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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

O embate entre cultura pop e o conceito de arte em Lady Gaga1

Heloísa Dias FAHL2


José Eduardo Ribeiro de PAIVA3
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP

Resumo

A cantora norte-americana Lady Gaga é frequentemente lembrada por suas performances,


vídeos e roupas fora dos moldes tradicionais, muitas vezes consideradas polêmicas. Isso
porque frequentemente trazem referências, simbologias e significados que desafiam padrões
sociais e consequentemente, causam a sensação de estranhamento e choque no público.
Entretanto, mais do que apenas chocar, a imagem de Gaga traz consigo inúmeras
referências à cultura pop e à chamada “alta cultura”, colocadas lado a lado, muitas vezes
dialogando entre si, levantando uma interessante e relevante reflexão acerca do que é arte.
O presente artigo se propõe a apresentar momentos onde esse embate entre a cultura pop e a
“alta cultura” ocorrem na existência midiática de Lady Gaga e como ela consegue com isso,
propor um relevante questionamento do conceito de arte.

Palavras-chave: Cultura Pop; Alta Cultura; Arte; Lady Gaga.

A cultura pop estava na arte


Agora a arte está na cultura pop, em mim! 4

O trecho acima, parte da canção “Applause” (2013), assim como o restante dela, é
um claro anúncio de uma das propostas mais recorrentes nas obras de Lady Gaga:
questionar o conceito de arte. Desde referências a cantoras pop, como Madonna, até o uso
de pinturas de Sandro Botticelli como estampa de seu vestuário, a cantora mistura cultura
pop e a chamada “alta cultura” com naturalidade o suficiente para que esse embate entre as
duas muitas vezes passe despercebido e reforce a sensação de não existir uma barreira que
separe nitidamente as duas esferas.

1
Trabalho apresentado na Divisão Temática de Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
2
Recém-graduada do Curso de Comunicação Social (Midialogia) do Instituto de Artes - UNICAMP,
email: dfheloisa@gmail.com
3
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Comunicação Social (Midialogia) do Instituto de Artes - UNICAMP,
email: paiva@unicamp.br
4
Original: “Pop culture was in art, now art is in pop culture, in me!” (Trecho de “Applause”, canção do álbum Artpop
(2013), escrita por Julien Arias, Paul Blair, Martin Bresso, Lady Gaga, William Grigahcine, Nicolas Mercier, Nick
Monson e Dino Zisis. Gravadora: Interscope / Polydor / Stramline).

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As obras de Lady Gaga, seus videoclipes, performances e inclusive aparições


públicas geralmente são compostas por diversos simbolismos e referências tanto à cultura
pop quanto à “alta cultura”. Entretanto, segundo Rodrigues (2012), Lady Gaga traz na
verdade a ideia do novo (renovado) que já foi testado e validado antes. Ele cita Umberto
Eco para mencionar que Lady Gaga utiliza-se da estratégia de inserir a novidade em doses
homeopáticas e que,

A referencialidade é a retomada de formas e imagens, a adaptação e


reutilização de signos já conhecidos e que habitam o inconsciente coletivo
(arquétipos). A referência é um componente essencial na cultura pop.
Andy Warhol, seriados de TV, histórias em quadrinhos e filmes fazem uso
da referência à exaustão. Trata-se de um recurso para familiarizar a
audiência e para criar identificação. A referência, quando compreendida e
identificada, é um dos recursos mais poderosos utilizados na cultura pop.
(RODRIGUES; VELASCO, 2012, p.4)

Oliveira (2010) afirma que Lady Gaga é um exemplo da ideia de pastiche dentro da
cultura pop, ou seja, a apropriação de elementos já utilizados anteriormente, porém sem ser
uma sátira ou plágio daquilo que é citado. Ele afirma que “a cultura pop é o reino das
referências, do reconhecível, de uma estética repetitiva que parece inovar”. Segundo ele,
“O pop é, e sempre foi, um reaproveitamento de culturas e formas anteriores.” (OLIVEIRA,
2010).
No contexto atual da indústria fonográfica, Lady Gaga é um dos maiores exemplos
de celebração do movimento artístico Pop Art, consolidado na década de 60, cujo principal
nome é Andy Warhol. A maior marca da Pop Art é a apropriação de bens de consumo do
cotidiano, principalmente os produzidos em massa, para conferir-lhes caráter artístico,
utilizando-se frequentemente da repetição e da noção de consumo, que são elementos
característicos do sistema capitalista. Ainda dentro do conceito de apropriação de objetos do
cotidiano dentro da esfera artística, outro movimento de grande destaque do início do
século XX é o chamado “Ready-Made”, proposto por Marcel Duchamp. Seu principal
conceito era de que qualquer objeto poderia ser elevado à condição de obra de arte desde
que o artista assim definisse (MOMA, 2015). Conceitos desses dois movimentos artísticos
podem ser claramente notados nas obras de Lady Gaga e no diálogo que ela propõe ao
apresentar referências de diversas naturezas em seu trabalho.
Uma das obras mais famosas da Pop Art foi produzida em 1962 por Andy Warhol,
chamada “Marilyn Diptych”, uma representação de tinta acrílica sobre tela da famosa atriz

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e modelo norte-americana Marilyn Monroe (TATE, 2016). A popularidade da obra vem


para consolidar a imagem de Marilyn como um símbolo característico da cultura popular. O
número de artistas que fazem referências à atriz e modelo é quase incontável. Sua música
mais famosa, “Diamonds are a girl’s best friend”, é referenciada por Nicole Kidman no
filme “Moulin Rouge” de 2001 e o clipe feito por Marilyn para esta canção é recriado em
“Material Girl”, de 1984, da cantora Madonna (WHOSAMPLED, 2016). A cena do vestido
branco de Marilyn sendo levantado pelo vento no filme “O pecado mora ao lado” (1955) é
um clássico da história do cinema mundial. Pôsteres e camisetas com a imagem da atriz
nessa cena podem ser vistos em todos os lugares do mundo. O estilo de cabelos loiros de
Marilyn é também icônico e já foi referenciado por Madonna, Christina Aguilera, Jennifer
Lopez, Scarlett Johansson e muitas outras artistas (US WEEKLY, 2012). Lady Gaga, com
sua notável inspiração da Pop Art, também não deixa de referenciá-la.
Entre as diversas referências a Marilyn Monroe feitas por Lady Gaga, uma das mais
interessantes é a que ocorre no clipe “Telephone”, música de 2009, gravada com Beyoncé.
Em uma das cenas onde Lady Gaga, que interpreta uma carcerária, vai atender a uma
ligação, seus cabelos estão loiros e encaracolados como os de Marilyn. Mais do que isso, o
cabelo de Gaga está enrolado com latas de Coca-Cola Diet, o que pode ser interpretado um
símbolo da produção em massa do sistema capitalista assim como as latas de sopa
Campbell da obra “Campbell’s Soup Cans” de Andy Warhol, de 1962. Marilyn é também
referenciada no clipe de “Applause” (2013), quando Lady Gaga aparece novamente com o
cabelo intensamente loiro e encaracolado dentro de uma gaiola. A figura de Gaga remete
claramente à imagem da Marillyn de Warhol.
Assim como Andy Warhol possuía o estúdio “The Factory”, que contava com uma
equipe de produção de suas obras, Lady Gaga também possui seu estúdio e equipe chamado
“Haus of Gaga”. A “Haus of Gaga” trabalha em conjunto para a criação de tudo aquilo que
envolve a imagem de Lady Gaga, como videoclipes, vestimentas, turnês, etc. O nome
“Haus”, além de soar como “House” (casa em inglês), referencia uma escola vanguardista
alemã da década de 20, a Bauhaus, conhecida pelo apelo modernista de suas obras em
campos como arquitetura e design (GAGAPEDIA, 2016).
No clipe de “Applause”, Lady Gaga faz também uma clara referência ao quadro “O
nascimento de Vênus”, de Sandro Boticelli (século XV), estando semi-nua, vestida apenas
com roupas íntimas no formato de conchas e com longos cabelos loiros (ZAFFAR, 2013).
A mesma referência foi feita na divulgação deste single durante o Video Music Awards

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(VMA) do mesmo ano. Ainda em 2013, a cantora utilizou a pintura de Boticelli como
estampa para um de seus vestidos na saída de um hotel. A simbologia da Deusa Vênus e a
figura da mulher são bastante recorrentes no trabalho de Lady Gaga. O clipe “Telephone”
(2009), música com participação de Beyoncé, encerra-se com o símbolo de Vênus, que
representa tanto o sexo feminino como a versão romana da Deusa grega Afrodite, símbolo
do amor, sexo, beleza e fertilidade (ZAFFAR, 2013). O clipe trabalha intensamente com a
figura da mulher, se iniciando em uma cadeia feminina e encerrando com duas fugitivas (no
caso, Lady Gaga e Beyoncé) em uma caminhonete após terem envenenado o namorado da
personagem de Beyoncé e outros frequentadores de uma lanchonete. Além disso, uma das
canções do álbum Artpop, de 2013, é intitulada “Venus” e sua letra é uma clara menção à
Deusa romana.
Outra referência no clipe de “Applause” citada por Zafar (2013) é o do mito de
Ícaro, filho de Dédalo. Na mitologia grega, o seu pai lhe cria asas de cera e penas, mas o
avisa para ficar longe do Sol e do oceano. A ambição e curiosidade de Ícaro, porém, faz
com que ele se aproxime muito do Sol e a cera derreta, de forma que ele caia no oceano e
afogue-se. A referência a Ícaro aparece em diversas outras obras da cultura popular. David
Bowie, por exemplo, também utilizou a imagem das asas de Ícaro em sua turnê intitulada
“Glass Spider Tour”, em 1987. O estilista Alexander McQueen também faz tal referência
em seu desfile Primavera/Verão em 2008. (ZAFAR, 2013).
Outro clipe de Lady Gaga bastante icônico e que conta com muitos simbolismos e
referências é “Born this Way”, de 2011. O videoclipe inicia-se com um triângulo cor-de-
rosa apontando para baixo, e segundo Tomazetti (2011):

A simbologia do triângulo rosa invertido era usada nos campos de


concentração nazistas para identificar homossexuais, sendo o mesmo
triângulo quando apontado para cima, utilizado como símbolo do orgulho
gay. Em termos simbólicos, o triângulo invertido expressa o poder do
sagrado feminino, representando o útero, em contrapartida ao triângulo
voltado pra cima que representa o falo masculino. Dentro desse triângulo
temos o segundo símbolo, o unicórnio, ser mitológico que representa a
pureza e força, ligado à imagem da virgindade. Gaga pretendeu
simbolicamente elucidar a união entre o que representa o útero aliado à
pureza e a força de um ser mitológico para explicar sua gravidez cósmica.
Este frame reúne todo o conceito do vídeo implica em um nascimento
metafórico de uma nova raça, sem julgamentos e preconceitos.
(TOMAZETTI; MIRANDA, 2011, p.12)

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O clipe de “Born this Way” encerra-se com referências a Michael Jackson, através
das icônicas luvas brancas do cantor, e Madonna, através de maquiagem e da falha nos
dentes frontais que era marca característica da cantora nos anos 80 (SOEIRO, 2014).
O álbum Artpop, lançado em 2013, é um rico objeto de análises deste embate entre
cultura popular e “alta cultura” levantados por Lady Gaga. Sua capa, por exemplo, foi
elaborada pelo artista Jeff Koons que, assim como Andy Warhol e Marcel Duchamp, é
notavelmente conhecido por elaborar suas obras utilizando-se de objetos cotidianos. Nos
anos 80, montou um estúdio em Nova York e seguindo os modelos do “The Factory”,
contava com assistentes para lhe ajudar na elaboração de suas obras (FERNANDES, 2010).
Uma de suas sérias mais famosas, “Banality”, de 1988-89, eleva objetos semelhantes a
bibelôs, à categoria de arte. Outra famosa série do artista é “Celebration”, cujos períodos de
criação das obras são significantemente variáveis, assim como a características delas. Há
desde uma pintura óleo sobre tela representando um ovo quebrado (Cracked eggs, 1995 –
1999), assim como uma escultura de aço inoxidável remetendo à imagem de um cachorro
feito com bexigas (Balloon Dog, 1994 – 2000) (KOONS, 2016). Koons é inclusive citado
na letra de “Applause”, onde Lady Gaga diz que em um momento ela é uma obra de Koons
e de repente, a obra de arte é ela.
A mitologia é um tema bastante explorado por Lady Gaga e um dos clipes da
cantora com mais referências mitológicas é “G.U.Y.” (sigla para Girl Under You), lançado
em 2014, além de contar também com as já tradicionais referências à cultura pop. Este
videoclipe utiliza-se do formato de curta-metragem e é um dos mais longos da carreira de
Lady Gaga, durando 11 minutos e 47 segundos. Devido a sua longa extensão, o clipe
inclusive conta com trechos de outras duas músicas do álbum, Venus e Manicure. O clipe
inicia citando a equipe de “Haus of Gaga” como produtora do vídeo. Logo em seguida,
diversos homens vestidos com roupa social aparecem em um gramado abandonado lutando
por notas de dinheiro que caem. Eles passam por cima da imagem de Gaga e vão embora. A
personagem possui asas feitas de penas e uma flecha fincada em seu peito, simbolizando os
Erotes, deuses referentes ao amor e ao sexo, filhos de Afrodite (ZAFAR, 2014). A canção
começa com a seguinte letra: “Saudações Himeros, Deus do desejo sexual, filho de
Afrodite”. Himeros é um Erotes. Já na interpretação de Soeiro (2014), Gaga remete à
imagem de Lúcifer, anjo do Mau que cai do céu. Em sofrimento, essa imagem se arrasta até
a entrada de uma mansão, no qual é pega e levada pelos braços por dois guardas para

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dentro, de forma com que essa ação, através do enquadramento da câmera na cena, remeta à
crucificação de Jesus, que posteriormente será referenciado no clipe mais uma vez.
Enquanto a canção Venus é tocada na versão estendida do clipe e a imagem de Gaga
renasce, a cena de uma escadaria reunindo diversos elementos da cultura pop e da mitologia
grega aparece. Nessa escadaria, vemos mulheres vestidas de rosa representando as Musas,
filhas de Zeus. Elas são interpretadas por atrizes da série “The Real Housewifes of Beveryly
Hills”, enquanto Zeus é representado por Andy Cohen, produtor executivo da franquia “The
Real Housewives”. As referências à cultura pop se misturam às imagens mitológicas
durante todo o clipe. Há também a representação de Donatella Versace, estilista italiana da
Versace, que inclusive é título de uma das canções do álbum Arrtpop e Lady Gaga
representada em uma obra do artista Nathan Sawaya, onde um busto feito de peças de
brinquedo parece estar abrindo o próprio peito e Gaga é o seu rosto (ZAFAR, 2014).
O clipe de “G.U.Y.” trata da criação do rapaz (“guy”) ideal. No processo dessa
criação, Lady Gaga conta com a ajuda de um jogador do famoso jogo eletrônico
“MineCraft”, conhecido por ter muitos seguidores no em seu canal do YouTube
(“SkyDoesMinecraft”), que ativa o comando “gamemode ARTPOP” em seu computador.
Dessa forma, as figuras de Michael Jackson, Jesus e Mahatma Gandhi ressurgem, e de cada
um deles é retirado um pouco de sangue para que na união desses se crie a fórmula do
G.U.Y. ideal. A maçã mordida, símbolo da perda do Paraíso na história de Adão e Eva,
também aparece no clipe, porém aqui é feita com peças de brinquedo, obra de Nathan
Sawaya (ZAFAR, 2014). Sobre esta produção, Sawaya diz:

O último álbum de Lady Gaga, ARTPOP, tem muita relação com a vida
dela estar entre o mundo da arte e o mundo da cultura pop. Isso ressoou
em mim uma vez que eu estou frequentemente criando referências da
cultura pop a partir de um brinquedo de criança e apresentando-as como
arte. Um dos principais temas que discutimos é sobre fazer a arte
acessível. 5 (SAWAYA, 2014)

Judas (2011) é o clipe de Lady Gaga com mais referências bíblicas. Tanto a música
quanto o clipe concentram-se no dualismo “o bem” e “o mal”, sendo Judas o rapaz errado, e
Jesus, o correto. A narrativa se baseia na história da Bíblia Cristã e o conflito está no fato de
Gaga se apaixonar por Judas e trair o amor de Jesus. O videoclipe começa com 12
motoqueiros na estrada representando os 12 discípulos, todos com uma jaqueta de couro

5
Original: Gaga’s latest album, ARTPOP, has a lot to do with her life of being caught between both the world of art and
the world of pop culture. This resonated with me since I am often creating pop culture references out of a child’s toy and
presenting it as art. One of the main themes we discusses was about making art accessible.

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com seu nome, entre eles Judas. Lady Gaga está na garupa de um dos motoqueiros, que é
depois identificado como Jesus devido à coroa de espinhos em sua cabeça, instrumento
utilizado durante a tortura e crucificação de Cristo segundo a Bíblia. Gaga utiliza adereços
que remetem à religião, como o colar em forma de crucifixo e uma coroa e representaria
Maria Madalena (SOEIRO, 2014).
O restante do videoclipe desenvolve a narrativa de Lady Gaga dividida entre Judas e
Jesus. Sempre há na roupa de Gaga alguma conotação religiosa, mesmo nas cenas de dança,
como a imagem da cruz em seu sutiã que aparece em diversas ocasiões. Outros elementos
religiosos também são trabalhadas em ocasiões como o nome do clube onde dançam, que se
chama “Electro Ghospel”. Vemos Lady Gaga com a imagem do Coração Sagrado, se
assemelhando à imagem da Virgem Maria. A lavagem dos pés e a benção de Jesus são
outras referências religiosas que aparecem. Ao final do clipe, Lady Gaga é apedrejada ao
preferir o amor de Judas ao de Jesus. Na cena onde se vê Lady Gaga entre ambos se
rendendo a Judas, há fogo ao fundo e ela agoniza de dor, simbolizando que cometeu um
pecado (SOEIRO, 2014).
Além das referências existentes nos videoclipes, suas performances e aparições
também são repletas de simbologias. Em 2013, na fase de divulgação de seu single
“Applause”, Lady Gaga apresentou-se no programa matinal norte-americano “Good
Morning America”, onde incorporou o vestuário e personagens do famoso filme musical “O
mágico de Oz”, de 1939. O filme, um dos maiores destaques da chamada “Era de Ouro” do
cinema hollywoodiano, já assumiu o caráter de “clássico do cinema” devido a sua
importância no cenário cinematográfico e Gaga apropria-se dele para colocar os
personagens da narrativa em outro contexto. A cantora representa Dorothy e diz a seus
companheiros (Espantalho, Homem de Lata e Leão Covarde): “Eu vivo pelo seu aplauso” (I
live for your Applause), e assim caminham na estrada de tijolos amarelos a caminho de Oz,
logo após a canção mais famosa do filme ter sido cantada, “Somewhere over the rainbow”.
Uma das apresentações mais polêmicas de Lady Gaga foi no festival SXSW Show
em 2014. Neste evento, Lady Gaga convidou a artista plástica Millie Brown, famosa por
realizar pinturas a partir de vômitos induzidos, para participar de sua performance. Durante
a apresentação, Brown ingere líquidos coloridos e induz o seu vômito sobre Lady Gaga, que
grita “Dane-se música pop. Isso é ARTPOP. Libertem-se!”. Millie Brown, quando
questionada a respeito de sua estratégia de composição artística e performática, diz “Eu
queria usar o meu corpo para criar arte [...] Eu queria que isso realmente viesse de dentro,

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criar algo que fosse cru e incontrolável” 6 (BROWN, 2014). Quando questionada a respeito
da performance, Gaga a define como “arte em sua forma mais pura” (CAMPBELL, 2014).
Outra situação onde a cantora causou grande estranhamento do público foi ao
utilizar um casaco aveludado decorado com Caco, o sapo dos Muppets, desenhado pelo
estilista Jean Charles de Castelbajac (PHOENIX, 2010). Uma rápida busca por imagens das
peças criadas por Castelbajac deixa clara a intenção que tem de incorporar elementos da
cultura pop em suas coleções e torná-las notáveis nas passarelas, como estampas remetendo
a peças de brinquedos infantis e ao personagem Mickey Mouse. Esse diálogo entre moda e
elementos da cultura pop é bastante interessante uma vez que a primeira muitas vezes é
vista como parte da “alta cultura”. Geralmente é interpretada como algo que não é tão
acessível em massa como os elementos da cultura pop.
Lady Gaga carrega consigo uma extensa lista de performances consideradas
polêmicas . Exemplos são o vestido de carne utilizado no Video Music Awards (VMA) em
2010, a chegada ao Grammys dentro da carcaça de um ovo em 2011 e a simulação de um
sangramento em sua performance no VMA de 2009. As referências a outros elementos da
cultura popular são recorrentes principalmente em seus clipes, que colocam elementos
cinematográficos, Bíblicos, mitológicos e populares lado a lado. “Paparzzi”, de 2009, por
exemplo, referencia tanto o filme “Vertigo” (1958), de Alfred Hitchcock (SOEIRO, 2014)
como Mickey Mouse. O uso dessas referências de forma simultânea torna difícil nomeá-los
como “cultura popular” ou “alta cultura”. A reapropriação e a ressignificação desses
símbolos e objetos é tão frequente que dissocia-los é quase impossível, sendo ainda mais
difícil estabelecer um padrão para definir uma obra como arte ou não.

6
Original: “I wanted to use my body to create art [...] I wanted it to truly come from within, to create something beautiful
that was raw and uncontrollable”.

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Considerações Finais

Lady Gaga é frequentemente lembrada por suas roupas e performances consideradas


polêmicas. Por trás disso, porém, está uma série de referências e significados que englobam
elementos tanto da cultura popular quanto de conceitos relacionados ao que geralmente é
considerado como “alta cultura”, exercendo um interessante trabalho de apropriação e
ressignificação de signos já amplamente difundidos e conhecidos.
A cantora frequentemente utiliza trabalhos de artistas que levantam semelhante
questionamento a respeito da arte, como Millie Brown, que cria quadros a partir de vômitos
induzidos, e Nathan Sawaya, que faz suas esculturas a partir de peças de brinquedo
cotidianas. Muitos desses artistas, assim como Lady Gaga, contam com equipes de
produção para executar sua arte e novamente, criam um interessante questionamento da
obra de arte como processo de criação individual e a levam para dentro de moldes de
produção fabril, cujos produtos geralmente não são tratados como arte, e sim como objetos
de consumo.
Assim como Andy Wahrol e Marcel Duchamp, a cantora é capaz de colocar
elementos considerados banais dentro de uma esfera onde também constam elementos
considerados arte. O ato de tirar uma obra de seu contexto, como por exemplo, o vestido
com a estampa do quadro “O nascimento de Vênus”, de Sandro Boticelli, e colocá-la em
um novo contexto totalmente diferente gera o questionamento de o quê realmente define
algo como arte: seu contexto de interpretação, sua origem, a técnica de produção ou o
conteúdo em si?
Ao misturar exemplos da cultura pop, referências Bíblicas, mitológicas e da “alta
cultura” em suas obras, sem fazer clara distinção do espaço de origem e “classificação”
tradicional de cada um, a cantora deixa implícito um questionamento a respeito do que
realmente é arte e de qual é, afinal, o elemento que distingue a cultura pop da chamada “alta
cultura”.

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