Jornal Da ABI 339
Jornal Da ABI 339
Jornal Da ABI 339
Isso na melhor das hipteses, diz aquele que considerado o mais brasileiro dos nossos cartunistas.
Pginas 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37
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MARO 2009
A VOZ DA JUVENTUDE
Os jornais esto empenhados em atrair leitores jovens, o que fazem atravs de suplementos como o Folhateen e o Megazine, de O Globo. Publicaes premiadas, como a gacha Kzuka, disputam esse pblico. Pginas 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9
Jornal da ABI
Uma instituio criada no Rio vai preservar e divulgar a obra do criador dos Fradinhos, morto h 21 anos mas que sobrevive com os seus personagens. Pginas 38, 39, 40, 41 e 42
FRANCISCO UCHA
JORNAL DO COMMERCIO
AS RDIOS COMUNITRIAS
NA MIRA DA REPRESSO
A ANATEL INSTAURA PRTICAS DA DITADURA NESSA REA DA COMUNICAO. PGINA 26
Editorial
Jornal da ABI
Nmero 339 - Maro de 2009 Editores: Maurcio Azdo e Francisco Ucha Projeto grfico, diagramao e editorao eletrnica: Francisco Ucha Edio de textos: Maurcio Azdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agncia Brasil, Agncia O Globo, Agncia JB, Folha Dirigida, Folhapress, Jornal do Commercio Apoio produo editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azdo, Mrio Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsvel: Maurcio Azdo Associao Brasileira de Imprensa Rua Arajo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 presidencia@abi.org.br Impresso: Taiga Grfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
DIRETORIA MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurcio Azdo Vice-Presidente: Tarcsio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econmico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistncia Social: Paulo Jernimo de Sousa (Paj) Diretor de Jornalismo: Bencio Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, Jos Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretrio; Adail Jos de Paula, Adriano do Nascimento Barbosa, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Arajo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1 Secretrio: Lnin Novaes de Arajo 2 Secretrio: Zilmar Borges Baslio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antnio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur Jos Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dcio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurcio Azdo, Mlton Coelho da Graa, Pinheiro Jnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcsio Holanda e Villas-Bas Corra. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Tvola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flvio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, Jos Gomes Talarico, Jos Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mrio Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jernimo de Sousa (Paj), Srgio Cabral e Terezinha Santos.
Conselheiros efetivos 2006-2009 Antnio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo Csar Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Ceclia Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glria Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordo, Lnin Novaes de Arajo, Mrcia Guimares, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Arajo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcnti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, Jos Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perptuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Slvia Moretzsohn, Slvio Paixo e Wilson S. J. de Magalhes. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluzio Maranho, Ancelmo Ges, Andr Moreau Louzeiro, Arcrio Gouva Neto, Bencio Medeiros, Germando de Oliveira Gonalves, Ilma Martins da Silva, Jos Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Srgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurlio Cndido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Baslio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antnio Avellar, Antnio Calegari, Antnio Carlos Austregsylo de Athayde, Antnio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurlio Barrandon Guimares (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Osas de Carvalho, Rogrio Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSO DE SINDICNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurlio Cndido Ferreira. COMISSO DE TICA DOS MEIOS DE COMUNICAO Alberto Dines, Arthur Jos Poerner, Ccero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Wilson Fadul Filho, Presidente; Arcrio Gouva Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonalves, Gilberto Magalhes, Lucy Mary Carneiro, Maria Ceclia Ribas Carneiro, Mrio Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhes e Yacy Nunes.
ESPECIALIZAO
exo, drogas e rock and roll? De fato, houve uma poca em que a juventude se ligava apenas nisso, mas ultimamente as coisas esto mudando. Especialmente a imprensa. Muito criticados pela qualidade dos produtos algumas vezes alienantes que oferecem para o pblico juvenil, jornais e revistas tentam se reinventar para mostrar uma cara cada vez mais de acordo com esse pblico. E isso verdade, principalmente no que diz respeito contribuio dos suplementos juvenis no aumento de leitores jovens. Em 2007, quando completou dez anos de criao, a Coordenao de Mdia
Jovem da Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia-Andi produziu o mais amplo e criterioso levantamento sobre o contedo editorial de suplementos e revistas juvenis j realizado no Brasil. Os dados levantados entre 1997 e 2006 revelaram algumas surpresas, especialmente resultados positivos alcanados pela mdia jovem, que est mais consciente de sua funo social e atenta s demandas dos adolescentes. Mas tambm problemas que deixam claro que, se uma boa distncia j foi percorrida, ainda falta muito para caminhar no sentido de atingir essa moada.
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Realizado a cada ano, o levantamento chegou a analisar 26 diferentes suplementos ou sees e cinco revistas. Logo em sua apresentao, o relatrio da Andi aborda o poder de influncia da mdia, destacando a capacidade que os meios de comunicao tm de estimular o desenvolvimento de uma viso crtica e de postura mais participativa entre o pblico jovem. Segundo o estudo, os adolescentes esto mais exigentes, mas os veculos de imprensa, mais atentos, e no abdicam mais da sua funo social. Vrios deles praticam um modelo de jornalismo que envolve o leitor em debates crticos, inserindo-o no contexto do material jornalstico oferecido. Isso fica claro quando se analisa o percentual de reportagens com relevncia social na pauta juvenil. H dez anos, elas eram apenas 24,2% do noticirio. Ultimamente, chegaram a 65%. Apesar da elevada porcentagem de textos com foco em assuntos socialmente relevantes, nem todas as pautas costumam receber igual tratamento por parte dos veculos. Enquanto alguns assuntos atraem muita ateno, outras questes igualmente importantes para a agenda da juventude acabam deixadas margem. As reportagens que se referem educao alcanaram o maior ndice de veiculao nas coberturas dos jornais e revistas pesquisados, representando 27% de todo o material analisado em 2006. J a violncia s
Mesmo assim, fica claro que revistas e suplementos esto garantindo mais espao para que garotos e meninas de 12 a 18 anos expressem sua viso. As estratgias de interatividade para formar esse canal de comunicao comeam com as sees de cartas, passam por pesquisas sobre reportagens e inovaes grficas, criao de blogs e de material exclusivo para a internet e chegam criao de conselhos editoriais formados por jovens, que se renem com a equipe da redao a cada 15 dias para discutir pautas e avaliar as edies anteriores. Nas matrias, adolescentes e jovens so, de longe, os atores mais ouvidos pelos reprteres. De acordo com o levantamento da Andi, entre 2005 e 2006 40% das reportagens os ouviram, com ligeira predominncia de fontes femininas.
Trajetria de longa data Foi a dcada de 1990 que concentrou o boom no surgimento de veculos para jovens. Mas muito antes disso algumas tentativas para atingir esse pblico surgiam esporadicamente. A primeira surgiu em 1831, em Salvador. Tratavase de um jornal bissemanal chamado O Adolescente. Em 1934, o peridico A Nao passou a publicar o Suplemento Infantil mais tarde chamado de Suplemento Juvenil , influenciado pelas histrias em quadrinhos norte-americanas. Apesar de ser muito diferente daquilo que existe hoje, logo a idia foi copiada por veculos de todo o Brasil. J a primeira revista voltada a esse segmento surgiu apenas em 1972. Gerao Pop, lanada pela Editora Abril, foi publicada at 1979. Na televiso, o jovem comeou a ter espao na programao principalmente nos anos 80. Destaque para a pioneira TV Cultura, de So Paulo, e para a MTV, que entrou em operao no Pas em 1990. Antes vistos como personagens sem condies de fazer suas prprias escolhas e com pouco apelo publicitrio, nessa poca que a importncia do pblico jovem comea a ser entendida. Percebe-se tambm a insuficincia das revistas segmentadas voltadas para o pblico feminino ou para os esportes na tentativa de cativ-los. Revistas como Capricho, Querida e Carcia so reformuladas e novos ttulos como Atrevida e Todateen somam-se a elas. Nos jornais, a Folha de S. Paulo lana de forma pioneira, em janeiro de 1991, o semanal Folhateen para levar notcias sobre educao, lazer, comportamento e consumo para os leitores jovens. A idia parecia completamente maluca. No havia nada parecido no
Com ilustraes de J.Carlos, o Suplemento Infantil, fundado por Adolfo Aizen em 1934, trouxe para o Brasil o modelo dos cadernos semanais de quadrinhos. J a revista Gerao Pop, de 1972, foi a primeira voltada para o pblico adolescente, enquanto o Folhateen o caderno pioneiro voltado para o pblico jovem.
foi debatida em 0,58% das matrias: entre 2004 e 2006, houve uma reduo de mais de 50% nas reportagens referentes ao assunto. Os temas gravidez e aids foram registrados em 1% do material analisado e aparecem como os menos citados nas matrias, embora ganhem destaque nas colunas de consulta ou dvidas dos leitores, que respondem a cartas e e-mails dos adolescentes. Estas sees, no entanto, esto perdendo espao nesses veculos. Em 2004, metade dos cadernos e revistas analisados fazia uso desses recursos. Dois anos depois, apenas sete, ou seja, 30%, destinaram espao para as dvidas dos jovens.
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Brasil, uma ou outra coisa do gnero na Inglaterra ou que o valha. Mas a Folhinha era para criana, a Ilustrada tinha envelhecido e a escadinha de entrada de leitores estava com um degrau faltando. O projeto inicial foi da Suzana Singer, hoje Secretria de Redao da Folha, e o ttulo foi uma brincadeira com o caderno Folhetim, clssico suplemento literrio-esquerdista do jornal. O Folhateen repercutiu e quase todo jornal brasileiro abriu espao para um caderno ou seo voltada para adolescentes ou jovens. Esses espaos se tornaram escola e refgio de vrias safras de jovens jornalistas bacanas Pas afora, j que nas faculdades no havia preparo para trabalhar com o pblico adolescente. conta o jornalista Andr Forastieri, primeiro Editor do suplemento.
Alm do consumo Desde ento muita coisa mudou. Mas graves problemas ainda persistem em atrapalhar a mdia jovem. Com algumas excees, como o prprio Folhateen, que j chega maioridade, boa parte dos suplementos voltados para jovens e adolescentes ainda enfrentam problemas de falta de perenidade ou mesmo de estrutura para o trabalho. Em apenas trs anos, de 2004 a 2007, seis dos 26 suplementos pesquisados pela Andi deixaram de circular. Em alguns casos, o contedo destinado juventude, que contava at ento com
espao exclusivo, passou a ser tratado de forma secundria em outros cadernos e sees dos dirios. Mas em outros nem esse tipo de soluo foi adotado e os adolescentes perderam um importante canal de comunicao. Outro problema bastante citado pelos profissionais que trabalham nesse tipo de caderno a insegurana em abordar problemas sociais, especialmente por causa da suposta alienao dos jovens. Muita gente acredita que, ao trocar assuntos ligados televiso, msica, ao entretenimento e ao consumo por outros como emprego, segurana ou mesmo educao, a queda do nmero de leitores seja inevitvel. Mas, como mostra o trabalho da Andi, a situao totalmente inversa: cadernos temticos e reportagens especiais tendem a fazer sucesso entre os adolescentes. J outros reclamam da falta de estrutura disponibilizada pelas empresas para a rea. O foco em questes ligadas a meninos e meninas visto em muitos veculos como um tipo menor de jornalismo, o que acaba desvalorizando tanto o jornalista quanto o leitor. H muitos casos de profissionais que so obrigados a elaborar as pautas, produzir, fotografar, editar e at diagramar o caderno. Uma das principais caractersticas dos adolescentes brasileiros a heterogeneidade nessa faixa etria. Na contramo disso, as questes referentes diversidade tnica, sexual, regional e social no tm recebido a mesma importncia nos veculos. De acordo com o levantamento da Andi, o nmero de matrias com temas de diversidade caiu 58,8% entre os anos de 2004 e 2006. Questes de raa e etnia, principalmente relacionadas a situaes especficas de indgenas, negros e brancos, e de gnero foram algumas das mais prejudicadas. Outro problema apontado pelo levantamento o baixo nmero de reportagens sobre polticas pblicas para a juventude, to essenciais ao desenvolvimento do Pas. Apenas 3% dos textos pblicos em 2006 tratavam de poltica, a maior parte pautada em cima de acontecimentos polticos especficos ou eleies. Ainda um enorme desafio para suplementos de jornais e revistas produzir material discutindo assuntos como o voto facultativo, programas voltados para o adolescente ou a mobilizao da juventude na busca por seus direitos e pela melhoria das condies sociais no Brasil.
Educao ou entretenimento Trabalhar com a juventude ainda um grande desafio imprensa brasileira. H dez anos no havia nada com
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Lanar em 1991 um caderno semanal com contedo exclusivo para adolescentes como o Folhateen parecia uma idia completamente maluca. Hoje, 18 anos depois, a publicao se consolidou com matrias atraentes e com forte apelo visual. Maria Cristina Gobbi adverte que os suplementos devem se preocupar em formar leitores conscientes.
a cara dessa faixa etria. Ultimamente, a situao melhorou, mas ainda necessrio investir e arriscar mais. Adolescentes no so adultos em miniatura e no podem ser tratados como tal. necessrio construir uma linguagem elaborada para esse grupo, que j mostrou sua fora e influncia social, poltica e econmica. A viso deve ser a de formar leitores conscientes e, para isso, enfrentar momentos de transio, e concorrncia com a internet. Sem atrativos reais e sem atender a expectativa dos jovens, tratando dos assuntos de maneira limitada e carregando os textos de esteretipos isso no ser possvel. O que no significa ser superficial e no demonstrar qualquer opinio crtica, como muita gente vem fazendo. adverte Maria Cristina Gobbi, Diretora Suplente da Catdra Unesco de Comunicao e Professora do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e TV Digital da Universidade Estadual Paulista-Unesp. Em 1999, Gobbi tratou do assunto em sua teste de mestrado. Na poca, 51 dos 686 jornais analisados publicavam suplementos infantis e apenas dez, cadernos especficos voltados para os adolescentes. Estar em sintonia com a realidade quando se faz um caderno para adolescentes uma misso ainda bastante complicada. E no somente para jornalistas, mas para pais, educadores e, em certos casos, para a sociedade em geral. Tratar de temas ridos, mesmo que o jovem conviva com eles em seu cotidiano, enfrenta resistncia de muitos profissionais, que optam por textos pequenos e superficiais, sem qualquer preocupao formativa ou educativa, e linguagem sedutora, mas com informa-
o de pouca reflexo. A viso educadora ainda passa ao largo de muitas redaes. Ainda assim, alguns suplementos tm conseguido bons resultados ao equilibrar esses assuntos com outros de variedades e entretenimento ou mesmo elaborando edies temticas. Outra boa dica vem da jornalista Fernanda Mena, atualmente produtora do Fantstico, da Rede Globo. Durante trs anos, ela trabalhou no Folhateen. Muito antes de a televiso exibir o documentrio Falco Meninos do Trfico, do rapper MVBill, a reprter publicou uma longa reportagem no suplemento falando sobre os bastidores e desdobrando o filme. O trabalho acabou ganhando o Grande Prmio Ayrton Senna de Jornalismo 2003/2004. Em entrevista ao relatrio A Mdia dos Jovens, que apresentou a pesquisa da Andi, ela revelou o segredo para publicar um texto to elaborado: Quando a gente fazia matrias mais prximas do universo jovem, como cultura, o retorno era maior, porque o assunto de mais fcil digesto. Mas ns tnhamos tambm retorno dessas reportagens que considervamos mais espinhosas. A insero desses temas est extremamente relacionada ao editor do caderno. Quando trabalhei no Folhateen, as coisas eram decididas democraticamente e conseguimos mostrar que o leitor dos cadernos jovens os quais geralmente tratam de cultura pop, de internet, de moda uma pessoa que est inserida no mundo. necessrio trabalhar com a perspectiva de que o adolescente um ser humano em formao e precisa estar a par de toda a pluralidade que h em nossa vida.
Inimiga ou aliada? Em tempos de novas tecnologias, os suplementos e revistas para jovens encontram um novo problema para superar. Um obstculo apontado por alguns especialistas como capaz de acabar com a prpria imprensa. Trata-se da concorrncia com o mundo digital, especialmente a internet, que vem roubando espao dos veculos tradicionais como fonte de informao para garotos e garotas em todo o mundo. Entre tantas informaes desencontradas e igual estardalhao, novos estudos sugerem que h esperana para a mdia impressa, mas fundamental alguns conceitos: O jornalismo impresso no foi esquecido, mas tende a ser visto cada vez mais como um meio informativo e menos como entretenimento, elemento que os jovens passam a buscar principalmente em mdias como o rdio, a internet e a tv. A garotada de 12 a 17 anos est lendo pouco. Em relao
aos jornais, eles geralmente apenas passam o olho. Exatamente por ser de acesso mais rpido, a internet tornou-se preferencial como fonte de leitura de muitos deles. adverte a pesquisadora Ana Helena Reis, diretora da organizao no-governamental Midiativa, em entrevista ao Relatrio a Mdia dos Jovens, publicado pela Agncia de Notcias dos Direitos da InfnciaAndi e pelo Instituto Votorantim. A soluo no simples, mas passa pela definio exata do papel que a mdia impressa dever ter na informao do adolescente e tambm pela eficaz parceria justamente com o inimigo. Por isso, Reis aconselha: Se o formato impresso j no tem sido suficiente para garantir o interesse de leitores e leitoras, parece lgico que suplementos e revistas busquem maior interao com seu pblico, a fim de se tornar mais atrativos donde terminam criando seus prprios sites, blogs, chats e outras ferramentas de vis tecnolgico.
jeto envolveu at os coordenadores pedaggicos e professores. A equipe do suplemento visitou os estabelecimentos de ensino, deu palestras sobre como fazer um jornal. Um enorme sucesso. Mas, durante a apurao dos grupos, uma menina morreu atropelada por um trem. Andr Forastieri, primeiro Editor do suplemento, lembra da situao: Tive uma reunio com a advogada da famlia, acompanhada por advogados da Folha. No houve processo. Foi uma infeliz coincidncia. E o caderno saiu, e com homenagem garota. Mas ficaram as recordaes da comoo durante o enterro.
Mudanas A mudana do formato standard para o tablide no foi a nica pela qual passou o Folhateen nesse tempo. Cada editor que dirigiu o caderno imprimiu sua marca. Atualmente, a equipe que trabalha no suplemento conta com o Editor Marco Aurlio Cannico, de 31 anos, e os reprteres Diogo Bercito, de 21, Chico Felitti, de 23, e Tarso Arajo, de 31. Alm de uma boa equipe de colaboradores: Tratamos da produo cultural voltada para o pblico adolescente, como msica, filmes, literatura, teatro, quadrinhos etc. E de temas de comportamento que so ligados a essa faixa
etria. Mas no esquecemos assuntos que esto freqentemente na parte adulta do jornal, apresentando-os com outra linguagem. Exemplos so capas recentes que fizemos sobre a crise econmica mundial e a priso de Guantnamo. diz Cannico. Para elaborar as pautas, os jornalistas contam com a ajuda de dois grupos de apoio, formados por adolescentes interessados, que se inscrevem enviando email para o caderno, e com os quais se renem a cada 15 dias. Em geral, os textos do suplemento so curtos, cheios de boxes, tabelas e dropes. Apesar de seguir a gramtica oficial, a linguagem adotada abre espao para expresses corUtilizando uma linguagem jovem, o Folhateen no deixa de rentes, grias, palavras tocar em assuntos difceis, como a priso de Guantnamo em ingls e outras mais. (capa ao lado) e o alcoolismo (acima), pelo qual recebeu o Termos como nipe, Prmio Esso 2008 de Criao Grfica, Categoria Jornal. queimar o filme, pessoa cool e twittar buscam apropassando por uma nova fase de reestruximar o adolescente do caderno. turao temtica e de apresentao. No h exatamente uma frmula Com relao concorrncia com a incomo escrever para jovens. algo que ternet, ele no teme: Ningum l o depende da pauta, do autor, de uma suplemento esperando encontrar o que srie de variveis. Mas usar humor, linv em blogs, sites e vice-versa. Nosso guagem menos formal, didatismo e material diferente daquele que se escrever um texto bem encadeado encontra na web, e acho que essa difealgo que funciona. explica Cannirena no escapa ao leitor. co, acrescentando que o Folhateen est
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A jovem equipe do Folhateen composta pelos jornalistas Tarso Araujo, Diogo Bercito, Marco Aurlio Cannico, o editor, e Chico Felitti.
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O ano de 2008 foi especial para o pessoal que faz o Kzuka, o suplemento juvenil do dirio Zero Hora, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A publicao foi apontada pela Associao Mundial dos Jornais como a melhor do mundo em sua categoria. E pensar que, quando o executivo do grupo RBS Fernando Tornaim props sua criao, imaginava fazer um jornalzinho voltado para estudantes... Apesar de acreditarmos muito no nosso trabalho, ganhar um prmio desse gabarito foi uma surpresa enorme para jornalistas to jovens. impossvel no usar a palavra euforia para descrever o momento em que dei a notcia ao pessoal da Redao. Estamos empolgados com o desafio que continuar fazendo um produto to bom quanto o que foi premiado ou melhor. alegra-se a Editora Priscila Galvo de Carvalho, reconhecendo que sempre confiou no bom nvel de sua equipe, mas reconhecendo que no esperava tal indicao da AMJ. O curioso ttulo Kzuka uma juno de letras que no tem uma explicao muito lgica. Segundo Tornaim, a idia era criar um nome que no restringisse a marca a nenhuma tribo especfica. Colorido e no formato tablide, o suplemento estreou com oito pginas e em menos de trs meses aumentou para 12. O Kzuka sai todas as sextas-feiras, encartado no Zero Hora, cuja tiragem de cerca de 200 mil exemplares. Alm de Priscila, a equipe cuja idade mdia de 25 anos tem trs reprteres, uma assistente de produo, trs designers e um fotgrafo. A editora faz questo de citar que conta
tambm com equipes locais em Caxias do Sul e Santa Maria, no Rio Grande do Sul; e em Florianpolis, Joinville e Blumenau, em Santa Catarina. Ou seja, na verdade, 23 profissionais colaboram com o caderno.
Crescimento dos leitores jovens O tamanho da equipe no despropositado. Segundo pesquisa da AMJ, o Kzuka responsvel pelo crescimento de 27% do pblico jovem do Zero Hora. Alm de usar a internet e o celular para falar com seus leitores, o suplemento interage diretamente, em escolas e locais que eles costumam freqentar. A identificao surgida da fundamental, segundo a Editora Priscila Carvalho: Criamos o hbito nos nossos leitores a partir do momento em que eles se identificam com o produtor e reconhecem um suplemento como seu,
dentro de um jornal tradicional. Como foi dito pelo jri do Prmio Mundial de Publicaes Juvenis (World Young Readers Prize), uma forma inovadora de manter os jovens envolvidos e de faz-los sentir como se o produto fosse deles. Acho que um dos principais fatores do sucesso de qualquer suplemento falar de igual para igual com o jovem. No devem existir barreiras culturais, de linguagem, ou de estilo, entre quem escreve e quem l. Mas haver toda uma preocupao esttica em torno do contedo que chega ao leitor. Embora defenda a fora do impresso, Priscila no nega a superioridade da mdia on line em rapidez na informao, interatividade e entretenimento: O jovem de hoje j nasce com a internet em sua rotina, enquanto as outras mdias tm de ser agregadas sua vida. No caso do Kzuka, que trabalha muito bem em todas as mdias, temos a mesma filosofia para diferentes veculos. Mas no fundo, acho que cada meio funciona melhor com um perfil de adolescente, dependendo da cidade onde ele mora, do colgio em que estuda, de sua classe econmica e da educao que recebe, entre outros aspectos. Por tudo isso, o Kzuka est extrapolando o papel e se tornando multimdia. Alm do caderno que circula no Zero Hora, ele tambm se transformou em um seriado veiculado na internet, um programa de rdio que vai ao ar no sbado tarde e no quadro apresentado semanalmente no jornal local da RBS TV. Bons exemplos de quem se tornou vencedor e que no devem demorar a ser copiados. Os adolescentes brasileiros agradecem.
Na Regio Centro-Oeste, uma das publicaes jornalsticas dedicadas a jovens mais badaladas o caderno Zine. O tablide tem 12 pginas e circula aos domingos, junto com A Gazeta, por todo o Estado de Mato Grosso, alm de algumas grandes cidades, como So Paulo, Rio de Janeiro e Braslia. O suplemento foi lanado em 1998 como parte de vrias mudanas editoriais do jornal, que, ao mesmo tempo em que inaugurava nova sede, passou a ser colorido e ganhou mais cadernos. A idia do nome surgiu da palavra fanzine. O objetivo era e continua sendo criar um meio de comunicao com o jovem, com contedos interessantes, tanto em matria de entretenimento quanto em informar fatos srios. Na conduo do Zine est uma equipe de jovens profissionais comandada pela experiente, mas jovem jornalista Maria Anglica de Moraes. Atualmente com 34 anos, a Editora comeou no
OTMAR DE OLIVEIRA
caderno como reprter h dez anos e sempre se mantm em sintonia com o mundo juvenil pela internet, lendo e relendo revistas e jornais. A idade parece ser apenas um detalhe, mas ajuda e muito na seleo de pautas que estejam em consonncia com o universo do leitor e na qualidade da informao prestada. Alm dela, o time conta com a reprter Raquel Ferreira, de 29, e a estagiria Larissa Cavalcante, de 20, que estuda Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente, o Zine a nica opo de leitura para os jovens na mdia impressa local. Segundo Maria Anglica, o caderno teve um concorrente, o Azul, do Dirio de Cuiab, mas que hoje no mais publicado: O Azul tinha poucas pginas e contedo muito fraco. Em matria de jornalismo jovem, acredito que somos o suplemento mais duradouro at hoje por aqui.
Conselho adolescente Talvez por ter preenchido essa lacuna no mercado, o lanamento do Zine colaborou para o crescimento do pblico jovem da Gazeta. Um dos principais movimentos nesse sentido
A editora do Zine, Maria Anglica de Moraes (direita), ao lado da reprter Raquel Ferreira, mantm um Conselho Editorial formado por adolescentes que se renem quinzenalmente.
foi a adoo, pelo caderno, de um Conselho Editorial formado por adolescentes, com o qual a equipe da redao se rene a cada 15 dias: Eles trazem novas idias e sugestes de pau-
ta que geralmente envolvem o que vivenciam na escola, em casa, com amigos. Muitas vezes, principalmente nas matrias de sade e comportamento, os adolescentes querem en-
contrar respostas para as dvidas que tm e para situaes que presenciam no seu dia-a-dia. O suplemento procura atend-los na forma de reportagens, entrevistando especialistas e outros jovens. explica Maria Anglica. A presena de um colunista jovem tambm ajudou na aproximao com o pblico-alvo e na conquista de leitores. O leitor do Zine atualmente o estudante de ensino mdio, mas seus pais e professores tambm lem o caderno. Ao mesmo tempo em que o suplemento fala do surgimento de uma banda de rock, procura abordar temas como sade, doenas sexualmente transmissveis, conflitos familiares, cinema, educao e moda. O caderno tem tambm sees fixas e contempla temas como poltica e meio ambiente. Diz a editora que essa foi a forma encontrada para dar um ar mais srio ao contedo e no ficar apenas no superficial: Como as matrias so consideradas pequenas, porque precisam se encaixar no formato tablide e porque o jovem costuma fugir de textos longos, nossa principal preocupao informar de maneira leve e divertida.
Pioneirismo no Piau
O nome For Teens, mas que ningum se engane: apesar da grafia estrangeira usada para chamar a ateno do adolescente, a publicao um suplemento para o jovem do Piau. Essa a advertncia que faz a jornalista Tatiara de Frana, Editora do suplemento criado h 15 anos no formato standard, mas que foi mudado, por motivos comerciais e para facilitar o manuseio e a leitura, para o tablide, e hoje circula toda quinta-feira no jornal Meio Norte. Acredito que o For Teens uma experincia boa e desafiadora para a regio. o suplemento jovem pioneiro do Piau e, atualmente, tambm o nico do Estado. A cada edio, somos desafiados a fazer algo novo, diferente, pois o nosso pblico exigente e quer sempre mais. diz Frana, que comeou sua relao com o suplemento como leitora, depois passou a ser reprter e desde 2001 editora. Os profissionais que participaram da criao do caderno j no trabalham no Meio Norte. A equipe atual formada basicamente pela editora, um reprter e um fotgrafo, mas nenhum dos trs trabalha com exclusividade para o For Teens, atuando tambm em outras editorias. Tatiara, por exemplo, responsvel tambm pelos cadernos Infantil e Beleza & Sade, alm de uma coluna de variedades chamada Tudo de Bom, com comentrios sobre jornal, tv e internet. O que no impede que o For Teens seja um dos cadernos mais lidos do Meio Norte e sirva de elo com o pblico jovem. Apesar, segundo Tatiana, de no ser o nico produto oferecido a esse leitor. Diariamente, o Meio Norte publica reportagens dirigidas ao jovem em cadernos como Cidades, Cultura e Campus, este ltimo voltado para os universitrios. Matrias sobre comportamento, sade e sexualidade so geralmente as que despertam interesse entre os leitores do For Teens. Principalmente as que falam de sexo so as mais polmicas. Por isso, durante algum tempo, o caderno publicou a coluna Sexo sem VerDIVULGAO
O For Teens exige novos desafios a cada edio, diz sua Editora Tatiara de Frana, que v na interatividade uma forma de conquistar os jovens.
gonha, em que eram respondidas cartas de pessoas de todas as idades com dvidas no apenas sobre questes sexuais, mas tambm de sade. Hoje o suplemento aposta na interatividade como forma de continuar conquistando a juventude. Tanto que j conta com um blog, que atualizado por colaboradores e pela equipe do suplemento e contribui para a seleo de contedos e o direcionamento das pau-
tas da semana. O suplemento recebe tambm material de colaboradores, especialmente cineastas, msicos, djs e universitrios. Respeitar a opinio do jovem, suas necessidades, seus anseios e interesses fundamental. Ouvir e dar voz e vez ao leitor um dos pontos fortes do For Teens, desde o seu lanamento. Acredito que estes pontos so essenciais para quem cobre essas pautas e trabalha em editorias focadas nesse segmento. conclui a Editora.
DIVULGAO
Megafuso no Globo
Lanada em 2000, a revista Megazine, de O Globo, o resultado de uma fuso para usar um termo bem ao gosto juvenil de dois cadernos: o Planeta Globo, que circulava aos domingos e era mais voltado para o pblico pradolescente, e o Vestibular, publicado s teras-feiras, no ltimo semestre de cada ano, dirigido, obviamente, aos vestibulandos. O resultado foi uma publicao voltada para vestibulandos, universitrios e jovens em geral, com reportagens que abordam no apenas a educao, mas tambm msica, cinema, comportamento, educao e outros temas interessantes. O ttulo, escolhido a partir de pesquisa, remete idia de um fanzine, e, como convm a uma publicao alternativa do gnero, conta com uma equipe basicamente jovem: os dois editores assistentes e os dois reprteres tm entre 25 e 30 anos. O projeto grfico inicial j passou por vrias modificaes, a ltima h trs anos, mas j h planos de se criar outras novidades na revista, em que diagramao, texto e imagens so sempre pensados de acordo com o pblico jovens na faixa dos 16 aos 22 anos e critrios como design e leitura atraentes e agradveis: As pautas seguem a mesma linha e, para buscar assuntos de interesse, temos um conselho editorial que muda semestralmente e formado por seis jovens escolhidos por meio de concurso. Eles se renem com a equipe a cada 15 dias, do suas opinies sobre a Megazine e sugerem assuntos para as matrias. diz a subeditora Josy Fischberg. Para monitorar o que mais desperta a ateno dos leitores, a Megazine se baseia nos e-mails enviados redao. A coluna de Joo Paulo Cuenca
Josy Fischberg procura monitorar o interesse do leitor atravs das mensagens que o Megazine recebe.
uma das sees que mais recebe mensagens, ainda que nem sempre elogiosas, segundo Josy. J a Liquidificador, de lanamentos de livros, cds e dvds, tambm tem feito sucesso. Os assuntos que mais geraram polmica nos ltimos tempos so igualmente variados como o voto nulo, a roda da fortuna uma espcie de corrente em que estudantes entram para ganhar, mas acabam perdendo dinheiro , a ocupao da Uerj e religio.
Diverso, nmeros e informao Temas ligados responsabilidade social, como direitos humanos e o Es-
tatuto da Criana e do Adolescente, tambm esto presentes na revista, como na reportagem sobre trabalho escravo infantil publicada em maio, nos 120 anos da Abolio. Outra matria marcante, diz Josy, mostrou a rotina de alguns jovens que vivem h anos com o vrus da aids, enquanto outra abordou o tambm difcil dia-adia de alguns adolescentes saudveis: Uma pesquisa do IBGE apontou que meninas, muito mais que meninos, so responsveis pelos afazeres domsticos, o que faz com que tenham uma carga horria pesadssima. Entrevistamos uma jovem que, alm de estudar, ajuda a me a cuidar da casa e de dez irmos. Reportagens desse tipo trazem no s entrevistas, mas tambm nmeros e outras informaes sobre o assunto, que apresentado com profundidade. Josy Fischberg discorda de quem acha que os suplementos juvenis tm que ser necessariamente didticos. No caso da Megazine, alm da preocupao em fazer um produto jornalstico de qualidade, a proposta levar informao e selecionar o que os editores acreditam ser de interessante e relevante para o jovem: Nossa inteno fazer com que nosso pblico desperte para o jornal, de um modo geral. Somos uma primeira etapa para a formao de novos leitores.
VERGONHA
JOS CRUZ/ABR
A FACE DA DEMAGOGIA
POR VILLAS-BAS CORRA
Em reunio de famlia, com poucos convidados, o acaso colocou-me numa roda de conversa de jovens, vrios iniciando o duro ofcio de ensinar em colgios particulares para os ginasianos que se preparam para o vestibular nas faculdades. Uma moa elegante derivou a conversa para o tema que incendiou o debate. Professora de vrias matrias, como Qumica, Botnica, Cincias, Biologia e Fsica, em meia dzia de colgios particulares, recebe por aula a fortuna que varia entre 10 e 12 reais. Em alguns anos de batente, s uma vez conseguiu a proeza de abocanhar o mximo que bate no prmio lotrico de R$ 300. Sim, senhores: R$ 300 no ms sortudo, sem feriados nem dias santos. O mximo que a professora conseguiu alcanar perde de longe para o salrio-mnimo do Rio de Janeiro, reajustado para R$ 512,67, e mesmo para o mais modesto mnimo federal, fixado em R$ 465. A conversa no parou ai. Estvamos ainda distante do fundo do fosso. A professora ressalvou que no tinha a quem se queixar e ainda podia dar-se por feliz em ocupar o piso mais alto na categoria dos esquecidos pela demagogia perversa. R$ 12 por aula era quase uma generosidade de donas de escolas. Pois, mesmo no espao urbano de Jacarepagu, no um mas vrios colgios remuneram a aula em qualquer nvel com R$ 8. Exatamente, oito reais. Para juntar R$ 80, sem gastar um centavo, so 10 horas de aula. No embalo, o jovem atleta de ombros largos e braos musculosos aproveitou a pausa para entrar na cadncia das confisses. Professor de Educao Fsica, diplomado por faculdade particular das mais conceituadas e de mais altas mensalidades, d aulas de remo e natao em
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clubes famosos da Zona Sul e ganha por hora/ cofre. Os milhares de prefeitos convocados para aula os mesmos R$ 8 da tabela de fome dos cur- compor o auditrio para ouvir e aplaudir os exalsos e colgios da Zona Oeste. No seu caso, o ex- tados improvisos do Presidente Lula e conhepediente entra pela noite, passa das 23h. Como cer a sua candidata, a Ministra Dilma Roussemora longe e ainda no conseguiu comprar o car- ff, sucesso de 2010, cumpriram o seu papel. ro das suas prioridades, bate o ponto em casa de- E choraram as mgoas no circuito de converpois da meia-noite, tira uma soneca e refaz o per- sas com os ministros disponveis. Certamencurso pois nadadores e rete perderam a oportunidaOS MILHARES DE PREFEITOS madores tambm acordam de de ouro de colocar no CONVOCADOS PARA OUVIR E APLAUDIR mutiro de boa vontade do com as galinhas. No tenho informaes Governo atrs dos votos o OS EXALTADOS IMPROVISOS DO do outro lado do muro. quadro vergonhoso, obsPRESIDENTE LULA E CONHECER Mas posso especular sobre ceno do salrio dos profesA SUA CANDIDATA, A MINISTRA a choradeira de proprietsores das escolas pblicas DILMA ROUSSEFF, PERDERAM rios e diretores de faculdae particulares em todo o des e colgios fora da rea Brasil. Se o Governo deve A OPORTUNIDADE DE OURO DE nobre e endinheirada da dar o exemplo, tambm COLOCAR NO MUTIRO DE BOA Zona Sul e das manses e ele quem pode abrir o deVONTADE DO GOVERNO ATRS DOS arranha-cus de So Conbate e bancar a soluo. VOTOS O QUADRO VERGONHOSO, rado e da Barra da Tijuca. Na minha memria de Francamente, estamos diveterano cato o exemplo OBSCENO DO SALRIO DOS ante de uma situao insus- PROFESSORES DAS ESCOLAS PBLICAS da Universidade do Protentvel e que nada justififessor, criada por Jaime E PARTICULARES EM TODO O BRASIL. Lerner quando Governaca. O problema nacional, ainda que as solues possam ser municipais. Se dor do Paran. Aproveitando as runas de uma no Rio, ex-capital do Pas e antiga Cidade Ma- antiga construo, montou uma vila, com ravilhosa, professores com diplomas universi- casas, auditrios, refeitrio, sala de msica, bitrios sobrevivem com proventos mensais muito blioteca, onde durante anos as professoras priabaixo do salrio-mnimo, no necessrio bus- mrias do Estado passavam uma semana por car outras causas e explicaes para o descala- ano num mergulho cultural com palestras, debro do ensino, em diferentes nveis, do Amazo- bates, concertos de msica. nas ao Rio Grande do Sul. Mais do que a denncia A Universidade fechou. Dispenso as explida confessada ignorncia e do pasmo diante da caes. Fico com a lembrana das professoras evidncia de mais uma gerao perdida, tento com olhos arregalados de emoo e que entre provocar o debate. Como assistente, espero lgrimas confessavam nunca ter ouvido um acompanhar as desculpas federais, estaduais e concerto de msica ao vivo. municipais para o criminoso alheamento diante do escndalo que certamente tem soluo. Artigo publicado no Jornal do Brasil e reproduzido pelo jornal A E a ocasio oportuna. O Governo entrou no Voz da Serra, em sua edio do fim de semana de 14 a 16 de fevereiro. O jornalista Villas-Bas Corra membro do Conselho clima de campanha eleitoral e resolveu abrir o Deliberativo da ABI.
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Os irmos Caruso (Chico, esquerda; Paulo direita) abriram e conduziram o show de abertura da mostra, que o Presidente da ABI ( direita) apontou como um dos mais importantes eventos de comemorao do centenrio da Casa. Entre os que mais vibraram com a exposio estava Lan, decano dos cartunistas do Brasil ( direita, abaixo), que teve de se exilar por causa de uma charge, reproduzida na pgina seguinte.
O cartunista mais jovem da exposio, Joo, de 12 anos, fez questo de conhecer Luiz Fernando Verssimo, de quem admirador (acima). Atrs do cartunista, escritor e msico, Adail observa o encontro. Abaixo esquerda, o filho de Henfil, Ivan Cosenza de Souza, conversa com Jaguar. direita, o Diretor-Executivo do Centro Cultural Justia Federal, Ccero de Almeida, ao lado de Maurcio e Marilka Azdo.
Guidacci (acima), um dos expositores, exibe o catlogo com a reproduo de seu desenho. Zuenir (abaixo) definiu o show com este adjetivo: incrivel.
ele tinha que ficar somente na msica, pois toca sax muito melhor do que escreve", brincou o chargista de O Globo. Outro ponto destacado pelo escritor gacho foi a escolha de Henfil como homenageado da exposio. O cartunista mineiro, morto em 1988, teria completado 65 anos no dia 5 de fevereiro deste ano. "Acho que foi muito significativa essa lembrana, pois ele foi um tpico produto daquela poca dura da
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censura, que surgiu como a grande novidade do humor brasileiro, justamente porque atravs do trao conseguia dizer coisas que muita gente no podia falar por meio de textos". Expostos para a apreciao do pblico, os trabalhos de 55 artistas mostravam o que h de mais refinado em traos recheados de humor e crtica, sempre preocupada com o vis social e a defesa da liberdade de imprensa - mar-
cas inconfundveis da trajetria da ABI. O talento de nomes como Adail, Airon, Aliedo, Alvio, Amorim, Andr Brown, Arionauro, Aroeira, Bruno Drummond, Cau Gmez, Cavalcante, Chico Caruso, Chiquinha, Claudius, Cruz, Dlcio, Daniel Mendes, Deivid, Edgar Vasques, Eduardo Caldari Jr, Gilmar, Guidacci, Guto Lins, Hemetrio, Henfil, Izidro, J. Bosco, Jaguar, Joo, Lailson, Lan, Lor, Loredano, Marcelo Mon-
teiro, Marguerita, Mariano, Marta Strauch, Maurcio Veneza, Nani, Nei Lima, Ota, Pablo Carranza, Paulo Caruso, Quinho, Ray Costa, Santiago, Soud, Spacca, Trimano, Ucha, Verssimo, Ykenga, Z Roberto Grana e Ziraldo esteve ao alcance do pblico. A exposio foi dividida em trs mdulos. O primeiro, com temas que falam da trajetria da ABI e prestam homenagem a figuras histricas da instituio, como Barbosa Lima Sobrinho. O segundo, de carter histrico, apresentou desenhos de cartunistas que foram importantes na luta pela liberdade de imprensa e de expresso, durante a ditadura, como Ziraldo, Henfil e Jaguar. O terceiro mdulo foi reservado para mostrar trabalhos que retratam as dificuldades que, em substituio censura, continuam cerceando a liberdade de imprensa e de expresso. Presente ao evento e reconhecidamente uma das referncias nacionais do jornalismo, Zuenir Ventura falou sobre a apresentao dos colegas. "Esse show foi incrvel, digno da proposta da ABI em defesa da liberdade. muito bom saber que ela est viva e atuante, uma entidade que sempre foi uma referncia para ns, jornalistas. Eu acompanhei parte desta histria, como profissional, inclusive na poca da ditadura, e sinto prazer em ver essa revitalizao da ABI, sobretudo este espetculo que foi realmente um momento histrico." Aps a apresentao da banda, o Presidente da Casa, Maurcio Azdo, agradeceu a contribuio dos artistas que "por meio do trao e da msica ofereceram ABI uma bela exibio, como prova da sua vitalidade e atuao na luta pela liberdade de imprensa e de expresso". Emocionado, Maurcio tambm destacou a importncia histrica de Henfil, patrono da exposio, "um artista que dedicou toda sua trajetria luta pela livre expresso, tanto na imprensa quanto em outros meios, como a televiso".
"Essa mostra rene a suma dessa criao rica e inspirada e tambm muito contundente. E deixa a ABI confortada ao ver que mereceu as homenagens daqueles desenhistas que ofereceram seus trabalhos, sem nenhuma contrapartida monetria, para integrar essa exposio que, para ns, uma belssima realizao da Casa no ano do seu centenrio", disse Maurcio Azdo, lembrando que todos os artistas convidados aceitaram participar da exposio, a maioria deles criando desenhos especialmente para a mostra. "A exposio tem um significado especial para a ABI, pois apresenta um dos aspectos mais destacados da imprensa brasileira, que a participao dos caricaturistas, cartunistas, chargistas, com os seus desenhos crticos acerca dos diferentes aspectos da vida nacional, seja no campo poltico ou dos costumes. Uma exposio que guarda fina sintonia no apenas com a histria da Associao, mas tambm com a prpria evoluo da imprensa do Pas", escreveu Maurcio no texto de abertura do catlogo da mostra. Muitos dos artistas que dedicaram seus traos ABI tambm estiveram presentes na solenidade de abertura da exposio. Foi o caso do cartunista Z Roberto Grana, um dos curadores da mostra. Segundo ele, a proposta principal do evento era reunir o maior nmero possvel de representantes de desenho de humor brasileiro, de vrias regies do Pas. "Temos aqui trabalhos de desenhistas de todo o Brasil, a
Por causa da charge acima o cartunista Lan foi convidado a sair do Pas logo aps o golpe de 1964. A censura imprensa e a represso da ditadura militar foram tratados por Verssimo (acima), Dlcio (ao lado) e Aliedo (abaixo esquerda). Ziraldo preferiu expor graficamente sua homenagem ABI.
maioria do Rio. O mais curioso que conseguimos juntar do mais experiente ao mais jovem. Temos o talento do Lan, aos 84 anos, e o Joo Pedro, que um menino de 12 anos, que j faz sucesso na internet e daqui a pouco tempo estar se juntando a ns, cartunistas profissionais", festejou Grana. Outro propsito do evento era reunir desenhistas numa tentativa de influenciar os colegas a se associarem ABI. "No temos ainda um nmero representativo de figuras do cartum brasileiro ligadas Associao. Muitos talvez nem tenham a conscincia de quanto isso importante. O cartunista precisa entender que a ABI a nica instituio que tem a possibilidade de defender o nosso trabalho, a nossa liberdade de criao, sem nenhum tipo de censura. por isso que eu espero que todos venham para a ABI, j que no somos muitos. E que faam parte da luta contra a censura, que constante", declarou Grana.
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Para o veterano Lan, que na poca da ditadura teve trabalhos censurados, muitas vezes um desenho censurado " um depoimento mais forte da censura do que um desenho produzido especialmente para denunciar a prpria censura". Em 1974, Lan teve que deixar o Brasil por causa da famosa srie de desenhos em que os militares apareciam como gorilas. Com 65 anos de profisso, j viveu muitas experincias com Governos ditatoriais: na Itlia, com Mussolini; e na Argentina, sob o peso de Pern. "Acho que no nosso ofcio em jornal, principalmente quando se faz charge poltica, no podemos ser covardes de jeito nenhum, temos que denunciar. Eu confesso que eu era mais crtico. Hoje em dia se faz muita graa sobre os fatos, mas o pontap na canela, como eu dava no meu tempo e outros da minha poca tambm deram, atualmente no h mais. Hoje se brinca, h muito mais liberdade", avalia Lan. Outro experiente no ramo, Jaguar demonstrou grande satisfao com o resultado da exposio. "Eu achei muito bacana, pois aqui esto sendo exibidos alguns momentos marcantes do cartum nacional. Hoje em dia a gente faz uma charge e fica por isso mesmo. Quer dizer, no aparece mais a Polcia no dia seguinte na sua porta para te levar. Isso j aconteceu muito conosco, e a ABI nos proporcionava e proporciona essa segurana e tranqilidade. A nossa vida ficou muito mais mansa, embora menos emocionante", brincou. Nas palavras de Ricky Goodwin, tambm curador da mostra, a principal caracterstica dos trabalhos a incluso de todas as manifestaes possveis no mundo do desenho. Entre os trabalhos,
Jaguar, Bruno Drummond, Rogrio Soud (acima), Claudius, Z Roberto Grana e J.Bosco: homenagens ao centenrio e crtica falta de liberdade de expresso.
era possvel conferir a bela produo de cartunistas, chargistas, caricaturistas, gravuristas, escultores, designers e artistas plsticos. "A idia da exposio foi reunir artistas de renome, que tiveram participao direta na luta pela liberdade de expresso, durante a ditadura militar, a outros de geraes posteriores, que foram influenciados por esses mestres". Alguns desenhos expostos eram originais dos anos da ditadura que, vetados pelos censores da poca, s agora, via exposio, chegaram ao conhecimento do pblico. Tambm presente na exposio, com uma charge em que critica a censura religiosa, Guidacci lembrou que a histria da caricatura no Brasil muito antiga, com um passado marcado por lutas. "Eu fui processado por uma charge no Pasquim que satirizava o Governo Geisel. Tivemos um perodo conturbado para a criao de charges, que so desenhos crticos. Mas qualquer coisa pode ser criticada. E a funo do chargista mesmo exercer a crtica", afirmou.
O cartunista Amorim afirmou que a ABI representa a luta pela liberdade de expresso e pelo humor, pois em qualquer ditadura no h espao para o riso. Quando a meta construir um pas democrtico, disse, preciso chamar os
humoristas. " claro que s vezes o resultado fica um pouquinho diferente do que o pessoal planeja, mas a caricatura sempre o termmetro de uma situao. O fato de existir uma imprensa livre que nos levou a participar desta homenagem ao centenrio da ABI, com toda a honra para ns cartunistas. sinal de que podemos ter um Pas melhor e um futuro promissor", concluiu. Editor do Jornal da ABI e um dos organizadores do catlogo da mostra, Francisco Ucha acha que o espao dos cartunistas, to em baixa nos jornais, no pode ser confiscado. "Eles esto dando um presente importante para a nossa Casa. H 171 anos comearam as ilustraes nos jornais, ainda no havia fotos, e os veculos passaram a vender mais. Hoje em dia o espao do cartunista diminuiu, mas vemos por esse histrico que est sendo exposto aqui como brilhante a participao de ilustradores e cartunistas na imprensa brasileira. O espao deles no pode ser diminudo", resumiu Ucha.
Aconteceu na ABI
Como acabar com o poder paralelo das milcias no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades brasileiras? Debater essa difcil questo foi a tnica da sesso especial do Conselho Deliberativo da ABI realizada na tarde do dia 17 de fevereiro. A Sala Heitor Beltro, no 7 andar, ficou lotada pela presena de Conselheiros, que puderam acompanhar o balano da CPI das Milcias pelo Deputado Estadual Marcelo Freixo (Psol), que presidiu a investigao parlamentar na Assemblia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Na mesa, ao lado do Presidente da ABI, Maurcio Azdo, do Presidente do Conselho Deliberativo da Casa, Pery Cotta, e do 1 Secretrio, Lnin Novaes, Freixo falou sobre o trabalho desenvolvido pelos parlamentares e sobre os efeitos da ao de grupos milicianos, como o aumento da violncia e o clima de insegurana entre a populao. Em sua exposio, Marcelo Freixo foi enftico: as milcias devem ser encaradas como organizaes criminosas e por isso combatidas com firmeza pelo Estado: - Milcia crime, falar em milcia que deu certo um debate ao qual eu me recuso a comentar. Eu no abro mo do Estado de Direito. Nenhum grupo criminoso pode substituir o Estado. Quando fiz o pedido de instalao da CPI, usei como justificativa os fortes indcios de que o crime organizado dentro do Poder Pblico - dominando territrios, extorquindo moradores, monopolizando servios e promovendo um assustador aumento de homicdios - j se tratava da maior ameaa ao Estado Democrtico de Direito. Sobre os milicianos constiturem um poder paralelo, o deputado rebateu: No existe poder paralelo, o que acontece que o crime est dentro do Poder Pblico disputando espao. a mquina pblica servindo a interesses privados. Quando dominam uma regio, os milicianos mostram o distintivo e trazem o discurso da ordem. Por isso o maior golpe que podem sofrer serem desligados da Polcia, pois perdem esse falso discurso. A CPI das Milcias foi aprovada em junho de 2008, mais de um ano aps ser apresentado o pedido para sua instalao. O fato que ajudou na materializao da Comisso foi a violncia so-
O Deputado Marcelo Freixo ( esquerda) diz que a milcia no poder paralelo: o crime organizado est dentro do Poder Pblico, com o qual disputa espao.
frida por uma equipe de reportagem do jornal O Dia, torturada por milicianos em uma favela do Rio. O caso chocou as autoridades e a sociedade de maneira geral, o que facilitou a tramitao da CPI, cujo relatrio final levou 150 dias para ser concludo. No relatrio final, 200 milicianos foram indiciados. O documento tambm denuncia a falta de um planejamento mais claro, com prazos e metas a serem cumpridos pelo Poder Pblico no combate aos grupos. Entre as aes positivas, criadas com a instaurao da CPI, est o "Disque Milcia", pelo qual a populao comeou a fazer denncias. Outro ponto destacado a necessidade de o Estado voltar a ter soberania sobre diversas reas da cidade, em que o crime organizado ou as milcias exercem uma autoridade "tirnica": - O prprio discurso do Governador [Srgio Cabral Filho] mostra que o aparato policial entra nessas reas como se estivesse preparado para uma guerra, o que gera conseqncias muito graves. Hoje, o nmero de pessoas mortas a tiro no Rio de Janeiro constitui um genocdio, principalmente contra jovens negros e pobres. Ns precisamos repensar o conceito de cidade para retomar a lgica da ordem. O Presidente da ABI elogiou a atuao da Alerj na conduo do debate e das investigaes. Para ele, ela deixou de ser mais um "centro de negcios
escusos", transformando-se no centro de discusso poltica do Estado. J o mesmo no pode ser dito sobre a Cmara Municipal, que Azdo disse passar por um momento de "apagada e vil tristeza", evocando verso de Cames. Ainda foi enfatizado que a discusso no pode parar: milcias esto-se formando em muitas outras grandes cida-
des brasileiras e o debate deve se tornar nacional. O comportamento dos meios de comunicao tambm foi um dos assuntos da sesso. Marcelo Freixo considera que eles teriam sido omissos ao tratar o assunto, pois durante um bom tempo permaneceu na imprensa a idia de que as milcias constituem um mal menor do que o trfico de drogas. Para o deputado, onde as milcias atuam h lucro e morte. A exceo ficou por conta da atuao do jornal O Dia. Alm da total colaborao com a CPI das Milcias, a posio do jornal foi elogiada pelo Presidente da ABI ao trmino do encontro: Gostaria de homenagear o Deputado Marcelo Freixo, a quem conheci em solenidade ocorrida na OAB-RJ logo aps a tortura sofrida pela equipe de O Dia na favela do Bat. Na ocasio, ele nos causou muito boa impresso pela firmeza em sua exposio e pela disposio de ir fundo, como realmente foi, neste caso das milcias no Rio de Janeiro. Tambm gostaria de homenagear a atuao dos jornalistas de O Dia e o excelente trabalho que o Editor Alexandre Freeland est fazendo frente do jornal, ao rodar uma edio corajosa denunciando a tortura sofrida por sua equipe.
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Aconteceu na ABI
CONSELHO
Decano do jornalismo poltico em Braslia ao lado de Carlos Chagas, Rubem de Azevedo Lima e seu irmo Haroldo Holanda, o jornalista Tarcsio Holanda foi eleito Vice-Presidente da ABI, em substituio a Audlio Dantas, que renunciou em dezembro passado. Membro do Conselho Deliberativo da Casa, Tarcsio recebeu a deciso com emoo: a indicao de seu nome foi aprovada por aclamao de seus pares.
Em sua reunio de maro, realizada no dia 10, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou por aclamao a indicao do nome do jornalista Tarcsio Holanda para o cargo de Vice-Presidente da Casa, em substituio ao jornalista Audlio Dantas, que renunciou em 15 de dezembro passado. A indicao foi feita pelo Presidente da ABI, Maurcio Azdo, que destacou a trajetria profissional de Tarcsio, um dos decanos do jornalismo poltico em Braslia, ao lado de Carlos Chagas, Rubem de Azevedo Lima e Haroldo Holanda, seu irmo. Tarcsio est radicado em Braslia desde 1975, quando se transferiu para a Sucursal do Jornal do Brasil, , a fim de participar da cobertura do Congresso Nacional. Atualmente apresentador do programa Brasil em Debate da TV Cmara, exibido de segunda a quinta-feira. O Presidente do Conselho, Pery Cotta, props que a eleio se processasse por aclamao, em vista do denso currculo de Tarcsio e, tambm, da inexistncia de outra indicao. Diante das palmas de seus companheiros no Conselho, Tarcsio confessou que ficou emocionado com a manifestao de apreo e declarou que recebia a eleio como uma grande honra, dada a importncia da ABI nas lutas em defesa da liberdade de imprensa, dos direitos humanos e do Estado Democrtico de Direito.
Tarcsio Holanda confessou sua emoo com a manifestao do Conselho Deliberativo da ABI que aprovou seu nome para o cargo de Vice-Presidente por aclamao.
ram-se para Tarcsio as portas de todos os empregos. Restou-lhe como opo, por solidariedade, a Rdio Assuno, conhecida como a rdio dos padres, na qual no ficou muito tempo. Certo dia o diretor da rdio, um padre, chamou-o e lhe disse:
Em 1971 Tarcsio ocupava a Subchefia de Reportagem do Jornal do Brasil, que funcionava ento na Avenida Rio Branco, 110.
Aqui est uma passagem para o Rio de Janeiro, para onde voc deve ir, porque aqui em Fortaleza no haver mais emprego para voc, nem aqui na Rdio Assuno. Pode passar no caixa para receber seus direitos e seja feliz. Corria o ano de 1962 quando Tarcsio resolveu radicar-se no Rio, onde procurou o jornalista Moacir Werneck de Castro, diretor de Redao da ltima Hora de Samuel Wainer, que ele conhecera ao receb-lo e a Octvio Malta em Fortaleza quando era Secretrio-Geral do Partido Socialista Brasileiro, ao qual ambos estavam filiados. Comeou ento em UH uma
trajetria que o levou ao Jornal dos Sports, no qual foi admitido como copidesque em 1963; Sucursal Rio da Folha de S. Paulo, na qual permaneceu dez anos; Jornal do Brasil, no qual trabalhou de 1963 a 1982 e que foi responsvel por sua mudana para Braslia. Foi tambm muito jovem que Tarcsio fez sua iniciao na televiso. Em 1958, com 22 anos, trabalhou na TV Cear, de Fortaleza, espcie de antesala de seu trabalho na TV Excelsior, em 1963, como reprter poltico do pioneiro Jornal de Vanguarda, criado e dirigido por Fernando Barbosa Lima e que foi tirado do ar aps a edio do Ato Institucional n .5, em 13 de dezembro de 1968. Chefe de Reportagem da TV Globo entre 1965 e 1966, atuou como reprter e comentarista poltico no Jornal de Vanguarda quando a TV Globo o transmitia (1966). Trabalhou tambm na TV Rio, emissora de grande prestgio e audincia nos anos 50 e 60, e na TV Tupi, emissora que liderava a rede Dirios e Emissoras Associadas de Assis
Chateaubriand. Na TV Excelsior, que era a lder de audiencia no Rio e em So Paulo no comeo dos anos 60, Tarcsio fez um programa poltico com VillasBas Corra. Era o Alta Poltica, que permaneceu no ar por quase dois anos. Quando Fernando Barbosa Lima concebeu e produziu o programa Abertura, lanado em 1979 e transmitido nacionalmente pela cadeia de Emissoras Associadas a partir da TV Tupi do Rio de Janeiro, Tarcisio trabalhou em Braslia como reprter e fez destacadas entrevistas com importantes lderes polticos, entre os quais o Senador Petrnio Portela (Arena-PI), que promovia os contatos polticos do programa de abertura lenta, gradual e segura do General-Presidente Ernesto Geisel. Petrnio, que morreu em 1981, como Ministro da Justia do General-Presidente Joo Batista de Figueiredo, era uma das fontes mais seguras e confiveis de Tarcsio, que foi tambm reprter e comentarista poltico do Correio Braziliense por quase 15 anos e do Jornal de Braslia, bem como apresentador, durante cinco anos, do programa matutino Telemanh, da TV Braslia, afiliada da Rede Manchete de Televiso. Em 1973, ainda no Rio, Tarcsio foi Presidente do Clube dos Reprteres Polticos do Rio de Janeiro, o qual promoveu entrevistas coletivas com influentes lderes polticos, como o VicePresidente da Repblica Pedro Aleixo, dois Presidentes da Arena, Senadores Daniel Krieger (RS) e Filinto Mller (MT), o Senador Afonso Arinos de Melo Franco (Arena-GB), o General Osvaldo Cordeiro de Farias, o ex-Ministro da Justia do Presidente Jnio Quadros e lder do MDB na Cmara Federal, Deputado Oscar Pedroso Horta (SP). Com sua programao de entrevistas o Clube dos Reprteres Polticos buscava manter as questes da poltica presentes no noticirio jornalstico, em oposio idia do regime de que poltica era tema dispensvel. Como reprter do Jornal do Brasil, Tarcsio fez reportagens e textos marcantes, como o de Os Tecnocratas ou A Metamorfose do Poder, publicada no Caderno Especial que o JB ento man-
tinha, a qual mostrava a ascenso dos tecnocratas ao poder aps o golpe militar de 1964. Ele tomou um depoimento do ento Senador Filinto Mller, que se defendeu pela primeira vez das acusaes de que promovera torturas quando Chefe de Polcia do Estado Novo (1937-1945) e de que fora o responsvel pela entrega de Olga Benrio Prestes, mulher de Lus Carlos Prestes, ao Governo nazista de Adolf Hitler. Foram igualmente marcantes a entrevista que fez com o ex-PrimeiroMinistro Hermes Lima sobre o seu livro de memrias, Travessia, suma da trajetria de um intelectual e militante poltico desde os anos 30; um texto de duas pginas sobre o Marechal Osvaldo Cordeiro de Farias quando este morreu; a reportagem A Tragdia do Caldeiro, em que relatou o assassinato de centenas de trabalhadores rurais agrupados sob a liderana do beato Jos Loureno na Serra de Araripe, no Cear, episdio pouco conhecido da Histria do Brasil. Tarcsio escreveu o livro Paulo Afonso Martins de Oliveira O Congresso em Meio Sculo, exaustivo e minucioso depoimento do ex-Secretrio-Geral da Cmara dos Deputados sobre a evoluo poltica do Pas desde a queda do Estado Novo, em 1945, os trabalhos de duas Assemblias Nacionais Constituintes, a de 1946 e a de 1987-1988, e as crises polticas vividas pelo Pas ao longo de 50 anos.Ao lanamento da obra pela Presidncia da Cmara dos Deputados, que a editou, compareceram mais de mil pessoas, entre parlamentares, autoridades dos trs Poderes e jornalistas, numa prova do prestgio profissional de Tarcsio. Na TV Cmara, que apresenta o programa Brasil em Debate s 21h30min s segundas e quintas-feiras e s 22h30min s teras e quartas-feiras, Tarcsio participou da produo de mais de 30 depoimentos histricos de personalidades de diferentes posies polticas e ideolgicas, como o filsofo Miguel Reale, os dirigentes comunistas Jacob Gorender e Hrcules Correia dos Reis, os Generais Reinaldo Melo de Almeida, Comandante do I Exrcito nos anos
Acima, um flagrante histrico, em 1973: almoo do Clube dos Reprteres Polticos, de que Tarcsio era Presidente, no restaurante Casa da Sua, no Rio. Da esquerda para a direita, o Marechal Osvaldo Cordeiro de Farias, o jornalista Carlos Castelo Branco e os Senadores Afonso Arinos de Melo Franco e Tancredo Neves. Ao lado, Tarcsio com o Deputado Ulisses Guimares em 1989. Ulisses era Presidente da Cmara e do PMDB e uma das grandes fontes de informao da poca.
70, e Lenidas Pires Gonalves, Ministro da Guerra no Governo Sarney, e os poetas Ferreira Gullar e Gerardo Melo Mouro. Testemunha da vida poltica do Pas por quase 40 anos e devorador de obras de Histria de sua seleta, ampla e bem cuidada biblioteca pessoal, Tarcsio prestou TV Cmara um depoimento de mais de sete horas sobre a Histria do Brasil Contemporneo, o qual se encontra disposio de estudiosos e pesquisadores na Seo de udio e Televiso da Biblioteca da Cmara dos Deputados. A TV Cmara tambm editou um depoimento dele de 42 minutos sobre os fatos marcantes da vida poltica do Pas. Educado e polido no trato com as pessoas, sem sacrifcio da firmeza com que, quando necessrio, expe suas opinies pessoais, Tarcsio no perdeu a oportunidade de recriminar diretamente o Senador Virglio Tvora, que
ascendera ao Governo do Cear e se tornara o manda-chuva da poltica no Estado, quando o encontrou, nos anos 70, ao cobrir um churrasco de uma comemorao poltica. Tarcsio se dirigiu a ele e lembrou que fora vtima, muitos anos antes, da perseguio que Tvora e Falco lhe moveram em Fortaleza, impedindo-o de exercer a profisso de jornalista em sua terra. Tarcsio j era ento um reprter poltico de renome. Tvora sabia disso. Numa aluso carreira ascendente que Tarcsio firmara no Rio, disse-lhe Tvora: Eu lhe fiz um grande bem, Tarcsio, tirando-o da obscuridade que teria l no Cear. Sem papa na lngua, Tarcsio deu-lhe o troco imediato. Um grande bem, no, Governador. O senhor me fez um grande mal. Eu que o transformei em bem, trabalhando demais para chegar onde estou. (Maurcio Azdo)
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HISTRIA
bertadora) que em 1945 ressurgiria como UDN. (Unio Democrtica Nacional). Nesse mesmo dia e na mesma Escola Nacional de Msica (prdio hoje tombado), Lus Carlos Prestes lanaria as bases da Revoluo Comunista de 27 de novembro de 1935. Revoluo autntica e verdadeira, mas sem recursos, sem gente, desorganizada e despreparada. Que permitiria a Vargas criar o Estado Novo, que duraria oito anos cruis e selvagens, at derrubada a partir da entrevista de Jos Amrico. (Agora magistralmente revivida por voc.) Mas por que, programada para o Dirio Carioca, saiu no Correio da Manh? que, apesar de a tecnologia da informao no ter os recursos de hoje, logo o fato vazou, o ditador ficou sabendo. O Dirio Carioca sofreu intimidao, e no tinha como resistir. Mas Paulo Bittencourt, bravo e independente, logo se ofereceu; era financeiramente mais poderoso do que o Dirio Carioca. E Carlos Lacerda foi mantido. Tinha excelentes relaes no Correio da Manh. O nome de Jos Amrico surgiu naturalmente, pois estava sempre atuante a partir dos movimentos tenentistas, vitoriosos em 1930. A partir dessa data, dois homens foram chamados de Vice-Reis do Nordeste: Juarez Tvora, tenente importantssimo, e Jos Amrico, civil altamente representativo (e que inclusive se destacaria na literatura, com a publicao do revolucionrio A Bagaceira). Jos Amrico ficou como interventor na sua Paraba; em 1937, ele e Armando de Sales Oliveira, cunhado do doutor Jlio Mesquita Filho do Estado de S. Paulo, foram lanados candidatos sucesso de Vargas. Repetindo o que fez em 1930, Vargas foi o sucessor de si mesmo, implantando o Estado Novo (que o genial Aporelly, o Baro de Itarar, definiu simplesmente, como o Estado a que chegamos). A acabou tudo; as prises, asilos e exlios foram milhares. E as coisas s ganhariam clima e dimenso democrtica com a entrevista arquitetada e executada por Lus Camilo.
AS MANOBRAS DE VARGAS
Estava visvel que Vargas, mesmo em 1945, antes da entrevista famosa, no queria eleio. Em 22 de fevereiro (fato completamente desprezado), Vargas publicou ato convocando uma Constituinte para 2 de dezembro do mesmo 1945. Era a primeira vez que um ditador convocava uma Constituinte, que se realizou nesse mesmo 2 de dezembro, j sem ditadura e sem ditador, por fora da entrevista de Jos Amrico. Essa entrevista foi fundamental, divulgada e consagrada, mas o importante que provocou um efeito cascata de dimenses notveis. A conseqncia que teria repercusso na hora e na Histria foi a libertao de Lus Carlos Prestes. Preso desde 1936, foi o brasileiro mais torturado de todos os tempos. Ficou
Antes da entrevista de Jos Amrico, conta Hlio Fernandes, Getlio ainda imaginava manter-se no poder.
REPRODUO
at 1940 na Polcia Central, aquele prdio tenebroso da Rua da Relao, onde tanta gente morreu e eu freqentei com mais assiduidade do que gostaria. Quatro anos num vo de escadas, sem ver a luz do sol, fazendo ali refeies e necessidades. Seu carcereiro era Filinto Muller, chefe de Polcia, ex-amigo de Prestes e ex-tenente, que esqueceu todo o passado, mantendo Prestes em condies desumanas. Ele s saa para ir ao julgamento no Tribunal de Segurana Nacional, cujo procurador-geral, um carrasco, se chamava Hymalaia Virgulino. Um homem com esse nome tem tudo para se vingar do mundo; descarregava em cima de Prestes. A OAB designou para defender o lder comunista o advogado Sobral Pinto. Conservadorssimo, ele no pde recusar nem defender Prestes, no tinha condies. Apelou ento para a Sociedade Protetora dos Animais, fato inacreditvel que a censura no deixou publicarem. Um dia, um policial daqueles de roupa vermelha (a polcia da ditadura) deu um sonoro bofeto no rosto de Prestes, sem que alguma coisa fosse feita. Em 1940, com Brasil e Unio Sovitica j aliados na luta contra o nazifascismo, Stlin diretamente mandou pedir a Vargas a libertao de Prestes. Matreiro, sem carter e sem convices, o ditador viu logo o poder de negociao que tinha nas mos: o destino de Prestes. No liberou o lder, reservou-o para uma negociLus Camilo era um estudioso que levantou preciosa documentao ao mais alta. Mas mandou transferi-lo histrica em arquivos de Portugal. Ele organizou a Biblioteca Pblica de Itabira, que durante algum tempo teve o nome de para a penitenciria da Rua Frei Caneca. Presidente Vargas, carimbado no ex-libris de suas publicaes. Em 48 horas foi levantada uma casinha de madeira, quarto e sala, para Prestes poder tos se precipitaram, os jornais publicando tudo, j sem receber visitas e correspondncias. censura, por causa da entrevista articulada por Lus Cino anos depois, Vargas se aproveitaria da conCamilo. S que a ditadura no duraria mais um ms. seqncia que previra e negociava a libertao de Todos se uniram. Vargas foi procurado por exPrestes. Chamou Filinto Muller e comunicou: Hugo amigos agora querendo eleies. Resistia, diria seguiBorghi, meu amigo, ter conversa reservada com Lus damente: S morto sairei do CaCarlos Prestes. Providencie. Nestete. (Curiosamente os fatos da sa conversa, Borghi, em nome do vida e morte de Vargas se cruzariam, ditador, disse a Prestes que ele seat com a combinao de nmero e ria solto imediatamente, mas Gepalavras. 1945 e 1954 representam tlio Vargas no gostaria de t-lo os mesmo nmeros com o final incomo inimigo ou adversrio. vertido; se em 1945 dizia que s Pragmtico, mas tambm um sairia morto, saiu bem vivo, acomhomem escravo das suas convicpanhado do Cardeal Dom Jaime es, Prestes concordou inteiraCmara (Washington Lus, Presimente. E mais tarde para os amigos dente eleito, derrubado por Vargas, e companheiros do Partido surpresaiu do Catete com o Cardeal Arcoendidssimos deu a mesma justifiverde). Em 1954, Vargas saiu realcativa do episdio da priso e entremente morto, no ato poltico e huga aos nazistas de Olga Benrio, sua mano mais genial de toda a Histmulher: Os dramas pessoais no ria e no apenas do Brasil. Ele mespodem interferir ou prejudicar os mo, no que se chamou de Carta interesses da coletividade. Testamento, dizia que deixava a Acusadssimo por causa disso, vida para entrar para a Histria. seria mesmo fato para ser criticaO jornalista Maciel Filho caprido, mas preciso uma coragem, chou no texto e no contedo, que uma bravura e uma capacidade ganhou dimenso eterna pela posiquase estoicismo para defender poo e o gesto do prprio Vargas. E o povo, que 48 hosies como essa. Solto, Prestes logo estarreceu o Pas ras antes pedia a sada de Vargas, chorou no seu entodo. Marcou comcio para o Estdio do Vasco (ainterro, um dos maiores que j existiram. E o mesmo da no existia o Maracan), compareceram, pelos povo que na vspera queimava os carros do PTB e dava clculos da poca, 150 mil pessoas. Quase todos deia vivas a Lacerda mudou inteiramente de lado; incenxando o estdio chorando, por dois motivos. Prestes diava os carros da UDN e pedia: Morra Lacerda. acusava o prprio povo presente de estar se aburEra o fim da ditadura. Vargas tentou de tudo, at guesando, dando mais importncia a geladeiras (texo inqualificvel. No dia 29 de outubro desse 1945, s tual) do que luta pela coletividade. O segundo fato 9 horas da manh, dava posse no Catete ao irmo cabe numa frase-conceito-definio: Constituinte estrina e cafajeste, Beijo Vargas, como Chefe de com Vargas. Era muito, ningum entendeu, os faJornal da ABI 339 Maro de 2009
ILUSTRAO: UCHA
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Polcia. No durou um dia. s 17h10min, na mesma tarde, Beijo era demitido, e Vargas j estava longe. Para terminar (poderia ir adiante), contradio final: a ditadura acabou, mas no houve cassao dos que usaram e abusaram 15 anos no Poder, nenhuma inelegibilidade. Ento, todos se candidataram a deputado por sete Estados e a senador por um. Lgico, eleito, tinha que optar. Vargas se elegeu por sete Estados e senador pelo Rio Grande do Sul, escolheu ser senador, cujo mandato no exerceu, no era do seu estilo. Foi tomar posse e depois compareceu uma vez. Levou de leve uma pedrada, no voltou mais. Prestes se elegeu senador e deputado pelo mesmo Distrito Federal; foi atuante at 1948, quando o Partido Comunista voltou ilegalidade e ele novamente foi morar na Unio Sovitica. Espero que estas notas rpidas, citadas sem qualquer consulta, possam ficar no teu arquivo pessoal e no da ABI, como contribuio e revelao de fatos no publicados, todos conseqentes do trabalho de Lus Camilo na entrevista de Jos Amrico dada a Carlos Lacerda. Com o abrao do (a) Hlio Fernandes.
Alexander Medvedovsky mostra ao Presidente da ABI, Maurcio Azdo, os exemplares inaugurais dos suplementos criados a partir da parceria entre o JB e a Rossiyskaya Gazeta. Janir de Hollanda Ferreira e Lincoln Martins observam.
PARCERIA
NOSSO SURREALISMO
PS Como voc diz, Maurcio, na excelente nota de abertura da republicao da entrevista, que Jos Amrico depois foi Ministro de Vargas, pela primeira vez eleito, um esclarecimento, que mostra a que ponto chega o surrealismo brasileiro. Em 1950, quando Vargas se elegia Presidente, Jos Amrico era eleito Governador da Paraba. Em 1952, quando 69 coronis assinaram um manifesto exigindo a demisso do Ministro do Trabalho Joo Goulart (a primeira assinatura era do Coronel Amauri Kruel), o Governo Vargas aceitou a exigncia, mas entrou em crise. Resolveu ento, reformar o Ministrio. Convidou o Governador Jos Amrico para Ministro, ele aceitou, s que no sabia como fazer. Consultou o grande amigo Prado Kelly (os dois da UDN), que lhe disse textualmente: Aceite, pede licena do Governo, ningum vai notar . Assim foi feito, inconstitucionalmente. Quando Vargas se matou, Jos Amrico reassumiu o Governo da Paraba, ningum ficou surpreendido.
JORNAL DO COMMERCIO
O JB em terras da Rssia
Parceria estabelecida entre o Jornal do Brasil e o Rossiyskaya Gazeta para a publicao de suplementos especiais e aproximao dos dois pases.
O Jornal do Brasil agora , tambm, um pouco russo. A tradicional publicao brasileira, fundada em 1891, est circulando nos 17,1 milhes de quilmetros quadrados da Federao Russa, com uma edio em caracteres cirlicos, tipologia do alfabeto das lnguas eslavas. Trata-se, na verdade, de um suplemento especializado do dirio russo Rossiyskaya Gazeta, nico jornal do Governo, com a tiragem de 700 mil exemplares em dias de semana nmero que pode saltar para 2 milhes aos sbados e domingos. Em contrapartida, numa espcie de intercmbio cultural, o JB edita em lngua portuguesa, para distribuio no Brasil, um suplemento com base no material da publicao russa. Exemplares das edies inaugurais dos suplementos foram doados ABI no dia 17 de maro, pelos diretores do JB que participam da execuo do contrato firmado com a Rossiyskaya Gazeta. Com Alexander Medvedovsky, jornalista russo que vive h 38 anos no Brasil e responsvel editorial pelos dois suplementos, o Gerente Comercial de Projetos Editoriais do JB, Lincoln Martins, e o Diretor de Projetos Editoriais do jornal, Janir de Hollanda Ferreira, expuseram ao Presidente da ABI, Maurcio Azdo, os aspectos mais destacados do contrato firmado entre as duas empresas. Informou Lincoln Martins que as negociaes acerca do projeto se prolongaram por cerca de um ano, at que foram definidos os termos da parceria, que nada tem de gratuita: o JB paga pela edio do seu suplemento no idioma russo, enquanto a Rossiyskaya remunera o JB pela edio mantida por este. Os suplementos foram lanados quase simultaneamente: no dia 3 de maro no Rio de Janeiro e no dia 5 em Moscou. Na edio inaugural do JB em russo a primeira pgina teve como destaque uma fotografia de Luiza Brunet, fantasiada como madrinha da bateria da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, alm de chamada para uma entrevista com o Ministro do Desenvolvimento Econmico e Comrcio Exterior, Miguel Jorge. Em terras brasileiras, a edio de estria do Rssia Hoje mostrou o que corresponderia ao Carnaval dos russos, a Mslenitsa, uma festa pag que celebra o fim do inverno e o comeo da primavera, alm de uma reportagem com os brasileiros que atuam no futebol russo, como os jogadores Vgner Love e Daniel de Carvalho e o tcnico Zico, treinador do time de ambos, o CSKA. Tambm nesta edio especial de lanamento, a Ministra do Desenvolvimento Econmico da Rssia, Elvira Nabiullina, saudou os leitores do JB pela parceria estabelecida com o Rossiyskaya Gazeta, lembrando que o Brasil est entre os principais parceiros da Rssia e seu principal interlocutor na Amrica Latina. " preciso que as empresas dos dois pases desenvolvam cooperao industrial, aumentem os volumes de investimentos mtuos, implementem a cooperao nas esferas de altas tecnologias e do intercmbio inovador. E, tambm, ampliem o interesse das provncias russas e dos Estados brasileiros para operar nos mercados dos dois pases", defendeu Nabiullina na entrevista. Os dois jornais contam com equipes qualificadas para a produo e edio dos especiais, que so redigidos em cada um dos dois pases no idioma local e vertidos para a lngua em que sero publicados. Em ambos os casos as matrias so exclusivas. "A nossa maior dificuldade no com o idioma, e sim com o fuso horrio, pois h uma diferena de sete horas nas respectivas jornadas de trabalho. s 8 da manh, quando toca o telefone de Alexander aqui, l em Moscou a equipe est a poucas horas do fim do seu expediente", observou Lincoln. Para Alexander Medvedovsky, a parceria entre os dois jornais vai exercer papel importante no s para ampliar os conhecimentos dos russos sobre o Brasil, bem como dos brasileiros acerca da Rssia na verdade, da Federao Russa como um todo, integrada por 28 repblicas que apresentam grande diversidade tnica, religiosa e cultural. O intercmbio entre os veculos de comunicao poder ainda contribuir para estreitar os laos e elevar as trocas comerciais entre os dois pases.
Jos Amrico foi Ministro de Vargas duas vezes. Na ltima, deixou o Governo da Paraba, ao qual voltou aps a morte dele.
AUTOCRTICA
A Fiocruz adverte: matrias publicadas na imprensa podem fazer mal sade. O alerta, na verdade, foi feito pela revista Radis, uma publicao da Fundao Osvaldo Cruz, editada pelo Programa Radis (Reunio, Anlise e Difuso de Informao sobre Sade). A fonte da reportagem, que consta da edio nmero 78 da publicao, de fevereiro deste ano, foi o 4 Simpsio Brasileiro de Vigilncia Sanitria, realizado entre 23 e 26 de novembro de 2008 em Fortaleza, CE. Durante o evento, na mesa-redonda Comunicao, Consumo e Construo da (In) Conscincia Sanitria, com a participao dos jornalistas lvaro Nascimento, da Escola Nacional de Sade Pblica da Fiocruz; Mara Rgia Di Perna, da Rdio Nacional; e Joclio Leal, do jornal O Povo, de Fortaleza, os debatedores questionaram a forma como os meios de comunicao tratam das questes ligadas sade. Uma relao quase sempre conflituosa e equivocada, conta Adriano De Lavor, reprter da Radis, que cobriu o evento na capital cearense. "Recentemente, a imprensa criou uma repercusso equivocada acerca dos casos de febre amarela no Centro-Oeste. Mesmo com o aumento do nmero de casos, as autoridades de sade, inclusive o Ministro Temporo, tranqilizaram a populao de que no havia motivo para pnico. Mesmo assim, a imprensa motivou uma verdadeira corrida aos postos de sade em busca de vacina. At gente que no tinha indicao de receb-la queria ser vacinada de qualquer jeito. Outros equvocos podem ser detectados diariamente, com as 'consultas' feitas por especialistas em programas televisivos, visivelmente associadas venda de algum produto, medicamento, vitamina, suplemento alimentar, ou de algum ser-
Adriano De Lavor citou exemplo de episdio em que os meios de comunicao geraram alarme na populao. Mara Rgia quer mais cidadania na televiso.
vio", diz De Lavor, que mestre em Comunicao e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A reportagem da Radis informa que lvaro Nascimento bastante crtico em relao ao que chama de 'formao generalista dos reprteres', situao que contribuiria para a abordagem superficial dos fatos relacionados sade na imprensa. " importantssimo que os colegas invistam na informao. Porm, creio que apenas a especializao como resposta s deficincias no solucionaria a questo. O que falta , em primeiro lugar, uma melhor bagagem para se fazer reportagem, seja em que rea for. Se o reprter bem preparado em sua base, qualquer que seja o assunto ser por ele bem abordado. Como no h dvidas de que a formao bsica escolar e universitria deficiente, a sada pode ser, ento, a especializao", sustenta Adriano De Lavor. Outro ponto crucial para tornar debilitada a cobertura na rea de sade seria o interesse econmico que
muitas vezes, sobretudo nos grandes veculos, termina por colocar em risco o compromisso da prestao de servio pblico. Como bem defende o jornalista da revista Radis, que tambm especialista em Comunicao e Sade pela Escola Nacional de Sade Pblica da Fiocruz, preciso repensar o modelo da cobertura na rea, tendo como foco os interesses da populao. "Denunciar sem oferecer alternativas algo intil", diz Adriano. "H presso das empresas jornalsticas, que tm seus compromissos comerciais com anunciantes, muitas vezes ligados aos planos de sade e indstria farmacutica. O que assistimos, na verdade, um trabalho 'denuncista' em relao sade pblica brasileira, ao SUS e, ao mesmo tempo, um endeusamento de tcnicas cada vez mais especializadas, mais prximas da categoria 'sensacional' do que do 'acessvel'. Assim, comum a veiculao de matrias que tratem de doenas, e no de sade. Os cadernos somente tratam de doena, quando na verdade deveriam estar mais preocupados em discutir melhores condies de vida da populao, acesso aos direitos e bens culturais. Tratar a sade na imprensa deve
ter como diretriz investir na garantia do acesso cidadania", acredita ele. Ainda na mesa-redonda, Mara Rgia e Joclio Leal se manifestaram contra a chamada agenda setting, por meio da qual a mdia pauta a opinio pblica destacando ou preterindo temas. Entende Mara que, como so concesses pblicas, as emissoras deveriam ser obrigadas a divulgar cidadania. Joclio defendeu que o compromisso primordial dos meios de comunicao deve ser assumido com a sociedade. "O importante ser pautado pelo interesse pblico, e no pelo interesse do pblico, que nem sempre est preocupado com a cidadania", afirmou o jornalista. Aos profissionais da rea de Comunicao interessados em obter maior formao para a atuao em reportagens e assessoria na rea a Fiocruz oferece cursos de especializao em Comunicao e Sade e em Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade. Alm disso, a partir de julho deste ano, o Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade (Icict), tambm da Fundao, abrir as primeiras turmas de mestrado e doutorado do seu Programa de Ps-Graduao em Informao e Comunicao em Sade.
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COMUNIDADES
um jeitinho para ajudar o outro. Naquele dia eu conheci projetos sociais, personagens riqussimos, incrveis, que j seriam temas de matrias eles prprios. No deixei de falar da violncia que estava acontecendo naquele dia, mas dei voz aos moradores. Citando uma passagem do livro Notcias da Favela, escrito por uma das primeiras editoras do portal, Cristiane Ramalho, Rodrigo Nogueira conta que, no incio, muitos correspondentes relutavam em abordar temas relacionados violncia, o que poderia gerar uma imagem distorcida e alienada da realidade: A Cristiane ento argumentava que eles estavam fazendo a memria dessas reas da cidade e que este material serviria de objeto de estudo no futuro. Se eles omitissem a violncia existente, estariam apagando, por exemplo, a morte de pessoas inocentes. A idia no pintar a favela de cor-derosa, dizer que tudo ali mgico. necessrio falar sobre a violncia, mas procuramos entender quem so essas pessoas, o que sentem e o que sofrem com as dificuldades que enfrentam.
Milicianos e traficantes Um dos principais desafios encontrados pelos jornalistas do portal foi o de romper as barreiras impostas pelo poder paralelo. Nada fcil, pois algumas delas se tornaram assustadoras em casos como o assassinato do jornalista Tim Lopes por traficantes da Vila Cruzeiro, em 2002, e a tortura sofrida pela equipe do jornal O Dia na favela
SANDRA DELGADO
A periferia e as favelas do Rio de Janeiro so dois dos assuntos preferidos dos jornais. Pesquisa realizada em 2006 pelo Centro de Estudos de Segurana e Cidadania da Universidade Cndido Mendes-CESeC com oito veculos cariocas revelou que essas reas so citadas em 27% das matrias sobre segurana e criminalidade, quase uma a cada trs publicadas. Com esse quadro, um verdadeiro desafio pensar em solues para driblar as barreiras impostas pelo poder paralelo que controla essas reas e conseguir uma cobertura abrangente, que saia do lugar-comum e no restrinja a pauta apenas violncia. Se a grande imprensa ainda est longe de encontrar caminhos para mostrar a face mais humana do morro, algumas iniciativas crescem e ganham destaque ao noticiar muito mais do que tiroteios e violncia. Uma delas o portal de internet Viva Favela (www.vivafavela. com.br), criado pela organizao nogovernamental Viva Rio em 2001, a par-
tir de uma equipe formada por jornalistas e correspondentes residentes em reas perifricas da cidade, que, por meio de programas de capacitao, sugeririam pautas e produziriam matrias mais abrangentes. Quando o portal foi pensado, o Viva Rio, a partir da rede de projetos e parceiros que tinha nas favelas, procurou identificar nas comunidades pessoas que tinham facilidade para se expressar, que faziam parte de algum pequeno jornal comunitrio ou que apenas tinham interesse em participar diz Walter Mesquita, Editor de Fotografia do Viva Favela. Eu, por exemplo, morava em Queimados e atuava numa rdio local. Um dia, foi noticiado que estavam selecionando pessoas para participar de um projeto de comunicao comunitria. Gostei, me inscrevi e estou no Viva Favela at hoje. Ao longo dos sete anos de existncia,
o Viva Favela tem procurado lanar um olhar humanizado para as reas carentes do Rio, com um jornalismo praticado a partir da perspectiva de quem mora ali. A matria Por trs do conflito, feita pelo Editor de Contedo Rodrigo Nogueira dois meses antes da megaoperao no Complexo do Alemo que matou 19 pessoas em 2007, um exemplo que ilustra bem a proposta: Fui fazer um dia na favela, numa poca em que estavam ocorrendo vrias operaes no Morro. Minha visita comunidade coincidiu com o momento em que a Polcia fazia uma incurso no local. Minha inteno era mostrar outros aspectos, porque estavam batendo na favela como se ali fosse um antro de violncia diz Rodrigo. Faz parte, mas existe toda uma cultura particular do lugar, que um celeiro de boas histrias. Tem tudo ali, tem o companheirismo das pessoas, a solidariedade de dar
Renata Sequeira, Walter Mesquita e Rodrigo Nogueira (acima) fazem parte do portal Viva Favela, que faz nas comunidades a cobertura que a grande imprensa no consegue fazer. O projeto j promoveu at exposio itinerante de fotografias, como mostram o cartaz da foto na pgina oposta, a foto de cima, no Morro do Cantagalo, e as duas de baixo.
RODRIGUES MOURA
do Bat, praticada por milicianos. A partir de acontecimentos deste tipo, alguns veculos orientaram seus jornalistas a s entrar nas favelas com colete prova de balas e acompanhados por policiais. Em conseqncia, em poucas ocasies eles ouvem os moradores; acaba prevalecendo a verso da Polcia e o profissional se afasta da comunidade. Como seria complicado entrevistar moradores se fossem vestidos como quem estivesse indo para a guerra, a equipe do Viva Favela adotou procedimentos bem diferentes, estabelecendo relaes com moradores de diversas comunidades, de forma que muitas vezes eles mesmos entram em contato com o portal. Houve um caso na Cidade de Deus, onde uma mulher foi morta por bala perdida aps uma incurso policial. No dia seguinte, a comunidade fechou a Linha Amarela para protestar e chamar a ateno da mdia. Ligaram para c e pediram para a gente ir l conta o Editor de Fotografia Walter Mesquita. Quando chegamos, fomos casa da vtima e o marido agradeceu por estarmos ali, ouvindo o que ele tinha para dizer, porque os reprteres da grande imprensa no passaram dos limites da Linha Amarela. Tanto que, pouco depois, num bar, vendo uma matria ao vivo que passava na TV, o marido se indignou, dizendo que a verso contada pelo reprter daquela emissora no era a verdadeira. Outro exemplo uma reportagem sobre os seis meses em que tropas do Exrcito ocuparam o Morro da Providncia para garantir a segurana de obras do programa Cimento Social, culminando com a morte de trs jovens: Toda a imprensa foi cobrir o assassinato dos garotos. Com a mdia presente, os moradores perderam a naturalidade e aproveitaram para protestar. Ns esperamos a poeira baixar e, num momento mais leve, fomos l para mostrar o perodo de ocupao a par-
nal Expresso, com a coluna Viva Comunidade. s teras-feiras, aparece ali o Click da Comunidade, com uma foto central, um texto-legenda e mais seis notas. s quintas so reproduzidas reportagens que j saram no portal. Desde 2005 o portal ganha premia-
es importantes, como a Meno Honrosa pelo conjunto da obra no Prmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e a do Open Society Institute, da Fundao George Soros, pelo estmulo distribuio da fotografia documental, cuja dotao permitiu a organizao da mostra itinerante Moro na Favela, apresentada em diversas comunidades do Rio, com 50 imagens produzidas pela equipe do Viva Favela: Esta exposio era um projeto antigo. Quando a gente comeou, pouca gente tinha acesso internet diz Walter. Ento, imprimamos as fotos em material resistente chuva e ao sol e as exibamos um ms em cada comunidade. Foi interveno urbana,mesmo. Comeou na Cidade de Deus, depois foi para a Rocinha, o Complexo do Alemo, a Favela da Mar, e assim por diante. tambm na rede mundial de computadores que se baseiam os principais projetos futuros do Viva Favela. Uma reportagem recente do portal, Dirios da favela, feita por Renata Sequeira, fala sobre blogs de moradores das comunidades que usam o espao para contar as experincias que vivem no dia-a-dia. A idia incentivar essas iniciativas e usar o endereo do portal para que os usurios produzam contedo, de modo que o trabalho possa se expandir e abranger todo o Pas. Ainda faltam financiadores para isso, mas a proposta dos mini Viva Favela promete: Seria uma retomada da capacitao que ocorria no incio com os correspondentes, s que de uma forma mais dinmica e abrangente. As pessoas vo poder postar vdeos, udios, textos, fotos, sem uma linha editorial especfica. A idia criar um site colaborativo, que permita uma conexo com as favelas e periferias de todo o Brasil sonha Rodrigo Nogueira, com o mesmo e vibrante idealismo do pessoal do morro, cujas faces finalmente comeam a aparecer.
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WALTER MESQUITA
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Liberdade de imprensa
ROOSEWELT PINHEIRO/ABR LUIZ XAVIER/AGNCIA CMARA FOLHA DIRIGIDA
discutir mais esse projeto de lei que o Governo Federal encaminhou para o Congresso Nacional em janeiro deste ano, para descriminalizar as rdios comunitrias, que prestam servios comunidade. Ou seja, elas avanaram porque vm desempenhando esse papel, que dar voz a quem no tem", explica.
Descriminalizao O projeto do Governo para descriminalizao das rdios comunitrias poder mesmo trazer a soluo para o impasse entre a legalidade e a justia? Na opinio de Joo Brant, jornalista especializado em rdio e tv e integrante do Intervozes-Coletivo Brasil de Comunicao Social, parece que no. Diz ele que a proposta do Executivo apresenta problemas, mas eles no so fruto da idia da descriminalizao. "Os erros do projeto vm da tentativa de tornar mais rigorosas as sanes civis previstas na lei de radiodifuso comunitria, em uma lei que tem outro objeto. Ao misturar as bolas, o projeto aumenta o rigor com as comunitrias, autorizadas e no autorizadas, sem que preveja o mesmo tipo de tratamento para as comerciais. Nesse sentido, refora a desigualdade no tratamento e acentua a proteo formal do Estado brasileiro ao sistema comercial", critica o especialista. "Equipamentos so recolhidos, rdios que no ameaam a nada nem ningum so fechadas, cidados so condenados. A troco de qu? Quem ou o que eles ameaam? Pelos princpios do Direito Penal, considera-se crime o ato ilcito que gere leso a bem jurdico protegido, com imputao objetiva. Na grande maioria das vezes, no s no h leso a bem jurdico protegido, como no h sequer danos causados. Na prtica, a criminalizao representa a penalizao de quem busca exercer o direito liberdade de expresso, hoje garantido para muitos poucos", afirma Joo Brant.
Presidente da Associao das Rdios Pblicas do Brasil-Arpub, Orlando Guilhon defende que, antes de se tomar qualquer atitude repressiva contra as chamadas rdios clandestinas, preciso definir, com clareza, o que so as rdios comunitrias. "Elas so produtos da luta social das comunidades, e h inmeras iniciativas nesse sentido. Por isso muito importante separar o joio do trigo. Ou seja, as rdios que realmente esto a servio das suas comunidades daquelas que se travestem por pertencerem a traficantes, comerciantes ou grupos religiosos". Outro fato relevante observado por Orlando Guilhon: nas reportagens publicadas sobre a operao repressiva da Anatel na Cidade de Deus no h entrevistas com pessoas da comunidade. "As fontes ouvidas so da Abert, da PM e da prpria Anatel. E h no ar uma insinuao de que houve o apoio da populao atitude da Polcia. como se a comunidade local assumisse a denncia de que as rdios pertenciam ao trfico", analisa ele, que traa um panorama do quadro nacional. "So quase 2 mil rdios nessa situao aguardando o processo de regularizao, e que acabam sendo consideradas ilegais", diz. Para o jornalista Gustavo Gindre, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicao e Cultura-Indecs, a legislao atual penaliza as rdios comunitrias desde a sua origem. "Trata-se do nico caso constitucional em que uma autorizao de funcionamento precisa passar pelo Congresso, enquanto para a liberao das grandes emissoras so simples concesses, historicamente com critrios polticos". Entre os crticos das aes de 'caa s bruxas' sobre as rdios comunitrias, a esperana de que o tema possa ser amplamente debatido na 1 Conferncia Nacional de Comunicao, programada para dezembro deste ano.
O jornalista Deusdet de Paula Rodrigues, scio da Casa, recorreu ABI para denunciar as constantes ameaas, constrangimentos e intimidaes que vem sofrendo na cidade de Bicas, em Minas Gerais, onde atua como redator de um jornal. Desde que denunciei na primeira pgina a corrupo na cadeia pblica da cidade, onde meninas, menores de idade, so levadas para transar com os presos por R$ 10, venho sendo perseguido pela Polcia Civil. Denunciei ainda um detetive que espancou um funcionrio pblico municipal em seu local de trabalho, a mando do Secretrio municipal. Qualquer artigo de minha lavra motivo para este policial incentivar outras pessoas a entrarem na Justia contra o jornal em que trabalho. Em carta ABI, Deusdet afirmou que est encaminhando Comisso de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade as matrias que suscitaram as ameaas. Mesmo aps tantos anos de profisso, em funo desses atos, cheguei a pensar em abandonar o jornalismo. Meu filho, de 31 anos, seguiu esta mesma carreira da qual tenho orgulho. Deusdet ressalta que se sente abalado com as aes impetradas contra ele na Justia. Preciso comparecer ao Frum para responder a um processo por danos morais oferecido por uma delegada de polcia que se sentiu prejudicada por eu ter informado que ela no participou de uma ao conjunta com a Polcia Militar para a apreenso de mquinas caa-nqueis, conforme informou o comandante da polcia local; e embora o jornal tenha dado a ela o direito de resposta. (...) Perderei horas para explicar o que j foi explicado. (...) Esse apenas mais um prejuzo provocado pelo desmando que assola o Pas. Segundo Deusdet, a perseguio foi motivada por sua luta pela liberdade de expresso: Estou sendo ameaado por me pautar pela tica jornalstica em oposio ao arbtrio e ao autoritarismo, por denunciar a corrupo e defender a liberdade de pensamento e expresso.
s vsperas de seu julgamento final pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei de Imprensa esteve mais uma vez no centro das discusses do Conselho Deliberativo da ABI. Admitida oficialmente pelo STF no processo como amicus curiae, o que representa um terceiro interessado no objeto da demanda, a ABI elaborou para apresentar ao Supremo um memorial em defesa da revogao total da Lei de Imprensa, instituda em 1967 e apontada com um dos ltimos resqucios do autoritarismo dos tempos da ditadura. Com a participao do advogado Thiago Bottino, doutor em Direito Constitucional pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e professor da Fundao Getlio Vargas-FGV, e de seus alunos da disciplina Ncleo de Prtica Jurdica, o Conselho apontou em sua sesso de 5 de maro, os obstculos que os 77 artigos da Lei impem ao exerccio da atividade jornalstica. Tomamos a iniciativa de convidar o Dr. Thiago Bottino para fazer uma exposio ao Conselho Deliberativo e se colocar disposio para esclarecimentos de uma questo essencial para Associao, principalmente pelo teor repressivo e o contedo ditatorial que remanesce na Lei de Imprensa. Thiago Botino consultou a ABI sobre o interesse da entidade em intervir neste processo que tem como ncleo principal a questo relacionada ao exerccio da nossa atividade profissional, que a lei reguladora da imprensa e de aspectos relativos ao desempenho do jornalista em seu dia-a-dia. Ele tambm teve papel decisivo para que o Ministro relator do processo, Carlos Ayres Britto, admitisse a ABI no processo como amicus curiae, devido a sua representatividade como expresso do universo do jornalismo e da imprensa no Pas. explicou o Presidente Maurcio Azdo, ao lado de Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo, e de Lnin Novaes, Primeiro-secretrio do Conselho. Tanto para Bottino quanto para a ABI inmeros dispositivos da atual Lei de Imprensa so inconstitucionais, pois colidem com a Constituio de 1988. Existe uma sria preocupao com o que restaria da Lei n 5.250 caso seja acatada na deciso do Supremo a inconstitucionalidade dos 22 dispositivos apontados pelo Ministro Carlos Ayres Britto, j que a lei um conjun-
to de disposies que tm um sentido orgnico; na medida em que uma parcela importante de seu texto declarada inconstitucional, a prpria lei em si apresenta grande fragilidade. Disse Bottino que o vis dos argumentos que sero apresentados junto ao STF no se caracteriza apenas pelo direito de expresso e pensamento, mas tambm pelo direito informao: H uma finalidade instrumental de permitir o debate pblico, a formao da vontade democrtica e o direito de receber uma informao e express-la. Quando o Deputado Miro Teixeira fez a formulao, atravs do PDT, colocouse em pauta no Supremo Tribunal Federal uma discusso sobre a liberdade de imprensa, de expresso, e de uma lei especfica que previa medidas administrativas de censura, responsabilidades penais mais graves para jornalistas, e uma srie de dispositivos que, de certa forma, limitam a liberdade de expresso. Esta participao como amicus curiae, expresso em latim que significa "amigo da corte', um mecanismo de participao popular e democrtica nas decises do Supremo Tribunal Federal. O objetivo no fazer novos pedidos, mas dar elementos diferenciados para auxiliar a deciso do Supremo, que no poderia ser tomada sem que a ABI fosse ouvida. Os alunos da FGV elaboraram um estudo, sob a superviso de Bottino, que disserta sobre o carter instrumental da liberdade de expresso para que a sociedade possa deliberar de forma democrtica. Tambm esto preparando um estudo de Direito Comparado, tendo como paradigmas os sistemas nos Estados Unidos e em Portugal. Bottino sublinhou que o jornalista no Brasil est sujeito a penas criminais mais severas em relao a qualquer outra pessoa que pratique o mesmo delito: necessrio mostrar no Supremo que no h sentido para punir jornalistas no Brasil com penas criminais mais severas em relao a qualquer outra pessoa que pratique o mesmo ato. O Cdigo Penal suficiente para regular tudo isto. Um outro exemplo aplica-se censura administrativa, no sentido de que seja declarado inconstitucional o dispositivo que permite a censura prvia das publicaes.
Uma lei morta-viva O Conselheiro Mrio Jakobskind abriu o debate destacando que a Lei de
chamento de vrios jornais, pauta permanente aqui na ABI. Precisamos ter normas bsicas que regulem a atividade, como, por exemplo, o direito de resposta. O apoio a veculos de imprensa de pequeno porte , tambm na opinio da Conselheira Maria Ignez Duque Estrada, fundamental para a garantia da liberdade de expresso no Pas. Por sua vez, o jornalista Villas-Bas Corra chamou a ateno para a proximidade das eleies e a oportunidade de mudanas no perfil dos congressistas: Seja qual for o resultado das eleies, no acredito que haja qualquer tipo de renovao no Congresso, o que pssimo para a discusso. O debate da Lei de Imprensa deve ser abrangente e incluir a internet, que uma presena importante na mdia. As falhas do sistema de indenizaes foram apontadas durante a discusso pelo Conselheiro Tarcsio Holanda, para quem a Lei de Imprensa s funciona contra os jornalistas e deve ser revogada, idia Professor de Direito, Bottino defendeu em aplaudida por Pery Cotta, que prememorial ao Supremo o fim da Lei de Imprensa. sidiu a mesa de debates. A tradio da Casa defender Imprensa "precisa ser sepultada defia liberdade de imprensa e, portanto, ser nitivamente pelo Supremo Tribunal". contrria a uma lei que restringe a atiApesar de alguns artigos j terem cavidade jornalstica. do em desuso, alguns dispositivos conAo final do encontro, o Presidente tinuam sendo aplicados, como o que da ABI anunciou que se reuniria nos prev punies mais graves para jornadias seguintes com Thiago Bottino listas, o que fortalece a sensao de para discutir detalhadamente o docuinsegurana jurdica. Em relao ao mento que a Casa vai apresentar ao memorial da ABI, o Conselheiro OrSupremo Tribunal Federal antes do pheu Santos Salles informou que oujulgamento. viu elogios do Ministro Carlos Ayres Uma das nossas preocupaes Britto. que exista uma lei para regular as quesO Conselheiro Jos Pereira da Silva, tes relacionadas ao exerccio da libero Pereirinha, ressaltou a importncia da dade de imprensa, no sob a forma de revogao da Lei de Imprensa e da Lei de Imprensa, que tem uma conomobilizao de toda a sociedade em tao j em si repressiva, mas sim uma torno da questo, incluindo as entidalei que assegure o direito de informades de imprensa, e fez questionameno. O trabalho jornalstico muito tos sobre a viabilidade da criao de penoso fora dos grandes centros. Est uma nova lei. sujeito a riscos e violncias que partem A situao da imprensa fora dos do poder constitudo atravs daquelas grandes centros urbanos foi levantada figuras mencionadas pelo Conselheipelo Conselheiro Carlos Arthur Pitomro Carlos Arthur Pitombeira, como o beira, que destacou a ingerncia de prefeito, o juiz, algum que detm uma polticos, juzes e demais autoridades parcela de poder no mbito municipal. nas questes relativas ao jornalismo: Uma lei que garanta o direito de infor Nos grandes centros temos o aumao poderia conter disposies de xlio da lei e de advogados para garancarter penal, estas sim, para aqueles tir o direito informao. No interior, que cercearem o exerccio da liberdaeste problema tem determinado o fede de informao.
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Liberdade de imprensa
"Nunca passei por nada semelhante. J fiz muitas matrias em comunidades carentes e passei por alguns sufocos. Mas me ver acuada em um carro, com pessoas impedindo a nossa sada do local e tentando agredir um companheiro de trabalho foi a primeira vez." O depoimento da jornalista Ana Carolina Torres, do jornal carioca Extra, que, na companhia do fotgrafo Fabiano Rocha e do motorista Noel Messias, foi vtima de agresso durante reportagem em So Gonalo, na tarde de 11 de maro. A agresso aconteceu quando a equipe do Extra fazia uma reportagem sobre buracos nas ruas da cidade. O agressor, o Secretrio Municipal de Sade Mrcio Panisset, irmo da Prefeita de So Gonalo, Aparecida Panisset (PDT). "Eu, particularmente, nunca esperava uma atitude dessas vinda do Secretrio, at porque no fiz nada demais. Apenas coloquei o boneco Joo Buraco, que usamos para denunciar as crateras do Rio, no meio da rua, em frente casa da Prefeita, e comecei a fotografar", conta Fabiano Rocha. A equipe do Extra registrou buracos, esgotos a cu aberto e vrios outros problemas nas ruas do Municpio, uma realidade que, no se repetia na rua onde mora a Prefeita. Foi justamente ao colocar o boneco em frente residncia de Aparecida Panisset que Mrcio surgiu, descontrolado, exigindo que Fabiano Rocha lhe entregasse a mquina, pedido negado pelo profissional. A equipe foi, ento, cercada por moradores, muitos deles correligionrios e at empregados diretos dos Panisset. O fotgrafo foi imobilizado com uma 'gravata'. Boneco e cmera digital foram levados para a casa da prefeita. Os trs profissionais do jornal entraram no carro, mas foram impedidos de sair do local pelo Secretrio Municipal de Sade, que ficou na frente do veculo. Outro automvel surgiu para impedir a partida da equipe, bloqueando a passagem. "Acho que foi um surto do Secretrio Mrcio Panisset. E o Extra nunca ir se calar diante dessas pessoas que tentam dificultar o trabalho da imprensa, usando de meios irracionais" contou Ana Carolina. Uma vez apagada parte das imagens feitas instantes antes, o Secretrio devolveu o equipamento equipe. O boneco utilizado na srie de reportagens sobre os buracos no Grande Rio foi jogado no meio da rua, sem a cabea. "Achava que conseguiramos resolver tudo com dilogo, mas depois fui vendo que isso seria impossvel. Resol28 Jornal da ABI 339 Maro de 2009
Equipe do jornal Extra foi ameaada pelo Secretrio Municipal de Sade de So Gonalo, Mrcio Panisset, quando fazia uma reportagem sobre as condies das ruas do Municpio com o boneco Joo Buraco, que teve a cabea arrancada.
vi, ento, tentar manter a calma. E foi assim que tive a iniciativa de logo entrar em contato com a Redao para comunicar o que estava ocorrendo. Recebemos total apoio tanto da chefia quanto da direo do jornal. Em momento algum tivemos a nossa verso contestada. Alm disso, o nosso diretor de Redao, assim que soube o que passvamos na rua, entrou no ar ao vivo na Rdio Globo, denunciando a situao. Acho que isso pesou muito
FABIANO ROCHA / EXTRA / AGNCIA GLOBO
para que ns tivssemos um desfecho sem maiores problemas, sem mais violncia", conta a reprter do Extra. O caso mereceu o repdio da Ordem dos Advogados do Brasil-Seo do Estado do Rio de Janeiro. "Repudiamos a agresso perpetrada por assessores da Prefeita de So Gonalo, Aparecida Panisset, contra o fotgrafo Fabiano Rocha, assim como as ameaas dirigidas jornalista Ana Carolina Torres e ao motorista Noel Messias, profissio-
nais do jornal Extra que faziam uma reportagem naquele Municpio sobre buracos nas ruas. A OAB/RJ v nesse ato de intolerncia poltica um atentado contra a liberdade de imprensa, cuja reconquista tanto custou sociedade brasileira. Por fim, nos solidarizamos com os jornalistas atingidos e com o jornal Extra", disse nota oficial divulgada pela OAB/RJ. A ABI encaminhou expediente ao Procurador-Geral de Justia do Estado do Rio de Janeiro, Cludio Lopes, pedindo a designao de um promotor para acompanhar o andamento da investigao sobre a agresso. Tambm enviou ofcio Prefeita Mrcia Panisset cobrando desculpa formal ao jornal e equipe de reportagem. "A Prefeita e o irmo dela marcaram uma coletiva dois dias depois de inventarem verses absurdas para o que tinha acontecido conosco. Disseram, por exemplo, que ns teramos tentado pendurar o Joo Buraco no porto da casa deles, o que mentira. Queriam pedir desculpas a mim e ao Fabiano Rocha. Mas, por orientao da empresa, ns no fomos. Agora, a equipe jurdica do jornal est acompanhando toda a questo na Justia", disse Ana Carolina Torres. Os agressores do fotgrafo do Extra foram identificados na 73 DP (Neves), onde o caso foi registrado. Um deles o auxiliar administrativo Fbio Soares Pacheco; o outro, o motorista Marcos Antnio da Silva Ramos.
Direitos humanos
muito triste para quem foi preso, torturado, violentado, arrancado como animal do asilo inviolvel do seu lar, ter tido sua famlia agredida, suas convices ideolgicas aviltadas da forma mais brutal, ainda ter que esperar quase uma dcada para receber os mseros 20 mil reais a que tem direito por fora de disposio legal. Quando os Deputados Carlos Minc, Chico Alencar e Edmilson Valentim conseguiram aprovar a Lei n 3.744, de 21 de dezembro de 2001, jamais iriam imaginar que veriam sabotada parte de suas propostas pela ao ou omisso de sucessivos governadores. O Estado do Rio de Janeiro, vindo na contramo da lgica, justamente por ser o Estado mais politizado da Federao, s pagou at agora 140 aes reparatrias, enquanto Estados como So Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paran j liquidaram de h muito seus compromissos com os anistiados. H algum tempo, neste mesmo espao, a ex-Governadora Rosinha Matheus foi cobrada e at realizou alguns
pagamentos sem dispensar, claro, a oportunidade para fazer proselitismos demaggicos. Deixou no entanto, at o final do seu governo, de saldar qualquer outro dbito de reparao moral, mesmo dispondo de verba para isso, conforme informao do seu assessor Pelegrini. O atual Governador, Senhor Srgio Cabral Filho, ostentando impressionante maestria para a procrastinao, faz-se de mouco ante as contundentes manifestaes dos anistiados e das entidades da sociedade civil que cobram o pagamento da reparao simblica. Agora, c entre ns, com qual humor Sua Excelncia se apresenta no Gabinete da Ministra Dilma Vana Rousseff garimpando verba para seu Governo, se, no contraponto, ele no paga aos anistiados do Rio de Janeiro, entre os quais se encontra a prpria Ministra? O Governador no pode usar o argumento da falta de verba ou efeito de crise neoliberal, porque vive decantando a eficincia da sua Secretaria de Finanas com o constante aumento do ICMS. O eminente Professor Emil Amed,
ex-vereador e ex-mestre da atual Secretria de Assistncia Social e Direitos Humanos Benedita da Silva, escreveu-lhe longa carta solicitando sua interveno para a quitao das aes reparatrias; o mximo que conseguiu foi o encaminhamento do seu pleito ao Governador, que, usando de protocolar expediente, anestesiou a sua pretenso. O ex-publicitrio Jorge Greco, um octogenrio anistiado, espera h cinco anos colocar a mo no dinheiro a que faz jus. Coitado, hoje encontra-se prostrado numa cama em Belo Horizonte, vitimado por um cncer de intestino que o levou ostomizao. O Doutor Roberto Chabo, o combativo mdico sindicalista, depois de paciente espera, despediu-se da vida sem usufruir da reparao moral a que tinha direito... Uma lstima. Bernardino Rodrigues Barbosa, um militante de esquerda, oriundo do movimento estudantil, muito sofreu nos pores da ditadura e por conta disso carrega seqelas fsicas e psicolgicas e se encontra em deplorvel estado de indigncia social. A sua quitao pecuniria viria em boa hora.
O Estado do Rio de Janeiro, na gesto de trs Governadores, pagou apenas o correspondente a 140 procedimentos reparatrios, de um total de 900 requerimentos deferidos; do ltimo pagamento j distam cinco anos. Todo anistiado que tem seu procedimento analisado e deferido obrigado a assinar um termo comprometendo-se a no recorrer Justia ps-pagamento. Seria muito justo se concretizasse a quitao do dbito; acontece que diante do no recebimento faz-se implcito estmulo exonerao do compromisso assumido. O Governador Cabral, segundo suas entusiastas aparies na mdia, candidatssimo reeleio ao Governo do Estado. Muito bem, esperase que Sua Excelncia no tenha contra si um enorme exrcito de formadores de opinio, capitaneado pelos experimentados anistiados e organismos da sociedade civil. Todavia, bom ter-se em mente que sofisticaes criptogrficas podem neutralizar o esforo militante de quaisquer grupos ou conjunto social.
Cristino Costa jornalista e scio da ABI
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DEPOIMENTO
Jaguar. Esse parece um nome fadado ao sucesso, a tornar-se referncia. assim no mundo automobilstico - trata-se da fabricante de alguns dos carros mais elegantes dos quais j se teve notcia. O mundo animal no foge regra. Nele, o jaguar reconhecidamente o maior felino do continente americano, conhecido pela destreza no ataque a suas presas. Ora bolas, por qual motivo, ento, haveria de ser diferente no universo do jornalismo brasileiro? Pois , senhores. O Jaguar, de batismo Srgio de Magalhes Gomes Jaguaribe, mesmo uma 'fera' do desenho. Veloz no raciocnio, simples no trao, parece estar sempre espreita, logo ali, depois daquela curva, em busca do melhor ngulo para o ataque. Afinal, aponta o prprio, esse o instinto natural do humorista. Classe que necessita das mazelas humanas para se alimentar. E trabalhar. No por acaso, seu apartamento no Leblon est repleto de desenhos. Alguns prprios, muitos de colegas. H espao cativo para garrafas e, claro, delicadas miniaturas do Jaguar. Do carro, claro. E tambm do animal. com memria de garoto aos bem-vividos 77 anos que Jaguar recorda boas histrias com amigos e suas quase sempre inusitadas passagens profissionais. Da morte trgica do rato Sig, passando pelos dois meses de priso na ditadura e pelo cerco da censura federal ao Pasquim, tudo reprocessado por seu infalvel filtro de humor. Um senso cido, mas nunca rancoroso. E que chega, em certos momentos, a ser desconcertante. Outro trao marcante de sua personalidade a humildade. Diz sentir-se incapaz de nutrir orgulho ou arrependimento por qualquer de seus trabalhos. Parece mesmo guardar um certo distanci-
As confisses, as aventuras e as opinies daquele que considerado o mais brasileiro dos cartunistas brasileiros.
amento da profisso que o consagrou e na qual, em 51 anos de atividades ininterruptas, soma estimados 30 mil cartuns e charges. Porm, basta um pedido de autgrafo em um de seus livros para o severo Jaguar se desarmar. Assim, baixa a guarda, bem no fim da entrevista. No lugar das severas crticas a seu inegvel talento - chega ao cmulo de dizer que no sabe desenhar! entra em cena um encantado leitor de si mesmo. "Eu tenho que rir, p! Olha isso! Eu no me lembrava dessa merda!", acha graa o Jaguar, enquanto folheia a prpria obra, dando daquelas gargalhadas entre o estridente e o contido, que nos fazem estremecer a barriga. Sensao experimentada com frescor por ele naquele final de manh, incio de tarde, fim do vero carioca. E repetida inmeras vezes, ao longo de cinco dcadas, pelos milhares de leitores que se deixaram encantar pelos rabiscos daquele que considerado, por muitos, o mais brasileiro dos cartunistas brasileiros.
Francisco Ucha - A NORMA PEREIRA REGO PASQUIM O QUE CONSIDERO SUA MELHOR DEFINIO: "JAESCREVEU EM SEU LIVRO SOBRE O GUAR O CARTUNISTA QUE CONSEGUE PR MAIS
DE FORMA GERAL, NO SE VAI DIRETO AO QUE IMPORTA: EXPRESSES FACIAIS, GESTOS, CENRIO... O MAIS SURPREENDENTE CONSTADETM MUITO NO ACABAMENTO... TAR QUE AS CARAS HORRENDAS DAS FIGURAS DEFORMADAS QUE RISCOU FORMARAM UMA COMPOSIO QUE SE QUER PR NA PAREDE, OU SEJA, BELA NO SENTIDO MODERNO DA BELEZA, QUE J VEM DO SCULO PASSADO, E INCLUI A LIBERDADE".
IRONIA NO TRAO.
pelo Chaval, pelos franceses, pelos ingleses... Vendo coisas do Punch... O mais brasileiro dos caricaturistas eu acho que era um cara que no era brasileiro: Max Yantok. Ele era brasileiro pra cacete, mas era l do Leste Europeu...
Rick Goodwin - MAS ISSO TEM A VER, ALM
DO DESENHO, COM O CONTEDO TAMBM, COM O TIPO DE PIADA, DE HUMOR, O OLHAR...
Jaguar - No concordo com isso, no. Acho que o cartum brasileiro ainda no conseguiu achar um perfil prprio, como o americano tem, o ingls ou o francs tambm. Eu passei a vida inteira 'copiando' as coisas do New Yorker, influenciado
Jaguar - Ah, sim, um tipo de carioca, de molecagem. Eu sou o nico cara que no se leva a srio... Uma vez eu fui com o (Carlos Eduardo) Novaes fazer uma palestra e a primeira coisa que ele disse foi: "Como todos sabem, o humor uma coisa muito sria". Eu falei, "que isso cara? A gente faz um esforo danado pra no ser srio e voc diz isso a...". (risos)
Francisco Ucha - COMECE CONTANDO UM
POUCO A HISTRIA DE SUA INFNCIA...
FRANCISCO UCHA
Jaguar - Meu pai e minha me eram paulistanos. Eu s voltei pro Rio de Janeiro com 15 ou 16 anos. Ento, de carioca autntico eu no tenho nada. Eu simplesmente curto o Rio como se fosse um cara de fora. Dos grandes cariocas, muitos no so do Rio de Janeiro. Voc quer um cara mais carioca do que o Joo Saldanha? Gacho at a raiz dos cabelos, mas tambm carioca at a raiz dos cabelos. O Ferdy Carneiro, mineiro de Ub... Um dos fundadores da Banda de Ipanema! Mais carioca do que ele difcil encontrar...
Francisco Ucha - COMO VOC
COMEOU A FAZER SEUS PRIMEIROS TRAOS?
Jaguar - Eu, como todo garoto, gostava de desenhar. Desenhava pessimamente. Alis, desenho mal at hoje, que eu engano muito. Eu no sei desenhar, p. Na verdade, eu sempre me interessei pela coisa, lia Paris Match e ficava fascinado... "Como que esses caras bolam essas coisas?", eu me perguntava, tentava, mas no conseguia fazer. Pra voc ver como eu tinha um discernimento pssimo, de todos os cartunistas, que eram o Mose, Bosc, Chaval, e outros, todos bons... Eu escolhi exatamente o Trez, o pior deles, pra comear a copiar... (risos)
Paulo Chico - PELO FATO DE TER O TRAO
MAIS SIMPLES?
me lembro perfeitamente. Ele chegou, eu estava com o Fortuna, que estava diagramando a enciclopdia Delta-Larousse. Chegou o Henfil de Minas, com a pastinha debaixo do brao, mostrou uns desenhos feios, pssimos, como os meus eram tambm. Eu perguntei: "Como o seu nome". Ele falou: "Henfil". Eu repeti: "Fiu? Parece um assovio, fiu, fiu, fiu..." (risos) Ele ficou puto, porque o Henfil era rancoroso pra caralho! Depois disso ficamos amicssimos e ele me disse que naquele dia ficou andando direto, pra cima e pra baixo na praia do Leblon, de tanta raiva! Agora, o Henfil depois se transformou num extraordinrio desenhista! Era impressionante! Ele conseguia, num desenho, num papel em branco, parado, imprimir um movimento que parecia desenho animado. S ele fazia isso. Eu nunca vi nada igual nem entre os estrangeiros. Aqueles traos ao lado da perna, assim, indicando direo... Vai tentar imitar. No d! Eu j tentei e no consegui... E ele tinha tambm uma noo de composio fantstica, n?
Francisco Ucha - QUE VOC TAMBM
TEM...
Jaguar - Eu no, p.
Rick Goodwin - INTERESSANTE QUE VOC
ENTROU PRA Manchete, COMEOU A FICAR FAMOSO, A GANHAR DINHEIRO MAS, AO MESMO TEMPO, TRABALHAVA NO
BANCO DO BRASIL.
Brasil e se mudou pra l justamente porque eu tinha muita asma. Meu mdico, meu pediatra, que era o Pedro Nava, recomendou o clima de Juiz de Fora. E meu irmo que no tinha nada a ver com isso nasceu l.
Paulo Chico - VOCS PERMANECERAM EM JUIZ DE FORA AT QUANDO?
Jaguar - No. Tem umas coisas que eu fico puto. Por exemplo, fechou o Florentino, fechou o Mistura Fina... E eu no tenho outro lugar pra ir. Como dizia o saudoso Cavaca: 'bons tempos aqueles, quando a gente ganhava pouco'. Alis, tem uma histria do Cartola em Paquet, eu estive l com ele... Um cara que era f do Cartola tomou umas canas, ganhou coragem, chegou e falou assim: "Cartola, saudoso Cartola..." E o Cartola de volta: "Saudoso Cartola a puta que te pariu!". (risos)
Rick Goodwin - VOC UM AUTNTICO
CARIOCA...
Jaguar - Eu no sou autntico carioca porra nenhuma! Eu sa do Rio de Janeiro com trs anos. Por um triz eu escapei de nascer, como meu irmo, em Juiz de Fora. Meu pai era do Banco do
Jaguar - No melhorei da asma. Meu pai foi transferido pra Santos, onde passei o colgio primrio e o ginsio... Fiquei oito anos em Santos. Aqui, por exemplo, neste lugar cosmopolita que o Leblon, as pessoas no reparam. Mas, quando voc vai ao subrbio, as pessoas reparam... "Voc, Jaguar, de onde? No carioca, no!". Eles sacam algo misturado... Eu acho que falo 'carioqus', mas o carioca do subrbio estranha. O carioca mesmo, pra valer, percebe essa diferena. Aqui na Zona Sul que acontece uma mistureba danada...
Francisco Ucha - S EUS PAIS ERAM DE ONDE?
Jaguar - Nem tanto... Mas era, sim, um trao 'duro'. Naquele tempo, todos os humoristas estavam no O Cruzeiro, menos o Borjalo, que estava na Manchete. A O Cruzeiro foi l, comprou o passe do Borjalo e passou, nitidamente, a faltar humorista no mercado. No tinha! Havia o Fortuna, Ziraldo, Millr, Carlos Estevo, no sei mais quem... Havia uns cinco ou seis, s! Agora, em qualquer cidadezinha do interior tem cinco ou seis... Na poca, foi aberto um concurso para descobrir novos talentos. Entrei, copiando os desenhos do Trez, mas... Se estivesse no Pasquim, como editor de humor, e entrasse um cara com os desenhos iguais aos que eu apresentei, eu o botava pra fora a pontap! (risos) Mesmo assim, eu tive a audcia de mostrar os desenhos para o Leon Eliachar. Foi a primeira vez que saiu publicada alguma coisa minha... Foi na seo do Leon, na ltima Hora. A seo dele chamava-se Penltima Hora... Ele colocou uma foto minha com um topete... Eu tinha 21 anos. Depois comecei a trabalhar num jornal chamado O Semanrio. Eu j tinha levado uns desenhos pro Borjalo, ele ainda na Manchete... Eu assinava Srgio Jaguaribe. E ele falou: "Nem pensar! Srgio Jaguaribe no nome de humorista!". Pensando bem, no mesmo... (risos) "Vai ser Jaguar!", decretou ele.
Rick Goodwin - COMO FOI A SUA HISTHENFIL?
Jaguar - Em todas as edies da Manchete, nas sees dos leitores, saam cartas com elogios rasgados. "Jaguar um gnio!". "Jaguar o mximo!". "Jaguar isso e aquilo!". Acho que todas as cartas eram escritas pela minha ex-mulher... (risos) Era tudo propaganda enganosa...
Paulo Chico - MAS COMO ERA CONCILIAR
A FUNO DE CARTUNISTA COM O EMPREGO NO BANCO? E EM QUE PONTO VOC DECIDIU ABRIR MO DE UM PARA DEDICAR-SE APENAS AO OUTRO?
RIA COM O
Jaguar - Eu tive uma sorte danada. J tinha feito concurso para a Marinha Mercante. E passado. Minha inteno, quando sa do Exrcito e fiquei muito doido, era viajar. Meu pai perguntou se eu queria ir pra Europa. Respondi que queria ir pro Amazonas. Fiquei um ano por l, quase fiquei morando... Quando voltei, fiz esse concurso, passei e meu projeto era esse mesmo. Virar comandante de navio da Marinha Mercante, levar um monte de livros, ficar lendo, deixando uma mulher em cada porto. Mas logo me apaixonei por uma guria, resolvi me casar e fudeu! Fiz o concurso pro Banco do Brasil, e passei tambm. Foi muito engraado! Naquele tempo a datilografia no era uma etapa eliminatria. Eu tirei zero, pois nunca tinha visto uma mquina de escrever na minha frente. Mas, na mdia geral, eu passei! Me mandaram pra uma seo chamada Telegramas, onde hoje a Cinemateca do Centro Cultural Banco do Brasil. O cara chegou pra mim e disse: "Seu trabalho vai ser bater mquina". Logo respondi: "O senhor no me leve a mal, mas eu no sei bater mquina! Vou fazer o qu aqui? Vou me levantar e vou embora". E ele: "Que isso, rapaz? Isso aqui um bom emprego. Deixa de ser bobo! No sabe
Jornal da ABI 339 Maro de 2009
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DEPOIMENTO JAGUAR
bater mquina? Voc tem algum parente mdico? Pea uma licena e faa um curso intensivo! Qualquer dbil mental aprende a bater! At voc capaz de fazer isso!". Sabe quem era esse cara? O Srgio Porto. Ele ficou trabalhando comigo mais ou menos um ano e se demitiu. Muitos anos mais tarde, escreveria crnicas lricas na Tribuna da Imprensa. S depois que ele virou o Stanislaw Ponte Preta. E eu acabei sendo o ilustrador de todos os livros dele... O horrio no banco, alis, era timo: comeava s trs da tarde. Eu j era bomio nessa poca. A verdade era a seguinte: a gente chegava s trs, trabalhava at cinco e pouquinho, seguia pro lanche, num bar em frente ao Banco do Brasil, onde tomvamos umas cervejas que eu comprava no Lidador. A gente voltava do lanche e no fazia mais porra nenhuma. Dava umas sete e meia e j partamos embora. E ficvamos ali no Simpatia, esquina da Ouvidor com Rio Branco, esperando diminuir o movimento e tomando chope. Sempre fazamos a eleio da Miss Fila. A moa mais bonita da fila era escolhida para uma homenagem. Por incrvel que parea, o Srgio Porto, com aquele jeito dele, do tipo Stanislaw Ponte Preta, era muito tmido. Mas ele que era o cara-depau que chegava e dizia: "Olha, a senhorita foi eleita Miss Fila. Tem direito a um chope ou a um frap de coco". (risos)
Paulo Chico - E A CANTADA COLAVA?
da turma do Millr... Eu era 'junior', ele j era categoria 'senior'... Eu gostava muito dele, a gente batia papo... Desses caras todos, alm do Millr, que sempre foi o meu guru, me dava bem com o Joo Saldanha. A gente no era amigo ntimo... Eu ia l para entregar os desenhos pro Srgio Porto, que dizia: "S tiro os olhos da mquina para pingar colrio". (risos)
Francisco Ucha - O HLIO FERNANDES, CERTA VEZ, QUANDO OLHOU O SEU TRABALHO , DISSE PRA VOC DESISTIR. A PARTIR DISSO, PODE-SE DIZER QUE O HLIO UM TIMO JORNALISTA, MAS UM PSSIMO CRTICO DE ARTE?
AI-5 pra abrir um jornal pra falar mal do Governo! Foi uma idia brilhante! (risos) Deu tanto resultado que, seis meses depois, 80% da redao estava em cana.
Francisco Ucha - A PRISO
FOI POR CAUSA DA MONTAGEM QUE VOC FEZ COM O QUADRO INDEPENDNCIA OU
MORTE, NA
QUAL O DOM PEDRO GRITAVA "EU QUERO MOCOT", VERSO DE UMA MSICA FAMOSA DA POCA, DO ERLON CHAVES. NO FOI UMA REAO EXAGERADA? OS MILITARES REALMENTE NO TINHAM SENSO DE HUMOR...
Jaguar - Ele timo jornalista e um timo crtico de arte! Olha a que merda! (mostrando um de seus desenhos).
Paulo Chico - MAS, INTIMAMENTE, COMO EM ALGUM MOMENTO PENSOU EM DESISTIR?
VOC REAGIA DIANTE DESSAS CRTICAS?
Jaguar - O resultado mdio: levei uma bofetada, vrios contras, e comi umas duas ou trs... (risos)
Paulo Chico - FALE UM POUCO MAIS DES17 ANOS DE BANCO DO BRASIL...
SES
Jaguar - Ningum acredita, mas eu sempre tive uma sade de ferro. Nesse tempo todo, nunca tive uma falta. Uma falta sequer! E isso foi fundamental na minha vida, pelo seguinte: me deu uma puta disciplina! Pois as pessoas duvidavam: "O Jaguar? T bebendo, ele no vem! No vai entregar a porra da matria!". E eu nunca deixei de entregar nada, assim como nunca faltei ao banco.
Paulo Chico - O QUE FOI DETERMINANTE, ENTO, PARA QUE VOC SASSE DESSE EMPREGO?
Jaguar - Eu mostrei para o Hlio, ele achou uma merda. Eu concordei que era uma merda. Mas eu pensei: "Vou em frente, vou em frente!". Naquele concurso que foi realizado pela Manchete, trs caras foram escolhidos: eu, Claudius, de Porto Alegre, e um cara l do Piau, o Brando. Ele veio todo animado pra fazer fortuna no Rio de Janeiro, e eu logo avisei: "Ih, cara, esse negcio de desenho no d dinheiro, no. Faz como eu fiz, arruma um emprego no Banco do Brasil, ganha uma grana...". Ele estudou, passou, mas a, o que aconteceu? Virou bancrio! (risos) Se aposentou, tentou at voltar ao desenho, mas a j era tarde.
Rick Goodwin - E VOC, QUANDO RECEBE
OS DESENHOS DE JOVENS, ATUA COMO O HLIO
FERNANDES?
Jaguar - No. O Hlio Fernandes, nesse episdio, me disse: "Voc desiste, desiste! Eu sou irmo do maior desenhista de humor do Brasil, o Millr Fernandes. Entendo disso pra cacete, voc no tem jeito nenhum pra coisa".
Francisco Ucha - ZUENIR VENTURA AFIRMA QUE 1968 AINDA NO ACABOU. E 1969, COM A CRIAO DE O PASQUIM, FOI UM ANO INDECENTE?
ningum entende a repercusso da poca. No tem mais o impacto. Hoje voc v em qualquer revistinha as atrizes dizendo onde fica o seu ponto G e coisa e tal... A entrevista da Nana Caymmi, na poca, foi at mais bombstica. Tinha palavro pra cacete... A Leila Diniz era um mocinha considerada prostituta, n? Tanto que, quando ela morreu naquele acidente, a gente fez um movimento para a Rua Jangadeiros passar a se chamar Rua Leila Diniz. E os moradores da rua, inclusive a me do ex-Prefeito Csar Maia, que morava l, fizeram um abaixo-assinado dizendo que no queriam morar numa rua com nome de puta! Agora, tem umas coisas dessa poca que no voltam mais, como o Barbado. Nunca houve um cachorro como o Barbado. Era um vira-lata que fazia ponto no Bar Jangadeiros. Comia fil-mignon, tudo do bom e do melhor, era guardacostas da Leila Diniz na praia. Quando vinha algum paulista jogar uma cantada em cima dela, ela fazia um sinal para o Barbado, que entrava na gua, voltava, se balanava e molhava o paulista todo... (risos). Era aplaudido... Trabalhou no Tem Banana na Banda, com a Tnia Scher, a Leila Diniz e a Maria Lcia Dahl... Na hora certa, ele fazia a sua pontinha ali no espetculo. Ia de nibus pro Centro da cidade, depois voltava e coisa e tal. Era o Charles Darwin dos cachorros!
Francisco Ucha - VOCS FUNDARAM O PASQUIM MENOS DE UM ANO DEPOIS DO AI5. QUERIA QUE VOC FALASSE UM POUCO DO EPISDIO DA PRISO...
Jaguar - Eu ficava puto da vida pois, na hora em que o negcio, j na redao do Pasquim, comeava a ficar animado, eu tinha que parar tudo e seguir pro banco. A, para desgosto dos meus pais, da minha famlia em geral, em 1974 eu me demiti do banco, sem levar um tosto. aquele negcio: sempre na minha vida fiz escolhas erradas. Tinha a opo de Fundo de Garantia ou sem Fundo de Garantia. "Eu l quero saber de Fundo de Garantia?", pensei na poca. Se tivesse optado por ele, teria recebido uma grana. Mas sa sem um tosto.
Paulo Chico - ALM DE AJUDAR NA SUA BANCO DO BRASIL, COM A SUGESTO DO CURSO DE DATILOGRAFIA, O SRGIO PORTO EXERCEU INFLUNCIA NA OPO PELO DESENHO E O JORNALISMO?
Jaguar - A entrevista da Leila Diniz, por exemplo, foi um escndalo. Agora, voc lendo hoje a mesma entrevista,
Jaguar - A fundao de O Pasquim logo depois do AI-5 foi uma coisa inteligentssima, n? (risos) Um grupo de pessoas consideradas de um certo QI, esperou o
Jaguar - verdade! Como que voc descobriu isso? (risos) O negcio o seguinte: eu fiz esse negcio e foi um deusnos-acuda, rapaz! Eu tava viajando, na minha casa de pescador l em Arraial do Cabo. Quando voltei, me aconselharam. "Se esconda Jaguar, t todo mundo preso!". Pra voc ver como o Brasil surrealista, eu fiquei na casa do sujeito que era um dos mais reacionrios: Flvio Cavalcnti. Ele me escondeu! Ningum iria procurar um "subversivo" na casa do Flvio Cavalcnti! (risos) E tinha uma outra subversiva comigo, que era uma maravilha de companhia, a Leila Diniz. Eu ficava o dia todo tomando usque. At que um dia, no sei como, eu recebo uma ligao do Paulo Francis, l da cadeia. Ele dizia que eu tinha que me entregar pois, caso contrrio, ningum seria solto. Eu me entregando, todo mundo sairia... A, eu falei: " Francis, porra! T maluco, rapaz? Eu vou ficar preso e vocs tambm vo continuar a!". E ele falou assim: "A sua conscincia que responde isso". Fudeu, n? Pensei. "E agora?". O Srgio Cabral tambm tava escondido. E eu perguntei: "Srgio, o que voc acha?". "Vamos l", respondeu. E o Flvio Rangel, que no estava sendo procurado por nada, gritou: "Eu tambm vou!". (risos) O lugar era l na Vila Militar, na Zona Oeste, longe pra cacete! E eu ainda tive que pagar o txi! Chegando na porta da Vila Militar eu mandei o txi parar. E o Srgio Cabral pra mim: "O que foi, mudou de idia?". "No, mas vamos pro boteco mais prximo!". Tomei meia garrafa de cachaa, depois voltei e me entreguei. Cheguei e pedi para falar com um oficial. "Eu sou o Jaguar, estou sendo procurado...". "Ah, ? Prendam esse cara a!". E l fiquei por dois meses...
EFETIVAO NO
Jaguar - No, pelo seguinte. Naquele tempo havia uma espcie de hierarquia, entendeu? Ele era de um outro patamar, 32 Jornal da ABI 339 Maro de 2009
Com um trao completamente diferente, o Capito Jesuno foi um dos primeiros trabalhos de Jaguar, que assinava como Max.
PAULO GARCEZ
A entrevista com a desaforada Leila Diniz foi uma das sensaes da histria do Pasquim: mudou a linguagem, hbitos, o proprio jornalismo.
Jaguar - Paulo Francis, Fortuna, Ziraldo... Eu fiquei, primeiro, preso com o Flvio Rangel, que era um gentleman. A gente s podia sair pra ir ao banheiro. E a gente tinha uma revista do Clube Militar, onde a gente lia os feitos hericos do Exrcito... Os caras no entendiam nada por que a gente ria tanto. Ficava um guarda na porta, armado, do lado de fora, e a gente l dentro das grades e ramos pra caramba... Eu me lembro de uma "histria herica" de um cara chamado Tenente Prego, que estava l na Guerra do Paraguai, quando caiu uma daquelas bombas, que aparecem nos quadrinhos, com um pavio aceso (risos). Ele se jogou em cima, rapaz! Pown!!! Foi 'prego' pra tudo que lado! Salvou a vida dos outros e morreu! E a gente dentro da cela: "Qu! Qu! Qu! Qu!". Os guardas do lado de fora no entendiam nada, n? Eu e o Flvio Rangel presos e tendo aqueles ataques de riso! Outra reportagem que me lembro foi do cerco do terror em Santa Catarina, na cidade de Lajes. Nessa o cara dizia o seguinte, de forma herica: "Vou tomar Lajes na baioneta!". Na seqncia, a prpria reportagem esclarecia: "Frustrou-se o intento, pois foi o primeiro a morrer". E a gente: "Qu, qu, qu, qu, qu!".
Paulo Chico - POR QUAIS OUTRAS SITUAES VOCS PASSARAM NESSES DOIS MESES?
encobrindo a boca): "No, t tudo bem, coronel!". E eu escondendo o bafo de cachaa. "O que isso a?", perguntava ele. " que t com um problema no dente..." (risos). Depois, quando eu fui solto, fui l atrs s pra ver. Tinha uma pirmide enorme de garrafas... (risos). A coisa que eu mais detestava era a visita das famlias. Eu proibi a minha famlia de me visitar. Aquilo era uma choradeira... O Srgio Cabral chorava, a Magaly chorava, o futuro Governador chorava... E outra coisa: aquele sentimentalismo do Ziraldo e do Srgio Cabral, eu sou o avesso completo. No tenho essa coisa. Eles sim, choravam... At resolveram fazer uma ceia de Natal! Foi muito engraado... O Antonio's nos mandou a ceia, um peru, que arrumamos em cima de uma mesa improvisada, feita com barris. E tinha uma televiso preto-e-branco com o programa especial de Roberto Carlos... (risos). E os caras com metralhadora em volta, e todo mundo cantando Noite Feliz e chorando... Eu no queria viver aquilo. Queria ficar quieto, l no meu canto...
Francisco Ucha - J ESTAVA AT CHAMANDO A PRISO DE 'MEU CANTO'...
Como todas as matrias do Pasquim eram enviadas para a censura, em Braslia, tinham que ser datilografadas com cpia, como se pode ver nesta foto em que Ivan Lessa, observado pelo Jaguar, redige um texto com o imprescindvel papel carbono.
Jaguar - Outra coisa muito engraada era o Tenente Macieira, um cara que tinha todos os cursos, at de guerra na selva. Era exemplar. Ele conversava horas com a gente... E foi se interando da situao do Pas... A gente j tinha uma certa liberdade para andar no quartel. Ficava andando pra l e pra c. Eu tinha uns culos com duas lanterninhas pra ler de noite. Me lembro que uma noite, tava meio frio, eu me enrolei num lenol pra ir ao banheiro, com aqueles culos, e ele quase morreu de susto! Pensou que fosse um fantasma... Eles faziam com a gente uma tortura psicolgica, que era o seguinte... "Preparem os seus pertences, que vocs vo ser soltos", diziam... A gente arrumava tudo, dava parte das nossas coisas para os outros presos, tipo abridor de lata e garrafa. Os caras pegavam a gente, dvamos uma volta
Jaguar - Na cela no tinha banheiro, a gente tinha que pedir pra ser levado. Na primeira vez que eu fui, o cara me acompanhou com a metralhadora nas minhas costas. Fui fechar a porta e ele: "No, no, tem que ser com a porta aberta". "Agora passou a vontade! Eu no sei cagar com algum me olhando", respondi (risos). Logo depois eu comecei a subornar uns guardinhas de l. Eles me forneciam e eu passei a beber um litro de cachaa por dia. Depois, jogava a garrafa vazia pela grade da cela no matagal dos fundos. Havia o Coronel Sarmento, que era muito educado, e dizia: "Os senhores so meus convidados. So meus hspedes. No vou julgar o que vocs fizeram". No sei por qual motivo, acho que ele me considerou com uma cara mais sria, me escolheu como uma espcie de interlocutor do grupo. Ele vinha falar comigo e eu assim (mostrando a mo
te, desceu para comprar jornal e foi prede carro, e nos traziam de volta... (risos). so! E ele sequer entendia o motivo disO Tenente Macieira acabou saindo do so... Inclusive, de esquerda ele no tem Exrcito, ficou meu amigo e abriu um nada. Pelo contrrio, um aristocrata. E restaurante em So Francisco, na Calio Paulo Francis tambm... Todo mundo frnia... Inclusive, uma vez, ele salvou no Pasquim trabalhando do lado de fora, a vida da gente. A Polcia do Exrcito, ali a gente preso sem fazer nada, e ainda do batalho da Tijuca, resolveu seqescom pinta de heri... (risos). Naqueles trar a gente. A, sim! A gente ia se fuder, anos a gente dava umas festas, eu com n? Os caras entraram na Vila Militar pra o Albino Pinheiro, no Silvestre, que hoje, levar a gente na mo grande. Eles, sei l, me parece, virou um cortio. Eu sa diachavam que a gente tava levando uma reto da priso para uma dessas festas. Me vida muito mansa, e quiseram dar uma deram tanta bebida que, em meia hora, 'dura' na gente. E o Tenente Macieira peeu estava em estado de coma... (risos) gou a metralhadora e disse: "Se derem um passo, eu atiro!". S a que os caRick Goodwin - SAIU DA PRISO PARA ras foram embora. Nossa sorte era que QUASE SER MORTO NUMA FESTA... (RISOS) o Tenente Macieira era um soldado mesPaulo Chico - JAGUAR, VOC EST CONTANmo, ou seja, ele atiraria pra valer. E a os DO HISTRIAS ENGRAADAS E CURIOSAS PASSAcaras desistiram... E a gente: "Macieira, DAS NA PRISO. MAS, DO PONTO DE VISTA DE pelo amor de Deus! Fecha essa porta da UM ARTISTA QUE EST PRESO E IMPEDIDO DE cela a chave, e d pra gente tomar conEXERCER SEU TRABALHO , ta. Deixa a chave com OLCIA DO QUAL O IMPACTO DA CENa gente aqui dentro, SURA NA SUA CRIAO? que pra no ter risco XRCITO ALI DO AT QUE PONTO ELA ALIde, se eles voltarem, MENTA A CRIATIVIDADE? conseguirem entrar!". BATALHO DA IJUCA Jaguar - O Ziraldo, (risos) Eu, na priso, fiRESOLVEU SEQESTRAR por exemplo, fica puto cava lendo Ulisses. Lia quando comeo a con20 pginas por dia. No A GENTE SIM tar essas histrias endia seguinte, voltava graadas, pois ele acha dez pginas e retomaGENTE IA SE FUDER que elas estragam a va a leitura. Eu no toS CARAS ENTRARAM nossa imagem pblica. mava banho, tava sujo, imundo, pareNA ILA ILITAR PRA "P, voc fica nos esculhambando, todo muncendo um pria, e o LEVAR A GENTE NA da fica rindo... Parece Paulo Francis passava que foi uma brincadeicom o Paulo Garcez, MO GRANDE ra!". No era, eu sei distambm de cueca, so. Por exemplo, se os caras da PE da com aqueles culos de fundo de garrafa Tijuca tivessem conseguido nos pegar, dele, com uma varinha debaixo do braeu provavelmente no estaria aqui. A o, como se fosse um oficial ingls, e um gente tinha uma grande vantagem em redizia pro outro com aquele sotaque brilao aos outros jornais por causa do tnico, olhando pra mim. "He is almost nosso estilo. O censor l o texto, n? Se human". (risos) pegam na opinio... E ns fazamos um Francisco Ucha - ESSES DOIS SE DIVERTIjornal de cartunistas. A gente mandava RAM NA PRISO, COMO VOC? os originais e eles riscavam. No comeo, a censura era mais branda. Um dia cheJaguar - No, eles sofriam pra caralho! gou uma senhora l na Redao, Dona O Paulo Garcez, coitado, sofreu bea. Marina, dizendo que era da censura. Ele foi solto logo, pois descobriam que "Tudo bem, Dona Marina?", perguntei fotgrafo no tinha nada a ver com a eu. "T aqui o material, a sua mesa...". Ela histria. S fotografava. Ele foi preso da sentava ali e ficava, era uma senhora maneira mais trgica. Casou, passou a muito simptica... E eu sempre com a milua-de-mel l na Lagoa. No dia seguin-
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nha garrafa de Red Label, bebendo. Um dia, depois do expediente, ela chegou e falou assim: "Ser que eu podia tomar uma dose?". No dia seguinte, providenciei um balde de gelo e uma garrafa de Red na mesa dela... (risos) Passava tudo! E ela foi demitida! Depois soube que morreu alcolatra... Outro simpaticssimo censor foi o General Juarez, um cara boa pinta, bonito, pai da Hel Pinheiro, a Garota de Ipanema. Quem, em geral, levava o material para a apreciao do Juarez era eu ou o Ivan Lessa... Ele nos recebia numa garonnire ali na Barata Ribeiro, e ficava censurando. Mas ele era um sujeito legal. Primeiro, lia o material todo e depois riscava a lpis o que achava discutvel, censurvel. E a gente argumentava: "No, o que isso, general?". Se ns o convencamos do contrrio, ele apagava. Se no, riscava mesmo. O mais engraado que isso tudo a gente conversava no sof da sala dele, debaixo de um retrato enorme, de um metro e meio de altura, da Brigitte Bardot, com os peitos de fora... (risos) E a gente ficava torcendo pras garotas chegarem, pras namoradas dele chegarem... "Esses aqui so dois amigos meus, pode ir l pra dentro que eu no demoro". (risos) Nessa poca, passava troo bea tambm... Uma vez eu botei um anncio de office-boy... Me chega um carro, tipo americano, com uma loura espetacular. Ela chega na minha mesa e diz assim: "Eu vim pelo emprego de office-boy, no caso, office-girl, n?". E eu: "Pera, com aquele carro ali?". Ah, eu t cansada da minha vida de madame, e quero trabalhar, gosto de O Pasquim. Por fim, a coloquei como secretria, era bonitona pacas e muito competente tambm... A, de vez em quando, ela quem levava o material para liberao do General Juarez na praia, de biquini. Ele ficava to maluco que passava tudo... (risos) Pra evitar, por vezes, que os censores riscassem o nosso original, a gente passou a enviar um esboo. Se fosse aprovado, a sim a gente finalizava. S que, depois da aprovao, a gente, na finalizao, mudava a expresso dos personagens, o que basta para mudar toda a mensagem... E eles no pegavam isso... (risos)
Paulo Chico - A CENSURA ERA BURRA?
Esta foi a brincadeira que colocou toda a redao do Pasquim atrs das grades por dois meses.
reios, nosso material foi parar em Belm. Nessa poca, O Pasquim comeou a decair devido ao atraso. A gente fazia um jornal que tinha uma semana de atraso. At ir pra Braslia, voltar e no sei o qu, quando saa O Pasquim as notcias j estavam velhas... Foi a que comeou a decadncia... Fora aquela histria de incndios e exploso nas bancas.
Paulo Chico - NO ANO PASSADO VOC FOI
UM DOS JORNALISTAS QUE RECEBERAM INDENIZAO DEVIDO PERSEGUIO PELA DITADURA.
to com o Ziraldo, o que resultou numa grande repercusso. Inclusive... Bom, eu no vou ficar aqui falando de valores, mas o que eu recebi foi muito inferior ao que diversos outros receberam, at mesmo em funo daquela grita toda, entendeu? Primeira coisa: eu no entrei com esse processo, quem entrou foi a ABI, no sei quem... Eu, por exemplo, nunca tive carteira assinada. Se eu quebrar a mo, eu t fudido. Ento, pelas porradas todas que eu tomei na vida... Foram nove anos, depois mais nove anos de contemplado, s agora fui receber...
Paulo Chico - EM FUNO DESSA INDENIZAO HOUVE DESENTENDIMENTOS AT COM COLEGAS, COMO O MILLR FERNANDES. COMO REAGIU A ISSO?
Rnai, por exemplo, escreveu um artigo dizendo que eu estava jogando na lama toda a minha histria, no sei o qu... Eu fiquei puto da vida! Ela ficou sabendo disso... Uns quatro meses depois, eu estou l em Itaipava tomando a minha cervejinha e me liga a Cora: "Jaguarzinho, voc me desculpa?", daquele jeito dela. "Eu no, porra! Se voc me esculhambou na coluna, pea desculpas pela coluna, e no pelo telefone, que ningum vai saber". E ela no fez isso... Mas outro dia almocei com o Millr e a Cora estava. Comprei at umas flores pra ela... E acabou... Passou.
Francisco Ucha - E EM RELAO REAO VOC FICOU DECEPCIONADO?
MILHO, E HOUVE GRANDE REAO POR PARTE DA MDIA E AT DE COLEGAS, NO SOMENTE ACERCA DO VALOR, MAS PELO SENTIDO DA AO EM SI. DA MDIA?
Jaguar - Muita gente teve indenizao, s que a minha foi um processo jun-
Jaguar - Eu fiquei. No esperava levar tanta porrada! Cartas de leitores dizendo que eu era um filho-da-puta, e no sei mais o qu... Como ningum havia me chamado de filho-da-puta ainda, eu estranhei um pouco, n... (risos). Fiquei chateado, e tomei um porre! Mas, se eu no tivesse ficado chateado, tambm teria tomado um porre! (risos)
Rick Goodwin - VOC A FAVOR DE QUE
SE MEXA NESSA HISTRIA E NOS ARQUIVOS DA DITADURA, OU MELHOR DEIXAR TUDO QUIETO, EM RESPEITO ANISTIA?
Jaguar - A o negcio ficou feio, pois tudo tinha que ser mandado pra Braslia. Isso sem ter e-mail nem porra nenhuma... A gente pegava e colocava um monte de secretrias, datilgrafas, copiando Os Sertes, Rachel de Queiroz... Ento, de cada 20 pginas, apenas trs eram de O Pasquim. S que eles tinham que ler aquela merda toda, entendeu? E eles censuravam a Rachel, o Fernando Sabino, censuravam Rubem Braga... (risos) Era uma guerrilha, e a gente fazia isso muito bem. A gente driblava bastante o esquema. s vezes, mandvamos um volume de material que daria pra trs edies, torcendo para que, aps os cortes, o que voltasse salvasse pelo menos uma... Certa vez, por erro dos Cor34 Jornal da ABI 339 Maro de 2009
Jaguar - Eu acho que o cara que foi torturador tem que ser punido. Essas coisas no prescrevem no, porra! Eu acho que no! O sujeito fez e aconteceu, depois passam uma borracha e t limpo?
Paulo Chico - EM 2006 OCORREU O EPISMEDALHA PEDRO ERNESTO, QUE VOC DEVOLVEU CMARA MUNICIPAL DO RIO, EM FUNO DA MESMA COMENDA TER SIDO OFERECIDA AO DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON (PTB). O QUE O LEVOU A FAZER ISSO? VOC SE ARREPENDE OU HOJE TOMARIA A MESMA POSIO?
DIO DA
Jaguar - Eu falei que ia fazer isso! Devolvi mesmo! Foi o Chico Alencar quem props o meu nome, eu fui l receber na Cmara, o Fausto Wolff esteve presente tambm, tudo bem, at a, en-
tendeu? Quando disseram que o Jefferson ia ganhar, eu anunciei, no sei onde, que se ele recebesse a Medalha, eu devolveria a minha. Deram a Medalha pra ele e criei um problema. Nunca algum havia devolvido este troo. Entrei, tinha um segurana l e eu falei o seguinte. "Olha, eu estou aqui com a Medalha Pedro Ernesto, queria devolver essa porra". O Roberto Jefferson era ru confesso, cassado, e foi condecorado pela filha, num ato de nepotismo. No deu pra engolir... E, na poca, saiu uma reportagem no O Dia. A (Vereadora) Leila do Flamengo, que estava l, veio falar comigo, quis me levar ao plenrio, mas eu no fui. Entreguei a Medalha a ela e fui beber no Amarelinho...
Rick Goodwin - TEVE AQUELE EPISDIO COM A ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS...
Jaguar - Por exemplo, esse desenho aqui que eu fiz (mostra a charge que ele fez para o jornal O Dia). O Lula chamando o Obama de nego... P, mas isso racismo? No acho, no, porra. Eu chamo crioulo de crioulo! Muita gente acha que racismo. Pra mim, at uma maneira afetiva, entendeu? Eu mesmo fui casado com uma crioula durante dez anos. E o casamento s acabou porque ela me corneou com outro crioulo... (risos)
Rick Goodwin - COMO QUANDO VOC
SE ENCONTRA COM UMA VTIMA SUA, EM CARNE E OSSO?
Jaguar - ...Com o Roberto Campos. Eu disse: "Se esse cara entrar pra Academia eu vou l jogar ovos". Eu no ia jogar, entendeu? Mas, o Arnaldo Niskier, que era Presidente da ABL, falou: "O Jaguar de conversa fiada, covarde! Ele no vai ter coragem de fazer isso!". A fudeu, n? No tinha mesmo outro jeito. Fui no Mundo Teatral, na Rua Sara, aluguei uma roupa usada pelo Tarcsio Meira, no filme em que fazia o Dom Pedro I, o Independncia ou Morte, um fardo chiqurrimo! Segui pro bar em frente ABL, o Vilarinho, mas no avisei a ningum, pois eu no queria transformar aquilo em baderna. Fui na moita. Fiquei ali, mas os jornais ficaram sabendo, mandaram os fotgrafos e coisa e tal. Me vesti, peguei os ovos, meia dzia deles na mo, atravessei a rua, e l havia seis seguranas, seis armrios, e mais um carro da Polcia. Os caras estavam em p, e eu disse que ia jogar os ovos nas escadarias. Mas os caras tinham uns dois metros de altura, eu olhando pra eles, eles olhando pra mim... E eu pensei: "Vou jogar isso por cima da cabea dos caras... E se eu er-
rar e acertar na testa de um?" (risos). A joguei a meia dzia na parede da Academia. Como eu no queria emporcalhar a cidade, os ovos estavam previamente cozidos. Veio o faxineiro da ABL e falou assim: "Oba! Posso levar os ovos?" (risos). Depois ainda fiquei de jogar ovos no tmulo do Roberto Campos, mas a achei que era um pouco demais...
Paulo Chico - O HUMOR UM TRAO
MARCANTE DO SEU TRABALHO E TAMBM DO SEU PONTO DE VISTA SOBRE A VIDA. MOR HOJE NOS JORNAIS?
O QUE
Jaguar - Isso um fato inconteste. Eu, por exemplo, sou cartunista. Mas, se eu fosse viver de cartum, tava fudido. Eu vivo, na verdade, como chargista. Publico h anos no O Dia. Eu tenho um grande problema, como chargista, pois no sei fazer caricaturas de pessoas, entendeu? E, s vezes, eu tenho que inventar uma caricatura. Por exemplo, Carlos Lacerda. Quando eu fazia a caricatura do Lacerda, usando mais ou menos a idia do Lan, eu
fazia uma face que era completamente diferente da real. Mas os leitores se acostumaram e j sabiam que aquele cara que eu fazia, de culos, era o Lacerda. O mais incrvel foi o seguinte: que, com o passar dos anos, o Lacerda foi ficando parecido com a minha caricatura... (risos). Eu odiava o Carlos Lacerda, ele era tudo a que eu tinha pavor. Me lembro que uma vez encontrei com ele no Jogral, l em So Paulo. Ele tava triste pra cacete, pois tinha morrido o Mesquita, do Estado, que era amigo dele. Tava enchendo a cara, eu estava numa outra mesa, e ele me mandou um bilhete, perguntando se eu no gostaria de me sentar com ele. E respondi num bilhete assim: "Eu quero que voc morra com a boca cheia de formiga" (risos).
Rick Goodwin - NO H MAIS ESPAO
PARA O USO DO DESENHO COMO NOTCIA, N?
PRESIDENTE
REPBLICA E JAGUAR?
Jaguar - Todas as revistas de humor acabaram! Aquela revista Hermano Lobo, que sobreviveu ao franquismo durante tantos anos, depois da morte do Franco no durou... Alis, a democracia pssima para esse tipo de publicao. A gente esculhambava o Governo. E s a gente, n? A chamada 'imprensa nanica". Depois que todo mundo pode esculhambar o Governo, virou zona. A democracia a pior coisa para um jornal de humor e de stira, do ponto de vista econmico. At O Globo pode falar mal do Governo, porra!
REPRODUO
Jaguar - Eu encontrei com o Lula recentemente, quando eu era membro de uma comisso da Fiocruz. O diretor da Fiocruz cismou de me colocar nessa comisso, da qual participei. E, no encerramento do mandato, houve uma cerimnia, na qual o Lula foi de palet e gravata, irreconhecvel... Quando o Lula chegou, me apresentaram a ele, muito prazer e tal... Depois, chegou o Srgio Cabral, Governador. Ele foi l, falou com o Lula, no sei o qu, e depois veio pra mim: "O Lula queria falar contigo". E eu respondi: "Eu j falei com ele!". A, rapaz, por azar, ele ficou discursando e eu na frente dele, na platia, n? Ele olhava de vez em quando pra mim, e assim que acabou, eu dei o fora... Eu acho que o Lula t fazendo um Governo bacana. Ele tem uma audcia, n? Ele se encontrou e tratou o Obama de igual pra igual... Mas no t fazendo nada de especial no seu Governo, a no ser seguir o modelito de Governos anteriores...
Paulo Chico - ESSA A SUA DECEPO?
Jaguar - Eu acho que t uma roubalheira. No precisa ser dito por mim. Qualquer motorista de txi vai te dizer a mesma coisa. A cada dia voc v o negcio mais vergonhoso, e no acontece nada... Prefiro no entrar em detalhes...
Rick Goodwin - VOC CONTOU DA SUA LACERDA E O PRESIDENTE LULA... ACHA QUE SAUDVEL, PARA O HUMORISTA, MANTER SEMPRE ESSA DISTNCIA DO PODER?
POSTURA NOS ENCONTROS COM O
GOVERNO? Paulo Chico - POIS . SER QUE, DEMOCRACIA POLTICA PARTE, A IMPRENSA NO CENSURADA, HOJE, POR UM OUTRO TIPO DE PODER?
Jaguar - Acho. Eu mantenho o mximo possvel. Noutro dia, por exemplo, eu falei com o Sarney. Mas ele foi to gentil comigo, que eu no podia ser mal-educado. Ele estava l no restaurante, saiu da sua mesa e veio falar comigo. Depois, na hora de ir embora, eu fui l na mesa dele. Era o mnimo de cordialidade esperada.
Rick Goodwin - COMO SERIA O DILOGO
DE UMA CHARGE RETRATANDO UM NOVO ENCONTRO ENTRE VOC E O
Foto histrica da equipe organizadora do 2 Salo Carioca de Humor, em 1990: em p, Chico Caruso, Lyvia Marina de Moraes, Ziraldo, Stella Marinho, Lan, Jaguar, Teresa Graupner, Marina Amaral, Laura Carvalho e Millr Fernandes. Agachados: Reinaldo, Lusa Rocha, Creso Pessurno, Carolina Niemeyer e Agner.
PRESIDENTE LULA?
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DEPOIMENTO JAGUAR
Jaguar - Rapaz, eu no tenho saco! Essas novelas todas so completamente idiotas, no tm p nem cabea. Raramente eu vejo um programa interessante, como outro dia eu vi um que era sobre um escritor, com apresentao da Bianca Ramoneda... Eu no consigo prestar ateno na televiso. A minha mulher dorme com a televiso ligada! Se eu desligo, ela acorda... (risos) O silncio ensurdecedor.
Paulo Chico - JAGUAR, AO LONGO DE TODA
ESSA SUA TRAJETRIA PROFISSIONAL, EXISTE UM TRABALHO DO QUAL VOC MAIS SE ORGULHE?
predileta a normal. E a sua?" (risos). Esse um lado simptico do Lula e todo mundo esculhamba, porra!
Rick Goodwin - A IMPRENSA BRASILEIRA
SEMPRE TEVE MUITA TRADIO DE TER ESPAO PARA OS DESENHOS, PARA O CARTUM, PARA A CHARGE...
Jaguar - No me orgulho de nenhum deles. E tambm no me arrependo, pra dizer a verdade... Eu j fiz tanto cartum que... Infelizmente, eu no os guardei durante anos... Agora que, com esse negcio de internet, eu fico com os originais. Mas, antigamente, eu levava os originais, os deixava na Redao. Nunca peguei. De vez em quando eu vou casa de algum e vejo l um desenho meu, na parede. Certamente o cara pegou na Redao, no arquivo. Todo o material de O Pasquim sumiu tambm...
Francisco Ucha - COMO FOI O PROCESSO GASTO, BORIS, CHOPNICS?
Jaguar - Eu misturo o humor do cartum na charge... Os outros do porrada direto. As publicaes dedicadas ao cartum acabaram...
Paulo Chico - A PROFISSO DO CARTUNISTA EST FADADA EXTINO?
Jaguar - Claro! A Hermano Lobo, que era uma revista de humor, com geniais cartunistas, acabou... O Pasquim acabou! E o Punch? Eu nunca imaginei que o Punch fosse acabar! Hoje em dia, praticamente, voc tem s o New Yorker. Mas l o cartum um charme... Tem as matrias, textos muito bons. E mesmo assim, dos cartuns do New Yorker, s uns 20% so bons. O resto uma porcaria...
Francisco Ucha - QUE PUBLICAES VOC
GOSTA DE LER?
Jaguar - Eu leio o New Yorker! Eu leio tudo, menos essas a, Contigo! ou Caras... Ah, rapaz, muito engraado, eu estive em Angola e tem Caras l!
Jaguar - Engraado isso, depois eu fui ver o Gasto, o vomitador, pois eu nunca tive saco pra histria em quadrinhos. Eu comecei a fazer quadrinhos justamente com o Mauricio de Sousa... E a histria do Chopnics era o lanamento da cerveja Skol. Eu fui chamado pelo Zequinha Castro Neves, que trabalhava numa agncia de publicidade, e ele me props criar uma histria para o lanamento da cerveja no Brasil. Eu a bolei, e fiz o nome com a mistura de chopp com os beatniks da poca. E havia personagens como o Bid, que era o capito Ipanema. Esse tinha superpoderes somente dentro da rea da bairro. Quando passava voando pelo Jardim de Alah ele perdia os poderes (risos). O Hugo Bid era esse personagem, que falava a palavra Skol e ganhava os poderes. Havia o Dr. Carlinhos Boca, que era eu. Me lembro que eu saa na Banda de Ipanema, num calor de 40 C, fantasiado de Carlinhos Boca, com um chapu preto e uma capa de borracha preta... No sei como que eu no morri! Eu no tinha noo do sucesso que o
Chopnics fazia. Ele chegou mesmo a que, um dia, caiu! Era no primeiro andar, ganhar vida prpria, independente da mas para um rato era como se fosse o dcerveja. Essas tirinhas saam todo dia no cimo, n? Ns descemos todos, o rato esCorreio da Manh e no O Globo - dois tava l, j agonizante. O que ns fizejornais na mesma cidade! Era um sucesso mos? Pegamos o rato e o levamos para do caralho! Eu no me dei conta disso, o Hospital Miguel Couto! (risos) Pra depois, sinceramente, enchi o saco de fagente no era um rato, era um companheizer. Naquele poca no havia computaro. Chegamos l e os caras, lgico, se redor, nem nada, eu achava um porre decusaram a atend-lo. E ns samos na porsenhar histria em quadrinhos. o serada com todo mundo, fomos parar toguinte: se voc dos na Polcia... Na U DETESTO DESENHAR E bolar um cartum, confuso, o rato ele em si prprio acabou morto, piUM DIA EU PUDER OU TIVER se encerra, pronto soteado... (risos) e acabou! Os qua- QUE PARAR DE DESENHAR NO Tinha o Marat, drinhos pedem que era outro boINHA NICA mio, esse exemaquela repetio, DESENHO MAIS repetio, repetiplar, um timo adINSPIRAO A SEGUINTE o... Digamos vogado. Ele trabaaqui: eu tenho que lhava, chegava em U TENHO QUE ENTREGAR desenhar essa casa, dormia at s A PORRA DO DESENHO E mesa, com a gen10 horas da noite, te aqui, essa mere saa pra virar a NO ELES NO ME PAGAM da toda a em noite. Esse era o cima, e voc diz pra mim assim: "Oi, tudo Robespierre. Tinha o Henrique Grosso, bem?". A eu tenho que desenhar tudo que era um personagem burro... E tinha isso de novo, s pra responder: "Tudo o Sig, abreviatura de Sigmund, que era bem". Porra! Eu no tinha saco! Quem o intelectual, apaixonado pela Tnia teve saco pra isso ficou rico: o Mauricio Scher e pela Odete Lara. Ele era um rato de Sousa e o Ziraldo. Do Chopnics s soatormentado, cheio de problemas exisbrou um personagem, o Sig. tenciais... Teve uma sobrevida e acabou virando um smbolo do Pasquim.
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Jaguar fez cartuns especiais para ilustrar os portacopos distribudos no lanamento da cerveja.
Jaguar - O Sig existiu, era um rato branco, do Hugo Bid, que bebia com a gente. E o nome dele, real, era Ivan Lessa. (risos) O Hugo levava o rato pro Jangadeiros, molhava uma bolinha de po com vodca, que o rato comia e ficava de porre. O rato era amigo nosso, entendeu? Tanto que, quando ele morreu, foi uma tragdia. A gente, quando fechava o bar, l pelas quatro e meia da manh, ia pra casa do Hugo Bid, que era ali mesmo, na Jangadeiros. amos eu, Pereio, o Bid, Paulo Ges... Este, hoje em dia, se diz arrependido de ter participado daquelas coisas todas. Ele era o mais maluco de todos, era tambm personagem do Chopnics. Na Banda de Ipanema saa fantasiado de mendigo. Depois da festa tentava pegar um txi e s faltava os taxistas jogarem o carro em cima dele... (risos). Hoje ele diz: "P, Jaguar, como ns perdemos tempo com aqueles bbados, n?". E eu: "Que isso, rapaz? Voc est cuspindo no copo em que bebeu?" (risos). A o Ivan Lessa, o rato, ficava andando no parapeito da janela, pra l e pra c. S
Jaguar - Gasto, o vomitador... Sei l como eu bolei. De fato, no se desenhava ningum vomitando no jornal. O mais engraado dessa coisa toda que foram poucas histrias, mas at hoje as pessoas se pegam nisso.
Paulo Chico - COMO SEU TRABALHO DE O QUE SURGE PRIMEIRO? UMA IMAGEM NA SUA CABEA, UMA SITUAO QUE VOC V, O TEXTO QUE DEPOIS TRADUZIDO NO DESENHO... O QUE TE INSPIRA?
CRIAO?
Jaguar - Nada! O Ziraldo, por exemplo, um cara que adora desenhar. Voc v que o Ziraldo fica conversando com voc e, ao mesmo tempo, est desenhando num pedao de papel. Eu detesto desenhar! Se um dia eu puder ou tiver que parar de desenhar, no desenho mais. Minha nica inspirao a seguinte: "Eu tenho que entregar a porra do desenho!" (risos). Se no, eles no me pagam... Eu leio quatro, cinco jornais do dia, leio tudo, de manh, pois de noite eu no consigo bo-
lar nada. Acordo cedo e leio O Dia, O Globo, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, a Tribuna, quando havia... Faz uma falta a Tribuna, n? Como eu no leio na internet...
Paulo Chico - H MUITA TENTATIVA E
ERRO? MUITOS DESENHOS SO FEITOS E DEPOIS JOGADOS FORA, DESCARTADOS?
VIVIANE ROCHA/AGNCIA JB
Jaguar - Tenho vrias idias, eu vou anotando... s vezes, eu fao todas as charges da semana num dia s. No O Dia eu tenho que fazer, na segunda e quinta, as charges. Quarta a vez da crnica com ilustrao. Sexta eu desenho o Boteco do Jaguar. isso que eu tenho que fazer, basicamente. De vez em quando um frila, uma ilustrao de livros, outras coisas. Mas isso pontual...
Francisco Ucha - NUM DOS LIVROS EM QUE
VOC RETRATA BARES, HOUVE O ESQUECIMENTO DO BAR DE UM AMIGO SEU, O QUE GEROU RECLAMAES...
Jaguar - Foi no tempo em que eu fui editor de A Notcia. Era muito divertido aquele jornal, pena que tenha fechado... Foi a nica vez que eu tive carteira assinada. E, quando fecharam o jornal, eu ganhei uma grana de indenizao, e comprei um chalezinho l em Itaipava. Foi timo... Eu tinha uma coluna, De Bar em Bar, na qual eu falava de botecos. Depois, resolvi transformar isso em livro, que j est completamente defasado, o Confesso Que Bebi... Engraado, tem um sujeito que escreve numa revista de So Paulo, sobre gastronomia, que fala de vinhos e usa, na maior cara-de-pau, esse ttulo do meu livro...
Rick Goodwin - FALE UM POUCO MAIS SOBRE A NOTCIA...
Em 1987 o Pasquim comemorou 18 anos com uma edio especial e novo logotipo.
ARQUIVO PESSOAL
Jaguar - Primeiro, ele tem que ler, ver muito cartum. Conhecer tudo o que se faz nessa rea, entender de artes grficas... Eu acho que o que t pegando em relao ao pessoal mais jovem ter pouca informao, pouca cultura. Eles no lem. Eu leio pra cacete!
Francisco Ucha - CERTA VEZ VOC DISSE A
SEGUINTE FRASE: "IDIOTAS J CONHECI MILHARES.
TALENTOS, MUITOS. GRANDES TALENTOS, POUCOS. GNIOS, S DOIS: GARRINCHA E HENFIL". NO EST ESQUECENDO DE ALGUM NESSA LISTA?
Jaguar - A Notcia surgiu para enfrentar O Povo. E ns acabamos vendendo mais do que eles. E tnhamos timos profissionais, como o Henrique Diniz, um grande texto, que morreu... O Monteirinho, que morreu tambm... Porra, morreu todo mundo, rapaz! Impressionante... Eu chegava l e fazia basicamente s as manchetes. O pessoal fazia todo o resto. Foi a ltima Redao do Brasil onde se fumava desbragadamente e se bebia... (risos). Eu me lembro de algumas manchetes. "Mulher d luz com a idade do Ziraldo!" (risos). A mulher havia tido um filho com sessenta e poucos anos... O Ziraldo ficou puto! Outra vez, dois cabos do Exrcito pegaram duas piranhas, foram pro motel, comeram, beberam, passaram a noite. E no pagaram! A veio a manchete no jornal: "Golpe militar na Baixada!" (risos). Eu me divertia fazendo essas manchetes!
Paulo Chico - ACHA QUE OS JORNAIS SE INDUSTRIALIZARAM DEMAIS EM SEU PROCESSO DE ELABORAO? AS REDAES ESTO MUITO CERTINHAS, PERDERAM PARTE DE SEU ENCANTO?
Jaguar - Niemeyer...
Francisco Ucha - VOC FALOU DO REINALCASSETA & PLANETA...
DO, DO
Acompanhando sua mulher, Clia Pierantone, que participava de um Congresso de Sade, Jaguar teve a oportunidade de conhecer Fidel Castro graas interveno de Frei Betto.
Jaguar - O Reinaldo, pra mim, o melhor cartunista brasileiro... Ele agora est fazendo umas coisas, e cada vez melhores, na Piau. Eles me chamaram para fazer uns desenhos nessa revista, que acho muito boa. Fiz a capa da edio de Natal deles. Depois, no me chamaram mais... O Reinaldo desenha pra caralho! Mas o tal negcio: ele t ganhando muito dinheiro na tv... Eu faria o mesmo...
Francisco Ucha - QUAL SUA VISO SOBRE ABI?
Jaguar - Eu estranho muito quando vou a uma Redao hoje em dia. Era muito divertida a Redao de A Notcia, pois era uma esculhambao... Mas o pessoal era bom... Tudo funcionava. Hoje em dia, l no O Dia, tem vrios que foram aproveitados. Agora, eu me sinto um estranho no ninho numa Redao. Outro dia fui visitar o Chico Caruso, l
Jaguar - Ela foi e fundamental para mil coisas, n? A existncia da ABI, a presena dela esses anos todos... A ABI um porto seguro. Desde o tempo do Herbert Moses, do Joo Saldanha, que eu freqento aquilo l... Tenho boas lembranas das reunies que fazamos l... A ABI um escudo pra gente. Ns nos sentimos seguros. uma garantia de que tem algum cuidando da gente. Caso contrrio, estaramos rfos... Do tipo, eu no sei como eu sobrevivo sem o Mistura Fina... Sem o Florentino... (risos). muito bom saber que a ABI est l, entendeu? uma coisa que deixa a gente mais tranqilo. A impresso que d que sem a ABI os caras viriam pegar a gente pra dar porrada! Isso na melhor das hipteses, viu?
Jornal da ABI 339 Maro de 2009
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LEMBRANA
12 ABI,
1988.
foi responsvel pela criao de smbolos de torcidas, como o Urubu, que at hoje representa o Flamengo. Quando meu pai estava no mercado, a profisso de cartunista no tinha qualquer regulamentao. Ento, ele era registrado como jornalista por isso que a ABI tem muito a ver com ele. Ele escreveu crnicas e se envolveu em muitas questes ligadas poltica. Atravs da charge, participou de todos os movimentos importantes que aconteceram no Pas, entre as dcadas de 70 e 80, destacou Ivan Cosenza. A cerimnia contou com a presena de importantes nomes do jornalismo, da cultura e da poltica, alm de parentes de Henfil. Wanda Figueiredo, irm do cartunista, disse que a criao do Instituto um sonho antigo. Preservar essa obra muito importante para a gente. E um trabalho rduo, pois ele deixou uma produo muito vasta. Acredito que nada foi perdido, afirmou. Pouco antes do incio do evento, o jornalista Ricardo Gontijo contou que conheceu Henfil ainda na adolescncia, em Belo Horizonte. Meu pai era dono do Hotel Gontijo, que funcionava como um ponto de encontro entre os amigos. O humor dele no era de graa, simplesmente. Sempre tinha um objetivo, uma cida crtica poltica. Era um homem eminentemente poltico, vivia, falava e respirava poltica, recordou ele, que trabalhou com Henfil na Redao do jornal O Sol.
Entre 1973 e 1974 os Fradins viraram Mad Monks. Foi a poca em que Henfil experimentou trabalhar com a distribuio dos syndicates nos Estados Unidos.
O comeo O cineasta Joffre Rodrigues, que trouxe o cartunista de Minas para o Rio, em 1966, para trabalhar no Jornal dos Sports e em O Sol, contou sobre o surgimento do filme Tanga Deu no New York Times?, com roteiro dele e de Henfil, que, alm de atuar, tambm assinou a direo do longa-metragem. Havia um programa do SBT que se chamava Essa Era Minha Vida. Certa vez convidaram o Henfil e diversos amigos dele. Durante a conversa, Henfil me perguntou no que eu estava trabalhando. Disse que estava no cinema. Ele ficou entusiasmado e falou que tinha uma idia para um filme. O roteiro era baseado na seguinte teoria: se voc fosse preso pela ditadura militar e seu nome sasse no New York Times, eles no te matavam. O ator Marcelo Escorel, responsvel pela apresentao da cerimnia e que tambm atuou no filme, relembrou que interpretava o personagem Aids (Ao Insurrecional Democrtica Sexual). Durante as filmagens eu soube que Henfil estava com o vrus e pensei: que cara maluco, no respeita nem a si prprio. Henfil era politicamente incorreto at com ele mesmo. Mas, ele sempre foi assim, custico. O Aids era um personagem gay, uma sacanagem dele com a ala cor-de-rosa da esquerda nacional. Se Joffre Rodrigues trouxe Henfil para o Jornal dos Sports, Maurcio Azdo, Presidente da ABI, tirou-o das pginas internas e o lanou na primeira
pgina da publicao. Eu era editor e vi que havia um talento escondido numa pgina interna. Ento, eu o promovi para a capa e, com o talento que tinha, ele deslanchou. Sua charge era sempre marcada pela irreverncia e pelo teor de surpresa que ele oferecia no encaminhamento do assunto que era objeto de sua anlise, relembra Azdo.
Sem rancor O Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, impossibilitado de comparecer solenidade, enviou uma mensagem. Henfil sempre representou a cidadania e o direito de liberdade de todos ns, da forma mais rascante e contundente possvel. E o Ivan vai na mesma trilha, sempre parceiro das boas causas e disponibilizando o trao genial, o riso incontido e a ironia demolidora de seu pai contra os poderosos de planto. O Ministrio tem o Henfil, o Ivan, a Grana, o Zeferino e tantos outros personagens geniais como smbolos da nossa luta contra o desmatamento e a desertificao, e a favor do Plano Nacional sobre Mudana do Clima, afirmou Minc. Presente ao ato, o Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica, Paulo Vanucchi, destacou a importncia social da obra de Henfil e a relao deste com o Presidente da Repblica. Sou assessor do Lula desde 1980, e acompanhei bons momentos dessa relao, como
as contribuies do Henfil na Tribuna Metalrgica, o jornal dos metalrgicos do ABC, as campanhas pelas Diretas J! e pela anistia. Henfil representava uma boa esquerda, que no era sisuda, nem rancorosa, e sim irreverente e brincalhona, pois a luta pela liberdade passa pelas lgrimas, pelo sangue, pela morte e pela dor, em direo a um mundo de alegria e descontrao, ressaltou.
A cano O cantor e compositor Joo Bosco lembrou do incio da carreira, quando teve seu primeiro disco lanado pelo Pasquim, em 1972. Esse lp, no qual dividi um lado com o Tom Jobim, foi uma produo do Srgio Ricardo. Ento, como o Aldir Blanc tambm colaborava com o jornal, ns freqentvamos a Redao e era comum estarmos com Henfil, Srgio Cabral, Ziraldo, Millr... Depois, estreitei mais ainda as relaes com o Henfil, em funo da aproximao dele com a Elis Regina, que era uma grande intrprete das nossas canes. E isso tudo gerou O Bbado e a Equilibrista, que uma cano que celebra toda essa amizade: a minha, do Aldir, da Elis
e do Henfil, com o Brasil, descreve o artista mineiro. Parceiro de Joo Bosco numa das mais cantadas msicas da histria da mpb aquela cuja letra sonhava com a volta do irmo do Henfil, numa referncia ao socilogo Herbert de Souza, o Betinho, Aldir Blanc enviou mensagem que, na solenidade de fundao do Instituto, foi lida pelo artista plstico Melo Menezes: Em memria do Henfil e dedicado a seus discpulos. Advertncia: assim como ele vivia repetindo no Pasquim que humor p na cara, l tambm ouvi que a graa no respeita nada. Talvez, em razo dessas lies, acho mesmo que o politicamente correto, e no interessa se estamos falando de minorias, feminismo, raas ou credos, a morte do humor.
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O fato de que os cartunistas tm como esporte predileto as crticas cidas e bem-humoradas ao poder no uma novidade. O indito, no caso do mineiro Henfil, que nunca se vivenciara a experincia de um artista que, munido de seus traos finos e metralhadora de grosso calibre, conseguiu exercer tamanha influncia direta sobre os rumos polticos do Pas. Nos mais diversos veculos, Henfil incumbiu seus personagens de apontar os desmandos de um Brasil que sobrevivia sob regime ditatorial. E de lanar luzes sobre as mazelas cotidianas de um povo acuado.
No ano em que o cartunista completaria 65 anos,as recordaes de seu filho, Ivan Cosenza de Souza, e de colegas resgatam o trao do artista que soube traduzir as angstias de um povo reprimido e influenciar diretamente a poltica do Pas. Ele teve sacaes geniais, como ao definir a Regio Sudeste como Sul Maravilha, plo de contraste econmico e social com o Norte e Nordeste.
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O maior legado de meu pai foi botar em cena um humor levado a srio. De batalhar para conquistar avanos do ponto de vista social, poltico e cultural. Nenhum cartunista jamais conseguiu ter a importncia de meu pai no cenrio poltico do Brasil, como bem destacou o Ziraldo em seu depoimento no filme Trs Irmos de Sangue, avalia Ivan Cosenza de Souza, filho do cartunista, que faleceu em 4 de janeiro de 1988, aps contrair o vrus da aids numa transfuso de sangue, procedimento ao qual era regularmente submetido, em razo da hemofilia. A doena crnica tambm comprometia a sade de seus dois irmos o socilogo Herbert de Souza, o Betinho, e o msico Chico Mrio. Ele combateu a ditadura, abraou a campanha da anistia, criou o slogan das Diretas J e fez a primeira passeata pblica desse movimento com um pequeno grupo de cartunistas. Com suas caricaturas, praticou seu humor na televiso, em jornais e revistas, no teatro e no cinema. Foi o primeiro a fazer denncias ambientais em cartuns. S no fez humor no rdio. Hoje, no vejo um cartunista que tenha esse humor cido, essa capacidade de interpretar e se antecipar s coisas, identi-
ficar as tendncias. E, principalmente, de saber reproduzir no desenho o que as pessoas estavam querendo ouvir , diz Ivan, produtor cultural que agora se dedica ao fortalecimento do Instituto Henfil, recentemente criado e ainda em busca de sede prpria. Antes de tudo um ser poltico, Henrique de Souza Filho, seu nome de batismo, assinou o manifesto de fundao do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980. O dom de antever os processos polticos e sociais, detectando talentos individuais, outro trao marcante da personalidade de Henfil, diz seu filho nico. Ele sempre apostou no PT. Ele deve, sim, em algum momento, ter projetado o Lula sindicalista no ptio da fbrica e no futuro como Presidente da Repblica. Ele sempre repetia que o Lula era muito mais que um lder sindical. Para meu pai, ele teria uma grande importncia no cenrio da poltica brasileira. Ser que Ivan Cosenza arriscaria, 21 anos aps a morte de Henfil, uma previso de como seu pai se comportaria politicamente nos dias de hoje? Em outras palavras, como o cartunista, conhecido por suas crticas implacveis, veria a experincia de Lula no poder? Acredito que, num cenrio mais amplo, certamente ele diria que esperava mais desse governo. Mas importante ressaltar que eles tinham uma relao muito prxima. O Lula admi-
te o fato de que tinha meu pai como uma espcie de guru pessoal, com quem sempre conversava e tomava conselhos, recorda.
O apuro tcnico Mestre na arte do desenho, o chargista Chico Caruso, de O Globo, reconhece a importncia do carter poltico que permeia toda a obra do colega, mas destaca especialmente o apuro tcnico de suas criaes. O maior legado do Henfil seu desenho. Mais precisamente, o movimento que seus traos sugeriam, algo difcil de se reproduzir numa folha de papel. Ele conseguia imprimir movimento em algo esttico. Alm disso, brilhava na questo da agilidade, da perspiccia, da rapidez do ataque atravs do humor. Apenas a sua participao no Pasquim j bastaria para coloclo entre os generais na batalha pela redemocratizao do Pas, diz Chico, que considera que atualmente falta ousadia aos grandes jornais. preciso abrir mais espao e valorizar as imagens, no s as manifestaes por meio do desenho, mas tambm as fotos, sugere. A mesma viso de mercado apresentada por Ota. O espao para desenho est reduzido, at os quadrinhos esto encolhendo, com reprodues miudinhas. H vrios motivos para isso, desde a reduo dos jornais, pelo alto custo do papel, e at o perfil dos
editores, que no gostam dessa manifestao. A Folha de S. Paulo valoriza os desenhos. O Jornal do Brasil acabou com as tiras. No O Dia, o espao tambm reduzido. O Henfil tinha lugar, pois conseguiu traduzir, em poucos traos, o que a populao queria dizer. Histrias impagveis, como as do Zeferino, duraram anos e anos, tendo s trs personagens principais. Ele sintetizava em desenhos o que as pessoas no podiam falar em voz alta, afirma o cartunista e quadrinista.
frente do seu tempo A questo seguinte, ento, torna-se inevitvel. Ser que haveria espao para personagens como Orelho, Bode Orelana, Grana, Cabco Mamad, Urubu, Ubaldo e os Fradinhos nas publicaes atuais? Ah, acredito que ele teria grande dificuldade de se colocar hoje em dia no mercado. Na verdade, ns que militvamos contra os militares acreditvamos que com a abertura poderamos arrebentar a boca do balo, produzir muito para os jornais. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrrio. Com
o incio da redemocratizao, eles foram, aos poucos, dispensando seus desenhistas. Diziam no precisar mais da gente, avalia Nilson Azevedo, cartunista e quadrinista de Belo Horizonte, que nos anos 70 chegou a dividir um apartamento com Henfil em So Paulo. Como sempre, Henfil conseguia se antecipar aos movimentos e tendncias. Foi assim que em 1979 se mudou do Rio para So Paulo, onde, segundo ele, todas as coisas importantes, do ponto de vista cultural e poltico, estavam acontecendo. Ele tinha como referncias o Lula, o ABC, Dom Paulo Evaristo Arns... Foi para dividir um apartamento com o Glauco l na Rua Itacolomi, em Higienpolis. Logo depois, me convenceu a tambm ir para l, recorda Nilson, que conta uma experincia assustadora daquela poca. Certa vez, a uma da madrugada, subamos de carro pela Avenida Anglica eu, Henfil, Angeli, Glauco e Trik de Souza. Fomos parados pela Rota e, aps 20 minutos de terror psicolgico, com oito armas apontadas para as nossas cabeas, fomos liberados, veja s, com a chegada de policiais civis, que pegaram mais leve com a gente... Naquela noite, achei que a gente ia danar.... O episdio vem tona para descrever peculiaridades da personalidade do cartunista. Era impressionante sua coragem. Nesta noite, ficamos todos apavorados. E o Henfil, que era o verdadeiro alvo deles, ficou l, firme, sem sombra de medo. Ele era uma verdadeira usina de produo, de fora. Era capaz de, mesmo doente, hemoflico, colaborar com o Pasquim, produzir para a Isto, fazer o TV Mulher, desenhar para o Jornal da Repblica e para quem mais aparecesse, diz Nilson, que destaca ainda a rara inteligncia do amigo.
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Ele era uma das pessoas mais inteligentes que j vi. Um grande observador. E poderia dizer que ele vivia sob uma espcie de dio sagrado. Ao mesmo tempo que exibia grande agressividade, era capaz de doses absurdas de compaixo, cultivava as amizades, tinha uma capacidade absoluta de entrega. E era muito divertido, irnico, descreve Nilson, que hoje, tambm afastado dos grandes jornais, desenha para causas sociais e sindicatos de Minas Gerais. Ele acrescenta: Henfil era mesmo uma espcie de farol, algum que indicava caminhos a serem seguidos. E que influenciou de forma determinante a poltica da poca. Prova dessa interferncia do artista na poltica foi a campanha da anistia, iniciada em So Paulo de forma quase solitria por Therezinha Zerbini, sob o nome de Movimento Feminino de Anistia, e que ganhou projeo somente a partir da adeso do cartunista. A campanha da anistia ganhou fora mesmo com as Cartas da Me, que o Henfil escrevia para Dona Maria, com vis social e poltico. Elas foram publicadas na Revista do Fradim, no Pasquim e na Isto. A, sim, o Pas tomou real conhecimento de que havia 10 mil brasileiros exilados, e aquele se tornou um movimento nacional, lembra Nilson.
Trajetria de sucessos Henfil nasceu no dia 5 de fevereiro de 1944 na cidade de Ribeiro das Neves. Fez sua estria profissional em 1964, na revista Alterosa. No ano seguinte, passou a colaborar com o jornal Dirio de Minas. Em 1968, mudou-se para o Rio e passou a trabalhar no Jornal dos Sports, onde reinventou termos esportivos e criou as figuras dos mascotes das principais torcidas de futebol do Rio de Janeiro. Em seguida trabalhou no Jornal do Brasil, no Pasquim e nas revistas Realidade, Viso, Placar e O Cruzeiro. Uma produo to rica e diversificada que, claro, deixou marcas em toda uma gerao de desenhistas. O Henfil nos influenciou mesmo. Falo do grupo que se reunia sempre com ele, no tanto da gerao em termos de idade. Ele revolucionou o cartum com seu estilo grfico e com seu modo de trabalho. Na verdade, eu sentia que ramos da mesma gerao. Havia uma outra, mais velha, que era a do pessoal do Pasquim, nossos mestres. Mas o Henfil era mais um colega pra mim. Esse era um diferencial. No 42 Jornal da ABI 339 Maro de 2009
sei se ele era um gnio. Costumamos usar esse termo quando existe algo de inexplicvel no modo como a pessoa cria seu trabalho. Isso, em alguma medida, existiu no Henfil, que realmente tinha assombrosa performance produtiva. Mas tambm em vrios outros humoristas brasileiros, diz o cartunista Laerte. Jornalista e amigo pessoal de Henfil, Trik de Souza no vacila um segundo ao definir a principal caracterstica da rica obra do cartunista. O principal trao de seu trabalho era, exatamente, o trao. Revolucionrio, porque era econmico e urgente. Ele conseguia desenhar com uma velocidade impressionante. Vale dizer que um de seus principais personagens, a
Grana, pouco mais do que um ponto de exclamao, recorda o crtico musical do Jornal do Brasil. Mas, olhando em volta, o trao mais marcante da sua obra o seu amor incondicional pelo Pas, que ele defendia com a mesma fria com que atacava as suas mazelas, pondera. Ainda no aspecto profissional, Trik conta que sempre se impressionou com a desenvoltura com que Henfil transitava pelos mais variados meios de comunicao e manifestaes artsticas. Tambm so caractersticas dele a versatilidade e a abrangncia de seu talento, j que, alm dos cartuns e dos quadrinhos, enveredou pelo teatro, com a Revista do Henfil, pelo cinema, com o filme Tanga - Deu no New York
JORNAL DO COMMERCIO
Times, pela tv, com a sua TV-Homem, dentro do programa TV Mulher, na Globo, alm de livros Dirio de um Cucaracha e Henfil na China... Fez at alguma coisa de msica na trilha de peas, relata o crtico de mpb, que tambm se prepara para diversificar sua atuao, no comando de um programa no Canal Brasil. Pessoalmente, o Henfil cultivava os seus amigos com a mesma intensidade com que os cutucava. Gostava de provocar e fazer as pessoas pensarem e repensarem suas atitudes e posies. Por conta da doena crnica era hiperativo e trabalhava com afinco, descreve Trik de Souza, que, alm da amizade, dividiu com o Henfil a criao de um de seus mais famosos personagens. H tempos queramos criar um personagem, j que eu tambm sou fantico por quadrinhos. Numa viagem para Arraial do Cabo, na Regio dos Lagos, num fim de semana, surgiu a idia e o nome do personagem, que refletia o nvel de parania em que se vivia na poca da ditadura militar. Nascia, assim, Ubaldo, O Paranico.
Henfil numa foto de O Cruzeiro de maro de de 1971: o rosto liso seria substitudo no decorrer dos anos pela barba espessa; seu humor ganharia tons custicos, duros, agressivos.
O prazer de criar um personagem em parceria com o amigo, no entanto, sofreu forte abalo diante de mais uma atrocidade cometida pelo regime, uma das que tiveram maior repercusso dentre as muitas execues daquela poca. Quando ns voltamos de viagem e compramos os jornais, soubemos que o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, que trabalhava na TV Cultura na poca, tinha sido assassinado nos pores da ditadura, que depois tentou forjar um suicdio inverossmil. Com isso, o nosso personagem ganhou ainda mais fora, conta Trik de Souza.
Livros
O tira-teima do Acordo
Buscando responder s dvidas que ficaram depois da reforma ortogrfica, a ABL lana a nova edio do Vocabulrio Ortogrfico.
POR CLUDIA SOUZA
GENTE
So 349.737 verbetes com vocbulos e expresses, classificao gramatical e ortopia para no deixar dvidas sobre a pronncia correta das palavras. Mais 1.500 verbetes com palavras e expresses estrangeiras de lnguas de uso corrente no Brasil, como o ingls, o francs, o espanhol, o latim, o alemo, o japons, o italiano e outras. E outros 349.487 vocbulos para redues, reunindo abreviaturas, abreviaes, siglas, acrnimos e outros, de maior uso. Esta a quinta edio do Vocabulrio Ortogrfico da Lngua Portuguesa-Volp, publicada pela Academia Brasileira de Letras j com as novas regras estabelecidas pelo Acordo Ortogrfico de 1990, regulamentado no Brasil pelo Presidente Lula no fim do ano passado e em vigor desde o dia 1 de janeiro deste ano. Justamente por causa das dvidas surgidas com a reforma ortogrfica e que foram discutidas em uma extensa reportagem na ltima edio do Jornal da ABI havia entre acadmicos, escritores e profissionais que trabalham diretamente com a lngua uma grande expectativa em relao obra. Isso aumentou a importncia do lanamento do Volp, que aconteceu na quinta-feira, 19 de maro, na prpria sede da Academia, no Rio de Janeiro. Estiveram presentes na cerimnia representantes dos pases lusfonos, autoridades brasileiras, acadmicos, literatos e grande pblico. Elaborado por uma equipe de 17 pessoas, entre lexicgrafos e revisores, sob a coordenao do fillogo e gramtico Evanildo Bechara, da Comisso de Lexicologia e Lexicografia da ABL integrada tambm pelos acadmicos Eduardo Portella e Alfredo Bosi , o volume, de quase mil pginas, apresenta os vocbulos sob forma de lista, por ordem alfabtica, incluindo-se a classificao gramatical de cada um, alm dos estrangeirismos, relacionados na parte final da obra. Com a realizao deste trabalho, a Academia traz contribuio relevante ao sonho de unificao ortogrfica acalentado por tantos fillogos portugueses e brasileiros. Acreditamos ter contribudo para a elaborao do Volp, tarefa no s proposta pelos signatrios do novo Acordo, mas que foi tambm sonho dos fundadores da ABL em 1897. declarou Evanildo Bechara. Para executar o trabalho, a Comisso de Lexicologia e Lexicografia da ABL se norteou por quatro princpios fundamentais: o respeito lio do texto do Acordo; o es-
tabelecimento de uma linha de coerncia do texto como um todo; o acompanhamento do esprito simplificador do texto do Acordo; e a preservao da tradio ortogrfica refletida nos formulrios e vocabulrios oficiais anteriores, quando das omisses do texto do Acordo. Esses e outros procedimentos metodolgicos seguidos na elaborao do Volp foram informados pela ABL em texto divulgado com o ttulo de Nota Explicativa. muito importante que a opinio pblica seja corretamente informada a respeito dos quatro princpios norteadores adotados pela ABL e que garantem fiel compromisso aos propsitos dos signatrios oficiais do Acordo. A correta assimilao das modificaes ortogrficas depender, com mais facilidade, do adequado conhecimento que as instituies de ensino, editores, o pblico em geral tenham a respeito das normas ortogrficas vigentes at 1990. detalhou Bechara.
Peso cultural e poltico
O Presidente da ABL, Ccero Sandroni, esteve em Braslia um dia antes do lanamento oficial, em 18 de maro, para encaminhar os primeiros exemplares do Volp ao Presidente Lula e tambm aos Presidentes do Senado, Jos Sarney, e da Cmara dos Deputados, Michel Temer; e aos Ministros da Educao, Fernando Haddad; da Cultura, Juca Ferreira; e da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica, Luiz Dulci. A lngua portuguesa deixa para trs a condio de idioma cujo peso cultural e poltico estava ainda na vigncia de dois sistemas ortogrficos oficiais, um entrave ao seu prestgio e difuso internacional. Esta edio se apresenta aumentada em seu universo lexical, corrige as falhas tipogrficas e oferece informaes ortopicas sobre possveis dvidas resultantes do emprego de algumas das normas ortogrficas. - explica Sandroni. Cada escola pblica do Pas deve receber a quinta edio do Volp, que ainda vai acompanhada do texto integral do Acordo Ortogrfico de 1990, com todos os anexos, relatrios e justificativas, assinado por representantes de todos os pases em que o portugus lngua oficial: Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, GuinBissau, Moambique e So Tom e Prncipe; os decretos presidenciais sobre a adoo e a implementao do Acordo no Brasil; a nota editorial da Academia Brasileira de Letras sobre esta edio e as anteriores, o Formulrio Ortogrfico de 1943, o decreto de 1971 e outros.
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Livros
Quando se trata do trabalho fotogrfico dos irmos Alan, Lula e Srgio Marques, no exagero dizer que suas imagens valem mais do que milhares de palavras. Em trs dcadas de fotojornalismo, eles foram responsveis por vrios dos principais flagrantes registrados nas pginas da imprensa brasileira. Da guerra de Angola a um vo supersnico com Ayrton Senna, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ateu declarado que se ajoelha para rezar em visita ao Vaticano, ao protesto mudo de um ndio nas comemoraes dos 500 anos da descoberta do Brasil, suas lentes oferecem um olhar privilegiado e inusitado da recente trajetria social e poltica do Pas. Agora, um pouco dessa histria pode ser conhecida nas pginas de Caadores de Luz - Histrias do Fotojornalismo, lanado pela Publifolha. Como dizem aqueles que perseguem a perfeio nos instantneos, Caadores de Luz o tipo de obra que busca trazer sempre o melhor ngulo. Isso fica evidente no apenas nas fotos que estampam a publicao diversas delas de grande destaque e ganhadoras de prmios nacionais e internacionais , mas tambm nos textos que preenchem as 240 pginas do livro, sempre revelando o making of de cada imagem, contando situaes engraadas ou dramticas e fazendo reflexes breves, mas precisas. Uma narrativa direta e em primeira pessoa que faz com que o leitor seja jornalista, fotgrafo ou mero curioso no queira largar o livro at chegar ltima pgina. Voc l, lembra daquela foto fantstica e, automaticamente, dos personagens, das circunstncias, do desfecho. Volta no tempo. um prazer e uma redescoberta para quem e para quem no do ramo. Ainda mais quando se descobre o trabalho que d para fazer a tal fotografia em relatos gostosos, s vezes, eletrizantes escreve a jornalista Eliane Cantanhde, colunista da Folha de S. Paulo, na apresentao do livro.
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A coletnea, de certa forma, relembra a prpria histria dos irmos Marques na fotografia, que comea com Paulo, o mais velho, morto em um acidente de carro, em 1978. Ele era Editor de Fotografia do jornal Correio Braziliense, no qual Lula e Srgio Marques iniciaram as suas carreiras como reprteres-fotogrficos.
ndio X Tropa Luiz Marques, o Lula, tinha 14 anos de idade quando foi trabalhar como contnuo no Correio. Na primeira oportunidade, foi transferido para o Arquivo Fotogrfico do jornal e passou a se interessar pela fotografia. Ele confessa que de incio foi um pouco displicente com o trabalho at que uma ameaa de demisso o fez mudar de atitude. A mudana de comportamento compensou: ao se dedicar mais funo, Lula alcanou reputao profissional e conquistou vrios prmios. Ganhou o Prmio Folha de Fotografia de 1999, com um flagrante de Pedro Malan du-
rante um desfile do 7 de Setembro, em Braslia. No ano seguinte, venceu o Prmio Imprensa Embratel de Fotografia e mais um Prmio Folha de Fotografia, com a foto que ilustrou a reportagem Conflito marca festa dos 500 anos. Veiculada mundo afora pelas agncias internacionais, a foto mostra a violncia policial contra os ndios pataxs na comemorao dos cinco sculos do descobrimento do Brasil. O episdio contado por ele com detalhes no livro: Eu s me lembro da cara fechada do comandante da tropa gritando: sai, sai, sai. Uma ordem para que ns, fotgrafos, sassemos da sua frente. Era visvel o prazer que a situao dava ao sujeito. Eu gosto disso, eu quero mais, urrava o comandante, espingarda apontada para a frente, bombas de gs lacrimogneo atiradas para todos os lados. Lula, atual Coordenador de Fotografia da sucursal de Braslia da Folha, lem-
bra que o comandante no parava de gritar e de mandar a sua tropa, de arma em punho, avanar sobre os ndios. Num desses momentos, o ndio Gildo Terena deitou-se no cho, de braos abertos, frente do comandante, tentando impedir o avano da tropa. Lula que juntamente com outros fotgrafos estava posicionado entre os soldados e os indgenas registrou a cena, que acabou se transformando numa das matrias mais tocantes da sua trajetria profissional: Voltei para Braslia na manh de segunda-feira, e vi o quanto bom fazer uma boa foto. Todas as agncias internacionais compraram aquela imagem. Depois vieram os prmios.
Perdido na Onu Quem ensinou os segredos do fotojornalismo a Lula foi seu irmo Srgio. A intimidade de Srgio Eduardo Alves Marques com imagem vem desde os 17 anos, quando estudava cinema e trabalhava em televiso. No incio dos anos 80, foi convidado para trabalhar na Fotografia do Correio Braziliense e desde ento no largou mais a profisso. Desde 1984 na sucursal de O Globo em Braslia, no qual h 20 anos o Editor de Fotografia, Srgio o autor de um dos mais interessantes registros da ento todo-poderosa Ministra de Economia do Governo Collor, Zlia Cardoso de Melo: uma foto na qual ela aparece chorando no dia de sua demisso. Mas uma das suas fotografias que mais impressionam no livro, pela viso jornalstica e pelo senso de oportunidade, a que mostra o ex-Presidente Itamar Franco perdido em um plenrio das Naes Unidas, em Nova York, totalmente desorientado, na definio do prprio fotgrafo: Foi realmente surpreendente a imagem de Itamar Franco sem saber o que fazer diante das bancadas, procurando os delegados brasileiros que participariam da reunio. O congelamento dessa imagem em fotografia foi o que
A foto que foi escolhida para a capa do livro partiu de uma idia de Alan Marques, que quis traduzir a turbulncia parlamentar em Braslia ao fotografar um raio caindo na direo do Congresso Nacional: foram cinco tentativas at conseguir o resultado esperado.
Trs momentos registrados por Alan Marques: Em 2006, na 4a Cpula da Unio Europia, Amrica Latina e Caribe, em Viena, uma manifestante burla a segurana trajando um minsculo biquini. Ao lado, Lula e Marisa posam prximos das pirmides de Queps com a Lua ao fundo . Abaixo esquerda, Alan fica entre os manifestantes sindicalistas e a cavalaria em fevereiro de 1998. Abaixo direita, a foto de Lula Marques foi veiculada mundo afora pelas agncias internacionais e mostra a violncia policial contra os ndios pataxs na comemorao de cinco sculos do descobrimento do Brasil.
de melhor consegui fazer e publicar, com excelente destaque, na primeira pgina do jornal O Globo. relata ele no livro.
Lambendo a cria Na busca da boa foto, estar sempre no lugar e no momento certos o creme do creme para qualquer fotojornalista. Melhor ainda, diz Alan Marques, quando a pauta se refere a um escndalo poltico: Quer ver um fotgrafo ficar feliz? pergunta. Diz para ele que acabou de explodir um grande escndalo em Braslia. Revela Alan que quando isso acontece os jornalistas se agitam e vibram porque o clima na capital comea a ficar mais eletrizante. Logo o poltico que est atolado na lama colocar a cabea para fora, para respirar, e ser recebido por uma saraivada de flashes. A preciso estar preparado, no lugar e na hora certos. Acostumado a esse frenesi de Braslia, ao entra-e-sai dos gabinetes, s tensas reunies nos plenrios da Cmara e do Senado, quando foi cobrir as investigaes sobre a Mfia dos Sanguessugas Alan resolveu inovar. Voltava para a redao do jornal,
depois de ter feito uma foto burocrtica de gabinete, quando um temporal desabou sobre a cidade, com raios e troves que pareciam explodir os prdios da Praa dos Trs Poderes. Ele teve ento a idia de registrar um raio caindo na direo do Congresso Nacional, imagem que traduziria com muita fidelidade a turbulncia que se passava l, internamente. Alan conta no livro como conseguiu a foto: A idia era construir um cenrio de filme de terror ou algo assim. Mas s consegui depois da quinta tentativa. Uma seqncia rompeu a escurido desenhando veias brancas no cu. Quando olhei para a tela da cmera digital, a imagem era melhor do que eu esperava ter feito lembra Alan, tambm no livro. A foto, apesar de no ter sido pautada, entusiasmou o diretor da sucursal da Folha em Braslia, que negociou a sua publicao com So Paulo. No dia seguinte, para felicidade de Alan, a fotografia foi publicada nas primeiras pginas da Folha de S.Paulo e do Correio Braziliense, que comprou a imagem da Folhapress: A sensao de dever cumprido foi
Em 1992 a guerra civil em Angola j durava 16 anos e havia marcas da tragdia por todos os lados. Srgio Marques registrou o choro do menino atrs do muro crivado de balas.
mais gratificante do que os vrios elogios que recebi. Lambi bem a minha cria. Curioso, instigante e revelador, Caadores de Luz Histrias de Fotojornalismo um autntico manual da boa fotografia aquela altamente jornalsti-
ca e com informao relevante. E, como observa Eliane Cantanhde, uma lio de que para chegar l, mais do que talento e olhar arguto, preciso trabalhar com alma e corao, predicados que os irmos Marques aplicam com maestria.
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Vidas
Vtima da violncia extrema, Andr AZ tambm registrou com sua cmera muitos momentos de tenso no Rio de Janeiro, como a chegada dos tanques do exrcito na Cidade de Deus ou o fogo cruzado na perigosa Linha Vermelha, onde o cidado desprotegido viveu momentos de pnico.
noivas atravessando a linha do bondinho. Az abriu um sorriso de vspera, quando soube que isso envolveria riscos, emoes fortes, alturas, cabos de ao e escaladas", recorda Gustavo Almeida, reprter da sucursal Rio da revista Isto. Andr trabalhava em O Dia h cerca de dois anos e passou quase um ano na sucursal da Baixada Fluminense. Antes, foi estagirio no JB e tambm fotgrafo da Fundao Osvaldo Cruz. Para Lo Corra, editor de fotografia de O Dia, Andr tinha uma carreira promissora, prematuramente interrompida. "Ele fazia muito bem as reportagens ligadas ao dia-a-dia da cidade e ao noticirio policial. Tinha um olhar sens-
As sombras do Cristo Redentor projetadas nas nuvens evocam um momento de paz no conturbado dia-adia da cidade.
Duas cenas contrastantes: num manifesto de 2007 a populao chorava pelos 3 mil assassinatos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro. Ao lado o Governador Srgio Cabral tenta no levar uma bolada.
vel para detalhes das imagens. Seu futuro era brilhante". O Presidente da ABI, Maurcio Azdo, tambm lamentou a morte do fotgrafo e classificou o caso como de violncia extrema. "A ABI lamenta mais um episdio de violncia envolvendo um profissional de imprensa que trabalha e vive no Rio de Janeiro. La-
mentamos tambm porque ele era muito jovem, 34 anos, e com certeza poderia produzir por pelo menos mais duas dcadas. A ABI apresenta aos companheiros de O Dia e famlia de Andr Az os psames", declarou. Andr foi enterrado no dia 27, no Cemitrio de Iraj. Na manh de 1 de maro dois homens suspeitos de o te-
rem assassinado foram encontrados mortos na Cidade Alta, em Cordovil. Os corpos dos dois estavam carbonizados dentro de um carro, tambm queimado, na Rua Iguap. Segundo a Polcia, traficantes teriam executado os assassinos em represlia s operaes que a Polcia Militar fez na regio, em busca dos matadores de Andr.
Enquanto um funcionrio retira a placa do ex-deputado lvaro Lins, cassado (ao lado), a esttua de Drumond, sem os culos, parece se emocionar com o msico ao seu lado. Acima, no detalhe, um clique e duas paixes de Andr AZ: motos e esportes radicais.
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