Arte Gotica

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A Arte Gótica

Contexto Histórico-Cultural

• A Arte Gótica nasceu no Ocidente europeu, mais


propriamente no noroeste de França, em meados do
século XII, perdurando nos séculos XIII e XIV na Itália,
na França até ao século XV e para lá desse século nos
países mais a Norte.

• O nome Gótico (isto é, dos godos) remonta ao século


XVI e ao espírito clássico e racional dos homens do
Renascimento que, desse modo, quiseram apelidar
pejorativamente a época como bárbara e rude.
• Só a historiografia da arte do século XIX haveria de
reabilitar essa época, fazendo desse estilo (gótico) o
objecto do entusiasmo revivalista dos artistas
românticos, admiradores da Idade Média. Sentiam-se
maravilhados pela sua ascética verticalidade e pela
elegância mística da sua espiritualidade.

• O aparecimento e posterior desenvolvimento da Arte


Gótica estiveram ligados ao maior dinamismo conjuntural
dos séculos finais da Idade Média.
• Esse período caracteriza-se por:
1. Uma fase expansionista que a economia europeia então viveu.
De facto, o extraordinário desenvolvimento registado pelas
actividades mercantis nos séculos XII e XIII, incrementou a
agricultura excedentária, a qual beneficiou ainda de uma
melhoria climática e de progressos agrícolas, dando vida aos
campos e; multiplicou as feiras; reacendeu o comércio interno
e externo, instalando definitivamente a economia monetária, o
aumento demográfico e o crescimento das cidades.

Estas alterações causaram os primeiros grandes abalos no velho
sistema feudo-senhorial, até aí dominante e agora em fase de
desagregação. Provisoriamente travado, no século XIV, pela
grande depressão da Peste Negra, todo esse desenvolvimento
renasceu, com maior vigor, no século XV (dinamismo produtivo
na Itália e n Flandres, abertura marítimo-comercial iniciada pelos
Portugueses e Espanhóis) para dar início a uma nova era (que
será estudada mais tarde).
2. Consequente crescimento e enriquecimento das cidades. Sedes
dos principais mercados e centros dinâmicos dos negócios,
palco também do desenvolvimento cultural, as cidades dessa
época deram início a um importante movimento de
emancipação administrativa – o movimento comunal – que,
libertando-se do jugo das administrações feudais e senhoriais,
lhes atribuiu um novo e importante papel na História dos seus
reinos e nações. A Arte Gótica deve muito ao desenvolvimento
das cidades pois foram as populações urbanas – sob a
iniciativa dos bispos e dos reis – que pagaram as suas grandes
catedrais que, ainda hoje, atestam o engenho técnico e
esplendor místico dos seus consrutores.

3. As significativas mudanças sociais então ocorridas. O


crescimento das actividades mercantis impulsionou o
crescimento social e económico da burguesia. Esta
encontrava-se constituída por mercadores, letrados e artesãos,
uns e outros unidos em prósperas organizações profissionais
(as guildas e corporações, às quais os reis reconheciam
estatutos jurídicos próprios). O papel desta burguesia urbana,
agora em crescimento, foi de extraordinária importância no
estabelecimento de uma nova dinâmica económica, social e
cultural.
4. A afirmação do poder real. Todos os monarcas deste período se
empenharam seriamente numa centralização político-
administrativa que organizou as nações e fundou os Estados,
no sentido actual do termo. Isto não se fez sem crises internas
e até rivalidades externas que, por vezes, impuseram duras
guerras (como a Guerra dos Cem Anos, que opôs Ingleses e
Franceses, e que arrastou atrás de si os seus aliados. Durou
de 1339 a 1453). Em torno destes reis centralizadores,
geraram-se pequenas elites de grandes (nobres, burgueses e
eclesiásticos), apreciadoras de um novo estilo de vida, mais
urbano, cortesão e pacífico, cujo imaginário se alimentou das
trovas e romances de cavalaria e das sagas dos livros de
linhagens. Esta elite cortesã desenvolveu novas exigências
culturais e hábitos de luxo e ostentação, através dos quais
tentava afirmar o seu prestígio e poder. É nestes costumes
que se enraízam algumas práticas de mecenatismo
(pertencente geralmente aos reis e ao clero) que vemos
começar a instituir-se no final da Idade Média europeia
(séculos XIV e XV).
5. A evolução cultural registada. A partir do século XII,
desenvolveram-se, por toda a Europa, as universidades, cujo
ensino, marcado pela filosofia escolástica (nome dado ao
conjunto de disciplinas teológico-filosóficas que se ensinavam
nas escolas e universidades medievais. Resumia-se ao
estudo e comentário das obras da filosofia clássica (Platão,
Aristóteles e outros) e aos escritos dos principais autores
cristãos, os doutores da Igreja, como Santo Agostinho. O
ensino praticado era livresco e teórico, baseado na autoridade
do mestre, que nunca poderia ser refutado.) atingiu, então, o
seu apogeu (sobretudo entre finais do século XII e princípios
do XIV). O pensamento escolástico da época dividia-se em
duas grandes correntes, uma idealista e mística, outra mais
racional e naturalista. Esta última era liderada pelo
pensamento de São Tomás de Aquino, a grande figura da
teologia medieval.
São Tomás de Aquino procurou encontrar uma união entre a Fé
e a Razão, ou seja, entre a revelação divina (única forma de
conhecimento até aí considerado possível) e a inteligência
humana. Isto levou-o a reconhecer que o crente poderia
ascender pela sua inteligência, às verdades teológicas. Para
isso, bastar-lhe-ia prestar mais atenção ao mundo físico, criado
por Deus e, por isso, reflexo da Sua Verdade. Esta sua atitude
teve como consequências a humanização da religião e um
maior interesse por parte dos sábios e intelectuais da época
(ainda que clérigos) pelo mundo das coisas materiais e
concretas, como a Natureza, em todas as suas formas.
A evolução do pensamento escolástico reflecte, em última
instância, algumas mudanças no comportamento e na
mentalidade do Homem desta época: um maior pragmatismo e
a procura de um conhecimento novo (menos teórico e mais
humanizado) de si próprio e do mundo.
As cidades e Deus

• As cidades não pararam de crescer, animadas com o


desenvolvimento da economia monetária e mercantil,
estendendo os seus subúrbios ao longo das estradas.

• A catedral tornou-se o símbolo do poder do bispo e dos


burgueses. Do bispo porque controlava espiritual,
jurídica e politicamente o território episcopal, dos
burgueses porque, devido à riqueza desta classe,
participavam com o seu dinheiro na sua construção e
manutenção.
• Todos tinham interesse no desenvolvimento da sua
cidade, reflectidos no poder e na majestade da sua
catedral. Assim, a catedral transformou-se no símbolo da
cidade e é através da sua beleza e sumptuosidade que a
comunidade urbana se afirma.

• A catedral torna-se, desta forma, o motor da


religiosidade, do poder político e económico; é no seu
adro que se realizam as feiras e as representações
teatrais; que se faz a justiça, junto ao pelourinho; e se
trocam ideias entre burgueses, estudantes, letrados e
aristocratas, já que era junto à catedral que funcionavam
as escolas da época.
• Para este papel da catedral muito contribuíram os
bispos que as planificaram e mandaram construir. De
entre vários nomes, o mais conhecido é o do abade
Suger, criador do estilo gótico, com o seu projecto
para a igreja da Abadia de S. Dinis. Fez da catedral o
reino de Deus sobre a Terra, numa unidade estrutural,
através da forma da planta, da verticalidade, da
decoração dos pórticos, mas especialmente da luz de
enormes vitrais onde era realçada a cor, a harmonia da
composição,, a elegância e a comunicabilidade das
figuras. Suger, com a sua teoria da iluminação (Deu é
luz) conseguiu a representação do divino no espaço
espiritual e físico da catedral e criou uma nova ascese.
A cidade: espaço, população e
subsistência
• A partir do século XIII registou-se um aumento
significativo do mundo urbano:

– Nas cidades velhas, devido ao grande crescimento


populacional, foi necessária a feitura de novas muralhas, ou a
criação de um outro burgo, nas imediações, animado pelos
recém-chegados (artesãos e mercadores);

– As cidades novas, nascidas no cruzamento de estradas, em


locais de feira (cidades francas: cidades que beneficiavam de
isenção de impostos e de leis especiais, nomeadamente para
os feirantes e compradores), perto do mar ou de uma abadia,
nos arrabaldes ou a partir da evolução de uma aldeia;
– estas cidades organizaram-se ora espontânea e caoticamente
ora segundo planos predeterminados.

• As plantas citadinas seguiam dois tipos de planta:


– de malha reticular: herança de Roma (segundo os eixos do
cardo e do decumano, ocupando a praça o espaço que
anteriormente era ocupado pelo fórum);

– esquema radioconcêntrico: influenciado pela interpretação


cristã da filosofia aristotélica que considerava este tipo de planta
semelhante à representação do Universo, com uma série de
coroas concêntricas.

• As cidades permaneciam circundadas por uma ou mais


cinturas de muralhas, com altas torres de vigia.
• A jurisdição das cidades abrangia os espaços
circundantes, os arrabaldes, nos quais posteriormente
foram surgindo os bairros extramuros.

• Dentro dos muros (intramuros), o espaço era ocupado


por igrejas, conventos, casa comunal, cidadela (núcleo
fortificado que domina a povoação), casas de nobres e
burgueses (palácios urbanos fechados e austeros),
bairros com lojas, oficinas das confrarias e hospitais,
pequenos campos agrícolas, a praça principal (rodeada
por arcadas e fachadas irregulares das casas, por vezes
local de mercado) e ruas (a principal com comércio),
sinuosas e irregulares adaptadas ao terreno. Algumas
destas ruas faziam de mercado especializado,
agrupando ofícios ou mercadores da mesma área: como
os da prata, os tanoeiros, etc.
• Negativamente, a cidade não tinha abastecimento de
água canalizada, nem esgotos, nem segurança. Existia,
porém, preocupação face a estas circunstâncias pelo
que foram emitidos alguns regulamentos na procura de
melhorar as condições de vida das cidades.

• A catedral e o seu espaço envolvente, à volta do qual se


faz o traçado das ruas e a praça, são os locais de
reunião e de festa que tornavam a cidade cada vez mais
o pólo de atracção das populações vizinhas.
A Arquitectura Gótica
• A arquitectura religiosa revela na catedral a sua
representação máxima, construída em louvor de Deus e
dos homens. A catedral é, em si mesma, símbolo da fé e
da cidade onde era erigida. “Os seus pináculos e
agulhas” elevam-se para o alto, encarnando o novo
pensamento teológico dos intelectuais da época” (baixa
Idade Média ou segunda metade da Idade Média).

• Começara-se a valorizar a razão humana como reflexo


da inteligência divina, única fonte de luz, isto é, de todo o
conhecimento e de toda a sabedoria. Através da luz de
Deus, as almas elevavam o seu espírito até Ele.
• Na catedral gótica, foi este misticismo que se procurou
com a verticalidade da construção, apelando ao fervor
religioso. A enorme amplitude dos espaços, inundados
pela luz filtrada pelos vitrais que cobriam as janelas,
preencheu os interiores por uma atmosfera de forte
espiritualidade.

• A catedral, erguida nos centros urbanos, foi também


construída em louvor dos homens, motivo de orgulho dos
seus habitantes que participavam activamente na sua
edificação (os mais pobres) ou que para ela contribuíam
com doações e subsídios monetários (os mais ricos
como os bispos, os nobres, os mestres das corporações
e os grandes mercadores). Foi à sombra da catedral que
a cidade medieval nasceu e se desenvolveu.
• Ainda assim, a arquitectura gótica não representa um
estilo inteiramente novo, mas um ponto de chegada de
contínuos aperfeiçoamentos técnicos e estéticos, feitos
ainda pelos construtores românicos (sobretudo os
cistercienses, normandos e borgonheses), cujas
descobertas particulares se harmonizaram num todo
inovador e original. Este facto verificou-se sobretudo na
região noroeste de França, centro da sua realeza, local
de nascimento da arte gótica.

• O gótico difundiu-se rapidamente pela Europa,


concedendo às construções europeias, desde o século
XIII, uma certa uniformidade, apesar de existirem
algumas diferenças regionais relativas a escolas
nacionais (ex. a alemã e a inglesa).
• O Gótico foi o primeiro estilo artístico a construir-se com
total exclusão de influências orientais (bizantinas) e
clássicas (romano-helenísticas).

• A originalidade desta arquitectura concretizou-se a partir


de três áreas específicas:
– nas inovações técnicas;
– na implementação de uma nova estética;
– nas alterações das estruturas formais.

• A principal invenção técnica da arte gótica, e também o


seu traço de união nas várias regiões, foi o arco ogival
(arco quebrado).
Arco ogival ou quebrado
• O seu aparecimento resultou da necessidade de, num
tramo rectangular, elevar os quatro arcos (principais e
formeiros) à mesma altura, o que só se poderia fazer
agudizando (elevando) os arcos dos lados menores.

• O arco em ogiva (o mesmo que quebrado ou apontado)


exercia menores pressões laterais do que o arco de
volta perfeita do românico, possibilitou a construção de
abóbadas de cruzaria de ogivas, que permitiam uma
melhor articulação dos panos murais que as enchiam
(ver panos), conseguindo-se assim uma mais eficiente
distribuição das forças que exercem sobre os pilares e
as paredes da construção.
• As forças eram desviadas para os pilares de
sustentação através das nervuras estruturais dos arcos
em ogiva.

• A cada nervura corresponde um colunelo que se


adossava aos grandes pilares compostos que
assentavam na nave.

• A descarga das forças era exercida igualmente sobre os


contrafortes no exterior.

• Obtinha-se assim uma melhor distribuição do peso e


uma mais fácil sustentação do edifício.
• Estruturadas pelo arco ogival, as abóbadas tornaram-se
mais “elásticas”, adaptando-se melhor às dimensões dos
espaços a cobrir, o que permitiu aumentar as áreas de
construção, daí a enormidade das catedrais.

• As abóbadas, inicialmente quatro panos, vão subdividir-


se chegando a ter até 16. As mais divididas são
conhecidas pelo nome de abóbadas estreladas, de
terceletes ou de leque (estas últimas próprias do gótico
inglês).
• A elevação das abóbadas ogivais, mais leves, obrigou no
entanto a reforçar os apoios exteriores com contrafortes
mais esbeltos e elegantes, formados por um elemento
maciço e vertical adossado às paredes exteriores das
naves laterais, o botaréu e pelos arcobotantes, espécie
de meios arcos construídos por cima da cobertura das
naves laterais, entre os extradorsos da abóbada central
e os botaréus.

• Assim escorados, os contrafortes transferiam para o


exterior as pressões das abóbadas mais altas,
equilibrando o conjunto.
• Quando as naves se tornaram demasiado altas, após o
século XIII, a solução foi a construção de arcobotantes
duplos que, reforçando os apoios laterais, neutralizavam
as pressões que provinham do peso da massa da
abóbada e as provocadas pela força do vento quando
soprava sobre o imenso e alto telhado.

• A técnica de construção do estilo gótico teve


consequências importantes não apenas a nível
construtivo mas também estético. A altura das abóbadas
aumentou, pilares e colunelos as adelgaçaram-se,
acentuando a verticalidade e tornando os espaços
internos mais amplos. As paredes libertaram-se do seu
tradicional papel de suporte, passando apenas a
delimitar e a proteger os espaços.
• Pode-se, assim, rasgar amplas janelas, fazendo com que
os interiores fossem mais iluminados.

• A nova estética (verticalidade dos volumes), introduziu


alterações de forma e dimensão na estrutura dos
edifícios já conhecidos (abadias, fortalezas) e propiciou a
criação de novas tipologias na arquitectura civil: castelos
senhoriais, palácios urbanos e casas comunais.

• Era, contudo, na arquitectura religiosa que o gótico


melhor se definia.
• A catedral, pelas suas dimensões, evidenciava-se na
paisagem urbana, formada na sua generalidade por
casas de madeira com telhados de colmo, mal alinhadas
ao longo de vielas estreitas e tortuosas que irradiavam a
partir da praça principal da cidade, centro religioso,
cultural, social e económico.

• A conceitualização inicial das ou aos reis, catedrais cabia


aos bispos seus encomendadores, mas a elaboração do
projecto era da responsabilidade de mestres pedreiros
experientes, chamados para realizarem a obra.
• A planificação da construção obedecia a cálculos
matemáticos e geométricos precisos, por essa razão, os
arquitectos do gótico tiveram que ser homens cultos e
preparados.

• Tal como no românico, quase todas as catedrais góticas


foram do tipo basilical, com planta de cruz latina,
cabeceiras viradas para Este e o corpo principal dividido
em três naves embora, por vezes, em cinco (ex. catedral
de Notre Dame, em Paris).

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