Art Esp Raí Vieira Soares

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 33

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA


INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA GOIANO
COORDENAÇÃO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DO CAMPUS TRINDADE

ATUALIDADE DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE


FLORESTAN FERNANDES

RAÍ VIEIRA SOARES

Trindade-GO
2024
RAÍ VIEIRA SOARES

ATUALIDADE DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE


FLORESTAN FERNANDES

Artigo Científico apresentado ao Instituto Federal


de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano,
Campus Trindade – Goiás, como requisito à
obtenção do título de Especialista em Educação e
Trabalho Docente.

Linha de pesquisa: Filosofia e História da


Educação.

Orientador: Prof. Dr. José Geraldo da Silva

Trindade-GO
2024
Sistema desenvolvido pelo ICMC/USP
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema Integrado de Bibliotecas - Instituto Federal Goiano

Soares, Raí Vieira


SSO676 Atualidade do pensamento educacional de Florestan
a Fernandes / Raí Vieira Soares; orientador José
Geraldo Silva. -- Trindade, 2024.
32 p.

Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em em Educação


e Trabalho Docente) -- Instituto Federal Goiano,
Campus Trindade, 2024.

1. Florestan Fernandes. 2. Capitalismo dependente


. 3. Realidade brasileira. 4. Pensamento
educacional. I. Silva, José Geraldo , orient. II.
Título.

Responsável: Johnathan Pereira Alves Diniz - Bibliotecário-Documentalista CRB-1 n°2376


Repositório Institucional do IF Goiano - RIIF Goiano
Sistema Integrado de Bibliotecas

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR PRODUÇÕES TÉCNICO-


CIENTÍFICAS NO REPOSITÓRIO INSTITUCIONAL DO IF GOIANO

Com base no disposto na Lei Federal nº 9.610/98, AUTORIZO o Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Goiano, a disponibilizar gratuitamente o documento no Repositório Institucional do IF
Goiano (RIIF Goiano), sem ressarcimento de direitos autorais, conforme permissão assinada abaixo,
em formato digital para fins de leitura, download e impressão, a título de divulgação da produção
técnico-científica no IF Goiano.

Identificação da Produção Técnico-Científica

[ ] Tese [ ] Artigo Científico


[ ] Dissertação [ ] Capítulo de Livro
[ ] Monografia – Especialização [ ] Livro
[ ] TCC - Graduação [ ] Trabalho Apresentado em Evento
[ ] Produto Técnico e Educacional - Tipo: ___________________________________

Nome Completo do Autor:


Matrícula: 2023108301930069
Título do Trabalho:

Restrições de Acesso ao Documento

Documento confidencial: [ ] Não [ ] Sim, justifique: _______________________


________________________________________________________________________
Informe a data que poderá ser disponibilizado no RIIF Goiano: __/__/__
O documento está sujeito a registro de patente? [ ] Sim [ ] Não
O documento pode vir a ser publicado como livro? [ ] Sim [ ] Não

DECLARAÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO NÃO-EXCLUSIVA

O/A referido/a autor/a declara que:


1. o documento é seu trabalho original, detém os direitos autorais da produção técnico-científica
e não infringe os direitos de qualquer outra pessoa ou entidade;
2. obteve autorização de quaisquer materiais inclusos no documento do qual não detém os
direitos de autor/a, para conceder ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano os
direitos requeridos e que este material cujos direitos autorais são de terceiros, estão claramente
identificados e reconhecidos no texto ou conteúdo do documento entregue;
3. cumpriu quaisquer obrigações exigidas por contrato ou acordo, caso o documento entregue
seja baseado em trabalho financiado ou apoiado por outra instituição que não o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Goiano.
___________________, ____/____/____.
Local Data

_____________________________________________________________
Assinatura do Autor e/ou Detentor dos Direitos Autorais

Ciente e de acordo:

_______________________________
Assinatura do(a) orientador(a)
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA GOIANO - CAMPUS TRINDADE
COORDENAÇÃO DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Raí Vieira Soares, CPF: 052.498.793-90, devidamente matriculado no curso de Pós-
Graduação Lato Sensu em Educação e Trabalho Docente do Instituto Federal Goiano –
Campus Trindade, declaro a quem possa interessar e para todos os fins de direito que:
1. Sou o legítimo autor do artigo cujo título é: “Atualidade do pensamento educacional de
Florestan Fernandes”.

2. Respeitei a legislação vigente de direitos autorais, em especial citando sempre as fontes


que recorri para transcrever ou adaptar textos produzidos por terceiros.

Declaro-me ainda ciente que se for apurada a falsidade das declarações acima, o artigo será
considerado nulo e a homologação do diploma, porventura emitido, será cancelada,
podendo a informação de cancelamento ser de conhecimento público.

Por ser verdade, firmo a presente declaração.

Trindade, 14 de junho de 2024.

_________________________________________
Assinatura do Aluno(a)

INSTITUTO FEDERAL GOIANO – Campus Trindade


Avenida Wilton Monteiro da Rocha, s/n, Setor Cristina II
CEP: 75.380-000 – Trindade – GO
Fone: (62) 3506 8000
+SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA GOIANO

Ata nº 32/2024 - CE-TRI/GE-TRI/CMPTRI/IFGOIANO

,
INSTITUTO FEDERAL GOIANO
Campus Trindade
Av. Wilton Monteiro da Rocha, S/N, Setor Cristina II, TRINDADE / GO, CEP 75380-000
(62) 3506-8000
ATUALIDADE DO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE FLORESTAN
FERNANDES

Raí Vieira Soares1

Resumo
A realidade brasileira é permeada por históricos dilemas educacionais que se particularizam
na dinâmica do capitalismo dependente. Nesse sentido, o presente artigo trata da atualidade do
pensamento educacional do sociólogo, professor, intelectual-militante Florestan Fernandes.
Tem como objetivo refletir sobre a atualidade do pensamento educacional de Florestan
Fernandes para pensar os desafios da educação pública na contemporaneidade. Orientado pelo
método materialista histórico-dialético, a pesquisa de natureza qualitativa se baseou em
pesquisa bibliográfica sobre o pensamento educacional de Florestan Fernandes e de artigos
publicados nos periódicos científicos da área de educação que sejam fundamentos no
pensamento florestiano. Com isso, demonstrou-se a atualidade do pensamento sociológico e
educacional do autor e as múltiplas possibilidades de diálogo com sua obra para pensar várias
questões e desafios educacionais contemporâneos como no âmbito da educação básica e
superior, trabalho docente, as concepções de educação e a conformação da educação na
dinâmica do capitalismo dependente brasileiro, dentre outros temas.

Palavras-chave: Florestan Fernandes. Capitalismo dependente. Realidade brasileira.


Pensamento educacional.

Abstract
The brazilian reality is permeated by historical educational dilemmas that are particularized in
the dynamics of dependent capitalism. In this sense, this article deals with the current
educational thinking of sociologist, professor, intellectual-militant Florestan Fernandes. It
aims to reflect on the current educational thinking of Florestan Fernandes to think about the
challenges of public education in contemporary times. Guided by the historical-dialectic
materialist method, the qualitative research was based on bibliographical research on the
educational thought of Florestan Fernandes and articles published in scientific journals in the
area of education that are foundations in Florestan thought. This demonstrated the current
nature of the author's sociological and educational thinking and the multiple possibilities of
dialogue with his work to think about various contemporary educational issues and
challenges, such as in the scope of basic and higher education, teaching work, conceptions of
education and the conformation of education in the dynamics of brazilian dependent
capitalism, among other topics.

Keywords: Florestan Fernandes. Dependent capitalism. Brazilian reality. Educational


thinking.

1
Assistente social, professor adjunto do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e
discente do curso de Especialização em Educação e Trabalho Docente do Instituto Federal Goiano. E-mail:
rai.vieira@estudante.ifgoiano.edu.br
8

Introdução

Historicamente a educação pública brasileira é permeada “problemas” e dilemas


profundos como a desvalorização do trabalho docente, o privatismo educacional, o desafio da
democratização do acesso ao ensino público, o desfinanciamento e a precarização da política
de educação pública são alguns dos muitos exemplos. Algumas destas questões podem ser
observadas nos Relatórios do Censo Escolar da Educação Básica publicados pelo Ministério
da Educação (MEC). Segundo o Censo Escolar de 2023 (Brasil, 2023) são desafios
educacionais: a garantia e ampliação da educação infantil, principalmente de creches públicas;
o crescimento de taxas de evasão nos últimos anos do ensino fundamental e ensino médio na
rede pública; a reduzida cobertura e matrículas em escolas de tempo integral; as desigualdades
regionais no acesso à recursos tecnológicos nas escolas de ensino fundamental, como por
exemplo, as regiões Norte e Nordeste são as que tem as menores taxas de acesso a internet
para alunos, internet para ensino e aprendizagem e acesso a tablets ou computador portátil
para os estudantes; a redução das taxas de distorção idade-série; dentro outros desafios.
Tais desafios não podem ser vistos isoladamente, devem ser apreendidos numa
abordagem crítica que considere a dinâmica da vida social em seus aspectos históricos,
econômicos e políticos. Quando se reivindica uma perspectiva crítica de análise da realidade
social, é necessário observar tais dilemas educacionais numa perspectiva de totalidade, ou
seja, partir da realidade fenomênica e buscar seus fundamentos estruturantes, assim como,
situá-los na dinâmica mais ampla do modo de produção capitalista e suas particularidades da
formação econômico-social da sociedade brasileira no capitalismo dependente, permeada
ainda por históricas desigualdades regionais, de gênero e étnico-raciais. É nessa perspectiva
que se localiza o pensamento de Florestan Fernandes, sociólogo, professor, intelectual-
militante e marxista, conhecido como um dos “intérpretes do Brasil” e representante da
sociologia crítica brasileira.
Como um sociólogo preocupado com uma sociologia que partisse da realidade
concreta da sociedade brasileira, as obras de Florestan Fernandes deram origem à uma
sociologia tipicamente brasileira de vertente marxista, suas obras versam sobre as
particularidades do nosso desenvolvimento capitalista, a formação e dinâmica das classes
sociais, o papel do Estado, a democracia, o capitalismo dependente, a questão racial, a questão
educacional e a universidade. Importante destacar que Florestan Fernandes não elaborou uma
teoria pedagógica específica, pois o seu estilo ensaísta e por ser um sociólogo preocupado em
refletir sobre a realidade brasileira, o autor problematizou os dilemas educacionais, as
9

relações entre educação e desenvolvimento bem como a importância da defesa da educação


pública na sociedade brasileira.
Florestan Fernandes tem uma perspectiva de análise que considera os dilemas
educacionais no contexto da realidade social, a partir da articulação entre elementos
estruturais e dinâmicos da sociedade brasileira, ou seja, na relação dialética entre aspectos
“novos” e “velhos”, permanências e rupturas, continuidades e mudanças. Ademais, o autor
parte da compreensão de que os dilemas educacionais na sociedade brasileira devem ser
situados no contexto do capitalismo dependente latino-americano e sua inserção na dinâmica
do capitalismo mundial. Ou seja, a particularidade de um país localizado na dinâmica do
capitalismo dependente vai oferecer determinados contornos específicos à sociedade
brasileira, assim como, aos seus dilemas educacionais. Este é um dos seus principais
pressupostos e seu “fio” condutor de análise.
Diante dessas considerações iniciais sobre a questão educacional no pensamento
florestiano, o presente artigo se originou da seguinte questão de partida: qual a atualidade do
pensamento educacional de Florestan Fernandes para pensar os desafios da educação pública
na contemporaneidade? Para isso, realizou-se um levantamento bibliográfico e análise dos
artigos publicados nos períodos da área de educação que tratam sobre os dilemas educacionais
contemporâneos fundamentos no pensamento do referido autor.
Justifica-se esta temática a partir de dois aspectos. Um primeiro aspecto relaciona-se à
aproximação com as ideias de Florestan Fernandes por meio da participação em grupos de
pesquisas e estudos sobre a questão educacional no capitalismo dependente. Ademais, o autor
da presente proposta de pesquisa compartilha com Florestan Fernandes, mesmo vivendo em
épocas distintas, experiências de uma trajetória de vida familiar marcada pelas desigualdades
de classe típicas da sociedade brasileira, repercutindo também nas desigualdades
educacionais. Dessa forma, a pesquisa se apoia na defesa da educação pública e de qualidade
na qual assume uma importância estratégica para o enfretamento das históricas desigualdades
sociais no Brasil. Entretanto, tal defesa não pode cair no messianismo de atribuir unicamente
à educação o papel de transformação social, mas no entendimento dialético das suas
contradições, limites e possibilidades.
Do ponto de vista acadêmico-social, a reivindicação da temática soma-se ao esforço
coletivo de pesquisadores e militantes de contribuir com a compreensão dos fundamentos
históricos e estruturantes dos dilemas educacionais brasileiros, pois essa tarefa é
imprescindível para a formulação de políticas educacionais que respondam às reais
necessidades do povo brasileiro e ao desenvolvimento social tão almejado. Nessa perspectiva,
10

o presente artigo está situado na linha de pesquisa “Filosofia e História da Educação” do curso
de pós-graduação lato sensu em Educação e Trabalho Docente, por se tratar de uma reflexão
teórica que visa abordar a educação numa perspectiva histórico-crítica e contextualizada no
modo de produção capitalista, em especial, na sociedade brasileira.
Diante disso, o artigo ora apresentado tem como objetivo geral refletir sobre a
atualidade do pensamento educacional de Florestan Fernandes para pensar os desafios da
educação pública na contemporaneidade. Assim, foram delimitados como objetivos
específicos: a) Apontar a relação entre educação pública e os principais aspectos da trajetória
pessoal, intelectual e militante de Florestan Fernandes; b) Problematizar as particularidades da
educação no âmbito do capitalismo dependente no pensamento florestiano; c) Indicar as
tendências contemporâneas do debate educacional com base no pensamento de Florestan
Fernandes.
Com base nestes objetivos, o artigo se orientou no método histórico-crítico ou
histórico-dialético, por entender que tal perspectiva de análise possibilita ao pesquisador
ultrapassar as questões fenomênicas e buscar os fundamentos e determinantes histórico-
estruturantes dos processos sociais. Esse método de análise é localizado no campo da tradição
marxista e estrutura-se nos princípios de totalidade, contradição e historicidade (Netto, 2011).
Ademais, tal perspectiva analítica rompe com uma suposta neutralidade científica,
considerando que o pesquisador e o “objeto de pesquisa” estão necessariamente inseridos na
dinâmica da luta de classes.
Destaca-se as contribuições desse método para as pesquisas sobre políticas e projetos
de educação. Para Gomide e Jacomeli (2016), o referido método contribui para a apreensão
dos projetos e políticas educacionais no âmbito da totalidade social, isto é, a educação não
pode ser tratada isoladamente. Ultrapassa-se assim, as perspectivas teórico-metodológicas que
tratam as políticas educacionais com foco na descrição ou na mera observação dos fatos. Ou
seja, o método marxista não se limita ao senso comum, aos elementos da aparência no estudo
da educação, mas busca compreender a sua essência, natureza e estrutura da educação numa
sociedade de classes.
Como projeto e política pública, a educação é permeada por interesses políticos,
ideológicos e econômicos. Consequentemente, não é possível compreender os fundamentos
da educação sem o entendimento da lógica de funcionamento do modo de produção capitalista
e suas particularidades em cada realidade nacional. Contradição, mediação e totalidade são
princípios metodológicos fundamentais nas pesquisas sobre educação. A contradição
possibilita entender que a educação conserva, ao mesmo tempo, elementos de permanência e
11

superação. A mediação pressupõe a inserção da educação na dinâmica das relações sociais e


em que o ser social tem papel ativo e transformador. Já totalidade indica a necessidade da
articulação entre as particularidades da educação com o contexto político, econômico e social
mais amplo do capitalismo (Gomide; Jacomeli, 2016).
Nesse sentido, o artigo se baseou numa pesquisa qualitativa de base bibliográfica
sobre o pensamento educacional de Florestan Fernandes. Além da consulta das obras clássicas
do referido autor, fez-se um levamento bibliográfico de artigos publicados nos periódicos
científicos da área de educação com fundamentos no pensamento florestiano. O levantamento
nos periódicos considerou apenas o período de 2022, por pressupor que foi o último ano do
governo Bolsonaro (2019-2022), período de muitos desafios nas políticas educacionais com o
aprofundamento do conservadorismo na sociedade brasileira com incidências nas políticas
públicas e sociais. Além disso, a ampliação do marco temporal de seleção resultaria em
grande quantidade de artigos, o que seria inviável para análise em um artigo.
A pesquisa foi realizada no Google Acadêmico no qual foram utilizados os operadores
booleanos2 como estratégia de busca. A busca dos artigos utilizou as seguintes palavras-
chaves: (educacao OR “educacao basica” OR “educacao superior” OR "desafios
educacionais" OR “dilemas educacionais”) AND ("capitalismo dependente" OR “Florestan
Fernandes” OR “padrao educacional dependente” OR “questão educacional em Florestan
Fernandes” OR “pensamento educacional de Florestan Fernandes”)3. Assim, houve a busca e
seleção dos artigos, categorização dos principais eixos temática e análise dos achados.
É importante destacar que não se tem a pretensão de esgotar as possibilidades da
reflexão nos limites do presente artigo, mas, sobretudo, provocar inquietações, curiosidade e
debates. Com base no método de análise adotado na pesquisa realizada, toda investigação da
realidade é um processo de aproximações sucessivas, em que esta realidade sempre será mais
rica e complexa de determinações e mediações, ou seja, que ultrapassam o presente texto.
Nesse sentido, o artigo foi estruturado da seguinte forma: introdução; seção dois apresentando
os principais aspectos da vida de Florestan Fernandes que demonstram os vínculos com a

2
Os operadores booleanos são uma estratégia de pesquisa com a utilização de caracteres especiais com a
utilização e combinação de palavras-chaves definidas pelo/a pesquisador/a. Segundo a lógica booleana, as
palavras-chaves são conectadas pelo uso de “e” e “ou”, sendo que a utilização do “ou” pode ampliar a pesquisa e
o uso do “e” pode restringir (Treinta, et al, 2014).
3
A busca foi realizada no dia 07 de maio de 2024 com 380 resultados. Para chegar a um número de artigos que
fosse possível a análise, foram elaborados outros critérios de seleção, a saber: artigo científico publicado em
revista; textos em português; textos com citações de Florestan Fernandes e com temas transversais à educação.
Assim foram excluídos: trabalhos de conclusão de curso, capítulo de livro, dissertações, teses, livros, citações,
revistas internacionais, artigos em língua estrangeira e os anais de eventos. A partir de tais critérios, chegou-se
ao número de 14 artigos.
12

educação; seção três, que particulariza a educação no capitalismo dependente brasileiro; e a


seção quatro, na busca de sintetizar as tendências do debate educacional contemporâneo que
se fundamentam no pensamento de Florestan Fernandes.

2 Florestan Fernandes: trajetória em defesa da educação pública

Antes de qualquer discussão, é importante apresentar o autor em questão, pois a sua


trajetória pessoal foi determinante para problematizar a educação numa perspectiva
sociológica crítica e assumir a luta em defesa da educação pública. Além disso, contribuiu
para a sua postura teórica e militante de compromisso com os “de baixo”, segundo suas
palavras. A apresentação do referido intelectual evidencia ainda que a produção intelectual
não é desvinculada de compromisso político-social, pondo assim em “xeque” a ideia de
neutralidade acadêmico-científica tão reivindicada por perspectivas conservadoras.
Advindo de uma família pobre e filho de uma empregada doméstica não-alfabetizada,
Florestan Fernandes teve uma trajetória pessoal, principalmente na infância e adolescência,
marcada pelas desigualdades sociais de classe da cidade de São Paulo nos anos 1920-1930.
Por tal razão, foi obrigado a trabalhar desde cedo, passando por várias ocupações informais.
Isso fez com que, naquele período, não tivesse acesso à educação de forma permanente e
regular. Posteriormente, após os 17 anos teve acesso à uma formação regular isso contribuiu
para o seu ingresso em 1944 na universidade pública, no curso de graduação em Ciências
Sociais, no qual seguiu com sua carreira acadêmica no mestrado e doutorado também na área,
ambos na Universidade de São Paulo (USP), onde logo em seguida se tornou professor (Ianni,
2004) e afastado compulsoriamente da universidade no auge da ditadura. Isso, contudo, não
impediu que continuasse com as críticas à ditadura e seu apoio ao movimento estudantil e a
outros grupos de resistência na universidade e na sociedade de forma geral. Nas palavras de
Fernandes (1976a, p. 142):

Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a
socialização pré e extra-escolar que recebi, através das duras lições da vida. [...]
Portanto, ainda que isso pareça pouco ortodoxo e anti-intelectualista, afirmo que
iniciei a minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando precisei ganhar a
vida como se fosse um adulto e penetrei, pelas vias da experiência concreta, no
conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade.

Sua trajetória é marcada por uma postura intelectual-militante em defesa da educação


pública. Entre fins da década de 1950 e na década de 1960, participou dos debates sobre a
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação, como também do movimento
13

nacional da Campanha em defesa da escola pública. Nos anos 1960, contribuiu com as
reflexões sobre a reforma universitária, ademais, fez críticas à “reforma universitária”
implementada em 1968 pela ditadura empresarial-militar e se projeto autocrático-burguês. Em
fins dos anos 1970 e na década de 1980, foi um dos intelectuais comprometidos com a pauta
da educação pública no processo da constituinte, reivindicando o financiamento público-
estatal exclusivo para educação pública (Leher, 2012; Saviani, 1996) assim como uma
concepção de universidade autônoma assentada no tripé ensino, pesquisa e extensão na
Constituição Federal de 1988. Este aspecto também é destacado por Brzezinski (2010), em
particular, no processo de tramitação e nas disputas em torno da LDB de 1996, com as tensões
com os representantes dos setores privados e confessionais da educação.
Do ponto de vista dos marcos regulatórios da educação no Brasil, a Constituição
Federal de 1988 (Brasil, 1988) é um dos principais marcos, ao estabelecer a educação como
direito de todos e dever do Estado e da família no artigo nº 205. Porém, a garantia desse
direito constitucional enfrenta vários desafios para a sua plena efetivação na realidade
brasileira, considerando que ela é permeada por históricas desigualdades sociais, regionais,
raciais e culturais, o que implica na existência de desigualdades educacionais citadas
anteriormente. Mas tal constatação não desconsidera a importância do preceito constitucional
da educação como direito na sociedade brasileira. Entretanto, no campo da educação superior,
a Carta Magna de 1988 no seu artigo nº 208 relativiza o direito à educação, pois afirma que o
acesso aos níveis mais elevados de ensino e pesquisa depende da “capacidade” de cada
pessoa. Expressa assim uma concepção de educação superior permeada pelo elitismo e
desvinculada da noção de direito e da responsabilidade do Estado.
Florestan Fernandes foi eleito deputado constituinte pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) em 1986 e se dedicou de forma particular ao tema da educação no processo da
Constituinte. Porém, antes disso, o debate educacional já ocupava lugar de destaque na sua
produção acadêmico-intelectual numa perspectiva crítica de apreensão dos dilemas
educacionais vinculados às determinações econômicas, políticas e sociais presentes na
sociedade brasileira. Segundo a perspectiva do autor, a Constituição de 1988 foi expressão de
uma “transição democrática” negociada entre as elites, considerando o contexto de
efervescência política e organização popular. Deste processo, resultou uma chamada “Nova
República” que conservou traços autocráticos e antidemocráticos.
Durante o processo da Constituinte, Florestan Fernandes defendeu: a legitimidade da
participação de professores nos debates de educação; o ensino laico; a garantia da igualdade
das oportunidades educacionais; e a exclusividade de recursos públicos para a educação
14

pública, mas perdeu a disputa com os setores conservadores e de direita. Além disso, o
deputado pautou a necessidade de o texto constitucional incorporar reformas estruturais para
redução das desigualdades sociais na realidade brasileira, a exemplo da reforma educacional e
agrária (Okumura; Novaes, 2023).
Em síntese, as principais questões abordadas por Florestan Fernandes durante a
Assembleia Nacional Constituinte em matéria educacional não foram efetivadas na
Constituição Federal de 1988, em particular, sobre a exclusividade de recursos públicos para a
educação pública, com a vitória dos representantes dos interesses dos setores privado e
confessional da educação no Brasil. Portanto, a Carta Magna, mesmo reconhecendo alguns
avanços no âmbito do reconhecimento dos direitos sociais, da seguridade social e, em
particular, do direito à educação, manteve ainda os históricos limites para a democratização
efetiva da educação pública e da sociedade brasileira. Estes limites são expressões de uma
democracia restrita típica do capitalismo dependente brasileiro e do Estado autocrático-
burguês que restringe a universalização dos direitos.
No campo da produção teórica, Florestan Fernandes tem uma vasta obra que
ultrapassa os limites do presente texto. Para pensar a realidade brasileira e o capitalismo
dependente, destacam-se: Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina
(Fernandes, 1973), Sociedade de classes e subdesenvolvimento (Fernandes, 2008a), A
Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (Fernandes, 1976b), A
integração do negro na sociedade de classes (Fernandes, 2008b). E no âmbito do pensamento
educacional: Educação e sociedade no Brasil (Fernandes, 1966), Universidade brasileira:
reforma ou revolução? (Fernandes, 2020a), O desafio educacional (Fernandes, 2020b), A
formação política e o trabalho do professor (Fernandes, 2019) dentre outras obras, artigos e
matérias em jornais, mas aqui cita-se apenas as principais obras.
Essa produção do autor deve ser vista como resultado de uma trajetória político-
pessoal e de um processo de amadurecimento teórico-intelectual com articulação crítica com
os momentos históricos da realidade brasileira. Diante do exposto, percebe-se como a
trajetória pessoal de Florestan Fernandes foi determinante para fincar-se como um intelectual-
militante marxista comprometido com os “de baixo” e com a defesa da educação pública na
sociedade brasileira. Consolidou-se ainda como um sociólogo crítico e um dos principais
nomes do pensamento social brasileiro, com referência não apenas na área da Sociologia, mas
também para várias outras áreas de conhecimento. Por esta razão, destaca-se a seguir algumas
de suas contribuições e reflexões sobre os dilemas educacionais na realidade brasileira,
15

considerando a particularidade e dinâmica do capitalismo dependente brasileiro em seus


aspectos dinâmicos e estruturais.

3 Capitalismo dependente e a questão educacional em Florestan Fernandes

Para compreender a questão educacional em Florestan Fernandes, é necessário


entender a sua concepção de capitalismo dependente, o “fio” condutor e base de sua análise.
Todavia, esse conceito não se encontra de forma fechada apenas em uma obra do referido
intelectual, mas irá aparecer em um conjunto de obras, acrescentando novos elementos de
análise para se entender as especificidades e dinâmica do capitalismo dependente. As
principais obras em que esse tema aparece são: Capitalismo dependente e classes sociais na
América Latina (Fernandes, 1973), Sociedade de classes e subdesenvolvimento (Fernandes,
2008a) e A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (Fernandes,
1976b).
Nesse sentido, considera-se que o pensamento educacional e sociológico de Florestan
Fernandes tem articulação com a tradição das teorias pedagógicas críticas, particularmente da
pedagogia histórico-crítica, pois apresenta as mediações e contradições da educação na
realidade brasileira. Segundo Saviani (2008), as teorias pedagógicas críticas compreendem
que a educação é permeada pelas incidências da dinâmica das classes sociais, as disputas, os
conflitos e tensionamentos da sociabilidade burguesa, ou seja, só se compreende a educação a
partir da análise dos seus condicionantes sociais e do contexto histórico. Tal perspectiva
analítica encontra-se nas problematizações do pensamento florestiano, como será apresentado
a seguir.
O autor parte do entendimento de que o modo de produção capitalista não é
homogêneo, ou seja, se produz distintos níveis de desenvolvimento assim como não pode ser
resumido apenas a uma dimensão econômica, mas apreendido como uma complexa realidade
sociocultural. Na divisão internacional do trabalho e do mundo se estabelecem distintas
padrões de exploração e dominação entre países, consequentemente se estabelecem relações
de centro e periferia. Diante disso, o capitalismo dependente pode ser definido como uma
forma específica de desenvolvimento econômico-social. Essa forma específica e típica da
periferia do capitalismo, reproduz um padrão dual de expropriação e espoliação do excedente
econômico, de um lado, para garantir os interesses das elites locais e, de outro lado, das elites
internacionais. Por esta razão, reproduz um padrão articulado de dominação burguesa pois
16

garante, ao mesmo tempo, a dominação interna e externa (Fernandes, 1973; 1976b; 2008a).
Nas palavras do autor:

[...] a estrutura e o destino histórico de sociedades desse tipo se vinculam a um


capitalismo dependente, elas encarnam uma situação específica, que só pode ser
caracterizada através de uma economia de mercado duplamente polarizada,
destituída de auto-suficiência e possuidora, no máximo, de uma economia limitada.
[...] Trata-se de uma economia de mercado capitalista constituída para operar,
estrutural e dinamicamente: como uma entidade especializada, no nível da
integração do mercado capitalista mundial; como uma entidade subsidiária e
dependente, no nível das explicações reprodutivas do excedente econômico das
sociedades desenvolvidas; e como uma entidade tributária, no nível do ciclo de
apropriação capitalista internacional, no qual ela aparece como uma fonte de
incrementação ou de multiplicação do excedente econômico das economias
capitalistas hegemônicas (Fernandes, 2008a, p. 36-37).

Cabe ressaltar que o referido autor não secundariza o papel das burguesias locais na
dinâmica do capitalismo dependente. Pelo contrário, embora ocupem o lugar de “sócia
menor” na divisão internacional do trabalho, estas desempenham uma função importante para
articulação com os grandes centros econômicos internacionais para a condução da
superexploração e expropriação do excedente econômico “para dentro” e “para fora”.
Portanto, para o desenvolvimento e acumulação das grandes nações internacionais do
capitalismo central necessita-se de burguesias locais fortes nos países de capitalismo
dependente na América Latina (Fernandes, 1976b).
Segundo Fernandes (1973; 1976b; 2008a), os países de capitalismo dependente são
historicamente marcados por um colonialismo permanente que se reproduz por distintos
padrões de dominação externa. Tais países são impossibilitados de ter de um desenvolvimento
autônomo ou um projeto autônomo de nação. Do ponto de vista das relações e processos
sociais, tem-se a modernização do arcaico e a arcaização do moderno (Fernandes, 1973), ou
seja, um desenvolvimento capitalista que contém uma dialética entre o moderno e o atrasado.
Pode-se citar como exemplo, a existência ainda presente de trabalhos análogos à escravidão,
resquícios de um Brasil colonial-escravocrata, ou ainda, o autoritarismo e a violência
exacerbada na sociedade brasileira.
Em outras palavras, deve-se entender que o desenvolvimento dos países do centro do
capitalismo só é sustentado pelo subdesenvolvimento dos países da periferia capitalista,
considerando que faz parte da dinâmica capitalista um desenvolvimento desigual e
combinado. A contraface do imperialismo é o subdesenvolvimento, empobrecimento e
superexploração de outros países, isso significa que o subdesenvolvimento não é uma “fase”
ou uma “etapa”, mas é historicamente condicionado pela dinâmica do desenvolvimento
17

capitalista (Fernandes, 1976b). O capitalismo dependente é expressão da divisão internacional


do trabalho no qual atribui determinados papéis para países do “centro” e da “periferia” do
capitalismo mundial. Exemplo disso, o histórico caráter agroexportador do Brasil e o peso do
agronegócio da economia brasileira. Nessa dinâmica, o Brasil cumpre apenas a função de
fornecimento de alimentos e bens primários para o mundo.
A postura teórico-analítica do autor rompe com uma leitura “endógena” da realidade
brasileira e latino-americana, pois situa as particularidades do desenvolvimento capitalista no
contexto do capitalismo mundial. Além disso, chama atenção para a particularidade brasileira
que contém um desenvolvimento capitalista distinto das experiências de revoluções burguesas
clássicas. Segundo Fernandes (1976b), a revolução burguesa na periferia é atrasada e assume
traços autocráticos com ações reacionárias das frações burguesas, considerando que nunca
assumiu a defesa de direitos ou um conjunto de reformas sociais na realidade brasileira. A
chamada modernização da sociedade brasileira ocorreu com a manutenção de determinadas
estruturas de poder típicas do período colonial, úteis não apenas às elites locais, mas também
às requisições do mercado mundial, responsável por reservar à economia brasileira um lugar
especializado, de natureza heteronômica e com a reprodução de uma “condição colonial
permanente, embora instável e mutável” (Fernandes, 2008a, p. 27).
Para Fernandes (1976b), a dominação burguesa na dinâmica do capitalismo
dependente brasileiro ocorre por meio de uma violência institucionalizada e coercitiva para a
garantia de interesses materiais privados e particularistas, com exclusão dos setores e camadas
populares, isto é, uma prática característica de uma democracia restrita. Na dinâmica do
capitalismo dependente, a apropriação privada do Estado pelas frações burguesas é estratégica
na garantia da dominação burguesa interna e externa. Isto é, a disputa das frações burguesas
pela hegemonia do Estado é funcional para garantia da autoproteção e autoprivilegiamento
das elites econômico-sociais. Disso resulta um Estado autocrático-burguês que se realiza
como Estado antinacional e antipopular por meio de uma democracia restrita na qual só
participam dela os que detém o poder econômico e prestígio social. O Estado autocrático-
burguês típico do capitalismo dependente convive com as diversas manifestações de
autoritarismo e violência assim como é incapaz de universalizar direitos humanos (Fernandes,
1973; 1976b; 2018). Tal configuração de Estado contribui e reproduz sistematicamente uma
cultura autocrática na sociedade brasileira:

O que denominamos por cultura autocrática é próprio da necessidade de


autoprivilegiamento e autoproteção burguesa que, em nome da estabilidade política,
estatiza a violência sistemática contra os de baixo, ultrapassando os limites do seu
18

braço armado e a condensando nas políticas sociais e demais esferas públicas de


interlocução com os trabalhadores (Marques, 2018, p. 140, grifos da autora).

Todavia, o autor não tem uma visão engessada do Estado, mesmo reconhecendo que a
direção do Estado é dada por tais elites, não descarta a leitura de que é também um espaço de
disputa, contradições, tensionamentos e conflitos, sendo possível, avançar em determinadas
conjunturas em algumas conquistas sociais, mesmo que nos limites do capitalismo, como na
conquista de direitos e políticas sociais, como o direito à educação e às políticas educacionais,
estas também atravessadas por contradições e limites.
É nesse cenário que se localiza a questão educacional em Florestan Fernandes, pois a
educação também vai reproduzir os limites e contradições da dinâmica do capitalismo
dependente. Nesse sentido, o autor aponta na obra Universidade brasileira: reforma ou
revolução? a existência de um padrão dependente educacional na realidade brasileira
(Fernandes, 2020a) que se evidencia em várias dimensões: a precarização que marca a gênese
e o desenvolvimento das universidades brasileiras; a dificuldade da democratização da
educação pública e de qualidade; o lugar secundário atribuído à educação na sociedade
brasileira; o desfinanciamento ou reduzido orçamento destinado à educação; o histórico
privatismo educacional; e nos controles externos sobre as universidades públicas, os
professores e estudantes, ferindo os princípios de autonomia universitária-docente-intelectual
e de organização.
Na obra Universidade Brasileira: reforma ou revolução?, com sua primeira edição
publicada em 1968, Florestan Fernandes assinala que, naquele contexto de regime ditatorial, a
universidade estava submetida em “[...] nova e perniciosa modalidade de controle – o controle
ideológico” (Fernandes, 2020a, p. 67, grifos do autor), o que interferia na sua composição,
estrutura, dinâmica e funcionamento. Diante dessa reflexão do autor, pressupõe-se que,
historicamente, a universidade brasileira é submetida a múltiplas formas de controle, inclusive
de controle ideológico, que assume novas feições na contemporaneidade em tempos de
aprofundamento e avanço do conservadorismo. Além disso, esta obra foi uma resposta
intelectual crítica do autor à reforma universitária de 1968 implementada pelo regime
empresarial-militar.
Segundo Fernandes (2020a), os resultados dessa Reforma de 1968 foram: o não
rompimento com os modelos tradicionais de educação superior; manutenção de históricos de
privilégios do antigo modelo educacional; organização de atividades acadêmicas segundo
critérios de produtividade, “eficiência” e “eficácia”; o monopólio do poder e a centralização
das decisões na gestão da universidade; uma reforma burocrática e tecnocrática; continuidade
19

do privatismo educacional mas sob novas configurações, por meio da organização das
universidades em fundações; o incentivo às parcerias público-privadas com a realização de
consultorias e assessorias; a privatização da pesquisa científica; interferência na nomeação de
reitores e vice-reitores; cobrança de taxas na universidade; fragilização da autonomia
didático-pedagógica, administrativa e científica da universidade; e submissão e controles
externos sobre a universidade, reproduzindo dessa forma um padrão dependente de educação.
Diante desse padrão dependente educacional, Florestan Fernandes faz crítica ao que
ele chama de colonialismo educacional, que seria a mera transplantação de determinados
modelos educacionais do exterior para a realidade brasileira, sem estabelecer mediações com
as nossas particularidades histórico-sociais e reais necessidades do povo brasileiro. Assume
uma postura de defesa intransigente da autonomia universitária e docente assim como da
organização coletiva e política do movimento estudantil (Fernandes, 2020a). Além disso, se
opunha ao privatismo educacional ao defender que o orçamento público fosse exclusivamente
para a educação pública. Defendia a democratização da educação pública e de qualidade, a
partir de igualdade das condições de acesso e permanência, assim como a laicidade do ensino
(Fernandes, 1966).
A referência à reforma universitária de 1968 ajuda a pensar as configurações e
tendências da política de educação superior após o regime empresarial-militar. Em particular,
a reforma de 1968 lançou as bases para o processo de mercantilização e privatização da
educação superior que permanecem nos governos posteriores, ainda que com diferenças e
contradições. É importante ressaltar que o privatismo educacional não é restrito à política de
educação superior no Brasil, mas é um traço constitutivo das políticas educacionais
brasileiras, contemplando também a gênese e o desenvolvimento da educação básica
conformando históricas desigualdades educacionais.
Outro ponto de destaque nos escritos de Florestan Fernandes sobre a questão
educacional refere-se à relação entre a formação política e o trabalho do professor. Nesse
aspecto, o autor nega o discurso da suposta neutralidade no âmbito do trabalho docente. Tal
discurso promove a separação entre cidadão e professor ou do cientista. Na sua leitura, é
impossível o professor ser “neutro” nos debates em sala de aula e nas pesquisas que
desenvolve. Isto é, o trabalho do professor impõe uma responsabilidade intelectual e ética
com os dilemas e problemas da sociedade, portanto, não se separa o cidadão do professor
(Fernandes, 2019). Nessa direção, uma das tarefas do professor no processo político-
pedagógico é a formação para o exercício da cidadania com inserção crítica e ativa na
20

sociedade. Tal questão nos coloca o desafio de garantir uma formação pedagógica de
professores com formação política alinhada às reais necessidades da classe trabalhadora.
Reconhecia e destacava a importância da pesquisa e do conhecimento científico no
desenvolvimento da sociedade brasileira (Fernandes, 2020a). Por isso, a necessidade de mais
financiamento público destinado à pesquisa pública que responda às necessidades da classe
trabalhadora e setores populares, ou seja, qualquer projeto de desenvolvimento nacional
autônomo deve-se considerar um lugar estratégico da educação e pesquisa científica.
Inclusive, o compromisso da escola, universidade, pesquisa e a produção de conhecimentos
com as lutas da classe trabalhadora aparece nos escritos de Florestan Fernandes, ao mesmo
tempo, o autor reconhece que este é mais um dos desafios educacionais da realidade brasileira
(Fernandes, 2020b).
Diante dos eixos de análise do pensamento educacional de Florestan Fernandes, pode-
se identificar várias questões que se ferem a dilemas educacionais ainda presentes na
contemporaneidade. Dessa forma, não são questões do passado, mas que se reatualizam na
dinâmica do capitalismo dependente brasileiro contemporâneo que incidem no debate
educacional e na produção de conhecimentos. Apontando, dessa forma, a atualidade do
pensamento de Florestan Fernandes como será exposto a seguir.

4 As tendências do debate educacional contemporâneo: incidências do pensamento de


Florestan Fernandes

Para fins de exposição mais didática, em um primeiro momento, apresenta-se uma


caracterização dos artigos selecionados nos periódicos a partir da pesquisa bibliográfica. Já no
segundo momento, apresenta-se os principais eixos de análise do debate educacional
contemporâneo a partir de Florestan Fernandes, sem pretender esgotar o tema e as
possiblidades de reflexão. É importante ressaltar que o presente artigo não tem como objetivo
elaborar um Estado da Arte do tema em questão, apenas apresentar algumas tendências do
debate educacional na cena contemporânea que dialogam com o pensamento educacional
florestiano.

4.1 Caracterização geral dos artigos selecionados nos periódicos

Conforme já informado anteriormente, foram selecionados 14 artigos publicados em


periódicos no ano de 2022, a escolha deste ano justificou-se pelo fato de ter sido o último ano
do governo Bolsonaro (2019-2022), período de aprofundamento dos históricos desafios
21

educacionais na realidade brasileira. Dito isso, a maioria dos artigos são de autores/as
vinculados/as à universidade pública brasileira, seja universidades federais, universidades
estaduais ou institutos federais, sendo apenas 01 artigo com autores/as vinculados/as à
faculdade privada. Tal fato pode parecer algo insignificativo, mas é essencial destacar que a
universidade pública é ainda uma das principais instituições de produção de ciência na
sociedade brasileira, mesmo com todos os desafios. São de autores/as que atuam como
docentes ou estão como estudantes em programas de pós-graduação que estão produzindo
conhecimento crítico resultado de projetos de pesquisa ou de extensão.
A origem dos autores/as dos artigos selecionados evidencia que estão vinculados/as a
instituições educacionais das regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Na
amostra selecionada, não foram identificados autores/as da região Norte. Ainda que de forma
inicial, considerando o reduzido número da amostragem, tal fato pode indicar que a produção
acadêmico-científica ainda está concentrada em determinadas regiões do Brasil, considerando
que nelas estão as universidades históricas e com vários programas de pós-graduação de
excelência, apontando a necessidade de debater também sobre desigualdades regionais no
acesso à universidade pública e nas condições de produção científica. Mesmo as regiões Norte
e Nordeste terem sido contempladas como as políticas de expansão das instituições federais
de ensino, tal processo ainda carrega as marcas da precarização das condições de trabalho, de
pesquisa e assistência estudantil.
Destes 14 artigos selecionados, a maioria estão em revistas que possuem avaliação
Qualis considerando a classificações de periódicos quadriênio 2017-2020 da área de Educação
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Além disso, a
maioria destes artigos estão no estrato Qualis A, sendo: Pro-Posições, Argumentum e Diálogo
Educacional (Qualis A1); Germinal, Teias e Roteiro (Qualis A2); Educacíon, Política y
Sociedad, Trabalho Necessário (Qualis A3); e, Diversidade e Educação (Qualis A4). Já no
estrato Qualis B são: Humanidades & Inovação e Extendere (Qualis B1); Novos Olhares
Sociais (Qualis B2); e, a Revista Fim do Mundo (Qualis B4). Dessa forma, apenas o artigo
publicado na Revista Desenvolvimento e Civilização que não foi identificado Qualis. Em
síntese, cabe destacar que a maioria dos artigos selecionados estão em periódicos de qualidade
reconhecidos pelas avaliações da CAPES, demonstrando que as questões apresentadas em
cada artigo possuem relevância e seriedade acadêmica.
Para ajudar na visualização dos temas e questões dos artigos selecionados, apresenta-
se a seguir uma figura com uma nuvem de palavras-chaves dos textos. Essa figura foi feita
com a utilização do Aplicativo Mentimeter que produz a nuvem de acordo com a frequência
22

da recorrência das palavras ou expressões citadas. Mas de forma geral, é possível já afirmar
como é atual do pensamento educacional de Florestan Fernandes para análise dos dilemas
educacionais contemporâneos e são múltiplas as possiblidades de reflexão, diálogos e
articulação com outras temáticas tão importantes para a sociedade brasileira, como: formação
política, movimentos sociais, questão racial, juventudes, mulheres, migração. tecnologia e
políticas públicas de forma geral. Porém, de forma mais recorrente aparece palavras-chaves
vinculadas às políticas educacionais, educação superior e, em menor escala, mas também
articulado, o tema da educação pública e educação básica.

Figura 1 – Nuvem de palavras-chaves dos artigos

Fonte: Elaboração própria com o uso do Aplicativo Mentimeter.

Especificamente sobre o tema da educação, chama atenção a referência à educação


domiciliar, pesquisa, permanência estudantil, formação e trabalho docente, BNCC, ações
afirmativas, práticas de ensino e extensão. Não menos importante, destaca-se ainda a relação
entre educação e desenvolvimento, contemplado nas palavras-chaves: capitalismo
dependente, neodesenvolvimentismo e teoria marxista da dependência. Isto expressa que os
artigos tratam de temas diversos e atuais da realidade brasileira em seus aspectos estruturais e
dinâmicos, sem abrir não de uma perspectiva teórica crítica com referência no pensamento
educacional de Florestan Fernandes. É desse material que a seguir apresenta-se algumas
questões e eixos de análise desse debate educacional.
23

4.2 Tendências e eixos de análise dos artigos: incidências do pensamento educacional


florestiano

Com base no levantamento bibliográfico, apresenta-se a seguir os principais eixos de


análise da produção acadêmica no campo educacional que dialogam com o pensamento
educacional de Florestan Fernandes. Importante ressaltar que tais eixos apresentam conexões
entre si, considerando a sua apreensão numa perspectiva de totalidade da realidade social
brasileira.

a) Desenvolvimento e educação
Como apresentado anteriormente, a questão do desenvolvimento é um dos eixos
centrais da obra de Florestan Fernandes, o autor considera que na dinâmica do capitalismo há
diferentes ritmos de desenvolvimento, ainda que interdependentes entre si, a parir de uma
relação entre “centro” e “periferia”, “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento”. Dessa
forma, o desenvolvimento capitalista apresenta diferentes conformações em cada realidade
nacional e, ao mesmo tempo, inserido na dinâmica do capitalismo mundial (Fernandes, 1973;
1976b). Por esta razão, o capitalismo dependente é o “fio condutor” de análise do autor para
análise da realidade brasileira, do contexto latino-americano e seus históricos dilemas,
inclusive no campo educacional.
Partindo desse pressuposto de análise, no artigo de Shiroma e Zanardini (2022)
encontra-se uma exposição sobre as principais concepções de desenvolvimento presentes no
Brasil e as implicações sobre a concepção de educação sob a orientação da teoria marxista da
dependência. Nesse sentido, as autoras destacam que o neodesenvolvimentismo e o
desenvolvimento sustentável, como concepções de desenvolvimento do século XXI, não são
alternativas concretas ao neoliberalismo, assim como, não contribuem para a superação dos
históricos dilemas educacionais do Brasil. Na verdade, são concepções de desenvolvimento
que expressam uma ideologia do falseamento da realidade social, com intervenções que se
restringem a ideia de mitigar a extrema pobreza e sem pôr em questão a dependência e o
capitalismo contemporâneo na sua face financeirizada. Sobre o pensamento de Florestan
Fernandes, as autoras dialogam com a obra Sociedade de classes e subdesenvolvimento
(Fernandes, 2008a) ao tratar sobre as especificidades da economia capitalista dependente.
Outro artigo que parte da concepção de capitalismo dependente é de autoria de Silva,
Santos e Santos (2022). Os autores tratam sobre a reprodução da dependência no capitalismo
contemporâneo e a histórica subordinação do Brasil às potências mundiais e aos
representantes do capital internacional, como as “recomendações” dos organismos
24

internacionais. Para isso, dialogam com a obra Capitalismo dependente e classes sociais na
América Latina (Fernandes, 1973). As implicações de tais “recomendações” que funcionam
mais como imposições, são processos de mercantilização da educação superior e fomento a
uma mentalidade privatista no âmbito educacional, impactando diretamente na concepção da
educação como direito e favorecendo os representantes dos setores privatistas de educação, os
conglomerados educacionais que encontraram nessa área um valoroso nicho de lucratividade,
inclusive com apoio do Estado. Tal reflexão está na mesma direção do artigo de Andrade e
Motta (2022), no qual as autoras tratam sobre o processo de empresariamento da educação,
um campo de negócios permeado pelo dualismo privatismo x precariedade.
Estes artigos demostram a atualidade do debate sobre capitalismo dependente e as
implicações sobre a educação, pois mesmo com as transformações do capitalismo
contemporâneo em tempos de crise não se rompeu a dependência, como fenômeno estrutural
ela se dinamiza permanentemente no interior da dinâmica do capitalismo. Importante destacar
que o tema do capitalismo dependente não tem implicações apenas para o campo da educação,
mas também várias áreas como: questão urbana e agrária, saúde, direitos humanos,
democracia, racismo, dentre outras.

b) Educação básica e educação superior


Nos artigos selecionados surgiram algumas questões que tratam sobre educação básica
e seus dilemas contemporâneos. No âmbito da educação básica, destacam-se os artigos de:
Viana (2022), Alencar e Yannoulas (2022), e, Azevedo e Amaral (2022). No primeiro artigo,
Viana (2022) trata sobre o processo de contrarreforma do ensino médio, entendido como um
retrocesso nas políticas educacionais. Segundo a autora, o chamado “novo ensino médio”
atendeu às requisições dos organismos internacionais e expressa uma concepção de educação
utilitarista e dualista, na medida que reproduz uma visão de mundo burguesa e, ao mesmo
tempo, oferecer diferentes formas de educação para diferentes classes sociais, com
implicações para o trabalho docente com a lógica das competências incidindo inclusive sobre
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) precarizando o trabalho e a formação docente,
fragilizando a autonomia docente e a submissão às avaliações externas (Viana, 2022). Para
tratar de tais questões, a autora dialoga com Florestan Fernandes com o livro Capitalismo
dependente e classes sociais na América Latina (Fernandes, 1973) para apreender a
particularidade do Estado e as frações burguesas na economia capitalista dependente.
Já o artigo de Alencar e Yannoulas (2022) trata sobre o tema da educação domiciliar
na agenda da nova direita, esta resultante da fusão entre neoliberalismo e
25

neoconservadorismo. Segundo as autoras, as propostas neodireitistas de defesa da educação


domiciliar, ao reforçar uma concepção educacional privatista e individualista, configura-se
como um ataque ao direito à educação, ao seu sentido social e seu caráter democrático. Além
disso, as autoras chamam a atenção de que os projetos de lei que pautam a regulamentação da
educação domiciliar ferem o princípio constitucional de responsabilidade e dever do Estado
com a educação básica. Ademais, as autoras ressaltam que o não acesso à escolarização é um
dos traços constitutivos da particularidade da formação social brasileira. Desta forma, a
reinvindicação de setores pela educação domiciliar se contrapõe à noção de educação como
direito na Constituição Federal de 1988. Para tratar dessa dificuldade do reconhecimento e da
garantia da educação como direito, as autoras lançam mão das reflexões de Florestan
Fernandes em Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1973) e
Sociedade de classes e subdesenvolvimento (2008a), no que tange à dialética entre “moderno”
e “arcaico” e a conformação da dominação burguesa no capitalismo dependente.
Por fim, o artigo de Azevedo e Amaral (2022) trata de um tema não muito recorrente:
o direito à educação para crianças migrantes, apátridas e/ou refugiadas. Os autores enfatizam
o que o direito à educação básica não se resume apenas à matrícula, mas também envolve o
processo de ensino com apoio, acolhida e orientação. Ao buscar compreender os fundamentos
dos desafios da escola pública e da educação básica, os autores buscam subsídios em
Florestan Fernandes nas obras Educação e Sociedade no Brasil (Fernandes, 1966) e O desafio
educacional (Fernandes, 2020b). Com disso, os autores defendem a indissociabilidade entre
matrícula e ensino para garantia do direito à educação básica e a necessidade da formação
para docentes e para a equipe gestora das escolas com vistas ao atendimento às crianças que
se encontram nas situações mencionadas acima.
No que tange à educação superior, o artigo de Duarte e Lima (2022) caracteriza um
processo de fascistização da educação superior a partir da reestruturação das universidades
federais no período de 2016-2021. Para as autoras, essa reestruturação foi uma ofensiva
burguesa conservadora às universidades conduzida pelos governos de Michel Temer e Jair
Bolsonaro que teve como impactos: redução do orçamento destinado à educação; mudanças
nos projetos pedagógicos e de gestão administrativa; a nomeação de interventores nas
instituições federais de ensino; e o Programa Future-se, projeto de avanço do privatismo
educacional no interior da universidade pública. Tal período foi marcado pelo
aprofundamento dos traços fascistoides que é constitutivo da natureza das frações burguesas
no Brasil. Para fundamentar estas reflexões, as autoras se fundamentam em Florestan
Fernandes para tratar dos dilemas educacionais e da natureza da burguesa no capitalismo
26

dependente, assim são citadas as obras: A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de


interpretação sociológica (Fernandes, 1976b); Poder e Contrapoder na América Latina
(Fernandes, 1981); Brasil: em compasso de espera (Fernandes, 1980); Circuito Fechado:
quatro ensaios sobre o “poder institucional” (1979a); e, Apontamentos sobre a “teoria do
autoritarismo” (1979b).
O artigo de Oliveira e Santos (2022) discorre sobre o processo de expansão da
educação superior no Brasil na primeira década do século XXI, em particular, durante os
governos petistas e as implicações para o trabalho docente, como: a precarização das
condições de trabalho; o distanciamento dos espaços de organização política de classe; a
responsabilização individual sobre o docente pelas práticas de ensino e pesquisa; bem como, o
fortalecimento do individualismo e a competitividade na dinâmica universitária. Tais
processos são, na perspectiva dos autores, expressões da contrarreforma da educação superior
brasileira que reatualizam traços e dilemas históricos da universidade na realidade brasileira.
Para isso, dialogam com o pensamento de Florestan Fernandes nas obras Universidade
Brasileira: reforma ou revolução? (Fernandes, 2020a), A Revolução Burguesa no Brasil:
ensaio de interpretação sociológica (Fernandes, 1976b), Pensamento e ação: o PT e os rumos
do socialismo (Fernandes, 1989); Florestan Fernandes na Constituinte: leituras para a
reforma (Fernandes, 2014).
Ainda sobre educação superior, são pertinentes os artigos de Silva, Santos e Santos
(2022), já citado anteriormente, que se debruça sobre o processo de mercantilização da
educação superior no capitalismo dependente e a subordinação às requisições dos organismos
internacionais. Além deste, cita-se ainda o artigo de Lages e Macêdo (2022) que discute a
formação política no âmbito da educação superior de mulheres vinculadas à Marcha Mundial
de Mulheres. Os autores refletem sobre a formação política na educação superior e, em
particular, no trabalho de professores/as, assim como, a importância da aproximação com os
movimentos sociais. Sobre formação política, os autores dialogam com A formação política e
o trabalho do professor de Florestan Fernandes (2019), texto em que o autor apreende o
trabalho docente necessariamente compromissado com uma formação crítica para a cidadania.
Como é possível observar, o pensamento educacional de Florestan Fernandes contribui com
várias questões atuais no campo da educação básica e educação superior.

c) Direito à educação, questão racial e ações afirmativas


O reconhecimento e garantida do direito à educação é um dos históricos dilemas
educacionais da realidade brasileira. Nessa perspectiva, o artigo de Rodrigues (2022) aborda a
27

atuação de Florestan Fernandes como deputado constituinte e sua luta pelo direito à educação.
Nesse processo, denunciou os limites da “transição democrática” brasileira e defendeu a
necessidade de o texto constitucional incorporar reformas estruturais necessárias à
democratização efetiva e a garantia da justiça social. No campo educacional, defendeu a
participação popular e de professores nos debates, além da destinação do orçamento público
exclusivamente para a educação pública. O artigo de Rodrigues (2022), baseado numa análise
de discursos, textos e documentos, evidencia a participação ativa de Florestan Fernandes na
Constituinte e a reafirmando o seu compromisso histórico com a defesa do direito à educação,
com a escola pública, com os/as trabalhadores/as da educação e com a democracia ampla e
efetiva da sociedade brasileira.
Também nessa direção, o artigo de Cláudia Fernandes (2022) recupera o pensamento
educacional de Florestan Fernandes, como Universidade Brasileira: reforma ou revolução?
(Fernandes, 2020a) e A formação política e o trabalho do professor (Fernandes, 2019) para
discutir a importância das políticas de ações afirmativas como estratégias de redução das
desigualdades raciais e de gênero na educação superior. A autora apresenta os impactos da
política de cotas na universidade na graduação e pós-graduação, com uma mudança no perfil
de estudantes, a exemplo do aumento do número de estudantes negros/as, mulheres negras, de
baixa renda e oriundos/as da escola pública. Todavia, tal processo é permeado de contradições
e variações, conforme as regiões do Brasil e as diferentes áreas de conhecimento. Mesmo com
desafios, as ações afirmativas na universidade podem contribuir por meio do diálogo entre
saberes, o fomento da organização estudantil e para a redução das desigualdades
educacionais. Cabe lembrar que a questão racial ocupa um lugar de atenção no pensamento de
Florestan Fernandes, a exemplo de A integração do negro na sociedade de classes
(Fernandes, 2008b), dentre outros textos, no qual o autor já problematiza o mito da
democracia racial na sociedade brasileira.
Também numa perspectiva de democratização do acesso à educação superior, o artigo
de Rebouças, Chaves e Marinho (2022) apresenta a experiência de um projeto de extensão de
uma universidade estadual e suas contribuições para o processo de formação profissional,
sobretudo, para afirmação de uma concepção de universidade e extensão populares alinhada
às necessidades sociais. Nessa direção, os autores dialogam com Universidade Brasileira:
reforma ou revolução? (Fernandes, 2020a) para afirmarem a importância de defender uma
concepção de universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada,
assim como, uma extensão articulada à pesquisa e com uma formação humana integral e
crítica.
28

Também dialogando com estas questões, o artigo de Gomes Vicente (2022) trata da
experiência dos cursinhos populares no Brasil, destacando que são iniciativas que buscam
reduzir as desigualdades no acesso ao ensino superior no Brasil. Para isso, a autora chama
atenção para o fato de que na formação social brasileira e de capitalismo dependente as
trajetórias juvenis de acesso à universidade são profundamente desiguais e a experiência dos
cursinhos populares podem contribuir na redução das desigualdades sociais. Porém, segundo
a autora, os cursinhos são permeados por diferentes concepções pedagógicas, uma de caráter
mais utilitarista com função apenas para aprovação no vestibular e, outra, de caráter crítico e
de compromisso com a formação humana integral.
Por último, o artigo de Cassol, Canan e Vani (2022) também discutem a questão da
formação, mas articulada ao debate sobre tecnologias e políticas públicas. Para isso, os
autores defendem a necessidade de uma formação tecnológica voltada para a coletividade
humana e não para o mercado capitalista e consumista. Para tratar de tal tema, os autores
fazem uma crítica ao Estado no capitalismo contemporâneo e resgatam as contribuições de
Florestan Fernandes com sua obra Capitalismo dependente e classes socais na América
Latina (1973). A exposição de tais questões e eixos de análise apontam a importância da obra
de Florestan Fernandes tanto no debate sociológico como no debate educacional, apontando
múltiplas possibilidades de diálogo e articulação com questões do tempo presente.

5 Considerações finais

Diante das questões e apontamentos levantados acima, compreende-se que os dilemas


educacionais contemporâneos devem ser apreendidos na dinâmica do capitalismo dependente
brasileiro e o pensamento educacional florestiano apresenta muitas contribuições críticas
nessa direção. Florestan Fernandes como um sociólogo, intelectual-militante preocupado com
as desigualdades sociais, assumiu a defesa da educação pública o que fez com que a questão
educacional ocupasse um lugar de relevo em suas problematizações, mesmo não sendo um
pedagogo. Mesmo assim, “pode-se dizer que as preocupações educacionais acompanham toda
a trajetória de Florestan Fernandes manifestando-se em todas as facetas de sua rica existência”
(Saviani, 1996, p. 71). Ademais, o levantamento bibliográfico demonstrou as múltiplas
possibilidades de diálogo com o pensamento do autor. Portanto, sua obra é fundamental para
pensar a realidade brasileira e seus históricos desafios.
No contexto contemporâneo de crise estrutural do capital, de avanço do neoliberalismo
e neoconservadorismo o que implica reconfigurações na intervenção do Estado e no conteúdo
29

e direção das políticas sociais, é fundamental a luta estratégica em defesa da educação pública
como fez Florestan Fernandes. Além disso, em tempos de negacionismo é fundamental a
defesa da autonomia do trabalho docente, a importância da pesquisa científica e a produção de
conhecimentos numa perspectiva crítica que contribua para a leitura da realidade social e
atenda a um projeto de desenvolvimento compromissado com os interesses coletivos e
populares.
Em tempos áridos como o presente, precisamos reafirmar o compromisso com a
educação pública, no sentido de poder garantir direitos, disputar o projeto de
educação como direito e estimular, nos estudantes, docentes, trabalhadores em geral,
a capacidade de reinvenção da luta por uma educação de fato emancipatória que
extrapole seus muros e currículos [...]” (Duarte, 2020, p. 92).

Como se pode observar, a obra de Florestan Fernandes é atual, vasta e densa o que
ultrapassa os limites deste texto e de um trabalho de conclusão em nível de especialização.
Porém, como mais um exercício de “aproximações sucessivas”, como nos ensina a
perspectiva materialista histórica e dialética de pesquisa, espera-se que o tema tenha
despertado o interesse na leitura do autor, assim como, espera-se que as reflexões expostas
possam contribuir com os debates coletivos na perspectiva de luta em defesa da educação
pública gratuita e de qualidade e vinculada às necessidades dos “de baixo”. Mesmo com
muitos desafios, é imprescindível o fortalecimento das lutas sociais, das resistências coletivas
e organização popular nesta trajetória.

Referências
ALENCAR, Lídia; YANNOULAS, Silvia. Educação Domiciliar como Escolha Política,
Moral e Mercadológica da Nova Direita no Brasil. Revista Educacíon, Política y Sociedad,
v. 07, n. 02, 2022, p. 103-128.
ANDRADE, Maria Carolina de Pires; MOTTA, Vânia Cardoso da. O empresariamento da
educação de novo tipo e seus agentes: o empresariado educacional do tempo presente.
Revista Trabalho Necessário, v. 20, n. 42, 2022, p. 01-27.
AZEVEDO, Rômulo Souza de; AMARAL, Cláudia Tavares do. Educação para além da
matrícula: crianças migrantes, refugiadas, e a Resolução nº 1/2020. Revista Teias, v. 23, n.
69, 2022, p. 134-146.
BRASIL. Censo Escolar 2023: divulgação de resultados. Brasília: Diretoria de Estatísticas
Educacionais - MEC, 2023.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado
Federal, Presidência da República, 1988.
30

BRZEZINSKI, Iria. Tramitação e desdobramentos da LDB/1996: embates entre projetos


antagônicos de sociedade e de educação. Trabalho, Educação e Saúde, v. 08, n. 02, 2010, p.
185-206.
CASSOL, Claudionei Vicente; CANAN, Silvia Regina; VANI, Juliana. Formação,
tecnologias e políticas públicas: questões conceituais e estruturas sociais de poder. Revista
Diálogo Educacional, v. 22, n. 74, 2022, p. 1226-1251.
DUARTE, Janaína Lopes do Nascimento. Notas sobre o pensamento educacional de Florestan
Fernandes. In: LIMA, Katia Regina de Souza (Org.). Capitalismo Dependente, Racismo
Estrutural e Educação Brasileira: diálogos com Florestan Fernandes. Uberlândia:
Navegando Publicações, 2020.

DUARTE, Janaina Lopes do Nascimento; LIMA, Kátia. Fascistização e educação superior: o


futuro da universidade pública em xeque. Argumentum, v. 14, n. 01, 2022, p. 07-25.
FERNANDES, Florestan. A formação política e o trabalho do professor. Marília: Lutas
Anticapital, 2019.
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. 5. ed. São Paulo:
Global, 2008a.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo:


Globo, 2008b.
FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil: contribuição para o estudo de sua
formação e desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1976a.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação
sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976b.

FERNANDES, Florestan. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. 2ª


ed. São Paulo: HUCITEC, 1979a.
FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo:
HUCITEC, 1979b.
FERNANDES, Florestan. Brasil: em compasso de espera. Pequenos escritos políticos.
Coleção Pensamento Socialista. São Paulo: HUCITEC, 1980.

FERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina.


Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus Editora;


Editora da USP, 1966.
FERNANDES, Florestan. Florestan Fernandes na Constituinte: leituras para a reforma.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; Expressão Popular, 2014.
FERNANDES, Florestan. Universidade Brasileira: reforma ou revolução? São Paulo:
Expressão Popular, 2020a.
31

FERNANDES, Florestan. O desafio educacional. São Paulo: Expressão popular, 2020b.

FERNANDES, Florestan. Pensamento e ação: o PT e os rumos do socialismo. São Paulo:


Brasiliense, 1989.
FERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar,
1981.
FERNANDES, Florestan. Revolução ou contrarrevolução? In: FERNANDES, Florestan.
Florestan Fernandes: o Brasil de Florestan. Belo Horizonte: Autêntica Editora; São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2018.
GOMES VICENTE, Mariana. Cursinhos populares e a juventude: potencialidades e
contradições. Revista Fim do Mundo, v. 03, n. 08, 2022, p. 144-160.
GOMIDE, Denise Camargo; JACOMELI, Maria Regina Martins. O método de Marx na
pesquisa sobre políticas educacionais. Políticas Educativas, Santa Maria, v. 10, n. 1, 2016, p.
64-78.
IANNI, Octávio. Florestan Fernandes e a formação da sociologia brasileira. In: IANNI,
Octavio (Org.). Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.
LAGE, Allene; MACÊDO, Perycles. Formação política e competência técnica na educação
superior das mulheres: um olhar sobre as professoras ativistas da Marcha Mundial das
Mulheres em Caruaru-PE. Diversidade e Educação, v. 10, n. 01, 2022, p. 305-329.
LEHER, Roberto. Florestan Fernandes e a defesa da educação pública. Educação &
Sociedade, v. 33, n. 121, 2012, p. 1157-1173.
MARQUES, Morena Gomes. Capitalismo dependente e cultura autocrática: contribuições
para entender o Brasil contemporâneo. Revista Katálysis, v. 21, n. 1, 2018, p. 137-146.

MONTEIRO FERNANDES, Claudia. Ações afirmativas como política de combate às


desigualdades raciais e de gênero na educação superior brasileira: resultados das últimas
décadas. Novos Olhares Sociais, v. 05, n. 01, 2022, p. 08-39.
NETTO, José Paulo. Introdução ao Estudo do Método em Marx. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
OKUMURA, Julio Hideyshi; NOVAES, Henrique Tahan. Florestan na Assembleia Nacional
Constituinte (1987-1988): propostas e pensamento educacional. Educação & Sociedade,
Campinas, v. 44, s/n, 2023, p. 1-18.
OLIVEIRA, Camila Alberto Vicente de; SANTOS, Fernando Silva dos. Trabalho docente na
universidade pública: das políticas à prática de ensino. Humanidades & Inovação, v. 09, n.
02, 2022, p. 01-13.
REBOUÇAS, Willame Anderson Simões; CHAVES, Emanuela Rútila Monteiro;
MARINHO, Iasmin da Costa. UERN vai à escola: uma experiência sobre formação e
resistência coletiva. Extendere, v. 08, n. 01, 2022, p. 137-153.
32

RODRIGUES, Fabiana de Cássia. Florestan Fernandes e a educação pública na Assembleia


Nacional Constituinte (1987-1988). Pro-Posições, Campinas, v. 33, 2022, p. 01-26.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.
SAVIANI, Dermeval. Florestan Fernandes e a educação. Estudos Avançados, v. 10, n. 26,
1996, p. 71-87.
SHIROMA, Eneida Oto; ZANARDINI, Isaura Monica Souza. Educação e ideologia do
neodesenvolvimentismo: heteronomia no campo educacional. Roteiro, v. 47, 2022, p. 01-25.
SILVA, Renato Oliveira da; SANTOS, Maria Escolástica de Moura; SANTOS, Pedro Pereira
dos. Mercantilização e educação: os impactos do capitalismo dependente na educação
superior no Brasil no contexto da crise estrutural do capital. Germinal: marxismo e educação
em debate, v. 14, n. 01, 2022, p. 293-308.
TREINTA, Fernanda Tavares; et al. Metodologia de pesquisa bibliográfica com a utilização
de método multicritério de apoio à decisão. Production, v. 24, n. 3, 2014, p. 508-520.
VIANA, Jeane Santos Silva. (Des)caminhos da BNCC e da contrarreforma do ensino médio
sob o amparo da internacionalização das políticas educacionais: implicações para o trabalho
docente. Revista Desenvolvimento & Civilização, v. 03, n. 01, 2022, p. 72-93.

Você também pode gostar