Academia.eduAcademia.edu

CARTA AOS COLOSSENSES

O presente estudo tem por objetivo analisar o conteúdo da Carta aos Colossenses visando extrair seus ensinamentos tendo como base as análises histórico-culturais bem como aspectos hermenêuticos. As fontes consultadas se baseiam em Comentários Bíblicos de diversos autores de tradições cristãs cujas obras podem ser recentes ou não. Também se fez uso de Dicionário Enciclopédico e o site Bible Hub que disponibiliza ferramentas para estudo das línguas gregas e hebraicas.

CARTA AOS COLOSSENSES 1.INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo analisar o conteúdo da Carta aos Colossenses visando extrair seus ensinamentos tendo como base as análises histórico -culturais bem como aspectos hermenêuticos. As fontes consultadas se baseiam em Comentários Bíblicos de diversos autores de tradições cristãs cujas obras podem ser recentes ou não. Também se fez uso de Dicionário Enciclopédico e o site Bible Hub que disponibiliza ferramentas para estudo das línguas gregas e hebraicas. O formato deste estudo aborda inicialmente aspectos relacionados à cidade e sua cultura local, bem como à comunidade cristã ali formada. Posteriormente serão analisadas as perícopes 1 que compõe a Epístola. Os textos bíblicos apresentados foram extraídos das Bíblias NVT (Nova Versão Transformadora) e ARC (Almeida Revista e Corrigida). 1 Pericope é um termo grego que significa “cortar ao redor” ou seja uma parte destacada de um texto, para ser analisada e estudada em separado. (dicionarioinformal.com.br) 2.CONTEXTO DA EPÍSTOLA De acordo com o Dicionário Enciclopédico da Bíblia, a carta aos Colossenses “teve o seu ensejo nas notícias de Epafras, o fundador da igreja de Colossos (1,4-9)”, o que pode sugerir “que Epafras havia pedido os conselhos de S. Paulo a respeito das dificuldades e dos erros que aí surgiram, e, ficando Epafras com Paulo, esse escreveu uma carta, embora nunca tivesse visitado Colossos (2,1).2 O comentário contido na Bíblia do Pregador Pentecostal expõe que “esta Carta de Paulo aos Colossenses, escrita por volta do ano 61 d.C., é uma verdadeira apologia de Paulo à divindade de Cristo, rebatendo todas as vãs e sutis filosofias da época e também dos nossos dias” , e que “além desta Epístola aos Colossenses, Paulo também enviou, pelas mesmas mãos, uma Epístola à igreja de Laodiceia, que ficava bem próxima a Colossos (Cl 4.16)”.3 Craig S. Keener comenta que: Nem todos os estudiosos concordam que Paulo escreveu Colossenses. Alguns acham que um discípulo dele escreveu a carta em seu nome (provavelmente com a sua aprovação, ou postumamente em fidelidade aos seus ensinamentos). Outros acham que Paulo simplesmente ditou essa carta a um escriba, como ele fez em muitas de suas cartas anteriores (p. ex., Rm 16.22); em todo caso, a provável data da carta coincide com o tempo de vida de Paulo. Paulo, na altura em que escrevia Filipenses (é provável que tenha escrito Colossenses no mesmo período), estava tomando emprestado cada vez mais o vocabulário 2 3 Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Redator: A. Van Den Born. Pág. 280. Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. filosófico popular (cf. At 19.9). Mas embora o apóstolo se valha do vocabulário de alguns dos falsos mestres com o propósito de refutá-los, em geral a linguagem usada em Colossenses tem paralelos com as cartas incontestavelmente paulinas (as quais também diferem umas das outras). Haja vista que a brevidade da carta, o provável uso de um escriba, as semelhanças com cartas definitivamente paulinas e o espaço de vários anos entre essa carta e as anteriores, as diferenças entre Colossenses e as cartas que certamente são da autoria de Paulo não indicam necessariamente que estas e aquela tenham sido escritas por autores diferentes. As cartas pseudônimas existiam, mas normalmente eram escritas muito tempo depois da morte da pessoa em cujo nome eram redigidos. Visto que um terremoto devastou Colossos por volta de 60-64 d.C. e a cidade nunca foi completamente restaurada, é improvável que depois dessa data se tenha escrito uma carta à igreja ali, mesmo que fictícia. Além disso, uma carta falsa, se escrita durante a vida de Paulo, não passaria despercebida (o apóstolo provavelmente viveu até, pelo menos, 64 d.C.).4 Justo L. Gonzalez apresenta o seguinte comentário: A Epístola no Contexto do Novo Testamento Quando a estudamos no contexto de todo o Novo Testamento, a Epístola de Paulo aos Colossenses apresenta quatro características marcantes que, em conjunto, a tornam única na literatura do Novo Testamento. A primeira dessas características — e a mais evidente — é que essa epístola condiz com outra de caráter mais pessoal, embora também dirigida à comunidade cristã em Colossos. Trata-se da brevíssima Epístola a Filemom, cuja relação com Colossenses frequentemente acaba sendo ofuscada aos nossos olhos porque, na presente ordem dos livros do Novo Testamento, entre a Epístola aos Colossenses e a que está dirigida a Filemom, interpõemse as duas Epístolas aos Tessalonicenses, as duas Epístolas a Timóteo e a Epístola que se dirige a Tito. O fato de Filemom ter sido membro da igreja de Colossos está claramente manifesto quando comparamos os nomes das pessoas mencionadas em Colossenses com as que aparecem em Filemom. A presença dos mesmos nomes mostra que ambas as cartas são dirigidas à mesma comunidade cristã. Ao analisarmos Colossenses mais detalhadamente, abordaremos esses nomes entre outros detalhes. Por ora, ainda que de passagem, cabe destacar que, embora pensemos que a Epístola a Filemom esteja dirigida unicamente a ele, tal não é o caso, como se vê no próprio início da carta, na qual Paulo dirige-se “ao amado Filemom, nosso cooperador, e à nossa irmã Áfia, e a Arquipo, nosso companheiro, e à igreja que está em tua casa” (Fm 1,2). Por outro lado, apesar dessas saudações, que indicam que Paulo conhece, pelo menos, os nomes de alguns membros da igreja nessa cidade, parece que o próprio apóstolo não tenha visitado Colossos, pois se dirige aos leitores como pessoas que se contam entre os “quantos não viram o meu rosto em carne” (Cl 2.1) — tal qual os membros de Laodiceia, aos quais Paulo refere-se no mesmo versículo. Por outro lado, o tom da Epístola a Filemom mostra que o apóstolo era bem conhecido pela comunidade cristã nessa cidade e que, portanto, esperava que dessem autoridade às suas palavras. A segunda característica marcante de Colossenses é o seu paralelismo com Efésios. Naturalmente, é possível encontrar em diversos lugares breves passagens em que Paulo faz uso de palavras ou expressa ideias semelhantes. Porém, a similaridade entre Efésios e Colossenses é muito maior. Em terceiro lugar, Colossenses assemelha-se a Romanos porquanto ambas as cartas são dirigidas a crentes que Paulo não conhece pessoalmente. 4 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 678-679. Isso se nota particularmente no uso de longas sentenças com uma série de cláusulas subordinadas, como ocorre quando hoje escrevemos a quem não conhecemos. Em tais casos, queremos ter a certeza de que todos os detalhes fiquem claros e todos os pingos estejam bem colocados nos is, fazendo que se estendam nossas sentenças gramaticais. Colossenses é uma das chamadas “epístolas da prisão” — Filipenses, Efésios, Filemom e Colossenses. Na carta que estudamos, Paulo declara-se prisioneiro (4.3,10,18). Ele faz o mesmo em Filemom 1, em Efésios 4.1 e repetidamente em Filipenses 1.5 Para Werner de Boor, A carta aos Colossenses foi levada pelo emissário Tíquico. Ele é citado em Cl 4.7. Tíquico é o mesmo mensageiro ao qual foi confiada também a carta aos Efésios (Ef 6.21). Em sua companhia estava o escravo Onésimo (Cl 4.9), que levava consigo a carta a Filemom, uma formidável carta de recomendação. Embora Paulo nunca tivesse visitado a igreja de Colossos, considerou muito apropriado escrever-lhe uma carta. Assim como as demais cartas da prisão (veja a Introdução à carta aos Filipenses), a carta aos Colossenses também foi escrita em Roma.6 Ralph P. Martin comenta que: Talvez de forma bem inconsciente, a igreja em Colossos estava sendo exposta a um falso ensino que Paulo considerava uma negação do seu evangelho que Epafras lhes trouxera. Parte da ocasião da sua carta talvez remonte à presença deste perigo ameaçador e à necessidade de refutar o erro que havia no âmago daquilo que Paulo descreve como sendo uma aberração do querigma apostólico. A carta aos colossenses, portanto, é “a reação vigorosa de Paulo diante da notícia do ensino estranho que estava sendo inculcado em Colossos”. Mas, conforme H. Chadwick demonstrou, a defesa que Paulo faz da fé apostólica vai de mãos dadas com uma declaração apologética daquela fé diante do mundo intelectual dos seus dias. Neste sentido, sua carta aos colossenses é uma das “apologias” cristãs, ou declarações defensivas da fé contra seus rivais, mais antigas que possuímos. Em parte alguma da carta Paulo dá uma definição formal do ensino, e seus aspectos principais podem ser detectados ao juntar e interpretar seus contra-argumentos positivos.7 Justo L. Gonzalez menciona que: A própria epístola declara ter sido escrita — ou ditada — por Paulo e Timóteo. Isso era dado como certo até que a crítica moderna começou a levantar questionamentos sobre a autoria de praticamente todos os livros da Bíblia. No caso de Colossenses, a maioria dos eruditos parece inclinar-se a pensar que se trata de uma carta pseudônima. Os 5 González, Justo L. - Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 7 -9). CPAD. Edição do Kindle. 6 7 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 19. argumentos invocados têm a ver com a diferença entre o estilo dessa carta e a dos Efésios, por um lado, e o restante do corpo paulino, por outro. 8 3.CONTEXTO DA CIDADE Conforme expõe Werner de Boor, A carta aos Colossenses é dirigida à igreja em Colossos, que pertence à província romana da Ásia. Colossos está localizada no rio Lico, não longe do lugar em que esse rio desemboca no rio Meandro, e a cerca de 200 km de Éfeso em direção do interior do continente. Colossos estava ligada a Éfeso por meio de uma grande via comercial. Essa antiquíssima e famosa via comercial ligava o mundo greco-romano entre o Mar Mediterrâneo e o Golfo Pérsico. A rota era Éfeso – Laodicéia – Colossos – Antioquia (da Pisídia)9 – Icônio – Listra – Derbe – Tarso – Isso – Síria – Mesopotâmia – Média – Pérsia! Heródoto e Xenofonte já conheciam Colossos como cidade grande e rica. Plínio a cita entre as “mais afamadas cidades” da Ásia Menor. A fertilidade do vale dos rios Lico e Meandro, o tráfego comercial muito ativo e uma florescente tecelagem geravam prosperidade e despertavam o espírito comercial e empresarial. Em toda parte havia grande demanda da lã muito preta produzida no vale do Lico. Essa região fértil era frequentemente abalada por intensos terremotos. O terrível terremoto da época do imperador romano Nero (por volta de 60 d. C.) deixou em ruínas as cidades de Colossos, Laodicéia e Hierápolis. Parece que Colossos não se recuperou mais dessa catástrofe. Aos poucos desapareceu da história.10 Segundo o comentário da Bíblia do Pregador Pentecostal, Colossos, a cidade destinatária desta Epístola de Paulo, era uma cidade importante, situada nas proximidades do rio Meander, no vale do Lico, e, por isso, acompanhava a principal rota comercial que ligava as cidades da Frígia, no leste, a Éfeso, a oeste. Os registros históricos indicam que essa cidade desfrutava de imensa riqueza e prestígio nos tempos antigos. Graças aos seus interesses comerciais, Colossos havia sido uma cidade cosmopolita importante, que possuía diferentes elementos religiosos e culturais. A Frígia, região em que se localizava a cidade de Colossos, era a terra de Cibele, “deusa da fertilidade”, um outro nome de Diana, a “deusa dos efésios” (At 19.34-35). Afrodite em Corinto, Diana em Éfeso e Cibele em Colossos eram praticamente a mesma coisa e 8 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 11). CPAD. Edição do Kindle. 9 Existiam várias cidades com o nome de Antioquia, normalmente assim denominadas em homenagem a Antíoco. Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. 10 suscitavam as mesmas formas de celebração, com o “culto à sensualidade”, oferecido pelos adeptos destas supostas “divindades”.11 Para o Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Colossos ficava na Frigia, na margem do Licos, não longe do lugar onde esse desemboca no Meandro, na grande estrada comercial que começava em Éfeso, passava por Magnésia, Colossos e Apaméia e levava a Tarso e de pois à Síria. Conforme Heródoto (7,30) e Xenofonte (Anab. 1,2,6), Colossos era uma cidade grande e rica, que devia a sua prosperidade principalmente à criação de ovelhas na redondeza, cujos produtos eram negociados e trabalhados em Colossos. No tempo de Paulo Colossos já fora eclipsada pela cidade vizinha de Laodicéia, como se vê em Estrabão (12,8,13) e Plínio (Hist. Nat. 5,32,41); durante o governo de Nero, a cidade foi ainda por cima devastada por um terremoto; depois desapareceu paulatinamente da história. 12 William Hendriksen explica que: Uma familiarização com as características gerais do território onde se localizava Colossos, é essencial à compreensão da epístola de Paulo aos Colossenses. Acarta menciona três cidades: Hierápolis (4.13), Laodicéia (2.1; 4.13-16) e Colosso ou Colossos (1.2). Apesar de serem originalmente cidades da Frigia, nos dias de Paulo elas haviam se tomado parte da província romana da Ásia. Sua antiga localização está dentro da atual Turquia na Ásia (Menor). Podem servir de grande auxílio alguns simples traçados, a partir do mais familiar para o menos conhecido, e omitindo, propositadamente, todos os detalhes desnecessários. Todos têm, naturalmente, familiaridade com o formato da Ásia Menor Ocidental. Hierápolis, Laodicéia e Colossos são apontadas, nesse primeiro esboço, em relação à região na sua totalidade, e particularmente em relação a Éfeso, que constituía o centro da atividade missionária de Paulo para essa parte da terceira viagem missionária, durante a qual três igrejas, e provavelmente também outras, devem ter sido estabelecidas (At 19.10; Ap 1.11). É fácil perceber as distâncias num relance, já que o lado de cada quadrado representa 160 quilômetros. Consequentemente, Éfeso estava localizada aproximadamente a 160 quilômetros a oeste das três cidades. A cerca de 1.150 quilômetros aéreos no sentido oeste-noroeste das três cidades localizava-se Roma. A viagem efetiva distava bem mais que 1.600 quilômetros da tríade, sendo que a distância exata variava de acordo com a rota tomada. A leste, levemente para o sul das três cidades, encontrava-se Tarso, lugar do nascimento de Paulo, a sudoeste de Antioquia da Síria, de onde ele iniciou sua terceira viagem missionária. Ainda com respeito às localidades ao leste das três cidades, deve-se ter em mente que as efetivas distâncias de viagem eram geralmente consideradas bem maiores do que as distâncias de vôo direto indicadas no mapa. Naqueles dias não havia nada semelhante a uma via expressa, como a de Pensilvânia com seus sete túneis. Obstáculos menores também mereciam consideração. Se alguém desejasse viajar por terra, de Antioquia da Síria até Tarso, deveria contornar o golfo da Cilicia como indica a linha pontilhada.13 11 Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Redator: A. Van Den Born. Pág. 281 -282. 13 Hendriksen, William. Comentário do NT - 1 e 2 Tessalonissences, Colossenses e Filemon. Pág. 261-262. 12 William Barclay traz informações também da Economia, além dos aspectos geográficos: A 160 quilômetros de Éfeso no vale do rio Lico, perto de sua confluência com o Meandro, existiam três cidades importantes: Laodicéia, Hierápolis e Colossos. Originariamente tinham sido cidades frígias mas agora constituíam parte da província romana da Ásia. encontravam-se quase à vista uma de outra. Hierápolis e Laodicéia estavam a um lado do vale com o rio Lico de por meio: só distavam entre si uns dez quilômetros, e se divisavam perfeitamente entre si. Colossos, a terceira cidade, estendia-se a ambas as margens do rio a uns dezesseis quilômetros rio acima. O vale do Lico tinha duas características notáveis. (1) Era famoso pelos terremotos. Estrabão o descreve com o curioso adjetivo “euseistos” que poderia traduzir-se bom para terremotos. Laodicéia tinha sido destruída mais de uma vez pelos terremotos, mas era uma cidade tão rica e independente que ressurgia das ruínas sem nenhuma ajuda financeira do governo romano. Como diria João no Apocalipse, era uma cidade que se gabava de ser rica e não ter necessidade de nada (Apocalipse 3:17). (2) As águas do rio Lico e de seus afluentes estavam impregnadas de gesso. Este gesso se acumulava ao longo da costa dando lugar às mais curiosas formações naturais. Lightfoot descreve a região da seguinte maneira: "Os antigos monumentos estão sepultados; a zona fértil está coberta; os leitos dos rios estão repletos por certo poder estranho e caprichoso ao mesmo tempo destruidor e criador, e que age silenciosamente e através das idades se formam fantásticas grutas, quebradas e arcadas de pedra. De terríveis consequências para a vegetação, estas incrustações se disseminam como um sudário de pedra sobre a terra fértil. Brilhando como geleiras ao lado da colina, atraem o olhar do viajante a uma distância de trinta quilômetros e formam um cenário de configurações surpreendentes e singulares que possuem uma beleza e grandiosidade fora do comum". Uma zona rica Apesar de tudo isto era uma zona rica e famosa por duas indústrias intimamente relacionadas entre si. A terra vulcânica é sempre fértil e todo o terreno que não estava coberto pelas incrustações de gesso constituía uma região extraordinariamente rica em pastiçais. Nestes pastos abundavam os rebanhos de ovelhas e toda a área constituía possivelmente o centro maior do mundo da indústria de lã. Laodicéia era particularmente famosa pela produção de gêneros da mais fina qualidade. Um negócio aliado era o do tingido. As águas com gesso eram de tal qualidade que eram especialmente aptas para o tingido dos gêneros. Colossos era tão famosa por esta indústria que certa tintura levava seu nome. As três cidades, pois, achavam-se num distrito de um interesse geográfico considerável e de grande prosperidade comercial. Nas origens estas três cidades tinham tido igual importância, mas com o correr dos anos seguiram um destino diferente. Laodicéia chegou a ser o centro político do distrito e a cabeça financeira de toda a área; uma cidade esplendidamente próspera. Hierápolis se tinha feito um grande centro comercial com notáveis banhos termais. Nesta zona vulcânica existiam muitas gretas das que surgiam vapores quentes e vertentes famosas por suas qualidades medicinais. As pessoas iam aos milhares a Hierápolis para banhar-se e beber suas águas. Colossos, numa época, tinha sido tão grande como as outras duas cidades. Atrás dela se erguia a cordilheira de Cadmo e Colossos dominava os passos das montanhas. Tanto Xerxes como Ciro se detiveram aqui com seus exércitos invasores e Heródoto a havia chamado "a grande cidade de Frígia". Mas por alguma razão a glória se apartou desta cidade. Podemos apreciar este grande eclipse pelo fato de que enquanto Hierápolis e Laodicéia hoje em dia são identificáveis pelas ruínas de seus grandes edifícios, não há uma só pedra que indique onde estava Colossos; sua localização só é matéria de conjeturas. Até no próprio momento em que Paulo escrevia, Colossos só era uma pequena aldeia.14 Ralph P. Martin sintetiza: Colossos ficava no vale do rio Lico, um afluente do Meandro, na parte sulina da antiga Frigia que se localizaria no oeste da Turquia moderna. Como a cidade estava situada numa estrada comercial principal de Éfeso para o leste, não é surpreendente que os historiadores antigos se refiram a ela nas suas descrições dos movimentos militares de generais tais como Xerxes e Ciro. Quando Heródoto nos conta como o exército de Xerxes foi parado na sua marcha contra a Grécia, fala de Colossos como sendo “uma grande cidade da Frigia”. Um século mais tarde, o cronista Xenofonte descreveu-a como sendo “uma cidade populosa, tanto rica quanto grande” (Anabasis i.2.6). Sua importância comercial era devida em grande medida ao seu lugar como empório da indústria têxtil. A lã era tosquiada das ovelhas que pastavam nos encostos do vale do Lico, e tingida. O nome “colossense” era usado para uma cor específica (colossinus) de lã tingida. A importância de Colossos, no entanto, diminuiu no período romano, em grande medida porque os centros vizinhos à cidade, Laodicéia e Hierápolis, se expandiram e se tomaram mais prósperos. O Plínio mais velho (Hist, Nat. v. 145) ao descrever a Frigia coloca Colossos entre “suas cidades mais famosas”, mas tem em vista cidades que tinham conhecido a grandeza em tempos passados, e a terceira cidade mencionada juntamente com Hierápolis e Laodicéia foi Apaméia (Dibelius-Greeven, pág. 4). Laodicéia, situada a oeste de Colossos ficou sendo, sob o governo romano, a sede da administração romana (Cícero, At. v. 21). 14 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág 10-19 Hierápolis, no lado norte do vale do rio Lico, também era uma cidade importante, notável por suas águas terapêuticas.15 Ralph P. Martin ainda complementa que: Partes do vale do Lico, especialmente Laodicéia, foram destruídas por um terremoto em 60-1 d.C., segundo Tácito (An. xiv.27), mas Colossos não é mencionada. Orósio, no entanto, mais tarde comenta que “na Ásia três cidades, Laodicéia, Hierápolis, Colossos, caíram com terremotos.” Cf. Eusébio, Crônica, pág. 215, que data esta destruição no nono ou décimo ano de Nero. Laodicéia foi restaurada sem assistência externa, mas Colossos nunca recuperou sua posição, e é provável que tenha sofrido mais danos sísmicos (um risco frequente naquela área) e que nunca foi reconstruída (Lohse). Há, no entanto, alguma evidência, nas inscrições e na numismática, da continuação de Colossos como uma cidade romana, com seus oficiais, durante boa parte dos séculos da era cristã... O sítio atual é desabitado e ainda não escavado (...). No período em que Paulo vivia, a importância comercial e social de Colossos já estava em declínio. Que efeitos esta depressão pode ter tido nos cidadãos de Colossos, ou sobre os cristãos entre eles, não temos meios de saber. 16 Werner de Boor não se diferencia dos demais ao comentar que: Considerando Éfeso como ponto de partida, Colossos estava localizada no interior do continente, no vale do rio Lico, a apenas treze quilômetros das cidades de Laodicéia e Hierápolis. Grande e famosa no passado, havia sido deixada em segundo plano no tempo de Paulo pelo subúrbio político Laodicéia e por Hierápolis (“cidade dos santos”), famosa no campo da medicina e da religião. No monte Cadmo, a região montanhosa eleva-se até a altitude de dois mil e quatrocentos metros. É de formação vulcânica com vales muito escarpados e fontes termais terapêuticas, fértil e particularmente adequada para a viticultura. Famosos eram os tecidos tingidos fabricados em Colossos. “Colóssica” era a designação da cor de determinada coloração púrpura. Também há provas de ter havido uma próspera indústria de lãs e tecelagens na cidade. Por isso havia ali homens tão abastados como Filemom, cuja residência podia hospedar uma “igreja caseira” própria (carta a Filemom). Talvez justamente por isso a questão do escravismo também fosse 15 16 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 13. Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 14. importante (relacionada com a fuga de Onésimo?) para a igreja em Colossos (veja Cl 3.2225): naquele tempo, “indústria” significava o emprego de muitos escravos. Poucos anos depois da missiva de Paulo a região foi atingida por um terremoto. Só dispomos de informações precisas sobre a destruição em Laodicéia. Porém é difícil que um lugar tão próximo como Colossos tenha saído ileso.17 Justo L. Gonzalez expõe: A que se deveu o declínio de Colossos? São muitas as razões invocadas; porém, pelo menos duas delas merecem ser citadas. A primeira é o surgimento de outras cidades mais bem situadas e com maiores atrativos políticos e econômicos. Em meados do século 3 a.C., o rei Antíoco II fundou próximo a Colossos uma cidade à qual deu o nome de Laodiceia em homenagem à sua esposa. A nova cidade passou a ser a capital da região e, graças ao apoio real e à sua situação geográfica, logo sobrepujou Colossos, que se localizava a uns dezoito quilômetros a leste de Laodiceia. Nesse mesmo século 3 a.C., a uns vinte quilômetros ao norte de Colossos, fundou-se a cidade de Hierápolis, que logo se tornou famosa pelas suas águas termais, às quais se atribuíam poderes curativos oferecidos por Esculápio, o deus da medicina. O atrativo de Hierápolis como centro médico e religioso rapidamente ofuscou Colossos. (De passagem, cabe mencionar a possibilidade de que haja uma referência às águas termais de Hierápolis em Apocalipse 3.15, onde se repreende a igreja de Laodicéia por não ser nem fria nem quente. Pela sua proximidade às águas termais de Hierápolis, a água de Laodiceia era tépida, de modo que não tinha o suposto caráter curativo das águas de Hierápolis, mas acabava sendo desagradável para beber — não era, como diz Apocalipse, nem fria nem quente.) A segunda razão que pode ser atribuída à boa parte do declínio de Colossos foi o terremoto que ocorreu na década dos anos 60 d.C., em que todas as cidades da região sofreram sérios danos. Nos seus Anais, o historiador romano Tácito declara que “Laodiceia, uma das mais famosas cidades da Ásia, foi destruída nesse ano por um terremoto e recuperou-se por meio dos seus próprios recursos, sem ajuda nossa [isto é, romana]” (Anais, 14.27). 18 4.CONTEXTO SOCIO-RELIGIOSO Para Werner de Boor, Durante o tempo em que esteve nesta região por ocasião da segunda e terceira viagens missionárias, Paulo provavelmente nunca visitou as cidades do vale do Meandro e Lico. 17 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 19 -20). CPAD. Edição do Kindle. 18 Um colaborador de Paulo, chamado Epafras, fundou a igreja em Colossos (Cl 1.6s; 4.12s). Talvez Epafras tenha se convertido ao cristianismo em Éfeso, por meio do apóstolo. Paulo o chama de “um amado conservo” (Cl 1.7). As igrejas das cidades vizinhas de Colossos, a saber, Laodicéia e Hierápolis, provavelmente também foram fundadas por Epafras (Cl 4.13). Quando Paulo se encontrava no cativeiro romano, Epafras levou notícias ao apóstolo acerca do amor dos colossenses pelo apóstolo, dando-lhe um relatório sobre o excelente estado da igreja (Cl 1.3ss). Depois Epafras também o avisou a respeito das graves ameaças à igreja por meio de heresias que haviam penetrado no grupo de cristãos de Colossos. De Cl 4.12s depreende-se que Epafras não retornou imediatamente para Colossos. Conforme Filemom 23 Epafras deve ter compartilhado o cativeiro do apóstolo Paulo espontaneamente, como “co-prisioneiro” (Cl 4.10 e Rm 16.7). Isso explica por que ele ainda permanece junto de Paulo. Paulo chama seu colaborador Epafras de seu “coprisioneiro em Cristo” (Fm 23).19 Já conforme Ralph P. Martin, O que parece certo é que, nas palavras de Lighfoot: “Colossos era a igreja menos importante à qual qualquer epístola de Paulo é endereçada”. Quando Paulo escreveu aos cristãos que moravam em Colossos, a população da cidade consistia principalmente em colonos indígenas frígios e gregos. Josefo porém, registra o fato de que Antíoco III, no começo do século II a.C., trouxera dois mil judeus da Mesopotâmia e da Babilônia e os estabeleceu na Lídia e na Frigia. Colossos, portanto, era nos dia de Paulo uma cidade cosmopolita onde diversos elementos culturais e religiosos se encontravam e se misturavam.20 Segundo o Dicionário Enciclopédico da Bíblia, No tempo de Paulo havia entre os habitantes também um certo número de judeus e de gregos, mas a população era constituída principalmente de frígios autóctones. Por isso a comunidade cristã de Colossos, fundada por Epafras, era sem dúvida composta em sua maior parte por gentios convertidos. Essa comunidade provavelmente não era pequena, e já possuía, talvez, uma primitiva hierarquia (cf. Col 4,15.17). 21 Werner de Boor menciona a presença de judeus e sua influência na mentalidade religiosa: A pergunta é, no entanto, de onde vinham as heresias que tanto ameaçavam a igreja em Colossos. A circunstância de Paulo falar a respeito de preceitos alimentares e também do cumprimento de jejuns de lua nova e sábados (Cl 2.16) aponta nitidamente para heresias de origem judaica. Um relato do historiador judaico Flavio Josefo demonstra que havia judeus vivendo em Colossos, ao escrever que Antíoco Magno havia transferido cerca de 2.000 famílias judaicas para a Frígia (região em que se situava Colossos). Outra prova para o fato de que em Colossos havia judeus é que o general romano Glaco certa vez confiscou tributos judaicos recolhidos para o templo e destinados para Jerusalém. Cumpre mencionar ainda um terceiro ponto: por ocasião da perseguição aos judeus na cidade 19 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 14. 21 Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Redator: A. Van Den Born. Pág. 281 -282. 20 vizinha Laodicéia, um total de 12.000 judeus teria sido morto nas três cidades - Colossos, Laodicéia e Hierápolis. A existência dessa numerosa população judaica em Colossos também explica a exigência de que certas leis do AT não fossem deixadas de lado no propósito de alcançar uma “santidade” no discipulado de Cristo “ainda melhor” do que a anunciada por Paulo. Por isso se exigia o cumprimento do sábado e a celebração festiva de cerimônias de lua nova (Cl 2.16). A isso se acrescentava a ênfase unilateral nas leis levíticas de pureza e na circuncisão (cf. Cl 2.11,16,21). Defendia-se que cumprir tais preceitos combinaria muito bem com a fé dos cristãos, até mesmo tornando-a mais santa e perfeita. A essas influências judaicas agregavam-se ainda as seduções de hereges gnósticos. Esses falsos mestres afirmavam que o discipulado autêntico de Cristo seria aprofundado por um conhecimento superior. O gnosticismo definia-se como filosofia (Cl 2.8). Dizia-se que o cristão estaria cada vez mais perto da perfeição pelo cumprimento de preceitos ascéticos, pela obtenção de visões e intuições divinas, pela audição de “vozes interiores” (Cl 1.9,28; 2.10,16,18,21,23; 3.5,14; 4.12). Ao invés de buscar e encontrar a redenção exclusivamente em Cristo, esses hereges cultuavam uma autossalvação encoberta, porém muito consciente (Cl 1.13; 2.16-19). Ademais, esses hereges ensinavam que a morte redentora de Cristo teria de ser “complementada”, levando em conta adicionalmente também o mundo dos espíritos (Cl 2.18,23). Cristo não seria o único Mediador, mas faria parte de uma série de poderes espirituais. O conhecimento cristão pleno não poderia ser encontrado exclusivamente em Cristo. Por um lado o movimento não pretendia, de forma alguma, romper com Cristo, mas dizia-se que não deveríamos exagerar na adoração e veneração do Cristo. Não seria admissível considerar secundários a fé nos espíritos, o culto aos anjos, a veneração dos “elementos”, porque “espíritos” e “anjos” e “elementos”, afinal, também seriam criaturas de Deus (veja o entendimento de “elementos” no comentário à carta aos Colossenses, 2.8,20). O poder dessas realidades também seria grande demais para que as deixássemos em segundo plano. Além disso, uma função importante era exercida pelas “tradições humanas”. Talvez não se deva levar em conta tanto os “preceitos dos anciãos” e mais os antigos costumes populares e doutrinas transmitidas via oral, que haviam surgido da idiossincrasia étnica dos colossenses. 22 Para Justo L. Gonzalez, Embora seja pouco o que sabemos acerca das origens da igreja em Colossos, pode-se pensar que, assim como em todo o restante da bacia do Mediterrâneo, os primeiros cristãos na região devem ter sido ou judeus ou “que temem a Deus”. Como foi dito, esses últimos eram gentios que, sem tornarem-se judeus — ou seja, sem tornarem-se “prosélitos” —, participavam de boa parte da fé, do culto e dos princípios morais da sinagoga. No livro de Atos, temos abundantes testemunhos da importância de tais “que temem a Deus” na missão cristã entre os gentios.23 Nessa época, começava a circular entre alguns círculos cristãos um cúmulo de ideias que ameaçavam tergiversar em relação à fé, as quais Paulo procura refutar em Colossenses — assim como em Efésios. Até os dias atuais, os eruditos discutem o caráter e a origem de tais ideias. Uns veem a sua origem numa espécie de precursor desse gnosticismo cristão, que, no século II, evoluiu a ponto de tornar-se uma grande ameaça à fé cristã. Por consequência, praticamente todos os grandes autores cristãos da época — Justino, Irineu, 22 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 20). CPAD. Edição do Kindle. 23 Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes — escreveram contra esse gnosticismo agora mais desenvolvido. (...) Aparentemente, o que sucedia em Colossos era o que estava acontecendo em toda a bacia do Mediterrâneo: um sincretismo crescente que, unido a fortes tendências individualistas quanto à matéria de religião, levava cada qual a construir para si uma religião própria tomando o que lhe bem parecesse de cada uma das muitas alternativas que circulavam à época. Dado tal sincretismo, parece que, em lugar de pensar nos erros aos quais a epístola opõe-se como um todo claramente definido e de origem única, devemos pensar mais em termos de um conglomerado de ideias frequentemente confusas, mas que pretendiam de um modo ou de outro acrescentar à fé que os cristãos tinham recebido. Nesse conglomerado, misturavam-se e confundiam-se ideias e práticas procedentes do judaísmo, do gnosticismo incipiente, das religiões de mistério e, provavelmente, de outras fontes.24 Ralph P. Martin expõe que: O cenário religioso na Frigia é um em que se sabe que vários elementos característicos estavam presentes. Florescia ali o culto a Cibele, a grande deusa-mãe da Ásia (Estrabo diz que todos os frígios a adoravam: para os dados que demonstram que a Frigia era o centro do culto); ...Este culto era originalmente um rito da natureza vinculado com costumes da fertilidade, e levava a alegria e êxtase excessivos. Com o nome de Hera-Atargatis, ela recebia sacrifícios oferecidos com “alegria barulhenta e extática” (...) conforme a descrição feita por Luciano do festival em Hierápolis (...). Porém, práticas ascéticas também faziam parte desta religião, e sugere-se que a alusão de Paulo ao “rigor ascético” (2.23) e à circuncisão (2.11), talvez seja uma referência aos ritos de iniciação e às práticas da mutilação, familiares neste culto. Numa atmosfera de sincretismo é fácil ver como outros cultos podiam ser praticados e amalgamados com cerimônias religiosas existentes. A adoração a Ísis era muito difundida no mundo dos dias de Paulo... (“Era bastante natural . . . que Ísis, à medida em que se tomava uma figura pan-cósmica, se amalgamasse com a 24 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 14 e 16). CPAD. Edição do Kindle. Mãe Divina primordial da Ásia Menor”); e o santuário do oráculo de Apoio em Claros contém uma inscrição que contém o mesmo verbo que ocorre no texto de Paulo (2.18), empregado para o “mistério” colossense .11 Craig S. Keener aponta que: Há evidências da presença judaica na Frigia já no século 6 a.C. Ao que tudo indica, o judaísmo frígio sofreu influência significativa da cultura da região. O cristianismo na região também exibiu tendências não ortodoxas ao longo dos séculos subsequentes. Colossos era cidade pequena e socialmente de pouca importância no período; trata-se, provavelmente, de apenas uma das muitas cidades em que os alunos de Paulo haviam fundado igrejas (At 19.10). É possível que algumas dessas outras cidades também tenham recebido cartas semelhantes. Como já observado, a cidade foi seriamente danificada — ou mesmo destruída — em um terremoto por volta de 60-64 d.C. e nunca foi completamente restaurada. Muitos estudiosos creem, assim, que Paulo escreveu Colossenses antes dessa data. Colossenses 2 talvez sinalize que os cristãos ali se sentiam atraídos pelos aspectos místicos ou apocalípticos de um judaísmo que havia sido plenamente influenciado pela cultura frigia. Já se propuseram muitas explicações circunstanciais para os erros dos colossenses: as seitas dos mistérios, o misticismo helenístico em geral, o judaísmo helenístico, a forma de judaísmo praticada em Qumran25 e assim por diante. O mérito de considerar essas hipóteses está no fato de que todas essas tendências culturais estão ligadas aos problemas enfrentados por Paulo em Colossos. Mesmo os paralelos com Qumran, ainda que geograficamente estejam estritamente limitados à Judeia, fornecem evidências de que as crenças judaicas já estavam mais disseminadas nesse período. A única sugestão à qual não se dá muito crédito é a de que os colossenses tenham sido influenciados pelo gnosticismo, visto que não há como atestar a existência de sistemas gnósticos completos já nessa época. Mas é possível que o erro dos colossenses seja típico das sínteses de diferentes correntes de idéias que, posteriormente, culminaram no gnosticismo. O fato de que alguns oráculos sibilinos judeus talvez tenham se originado na região, bem como a atividade de montanistas cristãos ali em época posterior, pode muito bem sugerir a presença de um judaísmo local com elementos extáticos (2.18). O livro de Atos demonstra que Paulo, nesse período, estava pregando a mensagem de Cristo a públicos inclinados à filosofia (veja comentário de At 19.9), e cartas como Efésios e Colossenses indicam a que ponto Paulo entendia a filosofia grega no nível popular, bem como algumas das idéias filosóficas populares que permeavam tanto o pensamento gentio como o judaico em meados do século 1 d.C. na Ásia Menor.26 Ralph P. Martin sugere que: O evangelho cristão foi introduzido em Colossos durante o ministério de Paulo baseado em Éfeso. Segundo Atos 19.10, Paulo exerceu um ministério de pregação na cidade capital da Ásia proconsular com o resultado que “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra 25 Qumrán, um parque nacional localizado a apenas 64 quilômetros de Jerusalém, é o local que ficou famoso após a descoberta dos manuscritos do Mar Morto. Em 1947, a ruína foi explorada por beduínos – povos árabes nômades – que primeiro descobriram vários dos antigos pergaminhos. [Cavernas de Qumrán - Onde ficam e por que são misteriosas (r7.com)] 26 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 678-679. do Senhor, tanto judeus como gregos”. Esta descrição deve significar que Paulo, enquanto tinha sua base em Éfeso durante um período de dois ou três anos (assim At 19.10; 20.31), e “no auge das suas labutas” (...) enviava seus representantes para levar a mensagem às cidades mais distantes e aos distritos mais remotos da província. A carta aos Colossenses afirma no seu texto que Paulo não fora pessoalmente responsável pela obra evangelística no vale do Lico, a cerca de 130 km de Éfeso. Em dois lugares (1.4; 2.1) há indicações de que Paulo não tinha, na ocasião em que escrevia, visitado a igreja, nem quaisquer comunidades cristãs na área, inclusive Laodicéia. Sua esperança no sentido de visitá-los pessoalmente talvez tenha sido realizada posteriormente, se o pedido em Filemon 22 foi cumprido, tendo Paulo sido solto da prisão e visitado a Filemom. É quase certo que Epafras tenha levado as boas novas de Cristo a Colossos. Ele era nativo daquela cidade (4.12: é descrito como sendo “dentre vós”), e tinha um relacionamento especial com os crentes ali e com o apóstolo (4.13). É elogiado (1.7) como “fiel ministro de Cristo” que, como o delegado pessoal de Paulo, evidentemente evangelizara o distrito do vale do Lico e mais tarde fora visitar Paulo no cativeiro. Realmente, ou voluntariamente ou por causa de ter sido preso pelas autoridades, compartilhara da prisão de Paulo (Fm 23), e, destarte, não estava livre para voltar à congregação quando a carta foi enviada. Foi confiada a Tíquico como seu portador (4.7, 8). É comissionado para levar também as notícias da experiência do apóstolo na prisão, e para trazer algum encorajamento à igreja de Colossos acerca da detenção do seu líder, Epafras. Da parte dele, os cristãos colossenses “ouviram e entenderam a graça de Deus na verdade” (1.6, 7), e é natural que se preocupassem com o bem-estar do seu pastor, mormente porque ele não estaria voltando juntamente com a delegação (Tíquico, Onésimo) que trouxe a carta.27 Diz ainda Ralph P. Martin: Nossa conclusão é que a evidência de Paulo sugere que a “filosofia” colossense ocupavase em dar um lugar de destaque às ordens angelicais como guardiãs do destino humano. No pensamento helenista contemporâneo, isto tinha relacionamento estreito com as estrelas e com as suas divindades padroeiras. Paulo, no entanto, não quer saber nada disto na sua insistência de que todos os poderes cósmicos dependem do Cristo preexistente que enche totalmente o universo e não deixa lugar para agentes concorrentes, visto terem sido derrotadas por Ele e serem subservientes a Ele. Somente Ele dá significado ao universo, que é coerente nEle (1.16, 17); e, portanto, somente Ele dá relevância e propósito à vida (2.10)28 Havia outra doutrina defendida pelos inovadores em Colossos. Parece que mantinham um dualismo que separava o Deus supremo da Sua criação, e ensinavam que para chegar a Deus o homem devia ser libertado da influência maligna das coisas materiais. Esta “libertação”, na religião gnóstica posterior, era realizada por meio de seguir duas rotas totalmente diversas, sendo que uma partia da premissa de que o corpo humano nos seus apetites, instintos e desejos é maligno (visto que faz parte da matéria) e deve ser fortemente refreado; e a outra tratava o corpo como sendo indiferente aos interesses religiosos e, assim, abria a porta ao libertinismo. Uma das rotas para a salvação era (conforme indicamos) o ascetismo, que conclamava o devoto a uma vida de abstinência e de autoflagelação. Paulo conserva as próprias palavras dos lemas que estavam sendo 27 28 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 17. Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 25. propostos em Colossos (2.21, 23) e retorque que negações tais como “não manuseies” (ou possivelmente: “não tenha relações sexuais”...); “não proves” vinho; “não toques” alimento (cf. 1 Tm 4.1-4), não têm valor para ir contra “a satisfação da carne” (“sensualidade,” ARA). Ou seja: quando estas práticas ascéticas são usadas simplesmente para preparar o iniciado a entrar num estado como de transe e assim ganhar uma visão das coisas celestiais (2.18), servem apenas para insuflá-lo com orgulho e enchê-lo com conhecimento vão e assim reforçar sua “carne”, ou seja: seu ego não renovado, que é ensoberbecido por esta experiência. Em conjunto com estas práticas ascéticas havia um código que, segundo vários estudiosos entendem, foi influenciado pelo legalismo judaico, com suas observâncias do sábado, dos dias de festas e das celebrações da lua nova (2.16), possivelmente a prática da circuncisão (2.11) e as leis dietéticas judaicas (2.21-22). Várias sugestões têm sido feitas para colocar estas práticas num meio cultural. J. B. Lightfoot tirou uma comparação entre estas restrições e os tabus e as práticas dos essênios; e mais recentemente os textos de Cunrã29 da área do Mar Morto demonstraram que observâncias religiosas e detalhes calendaristas semelhantes eram altamente considerados entre os monges essênios naquela comunidade. É duvidoso, no entanto, se o essenismo tinha penetrado até o vale do Lico. Há uma ausência singular de debate sobre a lei mosaica na controvérsia colossense, ao passo que permanece verdadeiro que as crenças e práticas de Cunrã representam uma coletânea de disciplina religiosa “que é mais legalista do que os legalistas”.30 29 30 ou Qumran. Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 26-27. 5. COLOSSENSES 1:1-2 Eu, Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, escrevo esta carta, junto com nosso irmão Timóteo, aos irmãos fiéis em Cristo, o povo santo na cidade de Colossos. Que Deus, nosso Pai, lhes dê graça e paz. (NVT) Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e irmãos fiéis em Cristo que estão em Colossos: graça a vós e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo. (ARC) Termo destacado ἀπόστολος (apostolos) = De “apostello”; alguém delegado; especialmente um embaixador do Evangelho; oficialmente um comissário de Cristo.31 De acordo com Craig S. Keener, o começo da carta segue o formato padrão das cartas antigas (nome do autor, nome dos destinatários e saudação). Como é costume nas cartas paulinas, as “saudações” tornam-se, aqui, "graça” (charis). “Paz” era saudação judaica padrão, às vezes combinada com “saudações” nas cartas. 32 Werner de Boor destaca o caráter atemporal do escrito paulino: Quando lemos essa carta, encontramo-nos em conexão direta com Paulo. A distância de 1900 anos foi transposta, ouvimos o próprio Paulo falar. Como esse fato é importante em face de todas as dúvidas históricas! Travamos um encontro com o homem que se tornou cristão poucos anos depois da crucificação de Jesus, que viu o próprio Ressuscitado, que conhecia bem a Pedro, a João e ao irmão de Jesus, Tiago! Com quanta atenção, com que cuidado temos de ouvir cada palavra: Paulo se dirige a nós!33 William Barclay ressalta a defesa de Paulo em sua apresentação aos colossenses: Paulo nunca tinha estado em Colossos, por conseguinte tem que começar esclarecendo o direito que tem para enviar aos Colossenses uma Carta. Ele o faz com uma só palavra: é apóstolo, embaixador eleito por Deus. A palavra apostolos significa literalmente alguém que é enviado. O direito que Paulo tem de falar está em que tinha sido enviado por Deus para ser embaixador entre os gentios. Mas Paulo adiciona que é apóstolo pela vontade de Deus. O ofício de apóstolo não é algo que se ganha ou se obtém, mas sim que se recebe de Deus; não se assume; é algo de que a pessoa foi investida. “Não fostes vós que me escolhestes a mim”, disse Jesus, “pelo contrário, eu vos escolhi a vós” (João 15:16). Aqui, no mesmo ponto de partida da Carta, encontra-se toda a doutrina da graça... Não há tal coisa como um homem que se tenha feito sozinho; há somente homens que Deus fez e 31 Colossians 1:1 Paul, an apostle of Christ Jesus by the will of God, and Timothy our brother, (biblehub.com) Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 680. 33 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. 32 homens que recusam deixar-se fazer por Deus. Paulo associa consigo a Timóteo dandolhe um título afetuoso: chama-o o irmão. É o título dado a Quarto (Romanos 16:23), a Sóstenes (1 Coríntios 1:1), a Apolo (1 Coríntios 16:12). A necessidade fundamental para o serviço e ofício cristãos não é outra senão a da fraternidade. 34 Justo L. Gonzalez traz as seguintes observações: Lucas refere-se a ele como “Saulo, que também se chama Paulo” (At 13.9). Acontece que Saulo/Paulo, como muitas outras pessoas no tempo dele, movia-se entre duas culturas. Por um lado, ele é judeu e, como tal, leva o nome de Saulo ou Saul, o único rei de Israel procedente da tribo de Benjamim, à que Paulo pertence... Em tal situação de diversidade de culturas, era comum — como ainda o é hoje em algumas circunstâncias — o costume de adotar um nome da cultura dominante quando fosse necessário mover-se dentro dela. O título de “apóstolo” é empregado numa variedade de sentidos tanto no Novo Testamento quanto na literatura da época, tanto cristã quanto judaica. A Entre judeus, chamavam-se “apóstolos” os delegados que iam até os judeus da dispersão recolhendo a oferta devida ao Templo. E, ainda depois da destruição do Templo, os que levavam cartas encíclicas à população judaica continuavam sendo chamados “apóstolos”. Porém, em todo caso, no seu sentido mais comum de “enviado”, Paulo pode reivindicar esse título porque a igreja de Antioquia comissionou-lhe para a viagem e a missão que empreenderia. Em boa parte da mais antiga literatura cristã, encontramos referências ao problema dos supostos apóstolos que conferiam a si mesmos esse título e, então, dedicavam-se a viver à custa dos crentes. Paulo dá testemunho de que isso começava a ocorrer já no seu tempo na sua Segunda Epístola aos Coríntios. Aparentemente, na cidade de Corinto, houve aqueles que se deixaram levar por alguns que se autodenominavam “apóstolos” e depreciavam a mensagem de Paulo criticando-os. Paulo escreve aos coríntios referindose sarcasticamente a tais apóstolos como “excelentes apóstolos” (2 Co 11.5). Ele defendese dizendo que nunca recebeu oferendas dos coríntios, como o fazem esses “excelentes apóstolos”, e diz: “Porque tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos, transfigurandose em apóstolos de Cristo. E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça; o fim dos quais será conforme as suas obras” (2 Co 11.13-15).35 Para Ralph P. Martin, Paulo está se apresentando a uma comunidade cristã da qual é pessoalmente desconhecido (2.1) e por cuja fundação não foi pessoalmente responsável (1.4, 7-9). Este fato explica vários aspectos da saudação de abertura. Entre outras coisas, muito provavelmente explique o título de apóstolo de Cristo Jesus que aplica a si mesmo. Não há evidência no sentido de sua autoridade apostólica ter sido desafiada em Colossos (como em Corinto ou entre as congregações da Galácia). Sabemos, porém, que Paulo escreveu a carta porque sentiu-se na incumbência de desmascarar e refutar um falso ensino que tinha entrado intrusivamente na vida da igreja em Colossos (e.g. 2.4, 8). Era, portanto, 34 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág 22-23. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 23 -26). CPAD. Edição do Kindle. 35 igualmente necessário que ele estabelecesse suas credenciais como mestre autorizado bem no início. Assim faz, com o uso do termo apóstolo, que lhe fora concedido de acordo com o propósito divino com aplicação especial à sua missão às igrejas gentias (veja Ef 3.1 ss. para uma declaração clara do apostolado de Paulo conforme era compreendido pelas congregações gentias). Como apóstolo, tinha autoridade tanto para ensinar (cf. 1 Tm 2.7) quanto para tratar pastoralmente com a congregação sob seus cuidados (2 Co 13.10). Este “direito” ele agora reivindica. Paulo, no entanto, não está só. O título de apóstolo é sua prerrogativa como embaixador do Senhor glorificado (1 Co 9.1; G1 1.15-16) e esta Epístola não sabe de nenhuma outra figura apostólica senão Paulo (...). Mas dava muito valor ao apoio de seu colega e cooperador de confiança, Timóteo. De todos os homens que estavam associados com a missão de Paulo, nenhum tinha uma posição de tanta estima quanto Timóteo. Os encómios feitos a ele (1 Ts 3.2; 1 Co 4.17; Fp 2.19ss.) demonstram o valor que Paulo atribuía a ele, e como o considerava quase uma extensão da sua própria personalidade. Paulo o menciona na saudação porque deseja que os leitores saibam que não está sozinho na sua prisão. Pode haver uma razão ainda mais profunda. Paulo terá de confrontar abertamente as falsas alegações dos “hereges” de Colossos, e precisará refutar sua negação da pregação apostólica. Ter o nome de Timóteo lado a lado com o dele, dandolhe alguma posição como nosso irmão (o que significa, por certo, que era bem-conhecido nas igrejas missionárias da Ásia Menor) seria um apoio muito útil para seu próprio ofício de ensinador e uma negação de antemão que a carta que se seguia era simplesmente uma expressão das suas próprias idéias.36 Justo L. Gonzalez ainda comenta que “o que faz uma pessoa ser santa não é a sua virtude, mas o seu relacionamento com Cristo. Naturalmente, esse relacionamento deve levar a uma vida virtuosa, que é o seu próprio testemunho ”.37 Diz ainda Gonzalez: Damos graças: Estas palavras ganham importância se considerarmos que se esperava que a própria epístola fosse lida em voz alta diante da congregação, quando estivesse se preparando para celebrar a comunhão — ou, empregando a frase mais comum no Novo Testamento, para “partir o pão”. Já que, de acordo com Lucas 22.17 e 1 Coríntios 11.24, antes de partir o pão na Santa Ceia, Jesus deu graças, muitas vezes chamava-se o partimento do pão a “ação de graças” (ou eucaristia). O verbo utilizado na passagem que estudamos (eucharisteō) e que se traduz por “damos graças”, vem da mesma raiz e quer dizer que praticamos a ação de graças.38 36 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 54-55. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 29). CPAD. Edição do Kindle. 37 38 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 31). CPAD. Edição do Kindle. 6. COLOSSENSES 1:3-6 Sempre oramos por vocês e damos graças a Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, pois temos ouvido falar de sua fé em Cristo Jesus e de seu amor por todo o povo santo, que vêm da esperança confiante naquilo que lhes está reservado no céu. Vocês têm essa expectativa desde que ouviram pela primeira vez a verdade das boas-novas. Agora, as mesmas boas-novas que chegaram até vocês estão se propagando pelo mundo todo. Elas têm crescido e dado frutos em toda parte, como ocorre entre vocês desde o dia em que ouviram e compreenderam a verdade sobre a graça de Deus. (NVT) Graças damos a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, orando sempre por vós, porquanto ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; por causa da esperança que vos está reservada nos céus, da qual já, antes, ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que já chegou a vós, como também está em todo o mundo; e já vai frutificando, como também entre vós, desde o dia em que ouvistes e conhecestes a graça de Deus em verdade; (ARC) Termos destacados πίστιν (pistin) = substantivo - Accusativo Feminino Singular. Fé, crença, confiança, confidência; fidelidade.39 εὐαγγελίου (euangeliou) = substantivo - Genitivo Neutro Singular. De mesmo termo como euaggelizo; uma boa mensagem, i.e. o Evangelho.40 Craig S. Keener expõe que: As ações de graças a Deus ou aos deuses eram relativamente comuns no começo das cartas antigas. Nas de Paulo, é com elas que ele muitas vezes apresenta os temas principais da carta: aqueles em que ele se concentra desde o começo da carta. Assim, a ação de graças muitas vezes opera como a exordia nos discursos: ela introduz o que vem a seguir ao mesmo tempo que cria uma relação positiva com o público. Verso 1.3. As horas de oração dos judeus incluíam muitas bênçãos. As orações de Paulo claramente incluem muitos agradecimentos a Deus. Ao mencionar o agradecimento, Pau10 não está meramente seguindo as convenções epistolares. Verso 1.4. As notícias costumavam ser trazidas por viajantes. A situação espiritual dos colossenses foi relatada a Paulo por Epafras, o qual, ao que tudo indica, era o pupilo do apóstolo que trabalhava entre eles (1.7; cf. At 19.10), oriundo de Colossos (Cl 4.12). Era comum que o orador ou o autor começasse em tom positivo, mesmo que a intenção do discurso ou da carta fosse retificar o comportamento 39 Colossians 1:4 because we have heard about your faith in Christ Jesus and your love for all the saints -- (biblehub.com) Colossians 1:5 the faith and love proceeding from the hope stored up for you in heaven, of which you have already heard in the word of truth, the gospel (biblehub.com) 40 dos ouvintes ou leitores. Verso 1.5. Textos judaicos afirmavam que as recompensas futuras já estão reservadas para os justos (elas eram, às vezes, descritas como tesouros no céu). A ideia não seria estranha, portanto, aos primeiros leitores cristãos da carta. Verso 1.6. A metáfora de a mensagem de Deus dar fruto talvez remonte ao ensinamento de Jesus (Lc 8.11). O Antigo Testamento frequentemente compara Israel a uma vinha ou a outra planta e conclama os israelitas a dar fruto para Deus (p. ex., Os 10.1; 14.7,8; cf. Gn 1.28; comentário de Cl 1.10). 41 Justo L. Gonzalez expõe: ...tendo ouvido de vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes por todos os santos, por causa da esperança: Aqui vemos ecos do famoso hino ao amor em 1 Coríntios 13, onde se mencionam as mesmas virtudes: “E agora, permanecem a fé, a esperança e o amor; porém, entre esses três, o maior deles é o amor”. A mesma trilogia aparece em 1 Tessalonicenses 1.3: “lembrando-nos… da obra de vossa fé, do trabalho de vosso amor e da firmeza da esperança”. Enquanto em Coríntios a ordem dessas três virtudes tem o propósito de salientar a importância do amor, aqui em Colossenses parece referir-se mais a uma ordem cronológica: a base de tudo é a “fé em Cristo Jesus”, da qual segue “o amor que tendes por todos os santos”, para levar, por fim, à “esperança que vos está reservada nos céus”. Aqui, o “evangelho” não é uma série de doutrinas, mas uma notícia, um anúncio. A boa notícia ou “palavra verdadeira” é a “esperança que vos está reservada nos céus”. O que se sucedeu naquela cidade não é algo único, mas o que está ocorrendo em muitos outros lugares. Embora os documentos que temos — principalmente o Novo Testamento — possam dar a impressão de que a expansão do evangelho através do mundo grecoromano foi principalmente obra de Paulo, a verdade é que foi obra de inúmeros crentes anônimos que levavam a mensagem de um lugar a outro.42 William Barclay disserta que: Nesta passagem encontramos a essência da vida cristã. O fato que enche de satisfação o coração de Paulo e pelo qual dá graças a Deus é saber que os colossenses têm duas grandes qualidades cristãs: fé em Cristo e amor ao próximo. Estes são os dois aspectos da vida cristã. Deve manifestar lealdade a Cristo e amor aos homens. O cristão deve ter fé; deve saber o que crê. Mas também deve amar aos homens; deve permutar a fé em ação. Não é suficiente simplesmente ter fé, porque pode existir uma ortodoxia que desconhece a caridade, e pode haver uma bondade sem amor. Não é suficiente só o amor aos homens, porque sem a base da verdadeira fé esse amor pode transformar-se em mero sentimentalismo. O cristão tem um dobro (de) lealdade: lealdade a Cristo e lealdade aos homens. O cristão tem um dobro compromisso: com Jesus Cristo e com os homens. A fé cristã não é só uma convicção da mente, mas também uma efusão do coração; não é só um pensamento correto, mas também uma conduta de amor. A fé em Cristo e o amor aos homens são os dois pilares da vida cristã. Essa fé e esse amor dependem da esperança que se coloca nos céus. O que é o que Paulo quer dizer precisamente? Acaso pede aos colossenses que manifestem sua fé em Cristo e seu amor aos homens só pela esperança de 41 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 680. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 32 -34). CPAD. Edição do Kindle. 42 alguma recompensa que têm que receber algum dia? Acaso lhes pede que sejam bons com a finalidade de tirar proveito desse bom comportamento? Significa algo assim como o lema moderno "salva sua alma"? Há algo muito mais profundo que tudo isto. A lealdade a Cristo pode envolver o homem em todo tipo de perdas, tribulações, sofrimentos e impopularidade. Para ser leal a Cristo terá que dizer adeus a muitas coisas. Para muitos o caminho do amor pode lhes parecer uma loucura. Por que buscar servir a outros? Por que perdoar? Por que esbanjar a vida num serviço altruísta? Por que não aproveitar a vida para "prosperar", como o faz todo mundo? Por que não deixar o irmão fraco à beira do caminho? Por que não tomar parte na competição e na carreira em que sobrevive o mais forte e capacitado? A resposta é: por causa da esperança que está perante nós. Nos versículos 6-8 desta passagem encontra-se uma espécie de sumário do que é o evangelho e o que faz. (...) Nesta seção Paulo tem muito a dizer sobre a esperança que já tinha chegado aos colossenses e que tinham ouvido e aceito. (1) O evangelho é um evangelho, quer dizer, boas novas. A melhor definição do evangelho em todo sentido é que consiste na boa notícia de Deus. A mensagem do evangelho é a mensagem de um Deus que é Amigo e Amante das almas dos homens. Em primeiro termo e acima de tudo o evangelho nos coloca numa relação correta com Deus. (2) O evangelho é verdade. Todas as religiões precedentes poderiam intitular-se "conjetura sobre Deus". O evangelho cristão brinda ao homem não conjetura, mas sim certezas sobre Deus. (3) O evangelho é universal. É para todo mundo. Não está limitado a alguma raça ou nação, nem a alguma classe ou condição. Neste mundo são muito poucas as coisas que estão abertas a todos. A capacidade mental do homem decide os estudos que tem que empreender; a classe social decide o círculo dentro do qual se deve mover; as riquezas materiais determinam as posses terrenas que pode amassar; os dons e talentos particulares decidem o que tem que realizar. Mas a mensagem do evangelho, e a alegria e paz do evangelho estão ao alcance de todos, sem exceção. (4) O evangelho é produtivo; produz frutos em forma crescente. É um fato evidente da história e da experiência que o evangelho tem poder de mudar as vidas dos indivíduos e da sociedade em que o homem vive. O poder do evangelho pode fazer do pecador um homem bom e arrancar paulatinamente da sociedade o egoísmo e a crueldade, para brindar a todos os homens a oportunidade que Deus quer que tenham. (5) O evangelho fala de graça; não é uma coisa mais de entre tantas que o homem tem perante si; outra tarefa sem esperança e que amedronta. O evangelho não é a mensagem do que Deus pede, mas sim do que oferece; não fala do que Deus exige do homem, mas sim do que Deus lhe dá. (6) O evangelho se transmite humanamente. Foi Epafras quem levou o evangelho aos colossenses. Deve haver um canal humano pelo qual o evangelho possa chegar aos homens. E aqui é onde intervimos nós. A possessão da boa notícia do evangelho implica na obrigação de compartilhá-lo. O que se brinda divinamente deve transmitir-se humanamente. Jesus Cristo nos necessita para que sejamos as mãos, os pés e os lábios que levem o evangelho àqueles que ainda não o conhecem. Nós que recebemos o privilégio do evangelho recebemos também a responsabilidade de transmiti-lo a outros.43 Conforme Ralph P. Martin, O costume de Paulo é oscilar entre “eu” e “nós” sem qualquer alteração aparente de sentido. Veja 1.24ss., que começa uma seção na primeira pessoa do singular. Até mesmo 43 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág 25-28. quando usa a forma de “nós”, é ainda Paulo o indivíduo que está falando, mas com a consciência da sua autoridade apostólica (cf. 2 Co 13.5-10 para uma seção semelhante). Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. O judaísmo invoca Deus como Pai na sua liturgia, tanto coletiva como particular. Mas “o espírito da verdadeira fé no Pai” é achado na compreensão mais plena do nome e da natureza do Pai, que foi revelada no Seu Filho. O título de Deus como sendo o Pai de Jesus abriu uma nova era na história religiosa, e deu aos cristãos uma intimidade e calor na sua abordagem a Ele. As ações de graças de Paulo tomam a forma de orações de intercessão (v. 9). (No verso 4) Agora passa a relembrar todos os relatórios que chegaram a ele por meio de Epafras, “o qual também nos relatou do vosso amor no Espírito” (v. 8). A experiência dos colossenses é resumida de uma maneira tríplice, que corresponde a uma fórmula que se acha em 1 Co 13.13: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três [bem-conhecidos].” A sequência é levemente diferente aqui, mas parece que havia na Igreja primitiva um compêndio conveniente de qualidades cristãs que consistia de “fé, esperança e amor” (e.g. 1 Ts 1.3; 5.8; Rm 5.1-5; G1 5.5, 6; Ef 1.15, 18; 4.2-5; Hb 6.10-12; 10.224; 1 Pe 1.3-8, 21, 22 e Barn. i.4;xi.8;Polic.,.Flp iii.2, 3).Em certos círculos gnósticos um quarto membro (“conhecimento”) é encontradiço, e alguns estudiosos pensam que Paulo adotou este quarteto e o reduziu a três partes como uma polêmica anti-gnóstica, mas isto é especulação. O uso que Paulo fez do padrão nesta passagem é formado por uma preocupação em celebrar a experiência dos seus leitores. Naturalmente, portanto, começa com sua fé em Cristo Jesus -, o nome de Cristo Jesus significa a esfera mais do que o objeto ou o conteúdo da fé; indica “o âmbito em que ‘a fé’ vive e age” (Lohse). Se for assim, é a maneira de Paulo, já no cabeçalho da carta, focalizar o Kyrios44 glorificado como sendo o doador da nova vida às pessoas que vivem sob Seu senhorio. É esse o tema que Paulo desenvolverá num argumento polêmico nos capítulos posteriores. o amor que tendes para com todos os santos. Para Paulo, sempre era o caso que a “fé” comprovava sua realidade ao “atuar pelo amor” (G1 5.6). Pouca coisa tem para dizer acerca da resposta a Deus oferecida pelo homem; o termo mais apropriado para aquela resposta é a fé. O “amor” conforme aqui consta sugere a expressão prática do cuidado e da solicitude dentro da irmandade cristã (G1 5.135; Fm 5). “Todos os santos” refere-se à família inteira dos cientes, talvez num sentido mais amplo do que apenas a congregação colossense e as igrejas vizinhas do vale do Lico. Por causa da esperança que vos está preservada. Não é fácil relacionar esta cláusula com a matéria anterior (veja Moule). Mas o sentido geral está claro. A confiança de Paulo é que eles, assim como receberam a mensagem da esperança como parte do querigma apostólico, não abrirão mão dela de bom grado. A inferência é que os falsos mestres em Colossos estavam pretendendo furtar-lhes este aspecto da mensagem cristã, possivelmente por meio de negar quaisquer dimensões futuras da salvação cristã. Paulo relembra aos seus leitores a importância deste ensino que fazia parte integrante da palavra da verdade, i.é, o evangelho verdadeiro ou, com tou evangeliou entendido em aposição a tès alêtheias 45 (assim Masson), “a palavra verdadeira que é o evangelho.” Parece claro que há em mente um contraste com o falso ensino. Kyrios ou kurios (em grego clássico: κύριος; romaniz.:kū́r ios) é uma palavra grega geralmente traduzida como "senhor" ou "mestre". É usado na tradução da Septuaginta das escrituras hebraicas cerca de 7.000 vezes, em particular traduzindo o nome de Deus YHWH (o tetragrama), e aparece no Novo Testamento grego Koiné cerca de 740 vezes, geralmente referindo-se a Jesus. (Kyrios - Wikiwand) 45 alétheia: A verdade perseguida pelo ser, originária (Alétheia), tal com abordado por Heidegger.(dicionarioinformal.com.br) 44 em todo o mundo. Um dos aspectos característicos da exposição que Paulo faz do “seu evangelho” é sua universalidade. Para Paulo, este é um sinal da sua autenticidade e do selo da aprovação divina. A mensagem que os colossenses antes ouviram (v. 5) (na ocasião do evangelismo inicial de Epafras) e que chegou até eles abrange um círculo grande de leitores. Seu apelo não tem restrições, em contraste com a limitação que os gnósticos fazem da sua mensagem aos “iniciados” com discernimento especial. produzindo fruto e crescendo claramente se refere ao progresso da mensagem paulina. A frase é tirada do Antigo Testamento, embora ali seja utilizada de modo literal, com referência à reprodução humana (Gn 1.22, 28) ou o aumento da população de Israel (Jr 3.16; 23.3). Na descrição de Paulo, o evangelho é quase personificado e assemelhado a uma força que conquista o mundo (Masson)..., é possível que Paulo esteja corajosamente apropriando-se dos termos deles, que os hereges colossenses empregavam para ressaltar que era necessário mais desenvolvimento além da “fé simples”. É possível que tenham colhido a metáfora de Mc 4.8. De qualquer maneira, Paulo faz bom uso da metáfora, e parabeniza seus leitores porque sua fé está viva e crescendo sob o ministério do seu evangelho. o dia em que ouvistes relembra a missão de Epafras (4.12,13) que pode ser colocada historicamente no período do ministério de Paulo em Éfeso (At 19.10). entendestes a graça de Deus na verdade, i.é, a mensagem da graça de Deus “conforme realmente é,” “sem paródias” (Moule). Alternativamente, a frase grega de Paulo en alêtheia deve ser tomada como referência à menção anterior do evangelho (Lohse). O v. 6 corresponde, então, ao 5, e os dois atestam que a mensagem paulina é a verdade de Deus, não feita pelo homem, e que seu âmago é o penhor da Sua graça, i.é, liberta os homens da superstição e da religião falsa. Paulo volta ao estado de ânimo polêmico, e fustiga a versão herética da mensagem cristã que conseguira circular em Colossos.46 7. COLOSSENSES 1:7-12 Vocês aprenderam as boas-novas por meio de Epafras, nosso amado colaborador. Ele é servo fiel de Cristo e nos tem ajudado em favor de vocês. Ele nos contou do amor que o Espírito lhes tem dado. Por isso, desde que ouvimos falar a seu respeito, não deixamos de orar por vocês. Pedimos a Deus que lhes conceda pleno conhecimento de sua vontade e também sabedoria e entendimento espiritual. Então vocês viverão de modo a sempre honrar e agradar ao Senhor, dando todo tipo de bom fruto e aprendendo a conhecer a Deus cada vez mais. Oramos também para que sejam fortalecidos com o poder glorioso de Deus, a fim de que tenham toda a perseverança e paciência de que necessitam. Que sejam cheios de alegria e sempre deem graças ao Pai. Ele os capacitou para participarem da herança que pertence ao seu povo santo, aqueles que vivem na luz. (NVT) 46 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 57-59. como aprendestes de Epafras, nosso amado conservo, que para vós é um fiel ministro de Cristo, o qual nos declarou também o vosso amor no Espírito. Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que sejais cheios do conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual; para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus; corroborados em toda a fortaleza, segundo a força da sua glória, em toda a paciência e longanimidade, com gozo, dando graças ao Pai, que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz. (ARC) Termos destacados συνδούλου (syndoulou) = substantivo - Genitivo Masculino Singular. De sun e doulos; um coservo ou co-escravo, i.e. servidor ou ministro do mesmo senhor/mestre.47 ἐπίγνωσιν (epignōsin) = substantivo - Accusativo Feminino Singular. De epiginosko; reconhecimento, i.e. pleno discernimento, reconhecimento.48 ["Com o conhecimento" representa o Grego acusativo de especificação (como em Filipenses 1:11); e o verbo πληρωθῆτε (plērōthēte), como em Colossenses 2:10 Colossenses 1:25, denota "cumprido" (satisfeito) ou "feito completo," em vez de "feito cheio" - "feito completo como o pleno conhecimento" etc.] 49 Conforme Craig S. Keener, “Epafras” era nome comum. É bem possível que se trate do mesmo Epafras de Filemom 23. No entanto, Filipos e Colossos eram distantes demais uma da outra geograficamente para que se trate do Epafrodito de Filipenses 2.25, embora "Epafras” fosse contração legítima de Epafrodito. Verso 1.9. Quanto a orar sem cessar, veja Êxodo 28.30 e ISamuel 12.23. Embora os filósofos buscassem “sabedoria” e “conhecimento”, Paulo aqui enfatiza 0 sentido moral e relacional desses termos no Antigo Testamento (p. ex., Pv 1.2-7). Verso 1.10. Quanto a frutificar e crescer, veja Gênesis 1.18 ("crescendo” aparece especialmente na LXX), imediatamente após a afirmação de que a humanidade foi feita à imagem de Deus (Gn 1.26,27; cf. Cl 3.10); Os gentios às vezes falavam em agir de forma “digna” de Deus. Semelhantemente, na tradição judaica "digno” podia significar “adequado” (2Mc 15.21). A Sabedoria buscava aqueles que eram dignos dela (Sb 6.16), e os justos que perseverassem seriam “dignos de Deus”, como oferta aceitável (Sb 3.5). O Antigo Testamento falava em conhecer a Deus de forma relacionai, em uma aliança com ele (Jr 24.7; 31.34; Os 2.20), ideia também desenvolvida nos Manuscritos do Mar Morto. Verso 1.11. Paulo reúne termos de sentido próximo aqui (“vigor”, "poder”). Era comum, na retórica, enfileirar 47 Colossians 1:7 You learned it from Epaphras, our beloved fellow servant, who is a faithful minister of Christ on our behalf, (biblehub.com) 48 Colossians 1:9 For this reason, since the day we heard about you, we have not stopped praying for you and asking God to fill you with the knowledge of His will in all spiritual wisdom and understanding, (biblehub.com) 49 Pulpit Commentary: Colossians 1:9 For this reason, since the day we heard about you, we have not stopped praying for you and asking God to fill you with the knowledge of His will in all spiritual wisdom and understanding, (biblehub.com) termos relacionados para maior ênfase. Esse recurso retórico também aparece no Antigo Testamento, especialmente nos louvores a Deus (p. ex., 2Cr 20.6). Versos 1.12,13. No Antigo Testamento, os “santos” ou “separados” eram Israel. A "herança” de Israel era, em primeiro lugar, a Terra Prometida, mas, na tradição judaica, o termo apontava para a posse, no fim, do mundo vindouro (veja comentário de Ef 1.14). Os cristãos tornam-se, em Cristo, herdeiros dessas promessas. Era comum que "luz” e “trevas” fossem contrastadas como representando o bem e o mal, respectivamente (p. ex‫ ״‬SI 27.1; Is 9.2; 42.6; 49.6; 58.8-10; 59.9; 60.1; tanto nos Manuscritos do Mar Morto como na literatura antiga em geral).50 Segundo Justo L. Gonzalez, O que aqui se traduz por “conservo” é uma palavra composta pelo substantivo doúlos (servo ou escravo) e o prefixo syn (juntamente). Paulo, portanto, está dizendo que Epafras é o seu companheiro na servidão ou escravidão ao Senhor. Repetidamente, Paulo dá a si mesmo o título de “servo” ou “escravo” de Jesus Cristo. Ele, contudo, dá esse mesmo título unicamente a Epafras e Timóteo (Fm 1.1). Isso é o sinal do apreço que Paulo tinha por Epafras, um personagem do qual raramente nos ocupamos. O que se traduz aqui por “ministro” é a palavra diákonos, diácono. Aqui, porém, não se trata de um título ou cargo específico, como ocorrerá mais adiante, mas, antes, da função de servir. Aqui, portanto, deve ser entendido mais como “servidor de Cristo” do que como uma pessoa que tem o cargo ou o título de “diácono”, como posteriormente passou a ser entendido e como muitos o entendem até os dias de hoje. Essas duas palavras — “cheios” e “conhecimento” — merecem atenção especial. O verbo que se encontra na raiz do que aqui se traduz “ser cheios” é o verbo plēroō, que efetivamente quer dizer encher. Mas é também a mesma raiz da palavra plērōma, ou “plenitude”, que, no século 2, veio a ser a palavra fundamental em vários sistemas gnósticos que viam a realidade toda como se fosse dividida entre uma matéria de valor escasso e até negativo fadada a desaparecer e as realidades espirituais e permanentes que constituíam a “plenitude” ou plērōma. O uso dessa palavra e de outras parecidas foi uma das razões pelas quais muitos eruditos insistiram em que os erros aos quais se refere a Epístola aos Colossenses era uma espécie de protognosticismo — ou gnosticismo positivo —, e que, portanto, o que vemos em Colossenses não é apenas uma refutação e negação dessa espécie de gnosticismo, mas também uma sutil refutação dela por intermédio de palavras que teriam outro significado nos sistemas gnósticos51. Tal tese reforça-se se 50 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 680. Gnósticos foi o termo dado pelos Padres (pais) da Igreja a certos hereges que tiveram notável relevo entre os séculos II e IV. O apóstolo Paulo preocupou-se com a presença de gnósticos na igreja de Colossos (Cl 1:9-23). Dizendo-se possuidores de um profundo conhecimento espiritual, os gnósticos reduziram o Cristianismo a um sistema filosófico... Os gnósticos se caracterizavam por uma atitude contrária ao pensamento grego tradicional, pois rejeitavam a via intelectual do conhecimento e propunham o conhecimento baseado na espiritualidade e na mitologia. “Gnosticismo” vem da palavra grega “gnose”, conhecimento. Gnóstico é, portanto, quem adquire um especial conhecimento e vive segundo esse conhecimento. Os gnósticos se opunham à simplicidade da fé cristã. Consideravam-se pensadores profundos e tentavam explicar os mistérios da criação e o problema do mal. [Quem foram os gnósticos? O que Significa Gnosticismo? (bibliotecadopregador.com.br)] 51 notarmos que o que se traduz aqui por “conhecimento” é epignōsis — isto é, uma gnose verdadeira ou completa — e que esse conhecimento há de ter lugar “em toda sabedoria” A vida cristã na sua totalidade é um andar, um seguir os caminhos de Deus — caminho marcado particularmente pelo mandamento do amor. A vida cristã não é algo que acontece imediatamente, cujo ponto culminante seja a conversão, mas é um caminhar que, começando nessa conversão, produz fruto... Esse processo, esse andar, por um lado produz frutos e, por outro, faz que aqueles que o seguem prossigam “crescendo no pleno conhecimento de Deus”. Uma vez mais, aparece aqui a palavra “conhecimento” ou epignōsis. A repetição dessa palavra dá a entender que Paulo propõe-se a tirá-la dos gnósticos para que eles vejam o seu posicionamento tanto dessa palavra quanto do termo plērōma.52 Ralph P. Martin comenta que: O mestre que Paulo autorizou para levar o evangelho a eles era Epafras, nosso amado conservo. Sendo ele mesmo um nativo de Colossos (4.12) tinha evangelizado em Colossos e agora estava com Paulo ou como colega (se conservo deve ser interpretado metaforicamente como um “escravo de Cristo”) ou como prisioneiro com Paulo, se 4.10 descreve a ele também, conforme Fm 23 o faz. Paulo acentua agora a fidedignidade de Epafras como fiel ministro de Cristo e como representante autorizado de Paulo. quanto a nós [ARA: vós] outros, é baseado na evidência textual superior de autoridades antigas e bem-distribuídas, e o sentido do versículo requer que Paulo esteja recomendando Epafras como colega muito apreciado que representava seu evangelho na missão para o vale do Lico. Por esta razão, os colossenses não devem prestar atenção a uma versão da fé cristã que apareceu posteriormente à pregação de Epafras (v. 5: da qual antes ouvistes, i.é, quando Epafras primeiramente entrou em cena) e que não leva nenhuma das insígnias e confirmação apostólica que a missão de Epafras levara. Este é um fiel ministro (Gr. diakonos, exatamente como Paulo, 2 Co 11.23) e aquele através de cujo ministério tinham chegado à fé (1 Co 3.5). Paulo ressalta repetidas vezes a qualificação primária de fidedignidade nos seus associados (4.7, 9) como evidência que apóia a identidade da sua autoridade apostólica e o trabalho dos seus colegas em seu nome. Quando os colossenses foram instruídos no evangelho (uma frase rara em Paulo) pelos seus delegados, foi como se o aprendessem dele mesmo (cf. 1 Co 4.17). vosso amor no Espírito completa o círculo que foi iniciado no começo das ações de graças (v. 4). O relatório que Epafras trouxera de Colossos deu a Paulo entusiasmo e confiança. A comunidade estava florescendo e progredindo. Acalentava uma afeição calorosa por Paulo, e isto deu a ele uma boa harmonia com uma congregação que não conhecia pessoalmente (2.1). Agora teria de admoestá-la de modo sensato, pondo-a de sobreaviso contra a presença de falsos mestres no seu meio (2.4, 8). A observação de Paul Schubert (“Todas as ações de graças paulinas têm, explícita ou implicitamente, uma função parenética [=exortativa]”, op. cit., pág. 89) aplica-se 52 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 34 -38). CPAD. Edição do Kindle. igualmente bem às intercessões de Paulo em prol das suas igrejas. Nos versículos desta seção ouvimos Paulo na sua solicitude em oração pelos colossenses. Mas estas palavras são, no melhor sentido, orações públicas que tinham a intenção de encorajar e estimular os que iam receber sua carta a praticar as coisas em prol das quais o apóstolo ora. desde o dia em que o ouvimos refere-se ao passado, ao dia em que os colossenses ouviram pela primeira vez as boas novas da parte do representante de Paulo e aceitaram sua mensagem (v. 6). Epafras trouxera um relatório caloroso acerca da resposta inicial dos colossenses ao evangelho apostólico e da sua continuada lealdade a ele (w. 7, 8). Paulo ficara alegre com as notícias, e expressa seu júbilo nas suas orações (v. 3). Estes poucos versículos (w. 9-11) dão o conteúdo da sua oração que é diretamente baseada no relatório dos w. 6-8. Muitos dos pensamentos na seção anterior (e.g. “produzindo fruto e crescendo”) são retomados no vocabulário de oração dos versículos posteriores. conhecimento da sua vontade... sabedoria e entendimento espiritual. É possível que Paulo esteja corajosamente lançando mão de termos que eram usados pelos falsos mestres colossenses no seu esforço para seduzir os membros da Igreja em geral. Paulo tem consciência dos seus “raciocínios falazes” (que para ele nunca seriam mais sedutores ou perigosos do que quando ofereciam promessas atraentes de uma compreensão mais profunda da verdade divina). É possível que Paulo adote estes termos, e que os desinfeccione com seus próprios acréscimos. Conhecimento (Gr. epignõsis) tem relacionamento direto com a vontade de Deus, e este conhecimento, no seu pano de fundo veterotestamentário-judaico sempre tem conexão com a obediência prática. A gnõsis herética era especulativa e teorética; Paulo se opõe a ela com uma promessa de que é o conhecimento de Deus que se demonstra na obediência de modo realista e equilibrado. De modo semelhante sabedoria (Gr. sophia) e entendimento (Gr. sunesis) são qualificados pelo adjetivo que é traduzido “espiritual.” Esta não é uma mera alusão formal, mas, sim, deve ser entendida, conforme seu pleno valor, como uma alusão à ajuda que o cristão pode invocar à medida em que procura o auxílio do Espírito Santo. O adjetivo pneumatikos é de interpretação notoriamente difícil. E. G. Selwyn... traduz o texto aqui: “santificados pelo Espírito e influenciados pela graça.” Sabedoria, para Paulo, bem como para os escritores do Antigo Testamento, também é intensamente prática e relacionada com a vida. Sua possessão “mostra ao cristão a direção que deve seguir e os padrões mediante os quais deve regular suas ações” (Masson). O terceiro termo moral é entendimento, que também tem aplicação a situações concretas na vida onde é necessário ter uma “visão clara daquilo que precisa ser feito em cada caso” em que é exigida uma decisão moral (recorrendo a Masson, mais uma vez). Na tradição veterotestamentária, a sabedoria e o entendimento são juntados a uma compreensão da vontade de Deus; e é notável que estas três qualidades apareçam na lista de dons que pertencem aos homens de Cunrã que vivem sob a direção do Espírito da verdade: “entendimento, inteligência . . . e (um espírito de) sabedoria poderosa” (1 QS iv.3). Para Paulo, estes são dons incorporadores em Cristo (2.23) e concedidos como os charismata do Espírito. Ficam em contraste direto com as alegações falsas feitas pelos hereges (2.23). O efeito destas disposições morais é visto no tipo de estilo de vida ao qual levam o crente. Três áreas são abrangidas nas orientações éticas que Paulo determina: uma vida de modo digno do Senhor é a primeira. A chamada para viver “dignamente” é um incentivo moral predileto de Paulo, com uma variedade de padrões sugeridos por ele, e.g. 1 Ts 2.12; Fp 1.27; Rm 16.2 e Ef 4.1. Em cada um destes casos Paulo está apelando para seus convertidos ficarem à altura da sua confissão como povo de Deus. para o seu inteiro agrado traduz um substantivo (Gr. areskeia) achado somente aqui no Novo Testamento. No grego secular normalmente, porém não exclusivamente, leva uma conotação má, viz... A terceira área é a conclamação ao crescimento: frutificando em toda boa obra, e crescendo no pleno conhecimento de Deus. Provavelmente os dois particípios devam ser mantidos juntos e relacionados com a fonte do progresso na maturidade. Então, a chamada é para dar frutos em toda boa obra (pela benevolência) e assim crescer (na sua influência sobre os outros) mediante um conhecimento cada vez mais profundo de Deus. Desta maneira, o pedido da parte anterior do versículo (“que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade”) é respondido na influência cada vez maior que os colossenses têm sobre sua comunidade. Tal influência pode ser entendida de uma ou outra de duas maneiras: ou pelas vidas dos cristãos que produzem a ceifa do Espírito, a bondade descrita em Gálatas 5.22-23, ou pela obra evangelística da comunidade que visa frutificar na expansão da igreja conforme o “conhecimento de Deus” fica sendo revelado para os que estão fora da comunidade. Não é fácil decidir entre estes pontos de vista, especialmente porque Paulo usa as mesmas metáforas de “frutificar” e “obra” tanto para a piedade pessoal quanto para a evangelização congregacional. A escolha, no entanto, não é vital, visto que, para ele, a qualidade do viver cristão vai de mãos dadas com o testemunho coletivo da igreja. Uma vantagem de entender que o versículo anterior se refere ao crescimento do indivíduo na graça mediante o cultivo, do fruto do Espírito é que o pensamento de Paulo continua, assim, a incluir uniformemente outras amostras desse fruto, notavelmente a perseverança e a alegria (G1 5.22-23). Doutra forma, é mais lógico pensar que Paulo tem a igreja em mente no seu desejo pelo fortalecimento da congregação. sendo fortalecidos com todo o poder significa “em virtude do poder que pertence a Deus conforme Ele Se revelou aos homens” (Moule). O alvo desta oração é que a igreja não fracasse diante do ataque ou do desencorajamento, não deixando de cumprir seu mandato missionário. Provavelmente o aspecto mais inquietante era a presença da heresia incipiente que desviou os colossenses da sua missão ao mundo. Paulo quis chamálos de volta a esta prioridade. perseverança e longanimidade são duas condições necessárias do caráter cristão diante da adversidade e da oposição. Se uma distinção for tirada entre os dois termos, “perseverança” é usada com relação a circunstâncias adversas, ao passo que “longanimidade” é a virtude necessária quando pessoas difíceis de serem suportadas atentam contra nosso controle próprio (...). Os dois substantivos são juntados em 2 Co 6.4ss.; 2 Tm 3.10; e as duas palavras são usadas frequentemente num contexto escatológico, ou seja: para descrever as virtudes que os crentes necessitarão quando entrarem em conflito com os poderes do mal no tempo do fim. Nenhum sentido especial deste tipo é necessário aqui. A pressão de forças malignas que poderia deixá-los desanimados vem, pelo contrário, da sua situação específica em Colossos. Seja qual for a causa específica, é típico de Paulo acrescentar a nota da alegria. “Alegria” também consta da lista de Gálatas 5.22-23 e ilustra a atitude do cristão diante das provações da vida. Neste contexto, a intenção de Paulo ao escrever aos colossenses é equipá-los para sua luta contra a falsa doutrina.53 Werner de Boor também explica que: 53 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 60-63. Assim como o evangelho teve eficácia imediata em Colossos (v. 6), assim Paulo e Timóteo começaram imediatamente com a intercessão assim que ouviram acerca desta igreja. Contudo ela não se restringiu a uma única oração, por ocasião da primeira alegria causada pela nova notícia. “Desde então não cessaram” de lembrar de Colossos com intercessões. O que um apóstolo pede em favor de uma igreja? Que seja preservada de pressões, aflição e sofrimento? Nada disso aparece aqui. Paulo sabe que segundo Deus a trajetória de uma igreja de Jesus necessariamente passa por muitas tribulações (At 14.22; 1Ts 3.4). Contudo o apóstolo está preocupado com que a jovem igreja em Colossos não fique parada naquilo que ela já possui e é agora. Sem dúvida, essa era a obra maravilhosa de Deus em favor do evangelho no meio deles, e Paulo e Timóteo agradeceram de coração por isso (v. 3). Mas Deus tem muito mais coisas e coisas muito maiores! Paulo não conhece a autossatisfação prematura e a falsa modéstia, que tão facilmente nos levam a nos contentar com inícios precários. Tampouco compartilha nosso receio diante do “perfeccionismo”. Deus tem para nós a plenitude, por isso Paulo também busca confiantemente essa plenitude para Colossos: “plenos de conhecimento” – “toda sabedoria” – “todo conhecimento” – “inteiro agrado” – “toda boa obra” – “todo poder” – esse é o modo “perfeccionista” com que Paulo ora! E sem sombra de dúvida ele leva essas preces a sério. Porque assim como o evangelho é vivo, “frutificando” e “crescendo” (v. 6), assim também a igreja gerada por ele é um organismo vivo que não pode ficar parado, que não deve vegetar precariamente, mas ser capaz de “frutificar” e “crescer”. Uma poderosa palavra de “Avante! Para frente! Não fiquem parados!” É isso que o presente parágrafo deseja expressar. Essa é a diferença marcante entre a vida eclesial apostólica e nossas circunstâncias atuais. Lá ainda não predominava esse clima de lamento e miserabilidade em relação a nós mesmos, que costuma ser a tônica de muitos hinos de nosso hinário. Todas as exortações dos apóstolos também estão repletas de um tom alegre e confiante. Mas a autocomplacência equivocada não é combatida com o relato da própria pecaminosidade e dos muitos fracassos, mas com uma visão clara do alvo e o olhar lúcido para a magnitude das tarefas que estão diante da igreja. Em primeiro lugar é citado o “conhecimento de sua vontade”. Mas nós, modernos seres humanos intelectualistas, não devemos entender isso erroneamente. Paulo não pretendia dizer que os colossenses deveriam estudar muito mais dogmática e ética, para terem uma capacitação teológica melhor sobre Deus. Para ele importa algo muito diferente, que muitas vezes nos parece tão irrelevante ao lado da melhor teologia: a “conduta”, a configuração real da vida como um todo. Paulo, profundo conhecedor da miséria humana, evidentemente não se sente nem um pouco constrangido pela convicção (recorrente entre nós) de que, afinal, continuamos sendo os mesmos pobres e miseráveis pecadores e que por isso também a nossa conduta não produz nada senão fracassos e pecados. Ele quer – e toda oração genuína é uma vontade resoluta! – que a vida dos colossenses corresponda ao glorioso Senhor que os chamou. Como Jesus não era um dado teórico distante para Paulo (cf. acima o exposto sobre o v. 4), mas um Senhor pessoal vivo, “dentro” do qual os colossenses viviam, por isso ele, na perspectiva do apóstolo, tampouco pairava como um ídolo imóvel e impassível acima das igrejas, mas via e conhecia todo agir e toda omissão também dos colossenses, agradando-se ou não com isso. Paulo considera viável uma vida de igreja com a qual Jesus se agrada inteiramente! Do contrário, como poderia rogar seriamente por ela? Na sequência Paulo, mensageiro explícito da justificação somente por fé, não tem o menor receio de falar vigorosamente de boas obras! Considera possível que uma igreja não apenas dê fruto aqui e acolá, mas “em toda boa obra”. Ou seja, a igreja em Colossos precisa realizar coisas definidas e concretas de forma incessante. Então não haverá monotonia na vida eclesial. Então não surgirá uma indagação decepcionada e aborrecida pouco tempo depois da primeira alegria da conversão: e agora? Quando as belas pétalas das flores da primavera caem, a árvore trabalha silenciosamente em centenas de frutos.54 Diz ainda de Boor: Nós acreditamos que precisamos mostrar verdadeira humildade não deixando de acentuar incansavelmente nossa fraqueza e impotência. Paulo, porém, almeja e roga por uma igreja forte. Não há dúvida de que ela não consegue ser assim vigorosa em si mesma. Mas ela se relaciona diretamente com um Deus a respeito do qual declara em adoração: “Tua é a força e a glória.” E “segundo a força da sua glória” também será “fortalecida com todo poder”. Realmente não é honra para Deus se sua igreja está frágil e impotente, fracassando em todos os desafios. Isso não é “digno do Senhor”! Por isso Paulo anseia e roga também em Colossos por um cristianismo vigoroso. O poder obviamente se mostra de modo bem diferente da força que o mundo admira. Caracterizam-na não a valentia, a bordoada, os punhos batendo na mesa, mas, pelo contrário, a “paciência” e a “longanimidade”. Novamente não se trata de um pouco ou de amostras, mas de “toda” a paciência e longanimidade que forem necessárias. Deparamo-nos aqui com um traço básico da ética do NT, recorrente em todas as cartas. Chama atenção que elas falam pouco dos Dez Mandamentos. Mas “amabilidade, humildade, mansidão, paciência” estão constantemente em foco. Assim como toda a força do Senhor da glória, vitoriosa sobre o mundo, se revelou justamente no fato de que ele sofreu e carregou sua cruz e morreu por rebeldes e inimigos, assim a força de sua igreja também reside em “suportar por baixo” e com “fôlego resistente”, resistindo diante do ódio do mundo sem fugir covardemente nem cair em ira e amargura. Desse modo ela demonstra que é mais forte que o mundo. Assim ela é digna de seu Senhor e obtém dele o beneplácito total. Suportar, aguentar, perdoar, amar inimigos – é claro que isso é indizivelmente difícil. Neste ponto soçobra toda força natural, toda valentia humana. Mas a igreja pode contar com o poder que lhe é concedido segundo a força da glória divina, da maneira como e pelo fato de que se está suplicando por ela.55 William Barclay entende que: É comovedor poder ouvir as orações de um santo por seus amigos; isto é justamente o que ouvimos nesta passagem. Bem pode dizer-se que esta passagem nos ensina mais sobre a essência da oração de petição que qualquer outra do Novo Testamento. Daqui aprendemos, como disse C. F. D. Moule, que a oração faz duas grandes petições. Pede o discernimento da vontade divina, e logo o poder para cumprir esta vontade. (1) A oração começa pedindo ser repletos com um conhecimento cada vez maior da vontade de Deus. O grande objeto da oração é conhecer a vontade de Deus. Na oração não tentamos tanto que Deus nos escute como escutar nós mesmos a Deus; não tentamos persuadir a Deus para que faça o que nós queremos, mas sim de chegar a descobrir o que Ele quer que realizemos. Acontece com frequência que na oração realmente dizemos: "Mude-se a sua vontade", quando deveríamos dizer: "Faça-se a sua vontade". O primeiro objeto da oração não é tanto falar a Deus, como ouvi-lo. (2) Este conhecimento de Deus deve traduzir-se numa situação concreta humana. Oramos por sabedoria e inteligência espirituais. A 54 55 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. sabedoria espiritual é a sofia que podemos descrever como o conhecimento dos primeiros princípios. A inteligência (synesis), é o que os gregos às vezes descreviam como conhecimento crítico, referindo-se à capacidade de aplicar os primeiros princípios a cada situação que possa dar-se na vida. Assim, pois, quando Paulo ora para que seus amigos tenham sabedoria e inteligência, pede que entendam as grandes verdades do cristianismo, que sejam capazes de aplicar essas verdades às tarefas e decisões da vida de cada dia. É muito fácil que alguém seja um perito em teologia e um fracasso na vida. Pode ser capaz de escrever e falar sobre as grandes verdades eternas e, entretanto, carecer inteiramente de capacidade para aplicar essas verdades aos assuntos de cada dia. O cristão deve conhecer o que significa o cristianismo, não em teoria, mas no trabalho da vida diária. (3) Este conhecimento da vontade de Deus e esta sabedoria e inteligência devem engendrar uma conduta reta. Paulo ora para que seus amigos se conduzam de tal maneira que agradem a Deus. Não há nada prático no mundo como a oração. A oração não é um escape da realidade. Não é uma solitária meditação em Deus ou comunhão com Ele. Oração e ação andam de mãos dadas. Oramos não para escapar da vida, senão para nos fazer mais capazes de enfrentá-la. Oramos não para nos apartar da vida, senão para viver no consórcio humano de como se deve viver. (4) Para realizar isto precisamos poder. Por isso Paulo ora para que seus amigos sejam fortalecidos com todo o poder de Deus. O grande problema da vida não é saber o que terá que fazer, mas sim fazê-lo. Na maioria dos casos temos consciência do que devemos fazer numa situação dada; nosso problema é levar o conhecimento à prática. O que precisamos é poder; o que recebemos na oração é poder. Se Deus só nos dissesse qual é sua vontade para conosco, poderia ser uma situação de frustração e tortura; mas Deus não só nos revela sua vontade, mas também nos capacita a realizá-la. Por meio da oração conseguimos os maiores bens do mundo: conhecimento e poder.56 Sobre a paciência e longanimidade, para William Barclay : As duas palavras paciência e longanimidade são de importância em grego e com frequência vão ao mesmo tempo. Paciência é hypomone e longanimidade makrothymia. Deve-se advertir a diferença entre estes dois termos. É verdade que em grego nem sempre se observa esta diferença, mas quando as duas palavras vão juntas, deve-se assinalá-la. Hypomone se traduz ordinariamente por paciência, mas não significa paciência no sentido de sentar-se para suportar os acontecimentos ou de inclinar simplesmente a cabeça para deixar que a maré dos eventos passe sobre alguém. Hypomone não só significa capacidade para suportar as coisas, mas também habilidade para suportando, fazer com que as coisas se permutem em glória. É uma paciência triunfadora. Hypomone é o espírito que não pode ser vencido por nenhuma circunstância da vida e ao que nenhum acontecimento pode prostrar. A hypomone é a capacidade de sair triunfante em qualquer coisa que a vida possa nos fazer. Makrothymia comumente se traduz como longanimidade. Seu significado básico é o de paciência com as pessoas. É a qualidade de mente e coração que faz com que o homem seja capaz de suportar as pessoas de tal maneira que a antipatia, malícia e crueldade destas não o arrastem à amargura; que sua indocilidade e estultícia não o forcem ao desespero; que sua insensatez não o arraste à exasperação nem sua indiferença altere seu amor. Makrothymia é o espírito que jamais perde a paciência e que crê e espera nos homens. Paulo pede, pois, estas duas grandes qualidades: a hypomone, a paciência que não pode ser vencida em nenhuma situação; a makrothymia, a longanimidade que não 56 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág 28-29. pode ver vencida por nenhuma pessoa. Ora para que o cristão seja tal que nenhuma circunstância possa dobrar sua fortaleza e nenhum ser humano vencer seu amor. Ora pelo espírito que jamais se desespera em face de uma situação ou perante uma pessoa; que recusa se desesperar com respeito às coisas ou com respeito às pessoas. A fortaleza do cristão nos acontecimentos e a paciência com o povo devem ser indestrutíveis. 57 8. COLOSSENSES 1:13-20 Ele nos resgatou do poder das trevas e nos trouxe para o reino de seu Filho amado, que comprou nossa liberdade e perdoou nossos pecados. O Filho é a imagem do Deus invisível e é supremo sobre toda a criação. Pois, por meio dele, todas as coisas foram criadas, tanto nos céus como na terra, todas as coisas que podemos ver e as que não podemos, como os tronos, reinos, governantes e as autoridades do mundo invisível. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existia antes de todas as coisas e mantém tudo em harmonia. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja. Ele é o princípio, supremo sobre os que ressuscitam dos mortos; portanto, ele é primeiro em tudo. Pois foi do agrado do Pai que toda a plenitude habitasse no Filho, e, por meio dele, o Pai reconciliou consigo todas as coisas. Por meio do sangue do Filho na cruz, o Pai fez as pazes com todas as coisas, tanto nos céus como na terra. (NVT) Ele nos tirou da potestade das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu amor, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados; o qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência, porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus. (ARC) Termos destacados 57 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 30-31. ἐξουσίας (exousias) = substantivo - Genitivo Feminino Singular. De exesti; privilégio, i.e. força, capacidade, competência, liberdade, ou domínio, influência delegada.58 σκότους (skotous) = substantivo - Genitivo Neutro Singular. Escuridão, física ou moral. Da base de skia; qualidade do que é sombrio, i.e. Obscuridade.59 ἀπολύτρωσιν (apolytrōsin) = substantivo - Acusativo Feminino Singular. Da composição de apo e lutron; resgate pleno, i.e. libertação, ou salvação cristã.60 ἄφεσιν (aphesin) = substantivo - Acusativo Feminino Singular. Enviar, deixar ir, uma libertação, licença, completo perdão. Derivado do vocábulo aphiemi; liberdade, licença.61 εἰκὼν (eikōn) = substantivo - Nominativo Feminino Singular. Uma imagem, semelhança, busto. Do termo eiko; uma semelhança, i.e. estátua, perfil, ou representação. 62 Paulo repetidamente associa a figura da escuridão/trevas com a linguagem de guerra/batalha (Efésios 6:12; Romanos 13:12; 1 Tessalonissenses 5:8; comparativamente a João 1:5. "Domínio das trevas" - mesma idéia de "domínio de satanás" (Atos 26:18).63 Em quem nós temos (ou tivemos) nossa redenção, o perdão de nossos pecados (Efésios 1:7; Gálatas 3:10-13; Romanos 3:19-26; 2 Corintíos 5:18-21; 1 Pedro 3:18, 19). Efésios 1:7 sugerido a alguns copistas posteriores a interpolação "por Seu sangue," palavras altamente adequadas na doxologia Efésia. Esse versículo é o complemento do último: salvação aparece como um resgate pelo soberano poder, aqui como uma libertação por resgate legal (ἀπολύτρωσις: apolutrōsis). O preço do resgate Cristo tinha declarado previamente (Mateus 20:28; 26:28; comparativamente com Romanos 3:24-26; Gálatas 2:20; 1Timóteo 2:6; Hebreus 9:12-14; 1 Pedro 1:18; Apocalipse 1:5; Apocalipse 5:9).64 A imagem do Deus invisível. Essas importantes cláusulas precisam de exame mais cuidadoso. Observemos conformemente, > que a palavra “imagem” (como a palavra “forma”, Filip 2:6-7) é usada no Novo Testamento para essencial e real personificação, como distinta da simples semelhança. Assim em Hebreus 10:1 nós lemos, “a Lei, tendo uma sombra das boas coisas que viriam, e não a imagem real das coisas”; > também observamos em Romanos 1:23 a distinção entre a simples semelhança externa e a imagem que a representa; > encontramos em I Coríntios 15:49 que a imagem do Adão terreno e a imagem do celestial denota verdadeira identidade da natureza com ambos termos; 58 Colossians 1:13 He has rescued us from the dominion of darkness and brought us into the kingdom of His beloved Son, (biblehub.com) 59 Colossians 1:13 He has rescued us from the dominion of darkness and brought us into the kingdom of His beloved Son, (biblehub.com) 60 Colossians 1:14 in whom we have redemption, the forgiveness of sins. (biblehub.com) 61 Colossians 1:14 in whom we have redemption, the forgiveness of sins. (biblehub.com) 62 Colossians 1:15 The Son is the image of the invisible God, the firstborn over all creation. (biblehub.com) 63 Pulpit Commentary: Colossians 1:13 He has rescued us from the dominion of darkness and brought us into the kingdom of His beloved Son, (biblehub.com) 64 Pulpit Commentary: Colossians 1:14 in whom we have redemption, the forgiveness of sins. (biblehub.com) > e em II Coríntios 3:18 o real trabalho do Espírito no coração é descrito como “mudando-nos de glória em glória” na “imagem” do Cristo glorificado A seguir observamos que embora, popularmente falando, Paulo em I Coríntios 11:7 chama o homem de “imagem e glória de Deus”, é alusão a Gênesis 1:26; 1:28, onde é dito que o homem, com rigorosa exatidão, ser criado “à imagem de Deus” (como em Efésios 4:24, criado segundo Deus), e esta expressão mais precisa é usada em Colossenses 3:10, renovado segundo a imagem daquEle que o criou.65 Justo L. Gonzalez disserta que: A palavra que aqui se traduz por “autoridade” é exousia, que era empregada no mundo secular para referir-se à autoridade de um governante sobre os governados... O verbo “livrar” utilizado no grego é o mesmo usado pela Septuaginta (a versão do Antigo Testamento em grego que Paulo emprega em todas as suas cartas) para referir-se a feitos tais como a libertação de Israel do jugo do Egito ou a sua libertação de diversos opressores que aparecem no livro de Juízes. Paulo, portanto, está dizendo que o que Jesus Cristo fez foi livrar-nos do governo ou jugo das trevas de uma maneira semelhante a como Deus livrou Israel das suas diversas opressões. Essa imagem é reforçada ao dizer que Jesus “trasladou ao reino de seu amado Filho”. O enfoque aqui não é o pagamento pelos pecados (ainda que o próximo versículo fale, de fato, sobre o perdão dos pecados), mas, sim, o fato de ser trasladado de um reino a outro, das trevas à luz. Não é que o ser humano seja em parte luz e em parte trevas, mas que ele está sujeito ao governo das trevas. A salvação, portanto, não consiste em salvar o espiritual e apartá-lo do material, mas naquilo que Jesus fez, porquanto “nos livrou do poder das trevas e trasladou ao reino de seu amado Filho”. O que se traduz por “redenção” é apolýtrōsis, termo que frequentemente se refere à compra de um escravo ou ao resgate de um cativo. A sua raiz principal é lýtron, que quer dizer “resgate”. Logo, o traslado da escravidão das trevas ao Reino é paralelo ao resgate de um cativo ou ao pagamento para comprar a liberdade de um escravo. Alguns manuscritos esclarecem a relação entre tudo isso e os sofrimentos de Jesus ao acrescentar as palavras “por meio do seu sangue”, de modo que dizem “redenção por meio do seu sangue”. Isso não parece ter sido parte do texto original, mas pode ter sido acrescentado por um copista ou escriba para certificar-se de que o preço do pagamento ficará claro. Esse é um dos modos mais comuns de entender-se a obra salvífica de Jesus em boa parte dos escritos cristãos mais antigos. Entendia-se que, por razão do pecado, Satanás tinha-se feito dono da humanidade. Os sofrimentos de Jesus representam o pagamento que se faz a Satanás para libertar a humanidade da sua escravidão — ou, como diria Colossenses, para trasladá-la do reino das trevas para a luz.66 Ele é a imagem do Deus invisível: A palavra que aqui se traduz como “imagem” é eikon, de onde deriva a palavra espanhola “ícone”. Mais adiante, essa mesma palavra seria empregada para referir-se às imagens dos santos, e, por isso, deu-se aos que se opunham 65 Ellicot’s Commentary for English Readers: Colossians 1:15 The Son is the image of the invisible God, the firstborn over all creation. (biblehub.com) 66 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 40 -42). CPAD. Edição do Kindle. ao uso de tais imagens o título de “iconoclastas” — isto é, destruidores de ídolos. A palavra eikon era a que se usava no texto grego do Antigo Testamento que Paulo e quase todos os primeiros cristãos utilizavam (a Septuaginta) para traduzir Gênesis 1.26: “Façamos o homem à nossa imagem”. Por essa razão, entre os antigos cristãos, essas palavras de Paulo frequentemente eram entendidas no sentido de que, ao criar o ser humano, Deus tomou como modelo o Verbo encarnado. Observe a relação entre as duas palavras “imagem” e “invisível”. Uma imagem é, por natureza própria, visível; logo, o uso dessas duas palavras conjuntamente indica que Jesus Cristo, o Verbo encarnado de acordo com João, por razão da sua própria encarnação, torna visível o Deus invisível. 67 o primogênito de toda a criação: A Bíblia de Estudo RVA indica corretamente que a palavra primogênito não necessariamente quer dizer que tenha sido a primeira das criações de Deus, mas que é, antes, um título de autoridade e que era frequentemente empregado dessa maneira na Antiguidade, sem que isso implicasse que, por haver um “primogênito”, houvesse outros irmãos. Certamente, tal é o caso da primogenitura, cujos direitos não somente os mais velhos dentre muitos irmãos têm, como também o tem um filho único. A razão pela qual se chama Jesus “o primogênito de toda a criação” não é porque Ele seja a primeira de muitas criaturas, mas, antes, “porque nele foram criadas todas as coisas”. Aqui vemos a relevância da palavra “todas” à qual já nos referimos. Também vemos aqui os erros teológicos que parecem preocupar Paulo nessa carta. Ao que tudo indica, havia em Colossos os que pensavam existir seres espirituais que mereciam algum culto ou respeito acima de Jesus Cristo ou paralelamente a Ele. Ao realçar “todas as coisas”, Paulo está refutando essas ideias. E, então, reitera essa refutação ampliando o que quer dizer com essa expressão, que se refere a “todas as coisas, as que há nos céus e as que há na terra, as visíveis e as invisíveis”. E, para que fique bem claro, passa, então, a destacar alguns desses seres espirituais que aparentemente alguns em Colossos consideravam dignos de louvor e, talvez, de culto: “sejam tronos, sejam domínios, sejam principados, sejam potestades”.68 Ao mesmo tempo, ao afirmar que “todas as coisas subsistem por ele”, estabelece-se uma distinção entre Ele e as criaturas. A criação não é uma mera extensão do ser divino, mas, sim, outra realidade, distinta de Deus. O Verbo de Deus certamente é o princípio e a sustentação de tudo quanto existe, porém nada do que existe na criação é divino. Através dos séculos, os cristãos têm sustentado essa tensão, afirmando, por um lado, que todas as coisas foram feitas e são sustentadas por vontade divina e, ao mesmo tempo, por outro lado, que nenhuma delas tem substância ou caráter divino. Colossenses quer deixar bem claro que a criação de todas as coisas por Cristo e em Cristo significa que os que o seguem hão de certificar-se de “que não haja ninguém que vos esteja levando cativos por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, conforme os princípios elementares do mundo” (2.8). Os “princípios elementares” a que se refere podem ser os éons que, segundo os gnósticos, constituíam a plenitude ou 67 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 45 -46). CPAD. Edição do Kindle. 68 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 50 -51). CPAD. Edição do Kindle. plērōma. Possivelmente seja a isso que se refira Colossenses ao refutar todo intento de explicar o mundo como obra dos “princípios elementares”.69 Werner de Boor cita que Somos libertos não por resolução e luta próprios, não por desesperados esforços, não por lágrimas amargas e bons propósitos. Justamente o lutador honesto e corajoso experimenta a verdade de Rm 7.19. É com autoridade que precisamos ser “arrancados da esfera de poder das trevas”. Foi isso que Deus fez! Porém não para agora nos abandonar a própria sorte. Que pequena ajuda significaria isso! Não, ele nos “transportou para debaixo do senhorio do Filho de seu amor”. Que transformação de vida é essa! Não uma possibilidade vaga, não uma perspectiva incerta de futuro, mas uma realidade! Tornar-se cristão implica uma mudança completa real de senhorio. É assim que Paulo descreve ao rei Agripa a conversão dos seres humanos como tarefa que recebeu de Jesus, em At 26.18. Que coisa maravilhosa, não precisar mais servir ao frio e cruel inimigo, mas poder devotar-se ao amado Filho de Deus! Essa mudança proporciona um “agora” totalmente novo, frutífero e abençoado. Inesgotável e diariamente renovada, a alegre gratidão elevase ao Pai por isso!70 Diz ainda De Boor: Quem, no entanto, se achega a esse “Filho do seu amor” experimenta que nele “temos a redenção, o perdão dos pecados”. Que presente inefável e libertador! Pergunte aos mais famosos cientistas do mundo se conhecem um medicamento para libertar da culpa; pergunte aos grandes artistas se são capazes de eliminar da consciência a culpa através da música, ou da pintura, ou da poesia; pergunte aos ricos e poderosos desta terra se o peso da culpa desaparece diante de tesouros de ouro ou de exércitos blindados – a pergunta será em vão. Em Jesus você encontrará aquilo pelo que seu coração anseia, não apenas como possibilidade ou consolação difusa, mas como realidade total e ditosa, aqui e agora: “no qual… temos!” Porventura isso não será motivo para louvar e agradecer, mesmo na pior situação, mesmo no dia mais sombrio? E não decorre disso novamente “toda paciência”, “toda longanimidade”, que é capaz de acolher outros da maneira como Cristo nos acolheu? Com essas palavras Paulo já passou para o tema que tem importância decisiva para ele justamente com vistas às questões e descaminhos em Colossos. Se os colossenses desejarem obter um juízo próprio sobre os “esforços de santificação” que lhes são trazidos com zelo e que lhes anunciam um cristianismo “mais perfeito”, então terão de ver como Jesus é grande.71 Craig S. Keener apresenta que: Talvez seja relevante para Colossenses 1.13,14 o fato de que os judeus, na Páscoa, descreviam a própria libertação da escravidão no Egito como um chamado a “saírem das 69 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 53;55). CPAD. Edição do Kindle. 70 71 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. trevas e virem para a grande luz” (Mishnah Pesahim 10.5). (Alguns estudiosos sugeriram que a imagem da transferência de um reino para outro, aqui, lembra os muitos povos do antigo Oriente Próximo que foram desarraigados de suas terras por soberanos poderosos e transferidos para outras regiões. Mas se a intenção aqui era apresentar uma imagem relativa a reinos humanos, a ideia de um habitante da província alcançar a cidadania romana ou de um gentio aceitando o jugo do reino de Deus no judaísmo talvez fosse mais natural para o público de Paulo. "Redenção” significava libertação de um escravo pelo pagamento de seu preço; no Antigo Testamento, Deus redimiu Israel da escravidão no Egito pelo sangue do primogênito e do cordeiro. Isso se ajustaria à imagem da transferência de um povo cativo de um reino para outro (1.13). Filo também acreditava que o Logos, o Verbo de Deus, participava na redenção (cf. também Sb 18.15); mas esse antecedente seria mais relevante se fosse mencionado como parte de 1.15-17.72 Sobre a supremacia de Cristo, Craig S. Keener comenta que: A supremacia de Cristo: Alguns dos colossenses que estavam no erro desejavam enfatizar os espíritos intermediários e certas formas rigorosas de espiritualidade... Paulo insiste em que Cristo é suficiente (cf. 2.6-15) e O descreve com palavras que o judaísmo normalmente reservava para a forma personificada da Sabedoria. Essa imagem com que os primeiros cristãos descreviam Cristo era natural. O judaísmo personificava a Sabedoria de Deus e a considerava divina. A imagem, na tradição judaica, remonta pelo menos a Provérbios 8. (É possível, como sugeriram alguns, que Paulo esteja citando um hino cristão de duas estrofes em 1.15-20. Esse tipo de citação — isto é, sem indicação de que se trata de citação — não era incomum na literatura antiga. Mas, apesar das evidências e do consenso dos estudiosos, não há provas suficientes de que a passagem seja trecho de um hino. Os oradores às vezes recorriam a uma prosa exaltada e mesmo rítmica, sobretudo ao prestar louvor a alguma divindade.) Verso 1.15. Aqui Paulo descreve Cristo com palavras que o judaísmo reservava para a Sabedoria divina. Esta era retratada como a imagem arquetípica de Deus, por meio da qual ele criou o restante do mundo (cf. Pv 3.19; 8.27- 30; Sb 7.26,27; 8.1,5,6; 9.1,2,9; 10.1). A ênfase é particularmente evidente em Filo, na época filósofo recente da Diáspora, em quem talvez estejam presentes algumas das ideias mais gerais da diáspora judaica. Ele descreve o Logos de Deus — o Verbo — como a sua imagem, por meio de quem o Universo foi formado. É possível que “primogênito" se refira à posição de autoridade e preeminência conferida ao filho primogênito no Antigo Testamento (Gn 49.3,4; cf. o “chefe" em l Cr 5.12 e na tradução da Septuaginta). (Os textos judeus costumavam aplicar o termo a Israel. Os reis do antigo Oriente Próximo, ao serem entronizados, eram às vezes aclamados como “filhos de deuses”.) É possível que o termo também seja outro título para O “Filho” de Deus (Cl 1.18; veja SI 89.27, embora Davi fosse o mais jovem de oito filhos). Tanto na religião grega como na judaica, Deus ou as divindades supremas são às vezes descritos como “o Primeiro” ou “os primeiros”; ocasionalmente algumas divindades são chamadas de “o primogênito”. O imperador também afirmava ser o “primeiro” entre iguais, a “igualdade” aí sendo uma ficção retórica. Em Filo, o Logos também era o “primogênito” de Deus (Nascimento de Abel 119; Agricultura 51; Da Confusão das Línguas 146; Sonhos 1.215), embora seja impossível Filo haver imaginado o Logos tornar-se humano. Verso 1.16. As criações “invisíveis” de Deus são especialmente os anjos nos céus, que correspondem aos soberanos do mundo. O judaísmo antigo aceitava que Deus criou tanto o mundo visível como O invisível (seguindo 72 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 681-682. Platão, alguns gregos enfatizavam que, além do mundo visível, Deus também criou os padrões ou imagens invisíveis em que o mundo se baseia). Muitos autores judeus, incluindo Filo e até mesmo alguns textos da Judeia, atribuíam aos anjos — ou aos poderes divinos subordinados — um papel na criação. Outros autores judeus e cristãos (como Paulo) estão prontos a contestar essa perspectiva, como aqui. Muitos pensadores grecoromanos afirmavam que todas as coisas derivam do Logos (ou da natureza ou do fogo primordial), são nele sustentadas e a ele retornam. Na tradição judaica, todas as coisas foram criadas por meio do e para O Verbo divino ou a Sabedoria divina (em variações dessa tradição, elas foram criadas para os justos que observassem na prática essa palavra). Valendo-se de diferentes preposições, os antigos pensadores em geral distinguiam os diferentes tipos de causação: material (“a partir de”), instrumental ("por meio de”), modal ("em” ou "por”) e proposital (“para”). Paulo, aqui, emprega três dessas preposições ao se referir a Jesus. Verso 1.17. Muitos filósofos greco-romanos afirmavam que todas as coisas são sustentadas por Zeus ou pelo Logos, a razão divina. Com isso, pretendiam enfatizar a unidade do Universo. Os autores judeus fluentes em grego, como Filo, também enfatizavam que o Logos de Deus sustenta a criação; além disso, declaravam que o Logos é a própria Sabedoria divina. No pensamento estóico73, o Logos deu forma ao fogo primordial. No judaísmo, a Sabedoria existia antes de todas as coisas e por meio dela Deus criou o mundo e então lhe deu forma. Verso 1.18. “Cabeça” podia significar “autoridade” (2.10), “parte mais respeitada ou honrada” ou “fonte” (2.19); quanto a "corpo", veja comentário de Romanos 12.35 ou I Coríntios 12.12-26. Deus era às vezes chamado "o princípio" na tradição judaica. O termo era aplicado com ainda maior frequência à Sabedoria e ao Logos. Tratava-se de termo natural para aquele a partir de quem todas as coisas haviam começado (no v. 18, ele pode, contudo, ser aplicado ao “começo” da nova criação, assim como “primogênito” aqui). Esperava-se a ressurreição dos mortos no fim dos tempos. A ressurreição de Jesus antes do tempo era vista como o início proléptico ou a inauguração desse acontecimento futuro (1Cor 15.23). Verso 1.19. O Antigo Testamento afirma que Deus escolheu o lugar em que O Seu nome habitaria. Afirma também que Deus tinha prazer em habitar em meio ao seu povo, em Sião e assim por diante. Há quem sugira que “plenitude” se refira à sabedoria ou à glória de Deus preenchendo o mundo (como no Antigo Testamento e na tradição judaica) ou à plenitude da presença e dos atributos de Deus (como em Filo e em outros textos judaicos; cf. Cl 2.9,10).74 Para William Barclay, Quando Paulo escreveu Colossenses não escreveu no vazio. Escreveu, como o vimos na Introdução, para enfrentar uma situação muito definida. Na Igreja primitiva existia uma 73 Estoicismo é uma escola e doutrina filosófica surgida na Grécia Antiga, que preza a fidelidade ao conhecimento e o foco emtudo aquilo que pode ser controlado pela própria pessoa. Despreza todos os tipos de sentimentos externos, como a paixão e os desejos extremos. A escola estoica foi criada por Zenão de Cítio, na cidade de Atenas, cerca de 300 a.C.. Porém, a doutrina ficou efetivamente conhecida ao chegar em Roma. O seu tema cen tral defendia que todo o universo seria governado por uma lei natural divina e racional. Sendo assim, para o ser humano alcançar a verdadeira felicidade, deveria depender apenas da sua “virtude”, ou seja, os seus conhecimentos e valores, abdicando totalmente do “vício”, considerado pelos estoicos um mal absoluto.(Estoicismo: o que é, significado e o que é ser estóico - Filosofia - Significados) 74 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 681-682. corrente de pensamento que passou à história com o nome de gnosticismo. Seus adeptos eram denominados gnósticos, quer dizer, algo assim como os intelectuais. Estes homens estavam descontentes com o que consideravam a rude simplicidade do cristianismo e queriam convertê-lo numa filosofia, para alinhá-lo com as outras filosofias que dominavam a maturação. Os gnósticos começavam com um pressuposto básico: a matéria é inteiramente má e o espírito é totalmente bom. Além disso, mantinham que a matéria era eterna, tinha existido sempre, e que dessa matéria defeituosa e má tinha sido criado o mundo. O cristão, para usar uma frase técnica, crê na criação do nada; os gnósticos criam na criação dessa matéria essencialmente má. Agora, Deus é espírito e se o espírito for absolutamente bom e a matéria essencialmente má, cai-se em consequência, na doutrina gnóstica, de que o verdadeiro Deus não pode tocar a matéria. Sendo Deus absolutamente bom e a matéria fundamentalmente má, o próprio Deus não pode ser o agente da criação. Em consequência, os gnósticos pensavam que Deus emitia uma série de poderes, éons ou emanações. Cada uma destas emanações encontrava-se um pouco mais distante de Deus. Existia uma série infinita de emanações; a última, estava tão distante de Deus, que pôde tocar e manipular a matéria sem forma para criar e dar forma ao mundo. Assim, pois, o criador do mundo não era Deus, mas sim essa emanação distante de Deus. Mas os gnósticos iam ainda mais longe. À medida que as emanações se apartavam cada vez mais de Deus, tornavam-se cada vez mais ignorantes de Deus. As emanações muito distantes não só o ignoravam, mas também eram hostis a Deus. Desta maneira os gnósticos chegavam à conclusão de que a emanação que criou o mundo era ao mesmo tempo ignorante do Deus verdadeiro e hostil a Ele. Às vezes os gnósticos identificavam essa emanação ignorante e hostil com o Deus do Antigo Testamento, enquanto o Deus do Novo Testamento era o Deus verdadeiro. Tudo isto tem certas consequências lógicas. (1) Segundo os gnósticos, o Deus criador não é o Deus verdadeiro: o criador ignora o Deus verdadeiro e lhe é hostil. O mundo é essencialmente mau; o mundo não é o mundo de Deus, mas sim de um poder hostil a Deus. Esta é a razão pela qual Paulo insiste em que Deus criou o mundo e que o agente de Deus na criação não é uma emanação ignorante e hostil, mas sim Jesus Cristo seu Filho (Colossenses 1:16). A doutrina cristã sobre a atividade criadora de Jesus Cristo foi concebida para combater a doutrina gnóstica de um Deus criador ignorante e hostil. (2) Para os gnósticos, Jesus Cristo não era de maneira alguma único. Vimos como postulavam toda uma série de emanações entre o mundo e Deus. Insistiam em que Jesus era só uma dessas emanações: um de tantos intermediários entre Deus e os homens. Podia estar colocado muito alto na série, até podia ser o mais alto, mas de maneira nenhuma único, mas sim só um da série, um de muitos. Paulo refuta isto insistindo em que em Jesus Cristo habita toda plenitude (Colossenses 1:19); nEle está a plenitude da Deidade em forma corporal (Colossenses 2:9). Um dos objetivos supremos de Colossenses é insistir em que Jesus Cristo não é um da série, um entre muitos, não é uma revelação parcial de Deus, mas sim absolutamente único e que nEle encontra-se a totalidade de Deus, a plenitude divina. (3) A consideração gnóstica conduz a outra consequência em pensamento sobre Jesus. Se a matéria for absolutamente má, consequentemente o corpo é totalmente mau. Se o corpo for absolutamente mau, segue-se que Aquele que era a revelação de Deus não podia ter tido um corpo real, não pôde ter sido de verdadeira carne e sangue como nós, não pôde ter tido uma verdadeira humanidade. Não era mais que um fantasma espiritual em forma corporal. Os gnósticos negavam completamente a humanidade verdadeira e real de Jesus. Para eles Jesus era um espírito que adotou forma corporal. Em seus próprios escritos diziam, por exemplo, que quando Jesus caminhava não deixava rastros na terra porque não tinha um corpo real de carne e sangue. Esta é a razão pela que Paulo usa em Colossenses uma fraseologia tão surpreendente. Diz que Jesus reconcilia ao homem com Deus em seu corpo de carne (Colossenses 1:22); que a plenitude da divindade habita nEle corporalmente. Em oposição à idéia gnóstica de um Jesus fantasma Paulo insistia na humanidade de carne e sangue do Filho de Deus. (4) A tarefa do homem é achar seu caminho a Deus. Segundo os gnósticos, o caminho a Deus está obstruído. Entre este mundo e Deus há uma série inumerável de emanações. Antes que a alma possa elevar-se a Deus deve passar por cada uma dessas emanações. Tem que escalar, por assim dizer, uma escada interminável e em cada degrau da escada há um poder adverso que faz barreira. Para passar cada barreira se requer um conhecimento especial e uma senha particular. Em sua ascensão ao Eterno a alma tem necessidade de equipar-se inteiramente de conhecimentos e de toda sorte de contrassenhas. Os gnósticos pretendiam brindar essas contrassenhas e esses conhecimentos. Isto significava duas coisas. (a) Que a salvação é um conhecimento intelectual, o que Paulo refuta insistindo em que a salvação não é conhecimento, mas sim redenção e perdão dos pecados. Os mestres gnósticos sustentavam que as assim chamadas verdades simples do evangelho não eram de modo algum suficientes. Para achar o caminho a Deus a alma necessitava muito mais; necessitava o complicado conhecimento e as contrassenhas secretas que só o gnosticismo podia brindar. Paulo insiste em que o cristianismo não é conhecimento, é redenção; e não faz falta mais que as verdades salvadoras do evangelho de Jesus Cristo. (b) Deve ficar claro que se a salvação depende de um conhecimento complicado, não é para todos. Só pode ser para o intelectual, porque está muito longe da capacidade mental da pessoa simples. Desta maneira os gnósticos dividiam a humanidade em espirituais e terrenos; só os espirituais podiam de fato ser salvos. A salvação plena estava absolutamente mais além do alcance do homem comum. O gnosticismo estava baseado numa aristocracia intelectual da qual o homem comum estava excluído. Tendo tudo isto em mente, Paulo escreveu o importante versículo de Colossenses 1:28. Tinha o propósito de admoestar a todo homem, de ensinar a todo homem e apresentar assim a todo homem perfeito em Jesus Cristo. Em face de uma salvação possível só para uma limitada minoria espiritual, Paulo apresenta um evangelho que é para todo homem, seja simples e indouto, ou sábio e erudito. Os gnósticos pregavam a salvação para uma casta limitada; Paulo pregava a salvação para todos. Estas eram, pois, as grandes doutrinas gnósticas. Enquanto estudamos esta passagem e nos dedicamos à análise de toda a Carta, devemos ter presente este exponho porque só em contraposição a esta doutrina faz-se inteligível e pertinente a linguagem de Paulo.75 Ralph P. Martin expõe que “devemos considerar que o v. 12 começa uma nova seção”, entendendo que o particípio (traduzido dando graças) tem a força do modo imperativo . Diz ainda o autor: É a chamada de Paulo aos seus leitores, aos quais se dirige na segunda pessoa, conforme concordam a maior parte dos editores modernos. Seus leitores são diretamente descritos como tendo sido “feitos idôneos para compartilhar da herança do povo de Deus no reino da luz.” 12. O versículo está repleto de ecos do Antigo Testamento. A parte que vos cabe 75 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 33-37. da herança dos santos na luz relembra a promessa, originalmente feita a Abrão (Gn 13.1417) e repetida ao povo judaico (Nm 26. 52ss.; 34.2, 13; Dt 32.9; Js 19.9), de que possuiriam sua herança à medida em que a terra de Canaã fosse dividida por sortes às tribos. Os santos são o povo de Deus segundo a Antiga Aliança (veja sobre 1.2). Paulo intrepidamente se apropria destas figuras de linguagem e as emprega com referência à Igreja do novo Israel. Os crentes em Cristo ganharam uma herança mais rica. Estão na companhia dos “santos de Deus na luz” - frase esta que, tendo em vista 1QS xi.7-8, somente pode significar anjos. Têm sua esperança segura na presença de Deus onde habitam os anjos. Paulo está refletindo sobre seu pensamento em 1.5, e preparando-se para uma polêmica contra o culto a anjos, que, segundo parece, os desviados em Colossos estavam praticando (2.18). Num único golpe, dissipa esta veneração dos poderes angelicais ao assegurar aos colossenses que eles alcançaram um lugar compartilhado pelos anjos (3.1). 13. Uma elaboração adicional da possessão presente da Igreja. Dois aspectos são abrangidos. Negativamente, Deus nos libertou (uma mudança para a primeira pessoa do plural, pois Paulo alarga o escopo da sua exposição da experiência cristã) do império das trevas onde dominam os poderes malignos (Lc 22.53) e onde a autoridade de Satanás é exercida (At 26.18). Do lado positivo, Deus nos transportou para o reino do Filho do seu amor. O verbo de Paulo (metestèsen) refere-se a uma remoção ou migração de um povo, como quando Antíoco III transportou vários milhares de judeus para a Ásia Menor na primeira parte do século II a.C.. Esta migração, no entanto, é um movimento espiritual enquanto os cristãos obtêm a admissão para o reino de Cristo, i.é, a comunhão do povo de Cristo na Igreja. Vários comentaristas detectam uma polêmica velada na maneira de Paulo passar a explicar o processo mediante o qual este “transporte” foi feito. É muito provável que os ensinadores gnósticos tivessem sugerido que a entrada no reino de Cristo pudesse ser realizada automática e instantaneamente, com uma ressurreição presente para a vida nova, já realizada no batismo, garantindo uma imortalidade imediata aqui e agora. Para enfrentar esta distorção, Paulo passa a ressaltar que o termo entre a libertação e a nova vida na igreja é “redenção” que consiste na experiência do perdão. 14. no qual temos a redenção refere-se ao seu antecedente em Cristo o “Filho amado”, título este que é especialmente relevante no contexto do batismo de Jesus (Mc 1.11, etc.). João Batista proclamou um batismo de perdão (Mc 1.4, 5)... sugerimos que a alusão de Paulo na experiência presente da “redenção” expressada como sendo o perdão dos pecados diz respeito ao batismo, quando os leitores colossenses abandonaram a vida antiga no império das trevas e entraram no reino da luz (1.12). O perdão é essencialmente uma resposta moral ao evangelho, e Paulo enfatiza este fato para refrear qualquer noção perversa de uma salvação não-moral. 15-20. O estilo polêmico dos versículos anteriores nos levaria a suspeitar que Paulo continuará este apelo à experiência cristã, tendo em vista uma demonstração de quão falsas e enganosas estas idéias gnósticas da salvação realmente são. Esta maneira de compreender o contexto é a chave para destravar vários mistérios nestes versículos majestosos. Podemos agora colocar por escrito uma série de proposições que poderão, então, ser testadas à luz do estudo detalhado dos versículos indicados. (a) Acredita-se geralmente que a passagem tem a forma de um hino no seu caráter literário, e que pode ser disposta em três estofes ou estâncias... O plano de Deus é executado através dAquele que marca um novo início da história do mundo como o Ressurreto e que é o agente de Deus em levar o universo para a harmonia com os propósitos divinos (a reconciliação). (b) Será visto no esboço supra que certas partes do texto foram omitidas. Mediante estas omissões é possível obter um “hino” de perfeita simetria, sendo que cada estrofe consiste em três linhas e tem um padrão rítmico discernível. Agora é alegado que as partes adicionais representam os acréscimos de Paulo a um hino que circulava antes de ele escrever a carta aos colossenses. Adotou um hino já existente e o “editou” com o acréscimo daquelas linhas adicionais. Um exemplo paralelo deste procedimento é visto em Filipenses 2.6-11 onde é altamente provável que ocorreu este mesmo processo de redação. As frases “extras” são acrescentadas visando a ênfase, porque Paulo queria ressaltar certos aspectos que um item existente de liturgia cristã, concebivelmente empregado no batismo e que celebrava Cristo como Senhor cósmico e como Doador da vida nova ao mundo, não fazia exatamente. Os acréscimos são: (i) As linhas que descrevem “todas as coisas” que foram criadas em Cristo são uma expansão eloquente dos poderes cósmicos que devem a Ele a sua existência: visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades (v. 16) Aqui Paulo fixa sua atenção nos próprios poderes espirituais que, segundo sabemos, estavam sendo usados em Colossos para sugerir que precisavam de ser aplacados. Paulo declara que derivam sua existência de Cristo e que devem sua obediência Àquele que os subjugou (2.10,15). (ii) No v. 18, Paulo encaixa as duas palavras gregas (tês ekklêsias) de uma maneira que demonstra que são um acréscimo posterior por ele. O hino original proclamava que Jesus Cristo era a cabeça (ou soberano) do corpo cósmico. Paulo altera a expressão para enfatizar que Ele é Senhor do Seu corpo, a Igreja. Ê muito possível que a razão desta mudança seja que Paulo refuta eficazmente a falsa idéia de que o corpo de Cristo deva ser identificado com o mundo e que Ele o permeia de um modo crassamente panteísta. (iii) O v. 20 contém duas expansões hipoteticamente dadas por Paulo quando adotou o hino. Desejava, em primeiro lugar, declarar do modo mais claro possível o escopo universal do senhorio de Cristo. O hino declarava que Deus reconciliou “todas as coisas” a Si mesmo em Cristo. Paulo amplia o escopo de “todas as coisas” (ta panta) para incluir “nos céus e sobre a terra.” De maneira mais significante, interpreta a reconciliação no sentido de um processo moral empreendido pelo ato de Cristo na cruz. Ali “fez a paz” ao custo do sacrifício de Si mesmo, oferecido no Seu sangue. Esta única frase é a maneira de Paulo enunciar a base lógica da reconciliação cósmica. Sua razão para assim fazer — de uma maneira que é sem igual em Paulo, tanto na linguagem quanto no pensamento - é garantir que a reconciliação, embora afetasse os relacionamentos cósmicos, não seja concebida em termos de um milagre físico que meramente alterava o estado do universo fora do homem. Ao inserir uma referência à cruz (como em Fp 2.8) e ao delongar-se sobre a obra pacificadora de Cristo, além de expandir aquela referência em 1.21, 22 em termos mais claros para incluir seus leitores, ancorou a obra de Cristo num evento histórico. Ressaltou o efeito moral do evangelho que traz a salvação do mal, e o salvaguardou das distorções que fariam da “salvação” um processo automático ou inevitável. Acima de tudo, colocou a “teologia da cruz” no ponto crucial do hino, e transformou um hino de louvor ao Senhor cósmico da criação num cântico de redenção que se centraliza na expiação feita por Cristo como Salvador da Igreja. 15,16. Ele é a imagem do Deus invisível expressa de forma sucinta o ensino neotestamentário acerca da Pessoa de Cristo e da Sua posição. Repete a convicção familiar compartilhada por todos os escritores bíblicos que Deus é espiritual e invisível (Jo 1.18; 4.24; 1 Tm 1.17; 6.16) e desconhecido a não ser mediante Sua autorrevelação. Esse desvendamento da Sua Pessoa é visto supremamente no Seu Filho, Jesus Cristo (2 Co 4.4-6) que “incorpora” o caráter de Deus. Imagem (Gr. eikõri) representa duas idéias: a representação e a manifestação (Lightfoot). O fato realmente relevante a ser observado, no entanto, é que no pensamento antigo acreditava-se que eikõn não era apenas uma representação plástica dos objetos assim retratados, como também pensava-se que participava dalguma maneira da substância do objeto que simbolizava. “A imagem não deve ser entendida como sendo uma magnitude que é estranha à realidade e presente somente na consciência. Tem sua participação na realidade. Logo, Cristo como a imagem de Deus significa que Ele não é uma cópia de Deus, “como Ele” ; é a objetivação de Deus na vida humana, a “projeção” de Deus na tela da nossa humanidade e a encarnação do divino no mundo dos homens (cf. Masson, pág. 98, n. 1). A descrição é revelatória, mais do que ontológica. Conta-nos o que Cristo faz (para revelar a Deus) ao invés daquilo que Ele é em Si mesmo. Mesmo assim, uma ontologia rudimentar não falta na frase o primogênito de toda a criação, porque é claramente o propósito de Paulo, ao apelar a este hino, demonstrar a primazia de Cristo sobre todas as ordens da criação (assim NEB). “Primogênito”, portanto, não pode querer dizer que Ele pertence à criação de Deus; pelo contrário, fica em contraste com a obra das mãos de Deus como sendo o agente através de quem todos os poderes espirituais vieram a existir (v. 16). Ele é Senhor da criação e não tem rival na ordem criada. Paulo depende dalgumas idéias no judaísmo helenista. Os pensadores judaicos especulavam acerca da sabedoria que recebia uma posição quase pessoal como tendo sido “criada antes de todas as coisas” (Pv 8.22; Sir. 1.4) e presente com Deus desde toda a eternidade (Sab. 9.9). Ela (a sabedoria é feminina no hebraico, como em português) compartilha do trono divino (Sab. 9.4) e existe antes do céu e da terra (Aristóbulo, segundo Eusébio :Prep. Ev. vii.14.1). De modo muito marcante, Filo chama esta parceira na obra das mãos de Deus tanto de logos quanto de sabedoria, “o filho primogênito” (prõtogonos huios). De modo semelhante, a sabedoria no pensamento de Filo é o instrumento “através do qual o universo veio a existir” (Fug. 109), e fica claro que a citação de Paulo, em forma de hino, no v. 16, diz a mesma coisa no que diz respeito a este Cristo preexistente. Ele é o “artífice” da criação (Sab. 8.6) e o universo é criado “em” sua pessoa no sentido adicional de que o céu e a terra estão “juntados:” uma função semelhante é atribuída à palavra divina em Siraque 24.5-6 e Sabedoria de Salomão 18.16. E, conforme veremos no v. 20 da presente passagem, este é talvez o significado de “reconciliação” na versão pré-paulina do hino. Os intérpretes, no entanto, concordam que não há paralelo exato na especulação judaica acerca da sabedoria, com a asseveração de que tudo foi criado (no pretérito perfeito no gr. ektistai “a fim de expressar a continuada existência da criação” [Lohse]) . . . para ele. A parte final do versículo declara que Cristo é o alvo da criação (lit. “para ele” como o derradeiro fím em direção do qual a criação inteira está se movimentando). Nenhum pensador judaico já subiu até aquelas alturas, ousando predizer que a sabedoria era o alvo final de toda a criação. Esta, porém, é a declaração de Paulo enquanto antecipa o final do hino (no v. 20) que saúda o Senhor crucificado como sendo o grande unificador do céu e da terra. 17-18a. Três linhas do hino levam a primeira seção principal ao seu término com estas declarações majestosas acerca do Cristo cósmico. Ele é antes de todas as coisas, porque preexiste à totalidade da criação e, portanto, é Senhor de toda a ordem criada. Nele tudo subsiste, i.é, Ele é o sustentador da criação. Provavelmente o pensamento aqui depende de Provérbios 8.30 onde a sabedoria é saudada como sendo o ’amôn (“arquiteto”) de Deus. R. B. Y. Scott argumenta em prol da tradução “um elo vivo ou vínculo vital,” sugerindo que a sabedoria é considerada um princípio de coerência entre Javé e Seu mundo. Este é exatamente o sentido do verbo grego no v. 17: “todas as coisas são coerentes (sunestêken) nEle.” A terceira linha da estrofe: Ele é a cabeça do corpo forma um clímax apropriado para a primeira parte do poema. A chefia é vista primariamente sobre o cosmos inteiro. Paulo reinterpreta a declaração cosmológica para lhe dar um impacto mais agudo mediante seu acréscimo de “da igreja” (veja supra). É a maneira de Paulo declarar o domínio presente de Cristo sobre o mundo porque já recebeu a chefia na Igreja do Seu corpo. 18b-20. Com esta nova estrofe um novo contexto deve ser procurado. Não há paralelos imediatos no pensamento judaico a não ser na descrição da sabedoria como sendo “o princípio” (Filo: Leg. Ali. i.43; cf. Pv 8.22). A correspondência entre v. 186, c com a abertura da história da Bíblia pode levarnos a prever que a segunda parte do hino saudaria Cristo como um segundo Adão, o Fundador de uma nova raça de homens. Adão era a imagem de Deus (Gn 1.26-27) e o filho de Deus ou rei do Paraíso. Ele foi o início da velha ordem, condenada ao pecado, à morte e à decadência. Cristo é o segundo homem, cuja vinda marca um novo princípio à medida em que um novo segmento da humanidade é trazido à existência. O princípio e o primogênito relembram Gênesis 49.3 (LXX): “Rúben, tu és meu primogênito, minha força, e as primícias do meu vigor,” onde são empregados os mesmos termos gregos prõtotokos, archè. Esta combinação sugere, conforme observa Lohse, que o primogênito é o fundador de um povo (como em Rm 8.29). O novo Adão como Filho e imagem de Deus reflete a glória divina de modo sem igual. Nele toda a plenitude de Deus aprouve residir (RSV) representa uma tradução que personaliza o conceito da plenitude de Deus e o faz o sujeito do verbo “aprouve residir.” Moule pensa que isso é certo, mas com alguma hesitação pela razão de que a personificação talvez seja violenta demais para ser crível. “Assim o Tudo é ‘reconciliado,” seus elementos em conflito são pacificados. . . sendo que acharam seu Senhor” a quem se submetem. A outra possibilidade principal é que o sujeito subentendido é Deus, ou Deus em toda a Sua plenitude. ARA: Aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude. Um versículo posterior na Epístola (2.9) corresponde a este pensamento, e se o propósito da presente seção do hino é asseverar que Deus expressou a totalidade da sua atividade salvífica e reconciliadora em Jesus (i.é, a cristologia é funcional mais do que metafísica), este é o sentido que se exige. Além disto, leva para uma transição mais suave para o versículo seguinte, onde é claramente Deus quem reconcilia todas as coisas pelo sangue da cruz de Cristo. Este é um notável ponto crucial de interpretação na teologia sistemática. Qual tipo de reconciliação universal é contemplado como sendo um fato completado? As respostas variam entre uma inclusão universalista de todos os homens no propósito do empreendimento redentor de Deus, até mesmo estendendo-a para abranger o diabo e seus anjos (assim Orígenes), e um escopo mais limitado da palavra “reconciliar” com o sentido deliberado de reconciliação através da subjugação e uma confissão forçada da parte destes poderes espirituais rebeldes de que Deus em Cristo os despojou da sua posição (assim Percy, Bruce). O propósito de Paulo nesta linha do hino provavelmente tem um objetivo definido. Devemos achar a chave nas frases que, bem possivelmente, são seus próprios acréscimos ao hino original: quer sobre a terra, quer nos céus. Sua intenção é refutar qualquer idéia de que parte do universo está fora do escopo da obra reconciliadora de Cristo; e, especialmente, ressaltar que não há poder estranho ou força espiritual hostil que possa operar destruição na igreja. A garantia forma um paralelo distinto com Romanos 8.38, 39, e sua base lógica vem mais tarde, em 2.15. Ali, a vitória de Cristo na cruz venceu eficazmente todo agente maligno e o incapacitou. Nesse sentido todos os poderes malignos são “reconciliados” e restaurados ao seu lugar sob sua legítima cabeça (2.10) da qual se tinham desligado para tomar-se rebeldes contra o propósito divino. A realização de Cristo ao fazer a paz na cruz demonstra como Sua expiação chegou até mesmo àquelas forças malévolas e obteve para elas um lugar no desígnio de Deus para o universo em que, finalmente, não haveria discórdia alguma (Ef 1.10). Mais uma vez, podemos perceber a mão de Paulo na última linha, que marca exatamente o lugar na reconciliação: havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz. Com esta frase vívida garantiu que a reconciliação tenha seu lugar central na sua teologia da cruz. Esta é a sua expressão de forte oposição à redenção e e processo automático não morais. A reconciliação para Paulo, pelo contrário, não funciona como (usando uma figura de linguagem gnóstica) um ímã colocado no céu e atraindo irresistivelmente para si mesmo todos aqueles que são trazidos para dentro do seu campo magnético. O efeito da morte de Cristo é o efeito de um feito de amor dando seu fruto numa vida humana que é tocada por ele .76 76 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 63-71. Para Werner de Boor O ser humano moderno possui uma ingenuidade muito assustadora. Sonha que o ser humano é contíguo a Deus. Por um lado experimenta em proporção realmente gigantesca que o mundo está fora dos eixos. Sofre tragédias inenarráveis. Encontra-se sob juízos terríveis de Deus. Mas, por outro lado – o máximo a que isso o leva é duvidar de Deus ou acusá-lo. A si mesmo o ser humano moderno não questiona. Um abalo mais intenso diante da própria culpa não perpassa nossa época, apesar de tudo o que vivenciamos. De modo geral não se pode sentir um anseio por reconciliação, por paz com Deus, que caracterizava a época da Reforma. Isso era diferente no ocaso da Antigüidade. As pessoas sentiam dolorosamente o abismo que as separava da divindade, do mundo de vida e luz. Por isso muitas religiões e seitas daquele tempo prometiam “redenção”, “reconciliação”. Será que a adoração de Cristo podia ser inserida nisso? Seria Jesus um Redentor – mais um ao lado de outros? Talvez um Redentor para determinadas áreas da vida e da realidade? Não! Aprouve a Deus “reconciliar por meio dele [Jesus] todas as coisas em direção dele”. Depois de dizer uma palavra sobre o meio dessa reconciliação: “havendo feito a paz pelo sangue de sua cruz”, Paulo repete enfaticamente: “por meio dele, quer sobre a terra, quer nos céus”. Encontramo-nos diante do cerne da mensagem, que na verdade é “a palavra da reconciliação”. Trata-se da guinada decisiva em nossa vida, quando todas as demais perguntas de nosso coração, inclusive todas as questões de visão de mundo e de religião, silenciam diante da grande pergunta: o que será de minha culpa? Como conseguirei ter paz com Deus? Quem me reconcilia com Deus? Felicidade ou desgraça, alegria ou sofrimento, honra ou vergonha, vida ou morte – tudo isso não pesa mais nada diante do peso eterno dessa pergunta.77 O Comentário da Bíblia do Pregador Pentecostal propõe a seguinte metáfora: Cada nação celebra o seu dia da independência. No caso do Brasil, 7 de setembro. Esta data é celebrada como o dia da independência em relação a Portugal. Cada nação que foi colonizada celebra a independência de uma outra nação potente que a dominava. Foi assim com os Estados Unidos em relação a Inglaterra; foi assim com as nações de língua espanhola que se libertaram do domínio da Espanha; foi assim com as nações portuguesas que se libertaram do domínio português; e, assim, sucessivamente. Podemos aproveitar essa data para celebrar a nossa independência do império do mal. Vejamos: Em Cl 1.13, Paulo afirma: “Ele nos tirou da potestade das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu amor.” Nós vivíamos na situação de uma colônia dominada pelo império das trevas. Porém, Cristo nos libertou desse império do mal e nos declarou livres. 2. Em At 26.18 a Bíblia afirma que nós nos convertemos das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de recebermos herança entre os que pela fé são santificados em Cristo. 3. De acordo com Lc 11.20-22, Satanás era o valente que nos dominava e nos mantinha como seus prisioneiros. Porém, Jesus, o “Mais Valente” do que Satanás, o desarmou e conquistou as almas como despojos, libertando-as do domínio de Satanás (At 10.38). 77 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. 4. Segundo a História, Dom Pedro I declarou a independência do Brasil em relação a Portugal com o famoso grito: “Independência ou morte!” Porém, de acordo com a Bíblia, Jesus declarou a nossa independência do império das trevas com o seu famoso grito: “Está consumado” (Jo 19.30). Pois o Escritor da Carta aos Hebreus assim descreveu isso, dizendo: “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo” (Hb 2.14). 5. Dom Pedro I declarou: “Independência ou morte!” Porém, Jesus Cristo declarou independência e vida, “pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, pelo evangelho” (2Tm 1.10). E Paulo ainda escreve, dizendo: “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)…” (Ef 2.4-5). 6. Em Jo 8.36, o próprio Senhor Jesus Cristo nos garantiu a libertação, dizendo: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente, sereis livres.” 7. Solano López é celebrado como o libertador do Paraguai; San Martín é celebrado como o libertador da Argentina; Simón Bolívar é celebrado como o libertador da Venezuela; Francisco Pizarro é celebrado como o libertador do Peru; Hernán Cortez é celebrado como o libertador do México; George Washington é celebrado como o conquistador da independência americana; Dom Pedro I é celebrado como o conquistador da independência do Brasil. E Jesus Cristo é celebrado como o Conquistador da Independência da humanidade! Todas as pessoas que o aceitarem como seu Salvador e Libertador podem declarar a sua independência do império do mal. 8. Em Gl 5.1 a Palavra de Deus afirma que foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, devemos permanecer firmes, e não nos submeter ao jugo da servidão. CONCLUSÃO: Celebremos, pois, a nossa independência do império de Satanás. Pois “Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (1Jo 3.8). Jesus Cristo é o nosso Libertador! 78 Segundo William Barclay, Nesta passagem Paulo diz duas coisas importantes sobre Jesus. Ambas como resposta aos gnósticos. Estes haviam dito que Jesus Cristo era só um de entre a multidão de intermediários; que por grande que fora só constituía uma revelação parcial de Deus. (1) Paulo diz que Jesus Cristo é a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15). Aqui usa uma palavra e uma figura que evocariam toda classe de lembranças na mente de seus ouvintes. A palavra é eikon que se traduz corretamente por imagem. Agora, uma imagem pode referir-se, como o adverte Lightfoot, a duas coisas relacionadas entre si. Pode ser uma representação; mas uma representação se for suficientemente perfeita, pode constituirse numa manifestação. Quando Paulo usa esta palavra dá por sentado que Jesus é a perfeita manifestação de Deus. Se queremos ver a que Deus se assemelha devemos contemplar a Jesus que representa perfeitamente a Deus e o manifesta aos homens com toda perfeição em forma que pode ser visto, conhecido e entendido. Mas o que está atrás desta afirmação é o que a torna um interesse fascinante. (a) O Antigo Testamento e os livros intertestamentários têm muito material sobre a sabedoria. Em Provérbios as grandes passagens sobre a sabedoria se encontram nos capítulos 2 e 8. Aqui diz-se que a 78 Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. sabedoria é coeterna com Deus e que esteve com ele quando a criação do mundo. Agora, na Sabedoria de Salomão 7:26 diz-se com o mesmo termo que a sabedoria é a imagem da bondade de Deus. É como se Paulo se voltasse para os judeus e lhes dissesse: "Durante toda sua vida vocês pensaram, sonharam e escreveram a respeito da sabedoria; esta sabedoria divina é tão antiga como Deus; é a que fez o mundo e dá sabedoria aos homens. Em Jesus Cristo esta sabedoria veio aos homens em forma corporal para ser vista por todos". Jesus é o cumprimento dos sonhos e aspirações do pensamento judeu. (b) Os gregos estavam obcecados pela idéia do Logos: a palavra, a razão de Deus. O Logos era aquele que criou o mundo e introduziu sentido no universo, aquele que mantinha os astros em seu curso, aquele que tinha feito o universo, aquele que fazia que as estações voltassem na ordem estabelecida, aquele que fazia que este mundo fora digno de confiança e seguro, aquele que colocava no homem uma mente pensante. Agora, esta mesma palavra eikon é usada várias vezes por Filo para o Logos de Deus. "Chama o Logos invisível e divino que só a mente pode perceber, a imagem (eikon) de Deus" (Filo: Com respeito ao Criador do mundo: 8). É como se Paulo dissesse aos gregos: "Nos últimos seis séculos vocês sonharam, pensaram e escreveram a respeito da razão, da mente, da palavra, do Logos de Deus; vocês o chamaram eikon; em Jesus Cristo este Logos se fez evidente para que todos o vissem. Seus sonhos e filosofias, suas especulações e aventuras de pensamento fizeramse verdade nele". (c) Com estas conexões da palavra eikon nos movemos no mais alto domínio do pensamento onde só os filósofos se movem familiarmente. Mas há duas conexões muito mais simples que iluminam imediatamente os que ouvem ou lêem isto pela primeira vez. Suas mentes se remontam à história da criação. O relato antigo fala ali da culminação do ato da criação. "Deus disse façamos o homem à nossa imagem". "E criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou" (Gênesis 1:26-27). Aqui há algo que arroja luz. O homem foi feito para ser nada menos que a eikon, a imagem de Deus, porque em Gênesis figura o mesmo termo. Isso é o que o homem estava destinado a ser mas irrompeu o pecado e o homem jamais obteve seu destino, e se produziu uma trágica desordem em tudo. Aplicando esta palavra Jesus, Paulo diz de fato: "Olhem a este Jesus; ele não só mostra o que é Deus, mas também o que o homem estava destinado a ser. Aqui está a humanidade tal como Deus a concebe. Jesus é a perfeita manifestação de Deus e a perfeita manifestação do homem". Aqui encontramos em Jesus Cristo o que poderíamos chamar uma dupla revelação: a revelação da divindade e a revelação da humanidade. (d) Mas finalmente chegamos a algo muito mais simples que todo o visto. E não há dúvida de que muitos dos leitores mais singelos de Paulo pensaram nisto. Até no caso de que não conhecessem nada da literatura sapiencial, nem de Filo, nem do relato de Gênesis, sabiam uma coisa. A palavra eikon — algumas vezes em seu forma diminutiva eikonion — era a que se usava em grego para retrato. Existe uma carta em papiro de um soldado jovem chamado Aipo a seu pai Epímaco. Ao chegar no fim diz: "Mando-lhe um pequeno retrato (eikonion) meu pintado por Euctemón". Trata-se do equivalente mais próximo da Grécia antiga à nossa moderna palavra fotografia. Mas esta palavra tem ainda outro uso. Quando se fechava um documento legal — tal como um recibo ou uma nota promissória — sempre incluía a descrição das características principais e marcas distintivas das partes contraentes para eliminar toda possibilidade de evasão ou engano. A palavra grega para tal descrição é eikon. O eikon consistia assim numa espécie de sumário breve com as características pessoais e marcas distintivas das partes contraentes. Assim, o que Paulo diz às pessoas mais singelas é: "Vocês sabem que quando entram num acordo legal se inclui neste um eikon, uma descrição pela qual podem ser reconhecidos. Jesus é o retrato de Deus e em Jesus Cristo vocês vêem nada menos que as características pessoais e as marcas distintivas de Deus. Se desejam saber como é Deus, olhem a Jesus". Há, no mundo antigo, uma palavra de significado corrente (eikon), que nos diz quem e o que é Jesus Cristo. (2) Paulo usa outro termo que está no versículo 19. Diz que Jesus Cristo é o pleroma de Deus. Pleroma significa plenitude, totalidade. Esta é a palavra que se requer para completar o quadro. Jesus não é simplesmente um esboço ou um resumo de Deus; é mais que um retrato inanimado de Deus. NEle nada fica excluído: é a revelação plena e final de Deus em tal medida que não é necessário adicionar nada mais.79 Werner de Boor “Ele é a imagem de Deus, do invisível!” A invisibilidade de Deus é que constitui o apuro religioso. Por causa dela pode-se duvidar de Deus e negá-lo. Por causa dela todas as religiões do mundo têm incontáveis “imagens” de Deus, pintadas e talhadas, fundidas e esculpidas em mármore, ajeitadas com idéias e conceitos, rudes e nobres. Nenhuma, porém, satisfez o ser humano que busca e indaga. “Mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (Jo 14.8) - esse é o clamor do coração humano. Deus, porém, não deixou essa busca e esse clamor sem resposta. Tem uma imagem que lhe corresponde inteiramente, o “Filho de seu amor”. Presenteou-nos com essa imagem em forma humana na pessoa de Jesus. “Quem me vê a mim, vê o Pai; como dizes, então: mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9). Tão grande é Jesus! Porventura temos noção do que isso significa para nós? Agora conhecemos verdadeiramente a Deus e enxergamos seu coração! As pessoas desprivilegiadas que são incapazes de ler e escrever, mas que conhecem a Jesus, sabem milhares de vezes mais sobre Deus do que os grandes pensadores sem Jesus com suas mais profundas obras filosóficas! A distinção entre essa alegre mensagem e todas as especulações filosóficas é obviamente fundamental. Para o pensador, a invisibilidade de Deus faz parte da “natureza” dele. Ele não se incomoda em absoluto com um Deus que seja invisível e oculto. Por isso ele fica matutando sobre os caminhos pelos quais se poderia, apesar de tudo, entrar em contato com esse Deus invisível. Naquela época havia uma multidão de entidades intermediárias, de poderes angelicais e espíritos, que devia transpor o abismo entre o Deus inatingível e o mundo da criação e dos humanos. A mensagem bíblica, porém, explicita ao ser humano a assustadora verdade de que essa ocultação de Deus não está nem um pouco “correta”, pelo contrário: ela representa o sinal de uma catástrofe, da queda no pecado. Foi somente nosso pecado que transformou Deus em Deus “invisível”. Nós mesmos somos culpados de nosso apuro religioso, que não está fundamentado na “natureza” de Deus. Obviamente essa já não é uma verdade para mera reflexão e para construir sistemas de visão de mundo. Trata-se de uma verdade que atinge a consciência e somente pode ser acolhida por consciências despertas e atemorizadas. É essa verdade que determina a peculiaridade das poderosas frases que passaremos a ler juntos. Essas frases se parecem com declarações filosóficas sobre Deus e mundo, com especulações “cosmológicas”. Mas essa “cosmologia” é, na verdade, pura “soteriologia”, pura doutrina da salvação. Aquele que nos restitui o Deus invisível por vir a nós como “imagem dele”, não é uma grande entidade intelectual (o “Logos”, a “Sabedoria”), como considerava o pensamento contemporâneo daqueles dias, mas é aquele “no qual temos a redenção, a remissão dos pecados”. Ele, que “estabeleceu a paz por intermédio do sangue de sua cruz”. As afirmações sobre a verdadeira natureza de Jesus, sobre seu relacionamento com Deus, sobre sua participação na criação, não são expressas como conhecimentos filosóficos por causa delas mesmas, mas apontam para a obra redentora e visam explicitar sua magnitude de abrangência universal, sua absoluta suficiência universal. Ele é “primogênito de toda a criação”. Paulo não pensa, como mais tarde o Credo Niceno, na diferença entre o “nascido” 79 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 37-40. de Deus e tudo o que apenas foi “criado” por Deus. Olha para a prerrogativa e posição do “primogênito” entre todos os outros filhos, comparando com isso o relacionamento de Jesus com tudo o que foi criado. Contudo acrescenta de imediato algo impactante e surpreendente. Certamente a primogenitura confere grandes prerrogativas, mas não destaca totalmente do grupo de irmãos. Jesus, porém, não é uma criatura entre outras, ainda que a mais sublime e privilegiada. Jesus, a imagem de Deus, situa-se do lado do Criador, essencialmente separado de tudo o que é apenas criação. Jesus participa da criação, o próprio Jesus é Criador! 16=> “Tudo foi criado nele e em direção dele.” Será que de fato estamos cientes disso? Consideramo-lo? Quando contemplamos o universo à noite e vemos oceanos de sóis acima de nós – é por meio de Jesus e para Jesus que essas imensas esferas ardentes seguem sua trajetória. Mas também a pequena flor silvestre que ninguém vê e considera – é por meio de Jesus e para Jesus que ela floresce. Tão grande é Jesus! Será que quando citamos o nome de Jesus na oração temos em mente que agora passamos a falar com aquele no qual “foi criado tudo nos céus e sobre a terra, as coisas visíveis e as invisíveis”? Porventura esse mundo frequentemente tão sinistro não se torna mais familiar e aconchegante para nós, pois agora temos o privilégio de saber que estamos nos movendo na propriedade que desde a criação pertence ao nosso glorioso Redentor? E não terá razão por isso aquele marinheiro que disse: “O mar em que meu corpo afunda também não é mais que a concha da mão de meu Redentor, da qual nada me pode arrancar”? (Gorch Fock). A criação de Jesus não acaba no “visível”, no que “está sobre a terra”. Criou também “as coisas invisíveis” e povoou também “os céus” com incontáveis criaturas, que nós chamamos de “anjos”. É evidente que esses anjos são bem diferentes das adoráveis figuras de crianças, moças e mulheres que nossos pintores nos propuseram. Toda vez que um personagem bíblico avista um anjo, esta pessoa se assusta e fica atemorizada. Há “quatro mil vezes mil” desses anjos (Ap 5.11; Dn 7.10). Que mundo de vida, força e luz! Assim como tudo na criação de Deus é multiforme e ao mesmo tempo ordenado, assim parece haver também no mundo invisível dos espíritos grandes ordens e grupamentos, para os quais apontam as expressões “tronos”, “principados”, “poderes”, “potestades”, tanto aqui como em outras passagens do NT. Não serão esses entes e poderes majestáticos extremamente importantes para o ser humano? Não interferem eles com eficácia na vida dele, e até mesmo na história dos povos? (Dn 10.13.) Porventura não podem ser muito úteis ou muito perigosos? Não temos de tentar estabelecer um relacionamento com eles, e até mesmo lhes devotar adoração? Tais indagações haviam se manifestado também entre os cristãos em Colossos. Ou seja, não mais “somente Jesus”, mas “Jesus e os anjos”? Será que o cristianismo não se tornava amplo e perfeito apenas quando os misteriosos poderes cósmicos eram incluídos? Não! Por mais avassalador que esse mundo invisível possa ser, também ele foi criado por meio de Jesus e para Jesus. Entre o mais glorioso e poderoso anjo e Jesus se estende o mesmo abismo que separa a criatura do Criador. Jesus é aquele “diante do qual os serafins se prostram em oração, em torno do qual anjos prestam serviço”. Tão grande é Jesus! Por isso não existe “Jesus e os anjos”. Vale igualmente com vistas ao mundo invisível com todos os seus mistérios: “Jesus, por isso, tu somente, és único e tudo para mim.” Jesus, o Criador acima de todas as criaturas – será que nos apercebemos, pois, do que acontece nos feitos milagrosos de Jesus durante sua trajetória terrena? Aquele por meio de quem o corpo humano foi criado toca corpos enfermos e deformados. Aquele por meio de quem Deus chamou à existência o cereal e o vinho multiplica o pão e transforma a água. O mar carrega prontamente o primogênito de toda a criação, vento e ondas silenciam diante daquele que é Senhor deles! E o serviço solícito dos anjos evidencia que os grandes poderes espirituais do cosmos de fato jazem aos pés de sua extraordinária sublimidade (Lc 2.9-14; Mt 4.11; Jo 1.51; Mt 26.53), assim como faz o tremor dos demônios (Mc 1.23-27; etc.). Não obstante, mais importante entre todas as criaturas é o ser humano. Agora podemos aplicar ao ser humano, a nós mesmos: “criados por meio de Jesus e para Jesus!” Como isso é importante para toda a missão e evangelização! Quando chamamos pessoas para Jesus, não as chamamos para que se aproximem de uma pessoa desconhecida. Quando lhes testemunhamos Jesus, não lhes impomos artificialmente um personagem desconhecido. Chamamo-los para aquele a quem já pertencem por criação e por direito, trazendo-lhes aquele que, como origem e alvo de sua existência, há tempo já é sua verdadeira pátria. Por isso a palavra “Veio para o que era seu, e os seus não o acolheram” (Jo 1.11) paira constantemente sobre a rejeição a Jesus. Sem dúvida essa palavra fala primeira e particularmente de Israel. Mas, uma vez que o prólogo do evangelho de João é tão universalmente abrangente como a presente exposição de Paulo, falando do eterno Verbo do Pai como luz e vida “dos seres humanos”, manifesta-se na culpa de Israel a culpa de toda a humanidade. Cada um de nós, ao fazer um retrospecto de sua própria vida, precisa confessar: “Veio a mim, que lhe pertencia desde as origens, e eu – o rejeitei!” Só assim é que justamente o pecado (o pecado de “que não crêem em mim” – Jo 16.9) se evidencia com toda a sua característica incompreensível e indesculpável. A conversão a Jesus, porém, representa para cada um de nós, apesar de toda novidade de vida por ela propiciada, um maravilhoso retorno ao lar. E vice-versa: o fato de que pessoas de todas as raças e graus de desenvolvimento podem reconhecer a Jesus e confiar-se a ele de coração confirma e atesta que Jesus é aquele por meio do qual e para o qual todos nós fomos criados. Apesar de toda a atenção a questionamentos e conceitos da filosofia Paulo não nos fornece elucubrações teóricas acerca de Jesus. Permanece firmemente ligado à experiência viva da fé e nos mostra a grandeza de Jesus da forma como precisamos conhecê-la para nossa própria fé e para nosso serviço a outros. Por meio desse conhecimento de Jesus também somos aliviados de uma preocupação que dificulta o acesso a Jesus para muitas pessoas. Se eu me render inteiramente a Jesus em uma conversão sincera, minha vida não se torna pobre, estreita e unilateral? Se Jesus fosse apenas um pequeno personagem religioso isolado, nós poderíamos ter razão com esse receio. Mas, se nos confiarmos àquele por meio de quem tudo foi criado, haverá algo que possamos perder ou de que sejamos privados? Não é imperioso que com Jesus, nesse caso, sou ganhador de – tudo? Afinal, meus bens e riquezas nunca poderiam ser mais abrangentes e completos do que quando o Criador e soberano do mundo todo me aceita como sua propriedade amada. Foi assim que o apóstolo Paulo considerou com audaciosa alegria: “Seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus” (1Co 3.22s) e “Se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo…” (Rm 8.17). Ademais, podemos ainda atentar particularmente para a maravilhosa verdade de que o universo, com toda a sua plenitude de mundos visíveis e invisíveis, não apenas foi criado “por meio dele”, mas também “em direção dele”. Aqui se descortina para nós a percepção de que a vontade de amor divina foi não deixar “prontos” o mundo e suas criaturas, mas propiciar-lhes a alegria do desenvolvimento próprio rumo a um alvo glorioso. Esse alvo, no entanto, para o qual a criação foi projetada desde sua origem, é Jesus! Sobretudo para os humanos havia a “determinação” de Deus em Rm 8.29: “que fossem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”, até mesmo independentemente da queda no pecado, desde o começo. Jesus, o Filho, teria uma relevância central para nós mesmo sem a catástrofe de nosso desprendimento de Deus. É evidente que se tornou o Reconciliador unicamente pela cruz. Mas teria sido Mediador e Consumador mesmo sem ela, ainda que não sejamos capazes de imaginar como tudo teria acontecido. Pela queda, porém, esse “em direção dele” obtém relevância e profundidade totalmente novas. Paulo falará disso em seguida. Nós, porém, faremos bem em preservar no coração e na memória o sentido original, essencial, do “em direção dele”, se quisermos apreender toda a poderosa fundamentação do reconciliador “para ele”. Também aqui “cosmologia” e “soteriologia” formam uma unidade. 17 Como o universo é criado por meio e em direção dele, ele é “antes de tudo, e nele tudo subsiste”. Não há um falso pensamento “filosófico” interferindo aqui? O filósofo ingênuo poderá formar suas frases sobre a “subsistência” do mundo, mas o ser humano que conhece a Bíblia sabe que “a natureza deste mundo passa”! (1Co 7.31). Talvez Paulo de fato recolha perguntas intelectuais que eram analisadas por influência da filosofia em Colossos. Mas ao alicerçar a subsistência do mundo sobre Jesus, Paulo lança por terra todos os pensamentos humanos que de algum modo buscam a subsistência das coisas em suas próprias energias e essências, e expressa uma verdade de cuja audácia o filósofo somente poderá rir ou – estremecer. Todo esse universo com seus inconcebíveis e imensos mundos estelares somente subsiste porque Jesus ainda o utiliza para seus planos e suas finalidades! Tão logo não precisar mais dele, ele o descartará como uma vestimenta ultrapassada (Sl 102.26s). Por isso, juntas ambas as coisas constituem uma verdade bíblica: a essência deste mundo passa, e o mundo tem sua inabalável subsistência (provisória) em Jesus (que também aqui “cumpre” o que já fora prometido na aliança de Deus com Noé). Quanta relevância todas essas breves e impactantes declarações têm para nós, cristãos de hoje, assim como tiveram naquele tempo para a igreja em Colossos! É verdade que o cristão vive do único tema decisivo “pecado e graça”. Encontrar Jesus como Salvador pessoal é a única coisa realmente necessária para cada um de nós. Mas o cristão com essas experiências fundamentais (sem as quais jamais compreenderá as afirmações bíblicas na própria carta aos Colossenses!) vive no mundo cujos reinos naturais e intelectuais se expandem em torno dele. Cabe-lhe mover-se e ambientar-se neste mundo. Como deve considerá-lo? Depara-se com as tentativas que as visões de mundo fazem para captar e explicar este mundo. Fala com as pessoas ao seu redor, que questionam seu cristianismo a partir dessas visões de mundo. O que deve responder-lhes? Paulo mostra o caminho. Não debate com as explicações de mundo em Colossos. Não desenvolve uma filosofia ou teologia natural próprias a fim de sustentar a cristologia. Mais que isso: permite livre curso para toda a pesquisa científica honesta. Mas ele mostra ao cristão a única verdade libertadora de que Jesus, seu glorioso Salvador pessoal, é fundamento, apoio e alvo de todo esse universo indecifrável. Saber isso basta para nós. O imperador Marco Aurélio, um dos personagens mais nobres no trono de César, legou-nos uma palavra que expressa com precisão o sentimento do ser humano moderno, demonstrando com isso como o pensamento “materialista” é “arcaico” e independente da moderna pesquisa natural: “Ó natureza, de ti vem tudo, em ti está tudo, a ti se dirige tudo.” Essa frase é totalmente insuficiente. Como o ser visível e transitório, a criatura, poderia originar-se “de si mesmo”? Como é possível que aquilo que se decompõe constantemente tenha subsistência duradoura em si mesmo? E como seria desesperador se o alvo de todas as coisas fosse apenas uma nova existência igual à que experimentamos de sobra como absurda em si mesma! Então essa “natureza” seria “o monstro que eternamente dá à luz e devora a si mesmo”, do qual falou certa vez Goethe. A esse paralisante “de – em – para” o NT contrapõe uma mensagem libertadora e bem-aventurada: “Porque dele, e por meio dele, e para ele é o universo: A ele, pois, a glória nos éons!” (Rm 11.36); “Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é o universo e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual é o universo, e nós também, por ele” (1Co 8.6); “Nele, por meio dele e para ele foi criado o universo, e ele é antes de tudo, e o universo tem nele sua subsistência” (Cl 1.16s).80 Justo L. Gonzalez expõe que: Outra vez aparece aqui, embora agora com maior clareza, o tema da “plenitude” ou plērōma. A própria expressão “toda plenitude” é pleonástica, pois, quanto ao conteúdo, a palavra “toda” não agrega coisa alguma à palavra “plenitude”. A plenitude em si inclui tudo por definição. Porém, esse ponto é realçado acrescentando-se a palavra “toda”. Nada há fora dessa plenitude que habita em Cristo. Observe que não se diz que Cristo seja parte da plenitude, nem sequer que Ele seja a própria plenitude, mas que nEle habita a plenitude. “Habitar” é estar em algum lugar; logo, isso quer dizer que Cristo é maior do que a própria plenitude. Não é Ele que habita na plenitude, mas é a plenitude que habita nEle. Em alguns dos sistemas gnósticos que adotaram os elementos do cristianismo, falava-se tanto de “Cristo” quanto de “Jesus” como éons dentre os muitos que compõem a plenitude. Já aqui se diz o contrário: a própria plenitude habita em Cristo. O pecado não é só uma dívida pessoal que cada um de nós tem para com Deus, contudo é muito mais do que isso. De acordo com Gênesis, Deus deu ao homem o domínio sobre todas as coisas. Em outro escrito, referi-me a isso como o amplo alcance que tem a mordomia. Deus fez do homem o seu representante na criação, para que a conduzisse seguindo os desígnios divinos (Gn 1 e 3). O ser humano, porém, desobedeceu a Deus, e a consequência não é só a Queda do homem, mas também de toda a criação que tinha sido colocada sob o seu domínio.81 9. COLOSSENSES 1:21-23 Isso inclui vocês, que antes estavam longe de Deus. Eram seus inimigos, dele separados por seus maus pensamentos e ações. Agora, porém, ele os reconciliou consigo por meio da morte do Filho no corpo físico. Como resultado, vocês podem se apresentar diante dele santos, sem culpa e livres de qualquer acusação. É preciso, porém, que continuem a crer nessa verdade e nela permaneçam firmes. Não se afastem da esperança que receberam quando ouviram as boas-novas, que foram anunciadas em todo o mundo e que eu, Paulo, fui designado servo para proclamar. (NVT) 80 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 58;59). CPAD. Edição do Kindle. 81 A vós também, que noutro tempo éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora, contudo, vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para, perante ele, vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis, se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro. (ARC) Termos Destacados ἀπηλλοτριωμένους (apēllotriōmenous) = Verbo - Particípio Perfeito Médio ou Passivo Acusativo Masculino Plural. De apo e um derivado de allotrios; afastar-se, ou seja, ser nãoparticipante. -> alienado [de Deus].82 ἐχθροὺς (echthrous) = Adjetivo - Acusativo Masculino Plural. Odiado, hostil; subst: um inimigo. De echtho primário; odiável; geralmente como um substantivo, um adversário. 83 ἀποκατήλλαξεν (apokatēllaxen) = Verbo - Aoristo Indicativo Ativo - 3ª Pessoa do Singular. Para reconciliar, mudar de um estado de sentimento para outro. De apo e katallasso; para se reconciliar plenamente.84 Ἀμώμους (amōmous) = Adjetivo - Acusativo Masculino Plural. Irrepreensível, sem mácula, imaculado. Ilibado.85 κατενώπιον (katenōpion) = Preposição. Diante da face de, contra. De kata e enopion; diretamente na frente de.86 ἐπιμένετε (epimenete) = Verbo - Presente Indicativo Ativo - 2ª Pessoa do Plural. (a) Eu permaneço, tarho, (b) Eu permaneço, persisto em. De epi e meno; para ficar, ou seja, permanecer.87 πίστει (pistei) = Substantivo - Dativo Feminino Singular. Fé, crença, confiança, confiança, fidelidade, fidelidade. -> na [sua] fé.88 A combinação de ὄντες ("ser") com particípio passivo perfeito ("ter sido alienado") implica uma condição fixa, que se tornou parte da natureza de alguém (assim em Efésios 4:18, 82 Colossenses 1:21 Uma vez você foi alienado de Deus e foi hostil em suas mentes por causa de suas más ações. (biblehub.com) 83 Colossenses 1:21 Uma vez você foi alienado de Deus e foi hostil em suas mentes por causa de suas más ações. (biblehub.com) 84 Colossenses 1:22 Mas agora Ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo através da morte para apresentá -los santos, imaculados e irrepreensíveis em Sua presença: (biblehub.com) 85 Colossenses 1:22 Mas agora Ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo através da morte para apresentá -los santos, imaculados e irrepreensíveis em Sua presença: (biblehub.com) 86 Colossenses 1:22 Mas agora Ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo através da morte para apresentá -los santos, imaculados e irrepreensíveis em Sua presença: (biblehub.com) 87 Colossenses 1:23 se, de fato, você continuar em sua fé, estabelecido e firme, não movido da esperança do evangelho que ouviu, que foi proclamado a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei servo. (biblehub.com) 88 Colossenses 1:23 se, de fato, você continuar em sua fé, estabelecido e firme, não movido da esperança do evangelho que ouviu, que foi proclamado a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei servo. (biblehub.com) Texto Revisto). Como o oposto de "reconciliado", "alienado" é estritamente passivo, e denota, não um sentimento subjetivo por parte do pecador, mas uma determinação objetiva por parte de Deus, uma exclusão do favor Divino, do "reino do Filho" e da "sorte dos santos" (vers. 12, 13; Efésios 5:9; Efésios 2:3, 11-13; Efésios 4:18; Romanos 1:18: uso de LXX em Salmos 68:9; 1 Esdr. 9:4; Senhor 11:34). "Inimigos em teu pensamento" estabelece o caráter do pecador para com Deus (Romanos 8:7; Filipenses 3:18: assim Alford, Ellicott, Lightfoot).89 Com uma ênfase significativa, o corpo material de Cristo torna-se o instrumento dessa reconciliação na realização da qual "toda a sua plenitude" está empenhada (vers. 19, 20); ver nota sobre "pensamento", ver. 21, e sobre "corpo", Colossenses 2:23. A necessidade da dupla expressão foi demonstrada pelo fato de que o gnóstico Marcião apagou "de sua carne" do texto desta epístola, e interpretou "o corpo" como "a Igreja"; Bengel e outros supõem que "de sua carne" seja adicionado para evitar esse erro (ver Tertuliano, 'Contra Marcião', 5:19). Esta frase era o ponto crucial do Docetismo, cujos princípios estavam de fato implicitamente contidos na filosofia Alexandrino-Judaica com seu desprezo pela matéria e pela vida física, que agora começava a fermentar a Igreja. O corpo é antitético à alma: da carne ao espírito. O primeiro é individual e concreto, o organismo físico real; este último denota o material de que consiste, a natureza corporal em sua essência e características (comp. nota no ver. 11; e ver o "Léxico" de Cremer sobre essas palavras). "No corpo" não é "pelo corpo", nem "durante a sua vida terrena" (como se se opusesse a "fora do corpo", 2 Coríntios 5:8; 2 Coríntios 12:3), mas "como encarnados". A Epístola aos Hebreus expande o pensamento de nossa Epístola à sua maneira em Hebreus 2:14-18; Hebreus 10:5-10. Essa reconciliação é através da (ou, sua) morte (Romanos 3:25; Romanos 4:25; Romanos 5:10; 1 Coríntios 15:3; 2 Coríntios 5:14, 15; Gálatas 3:13; Hebreus 2:9; Hebreus 9:15, 16; João 11:51, 52; João 10:11; Apocalipse 1:18; Apocalipse 2:8) é o axioma fundamental do evangelho (ver. 5), já implícito nos versos. 14 e 20. E a morte expiatória pressupõe a Encarnação (Hebreus 2:14).90 Justo L. Gonzalez traz os seguintes comentários: A palavra que se traduz por afastados é ápeimi, que significa estar longe ou ausente, mas que não é no sentido de estarem separados... possivelmente seria mais correto dizer que estavam distantes. para vos apresentar santos, sem mancha e irrepreensíveis diante dele: A palavra aqui traduzida por “vos apresentar” é um verbo que era frequentemente usado ao apresentar um sacrifício. É assim que aparece em Romanos 12.1: “apresenteis vossos corpos em sacrifício vivo [...]”. Essa firmeza ou perseverança há de ser “na fé”. Se usarmos a imagem de um soldado que permanece firme na batalha, a fé vem a ser como o lugar em que esse soldado para e negase a abandoná-lo. Se usarmos a imagem de um edifício fundado sobre um cimento, a fé vem a ser o cimento que sustenta todo o edifício... 89 Pulpit Commentary: Colossenses 1:21 Uma vez você foi alienado de Deus e foi hostil em suas mentes por causa de suas más ações. (biblehub.com) 90 Pulpit Commentary: Colossenses 1:22 Mas agora Ele os reconciliou pelo corpo físico de Cristo através da morte para apresentá-los santos, imaculados e irrepreensíveis em Sua presença: (biblehub.com) Frequentemente o que entendemos por “esperança” é um mero sentimento. Tal é o caso de quando dizemos, por exemplo, “espero que não chova amanhã”. No exemplo, a suposta esperança não passa de uma expressão de desejo. Tampouco é a esperança de quem diz “espero poder fazê-lo”, onde a esperança vem a ser uma promessa pela metade. A esperança, como bem lemos em Hebreus, é uma certeza. O que distingue a esperança da realidade não é que seja menos segura, mas que ainda não se manifesta; o qual foi proclamado em toda a criação que está debaixo do céu: Isso é naturalmente uma hipérbole — ou seja, uma figura de construção na qual se exagera o que se diz para darlhe maior força. Nesse caso, Paulo sabia muito bem que ainda haveria lugares onde o evangelho não teria sido pregado. Antes, em 1.6, já havia sido empregada uma hipérbole semelhante. Porém, o que então era “todo o mundo” agora é acrescentado e passa a ser “toda a criação que está debaixo do céu”. Ao fazer uso dessa hipérbole, ele está dizendo aos colossenses que eles são parte de uma comunidade de fé constituída por uma mensagem — as Boas Novas de Jesus Cristo — que já se espalhou por boa parte do mundo conhecido. Portanto, os colossenses não estarão sozinhos quando seja necessário mostrar que permanecem “alicerçados firmes na fé” e sem mover-se “da esperança”.91 Para Craig S. Keener, A reconciliação até mesmo dos poderes invisíveis (1.16) refere-se à sua subordinação, mais do que à sua salvação (2.15); a “paz” significando 0 fim das hostilidades (na propaganda do império, por exemplo, afirmava-se que o imperador estabelecia a “paz” ao subjugar os inimigos). Paulo não nega a continuação da atividade deles no mundo (2.8), mas o seu poder real para desafiar o Reino de Cristo (pode-se comparar aqui a missão de Enoque, em algumas histórias judaicas antigas, de proclamar o juízo contra os anjos caídos). 1.23. É possível que, ao afirmar que o evangelho foi anunciado a toda a criação, a intenção de Paulo seja responder aos falsos mestres que alegavam deter revelações secretas e esotéricas (2.18). Se a expressão traduzida por “toda criatura” tiver sentido literal (“em toda parte” e “por todo o mundo” são hipérboles frequentes nos textos antigos), é possível que se trate de uma referência ao testemunho da criação (SI 8.1; 19.1; 89.37; 97.6; cf. Rm 10.18). Mas é quase certo que a expressão aqui seja uma forma cósmica (Is 51.16) de retratar o fato de que o evangelho de Cristo é para todos os povos (Rm 1.8,13; Mt 24.14). Os judeus em geral acreditavam que quem rejeitasse a aliança seria excluído da comunhão com Deus. Paulo, da mesma forma, exige perseverança daqueles que professam o nome de Cristo.92 Já Werner de Boor apresenta o seguinte: Mas evidentemente essa situação de alienação e hostilidade contra Deus também se manifestará “nas obras más”. Aqui Paulo não as menciona individualmente. Afinal, variam muito de pessoa para pessoa. Porém existem em tão grande número como as manchas vermelhas que denunciam o sarampo. A mensagem atinge pessoas nessa alienação completa de vida. Não se dirige a “índoles religiosas” que por serem assim já estivessem 91 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 62;66 -69). CPAD. Edição do Kindle. 92 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 682-683. “receptivas” e “acessíveis”. A alienação de Deus dentro da “religião” talvez seja a mais perigosa e difícil. É nessas pessoas alienadas e hostis, portanto, que acontece a guinada que os colossenses experimentaram: “Agora, porém, vos reconciliou em seu corpo de carne, mediante a morte”. Mas afinal, de que maneira essa guinada se mostra, como o “agora, porém” se distingue do “outrora”? Isso se explicita poderosamente já pelo fato de que o ser humano agora admite ser avaliado, e até mesmo faz isso com o próprio coração, algo que antes teria rejeitado com indignação. Justamente isso demonstra que eu de fato retornei ao lar, que agora reconheço como horrível “exílio” aquilo que por tanto tempo valorizei e defendi como meu elemento vital. A realidade da reconciliação e da paz se mostra quando aquilo que durante tanto tempo considerei minha atitude normal e justificada revela-se a mim como amarga miséria e culpa da hostilidade. Nem sempre devemos procurar a guinada do outrora para o agora imediatamente em mudanças morais, assim como, afinal, as “obras más” também não constituíam fundamento e essência, mas apenas expressão de uma perdição muito mais profunda. A guinada se evidencia na alteração radical de nosso relacionamento com Deus. Paulo não expõe isso em detalhe, mas torna a salientar que não fomos nós que desencadeamos essa guinada. Foi Jesus que a desencadeou. Fez isso ao tomar a iniciativa de transpor o abismo que havíamos aberto pela alienação e inimizade entre Deus e nós, e ao se colocar em nosso meio com um “corpo de carne”, igual ao que nós temos. Mais uma vez cumpre-nos considerar quem é ele, que prontamente se deixou encerrar no aperto e no fardo de um corpo de carne, para tornar-se inteiramente nosso irmão: ele que, como “imagem de Deus”, não poderia ser abarcado pelos céus acima de todos os céus! Nesse corpo de carne ele foi capacitado a morrer, ele, no qual estava a fonte originária de toda a vida. Por que esse evento nos traz do estrangeiro para casa, da hostilidade para a paz da reconciliação? Paulo abre mão de qualquer explicação pormenorizada. Os colossenses vivenciaram e experimentaram: Jesus, o eterno Filho de Deus, que por amor a nós se tornou nosso irmão em um corpo de carne e morreu por nós, consumou tudo. Cada um de nós experimentou essa realidade: também a mim Jesus reconciliou, alterando radicalmente meu relacionamento com Deus.93 O que nos cabe fazer nessa questão? Porventura nada, já que ele, afinal, pretende realizar e consumar tudo? Não, essa lógica pobre e primitiva não é própria da instrução apostólica. Jesus, afinal, não dirige o trabalho de sua graça viva a troncos de madeira, mas a pessoas vivas. Por isso há uma clara condição para a conduta dessas pessoas: “desde que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho”. Demanda-se de nós que perseveremos na fé, nem mais nem menos.94 William Barclay apresenta que: Nos versículos 21 a 23 se expressa a finalidade e a obrigação da reconciliação. (1) A finalidade da reconciliação é a santidade. Cristo levou a cabo sua obra sacrificial de reconciliação para nos apresentar a Deus consagrados, imaculados e irrepreensíveis. Mas é fácil tergiversar a idéia do amor de Deus. É fácil dizer: "Bem, se Deus me ama de tal maneira e não deseja outra coisa senão esta reconciliação, então o pecado não importa. Posso fazer o que eu quiser; Deus ainda assim me 93 94 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. amará." Mas o certo é precisamente o contrário. O fato de que um homem, seja amado não lhe dá carta branca para que faça o que queira mas sim cai sobre seus ombros a maior obrigação do mundo: a de fazer-se digno desse amor. Em certo sentido o amor de Deus facilita as coisas, porque tira o medo a Deus, e já não somos criminosos no banco dos réus, cuja única certeza é a de ser condenados. Mas em outro sentido faz com que as coisas sejam de uma dificuldade que beira o impossível e angustiante, porque coloca sobre nossos ombros a obrigação última de buscar ser dignos do amor de Deus. (2) A reconciliação implica outra obrigação: a de nos manter firmes na fé e jamais perder ou abandonar a esperança do evangelho, a reconciliação exige lealdade; e que através de luzes e sombras nunca percamos a confiança no amor de Deus. Da maravilha da reconciliação nascem a fortaleza de uma lealdade incomovível e o esplendor de uma esperança.95 Ralph P. Martin comenta: E a vós outros. Estas palavras ficam numa posição enfática na frase grega de Paulo, conforme a tradução em português também indica. Há um vínculo estreito com a matéria anterior, como se Paulo quisesse deixar claro que a reconciliação universal e cósmica operada por Cristo também tinha uma aplicação pessoal para seu leitores. Na realidade, alguns intérpretes vêem uma polêmica paulina aqui, dirigida contra toda a especulação e o interesse teórico. Centraliza sua teologia na cruz (v. 20c) e agora insiste que a reconciliação não deve ser concebida em termos de eventos físicos e metafísicos que garantem a salvação de modo impessoal. Pelo contrário, a reconciliação para Paulo tem significado apenas em termos de relacionamentos humanos. A reconciliação pressupõe a alienação. Paulo passa agora a descrever com pormenores a necessidade humana. Os colossenses anteriormente eram estranhos (i.é, contínua e perpetuamente fora da harmonia com Deus, conforme a expressão perifrástica grega de Paulo; cf. Ef 4.18). Eles, também, tinham sido inimigos hostis no entendimento, na sede da vida intelectual do homem, vista como sendo escravizada pela sua “carne” (gr. sarx) ou vida nãoregenerada. Uma terceira parte da descrição volta-se para desmascarar o efeito prático da alienação dos gentios. Estavam em oposição à vontade de Deus pelas suas obras malignas, expressão esta que sugere uma combinação de idolatria e de imoralidade, como em Romanos 1.21-32. Por todas as razões, ficavam numa triste situação desesperada, e com urgente necessidade da graça restauradora de Deus. A maravilha da mensagem de Paulo é que Deus em Cristo empreendeu uma ação em prol daqueles gentios alienados e desavantajados. Agora, porém, vos reconciliou parece referir-se a Jesus Cristo, tendo em vista a frase no corpo da sua carne, mediante a sua morte, mas é melhor ver Deus como o sujeito oculto do verbo, à luz do v. 20 e do ensino paulino noutros trechos (e.g. 2 Co 5.18, 19). Este último ponto de vista pode ser defendido por uma preferência pelo texto alternativo (apokatèllagête, um indicativo passivo na segunda pessoa do plural, 95 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 46-47. atestado por P46 e B) ao invés do texto que dá o significado ativo do verbo, como em ARA. Algumas mudanças da pontuação são necessárias com o texto P46 96 (veja Moule, pág. 72) mas tem o mérito de nos deixar entender que Deus é o autor da reconciliação. Depois, proporíamos que as palavras no corpo da sua carne, mediante a sua morte são o pensamento posterior de Paulo, fornecido para demonstrar que a reconciliação da Igreja é realizada somente ao custo de uma encarnação verdadeira (contra uma maneira docética de entender a vida histórica de Jesus) e uma morte realista (contra uma interpretação gnóstica que encobria Sua morte como sendo irreal). A frase está pesadamente carregada com implicações polêmicas. A frase corpo da sua carne parece desajeitada dentro da sintaxe do versículo. Um paralelo exato com ela acha-se na literatura de Cunrã 97 ... Mas é justamente a expressão certa, necessária para sublinhar o custo da redenção em termos pessoais. Fala de modo impressionante acerca da identificação de Jesus com os homens e da Sua submissão à morte num corpo humano. O versículo é um ataque contra as tendências gnosticizantes que prevaleciam na heresia colossense. para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis. A palavra traduzida apresentar é um infinito dtí aoristo (gr. parastèsai) que talvez se refira ao beneplácito de Deus no v. 19, ou, senão, represente uma r azão para a reconciliação que Cristo fez entre os homens e Deus, ou o resultado desta reconciliação. Seu desígnio é levar a efeito uma transformação moral expressada na formação do caráter cristão. Este caráter é conhecido por sua intenção de agradar a Deus e de viver uma vida consistente com a profissão feita pelo crente. A linguagem pode ser tirada do Antigo Testamento, ou cerimonial (Êx 29.37-38 LXX, empregada para os sacrifícios no rito judaico; cf. 1 Pe 1.19) ou escatológica jurídica (prometendo que no dia do julgamento nenhuma sentença de julgamento será trazida contra o povo de Deus). O último termo, irrepreensíveis (gr. anenklêtos, literalmente: “não para ser chamado para prestar contas”) possivelmente se adapta ao sentido forense do verbo apresentar, i.é, levar outra pessoa ao tribunal (Lohse). Então, a reconciliação significa que, doravante, nenhuma acusação será feita contra o cristão, visto ser ele declarado inculpável e “inocente aos olhos dEle” (NEB). 23. Mesmo assim, esta nova posição da qual desfruta nunca tem licença para desculpar o viver descuidadoso ou para contribuir para uma falsa segurança. Se é que permaneceis na fé soa uma advertência necessária, que impede a salvação cristã de ser vista como uma experiência inalienavelmente garantida e certificada como uma transação de uma vez para sempre, independentemente da conduta subsequente da parte do crente. Esta seria uma advertência tempestiva em Colossos, onde o perigo de desgarrar -se da fé (i.é, o evangelho apostólico) era real. A esperança do evangelho é aquela “fé” expressada noutras palavras. Pelo contrário, a chamada é para serem alicerçados e firmes. Estas são metáforas de força e de segurança tiradas da figura de 96 Papiro 46. O Papiro Chester Beatty - Grupo de papiros manuscritos de Textos bíblicos. Os manuscritos estão no grego e são de origem cristã. Há onze manuscritos no grupo, sete destes consistem em livros do Antigo Testamento, três são do Novo Testamento (No. de Gregory-Aland. P45, P46, e P47), e uma parte consistindo no livro de Enoque e de homilia cristã não identificada. A maioria é datada do século III. Estão arquivados em parte na Biblioteca de Chester Beatty e outra parte na Universidade de Michigan. [OsPapiros de Chester Beatty - Bíbliateca Teológica (bibliateca.com.br)] 97 Ou Qumran. linguagem de uma casa (cf. Mt 7.24-27). A comunidade de Cunrã via-se como a casa de Deus (1 QS v.6; vii.17; viii.7-8; ix.5-6; 1QH vi.25-27; vii.8-9). Os escritores do Novo Testamento freqüentemente retomam este pensamento (1 Co 3.10-11, 17; 1 Tm 3.15; Ef 2.20; l.P e 2.4-10; cf. Mt 16.17- 19). A conclamação à firmeza (gr. hedraioi é o adjetivo) é necessária em tempos de desencorajamento e tensão (1 Co 15: 58) e reaparece no vocabulário cristão quando a igreja tem de enfrentar os ataques dos hereges (Inácio: E f x.2: “Sede firmes na fé;” Policarpo: Filipenses x .l; firmi in fide). A declaração de que o evangelho de Paulo é a mensagem autêntica é atestada por seu apelo universal. Pregado a toda criatura debaixo do céu não significa que todo indivíduo ouviu a mensagem. Declara, pelo contrário, o escopo universal, sem a exclusão de classe alguma nem de grupo algum. Esta é obviamente uma expressão de forte oposição à restrição pelos hereges da sua doutrina secreta a uma roda seleta de pessoas interessadas (Masson). Paulo proclama sua própria participação neste evangelho, e se coloca numa posição dianteira como ministro dele. O título ministro (gr. diakonos) é achado em 1 Coríntios 3.5 onde é usado acerca dos indivíduos que ajudaram os coríntios a terem fé, viz. Paulo e Apoio. É um termo mais amplo do que “apóstolo” que Paulo usa acerca de si mesmo em Colossenses 1.1. Alguns intérpretes recentes vêem na atribuição a Paulo do título “ministro do evangelho” um sinal de que a era sub-apostólica está confiando em Paulo como garantidor do cargo apostólico. Desta maneira, uma geração posterior está declarando a validez do evangelho paulino por causa da sua autoridade apostólica. Esta maneira de entender a situação fracassa, no entanto, porque o termo chave “apóstolo” está ausente, e pode haver uma razão suficiente porque Paulo usa um título compartilhado por outras pessoas (1.7; 4.7), inclusive o próprio Cristo (Rm 15.8). Tal razão é a de associar Epafras e Tíquico, que são chamados “ministros” (em 1.7; 4.7) com a declaração paulina do evangelho, e assim, defender a liderança pastoral daquele em Colossos num período em que aparentemente estava sendo atacada. Será igualmente necessário endossar a posição de Tíquico no círculo apostólico, visto que é ele que há de entregar a carta e, segundo se presume, reforçá-la com instruções orais. Estes homens estão em plena harmonia com o ministério de Paulo, e são cooperadores de confiança. 98 10.COLOSSENSES 1:24-29; 2:1-5 98 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 76-79. Alegro-me quando sofro por vocês em meu corpo, pois participo dos sofrimentos de Cristo, que continuam em favor de seu corpo, a igreja. Deus me deu a responsabilidade de servir seu povo, anunciando-lhes sua mensagem completa. Essa mensagem foi mantida em segredo por séculos e gerações, mas agora foi revelada ao seu povo santo, pois Deus queria que eles soubessem que as riquezas gloriosas desse segredo também são para vocês, os gentios. E o segredo é este: Cristo está em vocês, o que lhes dá a confiante esperança de participar de sua glória! Portanto, proclamamos a Cristo, advertindo a todos e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para apresentá-los maduros em Cristo. Por isso trabalho e luto com tanto esforço, na dependência de seu poder que atua em mim. Quero que saibam quantas lutas tenho enfrentado por causa de vocês e dos que estão em Laodiceia, e por muitos que não me conhecem pessoalmente. Que eles sejam encorajados e unidos por fortes laços de amor e tenham plena certeza de que entendem o segredo de Deus, que é o próprio Cristo. Nele estão escondidos todos os tesouros de sabedoria e conhecimento. Eu lhes digo isso para que ninguém os engane com argumentos bem elaborados. Pois, embora eu esteja longe, meu coração está com vocês. E eu me alegro de que estejam vivendo como devem e de que sua fé em Cristo seja forte. (NVT) Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja; da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus: o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e que, agora, foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória; a quem anunciamos, admoestando a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo homem perfeito em Jesus Cristo; e para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente. Porque quero que saibais quão grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodiceia, e por quantos não viram o meu rosto em carne; para que os seus corações sejam consolados, estejam unidos em amor e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus — Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência. E digo isto para que ninguém vos engane com palavras persuasivas. Porque, ainda que esteja ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito, estou convosco, regozijando-me e vendo a vossa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo. (ARC) Termos destacados παθήμασιν (pathēmasin) = Substantivo - Dativo Neutro Plural. De uma suposta derivada do pathos; algo sofrido, ou seja, dificuldade ou dor; subjetivamente, uma emoção ou influência. 99 99 Colossenses 1:24 Agora eu me alegro em meus sofrimentos por vocês, e encho em minha carne o que falta em relação às aflições de Cristo por causa de Seu corpo, que é a igreja. (biblehub.com) θλίψεων (thlipseōn) = Substantivo - Genitivo Feminino Plural. Perseguição, aflição, angústia, tribulação. De thlibo; pressão.100 οἰκονομίαν (oikonomian) = Substantivo - Acusativo Feminino Singular. Gestão dos assuntos domésticos, mordomia, administração. De oikonomos; administração; especialmente, uma "economia".101 πιθανολογίᾳ (pithanologia) = Substantivo - Dativo Feminino Singular. Persuasivo discurso (fala). Da composição de um derivativo de peitho e logos; persuasiva linguagem.102 Justo L. Gonzalez expõe: “e completo em minha carne o que falta das aflições de Cristo por seu corpo, que é a igreja”: O problema está em que aqui se fala de completar (antanaplēroō) — um verbo que não aparece em nenhuma outra passagem do Novo Testamento e que inclui a mesma raiz que o pleroma ou plenitude... a palavra que aqui se traduz por “aflições” (thlipsis) é sempre utilizada no restante do Novo Testamento com referência às aflições dos últimos dias ou das aflições de alguma pessoa (como exemplo do primeiro, veja Mt 24.9,21; Ap 2.10; 7.14; como exemplo do segundo, veja Rm 5.3; 8.35; 12.12). Ao longo do Novo Testamento, falase repetidamente dos sofrimentos que a Igreja há de padecer nos seus membros. Ainda que a fé ajude os crentes a entender o sofrimento de uma maneira distinta do restante da humanidade, isso não livra os cristãos do sofrimento, mas, ao contrário, leva-os a novos sofrimentos, como acontece no caso de Paulo. Ele sofre como qualquer ser humano, mas a isso se acrescentam as tribulações que lhe vêm em razão da sua fé e do seu ministério. A palavra grega oikonomía quer dizer administração e deriva de duas palavras, das quais a primeira refere-se a uma casa, e a segunda, às leis que a governam. Geralmente, no Novo Testamento, ela é traduzida por “mordomia”. Quando se trata da oikonomía divina, geralmente se refere aos desígnios de Deus.103 a palavra “mistério” aparece sendo empregada do mesmo modo, como um acontecimento que manifesta os desígnios secretos de Deus. Inácio de Antioquia refere-se à morte de Jesus como “mistério que alguns negam” (Epístola aos Magnésios, 9.1) e à concepção virginal, ao nascimento e à morte de Jesus como “três mistérios sonoros que foram formados em silêncio” (Epístola aos Efésios, 19:1; BAC 65:458). Além do mais, cabe notar que o uso do termo “mistério” pelo filósofo judeu Fílon de Alexandria tampouco se refere a rituais de iniciação secretos, mas, sim, às riquezas escondidas nas Escrituras. Esse uso é muito diferente do que encontramos nas referências às religiões de mistério. Nelas, o “mistério” não é um desígnio divino escondido através dos séculos que agora foi revelado, mas, antes, o ritual secreto por meio do qual os neófitos iniciam-se na nova religião. Em resumo, entre os autores cristãos dos primeiros séculos, os “mistérios” são os rituais sagrados de iniciação e as religiões que se encontram por detrás deles, ao passo que o 100 Colossenses 1:24 Agora eu me alegro em meus sofrimentos por vocês, e encho em minha carne o que falta em relação às aflições de Cristo por causa de Seu corpo, que é a igreja. (biblehub.com) 101 Colossenses 1:25 Tornei-me seu servo pela comissão que Deus me deu para anunciar -vos plenamente a palavra de Deus, (biblehub.com) 102 Colossians 2:4 I say this so that no one will deceive you by smooth rhetoric. (biblehub.com) 103 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 74 -76). CPAD. Edição do Kindle. “mistério” — no singular — é o próprio feito de Jesus Cristo. É assim que Colossenses emprega-o ao dizer que esse mistério “estivera oculto desde os séculos e gerações passadas, mas que agora foi manifestado”.104 Essa afirmação de que todos os tesouros do conhecimento da sabedoria estejam em Cristo pode levar a más interpretações. Com base nessa afirmação, alguém pode dizer que não precisa saber mais nada porque conhece a Cristo. Tal é a atitude de muitos dos quais hoje rejeitam os conhecimentos científicos. Nos dias em que escrevo estas linhas, uma terrível pandemia ameaça toda a humanidade. Onde eu vivo, alguns cristãos negam-se a escutar o que lhes diz a ciência e a seguir os seus conselhos, porque supostamente não necessitam de mais conhecimentos além dos que já têm só pelo fato de serem cristãos. Tal perspectiva contrária aos conhecimentos modernos manifestou-se entre alguns cristãos através das eras. Entretanto, a maioria dos crentes nunca se deixou levar por essas teorias. Certamente, é importante ter em conta tal visão nestes dias em que se debate tanto sobre a relação entre a fé e a ciência, como se ambas fossem contrárias, enquanto a fé deveria convencer-nos de que tudo quanto a ciência possa descobrir que seja verdade é um descobrimento de tesouros escondidos neste mesmo Verbo de Deus a quem conhecemos em Jesus Cristo. Se é certo que “nEle estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”, toda verdadeira sabedoria e todo verdadeiro conhecimento hão de nos dizer algo acerca da fé.105 Craig S. Keener explana que: Paulo descreve seu trabalho com termos de conflito adequado a uma competição atlética (1.29), e é significativo que os atletas gregos tradicionalmente lutassem nas competições pangregas não somente pela própria honra, mas também pela honra das cidades que representavam. O sofrimento de Paulo é, assim, um sofrimento pela igreja (1.24; 2.1). 1.24. Muitos judeus acreditavam que algum sofrimento precisaria ocorrer antes do fim. Muitos estudiosos leram 1.24 nesse sentido: Paulo estaria experimentando uma parte extra dessas aflições, às vezes chamadas “as dores de parto do Messias”, porque pressagiavam a era messiânica. Para outros, a passagem diz respeito a participar dos sofrimentos de Cristo como forma de união com ele (conceito cujos paralelos não cristãos são menos numerosos). Não era incomum que o orador, para ser benquisto pela plateia, afirmasse sofrer por ela (p. ex., Cicero, In Catalinam 4.1.2). (Paulo sofre “por eles”, aparentemente no sentido de “como seu representante”, porque eles são parte da igreja; certamente não se trata de um sofrimento vicário, porque Paulo acredita claramente que 0 sofrimento de Cristo foi suficiente quanto a isso; cf. 1.14; 2.8-10, 14.) 1.25. Os “mordomos” (como em algumas traduções) eram administradores de grandes propriedades domésticas; eles eram normalmente escravos ou homens libertos de alto status. A expressão “cumprir a palavra de Deus” (ARC, literalmente) era às vezes usada no sentido de obedecer à Palavra de Deus e às vezes no de ser um instrumento para fazer com que ela se cumpra. Paulo, aqui, tanto obedece à palavra como a cumpre ao torná-la disponível aos gentios. 1.26. Os Manuscritos do Mar Morto e outros textos falam de “mistérios” nas Escrituras que somente os espiritualmente iluminados podem entender. Para Paulo, os cristãos são agora 104 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 80;81). CPAD. Edição do Kindle. 105 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (pp. 91;92). CPAD. Edição do Kindle. iluminados (1.9,12). Essa declaração refutaria os místicos que alegavam posse exclusiva de revelações de elite (2.18). 1.27. Que este mistério se tornasse conhecido entre os gentios havia sido profetizado (p. ex., Is 66.19) e estava agora sendo cumprido (1.25). Os autores do Antigo Testamento frequentemente diziam que Deus habitava "entre” o seu povo, Israel (Nm 35.34), e, no nível pessoal, "dentro” de alguns deles (Gn 41.38; Nm 27.18; Dn 4.8, 18; 5.11,14; lPe 1.11; mais frequentemente, "cheio”, “sobre”; menos relevante aqui — mas útil para entender como alguns convertidos recentes talvez ouvissem Paulo — é o fato de que alguns filósofos falavam de uma “divindade” ou “deidade” dentro do ser humano). Mas ninguém esperava que ele habitasse entre os gentios — aliás, no nível pessoal, dentro deles (Cl 2.12; 3.4,16). 1.28. Esse ensinamento leva à maturidade ou completude deles; cf. 1.22; I Coríntios 2.6 e 3.1,2; 2Coríntios 11.2 e comentário de Filipenses 3.12,13 (os estoicos viam o sábio ideal como um “homem completo”, mas raramente acreditavam haver alcançado esse ideal). Assim, ensinar a mensagem de Cristo levaria os ouvintes a estarem preparados para o último dia (1.22,23). O “nós” implícito em “anunciamos”, aqui, provavelmente inclui Epafras (1.7) e outros proclamadores do evangelho. “Todo homem” implicaria a livre inclusão dos gentios no plano de Deus (1.27). 1.29. Os filósofos costumavam usar metáforas de jogos atléticos, de que “lutar” aqui é um exemplo (A21) (a imagem é muito mais rara no Antigo Testamento, p. ex., Jr 12.5). A ideia da capacitação divina interior (“em mim”) tem muito poucos paralelos antigos, a não ser pelas passagens do Antigo Testamento em que se afirma que o Espírito capacita os servos de Deus. As palavras de Paulo aqui soariam particularmente impressionantes aos antigos ouvintes (veja introdução de Rm 8.1-11). 2.1. Paulo continua com a imagem atlética de 1.29 ("luta”). Embora o apóstolo nunca tenha visto pessoalmente a maioria dos cristãos de Colossos, ele expressa o anseio que sente por eles. Tratava-se de elemento comum das antigas “cartas de amizade”. Colossos situava-se no vale do Lico; o caminho de Éfeso até lá não era fácil. Assim como Colossos, Laodiceia ficava na Frigia — a cerca de quinze quilômetros a oeste de Colossos. 2.2,3. Os antigos sábios (incluindo os gentios, mas em muitos casos também no Antigo Testamento e entre os autores judeus de livros de sabedoria) muitas vezes referiam-se à sabedoria como a "verdadeira riqueza” (no Antigo Testamento, veja Jó 28.12- 19; SI 19.10; 119.14,72,127,162; Pv 3.13-15; Is 33.6). Os autores às vezes mencionavam tesouros “ocultos” — objeto de ambição, particularmente, das multidões carentes. 2.4. Os sábios muitas vezes criticavam os oradores profissionais pelo uso antiético da persuasão a qualquer custo, independentemente da verdade. Entre as pessoas instruídas, muitas tinham instrução e habilidade na arte de falar de forma convincente. 2.5. As cartas em geral serviam de substituto da presença do autor, como de fato indicavam, às vezes, os autores antigos (cf., p. ex., Cícero, Cartas a amigos 1.7.1; Cartas a Ático 12.53; Dião Crisóstomo, Epístolas 3; Símaco, Epístolas 1.84). Afirmar que estava com eles “em espírito” era forma de expressar afeto e intimidade (o sentido aqui é de intimidade e não de uma "unidade metafísica”. Veja comentário de 1C0 5.3).106 William Barclay entende que: Paulo começa esta passagem com um pensamento ousado. Pensa que os padecimentos e a prisão que está sofrendo enchem e completam os padecimentos do próprio Jesus Cristo. Jesus morreu para salvar a sua Igreja mas esta deve construir-se e difundir-se, deve manter-se forte, pura e fiel. Portanto, quem quer servir à Igreja ampliando suas fronteiras, 106 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 683-684. implantando a fé e salvando-a de enganos, realiza a obra de Cristo. E se tal serviço envolve sofrimento, dor e sacrifício, essa aflição está cumprindo e compartilhando os mesmos sofrimentos de Cristo. Sofrer no serviço de Cristo não é um castigo, mas sim um privilégio e uma honra, porque é participar de sua obra Aqui Paulo refere-se à própria essência da tarefa que lhe fora conferida por Deus. Essa tarefa consistia em comunicar aos homens um novo descobrimento, um segredo conservado através de idades e gerações e intrincado agora. Esse descobrimento e esse segredo eram que a glória e a esperança do evangelho não só era para os judeus senão para todos os homens em todas as partes. Esta foi a grande contribuição de Paulo à fé cristã: levou a Cristo aos gentios. Destruiu para sempre a idéia de que Deus e seu amor e sua misericórdia fossem propriedade de um só povo e de uma só nação. Confrontou os homens com a convicção de que Cristo é tanto para os gentios como para os judeus. Por isso Paulo é, num sentido particular, nosso santo e nosso apóstolo, porque se não tivesse sido por ele. o cristianismo poderia ter-se convertido nada mais que num novo judaísmo e nós e os demais gentios nunca o teríamos recebido. Paulo estabelece agora seu grande propósito admoestar a todo homem, ensinar a todo homem, apresentar a todo homem perfeito em Cristo. Este é o sonho do próprio Deus, um sonho novo. O judeu nunca teria estado de acordo em que Deus dispensasse o mesmo trato a todos os homens, ter-se-ia negado a aceitar a idéia de que Deus fosse o Deus dos pagãos. Aos ouvidos judeus era incrível e até blasfemo que Deus amasse a todos os homens, que todo homem deveria ser apresentado perante Deus. O gnóstico nunca teria estado de acordo em que todo homem pudesse ser admoestado, ensinado e apresentado perfeito perante Deus. Como vimos, eles requeriam para a salvação um conhecimento tão elaborado e dificultoso que só podia ser possessão de uma aristocracia espiritual e de uma minoria escolhida.107 Para Werner de Boor: Paulo é servo da proclamação universal do evangelho. A mensagem deve ser dita “a todas as criaturas”. Ainda existe suficiente número de países e povos que não a ouviu. Paulo tem consciência de ser enviado também para lá (Cf. Rm 15.23s). Mas “agora” – ele está preso! Isso não contradiz sua enorme e premente tarefa? Porventura não deveria ficar impaciente e infeliz? Provavelmente os colossenses estavam bastante consternados com esse fato, assim como também os coríntios tinham dificuldade para entender como um “procurador” do “Rei de todos os reis” podia estar a toda hora metido nesses sofrimentos e aflições, açoitado, apedrejado, aprisionado. Será que nós mesmos não achamos que qualquer empecilho para nosso serviço para o Senhor, em forma de dificuldades e sofrimentos, é um enigma, que pesa sobre nós em relação a outros e muito mais em relação a nós mesmos? O que Paulo fará “agora”? “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos”, responde ele. O “em”, que no grego possui múltiplos significados, pode ser traduzido aqui por “com”, “junto de”. Por que Paulo pode “se alegrar” “com sofrimentos”?! Eles impedem tão pouco o seu serviço que esse trabalho não é interrompido nem perturbado, mas precisamente executado. Porque esses sofrimentos fazem parte das “tribulações de Cristo”. Deparamo-nos aqui com uma verdade bíblica que se tornou completamente estranha para nós, mas que no NT possui um papel tão relevante que precisamos novamente imergir nela nosso pensamento e – nossa vida, para que nossa vida eclesial e nosso viver cristão possam voltar a ser verdadeiramente bíblicos e autorizados. Grupos de fiéis judaicos já falavam das “dores de parto do Messias”, que precederiam o 107 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 47-48. “novo nascimento” do mundo no tempo da consumação da salvação. Afinal, não existe nascimento sem “dores de parto”. Por isso o próprio Cristo “teve de sofrer e entrar em sua glória” (Lc 24.26). Na Escritura esse “teve de” é muito mais sério e carregado de conteúdo do que nossa formulação desgastada deixa transparecer. Nela está contida toda a obrigatoriedade divina que determina o curso dos fatos.108 Diz ainda Werner: Ocorre que o trabalho de Paulo e seus companheiros – Paulo escreve “nós” – se dirige a “toda pessoa”. Evidentemente isso não significa que Paulo tenha literalmente dirigido a palavra a todas as pessoas. Constatamos o contrário na trajetória de trabalho de Paulo. Ele atua sob a condução do Espírito Santo, deixando totalmente de lado vastas regiões e fundando igrejas em lugares centrais, para que a partir deles a mensagem seja levada adiante para as terras adjacentes. “A toda pessoa” corresponde ao “a toda criatura” e tem o sentido de um princípio. Diante da admirável realidade “Cristo em vós” desfazem-se todas as diferenças humanas que de resto são tão decisivas. Afinal, a mais profunda diferença, estabelecida pelo próprio Deus, a diferença entre “Israel” e as “nações”, havia desaparecido pela nova ação de Deus ao convocar seu corpo. Agora Paulo podia exortar por princípio a “toda pessoa” e ensinar a “toda pessoa”. Para isso tinha à disposição toda a sabedoria necessária, toda percepção da vontade graciosa de Deus. Ele leva “toda pessoa” ao alvo determinado, a saber, ao torná-la uma pessoa “em Cristo”. “Cristo em vós” é a “esperança da glória” integral e suficiente. Para chegar à glória ninguém precisa de mais nada além de Cristo. Por essa razão tanto Paulo quanto nós podemos “apresentar toda pessoa perfeita em Cristo”. Era o “cristianismo perfeito” que estava em questão em Colossos. Será que dele não faziam parte muitas e diversas coisas, tudo aquilo de que ainda seremos informados no próximo capítulo? É verdade, diz Paulo, também para mim importa que as pessoas não permaneçam inacabadas. Também eu não abandono em meias-verdades as pessoas com quem iniciei o contato. Devem tornar-se algo inteiro e perfeito. Contudo, totalidade e perfeição não residem nas múltiplas coisas que se aconselha em Colossos (e também repetidamente na história da igreja de Jesus). Elas residem tão somente nisso: “inteiramente em Cristo”.109 Ralph P. Martin traz as seguintes explicações: Agora me regozijo. A nota pessoal, já soada no v. 23, é continuada aqui. O tema do ministério de Paulo é a transição para uma discussão mais plena do assunto. Possivelmente, Paulo tinha necessidade de defender seu ministério contra as insinuações em Colossos de que seus sofrimentos demonstravam que suas alegações sobre sua posição de liderança eram espúrias (como em 2 Co 10-13). A seção inteira que se segue é uma declaração ininterrupta de “apologia” em que comprova quão integral é sua obra, como comissão divina, no inteiro desempenho do plano de Deus entre os gentios. A chave acha-se em 2.4 com sua advertência que deixa os leitores de sobreaviso contra aqueles que queriam desviá-los do evangelho paulino. A seção como um todo divide-se em três parte: 108 109 Boor, Werner de Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Boor, Werner de Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. (i) O ministério de Paulo aos gentios (1.24, 25) (ii) A mensagem de Paulo (1.26-29) (iii) A chamada de Paulo à igreja colossense (2.1-5) A grande alegria da observação inicial de Paulo é explicada pela razão que dá para seus sofrimentos. São por vós (cf. Ef. 3.1, 13). O que isso significa é declarado nas palavras seguintes que têm dado ocasião a muita discussão. Existem três possibilidades para dar uma explicação satisfatória de preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja. Em primeiro lugar, o ponto de vista menos provável (oferecido por H. Windisch:Pau/ and Christus, Tübingen, 1934, mas abandonado em grande medida por todos os estudiosos recentes) é que Paulo via seus sofrimentos como sendo o aperfeiçoamento da obra salvífica incompleta de Cristo. Esta seria uma negação dos demais trechos nesta carta (e.g. 2.13-14) onde a morte e a ressurreição de Cristo são suficientes para remover todos os pecados e prometem o pleno perdão (cf. 1.14). Além disto, Paulo nunca fala das aflições (gr. thlipseis) de Cristo como se tivessem poder redentor ou vicário. Em segundo lugar, se formos guiados por Filipenses 3.10, poderíamos ter aqui uma alusão ao misticismo paulino da Paixão, segundo o qual pensava ter comunhão especial com o Senhor na Sua morte e na Sua ressurreição. Dalguma maneira, declara ele, esta união mística confere um benefício sobre as igrejas. Mas isto é improvável, tendo em vista o fator tempo referido no texto (Paulo sofre, e espera completar a deficiência dos sofrimentos de Cristo). Deve ser lembrado que Paulo sofre, não como um indivíduo particular, mas, sim, como apóstolo às igrejas gentias. O terceiro ponto de vista recorre ao pano de fundo judaico das “aflições do Messias” (heb. hebelô sei masiah). Esta é a expectativa no judaísmo apocalíptico de que, como prelúdio ao tempo do fim que anunciará a vinda de um soberano ungido, o povo de Deus será conclamado a sofrer (assim como as mulheres têm dores de parto, Mc 13.8 e par.). Deus coloca um limite a estes sofrimentos e preceitua uma medida específica para as aflições que os justos e os mártires judaicos terão de suportar (1 Enoque xlvii). Paulo adota esta noção e a transforma segundo o propósito dele. Na sua vida de serviço aos gentios é conclamado a representar seu povo como figura de mártir e a desempenhar um ministério vicário (2 Co 1.6); e desta maneira completa a conta ainda deficiente de sofrimentos que o novo Israel de Deus tem de suportar antes do fim dos tempos. Na minha carne refere-se aos seus sofrimentos físicos (Gl 6.17; 2 Co 4.10), mas 2 Co 12.7 (o espinho na carne) pode ser um paralelo igualmente estreito. No seu corpo, que é a igreja é uma das designações prediletas de Paulo para as congregações que ele era conclamado a servir no mundo greco-romano. A origem da frase “corpo de Cristo” é muito discutida; a sugestão mais provável é que a experiência de conversão que Paulo teve, em que as palavras do Cristo ressurreto O identificavam com Seu povo (At 9.4 e par.), colocou o apóstolo na pista da unidade de Cristo e a Igreja com a linguagem figurada da cabeça e do corpo. da qual me tomei ministro (gr. diakonos, como no v. 23). Nas comunidades gentias Paulo era conhecido como um “ministro” (como em 1 Co 3.5). A origem dessa nomeação remonta à dispensação da parte de Deus (gr. oikonomia; cf. 1 Co 9.17). Descreve-se em 1 Coríntios 4.1 como um dos “despenseiros (gr. oikonomoi) dos mistérios de Deus.” O significado profundo do termo ministerial que aplica a si mesmo é visto no uso da palavra oikonomia em Efésios. Em Efésios 1.10 e 3.9 é traduzida “plano” em RSV (“dispensação” em ARA) e é empregada acerca do plano salvífico de Deus para o mundo. Em Efésios 3.2 “a dispensação da graça de Deus a mim confiada para vós outros” louva a alta dignidade da missão de Paulo para ser um ministro às congregações gentias na Ásia Menor e o demarca de modo especial como apóstolo à Igreja num sentido ecumênico. Os colossenses estão envolvidos neste ministério (a vosso favor); daí uma honra transferida redunda a favor deles à medida em que ficam na sombra daquele serviço para o qual Paulo foi nomeado. Paulo está se defendendo, com efeito, tanto respondendo à acusação de que seu ministério fora inventado por ele mesmo, quanto repelindo qualquer idéia de que os leitores colossenses ficavam fora do círculo do seu interesse e do seu ministério pastoral. Como servo comissionado, tanto do evangelho (visto como uma mensagem universal) quanto da Igreja (vista como um corpo de dimensões mundiais), Paulo tinha uma tarefa de destaque. Esta era “dar pleno cumprimento à palavra de Deus” mediante um ministério territorial (como em Rm 15.19) e estender a influência da mensagem salvífica. A natureza daquela mensagem agora é elaborada num tipo de digressão (Dibelius-Greeven). Era o mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações (ou “desde as eras”, os eões ou dominadores espirituais desta ordem mundial num sentido mitológico, como em 1 Co 2.7-8). agora, todavia, se manifestou aos seus santos. O paralelo em 1 Co 2.7-10 demonstra o mesmo esquema que Paulo emprega noutros trechos (Rm 16.25-26) de “antigamente oculto . . . agora revelado.” O interesse nestas referências é que também contêm o equivalente (em heb. rãz) da palavra de Paulo, mistério. O termo “mistério,” na literatura bíblica, sempre deve ser definido pelo seu contexto. No presente contexto fala da “inclusão dos gentios bem como dos judeus no propósito divino da salvação”; e o penhor do cumprimento deste propósito é que Cristo fez Sua presença conhecida a estas pessoas não-judaicas. A plena relevância deste fato é vista em Efésios 2.11-22 onde a condição anterior dos gentios como um povo prejudicado e “perdido” é descrita. Agora (que marca o ponto crucial na história da salvação para incluir o mundo), eles são os que recebem a revelação divina que garante que, visto que o propósito do Messias ao reconciliar os homens com Deus inclui a eles, têm lugar no plano divino como os santos de Deus, i.é, os crentes (1.2) que entraram numa herança antigamente reservada para Israel como o povo santo de Javé. deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória. Num nível mais profundo, os gentios recebem a certeza da provisão de Deus. Ele escolheu (literalmente “quis,” “desejou”) fazer conhecido aos não-judeus a maravilha do seu propósito que os abrange. Podemos comparar o dito de Rabi Aquiba: “Os israelitas são amados porque foram chamados filhos de Deus; ainda maior era o amor mediante o qual foi revelado a eles que foram chamados filhos de Deus.” Destarte, os gentios também têm a certeza do interesse de Deus por eles e do Seu cuidado por eles. O penhor disto é a presença de Cristo “entre” eles (ARA em, gr. en). O grego pode significar ou “entre” ou “em”, mas é melhor ver o significado das palavras de Paulo como sendo o penhor da presença do Messias entre os gentios, confirmando, assim, a sua salvação. É uma antecipação da restauração da “glória” perdida do homem. Há algum sinal do ensinamento de Paulo acerca dos dois Adâíos. Aquilo que o primeiro Adão perdeu no Paraíso (sua “glória” c f Rm 3.23) é reconquistado pelo novo Adão, Cristo e Seu povo, que consiste em judeus e gentios crentes. Segue-se agora uma declaração breve do método de Paulo como apóstolo. Há três termos correlatos que emprega: anunciamos, advertido . . . e ensinando. O primeiro verbo, o simples teimo “anunciar,” refere-se à declaração da parte de Paulo do fato da presença de Cristo entre os gentios. Esta é a revelação especialmente entregue à sua responsabilidade, como em Efésios 3.1-3; é definida em Efésios 3.6 em termos da coparticipação dos gentios, lado a lado com Israel, na nova humanidade em Cristo (Ef 2.15). advertindo (gr. nouthetein) é uma palavra que pertence à pedagogia do Novo Testamento. Às vezes tem um caráter geral de instrução dada a novos cristãos (At 20.31; cf 1 Co 10.11) e às vezes tem relacionamento específico como o treinamento de crianças na família cristã (Ef 6.4). Paulo usa o termo principalmente a respeito de um ministério de admoestação, crítica e correção, quer por ele mesmo, como em Corinto (1 Co 4.14-15), quer pelos líderes da igreja, como em Tessalônica (1 Ts 5.12; cf. v. 14). Pelo menos uma referência diz respeito à disciplina daqueles que esposaram crenças heterodoxas (Tt 3.10), e é muito possível que este seja o pano de fundo do versículo em Colossenses como uma flecha apontada contra os falsos mestres, embora 3.16 demonstre como a palavra possa ser usada mais geralmente acerca da edificação da congregação. ensinando (gr. didaskein) desempenha um papel mais significante nesta Epístola. É usado “num sentido pastoral e ético como uma função dos cristãos nos seus tratos mútuos” (em 1.28; 3.16). É verdade, mas 2.7 oferece outro lado do quadro, em que o interesse de Paulo acha-se no ensino que os colossenses tinham recebido, presumivelmente da parte de Epafras. Talvez 1.28 também, à medida em que se relaciona com o ministério do próprio Paulo, tenha um tom mais autoritário, e fale da sua instrução “em toda a sabedoria” como sendo um ensinador apostólico nas igrejas gentias, função esta que é refletida em 1 Tm 2.7. Ou sua declaração de que possui a “sabedoria” revele sua posição polêmica, ou se opõe aos mestres hereges colossenses que estavam jactando-se da sua sabedoria superior e secreta. Paulo não restringia seu ministério a um grupo seleto na Igreja. Seu alvo era apresentar todo homem (repetido três vezes) perfeito (gr. teleios, outro lema herético, usado para os “iniciados”) em Cristo. O custo do ministério de Paulo é descrito com alguns termos enfáticos: me afadigo, esforçando-me (gr. agõnizomenos) o mais possível. Estes quadros verbais são muito vívidos. “Me afadigo é achado nalguns contextos que se referem ao trabalho manual de Paulo (como skênopoios, um artífice de couro). No presente versículo, no entanto, o verbo é figurado e denota poderosamente a preocupação intensa de Paulo nas suas atitudes e ações pastorais. Segue-se um termo ainda mais enfático. Esforçar-se às vezes é empregado para descrever o conflito físico (Jo 18.36: “os meus ministros lutariam,” RSV). Noutros lugares denota a competição atlética dos jogos gregos (1 Co 9.25: “Todo atleta”). Este é o sentido literal, e é reivindicado igualmente para o presente versículo por V. C. Pfitzner, onde aparece o substantivo agõn, “luta.” É, porém, mais provável um sentido metafórico nos dois versículos, e o ponto de vista de Lohmeyer de que Paulo escreve estes termos em plena consciência do seu fim como mártir não se recomenda. Se Filemom pertencer à mesma experiência de prisão, Paulo, naquele bilhete, está aguardando com confiança a sua soltura (Fm 22). Nas suas labutas ministeriais, Paulo esforçava cada nervo moral num esforço que, no entanto, era energizado pelo socorro divino. A segunda metade do versículo é, literalmente: “segundo a energia que Ele ativa e poderosamente faz operar em mim.” Veja Gálatas 5.6 para o mesmo particípio. 2.1. Até esta altura da carta, Paulo tem falado de modo geral. Seu ministério às igrejas gentias incluía os colossenses (1.24a, 25ft). Agora torna a alusão mais deliberada e inconfundível, porque pretende estabelecer um vínculo pessoal entre ele e os leitores colossenses (Lohse). Pelo uso de uma fórmula introdutória emprestada das convenções epistolares dos seus dias (Gostaria que saibais), quer dar realce a uma questão importante (como em 1 Co 11.3). É simplesmente que sua solicitude pastoral se estende não somente às congregações gentias que fundou e visitou pessoalmente, como também aos demais grupos que não conhece em primeira mão (cf. Rm 1.13). Os colossenses estão classificados nesta última categoria. E igualmente para eles que Paulo gasta suas energias - pelo seu cuidado, pelas suas orações (esforça-se, 2.1, conforme faz Epafras, num ministério de intercessão, 4.12) e pelas suas cartas. Daí a razão da carta que agora está ditando para enviar-lhes. A igreja colossense, no entanto, não é a única congregação na região. A Laodiceia, na vizinhança, é incluída, e esta igreja receberá um comunicado separado (4.16) que será circulado aos colossenses. Estes, por sua vez, devem passar sua carta para a Laodicéia. Pouco se sabe acerca daquela igreja, embora uma outra carta, endereçada a eles, tenha sobrevivido em Apocalipse 3.14-22. Ainda outras congregações estão na mente de Paulo, expressadas na frase quantos não me viram face a face. O grego diz literalmente: “a face na carne,” que simplesmente sublinha a declaração de que estas igrejas, como as dos colossenses e dos laodicenses, eram pessoalmente desconhecidas a Paulo. Talvez uma igreja em Hierápolis (também no vale do Lico, a uma distância de 20 km de Colossos) esteja em mente, tendo em vista 4.13. Alguns copistas acrescentam o nome deste lugar ao texto de 2.1. Parece, no entanto, que a frase visa abranger todas as igrejas gentias não diretamente fundadas por Paulo. 2. para que os seus corações sejam confortados, vinculados juntamente em amor, e tenham toda riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo. Há vários problemas textuais e de tradução que complicam o versículo. Vinculados juntamente, “unidos,” é uma das maneiras de entender o verbo gr. symbibazein, e sua exatidão aqui é apoiada por 2.19 onde a unidade da Igreja é retratada como sendo semelhante às interconexões entre os tecidos de um corpo humano que está sob o controle de sua cabeça. O amor é como aquela rede de ligamentos e tendões que vincula todos os vários membros numa unidade (assim 3.14). Do outro lado, o verbo pode levar um significado didático com o sentido da Vulgata instructi in caritate, e este significado de “sendo ensinados no amor” tem seu paralelo no uso do verbo em 1 Coríntios 2.16; Atos 9.22, 19.33. Além disto, prepara o caminho aqui para a transição para o entendimento e o conhecimento. No cômputo geral, no entanto, a tradução inicialmente citada (ARA) é preferível à luz dos versículos posteriores na carta (assim Lohse, Bruce). Há um apelo na segunda parte do versículo, em prol da apreciação da verdade teológica, com os olhos abertos. O objeto desta forte convicção do entendimento é dado assim: para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo. As testemunhas textuais estão divididas quanto à redação exata. ARA traduz o texto mais difícil para ser aceito, exceto com base em que ele foi o original que escribas posteriores procuraram esclarecer quanto ao significado, mediante seus acréscimos. É também o texto que tem o apoio interno mais forte e que é atestado por P46, B e Hilário. As demais variantes são claramente tentativas de melhorar este texto. Cristo como a imagem de Deus (1.15) destrava o segredo da natureza divina e fornece a chave ao enigma de Deus. Ele é o repositório de todo o “entendimento”, a “sabedoria” e o “conhecimento” — sendo todos estes, evidentemente, termos muito empregados na discussão sendo travada em Colossos. 3. Para dizer mais acerca do modo de Cristo revelar o Pai, Paulo continua: em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos. A “sabedoria” e o “conhecimento” são citados em Romanos 11.33 como as duas partes constituintes do caráter divino que são vistas na redenção humana e no controle da história por Deus. Ali estão acopladas (como nos w. 2, 3 com a palavra para “riqueza”), e a corrente inteira de idéias e palavras sugere uma dependência consciente da figura da sabedoria em Provérbios 2.3ss. (cf. Sir. 1.25; veja também Is 45.3 LXX). Paulo está observando “que Cristo veio a ser, para os cristãos, tudo quanto a Sabedoria de Deus era, de acordo com a literatura sapiencial, e ainda mais” (Moule). Está empregando um apelo às fontes judaicas parcialmente porque o falso ensino em Colossos, no seu lado judaico, estava insistindo que Jesus Cristo era apenas um mediador e uma fonte de revelação entre muitos. Seu contra-argumento é colocar uma ênfase sobre “todos,” declarando que Cristo encarna no íntimo do Seu ser (“ocultos” no sentido de “depositados,” “armazenados”) a totalidade dos atributos divinos que estão representados por aqueles elementos da natureza divina no seu relacionamento com os homens: a “sabedoria” e o “conhecimento.” 4. A intenção polêmica de Paulo em citar Cristo desta maneira, como sendo um repositório único daquilo que os homens podem saber acerca do caráter de Deus é quase conclusivamente comprovada pelas palavras que se seguem. Assim digo para que ninguém vos engane com raciocínios falazes. Este modo de traduzir é preferível àquele que interpreta: “O que quero dizer é que ninguém deve levarvos ao erro com sua conversa” (Moule, Bruce) ou que faz com que o antecedente a isto seja o parágrafo inteiro desde o v. 1 até ao v. 3 (Masson). A advertência contra “ser iludido” (verbo este que somente se acha outra vez no Novo Testamento em Tg 1.22: “enganandovos”) deve claramente ser atendida na presença de uma tentativa resoluta de fazer exatamente assim, feita pelos mestres do erro, que queriam empregar a conversa enganadora, i.é, a arte da persuasão (Lohse). Pela primeira vez na sua carta, Paulo coloca seu dedo sondador nas noções falsas que estavam sendo introduzidas na assembléia colossense e que identificam a presença deles. 5. Pois, embora ausente quanto ao corpo. Sè Paulo estivesse presente em Colossos, não pouparia esforços para tratar da situação que se constituía em ameaça. Sua prisão, no entanto, toma impossível tal coisa, e sua responsabilidade pela igreja não é direta. Nem por isso deixa de ter um senso tão vívido da sua aproximação com estes leitores que pode falar em realmente estar presente no meio deles, em espírito. 1 Coríntios 5.3-5 demonstra que esta não é nenhuma expressão vazia, mas, sim, fala de uma presença carregada de poder. O espírito de Paulo [Gr. pneuma] é um sinal da sua autoridade, e exerce uma influência mesmo quando não está presente fisicamente). Olha com aprovação sua intenção firme de cerrar fileiras e de formar uma frente sólida, sem cederem diante da propaganda errônea. A linguagem que emprega é tirada da formação militar (ordem, firmeza). Sendo assim, “o apóstolo está ‘com eles’ como um general em pé diante das suas tropas e passando em revista as linhas de batalha” (Lohmeyer). E tem muita coisa para dizer como recomendação e esperança de que não quebrarão fileiras nem perderão sua união (v. 2) diante de um inimigo intruso. Este versículo sugere que a heresia não fincara pé de modo permanente em Colossos, e que o relatório de Epafras tratara mais de um perigo que avançava contra certa seção da igreja do que um problema sério profundamente entrincheirado na comunidade. Paulo, no entanto, não deseja correr riscos, e, assim sendo, lança-se a uma refutação total.110 William Barclay, expõe: Colossenses 2:2-7: Aqui está a oração de Paulo pela Igreja, e nela podemos distinguir alguns rasgos importantes que caracterizam a uma Igreja cheia de vida e fiel. (1) Deve ser uma Igreja de cristãos de coração valoroso. Paulo ora por que seus corações sejam consolados. A palavra que usa é parakalein. Às vezes o termo significa consolar, outras exortar, mas sempre atrás desta palavra está a idéia de fazer com que uma pessoa seja capaz de enfrentar com confiança e coragem uma situação difícil. Um dos historiadores gregos usa esta palavra do modo mais interessante e sugestivo. Certo regimento grego que tinha perdido o ânimo, estava desalentado e completamente abatido. O general enviou a um líder para que falasse com o regimento e fizesse renascer a coragem, e um corpo dá homens desalentados voltou a ser um corpo de homens dispostos à ação heróica. Isto é o que significa aqui parakalein. Paulo ora para que a Igreja seja repleta com essa coragem que pode enfrentar heroicamente qualquer situação. (2) Deve ser uma Igreja em que seus membros estejam intimamente unidos em amor. Sem amor não pode existir a igreja; o sistema de governo eclesiástico não tem importância; o ritual da Igreja carece igualmente de importância. São coisas que podem mudar de tempo em tempo e de um lugar a outro. A única característica que deve distinguir à verdadeira 110 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 79-87. Igreja é o amor a Deus e aos irmãos. Quando morre o amor, morre a Igreja. Quando existe o amor a Igreja é forte porque quando há amor está Jesus Cristo, o Senhor do amor. (3) Deve ser uma Igreja rica em pleno entendimento. Paulo usa aqui três palavras para entendimento. (a) No versículo 2 usa a palavra synesis que se traduziu entendimento. Já vimos que synesis é o que poderíamos chamar conhecimento critico; é a capacidade para aplicar os primeiros princípios a uma situação dada; a capacidade assegurada para avaliar toda situação e decidir qual é o curso prático da intervenção que se requer. Uma verdadeira Igreja terá o conhecimento prático do que tem que fazer quando deve agir. (b) Diz que em Jesus estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. Sabedoria é sofia e conhecimento gnosis. Estas duas palavras não são simples repetição; há uma diferença. Gnosis é o poder de apreender a verdade; de captar a verdade quando a vemos e de entendê-la quando irrompe na mente. É quase intuitiva e instintiva Mas sofia é o poder de manter, confirmar e exaltar a verdade uma vez captada intuitivamente, com uma argumentação e apresentação sábias e inteligentes. Pela gnosis o homem capta a verdade; a sofia o capacita para dar razão da esperança que há nele. Assim, pois, a Igreja verdadeira possui uma sabedoria que pode agir da melhor maneira possível numa situação dada; uma sabedoria segura e perspicaz, não cegada pelo preconceito ou pela ignorância. Tem a sabedoria que pode instintivamente reconhecer e apegar-se à verdade quando a vê e a ouve. Tem também uma sabedoria que pode fazer com que a verdade seja inteligível para a mente que pensa e que pode transmitir sábia e persuasivamente a verdade aos outros. Toda esta sabedoria — diz Paulo — está escondida em Cristo. A palavra que Paulo usa para escondido é apokryfos. O mesmo uso deste termo é um golpe certeiro dirigido aos gnósticos. A palavra apokryfos significa oculto ao olhar comum e, portanto, secreto. Vimos que os gnósticos criam que para a salvação era necessário um enorme caudal de elaborados e complicados conhecimentos. Conhecimentos que consignavam em livros que pela mesma razão chamavam apokryfos porque estavam escondidos e fora do alcance do homem comum e ordinário. Usando esta palavra Paulo diz: "Vocês, os gnósticos, têm sua sabedoria apartada, escondida e proibida para o homem comum; chamam-na apokryfos. Nós também temos nosso conhecimento; mas não está oculto em livros ininteligíveis; está guardado em Cristo e por isso fica aberto a todos os homens, estejam onde estejam." A verdade do cristianismo não é um segredo que fica escondido, mas sim um segredo que se revela.111 11. COLOSSENSES 2:6-15 E agora, assim como aceitaram Cristo Jesus como Senhor, continuem a segui-lo. Aprofundem nele suas raízes e sobre ele edifiquem sua vida. Então sua fé se fortalecerá na verdade que lhes foi ensinada, e vocês transbordarão de gratidão. Não permitam que outros os escravizem com filosofias vazias e invenções enganosas provenientes do raciocínio humano, com base nos 111 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 51-53. princípios espirituais deste mundo, e não em Cristo. Pois nele habita em corpo humano toda a plenitude de Deus. Portanto, porque estão nele, o cabeça de todo governante e autoridade, vocês também estão completos. Em Cristo vocês foram circuncidados, mas não por uma operação física, e sim espiritual, na qual foi removido o domínio de sua natureza humana. No batismo, vocês foram sepultados com Cristo e, com ele, foram ressuscitados para a nova vida por meio da fé no grande poder de Deus, que ressuscitou Cristo dos mortos. Vocês estavam mortos por causa de seus pecados e da incircuncisão de sua natureza humana. Então Deus lhes deu vida com Cristo, pois perdoou todos os nossos pecados. Ele cancelou o registro de acusações contra nós, removendo-o e pregando-o na cruz. Desse modo, desarmou os governantes e as autoridades espirituais e os envergonhou publicamente ao vencê-los na cruz. (NVT) Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele, arraigados e edificados nele e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, crescendo em ação de graças. Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo principado e potestade; no qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo da carne: a circuncisão de Cristo. Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. E, quando vós estáveis mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo. (ARC) Termos destacados παρελάβετε (parelabete) = Verbo - Aoristo Indicativo Ativo - 2ª Pessoa do Plural. De para e do lambano; receber próximo, ou seja, associar-se a si; por analogia, assumir um cargo; figurativamente, aprender.112 περιπατεῖτε (peripateite) = Verbo - Presente Imperativo Ativo - 2ª Pessoa do Plural. De peri e pateo; pisar em todos os lados, ou seja, andar solto; figurativamente, viver , deportar-se, seguir.113 στοιχεῖα (stoicheia) = Substantivo - Acusativo Neutro Plural. Derivada da base neutra de stoicheo; algo ordenado em arranjo, ou seja, um constituinte serial, proposição. -> forças espirituais.114 τοῦ (tou) = Artigo - Genitivo Masculino Singular. O, o artigo definido. Incluindo o feminino ele, e 112 Colossenses 2:6 Portanto, assim como recebestes Cristo Jesus como Senhor, continuai a andar n'Ele, (biblehub.com) Colossenses 2:6 Portanto, assim como recebestes Cristo Jesus como Senhor, continuai a andar n'Ele, (biblehub.com) 114 Colossenses 2:8 Cuide para que ninguém o leve cativo por meio da filosofia e do engano vazio, que se baseiam na tradição humana e nas forças espirituais do mundo, e não em Cristo. (biblehub.com) 113 o neutro em todas as suas inflexões; o artigo definido; o.115 κόσμου (kosmou) = Substantivo - Genitivo Masculino Singular. Provavelmente da base do komizo; arranjo ordenado, ou seja, decoração; por implicação, o mundo (moralmente).116 Θεότητος (Theotētos) = Substantivo - Genitivo Feminino Singular. Divindade, Deidade. De theos; divindade.117 κατοικεῖ (katoikei) = Verbo - Presente Indicativo Ativo - 3ª Pessoa do Singular. Habitar, instalarse, estabelecer-se (permanentemente), habitar. De kata e oikeo; para abrigar permanentemente, ou seja, residir.118 σωματικῶς (sōmatikōs) = Advérbio. Corporalmente, corporalmente, pertencente ao corpo. Advérbio de somatikos; corporal ou fisicamente.119 νεκροὺς (nekrous) = Adjetivo - Acusativo Masculino Plural. (a) adj: morto, sem vida, sujeito à morte, mortal, (b) substantivo: um cadáver, um cadáver. De nekus aparentemente primário; morto.120 παραπτώμασιν (paraptōmasin) = Substantivo - Dativo Neutro Plural. Uma queda, lapso, deslize, passo falso, transgressão, pecado. De parapipto; um deslize lateral, ou seja, erro ou transgressão.121 Como recebestes, pois, Cristo Jesus, o Senhor, andai nele (Filipenses 1:27; Filipenses 2:9-11; 1 Tessalonicenses 4:1; 2 Tessalonicenses 2:13-15; 1 Coríntios 15:1, 2; Gálatas 3:2-4; Gálatas 5:1; Hebreus 3:6; Hebreus 4:14; Hebreus 10:23; João 7:17; João 15:5-10; Romanos 3:11). Tal caminhada será consistente com sua firmeza anterior e os levará a realizações espirituais maiores (Colossenses 1:10; ver nota). "Recebestes" (παραλαμβάνω, não δέχομαι, como em Colossenses 4:10: comp. 1 Tessalonicenses 2:13) lembra aos Colossenses o que receberam (compare-se "fostes ensinados", ver. 7 e Colossenses 1:7) e não o modo como o receberam.122 Filosofia e engano vão, isto é, (como "o conhecimento falsamente chamado" de 1Timóteo 6:20), uma filosofia que está inseparavelmente ligada ao engano vão. A advertência implícita aqui parece ser dupla: 115 Colossenses 2:8 Cuide para que ninguém o leve cativo por meio da filosofia e do engano vazio, que se baseiam na tradição humana e nas forças espirituais do mundo, e não em Cristo. (biblehub.com) 116 Colossenses 2:8 Cuide para que ninguém o leve cativo por meio da filosofia e do engano vazio, que se baseiam na tradição humana e nas forças espirituais do mundo, e não em Cristo. (biblehub.com) 117 Colossenses 2:9 Porque em Cristo habita em forma corporal toda a plenitude da Deidade. (biblehub.com) 118 Colossenses 2:9 Porque em Cristo habita em forma corporal toda a plenitude da Deidade. (biblehub.com) 119 Colossenses 2:9 Porque em Cristo habita em forma corporal toda a plenitude da Deidade. (biblehub.com) 120 Colossenses 2:13 Quando você estava morto em suas transgressões e na incircuncisão de sua natureza pecaminosa, Deus o fez vivo com Cristo. Ele nos perdoou todas as nossas ofensas, (biblehub.com) 121 Colossenses 2:13 Quando você estava morto em suas transgressões e na incircuncisão de sua natureza pecaminosa, Deus o fez vivo com Cristo. Ele nos perdoou todas as nossas ofensas, (biblehub.com) 122 Pulpit Commentary: Colossenses 2:6 Portanto, assim como recebestes Cristo Jesus como Senhor, continuai a andar n'Ele, (biblehub.com) (1) Primeiro, contra considerar o cristianismo principalmente como uma "filosofia", isto é, uma busca e conhecimento da verdade especulativa, mesmo a mais elevada. Que envolve filosofia é óbvio, pois pretende resolver para nós o grande problema do Ser, na Natureza, no Homem e em Deus. São Paulo, enquanto deprecia a sabedoria deste mundo, habita enfaticamente no evangelho como a "sabedoria de Deus". (Ver especialmente 1Coríntios 2:6-16.) Nesta epístola em particular, ele fala de "sabedoria" repetidamente (Colossenses 1:9; Colossenses 1:28; Colossenses 2:3; Colossenses 3:16; Colossenses 4:6) como uma grande característica da vida cristã. Também não é menos claro (como nos lembram sinceramente os antigos comentaristas gregos) que o cristianismo encontra um lugar e uma bênção para toda a verdadeira filosofia dos homens, e faz dele, como SãoPaulo fez em Atenas, uma introdução à sabedoria superior. Mas o cristianismo não é uma filosofia, mas uma vida - não um conhecimento de princípios abstratos, mas um conhecimento pessoal da fé e do amor de Deus em Cristo. 2) Em seguida, contra aceitar na filosofia o "engano vão" da mera especulação e da imaginação em vez da modesta e laboriosa investigação dos fatos. Este é o "conhecimento falsamente chamado"; disso pode-se dizer (como em 1Coríntios 8:1) que "incha" e não "edifica". Nos tempos antigos e modernos, sempre confundiu teoria brilhante com descoberta sólida, deliciando-se especialmente em dissolver os grandes fatos do evangelho em abstrações, que podem flutuar em sua terra nublada de imaginaçã o.123 Nele habita corporalmente toda a plenitude da Trindade. Aqui quase todas as palavras são enfáticas. Primeiro, "Toda a plenitude da Trindade" – não uma mera emanação do Ser Supremo. Em seguida, "habita" e permanece para sempre – não descendo sobre Ele por um tempo e deixando-O novamente. Por fim, "corporalmente", isto é, como encarnado em Sua humanidade. O todo é uma extensão e aplicação de Colossenses 1:19: "Deus se agradou de que nele habitasse toda a plenitude". O horror de tudo o que era material, como tendo nele a semente do mal, induzia à negação ou da realidade do corpo de nosso Senhor, ou de sua conexão inseparável com a Divindade Nele. Daí a ênfase aqui; como também encontramos (um pouco mais tarde) em São João, "O Verbo se fez carne" (João 1:14); "O espírito que não confessa que Jesus Cristo veio na carne... é o espírito do anticristo" (1João 4:3).124 E tu, estando morto por causa das tuas transgressões e da incircuncisão da tua carne, ele te fez vivo junto com ele, tendo-nos perdoado todas as nossas ofensas (Efésios 2:1-5; Efésios 1:7; Romanos 5:12-21; Romanos 6:23; Romanos 7:9-13, 24; Romanos 8:1, 2, 6, 10; 1 Coríntios 15:56; João 5:24; João 6:51; 1 João 3:14; Gênesis 2:17). Para a transição de "ter ressuscitado" (ver. 12) para este versículo, comp. Efésios 1:20 - 2:1; também Colossenses 1:20, 21. Novamente o particípio dá lugar ao verbo finito: dois pontos é uma parada suficiente no final do versículo 12. A morte, na teologia de São Paulo, é "uma expressão coletiva para todas as consequências jurídicas do pecado" (ver o Léxico de Cromer, sobre θάνατος e νεκρόζς), do qual o elemento espiritual primário é o rompimento da comunhão da alma com Deus, da qual voaram 123 Comentários de Ellicott para leitores em inglês: Colossenses 2:8 Cuide para que ninguém o leve cativo por meio da filosofia e do engano vazio, que se baseiam na tradição humana e nas forças espirituais do mundo, e não em Cristo. (biblehub.com) 124 Comentários de Ellicott para leitores em inglês: Colossenses 2:9 Porque em Cristo habita em forma corporal toda a plenitude da Deidade. (biblehub.com) todos os outros males contidos nele. A vida, portanto, começa com a justificação (Romanos 5:18). "Ofensas" são atos particulares de pecado (Efésios 1:7; Efésios 2:1, 5; Romanos 5:15-20; Romanos 11:11); "incircuncisão da carne" é a impureza pecaminosa geral da natureza. Os falsos mestres provavelmente estigmatizaram o estado incircunciso como profano. O apóstolo adota a expressão, mas a refere à vida pré-cristã de seus leitores (ver vers. 11, 12), quando a incircuncisão gentia era um verdadeiro tipo de sua condição moral (Romanos 2:25; Efésios 2:11). Esses atos pecaminosos e essa condição pecaminosa foram a causa de seu antigo estado de morte (Romanos 5:12). Os revisores restauram corretamente o segundo "tu" enfático - "vós, gentios incircuncisos" (comp. Colossenses 1:21, 22, 27; Efésios 1:13; Efésios 2:11-18; Romanos 15:9). Foi Deus quem "vos fez vivos" ao "ressuscitá-lo (Cristo)" (ver. 12); sendo o segundo ato a consequência e a contrapartida do primeiro, e a fé o elo subjetivo entre eles.125 Justo L. Gonzalez: A expressão “da maneira que” não indica que devam caminhar do mesmo modo quando receberam a Cristo, mas que uma coisa (receber a Cristo) leva a outra (andar nEle), e determina o que a segunda há de ser. “Cristo Jesus o Senhor” que os crentes “tem recebido” é o “mistério” onde “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”. Por terem “recebido a Cristo Jesus o Senhor”, os crentes hão de andar de certo modo que o resto da epístola delineará. O “andar” é uma maneira de expressar a vida e o caminho que se segue nela. Não nos esqueçamos de que um dos primeiros títulos que os cristãos tiveram foi “os do Caminho”. Firmemente Arraigados E Sobreedificados Nele: Da mesma maneira que a palavra “arraigados” etimologicamente quer dizer “enraizados”, assim também a palavra que aqui se usa no grego se deriva de um verbo que quer dizer “lançar raízes”. A palavra que se traduz por “sobreedificados” quer dizer isso mesmo, e comumente se refere a construir uma casa ou edifício sobre um cimento. Logo aqui se combinam duas metáforas que tem o mesmo sentido, ainda que uma se derive da agricultura e a outra da construção… e consolidados pela fé: as duas metáforas, uma referente a plantas e a outra aos edifícios, se reafirmam agora com uma palavra mais literal: “consolidados”.126 O que se traduz por “princípios elementares” (stoicheia) pode ter diversos sentidos, e os eruditos discutiriam qual deles se usaria entre os colossenses aos quais a epístola se dirige. Em seu uso mais comum, essa palavra se refere aos elementos dos quais é feito o mundo, que naquele tempo se pensava que eram a terra, o ar, o fogo e a água. Ela também era usada no sentido em que hoje dizemos, por exemplo, “princípios de sociologia”, com o qual queremos dizer simplesmente 125 Pulpit Commentary: Colossenses 2:13 Quando você estava morto em suas transgressões e na incircuncisão de sua natureza pecaminosa, Deus o fez vivo com Cristo. Ele nos perdoou todas as nossas ofensas, (biblehub.com) 126 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 96;97). CPAD. Edição do Kindle. os rudimentos da sociologia... Ademais, se falava dos deuses, e particularmente dos poderes que se supunha que regiam os astros, como “princípios” o stoicheia. O fato de que em Cristo esteja toda a “plenitude (plērōma) da Divindade” refuta toda possibilidade de que haja algo mais completo que Ele, ou algo verdadeiramente valioso a ser acrescentado. Tudo o mais é o que o v. 8 chama de “filosofias e vãs sutilezas”. São puras especulações e construções humanas, que podem parecer razoáveis ou interessantes, mas, na realidade, não são mais que “falsos argumentos persuasivos” (2:4). Aqui se acrescenta ao caráter de Cristo como “cabeça”, uma nova dimensão: uma vez que nEle habita “toda a plenitude” (2:9), Ele é a cabeça não só da igreja, mas também de tudo quanto existe, inclusive de “todo principado e autoridade”. Esta última frase pode ser entendida tanto no sentido dos principados e autoridades que existem no âmbito social (os reis e outros governantes) como no sentido de seres espirituais e malignos, como em Efésios 6:12: “nossa luta não é contra sangue nem carne, mas contra principados, contra autoridades, contra os governantes dessas trevas, contra espíritos de maldade dos lugares celestiais”. Em qualquer dos casos, está claro que todos os principados e qualquer outra autoridade, sejam bons ou maus, tem a Cristo por cabeça. Nada há que fique excluído do poder de Cristo, em quem habita corporalmente toda a plenitude da Deidade. 127 Essencialmente, o que aqui se diz parece claro: como a circuncisão era sinal e meio de entrada ao povo de Israel, assim também o batismo é sinal e meio de entrada ao corpo de Deus que é a igreja. Mas além deste ponto, este versículo tem sido muito discutido ao longo da história porque se tem empregado-o repetidamente para justificar o batismo de infantes. O argumento proposto em tais casos é: segundo a lei de Israel, a circuncisão deve ser praticada nos filhos de Israel aos oito dias de nascidos, sem esperar que possam reconhecer e aceitar ao Deus de Israel. Se, como parece dizer esta passagem, o batismo veio tomar o lugar da velha circuncisão, não é necessário esperar a que a pessoa possa reconhecer e aceitar o Evangelho para fazer-se partícipe desta “circuncisão que vem de Cristo”. A imagem de ser “sepultados juntamente com o batismo” dá a entender que nos primeiros tempos o batismo era por imersão, como o era também em práticas judias semelhantes.128 Justo Gonzalez diz ainda que o “batismo não é somente um morrer em Cristo, mas também um voltar a se levantar com Ele a nova vida”.129 127 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 99;100;101;102). CPAD. Edição do Kindle. 128 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 105). CPAD. Edição do Kindle. 129 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 106). CPAD. Edição do Kindle. Ainda que, usando outras palavras e imagens, a mesma idéia aparece no capítulo 3 do Evangelho de João, onde Jesus diz a Nicodemos que é necessário nascer de novo. Frequentemente, esse “nascer de novo” se entende simplesmente como ter a experiência da presença de Cristo e a nova vida que essa experiência implica. Isso está correto; porém o que nos esquecemos é o caráter radical desse “nascer de novo”. Não foi à toa que Nicodemos não conseguiu entender. Nascer para uma nova vida não é adicionar a fé à vida que temos, nem é trocar de alguma maneira a vida que vivemos, mas é verdadeiramente morrer para voltar a nascer; morrer para ressuscitar... A vida cristã requer uma nova conduta; mas o fundamento da vida cristã não é simplesmente uma nova conduta, mas que é uma nova vida, um morrer para ressuscitar com Cristo.130 O documento que aqui se menciona era um certificado de dívida, frequentemente um escrito firmado pelo devedor (cheirografon: literalmente, um escrito a mão, é dizer, um autógrafo). Esse documento de dívida ia “contra nós” (note-se todavia o uso da primeira pessoa) por razão de “seus decretos”. Aqui aparece o tema, que depois se fez predominante na igreja ocidental, do pecado como uma dívida em que se incorre por quebrar a lei ou os decretos de Deus. 131 Werner de Boor, Paulo havia falado do trabalho que ele realiza com fadigas. Trabalhar para Jesus não é brincadeira. Evidentemente, por causa do cristianismo estatal e territorial nós facilmente pensamos que a existência da igreja seria “óbvia”, que ela de fato resulta “automaticamente” a partir do poder dos costumes e da tradição. Por isso a profissão de líder da igreja, de pastor, seria confortável e pacata, para pessoas que não se enquadram na luta pela sobrevivência e cujos modos delicados e tranqüilos não lhes permitem ter aptidão para outras tarefas. Paulo tinha uma experiência diferente. Ainda hoje as duas cartas aos Coríntios e a carta aos Gálatas constituem testemunhos palpáveis de quanta luta intensiva, dedicação sincera, disposição corajosa para a dor e clareza penetrante e sabedoria multifacetada não apenas participam da fundação de uma igreja, mas também de seu desenvolvimento e continuidade. Todas as igrejas que conheciam Paulo pessoalmente e presenciaram seu serviço sabiam disso por experiência própria. Porém, uma vez que sua incumbência singular colocava todas as igrejas das nações sob sua responsabilidade, ele deseja que também aqueles que “não viram sua face na carne” apesar disso “saibam que grande luta ele enfrenta”, também por eles, por Colossos e Laodicéia e todos os demais. Devem saber que o estado deles, seu desenvolvimento contínuo, a manutenção de sua saúde ou sua degeneração constituem para ele objeto de interesse pessoal, de ardente preocupação, de lutas intimas e orações. É assim que os colossenses também devem entender a presente carta. Por que uma luta tão grande faz parte da preservação e continuidade de uma igreja? Nós não sabemos mais por que já não temos uma verdadeira “igreja”. Temos instituições solidamente estruturadas que de fato 130 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 109). CPAD. Edição do Kindle. 131 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 110). CPAD. Edição do Kindle. se preservam pelo peso da tradição e através da força do egoísmo institucional, e no âmbito dessas instituições temos os numerosos indivíduos abarcados e sustentados por esse espaço. Mas para Paulo estava realmente em jogo a “comunidade eclesial”, a irmandade concretamente vivida dos crentes. Aqui, porém, há “corações”, com todas as tendências divergentes que habitam no coração humano. Com quanta disposição e rapidez nós nos “confrontamos”, ao invés de nos “congregar”! Por isso, como é necessário que os “corações experimentem o conforto apropriado” constantemente, para que melindre, medo, desânimo, orgulho e inveja sejam superados, e para que amabilidade, cordialidade, humildade e paciência produzam dia após dia a verdadeira concórdia dos membros da igreja. Contudo a unidade da irmandade ainda carece de um segundo aspecto. É verdade que naquela época se tratava sempre de igrejas que haviam surgido pela decisão de fé pessoal, pela conversão clara e pelo renascimento de seus membros. Mas quando nos convertemos é muito pequeno nosso entendimento do evangelho, nossa percepção e desvendamento do mistério de Deus, de todo seu agir salvador em Cristo! Afinal, é por isso que somos inicialmente “crianças recém-nascidas”, que apenas começam a olhar para dentro do mundo de Deus que até então era “estranho” e incógnito. Uma criança recémnascida é um deleite, e a gratidão dos pais por ela se eleva com júbilo. Mas quando a criança não passa a crescer e não aprende a andar, atingindo a independência, ela está doente e corre perigo de definhar ou morrer. “Conversões” são um deleite, os anjos no céu se alegram, e a igreja pode agradecer e louvar. Contudo, quando o crente estaciona na “conversão”, quando não avança, a condição cristã permanece precária e pobre, e por isso a primeira alegria se dissipa em breve, tornando “enfadonho” o cristianismo há pouco saudado com tanta alegria. Então também não existe certeza plena, o cristão permanece inseguro, oscila, indefesamente exposto a toda sorte de influências e ataques... Por isso o incansável trabalho e tenaz empenho também visam agora conduzir os corações a “toda a riqueza da forte convicção do entendimento”.132 Conforme comenta Craig S. Keener, 2.6. “Andar” era verbo comum para descrever a vida de acordo com as leis de Deus (veja comentário de G1 5.16); “receber” era frequentemente usado pelos judeus mestres da lei no sentido de transmitir as tradições aos alunos. Paulo exorta os colossenses a continuarem a andar naquilo (e naquele, isto é Cristo) que aprenderam, e não de acordo com as meras tradições humanas (2.8). 2.7. Paulo combina imagens agrícolas e arquitetônicas, como em I Coríntios 3.9 (veja comentário). Os profetas do Antigo Testamento aplicavam essas imagens a Israel (se obedecesse a Deus, se enraizaria, seria plantado, edificado etc.). O uso dessa linguagem pelos primeiros cristãos provavelmente deriva do Antigo Testamento. 2.8. Paulo usa linguagem filosófica nas cartas (incluindo nesta), mas sua fonte de conhecimento é a revelação de Deus em Cristo (2.2,3,6), e não a razão finita dos filósofos (2.4). Embora só os mais instruídos estudassem Retórica ou Filosofia, a influência dessas disciplinas permeava o mundo antigo como um todo. A Filosofia nesse período debruçavase especialmente sobre a moral e os assuntos éticos; os novos cristãos, que lidavam com essas mesmas questões, naturalmente se interessariam pelas idéias dos filósofos. Os escritores judeus da Diáspora exaltavam a “filosofia”; alguns deles, como Filo, a combinavam prontamente com as experiências extáticas (cf. 2.18). (Josefo, judeu 132 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. palestino, ao escrever para um público de gentios não palestinos, chega a chamar o judaísmo de “filosofia” — Contra Apião 2.4, 47 — e descreve os diferentes movimentos judeus como “seitas filosóficas”... Muitos apologistas judeus, incluindo Filo e Josefo, acusavam os filósofos gregos de plagiar Moisés.) Os discípulos gregos também “transmitiam as tradições” de seus mestres. As expressões “princípios elementares” ou "elementos do mundo” (BJ) traduzem um termo que pode se referir à personificação das forças da natureza, aos seres espirituais ou aos “espíritos” (“espíritos que dominam o Universo”, NTLH), assim como em Gálatas 4.9 (cf. Cl 2.10). Mas é possível que aqui ele se refira, como de costume, aos princípios elementares em sentido literal mesmo (o termo costumava ser usado em relação ao alfabeto). Se é esse o caso, Paulo está afirmando que a simples mensagem de Cristo é muito mais profunda do que a mais fantástica sabedoria secular. (Os filósofos também costumavam tratar da cosmologia e dos “elementos” básicos do Universo.) 2.9. Os estóicos afirmavam que a divindade é preenchida por todas as coisas, geralmente no sentido panteísta. Os autores judeus fluentes em grego adaptaram o vocabulário estoico ao afirmar que a soberania de Deus abrange todas as coisas. Para Filo, a “plenitude” pode se referir à soma total dos poderes que manifestam a soberania de Deus e denotam a autossuficiência divina. Místicos judeus de período muito posterior referiam-se aos céus ao redor do trono de Deus como a “plenitude” divina. Outros escritos judaicos afirmavam que o Espírito, a sabedoria ou a glória de Deus “preenchem” o mundo, como no Antigo Testamento — é nesse último sentido, provavelmente, que se deve ler o versículo aqui. Qualquer que seja o sentido exato em que Paulo usou a palavra “plenitude”, ele claramente está afirmando que o acesso a tudo o que Deus é e faz só está disponível por meio de Cristo, função que 0 judaísmo antigo frequentemente atribuía à Sabedoria divina. 2.10. A expressão “poder e autoridade” (NVI; “todo principado e poder”, A21) provavelmente se refere aos poderes angelicais que, acreditava-se, governam as nações do mundo (veja 1.16; comentário de Ef 1.19- 23), doutrina de alguma forma central para os sujeitos doutrinalmente equivocados que desejam influenciar os cristãos de Colossos (veja comentário de 1.16; 2.18). Os termos “autoridade” ou “principado” são os que mais fazem sentido aqui, embora Jesus também seja a "fonte” deles (1.16). 2.11,12. Costumava-se afirmar que a circuncisão física ocorre “na carne” (Gn 17.11). O Antigo Testamento e alguns textos judeus (sobretudo os textos essênios) mencionam uma circuncisão “espiritual” (Dt 10.16; 30.6) que, segundo os Manuscritos do Mar Morto, daria forças ao indivíduo para superar o impulso maligno (veja comentário de Rm 7.14-25 (É bem possível que Paulo esteja fazendo um trocadilho baseado na ideia grega do corpo como um “túmulo” do qual o indivíduo precisa escapar para ter experiências místicas e para a sua libertação final, na morte. Se essa perspectiva vem sendo uma tentação para os leitores, Paulo está dizendo que eles já experimentaram toda a libertação do poder da carne de que precisam. 2.13,14. O termo traduzido por “escrita” (v. 14) referia-se às notas escritas à mão, em geral “escrita[s] de dívida” (NVI) que incluíam penas. Paulo pretende que os leitores pensem em um “documento de dívida” diante de Deus. A tradição judaica também retratava os pecados como “dívidas” a de Deus. O povo judeu usava o termo traduzido por “regulamentos” ou “ordenanças” (ARC) em relação às leis de Deus. Os decretos em geral eram postados em locais públicos. O povo judeu acreditava que seus pecados eram perdoados por meio do arrependimento. Os registros dos pecados eram apagados no Dia da Expiação a cada ano. Paulo afirma que a expiação ocorreu quando a dívida foi pregada com Cristo na cruz e, assim, paga (a crucificação não exigia pregos, mas eles foram usados no caso de Jesus; Jo 20.25; cf. At 2.23). 2.15. Em 2.8, Paulo usa uma palavra que podia significar “tomar como prisioneiro de guerra". Aqui, os próprios poderes cósmicos são mostrados como cativos na procissão triunfal de Cristo, imagem familiar para os romanos e presumivelmente conhecida por outros povos em todo o império (veja comentário em 2 Co 2.14). Nas procissões triunfais romanas, o general (no período em questão, geralmente o próprio imperador) vestia-se como Júpiter, o principal deus romano, e marchava adiante dos cativos humilhados, privados de suas posses. Quando os cativos eram figuras importantes, o espetáculo impressionava mais ainda. Aqui, Cristo demonstra o seu triunfo sobre os cativos mais importantes que seria possível imaginar (ironicamente, embora Paulo estivesse sob custódia romana, os soberanos espirituais por trás dos soberanos terrenos eram cativos de Cristo).133 Para Ralph P. Martin: A confiança de Paulo no estado sadio da igreja de Colossos não o impede de dirigir-se a ela em termos de conselhos (w 6, 7) e de advertência (v. 8). Não podia tomar por certa a continuação na fé que, segundo ele sente certeza, estão revelando (v. 5). Este é seu conselho pastoral típico: exortar seu povo a permanecer firme e a ficar inabalável quando ameaçam os perigos pendentes. 6. Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor é mais do que uma reflexão sobre a dedicação pessoal a Cristo que os leitores fizeram, embora inclua este aspecto. O verbo de Paulo “receber” (gr. paralambanein) pertence ao vocabulário semi-técnico do cristianismo primitivo que adotou do judaísmo rabínico a idéia de transmitir e salvaguardar uma tradição (paradosis). Os exemplos neotestamentários mais claros são 1 Co 11.2; 23-24; 15.1, 3; G1 1.9, 12; 1 Ts 2.13; 4.1; 2 Ts 3.6, empregando os verbos-chaves “entregar . . . receber.” Aquela tradição que foi entregue aos colossenses na evangelização inicial de Epafras (1.7) era essencialmente cristológica. Centralizava-se na Pessoa e na posição de Jesus Cristo, e exigia a lealdade e a dedicação daqueles que ouviram o querigma e se entregaram ao seu apelo. Aquela resposta seria expressada na fé-declarada no batismo, conforme os versículos posteriores tomam claro (2.11-12). Devemos certamente ver neste versículo uma alusão aos primeiros dias da missão em Colossos, tendo em vista (i) a referência a tal como fostes instruídos no v. 7; (ii) o perigo contrastante que se apresentava em Colossos na forma de uma tradição dos homens (v. 8) que o apelo de Paulo visava enfrentar; e (iii) a natureza do falso ensino que era uma aberração cristológica, do ponto de vista de Paulo. Sendo assim, Paulo coloca a primazia de Cristo como Senhor em primeiro lugar na sua lembrança, em oposição consciente ao erro que estava sendo inculcado em Colossos. Conforme observa Masson: “Se o ensino herético realmente lançava censuras contra a primazia universal de Cristo (1.15-20), era extremamente importante para o apóstolo lembrar seus irmãos colossenses acerca do senhorio de Jesus Cristo.” A resposta 133 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 684-686. apropriada a tal senhorio é a obediência ao ensino de Paulo. assim andai nele. Paulo conclama seus leitores a concretizarem sua profissão feita na ocasião do seu batismo. Tendo-O confessado como Senhor (Rm 10.9; 1 Co 12.3; At 8.37 D), são chamados a viver suas vidas em reconhecimento do Seu senhorio, que exclui todas as lealdades menores, especialmente aos espíritos astrais no ensinamento rival (2.8). O verbo andai é prático (no sentido de “conduzir sua vida,” como em 1.10). 7. nele radicados e edificados, e confirmados na fé. Estes são três particípios que estão juntos, com uma mistura perdoável de metáforas. Paulo começa com a linguagem da horticultura (radicados, como uma árvore que faz raízes fortes descer no solo). Depois, continua como uma metáfora tirada da arquitetura (edificados: gr. epoikodoumenoi, é um tempo presente para denotar o crescimento contínuo em contraste com o particípio perfeito de radicados que sugere a radicação firme, de uma vez para sempre, em Cristo). Os dois elementos de “radicados-edificados” acham-se lado a lado em 1 Co 3.9. O terceiro verbo, confirmados, é um termo jurídico, que sugere um contrato que é ratificado e tornado obrigatório. Destarte, os cristãos em Colossos são lembrados das suas declarações iniciais de fé mediante as quais sua vida comunitária como crentes começou. Fé significa mais provavelmente sua aderência ao evangelho apostólico do que a confiança pessoal, visto que Paulo os faz lembrar-se da necessidade de permanecerem firmes diante do assalto preparado pelo falso ensino (1.23). Um quarto verbo, crescendo em ações de graça, é mais um acompanhante da conclamação anterior do que parte da exortação apostólica. Talvez remonte conscientemente a 1.12 com sua convocação à gratidão a Deus pelos eventos salvíficos do evangelho. E. Lohse pensa que é um convite para tomar parte do hino cristológico de 1.15-20, sendo que a comunidade reconhece que vive sob o senhorio exclusivo de Jesus Cristo, a cabeça da Igreja. Veja 3.16-17 para uma chamada semelhante a uma confissão em forma de hino. 8. Este versículo aponta com precisão, pela primeira vez na carta, a presença do falso ensino em Colossos, que Paulo sentia ser um perigo tão grande. Cuidado, i.é, ficai de prontidão para não serdes feitos presa. O verbo (gr. sulagògein) é um termo raro, que significa sequestrar, capturar e levar embora como prisioneiro ou presa de guerra. A escolha que Paulo faz deste termo demonstra quão seriamente considera as intenções maliciosas (aqui: enredar) dos falsos mestres, que não são mencionados pelo nome. Os colossenses, no entanto, saberiam identificar a respectiva pessoa ou pessoas. com sua filosofia. “Filosofia” tinha uma gama ampla de significados, desde a procura do conhecimento e da sabedoria pelos gregos até a descrição judaica das seitas dentro do judaísmo (Josefo, Ant. xviii.ll). Parece que neste texto representava a alegação que os mestres do erro estavam fazendo, no sentido de que dominavam os segredos do universo mediante seu conhecimento (gr. gnòsis). Paulo emprega a palavra deles; e passa então imediatamente a pronunciar seu julgamento de que a alegação é espúria. Vãs sutilezas obviamente visa desmascarar a vergonha vazia desta teosofia. Duas razões são citadas para a atitude negativa de Paulo. O falso ensino é (i) conforme a tradição dos homens, que talvez seja uma olhadela velada na transmissão secreta de fórmulas e senhas na religião gnosticizante em Colossos. Para Paulo, este é um sinal claro da natureza de feitio humano do ensino, em contraste com a mensagem apostólica que proclamava ter a autorização divina e que estava disponível a todos os homens. Cf. 2.6 para o contraste, (ii) Mais seriamente para Paulo, a filosofia ilusória dava lugar aos rudimentos do mundo (i.é, poderes demoníacos; veja a Introdução págs. 20-24) que eram rivais de Cristo. Este é o ponto principal da acusação de Paulo dirigida contra um “sistema” que tomava o lugar de Cristo, ou por meio de degradá-Lo para uma posição inferior dentro do plèrõma ou mediante a insistência de que Seu papel de Mediador, em si mesmo, era insuficiente para colocar os homens e as mulheres em contato com Deus. Os dois versículos seguintes são a refutação feita por Paulo da calúnia feita contra o Senhor da Igreja. 9. Porquanto nele (e não nos poderes cósmicos) habita corporalmente toda a plenitude da Divindade (não uma parte apenas, nem de modo fragmentário, que faria de Cristo a cabeça do universo bem como da Igreja, mas não de modo exclusivo). As partes diferentes deste versículo estão abertas à discussão. Claramente, nele fica numa posição enfática, como se Paulo pretendesse indicar o contraste entre Cristo e os poderes. Na. “heresia” colossense as forças espirituais do universo eram consideradas repositórios da divindade que agiam como intermediários entre o Deus altíssimo e o mundo dos homens. Paulo demonstra quão errônea é esta idéia, mediante sua insistência que “toda” a essência divina (gr. theotês, que é um termo enfático para a Divindade, “um substantivo abstrato para o próprio Deus” em contraste com um termo semelhante theiostès, que significa as qualidades ou características divinas, como em Rm 1.20) reside na Pessoa de Jesus Cristo. É nele — e não nos intermediários angelicais — que a plenitude divina habita na sua totalidade. E o Cristo não é simplesmente outro eão (ou eón) espiritual ou nulidade cósmica. Encarna a plenitude de Deus na Sua Pessoa humana; a plenitude habita nEle corporalmente, seja no sentido de “realmente, e não simbolicamente”, ou “realmente, e não aparentemente” - como se Paulo estivesse refutando a negação da plena humanidade de Jesus ao insistir na Sua “plena humanidade . . . não uma humanidade que é mera capa para a divindade” ou “corporalmente, como Cabeça do universo e da Igreja, não de uma maneira que faria dEle apenas um repositório da divindade entre vários outros.” Este último ponto de vista parece preferível à luz da observação subsequente de Paulo, de que a plenitude de Deus é achada tanto em Cristo quanto na Igreja, Seu corpo. Do outro lado, sua verdadeira participação na nossa humanidade em um sentido que não faz da encarnação uma charada é indicada por um dos significados ligados a corporalmente. A plenitude da Divindade veio habitar numa vida verdadeiramente humana que foi vivida em nosso mundo como a perfeita “imagem de Deus” numa pessoa humana (1.15). 134 De acordo com Werner de Boor: A igreja de Jesus, porém, tem a resposta, que por isso mesmo continua a mesma há dois mil anos. A resposta que repetidamente tranquilizou e libertou inteligentes e símplices, eruditos e indoutos, europeus, asiáticos e africanos, não por último justamente também pessoas que durante anos haviam seguido o caminho da busca e elucubração filosófica. Essa resposta não consiste de uma idéia, uma máxima, uma opinião, ela consiste de uma pessoa viva, Cristo. “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.” O que mantém coeso o cerne do mundo, o coração do mundo, o sentido do mundo nos foi dado da única maneira que podemos captar, na forma como a criança e a pessoa simples entendem e que ao mesmo tempo permanece inesgotável para o mais erudito e intelectualmente exigente: “corporalmente”, como ser humano. Todas as perguntas da visão de mundo desembocam na busca por Deus. Cristo não deixa transparecer traços isolados da divindade; nele, uma pessoa, “habita toda a plenitude da divindade”, Deus em toda a sua essência. Por essa razão ele é a resposta a todas as perguntas, não teoricamente, 134 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 87-91. em palavras, mas vivamente em sua pessoa. Já falamos do pleroma, da “plenitude”, como um conceito especial daquele tempo (cf. acima, p. 297). Esta palavra não ocorre nas demais cartas de Paulo às igrejas (exceto Efésios), um sinal de que Paulo aqui de fato aproveita um termo em voga na região que influenciava a igreja. Não obstante, o Espírito Santo certamente sabia por que fez com que também essa palavra e essa afirmação fossem anotadas por Paulo e preservadas para a igreja. Tornam-se extremamente modernas tão logo recordamos que uma frase muito importante na polêmica da Idade Moderna voltada contra a fé cristã certa vez foi classicamente formulada dessa forma: “A idéia não tem predileção por derramar toda a sua plenitude em um indivíduo.” O relativismo moderno gosta de reconhecer Jesus como uma revelação parcial da “idéia” (em termos filosóficos distintos), como uma estrela reluzente no céu intelectual da humanidade, como uma análise significativa do grande mistério por trás do mundo, como uma das muitas revelações da divindade ao longo dos tempos e através dos povos, que somente em sua totalidade poderiam fornecer uma noção de toda a sua plenitude.135 Ainda de Boor diz que, Com o verbo no presente, “habita”, Paulo abrange todo o Cristo, também o que agora está exaltado à direita de Deus no corpo de glória. Mas também entenderíamos equivocadamente o mistério testemunhado em Fp 2.5ss se pensássemos: aquele que se esvaziou e humilhou foi apenas um ser humano durante toda a sua vida na terra. Na verdade o “Deus em Cristo” (2Co 5.19) vale justamente para o ato reconciliador na cruz. Não descobrimos o coração em nenhum outro lugar que não no obediente humilhado e servidor, no indefeso sofredor e moribundo, que foi feito pecado por nós! É exatamente aqui que está “verdadeiramente presente a plenitude da divindade”. Essa é a bela certeza da mensagem cristã de Deus, obviamente um “escândalo” para toda a religiosidade humana e um “absurdo” para toda a lógica humana, porém para nós redimidos força e sabedoria de Deus, captada precisamente pelos filhos e tolos, com adoração e ação de graças! Cl 2.9 e Fp 2.5 formam uma unidade. 10 Contudo não foi somente a pergunta por Deus que obtém aqui sua resposta definitiva. Também é solucionada, de forma surpreendente, a pergunta pelo ser humano. Em Jesus ficou claro que a pergunta do ser humano por si mesmo, por sua verdadeira humanidade, não é teórica, mas eminentemente prática. O ser humano fracassou em seu próprio propósito. Por meio de passos em falso, por meio de toda a sua condição atual (a Bíblia emprega para isso o termo “carne”) ele está “morto”. Está irremediavelmente endividado, a “promissória” paira sobre sua vida, persegue-o e tira-lhe liberdade e vida. Por isso os melhores conhecimentos teóricos sobre a natureza do ser humano podem ajudá-lo tão pouco quanto as mais corretas e sublimes exigências, instruções e metas. A filosofia de todas as categorias e linhas, ao elaborar considerações sobre o ser humano, erige palacetes para – prisioneiros culpados e mortos. A busca pela humanidade do ser humano é na verdade a busca pela anulação eficaz da culpa e pelo despertar real da morte. Quem consegue fornecer uma resposta a essa questão que não seja uma resposta da teoria, mas da ação? Nenhuma filosofia é capaz disso. Mas há dois mil anos a igreja de Jesus sabe e experimenta em todas as circunstâncias e em cada ser humano (tanto o antropófago no Pacífico quanto o professor europeu) que a façanha de Jesus na cruz e sua ressurreição deram essa resposta de forma poderosa. Assim como em Jesus habita a “plenitude da divindade”, assim também o ser humano é “plenificado” com ele: “Nele estais plenificados”. Em Cristo Jesus o ser humano se reencontra – não teoricamente, mas de modo real – como pessoa criada segundo a imagem de Deus, destruída na queda do pecado e agora salva e renovada. Em 135 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Jesus serenam, de forma fundamental, todas as indagações sobre si mesmo, sobre o “de onde” e “para quê”. Por esse motivo, pois, é fato que uma criança ou uma pessoa muito simples em Jesus sabem muito mais sobre Deus e o ser humano, por ser viva propriedade, do que filósofos sem Jesus, até mesmo quando sua produção intelectual conferiu, e com razão, grande brilho ao nome deles. É a partir daí que precisamos compreender as duras palavras que o apóstolo profere pelo Espírito Santo à igreja de todos os tempos: “Cuidai que ninguém vos conduza à escravidão com sua filosofia e vãos engodos” [v. 8]. A luta e indagação do intelecto do ser humano na filosofia merecem todo o reconhecimento. Mas quando a filosofia passa a fazer de conta que realmente encontrou a resposta, ela se torna culpada de “engodo” (o que naturalmente não significa que cada um dos pensadores é acusado de cometer fraude intencional!). Quando suas supostas respostas e soluções visam conquistar pessoas da igreja de Jesus, ela age como um conquistador que arrasta pessoas da liberdade da terra natal para a escravidão do estrangeiro. 136 Novamente Ralph P. Martin disserta: 10. O ofício de Cristo como a encarnação de “toda a plenitude da Divindade” agora é declarado numa aplicação pessoal aos leitores. Também nele estais aperfeiçoados, (lit. “fostes levados à plenitude:” esta “plenitude de vida” em nós corresponde à “plenitude da Divindade” em Cristo; e “corporalmente” é o termo de vinculação entre aquilo que Jesus Cristo é em Si mesmo e aquilo que Ele veio a ser para Seu povo, Seu corpo que é a igreja. Com efeito, Paulo está dizendo: Cristo encarna o plèrõma divino; e vós, como Seu corpo, tendes uma participação nessa plenitude. Juntamente, Ele e a Igreja formam uma só unidade indissolúvel, o Cristo integral. Possivelmente, conforme observa Dibelius, Paulo está conscientemente usando um lema que os falsos mestres estavam adotando quando prometiam a “plenitude da vida” aos seus seguidores em Colossos. Ele é o cabeça de todo principado e potestade. A “chefia de Cristo” é Seu ofício de Senhor sobre os poderes do mal (cf. Rm 14.9; Fp 2.10, 11). No pensamento apocalíptico a derrota das forças malignas era esperada no fim da presente era. Aqui é proclamada como já tendo acontecido (contraste 1 Co 15.24ss. para uma esperança ainda futura em Paulo), e é muito possível que esta ênfase especial tenha sido ocasionada pela necessidade de asseverar o senhorio presente de Cristo sobre todo poder espiritual hostil. Ele é, ao mesmo tempo, seu criador (1.16), seu sustentador (1.17), e o Senhor que os subjugou (2.15). 11-15. Este parágrafo elabora o tema da “plenitude da vida nEle” e demonstra como os leitores paulinos chegaram à sua realização consciente. Certos passos estão claramente demarcados, e até este ponto o pensamento do autor está claro. É quando forçamos os pormenores que nossos problemas exegéticos começam. Num esboço muito simples: Paulo está dirigindo a atenção dos leitores às experiências memoráveis da. vida dos colossenses, tais como o batismo (w. 11, 12), a vida nova num despertamento dentre os mortos (v. 13), o perdão e uma nova posição diante de Deus (v. 14) porque Cristo venceu todos os seus inimigos e acusadores (v. 15). A frase-chave nesta seção inteira acha-se no v. II: no despojamento do corpo da carne. Esta é a maneira de Paulo relembrar a iniciação do cristão à sua nova vida em Cristo. O substantivo traduzido “despojamento” (gr. apekdusis) sugere a idéia de um rompimento total com a vida do passado, embora a metáfora é de despir-se e tirar vestes indesejáveis. “Uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos” (3.9) demonstra o lado prático desta transformação, empregando o verbo cognato e com 136 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. referência ao novo modo de vida do cristão. A alusão histórica diz respeito a uma ação batismal em que o novo convertido despia-se das suas roupas para o batismo e vestia-se de roupas novas depois do rito, o que é muito sugestivo, especialmente à luz de Gálatas 3.27. Além disto, Paulo faz o contraste, noutro trecho, entre a “circuncisão” (no Antigo Testamento) e a sua substituição no Novo Testamento pela resposta do cristão com fé (Rm 4.9-12) certificada no batismo, que é explicitamente mencionado no v. 12 deste capítulo. 11, 12. Até aqui, o pensamento fica claro, e nossa interpretação requer que entendamos que o corpo da carne significa a natureza não-regenerada do crente que quer tiranizá-lo e mantê-lo preso. Segundo este ponto de vista, o “corpo da carne” é virtualmente a mesma coisa que “o corpo desta morte” (Rm 7.24) ou “o corpo do pecado” (Rm 6.6). Desta tirania, a libertação é prometida pela soltura da escravidão, uma libertação simbolizada no equivalente cristão da circuncisão, circuncisão esta não por intermédio de mãos, i.é, uma que é totalmente a obra de Deus (frase esta que é achada com este sentido em Mc 24.58 par. e 2 Co 5.1). Paulo está enfatizando que é a obra de Deus, experimentada no batismo. Segundo este ponto de vista, a resposta dada ao rito da iniciação marca um novo começo numa vida de obediência ao Senhor celestial (assim Lohse). É possível, também, que Paulo esteja contrastando a “verdadeira” circuncisão, não com o equivalente veterotestamentário mas, sim, com um ritual praticado pelos hereges em Colossos. De um outro ponto de vista, no entanto, é possível um movimento cruzado mais sutil do pensamento do apóstolo. Este conceito é governado por duas convicções preliminares: primeiramente, deseja dar o valor integral à frase paulina a circuncisão de Cristo. Sustenta-se que isto significa, não um equivalente da circuncisão que pertence à dispensação cristã, mas, sim, a circuncisão que o próprio Cristo sofreu (veja Moule ad loc.). À pergunta: Quando isto ocorreu? a resposta (uma segunda consideração) é descoberta em 2.15. Aqui temos o mesmo verbo, “despojar”, que ocorre no v. 11. “Despojando (lit. despiu, gr. apekdusamenos) os principados e as potestades.” Mediante Sua morte na cruz, Cristo deu um golpe mortal nos Seus inimigos espirituais e passou debaixo do controle deles ao forçá-los a submeter-se a Ele depois de terem “tramado” a Sua morte; e assim, Ele os “reconciliou” ao remover o aguilhão da sua hostilidade (1.20). Este modo de entender o texto é dramático e emocionante. Paulo está conscientemente apelando para aquilo que Cristo fez na Sua obra salvífica. Despojou toda a tirania estranha representada pelas forças espirituais do mundo invisível que procurava mantê-Lo cativo (2 Co 2.6-8). Na submissão a elas na Sua morte, e na Sua vitória sobre elas na Sua ressurreição, Cristo representava o Seu povo. Nesse sentido, quando Ele ficou vitorioso sobre Seus inimigos, os crentes venceram o mesmo grupo de poderes espirituais estranhos. O meio sacramental mediante o qual Sua vitória fica sendo a deles é o batismo, em que a fé é um ingrediente vital. É mediante a fé e no batismo que a nova vida do crente começa, conforme Masson observa de modo apropriado. E o Senhor ressuscitou com Ele (3.1), e, como tal, é chamado a fazer uma afirmação diária da liberdade dos poderes malignos que operam na natureza humana frágil para arrastá-la para baixo (3.9). Esta segunda interpretação está coerente com o pensamento deste apóstolo em todas as partes da carta, e deve ser preferida, por mais estranho que o drama nos pareça como uma luta cósmica, dualista. 13. Mais fácil de compreender é a parte seguinte da descrição do apóstolo. E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa came corresponde a uma expressão semelhante, porém mais longa, em Efésios 2.1. Mas o acréscimo da segunda parte da frase significa que os colossenses eram gentios e que, antes da sua incorporação no povo de Deus, estavam fora do escopo da Sua misericórdia segundo a aliança (como em Ef 2.11, 12). Tal era sua triste situação. Duas áreas de necessidade são abrangidas. Moralmente, eram cortados da vida de Deus como pecadores alienados; e religiosamente ficavam longe da presença de Deus como um povo rejeitado, em posição desfavorável. Agora, tudo isto transformou-se, e uma nova ordem foi introduzida com a vinda de Cristo. Deus trouxe nova vida àqueles que estavam na morte espiritual e o perdão àqueles que estavam subjugados por poderes malignos. A realidade presente da vida ressurreta que Lohse considera um sinal da teologia pós-paulina é provavelmente esclarecida pela situação polêmica em Colossos e pela necessidade de ressaltar a suficiência do evangelho de Paulo para solucionar o caso dos colossenses aqui e agora, sem o suplemento da teologia estranha que estava oferecendo um remédio gnosticizante para uma plena comunhão com o divino. 14. O significado do perdão é ilustrado pelo uso de linguagem pitoresca e vívida. O escrito de dívida é uma nota promissória que significa uma dívida a ser paga. Era contra nós. Exatamente o que Paulo teve em mente? Como se encaixa a frase seguinte: que constava de ordenanças? E como a ação de Cristo, ao afastar o escrito por meio de encravá-lo na cruz pode ser relacionada com o quadro geral? Se avançarmos do mais recente para o menos recente, a partir da referência à ação de remover o documento legal, pareceria que não era a lei em si mesma que Cristo aboliu. Paulo nunca fala assim; o mais próximo que chega a isto é Romanos 10.4 ou Gálatas 2.19. Pelo contrário, era aquele aspecto da lei que “nos era prejudicial,” i.é, quando condenava o homem que deixava de cumpri-la. Acerca deste aspecto fala em Gálatas 3.13 com a frase: “a maldição da lei.” O conteúdo da frase o qual nos era prejudicial deve ser entendido como sendo as “ordenanças” (gr. dogmata: assim Percy, págs. 88-90); ou, à luz de um verbo cognato (gr. dogmatizesthe) em 2.20, refere-se às falsas ordenanças ritualistas dos hereges. Foi por meio destas exigências rigorosas que a lei veio a ser um instrumento de condenação. O Cristo obediente, no entanto, suportou aquela maldição em prol dos pecadores (G1 3.13; 2 Co 5.21) e assim cancelou o escrito de divida. Este sentido das exigências da lei que trazem a condenação é visto em 2.20, onde os colossenses estão sendo julgados por deixarem de viver à altura do código de regras e regulamentos imposto pelos hereges. A maneira segundo a qual Paulo pode identificar estreitamente o auto sacrifício de Cristo com o corpo da carne, que representa a pecaminosidade humana, tem sugerido para alguns intérpretes recentes uma nova linha de pensamento no que diz respeito ao nosso modo de compreender o escrito (gr. cheirographon) que era contra nós. Há uma dificuldade com o conceito tradicional, viz. que é desajeitado equiparar um escrito de dívida assinado pelos homens com uma exibição divina de condenação no escrito que é encravado na cruz. Há evidência, tirada do Antigo Testamento e da literatura judaica, para demonstrar que a idéia de um livro de obras mantido em dia por Deus e que registrava todos os pecados dos homens era familiar. O próprio termo cheirographon é usado para este livro num escrito apocalíptico judaico anônimo datado do século I a.C. Aqui, o livro é mantido em dia pelo anjo acusador, que anota todos os pecados do vidente. O vidente pede que sejam cancelados. Há outro livro, contendo as boas ações do vidente. As palavras posteriores podem ser a glosa explicativa sobre o substantivo cheirographon. A frase “que era contra nós” serve de identificação do livro de obras más. Se esta noção de um livro de acusações apresentado por um supremo promotor no tribunal celeste está no pano dê fundo do nosso texto, prepara o caminho para o ponto de vista de que o escrito não era uma nota promissória assinada pelos homens, mas, sim, uma cobrança apresentada por espíritos malévolos. Neste caso, as “ordenanças” ou exigências legais talvez nada tenham a ver com a lei mosaica, mas, sim, podem representar as ordenanças (gr. dogmata) que formam a base da acusação angelical, viz., que o homem é carnal e não-espiritual e fora de harmonia com o divino, uma acusação típica gnóstica contra a raça humana. Este ponto de vista sugere que Paulo adotou uma declaração existente da obra salvífica de Cristo (lavrada em forma de hino) e a passou pela sua redação para colocá-la em harmonia com seu ensino. O “hino” original de duas estrofes dizia apenas que era “contra nós.” Paulo acrescenta uma glosa de redator nas palavras: “e que constava de ordenanças o qual nos era prejudicial” como prelúdio ao verbo “removeu.” Fez assim por uma razão especial. Desejava ampliar a natureza da acusação que o processo jurídico angelical trazia contra os homens. À luz de 2.20 vê as exigências ascéticas (dadas em 2.23) como sendo demoníacas e anti cristãs, uma ameaça à Igreja. Proclama, portanto, que não há motivo para seus leitores consentirem a um modo de vida que é uma negação deliberada do seu evangelho e uma volta à tirania demoníaca que já foi vencida pela ação de Cristo em derrotar os poderes malignos e em cancelar a acusação deles contra a raça humana. Os motivos para o argumento supra são parcialmente textuais e parcialmente métricos, baseados na suposição de um hino pré-paulino em 2.13-15, e a redação dele feita por Paulo. Cristo assumiu um corpo humano na Sua encarnação e levou aquele corpo para a cruz, levando também os nossos pecados e identificando-Se com o homem, o pecador, na Sua morte (2 Co 5.21; G13.13; Rm 8.3). Este é o argumento de Blanchette para vincular cheirographon com o corpo de Cristo levando nossos pecados. A obra gnóstica Gospel of Truth (O Evangelho da Verdade), xx.23ss. fala de Jesus tomando (? usando) “aquele Livro” como sendo Seu próprio e sendo pregado a uma cruz onde afixou a ordenança do Pai à cruz. A. J. Bandstra apóia, com razão, o sentido de “usando”, porque o texto continua, dizendo: “Tendo despido estes farrapos perecíveis” (Sua carne), “vestiu-Se da incorruptibilidade, que é impossível que alguém tire dEle”. A associação entre “usar” e “deixar de lado” relembra o versículo anterior (v. 11) onde Cristo despiu-Se do Seu corpo de carne na cruz (2.15). Os cristãos repetem esta experiência sacramentalmente quando aceitam a “circuncisão de Cristo” e estão unidos com Ele na Sua morte e vitória. O resultado é o mesmo que aquele que é dado em Romanos 6.6: “Sabendo isto, que foi crucificado com ele (Cristo) o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído” — possibilidade esta cujo antecedente deve ser que Cristo tomou-Se um com o nosso pecado, “usou-o” como roupa no Seu corpo humano e assim aceitou a responsabilidade por este pecado quando o acusador angelical levantou acusações contra a raça humana. Removeuo inteiramente, encravando-o na cruz. Cancelar o escrito de dívida e encravá-lo na cruz vão juntos, embora não seja certo como esta última ação, referindo-se à crucificação histórica de Jesus, aplica-se â anulação das acusações. O verbo gr. exaleiphein significa “apagar,” “remover esfregando,” e, assim, “obliterar da vista,” assim como a escrita na cera ou numa lousa era removida. Dibelius-Greeven sugerem que o escrito é como o titulus ou sentença de condenação que era afixada sobre a cabeça do criminoso enquanto morria enforcado (Jo 19.20). Assim, o Cristo crucificado tomou sobre Si a nossa conta de culpa e fez dela Sua própria responsabilidade na morte. Contra esta idéia: “não parece haver evidência alguma em prol do alegado costume de cancelar um escrito de dívida ao atravessá-lo com um prego” (Moule). A ação eficaz parece achar-se mais na remoção de uma lista de pecados ao limpá-la esfregando-a. Para isto, Isaías 43.45 (LXX) fornece alguma antecipação: “Eu sou o que apago (gr. exaleiphõn) as tuas transgressões, e não me lembrarei delas.” Como preparativo para o culto judaico para o Ano Novo (RôS-haS näh.) há uma litania que se estende por dez dias, durante a qual a oração Abtnü Malkenü é recitada. Toma seu nome da invocação de abertura: “Nosso Pai, nosso Rei!” e duas linhas consecutivas dizem: Nosso Pai, nosso Rei! apaga nossas transgressões, e faz com que passem de diante de Teus olhos. Nosso Pai, nosso Rei! apaga nas Tuas misericórdias abundantes todos os registros da nossa culpa. O pregar deste documento, agora com todas as suas acusações apagadas, é, pois, uma ação subsequente que sugere “um ato de desafio triunfante diante daqueles poderes chantagistas” (Bruce) que estavam ameaçando os colossenses no sistema dos heréticos. 15. Despojando os principados e as potestades. Paulo continua com a mensagem do triunfo de Cristo. As forças espirituais que vos acusaram (diz ele) foram finalmente derrotadas por Cristo, que Se despiu do ataque deles que se apegava a Ele. Despojou-as do seu governo e desmascarou-as — usurpadores e tiranos, dominando os seres humanos e fazendo deles as petecas do destino e da necessidade férrea em subserviência a um culto astrológico. Sua cruz era o cenário de um desmascaramento público, e do triunfo retumbante de Cristo. Esta linha de interpretação dá peso integral a este particípio grego que é traduzido “despojando.” Lohmeyer argumenta de modo válido que a linguagem figurada não é tirada do campo da batalha onde o inimigo é “desarmado” mas, sim, de uma corte real em que os oficiais públicos são degradados ao serem despojados das suas honrarias. H. Schlier segue Lohmeyer ao tratar o verbo como sendo “uma remoção de honrarias mais do que um despojamento de armas.” A voz média do verbo é melhor explicada como sendo um depoente verdadeiro, em preferência ao sentido ativo e transitivo usado para denotar o interesse pessoal daquele que age. Ainda permanece em aberto a questão de se a plena força da voz média deve ser atribuída. A escolha é entre entender que o verbo significa: “Despojou os poderes malignos da sua dignidade e autoridade” (assim Lohse); ou, dando o sentido integral ao depoente: “Despojou-Se dos principados e dos poderes do mal.” Este último é o sentido adotado pelos Pais gregos e preferido por Lightfoot: “Os poderes do mal, que tinham ficado grudados como um manto de Nesso ao redor da Sua humanidade, foram arrancados e jogados eternamente para longe.” Esta interpretação faz o particípio governar os principados e as potestades, dando a tradução que temos em ARA. Há um terceiro ponto de vista, adotado pelos Pais latinos, que faria a ação de Cristo dizer respeito ao despir-Se da Sua carne. Além disto, é possível combinar estas interpretações gregas e latinas antigas... Este é o conceito que declara que Cristo (que é o sujeito do particípio) arrancou de Si mesmo as forças malignas que O atacaram, e que fê-lo ao despir-Se da Sua carne, visto que foi a Sua carne (i.é, Sua humanidade frágil) que os poderes malignos assaltaram. “Carne” neste contexto significa: “o meio através do qual Se envolvera na experiência humana da hostilidade dos Principados e das Potestades malignas, as forças espirituais que tinham usurpado a autoridade sobre os homens”. Conforme indica Moule (pág. 102), a transição entre estes dois pontos de vista é uma que Paulo muito possivelmente teria feito, a despeito da ausência de qualquer termo exato para “carne” no texto. A descrição que Paulo fez da reconciliação de Cristo em 1.22 (“no corpo da sua carne, mediante a sua morte”), no entanto, toma clara sua estreita associação entre a morte de Cristo e o meio da Sua existência corpórea. Publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles m cruz. Ainda mais uma ação também ressalta a maneira segundo a qual a vitória de Cristo na morte envergonhou os que queriam ser os vencedores. Não somente fez uma demonstração pública deles por meio de desmascarar seu verdadeiro caráter de usurpadores e rebeldes contra a autoridade divina, como também os levou numa procissão triunfante como inimigo derrotado. Os poderes demoníacos (como 1 Co 2.6-8) pensavam que podiam atacá-Lo como sendo fraco e indefeso (considerando-O, aparentemente, um homem mortal, identificado com a raça humana sobre a qual reivindicavam seus diretos — uma idéia gnóstica). Ele, porém, repeliu o ataque ao transformá-los em cativos e rebeldes conquistados cuja ameaça fora desafiada. Levou-os numa procissão pública, observa Paulo ao harmonizar uma ilustração histórica com o conceito mitológico, assim como o general romano vitorioso fazia desfile com seus prisioneiros de guerra acorrentados, passando pelas ruas da cidade depois de uma campanha vitoriosa no estrangeiro. Sugiro que a escolha que Paulo faz desta palavra é conscientemente governada por seu uso de um verbo raro em 2.8 (levar embora como prisioneiro de guerra) e é sua maneira de refutar a insinuação de que os colossenses são as vítimas indefesas dos falsos mestres com a sua angelologia: pelo contrário, diz Paulo, os poderes malignos estão subservientes ao Senhor vitorioso. Sendo assim, estes poderes demoníacos são sua “presa de guerra,” mostrada às vistas do público enquanto Ele subia à cruz. Do alto daquela cruz (o gr. de Paulo, en autò, lit. “nele”, é corretamente entendido por ARA como sendo “na cruz”) Ele reina e recebe a homenagem dos Seus inimigos, que agora estão “reconciliados” e subjugados (este versículo lança luz sobre 1.20). No assunto do ensino de Paulo sobre o tema antagonista e o tema de Christus Victor.137 12.COLOSSENSES 2:16-23 Portanto, não deixem que ninguém os condene pelo que comem ou bebem, ou por não celebrarem certos dias santos, as cerimônias da lua nova ou os sábados. Pois essas coisas são apenas sombras da realidade futura, e o próprio Cristo é essa realidade. Não aceitem a condenação daqueles que insistem numa humildade fingida e na adoração de anjos e que alegam ter visões a respeito dessas coisas. A mente pecaminosa deles os tornou orgulhosos, e eles não estão ligados a Cristo, que é a cabeça do corpo. Unido a ele por meio de suas juntas e seus ligamentos, o corpo cresce à medida que é nutrido por Deus. Vocês morreram com Cristo, e ele os libertou dos princípios espirituais deste mundo. Então por que continuar a seguir as regras deste mundo, que dizem: “Não mexa! Não prove! Não toque!”? Essas regras não passam de ensinamentos humanos sobre coisas que se deterioram com o uso. Podem até parecer sábias, pois exigem devoção, abnegação e rigorosa disciplina física, mas em nada contribuem para vencer os desejos da natureza pecaminosa. (NVT) Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo. Ninguém vos domine a seu bel-prazer, com pretexto de humildade e culto dos anjos, metendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus. Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum, senão para a satisfação da carne. (ARC) 137 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 91-99. Termos destacados σαρκὸς (sarkos) = Substantivo - Genitivo Feminino Singular. Carne, corpo, natureza humana, materialidade.138 νοὸς (noos) = Substantivo - Genitivo Masculino Singular. Provavelmente da base do vocábulo ginosko, o intelecto, ou seja, a mente.139 Κεφαλήν (Kephalēn) = Substantivo - Acusativo Feminino Singular. De kapto, primário; a cabeça, literal ou figurativamente.140 πᾶν (pan) = Adjetivo - Nominativo Neutro Singular. Tudo, o todo, todo tipo de. Incluindo todas as formas de declinação; aparentemente uma palavra primária; todos, o todo. 141 σῶμα (sōma) = Substantivo - Nominativo Neutro Singular. Corpo, carne, o corpo da Igreja. De sozo; o corpo, usado em uma aplicação muito ampla, literal ou figurativamente. 142 ἀπεθάνετε (apethanete) = Verbo - Aoristo Indicativo Ativo - 2ª Pessoa Plural. Estar morrendo, estar prestes a morrer, murchar, decair. De apo e thnesko; para morrer.143 Toda a ideia da morte com Cristo e ressurreição com Ele é resumida por Paulo em Romanos 6:3-9, em conexão direta (como também aqui, ver Colossenses 2:12) com a entrada sobre a vida cristã no batismo: "Somos sepultados com Ele pelo batismo até a morte... estamos mortos com Cristo... estamos plantados juntos à semelhança de Sua morte... que, assim como Cristo ressuscitou dentre os mortos pela glória do Pai, também nós devemos caminhar na novidade da vida. plantados juntos à semelhança de Sua ressurreição... vivo para Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor". A morte com Cristo é uma morte para "a vida da carne". Mas isso pode ser (como em Romanos 6:1-2; Romanos 6:6-7; Romanos 6:11) "a vida do pecado"; ou pode ser a vida exterior e visível "do mundo". Este último é o sentido a ser tomado aqui. 144 Para Justo L. Gonzalez: 138 Colossenses 2:18 Não permitais que quem se deleita na falsa humildade e na adoração dos anjos vos desqualifique com especulações sobre o que viu. Tal pessoa é inchada sem base por sua mente não espiritual. (biblehub.com) 139 Colossenses 2:18 Não permitais que quem se deleita na falsa humildade e na adoração dos anjos vos desqualifique com especulações sobre o que viu. Tal pessoa é inchada sem base por sua mente não espiritual. (biblehub.com) 140 Colossenses 2:19 Ele perdeu a conexão com a cabeça, de quem todo o corpo, sustentado e unido por suas articulações e ligamentos, cresce como Deus faz com que cresça. (biblehub.com) 141 Colossenses 2:19 Ele perdeu a conexão com a cabeça, de quem todo o corpo, sustentado e unido por suas articulações e ligamentos, cresce como Deus faz com que cresça. (biblehub.com) 142 Colossenses 2:19 Ele perdeu a conexão com a cabeça, de quem todo o corpo, sustentado e unido por suas articulações e ligamentos, cresce como Deus faz com que cresça. (biblehub.com) 143 Colossenses 2:20 Se você morreu com Cristo para as forças espirituais do mundo, por que, como se ainda pertencesse ao mundo, você se submete às suas regras: (biblehub.com) 144 Comentários de Ellicott para leitores em inglês: Colossenses 2:20 Se você morreu com Cristo para as forças espirituais do mundo, por que, como se ainda pertencesse ao mundo, você se submete às suas regras: (biblehub.com) Aqui vemos mais concretamente que era o que ensinavam ao menos alguns dos falsos mestres a quem a epístola intenta refutar. Seus “falsos argumentos persuasivos” pretendiam obrigar a todos os crentes em Cristo a ajustar-se às leis dietéticas e às festas cerimoniais dos judeus, assim como às leis a respeito do sábado. Tudo isto foi objeto de debate entre as primeiras gerações cristãs. Alguns diziam que, como Cristo tinha feito dos Seus seguidores beneficiários das promessas feitas antes a Israel, deviam eles seguir todos os regulamentos da Lei. Isto incluía não somente o monoteísmo e a pureza moral, mas também a pureza ritual que requeria que se observassem as leis dietéticas, os sábados, e ao menos no ensino de alguns, a circuncisão.145 A expressão “mente carnal” pareceria contraditória a boa parte da população de então. Na linguagem de muitos nessa época, tanto filósofos quanto líderes e devotos de diversas religiões, se falava de duas realidades contrastantes tanto no mundo como no indivíduo. Por um lado está o mundo espiritual, que no ser humano vem a ser o mundo intelectual ou a mente. Por outro está o mundo material, que no ser humano vem a ser o corpo ou a carne. Desde tal perspectiva, a frase “mente carnal” parecia um contrassenso... Muito possivelmente isso seja intencional, com o propósito de rechaçar o dualismo que reinava em muitos círculos tanto intelectuais como religiosos, e certamente no gnosticismo que ia tomando forma.146 Werner de Boor expõe que: Depois dos esclarecimentos fundamentais vem agora uma breve controvérsia com as diversas acusações e ataques com que a igreja em Colossos se defronta. A resposta aos grupos que interpelavam a igreja resulta automaticamente de tudo o que foi dito antes – o trecho inicia com “por isso” – e apresenta simplicidade e clareza objetivas. Evidentemente deparamo-nos nela com diversas expressões e conceitos que não conhecemos das demais cartas de Paulo. Além disso, justamente nessas frases o texto grego está nitidamente prejudicado. Por isso o comentário forçosamente permanecerá impreciso em um ou outro ponto. A igreja é “criticada”. Essa crítica brota de sua atitude prática diante de coisas bem determinadas. A igreja lida sem receios com alimentos e bebidas. Que pouca seriedade, que pouca santidade isso reflete! Quem realmente leva sua conduta “santa” a sério precisa, afinal, observar: “Não pegue! Não experimente! Não toque!” A igreja igualmente segue despreocupada com os dias. Não se importa com as fases da lua e não cumpre o sábado. Como pode ser tão leviana! Como são importantes os dias festivos, que na verdade estão relacionados com o curso dos astros e, portanto, com os poderes espirituais que governam os astros! Ainda mais o sábado! Ele já fora instituído já na criação e incutido pelo AT com tanta veemência! A igreja deixa isso simplesmente de lado?! Então ela jamais conquistará o prêmio da vitória, jamais será coroada por Deus! No entanto, se a igreja em Colossos leu e entendeu corretamente o que Paulo e Timóteo lhe escreveram no trecho anterior, ela também compreenderá a continuação consequente: “Por isso ninguém vos critique…” Naturalmente não pode evitar que essa crítica seja expressa contra ela. Porém não deve permitir que isso a abale ou derrube. Deve rejeitar com clareza e firmeza essa crítica. “Comida e bebida” – Jesus já apontara para o fato de 145 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 116 -117). CPAD. Edição do Kindle. 146 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 125). CPAD. Edição do Kindle. que essas coisas na realidade não podem contaminar o ser humano, “porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai pela via natural” (Mc 7.19). Do mesmo modo, também Paulo constata que “todas essas coisas, com o uso, se destroem” [v. 22]. O que terão, pois, a ver com nossa santidade perante Deus? Deixem os críticos falarem! E a pergunta a respeito dos “dias de festa”? Do “sábado”? Paulo explicita a questão com a ilustração do “corpo” e da “sombra”. Um corpo lança sua sombra e pode ser reconhecido pela sombra, segundo seu contorno. Porém o essencial não é a sombra, mas o próprio corpo. Assim o mandamento do sábado de Israel também é “apenas uma sombra do que haveria de vir, o verdadeiro corpo é do Cristo”. Os mandamentos e regras dados a Israel eram tão-somente a sombra projetada de uma coisa cuja realidade plena pertence somente a Cristo e chegou nele e com ele. Um dia específico era separado para Deus e considerado “santo”, em um único dia havia “repouso sagrado”. Contudo isso não passava de um prenúncio, um indício em forma de sombra de uma realidade muito mais gloriosa. Para Deus não contam os dias específicos que economizamos para ele; Deus se importa com toda a nossa existência, com cada dia e cada hora. Habita em Deus um repouso sagrado que não apenas interrompe a cada sete dias a atividade intensa e apressada em favor do próprio eu, mas que tranquiliza a vida inteira no meio da inquietação do mundo. Jesus trouxe esse sábado verdadeiro e essencial: em Mt 11.28 ele declara: “Eu vos darei descanso.” Jesus pronunciou essas palavras em aramaico, que nós certamente poderíamos traduzir assim: “Eu vos preparo o sábado.” Não é por acaso que Mateus relata no cap. 12 exatamente as controvérsias de Jesus com os fariseus sobre a questão do sábado. Quem compreendeu o que Paulo recomenda expressamente aos colossenses em Cl 3.17: “Tudo o que fizerdes, seja em palavras seja em ação, fazei tudo em nome do Senhor Jesus”, e o que recomendou encarecidamente aos coríntios em 1Co 10.31: “Quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”, esse já não conhece em sua vida a diferença entre tempos e dias “sagrados” e “seculares”. Portanto mais uma vez, agora nessas questões específicas que representavam o teor da crítica de determinados grupos aos colossenses, envolver-se com as idéias dos críticos não seria ganho, mas perda, não será uma santificação maior e mais profunda, porém uma limitação muito mais pobre e inferior! Quem tem o “corpo” não tentará obter a “sombra”! Deixem os críticos falarem!147 Para William Barclay, A única coisa que está claro é que os falsos mestres desejavam que os colossenses aceitassem o que poderia denominar-se adicionados a Cristo. Ensinavam que Jesus Cristo não é suficiente; que não era único; que era uma das muitas manifestações de Deus; que além de Cristo se requeria a adoração, o serviço e o reconhecimento dos assim chamados poderes divinos e angélicos. Podemos distinguir cinco adições a Cristo que propunham esses falsos professores. (1) Queriam ensinar aos homens uma filosofia adicional (verso 8). Em seu critério a verdade pregada por Jesus e escrita no Evangelho não era suficiente. Devia ser preenchida, assistida e completada por um sistema elaborado de pensamento pseudo-filosófico em si muito difícil para o homem singelo e só ao alcance do intelectual. (2) Queriam que os homens aceitassem um sistema de astrologia (versículo 8). Como o veremos há duvida sobre o significado da questão, mas pensamos que o mais provável é que os rudimentos do mundo sejam os espíritos elementares do universo e especialmente 147 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. dos astros e planetas. De acordo com o ensino destes falsos professores os homens estavam ainda sob essas influências e poderes e necessitavam um conhecimento especial, mais além do que Jesus podia dar, para ser libertados desses poderes. (3) Queriam impor a circuncisão aos cristãos (versículo 11). A fé não era suficiente; devia agregar-se a circuncisão. Um distintivo na carne devia substituir, ou ao menos ser um agregado à atitude do coração. (4) Queriam estabelecer regras e prescrições ascéticas (versículos 16,20-23). Queriam introduzir toda classe de regras e prescrições sobre o que um homem podia comer e beber e sobre os dias, festividades e jejuns que devia observar. Todas as antigas leis judias sobre a alimentação, todas as antigas prescrições judias e até outras mais, tinham que ser reassumidas. (5) Queriam introduzir o culto dos anjos (versículo 18). Ensinavam que Jesus só era um dos muitos intermediários entre Deus e os homens e que todos estes deviam receber culto e serviço. Pode-se advertir aqui uma mescla de gnosticismo e judaísmo. O conhecimento intelectual e a astrologia provêm diretamente do gnosticismo; o ascetismo e as regras e prescrições, do judaísmo. Acontecia o seguinte. Vimos que os gnósticos criam que para a salvação era preciso toda classe de conhecimentos e ensinos especiais, além do evangelho. Havia judeus que uniam seus força aos gnósticos e declaravam que o conhecimento especial requerido não era outro senão aquele que o judaísmo podia oferecer. Isto explica por que a doutrina dos falsos mestres colossenses combinavam as crenças do gnosticismo com as práticas do judaísmo. A única coisa certa é que os falsos mestres ensinavam que Jesus Cristo, sua obra e sua doutrina, não eram suficientes em si nem suficientes para a salvação. Consideremos agora a passagem seção por seção.148 Já Werner de Boor questiona se o livre manuseio de comida e bebida, a despreocupação com o sábado e os demais dias festivos não seria “orgulho”, pois, Eles, porém, viviam uma vida de humildade, curvavam-se, rebaixavam-se. A igreja ficou insegura: “humildade” – não era esse um dos mais importantes princípios do discipulado, conforme o próprio Mestre? Então Paulo lembra algo que o filósofo da religião católico Max Scheler expressou por meio de uma boa ilustração: existem virtudes que somente se tornam visíveis “nas costas daquele que age”. Isso significa primeiramente: não se pode carregá-las consigo como qualidades estáticas, pois elas somente se evidenciam na ação. Em segundo lugar: não podem ser buscadas de forma imediata, são deturpadas quando tentamos nos apoderar diretamente delas. Não podemos caminhar em direção delas. Somente se tornam visíveis às nossas “costas”, enquanto nos ocupamos, na caminhada rumo ao alvo, com objetivos e tarefas bem diferentes. Dessas virtudes faz parte a humildade. Humildade intencional é forçosamente humildade fabricada, desprezível. É para esse traço depreciativo na “humildade” dos críticos que Paulo chama a atenção dos colossenses. Literalmente é dito aqui: “querendo em humildade” [“pretextando humildade”] A humildade autêntica não “quer” ser “humilde”. A humildade autêntica não tem noção de si mesma e nunca a se aproxima dos outros com a exigência e crítica: “Ora, vocês precisam ser muito mais humildes!” Falsa humildade sempre se trai pelo orgulho, que repentinamente transparece em todos os aspectos. Os “humildes”, que interpelavam os colossenses, estavam ao mesmo tempo ocupando a cátedra de juiz e distribuindo o 148 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 56-57. prêmio de vitória. Os “humildes” faziam com que a igreja sentisse como ela era precária e pobre: eles, porém, teriam “culto dos anjos”, eles estariam em contato com os espíritos superiores. Provavelmente alegavam que tinham experiências e visões maravilhosas. Aqui o texto obviamente é difícil. O verbo [“basear-se”] que consta aqui na realidade significa “adentrar”, “penetrar, visitar”, e por consequência também algo como “tomar posse de uma propriedade”. Literalmente, portanto, consta: “adentrando aquilo que ele viu”. Na linguagem dos mistérios, a expressão “adentrar” é usada especificamente para a entrada solene do santuário. Uma série de manuscritos, porém, acrescenta também um “não” ao presente texto: “adentrando aquilo que ele não viu”. Portanto, das duas, uma: ou Paulo quis dizer que os críticos com seu culto de anjos penetram espaços que não viram, que vivem em autossugestões, ou que “tomar posse de uma propriedade” significaria que os críticos se apegam a suas visões, adentrando constantemente esse espaço das visões, que é seu santuário. Pessoalmente Paulo também teve “visões e revelações do Senhor”. Com toda a certeza foram para ele autênticas e sublimes revelações. Mas justamente não se deteve junto delas, não argumentou com elas, nem sequer insinuou às igrejas que dispõe de experiências misteriosas. A esse respeito – ele se calou. Apenas anos mais tarde os coríntios são informados, por força das circunstâncias, a respeito de uma parte desse aspecto na vida de seu apóstolo (2Co 12.1-10). Na sequência Paulo se torna contundente. Esses “humildes” na verdade são enfatuados, e sem motivo. Esses imponentes devotos, que se situam em um nível espiritual tão elevado, que são amigos dos anjos e vivem no mundo das visões, na verdade apenas sucumbem à “mente de sua carne”. Por que razão os críticos da igreja pensam de forma tão diferente? A causa não é porque estejam “mais adiantados” que a igreja ou sejam “mais espirituais” que ela, muito pelo contrário: neles governa a “mente da carne”. Humildade intencional, veneração de anjos, enchimento com visões, tudo isso é devoção da carne.149 Craig S. Keener expõe os seguintes comentários: Evitem a religião humana Cristo é suficiente (2.6-15). As adições ascéticas ao evangelho apenas atrapalhariam a fé nisso. 2.16. O ascetismo estava crescendo no paganismo, e muitos o viam como uma forma de alcançar poder espiritual ou experiências de revelação. Mas a passagem aqui refere-se claramente aos costumes judaicos; embora o judaísmo palestino em grande parte se opusesse ao ascetismo, o judaísmo e o cristianismo em outras partes do império adotavam características da cultura ao redor. Os gentios às vezes relacionavam o judaísmo local ao ascetismo (a ponto de associar o sábado ao jejum, ainda que, nas formas de judaísmo que conhecemos, o jejum não fosse permitido no sábado). Por considerá-los separatistas, os gentios zombavam dos judeus. Os três motivos principais para isso eram a circuncisão (2.11), as leis especiais de alimentação e os dias sagrados dos judeus. A função da celebração da “lua nova" era a de saudar 0 começo de cada novo mês. O sábado era uma festa semanal. 2.17. Platão distinguia o mundo “real” (o mundo das idéias) do mundo das sombras (o mundo da experiência dos sentidos). Filo desenvolveu o conceito de Platão para demonstrar que o Deus invisível era conhecido através das “sombras”, ou cópias, de seu caráter, mais do que através da visão sensorial. Os escritores do período distinguiam a substância ou corpo (a realidade original) das sombras ou das meras cópias; adaptando a 149 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. linguagem deles, Paulo acredita que as prescrições do Antigo Testamento davam testemunho de princípios genuínos, mas que esses princípios são realizados em Cristo. Aqueles que já tinham a realidade não precisavam depender das sombras, cuja função era apontar para a realidade. 0 termo às vezes traduzido por “substância” é o mesmo que Paulo usa para falar do “corpo”, o que talvez aponte para a admissão de novos valores à corporeidade de Cristo (1.22; ao contrário do que afirmam o platonismo e os ascetas de 2.23) e à igreja (1.18,24; 2.19; 3.15). 2.18. A literatura judaica frequentemente associa a “humildade” (em sentido positivo) ao jejum. Em sentido mais extremo, a “humildade” se referia às práticas ascéticas cujo propósito era levar o asceta a “visões” e experiências extáticas. Tais práticas tornaram-se populares no asceticismo cristão do século 2 (sabe-se, atualmente, que proteína insuficiente e privação do sono podem induzir a alucinações). É possível que "coisas que tenha visto” refira-se a “visões” (NVI). Isso sugere que os indivíduos de Colossos que estavam no erro talvez fossem semelhantes aos místicos judeus, os quais conhecemos por meio de outros textos. Esses místicos habitualmente buscavam alcançar a visão celestial de Deus através de revelações extáticas do trono divino. Embora se tratasse de tentativas de simular a experiência de visionários bíblicos, como Ezequiel, os visionários bíblicos procuravam tão-somente obedecer a Deus; eles não buscavam as experiências místicas em si mesmas. Quanto às visões vãs, cf., por exemplo, Jeremias 23.32 e, talvez, Eclesiastes 5.7. Os místicos e apocalípticos judeus às vezes alegavam receber comunicações dos anjos (cf. G1 1.8; numa veia positiva, At 27.23; Ap 1.1). Em Colossos, os anjos provavelmente eram seres venerados; embora essa veneração fosse contra os ensinamentos dos fariseus, algumas evidências indicam que muitos judeus da Diáspora endereçavam preces e petições aos anjos, prática que tinha bastante em comum com a invocação mágica de espíritos. (Alguns textos judeus — sobretudo os Manuscritos do Mar Morto, mas também outros textos — afirmavam que a comunidade terrena se unirá à adoração da comunidade celestial. Alguns estudiosos creem que Paulo está atacando essa ideia aqui. É bem possível que o livro de Apocalipse, no entanto, aprove a ideia de participação da adoração celestial; e não está claro que Paulo teria motivos para atacar a prática.) 2.19. A antiga literatura médica às vezes descrevia a cabeça como a fonte de vida para o resto do corpo. 2.20,21. A união com Cristo na morte era suficiente (cf. 2.11,12). Acrescentar regras ascéticas (2.18) era inútil. As “ordenanças” ou “regras”; “mandamentos”, possivelmente são os regulamentos judeus, como no termo cognato em 2.14 (ainda que as palavras com que Paulo os descreve no v. 21 tenham sido comparadas ao asceticismo pitagórico, elas se adequariam igualmente bem à descrição das regras de pureza do Antigo Testamento). A maioria dos judeus fora da Palestina continuava a observar as regras alimentares judaicas. Alguns judeus chegavam a proibir que se tocasse em certos alimentos {Car. Aríst. 129). Outras leis do Antigo Testamento explicitamente afirmam que a pessoa se tornava impura se tocasse em certas coisas (p. ex., Lv 11.39; 15.5; Nm 19.11; mas cf., p. ex., Mt 9.25) (a aplicação seria particularmente adequada caso Paulo acredite que estão ocorrendo acréscimos a essas regras. Mestres judeus observavam que Eva ou Adão, seu tutor, parecem ter acrescentado “Não tocareis” ao “Não comereis” enunciado por Deus — Gn 2.17; 3.3). 2.22. Os indivíduos influenciados pela filosofia sabiam que as coisas transitórias e perecíveis são muito menos valiosas que as eternas. “Preceitos e doutrinas dos homens" é alusão à tradução grega de Isaías 29.13, que os ouvintes de Paulo talvez também reconhecessem se estiverem familiarizados com a tradição de Jesus (Mc 7.7). 2.23. Os filósofos pagãos (especialmente os estoicos) costumavam recomendar que 0 indivíduo se livrasse dos prazeres do corpo para poder se concentrar na contemplação da alma. Alguns elementos do paganismo tendiam para o ascetismo; este se tornou ainda mais predominante no século 2 (os pagãos convertidos ao cristianismo talvez vissem 0 cristianismo como religião com tendência ascética, tendo em vista sua ênfase em evitar 0 sexo pré-marital e a embriaguez, preceitos contrários à cultura geral da época. O judaísmo, pelos mesmos motivos, também era muitas vezes visto como ascético. É possível que essa interpretação equivocada das moralidades judaica e cristã tenha inclinado alguns desses convertidos ao ascetismo genuíno). Para Paulo, entretanto, a “severidade para com o corpo” é inútil quando se trata de lidar com as paixões da carne. 150 Para Ralph P. Martin, Esta seção um pouco longa e complexa divide-se em duas partes, e contém tanto uma declaração daquilo que estava sendo introduzido como uma série de práticas cultuais em Colossos (2.16-23) e uma chamada (começada pelo apóstolo em 2.20) pelo apóstolo que conclama seus leitores a agirem à altura do ensino que receberam dos seus representantes, notavelmente Epafras (3.14). Nosso conhecimento da “heresia colossense” (segundo o termo que Lighfoot lhe aplicou) é, na melhor das hipóteses, fragmentário e indireto, e deriva desta passagem. A natureza enigmática desta parte da carta, no entanto, é um empecilho para nós. Alguns versículos têm uma construção tão fechada (notavelmente vv . 18, 21, 23) que o acesso ao seu sentido claro não é possível ao intérprete moderno. Mais uma complicação é que, ocasionalmente, parece que Paulo está citando as próprias palavras dos lemas heréticos (claramente no v. 21; provavelmente também nos vv. 18, 23) antes de pronunciar o julgamento do seu caráter pernicioso. Os escritores antigos não usavam aspas nem notas de rodapé, de modo que não há certeza quanto a isto, e nosso conhecimento da própria linguagem da seita colossense é, na melhor das hipóteses, inferencial. A passagem inteira é melhor descrita como sendo “a defesa da liberdade cristã” (assim Masson). Este escritor observa de modo apropriado que há estreita conexão entre a doutrina e a prática. As noções falsas acerca da Pessoa e da obra de Cristo que são denunciadas em 2.8-15 têm seu corolário inevitável nas aberrações estranhas no nível prático. Paulo, então, passa a demonstrar a estultícia de qualquer curso de ação baseado em premissas teológicas falsas. Indicou em termos claros a natureza verdadeira da doutrina especiosa que está sendo ensinada em Colossos: é nada menos do que “filosofia e vãs sutilezas” (2.8), que fica em oposição diametral a Cristo. Na realidade, os poderes malignos que, segundo se percebe, estão por detrás das falsas práticas e regras (2.20) foram derrotados e publicamente humilhados por Cristo. É um erro da parte dos colossenses aceitarem um modo de vida baseado em tais noções perversas. No decurso da sua discussão prática, Paulo terá uma crítica ainda mais danificante a fazer contra estes mestres que estão “estourando-se com o orgulho inútil das mentes mundanas” (v. 18, NEB). Não seguram-se firmemente à Cabeça (v. 19), ou seja, Cristo. Desviando-se deliberadamente assim do Senhor da Igreja e do Soberano do universo, são estigmatizados como hereges condenados em si mesmos, cujo ensino deve ser totalmente recusado. E se a sua doutrina é assim errônea, suas admoestações éticas são claramente 150 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 686-687. demonstradas como sendo mal orientadas, sendo meramente “preceitos e doutrinas de homens” (v. 22) emanando da “religião fabricada por eles mesmos” (v. 23). Paulo oferece “uma refutação, golpe por golpe, das suas alegações pretenciosas” (Lohse). 16-19. Pois liga a presente seção com a anterior com sua demonstração da vitória de Cristo sobre os poderes malignos. Sendo que a vitória dEle é creditada ao Seu povo, dificilmente este povo pode arriscar-se, dando atenção a críticas errôneas que os falsos mestres fariam contra ele. As questões em debate estão enumeradas. 16. Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida ou bebida. Estes são preceitos que pertencem a um modo de vida ascético. Havia várias razões porque a abstinência da comida e da bebida era praticada no mundo antigo. Uma era uma crença na transmigração das almas que levava à idéia de que consumir carne de animais era uma forma de “canibalismo”. Outro ponto de vista (mais importante neste contexto, à luz de v. 18) era a importância atribuída ao jejum como prelúdio ao recebimento de uma revelação dos deuses. ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados. Os dias santos, sejam anuais, mensais, ou semanais, também eram assunto de controvérsia em Colossos. Aqui, também, o princípio radical deve ser notado. Paulo não está condenando o uso dos dias e tempos sagrados. Nem tem em mente a observância judaica destes dias como uma expressão da obediência de Israel à lei de Deus e um sinal da sua eleição (uma idéia frequente do AT, e.g. Os 2.11). O que é seu princípio aqui é o motivo errôneo envolvido quando a observação dos festivais santos fica sendo parte da adoração defendida em Colossos como reconhecimento dos “elementos do universo,” os poderes astrais que dirigem o curso das estrelas e regulam o calendário. Devem, portanto, ser aplacados. O que Paulo ataca é a religião má, que leva à escravidão do homem ao “destino.” É uma pergunta aberta se as influências primárias sobre esta teosofia colossense eram judaicas ou pagãs. As alusões às restrições dietéticas e aos dias e festivais sagrados parecem, à primeira vista, solucionar a questão a favor de uma tendência judaizante. J. B. Lightfoot em 1875 indicou o exemplo dos essênios que praticavam um tipo de ascetismo e separatismo. A partir de então, a literatura de uma seita essênia em Cunrã ofereceu mais compreensão da sua disciplina e ética, notavelmente na observância de um calendário heterodoxo com dias de festa diversos daqueles do judaísmo palestiniano. Além disto, certas correspondências verbais entre os Rolos do Mar Morto e esta Epístola foram exploradas por W. D. Davies e P. Benoit. Este último conclui: “Uma volta para a Lei Mosaica mediante a circuncisão, a observância rígida a respeito da dieta e do calendário, especulações acerca dos poderes angelicais: tudo isto faz parte integrante das doutrinas de Cunrã.” Talvez seja assim, mas a ausência singular de qualquer debate acerca da lei mosaica em Colossos, e até mesmo a ausência da palavra para “lei” (nomos) devem levarnos a hesitar antes de aceitar uma identidade por demais estreita, conforme E. Lohse nos lembra no seu ensaio: “Christologie und Ethik im Kolosserbrief,”. Esta consideração milita contra a tese de W. Foerster de que a heresia era um tipo de sucessora ao ensino de Cunrã. Porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir. A razão pelo ataque de Paulo agora é oferecida. A observância religiosa expressada na subserviência às “ordenanças” do v. 20 revela uma compreensão errônea do propósito de Deus ao trazer os homens para a luz perfeita da Sua revelação em Cristo. Semelhante observância significa contentar-se em viver no lado sombrio da religião, onde espreitam os temores e onde abundam as inibições. A “sombra” é um presságio daquilo que está para vir; e o tempo da substância já chegou, tomando antiquado, desta maneira, tudo quanto apontava para ela como coisa futura. Aquela “substância” é Cristo. A nova era dEle liberta os homens da escravidão ao medo e ao terror supersticioso. Liberta-os de noções falsas e de esperanças insubstanciais, e dá-lhes um gosto da realidade na religião, à medida em que chegam a conhecer nEle a verdadeira comunhão com o Deus vivo. Esta realidade é aquilo a que Paulo se refere nas suas alusões anteriores à “esperança do evangelho” (1.5, 23) que seus leitores não devem abandonar. Não é provável que Paulo esteja empregando aqui o contraste “cópia/original” que deriva de Platão e que era empregado na filosofia colossense. Talvez os ensinadores insistissem que a “plena realidade” (plêrõma) pudesse ser atingida somente através da veneração prestada à “cópia” i.é, os anjos, e da obediência ao seu regime ascético. Se for assim, Paulo vira a mesa contra eles ao dar um giro cristológico ao contraste. “Substância” é, na realidade, uma das interpretações do termo grego (sôma) para corpo. Isto tem sugerido para alguns intérpretes (Lohmeyer, Masson, Moule), mas não a todos (E. Best: One Body in Christ, Londres, 1955, págs. 121-2), que Paulo tem em vista a Igreja como o corpo de Cristo. Em comunhão com Cristo e Seu povo “todas as grandes ‘realidades’ eram achadas — o perdão, a santificação, a comunhão com Deus, etct — das quais o ritual, seja judaico, seja não-judaico, era apenas uma sombra” (Moule). Esta referência a uma expressão corpórea da fé, achada em Cristo, parece ser exigida pelo fio de idéias que se segue. Ali Paulo continuará o contraste entre a religião falsa e a fé verdadeira do corpo, do qual Cristo é a Cabeça (v. 19). 18-19. Estes versículos abundam em dificuldades tanto lingüísticas quanto conceptuais. É por misericórdia que pelo menos a intenção do pensamento de Paulo fica clara. Ninguém se faça árbitro contra vós outros. Ou: “Não deixai ninguém desqualificar-vos” (RSV). A linguagem é uma advertência para os leitores não se deixarem ser privados indevidamente do seu prêmio (veja E. Stauffer: TNDT i, págs. 637639, para o uso que Paulo faz de brabeion, “prêmio” que subjaz katabrabeuein aqui) ao prestarem atenção aos falsos mestres que ofereciam como substituto do seu evangelho um sistema de religião que era o produto das suas próprias mentes. Paulo obviamente tem estes sofistas em baixo conceito. Com toda a franqueza, chama estes homens de vítimas de um ponto de vista mundano porquê se recusam a submeter seu pensamento à revelação divina, e jactam-se na sua sabedoria e soberba naturais (veja Rm 1.21, 22; 1 Co 2.14- 15; Fp 3.19 para julgamentos semelhantes contra homens que desprezam a maneira de vida proposta por Deus e excogitam seus próprios costumes e cerimoniais religiosos). O grego de Paulo, no entanto, é ainda mais expressivo. Estão controlados pela “mente da carne” (mente camal, ARA — cf. Rm 8.7) e são vítimas complacentes de uma arrogância e soberba que lhes dá um senso infundado de superioridade sobre os demais cristãos. Bomkamm vê aqui uma ironia paulina, porque Paulo usa o verbo “ensoberbecer-se” (aqui: enfatuado) no seu debate com os gnósticos em Corinto: estão se jactando da sua comunhão com a “plenitude” (plêrõma) divina e de estarem cheios de conhecimento (gnõsis), quando apenas estão “plenos” do orgulho deles mesmos! não retendo a Cabeça. Ficam debaixo da mais trágica de todas as condenações: estão dispostos a ser destacados de Cristo, a Cabeça da Igreja. Desta maneira, colocam-se fora de contato com a fonte de toda a vida verdadeira, assim como um membro perde sua vida uma vez cortado do torso humano. O corpo humano fornece a analogia para a descrição de Paulo neste versículo. Como uma estrutura anatômica, é suprido de juntas e ligamentos, e vinculado por eles, e assim cresce em forças e tamanho conforme o propósito de Deus para seu crescimento (assim Moule). A aplicação é bem deliberada. Os membros humanos são destinados a fazer parte integrante do corpo humano. Uma vez que fiquem destacados, perdem aquele contato vital com a fonte da vida e da nutrição. Paulo está dizendo: o falso mestre, que cessa de depender da Cabeça, cessa de pertencer ao corpo. Aquele que se corta de Cristo corta-se inteiramente da Igreja (Masson). É estreito assim o vínculo entre Cristo e Seu corpo: e é importante para Seu povo viver em união viva com Aquele que é sua Cabeça. Os falsos mestres revelaram-se excluídos por conta própria da Igreja em razão de abandonarem a Cristo como vero Deus e vero homem; que os colossenses não se deixem seduzir para entrarem na mesma armadilha (2.8). Para Paulo, o perigo que confrontava os colossenses era sério, cheio de consequências momentosas. Os termos-chaves acham- se na frase: pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente camal. O estudo recente deste versículo, notavelmente por F. O. Francis, tem identificado certas conclusões, da seguinte maneira: (a) pretextando ou “insistindo em” (gr. thelòn en) indica o desejo da parte dos mestres do erro de impor seus pontos de vista sobre a igreja colossense. Francis traduz “resolutos” para demonstrar a força desta determinação, e a atração dela. Outros tradutores oferecem “deleitando-se em” de um modelo do verbo achado na LXX, e.g. 1 Samuel 18.22: Saul deleita-se em Davi. A. Fridrichsen toma o particípio como sendo um advérbio para qualificar o verbo “desqualificar,” “deliberadamente.” Assim traduzem Dibelius-Greeven: “Que ninguém deliberadamente nos condene.” (B) Humildade (gr. tapeinophrosunê), é frequentemente usada no bom sentido como uma virtude cristã (como em 3.12), mas aqui deve ter o sentido de mortificação ou de renúncia. Especificamente, pode muito possivelmente significar “jejuando” como no hebraico ta‘anCt e conforme é usada pelos autores cristãos dos séculos II e III (Hermas, Tertuliano). Francis chama a atenção a uma variedade importante de literatura pietista judaica que oferece à prática ascética a recompensa de entrar no âmbito celestial e ter uma visão do divino. Lohse, no entanto, põe defeito neste ponto de vista porque restringe por demais estreitamente o significado da auto humilhação. Para ele “descreve a disposição e a docilidade (‘a prontidão para servir’) com que uma pessoa cumpre as ordenanças rituais.” (c) culto dos anjos. A dificuldade aqui é saber como interpretar a frase: é “prestar culto aos anjos” ou “o culto dirigido ou praticado por anjos” que é repreendido? Francis argumenta em prol deste último (loc. cit., págs. 126-30) com grande engenhosidade e assim alivia sua interpretação da dificuldade (vista no primeiro ponto de vista) de que há pouca evidência dentro do judaísmo ortodoxo no sentido de os judeus adorarem a anjos. Há, no entanto, uma objeção fatal (expressada por Lohse) à segunda interpretação, viz. este modo de entender “entra em colapso por causa da declaração no v. 23 onde a adoração é explicada como sendo um culto expressado pelos homens.” Nem é válido argumentar a partir do fato de que os judeus não adoravam a anjos, visto que a situação colossense é totalmente sincretista, com a inclusão de elementos pagãos. Dalguma maneira, a veneração deve ter sido prestada aos anjos como parte do aparato ritual desta religião. O verbo é claramente uma tradução do verbo grego embateuõn. Seu significado primário é “entrar,” seja num sentido neutro (“colocar os pés em”), seja num sentido agressivo (“invadir”). Às vezes o significado é figurado, como na expressão idiomática: “entrar em detalhes” (veja 2 Mac. 2.30). Alguns comentaristas, tanto antigos (Crisóstomo, Atanásio) quanto modernos (H. Preisker: TDNT ii, pág. 535-6) argumentam em prol deste último sentido. Preisker insiste que Paulo está refutando uma sede insaciável pelo conhecimento que caracterizava a filosofia gnóstica-judaica em Colossos e noutros lugares (2 Tm 3.7; 2 Jo 9). O significado seria, então: aquilo que alguém visse numa visão, seria investigado (na esperança de obter um entendimento mais profundo dos mistérios divinos). Este ponto de vista certamente pareceria válido, se não existisse mais evidência que apóia outro significado que faz do verbo algo de uma expressão técnica nas religiões de mistério. Refere-se aos iniciados entrando no santuário para consultar o oráculo após completarem o rito. Dibelius-Greeven chamam a atenção aos dados tirados das inscrições no santuário de Apoio em Claros (século II d.C.?). Segundo esta reconstrução, Paulo está se referindo a uma cerimônia cultual — o iniciado entra na gruta do oráculo ao completar sua experiência mística — e a alegação dos mestres em Colossos é que eles, também, penetraram os segredos do universo e receberam uma visão climática. Não há necessidade de argumentar que estas palavras em nosso texto dependem conscientemente da prática do culto do mistério. Claramente as duas situações não são paralelas, conforme observaram os críticos de Dibelius, mas há duas observações que . podem ser registradas a favor dalguma interpretação semelhante àquela de Dibelius-Greeven. Em primeiro lugar, a inscrição de Claros não contém a palavra empregada por Paulo, nem há um contexto semi-ritual que o escrito de Paulo parece exigir. Este fato daria a esta interpretação a vantagem sobre o ponto de vista de Francis que sustenta que a entrada é para o céu, como parte da teoria geral da viagem da alma da terra para as regiões celestiais; mas a evidência que apresenta não contém o verbo exato embateueiru. Em segundo lugar, Lohse declara um fato importante quando ressalta que Paulo no v. 18 não está argumentando contra a heresia colossense explicitamente, mas, sim, simplesmente citando as senhas heréticas. Não há necessidade (continua ele) de insistir que o texto deva ser alterado para produzir uma interpretação que fosse uma polêmica contra a seita e suas pretensões (Bruce, ad loc. tem uma nota integral sobre as emendas conjecturais deste versículo; todas elas são variações da proposta de Lightfoot de considerar o texto do verbo como sendo kenembateuein, “pisar no ar”). Nossa compreensão da situação em Colossos é ajudada se considerarmos que todos os termos, “servilidade” diante das forças espirituais, “veneração dos anjos,” e “penetrando em visões que viu” são lemas dos falsos mestres. Formavam o procedimento ritual mediante o qual os devotos poderiam obter um conhecimento dos “espíritos elementares do universo” (2.8) e alegar possuírem alguma experiência esotérica que desvendasse os mistérios da vida e do destino. A conclusão de que o orgulho no conhecimento (gr. gnõsis) especial jazia à raiz do erro colossense parece certa, tendo em vista a frase seguinte de Paulo, que realmente condena esta alegação - a não ser que coloquemos numa só expressão as duas partes da frase de Paulo, e traduzirmos: “sobre aquilo que imaginou em vão na visão que recebeu na sua iniciação.” Noutros trechos, Paulo comentou que uma aspiração exagerada ao conhecimento dos mistérios divinos serve apenas para encher de orgulho aquele que alega tê-lo (1 Co 8.1; cf. 1 Co 4.18). Uma prova final de que o v. 18 refere-se ao temor que os hereges tinham dos deuses astrais que somente poderiam ser aplacados (conforme acreditavam) mediante um regime de ascetismo, de abstinência e de veneração aos anjos é oferecida no v. 20. Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças? Paulo relembra o que aconteceu quando os cristãos colossenses passaram, na sua experiência batismal, do paganismo para a comunhão com Cristo. Pela sua união com Ele na Sua morte e na Sua ressurreição, mediante a fé (2.12-15; Rm 6.4-5), passaram de debaixo do controle destes poderes cósmicos e foram “transportados para o reino do Filho do seu amor” (1.13). Já não mantidos em cativeiro no domínio das trevas, regozijavam-se ao tomarem seu lugar na herança do povo de Deus (1.12) e confessavam uma nova lealdade e um novo senhorio (2.6). A vividez do escrito de Paulo ressalta o senso dramático desta transição da escravidão para a liberdade em Cristo. A tradução de J. A. T. Robinson consegue captar a construção incomum: “Morrestes com Cristo, saindo do domínio dos elementos do mundo,” o que sugere a morte para uma velha ordem que liberta o sofredor de todas as reivindicações que aquela ordem tinha contra ele (como no argumento de Paulo em Rm 7.14). A aplicação é feita na forma de uma pergunta retórica e uma repreensão. Se esta mudança decisiva na sua lealdade aconteceu a vocês no seu batismo, e se vocês doravante resolveram viver sob o comando exclusivo de Cristo, é “totalmente absurdo” (Lohse) voltar a viver como se Cristo nunca os tivesse libertado. Em especial, por que vocês escutam ensinos espúrios que levariam vocês para a escravidão a um código legal e que imporiam sobre vocês uma série de tabus e regras negativas? O verbo passivo dogmatizesthai tem a força de “deixar que outros ditem para você.” Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro. As proibições do v. 21 são dadas por Paulo como parte daquilo que os propagandistas estavam ensinando. São eles, e não ele, que estão fazendo os regulamentos. Nesta linha, o primeiro verbo e o último são quase sinônimos e a linha de distinção entre eles é difícil de ser traçada. Parece que todos os três verbos são advertências contra o consumo de comida e bebida, embora possivelmente houvesse um desdém do casamento se o primeiro verbo (gr. haptesthai) tiver uma conotação sexual como em 1 Co 7.1. Os ensinadores gnósticos (conforme 1 Tm 4.3) proibiam o casamento, mas não há nenhum tabu explícito contra as relações sexuais nesta Epístola. O sentido claro é que Paulo está advertindo contra uma falsa escrupulosidade em questões de comida e bebida (2.16) que faz “parte de uma piedade paralisada por uma incerteza quanto às precauções para salvaguadar uma pureza que é sempre ameaçada” (Masson). A regra prática nesta religião passa então a ser aplicada: evite todas as possíveis causas de contaminação, e pratique com sua abstenção uma disciplina rigorosa por causa do medo de perder sua “espiritualidade.” Os escrúpulos judaicos e o medo da contaminação ritual estão bem ilustrados nas partes do ensino rabínico tais como ‘Abôdãh Zàrãh (“Culto Estranho”) e na sexta divisão de Tohôrõth (“Purezas”) na Mishna. Os tabus neste versículo, no entanto, são pagãos. O ensino de Paulo, pelo contrário, é uma carta magna da liberdade. Sua linha de raciocínio visa fornecer alguma base lógica para sua oposição à piedade ascética falsa. Podemos registrar alguns dos princípios sobre os quais se baseia sua alegação contrária: (a) Por que... vos sujeitais a ordenanças? (v. 20) traduz um verbo grego (dogmatizesthe) que relembra o v. 14. Ali, Paulo descreveu a obra de Cristo na cruz como sendo uma obra que apaga as acusações trazidas contra a humanidade pelos espíritos maus. Aquela condenação é expressada em termos das “ordenanças” (gr. dogmata) que formavam a lista de acusações para a instauração de processo. Mas a morte de Cristo fez mais do que deixar a lousa limpa e dar aos homens um novo começo. Não somente as acusações estão apagadas, como também o reino dos poderes espirituais é terminado. Este fato está no âmago da pergunta de Paulo no v. 20: “Por que deixais que regulamentos que não têm autoridade ditem ordens para vós?” Com efeito, porque os colossenses desejam reimpor sobre si mesmos uma religião supersticiosa quando a cruz de Cristo deixou os homens livres para sempre deste tipo de escravidão? (b) Questões de comida e de bebida não têm consequência na prática da piedade cristã (Rm 14.17) — quando a abstinência ou o desfrutar fica sendo o teste da religião. A razão por que itens de comida e de bebida não podem afetar o relacionamento entre o cristão e Deus é dada no v. 22: segundo os preceitos e doutrinas dos homens? pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Esta expressão retoma o mesmo pensamento que é usado no ensino dos Evangelhos (Mc 7.6, 7 =Mt 15.8, 9). As duas passagens remontam a uma fonte veterotestamentária comum para sua autoridade: Isaías 29.13 (LXX), que diz: “E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.” O uso que Paulo faz do texto é inculcar uma única lição. Os colossenses não têm razão para prestar atenção às falsas regras ascéticas, porque o que estes mestres recomendam sSo simplesmente ordenanças humanas, nascidas de temores e inseguranças criados pelos homens (cf. 2.5; Tt 1.14 para uma acusação semelhante). A comida é rapidamente esquecida quando passa da boca para o sistema digestivo e assim “se destrói.” (c) Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria. Regras e regulamentos para ordenar as funções e os apetites do corpo humano têm uma espécie de atração. Parece que oferecem uma vida de autodisciplina e de domínio sobre os instintos. Dão a impressão de serem para o bem humano e de levarem para a conquista do próprio-eu. E talvez o que Paulo tem em mente em primeiro lugar é o valor atribuído à renúncia (especialmente ao jejum) como um preparativo exigido para receber uma visão (v. 18). Mas embora Paulo, noutros contextos, dê valor ao domínio-próprio (1 Co 9.24- 27), neste contexto somente fala com voz crítica acerca deste tipo de ascetismo. Sua queixa principal acha-se na palavra traduzida “rigor de devoção” (RSV - gr. ethelothrèskia — ARA culto de si mesmo)', é um termo composto que significa ou a “religião feita por si mesmo” ou “o que quer ser religião.” Esta última tradução sugere o pensamento da piedade “fingida” ou “falsa” e não é tão aceitável quanto a primeira, que parece ser o sentido necessário exigido pelo argumento de Paulo. Veja K. L. Schmidt para a construção da palavra: ethelo - tem o sentido de “projetado por si mesmo,” “determinado por si mesmo.” O ponto principal da acusação de Paulo e' que os mestres do erro importaram para o cenário em Colossos um modo de adoração que é essencialmente sua própria inovação. Paulo o estigmatiza de “fabricação própria,” i.é, falsificado, e assim, por esta mesma razão, inválido, que seus leitores não devem aceitar. Os sofistas colossenses podem expressar seu prazer (note o mesmo verbo grego no v. 18 que no prefixo: ethelo-) na sua religiosidade e piedade ascética. Talvez lhes dê satisfação interior ao conservarem seu corpo sob disciplina férrea. Mas “não tem valor algum para combater a permissividade sensual” (Moule) e “fracassa inteiramente no seu alvo principal” (Lightfoot). Ou talvez, pelo contrário, tivesse um sucesso grande demais em produzir um estado de êxtase tipo transe, que, por sua vez, levava a uma experiência visionária. O termo no v. 23, pode ser, provavelmente, “um empréstimo sarcástico tirado da linguagem dos seus oponentes” como uma citação semelhante dos termos deles no v. 18. Ou, mais provavelmente, é a paródia deliberada de Paulo da alegação deles no v. 18, com um termo cunhado que expressa sua ridicularização daquilo que alega ser a verdade final. Paulo reconhece que o ascetismo possa produzir visões, mas a condenação dele recai sobre o motivo e os resultados. O motivo é o desejo de uma experiência espiritual que passe por cima de Cristo e procure a gratificação numa exaltação sensual. O resultado final é um senso de orgulho espiritual, o que Paulo chama de uma capitulação à sensualidade, à “satisfação da carne” (RSV), ou seja, da natureza nãoregenerada do homem. Esta maneira de considerar a “religião de fabricação própria” explicaria a atitude negativa de Paulo diante de práticas que parecem ser sadias (o jejum, a abstenção, e conservar os apetites rigorosamente freados). “Paulo tem a desvantagem de ter dificuldade em admitir qualquer valor nas práticas externas sem dar a impressão de justificar as alegações dos seus oponentes” (Knox, ibid.). 23. todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. As palavras finais do versículo são problemáticas. Esperaríamos uma continuação da crítica de Paulo ao indicar a fraqueza inerente de um ritualismo legalista. Por isso, uma interpretação antiga, compartilhada pelos Pais da Igreja, tanto gregos quanto latinos, que a acusação de Paulo contra o ascetismo é que não “satisfaz a necessidades razoáveis do corpo,” dificilmente pode ser correta. O apóstolo não está observando, timidamente, que o ritualismo fracassa por “não dar honra alguma ao corpo.” Pelo contrário, a palavra que usa é “carne,” e não corpo; e a palavra grega para “carne,” sane, deve ter o sentido paulino mais usual de “natureza inferior,” “permissividade sensual” (como no v. 18). A fraqueza óbvia neste tipo de esforço religioso é que não fornece nenhum freio para a natureza inferior do homem, a qual, embora empregue seus instintos e apetites físicos para mantê-lo preso, realmente é diferente deles. Sua “carne” (sarx) obtém o controle da pessoa inteira e a rege como “a mente que se fixa na carne,” mas nenhuma quantidade de restrições corpóreas ou abnegações conseguirá refrear este princípio. Por detrás do termo de Paulo pode haver a doutrina rabínica do “mau impulso” (yeser hã-rãl) que, conforme a antropologia judaica, mantinha os homens presos e os impulsionava para o pecado. É necessária uma “lei” mais elevada — “a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus” (Rm 8.2), o poder do Espírito (G1 5.16-25) e uma mortificação “verídica” (3.5) que pressupõe uma nova natureza (3.10) — para dar controle-próprio ao homem. O “tratamento severo” dado ao “corpo”, i.é, a conformidade com o modo ascético de vida, ao seguir regulamentos e tabus como prelúdio para obter acesso à verdade de Deus, é inútil, visto que deixa intocado o problema real do homem, viz. seu motivo. É, portanto, apenas uma reivindicação falsa à “sabedoria” (com em 2.8) e uma humildade fingida (gr. tapeinophrosunê) que serve simplesmente para reforçar o ego do homem. Em resumo: a acusação de Paulo é que esta “piedade” religiosa era passível de ser abusada. Ostensivamente, empreendia a promoção dos mais altos interesses espirituais do devoto, mas o fazia de tal modo que servia somente para fazer dele um homem orgulhoso. Explorava seu amor ao conhecimento secreto; alegava oferecer-lhe a chave ao enigma de Deus e do universo; convidava-o a explorar os segredos do destino por meio de aplacar os “espíritos elementares” e de venerar as hostes angelicais; prometia uma recompensa a um regime de disciplina, de jejuns e da mortificação de si mesmo:: o recebimento de visões de coisas celestiais, verdadeiras “realidades” além do mundo da matéria e da percepção dos sentidos; dava-lhe um senso de domínio-próprio que o colocava à parte doutros homens que eram subjugados por suas tentações e seus vícios. Tudo isto, Paulo objeta abertamente, é apenas “vãs sutilezas” (2.4). Quanto ao seu sucesso nos seus alvos declarados, deixa de manter a “came” sob controle. Pelo contrário, promove um espírito egoísta e insensato que alega ter uma experiência particular que está aberta apenas a umas poucas pessoas selecionadas.151 13. COLOSSENSES 3:1-4 Uma vez que vocês ressuscitaram para uma nova vida com Cristo, mantenham os olhos fixos nas realidades do alto, onde Cristo está sentado no lugar de honra, à direita de Deus. Pensem nas coisas do alto, e não nas coisas da terra. Pois vocês morreram para esta vida, e agora sua verdadeira vida está escondida com Cristo em Deus. E quando Cristo, que é sua vida, for r evelado ao mundo inteiro, vocês participarão de sua glória. (NVT) Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima e não nas que são da terra; porque 151 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 99-110. já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, também vós vos manifestareis com ele em glória. (ARC) Termos destacados συνηγέρθητε (synēgerthēte) = Verbo - Aoristo Indicativo Passivo - 2ª Pessoa Plural. Levantar junto. De sun e egeiro; despertar em companhia de, ou seja, reavivar em semelhança com. 152 Ἄνω (anō) = Advérbio. Acima, acima, até o topo, até a borda, coisas acima, céu, a região celestial. Advérbio de anti; para cima ou para cima.153 O apóstolo, tendo proferido seu ataque ao sistema de erro inculcado em Colossos, passa agora do controverso para o mais prático de sua carta. Não há, porém, ruptura na corrente de seu pensamento; pois, ao longo deste capítulo, ele exorta à busca de uma vid a cristã prática em um sentido e de uma maneira silenciosamente opostos às tendências do erro gnosticizante. 154 Assim como a participação na morte de Cristo ensinou a lição negativa da morte à Lei, assim também a participação de Sua ressurreição ensina a lição positiva da vida espiritual. 155 Justo L. Gonzalez: Busquem as coisas de cima onde Cristo está assentado à destra de Deus: O imperativo “busquem” dá a entender que, ainda que já os crentes tenham ressuscitado à nova vida, tem que continuar buscando e seguindo as consequências dessa ressurreição em novidade de vida. Sobre esse buscar e suas consequências, o que geralmente se chama de processo de “santificação”, devemos notar que a ética que se propõe no resto da epístola se fundamenta não somente na morte de Cristo, mas também e sobre tudo, em sua ressurreição.156 O que está “escondido” é a gloria do dia final. Certamente, a novidade de vida se manifestará em tudo o que a epístola recomenda a respeito da vida dos cristãos e sua relação mútua. Os não crentes poderão bem ver tal coisa e, por esse meio, receber testemunho do poder restaurador de Cristo. Mas o que não verão — e o que até mesmo os crentes tampouco ainda vivenciam — é a glória de Cristo e a sua manifestação plena nos que fazem parte desse seu corpo, que é a Igreja.157 152 Colossenses 3:1 Portanto, uma vez que você foi ressuscitado com Cristo, esforçai-vos pelas coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. (biblehub.com) 153 Colossenses 3:1 Portanto, uma vez que você foi ressuscitado com Cristo, esforçai-vos pelas coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. (biblehub.com) 154 Pulpit Commentary: Colossenses 3:1 Portanto, uma vez que você foi ressuscitado com Cristo, esforçai-vos pelas coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. (biblehub.com) 155 Comentários de Ellicott para leitores em inglês: Colossenses 3:1 Portanto, uma vez que você foi ressuscitado com Cristo, esforçai-vos pelas coisas do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. (biblehub.com) 156 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 133). CPAD. Edição do Kindle. 157 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 134 -135). CPAD. Edição do Kindle. Craig S. Keener, A premissa de Paulo é que os colossenses morreram com Cristo (2.20); portanto, confiar na obra consumada de Cristo e viver de forma correspondente àquilo que eles são nele, em vez de seguir regulamentos religiosos humanos (2.21-23), é o que produzirá uma vida santa. 3.1-4. Na famosa parábola da caverna de Platão, que antecede Paulo em séculos, as sombras na parede (cf. 2.17) meramente refletiam o mundo real acima. Muitos já acreditavam na época de Paulo que as esferas celestiais são puras e eternas, ao contrário do mundo temporal e perecível aqui em baixo. Os filósofos tornaram-se notórios por meditar sobre as coisas celestes (era famosa a piada do filósofo que caiu num buraco porque estava contemplando os céus). Os autores judeus de apocalipses também distinguiam entre as esferas celestial e terrena e enfatizavam a pureza da esfera divina nos céus mais elevados. Os místicos judeus que vinham criando problemas em Colossos talvez estivessem buscando as esferas superiores por meio de experiências místicas (2.18). Para os místicos judeus, o objetivo era a visão do trono de Deus; para alguns filósofos, o objetivo era a visão da divindade suprema, que consistia na mente pura, separada do mundo da matéria. Para Paulo, em contraste, o objetivo da contemplação celestial é Cristo. No contexto, isso inclui o caráter de Cristo ou os valores celestiais centrados nele (3.10-17), que estão disponíveis porque aqueles que morreram e ressuscitaram com Cristo também foram exaltados com ele (cf. 2.20; 3.1,5,9,10; Ef 2.6) A expressão “coisas do alto” era às vezes usada nesse sentido. 158 Werner de Boor, Em certos aspectos a santificação “legalista” e a “evangélica” podem ser tão semelhantes a ponto de serem confundidas. A santificação evangélica não é menos séria, decisiva e concreta que a legalista. Mas, de forma significativa, a direção de ambas é exatamente oposta. A santificação “legalista” pensa e declara: Você tem de fazer tal coisa, para que…! A santificação evangélica diz: Tenho, posso e quero fazer tal coisa, porque…!! Por isso todos os movimentos legalistas de santificação sempre falaram de um “mortificar” e “morrer com” para que um cristão finalmente chegue, com ardentes esforços, ao supremo alvo de “ter morrido com Cristo” e então também ao alvo da verdadeira vida divina. Nisso também Jesus sempre se resume apenas a certo ajudante. Decisiva é a luta – muitas vezes de fato admirável! – do ser humano. Contudo, essa luta acaba na hipocrisia ou no desânimo do “Ainda não cheguei a esse ponto”! Paulo, porém, diz algo exatamente oposto! O que para a santificação legalista é alvo, para ele é o ponto de partida, o fundamento da santificação! “Já morrestes, já ressuscitastes!” Como isso é possível? Isso não seria usurpação e presunção? Obviamente seria assim se esse fosse um alvo alcançado pelo nosso esforço e realização. Mas não é. Por essa razão está no centro da questão novamente Jesus, que não por acaso é designado aqui em conjunto com o artigo definido: “o Cristo”. Nas afirmações, a reiterada ocorrência de “com o Cristo” é decisiva. Jesus morreu, Jesus foi ressuscitado, Jesus está assentado à direita de Deus nas alturas, oculto perante olhos humanos, Jesus há de ser manifesto outra vez em uma glória visível para todo o mundo. Mas Jesus não possui nem faz tudo isso para si mesmo. Ele não é um indivíduo que vivencia algo para si mesmo. Ele é o Cristo, o cabeça! Por isso possui e faz tudo “para” os que lhe pertencem, “por” nós. Por essa razão tudo o que pertence a Jesus, tudo que é propriedade dele, também pertence legitimamente a nós. O Jesus inteiro, crucificado, sepultado, 158 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 687-688. ressuscitado, assentado à direita de Deus e o vindouro, é nosso! Porque ele mesmo assim o deseja! A fé, no entanto, segundo essa vontade de Jesus, simultaneamente obediente, ousada e humilde, toma posse de tudo, motivo pelo qual ela tem tudo isso e tem certeza disso. Crentes sabem, possuem e preservam que fomos ressuscitados com ele, morremos e fomos sepultados com ele, nossa vida está oculta com o Cristo em Deus, haveremos de ser revelados com ele em glória. É decididamente importante aqui que se observe aqui a estreita trilha reta da fé. Nossa vida está “oculta” e somente será “manifesta” na transformação total de todas as coisas através do Senhor que retornará. Qualquer antecipação da escatologia, seja na forma católica romana de uma poderosa igreja gloriosa, seja na forma protestante de falsos esforços de santificação, deixa de reconhecer tanto a totalidade da magnitude da vida que nos foi concedida em Cristo como a limitação fundamental de nossa condição de cristãos na era presente. “Ainda não foi manifesto o que haveremos de ser”.159 Ralph P. Martin traz quatro pontos: A transição da seção anterior da carta para a conclamação de Paulo em 3.1 em diante não é facilmente percebida. Provavelmente seu pensamento remonta a 2.20: “Se morrestes com Cristo. Não quis permanecer com esta declaração negativa da separação do cristão do domínio dos poderes malignos. Sente-se, portanto, impulsionado para asseverar o aspecto positivo. Os crentes também são ressuscitados com Cristo e chamados para uma nova vida, com sua ênfase nas considerações positivas e afirmativas. 1. Portanto, se fostes ressuscitados relembra a nova vida que começou numa resposta da fé e que foi certificada no batismo (2.12). Paulo faz um apelo confiante a ela, como uma experiência que todos os cristãos têm em comum (Rm 6.3ss.). Seu emprego de uma cláusula condicional não revela incerteza alguma. “Se” significa: “se, conforme realmente é,” “visto que.” buscai (gr. zèteite) significa a orientação da vontade do homem que pode ser dirigida ou para um alvo sem proveito (Rm 10.3; 1 Co 1.22) ou para uma finalidade que valha a pena (Rm 2.7). Aqui, Paulo dirige a atenção dos seus leitores às coisas lá do alto, talvez em oposição consciente contra “as coisas terrenas” (Fp 3.19). Mais provavelmente, ainda está reagindo contra a alegação gnóstica no sentido de obter um conhecimento secreto das realidades “celestiais” mediante a investigação apurada (2.18). O verbo zètein pode ter o significado de “investigar”. Se for assim, Paulo está refutando a tentativa herética ao conclamar a igreja a concentrar-se no conhecimento verdadeiro dos segredos espirituais que estão ocultos em Cristo, agora exaltado à presença do Pai (2.2,3). A entronização à destra de Deus obviamente recorre ao testimonium cristão primitivo mais comum, tirado do Antigo Testamento: Salmo 110.1. É empregado em vários contextos para asseverar o senhorio indisputado de Jesus que, na Sua entronização, recebeu uma dignidade igual com Deus. Aqui, na situação colossense, a glorificação de Cristo conclama a Igreja para subir com Ele além do controle dos poderes cósmicos e convida os cristãos a compartilharem com Ele Sua vida de liberdade em Deus, e, visto que os crentes já ressuscitaram com Ele, não há necessidade de buscar acesso aos mistérios divinos ao recorrer ao ritual sem sentido da religião gnosticizante. As exigências da situação em Colossos podem muito bem esclarecer a insistência de Paulo na realização presente da vida da Igreja em Cristo. Os cristãos já estão ressuscitados com ele e compartilham da Sua vida celestial. Alguns comentaristas (e.g. Lohse) e escritores vêem 159 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. neste ensino um sinal de um autor pós-paulino, como em Ef 2.5-7. Mas este último texto é muito mais uma descrição da elevação da Igreja para compartilhar do triunfo presente de Cristo, e falta-lhe a situação concreta que justificavelmente pode ser vista em Colossenses. Além disto, a esperança futura de uma união mais profunda entre o Senhor e Seu povo é ressaltada em Colossenses 3.4; falta em Efésios. 2. Pensai (gr. phroneité) é um verbo complementar, para acompanhar a chamada do v. 1. O contraste com aqueles que são referidos em Filipenses 3.19 fica claro. O verbo phronein significa muito mais do que um exercício mental, e tem pouco a ver com o estado emocional da pessoa. Sua esfera é mais aquela da motivação, à medida em que o motivo determina uma linha de ação e a conduta do indivíduo. “Que vossos pensamentos se fixem naquele âmbito mais sublime” onde Cristo está entronizado como Senhor (NEB) é um prelúdio a um curso de ação que é determinado por motivos que são inspirados pelo senhorio de Cristo e não conformados com “modos mundanos” (as coisas que são aqui da terra). A ligação com 2.20 é óbvia. Ali, Paulo tinha desafiado os colossenses a abandonar seu compromisso com a vida de “homens do mundo” visto que tinham morrido com Cristo para um modo de vida que significaria a escravidão. Agora, exorta-os a deixar que a liberdade de Cristo inspire e controle as suas vidas. 3. Porque (gr. gar) é uma conexão importante. Sua nova liberdade em fidelidade a Cristo segue-se diretamente da sua renúncia batismal: morrestes — Paulo está relembrando uma ocasião específica, a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. A alusão a “oculta” leva o leitor de volta a 2.3. Possivelmente o termo de Paulo relembre a expressão idiomática grega em que a morte é assemelhada a um homem ficar “oculto na terra”. Menos provável é um conceito popular que a vida do cristão em Cristo é oculta no presente momento de modo místico; um dia (no v. 4) será tomada pública para todos verem. 4. É verdade que Paulo antevê uma epifania futura da glória em Cristo; e que neste desvendamento a Igreja terá uma participação. Cristo... a nossa vida (o possessivo nossa não é tão bem atestado como “vossa”, mas tem o direito superior de ser considerado como original. Um escriba posterior não teria dificuldade alguma em alterar “nossa” para “vossa” para colocar a descrição em harmonia com a segunda pessoa do plural na totalidade deste parágrafo), é o resumo de Paulo da fonte da nova vida do crente. Na parousia, aqueles que agora são chamados para participar da sua liberdade receberão a aprovação divina no cumprimento do propósito de Deus ao aceitá-los como sendo dEle próprio. Glória, à luz de 1 Co 15.12ss., 42-43, sugere a ressurreição do corpo, tanto o corpo espiritual de Cristo quanto a perspectiva futura da nova existência corpórea do cristão (Fp 3.20, 21; 2 Co 5.1ss.).160 Segundo William Barclay: A colocação que estabelece Paulo é a seguinte. No batismo o cristão morre e ressuscita. Quando as águas o cobrem é como se enterrassem um corpo morto; quando ressurge das águas é como se ressuscitasse a nova vida. Agora, sendo assim, o cristão não pode surgir do batismo sendo a mesma pessoa que foi quando baixou às águas; tem que haver uma diferença. Onde está essa diferença? No fato de que agora o cristão coloca seus pensamentos nas coisas que estão acima. Já não pode preocupar-se pelas coisas passageiras e corriqueiras da Terra; preocupa-se inteiramente pelas verdades eternas do 160 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 110-113. céu. Devemos advertir o que Paulo entende com isto. Por certo que não advoga por uma ordem peremptória em que o cristão se separe de toda obra ou atividade e não faça nada, por assim dizer, senão contemplar a eternidade. Imediatamente depois Paulo continua expondo uma série de princípios éticos dos que resulta claramente que se espera que o cristão continue com sua obra no mundo e mantenha nele todas os seus relacionamentos normais. Mas existe uma diferença: de agora em diante o cristão vê cada coisa à luz e na projeção da eternidade; já não vive como se o mundo fosse tudo o que interessa; contempla o mundo à luz do mundo mais imenso da eternidade. Isto lhe dá obviamente uma nova escala de valores, um novo modo de julgar as coisas, um novo sentido de proporção. Não se preocupa mais das coisas que o mundo considera importantes. As ambições que dominam o mundo não o alcançam. Continuará agindo no mundo e usando seus costumes mas numa nova forma. Por exemplo, se proporá dar antes que receber, servir antes que dominar, perdoar antes que vingar-se. O cristão verá as coisas não como aparecem perante os homens, mas sim como aparecem perante Deus. Sua escala de valores será a escala de Deus não a escala dos homens. E como acontecerá e se cumprirá isto? A vida do cristão está escondida com Cristo em Deus. Aqui há, pelo menos, duas vívidas imagens. (1) Lembremos, já vimos repetidamente, como os cristãos primitivos consideravam o batismo como um morrer e um ressuscitar. Ao entrar nas águas o cristão era sepultado com Cristo e quando emergia das águas ressuscitava a uma vida nova. Agora, quando um homem morria e era enterrado os gregos frequentemente diziam que estava escondido na terra: aquele que morria de morte física estava escondido na terra. Mas o cristão tinha morrido uma morte espiritual no batismo e não está escondido na terra mas em Cristo. A experiência daqueles cristãos primitivos era que o próprio ato do batismo envolvia o homem em Cristo. (2) Bem pode descobrir-se aqui um trocadilho que qualquer grego reconheceria em seguida. Lembremos como os falsos mestres denominavam a seus livros de pretendida sabedoria, apokryfoi, livros escondidos a todos exceto àqueles que estavam iniciados na leitura. Esses apokryfoi, — livros escondidos — continham para o gnóstico os tesouros f a sabedoria. Agora, a palavra que Paulo usa para dizer que nossas vidas estão escondidas com Cristo em Deus é parte do verbo apokryptein de onde procede o adjetivo apokryfos. Sem dúvida que uma palavra sugere a outra. É como se Paulo dissesse: "Para vocês os tesouros da sabedoria estão escondidos em seus livros secretos; para nós Cristo é o tesouro da sabedoria e nós estamos escondidos nEle". Aqui há ainda outro pensamento. A vida do cristão está escondida com Cristo em Deus. O que está escondido fica encoberto ou oculto e não se vê. O mundo não pode reconhecer o cristão; a verdadeira grandeza do cristão está escondida para o mundo. Paulo continua: "Vem o dia em que Cristo voltará em glória e naquele dia o cristão, a quem ninguém reconheceu, participará dessa glória, e será evidente aos olhos de todos". Em certo sentido Paulo diz — e o diz de verdade — que virá um dia em que os veredictos da eternidade inverterão os veredictos do tempo, e os juízos de Deus os juízos dos homens.161 161 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 69-71. 14.COLOSSENSES 3:5-11 Portanto, façam morrer as coisas pecaminosas e terrenas que estão dentro de vocês. Fiquem longe da imoralidade sexual, da impureza, da paixão sensual, dos desejos maus e da ganância, que é idolatria. É por causa desses pecados que vem a ira de Deus. Vocês costumavam praticá-los quando sua vida ainda fazia parte deste mundo, mas agora é o momento de se livrarem da ira, da raiva, da maldade, da maledicência e da linguagem obscena. Não mintam uns aos outros, pois vocês se despiram de sua antiga natureza e de todas as suas práticas perversas. Revistam-se da nova natureza e sejam renovados à medida que aprendem a conhecer seu Criador e se tornam semelhantes a ele. Nessa nova vida, não importa se você é judeu ou gentio, se é circuncidado ou incircuncidado, se é inculto ou incivilizado, se é escravo ou livre. Cristo é tudo que importa, e ele vive em todos. (NVT) Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria; pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência; nas quais também, em outro tempo, andastes, quando vivíeis nelas. Mas, agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca. Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos. (ARC) Termos destacados Νεκρώσατε (Nekrōsate) = Verbo - Aoristo Imperativo Ativo - 2ª Pessoa Plural. Lit. e cumpri: Eu morto, faço como morto; Ficai fraco, impotente. De nekros; amortecer, ou seja, subjugar. γῆς (gēs) = Substantivo - Genitivo Feminino Singular. Contraído a partir de uma palavra primária; solo; por extensão uma região, ou a parte sólida ou o todo do globo terrestre. πορνείαν (porneiana) = Substantivo - Acusativo Feminino Singular. Fornicação, prostituição; Met: idolatria. De porneuo; prostituição; figurativamente, idolatria. Fazer mortos, portanto, os (ou, seus) membros que estão sobre a terra (Colossenses 2:11; Colossenses 3:9; Efésios 4:21, 22; Filipenses 3:19; Romanos 6:6; Romanos 8:13; Romanos 13:14). "Seu" é omitido pela maioria dos críticos textuais, mas o idioma inglês exige isso na tradução. Na sua ausência, uma ênfase mais forte recai sobre a cláusula definidora, "que estão sobre a terra". Como essas coisas não podem mais ser perseguidas ou estu dadas (vers. 1, 2), os órgãos a elas dedicados devem ser mortos. Esses membros são realmente os do corpo real (Romanos 6:13, 19; Romanos 7:5, 23; Romanos 8:13); mas estes, na medida em que até então governavam por impulso pecaminoso e hábito, constituindo o corpo do "velho" (ver. 9; Efésios 4:22; Romanos 6:6), "da carne" (Colossenses 2:11), "do pecado" e "da morte" (Romanos 6:6; Romanos 7:24), com "paixões pecaminosas operando em seus membros, dando fruto até a morte" (Romanos 7:5): Colossenses 2:11. Esse corpo é "feito morto" pela destruição das más paixões que o animavam. O corpo do "novo homem" é fisicamente idêntico a ele, mas diferente em hábito moral e diátese - uma diferença que se manifesta até mesmo na expressão corporal e na maneira (2 Coríntios 5:17).162 Justo L. Gonzalez expõe os seguintes comentários: Busquem as coisas de cima onde Cristo está assentado à destra de Deus : O imperativo “busquem” dá a entender que, ainda que já os crentes tenham ressuscitado à nova vida, tem que continuar buscando e seguindo as consequências dessa ressurreição em novidade de vida. Sobre esse buscar e suas consequências, o que geralmente se chama de processo de “santificação”, devemos notar que a ética que se propõe no resto da epístola se fundamenta não somente na morte de Cristo, mas também e sobretudo, em sua ressurreição.163 O que está “escondido” é a gloria do dia final. Certamente, a novidade de vida se manifestará em tudo o que a epístola recomenda a respeito da vida dos cristãos e sua relação mútua. Os não crentes poderão bem ver tal coisa e, por esse meio, receber testemunho do poder restaurador de Cristo. Mas o que não verão — e o que até mesmo os crentes tampouco ainda vivenciam — é a glória de Cristo e a sua manifestação plena nos que fazem parte desse seu corpo, que é a Igreja. Estas palavras dão a entender que, ainda que os crentes já tem morrido com Jesus Cristo, todavia tem que continuar em um processo, em um fazer “morrer o ‘terreno’ em seus membros” (desejos terrenos). Isto é uma reiteração do que se disse antes (3:1), que os crentes hão de buscar “as coisas de cima”. Não se diz, como alguns cristãos tem pretendido em diversas épocas, que façam morrer seus membros, que se desfaçam da vida física ou do bom uso dos dons físicos de Deus, mas que se desfaçam do que neles há que seja “terreno”. Aqui se contrasta o “terreno” com “as coisas de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus”. ...imoralidade sexual, impureza, baixas paixões, maus desejos e a avareza, que é idolatria: A lista não pretende ser completa. Seu propósito não é classificar os males, mas sim exortar contra eles. Por essa razão, há ações e atitudes que podem ser classificadas sob mais de uma das coisas que aqui são refutadas.164 Não se trata simplesmente de que a mentira seja um vício reconhecido por toda a sociedade, ainda que muitos a pratiquem. Se trata mais da morte e ressurreição dos 162 Pulpit commentary: Colossenses 3:5 Mata, portanto, os componentes de sua natureza terrena: imoralidade sexual, impureza, luxúria, desejos malignos e ganância, que é idolatria. (biblehub.com) 163 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 133). CPAD. Edição do Kindle. 164 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 134 -135;136). CPAD. Edição do Kindle. crentes em virtude de seu batismo, que os une à morte e ressurreição de Cristo. Era uma prática nos ritos batismais antigos que nos ajuda a entender o possível significado destas palavras. Ainda que não seja possível saber se tal prática existia quando a epístola foi escrita, sabemos que existia pouco mais tarde (na história). Nessa prática era costume se despir antes de entrar nas águas batismais, e vestir uma nova túnica branca ao sair delas. (É possível que o Apocalipse se refira a isto em 3:4-5, 18; e 6:11. O branco não era sinal de pureza, como é para nós hoje, mas representação de vitória, pois em suas marchas triunfais os vencedores sempre iam vestidos de reluzente branco.) ...passagens como esta mais tarde levaram ao costume de se por vestiduras novas ao sair das águas batismais... 165 Craig S. Keener expõe que: Outros autores greco-romanos (incluindo autores judeus, como o de 4Macabeus) também listavam vícios e advertiam contra as paixões. É possível que Paulo esteja enfatizando o corpo "terreno” porque os indivíduos que estavam influenciando os membros da igreja haviam adotado uma perspectiva grega popular: a saber, a de que a alma é celeste e eterna, mas o corpo é terreno, perecível e por isso às vezes considerado sem importância. Paulo usa o vocabulário deles para enfatizar que na verdade aquilo que se faz com o próprio corpo é, sim, importante. Paulo não acredita na “severidade para com o corpo” (2.23), mas fala de estar disposto a amputar membros do corpo, ou "fazer morrer” esses membros, em sentido figurado. Talvez adotando a imagem de Jesus (Mc 9.43,45,47), Paulo aqui descreve as paixões como "membros” do corpo (ARC). (O corpo não era maligno, mas ceder aos desejos dele sem observar as restrições de Deus era. Filo menciona ocasionalmente que a alma tem a necessidade de extinguir o corpo. A maioria dos pensadores, no entanto, reconhecia que as amputações moralmente terapêuticas eram ineficazes, como a castração pós-adolescente, que não removia o desejo sexual. Tais afirmações da parte deles tinham sentido metafórico.) Mas a pessoa faz morrer seu modo pecaminoso de viver ao depender de sua própria morte consumada em Cristo (3.3,4) e não ao tratar com dureza o próprio corpo (2.18,20-23). Os pecados listados por Paulo aqui são os típicos pecados que os gentios convertidos ao judaísmo teriam cometido antes da conversão. 3.8. Os mestres greco-romanos (o estoico Zenão, Diógenes Laércio 2.93) e os mestres judeus às vezes apresentavam uma segunda lista de vícios — uma lista de vícios subordinados ou menos óbvios que se seguia à primeira lista. A ideia era que esses vícios secundários também precisavam ser eliminados. Em contraste com os vícios mais óbvios de 3.5 praticados principalmente pelos gentios, os próprios judeus também lutavam com os pecados listados aqui. 3.9,10. Os verbos “despir” e “revestir” talvez se baseiem na metáfora da “armadura” usada pelos moralistas greco-romanos ou na metáfora judaica ocasional de “revestir-se” do Espírito. É possível também que Paulo tenha simplesmente criado a imagem das vestes espirituais (que ele usa com frequência; veja comentário de Rm 13.12). Não há, naturalmente, nada de profundo no fato de que os antigos também precisavam se despir e se vestir. (Para alguns estudiosos, a imagem aqui diz respeito ao batismo. Como aquele que se batizava nos banhos rituais judeus em geral o fazia nu, “despir-se” antes e “vestir165 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 139). CPAD. Edição do Kindle. se” depois faria sentido aqui. É muito improvável, contudo, que os batismos públicos de João no rio Jordão [Mc 1.5] — que provavelmente incluíam homens e mulheres — fossem realizados com as pessoas nuas, e não dispomos de evidências claras sobre como as igrejas não palestinas praticavam 0 batismo no período em questão.) “Velho homem” e “novo homem” provavelmente aludem, respectivamente, a Adão, em quem a humanidade antiga vivia (à luz da ideia judaica de “personalidade corporativa” e do uso de ’adam como termo para “humano” no hebraico), e a Cristo. A alusão a Adão é provavelmente como devem ser lidos “imagem” e “criou” em 3.10 (veja Gn 1.26). O verbo "renovar” alinha-se à doutrina judaica da nova criação que vem com a era messiânica no fim dos tempos, era que Paulo acredita haver sido inaugurada em Cristo, o novo Adão (veja comentário de 2Co 5.17). A era já chegou, mas os cristãos que já vivem a vida da “nova” era na presente “era antiga” precisam continuamente se conscientizar da sua participação nessa nova vida para que vivam, de fato, de acordo com ela. A ideia de “renovação” aqui talvez remonte ao Antigo Testamento (Sl 51.10; cf. Ez 18.31), sobretudo às passagens que falam sobre a obra de Deus em seu povo no fim dos tempos (cf. Ez 11.19,20; 36.26,27). 3.11. Dentre todos os povos do império, os gregos, intensamente orgulhosos da própria herança cultural, eram em geral os mais intolerantes em relação aos judeus. A circuncisão separava os judeus dos não judeus. Na língua grega, vastamente disseminada nos dias de Paulo, o termo “bárbaros” tecnicamente ainda significava todos os não gregos, embora alguns não gregos vissem essas categorias de forma diferente (p. ex., alguns judeus alexandrinos afirmavam ser gregos, embora a reivindicação deixasse furiosos os gregos étnicos de Alexandria). Os citas em geral eram considerados o povo mais bárbaro, cruel e antigrego (embora alguns autores antigos os retratem como “bárbaros nobres"). “Escravos” e “livres” era uma das principais formas de dividir a humanidade socialmente, embora alguns escravos fossem mais avançados socialmente do que muitos homens livres. Assim, a afirmação de que “Cristo [...] é tudo" talvez signifique que é Cristo, e não quaisquer divisões humanas, quem governa a vida humana como um todo. 166 Conforme William Barclay, Aqui a Carta faz a mudança que sempre encontramos nas Cartas de Paulo. Depois da teologia vem a exigência ética. Paulo podia pensar mais profundamente que qualquer que tenha tentado jamais desenvolver e expressar sua fé cristã. Podia e de fato se embarcou em atalhos inéditos de pensamento; podia escalar, e de fato escalou, as alturas da mente humana onde o teólogo melhor preparado encontra dificuldade em segui-lo. Mas no final de seus Cartas volta sempre para as consequências práticas de todo seu pensamento. Sempre termina com uma colocação inflexível e de clareza cristalina das exigências éticas do cristianismo na situação em que se encontram seus amigos. É aqui onde começa definidamente a seção moral desta Carta. Paulo começa com uma enérgica exigência. “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena”. O Novo Testamento jamais duvida em exigir com certa violência a eliminação total da vida de tudo aquilo que está contra Deus. Aqui Paulo usa a mesma linha de pensamento que em Romanos 8:3: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis”. É exatamente o pensamento de Jesus quando exigia que um homem corte uma mão, ou um pé, ou arranque um olho se por estes membros é induzido ao pecado (Mateus 5:29-30). Podemos expressar isto numa linguagem mais moderna, como o faz C. F. D. Moule. O cristão deve matar seu 166 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 688-689. egocentrismo; deve considerar como mortos todos os desejos e ambições privados. Em sua vida deve haver uma transformação radical da vontade e um deslocamento radical do centro. Tudo aquilo que o separe da obediência total a Deus e da entrega plena a Cristo deve ser amputado cirurgicamente. Logo Paulo prossegue estabelecendo uma lista das coisas que os colossenses devem eliminar da vida. Fornicação e impureza. Como o advertimos repetidamente, a castidade foi a única virtude completamente nova que o cristianismo trouxe para o mundo. No mundo antigo as relações pré-conjugais e extraconjugais não envergonhavam e eram a prática normal aceita. O mundo antigo considerava o apetite sexual como algo que devia saciar-se e não controlar-se. Esta é uma atitude que de modo algum desapareceu, embora hoje em dia seja justificada com argumentos enganosos e distorcidos. Paixões e desejos. Há certas pessoas que são escravas de suas paixões e que são arrastadas pelo mal: isto é o que significa epithymia. Há certa classe de pessoas que não têm idéia de como dominar a ira. que não têm intenção de limitar seus desejos nos prazeres da mesa; uma classe de homens que se deixam governar por seus desejos e que jamais tentam governá-los. Vem o pecado de avareza. A palavra grega é pleonexia. Este pecado é um dos mais repugnantes: seu significado é absolutamente caro mas não é fácil encontrar um termo único para traduzi-lo. Provém de dois termos gregos. A primeira metade da palavra provém de pleon que significa mais; a segunda deriva de equein que significa ter. Pleonexia é fundamentalmente o desejo de ter mais. Os próprios gregos a definiam como um desejo insaciável e diziam que satisfazê-lo era como tratar de encher de água um recipiente furado. Definiram-na como o desejo pecaminoso do que pertence a outro; como a paixão de adquirir. Descreveram-na como a busca desumana do interesse próprio. A idéia básica é a de um desejo que o homem não tem direito de albergar. No versículo 8 Paulo diz que há algumas coisas das quais os colossenses devem despojar-se. A palavra usada aplica-se a despir-se. Aqui há uma imagem que pertence à vida dos primeiros cristãos. Quando o cristão era batizado tiravam-se os vestidos velhos ao descer às águas e era revestido de vestes novas e muito brancas ao emergir das mesmas; despia-se de um estilo de vida para revestir-se de outro. Nesta passagem Paulo fala das coisas das que o cristão deve despir-se; no versículo 12 se continuará a imagem enumerando as coisas das que o cristão deve revestir-se.167 Werner de Boor apresenta as seguintes explanações: Os fundamentos apresentados até aqui a respeito de nossa santificação agora são desenvolvidos de forma concreta. “Por isso tende mortas”. Um imperativo estranho. Porém, como não é usada a forma “Matai!”, mas o imperativo do aoristo (um tempo verbal grego que expressa o aspecto concluído do passado), torna-se mais uma vez claro que nem mesmo agora a vida concreta da santificação é um esforço rumo ao alvo, mas um agir a partir do alvo. Vocês morreram, por isso também incluam concretamente nessa morte realizada – o que, afinal? “Os membros que estão sobre a terra.” O que isso significa? Confirma-se que entendemos corretamente justamente quando não temos “mentalidade grega” e passamos a considerar esta terra, o lugar físico, a estrutura material, como algo antidivino e maligno. Porque esses “membros que estão sobre a terra” não são mãos, pés, olhos e ouvidos! Não se trata de “ascese” como tal. O objetivo não é ter um corpo tão inerte e imóvel quanto possível. Por isso Paulo não se preocupou com “comida e bebida”, não com a “implacabilidade para com o corpo” (Cl 2.16,23). Porque esses “membros sobre a terra” se chamam “lascívia, impureza, paixão, avidez”. Sem dúvida essas coisas também 167 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 72-75. estão relacionadas com nossa corporeidade e nossa inserção na natureza. Se não fôssemos seres sexuados não haveria para nós “lascívia”. Mas – e é muito importante que observemos isso – mais uma vez o mal não está na sexualidade em si! Somos impuros não porque somos homem e mulher, ou porque temos um corpo de carne e sangue! Pelo contrário, “do coração dos seres humanos partem maus pensamentos, adultério, lascívia…” (Mt 7.21). Não é a sexualidade em si, mas somente a sexualidade egoísta que gera a aflição e culpa. Por isso a aflição e culpa não se concretizam somente pelo ato formal. Fazem parte dos “membros sobre a terra” justamente também os processos ocultos do coração que constituem a raiz de todos os descaminhos e assolações: impureza, paixão, avidez. Talvez devamos notar particularmente que aqui também é citada a “paixão”, e dessa vez sem qualquer adendo (Rm 1.26 “paixões infames”; 1Ts 4.5 “paixão da avidez”). Porque é justamente para a pessoa moderna que “paixão” possui por princípio uma conotação positiva. Talvez a paixão seja “trágica”, talvez ela lance seu portador e muitas outras pessoas no sofrimento e na perdição, não importa, ela é, em si, grandiosa, “além do bem e do mal”, o verdadeiro motor de tudo o que merece ser retratado artisticamente no teatro e romance, cativante e instigante, enquanto sem ela a vida parece insossa. Paulo, porém, a conta entre os “membros sobre a terra”, que nós podemos “ter mortos”. Isso não significa que alguém como Paulo tenha transformado uma vida morna, medíocre em ideal cristão. Mas quem experimentou uma vida de dedicação a Jesus, “para conhecer a ele e a força de sua ressurreição, bem como a comunhão de seus sofrimentos”, sabe que perigo sombrio a “paixão” representa para toda vida verdadeira. Também uma pessoa que conheceu o amor genuíno e profundo no relacionamento entre homem e mulher dá razão a Paulo em seu veredicto sobre a “paixão”. Perniciosas não são o corpo e a vida física em um mundo terreno e material, mas o coração deturpado, separado de Deus, o “eu”. Só que esse “eu” não permanece isolado por trás de uma vida concreta. Somente nos deparamos com ele de forma concreta nesta existência humana sobre a terra. Existem, enfim, essas duas poderosas esferas da vida em que o “eu” se manifesta primordialmente, que o NT por isso cita diversas vezes em conjunto e de forma particularmente enfática: a vida sexual e a busca do sustento. Para um sem-número de pessoas “a vida” de fato se resume a isso: apropriar-se para (de qualquer maneira relacionada com a área sexual) aproveitar e usufruir. Por isso Paulo também cita aqui a “avidez”, um especial “membro sobre a terra”, acrescentando: “que, afinal, é idolatria”. Idolatria por atacado: a propriedade deve realizar precisamente aquilo que é tarefa de Deus, a saber, propiciar-nos segurança, conservar-nos e presentear-nos com felicidade. Idolatria no varejo: com que tenacidade as pessoas constantemente se prendem nesse ou naquele objeto de sua propriedade! Que horrível perversão quando a propriedade, talvez uma jóia, assume o lugar em que Deus deveria estar! Na sequência trata-se da santificação real nessas áreas concretas. Ela não é obtida pela vida ascética. Exercícios exteriores de abstenção não eliminam de fato o coração sequioso, o eu ávido. Cedo ou tarde ele com certeza irromperia com maior força nos antigos pontos ou buscaria novas formas, talvez muito “devotas”, para apesar de tudo atingir a própria satisfação. A verdadeira santificação vem unicamente da fé. Ela vem porque ao morrer Jesus levou consigo para a morte esse nosso eu e porque pela fé abraçamos esse estar morto, podendo assim de fato tomá-lo e recebê-lo. Então torna-se possível “ter mortas” todas essas coisas na constante renovação das tentações para a impureza, avareza, etc.. Jamais nesta vida elas serão definitivamente mortas. Amanhã poderão e hão de brotar novamente do coração. Mas, sempre nova é para elas a mesma morte, a mesma vitória sobre elas, sempre de novo abraçadas concretamente mediante a fé, e apesar disso representando o “estar morto” e “ter morto”, que se tornou nossa propriedade fundamental pela primeira vez na conversão e no renascimento... Essa santificação concreta, porém, não é um belo adendo à fé, à justificação. Com profunda seriedade Paulo enfatiza: “por causa dessas coisas vem a ira de Deus”. Portanto, não podemos, como “pessoas redimidas e salvas pela fé”, p. ex., tranquilamente experimentar um pouco essas coisas! Não, nesse caso caímos na ira de Deus. Deus é imparcial, e não pode, neste ponto, de repente considerar a lascívia, a impureza, etc. não tão más quando praticadas por “seus correligionários”. Neste ponto o testemunho do NT é cabalmente unânime. Paulo declara aos romanos: “Se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte” (Rm 8.13). Diz aos coríntios: “Nem lascivos, nem idólatras, nem… herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9s). Afirma aos gálatas: “…a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5.21). Por isso talvez seja bom deixar de fora o adendo “sobre os filhos da desobediência” que não aparece em alguns manuscritos, apesar de ele aparecer em alguns outros valiosos manuscritos, a fim de que nosso olhar não seja desviado de nós para outros, ainda mais quando ouvimos traduções como a de Lutero “sobre os filhos da incredulidade”. É muito mais plausível que esse acréscimo tenha penetrado aqui, vindo de Ef 5.6, do que a hipótese de que copistas o omitiram, caso tenha constado originalmente aqui. Não, o que conta é a nossa vida, é nossa vida que está em jogo! Louvado seja Deus por esta tarefa da santificação real de nossa vida não ser uma tarefa impossível. O “ter mortos nossos membros sobre a terra” é algo que podemos executar hoje, amanhã e a cada dia, tão certo como pela fé podemos nos entender como pessoas que morreram com Cristo. Todo esse mundo de coisas más que Paulo já citou e em seguida ainda enunciará com maior clareza não é desconhecido para nós. E não nos limitamos a apenas ouvir a respeito de tudo isso, já que infelizmente existem pessoas tão más no mundo. Em nossa própria vida existe o “outrora”, caracterizado pelo fato de que ali também nós “tínhamos nossa vida” nesse “apropriar-se para usufruir”. Por essa razão é simplesmente verdadeiro: “Nelas vós também andastes outrora.” Ao deixarmos fora o adendo “sobre os filhos da desobediência”, o “nelas” se refere diretamente às coisas más enumeradas. O “andar” naturalmente pode ter se manifesto em formas muito distintas, ora grosseiras, ora delicadas e cultas. No entanto, isso não altera em nada o fato de que “tínhamos nelas nossa vida”. Com a conversão e o renascimento começa um “agora”. Esse agora não se caracteriza pelo fato de que o pecado tenha desaparecido, que nada mais de mau se manifeste em nós e que nos esbaldemos em pureza e enlevo. Muito pelo contrário. Porém o agora está seriamente marcado pelo fato de termos despido, o que se torna um “tende despido!” diariamente novo. Consta aqui o mesmo imperativo do aoristo como antes. Paulo ainda cita coisas de nosso ser antigo, natural, que não fazem parte daquelas duas esferas da vida inicialmente enfocadas e que apesar disso constituem manifestações tão características do eu e do egoísmo: “Agora, porém, tende também vos despido de tudo isso: ira, rancor, maldade, maledicência, fala obscena de vossos lábios.” Mais uma vez as condições interiores do coração são citadas como a fonte daquilo que agora se exterioriza como palavra e ação. No entanto, que terrível instrumento do perverso eu são justamente os lábios! Por isso Paulo ainda ressalta de forma especial a mentira. Aqui ele não consegue falar no aoristo, aqui consta o imperativo do presente: “Não mintais uns aos outros”! É preciso deixar a mentira de lado dia após dia. Imediatamente, porém, ele retorna outra vez à linha fundamental. Esse “agora não mentir mais constantemente” é santificação possível apenas como algo bem concreto: não porque nós nos esforçamos para enfrentar o velho ser humano, mas porque “afinal, nos temos despido do velho ser humano com seus atos” e “nos vestimos do novo, que torna a se renovar para o conhecimento segundo a imagem de seu Criador”. Originalmente o ser humano foi criado à imagem de Deus, porque foi criado “por Cristo” e “para ele”. Mas ele se soltou de Deus e se tornou refém do diabo, do mundo e do eu. É esse o ser humano que todos nós conhecemos em nós mesmos. A esse ser humano podemos adornar, civilizar, melhorar, enobrecer, mas em sua natureza profunda ele continua sendo o inalterado “velho” ser humano. Por isso Deus não se esforçou para consertá-lo. O grande experimento divino com a “lei” e os inúmeros pequenos experimentos do ser humano com lei, costume, ética, cultura e religião demonstraram que ele não pode ser consertado. Somente pode ser eliminado. Foi isso que Deus fez, ao matá-lo em Cristo e deitá-lo na sepultura. Nesse ponto reside a diferença total entre o evangelho e toda a ética e religião do mundo! Na sequência Deus concedeu em Cristo um ser humano completamente novo. A comparação da presente passagem com Rm 13.14 e Gl 3.27 mostra que o próprio Cristo é o “novo ser humano” do qual podemos nos vestir. Também o final do v. 11 do presente texto aponta para isso. Em Cristo o novo ser humano já está pronto. Mas, olhando para nós, ele não está “pronto”, mas somente há de ser “novamente renovado segundo a imagem de seu Criador”. Porque mais uma vez Paulo combina os dois aspectos (precisamente isso caracteriza a compreensão correta da santificação evangélica): o que foi consumado nos fundamentos e acolhido mediante a fé, e o que a partir disso se processa dia após dia. O novo ser humano, do qual nos vestimos por princípio na conversão mediante a fé é, afinal, renovado a cada dia. Isso ocorre para o “conhecimento”. Também poderíamos traduzir as palavras “que é novamente renovado para o conhecimento” muito bem da seguinte forma: “que chega constantemente a um novo conhecimento”. Podemos recordar o que Paulo escreveu no começo da carta em Cl 1.9 sobre o crescimento da vida eclesial no entendimento da vontade de Deus. Precisamente nisso se mostra que nos revestimos do novo ser humano: que agora conhecemos a cada dia e de maneira crescente o que Deus deseja de nós hoje e aqui, do que nos podemos despojar mais profundamente e o que agora pode ser agarrado e apropriado de forma nova. Em tal crescimento “a imagem de seu Criador”, que na verdade é “Cristo”, destaca-se cada vez mais nitidamente na pessoa. O uso da expressão “renovado segundo a imagem de seu Criador” remete a Gn 1.26s.168 Ralph P. Martin, 5. As reivindicações de um falso ascetismo já foram desmascaradas e refutadas num trecho anterior da carta de Paulo (2.20-3). Agora volta a defender o que, para ele, é uma linha positiva de controle-próprio, que é tanto oposta à permissividade (w. 5-8) quanto afirmadora de um estilo de vida apropriado para o caráter cristão (w. 10, 11). Fazei morrer é o lado inverso da declaração indicativa “morrestes” (2.20; 3.3). O fato de um rompimento decisivo com a vida antiga descreve a experiência subjetiva da conversão de um indivíduo expressada no batismo (Rm 6.3, 4, 6ss.) e relembra 2.12 nesta Epístola. Paulo passa a aplicar esse ensino numa chamada aos seus leitores: “Que vosso próprio-eu antigo, vossa vida pagã, que morreu no batismo, permaneça morto.” Esta, porém, não é nenhuma aceitação quiescente de um evento passado; envolve uma resolução determinada de acabar com os modos anteriores de comportamento. A vossa natureza terrena refere-se a 3.2 e prepara o caminho para a lista de vícios a serem recusados nos vv. 5 e 8. “Natureza” é lit. “membros” (gr. melè), como sendo “aquelas partes de vós” que pertencem à terra. A alusão diz respeito à existência corpórea de uma pessoa, como em Romanos 6.11-13; 8.13. Sua natureza física, quer seja anatômica, quer pertença aos seus apetites, não é considerada pecaminosa por Paulo, mas frequentemente pode ser o instrumento do mal porque a natureza caída do homem assim escolhe. Para deixar claro o que ele quer 168 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. dizer, Paulo alista certas praxes malignas que aborrecem a existência física do homem ao tomar-se expressões da sua perda de controle-próprio. Os vícios são cinco, cifra esta que corresponde à mesma cifra no v. 8 e outra vez a uma lista de virtudes no v. 12. Alguns intérpretes vêem um significado especial no uso repetido do número cinco (cf. Bomkamm: “Die Hãeresie,” pág. 151, que argumenta que o número “cinco” deriva de uma idéia antropológica em que as ações do homem são seus “membros”), embora os paralelos tirados da religião iraniana pareçam ser remotos, ainda que haja uma recorrência a alguma formulação tradicional, conforme acredita Lohse. A primeira lista abrange os seguintes vícios éticos. A prostituição fica em primeiro lugar (como em G1 5.19) e é expressamente, proibida. A palavra grega porneia leva consigo várias matizes de significado no Novo Testamento, desde as relações sexuais extraconjugais (1 Ts 4.3) até os casamentos contraídos entre parceiros que estão dentro dos graus ilícitos de parentesco (provavelmente o sentido da palavra em At 15.20 bem como em Mt 5.32; 19.1). Impureza (i,é, contaminação moral) enfatiza a razão porque a rigorosa proibição da imoralidade era levada a sério (1 Co 6.9; Ef 5.5). Significa algo bem semelhante ao seu termo associado, e é igualmente repreendida (G1 5.19). Paixão lasciva é a paixão maligna que leva aos excessos sexuais ou até mesmo às perversões. (W. Michaelis, TDNT v, pág. 928). Veja 1 Tessalonicenses4.5; Romanos 1.26. Desejo maligno é também mencionado no catálogo das “obras da carne” em Gálatas 5.16, e seu caráter moral é visto no adjetivo “maligno” (gr. kakè) que alguns manuscritos omitem. Mas o elemento baixo em “desejo” fica claro em textos afins (1 Ts 4.5; G1 5.24; Rm 1.24; 6.12; 7.7-8; 13.14). A avareza destaca-se como o último membro da lista. Quebra a sequência ao desviar a atenção dos vícios sexuais para um pecado da cobiça. Esta última palavra é o sentido normal do grego pleonexia (lit. um desejo “de ter mais,” o amor habendi que os moralistas romanos descreviam). Este, pois, é o pecado da possessividade, o desejo insaciável de colocar as mãos nas coisas materiais (cf. Lc 12.15). É possível, no entanto, dar implicações sexuais ao termo se 1 Tessalonicenses 4.6, que usa o verbo cognato pleonektein (“fazer injustiça ao irmão”) tem em vista um ato de irresponsabilidade sexual. Mas o verbo (como em 1 Co 6.10) pode igualmente significar “cobiçar” no sentido aceito de ser ganancioso. A avareza leva uma pessoa para longe de Deus e a encoraja a confiar nas suas possessões materiais. Sendo assim, a avareza não é melhor do que a idolatria, a devoção dedicada a um deus falso. 6. As listas neotestamentárias de vícios éticos frequentemente terminam com uma referência sóbria ao julgamento divino a ser visitado sobre aqueles que se entregam a estes hábitos. (Veja 1 Ts 4.3-6; 1 Co 5.10- 11; 6.9; Rm 1.18-32). Destarte, por estas coisas, por estas práticas malignas mencionadas no v. 5, a ira de Deus, i.é, Seu desagrado e retribuição judiciais, vem no Dia final, embora seus processos na história e na vida pessoal já estejam operantes (Rm 1.18). 7. Nessas mesmas coisas andastes vós também, noutro tempo. Se Paulo está recorrendo a matéria tradicional que fazia parte do ensino ético da igreja primitiva, agora aplica-o à situação em Colossos. Seus leitores eram pagãos convertidos, anteriormente oprimidos pelos pecados que manchavam suas vidas pré-cristãs, e “mortos” para a nova vida que começaram como crentes (2.13). Agora foram perdoados e renovados (2.13b) e receberam um novo início da vida com Cristo (2.10; 3.1-3). “Andar” é uma metáfora paulina predileta, emprestada da sua tradição veterotestamentária e judaica, que significa “modo de vida.” Para estes leitores, andar nos caminhos antigos é substituído pela chamada “andai (i.é, vivei) nele” (2.6), levando uma vida que agrade ao Senhor (1.10). 8. O contraste entre “noutro tempo” (a experiência pré-cristã) e “agora” (aquilo que os crentes se tomaram) é comum em Paulo. Aqui, o contraste é feito entre a vida antiga dos colossenses e a nova ordem da vida em que entraram como cristãos que abandonaram seu modo anterior de comportamento. Já “se despojaram” (gr. apothesthe) das atividades e dos prazeres do v. 5. Aquela lista agora é substituída por um novo catálogo, que consiste nos pecados da língua. Esta área de convívio social mediante a qual os homens se comunicam com seu próximo é uma das indicações de que o conceito paulino do “velho homem” (v. 9) é tão corpóreo quanto é pessoal. Veja Moule, pág. 119. Paulo está descrevendo o novo estilo de vida que pertence àqueles que acharam seu lugar numa nova humanidade, renovada em Cristo, o “último Adão.” E a qualidade da vida na comunhão dos cientes cristãos pode ser vista no abandono de formas grosseiras de falar e do caráter antissocial de um modo de vida que rejeitaram decisivamente quando se “despiram do velho homem com os seus feitos.” ira e indignação vão juntas, com pouca coisa para distingui-las. Estas duas explosões de mau gênio humano destroem a harmonia dos relacionamentos humanos. Maldade (gr. kakia) é um termo geral para o mal moral, e é usada em passagens que retratam os grandes danos feitos à sociedade humana pela maledicência (1 Co 5.8; 14.20; Rm 1.29; Ef 4.31). Maledicência é literalmente “blasfêmia” (gr. blasphêmia) que neste contexto refere-se mais a uma difamação do caráter humano do que a uma maldição dirigida contra Deus. Qualquer tipo de rebaixamento do homem, quer por mentiras, quer por mexericos, entra na categoria deste termo. Linguagem obscena do vosso falar é uma palavra achada somente aqui em Novo Testamento e sugere a linguagem abusiva, seja como fala grosseira, seja como um apelo aos palavrões. A gama dos “pecados da língua” é extensiva neste versículo, e Paulo tem uma palavra final para acrescentar ao seu conjunto desatraente (veja o versículo seguinte). Todas estas maneiras de fala destrutiva devem ser resolutamente deixadas de lado como parte da vida antiga. 9. A chamada: Não mintais talvez pareça vir como um anticlímax, mas os efeitos sociais de promessas e compromissos indignos são enormes. Possivelmente este desafio pertença à tradição, que é usada para completar a lista no v. 8. A mesma admoestação ocorre em Efésios 4.25. A exortação parece estar restrita a uma aplicação dentro da comunidade cristã, de modo que sua seriedade recebe uma referência deliberada. A mentira leva a um rompimento da comunhão cristã, porque engendra a suspeita e a desconfiança, e assim destrói a vida em comum no corpo de Cristo (Rm 12.4) mediante a qual somos “membros uns dos outros.” A razão para o abandono dos maus caminhos agora é fornecida. Uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos traduz uma frase que começa com um particípio grego apekdusamenoi (“tendo despido”). É complementado por um particípio correspondente no v. 10 (gr. endusamenoi, “tendo vestido”). Todos os comentaristas concordam que há um tema batismal nestes verbos, tirado da atividade de despir-se para o ato do batismo, quando o novo cristão entrava na água, e de vestir-se depois. A referência em Gálatas 3.27 claramente localiza a experiência como sendo batismal, embora Paulo enfatize igualmente que todos os leitores das suas Epístolas devem saber apreciar significado “interior” do ato exterior (cf. Rm 13.12, 14; cf. Ef 4.24). O problema postulado por estes particípios aoristos, que denotam um evento passado, é saber se continuam a sequência das admoestações ou se relembram o batismo como sendo a ocasião quando o crente fez as renúncias da sua vida antiga. No primeiro ponto de vista (declarado por Lohse, pág. 141) Paulo está continuando a linha do seu apelo que começou com a chamada: “Não mintais,” e ressaltando a obrigação que seus leitores devem enfrentar e agir à altura para abrir mão dos hábitos que pertencem à sua velha natureza, despojando 'tudo quanto pertence à sua vida anterior e substituindo-a com um novo modo de viver. Os particípios têm um sentido imperativo, de acordo com o uso rabínico e neotestamentário. O ponto de vista alternativo deve ser preferido como estando mais de conformidade com o ensino atestado de Paulo. Está chamando os colossenses de volta ao seu batismo, e conclamando-os a lembrar-se do seu efeito dinâmico ao libertá-los do seu antigo modo de vida, como consequência da sua união com Cristo pela fé, agora confessada. Passa a conclamá-los, nesta expressão participial, a viver à altura daquela confissão batismal ao ser leal a ela, e a tomar-se na própria realidade — mediante sua renúncia e sua aceitação da sua nova vida, dada a eles enquanto foram ressuscitados com Cristo — aquilo que já foram declaradamente no seu batismo. Partes anteriores desta carta — para não irmos mais longe no assunto da ética paulina — confirmam este modo de declarar a intenção de Paulo. Pode referir-se ao passado, à entrada decisiva dos colossenses no reino de Deus, que transformou as suas vidas (1.3) quando compartilharam do ato de Cristo em despir de Si mesmo a tirania dos poderes demoníacos (2.11, 25). Este evento foi seu batismo (2.12, 13, 20) que inaugurou na união com Cristo, o Senhor, a sua posição cristã (3.1,3). Esta interpretação ajuda-nos a apreciar o termo enigmático: velho homem (ou “velho Adão”) e novo homem (ou “novo Adão”). Parece claro que estes não são novos termos de individualidade mas, sim, são expressões corpóreas que denotam uma velha e um nova ordem de existência. Paulo, portanto, está conclamando seus leitores (como em Rm 6.6-14) a acabar com seu antigo estilo de vida, com seus hábitos, inclinações e alvos, e a viver como aqueles que, no começo da sua nova vida em Cristo, entraram no novo mundo de uma nova humanidade que está viva para Deus. Nem devemos esquecer-nos de que, embora Paulo bem possivelmente esteja utilizando formas tradicionais de expressío (catequética) que eram moeda corrente nas igrejas primitivas, haveria relevância especial deste ensino para os homens e as mulheres de Colossos que estavam perplexos no que dizia respeito a diretrizes rivais para o modo de vida dos cristãos, oferecidas em nome dos falsos mestres no seu meio (2.16-23). A resposta de Paulo e seu antídoto é uma declaração simples do senhorio de Cristo e o que significa viver sob aquela regra. Seus leitores (conforme os faz lembrar) eram aqueles que tinham professado lealdade ao Senhor Jesus Cristo na conversão e na renovação (2.13). Que agora ponham em prática aquela profissão, procurando ideais éticos cujo padrão é estabelecido por sua vida no “novo Adão,” o novo segmento da humanidade que obtém sua vida de Cristo Jesus. 10. O uso consciente por Paulo do contraste “velho” e “novo” com referência a “Adão” é continuado nas suas descrições adicionais. O novo homem se refaz para o pleno conhecimento (i.é, a capacidade de reconhecer a vontade e a ordem de Deus [1.9] e depois praticá-la) segundo a imagem daquele que o criou. Gênesis 1.26-27 fica no pano de fundo deste texto, com sua alusão ao desígnio de Deus em prol do homem, para conhecê-Lo em obediência, comunhão e amor como Sua “imagem.” Os intérpretes judaicos do texto de Gênesis faziam da possessão da imagem divina no homem um incentivo ético, de modo que o homem demonstrasse seu relacionamento especial com Deus ao obedecer a Sua voz e seguir nos Seus caminhos. Havia, também, a esperança de que o esplendor e a glória, que a humanidade perdera na queda de Adão, seriam restaurados. O interesse rabínico, no entanto, não se estendia ao contraste entre o velho homem e o novo. Trata-se dalguma coisa nova em Paulo, e não há nenhum paralelo não-cristão (Jervell, pág. 240). Aquele que criou evidentemente é Deus, mas a figura (à luz de 1.15) parece indicar o ensino cristológico de Paulo. O “novo homem,” portanto, pode ser entendido como sendo uma referência ao próprio Cristo (assim Lohmeyer), tendo em vista o ensinamento de Paulo noutros trechos (e.g. Rm 13.14) que o cristão se reveste de Cristo no batismo (G13.27). Desta maneira, Cristo fica sendo o protótipo ou planta da renovação, tanto no seu começo como na sua continuação, da nova humanidade que Paulo via emergindo na vida da Igreja. 11. Onde (na vida do novo povo de Deus no mundo “no âmbito do homem novo”, DibeliusGreeven) não pode haver (nenhum verbo é expressado no gr.) qualquer justificativa para as divisões da raça humana que eram tão pronunciadas na sociedade antiga. A classificação estende-se a divisões baseadas na nacionalidade (grego, judeu), à vida religiosa (circuncisão, incircuncisão) e à posição social (escravo, livre). O ensino de Gálatas 3.28 é repetido e ampliado, presumivelmente de acordo com as necessidades dos leitores colossenses (embora isto seja negado por Lohse, que quer entender que o versículo é tradicional. Jervell, pág. 251, tem sustentado que o apóstolo “retomou a fórmula, mas a empregou para seus propósitos especiais”). A razão teológica para o ensino de Paulo sobre a igualdade na igreja é vista em 1 Coríntios 12.13. Todos os membros participavam de um único batismo pelo qual eram incorporados numa nova humanidade. Destarte, é esta “nova criação” (G1 6.15) que conta, e não as divisões baseadas nos acasos do nascimento e da posição social, nem as ênfases dos rótulos que a vinda de Cristo tomou inválidos. Destacam-se na lista bárbaro, cita. O bárbaro é um termo para os não-gregos, que não falavam aquele idioma. O ministério de Paulo, no entanto, era dirigido a eles (Rm 1.14) não menos do que àqueles que tinham orgulho da sua cultura grega. E cita era um tipo estranho de bárbaro (Lohse), bem baixo na escala social e cultura, “pouco melhor do que os animais selvagens” (Josefo: Contra Apionem ii.269). O termo era aplicado a tribos em derredor do Mar Negro, que davam uma classe de escravos miseráveis. Paulo, portanto, inclui estes últimos, com uma possível alusão àquilo que dirá mais tarde no seu tratamento dos senhores e dos escravos (3.22- 4.1). De modo magnífico, todas estas estratificações e hostilidàdes sociais são removidas na asseveração de que Cristo é tudo que os homens precisam para entrarem num mundo novo, e Ele está em todos independentemente da sua condição anterior no mundo antigo. 169 O comentário da Bíblia do Pregador Pentecostal expõe que: Neste texto sagrado nós vamos aprender sobre a necessidade de nos despir da roupa velha do pecado e nos vestir com a roupa nova da santidade. Despir-se do velho homem com os seus feitos significa abandono do pecado e dos antigos vícios que tínhamos anteriormente à nossa conversão. Isso não acontece da noite para o dia. A santificação é um processo contínuo e progressivo. Precisamos vencer a velha natureza pecaminosa que herdamos do primeiro Adão e nos tornar coparticipantes da natureza divina que herdamos do Segundo Adão, Jesus Cristo. I. DESPINDO-SE DA CAPA VELHA DO PECADO 1. De acordo com a Palavra de Deus, todo homem já nasce com o pecado (Sl 51.5). Quando Adão e Eva pecaram, eles fizeram para si uma vestimenta de folhas de figueira (Gn 3.7). A tentativa feita pelo homem de cobrir-se com folhas de figueira era tão inadequada como o desejo de desculpar-se pelo pecado. Porém, Deus proveu as vestimentas da redenção para Adão e sua mulher e os vestiu (Gn 3.21). As novas vestes de Deus substituíram as velhas e frágeis vestes do homem. Adão e Eva despiram-se da capa velha do pecado e foram vestidos da capa do perdão e da reconciliação com Deus. 169 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 113-119. 2. Em Gn 35.2 Jacó disse à sua família e a todos os que com ele estavam: “Tirai os deuses estranhos que há no meio de vós, e purificai-vos, e mudai as vossas vestes.” 3. Em 2Sm 12.20, após o seu pecado “Então, Davi se levantou da terra, e se lavou, e se ungiu, e mudou de vestes, e entrou na Casa do SENHOR, e adorou…” Só depois de fazer isso o pecador tem condições de ir até a presença de Deus. 4. Em Mc 10.50 a Bíblia afirma que, após Jesus chamar o cego Bartimeu ao seu encontro, “lançando de si a sua capa, levantou-se e foi ter com Jesus”. Bartimeu abandonou a capa velha do pecado e passou a seguir Jesus (Mc 10.52). II. VESTINDO-SE DO NOVO HOMEM 1. Após nos despirmos do velho homem, devemos nos vestir do novo homem. É isso o que Paulo aconselha em Ef 4.22-24, dizendo “que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso sentido, e vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade”. 2. Em 2Co 5.17 Paulo escreve, dizendo: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” 3. Em Cl 3.10 Paulo ainda diz: “e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou…” 4. Em Is 61.10, o profeta Isaías fala de uma nova vestimenta que o crente salvo recebe, dizendo: “Regozijar-me-ei muito no SENHOR, a minha alma se alegra no meu Deus, porque me vestiu de vestes de salvação, me cobriu com o manto de justiça, como um noivo que se adorna com atavios e como noiva que se enfeita com as suas joias.” CONCLUSÃO: Despir-se do velho homem é nos desembaraçarmos de todo o peso e do pecado que tenazmente nos assedia, e corrermos com perseverança a carreira que nos está proposta (Hb 12.1).170 15.COLOSSENSES 3:12-17 Visto que Deus os escolheu para ser seu povo santo e amado, revistam-se de compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência. Sejam compreensivos uns com os outros e perdoem quem os ofender. Lembrem-se de que o Senhor os perdoou, de modo que vocês também devem perdoar. Acima de tudo, revistam-se do amor que une todos nós em perfeita harmonia. Permitam que a paz de Cristo governe o seu coração, pois, como membros do mesmo corpo, vocês são chamados a 170 Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. viver em paz. E sejam sempre agradecidos. Que a mensagem a respeito de Cristo, em toda a sua riqueza, preencha a vida de vocês. Ensinem e aconselhem uns aos outros com toda a sabedoria. Cantem a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais com o coração agradecido. E tudo que fizerem ou disserem, façam em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus, o Pai, por meio dele. (NVT) Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoandovos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. E, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição. E a paz de Deus, para a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos corações; e sede agradecidos. A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração. E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai. (ARC) Termos destacados ἀγάπην (agapēn) = Substantivo - Acusativo Feminino Singular. De agapao; amor, ou seja, afeto ou benevolência; especialmente uma festa de amor. 171 εἰρήνη (eirēnē) = Substantivo - Nominativo Feminino Singular. Provavelmente de um verbo primário eiro; paz; por implicação, prosperidade.172 βραβευέτω (brabeuetō) = Verbo - Presente Imperativo Ativo - 3ª Pessoa do Singular. (lit: atuar como árbitro nos jogos), regra, arbitro. Do mesmo que brabeion; arbitrar, ou seja, governar 173 εὐχάριστοι (eucharistoi) = Adjetivo - Nominativo Masculino Plural. Grato, agradecido. De eu e um derivado de charizomai; bem favorecido, ou seja, grato.174 E sobre todas essas coisas (vestir) o amor, que (coisa) é o laço da perfeição (Colossenses 2:2; Efésios 4:2, 3; Efésios 5:1; Filipenses 2:2; 1 Coríntios 13; Gálatas 5:13-15, 22; Romanos 13:8-10; 2 Pedro 1:7; 1 João 4:7-21; João 13:34, 35). Em 1 Coríntios 13. "amor" é a substância ou substrato das virtudes cristãs; em Gálatas 5:22 é a cabeça e o começo; aqui é aquilo que os abraça e completa. Implicam amor, mas é mais do que todos juntos. 175 E que a paz de Cristo seja arbitrária em seus corações (Colossenses 1:14, 20-22; Colossenses 2:18; Efésios 2:13-18; Romanos 5:1, 10; 2 Coríntios 5:18-21; Atos 10:36; Hebreus 171 Colossenses 3:14 E sobre todas estas virtudes revesti-se de amor, que é o laço da perfeita unidade. (biblehub.com) Colossenses 3:15 Deixai que a paz de Cristo reine em vossos corações, pois para isso fostes chamados como membros de um só corpo. E seja grato. (biblehub.com) 173 Colossenses 3:15 Deixai que a paz de Cristo reine em vossos corações, pois para isso fostes chamados como membros de um só corpo. E seja grato. (biblehub.com) 174 Colossenses 3:15 Deixai que a paz de Cristo reine em vossos corações, pois para isso fostes chamados como membros de um só corpo. E seja grato. (biblehub.com) 175 Pulpit commentary: Colossenses 3:14 E sobre todas estas virtudes revesti-se de amor, que é o laço da perfeita unidade. (biblehub.com) 172 13:20; Filipenses 3:14). "De Deus", a leitura do Texto Recebido, é emprestada de Filipenses 4:7, onde, no entanto, "em Cristo Jesus" segue (comp. ver. 13 b, e Efésios 4:32). "A paz de Cristo" é aquela que Ele efetua ao reconciliar os homens com Deus, e consigo mesmo como seu Senhor (ver. 13 b; Colossenses 1:20, ver nota; Romanos 5:1). Aqui está a fonte da tranquilidade interior e da saúde da alma (ver nota sobre "paz", Colossenses 1:2; Romanos 8:6-9; João 16:33); e da união exterior e harmonia da Igreja, o corpo de Cristo (Efésios 2:16; Efésios 4:2, 3; Romanos 14:15-19; Romanos 15:7).176 Justo L. Gonzalez menciona que: ...em Colossenses 2:19, ao referir-se à igreja como um corpo “nutrido e unido por conjunturas e ligamentos” (ênfase do autor), os “ligamentos” representam a mesma palavra que na passagem que estamos estudando e que aqui se traduz como “vínculo” de amor. Em resumo, quando aqui se fala do “amor” como um “vínculo” não se trata simplesmente de um sentimento ou uma atração mútua. Se trata de uma relação tão inevitável e inescapável como uma cadeia ou como os ligamentos do corpo. O braço está unido ao resto do corpo por uma série de ligamentos. Se estes se rompem, o braço não pode continuar funcionando por conta própria. Algo semelhante ocorre com o “vínculo de amor” que aqui se nos encomenda. A palavra que se traduz por “perfeito” não quer dizer unicamente que seja completamente bom, mas também que é o maior e mais poderoso dos vínculos. Este amor é vínculo perfeito não somente no sentido de ser melhor que todo outro vínculo, mas também no sentido de ser o mais forte, e por tanto ineludível (inevitável), dos vínculos. O amor entre os crentes não é portanto uma opção, nem é tampouco um sentimento amistoso, mas um vínculo inescapável que nos une. Sem ele, deixamos de ser verdadeiros membros deste corpo unido por seus vínculos ou ligamentos de amor. Essa paz há de governar. Esta é uma tradução literal e correta. Não se trata simplesmente de um sentimento que buscamos, mas que se trata da paz que reina ou governa. Esse governo tem lugar “em vosso coração”. Uma tradução mais literal seria: “governe em vossos corações”, pois em grego se usa o plural “corações”. Em todo caso, também é importante entender que, para os antigos, o coração não era, como para nós hoje, somente símbolo ou sede das emoções, mas também o centro dos pensamentos e da vontade. Em outras palavras, ao falar do “coração” de uma pessoa se referia à interioridade dessa pessoa como um todo: mente, sentimentos e vontade.177 Já Craig S. Keener apresenta os seguintes comentários: Regras para a comunidade cristã. Os paralelos com Efésios aqui são tão fortes que, para muitos estudiosos, Efésios é uma cópia e expansão de Colossenses. Quando uma carta considerada paulina diverge significativamente de outra carta paulina, alguns estudiosos atribuem a carta diferente a outro autor, mas quando a carta com diferenças exibe também semelhanças com outra carta paulina, certos estudiosos afirmam que um autor copiou o outro. Contudo, nenhuma dessas linhas de argumentação é adequada em si 176 Pulpit commentary: Colossenses 3:15 Deixai que a paz de Cristo reine em vossos corações, pois para isso fostes chamados como membros de um só corpo. E seja grato. (biblehub.com) 177 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 146;147). CPAD. Edição do Kindle. mesma sem que haja evidências substanciais de autoria não paulina das cartas. Paulo, talvez, tenha enviado instruções semelhantes a diferentes igrejas nesse período, ou mesmo permitido que seu assistente revisasse algumas instruções básicas já enviadas a alguma igreja para enviá-las a outra (veja comentário de 4.16). Os escribas eram às vezes incumbidos de compor o rascunho do texto do documento com base em documentos já disponíveis. 3.12,13. “Santos”, “amados” e “eleitos” são termos que o Antigo Testamento aplicava a Israel. Paulo inclui aqui uma lista de virtudes, recurso literário comum nos textos da época. 3.14,15. É frequente o amor figurar como virtude importante nos textos da Antiguidade (no judaísmo, às vezes, aparece como a virtude principal). Na literatura crista, no entanto, ele ocorre repetidamente como a virtude suprema. Não há paralelo significativo para a ênfase crista no amor em qualquer outro corpo literário antigo (p. ex., para alguns, a virtude dominante era a “sabedoria”; para outros, as quatro virtudes cardeais de Aristóteles). “Paz” (v. 15) provavelmente significa “paz uns com os outros”, em unidade (v. 14). Essa virtude era muito valorizada tanto na literatura judaica como na grecoromana. 3.16. Enquanto Efésios 5.18,19 enfatizava o Espírito na adoração, Paulo, em Colossenses, está preocupado com as pessoas que nutrem doutrinas errôneas e não reconheceram a plena suficiência de Cristo. É por isso que ele enfatiza a “palavra de Cristo” aqui. Quanto à adoração, veja comentário de Efésios 5.19. 3.17. A cultura da Antiguidade era permeada pela religiosidade, mas a maioria das práticas religiosas pagãs consistia em observâncias rituais sem influência moral na vida cotidiana e na ética dos praticantes. Para Pau10, em contraste, todo aspecto da vida precisa ser moldado pelo senhorio de Cristo. 178 Segundo expõe William Barclay, Aos ornamentos das virtudes e graças Paulo adiciona um mais — aquele que chama o vinculo perfeito do amor. O amor é o poder de união que mantém intimamente ligado todo o corpo cristão. A tendência de toda sociedade de pessoas é, mais cedo ou mais tarde, desagregar-se; no amor existe o único vínculo que as manterá em inquebrantável comunhão. Logo Paulo passa a uma imagem expressiva: "Que a paz de Cristo decida tudo em seus corações". O que diz literalmente é: “Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração” O verbo que emprega pertencia à arena dos campos atléticos: é a palavra que se aplicava ao árbitro que com sua decisão restabelecia a ordem em caso de disputa. Se a paz de Jesus Cristo for o árbitro no coração de cada homem então, quando entrarem em conflito os sentimentos e quando formos arrastados em duas direções ao mesmo tempo ou quando a caridade cristã estiver em conflito em nossos corações com a irritação e a irritação anticristãos, a decisão de Cristo nos levará pelo caminho do amor e a Igreja continuará sendo um só corpo, tal como deve sê-lo. O caminho para operar retamente é designar a Jesus Cristo como o árbitro das emoções que estão em conflito em nossos corações. Se aceitarmos suas decisões não podemos agir mal.179 178 179 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 689. Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 81-82. Já para Werner de Boor, O novo ser humano, porém, não é um ideal, ele é realidade presenteada por Deus e já agarrada pela fé. Ainda não de tal forma que as muitas diferenças da humanidade em si simplesmente já tenham desaparecido na comunhão dos fiéis, mas certamente de forma que elas são de fato superadas por meio da nova realidade da pessoa cristã. Também na igreja ainda existem, p. ex., escravos. Ainda veremos que Paulo continua contando com sua existência e não faz nenhuma tentativa de realizar uma libertação geral de escravos na igreja. Ainda persistiam as diferenças de raça, estudo, e até mesmo de religião. Podia haver na igreja até mesmo judeus circuncisos, que se consideravam pessoalmente comprometidos com o cumprimento da lei. Mas enquanto o mundo enceta constantes e vãs tentativas para construir comunhão real e nivelar as diferenças entre os humanos, essa comunhão e unidade foram misteriosamente concretizadas na igreja dos renascidos e crentes, em meio a todas as diferenças tranquilamente respeitadas. Toda igreja genuína é um lugar no mundo em que de fato “não há grego nem judeu, circuncisão nem prepúcio, bárbaro, cita, escravo, livre; porém tudo e em todos Cristo”. Hoje podemos traduzir teórica e, graças e louvor a Deus por isso, também praticamente: “Onde não há mais branco nem negro, batista ou luterano, trabalhador braçal, acadêmico, empresário, assalariado, porém tudo e em todos Cristo”. Paulo já falou com mais detalhes dos “membros sobre a terra”, os quais podemos ter mortos. Mas descreveu apenas brevemente o novo ser humano. Agora, porém, ele se volta mais uma vez para esse lado positivo da santificação. “Por isso tende revestido…” Afinal, são pessoas que “se revestiram do novo ser humano”. Por ser assim, ele diz: tende revestido! Novamente torna-se explícito o traço fundamental da santificação evangélica: sejam realmente aquilo que vocês na verdade já são, sejam-no concretamente, preservem-no e realizem-no cabalmente nas decisões isoladas da vida diária! Com toda a luminosidade e grandeza ouvimos a ênfase: “como eleitos de Deus, santos e amados”. Entender “santos e amados” como adjetivo ou como substantivo é apenas uma versão levemente distinta da sintaxe grega. Essencial, porém, é a visão esplêndida diante de nós: não nos afadigamos com a santificação para finalmente nos tornar eleitos e santos, mas por já sermos eleitos e santos resulta agora dessa verdade uma nova maneira de viver que é totalmente diferente da dos humanos que “ainda têm sua vida no mundo” (Cl 2.20). A metáfora do “revestir-se” sugere que afirmemos: por serdes filhos do rei, príncipes e princesas, trajai-vos agora também como reis e comportai-vos regiamente! O inverso nunca será possível: ninguém pode imaginar que pelo simples fato de ter o guarda-roupa e o comportamento de um príncipe também possa tornar-se um. Disso nunca resultará outra coisa senão – teatro. Toda santificação legalista sempre leva, como no caso dos fariseus, apenas ao que Jesus chamou de fato de hypokrisis, “encenação”. Tornamo-nos filhos do rei unicamente pelo nascimento. No entanto, uma vez que o somos, toda a conduta realmente é determinada a partir disso: então essa conduta já não será “teatro”. Em vista da direção oposta na santificação legalista e na evangélica também é tipicamente diferente a conduta diante de dificuldades e entraves. Quando a santificação se torna difícil nas duras aflições da vida prática, quando fracassamos, a pessoa que busca a santificação pela lei duplicará seus esforços, multiplicará seus exercícios ascéticos, incitará sua determinação. Fará isso até o colapso pela sobrecarga. Afinal, é obrigada a agir assim porque lá na frente reluz o alvo ao qual tenta alcançar de qualquer maneira. O ser humano no caminho da santificação evangélica age de forma exatamente contrária: no ponto difícil da vida ele retorna ao ponto de partida, a posse fundamental pela fé, retorna à cruz, ao fato de estar morto e ressuscitado com Cristo. Lá obtém novamente a certeza daquilo que tem e é em Cristo por soberana graça mediante a fé, retornando agora à penosa tarefa, fortalecido e posicionado “em” Cristo e na vitória dele. Eis que agora consegue realizá-la. “Como eleitos de Deus, santos e amados” – será que sabemos que somos isso? Desde já, aqui e agora? Ou seja, que a vida eterna, o “céu”, não começa somente depois do sepultamento, mas já no tempo presente? “Eleitos de Deus, santos e amados” – deveria ser esse o primeiro pensamento de todas as manhãs, sobre o qual meditamos e que assimilamos ao acordar.180 E conforme Ralph P. Martin: O ensino sublime de Paulo acerca da relevância transformadora da vida de uma união com Cristo pela fé, expressada no batismo (3.9, 10) poderia, talvez, ter soado por demais idealista e impossível para os primeiros leitores de Paulo. O apóstolo, portanto, passa a fazer seu apelo mais específico e prático, bem como mais claramente compreendido e aplicado. Avança de uma lista de virtudes afirmativas a serem cultivadas (v. 12), através de uma declaração de como o cristão reagirá diante de certas situações humanas quando for perturbado o seu equilíbrio (v. 13), até uma lembrança de que seu distintivo é de amor (v. 14). A paz de Cristo agirá como árbitro quando escolhas tiverem de ser feitas (v. 15). A adoração prestada pela Igreja servirá um propósito duplo ao ajudar seu crescimento no conhecimento cristão e na comunhão com seus irmãos, e também ao dar-lhe oportunidade de expressar seu louvor (v. 16). Realmente, a totalidade da vida deve ser trazida sob a égide do seu discipulado enquanto realiza suas tarefas num espírito de devoção a Jesus Cristo (v. 17). 12. Numa seção anterior, Paulo acentuou as exigências negativas da chamada moral do evangelho (3.5-9). “Fazei morrer,” “despojai-vos,” “despi-vos” — estas injunções estão escritas no tom sério da auto-disciplina e do rigorismo ético. Agora é tempo de voltar-se para retratar o modo de vida que pertence aos eleitos de Deus. A transição é feita com o uso de um pois (gr. oun, “portanto”) que forma a ligação entre suas admoestações anteriores e sua declaração das conseqüências que provêm daquilo que o cristão batizado experimentou. O termo eleitos (gr. eklektoi) pertence ao modo predileto de Paulo expressar a verdade de que os homens não se tomam cristãos simplesmente mediante uma escolha e uma decisão da parte deles (Rm 8.33; 16.13). O que subjaz a resposta humana é a livre graça de Deus que toma a iniciativa e, assim, move a vontade humana até que esta ache sua verdadeira liberdade em entregar-se livremente à chamada divina (1 Ts 1.4; 2 Ts 2.13, 14). No texto de 3.12 a palavra como não pretende distinguir os cristãos doutro grupo chamado “os eleitos” (tais como os anjos), mas, sim, é simplesmente uma maneira de enfatizar a identidade. Os leitores de Paulo devem agir como o povo eleito de Deus tem a finalidade de agir. Nesta lembrança poderosa da posição do cristão diante de Deus, e da responsabilidade que ela traz, Paulo realmente está cumprindo dois objetivos. Conforme Lighfoot demonstrou, os três termos descritivos — eleitos, santos, amados - são tomados emprestados do Antigo Testamento e transferidos do Israel segundo a carne para o Israel segundo o Espírito. Paulo talvez tinha em mira alguma falso ensino em Colossos que alegava que um grupo esotérico de gnósticos tinha, exclusivamente, a chave do Antigo Testamento. Cf. 2.11-13, 20-23. Tinha um profundo senso da continuidade do propósito de Deus que passava pelos dois Testamentos, e via a Igreja como o cumprimento do propósito de Deus declarado no Antigo Testamento. Assim como Israel tinha sido escolhido para ser o povo especial de Javé (Dt 4.37; 7.7; SI 33.12), assim o ensino de Paulo alegava que o novo Israel da Igreja era o sucessor dos propósitos divinos. A Igreja era a comunidade eleita — título este que também é achado na seita de Cunrã (lQpHc 10.13; “os eleitos de Deus” ;4QpSl 37.ii.5: “a comunidade dos Seus eleitos”). 180 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. Seu propósito mais óbvio era lembrar os colossenses de que suas vidas deviam estar à altura da sua profissão. Que venham a ser na prática aquilo que já eram mediante o chamamento e o desígnio divinos. Cinco qualidades morais estão alistadas. Temos afetos de misericórdia (ou “compaixão”, RSV), é literalmente “um coração de compaixão,” expressão esta que é formada por duas palavras separadas que se acham lado a lado em Filipenses 2.1: “afeição e simpatia.” H. Koester: TDNT vii, pág. 556, considera que esta referência em Filipenses prepara o caminho para o termo em nossa Epístola, e postula uma dependência literária. Isto, porém, não precisa ser assim, tendo em vista uma frase quase idêntica “coração de misericórdia” nos Testamentos dos Doze Patriarcas (Test. Zeb. vii.3) e Lucas 1.78. A palavra grega freqüentemente traduzida “coração” ou temos afetos é literalmente “órgãos internos” (Gr. splanchna). No pensamento antigo as vísceras eram consideradas a sede da vida emocional (de Deus, Is 63.15, bem como do homem, Jr 4.19; Fp 1.8). A segunda palavra (gr. oiktirmos) significa a expressão externa de profundo sentimento na preocupação e ação compassivas. Sendo assim, o termo composto transmite o senso de uma compaixão profundamente sentida que se estende aos necessitados. bondade e humildade formam um par, que acompanham o relacionamento do cristão com os outros e consigo mesmo. Além disto, demonstrará uma consideração congenial com outras pessoas, e fará o máximo que puder para ajudar qualquer pessoa necessitada, embora, a rigor, chrêstotès seja “uma disposição bondosa para com o próximo, não necessariamente tomando uma forma prática” (Lighfoot, sobre G1 5.22). Outras referências na coletânea paulina são 2 Coríntios 6.6; Efésios 2.7; 4.32. Os escritos paulinos continuamente se referem à bondade de Deus demonstrada aos homens e mulheres necessitados (Rm 2.4; 11.22; Ef. 2.7; Tt 3.4) que, por sua vez, desejarão refletir a mesma consideração e interesse generosos nos seus tratos com outras pessoas. humildade, usualmente assim traduzida, tinha sido usada anteriormente (2.18, 23) num mau sentido de humildade falsa, que significava ou “jejum” ou “mortificação”, ou expressava um senso de inferioridade que subjazia o culto aos anjos sendo que, assim, o homem está indefeso no poder deles. Agora Paulo a inclui de um modo obviamente diferente, para denotar a atitude apropriada de o cristão considerar a si mesmo, exatamente como em Romanos 12.3; Filipenses 2.3-4, ao não ser nem altaneiro nem auto depreciador. A verdadeira humildade é, conforme Masson diz de forma apta: “o antídoto soberano ao amor-próprio que envenena os relacionamentos entre os irmãos [cristãos].” mansidão e longanimidade também são parceiras (como no ensino de Cunrã, 1QS iv.3: “um espírito de humildade, longanimidade...”) o que denota o exercício da disposição de ânimo cristã no seu comportamento externo para com os outros. Assim comenta Lightfoot, e passa a definir os termos pelos seus antônimos. Mansidão é melhor vista ao contrastá-la com “rudeza,” “aspereza;” ao passa que o antônimo da longanimidade é “ressentimento,” “vingança,” “ira.” Com mais pormenores, podemos dizer que a mansidão (gr. prautès) possui dois elementos: (i) uma consideração para com os outros; (ii) uma disposição para abrir mão de um direito indubitável (como em 1 Co 9.12ss.). A consideração é defendida nos ensinos de Paulo noutros lugares (veja G16.1; 1 Co 11.33; 12.14, 15; Fp 2.4) e é vista no seu próprio caráter e comportamento (1 Co 4.6; G1 2.18). Denotava, pelo contrário, um auto rebaixamento servil e bajulador. longanimidade é uma palavra pitoresca que sugere “conservar o bom ânimo por muito tempo;” “refere-se ao suportar de conduta errônea que exaspera, sem entregar-se a uma crise de fúria nem desejar vingança com ardente paixão” (Marshall, pág. 294). Somente nosso cultivo desta última disposição tomará possível a tolerância e o espírito perdoador, falados no v. 13. Dois comentários sobre estas graças cristãs podem ser feitos. “Todos os cinco conceitos demonstram como o cristão deve tratar o seu próximo” (Lohse, pág. 147), primeiramente dentro da comunhão da Igreja, conforme demonstra o v. 13. Depois, em cada instância, a escolha de termos feita por Paulo parece ser ditada pelas qualidades que em primeiro lugar são apropriadas para as atitudes e as ações de Deus. Deus em Cristo é misericordioso, bondoso, humilde, manso e longânimo (Rm 12.1; 2 Co 1.3; Rm 2.4; Fp 2.5ss.; 2 Co 10.1). 13. Nada poderia ser mais claro do que a intenção de Paulo de mostrar o caráter divino como sendo um modelo sublime e de encorajar seus amigos colossenses a captarem o espírito divino. As disposições-gêmeas de “Suportai-vos uns aos outros” e “perdoai-vos mutuamente” continuam com a mesma tendência. A ocasião desta última é dada nas palavras caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. É pouco provável que Paulo tenha em mente uma situação concreta na igreja colossense. A referência é mais geral, embora sua escolha de uma palavra grega rara traduzida queixa (ou “repreensão”: gr. momphè) seja incomum. É empregada somente na poesia grega (veja Lohse). Talvez, conforme sugere Masson, devamos entender: “se alguém tem mágoa ou rancor contra outra pessoa.” Então há lugar para o exercício destas atitudes pacificadoras à medida em que os cristãos procuram refrear sua impaciência com uma pessoa difícil e demonstrar um espírito de caridade e de perdão. A razão e a justificativa para esta atitude de conciliação são das mais sublimes: Assim como o Senhor vos perdoou. O Senhor é o próprio Cristo (uma forma variante do texto) que mediou o perdão divino (2.13). É típico de Paulo relembrar o sacrifício que Cristo fez a Si mesmo no Seu ato de salvação a fim de fornecer o poder motivador para os cristãos transformarem sua amargura em amor que perdoa. Faz parte daquilo que tem sido chamado seu ensino de “conformidade”, em que a vida humana de Cristo não é simplesmente um modelo para ser imitado ao seguir nos Seus passos terrestres. Pelo contrário, Paulo enfatiza o impacto total da encarnação de Cristo e especialmente Seu sacrifício de Si mesmo na cruz como sendo um paradigma de um estilo de vida com o qual o crente doravante “se conforma” (Rm 15.7-8; Ef 5.2, 25, 29, cf. 4.32; Col 3.13, são os textos dados por N. A. Dahl no seu ensaio). 14. A excelência do amor como a roupagem distintiva do cristão recebe um lugar de destaque, conforme podíamos esperar da parte do escritor de 1 Coríntios 13, Romanos 13.8,10, e Gálatas 5.6. Acima de tudo isto pode transmitir o pensamento de “por cima de todas as demais ‘roupas’” a serem vestidas (v. 12) (assim Moule). O amor é a força unificadora (gr. syndesmos, lit. um vínculo ou elo que une e dá coerência. Esta idéia pressupõe um sentido semelhante ao uso platônico que segura todas as demais virtudes no seu lugar, dá-lhes motivação e significado, e produz, desta maneira a plenitude do viver cristão. O amor dá coesão à vida perfeita ao produzir “a comunhão perfeita que deve existir entre os cristãos. O amor é o vínculo que os une num serviço comum”. Outra interpretação é possível (discutida por Lohse, págs. 148-9) à luz da observação de que Paulo nunca considera o amor como sendo uma força unificadora que liga outras virtudes. A sugestão é dar um significado final, ou proposital, ao genitivo tès teleiotêtos (da perfeição). O pensamento, então, é que o amor age como um vínculo que leva à perfeição, ou a produz. O pensamento de Paulo nunca é estreitamente individualista e pietista, como se seu propósito principal fosse escrever um manual para a vida interior do religioso. Sua preocupação sempre está com a vida coletiva dos cristãos, e a perfeição que coloca diante dos seus leitores é atingida somente na comunhão dos cientes cujas atitudes e cujo convívio reflete algo da graça do v. 12 e do espírito do v. 13. O texto variante no v. 14 (gr. henotètos no lugar de teleiotêtos), embora não tão fortemente atestado textualmente, capta o pensamento do apóstolo. O amor dá uma coesão às qualidades cristãs da vida e as unifica. 15. Ressalta-se ainda mais a necessidade de ter uma comunidade cristã convivendo em união e tolerância. O que acontece quando a desavença e a fricção entram como elementos perturbadores? O árbitro em qualquer disputa é a paz de Cristo — tanto a paz que Ele encarna quanto a paz que somente Ele pode dar — que é o prêmio desejado em todos os relacionamentos cristãos (Jo 14.27). “Ele é a nossa paz” (Ef 2.14) no sentido especial de unir os judeus e os gentios na Igreja à medida em que os dois grupos são reconciliados com Deus. A chamada aqui é para não permitir que nenhum espírito estranho se infiltre nos relacionamentos dos membros da igreja com seus irmãos crentes, destruindo aquela “paz.” Provavelmente a idéia veterotestamentária da “plenitude”, “integridade,” “saúde” (implícita no termo hebraico Sãlôm — paz) esteja no pano de fundo. A harmonia da Igreja é a vontade de Deus para Seu povo. À qual, também, fostes chamados em um só corpo. Visando aquele alvo, são chamados como sendo o único corpo de Cristo do qual Ele é a Cabeça designada (1.18, 24). Enquanto Ele rege Sua casa e soluciona cada facção (ser... árbitro, gr. brabeuein, significa “arbitrar,” “dar um veredito” ou num processo jurídico ou numa competição atlética, embora o paralelo mais próximo deste versículo seja a ação da sabedoria em Sab. 10.12: “na sua competição árdua, ela lhe deu a vitória”), assim também a paz dEle é realizada quando a Igreja se toma de fato aquilo que deveria ser, conforme o desígnio de Deus. É nada menos do que a chegada à realidade visível do novo homem do v. 10. Uma nova sociedade nasce e cresce, e é distinguida por uma vida coletiva de “plenitude” que afeta toda dimensão da existência da Igreja no mundo. W. Foerster pode, portanto, legitimamente designar a paz de Cristo como sendo “um reino dentro do qual o crente é protegido” enquanto busca a vontade do Rei e é obediente à Cabeça do corpo. Em vossos corações é o modo de Paulo publicar uma chamada que abrange a totalidade da vida. “Coração” na literatura bíblica “é supremamente o único centro no homem para o qual Deus Se volta, em que a vida religiosa é arraigada, que determina a conduta moral”. O homem demonstra sua resposta pela medida de um estilo de vida que segue o padrão das qualidades espirituais do v. 12 e uma disposição perdoadora que estende a mão para qualquer pessoa que lhe quer mal (v. 13). E sede agradecidos. Esta chamada, conforme aqui fica, parece ser a conclusão das admoestações de Paulo. Mas é mais do que simplesmente uma chamada para uma expressão de ações de graças. É, pelo contrário, , um convite aos seus leitores para serem um povo agradecido que sabe o que é ser chamado da escravidão das trevas para a luz de um novo relacionamento com Deus (1.1213) e para o domínio de Cristo no Seu corpo, a Igreja. A conclamação à gratidão, é diretamente relacionada com a nova posição dos cristãos “em um só corpo.” 16,17. Uma suposição que é feita no estudo recente destes versículos (juntamente com os versículos paralelos em Ef 5.19-20) lançaria luz sobre a disposição dos versículos. É que a chamada: “sede agradecidos” (v. 15b), não é um apêndice daquilo que antecedeu, mas, sim, um tipo de rubrica ou cabeçalho que indica o tópico seguinte de instrução catequética. Este versículo parcial deve ser ligado com 1 Tessalonicenses 5.16: “Regozijai-vos sempre” como uma chamada ao louvor em forma de hino, encabeçando uma lista de sete admoestações (1 Ts 5.16-22). O que é notável é que as rédeas livres que foram dadas em Tessalônica, com a advertência que foi encaixada: “Não apagueis o Espírito,” recebem restrições em Corinto na injunção de que os espíritos dos profetas devam ser sujeitos aos profetas (1 Co 14.32), e em Colossos uma mudança decisiva é feita da. linguagem extática e espontânea nos hinos na direção de uma forma mais estereotipada e didática de culto na igreja. Na descrição mais recente dada por Paulo, a ênfase cai mais obviamente na instrução dada pela palavra dé Cristo (i.é, a mensagem missionária que é centralizada em Cristo: 1.5; 4.3); os crentes são encorajados a ensinar e admoestar uns aos outros pelo uso do dom da sabedoria (1 Co 12.8) para assim participarem da tarefa apostólica (1.28). Parece que esta expressão deliberadamente ataca a alegação herética à possessão da “sabedoria,” visto que a palavra de Cristo fala da mensagem de Paulo que é o antídoto de uma sabedoria falsa (2.23). Embora o cântico seja mencionado como sendo um aspecto do louvor e das ações de graças coletivas, uma proibição restritiva dos cânticos livremente criados e extáticos (cantados em glossolalia - pelo uso de uma língua?) pode ser vista no modo de tal hinódia ser subordinada ao ministério do ensino e da exortação. E é “nos corações” e “a Deus” que os hinos mais significantes são oferecidos - não pelo uso de uma língua e expressados publicamente na congregação inteira que é reunida para a adoração. A alusão mais antiga a hinos cristãos primitivos é achada em 1 Coríntios 14. Há evidência para demonstrar que o “salmo” (gr. psalmos) no v. 26 tinha a natureza de um hino de ações de graças a Deus, extaticamente inspirado, enquanto o adorador era arrebatado numa emoção de êxtase e derramava seu louvor em ações de graças. Nada, porém, se sabe do conteúdo ou da forma das tais criações espontâneas. Podemos supor que salmos neste versículo (3.16) leva a mesma noção, embora escritores mais antigos pensassem que os Salmos de Davi provavelmente fossem incluídos neste título. Hinos às vezes são tomados por expressões de louvor a Deus ou Cristo (assim Lock), mas o termo é geral na literatura bíblica e é empregado para qualquer hino festivo de louvor (Is 42.10 LXX; 1 Mac. 13.51; At. 16.25; Hb 2.12). cânticos espirituais é uma frase que usa um termo geral para uma composição musical (gr. òde) com seu significado especial decidido pelo adjetivo “espiritual,” i.é, inspirado pelo Espírito Santo. Há referências características no Livro do Apocalipse aos cânticos dos adoradores celestiais (Ap 5.9; 14.3; 15.3). É muito duvidoso se estas distinções firmes podem ser tiradas, e nenhuma classificação exata dos hinos neotestamentários parece possível na base das palavras diferentes. O adjetivo espiritual pode ser tomado como sendo extensivo a todos os termos, o que leva à conclusão de que é o Espírito quem desperta o adorador e dirige seu pensamento e sua emoção em louvor lírico, seja qual for a forma musical exata. Sobre as formas musicais que eram praticadas. Outra conclusão geral é que o tema comum que. percorre a variedade de expressões litúrgicas é a gratidão a Deus (Cl 3.16,17; Ef 5.20; 1 Co 14.16; 1 Ts 5.18) cuja misericórdia em Cristo, na Sua Pessoa e na Sua obra, sem dúvida formava o tema principal dos cânticos cristãos, a julgar de Colossenses 1.15-20 (cf. 1.12); Efésios 5.14; Filipenses 2.6-11; Hebreus 1.1-4; 1 Timóteo 3.16; João 1.1-14 (para mencionar as amostras mais destacadas dos hinos do Novo Testamento). A Deus... com gratidão em vossos corações. Estas expressões de louvor são dirigidas “em vossos corações.” Isto não significa uma adoração silenciosa em contraste com “com vossas vozes.” Paulo está usando o termo “corações” (como no v. 15) para abranger a totalidade da existência do homem. “O homem não deve louvar a Deus somente com seus lábios, O homem inteiro deve estar cheio de cânticos de louvor” (Lohse). 17. Estes hinos a Deus (v. 16) que se centralizam na missão e realização e lugar exaltado de Cristo levam para a | chamada para fazer tudo em nome do Senhor Jesus. Cantar com gratidão (v. 16) corresponde a dando por ele graças a Deus Pai. Ele é visto como Mediador e Consolador; mediante Sua obra de redenção e ministério de intercessão toma possível a adoração cristã e fica na presença divina para receber o sacrifício de louvor oferecido pela Igreja e apresentá-lo ao Pai (Hb 7.25; 12.24; 13.15; 1 Pe 2.5). O tema é de louvor a Deus através de Cristo ao invés da petição e da súplica. Além disto, a preocupação pastoral de Paulo pode ter-se desenvolvido numa direção mais positiva quando veio a escrever o v. 17 da nossa passagem. Se as duas passagens (1 Ts 5.16-22 e nossa presente seção) são paralelas, sua advertência anterior: “Abstende-vos de toda forma de mal” (1 Ts 5.22) é colocada em termos severamente negativos. Agora, reformula esta proibição para oferecer uma atitude total diante da vida em tons positivos: Fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças... O nome do Senhor Jesus não é uma fórmula mágica para ser impensadamente acrescentada à oração. Nem tem coisa alguma a ver com a comunhão mística. “Paulo está pensando essencialmente acerca daquilo que acontece na vida cultual dos cristãos,” como se “palavra” e “ação” pudessem ser separados nas práticas litúrgicas da “pregação” e da Ceia do Senhor. Não parece que qualquer sentido especial deste tipo da frase “em nome de” é pretendido aqui. Pelo contrário, Paulo dá a impressão de recorrer conscientemente a formas judaicas nesta frase. Rabino José (c. de 100 d.C.) é creditado com o dito: “Que todos os teus atos sejam feitos por amor ao céu” (lit. “em nome do céu”) (P. ’Âbôth ii.12). Pelo contrário “a totalidade da vida do cristão fica debaixo do nome de Jesus”. O novo convertido era batizado “em nome do Senhor Jesus” nas igrejas paulinas (1 Co 6.11) e fazia sua profissão batismal ao invocar aquele nome (Rm 10.9, 10). O significado do “nome” nestes contextos é visto na maneira em que o novo cristão, na ocasião da sua profissão e da sua admissão à Igreja passava para a autoridade de Cristo e ficava sendo, a partir de então, Sua “propriedade.” No seu novo modo de vida, está simplesmente tomando real sua lealdade batismal ao colocar a totalidade da sua vida sob o senhorio de Cristo. Quer seja correta esta mudança de ênfase, quer não, não se pode deixar de perceber o teor ressonante e afirmador da vida do v. 17. A referência, portanto, não deve ser confinada simplesmente a atos de adoração realizados num culto da igreja, mas, sim, abrange a totalidade da vida. Há, no entanto, um sentido em que cada fase da vida é um ato de adoração, e todas as nossas atividades, até mesmo as mais corriqueiras e rotineiras, podem ser oferecidas como parte do “sacrifício vivo” que somos conclamados a fazer (Rm 12.1).181 16.COLOSSENSES 3:18-25; 4:1 Esposas, sujeitem-se cada uma a seu marido, como é próprio a quem está no Senhor. Maridos, ame cada um a sua esposa e nunca a trate com aspereza. Filhos, obedeçam sempre a seus pais, pois isso agrada ao Senhor. Pais, não irritem seus filhos, para que eles não desanimem. Escravos, em tudo obedeçam a seus senhores terrenos. Procurem agradá-los sempre, e não apenas quando eles estiverem observando. Sirvam-nos com sinceridade, por causa de seu temor ao Senhor. Em tudo que fizerem, trabalhem de bom ânimo, como se fosse para o Senhor, e não para os homens. Lembrem-se de que o Senhor lhes dará uma herança como recompensa e de que o Senhor a quem servem é Cristo. Mas, se fizerem o mal, receberão de volta o mal, pois Deus não age com favoritismo. Senhores, sejam justos e imparciais com seus escravos. Lembrem-se de que vocês também têm um Senhor no céu. (NVT) 181 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 119-128. Vós, mulheres, estai sujeitas a vosso próprio marido, como convém no Senhor. Vós, maridos, amai a vossa mulher e não vos irriteis contra ela. Vós, filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor. Vós, pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo. Vós, servos, obedecei em tudo a vosso senhor segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus. E, tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens, sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis. Mas quem fizer agravo receberá o agravo que fizer; pois não há acepção de pessoas. Vós, senhores, fazei o que for de justiça e equidade a vossos servos, sabendo que também tendes um Senhor nos céus. (ARC) Termos destacados πικραίνεσθε (pikrainesthe) = Verbo - Presente Imperativo Médio ou Passivo - 2ª Pessoa do Plural. Tornar amargo, amargo; Ficar com raiva ou duro. De pikros; para amargar.182 ἐρεθίζετε (erethizete) = Verbo - Presente Imperativo Ativo - 2ª Pessoa do Plural. Agitar, despertar a raiva, provocar, irritar, incitar. De uma forma presumida prolongada de eris; para estimular.183 κληρονομίας (klēronomias) = Substantivo - Genitivo Feminino Singular. De kleronomos; herança, ou seja, um patrimônio ou uma posse. 184 κύριοι (kyrioi) = Substantivo - Vocativo Masculino Plural. Senhor, mestre, senhor; o Senhor. De kuros; supremo em autoridade, ou seja, controlador; por implicação, Mestre. 185 δούλοις (doulois) = Substantivo - Dativo Masculino Plural. (como adj.) escravizado, (b) (como substantivo) um escravo (masculino). De deo; um escravo.186 Sabendo que do Senhor recebereis a justa recompensa da herança (Efésios 6:8; Romanos 2:6-11; 2 Coríntios 5:10; Apocalipse 22:12; Salmos 62:12). "Conhecer" (εἰδότες) aquilo de que se tem conhecimento, não apenas aprender ou "conhecer" (γινώσκω): ver ambas as palavras em Efésios 5:5 e João 14:7, Texto Revisado; também Romanos 6:6 e 9; 1 João 5:20. "A ausência do artigo definido" antes de Κυρίου "é a mais notável, porque está inserida no contexto" (Lightfoot). Paulo praticamente diz: "Há um Mestre que vos recompensará, se os vossos senhores terrenos nunca o fizerem" (Comp. Colossenses 4:1). "Justo" traduz o ἀντὶ em ἀνταπόδοσιν (uma palavra comum em LXX), implicando "equivalência" ou "correspondência" (comp. ἀνταναπληρῶ em Colossenses 1:24; também Romanos 11:35; Romanos 12:19; 1 Tessalonicenses 3:9; 2 Tessalonicenses 1:6; Lucas 6:38; Lucas 14:12, 14) - uma recompensa no 182 Colossenses 3:19 Maridos, amai vossas mulheres e não sejais duros com elas. (biblehub.com) Colossenses 3:21 Pais, não provoquem seus filhos, para que não desanimem. (biblehub.com) 184 Colossenses 3:24 porque você sabe que receberá uma herança do Senhor como recompensa. É o Senhor Cristo que você está servindo. (biblehub.com) 185 Colossenses 4:1 Mestres, forneçam aos vossos escravos o que é justo e justo, pois sabeis que também tendes um Mestre no céu. (biblehub.com) 186 Colossenses 4:1 Mestres, forneçam aos vossos escravos o que é justo e justo, pois sabeis que também tendes um Mestre no céu. (biblehub.com) 183 caso de cada indivíduo, e em cada particular, respondendo ao serviço prestado ao "Senhor" (comp. Mateus 25:14-30).187 A justiça imparcial que vinga todo mal garante a recompensa do servo fiel de Cristo. Assim, os santos do Antigo Testamento argumentaram corretamente (Salmos 37:9-11; Salmos 58:10, 11; Salmos 64:7-10) que o castigo do malfeitor dá esperança ao justo. Esta advertência é bastante geral em seus termos, e se aplica tanto ao servo infiel quanto ao mestre injusto ( comp. Efésios 6:8). No tribunal de Cristo não haverá favoritismo: todas as fileiras e ordens dos homens estarão exatamente no mesmo pé (Colossenses 3:11).188 Justo L. Gonzalez esclarece que Ao falar de “família”, os antigos não se referiam, como hoje, a família típica de pais e alguns filhos, mas a todas às pessoas debaixo do “cabeça”, de um mesmo varão. Isto incluía não somente aos parentes do pai de família, mas também a seus escravos e toda outra pessoa que dependesse desse mesmo paterfamilias (“pai de famílias”). Este personagem tinha o direito de governar boa parte da vida de todas as pessoas subordinadas a ele, ainda que fossem adultas. Logo quando aqui se fala de “pais” e “filhos”, não se está referindo necessariamente a um adulto que cuida de alguns meninos e adolescentes, como seria o caso hoje dia. Os “filhos” que hão de submeter-se ao “pai” bem podem ser adultos casados e com filhos, ou até netos. Além disso, com certas exceções, as propriedades de qualquer um na família estavam debaixo da posse e direção do paterfamilias. O que se recomenda às esposas não é nada além do que a sociedade requeria delas, ou seja, estarem sujeitas a seus esposos. Em contraste, o que se recomenda aos esposos ia mais além do que a lei requeria, e para muitos poderia ser inovador: “amem a sua esposa e não se amarguem com ela”.189 Craig S. Keener diz que: Aristóteles havia desenvolvido “códigos domésticos” que orientavam o homem a governar esposa, filhos e escravos da forma adequada. Na época de Paulo, os grupos religiosos perseguidos ou minoritários suspeitos de serem socialmente subversivos se valiam desses códigos para atestar que praticavam os valores familiares tradicionais de Roma. Paulo adota esses códigos, mas os modifica (ainda que os modifique menos em Colossenses do que em Efésios). Veja abordagem mais profunda dessa questão no comentário de Efésios 5.22—6.9. 3.18. Todos os moralistas antigos insistiam em que a mulher deveria se "submeter” ao marido, ainda que alguns evitassem usar o termo “obedecer”, como Paulo pode estar fazendo aqui (cf. 3.20,22; veja comentário de Ef 5.33). 187 Pulpit commentary: Colossenses 3:24 porque você sabe que receberá uma herança do Senhor como recompensa. É o Senhor Cristo que você está servindo. (biblehub.com) 188 Pulpit commentary: Colossenses 3:25 Quem fizer o mal será recompensado pelo seu erro, e não há favoritismo. (biblehub.com) 189 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 151 -152). CPAD. Edição do Kindle. 3.19. Embora as antigas instruções aos maridos em geral salientassem de que forma ele deveria governar a esposa, Paulo enfatiza, em vez disso, o fato de que o marido precisa amá-la. 3.20. No mundo antigo em geral (incluindo a lei do Antigo Testamento, Dt 21.18-21), esperava-se que os filhos menores de idade obedecessem aos pais. Embora na lei romana houvesse a permissão para que o pai exigisse obediência até mesmo dos filhos adultos, se o filho adulto não vivesse mais com os pais, tudo 0 que se esperava dele, normalmente, era que os honrasse. 3.21. A maioria dos pais e educadores batia nas crianças para discipliná-las, como se fosse normal. Paulo, assim como uma minoria de antigos moralistas, defende uma abordagem mais dócil na criação delas. 3.22-25. Ainda que tratassem os escravos como pessoas, as leis antigas também os tratavam como propriedade; esperava-se obediência da parte deles. Muitos, contudo, viam os escravos em geral como preguiçosos (atitude fácil de entender em alguns casos, já que os escravos raramente compartilhavam do lucro do próprio trabalho). A admoestação a que os escravos dediquem o seu trabalho ao Senhor relativiza a autoridade do senhor deles neste mundo (cf. 4.1); não buscar "agradar os homens” era conselho comum na antiga ética judaica. Veja mais sobre a escravidão em geral na Introdução a Filemom. 4.1. Alguns filósofos gregos e romanos advertiam que os mestres podiam, eles próprios, tornar-se escravos um dia (por improvável que isso fosse) e que, portanto, deviam tratar os seus escravos da forma correta. Aristóteles criticou os filósofos da época que afirmavam que a escravidão era contrária à natureza e, portanto, errada. Em contraste, Paulo claramente acredita que todas as pessoas são, por natureza, iguais diante de Deus. Embora não trate da escravidão como instituição aqui, as palavras de Paulo sugerem que ele não é a favor dela. Ainda que Paulo não tenha controle sobre o sistema, ele pode advertir os senhores a terem em mente a própria condição diante de Deus. 190 Ralph P. Martin, “Sem transição aparente, Paulo agora se dirige aos membros da família cristã.” Podemos, no entanto, questionar se esta observação de Masson é correta. Não há, realmente, nenhuma conexão lógica entre os dois parágrafos? À primeira vista, não parece haver alguma, e este aparente rompimento no pensamento de Paulo é usado como evidência por alguns estudiosos (e.g. Lohse) que sustentam que ele introduz aqui uma seção independente de admoestações tiradas de rubricas éticas contemporâneas (as assimchamadas “regras para o lar”). É verdade que há várias seções paralelas no Novo Testamento (Ef 5.22-6.9; 1 Tm 2.8-15; 6.1-2; Tt 2.1-10; 1 Pe 2.13-3.7) que dirigem conselhos práticos a maridos, esposas, filhos, senhores e escravos; e estes recorrem a máximas que se acham na filosofia popular helenista, especialmente de origem estóica (cf. Dibelius-Greeven, pags. 48-50). Devemos, no entanto, relembrar como, na sua discussão da adoração na igreja (1 Co 14) Paulo achou necessário incluir uma injunção para declarar a rubrica geral: “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem.” ... Já encorajou a igreja a estar atenta ao exercício dos dons espirituais, expressando gratidão a Deus em cânticos e tirando proveito de um ministério de mútua exortação e ensino. Agora registrará uma lembrança cautelosa, de que a ordem e o decoro devem marcar a conduta das mulheres 190 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 689-690. membros. Devem ser sujeitas (gr. hypotassesthe) aos seus maridos na assembléia congregacional. 18. Esposas, sede submissas aos próprios maridos. A restrição é, porém, é de aplicação mais ampla; e podemos notar que nossa compreensão de uma passagem tal como esta é grandemente expandida pela descoberta de que o pensamento de Paulo movimenta-se em canais já cortados tanto pelos mestres éticos judaicos quanto pela filosofia popular grega. Em especial, sua linguagem é tirada diretamente do ensino desta última, com as frases características tais quais como convém (este versículo), o que “é grato” (3.20), e “com justiça e com equidade” (4.1). Mas a diferença importante é dupla. Em primeiro lugar, Paulo fundamenta seu ensino sobre uma nova base de obediência. A obediência a uma pessoa na sua hierarquia de importância é um reflexo de um ato primário de obediência ao Senhor celestial, Cristo. Depois, sua frase adicional no Senhor (3.18) indica que é assim que o cristão deve agir e responder aos outros, de uma maneira “cristã” que expressa um tipo de vida apropriado àqueles que pertencem a Cristo e que procuram expressar a Sua vontade na vida deles. Isto significa, conforme observa Conzelmann, que o ensino de Paulo é de princípios e não uma ética “cristã” eterna, compreendida como sendo legislação obrigatória a todas as gerações subsequentes, independentemente de condições sociais alteradas e do desenvolvimento da consciência. Nos relacionamentos domésticos com seus maridos e famílias, as esposas são conclamadas a aceitar seu lugar na ordem divina da vida em família (1 Co 11.3-9). Uma razão é oferecida para as esposas serem sujeitas aos seus maridos: convém, i. é, socialmente aceitável naqueles dias. Tentativas têm sido feitas para dar um sentido voluntarista a esta chamada à obediência, mas dificilmente pode ser apoiado. Não há, no entanto, qualquer rispidez na admoestação, como se Paulo estivesse considerando as mulheres como sendo inferiores; está apelando para uma ordem da sociedade cujo princípio até mesmo se estende à Divindade (cf. 1 Co 11.3-9; 15.28). Paulo está empregando aqui uma máxima estóica que insistia que os usos e costumes determinam na conduta o que é “a coisa certa de se fazer.” Cristianiza-a,1 no entanto, com a frase no Senhor. Faz parte da ordem social para elà tomar seu lugar apropriado na sociedade; realmente, Paulo continua, é o dever cristão dela (NEB). 19. Maridos, amai a vossas esposas. Os maridos são lembrados da sua própria responsabilidade: amar suas esposas. A passagem esplêndida em Efésios 5.25ss. que toma desta declaração seu ponto de partida não é reproduzida aqui; e, em certo sentido, aquilo que se segue é um tipo de anticlímax. Em nenhuma das duas passagens as esposas são ordenadas a amarem seus maridos (cf. Tt .2.4), e a omissão no texto de Efésios é melhor explicada tendo em vista a rigorosa analogia que Paulo faz entre Cristo que ama a Igreja, e a Igreja que obedece a Cristo. A advertência não as trateis com amargura é uma lembrança salutar de que o amor cristão deve ser exercido de modo realista e que deve ter uma influência controladora sobre o caráter e a vida de todos os dias. Por uma artimanha estranha do comportamento humano podemos frequentemente ferir impensadamente as pessoas que mais amamos; a advertência de Paulo é bem aplicável, portanto: Maridos, não fiquem amargurados (Arndt-Gingrich) contra suas esposas ao acalentar ressentimentos e atitudes ásperas. 20. O realismo prático de Paulo volta a ocupar o primeiro plano na sua mensagem tanto aos filhos quanto aos pais. Filhos, em tudo obedecei a vossos pais é uma chamada modificada por: pois fazê-lo é grato diante do Senhor. Os filhos no lar cristão são chamados para agirem de uma maneira que, acima de tudo, é aceitável e agradável ao Senhor. Na realidade, o grego de Paulo diz: “no Senhor,” o que parece indicar que está conscientemente qualificando uma máxima tradicional com esta adição. E este não é nenhum caso excepcional, porque Paulo usa a mesma palavra (gr. euarestos, traduzido por “agradável” noutros trechos) para o alvo e motivo do cristão na gama inteira da sua vida (Rm 12.1-2; 14.18; Ef 5.10; 2 Co 5.9). Realmente, esta é a ambição da sua vida (veja o comentário sobre Cl 1.10). A obediência filial dos filhos é, portanto, parte integrante da resposta que os crentes de todas as idades e posições fazem à vontade de Deus, que é “boa, agradável e perfeita” (Rm 12.2). 21. Pais, não irriteis os vossos filhos. Os pais são ordenados a nada fazerem que alienasse os seus filhos. A palavra de Paulo (gr. erethizein) sugere um desejo de irritá-los ou pela implicância, ou, ainda mais sério, por zombar dos seus esforços e ferir seu respeitopróprio (o verbo de Paulo acompanha outras associações dolorosas em Epíteto: Enchiridion xx: “quando alguém te irrita (erethizeiny’ refere-se ao “homem que te ofende ou te fere”). O resultado global será que os filhos ficarão exasperados e “perdem a esperança” nos seus pais, quanto a chegarem a compreender a mentalidade destes. Embora seria uma liberdade sugerir que Paulo está falando para uma situação moderna, suas idéias são pertinentes e úteis. Não devemos deixar desapercebido quão revolucionários estes conselhos eram no mundo antigo. “A compreensão sensível das crianças, com o reconhecimento de que podem ficar desencorajadas e perder o ânimo, é uma feição marcante deste novo capítulo na história social” (Moule). 22. O “código do lar” que abrange esposas, maridos, filhos e pais, tem sido expressado em declarações curtas e lapidárias, com um mínimo de comentário ou justificativa para os mandamentos dados. Agora Paulo volta a sua atenção a outro aspecto semelhante da sociedade contemporânea: os escravos. Seu ensino (como aquele em 1 Pe 2.18-25) segue a linha estabelecida em 1 Coríntios 7.21-24 (cf. Ef 6.5-8) e é dirigido a escravos cristãos. Paulo não está fazendo um comentário social acerca de um costume em vigor. Dirige-se aos leitores cristãos. A Igreja nasceu numa sociedade em que a escravidão humana era uma instituição aceita, sancionada pela lei e parte do arcabouço da civilização grecoromana. O problema não era da aceitação da instituição em si, nem de como reagir a uma exigência pela sua abolição (que nem sequer a Epístola a Filemom sugere, embora talvez haja uma confiança bem velada de que Filemom na realidade libertaria o irmão cristão Onésimo, em Fm 21), mas, sim, da maneira de os escravos aceitarem sua posição, e do tratamento que os donos cristãos de escravos devem dar aos escravos sob seu controle. O ensino tradicional ao qual Paulo recorre nas suas admoestações anteriores às esposas, aos pais e aos filhos, não tem esta nova dimensão. Paulo, portanto, precisa reformular o ensino moral tradicional para enfrentar a necessidade premente de definir como os escravos convertidos deviam agir, e como os senhores cristãos deviam tratar seus escravos. Nenhuma chamada é publicada para derrubar o sistema da escravidão, e as exortações de Paulo não refletem qualquer conhecimento de levantamentos de escravos no passado (e.g. em 73-71 a.C. Espártaco liderou os gladiadores e os escravos numa revolta). Não oferece qualquer apoio à violência como meio de terminar a escravidão. Uma razão por esta recusa bem possivelmente pode ser que a ética de Paulo rejeita um tema de retaliação (Rm 12.21; 1 Co 6.7). De qualquer maneira, a defesa da derrubada violenta da escravidão teria sido suicida, conforme W. Bousset notou com percepção: “O cristianismo teria afundado além de qualquer esperança de recuperação, juntamente com outras tentativas revolucionárias deste tipo; poderia ter provocado um novo levantamento dos escravos, e ter sido esmagado juntamente com ele. O tempo não estava propício para a solução de tais questões difíceis”. Tendo isto em mente, não ficaremos surpreendidos ao ouvir a chamada: Servos, obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a came. Segue a linha geral do Novo Testamento, que é uma chamada à aquiescência e não ao protesto. Ao invés disto, o aguilhão é parcialmente tirado desta prática desumana pela atitude dos escravos como cristãos, bem como pela declaração anterior do apóstolo (3.11) no sentido de todas as distinções sociais de “escravo” e “livres” serem canceladas na Igreja. A ênfase característica de Paulo recai no v. 25b: “A Cristo, o Senhor, é que estais servindo.” Este é um jogo consciente de palavras: “Servos. . . sois servos do seu verdadeiro Senhor, Cristo.” O que significa ser um escravo de Cristo (o título exato dado em Ef 6.6) é declarado com algumas aplicações deliberadas. Acarreta servir ao senhor do escravo em singeleza de coração, i.é, com honestidade, sem segundas intenções (Moule). Esta expressão é melhor entendida em conjunção com o negativo anterior: não servindo apenas sob vigilância, visando tão só agradar homens. A ética na qual Paulo insiste é, portanto, de verdadeira motivação. O escravo deve ser diligente em suas tarefas, ainda que ninguém esteja ali para observá-lo e depois recompensá-lo por seu serviço esforçado. O trabalho deve ser feito de modo desinteressado, sem desejo de impressionar e assim galgar favor com o chefe. Senão, o termo grego, traduzido servindo sob vigilância (ophthdmodoulia, uma palavra rara achada somente aqui e em Ef 6.6, e em nenhum outro lugar antes dos escritos de Paulo) pode significar “meramente o serviço que pode ser visto,” e, portanto, superficial (Moule). Paulo, no entanto, é suficientemente pragmático para saber que alguma motivação é necessária. “O trabalho por amor ao trabalho” não é seu modo de expressar o caso. Temendo ao Senhor é uma suave lembrança de que, até mesmo quando nenhum supervisor humano nos está fiscalizando, os olhos do grande Mestre da obra vêem tudo, especialmente o verdadeiro motivo e o vazio da “obra externamente correta mas sem se colocar nela o coração” (Masson). 23. Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens. A mesma chamada para fazer o trabalho fielmente e bem é repetida, mas um motivo adicional é dado, com mais motivos acrescentados nos versículos posteriores. A ocupação menial do escravo recebe uma nova dimensão de dignidade se for vista como “para o Senhor, e não para homens.” Esta admoestação retoma a rubrica anterior de 3.17, de que toda atividade deve ser submetida ao controle do senhorio de Cristo. Neste contexto, o significado é mais limitado. O propósito implícito nas palavras “trabalhai de todo o coração” (gr. ek psychès, lit. “da alma,” i.é, com um esforço cordial, como em Mc 12.30 par.) é erguer as tarefas do escravo para cima do âmbito da necessidade compulsiva (de qualquer maneira, não tinha escolha alguma: ou devia trabalhar ou ser castigado pela desobediência ou pela preguiça) e dar-lhes uma nova liberdade. Alguma parte do enjôo e do desgosto seria tirada dos seus trabalhos forçados se pudessem oferecer até mesmo sua servidão ao Senhor como parte do custo do discipulado. 24. As instruções éticas de Paulo não desprezam o pensamento da recompensa. Para o escravo, os encómios terrestres não devem pesar na balança (v. 22). O que deve ser procurado é o louvor da parte do seu Mestre, o Senhor celestial de quem recebereis a recompensa da herança. Talvez Paulo esteja procurando fazer um segundo jogo de palavras no seu uso de “recompensa” (gr. antapodosis)\ a palavra é achada somente aqui no Novo Testamento. Um termo semelhante (gr. antapodoma) é achado no Antigo Testamento Grego e em Romanos 11.9 no sentido de “castigo,” “retribuição” e este tipo de tratamento é o que o escravo normalmente associa com a atitude do senhor para com ele. O Kyrios celestial do escravo cristão é diferente. Toma nota da fidelidade do Seu servo e não a deixará passar sem reconhecimento. Pode-se confiar nEle que pagará Sua “recompensa” no fim do dia — não em repúdio e na colocação de defeitos, mas, sim, ao outorgar uma parte da Sua possessão (como em 1.12), a vida eterna (Masson). Este é um pensamento surpreendente, visto que, segundo a lei romana, o escravo nunca poderia herdar coisa alguma. Paulo teria familiaridade com o ensino rabínico que louvava a equidade de Deus ao dar a recompensa aos Seus fiéis: “Fiel é teu Mestre da obra que te pagará a recompensa da tua labuta. E sabes que a recompensa do galardão do justo é para o tempo do porvir” (‘Abôth, ii. 16). A Cristo, o Senhor, é que estais servindo. É um indicativo (assim Lightfoot e ARA) ou um imperativo (assim Moule, Lohse)? Este último é preferível, porque os melhores textos não colocam um “pois” precedente, e a admoestação retoma o fio do pensamento do v. 23 (também imperativo), além de preparar para o v. 24 com uma partícula conectiva “pois” para dar a razão do resumo no v. 24c. 25. Pois aquele que faz injustiça receberá em troca a injustiça feita. A perspectiva da recompensa futura precisa ser complementada pelo sóbrio reconhecimento que maus donos de escravos que os tratam como bens materiais e pensam somente em termos de castigos e penalidades serão eles mesmos julgados no tribunal de Cristo. Somente esta interpretação, que vê uma mudança de sujeito dos escravos para seus senhores, dá, segundo cremos, um significado ao “pois” de conexão que Paulo coloca aqui, e explica adequadamente o verbo de Paulo na frase “aquele que faz injustiça” (gr. ho adikon, traduzido lit. aqui, aquele que viola a lei). A pergunta é: como um escravo, sem posição jurídica, pode “agir com injustiça” contra seu senhor? A. Schlatter (citado por Masson) crê que o escravo pode ter imaginado que sua ação má não tinha importância aos olhos de Deus, porque era escravo. Mas este ponto de vista dificilmente explica o verbo de Paulo. NEB sugere que era pela desonestidade, conforme Onésimo se revelara desonesto (a mesma linguagem é usada em Fm 18: “E se algum dano te fez”) nos negócios do seu senhor e, segundo parece, fugiu com algum dinheiro ou bens de Filemom. Mas G. Schrenk demonstra a dificuldade deste ponto de vista. Além disto, a continuação da instrução de Paulo (4.1), de que os donos dos escravos devem dar aos seus escravos aquilo que é justo e equitável, sugere que a expressão anterior tem em mente senhores de escravos que estavam defraudando seus escravos, e que são eles que são ameaçados com a sóbria lembrança de que toda a injustiça terá de responder processo no tribunal divino, e que Deus, o Juiz supremo, não tem prediletos. Não há acepção de pessoas com Ele. A parcialidade (gr. prosõpolêmpsia, de uma frase heb. “aceitar ou levantar o rosto,” demonstrar favor) é uma atitude para com os homens que Deus não adota, no relato bíblico (At 10.34; Rm 2.11; Ef 6.9; 1 Pe 1.17). Senhores desumanos não poderão dar propinas para evitar um pleno desmascaramento dos seus maus feitos. Além disto, este é o sentido do conselho paralelo em Efésios 6.9 (assim Conzelmann). 4.1. O remédio fica claro: Senhores, tratai aos servos com justiça e com equidade, e está nas mãos dos próprios senhores dos escravos. Embora Paulo não defenda um abandono total do sistema, claramente indica uma melhoria da situação dos escravos. Os mestres devem tratar seus escravos de uma maneira tão humana e humanitária quanto possível. Esta exigência incluiria a justiça no tratamento e uma remuneração honesta (talvez subentendida no verbo traduzido “tratar” (gr. parechõ, lit. “outorgar”), com a possibilidade de que não devesse haver qualquer medida repressiva indevidamente severa nem a vitimização daqueles que estão numa posição indefesa. Mais uma vez, Paulo ergue o olhar do dono do escravo para cima de estrutura social. Certos de que também vós tendes Senhor no céu; lembra-os que, como senhores (gr. kyrioi) terrestres, eles também têm um Senhor (kyrios) no céu, o mesmo Senhor Cristo cujos servos estão no controle deles. “Se ambos [senhores, escravos] reconhecem que devem obediência ao único Senhor, então ambos têm em mãos o padrão verdadeiro para sua conduta uns para com os outros” (Lohse). E seu Senhor comum distribui a justiça a todos, independentemente da posição social e da influência mundana. Ele não dá uma olhada favorável em direção às pessoas ricas e importantes, e chamará estes senhores de escravos a prestarem contas no dia final.191 Werner de Boor diz que, Paulo nos mostrou com esplêndida magnitude a vida na fé, a vida na santificação evangélica. No entanto, quanto mais concretamente concebemos a vida, tanto mais difícil tudo se torna. É relativamente fácil ter “amor” de forma genérica, simpatizar por princípio com a bondade, candura, humildade, paciência. Talvez também consigamos ainda arregimentar as forças necessárias para atender demandas especiais a nosso “coração misericordioso”. Mas eis aqui nosso lar, com seu dia-a-dia. Estou aqui eu, mulher, nesse matrimônio; eu, marido, ao lado dessa mulher. Estou aqui eu, filho, talvez adolescente, estou aqui eu, como pai diante dos filhos. Estou sobrecarregado com a difícil sina de um escravo ou, como proprietário, tenho de colocar em ordem o relacionamento com os escravos. Como, pois, se configura isso tudo? Nessa situação o esplendor de “santidade” especial e de grandes feitos desaparece totalmente. Agora começam as pequenas tarefas ocultas, dia após dia. Não há a intenção nem a possibilidade de Paulo se pronunciar aqui sobre o sem-número de questões isoladas que sempre estão ligadas a circunstâncias bem específicas. Isso é viável apenas no aconselhamento pessoal. O aspecto que esse processo adquire, por exemplo, a forma como Paulo trata o relacionamento “escravo – senhor” em aconselhamento pessoal no caso específico e na casa particular em Colossos, pode ser lido pessoalmente por nós – na carta a Filemom. Na presente carta geral a uma igreja Paulo somente esboça algumas linhas básicas. A princípio nos parecem ser bastante sóbrias e óbvias ou, conforme as percepção modernas, também bastante questionáveis. Contudo somente as leremos de modo correto se as virmos no contexto da carta toda e não esquecermos que precisamos ter em mente tudo o que foi enunciado anteriormente. Isso é particularmente difícil para nós porque como pessoas modernas estamos por demais acostumados a considerar a “religião” em si como uma questão sublime e solene, entendendo a vida real sobre esta terra propriamente como apenas “secular”, “com regras próprias” e no fundo “atéia”. Nós nos vemos sozinhos nela. Para regulamentar esse cotidiano, não possuímos nada além de nossas idéias e sentenças, desejos e reivindicações puramente humanos. Facilmente sentimos a menção de Deus nesse espaço como “constrangedora”, como flor de retórica devota, sem base real. Se lermos as frases de Paulo com essa atitude, cometeremos um equívoco total. Então se tornarão mera moral, mais que isso, uma moral contestável, cujo caráter questionável precisa ser encoberto por palavras devotas. Com belas palavras se ordena a mulheres, filhos, escravos que se enquadrem, conforme convém aos senhores. Mas o leitor moderno se equivoca redondamente. Se nessas breves frases a expressão “o Senhor” ocorre diversas vezes (sete vezes nestas poucas linhas!), essa palavra é a decisiva. Nesse caso cabe-nos lembrar nesse “Senhor” tudo o que lemos acerca da magnitude de Jesus, de sua obra na cruz e o que resultou como decorrência disso para toda a nossa conduta na vida. “Esposas, submetei-vos ao marido, como convém no Senhor.” Como “moral genérica” isso imediatamente suscitará muitas perguntas e toda sorte de rebeldias. Por que sempre a mulher deve se subordinar? Ela não é igual ao marido? Não é ela, em muitos matrimônios, a parte mais preciosa e sábia? Justamente o cristão não deveria lutar pela “equiparação da mulher”? Será que Paulo não sabe como são os homens? Ou será que, como homem, ingenuamente toma o partido dos homens? E não haveria também muitas outras coisas a dizer à mulher acerca de seu matrimônio? Paulo sabe como são os homens, e por isso se 191 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 128-136. voltará imediatamente aos maridos. Paulo também está ciente da “igualdade de direitos” da mulher no serviço de Jesus. Basta ler como ele cita as mulheres no meio dos homens na lista de saudações em Rm 16, valorizando o serviço delas. Se os nomes não fossem uma indicação, nem saberíamos se essas saudações se referem a uma mulher ou a um homem. Mas aqui se trata do matrimônio e do lar. Aqui não se resolve nada com um chavão como “igualdade de direitos”. Embora em um navio haja dois oficiais da marinha de igual capacidade e escalão – somente um deles pode ser “capitão”! Homem e mulher em casa – alguém precisa se submeter. Paulo atribui essa função à mulher, porque assim “convém no Senhor”. É o que corresponde às próprias condições dadas pela criação. Tentem o contrário, observando matrimônios em que a mulher governa e o marido se submete! Nem o lar nem a própria mulher prosperarão nessa situação. Contudo, ao dizer “no Senhor”, Paulo não pensa apenas no Criador, cuja ordem transgredimos tão-somente em prejuízo próprio. Tem em mente Jesus, o “primogênito de toda a criação”, que andou pessoalmente a trajetória da subordinação e da obediência, não perdendo com isso sua glória extraordinária, mas justamente obtendo-a nesta atitude. Porventura a mulher chamada “cristã” conforme esse “Senhor Cristo” consideraria esse caminho como “degradante”? Será que justamente como cristã, como salva pela cruz de Jesus, deveria inclinar-se a lutar por outra posição para si? Não, ela tem a possibilidade de ocupar de forma completamente nova essa posição de subordinação ao marido, já não contrariada por uma coação do direito matrimonial, dos costumes, não cedendo por força da robustez do marido, nem mesmo apenas pelo argumento de que alguém tem de ser o capitão, mas “no Senhor”, sabendo como isto a deixa próxima justamente de Jesus, conhecendo a força que há precisamente nesse caminho, sabendo que sublimidade justamente lhe está sendo concedida. Essa é, portanto, uma subordinação que dificultará em muito a atitude tirana do marido que pode surgir! “Maridos, amai vossa esposa e não vos torneis amargos contra elas.” Ao marido não é dito: assuma uma posição de superioridade! Exerça sua prerrogativa! Nada disso. Os idiomas latinos expressam com muita precisão: somente um “autor” possui “autoridade”, alguém capaz de criar, de dar. Enquanto a mulher anda pelo caminho de Jesus na subordinação voluntária, o marido anda por ele ao “amar”. Nessa palavra ao marido o “Senhor” não é citado, mas se encontra no centro dela através do termo agape = “amor”! Esse termo sempre se refere ao amor claro e dadivoso oriundo de Deus, não excluindo a afeição natural, mas que por essência é algo completamente diferente. Como “laço de unidade da perfeição” (Cl 3.14) engloba tudo o que foi dito a respeito do “coração de compaixão”, etc. Para cumprir corretamente a tarefa de liderança no matrimônio e no lar são necessárias justamente também “bondade”, “humildade”, “mansidão”. “Amai a esposa” é uma formulação curta, cujo conteúdo, porém, representa toda a riqueza do matrimônio, confiada à responsabilidade do marido. Não está bem claro o que Paulo imaginou ao usar a expressão “tornar-se amargo”. Será que pensa especificamente em relacionamentos matrimoniais difíceis? Talvez até mesmo na possibilidade de que a mulher despertada para a fé cristã tenha uma vida mais autônoma e séria do que antes, quando talvez era apenas “dona de casa”? Será que tem em mente a maneira especial pela qual a mulher é capaz de irritar e amargurar o homem? Ou será que, pelo contrário, pensa simplesmente no jeito natural do homem, de se incomodar e reagir com aspereza? Seja como for, essas perturbações do matrimônio podem ser superadas. Segundo essas simples declarações, homem e mulher podem lidar um com o outro em santidade. “Filhos, obedecei aos pais em tudo; pois isso é agradável no Senhor.” Agora de fato gostaríamos de ter uma noção real da vida nos lares daquele tempo. Será que a época era marcada pelos traços do desregramento e da dissolução também no fato de que os filhos consideravam a obediência uma exigência superada, impossível? De acordo com Rm 1.30 parece que sim. Nesse caso uma casa “cristã” pode e precisa ser fundamentalmente diferente. Os filhos são interpelados pessoalmente. Evidentemente trata-se de filhos mais crescidos, aos quais é possível dirigir a palavra, e de filhos crentes, que podem ser remetidos ao Senhor, ao qual conhecem e amam. Apesar disso não é fácil para eles obedecer. Será que somente eles devem ser tão arcaicos, enquanto seus camaradas, amigos e amigas em redor têm liberdades muito maiores? Será que somente eles devem aceitar tudo e pedir permissão em qualquer coisinha? Devem submeter-se a tudo, inclusive quando como geração mais jovem encaram muitas coisas de maneira bem diferente? Sim, reponde Paulo, obedecer “em tudo”. Por que, afinal? Novamente a justificativa é bem singela: assim agrada ao Senhor! Nosso parâmetro já não são nossas próprias opiniões e sentimentos instáveis. Não precisamos nos guiar por teorias que hoje ensinam uma e amanhã outra coisa. Vivemos – também como filhos – sob o Senhor. O que ele requer de nós é determinante. O fato de ele se agradar faz com que também as coisas difíceis se tornem fáceis. Acontece que a ele agrada a obediência. Como sabemos disso? Porque ele, o Filho amado, foi pessoalmente “obediente até a morte, e morte na cruz”, porque “era seu alimento fazer a vontade daquele que o havia enviado” (Fp 2.8; Jo 4.34). Mais uma vez não se trata, portanto, de “moral”, muito menos da moral dos adultos que declara que “filhos têm de obedecer”, porque isso é o mais cômodo para os adultos. É a vida séria de “morto” e “ressuscitado”, a vida séria em e com Cristo, que para o filho no lar resulta em pronta e total obediência. “Pais, não irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados.” Na índole dos cristãos ainda persiste o modo de ser dos adultos. O abuso da força física e intelectual diante da criança também faz parte dos “membros que estão sobre a terra”, que os pais cristãos podem “ter mortos”. Na sequência Paulo antecipa, com a sabedoria concedida pelo Espírito Santo, a mais moderna psicologia. “Desanimar”, afinal, é uma das principais palavras da psicanálise. Por intermédio de inúmeras pesquisas com pessoas “difíceis” e “nervosas” constatou-se que a aplicação excessivamente dura (ou também excessivamente carinhosa) da superioridade do adulto “desanima” a criança e que desse desânimo brota a maior parte daqueles “recalques”, “complexos de inferioridade” e “distúrbios nervosos” que dificultam a vida das pessoas e também de seu entorno. Pessoas redimidas por Cristo podem ser tão “sóbrias” em sua função de pais que não prejudicarão os filhos nem pela “dureza” nem pela “moleza”. Quem vive debaixo de Cristo também se despiu, com o “velho ser humano”, da vontade de se impor e preservar a própria honra. Aliás, é isso que “irrita” um filho: a percepção instintiva de que estão em jogo não a causa e as necessidades, mas o eu do pai e seus desejos e caprichos egoístas. Quando o filho se vê confrontado com necessidades e verdades divinas, às quais os próprios pais também se submetem, ele aprende – talvez com lágrimas, mas sem “desânimo” – a obedecer. Naquele tempo obviamente também “escravos” faziam parte da “casa”. O relacionamento com eles se tornava problemático todas as vezes que o cristianismo tomava conta do lar, seja quando o senhor, seja quando o escravo, seja quando ambos abriam o coração para o evangelho. Será que essa questão se tornou particularmente candente em Colossos por causa de sua indústria? Será que a fuga do escravo Onésimo da casa de um líder cristão contribuiu para essa questão, ou será que ela era evidência das dificuldades surgidas? Porventura Onésimo se dirigiu conscientemente ao apóstolo Paulo, e não apenas atravessou por acaso seu caminho em Roma? Não sabemos. Contudo chama atenção que na presente carta Paulo debate a questão dos escravos de forma tão exaustiva como nenhum outro escrito, nem mesmo na carta aos Efésios. Será que por isso o presente trecho se reveste apenas de interesse histórico? Não seria melhor enfocá-lo desde já sob essa perspectiva histórica? Contudo em qualquer estrutura social existem as circunstâncias de superioridade e subordinação, nas quais cabe a um ordenar e determinar, a outro executar e cumprir. Ainda que nos dias de hoje um ser humano graças a Deus não possa mais ser comprado como mercadoria e, sem direitos, entregue ao açoitamento, as relações de dependência entre as pessoas continuam suficientemente complicadas para ambas as partes. Justamente o poder público pode ser um “senhor” muito duro. Precisamente onde a liberdade foi mais alardeada é que as pessoas muitas vezes têm de cerrar impotentemente os punhos, às escondidas ou de forma mais acerba. Hoje as circunstâncias são infinitamente mais complexas (não simplesmente “melhores”) que naquele tempo, quando “senhor” e “escravo” se encontravam frente a frente como pessoas. Tanto mais importante é para nós que Paulo também aqui se restringe a linhas básicas simples, de modo que as diretrizes continuam norteadoras mesmo na confusão da realidade moderna.192 Segundo comentário da Bíblia do Pregador Pentecostal: Este texto revela o amor como o vínculo da perfeição. Para manter um casamento feliz, existem algumas sementes na vida cotidiana do casal que devem ser semeadas desde o namoro, pois são fundamentais para a felicidade. Para se manter um casamento feliz é preciso ter amor, compreensão, sinceridade, perdão, apoio mútuo e diálogo. CONSELHOS PARA UM CASAMENTO FELIZ 1. AMOR: o casal não deve apenas sentir, mas demonstrar para o seu cônjuge o amor, por meio de atos de carinho, respeito e ajuda mútua. O amor do casal não pode ser decrescente, mas sim, crescente. É isso que Paulo fala em 1Ts 3.12, dizendo o seguinte: “E o Senhor vos aumente e faça crescer em amor uns para com os outros e para com todos, como também nós para convosco…” O amor é como uma plantinha que precisa ser regada todos os dias para não secar. É o sentimento mais sublime que pode existir entre um homem e uma mulher. 2. COMPREENSÃO: ninguém é perfeito (só Jesus Cristo), e, por isso, é muito importante que se aprenda a viver com as falhas do cônjuge, suas manias, suas imperfeições etc. O apóstolo Pedro classificou a mulher como um vaso mais frágil, dizendo: “Igualmente vós, maridos, coabitai com ela com entendimento, dando honra à mulher, como vaso mais fraco; como sendo vós os seus coerdeiros da graça da vida; para que não sejam impedidas as vossas orações” (1Pe 3.7). 3. SINCERIDADE: se não há sinceridade, não há mais confiança; se não há confiança, há desacordo; e “Andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Am 3.3). Em Sl 101.2, o salmista promete sinceridade dentro de sua casa. 4. PERDÃO: é muito importante para o casamento não só o perdoar, mas também o pedir perdão. Por falta de perdão entre o casal muitas bênçãos acabam sendo retidas. Veja o que o próprio Jesus disse acerca disso: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes são perdoados; e, àqueles a quem os retiverdes, lhes são retidos” (Jo 20.23). 5. APOIO MÚTUO: o casal precisa combater as fraquezas e superar as necessidades e as dificuldades, sempre juntos, lado a lado, com todo amor. Em Gl 6.2 Paulo fala sobre isso, 192 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. dizendo o seguinte: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo.” Há momentos em que o homem está mais animado e carrega as cargas da esposa; porém, há momentos em que as coisas se invertem, e a mulher precisa carregar a carga, muitas vezes estressante, de seu marido. E vice-versa. 6. DIÁLOGO: cerca de 90% dos problemas conjugais poderiam ser facilmente resolvidos e solucionados se existisse diálogo entre os casais. Sem o diálogo não pode existir apoio mútuo, perdão, sinceridade, confiança, compreensão e, por fim, amor. O casal precisa parar para conversar. Há pessoas que só gostam de apresentar as suas razões; mas é preciso ouvir o outro também. Em Pv 15.1 Salomão escreve: “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” Cada cônjuge precisa conter o seu temperamento e conversar com calma e brandura. CONCLUSÃO = Para que o casal encontre a felicidade no casamento é preciso que cada um dos cônjuges renuncie a cada dia. Quando o homem cobrar mudanças por parte de sua mulher, ele deve perguntar a si mesmo: “Será que eu também não preciso mudar meu comportamento?” Quando a mulher exigir mudanças de comportamento de seu marido, ela deve perguntar a si mesma: “Será que não preciso também melhorar o meu comportamento para com meu marido?” Cada um deve se cobrar a si mesmo, e não apenas cobrar o outro, unilateralmente. Como diz este verdadeiro ditado: “Você não deve casar pensando apenas em ser feliz; mas, sim, em fazer o outro feliz.” Se cada um pensar desta maneira, a conclusão é que ambos serão felizes!193 William Barclay sugere que: Lancemos uma breve olhada a cada uma destas três esferas das relações humanas. (1) A mulher tem que ser submissa a seu marido; mas o marido tem que amar a sua mulher e tratá-la com toda bondade. O efeito prático de todas as leis e costumes matrimoniais da antiguidade era que o marido se transformava num ditador indiscutido e a mulher em pouco mais que uma serva para criar seus filhos e servi-lo em suas necessidades. O efeito fundamental da doutrina cristã sobre o casamento é que este se torna cooperação e companheirismo. Não se realiza para a mera conveniência do marido, senão para que marido e mulher encontrem uma nova alegria e se complementem mutuamente na vida. Um casal em que tudo é feito para conforto e conveniência de um dos cônjuges enquanto o outro existe simplesmente para satisfazer as necessidades e os desejos daquele, não é um casal cristão. (2) A ética cristã estabelece com absoluta clareza o dever do filho com respeito ao pai. Mas há sempre um problema na relação pai-filho. Se o pai for muito lasso e condescendente, o filho crescerá sem disciplina e será incapaz de enfrentar a vida. Além disso há outro perigo. Quanto maior consciência tem um pai tanto mais corrigirá, admoestará, repreenderá e estimulará o filho. Simplesmente porque o pai ou a mãe desejam o bem do filho estarão sempre, como se diz, "mercando em cima" dele.194 193 194 Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 85. 17.COLOSSENSES 4:2-6 Dediquem-se à oração com a mente alerta e o coração agradecido. Orem também por nós, para que Deus nos dê muitas oportunidades de falar do segredo a respeito de Cristo. É por esse motivo que sou prisioneiro. Orem para que eu proclame essa mensagem com a devida clareza. Vivam com sabedoria entre os que são de fora e aproveitem bem todas as oportunidades. Que suas conversas sejam amistosas e agradáveis, a fim de que tenham a resposta certa para cada pessoa. (NVT) Perseverai em oração, velando nela com ação de graças; orando também juntamente por nós, para que Deus nos abra a porta da palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou também preso; para que o manifeste, como me convém falar. Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um. (ARC) Termos destacados προσκαρτερεῖτε (proskartereite) = Verbo - Presente Imperativo Ativo - 2ª Pessoa do Plural. Persistir, perseverar, continuar firme; Aguardo 195 ἐξαγοραζόμενοι (exagorazomenoi) = Verbo - Particípio Presente Médio - Nominativo Masculino Plural. De ek e agorazo; para comprar, ou seja, Resgate; figurativamente, para resgatar da perda.196 καιρὸν (kairon) = Substantivo - Acusativo Masculino Singular. Época adequada, estação, oportunidade, ocasião, tempo. De afinidade incerta; uma ocasião, ou seja, um tempo fixo ou adequado.197 ἠρτυμένος (ērtymenos) = Verbo - Particípio Perfeito Médio ou Passivo - Nominativo Masculino Singular. Prop: Eu arranjo, preparo; Eu tempero, sabor. De um suposto derivado de airo; para preparar, ou seja, tempero.198 Para que Deus nos abra uma porta para a palavra (1 Coríntios 16:9; 2 Coríntios 2:12; 1 Tessalonicenses 1:9; 1 Tessalonicenses 2:1). "A palavra" é a Palavra de Deus que o apóstolo 195 Colossians 4:2 Devote yourselves to prayer, being watchful and thankful, (biblehub.com) . Colossenses 4:5 Aja sabiamente para com os estrangeiros, redimindo o tempo. (biblehub.com) 197 Colossenses 4:5 Aja sabiamente para com os estrangeiros, redimindo o tempo. (biblehub.com) 198 Colossenses 4:6 Que o seu discurso seja sempre gracioso, temperado com sal, para que você saiba responder a todos. (biblehub.com) 196 prega (Colossenses 1:5, 25; 1 Tessalonicenses 1:6; Gálatas 6:6; 2 Timóteo 4:2; Atos 16:6); e "uma dívida" é desejada, em suas dificuldades atuais, através da qual essa Palavra pode passar livremente, como ele fala em 1 Coríntios 16:9; 2 Coríntios 2:12 (comp. Atos 14:27; Apocalipse 3:8). É fantasioso dar aqui a "porta" o sentido de "boca". A "abertura da minha boca", em Efésios 6:19, expressa a liberdade subjetiva (correspondente a "como devo falar", ver. 4); "a porta da palavra", a liberdade objetiva desejada por São Paulo em sua prisão. 199 A oportunidade é o tempo adequado para cada passo de uma caminhada bem conduzida, a conjuntura precisa de circunstâncias que devem ser aproveitadas de uma só vez ou ela se foi. Essa prontidão cautelosa é sempre necessária no trato com os homens do mundo, tanto para evitar o mal deles quanto para procurar fazer-lhes o bem. O último pensamento, pode ser, conecta este versículo e o próximo.200 Temperado com sal. Parece impossível não traçar aqui uma referência às palavras de nosso Senhor em Marcos 9:50: "O sal é bom, mas se o sal perdeu a sua salinidade, com que o temperareis? Tende sal em vós mesmos". Lá, fala-se que o sal é o conservante da corrupção, e a advertência contra as palavras "corruptas" em Efésios 4:29 aponta na mesma direção. Mas o contexto parece certamente sugerir que o uso do sal é para ensinar "como responder a todo homem", e que essa resposta (como a "razão", ou defesa, de 1Pedro 3:15) deve ser dada aos "que não têm". Provavelmente, portanto, o "tempero com sal" é prover contra a insípida (portanto, de acordo em certa medida com o uso clássico da palavra). Seu discurso deve ser primeiramente "com graça", animado pela verdadeira vida da graça cristã nele; secundariamente, porém, é ter bom senso e ponto, de modo a ser eficaz para o inquiridor ou contra o escarnecedor. 201 Para Justo L. Gonzalez, A constância na oração se tem mencionado já como prática de Paulo e seus companheiros. A oração é importante porque, apesar de haver morrido e ressuscitado com Cristo em seu batismo, os cristãos seguirão sofrendo tentação, e terão que seguir buscando “as coisas de cima” (3:1).202 …remindo o tempo: Esta frase se cita frequentemente ao prevenirmos a não se perder tempo, a “remir o tempo” no sentido de não desperdiça-lo. Aparentemente por razão desta frase, em algumas igrejas de tradição wesleyana, ao ordenar a uma pessoa se requer prometer que não permanecerá em nenhum lugar mais tempo que o necesario ou útil. Porém a palavra que aqui se traduz por “tempo” (kairos) não é a que normalmente se usa para se referir à extensão do tempo (chronos), mas a que se refere a um tempo ou momento particularmente significativo. A primeira dessas duas palavras gregas se usava ao dizer, por exemplo, “é chegado o tempo” ou “há que se discernir os tempos”. A segunda se usava, por exemplo, ao se dizer “não tenho tempo”. Logo esta frase em Colossenses não se refere tanto a não desperdiçar o tempo mas a não perder as oportunidades a respeito 199 Pulpit commentary: Colossenses 4:3 enquanto rezais também por nós, para que Deus nos abra uma porta para a palavra, para que possamos anunciar o mistério de Cristo, pelo qual estou acorrentado. (biblehub.com) 200 Pulpit commentary: Colossenses 4:5 Aja sabiamente para com os estrangeiros, redimindo o tempo. (biblehub.com) 201 Comentários de Ellicott para os leitores de língua inglesa: Colossenses 4:6 Que o seu discurso seja sempre gracioso, temperado com sal, para que você saiba responder a todos. (biblehub.com) 202 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 156). CPAD. Edição do Kindle. da apresentação do Evangelho. Mais particularmente, o andar sabiamente “para com os de fora”, se entende então como estar alerta a toda oportunidade de apresentar-lhes o Evangelho a esses “de fora”. A asseveração de que essa palavra há de ser “temperada com sal” nos recorda o uso em nossa língua de “ter saleiro”. Ainda que em alguns contextos isso signifique ser bem humorado e falar assertivamente (com bom gosto, com graça), também pode querer dizer ser interessante e simpático. Segundo esta advertência, os crentes hão de falar de tal modo que o que disserem seja ao mesmo tempo cortês e interessante ou atraente. 203 Werner de Boor comenta que: Depois da vida doméstica Paulo passa a tratar novamente da igreja como um todo. Está em pauta a participação dela no serviço missionário através da oração e do testemunho. A oração está em primeiro lugar, por ser a ação decisiva. Nossa tradução “perseverar na oração” é por demais desgastada e não apreende integralmente o sentido de proskarterein. Orar precisa ser constantemente o alvo firme da vontade da igreja. Não pode ser realizada em segundo plano. Trata-se de um trabalho sério, para o qual é preciso abrir espaço permanentemente. Por essa razão a solicitação subsequente de “vigiar” não se refere somente à postura atenta e atenção interiores em contraposição à recitação sonolenta e indiferente na oração. “Vigiar” também deverá ser entendido literalmente como “vigília”. Como os colossenses, p. ex., os escravos, terão tempo suficiente para orar intensa e demoradamente? Vocês terão de sacrificar horas da noite, responde Paulo. É o que ele mesmo fazia, visto que seus dias estavam superlotados com trabalho para seu sustento, com evangelização, cuidado pastoral e correspondência da manhã até a noite. Agiu assim seguindo o próprio Senhor Jesus. Agora também os colossenses podem ingressar nesse mais importante dos serviços com a mesma determinação. Paulo confia que eles também não farão tais sacrifícios de mau grado, mas “com ações de graças”. É nisso que consiste primordialmente a solicitação tão importante: não permitir que a oração seja apenas pedir e interceder, mas permitir o devido espaço à gratidão por tudo que Deus já fez e concedeu. No entanto, uma oração com lúcida gratidão tem em mente todo agir e dar, proteger e ajudar de Deus. Será uma oração alegre, ainda que demande horas noturnas. Essa oração dos colossenses também se torna cooperação na missão de Paulo. “Suplicai ao mesmo tempo também por nós.” É por isso que a oração é preciosa, pois por meio dela somos real e ativamente envolvidos em obras geograficamente muito distantes. Porventura você deseja realizar algo grandioso em prol da gloriosa causa de Jesus, apesar de sua pequena força, de ser tolhido pelo trabalho profissional, da sua família em sua localidade, talvez até mesmo apesar de retido no quarto ou no leito pela idade avançada e pela enfermidade? Então torne-se uma pessoa que ora e “vigia nisso com ação de graças”! Por que isso é assim? Por que até mesmo o grande e autorizado Paulo carece da oração dos colossenses? Porventura não tinha a incumbência, não tinha a rica experiência, não tinha o zelo ardente? Certamente que sim. Tampouco está sozinho, pois tinha junto de si colaboradores, com certeza Timóteo, como mostra no pedido o “nós”. No entanto, o que lhe cabe anunciar é “o mistério do Cristo”. Precisamente na presente carta ele apresentou esse mistério aos colossenses de forma poderosa. Agora sabem com clareza que na verdade o evangelho é a única resposta verdadeira às perguntas 203 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 158 -159). CPAD. Edição do Kindle. existenciais do ser humano, que a filosofia formula mas não responde, e que este evangelho também representa a única solução real para as aflições mais profundas do ser humano. Justamente por isso, porém, ele não é uma mensagem que qualquer pessoa possa compreender com facilidade ou que, como outras filosofias, possa ser apresentada de forma convincente com a necessária “oratória”. Jesus, o “primogênito de toda criação”, por meio do qual e em direção do qual tudo foi criado, Jesus, que “estabeleceu a paz por meio do sangue de sua cruz”, Jesus, com o qual nós podemos ser “co-mortos” e “coressuscitados” – que mistérios essenciais são esses que (como diríamos hoje) somente podem ser captados “existencialmente”! Por isso é preciso que, como outrora no caso de Lídia, Deus abra o coração para o evangelho. Paulo formula aqui: “abrir uma porta da palavra”. Esse genitivo não significa apenas “abrir uma porta para a palavra”. A palavra não é imaginada apenas como um dado objetivo que agora pode entrar no íntimo do ser humano pela porta aberta. Ao mesmo tempo a própria palavra é uma porta, ela própria possui uma força ativa que produz abertura, uma força que lhe precisa ser conferida por Deus. Isso se evidencia pelo fato de que as formulações seguintes se referem justamente à maneira correta da proclamação: “a fim de dizer o mistério do Cristo, para que eu o torne manifesto, assim como tenho de dizê-lo.” Sem dúvida “o mistério do Cristo” constitui determinado elemento objetivo, concedido de uma vez por todas em tudo que Deus realizou ou ainda realizará em Cristo, da criação até a consumação. Mas Paulo não pensa simplesmente de forma “ortodoxa”. Assim como “crer” não é simplesmente concordar com uma doutrina correta e reconhecida como tal, mas “ressuscitar junto com Cristo”, assim também a proclamação, o “dizer” do mistério de Cristo, é um “testemunhar” (1Co 4.15) e “dar à luz” (Gl 4.19). Importa “tornar manifesto” este mistério. Para isso existe uma “obrigação” divina. Mais uma vez cabe entender esse “tem de” de forma muito profunda e séria do que nosso uso desgastado da palavra inicialmente deixa transparecer. Essa “obrigatoriedade” divina não se cumpre simplesmente por si, mas precisa ser constantemente cumprida por Paulo e seus colaboradores. O ensino objetivamente correto (a doutrina “condizente com a Escritura”) poderia ser feito por uma bemelaborada teologia pessoal, como no fundo sempre foi intenção de toda ortodoxia. Mas “dizer o mistério de Cristo assim como ele tem de dizê-lo” é algo que não pode ser alcançado nem mesmo pela melhor e mais correta teologia, por mais importante que de fato seja a clareza teológica. A força “de abertura” da palavra não é assegurada por nenhum tipo de zelo, por mais ardente que seja. Nenhuma “experiência” de longos anos de serviço abençoado garante alguma coisa neste caso.204 Para William Barclay, Paulo jamais escreve uma Carta sem insistir com seus amigos a cumprir o dever e aproveitar o privilégio de orar. Diz-lhes que perseverem na oração. Até para o melhor dentre nós há épocas em que a oração parece ser ineficaz e não passar das paredes da habitação em que oramos. Em tais circunstâncias o remédio não é deixar a oração, mas sim seguir orando; porque a aridez espiritual não pode durar no homem que ora. Diz-lhes que sejam vigilantes na oração. Em grego significa literalmente velar em oração. A frase poderia significar que não durmam quando oram. Pode ser que Paulo pensasse na cena do monte da Transfiguração onde os discípulos adormeceram e só quando despertaram viram a glória (Lucas 9:32). Ou talvez pensava no jardim do Getsêmani quando Jesus orava enquanto seus discípulos dormiam (Mateus 26:40). É verdade que no final de um dia duro 204 Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Versão Digital. nos invade o sono quando tentamos orar. E até é mais frequente que em nossas orações haja uma espécie de distração e cansaço. Nestas ocasiões deveríamos tentar permanecer longo tempo em oração: Deus entenderá uma só frase, quando tivermos que nos expressar como um menino que está muito cansado para permanecer acordado. Paulo lhes pede que orem por ele. Devemos advertir, notando por que, Paulo o pede. Não é tanto que peça suas orações por si mesmo; pede-as por sua obra. Havia muitas coisas pelas que Paulo poderia ter pedido que orassem: pela libertação da prisão; por um resultado favorável no juízo vindouro; por um pouco de descanso e paz no fim de seus dias. Mas só lhes pede que orem para que tenha fortaleza e oportunidade para realizar a obra a que tinha sido enviado por Deus. Quando orarmos por nós mesmos e por outros, não peçamos a libertação de alguma tarefa, mas antes, fortaleza para completar a tarefa que nos foi confiada. A oração tem que ser sempre para conseguir poder e raramente para ser aliviados; porque não o ser aliviados, mas sim a conquista deve constituir a tônica da vida cristã. 205 Craig S. Keener expõe o seguinte: Regras para além da comunidade 4.2-4. Quanto à imagem da “porta aberta” no sentido de oportunidade, veja comentário de 1 Corintios 16.9. Cumpre lembrar que Paulo está preso. A maioria dos prisioneiros não tinha acesso a banhos ou cortes de cabelo, embora a prisão de Paulo talvez não seja tão severa aqui (veja comentário de At 28.16). 4.5. O Novo Testamento frequentemente se refere às pessoas que não pertenciam à igreja como “os de fora”. É possível que 0 termo assim traduzido esteja relacionado ao usado por mestres judeus de período posterior para se referir às pessoas que não entendiam a lei. Mas a imagem em si mesma é natural; talvez seja mais análoga à forma pela qual os judeus viam, em geral, os gentios. “Remindo o tempo” (ACF, tradução literal) provavelmente significa “aproveitando bem cada oportunidade” (A21; cf. SI 90.12; a versão da LXX de Dn 2.8 usa a expressão com o sentido de tentar uma prorrogação). 4.6. “Amável" tem aqui o sentido de gracioso, aprazível e assim por diante (no texto original, a palavra está mais perto do uso grego de “graça” que do uso comum do Novo Testamento). Veja comentário de Efésios 4.29. O sal era agente de preservação e também era usado para realçar 0 sabor dos alimentos. É provável, portanto, que Paulo esteja se referindo ao tipo de fala que faria sentido aos “de fora” e seria relevante para eles (cf. o fato de que, na Antiguidade, a fala agradável costumava ser chamada de “melíflua” [como o mel]). Certo retórico recomendava “salgar” na medida certa as palavras, aparentemente com 0 sentido de aplicar a medida certa de sarcasmo espirituoso. Em vista do contexto da passagem, Paulo parece estar recomendando, em vez disso, respostas amáveis (cf. Pv 15.1).206 Ralph P. Martin por sua vez explana que: Depois de dirigir-se especificamente aos vários membros da família cristã, Paulo passa a oferecer algumas admoestações gerais. Há uma chamada à oração, que resume o tema de 3.17, e seu próprio caso é destacado para ser mencionado. Depois, Paulo entra 205 206 Barclay, William. Comentário do Novo Testamento – Colossenses. Pág. 89-90. Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 690-691. suavemente numa exortação geral aos membros da igreja no sentido de deixarem sua conduta e sua fala estar em harmonia com sua profissão. 2. Perseverai na oração. O verbo “perseverar” (gr. proskartereiri) pertence destacamente ao vocabulário neotestamentário da vida devocional e “litúrgica” da Igreja (At 1.14; 2; 2.42, 46; 6.4; Rm 12.12). Sugere uma certa persistência e determinação na oração, com a resolução no sentido de não desanimar (Lc 11.5-13) nem ficar cansado (Lc 18.1-8). O substantivo do verbo é traduzido “perseverança” em Efésios 6.18. W. Grundmann vê nestes textos evangélicos uma atitude diferente à oração do que aquela que é costumária no judaísmo, que tinha horários estabelecidos e padrões fixos para a oração. Esta nova prática, tanto espontânea quanto pessoal, era um aspecto novel do cristianismo primitivo, como sinal do seu poder e da sua vitalidade. Dois acontecimentos de “oração perseverante” são mencionados. Estes são a necessidade de cultivar o espírito vigilante e o coração grato. “Vigiai e orai” foi o conselho de Jesus aos discípulos tanto no Jardim de Getsêmane (Mc 14.38) quanto nas Suas admoestações escatológicas (Lc 21.34-36; Mc 13.32-37). A lembrança vigiando (na oração) com ações de graças pode ser entendida de várias maneiras. Paulo simplesmente está comentando a posição geral dos crentes: sede vigilantes para continuarem a prática da oração a todo tempo (assim Lohse)? Ou está fazendo os colossenses lembrar-se da necessidade de vencer a tendência à sonolência quando a mente em oração se concentra num exercício espiritual? Ou pode ser que seu pensamento abrange uma dimensão escatológica (veja os usos do verbo grègorein com relação à parousia, citados por A. Oepke) enquanto manda seus leitores estarem alertas na expectativa do Senhor vindouro (assim Conzelmann)? Se a terceira possibilidade for preferida, ela dá uma matiz mais aplicável ao encorajamento à oração. Paulo está dizendo: Não esmoreçam nas suas orações em prol da vinda do reino de Deus e orem antecipando que o clamor de Maranatha (1 Co 16.22) será ouvido. “Nosso Senhor, vem” deve ser seu anseio fervoroso, e nunca deixem esta esperança (3.4) tomar-se fraca quando passarem pelo perigo de serem engodados para longe de esperança (1.23) do evangelho que meus colegas lhes trouxeram (1.5). Pelo contrário, permanecei firmes e gratos de que este evangelho é vossa possessão inalienável. A gratidão de espírito passará, então, a destacar a oração do cristão, enquanto este passa em revista as misericórdias e os poderosos atos de Deus em Cristo, passados, presentes e futuros. Ações de graça é um tema que ocorre várias vezes nesta Epístola (1.2; 2.7; 3.15, 17). 3,4. Suplicai ao mesmo tempo, também por nós. O pedido específico é que esta igreja se comova com as necessidades da missão paulina e aceite alguma responsabilidade na intercessão por Paulo e pelos seus companheiros pregadores (como em 1 Ts 5.25). Paulo escreve como prisioneiro (4.18) sob estreita vigilância, e restrito no que diz respeito a um ministério ativo de pregação pública. Está “algemado” (conforme toma claro seu verbo grego dedemai à luz de 4.18: “Lembrai-vos das minhas algemas,” gr. tõn desmõrí) e não está simplesmente “na prisão.” A essência do seu pedido é que, mediante a oração dos colossenses em prol dele, a porta do serviço ativo, agora fechada pelo seu confinamento, possa ser aberta mais uma vez, de modo que possa “contar o segredo de Cristo” (NEB) de modo claro e desinibido. * Algumas alusões aqui ajudam-nos a formar um quadro de como era sua vida na prisão. Se falam decisivamente acerca da questão controvertida do lugar do seu encarceramento não fica claro. Discutimos este assunto na Introdução. Uma coisa se destaca. Paulo não era nenhum prisioneiro social ou político, pagando a penalidade por um crime. Seu aprisionamento era por causa da sua mensagem como pregador cristão. Tal mensagem é descrita aqui, como anteriormente (1.26; 2.2) como o mistério de Cristo, ou seja: um termo técnico para a mensagem do propósito salvífico de Deus em Cristo, que proclama “a ligação dos judeus e dos gentios num só corpo, tendo Cristo por cabeça [como] um evento cósmico e escatológico”. Aquele “mistério” (Ef 3.3ss.) agora está sendo desvendado pela pregação apostólica, mas embora Paulo seja o mensageiro primariamente responsável pela sua manifestação, agora conclama as igrejas gentias a aceitarem sua parte em cuidar para que o ministério dele não seja impedido. São convocadas a assim fazerem por meio de orar que Deus nos abra porta à palavra. Não é de admirar-se que Paulo esperneava sob a tensão de ver fechada a porta da oportunidade missionária. Emprega esta expressão de uma “porta” em 1 Coríntios 16.9 e 2 Coríntios 2.12 (cf. Ap. 3.8) para indicar o escopo das suas labutas evangelísticas e pastorais e uma pronta recepção que foi dada à sua pregação (a metáfora entendida no sentido de uma oportunidade para alguém explorar, é achada nos escritos rabinicos judaicos). Faz parte da obra da sua vida usar todos os meios para entrar no território missionário estratégico (Rm 15.16-29). Seu cativeiro presente é um fator limitante, que anseia por ver removido. Depois, com sua liberdade reconquistada, pode manifestar (gr. phaneroun: um termo exclusivo para a pregação do evangelho da parte de Paulo) a maravilha do mistério de Deus em Cristo, que sabe ser sua obrigação compulsória (como o “apóstolo escatológico”, v. 4). Para um possível pano de fundo histórico, veja a Introdução, págs. 38-39. As comunidades cristãs primitivas tinham consciência de uma identidade distintiva. Os homens e as mulheres “pertenciam” à Igreja, mas não num sentido exclusivista como se se sentissem obrigados a se retirarem da sociedade humana (cf. a comunidade de Cunrã). Paulo agora dirige uma breve lista de admoestações aos leitores, mostrando como deveriam viver “no mundo” da sociedade contemporânea. 5. Portai-vos com sabedoria. A chamada é para a sabedoria nos nossos tratos com aqueles que estão fora da Igreja. Isto significa, conforme comenta E. Lohse, viver uma vida com tanto escrutínio de si mesmo que não haverá causa de tropeço ou deturpação colocada no caminho doutra pessoa (1 Co 10.32). A “Sabedoria” é contrastada com aquela que é uma falsa espécie (2.23) e significa, neste contexto, uma compreensão da vontade divina e uma resolução no sentido de cumpri-la (como em 1.9- 10, 28; 2.3; 3.16). É essencialmente prática e realista. aproveitai as oportunidades. Cada momento é um dom precioso a ser explorado e capitalizado até às últimas. O verbo na frase grega de Paulo (como em Ef 5.16) é tirado diretamente da linguagem comercial do mercado (gr. agora). O grego é exagorazomenoi, onde o prefixo ex denota uma atividade intensiva, um aproveitamento de todas as oportunidades (gr. kairos, um momento de verdade e destino) que estão disponíveis no presente momento. Outra possibilidade, é entender o verbo no seu sentido neotestamentário mais costumário: “resgatar” o tempo da condição má em que caiu o presente. Esta talvez seja uma boa sugestão para Efésios 5.16 tendo em vista a seguinte razão: “porque os dias são maus.” Mas o contexto em Colossenses parece exigir o sentido de aproveitar, “fazer pleno uso de.” A mordomia do tempo como sendo um bem de Deus, com valor inestimável, é o ensino aqui, com uma chamada a investir nossas energias em ocupações que serão um testemunho positivo e atraente àqueles que estão fora do convívio da Igreja. Os que são de fora refere-se ao mundo não-cristão, e tinha um significado semitécnico (cf. Mc 4.11; 1 Co 5.12-13; 1 Ts 4.12) derivado do judaísmo rabínico onde ha-hts-ontm, “os que são de fora”, refere-se ou aos hereges ou ao “povo da terra.” 6. A vida cativante que atrai outras pessoas não é insípida nem monótona. A conversação é a nota aqui, especialmente quando se trata de o cristão defender as boas novas ao falar e dialogar pessoalmente. A vossa palavra (gr. logos) parece ser uma lembrança deliberada da pregação da “palavra” por Paulo no v. 3. Os cristãos devem à própria mensagem uma apresentação dela em roupagem atraente, visto que seu perfil mais claro é aquele que coloca a graça de Deus em grande evidência. Graça (gr. charis) e “gracioso” (ou agradável) são duas palavras tão intimamente relacionadas entre si que é difícil separá-las A cautela que Paulo expressa é uma lembrança de que a maneira de falar é quase tão importante quanto o conteúdo, quando se trata da influência que o crente exerce sobre seus amigos. Assim, em 1 Pedro 3.15 a maneira de os cristãos defenderem sua fé é o assunto da exortação apostólica: “faze-o de modo suave e respeitoso” (Bruce). temperada com sal é a frase literal, que expressa uma figura de linguagem no uso corrente (cf. NEB: “nunca insípida”). O sal era usado para temperar alimentos e para conservá-los contra a deterioração. De qualquer maneira, o uso que Paulo faz desta metáfora é sugestivo. O emprego do sal para a conservação fica no pano de fundo de versículos tais como Mateus 5.13; Marcos 9.49, 50; Lucas 14.34, e pode ser a intenção de Paulo aqui. Podemos comparar Efésios 5.4 com sua repreensão de toda a forma corrompedora de fala. Este é o lado positivo. Que a vossa fala aja como uma influência sadia e purificadora, resgatando a arte da conversação de tudo quanto rebaixa e perverte. Ou, possivelmente, Paulo toma emprestada a expressão idiomática rabínica, que emprega o sal como uma metáfora para a instrução na sabedoria. “A Torá é como sal” é uma comparação comum. A virtude deste ponto de vista seria que ajuda a explicar a observação seguinte de Paulo. O testemunho cristão deve ser gracioso e concentrar-se na oferta de Deus, em Cristo, da sabedoria de Deus (1 Co 1.24, 30; 2.6), de modo que os que ouvem nossas palavras possam sentir que estamos falando à necessidade deles e correspondendo às dúvidas deles com a provisão de Deus na mensagem do Seu amor e da Sua sabedoria na cruz de Cristo, como em 1 Pedro 3.15.207 18.COLOSSENSES 4:7-18 Tíquico, irmão amado e colaborador fiel que trabalha comigo na obra do Senhor, lhes dará um relatório completo de como tenho passado. Eu o envio a vocês exatamente com o propósito de informá-los do que se passa conosco e de animá-los. Envio também Onésimo, irmão fiel e amado, que é um de vocês. Ele e Tíquico lhes contarão tudo que tem acontecido aqui. Aristarco, que é prisioneiro comigo, lhes envia saudações, e assim também Marcos, primo de Barnabé. Conforme vocês foram instruídos, se Marcos passar por aí, recebam-no bem. Jesus, chamado Justo, também manda lembranças. Esses são os únicos irmãos judeus entre meus colaboradores. Eles trabalham comigo para o reino de Deus e têm sido um grande conforto para mim. Epafras, que é um de vocês e servo de Cristo Jesus, lhes envia saudações. Ele sempre ora por vocês com fervor, pedindo que sejam maduros e plenamente confiantes de que praticam toda a vontade de Deus. Posso lhes assegurar que ele tem se esforçado grandemente por vocês e pelos que estão em Laodiceia e em Hierápolis. Lucas, o médico amado, lhes envia saudações, assim como Demas. Mandem minhas saudações a nossos irmãos em Laodiceia, e também a Ninfa e à igreja que se reúne em sua casa. 207 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 136-140. Depois que tiverem lido esta carta, enviem-na à igreja em Laodiceia, a fim de que eles também possam lê-la. E vocês, leiam a carta que eu escrevi para eles. E digam a Arquipo: “Cuide em realizar o ministério que o Senhor lhe deu”. Esta é minha saudação de próprio punho: Paulo. Lembrem-se de que estou na prisão. Que a graça de Deus esteja com vocês. (NVT) Tíquico, irmão amado, e fiel ministro, e conservo no Senhor, vos fará saber o meu estado; o qual vos enviei para o mesmo fim, para que saiba do vosso estado e console o vosso coração, juntamente com Onésimo, amado e fiel irmão, que é dos vossos; eles vos farão saber tudo o que por aqui se passa. Aristarco, que está preso comigo, vos saúda, e Marcos, o sobrinho de Barnabé, acerca do qual já recebestes mandamentos; se ele for ter convosco, recebei-o; e Jesus, chamado Justo, os quais são da circuncisão; são estes unicamente os meus cooperadores no Reino de Deus e para mim têm sido consolação. Saúda-vos Epafras, que é dos vossos, servo de Cristo, combatendo sempre por vós em orações, para que vos conserveis firmes, perfeitos e consumados em toda a vontade de Deus. Pois eu lhe dou testemunho de que tem grande zelo por vós, e pelos que estão em Laodiceia, e pelos que estão em Hierápolis. Saúda-vos Lucas, o médico amado, e Demas. Saudai aos irmãos que estão em Laodiceia, e a Ninfa, e à igreja que está em sua casa. E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja dos laodicenses; e a que veio de Laodiceia, lede-a vós também. E dizei a Arquipo: Atenta para o ministério que recebeste no Senhor, para que o cumpras. Saudação de minha mão, de Paulo. Lembrai-vos das minhas prisões. A graça seja convosco. Amém! (ARC) Termos destacados πιστὸς (pistos) = Adjetivo - Nominativo Masculino Singular. Confiável, fiel, crente. De peitho; objetivamente, confiável.208 διάκονος (diakonos) = Substantivo - Nominativo Masculino Singular. Provavelmente derivada de diako; um atendente, ou seja, um garçom; especialmente, um professor e pastor cristão. 209 συνεργοὶ (synergoi) = Adjetivo - Nominativo Masculino Plural. Um companheiro de trabalho, associado, ajudante. De um suposto composto de sun e da base de ergônio; um colaborador, ou seja, coadjutor.210 πάντοτε (pantote) = Advérbio. Sempre, em todos os momentos, sempre. De pas e hote; todos os momentos, ou seja, em todos os momentos.211 208 Colossenses 4:7 Tíquico lhe dirá todas as notícias a meu respeito. Ele é um irmão amado, um ministro fiel e um servo no Senhor. (biblehub.com) 209 Colossenses 4:7 Tíquico lhe dirá todas as notícias a meu respeito. Ele é um irmão amado, um ministro fiel e um servo no Senhor. (biblehub.com) 210 Colossenses 4:11 Jesus, que se chama Justo, também envia saudações. Estes são os únicos judeus entre meus companheiros obreiros para o reino de Deus, e eles têm sido um conforto para mim. (biblehub.com) 211 Colossenses 4:12 Epafras, que é um de vós e servo de Cristo Jesus, envia-vos saudações. Ele está sempre lutando em oração por você, para que você possa permanecer maduro e plenamente seguro na plena vontade de Deus. (biblehub.com) ἀγωνιζόμενος (agōnizomenos) = Verbo - Particípio Presente Médio ou Passivo - Nominativo Masculino Singular. De agon; lutar, literalmente, figurativamente ou caso genitivo. 212 ...estes únicos (meus) companheiros obreiros para o reino de Deus, (homens) que têm sido um consolo para mim (Filemom 1:1, 24; 1 Tessalonicenses 3:2; Romanos 16:3, 9, 21; 2 Coríntios 8:23; Filipenses 2:25; Filipenses 4:3). Aristarco, portanto, era judeu, assim como Marcos e Jesus Justo. "Estes apenas", etc., devem ser lidos como em aposição próxima à cláusula anterior. Essa declaração está de acordo com a queixa do apóstolo em Filipenses 1:15-17; Filipenses 2:19-24; mas a linguagem ainda mais forte das últimas passagens parece apontar para um tempo posterior, quando ele era ainda mais solitário, tendo perdido Tíquico e Marcos, e talvez Aristarco também, e quando ele tinha uma perspectiva mais definida de libertação. O título de "companheiro de trabalho" ele frequentemente confere aos seus associados 213 Justo L. Gonzalez diz que: Quando na antiguidade se enviava uma carta, se fazia o possível para que o portador pudesse também servir de intérprete, explicando aos que a receberiam qualquer ponto que não estivesse claro, e ampliando-lhes qualquer notícia que quisessem saber. Neste caso, o principal portador da carta é Tíquico, cujo nome aparece também como companheiro de Paulo em Atos 20:4, e como portador de suas cartas não somente nesta passagem, mas também em Efesios 6:21, 2 Timoteo 4:2 e Tito 3:12. Que Tíquico não é somente portador, mas também mensageiro de Paulo fica claro pelas palavras “todos meus assuntos vos fará saber Tíquico”.214 Sobre as saudações finais, Craig S. Keener comenta: As cartas em geral encerravam com saudações de outros indivíduos além do autor. Isso se devia ao fato de que não havia data certa para o envio das cartas e não havia garantia de que elas de fato chegariam aos destinatários (elas eram enviadas quando alguém viajasse para a região de destino delas). 4.7,8. As notícias costumavam ser transmitidas oralmente pelos viajantes. Era comum que o anfitrião perguntasse aos visitantes sobre os conhecidos de outra localidade. Esse tipo de notícias era, portanto, meramente incidental; mas Paulo enviou Tíquico com o propósito de enviar notícias. Enviar notícias pessoais da prisão, ou durante a guerra, podia ser perigoso. Seria sensato confiá-las a um viajante discreto que pudesse complementar as informações contidas na carta. 212 Colossenses 4:12 Epafras, que é um de vós e servo de Cristo Jesus, envia-vos saudações. Ele está sempre lutando em oração por você, para que você possa permanecer maduro e plenamente seguro na plena vontade de Deus. (biblehub.com) 213 Pulpit Commentary: Colossenses 4:11 Jesus, que se chama Justo, também envia saudações. Estes são os únicos judeus entre meus companheiros obreiros para o reino de Deus, e eles têm sido um conforto para mim. (biblehub.com) 214 González, Justo L.. Colossenses: Cristo em nós, a esperança da glória (Portuguese Edition) (p. 160). CPAD. Edição do Kindle. 4.9. Como Paulo está escrevendo da prisão (4.18), é possível que o Onésimo aqui seja o mesmo indivíduo de Filemom 10 (cf., talvez, 2Tm 1.16), em período posterior. Um certo Onésimo tornou-se bispo de Éfeso no começo do século 2, mas não há certeza de que se trata do sujeito mencionado aqui. 4.10. Tanto Aristarco (At 20.4) como Marcos (At 13.13; 15.37-39; 2Tm 4.11; cf. lPe 5.13) eram colegas ministeriais mais jovens de Paulo. “Companheiro de prisão” pode significar que Aristarco também era prisioneiro, mas pode ter sentido figurado: é possível que ele simplesmente tenha acompanhado Paulo, que estava preso (cf. At 27.2). 4.11. “Jesus” (que também pode ser traduzido por “Josué”) era nome judeu comum. Muitos judeus usavam um segundo nome grego ou latino parecido com seu nome judeu mais tradicional; o “Jesus” aqui também é chamado “Justo”. O fato de Paulo enviar saudações vindas tanto de obreiros judeus como de gentios, que trabalhavam juntos no ministério espiritual, teria sentido muito mais profundo para os leitores antigos do que se imaginaria atualmente. 4.12. “Luta” (“batalhando”, NV1) é termo que pode referir-se a competição ou embate atlético de grande esforço. Os filósofos e outros autores frequentemente usavam o termo em sentido metafórico (veja comentário de 1.29; cf. Gn 32.24). Paulo, portanto, está retratando a oração como uma forma de combate ou disciplina espiritual de importância crucial para a missão deles (4.2-4). 4.13. As recomendações podiam atestar o afeto do sujeito pelos leitores da carta (p. ex., Plínio, Epístolas 7.31.1). As três maiores cidades do vale do rio Lico, na Frigia, eram Colossos, Laodiceia e (a dez quilômetros desta) Hierápolis. Colossos, na época, era a menos importante das três. Já em Hierápolis havia seitas relacionadas a curas milagrosas, um templo dedicado ao imperador e, supostamente, a entrada para o submundo. Além disso, a presença judaica na cidade era significativa no período. Laodiceia era centro comercial próspero, apesar da localização um tanto remota. 4.14. Os médicos eram instruídos, mas em muitos casos eram escravos ou libertos de status relativamente baixo. Embora a maioria dos médicos fosse de homens, também se atesta a atividade de médicas (em geral parteiras, mas as médicas não se limitavam a essa especialidade). No conhecimento médico da época, as observações empiricamente válidas coexistiam com as tradições, superstições e especulações populares. Não existiam “médicos credenciados” e as escolas de pensamento médico eram várias. As seitas pagãs de cura (como a de Asclépio) permitiam, além das orações à divindade, a atuação dos médicos. As perspectivas variavam um bocado no judaísmo, mas os hospitais, que vieram à tona em período posterior, devem a própria origem sobretudo à prática cristã (da Antiguidade tardia) de cuidar dos doentes. Embora eu julgue improvável (com base na distribuição geográfica do pronome “nós” em Atos), há quem sugira que Lucas estudou medicina em Laodiceia (onde, como apontam as evidências, a prática médica era significativa) ou praticou a arte médica em uma das seitas de cura de Hierápolis (antes de se converter). Parece que os leitores já haviam ouvido falar de Lucas. Papiros atestam que alguns judeus de fato tinham o nome grego "Demás” (cf. 2Tm 4.10); no presente contexto (Cl 4.11), no entanto, parece que Demás é um gentio. 4.15. Os primeiros manuscritos divergem quanto a se “Ninfa” é homem ou mulher. Seria mais provável aqui que os escribas mudassem um nome feminino para um nome masculino do que o inverso. Assim, a forma feminina “Ninfa” provavelmente é original. Fica implícito que se tratava de mulher com posição de influência em uma igreja doméstica. 4.16. Não dispomos da carta de Paulo aos cristãos de Laodiceia, embora alguns estudiosos tenham sugerido que se trata da carta aos Efésios (veja comentário de Ef 1.1; mas é possível que a carta circular tenha ido a Laodiceia, o local mais próximo dali sendo Colossos); assim como Efésios, é possível que ela tenha sido semelhante a Colossenses. Quase todas as leituras eram feitas em voz alta, e as cartas endereçadas a um grupo naturalmente seriam lidas ao grupo todo por urna pessoa, visto que, mesmo nas áreas urbanas, a maioria não sabia ler muito bem. É possível que, durante o culto da igreja, a carta de Paulo tenha sido lida junto com as Escrituras do Antigo Testamento, embora seja improvável que o apóstolo ou seus primeiros leitores adivinhassem que algumas dessas cartas viriam a se tornar parte das Escrituras cristãs. 4.17. É possível que Arquipo fosse filho de Filemom ou ao menos colega dele na igreja doméstica (Fm 2). 4.18. Em geral, o autor ditava a carta ao escriba, mas muitas vezes encerrava com assinando de próprio punho.215 Conforme comentário da Bíblia do Pregador Pentecostal, Por meio deste texto sagrado nós aprenderemos mais sobre Lucas, o médico amado. As duas maiores obras que Lucas nos deixou foram o Evangelho de Lucas e o Livro de Atos dos Apóstolos. O estilo destas duas obras revela toda a capacidade intelectual e espiritual de seu autor. Os detalhes que passaram despercebidos nos demais Evangelhos e são mostrados pelo doutor Lucas em suas duas obras literárias confirmam sua vocação para cuidar do corpo e da alma das pessoas. I. AVOCAÇÃO DO DOUTOR LUCAS 1. Alguns teólogos sugerem que o “varão macedônio” da visão que Paulo teve em Trôade era Lucas, o qual se converteu ouvindo a pregação de Paulo e foi orientado pelo Espírito Santo a acompanhar Paulo em suas viagens missionárias. Note-se que a partir desta narrativa da visão de Trôade o Escritor do Livro de Atos se junta à equipe de Paulo, e diz: “E, logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho” (At 16.10). 2. Em Fm 24 o apóstolo Paulo cita o doutor Lucas como um dos seus cooperadores na obra de Deus. 3. Em 2Tm 4.11, já ao final de seu ministério, o velho e incansável apóstolo dos gentios confirma a lealdade de seu inseparável companheiro Lucas, dizendo: “Só Lucas está comigo.” Em sua velhice, o que mais Paulo precisava era de um médico ao seu lado, a fim de cuidar da sua saúde. 4. O nosso Deus coloca algumas pessoas importantes no nosso caminho, a fim de nos ajudar. Em Pv 17.17 Salomão escreve: “Em todo o tempo ama o amigo; e na angústia nasce o irmão.” E em Pv 18.24 o sábio Salomão ainda escreve, dizendo: “há amigo mais chegado do que um irmão”. II. JESUS, O MÉDICO DOS MÉDICOS 215 Keener, Craig S. - Comentário Histórico-Cultural Novo Testamento. Pág. 691-692. 1. O doutor Lucas, por sua experiência médica, foi um dos únicos escritores a priorizar a idade, o diagnóstico e o laudo comprobatório das curas efetuadas pelo seu Mestre Jesus, o Médico dos médicos (Lc 4.38-40; 13.10-17; 14.1-4 etc.). 2. Em Lc 4.23 o evangelista teve a humildade de registrar o seguinte provérbio dito por Jesus: “Médico, cura-te a ti mesmo.” Apesar de contribuir para a cura de outras pessoas, o médico se mostra impotente para curar a si mesmo. A medicina possui limites. Entretanto, o poder de Jesus Cristo é ilimitado! 3. Lucas não economizou palavras quando se referiu ao grande poder que Jesus, o Médico dos médicos, possui para curar os doentes: “E toda a multidão procurava tocar-lhe, porque saía dele virtude que curava todos” (Lc 6.19). Aleluia! Em Lc 5.31 o próprio Jesus reconheceu a importância da medicina, dizendo que os são não precisam de médico, e sim os doentes. 4. O Senhor é o Médico por excelência. Em Sl 103.3-5 Davi revela quem é o verdadeiro Médico da alma e do corpo, dizendo: “É ele que perdoa todas as tuas iniquidades e sara todas as tuas enfermidades; quem redime a tua vida da perdição e te coroa de benignidade e de misericórdia; quem enche a tua boca de bens, de sorte que a tua mocidade se renova como a águia.” Glórias a Deus!216 E Ralph P. Martin acrescenta que, Paulo agora volta sua atenção ao desejo da igreja de saber acerca da situação dele próprio. Antecipando o envio da carta, anuncia que esta será confiada a Tíquico . Onésimo também levará notícias quando acompanhar Tíquico na sua viagem. Segue-se, então, uma lista de nomes pessoais, enquanto Paulo olha em derredor dele na sua prisão e envia várias saudações a Colossos em nome dos homens que estão ali perto. O equivalente mais próximo desta lista é Romanos 16, que também seleciona uma lista de nomes para saudações pessoais. Paulo tinha um gênio para amizade; e a evidência dos seus muitos amigos, colegas e assistentes é vista nestes dois capítulos. “Não podemos deixar de inferir da lista das suas amizades que Paulo o Apóstolo cristão tinha uma personalidade magnética”. E. Lohse também chama a atenção à lista paralela em Romanos 16. Emprega Colossenses 4.10-17, no entanto, para argumentar que o propósito servido por estas referências não é transmitir simples saudações mas, sim, transmitir uma situação após a morte de Paulo quando, então, a missão paulina precisaria de confirmação aos olhos das igrejas de que era fiel ao evangelho apostólico autêntico. Os nomes destes homens são a garantia da missão pós-paulina que as igrejas devem reconhecer. Esta conclusão tirada por Lohse não é, porém, de modo algum óbvia ou obrigatória.) 7. Os colossenses naturalmente estariam profundamente interessados em ficar sabendo como o apóstolo estava passando na prisão. Tíquico será seu mensageiro. Ele de tudo vos informará quanto à minha situação. Paulo, porém, não revela na carta o tipo de vida que está passando na prisão (cf. vv. 8,9). Conforme Atos 20.4, Tíquico era um representante das igrejas da Ásia que acompanhara Paulo na sua visita a Jerusalém. Seu nome é comum nas inscrições que foram achadas na Ásia Menor. Foi enviado para Éfeso (segundo 2 Tm 4.12) na sua região nativa, e há outra proposta para enviar a ele ou a Ártemas para Creta, mencionada em Tito 3.12. Em ambos os casos, desempenha o papel de enviado de Paulo 216 Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. às igrejas, como aqui na sua visita à igreja colossense (cf. Ef. 6.21). Seguem-se três partes de uma recomendação. Tíquico é calorosamente descrito como sendo irmão amado (uma prática cristã normal para enfatizar a maneira de os cristãos pensarem em si mesmos como sendo parte da família de Deus; cf. 1.2). Fiel ministro retoma o termo grego diakonos para descrever seu serviço pessoal a Paulo. A partir desta palavra obtemos nosso título “diácono,” mas nesta etapa do desenvolvimento a palavra denota “não o detentor de um cargo fixo na comunidade, mas, sim, qualquer pessoa que realiza um ministério específico” (Lohse). Em especial, Tíquico era o homem da mão direita de Paulo e seu ajudante de campo, e o epíteto “fiel” é a recomendação dele feita por Paulo Conservo (gr. syndoulos) significa que Tíquico realmente estava na prisão com Paulo? Talvez não, visto que a mesma descrição é dada de Epafras em 1.7, mas o caso de Aristarco (v. 10) e de Epafras (em Fm 23) suscita a possibilidade. 8. Eu vo-lo envio significa que Tíquico será o portador da carta, e esta é uma maneira especial em grego (o tempo do “aoristo epistolar” é usado) de acrescentar uma anotação de explicação a uma carta em que o portador é mencionado. Tíquico poderá suplementar o conteúdo da Epístola com recados verbais para assegurar os leitores de que Paulo está com bom ânimo. Desta maneira, ficarão encorajados. Além disto, será responsável para inculcar o ensino de Paulo à comunidade por meio de alentar (ou “admoestar,” outro significado do verbo grego de Paulo, parakaleò) os colossenses (2.2). 9. Onésimo está voltando a Colossos com um propósito diferente. Era, presumivelmente, o escravo fugitivo cuja conversão e cuja devolução ao seu senhor formam o assunto da Epístola a Filemom. Sem dúvida, não há razão obrigatória para identificarmos o Onésimo do nosso texto com o homem com este mesmo nome em Filemom 10, visto ser este um nome comum, especialmente de escravos (assim Calvino, que duvida da identidade comum). O nome Onésimo significa “útil” e freqüentemente seria um modo conveniente de identificar um escravo sem nome, na esperança de que justificaria seu nome adotivo com seu trabalho esforçado. A inferência tradicional de que é a mesma pessoa é razoável, tendo em vista as estreitas conexões verbais e vinculações de nomes entre as duas Epístolas, bem como os paralelos com Efésios 6.21-22. A maneira segundo a qual Onésimo é recomendado sugere que sua profissão cristã agora é assegurada por Paulo, e que deve receber as boas-vindas ao voltar para seus concidadãos (é do vosso meio) com toda a confiança, e ser calorosamente recebido na comunidade da igreja. 10. A descrição prisioneiro comigo aplicada a Aristarco apresenta um problema difícil. Se o cativeiro de Paulo na ocasião desta Epístola é o de Roma, podemos fazer a presença de Aristarco ali remontar à sua adesão ao grupo em Atos 27.2. Talvez devamos imaginar que realmente estava na prisão com Paulo — conclusão esta em prol de que Lohse argumenta pela razão de que nenhum termo qualificador (e.g. prisioneiro “no Senhor,” ou “de Cristo,” como em Ef 3.1; 4.1) é acrescentado. NEB acrescenta, infundadamente, esta extensão na sua frase: “Cativo de Cristo como eu mesmo.” Veja Moule para argumentos em prol deste acréscimo subentendido, dando a “prisioneiro” um sentido metafórico. O uso de Paulo talvez seja simplesmente ditado por sua predileção por termos militares (“prisioneiro” é realmente “prisioneiro de guerra,” lembrando, assim, 2 Co 2.14; 10.3-5) tanto aqui como em Filemom 23, onde é Epafras que é “prisioneiro comigo” (havendo, no entanto, uma frase acompanhante: “em Cristo Jesus”) e no versículo seguinte, Aristarco é mencionado pelo nome sem descrição (como em Rm 16.7). Este nome pertence a um homem da Tessalônica (At 20.4) cujas origens cristãs voltariam, então, à missão de Paulo naquela área (At 17.1-9). Suas visitas à Ásia proconsular são relatadas em Atos 19.29; 20.4 e seria conhecido aos colossenses aos quais foram enviadas suas saudações. Se a carta foi escrita de Éfeso, as visitas de Aristarco estariam no futuro próximo. Saudações são enviadas em nome de Marcos, também. Evidentemente não é muito amplamente conhecido neste período; daí ser ele recomendado como sendo primo de Barnabé. Barnabé, do outro lado, é bem conhecido. A ligação entre Paulo e Marcos remontava ao seu primeiro encontro na viagem missionária para o Chipre (At 13.5) e depois (At 13.13). A respeito deste abandono da missão em Perge, e da decisão por parte de Marcos de voltar para Jerusalém (onde ele e sua mãe moravam, At 12.12, 25), Paulo e Barnabé se desentenderam (At 15.3641), e Marcos achou seu serviço futuro na companhia do seu primo. É agradável notar que Paulo e Marcos mais uma vez estão em pé de amizade, e uma demonstração ainda mais comovente de reconciliação é dada em 2 Timóteo 4.11, onde Marcos é recomendado sem hesitação como um obreiro cristão fiel. A esta altura, Marcos talvez esteja ganhando de volta apenas lentamente sua reputação nas igrejas paulinas e precisa da petição especial de Paulo: acoIhei-o, i.é, sem censura nem dúvida, se ele for ter convosco. A comunidade já recebeu instruções acerca dele, provavelmente da parte doutra pessoa, e não do próprio Paulo. A natureza exata destas instruções é uma conjectura aberta. 11. Um terceiro membro do grupo de três nos é totalmente desconhecido, fora deste trecho. Era, porém, um homem de importância suficiente para Paulo identificá-lo pelo seu nome duplo: Jesus, conhecido por Justo. “Jesus” era seu nome judaico, e “Justo” provavelmente foi acrescentado para distingui-lo doutros cristãos judaicos que tinham o nome de “Jesus,” nome este que era comum entre os judeus (At 13.6) até o século II d.C., quando desapareceu como nome próprio por causa do conflito entre a sinagoga e a Igreja. Pode ser achada em Filemom 23, se for aceita uma conjetura acerca das terminações dos casos: veja o comentário ali. A prática de uma nomenclatura dupla é bem ilustrada no caso do próprio Paulo (At 13.9), e é atestado que muitos judeus adotaram nomes helenistas semelhantes aos seus nomes semíticos. Estes homens são identificados, ainda mais, como sendo cristãos judaicos, os... da circuncisão, que são louvados por seu apoio dado a Paulo pelo reino de Deus, i.é, sua preocupação para levar o evangelho para Israel e indicar a esperança do povo judaico no seu Messias (Rm 1.16; 9.1- 5; 10.1). Paulo nunca perdeu seu interesse neste lado do apelo do evangelho, temporariamente frustrado por causa da descrença de Israel (Rm 11.25), embora sua vocação especial ao mundo gentio o alienasse dos seus irmãos judeus. Não é surpreendente que os três homens mencionados são tão poucos que possam ser mencionados nominalmente. Exatamente o que significa a designação os da circuncisão tem sido discutido. Talvez fossem cristãos judaicos de um tipo especial que adotavam uma atitude não-proselitizante para com a Lei e que cooperavam com Paulo na evangelização dos judeus na base daquela Lei. ”De qualquer maneira, sua presença fiel era especialmente agradável para Paulo. Foram um lenitivo (gr. parêgoria - uma palavra tocante, achada nas inscrições dos túmulos e empregada para o consolo diante da realidade da morte) para ele. 12. Paulo agora chama Epafras para enviar sua saudação. Estava ligado à igreja colossense, presumivelmente desde o início dela, e aparentemente fora Paulo quem o enviara para lá (1.7). Veio a Paulo com notícias da boa ordem da igreja (2.5) diante do conflito severo com o falso ensino (2.8ss.). Epafras era um colossense nativo e, como Paulo, um escravo de Cristo no Seu serviço. Somente em Filipenses 1.1 é que o título servo de Cristo Jesus aparece outra vez, no caso, referindo-se ao colega de Paulo, Timóteo. Durante sua ausência da cidade, o ministério de Epafras tinha sido de intercessão com oração. E este ministério não era encarado levianamente. Se esforça sobremaneira (RSV tem “lembrando-se sinceramente de vós,” que é muito fraco para o gr. agõnizomenos) nas suas orações, diz Paulo, usando um termo cujo âmago é o termo para conflito e luta (agõn). Talvez devamos entender este termo de um modo específico. É possível que Epafras tivesse vindo procurar Paulo com notícias da igreja colossense, e, achando-o preso,, tivesse sido preso também, tomando-se, assim, o coprisioneiro do apóstolo (Fm 23). Apoio para esta maneira de entender o conflito de Epafras pode ser visto em 1.29, onde Paulo enfrenta a mesma luta. Talvez nos dois casos trata-se de conflito com as autoridades ou com a oposição judaica (1 Ts 2.2) que colocou os dois homens na prisão. Mas a maioria dos comentaristas (Dibelius-Greeven, Lohse) entende que o substantivo significa tensão e esforço em prol da igreja. Seja como for, Paulo conhecia esta provação no seu próprio ministério (veja 1.29, onde “esforçando-me” traduz o mesmo particípio grego agõnizomenos). Nem devemos deixar desapercebida, com a lembrança de Moule, a descrição das orações de Jesus no Getsêmane, na versão de Lucas: “E, estando em agonia (gr. agõn), orava mais intensamente” (Lc 22.44, cf. At 12.5; Rm 15.30). O tema da petição de Epafras em prol da sua congregação é colocado num verdadeiro estilo pastoral. É que cheguem à maturidade e à convicção de modo que ele tenha a certeza que estão firmados no evangelho apostólico. A escolha de palavras parece claramente refletir a situação em Colossos que ameaçava a comunidade ali, ainda na sua infância. A chave acha-se no segundo verbo para que vos conserveis. . . plenamente convictos em toda a vontade de Deus (gr. peplèrophorèmenoi). Já encontramos várias formas correlatas deste particípio anteriormente neste Epístola (1.9, 19; 2.9,10) e podemos relembrar o ensino sobre “plenitude” (gr. plèróma) que percorre tanto a heresia quanto o antídoto de Paulo. Paulo já demonstrou que a essência divina reside totalmente em Cristo, sem deixar sobrar nada, e que nEle os crentes chegaram à plenitude da vida. A oração de Paulo é que estes colossenses possam transbordar com o conhecimento da vontade de Deus e toda a sabedoria e percepção ensinadas pelo Espírito. E é um endosso adicional ao mesmo ensino, que Epafras ora que sejam “plenamente convictos” da veracidade do evangelho de Paulo. Este é um dos significados do verbo grego plèrophoreisthai. Assim Dibelius-Greeven e Moule. Mas pode ser igualmente tomado como o equivalente do verbo “ficar repleto.” Neste caso, é a expressão de Paulo de forte oposição ao ensino da filosofia, e sua resposta é que, à medida em que a oração de Epafras é respondida, assim também os colossenses “ficarão repletos com tudo quanto é a vontade de Deus” para eles. Desta maneira, podem galgar a perfeição (gr. teleioi, termo este que evidentemente é escolhido para enfrentar a aspiração gnóstica à “perfeição” pelo seu regime e culto) e a pleriitude da vida (2.10) que os confirmará na verdade apostólica e não permitirá que sejam atraídos para idéias errôneas. Perfeitos (gr. teleios) dá a idéia, tirada diretamente do Antigo Testamento (Dt 18.13; 1 Rs 8.61; 11.4, 10; e da literatura de Cunrã 1 QSiii.9-10) da obediência à vontade de Deus no viver prático e não uma noção especuladora de chegar a uma experiência mística através do conhecimento (gnõsis) secreto nem da dotação do “espírito” (pneuma), como no pensamento gnóstico. A oração do pastor, assim como o ensino do apóstolo, visa oferecer um conceito contrário à “filosofia” (2.8) que espreita ao limiar da porta da igreja. 13. Não fica claro exatamente como Epafras tinha se esforçado sobremaneira em prol do seu povo. Talvez Paulo esteja continuando a idéia das suas labutas na oração, que incluíam no seu escopo todas as igrejas do vale do Lico. Ou, possivelmente, é que Epafras se esforçara ao máximo para responder às reivindicações da heresia antes de deixar sua “paróquia” para procurar o conselho de Paulo quanto à melhor maneira de responder à propaganda herética (assim Lohmeyer). Não há sugestão alguma de que Epafras desertara seu posto e de que precisava da justificativa que Paulo ofereceu pelas ações daquele, a despeito da sua “deserção de curta duração” (Masson, que conjectura que Epafras fracassou por causa de sua incompetência de enfrentar os argumentos dos hereges e desertou a igreja). O testemunho de Paulo é que, pelo contrário, fez o melhor possível numa situação difícil e não pode ser culpado se a resposta ao falso ensino precisava de um tratamento mais eficiente do que ele era competente para aplicar. O máximo que podemos dizer com confiança é que Paulo aqui lhe presta uma bela homenagem, e confirma que sempre teve profunda solicitude para com as igrejas no vale do Lico. Vê que uma das razões principais da carta é fornecer uma autorização apostólica de Epafras cujo ensino, conforme se declara, representa a mente de Paulo. Argumenta que pensa-se que Epafras fica numa sucessão apostólica, agora que o apóstolo Paulo já não está com vida (pág. 180). Logo, a carta deriva de um período pós-paulino e reflete uma situação eclesiástica desenvolvida, característica do “catolicismo primitivo” da era sub-apostólica. Extrair este tipo de papel para Epafras destes dois versículos realmente é forçar o texto, e argumentar que Epafras é reconhecido por Paulo como colaborador que trabalha na igreja “no lugar do” apóstolo (idéia tirada de 1.7) é confundir o ministério de Epafras o “diácono” com aquele do próprio Paulo como apóstolo aos gentios. Não há sugestão alguma da sucessão apostólica em qualquer parte desta Epístola, onde até mesmo as reivindicações apostólicas de Paulo nunca são explicitamente colocadas em primeiro lugar. Paulo se chama de “diácono” (ou “ministro” , 1.25) e considera Epafras um conservo de Cristo, juntamente com Tíquico (4.7). 14. Lucas e Demas são dois nomes que voltam a ocorrer em 2 Timóteo 4.10,. 11, mas com diferenças óbvias. Aqui, Lucas é chamado o médico amado. Isto tem dado origem a alguma especulação que ele era o médico particular de Paulo, mas não há fundamento na idéia, e Filemom 24 chama-o simplesmente um dos “meus cooperadores.” A profissão que Lucas tinha era tao incomum que Paulo a comenta, e isto veio a ser uma parte aceita da tradição da igreja. O prólogo anti-marcionita de Lucas (c. de 170 d.C.) chama-o de “médico por profissão” e coloca seu lugar de origem em Antioquia. Jerônimo diz a mesma coisa: “Lucas medicus antiochensis.” É mais duvidoso, no entanto, se devemos concluir deste versículo, que o separa dos cristãos judaicos (nos w. 10, 11), se ele era um cristão gentio, conforme popularmente se pensa, mormente na base deste versículo. Há evidência considerável para argumentar que era um judeu helenista. Se esta for uma possibilidade, fica igualmente plausível que ele deva ser identificado com o Lúcio de Romanos 16.21 (assim Deissmann). Demas é deixado com a mera menção do seu nome, mas uma consequência do fracasso deste homem debaixo da provação é dada em 2 Timóteo 4.10. O cooperador mencionado em Filemom 24 desertara Paulo no tempo da grande necessidade deste e voltara para Tessalônica (seu lar?). 15-17. Esta seção curta destaca-se por uma variedade de razões. Entre outras coisas, Paulo agora volta-se de transmitir saudações aos colossenses em prol doutras pessoas, para mencionar suas próprias saudações. Em especial, saúda a igreja em Laodicéia e destaca a casa de Ninfa. O nome grego por detrás do masculino Ninfas é Ninfodoro, e a forma abreviada *é incerta. Algumas autoridades (as bizantinas e as ocidentais) têm o pronome masculino (gr. autou ao invés de autês). Assim, o nome seria nome de homem, o que muitos comentaristas aceitam. Umas traduções modernas (RSV, NEB, Bíblia de Jerusalém) optam a favor de uma Ninfa feminina, e traduzem “a igreja na casa dela” que ARA segue ao traduzir: à igreja que ela hospeda em sua casa. Lightfoot reconhece que, à primeira vista, isto é correto, mas “o nome de mulher... dificilmente pode ser assim” porque “uma forma dórica do nome grego aqui parece improvável no mais alto grau.” Esta negação tem sido respondida por J. H. Moulton que vê a terminação em alpha de Ninfa como sendo uma forma feminina verídica. Mas o argumento a favor de Ninfas como um nome masculino é apresentado por Moule com muita força, e por Masson, ad loc. Lightfoot sugere que o texto original era autõn (para o qual há alguma evidência nos manuscritos do texto egípcio) e que o original dizia “Ninfas e os amigos dele.” Os copistas subsequentes alteraram esta forma, não percebendo as construções clássicas, alguns na direção de Ninfas e outros, de Ninfa. Talvez os dois nomes representem os de um casal cuja casa era um lugar de reunião para o culto cristão. O uso de um lar para a assembleia cristã é bem-atestado no período do Novo Testamento. Além da casa de Ninfa em Laodicéia, sabemos que na cidade vizinha de Colossos a casa de Filemom era usada de modo semelhante como local de reuniões (Fm 2). Em Filipos havia o lar de Lídia para onde Paulo recorria (At 16.15, 40) e em Corinto, Gaio é referido como sendo “hospedeiro... de toda a igreja” (Rm 16.23). Parece que Áqüila e Priscila tomavam suas habitações disponíveis para propósitos cristãos tanto em Éfeso quanto em Roma (1 Co 16.19; Rm 16.5). Sabemos pouco acerca destas “igrejas nos lares.” Os cristãos eram forçados por necessidade a encontrar-se em lares particulares. Não foi até meados do século III que a Igreja começou a possuir propriedades para os propósitos de adoração 15. Saudai aos irmãos de Laodicéia. É uma problema não solucionado das cartas de Paulo às igrejas por que tenha destacado estes membros da igreja de Laodicéia para receberem saudações embora, segundo o ponto de vista usual, já estava escrevendo separadamente para aquela igreja (v. 16). Talvez devamos dizer, juntamente com Dibelius-Greeven, que desejava cimentar os relacionamentos entre as duas igrejas, com este gesto. 16. Temos poucas informações acerca da estrutura e do conteúdo do culto cristão primitivo. Nesta área de estudo, todo dado, por mínimo que seja, é precioso; e é este fato que dá importância especial a este versículo. Ficamos sabendo que Paulo esperava que sua carta fosse lida publicamente diante da igreja reunida, presumivelmente durante o culto. Avisou que deveria então ser passada adiante para a congregação da Laodicéia para um tratamento semelhante ali. Além disto, haveria uma troca de cartas mediante a qual sua “carta aos Laodiceus” teria seu lugar como um documento para ser lido publicamente aos colossenses. Esta prática, que envolve tanto a distribuição quanto a leitura pública das cartas de Paulo (atestadas também em 1 Ts 5.27 e Fm 2), revela um dos fatores na ascensão da autoridade canônica que veio a ser ligada a estas peças de correspondência pastoral (veja a Carta aos Filipenses iii.2, de Policarpo). A referência em 1 Tessalonicenses 5.27 é importante, visto que demonstra que a prática de ler em voz alta as cartas paulinas durante o culto era estabelecida já no começo. Assim, o argumento adicional de Marxsen (op. cit., pág. 185) - no sentido de a leitura pública da correspondência epistolar de Paulo ser uma marca do cristianismo sub-apostólico — a favor de uma data posterior, póspaulina, da Epístola cai por terra. Nem todas estas cartas às igrejas sobreviveram. Um caso típico é o documento aqui chamado “a carta de Laodicéia.” Obviamente é uma composição paulina enviada em primeiro lugar para a igreja em Laodicéia. 0 significado da preposição “de” (gr. ek) na frase e a dos de Laodicéia lede-a igualmente perante vós é “a carta que está em Laodicéia” e que deve ser remetida de lá para Colossos. Não pode significar, conforme supuseram alguns pais da Igreja (Teodoro da Mopsuéstia, Teodorete), uma carta dos laodicenses para Paulo. Paulo deseja que ela seja circulada entre as igrejas, ou pelo menos que seja comunicada à assembleia colossense. Evidentemente pensava que valia a pena conservar seu conteúdo e que era apropriado para os colossenses lerem. Mas a Igreja, seja em Laodicéia, seja em Colossos, pensava da mesma forma? Estavam dispostas a deixar este documento cair no olvido e perecer, e a fazer com que isto não acontecesse no caso daquele que parece ser um documento muito mais efêmero, o bilhete para Filemom? A relutância em tirar esta inferência de que a carta foi perdida tem dado motivo a algumas propostas interessantes. Um dos pontos de vista (declarado primeiramente por John Mill em 1707: veja Bruce ad loc.) é que a carta assim descrita é realmente nossa Epístola aos Efésios (como no cânon de Marciom, que deu o título de “Aos Laodicenses” a Efésios na sua lista). Outro ponto de vista vê na Epístola a Filemom a presença desta carta, mas, pelo contrário, o caso é que Filemom morava em Colossos (veja Cl 4.9 para Onésimo como escravo de Filemom em Colossos), e não em Laodicéia. Nenhuma composição paulina atualmente existente parece ajustar-se adequadamente à descrição, e ficamos com a conclusão inevitável de que a carta aos laodicenses não sobreviveu. Talvez tenha perecido acidentalmente, sendo destruída durante o terremoto no vale do Lico em 60-61 d.C. Talvez a carta fosse dirigida a um grupo separado da igreja de Laodicéia que residia em Colossos, sendo destruída uma vez que a igreja em Laodicéia foi reunida. Podemos, porém, ir mais longe, e sugerir que não sobreviveu porque foi deliberadamente suprimida, talvez porque seu conteúdo era crítico (como um carta anterior de Paulo aos Coríntios, escrita “no meio de muitos sofrimentos... com muitas lágrimas,” 2 Co 2.4?) ou porque a igreja de Laodicéia, na época em que as cartas de Paulo começaram a ser reunidas numa coletânea, tinha caído sob o julgamento de Apocalipse 3.14-22 e perdera seu caráter cristão? Não sabemos dizer. Uma discussão plena de todas as possibilidades provocadas por este versículo, inclusive um tratamento da epístola apócrifa que tem o nome de Epístola aos Laodicenses, é oferecida por Lightfoot, págs. 272-98. Mais recentemente, C. P. Anderson procurou solucionar o conjunto de enigmas levantado pela existência de uma carta que será relevante para os colossenses tanto quanto para os laodicenses, mas que é distinguida da Epístola aos Colossenses: pelo desaparecimento da segunda carta e sua entrega ao olvido; e pelo fato de que não conseguimos descobrir um motivo suficiente para Paulo escrever a segunda carta. Oferece a opinião de que há apenas uma circunstância que pode esclarecer todos estes fatos, viz. que foi Epafras que escreveu a epístola aos laodicenses por causa da sua impossibilidade de acompanhar Tíquico na volta para o vale do rio Lico (Fm 23). A hesitação principal que temos com esta teoria é a necessidade de explicar por que Paulo não diz explicitamente que não se trata da epístola dele, mas, sim, de Epafras. 17. Arquipo era um membro da casa de Filemom (Fm 2), possivelmente seu filho. O fim da carta se dirige pessoalmente a ele com uma admoestação enfática no sentido de cumprir bem o serviço ao qual fora nomeado. Atenta para o ministério que recebeste no Senhor, para o cumprires. Assim como na designação de Tíquico como sendo um “diácono” (gr. diakonos) fidedigno no v. 7, assim também devemos interpretar o “diaconato” (ou “ministério,” gr. diakonia) de Arquipo não como sendo um cargo eclesiástico regular mas, sim, como uma tarefa confiada às suas mãos. É encorajado pelas palavras de Paulo para cumprir sua responsabilidade no “desempenho de certas obrigações na comunidade (cristã)”. Não temos meios de saber com certeza qual era esta tarefa. Possivelmente tinha a ver com a coleta para a igreja de Jerusalém. Esta é uma sugestão provável se a carta colossense foi escrita durante o ministério efésio de Paulo. Paulo frequentemente dignifica esta responsabilidade como sendo um serviço (gr. diakonia)'. 2 Coríntios 8.1-6; 9.1,12-13; cf. At 11.29-30; 12.25. John Knox no entanto, fez deste versículo um tipo de eixo central para sua teoria de que Arquipo desempenhou um papel decisivo na soltura de Onésimo. Segundo a teoria dele, Arquipo era o dono do escravo, e a parte principal da Epístola é dirigida a ele. A recomendação a Arquipo naquela carta é resumida expressivamente no versículo em Colossenses: o ministério que recebeu é uma maneira indireta de lembrarlhe o seu dever imposto como obrigação cristã (no Senhor) de deixar Onésimo voltar para Paulo como um liberto. Não se pode dizer que este modo de entender o texto é convincente. Veja mais comentários sobre a teoria de Knox nas págs. 160ss. Podemos apenas fazer a conjectura de que o encorajamento pessoal que Paulo deu a Arquipo tinha a ver com a situação local em Colossos. Se Paulo ainda estava apreensivo acerca da ameaça à igreja da parte do ensino herético, e tinha certas reservas acerca da capacidade de Epafras de tratar da questão na ocasião da sua volta, então este é um apelo para o homem que já estava no local no sentido de dedicar seus esforços a fazer o que era necessário (seu “ministério”) a fim de defender o evangelho contra este movimento de propaganda. Trata- se, portanto, de uma chamada para Arquipo aceitar como seu campo de trabalho a responsabilidade pastoral anteriormente exercida por Epafras. 18. A saudação é de próprio punho: Paulo. Lembrai-vos das minhas algemas. A graça seja convosco. As cartas de Paulo eram normalmente escritas pela mão de um escriba (Rm 16.22 menciona Tércio como um dos amanuenses deste tipo) mediante o ditado do apóstolo. A esta altura na composição da carta ele mesmo assume o trabalho da escrita ao acrescentar uma mensagem pessoal e uma saudação final, conforme aparentemente faz em Gálatas 6.11; 1 Coríntios 16.21. Pode ser que isto devesse ser visto como sinal de afeição e de interesse pessoal, especialmente se a igreja em Colossos sentia-se dalguma maneira insatisfeita porque Paulo não conseguira visitá-la pessoalmente. Veja o comentário sobre 1.24; 2.1. Pode, no entanto, ser procurada uma razão mais séria para este autógrafo apostólico. Ficamos sabendo em 2 Tessalonicenses 2.2 que Paulo tinha de levar em conta cartas focadas em seu nome que estavam sendo enviadas para as suas congregações. Uma maneira de ele reagir a estas falsificações era afixar sua própria assinatura como sinal de autenticidade (2 Ts 3.17: “Este é o sinal em cada epístola; assim é que eu assino”). Torna-se talvez possível que houvesse esta necessidade em Colossos — e especialmente quando cartas de Paulo estariam circulando entre as congregações do vale do Lico — para salvaguardar os cristãos do risco de prestarem atenção a documentos espúrios, alegadamente representando a mente de Paulo. Sendo assim, acrescenta uma palavra pessoal de próprio punho, exatamente como fizera em 2 Tessalonicenses 3.17. A chamada: Lembrai-vos das minhas algemas condiz-se com a situação. “A referência a ‘algema’ não é principalmente uma questão de sentimento, mas, sim, de autoridade” (Moule), e Paulo não está melancolicamente convidando seus leitores a acalentarem para ele um pensamento de ternura na sua aflição. Pelo contrário, os conclama a respeitar a sua autoridade (como em Fm 9) como prisioneiro por amor ao evangelho e em prol dos gentios cujos interesses estão em jogo no seu sofrimento apostólico (1.23-25). Está na cadeia por causa da sua vocação e porque não quer abrir mão da sua comissão para ser um apóstolo e mestre dos gentios. O apelo às suas algemas, portanto, é um incentivo poderoso que ele aplica aos colossenses no sentido de prestarem atenção ao seu ensino e não cederem diante da doutrina herética que tenta invadi-los. “A lembrança” não significa neste contexto primariamente um convite para orar em prol do apóstolo; é mais uma obrigação de respeitar sua instrução apostólica e de honrá-lo por meio de ficar firmemente dedicados a ela, enfrentando aqueles que queriam desviá-los do seu evangelho (2.4, 8). A graça seja convosco soa sua nota final. Com extrema brevidade e economia de palavras, expressa sua confiança de que a graça de Deus sustentará e defenderá Sua igreja. Epafras, ministro deles, acompanha Paulo no mesmo desejo sincero (4.12). O poder de Deus para preservar cuidará disto: se eles ficarem fiéis e firmes (1.23), a igreja continuará a desfrutar dos benefícios daquele evangelho que ele lhes trouxera na pessoa dos seus delegados. A fidelidade e a perseverança humanas, no entanto, não bastam. Conforme observou Fócio no seu comentário do século IX citado por Lohse: “Precisam da graça para serem salvos; o que, pois, um homem pode fazer à parte da graça?”217 217 Martin, Ralph P. Colossenses e Filemon. Pág. 140-152. BIBLIOGRAFIA Barclay, William. Comentário Do Novo Testamento (William Barclay). Tradução: Carlos Biagini. Ebook. Bible Hub. Site contendo ferramentas de consulta a versões bíblicas e a léxicos gregos e hebraicos. www.biblehub.com Bíblia do Pregador Pentecostal, SP. Versão Digital. Sociedade Bíblica do Brasil, 2016. Bíblia Sagrada: Nova Versão Transformadora [recurso eletrônico] — 1. ed. - São Paulo: Mundo Cristão, 2016. recurso digital. Boor, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses : Comentário Esperança / Eberhard Hahn, Werner de Boor / tradutor Werner Fuchs -- Curitiba, PR : Editora Evangélica Esperança, 2006. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Redator: A. Van Den Born. Tradução de 31 Edição (1966 1969) de Frederico Stei. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, Rio de Janeiro. 1977. Gonzales, Justo L. - Colossenses – Cristo em nós a Esperança da Glória. 1ª edição. CPAD. Rio de Janeiro (RJ); (versão Kindle) 2023. Keener, Craig S. Comentario histórico-cultural da Biblia : Novo Testamento / Craig S. Keener ; tradução de José Gabriel Said. - São Paulo: Vida Nova, 2017. Hendriksen, William. Comentário do NT - 1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemon / Willian Hendriksen; tradução de Ezia C. Mullins; Hope Gordon Silva; Valter G. Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. Martin, Ralph P. Colossenses E Filemon. Tradução: Gordon Chown. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova E Associação Religiosa Editora Mundo Cristão. São Paulo (SP). 1984.