0% acharam este documento útil (0 voto)
2 visualizações15 páginas

Como promover oralidade na L2 - marcelino; weissheimer

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1/ 15

Capítulo 2

Como promover
oralidade em aula de L2
na Educação Bilíngue
Marcello Marcelino
Pós-doutorado pela New York University, é doutor em
linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Leciona na graduação e na pós-graduação do Departamento
de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Atua na área de linguística do inglês, estudos comparativos
português-inglês, abordagens gerativistas para a aquisição de
L2 e bilinguismo.

Janaina Weissheimer
Doutora em letras (inglês) pela Universidade Federal
de Santa Catarina, realizou estágio pós-doutoral no Kutas
Cognitive Electrophysiology Lab, da University of California
San Diego (UCSD). É professora associada do Departamento de
Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), membro permanente
do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e
colaboradora no Instituto do Cérebro da UFRN.
Como promover
Capítulo 2 oralidade em aula
de L2 na Educação
Bilíngue

1. Introdução
Todo professor está ciente da importância de falar uma segun-
da língua fluentemente e dos desafios desse caminho. Por um lado,
sabemos que uma das principais razões para pais procurarem
uma Educação Bilíngue para seus filhos é proporcionar-lhes meios
para que possam comunicar-se oralmente na língua-alvo. Não é
por acaso que a pergunta recorrente em termos de proficiência
é “Você FALA inglês?”, refletindo o privilégio conferido a essa
habilidade em detrimento das demais. Por outro lado, sabemos
também que ser proficiente oralmente na segunda língua (L2)1 é
uma meta complexa de atingir, sobretudo quando levamos em
consideração os diferentes aspectos envolvidos no processo, que
abarcam desde limitações de nosso aparato cognitivo e adequa-
ções pragmáticas até o tempo que em geral deve ser despendido
em prática até a criança atingir uma proficiência satisfatória. Im-
portante ressaltar também que o processo de desenvolvimento
da oralidade depende de outros fatores externos relacionados à
escola, como o programa bilíngue e o tipo e tempo de exposição
ao idioma.2

1 Neste trabalho, utilizaremos o termo “segunda língua” (L2), comumente empregado em es-
tudos baseados em abordagens gerativas e cognitivas como o nosso, em detrimento de outras
formas de referência à língua não nativa.
2 Para uma discussão inicial e introdutória sobre a relação entre modelos de Educação Bilín-
gue, escolhas teóricas e tipo/tempo de exposição e suas possíveis influências no desenvolvi-
mento linguístico do aprendiz, ver Marcelino (2019) e referências nele citadas.

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 31


A promoção da oralidade em sala de aula de L2 tem sempre
sido uma questão. Em cursos de formação de professores, com cer-
tificação, a oralidade é vista como fruto de um processo de ensino
de uma estrutura específica associada a uma função, que deve ser
apresentada ao aluno, notada por ele, praticada mais controlada-
mente e depois menos, a fim de assegurar sua maior compreensão,
passando para uma prática mais “livre”, até sua produção com certa
espontaneidade. Há variações e tentativas de trazer uma linguagem
mais natural para a sala de aula, com a implementação de algumas
técnicas e dados reais a partir de bancos de dados como o Corpus of
Contemporary American English (COCA), mas isso acaba esbarran-
do na dificuldade em formar professores, não só linguisticamente,
mas também para lidar com a construção de um syllabus específico
baseado na demanda e necessidades de cada turma. Embora tais
abordagens sejam mais facilmente relacionáveis a cursos de idiomas
e não se apliquem ao contexto de Educação Bilíngue, muitos profes-
sores que atuam nesse cenário vêm dessa formação específica, por
meio de cursos com certificação ou de aulas de prática de ensino
na faculdade que, com variabilidade entre instituições, seguem essa
orientação. No entanto, pode-se entender que o conceito de o que
constitui o ensino e promoção de habilidades orais tem mudado ao
longo do tempo, de acordo com a escola de pensamento vigente e
práticas pedagógicas atuais, baseadas em filosofias de ensino. Em
outras palavras, não existe uma ciência exata sobre como favorecer
a oralidade na L2, sobretudo no ambiente de Educação Bilíngue.
Propostas mais recentes, entretanto, consideram que a oralida-
de na L2 desempenha funções que vão muito além da mera prática
de estruturas na língua ou de um mecanismo para adquirir fluên-
cia e automaticidade. Promover a prática da oralidade na L2 tem a
função primordial de facilitar a testagem de hipóteses em relação às
estruturas e significados da língua, potencializar o registro cogni-
tivo de produtos oriundos dessa testagem de hipóteses e engajar o
aprendiz em reflexão metalinguística. Ou seja, nessa perspectiva, a
oralidade é vista como parte essencial durante todos os estágios de
aprendizagem, como se fosse o subproduto do processo envolvido,
e não apenas o foco específico.
Pretendemos tecer aqui considerações sobre o que o professor
deveria ter em mente ao focar o desenvolvimento das habilida-
des orais na L2 no cenário bilíngue, mas, na medida do possível,

32 Educação Bilíngue: como fazer?


fazendo um arrazoado, sempre que relevante, do que se acredita
poder ser utilizado para a promoção da oralidade em sala de aula
pelo professor que detém a mencionada formação. Defenderemos
um distanciamento da sala de aula de L2 em ambiente de instrução,
como em institutos de idiomas, em favor de uma identidade espe-
cífica do desenvolvimento oral da L2, especificamente o inglês, no
contexto de Educação Bilíngue.
Este capítulo está dividido em cinco partes, incluindo esta intro-
dução; considerações advindas da linguística; ponderações sobre o
cérebro e a aprendizagem; um exercício de reflexão sobre possibili-
dades de fomentar a oralidade na sala de aula com base nas discus-
sões das seções anteriores; e considerações finais.

2. O que a linguística nos diz


A dicotomia entre as habilidades listening-speaking/reading-wri-
ting é bastante representativa da relação entre input e output. Cada
uma das partes dessa divisão contém o que chamamos de input.
Cada tipo de input parece ter influência direta no tipo de output.
Para a produção oral (speaking) precisamos de input oral (listening), e
ele se aplica às habilidades de leitura e escrita, o que impacta a com-
preensão e produção, como desenvolveremos na próxima seção.
Isso nos leva à máxima de que a aquisição (seja de oralidade, seja de
escrita) não é possível sem a presença de input (compreensão oral e
leitura). Esse é um pressuposto básico da teoria de aquisição da lin-
guagem (CHOMSKY, 1981, 1986). Nessa perspectiva, o input deve
ser rico, robusto e contínuo. Na aquisição da primeira língua (L1),
não resta dúvida de que o aprendiz é exposto ao input necessário,
que contém os dados linguísticos primários, para desenvolver seu
sistema linguístico. Os dados linguísticos primários são as informa-
ções linguísticas essenciais e necessárias para a caracterização da
língua em desenvolvimento. Assim, o aprendiz desenvolve seu co-
nhecimento linguístico por meio de input oral e compõe a gramática
de sua língua que lhe possibilitará produzir a língua oralmente. O
falante/aprendiz desenvolve a oralidade na L1 a fim de interagir e
entender o mundo ao redor. A questão, no contexto bilíngue, é como
tornar o input na L2 rico o suficiente para que o desenvolvimento da
L2 ocorra de modo mais natural, além de trazer, para o aprendiz, a
necessidade de interagir e entender o mundo através da L2.

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 33


Portanto, a afirmação de que o aprendiz, e em especial, nesse caso,
a criança, é capaz de adquirir uma língua por mera exposição pode ser
mal interpretada, reforçada pelo mito que chamaremos informalmen-
te aqui de “teoria da esponja”, que prevê que o aprendiz é capaz de
desenvolver a L2 simplesmente por ouvi-la. Afinal, a criança é como
uma “esponja”, que absorve tudo ao redor. Em verdade, isso não fun-
ciona dessa maneira. As condições de input rico em conjunto com a
interação e entendimento do mundo são cruciais. Marcelino (2018,
p. 88) aponta que o input pode não ser suficientemente rico e robusto
no contexto brasileiro, mesmo este sendo bilíngue. O autor enumera
os seguintes fatores que influenciam o desenvolvimento linguístico:
a) tempo de exposição à língua (30 minutos por dia ou quatro horas?);
b) tipo de contato (qual o propósito da L2 na escola? Comunicação e
aprendizagem de conteúdo? Atividades de arte?); c) falta de dados
linguísticos primários para que o aprendiz desenvolva a L2. Em ou-
tras palavras, não basta expor o aprendiz; há a necessidade real de
planejamento da forma e do conteúdo associados à exposição.
Um meio de trazer naturalmente a função e relevância da L2
para a criança no contexto educacional é fazer uso constante da
L2 no espaço escolar, além de desenvolver projetos e estabelecer
a comunicação do professor de L2 com o aluno exclusivamente
na língua em desenvolvimento. Essa proposta é consistente com
a visão dos “domínios de Fishman” descrita em Spolsky (1998),
que aponta que o bilíngue pode estabelecer a L1 ou a L2 como sua
língua preferida de expressão a depender do domínio comunica-
cional em que se encontra. Assim, se funções acadêmicas ou mes-
mo assuntos específicos são desenvolvidos na L2, o bilíngue tende
a usar essa língua com mais facilidade ao falar do assunto ou ao
estar em um ambiente em que normalmente se fala a L2.
Em conjunto com a relevância do uso da L2 no ambiente escolar,
podemos retornar à questão da importância do input no contexto
bilíngue, trazendo para a discussão um estudo de Hassanzade e
Narafshan (2016) sobre a qualidade do input e sua relação com o
desenvolvimento linguístico. O estudo investigou 40 crianças entre
4 e 5 anos. Foram examinados o impacto do input instrucional e o do
input natural na L2 sobre o conhecimento gramatical dos aprendi-
zes. Os resultados sugerem que as duas modalidades de input pro-
movem o desenvolvimento da L2, mas apontam para uma superio-
ridade do input instrucional, demonstrada na relevância estatística

34 Educação Bilíngue: como fazer?


da promoção da aquisição da L2. Essa é uma ótima notícia se per-
manecermos na perspectiva de que a L2 é utilizada para fins de
aquisição de conhecimento no contexto escolar, que é voltado para
a instrução. Tal achado, em consonância com o uso mais consistente
e natural da L2 no ambiente escolar, pode intensificar o processo
de desenvolvimento linguístico, pois o aprendiz deixa de ver a L2
como a “língua da sala de aula” e passa a estabelecer um uso rele-
vante e social para o idioma. Dessa forma, o desenvolvimento da
habilidade oral fica indissociável do processo de aquisição como
um todo e seria promovido indiretamente, mas de modo eficiente,
no contexto de Educação Bilíngue. A seguir, observamos o mesmo
processo a partir de bases cognitivas e biológicas.

3. O que a mente nos diz


Conhecer as bases cognitivas e biológicas da oralidade na L2 é
imprescindível para que o professor possa promover essa habili-
dade em um contexto bilíngue de modo eficaz. Em primeiro lugar,
é necessário considerar que, embora o input seja essencial para o
desenvolvimento linguístico da L2, como dissemos antes, os pro-
cessos cognitivos envolvidos na compreensão da linguagem são
essencialmente distintos daqueles envolvidos na sua produção.
Ou seja, é possível compreender uma língua sem falá-la, mas, para
falar, é preciso primeiro compreendê-la. Nesse sentido, é somen-
te produzindo a língua que o aprendiz passa do processamento
eminentemente semântico, predominante na compreensão, para
o processamento sintático, necessário à produção. Isso é coerente
com o processo de desenvolvimento linguístico até mesmo da L1.
A criança passa pelo processo de exposição à língua e vai “cons-
truindo” a sintaxe que lhe permitirá, posteriormente, produzir lin-
guagem, ao percorrer as fases de uma palavra, duas palavras e três
palavras. Esta última, a “explosão linguística”, representa, na es-
trutura sintática, a ordem SVO (sujeito, verbo, objeto) da sentença
(em línguas como português e inglês). É em posse dessa estrutura
sintática que a criança começa a produzir oralmente, discorrendo
sobre tudo o que vê a seu redor.3
3 Observe-se que, muito antes da fase de produção oral em L1, a criança, em seu processo de
aquisição, já é capaz de responder fisicamente a estímulos linguísticos orais. Isso se espelha
no processo de aquisição e aprendizagem da L2, no qual é comum que o bilíngue que entende
tudo na L2 responda na L1.

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 35


De acordo com Levelt (1989), a produção oral é uma das habili-
dades humanas mais complexas. A justificativa é que, para ser com-
preendida e produzida, a fala precisa, primeiro, ser cognitivamen-
te processada. Ou seja, para desenvolver um discurso articulado e
fluente, é necessário planejar o conteúdo da mensagem, selecionar a
forma apropriada para externá-la, articulá-la em um plano fonético
e monitorá-la de modo contínuo. Além de todas essas intrincadas
etapas, o aperfeiçoamento da habilidade oral dificilmente alcançará
um estado estável. Em outras palavras, a produção oral está sempre
em desenvolvimento, seja devido ao surgimento de novas palavras
na língua, seja pela necessidade de expansão do repertório lexical
do falante. Essa demanda operacional aumenta à medida que o fa-
lante compartilha mais de um sistema linguístico, mesmo que isso
não seja percebido pelo bilíngue quando ele está se comunicando
oralmente (ORTIZ-PREUSS, 2018). Ao observarmos a criança de-
senvolvendo a L1, ela passa por estágios até amadurecer o controle
articulatório e se aproximar da fala do adulto. Na L2, por haver um
trato vocal já preparado e articulado, muitas vezes a produção se
inicia mais precocemente e há grande variabilidade na qualidade da
articulação e capacidade de aperfeiçoamento, que requer monitora-
ção constante. Muitos aprendizes da L2, satisfeitos, estacionam em
um estágio que lhes permite se comunicar, enquanto outros buscam
a produção oral mais perto da perfeição, e as diferenças individuais,
tão perceptíveis, se instalam.
Em segundo lugar, é importante compreender que operamos
com um sistema limitado de recursos atencionais, e isso fica evi-
dente em especial ao produzirmos linguagem oral. Skehan (1996)
argumenta que, ao planejar seu discurso, o falante invariavelmente
estabelece prioridades entre pelo menos três dimensões da oralida-
de, de acordo com demandas específicas: a precisão gramatical (ca-
pacidade de evitar erros de acordo com as regras e normas linguísti-
cas vigentes), a complexidade (capacidade de usar uma linguagem
mais elaborada e menos redundante) e a fluência (capacidade de
produzir fala em tempo real, de maneira articulada e fluida). Nessa
linha, um falante proficiente seria aquele que, por meio de lingua-
gem elaborada e diversa, é capaz de produzir fala gramaticalmente
correta com fluência. O problema é que, por causa de nossos recur-
sos de atenção limitados, ao focar uma das dimensões em particu-
lar, o falante invariavelmente limita sua capacidade para as outras

36 Educação Bilíngue: como fazer?


variáveis (SKEHAN, 1996). O ideal seria haver um equilíbrio entre
as três dimensões, mas, em uma situação comunicativa, os falantes
tendem a priorizar, conscientemente ou não, determinados aspec-
tos em detrimento de outros. Esse processo, chamado de trade-off,
é importante quando se tenta explicar por que a produção oral dos
aprendizes pode variar em diversos contextos – por exemplo: quan-
do estão no intervalo com os amigos, tendem a priorizar a fluência;
quando estão fazendo uma apresentação oral em sala de aula com
o propósito de serem avaliados, tendem a priorizar a complexidade
e a precisão gramatical. Talvez isso seja um indicativo, inclusive, de
que o ambiente escolar pode ser ótimo, conforme discutimos na se-
ção anterior, pois propicia os dois contextos: o enfoque na precisão
(contexto instrucional) e a priorização da fluência (contexto social)
em momentos diferentes, mas trazendo os recursos cognitivos para
um ou outro em complementaridade. Isso se soma à conclusão do
estudo de Hassanzade e Narafshan (2016), que aponta certa supe-
rioridade do input via instrução formal na contribuição para o pro-
cesso de aquisição da linguagem.
Outro aspecto que vem recebendo atenção de vários pesquisado-
res é o papel do planejamento e do feedback no desenvolvimento da
oralidade na L2. Tais pesquisadores afirmam que a possibilidade de
planejar estrategicamente a fala e a qualidade do feedback que os alu-
nos recebem determinam em grande parte a rapidez e o sucesso com
que aprendem (ELLIS, 2015; DEHAENE, 2020). O planejamento atua
como catalisador da oralidade na L2. Foster e Skehan (1996) consi-
deram que o planejamento pré-tarefa pode impactar positivamente
o nível de desempenho dos falantes da L2 tanto a curto quanto a
longo prazo. Ao planejar uma tarefa oral em sala de aula, o apren-
diz passa por etapas que o ajudam a melhorar sua produção, como
a pré-ativação de escolhas lexicais, a organização do pensamento
e a antecipação do acesso a itens em seu repertório da memória de
longo prazo. Embora, na vida real, o aluno geralmente execute uma
tarefa de comunicação oral de maneira espontânea, em um contexto
de aprendizagem é interessante que existam também situações de
comunicação que requeiram um planejamento prévio, visto que isso
pode ocorrer em situações reais, como apresentações acadêmicas e
profissionais. O planejamento sistemático em sala de aula facilita
o processamento durante a execução da tarefa, liberando recursos
atencionais e cognitivos para que o aprendiz produza uma fala mais

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 37


fluente, complexa e gramatical. Estudos revelam, ainda, que esse
processo de planejamento na sala de aula de L2 pode resultar em
benefícios também na produção espontânea fora dela.
Já o feedback desempenha papel fundamental na sala de aula de
L2 porque, além de fomentar a reflexão da linguagem, estimula os fa-
lantes bilíngues a identificar as fragilidades em sua produção e, após
reflexão e ajuste, a continuar produzindo. O feedback, por seu caráter
dialógico, torna-se um importante aliado no processo de aprendiza-
gem, pois representa uma forma de engajar e empoderar os apren-
dizes. Ao contribuir para que percebam lacunas em sua produção e,
ao mesmo tempo, lidem com os efeitos de compensação inerentes,
fornecer feedback explícito e implícito pode ser uma estratégia pode-
rosa para ajudá-los a avançar no continuum da proficiência na L2. O
feedback não abrange apenas a mera correção de erros; também in-
centiva a reflexão e aumenta a autonomia dos aprendizes, uma vez
que eles passam a conseguir identificar os pontos mais fracos de sua
produção, bem como o que pode ser feito para melhorá-la. Embora
não haja consenso na literatura científica sobre qual seria o tipo de
feedback mais eficaz para promover a aprendizagem – se o implícito
ou o explícito –, há uma tendência a favorecer o explícito como forma
eficaz de promover a aprendizagem. Como evidenciaram Weisshei-
mer e Caldas (2021), o feedback explícito não apenas torna as lacunas
na produção oral do aprendiz claras, mas também contribui para a in-
ternalização da forma linguística correta para preenchê-las. Slabako-
va (2016) corrobora essa visão ao discutir estudos em que o feedback
explícito é crucial na reestruturação da representação mental da L2.
Por fim, como apontam Finger, Brentano e Fontes (2018), o pro-
fessor de L2 precisa considerar que os sistemas da L1 e da L2 do
aprendiz bilíngue compartilham um único espaço de memória e,
em função disso, é normal esperar interferências de um sistema so-
bre o outro, fenômeno conhecido como coativação interlinguística.
Quando o aprendiz está em processo de desenvolvimento linguísti-
co, é comum a mistura ou alternância entre códigos, ou seja, no iní-
cio do processo, a interferência geralmente resulta em enunciados
orais que se distanciam da norma gramatical da língua alvo, como
em “I have 10 years old”. À medida que o aprendiz se torna proficien-
te e fluente, a interferência entre as línguas se dá de forma a não fe-
rir a estrutura gramatical de nenhuma delas, evidenciando apenas a
emergência de um sistema sobre o outro, como em “Teacher, eu não

38 Educação Bilíngue: como fazer?


fiz o homework”. Esses fenômenos denotam um complexo e avança-
do nível de processamento linguístico e cognitivo, embora pareçam,
sobretudo aos olhos leigos, uma “salada” ou confusão linguística.
Nesse momento é que precisamos de atenção e discernimento, pois
a ideia de “salada” e confusão linguística advém justamente do uso
de uma régua monolíngue para “medir” o bilíngue. O que para al-
guns parece confusão e mistura aleatória é, na verdade, a interação
de dois sistemas linguísticos que formam um único repertório lin-
guístico e, assim, são passíveis de ativação paralela. Essa interação
é rica e representa a possibilidade de o bilíngue se valer dos dois
sistemas em sua comunicação. O indivíduo desenvolve também a
habilidade de monitorar esses sistemas e controlá-los, inibi-los e
permitir sua interação de acordo com o ambiente, o contexto e as
pessoas com quem se comunica.
Partindo de todas essas considerações sobre os processos e ele-
mentos linguísticos, cognitivos e biológicos, o que podemos aplicar
ao pensar em atividades que promovam a oralidade na L2 no con-
texto de Educação Bilíngue?

4. O que ter em mente ao promover


a oralidade na L2?
Nesta seção, faremos ponderações sobre atividades que pro-
movam a oralidade na L2 no contexto bilíngue de maneira indi-
reta, tratando de vários dos elementos envolvidos nesse complexo
processo que deve culminar em produção oral. Conforme as seções
anteriores apontam, trazemos aqui um distanciamento das noções
usuais de promoção de oralidade em sala de aula, ainda muito cal-
cadas nas aulas em contextos instrucionais de institutos de idiomas.
Estamos observando uma realidade diferente, a da Educação Bilín-
gue, em que a L2 é utilizada como um meio de acesso a informação,
conhecimento e desenvolvimento de habilidades acadêmicas e so-
ciais. Não é nossa intenção oferecer um compêndio de atividades,
e sim apresentar elementos norteadores a serem considerados para
a prática pedagógica, já que a intenção é promover a oralidade, e
tentar fazê-lo de forma mais natural e próxima da realidade.
Como vimos nas seções 2 e 3, o desenvolvimento da produção
oral é bastante complexo e depende da interação entre elementos

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 39


linguísticos (semântico, sintático, morfológico e fonológico) e cog-
nitivos (coativação interlinguística, efeito trade-off, planejamento da
fala, feedback explícito e implícito). Em outras palavras, a própria
sugestão pura e simples de atividades seria trivial, bem como fa-
vorecer uma abordagem ou metodologia em detrimento de outras
– pois metodologias e abordagens sempre se mostram falhas ou
insuficientes, quando assumidas como verdades absolutas, dada a
complexidade da aprendizagem e das variações individuais, que
devem ser consideradas. Assim, propomos que o professor tente
levar em consideração sugestões baseadas nas reflexões até aqui de-
senvolvidas, que podem se adequar a qualquer atividade, metodo-
logia e abordagem:
y Oferta de input rico e robusto. Trazer para a da sala de aula
a necessidade real de uso da L2, de modo que a relação entre
professor e aluno se estabeleça na L2, satisfazendo o critério do
contexto social e do papel de relacionamento, em observância
aos domínios de Fishman.
y Promoção de situações de engajamento na sala de aula. Segun-
do Dehaene (2020), a aprendizagem só parece ocorrer se o aluno
presta atenção, pensa, antecipa e propõe hipóteses passíveis de
erros. Sem atenção, esforço e reflexão profunda, a mensagem
se esvaece sem deixar registros no cérebro. Projetos, resolução
de problemas e discussão, bem como investigações específicas
em torno de conhecimentos relacionados ao currículo devem
promover o engajamento, além de enriquecer a oferta de input
contextual e relevante na L2. Ademais, o elemento surpresa tem
papel fundamental na aprendizagem, uma vez que a quebra de
expectativa engaja os circuitos atencionais do córtex pré-frontal,
evitando que o cérebro entre em estado de processamento pa-
drão, que não favorece a aprendizagem.
y Garantia de um espaço para testagem de hipóteses e recebi-
mento de feedback. Como descrito no item anterior, ao refor-
mular constantemente seu modelo de mundo, o aluno engajado
propõe hipóteses passíveis de erros. Cometer erros (sim, erros!)
é parte natural, positiva, necessária e constitutiva do proces-
so, bem como a reformulação ou o descarte de hipóteses, que
devem ser dependentes de diferentes formas de feedback im-
plícito e explícito. Na contramão de algumas abordagens que
defendem que não se deve fornecer feedback explícito ao aluno,

40 Educação Bilíngue: como fazer?


os estudos têm evidenciado que esse tipo de feedback é, de fato,
eficaz. O processo de testagem de hipóteses é importante para o
cérebro pois este aprende ao balancear, acomodar, frustrar, rever
as expectativas geradas por determinados eventos. A questão
não é apenas fornecer o feedback, mas garantir que o aprendiz
estabeleça uma relação positiva com ele.
y Preparação do aluno para planejar. Isso pode ser ligado a diver-
sas atividades em sala de aula, temas de investigações e pesqui-
sas. Como explicado anteriormente, o planejamento traz o foco
para o elemento instrucional, complementar ao social (formal +
fluência). Há a possibilidade de se fomentar esse ambiente por
meio de abordagens baseadas na metodologia da sala de aula
invertida, debates e investigações feitas por diversos alunos
ou grupos que vão complementando-se e geram discussões e
conclusões com intervenção do professor (feedback), guiando o
processo e ajudando no planejamento e organização. O resul-
tado pode ser uma apresentação oral, um infográfico ou um li-
vro organizado pela classe. Como mencionado, o planejamento
impacta positivamente a produção oral e escrita, oferecendo ao
aprendiz uma oportunidade de pré-ativar escolhas sintáticas e
lexicais, organizar o pensamento e antecipar o acesso a itens do
seu repertório mental. Essas atividades também aumentam a
exposição a diferentes tipos de input ricos.
As sugestões anteriores estão longe de ser exaustivas; são uma
tentativa concisa de circundar os elementos envolvidos na produ-
ção oral, estimulando-os por meio de engajamento, planejamento
e feedback, valendo-se da L2 para o desenvolvimento de projetos,
atividades e investigações que exponham o aprendiz a contextos
que fomentam tanto a fluência quanto a reflexão analítica e metalin-
guística. Desse modo, a L2 é trazida para o âmbito de uso real, mo-
tivando o aprendiz a utilizá-la de maneira orgânica e significativa,
sem fórmulas prontas ou protocolos.

5. Considerações finais
O objetivo deste capítulo foi discutir o que julgamos que o pro-
fessor deveria ponderar ao focar o desenvolvimento das habilida-
des orais na L2, especificamente considerando as particularidades
do contexto bilíngue.

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 41


Ressaltamos a importância do distanciamento tanto das abor-
dagens de ensino e métodos aplicados em aulas instrucionais de
idioma quanto do aprisionamento a determinadas práticas pedagó-
gicas (muitas vezes doutrinárias), em favor de reflexões linguísti-
cas, cognitivas e biológicas sobre todo o processo de aprendizagem.
Esse complexo processo, ao ser encarado a partir do engajamento,
do planejamento e do feedback, tem mais chances de promover a ora-
lidade em aula de L2 no contexto bilíngue como um subproduto
natural, e não como receita de bolo.
O entendimento da relação entre o cérebro e a aprendizagem
de L2 foi negligenciado por muitas décadas e às vezes ainda é. No
entanto, atualmente, tem-se observado que as pesquisas sobre a
aprendizagem em contextos bilíngues começam a promover um
diálogo entre os conhecimentos advindos das neurociências e das
práticas em sala de aula baseadas em evidência.
Esperamos ter contribuído para a reflexão ao trazer aqui uma
discussão sobre as bases linguísticas e cognitivas da oralidade na
L2, ressaltando a complexidade intrínseca ao processo. Procuramos
apontar também os benefícios de intervenções pedagógicas que,
embora não sejam receitas para a produção oral, no cômputo geral
estão ligadas a elementos importantes envolvidos no processo e po-
dem promover o desenvolvimento dessa tão desejada habilidade de
modo mais natural.

Referências bibliográficas
CHOMSKY, N. Knowledge of language: its nature, origins, and use.
New York: Praeger, 1986.

CHOMSKY, N. Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris,


1981.

DEHAENE, S. How we learn: why brains learn better than any ma-
chine… for now. New York: Penguin, 2020.

ELLIS, N. Implicit and explicit language learning: their dynamic


interface and complexity. In: REBUSCHAT, P (ed.). Implicit and
explicit learning of languages. Amsterdam: John Benjamins, 2015.
p. 3-23.

42 Educação Bilíngue: como fazer?


FINGER, I.; BRENTANO, L.; FONTES, A. B. A. L. Neurociências,
psicolinguística e aprendizagem de línguas adicionais: um
diálogo necessário no contexto da educação do século 21. In:
MAIA, M. (org.). Psicolinguística e educação. Campinas: Mercado
de Letras, 2018. p. 197-220.

FOSTER, P.; SKEHAN, P. The influence of planning and task type


on second language performance. Studies in Second Language
Acquisition, v. 18, n. 3, p. 299-323, 1996.

HASSANZADE, M.; NARAFSHAN, M. H. A study on input qua-


lity and second language grammar achievement in young chil-
dren. International Journal of English Language Teaching, v. 4, n. 2,
p. 70-82, 2016.

LEVELT, W. Speaking: from intention to articulation. Cambridge:


The MIT Press, 1989.

MARCELINO, M. Considerations on the role of input in L2 acqui-


sition: ELT and bilingual contexts. Revista Intercâmbio, v. 37,
p. 76-97, 2018.

MARCELINO, M. O desenvolvimento linguístico de crianças bilín-


gues. In: MEGALE, A. (org.). Educação Bilíngue no Brasil. São
Paulo: Fundação Santillana, 2019. p. 57-72.

ORTIZ-PREUSS, E. Produção de fala bilíngue: o processo de seleção


lexical. In: ORTIZ-PREUSS, E.; FINGER, I. (org.). A dinâmica do
processamento bilíngue. Campinas: Pontes, 2018. p. 83-115.

SKEHAN, P. Second language acquisition research and task-based


research. In: WILLIS, J.; WILLIS, D. (ed.). Challenge and change in
language teaching. Oxford: Heinemann, 1996. p. 17-30.

SLABAKOVA, R. Second language acquisition. Oxford: Oxford Core


Linguistics, 2016.

SPOLSKY, B. Sociolinguistics. Oxford: Oxford University Press, 1998.

WEISSHEIMER, J.; CALDAS, V. The effects of implicit and ex-


plicit classroom feedback on bilingual speech production.
Prolinguística e Educação, v. 15, n. 2, p. 198-211, 2020.

Como promover oralidade em aula de L2 na Educação Bilíngue 43

Você também pode gostar