Art Esp Raí Vieira Soares
Art Esp Raí Vieira Soares
Art Esp Raí Vieira Soares
Trindade-GO
2024
RAÍ VIEIRA SOARES
Trindade-GO
2024
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Com base no disposto na Lei Federal nº 9.610/98, AUTORIZO o Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Goiano, a disponibilizar gratuitamente o documento no Repositório Institucional do IF
Goiano (RIIF Goiano), sem ressarcimento de direitos autorais, conforme permissão assinada abaixo,
em formato digital para fins de leitura, download e impressão, a título de divulgação da produção
técnico-científica no IF Goiano.
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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
DECLARAÇÃO DE AUTORIA
Eu, Raí Vieira Soares, CPF: 052.498.793-90, devidamente matriculado no curso de Pós-
Graduação Lato Sensu em Educação e Trabalho Docente do Instituto Federal Goiano –
Campus Trindade, declaro a quem possa interessar e para todos os fins de direito que:
1. Sou o legítimo autor do artigo cujo título é: “Atualidade do pensamento educacional de
Florestan Fernandes”.
Declaro-me ainda ciente que se for apurada a falsidade das declarações acima, o artigo será
considerado nulo e a homologação do diploma, porventura emitido, será cancelada,
podendo a informação de cancelamento ser de conhecimento público.
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Assinatura do Aluno(a)
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INSTITUTO FEDERAL GOIANO
Campus Trindade
Av. Wilton Monteiro da Rocha, S/N, Setor Cristina II, TRINDADE / GO, CEP 75380-000
(62) 3506-8000
ATUALIDADE DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE FLORESTAN
FERNANDES
Resumo
A realidade brasileira é permeada por históricos dilemas educacionais que se particularizam
na dinâmica do capitalismo dependente. Nesse sentido, o presente artigo trata da atualidade do
pensamento educacional do sociólogo, professor, intelectual-militante Florestan Fernandes.
Tem como objetivo refletir sobre a atualidade do pensamento educacional de Florestan
Fernandes para pensar os desafios da educação pública na contemporaneidade. Orientado pelo
método materialista histórico-dialético, a pesquisa de natureza qualitativa se baseou em
pesquisa bibliográfica sobre o pensamento educacional de Florestan Fernandes e de artigos
publicados nos periódicos científicos da área de educação que sejam fundamentos no
pensamento florestiano. Com isso, demonstrou-se a atualidade do pensamento sociológico e
educacional do autor e as múltiplas possibilidades de diálogo com sua obra para pensar várias
questões e desafios educacionais contemporâneos como no âmbito da educação básica e
superior, trabalho docente, as concepções de educação e a conformação da educação na
dinâmica do capitalismo dependente brasileiro, dentre outros temas.
Abstract
The brazilian reality is permeated by historical educational dilemmas that are particularized in
the dynamics of dependent capitalism. In this sense, this article deals with the current
educational thinking of sociologist, professor, intellectual-militant Florestan Fernandes. It
aims to reflect on the current educational thinking of Florestan Fernandes to think about the
challenges of public education in contemporary times. Guided by the historical-dialectic
materialist method, the qualitative research was based on bibliographical research on the
educational thought of Florestan Fernandes and articles published in scientific journals in the
area of education that are foundations in Florestan thought. This demonstrated the current
nature of the author's sociological and educational thinking and the multiple possibilities of
dialogue with his work to think about various contemporary educational issues and
challenges, such as in the scope of basic and higher education, teaching work, conceptions of
education and the conformation of education in the dynamics of brazilian dependent
capitalism, among other topics.
1
Assistente social, professor adjunto do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e
discente do curso de Especialização em Educação e Trabalho Docente do Instituto Federal Goiano. E-mail:
rai.vieira@estudante.ifgoiano.edu.br
8
Introdução
o presente artigo está situado na linha de pesquisa “Filosofia e História da Educação” do curso
de pós-graduação lato sensu em Educação e Trabalho Docente, por se tratar de uma reflexão
teórica que visa abordar a educação numa perspectiva histórico-crítica e contextualizada no
modo de produção capitalista, em especial, na sociedade brasileira.
Diante disso, o artigo ora apresentado tem como objetivo geral refletir sobre a
atualidade do pensamento educacional de Florestan Fernandes para pensar os desafios da
educação pública na contemporaneidade. Assim, foram delimitados como objetivos
específicos: a) Apontar a relação entre educação pública e os principais aspectos da trajetória
pessoal, intelectual e militante de Florestan Fernandes; b) Problematizar as particularidades da
educação no âmbito do capitalismo dependente no pensamento florestiano; c) Indicar as
tendências contemporâneas do debate educacional com base no pensamento de Florestan
Fernandes.
Com base nestes objetivos, o artigo se orientou no método histórico-crítico ou
histórico-dialético, por entender que tal perspectiva de análise possibilita ao pesquisador
ultrapassar as questões fenomênicas e buscar os fundamentos e determinantes histórico-
estruturantes dos processos sociais. Esse método de análise é localizado no campo da tradição
marxista e estrutura-se nos princípios de totalidade, contradição e historicidade (Netto, 2011).
Ademais, tal perspectiva analítica rompe com uma suposta neutralidade científica,
considerando que o pesquisador e o “objeto de pesquisa” estão necessariamente inseridos na
dinâmica da luta de classes.
Destaca-se as contribuições desse método para as pesquisas sobre políticas e projetos
de educação. Para Gomide e Jacomeli (2016), o referido método contribui para a apreensão
dos projetos e políticas educacionais no âmbito da totalidade social, isto é, a educação não
pode ser tratada isoladamente. Ultrapassa-se assim, as perspectivas teórico-metodológicas que
tratam as políticas educacionais com foco na descrição ou na mera observação dos fatos. Ou
seja, o método marxista não se limita ao senso comum, aos elementos da aparência no estudo
da educação, mas busca compreender a sua essência, natureza e estrutura da educação numa
sociedade de classes.
Como projeto e política pública, a educação é permeada por interesses políticos,
ideológicos e econômicos. Consequentemente, não é possível compreender os fundamentos
da educação sem o entendimento da lógica de funcionamento do modo de produção capitalista
e suas particularidades em cada realidade nacional. Contradição, mediação e totalidade são
princípios metodológicos fundamentais nas pesquisas sobre educação. A contradição
possibilita entender que a educação conserva, ao mesmo tempo, elementos de permanência e
11
2
Os operadores booleanos são uma estratégia de pesquisa com a utilização de caracteres especiais com a
utilização e combinação de palavras-chaves definidas pelo/a pesquisador/a. Segundo a lógica booleana, as
palavras-chaves são conectadas pelo uso de “e” e “ou”, sendo que a utilização do “ou” pode ampliar a pesquisa e
o uso do “e” pode restringir (Treinta, et al, 2014).
3
A busca foi realizada no dia 07 de maio de 2024 com 380 resultados. Para chegar a um número de artigos que
fosse possível a análise, foram elaborados outros critérios de seleção, a saber: artigo científico publicado em
revista; textos em português; textos com citações de Florestan Fernandes e com temas transversais à educação.
Assim foram excluídos: trabalhos de conclusão de curso, capítulo de livro, dissertações, teses, livros, citações,
revistas internacionais, artigos em língua estrangeira e os anais de eventos. A partir de tais critérios, chegou-se
ao número de 14 artigos.
12
Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a
socialização pré e extra-escolar que recebi, através das duras lições da vida. [...]
Portanto, ainda que isso pareça pouco ortodoxo e anti-intelectualista, afirmo que
iniciei a minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando precisei ganhar a
vida como se fosse um adulto e penetrei, pelas vias da experiência concreta, no
conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade.
nacional da Campanha em defesa da escola pública. Nos anos 1960, contribuiu com as
reflexões sobre a reforma universitária, ademais, fez críticas à “reforma universitária”
implementada em 1968 pela ditadura empresarial-militar e se projeto autocrático-burguês. Em
fins dos anos 1970 e na década de 1980, foi um dos intelectuais comprometidos com a pauta
da educação pública no processo da constituinte, reivindicando o financiamento público-
estatal exclusivo para educação pública (Leher, 2012; Saviani, 1996) assim como uma
concepção de universidade autônoma assentada no tripé ensino, pesquisa e extensão na
Constituição Federal de 1988. Este aspecto também é destacado por Brzezinski (2010), em
particular, no processo de tramitação e nas disputas em torno da LDB de 1996, com as tensões
com os representantes dos setores privados e confessionais da educação.
Do ponto de vista dos marcos regulatórios da educação no Brasil, a Constituição
Federal de 1988 (Brasil, 1988) é um dos principais marcos, ao estabelecer a educação como
direito de todos e dever do Estado e da família no artigo nº 205. Porém, a garantia desse
direito constitucional enfrenta vários desafios para a sua plena efetivação na realidade
brasileira, considerando que ela é permeada por históricas desigualdades sociais, regionais,
raciais e culturais, o que implica na existência de desigualdades educacionais citadas
anteriormente. Mas tal constatação não desconsidera a importância do preceito constitucional
da educação como direito na sociedade brasileira. Entretanto, no campo da educação superior,
a Carta Magna de 1988 no seu artigo nº 208 relativiza o direito à educação, pois afirma que o
acesso aos níveis mais elevados de ensino e pesquisa depende da “capacidade” de cada
pessoa. Expressa assim uma concepção de educação superior permeada pelo elitismo e
desvinculada da noção de direito e da responsabilidade do Estado.
Florestan Fernandes foi eleito deputado constituinte pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) em 1986 e se dedicou de forma particular ao tema da educação no processo da
Constituinte. Porém, antes disso, o debate educacional já ocupava lugar de destaque na sua
produção acadêmico-intelectual numa perspectiva crítica de apreensão dos dilemas
educacionais vinculados às determinações econômicas, políticas e sociais presentes na
sociedade brasileira. Segundo a perspectiva do autor, a Constituição de 1988 foi expressão de
uma “transição democrática” negociada entre as elites, considerando o contexto de
efervescência política e organização popular. Deste processo, resultou uma chamada “Nova
República” que conservou traços autocráticos e antidemocráticos.
Durante o processo da Constituinte, Florestan Fernandes defendeu: a legitimidade da
participação de professores nos debates de educação; o ensino laico; a garantia da igualdade
das oportunidades educacionais; e a exclusividade de recursos públicos para a educação
14
pública, mas perdeu a disputa com os setores conservadores e de direita. Além disso, o
deputado pautou a necessidade de o texto constitucional incorporar reformas estruturais para
redução das desigualdades sociais na realidade brasileira, a exemplo da reforma educacional e
agrária (Okumura; Novaes, 2023).
Em síntese, as principais questões abordadas por Florestan Fernandes durante a
Assembleia Nacional Constituinte em matéria educacional não foram efetivadas na
Constituição Federal de 1988, em particular, sobre a exclusividade de recursos públicos para a
educação pública, com a vitória dos representantes dos interesses dos setores privado e
confessional da educação no Brasil. Portanto, a Carta Magna, mesmo reconhecendo alguns
avanços no âmbito do reconhecimento dos direitos sociais, da seguridade social e, em
particular, do direito à educação, manteve ainda os históricos limites para a democratização
efetiva da educação pública e da sociedade brasileira. Estes limites são expressões de uma
democracia restrita típica do capitalismo dependente brasileiro e do Estado autocrático-
burguês que restringe a universalização dos direitos.
No campo da produção teórica, Florestan Fernandes tem uma vasta obra que
ultrapassa os limites do presente texto. Para pensar a realidade brasileira e o capitalismo
dependente, destacam-se: Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina
(Fernandes, 1973), Sociedade de classes e subdesenvolvimento (Fernandes, 2008a), A
Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (Fernandes, 1976b), A
integração do negro na sociedade de classes (Fernandes, 2008b). E no âmbito do pensamento
educacional: Educação e sociedade no Brasil (Fernandes, 1966), Universidade brasileira:
reforma ou revolução? (Fernandes, 2020a), O desafio educacional (Fernandes, 2020b), A
formação política e o trabalho do professor (Fernandes, 2019) dentre outras obras, artigos e
matérias em jornais, mas aqui cita-se apenas as principais obras.
Essa produção do autor deve ser vista como resultado de uma trajetória político-
pessoal e de um processo de amadurecimento teórico-intelectual com articulação crítica com
os momentos históricos da realidade brasileira. Diante do exposto, percebe-se como a
trajetória pessoal de Florestan Fernandes foi determinante para fincar-se como um intelectual-
militante marxista comprometido com os “de baixo” e com a defesa da educação pública na
sociedade brasileira. Consolidou-se ainda como um sociólogo crítico e um dos principais
nomes do pensamento social brasileiro, com referência não apenas na área da Sociologia, mas
também para várias outras áreas de conhecimento. Por esta razão, destaca-se a seguir algumas
de suas contribuições e reflexões sobre os dilemas educacionais na realidade brasileira,
15
garante, ao mesmo tempo, a dominação interna e externa (Fernandes, 1973; 1976b; 2008a).
Nas palavras do autor:
Cabe ressaltar que o referido autor não secundariza o papel das burguesias locais na
dinâmica do capitalismo dependente. Pelo contrário, embora ocupem o lugar de “sócia
menor” na divisão internacional do trabalho, estas desempenham uma função importante para
articulação com os grandes centros econômicos internacionais para a condução da
superexploração e expropriação do excedente econômico “para dentro” e “para fora”.
Portanto, para o desenvolvimento e acumulação das grandes nações internacionais do
capitalismo central necessita-se de burguesias locais fortes nos países de capitalismo
dependente na América Latina (Fernandes, 1976b).
Segundo Fernandes (1973; 1976b; 2008a), os países de capitalismo dependente são
historicamente marcados por um colonialismo permanente que se reproduz por distintos
padrões de dominação externa. Tais países são impossibilitados de ter de um desenvolvimento
autônomo ou um projeto autônomo de nação. Do ponto de vista das relações e processos
sociais, tem-se a modernização do arcaico e a arcaização do moderno (Fernandes, 1973), ou
seja, um desenvolvimento capitalista que contém uma dialética entre o moderno e o atrasado.
Pode-se citar como exemplo, a existência ainda presente de trabalhos análogos à escravidão,
resquícios de um Brasil colonial-escravocrata, ou ainda, o autoritarismo e a violência
exacerbada na sociedade brasileira.
Em outras palavras, deve-se entender que o desenvolvimento dos países do centro do
capitalismo só é sustentado pelo subdesenvolvimento dos países da periferia capitalista,
considerando que faz parte da dinâmica capitalista um desenvolvimento desigual e
combinado. A contraface do imperialismo é o subdesenvolvimento, empobrecimento e
superexploração de outros países, isso significa que o subdesenvolvimento não é uma “fase”
ou uma “etapa”, mas é historicamente condicionado pela dinâmica do desenvolvimento
17
Todavia, o autor não tem uma visão engessada do Estado, mesmo reconhecendo que a
direção do Estado é dada por tais elites, não descarta a leitura de que é também um espaço de
disputa, contradições, tensionamentos e conflitos, sendo possível, avançar em determinadas
conjunturas em algumas conquistas sociais, mesmo que nos limites do capitalismo, como na
conquista de direitos e políticas sociais, como o direito à educação e às políticas educacionais,
estas também atravessadas por contradições e limites.
É nesse cenário que se localiza a questão educacional em Florestan Fernandes, pois a
educação também vai reproduzir os limites e contradições da dinâmica do capitalismo
dependente. Nesse sentido, o autor aponta na obra Universidade brasileira: reforma ou
revolução? a existência de um padrão dependente educacional na realidade brasileira
(Fernandes, 2020a) que se evidencia em várias dimensões: a precarização que marca a gênese
e o desenvolvimento das universidades brasileiras; a dificuldade da democratização da
educação pública e de qualidade; o lugar secundário atribuído à educação na sociedade
brasileira; o desfinanciamento ou reduzido orçamento destinado à educação; o histórico
privatismo educacional; e nos controles externos sobre as universidades públicas, os
professores e estudantes, ferindo os princípios de autonomia universitária-docente-intelectual
e de organização.
Na obra Universidade Brasileira: reforma ou revolução?, com sua primeira edição
publicada em 1968, Florestan Fernandes assinala que, naquele contexto de regime ditatorial, a
universidade estava submetida em “[...] nova e perniciosa modalidade de controle – o controle
ideológico” (Fernandes, 2020a, p. 67, grifos do autor), o que interferia na sua composição,
estrutura, dinâmica e funcionamento. Diante dessa reflexão do autor, pressupõe-se que,
historicamente, a universidade brasileira é submetida a múltiplas formas de controle, inclusive
de controle ideológico, que assume novas feições na contemporaneidade em tempos de
aprofundamento e avanço do conservadorismo. Além disso, esta obra foi uma resposta
intelectual crítica do autor à reforma universitária de 1968 implementada pelo regime
empresarial-militar.
Segundo Fernandes (2020a), os resultados dessa Reforma de 1968 foram: o não
rompimento com os modelos tradicionais de educação superior; manutenção de históricos de
privilégios do antigo modelo educacional; organização de atividades acadêmicas segundo
critérios de produtividade, “eficiência” e “eficácia”; o monopólio do poder e a centralização
das decisões na gestão da universidade; uma reforma burocrática e tecnocrática; continuidade
19
do privatismo educacional mas sob novas configurações, por meio da organização das
universidades em fundações; o incentivo às parcerias público-privadas com a realização de
consultorias e assessorias; a privatização da pesquisa científica; interferência na nomeação de
reitores e vice-reitores; cobrança de taxas na universidade; fragilização da autonomia
didático-pedagógica, administrativa e científica da universidade; e submissão e controles
externos sobre a universidade, reproduzindo dessa forma um padrão dependente de educação.
Diante desse padrão dependente educacional, Florestan Fernandes faz crítica ao que
ele chama de colonialismo educacional, que seria a mera transplantação de determinados
modelos educacionais do exterior para a realidade brasileira, sem estabelecer mediações com
as nossas particularidades histórico-sociais e reais necessidades do povo brasileiro. Assume
uma postura de defesa intransigente da autonomia universitária e docente assim como da
organização coletiva e política do movimento estudantil (Fernandes, 2020a). Além disso, se
opunha ao privatismo educacional ao defender que o orçamento público fosse exclusivamente
para a educação pública. Defendia a democratização da educação pública e de qualidade, a
partir de igualdade das condições de acesso e permanência, assim como a laicidade do ensino
(Fernandes, 1966).
A referência à reforma universitária de 1968 ajuda a pensar as configurações e
tendências da política de educação superior após o regime empresarial-militar. Em particular,
a reforma de 1968 lançou as bases para o processo de mercantilização e privatização da
educação superior que permanecem nos governos posteriores, ainda que com diferenças e
contradições. É importante ressaltar que o privatismo educacional não é restrito à política de
educação superior no Brasil, mas é um traço constitutivo das políticas educacionais
brasileiras, contemplando também a gênese e o desenvolvimento da educação básica
conformando históricas desigualdades educacionais.
Outro ponto de destaque nos escritos de Florestan Fernandes sobre a questão
educacional refere-se à relação entre a formação política e o trabalho do professor. Nesse
aspecto, o autor nega o discurso da suposta neutralidade no âmbito do trabalho docente. Tal
discurso promove a separação entre cidadão e professor ou do cientista. Na sua leitura, é
impossível o professor ser “neutro” nos debates em sala de aula e nas pesquisas que
desenvolve. Isto é, o trabalho do professor impõe uma responsabilidade intelectual e ética
com os dilemas e problemas da sociedade, portanto, não se separa o cidadão do professor
(Fernandes, 2019). Nessa direção, uma das tarefas do professor no processo político-
pedagógico é a formação para o exercício da cidadania com inserção crítica e ativa na
20
sociedade. Tal questão nos coloca o desafio de garantir uma formação pedagógica de
professores com formação política alinhada às reais necessidades da classe trabalhadora.
Reconhecia e destacava a importância da pesquisa e do conhecimento científico no
desenvolvimento da sociedade brasileira (Fernandes, 2020a). Por isso, a necessidade de mais
financiamento público destinado à pesquisa pública que responda às necessidades da classe
trabalhadora e setores populares, ou seja, qualquer projeto de desenvolvimento nacional
autônomo deve-se considerar um lugar estratégico da educação e pesquisa científica.
Inclusive, o compromisso da escola, universidade, pesquisa e a produção de conhecimentos
com as lutas da classe trabalhadora aparece nos escritos de Florestan Fernandes, ao mesmo
tempo, o autor reconhece que este é mais um dos desafios educacionais da realidade brasileira
(Fernandes, 2020b).
Diante dos eixos de análise do pensamento educacional de Florestan Fernandes, pode-
se identificar várias questões que se ferem a dilemas educacionais ainda presentes na
contemporaneidade. Dessa forma, não são questões do passado, mas que se reatualizam na
dinâmica do capitalismo dependente brasileiro contemporâneo que incidem no debate
educacional e na produção de conhecimentos. Apontando, dessa forma, a atualidade do
pensamento de Florestan Fernandes como será exposto a seguir.
educacionais na realidade brasileira. Dito isso, a maioria dos artigos são de autores/as
vinculados/as à universidade pública brasileira, seja universidades federais, universidades
estaduais ou institutos federais, sendo apenas 01 artigo com autores/as vinculados/as à
faculdade privada. Tal fato pode parecer algo insignificativo, mas é essencial destacar que a
universidade pública é ainda uma das principais instituições de produção de ciência na
sociedade brasileira, mesmo com todos os desafios. São de autores/as que atuam como
docentes ou estão como estudantes em programas de pós-graduação que estão produzindo
conhecimento crítico resultado de projetos de pesquisa ou de extensão.
A origem dos autores/as dos artigos selecionados evidencia que estão vinculados/as a
instituições educacionais das regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Na
amostra selecionada, não foram identificados autores/as da região Norte. Ainda que de forma
inicial, considerando o reduzido número da amostragem, tal fato pode indicar que a produção
acadêmico-científica ainda está concentrada em determinadas regiões do Brasil, considerando
que nelas estão as universidades históricas e com vários programas de pós-graduação de
excelência, apontando a necessidade de debater também sobre desigualdades regionais no
acesso à universidade pública e nas condições de produção científica. Mesmo as regiões Norte
e Nordeste terem sido contempladas como as políticas de expansão das instituições federais
de ensino, tal processo ainda carrega as marcas da precarização das condições de trabalho, de
pesquisa e assistência estudantil.
Destes 14 artigos selecionados, a maioria estão em revistas que possuem avaliação
Qualis considerando a classificações de periódicos quadriênio 2017-2020 da área de Educação
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além disso, a
maioria destes artigos estão no estrato Qualis A, sendo: Pro-Posições, Argumentum e Diálogo
Educacional (Qualis A1); Germinal, Teias e Roteiro (Qualis A2); Educacíon, Política y
Sociedad, Trabalho Necessário (Qualis A3); e, Diversidade e Educação (Qualis A4). Já no
estrato Qualis B são: Humanidades & Inovação e Extendere (Qualis B1); Novos Olhares
Sociais (Qualis B2); e, a Revista Fim do Mundo (Qualis B4). Dessa forma, apenas o artigo
publicado na Revista Desenvolvimento e Civilização que não foi identificado Qualis. Em
síntese, cabe destacar que a maioria dos artigos selecionados estão em periódicos de qualidade
reconhecidos pelas avaliações da CAPES, demonstrando que as questões apresentadas em
cada artigo possuem relevância e seriedade acadêmica.
Para ajudar na visualização dos temas e questões dos artigos selecionados, apresenta-
se a seguir uma figura com uma nuvem de palavras-chaves dos textos. Essa figura foi feita
com a utilização do Aplicativo Mentimeter que produz a nuvem de acordo com a frequência
22
da recorrência das palavras ou expressões citadas. Mas de forma geral, é possível já afirmar
como é atual do pensamento educacional de Florestan Fernandes para análise dos dilemas
educacionais contemporâneos e são múltiplas as possiblidades de reflexão, diálogos e
articulação com outras temáticas tão importantes para a sociedade brasileira, como: formação
política, movimentos sociais, questão racial, juventudes, mulheres, migração. tecnologia e
políticas públicas de forma geral. Porém, de forma mais recorrente aparece palavras-chaves
vinculadas às políticas educacionais, educação superior e, em menor escala, mas também
articulado, o tema da educação pública e educação básica.
a) Desenvolvimento e educação
Como apresentado anteriormente, a questão do desenvolvimento é um dos eixos
centrais da obra de Florestan Fernandes, o autor considera que na dinâmica do capitalismo há
diferentes ritmos de desenvolvimento, ainda que interdependentes entre si, a parir de uma
relação entre “centro” e “periferia”, “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento”. Dessa
forma, o desenvolvimento capitalista apresenta diferentes conformações em cada realidade
nacional e, ao mesmo tempo, inserido na dinâmica do capitalismo mundial (Fernandes, 1973;
1976b). Por esta razão, o capitalismo dependente é o “fio condutor” de análise do autor para
análise da realidade brasileira, do contexto latino-americano e seus históricos dilemas,
inclusive no campo educacional.
Partindo desse pressuposto de análise, no artigo de Shiroma e Zanardini (2022)
encontra-se uma exposição sobre as principais concepções de desenvolvimento presentes no
Brasil e as implicações sobre a concepção de educação sob a orientação da teoria marxista da
dependência. Nesse sentido, as autoras destacam que o neodesenvolvimentismo e o
desenvolvimento sustentável, como concepções de desenvolvimento do século XXI, não são
alternativas concretas ao neoliberalismo, assim como, não contribuem para a superação dos
históricos dilemas educacionais do Brasil. Na verdade, são concepções de desenvolvimento
que expressam uma ideologia do falseamento da realidade social, com intervenções que se
restringem a ideia de mitigar a extrema pobreza e sem pôr em questão a dependência e o
capitalismo contemporâneo na sua face financeirizada. Sobre o pensamento de Florestan
Fernandes, as autoras dialogam com a obra Sociedade de classes e subdesenvolvimento
(Fernandes, 2008a) ao tratar sobre as especificidades da economia capitalista dependente.
Outro artigo que parte da concepção de capitalismo dependente é de autoria de Silva,
Santos e Santos (2022). Os autores tratam sobre a reprodução da dependência no capitalismo
contemporâneo e a histórica subordinação do Brasil às potências mundiais e aos
representantes do capital internacional, como as “recomendações” dos organismos
24
internacionais. Para isso, dialogam com a obra Capitalismo dependente e classes sociais na
América Latina (Fernandes, 1973). As implicações de tais “recomendações” que funcionam
mais como imposições, são processos de mercantilização da educação superior e fomento a
uma mentalidade privatista no âmbito educacional, impactando diretamente na concepção da
educação como direito e favorecendo os representantes dos setores privatistas de educação, os
conglomerados educacionais que encontraram nessa área um valoroso nicho de lucratividade,
inclusive com apoio do Estado. Tal reflexão está na mesma direção do artigo de Andrade e
Motta (2022), no qual as autoras tratam sobre o processo de empresariamento da educação,
um campo de negócios permeado pelo dualismo privatismo x precariedade.
Estes artigos demostram a atualidade do debate sobre capitalismo dependente e as
implicações sobre a educação, pois mesmo com as transformações do capitalismo
contemporâneo em tempos de crise não se rompeu a dependência, como fenômeno estrutural
ela se dinamiza permanentemente no interior da dinâmica do capitalismo. Importante destacar
que o tema do capitalismo dependente não tem implicações apenas para o campo da educação,
mas também várias áreas como: questão urbana e agrária, saúde, direitos humanos,
democracia, racismo, dentre outras.
atuação de Florestan Fernandes como deputado constituinte e sua luta pelo direito à educação.
Nesse processo, denunciou os limites da “transição democrática” brasileira e defendeu a
necessidade de o texto constitucional incorporar reformas estruturais necessárias à
democratização efetiva e a garantia da justiça social. No campo educacional, defendeu a
participação popular e de professores nos debates, além da destinação do orçamento público
exclusivamente para a educação pública. O artigo de Rodrigues (2022), baseado numa análise
de discursos, textos e documentos, evidencia a participação ativa de Florestan Fernandes na
Constituinte e a reafirmando o seu compromisso histórico com a defesa do direito à educação,
com a escola pública, com os/as trabalhadores/as da educação e com a democracia ampla e
efetiva da sociedade brasileira.
Também nessa direção, o artigo de Cláudia Fernandes (2022) recupera o pensamento
educacional de Florestan Fernandes, como Universidade Brasileira: reforma ou revolução?
(Fernandes, 2020a) e A formação política e o trabalho do professor (Fernandes, 2019) para
discutir a importância das políticas de ações afirmativas como estratégias de redução das
desigualdades raciais e de gênero na educação superior. A autora apresenta os impactos da
política de cotas na universidade na graduação e pós-graduação, com uma mudança no perfil
de estudantes, a exemplo do aumento do número de estudantes negros/as, mulheres negras, de
baixa renda e oriundos/as da escola pública. Todavia, tal processo é permeado de contradições
e variações, conforme as regiões do Brasil e as diferentes áreas de conhecimento. Mesmo com
desafios, as ações afirmativas na universidade podem contribuir por meio do diálogo entre
saberes, o fomento da organização estudantil e para a redução das desigualdades
educacionais. Cabe lembrar que a questão racial ocupa um lugar de atenção no pensamento de
Florestan Fernandes, a exemplo de A integração do negro na sociedade de classes
(Fernandes, 2008b), dentre outros textos, no qual o autor já problematiza o mito da
democracia racial na sociedade brasileira.
Também numa perspectiva de democratização do acesso à educação superior, o artigo
de Rebouças, Chaves e Marinho (2022) apresenta a experiência de um projeto de extensão de
uma universidade estadual e suas contribuições para o processo de formação profissional,
sobretudo, para afirmação de uma concepção de universidade e extensão populares alinhada
às necessidades sociais. Nessa direção, os autores dialogam com Universidade Brasileira:
reforma ou revolução? (Fernandes, 2020a) para afirmarem a importância de defender uma
concepção de universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada,
assim como, uma extensão articulada à pesquisa e com uma formação humana integral e
crítica.
28
Também dialogando com estas questões, o artigo de Gomes Vicente (2022) trata da
experiência dos cursinhos populares no Brasil, destacando que são iniciativas que buscam
reduzir as desigualdades no acesso ao ensino superior no Brasil. Para isso, a autora chama
atenção para o fato de que na formação social brasileira e de capitalismo dependente as
trajetórias juvenis de acesso à universidade são profundamente desiguais e a experiência dos
cursinhos populares podem contribuir na redução das desigualdades sociais. Porém, segundo
a autora, os cursinhos são permeados por diferentes concepções pedagógicas, uma de caráter
mais utilitarista com função apenas para aprovação no vestibular e, outra, de caráter crítico e
de compromisso com a formação humana integral.
Por último, o artigo de Cassol, Canan e Vani (2022) também discutem a questão da
formação, mas articulada ao debate sobre tecnologias e políticas públicas. Para isso, os
autores defendem a necessidade de uma formação tecnológica voltada para a coletividade
humana e não para o mercado capitalista e consumista. Para tratar de tal tema, os autores
fazem uma crítica ao Estado no capitalismo contemporâneo e resgatam as contribuições de
Florestan Fernandes com sua obra Capitalismo dependente e classes socais na América
Latina (1973). A exposição de tais questões e eixos de análise apontam a importância da obra
de Florestan Fernandes tanto no debate sociológico como no debate educacional, apontando
múltiplas possibilidades de diálogo e articulação com questões do tempo presente.
5 Considerações finais
e direção das políticas sociais, é fundamental a luta estratégica em defesa da educação pública
como fez Florestan Fernandes. Além disso, em tempos de negacionismo é fundamental a
defesa da autonomia do trabalho docente, a importância da pesquisa científica e a produção de
conhecimentos numa perspectiva crítica que contribua para a leitura da realidade social e
atenda a um projeto de desenvolvimento compromissado com os interesses coletivos e
populares.
Em tempos áridos como o presente, precisamos reafirmar o compromisso com a
educação pública, no sentido de poder garantir direitos, disputar o projeto de
educação como direito e estimular, nos estudantes, docentes, trabalhadores em geral,
a capacidade de reinvenção da luta por uma educação de fato emancipatória que
extrapole seus muros e currículos [...]” (Duarte, 2020, p. 92).
Como se pode observar, a obra de Florestan Fernandes é atual, vasta e densa o que
ultrapassa os limites deste texto e de um trabalho de conclusão em nível de especialização.
Porém, como mais um exercício de “aproximações sucessivas”, como nos ensina a
perspectiva materialista histórica e dialética de pesquisa, espera-se que o tema tenha
despertado o interesse na leitura do autor, assim como, espera-se que as reflexões expostas
possam contribuir com os debates coletivos na perspectiva de luta em defesa da educação
pública gratuita e de qualidade e vinculada às necessidades dos “de baixo”. Mesmo com
muitos desafios, é imprescindível o fortalecimento das lutas sociais, das resistências coletivas
e organização popular nesta trajetória.
Referências
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Moral e Mercadológica da Nova Direita no Brasil. Revista Educacíon, Política y Sociedad,
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ANDRADE, Maria Carolina de Pires; MOTTA, Vânia Cardoso da. O empresariamento da
educação de novo tipo e seus agentes: o empresariado educacional do tempo presente.
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AZEVEDO, Rômulo Souza de; AMARAL, Cláudia Tavares do. Educação para além da
matrícula: crianças migrantes, refugiadas, e a Resolução nº 1/2020. Revista Teias, v. 23, n.
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BRASIL. Censo Escolar 2023: divulgação de resultados. Brasília: Diretoria de Estatísticas
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Federal, Presidência da República, 1988.
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