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DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO
E GOVERNABILIDADE
Simon Schwartzman
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Este livro, e o projeto mais amplo de que faz parte, trata das condições para
o desenvolvimento econômico e social na democracia, e tem como fundamento duas premissas sobre a democracia, uma normativa, de princípios
e valores, e outra de natureza empírica, de observação e análise dos fatos.
A premissa normativa é simples: a convicção de que, funcionando bem ou
mal, a democracia, ao garantir valores como o direito de ir e vir, a liberdade
de expressão, a proteção das pessoas e da propriedade contra o arbítrio
do Estado e a igualdade de todos diante da lei, é uma forma superior de
organização social da qual não podemos abrir mão. A segunda premissa,
baseada nos fatos, é que os regimes democráticos têm se mostrado, ao longo
da história, mais capazes de produzir benefícios para a sociedade do que
outras formas de governo.
O mundo dos fatos é sempre mais complicado, e o capítulo de Marcos
Lisboa e Zeina Latif, neste volume, mostra em detalhe a discussão que
existe entre os economistas sobre isso. Sem ir mais longe, basta mencionar
que, no mundo inteiro, os países mais ricos e desenvolvidos são também
os mais democráticos. E embora se discuta se é a riqueza que gera a
democracia ou a democracia que gera a riqueza, as experiências europeia e
norte-americana indicam que, enquanto as democracias mais consolidadas
têm uma história consistente de progresso, as tentativas de resolver os problemas sociais e econômicos pela via autoritária levaram invariavelmente
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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ao fracasso, quando não à tragédia. As experiências mais recentes da
Ásia poderiam sugerir a hipótese oposta, mas as principais economias
asiáticas – Japão, Coreia do Sul, Índia, Indonésia – são democracias, e na
própria China se observa uma forte relação entre o crescimento econômico
e social, a ampliação das liberdades e o fortalecimento do sistema legal e
institucional.
Existem pelo menos três razões que explicam o sucesso histórico
das democracias. Primeiro, mesmo em suas formas mais limitadas –
como é o caso do Brasil desde os tempos do Império, em que pese a
tradição centralizadora e autocrática herdada dos tempos coloniais –,
os regimes democráticos permitiram que os inevitáveis conflitos sociais
fossem negociados e encaminhados sem maiores violências, abrindo
espaço também para o desenvolvimento e consolidação de instituições
econômicas, políticas e culturais ( Carvalho, 1980 ; Lamounier, 2005 ;
Schwartzman, 1992 ). Segundo, como demonstrado por Adam Smith
séculos atrás, a liberdade individual e o direito à propriedade liberam a
criatividade e a iniciativa das pessoas que, movidas por interesses pessoais, geram um bem coletivo maior. E terceiro, os regimes democráticos
abrem espaço para reivindicações e demandas de diferentes setores,
gerando, ao longo do tempo, sociedades mais igualitárias, e por isso
também mais produtivas.
Existem, contudo, democracias e democracias. Embora, em princípio,
elas funcionem bem, na prática nem sempre é assim, e não é por acaso que
tantos regimes democráticos, sobretudo na América Latina, desmoronam
com alguma frequência e são substituídos por regimes autoritários, que
se apresentam, num primeiro momento, como superiores, para também
fracassar mais adiante. Os capítulos deste volume mostram que, com as
limitações conhecidas, a democracia brasileira funciona e tem produzido
bons resultados, mas isso não pode levar à visão panglossiana de que está
tudo bem, de que vivemos no melhor dos mundos. Há muito ainda a avançar,
e este texto procura identificar, com algum detalhe, os aspectos centrais da
ordem democrática que devemos preservar e aperfeiçoar.1
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O texto a seguir é uma versão atualizada de Schwartzman (2009).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO E GOVERNABILIDADE
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Os valores da democracia: cidadania ampliada e o império da lei
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A ideia de democracia como governo que se exerce pelos cidadãos, diretamente ou por intermédio de seus representantes, surge na antiga Grécia,
ganha terreno no mundo moderno, especialmente nos séculos XVII e XVIII,
com o fortalecimento do parlamento inglês, a independência dos Estados
Unidos da América e a Revolução Francesa, e é a forma predominante de
governo em nossos dias, na maior parte do mundo. As democracias modernas baseiam-se em dois valores centrais: a cidadania ampliada e o império
da lei. A cidadania ampliada é o reconhecimento dos direitos civis, políticos
e sociais das pessoas – os direitos à liberdade de expressão, à participação
política e a uma vida digna, com igualdade de oportunidade para todos. A
expressão “império da lei” (rule of law) consagra o princípio de que existem
regras acordadas pela população que, por meio de instituições legislativas e
jurídicas, regulam as relações entre as pessoas e entre estas e o Estado e se
sobrepõem aos interesses ou preferências individuais ou grupais – ninguém
está acima da lei.
Ao longo dos séculos, o conceito de cidadania, antes limitado aos homens
adultos e ricos, com exclusão dos escravos, estrangeiros e pobres, foi sendo
ampliado até atingir, nas sociedades modernas, sob regimes democráticos,
quase uma universalização dos direitos dos cidadãos. Hoje, a democracia é
inseparável do respeito pelos direitos individuais, do pluralismo político, do
respeito e proteção das minorias, da participação dos cidadãos nas eleições
de suas autoridades, da garantia contra o poder arbitrário dos governantes
e, cada vez mais, da introdução dos direitos sociais. Um conceito amplo de
cidadania, em termos do exercício de direitos civis, políticos e sociais, tende
a se impor nas democracias contemporâneas (Marshall e Bottomore, 1992).
Uma das forças da democracia, mas também uma de suas fraquezas, é a
separação que ela introduz entre a vida pública e a vida privada das pessoas.
Nos regimes totalitários, essa distinção não existe; os grupos dominantes na
sociedade esperam que os governos encarnem e se encarreguem de todos
os aspectos da vida (materiais e espirituais, comunitários e individuais), ao
mesmo tempo em que lhes concedem o direito de interferir na vida privada
das pessoas, também em todos os seus aspectos. Nas democracias, as esferas
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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de autoridade dos governos estão delimitadas de maneira explícita, e as pessoas são livres para viver e agir como desejarem, tendo como limite a garantia
dos direitos dos demais. É por isso que os regimes democráticos são mais
capazes de conciliar as diferenças, processar pacificamente as disputas de
interesse entre os diversos grupos que formam as sociedades e garantir, no
médio prazo, os direitos sociais de igualdade de oportunidades, emprego,
educação, saúde, segurança e padrões dignos de vida para todas as pessoas.
Nos regimes totalitários, as disputas se transformam com facilidade em
conflitos radicais entre o bem e o mal, amigos e inimigos, que muitas vezes
conduzem à violência e à eliminação física dos adversários.
A fragilidade das democracias, porém, reside no fato de que as pessoas,
especialmente em tempos de mudança e crise, esperam de seus governos
mais do que a simples administração dos serviços e o processamento pacífico
dos conflitos de interesse. As democracias modernas foram criadas a partir
da constituição dos Estados nacionais, os quais, muitas vezes, trataram de
ir mais além da simples administração dos interesses comuns, buscando
representar – e às vezes criar – valores cívicos de identidade cultural, com
apelos nacionalistas, religiosos ou étnicos, que vão além do sentido da democracia como garantia dos direitos cidadãos. Se, por um lado, essa ampliação
de funções trouxe certa legitimidade e apoio aos governos, ela também,
especialmente quando feita de forma exagerada, abriu espaços às experiências totalitárias que terminaram por destruir os próprios fundamentos da
democracia. O século XX foi marcado por uma longa e dolorosa história de
democracias fracassadas e regimes autoritários, surgidos quase sempre com
a promessa de superar a crise econômica, social e moral de suas sociedades
e culminando em tragédias.
Os valores democráticos não podem ser os de uma cultura, nacionalidade, religião ou identidade étnica particular, e sim os valores universais do
pluralismo, da tolerância, da diversidade e das liberdades individuais. Além
disso, os regimes democráticos precisam ser eficientes e cumprir bem suas
tarefas: manter condições adequadas para o funcionamento da economia,
administrar redes de proteção e serviços sociais, proteger a população em
situações de conflitos externos e catástrofes naturais, lidar com os problemas, cada vez mais complexos, decorrentes das mudanças climáticas e
da degradação ambiental. A competência dos regimes democráticos não
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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deriva automaticamente nem de sua adesão aos valores democráticos, nem
da existência das instituições clássicas da democracia representativa, ela
depende de um trabalho permanente de construção institucional, na busca
de formatos e mecanismos que possam, ao mesmo tempo, fortalecer e dar
expressão plena aos princípios democráticos e desenvolver a capacidade
dos governos de lidar com as agendas econômicas, sociais e ambientais das
sociedades contemporâneas.
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Democracia direta e sistemas representativos
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A democracia direta, que os atenienses exerciam tomando decisões em praça
pública, seria a forma mais pura de democracia. Ela não é compatível, porém,
com as características das sociedades modernas. Quando os cidadãos são
milhões e as decisões são complexas, elas precisam ser tomadas por pessoas – líderes, representantes, administradores, especialistas – que tenham
autoridade e delegação para agir em nome do interesse comum e os recursos
institucionais necessários para fazer com que as decisões se cumpram. Na
democracia, essa autoridade, ou delegação, não é jamais ilimitada e deve ser
exercida conforme procedimentos legais (Dahl, 1985; 1998). É esse respeito
pelas instituições, pelas formalidades legais e pelo pluralismo que distingue
os regimes democráticos dos autoritários. Ao contrário do que muitas vezes
se diz, a democracia não é, simplesmente, o governo das maiorias, que ocorre
também nos regimes fascistas e populistas. A democracia é o governo do
Estado de direito, que responde às preferências da maioria sem deixar de
garantir os direitos das minorias.
A maior parte dos países latino-americanos vive hoje um sério problema
de perda da legitimidade de seus sistemas representativos, com muita desconfiança e incredulidade das populações em relação aos seus dirigentes e às
instituições de governo. O otimismo que predominou até fins da década de
1970 e início da década de 1980 com o fim dos regimes autoritários deu lugar
a uma preocupação crescente quanto à capacidade das novas democracias de
responder às expectativas nelas depositadas. Essa situação levou a propostas
de criação de mecanismos de participação e controle diretos dos cidadãos nas
decisões que lhes concernem, em substituição às instituições e autoridades
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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formais. Essa situação é geralmente acompanhada pelo surgimento de líderes
carismáticos que ganham prestígio e poder ao se opor aos procedimentos
regulares da vida democrática, como porta-vozes de princípios morais e
éticos mais elevados.
A teoria política mostra que não há como combinar mecanicamente as
preferências dos indivíduos em uma preferência geral (Arrow, 1951) e que
existirão sempre diferenças de informação e preferências entre a população
e seus representantes, tornando difícil, senão impossível, que a primeira
controle totalmente o comportamento dos segundos. É essencial, em uma
democracia, que o princípio da representatividade seja garantido e que existam mecanismos regulares e previsíveis que permitam aos cidadãos avaliar
seus dirigentes e confirmar, ou não, seus mandatos. Também é essencial que
existam lideranças capazes de expressar e dar forma aos interesses difusos
da sociedade e de zelar pelo uso e aperfeiçoamento das instituições democráticas.
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Representatividade e governabilidade
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Existe uma discussão permanente entre os especialistas sobre a melhor
forma de organização dos sistemas representativos – presidencialismo ou
parlamentarismo, sistemas uni ou bicamerais, multi ou bipartidaristas,
majoritários ou proporcionais, ampla liberdade ou restrição para a criação de partidos políticos, entre outras. Parte da discussão tem a ver com
a representatividade em si mesma. Se o número de votos necessários para
eleger um congressista é o mesmo em todo o país, e se a proporção de congressistas por partido corresponde à proporção de eleitores que votaram
pelos diferentes partidos, pode-se dizer que a representatividade é perfeita.
Entretanto, os diferentes sistemas eleitorais alteram essa representatividade
de diversas maneiras, variando o número de representantes das diferentes
regiões e distritos eleitorais, criando os mais variados sistemas eleitorais –
quase tantos quantos países existem. Assim, por exemplo, um estudo de 2001
mostrou que América Latina, Equador, Bolívia, Chile, Argentina, Colômbia
e Brasil, nessa ordem, estão entre os 20 países com pior representatividade
nas câmaras de deputados, em uma lista de 78 países sobre os quais há dados.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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Dos países que possuem senados, Argentina, Brasil, Bolívia, República
Dominicana, Venezuela e Chile, também nessa ordem, estão entre os 10
pior representados nessas câmaras, de um total de 25 países sobre os quais
há informação (Samuels e Snyder, 2001).
Quando a representatividade é baixa, a maioria dos eleitores – que não
entende a complexidade dos procedimentos eleitorais – esquece os nomes
das pessoas em que votou e não tem como manter-se informada sobre a
atuação de seus supostos representantes. Tudo o que puder ser feito para
aproximar os eleitores dos eleitos – e estes daqueles –, como, por exemplo,
tornar mais simples e transparentes as regras de representação e fazer fluir
para os eleitores a informação sobre o que fazem os eleitos, contribui para
melhorar a legitimidade dos sistemas representativos. No entanto, isso não
significa que não existam situações nas quais é preciso dar mais voz e representatividade a determinados setores, sobretudo em países marcados por
importantes diferenças étnicas e regionais.
Um segundo problema é o da governabilidade. Governos que precisam
negociar com um grande número de partidos e agir dentro de limites legais,
que definem a forma e a destinação dos recursos públicos, têm mais dificuldade de tomar decisões e responder às prioridades que se colocam. O parlamentarismo europeu resolve esse problema de uma maneira relativamente
simples, ao fazer do Executivo uma expressão direta da maioria parlamentar,
mas se ressente quando as forças políticas representadas no parlamento se
fragmentam. Nas Américas predomina o sistema presidencialista, que dá
ao presidente um mandato público próprio, que muitas vezes não coincide –
ou se contrapõe diretamente – com as maiorias no parlamento. Isso estimula o hiperpresidencialismo, que afeta os poderes e atribuições do Poder
Legislativo – e, às vezes, também do Poder Judiciário –, concentrando um
poder demasiado no Executivo. O conflito potencial entre o Executivo
e o Legislativo pode ser reduzido quando os governos são formados, na
prática, por gabinetes de coalizão com forte apoio parlamentar, prática que
se institucionaliza nos regimes semipresidencialistas, em que os ministérios
dependem do voto de confiança parlamentar (Abranches, 1988; Amorim
Neto, 2006; Melo e Pereira, 2013).
Em ambas as formas de governo (presidencialista e parlamentarista),
existe o problema da oposição entre as responsabilidades do Executivo no
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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âmbito nacional e os mandatos dos parlamentares, que costumam responder
a lógicas locais, regionais ou setoriais. Os regimes parlamentaristas tendem
a fortalecer os partidos políticos, que precisam apresentar-se à população
com seus programas de governo, enquanto nos regimes presidencialistas são
as características individuais, ou de representatividade regional ou setorial
dos candidatos, que predominam.
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Partidos políticos e movimentos sociais
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Para além das características dos sistemas eleitorais e das relações entre o
Executivo e o Congresso, está a questão da legitimidade dos partidos políticos, que são o canal pelo qual se processa a seleção dos representantes e dirigentes políticos. Muitos países da América Latina jamais tiveram sistemas
partidários estáveis e, nos demais, os antigos partidos políticos sofreram um
processo grave de deterioração. Não se espera, em um regime democrático,
que as pessoas estejam todo o tempo mobilizadas politicamente, justamente
pela liberdade e autonomia de que gozam nas suas vidas privadas. Espera-se,
contudo, que, nos momentos em que precisam escolher seus representantes,
os cidadãos entendam que os partidos são chamados a representá-los, e
valorizem seu papel. Infelizmente, como bem sabemos, isso nem sempre
ocorre dessa forma. Assim, por exemplo, a pesquisa EcoSocial, realizada
em 2007 nos principais centros urbanos de sete países latino-americanos,
mostra que, em todos eles, 80% (ou mais) das pessoas têm baixa ou nenhuma
confiança nos partidos políticos ( Valenzuela et al., 2008).
Diferentes soluções foram propostas ou experimentadas para resolver
essa situação, buscando aproximar os partidos dos eleitores. Nas décadas
de 1980 e 1990, muitos países trataram de descentralizar a administração
pública, fazendo com que as ações governamentais ficassem mais próximas
dos cidadãos. Outros países tentaram ampliar a oferta partidária, facilitando
a criação de novos partidos. Outro movimento, no mesmo sentido, foi a
adoção do sistema de votações primárias para a eleição dos candidatos.
Nenhum desses caminhos produziu, por si mesmo, bons resultados. Na
visão de um analista, a descentralização administrativa “contribuiu para o
colapso do sistema de partidos e para a emergência de outsiders na Venezuela
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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e no Peru, a polarização política e territorial na Bolívia e a fragmentação
do sistema de partidos na Colômbia e no Equador”; a permissividade para
a criação de novos partidos “introduz confusão e opacidade no processo
eleitoral” e afeta o direito dos cidadãos de escolher de maneira informada; a
proliferação de listas de candidatos desvia as energias dos partidos para os
processos de nomeação e competição interna, dificultando sua apresentação
aos eleitores como instituições ou movimentos, com programas e ideologias
políticas consistentes; por fim, as votações primárias, ao potencializar a voz
dos grupos mais militantes e organizados, não levam de fato a uma democratização da participação política” (Mustapic, 2007).
Outro caminho para aumentar a legitimidade dos partidos seria torná-los
mais próximos – e corresponsáveis – da implementação das políticas pelos
governos. Isso seria importante para os governos na medida em que os partidos
poderiam dar mais legitimidade e apoio a suas políticas, e também para a
opinião pública, que teria mais facilidade em identificar os partidos com determinadas opções. Isso significaria, na prática, aproximar-se mais do modelo
político parlamentarista (Lamounier et al., 1991) ou, pelo menos, eliminar a
norma que ainda existe em muitos países que proíbe que membros do Legislativo ocupem postos no Executivo. Entretanto, a desconfiança que existe
em relação aos partidos é um importante obstáculo às propostas de mudança
institucional que têm por objetivo dar-lhes mais poder e responsabilidade.
Hoje, a crise dos sistemas partidários se agrava à medida que proliferam
outras formas de expressão e participação política e social, por meio de
organizações e movimentos da sociedade civil ou do ressurgimento das
identidades étnicas, culturais e religiosas, que atuam fora dos canais políticos
tradicionais, seja pressionando os governos, ou criando novas formas de
organização política e social (Sorj e Martuccelli, 2008). Os governos, em
diversos níveis, tratam de estimular a participação de pessoas de diferentes
níveis da administração, desde conselhos e grupos de trabalho de alto nível,
para a discussão e elaboração de propostas de médio e longo prazo, até
conselhos comunitários locais, para o acompanhamento, avaliação e apoio
das atividades das agências públicas em áreas como saúde, educação e serviço
social. Finalmente, há uma tendência crescente por parte dos governos de
implementar suas políticas pela transferência de recursos para organizações
civis e privadas, com ou sem fins lucrativos.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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Há muitos aspectos positivos nesses processos de participação ampliada
da cidadania, mas há também aspectos negativos, pela fácil captura de
organizações e movimentos sociais por pessoas que se autodefinem representantes de determinados segmentos ou setores da população e que,
na prática, afetam os direitos da maioria não militante. Com todos os seus
problemas, ainda não foram identificados mecanismos superiores ao dos
partidos políticos formais, das eleições periódicas e dos processos legislativos regulares para processar e dar expressão às preferências da maioria e,
ao mesmo tempo, dar legitimidade aos governos.
Não existem receitas simples para os problemas de representatividade
e governabilidade nos regimes democráticos, o que não significa que os
formatos legais e institucionais sejam irrelevantes. Dentro das peculiaridades
de cada país, existem princípios que devem ser buscados para garantir que os
processos eleitorais competitivos se mantenham e que existam possibilidades
reais de mudança das estruturas de governo e poder por meio desses processos (Przeworski e Maravall, 2003). Tudo isso para que a população se sinta
representada pelos governos que elegeu, o Poder Executivo possa governar
e os Parlamentos possam exercer suas funções legislativas e de fiscalização
em relação aos atos do Executivo.
Sempre se criticou, na América Latina, a formalidade, muitas vezes vazia,
das normas legais e institucionais, em contraposição às práticas informais,
quando não ilegais, do dia a dia. É uma tensão que existe de fato, mas que
não se pode resolver pela consagração da ilegalidade e da informalidade, e
sim pela construção progressiva de uma ordem legal mais justa, equitativa,
democrática e eficiente.
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Da democracia liberal à democracia social
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Que temas e questões devem ser objeto de ações e deliberações por parte de
um Estado democrático? As democracias ocidentais cresceram junto com
a afirmação da liberdade e autonomia das pessoas, que supõe a separação
entre a vida privada, a ser exercida com ampla liberdade, e a vida pública,
que deveria lidar somente com questões que afetam o bem comum. O estado democrático é laico, não oposto à religião, mas separado dela; garante
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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a propriedade privada e a liberdade de comércio; e dá ampla liberdade de
expressão de opiniões e de circulação de informações sobre todos os temas
que possam interessar aos cidadãos.
Essa democracia minimalista, no entanto, não resistiu à lógica de transformação dos Estados nacionais e às crescentes demandas no âmbito dos
direitos sociais. As limitações do Estado liberal são bem conhecidas. Deixadas ao livre jogo dos mercados e à ação dos indivíduos, as sociedades
não têm como desenvolver serviços públicos, reduzir a desigualdade entre
as pessoas e as regiões, melhorar a educação, criar sistemas de proteção
social e saúde pública e lidar com os problemas crescentes de degradação
ambiental e mudanças climáticas. Os mercados precisam ser regulados, e
a crescente internacionalização dos fluxos de mercadorias, dinheiro, pessoas e informações requer a presença ativa de governos competentes nas
diferentes arenas internacionais em que se faz necessária sua contribuição
para o desenvolvimento de novas formas de cooperação e governabilidade
internacional.
As democracias contemporâneas, com diferenças importantes entre os
países, intervêm na vida econômica, cobrando impostos, fazendo investimentos, regulando os mercados; atuam na formação profissional, moral
e técnica dos cidadãos, por meio da educação pública e do financiamento
da cultura, da pesquisa científica e da inovação; criam sistemas obrigatórios
de proteção social; e definem os interesses do Estado nacional e os bens
econômicos e culturais a ele associados pela política externa e, quando necessário, pelo uso da força militar.
A ampliação das funções do Estado passou a exigir que os Estados
democráticos modernos fossem capazes de estruturar e levar adiante os
ideais coletivos de ordem econômica e justiça social em seus diferentes
aspectos. Entretanto, essa capacidade não requer – na realidade, exclui –
regimes políticos que pretendem planejar o futuro em detalhe e comandar
verticalmente a economia e a sociedade. Os governos, por mais competentes
que sejam, não têm como substituir a infinidade de decisões e iniciativas
individuais que dão força e dinamismo às sociedades e economias contemporâneas. As tentativas de criação de grandes sistemas de planejamento
centralizado levam, quase sempre, à criação de máquinas burocráticas caras
e incompetentes, quando não a políticas desastrosas e ao sufocamento das
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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iniciativas individuais. Os regimes democráticos não necessitam de grandes
planos, mas de políticas setoriais bem estudadas e definidas, que possam
desenvolver ações eficazes em áreas como educação, inovação, transporte
público, energia, meio ambiente, proteção social, saúde, segurança pública e
administração de complexos urbanos metropolitanos. Cada uma dessas áreas,
entre outras não mencionadas, é complexa e tornam necessárias as agências
públicas altamente competentes, capazes de fazer uso dos conhecimentos
técnicos e científicos específicos de seu setor e de agir em colaboração direta
com outros setores da sociedade civil e do setor privado, bem como com os
diferentes níveis e setores do governo.
Poucos governos nacionais ou locais na América Latina têm capacidade
para lidar plenamente com essas questões (Echebarría, 2006) e, quando essa
capacidade existe, ela costuma estar mais desenvolvida nas áreas de política
econômica, administração financeira e política fiscal do que nas demais.
Tampouco os países mais desenvolvidos, que conseguiram estabelecer administrações públicas profissionais e competentes, conseguem levar adiante
suas políticas setoriais sem a participação e colaboração ativa de amplos
setores da sociedade. Os recursos humanos, intelectuais, organizacionais e
materiais que as sociedades contemporâneas possuem em suas universidades,
empresas e organizações voluntárias são muito mais amplos do que os que a
administração pública consegue mobilizar com seus próprios meios.
As políticas públicas, para que sejam bem desenhadas, adotadas, implementadas e avaliadas, dependem desses recursos e capacidades de toda
a sociedade, bem como da legitimidade política que resulta da participação
ativa dos diversos setores da sociedade na formulação e implementação de
políticas de longo prazo e interesse comum. O sucesso das políticas públicas
depende também da relação que se estabelece entre os governos nacionais,
estaduais, provinciais e locais em que se dividem os países do ponto de
vista político-administrativo. O pressuposto dos estados federais é que os
governos locais contem com recursos financeiros e humanos necessários para
atender a suas necessidades locais, e que os governos centrais se encarreguem
das questões de interesse regional, nacional e internacional. Na prática, a
capacidade financeira, humana e administrativa dos governos locais é muito
variável, ao passo que os governos centrais são os que têm mais recursos
materiais, administrativos e legais para agir. Nesse contexto, os sistemas
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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federativos se transformam com facilidade em sistemas clientelistas, em que
os governos locais dependem dos benefícios que podem obter em função
de sua capacidade de negociar e apoiar politicamente o governo central, o
qual, por sua vez, depende dos políticos regionais e locais como base de sustentação política. Muitas vezes, o resultado dessa lógica clientelista é uma
séria limitação da capacidade de atuação dos governos centrais, sem que, com
isso, a capacidade de atuação dos governos locais aumente (Abrucio, 1998).
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O contexto ético e moral das sociedades democráticas
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A vida política não ocorre no vazio, nem se limita ao âmbito das instituições
políticas enquanto tais, mas depende do contexto ético e moral que se desenvolve e consolida em um conjunto de instituições, que são os componentes
fundamentais das democracias contemporâneas.
Na América Latina, os políticos e os eleitores são muitas vezes criticados por buscar na política a satisfação de seus interesses particulares,
e não o bem comum da população. Mas essa é uma realidade que existe
em toda parte. A diferença entre as democracias latino-americanas e as
democracias mais exemplares e bem-sucedidas da Europa não é que os
políticos e cidadãos de um lado sejam mais egoístas e os do outro, mais
altruístas, e sim que na Europa existe maior estabilidade e previsibilidade
das instituições, em contraste com a precariedade institucional da grande
maioria dos países latino-americanos. A importância das instituições é
hoje amplamente reconhecida, embora não se saiba com certeza como elas
evoluem e se consolidam. Quando as instituições são estáveis, existem fortes
recompensas para projetos pessoais e familiares de longo prazo, bem como
para a construção de carreiras e reputações profissionais, e os cidadãos são
os maiores interessados em garantir, aperfeiçoar ou encontrar novas formas
para a permanente manutenção e renovação dessas instituições. Quando as
instituições não existem, ou são frágeis, e o futuro é incerto, predominam as
estratégias individuais de curto prazo, a falta de confiança entre as pessoas,
os comportamentos predatórios e, no outro extremo, a busca de respostas
imediatas e simplistas para os problemas sociais, econômicos e morais que
se acumulam. São extremos que na prática muitas vezes se aproximam,
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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gerando combinações de oportunismo político e ideologias totalitárias
que constituem uma das características centrais dos regimes autoritários e
populistas de ontem e hoje.
Os processos de construção das bases morais e institucionais das sociedades democráticas são lentos, e a experiência histórica mostra que eles
incluem pelo menos quatro aspectos principais: a consolidação das profissões, começando pelas que têm relação com a vida pública, como o direito, a
vida religiosa e a atividade militar, de onde saem os quadros que estruturam
e dão permanência às carreiras profissionais dos Estados nacionais, junto
com profissões tais como a medicina e a engenharia; o desenvolvimento dos
sistemas educativos e das universidades, que dependem também da consolidação e do fortalecimento da pesquisa acadêmica e do magistério, dado o
amplo papel que desempenha na elaboração e transmissão de valores, conhecimentos e competências e na criação de caminhos legítimos e legitimados
de mobilidade social; a presença de empresários e instituições sindicais que
se organizam e competem para a produção e repartição da riqueza, e que
dependem, para sua prosperidade, de mercados baseados em relações trabalhistas, comerciais e empresariais estáveis, na previsibilidade dos contratos,
na estabilidade da moeda, nos direitos de associação e na proteção das partes
contra a intervenção arbitrária do Estado na vida econômica e nos direitos
de propriedade; e, finalmente, sistemas partidários abertos, que canalizam
os processos de disputa e acesso ao poder político.
Além dessas instituições centrais, as sociedades democráticas abrem espaço para uma grande variedade de organizações e associações voluntárias,
locais e nacionais, de caráter cultural, religioso, desportivo, filantrópico,
que defendem e propagam ideias e valores que, por sua vez, dão textura,
estabilidade e sentido adicionais à vida social e comunitária. No âmbito
especificamente político, as instituições definem quais são os participantes
legítimos e ilegítimos nos processos de decisão, reúnem e estabilizam os
atores relevantes que participam dos processos políticos, criam padrões estáveis de representação e ampliam os horizontes de tempo em relação às
expectativas dos diferentes agentes que participam dos processos políticos
(O’Donnell 1998a; 1998b).
À medida que a sociedade se torna mais complexa, pode-se esperar
que as instituições cresçam e se fortaleçam, permitindo a coordenação e o
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO E GOVERNABILIDADE
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atendimento das necessidades das pessoas. Entretanto, esses processos de
institucionalização não são harmônicos, nem se desenvolvem naturalmente.
Estão sempre inacabados. As novas tecnologias, os novos meios de comunicação e informação, as mudanças geracionais e os processos internacionais
de mobilidade, tudo isso tende a questionar as velhas instituições, abrindo
espaços para novas incertezas e novas formas de vida em sociedade. As
instituições se ressentem quando as pessoas não encontram procedimentos
adequados para canalizar suas demandas, bem como em situações de extrema fragmentação partidária e de dificuldade de constituir governos ou
coalizões de maioria, situações que muitas vezes terminam comprometendo
ou afetando a legitimidade, eficiência e efetividade do sistema político em
seu conjunto. Nenhuma democracia moderna se constitui a menos que suas
instituições centrais estejam consolidadas, se evitem formatos institucionais
e códigos morais rígidos e permaneçam abertas à experimentação, inovação
e incerteza.
É nesse contexto que o problema da corrupção política deve ser
entendido. As discussões sobre corrupção costumam se concentrar em
suas consequências práticas de curto prazo: se elas prejudicam ou facilitam os negócios, ou se são um problema grave ou um mal necessário de
importância secundária para a conquista e o exercício do poder político.
Mas o problema principal da corrupção não é sua dimensão estritamente
moral – que parece não preocupar tanto a grandes setores da população,
nem, lamentavelmente, a muitos intelectuais e formadores de opinião
na América Latina –, e tampouco suas consequências práticas, de curto prazo, e sim o que ela produz quando se transforma em padrão de
comportamento para a sociedade na esfera profissional, educacional, nas
relações de mercado e nas relações pessoais. Quando o sistema político
é corrupto, prevalecem os comportamentos predatórios, as instituições
não se consolidam, a sociedade não desenvolve as bases de confiança
sem as quais os regimes democráticos não podem funcionar adequadamente. Todas as sociedades, em diferentes graus, vivenciam problemas
de corrupção, mas existe uma grande diferença entre situações em que a
corrupção é claramente um problema marginal e de natureza criminosa,
e situações em que ela está na base do exercício do poder econômico e
político (Schwartzman, 2008).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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As instituições de governo na América Latina
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Além dos desenhos institucionais necessários para fortalecer a representatividade política e a governabilidade, é necessário que as instituições de
governo na democracia – os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
– possam funcionar adequadamente, cumprindo bem as funções que lhes
são próprias, com reconhecimento e aprovação por parte da sociedade. Os
países da América Latina, em sua quase totalidade, estão ainda muito longe
de alcançar tal objetivo, sem desconsiderar os avanços já conquistados nessa
direção.
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O Parlamento
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Em sua origem, o Parlamento se constituiu por oposição às monarquias
absolutistas, e se concebeu como a instituição democrática por excelência,
elaborando constituições, formando e destituindo governos, controlando
a cobrança de impostos e o uso de recursos públicos e orientando e limitando a ação do Poder Judiciário. Nos regimes presidencialistas, como os
da América Latina e dos Estados Unidos, o Executivo mantém suas próprias bases de legitimidade e poder, e o Legislativo funciona, sobretudo,
por reação a suas iniciativas, aprovando ou rejeitando seus projetos de lei.
Em alguns casos, o Legislativo é suficientemente forte para fazer com
que o Executivo incorpore seus representantes e interesses na formação
dos gabinetes e na elaboração de políticas econômicas e sociais de médio
e longo prazo. Em outros casos, o poder do Legislativo não vai além da
capacidade de seus membros de negociar, caso a caso, as condições de
seu apoio ao Executivo. E, finalmente, há situações em que o Legislativo
é totalmente passivo, apoiando de forma automática as iniciativas do
Executivo, sem necessidade de participação ou negociação (Morgenstern
e Nacif, 2002).
Existem três questões centrais em relação ao funcionamento dos sistemas legislativos na América Latina: seu papel como apoio ou obstáculo
à ação do Executivo, a legitimidade dos mandatos legislativos e o exercício
efetivo das funções atribuídas a tal poder do Estado. Muitas vezes, apoiar e
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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fortalecer a governabilidade que resulta da ação do Executivo nas políticas
e ações de âmbito nacional significa negligenciar demandas e expectativas
dos eleitores, geralmente locais, regionais ou setoriais.
A atuação do Poder Legislativo em suas relações com o Executivo e
seu impacto sobre a governabilidade têm sido objeto de muitas pesquisas
e estudos que mostram que, em casos como o do Brasil, em que o controle
formal dos partidos sobre os congressistas é reduzido, com sérios problemas
de representatividade e predomínio de comportamentos clientelistas, o
Legislativo não constitui necessariamente um obstáculo à governabilidade
(Amorim Neto, 2006; Figueiredo e Limongi, 1999). A governabilidade é
facilitada quando o partido do presidente detém uma maioria no Parlamento,
ou quando os gabinetes são organizados com a participação dos partidos
que apoiam o governo – o que se denominou “presidencialismo de coalizão”.
Quando esse tipo de coalizão não é possível, existe a tentação, por parte
do Executivo, de recorrer ao “presidencialismo imperial” – lançando mão,
e, às vezes, abusando, de prerrogativas legislativas, de diferentes formas de
interferência e pressão sobre os demais poderes públicos –, ou à consulta
plebiscitária. O potencial destrutivo desses procedimentos é muito alto,
pela ausência de mecanismos institucionais que permitam a substituição
do presidente ou a dissolução do Parlamento, com convocação de novas
eleições, como forma de resolver os “impasses” fora dos calendários eleitorais
previamente estabelecidos. O semipresidencialismo, como aqueles de países
como França e Finlândia, foi sugerido como uma forma de resolver essa
situação, preservando a autonomia e o papel político e institucional do chefe
de Estado, mas submetendo o gabinete ministerial à aprovação e eventual
veto do Legislativo.
Quando os partidos políticos controlam as listas de candidatos ao Parlamento, a dependência dos eleitos em relação aos líderes partidários costuma ser forte, o que facilita o estabelecimento de acordos políticos entre
o Congresso e o Executivo. Embora esse controle não seja explícito, os
parlamentares que integram os partidos de governo e apoiam o Executivo
têm mais acesso a recursos institucionais e financeiros para eles e seus
eleitores do que aqueles de oposição ou independentes. Isso faz com que,
muito frequentemente, os congressistas optem por mudar de partido e apoiar
o presidente, embora tenham sido eleitos por partidos de oposição.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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A VIA DEMOCRÁTICA
A subordinação dos congressistas ao Executivo, embora possa facilitar a
governabilidade, também pode reduzir a obrigação que os parlamentares têm
de atender às demandas de seus eleitores e, dessa maneira, afetar sua própria
legitimidade, que é, por sua vez, uma função importante do Poder Legislativo,
diferentemente das políticas mais genéricas e globais, que são próprias do
Executivo (Carey, 2003). Por outro lado, a linha que separa a legítima defesa dos
interesses setoriais da pura e simples apropriação privada de recursos públicos
por parte dos políticos nem sempre é clara, e se torna particularmente obscura
quando, uma vez terminadas as eleições, os vínculos entre eleitores e eleitos se
diluem. Diferentes modalidades de voto distrital, com mandatos construídos
sobre sólidos vínculos locais, de tipo majoritário, puros ou combinados com
votos em listas partidárias, baseados em votação proporcional, foram propostas para resolver essa situação. Além de facilitar o contato entre os eleitos e os
eleitores, o voto majoritário pode ter outros efeitos, como o de reduzir o número
de partidos, o que pode ser importante para a governabilidade, embora resulte
em uma redução do pluralismo político e partidário.
Não existem receitas fáceis para reformar os sistemas de representação,
que necessitam conciliar objetivos aparentemente contraditórios, como
são, por um lado, facilitar a governabilidade e dar consistência à ação dos
partidos e, por outro, abrir espaços para a expressão política das minorias e
fortalecer os vínculos entre eleitores e eleitos. Claramente, nenhum dos dois
extremos é desejável, e faz parte da arte política desenhar, em cada contexto,
os formatos institucionais mais adequados.
Além das funções convencionais de apoiar ou se opor à ação do Executivo
e defender os interesses de seus eleitores, o Poder Legislativo tem a responsabilidade de formular e aprovar leis que estabelecem e garantem os direitos
das pessoas, definem as regras para o recolhimento de impostos e o uso de
recursos públicos, e estabelecem os limites da autoridade dos demais poderes
de estado, entre outras regras que definem a convivência em sociedade.
Junto com os parlamentos nacionais, existem assembleias regionais,
provinciais e municipais que têm responsabilidades semelhantes em suas
respectivas jurisdições. Para cumprir suas tarefas, os Legislativos precisam
de apoio técnico especializado, que ou existe em seu próprio âmbito político-administrativo, ou deve ser proporcionado pelos partidos políticos ou
grupos sociais aos quais os legisladores estão associados. Na maioria dos
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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países da América Latina, a iniciativa de projetos de lei mais importantes
cabe em geral ao Executivo, que depois negocia ajustes e detalhes com os
legisladores. Assessorias profissionais como as que existem nos Estados
Unidos e na Alemanha, e também no Brasil, viabilizam condições menos
assimétricas de relacionamento entre o Legislativo e o Executivo. Porém,
para que essas funções sejam cumpridas, é necessário que os legisladores
tenham interesse em cumprir integralmente suas funções. Quando isso não
acontece, os recursos à disposição do Legislativo se transformam em simples
vantagens a ser utilizadas pelos legisladores e seus parceiros mais próximos.
Um dos problemas que afetam o Poder Legislativo, sobretudo em nível
regional e municipal, é o distanciamento crescente que se verifica entre suas
áreas de competência formal e o espaço territorial e institucional em que
se colocam as questões que mais afetam os cidadãos em sua vida cotidiana.
Questões centrais para as grandes metrópoles, como o sistema de transporte
público, a segurança e as obras de saneamento, requerem administradores
regionais que muitas vezes não existem ou cuja autoridade legal é insuficiente. Por outro lado, os assuntos relacionados com atividade econômica,
emprego, políticas de saúde etc. geralmente são administrados em nível
nacional, fora do alcance dos legisladores locais. Essa situação de desvinculação dos parlamentares em relação a algumas dessas funções básicas,
no nível municipal ou regional, contribui para afastá-los de seus eleitores,
repercutindo negativamente no que constitui uma das bases de legitimidade
da ordem democrática. Por um lado, essa situação estimula o surgimento
de novas formas de participação e representação que se apresentam como
mais autênticas e diretas, mas com os conhecidos riscos de usurpação do
interesse coletivo por parte de pequenos grupos mais organizados, e, por
outro, justifica propostas políticas populistas e autoritárias de substituição
das instituições democráticas por líderes carismáticos e movimentos sociais.
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O Executivo
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Uma característica central do Poder Executivo nas sociedades democráticas
é sua transformação, de simples instrumento de dominação de determinados
setores da sociedade em relação aos demais, em uma agência responsável
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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pela coordenação e implementação do bem comum. A desigualdade social
e os conflitos de interesse continuam existindo nas sociedades democráticas,
ainda que os processos eleitorais não se reduzam à eleição de uma autoridade
e resultem em processos reais de transferência e mudança de poder. Mas uma
diferença central entre os sistemas democráticos e não democráticos é que,
em princípio, os governos eleitos democraticamente têm uma ampla base
de apoio e legitimidade, e governam a partir de um consenso geral sobre a
ordem democrática e suas funções que transcende as diferenças e conflitos
de interesse. Outra diferença é que nos sistemas democráticos a apropriação
privada do patrimônio público por parte dos governantes é considerada
como ilegítima e abusiva.
Esses fundamentos de consenso e probidade no exercício do poder público não resultam automaticamente dos processos eleitorais ou legislativos,
mas requerem um processo de consolidação institucional que a maioria dos
países latino-americanos ainda não completou. Na falta desses fundamentos,
os processos de transição política são muitas vezes traumáticos. A conquista, manutenção e distribuição dos benefícios do poder se tornam mais
importantes para os governos do que a execução de políticas públicas, e as
ações governamentais costumam ser erráticas, priorizando decisões simples
e de grande impacto eleitoral em detrimento de atividades mais complexas,
menos visíveis e de prazo mais longo.
Para superar essa situação, em que o Executivo recebe um mandato para
governar sem que os mecanismos de gestão e de relação com a sociedade
estejam plenamente estabelecidos, o Poder Executivo precisa evoluir tanto
para dentro, criando estruturas administrativas profissionais, estáveis e
competentes para cumprir as funções cada vez mais solicitadas dos Estados
modernos, como para fora, definindo com clareza as relações do governo
com o setor privado e a sociedade civil.
O fortalecimento do serviço público. O desenvolvimento para dentro
consiste, em parte, na criação de uma administração pública semelhante
à que foi descrita há 100 anos por Max Weber como uma burocracia
racional e legal ( Coelho e Weber, 1966 ), mas deve ir além disso. Algumas das características das burocracias clássicas continuam sendo
importantes, como a estrita separação entre os interesses privados e o
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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exercício das funções públicas a impessoalidade no relacionamento entre
funcionários e cidadãos, tratando a todos como iguais. Outras características, porém, evoluíram, a começar pelo fato de que o funcionário
público de hoje não pode agir somente cumprindo a letra da lei ou sua
mera formalidade, mas deve estar comprometido com os resultados
substantivos das funções que estão sob sua responsabilidade.
No passado, as atividades dos funcionários eram sobretudo legais e processuais. Essas atividades tradicionais continuam existindo, mas os Estados
modernos regulam a economia, fazem investimentos, criam e administram
sistemas de energia, comunicação e transporte público, fornecem serviços de
saúde e educação, administram prisões, produzem estatísticas econômicas
e sociais e realizam uma infinidade de outras atividades que requerem
competências técnicas e profissionais. É impossível prever e prescrever, nas
leis e regulamentos, todos os detalhes para o cumprimento dessas atividades,
e as democracias latino-americanas ainda oscilam entre os extremos das
regulações burocráticas rígidas, que coíbem a iniciativa e a criatividade dos
funcionários e técnicos, e das estruturas totalmente informais, que abrem
espaço para decisões arbitrárias e abusos de poder.
Alguns pensam que iniciativas mais substantivas como o fornecimento
de saúde e educação não deveriam ser exercidas pelo setor público, mas entregues à iniciativa privada, na qual prevalecem os mecanismos de controle
de qualidade que resultam da concorrência nos mercados. Observa-se, no
entanto, que em todas as democracias contemporâneas o setor público é
um importante fornecedor, embora não exclusivo, de serviços como saúde,
educação e segurança pública, entre outros, ao mesmo tempo em que as
experiências mais extremas de privatização dessas atividades nem sempre
são positivas.
A questão não é quais funções devem ser total ou parcialmente exercidas
pelo setor público, ou pelo privado, e sim como são organizadas, executadas
e avaliadas. A experiência internacional mostra que, quando exercidas pelo
setor público, essas funções demandam sistemas administrativos manejados
de acordo com as melhores práticas profissionais, em instituições com
capacidade e autonomia de decisão e ação, que são avaliadas por seus resultados, e não apenas pela formalidade de seus procedimentos, como ocorre
tradicionalmente na administração pública.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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As experiências de reforma dos sistemas administrativos na América
Latina dão conta de quatro processos principais, cada qual com suas vantagens, e também com novos problemas, que precisam ser entendidos e
enfrentados. O primeiro é a reforma da estrutura burocrática central do
Estado; o segundo se refere aos processos de descentralização dos governos
nacionais para os governos regionais e locais; o terceiro, aos processos de
privatização; e o quarto, à contratação externa, ou concessão dos serviços
públicos ao setor privado.
Quanto ao primeiro processo, se comparados às democracias mais consolidadas ou desenvolvidas, são poucos os Estados latino-americanos que
avançaram significativamente na criação de burocracias públicas formais e
estáveis, com regras impessoais de contratação de funcionários, promoções
por mérito e regras claras de controle administrativo no uso de recursos
públicos (Echebarría, 2006). No Brasil, alguns setores do serviço público,
sobretudo na área econômica, se tornaram altamente profissionalizados e tecnicamente competentes, enquanto outros continuam sendo utilizados como
“moedas políticas” e não cumprem seus objetivos formais. Em princípio, o
mecanismo de livre designação para os postos de confiança deveria permitir
ao governo conduzir mais de perto as atividades da burocracia pública. Na
prática, entretanto, muitas nomeações nesses postos de confiança tendem
a ser políticas, ao passo que os funcionários regulares, protegidos por uma
legislação favorável, se organizam em sindicatos e pressionam o governo em
busca de benefícios para a categoria, colocando muitas vezes em segundo
plano os interesses da sociedade. Os esforços para mudar essa situação, em
geral, oscilam entre dois extremos. Por um lado, para dar mais flexibilidade e
capacidade de ação ao setor público, criam-se novos formatos institucionais,
como fundações, empresas públicas e agências executivas, submetidas a
regras administrativas do setor privado e supervisionadas pelos governos
em função de seus resultados (Beltrão, 1968). Por outro lado, para evitar os
abusos e a corrupção que podem surgir em situações de maior liberdade,
busca-se aumentar o controle formal sobre essas instituições, fazendo-as
retroceder às regras mais rígidas – e mais inoperantes – da burocracia formal.
O processo de descentralização ocorreu com muita intensidade na América Latina a partir das décadas de 1970 e 1980, sobretudo nas áreas de
educação e saúde, e levou a importantes transferências de recursos entre os
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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diferentes níveis de governo (Landerretche e Marfán, 2007). A justificativa
para a descentralização costuma ser a de que os governos centrais não têm
capacidade gerencial suficiente para administrar esses serviços e distribuí-los
a todas as localidades; e que esses serviços seriam mais bem administrados
pelos governos locais e que, além disso, estariam submetidos ao controle
direto da população local. O certo é que esses processos de descentralização
deram mais certo nas cidades e regiões mais bem administradas, que são
geralmente as mais ricas, ao passo que nas regiões e comunidades mais
pobres e com menos recursos humanos tal transferência pode ser desastrosa. Uma maneira de contornar essa situação é a criação de mecanismos
compensatórios, como a transferência de recursos para as áreas mais pobres,
mas existe sempre o risco de que esses recursos sejam apropriados pelas
elites locais e não cheguem efetivamente aos mais necessitados. Na América
Latina, observa-se que o processo de descentralização obedeceu menos a um
esforço pelo melhor funcionamento da administração pública e mais a um
processo de divisão do poder, o que resultou na fragmentação dos partidos
nacionais em países como Brasil, Argentina, Colômbia, Venezuela e México
( Willis, Garman e Haggard, 1999).
Os processos de privatização tiveram seu apogeu nos anos dos ajustes
econômicos da década de 1990, e responderam a uma dupla necessidade;
por um lado, acumular recursos para reduzir a dívida pública e os gastos
correntes dos governos; e, por outro, permitir que o setor privado oferecesse
os serviços que a população necessitava e os governos não proporcionavam,
fosse por incapacidade administrativa ou por falta de recursos para investimentos. Os resultados foram variados. Algumas dessas privatizações no
Brasil, em áreas como telecomunicações, metalurgia, transportes públicos e
mineração, tiveram bons resultados, gerando empresas sólidas que produzem
bens e serviços e devolvem aos governos impostos significativos (Pinheiro, 1996). Além da transferência de serviços a empresas por parte do setor
público, o setor privado cresceu ocupando nichos importantes, que o setor
público não conseguia atender plenamente por seus próprios meios, como
a educação superior, os serviços de saúde e a segurança pessoal. Mas nem
sempre os processos de privatização foram realizados de forma adequada.
Muitas vezes esses processos beneficiam determinados grupos, em conluio
de interesses, em detrimento da qualidade e dos custos dos serviços para o
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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público. Entretanto, essas situações não podem ser interpretadas como uma
condenação dos processos de privatização como um todo.
No quarto e último processo, de concessões, nota-se uma forte tendência,
em toda a região, de transferir para o setor privado a execução de atividades
que permanecem como atribuição do setor público, mas que passam a ser
administradas por empresas privadas ou organizações não governamentais.
Em sua forma mais simples, a concessão consiste na contratação, por parte
da administração pública, de serviços auxiliares, como limpeza, transporte e
alimentação. Ela se torna mais complexa, e inclusive discutível, quando há
contratação externa de atividades que normalmente são consideradas mais
próprias do setor público, como o registro de documentos, a segurança pública e os serviços de apoio a setores mais necessitados da população. Nesses
casos, existe sempre o risco de apropriação de funções públicas por parte de
empresas ou organizações não governamentais, nacionais ou internacionais,
muitas vezes de forma explícita, a partir de acordos políticos de governos
com movimentos sociais e grupos de interesse que os apoiam. Quando isso
ocorre, a relação entre o Poder Executivo e essas organizações deixa de ser
profissional e técnica e adquire dimensões políticas e ideológicas que as
tornam muito mais difíceis de regular e supervisionar (Sorj, 2005).
As concessões de serviços públicos como os de infraestrutura (estradas,
portos, aeroportos), eletricidade, transporte público e coleta de lixo, entre
outros, são diferentes das privatizações, já que as atividades em questão,
embora administradas privadamente, permanecem sob o controle e a supervisão do setor público. As atividades privatizadas, entretanto, se tornam
independentes e sujeitas à lógica dos mercados. A separação entre ambas as
formas, entretanto, não é clara, porque o setor público continua exercendo
um poder de regulação e controle sobre atividades privadas consideradas
de interesse social.
Controle, regulação e formas gerenciais do Executivo. O progressivo
aumento das funções do Poder Executivo levaram à busca por novas formas
de controle e regulação, tanto da sociedade sobre o Executivo, como deste
último sobre suas agências – os controles de tipo horizontal, feitos entre
as agências públicas, e os controles verticais, das agências sobre setores específicos da atividade governamental, são exemplos disso.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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O controle da sociedade sobre o Executivo ocorre, sem dúvida, por meio
das eleições, que avaliam de maneira global o desempenho dos governos, bem
como pela ação do Legislativo, que tem poderes, em alguns países, de avaliar
e contestar ações específicas, investigar comportamentos e até destituir
ministros ou presidentes da República, como as Comissões Parlamentares
de Inquérito e a acusação constitucional (impeachment), ou pelo próprio
Poder Judiciário, que pode julgar a legalidade de atos abusivos e estabelecer
uma sanção criminal. Além disso, a maioria das sociedades modernas possui
organismos e agências independentes de controle, como os ombudsmen, os
auditores, os tribunais de contas ou o Ministério Público, no Brasil, responsáveis por acompanhar, de forma contínua e permanente, os atos do
Poder Executivo em todos os níveis.
Os aspectos positivos e negativos desses diferentes mecanismos são discutíveis, mas a conclusão geral é que o formato legal é menos importante
que a cultura política e a institucionalidade com que trabalham, que é o
que faz com que esses mecanismos sejam mais ou menos eficientes. Na
América Latina, a eficiência desses controles costuma ser limitada, muitas
vezes, pela fragilidade política das instituições de controle; outras, pela
atenção exclusiva dispensada aos aspectos formais e não substantivos da
ação governamental; outras, pela lentidão dos processos judiciais; e outras,
finalmente, pela corrupção ou falta de autonomia política dessas instituições
(Melo, 2007). Além desses controles externos, o Executivo tem seus próprios mecanismos internos de supervisão das diferentes agências que lhe são
subordinadas e que, de alguma forma, antecipam os controles externos, por
meio de auditorias, inspetores e outros procedimentos.
A insuficiência dos controles processuais, que, no melhor dos casos,
garantem que os funcionários cumpram a letra da lei, mas nada dizem sobre
os resultados alcançados, nem sobre a eficiência no uso dos recursos públicos,
levou, em toda parte, à busca de novas formas de regulação interna, que não
são muito diferentes do tipo de controle que o setor público exerce sobre as
instituições privadas que funcionam em regime de concessão, por intermédio
de agências regulatórias.
Muitas vezes o regulador não exerce seu controle sobre a instituição
regulada mediante supervisão e controle direto de suas ações, e sim seguindo
à distância os resultados, expressos por indicadores de desempenho de
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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diferentes tipos (Hood, 2007; Hood e Scott, 2000). Existem muitas questões
associadas a esses processos de gerenciamento e regulação, que vão desde
os mecanismos de seleção dos reguladores até a explicitação e o acompanhamento de metas e objetivos que as agências reguladoras devem cumprir.
Uma alternativa é atribuir a regulação a um pequeno grupo de funcionários
públicos altamente profissionais e imunes a pressões políticas, que possam,
inclusive, regular e controlar os demais reguladores. Como, em contrapartida,
as áreas de atuação do poder público costumam ser muito amplas ou com
características muito específicas, dependendo do caso, existe a tendência
oposta, de selecionar os reguladores entre os regulados, com o consequente
risco de captura das agências de regulação por parte destes últimos. Outro
problema é o da assimetria de informações, com os regulados mais bem
informados que os reguladores e, por isso mesmo, mais capacitados para
fazer prevalecer seus próprios interesses. A regulação excessiva do setor
privado pode ter efeitos perversos para o fornecimento de serviços que a
regulamentação pretende estimular, quando, por exemplo, o controle de
preços de determinados serviços afasta os fornecedores privados.
Além dos controles que o Executivo exerce sobre setores específicos em
áreas como energia, transportes, educação e saúde, a atuação do Executivo,
em coordenação com o Judiciário, tem um papel de grande importância
para a qualidade do ambiente geral em que se dão as transações econômicas,
bem como para a vida cotidiana das pessoas. Essa questão foi examinada,
sobretudo, do ponto de vista das percepções do setor empresarial, em termos
das dificuldades ou facilidades que os agentes econômicos encontram para
investir nos distintos países, em função de suas características de governabilidade. O Banco Mundial fez um esforço para organizar os indicadores
disponíveis em seis dimensões, a saber: (1) voz e accountability, como indicadores de direitos políticos, civis e humanos; (2) instabilidade política
e violência, incluindo o terrorismo; (3) eficácia do governo, em termos de
competência técnica e qualidade dos serviços públicos; (4) peso regulatório
e existência de políticas hostis ao setor privado; (5) império da lei, com indicadores sobre o cumprimento de contratos, o funcionamento da política, a
agilidade do sistema judicial e a delinquência; e (6) o controle da corrupção,
desde contravenções cotidianas até a captura do Estado por parte de grupos
criminosos (Kaufmann e Kraay, 2005). Há uma forte correlação entre esses
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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indicadores e o nível de renda dos países, restando a dúvida sobre se é a
riqueza que permite melhores condições de governabilidade ou se, pelo
contrário, é a governabilidade que cria as condições para a equidade social
e a riqueza, coisa que os dados parecem confirmar.
A questão do papel relativo da administração do Estado, do setor privado
e das organizações governamentais na execução de políticas públicas na
América Latina, bem como das diferentes formas de regulação e controle,
não pode ser analisada em termos de preferências ideológicas de um ou
outro tipo de instituição, mas em termos das funções que se esperam que
os Estados cumpram em uma sociedade democrática, dadas suas limitações
financeiras e institucionais. Não há dúvida de que cabe ao setor público a
responsabilidade de atender às necessidades básicas da população e garantir
o acesso de todos aos serviços básicos. Também não há dúvida de que existe
muita energia, competência e recursos no setor privado e nas organizações
da sociedade civil, que devem ser estimulados e utilizados, e de que não há
incompatibilidade, em princípio, entre a busca de uma margem de lucro
legítima e o fornecimento de serviços públicos de qualidade. Os problemas
que podem surgir nos processos de privatização e contratação externa de
atividades públicas não são piores, em princípio, que os problemas que
podem surgir quando essas atividades permanecem encerradas nas burocracias públicas e suas corporações. O que distingue as boas práticas das
más não são seus formatos, mas sim se o governo, em sua atuação direta ou
indireta, se orienta ou não pelos interesses mais gerais da sociedade, a partir
do mandato político que recebeu, e se o faz com a melhor utilização dos
recursos disponíveis na sociedade.
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O Poder Judiciário
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A América Latina tem uma longa tradição de sistemas Judiciários independentes do Poder Executivo e um complexo sistema legal herdado
da Espanha e de Portugal, muito mais voltado para garantir os direitos
mercantilistas dos impérios do que para defender os cidadãos contra o
Estado e regular as relações entre as pessoas na sociedade civil. Embora o
princípio da universalidade das normas jurídicas seja hoje aceito em todos
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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A VIA DEMOCRÁTICA
os países, os custos associados aos processos legais tornam a proteção da lei
muito mais acessível para pessoas mais ricas do que para as mais pobres, que,
frequentemente, não têm como se defender (Taylor, 2006).
A democracia tem como condição essencial o pleno funcionamento do
império da lei em suas diferentes dimensões: a capacidade do Poder Judiciário de colocar limites à ação dos demais poderes públicos, o efetivo acesso
dos cidadãos à proteção legal e à estabilidade e a razoável previsibilidade das
decisões judiciais, segundo a legislação e a jurisprudência existentes. Para
cumprir suas funções, o Poder Judiciário precisa ser autônomo em relação
aos demais Poderes do Estado e à administração de seus recursos, bem como
integrado por profissionais de carreira. Essas são condições necessárias, mas
não suficientes, posto que não garantem por si mesmas que as funções do
Poder Judiciário se cumpram adequadamente. Da mesma maneira que os
demais Poderes do Estado, o Poder Judiciário também precisa de mecanismos de controle externo que assegurem que suas funções sejam plenamente
cumpridas.
A primeira dessas funções é a agilidade nas decisões e o acesso à justiça,
sobretudo no caso de pessoas com menos recursos, garantindo os direitos
de todos e protegendo as pessoas contra o poder arbitrário dos governantes.
As razões pelas quais a justiça é lenta e cara têm muito a ver com a falta de
pessoal, infraestrutura e instalações adequadas, mas também com práticas
processuais arcaicas que sobrecarregam os tribunais e fazem com que os
processos legais se estendam indefinidamente, com custos crescentes para as
partes. A experiência internacional mostra que o Poder Judiciário pode ser
muito mais eficiente, decidindo com rapidez e sem atropelar os princípios
em que se baseia a ação da justiça. Já existem hoje, dentro do Poder Judiciário
da maioria dos países do continente latino-americano, ampla consciência
sobre a necessidade de renovação e várias iniciativas em curso, como os novos
sistemas de procedimento criminal que foram introduzidos nos últimos 15
anos (Langer, 2007). No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça tem tido um
papel importante para a melhoria do funcionamento do sistema judiciário
em seus diversos aspectos (Uchôa, 2008).
A segunda expectativa é a de que o sistema legal proporcione um ambiente estável e previsível para o funcionamento da economia. Se o direito
de propriedade não está devidamente garantido, se os contratos podem ser
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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burlados ou desconhecidos, sem claro amparo na lei, tudo isso conduz à
inibição de investimentos privados de longo prazo. Não há como esperar
comportamentos totalmente previsíveis por parte de juízes e tribunais, cuja
função é, justamente, tomar decisões em situações específicas, marcadas pela
incerteza, sobre as quais a aplicação da lei não é clara. Mas essa função de
interpretação não pode ser confundida com a noção – que recentemente
se tornou corrente no Brasil em alguns círculos legais – de que os juízes
devem decidir de acordo com sua própria ideia do que é justo ou injusto,
independentemente do que diz a lei, ou a jurisprudência seguida pelos
tribunais superiores. Embora inspirado em boas intenções, esse ativismo
político termina por aumentar a ineficiência dos sistemas legais, aumentando,
dessa forma, a percepção de injustiça. Ao contrário, a expectativa deve ser a
de que, uma vez estabelecida a jurisprudência sobre determinados assuntos,
casos semelhantes sejam resolvidos rapidamente, sem que os juízes tomem
decisões pessoais, que abram caminho a recursos e apelações, dilatando
prazos, aumentando os custos e mantendo a incerteza além do que seria
razoável (Arida, Bacha e Lara Resende, 2005; Pinheiro, 2001; Sadek, 2001).
O papel dos tribunais de justiça quanto a garantir os direitos individuais – que, será escusado dizer, é de importância fundamental – criou
um novo problema, a transferência para os tribunais de decisões que
seriam pertinentes ao Poder Executivo, ou que deveriam ser negociadas
pelas partes no mercado (Gauri, 2003). Um exemplo típico disso é o caso
das políticas de saúde no Brasil, onde existe um princípio constitucional
de que todas as pessoas têm direito ao atendimento médico gratuito em
função de suas necessidades. Como os recursos disponíveis são limitados
e restringem a disponibilidade de determinados procedimentos e o uso de
certos medicamentos, pessoas que podem contratar advogados recorrem
à justiça, que, por sua vez, ordenam às instituições de saúde que cumpram
o indicado pelos médicos, restringindo ainda mais os recursos disponíveis
para outras prioridades (Chieffi e Barradas, 2009; Medici, 2010). Decisões
como essas, de grande impacto econômico, político e institucional, não
poderiam ser tomadas sem plena consciência de seus custos e implicações
mais profundas, que podem resultar, em última instância, na desorganização dos serviços públicos, quando não na própria desmoralização do
Poder Judiciário.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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Por uma melhor governabilidade
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A boa governabilidade deve resultar da combinação de elementos que
garantam a legitimidade e a autoridade dos governantes, a participação
dos cidadãos e as ferramentas técnicas e operacionais de que os governos
precisam para o pleno cumprimento de suas funções. Os governos devem
ser capazes não apenas de atender às demandas e aspirações de curto prazo
de seus cidadãos, mas também de assumir uma perspectiva de médio e
longo prazo para a construção de uma sociedade efetivamente democrática,
produtiva e competente.
A questão da legitimidade não pode ser reduzida à popularidade dos
governos em exercício, refletida nas pesquisas de opinião, nas votações
plebiscitárias ou nas mobilizações das ruas. Mais do que os governantes,
as instituições precisam ter legitimidade para funcionar, embora elas não
existam à margem das pessoas que as integram e dirigem. De nada servem
instituições bem projetadas se seus titulares as utilizam de forma destrutiva
e corrupta; de pouco servem pessoas competentes, com forte espírito público
e consciência ética, se não existem instituições onde elas possam colocar em
prática suas virtudes.
Por mais sólidas que sejam, a credibilidade e a confiança que a sociedade
deposita em suas instituições e governantes precisam ser constantemente
renovadas. Além dos controles institucionais aos quais os governantes devem
se submeter, eles vivem também sob o escrutínio permanente da opinião
pública, que se expressa através dos meios de comunicação de massa, dos
partidos políticos, das análises e avaliações de especialistas e formadores de
opinião, dentro e fora dos países, e da vigilância de um número crescente
de organizações não governamentais no âmbito da sociedade civil. Se, no
passado, os governantes e administradores públicos podiam se esconder, por
trás da complexidade dos procedimentos administrativos e da invocação
do princípio de “segredo de Estado”, hoje é essencial que os atos públicos
sejam transparentes e acessíveis, graças aos recursos das novas tecnologias
da informação e comunicação. Isso não significa que a noção de razões e
interesses de Estado que requerem sigilo tenha desaparecido, mas seu uso
deve ser reduzido ao mínimo indispensável e estar sempre sob o controle
de outros Poderes.
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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A necessidade que os Estados modernos têm de lidar com os problemas
substantivos que afetam os direitos sociais dos cidadãos, o funcionamento
adequado da economia e, cada vez mais, a sua capacidade de administrar os
impactos da deterioração ambiental e das mudanças climáticas cria situações
novas, que não existiam quando as funções do Estado se limitavam, quase exclusivamente, à garantia das liberdades individuais e da ordem pública. Hoje,
os governos precisam, além dos recursos políticos e legais, dos conhecimentos
e recursos técnicos de empresas e comunidades profissionais, cuja existência
transcende os limites da burocracia pública e as fronteiras nacionais. Isso
requer, por sua vez, um fluxo constante de contatos, colaboração e abertura
dos governos a ideias e conhecimentos que vêm do exterior. O exemplo
mais notável, nos anos recentes, é a questão da mudança climática, que está
entrando nas agendas governamentais graças aos alertas e à mobilização da
comunidade científica especializada.
O Estado também precisa incorporar a capacidade de iniciativa e
criatividade da sociedade civil e de suas organizações que, quando funcionam adequadamente, dão à atividade pública o conteúdo e a densidade
que os governos, por si mesmos, não conseguem ter. Isso é especialmente
visível em áreas como a saúde pública, a educação e a gestão dos espaços
urbanos, e é também importante em políticas dirigidas a setores sociais
minoritários ou marginalizados. Finalmente, o Estado precisa poder
mobilizar os recursos e a capacidade gerencial do setor privado, que tem
condições de fazer investimentos e fornecer recursos de que o setor público
nem sempre dispõe.
Todas essas relações de cooperação e associação correm o risco da apropriação do Estado por parte de grupos privados, ou da sociedade civil,
que podem fazer prevalecer seus próprios interesses particulares sobre os
interesses da sociedade. As possibilidades de privatização e apropriação de
instituições e programas públicos por parte de organizações governamentais,
corporações profissionais e grupos de interesses privados são sempre altas,
assim como é alto o risco de que políticos e administradores se transformem
em defensores ou intermediários dos interesses desses setores. Para que isso
não ocorra para além do que é legítimo, é preciso que as associações se façam
sempre de maneira transparente, com mecanismos explícitos de controle
externo e supervisão. O Estado não pode, por si mesmo, fazer tudo, mas isso
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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A VIA DEMOCRÁTICA
não é motivo para, simplesmente, delegar a grupos de interesse setoriais ou
privados as funções que lhes são próprias.
A melhor governabilidade requer também novas formas de organização
e divisão do trabalho, que podem exigir o redesenho da maneira como
as instituições públicas estão constituídas. O Executivo precisa tornar-se
mais eficiente, eliminando as estruturas e os procedimentos burocráticos
supérfluos, introduzindo práticas modernas de gestão, fortalecendo sua
capacidade de regulação e de ação de longo prazo. O parlamento precisa
fortalecer sua legitimidade e sua capacidade de legislar e fiscalizar. O Poder
Judiciário precisa tornar-se mais ágil e fortalecer sua credibilidade. A divisão do trabalho e a distribuição de recursos entre os diferentes níveis de
governo precisam ser revistas, abrindo espaço para novos tipos de agências
e mecanismos de cooperação regional. Conseguir uma articulação adequada
entre Executivos presidencialistas, parlamentos politicamente fragmentados
e sistemas de votação proporcional, situação típica na América Latina, não
é uma questão trivial.
A América Latina sempre conviveu com um paradoxo: por um lado,
a crença majoritária de que os governos precisam planejar e comandar a
economia e a vida social; por outro, a realidade de Estados debilitados, pouco
institucionalizados e capturados por diferentes combinações de corporações
profissionais, interesses privados, redes clientelistas e arranjos populistas.
Depois do fracasso do socialismo real, a ideia de um Estado planejador já
não encontra muitos adeptos, o que não significa que a única alternativa
seja o modelo liberal do Estado mínimo. Embora não seja possível planejar o futuro, é possível e necessário trabalhar com a perspectiva de longo
prazo, desenvolvendo fontes de energia, criando sistemas de transportes e
comunicações, administrando os complexos urbanos, fortalecendo os sistemas educativos e a capacidade de pesquisa e inovação e desenvolvendo
instituições que favoreçam a autonomia, a iniciativa e a criatividade das
instituições privadas e da sociedade civil.
Esse panorama sucinto de objetivos, realidades e do que ainda falta para
desenvolver e consolidar a democracia na América Latina mostra que se
trata de um processo longo, sujeito a acertos e erros, avanços e retrocessos,
pelo qual, porém, é necessário passar. Nossa convicção central, de que os
regimes democráticos consolidados e institucionalizados são, a longo prazo,
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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os melhores e mais capacitados para a criação de riqueza e a redução da
desigualdade social, nem sempre se confirmam na prática. A democracia
social tem altos custos e pouca flexibilidade para adaptar-se às mudanças
tecnológicas e econômicas que afetam o estilo e o nível de vida da população. Por outro lado, o crescimento econômico que se observou em muitos
países do continente em princípios do século XXI, estimulado em grande
parte pelo crescimento econômico da China, parece ter menos a ver com
a qualidade de seus sistemas institucionais do que com a disponibilidade
de recursos naturais, o desenvolvimento agrícola e a mão de obra barata. A
própria China, apesar dos avanços significativos das últimas décadas, tanto
em termos de liberdade econômica, como de liberdades individuais, ainda é
um regime político fechado e autoritário. E, no entanto, sem uma democracia
efetiva, a sociedade não aprende a fazer bom uso da riqueza, nem a distribuir
os benefícios do crescimento econômico de maneira equitativa. Os regimes
democráticos são os únicos que permitem a acumulação da aprendizagem
da convivência, nas formas de relacionamento interpessoais e da sociedade
como um todo, bem como são os mais capazes de fazer uso da competência
intelectual e do comportamento ético de seus cidadãos. As democracias são
imperfeitas, e as democracias latino-americanas, mais imperfeitas ainda.
É preciso, contudo, persistir na tarefa de melhorá-las cada vez mais, sem
ignorar que a imperfeição é parte indissolúvel da condição “humana”.
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00001-3; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00001; Capítulo ID: c0005
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DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL1
Marcos de Barros Lisboa e Zeina Abdel Latif
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Introdução
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A democracia é uma conquista relativamente recente na história brasileira.
Desde o fim da era colonial no final do século XIX, o país passou por
dois longos períodos autoritários: 1930-1945 e 1964-1985. Além disso, a
participação política foi bastante limitada até meados dos anos 1980, quando
a democracia de massas foi finalmente estabelecida, depois de um longo
processo político caracterizado por avanços e retrocessos.
O desenvolvimento econômico do Brasil foi igualmente irregular. No
século passado, anos de crescimento econômico robusto foram seguidos por
graves crises, caracterizadas por baixo crescimento da renda, desequilíbrio
fiscal, inflação elevada e crises nas contas externas.
Na maior parte do século passado, a intervenção pública foi considerada
essencial para viabilizar o desenvolvimento econômico do Brasil. Caberia ao
setor público prover os meios para o financiamento do investimento privado,
garantir uma extensa agenda de investimentos públicos, além de coordenar
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fn0010 1 Gostaríamos de agradecer a Ana Carla Abrão Costa, Carlos Eduardo Soares Gonçalves Soares,
Flávio Stéfani Machado, José Roberto Afonso, Lourdes Sola, Mansueto Almeida, Marcos José
Mendes, Rozane Siqueira, Sérgio Lazzarini e Sérgio Vale pelos comentários, referências e dados.
Samuel Pessôa foi muito generoso e fez vários comentários. Simon Schwartzman foi cuidadoso
em seus comentários e revisões.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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as decisões de produção em diversas áreas, fornecendo proteção a setores
selecionados e controlando preços.
A relevância da política pública para o desenvolvimento econômico, e seu
papel em garantir um processo acelerado de industrialização doméstica, foi
consenso entre os principais grupos políticos, independentemente de suas
posições ideológicas, com poucas exceções. O nacional-desenvolvimentismo, como esse projeto tem sido denominado na literatura sobre história
econômica no Brasil, se iniciou com o período autoritário dos anos 1930,
continuou durante a democracia restrita da República Nova no pós-Segunda
Guerra, e foi reforçado nos anos 1970, durante a ditadura militar.
A literatura econômica define “rentismo” como o processo pelo qual
certos grupos obtêm privilégios e benefícios do poder público. Tradicionalmente, o termo significa o processo pelo qual interesses privados obtêm
favores especiais de órgãos governamentais, muitas vezes por mecanismos
e negociações obscuras. Nesse capítulo, propomos o termo “rentismo institucionalizado”, a fim de ampliar seu significado original em três aspectos.
Primeiro, as políticas de concessão de benefícios e privilégios por parte
do poder público são percebidas como legítimas e essenciais para promover
o crescimento econômico, além de dever mediar a interação e os conflitos
sociais e econômicos. Em vez de negociações obscuras, o rentismo decorre
em boa parte do projeto nacional-desenvolvimentista.
Segundo, a legitimidade do processo de pressão política e de concessão de
benefícios se estende para além dos grupos econômicos. Setores minoritários
organizados, por exemplo, há muito considerados sub-representados na
arena política, têm tido suas demandas por políticas públicas e benefícios específicos cada vez mais atendidas pela intervenção de órgãos governamentais.
Chamamos a esse fenômeno de captura reversa: em vez de órgãos públicos
serem capturados pela indústria regulamentada, eles são capturados por
minorias organizadas que demandam benefícios e tratamento específicos
nos serviços oferecidos, como preços e atendimento diferenciados.
Terceiro, a existência de grupos de interesse pode ser o resultado da
política pública, e não a sua causa. As políticas do governo podem ter a
intenção, por exemplo, de fornecer proteção temporária de modo a permitir
o desenvolvimento competitivo de determinado setor econômico. Nesse
caso, o sucesso da política teria como contrapartida a posterior remoção das
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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proteções e dos benefícios, que não seriam mais necessários. A consequência
da proteção, porém, é a criação de grupos que dela se beneficiam e que se
contrapõem a sua remoção, sobretudo caso a política de desenvolvimento
não seja bem-sucedida, e os setores não se tornem competitivos, pois a
remoção de privilégios significa o colapso de empresas, bem como a perda
de empregos.
Na primeira metade do século passado, o subdesenvolvimento do Brasil
foi entendido como consequência de uma falha de coordenação das decisões
privadas e da falta de proteção à competição externa. O país era principalmente uma economia agrícola, e a ausência de um amplo setor industrial
era vista como uma restrição ao desenvolvimento econômico, além da existência de poucos instrumentos para o financiamento de longo prazo dos
investimentos.
Como forma de superar essas restrições, diversos órgãos públicos foram
criados com o objetivo de proporcionar estímulo ao investimento privado,
coordenar as decisões econômicas do setor privado, intervir em mercados
específicos e fornecer incentivos a setores selecionados e proteger a produção
doméstica da concorrência externa. A gama de setores regulados era bastante
impressionante até a redemocratização, em meados dos anos 1980. Muito
mais do que a natureza da intervenção pública, o que distingue o Brasil de
outros países é o amplo alcance e os aspectos detalhados da sua intervenção
governamental.
Na formação do Estado brasileiro, o amplo espectro de setores regulados era apenas umas das dimensões do esforço do governo para regular
a sociedade, em muitos casos copiando aspectos da legislação autoritária
da Europa dos anos 1930, incluindo a ampla intervenção pública na
mediação e arbitragem dos conflitos econômicos e sociais e a definição
dos mecanismos de representação dos diversos grupos, financiados por
contribuições parafiscais, da mesma natureza que os impostos, mas que
não transitam pelo orçamento público, sendo destinados diretamente a
grupos privados.
Os períodos temporários de elevado crescimento econômico contribuíram para a legitimação da intervenção pública, ainda que periodicamente
seguidos por longos períodos de crises econômicas. Posteriormente, desde a redemocratização de meados dos 1980, a natureza da intervenção
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
governamental ampliou-se, passando a refletir os novos grupos com representação política, com implicações sobre a política econômica.
Os incentivos, proteções e privilégios proliferam no Brasil e vão
muito além dos incentivos fiscais habituais e das transferências de
recursos públicos. Instrumentos tais como empréstimos subsidiados,
protecionismo, controle de preços, regras de conteúdo nacional, transferência de recursos públicos não contabilizados no orçamento da União
são frequentemente utilizados por órgãos governamentais em uma extensão pouco usual na maioria dos países desenvolvidos, além de pouco
transparentes sobre o seu impacto sobre o resto da sociedade. Enquanto
os benefícios são tangíveis para os que os recebem, os custos sociais dos
benefícios não o são.
Essa é uma característica peculiar dos processos políticos brasileiros: os
órgãos governamentais são capazes de distribuir privilégios e benefícios sem
passar pela representação política habitual e pela deliberação do orçamento
público. Além disso, em vários casos, não há prestação de contas dos custos
impostos ao restante da sociedade, muito menos metas claras para as políticas
públicas e análise controlada dos resultados.
Os mecanismos de intervenção característicos do rentismo tornam
difíceis sua posterior remoção. Além disso, a introdução do rentismo cria
grupos de interesse que pressionam pela sua perpetuação. O resultado é um
Estado de grandes dimensões que fracassa em proporcionar o debate transparente sobre as políticas públicas.
A descentralização dos mecanismos de concessão de benefícios, que
muitas vezes não passam pelo orçamento público, a pouca transparência dos
impactos das políticas, o reduzido acesso aos dados para a análise independente dos resultados e os seus custos muitas vezes difusos para a sociedade,
traduzidos em menor eficiência dos processos ou maiores custos de produção,
dificultam a deliberação democrática das políticas públicas, resultando em
elevada carga tributária e a provisão deficiente de bens públicos. Por fim, o
rentismo cria distorções que, em última instância, produzem menor crescimento econômico e limitam a melhora da distribuição de renda. No Brasil,
a carga tributária nacional subiu de cerca de 25% do PIB, em meados dos
anos 1980, aos atuais 37%, maior do que os valores observados na maioria
dos países em desenvolvimento.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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Como discutiremos posteriormente, no entanto, o rentismo não é inevitável. A política pode optar pela definição de princípios e regras gerais
que normatizem as formas e critérios para a intervenção pública, ou, ao
contrário, pela ampliação da capacidade de intervenção discricionária por
parte do executivo.
Esse é o debate, por exemplo, sobre a definição de mandatos claros e
autonomia para as agências regulatórias em contraposição à sua subordinação
integral às decisões do poder executivo. Por um lado, a moldura institucional
com princípios, procedimentos e alçadas para a tomada de decisões, com
critérios claros para a formulação de políticas por parte dos poderes eleitos e
sua execução por parte das agências. Por outro, a preservação da capacidade
da intervenção discricionária por parte do executivo.
A existência de limites à intervenção discricionária pelo poder executivo
é parte da constituição do Estado Democrático. A economia política destaca
a possibilidade de conflito intertemporal das decisões públicas e o papel dos
desenhos institucionais em proteger escolhas eventualmente benéficas no
longo prazo, porém fragilizadas pelos interesses de curto prazo. Da mesma
forma que a independência do judiciário é parte do Estado de Direito,
a independência das agências regulatórias, ou do Banco Central, pode
proteger o poder executivo das pressões mais imediatas, desde que as regras
e procedimentos garantam que as escolhas das agências sejam consistentes
com os benefícios de longo prazo.
Após a redemocratização, foram introduzidas reformas institucionais que
garantiram a maior transparência e consistência das políticas públicas, como,
por exemplo, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em outros momentos, no entanto, a escolha da política pública foi a
ampliação dos mecanismos de concessão de benefícios e privilégios por meio
de instrumentos pouco transparentes, frequentemente fora do orçamento
público, como na reação do governo à crise externa que se iniciou em 2007.
A escolha pela discricionariedade confere maior liberdade para o poder
executivo, porém pode torná-lo refém das pressões de curto prazo ou de
interesses localizados. Por outro lado, a opção por agências regulatórias
independentes requer claros procedimentos e mecanismos transparentes
de decisão que minimizem a possibilidade de se tornarem reféns de grupos
de interesses.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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O Estado brasileiro encontra-se em uma encruzilhada, especialmente
depois de anos de excessos na política fiscal, inflação mais elevada do que
a observada em outros países emergentes e desenvolvidos, baixo crescimento econômico e, mais recentemente, agitação social: a tributação
não pode ser aumentada muito mais, mas as demandas sociais ainda são
muitas, como no caso de serviços públicos, especialmente de saúde e
educação. Essa agenda requer uma intervenção mais eficiente do governo
e deliberação democrática das políticas públicas, com regras e procedimentos que garantam o a avaliação transparente dos seus resultados.
Este capítulo se inicia com uma resenha da literatura recente sobre a relação
entre democracia e crescimento econômico. Em seguida, são discutidos os aspectos específicos do desenvolvimento político e econômico da América Latina
e do Brasil, seguindo os trabalhos originais de Engerman e Sokoloff. Após um
breve histórico do desenvolvimento brasileiro no século XX, o capítulo sistematiza diversos mecanismos de rentismo no Brasil, destacando a amplitude
dos tratamentos diferenciados e os diversos mecanismos de proteção e subsídios
cruzados entre grupos sociais que não passam pelo orçamento público. Na
sequência, diversos indicadores do grau de desenvolvimento democrático do
Brasil são comparados com os de outros países. Por fim, este capítulo sistematiza nossas principais conclusões e oferece algumas propostas de transparência
e controle democrático da intervenção pública no Brasil.
st0015
Crescimento e democracia na literatura econômica
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Nas últimas duas décadas, após a contribuição de Douglass North, a pesquisa
acadêmica tem destacado sistematicamente a importância das instituições
para o crescimento econômico (Aghion e Howitt, 2009). Instituições definem
as regras e os incentivos associados às escolhas individuais das firmas e das
famílias, estabelecendo os comportamentos que devem ser recompensados e
os que devem ser desestimulados. Dependendo das regras, esses incentivos
podem estar em maior ou menor medida associados a benefícios sociais.
A pesquisa empírica desde o final dos anos 1990 mostra que as instituições adequadas para o crescimento são as que garantem os direitos
de propriedade, oferecem um ambiente econômico estável e produzem
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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incentivos eficientes para as decisões privadas. Regras que recompensem
ganhos de produtividade induzem melhoras na gestão das empresas e levam
ao aumento da produtividade e da geração de renda da sociedade. Por outro
lado, a proteção perene de setores selecionados à concorrência externa pode
permitir a sobrevivência de empresas ineficientes implicando custos maiores
para os demais setores produtivos e menor produtividade para o total da
economia. Regras e instituições tão diversas como a regulação dos mercados
de crédito e de trabalho, os procedimentos dos sistemas judiciais e o desenho
regulatório de setores específicos, como infraestrutura, foram identificados
como fatores relevantes para explicar as diferenças de renda entre os países
(Acemoglu e Robinson, 2005; Pincus e Robinson, 2011).
A existência de regimes democráticos, entretanto, parece ser pouco
correlacionada com o desenvolvimento econômico.2 Entre os países pobres,
observa-se grande diversidade de regimes políticos, ou graus de democracia,
ao passo que em países mais ricos a diversidade é reduzida, com uma relação
mais clara entre democracia e renda (Gráfico 1). Quanto mais distante o país
Gráfico 1 Sistema político versus PIB per capita
PIB per capita – US$ PPP – média 2008-12
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60000
50000
40000
30000
Brasil
20000
10000
0
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
Sistema Político
u0015 Fonte: FMI, Global Democracy Ranking. PPP= Paridade do Poder de Compra
u0010
fn0015 2
Lourdes Sola, ao comentar o artigo, pondera que as instituições pró-crescimento são todas
movidas por múltiplos processos democráticos, envolvendo conflito, contestação e gradual
incorporação de novos setores ao sistema político. Assim, algum grau de democracia seria
naturalmente necessário para seu desenvolvimento.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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se encontra da fronteira tecnológica, menos previsível parece ser o seu regime
político. Por outro lado, os países mais ricos, a despeito de desenvolvimento,
tendem a ser regimes democráticos plenamente estabelecidos. A democracia
parece ser o destino da maioria dos países ricos, embora, por si só, não indique o futuro dos mais pobres.
Lipset (1959) propôs uma relação de causalidade entre desenvolvimento econômico e democracia. A constituição e a estabilidade dos regimes
democráticos dependeriam do desenvolvimento de instituições específicas,
bem como de condições sociais e econômicas tais como prosperidade,
educação, existência de uma classe média, ausência de graves desigualdades,
regras que permitem a existência de partidos de oposição e liberdade de
expressão e um conjunto de crenças que aceitem o Estado de direito e os
direitos humanos (Barro, 1996: Lipset, 1959, 1993; Przeworksi e Limoge,
1993).
Entretanto, a evidência empírica disponível não parece sustentar
a hipótese de causalidade entre democracia e crescimento. 3 Acemoglu, Johnson, Robinson e Yeared (2008) mostram que a relação entre
democracia e crescimento não é significativa quando se consideram as
características específicas de cada país, capturadas pelo que, no jargão
econométrico, são denominados efeitos fixos.4 Isso sugere a existência de
fatores estruturais dos países que afetam tanto o processo de desenvolvimento econômico quanto do sistema político. Uma vez consideradas
essas características, não é possível afi rmar que há causalidade entre
crescimento e democracia. Os autores propõem que, devido a razões históricas, alguns países promoveram instituições que protegem o Estado
de direito, estimulam o crescimento econômico, e, simultaneamente, a
construção democrática, bem como políticas sociais inclusivas em setores
como educação.
fn0020 3 Barro (1996) analisa um painel de vários países e controla fatores institucionais adicionais, tais
como um índice de Estado de direito e a parcela de consumo do governo no PIB, e conclui que
não há impacto significativo da democracia sobre o crescimento.
fn0025 4
Os efeitos fixos são efeitos independentes do tempo, que possivelmente estão correlacionados
com o regressor. Se omitidos, influenciam a estimativa do impacto da variável independente
sobre a estimativa.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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Gráfico 2 Crescimento do PIB per capita versus sistema político
Ditadura
Ditadura
20%
15%
10%
5%
0%
2010
2005
2000
1995
1985
1980
1975
1970
1965
1960
1955
1950
1945
1940
1935
1930
1925
1920
1915
1910
1905
–10%
1900
Democracia
de massa
Democracia
limitada ou
de elite
1990
Prédemocracia
–5%
Fonte: Ipea, IBGE.
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A ausência de correlação entre democracia e crescimento também é uma
característica da experiência brasileira (Gráfico 2). Democracia e regimes
autoritários alternaram-se algumas vezes no século passado, não apresentando correlação com os ciclos econômicos.
As instituições são, entretanto, o resultado de escolhas da sociedade, e
as pessoas preferem ser ricas a pobres. Se há instituições que oferecem mais
renda no longo prazo, por que a escolha por receber menos? Por que alguns
países escolhem um conjunto de regras que levam a um equilíbrio de Pareto
inferior? Por que certas instituições mais condizentes com o crescimento
econômico são desenvolvidas em alguns países, e não em outros?
st0020
Colonização, desenvolvimento e as origens do rentismo
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Em uma série de artigos influentes, Engerman e Sokoloff propuseram
que os recursos naturais e o tamanho da população foram decisivos para a
definição do padrão de colonização – exploração versus povoamento –, que,
em última instância, forjou as instituições e influenciou substancialmente o
posterior desenvolvimento econômico das colônias americanas (Engerman
e Sokoloff, 1997; 2012; Sokoloff e Engerman, 2000).
Seguindo uma linha semelhante, Acemoglu, Johnson e Robinson (2001;
2002) investigaram a relevância do modelo de colonização para explicar os
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
diferenciais de renda entre os países americanos atualmente, visto que as instituições construídas no período colonial se mantiveram ao longo do tempo.
As condições e o clima da América do Norte induziram a um processo
de colonização por povoamento e à produção para consumo local, reproduzindo vários aspectos da vida na Europa. O modelo que prevaleceu foi
de uma sociedade mais igualitária, com pequenas propriedades agrícolas
comerciando com vizinhos e uma produção competitiva de grãos que levou
à especialização, logística, inovação e ganhos de produtividade (Sokoloff
e Engerman, 2000). Os colonos adotaram instituições para proteger os
direitos de propriedade e assegurar o cumprimento de contratos, replicando
sua experiência europeia.
Em contraste com a situação da América do Norte, as áreas tropicais
proporcionavam condições favoráveis para produzir com eficiência bens
que eram valiosos para a Europa, a partir da exploração da terra e do uso de
trabalho escravo. A intenção dos colonizadores não era se estabelecer, mas
explorar e colher os recursos naturais. A colonização induziu à produção em
larga escala e a mecanismos de controle que possibilitaram a apropriação da
renda pelas elites locais. Esse modelo de crescimento requeria instituições
que fortalecessem os mecanismos de rentismo, o que resultou numa sociedade mais desigual e no acesso restrito ao poder político. Mecanismos de
rentismo governamentais eram parte essencial desse modelo. É interessante
notar que mais da metade da renda do governo português no período da
colonização veio de transferências do Brasil, de acordo com Mattoso (1993).5
No fim do período colonial havia duas Américas. No Norte, os colonos,
na sua maioria, produziam para o consumo interno, e a sociedade era mais
igualitária. Diversas áreas do Sul eram mais ricas, devido ao comércio com a
Europa. O Caribe, por exemplo, tinha a renda per capita mais alta, superando
a da América do Norte até o século XIX,6 porém em uma sociedade mais
desigual.
No entanto, a partir do século XIX, os caminhos de desenvolvimento
se inverteram e as áreas tropicais tiveram um desempenho econômico
fn0030 5
Conhecemos a pesquisa de Mattoso a partir de Caldeira (1999, p. 229), que tem uma análise
econômica muito original e provocante do Brasil nos tempos coloniais.
fn0035 6 Por exemplo, a renda per capita de Cuba era equivalente a 167% à dos Estados Unidos em 1700,
e 122% em 1800, de acordo com Sokoloff e Engerman (2000).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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inferior ao da América do Norte. Instituições que eram adequadas durante
o período colonial tiveram diversos de seus aspectos principais mantidos
após os movimentos de independência, e se revelaram menos adequadas à
economia de mercado. Acemoglu, Johnson e Robinson (2002) referem-se
apropriadamente a esse processo como uma “reversão da sorte”.
Se as trajetórias de crescimento foram invertidas, o mesmo não se pode
dizer sobre a participação política e a distribuição de renda. Em colônias de
exploração como o Brasil, a alta desigualdade e a participação política restrita permaneceram após o período colonial,7 assim como a falta de acesso
à educação.8
A “Reversão da Sorte” sugere diversas perguntas. Por que as instituições
coloniais sub-ótimas persistiram? Por que as áreas tropicais optaram por
não seguir o caminho das instituições norte-americanas, que se mostraram
mais bem-sucedidas após o final do século XIX? Por que a América Latina
ficou para trás? Por que algumas democracias floresceram e revelaram-se
resilientes, enquanto outras provaram ser muito suscetíveis a eventos da
atualidade?
Dadas as regras do jogo, definidas pelas instituições e pelos incentivos
que regem o comportamento individual, as pessoas fazem escolhas para
maximizar o seu bem-estar. Se isso implica um equilíbrio de Pareto
inferior é porque as pessoas não percebem os benefícios de mudar as regras, ou porque alguns grupos com poder de veto, que estariam em pior
situação no novo ambiente, podem obstruir as mudanças, especialmente
se a sociedade não tem forma crível para compensar suas eventuais perdas.
Esse padrão de comportamento parece aplicar-se a sociedades rentistas,
que se apoiam em instituições que concedem benefícios e privilégios especiais para poucos escolhidos e restringem a participação política dos
demais grupos sociais, podendo explicar a sobrevivência de um equilíbrio
de Pareto inferior.9
fn0040 7 Sokoloff e Engerman (2000) apresentam dados sobre as regras de votação, bem como as taxas
de alfabetização para vários países da América no século XIX.
Sokoloff e Engerman (2000) argumentam que a importância das escolas primárias públicas
foi reconhecida em toda a América no final de 1800, porém somente nos Estados Unidos e no
Canadá elas foram realmente implementadas.
fn0050 9 Para um modelo econômico de rentismo, ver Barelli e Pessôa (2010).
fn0045 8
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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No Brasil, o rentismo tem se revelado bastante estável, apesar de seu
resultado sub-ótimo. Sua longa prevalência pode decorrer de vários fatores.
Em primeiro lugar, a prática de rentismo reflete crenças generalizadas
sobre a natureza de um processo de desenvolvimento bem-sucedido.10 Por
estar longe da fronteira tecnológica, segundo o nacional-desenvolvimentismo, seria necessária uma política alternativa para a convergência da renda
per capita dos países desenvolvidos. Essa política implicaria a proteção
temporária da indústria doméstica em relação à competição externa, de
modo a viabilizar ganhos de produtividade e a posterior competitividade
com os países desenvolvidos. Em segundo lugar, há incerteza sobre políticas públicas e práticas alternativas – por exemplo, sobre as consequências
particulares da liberalização do comércio na economia do país e os grupos
eventualmente afetados.11 Terceiro, o rentismo cria grupos politicamente
vocais que dependem dessas políticas e reagem às mudanças propostas. Em
quarto lugar, a falta de transparência dos impactos das políticas dificultam o
debate democrático sobre as opções existentes e seus custos de oportunidade.
Por fim, por muitos anos, o nacional- desenvolvimentismo foi bem-sucedido
em gerar ciclos de crescimento econômico, não obstante as frequentes crises
periódicas – caracterizadas por desequilíbrio fiscal, inflação elevada e crises
nas contas externas – atribuídas a choques exógenos,
No nacional desenvolvimentismo, as regras e os procedimentos são
substituídos pela intervenção discricionária, e o custo dos benefícios é distribuído por toda a sociedade. Não há avaliação controlada e sistemática
dos resultados de políticas públicas, e os privilégios, uma vez concedidos,
são protegidos do debate público pela obscuridade dos procedimentos, e estabelecidos por vários mecanismos legais que dificultam mudanças futuras.12
fn0055 10
De acordo com Greif (2006), as instituições devem refletir a sociedade ou as crenças dos
tomadores de decisão para que os processos políticos e econômicos sejam sustentáveis. Além
disso, o sistema precisa entregar à sociedade o que dele se espera. Caso contrário, surgirão
questionamentos sobre as regras e instituições, levando a uma reavaliação das políticas públicas
empreendidas.
fn0060 11 Ver, por exemplo, Rajan e Zingales (2006) cujo modelo teórico defende que a incerteza impede
as reformas.
fn0065 12 Tullock (2005) propôs o primeiro modelo de rentismo, termo cunhado por Krueger (1978).
As obras de Tullock antecipam as conjecturas de Douglass North sobre o papel da Revolução
Gloriosa no posterior desenvolvimento econômico da Inglaterra.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
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p0220
A recorrência do rentismo e da intervenção estatal não devem, no entanto,
obscurecer a relevância de mudanças nos processos políticos, inclusive após a
democratização de meados da década de 1980. Como discutiremos adiante,
as escolhas políticas são relevantes para o enfrentamento das dificuldades e
têm implicações sobre os mecanismos de intervenção do Estado.13
st0025
Perspectiva histórica
p0225
O Brasil passou por muitos ciclos políticos desde os tempos coloniais.
Nesse longo período, contudo, os mecanismos de rentismo não só foram
preservados, como também reforçados. A partir da década de 1930, disseminou-se a visão segundo a qual o desenvolvimento econômico seria o
resultado da intervenção estatal por meio de proteção, incentivos e benefícios
para setores selecionados.
O nacional-desenvolvimentismo não foi exclusivo do Brasil. A partir
dos anos 1930, a crise econômica internacional teve como consequência o
fortalecimento do nacionalismo e de políticas públicas orientadas para o
incentivo à produção nacional e à diminuição da dependência em relação
ao comércio exterior.14
Durante a longa ditadura Vargas (1930-1945), os direitos políticos
foram limitados e o governo assumiu cada vez mais o papel de mediador,
tanto nas decisões econômicas e políticas como nos conflitos. Os órgãos
governamentais passaram a monitorar e a desempenhar um papel cada vez
mais importante nas decisões de investimento e alocação de recursos, bem
como na mediação de conflitos sociais. Tribunais especiais e regras limitavam
severamente o escopo de negociação dos agentes privados em diversas
relações privadas, como as relações de trabalho (Abreu, 1990b).
p0230
p0235
fn0070 13
Em seu comentário a este trabalho, Lourdes Sola destaca a ideia de que a política importa; o
que significa que a estrutura de Estado pode ser utilizada de diferentes formas por cada governo,
visando a objetivos igualmente diversos, o que contribui para explicar os ciclos de rentismo mesmo
após a democratização do país. O desafio da democracia não seria apenas atender às demandas
sociais, mas também fazê-lo de forma coordenada e, portanto, consistente ao longo do tempo.
fn0075 14 Para uma visão geral do desenvolvimento brasileiro e do papel das instituições e das políticas
governamentais, ver Leff (1991). Para uma discussão sobre a resposta do Brasil à crise de 1929
e o início do projeto nacional-desenvolvimentista, ver Malan, Bonelli, Abreu e Pereira (1980).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
Após a Segunda Guerra Mundial, sob uma democracia restrita, ou “de
elite”,15 consolidou-se o projeto de desenvolvimento liderado pelo governo,
seguindo outros países em desenvolvimento. O arcabouço ideológico que
respaldava a intervenção do governo foi chamado de nacional-desenvolvimentismo, segundo o qual o subdesenvolvimento seria o resultado de uma
falta de coordenação e de recursos para financiar os investimentos privados.
O setor público deveria superar essas limitações por meio da concessão de
proteção e incentivos para os setores econômicos selecionados e intervir nos
mercados de modo a estimular e garantir o desenvolvimento econômico e
selecionar os beneficiários, sobretudo o setor industrial.1616
Na década de 1950, a renda gerada pela agricultura de exportação foi
transferida para o setor industrial por meio de vários mecanismos, incluindo
impostos sobre diversos produtos agrícolas e um complexo sistema de taxas
de câmbio múltiplas, além de barreiras comerciais. Esses mecanismos protegiam o setor industrial da concorrência externa e forneciam inicialmente
incentivos para a importação de insumos e bens de capital.17 Além disso,
o governo também coordenava as decisões de produção e de investimento
com o setor privado. Vários monopólios públicos foram criados, de petróleo
a resseguro, e as empresas estatais forneciam os serviços públicos. O governo
também garantia investimento em infraestrutura e recursos por meio dos
bancos públicos, além da construção de uma nova capital, Brasília.18
Os recursos públicos não foram suficientes para o extenso projeto de
desenvolvimento, resultando em déficits públicos e inflação crescentes e
fn0080 15
Nesse período, setores urbanos foram incorporados ao sistema político, com a extensão de
direitos e alguns mecanismos de bem-estar social aliados à implementação de múltiplos instrumentos de regulação da sociedade civil, como aqueles que visavam incorporar interesses
organizados de sindicatos e empregadores à estrutura de Estado.
fn0085 16 Bielschowsky (1988) sintetiza a ideologia nacional-desenvolvimentista.
fn0090 17 Para a história econômica desse período, ver Abreu (1990a).
fn0095 18 Para a história do desenvolvimento institucional que levou à criação do BNDE no Brasil,
ver Campos (2004). No final do século XX, o BNDES tornou-se um dos maiores bancos de
desenvolvimento do mundo. Há uma extensa literatura sobre o papel do governo na promoção
do desenvolvimento e as razões por trás dos poucos casos de sucesso, mas pouco debate em
torno dos mais diversos casos de fracasso. Bhagwati e Panagariya (2013) discutem o fracasso
da intervenção do governo na Índia e apresentam uma discussão geral sobre políticas públicas,
crescimento e desenvolvimento. Ver também Pack e Saggi (2006) e Robinson (2009). Para a
experiência na América Latina, ver Edwards (2010). Para uma visão mais otimista de algumas
intervenções públicas que promovem o crescimento, ver Rodrik (2007).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
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51
crises nas contas externas, não obstante os controles cambiais. Entretanto,
seguindo a ideologia da época, a inflação elevada era considerada o resultado
de restrições de oferta, em vez de falta de disciplina monetária e fiscal.19
No final da década de 1950, os desequilíbrios macroeconômicos levaram
à crescente inflação e a graves restrições externas. A Guerra Fria acrescentou mais pressão a um ambiente econômico e político que já era difícil;
a instabilidade política e a agitação social aumentaram, com reivindicações
crescente dos diversos grupos sociais. A combinação de uma intervenção
pública que se caracterizava pela concessão de benefícios (e não por regras
que valem para todos) e pela falta de prestação de contas dos recursos públicos, com instabilidade macroeconômica e crescentes demandas sociais,
tornou-se explosiva. O agravamento da situação econômica e política no
início da década de 1960 teve como consequência infeliz um golpe militar
em 1964, que resultou em uma longa ditadura, de 21 anos.
A crise econômica e a centralização política em meados dos anos 1960
foram os ingredientes para um maior controle dos gastos públicos e diversas
reformas econômicas liberais: por exemplo, a criação do Banco Central, o
aperfeiçoamento da regulação dos mercados de capitais, a introdução de
vários instrumentos de crédito. As reformas liberais induziram a ganhos de
produtividade e, em conjunto com um ambiente externo favorável, promoveram o crescimento econômico nos anos seguintes.20
Quando o país voltou a crescer, no fim da década de 1960, progressivamente foram retomados os instrumentos usuais do nacional desenvolvimentismo: forte intervenção governamental, concessão de privilégios
e incentivos para setores selecionados e controle de preços. As políticas
fiscais tornaram-se cada vez mais expansionistas, conduzindo à aceleração
da inflação e ao aumento do déficit da balança de transações correntes, e o
regime de política macroeconômica foi claramente de “dominância fiscal”,
ou seja, de financiamento inflacionário dos déficits fiscais. Além disso, a
agenda de reformas do fim dos anos 1960 criou mecanismos de indexação
da economia, permitindo postergar os ajustes na política econômica.
fn0100 19 Sobre essa perspectiva econômica no Brasil até o final de 1970, ver Bielschowsky (1988, seções
2, 3, 4) e Pinto, Assael, Prado e Marinho (1978).
A respeito das reformas e seu impacto sobre o crescimento, ver Veloso, Villela e Giambiagi
(2008). Lara Resende (1990) apresenta uma descrição da política econômica naquele momento.
fn0105 20
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
Gráfico 3 Inflação para o consumidor (taxas médias anuais)
f0020
70%
800%
61%
671% 680%
60%
55%
700%
600%
50%
500%
40%
400%
30%
26%
19%
20%
10%
10%
12%
9%
11%
27%
300%
22%
153%
6%
200%
100%
2%
0%
0%
1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995
Fonte: Ipeadata, 1945-1995: média CPI Rio de Janeiro (FGV) e São Paulo (Fipe).
p0270
p0275
p0280
p0285
A reação do governo à crise externa de 1974 foi reforçar o projeto nacional-desenvolvimentista, com a seleção de diversos setores escolhidos para
receber financiamento e proteção do governo, da indústria naval a de bens
de capital, dos setores básicos à infraestrutura.
A opção do governo para lidar com a inflação elevada foi fortalecer o
mecanismo de indexação, em lugar de promover uma consolidação fiscal,
levando a um processo inflacionário crescente a partir do fim dos anos 1970.
O Gráfico 3 mostra a evolução da inflação anual em intervalos de cinco anos.
Devido ao impressionante aumento da inflação a partir de 1980, os três
últimos intervalos de cinco anos têm uma escala diferente no lado direito.
A inflação elevada não foi o único mecanismo de financiamento do
governo. O Brasil se destaca pela existência de muitos dispositivos de financiamento voltados para fornecer privilégios, porém ausentes do escrutínio
público. Essa falta de transparência dos custos e de avaliação dos resultados
é uma característica comum nos modelos de rentismo, como enfatizado por
Buchanan (1967).21
O nacional-desenvolvimentismo proporcionou um crescimento robusto até 1980, mas igualmente resultou em um ambiente macroeconômico
fn0110 21 Agradecemos a Rozane Siqueira por essa referência. Em artigo inédito, ela e coautores demons-
tram a natureza rentista de impostos governamentais e transferências de dinheiro no Brasil.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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instável, frequentemente abalado por choques externos ou crises internas
(Carneiro e Modiano, 1990). Em média, as taxas de crescimento foram
robustas – cerca de 7% ao ano do início de 1950 ao final de 1980; números
que também refletem fatores demográficos. As taxas de crescimento da
renda por trabalhador eram altas, mas não superiores às de outros países em
desenvolvimento naquele período, como a Coreia do Sul.22
A ênfase do nacional-desenvolvimentismo no aumento da produção,
sobretudo industrial, tinha como consequência perversa os baixos gastos com a
provisão de serviços públicos, como saúde e educação, ficando atrás de alguns
países muito mais pobres. A desigualdade de renda piorou significativamente
nos anos 1960 e 1970. A grave crise fiscal e externa levou ao contínuo aumento
das taxas de inflação e à progressiva estatização das dívidas privadas externas,
com a piora crescente das contas públicas, resultando em uma grave crise
econômica, na sequência da política monetária contracionista do Fed, o Banco
Central Americano. Simultaneamente, a abertura política e os movimentos sociais resultaram na redemocratização e a uma série de reformas institucionais.
st0030
Redemocratização
p0295
A mudança de regime em meados dos anos 1980 resultou em uma profunda
mudança nas formas de representação política e interação com o poder público. Sindicatos ganharam autonomia e muitas formas de associativismo
surgiram, todas refletindo o ativismo da sociedade civil. A Constituição de
1988 resultou desse novo quadro político de instituições democráticas. Uma
maior participação social – cerca de 10 mil sindicatos foram criados – e
demandas sociais mais vocais começaram a desempenhar um papel importante no desenho da agenda econômica. Além disso, o baixo crescimento, a
fn0115 22 A Coreia do Sul teve um projeto de desenvolvimento similar, amplamente baseado na política
industrial e intervenção do governo. No entanto, o orçamento do governo manteve-se relativamente equilibrado durante a maior parte da segunda metade do século passado, resultando
em taxas de inflação muito baixas. A intervenção econômica ocorreu concomitantemente a um
grande investimento em educação e, além disso, os benefícios e proteções foram limitados e
conjugados à concorrência estrangeira. A transparência dos benefícios públicos, a prestação de
contas dos resultados de políticas públicas e os investimentos sociais diferenciam a experiência
sul-coreana da brasileira. Para uma análise do processo de desenvolvimento latino-americano e
alguma comparação com a Ásia Oriental e a Coreia do Sul nesse assunto, ver Edwards (2010).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
desigualdade de renda, o descontrole da política fiscal e a escalada inflacionária levaram a uma crescente pressão da opinião pública por estabilização
dos preços, maior crescimento econômico e maior igualdade social.
Nos primeiros anos de democracia, o debate e as ações de política pública
estavam concentrados em estratégias de estabilização de preços, o que limitou
a possibilidade de uma agenda econômica mais ampla. Além disso, o ambiente
político estava particularmente perturbado devido a uma sequência de planos
de estabilização mal-sucedidos que culminaram com a renúncia do presidente
Collor (1990-1992) – o primeiro presidente democraticamente eleito por voto
direto –, em meio a uma grave crise econômica e um escândalo de corrupção.
Ainda assim, algumas importantes reformas pró-mercado foram implementadas: gradual liberalização comercial e financeira, o início de um
programa de privatização e a criação de órgãos de defesa do consumidor.
A demanda da sociedade por estabilidade macroeconômica levou à eleição
do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o ministro da Fazenda
que havia lançado o bem-sucedido plano de estabilização, o Plano Real, em
1994. A consolidação e sustentação da baixa inflação exigiam um regime
fiscal sólido, e levaram a várias reformas, incluindo a da previdência social, e um
programa de privatização amplo, seguido da criação de agências reguladoras.
O equilíbrio fiscal e a redução da instabilidade macroeconômica foram
fundamentais para a saída da grave crise econômica, assim como para uma
melhora inicial da distribuição de renda. Alguns novos programas sociais
foram introduzidos nesse período, como as políticas de transferência de
renda e a recuperação do poder de compra pelo salário mínimo. Um programa particularmente bem-sucedido foi o Bolsa Escola, que transferia renda
para famílias de baixa renda com filhos na escola. Mais tarde, no governo
do Presidente Lula (2003-2010), alguns desses programas de transferência
de renda foram unificados em um único programa, o Bolsa Família.
A melhora do ambiente econômico dos anos 1990, entretanto, não foi
suficiente para permitir um crescimento econômico significativo. Além
disso, a agenda de reformas liberais encontrou crescentes resistências após
o Plano Real. Grupos de interesse localizados resistiram às privatizações,
assim como à redução dos benefícios e privilégios concedidos a grupos
localizados. As dificuldades com a regulação de setores de infraestrutura
e o baixo crescimento econômico do período, apesar da estabilidade dos
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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preços, levaram a um ambiente de instabilidade política e à incerteza sobre
os rumos da política econômica após a eleição de 2002, resultando em uma
grave crise econômica.
A grave crise de 2002 foi enfrentada com uma política econômica surpreendentemente ortodoxa no primeiro governo Lula, que se concentrou
na estabilidade macroeconômica e promoveu várias reformas pró-mercado
nos mercados de capitais e de crédito. A evidência sugere que essas reformas
melhoraram a eficiência do mercado, levaram a uma rápida expansão do
crédito e desempenharam um papel relevante no estímulo à formalização
da economia, com o desenvolvimento do mercado de capitais. Além disso,
o governo centralizou e expandiu as políticas sociais iniciadas no governo
FHC. O resultado dessas reformas foi o aumento da produtividade em
diversos setores.23 Além disso, desde os anos 1990, a melhoria do mercado
de trabalho e as políticas sociais levaram à redução da desigualdade de renda,
como mostra o Gráfico 4.24
Gráfico 4 Coeficiente de Gini e PIB per capita.
f0025
12.000
0,62
0,60
10.000
0,58
8.000
0,56
6.000
0,54
4.000
0,52
2.000
0,50
0
0,48
1950
1960
1970
Coeficiente de Gini
1980
1990
2000
2010
PIB per capita (PPP)
Fonte: Ipea.
fn0120 23
Ver Lisboa e Pessôa (2013) e Veloso, Vilella e Giambiagi (2008) para uma pesquisa sobre a
evidência dos impactos das reformas institucionais na produtividade e no crescimento nesse
período.
fn0125 24 Para uma análise aprofundada da evolução da distribuição de renda no Brasil nas últimas
décadas, ver Barros, Foguel e Ulyssea (2007a).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
A redemocratização levou a uma expansão das transferências governamentais e benefícios públicos passaram a ser concedidos a novos grupos
sociais, anteriormente menos vocais na arena política. O índice de Gini caiu
1,2% por ano entre 2001 e 2005, e a renda dos 20% mais pobres cresceu
cinco pontos percentuais acima do rendimento médio.25
Além do foco em políticas sociais, a democracia também foi importante
para a promoção de reformas econômicas sólidas. Surpreendentemente,
algumas reformas econômicas dos anos 1960 e do início da década de 2000
foram bastante semelhantes: reformas liberais pró-mercado e pró-crescimento, incluindo reformas institucionais projetadas para fornecer regulação
adequada, semelhante à observada em economias desenvolvidas. No entanto,
os processos de reforma foram distintos, na medida em que as reformas na
democracia exigem negociações e evoluem mais lentamente porém tendem
a ser o resultado de um processo político respeitoso dos procedimentos, e
da negociação mais transparente dos conflitos.
Um exemplo importante de reforma bem-sucedida foi a consolidação
do regime fiscal. Na década de 1990, a demanda social por inflação baixa
exigia disciplina fiscal perene, que foi implementada por meio de um amplo conjunto de instrumentos, incluindo a privatização, renegociação e
consolidação da dívida pública dos estados, a reforma (parcial) da previdência
social, a introdução de regras fiscais de superávit primário para o governo
federal e a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outro exemplo disso é o Banco Central, legalmente estabelecido em
1967, sob a ditadura, com alguma autonomia legal, que logo foi unilateralmente revogada pelo presidente da República. Sob a democracia, ao contrário, a autonomia do Banco Central não foi concedida, mas os procedimentos
e costumes construídos tem conferido uma relativa autoridade da política
monetária, que tem sido essencial tem sido essencial para o regime de metas
de inflação estabelecido em 1999.
O desafio da democracia não é apenas atender às demandas sociais, mas
também fazê-lo de forma coordenada e sustentável ao longo do tempo. Os
processos políticos e as formas de implantação das políticas públicas são
fn0130 25 Barros, Carvalho e Franco (2007) e Barros, Carvalho, Franco e Mendonça (2007) analisam a
redução da desigualdade de renda e apresentam estimativas sobre o impacto das políticas governamentais na desigualdade de renda. Barros, Fogel e Ulyssea (2007b) sintetizam os resultados.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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relevantes para seu desenvolvimento a longo prazo. Políticas negociadas
com base em regras e procedimentos democráticos e representativos dos
diversos interesses envolvidos têm se revelado mais sólidos e sustentáveis.
O rentismo não é inexorável. No fim dos anos 1990, os governos estaduais apresentavam desequilíbrios nas contas públicas. A reação do
governo federal foi propor uma renegociação das dívidas simultaneamente
à introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal. Novas concessões de
benefícios fiscais deveriam deixar claras as suas implicações sobre outras
políticas que deveriam deixar de ser realizadas ou as fontes de receita
para o seu financiamento, como novos impostos, garantindo maior transparência das decisões orçamentárias assim como a sua maior consistência
intertemporal.
A partir do fim dos anos 1990, houve intenso debate sobre a proposta
de autonomia das agências regulatórias. Quais devem as regras, e limitações, para a intervenção dos diversos órgãos públicos, e quais devem ser os
procedimentos democráticos para a tomada de decisões?
Agências independentes, com mandatos e regras claras para a intervenção
nos setores regulados, reduzem a capacidade de intervenção do poder executivo, limitado à nomeação dos reguladores e à proposição de política pública,
muitas vezes submetida a procedimentos legislativos, porém delegando a
sua execução às agências. Protege-se assim o poder executivo das pressões
localizadas e dos interesses de curto prazo. O adequado funcionamento das
agências, por sua vez, requer regras e procedimentos que garantam transparência das suas decisões, sendo avaliados todos os interesses contraditórios,
de modo a protegê-las dos grupos de interesse.
Durante a primeira metade da década de 2000, o debate entre regras e
procedimentos, por um lado, e a capacidade discricionária do poder executivo,
por outro, não avançou. O resultado político foi uma solução intermediária,
com relativa autonomia para as agências regulatórias e o Banco Central,
porém com a preservação de mecanismos de pressão por parte do executivo.
A reação do governo federal à crise externa que se inicia em 2007 foi na
direção de reforçar a capacidade de intervenção discricionária por parte do
poder executivo e a ampliação dos mecanismos de concessão de benefícios e
privilégios, tendo por objetivo a retomada do nacional desenvolvimentismo
como forma a estimular a economia.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
Foram adotados diversos instrumentos com pouca transparência no
orçamento público, implicando, porém, aumento futuro dos gastos e da
dívida pública bruta, ainda que não da dívida líquida devido a mecanismos
bastante complexos e pouco transparentes, que resultaram na expressão
contabilidade criativa, incluindo aportes de capital aos bancos públicos, utilização dos recursos do FGTS para capitalizar empresas privadas e concessões
de serviços públicos com financiamento subsidiado.
Além disso, foram também disseminados mecanismos de proteção a setores selecionados, como as regras de conteúdo nacional, impondo um custo
adicional para as demais empresas que compram destes setores. Benefícios
para alguns com custos difusos e sem clara contabilização sobre os demais.
A escolha entre regras institucionais que estabeleçam regras e procedimentos para a deliberação das políticas em contrapartida à capacidade
de intervenção discricionária mostra a importância da política e o papel
das instituições em garantir a transparência e critérios para a intervenção
pública.26
As concessões de crédito dos bancos públicos aumentaram significativamente nos últimos seis anos, a fim de financiar o setor privado. O crédito
concedido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social) atingiu sozinho 11% do PIB em 2013. A gestão pública, e grande
parte da sociedade, apostou que restaurando os antigos incentivos, o Brasil
seria capaz de vencer o difícil cenário externo. Infelizmente, oito anos depois,
os resultados são frustrantes.
Desde a crise global de 2008, os ganhos da produtividade total de fatores –
um dos motores do crescimento econômico no governo Lula – declinou para
os níveis anteriores a 2003 (Lisboa e Pessoa, 2013), resultando em menor
crescimento econômico. A introdução de várias distorções de mercado afetou
negativamente o crescimento da produtividade, a capacidade de crescimento,
além do surgimento de novos grupos de interesse que criam obstáculos a
reformas da política pública.
A incerteza sobre a política econômica e o compromisso do governo com
contratos levaram a um ambiente macroeconômico mais volátil. A política
fn0135 26
Para uma discussão sobre alguns retrocessos recentes no arcabouço institucional, ver Pessôa
(2011).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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fiscal foi afrouxada e a política monetária foi lenta em reagir à inflação
mais elevada. O cenário de deterioração macroeconômica contribuiu para
o fracasso do Estado em oferecer serviços públicos de qualidade aceitável,
apesar da alta carga tributária.
A baixa qualidade dos serviços públicos está atualmente no centro do
debate no Brasil. Esse quadro se reflete na baixa posição do Brasil nas
diversas avaliações da qualidade e da eficácia da política pública, a despeito da elevada taxa de gastos em relação ao PIB. Essa baixa eficácia,
por sua vez, reforça os padrões de rentismo das políticas sociais, uma vez
que o governo busca atalhos para compensar seu fracasso com as políticas
anunciadas.
A sociedade reagiu intensamente às ameaças à política pública e demandando novos benefícios, surpreendendo analistas e políticos. A agitação
social refletida em mais de 700 protestos em mais de 300 cidades em junho
de 2013 sugere que, para conciliar as demandas sociais por serviços públicos
de melhor qualidade e manter a disciplina fiscal, o governo precisa retomar
as reformas pró-crescimento, que foram paralisadas em meados da década
passada, e melhorar a eficácia das políticas públicas.
Os sinais de uma crise de legitimidade podem ser um reflexo do fracasso do governo em compreender e atender as demandas da sociedade no
contexto de um sistema político que precisa de reformas para melhorar os
mecanismos de controle social da ação pública.
Democracia e rentismo entraram em um conflito inevitável, devido
à crescente participação da sociedade civil. A concessão generalizada de
tratamentos especiais, benefícios fiscais e empréstimos subsidiados, aliada
a distorções econômicas, reduz a eficiência e o crescimento econômico e
incomoda a sociedade. Há um sentimento generalizado de frustração com
relação à política pública e às perspectivas de crescimento econômico.
st0035
Evolução da educação
p0430
Um desdobramento importante da democracia foi o aumento do investimento público em educação, uma vez que a Constituição de 1988 instituiu
o acesso universal à educação. Desde meados do século passado, há muitas
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
60
p0435
p0440
p0445
A VIA DEMOCRÁTICA
evidências do impacto da educação sobre a renda e o crescimento.27 Além
disso, em dois impressionantes estudos, Langoni (1973; 1974) mostrou a
importância significativa da educação na explicação da evolução da desigualdade de renda no Brasil entre 1960 e 1970.28
Apesar das evidências sobre seu papel na geração de renda e na redução da desigualdade social, a educação não foi prioridade para o Brasil
durante a maior parte do século XX; a educação das massas foi ignorada
pelo nacional-desenvolvimentismo. A industrialização era entendida
como o resultado da acumulação de capital e mão de obra, independentemente da sua qualidade.29 O conhecimento era necessário apenas na
medida em que proporcionava acesso às novas tecnologias e, por isso,
foram priorizados os investimentos em educação superior e a pesquisa e
desenvolvimento.30
Os gastos do governo em educação no Brasil foram historicamente baixos
em comparação com outros países em desenvolvimento, o que resulta em
índices de analfabetismo mais elevados e baixa produtividade da mão de
obra. Na década de 1950, os gastos públicos em educação foram de 1,4%
do PIB, oscilando em torno de 2,7% entre 1965 e 1985.31 De acordo com
Pessôa (2008), na década de 1950, seis de cada dez crianças de 7 a 14 anos
não estavam na escola. Os anos de pouca preocupação com a educação
pública deixaram suas marcas. O Gráfico 5 mostra a fraca evolução da
educação no Brasil.
Com a democracia, os gastos do governo com educação aumentaram
para cerca de 3,8% do PIB em 1990, acelerando para 4,5% em 2005, e
atingindo 5,7% em 2009, o que é comparável com os 5,8% do PIB nos
países da OCDE. Como parcela da despesa pública total, a despesa com
fn0140 27
Aghion e Durlauf (2009).
fn0145 28 Num primeiro momento, Langoni compôs os principais determinantes da taxa de retorno dos
investimentos em educação e setores alternativos. Ele demonstrou que a maior taxa de retorno
ocorreu nos primeiros anos de escolaridade. Depois, Langoni estudou os principais determinantes
da desigualdade de renda e concluiu que a educação explica grande parte dela.
fn0150 29 Para a falta de relevância da educação no debate econômico na época, ver Bielschowsky (1988),
onde, apesar de uma análise abrangente do pensamento econômico da época, a educação é pouco
discutida. Para uma discussão adicional, ver Pessôa (2008).
fn0155 30 Para algumas das consequências dessa abordagem, ver Schwartzman (2011).
fn0160 31 Para um estudo do debate sobre educação e desigualdade de renda, ver Lisboa e Menezes-Filho
(2001).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
61
Gráfico 5 Anos de escolaridade
2
4
6
8
10
f0030
1950
1960
1970
1980
1990
Brasil
Leste da Ásia e Pacífico
?????????????????
????????????????
2000
2010
Economias avançadas
Europa e Ásia Central
Oriente Médio e Norte da África
África ao Sul do Saara
Fonte: Barro-Lee Educational Attainment Dataset.
p0450
educação responde por 16,8% no Brasil, contra uma média de 13% nos países
da OCDE, variando de menos de 10%, na República Tcheca, Itália, Japão
e República Eslovaca, a mais de 19%, no Chile, México e Nova Zelândia.
Esses números colocam o Brasil em uma posição mais favorável, pelo menos
em termos de gastos, ainda que não, infelizmente, nas avaliações sobre a
qualidade do ensino (Tabela 1).
Apesar do aumento do investimento em educação, o Brasil ainda não
alcançou o sucesso em termos de reduzir a desigualdade educacional, como
a Coreia do Sul ou mesmo o Chile. Ainda falta alcançar os demais países
t0010
Tabela 1 Gastos públicos em educação
% da despesa pública total
% do PIB
1995
2000
2005
2009
1995
2000
2005
2009
OCDE 11,7
12,6
13,0
13,0
5,3
5,2
5,3
5,8
UE
10,4
11,4
11,8
11,5
5,3
5,1
5,3
5,8
Brasil
11,2
10,5
14,5
16,8
3,9
3,5
4,5
5,7
Fonte: OCDE. Education at a Glance (2012).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
62
p0455
A VIA DEMOCRÁTICA
em termos de anos de estudo médio da população. Além disso, há um
grande questionamento quanto à qualidade dos gastos com educação, já que
o desempenho dos estudantes brasileiros em avaliações internacionais fica
aquém do de outros países semelhantes. Os dados sugerem que aumentamos
os gastos, porém, infelizmente, não melhoramos os resultados na mesma
proporção, indicando que há oportunidades de melhora da gestão da política
educacional, de modo a conseguir melhor qualidade de aprendizado dos
alunos com os recursos disponíveis, como os obtidos por países em estágios
de desenvolvimento semelhante.
O desafio para a política pública é entender as razões de um resultado
tão pouco eficaz do gasto público em educação. Por que as escolas do Brasil
têm um desempenho tão ruim e suas ferramentas pedagógicas parecem
ser tão ineficazes? Como os incentivos e regulamentos devem mudar para
promover um uso mais eficiente dos recursos públicos? Por que as regras e
incentivos resultam em resultados medíocres no ensino? Esses parecem ser
os desafios do futuro.
st0040
Mecanismos de rentismo e democracia
p0460
A intervenção do governo por meio dos instrumentos do rentismo é amplamente aceita pela sociedade brasileira. O rentismo também está presente
em outros países, como os do Leste Asiático. O que distingue o Brasil é
a dimensão dos mecanismos de concessão de privilégios e benefícios, e a
concessão disseminada de recursos públicos ausentes de controles sociais.
Olson (1971) propõe que uma razão para a sobrevivência desses mecanismos de rentismo é a falta de transparência dos seus impactos para a
sociedade. Enquanto os benefícios são concentrados e muito visíveis para
quem os recebe, seus custos são difusos. A limitada participação política
da sociedade na alocação dos benefícios permite a sua sobrevivência, assim
como dos órgãos públicos que oferecem privilégios e benefícios para grupos
selecionados longe do escrutínio público.
O rentismo no Brasil se manifesta de diversas maneiras. Em primeiro
lugar, o complexo sistema de impostos e transferências, caracterizado por
várias regras e isenções que mascaram os beneficiários de privilégios. Em
p0465
p0470
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
63
segundo lugar, mecanismos compulsórios de transferência que não passam
pelo orçamento do governo. Em terceiro lugar, subsídios cruzados, via controle de preços e alocações compulsórias de recursos que proporcionam
benefícios específicos sob mecanismos ocultos. Em quarto lugar, barreiras
tarifárias e não tarifárias que limitam a concorrência em detrimento dos
consumidores, que são afetados pelo aumento dos preços e pela pior qualidade dos bens consumidos.
st0045
Rentismo: impostos e transferências
p0475
Estado grande não significa Estado ineficiente. Em muitos países desenvolvidos, aceitou-se maior participação do setor público, pelo menos até o final
do século passado, em meio a um processo mais transparente de deliberação
sobre a cobrança de tributos e a eficácia das politicas públicas, resultando
em frequentes reformas.32
A eficácia da política fiscal na promoção de crescimento de longo prazo
depende da qualidade dos gastos e da estrutura tributária, e o Brasil falha
em ambas as frentes.33 Historicamente, os gastos com educação, saúde e distribuição de renda foram bastante baixos no Brasil (mesmo em comparação
com outros países em desenvolvimento) e não inteiramente sujeitos ao escrutínio democrático.34 A carga tributária também era baixa, girando em
torno de 10% do PIB até 1940 e crescendo para 20% na década de 1970, à
medida que os governos aumentaram sua intervenção na economia. Uma
p0480
fn0165 32
Lindert (2004) faz uma extensa análise quantitativa desse assunto, bem como dos diferentes
comportamentos do mercado de trabalho nessas economias. Desde os anos 1960, o gasto social
passou a ser cada vez mais direcionado para as pensões, o que levou a debates a respeito de seu
custo econômico em termos líquidos. Para uma análise recente das reformas fiscais nos países
desenvolvidos nas últimas duas décadas e uma reflexão sobre os incentivos de crescimento, ver
Brys, Mattews e Owens (2011).
fn0170 33 Lindert (2004) enfatiza a importância da transparência e dos controles democráticos de impostos e transferências governamentais nas economias desenvolvidas, onde as reformas e os controles
são implementados, com o objetivo de reduzir os incentivos contrários à atividade econômica.
Brys, Mattews, e Owens (2011) discutem as reformas fiscais nos países da OCDE nos últimos
30 anos e as motivações subjacentes.
fn0175 34 O Ministério da Fazenda (2003) compara impostos e transferências para as famílias no Brasil e
em outros países, e mostra que, nestes últimos, a desigualdade de renda é profundamente reduzida
pelas transferências do governo, ao contrário do que ocorre no Brasil.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
64
A VIA DEMOCRÁTICA
Gráfico 6 Carga fiscal (% GDP)
f0035
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1910
1920
1930
1940
1950
1960
1970
1980
1990
2000
2012
Fonte: Até 1980 Fecomercio; 1990 em diante IBPT
p0485
p0490
p0495
vez estabilizada a inflação e expandidas as transferências governamentais,
a carga tributária passou para 25% do PIB, na década de 1990. Os gastos
do governo no Brasil atingiram 40% do PIB em 2012, de acordo com o
FMI, enquanto a carga tributária foi de cerca de 37%, como indicado no
Gráfico 6.35
Comparando esses números com os de países de renda per capita semelhante, observa-se que o Brasil tornou-se um país de gastos e tributação
elevados (Tabela 2).
De acordo com o Relatório Global de Competitividade, 2012-2013, em
uma amostra de 144 países, o Brasil ficou em último lugar, no item Extensão
e Efeitos da Tributação, e em 131o lugar no item Alíquota Total, destinado
a medir a incidência total de impostos sobre a produção e o trabalho.
A complexidade das regras tributárias brasileiras é impressionante. O
sistema tributário incorpora uma miríade de regras, exceções e isenções que
causam um excesso de burocracia e distorções que prejudicam o crescimento.
Entre 1988 (promulgação da nova constituição) e 2011, apenas no governo
federal, foram criadas cerca de 156 mil novas normas – incluindo 6 emendas
constitucionais, cerca de 4.700 novas leis e 1.162 medidas provisórias – e
fn0180 35
O nível de complexidade leva a muitos debates metodológicos no Brasil sobre como avaliar
a carga tributária. Em um trabalho impressionante e completo, Afonso, Soares e Castro (2013)
descrevem o complexo sistema tributário brasileiro.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
65
Tabela 2 Receita tributária total (em % do PIB), 2012
t0015
Brasil
37,2
Argentina
40,3
Chile
23,9
China
22,6
Índia
19,1
Israel
38,9
Coreia
23,3
México
23,6
Turquia
34,7
África do Sul
27,9
Fonte: FMI.
p0500
mais de 130 mil normas complementares (Amaral et al., 2012). O resultado
é um sistema complexo, com várias regras diferentes para setores e produtos
específicos, e vários esquemas de compensação para diferentes impostos
pagos por uma mesma empresa. De acordo com um relatório de 2012 do
TCU (Tribunal de Contas da União), a isenção de tributos federais totalizou
R$215,5 bilhões, incluindo benefícios de crédito concedidos pelo BNDES,
o que corresponde a 5% do PIB.
A redemocratização ajudou a aumentar a distribuição da receita
tributária entre os Estados brasileiros (Ver Afonso, Soares e Castro, 2013,
p. 77). A democracia também aumentou significativamente as transferências monetárias para pessoas de baixa renda, por exemplo, as pensões
para os trabalhadores agrícolas e outros trabalhadores informais, e vários
programas de transferência de renda para famílias de baixa renda, na
segunda metade da década de 1990. Mais tarde, na primeira metade da
década de 2000, alguns desses programas foram unificados e expandidos
no Bolsa Família,36 que atingiu 0,5% do PIB em 2012 e ajudou a reduzir
a desigualdade de renda.
fn0185 36 Para uma discussão governamental sobre a desigualdade de renda e os benefícios de tais políticas
públicas, ver Ministério da Fazenda (2003).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
66
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p0510
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A VIA DEMOCRÁTICA
De acordo com Immervoll et al. (2009), o governo brasileiro gasta
mais de dois terços das receitas tributárias em programas sociais. Isso
equivale à média da OCDE porém o Brasil ainda apresenta baixos
indicadores de redução da desigualdade de renda e pobreza, se comparado com outros países. Apesar do sucesso de algumas políticas sociais
pontuais, o gasto social total ainda não é suficiente para melhorar a
distribuição de renda. E a principal razão disso é a previdência social,
que atende a um grupo relativamente pequeno de beneficiários.37 As
pensões representam 85% do total das transferências de dinheiro para
as famílias, cerca de 11% do PIB, que, por sua vez, representam quase
um quarto da renda total. Esse percentual está acima da média da
OCDE – apesar da juventude da população brasileira – e os benefícios
são muito concentrados, com índices bem acima dos países da União
Europeia.38
Souza (2012) chega a um resultado mais pessimista quando analisa
o impacto líquido das ações do governo sobre a distribuição de renda.
Usando dados de 2008-2009, o estudo mostra que a intervenção do
governo piora a distribuição de renda, pois os servidores públicos, que são
mais ricos, são os beneficiários de uma previdência social mais generosa. A
ação do governo explicaria um terço da desigualdade de renda no Brasil,
sendo que um quinto decorreria de pensões. O autor menciona que essa
magnitude pode ser subestimada, uma vez que inclui impostos diretos,
progressivos e contribuições, mas não inclui os impostos indiretos, que
são regressivos.39
Na mesma direção, Afonso, Soares e Castro (2013) comparam o IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) de vários países em relação a suas
fn0190 37 Os benefícios não previdenciários exibem índices de concentração comparáveis aos de alguns
países da UE. No entanto, eles representam apenas 1,5% da renda disponível das famílias, em
contraste com os cerca de 15% nos países da UE, portanto seu poder de equalização é limitado
e longe de ser suficiente para compensar os benefícios de pensão.
fn0195 38 Para resultados semelhantes e outra análise do desenho do sistema previdenciário brasileiro e
seu impacto sobre as transferências do governo, ver Rocha e Caetano (2008).
fn0200 39 A “progressividade” do imposto descreve a maneira como a alíquota varia de acordo com
a renda ou despesa feita, tal que a alíquota média do imposto é menor do que sua alíquota
marginal. Impostos progressivos tentam reduzir a incidência de impostos sobre pessoas com
menor capacidade de pagamento, na medida em que tais impostos têm incidência crescente para
aqueles com maior capacidade de pagamento.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
67
Gráfico 7 IDH e carga tributária em países não desenvolvidos
f0040
1
0,9
Chile
IDH 2012
0,8
0,7
Brasil
0,6
0,5
0,4
0,3
10
20
30
40
50
Carga tributária (% PIB), 2008-12
Fonte: ONU e FMI.
p0520
p0525
p0530
respectivas cargas tributárias, e mostram que o Brasil fica abaixo do que seria
esperado a partir de uma comparação internacional (Gráfico 7).
Um exemplo importante de rentismo e suas implicações é a Zona Franca
de Manaus (ZFM).40 A ZFM contém cerca de 600 empresas industriais,
que atuam principalmente com eletrônicos e produtos químicos e empregam 400 mil trabalhadores. A ZFM foi formalmente criada em 1967
mediante um amplo conjunto de incentivos fiscais que visavam promover o
desenvolvimento da região. Os incentivos deveriam ter terminado em 1997,
no entanto eles foram continuamente renovados desde então, e em 2003 o
governo federal adiou seu fim até 2023.
Os incentivos fiscais para essa área foram estimados em pelo menos
R$24 bilhões, ou 0,6% do PIB, em 2011, levando em conta que esse valor
não inclui outros incentivos municipais e estaduais (menor IPTU e taxas
sobre bens produzidos em outras regiões e menor ICMS sobre os vendidos
na ZFM).
As empresas na ZFM basicamente montam e embalam produtos, gerando pouco valor agregado, e exigindo uma importação de insumos muito
acima da média do país. Além disso, a ZFM parece um enclave sem laços
fortes com a cadeia produtiva do país. Ela sobrevive com base em uma
fn0205 40
Essa seção se baseia em Miranda (2013).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
demanda doméstica cativa, uma vez que as barreiras comerciais protegem
a produção local. O resultado em termos de exportações é decepcionante,
em comparação com a experiência mexicana: as exportações representam
menos de 3% do faturamento das empresas.
A ZFM tem se mantido, apesar de seu fracasso em promover o desenvolvimento regional e superar a necessidade de subsídios. Uma vez
que foi estabelecida e, infelizmente, fracassada a política pública, como
enfrentar o desafio de uma região cuja produção e emprego dependem da
contínua transferência de recursos públicos? Como superar os fracassos do
nacional-desenvolvimentismo e permitir uma transição aceitável para um
regime mais eficiente?
st0050
Rentismo: transferências compulsórias fora do orçamento
do governo
p0540
O rentismo brasileiro se destaca pela sua capacidade de criar contribuições
parafiscais, a serem pagas por pessoas físicas e jurídicas, e de transferir
recursos diretamente para os grupos de interesse. Esses mecanismos não
passam pelo orçamento do governo e não estão sujeitos à discussão no Congresso ou ao escrutínio da sociedade.
Um exemplo desse mecanismo é o Sistema S, um tributo sobre a folha
de pagamento das empresas, diretamente transferido para 11 instituições
privadas que financiam diversas atividades, como o treinamento de mão
de obra e eventos culturais, entre outros programas. Em 2010, os recursos
alocados para o Sistema S foram de pelo menos 0,3% do PIB (Afonso,
Soares e Castro, 2013).
Outro exemplo é o fundo constituído por poupança compulsória dos
trabalhadores, o FGTS, que recolheu cerca de 1,7% do PIB em 2010, de
acordo com os mesmos autores. A cada ano, os trabalhadores registrados
em carteira poupam um montante equivalente a um salário mensal, que é
guardado em um fundo administrado por uma agência governamental. Esses
recursos são utilizados para o financiamento de investimentos e a compra
de participações em empresas de diversas áreas. Os trabalhadores só podem
sacar esses recursos quando se aposentam ou em circunstâncias específicas,
p0545
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
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69
por exemplo, no final do contrato de trabalho ou para financiamento habitacional. O fundo paga juros abaixo da taxa de mercado e, nos últimos anos,
abaixo da taxa de inflação.
Como a informalidade é historicamente alta no Brasil, cerca da metade
dos trabalhadores não é impactada por essas contribuições. Tanto o FGTS
como o Sistema S são, em geral, vistos como benefícios aos trabalhadores
formais e uma vantagem sobre os empregos informais. Entretanto, não existe
avaliação dos impactos dessas contribuições sobre os salários dos trabalhadores formalizados. Muito menos existe um processo transparente para
avaliar o custo-benefício ou o custo de oportunidade desses instrumentos,
bem como os custos sobre a remuneração do trabalho e os benefícios gerados.
st0055
Rentismo: subsídios cruzados
p0560
Mecanismos de subsídio cruzado são generalizados em diversos setores da
economia brasileira, como o mercado de crédito, a regulação do mercado
de seguros de saúde, o fornecimento de serviços de infraestrutura e até
mesmo o acesso a bens culturais. Distorções de preço e acesso a serviços são
legalmente regulamentados, proporcionando benefícios para pequenos grupos
em detrimento da sociedade, sem transparência dos custos envolvidos.
Em vários casos, os preços relativos afastam-se de seu nível eficiente e os
custos são transferidos para outros consumidores. Os mais peculiares são os
descontos sobre os preços de eventos culturais. Os preços variam de acordo
com a idade e ocupação: estudantes e idosos, por exemplo, têm direito a
ingressos pela metade do preço, à custa, porém, de outras “categorias”, que
pagam preços mais elevados. A meia-entrada tem sido ampliada para um
número de grupos cada vez maior à custa do restante da sociedade.
Os subsídios cruzados são particularmente relevantes no mercado de
crédito, com implicações negativas para a alocação de recursos e a eficácia
da política monetária.
Desde a independência até o final do século XX, bancos públicos foram
criados, constituindo uma grande rede de bancos federais e estaduais. Essa
iniciativa não foi completamente bem-sucedida, uma vez que tais bancos
eram frequentemente utilizados para financiar operações pouco sólidas.
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p0575
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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p0580
p0585
p0590
A VIA DEMOCRÁTICA
Muitos deles, como o Banco do Brasil, faliram várias vezes, como na grave
crise dos bancos públicos estaduais no final da década de 1990, que resultou
em perdas de cerca de 6% do PIB, de acordo com Lundberg (2011). O uso
arbitrário dos bancos públicos, seus custos sociais e impactos macroeconômicos são temas ainda a serem detalhados na história econômica do Brasil.
O mercado financeiro também é afetado por subsídios cruzados em
empréstimos do setor privado.41 As regulações limitam severamente a
quantidade de depósitos disponíveis para o financiamento de operações
de crédito não direcionado ou livre. O recolhimento compulsório sobre os
depósitos à vista é de cerca de 50%, contra os menos de 10% na maioria
dos países. Além disso, a regulação bancária prevê que bancos comerciais
aloquem parcela importante das suas fontes de recursos em empréstimos
direcionados, cobrando taxas de juros abaixo do mercado, o que, excluindo-se
os empréstimos do BNDES, representam 24% do crédito em circulação
(em 2013). Empréstimos livres cobram taxas de juros muito mais altas dos
consumidores, em parte para compensar o subsídio embutido nas operações
direcionadas. Em 2013, os spreads sobre o primeiro tipo atingiram 18%,
contra 2,6% do segundo.
Sobrinho (2007) argumenta que, dos fatores que explicam o elevado
diferencial dos spreads no Brasil, tais como os elevados custos bancários,
inadimplência e depósitos compulsórios, os principais seriam o controle de
crédito e as taxas de juros. De acordo com o autor, o caso brasileiro é ainda
mais complicado, pois as políticas de crédito beneficiam grupos – agricultores,
proprietários de imóveis e empresas que procuram financiamento de longo
prazo – que são mais arriscados e, portanto, exibem maior custo de monitoramento. O custo mais elevado e o risco de inadimplência explicariam mais
de três quartos da distorção total do programa de crédito direcionado sobre
os spreads, de acordo com seu modelo de equilíbrio geral, calibrado para a
economia brasileira.
O BNDES é um caso particularmente relevante. Fundado em 1952 como
BNDE (desde 1982, BNDES), priorizava inicialmente o desenvolvimento
fn0210 41
Os empréstimos privados no Brasil sempre estiveram sujeitos a diversos mecanismos e intervenções de preço. No final dos anos 1980, por exemplo, a correção da inflação dos créditos
hipotecários limitou-se aos aumentos salariais, o que resultou em perdas acima de 4% do PIB
(Lundberg, 2011).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
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p0610
71
de infraestrutura. Mais tarde, nos anos 1960 e 1970, o BNDE ampliou seu
papel, tornando-se um acionista majoritário de muitas empresas. Ao longo
da década de 1970, o BNDE passou a financiar empresas privadas, utilizando
novos instrumentos, financiamentos de aquisição de maquinário, atuando
como avalista em operações de crédito no exterior e investindo diretamente
em ações de empresas nacionais. Em 1982, foi criado o BNDESPAR, braço
de investimento privado para gerir essas participações.
O BNDES teve um papel central no programa de privatização da década
de 1990. Além de ser um agente operacional, forneceu financiamento para
os compradores em algumas transações e adquiriu participações minoritárias
por meio da BNDESPAR, com o objetivo de atrair parceiros privados para
os leilões. O BNDES continuou estrategicamente importante, mesmo após
a onda de liberalização e privatização da década de 1990. Durante o governo
Lula, o BNDES foi envolvido em várias operações de grande escala, consolidando empresas em setores com dificuldades, sobretudo depois da crise
de 2008, além de fortalecer grandes empresas brasileiras para concorrerem
com as empresas internacionais no mercado mundial.
Desde a irrupção da crise, em 2008, os empréstimos do BNDES têm
sido utilizado para estimular o investimento privado. Os empréstimos aumentaram drasticamente, passando de cerca de 6% do PIB, antes da crise,
para 11%, no final de 2012, contando com um reforço de caixa pelo Tesouro
desde 2009. De acordo com o TCU, o subsídio implícito para o BNDES
acumulou R$22,8 bilhões em 2011. Além disso, ultimamente, o BNDES
tem sido uma fonte de recursos para o Tesouro via antecipação do pagamento
de dividendos. Consequentemente, o Índice de Basileia vem decrescendo,
tendo atingido 14,5% em março de 2013, depois de ter chegado a 20,6%
em fins de 2011.
O sistema BNDES chega a US$333 bilhões em ativos, comparados aos
US$338 bilhões do Banco Mundial. O BNDES é o terceiro maior banco
de desenvolvimento do mundo, depois do da China (US$751 bilhões) e da
Alemanha (US$596 bilhões).
O desenho das políticas do BNDES não atende aos principais atributos
de uma política industrial bem-sucedida, que, como defendida por Rodrik
(2007), seriam a colaboração entre governo e setor privado (embeddedness),
a existência de mecanismos de remuneração e cobrança, (carrot-and-sticks);
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
72
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A VIA DEMOCRÁTICA
e a prestação de contas (accountability): o governo toma decisões do tipo top-down
(de cima para baixo) sem a participação adequada do setor privado. No caso
brasileiro, o BNDES incentiva os investimentos em áreas não tradicionais
(a cenoura), mas não consegue eliminar projetos malsucedidos (o chicote),
e o público não tem acesso ao desempenho dessas operações.
Além disso, há pouca transparência nas operações do BNDES, assim
como sobre o total de subsídios concedidos, as empresas ou setores beneficiados, e o custo-benefício dos recursos públicos alocados. Além disso, não
há avaliação independente dos resultados das decisões de investimento do
BNDES.
Quando se trata de avaliar o impacto do BNDES na economia nacional,
as conclusões são decepcionantes. Segundo Musacchio e Lazzarini (2013), o
BNDES escolhe “vencedores”, mas não investe em projetos de uso intensivo
de capital, nem em projetos que melhorem seu desempenho. Em relação
aos empréstimos, o único impacto significativo é a redução das despesas
financeiras das empresas, sem qualquer efeito consistente em termos de
investimento ou desempenho. Além disso, os autores salientam que as empresas beneficiadas pelo BNDES e as doações de empresas para candidatos
políticos eleitos estão ligadas.
Outra crítica refere-se às distorções geradas pelo modelo de financiamento do banco. Como discutido por Musacchio e Lazzarini, o financiamento
do BNDES mudou ao longo do tempo: das transferências governamentais
e depósitos monetários com impacto inflacionário, no início, aos impostos
sobre os salários destinados a financiar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), consolidado em 1990, em que o BNDES remunera o Fundo
pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), abaixo da taxa de juros do
Banco Central. A partir da década de 1980, até 2008, o BNDES contou
significativamente com lucros acumulados, basicamente, pelo retorno dos
investimentos em títulos usando o BNDESPAR. Desde 2009, um volume
enorme de financiamento provém de repasses do Tesouro Nacional por meio
de emissões de dívida pública.
O orçamento do governo não inclui de forma transparente o BNDES, e a
sociedade não tem clareza sobre a relação custo-benefício das suas políticas,
os resultados dos incentivos oferecidos a empresas, muito menos das metas
de desempenho e do custo de oportunidade dos recursos públicos alocados.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
73
st0060
Rentismo: protecionismo comercial
p0635
Existe um mecanismo adicional de rentismo: o protecionismo comercial
para setores específicos, caracterizado por tarifas de importação mais
elevadas e barreiras não tarifárias, que são complexas e, em vários casos,
limitam severamente o acesso do mercado brasileiro a produtos estrangeiros.42
Após a Segunda Guerra Mundial, o modelo de substituição de importações, uma estratégia para promover a industrialização do país, resultou em
uma redução dos fluxos de comércio. Décadas de protecionismo tiveram seus
impactos: ganhos de produtividade baixos e fraca competitividade externa da
indústria brasileira, a qual, por sua vez, foi frequentemente utilizada como
desculpa para a manutenção das barreiras.
O colapso desse modelo de crescimento, na década de 1980, sob a democracia, resultou em esforços para abrir a economia ao comércio. No
entanto, o Brasil ainda continua sendo uma economia muito fechada, com
uma estrutura complexa de barreiras tarifárias e não tarifárias, que envolve
transferência de renda dos compradores, sejam consumidores ou empresas,
para os setores protegidos.43 As tarifas nominais são altas no Brasil em
comparação com outros países, e apresentam uma grande dispersão, desde
próximo de zero até 35% no final da década de 2000 (Moreira, no prelo).
As tarifas efetivas têm uma dispersão ainda maior, variando de cerca de -5%
até impressionantes 180% em 2005, tendo aumentado desde o final dos
anos 1990. Além disso, o protecionismo comercial vem aumentando constantemente desde o começo de 2000.44
No ranking mundial, o Brasil está no grupo das economias mais
fechadas em termos de abertura comercial e política comercial, medidas
pelo nível e complexidade das tarifas, barreiras não tarifárias e eficiência dos
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p0645
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fn0215 42
Para um exemplo, ver Carrasco e Mello (2013).
fn0220 43 O Brasil conta com muitos requisitos técnicos para restringir a concorrência externa; normas
técnicas que são muito distintas das utilizadas em outros países e manobras burocráticas que
tornam impossível a importação de alguns bens. Essas barreiras criam maiores custos para os
consumidores locais. Para um exemplo de tais procedimentos e seus custos, ver Bacha (2012).
fn0225 44 Moreira (no prelo) sintetiza diversos dados sobre o protecionismo comercial brasileiro. Castilho, Ruiz e Melo (s.d.) fornecem uma análise cuidadosa da evolução brasileira das tarifas em
vigor no início dos anos 2000.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
74
A VIA DEMOCRÁTICA
Gráfico 8 Índice de comércio e PIB per capita
Política comercial e Abertura de mercado
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6
5
4
3
2
Brasil
1
0
–
10.000,00
20.000,00
30.000,00
40.000,00
50.000,00
60.000,00
PIB per capita (média 2008-12)
Fonte: Internacional Chamber of Commerce, IMF.
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f0050
procedimentos aduaneiros, como mostrado no Gráfico 8. A baixa abertura
comercial em si não depõe contra o Brasil, porque países de maior dimensão
geográfica tendem a ser mais fechados, mas a experiência brasileira distingue-se devido às importantes barreiras comerciais adotadas.
Além disso, as condições do comércio externo no país apresentaram uma
piora relativamente às condições globais, na esteira da crise global de 2008,
após importante melhora na última década, com a deterioração no Índice
de Liberdade de Comércio (Gráfico 9).
Gráfico 9 Escore de liberdade de comércio (0-100)
Liberdade de comércio
100
90
80
70
60
50
Brasil
13
20
11
20
09
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1
Chile
20
20
0
99
19
97
19
19
95
40
Média
Fonte: Heritage Foundation (Index of Economic Freedom, 2013).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
75
p0660
O protecionismo raramente é tema de debate público no Brasil, o que se
alinha com alguns resultados da literatura que mostram que a relação entre
democracia e protecionismo não é simples e depende da dotação de recursos
do país. O’Rourke e Taylor (2006) mostram que em regiões mais pobres,
como a América Latina, a baixa razão capital-trabalho, aliada à elevada razão
terra-trabalho, levou a tarifas elevadas, contrastando com a experiência dos
Estados Unidos, país com alta proporção capital-trabalho.45
st0065
Indicadores de democracia: onde se situa o Brasil?
p0665
Em 1824, a primeira constituição brasileira estabeleceu o sufrágio limitado, o
voto era restringido por gênero, riqueza e escolaridade. Esse cenário mudou
lentamente durante a República Nova. O voto obrigatório e secreto só foi estabelecido em 1934, em meio a uma significativa pressão política. O voto feminino remonta a 1932, enquanto o os analfabetos só seriam incluídos em 1988.
Inicialmente, a proporção da população votante era insignificante, cerca
de 2% até 1934, subindo para apenas 18% na década de 1960. Sob a redemocratização, atingiu 50% da população (Gráfico 10). Em contrapartida, nos
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Gráfico 10 Proporção de Eleitores (%)
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60
50
40
30
20
10
0
1894 1898 1902 1906 1910 1914 1918 1922 1926 1930 1945 1950 1955 1960 1989
Fonte: Nicolau (2004).
fn0230 45 Segundo os autores, nos países do Novo Mundo, com elevada razão terra-trabalho, a democra-
tização deveria ter sido associada a tarifas mais elevadas, exceto para os países mais ricos, como os
Estados Unidos, onde a elevada razão capital-trabalho abranda esse efeito de forma significativa.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
76
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A VIA DEMOCRÁTICA
Estados Unidos e no Canadá, a proporção da população votante em 1880
era de cerca de 16% e já era de 40% em 1940.
No entanto, a democracia não deve ser apenas medida pela proporção
da população votante. Existem muitas outras variáveis relevantes para
avaliar a qualidade das instituições democráticas, incluindo a participação social, os direitos civis e a liberdade de expressão. A construção
de rankings de democracia é bastante complexa, especialmente porque
deve abranger vários aspectos institucionais. O passo seguinte, tão difícil
quanto o primeiro, é a identificação de possíveis indicadores para compor
o índice. Dito isso, as conclusões desses indicadores devem ser tomadas
com cautela.
Existem alguns poucos índices de classificação do grau de democracia
disponíveis, e seu alcance em termos de cobertura de países não é grande.
O Ranking Mundial de Democracia (Global Democracy Ranking) tenta
medir a qualidade da democracia, por meio do grau de liberdade e de
algumas outras características do sistema político, e o desempenho de
dimensões não políticas. Focamos aqui o sistema político, a medida mais
próxima para a qualidade das instituições democráticas, deixando de
lado outros indicadores, porque, em nossa opinião, eles são mais ligados
a fatores econômicos e sociais. O sub-índice chamado Sistema Político
compreende: direitos políticos (25%), liberdades civis (25%), diferença
entre os sexos (25%), liberdade de imprensa (10%), percepções da corrupção (10%), mudança do chefe de governo nos últimos 13 anos (2,5%)
e alternância de partidos políticos nos últimos 13 anos (2,5%) na chefia
de governo.
A pontuação do sistema político brasileiro em relação ao seu PIB per
capita pode ser considerada hoje uma posição intermediária quando comparada com outros países não desenvolvidos (Gráfico 11). Em outras palavras,
ambas as variáveis parecem consistentes entre si. No entanto, o Brasil está
longe do Chile, que fica em primeiro lugar no ranking desse grupo de países.
Essa diferença impressionante destaca a necessidade de se buscar a melhoria
das instituições democráticas e pró-crescimento no Brasil.
Os indicadores de governança mundial do Banco Mundial ajudam a lançar
luz sobre esse assunto. Os indicadores compreendem seis dimensões de governo:
participação e prestação de contas, estabilidade política e ausência de violência,
eficácia governamental, qualidade regulatória, Estado de direito e controle da
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
f0060
77
Gráfico 11 Sistema Político versus PIB per capita – economias não desenvolvidas
PIB per capita –
US$ PPP – média 2008-12
35000
30000
25000
20000
Brasil
15000
Chile
10000
5000
0
–5000
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
Sistema Político
u0025 Fonte: FMI, Global Democracy Ranking. PPP= Paridade do Poder de Compra
u0020
Gráfico 12 Participação e Prestação de Contas
f0065
1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
10
11
20
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08
07
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06
Média
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03
BRASIL
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02
20
00
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20
97
19
19
95
–0,20
Chile
Fonte: Banco Mundial (Indicadores de Governança).
corrupção.46 O desempenho do Brasil não mudou significativamente desde
1996, quando a pesquisa começou. Não se observa nenhuma melhora marcante
em qualquer das dimensões, com exceção de alguma melhora em “participação
e prestação de contas”, que mede a capacidade dos cidadãos de participar da
seleção de seu governo, bem como de sua liberdade de expressão (Gráfico 12).
fn0235 46 Os seis indicadores agregados baseiam-se em 30 fontes de dados subjacentes que documentam
as percepções de governança de um grande número de entrevistados e a avaliação de especialistas
em todo o mundo.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
78
A VIA DEMOCRÁTICA
Gráfico 13 Qualidade Regulatória
f0070
1,80
1,60
1,40
1,20
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0,80
0,60
0,40
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BRASIL
11
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10
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04
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19
98
19
96
–0,20
Média
Chile
Fonte: Banco Mundial (Indicadores de Governança).
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No lado negativo, a “qualidade regulatória”, que mede a capacidade do
governo de formular e implementar políticas públicas e regulamentações
sólidas que permitam e promovam o desenvolvimento do setor privado,
piorou desde 1996 (Gráfico 13).
A “eficácia governamental”, que mede a qualidade dos serviços públicos e
o grau de sua independência das pressões políticas, manteve-se relativamente
estável no Brasil (Gráfico 14). Ultimamente, a dimensão “Estado de direito”,
Gráfico 14 Eficácia governamental
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1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
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Média
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BRASIL
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Chile
Fonte: Banco Mundial (Indicadores de Governança).
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
DEMOCRACIA E CRESCIMENTO NO BRASIL
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Gráfico 15 Estado de direito
f0080
1,50
1,00
0,50
0,00
–0,50
BRASIL
11
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Chile
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Média
Fonte: Banco Mundial (Indicadores de Governança).
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que mede a qualidade da execução de contratos e os direitos de propriedade,
melhorou, mas ainda não conseguiu passar da média global (Gráfico 15).
Vale ressaltar que, para todas as dimensões, a diferença em relação ao
Chile, que é considerado o ponto de referência para os países latino-americanos, não diminuiu. A principal conclusão é que ambos os países parecem
mais democráticos hoje, em termos de participação social no sistema político (“participação e prestação de contas”), mas o Brasil continua a patinar
em termos de indicadores de governança relacionados com instituições
pró-crescimento.
Uma possível interpretação para esses resultados é que a democracia
brasileira seria ainda jovem e ainda estaria por desenvolver e aperfeiçoar
suas instituições pró-crescimento. Desse ponto de vista, pode ser apenas
uma questão de tempo até que o Brasil elimine o hiato em relação aos indicadores do Chile, já tendo sido construídos os alicerces. Alternativamente,
e possivelmente numa visão mais realista, houve avanços no Brasil, mas vislumbra-se um longo caminho a percorrer quando se pensa no conceito mais
amplo de democracia. Morlino (2011) considera necessários não somente
o sufrágio universal adulto, os direitos civis e a liberdade civil, mas também
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
a ausência de atores políticos que sejam capazes de bloquear ou controlar a
arena de decisões políticas.
Além disso, a julgar pela experiência do Brasil, a presença de atores
políticos com poder de veto pode não ser a única ameaça às instituições
democráticas. A falta de transparência das políticas governamentais contribui significativamente para enfraquecer a democracia, não só devido ao
maior risco de corrupção e baixa alternância do governo, mas também porque
as políticas rentistas generalizadas e opacas significam tomadas de decisão
econômica não democráticas. A sociedade não participa efetivamente das
decisões econômicas e não leva em conta seus custos e impactos. Instituições
rentistas são preservadas de um debate político abrangente.
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Conclusão
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A profunda e disseminada intervenção do poder público, que intermedeia
e regula as relações econômicas e sociais de forma raramente observada
em países desenvolvidos, parece ser uma característica distintiva do desenvolvimento econômico e político do Brasil. O que diferencia a experiência
brasileira não é a existência desses mecanismos e da intervenção em si, mas
a sua magnitude e extensão, além da sua opacidade ao debate público.
Propomos o termo rentismo para resumir a interação da sociedade com
os órgãos governamentais, que supostamente provêm privilégios e benefícios
específicos, muitas vezes por meio de mecanismos incomuns em comparação
com outros países em desenvolvimento. O rentismo também deriva de um
processo político peculiar, em que as demandas sociais são muitas vezes descentralizadas e fragmentadas, abordadas, em muitos casos, sem passar pelo
orçamento do governo, e têm custos sociais difusos.
Este capítulo abordou quatro questões principais, tentando responder
às seguintes perguntas:
Em primeiro lugar, por que surgiu um amplo sistema de políticas públicas rentistas? Na raiz das escolhas políticas e econômicas brasileiras está
o passado colonial. Instituições extrativas e participação política limitada
parecem ser o resultado do período de colonização na maioria dos países latino-americanos. Isso resultou, em grande parte da história do Brasil, em um
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ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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81
regime político autoritário e um governo economicamente intervencionista,
premiando a cooptação com acesso político às políticas governamentais.
Em segundo lugar, por que o rentismo persistiu após a independência e
aumentou significativamente neste século? A crença dominante no Brasil
era de que a intervenção econômica do governo seria essencial para superar
o subdesenvolvimento. Cabia à política pública coordenar as decisões de
investimento privado, fornecer recursos para os vários projetos, bem como
proteções e benefícios para os setores selecionados, a fim de promover o
crescimento.
Toda vez que o governo provê um benefício ou privilégio, naturalmente
são criados grupos de interesse que podem bloquear decisões para eliminá-los. O resultado é uma rigidez das políticas governamentais ou a ausência
de flexibilidade necessária para reavaliar, periodicamente, a sua manutenção.
Por muitos anos o projeto foi bem-sucedido na promoção de taxas robustas de crescimento, legitimando a intervenção pública. Fatores demográficos,
a urbanização e o elevado investimento sobre reduzido estoque de capital
podem ter contribuído para o sucesso do nacional-desenvolvimentismo por
muito tempo. No entanto, o modelo mostrou-se muito instável, produzindo
desequilíbrios macroeconômicos e, em última instância, baixo crescimento da
produtividade. Com o tempo, o protecionismo excessivo e a distribuição de
benefícios resultaram em alto custo social, expresso por alta inflação, elevada
carga fiscal e distorções econômicas que corroem a eficiência da economia.
Em terceiro lugar, por que a democracia de massas foi incapaz de alterar
esse modus operandi do sistema econômico? Políticas de rentismo são opacas
para a sociedade. Os benefícios de intervenções governamentais são tangíveis
e resultam em grupos políticos vocais que se opõem à retirada de seus benefícios e proteções. A natureza difusa dos custos desses benefícios e privilégios,
contudo, resultou em pouca transparência dos seus impactos sociais e num
frágil e incompleto debate político, permitindo sua manutenção.
O Brasil vem passando por uma “democratização de privilégios”.47 Nas
últimas décadas, benefícios específicos e políticas discriminatórias foram progressivamente estendidos a vários grupos. Os benefícios de tais políticas são
bem percebidos, mas não o seu impacto econômico e social. Além disso, os
fn0240 47
Agradecemos a Marcos José Mendes por essa contribuição.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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A VIA DEMOCRÁTICA
interesses de pequenos grupos e de grupos populares podem parecer alinhados
em muitas situações, embora apenas artificialmente, o que aumenta a oposição
às reformas. Esse é o caso da reforma da previdência do funcionalismo público.
Qualquer proposta de reforma enfrenta resistência significativa de toda a
sociedade, mesmo que ela não reduza os benefícios da maioria da população. Ao
contrário, a reforma reduziria os impactos tributários sobre as futuras gerações.
Como a democracia poderia ajudar a promover reformas? A democracia
fez aumentar a demanda social para a proteção de grupos sociais há muito
tempo considerados sub-representados na arena política, e a redemocratização foi um divisor de águas nesse cenário.
As graves crises econômicas da década de 1980, caracterizadas por severos
déficits públicos, hiperinflação e crise externa, levaram a uma década de baixo
crescimento e de várias políticas de estabilização fracassadas. Isso resultou
em várias reformas institucionais para além da estabilização. As barreiras
comerciais foram reduzidas, empresas estatais foram privatizadas e algumas
reformas orientadas para a economia de mercado foram implementadas,
não sem uma intensa resistência. Acabar com os privilégios e benefícios especiais afetou vários setores econômicos e grupos específicos. No entanto,
por fim, a agenda de reformas conseguiu equilibrar o orçamento do governo
e fornecer os controles necessários para garantir a disciplina fiscal. Além
disso, a redemocratização também levou a uma importante mudança nas
políticas sociais e, pela primeira vez na história do Brasil, elas se tornaram
o centro do debate da política governamental. O acesso à educação pública
foi amplamente ampliado, e vários programas sociais focados nas famílias
de baixa renda foram introduzidos, o mesmo ocorrendo com a despesa
pública nessa área.
A experiência do Brasil sugere que a democracia pode ter contribuído
para a construção de instituições mais sólidas, contrastando com as do período da ditadura, embora o ritmo de ajustes pareça mais lento. As reformas
nos regimes democráticos podem ser mais difíceis de negociar, mas elas
provaram ser mais resistentes.
A demanda social por uma sociedade mais igualitária, em uma época
de baixa tolerância à inflação e de disciplina fiscal, levou a uma crescente
carga tributária, que atingiu a impressionante marca de 37% do PIB em
2012. Além disso, as reformas foram parciais, e vários mecanismos de in-
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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tervenção do governo foram mantidos, tais como bancos públicos, amplo
protecionismo comercial e empréstimos subsidiados que totalizam mais de
40% do crédito bancário. Como o crescimento econômico foi retomado
na última década, o ímpeto reformista desapareceu e a pressão política por
intervenção governamental reativou-se. Foram concedidos mais recursos
aos órgãos públicos para estimular o desenvolvimento de setores específicos.
Progressivamente, o governo iniciou um plano de desenvolvimento amplo,
englobando desde a indústria naval até a de petróleo e gás. Esse plano foi
ampliado após a crise global de 2008.
Houve uma nova onda de expansão de mecanismos antiquados para
ampliar a proteção e as transferências, especialmente para a indústria. Os
empréstimos do BNDES aumentaram significativamente, atingindo 11%
do PIB. O banco também aumentou o investimento em participações
minoritárias. Foram concedidos incentivos fiscais a setores selecionados,
combinados com uma crescente complexidade do sistema tributário. Foram
criadas barreiras tarifárias e não tarifárias para proteger setores selecionados.
Tudo isso resultou em um crescimento decepcionante e em alta da inflação.
O comportamento econômico decepcionante e a insatisfação generalizada com a concessão governamental de privilégios levaram a uma
agitação social. Os movimentos sociais têm desafiado as políticas atuais e
começaram a questionar algumas concessões de privilégios e benefícios a
setores específicos. É um movimento de jovens, mas surpreendentemente
forte, que, pela primeira vez em muitas décadas, exige melhoria da qualidade
dos serviços públicos.
Paradoxalmente, os movimentos políticos voltaram a exigir benefícios
específicos. Não é a natureza da forte intervenção governamental que parece
estar em discussão, mas sim quem deveriam ser os beneficiários. Vários novos
grupos introduziram novas demandas, cujos custos deverão ser distribuídos
por toda a sociedade.
As escolhas políticas sobre o enfrentamento dos conflitos são essenciais
para o desdobramento das práticas rentistas. No caso da crise das dívidas dos
governos estaduais no fim dos anos 1990, foram introduzidas reformas institucionais que induziram maior transparência e consistência orçamentária
das políticas públicas. A consequência foi, pela primeira vez em muito tempo,
um longo período de equilíbrio sustentável das contas públicas.
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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O debate sobre autonomia das agências regulatórias e a criação de regras
e procedimentos transparentes para a intervenção nos setores regulados, por
outro lado, não avançou e diversos mecanismos de intervenção discricionária
do poder público foram preservados, não obstante sua utilização moderada
na primeira metade da década passada.
Progressivamente no segundo mandato do Presidente Lula, sobretudo
em resposta à crise externa iniciada em 2007, o poder executivo retomou a
sua capacidade de intervenção discricionária nos mercados, assim como a
concessão de benefícios e privilégios para grupos selecionados, frequentemente fora do orçamento e sem a contabilização integrada e transparente
do seu impacto sobre o restante da sociedade. O retorno ao nacional desenvolvimentismo foi viabilizado pela preservação e ampliação dos mecanismos
institucionais de intervenção discricionária.
Do nosso ponto de vista, a retomada de uma agenda que garanta a democratização das decisões de política pública, e que contraponha seus custos e
benefícios, passa pela introdução de regras e mecanismos institucionais que
permitam a transparência e a avaliação independente dos custos e benefícios
das soluções adotadas.
Garantir a transparência dos benefícios e privilégios da política pública
no Brasil parece essencial para garantir a democratização das escolhas sociais
e enfrentar os desafios do crescimento. A distribuição local de privilégios e
benefícios específicos causou distorções econômicas e reduziu o aumento da
produtividade. A transparência parece ser essencial para que as instituições
democráticas possam discutir e deliberar sobre as políticas governamentais
com base na avaliação dos seus resultados.
Este capítulo, que esperamos ser o início de um projeto de pesquisa mais
amplo, resume uma interpretação do desenvolvimento institucional brasileiro
e seu impacto sobre vários aspectos do nosso modelo político e econômico.
Nesta fase de nossa pesquisa, apresentamos algumas evidências que sustentam
e exemplificam nosso principal argumento. Ainda há muito a ser feito, como
coletar todas as evidências sobre os mecanismos de rentismo, seus efeitos econômicos e distorções, e avaliar o papel desempenhado pelo processo político
no desenvolvimento e na prestação de contas dos mecanismos de rentismo.
Sistematizar todos os mecanismos de transferência de impostos é um primeiro passo fundamental para a compreensão plena da estrutura de rentismo, a
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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fim de reavaliar as políticas governamentais. Isso é particularmente importante
considerando-se a opacidade das políticas governamentais. Esse esforço exigirá
a estimativa das políticas de transferência não monetária, tais como concessões
de crédito subsidiado e proteções comerciais, incluindo as não tarifárias. Essa
é uma tarefa enorme, mas necessária. Esses dados poderiam fornecer insumos
para pesquisas sobre a evolução das políticas públicas ao longo do tempo, as
mudanças de foco à medida que a democracia evoluiu, os seus resultados em
termos de crescimento e igualdade e as lições a serem aprendidas.
Várias questões relativas à análise de custo-benefício permanecem sem
resposta, quando deveriam fazer parte das deliberações democráticas. Os
custos sociais e os benefícios das políticas públicas deveriam ser transparentes
e sujeitos a questionamento. O mesmo deve ser dito sobre as distorções
causadas por políticas públicas que prejudicam a produtividade e o crescimento econômico. A confrontação de resultados e expectativas é o melhor
caminho para as reformas e a evolução econômica. Isso é particularmente
relevante para o Brasil neste momento, quando as restrições fiscais e as crescentes demandas sociais precisam ser atendidas, exigindo reavaliação das
políticas públicas e das prioridades, de acordo com as escolhas democráticas.
A transparência exige instituições que divulgam custos e benefícios, ou seja,
prestando contas à sociedade. Uma instituição assim poderia ser uma agência
independente e bem equipada, responsável pelo monitoramento das políticas
públicas. Seu objetivo seria registrar as metas das políticas públicas e controlar
sua implementação, e não aprovar projetos e discutir seus méritos. Cada novo
projeto teria que ser submetido à agência, com indicações claras de objetivos,
resultados esperados e custos. O departamento de pesquisa da agência também
poderia comparar as políticas de proposta do governo com equivalentes realizadas no exterior; poderia sintetizar as melhores práticas de políticas públicas
em outros países; e contribuir para discussões de políticas públicas no Brasil. A
agência seria solicitada a fornecer, anualmente, informações sobre as metas das
políticas públicas e seus resultados efetivos, e as informações, disponíveis para
a Comissão de Orçamento no Congresso, seriam publicamente divulgadas. A
sociedade deve ser capaz de avaliar se os benefícios valem seu custo.
Uma segunda proposta é que todas as concessões de benefícios e privilégios sejam tratadas como transferências públicas e contabilizadas no
orçamento do governo, incluindo todos os empréstimos subsidiados e
ISBN: 978-85-352-7865-1; PII: B978-85-352-7865-1.00002-5; Autor: SCHWARTZMANBRAZIL; Documento ID: 00002; Capítulo ID: c0010
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transferências, como os que se concedem para o Sistema S, a Zona Franca
de Manaus e o FGTS. Subsídios implícitos devem ser explicitados para a
sociedade. Aqueles que recebem proteções e privilégios do governo devem
ter suas contas divulgadas. Os subsídios de empréstimo com taxas de juros
abaixo da de mercado deveriam estar explícitos no orçamento da União. A
sociedade deve conhecer os beneficiários e os resultados de tais políticas.
Essa proposta levaria à prestação de contas completa.
Essas propostas tratam da melhoria, numa dimensão técnica, da transparência e da prestação de contas da intervenção do governo. Elas precisam
vir acompanhadas de mecanismos que fortaleçam a democracia: a participação
social e a concorrência entre as instituições democráticas. Privilégios, proteções
e transferências são sempre desejados por aqueles que os recebem. O rentismo
cria incentivos de autopreservação de grupos de interesse. Mesmo que o custo
social de cada política pública seja baixo, enquanto as decisões forem tomadas de
forma independente, a sociedade não pode contabilizar os custos sociais totais,
especialmente se eles ficam ocultos sob as distorções do mercado. A profusão de
órgãos governamentais e instrumentos disponíveis possibilita que os benefícios
sejam concedidos de forma independente e, em muitos casos, secretamente.
Se não houver prestação de contas à sociedade a respeito de seus custos e
benefícios, privilégios antigos podem subsistir e os novos podem não aparecer.
Alimentar um frágil cupim pode ser um ato generoso, a um custo insignificante. Se os cupins são muitos, e a sociedade decide a cada vez sobre a
sobrevivência de cada um, no final, pode alimentar muitos. E muitos cupins
podem corroer uma casa.
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