Vergonha.doc

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

Terapia Racional Emotiva

A VERGONHA
DESCUBRA O SEU PRÓPRIO PODER DE MUDANÇA

Pensamentos Sentimentos Ações

Tim Sheehan. Ph. D.

Introdução
Compreender os nossos sentimentos não é tarefa fácil. A maioria de nós já sentiu o
peso da vergonha a determinada altura, alguns de nós fomos desonestos em relação aos
nossos sentimentos – para conosco e com os outros – por medo de ser descobertos ou de que
os outros ficassem sabendo demais sobre nós. Em recuperação, os sentimentos dolorosos vêm
frequentemente à superfície, e quando isso acontece nos sentimos mal. Palavras como infeliz
ou triste podem dar uma boa descrição desses sentimentos dolorosos. Por vezes não só nos
sentimos mal, como acreditamos que somos maus. Não só nos sentimos magoados como
acreditamos que há algo errado no mais profundo do nosso ser. Acreditamos que há algo de
errado não só no nosso uso de álcool ou drogas, mas também com nós mesmos. Sentimos que
algo nos falta. Sentimos inadequados e vazios.
​ Esse sentimento crônico que nos invade é muitas vezes a vergonha. O vazio aumenta
com o derrotismo e com a necessidade constante de preenchimento. O vazio da vergonha é
uma armadilha em recuperação que nos impede de nos sentirmos satisfeitos e que faz com
que o fato de não usarmos álcool, droga, comida ou outros comportamentos compulsivos,
pareça impossível.

De onde vem a vergonha


Para a maioria de nós a vergonha tem suas raízes na nossa infância. Há famílias que
tem problemas de adicção e emocionais e, por isso, muitos de nós fomos criados em famílias
doentes que não sabiam corresponder às nossas necessidades emocionais e muitas vezes
físicas. Quando os pais são cronicamente depressivos ou se debatem com um problema de
alcoolismo ou de adicção, são muitas vezes incapazes de atender as necessidades emocionais
de seus filhos. Quando as crianças não vêm suas necessidades emocionais satisfeitas, sentem
muitas vezes vergonha.
A vergonha é fomentada quando as necessidades emocionais de uma
criança não são satisfeitas, quando essa criança não é ajudada a crescer como
uma pessoa válida e livre para explorar as suas capacidades, para testar os seus
limites e para se aceitar emocionalmente.

Uma família saudável satisfaz naturalmente as necessidades emocionais de cada um


dos seus membros. Os filhos são aceitos tal como são; são amados e respeitados. A

1
individualidade dos membros da família é mantida. Os pais são livres para serem adultos e os
filhos livres para serem crianças.
A vergonha cresce quando a criança ou o adolescente se sente abandonado ou
desprezado, quando não recebe o carinho necessário para crescer e se desenvolver, e olhar
para si próprio como uma pessoa válida. Estas crianças ou adolescentes acabam muitas vezes
por ter uma maturação em que os sentimentos de inadequação e de inutilidade estão
profundamente enraizados.
A educação inadequada durante a infância pode ter diversas formas. Para alguns de
nós era de maneira evidente:
●​Batendo ou empurrando-nos
●​Obrigando a ter comportamentos sexuais
●​Abandonando durante vários dias

Para muito de nós, era sutil e não evidente:


●​ Comparando com os irmãos que tinham conseguindo tanto.
●​ Sujeitando-nos a ouvir comentários depreciativos sobre a nossa masculinidade
ou feminilidade.
●​ Criticando-nos sobre a nossa capacidade de ultrapassar ou de fazer as coisas
sozinhos.
●​ Criticando-nos sobre nosso aspecto ou peso.
●​ Lembrando-nos constantemente dos nossos erros.
●​ Ameaçando-nos de que nos tornaríamos igual ao nosso “pai bêbado e mau”.

As pessoas criadas inadequadamente aprendem em grande parte a estarem vigilantes


quando perto dos outros, não vá alguém descobrir seu sentimento de inadaptação. Poderão
sentir uma necessidade de se esconderem, às suas emoções e aos seus pensamentos. Manter
segredos torna-se importantes para eles, assim como resistir às descobertas, para evitar errar.
Errar é visto como a maior evidência de inutilidade. Um erro não é visto como um
acontecimento isolado é generalizado para passar a ser a descrição total da pessoa: Eu sou um
erro. A minha vergonha significa que, não só eu me sinto mal, como acredito que não presto,
sou inadequado e inútil.
Este gênero de raciocínio promove um ciclo vicioso, em que as crianças que não são
valorizadas tornam se adultas que acreditam não ter valor. Para esconderem os seus
sentimentos de inutilidade, eles desenvolvem um sistema defensivo muito rígido. Ninguém
pode saber nada sobre eles. Escondem cautelosamente qualquer pista sobre a sua
inadaptação. Duvidam e negam as suas emoções e deixam de exprimir os sentimentos, de
demonstrar afeto, e tornam se desconfortáveis em relação a sua sexualidade. Tristeza crônica,
apatia e medo de serem descobertos, tomam o lugar dos sentimentos de confiança e partilha.

A vergonha e a dependência química.


A vergonha pode também começar a aparecer mais tarde. Aqueles de nós que se
debatem com uma adicção a drogas, podem sentir-se desesperados com os problemas
emocionais à medida que o ciclo da adicção vai aumentando, e as nossas tentativas de levar

2
uma vida saudável e produtiva vão sendo derrotadas. Com a perda da esperança, este ciclo
autodestrutivo só vem salientar os nossos problemas de comportamento e exagerar os
sentimentos de inutilidade.

Comportamento autodestrutivo
Ellen está ha seis meses sem usar álcool ou drogas e, no entanto sente-se
completamente dominada por sentimentos crônicos de vazio e dúvida. Sente-se paralisada e
não consegue identificar ou falar sobre os seus sentimentos. Teme que a falta de confiança em
si própria seja completamente obvia. Deixou de usar os comprimidos e o álcool para preencher
o vazio. Para se proteger, ela conta com um mecanismo de defesa rígido, e promete a si própria
que ninguém saberá dos seus sentimentos de inutilidade e vergonha, ninguém saberá o seu
segredo. Em vez disso esforça-se por se tornar “perfeita”.
​ A confiança que Ellen deposita no perfeccionismo é uma defesa constantemente usada
contra a vergonha. Na verdade trata-se se um sistema de crença extremamente rígido, uma
espécie de “juiz dentro de nós”, que controla, avalia critica o nosso comportamento,
pensamentos e sentimentos. Esse juiz interior exige perfeição.

Imagem (juiz dentro de nós)


Errar é desastroso! Acreditamos que para valermos alguma coisa temos de ser bem
sucedidos em todas as áreas de nossa vida. Convencemo-nos que só um desempenho perfeito
compensará os nossos sentimentos mais íntimos de vergonha.
​ Ellen está entalada entre exigências irrealistas: o esforço incessante e impossível para
conseguir um comportamento perfeito e a sua insistência em manter secretos os seus
sentimentos de vergonha. Encontra-se na situação do perdedor. Embora tenha deixado de usar
comprimidos, a vergonha continua motivando comportamentos perfeccionistas que limitam
sua capacidade de pedir a ajuda de que necessita desesperadamente.
​ Jim é perseguido por sentimentos de inadequação. Exteriormente projeta a imagem de
autoconfiança. No entanto, interiormente sente-se incompleto. Toma secretamente uma
bebida atrás da outra, esforçando-se inutilmente para vencer sua adicção, preencher os
persistentes sentimentos de vazio e acalmar os seus sentimentos de vergonha. Quanto mais
tenta calar seus sentimentos, mais vazio se sente.

O comportamento autodestrutivo alivia a dor ou ajuda-nos a nos sentirmos


temporariamente bem, mas não resolve nenhum dos nossos problemas.

A adicção de Jim parece, pelo menos temporariamente, preencher o vazio da


vergonha. Mas, tal como Ellen, que conta com o perfeccionismo para disfarçar a vergonha, ao
beber Jim não faz mais do que aumentar os seus sentimentos de inutilidade. O seu alcoolismo
engana sua percepção da vergonha. Ambas as reações são contraproducentes. O seu
alcoolismo alivia a dor que a vergonha lhe traz, mas apenas por um curto espaço de tempo.
Ellen evita os sentimentos de vergonha e afasta o propósito de procurar ajuda para seu caos
emocional, mantendo uma fachada rígida de perfeccionismo.

3
A vergonha e suas consequências autodestrutivas
A vergonha é um problema emocional. As emoções tornam-se um problema quando
nos impedem de alcançar alguns dos nossos objetivos mais básicos. Para muitos de nós,
construir um estilo de vida saudável implica o desenvolvimento de relações que nos
preenchem ao nos deixarmos ser vulneráveis e imperfeitos com aqueles em quem confiamos
ao mesmo tempo em que aceitamos a vulnerabilidade e imperfeição dos outros. Ser humano é
ser falível e menos que perfeito. Recuperação também significa participar ativamente do
mundo do trabalho, tirar prazer em viver o dia a dia e, é claro, manter-se abstinente. Quando
um sentimento como a vergonha nos impede de realizar qualquer uma dessas tarefas básicas,
então temos um problema emocional.
​ A vergonha é, portanto, um obstáculo à aprendizagem das tarefas básicas da vida.
Sensações crônicas de vazio podem minar os esforços para nos sentirmos felizes e podem
fornecer uma desculpa para uma recaída. A vergonha nos mantém isolado e separado dos
outros, sabotando assim as nossas necessidades de intimidade e relações com significado.
Interfere com a nossa capacidade para nos relacionarmos com os outros como pessoas reais e
imperfeitas.
​ A vergonha é um problema especial para as pessoas em recuperação da adicção e de
problemas emocionais. Se tivermos sentimentos não identificados de vergonha com os quais
não lidamos, estamos em risco de recair. De fato, o modo como nos comportamos ao
sentirmos vergonha é frequentemente oposto ao modo como nos comportamos em
recuperação. Recuperação é o processo que nos devolve a uma vida mais realizada, o que
envolve frequentemente menos sofrimento emocional e liberdade do comportamento
adictivo.

Características da Vergonha Características da recuperação

Procura isolamento social e Participa no processo social de


distanciamento emocional. recuperação.
Falta de confiança em si próprio. Confia nas suas opiniões e sentimentos.

Sente a espontaneidade reprimida. Sente alegria.

Repete os mesmos erros. Aprende com a experiência.

Baseia-se em comportamentos rígidos. Aborda aos problemas com flexibilidade.

Como a vergonha nos faz sentir mal e tem como resultado o nosso comportamento
autodestrutivo, é importante identificar e reduzir a vergonha como parte do nosso processo de
recuperação.

Vergonha contra culpa


​ A vergonha é diferente da culpa. A culpa é um sentimento de reação contra um mau
comportamento ou uma omissão de um comportamento esperado. Por exemplo, um
adolescente pode sentir-se culpado por ter agido de forma a magoar outras pessoas, ou um pai
pode sentir-se culpado por ter negligenciado seu filho. A culpa está geralmente limitada a um
acontecimento específico, não envolve uma avaliação do nosso valor como pessoa. Na
verdade, os sentimentos de culpa são muitas vezes saudáveis. Podem ser um sinal de que
falhamos em alguma coisa ou que precisamos olhar melhor para o nosso comportamento.

4
Podemos aprender a olhar para a culpa e a não temer. Ajuda a lembrar de que somos seres
humanos imperfeitos e que temos valor, podendo aprender com nossos erros e tornar pessoas
que funcionam plenamente.
​ Por outro lado, os sentimentos de vergonha envolvem geralmente a nossa valorização
como pessoas.

A vergonha não é uma simples reação a um acontecimento específico; mas


antes uma resposta emocional adquirida que permanece seja qual for a
qualidade da nossa atuação.

​ Quando nos sentimos com vergonha, temos mais probabilidades de nos isolar e de nos
distanciarmos emocionalmente; Tornamos-nos menos espontâneos e mais infelizes. Os
comportamentos derrotistas da vergonha reforçam os nossos sentimentos implacáveis de
angústia, vazio e inutilidade.

Boas notícias
Podemos mudar os sentimentos da vergonha! Assim como a vergonha se aprende,
também pode ser “desaprendida” e substituída por atitudes, comportamentos e sentimentos
mais positivos. Podemos reduzir os sentimentos da vergonha compreendendo as suas raízes,
reconhecendo que temos vergonha e alterando conscientemente os comportamentos
relacionados com ela.

As convicções em relação a nós próprios, quer tenham sido adquiridas na


infância, quer mais tarde, tendem a persistir mesmo quando a nossa adicção
parou.
Quando crianças, temos tendência de acreditar naquilo que os adultos ensinam,
especialmente quando confiamos nesses adultos, tais como nos pais, padres e professores.
Quando adolescentes, modificamos as nossas atitudes baseando-nos nas nossas experiências.
Assim, se formos confrontados com fracassos constantes, críticas e com os nossos
comportamentos de adictos, aprendemos depressa a desvalorizar aquilo que somos. As
crianças e os adolescentes, pela natureza de sua juventude, têm falta da capacidade, do
conhecimento e da estabilidade emocional para entender a complexidade das suas atitudes e
sentimentos. Como consequencia disto, não somos responsáveis pelo modo como fomos
tratados no passado nem como aprendemos muito cedo a nos sentirmos.
Essencialmente, não somos responsáveis pela nossa infância. Ela é, por natureza,
caracterizada pela impotência.
(imagem criança vai mexer no vaso de planta, pode quebrar)

O mesmo se aplica a adicção e aos comportamentos compulsivos. Alguns de nós


passamos por obsessões e comportamentos compulsivos que invadiram toda a nossa
personalidade; outros passaram pela experiência do descontrole em relação a certos
comportamentos tais como a bebida ou o jogo. Todos nós enfrentamos e sentimos a destruição
que vem da nossa incapacidade para modificar o nosso comportamento. Por si só, as
resoluções firmes e a força de vontade só nos levaram a tristes insucessos. Embora
quiséssemos que a dor resultante do nosso comportamento derrotista parasse, éramos

5
impotentes. Tal como as crianças, éramos impotentes em relação as nossas tentativas para
controlar as complexidades das nossas atitudes, sentimentos e comportamento adictivo.
Só quando aceitamos a nossa impotência enquanto adultos é que podemos recuperar.
Em recuperação, ficamos mais conscientes dos nossos sentimentos e podemos tomar decisões
em relação ao modo como nos comportamos e sentimos. A vergonha perpetua-se nas nossas
convicções. Não importa quando, como e onde as aprendemos, estas atitudes baseadas na
vergonha.
(imagem mulher pensando)
Fazem parte de nós agora. O juiz interior que representa as nossas tentativas
perfeccionistas de controle pode agora ser enfrentado, diminuído e, eventualmente,
destronado! As leis do juiz não são absolutas e podem ser vencidas com uma oposição
persistente baseada na lógica e na razão.

Princípios TRE
Apesar de a vergonha ter suas raízes no passado, precisamos lidar com ela no presente.
Um dos métodos para atacar as atitudes baseadas na vergonha é utilizar uma abordagem
baseada na autoajuda: Terapia Racional Emotiva (TRE). A TRE baseia-se na premissa que os
pensamentos provocam sentimentos. Muitos de nos pensamos que nossos sentimentos são
reações automáticas a acontecimentos isolados. Falamos muitas vezes dos sentimentos
desagradáveis como se alguém ou algo fosse responsável por eles: “Ela me deixou furiosa”.
Muitos de nós acreditamos que os acontecimentos em A, causam as emoções em B.

No entanto, os sentimentos não são automáticos nem necessariamente similares ou


compatíveis com a resposta a acontecimentos semelhantes. Por exemplo, um acontecimento
(A), tal como receber um conselho em grupo pode resultar num sem número de sentimentos
diferentes (B), que podem ir desde sentir raiva a sentir tristeza. Portanto, os sentimentos
variam de indivíduo para indivíduo e não estão automaticamente relacionados com os
acontecimentos. Como tal, as emoções não são diretamente causadas por acontecimentos. A
TRE nos diz que podemos escolher o modo como interpretamos ou o que pensamos de um
acontecimento em B, que por sua vez causa um sentimento em C.

História de Ellen
Apesar de estar limpa há seis meses, Ellen tem sido martirizada por pesadelos
constantes, noites sem dormir e problemas com relações. Procurou apoio num grupo
terapêutico para mulheres. Se por um lado teve a coragem de pedir ajuda, por outro lado
sentiu se muda e incapaz de partilhar os seus sentimentos. Ellen confia há tanto tempo no seu
perfeccionismo defensivo, mantendo as pessoas a distancia, que torna se agora difícil deixá-las
aproximar-se.

6
Ao rever acontecimentos da sua infância, Ellen lembra a história, há muito reprimida,
da sua família, historia essa que envolve sentimentos dolorosos de abuso físico. Ambos os pais
de Ellen foram alcoólicos. Ellen está cheia de vergonha e, consequentemente, tem o pavor de
contar a sua história. Ao pensar no seu passado, Ellen diz para ela própria: “Devia ter sido
capaz de parar o abuso. Não devia ter agüentado tanto tempo. Que criança tão antipática devo
ter sido para merecer este tratamento. Em que adulto horrível fui me tornar. Ninguém pode
saber”.

A → B→ C→
Acontecimento Pensamentos Sentimentos Consequências no comportamento

Contar a
Devia ter impedido o abuso Vergonha
história
Não devia ter aguentado tanto Isolada dos companheiros evita
tempo contar sua história
Devo ter sido uma criança
muito antipática
Em que adulto horrível fui me
tornar
Ninguém pode saber
Em conseqüência de sua vergonha, Ellen tenta isolar-se do grupo. O seu
comportamento é autodestrutivo, já que elimina o potencial apoio de que necessita para
enfrentar o seu segredo. O conjunto de valores de Ellen em B caracteriza-se por exigências
irrealistas combinadas com uma tendência para denegrir a sua pessoa. Os “devo” e os “tenho
de” de Ellen traduzem as suas exigências irrealistas de que deveria ter tido mais poder ou
controle. Deprecia o seu valor culpando a si própria e menosprezando-se como pessoa. Ellen
interpreta os acontecimentos de seu passado através de um sistema de convicções que
produzem sentimentos de vergonha. O seu juiz interior formula esperanças rígidas em relação
à sua atuação e envergonha-a quando ela se torna incapaz de alcançar esses objetivos
inatingíveis.
Felizmente para Ellen, dois dos seus companheiros ajudaram-na a abrir-se ao
partilharem suas próprias histórias com o grupo. Na verdade Ellen aprendeu a combater a sua
lógica baseada na vergonha (D), ao levantar questões como quem? O que? E por quê?
(Imagem mulher se questionando quem? o que? e por quê?).

C
A → B → Crítica​
Pensamento Sentimentos

Quem diz que eu deveria ter parado com o


Deveria ter parado abuso? Eu era uma criança, não tinha mais poder
Vergonha
com o abuso sobre meus pais do que eles tinham sobre a
bebida.
Que escolhas é que eu tinha? Não somos
todos impotentes quando crianças? Não sou
Não devia ter tolerado Vergonha
responsável pelos comportamentos dos meus
pais. Pare de fazer exigências irrealistas.

7
Que provas tenho de que fui uma criança
Que criança tão
Vergonha antipática? Não são todas as crianças simpáticas e
antipática devo ter sido
merecedoras de amor e carinho?
Só por que fui criticada no passado, não é
Em que adulto horrível razão para me criticar agora. Claro que não
Vergonha
fui me tornar perfeita, mas quem é? Não somo todos seres
humanos falíveis e merecedores?
Por quê? Não sou responsável pela minha
infância. Não são os meus pais responsáveis pelo
Ninguém pode sabê-lo Vergonha seu comportamento? Por terem abusado de mim
no passado, não prova que agora seja um adulto
sem valor.

Estabelecer objetivos
À medida que a lógica de Ellen muda, fica livre para identificar os seus objetivos.
Apesar do vazio e da vergonha não desaparecerem de um dia para o outro, sente-se cada vez
mais bem disposta e menos preocupada. Estabeleceu objetivo de viver uma vida produtiva,
saudável, com menos possível de vergonha. Para ajudar a alcançar esses objetivos, Ellen
continua a participar no grupo terapêutico de mulheres e, começou uma terapia individual.
Entretanto, ela renova sua emergente atitude de respeito por si própria com uma afirmação:
Sou Ellen, uma pessoa falível e com valor, merecedora de respeito por mim própria,
e do respeito dos outros. Hoje vou me considerar uma pessoa com valor e merecedora.
Como o juiz interior de Ellen não é facilmente combatido elaborou um plano concreto
para por em prática sua nova afirmação. Como forma de se lembrar, liga a sua afirmação a uma
atividade diária freqüente. Como bebe quatro refrescos por dia, decidiu usar o seu primeiro
gole como sinal de que está na hora de repetir sua afirmação, bebe o resto do refresco como
recompensa por sua nova atitude.
Mais tarde, Ellen fez uma lista de atividades para atacar a vergonha com a ajuda do seu
terapeuta de grupo. Se por um lado ela compreende algumas de suas atitudes baseadas na
vergonha, também compreende que seus sentimentos crônicos de vazio podem facilmente
pô-la em risco de cair de novo nos seus velhos comportamentos autodestrutivos. Embora se
sinta cada vez melhor, sabe que os problemas relacionados com a vergonha não estão
completamente resolvidos.
(Imagem mulher varrendo [vergonha])
Ellen também decidiu continuar sua aprendizagem sobre a vergonha. Decidiu fazer um
plano especial de leitura e encontrou um terapeuta especializado em adicção e abuso infantil.
Planeja continuar o seu trabalho diário de autoafirmação. Como pretende continuar a
frequentar o grupo de terapia de mulheres decidiu fazer pelo menos mais dois trabalhos
relacionados com a TRE, a fim de ser capaz de discutir seus problemas relacionados com a
vergonha, com o resto do grupo.
É óbvio que a vergonha de Ellen tem origem nas experiências da infância e as suas
atitudes exagerada em relação a essas experiências e, a si própria, poderiam ter impedido o
seu progresso. Mas, ao contestar a sua lógica, Ellen tornou-se capaz de proceder às mudanças
necessárias.

História de Jim

8
​ Em contraste, a vergonha de Jim não tem origem na sua infância, mas está diretamente
relacionada com as conseqüências autodestrutivas da adicção. Quanto mais bebe, menos se
valoriza. Embora se esforce para controlar o quanto bebe, os esforços resultam em fracassos.
Segundo Jim, deveria ser capaz de controlar o quanto bebe. Jim acredita firmemente que é
mau e que não tem qualquer valor porque não consegue para ou reduzir a bebida.
Jim não pode prever quando haverá intervalos de abstinência ou intoxicações. Começa
a se ver como um degenerado moral. Pensa que se tivesse qualquer valor ou dignidade não se
degradaria a ponto de se encontrar permanentemente intoxicado e de sofrer humilhações
públicas. À medida que sua vergonha aumenta, afasta-se cada vez mais de sua família e
amigos. Isolado bebe ainda mais.
A convicção de Jim de que não presta baseia- se na exigência que faz a si próprio de
que deveria ser capaz de controlar a bebida. O seu juiz interior exige força de vontade e
autodomínio e condena o seu valor quando Jim se torna incapaz de controlar o seu
comportamento. A vergonha e o isolamento de Jim são obstáculos à sua recuperação – afasta
de si todos os que poderiam ajudar.
(imagem homem pensando)

A → B → C→ Consequências no
Acontecimento Pensamentos Sentimentos comportamento

Isolamento social,
Devia capaz de
Beber continuamente Vergonha beber
controlar a bebida
continuadamente.
É horrível não conseguir
aguentar uma bebida
Não passo de uma
pessoa má

A família de e os amigos de Jim não desistiram. Através do seu apoio e compreensão,


Jim finalmente decidiu entrar num tratamento. No entanto, o juiz interior continuava a exigir o
controle total. Jim se agarrava a exigência irrealista de que deveria controlar a bebida. Através
dos esforços acertados de seus companheiros e da aprendizagem relacionada com o
alcoolismo, Jim começou a questionar a sua lógica em (D).

B→ C→ D
Pensamentos Sentimentos Crítica

Quem diz que deveria ser capaz de controlar a


Devia ser absolutamente
bebida? Não é verdade que o alcoolismo é uma
capaz de controlar o Vergonha
doença? A doença não tem a ver com força de
quanto bebo
vontade.
Claro que não consigo aguentar nem uma bebida.
É horrível não ser capaz de Para mim não se trata de controle voluntário.
Vergonha
aguentar uma bebida Uma vez que bebo um só copo paro quando
acabar com a garrafa.

9
Não passo de uma pessoa Tenho de parar de “exagerar”! Tenho uma doença
Vergonha
má má, não sou uma pessoa má.

À medida que suas convicções em relação ao alcoolismo foram mudando, ele foi se
tornando mais consciente das exigências irrealistas que colocava a si próprio. Ao aceitar a sua
impotência perante o álcool, Jim passou também a aceitar a sua condição humana com tudo
que ela implica de capacidades e limitações.
A vergonha de Jim tem origem na convicção de que precisa controlar o que é
incontrolável. Para Jim, reconhecer as suas limitações como ser humano é uma tarefa em
curso, já não luta para ser perfeito.

Começar a agir
À medida que Jim ia progredindo, o seu conselheiro deu lhe uma série de
recomendações úteis. A fim de reduzir a sua vergonha, Jim precisava se tornar mais flexível em
relação às expectativas que tinha de si próprio e dos outros. Desde que Jim passou a se aceitar
como ser humano digno e falível, deixou de haver razão para.
(imagem homem pensando: sou falível)

Continuar a dar ouvidos ao seu juiz interior. A sua falta de controle ou impotência deixou
de ser ameaça ao seu valor como pessoa e passou simplesmente a fazer parte das
características de um ser humano. Quaisquer esforços para controlar o incontrolável só o
levarão ao fracasso, e muitas vezes à auto-recriminação e à vergonha. Tendo isto em mente,
Jim concordou em praticar as seguintes atividades:
Encontrar um grupo de apoio. Jim descobriu a necessidade de frequentar um grupo
de apoio que o ajudasse a identificar parte do seu pensamento baseado na vergonha,
bem como seu comportamento derrotista. Chegou à conclusão que as suas atitudes
continham muitas vezes uma necessidade de controlar que minavam a aceitação do
seu alcoolismo. Ele concordou frequentar pelo menos dois grupos diferentes: AA e um
grupo de terapia para homens.
Fazer um trabalho de TRE. Antes de completar o seu tratamento, Jim fez um
trabalho suplementar de TRE, para desafiar a sua mania de exigência, aquilo que seu
conselheiro de se referia como dizer “devos” demais. Jim aprendeu que palavras como
devo e tenho representam muitas vezes exigências irrealistas, e são palavras chaves
que precisam ser questionadas ao mudar as suas atitudes. Com isto em mente, Jim
começou a fazer o seu trabalho de TRE sobre sentimentos de vergonha relacionados
com o seu casamento.
​ Jim escreveu a palavra “vergonha” como um problema em “C” (sentimentos). Jim sabia
que os seus sentimentos de vergonha estavam intimamente ligados com isolamento social e a
bebida. Por baixo de “A” (acontecimentos), identificou um acontecimento recente que o tornou
consciente dos seus sentimentos de vergonha – lembrou-se que o ultimo encontro com sua
mulher o tinha levado a sentir uma forte vergonha. Jim refletiu sobre os pensamentos que teve
durante o encontro com sua mulher, e escreveu-os por baixo de “B” (pensamentos):
●​ Devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha mulher.
●​ É horrível vê-la chorar.

10
●​ Não devia ter me tornado um alcoólico.
●​ Sou uma pessoa horrível.
Ao compreender as ferramentas básicas da TRE, Jim questionou a sua lógica ao escrever
uma crítica ao seu pensamento por de baixo de “D” (discussão).
●​ Quem diz que eu devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha
mulher? Não posso controlar as emoções dela.
●​ É desagradável vê-la chorar e gostaria que ela não tivesse que passar por
isso. Talvez as lágrimas lhe tragam algum alívio emocional.
●​ O alcoolismo é uma doença, não é uma questão de força de vontade. Pare
de dizer “devo” o tempo todo.
●​ Sou um ser humano falível e digno. Tenho lutado contra esta doença
horrível. Não sou uma pessoa má.
Ao questionar o seu próprio pensamento, Jim formulou um objetivo que o ajudasse a guiar
seu comportamento (E). Jim reconheceu a sua necessidade de dar apoio emocional à mulher
ao mesmo tempo em que tentava reduzir a sua vergonha. Assim, fez uma lista das seguintes
ações construtivas que devia efetuar para alcançar seu objetivo:
●​ Falar sobre a minha preocupação e apoio com a minha mulher.
●​ Convidá-la a participar num “workshop” de comunicação entre casais.
●​ Apoiar o envolvimento de minha mulher num grupo de ajuda.
●​ Fazer mais dois trabalhos de TRE para identificar problemas específicos
relacionados a vergonha.

Jim aprendeu depressa que, ao desafiar conscientemente as suas convicções e ao


modificar os seus comportamentos, tornava-se capaz de reduzir os sentimentos de vergonha,
ao mesmo tempo em que oferecia apoio emocional à sua mulher. Ao aceitar a sua impotência
sobre o álcool também reconheceu as suas outras limitações. Era com certeza uma pessoa
falível, mas não era certamente uma pessoal “má” ou “horrível”. Jim veio a acreditar que é
humano cometer erros, ter um controle limitado sobre a sua vida e ter uma doença como o
alcoolismo. Ao aceitar a sua humanidade, Jim deu um primeiro passo fundamental para os
alicerces de sua recuperação, ao mesmo tempo em que começava a se libertar da
auto-recriminação, das exigências irrealistas e dos sentimentos de vergonha.

Resumindo
Seguem-se seis coisas importantes para lembrarmos sobre a vergonha:
1.​ A vergonha é um sentimento penetrante de inutilidade. A vergonha é diferente da
culpa; não é uma simples reação ao nosso mau comportamento. A vergonha é, muitas
vezes, um sentimento crônico de inadequação, de vazio e de dúvida em relação a nós
próprios.
2.​ A vergonha tem muitas vezes origem na infância e na adolescência, vinda de um
sistema familiar doentio. A criança ou adolescente acredita que as críticas que a família
lhes faz são plenamente justificadas e cresce acreditando que ele ou ela não tem
qualquer valor ou utilidade. Somos impotentes perante aquilo que aprendemos
quando crianças.

11
3.​ A vergonha pode ser também uma conseqüência da adicção. A incapacidade de parar
ou de controlar um comportamento adictivo leva-nos frequentemente à desvalorização
pessoal.
4.​ Os sentimentos intensos de vergonha resultam em comportamentos derrotistas como,
afastamento social, isolamento e em comportamentos adictivos, tais como não parar
de comer, jogar compulsivamente ou beber excessivamente. Portanto, a vergonha
representa um fator de risco para a recaída.
5.​ A vergonha envolve geralmente um juiz interior que nos exige um comportamento
rígido e que nos envergonha quando não conseguimos cumprir essas exigências. A
vergonha balança muitas vezes entre as expectativas perfeccionistas e a
auto-condenação. O “juiz interior” representa de fato o nosso conjunto de crenças.
6.​ Já que a vergonha é inventada e aprendida, também pode ser “desinventada” e
“desaprendida”. Usando os recursos ao nosso dispor que incluem as ferramentas
básicas da TRE, podemos reduzir com sucesso os nossos sentimentos de vergonha –
isto é, sentir vergonha menos intensamente e com menos freqüência.

Um trabalho de TRE
Agora é a sua vez! Tal como com qualquer comportamento novo, você precisa praticar a
redução dos seus sentimentos de vergonha. A sua tarefa é concluir um trabalho de TRE e, para
isso, talvez precise de um bloco de notas. Eis algumas sugestões a considerar quando fizer seu
trabalho:
Identifique a vergonha. Comece primeiro por identificar o sentimento de vergonha que o
preocupa; observe os comportamentos derrotistas geralmente relacionados com a vergonha;
seja específico; pense num exemplo retirado da sua experiência.
Identifique o acontecimento. Em seguida identifique o acontecimento motivador. Pense
numa ocasião que uma ação específica tenha provocado um sentimento intenso de vergonha.
Pode ter sido a informação (retorno) que lhe deram durante uma terapia de grupo ou um
comentário feito pelo seu parceiro. Em qualquer dos casos, seja o mais objetivo, concreto e
específico possível, ao identificar o acontecimento (A).
Identifique os seus pensamentos e sentimentos. A próxima tarefa é identificar os seus
pensamentos (B). Reveja os exemplos de Ellen e Jim. Geralmente, os sentimentos de vergonha
(C) são disparados por exigências irrealistas, tendência para exagerar o lado negativo e
desvalorização pessoal.
Critique o seu pensamento. Questione a sua lógica (D). Aqui, critique os seus pensamentos,
conteste a sua lógica e desenvolva uma alternativa mais racional.
Estabeleça objetivos. Pense em quais os seus objetivos para essa situação. Claro que
prefere sentir vergonha menos vezes e menos intensamente. É melhor sentir pena e remorsos
do que vergonha e incerteza. Reduzir a vergonha é sem dúvida um objetivo importante para se
atingir uma verdadeira recuperação. Frequentemente, este objetivo ajuda a orientar a nossa
ação construtiva.
Começar a agir. Faça uma lista de todas as ações construtivas que podia tomar para
alcançar o seu objetivo (E). Seja o mais específico e concreto possível. Numere a lista e a
mantenha simples, concentrando-se na ação.

12
Agora que acabou um exercício escrito de TRE, a sua próxima tarefa é partilhar este
trabalho com outros. Procure mais ajuda e opiniões em relação ao pensamento (B). Pergunte
aos seus companheiros se falhou alguma coisa. Talvez tenham algumas ideias que o ajudem a
questionar a sua lógica (D). Talvez algum deles tenha ação a acrescentar à lista que você fez em
(E). Use o seu trabalho de TRE como catalisador para discutir os seus sentimentos, as suas
atitudes baseadas na vergonha e as suas ideias alternativas. Quanto mais envolver outras
pessoas no processo, mais rapidamente aprenderá maneiras de reduzir os seus sentimentos de
vergonha.
Não se esqueça de utilizar outros métodos de autoajuda para atacar os sentimentos de
vergonha. Lembre-se que Ellen usava afirmações para reforçar suas atitudes de respeito por si
própria. Jim, por exemplo, identificava as situações em que detinha o controle e que
bloqueavam a aceitação do seu alcoolismo e humanidade. Ambos se deram ao trabalho de
informar os respectivos padrinhos de que a vergonha era um fator de risco para recair.
Não desista facilmente. Provavelmente tem muitos anos de prática de
comportamentos baseados na vergonha. Por isso terá que praticar bastante para encontrar
novos comportamentos que o ajudem a superá-los. Há uma série de recursos que podem
ajudar: grupos de autoajuda, terapia individual e de grupo, aconselhamento em longo prazo e
grupos de prevenção a recaída. Alterando as suas atitudes e modificando os seus
comportamentos pode reduzir os sentimentos de vergonha, diminuir o risco de recaída e
abrir-se às alegrias de uma vida feliz e saudável.

13

Você também pode gostar