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travessias número 02
revistatravessias@gmail.com
ISSN 1982-5935
SOBRE O AMOR
ABOUT LOVE
Débora Racy Soares 1
RESUMO: Nessa resenha apresentamos o livro Sobre o Amor de Leandro Konder. Seu principal
interesse é entender a concepção de amor em 23 autores ocidentais.
PALAVRAS-CHAVE: Sobre o Amor, Leandro Konder, concepções de amor.
ABSTRACT: This book review is about Sobre o Amor by Leandro Konder. His main interest is to
understand the conception of love in 23 western authors.
KEYWORDS: Sobre o Amor, Leandro Konder, conceptions of love.
Sobre o Amor (São Paulo: Boitempo, 2007) é o último livro de Leandro Konder. Professor
da PUC/RJ e um dos maiores especialistas e difusores do marxismo no Brasil, Konder
“borboleteia”, no sentido forte de Fourier, sobre um tema cuja elasticidade não deixa de
impressionar. Que fique claro, “borboletear” significa necessidade de variar, a fim de evitar os
excessos da “compósita”, isto é, a servidão a uma causa única (p.43). Será, então, através de vôos
inquietos que Konder visitará 23 autores clássicos da tradição literária e filosófica ocidental
demonstrando a impossibilidade de se chegar a um consenso no uso das palavras amar ou amor.
Diante da complexidade e da amplidão do tema, o filósofo procura entender a especificidade do
conceito amor em cada um dos autores eleitos. No final, em “Concluindo, Reabrindo”, confessa
sua intenção: criar um “novo quadro de referências e uma nova curiosidade” (p.156). Ao longo
do livro, diante de autores tão díspares como Ovídio e Balzac, Sócrates e Cervantes ou Camões e
Freud, percebemos que todos estão unidos pela crença de que o amor “desempenha um papel
sutil ao incitar os seres humanos à busca de um mundo melhor e mais justo” (p.11). Na
introdução, procurando responder à pergunta “o que é o amor?” Konder atenta para o risco da
banalização permanente do conceito, muitas vezes utilizado para encobrir “proclamações ocas,
demagógicas”, como se elas justificassem que, em nome do amor, vale tudo (p.9). Outro ponto
importante considerado na introdução refere-se à ilusão iluminista que sustenta a validade de um
bom argumento racional para interferir na consciência das pessoas apaixonadas. Em alguns casos,
reconhece o filósofo, o melhor dos argumentos parece inútil diante dos arrebatamentos do amor.
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Mestre em Estudos Literários pela UNESP/Araraquara. Doutoranda em Teoria e História Literária na UNICAMP.
Apoio: FAPESP. E-mail: debora_racy@yahoo.com.br
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Será mesmo cego o amor? Entretanto, não se trata de concluir pela ineficiência do apelo crítico,
da voz da razão, diante do amor. Pelo contrário, até no amor, ensina Gramsci, “é preciso ser
inteligente” (p.11). Como conciliar razão e emoção, excesso e carência, Poros e Penia? Marx e
Freud, freqüentadores entusiasmados da mitologia grega, fornecem informações imprecisas sobre
Eros e sugerem que não há “receita para ser inteligente no amor” (p.11). Como assegura Konder,
“o menino que alveja os corações humanos com suas setinhas não nos revela seus critérios”
(p.11).
No ensaio de abertura, o autor percorre O Banquete de Platão, texto fundamental para
entender a concepção de amor como fusão de duas metades, para problematizar o uso
indiscriminado da expressão “amor platônico”. Há, porém, muitas dúvidas em relação a esse
texto escrito por volta de 385 a.C. e uma delas diz respeito à interpretação de Platão sobre o
pensamento de Sócrates. “Amor socrático” e “amor platônico” seriam, de fato, sinônimos?
(p.17).
Em seguida, o professor dá um salto temporal e, em 1847, encontra Marx irritado com
os escritos de Feuerbach sobre o amor. Para o teórico militante da lutas de classes, as idéias de
Feuerbach enfraqueceriam a combatividade através de uma visão contemplativa, incapaz de
transformar o mundo. Para Marx, a carência de amor, no âmbito individual, guardaria
semelhanças com uma carência maior, coletiva. Como explica Konder, Marx lutou a vida inteira
pelo amor de sua esposa, Jenny e foi tão radical a ponto de Engels acreditar que o amigo não
sobreviveria – como de fato não sobreviveu - à morte da esposa.
Percorrendo as obras de Goethe, principalmente o drama de Werther, Konder reflete
sobre o amor – essa “forma mais radical de ir ao outro” – ponderando se a felicidade individual
não limitaria a possibilidade de inserção social (p.29). Questionando Sócrates, via Goethe,
Konder demonstra que quem ama “não tem a pretensão de se instalar no autoconhecimento”, no
“conhece a ti mesmo” socrático (p.29). Pelo contrário, amar é viver “intensamente a aventura de
sair de si mesmo e mergulhar na alteridade” (p.29).
Com Camões vemos um amor que entusiasma e angustia “expandido em visão de
mundo” (p.38). Konder retoma versos conhecidos para revisitar as contradições inerentes ao
sentimento amoroso. O “fogo que arde sem se ver”, a “ferida que dói e não se sente” e o “não
sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê” ratificam o poder
desestabilizador do amor em um mundo em “permanente transformação” (p.40).
Apesar de o pensamento de Fourier ser visto hoje – à maneira de Napoleão - como o de
um “maluco inofensivo”, algumas das propostas do autor “mais revolucionário da primeira
metade do século XIX” merecem ser levadas em consideração (p.42). Como crítico feroz de seu
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tempo, Fourier não media esforços para denegrir o sistema educacional – capaz de tornar os
alunos dóceis e apáticos – e o casamento monogâmico – opressor das mulheres. Foi um homem
que assumiu o ponto de vista feminino: não só incitava as mulheres ao adultério, como também
as ensinava a justificar a traição, a partir de sua descrição das “76 espécies de cornos” (p.43). Para
ele, o “grande erro” da humanidade era “o de desejar de menos” (p.44).
Por outro lado, há mais de 2 mil anos, Ovídio ensinava os homens a diminuir a autoestima de suas mulheres e a controlar suas amantes. É certo que as mulheres respondiam ao
poder masculino com rebeldia, mas os homens precisavam exercer suas “ações disciplinares”, já
que o adultério era inevitável (p. 48). Para Ovídio, os homens sempre devem “desconfiar das
mulheres” porque elas “traem” (p.48). Por outro lado, é “natural que os homens prefiram os
amores proibidos” e façam “promessas enganadoras” quando querem “seduzir uma mulher”
(p.48-9).
Simone de Beauvoir teria feito um pacto com Sartre a favor da prevalência da verdade em
qualquer circunstância. Para Sartre eles estavam unidos por um amor “essencial” que possibilitava
a abertura para amores “contingentes” (p.53). Se Sartre teve seus amores “contingentes”, Simone
também desfrutou deles ao lado de Claude Lanzmann, Jacques-Laurent Bost e Nelson Algren.
Esse último, desesperado de amor, pede Simone em casamento. Ela, fiel ao pacto, recusa,
deixando Algren furioso a ponto de dizer: “quem vive de amores contingentes tem uma vida
contingente” (p.55).
Em Jorge Luis Borges o amor transparece, sobretudo, em paixão pela linguagem. É a
partir dessa hipótese que Konder demonstra como a “dedicação radical à literatura” transformase em percurso existencial que, com freqüência, “dispensa o eu” (p.62).
Com Hegel aprendemos que a razão dialética supera os limites da razão contemplativa,
sem competir com os sentimentos e com a sensibilidade. O grande obstáculo para o amor seria,
para Hegel, a consciência da finitude. Porém, superado esse obstáculo, o desejo de união
reduziria o medo da morte.
Para Konder, a maior herança deixada por Freud foi sua capacidade de compreender as
“profundas contradições” e as “ambigüidades do ser humano” (p.71). Se o amor é um tema
muito abrangente, como observou Freud em 1921, é arriscado reduzi-lo a definições estanques.
Como diz Konder, em determinado momento, Freud entendeu a paixão amorosa como
possibilidade de “felicidade plena”, capaz de “restaurar” a “sensação de onipotência narcísica”
(p.72).
Jacob Boehme tinha visões e ouvia Deus lhe falando, embora não entendesse o porquê de
haver tanto mal no mundo se Deus era onipotente. Em 1600 teve um sonho revelador: Deus era
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a luz, a treva era o mal. Para Boehme o amor tinha o “poder de educar a vontade” e nos
aproximar da luz de Deus. Seria somente através do amor – “veneno para o Diabo” - que nos
tornaríamos “mais compreensivos” e “mais tolerantes” em nossas relações com as pessoas (p.789).
Considerada uma das maiores poetisas norte-americanas do século XIX, Emily Dickinson
não costumava dissociar a poética da ética. Para Konder, ao deslocar a questão amorosa
individual para o plano coletivo, Dickinson revela seu amor à humanidade, através de sua
capacidade de “pensar na diferença” (p.84).
Rosa Luxemburgo esforçou-se em conciliar o amor à causa revolucionária com suas
necessidades afetivas. Como lembra Konder, a frase de Shakespeare citada por Marx – “o curso
do verdadeiro amor nunca foi sereno” – define a relação de Rosa com Leo Jogiches, seu
companheiro nas lutas berlinenses (p.90).
Ao aproximar Heine de Ovídio, Konder explica que ambos eram fascinados pelas
mulheres, freqüentavam bordéis e morreram no exílio. Através dos versos do poeta alemão,
Konder sugere que o excesso de “lirismo derramado” e de “humor” funcionariam como
compensação para uma vida solitária e doente (p.94).
A concepção de amor em Flaubert está ligada a sua desconfiança em relação às mulheres,
diz Konder. Se Emma Bovary é personagem exemplar nesse sentido, também há Frédéric
Moreau. O protagonista de Educação Sentimental, apaixonado por Madame Arnoux, “evitou
escolhas dramáticas” e renunciou ao seu grande amor, ao contrário de Bovary que “foi à luta”
(p.102).
Diante de Riobaldo e Diadorim, Guimarães Rosa escolhe um desfecho “conservador”,
como observa Konder (p.107). Se dentre os perigos de viver, está o de se apaixonar, entre o “sei
que sim, mas não” fica a lição: “o corpo não translada, mas muito sabe, adivinha se não entende”
(p.105-6).
Dom Quixote, enlouquecido pelas novelas de cavalaria, sai pelo mundo para combater
moinhos de vento. Com a ajuda do fiel escudeiro, Sancho Pança, tenta conquistar a amada
Dulcinea, “a estrela de sua sorte” (p.112). Mas Dulcinea só existe na cabeça de Quixote, que a
idealiza. A verdadeira Aldonza Lorenzo, transformada em Dulcinea, era uma lavradora que
cheirava a suor. Cervantes, através de suas célebres personagens, arma um cenário propício para
desfazer ideais, sejam os de cavalaria, sejam os de amor.
Konder relembra que em Shakespeare não há caso de amor não correspondido. Romeu e
Julieta amam-se à primeira vista, mas seu amor tem história, diferentemente de Dante e Beatriz
ou o de Laura e Petrarca.
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Henri Beyle, mais conhecido por Stendhal, debruçou-se sobre o amor em várias de suas
obras, sendo que a mais apreciada por ele era Do amor. Em todas, diz Konder, o escritor francês
de Grenoble se preocupou em responder à questão: “como ser feliz no amor?” (p.125).
Balzac foi rejeitado pela mãe e se apaixonou por Madame de Berny, uma senhora 25 anos
mais velha. O escritor de A Comédia Humana costumava dizer que tudo na vida requer paixão e
que as “grandes paixões são raras como as obras-primas” (p.128). Konder demonstra que o amor,
em Balzac, quando figura nas sociedades burguesas, “assume formas mais ou menos degradadas”
(p.131).
Para Dostoiévski, suas novelas são uma experiência de “descida ao inferno do
conhecimento de si mesmo” (p.137). Através de suas personagens, procura entender a origem da
maldade e sua força, capaz de destronar o amor. Em uma passagem de Os Irmãos Karamazov
aborda o amor, expondo seus paradoxos: o amor à humanidade se desdobrando em desamor
pelas pessoas.
Em Thomas Mann o amor é vida, mas também é doença e morte. Partindo dessa
hipótese, Konder percorre as obras do escritor alemão - admirador de Dostoiévski e humanista
convicto - observando o movimento dialético que lhes dá forma.
Konder finaliza com Drummond, mostrando as muitas faces do amor. Diante dessa
palavrinha de difícil apreensão, o poeta de Itabira sugere sequer pronunciá-la. Para os que
desafiam o conselho do poeta e ousam declarar seu amor, fiquem sabendo: amor é questão de ser
e não ser, sendo.
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