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ISSN: 0103-8427
cadernodegeografia@pucminas.br
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Brasil
Leisure and water quality for recreational use: a historical overview of water contact
recreation use in society
Resumo
Apesar da importância social e econômica do uso recreacional das águas para a sociedade, os espaços
disponíveis para a referida prática estão cada vez mais escassos devido à redução dos ambientes
naturais, especialmente em áreas urbanas. Além disso, aqueles restantes são ameaçados por fontes de
poluição diversas, expondo os usuários aos riscos do contato com águas contaminadas.
Especificamente no caso de países tropicais, como o Brasil, constata-se uma precariedade de
programas de monitoramento e gestão de balneabilidade em águas doces, cuja atual metodologia está
limitada a critérios que não permitem uma avaliação ampla do uso recreacional, desconsiderando
aspectos estéticos e fatores de riscos físicos. Deste modo, este trabalho visa levantar e discutir
aspectos relacionados à importância histórica do uso recreacional das águas ao longo do
desenvolvimento da sociedade, haja vista a reconhecida relevância como um dos usos mais nobres
das águas e cada vez mais ameaçado pela degradação ambiental.
Abstract
Despite the social and economic importance of the recreational use of waters for society, the available
spaces for this practice are increasingly scarce due to the reduction of natural environments, especially
in urban áreas. In addition, those remaining are threatened by several sources of pollution, exposing
users to the risk of contact with contaminated water. Specifically in tropical countries, such as Brazil,
there is a lack of programs for monitoring and management of recreatonal water use in freshwaters,
whose current methodology is limited to criteria that do not allow a wide evaluation of recreational
use, disregarding aesthetic aspects and physical risk factors. Thus, this work aims to raise and discuss
aspects related to the historical importance of the recreational use of water throughout the
development of society, given the recognized relevance as one of the noblest uses of water and
increasingly threatened by environmental degradation.
Keywords: Leisure, water quality for recreational use, human health risks.
1. INTRODUÇÃO
Não há dúvida de que a situação atual do abastecimento de água em estados como São Paulo
e Minas Gerais é preocupante. Em primeiro lugar por evidenciar o descaso dos agentes públicos na
gestão da água. Segundo, por conta do risco de escassez e do comprometimento da qualidade da água
distribuída, uma vez que o apelo ao racionamento tende a gerar efeitos não esperados, como estoque
e captação irregulares. Terceiro porque a má gestão tem sido tratada pela imprensa e pelo poder
público como crise, o que leva a distorções sobre os reais motivos da falta de água e, principalmente,
das soluções possíveis para o enfrentamento do problema da falta de abastecimento.
Nesse caso, a transferência para o indivíduo da responsabilidade de resolver o problema da
falta por meio de mudanças em seus hábitos cotidianos, pode ser vista de maneira temerosa. Isso não
quer dizer que o uso racional e consciente da água não seja importante, mas que os principais
problemas são de cunho político, e como tal, devem ser tratados. Assim, o racionamento tende a
incidir não só sobre os usos inadequados de uso da água potável, como lavar calçadas, mas também
sobre as formas recreacionais. Dentre os diversos usos possíveis das águas, a recreação de contato
primário sempre esteve presente na cultura humana, sendo considerado como um dos usos mais
nobres, devido à sua importância social, bem como os requisitos de qualidade da água demandados
(VON SPERLING, 2003).
O crescimento populacional e a expansão das cidades, associada a políticas públicas ineficazes
ou ausentes, tem tornando as cidades cada vez menos acolhedoras ambientalmente para a ocupação
humana, devido à redução das áreas verdes e espaços de recreação (LONDE e MENES, 2014). Neste
contexto, Barton e Pretty (2010), determinaram que apenas cinco minutos de exercício em áreas
naturais, é suficiente para trazer melhorias à saúde mental (humor e autoestima) destes indivíduos, o
que demonstra os benefícios imediatos da recreação em áreas verdes.
Mesmo com os reconhecidos impactos positivos sobre a qualidade de vida da população, as
áreas de lazer e espaços naturais remanescentes em áreas urbanas, os problemas ambientais urbanos
geralmente atingem maior amplitude, notando-se concentração de poluentes no ar e na água, a
degradação do solo e subsolo, em consequência do uso intensivo do território pelas atividades urbanas
(LOMBARDO, 1985).
Além supressão dos elementos naturais do ambiente urbano, os remanescentes sofrem com o
crescente processo de degradação, como o caso dos cursos d´ água urbanos que, na maioria dos casos,
são de fato drenagem de esgotos domésticos e industriais, gerando repulsa na população, ao invés de
contribuir para a harmonia paisagística e como opção de recreação em contato com as águas. Esse
quadro remete a um conto, no qual a rainha Vitória, durante uma visita a Trinity College em
Cambridge, pergunta ao condutor, ao olhar sobre a ponte, “ O que são aqueles pedaços de papel
flutuando rio abaixo? ” obtendo como resposta: “Aqueles Madame, são notícias de que o banho é
proibido” (Raverat, 1969 apud Weiner e Matthews, 2003).
Considerando o contexto acima exposto, este trabalho tem por objetivo levantar e discutir
aspectos relacionados à importância histórica do uso recreacional das águas ao longo do
desenvolvimento da sociedade, haja vista a reconhecida relevância como um dos usos mais nobres
das águas e cada vez mais ameaçado pela degradação ambiental.
Nas diversas sociedades, ao longo da história, os recursos hídricos sempre tiveram uma
importância fundamental em praticamente todas as atividades econômicas e sociais desenvolvidas. A
crescente diversificação das atividades antrópicas em função do desenvolvimento econômico e social
implica em uma maior demanda por água em qualidade e quantidade suficiente para atender aos mais
diversos usos, tais como: abastecimento doméstico, abastecimento industrial, irrigação,
dessedentação de animais, função ecológica de preservação de fauna e flora, criação de espécies,
geração de energia elétrica, navegação, paisagismo, diluição de resíduos, recreação e lazer.
Quanto às formas de utilização, os usos da água podem ser classificados como: consuntivos,
não consuntivos e locais. O primeiro termo refere-se aos usos que implicam na retirada da água do
corpo hídrico, diminuindo a sua disponibilidade local e temporal. No segundo, não há perdas entre o
volume retirado e o que retorna à fonte de suprimento. Já o último, refere-se aos usos em que o
aproveitamento da água é realizado no próprio corpo hídrico, sem que haja qualquer alteração
significante na sua disponibilidade (DERÍSIO, 2007; LANNA, 2001).
No entanto, em algumas atividades não consuntivas e locais, apesar de não haver perdas
quantitativas nos corpos d’água, as águas podem ser contaminadas em virtude de certos usos. De
acordo com Meybeck e Helmer (1996), atividades como a navegação e a recreação, embora não
provoquem alterações no regime hidrológico do ambiente aquático, resultam em deterioração da
qualidade da água.
Cada objetivo de uso atribuído aos corpos d’ água demanda requisitos específicos de qualidade
da água, tendo em vista que os níveis de qualidade exigidos variam para cada finalidade pretendida
(VON SPERLING, 2005). No entanto, Derísio (2007) ressalta que a qualidade da água deve atender
principalmente às exigências de saúde pública.
O uso da água, para fins de recreação, pode ser considerado como um dos mais nobres, devido
à sua importância para a cultura humana, notadamente em sociedades que associam o contato com
água a um simbolismo religioso. Neste contexto, Von Sperling (2003) destaca a vinculação dos
banhos com os aspectos religiosos, especialmente na cultura oriental, representada pelo budismo,
taoísmo e hinduísmo. Nestas religiões, as orações e diversas cerimônias, muitas vezes, são realizadas
junto à água, reforçando a importância dos ambientes aquáticos nessas sociedades.
As principais modalidades de utilização da água para fins de lazer estão relacionadas ao lazer
contemplativo, pesca, navegação e o lazer em contato com as águas. Vale ressaltar que a definição
usual de lazer é particularmente interessante para o debate aqui proposto. Lazer comumente é
associado às atividades desenvolvidas após a jornada de trabalho, depois de se ter cumprido as
obrigações do cotidiano. Às vezes lazer é confundido com ócio, que por sua vez aparece com o sentido
de não fazer nada. São representações que se contradizem e que não dão a dimensão apropriada do
conceito de lazer. Etimologicamente a palavra lazer está ligada ao latim, designando o que é lícito,
permitido.
Nesse sentido, o lazer se distancia do ócio, na medida em que o segundo remete às virtudes
que enobrecem o cidadão. O lazer por sua vez aparece como mecanismo importante de manutenção
da ordem, dado que é uma forma de regular a vida dos sujeitos fora do ambiente de trabalho.
Tal perspectiva, ganha força ao longo do século dezenove com a expansão da sociedade
urbana e a industrialização. A sociedade industrial exigia cada vez mais do trabalhador que suas
energias fossem canalizadas para o aumento da produtividade, sendo que o tempo livre deveria ser
usado para atividades lícitas, que não consumisse a energia do trabalhador. Em suma, o tempo livre
era importante para a recomposição da força de trabalho (MARX, 2013).
Por outro lado, a urbanização crescente permitiu o desenvolvimento de uma série de atividades
nas cidades que se contrapunham ao lazer. Diversas atividades consideradas ilícitas seduziam
trabalhadores e não trabalhadores para vivenciar prazeres preguiçosos e, às vezes, perigosos. A
prostituição, jogatina, as artes consideradas vulgares, a bebedeira e a poesia de rua, passaram a serem
consideradas atividades ilícitas na medida em que desviavam a energia do trabalhador para outra
coisa que não a produção. Nesse sentido, a fronteira entre o lícito e o ilícito se estabelece mediante
um contexto específico, as atividades consideradas de lazer e o que é tratado como vadiagem depende
dos mecanismos de controle (FOUCAULT, 2008) preponderantes de uma determinada época.
O lazer contemplativo refere-se à função de harmonia paisagística exercida pelos ambientes
aquáticos. O entorno de rios, lagos e represas estimula a realização de atividades diversas, tais como
caminhada, corrida, ciclismo e também para práticas de educação ambiental para jovens e adultos.
Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos concluem que a existência de um corpo d’água urbano
diminui a criminalidade ao reduzir a agressividade e melhora consideravelmente o problema de
dificuldades escolares (ADD-Attention Deficit Disorder) em crianças. Além disso, já na época do
Império Romano, o uso decorativo da água, representado por fontes domésticas e relógios de água
(clepsidras), era considerado um sinal de prosperidade (VON SPERLING; VON SPERLING, 2010).
3. LAZER E BALNEABILIDADE
Durante o século XIX, a jornada de trabalho alcançava até 16 horas diárias, o que, acrescido
do tempo despendido com transporte e trabalhos domésticos, praticamente, inviabilizava a prática do
lazer pelos assalariados (GOMEZ, 2006). Naquele contexto, o surgimento de movimentos como o
“Cartismo” contribuiu para a melhoria das condições de trabalho da classe operária e,
consequentemente, para a redução da jornada de trabalho (MIRANDA et al., 2009). A melhoria nas
(...) A influência do meio urbano e industrial faz aparecer novas raridades: o espaço
e o tempo, a verdade, a água, o silêncio. Determinados bens, outrora gratuitos e
disponíveis em profusão, tornaram-se bens de luxo acessíveis apenas aos
privilegiados, ao passo que os bens manufaturados ou os serviços são oferecidos em
massa (BAUDRILLARD, 2007 p. 50).
ao lazer, destaca-se a demanda por lazeres que proporcionem experiências diretas e participativas,
capazes de causar sensações e emoções novas ao consumidor (turista), ávido por quebrar sua rotina
cotidiana.
Nas últimas décadas, o turismo ganha espaço de destaque como atividade econômica,
consolidando-se como setor produtivo responsável por aumentos consideráveis no PIB de vários
países. Lage e Milone (2000) destacam a importância do turismo na economia mundial,
correspondendo a 11% do PIB mundial total já no ano de 1999. Dentre seus diversos ramos, o
ecoturismo apresenta-se como o segmento que mais cresce no mundo. Conforme a Organização
Mundial do Turismo, enquanto o turismo cresce 7,5% ao ano, o ecoturismo cresce mais de 20%
(UNWTO, 1995).
Segundo Kinker (2002), entre os segmentos turísticos atuais o ecoturismo é relativamente
novo e estabelece, em seus conceitos, a experiência educacional interpretativa, a valorização das
culturas locais e também a conservação da natureza. Entretanto, a presença de visitantes acarreta
impactos, demandando a aplicação de conceitos de sustentabilidade nas ações da indústria do turismo.
Deste modo será garantida a maximização dos impactos positivos, a redução e o controle dos
negativos, de forma a desenvolver uma postura de desenvolvimento consciente que considerará não
somente interesses econômicos, mas também fatores ambientais e sociais.
O ecoturismo é definido como um segmento da atividade turística que utiliza, de forma
sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma
consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das
populações envolvidas (EMBRATUR, 2002). O ecoturismo é uma atividade que privilegia as
paisagens naturais e a inter-relação entre os seres que as compõem (JACK, 2005).
No Brasil, o turismo voltado aos atrativos paisagísticos naturais é fortemente relacionado às
águas, sendo que, nas últimas décadas, as praias de águas doces ou salgadas têm sido bastante
utilizadas como refúgio e descanso das pressões da vida moderna (BIELLA; VALENCIO, 2003).
No entanto, a utilização das águas para fins recreacionais no Brasil também pode ser verificada
anteriormente à colonização europeia. Conforme ANA (2007), as águas de rios riachos, igarapés,
igapós e lagos sempre estiveram presentes na mitologia dos povos indígenas, em que a água estava
diretamente relacionada às suas origens, sendo o hábito de utilizar as águas de tais ambientes para o
banho, um traço marcante da cultura indígena brasileira.
A utilização recreacional das águas sempre se fez presente na cultura humana nas mais
diversas civilizações, sendo os primeiros registros verificados na época do império egípcio (3.000
a.C.), onde este uso da água era exclusividade de uma casta nobre. Nos primórdios da civilização
grega, o filósofo Tales de Mileto (625-556 a.C.) apontava a água como sendo a origem de todas as
coisas, atribuindo a esta substância um poder divino. Neste contexto, merece destaque a clássica obra
de Hipócrates (460-377 a.C.), “Tratado das Águas, do Ar e dos Lugares”, na qual é feita uma apologia
aos benefícios provenientes do contato com a água, o que também foi corroborado por outros filósofos
contemporâneos, tais como Platão e Aristóteles (VON SPERLING; VON SPERLING, 2010).
Entretanto, os referidos autores apontam que foi durante o império romano que a utilização
recreacional das águas ocorreu de uma forma abrangente e disseminada, através da utilização dos
banhos e termas pela população em geral. Tais atividades eram realizadas normalmente no período
noturno, quando as termas funcionavam também como centro de convívio social, proporcionando
descanso e relaxamento para todas as classes sociais, à exceção dos escravos.
No entanto, mudanças culturais e religiosas na sociedade ao longo do tempo influenciaram
diretamente no status quo da relação do homem com o lazer, e consequentemente na valorização da
utilização da água para fins recreacionais. Manifestações religiosas influenciaram na relação do
homem com a água para limpeza corporal, haja vista que, em algumas culturas (egípcios,
mesopotâmios e hebreus), as pessoas se mantinham limpas para se apresentarem puras aos deuses
(ROSEN, 1994). Já na época medieval, as crenças apontavam para o fato de que a sujeira seria uma
das virtudes da santidade e que não haveria necessidade de se lavar o corpo com frequência (VON
SPERLING; VON SPERLING, 2010).
Na Europa medieval (500 a 1500 d.C.), havia duas práticas relativas à recreação com as águas:
os banhos públicos e os banhos privados. Durante o século XIII, as casas de banho de vapor e de água
eram utilizadas para fins de higiene e prazer. No entanto, a presença de comida, bebida, música e
mulheres nas casas de banho, levaram-nas a serem caracterizadas, cada vez mais, como um centro de
divertimento que, com a disseminação da sífilis ao final do século XV, foi desaparecendo do cenário
das cidades medievais (ROSEN, 1994).
No Brasil colonial, as casas de banho, costume tipicamente europeu introduzido pela elite, se
tornou um hábito e uma necessidade enquanto perdurou o problema do abastecimento de água.
Devido à Revolução Técnica, Científica e Social de meados do século XIX, a água passa a chegar
através de canos, anulando a figura das casas de banho, das águas conduzidas por escravos e dos
chafarizes (ANA, 2007).
Com o acometimento de um surto de peste na Europa, entre os séculos XVI e XVII, os banhos
coletivos e os privados, praticamente, foram abolidos da sociedade. A água era considerada uma
substância ativa, um meio dinâmico, que age sobre o corpo e o penetra antes mesmo de lavá-lo,
acarretando danos à saúde. Neste período, a prática do banho era vista como um fator determinante
para o acometimento de enfermidades, em especial a “peste”, pois se acreditava que a água e o calor
engendrariam fissuras na pele, através das quais a peste se instalaria. Além disso, a abertura dos poros
exporia os órgãos ao ar infecto (VIGARELLO, 2002).
Mesmo com este tipo de pensamento dominante na Europa, as práticas higiênicas associadas
à hidroterapia eram recomendadas em alguns casos, como no tratamento da cor da icterícia e de certas
congestões. Entretanto, na maioria dos casos, os banhos eram vistos como uma ameaça ao
rompimento de um equilíbrio corporal, que conforme Vigarello (2002, p.23), “banhos e estufas e suas
sequelas, que aquecem o corpo e os humores, que debilitam naturalmente e abrem os poros, são causa
de morte e de doença”.
Conforme o referido autor, até o século XVII, os males proporcionados pelo banho são
estendidos a transmissões contagiosas, como as sifilíticas e outros riscos diversificados. Desta
maneira, a cultura em geral manifestava-se pela prevenção contra a água, embora a prática da limpeza
não fora excluída, sendo feita através da fricção da pele com panos brancos.
Em meados do século XVIII, a imersão e o contato com a água passam a ser encarados como
uma prática possível, tolerada para alguns, em virtude da peste e outras doenças não serem mais tão
recorrentes. A partir deste período, o banho frio, incluindo-se aquele praticado em rios, passa a ser
visto como uma modalidade revigorante e estimulante para o corpo, em função de seus “efeitos
salutares”. Algumas instituições de ensino francesas, nos últimos anos do século XVIII, passam a
levar seus alunos para se banharem no rio Sena durante o verão. Além disso, a natação passa a ter um
símbolo de status, com público selecionado, devido ao elevado preço cobrado pelas escolas de
natação (VIGARELLO, 2002).
Embora de forma precária, a relação água e saúde já era conhecida em algumas culturas que
adotavam sistemas de saneamento como, por exemplo, a presença de banheiros e sistemas de coleta
de esgotos nas edificações de uma civilização que habitou o norte da Índia há aproximadamente 4000
anos (ROSEN, 1994). O autor ainda aponta que, na Grécia antiga (400 A.C), Hipócrates em sua obra,
Água, ar e lugares, orientava os cidadãos a utilizarem somente águas puras e a manterem distância
das águas sujas.
No império romano, em relação ao aspecto de qualidade de água para banhos e também para
o consumo humano, considerava-se que a água deveria apresentar poucos depósitos após fervura
(conceito de sólidos em suspensão), não deixar traços fluindo sobre bronze (conceito de
corrosividade) e permitir que os legumes pudessem ser cozinhados rapidamente (conceito de águas
brandas) (VON SPERLING; VON SPERLING, 2010).
No entanto, não havia instrumentos ou técnicas que permitissem a estas culturas identificarem
os organismos patogênicos, bem como quantificarem o nível de contaminação, sendo esta avaliação
da qualidade das águas feita, possivelmente, a partir de parâmetros sensitivos, tais como odor, gosto
e transparência.
O desenvolvimento desta área do conhecimento teve seu início com os relatos de Robert
Hooke e Anton van Leeuwenhoek, que desenvolveram microscópios que possibilitaram as primeiras
observações de bactérias e outros microrganismos a partir da análise de diversos espécimes
biológicos, já no século XVII (GEST, 2004). À época, Leeuwenhoek descreveu as formas hoje
conhecidas como cocos, bacilos e espirilos, mas não chegou a estabelecer possíveis relações entre
estes seres microscópicos e doenças (ROSEN, 1994).
Ao final do século XIX, a microbiologia pasteuriana foi capaz de transformar, a partir de
1870-1880, a percepção da limpeza relacionada ao banho. Apesar de precárias, as pesquisas
demonstraram a importância da limpeza da pele para a proteção contra germes, conferindo assim, um
novo significado ao banho.
Desta forma, a partir do desenvolvimento de um conhecimento microbiológico preliminar, o
banho e o contato com a água passam a representar uma nova conduta de higiene, além do início da
preocupação com a contaminação das águas de fontes públicas e suas implicações na saúde pública.
As implicações do uso de água contaminada e seus efeitos na saúde humana ficaram
evidenciadas, sobretudo, a partir dos estudos de John Snow, que, em 1854, comprovou a associação
entre a incidência de cólera e águas de abastecimento por esgotos sanitários em Londres. A
comprovação dessa relação entre microorganismos e processos saúde/ doença tornou-se um marco
no surgimento da epidemiologia (PEREIRA, 2008; RADICCHI; BARBOSA, 2008).
Como a atividade recreacional de contato primário é comumente desenvolvida por longos
períodos de exposição corporal com as águas, há riscos de ingestão de volumes significativos de água
e de comprometimento da saúde corporal em função de condições inadequadas de qualidade da água
(LOPES, 2012). Neste sentido, os primeiros estudos relacionados à incidência de doenças com o uso
recreacional das águas foram elaborados pela American Public Health Association na década de 1920,
através do trabalho de Simons e colaboradores em 1922, que buscava determinar a prevalência de
doenças infecciosas que poderiam ser transmitidas pelo contato recreacional com as águas (POND,
2005).
No entanto, os riscos de doenças associadas à prática da atividade recreacional têm sido
efetivamente investigados desde a década de 1950, através da publicação de diversos estudos
epidemiológicos até os dias de hoje. Baseando-se nestes tipos de estudos, a U.S. Environmental
Protection Agency publicou o primeiro guia (U.S. EPA, 1986) com diretrizes para o uso recreacional
de ambientes aquáticos, no ano de 1986 (WADE et al. 2003). As recomendações, bem como os
valores de referência para classificação da qualidade das águas para fins recreacionais, foram
estabelecidas a partir da associação entre indicadores de contaminação fecal e infecções
gastrintestinais observadas em banhistas, verificadas nos estudos epidemiológicos correlatos.
5. CONCLUSÃO
Apesar da importância social e econômica do uso recreacional das águas para a sociedade,
constata-se uma precariedade de programas de monitoramento e gestão de balneabilidade em águas
doces, especialmente no caso de países tropicais, como o Brasil, cuja atual metodologia está limitada
a critérios que não permitem uma avaliação ampla do uso recreacional, desconsiderando aspectos
estéticos e fatores de riscos físicos. Mesmo com a crescente restrição ao uso de áreas de lazer públicas
e sua mercantilização, o monitoramento e gestão de balneabilidade em águas doces tem se revelado
precário, mesmo no setor privado.
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