Semiologia Cardiovascular
Semiologia Cardiovascular
Semiologia Cardiovascular
SEMIOLOGIA CARDIOVASCULAR:
INSPEÇÃO, PALPAÇÃO E PERCUSSÃO
PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Semiologia cardiovascular: Inspeção, palpação e percussão.
Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, jul./dez. 2004.
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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC
denominar o ictus cordis, não se trata, realmente, da Independentemente da posição em que se pes-
ponta do coração em contato com a parede torácica. quisa o ictus, o médico deve colocar-se à direita do
Na verdade, o ápice cardíaco encontra-se mais para o paciente, com seu campo visual voltado para a localiza-
interior do tórax e pode estar, lateralmente ao ponto onde ção onde ele é mais comumente detectado, tendo-se o
se percebe o ictus cordis, cerca de meio centímetro. cuidado de procurar condições ideais de iluminação.
O coração é um órgão relativamente móvel no As características do ictus cordis, que devem
interior da caixa torácica. Encontra-se fixo ao me- ser examinadas são: localização, extensão, duração,
diastino pela inserção das veias pulmonares no átrio intensidade, forma, ritmo e componentes acessórios.
esquerdo, sendo envolvido pelo pericárdio, que limita, Essas características serão sempre identificadas, ini-
parcialmente, a amplitude de sua movimentação. Es- cialmente, na posição supina e, quando sofrerem in-
sas características anatômicas garantem certo grau fluência da posição, também na posição específica,
de mobilidade no interior da caixa torácica, mobilida- sob avaliação.
de que é garantida pela conformação anatômica da
massa muscular, ventricular, porção do coração que 2.1- Localização
menor restrição experimenta à movimentação. São re- Como conseqüência da relativa mobilidade do
lações anatômicas, que permitem ao coração, princi- coração no interior da caixa torácica, a posição do
palmente aos ventrículos, movimentos de rotação e paciente pode influenciar na localização do ictus.
translação ao longo do eixo base-ápice, que são res- No decúbito dorsal, ele pode ser percebido no
ponsáveis pela aproximação do coração da parede quarto ou no quinto espaço intercostal esquerdo, na
torácica durante a sístole ventricular. linha hemiclavicular ou medialmente à mesma. (Figu-
De importância fundamental para o entendimen- ra 1 A). Já no decúbito lateral esquerdo, pode sofrer
to da fisiologia do ictus cordis é o conhecimento de um deslocamento de cerca de dois centímetros, late-
que, na primeira fase da sístole do ciclo cardíaco, que ralmente, em direção à axila. (Figura 1 B).
se inicia logo após o fechamento das valvas mitral e A percepção da mobilidade do ictus, com a
tricúspide (cujo correspondente auscultatório é a pri- mudança de posição, é uma observação importante.
meira bulha cardíaca), pode-se documentar um perío- A ausência de mobilidade do ictus, em direção à axi-
do em que o coração se contrai, aumentando a pres- la, quando o paciente é posicionado em decúbito late-
são no interior do ventrículo, sem que ocorra altera- ral esquerdo, pode sugerir entidades nosológicas es-
ção de volume, pois a valva aórtica ainda não se abriu. pecíficas, como a pericardite constrictiva.
É a fase que recebe o nome de contração isovolu- A determinação adequada da localização do
métrica. Durante essa fase, o movimento de rotação ictus pode ser extremamente dificultada em algumas
e translação dos ventrículos faz com que o coração se condições clínicas, especialmente em doenças pulmo-
aproxime da parede torácica e logo após, inicia-se a nares, como o enfisema pulmonar, em que ocorre
ejeção ventricular, com a abertura da valva aórtica, hiperexpansão do tórax e interposição de tecido pul-
responsável por diminuição do volume ventricular e monar entre o coração e a parede torácica. Em paci-
afastamento do coração da parede torácica. entes, nos quais se observa aumento da extensão do
O ictus pode ser percebido em cerca de 25% ictus, como ocorre em portadores de miocardiopatia,
dos pacientes. Ele pode ser observado com o pacien- dilatada ou de cardiopatia chagásica, crônica, a locali-
te em posição supina, em decúbito dorsal ou lateral zação precisa pode ser impossível.
esquerdo. Notadamente, em condições fisiológicas, Além da presença do ictus cordis, é possível
observa-se variação das características descritas a identificar a presença de outras impulsividades pre-
seguir, na dependência da posição do paciente, e, por- cordiais, cujas descrições também são importantes pelo
tanto, quando se descreve o ictus no exame físico, valor diagnóstico que encerram. Dentre elas, desta-
deve-se, obrigatoriamente, anotar em qual posição foi cam-se a pulsação epigástrica e paraesternal, esquer-
realizada a observação. O decúbito lateral esquerdo da, cuja identificação está relacionada a aumento da
aproxima o coração da parede torácica, tornando as pressão e/ou do volume do ventrículo direito. Essas
características do ictus cordis mais pronunciadas, regiões de impulsividade precordial ocorrem em situ-
sendo, portanto, um recurso importante com aqueles ações clínicas em que haja acometimento de cavida-
pacientes com os quais não é possível observação ou des direitas, decorrentes de um processo fisiopatoló-
palpação em decúbito dorsal. gico, primário, do pulmão, como ocorre no cor
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Figura 1: Semiotécnica da avaliação do ictus cordis. A) palpação em decúbito dorsal; B) palpação em decúbito lateral
esquerdo; C) localização do ictus cordis, contando-se os espaços intercostais a partir do segundo espaço (ângulo de
Louis). Observe que, em A e B, a palpação do ictus é simultânea com o pulso carotídeo.
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A avaliação da coloração, à inspeção, pode ser níveis reduzidos de pressão arterial sistêmica como
muito prejudicada em pacientes anêmicos ou de pele representar um pulso de amplitude normal, avaliado,
escura. Por outro lado, a compressão do leito vascu- em uma artéria muito estreita.
lar distal pode sensibilizar a percepção da alteração Um outro aspecto da fisiologia de propagação
de coloração. de pulso arterial, no sistema cardiovascular, é funda-
O enchimento do leito vascular das extremida- mental para a adequada aplicação dessa técnica de
des é avaliado com a compressão da polpa de um ou investigação clínica. Durante a ejeção ventricular, a
mais dígitos, o que ocasiona um esvaziamento da mi- parede da aorta se distende e gera uma onda que se
crovasculatura daquela região. Com a liberação da propaga através de todo o sistema arterial até o nível
compressão, o leito ungueal se torna esbranquiçado e das arteríolas. Neste local, devido à acentuada redu-
vai, gradativamente, readquirindo a coloração normal ção do diâmetro dos vasos, existe um aumento impor-
da pele circunvizinha, à medida que o leito microvas- tante da resistência oferecida à propagação do fenô-
cular é novamente preenchido com sangue. Em indiví- meno. É o ponto em que ocorre uma reflexão da pro-
duos com perfusão periférica, normal, o enchimento é pagação do pulso, ou seja, é gerada uma onda de pulso
rápido, da ordem de dois a três segundos. Nos casos de sentido oposto (da periferia para o centro). A pro-
de redução da perfusão, o enchimento se torna cada pagação dessa onda até as arteríolas e o retorno de
vez mais lento, mantendo uma correlação direta com seu componente retrógrado ocorrem muito rapidamen-
a gravidade do quadro. A correta avaliação do grau te, sendo possível que, dentro do mesmo ciclo cardía-
de redução, na velocidade de enchimento do leito vas- co, o fenômeno se propague até a periferia e retorne
cular, se faz através da comparação com o enchimen- aos vasos mais calibrosos. Assim, um fator adicional
to observado no próprio examinador. passa a influenciar a nossa percepção das caracterís-
A avaliação da temperatura, coloração e en- ticas do pulso arterial, uma vez que ela passa a repre-
chimento vascular das extremidades é de suma im- sentar a somatória da onda que se propagou em dire-
portância para a diferenciação das causas do com- ção à periferia e da correspondente reflexão. Apesar
prometimento da perfusão tecidual. Assim, por exem- de sentidos opostos de propagação do fluxo, as ondas
plo, no contexto do choque cardiogênico, pode-se de pulso (a original e a refletida) são percebidas no
observar extremidades frias, cianóticas e com enchi- mesmo sentido pelo clínico. (Figura 2.) Assim, pode-
mento lentificado, enquanto, no choque séptico, elas se depreender que a percepção do pulso é influencia-
podem ser quentes e coradas, ainda que apresen- da pela velocidade de propagação dessas ondas, que,
tem, também, enchimento vascular, periférico, pre- por sua vez, dependem das características estruturais
judicado. do sistema arterial. Deste modo, sistemas arteriais mais
rígidos, como aqueles encontrados em idosos, permi-
4- PULSOS ARTERIAIS tem uma propagação mais rápida, enquanto que siste-
mas mais complacentes, como ocorre em jovens, fa-
Pulso, no contexto biológico, aplicado ao siste- vorecem uma propagação mais lenta dessas ondas.
ma cardiovascular, é definido como qualquer flutuação Uma outra característica que influencia a per-
periódica no sistema, causada pelo coração. Quando cepção do pulso, levando em consideração o fenôme-
o sangue é ejetado para o interior do sistema arterial, no de reflexão, é o sítio onde o pulso é avaliado. Na
são geradas alterações no fluxo, na pressão e nas di- dependência da distância a ser percorrida pelo pulso,
mensões dos vasos. Embora qualquer um dos três fa- pode ocorrer que a onda de reflexão interfira com a
tores apresente variações pulsáteis durante o ciclo onda que é gerada durante a ejeção ventricular, de
cardíaco, o pulso, tal como é avaliado no exame físi- maneira diversa. Em pequenas distâncias, dependen-
co, é decorrente, principalmente, de alterações da pres- do do ângulo de reflexão, em relação à onda original,
são intravascular. Apesar disso, a magnitude do pulso ela poderá reduzir a magnitude do pulso, além de mo-
não é diretamente correlacionada com a pressão in- dificar sua forma. Entretanto, ao percorrer distâncias
travascular. A percepção da amplitude do pulso de- maiores, como ocorre nos membros inferiores, o maior
pende, além da magnitude de pressão intravascular, tempo para a propagação da onda retrógrada pode
das dimensões da artéria sob avaliação e da pressão determinar que ela venha a somar-se com o pulso
exercida pelos dedos do examinador. A sensação de gerado no ciclo cardíaco, subseqüente, aumentando a
um pulso de baixa amplitude pode resultar tanto de amplitude do pulso nos membros inferiores. Então, se
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percepção pode ser facilitada, quando se examinam pos de pulso de amplitude variável adquirem impor-
pulsos de localização mais distal no sistema arterial. tância especial e estão ressaltados na Tabela II.
Quanto à amplitude, os pulsos arteriais podem ser É muito importante salientar que a análise do
classificados como de amplitude normal, aumenta- conjunto dessas características facilita o aprendizado
da ou reduzida. É implícita, nessa classificação, que e a caracterização dos diferentes tipos de pulso. As-
o observador deverá definir, a gradação de amplitu- sim, por exemplo, embora, por motivos didáticos, seja
de segundo uma escala individual, que depende, fun- realizada uma classificação dos pulsos de acordo com
damentalmente, da experiência acumulada. Deste uma característica isolada, como exposto nas Tabelas
modo, a avaliação tem componentes bastante sub- I e II, em algumas situações, a análise de conjunto
jetivos, mas que não diminuem sua importância clí- propicia uma melhor caracterização. Dois exemplos
nica. Além disso, o pulso arterial pode apresentar podem ser citados: o pulso bisferiens e o pulso tardus
amplitude variável, batimento a batimento. Dois ti- e parvus.
Tabe la I: Clas s ificação e caracte rís ticas clínicas dos puls os arte riais quanto ao formato.
F ormat o C a ra c t e rí st i c a s C l í n i c a s E xempl o
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Tabe la II: Clas s ificação e caracte rís ticas clínicas dos puls os arte riais quanto à variação da amplitude
Ti po C a ra c t e rí st i c a s E xempl o
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tam doenças cardiovasculares ou pulmonares que es- A transmissão é facilitada, ainda mais, pelo fato de
tão associadas, na sua história natural, à elevação da não existirem valvas nas veias intratorácicas.
pressão venosa central. Incluem-se, entre elas, dife- Pelo exposto acima, a técnica para avaliação
rentes entidades nosológicas, que cursam com a insu- da pressão venosa, central baseia-se na transmissão
ficiência cardíaca e as doenças pulmonares, que aca- da pressão através da coluna sangüínea até a veia ju-
bam por promover sobrecarga crônica, de cavidades gular interna, direita. Essa transmissão de pressão gera
cardíacas direitas. De modo geral, quanto maior a ele- o pulso venoso, que pode ser perceptível em todas as
vação da pressão venosa central, maior a gravidade veias jugulares (interna e externa; direita e esquerda),
das repercussões funcionais. porém, com melhores condições anatômicas de trans-
A estimativa da pressão venosa central pode missão e com menor atenuação, na veia jugular, inter-
ser realizada de um modo muito simples. Para sua na, direita. A altura em que se observa o pulso, no
compreensão é importante uma recordação das rela- pescoço, guarda correspondência direta com o valor
ções anatômicas do sistema venoso na região cervi- da pressão; quanto maior a pressão, mais elevado o
cal. Observe a Figura 3. Nela, pode ser observado nível de pulsação venosa, aproximando-se da mandí-
que a veia jugular, interna, direita comunica-se com o bula (Figura 4A).
átrio direito quase em linha reta através da veia cava, Devido à correlação direta entre a altura em
superior, enquanto que o mesmo não ocorre com a que é identificado o pulso e a pressão venosa, o pulso
veia jugular, interna, esquerda, devido à interposição pode ser utilizado, de maneira relativamente simples,
da veia inominada. Dessa relação anatômica, pode-se como um “aparelho de pressão” que utiliza uma colu-
compreender que as pressões venosas, centrais, ge- na de água, e basta realizar a calibração do sistema
radas em câmaras cardíacas, direitas, serão transmi- para que se obtenha a pressão. A calibração se baseia
tidas diretamente para a veia jugular, interna, direita. no conhecimento de que o átrio direito fica localizado
cerca de 5 cm abaixo da junção entre o corpo do esterno
e o manúbrio – Ângulo de Louis. (Figura 4 B, C e D.)
Com tal conhecimento, a obtenção da pressão venosa,
central pode ser realizada somando-se 5 cm à distân-
cia entre o local onde o pulso é percebido e a junção
do corpo com o manúbrio do esterno.
Do ponto de vista semiológico, deve-se colocar
o paciente em posição confortável, com a cabeça re-
laxada e voltada para o lado esquerdo. O uso de ilumi-
nação tangencial ao pescoço pode sensibilizar a per-
cepção do pulso venoso. A cama do paciente deve
ser colocada numa inclinação que permita perceber a
pulsação venosa. Em pessoas sem alterações patoló-
gicas, geralmente, isso implica em um ângulo de 45o
(Figura 4C), pois ângulos menores elevam o pulso para
o interior do crânio e ângulos maiores trazem o pulso
para o interior do tórax, tornando-o não perceptível
em ambas as situações. Não se pode esquecer que a
medida da altura sempre deve ser realizada na verti-
cal. Em situações patológicas, no entanto, mesmo com
o paciente sentado ou em pé, caso a pressão venosa
central esteja elevada, o pulso será perceptível e a re-
gra para a aferição da pressão persiste a mesma. Deve-
se lembrar, ainda, que, na maioria das situações clíni-
Figura 3 – Sistema Venoso. VCS – Veia Cava Superior; cas, o médico não dispõe de um leito que possa ser
AD – Átrio Direito; VD – Ventrículo Direito; TP – Tronco da
Artéria Pulmonar
adequadamente angulado para essa avaliação. Assim,
considerando que o objetivo principal dessa medida é
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identificar situações clínicas com elevação da pres- do pulso e este tende a se aproximar da base do pes-
são venosa, a avaliação realizada com o paciente sen- coço, ou mesmo deixar de ser visível, por ter se deslo-
tado parece ser a mais adequada. cado para o interior da cavidade torácica. Em situa-
Deve-se salientar que tal técnica é uma esti- ções patológicas, em que o enchimento do ventrículo
mativa da pressão venosa, central. Estudos que com- direito encontra-se prejudicado, pode-se observar uma
pararam as pressões obtidas dessa maneira com mé- situação paradoxal, na qual, durante a inspiração, nota-
todos mais acurados, como a Doppler ecocardiografia se um ingurgitamento das veias cervicais, com aumen-
ou mesmo com técnicas invasivas e de mensuração to da amplitude do pulso e deslocamento em direção à
direta, como o estudo hemodinâmico, não encontra- mandíbula. Tal situação recebe o nome de Sinal de
ram correlação elevada. No entanto, pela facilidade Kussmaul, que pode ser encontrado em várias situa-
de se obter o dado à beira do leito, essa técnica per- ções, sendo a pericardite constritiva a mais caracte-
siste sendo empregada na prática clínica, diária. rística.
A amplitude e a localização do pulso venoso Em pacientes com insuficiência cardíaca, em
sofrem alteração na dependência da fase do ciclo res- uso de diuréticos, a avaliação do pulso venoso pode
piratório. Durante a inspiração, devido à queda da pres- levar à falsa impressão de que a pressão venosa cen-
são intratorácica, observa-se diminuição da amplitude tral se encontra baixa ou dentro dos padrões da nor-
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malidade. Então, está indicado o uso do chamado parte superior da figura) e com as bulhas cardíacas
“reflexo abdominojugular”. Trata-se de uma manobra (na parte inferior da figura). Imediatamente antes da
onde se realiza uma compressão abdominal, com a mão sístole ventricular, na porção final da diástole, ocorre a
espalmada, colocada sobre o andar superior do abdo- sístole atrial, ocasionando a onda A. Com a contração
me. A compressão deve ser lenta e gradual, não cau- do ventrículo, no início da sístole, ocorre a ejeção do
sando desconforto ao paciente. Ao se realizar a com- ventrículo, ocasionando o pulso carotídeo. O pulso ar-
pressão, deve-se observar atentamente o pulso veno- terial carotídeo, devido à sua estreita relação com o
so; caso se observe uma elevação de cerca de três sistema jugular, é transmitido para o sistema venoso,
centímetros em relação ao valor documentado duran- ocasionando a onda C. A contração ventricular ocasiona
te a situação basal, persistente durante todo o período a descida dos átrios em direção ao ápice do ventrículo
da compressão, evidencia-se que a pressão venosa está e uma queda da pressão venosa central (Descenso
elevada. X’). Com o enchimento do átrio direito, a pressão ve-
nosa central começa a se elevar e é transmitida para
Determinação de entidades nosológicas especí- as jugulares, sendo percebida como onda V. Com a
ficas abertura da valva tricúspide e o início do enchimento
A identificação de entidades nosológicas, espe- ventricular, na fase inicial da diástole, a pressão veno-
cíficas, através do pulso venoso, baseia-se no formato sa central volta a cair, sendo expressa na curva de
de sua onda. Na Figura 5, está representada a curva pressão através do Descenso Y.
de pressão venosa central obtida durante cateterismo À beira do leito, no entanto, a percepção das
cardíaco, correlacionada com o eletrocardiograma (na três ondas e dos dois descensos descritos é limitada.
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Na grande maioria dos casos, o que se observa, com distúrbios de condução atrioventriculares, totais
nitidez, são os dois descensos, conferindo ao pulso veno- (BAVT), podem ser identificados pela análise do pul-
so um formato de duplo pico. O primeiro pico, repre- so venoso. Manifesta-se, no exame físico, mediante
sentado pela fusão das ondas A e C, é concomitante variação na amplitude do pulso venoso. Considerar que,
ao primeiro ruído cardíaco (B1) e o segundo pico (onda nessa condição clínica, ocorre dissociação entre as
V) é concomitante ao segundo ruído cardíaco (B2). O contrações atrial e a ventricular, de modo que elas não
formato, em duplo pico, do pulso venoso é mais uma guardam entre si nenhuma relação temporal. Entre-
característica que auxilia na sua distinção com o pulso tanto, em alguns momentos, pode acontecer de a con-
arterial. Em condições fisiológicas, o pulso venoso apre- tração atrial e a ventricular ocorrerem concomitante-
senta dois componentes e não é palpável, enquanto o mente, de tal maneira que o átrio, nessa situação, se
pulso arterial tem apenas um componente e é sempre contrai contra uma valva tricúspide, fechada pela con-
palpável, mesmo que não seja visível. tração ventricular. Essa contração atrial irá gerar ní-
Tais características são alteradas em diferen- veis mais elevados de pressão no átrio, o que resulta
tes condições clínicas e permitem sugerir alguns diag- em maior transmissão de pressão para as veias proxi-
nósticos específicos. Dentre as inúmeras situações mais ao coração, gerando uma onda de pulsação ve-
clínicas, merece destaque a insuficiência tricúspide. nosa, no pescoço, mais ampla e que recebe a designa-
A insuficiência tricúspide é uma valvopatia comum e ção de onda A em canhão.
que, geralmente, acompanha uma grande variedade Situações clínicas em que o enchimento ventri-
de cardiopatias. Está, geralmente, presente em situa- cular direito é comprometido também se associam a
ções em que há elevação da pressão arterial pulmo- sinais que evidenciam o valor semiológico do pulso
nar. Suas características auscultatórias simulam aque- venoso. A restrição ao enchimento ventricular deter-
las da insuficiência mitral, diferenciando-se dessa con- mina velocidades de enchimento maiores, traduzidas
dição por seus achados estarem mais restritos ao foco na curva de pulso venoso através de descensos X e Y
tricúspide e por seu sopro apresentar uma variação mais pronunciados. As curvas de pressão venosa, quan-
inspiratória de sua intensidade (Sinal de Rivero- do isso ocorre, adquirem o aspecto das letras W ou M
Carvallo). No entanto, devido ao menor regime de do alfabeto e assim são descritas na literatura. Peri-
pressão nas cavidades direitas e pela concomitância cardite constritiva, tamponamento cardíaco e as mio-
de outras lesões valvares, a identificação de insufici- cardiopatias restritivas são situações clínicas em que
ência tricúspide, exclusivamente através da ausculta, tais alterações podem ser observadas.
tem baixa especificidade. Alguns outros sinais, no exa-
me físico, auxiliam na identificação da insuficiência 6- PERCUSSÃO
tricúspide. Entre eles, destacam-se: a presença de
pulsação paraesternal, esquerda, uma impulsividade A percussão da região precordial do tórax é uma
precordial, similar à do ictus cordis, porém, com lo- técnica de limitado valor semiológico. Ela não demons-
calização diferente; a presença de fígado pulsátil e, tra uma boa sensibilidade ou especificidade para esti-
ainda, mediante a observação cuidadosa do pulso ve- mar a área cardíaca, entretanto pode oferecer algu-
noso e de seu formato. mas informações de relevância clínica. Por um lado, a
Na vigência de insuficiência tricúspide, durante percussão do segundo espaço intercostal junto ao
a contração ventricular, a pressão gerada pelo ventrí- esterno, tanto à direita como à esquerda, permite su-
culo direito é transmitida para o átrio e para o sistema gerir a presença de dilatação do tronco da artéria pul-
venoso, proximal ao coração. Essa transmissão de monar, quando o som claro pulmonar, habitualmente
pressão, durante a sístole ventricular, ocorre simulta- observado nesse local, é substituído pela observação
neamente à onda V, somando-se a ela, de modo a de- de um som submaciço à percussão. Além disso, quan-
terminar uma onda de maior amplitude. No exame fí- do à percussão da região paraesternal esquerda, junto
sico, observa-se que o segundo componente do pulso ao esterno, observa-se persistência de som claro, pul-
venoso é mais pronunciado. A concomitância da onda monar, junto ao terceiro, quarto e quinto espaços inter-
V mais pronunciada com o segundo ruído cardíaco costais, sugere-se a presença de ar, anteriormente ao
auxilia na sua identificação. coração, o que ocorre em doenças pulmonares, obs-
Distúrbios do ritmo cardíaco, principalmente os trutivas, especialmente no enfisema pulmonar.
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PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Cardiovascular examination: inspection, palpation and percussion.
Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, july/dec. 2004.
ABSTRACT: The inspection and palpation of the physical examination of the cardiovascular
system is emphatizated. The value of the analysis of the ictus cordis, periferic perfusion and
arterial and venous pulses for the systematic evaluation of the several cardiopathies is reinforced.
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