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REVISTA DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Universidade Estadual de Montes Claros

A QUESTÃO MERIDIONAL E O CONCEITO DE ESTADO EM


GRAMSCI

THE SOUTHERN QUESTION AND THE CONCEPT OF STATE IN


GRAMSCI

Dallys Dantas

Universidade Federal de Goiás


dallysdantas@gmail.com

RESUMO
Estado é um dos conceitos centrais da obra do pensador italiano Antônio Gramsci. A
centralidade deste conceito no pensamento gramsciano expressa a própria perspectiva
analítica do autor: a análise política dos fatos e processos. Associados a ele estão outros
igualmente fundamentais, quais sejam, sociedade civil, sociedade política e hegemonia.
Por isso, o objetivo deste artigo é contribuir para a compreensão do conceito de Estado
em Gramsci a partir de suas análises sobre a questão meridional. A metodologia
empregada baseou-se em revisão bibliográfica dos principais textos do autor
relacionados ao tema. São eles: A questão meridional (1987) e Cadernos do Cárcere
(1999; 2000a; 2000b; 2002). Constatou-se a relevância do conceito para o entendimento
das questões políticas na Itália entre o final do século XIX e início do século XX, a
exemplo do Risorgimento e da questão meridional, e também sua ampliação em função
das reformulações teóricas do autor durante o cárcere. Conclui-se, portanto, que o
conceito gramsciano de Estado constitui um significativo instrumental teórico para se
pensar as relações políticas de uma sociedade, tendo sempre em vista – importa salientar
– o contexto espacial e histórico em que se desenvolvem.
Palavras-chave: Questão meridional, sociedade civil, sociedade política, Estado.

ABSTRACT
State is one of the concepts central offices of the workmanship of the Italian thinker
Antonio Gramsci. The centralidade of this concept in the express gramsciano thought
the proper analytical perspective of the author: the analysis politics of the facts and
processes. Associates it are equally basic others, which are, civil society, society politics
and hegemony. Therefore, the objective of this article is to contribute for the
understanding of the concept of State in Gramsci from its analyses on the southern
question. The employed methodology was based on bibliographical revision of the main
related texts of the author to the subject. They are they: The Southern Question (1987)
and Prison Notebooks (1999; 2000a; 2000b; 2002). It was evidenced relevance of the
concept for the agreement of the questions politics in Italy enters the end of century
XIX and beginning of century XX, the example of the Risorgimento and the southern
question, and also its magnifying in function of the theoretical reformularizations of the
author during the jail. It is always concluded, therefore, that the gramsciano concept of
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State constitutes a significant theoretical instrument to think the relations politics of a


society, having in sight - it matters to point out - the space and historical context where
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if they develop.
Keywords: Southern question. civil society, politics society, State.
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INTRODUÇÃO

Antônio Gramsci (1891-1937) é considerado um dos principais pensadores do


século XX. Apesar das más condições de saúde e do breve tempo de vida, viveu de
forma combativa e produtiva. Ainda jovem, ingressou no Partido Socialista Italiano
(PSI) e destacou-se como colaborador de importantes jornais ligados ao movimento
operário de seu país, escrevendo de forma rigorosa e fervorosa em prol da causa
revolucionária. Por suas convicções fortes e bem fundamentadas, desligou-se do PSI e
ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano (PCI), tornando-se, depois, um de seus
principais dirigentes. Militante e expoente da causa revolucionária, foi eleito deputado
federal e, por isso, tornou-se um dos alvos do regime fascista. Preso em 1926, continuou
a escrever - sempre de modo crítico e rigoroso suas análises - sobre importantes
aspectos da realidade italiana naquele contexto, destacando-se temas como educação,
cultura e, sobretudo, política. A relevância do pensamento de Gramsci reside no fato de
ter assimilado como poucos a teoria marxista, ampliando-a e aplicando-a à realidade
concreta do contexto espacial e histórico no qual viveu.
A questão meridional foi um dos principais temas analisados por Gramsci. Em
setembro de 1926, dois meses antes de ser preso, o autor escreve um ensaio intitulado
Alguns temas da questão meridional (GRAMSCI, 1987). Embora inacabado, trata-se de
uma análise fecunda sobre os problemas econômicos, políticos e culturais decorrentes
da disparidade entre o Norte e o Sul da Itália naquele contexto histórico. No cárcere, a
questão é retomada de forma diluída nas análises de temas como o papel dos intelectuais
orgânicos, a construção de hegemonia, o Risorgimento italiano, a relação entre
sociedade civil e sociedade política, entre outros. Nesse sentido, o Estado aparece como
um conceito central nas análises gramscianas.
O objetivo deste artigo, portanto, é compreender o conceito de Estado em
Gramsci a partir de suas análises sobre a questão meridional. Para tanto, adotou-se
como procedimento metodológico a releitura dos principais escritos gramscianos sobre
o tema. São eles: A questão meridional; Escritos Políticos I e II; Cadernos do Cárcere
Volumes 3 e 5. Em um primeiro momento, discorrer-se-á sobre questão meridional
italiana, destacando os pontos mais relevantes segundo as análises gramscianas. Em um
segundo momento, analisar-se-á o conceito gramsciano de Estado a partir dessa questão,
identificando as bases que o sustentam. Sabe-se que o conceito de Estado em Gramsci
não se manteve estático e, por isso mesmo, analisá-lo de forma descontextualizada pode
levar a deturpações do mesmo. O fato é que se trata de um conceito fundamental do
pensamento gramsciano. Daí a relevância de compreendê-lo.

A QUESTÃO MERIDIONAL NA ITÁLIA (SÉCULOS XIX E XX)

Um ponto de partida para a compreensão da questão meridional é o


Risorgimento italiano. Este foi, em termos gerais, um movimento de constituição da
Itália moderna, sendo periodizado por Gramsci (2002) em quatro fases: a) 1815-1847,
preparação intelectual e moral da população sob a influência da ideologia liberal-
nacionalista de matriz francesa; b) 1848-1849, eclosão de vários movimentos
republicanos de curta duração; c) 1859-1861, afirmação progressiva da política
moderada de Cavour e Savóia, representantes do Reino Sardo-Piemontês; d) 1861-1870,
unificação e consolidação estatal, com anexação do território de Veneza (até então
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dominado pela Áustria) e ocupação da cidade de Roma (dominada pelo Vaticano). A


preocupação de Gramsci (2002) ao analisar esse movimento era demonstrar, de um
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lado, o papel do Estado na condução desse processo e, de outro, as implicações políticas


da unidade para a nação italiana.
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O fato é que o Risorgimento se caracterizou como um movimento político em


prol da unificação territorial da Itália, que até meados do século XIX encontrava-se
fragmentada em cinco grandes unidades territoriais – Reino do Piemonte-Sardenha,
Reino Lombardo-Veneziano e Reino das Duas Sicílias, o Ducado da Toscana e o Estado
Pontifício –, conforme mostra a Figura 01.

Figura 01 – Divisão territorial da Itália no século XIX antes da unificação

Fonte: SLIDEPLAYER, 2018.

A relação do Risorgimento com a questão meridional é explicada pelo fato de


que na direção do movimento estava o Estado Piemontês. Na Itália do século XIX, o
Reino Piemonte-Sardenha abrangia boa parte da porção setentrional (Norte) da
península mais a ilha da Sardenha, localizada na porção meridional (Sul) do território
(Figura 01). Segundo Gramsci (2002), a função do Piemonte enquanto classe dirigente
da unificação significou uma revolução passiva, isto é, a hegemonia política exercida
pelo Estado Piemontês reforçou a manutenção das condições produtivas do
Mezzogiorno1, cuja base econômica era agrícola.
Desse modo, embora a unificação territorial italiana tivesse sido oficialmente
realizada desde meados do século XIX, verificava-se, ainda no início do século XX,
uma significativa desigualdade socioeconômica entre as regiões setentrional e
meridional da Itália. Segundo Gramsci (1987), tal desigualdade decorria do modelo de
desenvolvimento capitalista empreendido no país. Enquanto que na porção setentrional
predominava o capital industrial e financeiro, na meridional imperava um modelo
produtivo agrário. Por isso a rotulação do Sul como "atrasado" em comparação ao Norte
“desenvolvido”.
Gramsci (2002) assinala que a "miséria" do Sul era incompreendida pelas
massas populares do Norte. Ignorava-se o fato da unidade territorial do país não ter
ocorrido em base de igualdade, mas sim "como hegemonia do Norte sobre o
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Mezzogiorno numa versão territorial cidade-campo" (GRAMSCI, 2002, p. 73). Isto


significa, de acordo com o autor, que o Norte se enriquecia às custas do Sul e que o
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Expressão utilizada para se referir à porção meridional da Itália.

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desenvolvimento econômico-industrial da região setentrional estava diretamente


relacionado ao empobrecimento da economia de base agrícola da meridional. Assim,
uma das intenções de Gramsci (2002) era desmistificar a visão que concebia o "atraso"
do Sul enquanto resultado de fatores internos à região. Visão esta que, no limite,
concebia a população meridional como organicamente incapaz, bárbara e
biologicamente inferior, sendo estes os fatores que explicariam o seu “atraso”.
Para Gramsci (1987), a estrutura social do Mezzogiorno era bastante peculiar.
Assinala que o Sul da Itália poderia ser definido como “uma grande desagregação
social” (GRAMSCI, 1987, p. 154). Isto porque, segundo o autor, os camponeses – que
constituíam a maioria da população – não possuíam nenhuma coesão social. Para ele, a
sociedade meridional era “um grande bloco agrário constituído por três estratos sociais:
a grande massa camponesa, amorfa e desagregada; os intelectuais da pequena e média
burguesia rural e, por fim, os grandes proprietários de terra e os grandes intelectuais”
(GRAMSCI, 1978, p. 154). Havia, portanto, uma estratificação social formada por
camponeses, médios intelectuais, latifundiários e grandes intelectuais.
De acordo com Gramsci (1987), cada um desses estratos sociais apresentava
uma característica marcante. Os camponeses, embora em constante efervescência, eram
incapazes de expressar de modo centralizado suas necessidades e aspirações. Os médios
intelectuais recebiam da massa camponesa os impulsos necessários para suas atividades
políticas e ideológicas. Os latifundiários e grandes intelectuais2, por sua vez,
centralizavam e dominavam política e ideologicamente todas as manifestações dos
demais estratos. O fato é que, conforme assinala Gramsci (1978), os camponeses
meridionais estavam ligados aos latifundiários por meio de seus intelectuais. Isso
explicava porque os movimentos camponeses terminavam “sempre por se reduzir às
articulações do aparato estatal – comunas, províncias, Câmara dos Deputados – através
de composições e decomposições dos partidos locais” (GRAMSCI, 1978, p. 157).
Embora a ilha da Sicília – localizada no extremo sul da península itálica –
destoasse das demais regiões meridionais, uma vez que era a região mais rica de todos o
Sul e uma das mais ricas do país e, juntamente com o Piemonte, exercia função
proeminente no Estado italiano desde o Risorgimento, a condição de sua massa
camponesa se assemelhava ao restante do Mezzogiorno (GRAMSCI, 1978). Isto
significa que os grandes latifundiários e os camponeses meridionais formavam “um
monstruoso bloco agrário que no seu conjunto funciona como intermédio e guardião do
capitalismo setentrional e dos grandes bancos” (GRAMSCI, 1978, p. 158). Uma das
evidências dessa sujeição do bloco agrário ao Norte foi, de acordo com Gramsci (1978),
a intervenção estatal por meio de políticas financeiras – oferta de títulos do Tesouro –,
as quais, além de neutralizar a insatisfação popular, transformaram as famílias em
“agentes financeiros” que forneciam ao Estado recursos para o subsidio de empresas do
Norte.
Mas o bloco agrário não estava isolado no quadro político-ideológico do
Mezzogiorno. Havia também o bloco intelectual, que, embora composto por intelectuais
de vários tipos, estava sob o domínio da filosofia de Benedetto Croce. Segundo Gramsci
(1978), o bloco intelectual funcionava de tal modo que a percepção e abordagem dos
problemas meridionais não ultrapassasse certos limites e, por isso, não se tornasse
revolucionária. De acordo com Gramsci (1978, p. 162), Croce cumpria uma
importantíssima função “nacional”, uma vez que “separou os intelectuais radicais do Sul
das massas camponesas, permitindo-lhes participar da cultura nacional e europeia, e
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através desta cultura fez com que fossem absorvidos pela burguesia nacional”. Para
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Entre os grandes intelectuais estava Benedetto Croce, um dos mais prestigiados filósofos da Itália à
época e com quem Gramsci travou um profundo embate intelectual.

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Gramsci (1978), portanto, o bloco intelectual funcionava como uma armadura flexível e
resistente no bloco agrário.
A interpretação de Gramsci sobre a questão meridional não se limitava a um
ponto de vista meramente econômico (ou economicista). Tratava-se, porém, de uma
análise política da formação histórica e da estrutura socioeconômica do Mezzogiorno.
Por isso defendia a importância de se considerar o papel das classes operária e
camponesa, dos intelectuais e do Estado nessa questão (GRAMSCI, 1978). Para o autor,
a grande questão era reconhecer a situação meridional não como um problema de atraso
econômico, porém como resultado de forças políticas cuja hegemonia era exercida pela
classe burguesa do Norte em articulação com os intelectuais e latifundiários do Sul.
Diferentemente do que ocorrera em outros países europeus, na Itália
praticamente não houve a luta entre as duas principais classes dominantes – capitalistas
e latifundiários – para a constituição do Estado moderno liberal (GRAMSCI, 2004a).
Na verdade, defende Gramsci (2004a), a luta ocorreu de forma equívoca, manifestando-
se como subordinação (burocrática e plutocrática) das regiões central e meridional à
região setentrional. O autor aponta que, até o final do século XIX, a aliança dos
capitalistas do Norte com os latifundiários do Sul sufocou tanto a luta de classes do
proletariado industrial e quanto as explosões do campesinato sulista. A partir de 1900,
contudo, “tornou-se evidente que, a longo prazo, esta aliança subverteria a situação,
entregando o poder de Estado aos latifundiários e fazendo com que o Norte perdesse as
posições de privilégio que conquistara com a unidade nacional” (GRASMCI, 2004a, p.
107). Para tentar reverter a situação, assinala Gramsci (2004a), a burguesia setentrional
apostou na aliança com o proletariado urbano, criando, assim, uma base na qual poderia
desenvolver sua democracia parlamentar.
Nesse contexto, a questão meridional emergia como um dos problemas
essenciais da agenda política do proletariado revolucionário (GRAMSCI, 2004a). O que
estava em foco era a compreensão dos desafios a serem superados para a formação de
uma "classe nacional", dirigida pelos operários com apoio dos camponeses, e a
construção da hegemonia do proletariado. A estratégia para superar esses desafios e, por
conseguinte, construir a hegemonia do proletariado, residia na aliança entre os operários
do Norte e os camponeses do Sul. Desse modo, sustenta Gramsci (1978),
o proletariado pode se tornar uma classe dirigente e dominante na medida em
que consegue criar um sistema de alianças de classes que lhe permita
mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês e a maioria da população
trabalhadora – o que significa, na Itália, dadas as reais relações de classes
existentes, que o proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na
medida em que consegue obter o consenso das amplas massas camponesas
(GRAMSCI, 1978, p. 139, grifo nosso).

Nessa perspectiva, a aliança de classes e obtenção de consenso constituíam a


base da estratégia revolucionária para que o proletariado pudesse se tornar, ao mesmo
tempo, classe dirigente e dominante. Importa ressaltar a distinção entre as funções
dirigente e dominante. A primeira se refere à capacidade de condução do processo
revolucionário; a segunda diz respeito à construção de hegemonia (ou contra-
hegemonia, tendo em vista a hegemonia burguesa operante) como condição sine qua
non para a constituição do Estado operário. Em síntese, a função dirigente é o exercício
do poder de coerção; a dirigente, do poder de consenso (GRAMSCI, 2000b).
De acordo com Gramsci (1978), entre os desafios do proletariado estava o
combate à ideologia burguesa, a qual disseminava, por meio dos aparelhos estatais, a
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exemplo da escola e dos jornais, a ideia do Sul como a “bola de chumbo” do Norte – tal
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como mencionado anteriormente. Ideologia esta que, segundo o autor, teve como um de
seus principais veículos o Partido Socialista Italiano (PSI). O fato é que essa concepção,

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além de estar carregada de ideologia, reflete a lógica dualista empregada na


interpretação de uma questão que não é regional, mas sim territorial. Em outras
palavras, a questão meridional não era um “problema” restrito ao Mezzogiorno.
Tratava-se, na verdade, de um processo político, conduzido pela figura do Estado, que
balizou a formação do território italiano – este entendido não apenas como a base física,
o espaço geométrico, mas sobretudo como o conjunto de relações sociais contraditórias
e conflitantes que se desenvolve nesse espaço como um todo.
O combate à ideologia burguesa pelo proletariado pressupunha, então, sua
organização enquanto classe. Organização esta que, de acordo com Gramsci (1978),
tinha papel fundamental o partido. Havia, porém, outro desafio: destruir o bloco agrário
e o bloco intelectual do Sul. Embora incialmente revolucionária, a formação de
sindicatos não era a estratégia mais eficaz. Segundo autor, o sindicalismo era uma
tentativa débil dos camponeses, uma vez que sua direção, formada basicamente por
intelectuais ligados ao PSI, baseava-se numa essência ideológica: um novo liberalismo.
Desse modo, Gramsci (1978) defende que
o proletariado destruirá o bloco agrário meridional na medida em que
conseguir, através de seu partido, organizar em formações autônomas e
independentes massas cada vez mais numerosas de camponeses pobres; mas
terá êxito maior ou menor nessa sua tarefa obrigatória conforme for capaz de
desagregar o bloco intelectual que é a armadura flexível, mas enormemente
resistente, do bloco agrário (GRAMSCI, 1987, p. 165).

Para Gramsci (1987), portanto, a destruição do bloco agrário só se faria após a


desagregação de sua flexível e resistente armadura, o bloco intelectual. Para isso, fazia-
se necessário ao proletário formar um estrato próprio de intelectuais. Porém, dado que o
proletário enquanto classe era pobre em termos de elementos organizativos, a formação
desse estrato seria um processo lento, árduo e, sobretudo, realizável somente após a
conquista do poder estatal pelo próprio proletariado (GRAMSCI, 1978).
Em Alguns temas da questão meridional – escrito que, conforme indicado no
início, encontra-se inacabado –, Gramsci (1978) não desenvolve o modo pelo qual se
daria a conquista do Estado pelo proletariado. O fato é que, embora a experiência russa
tivesse se mostrado aparentemente exitosa neste aspecto, isto é, a tomada do aparelho
estatal pelos sovietes, Gramsci discordava dessa estratégia. Isto porque sua concepção
de Estado, ainda que incipientemente formulada antes do cárcere, apontava para uma
relação mais ampla e complexa entre sociedade política e sociedade civil. Gramsci,
portanto, desenvolve melhor essa concepção nos cadernos do cárcere. Daí a importância
desses escritos para a compreensão do conceito gramsciano de Estado.

APROXIMAÇÕES AO CONCEITO DE ESTADO EM GRAMSCI

No cárcere, uma das primeiras referências de Gramsci ao conceito de Estado se


trata de uma crítica à concepção de Estado enquanto uma coisa em si, isto é, uma
materialidade organizacional a serviço das relações sociais de produção (GRAMSCI,
1999). O diálogo de Gramsci era com os intelectuais, sobre a filosofia de Benedetto
Croce, que, em certa medida, reforçava essa concepção. Ao procurar compreender o
papel do aparelho estatal no processo de formação dos Estados nacionais modernos na
Europa, Gramsci (1999, p. 427) adverte que “a concepção do Estado segundo a função
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produtiva das classes sociais não pode ser aplicada mecanicamente à interpretação da
história italiana e europeia”. Para o autor, embora fosse certo que o Estado pudesse ser
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concebível como forma concreta de um determinado mundo econômico, a relação de


meio e fim do aparelho estatal nesse contexto não era facilmente determinada.

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Segundo Gramsci (1999), no contexto geopolítico europeu dos séculos XVIII e


XIX, era indissociável relação entre poder e o mundo produtivo. No entanto, adverte
que o poder político ou a “propaganda” que se fazia de um Estado nacional no contexto
internacional não residia necessariamente no poder dos grupos econômicos que o
constituíam, mas em grande medida na ação ideológica dos intelectuais. Daí o Estado
ser concebido como um absoluto racional (uma coisa em si). Gramsci (1999), então,
refuta essa concepção idealista, esclarecendo que
sendo o Estado a forma concreta de um mundo produtivo e sendo os
intelectuais o elemento social de onde se extraem os quadros governamentais,
é próprio do intelectual não enraizado fortemente num grupo econômico
apresentar o Estado como um absoluto; desse modo, é concebida como
absoluta e proeminente a própria função dos intelectuais, é racionalizada
abstratamente a existência e a dignidade histórica dos mesmos. Esse motivo é
básico para compreender historicamente o idealismo filosófico moderno e
liga-se ao modo de formação dos Estados modernos na Europa continental
(GRAMSCI, 1999, p. 429).

Percebe-se, nesse caso, a atenção que Gramsci dedica aos intelectuais em sua
relação com o Estado. Embora seja amplamente conhecida a centralidade dos estudos
sobre os intelectuais no pensamento gramsciano e que não é o objetivo deste artigo
aprofundar especificamente nesse tema, é preciso ressaltar, todavia, a relevância do
intelectual na formulação do conceito gramsciano de Estado.
Em uma carta enviada a sua cunhada Tatiana, datada de 7 de setembro de 1931,
Gramsci destaca sua preocupação com o projeto de estudo sobre os intelectuais e as suas
implicações sobre o conceito de Estado. Escreve o autor:
Este estudo também leva a certas determinações do conceito de Estado, que,
habitualmente, é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho
coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de produção e a
economia de um dado momento) e não como um equilíbrio da sociedade
política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a
sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas, como a
igreja, os sindicatos, as escolas, etc.) e é especialmente na sociedade civil que
operam os intelectuais (GRAMSCI, 2005, p. 84).

Nesta passagem, portanto, Gramsci (2005) explicita a base da sua concepção de


Estado: um equilíbrio entre a sociedade política e a sociedade civil. Ou seja, o Estado é
a síntese do equilíbrio de forças entre a sociedade política, detentora do poder
coercitivo, e a sociedade civil, que exerce hegemonia, especialmente, por intermédio
dos intelectuais. Importante destacar que, nos Cardemos do Cárcere, Gramsci faz
questão de esclarecer os respectivos significados de sociedade civil e sociedade política
presentes em seus escritos.
No pensamento gramsciano, sociedade civil é concebida como “hegemonia
política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade” (GRAMSCI, 2000b, p.
225). Isto significa, segundo o autor, que a sociedade civil exerce o poder de consenso
(hegemonia) de um grupo social sobre os demais por meio da igreja, dos sindicatos, das
escolas e também a partir da atuação dos intelectuais. O autor ressalta ainda a atuação
dos intelectuais na sociedade civil, uma vez que são fundamentais na construção de
hegemonia. Desse modo, difere-se da concepção católica, a qual considerava a
existência de três tipos de sociedades distintas, porém necessárias e harmoniosas entre
si: sociedade civil (ou Estado), sociedade familiar e Igreja (GRAMSCI, 2000b).
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De acordo com Gramsci (2000b, p. 279), é comum referir-se vulgarmente ao


Estado como sociedade política. No entanto, esta deve ser entendida como a forma de
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vida estatal ou “governo dos funcionários” – também denominada de “estolaria”, e não


se confundo com o Estado em sentido mais amplo. A sociedade política representa a
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função de domínio direto ou comando expressada no Estado ou governo jurídico


(GRAMSCI, 2000a).
Nessa relação de domínio, um dos elementos fundamentais é o direito. Isso
porque, de acordo com Gramsci (2000b), o Estado deve ser concebido como
“educador”, isto é, criador de novos tipos ou níveis de civilização. Sendo assim,
Gramsci (2000b, p. 28) defende que “o direito é o aspecto repressivo e negativo de toda
a atividade positiva de educação cívica desenvolvida pelo Estado”. A sociedade política,
portanto, exerce o poder de coerção, o qual se realiza por meio dos aparelhos estatais
como a burocracia administrativa e militar e, especialmente, o direito.
Para Gramsci (2000b), apesar da distinção metodológica, sociedade política e
sociedade civil são organicamente indistinguíveis. Ao criticar representantes do
movimento “livre-cambista” – uma espécie de economicismo aparentemente derivado
do liberalismo clássico –, Gramsci (2000b) chama a atenção para a equivocada distinção
orgânica entre sociedade política e sociedade civil. Para o pensamento economicista, as
relações econômicas pertenciam ao domínio da sociedade civil, devendo o Estado
(sociedade política) não intervir em sua regulamentação. Gramsci (2000b), porém,
critica essa concepção, apontando que, tendo em vista que sociedade civil e Estado se
identificam factualmente, o liberalismo “é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal,
introduzida e mantida por via legislativa e coercitiva: é um fato de vontade consciente
dos próprios fins, e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico”
(GRAMSCI, 2000b, p. 47). Em suma, sociedade política e sociedade civil não se
distinguem em termos orgânicos. São, portanto, partes constitutivas de um todo que é o
Estado integral.
Estado integral ou “Estado em sentido orgânico e mais amplo” (GRAMSCI,
2000b, p. 244) – ou ainda “Estado ampliado”, expressão frequentemente utilizada por
estudiosos do pensamento gramsciano – corresponde, portanto, ao cerne do conceito de
Estado em Gramsci. A despeito da expressão empregada (Estado integral, Estado
ampliado ou Estado em sentido orgânico e ampliado), o fato é que o autor chama a
atenção para a natureza constitutiva do Estado em termos de relações de força entre
sociedade política e sociedade civil.
Isto fica claro na crítica que Gramsci (2000b) tece ao conceito de Estado
corrente no pensamento italiano no início do século XX, segundo o qual o Estado seria
um mero aparelho governativo e, por isso, representativo de algumas classes sociais
sobre outras. Para o autor, trata-se de uma construção conceitual unilateral cujo uso
poderia conduzir a erros colossais em termos de análise política. Por isso, defende que
por Estado “deve-se entender, além do aparelho de governo, também o aparelho
‘privado’ de hegemonia” (GRAMSCI, 2000b, p. 255). Ou seja, Estado enquanto
unidade orgânica entre sociedade política (“aparelho de governo”) e sociedade civil
(“aparelho ‘privado’ de hegemonia”).
Para Gramsci (2000b), qualquer conceito de Estado que separasse
organicamente sociedade política de sociedade civil era tributário de uma concepção
econômico-corporativo do ente estatal. Ou seja, O Estado concebido como organismo
próprio de um grupo social e destinado a criar as condições mais favoráveis possíveis a
expansão econômica deste grupo. Segundo o autor, as relações constitutivas do Estado,
embora passem pela fase econômico-corporativa, são mais complexas e envolvem ações
dos grupos dominantes articuladas aos interesses de grupos subordinados. Por isso,
defende que a vida estatal (ou constituição do Estado) deve ser concebida como
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uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da


lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses do grupo
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subordinado, equilíbrios em que os interesses do grupo dominante prevalece,

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mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse


econômico-corporativo (GRAMSCI, 2000b, p. 42).

Esta relação de equilíbrio é, em termos gramscianos, típica de uma construção


de hegemonia. De acordo como Gramsci (2000b), a formação de hegemonia de um
grupo sobre outro pressupõe considerar os interesses do grupo não-hegemônico, porém
apenas no que não seja essencial. Nas palavras de Gramsci (2000b),
o fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta
os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será
exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem
envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode
deixar de ser também econômica (GRAMSCI, 2000b, p. 49).

A fórmula gramsciana, por assim dizer, para expressar o conceito de Estado em


sentido orgânico e mais amplo – o equilíbrio de forças entre sociedade política e
sociedade civil – é, nas palavras do próprio Gramsci (2000b), a seguinte: “Estado =
sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção”
(GRAMSCI, 2000b, p. 244). Esta formulação é emblemática pois não somente sintetiza
a natureza constitutiva do Estado, mas também, e principalmente, porque expressa a
essência do poder estatal: hegemonia couraçada de coerção. Isto significa, portanto, que
o Estado tem papel fundamental na direção política de um processo histórico – a
exemplo da unificação italiana –, uma vez que detém, ao mesmo tempo, poder
hegemônico (de consenso) e poder coercitivo.
Apesar dessa característica fundamental, o Estado não é absoluto em si mesmo.
Em outras palavras, justamente por ser um equilíbrio de forças entre sociedade política e
sociedade civil, pressupõe-se que haja, por assim dizer, uma espécie de elo de ligação e
moderação nessa relação. Para Gramsci (2000b), esse elemento é o partido político.
Importa, pois, esclarecer a concepção gramsciana de partido político – concepção esta,
cabe ressaltar, bastante distinta do modo como se compreende partido político na
atualidade.
Segundo Gramsci (2004b), o partido político moderno estava estreitamente
relacionado a formação e atuação dos intelectuais. Para o autor, o partido político era
visto pelos grupos sociais de duas formas distintas. Para alguns grupos, como o modo
próprio de formar seus intelectuais orgânicos; mas para todos os grupos, escreve
Gramsci (2004b), o partido político
é precisamente o mecanismo que realiza na sociedade civil a mesma função
desempenhada pelo Estado, de modo mais vasto e mais sintético, na
sociedade política, ou seja, proporciona a soldagem entre intelectuais
orgânicos de um dado grupo, o dominante, e intelectuais tradicionais; e esta
função é desempenhada pelo partido precisamente na dependência de sua
função fundamental, que é a de elaborar os próprios componentes, elementos
de um grupo social nascido e desenvolvido como “econômico”, até
transformá-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes,
organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento
orgânico de uma sociedade integral, civil e política (GRAMSCI, 2004b, p.
24, grifo nosso).

Pode-se afirmar, portanto, que, para Gramsci (2004b), o partido político


representava o germe da hegemonia (poder de consenso de um grupo social sobre outros
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exercido principalmente pelos intelectuais). Esta, por sua vez, tornar-se-ia mais eficaz e
resistente à medida em que se que relacionasse com a sociedade política, pois, ao
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constituir-se em Estado, estaria couraçada de coerção. Nesse sentido, o partido político

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representava o elemento organizativo capaz de, por meio do Estado integral, concluir,
de fato, o processo de unificação italiana.
Por esta razão Gramsci (2000b) parte de O Príncipe, de Nicolau Maquiavel,
para demonstrar o fundamento teórico do Estado em sentido orgânico e mais amplo. De
acordo com Gramsci (2000b), o grande mérito do “Príncipe” é que este representava
fundamentalmente o símbolo da vontade coletiva italiana no século XV – período em
que o livro foi escrito –, período este marcado pela instabilidade político-administrativa
da Itália, cuja implicação eminente era sua fragilidade territorial. Desse modo, o autor
afirma que, em linguagem política moderna, o “Príncipe” poderia ser traduzido como
chefe de Estado, chefe de Governo ou partido político. Na realidade de qualquer Estado,
assinala Gramsci (2000b, p. 222), “o elemento equilibrador dos diversos interesses em
luta contra o interesse predominante, mas não exclusivista em sentido absoluto, é
exatamente o partido político”.
Gramsci (2000b) pontua ainda que essa função equilibradora do partido político
não significa que ele reina ou governa juridicamente, mas sim que tem o poder de fato.
Isto quer dizer, segundo o autor, que o partido exerce a função hegemônica na sociedade
civil de tal modo que, estando esta entrelaçada à sociedade política, todos os cidadãos
sentem que ele reina ou governa. Desse modo, Gramsci (2000b) aponta para a
possibilidade de criação de um sistema de princípios no qual a finalidade do Estado
seria “o seu próprio fim, seu próprio desaparecimento, isto é, a reabsorção da sociedade
política na sociedade civil (GRAMSCI, 2000b, p. 223). Nesse sentido, portanto, o
Estado integral poderia ser superado.
De acordo com Gramsci (2000b), ao Estado integral sucederia a sociedade
regulada: uma fase em que a sociedade política estaria dissolvida na sociedade civil,
caracterizando, portanto, o fim do Estado enquanto tal. Para demonstrar essa
potencialidade transitória do Estado integral, o autor faz referência, de modo
comparativo, à concepção liberal de Estado gendarme ou guarda-noturno. Este
representaria uma espécie de tutor do processo transitório que, paradoxalmente,
culminaria no fim do Estado. Desse modo, aponta Gramsci (2000b), a passagem do
Estado para a sociedade regulada,
a uma fase em que "Estado será igual a Governo, e Estado se identificará com
sociedade civil, dever-se-á passar a uma fase de Estado guarda-noturno, isto
é, de uma organização coercitiva que protegerá o desenvolvimento dos
elementos de sociedade regulada em contínuo incremento e que, portanto,
reduzirá gradualmente suas intervenções autoritárias e coativas (GRAMSCI,
2000b, p. 245).

A respeito da transição do Estado integral para a sociedade regulada, Gramsci


(2000a, p. 230) afirma ainda que “o partido dominante não se confunde organicamente
com o governo, mas é instrumento para a passagem da sociedade civil-política à
‘sociedade regulada’, na medida em que absorve ambas em si, para superá-las”. Aqui se
vê com clareza a função do partido político (dominante) no processo de superação do
Estado integral. Ainda de acordo com Gramsci (2000b), enquanto houver Estado não
haverá sociedade regulada, a não ser por metáfora, isto é, se se considerar que o Estado
é uma sociedade regulada. O conceito de Estado em Gramsci, portanto, não só revela a
natureza constitutiva do ente estatal, mas também lança luz sobre a possibilidade de sua
superação. O fato é que as formulações de Gramsci acerca do Estado suscitam uma
inquietante questão: seria a sociedade regulada uma alusão à sociedade comunista?
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da questão meridional, procurou-se identificar os elementos que


caracterizavam o tema enquanto um dos problemas centrais do movimento
revolucionário do proletariado italiano e, consequentemente, sua relativa importância no
pensamento de Gramsci. Demonstrou-se que, para além de um problema regional, a
questão do Mezzogiorno representava uma problemática territorial nacional, uma vez
que resultava do desenvolvimento de forças políticas características do processo de
unificação da Itália – movimento conhecido como Risorgimento. A grande disparidade
socioeconômica entre o Norte e o Sul da Itália, portanto, era uma situação que se
explica não pelo viés econômico (ou economicista), mas sobretudo pela análise política.
Procurou-se demonstrar também que o conceito de Estado em Gramsci não se
manteve estático. Suas reflexões no cárcere o conduziram a reformulações conceituais,
permitindo-lhe chegar à concepção de Estado em sentido orgânico ou mais amplo. Ao
contrário de concepções nas quais o Estado era tido como representante da sociedade
civil - ou seja, dela separado -, Gramsci o concebia como um entrelaçamento da
sociedade política com a sociedade civil. Nesse sentido, estas se distinguem apenas
analiticamente, ao passo que, na prática, ambas constituem inseparavelmente o Estado.
Em termos gramscianos, portanto, sociedade civil mais sociedade política é igual a
Estado em sentido orgânico e mais amplo (“Estado integral” ou “Estado ampliado”).
Estado como hegemonia (sociedade civil) couraçada de coerção (sociedade política).
Em suma, o conceito de Estado em Gramsci apresenta-se como um instrumento
fundamental para se pensar a política em uma dada sociedade. Isto implica, contudo,
considerar o contexto histórico e espacial no que se desenvolveram as tramas políticas,
uma vez que se trata de processos variáveis segundo o tempo e espaço. No caso do
Brasil, por exemplo, um estudo atual envolvendo a atuação do Estado brasileiro
implicaria investigar sua constituição orgânica de tal modo que fosse possível
compreender e desvendar a natureza de determinadas políticas públicas em curso e suas
implicações na sociedade geral.

REFERÊNCIAS

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Valentino Parlato; Tradução Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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Nelson Coutinho; Co-edição de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio
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_____. (2004a). Escritos Políticos. Volume 1. Organização e tradução de Carlos


Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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organizadores Carlos Nelson Coutinho e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2015.

SLIDEPLAYER. As unificações no século XIX: Alemanha e Itália. Disponível em:


https://slideplayer.com/164/5/images/2/A+unifica%italiana.jpg. Acesso em: 10 jun.
2018.

Recebido para publicação em 27 de maio 2018


Aceito para publicação em 13 de julho de 2018

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