12- MJCS03082022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO - CE
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
ÁREA DE APROFUNDAMENTO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO

MARIA JOUSE CESÁRIO DA SILVA

ARTE E EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

JOÃO PESSOA
2022
1

MARIA JOUSE CESÁRIO DA SILVA

ARTE E EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como exigência para o
título de Licenciatura em Pedagogia,
com área de aprofundamento em
Educação do Campo, pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), campus de
João Pessoa, sob orientação da Profª.
Drª Maria Emilia Sardelich.

JOÃO PESSOA
2022
2
3

MARIA JOUSE CESÁRIO DA SILVA

ARTE E EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para o título de


Licenciatura em Pedagogia, com área de aprofundamento em Educação do Campo,
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus de João Pessoa, sob
orientação da Prof.ª. Dr.ª Maria Emilia Sardelich.

APROVADO em: 15/06/2022.

________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Emilia Sardelich
Orientadora (UFPB)

__________________________________________
Prof. Me. Luciano de Sousa Silva
(UFPB/CE/ DME)

__________________________________________

Prof.ª Mª. Cícera Edvânia Silva dos Santos

(UEMA)
4

Dedico este trabalho aos participantes deste processo


de aprendizagem, família, amigos e grandes amigos,
de casa, de academia, colegas e professores.
5

AGRADECIMENTOS

A minha família, meu pai Geraldo Cesário da Silva (in memoriam), minha mãe
Cicera Cesário da Silva, estes dois que sempre me disseram: “A herança que
temos pra vocês, são os estudos, por isso estudem”. O meu profundo
agradecimento a eles, base da minha vida, da minha história. De modo
particular, minha mãe, a quem desejo ‘contaminar” com a coragem de voltar a
estudar, de saciar cada dia a sede de conhecimento.

Aos meus irmãos de sangue e irmãos da Comunidade Fraternidade Casa de


Judá. Especialmente Izabel e Wagner, e Maria José e Márcia, que sempre me
acompanharam, e me ajudaram absurdamente em todas as tarefas
acadêmicas.

Aos meus amigos de curso, que foram companheiros nesta jornada, em nosso
convívio diário. Coloco aqui em destaque Thayná Araújo, Uriel Carneiro e Ana
Roberta. Muito obrigada, da academia para vida.

A todos os professores que colaboraram pra que eu chegasse até aqui, através
do compartilhamento de seus conhecimentos e vivencias. Obrigada a todos.

Quero destacar neste agradecimento duas pessoinhas chaves para que eu


pudesse observar e desenvolver tantas atividades no âmbito da Educação
Infantil, José Miguel Cesário Sousa e Geovane Rafael Cesário Sousa, dois dos
sete sobrinhos que tenho, mas que convivem comigo. Com vocês pude
acompanhar e observar o desenvolvimento e também experimentar algumas
ideias para futuras aplicações nas regências de estágio. Obrigada, vocês me
ajudaram e me ajudam a construir a minha prática pedagógica, com tudo que
compartilham comigo.

De nenhuma forma posso deixar de destacar, a minha querida orientadora


Maria Emilia Sardelich, me lembro ainda de uma das atividades em um
componente curricular ministrado por ela, quando nos convidava a falar um
pouco de nós, nossa família. Nesse momento me fez entender o porquê da
transição capilar, de entender que minha vida precisava reencontrar minha
identidade, lá onde minha mãe conservava meus cachos naturais. Obrigada
professora, por seu carinho, dedicação, paciência e zelo com que conduziu
esse período de orientação, como uma bussola a me mostrar os melhores
caminhos para construção deste trabalho.

A professora Cícera Edvânia Silva dos Santos e ao professor Luciano de Sousa


Silva pela disponibilidade de participar na avaliação deste TCC e suas
contribuições para a redação final deste trabalho.

A todos que de alguma forma contribuíram neste processo ...

O meu muito obrigada.


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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Licenciatura em Pedagogia


com área de aprofundamento em Educação do Campo, tem por objetivo
analisar a discussão sobre arte-educação em Trabalhos de Conclusão de
Curso (TCCs) produzidos na Licenciatura em Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo da UFPB. Como objetivos
específicos se propôs a analisar a discussão sobre arte-educação nos TCCs
produzidos na Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em
Educação do Campo da UFPB, abordar a proposta do componente curricular
arte na escola brasileira; apresentar a discussão sobre arte-educação nos
TCCs da Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em
Educação do Campo da UFPB; problematizar os achados e as ausências na
discussão sobre arte-educação dos Trabalhos de Conclusão de Curso da
Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do
Campo da UFPB analisados. A pesquisa exploratória tem cunho bibliográfico e
documental. O levantamento documental incluiu a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/1996; a Resolução CNE/CEB nº
5/2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e
a Resolução CNE/CEB n.7/2010, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental de nove anos. O levantamento bibliográfico
realizado no Repositório Institucional da UFPB localizou 4 (quatro) produções:
Dantas; Lino (2014), Ramalho (2017), Apolinário (2018) e Dias (2019). A
ênfase dada nos trabalhos analisados recai sobre o ensino de arte em
instituições escolares, e pouca atenção ao processo de arte-educação do
campo como o esforço de ampliar a relação das pessoas com a arte,
reforçando a herança artística e estética dos educandos e o meio ambiente dos
povos do campo, que nem sempre é reconhecido pela instituição escolar, como
indicaram os quatro trabalhos analisados. Pensar em ampliar a relação das
pessoas com a arte a partir de suas heranças artísticas e estéticas é também
considerar o pensamento do campo, os pensadores do campo.

Palavras-chave: Arte-educação; Ensino de arte; Educação do Campo.


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RESUMEN

Este Trabajo Final de Grado en Pedagogía con área de profundización en


Educación Rural, tiene como objetivo analizar la discusión sobre arte-
educación en los Trabajos Finales de Grado producidos en la Licenciatura en
Pedagogía con área de profundización en Educación Rural de la UFPB. Como
objetivos específicos, se planteó abordar la propuesta del componente
curricular arte en la escuela brasileña; presentar la discusión sobre arte-
educación en los Trabajos Finales de Grado de la Licenciatura en Pedagogía
con área de profundización en Educación Rural de la UFPB; problematizar los
hallazgos y las ausencias en la discusión sobre arte-educación. La
investigación exploratoria tiene un carácter bibliográfico y documental. El
levantamiento documental abarcó la Ley de Directrices y Bases de la
Educación Nacional (LDBEN), Ley N° 9.394/1996; Resolución CNE/CEB N°
5/2009, por la cual se establecen los Lineamientos Curriculares Nacionales
para la Educación Inicial y Resolución CNE/CEB N° 7/2010, que se establecen
los Lineamientos Curriculares Nacionales para la Educación Básica de nueve
años. El levantamiento bibliográfico en el Repositorio Institucional de la UFPB
halló 4 (cuatro) producciones: Dantas; Lino (2014), Ramalho (2017), Apolinário
(2018) y Dias (2019). El énfasis de la discusión en los trabajos analizados está
en la enseñanza del arte en las instituciones escolares con poca atención al
proceso de arte-educación en el campo como un esfuerzo por ampliar la
relación de las personas con el arte, reforzando el acervo artístico y estético de
los estudiantes y el entorno de la población rural, que no siempre es reconocido
por la institución escolar, como lo indican los cuatro trabajos analizados.
Pensar en ampliar la relación de las personas con el arte a partir de sus
herencias artísticas y estéticas es también considerar el pensamiento del
campo, los pensadores del campo.

Palabras clave: Arte-educación; Enseñanza del arte; Educación rural.


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................08

2. A ARTE, SEUS ENSINOS E A ARTE-EDUCAÇÃO.....................................20


2.1 Ensino de Arte............................................................................................26
2.2. Arte-educação...........................................................................................29

3. ARTE-EDUCAÇÃO DO CAMPO..................................................................34
3.1 Os achados.................................................................................................34
3.2 As ausências..............................................................................................45

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................50

REFERÊNCIAS
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1. INTRODUÇÃO

A peleja da escolha temática de um Trabalho de Conclusão de


Curso (TCC) não é fácil para ninguém. Tão pouco foi para mim que no caminho
acadêmico me deparei com inúmeros estímulos vindos das áreas de
Linguagens, Educação Sexual, Educação Ambiental, mas nenhum deles foi
capaz de me atrair mais que a arte. A arte faz tudo tornar-se novo e diferente,
dar vida a quem quer cada vez mais vida. E assim caminhei ao longo dos
vários períodos da Licenciatura em Pedagogia, com área de aprofundamento
em Educação do Campo, alimentando a proposta de me aprofundar em uma
pesquisa sobre arte-educação.
Desde criança que gosto, e muito de arte, em todas as suas
modalidades, seja teatro, dança, música, desenho, artes visuais e tantas outras
possibilidades. Junto com minhas irmãs, na minha tenra infância,
costumávamos brincar de fazer teatro, desfiles de moda com as roupas da
minha mãe, cantar, e “fuçar” na sanfona do meu pai. Este é um detalhe muito
precioso da minha infância, que guardo com carinho, alegria e afeição. Sim,
meu pai tocava sanfona e eu, diversas vezes a desafinei brincando de máquina
de datilografar nela, mas quando chegava o fim de semana, ou quando faltava
energia, acontecia a magia. Nesses grandes momentos, meu pai tirava sua
sanfona do estojo e começava a tocar. No embalo dos sons o seu repertório ia
de La Bamba, de Ritchie Vale (1941-1959), ao Lamento de um Vaqueiro, de
Luiz Gonzaga (1912-1989). Era um momento de festa, cantávamos,
dançávamos e nos sentíamos unidas em torno desses acontecimentos tão
expressivos.
Em minhas memórias sobre as vivências com a arte no ambiente
familiar também me lembro dos crochês da minha avó e dos bordados da
minha mãe. Na memória que guardo da infância, achava tudo aquilo muito
complexo, só em pensar que cada ponto deveria ter sua tensão, a forma de
como pegar na agulha, a textura da linha, e aquele primeiro nozinho que se dá
pra começar o que se chama de corrente do crochê. No meu caso minha
“vóinha” dizia: “Faça a correntinha”. Com seu gesto certeiro ia me ensinando a
habilidade para alongar a corrente e dar a volta para juntar, fazendo surgir uma
forma arredondada. Tantos outros modelos que ela fazia!
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Me lembro que certa vez tentei fazer um descanso de prato, mas na


avaliação de minha vó ficou parecendo um dedal. Essa avaliação de minha avó
me decepcionou e me levou a pensar que eu não servia para fazer crochê, mas
minha avó me consolava. Lembro que ela sempre voltava para dizer que eu
insistisse, que eu praticasse, que sem praticar eu não chegaria a lugar
nenhum. Apesar da insistência de minha avó, não quis mais. Achava, e ainda
acho, esse fazer com as linhas coisa para pessoas muito habilidosas, pois a
agilidade, a atenção de como contar os nós, o lugar certo de emendá-los e
muitos outros mistérios a dominar é algo para ser muito admirado. Mesmo que
eu tenha tanta admiração por mulheres que bordam, tecem, fazem rendas ou
crochê, esses fazeres são, muitas vezes, socialmente desvalorizados, pois
nem sempre as pessoas que compram querem pagar o valor que esse trabalho
merece. Quantas vezes ouvi dizer que são produtos caros, mas quem faz esse
tipo de afirmação não pensa no tempo empregado para a aprendizagem, para
a elaboração da peça, nem no exercício necessário para o desenvolvimento da
habilidade exigida para tal feito, e por muitas vezes não são considerados
como artísticos, mas como artesanato, como se fosse um produto menor.
Dessa maneira escolhi algo que, nas práticas corriqueiras do dia a dia, exigia
menos de mim. Assim preferi mesmo continuar aos “pulos e gracejos” da
dança e da música.
No roteiro da minha formação educacional estudei no Ensino
Fundamental (EF), da Educação Básica (EB), um componente curricular
chamado de Educação Artística. Era o ano de 1989, na Escola Estadual de
Primeiro Grau Professora Débora Duarte, na cidade de João Pessoa, próxima
à casa onde morava na época e que funciona até hoje. Apesar do nome de
Educação Artística fazíamos coisas como uma máscara de bexiga e pó de
serra, alguns desenhos em papel, inclusive me lembro de um evento
significativo que me marcou profundamente quando estudava no Ensino
Fundamental. Recordo um desenho que fiz e colori. Era o desenho de uma
árvore, em que deixei uma metade colorida e uma metade só com o lápis
grafite, em tonalidades de cinza, com a frase: “Natureza quase morta”. Essa
frase também estava em duas tonalidades para dar ênfase nas questões de
preservação da natureza. Olhava para meu desenho achando que a professora
iria aprovar a minha proposta e abrir uma brecha para incluir o assunto com a
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turma. No entanto, para minha surpresa ela não fez nenhum comentário sobre
a imagem pensada e produzida por mim. Enfim, uma avaliação que também
me decepcionou, pois achava que seria mais valorizada. Talvez fosse a
vaidade particular de uma adolescente do Ensino Fundamental.
Ao recordar esse acontecimento agora, depois de todo um processo
de formação como pedagoga, continuo com o mesmo pensamento daquele
momento. Acho que a professora perdeu uma oportunidade de introduzir e
conduzir a temática da Educação Ambiental. A imagem que produzi estava em
duas tonalidades, trazendo um jogo de cores, inclusive para se pensar sobre o
que cada tonalidade nos remete, nos rememora. O que pode sugerir uma
árvore cinza em um lado, e outro ser colorido? Penso que poderia ser um
momento para refletir sobre as queimadas, a preservação da natureza, a
sensibilização daqueles alunos sobre estas questões. E eu como docente
hoje? Veria nessa atividade uma possibilidade, ou deixaria passar essa
oportunidade? Espero que em meu exercício profissional essa recordação
sempre esteja presente e, apesar de toda a pressão que as docentes sofrem
para dar conta dos inúmeros conteúdos e atividades exigidas pelos planos
pedagógicos escolares, eu lembre de sempre ter um olhar para a criatividade e
as criações daqueles com quem trabalhar em qualquer espaço educativo.
No Ensino Médio tive a oportunidade de cursar uma Escola Técnica
Federal, no ano de 1994. Naquela época tínhamos a possibilidade de escolher
a modalidade no primeiro ano e ao cursar o componente curricular que ainda
se chamava Educação Artística, escolhi participar de um grupo de dança
folclórica. Estar nesse grupo de dança me ofereceu a possibilidade de
rememorar os gracejos da infância, os momentos em casa com minha família,
as festas com meus pais, na casa dos meus tios, com meus primos e primas.
Enfim, neste grupo vivi uma experiência muito positiva, vivenciando o dançar
como arte, como espetáculo a ser vivido, apreciado, compartilhado. Além de
nossas aulas no espaço escolar, fazíamos apresentações em alguns lugares
da cidade de João Pessoa e Cabedelo.
Recordo-me que mais ou menos dois anos antes, quando ainda
cursava o Ensino Fundamental, a luta de minha mãe e meu pai, para que eu e
minhas duas irmãs mais velhas, estudássemos na Escola Estadual de Música
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Anthenor Navarro1 (EEMAN), em João Pessoa. É uma escola de música,


mantida pelo sistema de ensino estadual, mas com acesso, pelo menos
naquela época, imensamente difícil pela grande concorrência que existe
quando abrem inscrições. Trago essa fala atualizada, pois há poucos anos
atrás uma das minhas irmãs tentou matricular seu filho mais velho, porém sem
obter êxito, por ter uma grande procura para o número de vagas ofertadas.
Essas foram as minhas possibilidades de um envolvimento com as
realidades artísticas no âmbito das minhas experiências familiares e escolares.
Penso que ainda não existem políticas públicas que tragam possibilidades de
um maior acesso à arte, apesar de existirem hoje mais escolas públicas de
arte, como o Centro Estadual de Arte da Paraíba2 (CEARTE), com cursos livres
nas áreas de artes visuais, audiovisual, literatura, música, dança e teatro. A
acessibilidade também se relaciona com a divulgação dessas informações, à
quem chega essas informações sobre a existência dos cursos, das vagas, do
período de matrículas, além dos recursos para manter os alunos matriculados
nos cursos oferecidos.
No Ensino Superior optei por cursar Licenciatura em Pedagogia com
área de aprofundamento em Educação do Campo 3, na Universidade Federal
da Paraíba (UFPB). Essa Licenciatura promove a formação de professores em
nível superior através do Curso de Licenciatura em Pedagogia, para atuar,
preferencialmente, em projetos educativos nas áreas rurais em geral e de
assentamentos dos movimentos sociais do campo.
O currículo da Licenciatura em Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo, como as demais Licenciaturas da
UFPB, oferece a possibilidade de cursar componentes curriculares optativos.
Foi com muito gosto que no semestre 2017.2 escolhi cursar o componente
curricular Tópicos Especiais em Artes Visuais II: Cultura Visual e Educação das
Relações Étnico-Raciais4. Esse componente curricular foi muito gratificante,

1
Escola Estadual de Música Anthenor Navarro (EEMAN). Disponível em:
https://funesc.pb.gov.br/espaco-cultural/equipamentos/escola-de-musica Acesso em: 22 mai. 2022.
2
Centro Estadual de Arte da Paraíba (CEARTE). Disponível em: https://ceartepb.com/quemsomos/
Acesso em: 22 mai. 2022.
3
Licenciatura em Pedagogia – Educação do Campo, Universidade Federal da Paraíba. Disponível em:
https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/curso/portal.jsf?lc=pt_BR&id=2699762 Acesso em: 22 mai. 2022.
4
Componente curricular Tópicos Especiais em Artes Visuais II - Cultura visual e Educação das
relações étnico-raciais. Carga horária: 60 horas. Ementa: Análise das perspectivas teóricas da
Cultura Visual e suas potencialidades na Educação Básica. As Visualidades e as Políticas de
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pois foi ofertado para estudantes de graduação e pós-graduação ao mesmo


tempo. No início senti um pouco de receio por estar com estudantes de
mestrado, com estudos mais avançados, mas como estudante da graduação
fui acolhida por colegas e docentes que compartilharam seus conhecimentos
sobre arte e a Educação das Relações Étnico-Raciais.
Nesse componente curricular pude realizar uma imersão sobre tudo
que eu achava entender sobre arte tendo em vista que a partir desse momento
pude classificar dentro de mim tudo que sentia em relação ao que me era
sempre apresentado, pois me instigou a refletir de como somos formados pelas
imagens e com o que vemos nos constrói, a forma de olhar, de escolher, de
viver e sentir.
Foi possível conhecer artistas que discutiam temas tão fortes como o
racismo, como Rosana Paulino, Priscila Rezende, Renata Felinto, entre tantas
outras mulheres como eu. Os debates sobre o racismo como construção
ideológica das ideias e valores construídos pela civilização europeia, a partir do
século XVI ao entrar em contato com a diversidade humana e consolidada com
as ideias da Eugenia do século XIX, foram alimentados pela leitura de
Schucman (2010).
A partir do que estudei no componente curricular Cultura Visual e
Educação das Relações Étnico-Raciais, neste TCC me refiro aos termos
racismo, discriminação e preconceito a partir de Andreucci (2016),
compreendendo o racismo como “[...] o conjunto de teorias e crenças que
pregam uma hierarquia entre as raças, etnias ou determinadas categorias de
pessoas” (ANDREUCCI, 2016, s.p.). A “[...] discriminação como a quebra do
princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência,
motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções
políticas” (ANDREUCCI, 2016, s.p.). O preconceito como “[...]opinião ou
sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda
atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em consequência da
generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio,
conduzindo geralmente à intolerância” (ANDREUCCI, 2016, s.p.).

Representação. As colonialidades na relação entre Educação e Visualidades. Da raça à etnicidade e


a construção de identidades étnico-raciais no Brasil recente. Marcos legais sobre a inclusão
obrigatória do ensino de "História e Cultura Afro-brasileira e Indígena" no Ensino Fundamental e
Médio.
14

Figura 1. Musa paradisíaca, 2018. Rosana Paulino.

Fonte: Rosana Paulino: a costura da memória. Pinacoteca de São Paulo, 2018.

A partir das reflexões de algumas imagens da artista Rosana


Paulino, que através das imagens, esculturas, instalações traz à tona essa
reflexão sobre a mulher negra na sociedade brasileira, essa invisibilidade
construída por ideias colonizadas. Nesse componente curricular fui
compreendendo as falas que fomos acomodadas a repetir, sem refletir,
achando que tudo estava no seu devido lugar, quando na verdade, ainda tinha
e tem muita coisa fora da ordem real das coisas e pessoas. Essa compreensão
foi chegando na medida em que refletíamos sobre as imagens e produções
artísticas que nos eram apresentadas.
15

Figura 2. Performance Bombril, de Priscila Rezende, 2010.

Fonte: Website da artista.


Disponível em: http://priscilarezendeart.com/projects/bombril-2010/

Esta performance da artista Priscila Rezende me fez aprofundar


ainda mais nas questões que envolvem o corpo negro em nossa sociedade,
identificando-me de quanto faz-se necessário essas desconstruções do
racismo velado, através de piadas com nosso cabelo, das profundas marcas
que tem deixado, de quanto ainda precisa-se pensar nas formas da ótica
apresentada para sociedade.
Inclusive nessa reflexão me voltei bastante para pensar o
componente curricular arte na ótica da educação do campo. Comecei a pensar
sobre os inúmeros preconceitos que sofrem os povos do campo, em vista de
sua cultura, suas crenças, seu modo de vida. Quantos dessas pessoas não são
tachadas de “macumbeiras”5 por serem de comunidades quilombolas, por
terem práticas culturais de danças, tais como ciranda, coco de roda, capoeira,

5
Apesar de “macumba” ser um instrumento de percussão e macumbeiro o músico que toca esse
instrumento,em geral o termo é empregado em sentido pejorativo desde o Brasil-colônia, como algo
do mau. Ver: Chuta que é macumba. Carta Capital, 21.05.2019. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/chuta-que-e-macumba/ Acesso em 22 mai. 2022.
16

maculelê e tantas outras? Quantas falas e imagens de produções artísticas que


acabam sendo interpretadas como “práticas do mal” porque são julgadas a
partir de um único e limitado ponto de vista? Quantos tipos de exclusão por cor,
por prática religiosa, por costumes culturais? Por que não ver a diversidade
continental e que nas suas trocam tornam-se práticas ainda mais inovadoras?

Figura 3. Ópera Café, Movimento Sem Terra, 2022.

Fonte: Still do vídeo Ópera Café - O teatro é do Povo. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=InRQlavAHQM&t=181s

Através desta imagem que nos lembra desta apresentação Ópera do


café - O teatro é do povo, em que a representação do Movimento dos Sem
Terra (MST) vem recordar que os povos do campo também devem ocupar os
espaços públicos, trazendo sua arte, seus cantos de luta.
Ao refletir sobre minha possível prática preferencialmente, em
projetos educativos nas áreas rurais e de assentamentos dos movimentos
sociais do campo, tenho pensado se essas práticas culturais dos povos do
campo só serão reconhecidas se validadas pelo “discurso da arte” (COLI,
2006) como explicarei no próximo capítulo. Desde o momento em que cursei
esse componente curricular venho pensando sobre isso e a reflexão se
acentuou depois que o Movimento Sem Terra (MST) ocupou durante uma
semana o Theatro Municipal de São Paulo, na cidade de São Paulo,
participando da Ópera Café junto a outros artistas. A Ópera Café foi composta
17

por Felipe Senna6 inspirada em um romance inédito de Mário de Andrade


(1893 – 1945), que foi adaptado pelo dramaturgo Sérgio de Carvalho. O
romance Café, escrito entre 1932 e 1942, apresenta uma fictícia revolução de
trabalhadores rurais após a crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929,
conhecida como Crash de 29. Os povos do campo terão suas práticas culturais
reconhecidas como artísticas quando dançarem e cantarem com o pé na terra,
como os participantes do Coco de Roda Novo Quilombo, no município do
Conde, Paraíba, ou somente se cantarem e representarem a partir das regras e
convenções do palco do Theatro Municipal de São Paulo?

Figura 4. Coco de Roda Novo Quilombo - Conde/Paraíba, 2022.

Fonte: Coco de Roda Novo Quilombo - Conde/Paraíba. Disponível em:


https://www.facebook.com/photo.php?fbid=489554806090149&set=pb.100051069024
227.-2207520000..&type=3

Seguindo na minha formação na Licenciatura em Pedagogia com


área de aprofundamento em Educação do Campo, também cursei o

6
Website de Felipe Senna. Disponível em: https://felipesenna.com/bio/ Acesso em: 22 mai. 2022.
18

componente curricular Artes e Educação7. Esse componente curricular


obrigatório ofereceu grandes possibilidades de formação, mesmo sendo
cursado na modalidade remota, devido a Pandemia COVID-19. Fui
surpreendida com aulas bem diferenciadas e experiências inesquecíveis como
a oficina com o Projeto Artístico-Pedagógico Pau e Lata8. Esse projeto com 25
anos de existência em Alagoas e Rio Grande do Norte, desenvolve um trabalho
artístico e pedagógico a partir dos ritmos da cultura brasileira, utilizando
instrumentos de percussão alternativos e convencionais para musicalização e
investigação sonora. Nos ofereceram a pisada do coco, a quebrada do
maracatu, a energia do afoxé com materiais que muitos podem pensar que são
de descarte, mas tem a grande função de juntar e pensar a coletividade.
Também tivemos a possibilidade de uma aula com um colega da turma
(Geybson) que trouxe um pouco do teatro para nós. Falamos sobre as
mulheres que achávamos importantes e incríveis em nossa vida, trazendo
imagens das mesmas.
No contexto acadêmico da Licenciatura em Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo, também participei do Programa
Residência Pedagógica (PRP). Este programa trouxe a possibilidade de ir além
do ato educativo, trouxe reflexões teórico-metodológicas a partir da articulação
entre teoria e prática, afinal, o Programa Residência Pedagógica “[...] tem por
objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de
licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação
básica, a partir da segunda metade de seu curso” (CAPES, 2018). Apesar
dessa excelente proposta, na minha experiência pude perceber o quanto a
própria organização escolar não possibilita aos residentes de Pedagogia as
práticas em arte, tendo em vista que realizamos somente regências de:
Português, Matemática, Ciências, Geografia e História. Ressalto aqui que, de
modo bem particular neste longo período da Pandemia COVID-19, foi a arte
que nos ajudou a construir as regências, por meio de músicas, vídeos,

7
Componente curricular Artes e Educação (1302418) 60 horas. Ementa: A importância da arte
na educação como processo de criação e de ensino. Vivência de diferentes linguagens da arte.
A mística nos movimentos sociais como um processo educativo. Disponível em:
https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/curso/resumo_curriculo.jsf Acesso em: 22 mai. 2022.
8
Projeto Artístico-Pedagógico Pau e Lata. Disponível em: https://www.facebook.com/pauelata/
Acesso em: 22 mai. 2022.
19

contação de histórias, fantoches, jogos, filmes, dobradura, atividades criativas


que não podem estar desconectadas da prática docente.
A partir de todas essas experiências me senti instigada a investigar
se existia um pensamento único em relação a arte-educação na Educação do
Campo ou se teriam propostas diferentes. Assim fui alimentando a pergunta
que gerou a produção deste TCC: o que se discute sobre arte-educação nos
Trabalhos de Conclusão de Curso da Licenciatura em Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo da UFPB?
A partir dessa pergunta geradora defini como objetivo geral: analisar
a discussão sobre arte-educação nos Trabalhos de Conclusão de Curso da
Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do
Campo da UFPB. Como objetivos específicos: abordar a proposta do
componente curricular arte na escola brasileira; apresentar a discussão sobre
arte-educação nos Trabalhos de Conclusão de Curso da Licenciatura em
Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do Campo da UFPB;
problematizar os achados e as ausências na discussão sobre arte-educação
dos Trabalhos de Conclusão de Curso da Licenciatura em Pedagogia com área
de aprofundamento em Educação do Campo da UFPB analisados.
A metodologia desenvolvida a partir dos objetivos indicados tem
caráter exploratório de cunho bibliográfico e documental, de forma que
analisando o que se tem publicado sobre a temática, possa trazer luzes para
mais relatos e escritos sobre arte-educação do campo.
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade
desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo
em vista a formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.
Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e
documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso
(GIL, 2008, p. 27).

Segundo Severino (2007) o levantamento bibliográfico é realizado a


partir de publicações existentes que contribuem significativamente para o
desenvolvimento de estudos posteriores, ampliando o conhecimento do
pesquisador sobre o objeto de estudo que é o maior propósito do exercício
educacional na Universidade. O levantamento documental incluiu os seguintes
documentos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei
20

nº 9.394/1996; A Resolução CNE/CEB nº 5/2009, que fixa as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e a Resolução CNE/CEB
n.7/2010, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
de nove anos.
Foi a partir dessas referências que caminhei para produzir este TCC,
mapeando o que já se escreveu sobre a arte-educação nos Trabalhos de
Conclusão de Curso da Licenciatura em Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo da UFPB. Para isso realizei um
levantamento bibliográfico no Repositório Institucional da UFPB9 a partir das
palavras-chave: arte, arte-educação e ensino de arte, restringindo a busca no
tipo de documento TCC, entre os anos de 2011 e 2021, por causa de oferecer
um conhecimento atualizado. Obtive 100 (cem) resultados, mas desses
resultados somente 4 (quatro) foram realizados na Licenciatura em Pedagogia
com área de aprofundamento em Educação do Campo. Os trabalhos
localizados, em ordem cronológica, foram os de Dantas; Lino (2014), Ramalho
(2017), Apolinário (2018) e Dias (2019), que serão devidamente analisados em
capítulo posterior.
Assim sendo, com todos os dados obtidos no levantamento
bibliográfico e documental organizei este TCC do seguinte modo:
primeiramente uma discussão sobre arte, a sua proposta de componente
curricular na escola brasileira como ensino e o conceito de arte-educação,
cunhado por Ana Mae Barbosa como o “[...]cuidado de ampliar a capacidade
das pessoas acolherem a arte, se relacionarem com a arte” (BARBOSA, 2016,
s.p.). No capítulo seguinte analiso os trabalhos de Dantas; Lino (2014),
Ramalho (2017), Apolinário (2018) e Dias (2019) que foram produzidos na
Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do
Campo, indicando o que considero como ausências. Por fim as considerações
que foram possíveis alcançar com a realização deste trabalho.

9
Repositório Institucional da UFPB. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/?locale=pt_BR
Acesso em: 22 mai. 2022.
21

2. A ARTE, SEUS ENSINOS E A ARTE-EDUCAÇÃO

A arte sempre esteve presente ao longo da história da humanidade,


nas mais variadas formas de expressão. Um exemplo muito próximo de nós, no
território da Paraíba, encontramos na produção dos povos originários que
ocupavam esse território e já grafaram em baixo relevo a chamada Pedra do
Ingá, muito antes da invasão europeia do continente.

Figura 5. Pedra do Ingá, Paraíba.

Fonte: IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/824

A famosa Pedra do Ingá localiza-se na zona rural do município de


Ingá, unidade geoambiental do semiárido nordestino, cuja cidade sede
encontra-se cerca de 105 km da capital do estado da Paraíba. Segundo o
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 10, todo esse sítio
encontra-se protegido desde maio de 1944, com inscrições no Livro de Tombo
das Belas Artes e no Livro do Tombo Histórico, sendo o primeiro monumento

10
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/824 Acesso em: 22 mai. 2022.
22

de arte rupestre protegido no Brasil e o único reconhecido também pelo seu


conteúdo artístico, além da importância histórica. Para o IPHAN esse sitio
oferece o conjunto mais representativo desse tipo de gravura no Brasil, por
causa do uso
[...] de representações não figurativas na composição de
grandes painéis de arte rupestre e que exprimem o gênio
criativo de um grupo humano que se apropriou de padrões
estéticos abstratos como forma de expressão, e possivelmente,
de conceitos simbólico-religiosos, diferentemente de outras
culturas que, em sua maioria, utilizou-se de representações
antropomórficas e zoomórficas (IPHAN, s.d., s.p.)

O IPHAN ainda não foi capaz de indicar uma data em que essas
representações foram produzidas, mas reconhece que pode ter mais de seis
mil anos de existência. Apesar da sua antiguidade essa arte rupestre segue
inspirando artistas de hoje, como o cordelista paraibano Vanderley de Brito:
Já em meu discernimento,
Por favor, não leve a mal,
O teor do monumento
Revela um canto tribal
Um hino de sortilégio
Da casta sacerdotal
Um local de cantorias
E invocações musicais
Remonta mitologias
Ritos cerimoniais
Ao som de um maracá
Ali, na Pedra do Ingá,
Registra antigos anais
Um código evocativo
De muita sororidade
Um cântico recitativo
À honra de divindade
Gravado por erudito
Em forma de manuscrito
Legado à posteridade
Mas é só uma arguição
O Ingá não se traduz
É demais uma opinião
Desta pedra que reluz
Tão esmera e vigorosa
Que até hoje, caprichosa,
Nos desafia e seduz (BRITO, 2009, p. 30)

Mesmo que o IPHAN se refira à Pedra do Ingá como representações


não figurativas que exprimem o gênio criativo de um grupo humano que se
apropriou de padrões estéticos abstratos como forma de expressão, esses
23

padrões abstratos também inspiram representações figurativas, como a


História em Quadrinho produzida pelo artista visual paraibano Shiko (Patos,
1976).

Figura 6. Piteco, Ingá, de Shiko e Maurício de Sousa, 2013.

Fonte: Panini Comics. https://loja.panini.com.br/panini/produto/Produto-11283.aspx

As representações da Pedra do Ingá também inspiraram o universo


emblemático das iluminogravuras do paraibano Ariano Suassuna (1927 –
2014):
As imagens, por exemplo, da itaquatiara Pedra do ingá, na
Paraíba, aparecem em várias iluminogravuras, e alguns dos
títulos de sonetos recebem uma caligrafia que lembra os traços
de suas insculturas [...] Como já foi dito, essas figuras
suscitaram, ao longo do tempo, diversas interpretações
diferentes, muitas vezes ligadas ao universo mítico. A voz de
Suassuna se junta, portanto, ao coro dos que, fascinados com
essa produção, atribuíram sentidos próprios ao que viam [...]
(SUASSUNA, 2017, p. 137 – 147)
24

Figura 7. Capa de Dez Sonetos com Mote Alheio, Ariano Suassuna, 1980.

Fonte: Capa de Dez Sonetos com Mote Alheio. Recife: edição manuscrita e
iluminogravada por Ariano Suassuna, em 1980.
https://www.rmgouvealeiloes.com.br/peca.asp?ID=223060

Palavras e imagens, de ontem e de hoje, para atribuir sentidos ao


que se vive. Esse é um pequeno exemplo do quanto a arte esteve e continua
presente na história da humanidade. Apesar de ser um fazer tão presente na
história da humanidade a sua definição não é tarefa fácil, como afirma Coli
(2006)
[...] é importante ter em mente que a ideia de arte não é própria
a todas as culturas e que a nossa possui uma maneira muito
específica de concebê-la [...] Desse modo, o ‘em si’ da obra de
arte, ao qual nos referimos, não é uma imanência, é uma
projeção. Somos nós que enunciamos o “em si” da arte, aquilo
que nos objetos é, para nós, arte (COLI, 2006, p. 26)

A partir da citação de Coli (2006) podemos dizer que essa noção de


arte varia ao longo do tempo e das culturas e que as tentativas para definir e
delimitar a arte são em vão. Como historiador da arte Coli (2006) indica que
25

podemos compreender arte como: “[...] certas manifestações da atividade


humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura
possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as
privilegia” (COLI, 2006, p. 8).
Dentre as várias metodologias utilizadas por muitos para delimitar
essa perspectiva do que possa ser arte, existe o discurso sobre o objeto
artístico e também locais onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que
também dão estatuto de arte a um objeto. Conforme Coli (2006) importante é
termos em mente que o estatuo da arte não parte de uma definição abstrata,
lógica ou teórica, mas é instrumentalizada pela cultura, dignificando
determinados objetos sobre os quais ela recai.
A arte instala-se em nosso mundo por meio do aparato cultural
que envolve os objetos: o discurso, o local, as atitudes de
admiração [...] eles permitem a manifestação do objeto artístico
ou, mais ainda, dão ao objeto o estatuto de arte: a galeria
permite que o pintor exponha seus quadros (isto é, que
‘manifeste’ sua arte) e, além disso, determina, escolhendo um
tipo de objeto dentre os inúmeros que nos rodeiam, que ele seja
‘artístico’. Mas esses instrumentos não se limitam a traçar uma
linha divisória separando os objetos artísticos e os não artísticos;
não se contentam em criar uma ‘reserva’ de arte. Eles intervêm,
por assim dizer, na disposição relativa dos objetos artísticos;
pretendem ensinar-nos que tal obra tem mais interesse que
outra, que tal livro ou filme é melhor que outro, que tal sinfonia é
mais admirável que outra: isto é, criam uma hierarquia dos
objetos artísticos [...] A crítica, portanto, tem o poder não só de
atribuir o estatuto de arte a um objeto, mas de o classificar numa
ordem de excelências, segundo critérios próprios (COLI, 2006, p.
11)

Como responsáveis por esse discurso Coli (2006) destaca críticos


de arte, historiadores da arte, peritos, conservadores de museu e por locais
específicos onde a arte se manifesta, museus e galerias, mas será que
docentes e escolas também não participariam desse discurso? No
planejamento de aulas, na seleção de artistas e conteúdos docentes também
não legitimariam determinados objetos, mesmo que o sistema da arte não nos
reconheça como produtores desse discurso? A escola não seria um lugar em
que a arte também acontece?
Coli (2006) observa que o discurso que determina o estatuto da arte
vem de outra natureza, mais complexa, mais arbitrária ao julgamento
puramente técnico. Nesse meio existem as questões de afinidades da cultura,
26

do crítico e do artista; das coincidências dos problemas tratados e tantos outros


elementos que podem entrar em cena para determinar tal ou qual preferência.
Outro aspecto que Coli (2006) destaca é a frequentação.
A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom, uma
graça. Pressupõe um esforço diante da cultura. Para que
possamos emocionar-nos, palpitar com o espetáculo de uma
partida de futebol, é necessário conhecermos as regras desse
jogo, do contrário tudo nos passará desapercebido, e seremos
forçosamente indiferentes. O conhecimento das regras do
futebol é relativamente simples. Basta alguma assiduidade às
partidas para se perceberem as qualidades, os defeitos das
equipes e diferentes jogadores. A arte, no entanto, exige um
conjunto de relações e de referências muito mais complicadas.
Pois as regras do jogo artístico evoluem com o tempo,
envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista. Tudo na
arte – e nunca estaremos insistindo bastante sobre esse ponto –
é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não
se pode aprender “regras” de apreciação. E a percepção artística
não se dá espontaneamente (COLI, 2006, p. 47)

Neste percurso também temos a frequentação e podemos perguntar


sobre quais as oportunidades que nos são oferecidas para conhecer as regras
do futebol e as oportunidades para conhecer as regras do jogo artístico? A
partir dessa noção de frequentação é possível perceber como a sociedade
delimita o tipo de consumo de cada arte. Seguindo ainda com as reflexões do
autor é possível perceber que os objetos artísticos estão intimamente ligados
aos contextos culturais que nutrem a cultura, mas também são nutridos por ela
e só adquirem razão de ser nessa relação dialética. Estes pensamentos sobre
a sensibilidade inata ou fruição espontânea atrapalham a relação com a
produção artística e o esforço necessário para um contato mais rico com ela.
A partir de Coli (2006) vemos que o acesso a arte tem suas
dificuldades, depende de circunstancias materiais, meios concretos que não
são oferecidos a todos. Desse modo, o autor entende que ao aqueles que leem
seu texto, certamente não são operários, lavradores, e possivelmente vivem na
proximidade de um grande centro.
Assim, num país como o nosso, temos que acrescentar ao
esforço que a obra, pela sua complexidade, exige de nós, o
esforço de alcançar concreta, materialmente, a produção
artística. Somos condenados a redobrar nosso empenho,
nosso interesse, nossa busca. E esse esforço coloca de per si
o problema, não mais individual, mas social, do direito à
freqüentação. Assim, as pessoas que, em nossa sociedade,
têm consciência do papel fundamental desempenhado pela
27

arte no seio da cultura, são forçosamente obrigadas a colocar o


problema do acesso à obra. É necessário exigir os meios da
freqüentação (COLI, 2006, p. 54)

Esse esforço social do direito ao acesso e a frequentação da arte


passa por considerar a escola como um lugar de arte, um lugar de acesso e
frequentação, o que gera o esforço de incluir arte no currículo da Educação
Básica.

2.1 Ensino de Arte

A inclusão da arte como componente curricular da Educação Básica


no Brasil foi uma conquista de vários artistas e educadores ao longo de todo o
século XX. Ao ser promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 4024/1961, em 1961, a arte marca sua
presença como atividade complementar. O artigo 38, inciso IV, determinava
atividades complementares de iniciação artística nos currículos escolares, que
nas escolas dever-se-ia existir atividades complementares de iniciação
artística. Dez anos depois, a LDBEN, nº 5692/1971, em seu artigo 7º
estabeleceu como atividade obrigatória a Educação Artística. Somente com a
Lei nº 9.394/1996 que a arte passa a ser considerada componente curricular
obrigatório de toda a Educação Básica, como determina seu artigo 26º (SILVA,
2016).
O artigo 26º da Lei nº 9.394/1996 legisla que os currículos da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos. O parágrafo segundo desse artigo refere-se ao ensino de arte,
especialmente em suas expressões regionais, como componente curricular
obrigatório da Educação Básica. É o parágrafo sexto que indica claramente que
as artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que
constituirão o componente curricular arte. Há ainda um parágrafo pouco
comentado nesse artigo, que é o parágrafo oitavo, que determina a exibição de
filmes de produção nacional como componente curricular complementar
28

integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória


por, no mínimo, duas horas mensais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e para
o Ensino Fundamental também informam sobre o ensino de arte. A Resolução
CNE/CEB nº 5/2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil, em seu artigo 3º determina que o currículo da Educação
Infantil deve articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental,
científico e tecnológico, a fim de promover o desenvolvimento integral das
crianças. Por outro lado, o artigo 4º menciona que as propostas pedagógicas
necessitam compreender a criança como sujeito histórico de direitos que
constrói sua identidade na medida em que brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos. Nessa
Resolução vemos como a arte atravessa toda a proposta pedagógica da
Educação Infantil, pois como o artigo 6º enfatiza, deve ser respeitado o
princípio estético da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade
de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
também referem-se ao ensino de arte no artigo 8º ao indicarem a
indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística,
ética, estética e sociocultural da criança; a apropriação das contribuições
histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus
e de outros países da América; as histórias e as culturas africanas, afro-
brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação.
O ensino de arte também está indicado na Resolução CNE/CEB
n.7/2010, que fixa as Diretrizes Nacionais para o Ensino Fundamental de nove
anos, pois o artigo 14º ratifica o artigo 26º da LDBEN. As Diretrizes Nacionais
para o Ensino Fundamental apontam para um grande desafio às pedagogas,
pois o artigo 31º indica que do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental,
o componente curricular arte poderá ficar a cargo da professor de referência da
turma, aquela com a qual os alunos permanecem a maior parte do período
escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes. Esse
artigo sinaliza o desafio para com o repertório artístico e cultural das
pedagogas, na medida em que no planejamento de aulas, na seleção de
29

artistas e conteúdos poderemos legitimar, ou não determinadas práticas e


produtos artísticos e culturais.
Magalhães, Vidal e Silva (2015) provocam seus leitores a pensar se
arte na formação humana é privilégio ou necessidade. Essa provocação nos
remete as mais variadas formas que o ensino de arte foi ganhando nos
currículos escolares. Os autores afirmam que se o objetivo da escola for dar
acesso à cultura o conhecimento da arte é uma necessidade para uma
formação humanizada. Ao longo do percurso da arte na escola, os autores
identificam duas grandes tendências teóricas: a Tendência Idealista-Liberal e a
Tendência Realista-Progressista.
A Tendência Idealista-Liberal parte de uma concepção idealista que
confere à educação escolar a capacidade de construir uma sociedade
igualitária e democrática homogeneizado os conteúdos. Essa tendência tem se
alimentado das Pedagogias Tradicional, Nova e Tecnicista. No ensino da arte a
Pedagogia Tradicional se caracteriza pela estética que busca imitar modelos,
como no ensino de desenho e dos trabalhos manuais, valorizando a cópia de
modelos e a técnica de representação em perspectiva.
A Pedagogia influenciada pela Escola Nova enfatiza a arte infantil e
as etapas do grafismo da criança, para classificar e tipificar esse processo. A
Pedagogia Tecnicista coloca sua ênfase nas técnicas, como os processos de
ampliação e redução de imagens descontextualizadas, ligadas às datas
comemorativas e às festas do calendário religioso e cívico.
Por outro lado, Magalhães, Vidal e Silva (2015) indicam que a
Tendência Realista-Progressiva esperou superar a Tendência Idealista-Liberal
com as contribuições das pedagogias progressistas. Para as pedagogias
progressistas a ênfase está na conscientização política para favorecer uma
cidadania consciente, crítica e participante.
Não se há de negar que existem lacunas provocadas pelo equivoco
da função da arte no processo de escolarização. Dessa maneira Magalhães,
Vidal e Silva (2015) consideram imprescindível
pensar/pesquisar/propor/planejar os conteúdos para cada linguagem artística
sinalizando um posicionamento contemporâneo para o ensino de arte:
Diferentemente dos demais momentos – que priorizavam
técnicas, cópia de modelos ou ainda a livre expressão da
30

criança –, a perspectiva contemporânea para o Ensino da Arte,


toma como objeto a própria Arte como orientadora dos
processos de ensinar e aprender Arte, contribuindo para uma
formação humanizadora e crítica dos sujeitos, aberta para a
pluralidade de leituras do mundo. Isso quer dizer que a
perspectiva contemporânea para o Ensino da Arte tem como
objetivo contribuir na formação das crianças, no
reconhecimento de si enquanto sujeito situado em um espaço
histórico/social/cultural/político/econômico, capaz de conhecer
e dialogar com outras vivências e culturas, perceber diferentes
formas de ver, reconhecer o mundo pela Arte presentes nos
diversos espaços, museus, galerias, teatros, cinemas, festivais,
mercados, feiras, mídia impressa, fotografia, centros de
exposição, dentre tantas possibilidades de leitura de mundo
existentes (MAGALHÃES; VIDAL; SILVA 2015, p. 16)

A partir da citação de Magalhães, Vidal e Silva (2015) é possível


concluir que a perspectiva contemporânea para o ensino de arte é a de tornar a
arte como guia de todo o processo educativo.

2.2. Arte-educação

O tópico anterior destacou que o ensino de arte, ou seja, a inclusão


da arte como componente curricular da Educação Básica no Brasil foi uma
conquista de vários artistas e educadores ao longo de todo o século XX. A
finais do século XX, mais precisamente na década de 1980, várias artistas e
educadoras se posicionaram contra a política da Educação Artística imposta
pela Lei nº 5.692/1971, editada no período da ditadura militar entre os anos de
1964 e 1986.
Uma das educadoras que combateram veementemente essa política
de Educação Artística foi Ana Mae Barbosa, fomentando a fundação de
associações de arte-educadores por todo o País, como a Associação de Arte-
Educadores de São Paulo (AESP), a Associação de Arte-Educadores do
Nordeste (ANARTE), a Associação de Arte-Educadores do Rio Grande do Sul
(AGA), a Associação de Profissionais em Arte-Educação do Paraná (APAEP),
e liderando a organização da Federação de Arte-Educadores do Brasil11.
Os anos 80 têm sido identificados como a década da crítica da
educação imposta pela ditadura militar e da pesquisa por

11
Federação de Arte-Educadores do Brasil (FAEB). Disponível em: http://faeb.com.br
Acesso em: 22 mai. 2022.
31

soluções, mas estas não têm sido ainda implementadas no


País porque a primeira preocupação depois da restauração da
democracia em 1983 foi uma campanha por uma Nova
Constituição que libertaria o País do regime autoritário. A
Constituição da Nova República de 1988 menciona cinco vezes
as artes no que se refere a proteção de obras, liberdade de
expressão e identidade nacional. Na Seção sobre educação,
artigo 206, parágrafo II, a Constituição determina: ‘O ensino
tomará lugar sobre os seguintes princípios (...). II — liberdade
para aprender, ensinar, pesquisar e disseminar pensamento,
arte e conhecimento’. Esta é uma conquista dos arte-
educadores que pressionaram e persuadiram alguns
deputados que tinham a responsabilidade de delinear as linhas
mestras da nova Constituição. Os arte-educadores no Brasil
são politicamente bastante ativos Os arte-educadores no Brasil
são politicamente bastante ativos. A politização dos arte-
educadores começou em 1980 na Semana de Arte e Ensino
(15-19 de setembro) na Universidade de São Paulo, a qual
reuniu 2.700 arte-educadores de todo o País. Este foi um
encontro que enfatizou aspectos políticos através de debates
estruturados em pequenos grupos ao redor de problemas
preestabelecidos como a imobilização e isolamento do ensino
da arte; política educacional para as artes e arte-educação;
ação cultural do arte-educador na realidade brasileira;
educação de arte-educadores, etc. (BARBOSA, 1989, 173)

A citação de Barbosa (1989) indica como artistas e educadores


passaram a utilizar a expressão arte-educação para se opor e se diferenciar da
política de Educação Artística da ditadura militar da época com a Lei nº
5692/1971, identificando como: “Uma das funções da arte-educação é fazer a
mediação entre a arte e o público” (BARBOSA, 1998, p. 17). Nessa mediação
entre arte e o público a referência ao educador Paulo Freire (1921 – 1997) foi
explícita desde os seus inícios:
Nós aprendemos com Paulo Freire a rejeitar a segregação
cultural na educação. As décadas de luta para salvar os
oprimidos da ignorância sobre eles próprios nos ensinaram que
uma educação libertária terá sucesso só quando os
participantes no processo educacional forem capazes de
identificar seu ego cultural e se orgulharem dele (BARBOSA,
1998, p. 15)

Barbosa (1998) salienta que o trabalho de arte-educação trata da


questão do devir, discutindo a condição de colonizador e colonizado, nos
instigando a pensar uma arte-educação voltada para o desenvolvimento de
diferentes códigos culturais, que favoreça o estimulo sobre a importância de
uma cultura local, na qual cada sujeito desperte e leve em conta essa cultura.
32

De acordo com Barbosa (1998), no mundo ocidental ocorreu uma


forte dominação cultural por parte da cultura europeia, e atualmente também
por uma cultura estadunidense, branca, ou seja, as culturas primeiras de nossa
terra, que são as culturas indígenas foram colocadas como cultura de segunda
categoria, chamando-as assim de conjunto de tradições. Por essa razão a
autora defende que o trabalho de arte-educação prima pela busca de
identidade, ecologia e leitura cultural, na qual os diferentes povos possam
encontrar a possibilidade de reconhecer suas culturas e seus próprios valores.
A diversidade cultural presume o reconhecimento dos
diferentes códigos, classes, grupos étnicos, crenças e sexos na
nação, assim como o diálogo com os diversos códigos culturais
das várias nações ou países, que incluem até mesmo a cultura
dos primeiros colonizadores. Os movimentos nacionalistas
radicais que pretenderam o fortalecimento da identidade
cultural de um país em isolamento, ignoram o fato de que o seu
passado já havia sido contaminado pelo contato com outras
culturas e sua história interpenetrada pela história dos
colonizadores. Por outro lado, os colonizadores não podem
esquecer que, historicamente, eles foram obrigados a
incorporar os conceitos culturais que o oprimido produziu
acerca daqueles que os colonizaram (BARBOSA, 1998, p.
15)

Seguindo a reflexão de Barbosa (1998), as culturas de classes


sociais baixas continuam a serem ignoradas pelas instituições educacionais,
reconhecendo nestas questões a interculturalidade. A autora destaca que
educadores envolvidos na tarefa vital do reconhecimento da identificação
cultural, não podem alcançar um resultado significativo do seu trabalho sem o
conhecimento da arte, pois
Através da poesia, dos gestos, da imagem, as artes falam
aquilo que a história, a sociologia, a antropologia etc., não
podem dizer porque elas usam um outro tipo de linguagem, a
discursiva, a científica, que sozinhas não são capazes de
decodificar nuances culturais (BARBOSA, 1998, p. 16).

Desse modo foi se consolidando no Brasil a expressão arte-


educação para além do ensino de arte, ou seja, a arte como componente
curricular obrigatório da Educação Básica. Logo em seus inícios, Barbosa
(1989) reconheceu um aspecto importante a ser consolidado no trabalho da
arte-educação: “Outra proposta que estará presente na arte-educação no Brasil
do futuro é a ideia de reforçar a herança artística e estética dos alunos, levando
em consideração seu meio ambiente” (BARBOSA, 1989, p. 1).
33

Portanto, a expressão arte-educação vai muito mais além que a


expressão ensino de arte, pois indica:
[...] qualquer esforço no sentido de ampliar a relação das
pessoas com a arte. Então se faz arte-educação em museu, se
faz arte-educação em um espetáculo de dança se há este
cuidado de ampliar a capacidade das pessoas acolherem a
arte, se relacionarem com a arte. (BARBOSA, 2016, s. p.).

De acordo com Barbosa (2016) a arte-educação refere-se à


qualquer esforço no sentido de ampliar, se relacionar com a arte existente
desde os primórdios da humanidade, o que indica uma necessidade intrínseca
do ser humano. A autora defende o trabalho com a arte nos cursos de
licenciaturas, para que os próprios licenciados façam, leiam e contextualizem a
produção artística tendo em vista que serão educadores, pois é necessário
mais arte na pedagogia e mais pedagogia na arte.
Barbosa (2016) observa que aprender é um processo de dupla
entrada, assim como o termo arte-educação, são duas vias que se
complementam, aprender e ensinar, em um processo continuo de criação.
Nesse processo a imaginação é fundamental, pois também permite perceber a
realidade, o que envolve a imaginação e a percepção. Concluindo seus
apontamentos, a autora entende que a memória é uma espécie de repositório
de narrativas que vai sendo editado ao longo do tempo. Também percebe que
não existe tecnologia que supere a curiosidade e entende que é necessário
viver o dia a dia com essa curiosidade, pois a arte-educação colabora com a
construção do cotidiano, que é sempre inovador, por entender a pessoa
humana como ser único, em sua observação e resposta ao mundo.
Assim sendo, considero que ao cursar a Licenciatura em Pedagogia
com área de aprofundamento em Educação do Campo, para atuar,
preferencialmente, em projetos educativos nas áreas rurais e em
assentamentos dos movimentos sociais do campo, meu trabalho estará mais
próximo desse esforço de ampliar a relação das pessoas com a arte do que
somente com o componente curricular institucionalizado, pois pretendo reforçar
a herança artística e estética dos educandos levando em consideração seu
meio ambiente, que nem sempre é reconhecido pela instituição escolar. Pensar
em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de suas heranças
artísticas e estéticas significa partir do entendimento que essas pessoas já têm
34

alguma interação com a arte, mesmo que essa relação não seja a legitimada
pelo discurso da arte (COLI, 2006). Pessoas das áreas rurais também realizam
seus fazeres artísticos no cotidiano, mas não ganham a distinção do discurso
da arte que legitima certos produtos a partir de convenções que são arbitrárias
e muitas vezes conduzidas por interesses econômicos.
É a partir dessa compreensão que considero mais ajustado pensar a
arte-educação do campo. É e por isso utilizo essa expressão neste TCC e
busco outros trabalhos que tenham pensado a arte-educação do campo na
Licenciatura em Pedagogia, com área de aprofundamento em Educação do
Campo, da UFPB
35

3. ARTE-EDUCAÇÃO DO CAMPO

Este capítulo tem por objetivo apresentar o levantamento


bibliográfico realizado no Repositório da UFPB. A partir das palavras–chave
arte, arte-educação e ensino de arte, restringindo a busca no tipo de
documento TCC, entre os anos de 2011 e 2021, trouxe um retorno de cem
trabalhos, no entanto, entre eles apenas quatro foram realizados na
Licenciatura em Pedagogia com área de aprofundamento em Educação do
Campo. Os quatro trabalhos localizados serão apresentados pela ordem
cronológica de produção.

3.1 Os achados

O primeiro trabalho a ser analisado intitula-se Um enfoque arte-


educativo na educação do campo: a arte no contexto da escola Tiradentes e no
projeto Ligas da cultura, de autoria de Dantas; Lino (2014). Trata-se de um
TCC que envolveu pesquisa de campo em uma escola do campo e um projeto
de cultura da localidade que se identifica de natureza descritiva, utilizando o
questionário e a entrevista para a coleta de dados na Escola Municipal de
Ensino Infantil e Fundamental Tiradentes, como também no Projeto Ligas da
Cultura no município de Mari, estado da Paraíba.
Dantas; Lino (2014) tecem suas análises e considerações referentes
ao currículo da referida escola, ou seja, o ensino de arte, e a ação artístico-
cultural do Projeto Ligas da Cultura. Em relação ao ensino de arte e a arte-
educação, Dantas; Lino (2014) utilizam como referencial teórico autores como:
Barbosa (2002, 2008); Ferraz; Fusari (1999, 2009) Gombrich (1989) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (BRASIL, 1997).
Na pesquisa de Dantas; Lino (2014) a mediação artística é
destacada no contexto escolar apesar de muitas escolas ainda não valorizarem
o componente curricular arte; sendo este encarado por muitas vezes como um
ensino de segunda categoria. O trabalho em pauta esclarece que a Educação
do Campo nasce das lutas dos movimentos sociais, de modo ímpar o
Movimento dos Sem Terra (MST), percebendo as várias práticas de mística por
eles utilizadas, devido as vivencias dos variados povos do campo.
36

Dantas; Lino (2014) observam que em um primeiro momento seria


possível pensar que a arte-educação seria extremamente trabalhada, pela
própria riqueza do povo, da cultura, das suas raízes; observando que a
Educação do Campo se entrelaça com a Educação Popular, pois nascida nos
movimentos sociais, a educação do campo traz ou deveria trazer as práticas do
campo, na perspectiva de um maior entrosamento entre escola e movimentos
sociais, porém, na medida em que foi se institucionalizando o formato da
Educação do Campo, muitas práticas culturais foram se perdendo, deixando
que o público atendido infelizmente se distanciasse das suas raízes. Os
autores afirmam que:
[...] no âmbito das políticas públicas, foi a Resolução CNE/CEB
nº 1, de 03 de abril de 2002 que trata das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
A resolução diz que a educação é para todos e dever do
estado (DANTAS; LINO, 2014, p.20).

Dantas; Lino (2014) se fundamentam na Abordagem Triangular


proposta pela arte-educadora Ana Mae Barbosa que defende três ações
curriculares para a aprendizagem da arte: o fazer, o ler e o contextualizar.
Defendem que a Abordagem Triangular pode oferecer experiências artísticas
abrangentes para os alunos, durante todo o caminho da sua formação na
Educação Básica, na medida em que produzem, contextualizam e atribuem
sentido, ou seja, leem cada produto que ali nasce.
O estudo realizado por Dantas; Lino (2014) indica que na escola
pesquisada aconteciam oficinas de arte, momentos e movimentos promovidos
pelo Projeto Ligas da Cultura, mas que as professoras que foram entrevistadas
numa porcentagem mínima estavam envolvidas com a inserção da cultura local
nas aulas de arte e outras oficinas. Desta maneira a pesquisa caminhou
mostrando o resultado da falta de interação entre os professores da unidade
escolar e os arte-educadores do Projeto Ligas da Cultura por assim dizer. Foi
percebido que a grande maioria dos professores afirmaram que a escola não
incluía nas suas Diretrizes Curriculares para Educação do Campo os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (BRASIL, 1997), apesar de que a
utilização do mesmo pudesse alcançar a diversidade dos povos do campo,
bem como a valorização da cultura local nas práticas pedagógicas.
37

Diante dos resultados da não utilização dos Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCN) de arte, Dantas; Lino (2014) se sentiram instigados a indagar
quais seriam os referencias utilizados pelos professores da escola para
planejar o conteúdo de arte. Apesar de ter esse espaço cedido pela escola
para o Projeto Ligas da Cultura, de convidar o projeto para participar de
momentos na escola, realizar suas apresentações, o que torna fecundo a
relação comunidade, projeto e escola, Dantas; Lino (2014) consideram que no
entanto, essa interação não se fortificou, sem remeter a cultura artística como
tema de pesquisa no currículo, por meio do componente curricular arte.
Não negamos a importante interação existente entre essas
duas instituições para a sua comunidade. No entanto, nosso
estudo nos possibilitou refletir criticamente e entender que o
nível da referida parceria estabelecida entre essas duas
instituição é relativa, uma vez que toma a cultura artística como
referência sem demonstrar que articulam no Projeto Político
Pedagógico da escola esse conteúdo como objeto de estudo
para maior conhecimento dos seus estudantes. Ou seja, as
duas instituições mantêm uma relação pragmática sem planejar
conjuntamente os seus objetivos para garantir, por meio da sua
atuação e interação educativa, a desejada contribuição para a
denominada cidadania artístico cultural dos sujeitos envolvidos
nesses dois processos de educação do campo (DANTAS;
LINO, 2014, p. 52)

Dantas; Lino (2014) concluem que o acesso a arte no âmbito escolar


e comunitário de maneira interativa e integrada com a realidade comunitária,
pode garantir a cidadania artístico-cultural dos sujeitos do campo. Consideram
que é importante refletirmos sobre as práticas que acontecem dentro da escola
como também nos seus entornos. Deixam como sugestão aos responsáveis da
escola pesquisada buscar referenciais definidos para as práticas pedagógicas
fundamentadas nas Diretrizes Curriculares da Educação do Campo, dando
destaque para importância da relação do conteúdo de arte com os movimentos
artístico- culturais da comunidade onde se inserem.
O segundo trabalho a ser analisado intitula-se Educação do Campo:
o conhecimento das Artes Visuais na Educação Infantil, de autoria de Ramalho
(2017), que realizou uma pesquisa bibliográfica, tendo como referência autores
como: Barbosa (1995); Barbosa; Coutinho (2011); Biasoli (1999); Pianowski
(2014); Richter (2008); Sardelich (2006), Tasqueto; Correa (2010).
38

A pesquisa de Ramalho (2017) aborda, por meio da bibliografia, as


relações entre Educação do Campo e o Ensino das Artes Visuais na Educação
Infantil, defendendo uma prática educativa mais contextualizada, considerando
as particularidades e necessidades dos educandos do campo. Dessa maneira
propõe que o ensino da arte deve ser pensado como conhecimento de ver e
refletir o mundo, que o processo e o produto sejam significativos para aqueles
que o fazem e não apenas uma execução técnica. Em seu levantamento sobre
as propostas de ensino de arte, Ramalho (2017) defende a Abordagem
Triangular (BARBOSA, 1995) como procedimento metodológico para o ensino
das Artes Visuais na Educação do Campo. A autora considera que essa
abordagem pode colaborar com a formação dos sujeitos do campo para que se
possa fazer parte da transformação social.
Apesar de mencionar a Abordagem Triangular, Ramalho (2017)
enfatiza um ensino intercultural das artes visuais a partir de Richter (2008).
Defende que o ensino intercultural de artes visuais enfatiza o olhar de docentes
e discentes para o próprio contexto em diálogo com outros contextos culturais.
Essa opção construiria em uma educação inclusiva no sentido mais amplo, por
respeitar as individualidades pessoais e as características culturais de todos os
grupos que compõem a sociedade brasileira, partindo do patrimônio cultural
local para patrimônios culturais mais amplos. Destaca que esse ensino
intercultural das artes visuais se baseia no diálogo podendo promover as trocas
interculturais de saberes, colaborando para uma formação mais crítica e
reflexiva.
Ramalho (2017) apresenta exemplos de vários artistas visuais que
utilizam como referencial para suas produções a vida cotidiana, as raízes e os
espaços culturais em que se inserem. A partir desses exemplos considera que
o ensino das artes visuais na Educação Infantil da Educação do Campo se
inicia a partir de um olhar para o próprio local, a paisagem na qual se inserir a
escola, o que a autora relaciona com o movimento da “Land Art”, em inglês
“Earth Art” ou “Earthwork” que é um movimento artístico que busca a fusão da
natureza com a arte, pois se o terreno natural também é cultural, por ter sido
alterado pela mão humana, torna-se ele mesmo, a própria obra de arte.
Os vários artistas que Ramalho (2017) utiliza para inspirar possíveis
projetos de artes visuais na Educação Infantil não são necessariamente
39

originários do campo, mas são artistas que problematizam questões para a


sustentabilidade e a sensibilidade humana.
Portanto, considero possível trabalhar com as Artes Visuais na
Educação Infantil da Educação do campo a partir do que se
encontrar na própria cultural local da escola em que se
trabalhar, que seja a partir de objetos e materiais simples e
fáceis de serem encontrados, fazendo com que a partir desse
fazer possamos caminhar junto com a criança da Educação
Infantil, ampliando nossas possibilidades de nos conhecer e
reconhecer o campo como um ambiente rico e cheio de
oportunidades (RAMALHO, 2017, p. 50).

Concluindo, Ramalho (2017) ressalta que as escolhas de artistas


para apresentar as aulas de arte do currículo escolar devem estar ligados na
realidade do campo, buscando assim preservar a cultura, a diversidade social,
cultural, econômicos e outros. Buscando esse olhar tanto dos docentes quanto
dos discentes para o próprio contexto, a autora nos lembra que o primeiro
campo de experiência do discente da Educação Infantil começa na casa do
discente, onde desenvolve seu modo de agir, pensar, a arte e os afetos neste
ambiente da família, dentro das suas relações pessoais. Desta maneira a
autora conclui que não restam duvidas que as escolhas metodológicas para
Educação do Campo não podem fugir da realidade do mesmo; para assim
assegurar a preservação de sua cultura e diversidade em todos os aspectos,
sejam sociais, culturais, econômicos e tantos outros. Ramalho (2017) considera
possível trabalhar com as artes visuais na Educação Infantil da Educação do
campo a partir da própria cultura local, colaborando para a evolução do
discente, em um trabalho de reconhecimento e conhecimento do campo e suas
riquezas de possibilidades.
O terceiro trabalho analisado intitula-se Música: uma possibilidade
na Educação do Campo, de autoria de Apolinário (2018), que realiza uma
pesquisa bibliográfica com a análise da letra da canção A Educação do Campo,
de autoria de Gilvan Santos. A autora se baseia nas referências de Almeida
(1942), Dewey (1934) e Gainza (1988).
Apolinário (2018) vem nos trazer a discussão do ensino de arte na
perspectiva da utilização da música como instrumento colaborador da
alfabetização e práticas pedagógicas em sala de aula. A autora observa que a
utilização da musicalidade nos ambientes educativos é uma prática antiga, vem
40

de muito tempos atrás, desde a Grécia antiga, alguns estudos de autores que
apresentam o bom proveito da música dentro de salas de aula, pois a autora
pretende: “Demonstrar que a pedagogia pode utilizar a forma lúdica utilizando a
musica como ponto de interligação entre as matérias e a vida no campo, vendo
de forma mais simples o cotidiano da sala de aula” (APOLINÁRIO, 2018, p.10).
A partir desse ponto de partida, Apolinário (2018) questiona o que a
música na pedagogia tem a ver com a educação do campo. A autora ressalta
que intimamente ligados estão o campo e a canção, pois são inúmeras as
canções de luta, gritos que transformam-se em canções para falar ao coração
do povo, que enxerga o campo como fornecedor primário, e não como campo
de conhecimento, conhecedores e produtores do conhecimento. A luta dos
povos do campo não se detém apenas em saúde, educação, moradia, mas em
tantas outras, como segurança, lazer, perspectivas, pois apenas a base do
ensino trazem poucos diferenciais para os povos que tem direitos e deveres
iguais a qualquer outro cidadão, mas que, de um modo geral, são vistos
sempre como atrasados.
De acordo com a analise de Apolinário (2018) a proposta de música
na Educação do Campo torna-se mais fácil, pelo fator da cultura nordestina ser
forte. Bem como os povos de outras regiões considerados do campo, pois a
musica carrega uma mensagem, e os povos do campo também, numa
esperança de promover através de suas lutas tempos melhores para todos os
camponeses. Das suas incertezas, seja na falta de água, nas alegrias da
esperança de tempos melhores se nutre a proposta da autora que apresenta-
se sem limites de idade, ou série, sendo observado em primeiro o contexto e
essência dos alunos, sem perder o essencial a ser transmitido. Desse modo
propõe 5 pontos que segundo Apolinário (2018), qualquer educador poderá
utilizar como forma lúdica para o ensino:
1. Fazer a junção da matéria escolar e a música é um grande
incentivo para a aprendizagem e o despertar para se
aprofundar ainda mais no assunto proposto, não apenas na
matéria de inglês ou português, porém todas as matérias
podem ser trabalhadas neste método, apenas firmando o tema
que será abordado e fazendo alusão algum método musical.
Principalmente as músicas que pertencem a localidade e
cultura local, ou até mesmo de algum compositor da terra.
2. O ensino das notas musicais e aquecimento de voz podem
servir como aqueles momentos de quebra-gelo, sabendo que o
trajeto muitas vezes para o aluno do campo é distante de sua
41

escola, diante do cansaço é natural que eles se desapercebam


desta forma serve para que a atenção dos alunos esteja
voltada na aula, e em diante possa se gerar o conhecimento
que o educador está transmitindo de maneira em que o foco
seja o mesmo, gerando a desenvoltura e estímulo para manter
o raciocínio conforme está sendo passado. Neste momento até
os alunos entre si podem verificar se seu colega está fazendo
da forma correta, corrigindo uns aos outros.
3. O método de improvisação é um bom exercício a ser
realizado para exercitar a agilidade e capacidade de raciocínio
rápido também sendo de forma descontraída, o educador deve
propor a abordagem e assunto, formando grupos e pedindo
para que criem músicas relacionadas ao campo, fatos do
cotidiano, ou que faz parte da infância, coisas de família,
lendas locais, são temas que podem ser requeridos para os
alunos. A forma de avaliação pode ser feita para os grupos que
forem mais criativos nas letras e também na escolha da
melodia.
4. Outra forma é utilizar letras de cantores nordestinos ou locais
para a análise da canção, observando à gramática, levantando
discussões do pensamento do autor, o que o mesmo queria
passar com sua mensagem, estimulando a interpretação e
leitura dos alunos. E como também a valorizar os cantores
conterrâneos e a cultura local.
5. Estimular a criação dos alunos através do meio da
composição não é só um meio de fazê-los gostar de escrever,
como a articulação das palavras, e a rima. O educador deve
apresentar as formas corretas de como se compor uma música
e após a explicação o meio de avaliação será propor aos
alunos escreverem canções sobre a terra onde vivem e com o
ritmo musical local predominante da região, por fim analisar
criticamente a própria letra escrita. Se porventura o educador
avaliar de forma positiva as composições dos alunos deve
propor que os alunos se apresentem em modelo de musical
contando a história do homem do campo e contribuindo para a
autoestima dos mesmos (APOLINÁRIO, 2018, p. 24-25)

Apolinário (2018) conclui que a aplicação desses cinco pontos


beneficia a interação entre educação do campo e música colaborando para um
melhor aprendizado. A aplicação desses cinco pontos pode ofertar qualidade
em tudo que possa ser trabalhado, história da cultura local, identidade,
desvelando o preconceito com o campo, e trocando ideias com os ritmos da
cidade também. Todas essas possibilidades mostram o quanto é possível
trabalhar uma educação no e para o campo; de uma construção sólida das
matrizes camponesas, sem no entanto deixar de apresentar e trabalhar
também as realidades urbanas.
O quarto trabalho a ser analisado intitula-se A música como recurso
pedagógico na Educação do campo, de autoria de Dias (2019), que realizou
42

uma pesquisa qualitativa, baseada na análise de entrevistas com cinco


professores de uma Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental I, no
sítio Patu na Zona Rural da cidade de São José dos Ramos, Paraíba, com
algumas das turmas multisseriadas.
Em relação à arte, Dias (2019) enfoca especificamente a linguagem
musical no ambiente escolar, situando seu trabalho no ensino de arte,
perguntando sobre a contribuição da música para o ensino em escolas do
campo, partindo da hipótese de que a música pode oferecer oportunidades de
trabalhar um contexto interdisciplinar na sala de aula. A fundamentação teórica
apresentada por Dias (2019) em relação à linguagem musical se baseou na
noção de musicalização, apresentada por Gainza (1988) com a proposta de
tornar o indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro, promovendo
respostas de índole musical. Também traz autoras como Romanelli (2009),
Rosa (1999), Santos (2006).
A discussão sobre as questões do ensino de arte, com a linguagem
musical, na educação do campo feita por Dias (2019) nos rememora do quanto
faz-se necessário pensar sobre a pratica docente na ação de organizar
situações educativas que explorem as diferentes linguagens de ensino
disponíveis. Em um primeiro olhar para a Educação do Campo, segundo o
autor, mesmo tendo legislação específica com as resoluções que garantam o
direito a um ensino especifico para os povos do campo, na realidade mostra-se
muito indireta na forma de tratar as propostas para o mesmo. Bem como
identifica que quando ocorrem maiores mudanças nos formatos curriculares da
escolas do campo, em geral, se fazem a partir da intervenção de Organizações
Não Governamentais (ONGs) e movimentos sociais do campo no contexto
nacional.

Dentro do histórico da Educação do Campo, Dias (2019) afirma que


não podemos esquecer que a denominada alta-sociedade do País, induziu a
classe trabalhadora a contentar-se com o seu conhecimento, mas não
valorizando-o e sim minorando o mesmo, para que chegasse a ser considerado
como um conhecimento inferior, por não pertencer ao mundo letrado,
industrializado, buscando em cada forma de ação dentro da educação
reafirmar que seria necessário o mínimo possível de aprendizado para os
43

povos do campo, pois para trabalhar na roça, não haveria a necessidade de


estudo, tornando essa população de fácil domínio.
Um dos maiores desafios pedagógicos dos movimentos a
exemplo do MST tem sido contribuir para que as pessoas a
fazerem um novo apanhado cultural, que interligam o seu
passado, presente e futuro numa identidade coletiva e pessoal
nova e cada vez mais enraizada (DIAS, 2019, p. 20).

A partir desta citação de Dias (2019) somos impulsionadas a


reflexão sobre as atividades identitárias que podem e devem ser promovidas
pela Educação do Campo, de modo impar para os povos do campo que foram
levados a apagar, cada dia um pouco mais, sua identidade, suas raízes. O
desejo de construir a Educação do Campo tem sido cada vez mais voltado para
uma libertação dos moldes impostos, desde o início, sob a custódia da
extensão das escolas urbanas para as escolas do campo, com a fala de que
era um desejo de modernizar o campo, mas sem pensar na autonomia do
sujeito do campo.
Conforme Dias (2019) a Educação do Campo deve ser pensada de
maneira diferente, sempre desenvolvida por meio de vivencias dos alunos, e a
música pode oferecer a oportunidade de mostrar essas vivências como
também de fazer enxergar a expressão e importância do outro, pois a
variedade dessas experiências podem colaborar com o aprendizado sem
esquecermos de que aprendemos de maneiras diferentes.
Podemos considerar que a Educação do Campo necessita que
procuremos refletir e indicar propostas metodológicas
adequadas à realidade socialmente opressora que nos
deparamos todos os dias. É uma educação que deve ser
pensada de maneira diferente, ou seja, constantemente
desenvolvida por meio da vivência, onde através da música
talvez os alunos possam ter a oportunidade de se mostrar, e
enxergar a expressão do outro e a importância disso, mas algo
que nos leve a uma reflexão profunda. Isso sem dúvida, fará
com que o participante, tenha uma experiência única, e por
isso, as experiências fazem todo sentido, porque cada um de
nós aprende de maneira diferente (DIAS, 2019, p. 21).

Para Dias (2019) a música permite enxergar que o trabalho lúdico


traz a criatividade para os espaços educacionais, promovendo interação entre
realidade e imaginário, e com a musica não é diferente, percebendo assim que
traz também evolução para os educandos e estreitamento da relação dos
44

professores com os alunos. Entendendo que a ludicidade gera benefícios entre


os educandos, com seus educadores, contribuindo para o desenvolvimento
social, afetivo, cognitivo e motor.
Desta maneira, Dias (2019) afirma que a música, que é um
importante legado deixado por gerações anteriores, de forma particular no
campo, é raiz e continua viva, com seus valores cheios de vida, e cheios de
diversidade, precisando que haja uma maior valorização, principalmente por
parte das escolas do campo. Neste momento que identifica-se estas
necessidades, que são as questões de identidade, pois se os povos do campo
tem perdido cada vez mais a sua, também os educadores vem perdendo suas
identidades, pois em sua maioria não são assentados no campo, mas se
originam nos espaços urbanos. Assim sendo, o autor considera necessário que
se faça essa formação especializada para os mesmos, pois os educadores tem
este papel de consolidar e preservar as raízes educacionais da cultura dos
povos do campo.
Assim é preciso por parte dos educadores, conhecer, e se não
gostam da produção artística que acontece no campo, que pelo menos tolerem,
apoiem e promovam a valorização da musica do campo em relação ao próprio
campo. Em sua pesquisa, Dias (2019) identificou práticas docentes bem
interessantes em relação a utilização da música em situações de aula. Ao
questionar sobre a influência da música no aprendizado, como eles percebiam
isto, os professores responderam que a música é fundamental, pois incentiva o
aprendizado e mostra-se importante para o desenvolvimento integral dos
educandos, além de ajudar na memorização.
A Educação do Campo é um cenário na qual as crianças
e jovens são marcados por um grande processo de
exclusão social, principalmente quando nos referimos ao
respeito à diversidade. E os impulsos que a música
possibilita como: questões culturais, sensíveis,
desenvolvimento da criatividade, dinamismo, etc,
detalhes que precisam ser explorados desde o inicio a
vida acadêmica, para um melhor desenvolvimento e
aprendizagem. (DIAS, 2019, p.37).

Concluindo suas reflexões, Dias (2019) mostra que a relação dos


professores com a musica em sala de aula, é desenvolvida com variações,
utilizando-se de diversas ferramentas para alcançar seus objetivos nas aulas.
45

Também através da pesquisa realizada, os professores entrevistados sentiram-


se motivados para desenvolverem ainda mais as suas práticas pedagógicas
utilizando a música como recurso.
Dias (2019) conclui que a música apresenta-se como um recurso
facilitador de assimilação de conteúdos, bem como para as escola do campo,
exercendo uma influência positiva no comportamento dos alunos, possibilitando
uma maior interação entre e estimulando a comunicação e expressão de seus
sentimentos e ideias. Considerando assim que a musica contribui para o
processo de construção do conhecimento de educandos e educadores.
Os quatro trabalhos analisados apresentam alguns pontos em
comum. Todos discutem a questão a partir da perspectiva do ensino de arte, ou
seja, o componente curricular arte na escola do campo. Somente Dantas; Lino
(2014) apontam para a perspectiva da arte-educação identificando essa
perspectiva com os projetos de movimentos sociais, como, por exemplo o
Projeto Ligas da Cultura no município de Mari, estado da Paraíba.
Dantas; Lino (2014) e Dias (2019) são os únicos trabalhos que
realizam pesquisa de campo em escolas do campo, pois Ramalho (2017) e
Apolinário (2018) adotaram o procedimento da pesquisa bibliográfica. Penso
que necessitamos mais trabalhos com pesquisa de campo para ouvir os
docentes dessas escolas, como fizeram Dantas; Lino (2014) e Dias (2019).
Apesar dos quatro trabalhos realizarem uma reflexão na perspectiva
do ensino de arte, predominou a linguagem musical nos trabalhos de Apolinário
(2018) e Dias (2019); Ramalho (2017) refere-se às artes visuais e Dantas; Lino
(2014) não especificam nenhuma das linguagens.
Dantas; Lino (2014) e Ramalho (2017) defendem a Abordagem
Triangular proposta pela arte-educadora Ana Mae Barbosa, para o ensino de
arte nas escolas do campo, pois consideram que essa abordagem pode
oferecer experiências artísticas abrangentes para os alunos. Apesar de
defender a Abordagem Triangular, Ramalho (2017) amplia as possibilidades
dessa abordagem enfatizando um ensino intercultural das artes visuais, a partir
de Richter (2008) indicando que este promoveria o olhar de docentes e
discentes para o próprio contexto em diálogo com outros contextos culturais.
As referências teóricas mais mencionadas por Dantas; Lino (2014) e Ramalho
(2017) são: Barbosa (2008, 2002, 1995); Barbosa; Coutinho (2011); Biasoli
46

(1999); Ferraz; Fusari (1999, 2009); Gombrich (1989); Pianowski (2014);


Richter (2008); Sardelich (2006), Tasqueto; Correa (2010), os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Arte (BRASIL, 1997) e a Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017).
Apolinário (2018) e Dias (2019) apresentam outras referências
teóricas, pois são referências mais ligadas à linguagem musical como: Almeida
(1942), Gainza (1988). Romanelli (2009), Rosa (1999), Santos (2006).
O grande ponto em comum entre os quatro trabalhos é a valorização
da cultura local nas práticas pedagógicas do ensino de arte, enfatizando o
contexto do patrimônio cultural local para patrimônios culturais mais amplos.
Os quatro trabalhos indicam que o ensino de arte que valorize acultura local se
baseia no diálogo podendo promover as trocas interculturais de saberes,
colaborando para uma formação mais crítica e reflexiva dos educandos do
campo.

3.2 As ausências

Apesar dos quatro trabalhos analisados no levantamento


bibliográfico enfatizarem o contexto local para o ensino de arte, percebo que a
perspectiva adotada parte de referências teóricas fundamentadas nos modelos
culturais e escolares urbanos, como são as referências de: Almeida (1942),
Barbosa (2008, 2002, 1995); Barbosa; Coutinho (2011); Biasoli (1999); Ferraz;
Fusari (1999, 2009); Gainza (1988), Gombrich (1989); Pianowski (2014);
Richter (2008); Romanelli (2009), Rosa (1999), Santos (2006), Sardelich
(2006), Tasqueto; Correa (2010), os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte
(BRASIL, 1997) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017).
Percebo que a ênfase da discussão nos quatro trabalhos analisados
recai no ensino de arte das instituições escolares e pouca atenção ao que
considero arte-educação do campo, ou seja, o esforço de ampliar a relação das
pessoas com a arte reforçando a herança artística e estética dos educandos
levando em consideração seu meio ambiente, que nem sempre é reconhecido
pela instituição escolar, como indicaram os quatro trabalhos analisados.
Pensar em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de
suas heranças artísticas e estéticas significa partir do entendimento que essas
47

pessoas já têm alguma interação com a arte, pessoas que realizam seus
fazeres artísticos no cotidiano, apesar de não ganharem o “status” de artístico.
Pensar em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de suas heranças
artísticas e estéticas é também considerar o pensamento do campo, os
pensadores do campo, como por exemplo, Santos (2015) ou Xakriabá (2020).
Reconhecer as heranças artísticas e estéticas é reconhecer a
biointeração, como indica a fala de Santos (2015), quando em seu trabalho
relembra do quanto cada processo nas vivencias devem ser relembrados,
cultivados, e repassados para os descendentes, tendo em vista que corre-se o
enorme risco de perder-se, e assim, o individuo perdido é facilmente dominado
por outras culturas, outros processos que o levam para um papel que na
grande maioria das vezes não é o seu.
Santos (2015) relembra as pescarias, farinhadas e citando as
moagens de cana de açúcar, o autor reafirma a necessidade de que não sejam
esquecidos todos esses processos que ocorrem nas vivencias das
comunidades, dos povoados, em que cada um realiza sua tarefa, completando
a do outro, e seguindo a orientações dos mestres e mestras que lhes diz que:
“[...]ninguém podia pescar para acumular, pois melhor lugar de guardar os
peixes é nos rios, onde eles continuam crescendo e se reproduzindo”
(SANTOS, 2015, p. 35). O autor afirma que tal qual as produções, essas
expressões vividas só tem melhor maneira de guardar, sendo distribuídas entre
a vizinhança, pois como o tudo que se faz é produto de energia orgânica, esse
produto deve ser reintegrado a essa mesma energia. Através desta concluindo
que o autor nasceu e formou-se por mestras e mestres de oficio de um dos
territórios da luta contra a colonização.
Para Santos (2015) os povos do campo partem de outras estruturas
de pensamento dos povos que colonizaram o continente com suas referências
eurocristãs, monoteístas, organizadas em uma estrutura vertical, com regras
estáticas e pré-definidas, com número limitado de participantes, em geral
classificados por sexo, ou faixa etária, ou grau de habilidade, que segmentam e
valorizam o individual, a competição e a competitividade, sempre arbitradas por
uma elite que julga. Por outro lado,
As manifestações culturais dos povos afro-pindorâmicos
pagãos politeístas são organizadas geralmente em estruturas
48

circulares com participantes de ambos os sexos, de diversas


faixas etárias e número ilimitado de participantes. As atividades
são organizadas por fundamentos e princípios filosóficos
comunitários que são verdadeiros ensinamentos de vida. É por
isso que no lugar dos juízes, temos as mestras e os mestres na
condução dessas atividades. As pessoas que assistem, ao
invés de torcerem (BISPO, 2015, p. 41)

Nessa mesma perspectiva de Bispo (2015), de pensar nas


características dos povos do campo como pindorâmicos, como povos
originários do continente, Xakriabá (2020), relata as práticas e costumes
indígenas e a correlação dos espaços corpo e território, onde o barro, o
jenipapo e o giz formam uma temporalidade que marcam a história do povo
xakriabá. A autora afirma que o contato com o barro desde a infância desses
povos constrói o sentido de pertença, do corpo-território-corpo, pois são
habilidades e gestos peculiares dos moldes de objetos, carregando não só os
moldes próprios deles, mas também a imaterialidade, valores simbólicos do
território. Conforme a autora:

A intelectualidade indígena não está apenas na elaboração do


pensamento que acontece na cabeça. Está na elaboração do
conhecimento produzido a partir das mãos, das práticas e de
todo o corpo. Todo corpo é território e está em movimento,
desde o passado até o futuro ( XAKRIABÁ, 2020, p. 111 ).

Nessa perspectiva Xakriabá (2020) nos recorda do quanto a raiz de


um povo é sua representatividade na sociedade, no mundo. Tendo como
fortaleza desse povo a oralidade, mas que com a chegada das tecnologias,
ampliam-se as possibilidades de registros, sejam por fotos, escritas digitais,
grafia audiovisual, enfim, garantindo que as próximas gerações tenham
oportunidade também de reativar suas memórias as memórias que os povos
originários guardam são dinamizadas e marcadas por processos de
ressignificação que definirão a relação com as memórias corpo-território do
futuro destes povos que ainda virão.
Xakriabá (2020) nos reserva em particularidade um sentimento que
deve de se tornar comum a tantos povos, o fato de que quanto mais ela
conhece o novo, mas sente necessário retomar as suas origens, e a
experiência acadêmica prova isso, desse reconhecimento mais uma vez das
origens, da ancestralidade.
49

Vale ressaltar aqui que bem como na prática tem-se se identificado,


majoritariamente na produção acadêmica, a construção dos matérias didáticos
que chegam nas escola privilegiam a teoria produzida a partir da perspectiva
eurocêntrica e colonizadora, como se essa fosse a cultura mais forte. Xakriabá
(2020) menciona que inúmeros estudantes indígenas vão a Universidade e não
são considerados produtores, autores e interlocutores do conhecimento nesse
meio. É a partir dessa realidade que a autora relembra que é preciso inverter
esse processo, indigenizando, quilombolizando, ribeirando e tantos outros
processos dos povos do campo que devem ser reconhecidos como
conhecimento e porque não dizer fonte de desdobramento de tantas ciências
desenvolvidas, pois, como pergunta Xakriabá (2020) não são das coisas
naturais que desenvolvem-se os medicamentos? A autora afirma que os
materiais das mais variadas qualidades, borracha, ferro, plástico, nenhuma
dessas produções materiais acontecem do nada, nem tampouco de um ato
insólito, mas de um experimentar, cultivar, macerar, ruminar de pessoas,
tempos e espaços.
Concordo com Xakriabá (2020) sobre a necessidade de
descolonização dos povos em relação ao povo indígena, em uma ideia tortuosa
de que não é possível a estes povos acompanharem e valerem-se de recursos
tecnológicos, ou outra coisa fora do contexto da aldeia. De acordo com
Xakriabá (2020) a inteligência se desenvolve com o tempo da escola, já a
sabedoria exige outras práticas, que pertencem à outras temporalidades com
um movimento mais intenso de mente e de corpo, pois o conhecimento não é
só elaborado pela mente, mas pelo exercício da prática com as mãos.
Portanto, faz-se necessário e urgente a voz e vez dos povos do
campo serem ouvidas, seus fazeres demarcam tempos, território, e
aprendizado, antes da escola já existia a oralidade dos benzimentos, existia a
prática com o barro dentro da aldeia, as cantigas, e tantas outras práticas que
trazidas à tona em processos de arte-educação produzem efeito consolidador
para e com os povos do campo, pois nestas localidades, antes de existir a
escrita, sim, já existia memória “[...] nossa comunidade, a partir de 1996, deixou
de se adequar à escola e um movimento inverso foi iniciado: a escola passou a
interagir com as experiências vivenciadas pela comunidade” (XAKRIABÁ, 2020,
p. 117).
50

Considero que tanto o pensamento de Santos (2015), quanto o de


Xakriabá (2020), apontam para práticas de arte-educação que podem ampliar a
relação das pessoas com a arte a partir de suas heranças artísticas e estéticas.
Essas práticas são geradas nos fazeres da comunidade, produzindo saberes
em harmonia com a comunidade, neste compartilhamento entre a inteligência
produzida e vivenciada, tangível ao cotidiano, uma arte-educação que
transborde recheada de novidades dos povos do campo para o mundo e do
mundo para os povos do campo. Práticas que revelam os fazeres artístico
culturais daquela comunidade, para a própria comunidade, como sinal de
fortalecimento, e para os que de fora dela vem para aprender e compartilhar
conhecimentos.
Pensar em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de suas heranças
artísticas e estéticas significa partir do entendimento que essas pessoas já têm
alguma interação com a arte, pessoas que realizam seus fazeres artísticos no
cotidiano, apesar de não ganharem o “status” de artístico (COLI, 2006). Pensar
em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de suas heranças
artísticas e estéticas é também considerar o pensamento do campo, os
pensadores do campo.
51

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quero começar finalizando essas considerações que,


aparentemente, pode até parecer uma fala dúbia, mas é assim mesmo que me
sinto, começando sempre, mesmo que já esteja no momento de colocar um
ponto final neste texto. Para esse quase fim, retomo as minhas recordações e
lembranças da infância que insistem em causar esse “dejà vu”, porque é
necessário reconhecer que a nossa ancestralidade pulsa constantemente em
nós. Por essa razão, penso que não podemos desprezar o tempo vivido,
experimentado, das coisas, das cores, das formas, das sensações que nos
perpassam cotidianamente em nossa existência.
Diferentemente do que muito se pensa, a arte e o seu ensino os
espaços escolares urbanos e rurais carrega múltiplas sensações para a vida
dos educandos. Além do ensino de arte nas instituições escolares, a arte-
educação tem a força de mudar, resgatar, transformar. Quantas pessoas que
por meio de trabalhos artísticos, recuperam-se de doenças, transformam suas
vivencias e relações com o mundo e as outras pessoas? Por isso tão
poeticamente se fala que “viver é uma arte”. Com isso não quero dizer que tudo
seja pensado a partir do lúdico das danças, das canções, dos autos teatrais,
mas que nesse aspecto aparentemente lúdico também há um aprofundar, um
mergulho na reflexão sobre o mundo na prática das diversas expressões
artísticas. É necessário sim esta dedicação.
Nesse ponto quase final que tenho que colocar neste TCC percebo
que lá onde moram as minhas saudades, meu pai, minha avó, eles faziam arte.
Minha vó fazia arte praticamente diariamente e meu pai semanalmente, pois
tinha que trabalhar a semana inteira para nosso sustento e o seu tempo para a
arte era também, o tempo da minha frequentação, quando ele pegava seu
instrumento apenas no final de semana. Mas a persistência na prática da arte,
mesmo que não para seu sustento e exposição, mas por uma necessidade
vital, pelo prazer do fazer colocando ali toda a sua atenção, alegria e esforço.
Todas essas e outras vivencias artísticas no seio familiar eram um
trabalho de arte-educação e também me conduziram para estudar arte-
educação, mesmo que eles não soubessem. Foi esse trabalho de arte-
52

educação no seio familiar que também permitiu a frequentação, minha


familiaridade com as expressões artísticas na construção da minha vida, e dos
meus irmãos. Essas experiências ampliavam a minha relação com a arte, as
heranças artísticas e estéticas que carrego comigo, mesmo não sendo um
repertório valorizado pelas instituições escolares pelas quais passei, mas me
permitiu acolher e fazer arte.
No caminho da construção deste TCC, compreendi que a minha
experiência escolar esteve todo tempo marcada pela Tendência idealista –
liberal, com a prática do ensino tecnicista, onde a preocupação era tornar-me
uma reprodutora de determinados modelos considerados ideais, os modelos
europeus, não permitindo a construção crítica, nem a identidade do que era
produzido e sua representação para minha vida enquanto estudante. Estas
experiências tecnicistas dentro do ensino de arte que vivenciei, não produziram
efeitos positivos, pois posso afirmar que tolhiam as ideias e pensamentos que
ferviam em minha mente.
Dentre os conteúdos apreciados por mim nesta análise bibliográfica,
percebo as diferenças entre a proposta do ensino de arte e da arte-educação.
Percebo que os quatro trabalhos analisados dentro deste levantamento
bibliográfico discutem a questão a partir da perspectiva do ensino de arte, ou
seja o componente curricular arte na escola do campo. No entanto, apenas um
dos quatro trabalhos apontou para a proposta da arte-educação, identificando
essa perspectiva com os projetos de movimentos sociais, como, por exemplo o
que se realiza no Projeto Ligas da Cultura, do município de Mari, estado da
Paraíba.
Identifico nos quatro trabalhos analisados uma discussão na
perspectiva do ensino de arte, a mesma fundamentada na Abordagem
Triangular, que enfatiza um ensino intercultural para promover o olhar de
docentes e discentes para o próprio contexto, em diálogo com outros contextos
culturais. Por outro lado, as referências teóricas desses trabalhos ainda
encontram-se predominantemente produzidas no e para os ambientes
escolares urbanos em uma perspectiva eurocêntrica. Tendo em vista também a
escassez que apresentou-se durante minha consulta bibliográfica no repositório
é mais uma prova de quanto ainda nos faltam produções que abordem a arte-
educação do campo.
53

É notória a ênfase dada dentro da discussão dos quatro trabalhos


analisados recaindo sempre no ensino de arte das instituições escolares, e
pouca atenção ao que considero arte-educação do campo, ou seja, o esforço
de ampliar a relação das pessoas com a arte, reforçando a herança artística e
estética dos educandos, como, por exemplo, a que acontece entre o povo
Xakriabá, que busca a manutenção e propagação de sua cultura e costumes,
da importância e respeito dados as mestras e mestres da localidade. Estas
práticas nos ensinam como levar em consideração o meio ambiente dos povos
do campo, que nem sempre são reconhecidos pela instituição escolar, como
indicaram os quatro trabalhos analisados.
Desta maneira chego à conclusão que, mais do que nunca, se faz
urgente ouvir os povos do campo, seus fazeres que demarcam tempos,
territórios e aprendizados ancestrais. Olhar esse lugar de fala, de
representatividade como cultura raiz do país, dos povos que aqui germinaram a
vida, as histórias, culturas e vivencias, em um processo de luta e
descolonização daquilo que fomos subjugados a viver.
Pensar em ampliar a relação das pessoas com a arte a partir de
suas heranças artísticas e estéticas, significa partir do entendimento que essas
pessoas realizam seus fazeres artísticos no cotidiano, apesar de não ganharem
“status” de artístico. Pensar em ampliar a relação das pessoas com a arte a
partir de suas heranças artísticas e estéticas é também considerar o
pensamento do campo, os pensadores do campo.
54

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