ARTIGO ORIGINAL
Pneumomediastino espontâneo: relato de um caso
FLÁVIA HELENA MONTEIRO ANDRADE SEMEDO1, ROSÁRIO SANTOS SILVA1, SÓNIA PEREIRA1, TERESA ALFAIATE2, TERESA COSTA2,
PILAR FERNANDEZ2, AMÉLIA PEREIRA3
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Residência Médica de Medicina Interna, Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE, Portugal
Assistentes Hospitalares de Medicina Interna, Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE, Portugal
Assistente Hospitalar Graduada de Medicina Interna; Diretora de Serviço de Medicina Interna, Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE, Portugal
RESUMO
Objetivo: A descrição deste caso é motivada pela não frequência desta entidade clínica
e sua diversidade semiológica, o que implica elevado nível de suspeição para o diagnóstico correto. Métodos: Descrição de um caso clínico, com base nos dados referidos no
processo clínico. Resultado: O caso refere-se a um jovem do sexo masculino, observado
no serviço de urgência por apresentar dor torácica à direita, cuja investigação complementar foi compatível com pneumomediastino espontâneo. Ele, então, foi submetido a
terapêutica médica, com evolução favorável. Conclusão: Habitualmente o curso clínico
é benigno, autolimitado, o que implica em apenas um tratamento conservador, sendo o
uso de fármacos recomendado somente nos doentes sintomáticos.
Unitermos: Diagnóstico de pneumomediastino; enfisema subcutâneo; enfisema mediastínico.
©2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
SUMMARY
Spontaneous pneumomediastinum: case report
Objective: The description of this case is due to the rarity of this clinical entity and
its semiotic diversity, which implies a high level of suspicion for a correct diagnosis.
Methods: Description of a clinical case, based on the data referred to in the clinical
process. Results: The case describes a young male patient, attended to at the emergency
room due to right chest pain, which further investigation revealed to be consistent with
spontaneous pneumomediastinum. He underwent medical treatment, with favorable
outcome. Conclusion: The clinical course is usually benign, self-limited, involves only
conservative treatment, and use of drugs is recommended only in symptomatic patients.
Trabalho realizado no Hospital
Distrital da Figueira da Foz, EPE,
Serviço de Medicina, Portugal
Keywords: Pneumomediastinum diagnosis; subcutaneous emphysema; mediastinal emphysema.
©2012 Elsevier Editora Ltda. All rights reserved.
Artigo recebido: 29/09/2011
Aceito para publicação: 02/02/2012
Correspondência para:
Flávia Helena Monteiro
Andrade Semedo
Hospital Distrital da
Figueira da Foz EPE
Serviço de Medicina
Gala, 3094-001
Figueira da Foz, Portugal
fhsemedo@hotmail.com
Conflito de interesse: Não há.
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FLÁVIA HELENA MONTEIRO ANDRADE SEMEDO ET AL.
INTRODUÇÃO
O pneumomediastino define-se pela presença de ar livre
no mediastino. As principais etiologias são traumatismos, procedimentos invasivos (cervicais, torácicos ou
abdominais), fístulas traqueobrônquicas ou esofágobrônquicas, manobra de Valsava, ventilação com pressão
positiva, acesso de tosse, vômito, esforço físico, uso de
drogas inaladas entre outros1. Raramente ocorre na ausência de doença pulmonar prévia ou de fatores precipitantes. Nesse caso designa-se por pneumomediastino
espontâneo (PME)2.
O PME é raro nos adultos, sendo os jovens do sexo
masculino os mais frequentemente atingidos. A proporção em relação ao sexo masculino/sexo feminino é de
8/11. O número de casos por admissões hospitalares varia
de 1 em 800 a 1 em 42.0003. Desses, cerca de 1% têm antecedentes de asma1.
Os principais sintomas associados são dor torácica,
dispneia, tosse, disfonia, disfagia e dor cervical1. A presença de crepitação à auscultação cardíaca, descrita por
Hamman em 1939 e designado por sinal de Hamman,
apesar de ser patognomônica é pouco frequente4. Mais
vezes objetivam-se crepitações subcutâneas3.
O diagnóstico é estabelecido por exames de imagem,
principalmente a radiografia torácica (RX de tórax) e a
tomografia computadorizada do tórax (TAC de tórax).
Habitualmente é autolimitada, justificando apenas
alívio sintomático.
MÉTODOS
Descrição de um caso clínico, com base nos dados referidos no processo clínico.
RESULTADOS
O caso refere-se a um jovem do sexo masculino, de 21
anos, observado no serviço de urgência por apresentar
dor localizada ao hemitórax direito, tipo pleurítica, com
2 dias de evolução. Negava outros sintomas associados.
Referia episódio recente de traqueobronquite aguda para
o qual estava medicado com antibiótico (amoxicilina/
ácido clavulânico 875/125 mg, a cada 12 horas). Tratavase de doente com antecedentes de asma na infância, sem
história medicamentosa atual, sem hábitos tabagístico ou
uso de drogas ilícitas. Apresentava-se apirético, acianótico, polipneico (com frequência respiratória de 26 ciclos/
minuto), normotenso, auscultação pulmonar com murmúrio vesicular diminuído globalmente e sibilos generalizados, auscultação cardíaca regular e sem sopros audíveis, crepitações subcutâneas palpáveis no hemitórax e
região supraclavicular direita, abdômen sem alterações.
Realizou-se RX de tórax posteroanterior, que evidenciou
discreta lâmina de ar envolvendo a silhueta cardíaca,
parede torácica direita e supraclavicular homolateral.
Efetuou-se ainda TAC de tórax, que revelou “enfisema
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subcutâneo na parede torácica e supraclavicular à direita,
presença de ar envolvendo as estruturas mediastínicas”
(Figura 1) e broncofibroscopia que excluiu a presença de
fístula traqueobrônquica ou de outras lesões.
Figura 1 – Tomografia computadorizada de tórax com
presença de ar no mediastino.
Assim, estabeleceu-se o diagnóstico de PME. O doente foi internado e medicado com broncodilatadores inalados, analgésico e manteve o antibiótico anteriormente
prescrito.
Verificou-se melhoria clínica e radiológica, teve alta
ao 5º dia de internação, orientado para consulta de pneumologia. Durante o período de seguimento não se registraram sinais de recidiva.
DISCUSSÃO
Os aspectos fisiopatológicos envolvidos no PME foram
descritos inicialmente por Macklin, em 19441-4. Este considerou que o fator subjacente à condição consiste na
ruptura dos alvéolos terminais que se segue ao aumento
da pressão alveolar, com consequente extravasamento do
ar para o espaço intersticial e peribrônquico, e daí até o
hilo e o mediastino. O ar no mediastino pode atravessar
as fáscias e se disseminar para o tecido celular subcutâneo da região torácica e cervical, espaço retrofaríngeo,
peritoneu, retroperitoneu e pericárdio.
Este caso partilha vários aspectos com a maioria dos
casos referidos na literatura, e nomeadamente na forma
de apresentação, abordagem terapêutica e evolução clínica. A dor torácica, apesar de inespecífica, é o sintoma
mais frequentemente implicado, e quando associada a
dispneia encontra-se presente em cerca de 82% dos casos5. A presença do sinal de Hamman é muito variável
(provavelmente pela subjetividade em sua detecção),
sendo o enfisema subcutâneo muitas vezes a única alteração observada.
No que se refere à investigação diagnóstica, o RX de
tórax é o exame de eleição, no entanto a incidência posteroanterior esclarece o diagnóstico apenas em metade dos
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casos, por isso é fundamental a realização da incidência
de perfil, permitindo assim o diagnóstico em aproximadamente 100% dos casos6. A TAC de tórax permite esclarecer as situações em que o RX de tórax não é conclusivo.
Também permite avaliar a extensão do ar disseminado e
despistar outras lesões associadas. A realização de outros
exames justifica-se se houver suspeita de fatores subjacentes ou perante outras hipóteses diagnósticas7.
No caso descrito, entendemos ser necessária a realização de uma broncofibroscopia para excluir a presença
de fístula traqueobrônquica, levando-se em conta o diagnóstico anterior de traqueobronquite aguda.
Quanto à terapêutica, essa consiste no repouso e no
alívio sintomático por meio de recursos analgésicos,
broncodilatadores e oxigenioterapia se houver insuficiência respiratória. Na maioria dos casos o curso clínico
é favorável, verificando-se a reabsorção passiva completa
do ar1.
Em casos raros podem ocorrer complicações, sobretudo pneumotórax/pneumomediastino hipertensivo, o que pode justificar a realização de procedimentos
cirúrgicos.
O risco de recidiva é baixo, e até a presente data apenas um caso foi relatado5.
No caso descrito, o doente continua em acompanhamento por meio de consultas de pneumologia, sem ocorrência de recidiva. Ainda sente a reativação da asma após
o episódio de PME, por isso mantém-se no tratamento
com broncodilatadores, apresentando boa resposta clínica e sem novos episódios de piora.
ESPONTÂNEO: RELATO DE UM CASO
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CONCLUSÃO
Para concluir salientamos que apesar da inespecificidade
dos sintomas frequentemente associados ao PME, o exame
físico detalhado pode evidenciar sinais sugestivos dessa
patologia, nomeadamente o sinal de Hamman e as crepitações subcutâneas.
Relembramos ainda que o diagnóstico é de exclusão,
pelo que é fundamental descartar outras causas subjacentes através de uma história clínica detalhada e da realização de exames complementares adequados ao contexto
clínico do doente.
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