não tem valor em si, mas aquele negócio tem valor em si.
Participante: a conferência do Maleval sobre a cultura autistica foi todo em cima disto.
Eu não entendi tudo ainda, mas ressoou em mim, porque tem alguma coisa do autismo
que passa pelo signo e não passa pelo significante, não é o que Erick Laurent coloca?.
Participante: não, não o significante no sentido da cadeia, enunciou uma coisa sem a
representação.
O mundo feminino, os autistas, os artistas, são esses que estão nos ensinando sobre o
signo, o que não quer dizer que vamos jogar fora o significante. Nossa base é o seminário
do Miller “os signos do gozo”4.
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No texto que enviei, tem a ideia do significante (Sq), da insígnia e do signo (Sg).
Vamos fazer a seguinte montagem: o significante, a fantasia, vai para o mundo da
história. No mundo do sinthoma, o signo, passa a ter valor, não que não ele não tenha
no mundo do significante, mas no mundo do sinthoma ele tem um valor essencial.
Podemos, ou fazer signo no sentido da insígnia, ou fazer signo no sentido – vou colocar
aqui – pode colocar traço, pode colocar nome. São signos.
Vou tentar exemplificar com a história do “Onde há fumaça há fogo”, de Lacan do
Seminário 205. Vamos distinguir a fumaça como signo e como letra.
Lacan submete esta ideia à seguinte situação, imaginemos uma coluna de fumaça
avistada por alguém que se aproxima de uma ilha. Ela pode ser entendida como
significante e pode ser entendida como signo.
Quando terminarmos tudo, teremos o “aqui a fotografia tem um valor e a fotografia tem
outro” – localizando no esquema – aqui a fotografia é um ótimo exemplo para usarmos
e pensar, é material para pensarmos qual é a diferença entre “significante e signo” e
qual é a diferença entre “signo e letra”. As fotos podem nos ajudar a isso, por isso que
quero pensar essas coisas, usando a fotografia. Se somos pós-modernos já estamos
usando as fotos como signos, porque o nosso mundo já é do signo. E não usando as fotos
como significantes, apesar de também usar, intuitivamente já pegamos. É só isso que a
foto faz, ela não diz nada, mas ela é alguma coisa, porque está lá, muda.
Por isso sugeri que vocês enviassem as fotos.
S1 S2
A teoria do significante não é nada em si, é um elemento destacável disjunto com outro
elemento, os dois colocados um do lado do outro, podem construir um sentido. E
sustenta um sentido. “Se eu sou branco e macho eu sou alguma coisa de branco e
macho”. O eu, é meu sentido construído pela articulação significante.
Vocês podem dizer: “espera aí, branco e macho já tem sentido”, mas o essencial é que
eles articulados, produzem um sentido, mais do que o sentido que eles tinham. É isso
que diríamos que é uma teoria da escrita lacaniana. Eu esqueço o sentido.
Vou dar outro exemplo: “o sol brilha sobre o campo de trigo”, se eu quiser pegar o
sentido desta frase, não posso pensar nem no sol, nem no brilho, nem no campo.
Pensem, porque o significante não tem sentido. Eu tenho o sentido do sol, do brilhar e
do campo, mas quando formulo a frase, para sentir o que aconteceu, não posso pensar
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no sol, no brilhar e no campo, eu pego o sentido geral, o sentido não está no significante,
mas na montagem do significante que sustenta o sentido, mesmo que ele já venha com
algum sentido, na hora h, eles são sempre esquecidos como unidades semânticas. Para
poder juntar o sentido deles num sentido maior.
Participante: o sentido está na cadeia.
Não tenho que pensar num campo de trigo, tenho que pensar na experiência que tende
a apagá-los como significado e ficar com eles como significantes. A teoria da escrita que
é a teoria do significante, usa elementos que são sem sentidos, o que não quer dizer que
eles não tenham articulação com o sentido, mas se eles estão aí funcionando é porque
não tem.
A teoria do significante ela é, anti-essencialista e ajuda muito na clínica, não é que a
pessoa é um sol, mas porque ela é um sol dependendo daquela situação ou daquele
momento. Dentro de um certo jogo de significantes, ela vive aquele sentido, se você
altera o jogo ela muda de sentido, isso é a mágica da nossa prática, da interpretação.
Quando a gente chacoalha o significante como brincamos aqui, as coisas andam no
campo do sentido, precisamos dessa teoria de que “as essências não contam”, o que
conta é a articulação dos significantes.
Participante: quando uma pessoa tem uma palavra, precisamos da frase inteira para
falar da articulação que ajuda a captar o sentido.
A teoria do signo seria de alguma maneira você ter algumas coisas que não tem
exatamente um sentido, mas que você não pode tirar do lugar, uma série, só que elas
não entram na troca, seria como se fosse “chumbo na malha”, como Lacan fala da
psicose, S1s fora da cadeia, não conversam, “o sol brilha sobre o campo de trigo”,
alguma coisa que vai entrar como uma base de sentido sem sentidos. No nosso jargão,
chamamos de nome do gozo.
Não lidamos só com coisas que podem ser agenciáveis, lidamos também com coisas que
estão sempre ali, podem ser ditas até, mas elas não têm sentido em si e não por isso são
significantes. “Um significante representa um sujeito para outro significante” e “O signo
representa alguma coisa para alguém”. Essa é a primeira definição de signo que Lacan
vai torcer e no seminário 20 ele faz nova leitura.
O primeiro exemplo que eu dei é, como seria o significante na história do fumante?
Lacan diz: “você chega numa ilha e vê fumaça, isto pode ser um significante, pode ser
um signo”. Retoma toda a teoria só com essa ideia. Isso é um significante? Pode ser, a
fumaça fala para o barco, dizendo, o barco e a fumaça, ilha + fumaça = alguém.
Ilha, mar do Atlântico, eu, barco, fumaça, alguém está fumando. Não tem alguém. Tem
o significado de que alguém está lá, esse é o jogo do significante. É isso que Lacan fala “
porque você pensa que a fumaça é sinal de fogo”, pensa que tem sinal de alguém lá .
Por que você pensa que tem alguém lá? Ele quis mudar o exemplo para dizer que ali há
um signo e se funcionar como signo vai funcionar com a certeza de que tem alguém. Ele
produz o significado mas eu não tenho certeza que tem alguém lá. Esse é que é o
problema da des-essencialização, eu consigo falar um monte de coisas diferentes de
você, mas parece que não estou te pegando ainda, você é um sujeito que foge. Essa é a
experiência da interpretação que pode ir ao infinito.
Aí Lacan fala: “a fumaça é o signo do fumante”.
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Eu posso dizer “se chegar uma fumaça ali”, está chegando um fumante”, esse é o
significado, a fumaça é aquela pessoa, um pouco diferente, mas ao mesmo tempo é
igual, porque todo mundo que fuma faz fumaça. Quando a pessoa traga e expele a
fumaça é um signo daquele fumante, que também pode ser tomado como um
significante, “a fumaça é o signo do fumante”, ou “a fumaça é um significante que indica
que o significado ao fumante”.
Transportando da ilha para o fumante, e, sempre intuitivamente, estamos falando do
gozo de alguém, quando estamos falando de fumaça numa ilha, podemos estar falando
de um monte de coisas.
A “fumaça numa ilha, pode dizer coisas que a pessoa fez, pode dizer que tem alguém
comendo, pode ser que alguém esteja dançando em volta do fogo, pode ser nada, mas
tem um sentido”. Fumaça + ilha eu decido que o sentido é; “tem alguém nessa ilha”.
Esse alguém é vazio. Esse é nosso sujeito no plano do significantente.
Fotos
No mundo em que tem um sujeito circulando, nós usamos a teoria do significante e vale.
Quando não tem muito sujeito, a teoria do significante nem sempre vai funcionar. Eu
estou procurando o sentido de alguma coisa que não tem. A pessoa é quem faz, é igual
ao Bispo, já está aí, temos que procurar em termos de signo, quando pensamos em
termos de signo vamos pensar no Mondrian, a pessoa quando chega com o signo, não
tem que procurar nada, já está ali, eu posso fazer alguma coisa com isso, mas não vou
procurar o que isso quer dizer. A fumaça como signo de gozo do fumante, é alguma coisa
com a qual trabalho e não alguma coisa que busco, enquanto que a fumaça da ilha, é o
que serve para eu buscar o sentido profundo, quem está lá.
Uma política do sujeito e uma política do sinthoma, o fazer diferente. A política de
buscar o melhor, o verdadeiro, o mais profundo, é uma boa política. Qual a política que
está aparecendo? Não sei, mas tem um monte de fazer politico que é “fazer com o que
está”, mas sabendo que o estar, está ali, se apresenta e você sustenta.
Na análise aparece essa dimensão. Normalmente, quando dissemos “quando você
conseguiu apresentar um monte de perguntas sobre o seu ser, chega num nome
qualquer, alguma coisa que nomeia este teu fazer, ou pelo menos você apresenta esse
fazer de alguma maneira, isso a gente diria que é letra de gozo, traço, nome. O que pode
fazer também é transformar isso numa insígnia, um signo fixo, com esse gozo. Na nossa
brincadeira seria aqueles AE´s que são apresentados só pelo nome de gozo deles e
acabou. Uma pessoa que passa a ser aquilo é a marca dela, e não mais deixa de ser
aquilo.
No capital também pode-se produzir uma insígnia, e a insígnia não se vende, para isso é
preciso ficar o tempo todo, colando nela, faz sentido?
Participante: Tem tudo a ver com os AAA: alcóolatras anônimos e outros.
Mark Zuckerberg é a insignia do Facebook, ele é o facebook. Ele pode se separar disso e
manter o fazer dele em outro lugar, vender o facebook ou pode passar a vida inteira só
com isso. A tendência de hoje é que as pessoas tendem a largar o seu gozo para fazer
outra coisa. A garotada vende a sua empresa e ganha milhões e depois não sabe o que
fazer. Outra opção é agarrar a empresa que você fundou e não largar nunca mais. A
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nossa é a terceira opção, “você tem esse nome, que na verdade é o nome do asilo, é
sem sentido, é mais para localizar esse gozo que você vai continuar fazendo”.
Insígnia é “você pegar o seu gozo e fazer dele um signo fixo”. E pode até vender.
Franchaise é um pouco isso “se você fizer o que eu sou”, você vai conseguir, mas nunca
consegue.
Participante: se agarra, tem alguma coisa de recuperar um pouco dessa identidade
significante.
No plano do sinthoma, você se insignificantizar é uma resistência.
Outra opção é ficar fazendo sem parar, sem saber o que está fazendo, trabalhando numa
empresa a vida inteira, como tantos sociólogos já criticam.
Casamento é uma insignia, não é mais um encontro que tem significado, “eu preciso
casar segundo o figurino para ser casado”. O casamento não tem mais essência.
Casamento se faz e desfaz.
As coisas passam a ter valor de insígnia. A foto é uma insignia, “eu fui”, eu estava lá, eu
sou. É por ai que vamos procurar a teoria da foto a partir da insignia ou fotos que são
letra, ou fotos que não são nada.
Se vocês acham que isso é compreensível, era preciso buscar imagens disso. Depois
retomamos o meu texto novamente. Retomamos a diferença em signo, significante,
insignia, letra, traços, nome e fotos clássicas de significantes.
Se alguém achar alguma foto que parece ser insignia, Francesca Woodman, fotógrafa
norte-americana, é o nome de gozo o que ela fez, parece ser totalmente aquilo, sempre
o corpo para todo lado. Ela é a política do sinthoma. Ela se suicidou com 22 anos.
Espero que alguém ache algo melhor. O que ela faz é uma fumaça do gozo dela, um gozo
esvoaçante que vai embora, mas está lá. É isso que é um fazer, digamos que é o que
estou dizendo que é do bem. Você encontra alguém que vai mostrar sempre a mesma
coisa.
Um sorriso num restaurante, o que é aquilo? Só uma insígnia. A não ser que alguém ache
que não. Poderíamos pegar a página de alguém no Facebook e ficar olhando. Fazer
alguma coisa nesse sentido é a minha proposta.
As fotos insignia, letra, traço, nome. As fotos do Man Ray são todas construídas como
objetos, fotos clássicas, dialogam. A foto mais famosa é da mulher violoncelo. As
lágrimas, são coisinhas que constroem a imagem da tristeza. Ele está triste ou não está.
Está. A tristeza é isso. Algumas lágrimas no olho, olhando para cima. Ele está sempre
desvelando para a gente que o significante é um jogo, o que importa é o sentido. Como
é que se agarra a uma certeza, não uma essência? Quando se tem o signo. Quis mostrar
que tem o signo duro: preto e branco de preferência e o signo fluído que é o da
Francesca.
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A clinica do sinthoma, clinica que não é do recalque, ela precisa de uma teoria do signo,
ela não pode ficar só com a teoria do significante.
Sublimação e fantasia
Uma coisa é, tem o objeto perdido e nesse lugar do objeto perdido você coloca o objeto,
cria uma arte, arte do Seminário 7 dentro da casa da fantasia, ainda. O paradigma é a
caixinha de fósforo de J. Prévert:
(...) fui fazer uma visita a meu amigo Jacques Prévert em Saint-Paul-de-Vence. Eu vi lá -
nao sei por que a recordação disso ressurgiu na minha memória - uma coleção de caixas
de fósforos.
Era uma coleção que se podia facilmente fazer nessa época, era talvez mesmo tudo o
que havia para se colecionar. Só que as caixas de fósforos se apresentavam desta
maneira - todas eram as mesmas dispostas de uma maneira extremamente graciosa que
consistia no fato de que, cada uma tendo sido aproximada da outra por um ligeiro
deslocamento da gaveta interior, se encaixavam umas nas outras, formando uma fita
coerente que corria sobre o rebordo da lareira, subia na murada, passava de ponta a
ponta pelas cimalhas e descia de novo ao longo de uma porta. Nao digo que ia desse
modo ao infinito, mas era excessivamente satisfatório do ponto de vista ornamental.
Nao creio, todavia, que isso fosse o principal e a substância do que esse colecionismo
tinha de surpreendente, e a satisfação que daí poderia obter aquele que era
responsável por isso. Creio que o choque, a novidade, do efeito realizado por esse
ajuntamento de caixas de fósforos vazias - esse ponto é essencial- era de fazer aparecer
isto, no qual talvez nos detenhamos demasiadamente pouco, é que uma caixa de
fósforos não é de modo algum simplesmente um objeto, mas pode, sob a forma,
Erscheinung, em que estava proposta em sua multiplicidade verdadeiramente
imponente, ser uma Coisa.
Em outros termos, esse arranjo manifestava que uma caixa de fósforo não é
simplesmente algo com uma certa utilidade, que nao é nem mesmo um tipo, no sentido
platoniano, a caixa de fósforos abstrata, que a caixa de fósforos sozinha é uma coisa,
com sua coerência de ser. O caráter completamente gratuito, proliferante e supérfluo,
quase absurdo, dessa coleção, visava, com efeito, sua coisidade de caixa de fósforos. O
colecionador encontrava assim sua razão nesse modo de apreensão que incidia menos
na caixa de fósforos do que nessa Coisa que subsiste na caixa de fósforos.
O que quer que se faça não se encontra isso indiferentemente em qualquer objeto. Pois,
se vocês pensarem bem, a caixa de fósforos apresenta-se, para vocês, como uma forma
vagabunda do que, para nós, tem tanta importância a ponto de poder adquirir, quando
for o caso, urn sentido moral, e que se chama gaveta. Aqui, essa gaveta liberada, e não
mais tomada em sua amplitude ventral, cômoda, apresentava-se com um poder
copulat6rio, que a imagem desenhada pela composição prevertiana estava destinada a
tomar sensivel a nossos olhos.
Pois bem, esse pequeno apólogo da revelação da Coisa para além do objeto mostra-lhes
uma das formas, a mais inocente, da sublimação. Talvez voces possam ver despontar aí
com que, meu Deus, a sociedade pode se satisfazer.
Se é uma satisfação, pelo menos nesse caso, e uma satisfação que não pede nada a
ninguem. (p, 143) 6
Ele pegava a coisa de colecionador dele, juntava as caixas e montava um grande objeto,
isso é como se ele tivesse dizendo, “tudo sobre o desejo dele de colecionador, de
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encaixar uma coisa dentro da outra”. Lacan diz, isso é sublimação, isso é colocar o objeto
no lugar da coisa, onde não tinha nada tem alguma coisa e se diz “tá aí o gozo do Prèvert,
e está o gozo de todo colecionador, ou talvez o gozo de todo obsessivo, talvez todo
mundo que pensa em sexo dessa maneira”, alguma verdade está revelada nesse objeto.
Não vai funcionar para todo mundo.
Forçando, é como se pegasse todos os celulares e pendurasse na parede, desde sempre,
já vi uma pessoa fazer isso. E se alguém conseguisse guardar seus celulares desde
sempre, guardasse todos e conseguisse colocar na parede, quando você fosse visita-lo
na casa dele isso ia ter um efeito, “caramba isso é a minha vida nos últimos quinze ou
vinte anos, cada um dos modelos, todos juntos e montados”, isso não é exemplo do
objeto no lugar da coisa? O exemplo do Lacan para a caixa de fósforo, era na Guerra, era
difícil fumar, cigarro custava caro, fósforo era uma coisa rara, ele foi guardando,
guardava as caixas porque elas tinham um valor, como os celulares, não tem valor
nenhum, mas tem um valor que a gente diz “sentimental”.
Participante: eu tenho dois celulares, para o caso de perder.
Fala dessa perdição! Esse exemplo é bom para fazer a passagem. Para que você colocar
o objeto no lugar da coisa, você tem que ter o objeto. O que você está dizendo é que
você é um pouco como um cidadão pós-moderno. Não tem mais relação com o celular,
nós somos velhos, talvez. O que importa é falar.
Isso aparece nas artes, “o que importa não é tanto aqueles objetos históricos com os
quais você se emocionou tanto”. Tem um fazer ali naquele meio, seu jeito de ser ou de
estar ou de fazer, é isso que conta, é isso que é o sinthoma. Tem alguma coisa que
estamos dizendo que a arte foi e que é “o que importa é o fazer”, nem tanto o objeto.
Começa com o urinol do Duchamp, que é o ato, mas ele coloca o objeto, depois
amplificamos na ideia da performance por exemplo, ou da instalação que é um
acontecimento, não importa o material, depois de desmembrar, perdeu, perdeu. Isso
vai crescendo até num ponto que terminamos da outra vez, que é um coletivo que faz
alguma coisa, quando ele faz, o que é que ele constitui, é um efeito que ele constitui? É
um efeito no tempo, nas pessoas que estão ali, não deixa nada, ou deixa muito pouco,
mas isso é a arte hoje, muita gente considera isso, arte. Não tem objeto, e não tem
alguém fazendo objeto também.. Lembram do exemplo do Ícaro? Aquele de São Paulo
que quando eu estou entrevistando ele diz “eu vou fazendo”, e eu perguntei: quando
acaba? Ele responde: acaba quando sai de mim. “Sai de mim, mas não vai para lugar
nenhum, ninguém compra”, ninguém pegou.
É preciso imaginar um coletivo, por exemplo, uma Ocupação, como a de São Paulo, três
ou quatro vão para a Ocupação e ficam fazendo o que for, depois vão embora. Isso é
arte, num certo sentido.
Podemos ver como o fazer artístico se aproxima muito do fazer político, fica difícil
distinguir um do outro, ao mesmo tempo, tentando ler, esse “fazer com”, como alguma
coisa que não se apresenta como objeto e deposs não pode ser vendido, parece com o
“fazer com” do sinthoma. Isso também acontece numa análise, “você fica fazendo com
o seu próprio jeito de fazer”, e não produzindo um saber para o seu jeito de fazer. É
muito difícil essa ideia de Lacan que é muito trabalhada nos passes. Estou propondo
retomar a ideia de um final de análise do Lacan no seminário 23 como uma orientação
para buscarmos as políticas hoje que são afins com isso.
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Fui encontrar isso na política das ocupações, ou na política dos artistas. Por isso “política
do sinthoma”. Não quer dizer que temos uma política do sinthoma, mas, quer dizer que
podemos procurar políticas que mexam com um fazer, mais do que um produzir, isso
acontece muito hoje, porque os objetos já não existem, é mais difícil fazer um objeto
que ficar com ele, é muito mais fazer no tecido social do que na coisa em si. As coisas
em si quase não existem mais, se pararmos para pensar, não tem coisas mai. Só temos
o lugar que se trabalha e que se faz.
Patrícia: uma moça que a obra de arte dela é ela bordar folhas e plantas, a questão
colocada é como o objeto fica. É um objeto que vira qualquer outra coisa, não tem
exatamente um autor só, não é ela quem faz, acontece.
Nos coletivos só aparece mais tarde, mas também nos indivíduos. A Joana César – aquela
que fez aquelas letras que estão na cidade - que estava entrevistando outro dia na PUC-
RJ, ela dizia, “eu era uma adolescente perdida, trancada no quarto, de mal com minha
mãe, comecei a escrever na parede, fazer tudo na parede, colocava, brigava com minha
mãe. Pegava a calça da minha mãe, cortava no sexo e colava na parede”, essa era a
relação dela com a mãe. Resolve sair e começa a pintar os muros da cidade, primeiro na
frente de casa, sentiu um furor ali, fazia a arte, a prefeitura pintava, vinha a Mãe Valéria
– uma mãe de santo - e colocava os cartazes dela, aí ela então desenhava em cima dos
cartazes da Mãe Valéria, ela entendeu que estava fazendo uma intervenção, junto com
a mãe Valéria e a prefeitura, é disso que estamos falando. Ela pintou a Perimetral que ia
ser demolida uma semana depois. Agora, pode-se pensar, ela é louca, ela não quer
deixar nada, o sentimento de deixar não é muito sentimento.
É a transmissão de alguma coisa.
Sublimação e escabelo
Voltando para a teoria lacaniana da sublimação, Lacan também pensa outra maneira de
sublimação com relação ao sinthoma e não mais com a fantasia. Essa sublimação com
relação ao sinthoma, ele usa muito o termo Escabelo, como vimos, e vamos talvez
traduzir por “banquinho’, é uma ideia que fica um pouco como se fosse vaidade, mas é
como se você agora fosse construir alguma coisa para subir nela, ao invés de colocar o
objeto no lugar da Coisa. Na verdade o que a arte está fazendo nesse mundo, já sem
objeto, é conseguir um jeito de estar “um pouco acima da multidão”, por isso fica
parecendo uma coisa de vaidade. Melhoramos e dizemos “é um saber que destaca”,
gostei dessa frase, é um fazer que destaca alguma coisa da geléia geral. Esse fazer que
destaca, não exatamente cria o objeto, mas alguma coisa se destaca.
Participante: as letras da Joana César?
Um fazer que destaca, ela mais ou menos destacando as letras e o muro. As letras
ficaram. Quando ela está pintando as letras para depois serem apagadas, quando ela
está jogando com o prefeito e com a Mãe Valéria, alguma coisa naquele muro está
ficando especial para ela, mas quando acabar o fazer acabou. É um fazer que produz um
destaque. Experimentem essa fórmula nas manifestações, para definir o que é a arte,
nesse sentido, para a gente, que é a sublimação e que talvez possa ser aplicada a arte,
vai funcionar para os artistas de hoje que não querem dizer o que é a arte. “Não sei se
é arte, tem um negócio que faço lá, eu faço porque preciso”, mas qual é seu objetivo?
“Nenhum, é só fazer”.
É como se libidinalizasse uma área, da cidade, da cultura, da experiência da pessoa.
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Participante: tem uma loja em Berlim que as pessoas grafitam essa loja e o grande
barato desse grafite – o grafite não é proibido, tem que pagar – é que ele pinta e deixa
os grafites que ele gosta. Tudo quanto é grafiteiro quer colocar alguma coisa na porta.
É uma loja pequena, querem colocar coisas nessa porta, para pintarem. Pintam coisas
ali e deixam lá. As pinturas que o dono da loja gosta e que vai ficar com várias alturas
de tintas, recortam, colocam outros grafites. Os grafites são feitos num atelier, eles são
colados, eles não são feitos na hora, porque não dá tempo. Feitos e as pessoas colam
nesse lugar para fazer suas artes.
Essa ideia de conversas várias intervenções que se anulam e que se dialogam, renovam,
poderia ser uma maneira de pensar a arte hoje.
Participante: tem um lugar também.
Mas poderia não ter, a questão é justamente como se faz um lugar. Nesse caso em uma
pessoa, uma loja, um lugar, mas podemos imaginar um grupo de pessoas que vão
fazendo uma coisa coletiva e isso vai criando um lugar, para tirar a instituição que é
prévia – a loja, a parede, ele – o gosto dele começa a interessar. Apagaria isso tudo e
ficaria mais com a ideia das conversas e das intervenções que vão produzir alguma coisa.
Forçando muito, uma situação: você está numa reunião, numa escola ocupada por
crianças, um lugar, um coletivo, todo mundo fala, ninguém tem mais poder do que
ninguém, e não tem voto, como se chega a um consenso? Chega, é só todo mundo ir
falando, falando, uma hora decide alguma coisa, outra hora outra, acaba chegando a um
consenso, isso é democracia, mas de outra maneira, não é democracia, é, mas não é
eleição, não é uma decisão que é tomada, não tem nenhum método para tomar uma
decisão, nem uma votação. Fala-se, fala-se até chegar a um consenso. Talvez possamos
dizer que seria uma canseira, mas não parece também com a ideia do ir fazendo,
fazendo, e tem uma hora que “uma coisa é” e dura o tempo que durar Isso é a leitura
do fazer artístico de algumas manifestações artísticas hoje, a partir da teoria do
sinthoma de Lacan.
Não é uma democracia representativa, se algum dia houver um funcionamento na base
do consenso, desse tipo, se isso pudesse se alastrar, acho que seria democrático..
Consenso é alguma coisa que precisa ser estudada ainda. É alguma coisa que está em
curso. Tem vantagem e desvantagens no consenso.
Participante: tem uma hora que vota.
Sem votar, estou querendo trazer a pureza da coisa, eu não sei se existe a possibilidade
de um grupo decidir só por consenso, mas é possível imaginar uma reunião em que se
decide por consenso, sem voto.
Participante: isso não se faz com palavra. Lembrando Miller, “o lugar e o laço”, o lugar
é escrito com esse laço, mesmo que seja disperso.
Aplicando nas situações de telefone, usa, usa, e o uso cria o laço, os telefones não
importam, mas tem um fazer ali que funciona, estou tentando reconhecer essas coisas
em vários lugares.
Participante: não é só o objeto, tem alguma coisa para tomar como objeto, mais é muito
fluido.
Isso. Não é porque alguém disse alguma coisa que agora vamos dizer: concordo,
discordo, não é objetalizar a palavra, não é o discurso quem vence, é uma situação muito
estranha para a gente, apresenta-se alguma coisa num certo momento, feita desse
fazer, uma coisa se destaca, e aí todo mundo diz: é isso.
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Participante: (inaudível) algo de laço, mas não exatamente transferência. Não é fazer a
votação, mas fazer proposta. Chegava num ponto em que todo mundo concordava em
fazer isso.
É estranho para quem está em outro lugar, mas para quem está na fantasia do mundo,
esse mundo tem mais importância do que outras, para quem está numa geléia geral,
quando você fala, fala, fala e chega a um consenso, isso é muito significativo. Não tem
objeto nenhum que vale, se tudo é liquido, se tem um fazer comum, é muito
significativo. Estou me lembrando do Foucault falando das contra condutas, talvez seja
a única maneira para se lidar com o capital, porque o capital faz tudo que pode vender.
Participante: acho que temos sido sugados por um corpo e esse fazer do mesmo.
O que é fundamental para que essa coisa funcione é que não tenha objeto, porque
qualquer objeto vira um ícone. Tem toda uma teoria que precisamos fazer, mas estou
fazendo intuitivamente, lembram das histórias das ocupações, qualquer uma que se
destacava, falava melhor, era todo um problema, porque ela queria aparecer ou não. Eu
li várias entrevistas de ocupações, como aquela experiência está traindo a experiência
se ela der muitas entrevistas, se alguém se destacar acabou, acabou o consenso. O que
a Globo faz é que ela quer iconizar alguém. De certa maneira o que eles estão querendo
é massificar. O que chamamos cultura de massa, é produzir ícones em massa. É uma
iconização generalizada que falando de outra maneira: isso se vende. Alguém falar
bacana, três minutos, se vende a pessoa e passa a ser um produto. Esse produto todo
mundo quer comprar e daqui a pouco tem outro lugar. A ideia de ir fazendo, fazendo,
sem entrevista, ou variar nas entrevistas, você sustenta esse fazer no tempo que der,
porque no final vai ter um produto, provavelmente.
Participante: o que quero questionar é isso: como é que se vende um bordado numa
folha? Achei essa discussão interessante porque temos um lucro, vende-se até o que
não pode vender.
Isso é antecipado pelo Bispo, por exemplo, por que o Bispo interessa a arte
moderna,porque ele juntava várias canecas, fazia uma samblagem, tem um
efeito, quando ele morre, o pessoal da Colônia pega as canecas para poder usar,
para eles aquilo não era nada, só um monte de canecas penduradas. Talvez para
o Bispo não fosse. Ele ficava fazendo sem parar, tem alguma coisa na gente que
é querer transformar o objeto que vem no lugar da Coisa, mas quem está
fazendo? O Bispo, que somos agora, não estão preocupados com o objeto que
estão fazendo, estão preocupados que porque estão fazendo, tem alguma coisa
acontecendo. Se vocês procurarem os relatos de passe, cada um dizendo o que
fez com o tal de gozo do sinthoma, é sempre um fazer e não uma produção, a
ideia é que depois vai continuar fazendo. Fazendo alguma coisa com aquilo, cada
vez é diferente. O que você faz exatamente não é tão importante como você
estar próximo de um fazer que é seu.
Participante: o Bispo queria fazer com todos os objetos do mundo.
Mas, você já está colocando o mundo. Ele não dizia assim “eu quero fazer todos
os objetos do mundo”, nada, é só confusão, ele falou isso uma vez, mas somos
nós que fazemos isso, cada um tem uma versão do Bispo que é uma historinha.
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Fez todo o sucesso, ele queria se apresentar a Deus e todos os objetos do mundo,
no dia do juízo final. Falou isso uma vez, agora, se perguntasse para ele, ele dizia,
“mas eu sou Deus”. Mas como você vai se apresentar para Deus? Eu sou os dois,
ele respondia. O mundo do Bispo era muito mais as onze células que ele tinha,
ou o fazer dele, do que o mundo que ele ia apresentar para Deus no juízo final.
Nesse sentido, ele seria pós-moderno. Se a gente comprar o Bispo como
delirante, aí ele é moderno.
Eu estou usando o Bispo para “pensar o que alguém fazia e issoparece conosco,
quando nós somos pós-modernos.
Participante: O fim do mundo começou nos anos 70? E agora o que tem de
diferente dos anos 70?
O fim do mundo começou desde que nascemos. O que você falou é importante.
Vou esquematizar. Eles estavam fazendo contra o mestre, um coletivo contra o
mestre, esse coletivo era para calar a boca do mestre, “eu não preciso do
mestre”, eu não preciso de ninguém decidindo nada, podemos decidir
coletivamente, isso aí é no mundo e na psiquiatria também, contra o Mestre. E
agora? Quando estão fazendo é contra o mestre? Não tem mestre. O caso das
Escolas é bom, porque tem mestre. No caso de São Paulo, eles estavam brigando
era com o Geraldo Alkimin, o governador? Era e não era. Eles estavam brigando
era contra uma maneira da Escola ser, o discurso do mestre.... Tem esse discurso,
mas era muito mais com o “fazer a nossa Escola”, do que “fazer a Escola que não
nos deixam fazer”, e essa nossa Escola, não era contra nada, tem alguma coisa
disso, mas é secundário. Se fosse nos anos 70, isso ia ser primário. Quando você
falou, anos 70, generalizou.
Participante: eu vivi quando criança o “vamos fazer uma nova comunidade,
nova Escola. Tudo bem que tinha uma oposição ao sistema. Era mais definido.
Tinha a coisa do fazer”.
Mas eu poderia responder como um mestre, dizendo, “tem um mestre moderno
e um mestre contemporâneo, o mestre moderno é o capital e o contemporâneo,
é o mestre, podemos falar essas coisas, mas podemos experimentar. Esses
fazeres são os fazeres que são possíveis quando o mestre não está. Enquanto
que quando o mestre está eles também são possíveis, mas agora, talvez a única
coisa possível a fazer é contra o capital. Confuso.
Participante: acho que temos um problema, aquilo que era dinheiro, acaba
virando um produto. Dinheiro é produto também. Como fazer para não ser um
produto? Você faz uma Escola?
As escolas ditas comunitárias, construtivistas, são produtos?Isso acontecia nos
anos 70?
Participante: acontecia mais uma oposição, era mais clara.
Vou fazer de outra maneira: vamos procurar ler como se fosse diferente, porque
talvez seja mais rico. Não temos certeza se era diferente? É o comunitarismo de
hoje e o comunitarismo dos anos 70.
Participante: podemos ver que esse é um momento em que isso se
institucionalizou e essa experiência que você está falando, acabou.
Eu diria assim: “nos anos 80, fui para uma comunidade branca”, aquele negócio
era para durar, o que as pessoas diziam dessas experiências era “tem que ser
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precário, era para que aquilo se transmitisse, mesmo se desse errado, mas que
continuasse”, a ideia era fazer uma revolução. Se todo mundo fizer, o mundo
muda. Ninguém está pensando isso agora. Um exemplo das Ocupações, com a
ideia dos meninos, de revolução, mas quando perguntamos qual é a ideia geral
eles nem sabem dizer direito “é ali, tem uma luta local para vencer, e vou ajudar
a sociedade”. Estou colocando palavras na boca das crianças. Vamos pegar por
exemplo um coletivo artístico: eles não querem durar. Eles querem só fazer e
acabou.
Participante: coletivo artístico eu consigo pensar. Teve algum momento que a
questão se apresentou para eles também: a liderança.
Vou tentar defender: depois que acabou, todos dizem “foi excepcional, mudou
minha vida”, isso é o mais importante . Ninguém está frustrado, falando “que
pena, nossa luta foi destruída”, tem, alguns, é claro, mas o clima geral é “aquilo
já valeu para mim”, e não “aquilo valeu para a sociedade”, é diferente! As
pessoas dos anos 70,que somos nós, tem devem ter ficado decepcionadas
porque nada deu certo. A gente queria que as escolas ocupadas dessem uma
revolução. Tem uma cena famosa dos anos 70 que Wladimir Palmeira, com 18
anos manda: “senta todo mundo! ”, todas as damas da classe média sentam na
Cinelândia para ele falar. As pessoas sentaram, porque naquela hora ele era o
futuro, ele era a revolução. E agora? Não conseguimos fazer isso com o pessoal
das Escolas.
Participante: pode ser que eu esteja sendo romântica, mas ainda tem uns
movimentos assim. MST, por exemplo. Fazem uma certa oposição.
Tudo está acontecendo ao mesmo tempo. Estamos tentando buscar a politica do
sinthoma nas suas especificidades. Então, eu me aproximo das manifestações
artísticas, já deixo as Ocupações de lado, porque realmente é mais complexo,
mas não para idealizar também, mas para pensarmos que conversa é essa e quais
as políticas afins que poderiamos aproximar da psicanálise?
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não acha espaço. É nesse sentido que a política do sinthoma se apresenta como uma
possibilidade, de fazer em espaços sem objetos perdidos.
Quais são as políticas que fazem coisas, nesse mundo sem o objeto perdido? Só o objeto
achado, comprado?
Então fomos para as artes, a teoria da sublimação, Lacan, seminário 23, Joyce com
Lacan. Essa é a ideia de destacar alguma coisa, destacar é fazer, fazer, fazer, até que
alguma coisa se destaque, depois você pára de fazer, ela se destaca, aí você faz outra
coisa, ou fica ali fazendo, é isso que Lacan diz que o Joyce fez, ele fez o escabelo, fez o
banquinho, fez alguma coisa, não com a arte dele, no sentido que era ser um grande
nome. Foi a mesma história do Bispo, todo mundo compra Joyce com a ideia de que ele
queria ficar famoso, escrever para os universitários se ocuparem por mais de trezentos
anos, vocês acham que o Joyce escrevia pensando assim? Ele escrevia fazendo outra
coisa, ele queria destruir alguma coisa ali, arrebentar as línguas, atravessar todas as
línguas. Esse era o sinthoma dele, com esse gozo ele fez um nome, fez um banquinho,
construiu um lugar de destaque na cultura para ele, .O fazer com o sinthoma de Joyce ,
serviu para ele como estabilização, mas o “fazer” é que é a questão.
Rafael: daria para pensar isso com o que você estava falando da carta roubada.
Retomada da carta, não da carta roubada, mas do “aviso ao leitor japonês’, que está nos
Escritos, depois ele retoma a história do rei e da rainha, já pensando nestas coisas e
então a carta não é mais aquilo que foge pela casa. O que está escondido ou mal
escondido, a carta é uma área, é parecido com essa história do fazer, mas teria que
retomar.
Como tratar esse objeto, que não é objeto, essa coisa que vai sendo construída, essa
coisa que é o objeto de arte, e depois isso que é “um grupo sintomático”, como a
Ocupação. Vamos pensar isso com relação a cultura, o que é isto? Vai servir a nossa
teoria do objeto, vai servir a nossa teoria do significante? Vai servir a nossa teoria da
fala, da escrita?
1
LACAN, j. O Seminário, Livro 23: O Sinthoma (1975-76). Rio de Janeiro: JZE. (2007)
2
Versão remanejada do original publicado em em Scilicet - Sinthoma e Semblantes, São Paulo, EBP, 2009,
p. 336-340 (ISBN-978-85-63061-003).
3
https://www.youtube.com/watch?v=J2six-GgglM
4
MILLER, Jacques Alain.Los signos del gozo. Los cursos psicoanalíticos. Paidós. 1986.
5
LACAN, Jacques. O Seminário 20: mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
6
LACAN, j. O Seminário, Livro 7: O Sinthoma (1959-60). Rio de Janeiro: JZE. (1997). P.143.
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