Teoria Do Conhecimento. Hume
Teoria Do Conhecimento. Hume
Teoria Do Conhecimento. Hume
Investigações
sobre o entendimento humano e
sobre os princípios da moral.
Trad. de José Oscar de Almeida
Marques. São Paulo: Editora
UNESP, 2004.
• David Hume (1711-1776) é continuador da
tradição empirista inaugurada por Bacon e,
posteriormente, desenvolvida por Locke e
Berkeley;
• Investigações sobre o entendimento humano e
sobre os princípios da moral fazem parte de
uma obra mais vasta, o Tratado da Natureza
Humana, que David Hume redigiu em sua
juventude, tendo-a iniciado em 1734,
enquanto residia na França, e concluído em
1737, após seu para a Inglaterra;
• A obra concebida por Hume é dividida em três
partes, ou livros, “Do Entendimento”, “Das
paixões” e “Da Moral” – sua pretensão era
realizar uma verdadeira revolução filosófica pela
introdução, nos estudos humanísticos, do
"método experimental" propugnado por Isaac
Newton para as ciências da natureza;
• A aplicação de um "método experimental" à
filosofia, que Hume pretendia, visava defender a
primazia, nessas investigações, dos fatos
experimentalmente constatados sobre a forma
como os seres humanos pensam e são
emocionalmente afetados em sua experiência
do mundo e no convívio com seus semelhantes;
• Hume recusa a representação da natureza
humana segundo modelos derivados de
hipóteses puramente conjecturais (hipótese
admitida como verdadeira sem que haja
comprovação formal) sobre, por exemplo, sua
“racionalidade", e a consequente tentativa de
fundamentar na razão todas as atividades que
são próprias do ser humano, entre as quais se
incluem a aquisição do conhecimento de fatos
empíricos e o julgamento moral sobre as
ações de outros e de si mesmo;
O ser humano como objeto de estudo
• O "método experimental" de Hume apresenta
ainda outra característica essencial, a saber, a
precisa concentração em seu objeto de estudo, o
ser humano, ou antes, o fluxo de experiências
que constituem a vida mental dos seres humanos;
• Ao tratar do problema do conhecimento, Hume
procede de forma puramente imanente e não
recorre a uma ordem exterior e necessária do
mundo que pudesse servir como referência e
fundamento de nosso sistema de crenças;
• A aquisição de conhecimento se caracteriza pelo
desenvolvimento de ideias ou expectativas acerca do
comportamento das coisas e sua corroboração pelas
impressões que efetivamente recebemos delas;
• Assim, nossos julgamentos e avaliações morais não são
referidos a um padrão transcendente do que é
intrinsecamente bom ou mau, mas derivam
integralmente dos sentimentos de aprovação ou
desaprovação que experimentamos diante de certas
ações, comportamentos e inclinações, e das
consequências práticas dessas avaliações para o bom
funcionamento da sociedade (por exemplo, o conjunto
de sentimentos que temos quando vemos alguém
maltratando outra pessoa ou um animal);
Uma investigação sobre o
entendimento humano
• Seção 2: Da origem das ideia:
• “Todos admitirão prontamente que há uma
considerável diferença entre as percepções da
mente quando um homem sente a dor de um
calor excessivo ou o prazer de uma tepidez
moderada, e quando traz mais tarde essa
sensação a sua memoria, ou a antecipa pela
sua imaginação” [...];
• “Essas faculdades podem imitar ou copiar as
percepções dos sentidos, mas jamais podem
atingir toda a força e vivacidade da experiência
original. Tudo o que podemos dizer delas,
mesmo quando operam com o máximo vigor, é
que representam seu objeto de uma maneira tão
vívida que quase podemos dizer que o vemos ou
sentimos”;
• “Excetuando-se, porém, os casos em que a mente
está perturbada pela doença ou loucura, nunca
se atinge um grau de vivacidade capaz de tornar
completamente indistinguíveis essas percepções”
[...];
• Todas as cores da poesia, por esplendidas que
sejam, não serão jamais capazes de retratar os
objetos de tal maneira que se tome a
descrição por uma paisagem real, e o mais
vívido pensamento será sempre inferior a
mais obtusa das sensações;
• Podemos observar que uma distinção
semelhante percorre todas as demais
percepções da mente: um homem tomado de
um acesso de fúria é afetado de maneira
muito diferente de um outro que apenas
pensa nessa emoção;
• “Se você me diz que uma certa pessoa está
enamorada, eu entendo facilmente o que você
quer dizer e formo uma ideia adequada da
situação dessa pessoa, mas jamais confundiria
essa ideia com os tumultos e agitações reais da
paixão”;
• “Quando refletimos sabre nossas experiências e
afecções passadas, nosso pensamento atua como
um espelho fiel e copia corretamente os objetos,
mas as cores que emprega são pálidas e sem
brilho em comparação com as que revestiram
nossas percepções originais; não se requer um
refinado discernimento nem grande aptidão
metafísica para perceber a diferença entre elas”.
• Em consequência, podemos aqui dividir todas
as percepções da mente em duas classes ou
espécies que se distinguem por seus
diferentes graus de força e vivacidade;
• As que são menos fortes e vivazes são
comumente denominadas pensamentos ou
ideias;
• A outra espécie pode ser chamada de
impressões: entende-se pelo termo
impressão todas as nossas percepções mais
vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou
sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou
desejamos ou exercemos nossa vontade;
• Portanto, impressões são distintas das ideias,
que são as percepções menos vívidas, das
quais estamos conscientes quando refletimos
sabre quaisquer umas das sensações ou
atividades já mencionadas;
• Nada, a primeira vista, pode parecer mais
ilimitado que o pensamento humano, que não
apenas escapa a todo poder e autoridade dos
homens, mas está livre até mesmo dos limites
da natureza e da realidade;
• Formar monstros e juntar as mais
incongruentes formas e aparências não custa
a imaginação mais esforço do que conceber os
objetos mais naturais e familiares;
• “E enquanto o corpo está confinado a um único
planeta, sobre o qual rasteja com dor e
dificuldade, o pensamento pode
instantaneamente transportar-nos as mais
distantes regiões do universo, ou mesmo para
além do universo, até o caos desmedido onde se
supõe que a natureza jaz em total confusão”;
• “Aquilo que nunca foi visto, ou de que nunca se
ouviu falar, pode ainda assim ser concebido; e
nada há que esteja fora do alcance do
pensamento, exceto aquilo que implica uma
absoluta contradição”;
• Mas, embora nosso pensamento pareça
possuir essa liberdade ilimitada, um exame
mais cuidadoso nos mostrará que ele está, na
verdade, confinado a limites bastante
estreitos, e que todo esse poder criador da
mente consiste meramente na capacidade de
compor, transpor, aumentar ou diminuir os
materiais que os sentidos e a experiência nos
fornecem;
• “Quando pensamos em uma montanha de
ouro, estamos apenas juntando duas ideias
consistentes, ouro e montanha, com as quais
estávamos anteriormente familiarizados”;
• “Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois
podemos conceber a virtude a partir de
nossos próprios sentimentos, e podemos uni-
la a forma e figura de um cavalo, animal que
nos e familiar”;
• “Em suma, todos os materiais do pensamento
são derivados da sensação externa ou interna,
e à mente e à vontade compete apenas
misturar e compor esses materiais. Ou, para
expressar-me em linguagem filosófica, todas
as nossas ideias, ou percepções mais tênues,
são cópias de nossas impressões, ou
percepções mais vívidas”;
• Para prová-lo, Hume apresenta os dois
argumentos seguintes:
• Em primeiro lugar, quando analisamos nossos
pensamentos ou ideias, por mais complexos ou
grandiosos que sejam, sempre verificamos que
eles se decompõem em ideias simples copiadas
de alguma sensação ou sentimento precedente;
• “A ideia de Deus, no sentido de um Ser
infinitamente inteligente, sábio e bondoso, surge
da reflexão sabre as operações de nossa própria
mente e do aumento ilimitado dessas qualidades
de bondade e sabedoria. Podemos prosseguir o
quanto quisermos nessa investigação, e para cada
ideia que examinarmos sempre descobriremos
que ela e copiada de uma impressão semelhante”
[...].
• “Aqueles que desejarem declarar que essa
proposição não é universalmente verdadeira,
ou que admite exceções, só dispõem de um
método para refutá-la, que de resto é simples:
apresentar alguma ideia que, em sua opinião,
não derive dessa fonte. Caberá então a nós, se
quisermos sustentar nossa doutrina, exibir a
impressão, isto e, a percepção vívida, que a
ela corresponde”;
• “Em segundo lugar, quando um homem não
pode, por algum defeito orgânico,
experimentar sensações de uma certa espécie,
sempre verificamos que ele é igualmente
incapaz de formar as ideias correspondentes:
um cego não pode ter noção das cores, nem
um surdo dos sons”; restitua-se a qualquer
um deles o sentido em que é deficiente e, ao
se abrir esse novo canal de entrada para suas
sensações, também se estará abrindo um
canal para as ideias, e ele não terá
dificuldades para conceber esses objetos” [...].
• “E embora haja poucos ou nenhum exemplo de uma
semelhante deficiência no domínio mental, em função
da qual uma pessoa nunca tivesse experimentado ou
fosse inteiramente incapaz de experimentar uma
paixão ou sentimento próprio de sua espécie, vemos
que a mesma observação continua válida em menor
grau: um homem de índole serena não pode formar
ideia de uma crueldade ou espírito de vingança
arraigados, e tampouco é fácil para um coração egoísta
conceber os cumes da amizade e generosidade.
Admite-se prontamente que outros seres podem
dispor de muitos sentidos que não podemos conceber,
porque as ideias deles nunca nos foram apresentadas
da única forma pela qual uma ideia pode ter acesso a
mente, a saber, por um efetivo sentimento ou
sensação”;
• “Eis aqui, portanto, uma proposição que não
apenas parece simples e inteligível em si mesma,
mas também capaz, se apropriadamente
empregada, de esclarecer igualmente todas as
disputas e banir todo aquele jargão que por tanto
tempo tem dominado os arrazoados metafísicos
e lhes trazido desgraça. Todas as ideias,
especialmente as abstratas, são naturalmente
fracas e obscuras: o intelecto as apreende apenas
precariamente, elas tendem a se confundir com
outras ideias assemelhadas, e mesmo quando
algum termo esta desprovido de um significado
preciso, somos levados a imaginar, quando o
empregamos com frequência, que a ele
corresponde uma ideia determinada”;
• Ao contrário, todas as impressões, isto é, todas as
sensações, tanto as provenientes do exterior como as do
interior, são fortes e vívidas;
• Os limites entre elas estão mais precisamente definidos, e
não é fácil incorrer em qualquer erro ou engano
relativamente a elas.
• Portanto, sempre que alimentarmos alguma suspeita de
que um termo filosófico esteja sendo empregado sem
nenhum significado ou ideia associada (como
frequentemente ocorre), precisaremos apenas indagar: de
que impressão deriva esta suposta ideia?
• E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão, isso
serve para confirmar nossa suspeita. Ao expor as ideias a
uma luz tão clara, podemos alimentar uma razoável
esperança de eliminar todas as controvérsias que podem
surgir acerca de sua natureza e realidade.