A Analise Pragmatica Em Diferentes Persp (1)

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TUTÓIA-MA, 2022

EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

A111
A Análise Pragmática em diferentes perspectivas / Organizadoras
Katiuscia Cristina Santana, Ana Paula Albarelli – Tutóia, MA:
Diálogos, 2022.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-53-6
1. Pragmática - pesquisa. 2. Linguagem e línguas I. Santana, Ka-
tiuscia Cristina. II. Albarelli, Ana Paula.
CDD 410
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786589932536

Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário

Apresentação.................................................................................................................... 8

CAPÍTULO 1 - (Des)cortesia: conceitos básicos .......................................... 14


Luiz Antônio da Silva

CAPÍTULO 2 - A descortesia nas redes sociais no contexto político


-ideológico: Brasil e Argentina ............................................................................. 29
Fábio Barbosa de Lima

CAPÍTULO 3 - A descortesia por fustigação: análise de excertos do


romance Meu destino é pecar, de Nelson Rodrigues ............................. 48
Fabiana Meireles de Oliveira

CAPÍTULO 4 - A preservação/ameaça de faces: uma análise de cartas


de reclamação extraídas do site “ReclameAQUI” ..................................... 64
Lara Luiza de Oliveira Santos
Marcus Antonio de Sousa Filho
Raíssa Martins Brito
Iveuta de Abreu Lopes

CAPÍTULO 5 - Casos de família: as provas retóricas em um processo


de divórcio litigioso .................................................................................................... 93
Patrícia Rodrigues Tomaz
Max Silva da Rocha
João Benvindo de Moura
CAPÍTULO 6 - Atos de fala de compra e venda em duas feiras livres
de Parintins- AM: Pragmática e Interação ...................................................121
Sanny Kellen Anjos Cavalcante Canuto
Franklin Roosevelt Martins de Castro

CAPÍTULO 7 - Pragmática e Teatro: um diálogo possível .................148


Kamunjin Tanguele

CAPÍTULO 8 - A Leitura Inferencial da Ironia no Discurso Jornalístico


em Perspectiva Pragmático-Discursiva .......................................................163
Claudia Maria Chiarion

CAPÍTULO 9 - Uma análise pragmática do discurso do presidente


Jair Bolsonaro no contexto da crise sanitária no Brasil.......................189
Ana Paula Albarelli
Katiuscia Cristina Santana

CAPÍTULO 10 - Análise pragmática das conjunções causais e


explicativas segundo a perspectiva de Oswald Ducrot e Carlos Vogt ...222
Ânderson Rodrigues Marins

CAPÍTULO 11 - Caminhos para uma Análise de Discurso Crítica


Etnográfica ....................................................................................................................262
Francisco Djefrey Simplicio Pereira
CAPÍTULO 12 - A necessidade da Pragmática no ensino das formas
de tratamento nas aulas de PLE face ao espanhol ................................276
Ramiro Carlos Humberto Caggiano Blanco
Yedda Alves de Oliveira Caggiano Blanco

CAPÍTULO 13 - Língua autêntica e língua de materiais didáticos de


italiano LE: uma análise das aberturas telefônicas ................................306
Adriana Mendes Porcellato

CAPÍTULO 14 - Aquisição de línguas adicionais e teoria da relevância:


um estudo possível ...................................................................................................338
Marina Xavier Ferreira
Elena Godoy

CAPÍTULO 15 - Em defesa de uma abordagem sócio-pragmática de


aquisição de linguagem.........................................................................................367
Renato Caruso Vieira

CAPÍTULO 16 - Pragmática na avaliação clínica da linguagem ....384


Ana Carolina Gomes da Silva
Felipe Venâncio Barbosa

Sobre as organizadoras ..........................................................................................401

Sobre as autoras e autores ...................................................................................402

Índice remissivo ..........................................................................................................411


Apresentação

Pragmático é o usual, o prático, o costumeiro, é aquilo que


habitualmente se pratica. É um adjetivo que se refere àquilo que se realiza
conforme a pragmática, que é o conjunto de regras, formalidades ou
etiquetas da boa sociedade.
A Pragmática é um campo da Linguística, voltado para o estudo da
língua em ação, como indica a própria etimologia da palavra, que vem
do grego pragma, isto é ação. Em geral, utiliza-se o termo pragmático
para se referir ao que é prático, costumeiro, usual. Tais sentidos são
encontrados no conceito de Pragmática, que, em linhas gerais, trabalha
com a língua em ação ou em uso. Segundo Escandell Vidal (1999),
entende-se por Pragmática o estudo dos princípios que regulam o uso da
linguagem na interação, isto é, as condições que determinam o emprego
de um enunciado em uma situação determinada e sua interpretação.
Essa disciplina linguística interessa-se pela língua do ponto de vista dos
usuários, incluindo as escolhas que fazem quando usam a língua e a
importância do contexto de comunicação e do contexto cultural e social.
A Pragmática nasce no âmbito da Filosofia da linguagem como
campo interdisciplinar e, a partir daí, busca analisar os efeitos que o uso
da linguagem tem sobre os outros participantes no ato da comunicação.
Sendo assim, o significado linguístico não depende, apenas, dos aspectos
semânticos e sintáticos, mas dos elementos que envolvem a interação
entre os interlocutores, além dos elementos socioculturais envolvidos no
ato da comunicação. Neste livro dedicado à Pragmática, examinaremos
diversos corpora sob diferentes perspectivas. Nosso livro começa pelo
capítulo (Des)cortesia: Conceitos Básicos, de Luiz Antônio da Silva

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 8


(FFLCH/USP), em que se observam considerações proeminentes acerca
de questões de ordem terminológica teórico-metodológica e, sobretudo,
uma apurada definição dos conceitos e formas de uso dos fenômenos
linguístico-discursivos denominados cortesia e descortesia verbal. Para
isso, apresentar-se-ão diversos teóricos cujas pesquisas dão respaldo
à (Des)cortesia e seus desdobramentos nas diferentes situações de
interlocução uma discussão da questão.
Dando sequência à discussão, o capítulo A descortesia nas Redes
Sociais no Contexto Político-Ideológico: Brasil e Argentina, de Fábio
Barbosa de Lima, versa sobre as polêmicas e atos descorteses proferidos
nas redes sociais e os modos pelos quais o uso de tais recursos tecnológicos
têm colaborado para dar azo a uma nova forma de polarização político-
ideológica: a cyberdescortesia. Para isso, o autor atém-se à questão
apresentando noções inovadoras para o campo da Pragmática, ao
apresentar a concepção de cyberpragmática.
Partindo também dos estudos de descortesia linguística, o capítulo
intitulado A Descortesia por Fustigação: Análise de Excertos do Romance
Meu destino é Pecar, de Nelson Rodrigues, de Fabiana Meireles de
Oliveira, discute-se a descortesia e seus desdobramentos, no que tange à
análise do texto literário, a saber, um gênero da dramaturgia, no qual o
comportamento verbal agressivo é investigado com vistas a promover os
efeitos discursivos promovidos pela discórdia que permeia os diálogos de
ficção. A autora promove, ademais, uma interface entre a (Des)cortesia
verbal e mais um aparato teórico-metodológico da Filosofia da Linguagem,
mais precisamente, a Teoria dos atos de Fala.
Considerando os estudos de cortesia e de descortesia, destacamos
também o eixo teórico que trabalha com a preservação das faces, teoria
presente também neste livro. No que concerne ao capítulo denominado

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 9


A preservação/Ameaça de Faces: Uma Análise de Cartas de Reclamação
Extraídos do Site “Reclame Aqui”, de Lara Luiza de Oliveira Santos,
Marcus Antonio de Sousa Filho, Raíssa Martins Brito e Iveuta de Abreu
Lopes, procede-se à análise dos modos pelos quais a autoimagem é ora
construída e validada pelo interactante, ora rechaçada pelos demais
participantes da comunicação, sob uma vertente teórico-metodológica
pragmática, calcada nas teorias da face e da Polidez.
Já no capítulo intitulado Casos de Família, As Provas Retóricas em
um Processo de Divórcio Litigioso, de Patrícia Rodrigues Tomaz, Max
Silva da Rocha e João Benvindo de Moura, observar-se-á um discussão
da questão da argumentativa que, imbricada no corpus sob análise pelos
autores, é apresentada de forma minuciosa, com vistas ao estabelecimento
de uma abordagem do ethos e de seus desdobramentos em diferentes
contextos ou situações comunicativas, considerando-se, desse modo,
seu papel premente dentro do âmbito dos estudos do discurso relativos,
também, ao campo da Pragmática.
Por sua vez, considerando o eixo Atos de fala e interação, o capítulo
Atos de fala de compra e venda em duas feiras livres de Parintins-AM:
Pragmática e Interação, de Sanny Kellen Anjos Cavalcante Canuto e
Franklin Roosevelt Martins de Castro, tem como objetivo compreender
a construção dos atos de fala no processo de compra e venda em dois dos
mercados mais populares do Município de Parintins, Amazonas. Partindo
também de um estudo das interações, o capítulo Pragmática e teatro: um
diálogo possível, de Kamunjin Tanguele, por meio de uma intersecção
entre Pragmática e Teatro, demonstra de que maneira essas duas áreas
convergem para um mesmo espaço comum: as estruturas conversacionais
que estão presentes nas interações, de forma a verificar de que modo este
entrecruzar pode ser importante na composição dos sentidos do texto,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 10


bem como podem sê-lo, da mesma maneira, para aqueles que se valerão
deles para suas interpretações/representações cênicas.
Dando sequência à discussão, no eixo Discurso e Pragmática, o
capítulo A Leitura Inferencial da Ironia no Discurso Jornalístico em
Perspectiva Pragmático-Discursiva, de Claudia Maria Chiarion, busca
identificar os traços característicos da ironia, compreendida como um
fenômeno universal e singular, explicar em termos cognitivamente
realistas a que essas expectativas equivalem e como elas podem contribuir
para uma abordagem empiricamente plausível de compreensão nos
gêneros discursivos em uma perspectiva pragmático-discursiva, com
ênfase na Teoria de Relevância e nos conceitos bakhtinianos relativos
aos elementos constitutivos do discurso. Finalmente, no capítulo das
organizadoras deste livro, Ana Paula Albarelli (FFLCH/USP) e Katiuscia
Cristina Santana (FFLCH/USP), intitulado Uma análise pragmática do
discurso do presidente Jair Bolsonaro no contexto da crise sanitária no Brasil,
trechos de entrevistas e falas distintas de Jair Bolsonaro serão investigados
a fim de considerar o papel de suas intenções de fala e as formas de
interpretação dos enunciados sob o crivo de motivações decorrentes do
contexto de interação, em que os sentidos e a produção de significados são
analisados não só à luz de aspectos linguísticos, mas também em função
de contingências extralinguísticas. Partindo dos estudos gramaticais e
argumentativos, o capítulo Análise pragmática das conjunções causais
e explicativas segundo a perspectiva de Oswald Ducrot e Carlos Vogt, de
Ânderson Rodrigues Marins, além de uma ampla recensão da bibliografia
disponível acerca da descrição e funcionamento das conjunções causais e
explicativas no Português Brasileiro, busca-se uma síntese teórica à luz de
Oswald Ducrot e Carlos Vogt, cujos princípios norteam na e para uma
vasta análise das conjunções, submetendo-as a testes, como o da pergunta

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 11


e o da negação, da quantificação, do encadeamento e da extraposição,
avaliando tanto seu aspecto gramatical quanto argumentativo. Para
encerrar o eixo Discurso e Pragmática, o capítulo Caminhos para uma
Análise de Discurso Crítica Etnográfica, de Francisco Djefrey Simplicio
Pereira, objetiva recorrer à Pragmática como fio condutor para a pesquisa
etnográfica em Análise do Discurso Crítica.
O livro também conta com importantes reflexões na área educacional.
O capítulo intitulado A Necessidade da Pragmática no Ensino das Formas
de Tratamento nas Aulas de PLE Face ao Espanhol, de Ramiro Carlos
Humberto Caggiano Blanco (USP) e Yedda Alves de Oliveira Caggiano
Blanco (USP), tem como objetivo proceder à abordagem crítica de livros
didáticos de Língua Espanhola passando pelo crivo de uma visão baseada
no contexto e nos usos da língua, quais sejam, na relevância dos aspectos
concernentes ao contexto e suas implicações para a compreensão efetiva
do idioma pelos alunos de LE, como língua estrangeira. Nesse sentido, no
capítulo Língua autêntica e língua de materiais didáticos de italiano LE:
Uma análise das aberturas telefônicas, de Adriana Mendes Porcellato, a
autora lança mão da Análise da Conversação para comparar as aberturas
telefônicas de conversas autênticas extraídas do Lessico dell”Italiano
Parlato (LIP) com as aberturas de conversas telefônicas de alguns livros
didáticos de italiano como língua estrangeira (doravante ILE) em nível
básico.
Além de estudos que abordam materias de língua estrangeira, há
também espaço para discussões acerca da aquisição da linguagem. No
capítulo A aquisição de línguas adicionais e teoria da relevância: um
estudo possível, de Marina Xavier Ferreira e Elena Godoy, parte-se da
hipótese de pesquisa de que a relevância é uma propriedade cognitiva que
desempenha um papel fundamental na aquisição de línguas adicionais,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 12


por ser um elemento que seleciona a entrada de dados e que se coaduna
aos aspectos pragmáticos, principalmente a propriedade cognitiva da
relevância, que as pesquisadoras acreditam ser indispensável para que a
aquisição ocorra. Por sua vez, no capítulo Em defesa de uma abordagem
sócio-pragmática de aquisição de linguagem, de Renato Caruso Vieira,
o autor apresenta argumentos que evidenciam a importância central
desempenhada pela pragmática, em seu aspecto sócio-comunicativo de
inferência de intenções, na aquisição de linguagem.
Por fim, no capítulo Pragmática na avaliação clínica da linguagem,
de Ana Carolina Gomes da Silva e Felipe Venâncio Barbosa, a função
pragmática da linguagem se insere num contexto clínico, refletindo a
respeito da pragmática da língua a partir de uma experiência pessoal ou
a partir da imagem de um falante hipotético que, por diversos motivos,
não conseguem utilizar e/ou compreender o papel do contexto na língua,
afetando de forma significativa a comunicação com outros falantes e a
expressão ante o mundo.
Isso posto, essa obra abrange discussões teóricas, metodológicas,
revisões de literatura e análise de dados em diferentes perspectivas, de
modo que esperamos que o leitor possa conhecer um pouco mais sobre os
estudos pragmáticos.
Desejamos a todos e a todas uma boa leitura!

Prof. Dr. Luiz Antônio da Silva


Docente na área de Letras da Universidade de São Paulo
Profa Dra. Katiuscia Cristina Santana
Pesquisadora FFLCH/USP
Profa. Dra. Ana Paula Albarelli
FFLCH/USP

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 13


(Des)cortesia: conceitos básicos

Luiz Antônio da Silva

Introdução

Discorrer sobre cortesia e descortesia significa falar sobre


comunicação, isto é, pensar em cortesia e descortesia é pensar
que os participantes de uma dada comunicação compartilham a
mesma perspectiva e sabem que estão envolvidos em um sistema de
comportamentos sociais estabelecidos.
O interesse dos pesquisadores pelo estudo de cortesia/descortesia se
explica pelo fato de se tratar de um dos princípios que rege a dinâmica
interacional. Ou como explica Briz (2007):
Sem dúvida, o êxito na comunicação, a felicidade ou infelicidade dos atos
de fala a que se referia Austin é fruto de uma atividade conjunta dos inter-
locutores participantes de uma interação. Daí que a atividade linguística
seja também atividade social. E a cortesia, uma destas principais atividades
sociais que colabora para o êxito conversacional (BRIZ, 2007, p. 6).

De acordo com Briz (2007), reiteremos que a língua não é um


sistema autônomo que se esgota no código linguístico. Para além de um
sistema linguístico, trata-se de uma atividade social, histórica e cognitiva,
que varia de acordo com suas condições de uso. Trata-se de um fenômeno
“interativo e dinâmico, voltado para atividades dialógicas, que marcam as
características mais salientes da fala, tais como as estratégias de formulação

DOI: 10.52788/9786589932536-1 SUMÁRIO / 14


em tempo real” (MARCUSCHI, 2001, p. 33). Também, trata-se de um
fenômeno “interacional, isto é, produzido por sujeitos integrados numa
dada sociedade que se transforma a todo instante” (CUNHA, 2012, p.
46). Sendo assim, engloba os interactantes que se envolvem em atividades
sociais dos mais variados tipos.
O objetivo deste trabalho é fazer algumas considerações a respeito
de conceitos fundamentais para aqueles que se debruçam a estudar este
assunto tão instigante, cortesia e descortesia.

Problemas Terminológicos

No meio acadêmico brasileiro, dependendo da formação do pesqui-


sador ou do grupo a que ele pertence, costuma-se usar cortesia ou polidez.
Ainda que haja aqueles que buscam sentidos diferentes para esses termos,
como considerar descortesia como um ato involuntário e impolidez, como
sinônimo de rudeza, em geral, são usados como sinônimos. Sei, também,
que terminologia é uma questão de gosto e de convicções e tomada de
decisão.
No grupo do Projeto NURC, não se faz distinção entre tais
termos e optou-se por cortesia. Quando comparávamos os contrastes
cortesia/descortesia e polidez/impolidez, parecia-nos que impolidez
não soava tão bem e, acrescente-se que, ainda, não constava nos
dicionários. Também, é importante dizer que sempre tivemos um
diálogo muito produtivo com pesquisadores espanhóis, que sempre
usaram cortesia/descortesia. Sendo assim, a publicação de 2008 do Projeto
NURC/SP recebeu o título Cortesia Verbal.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 15


Ressalte-se, ainda, que a terminologia não impede uma boa interlo-
cução com grupos que utilizam polidez/impolidez, como é o caso da equi-
pe liderada pela Profa. Dra. Kazuê Saito Monteiro de Barros, da Univer-
sidade Federal de Pernambuco. Observe-se, nas Referências, os diversos
título que utilizam as formas polidez/impolidez.
Além do mais, a etimologia nos leva a caminhos comuns e
convergentes. É preciso buscar a origem do termo cortesia na corte. Esse
termo nos remete ao período da corte nas sociedades europeias, em
que havia um sistema de modos e uma etiqueta de comportamentos
mais educados e adequados à vida social. O que era típico da corte era
refinado e educado, enquanto o que estava no círculo da província era
rude, grosseiro e mal-educado. Dessa forma, a educação refinada da corte
passou a ser sinônimo de cortesia, em oposição ao que era provinciano e
grosseiro. A gente da corte criou um sistema de modos, uma etiqueta de
comportamentos mais educados e adequados à vida social: normas para
casamentos, normas para funeral, normas para a relação com homens e
mulheres, etc. Em contraste com o que acontecia na província, a vida na
corte era mais polida, mais refinada, enfim mais educada.
O termo polidez segue a mesma lógica, pois se refere àquilo que foi
polido, isto é, as arestas foram aparadas; o material está liso, lustrado e
refinado e os excessos grosseiros foram retirados. Em outras palavras,
aquilo que não estava bem ou adequado foi resolvido. Dessa forma, o
termo polidez nos leva àquela pessoa que foi polida e lustrada e, assim,
sem as arestas, tornou-se um brilho em termos de educação, ao contrário
daquelas que estão repletas de pontas e excessos.
Sendo assim, tanto cortesia quanto polidez nos conduzem à ideia
de afabilidade, brandura, deferência, suavidade e civilidade. Com isso,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 16


percebe-se que, etimologicamente falando, cortesia e polidez têm o mesmo
sentido, por isso não vemos nenhum motivo para estabelecer diferenças
entre os termos. Trata-se de uma tomada de posição.
É importante salientar que, no português europeu, ainda encontra-
mos o termo delicadeza em contraste com rudeza, como ocorre no título
do artigo “A delicadeza e as formas de tratamento em português língua
não materna: um estudo de caso numa sociedade bilíngue em Espanha”,
constante em Antão e Almeida (2021).
Essas considerações têm a intenção de esclarecer a problemática
da terminologia e deixar evidente que consideramos cortesia/descortesia
como sinônimos de polidez/impolidez, porém, neste trabalho,
utilizar-se-á cortesia/descortesia.

Cortesia e Descortesia

Os estudos da cortesia começaram a aparecer no meio acadêmico


brasileiro a partir da década de 1980, ainda que os primeiros estudos já
tenham surgido na década de 1970. Cunha e Oliveira (2020) estabele-
cem duas fases para os estudos da cortesia. Na primeira fase, situam-se os
trabalhos pioneiros de Lakoff (1973), Brown e Levinson (1978 e 1987)
e Leech (1983). A segunda fase refere-se a novas abordagens, buscando
solucionar lacunas e equívocos dos trabalhos pioneiros. Segundo Cunha
e Oliveira (2020):

Inseridas inicialmente na vertente pragmática dos estudos da linguagem e


articulando de modo original as contribuições de estudiosos da Antropologia
(Malinowski, Radcliffe-Brown), da Sociologia (Durkhein, Goffman) e
da Filosofia (Grice, Austin, Searle), as pesquisas sobre polidez linguística
revelaram o papel da gramática da língua na manutenção e preservação

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 17


das relações sociais. Passados mais de quarenta anos desde a divulgação das
abordagens pioneiras, hoje o tema da polidez não pertence exclusivamente
ao domínio da Pragmática, sendo amplamente abordado por outras áreas,
como a Linguística Textual, a Sociolinguística Interacional e a Análise do
Discurso. Por isso mesmo, se, de um lado, os estudos sobre a polidez, ao
analisarem o fenômeno de perspectivas distintas, têm contribuído para
revelar sua complexidade inerente, de outro a multiplicidade de abordagens
teóricas, de métodos e de debates tem dificultado uma apreensão global dos
instrumentos conceituais desenvolvidos para o estudo da polidez (CUNHA
e OLIVEIRA, 2020, p. 137).

Briz (2007) se refere a dois tipos de cortesia: normativa e estratégica.


Sendo uma atividade social, a cortesia é um fenômeno de aproximação ou
distanciamento do outro. É possível buscar aproximação do outro com
finalidade cortês, porque existe uma norma de conduta social ou uma
lógica cultural que compele a isso. Trata-se da cortesia normativa, que
segue as chamadas etiquetas sociais de bem conviver em sociedade.
Também considerando a atividade social, a aproximação ou distan-
ciamento do outro pode seguir uma intenção estratégica para conseguir
algo. Trata-se da cortesia estratégica que busca alcançar algo, diferente de
ser, simplesmente, cortês.
Bravo (2005) esclarece que cortesia se refere a uma atividade comuni-
cativa, cuja finalidade é estar em harmonia com o interlocutor, adequan-
do-se às normas e códigos sociais que tanto locutor como interlocutor
conhecem. Isso significa dizer que a cortesia é um fenômeno pragmático
que surge na interação para assegurar a harmonia entre os interactantes.
Para Kerbrat-Orecchioni (2006), a cortesia tem como função geral
possibilitar uma gestão harmoniosa da relação interpessoal. A cortesia se
manifesta por atos linguísticos e atos não-linguísticos, sendo inerente às
relações humanas nas mais variadas instâncias em que o ser humano vive.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 18


Em geral, a noção de cortesia se concebe como “um conjunto de
normas sociais, estabelecidas por uma determinada sociedade, que regulam
o comportamento adequado de seus membros, proibindo algumas formas
de conduta e favorecendo outras” (ESCANDELL VIDAL, 1993, p. 136).
Haverkate (1994) deixa claro que as normas de cortesia funcionam
como regras que regulam o comportamento humano:

Elaborando este ponto, podemos afirmar que as normas de cortesia funcio-


nam como regras regulativas, ou seja, como regras que regulam formas de
comportamento humano que existiam antes de tais regras serem criadas.
Por esse motivo, a comunicação verbal poderia dar-se perfeitamente sem
aplicar as normas de cortesia. Uma pessoa que tenha atuado como se as
normas não existissem, violaria profundamente as convenções inerentes aos
bons modos, mas conseguiria fazer-se entender sem a menor dificuldade.
Nesse aspecto, as normas de cortesia diferem fundamentalmente das regras
gramaticais, que são regras tipicamente constitutivas. Isso quer dizer que a
comunicação verbal seria impossível se não se baseasse em um sistema de
regras formais que determinam a estrutura da mensagem linguística. Uma
pessoa que atuasse como se as regras gramaticais não existissem, não conse-
guiria fazer-se entender (HAVERKATE, 1994, p. 15).

Em síntese, cortesia se refere à eficácia das relações interpessoais por


meio da linguagem. Dizer a verdade pode ser mais eficaz em termos co-
municativos, no entanto, pode provocar rompimento de relações sociais.
Então, é possível dizer a verdade sem, todavia, quebrar os vínculos sociais,
isto é, usar mecanismos linguísticos que mitiguem os efeitos negativos da
comunicação. Lakoff (1973) afirma que cortesia se refere a um sistema
de relações interpessoais designado para facilitar a interação por meio da
minimização do potencial para o conflito e confrontação inerente a toda
troca humana.
Ressalte-se, também, que, em geral, todas as culturas têm a noção
de cortesia/descortesia, contudo não se pode generalizar, afirmando que
determinados comportamentos sejam universais. Silva (2008) esclarece:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 19


Não temos dúvida de que o tema da cortesia está relacionado à identida-
de individual e social, pois serve para construirmos nossa imagem pessoal e
social diante do(s) grupo(s) do(s) qual(ais) participamos. Segundo Álvares
Muro (2002), trata-se de atos simbólicos, gestuais e verbais que expressam
sentimentos de apreço e/ou respeito codificados e que, de alguma forma,
são conscientes. Esses atos servem para regular uma ação relacionada à cons-
trução da identidade pessoal e social, tendo em vista o grupo a que se refere,
com vistas a minimizar os conflitos decorrentes da interação. Dessa forma,
há um discurso da cortesia que apresenta aspectos valorativos em bons e
maus, bonitos ou feios, adequados e inadequados (SILVA, 2008, p. 166).

Já o comportamento descortês está associado à ausência de cortesia,


como o próprio prefixo -des sugere. Os dicionários definem descortesia
como a falta de cortesia, no entanto não é tão simples assim.
Brown e Levinson (1987, p. 62) esclarecem que atos que coloquem
em risco o equilíbrio da interação são atos descorteses. De acordo com
Culpeper (2011, p. 37), descortesia envolve violação de normas sociais
de comportamento. Então, qualquer ato que implique confronto inten-
cional ou não pressupõe descortesia. Da mesma forma que foi abordada
a noção de cortesia, também em relação à descortesia é possível dizer que
alguns indivíduos, em determinadas situações, têm a intenção de serem
ou parecerem descorteses, seja para criar uma determinada imagem, seja
para conseguirem algum intento.
Da mesma forma que Marcuschi (2001) coloca oralidade e escrita
entre dois polos e, dependendo do gênero ou tipo de texto, ora se apro-
xima da oralidade, ora se aproxima da escrita, da mesma forma é possível
estabelecer um continuum entre cortesia e descortesia. Não se pode esta-
belecer absolutos em determinadas situações, isto é, não se pode dizer de
antemão se um determinado tipo de interação seja cortês ou descortês.
Antes, é necessário considerar alguns aspectos importantes, como grau
de imposição do ato de fala, grau de envolvimento entre os interactantes,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 20


hierarquia, contexto geral e contexto específico da interação. É comum
considerar determinadas fórmulas como corteses, por exemplo um muito
obrigado(a), contudo há necessidade de se analisar a interação como um
todo, pois a possível fórmula cortês muito obrigado(a) pode vir carregada
de ironia, sendo, portanto, uma fórmula descortês. Da mesma forma,
uma gafe ou uma ausência involuntária de cortesia não devem ser analisa-
das da mesma forma que um caso típico de descortesia. Kaul de Marlan-
geon (2017) assim se manifesta a respeito desse continuum:

Em consonância com as formulações de Fraser e Nolen (1981) e Lavandera


(1988) sobre cortesia, postulamos a existência do continuum cortesia-
descortesia (KAUL DE MARLANGEON, 1995) e o desenvolvemos
focalizando o campo da descortesia, em um corpus da poesia do tango da
década de 1920. Posteriormente, Kienpointner (1997) e Mills (2003), entre
outros, também convergiram na ideia de considerar um continuum para
tratar tais comportamentos.
Refletir a respeito do continuum da ‘cortesia-descortesia’ tem a vantagem
metodológica de abranger naturalmente o conceito dos fenômenos da
cortesia e da descortesia, considerando-os mais do que simples polos opostos,
como setores próprios do continuum e constitutivos de sua gradação. Além
disso, o continuum permite evidenciar com maior precisão conceitual tanto
os aspectos convergentes quanto os divergentes entre cortesia e descortesia.
(KAUL DE MARLANGEON, 2017, p. 93-94).

Koike (2017) também corrobora a noção de continuum no estudo


da cortesia e da descortesia:

O que elaboro aqui é a noção de que, em primeiro lugar, uma interpreta-


ção de cortesia em um enunciado vai variar de acordo com os participantes
individuais. Segundo, a cortesia é melhor representada como um contínuo
de comportamentos corteses, que pode ser representado como se mostra
na Figura 1.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 21


Figura 1

|--------------------Cortês----------------------------------------------------] [-----Descortês-----]

Por outro lado, a descortesia, um comportamento muito mais marcado,


também é representada no contínuo, mas de forma muito menor, como
se vê na Figura 1. Está no outro extremo dos comportamentos corteses, e o
ponto em um comportamento ou um enunciado pode ser considerado des-
cortês também varia de indivíduo para indivíduo. Esta ideia se vê na teoria
da Relevância (SPERBER; WILSON, 1996) assim como se aplica à cortesia
(HAUGH, 2015). Cada pessoa tem um nível diferente de tolerância para o
comportamento cortês e sobretudo o descortês (KOKE, 2017: 70).

Sendo assim, é preciso ponderar e analisar com mais precisão antes


de afirmar que determinada interação seja cortês ou descortês.

Face e Preservação da Face

O sociólogo Erving Goffman é considerado um dos principais


teóricos da interação. Na década de 1960, propôs que a comunicação
humana não só trata da troca de informações como também deixa claro
que as pessoas estabelecem relações entre si. Quando se entra em contato
com outra pessoa, existe a preocupação de preservar a autoimagem
pública. Goffman utiliza o termo face. Esse termo provém de expressões
em inglês, como to save face (salvar a honra, preservar as aparências) e
to lose face (perder a face, perder a reputação). Face ou imagem pública
é o valor social positivo que uma pessoa deseja para si, por meio de
procedimentos que os outros supõem que segue. É a imagem pública do
indivíduo, delineada em termos de atributos sociais. Consiste na imagem

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 22


positiva que vem a ser a construção da identidade ou “máscara”, isto é, o
desejo de ser amado, apreciado pelos demais, em absoluto cumprimento
das normas da sociedade.
Goffman (1970) cunhou o termo trabalho de face (face work) para
designar o gerenciamento da imagem durante a interação. Trata-se
de ações efetuadas por uma pessoa para conseguir que o que faça seja
coerente com sua imagem. O trabalho de face serve para neutralizar
incidentes, isto é, fatos que coloquem em risco a face do locutor ou
do interlocutor. Há uma orientação defensiva, no sentido de preservar
a própria face e uma orientação protetora, visando a preservar a face
do outro. O simples contato com um interlocutor já representa o
rompimento de um equilíbrio, ameaçando a imagem tanto do locutor
quanto do interlocutor. Isso leva a um acordo tácito entre as partes: um
não ameaça a face do outro até o momento em que a própria face não é
ameaçada. Todavia é preciso tomar cuidado, pois, no ímpeto de preservar
a própria face, corre-se o risco de ameaçar a face do interlocutor. Ou ainda,
no intuito de preservar a face do outro, é possível ameaçar a própria face.
Goffman define três tipos de responsabilidade diante da ameaça à face:
1. Ao ameaçar, o indivíduo age com certa ingenuidade/inocência,
isto é, a ameaça é involuntária e não-intencional. Se soubesse, teria evita-
do a situação. Exemplos: gafe social, atitude desastrada, como, por exem-
plo, perguntar sobre a gravidez e a pessoa dizer que perdeu a criança. Ou
perguntar se está grávida e a pessoa dizer que não; está gorda. Ou, ainda,
perguntar pelo parente e este ter morrido.
2. A ameaça é resultado de malícia ou rancor ou vingança, com a
clara intenção de promover conflito ou insulto. A sua desafeta foi ao ca-
beleireiro e ele estragou o cabelo dela. Então, para provocá-la e irritá-la,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 23


pergunta-se como está e se faz um longo elogio ao cabelo. Ou sabe-se que
está no trabalho alguém de quem seu colega não gosta e pergunta-se se
está feliz por ter visto tal pessoa.
3. A ameaça é provocada por ofensas acidentais; a pessoa que ameaça
sabe da possibilidade de colocar em risco a face, mas não o faz por rancor.
Por exemplo, o comunicado do falecimento ou a notícia da reprovação
no colégio ou, ainda, o comunicado aos pais das más notas do filho.
Esses três tipos podem ser provocados por situações diferentes:
- pelo indivíduo contra a própria face;
- pelo indivíduo contra a face dos demais;
- pelos demais contra a própria face;
- pelos demais contra a face do indivíduo.
Em uma interação, é possível que a imagem que o interlocutor de-
seja ver manifesta não se concretize, provocando, por isso, uma situação
de conflito. Goffman utiliza o termo face work (trabalho de face) para
designar as ações efetuadas por um indivíduo para conseguir que o que
faça seja coerente com sua imagem.
Goffman considera três tipos de procedimentos ou práticas para
manter a face:
1. Evitar a situação de ameaça: evitar contatos “perigosos”; temas e
situações constrangedores; evitar ou apresentar de forma dissimulada ou
indireta.
2. Processo corretivo: tentativa de corrigir os efeitos ameaçadores da
face. Comportamentos ritualísticos (perdão, desculpas) para compensar
o dano causado à face. Há 4 movimentos clássicos:
a) Desafio: chamada de atenção para a ameaça e o desafio de reequi-
librar a situação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 24


b) Oferecimento: o indivíduo que ofende tem a possibilidade de
corrigir a ameaça e reestabelecer a ordem.
c) Aceitação: o ofendido aceita o reparo e se satisfaz em reestabelecer
a ordem e o equilíbrio.
d) Agradecimento: a pessoa perdoada (que ameaçou a face) transmite
um sinal de gratidão ao que perdoou.
3. Pontualização: refere-se ao emprego agressivo do trabalho de face.
Neste caso, a ameaça é voluntária, como costuma ocorrer em debates
políticos.
Brown e Levinson (1987) tomaram como ponto de partida a noção
de face de Goffman e ampliaram o conceito, criando a noção de atos
ameaçadores de face e face positiva e face negativa.
Os atos ameaçadores de face referem-se a atos contrários aos desejos
do outro e que ameaçam a face. Referem-se a atos verbais que ameaçam
as faces, tanto do locutor quanto do interlocutor.
Para Brown e Levinson (1987), todo indivíduo possui duas faces,
positiva e negativa. Ressalve-se tais termos não apresentam nenhum
sentido valorativo.
Face positiva refere-se ao desejo de que a autoimagem seja aprovada
e valorizada. É o desejo de aprovação social; refere-se à necessidade que
todo indivíduo tem de ser aceito, de ser tratado como membro de um
grupo, de saber que seus próprios desejos são compartilhados pelos
interlocutores. Representa o desejo de ser apreciado e admirado e que
seus desejos sejam aceitáveis pelo interlocutor. Tudo aquilo que coloca
em risco essa imagem representa ameaça à face positiva.
Face negativa refere-se à necessidade que todo indivíduo tem de ser
independente, de ter liberdade de ação e de não sofrer imposição. Envolve
a contestação básica aos territórios, reservas pessoais e direitos; em outras

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 25


palavras, a liberdade de ação e liberdade de não sofrer imposição; enfim,
o desejo que as pessoas têm de não serem controladas. Tudo o que cerceia
a liberdade de ação ameaça a face negativa.
Marcuschi (1989, p. 284) apresenta um resumo de atos que ameaçam
as faces:

1. Atos que ameaçam a face positiva do interlocutor: são atos que desgas-
tam a imagem do interlocutor, como desaprovação, insultos, acusações,
sarcasmo, refutações.
2. Atos que ameaçam a face negativa do interlocutor: são atos que inva-
dem a território pessoal e tiram a liberdade de ação, como pedidos, ordens,
perguntas indiscretas, proibições.
3. Atos que ameaçam a face positiva do locutor: são atos autodesgastantes,
como autocrítica, auto-humilhação e autoconfissões.
4. Atos que ameaçam a face negativa do locutor: são atos potencialmente
abertos ao fracasso ou a um dano ao expor bens próprios ou limitar a liber-
dade de ação, como comprometer-se, fazer promessas.

Considerações finais

Conforme foi dito no início, este trabalho tem por objetivo fazer
algumas considerações sobre conceitos fundamentais para quem trabalha
com o tema da (des)cortesia. Sendo assim, procuramos levar a cabo esse
intento, buscando motivar aqueles que já vêm desenvolvendo trabalhos
nessa linha teórica e estimular aqueles que, ainda, estão lendo trabalhos
nessa área.
Não foi nosso objetivo fazer uma exaustiva explanação teórica
nem resenhar as correntes mais utilizadas por pesquisadores brasileiros.
Tivemos, somente, a intenção de revisitar os conceitos teóricos mais
utilizados pelos pesquisadores desse tema.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 26


Referências

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as formas de tratamento em português língua não materna: um estudo de caso
numa sociedade bilíngue em Espanha. Diacrítica, 35/1, p. 189-206, 2021.
BRAVO, Diana. Categorías, tipologias y aplicaciones. Hacia una redefinición
de la “cortesia comunicativa”. In: BRAVO, Diana (Ed.). Estudios de la
(des)cortesia en español. Categorías conceptuales y aplicaciones a corpora orales y
escritos. Buenos Aires: Programa Edice-Dunken, 2005, p. 21-52.
BRIZ, Antonio. Para un análisis semântico, pragmático y sociopragmático de
la cortesia atenuadora en España y América. Lingüística Espñola Actual(LEA):
XXIX/1, p. 5-44, 2007.
BROWN, Penelope e LEVINSON, Stephen. Universals in language usage:
Politeness phenomena. In: GOOD, E. (Ed.) Questions and politeness: strategies
in social interaction. Cambridge: Cambridge University Press, p. 56-290,
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BROWN, Penelope e LEVINSON, Stephen. Politeness. Some Universals in
language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
CULPEPER, Jonathan. Impoliteness: using language to cause offense.
Cambridge: Cambridge University Press, 2011.
CUNHA, Eva C. Estratégias de polidez na interação em aulas chat. Recife:
Editora Universitária/UFPE, 2012.
CUNHA, Gustavo Ximenes e OLIVEIRA, Ana Larissa A. M. Teorias de
im/polidez linguística: revisitando o estado da arte para uma contribuição
teórica sobre o tema. Estudos da Linguagem, 18/2, p. 135-162, 2020.
ESCANDELL VIDAL, M. Victoria. Introducción a la Pragmática. Barcelona:
Anthropos-UNED, 1993.
GOFFMAN, Irving. Ritual de la interacción. Buenos Aires: Tiempo
Contemporáneo, 1970.
HAVERKATE, Henk. La cortesia verbal. Madrid: Editorial Gredos, 1994.
KAUL DE MARLANGEON, Silvia. Contribuições para o estudo
da descortesia verbal. In: CABRAL, Ana L. T.; SEARA, Isabel R. e
GUARANHA, Manoel F.(Orgs.). Descortesia e cortesia: expressão de culturas.
São Paulo: Cortez, p. 93-108, 2017.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 27


KERBRAT-ORECCHINI, Catherine. Análise da Conversação: princípios
e métodos. Tradução para o português de Carlos Piovezani Filho. São Paulo:
Parábola, 2006.
KOIKE, Dale A. Os frames culturais na fala: expectativas para a(des)cortesia.
In: CABRAL, Ana L. T.; SEARA, Isabel R. e GUARANHA, Manoel F.
(Orgs.) Descortesia e cortesia: expressão de culturas. São Paulo: Cortez, p. 57-
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LAKOFF. Robin. The logic os politeness: or minding your p´s and q´s. Papers
from the Ninth Regional Meeting of the Chicago Linguistic Society,IX, p. 292-
305, 1973.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Marcadores conversacionais do português
brasileiro: formas, posições e funções. In: CASTILHO, Ataliba T. de.
Português culto falado no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989.
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retextualização. São Paulo: Cortez.
SILVA, Luiz Antônio da. Cortesia e formas de tratamento. In: PRETI, Dino
(Org.). Cortesia Verbal. São Paulo: Humanitas, p. 157-192, 2008.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 28


A descortesia nas redes sociais no contexto
político-ideológico: Brasil e Argentina

Fábio Barbosa de Lima

Eu quero entrar na rede


Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut

Pela Internet1 – Gilberto Gil

Considerações iniciais

É inegável que a ascensão das redes sociais e o uso de recursos


tecnológicos têm dado novos contornos na polarização político-
ideológica, fazendo com que boa parte desse processo ocorra no âmbito
da virtualidade, contribuindo para a amplificação dos embates entre
grupos ideologicamente opostos.
Em nosso estudo de doutorado2 (LIMA, 2019), delimitamos o
período compreendido entre 2014 e 2017 para esta análise, pois abarcam

1 Disco Quanta, 1997 – Warner Music.


2 Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua Espanhola e
Literaturas Espanhola e Hispano-Americana, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profa.
Dra. María Zulma Moriondo Kulikowski.

DOI: 10.52788/9786589932536-2 SUMÁRIO / 29


eventos que marcam a referida polarização no Brasil e na Argentina: a
eleição de 2014, momento a partir do qual se dá o processo de afastamento
da presidenta Dilma Rousseff e o governo Michel Temer no Brasil; já, no
que se refere à Argentina, o final do governo Cristina Kirchner e a eleição
de 2015, vencida por Mauricio Macri, seu opositor.
Tais acontecimentos políticos foram marcados por mobilizações
retroalimentadas nas redes sociais; desde a concepção dos movimentos,
passando pela convocação dos atos, até a participação física e/ou virtual,
com a reverberação na mídia e nas próprias redes. Para corroborar o
fato, destacamos movimentos de greve geral nos dois países, além de
manifestações contrárias e favoráveis ao processo de impeachment da
presidenta brasileira e, posteriormente, contrárias ao governo Michel
Temer, no Brasil, e o movimento Ni Una Menos na Argentina.
Escolhemos, então, para a formação dos nossos corpora, as páginas
dos veículos de comunicação brasileiros UOL, Carta Capital e dos
argentinos Clarín e Página 12 no Facebook. Tal opção se deu por se tratar
da rede social em que mais acontecem confrontos de cunho político-
ideológico e, ainda, pela busca de considerável parcela do público por
páginas jornalísticas da grande imprensa, devido à sensação de ter
informação mais neutra; o que faz desse espaço um ponto de encontro de
pessoas com diferentes posicionamentos.

As manifestações de descortesia nas redes sociais

Considerando as transformações que a virtualidade trouxe


para a comunicação entre os indivíduos, Yus (2001) propõe o termo

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 30


ciberpragmática para categorizar o estudo das interações humanas em
ambientes virtuais, buscando explicitar o seu papel pragmático.
No que diz respeito à polarização político-ideológica dos últimos
anos, que tem sido retroalimentada pelas redes sociais, podemos observar
que as manifestações de descortesia têm um papel crucial nos embates.
Lima (2020), destaca que a importância das redes sociais para os
estudos pragmáticos, considerando que:

Isso se deve ao seu impacto nas interações humanas e nas novas formas de
se comunicar. Ainda que haja a falta de marcas de contexto e a ausência da
interação face a face pode levar os interagentes direcionarem a um uso exa-
gerado da cortesia; por outro lado, esses mesmos aspectos podem levá-los a
comportamentos mais próximos da descortesia (LIMA, 2020, p. 65).

Culpeper (2011, p. 23) conceitua descortesia como “uma atitude


negativa em relação a comportamentos específicos que ocorrem em con-
textos específicos” (tradução nossa)3, que pode impactar um indivíduo
ou um grupo, quer seja em seus desejos, expectativas e crenças. O autor,
ainda assevera que:

Tais comportamentos sempre têm ou presumem que tenham consequências


emocionais para pelo menos um participante, ou seja, causam ou devem
causar ofensa. Vários fatores podem exacerbar o quão ofensivo um
comportamento indelicado é considerado, incluindo, por exemplo, se
alguém entende um comportamento fortemente intencional ou não.
(CULPEPER, 2011, p. 23, tradução nossa)4.

3 citação original: “is a negative attitude towards specific behaviours occurring in specific
contexts” (CULPEPER, 2011, p. 23).
4 citação original: Such behaviours always have or are presumed to have emotional consequences
for at least one participant, that is, they cause or are presumed to cause offence. Various factors can
exacerbate how offensive an impolite behaviour is taken to be, including for example whether one
understands a behaviour to be strongly intentional or not (CULPEPER, 2011, p. 23).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 31


Ao considerarmos a descortesia como uma estratégia comunicativa,
assim como a cortesia, é possível afirmar que ambas constituem um
continuum, estando em lados opostos. Dessa forma, um ato de fala pode
variar para mais cortês ou mais descortês; ideia corroborada por Kaul de
Marlangeon, ao afirmar que cortesia e descortesia são:

partes do mesmo continuum, isto é, duas valorações opostas da mesma fun-


ção, conceito que nos permite abarcar naturalmente ambos os fenômenos,
sem considerá-los como simples opostos polares (...) mas como extremos
de uma gradação (KAUL DE MARLANGEON, 2008, p. 256, tradução
nossa).5

Para ilustrar a questão, temos, também, o continuum cortesia –


descortesia proposto por Brenes Peña (2011, p. 33):

Figura 1 – Quadro Continuum cortesia-descortesia

Fonte: Brenes Peña, 2011.

Importante contribuição de Kaul de Marlangeon (2005) para


os estudos da descortesia é a categorização das estratégias de afiliação
exacerbada e de refratariedade, paralelos traçados para as categorias de
autonomia e afiliação propostas por Bravo (1999) no âmbito da cortesia.

5 citação original: “del mismo continuo, o sea, dos valuaciones opuestas de la misma función,
concepto que permite abarcar naturalmente ambos fenómenos, sin plantearlos como simples
opuestos polares (…) sino como extremos de una gradación” (KAUL DE MARLANGEON,
2008, p. 256).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 32


Temos assim, neste continuum, a afiliação exacerbada como
estratégia de descortesia, correspondendo ao conceito de afiliação,
como estratégia de cortesia; ambas constituindo o desejo de ser parte
integrante do grupo. Do outro lado, temos a refratariedade como
estratégia de descortesia, que corresponde ao conceito de autonomia,
como estratégia de cortesia; como expressão do desejo de ser visto como
alguém independente do grupo.
Podemos ver mais bem explicitada a relação entre a afiliação (cortesia)
e refratariedade (descortesia) em Cordisco e Kaul de Marlangeon:

Na primeira (afiliação exarcebada), o indivíduo produz atividades nas


quais se percebe e é percebido pelos outros como um membro do grupo.
O adepto assume sua filiação com plena consciência e orgulho: é partidário
dos membros e das ideias de seu grupo, a ponto de escolher a descortesia em
sua defesa. Na segunda (refratariedade), o indivíduo se percebe e é perce-
bido pelos outros como opositor do grupo. Ele critica, reprova, ataca, com-
bate, agride, quer expressar que está em uma atitude refratária em relação
ao que lhe suscita oposição (CORDISCO; KAUL DE MARLANGEON,
2014, p. 147, grifos nossos, tradução nossa). 6

Podemos observar que nas interações nas redes sociais, sobretudo


em temas de cunho político-ideológico, em que a polarização se apresenta
de forma mais contundente na atualidade, que a descortesia não é um
sinal de rompimento da interação, mas sim, uma estratégia comunicativa,
que impulsiona e incita a discussão. A este respeito, para Cordisco e Kaul

6 citação original: En la primera (afiliación exarcebada), el individuo produce actividades en las


que se percibe a sí mismo y es percibido por los demás como adepto a un grupo. El adepto asume
su calidad de miembro con plena conciencia y orgullo: es partidario de los miembros y de las ideas
de su grupo, al punto de escoger la descortesía en su defensa. En la segunda (refractariedad), el
individuo se percibe a sí mismo y es percibido por los demás como opositor al grupo. Critica,
vitupera, arremete, combate, agrede, quiere expresar que está en una actitud refractaria respecto
de aquello que suscita su oposición (CORDISCO; KAUL DE MARLANGEON, 2014, p.
147).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 33


de Marlangeon (2014), a descortesia funciona como um mecanismo de
pertencimento ou de oposição aos grupos ideologicamente marcados na
polarização.

As representações das interações nas redes sociais

A charge de Carlos Ruas, publicada em 2019, intitulada “na minha


época”, ilustra o universo das redes sociais e as interações que ocorrem na
virtualidade. O pai apresenta ao filho um parque de diversões, com o co-
mentário “Filho, na minha época, tudo isso era mato”. Na imagem, estão
retratados diferentes sites de serviços e redes sociais, associadas às atrações
de um parque. Temos as representações do site de buscas Google, da em-
presa de tecnologia Microsoft, da loja Amazon, do aplicativo de entrega
de comidas IFood, do aplicativo de transporte privado urbano Uber, do
aplicativo de navegação de rotas Waze, da plataforma de compartilha-
mento de vídeos YouTube, da plataforma de jogos Steam, dos serviços
de streaming7 Netflix (filmes e séries), Spotify (música), das redes sociais
Facebook, Instagram, Tinder, Snapchat, Whatsapp e Tinder.

7 Streaming: tecnologia de envio informações multimídia, através da transferência de dados,


utilizando a Internet. O termo remete à ideia de fluxo de dados ou conteúdos multimídia, como
conteúdo audiovisual.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 34


Imagem 2 – charge Na minha época

Fonte: Carlos Ruas, 2019

Na charge, destacamos a representação do Facebook: um carrinho


de batidas, brinquedo em que vários carros em movimento, guiados pe-
los participantes, se chocam, simulando uma batida de veículos. A ideia
da atração é, ao dirigir sem uma direção pré-determinada, colidir com
os demais. O choque em si é a atração. Importante ressaltar, na mesma
imagem, que há um público em volta do espaço. Assim como nesta rede
social, há a ideia de enfrentamento nas interações, fato corroborado por
meio da observação dos comentários e, geralmente, há o público, que
não entra na discussão, mas, a partir das reações, como o like, podem to-
mar partido de um ou outro comentarista ou, ainda, apenas permanecer
como espectador.
Feitas essas observações de cunho teórico-metodológico da
concepção de nosso trabalho, passamos às análises de duas interações,
sendo uma do Brasil e outra da Argentina.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 35


Ressaltamos que para preservar a privacidade dos autores dos
comentários, ocultamos seus nomes de usuários e fotografias de perfil.
Optamos por substituir as fotos de perfil por ícones com representação
de gênero e, nos casos em que o interagente é citado nominalmente,
fizemos a substituição por um nome fictício. Já no que se refere à
organização textual, optamos por identificar os participantes das
interações de acordo com a nomenclatura do Projeto NURC8, sendo
cada um identificado de acordo com a sua participação com o termo
Locutor. Procedemos, assim, à denominação de locutor 1 – L1, locutor
2 – L2 e, assim, sucessivamente.

Brasil – Debate entre presidenciáveis: 1º turno

A publicação do UOL apresenta a legenda “Os 100 melhores memes


e reações ao debate entre presidenciáveis”, seguida do link para a matéria
no portal e a etiqueta #Eleições2014. Abaixo, apresentamos a foto dos
candidatos em pé na foto oficial do debate realizado na Rede Globo,
seguida de uma montagem de um dos temas sorteados para a discussão
entre os candidatos com a legenda “bolacha ou biscoito”.
Dependendo do formato e das regras estabelecidas para o debate,
há o sorteio de temas para a exposição e o confronto entre os candidatos.
Esses assuntos estão relacionados com questões políticas de temática
ampla como economia, desemprego, segurança pública, combate à
corrupção, por exemplo.

8 Projeto Norma Urbana Culta – Nurc, estudos de aspectos organizacionais, estruturais e


linguísticos da língua falada, ou da norma linguística urbana culta praticada pelos usuários, por
meio da modalidade oral, ou da escrita na interface com a oralidade. O núcleo paulista do projeto
é sediado na FFLCH-USP.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 36


Imagem 3 – post UOL 03/10/2014

Fonte: UOL.

A publicação recebeu 7537 curtidas e 424 comentários e foi


compartilhada 1568 vezes. Passamos, então, a uma das discussões travadas
nos comentários.
Um interagente do sexo masculino inicia a discussão, afirmando que
a candidata Luciana Genro (PSOL) é “ridícula”. O comentário dele foi
curtido por 321 pessoas e recebeu 26 respostas.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 37


Logo abaixo, há um embate entre duas participantes mulheres. L2
destaca “só vê de quem ela é filha!!!!”, em referência ao fato da candidata
ser filha do ex-governador do estado do Rio Grande do Sul e ex-ministro
do governo Lula, Tarso Genro; sendo questionada sobre essa associação
por L3, “vai julgar uma pessoa por quem ela é filha agora?”

Nas respostas ao comentário de L1, houve manifestações de apoio


e de reprovação dirigidas à candidata. Destacamos, primeiramente, as
manifestações favoráveis.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 38


Observamos os termos “sensata”, “corajosa”, “rainha”, além de refe-
rências como falar a verdade, não alienada e que defende a sua opinião.
L23 corrobora esses comentários e opina “pelo nível dos comentários po-
demos notar o (baixo) nível dos eleitores que não simpatizam pelas causas
que ela defende. É muito triste ver essa alienação nas grandes massas do
país”, desqualificando os opositores da candidata.
Destacamos, agora, as críticas e insultos dirigidos à candidata
na interação, em que L20 faz o trocadilho com o nome da candidata,
substituindo Luciana por “lúcifer”. L14 usa a expressão “porca
esquerdista comunista” e L21 usa o termo “LIXO”. Destacamos que
o uso de maiúsculas em interações virtuais é interpretado como grito;
caracterizando, desse modo, um ato de descortesia.

Partimos, assim, para os embates entre os participantes da interação.


Vimos que houve dois confrontos, em que os interagentes se dirigiram um ao
outro utilizando o nome de usuário da rede social. Conforme já pontuamos,
nesses casos optamos por criar um nome fictício, pois cremos o que ato da
nomear o outro reforça a ideia do sujeito na interação.
No primeiro embate, L4, que nomeamos Adão, sai em defesa da
candidata e insulta L1, com “ridículo é você! seu coxinha”. Vemos aqui o uso
da expressão coxinha, uma das faces da polarização política brasileira nesse
momento político. L1 responde a L4, “Adão ridículo e você seu lixo / apenas
respeita a opinião seu lixo”, e questiona L4 sobre os projetos da candidata.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 39


Na sequência seguinte, temos L6, que nomeamos como Luiz, que se
dirige a L1 com “Ridículo é você meu filho”. No final, afirma que mudou
o voto para a candidata. Ao que L1 responde “Luiz aaah sim mudou
seu voto so pq ela criticou a globo kkkkkkkkk mds kkk”, ironizando a
mudança de voto de L6, justificada pela postura da candidata em relação
à emissora de televisão que realizou o debate. Destacamos o uso da
onomatopeia “kkkkkkkk” para marcar uma risada e, ainda, “mds”, que
significa “meu deus”.

Observamos que, apesar de ser uma interação longa, com 26


comentários, só houve dois confrontos diretos, sem tréplica por parte dos
interagentes L4 e L6, que foram mencionados nominalmente por L1.
Destacamos, ainda, que no confronto há insultos dirigidos à candidata,
como “ridícula”, “lúcifer”, “porca esquerdista comunista” e “LIXO”

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 40


que, no embate e em uma postura de afiliação a Luciana Genro, temos
“sensata”, “corajosa” e “rainha”. Já quando a polarização segue para o
âmbito pessoal, observa-se a alcunha “coxinha”.

Argentina – Processo sobre lavagem de dinheiro

Em uma das publicações do jornal argentino Clarín, temos a


manchete “El organismo antilavado quiere que la ex presidenta declare
igual”. Abaixo a foto da ex-presidenta diante de microfones e com o
busto de seu falecido esposo, o ex-presidente Nestor Kirchner, ao fundo.
E, ainda, a manchete da matéria no portal do jornal, “Ruta del dinero K:
apelaron el rechazo a Casanello a indagar a Cristina”. A publicação teve
1809 reações e foi compartilhada 254 vezes.

Imagem 4 – post Clarín – 29/04/2017

Fonte: Clarín.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 41


A interação é iniciada com L1 expondo sua opinião sobre a ex-
presidenta em que, além do insulto “corrupta”, incita a violência física
com “es de esperar que alguien la lleve de los pelos a declarar y la metan
presa de una vez”.

Trataremos L2 por Mario, pois o interagente é tratado pelo seu


nome ao longo da discussão. Na sequência, ele argumenta sobre a falta de
provas no processo e observamos que sua argumentação iniciada em “No
te das cuenta (...)” e terminada em “O acaso no sabés como Clarín opera?”,
alerta sobre o papel da mídia, sendo uma tentativa de convencimento,
apelando pelo raciocínio de seus interlocutores:

Porém, na sequência, temos quatro intervenções desqualificando o


argumento de L2, com o uso das expressões “aflojar al chori capo”, “loco,
donde vivis vos, en una cueva?” e “choriplanero fanático”. Observamos
que, em três dessas intervenções, L2 é tratado pelo seu nome.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 42


L7, então, continua a interação ironizando os comentários anteriores
com “disfruten... mientras puedan... este tempo de escribir y hablar
boludeces”. E, ao final, usa os insultos “salames9” e “globoludo” para os
que são partidários do governo de Macri.

No próximo exemplo, L8 se dirige nominalmente a L2, dizendo


“Mario Mario enema. y a. la.cama... sos. re. patetico”, acusando-o de
mentir com “MINTIENDO”. Conforme já comentamos, o uso de
maiúsculas em interações virtuais equivale a falar a gritar. Além disso,
direciona o insulto “la malnacida” à ex-presidenta.

9 Salame: Expresión para definir la imbecilidad, la tontería o la estupidez de una persona.


Disponível em: http://diccionariolibre.com/definicion/salame Consultado em 04 maio 2017.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 43


Temos, então, duas intervenções: L9 faz uso de um sticker com uma
imagem que demonstra irritação, porém, como não há texto, não é pos-
sível saber se ele está se dirigindo a L1 e seus apoiadores, L3, L4, L5, L6 e
L8, ou a L2 e L7.

Depois, temos um participante que profere ofensas aos apoiadores


de Cristina Kirchner, associando-os à baixa escolaridade, “te das cuenta
quien termino el secundario”, além dos insultos “los K son ganado, yo la
verdad a muy pocos kichneristas los veo como humanos siquiera”

Por fim, L8 se dirige nominalmente a L6, concordando com ele


sobre o tratamento dado a L2 e, por consequência, aos apoiadores da
ex-presidenta, tratados de “choriplaneros”, com “DEJENLO QUE SE
GANA LA GUITA POSTEANDO (...) POBRE LOCO”. Vale lembrar
que o uso de maiúsculas nas interações virtuais se considera como gritos,
porém não podemos afirmar se é o que ocorre nesta sequência, já que o
participante demonstra acordo com o interlocutor a quem se dirige.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 44


Diante do exposto, observamos, ao longo desta interação, que a po-
larização é mostrada nas posturas de afiliação exacerbada, a maior parte
dos interlocutores demonstram concordância com L1 e tratam L2 e L7,
favoráveis à ex-presidenta Cristina Kirchner. A polarização também se faz
presente com o uso de “choriplanero” e “globoludo”, insultos que marcam
a divisão política do país.

Considerações Finais

Considerando a análise de um recorte dos nossos corpora, é possível


observar que, tanto do lado brasileiro quanto do lado argentino,
confirma-se que a descortesia de fustigação e suas categorias, afiliação
exacerbada e refratariedade, (KAUL DE MARLANGEON, 2005), são
pontos centrais de uma análise de viés socio-pragmático, no âmbito dos
estudos da descortesia.
É possível observar um maior acirramento do embate nas interações
nas redes sociais no contexto político-ideológico atual, tendo aqui a des-
cortesia a função não de encerrar a discussão, mas de fomentá-la.
Do lado brasileiro é possível observar um número considerável de
insultos. Entretanto, o enfrentamento direto não é tão destacado. Os
interagentes, muitas vezes, comentam não em resposta ao outro, mas para
marcar sua opinião – ou o seu lado político-ideológico – na discussão.
Nota-se, ainda, que poucas vezes, se tratam pelo nome, o que aumenta a
percepção de não enfrentamento direto.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 45


Já do lado argentino também se observa um número considerável
de insultos. Porém, com um enfrentamento direto mais destacado, com
réplicas aos comentários, inclusive, os participantes se dirigem com maior
frequência ao seu interlocutor pelo nome. Tal fato, leva-nos a considerar
que o tratamento nominal entre os interagentes é uma forma de constituir
o seu interlocutor como sujeito na interação.
No Brasil e na Argentina, o enfrentamento “nós vs. eles” se faz
presente no campo político-ideológico, porém percebemos que do
lado argentino há um maior engajamento na discussão, com uma
argumentação mais consistente.
Por fim, destacamos que o recrudescimento nas interações
mediadas pela internet leva a manifestações de afiliação exacerbada
e de refratariedade (Kaul de Marlageon, 2005), tendo relação com a
forma como as discussões sobre o atual contexto político-ideológico,
encontrando terreno fértil nas redes sociais, o que tem facilitado
o confronto, dando novos contornos a oposição “nós vs. eles”. A
constatação de um clima beligerante nas sociedades brasileira e argentina
desloca essa agressividade ao campo das redes sociais potenciando
o enfrentamento, facilitado pela possibilidade do anonimato, pela
velocidade da comunicação e sua imediatez.

Referências

BRAVO, Diana. ¿Imagen “positiva” vs. Imagen “negativa”? Pragmática socio-


cultural y componentes de face. Oralia. Análisis del discurso oral, 2, 1999.
BRENES PEÑA, Ester. Descortesía verbal y tertulia televisiva. Berna: Peter
Lange, 2011.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 46


CORDISCO, Ariel; KAUL DE MARLANGEON, Silvia. La descortesía
verbal en el contexto político-ideológico de las redes sociales. Revista de
Filología, 32; enero 2014, pp. 145-162.
CULPEPER, Jonathan. Impoliteness: using language to cause offence.
Londres: Cambridge University Press, 2011.
KAUL DE MARLANGEON, Silvia. Descortesía de fustigación por afiliación
exacerbada o refractariedad. In: BRAVO, Diana (ed.). Estudios de la (des)
cortesía en español. Categorías conceptuales y aplicaciones a corpora orales y
escritos. Buenos Aires: Programa EDICE-Dunken, 2005.
LIMA, Fábio Barbosa de. Nós contra eles: a descortesia no contexto político-
ideológico na rede social Facebook no Brasil e na Argentina. Tese de
Doutorado. 2019. 212 f. (Letras – Língua Espanhola). Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo.
LIMA, Fábio Barbosa de. Entre bolhas e grietas: a polarização político-
ideológica nas redes sociais. Estudos Linguísticos e Literários, [S. l.], n. 67, p.
63–81, 2021. Disponível em: http//:periodicos.ufba.br/index.php/estudos/
article/view/44100. Acesso em: 10 ago. 2021.
YUS, Francisco. Ciberpragmática. El uso del lenguaje en Internet. Barcelona:
Editorial Ariel, 2001.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 47


A descortesia por fustigação: análise de
excertos do romance Meu destino é pecar, de
Nelson Rodrigues

Fabiana Meireles de Oliveira

Considerações iniciais

O indivíduo, ao entrar em contato com o interlocutor, utiliza-se da


linguagem para estabelecer interação social. Nesse sentido, é fundamental
que ele preserve a imagem do interlocutor para que a sua não seja
invadida. Assim, observa-se que os atos de falas são fundamentais para
entender os efeitos de sentido pretendidos por meio de uma proposição
proferida pelo locutor.
Dessa forma, temos por objetivo analisar especificamente os efeitos
de sentido provocados pela descortesia de fustigação 1durante os atos de
fala no ataque à imagem do outro.
Para isso, esta pesquisa está apoiada nos estudos pragmáticos, em
que são aplicadas as teorias dos atos de fala, propostas por Austin (1965),
assim como a teoria da descortesia, fundamentada nos estudos de Kaul de
Marlangeon (2012), levando em consideração também os pressupostos
relacionados ao contexto, propostos por Van Dijk (2012). O corpus a ser
analisado foi retirado dos excertos da obra romance Meu Destino é Pecar,
de Nelson Rodrigues.

1 Termo utilizado por Kaul de Marlangeon (2012).

DOI: 10.52788/9786589932536-3 SUMÁRIO / 48


Posto isso, pretendemos observar como as personagens empregam
suas falas e se envolvem no momento da interação, como se estivessem
numa situação real de comunicação.

Atos de fala

A teoria dos atos de fala é um dos primeiros âmbitos da Filosofia da


Linguagem que considerou a importância do contexto. Nesse sentido,
Austin (1962) considerou as relações entre contexto e atos de fala.
Os atos de fala foram concebidos como ações sociais - isto é, inseridas
em um ambiente social - que mudam o contexto. Ele está proposto nos
níveis a seguir:
• Ato locucionário = é o ato de dizer algo [DIZER]
• Ato ilocucionário = é o ato que se realiza dizendo algo (ao dizer
algo) [AÇÃO INTENÇÃO]
• Ato perlocucionário = é o ato que se realiza por dizer algo
[EFEITO]
Segundo aponta Austin (1962), referindo-se aos estudos de
Kempson (1977), essas três formas apontadas podem se dar conforme
o locutor profere suas sentenças com um determinado significado (ato
locutivo), com uma determinada força (ato ilocutivo), com o objetivo
de atingir determinado efeito sobre o interlocutor (ato perlocutivo).
Assim, a força ilocutiva, também, pode estar implícita ao ato locutivo
no momento de realizar a ação de dizer algo a outra pessoa.
Diante disso, é necessário observar, durante toda a interação,
o contexto imediato, bem como o contexto geral em que atuam os
interactantes, de modo a analisar como de fato foi construído o efeito

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 49


de sentido pretendido pelo locutor em seu ato de fala. Por fim, as
circunstâncias nas quais emergem os atos proferidos pelo interlocutor
determinam se houve ou não a descortesia.
Os atos de fala são realizados sob o controle de fatores contextuais
que são os cognitivos, como os propósitos ou os objetivos dos
participantes da interação. A teoria clássica dos atos de fala formulou
isso em termos das intenções ou do querer dos falantes (o locutor quer
que o interlocutor saiba, faça entre outros, e da capacidade de o receptor
de atribuir esse mesmo propósito ou objetivo ao falante. Se os atos de fala
podem variar dependendo do tipo de falantes, é importante entender
a influência dos traços contextuais que faz emergir o efeito de sentido
pretendido por cada interactante durante o proferimento do discurso.

Definição de Contexto

Contexto é o conjunto de condições e fatores nos quais está inserido


um enunciado. Trata-se, por exemplo, das condições políticas, sociais,
institucionais, culturais entre outros, e de suas consequências. Desse
modo, analisar as consequências do contexto permite, portanto, entender
as relações sociais entre os participantes de uma interação verbal.
Van Dijk (2012) define por contextos as construções mentais e,
portanto, as definições subjetivas de eventos ou situações. Não se trata
geralmente da situação da qual se fala, mas da situação da qual se participa.
Por isso, segundo Van Dijk, os modelos de contexto são a base para a
compreensão pragmática do discurso, mesmo porque eles controlam
a produção e a compreensão do discurso. São contextos vistos como
modelos atualizados e adaptados de forma dinâmica. Ainda segundo Van

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 50


Dijk, só por meio das representações mentais é possível entender como as
estruturas sociais ou situacionais influenciam o discurso.
Dessa forma, os contextos atuam de modo a dar sentido ao efeito
pretendido no momento da produção do discurso, sendo, desse modo,
controlados dentro das esferas sociais, dos aspectos culturais, políticos e
institucionais.

Definição de Cortesia e Descortesia

A cortesia é compreendida por meio da imagem social do falante,


uma vez que ela está associada à conduta do indivíduo de forma a preservar
a própria imagem e a imagem do outro. Para tanto, sabemos que a imagem
é vulnerável e alguns atos de fala são totalmente ameaçadores para ela,
a depender do contexto. Diante disso, é necessária a autopreservação
da imagem para que as relações sociais com os outros indivíduos sejam
preservadas.
Segundo Guervós (2005, p. 02), é importante compreender a
cortesia como elemento fundamental da pragmática, uma vez que para
interpretar um ato cortês é relevante levar em consideração os fatores
extralinguísticos que fazem parte do contexto.
Ainda sobre essa questão, Briz (2004, p. 71) ressalta que a cortesia
está convencionalizada de acordo com a cultura, ou seja, “uma cultura
freqüentemente subjetiviza o uso de certos mecanismos linguísticos
para mitigar, subtrair forças ilocutivas, que são assim codificadas para a
expressão de cortesia naquela língua.”2

2 No original: “ una cultura subjetiviza de manera frecuente el uso de ciertos mecanismos


lingüísticos para mitigar, restar fuerza ilocutiva, que quedan de ese modo codificados para la
expresión de la cortesía en dicha lengua.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 51


No mesmo sentido, Culpeper (2005) menciona que a cortesia não
está relacionada somente ao equilíbrio das imagens, ela está atrelada às
normas e às convenções sociais de um determinado grupo, desse modo,
muitas vezes, uma pessoa pode ser cortês devido à norma ou ao hábito
que ela tem de seguir na sociedade obedecendo a um determinado
comportamento social.
Dessa forma, entendemos a cortesia dentro dos parâmetros
socioculturais, uma vez que ela está vinculada à cultura de um povo, à
maneira como os falantes interpretam e compreendem os enunciados
como cortês ou não.
Nesse sentido, é importante compreender que a descortesia não é
a mera ausência da aplicação das normas e códigos sociais considerados
corteses, já que para ser cortês é fundamental tratar as pessoas como elas
esperam ser tratadas em um determinado contexto de interação, portanto
está ligada à questão de imagem. A descortesia é construída socialmente
por meio da linguagem e produz comportamentos e emoções que estão
totalmente imbricados nos atos de fala.
Para Kaul de Marlangeon (2012), cortesia e descortesia não podem
ser consideradas como um par antinômico, mas como extremos de um
continuum no qual, segundo a autora (2012, p. 83), “a força da cortesia-
descortesia é uma propriedade permanente dos atos de fala e inerente
a eles, complementar à força ilocucionária e obrigatória como está e
que se organiza num contínuo”3. Diante disso, é importante ressaltar
que nem sempre o que se considera descortês em determinada situação
comunicativa é, de fato, descortês, temos que ter em mente as relações

3 No original: “la fuerza de cortesía-descortesía es una propiedad permanente de los actos de


habla e inherente a éstos, complementaria de la fuerza ilocutoria y obligatoria como ésta y que
organiza un continuo”.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 52


contextuais, gerais e específicas, da interação, bem como a afinidade entre
os interlocutores.
Retomando Kaul de Marlangeon (2012), a descortesia por fustiga-
ção, segundo ela, representa uma atitude descortês da ofensa proferida
pelo falante ao ouvinte e que busca o confronto no discurso. Kaul de
Marlangeon (2012, p. 11) define a descortesia de fustigação como:

Agressão verbal constituída por comportamentos voluntários, conscientes


e estratégicos, destinados a ferir a imagem do interlocutor para responder a
uma situação de enfrentamento ou desafio, ou com o propósito de envol-
ver, razão pela qual de todos os seus atos serem diretivos.

Esse tipo de descortesia tem a intenção de atingir o emocional do


outro, uma vez que o seu propósito é o de ofender o destinatário por
meio da entonação e expressão verbal emocional negativa. No entanto, a
emoção do ouvinte dependerá da própria intenção do falante por meio das
palavras que foram proferidas, bem como do gesto e da postura também.
Diante do exposto, a descortesia é utilizada como estratégia retóri-
co-argumentativa, que o falante empregará de acordo com os objetivos
que ele deseja alcançar, de maneira a provocar alguma reação no outro
de forma direta ou indireta, ou até mesmo quando pretender transmitir
poder sobre o ouvinte. Sobre isso, Rodríguez (2008) assinala que a fina-
lidade argumentativa é fundamental para interpretar a descortesia, uma
vez que ela cumpre uma função argumentativa, no sentido de pretender
algo, ou seja, a função coesiva para encerrar uma conversa, social, quando
se projeta uma imagem negativa, com o intuito de romper os laços ou
fazer com que os demais o enxerguem assim, e por último , modal, que
provoca rejeição, ou um ato ameaçador, ou até mesmo pode ser uma ex-
pressão emotiva a depender do contexto de interação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 53


Assim, por meio desses aspectos teóricos, vejamos, na análise do
corpus, como a descortesia por fustigação se apresenta nos exemplos do
romance Meu destino é pecar, de Nelson Rodrigues.

A escolha do corpus

A dificuldade de estudarmos a linguagem empregada em um diálo-


go face a face tem mostrado a possibilidade de analisar também o corpus
de segunda mão 4que é constituído por textos literários que, frequente-
mente, podem reproduzir as marcas da língua falada, em diversos contex-
tos interacionais (OLIVEIRA, 2010, p. 20-21).
Diante dessa perspectiva, observa-se que o corpus literário, principal-
mente os diálogos de ficção, pode apresentar, muitas vezes, um modelo
de interação natural entre os falantes. Para tanto, devemos levar em con-
sideração o contexto em que se produzem as informações do narrador,
podendo revelar não apenas variações de fatores extralinguísticos, mas,
também, ligações entre os falantes e estratégias empregadas por eles cujo
intuito é atingir uma interação ideal.
Sobre essa questão, Preti (2004, p. 117) afirma que

Esses corpora literários vieram para suprir, muitas vezes, a fala de documen-
tação gravada (que não existia, até recentemente) para registrar variantes da
modalidade oral da língua, testemunhando (por escrito) como as pessoas
falavam nas mais variadas situações de interação. Narradores e personagens
tomaram o lugar de falantes reais, reproduzindo natural ou intencional-
mente, a realidade lingüística.

4 Intitulado por Preti (2004).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 54


Assim como podemos notar, o texto literário constitui um bom
exemplo para analisarmos as estratégias utilizadas pelos interlocutores en-
volvidos e os modelos falados na interação como se fossem modelos reais.
O diálogo ficcional pode representar um modelo ideal de conversação en-
tre os interactantes dentro de um contexto geral e específico de interação.
No entanto, situamos nosso tema na aplicação da prosa literária, pois não
pensamos e não pretendemos discutir os planos estéticos, nem os mo-
vimentos literários e os estilos de época, muito menos a relação entre a
própria arte e a realidade, no âmbito da literatura.
Pretendemos entender, dentro dos estudos da Descortesia, como as
estratégias empregadas pelos falantes são construídas dentro do plano da
interação, uma vez que os diálogos de ficção podem apresentar elementos
de descortesia presentes em uma conversação face a face, apesar de eles
nem sempre se fizerem presentes nos textos escritos. Por isso, notamos
que personagens literárias, em seus diálogos, empregam estratégias que
podem se aproximar de um diálogo face a face, que é o modelo conside-
rado ideal de conversação.
Diante disso, Preti (Id., p. 153) explica que

os diálogos construídos na ficção podem operar, às vezes, por padrões ideais,


revelando-nos de forma mais precisa as ligações entre estados interiores das
personagens e sua expressão verbal, pois informações contextuais do narra-
dor esclarecem-nos, quem sabe com mais precisão, os reais estados psicoló-
gicos das personagens ao articularem certas estratégias na conversação. Não
se trata, evidentemente, de vermos em tais textos formas mais ‘corretas’ de
falar na linguagem natural, mas, sim, de encontrarmos modelos mais efi-
cientes de comunicação em busca de certos fins.

Desse modo, os diálogos construídos na ficção podem ou não


apresentar os modelos mais eficientes ou ideais de uma conversação
natural. Assim, tais modelos são utilizados pelos participantes do

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 55


diálogo no momento da interação, com a finalidade de produzir efeito de
distanciamento, aproximação, submissão, poder, ironia, descortesia, etc.
Sabemos, diante do mencionado, que o diálogo de ficção é algo ela-
borado e preparado, em que o autor, a fim de manter um maior nível de
proximidade com a realidade linguística, procura empregar, muitas vezes,
recursos que são utilizados na língua falada para dar maior veracidade a
sua obra. Nesse sentido, considerando as possíveis vantagens de se traba-
lhar com o texto literário, o emprego de recursos da língua falada pode
ser uma estratégia intencional do escritor para aproximar seu texto da re-
alidade linguística.
Diante do exposto, é importante encontrar um corpus que ofereça
todos os recursos linguísticos e extralinguísticos que são fornecidos pelo
narrador nos diálogos, bem como elementos pragmáticos da interação
que são estratégias empregadas pelos participantes para atingir determi-
nados objetivos.
O contexto histórico-social, também, é importante para o estudo
da prosa de ficção, assim como os elementos situacionais que compõem
as informações linguísticas durante todo o ato interacional. Dessa forma,
as estratégias discursivas empregadas nos diálogos nos direcionam para a
compreensão de suas intenções de fala.
Desse modo, sabemos que não existe uma “conversação literária”,
pois o que existe de fato é uma conversação real empregada em uma dada
circunstância de interação. Nesse sentido, a expressão “conversação lite-
rária” foi criada por Preti (2004). Segundo ele, “as personagens literárias
poderiam revelar em seus diálogos estratégias comunicativas ideais, sur-
preendendo-nos pela forma como expressam, simulam ou escondem suas
intenções” (Id., p. 53). De acordo com os estudos do autor, esse conceito
foi desenvolvido com o intuito de analisar os textos de ficção e mostrar
que eles podem ter uma proximidade com o diálogo real.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 56


Assim, devemos levar em conta alguns aspectos no que diz respeito
ao contexto histórico em que se realiza o diálogo (contexto geral da inte-
ração), fatores extralinguísticos e sua possível ação sobre as personagens,
considerando as características socioculturais, além das informações tra-
zidas pela situação de interação (contexto de interação), não apenas os
elementos pragmáticos que precedem e acompanham as falas, mas tam-
bém os pragmalinguísticos e, por último, as estratégias empregadas pelos
falantes (contexto específico de interação) que visam à obtenção de certos
fins, bem como resultados que desejam ser alçados.

Análise do corpus

Propõe-se analisar excertos do romance Meu destino é pecar, de


Nelson Rodrigues, sob a ancoragem das seguintes categorias:
a) Ato locucionário: Sogra e nora conversam sobre o casamento,
pelo motivo de o filho Paulo ter ido embora de casa. Assim, a sogra, Dona
Consuelo, pergunta à nora, Lena:
b) Ato ilocucionário: A sogra menciona tal ato de fala com a inten-
ção de ferir a imagem da nora.
c) Ato perlocucionário: os efeitos de sentidos provocados são re-
lativos à ofensa do comentário descortês, produzidos inicialmente pela
sogra, depois pela nora.
d) Descortesia de fustigação: em relação aos efeitos de sentido, o
ato proferido pela sogra, no início do diálogo com a nora, teve a intenção
explícita de ofender a imagem social e a posição da nora, uma vez que o

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 57


ato foi volitivo (ou seja, voluntário), consciente (houve o desejo) e estraté-
gico (teve a intenção de ofender). Assim, ao observar o campo estratégico
(desejo de ofender), há a execução do ato de descortesia por fustigação
que, segundo Kaul de Marlangeon (2012), é representada pela agressão
verbal, com o objetivo de atingir o campo emocional do outro, fragilizan-
do-o, pelo desejo de realizar a ofensa. Dessa forma, observa-se que a sogra
teve a intenção de atingir a emoção da nora, por ferir e ofender a posição
social que ela desempenha na sociedade.
e) Contexto geral da obra
Lançado em 1944, Meu destino é pecar narra a história de Leninha
que se casa com Paulo, um homem que ela não ama, para evitar conflitos
financeiros em sua família. Ao chegar à fazenda, onde irá morar com o
esposo, Leninha tem que lidar com as lembranças da ex-mulher de Paulo,
as intrigas com a sogra e a rivalidade de Paulo com o irmão Maurício, por
quem ela se apaixona.
f) Contexto da interação
A intenção pressuposta na fala da sogra Dona Consuelo relaciona-se
ao desmerecimento à imagem da nora, Lena, casada com seu filho, Paulo,
por reforço dos estereótipos vigentes acerca do papel social ocupado por
Lena, que é uma mulher casada que deve atender a todas as exigências de
uma mulher em tal época, ser bonita, não afrontar a sogra, apenas ouvir
e concordar.
Além disso, também, observa-se que a nora, Lena, tenta ofender a
imagem da sogra, a partir do momento em que começa a discutir e res-
ponder à sogra dentro do papel que ela também ocupa na sociedade, de
respeito e zelo.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 58


g) Contexto específico da interação
Sogra e nora conversam sobre o momento em que o filho Paulo vai
embora de casa na primeira noite do casamento. Nesse momento, para a
sogra, uma mulher deveria ter atributos adequados para ser considerada
mulher na sociedade. Nota-se que há um dever social que deve ser cum-
prido de acordo com os padrões de comportamentos da época.

Exemplo 1: Descortesia por ferir a integridade moral

– Você, afinal, é ou não mulher?


(Meu destino é pecar, p. 54).

No exemplo acima, a sogra se dirige à nora com o proferimento do


enunciado considerado descortês de acordo com o contexto específico de
interação que foi mencionado anteriormente. O advérbio “afinal” é um
elemento intensificador e reforçador da descortesia por fustigação (posi-
ção intermediária), uma vez que a sogra tem a intenção de questionar a
feminilidade da nora. Essa pergunta ameaça a imagem da nora, pois para
a sogra há atributos a serem considerados para que uma mulher esteja de
acordo com o meio social. Assim, para medir o grau de descortesia, é fun-
damental levar em consideração o questionamento levantado pela sogra
neste contexto, o que revela frieza e humilhação. Como aponta na seção
da fundamentação teórica deste artigo, Kaul de Marlangeon afirma que
há descortesia por fustigação quando aparece um confronto no discurso,
uma agressão verbal que compromete a imagem do outro, de forma a
intensificar o estado negativo emocional do interlocutor.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 59


Exemplo 2: Descortesia – não reconhecer o papel exercido
pela sogra (menosprezar)

– O que é que a senhora quer dizer com isso?


(Meu destino é pecar, p. 55).

No exemplo em questão, a nora procura dar o foco na pergunta,


com a duplicação do “que”. Ela rompe a ordem canônica da estrutura
sintática, ou seja, a topicalização tem o sentido de pôr em evidência um
determinado elemento durante o ato conversacional. Assim, observa-se
que Lena não está pedindo uma explicação, por isso faz uma pergunta
direta à sogra, que exige resposta direta também. Nesse sentido, há um
questionamento implícito que a nora gostaria de saber, bem como o tipo
e o grau de acusação que a sogra faz, além de desafiar e deixar implícito
no discurso que ela é digna de ser mulher, independentemente do que a
sogra pensa.
O tratamento pronominal “a senhora” de acordo com a função
pragmática revela, no contexto entre as duas personagens, ironia, uma
vez que a nora só a está tratando dessa forma devido à norma e convenção
social que, segundo Culpeper (2011), usamos para proteger a imagem do
outro e a nossa. Ou seja, atuamos dessa forma porque a sociedade exige
que façamos assim.

Exemplo 3: Descortesia por agressão à imagem da nora

– Se você fosse mulher, teria vergonha, está ouvindo? Vergonha de


ser abandonada assim pelo marido, na primeira noite do casamento!
(Meu destino é pecar, p. 55).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 60


No exemplo acima, a sogra faz uma acusação por meio de uma per-
gunta totalmente ofensiva. A conjunção condicional “se”, nesse contexto
de interação social, mostra que a sogra não a vê como uma mulher que
possui atributos de acordo com as convenções e normas sociais. Mulher
que é mulher, na concepção da sogra, não é abandonada pelo marido na
primeira noite. Está implícita a ideia de que a nora não é digna de ter um
homem na vida dela. A sogra reforça o insulto, pois ela tem a intenção de
enfatizar o que de fato a nora queria saber, revelada pela questão anterior.
Além disso, nota-se, também, por meio do elemento pragmalinguístico
“está ouvindo”, que há um tom de ironia para descaracterizar o papel so-
cial do outro no meio familiar, além de reforçar a agressão e o papel social
que a sogra exerce.

Considerações finais

Em relação à descortesia, identifica-se a categoria Descortesia por


Fustigação, pois há um ataque intencional à imagem social do interlocu-
tor, com vistas a ofender, no sentido de negar a posição social ocupada
pela nora, diante da hierarquia estabelecida por seus respectivos papéis
sociais.
Assim sendo, ao observar o campo estratégico (desejo de ofender),
há a execução do ato de descortesia por fustigação que, segundo Kaul de
Marlangeon (2012), é representada pela agressão verbal, com o objetivo
de atingir o campo emocional do outro, fragilizando-o, pelo desejo de
realizar a ofensa.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 61


Diante disso, também, nota-se que a descortesia proferida no dis-
curso da sogra opera com maior grau de lesão que incide sobre a imagem
da vítima, visto que há manifestações de expressões verbais negativas no
outro. Ainda assim, percebe-se a relação de poder que está expressa no ato
locucionário, pois quem agride pretende impor sua própria visão e seu
pensamento sobre o ouvinte.

Referências

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1965.
BRAVO, D. (2004), Tensión entre universalidad y relatividadenlasteorías
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Paulo: Contexto, 2006.
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York: Cambridge University Press, 2011, p. 19-20.
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Político. In:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 62


HAVERKATE, H. La cortesía verbal. Madri: Gredos, 1994. KAUL DE
MARLANGEON , S. Encuadre de aspectos teóricos-metodológicos de la
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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 63


A preservação/ameaça de faces: uma análise
de cartas de reclamação extraídas do site
“ReclameAQUI”

Lara Luiza de Oliveira Santos


Marcus Antonio de Sousa Filho
Raíssa Martins Brito
Iveuta de Abreu Lopes

Introdução

Em grande parte, o mundo social é representado a partir de práticas


de linguagem, com base em padrões de comportamento instituídos e
seguidos pelos atores sociais que circulam nos mais diversos domínios
da sociedade. Essas práticas estão ligadas a propósitos e situações
comunicativas específicas que permitem a interação entre os sujeitos.
Nesse sentido, durante o processo de comunicação, cada sujeito revela
uma autoimagem que é construída e reconstruída pelo outro por meio
da carga afetiva que está vinculada aos interlocutores.
Assim, para interagir socialmente, os falantes devem atentar-se às
normas e às regras constitutivas da linguagem e da própria interação,
segundo suas intenções comunicativas, revestidas de caráter complexo e
sistemático, a fim de que a comunicação ocorra de maneira harmoniosa
e efetiva. Com esse olhar, surgem áreas de conhecimento, tais como:
Antropologia, Sociologia, Psicologia e Linguística as quais se encarregam

DOI: 10.52788/9786589932536-4 SUMÁRIO / 64


de entender e explicar a natureza dos comportamentos expostos em
diversas situações de práticas de linguagem. Na esteira desse pensamento,
destaca-se, na Linguística, a Pragmática, que é uma área voltada para o
estudo da língua em uso e para a investigação dos componentes básicos
que entram em jogo no momento em que se efetiva uma determinada
situação comunicativa sem perder de vista seus significados contextuais.
No panorama dessa discussão, que envolve uma dimensão
pragmática de interação linguística, destacam-se pensamentos teóricos
importantes, de natureza micro, dentre os quais se assinalam a Teoria
da polidez, proposta por Brown e Levinson (1987), e a noção de Face,
desenvolvida por Erwing Goffman (1959). Esses teóricos se apoiam na
ideia de que o modo como se fala, quando se fala, para quem se fala e
de que se fala são fatores comunicacionais que colocam a imagem dos
participantes das práticas de linguagem em risco durante a interação.
Goffman (1967; 1980) propõe que a noção de face refere-se à
imagem pública das pessoas e à preocupação que elas têm de apresentá-
la e preservá-la. O momento da interação é, pois, uma circunstância
que impede as pessoas de agirem de qualquer maneira em determinadas
situações e contextos de comunicação. Dessa forma, deve existir, por
parte dos falantes, uma preocupação em manter a face preservada, pois
a autoimagem influencia diretamente na construção de qualquer tipo de
relação com o outro.
A saber, as ameaças à face podem ser notadas em toda e qualquer
situação em que interlocutores se engajam em propósitos comunicativos.
Particularmente, neste estudo, volta-se a atenção para a análise desse
fenômeno de natureza pragmática, ameaça/preservação da face, no
contexto de cartas de reclamação. Esse gênero, predominantemente

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 65


argumentativo, constitui-se a partir da narração de fatos, da descrição de
produtos e/ou serviços e de reclamações construídas com base em uma
argumentação sólida, o que pode expor negativamente a face do outro
(empresa/prestadora de serviço). Logo, torna-se necessária a discussão
sobre a Preservação das Faces de Goffman (1967; 1980) aliada à Teoria
da polidez de Brown e Levinson (1987) com o propósito de analisar as
estratégias de polidez utilizadas para a manutenção da face em contextos
que envolvem o gênero carta de reclamação.
Em uma pauta trazida por Goffman (1967), acerca da situação de
reclamação, alguns questionamentos são levantados: (a) O que leva o
indivíduo a reclamar? (b) Por que uma pessoa usa estratégias diferenciadas
para reclamar? (c) Por que, em muitas situações, o indivíduo opta por não
reclamar? (d) De acordo com o “custo-benefício”, vale a pena reclamar?
(e) Quando se pontua uma reclamação, o indivíduo considera os riscos
que sofre? (f) Que riscos marcam a reclamação do indivíduo? Essas
questões norteiam a atitude dos clientes frente ao descontentamento
causado: seja por um produto danificado, seja por um serviço prestado
de forma inadequada.
Assim, pretende-se, com este trabalho, analisar a forma como
os clientes, no papel de reclamantes, escrevem cartas de reclamação
em relação aos produtos e/ou serviços prestados por empresas e como
os representantes dessas instituições respondem às reclamações dos
consumidores. Para isso, foram selecionadas três (3) cartas de reclamação
postadas no site “ReclameAQUI”, do ano de 2014, com o intuito
de observar as estratégias utilizadas para ameaça/preservação da face dos
interlocutores (clientes/empresas).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 66


A Teoria da Polidez

A comunicação verbal é organizada de modo a promover a relação


social entre os falantes. É oportuno lembrar que existem fatores os
quais interferem diretamente nas relações comunicativas, tais como:
as intenções presentes no texto, o espaço de circulação do gênero, as
condições de produção e recepção do texto, o público-alvo, dentre outros
fatores. Todos esses aspectos são responsáveis pela preservação ou não da
face dos sujeitos envolvidos em determinadas situações comunicativas.
Por meio dos estudos dos contextos de interação face a face
tornou-se fundamental a necessidade de uma relação saudável entre
os interlocutores no momento da interação. Percebe-se, dessa forma, a
imprescindibilidade também da Lei da Preservação das Faces, a qual está
vinculada às regras de polidez. Tal teoria busca entender como a face
é apresentada (de modo particular ou público) na tentativa de que os
indivíduos possam manter a face respeitada. Com efeito, a polidez serve
como uma estratégia que permite o resgate, a proteção, a manutenção,
bem como a valorização de faces.
O estudo da polidez surgiu em 1978 e está inserido no campo
da Sociopragmática, área da Linguística que tem como principais
representantes Brown e Levinson, os quais foram influenciados por
Erving Goffman (BARBOSA, 2010). Em 1967, Goffman desenvolveu
a sua teoria que denominou de Trabalhos sobre a face, tendo como
referência os estudos de Grice (1975), no qual o pesquisador formula sua
teoria reconhecida como Princípio da Cooperação. Esse princípio analisa
os aspectos da cooperação, requeridos pelos sujeitos envolvidos em uma

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 67


situação de interação e focaliza o contexto em que os enunciados são
proferidos, o conhecimento prévio e os conhecimentos partilhados entre
os enunciadores.
Esses estudos pragmáticos levaram à compreensão de que a face
que o indivíduo tenta construir é avaliada ou imposta pelos padrões
comportamentais determinados pela visão do outro ou pelos contextos
situacionais. A imagem do eu (self) é circunscrita pelas interações sociais
as quais os falantes podem apresentar um olhar de aprovação ou de
julgamento de si mesmos e/ou dos outros. Dessa maneira, a face pode ser
aceita e respeitada ou desrespeitada.
Se a face é mantida ou engrandecida, o ambiente estará agradável
e proporcionará a sensação de bem-estar aos participantes, o que
tornará a situação comunicativa confortável para as faces envolvidas. Em
contrapartida, se uma das faces for desrespeitada, essa situação pode gerar
constrangimento e/ou inferioridade, o que coloca em jogo a reputação do
sujeito que teve a face ofendida.
Os estudos da polidez apresentam noções gerais acerca das faces que
envolvem os sujeitos em interação. Tais noções são estabelecidas ao passo
que a compreensão se torna evidenciada entre os enunciadores que, ora
assumem o papel de produtor, ora de receptor, o que resulta no processo
interacional consistente, isto é, minimamente lógico e, não obstante,
afirmado. A polidez, então, associa-se aos processos de construção da
face que, por sua vez, consiste na superfície demonstrativa do objeto
interacional de valor social oscilante; ou seja, ao mesmo tempo que a face
pode apresentar um teor positivo (presumindo resposta à expectativa do
sujeito) pode, também, apresentar um teor negativo (quando o esperado
é rompido).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 68


A noção de face refere-se a um construto de elaboração dos indi-
víduos, intrinsecamente associada às situações sociais e interacionais as
quais permitem a manifestação de habilidades/condutas polidas e diplo-
máticas. Segundo Goffman (1967), o esforço para a preservação da face
é uma condição basilar para a troca entre as pessoas, pois a regulação dos
atos comunicativos volta-se para o equilíbrio, a fim de que os (ditos) ritu-
ais se efetivem em um dado momento enunciativo para um determinado
propósito.
Os membros de uma sociedade procuram atingir o equilíbrio supra-
citado através dos “processos corretivos” como, por exemplo, contornar
e/ou evitar a ameaça à face. Para isso, a Teoria da polidez se desdobra a
partir da orientação da elaboração de duas faces: uma defensiva, aquela
que se dá pela defesa da própria face; e outra protetora, que compreende
a manutenção da face do outro por meio de valores externos, tais como o
respeito, a polidez e a cortesia.
No caso específico desse estudo recorre-se, também, a Lakoff (1973),
que, ao fazer referência àquilo que se percebe como um “pedido”, quan-
do solicitado, sugere que se verifique uma implicação de ferimento à face
do outro, pois nessa circunstância a privacidade é invadida. Prova disso
é quando, um sujeito ao perguntar o horário a alguém, recorre a marcas
linguísticas de preservação da face, a fim de atenuar o grau de ameaça,
como a utilização do por favor em “Que horas são, por favor?”. Grosso
modo, o autor ressalta essa noção de grau por meio do uso de três regras
que garantem a polidez, são elas:
(i) Não imposição: refere-se ao grau de proximidade/distanciamento
entre os interlocutores, como o exemplo a seguir:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 69


Em vista de atender à demanda de reclamação realizada por um
cliente, a resposta ao item pode acontecer por meio dos movimentos de:
a) Aproximação: “Senhor José, o setor de reclamação agradece o contato
e está disponível para tornar a sua experiência conosco a mais agradável
possível”; e de b) Distanciamento: “Caro senhor, viemos por meio desta
apresentar resolução ao seu problema”.
(ii) Alternativa: diz respeito à possibilidade de opções e o ofereci-
mento de liberdade, por exemplo:
Considerando uma ligação do cliente a uma empresa não iden-
tificada, a formação do discurso se dá pelo viés de reclamação, assim, a
atendente/preceptora, assumindo o papel de representante institucional,
pode indicar alternativas de resolução ao problema: “Caso o senhor possa
atender a ligação, daremos um retorno mais seguro em alguns minutos.
Verifique a possibilidade”.
(iii) Afetividade: está relacionada à ideia de ser amigo, o que sugere a
aproximação entre os interlocutores, por exemplo: “Querida cliente, você
poderia explicar um pouco mais acerca da sua experiência na nossa loja?”.
Essas regras de polidez mantêm a relação de alguns fatores sociais,
tais como: “relação de poder”, “distanciamento social” e “cultura” que
logo são discutidos quando Brown e Levinson (1987) suscitam uma ten-
tativa de conceituar face. Diante das múltiplas discussões que marcaram
o final da década de 1970, esses pensadores consideravam a face como a
“autoimagem pública dos indivíduos”. Trata-se do valor social positivo
que os indivíduos entendem ser o tratamento adequado em um contato
específico; ou ainda uma imagem de si mesmos aprovada pelas conven-
ções sociais.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 70


A autoimagem, critério para pensar as noções gerais de face, será
relativa de acordo com a função pretendida. A face negativa, por exemplo,
é aquela que reivindica a privacidade e a preservação pessoal - considerada,
majoritariamente, como sendo a de riscos e conflitos. Já a face positiva
está relacionada à autoimagem, a qual assume um teor positivo - nessa
perspectiva pretende-se tomar a apreciação e a aprovação do que subjaz a
interação entre os sujeitos.
Tendo em vista as duas faces analisadas por Brown e Levinson
(1987), reconhece-se que, no processo interativo, a face pode ser perdida,
mantida, reforçada e, até mesmo, engrandecida. Tudo isso dependerá
do meio cultural que envolve os sujeitos e do reconhecimento mútuo de
propósitos.

Estratégias de Polidez

Goffman (1967), ao discutir a noção de face, sugere que essa ideia


teórica não diz respeito apenas a uma parte considerada íntima de uma
pessoa, mas também a uma parte que pode ser observada e desrespeitada
pelo outro. Tal pensamento está relacionado aos diversos papéis que as
pessoas desempenham na sociedade. Para que a face não seja constrangi-
da, por exemplo, é necessária a utilização de estratégias de polidez, com
base, por sua vez, em estratégias linguísticas que podem impedir os pos-
síveis confrontos entre as faces no contexto de interação. Assim, Brown
e Levinson (1987) retomam os tipos face (defensiva e protetora) de Gof-
fman (1967) e desenvolvem o modelo de face (positiva e negativa).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 71


As estratégias de polidez positiva servem para corrigir uma afronta
ou reparar algum dano à face. São ações de autorrespeito que preservam
ou evitam algum dano à face:

Quadro 1: Síntese das estratégias de polidez positiva


1. Perceba o outro.

2. Mostre-se interessado pelos desejos e necessidades do outro.


3. Exagere o interesse, a aprovação e a simpatia pelo outro.
4. Use marcas de identidade de grupo.
5. Evite desacordo.
6. Pressuponha, declare pontos em comum.
7. Faça piadas.
8. Explicite e pressuponha os conhecimentos sobre os desejos do outro.
9. Seja otimista.
10. Inclua o ouvinte e o falante na atividade.
Fonte: Brown e Levinson (1987).

Já as estratégias de polidez negativa são ações que mostram a falta de


comprometimento com a face de outrem:

Quadro 2: Síntese das estratégias de polidez negativa


1. Questione.

2. Seja pessimista.
3. Seja evasivo.
4. Peça desculpas.
5. Evite pronomes “eu” e “você”.
Fonte: Brown e Levinson (1987).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 72


A função dessas estratégias é minimizar uma possível imposição
ou ameaça à face. Há, portanto, um distanciamento social entre os
interlocutores e um pessimismo polido, muitas vezes, marcado por um
pedido de desculpas. Além disso, os locutores utilizam as estratégias de
polidez indireta eventualmente para não se comprometerem em um
contexto de fala, de interação entre os interlocutores.

Metodologia

Este estudo é de natureza qualitativa de abordagem interpretativa


dos dados, o qual “procura entender, interpretar fenômenos sociais
inseridos em um contexto” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 34). Nesse
sentido, tal abordagem utilizada neste trabalho ancora-se em conceitos
pragmáticos para, a partir de uma análise indutiva e interpretativa dos
dados, analisar como as estratégias de polidez são utilizadas na preservação
da face em cartas de reclamação extraídas do site “ReclameAQUI”.
O corpus deste trabalho consiste em três cartas de reclamação
postadas, no ano de 2014, no site acima identificado. Foram enviadas por
clientes, direcionadas a três (3) empresas distintas, com a finalidade de
apresentar reclamações relativas a produtos e serviços, a saber:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 73


Quadro 3: Síntese com informações sobre as empresas
Azza Boutique: empresa que possui alcance nacional. Trata-se de uma loja que
vende bolsas, roupas, acessórios, perfumes, maquiagens e cosméticos advindos
de outros países.
Caixa Econômica Federal: é uma instituição pública-financeira que presta
serviços na política de crédito do Governo Federal, priorizando setores
habitacionais, saneamento básico, infraestrutura e prestação de serviços.
Brastemp: faz parte do grupo americano de eletrodomésticos Whirlpool
Corporation que visa oferecer soluções tecnológicas por meio de seus produtos
aos clientes.
Fonte: elaborado pelos autores (2021).

Destaque-se que o site “ReclameAQUI” tem por objetivo ser porta-


voz para reclamações sobre atendimento, compra de produtos e prestação
de serviços e, também, um meio para que as empresas respondam aos
clientes. Para efetivar a reclamação, o usuário e a empresa devem apresentar
um cadastro com base em registros pessoais que garantam acesso ao site.
Salienta-se que tais dados dos usuários são mantidos em sigilo
de acordo com a política de privacidade do site. Após a publicação da
carta do cliente, a empresa é notificada sobre a reclamação via e-mail
e, ao respondê-los, informa se o problema foi ou não solucionado. A
plataforma permite réplicas, bem como a divulgação de opiniões sobre
o atendimento.
As cartas de reclamação selecionadas para o corpus deste trabalho
foram extraídas do site “ReclameAQUI” e transcritas de forma literal
a fim de manter os fatos narrados em sua totalidade semântica como
forma de apresentar a interação tal como ocorreu entre o reclamante e a
empresa. Como forma de organização dos dados analisados, as linhas das
cartas de reclamação 1, 2 e 3 foram enumeradas em “linha+numeral”.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 74


Esse método sistematizou as escolhas lexicais feitas pelos falantes que
revelaram as estratégias de polidez utilizadas pelos consumidores e pelas
empresas para a preservação da face.

Análises e Discussões

Antes de se proceder à análise das cartas à luz da Teoria da polidez,


convém resgatar o que determina o Código de Defesa do Consumidor
(CDC)1, em seu artigo 6º. Esse artigo garante no inciso III - “a informa-
ção adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com espe-
cificação correta de quantidade, características, composição, qualidade,
tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Ressalta-se que, no corpus analisado, os clientes encontram-se desconten-
tes em razão do não recebimento do produto, de um possível atendimen-
to ineficiente, ou do recebimento de um produto com defeitos de fábrica.
A seguir, observam-se as cartas de reclamação postadas pelos clien-
tes no site “ReclameAQUI”, as respostas das empresas e as respectivas
análises:

1Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10607666/artigo-6-da-lei-n-8078-de-


11-de-setembro-de-1990. Acesso em: 17 maio 2021.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 75


Carta de reclamação 1: Carta de reclamação de produto não
recebido

Belo Horizonte - MG
ID: 10249000
30/09/14 às 18h03

1 Sr. Gerente
2 Azza boutique
3 Sirvo-me da presente para fazer a seguinte reclamação:

4 Em 02/08/2014 adquiri desta empresa Jaqueta Preta Couro


PU Stripe, e a entrega foi combinada
5 para o dia 17/09/2014. Já paguei 189,90 conforme o compro-
vante que tenho e que está no site
6 da loja. Até agora, porém, não recebi a mercadoria, como foi
prometido pela loja. Me deram a
7 seguinte informação: que o produto que paguei, por si tratar de
uma importação deram o prazo de
8 55 dias úteis e quando o produto chegou no Brasil, o produto
voltou para o fornecedor e foi enviado
9 de volta, declarando que não constava o endereço de entrega,
sabendo que eu sou cadastrada
10 no site da loja e para cadastrar precisar inserir o endereço.
11 Dessa forma, peço que cumpra com a sua parte no prazo de
sete dias a contar do recebimento

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 76


12 desta carta, Se eu não receber a mercadoria nesse prazo, irei
procurar um órgão de defesa do
13 consumidor para que sejam tomadas as providências, confor-
me manda o Código de Defesa do
14 Consumidor.

15 Desde já agradeço sua atenção


16 Belo Horizonte Mg, 30 de setembro de 2014
17 Thais Lorraine Xavier Ferreira

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/azza-boutique/carta-de-


-reclamacao-de-produto-nao-recebido_10249000/. Acesso em: 1 abr. 2021.

Análise da carta de reclamação 1

De acordo com os questionamentos propostos por Goffman (1967)


sobre as situações de reclamação, percebe-se que o motivo da reclamação
foi o não recebimento do produto dentro do prazo estipulado pela
empresa. Desse modo, a cliente inicia a carta referindo-se diretamente
ao gerente da loja por meio do uso de vocativo, o que demonstra o
uso da estratégia de polidez positiva de perceber o outro (BROWN E
LEVINSON, 1987).
Em seguida, nas linhas 4, 5 e 6, ela utiliza os termos: “combinada”,
“comprovante” e “prometido” para indicar que a empresa violou um
contrato estabelecido anteriormente. Essa exposição reduz diretamente
a imagem da empresa, pois sinaliza que ela não honrou o compromisso

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 77


de resolução, o que garante a sua não confiabilidade, segundo a visão
da reclamante. Neste caso, a cliente está ameaçando a empresa ao expor
a não efetivação do que foi prometido, ou seja, a empresa está sendo
questionada pelo reclamante no que diz respeito ao não cumprimento
do prazo estipulado para a entrega do produto.
Nas linhas 12, 13 e 14, a cliente, utilizando-se do que consta no
Código de Defesa do Consumidor, pede para que a empresa cumpra
com o seu dever dentro de um dado prazo para que ela não tome outras
providências. Percebe-se que a reclamante se apropria do discurso alheio,
no caso, o que está previsto no CDC, para justificar suas atitudes futuras
e, dessa forma, preservar sua face. Esse é o procedimento utilizado pela
reclamante para marcar seu distanciamento e livrar-se de posteriores
julgamentos.
As estratégias utilizadas pela cliente visam “cobrar” o que é seu por
direito. Nesse caso, a reclamante demonstra conhecimento sobre o que é
garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, a fim de que obtenha
uma resposta positiva da empresa e não tenha risco de não resolver o
problema assinalado na carta (BROWN E LEVINSON, 1987). A seguir,
a resposta da empresa Azza Boutique:

Resposta da empresa à carta de reclamação 1

30/09/14 às 21h4
1 Boa noite, Thais
2 Você pode verificar pelo primeiro rastreamento que a loja
cumpriu com o prazo de envio e de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 78


3 entrega, mas infelizmente por questão dos Correios não
encontrar o endereço de envio
4 informado no cadastro, o mesmo está no caminho de retorno
para os nossos fornecedores. Antes
5 mesmo de chegar para eles pedimos que reenviassem o produto
para você e não cobramos
6 taxa nenhuma em relação ao frete para que esse atraso pudesse
ser de alguma forma
7 recompensado para você.
8 O produto foi reenviado no dia 25/09 e o rastreio atualizado
no seu cadastro para que você possa
9 acompanhar todo o transporte até o novo endereço informado.
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ajudar!

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/azza-boutique/carta-de-recla-


macao-de-produto-nao-recebido_10249000/. Acesso em: 1 abr. 2021.

Análise da resposta da empresa Azza Boutique

Na linha 1, observa-se que a loja iniciou cumprimentando a cliente,


evocando-a pelo nome, ou seja, fazendo uso da estratégia de polidez posi-
tiva conhecida como “percepção do outro”. Já na linha 2, a empresa afir-
ma que a loja cumpriu com o seu dever e que isso pode ser comprovado
por meio do primeiro rastreamento.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 79


Em seguida, na linha 3, a empresa declara que a culpa foi dos Cor-
reios, que não identificou o endereço cadastrado. A empresa afirma que
já tomou decisões para solucionar o problema sem causar mais danos à
cliente. Essa é uma estratégia de polidez positiva (BROWN E LEVIN-
SON, 1987), pois a empresa demonstra preocupação e interesse pelas ne-
cessidades do outro e preserva sua própria face.
Nas linhas 7, 8 e 9, a empresa utiliza a estratégia de aproximar-se da
consumidora para demonstrar preocupação. Ademais, na última linha, a
empresa põe-se à disposição para auxiliar em qualquer dúvida, buscando
conquistar a aprovação e a simpatia da cliente. Essas atitudes são estra-
tégias de polidez positiva (BROWN E LEVINSON, 1987) que revelam
a necessidade da empresa em mostrar-se cordial e atenciosa para com os
clientes.

Carta de reclamação 2: Caixa Consórcio se nega a dar a carta


de Crédito depois de toda documentação ter sido enviada
corretamente

São Paulo - SP
ID: 8477040
07/04/14 às 20h50
1 Esta é a 5ª reclamação que faço aqui neste site sobre a caixa
consórcio, já fiz outras 3
2 no Banco central e uma no PROCON, para todos verem como
essa administradora é
3 [Editado pelo Reclame Aqui], fui contemplado no 24/06/2013,
faz 8 meses que venho

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 80


4 mandando documentos para a caixa liberar a carta de credito,
a primeira vez que
5 entrei em contato com eles me pediram vários documentos, foi
tudo enviado por correio,
6 depois me deram uma resposta que os comprovantes de renda
eram inválidos, porque era
7 de pessoa jurídica, até ai tudo bem, falaram que extrato dos
últimos 6 meses servia, fique
8 por 6 meses movimentando a conta do banco para mandar os
extratos, foi enviado tudo
9 como eles solicitaram, tive mais uma resposta sem nenhum sen-
tido, que o
10 comprovante de residencia “COMPROVANTE DE RESI-
DENCIA” era invalido, já tinha
11 mandado o comprovante fazia uns 6 meses e era valido, era
uma conta de luz em meu
12 nome que eles fizeram a gentileza de enfiar no @%!$¨@, mais
tudo bem, voltei a
13 mandar o comprovante de residencia, uma observação, du-
rante esse tempo vim pagando
14 as prestações normalmente, e a dois meses quando vi que isso
era um [Editado pelo
15 Reclame Aqui], parei de pagar, hoje 07/03/2014 recebi uma
resposta da caixa sobre a
16 reclamação do Banco Central que a carta foi aprovada, mais
não será liberada pro que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 81


17 estou com débitos, isso é ou não é uma safadeza, quando man-
dei toda documentação
18 estava tudo em dias, pois abri uma reclamação na ouvidoria
da caixa falando que só ia
19 voltar a pagar quando a carta fosse liberada, pois eu tinha
enviado toda documentação
20 como eles solicitaram e não tinha nenhum debito. agora não
tenho duvida isso é
21 mesmo um [Editado pelo Reclame Aqui] para usar seu di-
nheiro, e vc fica que nem
22 um tonto pagando uma coisa que vc nunca vai ver.

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/caixa-consorcios/caixa-consorcio-se-


-nega-a-dar-a-carta-de-credito-depois-de-toda-documentaca_8477040/. Acesso em: 1
abr. 2021.

Análise da carta de reclamação 2

O cliente inicia a carta sem saudações. Ele começa, indignado, rela-


tando que já havia feito outras quatro (4) reclamações no site “Reclame-
AQUI” e outras quatro (4) reclamações no Banco Central e no PRO-
CON sobre a empresa Caixa Consórcios.
Na linha 2, percebe-se que o cliente ameaça a empresa: “para todos
verem como essa administradora é”. Nota-se a omissão de marcas de re-
jeição por meio do trecho “[Editado pelo Reclame Aqui]”, uma vez que
o texto foi editado pelo site. Provavelmente, isso aconteceu porque o
consumidor deve ter utilizado expressões que desrespeitaram a empresa.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 82


Assim, observa-se que o cliente questiona os serviços prestados, o que é
uma estratégia de polidez negativa, segundo Brown e Levinson (1987).
Nas linhas 3 e 4, o consumidor é pessimista (BROWN E
LEVINSON, 1987), pois reclama do tempo em que está envolvido
no problema. Ele afirma que está há oito (8) meses tentando mandar
documentos para a liberação da carta de crédito. Além disso, o reclamante
questiona o tipo de resposta que a empresa ofereceu anteriormente, a
qual ele considera, na linha 9, “sem nenhum sentido”.
Na linha 12, o cliente demonstra total rejeição aos serviços da empresa
e, mesmo utilizando o termo “gentileza”, profere um discurso marcado
por palavrões, que podem ser representados por símbolos aleatórios,
como “enfiar no @%!$¨@”. Adicionalmente, na linha 17, o consumidor
se revela revoltado, visto que reforça o seu descontentamento no trecho
“isso é ou não é uma safadeza”.
Nas linhas 20 e 21, o consumidor se apresenta novamente pessimista
(BROWN E LEVINSON, 1987), haja vista que não tem mais dúvida de
que a reputação da empresa está em jogo. Ele demonstra explicitamente
que sua face foi afetada, uma vez que se considerou desrespeitado no
trecho: “vc fica que nem um tonto”.
Nesse caso, a negação da carta de crédito foi o que desencadeou
a reclamação do cliente. Tendo em vista as inúmeras tentativas de
negociação, o reclamante não se preocupa em preservar sua face, tanto
que não evita o uso de impropérios. Somado a isso, percebe-se que
ele teme os riscos que podem incidir sobre sua reclamação, como, por
exemplo, uma resposta negativa da empresa.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 83


Resposta da empresa à carta de reclamação 2

(28/08/14 às 13h39)
1 Sr. Fábio Reis, boa tarde!
2 Pedimos desculpas pelos transtornos causados, estamos traba-
lhando para melhorar
3 nossos processos e atender aos consorciados de forma precisa e
eficaz. Realizamos
4 tentativas de contato em 24/06/2014 16h44min, porém não
tivemos sucesso. Diante da
5 finalização do processo, encerramos esta reclamação e mante-
mo-nos à disposição para
6 maiores esclarecimentos por meio de nossos canais de atendi-
mento:
7 ww.caixaconsorcios.com.br-Fale Conosco ou Atendimento On-
Line ou ainda pela Central de
8 Serviços e Relacionamento, 0800 702 4000, de segunda a sex-
ta-feira, das 8 às 21h.

9 Atenciosamente,
10 Caixa Consórcios

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/caixa-consorcios/


caixa-consorcio-se-nega-a-dar-a-carta-de-credito-depois-de-toda-
documentaca_8477040/. Acesso em: 1 abr. 2021.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 84


Análise da resposta da empresa Caixa Consórcios

Na linha 1, observa-se que o início da comunicação começa pela


saudação da empresa para com o cliente, o que é uma forma de não
imposição, pela categoria de aproximação (LAKOFF, 1973). Percebe-
se, então, que a empresa, diferentemente do cliente, inicia a resposta da
reclamação cumprimentando e apresentando marcas de identificação do
consumidor, como o nome dele.
Na linha 2, a empresa pede desculpa ao cliente pelos transtornos
causados em relação à não liberação da carta de crédito. Com efeito,
a empresa se mostra solícita à resolução do problema e notifica o
consumidor que está trabalhando para otimizar o serviço, com o intuito
de garantir o direito do reclamante.
Nas linhas 2 e 3, a empresa alega ter feito tentativas de contato, fato
que explicita o conhecimento da empresa em relação à situação do cliente.
Outrossim, a empresa faz questão de apresentar o dia e o horário em que
contactou o consumidor, o que conforme Brown e Levinson (1987)
pode ser considerado interesse pelos desejos e necessidades do outro.
Nas linhas 5 e 6, nota-se que a empresa está à disposição do
consumidor para esclarecer quaisquer informações. Ademais, observa-se
a preocupação da empresa ao elencar canais de atendimento que ajudem
no contato entre o cliente e a prestadora de serviços.
Por fim, na linha 9, a empresa despede-se, o que mostra simpatia
dela para com o reclamante.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 85


Carta de Reclamação 3: Reclamação Máquina de Lavar
Louça, Brastemp

Campinas 12 de dezembro de 2014

CARTA DE RECLAMAÇÃO
REF:NF 000.002.637 – LAVA LOUÇA NA GARANTIA
COM PROBLEMA CRÔNICO
(NÃO SECA BEM A LOUÇA!)

1 À Brastemp
2 a/c Dpto de reclamação.

3 Eu, Stella Marcondes Martins, venho através desta fazer uma


reclamação e solicitar a
4 resolução do seguinte problema:
5 No dia 26/08/2014 fiz a compra de uma lava louça Brastemp
Ative 12 serviços Inox 127 v
6–BLF12ARANA NF 000.002.637 , na loja Miami, em Cam-
pinas-SP. Agendamos
7 diretamente com a Brastemp a instalação da mesma, entre-
tanto, observamos que a
8 máquina não seca a louça inteiramente, ficando a máquina
com respingos de água no
9 fundo e na hélice central ( além de ficarem gotejando na louça
E A DEIXANDO

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 86


10 MOLHADA...). Já chamamos o técnico aqui por três vezes e
ele não sabe o que pode ser,
11 disse que já fez o que podia.
12 Como já tive outras máquinas de lavar sei que elas não ficam
molhadas desta forma (o
13 vapor quente sempre deixou a máquina e a louça completa-
mente seca). DEVE SER UM
14 PROBLEMA DESTA MÁQUINA CRÔNICO.
15 Por estar ainda na garantia, gostaria que vocês ME SOLU-
CIONASSEM O PROBLEMA
16 ou mandando um técnico mais experiente ou trocando a má-
quina! Tenho URGÊNCIA
17 porque receberei muitas pessoas nas festas aqui em casa e a
máquina não esta me
18 resolvendo o problema por não secar a louça direito.
19 Venho expressar minha indignação pela demora para solu-
cionar o problema!
20 Não queremos fazer uma reclamação no PROCON mas se
nada for feito não
21 teremos outra opção!
22 Fico no aguardando um posicionamento o mais breve possível.
Abaixo todos os meus
23 contatos(por email é o melhor!)
24 ATT
25 Stella Marcondes Martins

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/brastemp-consul/reclama-


cao-maquina-de-lavar-louca-brastemp_11157646. Acesso em: 1 abr. 2021.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 87


Análise da carta de reclamação 3

Percebe-se que, inicialmente, a cliente se apresenta e diz, sem


interrupções, o propósito que a leva a escrever para a empresa em questão.
Dessa forma, torna-se nítida a evasão entre os interlocutores, pois não há
a mínima preocupação em direcionar o seu dizer, o que valida a polidez
indireta (BROWN E LEVINSON, 1987). Entre as linhas 6 e 11, a cliente
se estende e descreve a situação que lhe compreende o descontentamento;
além disso, reafirma sua posição, ao pontuar sua experiência para com o
produto.
Nas linhas 12, 13 e 14, a cliente explicita seu conhecimento em
relação às experiências de compras anteriores e indica qual é o problema
deste produto. Nas linhas seguintes (15, 16, 17 e 18), observa-se que a
reclamante faz um apelo em relação à resolução rápida do problema. Isto
é, o grau de importância é demandado pela necessidade da reclamante na
promoção de festas de fim de ano.
Adicionalmente, salienta-se que a cliente é consciente de questões
formalizadas no que diz respeito ao direito do consumidor (linhas 19,
20 e 21); ela também solicita, em caixa alta, “gostaria que vocês ME
SOLUCIONASSEM O PROBLEMA” (linha 15) e “Tenho URGÊNCIA
porque receberei muitas pessoas nas festas” (linha 16), com o objetivo de
chamar a atenção da empresa no que concerne ao seu pedido, que mais se
parece com uma ordem.
As palavras da reclamante ao longo da carta demarcam uma atitude
agressiva, perceptível pelas escolhas lexicais e pelo uso da letra em caixa
alta. A cliente se mostra descontente e usa da ameaça para firmar sua
posição. Na linha 20, a reclamante explicita uma plataforma de contato
eletrônico (PROCON) que, ao contrário do que se espera, não tem a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 88


função aproximativa, mas de retorno imediato ao requerido, que se
configura como denúncia. Logo, grande parte do texto da carta inscreve-
se no que Brown e Levinson (1987) consideram face negativa.

Resposta da empresa à carta de reclamação 3

1 Olá Sra Stella,


2 Seu caso está sendo tratado pela área responsável, por meio do proto-
colo 4000067620.
3 A Brastemp trabalha em parceria com o Reclame Aqui. Ainda as-
sim, sempre que precisar, entre em
4 contato conosco pelos telefones 011 3003 0777 (consumidores das Ca-
pitais e Regiões
5 Metropolitanas) e 0800 970 0777 (demais localidades).

6 Ariane Gandine,
7 Atendimento ao Consumidor Brastemp.

Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/brastemp-consul/reclama-


cao-maquina-de-lavar-louca-brastemp_11157646. Acesso em: 1 abr. 2021.

Análise da resposta da empresa Brastemp

Na linha 1, nota-se que a empresa se utiliza de um cumprimento


de ordem fática e de um vocativo, o que na teoria de Brown e Levinson
(1987) configura a percepção do outro, incluindo-o no processo
interativo por acolhimento. Nas linhas seguintes, a empresa pretende

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 89


atenuar a situação esclarecendo que logo o problema será solucionado,
defendendo a própria face e procurando manter a face da reclamante de
forma positiva.
Observa-se, sobremaneira, que na resposta da empresa lida-se
diretamente com a proteção à própria face, isto é, a empresa utiliza a
estratégia de polidez positiva, pois se mostra compreensiva, preocupada
e declara haver solução para a demanda solicitada pela reclamante
(BROWN E LEVINSON, 1987).
Diante das situações reais empregadas para exemplificar e constatar
a Teoria da polidez, percebeu-se que, nos três casos de ocorrência dos
reclamantes, há descontentamento em relação ao produto ou aos serviços
prestados por empresas renomadas em território nacional, ao passo que
há uma preocupação das empresas em oferecer um retorno ao cliente.

Considerações finais

Diante das análises, observou-se que nem todos os envolvidos no


processo de interação, ainda que virtualmente, preocuparam-se em usar
as estratégias de polidez, a fim de preservar as faces. De maneira notável,
os clientes não se importaram com a própria face e isso pôde ser verificado
a partir das posições desses sujeitos nas cartas de reclamação analisadas.
Em contrapartida, constatou-se que os representantes legais das empresas
tiveram maior dedicação na proteção da própria face e na manutenção da
face do consumidor.
A análise das três cartas de reclamação dos clientes e as respectivas
respostas a eles oferecidas pelas empresas permitiram identificar a pre-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 90


sença de algumas estratégias de polidez positiva e negativa. Os clientes,
por sua vez, não pareceram preocupados em preservar a face do outro.
As empresas, ao contrário dos reclamantes, buscaram preservar a face ao
máximo nas respostas aos consumidores, o que demonstra cordialidade e
polidez para com o outro no momento da interação.
Essa questão última ampara-se na percepção dos papéis sociais defi-
nidos nas cartas de reclamação, pois evidenciam a força ilocucionária dos
atos de fala na troca informativa, seja pela exposição do problema ditado
pelo cliente, seja pelo questionamento do não cumprimento das funções
esperadas do adquirido (produto/objeto ou serviço), pelo solicitação de
uma solução ao problema e, até mesmo, pela condução de um processo
coercitivo/obrigatório imbricado em termos “formais” regularizados por
um órgão específico (PROCON).
Mesmo diante de situações desagradáveis apresentadas nas cartas, os
representantes das empresas buscaram preservar, com maior regularida-
de, as suas faces, devido às posições ocupadas por eles nas empresas. Vale
ressaltar que essa preocupação é motivada tanto pela necessidade de não
ferir a imagem pessoal, como também a imagem das empresas. Desperta-
-se, portanto, neste trabalho, um novo olhar para a ampliação dos estudos
acerca da Teoria da polidez na perspectiva dos estudos pragmáticos.

Referências

BARBOSA, M. F. S. O. Impolidez em EAD. Tese (doutorado em linguística).


UFRJ, Rio de Janeiro, 2010.
BORTONI-RICARDO, S. M. O professor pesquisador: introdução à pesquisa
qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 91


BROWN, p. & LEVINSON, S. Politeness: some universals in language use.
Cambridge, Cambridge University Press, 1978.
GOFFMAN, E. A Representação do Eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes,
1959.
GOFFMAN, E. Interaction Ritual. New York: Harp e Ruw, 1967.
GOFFMAN, E. A elaboração da face. Uma análise dos elementos rituais da in-
teração social. In: Figueira, S. (org). Psicanálise e ciências sociais. Trad. I. Russo.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980, p. 76-114.
GOFFMAN, E. Forms of talk. Philadelphia, University of Pensyilvania Press,
1981.
GRICE, H. P. Logic and conversation. In: COLE, p. ; MORGAN, J. L. (Ed.)
Syntax and semantics. v. 3. Speech Acts (p.41-58) New York: Academic Press,
1975.
LAKOFF, R. Language in Sociery: Language and Woman´s Place. Vol. 2, No.
1. Cambridge University Press.1973, p. 46-47.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 92


Casos de família: as provas retóricas em um
processo de divórcio litigioso

Patrícia Rodrigues Tomaz


Max Silva da Rocha
João Benvindo de Moura

Considerações iniciais

O presente estudo tem por objetivo analisar a construção de


imagens1 por meio da argumentação em um processo judicial de divórcio,
dando ênfase a aspectos retóricos e discursivos, a partir da noção de
ethos, que são as representações construídas de si por meio das falas dos
sujeitos processuais. No campo da retórica, tomamos por base os meios
de prova apontados por Aristóteles (2011): ethos, pathos e logos. A noção
de ethos é retomada sob o ponto de vista da Análise do Discurso de linha
francesa contemporânea, com base nos estudos de Maingueneau (1997),
Charaudeau (2005) e Amossy (2008), entre outros.
No tocante aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa é de
natureza básica, visando ampliar o conhecimento científico; descritiva
quanto ao objetivo; documental quanto à coleta de dados; qualitativa
e interpretativista quanto à abordagem, uma vez que pretende

1 Pragmaticamente, Erving Goffman foi um dos principais estudiosos acerca da imagem pública
do sujeito na sociedade. Para esse mesmo autor, a face tem “um valor social positivo que uma
pessoa reclama efetivamente para si por meio da linha que os outros supõem que ela seguiu
durante determinado contato. A face é a imagem da pessoa delineada em termos de atributos
sociais aprovados” (GOFFMAN, 1967, p. 5).

DOI: 10.52788/9786589932536-5 SUMÁRIO / 93


compreender e interpretar as formas de interação no fenômeno estudado
(ANDRÉ, 2005). Apresenta uma proposta interdisciplinar envolvendo a
Linguística, a Retórica e o Direito, desenvolvendo um estudo focado nas
provas retóricas presentes no processo judicial.
Nesse panorama de discussão, compreendemos que, na formação
das relações afetivas, apesar de uma série de transformações sociais
e estruturais, a família ainda é o núcleo básico de qualquer sociedade.
Portanto, é uma instituição social e, como outras instituições, obedece a
normas e leis quando são necessários mecanismos jurídicos para a resolução
de litígios, visto que não há como desconsiderar as particularidades
desses conflitos diante da possibilidade de prejuízos emocionais para os
envolvidos, principalmente para os filhos, como no presente caso.
Iniciaremos nosso estudo analisando uma petição avulsa, na qual
está descrita parte da narrativa que deu início a um processo judicial de
divórcio litigioso, ou seja, há um pedido de separação unilateral que busca
a dissolução do casamento. No entanto, outras ações judiciais envolvem
a mesma entidade familiar, mas que não serão objeto deste estudo. Em
nossa pesquisa, a Análise do Discurso (AD) contemporânea preconiza
um olhar voltado para a pluralidade, para a heterogeneidade constitutiva2
da linguagem, para as práticas discursivas sociais de saberes e sujeitos.
Assim, esse material de análise é composto por excertos dos autos
de um processo da seara do Direito de Família, de divórcio litigioso, que
tramitou em segredo de justiça, cujas informações pessoais das partes
estão suprimidas. Para efeito de anonimização, os nomes das partes foram

2 Segundo Jacqueline Authier-Revuz (1990), o estudo sobre heterogeneidade é formulado a partir


da noção de heterogeneidade enunciativa, apresentada como sendo de dois tipos: a constitutiva
(processos reais de constituição de um discurso) e a mostrada (processos de representação num
discurso, de sua constituição) (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 32).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 94


substituídos por nomes de flores, visto que envolve um caso de guarda
compartilhada, partilha de bens, provisão de alimentos e acusação de
alienação parental por parte da requerida.
Desse modo, ao abordar a adequação do processo, o desempenho
do advogado familiarista deve ser efetivo, trabalhando as expectativas do
cliente. Ademais, é importante que os advogados orientem as partes na
prática dos atos processuais. A utilização dos elementos retóricos ethos,
pathos e logos, funcionam como estratégias discursivas para convencer e
persuadir o auditório, aqui representado pelo Estado, por meio do Poder
Judiciário e na pessoa do magistrado, que possui o poder e dever de
prestar a jurisdição.

A retórica aristotélica e a análise do discurso

A Retórica Aristotélica é, sem dúvida, uma primeira instância na


definição do que seja discurso, uma estrutura discursiva não somente
sintática, mas hermenêutica. Entende-se por retórica, no senso comum,
um discurso que se repete ou é demasiado recorrente para justificar uma
determinada pauta discursiva. Nesse sentido, o uso da retórica teria um
caráter apelativo e perde sua característica original que é a de convenci-
mento e de persuasão, e não de saturação como interpreta o senso co-
mum (TOMAZ, 2020).
Esse desconhecimento da maioria leiga reflete um certo preconceito
e certa resistência em ouvir o outro, aquele que pode informar e que se
destaca ao pronunciar um discurso. Desvencilhando-se da visão comum,
nos reportamos à definição clássica de retórica que é o pressuposto

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 95


identificado na criação de Aristóteles (2011), os dois elementos
fundamentais que caracterizam a retórica, quais sejam, a eloquência
e a persuasão, marcas argumentativas que compõem essa dimensão
clássica do discurso no tocante à influência que este exerce no ouvinte ou
auditório, constituído como o público-alvo da argumentação do orador
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2014[1958]).
Na Antiguidade Clássica, a retórica também já foi apresentada
como mero recurso de charlatães e enganadores que buscavam, através
dessa técnica, persuadir o ouvinte sobre a veracidade de seus argumentos,
fosse para o “bem” ou para o “mal” e foi isso que provocou a crítica de al-
guns filósofos, entre eles, Platão. Cabe aqui mencionar Fiorindo (2012),
quando afirma, do ponto de vista histórico e moral, que a retórica busca
identificar situações de discurso para adequá-lo ao seu objetivo maior,
que é convencer e não apenas persuadir.
Na filosofia aristotélica, em sentido amplo, a retórica se mistura com
a poética, consistindo na arte da eloquência em qualquer tipo de discurso.
Dessa mesma forma, sem expandir o sentido em concepções mais abran-
gentes, Lima (2009) expõe que a retórica é vulgarmente compreendida
como um conjunto de regras relativas à eloquência e é mais valorizada no
exercício da política, do direito e da comunicação. Numa perspectiva de
observação e entendimento do discurso, não podemos conceber a língua
separada da história e dos contextos sociais e a retórica, por sua vez, apa-
rece, de algum modo, em todas as atividades que envolvem a linguagem
humana, independentemente das situações.
A partir dessas reflexões, é possível estabelecer um estudo interpre-
tativo e analítico do discurso, visando a compreensão do que ele é em
profundeza, adotando várias faces referenciais para compreendê-lo, com-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 96


preendendo seu caráter interdisciplinar, haja vista o processo de ligação
com outras disciplinas, construindo um manancial de saberes. O que to-
mamos de Aristóteles (2011) para explicar tal abordagem discursiva no
presente é descobrir as três dimensões que se configuram como as provas
aristotélicas que, ainda hoje, são referência para os estudos sobre retórica,
argumentação e discurso: pathos, logos e ethos, as quais emergirão a seguir.

A constituição do ethos, pathos e logos na perspectiva da


análise do discurso

Dando continuidade à apresentação teórica, recorremos a conceitos


ligados à Filosofia Clássica, sistematizando sua emergência na Grécia
Antiga, com a retórica, abrangendo os três elementos retóricos de base
aristotélica, quais sejam, o ethos (que reside no caráter moral do orador,
dando a impressão de que é confiável), o pathos (emoção que o orador
tenta provocar no ouvinte) e o logos (o próprio discurso construído com
raciocínio lógico), necessários ao projeto de persuasão do enunciador.
Tendo em vista estes aspectos imprescindíveis a todo discurso, é
importante compreender como as provas se constroem.
Nesse seguimento, a noção de ethos vem do grego e deu origem
à palavra ética e também e à palavra mores, que significa costumes em
latim (MEYER, 2007). O conceito de pathos pode ser compreendido, no
contexto da Retórica, como sentimentos, emoções, que são despertados
por meio do discurso. A emoção é uma alteração visceral, fisiológica,
desencadeada por um certo acontecimento, como a ira, a tristeza, a alegria,
o medo. Aristóteles (2011) o define como a paixão (pathos) como o que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 97


move, o que impulsiona o homem para a ação (práxis). O logos permite
compreender o funcionamento e o raciocínio utilizado para entender o
discurso e convencer e persuadir o auditório presumido.
Continuando nossa reflexão, Galinari (2014) sugere que a constru-
ção da imagem de si considera também o pathos, pois depende daquilo
que Aristóteles denominava eúnoia, a saber, o elemento ethico respon-
sável pela benevolência do orador, disposto a emocionar seu auditório.
Dando continuidade, o autor submete-se a uma reflexão de Amossy
(2008), na qual a autora apresenta uma acepção semelhante, uma vez
que traz à baila a dupla dimensão do ethos: uma reconhecidamente racio-
nal (oriunda do logos), outra potencialmente afetiva (proveniente do pa-
thos). Formariam, tais apropriações, a síntese do que representa o pathos
como categoria de análise na retórica discursiva de Aristóteles.
Assim, compondo esses elementos encontra-se o ethos, que, fundido
ao pathos e logos, apresenta-se como uma terceira dimensão. Desse modo,
compreendemos o ethos (caráter moral que o orador deve apresentar
no próprio discurso), elemento importante e que compõe uma tríade
probatória fundamental. Para Lima (2009), o ethos é derivado dos
enunciados e do caráter do próprio orador, sujeito dotado de competência
linguística e que empresta sua credibilidade à causa, construindo uma
identidade discursiva e social.
Em síntese, voltando à questão das provas retóricas, as três
características: razão, emoção e caráter formulam a tríade na Retórica
Aristotélica. A partir desses elementos pode-se chegar a uma compreensão
máxima do que representa essa composição analítica que ampara os
pesquisadores. Tais elementos, que compõem as provas retóricas de
Aristóteles, são considerados fundamentais, tornando-se necessários para

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 98


apresentação e a qualificação dos argumentos a serem empreendidos no
discurso argumentativo.
O discurso dos sujeitos envolvidos fundamenta-se na retórica
aristotélica, sendo o ethos, o pathos e o logos os meios de prova utilizados
pelo orador para atingir a eficácia de seu discurso. Essa tríade, segundo
Aristóteles (2011), é garantidora da persuasão do ato retórico.
Compreendemos, de acordo com o filósofo grego, que as três provas
do discurso são indissociáveis, sendo o ethos a mais importante delas,
o primeiro argumento retórico para a configuração de um projeto de
persuasão do auditório, conforme veremos em seguida.

O ethos em Dominique Maingueneau

Pode-se destacar que o ethos é um dado discursivo em que o


enunciador produz uma imagem de si no próprio discurso, conceito
ampliado pela AD, sendo concebido como uma noção sociodiscursiva que
compreende o social e se manifesta no discurso num processo interativo
de influência sobre o Outro (FERREIRA, 2008). Para Amossy (2008),
tal conceito vem de Aristóteles como meio para a eficácia do discurso do
orador.
Na concepção de Aristóteles, o ethos (a construção da imagem do
orador), o phatos (a paixão despertada no auditório) e o logos (o próprio
discurso), constituíam os meios de prova utilizados para persuadir o
auditório e atingir a eficácia do seu discurso. Dessa forma, o ethos está
ligado à enunciação, sendo construído no âmbito da atividade discursiva
e toda vez que se recorre a essa noção de ethos, costuma-se percorrer um

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 99


longo caminho até a retórica antiga, mais precisamente à Retórica de
Aristóteles (MAINGUENEAU, 2008).
Dando prosseguimento, o autor francês considera o ethos como
uma noção discursiva que se constrói através do discurso e não somente
uma imagem do locutor que seja exterior à sua fala, sendo um processo
interativo de influenciar o interlocutor, acrescentando uma noção híbrida
(sociodiscursiva), considerando o comportamento avaliado socialmente
e que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação
(MAINGUENEAU, 2015).
Nesse viés, Maingueneau (2015) propõe um olhar mais amplo
do que aquele proposto por Aristóteles e concebe um ethos diferente
da retórica antiga, que era ligado à eloquência, à oralidade em praça
pública, assembleias ou tribunais. Embora respeite às linhas traçadas por
Aristóteles, o ethos na AD ultrapassa o domínio da argumentação, alarga
seu alcance, não se limitando à oralidade, pública ou não, abarcando
textos orais ou escritos, em que há uma vocalidade relacionada a uma
origem enunciativa, ou seja, uma voz que atesta o que é dito, que pode
se manifestar numa multiplicidade de tons, isto é, as marcas, traços,
indícios, pistas e sinais deixados no enunciado (DUARTE, 2007). Nessa
perspectiva, segundo o autor, a noção de ethos vai além da persuasão,
considerando o processo de adesão dos sujeitos a um certo discurso,
determinado em cada conjuntura histórica (MAINGUNEAU, 2015).
Dando continuidade, percebemos nos estudos de Amossy (2008),
ao tratar da noção de ethos (noção emprestada da Retórica), que a autora
considera a ligação entre os termos apresentação de si (usado inicialmente
na Sociologia) e imagem de si que, juntos, convergem para a construção
das identidades dos sujeitos que se constroem nas trocas linguageiras.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 100


Nessa lógica, compreendemos que a “imagem de si” está diretamente re-
lacionada ao ethos vindo da Retórica. Na AD, a configuração do ethos
varia em função das situações comunicativas vivenciadas pelos interlocu-
tores, tendo ou não a intenção de persuadir (TOMAZ, 2021a).
Como é possível observar, nos textos de Amossy (2008) acerca do
ethos, a autora compartilha da teoria proposta por Maingueneau (2015)
sobre a ideia de que a imagem de si não é mais forjada apenas na enuncia-
ção, mas pode ser construída antes mesmo da enunciação, atrelada a algo
que precede o discurso. Nesse sentido, é possível dizer que o ethos discur-
sivo mantém uma ligação com a imagem prévia que é feita do orador,
pelas pistas deixadas, antes mesmo que este fale, o que caracterizaria aqui-
lo que Maingueneau chamou de ethos pré-discursivo, mas, atualmente,
substituiu pela noção de ethos prévio (MAINGUENEAU, 2018).
Esta mesma concepção é corroborada por Ruth Amossy que prefere
utilizar a terminologia ethos prévio. Dessa maneira, o sujeito não constrói
mais a imagem de si somente através do seu discurso. A autora esclare-
ce que a imagem de si é condicionada pelas configurações sociais e insti-
tucionais, em que há uma atribuição de papéis (DE MELLO, 2012). O
ethos trabalha pela ativação dos eixos afetivos do interesse, da admiração
e da confiança.
Dando continuidade aos estudos do ethos, em Tomaz (2021b), as
principais estratégias de construção do ethos discursivo de sujeitos em
disputa emergem nas falas e nas expressões dos indivíduos, permitindo
a seleção de vários ethé prévios. Dessa forma, identificamos padrões de
comportamento, baseados nas expressões e emoções dos sujeitos envol-
vidos, para a composição de um discurso que vise convencer e atender às
necessidades, em âmbito extrajudicial.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 101


Sendo assim, o referido conceito aristotélico está ligado à imagem
que o orador constrói de si em seu próprio discurso e atua como um fe-
nômeno retórico argumentativo, impondo uma relação de força em re-
lação ao Outro (ANTUNES; PAULIUKONIS, 2018). De acordo com
Amossy (2008), ainda há, desde a Antiguidade Clássica, uma conceitua-
ção entendida como ethos prévio3 e outra compreendida como ethos dis-
cursivo4. No entanto, na AD de linha francesa, o ethos discursivo tem
maior abrangência do que o aristotélico. Segundo a autora, Dominique
Maingueneau foi quem primeiro associou o ethos a um ponto de vista
estritamente discursivo. A maioria das posições em um conflito, tomadas
por meio das falas e das expressões, invocam sentimentos como angústia,
tristeza e raiva.
Logo, o ethos em Maingueneau (2008), está em uma dimensão dis-
cursiva, ligado à enunciação, considera os elementos verbais e extra ver-
bais, desenvolve-se em meio à cena enunciativa, em sujeitos que se alter-
nam como enunciadores, admitindo-se um ponto de vista pré-discursivo
no ethos (que o teórico denomina de ethos pré-discursivo e, entre outros
autores, ethos prévio), sendo uma representação extradiscursiva da fala,
que é materializada pelo enunciado. É “construído por meio de pistas
deixadas pelo enunciador em seu discurso” (MIRANDA, 2011, p. 77).
Sendo assim, “o ethos é resultante da interação de diversos elementos: do
ethos pré-discursivo, do ethos discursivo, do ethos dito e do ethos mos-
trado” (SILVA; CORRÊA-ROSADO; MELO, 2012, p. 75).

3 Segundo Galinari (2007), o ethos prévio se constitui pelas impressões acerca do orador que
o auditório já possui antes mesmo da enunciação e abrange os dados situacionais, históricos e
psicológicos, informações preexistentes ao ato enunciativo, sendo considerado discurso. Na
opinião do autor, os termos ethos prévio e ethos presente são igualmente discursivos.
4 Gallinari (2007) adota a expressão ethos presente substituindo a de ethos discursivo, tendo em
vista que esse ethos emerge no ato de enunciação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 102


De acordo com Maingueneau (2008), o ethos efetivo é resultante da
interação de diversos elementos, sendo formado pelo ethos pré-discursi-
vo (ou ethos prévio) e o ethos discursivo, relacionando-se reciprocamente.
O ethos pré-discursivo (ou ethos prévio) está diretamente relacionado aos
estereótipos ligados aos mundos éticos, representações sociais cristaliza-
das, ou seja, situações que representam os modelos pré-construídos5 pelo
senso comum para atribuir características ao enunciador, para afirmar
ou desconstruir um ethos prévio ou pré-discursivo (MIRANDA, 2011).
Com efeito, o ethos prévio ou pré-discursivo se refere à imagem construí-
da pelo auditório antes que o orador enuncie, antes mesmo que o enun-
ciador tome a palavra para si, oriunda de um conhecimento antecipado
ou de recursos não-verbais explorados.
De acordo com Moura (2012, p. 58), não se pode ignorar “que o
conteúdo e a forma de se expressar podem render ao sujeito uma ade-
são ou rejeição à sua empreitada enunciativa”. Assim, o ethos se ocupa da
imagem que o orador deseja transmitir de si, como também das possíveis
reações e manifestações do auditório a que se dirige. Dessa forma, a cons-
trução das imagens de si das partes envolvidas procura evidenciar e legi-
timar seus discursos produzindo efeitos de verdade ou verossimilhança,
garantindo legitimidade aos enunciados.
Na base do esquema proposto por Maingueneau (2018) estão
“os estereótipos ligados aos mundos éticos”, os quais remetem às
possibilidades de leitura e significação dos fenômenos discursivos
produzidos no mundo e do comportamento dos seres humanos, dentro
de uma conjuntura social e histórica dada. Maingueneau (2018) considera

5 Na Análise de Discurso, segundo Pêcheux (1975), todo discurso pressupõe outro discurso
que lhe é anterior.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 103


que o “mundo ético inclui um certo número de situações estereotipadas
associadas a comportamentos verbais e não verbais”.
O mundo ético está associado às representações culturais fixas e aos
modelos pré-construídos, atribuindo algumas características e não outras
ao enunciador (NEVES, 2011). São características que se apoiam em um
conjunto cristalizado de representações sociais, imaginários sociodiscur-
sivos, práticas sociais aprovadas coletivamente, que se relacionam, refor-
çam e nos levam a analisar os discursos dentro de um contexto sócio-
-histórico e em determinadas condições de produção, considerando sua
historicidade.

O ethos na visão de Patrick Charaudeau

Ao discorrer sobre o conceito de ethos em AD, Charaudeau (2017)


o descreve como uma estratégia do discurso político, considerando as
“demonstrações psicológicas” e não o estado psicológico real do orador.
Segundo o autor, o ethos é encenado de modo intencional e calculado,
através de meios discursivos do sujeito que fala, estando ligado a toda
enunciação discursiva. Acrescenta ainda que somos aquilo que dizemos
de acordo com nossa maneira de dizer, o que implica uma maneira de ser,
uma identidade que passa pelas representações sociais (CHARAUDEAU,
2017). Essas representações colaboram para o estabelecimento de crenças,
cujos saberes partilhados entre os interlocutores contribuem para a
construção da imagem de si e do outro, podendo se referir à imagem de
um sujeito (ethos individual) ou de um grupo de sujeitos (ethos coletivo).

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Ainda segundo Charaudeau (2017, p. 115), o ethos está ligado a
toda enunciação discursiva e é resultado de uma encenação linguageira
e “depende dos julgamentos cruzados que os indivíduos de um grupo
social fazem uns aos outros” e resulta na constituição de uma dupla
identidade que se funde numa só. Assim, “o sujeito aparece ao olhar do
outro, com uma identidade psicológica e social que lhe é atribuída e, ao
mesmo tempo, mostra-se mediante uma identidade discursiva que ele
constrói para si” (CHARAUDEAU, 2017, p. 115).
Nesse seguimento, Charaudeau (2017) também considera o ethos
uma relação entre aquilo que é dito e aquilo que existe previamente, o
ethos pré-discursivo (ou ethos prévio) que, por sua vez, condiciona a cons-
trução do ethos discursivo, construindo figuras identitárias que o autor
divide em duas categorias de ethos: o ethos de credibilidade e o ethos de
identificação (CHARAUDEAU, 2017, p. 118).
De acordo com Charaueau (2017), a credibilidade é “particular-
mente complexa” e deve satisfazer três condições necessárias: condição
de sinceridade (que obriga dizer a verdade); condição de performance
(obriga a aplicar aquilo que promete) e a condição de eficácia (que obriga
a provar que o sujeito tem os meios de realizar o que promete e que re-
sultará de forma positiva). Dessa maneira, ao responder essas condições,
baseadas no discurso político, o sujeito constrói para si o ethos de sério, de
virtuoso e de competente, ou seja, os ethé de credibilidade (CHARAU-
DEAU, 2017, p. 120).
No que diz respeito ao ethos de sério, propõe a observância de
determinados índices: corporais, mímicos rígidos, comportamentais e de
autocontrole frente às críticas, verbais, com tons firmes e frases diretas,
capacidade de trabalho e condição de sinceridade, inclusive. Quanto

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 105


ao ethos de virtuoso exige demonstração de sinceridade e fidelidade,
honestidade na vida pública e privada, honradez, transparência,
lealdade, respeito ao adversário e condição de performance. Nesse
ethos, há comprometimento do orador às suas ideias e ações. O ethos de
competência exige conhecimento, saber e habilidade para o exercício da
atividade política e condição de eficácia (CHARAUDEAU, 2017).
Tratemos agora dos ethé de identificação, apresentados como os atri-
butos que o enunciador comunica e que provocam no receptor o proces-
so de identificação. Charaudeau (2017) alerta que essas imagens do polí-
tico jogam com o lado emocional do cidadão e se constroem com base no
afeto entre ambos. Charaudeau (2017) propõe ainda a construção de um
ethos em uma relação triangular, numa constituição do ethos entre si, o
outro e um terceiro que esteja ausente, ou seja, as figuras dos ethé voltadas
para si mesmo, para o cidadão e para os valores de referência. Dessa forma,
o cidadão, mediante um processo de identificação irracional6 funda sua
identidade na do político. Os ethé de identificação são caracterizados pelo
ethos de “potência”, de “caráter”, de “inteligência”, de “humanidade”, de
“chefe” e ainda de “solidariedade” (CHARAUDEAU, 2017, p. 137).
No que tange ao ethos de potência, identificamos figuras de virilidade
sexual, de vigor físico, com determinação de agir. O ethos de caráter
apresenta figuras de vituperação, de personalidade forte, dominante, de
coragem, de orgulho, de firmeza e moderação. No ethos de inteligência,

6 Pêcheux (1975) dedicou-se a estudar sobre a condição do sujeito ao ser interpelado ou


“assujeitado”. O autor apresenta a noção de assujeitamento ideológico, ou seja, segundo ele, a
dominação ideológica se materializa na língua. Apesar da alegada consciência política, alguma
coisa vem pela história, sem pedir licença, vem na memória, pela inscrição em outros dizeres, em
outras vozes, marcada pela ideologia e posições de poder, trazendo em sua materialidade os efeitos
que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades. O dizer não é propriedade particular. As palavras
não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também
significa nas “nossas” palavras (ORLANDI, 2015, p. 30, grifos nossos).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 106


podemos identificar figuras de homem adulto honesto e malícia (com
astúcia). Ao tratarmos do ethos de humanidade, identificamos figuras de
sentimento, de confissão. As figuras de guia, de soberano e de comandante
caracterizam o ethos de chefe. No que concerne ao ethos de solidariedade,
há manifestação de vontade de estar junto com os que sofrem, partilhar
das mesmas ideias de um grupo, escutar, ouvir, estar atento aos problemas
e às necessidades alheias.
Prosseguindo a reflexão sobre os ethé no discurso político,
Charaudeau (2017) considera as estratégias enunciativas para um
“discurso de justificação” que é produzido quando a credibilidade do
orador é afetada por atos ou declarações contraditórias. De acordo com
ele, há três estratégias que podem ser oferecidas ao político: a negação
(rejeita e torna nula a denúncia e contesta a acusação); a razão superior
(que é a razão do Estado, em nome da lei, fiadora da identidade de
um povo) e a não intencionalidade (uso do argumento de inocência,
argumento de ignorância, argumento de circunstâncias e argumento
de responsabilidade coletiva). Dessa maneira, as estratégias funcionam
como subterfúgios em discursos de políticos que precisam se defender de
acusações (CHARAUDEAU, 2017, p. 126).

Discussão e análise das sequências discursivas

No âmbito da advocacia familiarista, há uma legislação que


regulamenta os conflitos familiares, conforme estabelece o Código Civil
e o Código de Processo Civil vigentes no nosso ordenamento jurídico.
Os operadores do Direito são responsáveis pelo encaminhamento
das peças processuais através de construções discursivas permeadas e

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 107


sustentadas por valores sociais, visto que há um contexto histórico em
que se desenvolveu a legislação e suas principais mudanças. Dessa forma,
para o advogado, a linguagem é seu instrumento e objeto de trabalho, ou
seja, temos a linguagem como ferramenta e atividade na produção de um
discurso.
Destarte, no processo judicial, os fatos de um caso são construídos
numa sequência de narrativas, cujas marcas linguísticas, técnicas retóricas e
argumentativas (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2014[1958])
permitem a construção de um discurso, transformado em um documento
judicial, que possa convencer e persuadir seu auditório. Neste ato, o
auditório particular7 representa o magistrado e o auditório universal8
constitui o Estado no exercício da jurisdição, tutelando os jurisdicionados.
Nessa perspectiva, o auditório constrói um ethos prévio do orador baseado
nas informações precedentes obtidas na proposição apresentada. Para
Meyer (2007), tanto o auditório quanto o orador projetam no outro uma
imagem, que não corresponde, necessariamente, à realidade.
Na seara jurídica, o discurso argumentativo é dotado de um vocabu-
lário técnico, construído e estruturado de modo a atender a uma moda-
lidade específica do domínio discursivo jurídico, cuja prática discursiva
é caracterizada pelo formalismo e rigidez. Logo, no início do texto, em
“Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 4ª Vara da Comarca de Caxias/MA”, o
uso dos pronomes de tratamento “excelentíssimo”, “senhor”, “doutor”,
indica quem é o interlocutor e coloca o orador no “lugar de inferiorida-
de” e engendra um ethos de humildade (ARAÚJO, 2018).

7 É formado no diálogo, unicamente pelo interlocutor a quem se dirige (PERELMAN;


OLBRECHTS-TYTECA, 2014[1958]).
8 É constituído pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos e
normais, que chamaremos de auditório universal (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2014[1958]).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 108


A voz que enuncia, o advogado, representa a voz do autor da ação,
cujos enunciados representam aquilo que pode e o que não pode ser dito
ao se produzir um discurso, isto é, as escolhas não são aleatórias, mas
decorrem das circunstâncias em que esse discurso é construído. A opção
por um pronome que indica formalidade, próprio do gênero jurídico,
ressalta respeito em relação ao magistrado, o que pode colaborar para a
construção de uma imagem positiva de si e um ethos de seriedade.
Dando continuidade, o uso do adjetivo “URGENTE” no pedido,
indica que a situação requer atendimento rápido, que há necessidade
de urgência na prestação jurisdicional, sob pena de perecimento de um
direito e o risco de ocorrerem situações em que a ordem jurídica fique
em perigo (BARROSO; LETTIÈRE, 2014). Ademais, o uso de letras
maiúsculas funciona como recurso visual para chamar a atenção do seu
auditório.
A advogada tem a função de qualificar o requerente para que o juiz
possa analisar o processo, avaliar e decidir o que for mais conveniente
e adequado para os envolvidos. No trecho “CRAVO, já qualificado
nos autos AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO c/c GUARDA
COMPARTILHADA E ALIMENTOS com pedido liminar, processo
em epígrafe, que move em face de ROSA, também qualificada, vem a
presença de V. Exa. Requerer”, depreende-se que há um processo em
andamento. O uso de letras maiúsculas, negrito e itálico, funcionam
como recurso de linguagem visual para chamar a atenção do auditório
quanto ao novo pedido. Ademais, o pedido liminar sinaliza a urgência
necessidade de se assegurar um direito, que pode ser concedido no início
do processo de forma temporária (LOURENÇO, 2008).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 109


Dando seguimento, o procurador, advogado que representa o au-
tor da ação, faz um “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS QUANTO À
GUARDA COMPARTILHADA PROVISÓRIA E INVESTIGA-
ÇÃO DE ALIENAÇÃO PARENTAL”, mais uma vez, fazendo uso de
letras em caixa alta como recurso visual e que funcionam como estraté-
gias discursivas e argumentativas, características comuns desse gênero
jurídico. Em seguida, no fragmento “Pelas razões a seguir expostas”, o
orador apresenta as razões para o pedido, construindo um processo ar-
gumentativo, o logos, como prova retórica, a fim de favorecer seu cliente,
como veremos a seguir:

O autor ingressou com a presente demanda objetivando, além da dissolução


da sociedade matrimonial que mantém com a ré e a divisão do patrimônio
construído na constância do casamento, também foi solicitado, em sede
de apreciação de tutela de urgência, a concessão da guarda compartilhada
provisória da menor filha do casal, bem como a investigação da prática de
alienação parental por parte da ré. [sic]

Então, o advogado elabora uma tese, ou seja, a ideia que pretende


defender em favor de seu cliente, através de técnicas e estratégias para
persuadir e convencer o auditório. Para tanto, constrói seu discurso, o
logos como elemento retórico, e apresenta o caso para despertar o interesse
do magistrado, a quem o orador (fala e escreve) pretende convencer e
que representa o auditório universal (público-alvo, o Estado, o Poder
Judiciário) e particular (interlocutor a quem o orador se dirige, o juiz).
Ao iniciar seu discurso argumentativo em defesa do seu cliente, no
excerto “Ocorreu que V. Exa. ao despachar a inicial limitou-se a apre-
ciar os alimentos ofertados pelo autor, porém sem manifestação acerca
do pedido de guarda compartilhada”, o enunciador dirige-se de modo

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 110


cauteloso e respeitoso ao magistrado, o que é evidenciado pelo uso do
pronome de tratamento (Vossa Excelência), para que o juiz observe com
mais atenção. Observamos que o magistrado esqueceu de apreciar uma
questão solicitada, visto que foi feito um pedido e o orador deseja que o
auditório adira à sua tese.
Desta forma, a construção da imagem do autor da ação é feita pelo
discurso de outrem, com a finalidade de persuadir o juiz. Sendo assim,
tanto o advogado quanto o autor da ação constroem imagens de si, de
acordo com a posição sujeito de cada participante nesse processo. Logo, o
advogado constrói um ethos discursivo de profissional, que busca a justiça
e por isso defende o requerente, forjando um ethos de inteligente, potente
e de caráter, conforme nos esclarece Charaudeau (2017).

Excelência, a situação acima requer a imediata intervenção judicial vez que


a ré não está disposta em permitir que o autor exerça plenamente o seu pá-
trio poder e tampouco tem intenção de manter um convívio harmonioso com
o autor.

Neste fragmento, o uso do verbo e do adjetivo no enunciado


“requer a imediata intervenção judicial” conduz à noção semântica de
tempo, dando ênfase à argumentação, esperando despacho imediato do
juiz. Sendo assim, o pedido é um apelo, quase uma exigência, para que
o magistrado atenda à súplica do requerente e direcione sua atenção aos
fatos narrados, já que o comportamento da requerida enseja violação ao
direito do autor, conforme estabelece nosso ordenamento jurídico.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 111


O autor sempre desempenhou suas obrigações paternais, inclusive ofere-
cendo alimentos no importe de 40% (quarenta por cento) de seus venci-
mentos líquidos, já deferidos por V. Exa., porém, sempre foi inibido pela ré
de ter contato harmonioso com a filha. Em muitas vezes impedia até mesmo
as visitas do autor para com a criança, levantando barreiras, contando men-
tiras sobre a personalidade do requerente para a criança, conforme se com-
prova nas mensagens de whatsapp ora anexadas.

Dando continuidade, a análise desse fragmento permite-nos inferir


que a seleção lexical utilizada pelo advogado direciona à compreensão de
que o autor é um homem constituído de bons valores e que preza pela fa-
mília, projetando uma imagem positiva, reforçando a construção de um
ethos de homem bom, virtuoso. Além disso, o uso do advérbio “sempre”
funciona como marcador temporal, enfatizando a maneira de agir das
partes como algo contínuo. Em suma, verifica-se que o advogado cons-
trói um ethos positivo do autor, aparentemente sem nenhuma conduta
errônea, em detrimento de um ethos de complicada da requerida.

Não bastassem tais mensagens absurdas, a ré, em xx.xx.xx a compareceu ao


local de trabalho do autor, qual seja o xxxxx e tratou de o agredir verbal e fi-
sicamente, sendo necessária a atuação dos seguranças da agência xxxxx para
conter a ré (BO anexo).
Em xx.xx.xx o autor, ao buscar a filha para leva-la à escola, foi interceptado
pela ré, que adentrou o veículo que o autor dirigia, iniciando uma sequên-
cia de agressões verbais finalizadas com uma bofetada na face do autor, tudo
na presença da filha menor.

No excerto acima, a presença dos verbos “compareceu”, “tratou”,


“agredir”, “adentrou” são usadas como uma escala argumentativa e con-
templam as ações impulsivas da requerida, que culminaram num crime,
qual seja, lesão corporal. Diante da gravidade das circunstâncias que en-
volveram a prática desse ato, o requerente foi à Delegacia e registrou um

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 112


Boletim de Ocorrência (BO), relatando os acontecimentos e comprovan-
do a veracidade dos fatos através das provas apensadas a este documento.

Em xx.xx.xx mais uma vez a ré tratou por agredir o autor na porta da re-
sidência daquela, quando o autor, ao deixar a filha em casa, foi recebido
pela ré com palavras de baixo calão e com agressões físicas tão intensas que
rasgaram a camisa que o autor vestia (BO e fotografia anexos), o que pode
ser confirmado por testemunhas, que por ora deixa-se de indicar para evitar
represálias por parte da ré, mas que serão arroladas no momento oportuno,
a ser determinado por V. Exa.

O advogado, por meio da descrição narrativa, potencializa os fatos


que ensejaram a ação e, segundo sua versão sobre a cena do crime de le-
são corporal, faz uma reconstituição do ocorrido e retoma as situações
de constrangimento vivenciadas pelo autor, que podem contribuir para
uma efetiva transformação e mudança no rumo do processo, estratégia
que irá favorecer seu cliente.
Continuando em sua argumentação, o advogado argumenta que
“Desde sempre o genitor se mostrou um pai presente, carinhoso e sem-
pre disposto a criar e a educar a sua filha”. Logo, utilizando o recurso
da repetição, faz uma representação positiva e valorizada de seu cliente,
já que o ethos pré-discursivo (ou prévio) mantém relação com a imagem
prévia que o auditório pode ter do orador, ancorada em estereótipos e
imaginários sociais. A advogada, legitimada e autorizada a utilizar a pala-
vra em nome do requerente, amplia as características positivas do reque-
rente, reforça o constructo social de que ser um bom pai é uma condição
importante que deve ser considerada, antecipando uma imagem negativa
(antiethos), ante o descumprimento do “papel de mãe” da requerida.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 113


Conforme foi constatado, a convivência entre as partes é inviável, devendo
este juízo de imediato estabelecer regras para exercício da guarda comparti-
lhada da filha menor, nos termos indicados na exordial, ou em outros que
V. Exa, por bem arbitrar.
É imprescindível expor, que diante inúmeras tentativas do requerente em
resolver de forma consensual esta situação com a requerida, aconselhando-a
a evitar conflitos na frente de sua filha, a dedicar-se mais como mãe, resulta-
ram todas em vão, já que a ré persiste com sua personalidade agressiva.
Desta feita, se a menor permanecer sobre a guarda exclusiva de sua genitora
poderá acarretar-lhe em danos irreparáveis, visto que a mesma vive em um
ambiente hostil, sofrendo constante terror psicológico que perturbam seu
desenvolvimento saudável.

A advogada recapitula os fatos, resumindo os argumentos já


apresentados na peça inicial do processo, que marca o início do discurso
ou exórdio. No fragmento acima, o orador expõe a ideia de que o autor
usou “inúmeras tentativas, os meios possíveis para resolver os conflitos
de forma pacífica, mas não teve êxito. O uso da locução adverbial “em
vão” reforça o argumento de que todas as tentativas de uma resolução
consensual foram infrutíferas.
Assim, expondo quesitos importantes que devem ser avaliados,
evidências partilhadas, como a conduta inadequada da mãe, recorre
ao pathos, para despertar a paixão da indignação9 do auditório. No
enunciado “dedicar-se mais como mãe” atenta para a representação de
lugares determinados na nossa estrutura de formação e o imaginário
social, visto que se espera que toda mãe seja dedicada aos seus filhos.
Observamos que há na fundamentação argumentativa do
enunciador um esforço constante em construir imagens positivas do

9 Segundo Figueiredo (2020, p. 37), a paixão da indignação “compreende um pesar pelos que
parecem ser felizes sem o merecer ou que gozam de sucesso imerecidamente”.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 114


autor da ação em detrimento de imagens negativas da requerida, como
“agressiva”, pondo em risco a saúde mental da criança. A advogada apela
para o conhecimento do magistrado em relação às normas previstas na
legislação acerca da proteção das crianças e adolescentes.

Excelência, a presente manifestação visa noticiar a necessidade URGENTE


de concessão da referida guarda, bem como sejam estabelecidos os termos
de sua concessão, e ainda, seja iniciada de imediato a investigação da prática
de alienação parental por parte da ré.
Assim, requer-se, diante de toda a situação exposta, A GUARDA COM-
PARTILHADA PROVISÓRIA, e uma vez concedida, que a criança seja
apanhada na residência de sua genitora e devolvida por uma intermediária,
qual seja a irmã do autor xxxxxx.
Requer-se ainda a imediata investigação da prática de ALIENAÇÃO PA-
RENTAL por parte da ré, e, uma vez constatada, seja determinada a conse-
quente alteração da residência de base da menor para a do autor.

Ao final, o enunciador recapitula os quesitos apresentados, resume


os argumentos apresentados e em seguida “Aguarda deferimento” dos
pedidos, ou seja, a resposta favorável do magistrado em benefício do seu
cliente. Assim, a repetição de construções lexicais é utilizada como estra-
tégia argumentativa para que fique memorizada a conduta da requerida e
que contribua para a persuasão e oriente o magistrado a crer em sua tese.
Para concluir seu discurso argumentativo, a advogada encerra sua exposi-
ção esperando um despacho favorável do juiz.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 115


Considerações finais

Para o advogado, a linguagem é seu instrumento e objeto de trabalho,


ou seja, temos a linguagem como ferramenta e atividade na produção de
um discurso, neste caso, jurídico. Na petição apresentada, a utilização dos
elementos retóricos ethos, pathos e logos, são utilizados como estratégias
discursivas e argumentativas para persuadir o auditório e convencer
o magistrado a atender o pedido do requerente, autor da ação, que é
legítimo e amparado na lei.
Desta forma, na argumentação desenvolvida na peça processual
analisada, ao construir uma imagem (ethos) de sujeito que está fora
das expectativas sociais, o autor da ação e o advogado tentam culpar a
outra parte pelo fracasso e rompimento do relacionamento conjugal,
atribuindo uma imagem positiva de si em detrimento de uma imagem
negativa (antiethos) do outro, certamente com a intenção de influenciar
o auditório.
Nesse sentido, o processo aqui discutido mostrou que o diálogo
e a mediação de interesses nem sempre são possíveis, principalmente
quando os cônjuges têm desejos diferentes para o fim do relacionamento
que compartilhavam e pelo próprio fato de o discurso argumentativo
pertencer ao lugar do contraditório, da antifonia. Logo, a necessidade de
resolução deve estar centrada na proteção dos filhos, para que o juiz possa
analisar e decidir por todas as partes de forma mais justa e harmoniosa, ou
seja, aquilo é preferível.
Em suma, a análise desenvolvida durante as seções deste trabalho
nos permitiu verificar a importância das provas retóricas cunhadas por
Aristóteles (2011), tanto as imagens positivas ou negativas construídas

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 116


pelos sujeitos em conflito (ethos e antiethos), quanto as emoções ou
paixões mobilizadas durante o processo (pathos) são formadas a partir
dos discursos persuasivos engendrador pelo orador (logos), a fim de lograr
êxito ante o auditório social. Assim, esta investigação se apresenta como
mais uma possível contribuição no que concerne aos estudos em retórica,
análise do discurso, direito e outras áreas afins.

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 120


Atos de fala de compra e venda
em duas feiras livres de Parintins- AM:
Pragmática e Interação

Sanny Kellen Anjos Cavalcante Canuto


Franklin Roosevelt Martins de Castro

Para começo de conversa

O povo brasileiro apresenta uma variedade linguística ímpar, muito


disso se deve ao seu histórico de colonização. Os sotaques, os trejeitos
e expressões únicas que variam de região para região, tornam o Brasil
um país de muitos outros brasis como aponta o sociolinguista Marcos
Bagno (1997, 1999, 2009) em muitas das suas obras que abordam temas
como preconceitos e variedades linguísticas. Com os nortistas, não é
diferente; possuem uma língua(gem) repleta de expressões emblemáticas
e singulares - que vão desde sons - até trejeitos que indicam suas diversas
maneiras de se comunicar.
Para tanto, esta pesquisa10 tem como objetivo compreender como
essas características se adaptam na construção dos atos de fala no processo
de compra e venda em dois dos mercados mais populares do Município
de Parintins, Amazonas. As feiras livres são importantes espaços para o

10 Este capítulo é recorte da monografia de conclusão de curso do ano de 2018 intitulada: Os atos
de fala no processo de compra e venda em duas feiras livres de Parintins: uma análise pragmática.
O texto original pode ser encontrado no repositório da Universidade do Estado do Amazonas, ou
através do link a seguir: http://repositorioinstitucional.uea.edu.br/

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 121


povo amazonense, pois nesses ambientes é que essa diversidade rica de
atos de fala é encontrada sob a forma de saberes populares, aprendizados
que não se ensinam em sala de aula, informações passadas de geração a
geração como: remédios caseiros, receitas e histórias míticas.
Geralmente, vemos a pragmática associada à semântica quando
se trata de significados e contextos, no entanto, este trabalho atem-se
unicamente ao ramo da Pragmática, visando sua ligação com a Teoria dos
Atos de Fala, proposta por J. L. Austin (1990). Desse modo, pudemos
investigar a língua(gem) utilizada pelos comerciantes de dois mercados
municipais de Parintins na plenitude de suas competências linguísticas e
extralinguísticas.
Escolhemos duas feiras como universo desta pesquisa, por se tratar
de uma comunidade de prática não muito extensa, que apresenta uma
variabilidade de fala instigante que abriga pessoas de diversas localidades,
sejam de outros municípios, sejam de comunidades ribeirinhas.
Nesse contexto, devido à ascensão das tecnologias e modernidades
dos grandes centros urbanos sendo instaurados em comunidades
menores, é comum práticas como as vendas em mercados tornarem-se
obsoletas, visto que, os supermercados suprem de forma mais abrangente
às necessidades de uma determinada população. No entanto, acreditamos
na importância deste projeto para fortalecer o olhar de afirmação da
identidade cultural no que se refere às práticas discursivas utilizadas pelos
feirantes e comerciantes das feiras livres de Parintins, pois esses espaços são
patrimônios culturais que devem ser valorizados por seu valor simbólico
e prático à população. Por ser um município riquíssimo em diversidade
cultural e, consequentemente, em variação linguística, buscamos
evidenciar os fatores linguísticos e extralinguísticos que corroboram o
fazer enunciativo da comunidade de prática estudada.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 122


Entendendo o conceito de Filosofia da Linguagem ordinária

Conhecida como (FLO), a Filosofia da Linguagem Ordinária foi um


movimento filosófico que teve seu início e desenvolvimento na Inglaterra
entre 1940 e 1960, e mesmo que não seja muito disseminada, ainda na
contemporaneidade, ela se faz presente nos estudos de alguns entusiastas.
Nessa direção, os pensadores centrais desse movimento foram J.L. Austin
e Ludwing Wittgenstein (RAJAGOPALAN, 2010).
Segundo Rajagopalan (2010), o termo mais adequado para se
referir a esse movimento seria “filosofia linguística”, pois os estudiosos da
linguagem ordinária acreditavam na importância de estudar a linguagem
cotidiana. Para o autor, a linguagem ordinária, em sua competência
simples e acessível, é capaz de estabelecer diálogos inteligíveis no que
concerne assuntos não ordinários, ainda que apresentem sutilezas que,
por vezes, podem não ser compreendidas por falantes não familiarizados
com esse tipo de linguagem.
A base deste estudo, o filósofo e linguista J. L. Austin, é considerado
o principal mentor da Filosofia da Linguagem Ordinária; para ele, a
linguagem do dia a dia é uma espécie de herança realizada por gerações
de falantes (RAJAGOPALAN, 2010). No que diz respeito à antítese
“filosofia da linguagem ordinária” versus “filosofia da linguagem ideal”,
os conceitos austinianos atribuem à linguagem coloquial um lugar de
destaque, em que “a linguagem ordinária pode não nos prover com a
última palavra sobre problemas filosóficos, mas poderia ser o ponto de
partida para todo o questionamento filosófico” (RAJAGOPALAN,
2010, p. 23).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 123


Quando falamos em Pragmática, nos vem à mente os processos de
fala que são emitidos a todo momento, visto que para estudar palavras
e sentidos se tem os estudos semânticos e sintáticos. “A pragmática
estuda as condições que governam a utilização da linguagem, a prática
linguística” (FIORIN e DISCINI, 2013. p. 181), e se interessa em analisar
os enunciados concretos em dadas situações de uso, não se interessando
prioritariamente com o contexto histórico do falante, mas sim com o
contexto da fala, ou seja, o que está sendo dito e acontecendo no ato do
proferimento. “Trata-se de truísmo dizer que a pragmática lida com o uso
quotidiano e corriqueiro da linguagem” (RAJAGOPALAN, 2013, p.
16). O linguista analisa as questões controversas e, que, de alguma forma
tentam limitar à pragmática a algo menor que a semântica pois, em muitos
estudos, pragmática e semântica se ligam quase que automaticamente
quando o foco é o contexto. Neste ponto, o autor infere que o contexto
não é, em suma, o único responsável pelo significado, não sendo papel
único da semântica especificá-lo; pelo contrário, a pragmática visa, a
partir dos atos de fala, satisfazer a necessidade de significado no âmbito
da fala, sem deixar subentendido qualquer tipo de enunciado ou faltando
alguma informação para que se possa ser compreendido.
A Pragmática encarrega-se de estudar os fenômenos não explicados
previamente, como afirma Rajagopalan (2009. p. 17) “o pragmatista
entende que um dado nunca é dado ou descoberto in natura; ele
é sempre produzido”. Para ele, a pragmática coloca o pesquisador
na condição de desbravador de dados já existentes, como se estes
estivessem prontos a serem coletados em algum momento. Neste ponto,
consideramos os atos de fala propostos a serem estudados nesta análise.
A fala e seus atos sempre existiram no âmbito da língua(gem), não de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 124


uma forma contextual escrita, mas oral; concerne então ao pragmático
analisar e compreender como se dá a relação entre os atos de fala e os
próprios interlocutores, as sentenças que são produzidas e como são
compreendidas, trata-se da observação e análise dos usos concretos da
língua em situações concretas (CASTIM, 2017).
Para Pinto (2012) a manobra pragmática para nos fazer compreender
a linguagem em sua totalidade é não descartar a fala, pois ao descartar a
fala, automaticamente está deixando de fora as pessoas que falam. Para
Saussure (2012) a língua é um organismo social por excelência, e os
conceitos de sociedade e comunicação são inerentes ao ser humano pela
sua vivência coletiva. “A teoria dos atos de fala se assenta num conceito
social: o uso, a promessa, o fazer”, (CASTIM, 2017. p. 4). São os falantes
que adicionam à linguagem formas únicas, e a partir disso, criam-se as
comunidades de prática.
Eckert e Ginet (1992), afirmam que uma comunidade de prática
reitera uma atividade social, na qual indivíduos fazem parte por causa
de um ou mais interesses em comum, e não apenas por serem uma
coleção de indivíduos que formam um grupo ou que “pensem igual”,
ou estão engajados em ações por algo em comum. Os mercados podem
ser considerados comunidades de prática por compartilharem “modos de
fazer as coisas, modo de falar, crenças, valores, relações de poder – em
resumo, práticas – emergem durante sua atividade conjunta em torno do
empreendimento” (ECKERT E GINET, 1992, p. 25).
Eckert e Ginet, (1992), ainda assinalam que as comunidades de
prática não seguem um padrão, podem ser pequenas ou grandes, po-
dem sobreviver à mudança de membros e podem ser vinculadas a outras
comunidades sem que isso altere sua singularidade. Para as autoras, os

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 125


indivíduos têm a capacidade de participar de diversas comunidades de
prática, e ainda assim, possuir uma individualidade, ou seja, mesmo que
se baseie na multiplicidade de tais participações, os participantes são con-
siderados articuladores capazes de exercerem diversos papeis sociais.

Teoria dos atos de fala: de Austin a Rajagopalan

A Teoria dos Atos de Fala é a vertente da Filosofia da Linguagem que


recebeu grande contributo de Austin para a Linguística ao considerar a
linguagem como uma ação e não apenas uma teoria. Há doze ensaios
publicados da autoria de Austin, intitulados How to do things with words
em 1990, fundamentais para compreender a importância desta teoria
para a Pragmática, que, como dito anteriormente, estuda as formas de
utilização da linguagem e os fatores que são essenciais para a produção de
sentido de um enunciado.
Segundo Rajagopalan (2010), é necessário entender que há duas
formas de ler Austin, uma “fiel” e outra “Searliana”. Rajagopalam se
dedicou à teoria dos atos de fala para expor o pensamento de Austin
em sua totalidade, uma vez que John Searle, visto como um discípulo e
principal divulgador da teoria de Austin, modificou a vertente criada por
seu mestre.
Sobre os estudos de Austin, Rajagopalan (2010) assinala uma
apropriação e modificação de interpretação por parte de John Searle,
visto que os dois tinham divergências de ideias e que a teoria de Austin
se tornou irreconhecível após ser reestruturada por Searle. Ainda para
Rajagopalan, essas duas formas de ler Austin possuem disparidades,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 126


sendo que a leitura não searliana de Austin está ganhando espaço entre
antropólogos e sociólogos e, lentamente, sendo difundida e aceita entre
os linguistas. Em sua obra Nova Pragmática: fases e feições de um fazer,
Kanavillil Rajagopalan apresenta um estudo aprofundado sobre a teoria
dos atos de fala proposta por Austin e propõe que essa foi distorcida por
John Searle, ainda que se mantenha imune às inúmeras críticas em relação
a tal proposição. Rajagopalan termina a discussão sobre as duas formas de
ler Austin da seguinte forma:

À luz dessa discussão, não resta dúvida alguma de que Searle tenha habilmente
demarcado – e, do que se observa disso, tenha sido bem sucedido em mantê-
la – uma sólida reputação apoiada nas duas pretensões simultaneamente.
Ele foi muito feliz no incrível feito de comer a fatia da cereja do bolo de
Austin, e ainda, se adonar do bolo todo (RAJAGOPALAN, 2010. p. 118).

Sobre How to do things with words, Austin inicia a primeira


conferência com uma afirmação nada convencional: “o que tenho a dizer
não é difícil, nem polêmico. O único mérito que gostaria de reivindicar
para esta exposição, é fato de ser verdadeira, pelo menos em parte”
(AUSTIN 1990, p. 11). O autor infere que sua coloquialidade faz parte
de suas contribuições acerca dos atos de fala.

Na verdade, longe de ser um simples recurso retórico ou estilístico, o


humor de Austin, da mesma forma que sua insistência em utilizar o tempo
todo uma linguagem propositalmente coloquial, está de acordo com sua
desconfiança em relação a qualquer possibilidade de manter uma barreira
impermeável entre o objeto do estudo e a forma pelo qual se aborda tal
objeto. Afinal, boa parte de seu esforço filosófico está voltada a mostrar
que a linguagem ordinária é digna de ser objeto das mais altas lucubrações
filosóficas (RAJAGOPALAN, 2010. p. 153).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 127


Austin foi ousado ao imergir na coloquialidade em uma
comunidade altamente filosófica. Para ele, não faria sentido recorrer
a um estilo rebuscado para expor uma tese que não só desmistifica,
mas também propõe a coloquialidade como digna dos estudos mais
aprofundados da linguagem. Os escritos de Austin devem ser abordados
como um fazer, pois nas considerações finais de suas anotações sobre os
atos de fala, ele chega à conclusão de que todo dizer é um fazer, por esse
motivo, as categorias de análise devem ser estruturadas em feitos e não
em ditos (RAJAGOPALAN, 2010).
Ainda na primeira conferência, Austin distingue os atos de fala
em dois grupos, constativos e performativos. Para ele, os constativos se
dariam como uma constatação dos fatos, descrevendo-os, enquanto os
performativos seriam os fatos concretos da fala, o simples fato de enunciar
algo a alguém, levando em consideração não só o falante como também
o receptor e seus atos. Desta forma, aborda a questão da autorização que
seria, basicamente, quando um enunciador toma a liberdade de proferir
algo, como nomear um barco, por exemplo, ou seja, é a liberdade de
escolha do falante.
Todo ato constativo é performativo, porque trata-se de uma visão
de mundo. “A terra gira ao redor do sol” não é um performativo à
primeira vista, mas é performativo porque eu estou afirmando, trazendo
um posicionamento de mundo que influencia as outras pessoas; é a
pseudovisão da ciência, de que a ciência é feita de enunciados constativos
e atos performativos. Dessa forma, todo enunciado é um enunciado
performativo (AUSTIN, 1990).
Ainda no mesmo estudo, Austin (1990) abandona essa primeira
teoria afirmando que existem performativos implícitos e explícitos em

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 128


qualquer ato de fala. Desta forma, quando eu digo: “eu prometo que
estarei lá” (1990, p. 69) Austin, apropria-se do performativo explícito,
visto que o verbo “prometer” está na primeira pessoa do singular do
presente do indicativo e ainda acompanhado do pronome pessoal “eu”.
Uma forma implícita desta mesma frase seria a sentença “estarei lá”, a
ideia de promessa está subentendida, e a ausência do pronome pessoal
“eu”, continua dando a entender que “eu” estarei lá. Austin constatou
que a dicotomia constativos/performativos descrita por ele não poderia
ser, de fato, levada em consideração em relação aos atos de fala.
Lopes (2010 p. 67) apropria-se dos termos de Derrida (1982),
para descrever que Austin cria uma análise aporética e em constante
transformação. Dentro desta perspectiva, Souza (2006) enfatiza o
caráter incompleto da dicotomia, analisando que os constativos também
poderiam apresentar uma dimensão performativa, visto que descrever
seria um ato realizado, podendo ser bem ou mal sucedido; assim como
os performativos teriam uma dimensão constativa, sendo relacionada a
fatos.
Lopes (2010) afirma que, ao concluir sua reflexão dicotômica entre
performativos/constativos, Austin abandona a distinção criada por ele
mesmo por concluir que essa distinção não seria suficiente para descrever
os atos de fala em sua totalidade e em sua importância para a linguagem.
As palavras da própria autora para descrever esta afirmativa são: “Austin
argumenta que a linguagem como um todo não é formada por enunciados
constativos que descrevem algo, mas sim por enunciados performativos
que fazem com que alguma coisa aconteça” (LOPES, 2010. p. 74). Todas
as vezes em que um determinado falante diz algo, está transmitindo uma
mensagem que emite com a intenção de expressar algo a alguém, ou uma

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 129


expressão direta do que se pensa ou sente. Quando produzimos sentenças
compreensíveis para o fim da comunicação, entramos na esfera dos atos
de fala, e estes podem se dividir em dois tipos: atos diretos e indiretos
(LOPES, 2010).
Os atos diretos são aqueles em que a intenção do falante fica ex-
plícita para o receptor, para que este entenda sem dificuldades, como
é o caso das ordens e declarações. Os atos indiretos são aqueles cuja a
intenção não se torna explícita para o receptor, como eufemismo, sar-
casmo e ironia. Austin propõe que os atos de fala apresentam três níveis
elementares que classificam os enunciados em suas diversas formas de
comunicação, tratam-se dos atos locucionário, ilocucionário e perlo-
cucionário. Para SOUZA (2006), na oitava conferência, Austin insere
outra teoria sobre os atos de fala, propondo que sua:

[...] concepção do uso da linguagem como uma forma de agir seja estendida
para toda a linguagem, considerando o ato de fala como a unidade básica de
significação e tomando-o, por sua vez, como constituído por três dimensões
integradas ou articuladas: respectivamente os atos locucionário, ilocucioná-
rio e perlocucionário (SOUZA, 2006, p. 224).

O ato locucionário é basicamente a estrutura mínima dos atos


de fala, consiste nas palavras e sentenças aplicadas de acordo com a
gramática, podendo ser considerado a parte teórica dos atos de fala; é
o ato que realizamos ao falar algo, trata-se do enunciado em si mesmo.
O ilocucionário, por sua vez, implica a ação propriamente dita, o ato
de dizer, de se justificar, inferir, informar e etc. Pode ser considerado o
núcleo do ato de fala, podem ser proferidos com verbos performativos
implícitos e ainda assim não perder sua força ilocucionária de transmissão
da mensagem. Ato perlocucionário trata a transmissão e recepção da

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 130


mensagem emitida pelo interlocutor, o ato perlocucionário está para os
atos de fala, como a catarse está para a leitura literária, por assim dizer.
Para Austin, essas três formas de caracterizar os atos de fala, são
responsáveis pelo fracasso ou sucesso da compreensão dos enunciados,
visto que, os atos são eventos relacionados às convenções sociais; cabe,
desta forma, ao interlocutor a objetivação no que concerne à escolha de
tais atos para que assim possa ser compreendido. Há uma ligação direta
entre Pragmática e atos de fala, que por sua vez, consistem em enunciações,
receptividade e códigos da língua. “Os atos de fala são, via de regra,
dirigidos a uma pessoa fisicamente presente no momento de proferimento
de tal forma que é totalmente desnecessário referir-se a ela, ou seja, não
faz o menor sentido nomeá-la explicitamente”. (RAJAGOPALAN,
2009, p. 10). Os atos de fala dispensam o uso de pronomes de tratamento
quando se tratam de verbos performativos no ato ilocucionário e este,
por sua vez, manifesta-se pela ação em si, no simples ato de falar. O ato
perlocucionário é uma espécie de catarse da fala, é o efeito do que a fala do
outro interlocutor causou em quem o recebeu. Nesse caso, a ameaça não
pode ser percebida por quem a proferiu, apenas por aquele que se sente
ameaçado no momento. O ato locucionário é, em sua medida, o sistema
de códigos existentes na língua, aquilo que Saussure (2012) afirma ser o
sistema arbitrário de signos linguísticos, a língua, que se concretiza através
da fala, que é individual e concreta.
Podemos dizer que, dos três atos de fala citados, a maior forma
de interação se dá entre os atos ilocucionários e perlocucionários, não
inferindo que o ato locucionário seja irrelevante, apenas levando em
consideração o jogo interacional de enunciação. Rajagopalan relembra um
famoso exemplo de Austin para ilustrar essa questão de interpretação que:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 131


[...] não depende do significado da sentença isolada nem das intenções
comunicativas do emissor, mas depende, de forma singular, também das
circunstâncias do ouvinte. Esse fato fica ainda mais evidenciado quando
nos lembramos de que, na famosa caracterização proposta por Austin
(1962), uma ‘ameaça’ é catalogada como um ato perlocucionário e não
como um ato ilocucionário. Diferentemente do ato ilocucionário, o ato
perlocucionário depende da forma como o ouvinte o recebe para ser bem
‘bem sucedido’, ou seja, a felicidade de um ato perlocucionário não está nas
mãos de quem o profere (AUSTIN, 1990 Apud RAJAGOPALAN. 2009,
p. 14).

Austin se refere ao ato locucionário como completo, um dizer algo.


E esse dizer algo deveria ser esmiuçado com a participação de filósofos,
gramáticos e foneticistas, pois distingue o ato locucionário em três esferas,
que são ato fonético, ato fático e caso rético. O caso fonético é representado
pelos ruídos que são proferidos na enunciação, o ato fático (sintaxe)
consiste no proferimento de palavras ou vocábulos que pertencem a um
conjunto de normas inteligíveis e, o ato rético (semântica), consiste em
proferir palavras e termos que expressem sentido ou referência, tanto
para quem fala, como para quem ouve. Podemos inferir que todo ato
locucionário sofre uma ilocução, pois não importa se estamos fazendo
uma pergunta ou dando uma informação, vendendo ou comprando
algo, todo enunciado é uma locução e toda locução apresenta uma força
ilocutória (AUSTIN, 1990).
A nona conferência trata a distinção entre atos ilocucionários e
perlocucionários, aborda a necessidade de distinguir “consequências”, ou
seja, é através do ato perlocucionário que o receptor de uma determinada
informação pode se abster de cair em uma cilada, por exemplo. “O ato
ilocucionário, distintamente do ato perlocucionário, está relacionado
com a produção de efeitos em certos sentidos” (AUSTIN, 1990. p. 50).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 132


A décima conferência intitulada “Ao dizer...” versus “Por dizer...”, Austin
se desprende da distinção entre performativos e constativos, assinalando
que não seria viável listar palavras performativas explícitas, então retoma
a premissa de que dizer algo é de fato fazer algo, afirmando que o ato
ilocucionário consiste em certos efeitos que são obtidos unicamente
por se dizer algo. Na décima primeira conferência foi denominada
Declarações performativas e força ilocucionária, Austin exemplifica
algumas declarações e como elas são permeadas pela força ilocucionária,
enfatizando pontos sobre os performativos e os constativos para
aprimorá-los como conceito de atos ilocucionários, pois afirma que
“declarar algo é realizar um ato ilocucionário” (AUNTIN, 1990, p. 111).
A última conferência é denominada por Austin como Classes de
Força Ilocucionária, na qual o autor tece comentários sobre todas as
conferências e tenta concluir suas recentes descobertas modestamente.
Para ele, houve muitas questões em aberto, entretanto, pondera acerca da
distinção entre constativos e performativos e como todos os proferimentos
que foram considerados, abrindo exceção para as exclamações, se
comportam através dos seguintes conceitos: Dimensão de felicidade e
infelicidade; Força ilocucionária; Dimensão de verdade e falsidade; um
significado locucionário (sentido e referência). “A doutrina da distinção
performativo/constativo está para a doutrina dos atos locucionários
e ilocucionários dentro do ato de fala total como a teoria especial está
para a teoria geral” (AUSTIN, 1990, p. 121). Para essa afirmativa, Austin
elabora alguns pontos que possam esclarecê-la: o que se procura elucidar
é o ato de fala em sua situação total; declarar, descrever, chamar etc., são
apenas nomes entre tantos outros que designam atos ilocucionários e
não apresentam uma posição em especial. Austin distingui cinco classes

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 133


gerais de verbos, que classifica em função de sua força ilocucionária e as
denominou da seguinte maneira: Veriditivos; Exercitivos; Comissivos;
Comportamentais e Expositivos.
Os veriditivos dão um veredito, expressam uma ordem, seja por um
corpo de jurados, um árbitro, não sendo necessário serem definitivos, po-
dem designar uma estimativa ou um resultado de algo, constitui que algo
seja estabelecido. Os exercitivos se caracterizam por poderes, direitos, in-
fluencias ou designações, por exemplo: votar, ordenar, aconselhar, avisar
e etc. Os comissivos tratam de comprometimento, promessas ou anún-
cios de intenção e constituem algumas coisas vagas que Austin chama de
adesões, como por exemplo, tomar partido ou juízo de valor, apresenta
também ligações com os veriditivos e os exercitivos. Os comportamentais
assumem um caráter heterogêneo por se tratar de atitudes e comporta-
mentos sociais, são aquelas ações que tomamos cotidianamente e quase
que instintivamente só por vivermos em uma coletividade, são os pedidos
de desculpa, felicitações, elogios, pêsames, maldizer e desafiar. Austin de-
fine o último como os verbos mais difíceis de definir, trata-se dos expo-
sitivos, pois esclarecem o modo como os proferimentos se encaixam nos
mais diversos tipos de discurso: contesto, argumento, concedo, exempli-
fico, suponho, postulo (AUSTIN, 1990).
É necessário ressaltar que Austin (1990) não tomou por
definitivo esses conceitos de classe, para ele, as ideias estavam um tanto
embaralhadas, mas ainda assim é possível aplicá-las de forma precisa
em diversos tipos de conversações e discursos, em outras palavras, suas
ideias acerca dos atos de fala poderiam estar, na visão dele mesmo,
incompletas, e poderia mesmo ser que precisasse de alguns ajustes, mas
ainda são a maior descoberta no nível da fala que podemos ressaltar
(RAJAGOPALAN, 2010).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 134


Feiras livres: entreposto de atos de fala e relações sociais

No decorrer desta pesquisa, tivemos acesso a duas feiras livres do


município de Parintins, nas quais pudemos constatar que as relações que
permeiam esses espaços vão além dos processos de compra e venda; na re-
alidade, as relações são atravessadas por interações sociais que mais pare-
cem com uma comunidade familiar, pois as dificuldades vivenciadas pe-
los “atores” são compartilhadas cotidianamente. Servilha e Doula (2009)
contribuem para esta parte da pesquisa afirmando que os mercados mu-
nicipais participam da vida comunitária de forma mais complexa do que
apenas suas relações comerciais de produção, como compra e venda; mas
que exercem uma função social que se correlacionam com outros fatores
e ações socioculturais, trata-se das vivências em comum compartilhadas
pela comunidade.
Ao realizar uma abordagem histórica sobre mercados e feiras
(ARAÚJO e BARBOSA, 2004, p. 2), afirmam que esses espaços
dispunham de uma importância que ultrapassava seu papel comercial, ou
seja, eram concebidos como espaço de trocas de experiências, negócios,
conversas entre amigos e todo tipo de laço de sociabilidade. Observando
o pressuposto histórico apontado por Araújo e Barbosa e as análises que
serão esmiuçadas mais à frente, é comum perceber que essa concepção
histórica é mantida atualmente.

Existem nas cidades determinados espaços privilegiados, carregados


de simbolismo e de centralidade no que diz respeito à organização e
à representação da vida pública. Estes espaços não são permanentes:
acompanham a vida e a evolução da cidade, sua dinâmica social e sua
organização espacial – diríamos até que acompanham sua própria
identidade (GOMES, 2001, p. 98).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 135


As feiras são analisadas como um espaço de construção cultural e
social. Esses espaços públicos são diferentes e abarcam uma “singulari-
dade coletiva” no que concerne à linguagem, sendo fundamentais na
construção de identidades não só de uma comunidade de prática, como
também de uma cidade inteira. Em algumas situações, as feiras são o lugar
de encontro entre o rural e o urbano, o passado e o presente, pessoas de
diferentes realidades sociais estabelecendo, desta forma, relações intercul-
turais (SERVILHA e DOULA, 2009). Nos mercados há o encontro de
diferentes concepções de mundo e simbolismos que se inserem de acordo
com sua importância e diferentes atores sociais que desempenham papéis
em cenas cotidianas (ARAÚJO e BARBOSA, 2004).
Os conceitos de mercados são os mais variados, poderíamos abordar
de forma histórica as relações das trocas11; porém, deixemos essa concep-
ção na superficialidade. Queremos aprofundar os conceitos linguísticos
dentro das feiras livres através dos atos de fala, sem, no entanto, deixar de
lado os contextos presentes nesses mesmos atos.
Servilha e Doula (2009) destacam as contribuições do historiador
Braudel (1996) para os estudos das feiras livres, em que afirma que no
século XV os mercados e as feiras eram as engrenagens das cidades.

Frequentadas em dias fixos, a feira é um natural centro da vida social. É nela


que as pessoas se encontram, conversam, se intitulam, se insultam, passam
das ameaças às vias de fato, é nela que nascem incidentes, depois processos
reveladores de cumplicidades, é nela que ocorrem as pouco frequentes in-
tervenções da ronda, espetaculares, é certo, mas também prudentes, é nela
que circulam as novidades políticas e as outras (BRAUDEL, 1996, p. 16).

11 Verificar A economia das trocas simbólicas, Bourdieu (1982).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 136


As ações mencionadas por Braudel (1996) são o objeto de estudo
dessa pesquisa. Ao entrar na feira, percebi aquela zuada12 de vozes que se
estabelecem nos horários em que o movimento é maior, ou seja, “o ruído
das feiras chega distintamente aos nossos ouvidos” (BRAUDEL, 1996,
p. 12). Essa troca de informações entre os feirantes e os clientes, entre os
amigos de box, entre os fornecedores são cheias de conteúdos reveladores
que são caracterizados pelos atos de fala como performatividades.
Fundamentado no conceito de representação como “cena enuncia-
tiva” de Maingueneau (2001), a análise dos diálogos será realizada por ce-
nas, apresentando os enunciadores como atores e tendo como cenário as
feiras livres escolhidas como espaço de desenvolvimento desta pesquisa.
Maingueneau (2001), aponta que uma enunciação pode ser caracterizada
por três tipos de cenas; a cena englobante, cena genérica e a cenografia.
Tomarei a cena englobante como pressuposto, pois é esta que concede
um status pragmático ao discurso e permite uma reflexão epistemológica
acerca do enunciado.
Costa (2013) observa que esse conceito de representação enuncia-
tiva como uma “cena”, é uma metáfora que designa palavras e situações
pertencentes à dramaturgia. Sendo assim, os interlocutores observados
nesta pesquisa se caracterizam como atores em cenas cotidianas, tendo
as duas feiras livres como cenários principais, deste modo, a percepção de
cena se desprende da dramaturgia para ser inserida no contexto enuncia-
tivo de qualquer natureza.

Resultados e curiosidades

12 Expressão muito utilizada nos municípios da região norte, que designa barulho, seja de uma
aglomeração de pessoas, carros, músicas e etc.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 137


No município de Parintins encontramos uma mistura de
conhecimentos que se concentram em diversos espaços, dentre eles
estão os dois mercados investigados. Esses espaços são frequentados por
parintinenses, ribeirinhos que trazem seus produtos para vender todas as
manhãs à “beira” da rua em frente ao mercado ou em seus “boxes”, espaços
disponibilizados pela prefeitura para vendas no mercado municipal.
Ambos mercados apresentam suas particularidades, a feira número
01, é mais extensa e repleta de lojas de diversos seguimentos como
frutarias, açougues, assistência de celular, produtos artesanais e remédios
caseiros. O mercado número 02, apresenta um menor fluxo de feirantes,
há o prédio do mercado e, ao lado, à margem da rua, encontramos as
barracas que são montadas todos os dias. Basicamente são vendidos os
mesmos produtos encontrados no mercado número 01, porém em
menor quantidade.
Nesses espaços, repletos de diversidade nas mais variadas esferas, é
possível perceber as relações sociais que se criam muito além do processo
de compra e venda. As pessoas que frequentam essas feiras apresentam
uma certa familiaridade, que ao decorrer da pesquisa, percebi ser um há-
bito construído paulatinamente.

[...] mercados municipais e feiras como lugares, não apenas de compra e


venda de mercadorias, mas também, e significativamente, de contato huma-
no face-a-face, a ser analisado como um espaço público no qual relações de
trocas não comerciais encontram-se associadas a produção de sentimentos
de pertencimento comum, reciprocidade e identidade coletiva em seus fre-
quentadores, (SERVILHA E DOULA, 2009, p. 123).

A comunidade de prática que abrange as duas feiras é, em sua maio-


ria, constituída por ribeirinhos de diferentes comunidades (interiores),

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 138


seguido por pessoas de outros estados. Analisamos as performances que
constituem os atos de fala de acordo com as categorias apontadas por
Austin (1990), para designá-los, que são atos locucionário, ilocucionário
e perlocucionário. Tais atos estão presentes na fala dos feirantes e clientes
das duas feiras, que são o escopo deste trabalho. A questão performativa
de agradecer será esmiuçada ao fim das análises, pois apresentam uma pe-
culiaridade que se faz presente na maioria dos diálogos.
Na feira 01, conhecemos o senhor Manoel de 69 anos, que trabalha
há dezenove anos naquela mediação, ele vende farinha, cascas para remé-
dio caseiro, acessórios de palha, cipós, vassouras, dentre outros produtos.
Seu Manoel é natural de Fortaleza – CE e chegou em Parintins na década
de 90, onde firmou residência. Desde então, trabalha no mesmo local da
feira há 19 anos. No decorrer da conversa, os clientes se aproximam para
comprar algo ou perguntar, como exposto na cena a seguir:

CENA 1

- Cadê o café?
- “mar” lá na frente.
- “Intão” vá “descurpaaando”.

Ao perguntar “cadê o café”, o cliente está exercendo a força ilocutó-


ria, sendo que a pergunta trata da própria locução, ou seja, a enunciação.
A resposta do vendedor, por sua vez, a presenta performatividade, visto
que se trata de uma informação; “mar” na frente, está informando que
a barraca que vende café é mais à frente. Por fim, a resposta do cliente é

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 139


um pedido de desculpas (por acreditar ser um incômodo seu questiona-
mento sobre o café). O “descurpaaando” apresenta certa sonoridade que
beira o humor, o pedido de desculpas insere-se em uma classe de força
ilocucionária que Austin denominou “comportamental” por tratar-se da
heterogeneidade que perpassa o ser humano em seu convívio social.

CENA 2

Outro cliente se aproxima e lá vamos nós para a terceira cena.


- Oi, Mano.
- Opa!
- Quanto é o cipó?
- R$4,00
- Mas são muito pequenos.
- São pequenos, mas são novinhos. Não tá escolhido.
- Vê a corda. (Os dois se puseram a amarrar os cipós escolhidos pelo
cliente)
- Brigado.

O cliente se aproxima e cumprimenta o vendedor com uma certa


intimidade, seu Manoel tem sua loja há muito tempo e por esse motivo
acabou estabelecendo uma relação de amizade com seus clientes, enfa-
tizando que as feiras livres se tornam lugares de interações sociais, cul-
turais e sentimentais, (SERVILHA e DOULA, 2009). O cumprimento
“oi, Mano” que designa o diminutivo do nome de seu Manoel, denota
o ato ilocutório com a finalidade de chamar a atenção (perlocução). O

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 140


vendedor, por sua vez, exclama: “Opa!” Ao responder, seu Manoel passa
de receptor para interlocutor, e isso permeia os diálogos até que chegue
ao fim, como afirma a teoria de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem.

Há uma multiplicidade de jogos de linguagem, como prometer, ordenar,


descrever, contar histórias, sugerir, ironizar etc. Essa multiplicidade
corresponde a ‘formas de vida’. Não há um núcleo comum, um fio único
a amarrar os jogos ou os usos linguísticos todos. Tal como numa corda, a
trama é tecida com vários fios que garantem sua resistência (ARAÚJO,
2004, p. 106).

Utilizamos o termo “jogo” abordado por Wittgenstein para realizar


uma metáfora com os atos de fala e um jogo de frescobol. Na partida
de frescobol, os jogadores formam uma equipe e precisam ter um bom
desempenho, utilizam raquetes e não podem deixar a bolinha cair, dife-
rentemente de um jogo de tênis, no qual os jogadores são adversários, no
frescobol os jogadores tentam sempre facilitar as coisas para que todos
tenham um bom desempenho. Nos diálogos que são compostos por atos
de fala, os interlocutores utilizam os três efeitos propostos por Austin,
locução, ilocução e perlocução para que se compreendam no decorrer dos
diálogos, deste modo, aquele que inicia o diálogo (interlocutor I) profe-
re uma determinada locução, exercendo uma força ilocutória para gerar
uma perlocução no ouvinte (interlocutor II). A partir desse momento,
o interlocutor II apropria-se de uma locução, proferida por uma força
ilocutória para causar uma perlocução no interlocutor I, e assim sucessi-
vamente até que o diálogo chegue ao fim.
Ao perguntar Quanto é o cipó, o cliente exerce uma ação performati-
va, pois no momento do proferimento, estava também realizando a ação
de tocar e analisar os cipós, “performativo é o ato produzido que realiza

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 141


o que está sendo enunciado” (CASTIM, 2017, p. 87). Seu Manoel res-
ponde o valor dos cipós, R$4,00, o cliente retruca que os cipós são muito
pequenos. Essa afirmação do cliente gera em seu Manoel uma resposta
automática e persuasiva, caracterizada fortemente pela força ilocutória:
são pequenos, mas são novinhos. Não tá escolhido. Ao utilizar a conjunção
“mas”, seu Manoel se sobressai à afirmação de que os cipós são pequenos,
e diz que não estão escolhidos, ou seja, que o cliente será o primeiro a levá-
-los. Toda essa questão ilocutória de persuadir e informar é recebida pelo
cliente de maneira positiva, tanto que sua posição é pedir uma corda para
amarrá-los: vê a corda. O cliente decide levar o produto e ao pronunciar
está utilizando uma ação ilocutória e performática, pois profere o verbo
“ver” no tom imperativo.

Sobre o ato performativo de agradecer

Uma curiosidade acerca dos agradecimentos encontrada no decor-


rer da coleta de dados, é o fato de se poder agradecer de diversas maneiras,
e não apenas com “obrigada” ou “agradeço”; há outras expressões e até
gestos que podem ser descritos, como um dar de ombros, assentir com
a cabeça ou piscar. As expressões mais utilizadas na finalização das con-
versações deste trabalho foram: brigado, valeu e obrigada; sendo que al-
gumas interações não houveram agradecimentos ou simplesmente nada
foi esboçado. Araújo (2014) analisa os estudos de Wittgenstein sobre os
jogos de linguagem e aponta que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 142


O uso depende de uma série de fatores, tais como meio, necessidades, dese-
jos, emoções, capacidades sensoriais, que sugerirão quais conceitos são mais
adequados. O que uma pessoa expressa não depende só do que ela diz, mas
das circunstâncias que mostram qual jogo de linguagem está sendo jogado,
(ARAÚJO, 2014, p. 111).

A curiosidade dessa afirmativa se dá em torno dos diferentes tipos


de relações e necessidades, os vendedores não ficaram constrangidos
por não receberem uma declaração oral de agradecimento, em alguns
casos a interação se deu de maneira tão gentil que nem precisava de um
agradecimento formal. São essas interações diárias que Austin aprecia em
seu trabalho, são as diversas formas de linguagem e proferimentos que
colocam a linguagem em uso.
O ato de agradecer apresenta uma característica peculiar, sendo
classificado por Austin como uma ilocução comportamental, visto que
essa classe indica verbos que “incluem a idéia de reação diante da conduta
e da sorte dos demais, e de atitudes e expressões de atitudes diante da
conduta passada ou iminente ao próximo” (AUSTIN, 1990, p. 129).

Conclusão

Esta pesquisa teve o intuito de abordar as relações que permeiam a


língua(gem) em sua forma concreta, estudando as interações enunciativas,
sociais, culturais e econômicas por meio da Teoria dos Atos de Fala de J. L.
Austin (1990). Tomamos como aporte os estudos recentes de Kanavillil
Rajagopalan (2010), por desenvolver um estudo apurado e fiel da teoria
de Austin, se tornando o verdadeiro continuador de seu trabalho. Desse
modo, nos valemos dessa perspectiva fiel aos estudos austinianos, para

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 143


abrir mão das contribuições de Searle, ao nos apropriarmos somente
da dicotomia constativos/performativos e enfatizar os três efeitos que
compõem um ato de fala segundo Austin: locução, ilocução e perlocução.
Esses três efeitos foram essenciais para realizar a análise dos dados
coletados no decorrer da pesquisa, entender os atos de fala como
performances e aplicá-las nos diálogos foi uma constatação do dizer é
fazer de Austin. Ao proferir um enunciado estamos, de fato, realizando
uma ação, que no caso de uma promessa pode não ser verdadeira e
nem falsa, apenas uma ação que se desenvolve à medida em que se fala.
Esses conceitos estruturais da realização da fala em sua forma concreta
são específicos e marcam um advento na linguagem, uma vez que, já
tínhamos os estudos da Semântica e da Sintaxe, mas a Pragmática vem
revolucionar o entendimento que se tem da língua. Segundo Rajagopalan
(2003) a linguística, enquanto área de estudo, sempre foi e sempre vai ser
uma atividade humana, na qual participam indivíduos dotados de laços
sociais, seus direitos, deveres, anseios e interesses que se modificam de
acordo com as fases da vida que se encontram.
Austin enxergava a linguagem cotidiana como algo puramente
rico, diversificado e repleto de significado, não obstante de outra teoria
enraizada por Bakhtin sobre a comunicação ideológica, de que essa
linguagem do dia a dia é extraordinariamente rica e importante. Austin
acreditava que a linguagem simples poderia explicar fundamentos
filosóficos complexos, ainda que para isso, tivesse que aplicar a visão
performática de linguagem como ação.
A teoria de Austin não se dá apenas em torno da filosofia e como
a linguagem cotidiana poderia explicá-la, mas aborda a singularidade
cotidiana presente na vida de cada falante de uma determinada língua. É a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 144


dona Maria que sabe ensinar como fazer remédios caseiros para todo tipo
de males, é o seu Manoel que tem uma gama de narrativas interessantes
sobre a economia e suas andanças no Brasil, é o seu Carlos que possui
um conhecimento expressivo sobre a economia mundial, é a dona Ana
que faz tapioquinha, seu Antônio que é pescador, seu José que “conserta
desmentidura”, enfim, são os atores da vida real que tem um vasto
conhecimento sobre os saberes populares e que utilizam a linguagem,
não apenas para a comunicação, mas para nos ensinar algo.
A experiência como pesquisadora no mercado municipal foi
intrigante, ainda que eu seja assídua frequentadora do mercado Municipal
de Parintins como cliente, adentrar naquele universo para observar e fazer
anotações, conversar com os feirantes e alguns clientes, conhecer histórias
e compartilhar saberes, sentir na pele a rotina que se segue todos os dias é
realmente uma experiência singular, a qual foi de grande valia para meu
currículo acadêmico, mas também para meu desenvolvimento pessoal.
Os ribeirinhos que trazem suas mercadorias das comunidades, precisam
atravessar o rio entre quatro e cinco da manhã para não pegarem o
“banzeiro13” das seis horas, são extremamente cativantes e adoram ter
suas histórias ouvidas, algumas felizes e outras nem tanto. A perspectiva e
as diversas formas de enxergar a vida e suas fases diferem, parecem resolver
tudo de uma forma simples e descomplicada, pois como falou uma das
feirantes, quando questionada sobre a difícil tarefa de atravessar o rio
com a canoa repleta de produtos: de difícil e complicado, já basta a vida.

13 Os ribeirinhos denominam “banzeiro” as ondas maiores do rio porque costumam balançar as


embarcações.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 145


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 146


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2004.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 147


Pragmática e Teatro: um diálogo possível

Kamunjin Tanguele

Introdução

Esta reflexão ambienta-se numa intersecção entre Pragmática


e Teatro e ensejamos demonstrar de que maneira ela se dá e como
convergem para um mesmo espaço comum: as estruturas conversacionais
que estão presentes nas interações (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Desejamos, também, verificar de que modo este entrecruzar pode ser
importante na composição dos sentidos do texto, bem como podem
sê-lo, da mesma maneira, para aqueles que se valerão deles para suas
interpretações/representações cênicas.
Tanto nas relações do dia a dia quanto naquelas propostas pelos
autores teatrais, as interações se estabelecem por meio dos diálogos,
porém, para fins de analisarmos as da segunda ocorrência, se faz
necessário, antes de tudo, buscar elementos que nos possibilitem verificar
a verossimilhança entre a peça que comporá nosso corpus, Anti Nelson-
Rodrigues (1993 [1973]) e as interações reais, o que nos conduziu a
trazer as propostas de Catherine Kerbrat-Orecchioni, concernente aos
elementos analisáveis na conversação.
A autora afirma, em seu livro A Análise da Conversação – princípios
e métodos (2006), que o exercício da fala implica, geral e normalmente,
três situações: uma alocução, que requer que falante e ouvinte sejam

DOI: 10.52788/9786589932536-7 SUMÁRIO / 148


fisicamente distintos um do outro; uma interlocução, ou seja, a troca
efetiva de palavras entre os interlocutores; e uma interação, em que os
participantes exercerão uma série de influências mútuas.
Além desses elementos, outras tipologias são propostas pela autora
para analisar processos dialógicos, como os descritos a seguir.

Sobre tipologias, relacionemas e taxemas

Nas estruturas conversacionais, são igualmente relevantes o


contexto, o material, o sistema dos turnos de fala, a organização
estrutural das conversações e a relação interpessoal, mas, neste
estudo, olharemos mais atentamente para a organização estrutural das
conversações e a relação interpessoal.
Para Kerbrat-Orecchioni, a conversação é “uma organização que
obedece a regras de encadeamento sintático, semântico e pragmático, e
é essa gramática das conversações que, num segundo nível, é preciso
estabelecer” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 52, negritos da
autora). Pois bem, se a conversação possui uma organização, quais seriam
as regras presentes neste espaço linguístico?
Todas as interações cumprem uma lógica comunicacional, tais como
os exemplos a seguir:
- se F1 cumprimenta F2, geralmente se espera que F2 lhe “retri-
bua o cumprimento;
- se F1 faz uma pergunta a F2, geralmente se espera que F2 lhe
responda etc (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 52).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 149


Qualquer rompimento dessas regras poderá gerar um efeito, no
mínimo, surpreendente, por exemplo, se F1 diz “bom dia” e F2 responde
“obrigado”, a resposta poderá causar algum tipo de confusão em quem
desejou que o dia fosse bom, pois, espera-se que a resposta seja algo do
tipo “tenha um bom dia você também”. Entretanto, também é possível
inferir que F2 não desejou estender a conversa, ou apenas quis agradecer
ao desejo de F1 e nada além disso.
Outro exemplo de ruídos conversacionais está relacionado a
possíveis erros quanto aos papéis interlocutórios1, como visto no
diálogo a seguir:

F1 – Olha só?! Oi! Tudo bem?


F2 - Tudo bem, vou indo...
F1 – E você? (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 53).

Na interação acima, há um equívoco de F1 em relação aos papéis, já


que seria F2 quem deveria formular a pergunta “e você?”. Neste caso, ou
temos uma tentativa de brincadeira de F1 ou ele poderá estar com algum
tipo de afasia já mais adiantada (como Alzheimer, por exemplo), e ele
cometeu um equívoco pragmático.
Outros fatores importantes na organização estrutural das
conversações dizem respeito às cinco unidades que a descreve: as
unidades dialogais (Interação → “encontro”, “eventos de comunicação”,
conversação // Sequência (ou episódio) // Troca); e as unidades

1 Segundo Kerbrat-Orecchioni, toda troca comunicativa implica a existência de um emissor


(ou falante) e de um ou vários receptores (ou ouvintes), que são chamados a ocupar, cada um a
seu turno, a posição emissora, ficando, seu interlocutor, relegado à posição receptora. A isto, ela
chama de papéis interlocutivos (2006, p. 27).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 150


monologais (Intervenção // Ato de fala). Buscando melhor compreender
esta estrutura, Kerbrat-Orecchioni explica:

(...) os atos de fala combinam-se para constituir intervenções, sendo que os


atos e as intervenção são produzidos por um único e mesmo falante; desde
que dois falantes, pelo menos, intervenham, trata-se de uma troca; as trocas
combinam-se para constituir as sequências, que, por sua vez, se combinam
para constituir as interações, unidades máximas de análise (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2006: 55)

O nível da interação será aquele que possibilitará verificar a qual tipo


ela pertence – conversação, entrevista, consulta médica etc – uma vez que
ela é a unidade comunicativa que apresenta uma evidente continuidade
interna do(s) tema(s) que está(ão) sendo desenvolvido(s) num determina-
do instante de uma ação qualquer. Por isso, Kerbrat-Orecchioni (2006)
considera este como sendo o nível superior, o 1º.
O 2º nível será a sequência, que “pode ser definida como um bloco
de trocas ligadas por um forte grau de coerência semântica ou pragmáti-
ca, ou seja, trata-se de um mesmo tema ou centra-se sobre uma mesma
tarefa.” (Kerbrat-Orecchioni, 2006: 56). A maioria das interações possui
a sequência de abertura, o corpo da interação e a sequência de conclusão.
Já no 3º nível, e encerrando as unidades dialógicas, temos a troca,
que é a menor dessas unidades e deve ser construída por, ao menos, dois
participantes.
Na base estariam os níveis 4 e 5, respectivamente, as intervenções e os
atos de fala, que são parte das unidades monológicas, e que é o lugar em
que encontramos a contribuição individual de um falante a uma troca
particular (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). Por exemplo:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 151


1 – Oi!
2 – Oi!
3 – Tudo bem?
4 – Tudo bem. / E você?
5 – Tô indo... / Pra onde você tá indo com tanta pressa?
6 – Pro cinema (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 57).

Nesta interação, temos uma conversação cujo tema é F1 saber onde


F2 está indo, com duas sequências (cumprimentar e perguntar), dividida
em 6 turnos que se decompõem em 4 trocas: 1 e 2 são trocas de saudações
simétricas, com 2 intervenções e o ato de fala de cumprimentar (Searle,
2002); 3 e começo de 4, uma troca complementar de pergunta-resposta;
fim de 4 e início de 5, temos pergunta e resposta; bem como no fim de 5 e
6. Em 3, 4, 5 e 6 e temos atos de perguntar e responder (SEARLE, 2002).
Começamos aqui, a apresentar como é possível a existência de
casamento entre os estudos pragmáticos e as artes cênicas. Vejamos o
texto abaixo:

OLEGÁRIO: É sim, é! Explique, ao menos, uma coisa. Por


que você não me beija como antigamente?
LÍDIA: (nervosa) Mas como? “Antigamente” como?
OLEGÁRIO: Não se faça de inocente!
LÍDIA: (contendo-se) Você não me pediu um beijo? E eu não
dei? (RODRIGUES, 1993 [1941], p. 337).

O diálogo acima está na peça A Mulher sem Pecado, de Nelson


Rodrigues, e ocorre entre Olegário (marido) e Lídia (esposa). Na

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 152


cena, é possível verificar a presença de todos os níveis propostos por
Kerbrat-Orecchioni (2006): a interação – conseguir saber o porquê o
relacionamento está diferente, porque não é como antes; a sequência – é
um bloco de trocas ligadas pelo ato diretivo de criticar (Olegário deseja
saber porquê Lídia não o beija mais, mas pela crítica); a troca – há dois
participantes da interação; as intervenções – ora Olegário faz intervenções,
ora é Lídia quem as faz; e os atos de fala: perguntar, criticar, responder.
Visto estes quesitos relacionados à organização estrutural
das conversações, abordaremos agora outra questão relevante a ser
considerada, a relação interpessoal e seus relacionemas e taxemas
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Neste item, iremos considerar, para nossa análise, o tipo de relação
que ocorre nas interações, se horizontal ou vertical, pois a depender
de qual tipo seja, espera-se a ocorrência de determinados atos de fala
em umas, mas não em outras. Ainda a partir destas relações, Kerbrat-
Orecchioni estabelece a presença do que ela chamará de relacionemas,
categorias que possibilitam analisar fenômenos ocorrentes nas relações
horizontais; e de taxemas, que são aquelas que nos permitem verificar os
fenômenos que estão presentes nas relações verticais. Mas o que seriam
estes relacionemas e taxemas, afinal?
As categorias do primeiro tipo – relacionemas – ocorrem nas relações
horizontais, que são aquelas cujos interactantes ocupam a mesma posição
na interação, ou seja, não há hierarquia relacional, como é possível
verificarmos nas que acontecem entre irmãos, amigos, colegas de trabalho
que ocupam o mesmo cargo etc. Estes marcadores podem ser verbais (as
formas de tratamento: “você”, “Zé”, “Ciçinha”, “amigão” etc.; e - o nível
da linguagem: quanto mais coloquial, mais “à vontade” um interactante

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 153


está com o outro, mais informal a relação tende a ser), ou não-verbais (a
distância: quanto mais íntimos forem os participantes da interlocução,
mas horizontal será a relação; os gestos: o toque, principalmente em
espaços públicos, podem denotar a proximidade da relação ou não; a
postura: a orientação do corpo, se os interactantes estão mais ou menos
relaxados e a intensidade dos contatos visuais etc). Para exemplificarmos,
vejamos a interação a seguir:

ALAÍDE: (fremente, para Lúcia) – Venha repetir para


meu marido aquilo que você disse, “aquilo”! No dia do meu
casamento!
LÚCIA: Sei lá de que é que você está falando?
ALAÍDE: Sabe sim. Sabe! Aquela insinuação que você fez...
Que eu podia morrer!
LÚCIA: (virando-lhe as costas) – Você está sonhando, minha
filha. Disse coisa nenhuma! (RODRIGUES, 1993 [1943], p.
388).

O diálogo acima faz parte da peça Vestido de Noiva (1993 [1943]),


de Nelson Rodrigues, e é uma interação que acontece entre irmãs. Nela,
é possível verificar a ocorrência de relacionemas verbais, “você”; e não-ver-
bais - “virando-lhe as costas”, que é uma atitude que provavelmente não
aconteceria se fosse um general falando com um soldado raso, bem como
apenas o general chamaria o soldado de “você”, mas nunca o contrário.
Já os taxemas são as categorias que fazem parte das relações
horizontais, que são aquelas em que há a presença de algum tipo de
“poder”, “hierarquia”, “dominação” ou “relação de lugares” (KERBRAT-
ORECCHIONI, 2006), pois nelas, um dos interactantes ocupa a posição

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 154


alta na relação em detrimento do outro, que ocupa, por sua vez, a posição
baixa (ou, muitas vezes, é colocado nela pelo outro participante da
interação). Esta é uma relação assimétrica (ou dissimétrica) do tipo pais
e filhos, chefes e empregados, professores e alunos, médicos e pacientes,
entre outras relações mais.
No que diz respeito aos marcadores não-verbais, a distância entre os
interactantes tende a ser sempre mais formal, não há proximidade física
(à exceção do caso dos pais e filhos, que embora sejam próximos, mantém
a distância imposta pelo respeito da criação), os gestos são mais contidos,
menos expansivos. Já a postura daquele que ocupa a posição alta da inte-
ração sempre é mais ereta do que quem está ocupando a posição baixa,
que tende a ser uma postura mais subalterna.
No concernente aos marcadores verbais, as formas de tratamento
também demonstram a hierarquia, como é o caso do pronome “senhor”,
“Vossa Excelência”, “Vossa Senhoria”, “dona”, entre outros. E, finalmente,
chegamos ao que nos interessa em particular: os atos de fala, que consti-
tuem “a categoria mais rica e mais complexa no conjunto dos marcadores
verbais da relação de lugares” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 72).
Segundo a autora, quando F1 coloca-se na posição alta em relação
a F2, ele pode realizar um ato que ameace o território ou a face2 de F2 ao
produzir atos ilocucionários como ordenar, proibir, autorizar, aconselhar,
criticar, reprovar, escarnear, insultar, ameaçar etc. Por outro lado, também
F1 poderá ser colocado (ou ele próprio colocar-se) na posição baixa quando
sofre um dos atos apontados acima ou no momento que produz um ato
que ameace sua própria face, como desculpar-se, retratar-se, autocriticar etc.
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). Observemos a interação a seguir.

2 Para maiores detalhes acerca dos estudos sobre a “face”, verificar Gofmann (1967 [1955], 1973),
Brown e Levinson (1987), Bravo (2004), Kerbrat-Orecchioni (2006, 2010, 2013), entre outros.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 155


F1: Você não faz absolutamente nada que preste, hein?
F2: Desculpe, senhor!
F1: Não tolerarei essa sujeira na minha sala.
F2: Eu posso explicar...
F1: Cala a boca, eu não quero ouvir sua explicação! É sempre a
mesma coisa, que saco!!! Não vou mandar você embora, mas se
acontecer de novo, é rua!!!!

No diálogo acima, temos a presença de alguns marcadores que nos


leva a pensar que esta é uma relação vertical, pois um dos pronomes de
tratamento usados é o “senhor” (F2) em oposição ao “você” (F1), há os
atos diretivos presentes nas falas de F1: 1º - crítica; 3º - repreensão; e úl-
timo, uma ordem e uma ameaça, o que demonstra que este interactante
está ocupando a posição alta da relação. Em resposta, F2 produz os atos de
desculpar-se (2º) e explicar-se (ou dar satisfação – 4º), que de acordo com
a autora, diz respeito a quem ocupa a posição baixa da interação. Nesta
interação, a relação é vertical, tal qual proposta por Kerbrat-Orecchioni
(2006).

Anti-Nelson Rodrigues e os atos de fala diretivos

Esta seção está destinada a demonstrar como a Pragmática e o Tea-


tro convergem para um mesmo lugar, e para tanto, apresentaremos como
os atos diretivos podem ser importantes componentes nas tensões psico-
lógicas presentes em uma das interações mais relevantes no texto teatral
Anti-Nelson Rodrigues (1993 [1973]), de Nelson Rodrigues.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 156


Antes de iniciarmos nossa análise, é vital apresentarmos a sinopse
desta peça. Oswaldinho é um rapaz rico e mimado por sua mãe, Tereza,
que não trabalha, não estuda, apenas gasta o dinheiro da família com
bebidas, mulheres, drogas e noitadas. Seu grande amigo da “esbórnia” é
Leleco. Entretanto, há uma diferença que se tornará crucial durante o
andamento do texto: Leleco é pobre, precisa trabalhar para se sustentar.
Este fator acaba levando o rapaz a empregar-se nas empresas do pai de
Oswaldinho, que é de onde ambos se conhecem. O pai do playboy, no
entanto, não gosta de Leleco e nem da amizade dele com seu filho. Aliás,
a relação entre pai e filho é um desastre. Ela só é salva pela intervenção da
mãe, Tereza, que consegue fazer, inclusive, com que o pai coloque o filho
à frente dos negócios, na presidência das indústrias. Isto dá a Oswaldinho
o poder que ele tanto almejava, interferindo, inclusive, na relação dele
com o amigo Leleco. E tudo caminhava bem para o “bon vivant” até
conhecer Joice, que foi recém-contratada para exercer funções simples,
mas que, devido ao interesse sexual dele por ela, ele acaba dando-lhe uma
promoção, transformando-a em sua secretária particular. No entanto,
o “tiro sai pela culatra”, pois, ao invés dele conseguir manter relações
sexuais com ela, é Joice quem o seduz e o faz apaixonar-se perdidamente
por ela, modificando, assim, o status da relação entre ambos. Aliás, este
é a única interação em que Oswaldinho é colocado na posição baixa da
relação, fato não ocorrente em nenhum outro momento da peça.
Para demonstrar como os atos diretivos podem contribuir com a
presença e para a manutenção das tensões psicológicas existentes no texto,
apresentaremos uma das interações que consideramos ser relevante para o
andamento da peça: 1) Oswaldinho x Tereza (filho x mãe). Assumiremos,
neste estudo, que a cena terá um ato orientador que advirá do personagem-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 157


condutor, no caso, o protagonista Oswaldinho, por ser ele o propositor
das ações. Por isso, sempre observaremos como ele estabelece as relações,
qual posição ocupa na interação, e, a partir destas ações, veremos quais
atos são produzidos pelos interactantes da cena escolhida para compor
o corpus deste estudo. Os atos diretivos (SEARLE, 2002) e de maior
ocorrência nas cenas escolhidas foram: ordenar, ameaçar, afrontar,
ofender, implorar e suplicar.

CENA: Oswaldinho x Tereza (mãe e filho): a construção da


afronta (ANTI-NELSON RODRIGUES (1993 [1973], p.
473).
TEREZA: Me dá as jóias, imediatamente.
OSWALDINHO: Até logo, mamãe!
TEREZA: (barrando-lhe a passagem) Ou pensa que vai sair
daqui com as minhas jóias?
OSWALDINHO: Mamãe, quer sair da frente?
TEREZA: Chamo a polícia, a radiopatrulha, seu ladrão.
OSWALDINHO: (lento e maligno) Sou ladrão, e daí?
TEREZA: (soluçando) Cínico, cínico!
OSWALDINHO: (tirando um cigarro) Pois chame a polícia.
Quer chamar? Chama.
TEREZA: (possessa) Eu te meto a mão na cara!
(Oswaldinho acende o isqueiro, mas ao ouvir falar em mão na
cara, fica com o isqueiro aceso e tira o cigarro da boca)
OSWALDINHO: (desfigurado) Não me encoste a mão.
(Oswaldinho oferece o rosto) Agora a senhora vai meter a
mão na minha cara.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 158


TEREZA: Sou sua mãe. (estende para o filho as duas mãos cris-
padas.)
OSWALDINHO: Mas tem medo. (trinca o riso) Minha mãe
tem medo.

Nessa interação, a mãe ocuparia, naturalmente, a posição alta na


relação por ser ela a pessoa que orienta, educa, ensina, portanto, está,
hierarquicamente, acima do filho. No entanto, o que acontece, em
realidade, é uma disputa do filho para assumir este lugar, uma vez que
Oswaldinho afronta sua mãe. Vejamos.
No enunciado “Me dá as jóias, imediatamente”, Tereza dá uma
ordem, cujo propósito ilocucionário3 é a tentativa de fazer Oswaldinho
devolver-lhe as joias, propósito este orientado pelo desejo dela de obter de
volta seus bens que foram roubados por ele. Para que este ato tivesse suas
condições de felicidade preenchidas, seria necessário que Oswaldinho,
no papel de filho, cumprisse a ordem dada por sua mãe. Entretanto, ao
invés disso, ele pouco se importa com a ordem, rompendo-a, e apenas se
despede dela: “Até logo, mamãe!”. Esta ação gera a 1ª tensão entre ambos,
a princípio, apenas por ele não responder à ordem da maneira esperada,
ou seja, não realizando a vontade de sua mãe.
Porém, quando ele tenta sair, ela o impede, e, então, ela o ameaça e o
ofende: “Chamo a polícia, a radiopatrulha, seu ladrão”. O primeiro ato,
a ameaça, se estabelece pelo desejo dela de que Oswaldinho, além de de-

3 Segundo Searle (2002, p. 21), a taxinomia que orienta os atos diretivos é: “Seu propósito
ilocucionário consiste no fato de que são tentativas (em graus variáveis, e por isso são, mais
precisamente, determinações do determinável que inclui tentar) do falante de levar o ouvinte a
fazer algo. (...) A direção de ajuste é mundo-palavra e a condição de sinceridade é a vontade (ou
desejo). O conteúdo proposicional é sempre que o ouvinte O faça alguma ação futura A.” Nos
valeremos desta propositura para nossas análises acerca da produção dos atos diretivos ocorrentes.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 159


volver as joias, não saísse do recinto, e como ele já havia ignorado a ordem,
ela aumenta o grau de sua determinação de que ele fizesse a devolução, e o
ameaça, dizendo que chamará a polícia para prendê-lo. E, além disso, ela
ainda o ofende, ao chamá-lo de “ladrão”. Ele, mais uma vez responde à
ofensa com desdém e sarcasmo, afirmando ser um ladrão mesmo, e, após
ela ofendê-lo novamente (“Cínico, cínico!”), há a realização do primeiro
ato de afrontar vindo de Oswaldinho: “Pois chame a polícia. Quer cha-
mar? Chama.”. A afronta é um ato em que o falante deseja fazer com
que seu ouvinte pare de querer que ele, falante, faça algo. Quando ele fala
para sua mãe chamar a polícia, ele desconstrói a força da ameaça, dando
a entender que ele não só não se sente ameaçado como ainda a incentiva
a cometer tal ato, afrontando-a. Deste modo, fica claro que Oswaldinho
deseja, com isso, rebater ou ridicularizar a ameaça gerada pela sua mãe,
ocasionando, assim, a 2ª tensão psicológica existente na cena. Mais uma
vez, o filho reivindica para si a posição alta ocupada pela mãe ao não pre-
encher as condições de felicidade do ato de ameaçar. A tensão se mantém
pelo restante da interação até que, finalmente, Tereza, irritada com a des-
façatez de Oswaldinho, deixa clara a posição que ela ocupa na relação ao
dizer “Sou sua mãe.” E, então, neste momento, Oswaldinho, novamente,
rompe com a hierarquia da interação por meio da ironia, e a confronta,
rindo da fragilidade emocional de sua mãe. Deste modo, estabelece-se a
3ª tensão psicológica entre mãe e filho, ficando claro que a disputa pela
posição alta se estabelece a partir das produções dos atos diretivos presen-
tes na interação.
Como é possível verificar pela análise acima, a Pragmática é bastan-
te relevante para identificarmos como os sentidos vão sendo construídos
nos estabelecimentos das interações presentes em textos teatrais.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 160


Considerações finais

Esta reflexão teve como proposta apontar as possíveis intersecções


ocorrentes entre a Pragmática e o Teatro, verificar de que maneira os atos
diretivos poderiam contribuir para a presença das tensões psicológicas
existentes no texto teatral Anti-Nelson Rodrigues (1993 [1973]). Deste
modo, buscamos apontar que elementos linguísticos presentes em
situações dialógicas reais, como os relacionemas e os taxemas, e que
também podem estar presentes em diálogos teatrais, e o quanto eles são
relevantes para a composição do sentido das cenas a serem encenadas nos
espetáculos.
Para tanto, analisamos uma cena cuja interação se dá entre a mãe
(Tereza) e o filho (Oswaldinho), relação esta que, segundo as propostas
de Kerbrat-Orecchioni (2006), seria assimétrica, em que a mãe ocuparia a
posição alta e o filho, a posição baixa na relação. Entretanto, o que foi pos-
sível observar é que o filho reivindicou para si a posição alta na hierarquia,
o que pode ser constatado pelos atos diretivos presentes nos enunciados,
fato este que gerou as tensões psicológicas entre as personagens.
Uma vez visto como estruturas pragmáticas podem ser marcadas pe-
los autores em textos teatrais escritos, a nova pergunta que temos é: como
o falante, no momento que ocupa o papel de atuante cênico, reconhece/
percebe essas marcas pragmáticas, especialmente os atos diretivos presen-
tes nos textos escritos e de que maneira ele os reproduzirá em suas falas
cênicas? Este será o mote para novos estudos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 161


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 162


A Leitura Inferencial da Ironia no
Discurso Jornalístico em Perspectiva
Pragmático-Discursiva
Claudia Maria Chiarion

Introdução

Este artigo tem por objetivo abordar a leitura da ironia, compreen-


dida como um fenômeno universal e singular que integra o vasto campo
das atividades discursivas caracterizadas pela ambiguidade com o objeti-
vo de avaliar e criticar normalmente em tom burlesco.
Este estudo buscou identificar os traços característicos da ironia, de
modo a explicar, em termos cognitivamente realistas a que essas expec-
tativas equivalem e como elas podem contribuir para uma abordagem
empiricamente plausível de compreensão da ironia presente nos gêneros
discursivos em uma perspectiva pragmático-discursiva, com ênfase na Te-
oria de Relevância e nos conceitos bakhtinianos relativos aos elementos
constitutivos do discurso.
Partindo do pressupondo de que os princípios que regem a comuni-
cação são comuns a todos os discursos, considerou que, se por um lado a
ironia constitui um fenômeno único na sua natureza e função, por outro,
seu uso pode variar na dependência dos gêneros em que é usada. Como
perspectiva teórica, optamos, nesta pesquisa pela vertente pragmática
que, associada à dimensão discursiva do uso da linguagem, fornece as ba-

DOI: 10.52788/9786589932536-8 SUMÁRIO / 163


ses para a compreensão da ironia, afinal algumas perspectivas possuem
interstícios que permitem o diálogo com outras. É o caso da perspectiva
pragmática e discursiva.
A Pragmática, voltada para o uso da linguagem, permite ver na iro-
nia um fenômeno contextualizado, ultrapassando uma visão puramente
linguística e procura entender como se dá a comunicação e quais são os
princípios que regem e permitem que locutor e ouvinte interajam, o que
envolve naturalmente uma dimensão cognitiva.
Assim, dentro de uma perspectiva pragmática, e, sabendo que a iro-
nia deve ser inferida, a Teoria da Relevância mostra como opera o proces-
samento cognitivo inferencial. Desse modo, o conhecimento do gênero
discursivo, que integra o contexto cognitivo também desempenha papel
fundamental na compreensão da ironia fazendo com que essa dupla con-
cepção: pragmático-discursiva forneça o aporte para o entendimento do
papel dos gêneros discursivos na compreensão da ironia.
Este artigo, organizado por intermédio de leituras bibliográficas, é
um recorte do trabalho de pesquisa de mestrado1, fundamentado em
uma perspectiva pragmático-discursiva que objetivou refletir o papel
dos gêneros discursivos e o processo de enunciação, bem como, explicar
como acontece o processamento cognitivo inferencial na compreensão
da ironia.

1 Dissertação apresentada em 2010 na Universidade de Taubaté – UNITAU.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 164


Teoria da Relevância, Teoria Discursiva e Ironia

A Pragmática constitui uma disciplina heterogênea que se dedica


ao estudo sistemático do significado em virtude de ou na dependência
do uso da linguagem. Os principais tópicos de investigação incluem
as “implicaturas Greiceanas”, atos de fala, pressuposição e dêixis, que
implicam processos inferenciais complexos.
Há, no entanto, uma real dificuldade em definir o escopo de sua
abordagem, pois explica o uso da linguagem em determinados contextos
e os aspectos do significado que não podem ser encontrados no sentido
básico das palavras e estruturas2, inseridos no âmbito da Semântica.
Assim, costuma ser definida como uma abordagem que incluem falantes
e ouvintes quanto a seus conhecimentos e atitudes e como a linguagem é
usada para persuadir e informar. Mas, como essa discussão não é central
neste trabalho restringiu-se a uma breve apresentação.
A Teoria da Relavância (doravante TR), de base cognitivo-inferencial,
sustentáculo desse trabalho, proposta por Sperber e Wilson em sua
obra inaugural Relevance: communication and cognition, publicada em
1986, tem por “objetivo explicar em termos cognitivamente realísticos
a que essas expectativas equivalem e como elas podem contribuir para
uma abordagem empiricamente plausível de compreensão” (WILSON;
SPERBER, 2005, p. 222), pois é inerente à cognição humana prestar
“atenção a estímulos que, em alguma medida, vêm ao encontro de nossos
interesses ou que se ajustam às circunstâncias do momento” (SILVEIRA
e FELTES, 2002, p. 37).

2 Essa concepção motivou o lógico israelense Bar-Hillel a rotular a Pragmática como o “cesto de
lixo da Linguística”, para dizer que os fenômenos que não pudessem ser tratados no âmbito da
Semântica, seriam relegados aos estudos pragmáticos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 165


A TR postula que a cognição humana é orientada pela relevância,
ou seja, nossa compreensão direciona as informações que nos parecem
relevantes. Mas, o que pode ser relevante? Segundo Sperber e Wilson,
(2005), relevância é uma propriedade potencial não somente de enun-
ciados e outros fenômenos observáveis, mas também de pensamentos,
memórias e conclusões de inferências. Nos termos da TR, qualquer estí-
mulo externo ou representação interna que fornece um input para pro-
cessos cognitivos pode ser relevante para um indivíduo em determinado
momento.
É uma operação primitiva presente na produção do enunciado, na
construção de contextos cognitivos e, consequentemente, na compreen-
são: a busca da relevância ótima. Assim, a TR direciona uma alternativa
para as teorias exclusivas de decodificação e de inferência como explana-
ção dos mecanismos de processamento e de interpretação. Desse modo,
enunciados geram expectativas de relevância não porque falantes obede-
çam a um princípio de cooperação ou a alguma outra convenção comu-
nicativa, mas porque a busca pela relevância é uma característica básica
da cognição humana que comunicadores podem explorar (SPERBER e
WILSON, 2005, p. 223).
Segundo Silveira e Feltes (2002), Sperber e Wilson utilizam o
termo relevância como “um conceito teórico útil, centrado na relação
de equilíbrio entre efeitos cognitivos e esforço de processamento, para
explicar como indivíduos interpretam informações nos contextos
comunicativos” (SILVEIRA E FELTES, 2002, p. 38). Assim, nessa ótica,
a relevância é uma função obtida pela combinação entre efeitos cognitivos
e esforços de processamento.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 166


Segundo Sperber e Wilson (2005), a afirmação central da TR é a de
que expectativas de relevância geradas por um enunciado são precisas e
previsíveis o suficiente para guiar o ouvinte na direção do significado do
falante.
Paralelamente, a esse princípio da relevância, centrado principal-
mente no ouvinte3, deve-se considerar que o falante fornece as evidências
do que seria relevante ao ouvinte. Trata-se de uma ação ostensiva, uma
atitude que parte do comportamento do locutor quando deixa explícita
sua intenção de manifestar algo, ou seja, é a atitude de fazer com que o
interlocutor perceba sua intenção e chegue a uma interpretação relevante
dela.
Essa interpretação se dá por meio da inferência, um processo
de raciocínio dedutivo, do qual o interlocutor se apropria para gerar
suposições e hipóteses que estejam coerentes com a situação comunicativa.
Esse processo interpretativo é direcionado pela busca da relevância.
Entretanto, essas premissas e conclusões não são verdades absolutas; ao
contrário, são possibilidades para uma interpretação plausível, tendo
como base, um modelo dedutivo de inferências que seguem um cálculo
não usual.
Isso significa em outras palavras que, “a verdade das premissas
torna a verdade das conclusões apenas provável, através de um processo
de formação de hipóteses – que supõe raciocínio criativo, analógico e
associativo – e de confirmação de hipóteses” (SILVEIRA e FELTES,

3 Conservando a terminologia usada por Sperber e Wilson, adotaram-


se os termos “falante” e “ouvinte” sem restringi-los aos participantes
envolvidos no uso língua na sua modalidade oral. Eles são usados
também para referir os parceiros da comunicação escrita. Aqui, os termos
equivalem a “locutor” e “interlocutor”, respectivamente.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 167


2002, p. 34). Todavia não bastam apenas os efeitos contextuais, segundo
a TR, há que se considerar o esforço do processamento, um fator que
envolve o gasto de energia mental, envolvida na atenção, ativação da
memória e no raciocínio.
A relação entre efeitos contextuais e esforço de processamento é
inerente à mente humana, que opera de modo produtivo ou econômico,
no sentido de alcançar o máximo de efeitos com um mínimo de esforço.
Do ponto de vista da relevância, uma suposição é relevante no contexto
na medida em que o esforço para processá-la é mínimo.
Outro enfoque de importância é a ideia de ostensão. Para provocar
o efeito pretendido “a comunicação ostensiva requer uma participação
ativa tanto do comunicador quanto do receptor, pois este deve apresentar
o comportamento cognitivo apropriado, prestando atenção ao estímulo”
(SILVEIRA e FELTES, 2002, p. 51).
Processar esses inputs é simples, ou seja, uma questão de fazer o uso
mais eficiente dos recursos de processamento disponíveis. A TR postula
que os seres humanos têm uma tendência involuntária para maximizar
a relevância, não porque seja uma questão de escolha, mas porque isso é
uma decorrência do desenvolvimento dos sistemas cognitivos humanos,
de tal forma que esses mecanismos tendem automaticamente a escolher
estímulos relevantes e os mecanismos inferenciais tendem a processá-los
em um modo mais produtivo (SPERBER e WILSON, 2005, p. 227). As-
sim, na comunicação intencional, o falante produz um estímulo ostensi-
vo que fornece evidência pretendendo que o ouvinte infira a produção.
Embora simplificada, essa explanação permite pontuar pressupostos
e princípios teóricos fundamentais, especialmente, no que tange à leitura
da ironia sob a perspectiva da TR. Não há dúvida de que a ironia é um

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 168


fenômeno linguístico marcado pela noção de parceria. A mutualidade na
construção do contexto cognitivo invocada para o jogo irônico é condi-
ção sine qua non para a compreensão da ironia. Se falante e ouvinte fa-
lharem nesse “jogo de mão dupla”, o fenômeno simplesmente inexiste.
Não se pensa em “ironia que não foi percebida”, também não há dúvida
de que a ironia é alcançada por processos inferenciais e envolvem conhe-
cimentos prévios.
Assim, de maneira geral, pode-se afirmar que a ironia exige um pro-
cesso inferencial, bem como, constitui um estímulo ostensivo que deve
merecer a atenção do leitor e, quando processado, deve exigir um mínimo
de esforço de processamento para o máximo de efeitos cognitivos. Por
isso, a compreensão desse fenômeno linguístico envolve um conjunto de
suposições contextuais.
Não se trata de uma garantia irrestrita, mas apenas uma aposta
conduzida em ambientes sócio-cognitivos determinados. Quanto a esse
aspecto, as nossas comunicações se dão por meio de gêneros discursivos
– no sentido bakhtiniano –, então se pode aventar que o conhecimento
desses gêneros é fundamental para a interpretação dos estímulos verbais e
não verbais (nos termos da TR), sendo, efetivamente um dos elementos
centrais a partir dos quais se elaboram as premissas que fazem parte do
processamento inferencial de interpretação da ironia.
Essa questão direciona para o segundo pressuposto. Reconhecer
que o contexto cognitivo é construído na interação, e o fato de a interação
se dar normalmente em contextos determinados, há que se considerar a
existência de um contexto dado a priori (o que não impede de que ele seja
reconstruído ou substituído). Assim, o contexto cognitivo é parcialmen-
te construído, interagindo, inclusive, com um contexto já pressuposto.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 169


Esse questionamento interessa, sobretudo, quando se analisam gêneros
do discurso jornalístico, como, por exemplo, a charge, a notícia ou mes-
mo um tweet4.
Assim, pode-se considerar que o conhecimento dos gêneros discur-
sivos compõe esse contexto cognitivo em que a ironia é percebida e inter-
pretada, e, sob esse prisma, a relevância alcançada se dá a partir dessa har-
monia entre efeitos cognitivos e esforços de processamento, o que impõe,
inclusive, adotar deste estudo uma perspectiva discursiva, considerando
que a ironia mobiliza diferentes vozes sendo constitutivamente interdis-
cursiva e intertextual.
Descrever a “perspectiva discursiva” é correr o risco de englobar, sob
uma mesma definição, inúmeras vertentes teóricas que tomam o discurso
como seu objeto de estudo, “ela resulta, ao mesmo tempo, da convergên-
cia de correntes recentes e da renovação da prática de estudos muito an-
tigos de textos”. (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 43).
Segundo os autores, na década de 60, correntes teóricas modularam o
atual campo da análise do discurso: a etnografia da comunicação, a análi-
se da conversação de inspiração etnometodológica, a análise do discurso
de linha francesa, as correntes pragmáticas, as teorias da enunciação e a
linguística textual. Somam-se a essas correntes novas reflexões advindas
de outros domínios, como, por exemplo, Bakhtin5 e seu Círculo.

4 Tweet é o nome utilizado para designar as publicações feitas na rede social do Twitter.
5 Bakhtin iniciou suas pesquisas com aproximadamente 25 anos de idade, viveu na Rússia
em 1917, num período de revolução e grandes transformações e foi à primeira nação a adotar
o socialismo como modelo de governo. Foi nesse cenário de grandes modificações que Bakhtin
produziu o que seria seu primeiro ensaio sobre a filosofia do ato responsável. Seus manuscritos
ficaram armazenados por décadas, período em que o autor esteve exilado no Cazaquistão.
Esses documentos foram divulgados por volta dos anos 70, em péssimo estado de conservação.
Finalmente, após pesquisas do Círculo, a língua passou a ser concebida como instância de interação
entre sujeito sócio historicamente situado.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 170


A perspectiva discursiva que alicerça o presente estudo, não consti-
tui propriamente um modelo teórico-metodológico, mas uma teoria de
base sociológica, que se opõe à proposta estrutural de Saussure (2012)
quanto a considerar relação entre língua e uso da língua. Enquanto as ver-
tentes de inspiração saussuriana separam a língua do homem e da socie-
dade e, portanto, do seu conteúdo ideológico, postulando que as únicas
relações dos signos eram entre eles mesmos no interior de um sistema fe-
chado, enquanto vertente de insouração Bakhtin e o Círculo presumem
que “a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas” (BAKHTIN, 2004, p. 123), mas um fe-
nômeno de interação verbal que se realiza pela enunciação.
O produto dessa interação entre “dois indivíduos socialmente orga-
nizados” é a enunciação. Essa concepção de linguagem bakhtiniana, por-
tanto, defende que a origem da linguagem está intrinsicamente relaciona-
da com o social e o ideológico: e só pode ser refletida na sua complexidade
quando considerada como fenômeno sócioideológico e não um sistema
fechado e estável. Além dessa concepção de linguagem e, justamente por
causa dela, o enfoque discursivo engloba conceitos basilares para a com-
preensão da ironia.
Segundo a concepção discursiva bakhtiniana, a língua é sempre o
produto da interação entre dois indivíduos e todo discurso humano é
uma rede complexa de interrelações dialógicas com outros enunciados,
ou seja, é composta por três elementos: o falante, o interlocutor e a rela-
ção estabelecida entre eles. No entanto, Bakhtin e o Círculo (2003) re-
conhecem ainda a existência de outro participante no diálogo, um super-
destinatário, cuja responsividade não é presumida pelo locutor, pois ele
pode se situar em um momento histórico diferente daquele do locutor,
ou seja, é o “outro” no diálogo.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 171


Essa visão contrasta a noção de diálogo como um monólogo no qual
os enunciados são proferidos por uma única pessoa que reconhece a si
mesmo e ao seu objeto, não considerando a palavra do outro; enquanto
que o diálogo leva em consideração a palavra do (s) interlocutor (es) e
as condições concretas de interação: “nesse sentido podemos interpretar
o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza
interdiscursiva da linguagem” (BRAIT, 2005, p. 94-95).
As relações dialógicas estão no âmago da teoria bakhtiniana: é no
diálogo que surge o discurso que “é orientado ao mesmo tempo para
o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi
solicitado a surgir e que já era esperado. Assim é todo diálogo vivo”.
(BAKHTIN, 1998, p. 89). Sendo assim, o momento da enunciação é
irrepetível: o discurso é proferido uma única vez em uma determinada
situação de interação, apenas citado nunca repetido. O mesmo acontece
com o enunciado6.
Os enunciados são a materialização do discurso e só existem de fato
nas enunciações concretas dos sujeitos do discurso. Em outras palavras,
o enunciado é a unidade real e concreta da comunicação discursiva, que
não se repete (apenas é citada) e que possui o caráter dialógico. Nessa
direção, não existe um enunciado isolado, uma vez que todo enunciado
pressupõe outros enunciados que formam uma cadeia complexa que
estabelecem relações entre si.
Segunda a teoria discursiva, a palavra, vista como produto da
interação entre dois sujeitos, comporta “duas faces”: procede de alguém
e se dirige a alguém - uma busca da reação do outro, ou seja, não existe

6 Os termos enunciação e enunciado, na obra bakhtiniana, nascem do termo russo “viskázivanie”


e significa o ato de enunciar em palavras, assim o tratamento de enunciação equivale ao de
enunciado.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 172


discurso neutro e nem “fala individual”: ela é sempre composta de
discursos já proferidos e dirigida a outrem.
As discussões do Círculo e os pressupostos de Bakhtin cerceiam a re-
lação dialógica e partem da constituição das relações com o outro, “muda
(ou como um ato-resposta baseado em determinada compreensão). O
locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para
dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro”. (BAKHTIN, 2000,
p. 294). Para os filósofos, esse é o eixo das noções de discurso, sujeito e
sentido e todos se dão por meio das relações dialógicas e ideológicas que
as refletem e refratam.
Resumindo, para Bakhtin (2003), cada ato de enunciação é consti-
tuído por distintas “vozes”. Portanto, cada ato de fala traz consigo assimi-
lações destas vozes, ou seja, cada discurso é composto de outros discursos,
e esse processo é denominado polifonia. As vozes “dialogam” dentro do
discurso e esse diálogo polifônico é construído na esfera sócio histórico
cultural. É a partir desse constructo que se dá a formação da consciência
individual do sujeito falante, pois toda enunciação “é de natureza social,
portanto, ideológica”.
Ainda dentro dessa arquitetônica, os enunciados irrompem de
outros enunciados já proferidos, não sendo, portanto, fruto do que
Bakhtin (2003) denomina de “Adão mítico”; que segundo o autor “apenas
o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem,
ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar
por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para
o objeto” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV 1990, p. 88), a personagem
“Adão” seria o primeiro sujeito a proferir o primeiro enunciado –
pertencente a um gênero – que é único, irrepetível, e pronunciado em
condições de interação social específicas.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 173


A alteridade é o princípio sobre o qual se funda a arquitetônica lin-
guística, pois as palavras e os pensamentos ecoam de modos distintos por
meio de várias vozes. O sujeito é constituído por essas vozes e se pronuncia
de modo que essa comunicação se dá por meio dos gêneros discursivos.
Para melhor entendimento do conceito de gêneros, far-se-á necessá-
rio, mesmo que com brevidade, uma incursão histórica até Aristóteles e
Platão. Desde a Grécia antiga, os homens refletiam sobre a literatura nas
formas de gêneros e, na época, os discursos eram agrupados de acordo
com suas características em comum. De início, foram agrupados e dividi-
dos em um tripé bastante sólido: lírico, épico e dramático.
Durante um longo tempo em que a Europa esteve sob o domínio
do Império Romano, as categorias agrupadas por Aristóteles serviram de
base para análise literária e somente meados do século XVIII, no período
do Romantismo, que novos gêneros despontaram, como por exemplo, os
romances e as novelas.
No começo do século XX, o filósofo russo Mikhail Bakhtin e seu
Círculo debruçaram sobre os estudos da linguagem e da literatura, resga-
tando o antigo conceito grego, ampliando-o, dando-lhe novos contornos
e sentidos. Somente por volta de 1995 que o Brasil começou a dar uma
atenção às teorias de gêneros. Isso se deve, ao menos em parte, aos novos
referenciais nacionais de ensino - LDB7, que propõem, como objeto de
ensino, a leitura de gêneros.
“Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso (...) Nós apren-
demos a moldar o nosso discurso em forma de gênero e, quando ouvimos
o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras

7 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) · Plano Nacional de Educação.


http://portal.mec.gov.br

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 174


[...]” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 283). Visto por esse prisma, em toda
situação comunicativa, oral ou escrita, existe um modo de organização
verbal, socialmente constituído, que consagra um repertório de estrutu-
ras enunciativas que orienta o locutor no uso da língua e na compreensão
dos enunciados, e essa profusão de vozes discursivas são materializadas na
forma de gêneros.

(...) se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos se


tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de cons-
truir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discur-
siva seria quase impossível (BAKHTIN, 2003, p. 122).

Sobre isso, pode-se dizer que as diversidades e formas dos gêneros do


discurso são infinitas e ilimitadas, assim como são infindas as formas de
atividade humana, nas quais os gêneros sempre estão imbricados.
Segundo Sobral (2009), “para o Círculo, o locutor e o interlocutor
têm o mesmo peso, porque toda a enunciação é uma “resposta”, uma ré-
plica a enunciações passadas e a possíveis enunciações futuras”, portanto,
esse duplo dialogar se instaura nesse ambiente heterogêneo, através das
diversas vozes.
Em resumo, então, pode-se afirmar que os gêneros são objetos usa-
dos na comunicação, e operam como instrumentos socialmente elabo-
rados, mas esse instrumento só é útil como mediador se o sujeito dele se
apropriar.
Bakhtin (2003) não se ocupou na elaboração de uma tipologia para
classificar os gêneros discursivos apenas os distinguiu como primários
e secundários, uma categorização que, segundo sua concepção, não se
apoia em critérios funcionais. Assim os gêneros primários são simples e se

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 175


constituem em circunstância de comunicação verbal do dia-dia; os secun-
dários são aqueles que, tomando os primeiros, transmutam e se tornam
mais complexos e mais evoluídos, principalmente na escrita como, por
exemplo, os gêneros da esfera jornalística como a charge.
Para a leitura de ironia em um discurso jornalístico, sob o ponto de
vista da compreensão enunciativa, é necessário que o leitor se aproprie de
um conjunto de competências que possibilitem a interpretação.
Essa competência leitora está ancorada no domínio de saberes com-
partilhado no mundo social no qual esse enunciado está inserido. Para
ler, é preciso que o leitor construa significados e os compreenda, consi-
derando o discurso e o contexto onde se realiza o enunciado. Demanda,
assim, um processo de organização de sentidos exposto sob os diferentes
segmentos que materializam esse discurso.
Ler a ironia, em perspectiva discursiva, é situá-la no âmbito da
enunciação e da heterogeneidade, perpassando pela intertextualidade
e interdiscursividade, o estilo direto, a profusão de vozes, alterando a
aparente unicidade do discurso. É o princípio da alteridade, a marca
do outro materializado no texto. “Isso significa que o discurso irônico
joga essencialmente com a ambiguidade, convidando o receptor a, no
mínimo, uma dupla descodificação, isto é, linguística e discursiva”
(BRAIT, 1996, p. 96).
Para Brait (1996), a ironia também pode resultar do processo enun-
ciativo – composto por: texto, imagem, edição e diagramação da página e
algo que se situa fora desse conjunto, mas que a ele está ligado e interfere
e que exigiria uma leitura que transcenderia o enunciado, uma análise
discursiva.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 176


A observação do exemplo de uma notícia retirada do Jornal on-line
Brasil 247 8 evidencia a fala do atual ministro da economia Paulo Guedes9
durante o Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento promovido pela
ABRA – Associação Brasileira de Supermercados.
O tema do fórum era sobre formas de direcionar alimentos desper-
diçados pelas famílias brasileiras aos programas sociais – inclusive à Bol-
sa Família, em processo de reformulação. No ano de 2020, o presidente
Jair Bolsonaro sancionou um projeto que autoriza os estabelecimentos
como bares e restaurantes a doarem refeições ou alimentos prontos que
não forem vendidos.

Fonte: https://www.brasil247.com/brasil.

8 O Brasil 247 é um dos maiores sites de notícias do Brasil e defende a democracia plena, ideais
progressistas, valores humanistas, o desenvolvimento da economia nacional, o multilateralismo
na política externa e a informação como um direito de todos os cidadãos. https://www.
brasil247.com/brasil/guedes-tenta-consertar-declaracao-sobre-restos-de-alimentos-para-os-
pobrese-piora-me-referi-a-sobra-limpa.
9 Paulo Guedes (1949) é um economista brasileiro. É o Ministro da Economia do governo do
presidente Jair Bolsonaro. É conhecido por seu pensamento liberal em relação à economia. Paulo
Guedes graduou-se em Economia na Universidade Federal de Minas Gerais. Mais tarde, cursou
sua pós-graduação em economia e depois o mestrado na Fundação Getúlio Vargas. Em 1977,
Paulo Guedes obteve o mestrado pela Universidade de Chicago, através da bolsa concedida pelo
CNPQ. Em 1979 obteve o título de PHD pela mesma universidade. Foi professor da Fundação
Getúlio Vargas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e do Instituto de
Matemática Pura Aplicada – IMPA. Foi diretor técnico do IBMEC, entre as décadas de 80 e 90.
Na mesma instituição atuou como chefe-executivo e professor da disciplina de macroeconomia.
https://www.ebiografia.com/paulo_guedes/.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 177


Considera-se neste artigo que o conhecimento dos gêneros gera
expectativas sobre a presença da ironia no discurso jornalístico, sendo
ela prevista em alguns deles e não em outros. Nessa notícia a ironia está
velada, o autor deixa para o leitor a tarefa de inferir os dizeres de Paulo
Guedes ao afirmar que se referia à “sobra limpa” de comida, não o resto
e/ou sobra de comida dos pratos em restaurantes. Como se acrescentar
o termo “limpa” mudasse o significado da “sobra” que continuou sendo
sobre os restos de comida de restaurantes.
O leitor, para entender essa ironia velada na fala do ministro da eco-
nomia deve acessar conhecimentos e fatos políticos que fizeram parte do
contexto quando ele sugeriu em um evento para a Associação Brasileira
de Supermercados (Abras) que sobras de restaurantes fossem destinadas
às populações pobres e vulneráveis, como forma de política pública ao
combate à crise social e aos crescentes índices de insegurança alimentar10
do país. Ele afirmou “Aquilo dá para alimentar pessoas fragilizadas, men-
digos, pessoas desamparadas. É muito melhor que deixar estragar”.
Segundo o ministro, a crise alimentar se dá pelo fato de o brasileiro
comer demais, colocar muita comida no prato. Para justificar o raciocí-
nio, o economista comparou com os europeus que colocam menos comi-
da no prato. O assunto gerou muita polêmica e ecoou, dialogando com
outros discursos.

10 Segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia


da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), publicado pela Folha de S. Paulo, a fome alcançou 11,1%
das residências chefiadas por mulheres e para 7,7% nos casos em que o homem é considerado o
chefe da família. Um total de 19 milhões de brasileiros sofreu com a fome durante a pandemia
ao longo do ano passado. Eles estão entre as 116,8 milhões de pessoas que registraram algum
grau de insegurança alimentar no final do ano passado, o que alcança a 55,2% dos domicílios.
Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2021/06/18/paulo-guedes-defende-utilizar-sobras-de-
restaurantes-para-alimentar-pobres.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 178


Sabe-se que a notícia é um gênero que tem características voltadas
à divulgação de fatos ou eventos relevantes e costuma ser considerada a
matéria-prima do jornalismo. Os fatos são selecionados a partir de inte-
resses de grupos e sua função é apenas informar um fato e não provocar
no leitor reações interpretativas.
O leitor conhecedor do gênero notícia, por exemplo, precisará de
um maior esforço cognitivo, nos termos da TR, para inferir a ironia, pois
está implícita no discurso podendo o leitor, inclusive, buscar pistas que
levem a interpretação “como a clara discrepância entre um enunciado e
a realidade, a hipérbole, uma pergunta retórica, textos escritos, recursos
tipográficos como itálico, aspas, sublinhado, negrito, letras maiúsculas”.
(KREUZ, 1996 apud EL REFAIE, 2005).
No caso da notícia, o uso das aspas em “sobra limpa” sinalizou um
claro caso de menção, dando pistas para o leitor assentir ao jogo da ironia,
o que marca um dos casos de heterogeneidade mostrada (AUTHIER-
-REVUZ, 1982) a seleção do contexto é guiada pela busca da relevân-
cia no processamento da informação. Assim, interpretar um enunciado
ou compreendê-lo no sentido literal, ou de modo vago ou mesmo me-
taforicamente, dependerá do mútuo ajustamento do contexto no qual
o sujeito está inserido. Desse modo, os efeitos cognitivos irão satisfazer
a expectativa geral da relevância, pois o gênero discursivo “notícia” tem
por característica ser mais objetiva. Assim, se os efeitos contextuais ade-
quados foram alcançados com maior esforço (ironia na notícia) então a
informação terá sido otimamente processada.
No entanto, para que se obtenha uma Relevância Ótima, é neces-
sário que o contexto inicial (construído) seja “o mais produtivo possível,
permitindo a derivação do maior número de efeitos com um mínimo jus-
tificável de dispêndio de energia” (SILVEIRA e FELTES, 2002, p. 48).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 179


A declaração de Paulo Guedes rendeu, nas redes sociais, indignação
e revolta pela ideia de distribuir as sobras de alimentos aos pobres,
ignorando a questão da crescente desigualdade do país, que foi ampliada
pela reforma neoliberal e pelos resultados da condução da pandemia pelo
governo. Como, por exemplo, o tweet do Jornalista Reinaldo Azevedo a
seguir:

Fonte: https://twitter.com/reinaldoazevedo.

O assunto gerou outros discursos e possibilitou a exposição de


outras “vozes” críticas como o tweet11 do jornalista Reinaldo Azevedo12
que usou sua conta no twitter para se posicionar contrário ao discurso
do ministro.
A fala de Azevedo vem carregada de ironia, nesse caso, com toque
de “humor ácido”, que é desconcertante, crítico, explícito quando se
refere ao ministro como “Grande Humanista”. Ora, o termo Grande se
relaciona a pessoas que tem atitudes de poder ou influência e o tom ácido

11 Nesse caso seria um gênero discursivo na esfera digital que também se ocupa de temas diversos
como o jornalístico.
12José Reinaldo Azevedo e Silva (1961), conhecido como Reinaldo Azevedo, nasceu na cidade
de Dois Córregos, em São Paulo, no dia 19 de agosto de 1961. Formou-se em jornalismo pela
Universidade Metodista de São Paulo. Foi redator chefe da revista Primeira Leitura e da revista
Bravo! Foi editor-adjunto de política da Folha de São Paulo, e redator-chefe do jornal Diário
do Grande ABC. Publicou artigos no Jornal do Brasil. https://www.ebiografia.com/reinaldo_
azevedo/.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 180


e sarcástico do jornalista está justamente no fato da atitude do ministro
ser oposta à “grandeza”, somado ao termo “humanista” que se refere
a pessoas que se dedicam a tarefas humanitárias, justamente, o oposto
proposto pelo Paulo Guedes que foi oferecer as sobras de alimento de
restaurantes em vez de distribuição de alimentos a pessoas fragilizadas
como uma política pública efetiva.
Dado o perfil do leitor de Reinaldo Azevedo e por se tratar de um
discurso na esfera digital presume-se que seus leitores possuam o conheci-
mento relativo aos fatos noticiados, e que estejam muito bem informados
sobre a ideologia e os traços de estilo do discurso político do ministro
Paulo Guedes somado à ideologia do jornalista.
Nesse contexto são criados os sentidos irônicos, principalmente
quando consideram os elementos que envolvem o governo e as atitudes
do ministro da Economia tornando-o alvo do jogo irônico do jornalista.
A interpretação da ironia aciona o conhecimento desse conjunto de
informações e fatos contemporâneos ao momento discursivo e, com todo
esse aparato, o leitor deve estabelecer as relações para participar do jogo
da ironia. Nesse caso, trabalha-se com a hipótese que o conhecimento do
gênero – twet - funcionando como o contexto cognitivo em que se dá a
leitura pode possibilitar (com alta probabilidade) a complementação da
inferência da ironia.
A seguir, o exemplo foi uma charge produzida pelo chargista Peli-
cano . Ela dialoga com a notícia e com o tweet que reflete e refrata na
13

13 César Augusto Vilas Bôas conhecido por PELICANO é chargista e seus trabalhos foram
publicados na maioria dos jornais e revistas, além de publicações em jornais como: O Pasquim,
Folha de São Paulo, Jornal da Unesp, Guia das Profissões da Unesp, Correio Popular de Campinas
e Jornal Comércio de Jahu daquela cidade. Publicou em edição nacional a revista Prato Feito pela
editora NovaSampa e desenvolveu, em 1986, charges animada para a EPTV Ribeirão veiculadas
no Jornal Regional. No ano de 2001 produziu a TV Pelica com charges animadas diárias para
o programa Clube-Verdade. A qualidade de seu trabalho fez com que PELICANO recebesse

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 181


profusão de diversas vozes, isso porque, o momento histórico em que se
situa o diálogo faz o leitor remeter ao discurso proferido pelo ministro
Paulo Guedes sobre elaborar uma política pública de combate a fome ofe-
recendo sobras de comida dos restaurantes.

Fonte: https://www.humorpolitico.com.br/author/pelicano/.

A charge é gênero discursivo de caráter opinativo que veicula


sentidos, ideologias, assim como qualquer outro discurso, embora ela
tenha suas particularidades, ou seja, recupera notícias veiculadas no
momento de sua criação e são fontes de inspiração para o chargista.
Sendo assim, requer um conjunto de conhecimentos para que
se construa o sentido da enunciação como um todo; na perspectiva
discursiva, os gêneros, a saber, são compostos pelo conteúdo temático,
pelo estilo e pela sua construção composicional.

muitas premiações, dentre elas destacamos 5 vezes premiado no Salão Internacional de Humor
de Piracicaba e o Prêmio de Melhor Cartum Nacional no Salão de Humor do Piauí. Atualmente,
produz charge diária para a Rede Bom Dia de Jornais (São José do Rio Preto, Bauru, Jundiaí e
Sorocaba). Em Ribeirão Preto para o Jornal Tribuna; Em Jaú para o jornal Comércio de Jahu e
agora, também, para o Portal Movimento das Artes.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 182


O gênero discursivo charge é composto pela linguagem verbo
visual que direciona o leitor a refletir sobre a composição e o desafia a
questionar acerca das mensagens visuais como: desenhos, fotos, imagens,
cores, traços, letras, caricatura sempre com intencionalidade discursiva,
tanto explícita quanto implícitas, que se materializam em um enunciado
carregado de ideologia, respondendo ao contexto histórico, marcando
seu posicionamento valorativo.
A charge convida de certa forma o leitor a um “jogo” linguístico, o
interlocutor deve se ater à ironia presente na linguagem verbo visual. Esse
jogo persuasivo é o ponto fulcral, refletindo em diferentes sentidos, nesse
caso ler uma charge envolve essa duplicidade enunciativa constitutiva.
Uma característica da charge é de criticidade explorando a ironia de
forma explícita. O sentido da charge se dá pelo entendimento do todo
que a constitui, dentro do contexto sócio histórico em que se encontra no
espaço/tempo em que é desencadeada. Assim, o leitor, sendo conhecedor
das características específicas dos gêneros, tem a expectativa de encontrar
a ironia em charge e não em notícia. Para Attardo (2000), “O uso da
ironia sempre envolve avaliação, a expressão de um ponto de vista sobre
um alvo de um enunciado irônico, que é altamente dependente de um
contexto específico”. A leitura da ironia que se dá por inferência, nos
termos da TR, revela como os inputs operam na compreensão a partir do
conhecimento específico de gêneros discursivos.
No caso, a charge produzida pelo chargista Pelicano vem
carregada de ironia, de um “humor ácido”, que é perturbador,
mordaz, que é, portanto, um dos objetivos do trabalho chargístico,
nesse caso o tom está na citação de um termo popular, remetendo a
culinária francesa14 “resto dontê” (resto de ontem), pois o ministro

14 Para entender por que as porções em restaurantes de alta gastronomia são tão, digamos,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 183


Paulo Guedes15 citou os europeus quando disse que “o prato de um
classe média europeu, que já enfrentou duas guerras mundiais, são
pratos relativamente pequenos. E os nossos aqui, fazemos almoços
onde às vezes há uma sobra enorme”. No momento da criação da
charge, o chargista recuperou as informações veiculadas em notícias
anteriores para, em seguida, fundi-las e direcioná-las.
Para o leitor inferir a ironia na charge produzida por Pelicano é
necessário identificar as diferentes vozes, o processo de produção e sua
ideologia, além disso, é preciso contextualizar e entender a construção
composicional desse gênero – a caricatura do ministro Paulo Guedes
depositando migalhas em um recipiente que remete a um prato.
Assim, de maneira geral, pode-se dizer que a ironia exige um processo
inferencial, bem como, constitui um estímulo ostensivo e, quando
processado, deve exigir um mínimo de esforço de processamento para o
máximo de efeitos cognitivos.
O conhecimento dos gêneros discursivos – charge, notícia e tweet
favorece essa busca pela relevância máxima, ou seja, se o leitor reconheceu
a ironia seu processamento “input” será mais relevante do que um leitor
que não conhece o gênero e precisará de maior esforço cognitivo para
inferir e compreender a ironia presente.

reduzidas, seria preciso voltar um pouco no tempo. Mais precisamente, para a França da década
de 1970, quando cozinheiros do país criaram um movimento culinário chamado de Nouvelle
Cuisine (Nova Cozinha) defendendo pratos mais leves e delicados, com ênfase na apresentação.
Eles não queriam mais saber de pratos clássicos da comida tradicional francesa, bem servida e com
sustância (pense no cassoulet, por exemplo, ou no boeuf bourguignon). “Foi a partir dessa ideia que
se tornou popular chamar esses pratos [menores] de “pratos franceses”. Fonte: https://www.uol.
com.br/nossa/cozinha/listas/por-que-os-restaurantes-de-alta-gastronomia-servem-porcoes-tao-
pequenas.htm.
15 https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/06/17/paulo-guedes-fala-em-direcionar-
alimentos-desperdicados-a-programas-sociais.ghtml

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 184


Por isso, entende-se que a compreensão desse fenômeno linguístico –
ironia- envolve um conjunto de suposições contextuais e conhecimento das
especificidades do gênero discursivo, e ao atingir seu objetivo - Relevância
Ótima - terá sido otimamente processada.

Considerações finais

Como todo jogo, a ironia é um lance que inclui previsão do


movimento do outro – só que, no caso da linguagem, não um adversário,
mas um parceiro. No entanto, é necessário ponderar que, de alguma
forma, o jogo da ironia deve oferecer pistas para que a intenção do autor
seja percebida. O conhecimento dos gêneros constitui uma das pistas
poderosas para a inferência da ironia. No momento em que a leitura é
compreendida pelo leitor, ele forma sua opinião.
A charge, o tweet e a notícia se interrelacionam, dialogam entre si.
Esse processo se dá justamente pela interdiscursividade e pelo diálogo
com um enunciador além da intertextualidade, as pistas que o autor dis-
ponibiliza como, por exemplo, o uso das aspas – como marca da hetero-
geneidade. Essa estratégia conduz o leitor a participar do jogo. Todo esse
conjunto possibilita a apresentação dessas “vozes” críticas.
Para inferir a ironia, o leitor precisa identificar essas diferentes vozes,
o processo de produção e sua ideologia, além disso, é preciso contextua-
lizar e entender a construção composicional desse gênero relacionando a
linguagem verbo visual – imagem e texto, pois são partes integrantes do
processo de leitura envolvidos numa profusão de vozes.
No caso da charge, o próprio gênero oferece ao leitor a indicação de
que a ironia, por exemplo, possa estar explícita e a inferência nesse caso

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 185


demanda menor esforço cognitivo. No caso da notícia o leitor deve se ater
às pistas, ao contexto de produção e no caso do tweet conhecer o produ-
tor, sua ideologia e o contexto onde é produzido o discurso. Portanto,
se o leitor não mobilizar todos os conhecimentos sobre fatos, gêneros,
ideologia, a sua natureza polifônica, e outros discursos ele não conseguirá
perceber a ironia; nesse caso, a estratégia do autor falhará.
Isso encaminha a considerar a ironia uma manobra de grande risco,
pois se trata de um fenômeno em que a dimensão de parceria na intera-
ção é crucial. Se o processo de produção e recepção atingir a Relevância
Ótima poder-se-á dizer que esse jogo linguístico será de risco prazeroso.

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 187


Uma análise pragmática do discurso do
presidente Jair Bolsonaro no contexto da crise
sanitária no Brasil

Ana Paula Albarelli


Katiuscia Cristina Santana

Introdução

Na segunda metade do século XX, filósofos da linguagem procede-


ram a uma nova forma de concepção da língua, imbricada em aspectos
concernentes ao contexto, isto é, à sua situação de uso, fato que culminou
no surgimento de teorias acerca da performatividade da linguagem e de
diferentes estudos de vertentes interacionais, a partir dos quais se podem
observar os fundamentos de uma nova perspectiva teórico-metodológica,
a qual resultou no advento dos estudos pragmáticos. Observa-se, assim,
uma abordagem da linguagem atrelada a condições de uso em diferentes
âmbitos de interlocução, considerando-se o papel dos interactantes , as
suas intenções de fala e as formas de interpretação dos enunciados sob o
crivo de motivações decorrentes do contexto de interação, em que os sen-
tidos e a produção de significados são analisados não só à luz de aspectos
linguísticos, mas também em função de contingências extralinguísticas.
Trata-se, em outras palavras, de uma concepção da linguagem como
uma forma de ação e de intervenção sobre o outro e sobre o mundo, cujos
desdobramentos incidem não somente sobre a produção de sentidos, mas
também sobre os efeitos que o emprego da língua pode ocasionar sobre

DOI: 10.52788/9786589932536-9 SUMÁRIO / 188


os interlocutores em um evento comunicativo, fato que transcende a es-
fera frástica e do simples encadeamento e organização de seus componen-
tes linguísticos, cabendo, desse modo, ao pesquisador proceder ao exame
de aspectos discursivos, referentes àquilo que se pode depreender tanto
dos enunciados, como dos efeitos que os enunciados produzidos e atua-
lizados por falantes e ouvintes reverberam em determinadas condições de
uso da linguagem e, sobretudo, das diferentes formas de interpretação do
ouvinte que, em um trabalho de coprodução com o falante é, também,
responsável pela (re)configuração de significados em uma determinada
situação de interlocução.
Partindo desse viés – isto é, de uma nova postura teórico-metodoló-
gica e, sobretudo, de um novo olhar e visão diante dos fatos da língua, no
que tange à abordagem dos enunciados – pode-se afirmar que o trabalho
de Austin (1962), acerca dos atos de fala,– a partir do qual se concebe a
linguagem como “um fazer”, a saber, uma forma de agir por meio do que
se profere; ou seja, do se diz – pela qual o teórico apresenta uma visão
performativa da linguagem, mediante a publicação How to do things withs
words – cuja tradução é Quando dizer é fazer , assim como as contribui-
ções interacionistas de Erving Goffman (1967) em relação aos estudos da
face e, posteriormente, os trabalhos decorrentes de suas pesquisas, que
culminam em análises sobre o fenômeno da cortesia linguística. Os atos
de fala e a observação dos diferentes esquemas de negociação das imagens
dos interactantes nas trocas verbais configuram o ponto de partida para
uma nova vertente de estudos: a Pragmática. Cabe, ademais, salientar os
construtos teóricos de Grice (1982), filósofo da linguagem, cuja teoria
das máximas conversacionais e implicaturas, pelas quais é possível que se
depreenda do contexto o “não dito”, confere aos aspectos da esfera ex-
tralinguística um estatuto proeminente na compreensão da interlocução.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 189


Diante do exposto, considerando a natureza do corpus escolhido,
constituído de trechos de entrevistas e falas distintas do atual presidente
do Brasil, Jair Bolsonaro, cujo discurso é marcado pela violência verbal e
por atos de ameaça, considerar-se-ão tais aportes teóricos para sua inves-
tigação, sobretudo, em se tratando da premência do conhecimento de
mundo para a interpretação desses enunciados, assim como de noções
relativas ao forte viés ideológico que subjaz, sobremaneira, seu compor-
tamento verbal e, consecutivamente, seus atos de fala, fato que acarreta
desdobramentos significativos no que tange ao processo de gerenciamen-
to das imagens.

Objetivos e considerações sobre o corpus

Neste capítulo, propomo-nos investigar o discurso político, qual


seja, trechos de entrevistas e de discursos do presidente Jair Bolsonaro,
que configuram um gênero agonal e calcado em práticas do dissenso
(MARQUES, 2012), na medida em que a fala de um político em par-
ticular é, assim como os enunciados que circundam as diferentes esferas
sociais de enunciação, atitudes responsivas e ecos de vozes sociais – em
uma visão dialógica bakhtiniana – que ora refutam, ora validam outros
discursos, por meio de atitudes antagônicas e comportamentos verbais
agressivos, objeto deste estudo. No caso do corpus escolhido, analisar-se-
-ão aspectos concernentes aos atos de fala de que se faz uso, considerando,
sobretudo, seus efeitos descorteses no que tange à face, assim como de
que modo a violação ou a preservação de máximas conversacionais po-
dem desencadear comportamentos verbais agressivos deliberados.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 190


Trata-se, portanto, de verificar quais recursos são empreendidos
pelo presidente brasileiro em seu discurso e qual função cumprem em
interlocuções polêmicas, considerando os atos de fala, as máximas grice-
anas – ou sua violação – e atos descorteses, em uma perspectiva de viés
pragmático na análise da fala de políticos.

Os domínios da Pragmática: considerações acerca de seus


principais precursores

Considerando a importância do ato conversacional na sociedade


como atividade linguística rotineira e de interação social, a conversação se
torna também objeto de estudo, em especial, pelos filósofos da linguagem.
Em se tratando de elementos linguísticos relevantes nos processos de
troca comunicativa, um dos principais estudiosos da intenção do falante
foi o filósofo da linguagem, John Austin (1990 [1969]), cujo objetivo
era propor um método de análise de problemas filosóficos do uso da
linguagem por ele entendida como forma de ação.
Postulada por Austin (1990 [1969]), a teoria dos atos de fala
aborda aspectos da língua em consonância com fatos discursivos, isto é,
derivados do contexto de interação, levando em consideração a concepção
da linguagem como forma de ação. O filósofo inglês assinala haver três
dimensões articuladas: os atos locucionários – relativos a uma sentença
ou sequência linguística – os atos ilocucionários – que configuram ações
que se pretende realizar mediante a língua – e os atos perlocucionários,
que se afiguram como os efeitos ou os resultados decorrentes dessas ações.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 191


De acordo com Levinson (2007 [1983]), o surgimento da Teoria
dos Atos de Fala, de Austin (1990 [1969]), se deve ao momento em que
a preocupação da verificabilidade da linguagem estava em seu apogeu.
Sendo assim, Austin (1990 [1969]) coloca em seu estudo central, as
condições de verdade para a compreensão da linguagem. A publicação de
How to do things with words (1969) é considerada um marco nos estudos
linguísticos, uma vez que evidencia o valor de ação dos enunciados e
elabora a teoria dos atos de fala, embora Austin não tenha sido o primeiro
estudioso a afirmar que dizer é realizar uma ação.
Austin (1990 [1969]) preocupa-se em verificar em sua teoria se as
condições de felicidade de um ato de fala foram preenchidas corretamente
para que o ato de fala atinja o efeito esperado. Para ele, as dimensões dos
atos de fala se organizam da seguinte maneira:
a) Ato locucionário - é o ato de dizer algo, produzir uma série de
sons e usar morfemas, palavras, sintaxe, semântica, com significado, em
uma determinada língua.
b) Ato ilocucionário - é o ato que se realiza ao dizer algo, ou seja, em
uma ação há uma intenção.
c) Ato perlocucionário - é o ato que se realiza por dizer algo, ou seja,
provocar efeitos na interação por meio do enunciado produzido. Para
Austin (1990 [1969]), o perlocutório escapa do contexto essencialmente
linguístico, visto que se presume que isso vai gerar uma reação por parte
do interlocutor. Exemplos: ficar convencido, emocionado, irritado,
emocionado.
Deve-se levar em consideração que um ato que aparente uma
promessa pode, com efeito, configurar uma ameaça ou pedido, a
depender de condições de ordem extralinguística, que envolvem as

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 192


intenções do falante, a forma de interpretação do ouvinte ou de sua
validação da ação concebida pelo ato ilocutório, assim como o tipo de
situação comunicativa, entre outros aspectos contextuais. Partindo desse
pressuposto, pode-se afirmar que um ato que se apresente como uma
afirmação pode afigurar-se como uma ordem ou solicitação, isto é, como
uma ação cujo significado se depreende do contexto e da língua em uso,
de modo que o exame do âmbito frasal, tão somente, não é o suficiente
para que o ouvinte interprete o tipo de ação que se lhe atribui:
Vejamos o exemplo:

Não vou deixar isso barato!


Eu juro que se ele não aparecer...
É bom abrir a porta logo...

Não obstante, como salientamos, faz-se necessário que o ouvinte


valide a ação projetada pelo ato de ilocução ou a compreenda, caso
contrário, os efeitos diante da ação, isto é, o ato de perlocução poderá ser
realizado ou não.
Outro aspecto que importa ressaltar se refere ao fato de os atos
cumprirem seu papel de forma direta ou indireta. Em um primeiro
momento, Austin (1990) postulara haver uma distinção entre o que
denominou como atos constativos (ou constatativos) e performativos.
Conforme o autor, os atos constatativos apenas apresentavam apreciações
relativas a fatos ou eventos, ao passo que os atos performativos –
veiculados por verbos como prometer, jurar, demitir, nomear, desculpar,
entre outros – cumpririam, efetivamente, o papel de realizar, por meio
da língua, uma ação, produzindo uma performance. Trata-se dos verbos
performativos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 193


No entanto, em estudos posteriores, importa assinalar que o
autor reconhece a natureza performativa da linguagem que à subjaz, a
despeito de um verbo ser constatativo ou não, uma vez que atos que,
aparentemente, apresentam, tão somente, fatos ou informem algo
acerca do mundo podem, também, evidenciar uma ação, mesmo que
de forma indireta. Nessa direção, mesmo os atos que não configuram,
aparentemente, performances ou ações realizadas no momento em que
o falante profere um enunciado, tais atos acarretam ações indiretamente
que, por conseguinte, engendram performances.
Além da teoria dos atos de fala, segundo a qual falar é agir, os filósofos
da linguagem procederam à abordagem da linguagem – em se tratando
de suas motivações contextuais – consoante o que se denominou como
um “princípio de cooperação” , estabelecido entre os falantes no ato de
interação, a partir do qual os participantes de um determinado evento
comunicativo cooperariam a partir do cumprimento de determinadas
máximas conversacionais. Grice (1982 [1975]) desenvolveu o Princípio
de Cooperação, defendendo que as contribuições conversacionais
dos interactantes devem ser adaptadas ao tipo e ao objetivo da troca
comunicativa. Ele sustenta que a conversação se estabelece como uma
espécie de acordo pelo qual os interlocutores cooperam para que a troca
comunicativa seja eficaz e satisfatória. Esse princípio engloba as categorias
de quantidade, qualidade, relação e modo. Essas máximas podem ser
respeitadas ou não, de forma que conduz a estratégias de cortesia. Cada
falante1 deve ser consciente de sua posição nesse jogo interacional para
que a troca comunicativa seja harmoniosa. As máximas de Grice (1982
[1975]) são:

1 Neste estudo, consideramos os termos “falante”, “locutor” e “emissor” como sinônimos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 194


Quantidade: Faça com que a informação fornecida seja suficiente e
que ela seja tão informativa quanto o necessário; a informação fornecida
não deve ser mais informativa que o necessário.
Qualidade: Faça com que sua contribuição seja verdadeira; a
informação fornecida não deve ser falsa; a informação fornecida pode ser
provada.
Relação ou relevância: a informação fornecida deve ser coerente e
pertinente ao assunto em questão.
Maneira ou modo: seja claro, evite a obscuridade; evite ambiguidade;
seja breve; seja ordenado.
A violação dessas máximas acarretaria, conforme o autor, não
obstante, a produção do que o autor designa como “implicaturas”,
isto é, fatos e informações implícitas que subjazem a tais enunciados,
as quais, muitas vezes, afiguram-se no discurso com determinados
propósitos, delineando, assim, as intenções discursivas dos falantes e a
interpretação dos ouvintes, que se compreendem mediante a construção
mútua de inferências, baseadas em seu conhecimento de mundo e em
aspectos relativos à linguagem em uso em um dado evento comunicativo.
Assim, máximas básicas da conversação norteam o comportamento dos
interactantes a fim de tornar a interação relevante e eficiente. Em relação
ao princípio cooperativo, Grice afirma: “[...] faça sua contribuição
conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre,
pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você
está engajado” (GRICE, 1982 [1975]), p. 86). Além das máximas
conversacionais, o filósofo também prevê que o falante fará um esforço
para responder ao que foi dito, o que ele denomina implicatura. A
implicatura é a informação implicada ou inferida pelo interlocutor a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 195


partir de um proferimento em uma situação de fala. Seria o equivalente à
sugestão e à insinuação na linguagem. A implicatura está na base de um
subentendido e, sendo assim, ela é dependente do contexto, uma vez que
o interlocutor2 deve ser capaz de compreender a informação implícita.
Ademais, importa asseverar que, para o autor, há sempre o “dito e o
não dito”, uma vez que, quando nos comunicamos, produzimos, em
determinadas situações, implicaturas. Conforme o autor, em alguns
casos, as implicaturas podem, pois, ser desencadeadas pela violação de
uma máxima conversacional.
Nesse novo contexto que perfila novos posicionamentos acerca da
linguagem, em que se observa o advento de estudos cujo objetivo é a
compreensão do funcionamento da língua em uso, no qual se consideram
aspectos oriundos de um situação específica de interlocução, assim como
a premência de expedientes relativos às intenções do falantes e de suas
finalidades discursivas, há que se ressaltar a importância da teoria de Paul
Grice (1982), cujos pressupostos residiam na tentativa de estabelecer as
bases para a efetivação de “um princípio de cooperação” entre falantes
na interação, o qual se dá mediante a manutenção de determinadas
máximas que perfazem as manifestações linguístico-discursivas dos
participantes de uma situação comunicativa. Todavia, tais máximas
podem ser, de fato, violadas, com vistas a que se cumpra determinadas
finalidades discursivas, como efetuar um ato indireto, constituído por
uma implicatura conversacional.
Grice (1982) classifica as implicaturas em convencionais –
desencadeadas por um elemento linguístico – e as implicaturas

2 Neste estudo, consideramos os termos “interlocutor”, “receptor”, “ouvinte” e “destinatário”


como sinônimos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 196


conversacionais. Entre as conversacionais, temos as generalizadas – que
são desencadeadas por um elemento linguístico presente no enunciado
– e as particulares. Neste estudo, interessa-nos, sobretudo, o conceito de
implicaturas conversacionais particulares, as quais são desencadeadas pelo
contexto, não independendo da presença de um conectivo ou elemento
linguístico que as acarretem no discurso.
Não só na Filosofia, mas também na Sociologia, os estudos
interacionais têm como ponto de partida as condições de uso da
língua, entre as quais são prevalentes, ademais, a concepção de imagem,
postulada por Erving Goffman (1967), sociólogo precursor de pesquisas
pautadas no comportamento verbal e em processos de negociação da
imagem em interlocuções, cuja teoria deu azo às investigações acerca das
diferentes procedimentos interacionais utilizados de forma estratégica
pelos participantes de trocas verbais distintas, com vistas a preservar
suas faces – a imagem social que se deseja que seja reconhecida e livre de
eventuais ameaças, uma vez que, para o sociólogo, em toda e quaisquer
interações há riscos potenciais de que as imagens de seus interlocutores
sejam comprometidas. Diante do exposto, pode-se afirmar que todos
esses estudos que conferem um papel premente ao contexto e a aspectos
extralinguísticos no estudo da língua concebem o que se denomina
como Pragmática, campo da Linguística segundo a qual urge examinar a
linguagem muito além do âmbito da frase.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 197


As contribuições de Goffman (1967) acerca da face e seus
desdobramentos nos estudos (des)corteses

Como vimos, a interação verbal, decorrente de práticas sociais


de diferentes esferas da atividade humana, configura um fenômeno
de natureza histórico-social premente e necessário em se tratando de
estudos, cujos corpora se erigem a partir de interlocuções orais. Partindo
desse pressuposto, as interações verbais afiguram-se como trocas verbais
vinculadas à sociedade e, por conseguinte, a comportamentos verbais e
não verbais repertoriados por uma determinada comunidade discursiva
(KAUL de MARLANGEON, 2014). Importa proceder, assim, em um
estudo da comunicação humana, à análise desses comportamentos à luz
da investigação da cena comunicativa veiculada à linguagem em uso e ao
contexto social que à subjaz.
Em 1967, Erving Goffman, precursor, no que tange aos estudos
interacionais, assinala haver, ao longo das interlocuções, um “ritual
de interação,” a partir do qual se intenta promover a manutenção da
“harmonia” nas trocas verbais, visto que há uma preocupação constante
dos participantes de quaisquer eventos comunicativos em manter o que
o sociólogo define como imagem pública, isto é, a imagem social a qual
se quer que seja reconhecida e validada pelos demais falantes. Para que
se tenha a autoimagem reconhecida e livre de riscos de sua perda (to lose
face), os falantes procedem, então, ao uso de procedimentos interacionais e
linguístico-discursivos diversos, com vistas a garantir que as imagens ( face
) envolvidas em um dado contrato interlocutório sejam bem vistas e que
os “territórios do eu”, isto é, os domínios da vida privada, quais sejam, o
desejo de não cerceamento da privacidade e a liberdade de ação dos sujeitos
não sejam tolhidos por atos ou comportamentos verbais insidiosos:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 198


Uma orientação defensiva visando preservar a própria face e uma orientação
protetora, visando preservar a face do outro. O simples contato com um
interlocutor já representa o rompimento de um equilíbrio, ameaçando a
imagem tanto do locutor quanto do interlocutor. Isso leva a um acordo
tácito entre as partes: um não ameaça a face do outro até o momento em
que a face não é ameaçada (SILVA, 2008, p. 169).

Ademais, conforme Goffman (1967), podem-se observar três tipos


de procedimentos nos processos de negociação ao longo das interações e
no trabalho de face (face work), tais como: evitar situações ameaçadoras,
efetuar um processo corretivo – quando há risco de ameaça à face – ou
proceder ao ataque de forma maliciosa, mediante o que o autor designa
como um procedimento de pontualização.
Neste estudo, consideramos trazer à luz o procedimento da pontu-
alização que, de acordo com Goffman (1967), diz respeito ao “emprego
agressivo do trabalho de face”, cuja lógica é a realização deliberada de atos
ameaçadores às faces envolvidas na interação. A pontualização é, destarte,
proeminente em ambientes de interação conflituosas, servindo, inclusi-
ve, como um expediente estratégico, de que os políticos fazem uso com
propósitos discursivos de alcançar determinados efeitos sobre o outro,
por meio do comportamento verbal agressivo e de práticas que reforçam
o dissenso, além de procederem à tentativa de erigir uma imagem deveras
polêmica, sobre a qual recaem severas críticas, como no caso de Jair Bol-
sonaro (BLAS ARROYO, 2011; ALBARELLI, 2020).

Pode-se afirmar, nessa direção, que as contribuições de Goffman (1967) deu


azo a inúmeras pesquisas acerca da Cortesia verbal, tais como a realizada
pelos autores Brown e Levinson, (1987) que se dedicaram a criar um mode-
lo de análise sobre os procedimentos empreendidos pelos falantes na busca
de promover o equilíbrio e a harmonia na interação: trata-se de um viés
teórico que perfaz o que se denomina como Pragmática formal (BREÑES
PENHA, 2011; BLAS ARROYO, 2011), cujo foco incide sobre as inten-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 199


ções do ouvinte e em recursos linguísticos caracterizados como corteses, em
detrimento de uma visão mais calcada no contexto e nas múltiplas interpre-
tações que podem ser realizadas pelo ouvinte em decorrência de fatores ex-
tralinguísticos. Há que se acrescentar que os autores redefinem as noções de
face como face positiva e face negativa, fato que resultou em algumas críticas
ao caráter eurocêntrico dessa concepção (BREÑES PENHA, 2011), uma
vez que nem todas as sociedades reconhecem ou legitimam, sobremaneira, a
imagem social e, também, a liberdade de ação da mesma maneira – trata-se
de algo culturalmente variável – de sorte ser possível afirmar haver culturas
que conferem maior importância a imagem do grupo, em detrimento de
sua imagem individual e privada (BRAVO, 2005). Partindo dessas distin-
ções e de incongruências culturais que perpassam os estudos de Brown e Le-
vinson (1987), Bravo (2005) arrola as seguintes concepções que, também,
relacionam-se à noção de imagem e ao seu estudo em diferentes atividades
de interlocução: trata-se da imagem de autonomia e da imagem de afiliação.
Essas categorias são, não obstante, ‘vazias’, uma vez que seus sentidos são
preenchidos pelo contexto.

Em outras palavras, as teorias concernentes ao que se denomina como


Pragmática Formal apresentam uma concepção mais orientada ao nível
da frase e, sobretudo, da enumeração, por seus estudiosos, de estratégias
e de procedimentos corteses elencados de modo exaustivo – os quais,
muitas vezes, não se afiguram da mesma maneira em outros contextos
de trocas verbais – apresentando, assim, uma postura reducionista,
em lugar de uma visão mais holística, segundo a qual importa levar em
conta que os significados se constroem mediante aspectos linguísticos
e extralinguísticos, podendo, ademais, se reconfigurar e atualizar-se
conforme o tipo de interação e de situação discursiva em que se inserem
(ZIMMERMANN, 2005).
Cumpre assinalar, diante do que fora dito, que os estudos corteses
ocuparam e ocupam, há décadas, o âmbito das pesquisas que incidem
sobre as práticas interacionais. Não obstante, observou-se o surgimento
de uma nova vertente adotada pelos pragmaticistas, qual seja, a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 200


Pragmática Sociocultural, cujas bases teórico-metodológicas se baseiam
na consideração do contexto e de sua proeminência no que tange à
análise de corpora distintos, bem como em seus efeitos no que se refere
à produção de sentidos e significados. Considera-se, consecutivamente,
o papel premente exercido pela natureza, isto é, pelas confluências
extralinguísticas que regem diferentes tipos de interlocuções estabelecidas
entre falantes e ouvintes.
Há que se acrescentar, destarte, que nem sempre o propósito
discursivo em um dado evento comunicativo é o de promover ou manter
a harmonia na interação mediante o uso de procedimentos corteses. Há,
com efeito, trocas verbais cuja regra é o ataque – muitas vezes, já ritualizado
e esperado (CULPEPER, 1996) – fato que corrobora a afirmação de
Goffman (1967) acerca do emprego agressivo do trabalho de face, que
se materializa em discursos conflituosos por meio de atos de ameaças,
observando-se , nesses casos, o procedimento de pontualização, a saber, a
intenção maliciosa e intencional de ameaçar as faces dos participantes da
interação.
Não obstante, nos últimos anos, os trabalhos acerca da descortesia
verbal vêm ganhando relevo (CULPEPER, 1996; BLAS ARROYO,
2011; BREÑES PENHA, 2011), uma vez que a descortesia não mais
é concebida como a ausência ou como o desvio das normas corteses,
podendo, inclusive, apresentar papel estratégico e argumentativo
(EELEN, 2001), a depender do contexto de interlocução em que a
agressividade verbal está inserida. Culpeper (1996) a estudou em gêneros
discursivos distintos, como no discurso militar, nos programas de talk
show, bem como na literatura. Partindo dos pressupostos teóricos acerca
da concepção de imagem de Bravo (2005), que apresenta as noções de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 201


imagem de autonomia e de afiliação, categorias vazias, como salientamos,
que, conforme a autora, são, notadamente, preenchidas pelo contexto de
interação e não correspondem, necessariamente, às concepções de face
positiva e de face negativa postuladas por Brown e Levinson (1987),
configurando, pois, uma nova acepção, propõe-se, no campo dos estudos
interacionais, um novo modelo de análise da descortesia: trata-se da
descortesia de fustigação (KAUL DE MARLANGEON, 2005), a qual
ocorre, ora por meio da afiliação exacerbada a um grupo – em função
do qual se procede ao ataque ou à refutação do grupo a que se opõe; ora
mediante o uso da autonomia exacerbada ou refratariedade ao grupo.
José Luiz Blas Arroyo (2011), pesquisador proeminente no campo
dos estudos descorteses, procede à análise da descortesia verbal em
interações agonais, estabelecendo uma interface entre argumentação,
discurso político e o comportamento verbal agressivo, o qual se apresenta
como um tipo de estratégia que, conforme ressalta o autor, reside em
promover a adesão do público em debates políticos eleitorais de modo
deliberado, sendo veiculado por recursos de natureza linguística,
interacional e retórica. Em outras palavras, para Blas Arroyo (2011), em
determinados tipos de contratos de interlocução, a descortesia assume
papel estratégico, sobretudo no discurso político – que, segundo o
autor, é eminentemente persuasivo e antagônico – ao qual subjaz tácitas
finalidades de levar o eleitor à adesão. Partindo desse pressuposto, Blas
Arroyo (2011) elenca estratégias descorteses observadas no discurso
político, entre as quais está a desqualificação. Para o autor, as estratégias
descorteses são veiculadas, no discurso político, por recursos retóricos,
pelo fato de se afigurar como um gênero eminentemente persuasivo.
Ademais, conforme o autor, há, no discurso político, um quadro

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 202


participativo especial, designado como um tipo de interlocução trílogue.
Conforme Albarelli (2020), o discurso político evidencia um tipo de
estratégia que reside na manipulação deliberada da esfera de participação
do falante que se depreende de tal tipo de interlocução trílogue. Trata-se
de uma estratégia descortês que consiste na manipulação intencional da
dêixis pessoal com finalidades descorteses.
Neste estudo, examinar-se-á de que forma se arquiteta, no discurso
político, a descortesia, assim como seu papel no que tange à projeção da
imagem, isto é, da face social forjada pelo presidente mediante práticas do
dissenso, considerando-se os já mencionados recursos que a concretizam
no discurso consoante assinala Blas Arroyo (2011).

Os atos de fala e as máximas e implicaturas conversacionais


no discurso político: efeitos descorteses

O discurso político consiste em uma interlocução marcada por


intenções prévias de agir sobre outro de modo a levá-lo a realizar algo.
Segundo Amossy (2018), o fato de o discurso político apresentar
intenções de persuasão “pré-programadas” evidencia que é possível
conferir a tal manifestação discursiva o estatuto de um gênero de “visada
argumentativa”. Desse modo, a análise dos atos ilocutórios – presentes
no discurso político – na medida que são ações que, nesse tipo de
prática comunicativa podem se erigir na tentativa de convencimento
da “instância cidadã”, são passíveis de evidenciar a maneira pela qual se
organiza a fala do presidente Jair Bolsonaro, permitindo-nos localizar
padrões concernentes ao seu comportamento verbal assaz agressivo
- podem-se observar ameaças e refutações, por exemplo, em atos que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 203


aparentam configurar afirmações. Trata-se de proceder à investigação
de quais efeitos se depreendem de atos ilocutórios que permeiam seu
discurso – no caso, os atos de perlocução – por meio dos quais o referido
político espera provocar determinados efeitos de sentidos diante de seus
interlocutores mediante sua enunciação.
Importa salientar, ademais, que o discurso político configura
um tipo de interlocução trílogue (BLAS ARROYO, 2011) – na qual
se observam três esferas que compõem a interação, tais como: uma
“instância cidadã, uma “instância adversa” e “a instância política”, a qual
visa rechaçar a “instância adversa”, tendo como finalidade promover
determinados efeitos sobre a “instância cidadã” (CHARAUDEAU,
2016) – em um complexo processo que envolve estratégias de persuasão
veiculadas por recursos de natureza linguística, interacional e retóricas
distintas, conforme apontam os estudos de Blas Arroyo (2011), a partir
das quais se intenta conduzir a “instância cidadã” a validar determinadas
ações, veiculadas por diferentes atos ilocutórios.
Nota-se que alguns atos ilocutórios são, sobremaneira, verificados
no discurso político, sendo, pois, prevalentes em atos de fala a partir dos
quais se busca a adesão do ouvinte, tais como: “eu prometo representar
o povo”. O verbo prometer, nesse caso, incide sobre a “instância cidadã”,
provocando uma ação pela qual o interactante objetiva produzir
determinados efeitos perlocutórios: o de convencer o povo a confiar
em sua palavra. Esses efeitos, que configuram a tentativa de garantir a
legibilidade do discurso político e visam a corroborar a imagem social do
interactante, detentor de uma face credível, correspondem às intenções
do falante, isto é, do político. Entretanto, os efeitos de perlocução podem
ou não ser os esperados pelo político, na medida em que cabe ao eleitor
ou o cidadão refutar tal promessa ou atribuir-lhe juízos de valor positivos

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 204


e, no segundo caso, o ato perlocutório é, efetivamente, realizado , ou seja,
o público-alvo do discurso adere à proposta de promessa e seus efeitos são
esperados.
No que tange ao papel das implicaturas conversacionais e à violação
ou não das máximas postuladas por Grice (1982), há que se ressaltar
que, muitas vezes, a violação de uma máxima pode ser realizada com o
objetivo de realizar um ato de fala ou mesmo dirimir a força ilocucional
de um enunciado, conforme postularam os estudiosos da cortesia verbal
(BROWN e LEVINSON, 1987), atenuando ações potencialmente
ameaçadoras. No entanto, no caso do discurso político e, sobretudo, no
corpus deste estudo, propomo-nos investigar de que modo certas máximas
podem ser violadas em prol das intenções do falante, cujas manifestações
são, sobremaneira, perfiladas pelo dissenso (MARQUES, 2012), fato
que pode evidenciar que a manutenção de uma máxima griceana ou a
sua violação podem acarretar efeitos descorteses, ou a proteção da face
de um falante que procede ao emprego de ameaças, como no caso do
presidente brasileiro, uma vez que a imagem social de Jair Bolsonaro
é, frequentemente, atacada em virtude dos escândalos e polêmicas que
perfazem sua conduta.
Assim, urge salientar que, neste estudo, considerar-se-ão as
máximas e as implicaturas conversacionais sob um viés descortês, isto
é, considerando que possam configurar expedientes que permitem
potencializar e aprofundar o dissenso, em lugar de cumprirem o papel de
proteger ou manter a face dos demais interactantes.
Por fim, importa assinalar que a descortesia verbal consiste em
um fenômeno linguístico-discursivo que, no discurso político, pode
assumir papel argumentativo (EELEN, 2001; BLAS ARROYO, 2011;
MARQUES, 2012), uma vez que o antagonismo e o confronto de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 205


posicionamentos são intrínsecos a tal gênero, segundo Blas Arroyo
(2011). Nessa direção, o comportamento verbal agressivo é, o mais das
vezes, empregado de forma estratégica e deliberada, com o objetivo de
construir uma imagem que se busca validar por meio da polêmica, fato
que pode refletir na cooptação da “instância cidadã”. Trata-se do político
de carisma forte, destemido, que configura a imagem de homem viril e
corajoso (CHARAUDEAU, 2016). Assim, a descortesia pode assumir
finalidades discursivas cujos efeitos perlocutórios são o de garantir a
adesão do interlocutor ao discurso político e, ademais, contribuir para que
as intenções do político sejam concretizadas, por meio de atos ilocutórios
distintos, tais como: ameaçar, deslegitimar, rechaçar, entre outras.

Análise do corpus

Exemplo 1 - Tem que ter pólvora

O exemplo a ser analisado corresponde à fala de Jair Bolsonaro no


contexto das eleições presidenciais nos Estados Unidos, em que Biden é
eleito, porém, seu nome não é, propositadamente, sequer mencionado
pelo líder político brasileiro, em um ato de descortesia, uma vez que é
sabido – no momento em que se recorre aos conhecimentos de mundo,
isto é, conhecimentos enciclopédicos condizentes ao contexto que
subjaz ao evento interlocutivo – que o político brasileiro sempre apoiara,
publicamente, o presidente derrotado nas urnas, no caso, Donald Trump,
cujo discurso acerca da pandemia, também, apresenta, assim como o de
Bolsonaro, viés negacionista, calcado, sobretudo, no argumento de que
a economia não deve parar e que a atual crise sanitária, sem precedentes,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 206


reside em uma “gripezinha”. Trata-se, pois, de uma ato de descortesia de
fustigação (KAUL DE MARLANGEON, 2005), na medida em que
Bolsonaro se afilia a um grupo – no caso, os que dirimem a problemática
e os efeitos catastróficos de uma crise sanitária, deslegitimando-a – para,
em contrapartida, atacar o grupo adversário, composto por aqueles que
defendem a vacinação e ações efetivas contra o avanço do vírus, como
Biden.
Nessa direção, verifica-se um ato de afiliação exacerbada a um grupo
(KAUL de MARLANGEON, 2005), realizado por Jair Bolsonaro, cujos
efeitos são os de ameaçar a imagem de grupo de seus oponentes políticos,
a saber, os americanos que requerem a proteção da floresta. Ademais,
sabe-se que, assim como Trump, Bolsonaro apresenta um discurso
perfilado por uma postura reducionista e negacionista no que tange ao
aquecimento global e à questão climática, por exemplo, promovendo,
em sua gestão, consoante as acusações do presidente americano eleito,
John Biden, à devastação da Amazônia, por meio da intensificação das
queimadas. Nessa situação contextual, Biden, assim como outros líderes
políticos, procedem à realização de um ato de fala ilocutório cujos
efeitos são os de ameaçar o presidente brasileiro devido à ausência de
um gerenciamento efetivo no combate dos incêndios desse importante
bioma: Biden realiza um ato de fala ilocutório que configura uma ameaça
ao afirmar que, caso o Brasil não diminua as queimadas, o país sofrerá
sanções e bloqueios comerciais dos Estados Unidos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 207


Exemplo 2

Assistimos há pouco aí o grande candidato à chefia de Estado...


que se eu não apagar o fogo da Amazônia levanta barreiras comerciais
contra o Brasil... e como é que nós podemos fazer frente a tudo isso...
apenas a diplomacia não dá...que quando acaba a saliva...tem que ter
pólvora senão não funciona...não precisa nem usar pólvora...

Diante do ato ilocutório de ameaça de Biden, Bolsonaro ataca


à face do presidente americano (Goffman, 1967) e reage a tal ação –
considerando que os atos de fala suscitam, conforme Austin (1990), uma
intervenção sobre o outro – cujos efeitos, isto é, os atos de perlocução daí
decorrentes são, conforme evidencia sua fala, os de ameaça: “tem que ter
pólvora”.
Nessa direção, Biden busca provocar uma ação mediante um ato
ilocutório de ameaça, esperando, como efeitos desse ato, que Bolsonaro
busque promover medidas em prol da preservação da floresta amazônica.
No entanto, o que se pode observar, de fato, é que os atos ilocutórios
de ameaças do governo americano não surtem os efeitos esperados ou
intencionados pelo presidente dos Estados Unidos, de maneira que o ato
de perlocução – no caso, a possibilidade de Bolsonaro rever sua postura
– não se realiza, visto que o presidente brasileiro reage à ação projetada
pelo ato ilocutório de ameaça - retaliar ou promover sanções ao governo
brasileiro- com outra ameaça.
Nota-se, pois, uma situação de interlocução marcada pelo dissenso
e pelo comportamento verbal agressivo, em que se verifica atos de
descortesia por desqualificação (BLAS ARROYO, 2011) e ataques à
face (GOFFMAN, 1967): o presidente Biden não é reconhecido por Jair

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 208


Bolsonaro, visto que não é nomeado, sendo, tão somente, denominado, de
forma descortês, como um mero chefe de Estado. Observa-se, desse modo,
o emprego agressivo do trabalho de face, mediante o procedimento de
pontualização, em que a ameaça ocorre de modo deliberado e malicioso
(GOFFMAN, 1967).

Exemplo 3

“Para a mídia, o vírus sou eu. Criaram pânico, né? O problema


está aí, lamentamos. Mas você não pode entrar em pânico. Que nem a
política, de novo, de “fique em casa”. O pessoal vai morrer de fome, de
depressão?” 3 de março de 2021.

No exemplo 3, verifica-se que o presidente Jair Bolsonaro retoma


seus ataques por meio do uso da descortesia de fustigação, na medida
em que critica os correligionários de grupos políticos rivais, quais sejam,
aqueles que defendem o isolamento e medidas de quarentena diante
do avanço do vírus, conforme é possível observar no excerto do trecho
sob análise: Que nem a política do “fique em casa”. O ataque se dá
mediante um ato de refratariedade exacerbada a políticos que seguem tal
política, isto é, tal forma de gerenciar a crise sanitária de modo a conter
o aumento das mortes por Covid. No trecho em que faz menção à
mídia, generalizando-a, de modo a atribuir-lhe o papel de perseguidora,
nota-se que o presidente faz uso de uma ato ilocutório que, embora
pareça um ato constativo, configura-se, efetivamente, em um ato de
ilocutório de acusação (AUSTIN, 1990) , corroborado por elementos
contextuais e extralinguísticos que se depreendem de tal afirmação, tais

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 209


como a entonação em sua fala e, sobretudo, de aspectos concernentes
ao repertório ou ao conhecimento de mundo que reside no fato de o
presidente, constantemente, afirmar que a mídia – tachada de golpista
por seus seguidores e pelo próprio presidente, sobremaneira, nas redes
sociais.
Em outras palavras, ao afirmar que, para a mídia, o vírus é ele
mesmo, Bolsonaro ataca o jornalismo em geral, procedendo, assim, ao
emprego de mais um ato de ameaça à imagem de grupo (BRAVO, 2005),
no caso, a do jornalismo ou à “mídia”. Trata-se de um ato de descortesia
de fustigação, ademais, na medida que o presidente se mostra refratário
em demasiado a um grupo ao qual se opõe, em um claro exemplo de
refratariedade exacerbada ao grupo, constituído pela mídia que, segundo
o líder político, o refuta.
O ato ilocutório de acusação contra a mídia se desdobra em mais um
enunciado, cuja compreensão se dá mediante aspectos extralinguísticos.
Trata-se da pergunta formulada por Bolsonaro, no excerto do exemplo
sob análise: “Criaram pânico, né?”
Com efeito, a pergunta formulada não configura uma forma
interrogativa cuja ação esperada – ato ilocutório – é a de obter uma
resposta, mas sim a de realizar outro tipo de ato ilocutório: uma crítica
ou acusação, que consiste no fato de a mídia ser a responsável por criar
histeria e pânico desnecessários, minimizando, mais uma vez, os efeitos da
crise sanitária decorrente das mortes causadas pela propagação do vírus
no país. Há que se acrescentar que Bolsonaro busca erigir um discurso
calcado em ataques à imagem de grupo, procedendo ao emprego agressivo
do trabalho de face (GOFFMAN, 1967), a fim de realizar mais um ato
ilocutório, a partir do qual seja possível preconceber determinados ações
sobre seus interlocutores: o fato de não ser necessário permanecer em

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 210


casa, já que a pandemia seria resultado de um discurso que promove o
medo e a histeria, consoante o presidente. Nessa direção, cabe assinalar
que o ato ilocutório de acusação – de que a mídia espalhou o pânico –
evidencia as intenções ou finalidades discursivas que permeiam o discurso
do presidente, que visa a convencer seus interlocutores a não obedecerem
à quarentena. Para isso, faz uso de mais um ato ilocutório: o de ameaça,
evidenciado pelo excerto do exemplo analisado: “O pessoal vai morrer de
fome, de depressão?”
Os efeitos desse ato de ameaça ou de fomento do medo, no caso o
ato de perlocução que repercute dessa pergunta que, com efeito, realiza,
consoante se depreende do contexto, um ato ilocutório de ameaça e
não de pergunta – visto que o presidente apela ao pathos3 como recurso
argumentativo para materializar seus atos descorteses (BLAS ARROYO,
2011) – podem ou não ser levados a termo. Os interlocutores podem
proceder à manutenção da quarentena ou abster-se dela, uma vez que
permanecer em casa é, conforme o líder político, sucumbir ao desemprego
e à depressão.

Exemplo 4

Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura


e mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os
problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm

3 De acordo com Blas Arroyo (2011), os “três pilares clássicos da retórica aristotélica”, prevalentes
no trabalho de persuasão empreendido pelos oradores, diz respeito ao emprego de três provas
argumentativas, as quais perfazem as práticas discursivas da comunicação política. Trata-se do
apelo ao logos, por meio do qual se recorre às capacidades intelectuais do auditório; a criação de
um pathos, a partir do qual se inspira a comoção do auditório, assim como a construção de um ethos,
pelo qual se erigea imagem do político honesto e competente.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 211


doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?
(São Simão (GO), no começo de março de 2020).

Enfrentem os problemas
Parem de frescura
Não paremos (nós)
Nós em contraposição a um eles (idosos e doentes)

No exemplo 4, verifica-se o emprego de um “nós inclusivo”, do qual


o orador faz uso com o propósito de de chamar o povo para uma luta em
comum, ou seja, uma batalha simbólica contra o vírus – o verdadeiro
inimigo. Trata-se de um discurso extremamente descortês, na medida em
que ataca a face daqueles que temem o vírus, reportando-se, além disso, ao
discurso militar, cuja descortesia é marcadamente assimétrica, agressiva e
ritualizada. Nota-se que o dêitico pessoal “nós”, por outro lado, exclui
aqueles que apresentam comorbidades, os idosos e doentes, que são
tratados como um “eles”, isto é, passam a ocupar uma categoria de não
pessoa (BENVENISTE, 1970), uma vez que essa parcela da população
é relegada a uma terceira pessoa. No que concerne à cena enunciativa,
tal fenômeno produz efeitos de sentido marcadamente descorteses,
visto que essa parte da população não perfaz aqueles que, efetivamente,
lutarão pelo Brasil, como verdadeiros soldados, contra um inimigo em
comum: no caso, o vírus. Nesse sentido, o trecho “temos que enfrentar
os problemas”, evidencia que os idosos, os doentes e as pessoas com
comorbidades se encontram fora da esfera de referência pessoal do dêitico
pessoal, fato que pode indicar relações de afastamento no que refere às
pessoas idosas e doentes, que segundo a fala do presidente, não fazem

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 212


parte do seleto grupo que seria responsável pelo “avanço” e andamento
do país, já que o Brasil não pode parar.
No mesmo exemplo, é necessário fazer algumas considerações
acerca do uso do termo “mimimi”, que, atualmente no Brasil, configura
uma expressão ideológica que exprime as relações de oposição em se
tratando de posicionamentos políticos, sociais e econômicos. Ao usar
essa expressão, observa-se que Bolsonaro alude a formas e repertórios
compartilhados e já cristalizados, compreendidos por grupos sociais
distintos, de modo que, devido ao uso do mencionado termo, pode-se
afirmar que o presidente assume um posicionamento político-ideológico
e, em contrapartida, refuta vozes sociais antagônicas, em um claro ato de
ameaça à imagem dos brasileiros que fazem parte desse grupo. O exemplo,
permeado por estratégias descorteses de ataque à face, isto é, à imagem
social do brasileiro - são covardes, realiza-se, também, por meio de outra
pergunta retórica, que reside em um recurso retórico-argumentativo,
uma vez que não apresenta propósitos de obter informação, mas sim a
intenção deliberada de atacar a face daqueles que se encontram em luto
em decorrência da pandemia. Esse recurso retórico materializa um ato de
descortesia contra uma parcela significativa da população, cujos objetivos
são os de convencer o interlocutor de que não adianta chorar, mas sim
enfrentar o vírus – que, metaforicamente, representa o verdadeiro inimigo
a ser combatido. Observa-se, dessa maneira, que a problemática da crise
sanitária e o vírus assumem contornos ideológicos e políticos, na medida
em que os que permanecerão chorando e não sairão de suas casas, em favor
do ideal político-econômico de que o Brasil não pode parar, pertencem
a um dado grupo social e ideologicamente antagônico à postura de Jair
Bolsonaro sendo, portanto, alvo dos ataques e da descortesia.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 213


Exemplo 5 - Caguei

Nesse exemplo, ao ser questionado acerca da CPI da Covid, ins-


taurada no Brasil com o propósito de apurar atos de irregularidade na
aquisição de vacinas e no gerenciamento da crise sanitária, Jair Bolsonaro
responde ao jornalistas: “caguei”. Nesse momento, observa-se a intensifi-
cação da descortesia e o ataque à face de todos os brasileiros, quer sejam
as vítimas e parentes dos acometidos pela doença, quer sejam os que o
entrevistaram e os que participam do processo de investigação instaurado
no contexto da crise sanitária. Vale ressaltar que, nesse momento, o Brasil
já havia ultrapassado o número de 500 mil mortos, fato que contribuiu
para a instauração do processo investigativo e para diversas interpelações
que, também, colocam sob ameaça a face, isto é, a imagem pública do
presidente. Com efeito, ao enunciar “caguei”, Bolsonaro mostra seu des-
prezo pela CPI, assim como erige a imagem de um político irresponsável,
cuja fala é desprovida de decoro e de um comportamento verbal minima-
mente cortês esperado por um líder político em um contexto de mortes
sem precedentes.
O exemplo evidencia, além disso, que o presidente viola a máxima
da quantidade, na medida em que não responde, de modo suficiente,
o que lhe fora questionado. Viola-se, também, a máxima da qualidade,
uma vez que o presidente não diz fatos verdadeiros, já que à expressão
não corresponde ao ato de defecar. Outra máxima griceana violada reside
no fato de evitar ambiguidades: o presidente não é claro, violando, assim,
a máxima do modo e da relação, porque não trata do tópico – assunto
– em questão. Posto isso, pode-se afirmar que a violação dessas máximas
desencadeia uma implicatura conversacional, compreendida e atualizada
pelo contexto, uma vez que, ao mencionar “caguei” diante dos fatos e da

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 214


instauração de uma CPI, Bolsonaro produz, por meio de seu discurso, a
seguinte mensagem: isso não me importa, a qual está implícita e é com-
preendida devido ao contexto, isto é, a fatos extralinguísticos, já que se
trata de uma gíria de baixo calão utilizada para insinuar desprezo.
Assim, faz-se necessário compreender aspectos contextuais que sub-
jazem ao discurso do presidente para que se interprete seu enunciado,
fato que corrobora a acepção de que a situação de uso e os elementos que
extrapolam o âmbito frasal são de suma relevância para o entendimento
e para a atribuição de sentidos aos enunciados. A violação das máximas
conversacionais e a implicatura engendrada por tal violação produzem,
pois, efeitos descorteses que conferem intensa agressividade ao discurso
do presidente.

Exemplo 6

“Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio.


Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir
disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas.”

Ordem (deixem de ser maricas, enfrentem o vírus)


Nem tudo é pandemia
Acabem com isso
Todos morrerão

(Ao defender medidas menos drásticas de isolamento social


em evento para lançar políticas para impulsionar o turismo no
Brasil em 10 de novembro de 2020).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 215


Jair Bolsonaro arquiteta sua fala na construção de um político
deveras agressivo – fato que evidencia a imagem de militar e de homem
viril, que não tem receio de falar.

Exemplo 7

“Esse vírus trouxe uma certa histeria. Tem alguns governadores,


no meu entender, posso até estar errado, que estão tomando medidas
que vão prejudicar e muito a nossa economia. (...) A vida continua,
não tem que ter histeria. Não é porque tem uma aglomeração de pessoas
aqui e acolá esporadicamente [que] tem que ser atacado exatamente isso.
[É] tirar a histeria. Agora, o que acontece? Prejudica.” Entrevista à rádio
Super Tupi. 17 de março de 2021.

No exemplo sob análise, a pergunta tem valor de ameaça: seremos


prejudicados. A fala do presidente evidencia o uso de uma estratégia de
descortesia de fustigação (KAUL de MARLENGEON, 2005) contra a
imagem de grupo (BRAVO, 2005) dos políticos adversários, fazendo
uso de uma estratégia de descortesia de refratariedade exacerbada aos
oponentes, no caso, seus rivais, quais sejam, governadores e prefeitos
que decretaram o Lockdown. Trata-se de um ataque ao grupo opositor
por meio da refutação da imagem de grupo de sujeitos cujo discurso e
ideologia se pretende anular, na medida em que o presidente rechaça as
ações empreendidas por seus adversários, trazendo à luz questões aceitas e
compartilhadas por uma coletividade (lugares-comuns), a saber, o direito
à liberdade – a despeito de uma crise sanitária – o direito ao emprego e,
também, a questões relacionadas à dignidade dos cidadãos, como direito
ao emprego e à garantia de alimentação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 216


A esse respeito, pode-se afirmar que o discurso presidencial remete a
questões universais, atemporais e aceitas por uma maioria, isto é, por uma
coletividade, cujo intuito é rechaçar as ideias antagônicas, preenchendo-
as com fatos e pensamentos compartilhados por uma memória coletiva.

Exemplo 8

“Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores


e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus. (...) Espero
que não venham me culpar lá na frente pela quantidade de milhões e
milhões de desempregados na minha pessoa.”

Nesse exemplo, observa-se o emprego de um ato ilocutório de


acusação, uma ação efetuada mediante o proferimento desse enunciado
cujos efeitos esperados pelo presidente são os de promover a refutação,
por parte dos cidadãos, às medidas tomadas por governadores e pela
mídia em relação à crise sanitária, que consistem no fechamento de
estabelecimentos e medidas restritivas de circulação da população, a fim
de coibir o avanço do vírus Covid 19. A menção feita aos governadores
e à mídia evidencia a refratariedade exacerbada em relação a esses grupos
ao qual o presidente se opõe, fato que indica o uso da descortesia de
fustigação e o ataque à imagem de grupo (BRAVO, 2005) da mídia e dos
políticos aos quais Jair Bolsonaro se opõe. Nessa direção, pode-se afirmar
que os efeitos perlocutórios esperados são os de convencer a população
a transgredir as medidas de restrição e de quarentena propostas pelos
governos e validadas pela mídia.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 217


Além disso, no trecho final do exemplo, no excerto: “Espero que
não venham me culpar lá na frente”, a fala de Bolsonaro evidencia
a presença de um ato ilocutório de ameaça, uma vez que o presidente
constrói um enunciado cuja finalidade é o de fomentar o medo de seu
público-alvo diante do desemprego, isentando-se da responsabilidade da
quantidade de desempregados que, conforme o político

Considerações finais

Neste capítulo, propusemo-nos a investigar de que modo


expedientes linguísticos e extralinguísticos se encontram imbricados
em um complexo processo de construção de sentidos e significados que
reverberam de atividades de comunicação diversas.
A emergência e produção de dados efeitos de sentido derivam do
uso de atos ilocutórios de fala, sobretudo, os de ameaça e de acusação,
que podem provocar atos perlocutórios calcados na violência verbal. A
violação de máximas e a produção de implicaturas conversacionais, assim
como os diferentes processos de interação e de procedimentos específicos
de negociação das faces evidenciaram, nas análises realizadas, efeitos de
aproximação ou de afastamento; atitudes de afiliação a determinadas
posturas político-ideológicas, bem como atos de descortesia verbal,
sobretudo, por meio da descortesia de fustigação.
Nessa direção, para a análise do corpus, procedeu-se ao exame de
expedientes contextuais, que subjazem o discurso do presidente Jair
Bolsonaro, quais sejam, as intenções do falante em realizar uma ação
mediante o uso de atos de fala indiretos e de duplicidade ilocutória,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 218


por meio da violação deliberada de máximas conversacionais das quais
emergiram determinadas implicaturas conversacionais, entre outros
recursos interacionais, a fim de que se efetivem os efeitos sobre o ouvinte,
como o medo da fome e do desemprego, em detrimento de uma postura
que assevere a gravidade da pandemia e as necessidades de agir em prol do
gerenciamento da crise sanitária que se instalou no país devido à Covid
e à ausência de políticas públicas efetivas tomadas pelo presidente nesse
contexto. Considerando que tais efeitos se depreendem de um complexo
processo interpretativo de atualização dos enunciados e de fatos da
língua que extrapolam o domínio do âmbito meramente frasal, tomamos
como escopo teórico-metodológico as contribuições da Pragmática,
no que tange às abordagens relativas à teoria dos atos de fala, de uma
visão performativa da linguagem e da análise do ambiente de interação,
marcadamente agonal, cujo discurso é de cunho negacionista e fortemente
ideológico, fato que indica um tipo de situação de interlocução permeada
pelo dissenso.
Esperamos, destarte, oferecer, por meio desta pesquisa, contribuições
aos estudos pragmáticos que se debruçam sobre a polêmica, sobretudo,
arquitetada por discursos políticos, de natureza extremista, em que o
locutor busca levar o outro a agir – mediante o uso da palavra – a partir da
exploração e intensificação da agressividade verbal de forma estratégica, a
fim de obter determinados efeitos perlocutórios ou performances de seu
público-alvo.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 219


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 221


Análise pragmática das conjunções
causais e explicativas segundo a perspectiva
de Oswald Ducrot e Carlos Vogt

Ânderson Rodrigues Marins

Introdução

Quando jovem, ao ler o Curso de linguística geral de Ferdinand


de Saussure, Oswald Ducrot encontrou, no capítulo que trata do valor
linguístico, a fundamentação que o lançou na pesquisa linguística hoje
conhecida pelo nome de Semântica Argumentativa, criada na França por
Ducrot, na década de 1970, na École des Hautes Études em Scienses de
Paris, inicialmente em conjunto com Jean-Claude Anscombre1, cuja tese
central é a de que todo enunciado é um argumento para uma conclusão
(POSSENTI, 2017).
A relação entre a noção de valor, proposta por Saussure para explicar
a linguagem, e a filosofia clássica defendida Ducrot é apresentada no
“Prefácio” ao livro de Carlos Vogt (2009) intitulado O intervalo semântico.
Nesse texto, Ducrot revela a busca à origem filosófica de valor linguístico
na teoria da alteridade exposta em O sofista, onde Platão trata das
categorias fundamentais da realidade, a saber: o Movimento, o Repouso,
o Mesmo e o Ser, às quais se soma uma quinta categoria: o Outro, tido

1 Atualmente vem sendo desenvolvida por Ducrot com a colaboração de Marion Carel, no
mesmo centro de pesquisas francês.

DOI: 10.52788/9786589932536-10 SUMÁRIO / 222


por fundamento de todas as categorias. Platão defende que, na realidade,
tudo só se especifica quando relacionado com o outro. No capítulo que
trata do valor linguístico, Saussure (2006, p. 132) contemporiza para o
estudo da língua o que Platão disse em sua teoria da alteridade.
Além do conceito saussuriano de valor, os conceitos de língua e de
fala são indispensáveis para se compreender a Semântica Argumentativa.
A língua é um conjunto de convenções, é “um tesouro depositado pela
prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade”
(SAUSSURE, 2006, p. 21). É de natureza social. Já a fala é individual. Ao
empregar a língua, aquele que fala, ou escreve, realiza combinações para
expressar seu pensamento. Essas combinações determinam os valores
definidos “não positivamente pelo seu conteúdo, mas negativamente por
suas relações com outros termos do sistema” (SAUSSURE, 2006, p. 136).
De acordo com Guimarães (2015), com a publicação, em 1973, de
Les échelles argumentatives, estabelece-se um aspecto determinante para
a Semântica Enunciativa de Ducrot, conhecida depois como Semântica
Argumentativa. A relação fundamental do sentido será caracterizada com
o que Ducrot chama de orientação argumentativa e que ele considera
como própria da língua.
Nesse sentido, aqui veremos que para Ducrot (1977) existem rela-
ções diferentes quanto à natureza e à organização dos enunciados a partir
de dois tipos básicos de elementos de conexão interfrástica: os conectores
de tipo lógico e os encadeadores de tipo discursivo. Este capítulo reflete,
portanto, um modelar contributo no âmbito dos Estudos Linguísticos,
nomeadamente no que respeita à descrição e funcionamento das con-
junções causais e explicativas no PB. Para além de uma ampla recensão
da bibliografia disponível acerca do assunto, nomeadamente no âmbito
da produção gramatical brasileira, fazemos nossa opção epistemológica

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 223


fundamentalmente apoiada em teorias enunciativas, a fim de analisar e
descrever as referidas conjunções e os seus contextos linguísticos. Trata-se
de um estudo compósito de cariz semântico-argumentativo-pragmático,
que caminha por uma síntese teórica à luz de Oswald Ducrot e Carlos
Vogt, cujos princípios nortearam-nos na e para a vasta análise do material,
resultando num meticuloso exame dessas conjunções, submetendo-as a
testes, como o da pergunta e o da negação, da quantificação, do encadea-
mento e da extraposição, avaliando tanto seu aspecto gramatical quanto
argumentativo.

O pensamento linguístico de Oswald Ducrot

Ducrot (1977), em sua Semântica da Enunciação, distingue dois


tipos básicos de elementos de conexão interfrástica: os conectores de tipo
lógico e os encadeadores discursivos. A função dos conectores lógicos é apon-
tar o tipo de relação lógica que o locutor estabelece entre o conteúdo de
duas proposições. Nesse caso, trata-se de um único enunciado, resultan-
te de um ato de fala único, já que nenhuma das proposições constitui
objeto de um ato de enunciação compreensível independentemente da
outra, ou seja, as duas orações estão ligadas num único ato de enunciação,
correspondente a uma única intenção. Trata-se do que Ducrot considera
como frases ligadas.
Para melhor explicar a noção de frases ligadas, Ducrot (1977, p.
129) introduz o conceito de predicado complexo, constituído por um pre-
dicado elementar sobre o qual agiram diferentes operadores ou pela fu-
são de predicados elementares entre si. Esse predicado caracteriza as frases
ligadas, que se poderiam considerar como verdadeiras subordinadas do

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 224


ponto de vista semântico (ao contrário daquelas em que ocorre a coorde-
nação semântica, na acepção de Bally). Os conectores que correspondem
à estrutura da subordinação semântica e das frases ligadas constituem,
assim, um conteúdo complexo a partir dos conteúdos simples expressos
nas proposições p e q. Forma-se, então, um predicado único e complexo
do ponto de vista semântico, a segunda proposição se integra, de certa
forma, num predicado único. As relações do tipo lógico, como as de con-
dicionalidade, causalidade, mediação, temporalidade, complementação
etc. correspondem a frases ligadas, dotadas de predicados complexos.
Dessa forma, os operadores lógicos implicam subordinação semântica e
um só universo de crenças.
As relações lógicas, portanto, são as seguintes:

a) Relação de condicionalidade: expressa pela conexão de duas


orações, uma introduzida pelo conector se e outra por então (que
pode estar implícito).

Exemplo:
1. Se chover muito (então) a rua ficará alagada.

b) Relação de causalidade: expressa pela combinação de duas ora-


ções, uma das quais encerra a causa que acarreta a consequência da
outra.

Exemplo:
2. Passou mal porque bebeu demais.
Nas gramáticas tradicionais e nos livros didáticos, as orações que es-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 225


tabelecem essa relação de causalidade são chamadas de “causais” e “con-
secutivas”.
c) Relação de mediação: expressa por duas orações numa das
quais estão explicitados os meios para atingir a finalidade expressa
na outra.
Exemplo:
3. Ele estudou muito para passar de ano.
Nas gramáticas tradicionais e nos livros didáticos, as orações que
estabelecem essa relação de causalidade são chamadas de “finais”.
d) Relação de conformidade: expressa por meio de duas orações
em que se mostra a conformidade do conteúdo de uma em relação
a outra.
Exemplo:
4. O menino agiu conforme o pai havia aconselhado.
Os encadeadores discursivos, por outro lado, caracterizam o
que Ducrot chama de coordenação semântica. São responsáveis pela
estruturação de enunciados em textos por meio de encadeamentos
sucessivos, cada um dos enunciados resulta de um ato de fala diferente.
O que se afirma não é a relação do tipo lógico existente entre o que é
assegurado por duas proposições. Produzem-se, isto sim, dois ou mais
enunciados distintos, encadeando-se o segundo sobre o primeiro,
considerado tema. Comprova-se que são enunciados diferentes resultantes
de atos de fala distintos por poderem ser apresentados soba a forma de
dois períodos, ou até proferidos por locutores diferentes, recebendo a
denominação de encadeadores do discurso. Assim, tanto podem ocorrer

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 226


entre orações de um mesmo período quanto entre parágrafos de um
texto. Esses conectores implicam, então, coordenação semântica e mais
de um universo de crenças.
Operadores argumentativos ou do discurso, termo cunhado por
Oswald Ducrot, designam certos elementos da gramática da língua que
têm por função indicar a forma argumentativa dos enunciados, a direção
para o qual apontam. São elementos de valor essencialmente argumenta-
tivo que orientam o texto numa dada direção argumentativa. São impor-
tantes marcas linguísticas da enunciação, pois a argumentatividade não
é algo apenas acrescentado ao uso linguístico, mas, ao contrário, inscrito
na própria língua. Sustenta-se que o uso da linguagem é inerentemente
argumentativo. No momento em que se interage através da linguagem,
pretende-se orientar os enunciados produzidos no sentido de determi-
nadas conclusões, com exclusão de outras. Se a língua permite falar sobre
as coisas, seu objetivo primeiro não é descrevê-las, não é informar sobre o
que elas são, mas provocar uma avaliação, orientar para uma conclusão, já
que, segundo esses teóricos, a argumentatividade é mais importante que
a informatividade.
Para exame dos operadores argumentativos faz-se necessária uma
recapitulação das noções de escala argumentativa2 e de classe argumen-
tativa formuladas por Ducrot. A classe argumentativa consiste em dois
ou mais argumentos orientados no mesmo sentido, ou seja, para uma
mesma conclusão. Diz-se que p é um argumento para a conclusão r, se p é
apresentado como o que leva o interlocutor a concluir r (KOCH, 2006).

2 A rigor, é através das escalas argumentativas que Ducrot inaugura a análise dos fenômenos
ligados à argumentação. Do aparelho conceptual aí apresentado — classe argumentativa, valor
argumentativo, orientação argumentativa — e não obstante a importância que tais noções
assumirão no seio da própria teoria, a que mais sobressai, pelo seu carácter fundador, é, sem
dúvida, a de classe argumentativa (GONÇALVES, 2002, p. 207).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 227


Exemplo3:

5. João é o melhor candidato. (conclusão r)

Argumento 1 – tem boa formação em Economia


Argumento 2 – tem experiência no cargo classe argumentativa
Argumento 3 – não se envolve em negociatas

Etc. (Todos os argumentos têm o mesmo peso para levar o alocutá-


rio a concluir r)

Quando dois ou mais enunciados - p, p”, p”... - de uma classe se


apresentam em gradação de força (escala graduada) crescente no sentido
de uma mesma conclusão r, tem-se a escala argumentativa:

6. A apresentação foi coroada de sucesso (conclusão r)

Argumento 1 – estiveram presentes personalidades do mundo ar-


tístico
Argumento 2 – estiveram presentes pessoas influentes nos meios
políticos
Argumento 3 – esteve presente o Presidente da República (argu-
mento mais forte)

3 Os exemplos a seguir estão em Koch (2010).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 228


Pode-se representar graficamente a escala argumentativa da seguinte
forma, com o topo da pirâmide representando o argumento mais forte:
7. r: A apresentação foi coroada de sucesso:

Figura 1: Escala argumentativa

Fonte: MARINS, 2021.

Se, no entanto, a mesma conclusão for negada, intervertem-se os ele-


mentos da escala, com a base da pirâmide representando o argumento
mais forte:

8. r: A apresentação não teve sucesso:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 229


Figura 2: Escala argumentativa

Fonte: MARINS, 2021.

Pode-se tratar a escala argumentativa com certos operadores argu-


mentativos que estabelecem a hierarquia dos elementos na escala:

9. r = Ele é ambicioso

Figura 3: Escala argumentativa

Fonte: MARINS, 2021.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 230


Assim, entre os principais operadores existem os que, de acordo
com Koch (2010):
• assinalam o argumento mais forte para uma determinada
conclusão r, como, por exemplo, os operadores mesmo, até, até mes-
mo, inclusive ou, então, o argumento mais fraco, como ao menos,
pelo menos, no mínimo;
• somam argumentos a favor de uma mesma conclusão, ou
seja, argumentos que integram uma mesma classe argumentativa,
como, por exemplo, e, também, ainda, em (= e não), não só... mas
também, tanto...como, além de..., além disso..., a par de..., etc.
• introduzem uma conclusão relativa a argumentos apresen-
tados em enunciados anteriores, como portanto, logo, por conse-
guinte, pois, em decorrência, etc.
• introduzem argumentos alternativos que levam a conclu-
sões que diferem ou se opõem, como ou, ou então, quer... quer,
seja... seja, etc.
• introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao
enunciado anterior, como porque, que, já que, pois, etc.
• contrapõem argumentos orientados para conclusões con-
trárias, como mas, porém, contudo, todavia, no entanto, embora,
ainda que, posto que, apesar de, etc.
• têm por função introduzir no enunciado conteúdos pres-
supostos, como já, ainda, agora, etc.
Importante observação que Ducrot (1977) nos apresenta a partir
do trabalho de Bally4 (1944) diz respeito aos três modos de composição
entre enunciações: a justaposição, a coordenação e a subordinação, dos
quais, para os objetivos do nosso estudo, tratamos dos dois últimos.

4 Linguistique Génerale et linguistique française. 2. ed. A. Francke S.A. Berne, 1944.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 231


Bally destaca a coordenação, que consiste em uma noção de ordem
semântica e não morfológica ou sintática. Assim, Ducrot acolhe a ideia de
Bally em relação ao fato de a coordenação poder realizar-se sem qualquer
conjunção aparente ou quando duas enunciações estão ligadas por uma
conjunção.
Haverá, portanto, coordenação semântica entre enunciações A e B se:

Figura 4: Coordenação semântica.

Fonte: MARINS, 2021.

Dessa forma, A é uma proposição autônoma correspondente a um


ato de enunciação completo que permanece idêntico a si mesmo quer A
seja ou não seguido de B, além de comportar um tema e um comentário.
Ao passo que B toma A por tema, apresentando-se como um comentário
concernente a A. Em um período como

10. Cheguei em casa; vou descansar.

A primeira afirmação – Cheguei em casa – realiza um ato de asserção


totalmente diferente da segunda – vou descansar – que se instaura como
um comentário referente à afirmação precedente:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 232


Figura 5: Coordenação semântica.

Fonte: MARINS, 2021.

Com efeito, nota-se uma distinção entre coordenação semântica e


coordenação sintática, visto que esta relaciona segmentos com a mesma
função, ao passo que aquela se fundamenta nos atos de enunciação rea-
lizados por ocasião da produção dos enunciados, podendo ocorrer sem
qualquer marca gramatical aparente (p. ex. conjunção) ou mesmo quan-
do duas enunciações (A e B) estão unidas por uma conjunção dita de
“subordinação” (DUCROT, 1977). No exemplo, A pode ser analisado
como objeto de um ato de linguagem independente e B como consequ-
ência de A, a comportar, pois, como parte integrante, uma referência a A.
Para Ducrot, com base em estudos de Bally, o terceiro modo de com-
posição entre enunciações consiste no que denomina frase ligada (sol-
dadura). Neste caso, nenhuma das duas orações é objeto de um ato de
enunciação compreensível independentemente do outro, ou seja, as duas
orações correspondem a um único intento.
A distinção entre frase ligada e coordenação serve para diferenciar
conjunções que a gramática classifica indistintamente na chancela da su-
bordinação. Considere-se os quatro enunciados a seguir5:

5 Os exemplos a seguir são de Ducrot (1977).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 233


11. Pedro veio para que Tiago partisse.
12. Pedro veio, de modo que Tiago partiu.
13. Pedro veio porque Tiago partiu.
14. Pedro veio, pois Tiago partiu.

Para descrever as oposições para que / de modo que/ e porque / pois


deve-se observar diferenças na natureza das relações expressas (finalidade/
consequência, causa/prova), além de diferenças na organização interna
dos períodos. Assim, 12, diferentemente de 11, não pode ser objeto de
uma interrogação, nem de uma negação, ou seja, não temos
15. Pedro veio, de modo que Tiago partiu?,
nem
16. Pedro não veio, de modo que Tiago partiu.
Caso encontremos tais enunciados, a negação e a interrogação não
incidem sobre a própria relação de consequência.
Além disso, de modo que não pode ser modificado por somente:
17. Pedro veio somente de modo que Tiago partiu.
Ou introduzir a oração consecutiva na perífrase É ... que:
18. É de modo que Tiago partiu que Pedro veio.
Essas transformações não podem se aplicar ao período 14, com pois.
Em compensação, podem ser aplicadas com os períodos 11 e 13, constru-
ídos com para que e porque, o que leva a sugerir que se dê a 11 e 13 uma
estrutura comum, diferente da de 12 e 14.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 234


A diferença entre os dois tipos de períodos reside no fato de 11 e
13 serem frases ligadas, porque o locutor, nesse caso, as emprega com in-
tenção de apontar a relação existente entre as duas orações de que cada
uma das frases ligadas é constituída (DUCROT, 1977). Logo, indica-se o
objetivo ou a causa da vinda de Pedro, daí ser possível introduzir expres-
sões como somente ou é.. que, que tomam diretamente como alvo essa
relação, que, por sua vez, pode também ser negada ou colocada em dú-
vida por meio de uma negação ou interrogação. Diferentemente, em 12
e 14, construídas com de modo que e pois, pode-se falar em coordenação,
entendendo por isso que o emprego desses períodos equivale a realizar, de
acordo com Ducrot, duas enunciações sucessivas. Anuncia-se que Pedro
veio para, em seguida, apresentar, uma vez admitido esse primeiro fato,
um outro fato, que é apresentado como consequência ou como prova.
Não é, portanto, a relação existente entre os dois fatos que está em jogo,
mas a afirmação de dois fatos, introduzindo o segundo por intermédio de
sua relação com o primeiro.
Há, também, uma diferença de ordem estrutural entre os dois tipos
de períodos, caracterizada pela sua organização interna, no modo como
se articulam seus constituintes semânticos. Entrevendo-se uma solução,
pode-se acrescentar a Pedro, sujeito da frase 13, um determinante do tipo
só, mesmo, também:

19. Só Pedro veio porque Tiago partiu.

Ducrot (1977) defende que, nesse caso, teremos duas leituras


possíveis:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 235


1ª) Somente Pedro veio: a causa disso é que Tiago partiu.
A causa da partida de Tiago é que ninguém mais além de Pedro
tenha vindo, coerentemente com a regra de encadeamento
2ª) A única pessoa que veio por causa da partida de Tiago foi Pedro.
Em contrapartida, só se apresenta uma dessas leituras imagináveis
para os enunciados construídos da mesma maneira a partir de 16:

20. Só Pedro veio, de modo que Tiago partiu.

Pode-se descrever 20 como constituído por duas orações Só Pedro


veio e Tiago partiu, ligadas pela coordenação de modo que. Faz-se,
ainda, necessária uma descrição análoga para 14, que conteria assim as
proposições Só Pedro veio e Tiago partiu, ligadas por pois.
Há enunciados que devem ser compreendidos como frases ligadas,
que atribuem um predicado complexo único a um sujeito único, como
é o caso dos enunciados negativos ou interrogativos nos quais figuram
porque ou para que:

21. Pedro virá para que Tiago parta?

A rigor, quando duas estruturas forem possíveis haverá ambiguidade,


isto é, estaremos diante de dois enunciados homônimos.
A noção-chave, segundo Ducrot (1977), para determinar a diferença
estrutural entre coordenação e frase ligada é a de “predicado complexo”.
Para introduzir essa noção, Ducrot opõe-se à tese atribuída a Chomsky de
que toda complexidade, num enunciado, deriva do fato de ele comportar,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 236


em sua estrutura profunda, uma multidão de enunciados imbricados
uns aos outros. Na verdade, Ducrot sustenta a existência de outra fonte
de complexidade, manifestada sobretudo nas frases ligadas, que resulta
da estrutura interna do predicado. O predicado, chamado por ele de
“complexo”, é nesses casos composto, quer por um predicado elementar
sobre o qual operaram diferentes operadores, quer pelo amálgama de
predicados elementares, ou de predicados elementares e de orações. Tais
possibilidades se combinam mutuamente.
Os períodos contendo porque, como vimos, podem ser considerados
estruturalmente ambíguos, ora interpretados como coordenações de
orações, ora como frases ligadas comportando um único predicado
complexo.
Coordenação e frase ligada, e a introdução correlativa da noção de
predicado complexo são de grande relevância ao se tratar do componente
linguístico e de calcular a significação dos enunciados.
Vejamos este outro caso proposto por Ducrot (1977):

22. João veio porque se aborrecia.

O enunciado é constituído pelo sujeito “João” e pelo predicado


complexo “vir por aborrecer-se”. Introduz-se no componente linguístico
um operador porque, que transforma dois predicados “Pr1” e “Pr2” num
predicado complexo “Pr1 porque Pr2. As noções de predicado complexo
e de coordenação não repousam tão-somente numa espécie de “intuição
semântica”, que faz “sentir” a existência de tipos de organização diferentes.
Eles têm a função de agir no funcionamento do componente linguístico,
componente este que toma como ponto de partida os enunciados

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 237


considerados fora de qualquer contexto e atribui-lhes significações (cf.
DUCROT, 1977, p. 124).
A noção de predicado complexo, introduzida por Ducrot a partir
da formulação de Bally, que ocorre quando temos frases ligadas busca
deixar clara a diferença estrutural entre os períodos assim organizados e os
organizados por coordenação semântica. Nos períodos de frases ligadas,
as palavras utilizadas para ligar as orações cumprem o papel de conectivos
ou operadores lógicos que encaixam uma oração em outra. Assim, fazem
da primeira um termo da segunda, na medida em que as duas passam a
constituir uma única oração com predicado complexo: um enunciado
único que resulta de um só ato de enunciação. Tais operadores concebem
relações predominantemente lógicas entre as orações que ligam. A
intenção do locutor, neste caso, consiste em deixar clara a relação lógica
entre as orações. Já nos períodos de coordenação semântica, são utilizados
os operadores argumentativos ou discursivos para ligar as orações. Tais
operadores encadeiam orações (enunciados) a fim de estruturá-las em
texto, isto é, constituindo um discurso. Neste caso, temos dois enunciados
que resultam de dois atos de enunciação diferentes e sucessivos. Portanto,
podem aparecer encadeando tanto orações de um mesmo período quanto
orações de períodos diferentes ou períodos e parágrafos entre si e também
um enunciado com o modo de enunciação do outro (cf. TRAVAGLIA,
1986). Ducrot, então, propõe critérios para verificar se se trata ou não
de duas proposições, se temos coordenação semântica ou frases ligadas.
Estes critérios são alcance da interrogação e negação, encadeamento,
extraposição e escopo da quantificação:
a) Alcance da interrogação e negação: nas frases ligadas, a
interrogação e a negação incidem sobre todo o enunciado, na

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 238


coordenação semântica a oração introduzida pelo operador
argumentativo não pode ser objeto de interrogação ou ser negada,
neste caso a interrogação ou negação incide só sobre a outra oração:

23. A mãe escapou porque famílias de poloneses a esconderam.


(Revista Veja, edição 2185, ano 43 - nº 40, 06/10/2010, p. 55) –
FRASE LIGADA

24. O técnico gostou, pois saberá o resultado dos rivais. (Jornal


O Globo, Ano LXXXVI, nº 28.301, Rio de Janeiro, 31 jan. 2011.
Esportes, p. 8.) – COORDENAÇÃO SEMÂNTICA

• Interrogação
27a. A mãe escapou porque famílias de poloneses a esconderam?
28a. O técnico gostou? pois saberá o resultado dos rivais.

• Negação
27b. [A mãe não escapou porque famílias de poloneses não a
esconderam].
28b. [O técnico não gostou], pois saberá o resultado dos rivais.

b) Encadeamento: consiste em transformar as orações em


subordinadas de uma outra. As frases ligadas encadeiam-se como
um todo a orações do tipo “Creio que”, “Parece que”, “Afirmo
que”, “Pergunto se”, etc., ao passo que nas coordenadas semânticas
só a primeira se encadeia com tais orações:
27c. Parece que [a mãe escapou porque famílias de poloneses a
esconderam].

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 239


28c. Parece que [o técnico gostou], pois saberá o resultado dos rivais

c) Extraposição: consiste em tematizar um elemento do enunciado


por meio de um procedimento linguístico do tipo é... que, somente,
isto é, extrapor consiste em um processo de eleger no interior do
conteúdo de um enunciado um elemento que centralizará o foco
informacional deste conteúdo, com auxílio de recursos linguísticos
(VOGT, 1989). Nas frases ligadas, a oração, ligada por um operador
lógico, pode ser extraposta; na coordenação, a oração, que é iniciada
por um operador argumentativo, não pode se extraposta. Exemplos:

27d. É porque famílias de poloneses a esconderam que a mãe escapou.

27e. Somente porque famílias de poloneses a esconderam, a mãe


escapou.

27f.. A mãe escapou somente porque famílias de poloneses a


esconderam

28d. *É pois saberá o resultado dos rivais que, o técnico gostou.

28e. *Somente pois saberá o resultado dos rivais, o técnico gostou.

28f. *O técnico gostou somente pois saberá o resultado dos rivais.

d) Escopo da quantificação: nas frases ligadas, a quantificação


incide sobre todo o enunciado e na coordenação somente sobre a
primeira oração.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 240


29. As maravilhas de Iavé não se resumem a atos de libertação, pois
a disciplina que Ele realiza também é seu amor em ação. (Revista
Palavra & Vida, julho/agosto/setembro – 2010, p. 38)
30. Em 1958, os peões da empreiteira da obra do palácio quebraram
barracões do acampamento onde viviam porque encontraram vermes
na carne que lhes era servida. (Jornal O Globo, Ano LXXXVI, nº
28.163, Rio de Janeiro, 15 set. 2010, Opinião, p. 6.)

• Quantificação

29a. [Muitas maravilhas de Iavé não se resumem a atos de libertação],


pois a disciplina que Ele realiza também é seu amor em ação.
30a. [Muitos peões da empreiteira da obra do palácio quebraram
barracões do acampamento onde viviam porque encontraram vermes
na carne que lhes era servida].

Assim, os estudos trazidos por Ducrot compravam que sob o rótulo


de subordinação a gramática tradicional agrupou relações diferentes
tanto no que diz respeito à sua natureza como à sua organização.

O pensamento linguístico de Carlos Vogt

Vogt (1989) delineia uma análise das conjunções portuguesas


porque, pois e já que. De início, acolhe as colocações da gramática
tradicional para, em seguida, utilizar os critérios e colocações de Ducrot,
apresentados acima, e demonstrar que as conjunções que expressam

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 241


causa e explicação, organizadas por essa mesma gramática tradicional,
têm de ser reestruturadas. Quando enfocadas pelo nível semântico-
argumentativo, deixando claro que elementos de natureza pragmática
interferem decididamente no uso e classificação das conjunções, constata
que o valor das conjunções depende da atitude intelectual do locutor e a
que ele confere ao ouvinte.
É notório que entre os operadores argumentativos destacam-se os
que são classificados pelos compêndios de gramáticas como conjunções
coordenativas explicativas e subordinativas causais. Nessa bipartição
entram em cena as conjunções pois e porque. Por ser discutível do ponto de
vista semântico “a distinção entre os dois tipos de conjunção, sobretudo
quando se trata de pois e porque, não é absolutamente clara e os critérios
utilizados para tanto, por serem apenas indicativos de intuições possíveis,
insistem em repetir a diferença e adiam a explicação provável” (VOGT,
1989, p. 44-5).
Vogt propõe reflexão acerca das nuanças de significado que
distinguem as conjunções pois e porque. Entre as distinções que dizem
respeito à conjunção pois está o fato de que o relacionamento de duas
proposições mediante a conjunção pois (p pois q) não pode a) nem ser
submetido a uma negação, b) nem ser questionado, c) nem se prestar ao
encadeamento, isto é, tornar-se em bloco a subordinada de uma outra
proposição e d) nem constituir-se no escopo de um quantificador, sem
que isso provoque um rompimento semântico6.
Submetida a enunciação

1. Pedro parou de trabalhar, pois eram 5 horas

6 Os exemplos são os propostos por Vogt (1989).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 242


à negação e à interrogação tem-se:

1a. Pedro não parou de trabalhar, pois são 5 horas.


1b. Pedro parou de trabalhar?, pois são 5 horas.

Nesses casos, tanto em uma quanto em outra apenas a primeira


proposição (p) é negada ou interrogada e não o bloco todo (p pois q), o
que demonstra o fracionamento semântico de uma aparente unidade de
informação.
Submetida a frase

2. Ele está em casa, pois seu carro está na garagem

ao encadeamento tem-se:

2a. Creio que ele está em casa, pois seu carro está na garagem.

Aqui não foi o bloco p pois q que foi encadeado, mas somente a
proposição p. O que antes era uma espécie de justificação para Ele está em
casa agora o é para a minha crença sobre o fato de ele estar em casa – Creio
que ele está em casa.
Quando sob um quantificador, o enunciado

3. Os turistas virão, pois está calor

é modificado para:

3a. Poucos turistas virão, pois está calor.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 243


Aqui, também, o quantificador incide apenas sobre p - Os turistas
virão – e não sobre o bloco todo p pois q. Assim, parece difícil alcançar
modificações no conjunto do bloco p pois q. Submetidos às transformações
– da negação, da interrogação, do encadeamento e da quantificação –
eles voltam a face de sua duplicidade, rompendo a aparente unidade de
conteúdo pela exposição de seus dois componentes: de um lado tem-se p
modificado para p” através das transformações mencionadas, e de outro,
pois q aplicando-se ao elemento assim modificado.
Entre as nuanças de significado no relacionamento de duas
proposições mediante a conjunção porque está o fato de que, quando é
aplicada uma série de transformações similar à anterior, no bloco p porque
q, o resultado de sua aplicação gera duas interpretações: uma delas mostra
sempre a integridade do bloco e a outra a sua ruptura.
Alterando-se a frase

4. Pedro parou de trabalhar porque são 5 horas


para a negativa obtém-se:

4a. Pedro não parou de trabalhar porque são 5 horas.

Como resultado têm-se as duas explicações:


1ª) Não é porque são 5 horas que Pedro parou de trabalhar (mas por
outra razão). Aqui há conservação do bloco e a negação incide sobre todo
o enunciado.
Enquanto que em:

2ª) Pedro não parou de trabalhar, e isso porque são 5 cinco. Há


rompimento do bloco p porque q.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 244


Alterando-se a frase
5. Pedro irá à sua casa porque prometeu
para a interrogativa tem-se:
5a. Pedro irá à sua casa porque prometeu?
As explicações possíveis são:
1ª) A causa da ida de Pedro à sua casa será a promessa que ele fez?
Neste caso há integridade do bloco.
2ª) Pedro irá à sua casa? Questiona-se porque a sua promessa não dá
garantia à sua ida. Neste outro caso há desintegração do bloco.
Submetido o enunciado
6. Pedro parou de trabalhar porque são 5 horas
ao encadeamento tem-se:
6a. Creio que Pedro parou de trabalhar porque são 5 horas.

Também aqui é possível se obterem duas interpretações:


1ª) Creio que a causa de Pedro ter parado de trabalhar é que são 5
horas. Neste caso, tem-se a conservação do bloco.

2ª) Creio que Pedro parou de trabalhar, e a causa de minha crença é


que são 5 horas. Aqui há o rompimento do bloco.

Submetido o enunciado

7. Os turistas virão porque está calor

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 245


à ação de um quantificador, colocado no seu início, tem-se, por
exemplo:

7a.Poucos turistas virão porque está calor.

Do mesmo modo podem-se obter duas interpretações:


1ª) Para poucos turistas a causa de sua vinda será o calor. Há
conservação do bloco.
Ao passo que em:

2ª) Poucos turistas virão, e isto porque está calor. Há ruptura


do bloco.

Conclua-se que a conjunção porque apresenta como ambiguidade


fundamental a capacidade de explicar, pelo elo da causalidade que
estabelece entre o conteúdo de duas proposições, o conteúdo da primeira
pelo conteúdo da segunda. Além disso, possui um comportamento que a
aproxima da conjunção pois quando a explicação desliza para um tipo de
justificação do que se diz na primeira proposição.
A operação realizada pelas conjunções pois e porque, na interpretação
em que há rompimento do bloco, não se faz no nível dos conteúdos, mas
ao nível dos atos de fala que instituem esses conteúdos (VOGT, 1989, p.
56-8; CUNHA, 2008, p. 11-2).
Urge lembrar que as questões vertentes aqui se deparam com outra de
modo a inteirar este estudo: as duas conjunções não se encontram arroladas
na mesma lista de classificações quanto às coordenativas explicativas e
subordinativas causais nos compêndios de gramáticas analisados.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 246


Como vimos no início deste livro, a gramática tradicional organiza
dois grupos de conjunções que exprimem causa e explicação:

Figura 6: As conjunções causais e explicativas segundo a gramática tradicional.

Fonte: MARINS, 2021.

Para seu estudo, Vogt forma três grupos de conjunções:

Figura 7: Três grupos de conjunções segundo Vogt (1989).

Fonte: MARINS, 2021.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 247


O grupo de pois opõem-se aos grupos de porque e já que mediante
dois critérios:

Tabela 1: Oposição do grupo de pois ao grupo de porque e já que.


Perguntas

Conjunção Pode aparecer no início do Pode ser coordenada


período? por e?

Porque Sim Sim

Pois Não Não

Já que Sim Sim


Fonte: MARINS, 2021.

As orações de porque e já que, consistindo em subordinadas


adverbiais, têm igual flexibilidade de colocação da frase de que gozam os
advérbios. No entanto, as orações de pois sendo coordenadas não gozam
de flexibilidade de colocação. A rigor, para já que e pois tal característica
sintática ganha reforço por outras de ordem semântica e argumentativa,
descritas por Vogt (1989) em termos de status assertivo das conjunções
enquanto marcadores de ato de fala específicos. As orações de porque e já
que podem ser coordenadas por e, pois, sendo subordinadas adverbiais,
agem como termos de mesma natureza e, portanto, são facilmente
coordenáveis. Como pois já é coordenativa e as orações coordenadas não
são termos de outra oração com a mesma função sintática, constata-se
que as orações de pois não podem ser coordenadas por e.
Utilizando os critérios de Ducrot, Vogt verifica que entre pois e já
que há semelhanças relevantes de funcionamento em oposição a porque:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 248


Tabela 2: Semelhanças entre pois e já que em oposição a porque.
Perguntas

Conjunção responde à questão pode ser pode ser


“por que”? extraposta? modificada por
um advérbio?

Porque Sim Sim Sim

Pois Não Não Não

Já que Não Não Não


Fonte: MARINS, 2021.

Na apresentação das semelhanças e diferenças, Vogt adota a


convenção p e q para duas proposições e p pois q, p já que q e p porque
q para os grupos constituídos pelo relacionamento destas proposições
através das conjunções pois, já que e porque, respectivamente.
Os grupos de p pois q e p já que q não podem, sem romper-se
semanticamente:

• ser negados;
• ser questionados;
• prestar-se ao encadeamento;
• constituir-se no escopo de um quantificador.

O rompimento semântico é identificado quando estes grupos são


submetidos a uma negação, a um questionamento, a um encadeamento
e a um quantificador e tão-só a proposição p é negada, questionada,
encadeada, (isto é, tornar-se subordinada da oração introduzida) e
constituir-se em escopo do quantificador. O grupo p porque q ao ser:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 249


a) negado;
b) questionado;
c) encadeado;
d) submetido a um quantificador

apresenta-se como ambíguo, ou seja, gera duas interpretações: uma


em que o grupo permanece como um bloco íntegro, o que significa que
todo o grupo p porque q é negado, questionado, encadeado e constitui-se
no escopo do quantificador e outra em que há rompimento do grupo,
ou seja, em que só p é negada, questionada, encadeada e constitui-se no
escopo do quantificador.
Vogt demostra, assim, que as conjunções que exprimem causa e
explicação organizam-se em dois grupos:
1. o grupo de porque, na interpretação em que se mantém o bloco
p porque q.
2. o grupo de pois, já que e porque na interpretação em que não se
mantém o bloco p porque q.

A diferença entre os dois grupos é de natureza semântica e


pragmática. Para explicar seus valores específicos deve-se levar em conta
a questão da atitude intelectual do locutor e a que ele confere ao ouvinte
no que tange às proposições p e q ligadas por estas conjunções. Assim,
elas funcionam, simultaneamente, como operadores argumentativos
e marcadores de subjetividade, cujo estudo mostra a relevância dos
intentos dos falantes na organização do discurso e na sua estruturação
como texto (VOGT, 1989).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 250


De acordo com Vogt, o grupo 1 promove entre as duas proposições
uma operação que estabelece entre elas um elo de causalidade, explicando
o conteúdo da primeira pelo da segunda. Dessa forma, produz um novo
conteúdo unitário e o grupo p porque q não se rompe semanticamente.
No grupo 2 mostra que as duas proposições realizam uma operação que
se dá não ao nível do conteúdo delas, mas ao nível dos atos de fala que
estabelecem estes conteúdos. Trata-se de uma operação argumentativa
que tem por função relacionar dois enunciados de forma que, ainda que
se produza um terceiro, não se perde a individualidade de cada um. Por
esta causa, a interrogação, a negação, o encadeamento e a quantificação
não podem se aplicar às proposições iniciadas pelas conjunções do
grupo 2 porque não se pode interrogar, negar, encadear ou quantificar
um ato de fala.
As orações introduzidas pelas conjunções do grupo 2 exprimem
causas e explicações vistas pelo locutor como causas e explicações
conhecidas pelo seu interlocutor, portanto não representam informação
nova. Por outro lado, as conjunções do grupo 1 iniciam orações que
exprimem causas e explicações desconhecidas, logo, apresentadas como
informação nova. Tais informações servem de explicação para várias
características analisadas por Vogt a respeito dessas conjunções. Como
vimos anteriormente, orações introduzidas pelas conjunções do grupo 2
não respondem à pergunta de “por que?”, pois a resposta à questão tem
de ser apresentada como uma informação nova, o que não acontece no
momento em que se utilizam as conjunções do grupo 2, porém acontece
com as do grupo 1. Esse critério diferencial também serve para mostrar
que tais orações não podem ser submetidas a um questionamento quando
pertencem a grupos do tipo p (conjunções do grupo 2) q, isso porque o

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 251


que é apresentado como conhecido não pode ser alvo de questionamento,
mas pode-se questionar o que é apresentado como informação nova. Já
as orações indicadoras de causa introduzidas pelas conjunções do grupo 1
são aceitas como indicando escolha do falante entre várias causas possíveis
e potenciais, ao passo que as iniciadas pelas conjunções do grupo 2 são
aceitas como a única alternativa possível, porque sabida de todos.
Travaglia (1986) afirma que, no enunciado, a tendência da língua é
dar destaque ao que é novo. No campo entonacional, por exemplo, tende
sempre a marcar um foco informacional. Sobre os critérios sugeridos por
Ducrot, Travaglia ainda diz que a extraposição é um recurso enfático
que marca o foco informacional. Por isso, as orações introduzidas pelas
conjunções do grupo 1 podem ser extrapostas, enquanto as introduzidas
pelas conjunções do grupo 2 não podem, porque são apresentadas como
conectando algo conhecido.
Além dessas, outras formas de ênfase não podem ser usadas por
conjunções do grupo 2, como pois e já que:

8. Se aquilo que temos de maior qualidade, o Lula, querem


apresentar como negativo, é porque o Lula é maior que o PT7.

9. *Se aquilo que temos de maior qualidade, o Lula, querem


apresentar como negativo, é pois o Lula é maior que o PT.

10. *Se aquilo que temos de maior qualidade, o Lula, querem


apresentar como negativo, é já que o Lula é maior que o PT.

7 Aquilo que temos de maior qualidade, o Lula, querem apresentar como negativo, porque o
Lula é maior que o PT. (Jornal O Globo, Ano LXXXVI, nº 28.163, Rio de Janeiro, 15 set. 2010,
O País, p. 3.)..

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 252


Pode-se, ainda, observar que porque pode ser modificada em alguns
casos por advérbio, alguns deles expostos a seguir, na figura 8, mas que
pois e já que excluem isso. O exemplo, no entanto, levanta problemas por
causar estranheza, o que se deve ao fato de porque estar sendo modificada
por um advérbio.

11. O protoditador venezuelano está preocupado porque perderá a


hegemonia na Assembleia.8
12. [(?)O protoditador venezuelano está preocupado infelizmente
porque perderá a hegemonia na Assembleia].

O exemplo pode ser considerado mal redigido, análogo a


“Infelizmente o protoditador venezuelano está preocupado porque
perderá a hegemonia na Assembleia”. Pode-se julgar que o advérbio
está mal empregado ou que deve estar entre pausas e com entonação
adequada: “O protoditador venezuelano está preocupado, infelizmente,
porque perderá a hegemonia na Assembleia”, construção análoga àquela
com o advérbio introduzindo o período. Em casos desta natureza, tende-
se a interpretar o advérbio como referindo-se a todo o período em vez de
só à oração introduzida com porque.

8 Revista Veja, edição 2185, ano 43 - nº 40, 06/10/2010, p. 97.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 253


Figura 8: Advérbios oracionais.

Fonte: MARINS, 2021.

Atentando-se para o fato de porque poder ser modificada por


advérbio e pois e já que não, Vogt (1989) certamente faz referência à
oração introduzida por essas conjunções, já que as conjunções per se
não admitem serem modificadas por advérbios que, portanto, têm que
ser do tipo que faz referência à oração como um todo e não somente ao
predicado ou ao verbo.
Segundo Travaglia (1986), entre os advérbios que se referem à oração
como um todo, há de se distinguir três grupos:
• Orações iniciadas pelas conjunções do grupo 1, como vimos
anteriormente, trazem a um conteúdo com uma informação
nova, por isso podem ser modificadas pelos advérbios do grupo A,
pois não há problemas em pôr em dúvida algo visto como novo,
desconhecido. Em relação às orações principiadas pelas conjunções
do grupo 2, elas apresentam um conteúdo como algo conhecido
e não podem ser modificadas pelos advérbios do grupo A, pois

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 254


vê-se com certo estranhamento colocar-se em dúvida algo que é
conhecido.
• Os advérbios do grupo B, como defende Travaglia, cumprem o
papel de itens lexicais, cuja serventia é isolar, no contexto discursivo,
a escolha que se faz entre várias disponíveis, por isso podem ser
utilizados em orações introduzidas pelas conjunções do grupo 1
que indicam a causa que se elegeu entre várias possíveis. Ainda de
acordo com Travaglia, o locutor sabe a causa, porém conjetura que o
ouvinte não sabe qual das causas possíveis teve lugar. Isto, portanto,
é de natureza pragmática. Em contra partida, orações introduzidas
por conjunções do grupo 2 trazem, como já vimos, a causa como
algo notório, não existindo alternativas para o locutor optar.
Portanto, usar os advérbios do grupo B com as orações introduzidas
por conjunções do grupo 2 é impraticável, porquanto só há uma
causa conhecida de todos.
• Em relação aos advérbios do grupo C, notamos não podem
modificar orações iniciadas pelas conjunções do grupo 1, tampouco
as iniciadas pelas conjunções do grupo 2. Via de regra, advérbios
dessa natureza estão a introduzir parecer subjetivo cuja referência é
todo o conteúdo expresso pelo enunciado e não apenas uma parte
dele. Alocar tais advérbios antes da conjunção significa fazê-lo referir-
se a tão-somente parte do enunciado o que, consequentemente,
suscitará frases estranhas:
13. O governo corre contra o tempo, pois pretende realizar a
abertura de capital até o dia 30 de setembro.9

9 Jornal O Globo, Ano LXXXVI, nº 28.143, Rio de Janeiro, 26 agosto 2010, Economia, p. 31.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 255


14. [(?) O governo corre contra o tempo, indesculpavelmente] pois
pretende realizar a abertura de capital até o dia 30 de setembro.

No exemplo acima, tende-se a fazer uma leitura como se o advérbio


se referisse ao enunciado com um todo.
Em “(?)O protoditador venezuelano está preocupado infelizmente
porque perderá a hegemonia na Assembleia”, refere-se, o advérbio, ao
período todo, já que temos frases ligadas com um conteúdo único, e em
“? O governo corre contra o tempo, indesculpavelmente pois pretende
realizar a abertura de capital até o dia 30 de setembro”, refere-se apenas
à segunda oração porque temos coordenação semântica e, portanto, dois
enunciados distintos.
Se o objetivo for emitir um parecer subjetivo a respeito do fato
expresso na oração introduzida pela conjunção, deve-se colocar o advérbio
após a conjunção:

15. O protoditador venezuelano está preocupado porque


infelizmente perderá a hegemonia na Assembleia.

16. O governo corre contra o tempo, pois indesculpavelmente


pretende realizar a abertura de capital até o dia 30 de setembro.
Nos exemplos, o parecer subjetivo contido no advérbio
“infelizmente” e “indesculpavelmente” se referem, respectivamente, aos
fatos de “perder a hegemonia na Assembleia” e de “pretender realizar a
abertura de capital até o dia 30 de setembro”.
Com os testes que resultaram no arranjo dos grupos 1 e 2 de
conjunções, Vogt (1989) notou que, nos testes do questionamento,
da negação, do encadeamento e da quantificação, a conjunção porque
proporcionava um comportamento ambíguo, dando margem a duas

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 256


interpretações. Aliás, nos casos de ser possível ou não responder à pergunta
“por que?”, de ser possível a extraposição e de ser possível modificação
por advérbio, haveria a possibilidade da interpretação com rompimento
semântico. Entretanto, a formulação da pergunta, a extraposição e a
colocação do advérbio, trazem sinais que valorizam a interpretação com
frases ligadas num bloco único e rejeitam a possibilidade de interpretação
com rompimento semântico. Na verdade, pode-se afirmar que o porque
será sempre ambíguo, à exceção dos casos em que algum fator contextual
o induza para uma interpretação. Além desse, outro parece levar o porque
para apenas uma interpretação. Trata-se da relação causa e efeito, causa
e consequência em que a oração causal está a exprimir condição para a
consequência que vem expressa na outra oração. Assim, o porque, neste
caso, é marcado para a interpretação em que há frases ligadas em que as
duas orações constituem um conteúdo unitário.
Enfim, afora essa relação, o porque poderá ter duas interpretações,
de modo que só o contexto motivará qual deverá ser considerada. No uso
concreto, o contexto, seja ele linguístico ou não, motivará a interpretação,
o que torna a utilização desta conjunção dependente de contexto e,
portanto, de uso pragmático.
Travaglia (1986) já defendia que o uso de todas as conjunções
causais, uma vez dependentes da crença do falante sobre se a causa é
algo conhecido ou não do locutor, é uma questão condicionada a razões
pragmáticas.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 257


Considerações finais

Neste estudo mostrou-se, especialmente, que conjunções da área


da causa e da explicação possuem características peculiares, sobretudo
pelo viés semântico. Dessa forma, o efeito de sentido de uma conjunção
não é o sentido que ela toma num contexto, ou as modificações que
lhe traz o contexto, mas ao contrário, o que está em jogo é a mudança
produzida nesse contexto pela introdução de determinada conjunção.
Ou seja, as nuanças de significados entre essas conjunções baseiam-se no
comportamento diferenciado de certas orações introduzidas por esses
conectores. A especificação quanto ao emprego das conjunções que as
introduzem pode ser atribuído a fatores de ordem semântica, discursiva
e, porque não, pragmáticas.
Analisou-se, portanto, aspectos semânticos da argumentatividade
no uso de conectivos que introduzem a explicação e a causa e, também,
nuanças semânticas que distinguem as conjunções pois e porque. Assim,
pois e porque em valor explicativo introduzem um ato de fala que explica
o ato de fala de outra oração (coordenação semântica). Por outro lado, a
conjunção porque, ao formar um único bloco com a outra oração (frase
ligada), tem valor causal. Ela é a causa para o fato enunciado pelo verbo
da outra oração.
Trabalhando no quadro da semântica pragmática, Ducrot
desenvolveu, juntamente com J. C. Anscombre, um trabalho sobre a
argumentação, partindo da visão de que, mais do que instrumento de
comunicação, a linguagem é instrumento de ação. Nessa perspectiva,
Ducrot defende que o valor argumentativo dos enunciados é
determinado pelas expressões linguísticas de nível seguinte mais baixo em

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 258


um movimento bottom-up, levando-se em consideração a situação de fala
(DUCROT, 1987). Daí a importância de mecanismos gramaticais, como
os operadores argumentativos e os conectivos lógicos, na construção da
argumentação.
Ducrot avança ainda mais na questão da argumentação na
linguagem ao mostrar como os operadores argumentativos distribuem os
argumentos segundo uma escala argumentativa. No capitulo oito vimos
que a noção de escala argumentativa, desenvolvida por Oswald Ducrot,
explica o funcionamento dos operadores argumentativos em sua função
de introduzir argumentos (P, P”, P”” etc.) que convençam em direção a
uma conclusão R. Argumentos que orientam para a mesma conclusão R
formam uma classe argumentativa10. Operadores como “até”, “mesmo”,
“até mesmo” e “inclusive” introduzem argumentos positivos mais fortes.
A mesma força argumentativa, mas com sentido negativo, é produzida
por operadores como “nem”, “nem mesmo”. Expressões como “ao
menos”, “pelo menos” e “minimamente” operam sobre o sentido dos
enunciados nos quais aparecem introduzindo argumentos positivos
mais fracos. A função de elementos gramaticais como “e”, “também”,
“não só… mas também”, “tanto… como”, “além disso”, “a par de” etc.
é introduzir, conforme o caso, argumentos positivos ou negativos que
possuem a mesma força na escala argumentativa.

10 Diferentes trabalhos contribuem para a descrição da força dos elementos gramaticais em uma
escala argumentativa, como, por exemplo, Koch (2000, 2008) e Maingueneau (1997).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 259


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 260


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 261


Caminhos para uma
Análise de Discurso Crítica Etnográfica

Francisco Djefrey Simplicio Pereira

Introdução

Este capítulo fundamenta-se na ideia de Magalhães (2017), segundo


a qual toda pesquisa em Análise de Discurso Crítica (doravante, ADC)
deveria ser etnográfica, ou seja, na medida em que aceitamos o discurso
como prática social - ou um momento da prática social, deveríamos
aceitar também uma aproximação da pesquisa com dados, tempo e espaço
contextualizados. Mesmo com as áreas de estudos harmonizadas entre si
(BLOMMAERT, 2001), essa visada, entre estudos críticos da linguagem
e etnografia, tem chegado à ADC tardiamente e sido antecedida, no
Brasil, por trabalhos, por exemplo, em Letramentos Sociais, por Brian
Street (2014), em Poética e Performance, por Bauman e Briggs (2008),
e em Pragmática Cultural/Emancipatória, por Alencar (2017; 2019). A
Pragmática, especialmente, como perspectiva da linguagem, já é usada
por grande parte dos trabalhos em ADC (MEY, 2014). Portanto, neste
capítulo, objetivamos recorrer à pragmática como fio condutor, tanto
para aproximações entre as teorias elencadas, quanto para fornecer
elementos valiosos sob a vertente da pesquisa etnográfica em ADC.
A etnografia tem sido conceituada como o serviço de compreender
a origem das características sociais de diferentes etnias ou de descrever
aspectos de um povo (MICHAELIS, 2021). Esse ponto de vista acaba

DOI: 10.52788/9786589932536-11 SUMÁRIO / 262


encarando o outro como um modo nativo de vida (BLOMMAERT,
2005), que precisa ser compreendido unilateralmente para se construir
uma narrativa tida como confiável sobre o que é observado e sobre o que
deve ser autorizado pelos/as cientistas a respeito desse/a nativo/a e nunca
com ele/a.
Contudo, a etnografia, nos estudos críticos da linguagem, tem sido
utilizada, ultimamente, para a investigação crítica do nosso próprio modelo
de sociedade ocidental, ultrapassando as fronteiras disciplinares, através
da adaptação de métodos mistos para seus próprios fins (STREET, 2014).
Agora, a Antropologia Linguística, a Pragmática, a Sociolinguística,
dentre outras, utilizam os equipamentos do baú etnográfico em suas
próprias abordagens (WODAK, 2008). Assim, a etnografia não exige
mais, necessariamente, décadas de observação e participação intensivas,
tampouco a aceitação de todos os seus “compromissos epistemológicos”.
Dessa forma, podemos inferir que os estudos críticos do discurso podem
ser aprimorados por uma visão etnográfica de locais socioculturalmente
situados nos trabalhos em ADC.

Sociolinguística

A Sociolinguística desenvolveu uma vertente que se interessa por


padrões interacionais de pequenas comunidades, ou seja, por maneiras
situadas de vivências sociais (BLOMMAERT, 2005). Esses padrões de
interação são compostos por variedades que podem ser categorizadas
em conjuntos de parâmetros, incluindo diferenças diafásicas, diatópicas,
diastráticas e diacrônicas (LABOV, 1972).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 263


Para a disciplina, cada exemplo de uso real da linguagem guarda
todas essas variedades, socialmente constituídas, ao mesmo tempo. Ou
seja, qualquer enunciado será visto não apenas por um prisma linguístico,
mas também social. Assim, cada enunciado diz algo sobre a pessoa
que o pronuncia, assim como nos diz algo sobre o próprio enunciado,
trazendo à tona formas mais complexas de de realizar e de fazer pesquisas,
transbordando os limites da abordagem puramente linguística.
Contudo, observa-se que o conjunto particular de recursos
linguísticos, aos quais as pessoas têm acesso, é desigual e tende a privilegiar
um certo grupo dominante, como já ad- vertia Bourdieu (1974), ao
trabalhar com as economias de trocas simbólicas. O ensinamento
principal que podemos tirar disso é sobre a inverdade dos recursos
de linguagem serem distribuídos igualmente às pessoas. Portanto, a
desigualdade, por nem todos terem as mesmas posses simbólicas para
se comunicarem, gera um problema para as abordagens estritamente
descritivas da Sociolinguística tradicional.
Dessa forma, Street (2014) percebe a necessidade de oferecer,
dialogando com a etnografia, complementos aos estudos daSociolinguística,
com foco específico sobre as prá- ticas letradas. Desenvolvendo a
“etnografia do letramento” para além dos usos particulares, o estudioso
apodera-se do termo para se referir à observação atenta e detalhada das
interações em sala de aula, que, por regra, transbordam para as vidas dos/
as alunos/as fora da escola. Ainda assim, para o autor, a simples inclusão da
etnografia nos estudos sociolinguísticos não garante uma solução mágica,
mas, sim, o/a pesquisador/a deve ter clareza sobre o centro dominante
que exerce hegemonia sobre a comunidade investigada.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 264


Uma vez atento para esse processo de luta pelos significados nos
textos, Street (2014) resiste a certas estratégias pedagógicas impostas
e reflete sobre as práticas escolares, instaurando uma espécie de
letramento cultural. Nesse âmbito, é necessário o/a pesquisador/a ter
conhecimentos da tradição do campo estudado, incluindo manifestações
populares históricas e imediatas daqueles que se inscrevem e reescrevem
nas ações cotidianas.
Portanto, podemos tratar agora da ineficácia do modelo
“autônomo”, que julga dar explicações técnicas, neutras e universais,
mas que, de fato, costuma repetir o mesmo exemplo dos colonizadores
e missionários. Ao contrário disso, buscamos relatos assumidamente
ideológicos e politicamente sensíveis de práticas sociais situadas,
defendendo o debate racional inserido no entendimento das ideologias
de poder (STREET, 2014).

Antropologia Linguística

Desde que a pesquisa sociolinguística deixa de ser enviesada pela


posição do observador sobre o ponto de vista nativo, as pesquisas
culturais em línguas param de depender de padrões universais pré-
estabelecidos e oferecem às ciências sociais formas de fazer pesquisa que
repercutem até o conhecimento da Linguística, o que representa um
avanço na discussão entre o que vinha a ser diferenças e desigualdades.
Esse salto significa estudar os usos reais das economias das trocas
simbólicas, culturalmente instituídas, ou seja, o estudo deve partir da
cultura particular onde a linguagem opera.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 265


A partir disso, a Antropologia Linguística começa a dar atenção a
desigualdades linguageiras, à pesquisa reflexiva e ao poder da linguagem
na pesquisa antropológica, a fim de fazer perguntas de importância
sobre o aqui-agora de grupos silenciados da sociedade (BLOMMAERT,
2005). Por exemplo, quando o conceito de entextualização, elaborado
por Bauman e Briggs (2008), desloca noções centradas no texto em si e
no seu dito contexto “original” (dando maior atenção à dialética entre
a performance realizada e seu contexto sociocultural, em que se são
extraídos discursos das práticas), isso gera importantes interrogações de
como aquele texto viaja, contextualiz-sea e se descontextualiza, ou seja,
carrega esses elementos de sua história de uso.
Nesse ponto, essa oposição, entre descontextualizado e
contextualizado, é o que Bakhtin (2006) chamaria de enunciado
monológico, ou dogmático, para o descontextualizado; e dialógico,
para o contextualizado (SILVERSTEIN; URBAN, 1996). Sendo esse o
caso, a viagem da entextualização não é tão natural, (claro que a viagem
ocorre sempre, mas não sem tropeços e percalços) como a literatura pode
sugerir, mas envolve avaliações de participantes, poder e autoridade, de tal
forma que a entextualização tanto reflete quanto refrata relações sociais
assimétricas.
Importante lembrar que a “antropologia da performance norte-
americana surge, em parte, da Sociolinguística ou Etnografia da fala e da
preocupação com o papel da linguagem na vida social”, sob a influência
de Bauman e Briggs, a partir dos anos 70 (LANGDON, 2006, p. 5).
Desde então, um trabalho muito sólido é feito pela Antropologia
Linguística, na representação de Silverstein e seus amigos, na forma de
preocupações que são familiares para aqueles da Pragmática e da ADC
(BLOMMAERT, 2005).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 266


Embora , tanto a Antropologia Linguística quanto a ADC nutram
suas bases teórico-metodológicas de maneiras aproximadas, com vistas
à Sociolinguística (BLOMMAERT, 2005), as áreas diferem no que diz
respeito ao grau de envolvimento com os dados. Enquanto o pesquisador
se envolve explicitamente na pesquisa em ADC, procurando desvelar
formas de dominação, na Antropologia linguística procura-se apenas
descrever fenômenos, analiticamente mais distante do objeto estudado.
Por exemplo, enquanto a Antropologia linguística estuda a ideologia da
linguagem, a ADC estuda a ideologia racista (VAN DIJK, 1992 apud
BLOMMAERT, 2005).

Pragmática

A Pragmática estuda os contextos em que os/as usuários/as da


linguagem se comunicam e como os efeitos de sentidos emergem a
partir de determinadas relações sociais (MEY, 1993). Para essa área de
estudos, entende-se que os diversos usos linguageiros constroem diversas
realidades, e estas, por sua vez, são resultados de rituais como formas
de vida (WITTGENSTEIN, 2010). Desse modo, os fatos (eventos) da
vida trazem padrões específicos “do campo”, que juntos constituem uma
forma de vida (prática). Assim, apesar de os usos serem orquestrados
pelas estruturas da sociedade, tais como a econômica, de forma que essas
estruturas decidem quem terá acesso ao “poder de fala” e quem será
silenciado, é possível performatizar na realidade, em busca de tensionar
contextos de práticas sociais ritualizadas (BUTLER, 1997).
Para estudar essas performances, os/as pragmaticistas observam
o que as pessoas realmente fazem com suas palavras, na perspectiva de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 267


Austin (1990), muito além da análise de frases prototípicas. Observam,
pois, que enunciados abstratos não dão conta dos jogos de linguagem
que ocorrem nas conversas diárias.
As regras desses jogos são similares às regras que se criam para
outras atividades sociais e afetivas. Desse ponto, surge o interesse da
Pragmática pela Etnografia, que supre o curiosidade de como essas regras
são produzidas, consumidas e distribuídas entre os praticantes locais,
pois, como nos jogos, essas regras podem ser alteradas ou “descobertas”, a
depender das novas necessidades das interações sociais.
Nesse modelo de linguagem, em que o significado de uma palavra
é o seu uso (WITTGENSTEIN, 2010), os jogos podem conter,
momentaneamente, certas semelhanças ou não, uma vez que eles não
estão finalizados: são processos que se manifestam ativamente, não
havendo, portanto, uma definição analítica desses “jogos de linguagem”,
em termos de previsibilidade ou condições necessárias.
Como exemplo, podemos discutir, de modo simples, sobre a
situação completa de um simples soluço. Via de regra, para a causa,
pensamos em fatores físicos relacionados à digestão, que impactam na
ação involuntária do diafragma e impulsionam o fechamento da glote.
Costumamos tomar um copo de água ou prender a respiração, para
resolver o problema. Contudo, quando um soluço intermitente acomete
um chefe de estado, que há poucos dias respondeu “caguei” para a CPI
(que investiga inúmeras suspeitas de corrupção ligadas ao seu gabinete e
aos de seus familiares, além de procurar os culpados pelo negacionismo
científico, que gerou mais de meio milhão de mortes pela Covid-19)
surgem diversas traduções do item indexical “soluço”. Primeiro, ele não
“cagou” fisicamente, causando o soluço; segundo, ele não “cagou” para
a CPI, em sentido metafórico, visto que o sentimento de preocupação

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 268


também gera soluço; terceiro, como na eleição presidencial, a sua
hospitalização serve para uma dupla via: livrar-se de debates e ser visto
como um mártir, por seus seguidores. Com isso, observamos que os
significados sociais atribuem valores particulares a determinadas práticas
de linguagem.
Dessa forma, a Pragmática chega à conclusão de que precisamos
nos aprofundar no etnográfico das fundações culturais. Assim, devemos
buscar entender o que as pessoas realmente estão fazendo quando fazem
sentido, pois elas criam ordens indexicais para moldar um conjunto
total de produção de significados, e não apenas significam no sentido
do dicionário: elas, notadamente, significam a partir de um senso
identitário. Assim, percebe-se que, em certos casos, linguisticamente,
nada muda, levando-nos a recorrer à indexicalidade - enquanto sentido
social, implícito e pragmático - para entender essa mudança de valores
(BLOMMAERT, 2020).

Enfim, Análise de Discurso crítica e etnografia

Até aqui, de forma geral, conseguimos arrematar que a linguagem


é heterogênea e que a contextualização é fundamental para estabelecer
a relação entre as ações da linguagem, as intenções locais e as condições
de produção pelas quais a linguagem opera. Toda tentativa de
explicação generalizante deve passar pelo filtro clínico da crítica, de
encontro às nuances características do caso em que se está investigando,
especialmente, no que diz respeito à linguagem, enquanto aparato que
perpassa as estruturas, as práticas, os eventos na sociedade e guarda
relações com o poder historicamente situado.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 269


Dessa maneira, o foco da pesquisa não recai sobre conteúdos
abstratos, feitos como modelos a serem seguidos, mas na realidade
contextualizada em que a linguagem age diariamente. Assim, considerar
os usuários e seus repertórios culturais é fundamental para saber o que
determina os recursos pelos quais as pessoas podem ou não fazer com a
linguagem, visto que elas são limitadas pelo alcance de seus repertórios. A
partir disso, podemos seguir, enfim, à relação entre Análise de Discurso
Crítica e Etnografia.
Comecemos pelo conceito-chave na pesquisa em ADC de ideologia
e, consequente- mente, poder, em termos de hegemonia, para manifestar
a necessidade de uma pesquisa que inclua um olhar sobre as maneiras
pelas quais os textos são produzidos, distribuídos e consumidos no
trabalho real das interações. Para Thompson, a ideologia é “o sentido a
serviço do poder” (1995, p. 16). Através dela, formas simbólicas tornam-
se um “espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por
sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos significativos”
(THOMPSON, 1995, p. 79). Com isso, vemos que não é suficiente
apenas desvelar uma política assimétrica e confrontá-la com uma política
alternativa, como se vem fazendo (BLOMMAERT, 2005). Mais que
isso, o/a pesquisador/a precisa verificar todos os processos formadores
da prática social, desde a definição do seu cronograma de pesquisa, até
a materialização das escolhas tomadas sobre a constituição do corpus e o
retorno que se dá aos/às envolvidos/as.
Desde o pré-projeto de pesquisa em ADC, a etnografia deve estar
inserida nas questões e hipóteses formuladas, uma vez que o próprio
processo, que simula a coleta de material, já insere vozes de outras
pessoas e enquadra uma possível reunião de documentos singulares,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 270


para a construção do objeto de pesquisa (WODAK, 2014). Como já
nos indicava Magalhães (2017), a metodologia etnográfico-discursiva
é um processo reflexivo que não se limita à coleta de artefatos no local
de pesquisa, mas entende que esses dados se relacionam com o ethos
pesquisador e com as categorias usadas da literatura como lupa para a
análise. Como o foco dos estudos etnográfico-discursivos é a construção
discursiva, o conhecimento contextualizado da prática social, da qual o
discurso é um momento, torna-se imprescindível (RESENDE, 2008)
Pelo percurso que fizemos até então, compreende-se que a etnografia
pode ser definida como o mergulho que um/a pesquisador/a faz com seu
sujeito em um nível local, Tendo em vista que a pesquisa deve a pesquisa
deve: 1) nascer das demandas sociais; 2) aproximar os saberes acadêmicos
dos saberes populares; 3) e horizontalizar os envolvidos, através de
metodologias participativas, cooperativas e colaborativas (ALENCAR,
2019). Tal empenho implica não apenas coletar dados, mas gerar um
compromisso de vivência dentro do campo, ou seja, estar com gente,
(inter)agir com as pessoas e participar de seus jogos de linguagem. Dito
de outro modo, a pesquisa de campo exige que os/as acadêmicos/as se
envolvam em contato cara a cara com os participantes, em vez de assumir
uma abordagem vertical e distanciada.
Como Alencar (2019) indica, com o primeiro ponto, na pesquisa
etnográfica, as perguntas e as respostas são descobertas na própria
vivência social estudada. Nessa linha, a etnografia não busca traduzir o
campo de pesquisa de acordo com os pressupostos do/a observador/a
que faz a pesquisa, de forma vertical, mas as práticas que os participantes
compartilham são interpretadas pelas suas próprias experiências.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 271


Por exemplo, em suas pesquisas, Alencar (2019) constatou que
o caráter aberto das entrevistas é importante, para permitir que os/as
participantes discutam temas relevantes para eles/elas, e não unicamente
para o/a pesquisador/a, sendo possível refazer todo o direcionamento
da pesquisa. Consequentemente, ao contrário de muitos trabalhos em
ADC, que realizam a interpretação de dados apenas ao final da pesquisa,
a visada etnográfica é um processo cíclico que revisa teorias e hipóteses,
na medida em que aprende com o seu campo de estudos e reflete sobre os
passos dados até então.
Dessa forma, concluímos que a ADC, que busca ser etnográfica,
deve reconstruir e compreender as singularidades dos campos que
pretende estudar, mas não se esforçar para gerar resultados replicáveis.
De forma detalhada, selecionamos algumas máximas, a partir de Wodak
(2008, p. 196, tradução adaptada nossa), que resumem bem o que foi até
aqui dito, Com a finalidade de que se estabeleçam aproximações entre a
ADC e a etnografia:

Primeiro, a documentação do processo de pesquisa deve ser detalhada, com


respeito aos pressupostos teóricos da pesquisa, assim como seus objetivos de
pesquisa, os métodos de coleta, registro e análise de dados e as decisões to-
madas nos processos de pesquisa, no que diz respeito à escolha de pesquisas
locais e amostragem.
Segundo, os métodos e casos escolhidos devem ser adequados em relação ao
campo/objeto e às questões solicitadas: o objeto define os métodos a serem
usados, e não vice-versa.
Terceiro, a interpretação etnográfica e a construção da história devem ser
fundamentadas nos próprios dados, ou seja, nas perspectivas e conceitos
empregados no campo, e não derivar de modelos predefinidos.
Quarto, devem ser coletados dados que sejam adequados para realmente
desafiar o conhecimento prévio (ou julgamentos) do pesquisador, ou seja,
evitar ajustar os dados para ilustrar uma teoria. Assim, por exemplo, a amos-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 272


tragem deve incluir casos extremos ou contrastantes para testar a distribui-
ção de padrões no campo.
Quinto, uma boa pesquisa etnográfica depende da autorreflexão sistemática
do pesquisador: isso pode incluir observar a si mesmo (por exemplo, usando
um diário de trabalho de campo), explicitando as condições e interesses pes-
soais e refletindo sistematicamente sobre o desenvolvimento das regras para
as pessoas que você observa e com quem trabalha.

Em resumo, quando a pesquisa se engaja com a linguagem do


mundo dos participantes com os quais se trabalha, estes não são alvo
de um olhar estritamente científico dito superior, mas são intercalados
com a viabilidade de mudança social. Assim, concluímos que a reflexão
crítica das formas como a pesquisa (inter)age com a prática constitui um
elemento importante da pesquisa em ADC (WODAK, 2008).

Considerações finais

Este trabalho objetivou aproximar as teorias elencadas, a fim


de fornecer elementos valiosos, às portas da pesquisa etnográfica em
ADC. Assim, concluímos que as construções discursivas, em última
análise, estão cercadas pela estrutura do sistema total. Em tempos de
modernidade tardia, o princípio de contextualização na ADC, assim
como na Sociolinguística, na Etnografia linguística e na Pragmática
Cultural, arremata não uma sociedade singular, mas inclui as relações
entre diferentes sociedades, e se interessa pelos repertórios que os usuários
de linguagem utilizam para construir suas vozes.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 273


Referências

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 274


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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 275


A necessidade da Pragmática
no ensino das formas de tratamento nas
aulas de PLE face ao espanhol
Ramiro Carlos Humberto Caggiano Blanco
Yedda Alves de Oliveira Caggiano Blanco

Introdução

No ato da comunicação as pessoas dirigem-se umas às outras


empregando formas de tratamento que apresentam diversas finalidades,
como, por exemplo, de chamar a atenção do interlocutor, mostrar
deferência social, marcar proximidade, expressar ironia etc., ou seja, é
“um sistema de significação que abarca diversas modalidades de dirigir-se
a uma pessoa. Trata-se de um código social que, quando se transgride,
pode causar prejuízo no relacionamento entre os interlocutores” (SILVA,
et al., 2018, p. 5).
Nesse sentido, entendemos que as formas de tratamento podem
adquirir diversos valores semântico-pragmáticos em relação ao seu
contexto de uso conforme as estratégias comunicativas do falante de
uma determinada língua. Por essa razão, tais particularidades devem
estar presentes no ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira.
São exatamente essas particularidades, relacionadas às questões de uso,
que fazem que o/a aprendente adquira competência na língua-alvo. Ser
linguisticamente competente, além de dominar as regras morfossintáticas

DOI: 10.52788/9786589932536-12 SUMÁRIO / 276


e semânticas regulares de cada língua, é também conhecer o conjunto de
regras que regulam o comportamento adequado dos membros de um
determinado meio social.
Em consequência, a linguagem, como meio de interação com outros
indivíduos, não pode ser dissociada de suas características socioculturais
e de seus efeitos pragmáticos. De fato, cada sociedade estabelece regras
que incluem as formas de tratamento e que, portanto, sancionam os
comportamentos comunicativos como adequados ou inadequados.
Assim, a forma como tratamos o outro está inserida em um código
social que, ao ser transgredido, pode causar prejuízos na relação entre os
interlocutores.
Cientes dessas premissas, o presente capítulo objetiva apresentar
teorias que tratam do entendimento das formas de tratamento e da questão
da (des)cortesia; e, com base nos dados obtidos nos livros didáticos de
PLE, analisar e comparar as estratégias pragmáticas desenvolvidas pelas
formas de tratamento em português brasileiro e espanhol. Também,
pretendemos oferecer aos professores de português como língua
estrangeira alguns insights sobre as dificuldades pragmalinguísticas e
sociopragmáticas que os aprendizes estrangeiros falantes de espanhol, no
processo de aquisição/aprendizagem das formas de tratamento, podem
ter por influência tanto dos aspectos morfossintáticos como dos padrões
pragmáticos de sua língua materna ou, como Kasper (2005) aponta, pela
transferência negativa.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 277


Formas de tratamento (FT)

De acordo com Silva (2008), entendemos por formas de tratamento


os sintagmas, as palavras ou morfemas a que o usuário de uma língua
recorre para dirigir-se ou referir-se a outra(s) pessoa (s). Segundo o autor,
as formas podem ser:
1. Formas pronominalizadas, palavras e expressões que equivalem a
verdadeiros pronomes de tratamento, em português: informal: você - tu /
formal: o senhor – a senhora / você e as formas plurais vocês / e os senhores
- as senhoras / vocês;
2. Formas nominais, constituídas por nomes próprios, de parentesco,
títulos de função, como professor, doutor etc.;
3. Formas vocativas, ou seja, palavras desvinculadas da estrutura
argumentativa do enunciado e usadas para designar ou chamar a pessoa
com quem se fala;
4. Outras formas referenciais, por exemplo, sintagmas, palavras ou
morfemas usados como referência à pessoa com quem ou de quem se fala.
Pautada pelo uso de que o/a falante faz na interação, também
devemos entender as formas de tratamento a partir da função que
desempenham ao ser empregadas. Assim, temos:
1. Função de dêitico social, que se relaciona com a estratificação
social, o poder relativo dos interlocutores na inter-relação e os fatores
situacionais da interação, tais como: idade, sexo etc.
2. Função pragmática, que pode expressar cortesia _ ritualizada ou
estratégica (BRIZ, 2005) _ ou descortesia e ironia.
Em decorrência, pragmaticamente, as FT denotam um uso marcado
por parâmetros tanto contextuais quanto estratégicos, bem como pela
identidade dos participantes. Assim, podemos dizer que “um certo

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 278


pronome “codifica” o gênero, o status ou poder” (VAN DIJK, 2012, p.
184) e, portanto, a escolha de uma determinada forma de dirigir-se ao
outro pode constituir, entre outras, uma estratégia com finalidade de
atenuar ou mitigar ações que poderiam ser ameaçadoras a imagem dos
interlocutores. De acordo com Van Dijk (2012, p. 193):

se nos dirigimos a alguém dizendo ‘João’ ou ‘Sr. Lopes’, ou com ‘o senhor’


ou ‘tu’, então as formas de alocução mudam, mas não muda o fato de que
essas formas se referem deiticamente à (mesma) pessoa com quem estamos
falando. A equivalência semântica, no caso, não é intencional (baseada no
significado), mas extensional (baseada na referência). Expressões lexicalmen-
te variáveis, que são referencialmente equivalentes, podem ter não só ‘signi-
ficados’ semânticos (intencionais) diferentes (por exemplo: ‘o homem” em
oposição ‘o sr. Smith’), mas também funções ou significados pragmáticos
diferentes, dadas as condições contextuais diferentes.

FT nas relações de cortesia, descortesia e atenuação


pragmática

A cortesia, concebida como um “princípio de regulação social das


interações” (SILVA, 2011, p. 280) ou como “princípio básico da dinâmica
comunicativa” (ALBELDA; GARCÍA, 2018, p. 18), desenvolve-se
como um jogo de aproximação social, no qual há uma negociação entre
os agentes envolvidos na busca do estabelecimento de um acordo no ato
da comunicação.
Conforme pondera Briz (2003), a cortesia pode ser ritualizada
ou estratégica. A cortesia ritualizada está ligada aos bons modos e à
urbanidade, aos costumes socialmente aceitos, por exemplo, as saudações,
a abertura de certos atos comunicativos. Nela as formas são expressas
mediante convencionalizações, determinadas pelo uso da comunidade de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 279


fala. Por sua vez, a cortesia estratégica ocorre quando há uma finalidade
retórico-argumentativa e social, que envolve a gestão da face (facework),
cujo propósito é o de não quebrar ou restabelecer o equilíbrio das imagens
dos interactantes.
A cortesia, segundo Brown e Levinson (1987 [1978]), realiza-se
para mitigar a força dos atos de fala que sempre são capazes de ameaçar a
imagem dos interlocutores, os Face Threatening Acts (FTA). Ainda, sobre
as atividades linguísticas estratégicas para produzir cortesia, Brown e
Levinson estabelecem os seguintes fatores sociológicos: relação de poder;
distância social; grau de imposição do ato de fala - “que influenciam na
determinação do nível de cortesia entre locutor e interlocutor” (SILVA,
2008, p. 181).
Por outro lado, de acordo com Kerbrat-Orecchioni (2004), além
dos FTAs brownlevinsonianos, há outros que, longe de ameaçar, realçam
a imagem, denominados por ela de Face Flattering Acts (FFA). Portanto,
para a pesquisadora, há na interação os atos que valorizam a imagem1.
Trata-se da cortesia valorizadora (positiva), realizada por algum ato
agradador e, em oposição, a cortesia atenuadora (negativa), mediante
algum procedimento quando se apresenta alguma ameaça às faces dos
interlocutores.

1 Nota-se que, a partir de Brown e Levinson, principalmente, por causa do pioneirismo, prestígio
e ampla aceitação e difusão de sua teoria, cortesia (politeness) e atenuação praticamente viraram
sinônimos, uma vez que, decorrente da visão pessimista dos atos de fala, a maior parte das táticas
de cortesia (tanto positiva como negativa) propostas por eles, são, em sua maioria, táticas de
atenuação. Dessa forma, temos que enfatizar que o conceito de cortesia não necessariamente
forma um par com a atenuação, pois, como esclarece Kerbrat-Orecchioni (1992), nem todo
ato comunicativo de cortesia é atenuador ou mitigador, dado que depende de fatores, como os
socioculturais.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 280


Albelda (2005) reafirma que os conceitos de atenuação e de cortesia
não podem ser tratados de modo indistinto. A autora defende que a
atenuação (e, também, a intensificação) são “funções discursivas próprias
da linguagem” (ALBELDA, 2005, p. 581), ao passo que a cortesia (e a
descortesia) devem ser entendidas como fenômenos sociais.
Essa distinção é muito importante, pois, embora a atenuação seja um
dos principais dispositivos da cortesia, ela pode ser conseguida também
por mecanismos de intensificação linguística, conforme aponta Albelda
(2005) a seguir:

Figura 1 – Relações entre cortesia e atenuação

Fonte: Albelda (2005, p. 584).

BRIZ (2014, p. 93) esclarece que “cortesia e atenuação formam com


frequência um casal, mas de conveniência; na interação, a não presença
ou a menor presença desta estratégia linguística de atenuação não implica
necessariamente menos cortesia ou descortesia”. Assim, a atenuação não
pode ser confundida com cortesia, pois, enquanto a cortesia se relaciona
ao trato social estabelecido entre as pessoas (seja para aproximação ou
distanciamento), a atenuação refere-se, segundo Haverkate (1994), a
uma subestratégia pela qual o falante minimiza a força ilocutória do
enunciado, ou, como descreveremos adiante, a forma de dizer.
Opõe-se a este trabalho de imagem (cortesia), a descortesia que
é um ataque volitivo, estratégico e intencional com a finalidade de
ataque à imagem, segundo os preceitos de Culpeper (2011). Entretanto,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 281


consideramos importante enfatizar que nem todo ato que não se enquadra
dentro dos parâmetros do socialmente cortês supõe um ataque à imagem,
um ato descortês, uma vez que tal oposição não deve ser entendida
como um par dicotômico, mas como um continuum em cujos extremos
encontram-se a cortesia e a descortesia, com diferentes gradações entre
elas, razão pela qual existem atos de fala que não podem ser considerados
corteses nem descorteses, (KAUL DE MARLANGEON, 2017).
Por outro lado, é necessário observar que os ataques à imagem
(entre eles, os insultos), muitas vezes são usados, principalmente pelos
mais jovens, como um recurso de aproximação social na interação. Nesse
sentido, Zimmermann (2005, p. 249) aponta “a importância teórica deste
tipo de atos: mostram-nos que a cortesia não é uma constante social,
mas sempre uma opção teórica entre várias possibilidades”. Em outras
palavras, o insulto pode estar ligado a uma atividade de aproximação, de
camaradagem, entre os participantes da interação, que faz com que eles
estabeleçam relações de pertencimento ao mesmo grupo, criando, desta
forma, uma identidade, uma tatuagem linguística que reforça os laços do
grupo (BLANCO, 2016).
Embora a teoria de Brown e Levinson (1987) seja muito criticada
pela pretensão universal de suas categorizações, para alguns etnocentristas,
a preocupação pela cortesia é, como afirma Bravo (2005), universal. O
que diferentes estudiosos na matéria apontam é que, na sua realização,
ela sofre variações de cultura para cultura. Temos, assim, face a uma teoria
que pretende explicar a cortesia universal com apenas 3 variáveis _ poder
relativo, distância social e grau de imposição do ato de fala _, há muitos
outros elementos próprios de cada cultura e um leque de muitíssimas
formas estratégicas de realizá-la. Desse modo, uma mesma forma de

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 282


tratamento, por exemplo, “meu velho”, pode ser empregada como
marca de aproximação social com a intenção comunicativa de prevenir
um enunciado que possa afetar a imagem social do interlocutor, ou para
reparar um ataque já proferido se colocada em posição final do enunciado;
para expressar ironia; ou, ainda, para expressar descortesia por “sonegação
deliberada de cortesia esperada” (KAUL DE MARLANGEON, 2005)2
conforme as circunstâncias contextuais e as intenções comunicativas
do falante. Por tal razão, as escolhas das formas de tratamento nos
enunciados devem estar de acordo com o contexto sociocultural na
qual se inserem, com as relações entre os participantes permitidas e/ou
promovidas por esse contexto, e com as formas imperantes dentro deste
contexto sociocultural.
Como resultado, o sociocultural perpassa tanto o entendimento do
código linguístico quanto às atividades de imagem envolvidas no processo
comunicativo e, nesse sentido, Bravo (2004, p. 8) elucida que:

O sociocultural centra-se nas relações de linguagem com a sociedade. Con-


sidera-se que o falante de uma língua é provido de recursos interpretativos
que vêm de seu ambiente social e de suas experiências comunicativas an-
teriores, que ele compartilha parcialmente com outras pessoas (grupo) e
parcialmente não compartilha com essas mesmas pessoas (indivíduo). Esses
recursos são colocados em operação na interação e são projetados para os
significados emergentes, criando novas alternativas; assim, a cortesia, con-
siderada um fenômeno sociocultural, é confirmada, atualizada, modificada
ou revertida na situação de diálogo real.

2 Quando, na situação comunicativa, socialmente é esperado o emprego de uma determinada


forma de tratamento, como “professor, Doutor” etc. e o falante, para se impor ao ouvinte
e demonstrar sua superioridade social, emprega formas diferentes com o intuito de ferir a sua
imagem.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 283


Em decorrência disso, quando os participantes se encontram em
uma interação comunicativa, realizam uma ação concreta que pode ir
além de uma frase produzida entre eles. No processo da interação, temos
que observar certas condições contextuais, como: tempo, lugar, papéis
dos interactantes, relações sociais, os objetivos da interação entre outros
que integram o ato de fala _ o enunciador os tem em mente ainda antes
de realizá-lo- e, portanto, condições imprescindíveis para o seu sentido e
entendimento. Conforme afirma Koch (2012, p. 12), “a par daquilo que
efetivamente é dito, há o modo como o que se diz é dito: a enunciação
deixa no enunciado marcas que indicam (“mostram”) a que título o
enunciado é proferido.”
Por tal motivo, além das circunstâncias contextuais e da intenção
dos falantes, os enunciados dos sujeitos que se apropriam da língua, num
determinado contexto de uso, produzem na sua realização determinado
sentido, que carrega em si uma “voz” que não pode ser desassociada das
diversas vozes enunciativas anteriores a ela e que se apresentam no ato
da sua produção (DUCROT, 1987). Para ele, o sujeito produtor do
enunciado não é visto como um mero produtor da fala, mas sim como
um sujeito pertencente ao mundo: o “locutor-enquanto tal (constituído
no nível do dizer) e o locutor-enquanto-ser-no-mundo (no nível do
dito)”, (DUCROT, 1987, p. 188).
Portanto, ao se produzir um enunciado, reproduzem-se discursos
marcados por fatos ideológicos, próprios da comunidade de fala onde se
realizam, que constituem a formação e atuação do indivíduo na sociedade.
E, assim, os contextos produzidos nos textos, (re)criam certas condições
específicas nos quais se perpetuam falares e crenças3. Segundo Van Dijk

3 Por exemplo, alguns jovens relacionados a algumas comunidades de fala que tem a ver com

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 284


(2012, p. 34), o contexto é “um construto subjetivo dos participantes”,
cuja construção se dá por meio de um modelo mental controlado por ele,
o contexto, que ativa a memória individual e social, além de ser formador
da identidade na construção do eu-mesmo e do ele-mesmo.

Formas de tratamento: espanhol e português brasileiro

Em geral, o tratamento que cada membro da sociedade recebe


depende das divisões nela existentes, do papel que desempenha na
interação e de suas características pessoais, tais como idade, gênero, posição
familiar, hierarquia profissional, grau de intimidade etc. Nessa direção,
cada um deve tratar o outro de acordo com as posições relativas que ambos
ocupam na escala social e, portanto, considera-se descortês o fato de uma
pessoa dirigir-se a um superior hierárquico com excessiva familiaridade,
por exemplo, pode constituir descortesia por sonegação deliberada de
cortesia esperada (KAUL DE MARLANGEON, 2005). Da mesma
forma, é inadequado dirigir-se a um amigo íntimo de maneira formal; se
tal fato ocorrer, pode ser um sinal evidente de desejo de distanciamento
da relação amistosa ou de artificialidade no comportamento social que
pode significar ironia.
Em suma, o uso das formas de tratamento retrata a expressão
linguística da estrutura vigente em um determinado meio social
e, portanto, o emprego das formas de tratamentos não depende,
propriamente, do sistema linguístico e das estratégias discursivo-retóricas

o rock na sociedade argentina tratam-se amistosamente com a forma de tratamento “vieja” (no
feminino), para demonstrar proximidade social. Esse uso fora desse contexto comunicativo pode
ser considerado inadequado ou até descortês.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 285


dos interactantes, mas também da maneira como a sociedade está
organizada e das mudanças que nela se operam. Em decorrência disso,
Silva (2008) explica que, no Brasil pós-ditadura militar, houve profundas
mudanças na sociedade, especialmente em relação à liberalização de
costumes, com suas evidentes mudanças nas formas de tratamento e, não
raramente, nos costumes mais liberais que vêm caracterizando a sociedade
brasileira dos últimos tempos.
No mesmo sentido, no estudo das formas de tratamento de Brown
e Gilman (1960), o conceito da dinâmica de poder e solidariedade tem
tido um papel fundamental na visão sociolinguística. O trabalho desses
autores centra-se, fundamentalmente, na análise das inter-relações entre
a estrutura linguística e as estruturas sociais, já que a sociedade está
polarizada entre duas forças – poder e solidariedade _, que retratam
relações que se estabelecem entre os interlocutores. Os autores concluem
que, desde o final do século XIX, está-se produzindo uma mudança
de direção rumo à supressão do eixo semântico de poder a favor do
eixo semântico de solidariedade. Há uma diminuição da frequência de
tratamento assimétrico e um aumento correspondente ao tratamento
simétrico. Essa mudança linguística estaria associada às mudanças e
aos valores adquiridos no século XX, como são as consequências de
sociedades mais abertas e igualitárias que acarretam o aumento do uso
de formas simétricas e, também, no âmbito da solidariedade informal,
estendeu-se, pois, o número de relações consideradas suficientemente
solidárias, como explicam Silva; Blanco; Blanco (2018).
Brown e Gilman (1960), ainda, ressaltam que, depois da Segunda
Guerra Mundial, houve uma abertura maior nas estruturas sociais,
o que possibilitou uma mobilidade mais acentuada nas hierarquias,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 286


provocando renovação nos sistemas de tratamento. Dessa forma, nas
línguas europeias, houve uma mudança do predomínio de relações
assimétricas para um predomínio de relações simétricas. É possível pensar
em uma solidariedade formal, marcada por relações recíprocas formais
(em francês, vous/vous; em espanhol, usted/usted; no português do Brasil,
o senhor/o senhor; no português de Portugal, uma série de formas, como
o senhor/o senhor, Vossa Excelência/Vossa Excelência etc.) e em uma
solidariedade informal, marcada por relações recíprocas informais (em
francês, tu/tu; em espanhol, tú/tú; no português do Brasil, você/você; no
português de Portugal, tu/tu). As sociedades fechadas do passado, pouco
a pouco, transformaram-se nas sociedades abertas do presente. A força da
expansão da solidariedade derrubou ou, pelo menos, está exercendo uma
forte pressão sobre o poder. Com isso, a primazia do poder cede lugar à
primazia da solidariedade.
Ressalte-se que, no português do Brasil, as mudanças são muito
similares às ocorridas no espanhol. Assim, Robinson (1977) assinala
que, quando se trata de formas de tratamento, as convenções já existem
e as normas que governam o emprego diferenciado podem ser levadas
para as diferentes relações entre papéis sociais. Nas relações em que estão
envolvidos direitos e deveres que impliquem desequilíbrio de poder, as
formas assimétricas de tratamento são mais suscetíveis de ocorrer. Na
sociedade atual, tais relações manifestam-se nas diferenças de faixa etária
(crianças e adultos) e de profissão (empregador/empregado), entre outras.
Talvez, por suas características econômicas e sociais, Espanha e
Brasil apresentam características muito semelhantes no que se refere às
formas de tratamento. Ainda que o código seja o mesmo, há diferenças
mais profundas entre o sistema de tratamentos do português de Portugal

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 287


e do português do Brasil. Lindley Cintra (1972) escreveu um dos
trabalhos mais importantes sobre as formas de tratamento no português
de Portugal. Segundo o autor, uma das características marcantes se refere
aos tratamentos do tipo nominal, muito frequentes em Portugal e pouco
usados no Brasil. Além disso, os tratamentos do português de Portugal
apresentam um sistema tríplice (ternário), enquanto os tratamentos no
Brasil seguem um sistema dual, muito parecido com o espanhol.
O português de Portugal apresenta as seguintes formas:
a.Formas próprias da intimidade: tu;
b.Formas usadas no tratamento de igual para igual (ou de superior
para inferior) e que não implicam intimidade: você;
c.Formas de reverência, divididas em uma série variada de níveis,
correspondentes a distâncias diversas entre os interlocutores: o se-
nhor, Vossa Excelência, o senhor Doutor, o senhor professor Doutor etc.

O português do Brasil apresenta as seguintes formas:


a.Tratamento próprio da intimidade: você (A forma tu está restrita a
algumas regiões e a alguns bolsões linguísticos);
b.Tratamento formal: o senhor, a senhora.
O espanhol ibérico, por sua vez, apresenta as seguintes formas:
a.Tratamento próprio da intimidade: tú (A forma vos é equivalente a
tú em muitas regiões de América);
b.Tratamento formal: usted.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 288


Especificamente falando do espanhol em comparação com o
português do Brasil, embora, como afirma Almeida Filho (1995, p. 14),
o português e o espanhol sejam as línguas românicas mais próximas, nas
formas de tratamento existem diferenças morfossintáticas e semânticas
significativas que dificultam o processo de aprendizagem/aquisição.
A principal delas refere-se a não equivalência semântica dos
pronomes você, em português com seu homônimo espanhol usted. Como
afirma Nair Floresta Andrade Neta,

Los brasileños suelen confundirse en el uso de la forma ‘Usted’ con valor


formal puesto que la comparan con el você del portugués de uso informal
(equivalente a ‘tú’ en la mayor parte del país). Quizás este error se debe al
hecho de que la concordancia con você se hace en la tercera persona como
con ‘usted’ en español. Es decir, utilizan ‘usted’ cuando su intención es uti-
lizar el tratamiento informal o bien, utilizan el pronombre ‘tú’ pero hacen
la concordancia verbal en tercera persona o viceversa (2012).

Apesar de que, como explica Lathrop (2012), o pronome de


tratamento usted tenha uma procedência histórica muito semelhante a você
do português, em espanhol emprega-se usted para definir distanciamento
ou hierarquia social, enquanto, em português, acontece o contrário com
a forma você.
Em decorrência desse fato há, em espanhol, duas formas verbais
diferenciadas para definir a forma de tratamento: a segunda pessoa do
singular (tú) para a informalidade, e a terceira do singular (usted) para a
formalidade (Di TULLIO, 2007, p. 169). No português, só há a terceira
do singular e, por tal motivo, a marca diferenciadora da distância social
recai no próprio emprego dos pronomes de tratamento, você ou o senhor/a,
que, por tal motivo, se fazem necessários para tal distinção (CUNHA,
1975, p. 291). Como consequência desse aspecto diferencial, ambas as

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 289


línguas, como explica González (1998, p. 247), apresentam uma distância
assimétrica quanto ao emprego de formas pronominais plenas ou nulas:
enquanto o português do Brasil é uma língua de sujeito pronominal
predominantemente pleno, em que a presença do pronome de tratamento
é exigido, no espanhol, por sua vez, é claramente uma língua de sujeitos
pronominais predominantemente nulos, ou seja, que raramente
explicita a forma de tratamento sem uma finalidade pragmática. Assim,
em espanhol, por exemplo, para perguntar formalmente pelo nome do
interlocutor uma possibilidade seria: ¿Cómo se llama? enquanto que, em
português, seu equivalente empregaria, necessariamente, o pronome de
tratamento: Como o senhor / a senhora se chama?
Outro aspecto, decorrente do anterior, que diferencia ambas as
línguas no modo de estruturar a sintaxe das formas de tratamento, reside
no emprego dos pronomes oblíquos. Em princípio, as normas gramaticais
dos pronomes oblíquos de terceira pessoa do português e do espanhol
são quase idênticas (o/a/lhe e lo/la/Le, respectivamente) assim como
o pronome reflexivo se. Contudo, neste ponto também as diferenças
quanto ao uso se fazem presentes, como explica Fanjul

Enquanto no espanhol os pronomes átonos com função de objeto direto


(me, te, lo/la/ -s nos os) ocorrem em qualquer registro de língua, desde os
mais formais até os mais informais ou ainda vulgares e na fala de todos os
setores sociais, qualquer que seja seu grau de escolaridade, no português
brasileiro alguns dos equivalentes desses pronomes, sobretudo os de terceira
pessoa (o,aos, as e seus alomorfes), ocorrem apenas em enunciados com for-
tes requisitos de formalidade, predominantemente escritos, e o ‘acerto’ no
seu uso parece requerer, mesmo para os brasileiros escolarizados, um tipo de
especulação reflexiva mais próprias do emprego de estruturas de uma língua
não materna (2014, p. 40-41, negrito do autor).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 290


Dessa forma, em espanhol são corretas as seguintes possibilidades:
Lo/La espero / Lo/La ayudo, porém são agramaticais os enunciados
#Espero usted /#Ayudo usted. Em português, ambas as possibilidades são
gramaticalmente corretas, embora as formas com os pronomes átonos
de objeto direto (Eu o/a ajudo e Eu a/o espero), como explica Fanjul, são
difíceis de serem empregadas no português do Brasil, preferindo-se seus
equivalentes Eu ajudo o senhor/a senhora e Eu espero o senhor/a senhora.
Estabelece-se, assim, um breve panorama das dificuldades que as
diferenças semânticas e morfossintáticas entre o português do Brasil e o
espanhol, podem ocasionar aos estudantes brasileiros ou espanhóis têm
que transpor ao estudar uma das línguas quanto à distinção das formas
de tratamento. Por fim, é possível afirmar que estas dificuldades, não
raramente, apresentam interferências no processo de aprendizagem/
aquisição pela ação da língua materna na L2.

Interferência linguística

Normalmente, os aprendentes de língua estrangeira em sala de aulas


têm pouco contato com contextos nos quais as questões da Pragmática
sejam o cerne do desenvolvimento do ensino do tópico da unidade no
material didático. Em consequência, além de haver uma compreensão
parcializada do próprio texto, há um descompasso na forma como
o/a aluno/a vai adquirindo o conhecimento formal da língua, o qual,
portanto, produz uma lacuna que interfere tanto no processo de sua
compreensão em uso real, quanto em seu emprego. Especificamente,
sobre o processo de aquisição/aprendizagem, Kasper e Roever (2005, p.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 291


317) afirmam que os estudantes “têm que aprender não apenas como
fazer as coisas com as palavras da língua-alvo, mas também como as ações
comunicativas e as “palavras” que as implementam são responsivas e
moldam situações, atividades e relações sociais”.
Essas deficiências na explicitação dos diferentes aspectos contextuais
acabam provocando interferências no processo de aprendizagem, que
os alunos devem preencher, necessariamente, com elementos de seu
repertório linguístico e cultural.
Como consequência,

quando tratamos de línguas próximas, como é o caso do espanhol em re-


lação ao português, misturam-se elementos sintáticos ou semânticos de
uma língua na produção da outra originando uma interlíngua: o conhecido
‘portunhol’. Mesmo falantes que tenham adquirido amplos conhecimen-
tos da segunda língua muitas vezes, por aplicar automaticamente as pautas
culturais da sua língua materna, produzem enunciados estranhos ou inade-
quados aos padrões da comunidade da língua aprendida (BLANCO, 2018,
p. 237).

Nesse sentido, Van Patten, Bill; Benati, Alessandro G. (2010)


apresentam três aspectos que influenciam no fenômeno da interferência
linguística:
a) transferência do sistema linguístico da L1 para a L2, o que pode
resultar em aspectos positivos ou negativos;
b) o uso de generalizações, ou seja, os/as aprendentes usam as poucas
regras da L2 apreendidas em todas as estruturas e contextos, o que amiúde
ocasiona empregos inadequados de formas linguísticas muitas vezes
gramaticalmente bem constituídas;4

4 Esses erros pragmáticos são considerados como aspectos culturais ou até pessoais do
aprendente-falante por parte dos membros da comunidade de fala alvo, principalmente quando

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 292


c) a simplificação, na qual os/as aprendentes usam a L2 de forma
reduzida, quase infantilizada.
Como sabemos, o conhecimento da pragmática envolve diversos
componentes extralinguísticos, como: características dos participantes,
conhecimento de mundo, referência e dêixis, contexto verbal, intenção
comunicativa (implicatura), atos de fala e (des)cortesia conversacional.
E, se no processo de ensino o aprendente não tem a consciência desses
elementos, sua produção na LE está comprometida e sujeita à produção
de enunciados inadequados ou próprios de uma linguagem simplificada.
Desse modo, o ensino da Pragmática deveria estar mais presente no
decorrer do processo de aquisição/aprendizagem e nos materiais didáticos
de LE, no nosso caso, de PLE.
Por tal razão, o input pragmático adquire uma preponderância
constitutiva na aprendizagem e, portanto, necessita ser fornecido desde
o início do processo. Dessa forma, Kasper e Roever (2005), ao citar os
estudos de Schmidt (2001), afirmam que para um input ser adquirido,
ele tem que ser percebido e compreendido (Noticing e Understanding).
Indo nesse sentido, vários estudos, como os de Takahashi 2001, Martinez-
Flor & Fukuya (2005), Alcón-Soler (2005) e de Gauci (2012), já foram
realizados e demonstraram, embora com diferentes metodologias, que os
aprendentes, quando expostos a um ensino voltado às questões de uso da
língua, apresentavam uma competência pragmática maior do que aqueles
que não receberam tal input.
Também salientamos que os estudos e apontamentos realizados
por esses pesquisadores sinalizam para a complexidade do tema,
principalmente se pensarmos em uma forma que possa medir o

são produzidos por aprendentes com avançada compreensão da gramática da estrutura formal
da língua.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 293


conhecimento pragmático adquirido (questionamento de Kasper e
Schmidt (1996), “how can approximation to target language norms be
measured?”); ou quais métodos poderiam constatar a produção de seu
desenvolvimento (como nos estudos de Bardovi-Harlig (2013)). Mais
ainda, como saber medir a dimensão das mudanças produzidas pela
aquisição da pragmática no manejo das relações entre forma e função
pelo/a aprendente? Nesse sentido, apesar da evidente complexidade que
o tema comporta, vemos que as pesquisas salientam a eficácia do ensino
pragmático e, nesse sentido, nos perguntamos: por que a pragmática é
quase ausente nos materiais de PLE?
Uma resposta plausível é apontada por Nuzzo e Gauci (2012) ao
afirmar que quando se trata da Pragmática, seu ensino é uma questão
delicada e complexa, no tocante a uma referência à “regra”, pois os
caminhos são tão diversos como os contextos que podem ser produzidos
quando da realização dos atos de fala. Por tal motivo, elas observam a
impossibilidade de se criar um manual de “ensino pragmático” como se
fosse um livro de gramática ou de vocabulário. Por outro lado, apesar
dessa constatação, Nuzzo e Gauci (2012, p. 78-79) apontam que é
aceitável “identificar alguns padrões recorrentes nas situações mais
comuns, bem como algumas ferramentas linguísticas nas quais há
uma função pragmática prevalecente”, fato que viabiliza a produção de
recursos didáticos para o ensino da L2 ou LE.
E é, justamente, a esses padrões recorrentes que talvez os materiais
didáticos deveriam se ater a, pelo menos, conscientizar o/a aprendente
sobre as diversas questões da produção de uso da linguagem, ou seja,
o que Nuzzo e Gauci (2012) chamaram de uma “função pragmática
prevalecente”.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 294


FT nos manuais de Português Língua Estrangeira (PLE)

Os livros de PLE apresentam uma linguagem que revela uma


realidade idealizada da língua alvo para que o aprendente tenha, no
processo de aprendizagem, a possibilidade de vislumbrar, nas diversas
situações comunicativas a que é exposto, um modelo de fala dialógica que
o torne competente na produção linguística. “Contudo, essa realidade
linguística proposta pelos manuais, na maioria das vezes, se encontra
determinada pela norma de um “português padrão” em desmedro do
“português falado”” (BLANCO, 2021, p. 84), apresentando uma visão
“estilizada”, porém rígida e pobre, da língua ao prescindir das nuances e
riquezas da fala espontânea.
Para observar como as FT se apresentam nos livros didáticos,
analisamos 6 livros de PLE que possuem semelhanças, como: serem
publicações com aceitabilidade no mercado comercial (obras com mais de
três edições), volume único. Dessa forma, o levantamento dos dados foi
feito com os seguintes livros: Aprendendo Português do Brasil (APB), Bem-
Vindo: a língua portuguesa no mundo da comunicação (BV),Fala Brasil
- Português para estrangeiros (FB), Falar... Ler...Escrever... Português - Um
curso para estrangeiros (FLE), Muito Prazer - Fale o português do Brasil
(MP), Português língua estrangeira (PLE) e Português para Estrangeiros
(PPE). A partir dessas obras, selecionou-se os eixos temáticos comuns
(restaurante, saúde, telefone, moradia e compras) para poder averiguar
como os enunciados que fizeram uso das FT se apresentam.
Dos enunciados apurados foi possível esquematizar o uso das FT em:
a)Formas pronominalizadas convencionalizadas:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 295


Quando os manuais apresentam a forma de tratamento formal
senhor/senhora é, na maior parte das vezes, para marcar uma relação
funcional e social de distanciamento, presente em eixos temáticos como
“compras”, “restaurante, “moradia” etc. - embora destacamos que
nos LDs não ficam evidentes os contextos das relações sociais entre os
interlocutores.
Nos exemplos listados, a forma de tratamento apresenta função
dêitico-social, marcada por aspectos de hierarquia social, relação
funcional entre os/as interlocutores/as, idade, sexo etc. E, também,
função pragmática de expressar, no caso, cortesia por emprego de
tratamento esperado. Exemplos:

LDEnunciados
FBSim, senhora. Temos vários modelos.
FBBom dia. A senhora tem algum livro sobre a Amazônia?
FBA senhora podia embrulhar para presente?
FLE A senhora já viu os novos modelos da máquina “Alvora-
da”?
BVA senhora põe um monte de roupa na máquina.
FLEDesculpe, senhor, mas a gorjeta não está incluída.
BVO que o senhor me sugere?
MPA mesa já está livre, senhor.
APBE o condomínio, o senhor sabe se é muito caro?
APBPois não. Estamos às suas ordens. O senhor pode passar
aqui hoje, à tarde, para pegar as chaves.
FBO senhor tem algum apartamento de três quartos perto do
Shopping?

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 296


b)Formas vocativas:
Oliveira et alii (2019) descrevem que, inicialmente, o vocativo,
na gramática tradicional, é entendido como um elemento que invoca
ou nomeia com certa ênfase um indivíduo ou coisa personificada. E,
que teóricos como Câmara Jr. (1981), Luft (1983), Cegalla (1985),
Cunha e Cintra (1985), Bechara (1999), e outros, consideram apenas
uma possível função pragmática desempenhada pelos vocativos, que
são caracterizados como expressões de chamamento. Todavia, Oliveira
et alii (2019) apontam que, com os estudos mais recentes, como o de
Nascimento (2000), o vocativo não pode ser considerado isolado do
restante da oração.
Portanto, temos que considerar o vocativo nas funções pragmáticas,
como cortesia, uma vez que pode ser empregado estrategicamente com a
finalidade de atenuar ou compensar ações verbais rudes ou ameaçadoras
de imagem do ouvinte, ou, ainda, servir para a expressão de descortesia,
principalmente por sonegação de cortesia esperada (KAUL DE
MARLANGEON, 2005).
Por esses motivos, percebe-se que o vocativo, na sua função
pragmática, vai além do simples chamamento, pois pode expressar
(des)cortesia dependendo do contexto de uso e das estratégias retóricas
dos falantes. No corpus, encontramos :

-Cortesia + chamamento

LDEnunciados
FBMoça, tem um número maior? Essa ficou um pouco curta.
BVO que vai hoje, freguesa?

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 297


BVJá escolheu, dona?
APBFernando, por que não vamos almoçar juntos?
MPMaria, vamos almoçar no “Tio Rocco”?
MP[...] Maria, você quer um suco, um coquetel?
APBJúlio, acho que encontrei um apartamento bom para você.

-Cortesia + afeição (formas de tratamento expressas por meio de


“apelidos” formados por diminutivos, aumentativos, formas apocopadas
etc.)

LDEnunciados
MPOi, Sô. Tudo bem? (Sô = Solange)
MPOi, Serginho. (Serginho = Sérgio)

Quanto à função pragmática, há estrategicamente, o uso da


forma carinhosa de tratamento, por exemplo: nome + diminutivo
= “Carlinhos”; ou nome + aumentativo = “Carlão”, que estabelece,
enquanto procedimento linguístico, aproximação com o interlocutor.

-Formas apelativas com finalidade enfática

LDEnunciados
APBDoutor, quinta-feira, quando saí do colégio ....
APBIh! doutor, injeção não!
FBGente, que tal experimentar um prato típico da região?
MPMeu Deus, que cara é essa, Dora?

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 298


A partir desse levantamento, observa-se que há um vasto uso das FT
presentes nos livros didáticos de PLE. Todavia, embora os livros didáticos
apresentem essa variedade de uso contida nos diálogos das unidades
de ensino, verifica-se que praticamente não há uma explicitação ou
esclarecimento situacional e/ou contextual que explique ou justifique o
uso. Nesse sentido, informações importantes como a relação interacional
entre os participantes são igualmente ausentes. Em consequência, ao
negligenciar tais detalhamentos contextuais, os manuais didáticos podem
levar os/as aprendentes de PLE, especialmente de língua espanhola como
L1, por exemplo, a cometerem interferência linguística, principalmente
no uso de você e tu no uso coloquial do português brasileiro, que é distinto
de tú e usted, como vimos anteriormente, as diferenças morfossintáticas
entre ambas as línguas e, em especial as variantes sociodialectais de língua
espanhola quanto às formas de tratamento.

Considerações finais

Ao verificarmos como as formas de tratamento da língua portuguesa


brasileira se apresentam de forma contrastiva com a língua espanhola,
pode-se constatar a ocorrência de interferência linguística por parte dos/
as aprendentes.
Primeiro, porque as formas de tratamento não são entendidas na
sua dimensão pragmática, de uso. Nessas obras prevalecem uma forma
mais convencional e ritualizada de abordar a linguagem e, de certa
maneira, negam ou negligenciam as questões de uso. Depois, quando há
enunciados nos quais aspectos de uso da língua deveriam ser esclarecidos

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 299


e distintos das formas convencionais, não são especificados, ficando,
portanto, uma lacuna que deveria ser preenchida. Ou seja, os livros
didáticos não apresentam, na maioria, os diálogos as relações contextuais
mais detalhadas dos interlocutores ali representados que pudessem
revelar as diversas possibilidades de uso das FT.
Tais aspectos nos ajudam a esclarecer como se apresentam em
uso as formas de tratamento e possibilitam ser críticos quanto à
convencionalidade expressa nos livros didáticos. Portanto, destacamos
que:
- observar as diferenças que marcam o uso das formas de tratamento
no português brasileiro e na língua espanhola;
- ater-se a questões de transferência de uso de uma língua para outra;
- conscientizar que o uso determina as questões socioculturais (tanto
a cortesia quanto a descortesia) e que é um construto social determinado
pela cultura na qual se insere.
Do exposto, reforçamos a importância de ter consciência dos
aspectos contextuais no processo de ensino/aprendizagem que estejam
relacionados com questões da competência pragmática tanto por parte
do/a docente como do/a aprendente. Ao estar cientes de tais fenômenos,
a aprendizagem se tornaria mais efetiva.

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 305


Língua autêntica e língua de materiais
didáticos de italiano LE: uma análise das
aberturas telefônicas

Adriana Mendes Porcellato

Introdução

Mesmo com os avanços tecnológicos nas comunicações, que veem


novas formas de interagir com os outros tanto nas redes sociais quanto
nos aplicativos de mensagens, ainda realizamos, pelo menos em alguns
momentos da nossa vida, ligações telefônicas. Esse tipo de interação
é regido por regras específicas (SCHEGLOFF, 1993) e, muitas vezes,
representa um desafio para aprendizes de uma LE (WONG, 2002), que
têm poucas oportunidades para analisar e, principalmente, para praticar
a língua nesse contexto.
Neste estudo, de caráter exploratório, lançou-se mão da Análise
da Conversação para comparar as aberturas telefônicas de conversas
autênticas extraídas do Lessico dell”Italiano Parlato (LIP) com as
aberturas de conversas telefônicas de alguns livros didáticos de italiano
como língua estrangeira em nível básico.
Diversas pesquisas têm apontado que a língua contida nos materiais
didáticos é muitas vezes distante da língua autêntica, o que se deve
principalmente ao fato de os autores frequentemente escreverem diálogos
com base na própria intuição (GILLANI; PERNAS, 2012; GILMORE,

DOI: 10.52788/9786589932536-13 SUMÁRIO / 306


2004; NUZZO, 2013; WONG, 2002). Os estudos realizados têm
demonstrado que há uma série de lacunas nos livros didáticos, que vão
desde a ausência completa de certas sequências conversacionais, como
os fechamentos de conversas (BARDOVI-HARLIG et al., 1991), até a
simplificação excessiva, como apontado por Wong (2002) em relação às
aberturas telefônicas nos livros didáticos de inglês. Com efeito, diversos
estudos têm mostrado que as sequências conversacionais são pouco
naturais se comparadas com o que acontece nas conversas espontâneas
(GILMORE, 2004; PAULETTO, 2020). Por fim, estudos mais voltados
à análise de atos de fala específicos também apontaram discrepâncias entre
a realização desses atos nos livros didáticos e em materiais mais próximos
da conversa espontânea, como role-plays abertos1 (PORCELLATO,
2020), filmes e séries (NUZZO, 2015 e 2016).
Considerando que o objetivo dos materiais didáticos de LE é
tornar os aprendizes comunicativamente competentes (GILMORE,
2007), o que prevê que os alunos possuam, dentre outras, a competência
interacional e acional de executar sequências de atos de fala na língua alvo
(CELSE-MURCIA, 2007), se esperaria que esses materiais oferecessem
aos aprendizes modelos adequados de interação comunicativa, o que, a
julgar pelos resultados das pesquisas conduzidas até hoje, nem sempre
acontece.
A partir da Análise da Conversação (SCHEGLOFF, 1968) e
das metodologias utilizadas para a análise dos materiais didáticos (em
especial, WONG, 2002; NUZZO, 2016; PAULETTO, 2020), nosso

1 Os “role-plays” abertos são uma forma de coleta de dados linguísticos bastante utilizada no
âmbito dos estudos pragmáticos. De acordo com Kasper (2008), consistem na gravação em áudio
e/ou vídeo de uma interação em que duas ou mais pessoas “assumem” determinados papéis em
um cenário específico. Normalmente, os informantes recebem algumas informações sobre o papel
que precisam desempenhar, assim como sobre o contexto e o objetivo da interação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 307


trabalho pretende confrontar as aberturas telefônicas de livros de italiano
LE (doravante ILE) com aberturas telefônicas autênticas, com o intuito
de identificar se a sequência de atos de fala típica desse tipo de interação
é adequadamente representada nos manuais didáticos. Esperamos
também que nosso trabalho traga contribuições para a pesquisa sobre a
pragmática nos livros didáticos de ILE, que ainda é escassa (cf. NUZZO,
2016; PAULETTO, 2020).
Em suma, nosso estudo se propõe a responder às seguintes perguntas
de pesquisa:
1. Em que medida as aberturas telefônicas apresentadas nos
materiais didáticos espelham aquelas da conversa espontânea?
2. Se, como indicam estudos conduzidos em outras línguas,
houver diferenças entre as aberturas telefônicas autênticas e as
dos livros didáticos, quais seriam suas implicações para o ensino e
aprendizagem de ILE?

Referencial Teórico

Este trabalho se enquadra dentro da Pragmática Interlinguística,


o campo de estudos que se dedica a questões relacionadas ao ensino, à
aprendizagem e à aquisição das normas pragmáticas por parte de falantes
não nativos (KASPER, GABRIELE; ROEVER, 2005; KASPER;
BLUM-KULKA, 1993). A produção de materiais didáticos que reflitam
a língua em uso é fundamental para que os aprendizes sejam expostos
a um modelo mais realístico da língua alvo e, assim, possam perceber e
adquirir essas normas.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 308


Assim como outros estudos da pragmática interlinguística, este
também se baseia na Teoria dos Atos de Fala, segundo a qual dizer é fazer
(AUSTIN, 1962), ou seja, uma teoria que se concentra particularmente
no valor ilocucionário dos enunciados. De acordo com os primeiros e
principais expoentes dessa teoria, Austin (1962) e Searle (1969), as regras
convencionais de um grupo de fala são fundamentais para a interpretação
da força ilocucionária dos enunciados. Searle frisa a importância da
convencionalidade quando diz que “falar uma língua significa engajar-se
em uma forma de comportamento governada por regras”2 (SEARLE,
1969, p. 47), ou convenções. Claramente, o aprendiz de LE precisará
aprender essas convenções para comunicar com seus interlocutores nessa
língua.
Aqui, a Teoria dos Atos de Fala será abordada por uma perspectiva
interacionista (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005), divergindo da
teoria “fundamentalmente atomista” e focada na taxonomia proposta
por Austin e Searle. Segundo Kerbrat-Orecchioni, entre outros, os
atos de fala, além de ter valor ilocucionário, possuem também força
perlocucionária, fazendo com que os nossos interlocutores sejam
levados a responder de alguma forma a nossos enunciados. Em outras
palavras, pode-se dizer que a produção de um ato de fala vai determinar
e desencadear os atos que seguem. Dessa forma, Kerbrat-Orecchioni
defende que a Teoria dos Atos de Fala deve ser vista pela perspectiva
interacionista, segundo a qual “na comunicação real os atos funcionam
em contexto, no interior de uma sequência de atos que não são encadeados
ao acaso” (2005, p. 69). Assim, dentro da estrutura complexa do discurso
dialogado, atos de fala são a menor unidade e podem combinar-se para

2 Essa e as próximas traduções são de nossa autoria.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 309


formar intervenções, as quais se combinam para formar trocas, que, por
sua vez, se juntam para formar sequências. A maior unidade dentro dessa
estrutura é a conversação, formada por uma combinação de sequências,
ao passo que a troca é a menor unidade dialogada. A troca pode ser
constituída por dois (ou mais) atos, um dos quais é considerado ato
iniciativo (por exemplo, uma pergunta ou um pedido) que determina
o que virá a seguir, ao passo que o outro é chamado de ato reativo (por
exemplo, uma resposta ou uma recusa) e é determinado pelo ato que veio
antes. A troca é constituída, portanto, por um par adjacente (conjunto
do ato iniciativo e do reativo), um conceito fundamental da abordagem
interacionista por ser determinante no sequenciamento dos turnos e,
portanto, na construção da conversa.
Kasper (2006) percebe que a maneira como os alicerces da prag-
mática tradicional foram e têm sido tratados negligencia a ideia de que
os atos de fala precisam ser inseridos numa sequência conversacional
para serem estudados. Ao clamar por uma pragmática mais discursiva,
a autora descreve como o conceito de ato de fala é visto de forma dife-
rente na perspectiva da pragmática tradicional e na perspectiva intera-
cional. Em sua visão, a pesquisa sobre atos de fala desde o início tem
se concentrado no falante que, ao cumprir um ato para expressar suas
intenções, sempre utilizará as formas mais acertadas para ser entendido.
Na abordagem interacionista, por outro lado, é de primária importân-
cia entender onde um ato é situado dentro da estrutura sequencial da
conversação e, por isso, os turnos que vêm antes e depois desse ato são
fundamentais para entender o que ele significa dentro da conversa, e
não somente na cabeça do falante. Em outras palavras, um pedido do
falante A chega a ser um pedido somente a partir do momento em que
o interlocutor B reconhece, de alguma maneira, o pedido em seu turno.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 310


A perspectiva interacionista da Pragmática é fortemente influenciada
pela Análise da Conversação (doravante AC). A AC começou a ser
aplicada aos estudos linguísticos por Sacks et al. (2003), que a usaram
para “desenvolver uma caracterização da organização da tomada de turno
na conversa que teria as importantes características combinadas de ser
livre de contexto e capaz de extraordinária sensibilidade ao contexto” (p.
13). Esses autores, então, percebiam que se, por um lado, determinada
conversa só existe em determinado contexto, por outro, há na organização
da conversa “algum aparato formal que [é] ele mesmo livre de contexto, de
forma que ele [pode], em ocorrências locais de sua operação, ser sensível a
vários parâmetros da realidade social em um contexto local e a eles exibir
sua sensibilidade” (p. 14). Com isso em mente, os autores revelaram uma
série de padrões e regras que regem a tomada de turno.
O objetivo da AC é mapear a sequência dos atos comunicativos, pois
se sabe que aquilo que um interlocutor diz ou faz numa conversa depende
do que foi dito ou feito no turno anterior e influencia, por sua vez, o que
será dito e feito no turno a seguir. A conversa, portanto, é construída
e sequenciada conjuntamente pelos interlocutores nela envolvidos.
Assim como Searle (1969) tinha apontado acerca dos atos de fala, esse
sequenciamento de turnos também acontece de uma forma relativamente
convencional, pois é ditado por regras pragmáticas, entre as quais a
realização de atos de fala. Um dos interesses da AC é, portanto, entender
quais são os padrões sequenciais e como os interlocutores constroem essas
sequências, tanto de um ponto de vista da conversação em geral, quanto
nas conversações inseridas dentro de contextos específicos. A pragmática
interacionista também tem como tarefa “completar a descrição dos
atos de linguagem pela descrição e princípios que dão sustentação a sua

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 311


organização sequencial” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005, p. 73).
Veremos agora, com a ajuda da AC e da pragmática interacionista, como
se pode descrever a organização sequencial das aberturas telefônicas.

As aberturas telefônicas

Apesar dos avanços tecnológicos recentes terem nos permitido


comunicar por mensagens instantâneas, tanto escritas quanto orais, as
conversações telefônicas ainda fazem parte do nosso cotidiano. Por isso,
é importante que um aluno de LE conheça as convenções que regem os
turnos das conversas ao telefone e, principalmente, que perceba como
se realizam as aberturas telefônicas, fundamentais para que o tópico
da conversação seja alcançado respeitando as rotinas conversacionais
esperadas. Schegloff (1968) aponta que, nesse contexto, é necessário
certo alinhamento dos interlocutores e, por isso, as aberturas telefônicas
são convencionalizadas e constituem o que Kerbrat-Orecchioni (2005)
chama de “ato de rotina”, ou seja, uma sequência desencadeadora da
conversação que possui principalmente função fática.
Como vimos, um dos principais objetivos da AC é justamente
tentar entender como os turnos e as ações que eles veiculam se organizam
dentro da conversação. Nas palavras de Pauletto “os turnos encarnam
ações: essas não aparecem de forma caótica durante a conversa, mas em
sequências”3 (2020, p. 31). Assim, Schegloff (1968, 1993), em suas
análises das aberturas telefônicas, tentou identificar padrões e notou
cinco movimentos, a saber:

3 “I turni di parola incarnano azioni: queste non si susseguono caoticamente durante la


conversazione, ma in sequenze” (PAULETTO, 2020, p. 31)

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 312


1) abertura do canal, quando o telefone toca (ato iniciativo) e
alguém atende (ato reativo);
2) identificação/reconhecimento, ou seja, quando as pessoas se
identificam (por exemplo, falando seu nome ou perguntando o nome do
outro) e se reconhecem;
3) troca de cumprimentos, quando as pessoas se cumprimentam
usando expressões como “Oi”, “Bom dia”;
4) demonstrações de interesse ou “como vai”4, quando as pessoas
indagam sobre como o interlocutor está;
5) entrada no mérito do telefonema, o momento em que a sequência
inicial de abertura telefônica termina para que os interlocutores comecem
a abordar o primeiro tópico da conversação.
Comparando as aberturas telefônicas com aberturas de encontros
presenciais em italiano, Bercelli e Pallotti (2002) percebem que há
semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças, os autores apontam o
“trabalho de abertura do canal”, as saudações iniciais e as demonstrações
de interesse antes de entrar no mérito da conversa. Os autores também
identificam duas principais diferenças: em primeiro lugar, a identificação,
importante nas conversas telefônicas, especialmente entre pessoas menos
íntimas, e desnecessária em boa parte dos encontros presenciais, já que
as pessoas muitas vezes se reconhecem ao se ver5; em segundo lugar, a
quantidade de recursos comunicativos à disposição dos interlocutores,
que, nos encontros presenciais, são muito mais variados, com os
interlocutores comunicando por meio de expressões faciais, sorrisos,

4 Traduzido do inglês “How are yous” (SCHLEGOFF, 1968)


5 Cabe apontar que, hoje em dia, com o uso cada vez mais difundido dos telefones celulares, a
identificação nas conversas telefônicas não é mais tão necessária. No entanto, nas conversações
telefônicas analisadas aqui veremos que, de fato, as identificações acontecem com frequência,
provavelmente por serem conversações que envolvem pelo menos um telefone fixo.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 313


ações e movimentos do corpo. Especialmente devido à restrição de
recursos comunicativos, reduzidos ao canal vocal, as interações telefônicas
costumam ser particularmente convencionalizadas, sendo organizadas em
“sequências menos variáveis, menos articuladas em fluxos comunicativos
paralelos”6 (BERCELLI; PALLOTTI, 2002, p. 181), ou seja, sem poder
contar com a complementação de gestos e expressões faciais.
Em sua análise de interações ao telefone em italiano, Bercelli e Pallotti
(2002) percebem uma importante função das aberturas: a de sinalizar
contextualmente a relação entre os interlocutores. De fato, segundo
os autores, apesar de as aberturas telefônicas serem particularmente
convencionalizadas, elas adquirem nuances específicas de acordo com
o contexto em que acontecem. Por exemplo, nas ligações entre pessoas
íntimas, o movimento de identificação apontado por Schegloff (1993)
é, em muitos casos, desnecessário, pois os interlocutores se reconhecem
já pela voz. Em outros casos, a identificação acontece por meio de
enunciados como “Ciao, sono io” (Oi, sou eu) que, de um ponto de vista
lógico, poderia parecer pouco informativo mas, dentro de um contexto
específico de intimidade entre os interlocutores, é plausível e até comum.
Já nas ligações de serviço, é mais comum que a empresa se identifique,
ao passo que o cliente, após uma saudação, já pode entrar no mérito da
conversa sem demonstrar interesse por meio de perguntas como “Como
vai?”. Bercelli e Pallotti também viram que as aberturas telefônicas
entre pessoas íntimas se diferenciam daquelas de serviço na distribuição
dos turnos: se nas conversas íntimas há turnos mais curtos em que se
realiza uma ação, como o uso de “Pronto?” (Alô?) para abrir o canal, os
atendentes de empresas frequentemente atendem com uma fórmula (por

6 “sequenze meno variabili, meno articolate in flussi comunicativi paralleli” (BERCELLI;


PALLOTTI; 2002, p. 181)

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 314


exemplo, “Empresa X, bom dia”) em que abrem o canal, se identificam
e cumprimentam em um único turno. Segundo Kerbrat-Orecchioni
(2005) e Traverso (1996), essa fusão da sequência de atos é típica dos atos
de rotina, como a abertura telefônica, não só em contexto de encontros
de serviço. Traverso (1996)aponta que, nas sequências de abertura e
fechamento, os atos não se sucedem formando trocas completas “mas se
encadeiam, um surgindo então como reação ao outro [e, por isso,] muitas
vezes é impossível isolar cumprimentos propriamente ditos do conjunto
dos outros atos rituais que se desenrolam nessas duas sequências”
(TRAVERSO, 1996, p. 88).
Por fim, voltando às análises de Bercelli e Pallotti (2002), os autores
também analisam as ligações dos espectadores e ouvintes a programas
de TV e de rádio e percebem que há diferenças de acordo com o teor
do programa e o público-alvo. Assim, programas da MTV, destinados
a um público mais jovem, tendem a emular as aberturas telefônicas que
acontecem entre íntimos, diferentemente de programas destinados a
outros públicos. Dessa forma, apesar da rotinização típica das conversas
ao telefone, é necessário considerar que o contexto em que elas acontecem
influencia a maneira como são realizadas.

A (in)autenticidade da língua dos materiais didáticos

Como mencionado na introdução, os materiais didáticos têm sido


muitas vezes criticados por não oferecerem aos alunos um modelo de lín-
gua adequado e que realmente corresponda à língua em uso. Isso se deve
ao fato que, muitas vezes, os diálogos encontrados nesses materiais tendem
a ser construídos com base na intuição dos autores e sem considerar os
avanços na área da linguística (cf. WONG, 2002; NUZZO, 2016).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 315


Na literatura, encontram-se diversos estudos que analisaram a
língua apresentada nos livros didáticos de línguas estrangeiras no intuito
de perceber o quão adequados esses materiais seriam para o ensino da
competência comunicativa, incluindo-se aqui a competência pragmática
e a competência interacional (cf. Mhereb, 2020). Um dos primeiros
estudos desse tipo foi o de Bardovi-Harlig et al. (1991), que investigaram
os fechamentos de conversas nos livros didáticos, percebendo que
frequentemente as conversas não possuem conclusão e, quando a
conclusão é contemplada, não espelha o que acontece na língua em uso,
não levando em consideração sequências de pré-fechamento. Já Wong
(2002) avaliou as aberturas de conversas telefônicas de livros didáticos de
inglês LE, comparando-as com os estudos de Schegloff (1968) sobre as
aberturas telefônicas em conversas autênticas. Em seu trabalho, a autora
analisou os diálogos dos livros didáticos no intuito de reconhecer neles
a sequência de trocas que Schegloff já tinha observado nas conversas
autênticas. Os resultados demonstraram que em praticamente nenhum
caso as aberturas telefônicas dos livros didáticos continham todas as trocas
típicas da conversa autêntica. Gilmore (2004) dedicou suas análises aos
diálogos em encontros de serviço de livros didáticos de inglês publicados
até o final dos anos 1990, comparando-os com interações de serviço
autênticas. Seus resultados também apontaram que os diálogos dos livros
didáticos se distanciam das conversas naturais por não apresentarem
características típicas da fala espontânea, como hesitações, pausas,
repetições, etc. No mesmo trabalho, Gilmore repetiu a análise com livros
mais recentes (dos anos 2000) e notou algumas melhorias, demonstrando
que os livros didáticos mais atuais tentam oferecer uma representação
mais fiel da língua espontânea. Kakiuchi (2005) se dedicou a confrontar
os cumprimentos em livros de inglês publicados no Japão e em conversas

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 316


autênticas e notou que as expressões mais comuns nos livros não eram
tão utilizadas na linguagem espontânea e, vice-versa, as expressões mais
comuns da língua autêntica estavam pouco presentes nos livros. O mesmo
resultados foi encontrado em um estudo mais recente de Bardovi-Harlig
et al. (2015), que se concentrou nas rotinas pragmáticas utilizadas para
discordar em discussões acadêmicas. Na comparação, surgiu que a língua
dos livros didáticos se diferenciava sensivelmente da língua coletada no
corpus MICASE (Michigan Corpus of Academic Spoken English). Ao
procurarmos estudos mais recentes que tratam questões pragmáticas
nos livros didáticos de ILE, nos deparamos com os estudos de Nuzzo
(2013; 2015; 2016), em que a representação de diferentes atos de fala
nos materiais didáticos foi comparada com os mesmos atos levantados
em séries de televisão, gravações de fala espontânea e no LIP (Lessico
dell”Italiano Parlato). Os resultados mostraram que os materiais didáticos
apresentam escassez de modificadores, não representando, portanto,
a maneira como a língua é realmente usada. Esse mesmo resultado foi
encontrado por Porcellato (2020), que concentrou sua análise no ato de
fala do pedido e confrontou os pedidos dos livros didáticos com aqueles
realizados por italianos nativos em role-plays (SANTORO, 2012).
Gillani e Pernas (2012, 2013) consideram que os diálogos dos livros
didáticos são muitas vezes simplificados para facilitar a compreensão do
aluno, mas não é sempre assim. Em suas análises, perceberam que há um
continuum que vai do material mais inautêntico (normalmente baseado
em textos escritos e depois lidos por atores) ao material mais autêntico
(normalmente improvisado por autores a partir de uma situação, numa
espécie de role-play). Por fim, destacamos o estudo de Pauletto (2020),
que, lançando mão da AC, propõe uma metodologia para avaliar o grau
de autenticidade dos materiais em áudio para o ensino de ILE. Sua análise

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 317


de diálogos de diferentes livros comprova os resultados de Gillani e Pernas
(2012) e comprova a existência de um continuum que vai do material mais
inautêntico ao mais autêntico. Interessante notar que, diferentemente do
que apontam as análises de Gilmore (2004) nos livros de inglês LE, os
materiais recentes de ILE tendem a ser mais inautênticos, apresentando
pausas excessivas entre as tomadas de turno e desconsiderando as regras
que regem a interação. Contrariamente ao que se esperaria, os materiais
mais autênticos foram os publicados nos anos 1990-2000, o que indica
que, nesse aspecto, não parece haver uma maior preocupação dos autores
de livros de ILE em representar de forma mais fiel a língua espontânea..

Metodologia

Este estudo, de caráter exploratório, parte da análise de um corpus


reduzido. Os dados, ou seja, as aberturas telefônicas autênticas e dos livros
didáticos, foram coletados, respectivamente, no LIP (Lessico dell”Italiano
Parlato)7 e em quatro livros didáticos de italiano de nível A1 e A2 do
QECR (Conselho da Europa, 2001), como será especificado a seguir.

As conversas telefônicas autênticas

Primeiramente, foram coletadas as transcrições das aberturas


telefônicas autênticas disponíveis no LIP, um corpus de italiano falado
acessível online. É importante frisar aqui que o LIP só disponibiliza
transcrições de conversas autênticas, que foram transcritas seguindo

7 Disponível online: http://badip.uni-graz.at/it/.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 318


regras estabelecidas8, não havendo a possibilidade de acessar o áudio
das conversas. As conversas foram gravadas no início dos anos 1990 em
quatro cidades italianas: Florença, Milão, Nápoles e Roma. Por esse
motivo, trata-se de conversas em sua maioria realizadas por meio de
aparelhos telefônicos fixos, já que na época os aparelhos celulares ainda
não eram tão difundidos.
Escolhemos aleatoriamente cinco aberturas telefônicas de cada
cidade. No entanto, como vimos, o contexto em que as conversas
telefônicas acontecem podem, de fato, influenciar sua realização
(BERCELLI; PALLOTTI, 2002). Por isso, ao coletar as conversas,
seguimos uma série de critérios que nos levaram a excluir os seguintes
tipos de conversas:
i) mensagens gravadas em secretárias eletrônicas;
ii) conversas gravadas em programas de rádio e televisão;
iii) conversas em que a pessoa desejada não podia atender o telefone;
iv) conversas de serviço (por exemplo, ligações para médicos,
secretárias, oficinas, etc.).
Devido a essas restrições, conseguimos coletar somente quatro
conversas de Nápoles, por isso, coletamos seis de Roma, de forma a obter
um total de 20 conversas bastante distribuídas pelo território italiano (cf.
Quadro 1).

8 Ver Anexo A para lista de símbolos utilizados nas transcrições do LIP.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 319


Quadro 1 – Corpus retirado do LIP
Cidade Número de conversas
Florença 5
Milão 5
Nápoles 4
Roma 6
Total 20
Fonte: A autora

As conversas telefônicas nos livros didáticos

Para a coleta das aberturas telefônicas nos manuais, selecionamos


quatro livros didáticos de italiano LE de nível A1 e A2. Como critério
para seleção, escolhemos os títulos mais vendidos de duas editoras de
materiais didáticos, Nuovo Progetto Italiano 1 (NPI1) para a editora
Edilingua e Espresso 1 (ESP1) e Espresso 2 (ESP2) para a editora Alma.
Selecionamos também o livro Linea Diretta 1a (NLD1) porque nesse
material os diálogos são gravados em situações mais espontâneas, com
atores que improvisam uma conversa com base em instruções e sem
seguir um script (cf. PAULETTO, 2020).
Nos livros selecionados, procuramos ocorrências de conversações
telefônicas gravadas e/ou escritas, descartando as conversas telefônicas de
serviço (por exemplo, ligações para o teatro, o restaurante ou o hotel).
Foram, então, doze conversas telefônica que constituíram nosso corpus de
livros didáticos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 320


A análise das conversas telefônicas

Para analisar as transcrições das conversas telefônicas do LIP e dos


livros didáticos, utilizamos a AC e, mais especificamente, nos baseamos
nos estudos de Schegloff (1968) e Bercelli e Pallotti (2002) sobre a
estrutura das conversas telefônicas em inglês e italiano e de Wong (2002)
sobre a estrutura das conversas nos manuais didáticos. Para cada conversa,
identificamos as ocorrências das cinco trocas que costumam fazer
parte da sequência de abertura de um telefonema (chamada/resposta,
identificação/reconhecimento, troca de cumprimentos, demonstrações
de interesse, entrada no mérito do telefonema) para entendermos
com qual frequência cada tipo de troca aparece e quais expressões são
normalmente utilizadas. No final, comparamos as conversas autênticas
com as conversas dos materiais didáticos para identificar as semelhanças
e diferenças.

Resultados

Aqui apresentaremos os resultados das nossas análises, antes nos


concentrando nas conversas autênticas retiradas do LIP para depois
passarmos àquelas coletadas nos livros didáticos.

As conversas telefônicas retiradas do LIP

Pelos dados levantados, descobrimos que as trocas que Schegloff


(1968) tinha identificado nas conversas telefônicas em inglês também
aparecem frequentemente e na mesma ordem nas aberturas telefônicas
em italiano, como pode ser visto no Exemplo 1 retirado do LIP.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 321


Exemplo 1 – Conversa MI29
01 D: pronto * Alô * Abertura do canal: Chama-
mento e resposta
02 B: pronto Anna Alô Anna Identificação e reconheci-
mento
03 D: ciao Oi
Troca de saudações
04 B: salve Olá
05 D: come va * Tudo bem *
06 B: bene e tu * Tudo e você *
07 D: eh insomma insomma Eh mais ou
menos
Demonstração de interesse
08 B: insomma insomma * Mais um menos
(2 sequências)
*
09 D: insomma insomma Mais ou menos
10 B: * *
11 D: tu come va * E vc tudo bem?
12 B: io abbastanza bene # Tudo ok # Aqui
senti Entrar no mérito
13 D: dimmi Pode falar

Contudo, assim como apontado por Bercelli e Paollotti (2002),


nem todas as conversas extraídas do LIP seguiram exatamente o mesmo
formato. Apresentaremos aqui algumas características interessantes de
diferentes trocas.
Na troca de chamada/resposta, que indica a abertura do canal, o
toque de telefone, por não fazer parte da gravação, não é reportado. Isso
acaba desconstruindo o par adjacente, já que, se não há o chamado, não

9 Cada conversa retirada do LIP foi identificada com uma sigla que corresponde às duas letras
iniciais da cidade (MI corresponde a Milão) e um número de 1 a 6.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 322


haveria motivo de responder. Na troca de chamada/resposta, a pessoa
que atende o telefone normalmente diz pronto? (alô?). Em dois casos, no
entanto, as pessoas atenderam o telefone com sì? (sim?), e Wong (2002)
sugere que, em inglês, esse tipo de resposta é mais comum nos casos em
que as pessoas já estejam aguardando um telefonema. Isso, contudo, não
significa que o telefonema que essas pessoas irão receber será realmente o
telefonema que elas estavam aguardando, como podemos ver no exemplo
2, abaixo, onde A demora até o quinto turno para reconhecer a pessoa
que ligou. Podemos concluir que, pelos exemplos analisados, pronto?
parece ser a maneira mais comum de atender o telefone em italiano, mas
sí? também pode ser usado.

Exemplo 2 – MI5
01 A: si” 01 A: sim
02 B: pronto 02 B: alô
03 A: si” 03 A: sim
04 B: ciao 04 B: oi
05 A: ah ciao come va * 05 A: ah oi tudo bem *

Na troca de identificação/reconhecimento, notamos que há duas


maneiras de proceder: as pessoas podem se autoidentificar, dizendo quem
elas são, ou podem deixar que o interlocutor as reconheça pela voz (como
no exemplo 2, acima). Como já vimos em Bercelli e Pallotti (2002), o
reconhecimento pela voz acontece quando os interlocutores se conhecem
e são mais íntimos, ao passo que relacionamentos mais distantes ou talvez
ligações em que haja ruído ou interferência exigem que o interlocutor
se identifique. Nos exemplos do LIP, foram encontrados tanto o
reconhecimento pela voz quanto a autoidentificação, mas as proporções
nos mostram que o primeiro parece ser ligeiramente mais frequente,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 323


com 60% das ocorrências (cfr. BERCELLI; PALLOTTI, 2002). Sobre
as autoidentificações, notamos que elas podem acontecer pela própria
iniciativa da pessoa que telefona (três casos no corpus), ou em resposta
a uma pergunta que exija a identificação (cinco casos no corpus), como
podemos ver no exemplo 3. Isso mostra que a autoidentificação, além de
ser menos frequente, normalmente é iniciada pela pessoa que atende o
telefone.

Exemplo 3 - RO5
01 A: pronto 01 A: alô
02 B: ciao Bruna 02 B: oi Bruna
03 A: chi e” * 03 A: quem é *
04 B: so” Mimi” 04 B: é Mimì

Na troca dos cumprimentos (por exemplo, Oi, Bom dia, etc.),


notamos a amalgamação da sequência de atos, uma característica que
Traverso (1996) e Kerbrat-Orecchioni (2005) consideram típica das
aberturas e fechamentos de conversas. Com efeito, no corpus do LIP, é
frequente que os cumprimentos se confundam com as identificações,
tornando difícil a demarcação das fronteiras entre as duas trocas. Isso
pode ser percebido no exemplo 2, acima, onde a pessoa reconhece e
cumprimenta o interlocutor praticamente ao mesmo tempo, dizendo
“ah, ciao” (ah, oi). Apesar de se amalgamarem às identificações, no nosso
levantamento, os cumprimentos aparecem em todos os diálogos, com
uma única exceção, na qual o telefonema é urgente e serve para comunicar
a hospitalização de um conhecido ou familiar (exemplo 4).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 324


Exemplo 4 - NA2
01 A: pronto * 01 A: alô *
02 B: si” 02 B: sim
03 A: XYZ allora ti devo dire “na cosa il ri- 03A: XYZ então preciso te falar um
covero e” stato effettuato negócio a internação foi realizada
04 B: si” 04 B: sim
05 A: ci sentiamo piu” tardi 05 A: nos falamos mais tarde

A troca de demonstração de interesse pode se estender durante


diversos turnos, como vimos no exemplo 1 acima. Pelos dados levantados,
as demonstrações de interesse são muito frequentes, tendo ocorrido em
três quartos dos diálogos. Nessa parte da interação telefônica, ambas as
pessoas podem demonstrar interesse usando expressões tipo come va?
(tudo bem?) ou respondendo, bene, grazie, e te? (bem, obrigado, e você?),
mas em quase a metade dos casos é só uma pessoa que vai demonstrar
interesse, o que indica que a reciprocidade não parece ser necessária. Nos
diálogos do nosso corpus notamos também que as demonstrações de
interesse não aparecem em casos de conversações urgentes (exemplo 4),
em casos de maior intimidade, mas também nos casos em que, no lugar
de demonstrar interesse na saúde do outro, a pessoa que liga decide se
desculpar por incomodar, normalmente usando expressões como scusa se
ti disturbo (desculpa incomodar) ou ti disturbo? (estou te incomodando?).
Tanto a estratégia de demonstrar interesse como aquela de pedir desculpas
pelo incômodo são importantes porque levam diretamente à entrada no
mérito do telefonema, como podemos notar no exemplo 1 e também no
exemplo 5:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 325


Exemplo 5 - RO6
01 C: pronto 01 C: alô
02 B: pronto Paola 02 B: alô Paola
03 C: si” 03 C: sim
04 B: sono Marina 04 B: é Marina
05 C: ciao Mari” 05 C: oi Mari”
06 B: ah ciao scusa se ti disturbo 06 B: ah oi desculpa incomo-
07 C: no $ dar
08 B: * senti ti volevo dire che… 07 C: não $
08 B: * aqui queria te falar
que…

A entrada no mérito da conversa telefônica sempre apareceu no


nosso corpus, como era de se esperar. Normalmente, se entra no mérito
depois de demonstrar interesse ou pedir desculpas para o interlocutor, a
não ser que seja um caso de urgência (exemplo 4). Percebemos, também,
que há expressões muito utilizadas para entrar no mérito: a pessoa que
liga costuma usar senti, ascolta, allora, (aqui, escuta, então) ao passo que
a outra pessoa, para pedir ou incentivar que se entre no mérito usa as
expressões dimmi ou dimmi tutto (fala, fala tudo) (ver exemplo 1) (cfr.
BERCELLI; PALLOTTI, 2002).

As aberturas telefônicas nos livros didáticos de ILE

Procederemos agora com a apresentação dos resultados obtidos nas


análises dos livros didáticos. Aqui também apresentaremos uma troca da
sequência de abertura de cada vez.
Na troca de chamada/resposta, assim como vimos no LIP, nos
diálogos escritos dos manuais nunca aparece a chamada, truncando

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 326


assim o par adjacente. Contudo, dois dos livros analisados contemplam
a chamada no áudio dos diálogos, deixando a troca completa. Quanto
à resposta, em todos os diálogos as pessoas atendem o telefone dizendo
pronto (alô) e a possibilidade de usar sì (sim) não é contemplada.
Quanto às identificações/reconhecimentos, notamos que na maioria
dos casos as pessoas que ligam se autoidentificam (exemplo 6). Somente
em um diálogo do livro LD1, no qual as interações são criadas por atores
de forma mais espontânea por meio de um role-play improvisado, a
pessoa que atende pede a identificação da pessoa que telefona, a qual,
em seguida, se autoidentifica (exemplo 7). Em nenhum caso, mesmo
em conversas entre amigos e parentes, é contemplado o reconhecimento
pela voz, que, no entanto, é frequente nas conversas autênticas (cfr.
BERCELLI; PALLOTTI, 2002).

Exemplo 6 – ESP2
01 A: Pronto? 01 A: Alô?
02 B: Ciao Piera, sono Flavia, come stai? 02 B: Oi Piera, aqui é Flavia,
03 A: Benissimo, sai, sono appena tornata dal bosco… como vai?
03 A: Muito bem, sabe, aca-
bei de voltar do bosque…
Fonte: Ziglio e Rizzo (2008)

Exemplo 7 - LD
01 A: Pronto. 01 A: Alô.
02 B: Giovanna? 02 B: Giovanna?
03 A: Chi parla? 03 A: Quem fala?
04 B: Sono Roberto. 04 B: Aqui é Roberto.
05 A: Ah ciao! Dove sei? 05 A: Ah oi! Onde você está?

Fonte: Conforti e Cusimano (2005)

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 327


Comparada com o que vimos nos exemplos do LIP, a troca
de cumprimentos nos livros didáticos é ainda mais amalgamada às
identificações, tanto que as identificações e os cumprimentos costumam
acontecer no mesmo turno, transformando as duas trocas em uma
só (exemplo 6). Apesar de isso ser particularmente frequente em atos
de rotina (TRAVERSO, 1996; KERBRAT-ORECCHIONI, 2005),
notamos, todavia, certa discrepância em relação às conversas autênticas,
onde essas trocas se fundiam somente em alguns casos.
As demonstrações de interesse (“como vai?”) também são
contempladas em praticamente todos os diálogos (com uma única
exceção), e exercem, assim como nos diálogos autênticos, a importante
função de levar os interlocutores a entrarem no mérito do telefonema.
O que notamos é que as demonstrações de interesse, em alguns diálogos,
são amalgamadas às identificações e aos cumprimentos, com as três trocas
sendo concentradas algumas vezes em um único turno (exemplos 6 e 8).

Exemplo 8 - NPI
01 Rosa: Pronto? 01 Rosa: Alô?
02 Monica: Ciao Rosa, sono Monica. 02 Monica: Oi Rosa, aqui é Monica.
Come va? Tudo bem?
03 Rosa: Buongiorno, Monica, bene…e 03 Rosa: Bom dia, Monica, tudo bem…e
tu? você?
04 Monica: Senti, ho bisogno del tuo 04 Monica: Aqui, preciso da sua ajuda.
aiuto. 05 Rosa: O que foi?
05 Rosa: Che cӏ?
Fonte: Marin e Magnelli (2009)

Finalmente, ao entrarem no mérito do telefonema, notamos que nos


diálogos dos livros também há as mesmas expressões convencionalizadas
que encontramos no LIP, como senti, allora, sai, (cfr. os exemplos 6 e

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 328


8). O que se diferencia das conversas autênticas, no entanto, é a resposta
do interlocutor, que não costuma incentivar a entrada no mérito com
expressões como dimmi (fala), mas se limita a ouvir o outro. Uma exceção
é o diálogo do exemplo 8, onde o interlocutor responde Che c”è? (O que
foi?), incentivando o outro a explicitar o motivo da ligação.

Comparando as aberturas telefônicas autênticas com as dos


livros didáticos

No estudo de Wong (2002), no qual nos baseamos, a autora notou


que a maioria dos diálogos dos livros didáticos não contemplava diversas
trocas da sequência de abertura telefônica, se distanciando muito da
língua natural. Pela nossa análise, contudo, isso não transpareceu. Em
quase todos os diálogos dos livros notamos que as trocas das interações
autênticas são geralmente contempladas e que as expressões rituais que se
utilizam nas interações do LIP costumam aparecer também nos diálogos
dos livros didáticos. Apesar de essa aparente semelhança, há algumas
questões que chamaram a nossa atenção.
Em primeiro lugar, a chamada (o toque de telefone) foi
desconsiderada tanto nas transcrições do LIP como nas transcrições dos
diálogos nos livros. Para respeitar o par adjacente, seria importante incluir
o toque do telefone. Imaginamos que a transcrição do LIP ignorou o
chamado por ele não aparecer nas gravações, mas sua inclusão contribuiria
à construção dessa troca. Interessante notar que, pelo menos nos áudios
de alguns livros didáticos, o toque de telefone é incluído, conferindo mais
autenticidade à troca de abertura do canal.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 329


Em segundo lugar, na troca de identificação/reconhecimento,
percebemos que nos diálogos autênticos as pessoas tendem a se
reconhecer muito mais pela voz do que por meio da autoidentificação,
o que corrobora as análises de Bercelli e Pallotti (2002) das interações
telefônicas entre pessoas íntimas. Nos livros didáticos, contudo, em
todos os diálogos os interlocutores se identificam, o que não espelha o
que acontece na língua autêntica. Entendemos que a autoidentificação e
as formas linguísticas em que ela acontece devam ser contempladas nos
materiais, mas também a heteroidentificação (ou seja, a identificação do
outro) deveria ser apresentada aos aprendizes, se o objetivo é torná-los
competentes para atender a um telefonema. Esse resultado vai ao encontro
do que foi apontado em diversas análises de livros didáticos: os diálogos
escritos com base na intuição dos autores não apresentam um retrato fiel
da língua em uso. Interessante considerar que o único diálogo em que
há heteroidentificação aparece justamente no livro didático em que os
diálogos são improvisados por atores por meio de role-plays e que foi
publicado nos anos 1990. Esse resultado parece suportar a tese de Gillani
e Pernas (2012, 2013) e de Pauletto (2020) de que há um continuum de
autenticidade nos livros didáticos e que, apesar dos avanços nos estudos
linguísticos, os materiais mais recentes não são necessariamente os que
apresentam um retrato mais fiel da língua natural.
Finalmente, a diferença maior que notamos entre o corpus autêntico
e os livros didáticos foi a divisão dos turnos. Como vimos, a AC nasceu
exatamente do interesse de identificar as regras que regem os turnos e Sacks
et al. (2003 [1973]), em seu trabalho pioneiro, destacam que há regras e
convenções para ceder e tomar o turno numa conversação. Vimos também
que, em atos de rotina, como a abertura de conversações telefônicas, a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 330


fusão entre as trocas é frequente (TRAVERSO, 1996; KERBRAT-
ORECCHIONI, 2005) e, de fato, pôde ser observada nas conversações
autênticas, em que a troca das identificações/reconhecimentos se fundiu,
em alguns casos, com a troca dos cumprimentos. Mesmo com essa fusão,
na maioria das interações autênticas, os atos de fala se dividem em diversos
turnos e ambos os interlocutores participam da construção de cada troca.
Já nos livros didáticos, a distinção entre as trocas se torna mais difícil,
pois frequentemente diversos atos linguísticos acontecem no mesmo
turno. Vimos que há casos em que as identificações/reconhecimentos,
os cumprimentos e as demonstrações de interesse acontecem todas no
mesmo turno, não havendo aquela troca entre interlocutores típica da
conversa natural. Com efeito, se olharmos para o número de turnos
nas conversas dos livros didáticos, percebemos que é sensivelmente
menor que o das conversas autênticas: se confrontarmos os exemplos 2
e 8, ambos contendo a sequência completa de abertura, notamos que o
exemplo extraído do LIP se constitui de oito turnos, ao passo que no
diálogo extraído dos livros didáticos, os turnos são somente cinco. Essa
discrepância reflete os resultados encontrados por Gilmore (2004) nos
livros didáticos de inglês e por Gillani e Pernas (2012 e 2013) nos livros de
ILE. As análises corroboram também o estudo de Pauletto (2020), que
apontou que a troca de turnos dos diálogos de livros de ILE publicados
recentemente não refletem o que acontece na língua em uso.
O fato de as aberturas telefônicas apresentadas nos manuais não
representarem adequadamente o que acontece na conversa espontânea,
especialmente quanto à troca de identificação/reconhecimento e à troca
de turnos, demonstra certa falta de atenção desses materiais em relação
a esses aspectos. Se, como professores, queremos que nossos alunos

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 331


adquiram uma maior competência comunicativa e interacional, lhes
oferecer modelos que não serão encontrados na “vida real” pode ser
contraproducente, pois pode alimentar uma visão da LE que se afasta
da realidade. As conversações telefônicas, por se apoiarem quase que
exclusivamente no canal vocal (cfr. BERCELLI; PALLOTTI, 2002), já
representam um grande desafio para os aprendizes; portanto, representá-
las de forma inautêntica só aumenta a discrepância entre a língua estudada
na sala de aula e a língua usada fora dela.

Considerações finais

Conduzimos este estudo com a finalidade de comparar as aberturas


telefônicas apresentadas nos materiais didáticos de italiano LE com
aquelas autênticas do LIP. Partimos da hipótese, baseada em estudos
anteriores (WONG, 2002; NUZZO, 2016; GILLANI e PERNAS,
2013; PAULETTO, 2020), de que haveria diferenças significativas entre
a língua autêntica e aquela usada nos materiais didáticos. No entanto,
respondendo à nossa primeira pergunta de pesquisa, percebemos que,
diferentemente dos resultados encontrados por Wong (2002), as aberturas
telefônicas dos materiais didáticos seguem a sequência de atos de falas
típica das aberturas telefônicas autênticas. Isso, no entanto, não significa
que as interações telefônicas encontradas nos livros didáticos espelhem o
uso autêntico da língua. Examinando essa questão por uma perspectiva
interacionista (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005), segundo a qual as
conversas são construídas de forma coparticipativa pelos interlocutores,
um diálogo em que a divisão de turnos não corresponde àquela da

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 332


conversa autêntica se distancia do uso real da língua, deixando, portanto,
de ser um modelo a ser seguido.
Respondendo à nossa segunda pergunta de pesquisa, a exposição dos
alunos às conversas inautênticas da maioria dos livros didáticos pode, de
fato, ajudá-los a se apropriarem de formas linguísticas importantes nesse
contexto (por exemplo, o uso de pronto, e as formas de autoidentificação)
e de atos importantes nessa sequência convencionalizada (como os
cumprimentos e as demonstrações de interesse), mas, por outro lado, não
ajudará os aprendizes a entender como acontece a sequência de turnos,
podendo alimentar uma visão da LE que não corresponde à língua
natural e, assim, levá-los a se expressar de forma pouco natural.
Queremos frisar que este estudo tem caráter exploratório e se
baseia em um corpus reduzido, portanto não pode nos levar a conclusões
definitivas sobre as aberturas telefônicas autênticas e dos livros didáticos.
Acreditamos que seria interessante realizar essa análise com um corpus
maior de conversas autênticas e de materiais didáticos, incluindo também
livros de níveis mais avançados. Além disso, é importante contemplar
conversas telefônicas mais atuais e que levem em consideração outros
meios de interação, como a videochamada e a videoconferência. Essa
proposta de atualização, no entanto, não invalida a realização de análises
como aquelas aqui apresentadas, pois, os resultados deste trabalho e
de outros similares podem contribuir para que os autores e as editoras
dos livros didáticos atentem para aspectos importantes da competência
interacional em materiais futuros.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 333


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Anexo A – Símbolos e notações usadas nas transcrições do LIP

# = pausa ciao_ = vogal final longa


$ = palavra ininteligível [SILENZIO] = comentário
% = palavras ininteligíveis extralinguístico
sta<te> = palavras reconstruídas <F>, <f> = símbolo fonético
-pe- = palavra que não pôde ser reconstruída *= âncora para tag
Fonte: LIP, 1993.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 337


Aquisição de línguas adicionais e teoria da
relevância: um estudo possível

Marina Xavier Ferreira


Elena Godoy

Introdução

Como o ensino é um âmbito da comunicação, vários estudiosos


buscaram compreender como ela influenciava o ato de ensinar e de
aprender. Nesse contexto, a aquisição da língua também se tornou
campo de estudos e centenas de teorias foram postuladas, buscando-se
defini-la, a fim de mostrar como ela ocorre e quais as suas características
e particularidades. As abordagens sugeridas dividiram a aquisição de
línguas em concepções sociais ou cognitivas, sem um entendimento em
comum, o que torna as teorias existentes inconsistentes, pois não levam
em conta que tudo que aprendemos tem sua natureza social e cognitiva.
Adquirimos conhecimento por meio de processamentos cognitivos
assim como pela interação e socialização; consequentemente, a aquisição
de línguas adicionais não é diferente. Por isso, há a necessidade que uma
perspectiva trate destes dois âmbitos, mas de uma forma séria, com
princípios científicos e sem paradigmas incompatíveis.
Neste trabalho, elaboramos uma premissa que nos auxiliou a
conjecturar nossa hipótese de pesquisa de que a relevância (SPERBER;
WILSON, 2001) é uma propriedade cognitiva que desempenha um

DOI: 10.52788/9786589932536-14 SUMÁRIO / 338


papel fundamental na aquisição de línguas adicionais, por ser um
elemento que seleciona a entrada de dados (input), auxilia o input
durante o processamento cognitivo e, posteriormente, determina se a
implicatura do processamento será internalizada (ou seja, se as suposições
encontradas se juntarão com o contexto mental do indivíduo, fazendo
parte, então, de sua memória enciclopédica), identificando relevância,
sentido e significado para o indivíduo e produzindo uma ampliação no
ambiente cognitivo deste.
Nosso objetivo neste capítulo é conjecturar as características
necessárias para os fenômenos da aquisição de línguas adicionais,
coadunando-os aos aspectos pragmáticos, principalmente a propriedade
cognitiva relevância, que acreditamos ser indispensável para que a
aquisição ocorra.

A relevância de Sperber e Wilson

A Teoria da Relevância (doravante TR), desenvolvida por Sperber


e Wilson (2001) tem base nos estudos de Grice. Em 1975, Grice propôs
uma teoria que auxiliasse no entendimento da comunicação humana,
criando, na nomenclatura do autor, um princípio de cooperação para
que a comunicação fosse mais rápida e prática, evitando mal entendidos.
Dentro do princípio postulado por Grice (1982), existem as máximas
conversacionais, que guiariam os falantes. Sperber e Wilson (2001)
acreditavam, no entanto, que a máxima da relação compreendia todas as
demais e que era muito mais do que uma máxima, mas sim um princípio
da conversação, uma propriedade cognitiva que rege os enunciados dos
seres humanos em todas as suas interações.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 339


Na visão da TR, é necessário que as novas informações (inputs)
sejam relevantes. Se assim não o fosse, teríamos que processar um
número infinito de informações, que recebemos a cada instante. Em
nosso ambiente cognitivo, temos disponível um armazém de estruturas
necessárias para que haja a compreensão dos conteúdos apreendidos.
Alguns exemplos são: a memória dedutiva, a memória conceitual, as
diferentes computações lógicas possíveis para realização de inferências,
entre outras informações idiossincráticas necessárias para que ocorra
esse processamento. Para tanto, são necessários alguns componentes que
permitam esse tipo de processamento, como os que veremos em seguida.
De acordo com Sperber e Wilson (2001, p. 45) “um contexto é uma
construção psicológica formada por um subconjunto das suposições
que o ouvinte tem do mundo.” Assim, essas suposições são formadas e
reformuladas a cada entrada de dados (input), ou seja, a cada momento
em que o indivíduo tem acesso a informações novas, ele acrescenta
suposições sobre o mundo, ampliando os contextos possíveis para cada
situação.
É importante ressaltar que, durante a interpretação dos enunciados
e de seu processamento, o contexto utilizado é formado pelas informações
já existentes no arcabouço mental deste indivíduo, mais as informações
que acabam de ser acrescentadas para a interpretação desse enunciado.
Não obstante, esse conjunto de suposições, resultado do
processamento anterior, gerará um efeito contextual através da
modificação ou reorganização dessas suposições. Esse efeito contextual
está relacionado com a implicatura obtida no processamento e, quanto
maior for o efeito contextual, maior será o grau de relevância que o
input processado obterá. Dessa maneira, um efeito contextual pode
fortalecer as suposições já existentes, contradizê-las ou combinar-se com

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 340


elas, concebendo implicações contextuais, uma síntese das informações
novas com as antigas, gerando como resultado uma interação entre os
conhecimentos novos e antigos (SPERBER; WILSON, 2001).
Ainda, há um outro princípio que rege o processamento de
dados, bem como a própria comunicação. O princípio da relevância é
elaborado pelos autores em níveis de produtividade, ou seja, de custo-
benefício. Quanto maior for o esforço mental para processar um input
(consumo de energia), menor será o efeito cognitivo que se obterá no
final do processamento. Assim, para que se obtenha um grau maior de
relevância, presume-se que seja necessário um esforço cognitivo baixo
para a obtenção de um efeito alto. No entanto, ainda que o esforço de
processamento seja alto, se for gerado um efeito cognitivo final elevado,
haverá relevância.
Nesse sentido, o equilíbrio cognitivo necessário para que se
permaneça elevado o grau de relevância também é necessário para a
comunicação. Isto posto, se a relevância é uma propriedade cognitiva
dirigida em graus, é necessário que o grau de relevância sempre permaneça
alto para que a comunicação siga sempre sendo relevante. Logo, se no
início da conversação a informação comunicada for relevante e ela
seguir sendo assim, podemos dizer que a comunicação está obtendo
sucesso. Diferentemente, se no início ela parecer relevante, mas, com o
passar do tempo ela for desnecessária e sem interesse (não traz nenhum
melhoramento para o ambiente cognitivo do ouvinte) ou de difícil
compreensão (causará um desequilíbrio no princípio que rege o grau de
relevância, ou seja, terá um esforço cognitivo muito grande em relação ao
efeito contextual adquirido no final do processamento), dificilmente o
ouvinte manterá a atenção na conversação.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 341


Um modo de se evitar esse “desgaste” mental ao processar
informações que não são interessantes para o indivíduo é o que Sperber
e Wilson (2001) chamam de presunção de relevância. A presunção de
relevância é uma “garantia” que o falante demonstra ao ouvinte que o
que ele vai dizer é relevante o bastante para ser processado. Neste caso, é
necessário que o falante dê a entender que o que ele tem a comunicar é
relevante. Assim, para que o ouvinte constate que essa informação vale a
pena ser processada, o falante pode valer-se de estratégias que indicarão
ao ouvinte a possível relevância da informação nova a ser recebida.
Os autores da TR propõem, portanto, um tipo de comunicação que
contemple todos esses componentes necessários para o processamento
do input. Ela é chamada de comunicação ostensiva-inferencial, em que
o falante irá produzir enunciados de forma ostensiva (para que pareçam
ao ouvinte que são relevantes o bastante para serem processados –
ostensão – a partir de uma presunção de relevância emitida juntamente
ao enunciado proferido), ao passo que o ouvinte poderá captar um certo
grau de relevância na informação (expectativa de relevância) que lhe
permita fazer inferências da informação recebida.
Segundo Sperber e Wilson (2001), um estímulo ostensivo é usado
para conseguir efeitos contextuais, bem como para tornar mais manifesta
a intenção informativa. É um pedido de atenção indireto ou direto
do falante, para que o ouvinte preste mais atenção em seu enunciado.
O objetivo é que esses estímulos ostensivos, como chamam Sperber e
Wilson (2001), despertem expectativas no ouvinte, de que a intenção
informativa demonstrada é relevante o suficiente para ser processada e
gerará um grande efeito contextual.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 342


Aquisição de línguas adicionais

A aquisição de línguas tem sido tema de estudo desde a existência


humana. Com o advento da globalização, a necessidade de se aprender
um novo idioma fez-se mais crescente, passando, então, a aumentar o
volume dos estudos sobre aquisição de línguas adicionais e bilinguismo.
A iniciativa de se estudar um idioma tem crescido muito e não há
um motivo único para se explicar esse interesse. Logo, a importância
de se ensinar com eficiência outra língua passou a ter mais importância
também, iniciando os estudos com crianças bem pequenas e desenvol-
vendo metodologias cada vez mais voltadas ao efetivo aprendizado dos
estudantes. A educação bilíngue se torna uma realidade nas escolas e
muitos alunos buscam realizar suas graduações ou especializações fora
do país. Nesta seção, nosso objetivo é revisitar algumas teorias de aquisi-
ção de línguas com o propósito de apontar que, ainda que sejam muitas
as pesquisas na área, não se têm uma consistência teórica que consiga
representar esta atividade tão presente em nossas vidas.
Consideramos que a cada teoria da aquisição de segunda língua
que foi postulada, promoveu-se um crescimento na área, pois,
uma teoria, ainda que controversa, acaba por completar a anterior,
acrescentando aspectos importantes a esse conjunto de conceitos
sobre o tema. Por conseguinte, defendemos que nenhuma das teorias
apresentadas consegue abranger todas as necessidades existentes do
fenômeno da aquisição de línguas e seus contextos possíveis, bem como
as individualidades dos estudantes.
Para tanto, trouxemos um quadro que nos permite ilustrar estas
diferenças.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 343


Quadro 1: as particularidades das teorias de aquisição de segunda língua

Fonte: FERREIRA; GODOY, 2022, p. 81.

Um dos pontos principais que identificamos nas teorias listadas


é o de que as críticas sempre se dão pelos modelos teóricos estarem ora
voltados para o aspecto cognitivo, ora voltados para o aspecto social, ora
debruçados em vieses mais estruturalistas e gramáticos, ora para aspectos
da interação e do uso da língua(gem). Ao nosso ver, esse fenômeno
permeia todos os âmbitos citados, pela interação indivíduo-sociedade.
Não há como aprender uma língua sem a estrutura, ao passo que não
há como aprender estrutura sem interação e socialização. O indivíduo é
formado por características cognitivas e sociais. O lado social completa o
lado cognitivo, que se desenvolve permitindo a socialização.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 344


Na perspectiva de Damásio (2012) o design dos circuitos cerebrais
evolui à medida que o indivíduo interage socialmente com o mundo e
com a relação entre os circuitos biorreguladores inatos e as atividades
sociais.

Devido a diferentes experiências causarem a variação da potência sináptica


dentro e através de muitos sistemas neurais, a experiência modela o design
dos circuitos. Além disso, em alguns sistemas, mais do que em outros, as
potências sinápticas podem alterar-se ao longo do período de vida do
indivíduo para refletir as diferentes experiências do organismo e, como
resultado, o design dos circuitos cerebrais continua também a alterar-
se. Os circuitos não são apenas receptivos aos resultados da primeira
experiência, mas repetidamente flexíveis e suscetíveis de serem modificados
por experiências contínuas. Alguns circuitos são remodelados vezes sem
conta ao longo do tempo de vida do indivíduo, de acordo com as alterações
que o organismo sofre. Outros permanecem predominantemente estáveis e
formam a “coluna vertebral” das noções que construímos sobre o mundo
interior e exterior (DAMÁSIO, 2012, p. 115).

Portanto, a interação social determina os agentes biológicos dos


indivíduos, assim como estes determinam as relações sociais dos mesmos.
Assim, é de suma importância levar em consideração os dois lados do
indivíduo, que permitem que nós evoluamos e nos aprimoremos cada
vez mais.
Nessa direção, consideramos, assim como Chomsky que ao apren-
dermos uma língua adicional, já temos pré-disposta a estrutura inata exis-
tente que deve ser preenchida de forma semelhante ao que fizemos para
aprender nossa língua materna. Essas estruturas são uma condição para
que haja o desenvolvimento da língua adicional. Quando aprendemos
nossa língua materna, já temos uma estrutura inata que nos auxilia a ar-
ticular os elementos ou o parâmetro da língua materna com habilidade.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 345


A comunicação humana faz parte do nosso processo de desenvolvimento
filogenético e ontogenético e isso não seria possível se não houvesse essa
estrutura inata que nos permitisse a comunicação desde nosso nascimen-
to (ou até antes). Como somos seres sociais e nascemos biologicamente
para nos comunicar, esse processo inicial de aquisição da língua materna
não nos exige um grande esforço, pois a comunidade de prática em que
estamos inseridos nos ensinará, a partir de códigos e convenções, a de-
senvolver as habilidades linguísticas para a comunicação. Se estivermos
inseridos em uma comunidade que utiliza mais línguas, também seremos
capazes de nos desenvolver linguisticamente em cada uma delas, depen-
dendo, portanto, dos inputs recebidos do nosso entorno.
Por sua vez, tanto pela abordagem relevantistas, como pelas teorias
revisitadas acima, sabemos que os aprendizes de língua, independente
do ambiente no qual estejam inseridos, recebem inputs sobre a língua a
ser aprendida, sendo estes essenciais para que o aprendiz seja exposto ao
idioma, tendo contato com diversos textos orais e escritos. Assim, pode-
se afirmar que os inputs são o conjunto de entrada de dados recebidos
via entradas sensoriais, que permite a comunicação do indivíduo com o
mundo. Sem o input, não há como aprender uma língua.
Partindo dos pressupostos de uma visão pragmática relevantista
propomos que a aquisição de um idioma ocorre quando o input é
recebido pelos canais sensoriais, é descodificado em uma fórmula lógica
e passa por uma espécie de filtro de relevância (que é a expectativa de
relevância). Se este input possuir uma expectativa de relevância, vai
acontecer o processamento. Se não possuir ele será descartado. Quando
o input vai a processamento na memória dedutiva, ele entra em contado
com os conhecimentos do indivíduo por meio de um contexto pré-

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 346


estabelecido que funciona como um pano de fundo para a computação
das informações. Havendo efeitos contextuais, ele se conecta com esse
contexto acessível disponível. Havendo relevância, sentido no mundo
e significado para o aprendiz, esta implicatura é coadunada com os
conhecimentos enciclopédicos do mesmo, remodelando, ampliando,
fortalecendo ou contradizendo seus conhecimentos de mundo, suas
crenças e emoções, ou seja, tudo que está relacionado ao ambiente
cognitivo do indivíduo.
Na perspectiva relevantista, o output é o resultado do processa-
mento do input, isto é, é o fruto do conjunto de conexões neuronais,
as sinapses e o uso da língua(gem). Assim, em nossa perspectiva, o pro-
cessamento inferencial do input é realizado pelas conexões neuronais,
sendo disparadas/ativadas as sinapses, que por sua vez implicam em
uma tomada de decisão, o que chamamos de atitude mental ou atitude
proposicional. O output é essa tomada de decisões do indivíduo sobre o
processamento. Chamamos output, portanto, de atitude proposicional
mental que o indivíduo toma a partir do processamento do input, suas
relações emotivas, seu armazenamento na Memória Enciclopédica e as
relações possíveis com suas crenças, vivências, os aspectos sociocultu-
rais e a construção do enunciado a ser proferido. Esta atitude proposi-
cional do estudante é a resposta ao estímulo linguístico recebido, pois,
quando estamos em meio a uma conversação, devemos interagir, seja de
forma oral ou escrita, ao estímulo que nos foi enunciado.
É certo que o esforço cognitivo realizado durante o processamento
inferencial é muito maior do que o recebimento de inputs, mas de acordo
com o que veremos adiante, mesmo que haja um esforço cognitivo grande
para realizar o processamento, há algo que impulsiona e gera relevância

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 347


e efeitos resultantes do processamento deste input, isto é, caso essa nova
informação possuir um efeito forte para se coadunar com as demais. Se
houver relevância e os efeitos contextuais forem suficientes, o aprendiz
poderá, por meio da atitude proposicional, confirmar suas hipóteses
sobre a língua, reformulá-las ou rechaçá-las, interagindo com a língua e,
por meio das interações sociais, readequar seus parâmetros para novos
processamentos, com novos contextos e efeitos contextuais, remodelando
e adaptando seu ambiente cognitivo por meio dos processamentos
cognitivos e da interação com os demais. Tal perspectiva vai ao encontro
do que propõe a hipótese da interação e da aculturação.
O aprendiz deve ser conduzido à aprendizagem de conhecimentos
próximos aos que ele já tem, que ele já conhece e que estejam
facilmente disponíveis para reformulação por meio de novos inputs que
reestruturarão seus conhecimentos. Nessa direção, somente haverá a
contextualização dos conhecimentos novos com os antigos se existirem
contextos disponíveis que possam coadunar-se com os novos. Se não
houver um conhecimento prévio sobre o assunto discutido, será muito
difícil que o estudante assimile esse conteúdo e o adquira. Provavelmente
ele irá ser descartado, pois não conseguiu somar-se aos conhecimentos do
aprendiz.
Também consideramos que a afetividade, o nervosismo e as
alterações emocionais podem afetar na aquisição de um conhecimento.
Não há como desconsiderar os aspectos afetivos da aprendizagem, pois
eles são determinantes tanto no recebimento do input, quanto no seu
processamento.
A interação é essencial para que o aprendiz possa ter experiências de
uso da língua na comunicação com o outro. Se o aprendiz não interage

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 348


socialmente utilizando a língua alvo, ele não exercitará o que aprendeu,
uma vez que não terá uma socialização na língua. Sabemos que é diferente
a socialização dentro da sala de aula, com os colegas e o professor, da
socialização com falantes nativos, mas acreditamos que, ao estudante
aprender uma estrutura, uma regra ou um vocabulário, mesmo com seus
colegas, ao interagirem, um corrigindo o outro, a aprendizagem flui, pois
ao ensinarmos algo, aprendemos e reestruturamos nossos conhecimentos.
É neste ponto que tornamos o conhecimento consciente. É quando
ensinamos ou explicamos algum tema que conseguimos organizá-lo
de forma a adquirir melhor a língua-alvo, pois novas perspectivas de
aprendizagem podem reforçar, ajustar e confirmar conhecimentos que já
temos, aprimorando nossa visão sobre o tema e sobre o mundo.
Outro ponto importante em questão é da identidade dos estudantes
e de sua autonomia, dificuldades e formas de aprendizagem. Por mais
que os aprendizes estejam em contato com o mesmo conteúdo, com
o mesmo professor, eles terão seus ritmos e formas de aprendizagem
diferentes. Isso se dá pelas individualidades dos mesmos, pois não
aprendemos da mesma forma, fato que leva à necessidade de o professor
buscar diferentes abordagens que contemplem as individualidades dos
seus alunos.
Portanto, cada teoria da aquisição traz uma perspectiva importante
para a aprendizagem, o que nos permitiu integrar estas características,
formulando um novo conceito para a aquisição de línguas adicionais.
Em nossa visão, a aquisição é um fenômeno cognitivo e social, que
abarca tanto as características cognitivas, sociais, históricas e pessoais dos
indivíduos. Identificamos que o aprendiz ao entrar em contato com uma
nova língua interage socialmente e, ao mesmo tempo, vai remodelando

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 349


seu ambiente cognitivo, ou seja, seus conhecimentos, crenças, emoções e
representações do mundo. Isso permite que ele possa receber novos inputs,
processá-los e, se a informação nova recebida pelo input tiver relação com
os contextos disponíveis desse indivíduo, ela gerará efeito contextuais e
a contextualização da informação nova, remodelando as representações
contextuais do mesmo. Além disso, se houver um grau de relevância
alto para o indivíduo, bem como se houver um significado no mundo
deste indivíduo sobre a informação recebida, ele a armazenará em sua
memória enciclopédica, modificando, por sua vez, as suas representações,
emoções, crenças e, permitindo que este indivíduo produza uma atitude
proposicional, ou seja, uma atitude em relação ao input recebido.
Acreditamos que todo esse processo é o que permite que a
aquisição/contextualização dos inputs aconteça, fornecendo meios
para que a interação continue. A existência da interação social é
imprescindível para que esse processo ocorra, sendo a aquisição
formada por um ciclo interminável entre a interação social e os efeitos
que essa interação pode produzir cognitivamente no indivíduo. Esse
ciclo é dependente das muitas questões da interação social, como a
aculturação, a interação, as abordagens necessárias para a realização dos
inputs (no caso do aprendizado ocorrer em sala de aula), além de ser
dependente também de várias questões idiossincráticas do aprendiz,
como sua língua materna, as relações possíveis entre a língua materna
e a língua adicional, suas emoções (estados emocionais ao aprender
uma língua adicional e ao interagir com falantes de outra língua) e
afetividades, suas crenças (e como elas interagem com as crenças da
cultura adicional), valores e conhecimentos de mundo e das estruturas
da língua adicional.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 350


Logo, a aquisição dependerá dos fatores sociais e cognitivos;
por parte do professor, de conhecimento das regras da língua e de
aspectos sociais, bem como de teorias que lhe auxiliem no processo de
ensino-aprendizagem, as quais guiarão o aluno para que ele aprenda os
conhecimentos estruturais, sociais, culturais e pragmáticos da língua.
Mas, cada aprendiz terá um desempenho diferente, conhecimentos
diferentes, crenças, emoções, motivações diferentes. Por isso, podemos
dizer que cada aprendiz terá mais facilidade com certas competências
e menos com outras. Com isso, cada um terá maneiras diferentes de
adquirir a língua e usá-la.

Aquisição, relevância e língua adicional

Nesta seção, juntaremos os conceitos elencados durante o texto para


apresentar nossa proposta para a aquisição de línguas adicionais em um
viés sociocultural e pragmático. Baseamo-nos na Teoria da Relevância,
bem como em outros estudos da pragmática que têm aprimorado as
perspectivas da comunicação com suas teorias.
A aquisição de conteúdos novos consiste no armazenamento
de informações em nossa memória enciclopédica. No entanto, este
processo não é tão simples como poderia parecer. Como vimos acima,
existe uma propriedade que seleciona quais inputs recebidos poderão ir
a processamento e, se forem interessantes ao aprimoramento cognitivo
do indivíduo, poderão ser armazenados na memória enciclopédica. Esta
propriedade chama-se relevância. A relevância divide-se em duas partes: a
informativa e a emotiva. Logo, há uma influência dos fatores emocionais
e idiossincráticos neste processamento.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 351


Quando o professor emite inputs linguísticos aos estudantes, ele
espera que todos estes inputs sejam adquiridos, ou pelo menos boa
parte deles. Os alunos, por sua vez, tendem a processar inputs relevantes
para seu aprimoramento cognitivo, como exposto pela TR. Os inputs
emitidos pelo professor serão recebidos via receptores sensoriais e serão
descodificados em formas lógicas. Após o input possuir um formato
acessível para sua leitura mental, ele passará pela memória de curta
duração e será analisado de acordo com a atenção seletiva, uma espécie de
filtro de relevância que é caracterizado por Sperber e Wilson (2001) como
expectativa de relevância. Neste passo, o input será observado, para ver se
haverá uma possível relevância em seu processamento, se seu conteúdo é
relevante para esse indivíduo, se existe um conhecimento do conteúdo
emitido pelo professor. Assim, se houver uma expectativa de relevância
esse input será levado a processamento, mas, se não houver essa pista de
que o esforço gasto para o processamento valerá a pena, esse input será
descartado.
Levado a processamento na memória dedutiva/operacional, o
input passará por processos inferenciais na tentativa de compreensão
do que o professor (ou o colega, ou outras pessoas, vídeo, seja qual for
o input em questão) quis dizer com seu enunciado. Para tanto, serão
consultados os interesses pelo assunto, a Memória Enciclopédica, para
saber se há algum contexto disponível que sirva como pano de fundo
para esse processamento cognitivo, as crenças e as emoções. Com base
em todas estas especificidades, é que o input será processado. Logo,
ele dependerá da relação que o estudante tem com a língua adicional,
seus colegas, com o professor e com os conteúdos em questão. Após o
processamento, teremos a implicatura deste input, que é a mescla do

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 352


input com as informações enciclopédicas sobre o conteúdo deste input
que está armazenado na Memória Enciclopédica. Dessa implicatura será
gerada uma imagem mental, chamada por Santos e Godoy (2021) de
holograma semântico.
Um holograma semântico é uma imagem mental da implicatura, ou
seja, uma representação conceitual desta implicatura, que será verificada
na Memória Enciclopédica para ver se há sentido no “mundo” deste
indivíduo. Desta imagem mental, será avaliada também a vigilância
epistêmica, que segundo Sperber et alli (2010), é um raciocínio que
avalia o quão confiável é a pessoa com a qual interagimos, ou seja,
que identificará a verdade dos enunciados para esse indivíduo. Neste
ponto, o holograma (input) será direcionado novamente à memória
dedutiva e, sendo este conteúdo do interesse e desejo do indivíduo, será
novamente levado a processamento, aumentando o esforço cognitivo
realizado. Passando novamente pela Vigilância epistêmica, o holograma
será avaliado pela relevância, que está ligada intimamente aos desejos
do indivíduo. Ela pode estar ligada aos desejos intelectuais, disparando
um grau de relevância informativa a respeito do holograma. Havendo
relevância informativa, e esta, sendo potencializada, serão gerados
também efeitos informativos sobre o holograma. Aqui, presume-se que o
estudante identificou a intenção comunicativa do professor.
Conseguido o efeito informativo e atingida a relevância ótima, haverá
uma implicação contextual do holograma para o estudante, tomando este,
consciência do significado da implicatura do holograma, ou seja, havendo
significado do input emitido pelo professor para o aluno, este significado
irá para a memória enciclopédica e será armazenado juntamente com
as demais representações conceituais do mundo que este aluno possui.
Aqui, teremos a aquisição do input emitido pelo professor.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 353


No entanto, neste estágio, o processamento do input somente cessará
pela perspectiva inferencial informativa. Em relação ao processamento
emotivo, de acordo com Santos e Godoy (2021) ao mesmo tempo que
a forma lógica chega à Memória Enciclopédica, ela também chega às
Estruturas Límbicas, que sempre estão preparadas para liberar reações
neuroquímicas referentes ao conteúdo emotivo do input. Assim, as
estruturas límbicas ativam o “desejo emocional” (desejo humano pela
busca do prazer) sobre a forma lógica. Esse desejo emocional irá comandar
a avaliação positiva ou negativa da interpretação, ou seja, a Relevância
Emotiva. Isso se relaciona com os estados afetivo-emotivos referentes
ao contexto situacional (professor, colegas, colégio, faculdade, escola de
idiomas) e suas memórias emotivas sobre este contexto. Juntamente com
a Relevância Informativa, a Relevância Emotiva irá potencializar o efeito
emotivo positivo ou negativo, de acordo com o input recebido.
Estes estados emocionais sobre o input serão armazenados na
Memória Emocional, que está interligada com a Memória Enciclopédica.
Após estes dois processamentos concomitantes, o holograma (input)
passará pelas crenças deste estudante, por princípios socioculturais e
valores, bem como pelas intenções deste. Neste ponto dizemos que o
conteúdo cognitivo armazenado terá uma remodelação das crenças e
das características socioculturais, ampliando a parte social mental do
indivíduo, que poderá interferir na tomada de decisões posterior. Por fim,
existirá essa tomada de decisão sobre o input recebido, chamado output
ou atitude proposicional mental, que está ligada à polidez linguística e
normas linguísticas referentes à estruturação dos enunciados na língua
adicional, bem como às crenças e propriedades socioculturais em que
o indivíduo está inserido. Assim, esta estruturação estará diretamente

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 354


relacionada ao conhecimento já adquirido da língua, bem como o
acabado de ser processado.
A partir da tomada de decisão e da atitude proposicional mental
realizadas pelo estudante, este output fará parte da comunicação no
âmbito da aprendizagem da língua adicional, gerando, por sua vez, a
emissão de novos inputs pelos interlocutores presentes no contexto, que
poderá gerar novas entradas de dados e um novo procedimento como o
descrito acima.
Desta forma, verificamos que a aquisição pode ser explicada e
evidenciada pelos conceitos pragmáticos, tanto em sua faceta cognitiva,
como na social. Em um primeiro momento o conhecimento enunciado
pelo professor passa por um processo cognitivo complexo que depende
de fatores como conhecimento prévio, interesses e desejos. Logo, ele vai
a um estágio mental que é estruturado pela socialização, pela interação
e pelos valores e crenças que os alunos têm. O professor, por meio de
atos ostensivos busca gerar em seus aprendizes uma presunção de
relevância, ao passo que o estudante irá atender aos estímulos ostensivos,
por suas características heurísticas, inatas ou desenvolvidas através de sua
experiência, cujo objetivo será o da escolha de fenômenos relevantes.
Logo, comprovamos que a aquisição de línguas adicionais na
perspectiva pragmática é verossímil, pois leva em conta todas as
características necessárias neste processo, as elencadas pelas teorias da
aquisição, sejam elas no âmbito social ou cognitivo. Esta proposta sugere
uma retroalimentação e sustentação do que é relevante para os estudantes
e se baseia em teorias consistentes, diferentes de outras propostas de
aquisição que não possuem uma metodologia e base sólidas. Também,
por meio da Teoria da Relevância, conseguimos ilustrar como funciona

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 355


o processo de aquisição de língua adicional, com detalhes que são
estruturados por teorias pragmáticas com vertentes na Psicologia, na
Sociologia, na Antropologia e outras ciências.

Considerações finais

Esta pesquisa teve por objetivo identificar a relevância como uma


propriedade cognitiva inerente para a aquisição de línguas adicionais,
buscando reafirmar o papel da pragmática nos estudos de aquisição de
línguas e propor uma nova abordagem para o tema, que é tão discutido,
mas bastante incompleto até o momento, como pudemos evidenciar.
Nossa pesquisa não é conclusiva, mas obtivemos resultados
satisfatórios que nos levam a propor alguns pressupostos teóricos
importantes em relação às teorias de aquisição de línguas adicionais. Com
base em teorias sérias e atuais, elaboramos nossa proposta para otimizar
os processos de ensino-aprendizagem de língua adicional. Elencamos as
teorias de aquisição mais conhecidas e mais conceituadas. Baseados nessas
teorias, propusemos nossa perspectiva referente à aquisição, a qual nos
permitiu apresentar nossa proposta de estudo para a aquisição pragmática
de línguas adicionais.
Por meio destas retomadas teóricas, trouxemos uma nova
perspectiva ao ensino de línguas adicionais, buscando coadunar os
aspectos sociais e cognitivos formando uma estrutura completa para
nosso estudo. Pudemos evidenciar que esta proposta é sólida e que as
teorias pragmáticas conseguem auxiliar na aquisição, bem como a
relevância é uma propriedade da aquisição de línguas adicionais e interfere
diretamente se acontecerá ou não essa aquisição.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 356


Nosso texto trouxe apenas uma introdução a essa perspectiva que
tem tanto a acrescentar no âmbito do ensino-aprendizagem de línguas
adicionais. Muitas são as possibilidades para estudos futuros, desde a
ampliação desta hipótese, como sua aplicação futura.

Referências

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 359


Em defesa de uma abordagem
sócio-pragmática de aquisição de linguagem

Renato Caruso Vieira

Introdução

Nos estudos linguísticos, a Pragmática é o domínio que concede


posição mais destacada à atividade de interpretação de intenções comu-
nicativas alheias. Já em um dos trabalhos seminais do que hoje conhe-
cemos por pragmática, Grice (1957, p. 384) afirma que, se A preten-
deu significar algo através de x, então “A enunciou x com a intenção de
induzir uma crença por meio do reconhecimento desta intenção”. Ou
seja, não apenas o reconhecimento da intenção expressa pelo falante
de comunicar é necessário para a captura da atenção da audiência, mas
também a própria compreensão do conteúdo expresso depende da per-
cepção, pela audiência, de que o estímulo foi emitido com o propósito
de ser reconhecido como portador desse conteúdo.
Em desenvolvimento posterior da pragmática, a Teoria da
Relevância (SPERBER & WILSON, 1995) propõe que enunciados
sejam compostos por intenção informativa (o significado a ser
transmitido) combinada com intenção comunicativa (o ato de tornar
manifesta a transmissão de um significado a uma audiência), de modo
que a comunicação de um enunciado só se completa quando a intenção
informativa do falante é inferida através da apreensão de sua intenção
comunicativa.

DOI: 10.52788/9786589932536-15 SUMÁRIO / 360


Para a Teoria da Relevância, a camada propriamente semântica das
palavras e sentenças dos enunciados — ou seja, os sentidos diretamente
codificados nos signos e nas estruturas linguísticas — é sempre ou quase
sempre conceitualmente subdeterminada, de modo que “expressões
linguísticas servem não para codificar o que o falante quis dizer, mas
para indicar. Aquilo que o falante quis dizer é inferido do significado
linguístico das palavras e expressões usadas considerado juntamente
com o contexto” (NOVECK & SPERBER, 2007, p. 7). O esforço de
recuperação inferencial da intenção informativa do falante (aquilo que ele
“quis dizer”) é automaticamente ativado mediante o reconhecimento da
intenção comunicativa do falante (manifestação de que há uma intenção
informativa a ser inferida).
Precisamente o contato que a pragmática media entre a formali-
dade do código linguístico e a interação sócio-comunicativa dos falan-
tes respalda a presunção, por muitos linguistas, de que maior tempo
de exposição das crianças às comunidades de fala seja requerido para a
aquisição da pragmática. Vejamos (CEKAITE, 2012, p. 1):

Em contraste com o desenvolvimento infantil de gramática e sintaxe, que


tem sido mostrado, de forma consistente, como largamente concluído aos 5
anos de idade, o sofisticado domínio, pelas crianças, de habilidades conver-
sacionais variadas é um processo de longo prazo. Habilidades pragmáticas
básicas emergem em uma idade bastante precoce, mas são refinadas e desen-
volvidas no decorrer da pré-adolescência e adolescência (...)

De fato, fenômenos pragmáticos de mais sinuosa correspondência


entre o sentido tencionado pelo enunciado e o codificado nele não são
percebidos por crianças mais novas — como as ironias, cuja adequada
interpretação não amadurece antes dos 5 ou 6 anos (ZUFFEREY, 2015)

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 361


— enquanto nuances expressivas sutis, como aplicação de determinadas
normas de polidez conversacional ou de marcadores conjuntivos (e.g.
“por exemplo” e “de qualquer forma”) ou de atitude (e.g. “realmente”
e “talvez”), podem atingir frequência adulta de uso apenas na pré-
adolescência ou adolescência (SCOTT, 1984).
Entretanto, sinais de atividades metarrepresentacionais de leitura
de intenções são reportados, por exemplo, em estudos de aquisição
lexical: o aprendizado de novos verbos por crianças de 2 anos parte da
associação deles com gestos intencionais e nunca acidentais (Tomasello
& Barton, 1994); nessa mesma idade, crianças conseguem inferir de
demonstrações de surpresa ou entusiasmo de adultos, que palavras novas
estão sendo usadas para nomear objetos até então desconhecidos por
eles (AKHTAR, CARPENTER & TOMASELLO, 1996); e também
conseguem se guiar por pistas da linguagem corporal de adultos para
promover separação conceitual de eventos que se distinguem apenas por
traços de intencionalidade (e.g. andar na ponta dos pés e andar na ponta
dos pés para seguir alguém) (POULIN-DUBOIS & FORBES, 2002).
Ainda, inferência de significados não explícitos é praticada por
crianças e esperada por elas de seus ouvintes, em casos, por exemplo, de
implicaturas simples — como pedidos indiretos por meio de sentenças
declarativas e interrogativas — produzidas por crianças de cerca de 2 anos
e meio (PAPAFRAGOU, 2002).
Sendo verdade que enunciados linguísticos consistem de estímulos
significativos capazes apenas de apontar direcionamentos interpretativos
do conteúdo que o emissor pretende transmitir e que tal intenção
informativa não pode ser apropriadamente alcançada sem a percepção
da intenção comunicativa que a acompanha, podemos assumir que a

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 362


sensibilidade pragmática, como condição para captura de significados
comunicados, deva englobar as dimensões semânticas e gramaticais da
aquisição da linguagem, emergindo antes delas e atingindo maturidade
plena — para fenômenos pragmáticos complexos e pormenores
expressivos socialmente convencionados — depois delas.
Csibra (2010), remetendo aos vieses de preferência que recém-
nascidos já demonstram por sinais que tipicamente acompanham a
interação comunicativa intencionalmente voltada por um emissor a
uma audiência — contato visual, responsividade contingente e exageros
expressivos de fala direcionada a crianças (motherese) — sugere que “a
resposta inicial de crianças a sinais de intenção comunicativa pode ser
interpretada como uma disposição para criar condições ótimas para
o recebimento de manifestações do emissor acerca do conteúdo da
intenção informativa correspondente” (CSIBRA, 2010, p. 154). Ou seja,
a capacidade de identificação de conteúdos informativos transmitidos
por comunicação se desenvolveria sobre uma pré-existente competência
de reconhecimento de intenções de transmitir conteúdos.
Propensões por análises de aquisição de linguagem que releguem à
pragmática importância secundária não se derivam apenas da constatação
do desenvolvimento tardio de ajustes pragmáticos à conveniência social
mas, também, da robusta influência exercida nos estudos linguísticos
em geral, e nos de aquisição de linguagem em particular, pela Teoria
Gerativista.
Chomsky e outros gerativistas, em sua abordagem formalista/
computacional do tema, propuserem a existência de um Dispositivo
de Aquisição de Linguagem (DAL) com autonomia completa ou
quase completa na captura e manipulação de input linguístico para

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 363


preenchimento de lacunas pré-existentes na estrutura de uma Gramática
Universal.
Assim, tal módulo cognitivo responsável pela aquisição de linguagem
funcionaria como um dispositivo de processamento de informações que
realizaria um conjunto limitado e previsível de operações sobre símbolos
formais a fim de fornecer um output para um dado input, de maneira que
a conversão do input linguístico em gramática (o output) não envolveria
a identificação de propriedades sociais, comunicativas ou intencionais da
fala. O modelo linguístico de Chomsky não apenas não assimila o tema
da intencionalidade mas, ainda, o rejeita: “fenômenos intencionais se
relacionam a pessoas e ao que elas fazem do ponto de vista dos interesses
humanos e pensamentos que não são fruto de reflexão, e, por isso, não se
enquadram (vistos assim) na teoria naturalista, que procura deixar esses
fatores de lado” (CHOMSKY, 2000, p. 22).
Dentre os modelos alternativos ao gerativista, destacamos aquele
que, ao menos em sua fundamentação medular, mais espontaneamente
se adéqua à abordagem sócio-pragmática de aquisição de linguagem que
esboçamos até aqui: a Teoria Baseada em Uso de Tomasello. Segundo
Tomasello (2008), dois conjuntos de habilidades cognitivas seriam
igualmente indispensáveis para o desenvolvimento linguístico infantil: a
“leitura de intenções”, responsável pela maneira “como crianças aprendem
pares forma-função convencionais, incluindo tudo desde palavras até
construções complexas” (TOMASELLO, 2008, p. 70) e a “descoberta de
padrões”, que é “o que é crianças precisam fazer para ir produtivamente
além de enunciados individuais que ouvem pessoas usando ao redor delas
para criar esquemas ou construções linguísticos abstratos” (Ibidem, p.
86).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 364


Em seguida, apresentaremos argumentos que evidenciam a
importância central desempenhada pela pragmática, em seu aspecto sócio-
comunicativo de inferência de intenções, na aquisição de linguagem.
Iniciaremos pelo relato seguinte, por meio do qual o próprio Tomasello
(Ibidem, p. 71) sugere serem os mecanismos linguísticos de inferência
de significados em contexto extensões de atividades da mesma ordem já
praticadas em comunicação pré-verbal:

Por exemplo, se uma menina de 18 meses está engajada em limpeza de brin-


quedos com um adulto, e o adulto aponta para um brinquedo do outro
lado da sala, ela vai buscá-lo e limpá-lo também — assumindo que o gesto
de apontamento do adulto seja relevante para a atividade compartilhada.
Mas se outra pessoa entra na sala e aponta para o exato mesmo brinquedo
da exata mesma maneira em um momento comparável, apesar de a criança
estar engajada na limpeza (com o primeiro adulto), ela não interpreta esse
gesto de apontamento como relevante para sua própria atividade egocentri-
camente e, então, ela não limpa o brinquedo mas, ao invés disso, comparti-
lha atenção voltada a ele declarativamente ou o dá ao novo adulto.

Seleção de estímulos

Tradicionalmente, estudos em psicolinguística assumem as


operações de parsing1 como primeiro filtro cognitivo do input para seu
tratamento linguístico, uma barreira inicial que distribui aos mecanismos
de aprendizagem de língua (sendo o DAL, previamente mencionado, o
mais popular) dados em formato propriamente linguístico e, portanto,
reconhecíveis por eles como material de manipulação e organização. Seria
esse o conjunto de “procedimentos para mapeamento da onda sonora da

1 Segmentação do fluxo da fala em porções gramaticalmente inteligíveis.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 365


fala ouvida em uma representação linguística” (Trueswell & Gleitman,
2007, p. 8).
Entretanto, parece-nos que esse raciocínio deva ser suspenso para
apreciação mais cuidadosa: se aos primeiros contatos com comunicação
verbal as crianças a percebem como ondas sonoras a serem analisadas
por atividades de parsing, como seria possível, em uma etapa anterior do
processo, que essas crianças já fossem capazes de selecionar, dentre todas
as ondas sonoras capturadas auditivamente, quais são língua e quais não
são? Como pode ser que, antes da própria conversão das ondas sonoras
em representação linguística, já dispusessem de representação linguística
capaz de distinguir ondas sonoras verbais de não verbais?
Ainda que estudos em aquisição de fonologia tenham produzido
abundantes evidências da capacidade de crianças ainda muito novas
(8 meses, segundo Aslin, Saffran & Newport (1998)) de segmentar
fluxos de fala, reconhecendo padrões de sílabas e palavras, nenhuma
suspeita esses estudos manifestam de correlação entre tal tratamento
analítico dos estímulos acústicos e seu reconhecimento, pelas crianças,
como língua ou, mais precisamente, como input dos mecanismos de
sistematização gramatical. Essas são evidências que mais sugerem o
inatismo da preferência por determinados padrões sonoros (e a provável
consequência de termos, como espécie, adotado esses padrões vocais de
sílabas e palavras para expressar as línguas) do que as estratégias cognitivas
infantis de seleção, dentre todos os estímulos recebidos, do material para
construção da competência linguística.
A suspeita de que essa prática de segmentação sonora pelas crianças
possa estar imbuída de consciência linguística é afastada, de modo ainda
mais contundente, por experimentos cujos resultados indicam que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 366


primatas não humanos como os saguis “são capazes de computar as
mesmas consideravelmente complexas regularidades estatísticas em fluxos
fluentes e rápidos de fala humana sintetizada que foram demonstradas,
por métodos similares, em crianças humanas” (HAUSER, NEWPORT
& ASLIN, 2001, p. 61-61) e, principalmente, que “aprendizado
estatístico de sequências auditivas rápidas por crianças não é específica
para estímulos linguísticos, mas representa um mecanismo mais geral
que pode ser empregado em diferentes domínios” (JOHNSON et al.,
1998, p. 484), que replicou com sequências melódicas experimentos
tradicionalmente realizados com sequências de palavras).
Sendo assim, se é verdade que o sistema [parsing + DAL] atua como
simples processador de dados cego a condições humanas ou contextuais
de outras ordens, por que não constrói, acidentalmente, uma gramática
de latidos de cachorro, de melodias musicais ou de passos no corredor?
Ou como é sequer alertado de que os estímulos linguísticos devem ser
sonoros para crianças ouvintes e visuais para crianças surdas e, neste
último caso, que determinados gestos corporais vistos devem contar
como elementos para formação de uma gramática e, outros — como
coçar-se, pentear-se ou espreguiçar-se — não?
Nossa resposta, já vislumbrada na seção anterior, é a de que,
se enunciados verbais se qualificam como dados de entrada para o
maquinário cognitivo de sistematização gramatical, ao contrário de
latidos de cachorro ou melodias musicais, é porque a constituição
humana orienta nosso comportamento, desde cedo, ao reconhecimento
de intenções comunicativas.
Se é verdade que as crianças não depreendem a propriedade de serem
linguísticos dos estímulos em si mas da intenção comunicativa humana

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 367


que comportam, poderíamos prever que virtualmente quaisquer
estímulos não linguísticos (incluindo, desta vez, mesmo latidos, notas
musicais, etc.), eventualmente percebidos por crianças como emitidos por
pessoas com propósito comunicativo, seriam alvo de concentrado esforço
cognitivo de decodificação, seja através de sistematização conceitual tão
simples quanto a exigida para interpretação de apontamentos de objetos,
seja através da complexa formação de uma gramática.
Essa é uma previsão corroborada pelos resultados de Ferguson &
Waxman (2016), que separaram crianças de 6 meses em dois grupos e
expuseram, cada um, a um sinal sonoro não linguístico (sequência
tonal) em uma das seguintes condições: na primeira, o sinal sonoro
substituía a fala de um dos dois atores engajados em uma conversação
com rica interação social (contato visual, sorrisos e acenos) e, na segunda,
o mesmo sinal sonoro era tocado sem que pudesse ser vinculado à ação
comunicativa dos atores. Em seguida, os sujeitos eram submetidos a
uma tarefa de categorização de objetos, na qual imagens de diferentes
dinossauros eram pareadas com um mesmo sinal sonoro antes de serem
apresentadas duas novas imagens que de nenhum estímulo sonoro eram
acompanhadas: outro dinossauro (portanto, membro da categoria à
qual o padrão sonoro foi associado) e um peixe (membro de uma nova
categoria, à qual o padrão sonoro não foi associado). Apenas as crianças
anteriormente expostas à primeira condição experimental (em que sinais
sonoros simulavam a fala de um dos atores na interação comunicativa)
mostraram preferência significativa — testada por tempo de fixação de
olhar — pelo peixe, demonstrando terem efetivado uma categorização
“lexical” (associada ao sinal sonoro) para os dinossauros.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 368


Seu trabalho, acreditam Ferguson & Waxman (2016, p. 5), contribui
para o entendimento da relação entre aquisição de linguagem e cognição
porque “oferece as primeiras evidências de que crianças de tão pouca
idade quanto 6 meses são bem-sucedidas em elevar sons novos e, de outra
forma inertes, a um status comunicativo”, além de mostrar que “uma vez
que o novo sinal tenha sido identificado como comunicativo, ele pode se
submeter a categorização de objeto”.
Ainda, metodologia similar foi empregada por Ferguson & Lew-
Williams (2014) para demonstrar que apenas o grupo de crianças, desta
vez, de 7 meses previamente exposto à condição comunicativa foi capaz
de abstrair regras combinatórias estruturais — e, portanto, de tipo
“sintático” — de sequências tonais que variavam entre AAB, ABA e
ABB.
Concluímos notando que, considerando-se a ingenuidade
cognitiva de uma criança em estágio inicial de aquisição de linguagem
e o modo repentino como passa a ter acesso aos estímulos do mundo, o
discernimento entre o que usar como input para aprendizado linguístico
e o que descartar para esse fim nem se aproxima de ser tarefa trivial.
Dificilmente um modelo explicativo de tal feito deixaria de se apoiar em
aparatos inatos sócio-pragmáticos de sensibilidade a sinais de intenção
comunicativa.

O código e a finalidade comunicativa

As seguintes impressões de Dabrowska (2015, p. 3) são introdução


pertinente para nossa exposição:

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 369


A habilidade de ler e compartilhar intenções, incluindo as intenções
comunicativas — i.e., teoria da mente no sentido amplo — é importante
para as línguas por dois motivos. Primeiro, ela permite que aqueles
aprendendo uma língua entendam pra que serve uma língua: um animal que
não entenda que outros indivíduos tenham crenças e intenções diferentes
das suas veria pouca utilidade para a língua. Segundo, ela fornece a quem
está aprendendo a língua uma ferramenta vital para o aprendizado. Para se
aprender uma língua, é preciso que se adquira um conjunto de convenções
forma-significado; e para adquirir isso, é preciso ser capaz de adivinhar pelo
menos alguns dos significados transportados pelos enunciados ouvidos.

Os significados da língua, como sugere Dabrowska, não se


confundem com a própria língua e, tampouco, são criados por ela,
mas, por meio de tais “convenções forma-significado” são, meramente,
transportados. É da própria natureza dos códigos o seu papel simbólico,
representacional.
Entretanto, o código linguístico não se limita ao cumprimento de
uma incumbência representacional mas, sim, metarrepresentacional: um
enunciado P formalmente decodificado não dispara uma busca mental
pela correspondência de P no mundo mas, antes, uma busca por aquilo
que o falante quis dizer com P. Do mesmo modo como a criança lembrada
por Tomasello (2008, p. 71) interpreta do apontamento da bola não uma
estéril representação mental dela, mas a representação da representação
(metarrepresentação) do que o adulto esperava que ela inferisse do gesto
nos determinados contextos (seja “estou chamando sua atenção para a
bola para que você a traga para nós a limparmos” ou “estou chamando
sua atenção para a bola para compartilharmos nossa atenção”), também a
comunicação verbal não é instrumento de injeção, na mente do ouvinte,
de figuras ou paisagens que se desvinculam do agente tão logo sejam
proferidas e, portanto, não pode ser adquirida como tal. Para ainda

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 370


mais didáticas evidências de como a língua não pode ser entendida por
uma criança como a decodificação do “que se diz” mas, sim, como meio
inferencial do “que se quer dizer”, podemos recorrer às representações
linguísticas, perfeitamente interpretáveis por falantes de qualquer língua,
de quimeras e impossibilidades empíricas de qualquer ordem ou, ainda,
de abstrações pertinentes a sentimentos e demais objetos intangíveis de
discurso.
Esse é um raciocínio que nos remete, agora, ao primeiro dos motivos
da importância da “habilidade de ler e compartilhar intenções” citados
por Dabrowska: parece-nos que a aquisição de uma língua dependa
da percepção de sua finalidade comunicativa, de modo que o esforço
cognitivo contínuo que crianças dedicam à sistematização gramatical
por anos se justifique pela ímpeto de remover o obstáculo imposto pela
ignorância do código à compreensão do conteúdo transmitido. Ou
seja, sendo sensível às intenções comunicativas, a criança desenvolve a
presunção de que intenções informativas correspondam a elas, intenções
estas cuja inferência adequada requer domínio do código linguístico.
Ao darmos centralidade à função comunicativas das línguas,
confrontamos, mais uma vez, a perspectiva teórica gerativistas, para a
qual (BOLHUIS et al., 2014, p. 1):

A faculdade da linguagem é frequentemente igualada a ‘comunicação’ —


um traço que é compartilhado por todas as espécies animais e possivelmente
também por plantas. Em nossa visão, para os propósitos de entendimento
científico, língua deve ser entendida como um sistema cognitivo
computacional particular, implementado neuralmente, que não pode
ser igualado com a excessivamente expansiva noção de ‘linguagem como
comunicação1’”.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 371


Leitura de intenções e autismo

Baron-Cohen (2004), autoridade em estudos sobre o Transtorno


do Espectro Autista (TEA), formulou a teoria conhecida como Empatia-
Sistematização e definiu os conceitos desta forma: a empatia, segundo o
autor (BARON-COHEN, 2004, p. 42),

tem dois elementos principais. O primeiro é o componente cognitivo: a


compreensão dos sentimentos do outro e a capacidade de perceber sua pers-
pectiva. (...) Mais recentemente, estudiosos referiram-se a este aspecto da
empatia em termos de ‘teoria da mente’ ou ‘leitura mental’.”
[...]
O segundo elemento da empatia é o componente afetivo: a resposta emo-
cional apropriada ao estado emocional de outra pessoa.

A empatia da qual, na Teoria Empatia-Sistematização, carecem os


autistas é, delimitadamente, a cognitiva: a capacidade humana da qual
temos tratado por leitura ou inferência de intenções.
Já a sistematização (Ibidem, p. 79)

envolve, em primeiro lugar, a análise dos aspectos variáveis do sistema, se-


guida de uma observação atenta e detalhada dos efeitos acarretados pelas
variações (‘sistematicamente’). A repetição dessas observações leva à desco-
berta das regras ‘dados de entrada - operação - resultado’ que governam o
comportamento do sistema.

E, ainda (Ibidem, p. 80),

Em relação à sistematização, um aspecto-chave é que o sistema que o seu


cérebro esteja tentando entender seja finito, determinista e legítimo. Uma
vez identificadas as regras e métodos do sistema, é possível prever com cer-
teza seu funcionamento. Isso vale também para sistemas mais complexos,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 372


com parâmetros mais numerosos ou regras mais elaboradas. Mas as regras
são específicas.

Ou seja, enquanto que a “empatia” da teoria de Baron-Cohen


coincide com a habilidade humana de leitura de intenções, a
“sistematização” equivale às operações cognitivas que, em nossa
análise de aquisição de linguagem, temos considerado formalistas/
computacionais. E, ainda mais proveitosas para a investigação que
pretendemos oferecer, são a compatibilidade do “comportamento
de sistema” descrito na citação acima (“dados de entrada - operação -
resultado”) com o comportamento de um módulo como o DAL (input
linguístico - processamento sobre as restrições da GU - gramática
(output)), e do sistema descrito no segundo trecho da citação com as
línguas humanas, sobretudo com a perspectiva gerativista delas (“Uma
vez identificadas as regras e métodos do sistema, é possível prever com
certeza seu funcionamento”).
Baron-Cohen concebeu o Quociente de Empatia (QE) e o
Quociente de Sistematização (QS), pontuações nas quais são convertidas
respostas assinaladas em formulários contendo afirmações sobre o
comportamento dos sujeitos que eles mesmos devem graduar de acordo
com sua identificação com elas.
A metodologia foi empregada em diversos estudos (e.g. BARON-
COHEN & WHEELWRIGHT, 2004; BARON-COHEN et al., 2003),
sempre produzindo dados que demonstram os elevados QS e baixos
QE de portadores do TEA quando comparados aos dos indivíduos
neurotípicos.
O déficit de cognição social encontrado em autistas é frequentemente
associado às dificuldades com a esfera pragmática da linguagem que

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 373


caracterizam a atividade comunicativa dessa população: “tomadas
inapropriadas do turno conversacional, prosódia anormal, inabilidade de
adequação à configuração comunicativa (e.g., indelicadezas, perguntas
embaraçosas, fala pedante), e dificuldade em diferenciar informações
novas de velhas” (PIJNACKER et al., 2009, p. 608), além da bem
documentada dificuldade na compreensão de linguagem não literal,
como algumas metáforas e ironias (TANTAM, 1991; HAPPÉ, 1993).
Entretanto, sendo verdadeira a tese que elege a capacidade humana
sócio-pragmática de inferência de intenções comunicativas como força
motriz e alicerce da aquisição de linguagem, então a deficiência em
empatia cognitiva que caracteriza os autistas deve lhes proporcionar
desvantagem no desenvolvimento linguístico como um todo e não,
isoladamente, no amadurecimento da pragmática. E, por outro lado,
caso estejamos errando e a formação da competência linguística se deva
essencialmente a mecanismos computacionais ou sistematizadores, então
é a especialização em sistematização e descoberta de padrões dos autistas
que deve garantir a esses indivíduos eficiência na aquisição de linguagem
superior à observada em crianças de neurodesenvolvimento típico
(BARON-COHEN, 2004, p. 162):

O autismo é também uma condição onde se encontram talentos pouco


usuais. Essas crianças prestam atenção minuciosa a detalhes, e podem ser as
primeiras a notar algo que tenha passado despercebido a todos. Conseguem
estabelecer diferenças entre os objetos que, às pessoas comuns, pareceriam
sem importância ou impossíveis de perceber. Podem, por exemplo, reparar
nos fios de seu cobertor, desenvolvendo por eles uma preferência especial,
embora para as outras pessoas os cobertores pareçam todos iguais. Os autis-
tas preferem informações padronizadas; daí a facilidade em descobrir simila-
ridades em sequências de números que a outros pareceriam desconexas, nos
veios das folhas ou nas mudanças do tempo.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 374


Estudos sobre o tema são unânimes em apontar dificuldades
de desenvolvimento linguístico-comunicativo enfrentadas por essa
população, de modo que elas configuram um importante critério de
diagnóstico do transtorno, segundo, por exemplo, o DSM-5.
Sabe-se que grande parte dos portadores do TEA (de 25% a 50%2)
nem sequer chega a desenvolver comunicação verbal plenamente
funcional — são os chamados autistas não verbais. E, dentre os que
desenvolvem, atrasos podem ser identificados em virtualmente todos
os níveis do amadurecimento linguístico, desde o balbucio (PATTEN
et al., 2014).
Mesmo entre os autistas altamente funcionais, que se distinguem
pelo menor comprometimento das funções sociais e linguísticas, o
processo de aquisição de linguagem não se encaminha sem substanciais
adversidades, e mesmo adultos podem ter desempenho em testes
de compreensão e expressão linguísticas equivalente ao de crianças
neurotípicas (HOWLIN, 2003).
Crianças portadoras do TEA, como as francesas de idades entre 3;9
e 9;2 estudadas por Foudon, Reboul & Manificat (2007), apresentam
menor MLU3 e léxico que crianças com desenvolvimento típico, além de
cometerem erros como confundir agente e paciente de orações, objetos
de orações coordenadas e o significado de preposições.
Ainda, há evidências de dificuldades enfrentadas por crianças
autistas com os princípios A e B da Teoria de Ligação, que regulam,
respectivamente, o comportamento de anáforas e de pronomes
(PEROVIC, MODYANOVA & WEXLER, 2013).

2 Patten et al., 2013.


3 Mean length of utterance, frequentemente usado como medida de produtividade linguística em
estudos de aquisição de linguagem.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 375


Portanto, ainda que não seja plausível desprezar o papel de operações
computacionais/sistematizadoras no processo de aquisição de linguagem,
os indícios seguem apontando para a impossibilidade de exclusão dos
aspectos sócio-pragmáticos dos modelos interessados em representar
fielmente o desenvolvimento linguístico infantil.

Imersão contextual

Se estivermos certos e a aquisição de linguagem acontecer graças,


sobretudo, a mecanismos sócio-pragmáticos de leitura de intenções,
não podemos assumir que interações virtuais, como as transmitidas pela
televisão, representem estímulo suficientemente qualificado. Ou seja, a
imersão contextual da criança no momento da enunciação e sua captura
dos sinais comunicativos verbais e não verbais disponíveis em conjunto,
de modo contínuo e coerente, devem ter valor dificilmente reproduzido
em veículos midiáticos. Caso, entretanto, um módulo como o DAL goze
de autonomia plena ou quase plena na captura e manipulação do input
linguístico, sendo insensível a aspectos sócio-pragmáticos das interações
comunicativas, nada além da exposição das crianças ao som da fala, ainda
que reproduzido em gravação, deveria ser necessário para a aquisição de
linguagem.
Kuhl, Tsao & Kiu (2003) expuseram um grupo de crianças norte-
americanas de 9 meses de idade ao mandarim por meio da participação
delas em brincadeiras e leituras de histórias conduzidas por falantes
nativos da língua, enquanto um segundo grupo foi exposto a gravações
transmitidas pela televisão das mesmas atividades, em quantidade idêntica
de sessões. Após submetidos a teste de reconhecimento do mandarim —

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 376


por meio de contrastes fonéticos do mandarim inexistentes no inglês —,
os participantes que tiveram contato com a língua por estarem inseridos
em interações reais demonstraram desempenho equivalente ao de crianças
chinesas da mesma idade, enquanto que os expostos às gravações das
atividades tiveram desempenho indistinguível ao do grupo de controle
formado por crianças norte-americanas que nenhum contato tiveram
com a língua estrangeira.
Ainda que interações entre terceiros em contextos nos quais crianças
estejam inseridas não possam ser negligenciadas como fonte de material
para a aquisição de linguagem, Romeo et al. (2018) nos lembram da
importância primordial que interações com a própria criança assumem
no processo e, em particular, uma medida marcadamente comunicativa/
social dessas interações: a quantidade de alternâncias de turnos
conversacionais.
Crianças membros de famílias com menores status socioeconômicos
podem apresentar atrasos na aquisição de linguagem (FERNALD,
MARCHMAN & WEISLEDER, 2014). Romeo et al. (2018) colocaram
à prova sua hipótese que justifica as dificuldades linguísticas enfrentadas
com crianças mais pobres através do menor estímulo verbal recebido
por elas. Para isso, selecionaram crianças entre 4 e 6 anos de idade, de
status socioeconômicos diversos, para terem seu input em interações
linguísticas com adultos monitorado e serem submetidas a escaneamento
cerebral por ressonância magnética funcional enquanto ouviam histórias.
Descobriram, com isso, uma associação entre maior ativação da área
de Broca (uma das regiões cerebrais responsáveis pela fala) das crianças
durante o exame e o dinamismo da alternância de turnos conversacionais
com os adultos ocorrida durante o monitoramento do input. Concluem
os autores que (ROMEO et al., 2018, p. 706)

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 377


quanto mais turnos conversacionais a criança experimentou, maior a ati-
vação na área de Broca durante o processamento de linguagem, indepen-
dentemente do status socioeconômico da criança, habilidade cognitiva, ou
simples número de palavras dos adultos ou enunciados das crianças.

A exposição de crianças à televisão parece não apenas não


influenciar positivamente a aquisição de linguagem como, também,
ter impacto negativo nela. Byeon & Hong (2015) compararam os
hábitos cotidianos de 1778 crianças coreanas de 2 anos de idade para
descobrirem que 2 horas diárias assistindo à televisão correspondem
a um risco de atraso linguístico 2.7 vezes maior do que menos de 1
hora; que 3 horas correspondem a um risco 3 vezes maior, e que o risco
continua crescente com o aumento das horas diárias da atividade. Frente
ao estudo anterior aqui apresentado, podemos supor que não seja a
exposição à televisão, em si mesma, causa de atraso no desenvolvimento
linguístico das crianças mas, sim, o tempo de interações reais do qual a
criança é privada enquanto se ocupa de outras atividades.
Vemos, com isso, que a imersão contextual das crianças nos
momentos de enunciação parece ser condição para que a aquisição de
linguagem aconteça, assim como interações de adultos com as próprias
crianças são mais potencializadoras do amadurecimento linguístico
quanto mais as engajem na função social/comunicativa das línguas por
meio de alternância de turnos conversacionais. Essas são conclusões, mais
uma vez, afinadas com a defesa que temos feito da sensibilidade sócio-
pragmática como peça central no processo de aquisição de linguagem.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 378


Considerações finais

A superdesenvolvida capacidade humana de leitura de intenções,


precocemente manifesta em cada indivíduo da espécie, parece representar
o apogeu evolutivo do comportamento social cujos rudimentos primitivos
podem ser rastreados em outras espécies, sobretudo em outros primatas
(CALL & TOMASELLO, 2008).
Cientes da histórica resistência de Chomsky em considerar temas
relativos à intencionalidade em seu modelo e da consequente tradição dos
aquisicionistas gerativistas em estabelecer inegociável preferência — senão
exclusividade — investigativa pelos processos computacionais que formam
as estruturas das línguas, anunciamos nosso reconhecimento da autoridade
dos gerativistas nos estudos sobre estes processos, circunscrevendo nossa
divergência com Chomsky à sua recusa em assumir a função comunicativa
das línguas como, ao menos, parte da explicação de seu funcionamento e
de sua aquisição.
Apoiados em considerações lógicas, bem como em resultados obtidos
por experimentos linguísticos e psicológicos, registramos nossa defesa da
hipótese de que a abordagem pragmático-inferencial da comunicação
humana elaborada por Grice e continuada, por exemplo, pela Teoria
da Relevância, pode ser, com sucesso, expandida para análises do
desenvolvimento linguístico infantil. Assim, enxergando a interpretação
das porções codificadas/literais dos enunciados como pista parcial para
inferência da intenção informativa dos falantes, acreditamos que uma
competência de reconhecimento das intenções comunicativas que
veiculam seu conteúdo informativo seja condição cognitiva necessária para
compreensão das funções e significados dos componentes linguísticos.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 379


O caminho investigativo que percorremos formou nossa convicção
de que nenhuma teoria que se proponha a explicar a habilidade
unicamente humana de aquisição de linguagem deva negligenciar o papel
de funções sócio-pragmáticas no processo, e, em especial, a proficiência,
também unicamente humana, em leitura de intenções.

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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 383


Pragmática na avaliação clínica da linguagem

Ana Carolina Gomes da Silva


Felipe Venâncio Barbosa

Introdução

Ao pensarmos na Pragmática enquanto área de estudo da


Linguística, é possível lembrarmos inicialmente de textos humorísticos,
expressões idiomáticas e nos usos específicos que uma palavra adquire
a depender do contexto em que é empregada. Esses usos podem ser
explicados e lembrados como forma de anedota acerca da complexidade
de uma língua para seus próprios falantes, ou em comparação com outras
línguas estrangeiras, por exemplo.
Mas pensar em como a função pragmática da linguagem se insere em
contextos clínicos pode não ser tão claro em um primeiro momento. Se
pensarmos na pragmática da língua - a partir de uma experiência pessoal
ou a partir da imagem de um falante hipotético- podemos não perceber
que, por diversos motivos, algumas pessoas não conseguem utilizar e/ou
compreender o papel do contexto na língua e como isso pode afetar, de
forma significativa, sua comunicação com outros falantes e sua expressão
ante o mundo que a cerca.
Um falante hipotético ideal se comunica de maneira típica e de acor-
do com as normas sociais e contextuais da sociedade em que se encontra
inserido. Sendo assim, esse falante ideal ou mesmo um falante típico não

DOI: 10.52788/9786589932536-16 SUMÁRIO / 384


encontraria problemas em utilizar e compreender expressões idiomáticas,
efeitos de humor e alterações de sentido em palavras específicas a depen-
der da mudança de contexto (SEARLE, 1965; GALLAGHER, 1977).
Sendo a pragmática uma função sofisticada da linguagem, depende
de um conjunto integrado de funções cognitivas e do bom funcionamento
da Teoria da Mente de falantes e de interlocutores (KORMAN;
VOIKLIS; MALLE, 2014; HAGOORT & LEVINSON, 2014).
A Teoria da Mente consiste em uma emulação do pensar e do
sentir de uma pessoa com a qual alguém esteja interagindo, isto é, a
partir das próprias percepções e conhecimentos sobre um determinado
assunto, a pessoa que percebe simula mentalmente o que outras pessoas
pensam acerca da pessoa percebedora e qual o próximo ato dessa pessoa
(KORMAN; VOIKLIS; MALLE, 2014).
A operação de Teoria da Mente pode ocorrer quando, por exemplo,
uma amiga diz à outra amiga: “Você acha que eu agi errado nessa
situação?”. A partir do momento em que emite essa frase, a falante já
simula, com base no que sabe de si, no que sabe da amiga, no que sabe
da situação que pode já ter sido descrita em detalhes ou não e a partir da
avaliação do próprio comportamento, que poderá receber uma resposta
positiva ou negativa, validadora ou não de sua interlocutora1.
Se um falante possui algum tipo de transtorno psiquiátrico, ou se
sofreu trauma craniano, AVC ou possui doenças neurodegenerativas, por
exemplo, algumas ou o conjunto dessas funções podem estar prejudicadas
de maneira mais ou menos severa e isso pode se refletir no uso que esse
falante faz da língua no seu dia a dia. (KUHL & DAMASIO, 2013;
MOTA et al., 2012).

1 Para uma discussão mais aprofundada sobre Teoria da Mente e cognição social ver Korman,
Voiklis & Malle (2014).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 385


Os problemas de saúde que podem afetar direta ou indiretamente
a faculdade da linguagem são diversos e ocorrem por diferentes motivos,
entretanto, é possível citar alguns tipos de problemas e suas consequências
para o portador.
Um dos problemas mais conhecidos, que afetam a linguagem, é
chamado de afasia. A afasia pode se manifestar como consequência de um
AVC, de um trauma craniano, ou mais raramente, como um transtorno
degenerativo, como a Afasia Progressiva Primária (MESULAM, 2013;
KUHL & DAMASIO, 2013; MURRAY & CLARK, 2006).
As afasias podem se manifestar de diferentes maneiras a depender
das características das lesões do(a) portador(a). Pessoas com afasia podem
ter dificuldade de nomeação, dificuldade de compreender sentenças,
dificuldade de produzir sentenças, fala telegráfica ou verborragia,
dificuldade de compreender e de produzir sentenças passivas, repetição
constante de uma única expressão ou palavra para se comunicar, entre
outras dificuldades (MURRAY & CLARK, 2006; AHLSÉN, 2006).
Em relação a dificuldades causadas por outros tipos de problemas
neurológicos, como demências ou Esclerose Lateral Amiotrófica, os
problemas podem ser de ordem pragmática, como a dificuldade em
perceber efeitos de humor como em Bambini et al. (2016), problemas
com fluência verbal, processamento gramatical, entre outras dificuldades
de ordem linguística e cognitiva (BAMBINI et al., 2016).
Transtornos psiquiátricos como esquizofrenia podem levar à
elaboração de um discurso que apresenta o tópico central apenas uma
vez e não o referencia mais, posteriormente (MOTA et al., 2012). Com
relação ao Transtorno do Espectro Autista, as dificuldades pragmáticas
principais se centram na capacidade de interagir com outras pessoas
(FERNANDES, 1996).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 386


A avaliação de linguagem, com enfoque pragmático, considera os
usos comunicativos e dialógicos da linguagem realizados pela pessoa que
está sendo avaliada, para compreender quais são os pontos fortes e fracos
do(a) examinando(a) a fim de traçar estratégias de atuação a partir disso
(MANNING & MARTÍN, 1992).
As avaliações feitas com objetivo de rastrear dificuldades e traçar
estratégias terapêuticas são realizadas apenas por profissionais habilitados
legalmente para esse tipo de tarefa no Brasil (BRASIL, 1981). Em
nosso trabalho, buscamos explanar algumas das diferentes formas de
análise pragmática em avaliações de linguagem, especialmente as formas
abordadas em Silva (2018), que envolvem avaliação da dimensão dialógico
- comunicativa.
É importante destacar que, para a avaliação clínica, existe uma
separação no entendimento do que é um problema linguístico e do que
é um problema pragmático. A dimensão linguística na clínica relaciona-
se, em maior escala, tanto a problemas de estrutura, quanto a problemas
físicos de compreensão e produção (GERBER & GURLAND, 1989) .
Sendo assim, um déficit ou dificuldade linguística pode ser entendido
como problema para formar frases, nomear objetos, compreender o
significado literal de uma frase que acaba de ser emitida, problemas para
pronunciar palavras, entre outros(AHLSEN, 2006; MANSUR et al.,
2005).
Um problema pragmático pode ser entendido como dificuldade de
comunicação com outros interlocutores, dificuldade de compreender
sentidos figurativos em textos orais e escritos, dificuldades em
compreender efeitos de humor, dificuldades em recontar histórias
(CUMMINGS, 2009).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 387


Avaliação de linguagem com enfoque pragmático

A avaliação de habilidades discursivas e pragmáticas é considerada


como essencial no momento de se avaliar a função da linguagem de
pacientes com traumas cranianos, lesões de hemisfério direito e demências,
além das afasias, segundo Murray & Clark (2006).
As autoras consideram importante a avaliação dos níveis discursivo e
pragmático nesses pacientes porque, em alguns casos, como no de lesões
de hemisfério direito e no de traumas cranianos, as avaliações estruturadas
podem falhar em identificar aspectos importantes dessa dimensão da
linguagem (MURRAY & CLARK, 2006).
Em outros casos, como os das demências, dificuldades pragmáticas
podem indicar um estágio inicial de algumas formas da doença. No caso
da afasia, as autoras destacam que mesmo apresentando mais pontos
fortes nessa área, ainda assim podem ocorrer déficits discursivos e
dificuldades pragmáticas. Além disso, devido à complexidade dessas áreas
da linguagem, é necessário considerar os aspectos linguístico, emocional
e cognitivo para estabelecer um panorama adequado acerca da presença
dessas dificuldades (MURRAY & CLARK, 2006).
Manning e Martín (1992) definem que o objetivo principal
das baterias tradicionais de afasia, como a Bateria Boston - BDAE
(GOODGLASS et al., 1982), por exemplo, é o de realizar um diagnóstico
a partir das provas realizadas pelo paciente. Dessa maneira, as tarefas que
um afásico realiza durante a aplicação desse tipo de bateria não refletem,
obrigatoriamente, tarefas da vida diária do(a) paciente, pois não foram
elaboradas para incorporar esse tipo de tarefa.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 388


O maior problema de abordagens que separam habilidades para
avaliá-las individualmente, é que podem mostrar resultados distantes
das dificuldades que o(a) paciente pode enfrentar em seu cotidiano em
decorrência da lesão. Um dos exemplos apontados pelas autoras é que
um(a) paciente que obtenha bons resultados em tarefas de baterias
estruturadas pode, na realidade, ter problemas recorrentes em sua vida
diária que não são refletidos no teste (MANNING & MARTÍN, 1992).
Dessa maneira, Manning e Martín (1992) defendem a necessidade
de que sejam também elaboradas e aplicadas avaliações que contem com
situações da vida diária, não apenas para que os profissionais de saúde
que atendam ao paciente possam delimitar quais são as dificuldades
enfrentadas em seu cotidiano, como também auxiliar na elaboração de
estratégias terapêuticas para esse indivíduo.
Holland e Hinckley (2002) também defendem a necessidade e
a utilidade da aplicação de baterias de testes estruturados, mas que
exista, sempre que possível, uma avaliação complementar das funções
pragmáticas, pois baterias de testes não costumam avaliar apropriadamente
essa dimensão da linguagem.
Nas seções a seguir, trataremos de alguns dos tipos existentes de
avaliação de linguagem com enfoque pragmático, descrevendo quais as
habilidades examinadas em cada um deles. Iniciaremos com as aborda-
gens exploradas em Holland e Hinckley (2002), que são observação di-
reta, análise do discurso e análise da conversação. Em seguida, explorare-
mos outros tipos de abordagens de avaliação com enfoque pragmático.
É necessário pontuar que os métodos abordados aqui são fruto de
um recorte, explanados em maior detalhe em Silva (2018), não sendo
essa, portanto, uma análise exaustiva do tema.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 389


Observação Direta

Para realizar uma avaliação de Observação Direta, Holland e


Hinckley (2002) estabelecem que é necessário ter atenção a três contextos
distintos que compõem a comunicação real entre falantes. São eles:
contexto linguístico, paralinguístico e extralinguístico.
Dentro do contexto linguístico estão contidos a coesão, o tópico, o
ponto principal da comunicação e o tema. Já no contexto paralinguístico,
estão contidos a prosódia, a entonação e o processamento emocional. No
contexto extralinguístico, estão localizados o cenário onde a comunicação
acontece, e as características do interlocutor com o qual o falante se
comunica (HOLLAND & HINCKLEY, 2002).
O ponto central desse tipo de avaliação é permitir que a pessoa
examinada se engaje em situações que são parte de seu cotidiano, e que
um avaliador externo observe como essa pessoa irá se comunicar, quais
seus pontos fortes e dificuldades.
Sendo assim, é possível que o observador já estabeleça um ponto
específico da comunicação que deseja avaliar com mais cuidado, ou então,
que realize uma avaliação geral da performance comunicativa da pessoa
examinada (HOLLAND & HINCKLEY, 2002).

Análise do Discurso

Provas envolvendo análise do discurso permitem que sejam avaliadas


as capacidades comunicativas de uma pessoa a partir de diferentes amostras,
em que se modifiquem características em um ou mais dos três contextos

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 390


comunicativos (linguístico, paralinguístico e extralinguístico)(HOLLAND
& HINCKLEY, 2002).
Tarefas como a descrição de uma cena em um desenho são um exem-
plo de análise do discurso que está presente inclusive em baterias tradicio-
nais de testes, entretanto, como explicam Holland e Hinckley (2002), por
se caracterizarem como monólogos, trazem menos dados do que poderiam
sobre como a pessoa avaliada se sai em situações do dia a dia.
Contar lembranças pessoais, histórias de ninar para os netos, ou
mesmo descrever como executar uma receita ou uma determinada tarefa
para um interlocutor, são provas mais próximas da realidade de uso da
língua, e, por isso, podem trazer mais elementos de análise para o(a)
avaliador(a) (HOLLAND & HINCKLEY, 2002).
Discurso procedural, habilidades narrativas, conversacionais,
elementos verbais e não verbais são parte de testes que avaliam essa dimensão
das funções pragmáticas (HOLLAND & HINCKLEY, 2002).

Análise da Conversação

Conversação é um processo dialógico que envolve dois ou mais


parceiros com o objetivo em comum de cocriar o sentido da conversa.
Quando se trata de conversações entre pacientes com afasia e parceiros
não afásicos, Holland e Hinckley (2002) pontuam que a maior parte
das responsabilidades pela evolução da conversação recai sobre o(s)
parceiro(s) não afásico(s).
Sendo a conversação um processo com responsabilidades
compartilhadas e com constantes trocas de turno, reparações, e
subsequentes transações de informações, a conexão social entre parceiros

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 391


conversacionais torna-se uma parte integrante e crucial desse processo
(HOLLAND & HINCKLEY, 2002).
Holland e Hinckley (2002) destacam que a conversação é
possivelmente uma das ferramentas mais reveladoras sobre as habilidades
pragmáticas de um afásico. Esse destaque se dá porque a conversação pode
ocorrer não apenas entre afásicos com dificuldades leves ou moderadas
e parceiros não afásicos, mas também entre afásicos com dificuldades
severas e parceiros não afásicos.
Essa troca e cocriação de sentido é possível entre parceiros com
diferentes níveis de fluência conversacional por ser um processo de
compartilhamento e coparticipação. As autoras pontuam ainda, que essa
é uma forma de avaliação refinada das estratégias e dos comportamentos
naturalmente adotados por afásicos durante sua comunicação com outras
pessoas (HOLLAND & HINCKLEY, 2002).

Protocolo de Avaliação de Habilidades Linguístico -


Pragmáticas - APPLS (SILVA, 2018; GERBER & GURLAND, 1989)

O Protocolo de Avaliação de Habilidades Linguístico - Pragmáticas


- APPLS (SILVA, 2018; GERBER & GURLAND, 1989)2, é uma
ferramenta de avaliação com enfoque pragmático, descrita por Holland
e Hinckley (2002) como parte de uma avaliação de Análise do Discurso.
Entretanto, é possível compreendê-la também como uma ferramenta de
avaliação pertencente à Análise da Conversação, que investiga e permite
descrever quebras, identificação e reparação de quebras durante uma

2 Assessment Protocol of Pragmatic - Linguistic Skills (GERBER & GURLAND, 1989) no


original.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 392


situação interacional entre dois parceiros (SILVA, 2018; GERBER &
GURLAND, 1989).
Partindo de uma situação interacional dialógica, interrupções
ocorridas no fluxo conversacional podem ser caracterizadas com
quebras conversacionais, isto é, todas as vezes em que uma conversação
é interrompida porque um dos parceiros não foi compreendido ou não
pôde continuar a cocriar o sentido da interação, existe uma quebra em
curso (SILVA, 2018; GERBER & GURLAND, 1989).
A partir da identificação dessa quebra, um dos parceiros
conversacionais pode sinalizar de alguma forma que houve uma ruptura
na interação e solicitar de maneira direta ou indireta que o outro parceiro
repare essa ruptura, para que o fluxo da conversação seja restaurado,
sendo o tópico conversacional restaurado também ou não (SILVA, 2018;
GERBER & GURLAND, 1989).
A partir do momento em que existe uma sinalização de quebra
conversacional, o parceiro que originou a quebra pode traçar e aplicar
estratégias para reparar essa ruptura. Essas estratégias de reparação podem
ser bem-sucedidas ou não, retomando um tópico anterior à quebra ou
não (SILVA, 2018; GERBER & GURLAND, 1989).
É necessário destacar que o APPLS (GERBER & GURLAND,
1989) é um instrumento de avaliação em forma de protocolo, ou seja, não
existem provas e pontuações previamente estabelecidas para avaliação de
linguagem (SILVA, 2018). Também é necessário pontuar que o protocolo
divide as quebras tanto em linguísticas, como pragmáticas (GERBER &
GURLAND, 1989).
Gerber & Gurland (1989) elaboraram e aplicaram o protocolo
APPLS em um paciente afásico e um parceiro não afásico originalmente,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 393


com o objetivo de avaliar pontos fortes e dificuldades no discurso do
paciente, em língua inglesa e nos Estados Unidos.
Em relação a estudos em Português Brasileiro sobre o APPLS
(GERBER & GURLAND, 1989) temos o de Barbosa (2001) e o de Silva
(2018). O estudo de Barbosa (2001) envolvia a aplicação do protocolo
com dois pacientes, sendo um deles com afasia de Broca leve3 e o outro
paciente apresentando um quadro demencial (SILVA, 2018).
Tanto os estudos de Gerber & Gurland (1989) quanto o de Barbosa
(2001) podem ser entendidos como estudos de caso, refletindo assim,
resultados específicos das pessoas avaliadas nesses estudos (SILVA, 2018).
O trabalho de Silva (2018), diferentemente de Barbosa (2001),
avaliou parceiros conversacionais não afásicos e de diferentes faixas
etárias, com o objetivo de compreender o funcionamento do protocolo
em uma amostra da população brasileira e descrever seu perfil linguístico
com relação aos parâmetros do protocolo.
A maior parte dos estudos descritos aqui avaliou a afasia e / ou
falantes não afásicos, mas a avaliação de linguagem com enfoque nas
funções pragmáticas pode e é utilizada em avaliações com pacientes
portadores de transtornos diferentes que podem apresentar também
prejuízos linguístico - pragmáticos, como veremos a seguir.

3 Segundo Ahlsén (2006), a afasia de Broca se caracteriza pelo agramatismo dos portadores, que
apresentam uma fala telegráfica, constituída de frases ou estruturas simples e esparsas, podem
omitir traços morfológicos e palavras funcionais como conjunções e artigos, sendo assim, seu
discurso é não fluente, além disso, a localização mais frequente das lesões nesse tipo de afasia é
na área de Broca. O termo “leve” refere-se à severidade do quadro da paciente, que no estudo de
Barbosa (2001) era leve.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 394


Outras abordagens

Além de avaliações que envolvem interações entre dois ou mais


parceiros conversacionais, observação direta das habilidades de um
paciente na vida real ou análise do discurso de um afásico, também é
possível acessar e avaliar os pontos fortes e dificuldades pragmáticas
de um indivíduo de maneiras mais especializadas e isoladas, como nos
estudos de Lima (2010), Medeiros et al. (2016) e Bambini et al. (2016).
No estudo de Lima (2010), as funções pragmáticas foram avaliadas
com relação ao acesso lexical. Dada uma amostra de seis pacientes com
afasia e anomia (dificuldades de nomeação), a pesquisadora apresentou
figuras de animais e, em seguida, solicitou tanto que os participantes
nomeassem os animais mostrados, quanto que os descrevessem, sem
um contexto específico. Nessa tarefa, a dificuldade de nomeação dos
participantes se mostrou clara, pois não houve êxito em sua execução.
Numa segunda parte do estudo, a pesquisadora citou formas
cristalizadas da língua (com sentido não literal) que envolviam nomes
de animais e, ainda que precisassem de algum auxílio para explicar
o significado das frases, na maior parte dos casos, os participantes
conseguiram compreender que as frases tinham conotações negativas e /
ou pejorativas (LIMA, 2010; SILVA, 2018).
Medeiros et al. (2016) também trabalharam com participantes
com afasia (neste caso, afásicos fluentes) que possuíam anomia e leves
dificuldades de compreensão. Neste estudo, foram comparados pacientes
afásicos e participantes não afásicos. Além disso, também foram aplicados
testes de rastreio cognitivo e testes estruturados de avaliação de linguagem,
além das tarefas pragmáticas.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 395


As tarefas de avaliação pragmática do referido estudo se concentraram
em análise do discurso, por meio de narração de histórias, descrição
de cena, descrição de procedimentos e argumentação oral a partir da
apresentação prévia de uma informação (MEDEIROS et al., 2016).
Sendo assim, em Medeiros et al. (2016), temos uma avaliação
tradicional e outra complementar das habilidades linguístico-
pragmáticas, tal como preconizam Holland & Hinckley (2002) sobre
como avaliações de linguagem deveriam ser feitas para apresentarem
resultados e panoramas mais completos acerca das dificuldades e pontos
fortes de pacientes com transtornos de linguagem.
No estudo de Bambini et al. (2016), foram avaliados 33 pacientes
com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) sem quadro demencial, além
de um grupo controle para comparação. Diferentemente da afasia, a ELA
não afeta especificamente e apenas as habilidades linguístico-pragmáticas.
Por ser uma doença de neurônio motor, afeta os movimentos de seu
portador, e pode afetar funções linguísticas, pragmáticas e cognitivas
(BAMBINI et al, 2016).
Neste estudo, as habilidades pragmáticas dos pacientes foram
avaliadas através de um instrumento específico denominado pelos autores
de “APACS, Assessment of Pragmatic Abilities and Cognitive Substrates”
(BAMBINI et al., 2016). O instrumento, elaborado e aplicado em
falantes de italiano, combina os domínios discursivo e de significado não
literal de vocabulário (BAMBINI et al., 2016).
Foram aplicadas seis tarefas no total: a primeira das tarefas consistia
em uma entrevista semiestruturada sobre tópicos familiares ao paciente, já
a segunda tarefa, consistia em avaliar a capacidade de produzir descrições
informativas e compartilhamento de informações sobre questões de vida
diária; ao passo que a terceira tarefa consistia em avaliar a capacidade de
compreensão de textos narrativos (BAMBINI et al., 2016).

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 396


As tarefas quatro e seis avaliavam inferência de sentido figurativo
de duas formas distintas. Em uma delas, a inferência era feita a partir de
múltipla escolha de alternativas e na outra a partir de explicações verbais.
A quinta tarefa consistia em avaliar a capacidade de compreensão de
efeitos de humor a partir de múltipla escolha de alternativas também
(BAMBINI et al., 2016).
Os três estudos descritos acima utilizaram métodos de avaliação
diferentes e, em alguns casos, bastante diferentes entre si, para avaliar
funções pragmáticas em pessoas com algum tipo de problema neurológico,
fosse diretamente ligado à faculdade da linguagem como as afasias, ou
não. Isso nos indica a importância e a gama de possibilidades de avaliação
de linguagem com a qual a área de Pragmática pode contribuir não apenas
nos estudos linguísticos, como na prática clínica também.

Considerações finais

Buscamos apresentar neste capítulo algumas das contribuições da


Pragmática para a área de avaliação clínica de linguagem. Longe de esgotar
o tema, que é vasto, pudemos observar que não apenas para os Estudos
Linguísticos é útil entender qual o uso real que um falante faz de sua
língua em cada contexto, mas também o é para áreas da saúde, na medida
em que impacta de forma direta a comunicação diária dos falantes.
Como destacam Holland & Hinckley (2002) e como concluiu Silva
(2018), a avaliação de linguagem com enfoque pragmático não substitui
e não dispensa métodos de avaliação tradicionais, mas é uma importante
ferramenta de avaliação complementar.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 397


Os dados extraídos de avaliações desse tipo permitem aos avaliadores
compreender, de maneira holística, o funcionamento da faculdade da
linguagem nas pessoas que estiverem examinando, podendo decidir quais
estratégias adotar, se forem terapêuticas.
Esse tipo de avaliação possibilita ainda, saber quais aspectos
da linguagem humana podem ser prejudicados por transtornos de
linguagem, se os objetivos da avaliação forem relacionados à pesquisa
científica.
Conhecer as dimensões da linguagem, que são afetadas por lesões
cerebrais e / ou transtornos psiquiátricos ou neurológicos, nos permite
compreender, cada vez mais, como a faculdade da linguagem funciona,
como se distribui e é acessada no cérebro humano sempre que necessário.
Sendo assim, consideramos de fundamental importância a realização
de estudos no campo da neurolinguística e da pragmática clínica também
em áreas de Estudos Linguísticos, com foco na pesquisa acadêmica e na
construção do conhecimento sobre Linguística.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 398


Referências

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Fonoaudiologia, Ambulatório de Neurolinguística, Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Não publicado.
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A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 400


Sobre as organizadoras

ANA PAULA ALBARELLI. É doutora em Letras (2020), na área de


Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (FFLCH-
USP). Mestra em Letras (2013) pela Universidade de São Paulo (FFLCH-
USP), Bacharela em Letras com habilitação em Português e Alemão
(2007) pela Universidade de São Paulo (USP). Possui licenciatura em
Letras pela Universidade de São Paulo (FEUSP-USP). É professora de
Língua Portuguesa do ensino Fundamental II e Médio (SME) e atua como
conteudista e elaboradora de material didático de Língua Portuguesa.
Apresenta experiência na área de Letras, com ênfase nos seguintes âmbitos:
Análise da Conversação, Descortesia Verbal, Pragmática, Sociolinguística
Interacional, Retórica e Teorias da Argumentação, Oralidade e ensino de
Língua Portuguesa.

KATIUSCIA CRISTINA SANTANA. É doutora em Letras pela


Universidade de São Paulo na área de Filo-logia e Língua Portuguesa. Mestra
em Letras pela Universidade de São Paulo (2013), bacharel em Letras com
habilitação em Português e em Francês pela Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo(USP).
Possui Licenciatura em Letras Português e em Francês pela Faculdade de
Educação da USP. Atua principalmente nos seguintes temas: Análi-se da
conversação, Sociolinguística Interacional, Pragmática, Análise Crítica
do Discurso e Ensino/Aprendizagem de Língua Portuguesa e de Língua
Francesa. Fez vários cursos complementares, entre eles com os professores
Dominique Maingueneau, Patrick Charaudeau e Gunther Kress.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 401


Sobre as autoras e autores

ADRIANA MENDES. Porcellato possui doutorado pelo Programa de


Língua, Literatura e Cultura Italianas da Universidade de São Paulo em
convênio com o Programa de Doutorado em Linguística da Università di
Roma La Sapienza. Em seus estudos, investigou o papel da pragmática e
da cultura no ensino de línguas estrangeiras (italiano e inglês), com foco
na análise e desenvolvimento de material didático. É membro do Grupo
de Pesquisa em Pragmática (inter)linguística, cross-cultural e intercultural
da USP. Em 2021, atuou como professora substituta de italiano junto à
Universidade Federal da Bahia (UFBA).

ANA CAROLINA GOMES DA SILVA. Graduada em Letras - Português


e Espanhol e mestre em Semiótica e Linguísti-ca Geral pela FFLCH/USP.
Atualmente cursa Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela FATEC São
Caetano do Sul e atua na área de Tecnologia da Informação.

ÂNDERSON RODRIGUES MARINS. É doutorando em Estudos


de Linguagem pela Universidade Federal Fluminense, Doutorando em
Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor
de Conjunções causais e explicativas do português em perspectiva semântico-
argumentativa (Pontes Editores, 2021) e Linguística e Gramática: fatos do
sistema (Editora Autografia, 2017). E-mail: profandermarins@hotmail.com.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 402


CLAUDIA MARIA CHIARION. Professora da rede Municipal de
São José dos Campos – SP. Formada em Letras Português e Espanhol
pela Universidade do Vale do Paraíba. Pós-graduada em Metodologia de
Ensino de Língua Portuguesa pela Facinter, Pedagoga pela Universidade
de Araras, Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté e
Doutora em Ciências da Educação pela Universid Columbia del Paraguay
–reconhecido pela UCP – Universidade Católica de Petrópolis – RJ.

ELENA GODOY. Fiz a minha graduação em Letras Espanhol/Inglês pela


Universidade Pedagógica de São Petersburgo (1976), Mestrado em Letras
pela Universidade Federal do Paraná (1988), Doutorado em Lingüística
pela Universidade Estadual de Campinas (1992) e Pós-Doutorado (2007)
também na Universidade Estadual de Campinas. Sou professora Associada
da Universidade Federal do Paraná, atuo na Pós-Graduação em Letras. O
meu interesse atual se concentra principalmente nos seguintes temas:
pragmática, comunicação humana, linguagem e cognição, linguagem
e cultura, geopolíticas linguísticas e ensino de línguas estrangeiras com
ênfase no espanhol. Sou Líder do Grupo de Pesquisa Linguagem,
Comunicação e Cognição/UFPR/CNPq, que reúne pesquisadores e
alunos de várias universidades, e tem como sua característica principal
a interdisciplinaridade, que compreende a linguagem e outras áreas de
atividade humana.

FABIANA MEIRELES DE OLIVEIRA. Doutoranda em Filologia


e Língua Portuguesa pela USP na área de Linguística Textual e Teorias
do Discurso, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio da Silva. Possui
mestrado em Língua Portuguesa pela PUC-SP. Especialização em mídias
na Educação. Especialização em Língua Portuguesa e Graduação em
Letras e Administração. Atualmente é professora de linguagem, trabalho
e tecnologia nos cursos técnicos de Administração e Logística. Professora

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 403


de Fundamentos da Comunicação Integrada, Comunicação e Expressão
e Comunicação em-presarial na Faculdade Campos Elíseos nos cursos de
Administração e Ciências Contábeis no ensino a distância e presencial.
Já ministrou aulas nos cursos de pós -graduação da Faculdade Campos
Elíseos e FMU. Participou de bancas de avaliação de TCC e de concurso
público no Centro Paula Souza. Já apresentou palestras para professo-res,
coordenadores e diretores no estado de São Paulo e interior. Foi avaliadora
dos exames aplicados pela CEs-pe/UNB. Comenta provas discursivas de
vários concursos pela editora Rideel. Tem experiência na área de Letras,
Linguística, Análise da Conversação, Diálogo literário, Descortesia, Análise
do discurso, além de atuar na área de negócios.

FÁBIO BARBOSA DE LIMA. É doutor (2019) e mestre (2012) em


Letras - Língua Espanhola pela Universidade de São Paulo. É integrante
do Grupo de Pesquisa em Pragmática (inter)linguística, cross-cultural e
intercultural (CNPq), que reúne pesquisadores de universidades brasileiras
e estrangeiras. Foi presidente da Associação de Professores de Es-panhol
do Estado de São Paulo (APEESP) no biênio 2014-2016. Foi professor de
espanhol na Fatec Ipiranga entre 2011 e 2013 e desde 2014 é professor de
espanhol na FATEC Itaquaquecetuba e, atualmente, coordena a Área de
Políticas Linguísticas da Assessoria de Relações Internacionais do Centro
Paula Souza.

FELIPE VENÂNCIO BARBOSA. Possui graduação em Fonoaudiolo-


gia pela FMUSP, especialização em Ativação de Processos de Mudança no
Ensino Superior de Profissionais da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz
e doutorado em Ciências da Reabilitação - Comunicação Humana pela
FMUSP. Atualmente é docente da FFLCH/USP, atuando na área de Lín-
gua de Sinais Brasileira.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 404


FRANCISCO DJEFREY SIMPLICIO PEREIRA. Mestrando em
Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (PosLA-Uece). Especialista
em Ensino de Língua Portuguesa, pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE). Possui licenciatura em Letras - Português pela mesma instituição.
Atuou como Professor da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) e
da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc/CE). Foi bolsista
de Iniciação Científica - CNPq, coordenado pelo Prof. Dr. Raimundo
Ruberval Ferreira. Atualmente participa do grupo de pesquisa Pragmática
Cultural, Linguagem e Interdisciplinaridade da Universidade Estadual do
Ceará, é revisor da revista Entrepalavras e bolsista CAPES. Tem interesse
nas áreas de Linguística Aplicada, Análise de Discurso Crítica, Gêneros,
Sexualidades e Pragmática.

FRANKLIN ROOSEVELT MARTINS DE CASTRO. Professor


na Universidade do Estado do Amazonas. Doutorando em Linguística
pela UNICAMP. Licenciado em Letras e em Filosofia. Atua na linha de
pesquisa: linguagem, socieda-de e identidades. Discute sobre as temáticas
LGBTIQ, povos indígenas, povos de terreiro e educação a partir da Socio-
linguística e da Análise do Discurso. Contato: fmcastro@uea.edu.br

IVEUTA DE ABREU LOPES. É professora adjunta da Universidade


Federal do Piauí (UFPI). Doutora em Letras, na área Linguística,
Universidade Federal de Pernambuco (2004); mestre em Linguística,
Universidade de Brasília (1989); graduada em Letras, Universidade Federal
do Piauí (1984); Estágio de Pós-doutorado realizado na Universi-dade
de Brasília (2010-2011). Atua na graduação em Letras e no Programa de
Pós-Graduação em Letras (mestrado e doutorado) da UFPI. Desenvolveu
atividades de docência nos ensinos fundamental e médio das redes pública
e priva-da do Estado do Piauí e na Universidade Estadual do Piauí, onde

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 405


atuou na Graduação em Letras e nos Programas de Pós-Graduação em
Letras - Programas de Mestrado acadêmico e profissional (PROFLETRAS.
Integra o grupo de pesquisa Linguagem, Escola e Sociedade (Grupo LES) e
é Membro da Comissão de Alfabetização e Letramento da Abralin.

JOÃO BENVINDO DE MOURA. Possui doutorado e pós-doutorado


em Linguística pela UFMG. Mestre e especia-lista em Linguística pela UFPI
com graduação em Letras-Português pela mesma instituição. Docente da
graduação e pós-graduação em Letras da UFPI. Editor da revista Form@
re. Fundador e atual coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Análise do Discurso – NEPAD/UFPI/CNPq. Membro do GT sobre
Argumentação, da ANPOLL.

KAMUNJIN TANGUELE. É graduada, mestra e doutoranda em


Linguística pela USP, mas é também atriz profissional há mais de 30 anos.
Como atriz e diretora, sempre teve curiosidade em descobrir questões
relacionadas à enunciação do ator em cena: “por que este ator tem uma fala
tão mentirosa assim?”, curiosidade esta, que a levou a ser linguista também.
Desde então, a autora tem seus estudos voltados para a percepção e
produção de atos de fala, sendo John Searle e os processamentos linguísticos
os principais condutores teóricos de sua pesquisa.

LARA LUIZA DE OLIVEIRA SANTOS. É mestra em Letras, na


área de Linguística, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Piauí (PPGEL-UFPI); graduada em Letras-Língua
Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela mesma universidade.
Tem experiência em Letras, com ênfase na área de Linguística, mais pre-
cisamente em Linguística Textual. É membro do grupo de pesquisa em
Projeções em pesquisas e práticas de leitura e escrita (PROLETRAS),
grupo de pesquisa voltado para as práticas multiletradas, com ênfase nos

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 406


estudos sobre pro-dução textual, leitura, teoria e prática. Atualmente,
é professora de Literatura e Gramática na rede privada de ensino. Além
disso, está cursando especialização lato sensu em Literatura e Ensino na
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

LUIZ ANTÔNIO DA SILVA. Possui graduação em Letras pela


Universidade de São Paulo (1975), mestrado em Filolo-gia e Língua
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (1990) e doutorado em Letras
pela Universidade de São Paulo (1997). Atualmente é professor assistente
doutor da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Análise da Conversação, atuando principalmente nos
seguintes temas: interação, conversação, discur-so, preservação da face e
cortesia.

MARCUS ANTONIO DE SOUSA FILHO. É mestrando em Letras,


na área de Linguística, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Piauí (PPGEL-UFPI); é especialista em Gestão
Educacional e Por-tuguês Jurídico, pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM); graduado em Letras-Língua Portuguesa e Literatura de Língua
Portuguesa pela Universidade Federal do Piauí. Tem experiência em Letras,
com ênfase na área de Linguística, mais precisamente em Linguística
Textual. Integra os grupos de pesquisa em Projeções em pesquisas e práticas
de lei-tura e escrita (PROLETRAS) e Linguagem, Escola e Sociedade
(LES), na UFPI. Atualmente, é professor de Análise Textual e Redação na
rede privada de ensino.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 407


MARINA XAVIER FERREIRA. Doutora em Letras - Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Letras -
Estudos Linguísticos pela UFPR e Licenciada em Letras Português/
Espanhol pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora
Colaboradora no Curso de Letras da Universidade Estadual de Ponta
Grossa. Tem experiência na área de Linguística e Língua Espanhola,
atuando principalmente nos seguintes temas: teorias pragmáticas,
mecanismos linguísticos, processos inferenciais no ensino-aprendizagem
de Língua Espanhola, línguas estrangeiras modernas e estudos gramaticais
e linguísticos. Participa do grupo de pesquisa Linguagem, Cognição e
Comunicação (UFPR/CNPq).

MAX SILVA DA ROCHA. Doutorando em Linguística pelo PPGEL/


UFPI. Mestre em Linguística pela UFAL. Especialista em Linguística
Aplicada pela UCAM. Licenciado em Letras pela UNEAL. Professor
colaborador de Linguística da UNEAL. Sócio efetivo da ABRALIN e
do GELNE. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Análise do
Discurso – NEPAD/UFPI/CNPq e vice-líder do Grupo de Estudos em
Ensino e Aprendizagem de Lín-gua – GEEAL/UNEAL/CNPq.

PATRÍCIA RODRIGUES TOMAZ. Advogada e mediadora extrajudi-


cial de conflitos. Mestra em Linguística pela UFPI. Especialista em direito e
processo civil (2015), especialista em mediação de conflitos (2018), ambas
pela Está-cio Teresina. Graduanda em Letras-Português pela Estácio Tere-
sina. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Análise do Discurso
– NEPAD/UFPI/CNPq.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 408


RAÍSSA MARTINS BRITO. É mestra em Letras, na área de Linguística,
pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
do Piauí (PPGEL-UFPI); graduada em Letras - Língua Portuguesa e
Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI). Já foi revisora de conteúdos na empresa Inamara Arruda Idio-
mas, desenvolvendo consultoria de textos divulgados em Instagram, Blog
e Telegram. Atualmente, é professora de Leitura e Produção de Texto no
Instituto Dom Barreto (IDB), professora substituta na área de Linguística
na Univer-sidade Federal do Piauí e participa do grupo de pesquisa em
Projeções em pesquisas e práticas de leitura e escrita (PROLETRAS),
grupo de pesquisa voltado para as práticas multiletradas, com ênfase nos
estudos sobre produção textual, leitura, teoria e prática. É fundadora da
página do Instagram: @professoraraissamartins, página em que divulga
dicas de Português. Ademais, está cursando especialização lato sensu em
Literatura e Ensino na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

RAMIRO CARLOS HUMBERTO CAGGIANO BLANCO.


Doutor em Letras pela USP/FFLCH. Bolsista CNPq, Mestre em Letras
(Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana) pela
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências
Humanas. É especialista em Ensino de Espanhol para Brasileiros, pela
PUC - SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Especialista
em Educação, imagens e meios de comunicação pela FLACSO (Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales) Argentina. Autor do livro
“Gramática de la lengua española: usos, conceptos y ejercicios” da editorial
Scipione. Coautor do livro ?Prefiero Español? da editorial Santillana.
Criador do site dedicado ao ensino de espanhol “Conexión Español”.
Também é autor das atividades de áudio do livro ?Listo? (ed. Santillana)
e de atividades para o livro ?Aula Amigos? da editorial SM.. E-mail:
ramirocaggianob@usp.br/https://orcid.org/0000-0001-7267-629.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 409


RENATO CARUSO VIEIRA. É bacharel em Letras/Linguística pela
USP, mestre e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Semiótica e
Linguística Geral da USP e, atualmente, pós-doutorando pelo Programa
de Pós-Graduação de Letras da UFRGS. Em suas pesquisas de mestrado e
doutorado, atuou na área de aquisição de linguagem. No doutorado, deu
foco à aquisição de pragmática e, no pós-doutorado, voltou-se ao fenômeno
das implicaturas em abordagem de pragmática teórica. Seus temas de maior
interesse são desenvolvimento de cognição social, Teoria da Relevância e
implicatura escalar.

SANNY KELLEN ANJOS CAVALCANTE CANUTO. Graduada


em Letras pela Universidade do Amazonas e Especialista em Linguística
Aplicada na Educação pela Faculdade Única de Ipatinga. Atualmente é
mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade
do Estado de Mato Grosso. Mantém interesse em pesquisas que ver-sem
sobre relações étnico-raciais, identidade de minorias, pragmática, análise
dialógica do discurso e ideologia. Conta-to: sannykellen2728@gmail.com.

YEDDA ALVES DE OLIVEIRA CAGGIANO BLANCO. Doutora


em de Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo - USP no programa de Filologia e Língua
Portuguesa. Tem como foco de estudo, a análise da atenuação pragmática
nos livros didáticos de português para estrangeiros (PLE). Participa
dos grupos de pesquisa “Pragmática (Inter) linguística,cross-cultural e
intercultural” (USP) e do grupo “Es.Por.Atenuação/Brasil” (Universidad
de Valencia/USP). E-mail: yeddablanco@usp.br/. https://orcid.org/0000-
0003-4256-0703.

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 410


Índice remissivo

ADC 262, 263, 266, 267, 270, 272, 273


Aprendizagem 276, 277, 289, 291, 292, 293, 295, 300, 308, 348, 349, 351,
355, 356, 357, 365, 408
Ato locucionário 62, 130, 131, 132
Ato perlocucionário 49, 57, 130, 192
Atos de fala 10, 14, 48, 49, 50, 51, 52, 91, 121, 122, 124, 125, 126, 127, 128,
129, 130, 131, 134, 135, 136, 137, 139, 141, 144, 151, 153, 155, 156, 162,
165, 189, 190, 191, 192, 194, 203, 204, 208, 218, 219, 226, 246, 251, 280,
282, 293, 294, 307, 308, 309, 310, 311, 317, 331, 406
C

Cortesia 5, 8, 9, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27, 28, 31, 32, 33, 51,
52, 63, 69, 189, 194, 205, 221, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 285, 293,
296, 297, 300, 303, 407
D

Descortesia 5, 9, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 22, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 39, 45,
47, 48, 50, 52, 53, 54, 55, 56, 58, 59, 61, 62, 201, 202, 203, 205, 206, 207,
208, 209, 210, 212, 213, 214, 216, 217, 218, 278, 279, 281, 282, 283, 285,
297, 300, 303
Discurso 6, 10, 11, 20, 46, 50, 51, 53, 59, 60, 62, 63, 70, 78, 83, 94, 95, 96,
97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111, 114, 115,
116, 117, 118, 119, 120, 134, 137, 146, 163, 170, 171, 172, 173, 174, 175,
176, 178, 179, 180, 181, 182, 186, 187, 188, 190, 191, 195, 197, 201, 202,
203, 204, 205, 206, 207, 210, 211, 212, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221,
226, 227, 238, 250, 260, 262, 263, 271, 274, 275, 301, 303, 309, 371, 386,
389, 390, 391, 394, 395, 396, 400, 404, 410

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 411


E

Ensino 7, 174, 276, 291, 293, 294, 299, 300, 301, 308, 316, 317, 336, 338,
351, 356, 357, 401, 402, 403, 404, 407, 408, 409
Enunciado 8, 21, 22, 50, 59, 100, 102, 111, 114, 124, 126, 128, 130, 132,
137, 142, 144, 159, 166, 167, 172, 173, 175, 176, 179, 183, 192, 194, 197,
205, 210, 215, 217, 218, 222, 224, 231, 236, 237, 238, 240, 243, 244, 245,
252, 255, 256, 258, 264, 266, 278, 281, 283, 284, 340, 342, 347, 352, 355,
360, 361, 370
Ethos 10, 93, 95, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108,
109, 111, 112, 113, 116, 117, 118, 119, 120, 211, 260, 271
F

Fustigação 5, 45, 48, 53, 54, 57, 58, 59, 61, 202, 207, 209, 210, 216, 217, 218
I

Ideologia 63, 106, 181, 183, 184, 185, 186, 216, 261, 267, 270, 410
Impolidez 15, 16, 17
Interação 8, 10, 11, 14, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 31, 33, 39, 40, 42, 43,
45, 46, 48, 49, 50, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 61, 64, 65, 67, 68, 71, 73, 74,
90, 91, 92, 94, 102, 103, 131, 143, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156,
157, 158, 159, 160, 161, 169, 170, 171, 172, 173, 186, 188, 191, 192, 194,
195, 196, 198, 199, 200, 201, 202, 204, 218, 219, 263, 277, 278, 280, 281,
282, 283, 284, 285, 306, 307, 308, 318, 325, 333, 338, 341, 344, 345, 348,
350, 355, 361, 363, 368, 393, 407
Interactantes 15, 18, 20, 50, 55, 153, 154, 155, 158, 188, 189, 194, 195, 205,
280, 284, 286
L

Linguagem 7, 8, 12, 13, 17, 19, 48, 52, 54, 55, 64, 65, 94, 96, 108, 109, 116,
118, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 136, 141, 142, 143, 144, 145,
146, 147, 153, 163, 164, 165, 171, 172, 174, 183, 185, 186, 187, 188, 189,
191, 192, 194, 195, 196, 197, 198, 219, 222, 227, 233, 258, 259, 261, 262,
263, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 273, 274, 277, 281, 283, 293,

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 412


294, 295, 299, 303, 311, 317, 360, 362, 363, 364, 365, 369, 371, 373, 374,
375, 376, 377, 378, 380, 384, 385, 386, 387, 388, 389, 393, 394, 395, 396,
397, 398, 399, 400, 403, 405, 410
Locutor 18, 23, 25, 26, 36, 48, 49, 50, 100, 164, 167, 171, 173, 175, 194,
199, 219, 224, 235, 238, 242, 250, 251, 255, 257, 280, 284
Logos 93, 95, 97, 98, 99, 110, 116, 117, 211
P

Pathos 93, 95, 97, 98, 99, 114, 116, 117, 120, 211
PLE 7, 12, 276, 277, 293, 294, 295, 299, 301, 410
Polidez 15, 16, 17, 18, 27, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 77, 79, 80,
83, 88, 90, 91, 354, 362
Pragmática 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 27, 46, 62, 65, 121, 122, 124, 126,
127, 131, 144, 148, 156, 160, 161, 164, 165, 187, 189, 191, 197, 199, 200,
201, 219, 261, 262, 263, 266, 267, 268, 269, 273, 274, 275, 276, 291, 293,
294, 301, 303, 308, 311, 360, 384, 397, 401, 402, 404, 405, 410
R

Retórica 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 110, 117, 118, 119, 179, 202, 211, 213,
221
S

Sociolinguística 18, 147, 263, 264, 266, 267, 273, 401


T

Teatro 6, 10, 148, 156, 161, 162


Teoria da Relevância 164, 165, 187, 339, 351, 355, 360, 361, 379, 410

A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 413


A ANÁLISE PRAGMÁTICA EM DIFERENTES PERSPECTIVAS SUMÁRIO / 414

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