A Dádiva do Fogo ao Incêndio Global
06 de setembro de 2023
Vamos imaginar e montar uma pequena história para citar uma insígnia, um verdadeiro emblema do século XX. Retornando para o naufrágio do Titanic, em 14 de abril de 1912, que está gravado na memória coletiva dos europeus. Sabemos com certeza que o Titanic não foi um evento singular. Embora tenha sido o maior navio de sua série, possui dois navios irmãos. Um foi chamado de Britânico e o outro foi chamado de Olímpico. Eles começam com o Britannic, não sendo o suficiente, eles aumentam ao Olympic e isso, posteriormente, aumenta até o Titanic. Porque estamos falando de progressões, pois quem passa dos Olimpianos aos Titãs, vira de cabeça para baixo a velha ordem mitológica da Europa. Portanto, o modo de ser europeu sempre foi como um design, um tipo, uma atmosfera, um retrato, um tema sobre o gigantismo.
A insígnia deles é o fato de que a bordo de tal navio existe uma jazida de carvão flutuante. Muitos não lembram disso, mas o navio tinha vida por suas pessoas invisíveis e pelo fator burnout, por assim dizer, nos mares. E esse tema é também que quando tal navio afunda, permanece uma grande lacuna e a percepção simbólica da catástrofe assegura um aumento correspondente. Imaginemos uma paisagem como a de um faroeste americano. Em um dia qualquer você está a 30 metros de profundidade, o que é quase nada para uma perfuração normal, porque depois você tem que continuar perfurando por um mês e nesse dia acontece algo estranho. De repente, uma tremenda sacudida passa pela plataforma de perfuração e uma fonte de petróleo com mais de 30 metros de altura brota do solo e não se acalma pelos próximos dez dias. Um grande esguicho. Um grande gozo preto.
Esta é a verdadeira cena primitiva do século XX. De certa forma, a natureza empurra as pessoas para a superfície da terra, mesmo que elas tenham apenas arranhado um pouquinho a sua casca. E de repente ocorre uma acomodação tão excessiva da natureza na forma de um excesso incomensurável de matéria combustível. Vivemos de energia, vivemos de matéria combustível, das florestas subterrâneas pastosas que queimamos. Esta é a essência do nosso estilo de vida. E agora uma questão muito específica: Ser verde significa estar consciente desta ligação?
Assim, a lógica verde baseia-se na ideia de que a fertilidade natural entra em jogo no ciclo anual, cujos resultados não conseguem ser acompanhados pela atividade econômica humana. Antes do surgimento dos agrotóxicos e dos componentes melhoradores de terra, solo e plantas, grande parte de uma colheita estava presa ao seu período ou ciclo de vida. O que fizemos foi potencializar, maximalizando aquele x de toneladas para o dobro ou triplo. Não há tempo para se esperar 3-5 meses. O mesmo ocorre com o líquido debaixo da terra, contra o incêndio criminoso organizado em curso das sociedades industriais e dos seus estados imitadores nas florestas subterrâneas paira um alerta para um "eco-Leninismo" em que uma pequena minoria, em nome da conservação da natureza, toma o poder e aterroriza a maioria, por assim dizer. É claro que todos estamos preocupados com o meio-ambiente. Não é tão distante pensar que em um futuro estejamos pensando em manejo de nuvens, controle climático, resfriamento da terra, ar-condicionado, chuva artificial, envio de nuvens chuvosas para determinada região do planeta, etc. Como é então o meio termo? Um meio-termo seria então seguido se a voz de Bruno Latour, que postula algo como uma consciência de classe ecológica, continuasse a desdobrar-se a partir do túmulo ganha perfil como uma comunidade de preocupações para os habitantes da terra.
Como metáfora e como conjunto de tecnologias, a luz sempre esteve ligada à busca do conhecimento pela humanidade e, em particular, ao mito prometeico da conquista e da catástrofe. A iluminação parece andar de mãos dadas com o modo de ser moderno, especialmente se imaginarmos uma “fenomenologia da modernidade”. Um estado onde as invasões, o desnudamento, a luz adentram, a velocidade inicia, as mobilizações infinitas. Luz em todo tipo de canto e de tecnologia. Dos anatomistas, dos filósofos, da religião, da física, da guerra. Ecrãs de telefone, microscópios, lâmpadas, faróis, telescópios, satélites, espaçonaves, computador, painéis LED, etc. A luz é uma metáfora incrível que permite extrair excedentes filosóficos do frenético way of life da vida moderna (a não interrupção, a erosão do sono, a indefinição do descanso, luz artificial) quanto para as interferências ecológicas sobre a perda da natureza selvagem e a escala planetária da influência humana.
Isto torna a visão da Terra de cima à noite um emblema quase perfeito para a era do Antropoceno, que é um momento tanto cultural quanto geológico. As imagens de satélite da Terra à noite mostram de forma muito concreta como o mundo urbanizado se espalha e são talvez os símbolos do quanto não toleramos o escuro. Em um avião demos uma olhada para a cidade iluminada abaixo, a luz viaja, está acesa intermitentemente. A vida noturna que desperta muitos quando a maioria dos humanos se deita para dormir. Há também os animais. Desde as mariposas fantasmas que dançam sobre a grama uma noite, até a lula gigante, percebendo com seus olhos em forma de placa nuvens de luz ao redor de seus predadores no oceano escuro. Este mundo noturno é fascinante não apenas pelas associações que se fundiram em torno da noite (romance e terror, o fantasma e o sonho), mas também por causa do profundo mistério de reconhecer, que nunca poderemos realmente saber como é habitar o mundo como estes animais o fazem.
Estudar os efeitos ecológicos da poluição luminosa exige capítulos novos em livros e que o investigador tente entrar em atmosferas, ambientes, imaginar a mente de um morcego. Os relatos do impacto da poluição luminosa sobre os animais são muitas vezes impregnados de linguagem de humana. Temos tartarugas marinhas atraídas para longe do oceano pelas luzes brilhantes da cidade, pássaros deslumbrados e confusos por colunas de luz comemorando a queda das torres gêmeas. Vale a pena notar que tal linguagem mapeia perfeitamente a linguagem humana com associações como a luz como algo que engana, deslumbra e distrai. No diagnóstico do animal, podemos também discernir medos sobre o homem moderno, que como alguns animais é superestimulado, seduzido pela luz brilhante.
Um novo tipo de utopia energética. A eletricidade era uma espécie, por assim dizer, de um novo tipo de prova de Deus que podia se comunicar na forma de choques de contato. Tudo passa a ser aceso. As grandes florestas subterrâneas da história vegetativa da Terra tornaram-se objeto de uma silvicultura híbrida que não requer plantio e cuidado florestal sustentável, em vez disso, depende consistentemente da extração mecânica e de vários métodos de exploração vertical de depósitos profundos. Agora, as hiperselvas petrificadas e liquefeitas de passados longínquos estão sendo trazidas de volta à superfície, ao tempo histórico e atualizadas no industrial por poderes incendiários acionados por máquinas. O que pensamos como civilizações modernas são na verdade efeitos de incêndios florestais que hoje se inflamam nas relíquias do passado. A humanidade moderna é um coletivo de incendiários incendiando as florestas subterrâneas e pântanos pastosos.
Ao longo do século XX, tivemos diversas fontes industriais de ajuda humana à expansão, e mesmo à explosão, da pecuária industrial com enormes populações de gado, mais notavelmente aves, porcos e gado, que, devido às indústrias alimentares baseadas no petróleo, permitiram uma evolução historicamente sem precedentes. Desde a entrada de proteínas no consumo humano em grande escala, a indústria de produção de carne evoluiu para um gulag animal global desde meados do século XX. Os potenciais exponenciais foram maximalizados e atualizados. Milhões de animais são abatidos anualmente, na sua maioria aves e bovinos principalmente provenientes de explorações industriais, além de peixes para satisfazer a procura humana de proteínas e outras substâncias utilizáveis de origem animal. Quantidades imensuráveis de matérias-primas orgânicas e agroquímicas são, portanto, também à base de petróleo e de origem vegetal, fluem para a sua criação. Enquanto os peixes gerados em aquiculturas são muitas vezes também criados, por assim dizer, através da endofagia, com refeições feitas a partir de resíduos de peixe.
A figura cristalizada no socialismo inicial, segundo a qual a exploração dos fins deveria ser substituída no interesse da humanidade, atribuiu um papel pioneiro na melhoria das condições humanas às “classes industriais, aos trabalhadores, aos proprietários dos meios da produção e os inovadores técnicos para eliminar todas as manifestações de escassez e suboferta. Durante toda a era das sociedades escravistas, uma nova fórmula metabólica se impôs: poder de comando mais parque de biomáquinas mais pirotecnia. Essa foi a progressão que fez o maximalismo em todos os sentidos de todas as coisas chegaram a tal estado de coisas. Desenvolvimento de energia, os ajudantes pirotécnicos das culturas têm pelo menos uma vantagem igual nos regimes metabólicos das altas culturas em amadurecimento: eles fizeram isso na forma de inúmeras lareiras que forneceram os efeitos desejados em lareiras, fogões de cozinha, padarias, forjas, metalúrgicas fábricas, fornos de cerâmica. Isso se aplica em particular às civilizações da Idade do Bronze, quando a fundição de estanho e cobre em um amálgama adequado para armas exigia uma quantidade não desprezível de combustível.
Essas condições, caracterizadas pela agricultura dominante, artesanato diversificado e manufatura marginal, digamos “rudimentar”, dificilmente teriam mudado para sempre se a história não tivesse sido interrompida por um novo fator, uma mudança na fórmula de eficácia explosiva. A partir do final do século XVII, quando as invenções foram inventadas e depois totalmente no final do século XVIII, um novo horizonte se abriu com os inovadores motores de combustão interna que converteram a chamada “potência do vapor” em energia cinética. De repente, parecia que tudo não estava mais preso a um ciclo de colheita, cultivo, caça, estocagem, não parecia mais verdade que você só poderia derrubar uma árvore uma vez e queimar seus troncos apenas uma vez. Incontáveis árvores pareciam subir das profundezas da terra para a superfície, liquefeitas, pegajosas, as quais poderiam ser queimadas repetidas vezes e, ainda assim, cresciam infinitamente. Nas câmaras de combustão das máquinas que foram privadas da revolução industrial. Se queima a partir de agora não mais apenas a madeira das florestas históricas que cresceram no tempo humano, nem é a turfa da história geológica recente, tão pouco quanto o carvão produzido pelas carvoarias, que por muito tempo desempenhou papel na fundição do ferro nas manufaturas metalúrgicas, mas petróleo, conjuntamente com todo o aparato energético adjacente ao ser-para-frente-humano. Se é possível melhorar os melhoramentos, é possível melhorar o petróleo, as baterias, as pilhas, e energia elétrica, a solar. O fusível do conhecimento desde então só sonha com uma utopia energética onde se possa ter energia infinita. São ser apenas os humanos que ganharam o fogo do Titã, mas de superar o presente.
É possível de se dizer que o cenário do futuro século é encontrar um tipo de energia infinita. Se emancipar do Sol é a verdadeira liberdade. Isso porque sem ele não haveria vida aqui na Terra, como seres dependem de uma fonte de calor e luz externa? Nietzsche, o intelectual dinamitário, mostrou às pessoas do futuro o caminho para um sul geral: ali a unidade de relaxamento e aumento para o próximo nível de ser humano deveria ser possível. O pirotécnico assimilado ao antropotécnico. Disparar e explodir era para beneficiar um projeto de existência humana estendida. Foi o filósofo germano-austríaco Günther Anders quem sugeriu considerar se uma segunda fase de seu estado de espírito não havia começado para o velho titã Prometeu depois que o fogo foi levado ao povo: Prometeu deve repentinamente reconhecer que ele talvez esteja envergonhado. Com a modernidade avançada vem o que Anders chama de era da “vergonha prometeica”.
“Se a forma moderna da sociedade como um todo foi possibilitada pelos efeitos liberadores de excedentes pirotécnicos quase imensuráveis, a liberação em massa de inteligência pesquisadora, inventiva e lúdica também abriu uma segunda fonte de poder da mais alta eficácia civilizacional – pode-se, com uma pequena metáfora livre, chame-o de fogos frios da eficiência da chamada. Ela prosperou acima de tudo no clima favorável à inovação da república das letras, que trouxe o mundo acadêmico da Europa para um contexto estimulante para discussão desde o século XVII. Em retrospecto, o termo tecnologia é usado para descrever a soma dos mecanismos que – no sentido da palavra grega mechané: astúcia, finta, troca inteligente de frase – permitem a exploração de processos naturais em favor de facilitar o uso do esforço humano. Proudhon estava apenas parcialmente justificado ao afirmar que a máquina é o símbolo da liberdade humana. Ela não era seu símbolo, ela era sua agente. A energia gerada pelo carvão tornou-se o agente do agente à medida que o trabalho se tornou cada vez mais a causa concomitante da inteligência comum – e do enriquecimento impulsionado pela energia. A definição de modernidade inclui, portanto, a observação de que, além da conquista massiva do “poder em geral” por meio de novas fontes de fogo, a manipulação inteligente de corpos poderosos desempenha um papel cada vez mais importante. O que é comumente chamado de “tecnologia” moderna designa um epítome de processos que superam as “substâncias naturais” para criar novos efeitos. O maciço entra em relação com o sutil, que só pode ser descrito aproximadamente pela expressão “trabalho”. Boa parte dessas manipulações fluiu para a disciplina de “química”, que surgiu desde o século XIII e floresceu industrialmente no século XIX, e que trata da transformação de substâncias pelo contato com “reagentes”; torna-se óbvio que a própria “natureza” representa um campo de atuação de fenômenos microenergéticos incalculavelmente diversos que não podem ser facilmente mal interpretados como “trabalho”. A fertilização mineral de Justus von Liebig, recomendada desde 1840, com o início da era da química agrícola, deixou claro como as intervenções direcionadas no metabolismo vegetal também foram capazes de revolucionar a agricultura - com consequências dramáticas em nível demográfico. O processo Haber-Bosch para síntese de amônia em larga escala, desenvolvido entre 1904 e 1908, deu mais um impulso à industrialização agrícola. Também na esfera da mecânica, no início dos tempos modernos, as mudanças na forma e na direção das forças foram cada vez mais elaboradas artisticamente. Mas quando Girolamo Cardano inventa um mecanismo de engrenagem que transmite o movimento de uma haste giratória para rodas laterais com ação rotativa acelerada ou desacelerada, ele se torna um agente do “trabalho intelectual” tanto quanto Roger Federer se tornou membro de um proletariado intelectual quando era com golpes engenhosos de backhand, apresentavam a seus oponentes tarefas quase intransponíveis no campo do torneio. Com o advento da era industrial, a memória cultural de Prometeu, o titã portador do fogo da mitologia grega, foi reatualizada de uma forma que deu ao termo codificado cristão “Renascimento” um significado moderno e alterado. Não é sem razão que a modernidade como um todo foi caracterizada como sua era de divindade marcada pelo retorno dos titãs, ou seja, os gigantescos quanta de poder subdivino familiares à mitologia grega. Do jovem Goethe a Trotsky (sobre cujo meio nietzscheano diletante em questões de eugenia é melhor reter o julgamento por enquanto) Prometeu sempre foi lembrado como o protetor dos planos humanos de autocriação com uma tendência programática. Em seu livro Literatura e Revolução, originalmente publicado em 1923, ele disse que, através da sinergia da pedagogia socialista e da eugenia de esquerda, poderia ser criado um tipo de pessoa em que talentos como os de Aristóteles, Marx ou Goethe formassem a média, enquanto novos picos se erguiam acima deles. No mito, o Titã expiou seu ato filantrópico ao ser forjado em uma rocha no Cáucaso por Zeus, o senhor dos deuses, onde um abutre infligia tormento adicional a ele todos os dias. No entanto, o Titã previu a data de sua libertação quando em algum momento o governo de Zeus chegaria ao fim. Do ponto de vista moderno, a era da escassez pode ser associada. Quando o titã Prometeu desce de sua rocha de crucificação, ele deve contemplar o estado mudado do mundo com o maior espanto. Ele encontra uma humanidade que dificilmente se parece com aquela que ele queria ajudar com seu dom de fogo”.
Sloterdijk, Peter. Die Reue Des Prometheus: Von Der Gabe Des Feuers Zur Globalen Brandstifutung (O Arrependimento de Prometeu: O Dom Do Fogo Ao Incêndio Criminoso Global). Suhrkamp Verlag AG, Berlin, 2023, pp. 31-33.
O titã filantrópico não queria o que as pessoas pensavam do Dom do Fogo. Ele não previu que o fogo que ele trouxe da carruagem do sol para a terra no caule oco de uma erva-doce gigante se tornaria uma conflagração gigante que consumiria o mundo em incontáveis rebanhos. Nenhum titã, nenhum deus olímpico poderia ter imaginado que, quando os humanos saíssem da necessidade, eles conseguiriam revolucionar o mundo alimentando os incêndios florestais das profundezas pré-históricas. O desencadeamento piromaníaco é a junção de: o metalúrgico e o químico da raça humana. O que os recebedores desse magnífico presente fizeram? Mesmo um titã deve aprender que dar presentes precisa ser aprendido. A doação desse presente se tornou excessivo nas mãos do destinatário? As pessoas com poderes pirotécnicos jogam no fogo quantidades infinitamente maiores de combustível do que a massa inicialmente considerada. Porque a dinamite é a contribuição da Suíça, por assim dizer, para os transportes modernos. Bem, ele não diz que vai explodir o mundo, em vez disso, “Eu sou dinamite” significa para ele que eu não movo montanhas, mas perfuro montanhas. E de tal forma que você saia do outro lado com maior comercialização. Porque, “eu sou dinamite”, abro o caminho para o sul.
Muitos desenvolveram a ideia de que cobrir a cabeça com um véu é uma opressão do homem contra a mulher. Muitos acreditam que isso só existe no Oriente. Só as mulheres cobrem a cabeça, os homens não. Essa seria a prova cabal de que é uma opressão. As mulheres não podem mostrar seus corpos. “Meu corpo, minhas regras”. Será que se as feministas tivessem vivendo em um deserto estariam tão desnudas assim? Em Fedro, na parte sobre o discurso ao amor, vemos que há um discurso duplo. Sócrates, por um lado, condena as paixões, Eros, e por outro, ele se arrepende do discurso contra Eros, o deus do amor, aí ele começa um outro discurso de apologia ao amor erótico. “Falarei com a cabeça encoberta”. “Antes que venha a sofrer pela ofensa feita a Eros tentarei fazer a minha palinódia, mas com a cabeça nua e não, como antes, embuçada”. Há uma troca visível de um tipo de capuz. De um discurso para o outro parece trocar ou tirar algum tipo de objeto em sua cabeça. Ele fala que estava com sorte por estar de capuz quando falou de condenação a Eros, ele estava protegido, um véu. Um homem, um grego, um ocidental. Coberto para respeitar os deuses. O discurso contra é com capuz, o discurso a favor é sem capuz. Nenhuma pessoa prestou atenção para este fato.
Quem lê o episódio, especialmente nos dias de hoje, poderia considerar um absurdo, como que o véu, o cobrir o corpo e o rosto é imposto sobre as mulheres. O oriente é atrasado. Eles são atrasados. Sem um pouco da retirada de pensamento, sem um pouco de distância não é possível pensar. A burca é um elemento antropotécnico. É dia claro, sem burca se revela. Quando entendemos isso, sabemos que um véu pode ser um elemento opressivo, da mesma forma que a opressão pode vir sem o véu. A opressão poderia vir sem o véu. O olhar do Oriente e o olhar do Ocidente não se relacionam com as luzes do mesmo modo. O olho dos ocidentais assemelha-se à um aparelho, um microscópio, um binóculo, um telescópio. O espanto requer um olho arregalado. O ceticismo, skeptikós, skepsis, era uma forma de testemunhar o incompreensível e, portanto, um segundo ato de ver era necessário, ser skeptikós, um tipo de mártir, martyr, martírio. É por isso que uma das primeiras formas de “martírio” poderiam ser o nascimento de crianças, corpos de seres humanos e animais mortos aberto e o espanto filosófico, Platão e Aristóteles. O filme Bird Box de 2018, demonstra como pessoas que testemunham o absurdamente incompreensível entram em um estado de suicídio. Olhos arregalados como os dos jogadores da Dinamarca ao ver Eriksen caído ao chão.
Para evitar esse estado de surrealismo, as pessoas andam sempre com os olhos vendados. O que as pessoas olham é algo tão surreal que chega a ser incompreensível, ou seja, a própria mente não consegue lidar nem talvez materializar a visão com a coisa, entidade, criatura. Seria como se você tivesse um bug no cérebro (um fatal error). O cérebro ficou fritado. Imagine a coisa mais bizarra que você já viu na vida... é algo que desarma completamente, congela por segundos, se para refletir, se faz uma segunda visão, seria como se o que eles vissem os tirasse a razão para um nível inimaginável. Seria como se presenciássemos o Big Ben e a formação da matéria. Skeptikós descreve um tipo de ser adulto que investiga com um cuidado maior e skepsis, uma contemplação de um algo não esclarecido. Se, no geral, o escondimento ao ser descoberto pelo ato de olhar, pela observação, ou algum caráter de autóptica, é visto em nascimentos e nos atos em que não se pode desviar o olhar. Quando a vida se apaga, o ato de mostrar o morto morto é um reconhecimento visual de que ele não voltará mais. É um ato de “seguir com os olhos” o desaparecido. Dessa forma não desviar o olhar poderia significar estar em uma situação limite de martírio, testemunhar algo absurdo. Velar um corpo é permitir que alguns testemunhem a morte do morto como alguém que não se mexerá mais. Velar aqui é muito mais um mostrar antes de enterrar. Velar os mortos é vigiar com luzes em velas aqueles falecidos. O olho dos orientais é um olho puxadinho, é o olho de quem está meditando, em transe. É um olho aberto fechado. É o olho de quem vê minimalisticamente.
Os ocidentais são menos escondidos, menos esquivados, menos invisíveis. Os orientais são mais escondidos, mais esquivados, mais invisíveis. A cripta esconde, o nascimento esconde, a natureza esconde. As luzes no Ocidente são luzes de incidência. Há clareamento, iluminação, iluminismo, transparência, luz artificial. Os processos do mundo Ocidental nos levam para a ideia de que o escuro é pior que o claro. O claro ganha, por óbvio, um caráter positivo e também negativo, destrutivo. Sair da caverna escuro tinha o caminho da maior luz, não de uma vela, mas do Sol. Luz, visibilidade, olhos. O espelho, onde se pode olhar para si mesmo. O Oriente não faz tão fortemente essa conexão entre inteligência, conhecimento e clareza. O Oriente prefere algo mais meio termo, claro e escuro, a treliça, a fresta. Não o escondido, mas o semimostrável e, talvez, o escondido. No Oriente, o que vale é a capacidade de não ligar para a luz nem para a não luz. O que está posto nas janelas do Oriente não é o claro que está posto nas janelas do Ocidente. Aqui, tudo se abre, a luz entra e é querida que entre. Lá, quando se abre para receber o sol sempre tem uma cortina, um véu, uma fresta, uma treliça. Não é tudo o que deve passar para atingir nossos olhos. O transparente é o liso, o positivo, o vidro, o espelho. Tudo é translúcido. Não há mais íntimo. No Oriente, a sociedade não pede tanto a transparência. Lá sempre há a consideração ao outro, o nublado, o escondido, luz e sombra, o fogo não é para iluminar, mas para purificar. A cremação ainda é uma técnica utilizada em pequena escala do Ocidente. As sociedades de véu e burca, do obstáculo, são difíceis para o narcisismo entrar, pois a presença do outro é quase automática. O que te nega. No Oriente há várias passagens de contenção das luzes. O conto famoso do Oriente se chama As Mil e Uma Noites. O Sol é avassalador no Oriente. Um dos motivos para a cobertura da pele. Lá vemos o áspero, a areia, o sol, aquilo que arde, o obstáculo. Lá eles têm o calor aqui o ar-condicionado, aqui usamos biquinis lá usam burcas e roupas fechadas, aqui temos água lá não.
Nos incomodamos com a indumentária alheia, a fresta, a burca, a treliça, mas a por quase dois anos, com o efeito Covid-19, a nossa máscara não virou quase um véu? Não vimos pessoas usando luvas, protetores na face, máscaras, roupas mais fechadas para obter imunidade? E se no futuro tivermos que andar cobertos e criarmos coberturas com a crise ecológica global? Uma cobertura de proteção universal, já não as temos nos seguros e nos planos de saúde? E se no futuro as pessoas para saírem de casa devam estar cobertas, cobrir todo o corpo? Muitos se esquecem que a Justiça, o símbolo da Justiça é uma mulher com uma balança e com véus em seus olhos. E mais: na figura muito conhecida da Estátua da Liberdade, vemos uma mulher com vestimentas, uma espécie de túnica ou uma bata cobrindo quase que a totalidade do seu corpo. A própria Justiça deve se guardar e não se desnudar por completa. O véu que parece que está cobrindo muitos hoje é o véu da ignorância.
Banda Obscura. Música Solaris (2021). No clipe da música a natureza começa a se despir.
É comum que no Ocidente, se utilize materiais como prata, cobre ou ferro. São comuns em diversos locais e para diversas funcionalidades. Objetos cintilantes. Polidos até brilhar: talheres corrimões. Os Orientais as vezes utilizam chaleiras, taças e fracos, mas diferentemente de nós, não são polidos até brilharem. Eles não são lustrosos. Eles gostam de observar o tempo marcar a sua passagem nas coisas. O objeto então vai esmaecendo, se fumaçando, queimando, esfumaçando. Muitos Orientais gostam de utilizar utensílios de estanhos. Os chineses usam muito o jade. Um tipo de pedra meio enevoado com um tipo de luz morta. Uma tonalidade meio fosca tendendo paro o esverdeado. Ele não é um rubi, um ouro, nem um diamante. Todos esses brilhosos. São objetos sedutores. Enquanto o outro parece possuir um sebo do tempo manchado. Até existem cristais, especialmente na China, mas eles não são tão translúcidos. Vejamos o papel japonês, o washi e o chinês, toushi, um aparenta um tipo de papel mofado, como se tivesse bolor em cima, o outro, não possui a brancura de um papel como nós conhecemos. O nosso branco tende para repelir luminosidade. Já o papel japonês especial, housho e o chinês, hakutoushi, absorve a luz calmamente. Em Kyoto, há um restaurante chamado Warajiya, que é conhecido por iluminar o seu ambiente com velas em castiçais. Observando a culinária da maioria dos países podemos ter certeza que ela teve que ser ajustada para se harmonizar com o serviço de mesa e com a tonalidade de paredes.
No Episódio 16, da Temporada 14, de Os Simpsons, temos o intitulado Scuse Me While I Miss the Sky, em português, Eu Quero Ver o Céu ou Com Licença Enquanto Perco o Céu, transmitido pela primeira vez em 2003. Nele Lisa, tendo descoberto uma nova paixão pela astronomia, embarca em uma campanha para reduzir os níveis de poluição luminosa de Springfield.
Quando ela coleta assinaturas suficientes para sua petição, a prefeita Quimby concorda em desligar as luzes da cidade à noite para desvendar a paisagem estelar acima. Na escuridão, os habitantes da cidade deleitam-se com a sua liberdade recém-descoberta: Moe e Selma beijam-se apaixonadamente num banco do parque, Bart tenta roubar o enfeite do capô do carro de Fat Tony. O novo arranjo não dura muito. O aumento da criminalidade força o prefeito Quimby a acender as luzes novamente, desta vez na configuração mais alta como “meio-dia permanente”. Nisso, a noite da cidade é completamente eliminada de Springfield e os ritmos da cidade ficam descontrolados. Marge, sem dormir, passa a ferro objetos aleatórios, extasiada com os novos patamares de produtividade que alcançou. Os pássaros começam a cavar túneis no subsolo.
Detalhe.
Lisa quer adquirir um telescópio, ferramenta de astrônomo, e convence o pai a comprá-lo, preparando-se também para observar a grande chuva de meteoros que se aproxima. Usando o seu telescópio, decide explorar os céus da noite de Springfield, busca Vénus, que se perde na luz produzida por um evento local, vai à busca de outro planeta, mas percebe que existe iluminação que a impede de poder explorar o céu. Observa que a chamada poluição luminosa é provocada pelo desperdício na iluminação urbana de Springfield, mas também pela poluição atmosférica. As partículas poluentes em suspensão refletem e difundem a luz das lâmpadas, apagando o brilho das estrelas.
Alguns efeitos fisiológicos e psicossomáticos são experimentados pelos habitantes da cidade. A exposição constante à luz brilhante afeta o relógio biológico fica desregulado, levando a um descontrolo de algumas funções do nosso corpo. Problemas oculares. E esta situação mostra que iluminar a noite altera comportamentos e ciclos de vida, o ritmo circadiano fica desregulado, desencadeando desordens a nível do humor, problemas metabólicos e certos tipos de cancro. Eventualmente, Lisa e Bart se unem para desligar a energia mais uma vez, e toda Springfield se reúne para assistir uma chuva de meteoros iluminar o céu. Bombeiros de todos os países, uni-vos!
REFERÊNCIAS:
1 - Sloterdijk, Peter. Die Reue Des Prometheus: Von Der Gabe Des Feuers Zur Globalen Brandstifutung (O Arrependimento de Prometeu: O Dom Do Fogo Ao Incêndio Criminoso Global). Suhrkamp Verlag AG, Berlin, 2023, pp. 31-33.
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