Marta Lança
Lisbon (1976). Phd student on Artistic Studies at FCSH - University Nova de Lisboa where she holds a post graduation degree in Portuguese Literature. She has been working as journalist, translator, editor and producer. She was professor Fernando Gil’s assistant and organized two summits: “The Process of Believe” and “New Robotics” (Gulbenkian, 2003). Having widely written for the Portuguese mainstream press (Público, Diário de Notícias, Le Monde Diplomatique, LER), Lança was chief-editor of V-Ludo cultural magazine (2000-01). These editing experiences lead her to Cape Verde, where she launched cultural magazine Dá Fala, support by Gulbenkian and IPAD (2004). From that period on, Lança’s focus has turned into contemporary culture in African Portuguese-speaking countries. She lived in Luanda for three years where, besides working as a journalist and teaching Literature at Agostinho Neto University, she collaborated with Luanda Triennalel (running an art gallery) and worked as a producer at Luanda Film Festival. In 2009,, she worked at DOCKANEMA, Maputo’s Documentary film festival. She has worked as reasearcher and producer in film documentaries.
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Papers by Marta Lança
Ruy Duarte de Carvalho, escritor e cineasta angolano, que deixou recentemente este mundo para ir lá falar aos mais-velhos sobre as coisas que andou por cá muito tempo a tornar visíveis, foi o grande impulsionador da viagem e o guia deste relato. A comitiva era a seguinte: o Luhuna, que ia recolhendo numa câmara materiais de observação direta; o Miguel, certeiro nas impressões e navegações espaciais; e as Martas – avivando a conversa, gerindo a logística da viagem. Ninguém, à exceção do Ruy, sabia grande coisa sobre a África do Sul para lá das suas tensões recentes.
Dentro de um carro ao longo de dias a fio, desde cedo até ao fim da tarde, mãos rotativas ao volante, pneus a rasgar as boas estradas sul-africanas, olhos maravilhados e exaustos de reter as paisagens – a cada solidão um monte ou deserto preferido –, e acabamos por aprender qualquer coisa da complexidade deste país africano que andou nas bocas do mundo por motivos do futebol e da persistente violência.
No interior do carro há uma voz que se ouve mais do que as outras. O Ruy está contente e só se cala esporadicamente para fixar um pormenor da paisagem e depois dizer coisas como «a vida ou se escreve ou se vive», citando Pirandello, ele que fez tão bem ambas as coisas.
I feel more comfortable not having definitions. I think these definitions have a lot to do with the academia, and I am not a scholar. At a certain point, I had to interrupt my studies and go into the workforce, but I already had this artistic calling since my childhood. I always felt that art was something inherent within me. In my professional life I learned to use tools, to practice and absorb more knowledge; with experimentation I became more and more the artist that I am. I have always felt this way. It’s the sum of everything I’ve absorbed, from the moment when I realized that art was my path.
This is a city of hard times, but also of encounters and possibilities with which he has grown up. In this text, we are led by the memories of Dj Lucky, between various sound tracks of quisange, semba, and afro blues, and multiple tracks on the floor, from Kinshasa to the Graça neighborhood, passing through Luanda, Cova da Moura, and Bairro Alto.
Tchiloli has been practised in São Tomé and Príncipe for a long time, but has suffered relative decline in recent years. At the basis of tchiloli is the representation of Madeiran poet Baltazar Dias’ version of The Tragedy of the Marquis of Mantua and the Emperor Charlemagne (1664), usually on the island of São Tomé, and of Auto de Floripes, on Saint Lawrence’s Day (15/8), on the island of Príncipe. Tchiloli is inspired by Castilian novels, which in turn had benefited from influences dating back to the Carolingian cycle of the 11th century. The story is about Don Carloto, son and heir of the Emperor Charlemagne, who murdered his best friend, Valdevinos, nephew of the Marquis of Mantua, in a hunt. This passionate crime (motivated by Don Carloto’s passion for Sibyl, Valdevinos’ wife) led the two families to debate issues of law, justice and governance. The emperor was faced with the dilemma of choosing between national interest and paternal love, and his son was executed in the imperial fortress in the end. Translation: Kaian Lam
Ruy Duarte de Carvalho, escritor e cineasta angolano, que deixou recentemente este mundo para ir lá falar aos mais-velhos sobre as coisas que andou por cá muito tempo a tornar visíveis, foi o grande impulsionador da viagem e o guia deste relato. A comitiva era a seguinte: o Luhuna, que ia recolhendo numa câmara materiais de observação direta; o Miguel, certeiro nas impressões e navegações espaciais; e as Martas – avivando a conversa, gerindo a logística da viagem. Ninguém, à exceção do Ruy, sabia grande coisa sobre a África do Sul para lá das suas tensões recentes.
Dentro de um carro ao longo de dias a fio, desde cedo até ao fim da tarde, mãos rotativas ao volante, pneus a rasgar as boas estradas sul-africanas, olhos maravilhados e exaustos de reter as paisagens – a cada solidão um monte ou deserto preferido –, e acabamos por aprender qualquer coisa da complexidade deste país africano que andou nas bocas do mundo por motivos do futebol e da persistente violência.
No interior do carro há uma voz que se ouve mais do que as outras. O Ruy está contente e só se cala esporadicamente para fixar um pormenor da paisagem e depois dizer coisas como «a vida ou se escreve ou se vive», citando Pirandello, ele que fez tão bem ambas as coisas.
I feel more comfortable not having definitions. I think these definitions have a lot to do with the academia, and I am not a scholar. At a certain point, I had to interrupt my studies and go into the workforce, but I already had this artistic calling since my childhood. I always felt that art was something inherent within me. In my professional life I learned to use tools, to practice and absorb more knowledge; with experimentation I became more and more the artist that I am. I have always felt this way. It’s the sum of everything I’ve absorbed, from the moment when I realized that art was my path.
This is a city of hard times, but also of encounters and possibilities with which he has grown up. In this text, we are led by the memories of Dj Lucky, between various sound tracks of quisange, semba, and afro blues, and multiple tracks on the floor, from Kinshasa to the Graça neighborhood, passing through Luanda, Cova da Moura, and Bairro Alto.
Tchiloli has been practised in São Tomé and Príncipe for a long time, but has suffered relative decline in recent years. At the basis of tchiloli is the representation of Madeiran poet Baltazar Dias’ version of The Tragedy of the Marquis of Mantua and the Emperor Charlemagne (1664), usually on the island of São Tomé, and of Auto de Floripes, on Saint Lawrence’s Day (15/8), on the island of Príncipe. Tchiloli is inspired by Castilian novels, which in turn had benefited from influences dating back to the Carolingian cycle of the 11th century. The story is about Don Carloto, son and heir of the Emperor Charlemagne, who murdered his best friend, Valdevinos, nephew of the Marquis of Mantua, in a hunt. This passionate crime (motivated by Don Carloto’s passion for Sibyl, Valdevinos’ wife) led the two families to debate issues of law, justice and governance. The emperor was faced with the dilemma of choosing between national interest and paternal love, and his son was executed in the imperial fortress in the end. Translation: Kaian Lam
Estes textos aqui reunidos são resultado da demanda feita a estes escritores e artistas para tentarem traduzir em contos, reflexões, as suas impressões (…), que guardo para o leitor descobrir nestas páginas. (…)
Nas suas particularidades e múltiplas identidades, marcadas pela colonização, atuais modelos económicos, despojos do socialismo, a construção da Nação e a perda das Utopias, as difíceis e ricas questões étnicas, os conflitos raciais, as tradições e cultura oral, a vida das ruas e cidades, os sonhos e os amores, estas literaturas de língua portuguesa têm muito de valor documental para conhecer as entrelinhas da História.
Aqui podemos contactar com as mais diversas, tensas, bem-humoradas, eloquentes questões das literaturas e culturas dos países de língua portuguesa, em que os equívocos das falas e dos contextos de cada um podem vir a ser desafios para um entendimento maior."
Marta Lança, in Introdução
Roça Língua, livro do contos
edição: Editorial Novembro, maio de 2014
Esta publicação ficou retida em alguma porta semicerrada. Sem saber precisar, foi-se instalando um torpor que gradualmente contaminou todas as partes do corpo, ganhando a forma imprecisa de um livro fantasma. Nisso, o pro- cesso de desentorpecimento - ganhar o alento de vir à flor do papel - foi mais vagaroso.
Mas eis que Este corpo que me ocupa dá à costa. Resulta de uma reflexão que o BUALA, a nossa plataforma online, lançou: receber tra- balhos sobre o corpo a partir de linhas de pensamento sugeridas (ver calls pp. 115, 118), e sair momentaneamente do virtual, no seguimento de um crowdfunding para o qual a generosi- dade ultrapassou as expectativas.
Como editoras não foi fácil desenhar um corpo para os materiais recebidos. Assim, e por- que não há consensos grátis, propomos que se procure neste desmembramento um levantar de questões que atravessam o corpo privado, mas também o corpo social ligado à vida precária, à necro e biopolítica, o corpo mediado e encenado pela e na cidade, o jogo de perceções e de negociações, a não coincidência das representações, o outro que nos define.
Tropecei no conceito de incorpo, proposto por Gonçalo M. Tavares. Parece ajustar-se, de forma simples, à ambição das nossas reflexões. “O incorpo é a parte do Corpo constituída por ligações (afetos negativos ou positivos) que estabelece com o Mundo (pessoas, objetos, animais, lugares, ações-hábitos). O corpo, seria, então, constituído pela carne – fisiologia viva – mais o incorpo. Quanto mais o corpo se reduz à carne (menor número de ligações ao mundo), menos o corpo tem a perder, mais é sacrificá- vel.” (in Atlas do Corpo e da Imaginação).
Agarro o incorpo como território vasto e resistente ao sacrifício do corpo. Suficiente- mente fugidio ao desinteressante dentro e fora
que delimita uma certa ideia de corpo (e de ser), aí inscrevo as hipóteses d’Este corpo que me ocupa. Olhando agora o conjunto, a maioria dos artigos que damos a ler adotam um enfoque muito particular: um filme, um aspeto cultural, um projeto em curso, uma obstinação, um alerta contra falsos universalismos.
Destas lentes vamos urdindo relações mais gerais. Convidam-nos a pensar a morte na vida através dos rituais da Guiné, no sentido coletivo do animismo em que os mortos nos permanecem. A descortinar as raízes do fim do apartheid pelos grupos de pressão, no caso do ativismo queer uma zine contribuiu para a visibilidade do movimento LGBT.
O que significa sermos autoproprietários nesta eterna exigência e vulnerabilidade em se ser pessoa? Quais os meandros da mercantilização do corpo e quem está mais apartado da autopropriedade? Um filme-safari provoca a visão transgénica da vida. Que corpo é este que esbraceja? Corpo, matéria de conflito: umas vezes resiste ao seu aprisionamento e consegue reinventar-se, outras, cai inerte, impossível posição no fluxo das sociedades contemporâneas. Os moradores de rua que habitam a cidade em circulação fazem do corpo a sua localização.
A leitura pós-colonial de uma banda desenhada onde a relação colonial prevalece para além do momento histórico que a produziu. O apagamento da identidade do colonizado será sempre uma estratégia em igual medida à dessubjetivação do subalterno comum a todas as relações de poder. Reflexão sobre a benevolência estatal (sermos cuidados) em situação de privação da liberdade (estar detido) com violência (sujeito a intervenções corporais não consentidas) .
Quisemos entrar nas onze vidas de Oscar como laboratório subjetivo, numa heteronímia transformadora. Pensámos auto-reflexividade nos dois textos de prosa poética e quisemos gritar com as as raparigas da performance, dei- tadas num passeio da nossa cidade I wanna be happy here!
Na defesa da pesquisa artística como forma de produção de conhecimento - pensar o sensí- vel sem forçar objetivações -, seguimos a traje- tória de imagens encorporando as reações às mesmas. A visita ao interior de uma mesquita coreografa os seus elementos simbólicos e a prática da oração. O barco humano numa praia faz regressar legados transculturais do Comér- cio Triangular aos nossos tempos. Questões de género e sexualidade numa série fotográfica. A working class da alienação no corpo-monstro da cidade que engole e regorgita os seus órgãos. E uma artista capaz de “dar corpo, encarnar, mas também reencarnar, ser a parteira de uma história esquecida cuja memória confusa car- rega consigo”, sem determinismos perante o seu contexto mas nada de omissões.
Procuramos o ato criativo capaz de articular estas duas forças de que fala Barthes em Fragmentos do Discurso Amoroso: “o meu corpo é uma criança teimosa, a minha linguagem – um adulto muito civilizado.”
É que um das premissas da abordagem ao corpo carregava a vontade de pensar fora/contra dos dualismos cartesianos que estruturam a cultura ocidental: alma/razão vs corpo, como se a exclusão de partes fizesse sentido. Era também uma proposta – tímida, bem sei – para procurar modos que não se esgotem na habitual repartição da vida .
Sinto-me mais confortável em não haver definições. Na minha opinião, isso das definições tem muito a ver com a academia e eu não sou formado na academia. A dada altura tive que interromper os estudos e ir para o mercado, mas já vinha com essa veia artística, desde a infância. Sempre senti que a arte era algo inerente em mim, com a vida profissional fui aprendendo a usar ferramentas, a praticar e absorver mais conhecimento, com a experimentação fui-me tornando cada vez mais o artista que sou. Sempre senti assim. É o somatório de tudo o que vou absorvendo, a partir do momento em que percebi que a arte era o meu caminho.
— Welket Bungué
Por um lado, lucros maximizados por fundos de investimento. Por outro, solos exaustos de difícil regeneração.
Ou: Transformações físicas, humanas, laborais, de uma região. Ou: Do celeiro do país ao olival intensivo. Ou: Do sequeiro ao regadio. Ou: Do dourado da seara ao verde-petróleo do olival. Ou do verde, ao preto para chegar ao dourado do azeite. Ou Como gerar riqueza semeando pobreza. Ou Do antigo cerealense ao megalatifúndio regulado por dinheiros internacionais. Ou Ninguém defende a monocultura mas para lá caminhamos.
Ou uma singela pergunta: Como chega o azeite aos nossos pratos?
Profits maximized by investment funds, on the one hand. Exhausted soils and difficult regeneration, on the other.
Or: Physical, human, labour transformations of a region. Or: From the country’s barn to the intensive olive grove. Or: From dry farming to irrigation farming. Or: From the golden of the cornfield to the petroleum-green of the olive grove. Or: From green to black to get to the golden of the olive oil. Or How to create wealth by sowing poverty. Or: From the old cereal farmer to the mega-estate ownership regulated by international money. Or: Nobody defends monoculture, but we walk towards it.