terça-feira, 22 de julho de 2025

Imigração: Direitos Básicos e Integração Essencial

 

A dignidade de quem trabalha não pode ter passaporte. Como sublinha Ricardo Paes Mamede, é crucial garantir salários mínimos decentes, descontos para a segurança social, horários e condições de trabalho justas, o direito de associação e uma proteção social robusta para todos, sem exceção. Quanto mais assegurarmos estes direitos, menos atrativo será o nosso país para quem procura explorar a vulnerabilidade, e menos trabalhadores estrangeiros serão forçados a aceitar o que os nacionais, e bem, já recusam.

Mas a nossa responsabilidade não acaba aqui. A integração efetiva da população imigrante na sociedade portuguesa é um pilar de uma nação coesa. Isso passa por favorecer o reagrupamento familiar, para que as famílias possam estar juntas e criar raízes. Passa também por promover a aprendizagem da língua portuguesa, desde as crianças aos adultos, para que se sintam verdadeiramente parte de nós. E, claro, passa por combater todas as formas de discriminação e os discursos de ódio, que só servem para dividir e fomentar o ressentimento. Uma política de habitação pública que previna a criação de guetos é, igualmente, um passo vital para construir comunidades saudáveis e integradas.

Deixemos claro: destruir o único teto que as pessoas têm, fomentar o ódio ou ser conivente com ele, restringir ao máximo o reagrupamento familiar ou entregar os direitos dos trabalhadores estrangeiros nas mãos de empregadores sem escrúpulos pode ter muitos nomes. Mas uma coisa não é, de certeza: não é uma política de imigração razoável, nem muito menos a base para a construção de uma sociedade decente. É, antes, a receita para a exclusão e o conflito, algo que devemos rejeitar veementemente. 

sábado, 19 de julho de 2025

As (ainda) impercetíveis novas qualidades do Mundo em mudança

 

Associo-me, muito naturalmente, à reação de muitos dos que viram o debate do Estado da Nação e sentiram-se indignados pela conduta de Aguiar Branco na condução dos trabalhos. A forma como Pedro Delgado Alves insurgiu-se contra ele, por ter advertido o líder socialista sobre o uso do termo "fanfarrão" para com André Ventura, foi um momento crucial.

É verdadeiramente desconcertante que tenha dado tanto peso a uma palavra como "fanfarrão", assaz moderada quando se aplica a alguém que faz da mentira uma estratégia reiterada de propaganda e não hesita em instrumentalizar nomes de crianças para promover discursos racistas e xenófobos. Parece que Aguiar Branco, ao contemporizar com o arruaceiro do Chega, e comportar-se quase como seu "guarda-costas" face a críticas que são mais do que justas, valida a visão de quem o considera o pior Presidente da Assembleia da República em democracia.

O debate só veio reforçar a coligação de facto que une a AD e o Chega e se tornará ainda mais evidente à medida que o PS, com uma liderança mais enérgica, retomar a linha de combate mais efetiva ao governo, possivelmente em maior ou menor concertação com as demais forças de esquerda.

Tenho a esperança de que as esquerdas voltem a ressurgir, impulsionadas pelo agravamento da inflação e da crise social e económica. É visível que esta (des)governação não tem qualquer ideia de como obviar a estes problemas. O aumento generalizado dos preços, a crónica falta de casas, a escassez de professores e a incapacidade de dar respostas no SNS são fatores que, inevitavelmente, tenderão a aumentar o descontentamento social que já começa a sentir-se nas ruas.

Neste contexto, vem à colação a newsletter de Ana Sá Lopes, onde aborda o discurso de ódio em crescendo nas redes sociais, que identifica como expressão de um racismo larvar na sociedade portuguesa. É irónico e triste pensar que, para essa gente que propaga o ódio, as consequências são ignoradas: sem imigrantes, o PIB decresceria e a Segurança Social não conseguiria continuar a pagar as pensões.

Muitos dos que se colam à agenda política de André Ventura e Leitão Amaro são os mesmos que, quando a economia definhar, não terão casa nem emprego. E, no caso dos reformados, arriscam-se a ficar com pensões ainda mais miseráveis.

Há um toque de cinismo na escrita da jornalista quando sugere que isso será o que merecerão "para não serem tão grunhos", mas ela própria admite ser desejo que é de bom tom não formular. É uma reflexão que, apesar de dura, sublinha a desconexão entre as posições ideológicas das direitas e a sempre dinâmica realidade económica e social.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

O rotundo falhanço da politica de habitação

 

Os números são frios, mas a realidade por trás deles é devastadora. Quando o INE nos diz que o preço mediano das casas em Portugal disparou 18,7% no primeiro trimestre de 2025, em comparação com o ano anterior, não está a falar apenas de estatísticas. Está a falar de um desespero crescente, de famílias que já não conseguem pagar a renda, de jovens que veem o sonho de ter casa própria cada vez mais distante. E, no ponto mais brutal desta equação, está a falar do acelerado aumento das pessoas em situação de sem-abrigo.

Não é por acaso que, enquanto os preços sobem a esta velocidade alucinante, o número de pessoas a viver na rua também dispara. Associações como a AMI e a Remar dão o alarme, confirmando o que os nossos olhos veem nas cidades: mais gente nas ruas, mais famílias desamparadas, e um perfil de sem-abrigo que está a mudar drasticamente, incluindo trabalhadores e jovens que simplesmente não conseguem aceder a um teto. Em 2023, mais de 13 mil pessoas já viviam nesta situação em Portugal Continental. É um falhanço coletivo que devia envergonhar-nos a todos.

É evidente que a tese de que a "mão invisível do mercado" resolve tudo não funciona na habitação. Pelo contrário, tem piorado a situação. Vemos isso com o aumento galopante das rendas, com a especulação a dominar, e com a priorização de interesses económicos em detrimento do direito fundamental à habitação.

As "soluções" que nos são apresentadas pelo governo, embora possam ter algum efeito a longo prazo, parecem ignorar a urgência da crise. Falam-nos de simplificação de licenciamentos e de incentivos à construção, que são importantes, sim, mas cujos efeitos só serão visíveis daqui a anos. E quem não tem onde morar hoje? Quem está a ser despejado amanhã? A gravidade do problema da habitação exige respostas imediatas e corajosas, não um horizonte temporal distante que condena milhares de pessoas à precariedade extrema.

É por isso que as propostas que há tanto tempo vêm das esquerdas tornam-se não só pertinentes, mas urgentes. Precisa-se de um verdadeiro controlo das rendas, que trave esta espiral de aumentos insustentáveis. É fundamental impor restrições eficazes ao Alojamento Local em zonas de pressão, devolvendo casas às pessoas e não aos turistas. Urge o aumento massivo do parque habitacional público, com construção e reabilitação de habitação a custos controlados, para garantir que o direito à casa não é um privilégio, mas uma realidade para todos. E, claro, combater ativamente a especulação imobiliária, taxando-a e acabando com incentivos perversos.

Não podemos continuar a ver os números da crise da habitação a subir sem uma ação decisiva e imediata. Dever-se-ia parar de esperar pela "mão invisível" e de usar a mão visível do Estado para garantir que ninguém fica para trás. 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Pela Dignidade e o Humanismo em Loures e Amadora

 

É com indignação e sentido de urgência que me associo à voz de mais de uma centena de socialistas – entre deputados, antigos governantes, militantes e simpatizantes – para repudiar veementemente o abate de barracas nos concelhos de Loures e Amadora sem que fossem criadas alternativas habitacionais dignas para as famílias desalojadas.

Como militante do PS, reitero a posição que assumi desde o primeiro momento: este tipo de política contraria frontalmente os princípios socialistas e, mais amplamente, os de uma visão humanista da sociedade.

O Partido Socialista sempre teve como pilar a defesa dos mais vulneráveis e a garantia de condições de vida dignas para todos. A habitação é um direito fundamental, não um privilégio. Assistir à demolição de lares, por mais precários que sejam, sem oferecer uma solução habitacional que assegure a dignidade humana, é uma falha grave que não podemos ignorar.

Não se trata apenas de uma questão de infraestruturas, mas de pessoas, de famílias, de crianças que veem o pouco que têm ser-lhes retirado, ficando à mercê da incerteza e da exclusão social. Onde está a solidariedade que tanto apregoamos? Onde está o apoio social que deve ser a marca da nossa governação?

Exige-se que as entidades competentes revertam estas decisões e deem prioridade à criação de alternativas habitacionais que respeitem os direitos humanos e a dignidade das pessoas afetadas. É imperativo que se encontrem soluções justas e humanas, que passem pela integração e não pela segregação.

O socialismo constrói-se com base na equidade, na justiça social e no respeito pela dignidade de cada indivíduo. Não é admissível que ações como estas manchem o nosso percurso e contradigam os ideais pelos quais lutamos. Impõe a própria Constituição: nenhuma família deveria ficar sem teto e sem esperança.

sábado, 12 de julho de 2025

A Teia Invisível

 

Neste presente em que a informação flui a uma velocidade sem precedentes, assistimos à proliferação da desinformação online e suas consequências nefastas no mundo real. O que começa como uma publicação aparentemente inofensiva pode ser uma peça na complexa teia que alimenta a polarização, a radicalização e, nos casos mais trágicos, a violência.

Sites e plataformas que disseminam notícias falsas e teorias da conspiração prosperam, muitas vezes, graças a um sistema perverso: o financiamento por publicidade de marcas conceituadas. Estas empresas, alheias ao destino final dos seus anúncios, veem os orçamentos a serem canalizados, via algoritmos complexos, para espaços digitais que promovem ódio e divisões. É um ciclo vicioso: quanto maior atenção geram estas narrativas extremistas (ainda que falsas), mais anúncios atraem, garantindo a sua sustentabilidade financeira. Sem querer, as marcas tornam-se cúmplices passivas na monetização da desinformação.

Em Portugal, temos observado como certas estratégias comunicacionais do Chega alinham-se com estas táticas. O uso intensivo das redes sociais para propagar narrativas sensacionalistas e polarizadoras, o aproveitamento de ressentimentos e o alinhamento com discursos que, por vezes, roçam a intolerância, espelham as abordagens frequentemente usadas por geradores de desinformação. Embora não criem diretamente todas as fake news, a amplificação e legitimação de certos temas contribuem para um ecossistema digital onde a verdade é ofuscada pela emoção e pela raiva.

O resultado mais inquietante deste cenário é a radicalização de indivíduos. Pessoas vulneráveis, expostas a um fluxo constante de ódio e narrativas distorcidas, podem ser levadas a crer que a violência é a resposta para os problemas que lhes são apresentados. Infelizmente, já não é um mero cenário teórico: há um rasto de crimes e homicídios que podem ser ligados diretamente a indivíduos radicalizados pelo que absorveram online. A desinformação deixa de ser apenas uma "opinião" e torna-se um catalisador para atos de terror e crimes de ódio.

Perante esta realidade, a responsabilidade é coletiva. As marcas deveriam exigir mais transparência e controlo sobre onde a sua publicidade é exibida. Os cidadãos deveriam desenvolver uma literacia digital crítica, questionando as fontes e resistindo ao impulso de partilhar informações sem verificação. E, politicamente, importaria criar legislação mais robusta para responsabilizar as plataformas, apoiar o jornalismo de qualidade e promover uma educação cívica destinada a capacitar a navegação no complexo oceano da informação digital. Só assim se desmantelaria esta teia de enganos e protegeria a nossa sociedade dos seus perigos mais sombrios.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

O "Não é Não" esfarelou-se

 

A política é um palco de promessas e, por vezes, de desilusões. E nestes primeiros tempos de governação de Luís Montenegro o palco está montado para uma daquelas peças em que o enredo se desenrola de forma, no mínimo, previsível, para não dizer preocupante.

Lembro o estribilho que embalou a campanha eleitoral da Aliança Democrática: o famoso "Não é Não" ao Chega. Uma frase curta, assertiva, que visava tranquilizar os mais céticos e demarcar águas, garantindo que a direita "democrática" não se curvaria perante os acenos de um partido que pisa perigosamente a linha do intolerável.

O "Não é Não" esfarelou-se logo nas primeiras semanas. E o epicentro dessa desagregação é a lei da nacionalidade, que não é um mero ajuste técnico ou uma reforma consensual. Foi uma negociação, com o Chega, sobre um diploma que tresanda a xenofobia e alimenta-se de mentiras descaradas.

Quando vemos propostas que visam dificultar a vida a quem procura em Portugal uma nova oportunidade, e justificadas com discursos populistas e carregados de preconceito, é impossível não sentir um arrepio. A memória ainda está fresca dos episódios vergonhosos, com Ventura e Rita Matias, a debitar nomes de crianças em escolas públicas, num festival de demagogia que parecia saído de um manual de como incitar o ódio. Esse tipo de "espetáculo" é a face mais visível de uma ideologia que o PSD, teoricamente, se propôs a combater.

O que assistimos agora, com esta aproximação em torno da lei da nacionalidade, é o concretizar de um alinhamento que muitos temiam. A direita "democrática", ao negociar e, ao que tudo indica, ao ceder terreno a um partido que já deu provas da sua índole fascista em atos e palavras, está a abrir uma porta perigosa. Mais do que uma questão técnica ou jurídica, é uma questão de princípios. É o sinal de que, talvez, a ideologia venha antes da ética, e a necessidade de governar se sobreponha à coerência. O "Não é Não" não era apenas uma promessa; era, ou deveria ser, um baluarte. E esse baluarte, está a ruir logo ao abrir de cena para os quatro anos que se seguirão.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

A Emigração, a Cultura e a Habitação

 

A imigração enriquece as nossas sociedades, trazendo novas culturas e perspetivas. Contudo, a esquerda, no compromisso com a igualdade e a justiça social, enfrenta o desafio de integrar estas novas realidades sem ceder a simplificações perigosas. Respeitar as diversas culturas e religiões é fundamental, mas essa tolerância não pode ser ilimitada. Há princípios inalienáveis da nossa sociedade, como a igualdade de género e a proteção dos direitos humanos, que não podem ser comprometidos. Práticas como a poligamia ou a mutilação genital feminina são ilegais e inaceitáveis em Portugal e na Europa, e a sua não-aceitação não é xenofobia, mas a defesa intransigente da dignidade e dos direitos de todos.

Ao mesmo tempo, é crucial abordar a crise da habitação, um problema que a imigração, tal como o turismo de massa, exacerbou. O crescimento descontrolado dos alojamentos locais e a especulação imobiliária têm transformado um direito constitucional – o direito à habitação – num luxo inacessível para muitos. Vemos com preocupação a exploração de imigrantes em condições de habitação degradantes, com rendas exorbitantes por espaços diminutos e insalubres. Esta situação não é resultado da imigração em si, mas de um sistema que permite a exploração sem escrúpulos por parte de proprietários e intermediários, que acumulam lucros à custa da dignidade humana. A esquerda deve lutar por políticas públicas que garantam habitação digna e acessível para todos, regulando o mercado e combatendo a especulação.

É também imperativo reconhecer que os grandes beneficiários da imigração desregulada são, muitas vezes, os mesmos setores que financiam a extrema-direita. Estes grupos aproveitam-se da vulnerabilidade dos imigrantes para obterem mão-de-obra mais barata, sem direitos ou contratos de trabalho justos. Esta exploração capitalista da força de trabalho imigrante precariza não só os recém-chegados, mas também os trabalhadores portugueses, criando uma competição desleal e baixando os salários de todos. É paradoxal que muitos dos que foram forçados a emigrar para encontrar melhores condições de vida acabem por votar em partidos de extrema-direita nos seus países de acolhimento, sem perceber que representam precisamente os interesses dos patrões exploradores que os condenaram a essa mesma procura.

Cabe à esquerda articular uma visão que defenda a integração digna e humanitária dos imigrantes, garantindo-lhes direitos e condições de vida justas, ao mesmo tempo que combate as práticas culturais incompatíveis com os valores fundamentais dos direitos humanos. Deve também lutar contra a especulação imobiliária e a exploração laboral, independentemente da nacionalidade. A luta não é contra o imigrante, mas contra as estruturas de exploração e desigualdade que afetam a todos, sejam eles nascidos em Portugal ou recém-chegados.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Um rústico Munchausen à portuguesa

 

Uma fotografia na edição de ontem do “Público”, colhida na cimeira da Nato, é particularmente elucidativa quanto à personalidade de Luís Montenegro e qual a sua relevância junto dos líderes ocidentais.

Se é certo que, muitas vezes, uma imagem vale por mil palavras, esta é exemplo lapidar. A cena capta os participantes da cimeira da NATO em plena interação, trocando ideias e cumprimentos. No entanto, em segundo plano, quase a esgueirar-se da objetiva, surge Luís Montenegro, a quem todos viram costas para a ação central, aparentemente à procura de uma saída discreta, ou talvez, de alguém com quem interagir e não o ignore. A imagem sugere um desconforto visível, um anseio por integração que contrasta vivamente com a aparente autoconfiança que exibe no palco nacional.

Pensamos em Soares, Guterres, Sócrates ou António Costa e todos víamos na primeira fila em diálogo com os seus pares. Ao invés, Montenegro segue na linha de Cavaco ou Passos Coelho que, vindos da província ou duma ex-colónia, e escondiam-se na retaguarda e quase pareciam agradecidos por serem aceites na “festa”. E, se no seu campo politico, Barroso tentava chegar-se à frente, era para a assumida função de mordomo do alheio “conbíbio”.

Este contraste entre a projeção interna de importância e a irrelevância externa evoca de forma irónica a figura do Barão de Munchausen. Para quem não o conhece, trata-se de um personagem literário do século XVIII, famoso pelas suas histórias fantásticas e inacreditáveis de aventuras. Ele era um mestre na arte da mistificação, narrando proezas impossíveis com uma convicção tal que os seus ouvintes, por vezes, acabavam por duvidar da própria realidade. O Barão construía o seu sucesso social e a sua relevância através da ilusão, da invenção de um mundo onde ele era o centro de todas as proezas, ignorando completamente as leis da física e da lógica.

A semelhança emerge quando observamos a forma como Montenegro, perante os graves desafios que Portugal enfrenta – da crise na saúde à escassez de habitação e à crescente pobreza da população –, parece concentrar o fulcro da ação política na questão da imigração. À semelhança de Munchausen, que criava realidades alternativas, o primeiro-ministro inventa a urgência e a prioridade dos problemas reais, elevando um tema à centralidade do debate e da ação governativa de forma desproporcional. A convocação de um conselho de ministros extraordinário para restringir os direitos de imigrantes, que são essenciais para o funcionamento de inúmeros setores da economia e para a sustentabilidade da Segurança Social, parece uma fuga aos verdadeiros dramas nacionais.

Enquanto o país se debate com a subsistência básica, a preocupação prioritária de Montenegro parece ser a de projetar uma imagem de controlo e decisão através de medidas que, ironicamente, desvalorizam a contribuição daqueles que mantêm o país a funcionar. No cenário internacional, a imagem é de isolamento; no cenário interno, a retórica é de um líder que, como o Barão de Munchausen, a criar uma narrativa que, para muitos, se afasta perigosamente da realidade premente.

terça-feira, 24 de junho de 2025

O Crepúsculo do Velho e a Longa Espera pelo Novo

 

É impossível não sentir que vivemos num impasse, num daqueles instantes históricos que Gramsci tão bem descreveu. O velho mundo, com as suas certezas e estruturas, parece ter-nos deixado, ou pelo menos está em franco declínio. No entanto, o novo, aquilo que deveria substituí-lo e oferecer um caminho, ainda teima em não mostrar a cara. Permanecemos presos neste interregno, um período de morbidez onde fantasmas do passado insistem em assombrar o presente e as soluções do futuro parecem permanentemente adiadas.

Olhamos para o panorama global e vemos a persistência de estratégias que, de tão óbvias na futilidade e perigo, questionam a lógica por detrás delas. Sejam os conflitos que se arrastam, com anúncios de tréguas que mais parecem pausas para rearmar a velha agenda, seja a forma como a política parece refém de tacticismos vazios em vez de um projeto consistente. Há uma sensação de que estamos à deriva, com os decisores mais preocupados em manter aparências ou em fugir para a frente do que em construir algo de verdadeiro.

E em casa, no nosso próprio quintal, a realidade não é menos frustrante. Vimos capacidade de gerir emergências, como a pandemia e a crise inflacionária que a seguiu. Mas e o depois? Onde está a visão de longo prazo, o plano que nos tire desta letargia e projete para um futuro com menos incertezas e mais equidade? Infelizmente, a tendência parece ser a de sempre, a de fazer recair o peso das crises sobre os ombros de quem menos pode: os reformados, as políticas sociais. É um caminho que, por mais que se tente mascarar, não aponta para um horizonte de esperança.

A frustração é ainda maior quando vemos os que poderiam fazer a diferença tropeçar. Quando a oposição dilui-se em colaborações envergonhadas com o “novo” (na realidade velho) governo em vez de se afirmar como uma alternativa robusta e visionária. Perdeu-se, com a derrota de Pedro Nuno Santos, uma oportunidade de ouro para resgatar essa visão de futuro que, noutros tempos, trouxe-nos ministros (a começar pelo notável e injustamente esquecido Mariano Gago) e projetos de grande relevância.

No meio de tudo isto, assistimos à ascensão do que há de pior na política, ao populismo que explora as fragilidades e os medos. São as "bestas" que assumem papéis ilegítimos (se não mesmo inconstitucionais) mas  encontram eco numa sociedade cansada e desiludida.

Este é o nosso momento gramsciano. Um tempo de incerteza, onde o novo é aguardado com urgência, mas permanece escondido nas sombras. Resta-nos a capacidade de denunciar o fraudulento presente e a esperança de que, um dia, o sol nasça para uma nova alvorada.

 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

O Espelho Distorcido

 

É fascinante (e, para alguns, assustador) observar como uma parte significativa da população, particularmente do espectro da direita política, parece ter solidificado o seu posicionamento com base no que absorve das redes sociais. Não é um fenómeno aleatório; antes, é uma orquestração quase perfeita dos mecanismos psicológicos que nos tornam vulneráveis à manipulação digital.

Comecemos pela ansiedade. O mundo moderno é complexo, incerto, e frequentemente gerador de angústia. As redes sociais, com o fluxo incessante de informações e o "medo de ficar de fora" (o tal “Fear of Missing Out”), só exacerbam essa ansiedade. A direita e, em especial, a extrema-direita, perceberam essa fragilidade. Oferecem uma panaceia: narrativas simplificadas, vilões claros e soluções radicais que prometem ordem num caos percebido. Para uma mente ansiosa, a gratificação imediata de uma resposta definitiva, por mais simplista que seja, é um bálsamo. A constante exposição a conteúdo que valida medos e inseguranças ("eles vêm aí", "os valores estão a perder-se") alimenta um ciclo vicioso, onde a ansiedade leva à busca por certezas, e essas certezas são prontamente fornecidas pelas bolhas ideológicas das redes.

A depressão e os sentimentos de inadequação são também campos férteis. As redes sociais, ao exibirem vidas editadas e perfeitas, podem amplificar sentimentos de baixa autoestima e frustração. A direita populista, astutamente, capitaliza sobre isso. Em vez de lidar com a complexidade da própria vida, as redes oferecem a "solução" de um problema externo: a culpa é "deles", o país está em decadência, e o caminho é regressar a um passado idealizado que nunca existiu. A gratificação instantânea aqui é a de encontrar um inimigo comum, uma causa maior que desvia a atenção da dor pessoal e canaliza para uma indignação partilhada. A raiva substitui a tristeza, e a pertença a um movimento forte dá um sentido de propósito que faltava.

A baixa autoestima e os problemas de autoimagem, alimentados pela comparação social incessante, encontram nas redes sociais um eco peculiar. Se a validação pessoal é escassa no mundo real, a internet oferece uma plataforma onde a pertença a um grupo ideológico pode suprir essa carência. Ao alinhar-se com discursos fortes e "corajosos", mesmo que controversos, o indivíduo sente-se parte de algo maior, validado pelos "likes" e "partilhas" dos seus pares ideológicos. A nomofobia (o medo de ficar sem o telemóvel), que afeta muitos utilizadores, é o sintoma físico dessa dependência da validação e da compensação imediata que a pertença ao grupo online oferece.

Finalmente, a insatisfação e o vazio existencial, muitas vezes disfarçados de narcisismo, encontram nas redes sociais um palco para a sua expressão. A direita e a extrema-direita oferecem não só um inimigo externo, mas também um espelho que reflete uma versão idealizada do "eu" enquanto parte de um movimento "salvador" ou "revolucionário". A gratificação imediata não vem apenas de ser validado, mas de pertencer a uma elite moral ou intelectual, mesmo que essa superioridade seja construída dentro de uma bolha de algoritmos que só reforçam a própria visão do mundo.

Em suma, as redes sociais, na sua arquitetura viciante de recompensa imediata, criam um ambiente propício para que ideologias que oferecem respostas simples a problemas complexos, vilões claros e um sentido de pertença forte, se enraízem profundamente na psique dos seus utilizadores, moldando o seu posicionamento político. É um espelho distorcido que muitos, infelizmente, aceitam como a sua própria imagem. 

domingo, 22 de junho de 2025

A Ascensão da Direita nas Redes Sociais

 

A forma como as redes sociais ativam o desejo por compensação imediata não é apenas um problema individual; é também um terreno fértil particularmente bem explorado pelas ideologias de direita e extrema-direita. As características que fazem-nos mais vulneráveis aos problemas de dependência digital parecem, ironicamente, ser as mesmas que as tornam tão eficazes na comunicação online.

A extrema-direita percebeu que, para se propagar, precisava de conteúdos que gerassem um empenho aditivo na utilização dessas redes. Mensagens simples, diretas e muitas vezes chocantes funcionam como a "dose" de dopamina que o algoritmo adora e os utilizadores compulsivamente procuram. A busca incessante por "likes" e "partilhas" é espelhada na urgência de disseminar uma mensagem, independentemente da sua veracidade, porque o que importa é a gratificação instantânea de ver a ideia a espalhar-se.

A dificuldade em lidar com frustrações, gerada por um ambiente de recompensas rápidas, também encontra eco. Em vez de complexas análises políticas ou discussões ponderadas, as narrativas da direita e da extrema-direita oferecem soluções "mágicas" e bodes expiatórios para problemas complexos. Se a paciência para o debate depressa se esgota, a promessa de resoluções imediatas e simples, mesmo ilusórias, torna-se assaz atraente.

As redes fazem com que, no seu uso contínuo, decline a concentração e a produtividade. Neste cenário, mensagens longas e argumentos detalhados perdem espaço. As ideologias que prosperam são aquelas que se encaixam perfeitamente na lógica dos títulos curtos, memes impactantes e vídeos de segundos. O "fast-food" ideológico é mais facilmente digerível por mentes habituadas a estímulos rápidos e pouca profundidade.

Paradoxalmente, apesar de serem espaços de "ligação", as redes podem levar ao isolamento social. Em vez de promover a empatia através da multiplicação de interações, os algoritmos criam "bolhas" onde as pessoas são expostas apenas a opiniões que já validam as suas. A direita e a extrema-direita aproveitam isto, construindo comunidades online coesas e isoladas, onde a validação mútua do grupo (a compensação imediata) é reforçada, e a divergência é rapidamente expulsa ou "cancelada". Este ambiente é propício ao “Fear of Missing Out” do grupo, criando uma pressão para que os membros estejam sempre alinhados e ativos, para não ficarem "por fora" da onda ideológica.

A capacidade de disseminação destas ideologias nas redes sociais não é uma coincidência. Elas dominam a arte de explorar os mecanismos psicológicos que nos tornam vulneráveis à dependência digital, transformando os nossos próprios desejos de validação e recompensa imediata em ferramentas de disseminação ideológica.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Tóxicas consequências à vista

 

O governo de Luís Montenegro prepara-se para lançar um ataque sem precedentes aos pilares fundamentais do nosso Estado social: a Saúde e a Habitação. As medidas propostas beneficiam abertamente os interesses privados em detrimento dos cidadãos, avizinhando-se danosas consequências.

Na Saúde, assistimos a uma manobra que visa desmantelar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em favor dos hospitais privados. O governo quer-lhes conceder acesso às listas de espera de doentes a operar no SNS, permitindo-lhes escolher os casos que lhes dão mais lucro e menos trabalho, deixando os doentes mais complexos e dispendiosos para o já sobrecarregado sistema público. Estas operações serão pagas por todos os contribuintes, desviando recursos que deveriam ser aplicados no reforço do SNS para encher os bolsos de empresários da saúde. Isto não é complementaridade, é predação!

Na Habitação, a situação não é menos preocupante. Em vez de seguir as recomendações da Comissão Europeia por uma maior regulamentação do mercado de arrendamento, o governo de Luís Montenegro opta por dar mãos livres aos senhorios para continuarem a aumentar as rendas indiscriminadamente. Para agravar, os subsídios que o governo promete atribuir a uma minoria de inquilinos não servirão para aliviar a pressão, mas para serem embolsados pelos próprios senhorios, que verão os lucros aumentarem à custa do dinheiro de todos nós. Esta medida é um incentivo à especulação e uma afronta a quem luta para ter um teto sobre a cabeça.

Os eleitores que, de forma consciente ou inconsciente, reduziram as esquerdas a menos de um terço dos deputados no parlamento, verão em breve os efeitos pesados das suas más escolhas. A privatização da saúde e a desregulamentação da habitação não são soluções, são problemas que irão aprofundar as desigualdades, precarizar a vida de milhares de famílias e tornar Portugal um país onde o acesso a bens essenciais é um luxo para poucos. Afinal, por vezes, os povos precisam mesmo de provar o veneno cuja tampa abriram, para então, e só então, constatarem as suas tóxicas consequências. 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Sintomas inquietantes

 

Os acontecimentos dos últimos dias revelam a preocupante ascensão de ideologias autoritárias e fascistas a nível global. Não são incidentes isolados, mas manifestações de um padrão que exige a nossa atenção.

Em Lisboa, a agressão neonazi a atores da Barraca, que deixou um deles seriamente ferido, e os insultos racistas e xenófobos a Gouveia e Melo e ao Imã da Mesquita de Lisboa durante a manifestação do 10 de junho em Belém, demonstram a ousadia com que o ódio se manifesta publicamente. Se os defensores desses preconceitos se acoitavam na aparente passividade de não o demonstrarem aos olhos de todos parecem agora perder a vergonha e exibirem-nos na arrogância de quem já se sabe não tão isolado quanto antes se barricavam.

Nos EUA, o cenário em Los Angeles, com a polícia e a guarda nacional a realizar "caça ao imigrante" e a ameaça de prisão ao governador da Califórnia por se opor a Trump, evidencia uma escalada autoritária e o desrespeito pelos direitos humanos.

Por fim, o rapto dos tripulantes do barco de ajuda a Gaza, incluindo Greta Thunberg, sublinha a barbárie de um conflito onde, na Palestina, o fascismo adota o genocídio como estratégia.

Estes eventos, embora distintos, convergem para um alerta global: a normalização do discurso de ódio, a repressão e a desumanização são sinais inequívocos da sombra do fascismo. É crucial que a sociedade e as instituições reajam com firmeza, defendendo os pilares da liberdade e da dignidade humana. A complacência é um perigo para o futuro da nossa civilização. Importa que os bons e os muito bons se juntem aos imprescindíveis numa luta de que estes nunca abdicaram...