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6° Dia Meditação - Consagração.

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SEXTO DIA

JESUS CRISTO
E SEU ESPÍRITO DE HUMILDADE

Sendo a soberba a característica de Satanás, o Príncipe do mundo,


devemos esperar encontrar em Jesus Cristo um espírito de humildade
que será também como sua nota dominante e constituirá a base de
sua santidade.
Lúcifer, simples criatura angélica, se agradara de sua excelência,
que lhe fora emprestada, a ponto de querer se tornar igual a Deus. O
Verbo encarnado, Filho de Deus e Deus ele mesmo, esquecerá, por
assim dizer, sua infinita grandeza e se rebaixará a ponto de se fazer
homem, nosso semelhante, no apagamento total de sua Personali-
dade divina.
Consideraremos seu espírito de humildade:

1º face a Deus, seu Pai;


2º diante dos homens, seus irmãos.

Ó Maria, que tivestes a felicidade de ser, neste mundo, a testemu-


nha dessa humildade, ajudai-nos a impregnar com ela as capacidades
de nossa alma, de maneira a poder edificar sobre esse sólido funda-
mento toda a nossa vida espiritual.

Ninguém, mais do que o apóstolo São Paulo, mostrou-nos o


quanto o Verbo encarnado, quando de sua encarnação, se tornou
humilde ao extremo EM FACE DE SEU PAI. Desejando exortar à
humildade seus caros cristãos de Filipos, na Macedônia, momentane-
amente expostos a certas rivalidades de pessoas, escrevia-lhes:
“Nada façais por espírito de partido ou por vanglória e por um
esforço do ciúme. Mas, no apagamento de todo pensamento pessoal,

EXERCÍCIOS PREPARATÓRIOS PARA A CONSAGRAÇÃO DE SÃO LUÍS MARIA DE MONTFORT


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olhai-vos como inferiores aos vossos irmãos, sempre preocupados,
não com vossos interesses próprios, mas com o interesse e o bem
dos outros.
“Tende em vós os mesmos sentimentos, as mesmas disposições
profundas que animavam o Cristo Jesus. Ele estava e permanece na
condição de Deus, coeterno e igual a Deus; e, no entanto, não abra-
çou avidamente sua igualdade com Deus, mas espontaneamente se
despojou de sua grandeza divina, que se tornara incômoda e quase
importuna para a obra que ele vinha cumprir. Ele assumiu a condição
de escravo, tornou-se semelhante aos homens, e, sob a vestimenta da
carne, tornou-se como um de nós.”
Semetipsum exinanivit, formam servi accipiens, in similitudinem hominum
factus, et habitu inventus ut homo (Flp 2, 3-7.)
Isto não é tudo. A lição de humildade do Verbo encarnado vai
muito mais longe. Fazer-se escravo de natureza de seu Pai não lhe bas-
tou, ele quis sobretudo se fazer seu escravo de amor.
“Depois de se ter despojado de sua glória divina, depois de ter
renunciado ao benefício de sua igualdade eterna com Deus, como se
esse abandono primeiro não fosse ainda para ele senão um degrau
rumo a um desinteresse mais profundo, uma etapa somente rumo a
uma renúncia maior; depois se ter tornado homem e um de nós, uma
vez em posse dessa natureza criada que era para ele um meio de se
humilhar e de sofrer; depois de ter despojado Deus, ele quis também
despojar o homem.
“Com a mesma tranquila espontaneidade, com uma adorável
escolha pela humildade, ele se fez pequeno, se fez obediente até à
morte; e como se fosse insaciável de humilhação, até à morte de
cruz...” Humiliavit semetipsum, factus obediens usque ad mortem, mortem
autem crucis.
“Por que, então, meus caros filipenses, não vos humilhar? Por
que não consentir em transigir sobre vossos direitos e a abandonar
vossas miúdas exigências pessoais? Vede, aliás, o que o rebaixamento
voluntário do Cristo fez-lhe merecer. A medida da humilhação bus-
cada e amada foi a medida da grandeza que ele recebeu de seu Pai.
“Com efeito, em troca de todos esses abandonos consentidos,
Deus o elevou ao infinito, até à partilha de seu trono eterno. Deu-lhe

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um nome, uma grandeza, uma dignidade que superam tudo o que
pode ser nomeado no mundo, a fim de que, segundo a palavra de
Isaías (45, 24), ao nome de Jesus todo joelho se dobre no Céu, sobre
a terra, no inferno, e que uma homenagem universal testemunhe que
Jesus Cristo é Rei e Senhor para a glória de seu Pai.”
Propter quod et Deus exaltavit illum, et donavit illi nomem quod est super
omne nomen: ut in nomine Jesu omne genu flectatur, coelestium, terrestrium et
infernorum, et omnis lingua confiteatur quia Dominus Jesus Christus in gloria
est Dei Patris. (Flp 2, 9-11.)
_______________

Não parece, observa Dom Delatte, de quem emprestamos esse


rico comentário,18 que a alma batizada possa resistir à eficácia de tal
exemplo. Que contraste, que oposição com Lúcifer! Tanto o orgu-
lhoso Serafim havia proferido seu Non serviam à face de Deus, tanto
e mais ainda nosso humilde Salvador se proclama o escravo de amor
de seu Pai: O Domine... ego servus tuus! Esta palavra se encontra no
Salmo messiânico 115. Jesus a exala de seu coração como uma prece
de gratidão para com seu Pai por tê-lo livrado, não dos sofrimen-
tos excessivos que precederam sua morte, mas dos laços da própria
morte. O Cristo devia morrer, visto que sua morte constituía o sacri-
fício de nossa redenção. Foi uma morte de obediência heroica, como
acabamos de ver.
Deus Pai o recompensa por isso imediatamente, ressuscitando-o.
E Jesus agradece então seu Pai: Quid retribuam Domino?... O Domine,
quia ego servus tuus, ego servus tuus et filius ancillae tuae, dirupisti vincula mea.
“Que darei em retribuição ao Senhor?... Ah! Senhor, porque sou teu
escravo, teu escravo por vontade amorosa, e o filho de tua serva, tu
quebrastes as cadeias que a morte me havia imposto.”
Jesus – notemo-lo bem – não se limita a reconhecer aqui sua
dependência de natureza, que lhe é comum com todos os homens. Ele
menciona, como único motivo de sua ressurreição, sua dependência

18 As Epístolas de São Paulo reintegradas ao meio histórico dos atos dos


Apóstolos. Ver a Epístola aos Filipenses.

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de amor, que acentua ainda com uma maravilhosa repetição de pala-
vras. Ele ofereceu a seu Pai uma vontade soberanamente humilde;
uma vontade humana, feliz por poder adorá-lo, agradecê-lo, oferecer-
lhe um sacrifício expiatório e súplicas de um valor infinito; uma von-
tade dependente até nos suplícios extremos e na morte violenta da
cruz. Ele se mostrou verdadeiramente o escravo de amor de seu Pai
na oblação sangrenta de si mesmo; e foi pelo mérito dessa obediência
que seu Pai quebrou, em seu favor e em favor dos justos, as cadeias
de toda morte.
E eis a atitude de Cristo em face de Deus, seu Pai. Desde o pri-
meiro instante de sua Encarnação, ele havia exclamado: “Não aceitaste,
ó Pai, as oblações antigas; mas formaste para mim um corpo (escravidão de
natureza); então eu disse: eis-me aqui, eu venho, ó Deus, para fazer a tua
vontade (escravidão de amor).” Nas alegrias de sua Ressurreição, sua
oração de ação de graças é também a de uma alma ajoelhada diante
da vontade de seu Pai.
Essa atitude de obediência é e sempre será a marca mais autêntica
da verdadeira humildade. Obedecer é humilhar-se. Obedecer a Deus
é humilhar-se diante de Deus, é reconhecer que ele é o Soberano
Senhor, que seus mandamentos são adoráveis, que suas vontades são
santas e santificadoras. Obedecer a Deus é o melhor uso que pode-
mos fazer de nosso livre-arbítrio.
A consagração da santa escravidão nos oferece constantemente
essa alegria de ter de obedecer e de ter somente que obedecer. Ela
nos mantém, pois, na humildade verdadeira, nessa humildade da Vir-
gem de Nazaré se proclamando, na manhã da Anunciação, a escrava
de amor de seu Senhor. Como estamos longe, então, do espírito de
soberba do mundo! Ó nossa Senhora e Rainha, cultivai em nossas
almas vossos sentimentos de humildade e as disposições profundas
do Coração de vosso divino Filho. Que graça poder conformar a ele
tão plenamente quanto possível a nossa vida espiritual.

II

DIANTE DOS HOMENS, seus irmãos, Jesus Cristo manifestou


o mesmo espírito de humildade que em face de seu Pai. De resto, se

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ele se colocou, ao se encarnar, na condição de escravo: formam servi acci-
piens, foi, evidentemente, para estar à disposição de todos aqueles que
ele vinha resgatar. Ele não fará, pois, outra coisa além de servi-los.
Ele mesmo o declara em termos formais: “O Filho do homem,
isto é, o Verbo encarnado, o Filho de Deus que se tornou o filho
de uma Mãe humana, não veio para ser servido, mas para servir.” (Mt 20,
28.) Dizei-me: “Qual é o maior, o que está à mesa, ou o que serve? Não é
maior o que está sentado à mesa? Pois eu estou no meio de vós como um que
serve.” (Lc 22, 27.)
E o que ele diz, pratica-o. Na noite da Quinta-Feira Santa, no
começo dessa refeição, o última que ele faz com seus apóstolos, ele
se levanta da mesa, cinge-se da libré do serviço: ajoelhado diante dos
doze, lava os pés de cada um com uma humildade que os confunde.
Função, labor de todos os humildes, de todos os submissos, de todos
os prostrados aos pés de um senhor terreno. É seu trabalho e eles o
cumprem.
Jesus não quis assemelhar-se aos grandes da terra, que dominam
pela força e tratam seus súditos como se fossem feitos para eles. Ao
contrário, em seu Reino, ele quer que aqueles que são chamados a
conduzir os outros se considerem como os servos de seus inferiores,
buscando somente fazer-lhes o bem. Por isso, ele quer que seu gesto
da Quinta-Feira Santa seja imitado no curso dos séculos por todos os
que se glorificarem por serem seus.
“Compreendeis o que vos fiz? – pergunta Jesus aos seus apóstolos.
Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, Senhor
e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque
eu dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz, assim façais vós também. Em
verdade, em verdade vos digo: O servo (literalmente: o escravo) não é maior
do que seu senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se compre-
endeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as praticardes.”
Como ressaltar melhor a diferença entre o espírito do cristianismo
e o espírito do mundo? O Filho de Deus se fez até o fim o servo
de seus próprios servos. E não foi devido a essa admirável humil-
dade que o divino Mestre exerceu uma influência profunda sobre um
número tão grande de almas? Não foi graças a esse esquecimento
total de si, que não deixava transparecer nele senão a paixão de fazer

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o bem aos outros? Nenhuma outra virtude, parece-nos, contribuiu
tanto para que ganhasse a confiança até mesmo de seus apóstolos,
senão a mansidão que é seu acompanhamento natural e previne todo
desejo de vã ostentação. “Estais em minha escola, poderia dizer-lhes,
pois bem, aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.” (Mt 11, 29.)
Penetrados desses mesmos sentimentos, exercereis uma ação bené-
fica sobre todos aqueles dos quais vos aproximardes.
Foi por isso que Jesus não omitiu nenhuma ocasião de dar-lhes
lições de humildade, mesmo quando se tratava das relações que eles
tinham entre si, no seio de sua pequena Comunidade. Nem toda vai-
dade havia desaparecido de seus corações. Muito pelo contrário. Um
dia, eles discutiam, afastadamente, sobre a rota de Cafarnaum, para
saber qual dentre eles seria o maior nesse novo Reino que seu divino
Mestre veio fundar sobre a terra. Miserável questão de precedência.
Culpados olhares de complacência sobre sua miséria. Chegam à casa
que os hospeda. Jesus os interroga: “De que vínheis vós discutindo pelo
caminho?”. Ninguém ousa responder. Então, Jesus chama uma criança
que passava diante da porta, a leva para perto de si e abraça-a afetuo-
samente, o que significava visivelmente que lhe dava o primeiro lugar.
“Na verdade vos digo que, se vos não converterdes, se não vos despojardes
de vossos pensamentos vaidosos e vos não tornardes como meninos, não
entrareis no reino dos céus. Aquele pois que se fizer pequeno, como este menino,
esse será o maior no reino dos céus.” (Mc 9, 32-35; Mt 18, 2-3.)
Preservada por sua candura, a alma infantil não olha para si mesma.
Ela não se pergunta se vale mais que as outras. Ela se ignora. Retorne-
mos a essa simplicidade. Eliminemos toda preocupação como nossa
própria gloríola, todo espírito de rivalidades, de ciúmes mesquinhos,
toda exibição de uma superioridade mal-compreendida. A luta contra a
soberba não é coisa a adiar, é um fundamento a estabelecer.
_______________

É, pois, de todo o coração e com uma vontade firme que deve-


mos nos dedicar a nos impregnar do espírito de humildade de Jesus
Cristo. As fulgurantes luzes de seu exemplo e de seus ensinamentos

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não são graças protetoras e imperativas? Deixemo-nos ganhar, sem
opor a menor resistência.
Como a Santíssima Virgem, olhemos Deus, Deus feito homem, e
olhemos somente para ele. Olhares favoráveis sobre nós mesmos sig-
nificariam fraqueza e covardia. Apenas retardaríamos nosso encami-
nhamento a uma Consagração que quer ser como uma continuação
da atitude do Verbo encarnado, escravo de amor de Deus, seu pai,
por meio de Maria, sua Santa Mãe.

LEITURAS

EVANGELHO segundo São Mateus, cap. 6, 16-34: Vícios a evitar na


vida cristã (continuação).
IMITAÇÃO de Jesus Cristo, livro I, cap. IX: Da obediência e da submissão.

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