Raquel eu te amo
Raquel eu te amo
Raquel eu te amo
A noite estava macia, perfumada pela promessa de chuva. Raquel, um incêndio ruivo
emoldurado por um vestido vermelho-escuro que abraçava suas curvas, irradiava um brilho
especial. Seus brincos de prata, delicados como teias de aranha, cintilavam sob a luz suave
dos postes. O batom vermelho vibrante contrastava com a pele alva, e suas unhas, pintadas
de um vermelho escarlate, brilhavam a cada gesto. Sapatos de salto alto, um luxo que ela
adorava, completavam seu visual impecável. Jeferson, ao seu lado, sentia o calor de sua
mão em seu braço, um toque que o acalmava e o incendiava ao mesmo tempo. Ele usava
uma camisa branca simples, sob um blazer escuro, mas seus olhos brilhavam com a
mesma intensidade do batom de Raquel.
"Você está linda, meu amor," sussurrou Jeferson, puxando-a para perto. O perfume dela,
uma mistura de flores e algo doce e misterioso, o embriagava.
"E você, meu eterno," respondeu Raquel, seus dedos entrelaçados aos dele. Seus olhos,
castanhos e profundos, encontraram os dele, e um sorriso tímido, mas apaixonado, surgiu
em seus lábios.
O cinema estava quase vazio. Durante o filme, as mãos deles permaneceram unidas, um
refúgio silencioso de paixão. Entre beijos furtivos e sussurros apaixonados, eles viviam um
universo só deles, um universo que logo seria brutalmente interrompido. Ao saírem do
cinema, a noite havia mudado. A chuva, que antes era uma promessa, agora caía em
torrentes. A pouca iluminação dos postes amarelos lançava sombras longas e distorcidas
nas ruas quase desertas. Um gato preto, como um presságio sinistro, esgueirava-se por um
muro baixo. De repente, uma figura surgiu das sombras: um homem alto e magro, com
cabelos negros e despenteados, uma barba por fazer e uma roupa escura, surrada, quase
em farrapos. Cicatrizes profundas sulcavam seu rosto, e um cigarro pendurado entre os
lábios completava a imagem de um predador. Um revólver enferrujado brilhava em sua
mão. Seus olhos, frios e sem vida, encontraram os de Raquel. O horror se instalou
naquela noite chuvosa, interrompendo para sempre a doce melodia do amor de Jeferson e
Raquel.
….
A voz rouca do ladrão cortou o silêncio da noite como um grito de morte. "O anel! Me dá o
anel!" Raquel, inicialmente paralisada pelo medo, reagiu com uma força inesperada. Seus
olhos, antes cheios de amor, agora brilhavam com uma fúria incontrolável. Ela se recusou a
entregar o anel, o símbolo do seu amor por Jeferson. A reação dela foi instintiva, uma
defesa ferrenha do seu precioso símbolo de união. O ladrão, irritado pela ousadia da
mulher, não hesitou. Com uma brutalidade chocante, ele desferiu uma coronhada na
cabeça de Jeferson, que caiu desmaiado no chão frio e úmido. O impacto do golpe foi
violento, um estrondo que ecoou na noite silenciosa, misturando-se com o som da chuva
que caía incessantemente. Raquel, testemunha da cena, gritou, um som de puro terror que
se perdeu na tempestade. Mas o grito foi silenciado para sempre quando o ladrão, sem
hesitar, disparou o revólver. O tiro atingiu seu alvo com precisão cruel: o coração de
Raquel. A vida dela se esvaiu em um instante, deixando para trás apenas o silêncio e a
chuva que lavava o sangue recém-derramado.
….
A perda de Raquel se tornou um buraco negro que engoliu tudo em sua vida. O amor, as
esperanças, os sonhos, tudo foi sugado para aquele abismo de dor. O que antes era uma
chama acesa de afeto, agora era cinzas frias, cobertas por uma camada espessa de raiva.
A vingança se tornou o único ar que ele respirava, o único alimento que saciava a fome que
o devorava por dentro. Jeferson se tornou um espectro, um fantasma assombrado pela
lembrança de Raquel e pelo desejo implacável de vingança. As noites eram longas e
torturantes, cada segundo uma agonia revivendo a cena do crime. O dia se transformava
em uma missão incessante, uma busca obsessiva por pistas, por qualquer informação que
o levasse ao assassino de sua amada.
Ele deixou de lado o trabalho, a vida social, tudo que antes o preenchia. Sua casa se tornou
um santuário de dor, um altar dedicado à memória de Raquel e à vingança. As paredes,
antes pintadas de tons claros e acolhedores, agora pareciam se curvar sobre ele, como se
estivessem carregadas pelo peso da sua dor. O amor que ele sentia por Raquel se
transformou em um ódio implacável, uma chama que o consumia por dentro. A vingança
passou a ser o único objetivo, o único propósito que lhe restava. Ele se dedicou a essa
busca com uma fúria que assustava até mesmo a si mesmo. Era como se o desejo de
vingança tivesse se tornado um ser separado, um demônio que o possuía, o controlava, o
guiava.
Jeferson se transformava a cada dia. A tristeza profunda esculpia rugas em seu rosto, as
noites mal dormidas deixavam marcas escuras sob seus olhos. A gentileza e a bondade
que o caracterizavam antes se esvaíam, dando lugar a uma frieza que o deixava estranho
até mesmo para si próprio. Ele se tornava um lobo solitário, movido por um desejo de
vingança que o consumia por inteiro. A vingança se tornou a única coisa que importava, o
único caminho que ele via para aliviar a dor que o dilacerava. Era uma busca sem volta, um
caminho tortuoso e perigoso, onde ele se arriscava a perder completamente a si mesmo.
Porém, nesse momento, a vingança era a única luz que brilhava em sua escuridão.
…..
A vingança se tornou a única bússola de Jeferson. Ele não dormia, não comia direito, sua
sombra era alongada e escura, espelhando a escuridão que o consumia. A caça ao ladrão
se tornou uma obsessão, um turbilhão de informações fragmentadas e encontros perigosos.
Ele vasculhou os cantos mais escuros da cidade, frequentando bares decadentes e casas
de jogo, lugares onde a lei era apenas um sussurro no vento. Ali, entre criminosos de todos
os tipos, ele encontrou informantes, alguns por dinheiro, outros por vingança própria.
Um deles, um homem magro e sarcástico com uma cicatriz que cortava sua bochecha, lhe
deu a pista crucial: o ladrão, conhecido apenas como "Cobra", era visto com frequência em
um armazém abandonado nos arredores da cidade. Jeferson, guiado pela promessa de
vingança, se aproximou do local, o coração batendo forte no peito, como um tambor de
guerra.
O confronto foi breve e brutal. Jeferson não hesitou. A faca voou, encontrando seu alvo
com precisão mortal. O grito de Cobra foi abafado pelo silêncio do armazém, misturando-se
com o som da própria respiração ofegante de Jeferson. A vingança, por um momento,
pareceu doce. Mas a sensação foi efêmera. Ao olhar para o corpo sem vida do ladrão,
Jeferson não sentiu alívio, apenas um vazio profundo, uma sensação de que algo essencial
havia se perdido para sempre. A vingança, ele percebeu, era um deserto que devorava
tudo em seu caminho, deixando para trás apenas cinzas e arrependimento. A imagem de
Raquel, serena e radiante, surge em sua mente, uma lembrança que o assombrava mais do
que a própria vingança.
…..
Jeferson, ofegante e consumido pela adrenalina, olhou para o corpo inerte de Cobra. Seus
olhos se fixaram no anel de esmeralda que brilhava no dedo do ladrão, um símbolo do amor
que ele havia perdido. A raiva e a dor se misturaram em um turbilhão de emoções, e, em
um ato de pura brutalidade, ele agarrou a faca e, com um movimento rápido, cortou o dedo
do ladrão. O grito silencioso do homem ecoou em sua mente enquanto o anel reluzente era
finalmente libertado. Era o que ele queria, o que ele tinha jurado recuperar.
Com o anel agora em sua posse, Jeferson não teve descanso. A noite ainda era jovem e o
cemitério o aguardava. Ele dirigiu-se para lá, cada passo carregado de um novo propósito.
A lua cheia iluminava seu caminho, criando sombras dançantes entre as lápides. O som da
terra sob seus pés parecia um lamento, como se o próprio lugar estivesse ciente da dor que
ele carregava.
Quando seus olhos se encontraram com o corpo de Raquel, a imagem do amor perdido o
atingiu como um soco no estômago. Ele viu sua amada, agora uma sombra do que era,
mas ainda assim perfeita aos seus olhos. O cheiro da decomposição o envolveu, um odor
fétido que poderia enojar qualquer um, mas para Jeferson, era como um perfume do
passado, uma lembrança do amor que havia sido.
Com cuidado, ele colocou o anel no dedo de Raquel, um gesto que parecia restaurar uma
parte dela, uma promessa cumprida. Então, ele se inclinou, seus lábios encontrando os
decompostos da esposa. O beijo era uma mistura de amor e dor, um tributo ao que havia
sido, e, em sua mente, o cheiro que emanava era apenas o eco do amor que ainda pulsava
em seu coração.
“Raquel, eu te amo!” ele sussurrou, as palavras carregadas de uma tristeza profunda, mas
também de um estranho alívio. Naquele momento, Jeferson sentiu que, de alguma forma,
ele havia cumprido sua promessa, mesmo que o preço fosse a própria sanidade. O amor,
mesmo em sua forma mais sombria, ainda era o que o mantinha vivo. E assim, sob a luz da
lua, ele se despediu de sua amada, mergulhando ainda mais nas sombras da escuridão que
consumia sua alma.
Fim