Valter Maurício Goedert
A possibilidade de a água vir a faltar, no futuro, movimenta os mais
diversos setores da sociedade humana, no sentido de reverter o processo
de degradação dos mananciais ainda existentes. Além do valor utilitarista
e de sobrevivência da vida humana sobre a terra, a água apresenta um
valor simbólico-religioso em todas as culturas, desde as mais antigas
até as modernas, significando vida, purificação, inclusive no sentido
moral. Na Sagrada Escritura esses significados estão presentes em
todos os livros, do Antigo e do Novo Testamento. Jesus se apresenta
como fonte de água viva, jorrando para a vida eterna (Jo 4,13-14). Do
seu lado aberto pela lança, nascem a Igreja e toda a economia
sacramental.
$ !
Valter Maurício Goedert*
* O Autor é Doutor em Teologia Sacramental, Diretor da Escola Diaconal da
Arquidiocese e Professor no ITESC.
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O simbolismo da água
Mais que em outros tempos, a humanidade se preocupa com a
possibilidade de vir a faltar água potável no planeta. Nossos mananciais,
ao menos aqueles mais acessíveis, são limitados e tendem a diminuir
sensivelmente, em particular por causa do desperdício e pela poluição
das nascentes, dos rios e dos lagos. Estudiosos e ecologistas chamam a
atenção para um possível colapso, se providências não forem tomadas
em relação ao seu uso racional. O planeta água teme por sua
sobrevivência.
É, pois, compreensível que se desenvolvam, até mesmo no âmbito
religioso-social, como o é o contexto da Campanha da Fraternidade
patrocinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
estudos mais aprofundados e reflexões que viabilizem atitudes concretas
e urgentes no sentido de motivar a co-responsabilidade de todos na
preservação dessas fontes, a fim de que toda a humanidade possa
vislumbrar um futuro menos cinzento.
Com o objetivo de lançar luzes sobre o problema, desejamos
colaborar não para uma reflexão utilitarista da água (preservar para
sobreviver), mas partir da realidade simbólica (contemplar para valorizar)
e, assim, enfocar o mistério da água. De fato, além do valor material
como elemento de sobrevivência, a água traz presente uma riqueza
espiritual. Ao mesmo tempo que mata a sede do corpo, sacia o espírito.
Antigas tradições
Em todas as religiões e tradições religiosas primitivas, a água tem
um significado de vida e de morte: sem água não existe vida sobre a terra.
O deserto é inóspito, lugar de privação e de provação; nele habitam os
maus espíritos, que atormentam os seres humanos. O deserto priva o
homem do mínimo necessário para levar uma vida confortável. Nele,
vida e morte se encontram lado a lado. Quando, porém, em outras partes
do planeta, a água cai torrencialmente, destrói tudo o que está pela frente,
inundando campos, invadindo casas, matando pessoas e animais.
Nas religiões primitivas da África, a fonte, exum, é sagrada; nela
se realizam cerimônias de aliança e de compromisso. Para os antigos
egípcios, a água era relacionada ao conceito de reanimação, libertando
os seres vivos do domínio da morte (Osíris). Na Babilônia, a deusa Ishtar,
representada freqüentemente pela lua, descia à região dos mortos para
recolher a água da vida. Nun, elemento aquático, dava origem à terra. A
água é sempre fonte de vida e de fecundidade.
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Encontros Teológicos nº 37
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Valter Maurício Goedert
Em antigos ritos orientais, a consagração dos reis era acompanhada
de mergulho em águas lustrais purificadoras. Havia, nas diferentes
tradições, banhos de purificação, lavagem de templos, de escadarias e de
estátuas dos deuses; acreditava-se que, à medida que estas eram cobertas
pela poeira, perdiam gradativamente sua força e, por conseguinte, a
capacidade de atender os pedidos dos fiéis seguidores. O ritual da
purificação era acompanhado de orações e de gestos simbólicos nos dias
que antecediam às solenidades, nos templos. De outra parte, a água suja
que resultava não era lançada fora, mas guardada para servir de remédio
para muitas doenças.
Na religiosidade dos índios do Brasil, a Yara era uma linda mulher
que passeava pelas praias do Amazonas e se banhava nos igarapés. Nas
regiões do rio São Francisco, o povo acreditava na mãe d’água, uma
espécie de sereia dos rios e dos lagos. Os índios Xavantes mantêm banhos
rituais como iniciação à adolescência.
A água é elemento sagrado, um tesouro escondido do qual a
humanidade depende. A mãe-terra e a mãe-água são abrigos naturais de
espíritos e de divindades. Os rios e as fontes são portadores de bênção
divina. A própria chuva torna-se sagrada, na medida em que tira a sede
da terra. Há uma razão social entre esses elementos fundamentais da
vida.
Para os hinduístas, o rio Ganges é particularmente sagrado, e
símbolo de purificação. A espiritualidade chinesa acredita que a vida
está relacionada à interação de cinco elementos da natureza: água, fogo,
metal, madeira e terra. Os budistas conservam tradições que relacionam
água e ciclo lunar. Em outras tradições orientais, a água é a matéria
uterina; as pessoas renascem, ao entrar em contato com ela. Na cultura
islâmica, a água é símbolo de ternura e de misericórdia.
Assim como existem rios que trazem a vida, há outros que produzem
morte: o barqueiro Creonte conduzia os que atravessavam a aventura da
vida. As águas são, pois, também lugar de combate entre as forças do
bem e as do mal, entre a vida e a morte. Atravessá-las constitui sempre
um risco; é preciso superar os conflitos e as tentações da viagem, em
busca da outra margem, onde residem paz e felicidade.
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O simbolismo da água
Tradição bíblica
A Bíblia põe em evidência o sentido e a importância da água para
o homem, e ressalta seu simbolismo na história da salvação. O nascimento
do cosmos é descrito como uma imensidão líquida sobre a qual paira o
Espírito de Deus (ruah) para criar as condições para a vida (Gn 1,2). A
ação do Espírito transforma as águas em fontes de vida. Descreve-se a
relação espiritual entre o homem, a terra e a água. Nos comentários da
Torá, um dos símbolos de Iahweh é exatamente a água. Representa,
também, a Palavra de Deus. A água original torna-se água de vida. Um
rio saía do Éden para regar o jardim e se dividia, em seguida, nos quatro
rios do paraíso, simbolizando as regiões do mundo (Gn 2,10-14).
Além do simbolismo de purificação moral, a água recupera a saúde
do corpo: Naamã, o sírio, mergulha sete vezes no rio Jordão e fica curado
da lepra (2Rs 5,10-14). A água que brota do rochedo tem um significado
sacramental (Ex 17,6). Do lado direito do Templo brota uma fonte copiosa,
que se transforma em rio caudaloso, transponível somente a nado (Ez
47,1-12). Moisés, o libertador do povo de Israel, é salvo das águas do
Nilo ( Ex 2,10). Passando o mar Vermelho a pé enxuto, Israel encontra a
liberdade e serve a Iahweh no deserto (Ex 14,15-31).
O salmista não se cansa de louvar o Senhor pelas maravilhas da
criação: “Do Senhor é a terra com o que ela contém, o universo e os que
nele habitam. Pois foi ele que a estabeleceu sobre os mares e firmou-a
sobre os rios” (Sl 24,1-2). “Para as águas marcaste um limite
intransponível, para não tornarem a cobrir a terra. Fazes brotar as fontes
nos vales e escorrem entre os montes; dão de beber a todas as feras do
campo e os asnos selvagens matam sua sede” (Sl 104,9-11). “Ele me faz
descansar em verdes prados, a águas tranqüilas me conduz” (Sl 23,2).
“Treme, ó terra, diante do Senhor, diante do Deus de Jacó, que muda o
rochedo em lago, a rocha em fonte de água” (Sl 114,8).
No entanto, a Sagrada Escritura também chama a atenção para os
perigos existentes nas águas: o autor sagrado pede que os maus se dissipem,
assim como as águas correm (Sl 58,8); implora auxílio, porque a água
sobe até o pescoço (Sl 69,2); exalta o poder de Iahweh, que vence os
dragões dos mares (Sl 74,13) e controla o Leviatã (Sl 104,26); agradece
ao Senhor pela libertação das águas impetuosas (Sl 124,5). Isaías anuncia
a morte do monstro que habita no oceano (Is 27,1; 51.9).
O Novo Testamento retoma o simbolismo da água: Jesus aceita o
batismo de João Batista não para se purificar, mas para santificar as
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águas do Jordão, a fim de que possam prefigurar o batismo dos cristãos
(Mt 3,13-17). No mar de Tiberíades Jesus anda sobre as águas (Mt 14,2223). Junto ao poço de Jacó revela à samaritana o mistério da água,
tornando-se, ele próprio, água viva, que jorra para a vida eterna (Jo,14).
Convida os que têm sede para que venham e bebam da fonte de água viva
(Jo 7, 37-38). Afirma a Nicodemos, que é preciso nascer da água e do
Espírito (Jo 3,5). No casamento, em Caná da Galiléia, transformou água
em vinho, proporcionando alegria aos convidados e alívio aos noivos (Jo
2,1-11). Do seu lado aberto pela lança, jorrou sangue e água, os
sacramentos da Igreja (Jo 19,34). Enfim, o trono de Deus e do Cordeiro
torna-se a verdadeira fonte, de onde procede o rio da salvação (Ap 22,1).
Simbolismo litúrgico
A Sagrada Escritura traça, portanto, um paralelo entre vida-morte,
liberdade-escravidão. O batismo cristão contém as mesmas dimensões.
Por causa dessa riqueza simbólica, a Igreja costuma abençoar a água,
tanto por ocasião dos batismos, como para aspergir pessoas, lugares e
objetos. Não se trata, como antigamente, de exorcizar a água, procurando
libertá-la do domínio do maligno; na teologia do Concílio Vaticano II, as
bênçãos têm como objetivo principal louvar a Deus, que continuamente
deixa transparecer sua bondade e sua providência através de suas criaturas.
A água benta recorda o batismo. A Igreja re-assume seu significado
antropológico e põe em evidência sua dimensão salvífica. Antes do
Concílio, existiam orações especiais, repletas de exorcismos, para benzer
a água, afastando dela toda influência do mal.O uso do sal estava
relacionado ao sabor divino, que a água devia transmitir às pessoas. Com
maior freqüência a água benta era aspergida sobre pessoas, locais e
objetos. Nesse contexto, surge a bênção da água batismal usada para
realizar os batizados. Tertuliano, Hipólito de Roma e Cipriano fazem
alusão a esse rito. Os Sacramentários Gelasiano e Gregoriano propõem
orações para essas circunstâncias1).
Mais tarde, por volta do século VIII, a bênção da água é
acompanhada de ritos complementares. Como a tríplice imersão do Círio
Pascal, o tríplice sopro sobre a água, significando a efusão do Espírito, a
incensação e a bênção dos fiéis. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano
1
Cf GeV 444-448
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O simbolismo da água
II conservou essa prática, de modo mais simples. Na Vigília Pascal, após
a bênção, a água é conduzida, em procissão, até o batistério ou a pia
batismal,enquanto é entoada a ladainha de todos os santos. Pe. Gregório
Lutz publicou um artigo, rico em detalhes, sobre a origem e o
desenvolvimento histórico da pia batismal2 (cf A Vida em Cristo e na
Igreja (Revista de Liturgia, nº 41, 1980, pp 15-22).
Atualmente, tanto o Rito para o Batismo de Crianças (RBC), quanto
o Rito da Iniciação Cristã dos Adultos (RICA), propõem diferentes
fórmulas para a bênção da água. O documento nº 19, da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre o Batismo de Crianças tece
considerações acerca do assunto, apresentando sugestões pastorais. Segue
o texto da primeira oração 3(RBC, 138):
“Ó Deus, pelos sinais visíveis dos sacramentos
realizais maravilhas invisíveis.
Ao longo da história da salvação vós vos servistes da água
para fazer-nos conhecer a graça do batismo.
Já na origem do mundo
vosso Espírito pairava sobre as águas,
para que elas concebessem a força de santificar.
Nas águas do dilúvio,
prefigurastes o nascimento da nova humanidade,
de modo que a mesma água
sepultasse os vícios
e fizesse nascer a santidade.
Concedestes aos filhos de Abraão
atravessar o mar Vermelho a pé enxuto,
para que, livres da escravidão,
prefigurassem o povo nascido na água do batismo.
Vosso Filho, ao ser batizado nas águas do rio Jordão,
foi ungido pelo Espírito Santo.
Pendente da cruz, do seu lado aberto pela lança,
fez correr sangue e água. Após sua ressurreição, ordenou aos apóstolos:
Ide, fazei todos os povos discípulos meus,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Olhai, agora, ó Pai, a vossa Igreja
e fazei brotar para ela a água do batismo.
Que o Espírito Santo dê, por esta água, a graça de Cristo,
2
Cf LUTZ, Gregório, “A Vida em Cristo e na Igreja”, in Revista de Liturgia, n. 41,
1980, pp. 15-22
3
Cf Ritual do Batismo de Crianças, 138
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Valter Maurício Goedert
a fim de que homem e mulher, criados à vossa imagem,
sejam lavados da antiga culpa pelo batismo,
e renasçam, pela água e pelo Espírito Santo,
para uma vida nova.
Nós vos pedimos, ó Pai,
que por vosso Filho desça sobre esta água
a força do Espírito Santo.
E todos os que, pelo batismo,
forem sepultados na morte com Cristo,
ressuscitem com ele para a vida.
Por Cristo, nosso Senhor. ”
A água mudada em vinho
O casamento em Caná da Galiléia (Jo 2,1-11), constitui o cenário
perfeito não só para Jesus revelar sua divindade, como também para
desvendar o mistério da íntima união de Deus com o ser humano,
simbolizada pela mudança da água em vinho.
Através da encarnação de Jesus, Deus não só se aproxima da
humanidade, mas com ela se casa. Nele o ser humano é recriado à imagem
e semelhança de Deus. Esta comunhão se torna plena ao terceiro dia, isto
é, mediante a ressurreição de Cristo. Nela, Deus festeja seu casamento
com a humanidade, através de uma aliança indissolúvel. Nossa realidade
(água) é inteiramente transformada na divindade (vinho). Doravante, a
união entre o homem e a mulher terá como modelo, além da obra da
criação e da aliança de Deus com Israel, a nova e eterna aliança celebrada
por Deus com a humanidade, por ocasião da morte e da ressurreição de
Cristo. O matrimônio cristão é sacramento da encarnação e da ressurreição
de Cristo. Como o esposo e a esposa devem tornar-se um só coração e
uma só carne mediante a aliança matrimonial, assim, em Cristo, toda a
humanidade se une indissoluvelmente a Deus.
Nessa festa não pode faltar vinho, símbolo da abundância dos dons
divinos. Só Deus no-los pode conceder; não é conquista nossa. Tãosomente Deus tem poder de transformar a água (realidade meramente
humana) em vinho (divindade). Apenas Deus nos pode libertar da
incapacidade de amar em plenitude. As seis jarras com água destinada à
purificação simbolizam tudo o que a humanidade pode oferecer. O número
seis indica imperfeição absoluta. Em Cristo, Deus transforma nossa
imperfeição na sua perfeição. A verdadeira purificação (batismo) acontece
quando entramos em contato com Cristo ressuscitado. Lá onde a
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O simbolismo da água
humanidade não pode mais avançar, por causa de sua imperfeição (água),
o Senhor ressuscitado intervém e plenifica nossa vida com a alegria da
salvação (vinho).
Nascer da água e do Espírito
Jesus adverte Nicodemos de que, para alcançar a vida eterna e
entrar no Reino de Deus, é preciso nascer da água e do Espírito Santo
(Jo 3,3-6). Não se trata de uma simples extensão desta vida terrena, mas
de uma dimensão inteiramente nova de vida, concedida gratuitamente,
sem mérito nenhum de nossa parte. Uma vida para além daquela natural:
sobrenatural. Por causa do pecado, esta vida se transformou em fator de
morte (Rm 7,10) É preciso, portanto, nascer do alto, nascer de Deus (Jo
3,9). “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo foi gerado de Deus e
quem ama aquele que gerou, amará também aquele que dele foi gerado”
(Jo 5,1).
A vida eterna exige transformação espiritual da mente, que nos
revista do homem novo criado à imagem de Deus, na verdadeira justiça e
santidade (Ef 4,23-24). Pelo batismo, o Espírito nos torna filhos da
p romessa (Gl 4,28), gerados não do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1,13).
Nascer de novo, nascer do alto, nascer da água e do Espírito,
nascer de Deus: eis o dom sacramental do batismo cristão. Há uma relação
fundamental entre batismo e mistério pascal de Jesus: “Acaso ignorais,
lembra Paulo, que todos nós, batizados no Cristo Jesus, é na sua morte
que somos batizados? Pelo batismo fomos sepultados com ele em sua
morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela ação
gloriosa do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,3-4).
Assemelhar-se a Jesus é identificar-se com Cristo morto e
ressuscitado. Ele, por primeiro, realiza o definitivo encontro com Deus,
abrindo para todos o caminho da salvação. Quem celebra o batismo se
configura interiormente com Cristo. O próprio Cristo, através do seu
Espírito, vive nele. O estar em Cristo constitui garantia da ressurreição
(1Cor 15,22ss).
Outro aspecto importante, no contexto do mistério pascal, é a
relação entre o batismo e o pecado original: este, a incapacidade estrutural
de o ser humano dialogar com Deus. Além dessa culpa herdada, existe
uma dimensão pessoal no pecado, uma vez que ele é fruto de uma atitude
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pessoal responsável. O batismo inaugura o retorno do diálogo com Deus,
através do mistério pascal de Cristo, na força do seu Espírito.
“Pelo batismo, Deus te libertou do pecado e renasceste pela água e
pelo Espírito Santo. Agora fazes parte do povo de Deus. Que ele te
consagre com o óleo santo para que, inserido como s a c e rdote, profeta e
rei, continues no seu povo até a vida eterna”4 (Ritual do batismo de
Crianças, nº 151). Mediante o mistério da água, o cristão morre para o
pecado e ressurge para Deus, em Cristo ressuscitado. Por obra do Espírito,
a água purifica o pecado, preparando o ser humano para as núpcias do
Cordeiro (Ap 19,9).
Fonte de água viva
O encontro de Jesus com a samaritana é cercado do simbolismo da
água. O fato acontece em Sicar, na Samaria, junto ao poço de Jacó (Jo
4,1-16). Sicar significa separado, obstruído. Enquanto não se encontra
com Deus, o homem está impedido de ter acesso à fonte da vida. Jesus
está cansado. A humanidade, fragilizada pelo longo caminho em busca
da salvação, deseja abeirar-se da fonte de água viva. Jesus rompe com a
tradição e se dirige à mulher samaritana (a humanidade perdida). Todos,
sem distinção, são chamados ao encontro com Jesus Salvador e a participar
da vida divina.
Os seres humanos têm sede de Deus. Em contraposição à água do
poço, Jesus oferece´´água viva, que a todos sacia: “Todo o que bebe desta
água terá sede de novo; mas quem beber da água que eu darei, nunca
mais terá sede, porque a água que eu darei se tornará nele uma fonte de
água, jorrando para a vida eterna” (Jo 4,13-14). A boa-nova de Jesus e
sua obra redentora matam qualquer sede de vida. A água de um poço não
mata a sede de felicidade, de paz, de Deus. Como saciou a sede da
samaritana, Jesus dessedenta todas as sedes. Clamamos com o salmista:
“Como a corça deseja as águas correntes, assim a minha alma anseia por
ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando hei de
ver a face de Deus” (Sl 42,2-3)?
Se tivermos acesso a essa fonte, jamais sofreremos sede! Cristo,
fonte da qual jorra a salvação, é inesgotável. O Amado é a fonte de água
viva (Ct 4,15); não há razão para preferir águas poluídas (Jr 2,13). Para
4
Ritual do Batismo de Crianças, n. 151
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O simbolismo da água
o justo, o temor do Senhor é fonte de vida (Pr 14,27); com alegria retira
a água salvadora, e não abandona o Senhor, fonte de vida (Jr 17,13).
Somente o Cordeiro imolado, que reina vivo, conduzirá a humanidade à
verdadeira fonte vivificante, e dará de beber a quem tiver sede ( Ap 7,17;
21,6).
A piscina de Bezata
A humanidade, como aquele paralítico junto à piscina de Bezata5,
está gravemente doente, e não tem forças para se libertar do sofrimento:
jaz, deitada, à margem da libertação (Jo 5,1-18). Nas águas do batismo
Jesus purifica, liberta, porque ele desceu de junto do Pai, assumiu nossa
natureza humana e, por ocasião do batismo no Jordão, santificou as águas
para que fossem capazes de gerar a vida divina e a libertação definitiva.
“João batiza e Jesus se aproxima; talvez para santificar igualmente
aquele que batiza e, sem dúvida, para sepultar nas águas o velho Adão.
Antes de nós, por nossa causa, ele que é Espírito e carne, santificou as
águas do Jordão, para assim nos iniciar nos sacramentos, mediante o
Espírito e a água... Jesus sai das águas, elevando consigo o mundo
que estava submerso, e vê abrirem-se os céus, de par em par, que Adão
tinha fechado para si e sua posteridade, assim como o paraíso lhe fora
fechado por uma espada de fogo” (São Gregório Nazianzeno, bispo)6.
Do lado de Cristo nasce a Igreja
Assim como do lado do homem (Adão) nasceu a mulher (Eva), do
mesmo modo, do lado de Cristo crucificado, aberto pela lança, nasce a
Igreja, sua esposa bem-amada (Jo 19,31-37). Do amor misericordioso de
Cristo, do seu coração, descem sobre a Igreja e sobre toda a humanidade
torrentes de graças: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de
santificar pela palavra aquela que ele purifica pelo banho da água. Pois
ele quis apresentá-la a si mesmo toda bela, sem mancha nem ruga, ou
qualquer reparo, mas santa e sem defeito” (Ef 5,25-27).
5
Assim, a Bíblia da CNBB, com a Nova Vulgata. Outras edições, com outras opões
de crítica textual, trazem “Betesda” ou, até, Betsaida.
6
Liturgia das Horas, festa do Batismo do Senhor
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“Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia,
perseguição, fome, nudez, perigo, espada? Em tudo isso somos mais
que vencedores, graças àquele que nos amou. Tenho certeza de que
nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o
p resente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem a
profundidade, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar
do amor de Deus, que está no Cristo Jesus, nosso Senhor” ( Rm 8,3539).
Moisés, em nome de Iahweh, faz brotar água do rochedo, no deserto,
junto ao Horeb, para saciar a sede do povo (Ex 17,1-7). Do lado de
Cristo, ferido pela lança, emana a fonte de água viva, que dessedenta o
novo povo de Deus, na travessia do deserto desta vida, em busca da
verdadeira terra prometida. “Os nossos pais estiveram todos debaixo da
nuvem e todos foram batizados em Moisés. Todos comeram do mesmo
alimento espiritual e todos beberam da mesma bebida espiritual; de fato,
bebiam de uma rocha espiritual, que os acompanhava. Essa rocha era o
Cristo” (1Cor 10,1-4).
O profeta Ezequiel faz referência à fonte prodigiosa que nasce do
lado direito do templo e, à medida que vai escorrendo, torna-se um rio
caudaloso, difícil de ser transposto, até desembocar no mar das águas
salgadas, produzindo o efeito de saneá-las (Ez 47, 1-12). Do lado aberto
de Cristo brota uma fonte inesgotável, riqueza infinita de graças, que
produz vida em abundância, por onde quer que passe. De Jesus crucificado
procede o rio que traz alegria à cidade de Deus (Sl 45,5):
“Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está
pregado na cruz, qual a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá a
vida aos mortos; por sua morte choram o céu e a terra, e fendem-se até
as pedras mais duras. Para que, do lado de Cristo morto na cruz, se
formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: Olharão para
aquele que transpassaram (Jo 19,37), a divina Providência permitiu
que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde
jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído
daquela fonte divina, isto é, no íntimo do seu coração, iria dar aos
sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornandose para os que já vivem em Cristo, bebida da fonte viva, que jorra para
a vida eterna” ( São Boaventura, bispo)7.
7
Liturgia das Horas, festa do Sagrado Coração de Jesus
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O simbolismo da água
“Um dos soldados golpeou-lhe o lado com a lança, e imediatamente
saiu sangue e água (Jo 19,34). O sangue purifica, limpa, encobre
(Kapporet) o pecado do mundo. Em Cristo, Deus purifica o pecado (Ez
45,18), apaga-o de sua face (Jr 18,23). Nossas faltas são mais pesadas
do que nós, mas tu és quem as perdoa (Sl 65,4). A partir de então, a luz
de sua face se ergue de novo sobre o seu povo (Sl 67,2).
A água lembra a efusão do Espírito Santo, que vem do alto (Is
32,15) como água em terra seca (Is 44,3). O rosto macerado de Jesus
crucificado transmite a certeza de que Deus jamais ocultará sua face (Ez
39,29). Nele o Pai derramará o espírito de perdão e de misericórdia (Zc
12,10). Nele, e por seu sangue, obtemos redenção e somos perdoados,
segundo a riqueza que Deus derramou profusamente em nós, abrindonos para toda a sabedoria e inteligência (Ef 1,7-8), a fim de que, purificados
pela sua graça, nos tornemos, na esperança, herdeiros da vida eterna (Tt
3,6).
Endereço do Autor:
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Cidade Universitária
88040-970 – Florianópolis, SC
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