UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)
FACULDADE DE LETRAS (FL)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA (PPGLL)
IURY ARAGONEZ DA SILVA
Intra-ações na educação digital onlife:
uma leitura pós-humanista de uma sala de aula de francês
GOIÂNIA
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE LETRAS
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO (TECA) PARA DISPONIBILIZAR VERSÕES
ELETRÔNICAS DE TESES E DISSERTAÇÕES NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG
Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade
Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº 832/2007,
sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei 9.610/98, o documento
conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download,
a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.
O conteúdo das Teses e Dissertações disponibilizado na BDTD/UFG é de
responsabilidade exclusiva do autor. Ao encaminhar o produto final, o autor(a) e o(a)
orientador(a) firmam o compromisso de que o trabalho não contém nenhuma violação
de quaisquer direitos autorais ou outro direito de terceiros.
1. Identificação do material bibliográfico
[ X ] Dissertação
[ ] Tese
[ ] Outro*:
*No caso de mestrado/doutorado profissional, indique o formato do Trabalho de Conclusão de Curso, permitido no documento
de área, correspondente aoprograma de pós-graduação, orientado pela legislação vigente da CAPES.
Exemplos: Estudo de caso ou Revisão sistemática ou outros formatos.
2. Nome completo do autor
Iury Aragonez da Silva
3. Título do trabalho
Intra-ações na educação digital onlife: uma leitura pós-humanista de uma sala de aula de
francês
4. Informações de acesso ao documento (este campo deve ser preenchido pelo
orientador)
Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM
[
] NÃO¹
[1] Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa.
Após esse período,a possível disponibilização ocorrerá apenas mediante:
a) consulta ao(à) autor(a) e ao(à) orientador(a);
b) novo Termo de Ciência e de Autorização (TECA) assinado e inserido no arquivo da
tese ou dissertação.O documento não será disponibilizado durante o período de
embargo.
Casos de embargo:
- Solicitação de registro de patente;
- Submissão de artigo em revista científica;
- Publicação como capítulo de livro;
- Publicação da dissertação/tese em livro.
Obs. Este termo deverá ser assinado no SEI pelo orientador e pelo autor.
Documento assinado eletronicamente por Rosane Rocha Pessoa, Usuário
Externo, em 11/01/2024,às 11:41, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de
2020.
Documento assinado eletronicamente por Iury Aragonez Da Silva, Discente, em
12/01/2024, às 09:31, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no §
3º do art. 4º do Decreto nº 10.543,de 13 de novembro de 2020.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
https://sei.ufg.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_
orgao_acesso_externo=0, informando ocódigo verificador 4309754 e o código
CRC 1A6727AA.
Referência: Processo nº 23070.040945/2023-31
SEI nº 4309754
IURY ARAGONEZ DA SILVA
Intra-ações na educação digital onlife:
uma leitura pós-humanista de uma sala de aula de francês
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras e Linguística, da Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Goiás, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Letras e Linguística.
Área de concentração: Estudos Linguísticos
Linha de pesquisa: Ensino e aprendizagem de línguas
adicionais
Orientadora: Dra. Rosane Rocha Pessoa
GOIÂNIA
2023
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de
Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.
Silva, Iury Aragonez da
Intra-ações na educação digital onlife [manuscrito] : uma leitura
pós-humanista de uma sala de aula de francês / Iury Aragonez da
Silva. - 2023.
156 f.: il.
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Rocha Pessoa.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Letras (FL), Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística, Goiânia, 2023.
Bibliografia. Anexos. Apêndice.
Inclui fotografias, símbolos, lista de figuras.
1. Educação linguística. 2. Educação digital. 3. Língua francesa. 4.
Pós-humanismo. 5. Repertórios polissemióticos. I. Pessoa, Rosane
Rocha, orient. II. Título.
CDU 81
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE LETRAS
ATA DE DEFESA DE DISSERTAÇÃO
Ata Nº 23 da sessão de defesa de dissertação de Iury Aragonez da Silva que
confere o título de Mestre em Letras e Linguística, na área de concentração em Estudos
Linguísticos
Aos dezessete dias do mês de agosto do ano de dois mil e vinte e três,
a partir das nove horas, via Google Meet, realizou-se a sessão pública de defesa de
dissertação intitulada "Intra-ações na educação digital onlife: uma leitura pós-humanista
de uma sala de aula de francês". Os trabalhos foram instalados pela orientadora, Profa.
Dra. Rosane Rocha Pessoa (Presidente/PPGLL/FL/UFG), com a participação dos demais
membros da banca examinadora: Profa. Dra. Nara HirokoTakaki (PPGEL/UFMS), Profa.
Dra. Cláudia Hilsdorf Rocha (PPGLA/UNICAMP) e Profa. Dra. Laryssa Paulino de Queiroz
Sousa (PPGIELT/UEG), membros titulares externos. Durante a arguição, os membros da banca
não fizeram sugestão de alteração do título do trabalho. A banca examinadora reuniu-se
em sessão secreta a fim de concluir o julgamento da dissertação tendo sido o candidato
aprovado pelos seus membros. Proclamados os resultados pela Profa. Dra. Rosane Rocha
Pessoa, presidente da banca examinadora, foram encerrados os trabalhos e, para constar,
lavrou-se a presente ata que é assinada pelos membros da banca examinadora, aos
dezessete dias do mês de agosto do ano de dois mil e vinte e três.
TÍTULO SUGERIDO PELA BANCA
Documento assinado eletronicamente por Cláudia Hilsdorf Rocha, Usuário
Externo, em 21/08/2023,às 13:30, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de
2020.
Documento assinado eletronicamente por Nara Hiroko Takaki, Usuário Externo,
em 21/08/2023, às13:59, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento
no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543,de 13 de novembro de 2020.
Documento assinado eletronicamente por Laryssa Paulino De Queiroz Sousa,
Usuário Externo, em21/08/2023, às 17:32, conforme horário oficial de Brasília,
com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro
de 2020.
Documento assinado eletronicamente por Rosane Rocha Pessoa, Usuário
Externo, em 21/08/2023,às 21:17, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de
2020.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
https://sei.ufg.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orga
o_acesso_externo=0, informando ocódigo verificador 3929214 e o código CRC
D85AE617.
Referência: Processo nº 23070.040945/2023-31
SEI nº 3929214
Banca Examinadora:
Dra. Rosane Rocha Pessoa (Presidenta)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Dra. Cláudia Hilsdorf Rocha (Membra titular)
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Dra. Laryssa Paulino de Queiroz Sousa (Membra titular)
Universidade Estadual de Goiás (UEG)
Dra. Nara Hiroko Takaki (Membra titular)
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Dra. Neuda Alves do Lago (Membra suplente)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
AGRADECIMENTOS
Dedico minha mais sincera e afetuosa gratidão:
A minha mãe, Maria das Graças Silva, e a meu pai, Cícero Antônio da Silva, que jamais
mediram esforços e sempre fizeram de tudo a seu alcance para que minha irmã e eu
tivéssemos uma educação de qualidade e conseguíssemos realizar nossos estudos da forma
mais tranquila possível.
A minha irmã, Jéssica Mayara da Silva, junto a quem, quando jovem, descobri meu interesse
pelas línguas estrangeiras.
A meu companheiro de vida, Samuel Rufino de Carvalho, com quem partilhei os melhores
e piores momentos de cada passo dado nesses anos de mestrado; que me auxiliou na
formatação e na revisão deste texto; que é meu maior incentivador e a força que me move
quando mais preciso. Tu es ma plus grande inspiration, mon amour !
A minha orientadora, Rosane Rocha Pessoa, que me acompanhou desde o processo seletivo
de ingresso no mestrado, me acolheu pacientemente sob sua supervisão e me apoiou sem
receios em todas as minhas experimentações. Seu espírito crítico, sua dedicação e sua ética
responsável são inspiradoras!
A meus/minhas alunos/as do grupo de Francês 6, que gentilmente se dispuseram a
colaborar para o desenvolvimento deste trabalho e com quem dividi momentos preciosos
durante nossas aulas. Je vous remercie, mes choux !
Ao Centro de Línguas da Universidade Federal de Goiás, pelo espaço para a produção deste
estudo.
Às professoras Cláudia Hilsdorf Rocha e Nara Hiroko Takaki, que compuseram a banca de
qualificação como membras titulares; e à professora Neuda Alves do Lago e ao professor
Avram Stanley Blum, que atuaram como membra e membro suplentes da banca de
qualificação. Seus apontamentos foram de grande valia para o devir desta dissertação!
Às professoras Cláudia Hilsdorf Rocha, Laryssa Paulino de Queiroz Sousa e Nara Hiroko
Takaki, que compuseram a banca de defesa como membras titulares; e à professora Neuda
Alves do Lago, que participou como membra suplentesda banca de defesa. Suas leituras
críticas e cuidadosas deste trabalho demonstram seu compromisso éticoontoepistemológico com a produção de saberes na educação linguística.
À professora Neuda Alves do Lago, que tem me acompanhado desde minha primeira
graduação (em Relações Internacionais), sempre de forma muito carinhosa, e com quem
tive o privilégio de trabalhar por muitos anos. Aprecio imensamente nossas parcerias e
espero que elas se multipliquem cada vez mais!
À professora Alexandra Almeida de Oliveira, minha primeira professora de francês, que
exala um entusiasmo apaixonante pela docência, cujo incentivo foi primordial para que eu
me tornasse professor de francês. Mille mercis, chérie !
A Gabriel Gomes Pereira Moreira e Rodrigo Santos Neves, amizades que floresceram na
Faculdade de Letras e colegas de profissão por quem tenho profunda admiração.
A Bismarck Chaussê Oliveira, amigo que me deu apoio em minha trajetória durante o
mestrado.
Ao grupo de orientandos/as da professora Rosane: Camila dos Passos Araújo Capparelli,
Fernanda Caiado da Costa Ferreira, Laryssa Paulino de Queiroz Sousa, Maria José Lacerda
Rodrigues Hoelzle, Ricardo Regis de Almeida e Victor Hugo Oliveira Magalhães, com
quem tive trocas críticas e fundamentais sobre o andamento deste trabalho. Em especial, a
Laryssa e a Victor, colegas com quem dividi os amores e os temores pelo Pós-Humanismo.
Ao Transição, grupo de estudos coordenado pelas professoras Rosane Rocha Pessoa e
Viviane Pires Viana Silvestre, que se empenha combativamente em projetos de educação
linguística de enfrentamento às diversas formas de colonialidade e na coconstrução de
posturas críticas perante o mundo.
Às professoras Neuda Alves do Lago, Rosane Rocha Pessoa, Rosângela Aparecida Ribeiro
Carreira e Tânia Ferreira Rezende, e aos professores Francisco José Quaresma de
Figueiredo, Hildomar José de Lima e Wilton Divino da Silva Júnior, com quem construí
saberes potentes durante as aulas na pós-graduação.
Aos/Às professores/as, coordenadores/as, técnicos/as-administrativos/as e colegas do
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás,
que trabalham exaustivamente em defesa do fazer científico e em prol da melhoria de nosso
programa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo apoio financeiro
durante a realização deste trabalho.
Enfim, a todos os corpos, humanos e não humanos, que contribuíram direta ou
indiretamente para o desenvolvimento desta dissertação.
O título de Mestre em Letras e Linguística se construiu como uma conquista coletiva. Serei
eternamente grato a todos/as vocês.
Muito obrigado! Merci beaucoup !
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo discutir experiências com a educação linguística em francês
em uma sala de aula de um centro de línguas de uma universidade pública, localizada no estado
de Goiás, com estudantes brasileiros/as. O estudo foi realizado entre os meses de setembro a
dezembro de 2021 de forma remota, devido à pandemia de COVID-19, com 12 estudantes de
um grupo de Francês 6. Para problematizar as experiências compartilhadas ao longo do curso,
tomo como alicerce praxiológico o Pós-humanismo, fundamentado na noção de que a matéria
e o discurso são coconstitutivos (Barad, 2003, 2007). Entendo que uma orientação
(neo)materialista (Canagarajah, 2018a) desestabiliza nossos entendimentos acerca dos eventos
que (re)configuram o mundo ao ampliar o foco para além das relações humanas, possibilitando
novas formas de apreender língua(gem) e educação linguística. Com base nisso, recorro à
Linguística Aplicada Pós-Humanista (Canagarajah, 2018a, 2018b; Pennycook, 2018a, 2018b;
Sousa, 2022), a qual busca problematizar língua-matéria-discurso-poder a partir das
materialidades, isto é, da assemblagem de actantes humanos/as e não humanos/as. No escopo
da perspectiva pós-qualitativa (St. Pierre, 2014a, 2014b, 2018), os materiais desta perguntação
(Matos, 2021) compreendem: um questionário, aulas gravadas em áudio e vídeo pelo Google
Meet, um diário de campo e produções escritas, orais e polissemióticas dos/as alunos/as. A
partir de leituras difrativas (Barad, 2012) desses aparatos, busquei problematizar de que
maneiras as pessoas, os materiais didáticos, as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs), as subjetividades, as emoções e as espaçotemporalidades intra-agiram para oportunizar
a emergência de repertórios polissemióticos (Magalhães; Silva, 2022) atrelados à língua
francesa em um contexto de educação digital onlife (Moreira; Schlemmer, 2020). Ao abordar
as percepções dos/estudantes acerca de suas corpovivências (Almeida, 2023), brilhou o
entendimento da sala de aula digital como um espaço liso (Deleuze; Guattari, 1997) que
bagunça a produção linguageira ao mesmo tempo em que permite o exercício de intranomia
(Sousa, 2022) para a coconstrução de repertórios em assemblagem com actantes não
humanos/as e em espaçotempos distintos. Além disso, os eventos corpovivenciados apontam
para a necessidade de uma educação linguística corporificada, entendendo que
significados/sentidos emergem de maneira polissemiótica, para além do processamento mental
de regras que resulta na primazia de formas verbais de expressão. Espero que o trabalho
desenvolvido contribua para o fortalecimento de uma concepção rizomática (Canagarajah,
2018a) de língua(gem) como matéria, de modo a encorajar uma visão menos antropocêntrica
acerca das produções linguageiras.
Palavras-chave: educação linguística; educação digital; língua francesa; Pós-humanismo;
repertórios polissemióticos.
ABSTRACT
This thesis aims to discuss some French language education experiences in a classroom with
Brazilian students of a language center of a public university, located in the state of Goiás. Due
to the COVID-19 pandemic, the study was conducted remotely from September to December
2021, with 12 students from a French 6 group. To problematize the experiences shared
throughout the course, I rely on posthumanism, grounded on the notion that matter and
discourse are co-constitutive (Barad, 2003, 2007). As I see it, a (new) materialist orientation
(Canagarajah, 2018a) destabilizes our understandings of the events that (re)configure the world
by broadening the focus beyond human relations, enabling new ways of apprehending language
and language education. Based on this, I turn to posthumanist applied linguistics (Canagarajah,
2018a, 2018b; Pennycook, 2018a, 2018b; Sousa, 2022), which seeks to problematize languagematter-discourse-power from a new materialist viewpoint, that is, considering an assemblage
of human and nonhuman actants. In the scope of post-qualitative inquiry (St. Pierre, 2014a,
2014b, 2018), the materials of this perguntação (Matos, 2021) comprise: a questionnaire,
classes recorded in audio and video via Google Meet, a field diary, and students’ written, oral
and polysemiotic productions. Through diffractive readings (Barad, 2012) of these apparatuses,
I sought to problematize how people, teaching materials, Information and Communication
Technologies (ICTs), subjectivities, emotions, and spacetime intra-acted to foster the
emergence of polysemiotic repertoires (Magalhães; Silva, 2022) connected to the French
language in a context of onlife digital education (Moreira; Schlemmer, 2020). According to the
students’ perceptions of their corpovivências (Almeida, 2023), what glowed was the
understanding of the digital classroom as a smooth space (Deleuze; Guattari, 1997) that messes
up language production while allowing for the exercise of intranomy (Sousa, 2022) in the coconstruction of repertoires in assemblage with nonhuman actants and in different spacetimes.
In addition, the events we experienced point to the need for an embodied language education
that comprehends that meanings emerge in a polysemiotic way, going beyond the mental
processing of rules that results in the primacy of verbal forms of expression. I hope that this
work may contribute to strengthen a rhizomatic conception (Canagarajah, 2018a) of language
as matter and encourage a less anthropocentric view of languaging.
Keywords: language education; digital education; French language; posthumanism;
polysemiotic repertoires.
RÉSUMÉ
Ce mémoire de recherche a pour objectif de discuter de l’éducation linguistique en français
dans une salle de classe d’un centre de langues d’une université publique, située dans l’état de
Goiás, avec des étudiant.e.s brésilien.ne.s. L’étude a été réalisée entre septembre et décembre
2021 à distance, en raison de la pandémie de COVID-19, avec 12 étudiant.e.s d’un groupe de
Français 6. Pour problématiser les expériences partagées tout au long du cours, je prends le
Posthumanisme comme fondement praxéologique, basé sur la notion que la matière et le
discours sont co-constitutifs (Barad, 2003, 2007). Je soutiens qu’une orientation
(néo)matérialiste (Canagarajah, 2018a) déstabilise notre compréhension des événements qui
(re)configurent le monde en élargissant notre point de vue au-delà des relations humaines, ce
qui permet de nouvelles façons d’appréhender la langue/le langage et l’éducation linguistique.
En tenant compte de cela, je me tourne vers la Linguistique Appliquée Posthumaniste
(Canagarajah, 2018a, 2018b ; Pennycook, 2018a, 2018b ; Sousa, 2022), qui cherche à
problématiser le rapport langue-matière-discours-pouvoir d’un point de vue des matérialités,
c'est-à-dire de l’agencement d’actant.e.s humain.e.s et non-humain.e.s. S’inscrivant dans le
cadre de la perspective postqualitative (St. Pierre, 2014a, 2014b, 2018), les matériels de cette
perguntação (Matos, 2021) comprennent : un questionnaire, des cours enregistrés en audio et
vidéo via Google Meet, un journal de terrain et des productions écrites, orales et
polysémiotiques des étudiant.e.s. À partir de lectures diffractives (Barad, 2012) de ces
appareils, j’ai cherché à problématiser comment les personnes, les matériels didactiques, les
Technologies de l’Information et de la Communication (TICs), les subjectivités, les émotions
et les spatiotemporalités ont intra-agi afin de permettre l’émergence de répertoires
polysémiotiques (Magalhães ; Silva, 2022) liés à la langue française dans un contexte
d’éducation numérique onlife (Moreira ; Schlemmer, 2020). En abordant les perceptions des
étudiant.e.s de leurs corpovivências (Almeida, 2023), il a brillé la compréhension de la salle de
classe numérique comme un espace lisse (Deleuze ; Guattari, 1997) qui perturbe la production
langagière tout en permettant l’exercice de l’intranomie (Sousa, 2022) pour la co-construction
de répertoires en agencement avec des actant.e.s non-humain.e.s et dans différents espacetemps.
En outre, les événements corpovécus soulignent la nécessité d’une éducation linguistique
corporifiée, comprenant que les significations/sens émergent de manière polysémiotique, audelà du traitement mental des règles qui aboutit à la primauté des formes verbales d’expression.
J’espère que ce travail contribuera au renforcement d’une conception rhizomatique
(Canagarajah, 2018a) de langue comme matière, afin d’encourager une vision moins
anthropocentrique des productions langagières.
Mots-clés : éducation linguistique ; éducation numérique ; langue française ; Posthumanisme ;
répertoires polysémiotiques.
SUMÁRIO
GERMINAÇÃO: enredando a conversa pelo meio............................................................. 18
INTRANÓS: bases ético-ontoepistemológicas da perguntação.......................................... 35
Contexto sociomaterioespaçotemporal ................................................................................. 42
Materiais ............................................................................................................................... 53
Questionário ..................................................................................................................... 54
Aulas ................................................................................................................................. 56
Produções dos/as estudantes ............................................................................................ 60
Diário de campo ............................................................................................................... 61
Discussão dos materiais ........................................................................................................ 64
PRIMEIRO NÓ: “on-line é mais difícil”?............................................................................ 69
SEGUNDO NÓ: que linguagem resta se continuamos venerando as palavras? .............. 87
DESCONSIDERAÇÕES DE FINAIS ................................................................................ 118
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125
APÊNDICES ......................................................................................................................... 137
Apêndice A – Termo de Anuência...................................................................................... 138
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participantes ............... 139
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para pais/mães/responsáveis
............................................................................................................................................ 142
Apêndice D – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido ............................................... 144
Apêndice E – Questionário ................................................................................................. 147
ANEXOS ............................................................................................................................... 151
Anexo A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Goiás
............................................................................................................................................ 152
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Colagem digital I: série Pós-humanos .................................................................... 20
Figura 2 – Colagem digital II: série Pós-humanos ................................................................... 21
Figura 3 – Colagem digital III: série Pós-humanos .................................................................. 22
Figura 4 – Colagem digital IV: série Pós-humanos.................................................................. 23
Figura 5 – Rizoma .................................................................................................................... 29
Figura 6 – Assemblagem dos/as colaboradores/as do estudo ................................................... 48
Figura 7 – Imagem em movimento do Google Sala de Aula ................................................... 52
Figura 8 – Imagem em movimento da sala de aula virtual do portal do/a aluno/a*................. 52
Figura 9 – Aulas do curso de Francês 6 ................................................................................... 60
Figura 10 – Exemplo de difração de onda sonora .................................................................... 66
Figura 11 – Imagem em movimento das perguntas apresentadas ao grupo no último encontro
síncrono .................................................................................................................................... 69
Figura 12 – Imagem em movimento das respostas dos/as estudantes ...................................... 70
Figura 13 – Paisagem parcial da sala de aula digital ................................................................ 72
Figura 14 – Isolamento social na pandemia de COVID-19 ..................................................... 83
Figura 15 – Narrativa de Hiago revisada pelo professor .......................................................... 85
Figura 16 – Expressão corpórea do professor .......................................................................... 89
Figura 17 – Imagem apresentada por Profa em seu comentário ............................................ 104
Figura 18 – Atividade de Leia sobre Les misérables ............................................................. 105
Figura 19 – Monumento de Marta .......................................................................................... 107
Figura 20 – Monumento de Jeane .......................................................................................... 108
Figura 21 – Monumento de Profa ........................................................................................... 108
Figura 22 – Monumento de Leia ............................................................................................ 108
Figura 23 – Monumento de Julio Pinheiro ............................................................................. 109
Figura 24 – Monumento de r.c. .............................................................................................. 110
Figura 25 – Monumento de Maria .......................................................................................... 110
Figura 26 – Monumento de Gigi ............................................................................................ 111
Figura 27 – Monumento de Hiago.......................................................................................... 112
Figura 28 – Monumento de Toni ............................................................................................ 112
Figura 29 – Monumento de FX .............................................................................................. 113
Figura 30 – Monumento de Croissant .................................................................................... 113
Figura 31 – Tirinha ................................................................................................................. 118
LISTA DE VÍDEOS
Vídeo 1 – Poema Metodologia ................................................................................................. 35
Vídeo 2 – Ementa e objetivos do Francês 6 ............................................................................. 57
Vídeo 3 – Conjugação de sons e gestos.................................................................................... 97
A desconstrução acontece. O texto se desfaz a si mesmo. O movimento
de escrever assume o comando, e o/a escritor/a, a pessoa (nenhum dos
substantivos funciona em uma perguntação pós-qualitativa) perde o
controle e se vê quase incapaz de acompanhar pensarescrever enquanto as
palavras aparecem na tela do computador que ela não poderia ter pensado
sem escrever. Essa escritura não começa em reconhecimento (Ah, eu
reconheço isso — é isso! Vou descrevê-lo). Essa escritura é aventura,
experimentação, empurrando em direção a quê? Em direção ao
ininteligível, em direção à différance de Derrida, à pura diferença de Deleuze,
em direção, talvez, a um mundo diferente.1
[Deconstruction happens. The text undoes itself. The movement of
writing takes over, and the writer, the person (neither noun works in post
qualitative inquiry) loses control and finds herself barely able to keep up
in the thinkingwriting as words appear on the computer screen she could
not have thought without writing. This writing does not begin in
recognition (Ah, I recognize that—that’s what that is! I’ll describe it.). This
writing is adventure, experimentation, pushing through toward what?
Toward the unintelligible, toward Derrida’s différance, Deleuze’s pure
difference, perhaps toward a different world.]
Elizabeth Adams St. Pierre (2018, p. 605)
Desejo que esta [dissertação] chegue até você, caro/a leitor/a, provocando
encontros alegres que culminem na mobilização de um pensar rizomático
em educação [linguística]. Que a partir do contato com os pensamentos
aqui materializados, você possa vir a produzir experimentações ativas que
abram modos outros de habitar e recriar a educação [linguística].
Fernanda Monteiro Rigue (2021, p. 6-7)
1
Todas as traduções apresentadas nesta dissertação foram performadas por mim, em colaboração com dicionários
e tradutores digitais.
18
GERMINAÇÃO: enredando a conversa pelo meio
Sou
Matéria
De que é feita
A matéria que me faz?
Impulsos elétricos me fizeram
Acordar de madrugada. O eterno
Movimento de elétrons ao redor de
Prótons e nêutrons me fez suspirar. A repulsão
Entre minúsculas cargas negativas me fez
Levar a mão à testa de modo que minha
Carne encontrasse minha carne
Apesar do imenso vácuo nos
Átomos do meu corpo.
Sou matéria, que
Matéria
Sou!
Mais humano impossível, Wlange Keindé (2015)
Sou matéria. Inicio este texto com essa constatação para demarcar o lugar praxiológico2
de onde enuncio: o Pós-Humanismo3. Antes de falar do que se trata, proponho um exercício.
Penso que as artes têm o potencial de nos levar a lugares inexplorados, de nos fazer imaginar o
inimaginável, de nos impulsionar a conhecer o desconhecido. Sendo assim, tomando como base
o poema Mais humano impossível (Keindé, 2015) e a série de colagens digitais intitulada Póshumanos4 (Brilhante, 2019) – exibida nas páginas seguintes –, sugiro que você considere estas
questões:
a) Que visões de mundo essas obras mobilizam?
Emprego o termo “praxiológico” em alinhamento com a proposição de Pessoa, Silva e Freitas (2021, p. 16) de
que “[a]s praxiologias […] são nossas epistemologias fundidas com nossas práticas, misturadas de tal forma que
não podem ser expressas senão em uma palavra. O termo substitui teorias, pois compreendemos que, pelo menos
na nossa área, teorias não podem ser dissociadas da prática”.
3
Recorro à mudança da fonte tipográfica para dar ênfase a determinados conceitos, expressões, ideias e termos
em alguns trechos do texto.
4
Ao longo da leitura, você perceberá que há diversos hyperlinks no texto, que se configuram como um convite
para acessar outros recursos semióticos. Clique neles sempre que possível. Gostaria de chamar a atenção para o
fato de que eles podem parar de funcionar ou ter seus conteúdos transformados, e mesmo excluídos, a qualquer
momento. Em sua leitura do trabalho, a professora Laryssa Sousa, membra titular da banca de defesa, deixou o
seguinte testemunho, em forma de comentário, em certa parte do texto: “[n]otei que, dos hyperlinks [em] que
cliquei até aqui, apenas este ainda está funcionando. Mas acho que isso é mais uma demonstração dessas forças
sobre as quais não temos controle – a (in)disponibilidade deles não depende do Iury. rs” (Sousa, 2023, p. 18). Peço
que carregue essa compreensão ao longo de sua leitura.
2
19
b) Como elas te5 afetam?
c) O que te dizem sobre o Pós-humanismo?
“Qual o propósito disso?”, você pode se perguntar. A resposta é muito simples: gostaria
de começar esta nossa conversa pelo meio;
[é] que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem
velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma
para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento
transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas
margens e adquire velocidade no meio (Deleuze; Guattari, 1995, n.p.).
A velocidade designa uma variação da posição de um corpo no espaço em relação ao tempo,
provocando deslocamentos. Eis aí meu intuito: provocar deslocamentos, trânsitos, movimentos
em direções e sentidos não premeditados.
Vamos lá?
O uso do pronome oblíquo “te” em referência ao pronome de tratamento “você”, ao longo deste texto, é
proposital. Tenho ciência de que, nesses casos, a norma padrão determina que usemos os pronomes oblíquos da
terceira pessoa do singular (o, a, lhe). No entanto, subverto essa norma para dar a minha escrita um tom de
cotidianidade, visto que essa troca é corriqueira nas enunciações de grande parte dos/as brasileiros/as.
5
20
Figura 1 – Colagem digital I: série Pós-humanos
Fonte: Brilhante (2019).
21
Figura 2 – Colagem digital II: série Pós-humanos
Fonte: Brilhante (2019).
22
Figura 3 – Colagem digital III: série Pós-humanos
Fonte: Brilhante (2019).
23
Figura 4 – Colagem digital IV: série Pós-humanos
Fonte: Brilhante (2019).
E então?
Para socializar suas ideias, a fim de construirmos saberes coletivamente, peço,
gentilmente, que registre aqui suas impressões, de forma anônima, no formato que preferir
(texto escrito, imagem, áudio, vídeo etc.).
24
Agora que você já teve a oportunidade de se indagar sobre o Pós-humanismo, podemos
dar continuidade a esta conversa. Tomo, aqui, emprestadas as palavras de Matos (2021, p. 15):
“[e]ntão, venha! Converse comigo e vamos palestrar sobre nossos achados, nossas buscas e as
construções que estamos fazendo. A regra é manter-se atento/a, escutar, falar, sem querer
encontrar e experienciar as mesmas coisas e vivências já consagradas no cotidiano”.
O poema de Keindé (2015) afirma que somos matéria e nos interroga: “que matéria
somos?”. Talvez a resposta esteja nas colagens digitais de Brilhante (2019). Somos matéria
constituída de várias matérias. Somos corpos compostos de muitos outros corpos. Somos seres
atravessados por diversos outros seres. Somos humanos/as conectados/as com plantas, animais,
solos, nuvens, objetos, roupas, casas… Somos toda essa matéria. Assim, pergunto: onde
começa e onde termina o/a humano/a?
Vivemos em uma era denominada Antropoceno, um período histórico-geológico que se
produziu por força da húbris humana e sua capacidade de destruição. Uso, aqui, esse termo por
ser o mais aceito e difundido, até o momento, no mundo acadêmico. No entanto, reconheço que
sua utilização é problemática, uma vez que aponta para uma pretensa humanidade universal. A
esse respeito, Haraway (2014, 20min 53s) explica que “a palavra anthrōpos é irremediável”6,
porque sua etimologia, no grego, não inclui mulheres, crianças e pessoas escravizadas. Numa
veia similar, Parikka (2018, p. 53) disserta que o Antropoceno é sobre culpabilidade, mas a
atribuição dessa culpa é controversa e, por isso, questiona:
[a]té que ponto é realmente possível discutir a Era dos/as Humanos/as de forma tão
homogênea sobre o impacto humano quando ela realmente deveria registrar as ações
econômicas e políticas particulares, muitas vezes específicas do capitalismo, que têm
efeitos muito desiguais através da divisão global Sul-Norte (ver Chakrabarty 2009)?7
Algumas alternativas a Antropoceno são apresentadas por Haraway (2015), tais como
Capitaloceno, Plantationoceno e Chthuluceno, que podem ser lidas em detalhe em seu artigo.
Há ainda a proposta do Antrobsceno (Parikka, 2014) para tratar das relações das mídias com o
planeta.
Há muito tempo, povos originários vêm nos alertando sobre os perigos que a existência
humana autocentrada, egoísta e irresponsável representa para o planeta. Ailton Krenak (2020,
n.p.) nos provoca a questionar o sentido de ser humano e nos deixa um apelo: “[t]emos que
“the word anthrōpos is irredeemable”.
“[h]ow far is it really possible to discuss the Age of Humans as really homogeneously about the human impact
when it actually should register the specific economic and political actions, often specific to capitalism, that have
effects very unevenly across the global south–north divide (see Chakrabarty 2009)?”
6
7
25
abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente”. Pensando nisso, talvez seja mais
pertinente falarmos em Antropo-cego (Anthropo-not-seen), proposta de Cadena (2018, p. 100)
para designar
o processo de criação de mundo por meio do qual mundos heterogêneos que não se
fazem por meio de práticas que separam ontologicamente os[/as] humanos[/as] (ou a
cultura) dos[/as] não humanos[/as] (ou a natureza) – nem necessariamente concebem
como tal as diferentes entidades presentes em seus agenciamentos – são ambos[/as]
obrigados[/as] a operar com essa distinção (deliberadamente destruída) e excedê-la.
Em meio ao caos aparentemente irreversível do Antropoceno ou Antropo-cego, a seguinte
pergunta vem a calhar: “mas o que podemos fazer em relação a isso?”. Numa linha semelhante
à de Ailton Krenak, Ulmer (2021, p. 239) responde que “todos/as podemos fazer muitas coisas,
começando pela forma como nos vemos […] [e] nos reavaliando em relação ao todo”8.
A meu ver, o Pós-humanismo nos oferece elementos para reconfigurar nosso lugar no
mundo, o que não significa, necessariamente, celebrá-lo como “um discurso salvacionista
universal”9 (Takaki, 2019b, p. 581). Se eu tiver de defini-lo, faço ecoar as palavras de Ferrando
(2012, p. 9): “o Pós-humanismo é práxis”10. É saber-fazer-sentir-pensar mobilizando um lugar
outro. Diversos/as autores/as têm produzido trabalhos nessa perspectiva, sob nomes diversos e
com particularidades variadas, como Teoria do Ator-Rede, Novos Materialismos, Novos
Empiricismos etc. Adoto, aqui, a expressão “Pós-humanismo” como um termo guarda-chuva
para designar toda essa heterogeneidade, pois, à semelhança de Gourlay (2015, p. 4), entendo
que todas essas praxiologias constituem um arcabouço
que questiona a relação entre o “humano” e outras categorias tomadas como dadas,
tais como “natureza”, “animais” e “tecnologia”. É um campo complexo com várias
áreas de interesse, mas o que as une genericamente é o questionamento dos binarismos
usados para separar categorias aparentemente invioláveis e não problemáticas. 11
Ao questionar a relação do ser humano com outros corpos, o Pós-humanismo reconhece
que seres não humanos também performam agência, isto é, têm a capacidade de operar
mudanças no espaçotempo. Assim como Latour (2007, p. 104), recorro à expressão “não
humanos/as”, na ausência de um termo melhor, para designar todos os corpos que se
“[w]e can all do many things, beginning with how we view ourselves […] [and] reconsider[ing] ourselves in
relation to the broader whole”.
9
“as a universal salvationist discourse”.
10
“Posthumanism is praxis”.
11
“which questions the relationship between the ‘human’ and other taken-for-granted categories such as ‘nature’,
‘animals’ and ‘technology’. It is a complex field with several areas of concern, but what loosely unites these is an
interrogation of binaries used to separate seemingly inviolate and unproblematic categories”.
8
26
diferenciam dos/as humanos/as. O autor nos adverte que a expressão carrega marcas
antropocêntricas e defende, portanto, que “[n]ão devemos procurar qualquer outro significado
nessa noção: ela não especifica um domínio ontológico, mas meramente substitui outra
diferença conceitual”12 (Latour, 2007, p. 104). Logo, espero “[q]ue esse prefixo ‘não-’ seja
[entendido como] um signo de abertura para todas as permutações de existências, as possíveis
e as impossíveis em direção ao avesso do avesso do avesso” (Oliveira, 2022, p. 47).
No esforço de assumir que a agência é distribuída, e não uma propriedade humana, uso
o termo actante para designar qualquer corpo que participe do desenvolvimento de uma ação
(Latour, 1996, 2007), que é “definida por uma lista de performances por meio de tentativas”13
(Akrich; Latour, 1992, p. 9). Por exemplo, na escrita desta dissertação, podemos considerar
como actantes, além de mim, o computador, a internet, o dicionário de sinônimos, minha
orientadora etc., uma vez que todos/as se emaranharam para fazer emergir a ação de escrever.
Nesse sentido, os/as actantes estão sempre conectados/as em alguma medida, formando
assemblagens, concebidas como agrupamentos transitórios de agências que afetam umas às
outras. De acordo com Deleuze (2006, p. 177), “[e]m assemblagens você encontra estados de
coisas, corpos, várias combinações de corpos, miscelâneas; mas você também encontra
enunciados, modos de expressão e regimes inteiros de signos”14.
Sob essa ótica, Barad (2003) cunha o termo intra-ação, em oposição ao humanismo
enraizado em “interação”, para fazer referência à confluência performativa de corpos diversos
que estabelecem relações entre si. A autora argumenta em favor de uma dependência ontológica
mútua, de modo que os/as actantes não preexistem às relações que se emaranham em um
fenômeno, mas se fazem nelas e com elas em um movimento contínuo de tornar-se. A intraação evidencia a necessidade de repensarmos práticas para além do ser humano, de sorte a
considerar a capacidade agentiva de objetos, coisas, plantas, animais e tecnologias nas
dinâmicas que (des)organizam o cosmos.
Em vista disso, considero indispensável atentarmos para os afectos que formam nossas
intra-ações. A partir do conceito filosófico de affectus, discutido por Spinoza, Deleuze (1978,
para. 11) destaca que o afecto consiste na “variação contínua […] da força de existir ou do
“[o]n ne doit chercher aucune autre signification dans cette notion : elle ne spécifie pas un domaine ontologique,
mais elle se contente de remplacer une autre différence conceptuelle”.
13
“defined by a list of performances through trials”.
14
“[i]n assemblages you find states of things, bodies, various combinations of bodies, hodgepodges; but you also
find utterances, modes of expression, and whole regimes of signs”.
12
27
poder de agir”15. Nessa direção, devo escurecer16 que os afectos não se reduzem às noções de
afetividade ou afeição, comumente ligadas à demonstração de sentimentos e emoções, mas
antes dizem respeito à “habilidade de afetar os/as outros/as e ser afetado/a por eles/as”17 (Sousa,
2022, p. 16). Foi com isso em corpomente18 (Merrell, 2003) que, no início deste texto, lancei a
pergunta sobre como as imagens de Brilhante (2019) te afetam no ensejo de trazer à tona as
possibilidades de sentido emergentes de suas intra-ações com as artes apresentadas.
Todo esse conjunto praxiológico tem implicações para as formas como entendemos a
(materialidade da) língua(gem) e nossas relações com ela, o que demanda uma revisão da
Linguística Aplicada. É necessário “[a]bandonarmos nossas suposições a priori sobre o que é
a língua(gem) e permanecermos abertos/a à língua(gem) de outra forma”19 (Hauck, 2023, p.
18). Esse movimento nos estimula a confrontar conceitos já estabilizados e sedimentados na
área e experimentar vivências epistemológicas, éticas e ontológicas outras. Pennycook (2018b)
assinala que pensar em termos pós-humanistas exige uma reconsideração acerca do percurso de
construção do nosso pensamento nos moldes em que se configurou e, mais do que isso, uma
busca por formas outras de produção de conhecimentos. A esse respeito, propõe uma
Linguística Aplicada Pós-Humanista, firmada na problematização/desestabilização da
centralidade da figura do ser humano e na busca por alternativas para novos entendimentos
sobre os conceitos de língua(gem) e poder.
Esse olhar outro permite desconstruir a ideia de que a cognição e a língua pertencem a
humanos/as racionais engajados/as em diálogos de compreensão mútua, reconhecendo que
ambas estão espalhadas nos espaçotempos, nos artefatos, nos recursos semióticos, nas pessoas,
enfim, em toda a materialidade que compõe as dinâmicas iterativas de intra-ação (Barad, 2007;
Pennycook, 2018b). Nessa mesma linha, Kuntz e Presnall (2012, p. 734) apontam que a
“[l]íngua(gem) resulta de experiências materiais e tem efeitos materiais”20, sendo que as
“palavras em si mesmas podem ser entendidas como corpos que afetam e são afetados”21.
“variation continue […] de la force d’exister ou de la puissance d’agir”.
Devo os créditos dessa perspicaz inversão de valores do binômio esclarecer/escurecer a Rosane, quem vi usar o
termo, certa vez, em um recado para a turma da disciplina de Formação docente no ensino de segundas línguas e
línguas estrangeiras, ministrada no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal
de Goiás.
17
“ability to affect others and be affected by them”.
18
Confrontando a oposição binária mente/corpo, que, numa perspectiva cartesiana se refere a duas unidades
autônomas e separadas, Merrell (2003) sugere o termo corpomente (bodymind), escrito de maneira acoplada, para
designar que ambas agem de forma conjunta como uma única entidade.
19
“[t]o forego a priori assumptions of what language is and remain open to language otherwise”.
20
“[l]anguage derives from material experiences and has material effects”.
21
“words themselves can be understood as bodies, affected and affecting”.
15
16
28
Assim, a língua(gem) não existe para além da materialidade, ela se torna materialidade
enquanto fenômeno em intra-ação.
Na esteira desse pensamento, Canagarajah (2018a) problematiza a noção de
“competência” na Linguística Aplicada. O autor critica a concepção hegemônica que reduz a
competência aos processos cognitivos individuais de internalização de itens gramaticais. Nesse
aspecto, contrapõe o modelo arbóreo estruturalista ao modelo rizomático. O primeiro é “causal,
cumulativo e linear”22 (Canagarajah, 2018a, p. 3), centrado na primazia da gramática. Nessa
visão, os/as actantes não humanos/as, tais como objetos e espacialidades, são considerados/as
elementos acessórios, externos à competência. O modelo rizomático, em contrapartida, rompe
com a linearidade e engloba elementos não estritamente verbais, de modo a descentrar o
indivíduo ao passo que considera a agência distribuída de corpos, cognição, emoção etc. na
produção linguageira. Julgo importante enfatizar o qualificador “linguageiro”, em lugar de
“linguístico”, para reforçar que a inteligibilidade emerge de formas múltiplas de comunicação
para além da língua oral ou escrita.
A partir do rizoma, a competência é entendida para além do indivíduo, estando
distribuída nas diversas materialidades que constituem as redes sociotécnicas, isto é, coletivos
híbridos de humanos/as e não humanos/as (Latour, 1994). Isso porque
um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo […]
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas,
inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança.
A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e... e...
e...” Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser
(Deleuze; Guattari, 1995, n.p.).
A Figura 5 resume de forma lúdica e descomplicada esse argumento. Como Rigue (2021, p. 5)
sinaliza, “[e]sse conceito, quando vinculado com o campo da educação [linguística], expande
as possibilidades e ressonâncias para pensar os processos formativos em torno do que
entendemos por educar, aprender e escola”. Vemos, assim, que os rizomas nos fornecem um
lugar outro para tratar dos eventos e fenômenos linguageiros que constroem nossas vidas,
abordados de um ponto de vista relacional, a partir das complexidades de seus inúmeros brotos,
nós e entrenós.
22
“causal, cumulative, and linear”.
29
Figura 5 – Rizoma
Fonte: Arvoreagua (2022).
No lugar de competência, portanto, seria mais produtivo nos debruçarmos sobre a
colocação/localização (emplacement). Trata-se da “sintonia estratégica e contínua com uma
assemblagem de agentes e recursos em escalas espaçotemporais expansivas para o surgimento
do pensamento e do significado/sentido durante uma atividade”23 (Canagarajah, 2018a, p. 18).
Isso implica uma compreensão da agência humana atrelada às redes sociotécnicas com as quais
está sintonizada, levando em conta as mobilizações estratégicas postas em curso para atingir
objetivos específicos. No quesito linguageiro, colocação/localização assume a faceta dos
processos rizomáticos que possibilitam a construção de repertórios de forma integrada,
superando a tradicional dicotomia competência/performance.
Em consonância com Canagarajah (2018a, p. 21), compreendo que as “atividades
comunicativas envolvem a negociação de ideologias e normas que se expressam por meio de
“the strategic and ongoing attunement to an assemblage of agents and resources in expansive spatiotemporal
scales for the emergence of thinking and meaning in activity”.
23
30
recursos semióticos e redes”24. Em vista disso, este trabalho tem como objetivo geral
problematizar a educação linguística em francês de um grupo de estudantes brasileiros/as no
contexto de educação digital. Partindo dos pressupostos pós-humanistas de que o conhecimento
se constrói por/em corpos diversos (Barad, 2003) e de que a cognição e a língua estão
espalhadas em materialidades heterogêneas (Pennycook, 2018a, 2018b), este estudo tem como
base a intra-ação de actantes humanos/as e não humanos/as para entender as dinâmicas de
ensinaprender25 a língua francesa.
Os objetivos específicos são: a) problematizar o caráter coconstitutivo das práticas
discursivas com as materialidades na formação de repertórios polissemióticos (Magalhães;
Silva, 2022) na educação linguística em francês; e b) abordar as percepções dos/as estudantes
acerca de sua educação linguística, levando em consideração suas intrarrelações com
materialidades diversas (humanas e não humanas). Concebo repertórios como “construções
sociomateriais que emergem de atividades” (Magalhães; Silva, 2022, p. 109). Aliado à
proposição de Canagarajah (2018a), utilizo o termo polissemióticos para fazer referência às
formas de emergência de significado/sentido que mobilizam elementos semióticos variados. A
princípio, o prefixo “poli-” pode sugerir certa redundância, pois a semiótica é, em si mesma,
multiforme. No entanto, seu emprego, aqui, serve para reforçar a ideia de que minha atenção
não se limita a itens “estritamente linguísticos”, se é que algo do tipo exista. Desse modo,
sustento que pluralidades semióticas se (des)alinham para gerar inteligibilidade em nossas intraações linguageiras.
Muito lutei com os termos para caracterizar este trabalho. “Pesquisa”, em vista de sua
forte herança colonial e colonizadora (Ortiz Ocaña; Arias López, 2019), não me parecia
apropriado26. Trasladei, então, para “investigação”, na falta de uma tradução melhor, para
reproduzir os sentidos de inquiry, na língua inglesa, que designa o processo de fazer perguntas.
Por motivo de sua inclinação para a “descoberta” de uma suposta verdade, tampouco esse
vocábulo fez jus a meu sentipensar27 (Torre, 2000). Assim, abandonei ambos. Certo dia,
“communicative activities involve negotiating the ideologies and norms that find expression through semiotic
resources and networks”.
25
Inspirado no termo ensinaraprender, utilizado por Süssekind e Santos (2016), emprego ensinaprender para
designar o entendimento de que as práticas de ensinar e aprender são inseparáveis. Essa mudança decorre da
compreensão de que, apesar de oportuna, a mera junção dos verbos conota ainda certa separabilidade, de modo a
deixar escapar a aglutinação constitutiva do processo.
26
Embora tenha feito a escolha de não usar o termo “pesquisa”, ele aparecerá quando for proveniente da citação
de outros/as autores/as. A mesma premissa é válida para “teoria”, “método”, “metodologia” e “dados”.
27
Para Torre (2000, p. 552, ênfases no original), sentipensar corresponde à “fusão ou ‘casamento’ entre sentir e
pensar […] é a ação por meio da qual pensamento e sentimento trabalham juntos” [“la fusión o ‘maridaje’ entre
pensar y sentir […] es la acción por la que sentimiento y pensamiento trabajan juntos”].
24
31
ruminando esse assunto, tive o que, naquele momento, se afigurou, para mim, como um insight
e cheguei à perguntação. Entendi que, ao combinar “pergunta” e “ação”, esse termo estaria em
forte harmonia com “praxiologia”, que congrega teoria e prática indissociavelmente. Guardei
essa ideia e, tempos depois, esbarrei na filosofia (da) perguntação, de Matos (2021).
Reverberando as palavras do filósofo, posso dizer que “[o] termo perguntação me mobiliza pela
dupla possibilidade de entendimento: a ação que move o perguntar e o perguntar que conduz à
ação” (Matos, 2021, p. 32).
Não se trata, portanto, de um exercício de mera contemplação nem de (se) fazer
perguntas com o simples propósito de fazê-las, mas de questionar eventos e fenômenos de modo
a provocar deslocamentos. Nesse sentido, é algo mais do que perguntar, é “[a] ação de perguntar
induzindo à ação de transformar” (Matos, 2021, p. 37), o que chamarei, aqui, de perguntagir.
Afinal, não é isso o que fazemos na condição de “pesquisadores/as”? Não somos afetados/as
por perguntas-problemas que nos instigam a sacolejar o mundo tal como o conhecemos? Isso
se justifica porque “[a] pergunta tem o potencial de codificação da realidade desde o lugar de
fala de quem a realiza. Implica na ampliação de horizontes gnosiológicos, na ampliação das
capacidades de crítica e criatividade” (Matos, 2021, p. 37). Perguntagir envolve ousar,
experimentar, problematizar, transitar…
Nesse movimento, lanço mão de perguntas sem a pretensão de respondê-las
necessariamente. Em vez disso, proponho encará-las como “pretextos de ampliação de
explicitação ontológica, que se destina muito mais ao não-saber, ao não ser, que ao intento de
elevação de uma verdade. Trata-se da construção/desconstrução/reconstrução do posto sob o
crivo da crítica” (Matos, 2021, p. 77). Advirto, assim, de que, nesta dissertação, você não
encontrará respostas concretas e planos de ação para a educação linguística. Não digo isso no
intuito de me esquivar de uma suposta responsabilidade, mas por compartilhar da “compreensão
de que a melhor resposta é sempre um modo de perguntar mais” (Ramos, 2021, n.p.); ou, ainda,
na esperança de estimular um esforço conjunto, porque “quem pergunta, inclui e oportuniza
que as respostas sejam construídas coletiva e democraticamente” (Instituto Pazes, 2022, para.
1).
Ainda sobre embates terminológicos, não poderia ignorar a ideia de que expressões
como a língua francesa e o francês (com ênfase para a forma singular) carregam sedimentos
estabilizadores de ideologias humanistas, antropocêntricas e colonizadoras. Sendo assim,
reconheço que, ao me referir à “educação linguística em francês”, incorro numa categorização
que Otheguy, García e Reid (2015, p. 286) chamam de língua nomeada, que
32
abrange as entidades contáveis e facilmente enumeráveis que estão intimamente
associadas a povos ou nações consolidados/as e, muitas vezes, também a Estados
consolidados ou aspirantes (‘Árabe é a língua do Egito, Síria, Tunísia’; ‘Espanhol é a
língua de Cuba, México, Uruguai’, ‘Euskara é a língua da nação basca’, ‘Havaiano é
a língua dos/as indígenas havaianos/as’)28.
Os autores e a autora advertem que essas maneiras de nomear as línguas se assentam em
construções sociopolíticas que se mantêm, muitas vezes, nos trabalhos de linguistas sem a
problematização devida. Na ausência de um adjetivo mais adequado para nomear a língua de
interesse desta perguntação, continuarei a qualificá-la como francesa. No entanto, sigo ciente
das implicações desse uso.
Espero que as discussões aqui levantadas possam se somar à crescente gama de
trabalhos engajados em perspectivas sociomateriais para apreender práticas educativas em
contextos distintos. Para exemplificação, cito as produções de Gourlay (2015), Gourlay,
Lanclos e Oliver (2015), e Kuby e Christ (2020). Gourlay (2015) discute a intra-ação de
assemblagens de humanos/as e não humanos/as em práticas de letramento de estudantes de um
instituto de pós-graduação no Reino Unido. Com base no material gerado em grupos focais e
diários multimodais, a autora destaca que os/as alunos/as se engajaram em práticas de
comunicação e negociação com objetos em seus letramentos. Isso ressalta a agência dos objetos
nos processos de produção de significado/sentido, o que assevera seu papel na coconstrução de
textos e na emergência das subjetividades autorais. Portanto, mais do que meras ferramentas à
mercê do ser humano, os objetos são agentivos nos eventos de (trans)formação de redes
sociotécnicas emergentes.
Na mesma linha, Gourlay, Lanclos e Oliver (2015) chamam a atenção para o
intracruzamento de espaços físicos e digitais nas experiências de discentes em suas relações
com textos acadêmicos. As autoras e o autor partem de uma crítica à dicotomia digital/analógico
para analisar eventos educativos de estudantes em bibliotecas físicas e digitais, evidenciando
que suas práticas se apoiaram em redes que interconectam infraestruturas, espaços e artefatos
digitais e impressos. Por esse ângulo, argumentam que a dicotomia digital/analógico promove
compreensões distorcidas e simplistas das formas como discentes se envolvem com os textos
acadêmicos. Consequentemente, defendem a adoção de uma postura que reconheça “a
“encompasses the countable and easily enumerated entities that are tightly associated with established peoples
or nations, and often additionally with established or aspiring states (‘Arabic is the language of Egypt, Syria,
Tunisia’; ‘Spanish is the language of Cuba, Mexico, Uruguay’, ‘Euskara is the language of the Basque nation,’
‘Hawaiian is the language of indigenous Hawaiians’)”.
28
33
importância do material como um componente essencial do social”29 (Gourlay; Lanclos; Oliver,
2015, p. 264).
Também com enfoque no ensino superior, Kuby e Christ (2020) invocam uma
pedagogia intra-ativa para dissertar sobre as relações entre estudantes de pós-graduação com
três manuais de pesquisa qualitativa. Segundo as autoras, a pedagogia intra-ativa consiste em
uma perspectiva filosófica voltada para as formas de conhecer/saber/ser/tornar-se/fazer em um
mundo em constante reconfiguração. A partir das intra-ações dos/as discentes com os livros
selecionados, Kuby e Christ (2020, p. 78) afirmam que corpos e teorias se criam uns/umas
aos/às outros/as: “[e]ssas leituras estavam se lendo umas às outras assim como os/as estudantes
as estavam lendo; esses livros produziram juntos ideias/conhecimento(s)/sentimentos/afectos
que eles não poderiam ter produzido sozinhos”30. Esse exemplo nos instiga a pensar sobre
ensinaprender em relação a/e com as múltiplas materialidades que formam assemblagens em
contextos educativos.
Do ponto de vista praxiológico, um olhar voltado às materialidades nos proporciona
uma maneira alternativa de abordar a educação linguística, levando em consideração uma
multiplicidade de actantes que (des)organizam e (re)transformam práticas, saberes e emoções
no desenvolvimento de repertórios polissemióticos. A esse respeito, coaduno com a colocação
de Ribas (2019, p. 626) de que “[a]s ideias pós-humanistas podem nos ajudar a melhor entender
como os[/as] estudantes, famílias e comunidades conhecem/são/praticam letramentos com
outros[/as] humanos[/as] e não humanos[/as]”. Compreender esses emaranhamentos nos
permite deslocar o foco de uma concepção de língua(gem) representacional e antropocêntrica
quando reconhecemos a agência de actantes não humanos/as nos fenômenos que constituem a
vida.
Abordo esta dissertação como uma prática de re-torno. De acordo com Barad (2014, p.
168), “retornar” é diferente de “re-tornar”, pois o primeiro traz o sentido de “refletir ou voltar
a um passado que já existiu”31, enquanto o segundo trata de “girar repetidamente –
iterativamente intra-agindo, re-difratando, difratando novamente, na criação de novas
temporalidades (espaçotempomaterialidades), novos padrões de difração”32. Sendo assim, as
“the importance of the material as an essential component of the social”.
“[t]hese readings were reading each other as much as the students were reading them; these books produced
ideas/knowledge(s)/feelings/affect together that they could not have produced alone”.
31
“reflecting on or going back to a past that was”.
32
“turning it over and over again – iteratively intra-acting, re-diffracting, diffracting anew, in the making of new
temporalities (spacetimematterings), new diffraction patterns”.
29
30
34
leituras que apresento fazem parte de um movimento de fazer girar eventos de espaçotempos
específicos que brilharam em minhas intra-ações com os materiais desta perguntação.
Nas seções a seguir, discuto as particularidades deste estudo e as (in)compreensões que
emergiram ao longo do processo de escrita desta dissertação. Como vimos, um rizoma possui
nós, que são espaços onde se localizam gemas e folhas. Eles também são formados por entrenós,
que designam os espaços existentes entre dois nós, sendo responsáveis por conectá-los. Em
vista disso, gostaria de conceber este trabalho como a germinação de um rizoma, no qual
“cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos,
cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de
signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas” (Deleuze, Guattari, 1995, n.p.).
A próxima seção que você lerá consiste nos entrenós desta perguntação, isto é, demarcam as
bases que sustentam e integram as relações entre as discussões problematizadas nos nós que
brotaram de meus perguntagires. Pensando-com o Pós-humanismo baradiano, proponho a
substituição do prefixo “entre-” por “intra-” e, portanto, utilizarei, de agora em diante, intranós.
Posteriormente, você encontrará os nós, que são apresentados como perguntas, as quais,
esperançosamente, te levarão a fazer mais perguntas para além daquelas que já estão postas.
Takaki (2019b, p. 595) e eu “[a]creditamos que, em vez de resolver problemas, fazer perguntas
diferentes já é um resultado de ensinamentos pós-human[ista]s e que considerações desse tipo
podem inspirar novos caminhos para uma futura Linguística Aplicada Pós-Human[ist]a
brasileira e internacional”33. Note que isso não é um convite para desatar os nós, como fazemos
com fios, mas para re-torná-los e produzir-com eles diferenças diferentes. Por fim, na última
seção, você encontrará algumas desconsiderações de finais.
“[i]t is our belief that rather than solving problems, posing different questions is already a result of posthuman
teachings, and that food for thought like this might inspire new avenues for future a Brazilian and an international
posthuman applied linguistics”.
33
35
INTRANÓS: bases ético-ontoepistemológicas da perguntação
Metodologia. Em trabalhos acadêmicos, precisamos falar sobre metodologia. Para fazêlo, trago à roda um poema que emergiu de minhas intra-ações com esta perguntação. Aperte
play e sentipense com ele.
Vídeo 1 – Poema Metodologia
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).
Como autor parcial, me reservo34 o direito de não explicar o poema – e peço que não se
zangue comigo –, pois reconheço que o fazer poderia cercear a pluralidade de leituras e
eventuais efeitos de sentido que ele possa engendrar. Não falo por ele; falo-com ele, através
dele; mais ainda, ele fala por si. E em sua enunciação, o que ele te diz? Como ele te afeta? O
que te faz sentipensar? Compartilhe suas impressões aqui, por favor. Admito, contudo, que o
texto que segue, nesta seção, é extensão rizomática do poema; são intranós que se enredam na
desconstrução da metodologia.
A Linguística Aplicada tem uma forte tradição de cunho humanista, o que desemboca
em práticas de “pesquisa” antropocêntricas e representacionais. Essas práticas estão enraizadas
34
Venho escurecer, mais uma vez, que a ruptura da norma padrão é intencional. Conheço as regras de colocação
pronominal do português brasileiro, mas as subverto para transitar entre as divisões artificiais que separam a língua
falada da língua escrita.
36
nas metodologias qualitativas convencionais, que estão largamente assentadas numa lógica
iluminista cartesiana (St. Pierre, 2014a). Há uma preocupação robusta com a prescrição de
etapas progressivas, com atividades bem definidas, metas a serem cumpridas e modos de
interpretação objetivos, a fim de estabelecer controle sobre a produção do conhecimento. A
impressão que fica é a de que devemos ter tudo pronto antes mesmo de começarmos o trabalho.
É como se perdêssemos de vista a ideia de que, em um estudo acadêmico, “nem tudo pode ser
planejado com antecedência, caso contrário, não é investigação. ‘Investigar’ não é fazer e
cumprir um plano predeterminado. ‘Investigar’ é procurar, indagar […]”35 (Ortiz Ocaña; Arias
López, 2019, p. 162).
Como conciliar metodologias qualitativas convencionais com leituras de mundo
voltadas para assemblagens? Pode o qualitativo dar conta de um desprendimento do humano e
da representação? St. Pierre (2014a, 2014b) nos alerta para o fato de que o Pós-humanismo
exige formas outras de apreender o que se estabeleceu como fazer científico; requer um
posicionamento pós-qualitativo. O prefixo “pós-”, aqui, não se refere ao fim ou à exterminação
do qualitativo, uma vez que “necessariamente repete o que prefixa”36 (Herbrechter, 2018, p.
94), mas sim à tentativa de des/continuidade (Barad, 2012) com uma tradição éticoontoepistemológica que não consegue se desvencilhar das amarras do humanismo e do
positivismo. Em certa medida, essa ideia se aproxima do que Rodrigues Júnior (2018, p. 76)
chama de pedagogia das encruzilhadas, pois “não se objetiva, meramente, a substituição de
uma perspectiva por outra. A sugestão […] é a de transgressão […] São as potências do domínio
de Enugbarijó, a boca que tudo engole e cospe o que engoliu de forma transformada”37. Sendo
assim, o pós-qualitativo abocanha o qualitativo, o engole e o regurgita, fazendo emergir algo
diferente.
De acordo com St. Pierre (2014b), uma perspectiva pós-qualitativa demanda uma
reconfiguração daquilo que se consagrou como método. A seu ver, o método não existe a priori,
não é anterior ao estudo; sua existência apenas faz sentido a posteriori, ao final do estudo,
quando tentamos descrever o que foi feito. Em suas palavras, “método é sempre aquilo que
“no todo puede estar planeado anticipadamente, de lo contrario, no es investigación. ‘Investigar’ no es hacer y
cumplir un plan previamente fijado. ‘Investigar’ es buscar, indagar […]”.
36
“necessarily repeats what it prefixes”.
37
Enugbarijó é uma entidade de cosmologias negro-africanas, definida por Rufino (2021, on-line) como “a boca
coletiva dos orixás, a boca que tudo come, a boca cósmica. Princípio dinâmico que versa sobre toda e qualquer
possibilidade de transformação”. Ressalto que não busco me apropriar da pedagogia das encruzilhadas neste
trabalho, visto que se trata de uma praxiologia que parte de um universo ético-ontoepistemológico que não integra
meus repertórios sociomateriais. A citação tem o intuito de reforçar o entendimento de que a proposição de algo
considerado “novo” não implica o desaparecimento do “velho”, mas sim um movimento de tornar-se diferencial.
35
37
‘teremos feito’”38 (St. Pierre, 2014b, p. 15), evocando o tempo futuro. Dessa forma, devemos
concebê-lo sob um olhar retrospectivo crítico em relação às atividades que desenvolvemos ao
longo do percurso. Em vista disso, a autora sugere que um trabalho de orientação pós-humanista
não pode ser rigidamente concebido nos enquadramentos da metodologia qualitativa humanista,
pois
a própria ideia de método nos força a uma ordem de pensamento prescrita, linear e
sistemática e a práticas que proíbem a natureza experimental de seu empirismo
transcendental e da investigação pós-qualitativa em geral. O método proscreve e
proíbe. Controla e disciplina. Além disso, o método sempre chega tarde demais, é
imediatamente obsoleto e, portanto, inadequado para a tarefa em questão39 (St. Pierre,
2014b, p. 15-16).
A metodologia qualitativa convencional enclausura e sedimenta o caráter experimental
que o fazer científico exige. Em contrapartida, segundo St. Pierre (2018, p. 604), o trabalho
pós-qualitativo se distancia de qualquer pretensão de estabelecimento de passo-a-passo e
etapas, uma vez que “[s]eu foco não é nas coisas já prontas, mas nas coisas em processo”40;
trata-se de um devir constante. Isso não sugere, por outro lado, que o trabalho pós-qualitativo
não requeira nenhuma espécie de preparo. Muito pelo contrário, a autora salienta que é
necessária uma longa preparação que envolve “ler, pensar, escrever e viver”41 (St. Pierre, 2018,
p. 604) as praxiologias.
Na esteira de MacLure (2015, p. 106), simpatizo com a ideia de encarar o trabalho póshumanista como “uma ‘aventura’ que exige tanto cuidado quanto imprudência”42. Entendo a
imprudência não como um sinônimo de irresponsabilidade, mas como um ímpeto para a
experimentação, uma abertura para o novo, para o inesperado, para o impensado. Afinal, “[u]ma
‘metodologia’ pós-humanista deve ser adaptável e sensível”43 (Ferrando, 2012, p. 11, ênfase
adicionada44), volátil e movente, atenta às intra-ações que mobilizam o/a perguntador/a em sua
práxis.
“method is always what ‘will have been done’”.
“the very idea of method forces one into a prescribed, linear, systematic order of thought and practices that
prohibits the experimental nature of their transcendental empiricism and of post qualitative inquiry more generally.
Method proscribes and prohibits. It controls and disciplines. Further, method always comes too late, is immediately
out-of-date, and so is inadequate to the task at hand”.
40
“[i]ts focus is not on things already made but on things in the making”.
41
“reading, thinking, writing, and living”.
42
“as an ‘adventure’ that demands both care and recklessness”.
43
“[a] posthumanist methodology has to be adaptable and sensitive”.
44
De acordo com os ditames da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), os termos empregados, aqui,
deveriam ser “grifo nosso”. No entanto, como essa expressão não diz muito para mim, tomei a liberdade de
substitui-la por “ênfase adicionada” em todo o texto.
38
39
38
Nessa perspectiva, Barad (2003) acentua que o/a perguntador/a não se encontra em uma
posição de exterioridade em relação ao mundo, dado que ele/ela próprio/a o constitui em suas
reconfigurações dinâmicas. Consequentemente, argumenta a autora, práticas de conhecer/saber
e ser são mutuamente constitutivas: “[n]ão obtemos conhecimento nos colocando fora do
mundo; conhecemos/sabemos porque ‘nós’ somos do mundo. Somos parte do mundo em seu
tornar-se diferencial”45 (Barad, 2003, p. 829). Isso implica reconhecer que o ser humano não é
um reduto da ética, uma vez que todos os corpos, humanos e não humanos, intra-agem em
performatividade cosmológica.
Segundo Lenters e McDermott (2020), a ética envolve a capacidade agentiva de um
corpo em relação aos demais, levando em conta as formas como esses últimos afetam a ação
do primeiro. Nessa mesma linha, Barad (2007, p. 393, ênfases adicionadas) afirma que “[a]
ética, portanto, não diz respeito a uma resposta correta a um/a outro/a radicalmente
exterior/izado/a, mas sim à responsabilidade [capacidade de responder ao/à outro/a] e à
prestação de contas pelas vívidas relacionalidades de tornar-se de que fazemos parte”46. Disso
resulta que ética, ontologia e epistemologia são inseparáveis. Falamos, pois, em éticoontoepistemologia, que congrega práticas de agir, conhecer/saber e ser/estar no entendimento
responsável das intra-ações de coletivos híbridos (Barad, 2007).
Em consonância com esse pensamento, MacLure (2015) aponta que a virada dos novos
materialismos nos apresenta a noção de transversalidade, segundo a qual os limites
epistemológicos são postos em xeque. Palmer e Panayotov (2016) explicam que a
transversalidade se opõe à verticalidade e à horizontalidade: trata-se de um corte diagonal que
perpassa diversas linhas de modo não categórico, não hierárquico e não seccional. Assim sendo,
o prefixo “TRANS quer dizer transversalidade das ciências exatas e anexatas, humanas e não
humanas, transdisciplinaridade dos problemas” (Alliez, 1995, n.p.), o que abre espaço para
considerar agências que se atravessam, reconhecendo que produzimos conhecimentos
incompletos em um mundo-mais-que-humano (Ulmer, 2017).
Canagarajah (2018a, p. 21), por sua vez, levanta alguns questionamentos oportunos para
um trabalho de orientação pós-humanista:
[a] noção de ontologia horizontal também suscita problemas metodológicos na
pesquisa e na análise linguísticas. Uma pergunta incômoda é a seguinte: Como
definimos a unidade e o foco de análise quando tudo está conectado a tudo? Note-se
“[w]e do not obtain knowledge by standing outside of the world; we know because ‘we’ are of the world. We
are part of the world in its differential becoming”.
46
“[e]thics is therefore not about right response to a radically exterior/ized other, but about responsibility and
accountability for the lively relationalities of becoming of which we are a part”.
45
39
que os/as autores/as [neo]materialistas, assim como os/as teóricos/as da
complexidade, estão abertos/as a “cortes” pragmáticos para fins analíticos. O que
precisa ser determinado é: quais são os cortes significativos para a análise? Essa
decisão dependerá de vários fatores. [...] Entre outras influências, as histórias que
queremos contar moldarão nossa unidade e nosso foco de análise 47.
Esses pontos nos levam ao conceito de corte agencial discutido por Barad (2003, 2007).
A autora defende que os fenômenos são marcados pela inseparabilidade ontológica dos corpos
que intra-agem, de modo que não há relação de anterioridade entre eles. No entanto, não é
possível abarcar um evento de forma holística; por isso, fazemos cortes:
[...] o mundo nunca se caracteriza em sua totalidade; é somente por meio da realização
de cortes agenciais, diferenças diferentes, que ele pode vir a conhecer diferentes
aspectos de ‘si mesmo’. Somente parte do mundo pode se fazer inteligível para si
própria em um dado momento, porque a outra parte do mundo deve ser a parte da qual
ele se difere48 (Barad, 2007, p. 432).
O corte agencial, portanto, nos permite direcionar nosso olhar para um aspecto
específico
de
um
fenômeno,
que
envolve
um
emaranhamento
de
actantes
e
espaçotemporalidades. Isso se faz necessário para que consigamos compreender minimamente
o mundo. Nessa perspectiva, “o corte agencial produz uma resolução local dentro do fenômeno
da indeterminação ontológica inerente”49 (Barad, 2003, p. 815). Desse modo, qualquer trabalho
científico deve se valer de cortes agenciais para buscar uma resolução local para as questões
de seu interesse. Expandindo esse pensamento, Ulmer (2017, p. 5) salienta que uma “pesquisa
pós-human[ist]a produz conhecimentos situados, materiais, interconectados, processuais e
afirmativos”50.
Devo admitir que uma incursão por praxiologias pós-humanistas causa receio e
hesitação. No processo de nos engajar com a experimentação, sentimos falta daquele falso senso
de segurança que as praxiologias tradicionais humanistas nos oferecem. Sobre esse tópico,
partilho o sentimento de que “muitas/os de nós temos um bloqueio quando se trata de se
envolver com teorias pesadas como [a de] Deleuze – não nos sentimos ‘dignas/os’ dessas teorias
“[t]he notion of flat ontology also raises difficult methodological problems in research and language analysis. A
vexing question is this: How do we define the unit and focus of analysis when everything is connected to everything
else? Note that materialist scholars, along with complexity theorists, are open to pragmatic ‘cuts’ for analytical
purposes. What needs to be determined is: what are the meaningful cuts for analysis? This decision will depend
on various factors. […] Among other influences, the stories we want to tell will shape our unit and focus of
analysis”.
48
“[…] the world can never characterize its elfin its entirety; it is only through different enactments of agential
cuts, different differences, that it can come to know different aspects of ‘itself.’ Only part of the world can be made
intelligible to itself at a time, because the other part of the world has to be the part that it makes a difference to”.
49
“the agential cut enacts a local resolution within the phenomenon of the inherent ontological indeterminacy”.
50
“posthuman research produces situated, material, interconnected, processual, and affirmative knowledges”.
47
40
e muitas/os de nós ficamos paralisadas/os quando se trata de experimentar com a metodologia
porque ficamos receosas/os de não ‘fazer certo’”51 (Ringrose; Zarabadi, 2018, p. 212). Apesar
de ser assombrado por essa angústia, encontro consolo no discernimento de que “[a] questão
não é fazer certo ou errado; a questão é fazer talvez de forma diferente”52 (Ringrose; Zarabadi,
2018, p. 213).
Escrever esta dissertação não foi, de nenhuma maneira, fácil. Em grande parte do tempo
e de variadas formas, senti que, ao invés de escrever com ou por meio de, estava escrevendo
contra (Gale; Wyattt; Moreira; Diversi, 2022). “Mas contra o quê?”, você deve estar se
perguntando. E eu lhe digo: contra espaçotempos de prazos, contra regras de formatação, contra
convenções de números de páginas, contra quantidades de leituras que se espera de um/a
mestrando/a, contra metodologias, contra capítulos, contra gêneros acadêmicos, contra
conceitos, contra termos, contra citações, contra paráfrases, contra referências, contra
traduções, contra a gramática, enfim, contra todo “o ethos institucional e [todas] as restrições
que as universidades são estruturadas para criar e sustentar”53 (Gale; Wyattt; Moreira; Diversi,
2022, p. 3-4)… Uma pausa para retomarmos o fôlego. Respiremos fundo. Pronto. Contra
sentimentos, contra emoções, contra expectativas e, em certa medida, contra mim mesmo.
Paradoxalmente, “[e]nquanto escrevia, comecei a perceber, também, o poder do texto
acadêmico mais tradicional, sua capacidade de movimento, de pensar-escrever de forma
diferente”54 (St. Pierre, 2018, p. 605). Preenchendo a folha em branco, ziguezagueando entre
as letras do teclado, dançando desajeitadamente com as palavras, por vezes, perdido entre
emaranhamentos de ideias e sufocado pelos nós dos rizomas, percebi que poderia me transladar
para lugares outros. Aprendi que “[e]screver certamente não é impor uma forma (de expressão)
sobre um assunto vivido. […] Escrever é uma questão de tornar-se, sempre inacabada, sempre
em processo de ser feita, e que transborda toda a matéria vivível ou vivida”55 (Deleuze, 1993,
p. 11).
Me encontrei, então, entre a dominação e a liberdade, entre a subordinação e a
desobediência, entre o antecipado e o inesperado, entre a prosa e a poesia, entre a prontidão e a
vacilação, entre o deleite e o desprazer, entre avanços e recuos, entre o vivido e o vivível. Seria
“many of us have a block when it comes to engaging with heavy theory like Deleuze-we don’t feel ‘worthy’ of
these theories and many of us are paralyzed when it comes to experimenting with methodology because we are
worried we will not ‘get it right’”.
52
“[t]he point is not that we get it right or wrong; the point is that we get it perhaps differently”.
53
“the institutional ethos and the constraints the universities are built to create and sustain”.
54
“[a]s I wrote, I also began to realize the power of the more traditional academic essay, its capacity for movement,
for thinking-writing differently”.
55
“[é]crire n’est certainement pas imposer une forme (d’expression) à une matière vécue. […] Écrire est une affaire
de devenir, toujours inachevé, toujours en train de se faire, et qui déborde toute matière vivable ou vécue”.
51
41
aí o entremeio, o entrelugar? Deleuze (1993, p. 11) nos ensina que “[a] escrita é inseparável de
tornar-se: escrevendo, nos tornamos-mulher, nos tornamos-animal ou vegetal, nos tornamosmolécula até nos tornarmos-imperceptíveis”56. Ao final desta escritura, o que terei me tornado?
Mestre? Mestre de quê, de quem, para quê, para quem, por quem?
Nos devires desta dissertação, performo movimentos tímidos de experimentação críticocriativa, partindo da ótica de que “[n]a escrita, podemos inventar e reinventar o mundo”57 (St.
Pierre, 2018, p. 607). Essas experimentações tratam do modo de apresentação do texto, assim
como dos materiais do estudo. Por exemplo, inspirado no artigo de Kuby e Christ (2020), utilizo
uma fonte tipográfica diferente daquela empregada convencionalmente nesta dissertação para
destacar informações e ideias que julgo pertinentes. De acordo com Hyndman (2016), as fontes
são recursos cruciais no ato de leitura, pois afetam as relações que estabelecemos com um texto.
Segundo a autora, diferentes formas e estilos de fontes se conectam com nossas emoções,
memórias e sentidos de maneiras variadas e provocam respostas distintas no/a leitor/a. É com
base nesse potencial chamativo (Hyndman, 2016) que justifico a mudança de fontes. “Por que
não aplicar itálico para esse fim?”, você pode se perguntar. Embora comumente empregado na
escrita acadêmica como estratégia semiótica para demarcar ênfase, acredito que o itálico não
produza a mesma experiência sensorial que a mudança para outro estilo de fonte consegue nos
oferecer. Isso se dá por dois motivos: 1) há meramente uma variação na forma de apresentação
do mesmo tipo de caracteres; e 2) por ordem de convenção, o itálico já está normalizado no
mundo acadêmico. Nesse sentido, creio que a mudança tipográfica possa causar um
estranhamento maior no/a leitor/a e convocar seu olhar para o trecho em destaque de um modo
outro, visto que há uma ruptura com as normas do texto acadêmico convencional. Manterei o
itálico, no entanto, para assinalar a utilização de expressões e conceitos provenientes de
outros/as autores/as, como o fiz acima com o termo “chamativo”.
Além disso, na tentativa de tornar a escrita mais rizomática e polissemiótica, recorro à
agência de hiperlinks e de imagens em movimento58. Outros traços experimentais abarcam a
leitura robotizada de um texto e a inclusão de áudios provenientes dos materiais do estudo. Não
são movimentos inovadores nem revolucionários, mas são gestos que reconfiguram meu lugar
“[l]’écriture est inséparable du devenir : en écrivant, on devient-femme, on devient-animal ou végétal, on
devient-molécule jusqu’à devenir-imperceptible”.
57
“[i]n writing, we can and do invent and reinvent the world”.
58
Para fins de arquivamento na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Federal de Goiás, o
arquivo deste texto foi transformado para o formato PDF (Formato Portátil de Documento, em português), o qual
não oferece suporte para a visualização de imagens em movimento. Para solucionar esse problema, você deve
clicar diretamente nas figuras em que houver a indicação “imagem em movimento” para ser redirecionado/a a uma
página da internet e acessar seu conteúdo por completo.
56
42
na escrita acadêmica, promovendo diferenças diferentes nas formas como me torno-com
(Haraway, 2016) minha práxis perguntadora. Assim sendo, “[é] no meandro desses pequenos
brotamentos de invenção que espero que es[t]e texto chegue aos[/às] leitores[/as] como um
vento quente, um espinho incomodativo, um nascimento tardio, qualquer fenômeno
metamórfico que inspire um novo jeito de viver e habitar o mundo vivo” (Dalmaso, 2021, p.
30).
A seguir, nas seções que formam estes intranós, disserto a respeito do contexto e dos
materiais que se emaranharam no corte agencial desta perguntação.
Contexto sociomaterioespaçotemporal
Uma imensa quantidade de brasileiros e brasileiras – sobretudo empobrecidos[/as] –
que foram a óbito por conta da Pandemia da Covid-19 e do descaso do gestor público
[o então presidente Jair Bolsonaro] em não fazer de sua liderança uma política de
efetiva atenção às necessidades básicas da população acompanha minha escrita – na
angústia, no entristecimento, no adoecimento promovido e gestado pelos donos do
poder. Não tenho como não me solidarizar com essas perdas, que me deixam
indignado e sacodem meu guri indagador.
Junot Cornélio Matos (2021, p. 24)
A pandemia do novo coronavírus desestabilizou as relações sociomateriais, econômicas
e culturais em curso. De acordo com Santos (2020), essa conjuntura se insere em um quadro
mais amplo de crise permanente que se instaurou na década de 1980 com a ascensão do
neoliberalismo. Seguindo esse intranó, a pandemia acabou por agravar uma situação já
problemática, colocando em evidência questões negligenciadas em tempos de “normalidade”,
entre elas, a educação. Em diversos lugares do planeta, professores/as, estudantes,
coordenadores/as, técnicos/as-administrativos/as etc. se viram impedidos/as de dar
continuidade aos processos educativos nos moldes tradicionalmente empregados. Devido à
impossibilidade de manter contato de forma presencial, aulas foram suspensas e fomos
impelidos/as a buscar formas alternativas para garantir a manutenção das atividades escolares.
Consequentemente, ganhou destaque o ensino remoto emergencial. Ou, como costumava dizer
uma professora que tive na pós-graduação, ensino (ter)remoto.
Esse modelo se caracteriza pelo uso de tecnologias, de forma temporária, como resposta
a circunstâncias adversas, para dar continuidade aos processos educativos que antes eram
conduzidos no regime presencial ou híbrido (Hodges et al., 2020). Nesse sentido, docentes e
discentes tiveram que se adaptar rapidamente a uma nova configuração em que o uso das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) se fez imperativo. Moreira e Schlemmer
43
(2020) explicam que, de modo geral, o ensino remoto se ancorou na transposição de práticas da
modalidade presencial para encontros virtuais síncronos nos quais a comunicação se dá de
modo bidirecional, com protagonismo do/a professor/a em detrimento dos/as estudantes, e cujo
enfoque recai sobre o conteúdo.
Segundo o autor e a autora, no contexto da pandemia da COVID-19, as tecnologias
digitais foram abordadas de maneira instrumental, o que reduz seu potencial como agentes do
fazer educativo. Por outro lado, sugerem que o cenário pandêmico nos direcionou à
implementação de uma educação digital, “entendida como um movimento entre atores humanos
e não humanos que coexistem e estão em comunicação direta, não mediada pela representação,
em que nada se passa com um que não afete o outro” (Moreira; Schlemmer, 2020, p. 23). Ainda
que não declarem abertamente sua ligação ao Pós-humanismo, a definição apresentada não
deixa dúvidas quanto a sua conexão com esse campo praxiológico.
A educação digital, pois, se estabelece ao longo de redes que facilitam os processos
pedagógicos por meio de uma ampla gama de tecnologias, plataformas e modalidades. A fim
de superar uma lógica reducionista, dicotômica (on-line/off-line) e antropocêntrica, Moreira e
Schlemmer (2020) vão mais além e propõem o conceito de educação digital onlife. A ideia
toma como base The onlife manifesto: being human in a hyperconnected era (Floridi, 2015a),
livro resultante do projeto The onlife initiative: concept reengineering for rethinking societal
concerns in the digital transition, cujo escopo concerne aos desafios das novas tecnologias
digitais no mundo contemporâneo. O manifesto preconiza que
as TICs não são meras ferramentas, mas sim forças ambientais que estão, de maneira
crescente, afetando:
1. nossa autoconcepção (quem somos);
2. nossas interações mútuas (como socializamos);
3. nossa concepção da realidade (nossa metafísica); e
4. nossas interações com a realidade (nossa agência)59 (Floridi, 2015b, p. 2).
Essas concepções se apoiam no entendimento de que há uma diluição das fronteiras que
supostamente separam realidade e virtualidade e natureza, ser humano e máquina. Isso
demanda reconhecer que não existe um “mundo virtual” desconectado de um “mundo real”,
visto que os fenômenos que ocorrem nos espaços digitais afetam de forma drástica nossas
formas de ser, estar, conhecer e experienciar o mundo, delineando os modos como
(des)construímos nossas percepções do que acreditamos ser a realidade. Reforçando esse
59
“ICTs are not mere tools but rather environmental forces that are increasingly affecting: 1. our self-conception
(who we are); 2. our mutual interactions (how we socialise); 3. our conception of reality (our metaphysics); and
4. our interactions with reality (our agency)”.
44
posicionamento, Gabriel (2012, para. 3) aponta que “[n]ão somos mais ON ou OFF – somos
ON e OFF ao mesmo tempo, simbioticamente, formando um ser maior que o nosso
corpo/cérebro biológico nos expandindo para todo tipo de dispositivo e abrangendo outras
mentes e corpos”. A partir dessa compreensão, Moreira e Schlemmer (2020) invocam uma
ontoepistemologia que reconceitualiza as práticas de ensinaprender, levando em conta o papel
de seres humanos e não humanos em um espaçotempo disruptivo no qual a distinção online/off-line não mais se sustenta.
A ideia de educação digital onlife é especialmente relevante no contexto do ensino
remoto resultante da pandemia do novo coronavírus, uma vez que os limites entre as
espaçotemporalidades que distinguiam o público do privado esmoreceram, imiscuindo escola e
lar, agentes educativos/as e família, privacidade e exposição e atividades síncronas e
assíncronas. A educação escapa às amarras das divisões e se emaranha nos diversos âmbitos da
vida, por isso o uso do termo onlife (“na vida”). Na órbita desse raciocínio, Scheifer e Rego
(2020, p. 120) sinalizam que
[t]al questão espaço-temporal fica patente e ganha novas dimensões quando levamos
em consideração as recentes reconfigurações das práticas escolares (sem contar as
laborais, religiosas, familiares, entre outras tantas) que estão se dando massivamente
em razão da quarentena pelo Coronavírus. Nos rearranjos propostos pelas instituições
escolares [...], organizam-se redes sociotécnicas que interligam e mesclam o espaçotempo escolar e o doméstico, o público e privado. Nessas novas configurações espaçotemporais, o domínio da casa passa a ser visto como uma extensão da escola e a figura
dos[/as] pais[/mães/responsáveis legais] como uma extensão da figura do[/a]
professor[/a]. Logo, deixa de fazer sentido o modelo pedagógico “tradicional”
marcado [por] um único tempo e espaço que tem orientado nossas práticas de ensino.
Esse cenário turbulento de reconfiguração da vida sociomaterial, em função da
pandemia de um vírus letal, demarca o macrocontexto em que este estudo se desenvolveu. De
forma mais situada, o trabalho ganhou forma no âmbito do Centro de Línguas60, um projeto de
extensão da Universidade Federal de Goiás, voltado à promoção da educação linguística. Criado
em 1994, nas dependências da Faculdade de Letras, o Centro de Línguas se orienta a partir de
quatro objetivos:
[1] Suprir as necessidades de alunos[/as], professores[/as], funcionários[/as] técnicoadministrativos[/as] e [d]a comunidade em geral, no que diz respeito à aprendizagem
de línguas, ampliando, com esse intuito, a oferta de ensino de línguas e reforçando,
assim, a extensão na nossa Universidade.
[2] Oferecer oportunidades de estágio a alunos[/as] da Faculdade de Letras/ UFG.
60
Para mais informações sobre a história e o funcionamento do projeto, acesse a página oficial da instituição:
https://cl.letras.ufg.br/
45
[3] Proporcionar, às Áreas da Faculdade de Letras/ UFG, uma oportunidade de
observação, de análise e de avaliação de metodologias e de técnicas de ensino e
aprendizagem de línguas (Universidade Federal de Goiás, 2022b, on-line).
[4] Oferecer, aos[/às] cidadãos[/ãs] do Estado de Goiás, propostas de enriquecimento
cultural.
O projeto é regido, portanto, pelo compromisso social de oportunizar o acesso a uma
educação linguística de qualidade a baixo custo, na tentativa de minimizar, a despeito de todas
as suas limitações, as desigualdades que nos segregam. Além disso, constitui-se como um
espaço aberto à formação docente e ao fazer científico, possibilitando a diversos/as estudantes
dos cursos de licenciatura em Letras a oportunidade de um primeiro contato com a atuação
docente em sala de aula, ademais de proporcionar a “pesquisadores/as” um campo fértil para o
desenvolvimento de estudos a nível de graduação (iniciação científica, trabalhos de conclusão
de curso e monografias) e pós-graduação (dissertações e teses).
Atualmente, o Centro de Línguas oferta cursos semestrais em alemão, espanhol, francês,
inglês e italiano, nas modalidades presencial e digital, com duração entre seis e oito semestres,
dependendo da língua. No caso do francês, a língua de interesse deste trabalho, o curso tem a
duração de seis semestres letivos, organizados em níveis supostamente progressivos (do
Francês 1 ao Francês 6).
Anteriormente à pandemia da COVID-19, eram oferecidos cursos exclusivamente
presenciais. Com o surto do novo coronavírus, as atividades do projeto ficaram suspensas por
cinco meses – de março a julho de 2020 –, por determinação da administração da Universidade
Federal de Goiás, na tentativa de preservar a saúde e o bem-estar de toda a comunidade
universitária. O retorno das aulas se deu de modo completamente remoto, o que exigiu grande
esforço em termos de adaptação, tanto para docentes quanto para discentes, que já haviam
iniciado o semestre letivo presencialmente. Dois anos depois desse episódio, as ações do projeto
passaram a ocorrer nas duas modalidades. Vemos, aqui, um exemplo simples de como um
actante não humano (um vírus) afeta nossas dinâmicas no campo educacional. Diante disso,
como é possível negar sua capacidade agentiva?
Faço parte do corpo docente do Centro de Línguas desde 2019, atuando nas áreas de
francês e inglês. Realizei meu trabalho de conclusão do curso (Silva, 2021) de graduação em
Letras: Inglês na instituição, ocasião na qual problematizei as relações entre concepções de
língua e estratégias de aprendizagem de um grupo de estudantes de francês. Agora, escrevo esta
dissertação de mestrado a partir de experiências que também lá tiveram lugar. Justifico minha
escolha com base na familiaridade que tenho com esse contexto, ciente de que se trata de um
projeto engajado com a experimentação e com diferentes perspectivas na educação linguística.
46
De acordo com a aprovação da coordenação do Centro de Línguas, mediante a assinatura
do termo de anuência (Apêndice A), o estudo aqui apresentado se desenvolveu com um grupo
de Francês 6, entre os meses de setembro a dezembro de 2021. Ofertado na modalidade remota,
o curso contou com encontros síncronos semanais de duas horas e quarenta minutos de duração,
por meio da plataforma digital Google Meet. Esses encontros ocorreram aos sábados pela
manhã e foram divididos em duas partes. A primeira parte compreendia o período das 08h00 às
09h30, seguido por um intervalo de 30 minutos. A segunda parte, por sua vez, se desenrolava
entre as 10h00 e as 11h10.
O grupo era composto por 18 estudantes, 12 dos/as quais se prontificaram a colaborar
com o desenvolvimento deste estudo. Em conformidade com as exigências do Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Goiás, a participação humana foi subsidiada
pela assinatura de termos de consentimento (Apêndices B e C) e assentimento (Apêndice D),
mediante a solicitação do emprego de nomes fictícios nos textos resultantes da perguntação, a
fim de resguardar as identidades dos/as colaboradores/as.
Atuei como professor do grupo colaborador, tendo minha práxis amparada pela
Linguística Aplicada Crítica. De acordo com Pennycook (2021, p. 1), o trabalho crítico é
“responsivo a um mundo em transformação”61 e se caracteriza pelo enfrentamento às múltiplas
formas de desigualdade e discriminação que nos constituem. Sob esse olhar, concebo o ensino
de línguas para além da mera reprodução do código linguístico, buscando oportunizar situações
para a problematização de questões da vida sociomaterial imbricadas nas diversas relações de
poder que nos atravessam. Como pontua Pessoa (2018, p. 189),
[t]rata-se de trabalhar realidades sociais que estão presentes em todas as salas de aula,
já que elas são microcosmos da sociedade. Essas realidades se reproduzem na escola
e em sala de aula por meio das identidades discentes e docentes, das escolhas
pedagógicas (conteúdo, materiais, processos instrucionais, uso de repertórios
linguísticos), das relações, das interações, das interpretações, dos posicionamentos e
das ações de todas/os as/os suas/seus agentes.
“O que isso tem a ver com o Pós-humanismo?”, você pode se perguntar. Assim como
Pennycook (2020, p. 187), compreendo que a Linguística Aplicada Crítica e o Pós-humanismo
“são parte do mesmo projeto”62. O autor aponta que o último nos instiga a abordar as diferentes
formas de desigualdade a partir das relações que emergem entre elas, sem hierarquizar
previamente as violências que afetam assemblagens situadas. Nesse sentido, assim como a
61
62
“responsive to a changing world”.
“are part of the same project”.
47
Linguística Aplicada Crítica, o Pós-humanismo a que me associo tem o compromisso político
de problematizar as configurações de poder que constroem, mantêm e, paradoxalmente, ao
mesmo tempo, destroem o mundo.
A Figura 6 traça o perfil socioeconômico dos/as colaboradores/as. Essas informações,
referentes a pseudônimo, cidade e estado de residência, idade, identidade de gênero, raça,
grau de escolaridade, renda média familiar e profissão, são provenientes do questionário de
identificação, que será discutido em mais detalhes na próxima seção. Na tentativa de dispor
esses elementos em uma exposição rizomática, optei por distribuí-los em círculos pontilhados,
interligados uns aos outros por linhas tracejadas. Os pontilhados simbolizam as fronteiras
porosas que caracterizam nossas existências, visto que não somos unidades fechadas, coesas e
rígidas, mas antes sujeitos dispersos e distribuídos em assemblagens. A esse respeito, Barad
(2007) sublinha que não existe um sujeito puro, demarcado por linhas fixas que distinguem o
interior do exterior. Segundo a autora, o “Pós-humanismo não presume a separação de nenhuma
‘coisa’, muito menos a suposta distinção espacial, ontológica e epistemológica que separa os
seres humanos”63 (Barad, 2007, p. 136).
“Posthumanism doesn’t presume the separateness of any-‘thing,’ let alone the alleged spatial, ontological, and
epistemological distinction that sets humans apart”.
63
48
Figura 6 – Assemblagem dos/as colaboradores/as do estudo
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
Notas: s.m. = salários mínimos; M cis = mulher cisgênero; H cis = homem cisgênero; E.M. = Ensino Médio; E.S. = Ensino Superior. No questionário, r.c. grafou seu
nome fictício em letras minúsculas. Apesar de não saber se foi um ato intencional, manterei a grafia em minúsculo todas as vezes que for citá-lo. No círculo de Marta,
os sinais gráficos que representam um rosto triste, acompanhando o termo “desempregada”, foram inseridos pela própria estudante em sua resposta ao questionário.
49
Ainda que não tenhamos limites bem definidos, somos constituídos/as por traços que
nos singularizam, o que é representado pelas diferentes cores de cada círculo. As linhas
tracejadas, por sua vez, conectam os diversos sujeitos apresentados, demonstrando a noção de
que estamos todos/as intraligados/as no espaçotempo de desenvolvimento do estudo. Esse
arranjo manifesta um emaranhamento de actantes que são extensão uns/mas dos/as outros/as.
As informações dentro dos círculos estão dispostas de modo fluido, dispersas nos
sujeitos, sem uma ordenação específica. A partir delas, é possível obter uma paisagem parcial
e situada dessa assemblagem, “relacionando as diferenças que ela reúne através de suas
diferenças no lugar de qualquer [pretensão de] unidade”64 (Widder, 2009, p. 215). Começando
pelo local de residência no período do estudo, dez moravam em Goiânia (GO); um, em
Aparecida de Goiânia (GO); uma, em Paragominas (PA); e um, em Guarulhos (SP). No que diz
respeito à idade, há uma variação entre 18 e 57 anos, sendo que a maioria tinha entre 20 e 30
anos. Em relação à identidade de gênero, sete se declararam como mulheres cisgênero; cinco,
como homens cisgênero; e um, como agênero.
Quanto à raça, temos o seguinte retrato: oito brancos/as, quatro pardos/as e uma amarela.
Sobre o grau de escolaridade, seis tinham ensino superior; três tinham doutorado; três tinham
ensino médio; e um tinha mestrado. No que concerne à renda familiar, sete afirmaram ser
superior a cinco salários mínimos; quatro, entre três e quatro salários mínimos; um, entre dois
e três salários mínimos; e uma, entre um e dois salários mínimos. Por fim, abordando a
profissão, temos: quatro estudantes; quatro professores/as; uma auxiliar de laboratório; um
operador bilíngue; um customer service (profissional de atendimento ao/à cliente); uma
desempregada; e um que não comunicou nenhuma profissão, mas infiro que também era
estudante.
Desse modo, os/as colaboradores humanos/as correspondem aos/às 12 estudantes de
língua francesa inscritos/as no curso de Francês 6 e a mim, professor da turma. Certamente,
diversos/as outros/as actantes humanos/as afetaram a realização deste trabalho. Para nomear
alguns/mas, posso citar minha orientadora, funcionários/as do Centro de Línguas, familiares
dos/as estudantes, colegas da pós-graduação… A lista é extensa! No entanto, lanço mão, aqui,
de um corte agencial para acomodar a discussão aos limites do que é possível nesta dissertação,
assumindo seu caráter de conhecimento situado65 (Haraway, 1988). Essa mesma observação é
“relating the differences it brings together through their difference rather than any unity”.
Haraway (1988, p. 595) formula que “[c]onhecimentos situados exigem que o objeto de conhecimento seja
retratado como um ator e agente, não como uma tela, uma base ou um recurso, nunca finalmente como escravo do
mestre que confina a dialética em sua agência única e em sua autoria de conhecimento ‘objetivo’” [“[s]ituated
knowledges require that the object of knowledge be pictured as an actor and agent, not as a screen or a ground or
64
65
50
válida para os/as actantes não humanos/as. Por mais numerosos/as que sejam, restrinjo meu
olhar para a agência de tecnologias digitais, espaços físicos e digitais (plataformas mobilizadas
nas aulas) e materiais didáticos.
O curso emergiu em uma sala de aula distribuída que imiscuiu espaços físicos e digitais,
uma sala de aula onlife. Utilizo “sala de aula distribuída” e “sala de aula onlife” como sinônimos
para expressar o entendimento de que a sala de aula não se restringe aos limites físicos das
instituições de ensino nem tampouco aos algoritmos das interfaces digitais. Com isso, busco
me afastar da noção de “espaço euclidiano, feito de partes integradas e separado de outros
espaços pelos efeitos do tempo que se leva para viajar de um ao outro” (Buzato, 2007, p. 47).
Assim, a sala de aula deixa de ser um “local em que uma atividade ocorre” e se torna um “espaço
produzido através de movimentos contínuos”66 (Leander; Phillips; Taylor, 2010, p. 332),
desconstruindo sua iconografia como um ambiente sólido, estático e inerte.
Nesse sentido, renego a visão da sala de aula como um contêiner pré-existente de
depósito de práticas socioculturais (Buzato, 2007) e caminho em direção a um entendimento da
sala de aula como um actante que se forma a partir de inúmeras relações sociomateriais
imbricadas em processos de ensinaprender. Aceito, então, o convite de Leander, Phillips e
Taylor (2010, p. 381) para pensar a sala de aula como “um lugar dinâmico em construção […]
como um ponto ao longo de uma complexa trajetória de aprendizagem, ou como um nó em uma
rede”67. A sala de aula distribuída emerge, pois, como uma assemblagem, como um corpo ativo,
movente, rizomático e sensível às intra-ações de coletivos de humanos/as e não humanos/as.
Na obra intitulada The distributed classroom, Joyner e Isbell (2021, p. 9) assinalam que
o qualificador “distribuída significa que a aula não está restrita no tempo ou no espaço, mas
que pode ser distribuída por múltiplos espaços e múltiplos tempos”68. Embora utilizemos a
mesma terminologia e partilhemos várias ideias, nossas propostas divergem no sentido de que
os autores partem de um objetivo pragmático de oferecer um modelo pedagógico e “criar uma
infraestrutura para distribuir a experiência da aula no tempo e no espaço sem exigir que os/as
professores/as mudem drasticamente o que fazem na sala de aula”69 (Joyner; Isbell, 2021, p.
27), ao passo que preconizo uma reconceitualização ontoepistemológica da sala de aula tal
a resource, never finally as slave to the master that closes off the dialectic in his unique agency and his authorship
of ‘objective’ knowledge”].
66
“a location in which activity occurs”; “space as produced through ongoing movements”.
67
“a dynamic place-in-the-making […] as a point along a complex learning trajectory, or as a node in a network”
68
“distributed means that the class is not restricted in time or space, but rather can be distributed across multiple
locations and multiple times”.
69
“to create an infrastructure for distributing the class experience across time and space without requiring that
teachers dramatically change what they do in the classroom”.
51
como está dada. Em vista disso, minha proposição estaria mais próxima daquilo que Sousa
(2022, p. 199) chama de paisagem de sala de aula (classroomscape), conceito que mobiliza
para caracterizar “assemblagens semióticas políticas, socioculturais e físicas que fomentam
fluxos e movimentos tanto de estabilidade como de mudança”70.
Isso posto, neste trabalho, os espaços físicos correspondem aos variados lugares a partir
de onde cada um/a dos/as actantes humanos/as participou dos encontros virtuais. Os espaços
digitais, por sua vez, foram concentrados em três plataformas principais: o Google Meet, o
Google Sala de Aula e a sala de aula virtual do portal do/a aluno/a Eduq. O Google Meet operou
como o espaço dos encontros síncronos. Trata-se de um espaço difuso, no qual tínhamos uma
reunião principal, para a intra-ação de todos/as aqueles/as presentes, e diversas reuniões
paralelas, para o trabalho em pequenos grupos. O Google Sala de Aula e o portal do/a aluno/a
emergiram como espaços de intra-ação assíncrona. O Google Sala de Aula se configurou como
um ambiente de postagem de materiais, envio de atividades e publicação de avisos. O portal
do/a aluno/a Eduq, por sua vez, consiste em uma plataforma adotada pelo Centro de Línguas
para a gestão educacional. Além de informações a respeito de matrícula, calendário letivo,
faltas, notas, entre outras, o portal conta com uma “sala de aula virtual”. Esse espaço digital
intra-agiu na postagem de materiais e na realização de atividades. Adentremos essas duas salas
nas Figuras 7 e 8. Clique nas figuras para visualizar as imagens em movimento.
“political, sociocultural, and physical semiotic assemblages that foster flows and movements of both stability
and change”.
70
52
Figura 7 – Imagem em movimento do Google Sala de Aula
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
Figura 8 – Imagem em movimento da sala de aula virtual do portal do/a aluno/a*
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
*Desde a realização do curso, o modo de visualização da sala de aula virtual passou por mudanças em sua interface.
Portanto, o modelo aqui apresentado é ligeiramente diferente daquele acessado pelos/as estudantes no segundo
semestre de 2021, mas a estrutura da sala de aula é basicamente a mesma. O horário que você vê (08h00 – 11h40)
diz respeito às turmas presenciais, que foi mantido na plataforma, apesar da redução da carga horária na
modalidade digital.
53
Adicionalmente, tínhamos um grupo no WhatsApp, espaço que era ocupado tanto nos
momentos síncronos quanto assíncronos para dar avisos, reportar problemas (como perda de
conexão, por exemplo), tirar dúvidas sobre atividades, divulgar eventos acadêmicos e culturais
e compartilhar materiais diversos (aplicativos, imagens, vídeos, canções, figurinhas etc.)
relacionados à língua francesa.
Na seção subsequente, discuto os/as actantes de geração do material da perguntação.
Materiais
Começo esta seção problematizando a noção de “dado” numa ótica pós-humanista. Para
tanto, convido MacLure (2013) à conversa. A autora refuta a abordagem dos “dados” como
corpos estáticos, inertes, indiferentes e passivos, à mercê da agência do ser humano. Defende,
pelo contrário, que os “dados” são agentivos e se fazem inteligíveis ao/à perguntador/a por meio
de intra-ações. A despeito de nosso ímpeto positivista de controlar objetivamente os “dados”,
sua agência convoca nosso olhar para os detalhes, a partir dos quais conexões começam a se
formar. É aí que emerge o brilho dos dados (data glow) (MacLure, 2013).
A título de ilustração, “[i]sso pode ser visto, ou melhor, sentido, nas ocasiões em que
você se torna particularmente ‘interessado/a’ em um dado – por exemplo, um comentário
sarcástico em uma entrevista, um incidente intrigante, ou um evento observado que te faz sentir
um tanto peculiar”71 (MacLure, 2013, p. 660-661). É nesse sentido que o “dado” brilha e intraage com o/a leitor/a, produzindo uma nova reconfiguração que não foi antecipada, rompendo
com pressupostos de previsibilidade. Sob esse ângulo, as intervenções materiais operam
mudanças nas formas como experenciamos a “realidade” e o campo das possibilidades,
resultando em transformações em nossas conceitualizações metafóricas (Kuntz; Presnall,
2012).
Entendo que o termo “dados” carrega um ranço positivista e descorporificado. Por isso,
em seu lugar, recorro ao vocábulo materiais para designar o conjunto de informações,
conhecimentos, saberes, eventos e fenômenos que intra-agiram na produção deste trabalho.
Acredito que essa expressão seja mais coerente com o viés praxiológico do Pós-humanismo.
Ainda que possamos subverter os sentidos de uma palavra, temo que determinados casos sejam
irremediáveis, como exemplifica Haraway (2014), e exijam uma mudança.
“[t]his can be seen, or rather felt, on occasions when one becomes especially ‘interested’ in a piece of data –
such as a sarcastic comment in an interview, or a perplexing incident, or an observed event that makes you feel
kind of peculiar”.
71
54
Os materiais deste estudo englobam: 1) um questionário; 2) as aulas ocorridas entre os
meses de setembro a dezembro de 2021, incluindo os materiais didáticos; 3) as produções
dos/as estudantes; e 4) um diário de campo72. Nas subseções a seguir, discorro em detalhes
sobre cada um deles.
Questionário
Mas não seria o questionário um instrumento da pesquisa qualitativa cartesiana? Qual o
lugar do questionário em um trabalho que se pretende pós-qualitativo? De meu ponto de vista,
a proposta pós-qualitativa não se fundamenta como uma negação radical a tudo o que é
proveniente da tradição qualitativa, mas sim como uma reconceitualização ontoepistemológica
da práxis perguntadora. Na esteira de Pennycook (2010), sustento que a repetição pode ter um
potencial criativo e transgressor. Nesse sentido, é completamente plausível se valer de um
mesmo material, porém, a partir de uma nova configuração. Sendo assim, ao repetir, aqui, o uso
de um questionário em um trabalho acadêmico, espero fazê-lo por meio de sua diferença.
Pensando-com Barad (2012, p. 16), entendo que se trata de “uma questão de des/continuidade,
nem contínua nem descontínua no sentido usual”73. Como explica a autora, “[d]es/continuidade
é um corte junto-separado (um movimento) que não nega a criatividade e a inovação, mas
entende sua dívida e suas ligações com o passado e o futuro”74 (Barad, 2012, p. 16).
Ao final do curso, um questionário on-line (Apêndice E) foi enviado aos/às estudantes
com o intuito de obter uma paisagem do perfil socioeconômico do grupo, bem como
informações acerca de sua educação linguística em francês. O questionário foi elaborado no
Google Forms e compartilhado com os/as colaboradores/as via email. Relembro, aqui, o
contexto pandêmico que circunstanciou esse momento do estudo, fator impositivo para que toda
a intra-ação do grupo ocorresse remotamente, por meio das tecnologias disponíveis.
Salvo o texto de apresentação, que mescla português e francês, todos os campos do
questionário foram apresentados em língua portuguesa. As respostas obtidas foram escritas,
igualmente, em nossa língua materna. Entre os itens que integram o questionário constam:
nome completo, pseudônimo, cidade e estado de residência, idade, raça, identidade de gênero,
renda média familiar, grau de escolaridade e profissão. A Figura 6, exibida na seção anterior,
72
A razão pela qual esta expressão aparece tachada será debatida mais adiante na subseção em que discuto
especificamente esse material.
73
“a matter of dis/continuity, neither continuous nor discontinuous in the usual sense”.
74
“[d]is/continuity is a cutting together-apart (one move) that doesn’t deny creativity and innovation but
understands its indebtedness and entanglements to the past and the future”.
55
resume as respostas dos/as colaboradores/as, com exceção de seus nomes completos, que foram
substituídos pelos nomes fictícios escolhidos por eles/as no intuito de preservar suas
identidades. O propósito dessas questões reside na busca por compreender, mesmo que
minimamente, as diferentes diferenças que situam o lugar de existência dos/as actantes
humanos/as do grupo de Francês 6.
O documento contou ainda com quatro questões abertas sobre a educação linguística
dos/as estudantes:
1) Há quanto tempo você estuda francês?
2) Há quanto tempo você estuda francês no Centro de Línguas da UFG?
3) Durante o curso de Francês 6, você estava em seu local de residência? Se não, em
que local(is) esteve? A mudança de local impactou de alguma forma sua educação
linguística? Como?
4) Que materialidades (pessoas, objetos, espaços, seres não humanos etc.)
contribuíram para a sua educação linguística no curso de Francês 6? Comente a
respeito.
As três primeiras perguntas tinham o objetivo de vislumbrar as espaçotemporalidades
que constituíam as relações dos/as estudantes com a língua francesa. Supondo que a educação
linguística em francês em um ambiente formal poderia ter sido iniciada antes da inscrição no
curso do Centro de Línguas, a questão 1 procurou entender a longevidade da história dos/as
estudantes com a língua-alvo. Na tentativa de localizar o papel do Centro de Línguas nessa
história, a questão 2 atentou para o tempo de estudo dos/as colaboradores/as nessa instituição.
A questão 3, por sua vez, partiu do princípio de agência do espaço, reconhecendo seu caráter
performativo e suas implicações para o desenvolvimento de repertórios polissemióticos. Afinal
de contas, “[h]á uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço” (Freire, 1996, p.
20).
Por fim, a questão 4 foi concebida no intuito de considerar a percepção dos/as estudantes
sobre as materialidades que afetaram suas intra-ações na língua francesa durante o semestre
letivo. Assim como Matos (2021, p. 60), abordo a percepção “como o julgamento dado pelo
sujeito com base nos achados das sensações”. Cerceados/as por uma lógica calcada no
humanismo antropocêntrico, muitas vezes, falhamos em reconhecer a agência de outros seres
sobre os eventos que constroem nosso cotidiano. Nesse sentido, a questão buscou estimular
os/as colaboradores/as a perceber suas experiências no curso a partir de uma ótica de
56
assemblagem. Isso não quer dizer, no entanto, que todos/as o tenham feito, uma vez que o
reconhecimento da capacidade agentiva de actantes não humanos/as é ponto de controvérsia.
Aulas
De acordo com Lemke (2010, p. 469), as instituições educacionais, de maneira geral, se
amparam em um paradigma de aprendizagem curricular, que, aliado a uma lógica do
capitalismo industrial, “assume que alguém decidirá o que você precisa saber e planejará para
que você aprenda tudo em uma ordem fixa e em um cronograma fixo”. Inserido nesse
paradigma, o curso de Francês 6 do Centro de Línguas se organiza a partir de um currículo
específico. Para Silva (2005, p. 15, ênfase adicionada), o currículo tem como preocupação
central os conhecimentos e saberes que devem ser ensinados, tendo como base uma inquietação
sobre os efeitos que se espera que ele produza, dado que “está inextricavelmente, centralmente,
vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na
nossa subjetividade”. Assim, o currículo não é neutro; antes, é informado por uma agenda com
interesses bem definidos.
Em vista disso, podemos conceber o currículo como um aparato. Barad (2007) nos
explica que um aparato é uma prática materiodiscursiva75 que produz diferenças nas
reconfigurações do mundo. Segundo a autora, os aparatos operam cortes agenciais que
constroem fronteiras, delimitando o que importa e o que é excluído. O currículo se ancora
sempre numa seleção (Silva, 2005), um corte que lança luz sobre determinados fenômenos ao
mesmo tempo em que escamoteia outros. Vejamos, então, o que nos diz esse aparato sobre o
Francês 6. A fim de pluralizar as vozes presentes neste texto e polissemiotizá-lo um pouco mais,
convido a leitora de texto do Word para fazer a apresentação oral da ementa e dos objetivos do
curso de Francês 6 (Universidade Federal de Goiás, 2022a, on-line):
Na literatura acadêmica pós-humanista, o termo usualmente empregado consiste em “material-discursivo/a”. No
entanto, a fim de romper com a separação semiótica entre matéria e discursivo que segue presente nessa grafia,
utilizarei, ao longo deste texto, a expressão “materiodiscursivo/a”.
75
57
Vídeo 2 – Ementa e objetivos do Francês 6
Fonte: Elaborado pelo autor e pela leitora de texto do Word (2022).
Em consonância com outros cursos de línguas no Brasil, o Centro de Línguas se atém
ao desenvolvimento das quatro habilidades comunicativas, a saber: produção oral, compreensão
oral, produção escrita e compreensão escrita. A ementa e os objetivos do Francês 6 despendem
atenção à capacidade dos/as estudantes de produzir textos, prioritariamente, argumentativos,
tanto orais quanto escritos, de nível intermediário. Além disso, há um apontamento para a
celebração das diversidades que atravessam a língua francesa, dando abertura para romper com
uma longeva tradição de ensino centrada na França, fenômeno que tenho chamado de
francocentrismo (Silva, 2021).
Do ponto de vista linguístico-normativo, o conteúdo programático contém uma lista de
itens que devem ser abordados ao longo das 60 horas que integram a carga horária total do
curso. São eles: « expression de l'opposition ; expression de la concession ; expression du but ;
le style indirect ; le discours indirect au présent et au passé ; la forme passive ; le participe
présent ; le gérondif ; l'adjectif verbal ; et le passé simple »76 (Universidade Federal de Goiás,
2022a, on-line). Essa proposta curricular é subsidiada pelas unidades oito, nove e dez do
Nouveau Rond-Point 2 (Flumian; Labascoule; Priniotakis; Royer, 2011), livro didático adotado
pela instituição.
O curso teve 16 encontros, com início no dia 21 de agosto e término no dia 4 de
dezembro de 2021. No entanto, apenas 13 desses encontros constituem o material deste estudo.
Isso se deu por motivos de uma adaptação que precisou ser feita no projeto inicial previsto para
Em francês, as aspas angulares (« ») são os sinais gráficos correspondentes às aspas curvas (“ ”) no português
brasileiro. Em vista disso, utilizarei, no corpo do texto, as aspas angulares nas citações de textos em francês e as
aspas curvas nas citações de texto em português. Além disso, “o espaço rígido ou fixo precede os sinais de
pontuação alta (:;?!) em francês internacional” (Mancko, 2023, para. 4), incluindo as aspas. Esse padrão de
espaçamento será igualmente empregado nos trechos em francês.
76
58
esta dissertação, o qual seria realizado com um grupo de professores/as de inglês da rede pública
de ensino77. A partir de 11 de setembro, todos os encontros síncronos foram gravados em áudio
e vídeo pelo Google Meet, o que incluiu também um registro por escrito das conversas no chat
da sala de aula digital.
Procuro me embasar no entendimento de que “o currículo não é normativo, rígido,
estanque e vertical, mas está em constante mutação de acordo com as (re)configurações que
emergem na sala de aula” (Magalhães; Silva, 2022, p. 110). Por isso, gosto de pensar nesse
aparato como uma criação cotidiana (Süssekind; Santos, 2016), que se torna-com (Haraway,
2016) a assemblagem de actantes que intra-agem no espaçotempo da aula. Para ser coerente
com esse ponto de vista, é indispensável incorporar as demandas dos/as estudantes no conteúdo
programático. Sendo assim, no primeiro dia de aula, indaguei o grupo sobre os assuntos que
gostariam de discutir ao longo do semestre. Suas respostas incluíram: canções, filmes e séries,
atualidades, DELF (Diploma de Estudos em Língua Francesa)78, gírias e palavrões.
Com exceção do DELF79, todos os temas sugeridos foram incorporados no currículo do
Francês 6. Nossas aulas congregaram tópicos da vida sociomaterial, aliados aos pontos
gramaticais previstos. A Figura 9 propõe uma paisagem do curso, com as datas e os assuntos
discutidos em cada um dos encontros síncronos. Todas as aulas foram ministradas em língua
francesa e era esperado dos/as estudantes que utilizassem, majoritariamente, repertórios na
língua-alvo.
Os materiais didáticos que intra-agiram no curso consistem em apresentações de
PowerPoint preparadas por mim, espaços digitais de colaboração (Jamboard e Padlet), jogos
digitais do WordWall e do Kahoot, duas canções, um conto literário, um longa-metragem,
atividades gramaticais, imagens, áudios, vídeos e textos escritos diversos. Por entender que o
livro didático Nouveau Rond-Point 2 não comportava elementos suficientes para promover uma
práxis docente crítica e problematizadora que atendesse às demandas temáticas sugeridas
pelos/as estudantes, tomei a decisão de não utilizá-lo, escolha essa que foi corroborada pelo
77
Esse curso seria realizado no Centro de Línguas, no segundo semestre de 2021; porém, como não tivemos o
número mínimo esperado de inscrições, a proposta não foi levada adiante. Em vista disso, Rossane e eu decidimos
redirecionar o trabalho para minha turma de Francês 6.
78
O DELF é “o diploma oficial do Ministério da Educação Nacional Francês para certificar as competências em
francês dos[/as] candidatos[/as] estrangeiros[/as]. Os certificados são reconhecidos internacionalmente e não têm
prazo de validade” (Aliança Francesa Rio de Janeiro, 2022, para. 1). A certificação atesta do nível A1 ao B2, de
acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR).
79
Talvez por falta de familiaridade com as especificidades do funcionamento desse exame de certificação e
levando em consideração que a demanda partiu de uma única aluna, acabei, consciente ou (e?) inconscientemente,
excluindo o assunto de nossas aulas. Olhando em retrospecto, percebo que o trabalho com o DELF poderia ter sido
uma ótima oportunidade não só para que o grupo pudesse conhecer e se preparar para esse tipo de exame, mas
também para problematizar como testes padronizados afetam nossas relações com as línguas que aprendemos.
59
grupo em nosso primeiro encontro, no momento de apresentação do curso. Assim como
Kumaravadivelu (2012, 2016), acredito que os livros didáticos, em sua maioria, reproduzem
crenças, valores e ideologias socioculturais do Ocidente, contribuindo para a preservação de
ontoepistemologias dominantes dos centros coloniais de poder. Dessa forma, concebo que a
preparação de meus próprios materiais didáticos com foco na situacionalidade da assemblagem
do Francês 6 se configurou como um movimento em direção a uma ruptura epistêmica
(Kumaravadivelu, 2012) com as colonialidades que perduram na educação linguística.
Esses cortes que fazemos em relação aos componentes de nossas aulas são cruciais, pois
“quando os/as estudantes intra-agem com os materiais, eles/as não só aprendem a língua, mas
também se engajam em práticas sociais específicas e constroem percepções sobre a educação
linguística”80 (Sousa, 2022, p. 201). Nesse sentido, não podemos perder de vista os possíveis
efeitos de nossas escolhas pedagógicas na (des)construção/manutenção da vida sociomaterial.
Essa compreensão nos leva a reconhecer que “não só o que os estudantes aprendem é
importante, mas também como aprendem”81 (Sousa, 2022, p. 201). Portanto, os materiais
didáticos estabelecem fortes relações de afecto com os/as demais actantes envolvidos/as nos
processos educativos.
“when students intra-act with materials, they do not just learn language but also engage in particular social
practices and construct perceptions of language education”.
81
“not only is what students learn important, but also how they learn it”.
80
60
Figura 9 – Aulas do curso de Francês 6
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
Produções dos/as estudantes
Ao longo do semestre, os/as estudantes realizaram uma série de atividades como
requisito parcial para a aprovação no curso. A maior parte dessas atividades foi desenvolvida
de forma assíncrona, no Google Sala de Aula ou na sala de aula virtual do portal Eduq, e tinham
o objetivo de impulsionar os/as estudantes a mobilizar e expandir seus repertórios na (e para
61
além da) língua francesa. Nesse sentido, do ponto de vista normativo, as propostas apresentadas
buscaram não só estimular a prática das estruturas linguísticas estudadas nas aulas, mas também
a experimentação com a língua-alvo de forma mais ampla. Do ponto de vista éticoontoepistemológico, por outro lado, o interesse residia em nos tornarmos-com a língua francesa
mediante a discussão de questões da vida sociomaterial.
Em conformidade com a orientação da ementa de promover o “aperfeiçoamento […]
das produções oral e escrita” (Universidade Federal de Goiás, 2022a, on-line), os/as estudantes
se engajaram na performance de textos escritos, orais e polissemióticos. Diferentes gêneros
textuais foram explorados nessas produções, entre eles constam: narrativa de aprendizagem de
língua, comentário, tuíte, apresentação oral, cartaz, perguntas e relato pessoal. Seus temas
abrangeram os assuntos discutidos nas aulas: história de aprendizagem da língua francesa;
palavrões e questões de gênero; denúncia de uma situação de injustiça; monumentos;
consumo; o filme Les misérables (2019); e experiências com a educação linguística em francês
de forma remota.
Os/as estudantes foram encorajados/as a intra-agir com as produções de seus/suas
colegas para que tivessem contato com posicionamentos diferentes e divergentes e pudessem
coconstruir repertórios polissemióticos a partir de suas diferenças. Afinal, uma postura
problematizadora está sempre aberta ao dissenso. Em vista disso, quase a totalidade das
atividades foi postada em espaços digitais de acesso público do grupo, tais como o Padlet, o
Jamboard e, mais frequentemente, o fórum da sala de aula virtual do portal do/a aluno/a.
De modo geral, encaro essas atividades como decisões inten(c/s)ionais (Kuby; Christ,
2020) tomadas na esperança de criar oportunidades para que os/as estudantes pudessem
performar criticidade, entendida aqui como “um fenômeno corporificado, afetivo, performático
e material-discursivo. A criticidade não é apenas algo a ser adquirido, armazenado e conhecido.
É uma prática que existe no fluxo, na materialidade, emaranhada com e no cotidiano”82 (Bayley,
2018, p. 231-232). Veremos, mais adiante, como isso se desenrolou.
Diário de campo
Antes de adentrar no mérito do diário de campo, gostaria de abordar um assunto que,
nos últimos tempos, tem me inquietado bastante: a noção tradicional de campo como “o local
“an embodied, affective, performative and material-discursive phenomenon. Criticality is not just something to
be acquired, banked and known. It is a practice, existing in flow, in materiality, entangled with and in the
everyday”.
82
62
onde o fenômeno sob estudo – objeto de estudo – está ocorrendo” (Ferreira, 2019, 0min 50s).
Pensando-com a perspectiva onlife e a sala de aula distribuída, me pergunto: onde/quando
começa e termina “meu” campo? Se ministro aulas on-line de minha casa, quando é que entro
efetivamente no campo de perguntação? Quando saio dele? Antes de começar o curso de
Francês 6, quando fazia leituras e preparava meu projeto, não estava em campo? Ou quando
conversei com Rosane e colegas de pós-graduação sobre meu trabalho? Esses questionamentos
me impulsionaram a buscar visões mais expansivas acerca do que pode vir a ser o campo, de
modo a concebê-lo para além de uma lógica espacial de contêiner.
Assim como Kroef, Gavillon e Ramm (2020), considero o campo como uma rede
complexa de relações na qual nos emaranhamos. Nesse sentido, não se trata de um espaço
determinado, mas de intra-ações situadas em espaçotempos em torno de um tema de nosso
interesse. Disso decorre uma compreensão corporificada do campo, que deixa de ser “um lugar
específico, delineado, separado e distante” (Spink, 2003, p. 28), um espaço alheio ao/à
perguntador/a, para se tornar um espaçotempo rizomático do qual fazemos parte, de modo “que
estamos sempre potencialmente em múltiplos campos” (Spink, 2003, p. 28) devido à
multiplicidade de relações que estabelecemos com o fenômeno estudado.
Seguindo esse intranó, Spink (2003) sugere que o campo consiste em um argumento,
um assunto; uma perguntação, adiciono. Consequentemente, o autor nos apresenta a ideia de
campo-tema, um
complexo de redes de sentidos que se interconectam, é um espaço criado – usando a
noção de Henri Lefebvre (1991) – herdado ou incorporado pelo[/a] pesquisador ou
pesquisadora e negociado na medida em que este[/a] busca se inserir nas suas teias de
ação. Entretanto isso não quer dizer que é um espaço criado voluntariamente. Ao
contrário, ele é debatido e negociado, ou melhor ainda, é argüido dentro de um
processo que também tem lugar e tempo (Spink, 2003, p. 28, ênfase adicionada).
Com base nisso, não vejo sentido em expressões como “trabalho de campo” ou “ir ao campo”83,
uma vez que todo o nosso trabalho ocorre no campo, pois integramos esse espaçotempo desde
o momento em que iniciamos nossas perguntações, independentemente do local onde
estejamos. Por conseguinte, o campo, ou campo-tema, se configura como um actante da
83
Recentemente, li uma notícia que informava sobre a exclusão dessas expressões na Escola de Serviço Social
Suzanne Dworak-Peck da Universidade do Sul da Califórnia mediante a justificativa de que elas “talvez tenham
conotações que não são benignas para descendentes de pessoas escravizadas e trabalhadores/as imigrantes”
[“maybe have connotations for descendants of slavery and immigrant workers that are not benign”] (Keane, 2023,
para. 5). Visto que o assunto não toca meu lugar de existência, não sei dizer em que medida esses termos são ou
deixam de ser gatilhos para traumas intergeracionais, mas acredito que a problematização seja válida.
63
perguntação, formado por uma correlação de agências que se sintonizam e se desalinham para
produzir sentidos sobre determinados eventos.
Em perguntações que envolvem a sala de aula, é comum a prática de fazer anotações,
as quais se convencionou chamar, na metodologia qualitativa, de diário de campo (ou notas de
campo). Levando em consideração a discussão acima, suspeito que a expressão diário de
campo, ao menos para a situacionalidade desta dissertação, não seja adequada. No entanto, na
falta de uma melhor, decidi mantê-la; farei isso, porém, sob rasura (Derrida, 1967). Spivak
(1997, p. xiv) explana que essa prática corresponde a “escrever uma palavra, riscá-la e depois
imprimir tanto a palavra quanto a exclusão. (Como a palavra é imprecisa, ela é riscada. Uma
vez que é necessária, permanece legível)”84.
Oliveira (2014, p. 71) define o diário de campo como “o lugar de registro dos
movimentos, das leituras, dos tempos, espaços e das observações que ocorrem/ocorreram,
enfim, do que na escola e comunidade vimos, ouvimos e vivemos”. As formas mais habituais
de fazer esses registros incluem escrever textos ou gravar áudios após a ocorrência de algum
evento que nos tenha fisgado a atenção. Na busca por facilitar a organização de meus
sentipensares, optei pela forma escrita, em um documento do Word. No entanto, não obtive
bons resultados.
Absorto na cotidianidade da rotina de sala de aula, falhei em me reportar ao diário de
campo. Após cada aula, minhas preocupações giravam em torno de lidar com os encargos do
dia de trabalho (registrar presenças, postar materiais e atividades, almoçar, descansar e me
organizar para as aulas do turno vespertino). Minha identidade de professor colidiu com a de
perguntador e não foi do tipo de colisão em que as duas se justapuseram, mas do tipo em que
uma se sobrepôs à outra. Isso me lembrou de uma conversa que tive com Rosane na qual ela
me alertou para olhar os eventos da sala de aula não mais como apenas professor, mas também
como perguntador. Entretanto, não soube conciliar bem esses papéis e, no meio da colisão, me
esqueci do diário, e ele se tornou ausência durante todo o período do curso, de maneira que
registrei apenas uma entrada, que data de um dia antes do início da gravação das aulas:
10/09/2021
Amanhã começarei a produzir o material empírico do estudo. Enquanto dormia, na noite de
ontem, sonhei com a aula de amanhã de minha turma de Francês 6. Não me lembro dos
detalhes do sonho, mas sei que foi impulsionado pela ansiedade de começar essa fase da
pesquisa.
“to write a word, cross it out, and then print both word and deletion. (Since the word is inaccurate, it is crossed
out. Since it is necessary, it remains legible.)”.
84
64
Essa única entrada, ainda que não diga muito, serve para ilustrar alguns deslocamentos
terminológicos que me ocorreram ao longo do processo. Como você pode ver, naquele
momento, empreguei termos como “material empírico” e “pesquisa”, os quais tenho substituído
por “material” e “perguntação”. Devo ressaltar que não se trata de uma mera mudança de
vocabulário, mas de uma reconfiguração de um olhar ontoepistemológico, uma vez que a
língua(gem) não é uma matéria que descreve o mundo ingenuamente; mais do que isso, é “a
base sobre a qual o conhecimento, o logos, repousa”85 (St. Pierre, 1997, p. 175).
Dado meu fracasso em me engajar com o diário de campo, hesitei em escrever sobre
ele. “O que teria para dizer?”, pensei. Contudo, exclusões requerem prestação de contas (Barad,
2003). Lather (2007, p. 93) nos adverte que “momentos de falha são particularmente
importantes para demarcar o tipo de trabalho que algo faz”86. E o que o diário de campo fez?
Me fez questionar o construto campo, me fez pensar sobre a conflituosa relação entre minhas
identidades de professor e perguntador, me fez contestar minhas escolhas, me fez admitir que
minha relação com esse aparato não foi produtiva, enfim, me fez viver os caminhos tortuosos
da perspectiva pós-qualitativa. Talvez meu diário de campo seja, despretensiosamente, minha
memória e todas as intra-ações nelas impressas durante o período do mestrado, o que eu não
seria capaz de textualizar, efetivamente, aqui ou em qualquer outro espaço que seja.
Discussão dos materiais
A discussão dos materiais tem como alicerce a intra-ação de práticas materiodiscursivas
na educação linguística dos/as colaboradores/as humanos/as em conjunção com actantes não
humanos/as. Nesse sentido, busco compreender de que maneira as pessoas, os materiais
didáticos, as tecnologias, as emoções, as espaçotemporalidades se conectaram para
(des)oportunizar a coconstrução de repertórios polissemióticos em um contexto de educação
digital onlife a partir da língua francesa. Essa problematização se dá mediante o viés da
Linguística Aplicada Pós-Humanista (Canagarajah, 2018a, 2018b; Pennycook, 2018a, 2018b;
Sousa, 2022).
O tratamento dos materiais tomou forma a partir de leituras difrativas (Barad, 2012).
Partindo do fenômeno ótico, Haraway (1992, 2018) tece uma crítica à ideia de reflexão,
85
86
“the foundation upon which knowledge, the logos, rests”.
“moments of failure are particularly important in tracing the kind of work that something does”.
65
mediante a justificativa de que ela apenas gera uma replicação do mesmo em outro lugar,
pautando-se por um preceito de igualdade desigual. Em razão disso, assinala que o conceito de
difração é mais produtivo, pois trabalha sob a ótica da heterogeneidade, da diferença. Para a
autora, a difração é uma “performance material-semiótica, não uma ilustração”87 (Haraway,
2018, p. xlvi), é “uma metáfora ótica para o esforço de fazer a diferença no mundo”88 (p. 16).
Inspirada por essa crítica, Barad (2007, p. 74) propõe um aprofundamento desse
construto. Segundo a autora, a difração é um fenômeno físico que “tem a ver com a forma como
as ondas se combinam quando se sobrepõem e a aparente flexão e propagação das ondas que
ocorre quando encontram uma obstrução”89. No fenômeno difrativo, as ondas atravessam
fendas e contornam obstáculos, sofrendo mudanças em seu padrão de propagação. Uma forma
muito simples de apreender a difração é por meio das ondas sonoras. Vejamos o seguinte
exemplo (Figura 10). Um golpista que invadiu e depredou a sede dos Três Poderes, em Brasília,
após a posse do presidente democraticamente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, está em sua casa
assistindo à Jovem Pan News quando ouve batidas à porta. Sem abri-la, o golpista braveja: —
Quem é?!? Do outro lado, vem a resposta: — A polícia federal! Embora haja um obstáculo
entre o golpista e a polícia, o diálogo se torna possível porque a onda sonora facilmente
atravessa a porta, por frestas, permitindo que ambos se ouçam, ainda que com alterações em
suas vozes90.
“as a material semiotic enactment, not an illustration”.
“an optical metaphor for the effort to make a difference in the world”.
89
“has to do with the way waves combine when they overlap and the apparent bending and spreading of waves
that occurs when waves encounter an obstruction”.
90
Embora hipotético, esse exemplo tem como base eventos que ocorreram em 8 de janeiro de 2022, no Brasil,
quando apoiadores/as golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro, inconformados/as com os resultados das eleições,
invadiram e depredaram o Congresso Nacional, a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto,
em Brasília. Para saber mais, leia esta notícia: https://www.dw.com/pt-br/bolsonaristas-golpistas-invadem-edepredam-sedes-dos-tr%C3%AAs-poderes/a-64320429.
87
88
66
Figura 10 – Exemplo de difração de onda sonora
Fonte: Adaptação de imagem gerada pela inteligência artificial Midjourney (2023) 91.
Transpondo essa ideia para nossas formas de leitura do mundo, Barad (2007) propõe
que a difração opera a partir de práticas de ler através, opondo-se à reflexão, que se configuraria
como um ato de ler contra. Ler através traduz uma estratégia de leitura que atravessa os eventos
para mapear interferências e os efeitos de diferença que marcam os emaranhamentos de um
fenômeno e produzem mudanças (Haraway, 1992; van der Tuin, 2018). Barad (2007) sugere,
portanto, que o princípio de difração pode ser transversalizado, por meio de um engajamento
transdisciplinar, para ler através de diversos eventos da vida sociomaterial, pois as fronteiras
entre as disciplinas são práticas materiodiscursivas de produção do conhecimento. Sendo assim,
proponho uma leitura difrativa das intra-ações que constituíram o curso de Francês 6. Isso
implica que não me toca levantar generalizações e estabelecer categorias de análise para os
materiais do estudo. Em vez disso, procuro apreender os eventos a partir de um olhar relacional
cujo foco reside não no resultado, mas sim nos processos.
Assim como MacLure (2013, p. 662, ênfases adicionadas), considero que “não podemos
dominar o[s] sentido[s] ou o[s] evento[s]”92 e que “na relação da ‘pesquisa’ com os ‘dados’,
devemos ser convidados/as a entrar”93. Logo, os desdobramentos do trabalho surgem das intraações com os materiais, e não de especulações racionalmente predeterminadas. Seguindo esse
91
Gostaria de expressar minha afetuosa gratidão a Gabriel Rufino e Samuel Rufino, que colaboraram na geração
dessa imagem.
92
“[w]e cannot master sense or the event”.
93
“in the research relation with data, we must be invited in”.
67
rizoma, minhas leituras difrativas dos materiais almejam proporcionar compreensões
emergentes (Martin, 2018) da assemblagem do estudo, reconhecendo seu caráter parcial e
situado. Esse processo se fundamenta em múltiplas leituras do material, retendo a atenção para
os eventos que brilham.
Em minha práxis perguntadora, acionei as seguintes questões: quais materiais me
convidaram a entrar? Que efeitos de difração fizeram brilhar? Como se relacionaram com a
emergência de repertórios polissemióticos na educação linguística em francês? Quais actantes
estiveram envolvidos/as nesses processos? Que afectos emergiram? Como diferentes diferenças
foram produzidas? A esse respeito, é pertinente destacar a importância dos detalhes. De acordo
com Barad (2007, p. 90), a difração é uma prática crítica atenta aos detalhes, uma vez que é
crucial “compreender quais diferenças são importantes, como elas são importantes e para
quem”94.
No intuito de apresentar o material de forma corporificada, optei por não fazer a
transcrição das gravações das aulas. Os momentos em que esses materiais brilharam serão
expostos no formato de áudio. Embora o vídeo fosse mais interessante para uma proposta
corporificada, excluo essa opção por motivo de preservar as identidades dos/as
colaboradores/as. Concordo com St. Pierre (1997, p. 179, ênfase adicionada) sobre a ideia de
que praxiologias tradicionais nos levam a supor “que os ‘dados’, sejam eles quais forem, devem
ser traduzidos em palavras para que possam ser explicados e interpretados”95. É certo, no
entanto, que “[a] língua/linguagem – seja na forma de textos, sons ou imagens – representa
insuficientemente as interações [intra-ações] entre a sociedade, a cultura, a geologia e a
ecologia”96 (Ulmer, 2017, p. 3). Apesar disso, acredito que a gravação em áudio em si mesma
aporta mais elementos do que a transcrição, pois contém barulhos de múltiplas materialidades
que acabam sendo suprimidos no texto escrito (Kuntz; Presnall, 2012).
Difratando a relação entrevista-transcrição, Kuntz e Presnall (2012) chamam a atenção
para o fato de que, no momento de leitura dos materiais de um estudo, tendemos a privilegiar a
transcrição em detrimento da assemblagem de sons que intra-agem em um evento. Ainda que
não esteja trabalhando com entrevistas – ou melhor, intravistas, termo proposto pelo autor e
pela autora –, esse ponto é relevante para o argumento que sustenta minha escolha. Segundo o
autor e a autora, o som tem um potencial afetivo sobre o/a ouvinte, o que gera implicações sobre
“understanding which differences matter, how they matter, and for whom”.
“that ‘data’, whatever they are, must be translated into words so that they can be accounted for and interpreted”.
96
“[l]anguage – whether it be in the forms of texts, sounds, or images – insufficiently represents the interactions
among society, culture, geology, and ecology”.
94
95
68
os processos de tornar-se-com as (in)compreensões emergentes dos materiais em discussão.
Nesse sentido, reiteram que o trabalho de um/a perguntador/a crítico/a requer um engajamento
com uma escuta responsiva. Resgatando as proposições de MacLure (2013), poderia dizer que
a gravação nos convida a entrar e brilha. Como reagimos a essa intra-ação? Não se trata, pois,
de esgotar todos os possíveis significados/sentidos do fenômeno, muito menos de agrupá-los
em categorias fechadas que podem ser generalizadas e replicadas em outros estudos. Trata-se
de empreender uma leitura difrativa atenta aos detalhes, leitura essa que parte de espaçotempos
distintos daqueles dos eventos e se justapõe a eles.
Visto que a repetição tem o potencial de gerar algo novo (Pennycook, 2010), ler as
gravações das aulas múltiplas vezes carrega a possibilidade de nos fazer perceber a copresença
de materialidades variadas, abrindo caminho para a consideração de assemblagens mais-quehumanas. Isso porque uma leitura difrativa mobiliza “[q]uestões ontológicas e epistemológicas
que entram na recriação metodológica que prioriza a agência partilhada e criativa” (Takaki,
2019a, p. 10), reconhecendo o papel de actantes para além do ser humano.
Os nós seguintes dispersam as (in)compreensões emergentes de minhas leituras
difrativas das intra-ações do curso de Francês 6.
69
PRIMEIRO NÓ: “on-line é mais difícil”?
Inicio minhas leituras a partir da percepção dos/as estudantes sobre suas experiências
com a educação linguística digital em francês. Para tanto, intra-ajo com a gravação de nossa
última aula do semestre e com textos produzidos pelos/as alunos/as. No dia 4 de dezembro de
2021, utilizamos nosso encontro síncrono para discutir como se deu o andamento do curso. Na
ocasião, apresentei as seguintes perguntas (Figura 10): “como você avalia sua experiência no
Francês 6? Como você avalia sua experiência em relação à aprendizagem on-line? Quais são os
pontos positivos? E os negativos?”
Figura 11 – Imagem em movimento das perguntas apresentadas ao grupo no último
encontro síncrono
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
Pedi a cada aluno/a que registrasse sua resposta à primeira pergunta no espaço
colaborativo do Jamboard (Figura 12). Textos escritos, imagens, GIFs (Formato de Intercâmbio
Gráfico, em português) e memes foram mobilizados para fazer emergir significados/sentidos.
Além disso, os/as estudantes expressaram suas opiniões oralmente.
70
Figura 12 – Imagem em movimento das respostas dos/as estudantes
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
Antes desse momento, eu havia elaborado uma atividade avaliativa assíncrona com o
mesmo propósito. Resolvi re-tornar o tema durante nosso último encontro síncrono para que
os/as estudantes pudessem se expressar sem o peso (ou medo?) da avaliação. O enunciado da
atividade foi o seguinte:
Écrivez un texte ou enregistrez un audio/une vidéo en décrivant votre expérience
d’apprentissage de français en ligne ce semestre. Les questions suivantes peuvent vous servir
d’inspiration :
Comment décririez-vous votre expérience d’éducation linguistique de français en ligne ? Quels
sentiments l’éducation en ligne vous éveille ? Quelles différences percevez-vous entre
l’éducation en présentiel et celle en ligne ? Quels éléments affectent-ils l’apprentissage de
français en ligne ? Êtes-vous satisfait.e de ce semestre ? Expliquez.
[Escreva um texto ou grave um áudio/vídeo descrevendo sua experiência de aprendizagem de
francês on-line neste semestre. As seguintes perguntas podem servir de inspiração:
Como você descreveria sua experiência com a educação linguística em francês on-line? Que
sentimentos a educação on-line desperta em você? Que diferenças você percebe entre a
educação presencial e a on-line? Que elementos afetam a aprendizagem de francês on-line?
Você está satisfeito/a com este semestre? Explique.]
Agora, conjugo esses dois aparatos para problematizar as percepções dos/as estudantes.
Devo ressaltar que a distinção entre educação presencial e remota (ou on-line, digital), da forma
como abordo aqui, constitui um corte agencial, e não uma dicotomia. De acordo com o
71
paradigma onlife, as duas modalidades se atravessam, sem fronteiras específicas, o que não
significa, porém, que não haja diferenças significativas entre elas. Como explicam Moreira e
Schlemmer (2020, p. 23-24),
[n]esse contexto, podemos pensar num cont[i]nuum da Educação Digital que
compreende desde processos de ensino e aprendizagem enriquecidos por TD
[tecnologias digitais] e/ou redes de comunicação, até o desenvolvimento de uma
educação totalmente online e digital, tendo variabilidade na frequência e na
intensidade tanto de TD, quanto de redes de comunicação.
As produções dos/as estudantes incorporam elementos referentes à cognição, aos
sentimentos, à socialização, às espaçotemporalidades, à produção de conhecimento e à
comunicação, apontando as maneiras como diversos/as actantes se (des)alinharam para
produzir repertórios ligados à língua-alvo. Em muitos dos relatos, brilhou o entendimento de
que o espaço digital tem implicações negativas sobre nossa capacidade de concentração. Como
exemplo, vejamos o que nos diz Croissant:
Cette forme d'éducation a ses difficultés, comme par exemple, je trouve un peu plus difficile
pour me concentrer et faire attention à la classe.
[Essa forma de educação tem suas dificuldades, como por exemplo, acho um pouco mais difícil
de me concentrar e prestar atenção à aula.]
(Croissant, texto escrito, 2021)97
Algumas das justificativas apresentadas pelos/as estudantes se referem às múltiplas
distrações que a internet oferece, aos espaços físicos de onde participavam das aulas e ao
contexto pandêmico. Creio que a primeira justificativa demande certa problematização. Em que
medida as distrações da internet não intra-agem nas dinâmicas presenciais? Quantos relatos
temos de professores/as reclamando sobre a agência de aparelhos eletrônicos (e objetos em
geral) que “desviam o foco da aula”? Talvez a questão se refira não à internet como uma actante
em si, mas às reconfigurações de poder em uma sala de aula distribuída digitalmente. Em uma
sala física, a presença do/a professor/a costuma operar como um mecanismo de monitoramento
e vigilância que constrange a ação dos/as discentes. Em uma sala digital, esse mecanismo de
controle se perde quando não há algum software instalado nas máquinas dos/as estudantes que
os/as impeça de acessar outros conteúdos, como é o caso do curso de Francês 6.
97
Nesta dissertação, os textos dos/as estudantes estão dispostos tais como foram performados por eles/as, isto é,
não passaram por nenhuma revisão linguística (ortográfica, morfossintática etc.).
72
Como destaquei na seção sobre o contexto sociomaterioespaçotemporal, para muitos/as
de nós, nossas casas se tornaram extensão da sala de aula digital. A Figura 13 nos fornece uma
paisagem parcial da configuração da sala de aula digital, a partir da combinação de cortes de
espaçotempos distintos, na qual podemos ver objetos que normalmente não fazem parte de uma
sala de aula tradicional (armários, espelhos, guarda-roupas, televisores, utensílios domésticos
etc.).
Figura 13 – Paisagem parcial da sala de aula digital
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2023).
Em suas respostas à terceira questão aberta do questionário (“Durante o curso de Francês
6, você estava em seu local de residência? Se não, em que local(is) esteve? A mudança de local
impactou de alguma forma sua educação linguística? Como?”), alguns/mas estudantes
apontaram que o espaço domiciliar impôs dificuldades para a manutenção do foco, para o
estabelecimento de uma rotina de estudos e para o engajamento com o grupo. Vejamos a
resposta de Toni:
73
Estive em minha residência na maioria das aulas. Ocasionalmente, precisei participar das aulas
no carro enquanto viajava e a mudança de local com certeza atrapalhou o meu desempenho e
aprendizado. Tanto na minha residência quanto nos outros locais em que eu participava das
aulas haviam muitas distrações, principalmente a interrupção de familiares, que acabavam
tirando a minha atenção.
(Toni, questionário, 2021)
A estudante menciona que chegou a participar de aulas enquanto se locomovia de carro.
Essa situação torna palpável o argumento de que as disposições sociomateriais do espaço
podem transformar as intra-ações educacionais de diversas formas, como pela falta de
estabilidade de conexão à internet, pelo (des)conforto e pela presença de pessoas não
matriculadas no curso. A resposta de Toni nos ajuda a vislumbrar que a sala de aula tomava
uma configuração nova a cada encontro. Ainda que a maioria dos/as estudantes tenha
participado das aulas desde suas casas, é plausível que o tenham feito em cômodos distintos, o
que poderia afetar suas formas de engajamento devido às propriedades disposicionais (Sousa,
2022) daquele espaço. Sendo assim, não podemos negligenciar o fato de que os letramentos
estão imbricados em práticas espaciais (Scheifer, 2014).
A noção de sala de aula distribuída nos ajuda a reconceitualizar o espaço pedagógico
como parte integrante do mundo sociomaterial, ao contrário de uma visão tradicional que
concebe a sala de aula como um espaço isolado do mundo “lá fora”. Isso implica reconhecer os
modos como actantes inesperados/as se inserem na aula e afetam seu desenrolar, podendo
emergir como “distrações”. Um momento do encontro de 4 de dezembro de 2021 nos ajuda a
vislumbrar esse ponto: FX expressa sua opinião sobre o semestre quando um barulho irrompe
de meu microfone. A hesitação do aluno é acompanhada pelo som do motor de uma motocicleta
que passava em minha rua naquele instante. Me pergunto se sua hesitação se prolongou em
intra-ação com o som da motocicleta. Posteriormente, tento agradecer a FX, mas minha fala é
atravessada por sons de carros, o que me leva a interromper minha elocução para aguardar que
o barulho se esvaia. Nesse intervalo, outra aluna toma o turno, de modo que só pude concluir
meu texto quase dois minutos depois. A materialidade dos barulhos “lá de fora”, portanto,
reconfiguraram a dinâmica comunicativa daquele espaçotempo.
A respeito da “interrupção de familiares”, mencionada por Toni, um evento relacionado
à discussão que realizamos no dia 11 de setembro de 2021 sobre palavrões exemplifica bem
esse tema. Na ocasião, levantei a seguinte pergunta: « quel est votre gros mot préféré (en
portugais) ? Pourquoi ? » [“qual é seu palavrão preferido (em português)? Por quê?”].
Alguns/mas estudantes compartilharam suas preferências oralmente, mas Hiago não pôde fazê-
74
lo e justificou no chat: « je ne peux parler ici, ma mére n'aime pas :x » [“não posso falar aqui,
minha mãe não gosta :x”]. O intracruzamento do espaço domiciliar com o espaço escolar afetou
a agência de Hiago, que se sentiu impedido de oralizar seu palavrão preferido por conta do
desconforto que isso poderia gerar em seu ambiente familiar. Mais uma vez, uma actante
“externa” (a mãe do aluno) mudou, em certo grau, os rumos da aula.
Por outro lado, os/as estudantes apontaram, também, a praticidade de participar das
aulas a partir de suas casas. Em princípio, isso se justifica pela distância física. As aulas
presenciais do Centro de Línguas ocorrem, majoritariamente, no câmpus Samambaia,
localizado na região norte de Goiânia. Para muitos/as de nós, o acesso ao câmpus pode ser um
problema devido à distância relativa aos demais bairros e às condições lamentáveis da
mobilidade urbana na capital goiana, sobretudo no tocante ao transporte público. Ao abordar o
assunto, Maria afirma ter “ganhado” tempo de vida ao evitar o deslocamento. À época, eu
morava em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana de Goiânia, e minha casa ficava a
pouco mais de 20km do câmpus. Quanto tempo de vida devo ter “ganhado” evitando me
deslocar cerca de 40km para ir e voltar ao trabalho? Esse ponto nos ajuda a perceber, ainda que
de modo simplório, como espaço e tempo estão intraligados de maneira indissociável e as
implicações dessa relação sobre nossas vidas sociomateriais.
Para além da mobilidade, o espaço domiciliar se enredou em questões institucionais e
identitárias. Profa inicia seu texto da seguinte maneira:
D’abord, je qualifierais mon expérience d'éducation linguistique de français en ligne ce
semestre de très positive et productive. J'ai découvert que j'aimais étudier de chez moi et être
à l'abri de l'environnement universitaire intimidant. Oui, même si je suis enseignant, je trouve
l'environnement académique intimidant, dans le sens où l'on nous demande constamment de
bien performer. De plus, la tranche d'âge de la classe est composée de personnes beaucoup
plus jeunes que moi, ce qui en quelque sorte me gêne moins en étant en ligne.
[A princípio, descreveria minha experiência de educação linguística de francês on-line neste
semestre como muito positiva e produtiva. Descobri que gostava de estudar em casa e de estar
longe do ambiente acadêmico intimidante. Sim, apesar de ser professora, acho o ambiente
acadêmico intimidante, no sentido de que somos constantemente cobrados/as a ter um bom
desempenho. Além disso, a faixa etária da turma é composta de pessoas muito mais jovens do
que eu, o que, de alguma forma, é menos desconfortável, para mim, estando on-line.]
(Profa, texto escrito, 2021)
Profa associa sua casa a um espaço de conforto e acolhimento, em contraposição ao
espaço acadêmico, onde se sente pressionada. Embora não tenha especificado seu contexto de
atuação no questionário, Profa trabalhava como docente universitária. É certo que o ambiente
75
acadêmico pode ser “intimidante”, especialmente quando se faz parte de grupos minorizados,
como mulheres, idosos/as, indígenas, negros/as, pessoas transgênero, pessoas com deficiência
etc. No caso de Profa, ela ainda carregava o rótulo de professora universitária, o que poderia
funcionar como mais um elemento que pesaria na balança da cobrança sociomaterial, pois há
uma visão arraigada de intelectualidade atrelada à docência. Logo, esperamos que
professores/as sejam excelentes alunos/as em termos de performance. Aparentemente, a
mudança espacial transformou a autopercepção de Profa. Ao estar em seu ambiente domiciliar,
ela parece ter se libertado do sentimento de cobrança que sentia nas salas da universidade.
Além disso, a estudante menciona sua idade como um ponto de desconforto nas
dinâmicas presenciais. É preciso vermos essa questão a partir das relacionalidades, pois, como
sublinha Sousa (2022, p. 153), “[a] idade não diz respeito a corpos individuais, mas a como
esses corpos se relacionam com o mundo”98. Na assemblagem do Francês 6, Profa era a mais
velha do grupo, com 57 anos, enquanto seus colegas estavam, em sua maioria, na faixa dos 2030 anos. Na aula 15, durante uma discussão com Croissant e Marta sobre arrependimentos e
remorsos, Profa confessou se sentir « très, très vieille » [“muito, muito velha”]. O desconforto
com o devir da velhice é bastante comum na contemporaneidade, “[p]orque na sociedade
ocidental capitalista ninguém quer ser velho[/a]. […] A velhice tem um tempo, um nome, um
status, várias facetas e muito preconceito associado a tudo que a ela se relaciona” (Vilhena;
Novaes; Rosa, 2014a, p. 252). Cultivamos um etarismo que é seriamente prejudicial para nossos
corpos e nossas relações sociomateriais, principalmente se levarmos em conta questões como
gênero e sexualidade (pensemos sobre o envelhecimento de mulheres e homens gays, por
exemplo).
A sala de aula digital parece ter difratado a percepção das diferenças etárias, tornandose-com a educação linguística de Profa. Terá isso a ver com a agência das câmeras? A
corporeidade do sentimento de velhice pode ter sido atenuada pela circunstância de que as
câmeras permaneceram desligadas durante grande parte do curso? Manstead, Lea e Goh (2011)
sugerem que a comunicação via internet tem o potencial de libertar os/as interlocutores/as de
certas imposições e normas sociais que regulam as trocas presenciais, podendo diminuir as
sensações de vulnerabilidade e insegurança. Com base no relato de Profa, sustento que a idade
possa ser um desses elementos reguladores que se dissipam nas intra-ações remotas.
Ainda que a velhice envolva inúmeros fatores, não podemos negar que tem “o corpo
como lócus primordial de investimento, sendo a aparência um capital precioso. É neste corpo,
98
“[a]ge is not about individual bodies but about how these bodies relate to the world”.
76
transformado em um registro vivo, que serão inscritos afetos, emoções, representações da
história do sujeito, do seu tempo e também da sua dor” (Vilhena; Novaes; Rosa, 2014b, p. 5).
A falta de visão do corpo físico pode, assim, ter contribuído para diluir os marcadores corporais
da idade, fazendo com que Profa experimentasse uma corpovivência (Almeida, 2023) outra e
não se percebesse como “velha” com a mesma frequência que isso ocorreria numa sala física
de um curso presencial.
Re-tornando a discussão sobre mecanismos de controle, um comentário de Profa
evidencia como os espaços digitais abrem margem para que actantes não humanos/as
participem da coconstrução de repertórios na língua francesa. A aluna assinala que, durante as
aulas, intra-agiu com tradutores e conjugadores on-line, o que facilitou a produção de
significados/sentidos. Na gravação de uma atividade em grupo, encontramos um exemplo desse
evento quando a estudante se pergunta sobre a palavra correct (correto/a) e intra-age com o
Google Tradutor. A máquina traduz “correto” como droit e Croissant questiona essa resposta,
o que leva Profa a inverter o fluxo da tradução. Então, ela traduz correct para o português e
obtém “correto”. Nesse evento, encontramos um exemplo de como actantes humanas e
tecnológicos se colocam (emplace) em intra-ação para negociar o significado de uma palavra,
de maneira a evidenciar que a língua(gem) emerge em assemblagens (Canagarajah, 2018b).
Voltando ao comentário, Profa sublinha que esse tipo de intra-ação era motivo de
constrangimento nas aulas presenciais. Suponho que esse desconforto parta da lógica de que
ela supostamente estaria produzindo a língua de forma “autônoma”, o que poderia ser
facilmente identificado pelo/a professor/a à sua frente. No entanto, é inútil sustentar a tese da
autonomia kantiana, que leva a individualidade às últimas consequências, dado que estamos
ontologicamente conectados/as a outros corpos, os quais, em maior ou menor medida,
participam da produção de significados/sentidos e dos processos de ensinaprender. Como indica
Lemke (2010, p. 458), “[n]ão é mais suficiente imaginar que as sociedades são constituídas por
indivíduos isolados, ligados imprevisivelmente através de contatos sociais voluntários, com
‘mentes’ individuais e autônomas de algum modo dissociadas do mundo material”.
Em referência à educação linguística, Atkinson (2019, p. 10) argumenta que, “em vez
de nos tornarmos aprendizes mais ‘autorregulados/as’, ‘autônomos/as’, à medida que
aprendemos
uma
língua,
nos
tornamos
mais
altamente
adaptados/as/alinhados/as
com/integrados/as ao ambiente ecossocial no qual essa língua opera”99. Em consonância com
esse pensamento, Sousa (2022) nos estimula a trabalhar com a ideia de intranomia, que desvia
“rather than becoming a more ‘self-regulated,’ ‘autonomous’ learner as one learns a language, one becomes
more highly adapted to/aligned with/integrated into the ecosocial environment in which that language functions”.
99
77
o foco exclusivamente sobre o indivíduo e promove um olhar atento à agência de um/a actante
em relação às assemblagens em que se emaranha. No evento apresentado no parágrafo anterior,
vemos como Profa performou intranomia ao se alinhar com uma colega de classe e com uma
inteligência artificial para expandir seus repertórios em língua francesa.
Como professores/as, somos fortemente influenciados/as por um viés cognitivista que
prega que a produção de língua(gem) ocorre no cérebro do indivíduo (Pennycook, 2018b), o
que nos incentiva a tentar constranger as assemblagens envolvidas no processo, pois o foco
recai na singularidade do/a actante humano/a. Na sala de aula digital, por outro lado, o/a
professor/a não tem uma visão abrangente do espaço, o que garante certa liberdade aos/às
estudantes, que podem intra-agir com tecnologias de língua diversas (dicionários, tradutores,
conjugadores etc.) sem serem notados/as. Do lugar de existência de docente, posso dizer que o
inverso também é válido. Em nossos encontros síncronos, várias vezes me perguntaram a
tradução de termos que não conhecia e me senti mais à vontade para pesquisá-los na internet
sabendo que essa ação não era vista pela turma. A todo o momento, tropeçamos nas pedras que
as colonialidades do humanismo deixam pelo caminho, que nos fazem nos envergonhar dos
limites de nossos conhecimentos e nos impedem de exercer uma modéstia ontoepistêmica
(Murris, 2016a) de modo pleno.
Outro ponto que toca a questão da intranomia concerne às temporalidades que
consubstanciam os momentos de aprendizagem. Profa e Toni ressaltaram que o espaço digital
possibilita às/aos estudantes trabalhar em tempos distintos:
De plus, je pense que les cours en ligne sont plus nivelants pour les étudiant[.e.]s, car
ceux[/celles] qui ont besoin de plus de temps pour comprendre un audio ou une vidéo peuvent
répéter [le matériel] tant qu'il y a le temps dans la classe.
Além disso, penso que os cursos on-line são mais niveladores para os[/as] alunos[/as], pois
aqueles[/as] que precisam de mais tempo para entender um áudio ou vídeo podem repetir [o
material] desde que haja tempo na aula.
(Toni, texto escrito, 2021)
De plus, l'envoi des liens vidéo via le chat nous a permis de regarder les vidéos à notre rythme.
[Além disso, o envio dos links de vídeos via chat nos permitiu assistir aos vídeos em nosso
próprio ritmo.]
(Profa, texto escrito, 2021)
Tradicionalmente, em atividades de compreensão oral, os/as professores/as executam o
áudio ou vídeo até três vezes para toda a turma. Nesse sentido, supomos que todos/as seguem
um mesmo ritmo. Em nossas aulas, no entanto, eu enviava os links de acesso ao material (desde
78
que estivessem disponíveis on-line) no chat para que cada estudante pudesse ouvi-lo ou assistilo a partir de seu próprio aparelho. Além de evitar possíveis problemas de má compreensão por
questões técnicas (som defeituoso na transmissão, por exemplo), isso permitia que os/as
estudantes intra-agissem com o material da forma como julgassem melhor para realizar as
atividades propostas, o que poderia incluir as ações de pausar, retroceder, acelerar, repetir etc.
A partir disso, cada um/a tinha a chance, de fato, de trabalhar em “seu próprio ritmo”, exercendo
intranomia ao se conectar com temporalidades que facilitassem o desenvolvimento de sua
educação linguística. Em seu relato, Toni explica que esse movimento é importante para
aqueles/as que costumam ter mais dificuldade na compreensão de textos orais, uma vez que não
precisam seguir o ritmo dos/as alunos/as que eventualmente tenham mais facilidade. Isso
consiste em um ponto positivo para a dispersão do poder pedagógico na sala de aula digital,
pois o/a professor/a não controla todas as etapas da atividade, compartilhando a
responsabilidade com o grupo.
Por outro lado, a ausência de controle docente foi percebida de forma negativa, por
alguns/mas estudantes, no que diz respeito ao tempo de fala nos encontros síncronos:
Une des difficultés du cours en ligne par rapport au cours présentiel est la manière d’interagir
avec le professeur car il y a trop de monde pour parler en même temps.
[Uma das dificuldades da aula on-line em relação à aula presencial é a maneira de interagir com
o professor, porque há muita gente para falar ao mesmo tempo.]
(Gigi, texto escrito, 2021)
Selon moi, les éléments qui affectent l'apprentissage en ligne le plus sont la difficulté de faire
attention au cours tout le temps, comme j'ai déjà parlé avant, et surtout de participer aux
discussions. Soit je parle beaucoup, soit je me tais complètement. Il est plus difficile de trouver
un équilibre que dans les cours face-en-face, parce que, dans ce cas là, les profs dirigent la
conversation plus directement.
[Na minha opinião, os elementos que mais afetam a aprendizagem on-line são a dificuldade de
prestar atenção à aula o tempo todo, como já falei antes, e sobretudo de participar das
discussões. Ou eu falo muito ou me calo completamente. É mais difícil encontrar um equilíbrio
do que nas aulas presenciais, porque, neste caso, os/as professores dirigem a conversa mais
diretamente.]
(FX, texto escrito, 2021)
Esses trechos sugerem que, para Gigi e FX, o espaço digital bagunça os processos de
tomada de turno. Entretanto, questiono: eles ocorrem de forma ordenada e controlada nas
dinâmicas presenciais? Não “há muita gente para falar ao mesmo tempo” em uma sala de aula
física? Os/As professores/as não podem dirigir a conversa diretamente em cursos on-line? É
79
certo que, em intra-ações presenciais, a tomada de turno é regulada por sinais (direcionamento
do olhar, por exemplo) que não estão necessariamente disponíveis em intra-ações digitais, o
que torna o processo mais complexo nesta última (Bitti; Garotti, 2011). Ao fazer esse tipo de
comparação, contudo, podemos ser seduzidos/as pela falsa impressão de que a comunicação
face a face é naturalmente harmônica. Teria o espaço digital, assim, escancarado o fato de que
a inteligibilidade se constrói em processos linguageiros desordenados e conflituosos? Devo
contrapor essa visão da falta de controle nas dinâmicas digitais às propriedades disposicionais
do Google Meet. A plataforma permite que o/a administrador/a da reunião silencie os
microfones dos/as demais participantes a qualquer momento. Por diversas vezes, exerci esse
poder quando alguém esquecia seu microfone ligado.
Aparentemente, essas distinções feitas pelos/as estudantes entre a sala de aula física e a
sala de aula digital conformam a oposição entre o que Deleuze e Guattari (1997) denominam
espaço estriado e espaço liso. Para os autores, o espaço estriado é caracterizado pela
padronização, pela regularidade, pela ordenação, pela delimitação e pela territorialização; “[n]o
espaço estriado, fecha-se uma superfície, a ser ‘repartida’ segundo intervalos determinados,
conforme cortes assinalados” (Deleuze; Guattari, 1997, n.p.). Em contraste, o espaço liso se
define pela informalidade, pela ausência de formas estáveis, pela irregularidade, por intervalos
abertos, pela desterritorialização; “é [um espaço] infinito de direito, aberto ou ilimitado em
todas as direções; não tem direito nem avesso, nem centro; não estabelece fixos e móveis, mas
antes distribui uma variação contínua” (Deleuze; Guattari, 1997, n.p.).
Em geral, os/as estudantes parecem associar a sala de aula física ao espaço estriado,
onde os eventos supostamente ocorrem de forma ordenada e controlada. Lá, a comunicação
tende a acontecer organizadamente e a presença do/a professor/a frequentemente constrange a
intra-ação com tecnologias de língua (tradutores digitais, por exemplo). Por outro lado, sugerem
uma associação da sala de aula digital ao espaço liso, onde os eventos são bagunçados e onde
há menos regulação e mais liberdade. No entanto, como ressaltam Deleuze e Guattari (1997,
n.p.), esses dois tipos de espaço não constituem entidades puras; pelo contrário, “só existem de
fato graças às misturas entre si: o espaço liso não pára de ser traduzido, transvertido num espaço
estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso”. O evento
apresentado anteriormente sobre o uso de palavrões por parte de Hiago é indicativo dessa
mistura: ainda que o espaço digital possa ser “mais livre”, ele está conectado a um espaço físico
que o limita. Como tenho argumentado em favor do paradigma onlife, os processos que ocorrem
em salas físicas se transmutam obliquamente para as salas digitais, e vice-versa.
80
Questiono se, talvez, o cerne do problema apontado pelos/as estudantes seja a falta de
estímulo visual, de observar o corpo do/a falante e perceber o momento de “entrar” na conversa,
de tomar o turno. Como já dito, em nossas aulas, a maior parte dos/as estudantes não ligava
suas câmeras, sendo assim, a comunicação ficava restrita aos textos orais, por meio do
microfone, e aos textos escritos e não verbais, por meio do chat. Mas e o corpo? Onde foi parar?
Nossos corpos desaparecem nos espaços digitais? O que isso implica para a educação
linguística? Aqui, mais uma vez, a câmera surge como uma actante que desempenha um papel
crucial. Discutirei a relação da câmera com a expressão linguageira mais adiante, no próximo
nó. Fique à vontade para “pular” adiante e retornar aqui posteriormente.
Ekdahl (2021, p. 1, ênfase adicionada) chama a atenção para o fato de que tendemos a
ver os espaços digitais como descorporificados, como “algo que nos impede de nos
envolvermos com o tipo de trocas corporais sutis e complexas que caracterizam as interações
sociais ‘normais’”100. Porém, como o título de seu artigo sinaliza, “[n]osso corpo não tem que
acabar onde as telas digitais começam”101. Ao discutir a performance de praticantes de esportes
eletrônicos (ou eSports), Ekdahl e Ravn (2022) evidenciam que os/as jogadores/as
experienciam movimentos corpóreos, cognitivos e emotivos por meio de seus avatares. Isso nos
leva ao entendimento de que nossos corpos se imiscuem aos ambientes de que participam,
assumindo novas formas e capacidades agentivas outras. Alaimo (2010) chama esse fenômeno
de transcorporealidade. Para a autora, esse conceito sinaliza para o movimento de/entre corpos
e para a compreensão de que o ambiente não é um ente exterior, mas parte das naturezas
corpóreas que nos integram.
Como podemos entender a transcorporealidade na educação digital onlife? Bayne et al.
(2020) apontam que a copresença humana é geralmente entendida como um elemento
indispensável para um ensino autêntico e de qualidade. Confesso que já partilhei esse
pensamento. Na brusca transição que tivemos para o ensino remoto – e, aqui, o trocadilho
(ter)remoto vem a calhar, pois senti tremer as bases sobre as quais meus pés se apoiavam e fui
chacoalhado para um lugar outro –, tive receios acerca dos efeitos que essa mudança de espaço
acarretaria para a educação linguística. Bitti e Garotti (2011, p. 89) ressaltam que “o ensino por
videoconferência […] força os/as professores/as a adaptar seu desempenho a um contexto
interativo [intra-ativo] decididamente novo (familiarização com a tecnologia, otimização do
“something that prevents us from engaging with the kind of subtle and complex bodily exchanges that
characterize normal social interactions”.
101
“[o]ur body does not have to end where digital screens begin”.
100
81
tempo e do ritmo da interação [intra-ação], manutenção da atenção dos/as alunos/as etc.)”102.
Eu nunca havia trabalhado de forma completamente remota tampouco havia tido o devido
preparo para tanto. Consequentemente, minha práxis assumiu o formato de uma pedagogia da
gambiarra (Scheifer; Rego, 2020).
Amiel (2018) define a gambiarra como uma prática brasileira que se caracteriza pelo
fornecimento de uma resposta instantânea a situações que requerem tratamento imediato.
Transversalizando esse construto para a educação linguística, Scheifer e Rego (2020, p. 124)
concebem a “gambiarra enquanto arranjo improvisado de recursos humanos, técnicos,
semióticos e midiáticos para a construção de sentidos na sala de aula de línguas estrangeiras”.
Remixando os conhecimentos, saberes, práticas e materiais que tinha disponíveis, me lancei na
educação digital com muitas preocupações. De início, tinha a impressão de que o sucesso das
aulas e das produções linguageiras dependia quase que exclusivamente do contato face a face.
Com base nisso, reconheço que a distância não é meramente espacial, mas temporal, política e
afetiva (Bayne et al., 2020); ela transforma nossas intra-ações e as percepções que temos dos
fenômenos. Diversos/as estudantes mencionaram a falta da copresença física como um
elemento negativo:
[…] Je trouve que le contact directement avec mes collègues est très important. Sur l'internet
c'est pas possible.
Je pense aussi que l'education en ligne est un peu limité par l'espace. C'est pas possible
quelques dinamiques mais, pour moi, le professeur, il a très bien fait ça. Donc, l'apprendissage
en ligne est très différent.
[[…] Acredito que o contato direto com meus/minhas colegas é muito importante. Na internet,
isso não é possível.
Penso, também, que a educação on-line é um pouco limitada pelo espaço. Algumas dinâmicas
não são possíveis, mas, para mim, o professor fez isso muito bem. Portanto, a aprendizagem
on-line é muito diferente.]
(r.c., texto escrito, 2021)
Na passagem do ensino presencial para o remoto, sofremos um fenômeno de metafísica
da presença, pautada pela ausência do contato presencial. Esse sentimento de ausência nos
impulsiona a tratar a educação digital como uma cópia, uma farsa, uma réplica ilegítima, uma
versão piorada. Bayne et al. (2020, n.p.) explicam que esse “foco no versionamento implica
que o on-line é um desvio da coisa real, que o curso real deve ser aquele em que os/as
“videoconference teaching […] forces teachers to adapt their performance to a decidedly new interactive
context (familiarization with the technology, optimization of timing and rhythm of the interaction, keeping pupils’
attention, etc.)”.
102
82
humanos/as estão copresentes em um ambiente físico”103. Suponho que essa visão distorcida
tenha a ver com a territorialização que a sala de aula física, como espaço estriado, institui. De
acordo com Hickey-Moody e Matins (2007, p. 11), “[o]s corpos tendem a criar relações
habituais particulares com os espaços que encontram; criando, por exemplo, um espaço que é
‘lar’”104. A familiaridade com a sala física, que se consagrou como o espaço educativo formal
por excelência no Ocidente, cria um sentimento de pertença, previsibilidade e segurança, o que
se perdeu, em certa medida, na sala digital.
Em vista disso, é necessário desterritorializar a sala física para reterritorializá-la como
um lugar de acolhimento na sala digital, levando em consideração que esse movimento “não
exprime um retorno ao território, mas essas relações diferenciais interiores à própria
D[esterritorialização], essa multiplicidade interior à linha de fuga”105 (Deleuze; Guattari, 1997,
n.p.). Para tanto, Bayne et al. (2020, n.p.) sugerem uma reconceitualização do que entendemos
por contato ao abordá-lo “como uma sensação de proximidade e conexão com os/as outros/as,
um momento comunicativo que será necessariamente vivido de forma diferente em cada
encontro de pessoas, tecnologias e contextos”106. Essa reformulação nos permite conceber as
intra-ações digitais de acordo com suas especificidades e nos afastar de uma visão que as
enxerga como uma reprodução deficitária da copresença física. Ao final do semestre, FX parece
ter caminhado em direção a essa perspectiva:
L'éducation en ligne m'éveille un sentiment d'accomplissement, parce que la plupart de la
responsabilité reste sur moi et la réussite est en effet plus difficile. Il m'éveille aussi un
sentiment de distance, à cause du fait que je n'avais jamais rencontré certain[.e.]s de mes
collègues ou même le prof face-en-face. Malgré cela, je me sens connecté d'une certaine façon
plus subtile, parce que en général tout le monde avait le même objectif d'apprentissage.
[A educação on-line me desperta um sentimento de realização, porque a maior parte da
responsabilidade recai sobre mim e o êxito é, de fato, mais difícil. Também me dá uma sensação
de distância, devido ao fato de que nunca encontrei alguns[/mas] de meus[/minhas] colegas
ou mesmo o professor presencialmente. Apesar disso, me sinto conectado de uma forma mais
sutil, porque, em geral, todos/as tinham o mesmo objetivo de aprendizagem.]
(FX, texto escrito, 2021)
“focus on versioning implies that online is a deviation from the real thing, that the real course must be the one
where humans are co-present in a physical environment”.
104
“[b]odies tend to create particular habitual relations with the spaces they encounter; creating, for example, a
space that is ‘home’”.
105
Para Deleuze e Guattari (1995, n.p.), “[a] linha de fuga marca, ao mesmo tempo: a realidade de um número de
dimensões finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão suplementar,
sem que a multiplicidade se transforme segundo esta linha; a possibilidade e a necessidade de achatar todas estas
multiplicidades sobre um mesmo plano de consistência ou de exterioridade, sejam quais forem suas dimensões”.
106
“as a sense of nearness and connection to others, a communicative moment that will necessarily be differently
experienced in every coming together of people, technologies, and contexts”.
103
83
É na assemblagem que o contato se materializa e ganha novas dimensões, permitindo
que FX reconheça uma conexão com sua turma por meio da partilha de um objetivo em comum.
Em uma sala digital em que as câmeras permanecem desligadas em encontros síncronos, os/as
estudantes se transcorporificam em redes de conexão, em inteligências artificiais, em
algoritmos etc. Contudo, a natureza corpórea desse movimento não é facilmente perceptível e
causa estranhamento. Ciente disso, busquei, com frequência, promover uma maior aproximação
dos/as estudantes por meio de discussões em grupos e da realização de atividades
cooperativas/colaborativas, na tentativa de difratar o sentimento de socialização escassa. Devo
relembrar que vivíamos um período marcado pelo isolamento social, o que determinou uma
interrupção abrupta do contato físico entre pessoas e nos fez nos afastar de familiares,
amigos/as, colegas etc. em diferentes níveis. Ademais, milhares de brasileiros/as vivenciavam
o luto da perda de entes queridos em decorrência da COVID-19107. Nesse sentido, a sensação
de nostalgia da copresença física é absolutamente compreensível. A tirinha abaixo (Figura 14)
expressa o sentimento desolador de solidão causado pelo distanciamento social.
Figura 14 – Isolamento social na pandemia de COVID-19
Fonte: Dahmer (2023).
Aparentemente, o trabalho em grupos surtiu um efeito positivo para a construção de um
senso de coletividade humana. Nas respostas à última questão aberta do questionário (“Que
materialidades (pessoas, objetos, espaços, seres não humanos etc.) contribuíram para a sua
educação linguística no curso de Francês 6? Comente a respeito”), grande parte dos/as
estudantes ressaltou a importância dos/as colegas, com algumas menções às atividades em
grupo, para o bom desenvolvimento do semestre letivo:
107
Até 6 de janeiro de 2023, foram registrados 708.739 óbitos por COVID-19 no Brasil (PAINEL
CORONAVÍRUS, 2023).
84
Creio que o q[ue] mais contribuiu para a educação linguística foi o professor, o contato com os
alunos e principalmente as atividades em grupo.
(Julio Pinheiro, questionário, 2021)
Durante o curso de francês 6 as ferramentas que utilizei para a minha educação linguística
foram filmes, séries, músicas e notícias, além das aulas teóricas e de conversação com os
colegas. Gostei muito da parte das aulas em que interagíamos em pequenos grupos com os
colegas, acredito que nos sentimos mais a vontade para conversarmos quando estamos em
grupos menores.
(Toni, questionário, 2021)
Além do sentimento de ausência, várias sensações e emoções acompanharam o grupo
durante o semestre. Algumas delas podem ser vistas na Figura 12. Entre as mencionadas
pelos/as estudantes estão: a comodidade, a (des)motivação, a insegurança, a diversão, a
inferioridade, a frustração, o medo, a realização, a tristeza, o cansaço e a (in)satisfação. O relato
de Hiago é bem marcante nesse quesito. O aluno escolheu a imagem do Bob Esponja cansado
para expressar seus sentimentos em relação ao semestre. Em sua explanação oral, afirmou ter
sentido medo de aprender francês, pois não gostava de cometer “erros” e sentia que precisava
estudar mais. Essa aversão conforma um quadro do que Rezende (2015) entende como
linguofobia, um mal-estar que causa insegurança em relação à língua, materna ou adicional, na
escola e nas trocas cotidianas. Tal desconforto costuma ser recorrente em cursos de línguas,
sobretudo das línguas coloniais, como é o caso do francês.
Creio que a sensação de medo pode ter sido desencadeada ou acentuada pelas intraações envolvendo as produções escritas do aluno, o professor e o recurso de revisão textual do
Word. A Figura 15 mostra minha revisão do primeiro texto escrito por Hiago no semestre.
Como podemos ver, há várias marcações no arquivo. É possível que a materialidade da revisão,
que apresenta palavras tachadas e sublinhadas, com cor distinta, e caixas de comentários, tenha
provocado um sentimento de ausência em Hiago?108 Rezende (2015) destaca que a correção
escolar, especialmente em textos escritos, é capaz de suscitar um efeito pedagógico nocivo e
levar o/a estudante a se considerar incapaz de aprender. Em nossa aula do dia 23 de outubro de
2021, quando discutíamos o feedback das atividades, o aluno desabafou no chat: « j’ai fait plus
erreurs que j’ai pensé que je ferais haha » [“cometi mais erros do que pensei que cometeria
haha”]. Olhando agora para o arquivo, a revisão não parece um tanto agressiva visualmente?
Essa sensação emerge a partir de uma assemblagem, uma vez que “[a] percepção visual envolve
108
Ressalto que o foco, aqui, reside no tema da revisão do texto, e não da avaliação, uma vez que a atribuição da
nota levou em consideração os critérios de adequação textual, organização, uso da língua e conteúdo. A atividade
valia 2,0 pontos e o aluno recebeu 1,5. Com base nisso, insisto na problemática da revisão.
85
uma mistura complexa – durante o intervalo de meio segundo entre a recepção da experiência
sensorial e a formação de uma imagem – de linguagem, afecto, sentimento, toque e
antecipação”109 (Connolly, 2010, p. 181).
Figura 15 – Narrativa de Hiago revisada pelo professor
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2022).
O confronto com a norma padrão nos induz à ideia errônea de que há uma completude
na língua que pode ser alcançada caso nos atenhamos rigorosamente às regras da gramática. O
“erro linguístico” é acompanhado pelo medo e pela incompletude. Se não seguimos as normas
da gramática, que punição nos aguarda? Somos dignos/as de nos fazermos inteligíveis? Há uma
ideia generalizada de que se há “erro”, falta algo; é preciso, pois, estudar mais, se esforçar mais.
Ao intra-agir na assemblagem que configura a revisão de seu texto, Hiago pode ter se dado
conta de que há coisas que não sabia ou de que não sabia tanto quanto imaginava, abrindo
espaço para a agência do medo e da insegurança. O caso de Hiago serve para me fazer difratar
“[v]isual perception involves a complex mixing – during the half-second delay between the reception of sensory
experience and the formation of an image – of language, affect, feeling, touch, and anticipation”.
109
86
minha práxis docente: de que maneiras poderia tratar a revisão textual a partir de uma éticoontoepistemologia diferente? Deixe suas sugestões aqui, por favor.
Todo o estranhamento causado pela lisura do espaço digital contribuiu para que o grupo
de Francês 6 chegasse ao entendimento de que “on-line é mais difícil”. Apesar de reconhecerem
a qualidade do trabalho que realizamos juntos/as, o grupo espelha um sentimento que Bayne et
al. (2020, n.p.) chamam de inveja do câmpus, que consiste na “tendência de alguns/mas
estudantes, mesmo aqueles/as que estão extremamente satisfeitos/as com seus cursos on-line,
de terem a vaga sensação de que suas experiências de aprendizagem seriam de alguma forma
ainda melhores se estivessem no câmpus”110. Para os autores e autoras, esse sentimento projeta
o câmpus como um “lar emocional e simbólico” (Bayne et al., 2020, n.p.), aliado a uma ideia
de autenticidade. Na contramão desse movimento, argumentam que o câmpus é “constituído de
muitas maneiras diferentes por pessoas, tecnologias, espaços, textos, conjuntos de dados e redes
que se unem com uma fluidez que torna os limites da própria universidade [ou instituição
educativa] extremamente porosos”111 (Bayne et al., 2020, n.p.).
Ao sublinhar essa discussão, não é meu intuito invalidar os sentimentos de meus/minhas
alunos/as em relação às experiências que tiveram. Meu objetivo se resume a mostrar que temos
um olhar enviesado para a educação presencial e que há formas outras de abordarmos a
educação digital. Nesse sentido, pensar a partir do paradigma onlife pode nos ajudar a difratar
a reprodução de uma separação abrupta entre o espaço físico e o digital, reconhecendo as
potencialidades e limitações de ambos, bem como as variadas maneiras como se entrelaçam.
“tendency for some students, even those who are extremely happy with their online courses, to have the vague
sense that their learning experience would somehow be even better if they were on campus”.
111
“constituted in many different ways by people, technologies, spaces, texts, data sets, and networks coming
together with a fluidity that makes the boundaries of the university itself extremely porous”.
110
87
SEGUNDO NÓ: que linguagem resta se continuamos venerando as palavras?
Para dar continuidade às leituras difrativas que proponho, conto, para começarmos este
nó, com a performance do poema Ao contrário, as cem existem, de Loris Malaguzzi, publicado
na obra As cem linguagens da criança (Edwards; Gandini; Forman, 1999, n.p.):
Ao contrário, as cem existem.
Dizem-lhe:
A criança é feita de cem.
de pensar sem as mãos
A criança tem
de fazer sem a cabeça
cem mãos
de escutar e de não falar
cem pensamentos
de compreender sem alegrias
cem modos de pensar
de amar e maravilhar-se
de jogar e de falar.
só na Páscoa e no Natal.
Cem sempre cem
Dizem-lhe:
modos de escutar
de descobrir o mundo que já existe
as maravilhas de amar.
e de cem
Cem alegrias
roubaram-lhe noventa e nove.
para cantar e compreender.
Dizem-lhe:
Cem mundos
que o jogo e o trabalho
para descobrir.
a realidade e a fantasia
Cem mundos
a ciência e a imaginação
para inventar.
o céu e a terra
Cem mundos
a razão e o sonho
para sonhar.
são coisas
A criança tem
que não estão juntas.
cem linguagens
Dizem-lhe:
(e depois cem cem cem)
que as cem não existem
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A criança diz:
A escola e a cultura
ao contrário, as cem existem.
lhe separam a cabeça do corpo.
88
Loris Malaguzzi foi um pedagogo italiano responsável pelo desenvolvimento da
abordagem filosófica que embasa o sistema municipal de educação para a primeira infância em
Reggio Emilia, cidade localizada na região de Emilia Romagna, no nordeste da Itália. Reggio
Emilia se consagrou como um conjunto de práxis pedagógicas renomadas devido a seu caráter
inovador, criativo e progressista. De acordo com Edwards, Gandini e Forman (1999, n.p.),
“[e]ssa abordagem incentiva o desenvolvimento intelectual das crianças por meio de um foco
sistemático sobre a representação simbólica”. Isso implica a construção de repertórios
polissemióticos desde os estágios mais primários dos processos de letramentos.
No poema, Malaguzzi denuncia uma educação cartesiana e descorporificada, que separa
a cabeça (mente/cognição) do corpo, como se se tratasse de duas unidades individuais,
autônomas e desconexas. A esse respeito, Pennycook (2018b, p. 58) discute que o binarismo
ocidental mente/corpo atribuiu papeis distintos a nossos sentidos, “de modo que os olhos e os
ouvidos foram convidados a acompanhar a mente (olhos e ouvidos tornando-se, estranhamente,
descorporificados), enquanto a boca, o nariz e a pele foram atribuídos ao corpo” 112. Dessa
forma, podem ser categorizados em dois grupos hierárquicos: superiores (visão e audição) e
inferiores (olfato, paladar e tato). Para o autor, o primeiro grupo estaria ligado ao processamento
dos pensamentos e da linguagem enquanto o segundo estaria atrelado a atividades corporais,
logo, menos importantes. Em vista disso, projetos de educação humanista nos condicionam a
“pensar sem as mãos”, “fazer sem a cabeça” e “escutar sem falar”, mediante o argumento de
que a cognição supostamente independe de operações “meramente” físicas e fisiológicas, e
vice-versa.
Na contramão desse ponto de vista, Lemke (2010, p. 460) nos lembra de que “[p]essoascom-corpos participam em atividades e práticas, […] em que o que nós somos e a forma como
agimos é tanto uma função daquilo que está à mão, quanto daquilo que está na cabeça”. Assim,
mente e corpo agem em conjunto. Complementarmente, Connolly (2010) destaca que nossa
percepção se comporta de modo intersensorial (para ser coerente com as propostas do Póshumanismo, diria intrassensorial); consequentemente, não é possível dividir nossas
experiências sensoriais em unidades isoladas. Portanto, nossos sentidos funcionam como
extensões uns dos outros, performando suas funções rizomaticamente em assemblagem.
Um evento ocorrido na aula do dia 11 de setembro de 2021 nos direcionou a um
entendimento similar. Na ocasião, os/as estudantes foram organizados/as em quatro grupos, em
salas separadas, para discutir algumas questões sobre palavrões (abordei um fragmento desse
“so that the eyes and ears were invited to accompany the mind (eyes and ears becoming, strangely,
disembodied), while the mouth, nose and skin were assigned to the body”.
112
89
episódio no nó anterior). Quando fazíamos esse tipo de atividade, era comum que muitos/as
estudantes ocupassem duas salas ao mesmo tempo: a sala de nossa reunião principal, com
todos/as os/as participantes, e a sala paralela, apenas com os/as membros/as de seus respectivos
grupos. Já eu participava de todas as reuniões. Essa dinâmica poderia ocasionar disrupções na
comunicação, dado que se alguém usasse o microfone na sala principal, sua voz ressoaria em
todas as salas paralelas, pois, ao ocuparem as duas salas simultaneamente, os/as estudantes
estariam em contato com as intra-ações de ambos os espaços. As barreiras espaçotemporais
estavam conectadas e bagunçadas.
Ao finalizar a discussão com seu grupo, Profa retornou à sala principal e, por conta de
minha expressão corpórea (Figura 16), me fez a seguinte pergunta no microfone: « Iury, vous
êtes pensatif ? » [“Iury, você está pensativo?”]. Eu escutava todas as salas ao mesmo tempo e
não consegui compreender o que ela havia dito. Além disso, ciente da interferência nas demais
salas, pedi que usasse o chat. Vejamos o registro da conversa a seguir.
Figura 16 – Expressão corpórea do professor
Fonte: Elaborada pelo autor a partir dos materiais do estudo (2023).
01:21:19.275,01:21:22.275
IURY ARAGONEZ DA SILVA: Tu peux écrire, [Profa], stp ? [Você pode escrever, [Profa], por
favor?]
01:21:32.594,01:21:35.594
IURY ARAGONEZ DA SILVA: Parce que les autres groupes t'écoutent [Porque os outros grupos
estão te ouvindo]
01:21:54.915,01:21:57.915
[Profa]: Tu ne m'écoutes pas? [Você não está me ouvindo?]
01:22:04.442,01:22:07.442
[Profa]: ok
01:22:27.885,01:22:30.885
90
IURY ARAGONEZ DA SILVA: [Si], je t´écoute, mais je ne comprends pas [ce que tu dis] parce que
j'écoute les autres salles aussi [Sim, estou te ouvindo, mas não entendo [o que está dizendo],
porque estou ouvindo as outras salas também]
01:22:41.349,01:22:44.349
[Profa]: ok
(Registro do chat do Google Meet, 11 set. 2021)
Depois de todos os grupos terem finalizado suas discussões e retornado à sala principal,
recuperei a questão de Profa. No momento, informei novamente que ouvia todas as salas ao
mesmo tempo, o que levou FX a me perguntar como conseguia administrar a escuta de inúmeras
conversas. Profa, então, explicou que eu funcionava “em paralelo” e adicionou que podemos
ver, ouvir e sentir simultaneamente. A fala da estudante corrobora o argumento em favor da
integração dos sentidos, o que se evidencia em minha própria experiência: eu escutava as falas
dos/as alunos/as (audição), lia o chat (visão) e digitava mensagens (tato) concomitantemente.
A metáfora das cem linguagens é um aceno para a pluralidade de possibilidades
semióticas que somos capazes de produzir de maneira inventiva, as quais se multiplicam em
ramificações infinitas – “(e depois cem cem cem)”. Peirce (2005), considerado o precursor dos
estudos semióticos, ainda que parta de uma premissa representacional, postula que um signo,
qualquer que seja sua natureza, tem o potencial de gerar inúmeros outros, criando uma cadeia
sígnica interminável. A despeito disso, o poema de Malaguzzi sugere que somos limitados/as a
performar uma única forma de linguagem. Das 100, 99 nos são roubadas e nos resta apenas
uma. Que linguagem é essa? Diria que é a língua verbal normatizada, prescritiva e colonizadora.
Na educação em línguas estrangeiras, isso tem se traduzido no ensino a partir das quatro
habilidades (produção oral, compreensão oral, produção escrita e compreensão escrita), como
é o caso do curso de Francês 6. Essa divisão se torna problemática na medida em que reduz a
complexidade que sustenta os processos linguageiros. Além disso, ela se fundamenta em uma
colonialidade, pois essa estrutura, segundo Hinkel (2010), tem o intuito de reproduzir o/a falante
nativo/a. O princípio basilar dessa divisão é o de que o/a falante nativo/a possui quatro
necessidades linguísticas básicas: ler, escrever, ouvir e falar (Sadiku, 2015). Ainda que essa
ideia tenha certa validade, vincular a educação linguística à figura do/a falante nativo/a
historicamente contribuiu (e continua a fazê-lo) para a disseminação de diversos preconceitos
e apagamentos.
Outro problema dessa divisão consiste no fato de que ela se assenta em dicotomias. Em
primeiro lugar, operacionaliza a cisão entre língua oral (compreensão e produção orais) e língua
escrita (compreensão e produção escritas); e, em segundo, a separação entre habilidades
91
receptivas (compreensão oral e escrita) e produtivas (produção oral e escrita). Problematizar
essa partição dual é inevitável em uma leitura difrativa, uma vez que a difração, nas palavras
de Barad (2014, p. 168), “desestabiliza dicotomias, incluindo alguns dos binários mais
sedimentados e estabilizados/estabilizadores”113. A autora argumenta que ao passo que a
dicotomia envolve cortar em dois, a difração implica quebrar em diferentes direções, o que é
mais proveitoso em termos de diferenciação. Sendo assim, difratar as quatro habilidades implica
vislumbrar possibilidades outras para a educação linguística para além do que já se estabeleceu
como canônico na área.
Essas dicotomias tomam o verbal como alicerce, desconsiderando que “a
língua/linguagem trabalha com uma assemblagem de recursos semióticos, artefatos e
propiciamentos ambientais em cenários específicos para facilitar o sucesso da comunicação”114
(Canagarajah, 2018b, p. 36). Se nosso objetivo como professores/as de línguas estrangeiras
consiste em apresentar possibilidades que facilitem a inteligibilidade em intra-ações, por que
insistimos na primazia do verbal? Por que negligenciamos outras formas de expressão? Por que
perpetuamos uma lógica estruturalista que reduz a língua à gramática? Por que excluímos o
corpo de nossas práxis? Por que validamos a construção de repertórios representacionais, e não
performáticos? Por que continuamos a roubar as outras 99 linguagens de nossos/as alunos/as?
Sabemos que, conforme postula Canagarajah (2018b, p. 39), em muitas situações, “[a]
língua é considerada ineficiente e insuficiente por si só para o resultado bem-sucedido da
atividade”115 linguageira em questão. Ao abordar a práxis de um professor assistente de
matemática, o autor discute como seu trabalho corporificado, envolvendo o uso do quadro e de
gestos, foi primordial para a geração de inteligibilidade. Esse exemplo reforça o argumento de
Lemke (2010, p. 456) de que a construção de significados não ocorre estritamente por meio de
elementos linguísticos, pois
[é] preciso que haja sempre uma realização visual ou vocal de signos linguísticos que
também carrega significado não-linguístico (por ex.: tom da voz ou estilo da
ortografia). Para funcionarem como signos, os signos devem ter alguma realidade
material, mas toda forma material carrega, potencialmente, significados definidos por
mais de um código.
Apesar disso, a Linguística Aplicada tem falhado em considerar a língua(gem) sob uma
perspectiva de assemblagem. Ao confrontar o modelo arbóreo, Canagarajah (2018a, 2018b)
“troubles dichotomies, including some of the most sedimented and stabilized/stabilizing binaries”.
“language works with an assemblage of semiotic resources, artifacts, and environmental affordances in specific
settings to facilitate communicative success”.
115
“[l]anguage is considered inefficient and insufficient by itself for the successful outcome of the activity”.
113
114
92
assinala que recursos não linguísticos são tradicionalmente tomados como acessórios, e não
como partícipes legítimos da criação das condições de inteligibilidade de uma intra-ação. Veja
bem, reforçar esse ponto não pressupõe que uma perguntação pós-humanista pretenda “retirar
a língua de cena, mas [sim] complexificar a língua e sua relação com o mundo”116 (Pennycook,
2018b, p. 32). Esse movimento implica não cair na armadilha de hierarquizar os elementos
semióticos que atuam na comunicação e buscar compreender de que formas eles agem em
conjunto para possibilitar (des)entendimentos no corte agencial de um espaçotempo específico.
O foco nas quatro habilidades tem como objetivo o desenvolvimento de proficiência nas
línguas oral e escrita, fator que tem se sustentado institucionalmente na organização de níveis
crescentes que variam do básico ao avançado. A configuração desses níveis é largamente
embasada no Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR), documento que se
anuncia como “uma ferramenta para auxiliar o planejamento de currículos, cursos e exames,
trabalhando a partir do que os/as usuários/as/aprendizes precisam ser capazes de fazer na
língua”117 (Council of Europe, 2020, p. 28). Embora tenha sido primariamente planejado como
um aparato de política linguística para os países-membros da União Europeia, dadas as
dimensões das colonialidades do poder e do saber, o QECR não se manteve restrito ao velho
continente, sendo utilizado nas variadas regiões do mundo, inclusive no Brasil, ainda que nem
sempre de forma explícita.
O QECR aborda a proficiência como a capacidade de realizar atividades comunicativas
a partir do emprego de competências e estratégias adequadas. A partir dessa visão, a
proficiência é classificada em sete níveis de referência progressivos, agrupados em três
categorias: usuário/a básico/a (Pré-A1118, A1 e A2), usuário/a independente (B1 e B2) e
usuário/a proficiente (C1 e C2). Essa divisão é utilizada pelos mais renomados testes
padronizados internacionais que certificam o grau de proficiência em uma língua estrangeira,
tal como o DELF, citado anteriormente. Cada nível de referência é acompanhado por uma série
de descritores ilustrativos que apresentam exemplos de atividades linguísticas que o/a
“usuário/a”119 é supostamente capaz de performar. O documento faz a ressalva de que “a
associação de um descritor a um nível específico não deve ser vista como exclusiva ou
“to cut language out of the picture but to complexify language and its relation to the world”.
“a tool to assist the planning of curricula, courses and examinations by working backwards from what the
users/learners need to be able to do in the language”.
118
O nível “Pré-A1” foi adicionado na versão mais recente e atualizada do QECR, publicada em 2020.
Anteriormente, eram considerados apenas seis níveis (do A1 ao C2).
119
Uso as aspas para sinalizar minha insatisfação com a ideia que o termo veicula. Na esteira de Harris (2010),
sustento que somos produtores/as da língua(gem) em vez de meros usuários/as.
116
117
93
obrigatória. Os descritores aparecem no primeiro nível em que é mais provável que um/a
usuário/a/aprendiz seja capaz de realizar a tarefa descrita”120 (Council of Europe, 2020, p. 41).
A versão mais atualizada do QECR rompe com alguns preceitos de uma concepção mais
tradicional de língua(gem). Uma dessas rupturas consiste em sua desvinculação à imagem do/a
falante nativo/a. O documento afirma que o nível C2, intitulado “domínio” (mastery), não tem
a pretensão de espelhar a performance linguística de um/a falante nativo/a. Outra ruptura
concerne às quatro habilidades tradicionais, criticadas por sua inadequação para lidar com a
complexidade da comunicação. Em seu lugar, são propostos quatro modos de comunicação:
recepção, produção, interação e mediação. Nessa reformulação, as quatro habilidades
tradicionais são acopladas nas atividades de recepção e produção, que são subdivididas na
dicotomia escrita/oral (para a compreensão escrita, é utilizada a expressão “compreensão
leitora”). A elas, somam-se as três subcategorias da interação (escrita, oral e on-line) e as três
subcategorias da mediação (mediação de um texto, mediação de conceitos e mediação da
comunicação).
Essas atualizações constituem avanços significativos para a educação linguística,
sobretudo tendo em vista o alcance institucional e político das proposições do Conselho
Europeu. Por outro lado, o QECR permanece robustamente humanista e descorporificado. Sua
premissa
básica
reside
na
coconstrução
de
significados/sentidos
exclusivamente
entre/por/para/com humanos/as, excluindo o papel de outros/as actantes na produção semiótica.
As menções a seres não humanos/as os instrumentalizam e os deslocam para um lugar
marginalizado. Observemos os exemplos a seguir, retirados dos quadros que resumem os
descritores dos modos de comunicação:
Produção escrita (Pré-A1): “É capaz de fornecer informações pessoais básicas (por exemplo,
nome, endereço, nacionalidade), talvez com o uso de um dicionário”121 (Council of Europe,
2020, p. 66, ênfases adicionadas).
Interação escrita (Pré-A1): “É capaz de transmitir informações básicas (por exemplo, nome,
endereço, família) em frases curtas em um formulário ou em um bilhete, com o uso de um
dicionário”122 (Council of Europe, 2020, p. 82, ênfases adicionadas).
Note que o aspecto humano é prevalente e determinante para o sucesso da comunicação,
como se esta dependesse unicamente de sua agência cognitiva, daquilo que a pessoa “é capaz”
“the association of a descriptor with a specific level should not be seen as exclusive or mandatory. The
descriptors appear at the first level at which a user/learner is most likely to be able to perform the task described”.
121
“Can give basic personal information (e.g. name, address, nationality), perhaps with the use of a dictionary”.
122
“Can convey basic information (e.g. name, address, family) in short phrases on a form or in a note, with the use
of a dictionary”.
120
94
de realizar. O dicionário aparece como um actante dispensável. Além disso, de modo geral, os
descritores para as línguas orais incluem atividades que levam em conta somente aspectos
verbais e cognitivos. Práticas corporais que incluem linguagem não verbal são classificadas
como parte do repertório de pessoas com baixa proficiência (estrato A dos níveis de referência):
Compreensão oral (Pré-A1): “É capaz de entender perguntas e afirmações curtas e muito
simples, desde que sejam feitas de forma lenta e clara, acompanhadas de recursos visuais ou
gestos manuais para apoiar a compreensão, e repetidas, se necessário”123 (Council of Europe,
2020, p. 48).
Compreensão leitora (Pré-A1): “É capaz de reconhecer palavras/sinais124 familiares
acompanhados de imagens, como um cardápio de restaurante de fast-food ilustrado com fotos
ou um livro ilustrado usando vocabulário familiar”125 (Council of Europe, 2020, p. 54).
Interação oral (Pré-A1): “É capaz de fazer e responder a perguntas sobre si mesmo/a e sobre
rotinas diárias, usando expressões curtas e formulaicas e contando com gestos para reforçar
as informações”126 (Council of Europe, 2020, p. 72).
Mediação (A2): “É capaz de usar palavras/sinais simples e sinais não verbais para demonstrar
interesse em uma ideia. É capaz de transmitir informações simples e previsíveis de interesse
imediato em sinais e avisos, cartazes e programas simples e curtos”127 (Council of Europe, 2020,
p. 92).
É nítido o tratamento de elementos não verbais como uma estratégia comunicativa que
serve somente para preencher lacunas deixadas pela linguagem verbal. Os gestos e recursos
visuais, como imagens, são abordados como “compensatórios – ou seja, recursos que ajudam
quando a língua não é adequada para o propósito”128 (Canagarajah, 2018b, p. 39). A despeito
da ressalva feita acerca da atribuição dos descritores a níveis de referência específicos,
curiosamente, as únicas menções a esses recursos, chamados de paralinguísticos, ocorrem nos
estágios iniciais de desenvolvimento da proficiência. É pertinente supor, portanto, que os/as
“usuários/as” mais proficientes, que têm “domínio” sobre as normas, tendem a abandonar a
linguagem corporal, uma vez que a gramática por si só daria conta da construção sígnica. Esse
tipo de posicionamento ignora a concepção de que “[o] uso da língua(gem) é sempre
acompanhado por gestos e outras formas de comportamento corporificado”129 (Hauck, 2023, p.
“Can understand short, very simple questions and statements, provided they are delivered slowly and clearly
and accompanied by visuals or manual gestures to support understanding and repeated if necessary”.
124
A versão mais atualizada do QECR aborda, também, as línguas de sinais.
125
“Can understand short, very simple questions and statements, provided they are delivered slowly and clearly
and accompanied by visuals or manual gestures to support understanding and repeated if necessary”.
126
“Can ask and answer questions about themselves and daily routines, using short, formulaic expressions and
relying on gestures to reinforce the information”.
127
“Can use simple words/signs and non-verbal signals to show interest in an idea. Can convey simple, predictable
information of immediate interest given in short, simple signs and notices, posters and programmes”.
128
“compensatory—that is resources that help when language is not adequate for the purpose”.
129
“[l]anguage use is always accompanied by gestures and other forms of embodied behavior”.
123
95
6). Vemos, assim, que “[o] projeto humanista situou o significado com tanta ênfase na relação
entre cabeças pensantes e palavras escritas que o corpo, os cheiros, o tato e as sensações foram
amplamente eliminados/as da equação”130 (Pennycook, 2018b, p. 63).
Ora, como produzimos língua sem o corpo? McNeill (2005, n.p.) é assertivo ao
proclamar que os gestos “são parte da língua”131, e não unidades acessórias que se somam às
palavras, desempenhando um papel secundário. Para o autor, “[é] um erro profundo pensar no
gesto como um código ou ‘linguagem corporal’ separado da língua falada. […] Tratar os gestos
de forma isolada da fala faz tanto sentido quanto ler um livro olhando apenas para a letra ‘g’”132
(McNeill, 2005, n.p.). Numa perspectiva de assemblagem, é preciso, pois, reconhecermos os
gestos como recursos semióticos dinâmicos das intra-ações comunicativas (Pennycook, 2023).
Seguindo esse rizoma, Pennycook (2018b) aponta que a sedimentação da primazia do verbal
tem respaldado movimentos de violência epistêmica contra as línguas de sinais e a comunidade
surda, consideradas inferiores em um mundo ouvintista. Em contrapartida, sugere que olhar
para as línguas de sinais pode nos ajudar a complexificar a forma como concebemos as línguas
orais. A performance de um sinal exige movimentos corpóreos e a ativação de múltiplos
sentidos, tendo em vista o caráter espacial-visual do ato de sinalizar. Dessa maneira, as línguas
de sinais nos mostram que “o corpo é língua(gem)” (Pennycook, 2018b, p. 67).
Essa discussão assume uma dimensão particular quando levamos em consideração o
paradigma onlife. Nas intra-ações nos espaços digitais, o corpo enfrenta restrições
espaçotemporais que impactam diretamente nossas maneiras de nos fazermos inteligíveis. Retorno, então, a relevância da câmera como actante. Geralmente, a intra-ação digital por vídeo
decorre com câmeras estáticas, estejam elas acopladas aos dispositivos de acesso à internet
(notebooks, smartphones etc.) ou intraligadas a eles por uma porta serial universal ou tecnologia
sem fio (webcams portáteis). A câmera estática impõe limitações à visualização do corpo em
termos de enquadramento, ângulo e resolução da imagem.
Parkinson e Lea (2011) chamam a atenção para o fato de que, habitualmente, a câmera
tende a se posicionar em um enquadramento do rosto, o que impede o acesso às demais partes
do corpo. Isso tem efeitos limitadores para a produção gestual, bem como para a leitura de
informações sensoriais. Os autores pontuam, ainda, que essa configuração não permite que
“[t]he humanist project located meaning so much in the relation between thinking heads and written words that
the body, smells, touch and feeling were largely eliminated from the equation”.
131
“are part of language”.
132
“It is profoundly an error to think of gesture as a code or ‘body language’, separate from spoken language. […]
It makes no more sense to treat gestures in isolation from speech than to read a book by looking only at the ‘g’s”.
130
96
estejamos a par do que acontece para além do enquadramento da câmera, isto é, não temos
conhecimento a respeito das características do ambiente em que a intra-ação ocorre. Esse fator
é relevante para que consigamos definir, mesmo que minimamente, os/as actantes envolvidos/as
na assemblagem que tornam possível a comunicação. Como já discutido anteriormente, o
espaço é agentivo e sua formatação é primordial para as dinâmicas intra-ativas. Nos eventos
retratados no nó precedente, vimos que a presença de actantes fora da câmera podem afetar a
produção semiótica, como nos casos da motocicleta que passava em minha rua e da hesitação
de Hiago em proferir um palavrão perto de sua mãe.
Em nossas aulas, a câmera era facultativa. Como elucida Bordas (2020, on-line), “não
se pode impor a ninguém a obrigação de ser filmado[/a] ou gravado[/a] contra sua vontade.
Portanto, docente e aluno[/a] podem desligar câmeras e microfones durante a aula, ainda que
isso possa causar algum prejuízo no desenvolvimento da aula”. Em nosso primeiro encontro
síncrono, expliquei isso ao grupo; porém, pedi àqueles/as que disfrutassem das condições
adequadas (aparelho em bom funcionamento, local apropriado etc.) e se sentissem à vontade
que ligassem suas câmeras quando possível, especialmente nos momentos de intra-ação em
pequenos grupos. A maior parte dos alunos/as optou por não aparecer em vídeo. De todos/as
os/as colaboradores/as desta perguntação, Maria, Profa, FX e r.c. foram os/as que intra-agiram
em câmera com mais frequência. Minha câmera, por outro lado, esteve ligada durante todo o
semestre, exceto nos momentos em que problemas técnicos me impediram de ativá-la.
Do ponto de vista pedagógico, minhas intra-ações com a câmera me ajudaram a perceber
a importância do corpo na produção semiótica. Em diversos momentos, conjuguei sons e gestos
para me expressar. No Vídeo 3, vemos o trecho de um evento durante o qual uma aluna (não
participante desta perguntação) falava, mas seu áudio foi abruptamente silenciado. Perguntei
ao grupo se a fala havia sido cortada para eles/as também e se conseguiam ouvi-la. Minhas
palavras foram acompanhadas dos movimentos de meus dedos gesticulando as ações de
“cortar” (movimentos do indicador e do dedo médio imitando tesouras) e “ouvir” (movimento
do indicador apontando para a orelha). Esse evento exemplifica o modo como “[a] fala e o gesto
ocupam as mesmas fatias de tempo quando compartilham significados e têm as mesmas
relações com o contexto”133 (McNeill, 2005, n.p.).
“[s]peech and gesture occupy the same time slices when they share meanings and have the same relationships
to context”.
133
97
Vídeo 3 – Conjugação de sons e gestos
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos materiais do estudo (2023).
A partir da aula 9, minha câmera começou a apresentar problemas técnicos, o que se
manteve até a aula 13. Às vezes, ela se desligava sozinha e eu não conseguia religá-la. Em
outros casos, ela nem mesmo ligava. Nessas ocasiões, me senti bastante frustrado. Parecia que
parte de mim estava faltando. E, de fato, estava. Minhas possibilidades de produzir textos
polissemióticos se haviam reduzido naquele espaçotempo. As palavras não me bastavam. Como
ressalta Pennycook (2023, p. 608), “[o] trabalho que os aspectos da comunicação não verbal
realizam […] – comunicar iconicamente, sincronizar-se com a fala, indicar afeto etc. – é
fundamental para a interatividade [intra-atividade] comunicativa”134. Disso decorre que “a
língua(gem) e a experiência sensorial não são totalmente separadas nem redutíveis uma à outra.
Elas estão imbricadas de uma forma que permite que uma exceda a outra na experiência”135
(Connolly, 2010, p. 182).
Bitti e Garotti (2011) destacam que a linguagem não verbal tem implicações identitárias.
Senti que minha identidade docente estava sendo afetada pelo impedimento de utilizar meu
corpo para me fazer inteligível. Similarmente, ela era afetada por não ter acesso aos corpos
dos/as alunos. Por exemplo, quando explicava algo, não tinha a resposta corpórea que
“[t]he work that aspects of nonverbal communication do […] – communicating iconically, synchronizing with
speech, indicating affect, and so on – is central to communicative interactivity”.
135
“language and sense experience are neither entirely separate nor reducible to one another. They are imbricated
in a way that allows each to exceed the other in experience”.
134
98
normalmente se evidencia em sala de aula, como o aceno em afirmação com a cabeça ou o olhar
furtivo que denuncia a existência de dúvidas. Para nós, professores/as, esse feedback é
fundamental para verificarmos o nível de compreensão da turma e regularmos nosso
comportamento de acordo com os sinais percebidos (Bitti; Garotti, 2011). Essa ausência
demandava uma confirmação verbal compensatória. Em nossa última aula, quando Jeane
mencionou que a educação digital requeria um processo de adaptação, compartilhei com o
grupo o estranhamento que experenciei quando comecei a ministrar aulas remotas. Com o
tempo, passei a apreender o silêncio como um actante que agia em resposta a minhas perguntas:
caso ninguém se manifestasse, o silêncio prolongado por alguns segundos se tornava o recurso
semiótico que me dava o sinal para prosseguir.
O apagamento do estímulo visual gerou incômodo, igualmente, entre os/as estudantes.
No nó anterior, discuti como essa ausência parece ter provocado disrupções nas tomadas de
turno. Em nosso último encontro, Croissant reportou uma experiência que teve em um curso de
curta duração no qual era obrigatório o uso da câmera. Segundo a estudante, a dinâmica foi
enriquecida pelo recurso visual em termos de concentração. Hiago, ao abordar os pontos
negativos do semestre em relação à educação digital, escreveu o seguinte:
[…] je trouve que ça été très compliqué d'approcher mes relations avec mes collègues et mon
professeur. La majorité du temps, je n’ai vu pas leurs visages (ni eux[/elles] peuvent me voir !).
Conclusion : les expressions faciales et la présence physique sont, en fait, pièces importantes
de la communication.
[[...] achei muito complicado lidar com meu relacionamento com meus/minhas colegas e meu
professor. Na maior parte do tempo, eu não vi seus rostos (nem eles/as podiam me ver!).
Conclusão: as expressões faciais e a presença física são, de fato, partes importantes da
comunicação.]
(Hiago, texto escrito, 2021)
A conclusão do aluno levanta um debate pertinente sobre as expressões faciais. (Já
conversamos sobre a questão da copresença física. Portanto, não entrarei nesse mérito aqui.
Caso julgue necessário, perpasse pelo nó precedente para uma reprise da discussão.) FernándezDols e Carrera (2011) propõem que as informações faciais podem ser concebidas como um
gênero, de maneira que se organizam para facilitar formas de comunicação. Esse gênero tem o
potencial de gerar gatilhos afetivos, que “são mensagens que podem provocar respostas afetivas
sem tradução direta em uma mensagem verbal: são eliciadores idiossincráticos de afeto
99
básico”136 (Fernández-Dols; Carrera, 2011, p. 48). Nesse sentido, a falta de acesso a esse gênero
pode justificar a dificuldade de Hiago em gerenciar suas relações com o resto do grupo.
Certamente, outros/as estudantes se sentiram da mesma forma, apesar de não terem se
manifestado sobre o assunto.
Por outro lado, o espaço digital possibilita que os/as actantes intra-ajam
transcorporificando suas informações faciais. Bitti e Garotti (2011) relatam que os emoticons
(e, acrescento, os emojis) se tornaram uma estratégia gráfica para compensar a ausência de
linguagem não verbal corpórea. Como explica Magalhães (2023), os emoticons combinam
caracteres, letras e sinais gráficos de pontuação com a finalidade de expressar sentimentos. Os
emojis, por sua vez, consistem em pictogramas, isto é, se valem de desenhos ou imagens para
gerar sentidos. Tal como as informações visuais consistem em um gênero entrelaçado com os
textos orais, os emoticons/emojis surgem como um gênero que acompanha os textos escritos na
internet e afetam a produção de significados/sentidos. Isso não quer dizer, no entanto, que os
emoticons/emojis substituam nossos corpos ou funcionem como suas representações. Levando
em consideração a transcorporealidade (Alaimo, 2010), eles agem como extensões de nossos
corpos nos espaços digitais, ainda que sejam formas padronizadas que não dão conta da
diversidade constitutiva de nossas naturezas corpóreas e identidades sociomateriais.
Em nossas aulas, os/as alunos/as e eu utilizamos recorrentemente emoticons/emojis em
nossas intra-ações pelo chat. Vejamos alguns exemplos:
00:54:07.975,00:54:10.975
[r.c.]: oui o/ [sim] (Resposta do aluno a minha pergunta se haviam finalizado uma atividade em
grupo)
(Registro do chat do Google Meet, 6 nov. 2021)
02:43:26.875,02:43:29.875
IURY ARAGONEZ DA SILVA: Une voiture passe ici [dans ma rue] [Um carro está passando aqui
[em minha rua]]
02:43:31.431,02:43:34.431
IURY ARAGONEZ DA SILVA: [Attendez] Un moment
[[Aguardem] Um momento] (Minha
justificativa para a interrupção de minha fala oral)
(Registro do chat do Google Meet, 6 nov. 2021)
01:33:46.888,01:33:49.888
[Croissant]: j'aime bien aussi <3 [também adorei] (Reação da aluna à apresentação do trabalho
de uma colega)
“are messages that can elicit affective responses with no direct translation into a verbal message: They are
idiosyncratic elicitors of basic affect”.
136
100
(Registro do chat do Google Meet, 9 out. 2021)
00:28:19.226,00:28:22.226
[Maria]: merci
[obrigada] (Resposta da aluna a um elogio feito por uma colega sobre
sua boa capacidade de expressão oral)
(Registro do chat do Google Meet, 11 set. 2021)
Observe como os emoticons/emojis transformam o conteúdo das mensagens, atribuindo um
valor emocional e sensorial às palavras enunciadas. Os textos verbal e não verbal intra-agem
em superposição produzindo diferenças em multiplicidade (Barad, 2014). Nesses eventos,
percebemos que os significados
não são fixos e aditivos (o significado da palavra mais o significado da imagem), mas
sim, multiplicativos (o significado da palavra se modifica através do contexto
imagético e o significado da imagem se modifica pelo contexto textual) fazendo do
todo algo muito maior do que a simples soma das partes (Lemke, 2010, p. 456).
Outro ponto relevante diz respeito ao desprendimento da gramática nas intra-ações
digitais. A lisura do espaço digital o torna um terreno escorregadio para as formalidades e
normas linguísticas. De acordo com Crystal (2006, p. 71), o internetês, como se convencionou
chamar a linguagem emergente em meios digitais, é caracterizado por “[u]m forte espírito
pessoal e criativo”137 que propulsiona não só a criação de novos termos, mas também
transformações lúdicas em vocábulos já existentes. No curso de Francês 6, r.c. despontou como
o caso mais emblemático desse “espírito criativo”:
02:22:01.402,02:22:04.402
[r.c.]: vai toma cafe no copim de plastico :D
02:32:50.063,02:32:53.063
[r.c.]: no futuro pode valer milhoes ai nois guarda :D
(Registro do chat do Google Meet, 6 nov. 2021)
00:00:25.986,00:00:28.986
[r.c.]: Pom xur
(Registro do chat do Google Meet, 2 out. 2021)
02:36:48.067,02:36:51.067
[r.c.]: queremos MA QUE TCHY! O/
(Registro do chat do Google Meet, 9 out. 2021)
137
“[a] strong personal, creative spirit”.
101
Nos excertos acima, são notáveis os modos como r.c. performou diferenças para difratar
a normatividade da ortografia das línguas portuguesa e francesa. Isso se evidencia, sobretudo,
como uma estratégia de confrontar a dicotomia língua escrita/língua oral. Nos casos de copim
(“copinho”), nois (“nós”) e maquetchy (“maquete”), por exemplo, a subversão da norma busca
uma superposição de sons e sinais gráficos de acordo com sua maneira própria – assim como
de uma grande parcela de outros/as brasileiros/as – de produzir a língua portuguesa. Já em pom
xur, vemos uma reconfiguração lúdica da ortografia de bonjour (“bom dia” ou “boa tarde”, em
português), em que r.c. brinca com os sons e as letras fazendo emergir algo novo.
Apesar de estar em um ambiente acadêmico, o aluno se sentiu à vontade para construir
e performar repertórios que difratassem padrões de formalidade tanto linguística quanto
institucional, o que reforça a configuração da sala de aula digital como um espaço liso (Deleuze;
Guattari, 1997). Contudo, preciso ressaltar que isso foi possível por conta das relações que se
formaram na situacionalidade daquele espaçotempo, envolvendo uma série de actantes (aluno,
colegas, professor, internet, chat etc.). A esse respeito, Pennycook (2018a, p. 452) ressalta que
[e]sses ambientes on-line nos ajudam a ver como a gama de recursos à sua disposição
pode ser extraída de diferentes línguas/linguagens, possibilidades paralinguísticas,
textos e gêneros da cultura popular. Consequentemente, a noção de repertório pode
ser entendida como um propiciamento emergente e interactante [intra-actante] do
espaço on-line em vez de uma capacidade individual ou comunitária 138.
Em nossas aulas, busquei, ainda que timidamente, oportunizar movimentos em direção
a um entendimento de língua como assemblagem, no intuito de que os/as estudantes pudessem
perceber que a produção linguageira ocorre de modo polissemiótico. Nesse sentido, propus
algumas atividades em que os/as discentes poderiam se expressar para além da linguagem
verbal. Acredito que, na educação linguística, ainda tenhamos muito a caminhar nesse processo.
Talvez Reggio Emilia possa nos servir de inspiração, pois, nessa filosofia, as crianças “são
encorajadas a explorar seu ambiente e a expressar a si mesmas através de todas as suas
‘linguagens’ naturais ou modos de expressão, incluindo palavras, movimento, desenhos,
pinturas, montagens, escultura, teatro de sombras, colagens, dramatizações e música”
(Edwards; Gandini; Forman, 1999, n.p.). Do ponto de vista pós-humanista, urge colocarmos
em marcha deslocamentos que devolvam a cabeça (mente) ao corpo e que incentivem pensar-
“[t]hese online environments help us see how the range of resources at their disposal may be drawn from
different languages, paralinguistic possibilities, texts, and genres of popular culture. The notion of repertoire can
consequently be understood as an emergent and interactant affordance of the online space rather than an individual
or communal capacity”.
138
102
com as mãos (e os demais órgãos sensoriais), fazer-com a cabeça e escutar-e-falar-e-cheirar-etatear-e-ver-e-sentir-e-afetar.
Embora tenhamos performado, igualmente, esse caminhar em nossos encontros
síncronos, me atenho, aqui, às atividades que foram realizadas em momentos assíncronos, visto
que foram os materiais que mais brilharam para mim ao longo desta perguntação. Pensandocom Takaki (2019b, p. 601), compreendo que as práxis propostas tinham o objetivo de
estimular os/as alunos/as [do curso] a buscarem promover pequenas rupturas em
termos de: a) produção de um gênero textual/discursivo, b) uso de outros espaços para
além da sala de aula, c) reconfiguração de um conjunto de recursos humanos e não
humanos, naturais, linguísticos e tecnológicos, e d) potencial para ressignificar (de
forma crítica, criativa e ética) um determinado tema ou evento significativo para
eles/as139.
Na aula do dia 11 de setembro de 2021, iniciamos nossa discussão sobre palavrões. Em
nosso encontro subsequente, no dia 18, complicamos nossa conversa com uma problematização
de performances de gênero a partir das seguintes perguntas: « Est-ce que les femmes peuvent
dire des gros mots ? Comment voit-on les femmes qui disent des gros mots ? » [“As mulheres
podem dizer palavrões? Como vemos as mulheres que dizem palavrões?”]. Em seguida,
trabalhamos um trecho da letra de Balance ton quoi, bem como seu videoclipe, textos nos quais
a cantora belga Angèle confronta o machismo estrutural em relação à linguagem, à indústria da
música e ao assédio. O título da canção faz referência ao movimento #balancetonporc
(“denuncie seu agressor”), surgido na rede social Twitter (atualmente chamada X), em 2017,
como uma forma de incentivar mulheres a denunciar casos de assédio, agressão e violência
sexual, sobretudo no âmbito profissional, após a repercussão do processo envolvendo o
produtor estadunidense Harvey Weinstein140. Na aula seguinte, no dia 25, abordamos o
movimento #balancetonporc e entramos no tema da cultura do cancelamento.
Para arrematar a discussão desses três temas, solicitei ao grupo a realização desta
atividade avaliativa:
“stimulating under-graduate students to seek to promote small ruptures in terms of: a) the production of a
textual/discursive genre, b) the use of spaces other than the classroom, c) the reconfiguration of an assemblage of
human-nonhumans and natural, linguistic and technological resources, and d) the potential to re-signify (critically,
creatively and ethically) a particular theme or event that was meaningful to them”.
140
O movimento é frequentemente referido como uma versão francófona do #metoo (“eu também”), iniciado nos
Estados Unidos, naquele mesmo ano, quando a atriz Alyssa Milano utilizou a hashtag para catalisar, no Twitter, a
campanha criada pela ativista Tarana Burke, em 2006, em favor de uma rede de acolhimento e apoio às vítimas e
sobreviventes de violência sexual. Para mais informações sobre o movimento, acesse o site:
https://metoomvmt.org/get-to-know-us/history-inception/.
139
103
Partie 1 : Regardez la vidéo « Fatal Bazooka - C'est une pute ». En tenant compte des discussions
en classe à propos des gros mots, du mouvement #balancetonporc et de la cancel culture,
enregistrez un audio (entre 2 et 5 minutes) en discutant le contenu de la vidéo. Publiez votre
audio sur le forum (Eduq).
Partie 2 : Écoutez l’audio d’un.e collègue et réagissez à son opinion. Vous pouvez utiliser
n’importe quelle ressource pour faire cela (un commentaire oral ou par écrit, une photo, un
meme etc.) à condition que le message soit compréhensible.
[Parte 1: Assista ao vídeo “Fatal Bazooka - C'est une pute”. Levando em conta as discussões em
sala de aula sobre palavrões, o movimento #balancetonporc e a cultura do cancelamento, grave
um áudio (entre 2 e 5 minutos) discutindo o conteúdo do vídeo. Publique seu áudio no fórum
(Eduq).
Parte 2: Ouça o áudio de um/a colega e reaja a sua opinião. Você pode usar qualquer recurso
para fazer isso (um comentário falado ou escrito, uma foto, um meme etc.), desde que a
mensagem seja compreensível.]
O vídeo referido consiste em um esquete de humor no qual, supostamente, a irmã de um
rapper famoso apresenta uma música em denúncia ao machismo presente na língua francesa e
nas práticas das pessoas que dela se apropriam. Nessa atividade, busquei balancear o tradicional
desenvolvimento da produção oral (parte 1) com possibilidades semióticas outras (parte 2) para
que o grupo pudesse performar criticidade em relação a um tema relevante em nossas vidas
sociomateriais. Além disso, ao solicitar que os/as estudantes reagissem aos posicionamentos de
seus/suas colegas, esperava contribuir para a aproximação entre eles/as e para a instauração de
um debate saudável que acomodasse um possível conflito de ideias. Perceba que, na parte 2, o
foco recai inteiramente sobre a inteligibilidade, e não sobre a forma da mensagem.
A despeito das inúmeras possibilidades semióticas que poderiam ter sido mobilizadas,
quase todos/as os estudantes optaram por exprimir suas opiniões verbalmente,
majoritariamente, via texto escrito (Maria o fez via áudio). Nessa assemblagem, Profa foi a
única que conjugou texto escrito e imagem para produzir sentidos. Em reação ao comentário de
Jeane, a estudante apresentou a imagem contida na Figura 17, acompanhada do seguinte texto:
« Le taureau de Wall Street est confronté par la ‘fille intrépide’ » [“O touro de Wall Street é
confrontado pela ‘menina sem medo’”]. Embora indesejável, esse resultado não me surpreende,
visto que, em nossa história de educação linguística, estivemos tanto tempo “ocupados/as
venerando/ palavras”141, como apontam os versos de Saadi (2021, estrofe 1). Lemke (2010, p.
456-457) explica que isso tem relação com a prevalência do “‘logocentrismo’ moderno
(DERRIDA, 1976) que identificou somente na língua um meio confiável para o pensamento
lógico, e na língua escrita, inicialmente, o primeiro meio de autorizar o conhecimento e,
141
“busy worshipping/ words”.
104
posteriormente, o meio mais avançado de capacidade cognitiva”. Ainda assim, fico feliz que
Profa tenha difratado uma práxis tradicional, produzindo uma diferença em seu repertório
polissemiótico.
Figura 17 – Imagem apresentada por Profa em seu comentário
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Em outra oportunidade, propus uma atividade semelhante. No dia 20 de novembro de
2021, trabalhamos o longa-metragem Les misérables (2019), dirigido por Ladj Ly. Depois de
nossas trocas síncronas, os/as alunos/as tiveram que realizar a seguinte atividade:
Publiez un texte (un paragraphe, un audio, une image, un meme, une vidéo etc.) sur le forum
« Film : Les misérables » (sur Eduq) pour générer des discussions à propos du film. Vous devez
aussi discuter les publications de vos collègues.
[Publique um texto (um parágrafo, um áudio, uma imagem, um meme, um vídeo etc.) no fórum
“Film: Les misérables” (Eduq) para gerar discussões sobre o filme. Você também deve discutir
as postagens de seus/suas colegas.]
Surpreendentemente, os resultados do evento anterior não se repetiram. Dessa vez, cinco
estudantes apresentaram suas ideias a partir da combinação de códigos linguageiros diferentes:
Jeane e Marta fizeram um comentário escrito unido a uma imagem; Leia (Figura 18) e Profa
postaram um texto escrito acompanhado de duas imagens; e r.c. apresentou um parágrafo por
escrito junto a um link para um vídeo de uma crítica ao filme no YouTube. Vemos, assim, uma
ruptura no paradigma que se havia instaurado. É bem verdade que os textos escritos não
perderam seu lugar de primazia; porém, agora, mais estudantes se deram conta de que poderiam
105
mobilizar outros recursos semióticos para expressar suas ideias, o que considero positivo para
complexificar suas visões de língua(gem).
Figura 18 – Atividade de Leia sobre Les misérables
Fonte: Materiais do estudo (2021).
[Final aberto do film Les misérables :(:
O final aberto é um tipo de final que sempre causa polêmica entre os[/as] espectadores[/as], pois há uma quebra
de expectativas. No filme Les misérables, o diretor preferiu deixar o final em aberto, para minha grande tristeza e
ansiedade. Eu estava muito tensa com o rumo que o filme estava tomando e imaginava que o final, apesar de
tudo, seria feliz e que os personagens aprenderiam algo, a famosa redenção. Mas não foi isso o que aconteceu. E
vocês, gostaram do final aberto ou não?]
Entre esses dois eventos, performamos uma atividade que pode ter contribuído para essa
mudança. No dia 2 de outubro de 2021, a partir da obra La trahison des images (1928-1929),
de René Magritte, iniciamos uma discussão sobre artes. Terminamos a aula com os/as
estudantes partilhando suas opiniões sobre estátuas. Como atividade assíncrona, pedi que
criassem uma estátua ou monumento e se preparassem para apresentá-la/o ao grupo no encontro
seguinte. Inicialmente, havia previsto a apresentação para um momento posterior, quando já
tivéssemos tratado dos movimentos de derrubada de monumentos que eclodiram mundo afora
após uma série de protestos do Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”), movimento
antirracista que ganhou tração em maio de 2020, quando George Floyd, homem negro, foi
asfixiado até a morte por um policial branco, nos Estados Unidos. No entanto, devido às
restrições burocráticas do semestre letivo, eu precisava concluir as notas do primeiro bimestre
e não poderia postergar a apresentação para a semana subsequente. Este foi o enunciado da
atividade:
Créez une statue/un monument pour rendre hommage à quelqu’un ou quelque chose (un
objet, une idée, un principe etc.) que vous considérez important.e. Vous pouvez utiliser
n’importe quelle ressource pour représenter votre statue/monument, mais vous devez
apporter quelque chose que l’on peut voir. Présentez-la/-le oralement le cours prochain. Les
questions suivantes peuvent vous aider à préparer votre présentation :
o Pourquoi avez-vous choisi cette personne ou chose ?
o Qu’est-ce qu’il/elle représente pour vous ?
106
o Où voudriez-vous exposer ce monument/cette statue ? Pourquoi ?
o Comment imaginez-vous que les gens réagiraient à cette statue/ce monument ?
[Crie uma estátua/monumento para homenagear alguém ou algo (um objeto, uma ideia, um
princípio etc.) que você considere importante. Você pode usar qualquer recurso para
representar sua estátua/monumento, mas deve fornecer algo que possa ser visto. Apresentea/o oralmente na próxima aula. As perguntas a seguir podem ajudá-lo/a a preparar sua
apresentação:
o Por que você escolheu essa pessoa ou objeto?
o O que ela representa para você?
o Onde você gostaria de exibir esse monumento/estátua? Por quê?
o Como você acha que as pessoas reagiriam a essa/e estátua/monumento?]
Note que minhas instruções escorregam em anseios representacionais. O propósito dessa
atividade consistiu em criar uma oportunidade para que o grupo desenvolvesse repertórios
polissemióticos a partir do engajamento criativo, ético e, esperançosamente, crítico com e para
além da língua francesa. Afinal, como salientam Deleuze e Guattari (1995, n.p.), “[u]m rizoma
não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem
às artes, às ciências, às lutas sociais”. Compreendo que “[a]s artes usam artefatos e processos
analógicos para tornar desconhecidos nossos recursos habituais de produção de sentido, para
descobrir novos caminhos por meio deles e torná-los mais profundamente significativos”142
(Barry; Meisiek, 2010, p. 1506). Sendo assim, esperava que o processo de criação artística –
por meio de seu “poder de desfamiliarizar que dá às artes sua capacidade de vibrar, ressoar e
avivar”143 (Barry; Meisiek, 2010, p. 1506) – pudesse contribuir positiva e diferentemente para
a expansão dos repertórios dos/as estudantes.
Pessoa e Urzêda-Freitas (2023) discutem um projeto semelhante, realizado com um
grupo de universitários/as de licenciatura em língua inglesa, no qual cada estudante criou um
monumento para confrontar as violências que circunstancia(ra)m a história do Brasil. Ainda
que minha proposta não tivesse um foco específico, tal como o descrito pela autora e pelo autor,
tendo em vista os saberes coconstruídos em nossas aulas até aquele momento, esperava que
os/alunos/as se apropriassem da proposta para performar criticidade e difratar suas
corpovivências, entendidas “como possibilidade[s] de criação de caminhos outros de ser, estar,
pensar, enxergar, escutar, sentir, conhecer” (Almeida, 2023, p. 18).
No dia 9 de outubro de 2021, os/as estudantes expuseram suas criações. Suas
apresentações podem ser acessadas nesta pasta do Google Drive. Os temas mais recorrentes
“[t]he arts use artifacts and analogical processes to make our familiar sensemaking resources unfamiliar, to
discover new ways through them, and to make them more deeply meaningful”.
143
“power to defamiliarize that gives the arts their ability to vibrate, resonate, and enliven”.
142
107
contemplaram ciência, gênero, família, violência e animais. Discorrerei brevemente sobre cada
um dos trabalhos. Marta decidiu criar uma estátua para confrontar o apagamento sofrido por
Lise Meitner, física austríaca e judia que descobriu a fissão nuclear com seu colega Otto Hahn,
que recebeu sozinho o prêmio Nobel, em 1944, pelo trabalho (Figura 19). Jeane optou por
celebrar Pierre Bourdieu, sociólogo francês, em virtude de suas valiosas contribuições para o
campo da sociologia da educação, sobretudo na obra La reproduction: éléments pour une
théorie du systhème d’enseignement (1970), publicada em conjunto com Jean-Claude Passeron
(Figura 20). Profa escolheu homenagear sua bisavó, descrita como uma política feminista que
lutou por causas sociais no Brasil (Figura 21144). Leia propôs uma estátua em tributo a sua mãe,
quem considera uma mulher forte e inspiradora (Figura 22).
Figura 19 – Monumento de Marta
Fonte: Materiais do estudo (2021).
144
Por se tratar de uma figura pública, optei por apresentar a imagem da bisavó da aluna sem censura.
108
Figura 20 – Monumento de Jeane
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Figura 21 – Monumento de Profa
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Figura 22 – Monumento de Leia
Fonte: Materiais do estudo (2021).
109
Julio Pinheiro apresentou uma escultura de Pabllo Vittar, drag queen e cantora
brasileira, como símbolo de representatividade LGBTQIA+145 (lésbicas, gays, bissexuais,
pessoas transgênero, queer, intersexuais, assexuais e demais identidades não cisheteronormativas) (Figura 23). r.c. concebeu uma estátua intitulada Les femmes contre la
violence (“As mulheres contra a violência”), personificada na figura de Maria da Penha, ativista
brasileira dos direitos das mulheres que teve um papel fundamental na promulgação da Lei n.
11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, também chamada Lei Maria da Penha (Figura 24).
Difratando a inocência e humor de Manneken pis, estátua de um menino urinando em uma
fonte, localizado no centro de Bruxelas, Maria imaginou um monumento de crianças vítimas
de balas perdidas no Brasil (Figura 25). Gigi, por sua vez, criou um monumento para evidenciar
as dificuldades enfrentadas pelos/as refugiados/as (Figura 26).
Figura 23 – Monumento de Julio Pinheiro
Fonte: Material do estudo (2021).
145
Desde a apresentação de Julio Pinheiro, a sigla passou por uma expansão, tornando-se LGBTQIAPN+, para
contemplar, também, a existência e a luta de pessoas pansexuais e não binárias.
110
Figura 24 – Monumento de r.c.
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Figura 25 – Monumento de Maria
Fonte: Materiais do estudo (2021).
111
Figura 26 – Monumento de Gigi
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Hiago preparou uma escultura em homenagem a Tupac, cachorro que frequentava o
câmpus Samambaia e se tornou bastante popular entre os/as universitários/as (Figura 27). Toni
aproveitou a oportunidade para destacar seu animal preferido com um monumento chamado Le
poulet (“O frango”) (Figura 28). FX concebeu uma ponte cujo caminho estava bipartido e
separado para tratar de como posicionamentos distintos podem ser reconciliados (Figura 29).
Por fim, tomando como inspiração sua personalidade sonhadora e seu desejo de se tornar
escritora, Croissant projetou um monumento interativo de uma bola de sabão com uma
superfície marcada por um livro aberto ao lado de um tinteiro e uma pena (Figura 30).
112
Figura 27 – Monumento de Hiago
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Figura 28 – Monumento de Toni
Fonte: Materiais do estudo (2021).
113
Figura 29 – Monumento de FX
Fonte: Materiais do estudo (2021).
Figura 30 – Monumento de Croissant
Fonte: Materiais do estudo (2021).
De todos/as os/as estudantes, apenas FX construiu de fato um monumento físico. O
aluno utilizou peças encaixáveis de plástico para dar vida a sua ideia em três dimensões. O
restante do grupo trabalhou com imagens digitais. Seguindo Murris (2016b, p. 287), não me
cabe dissertar sobre o que os monumentos representam, dado que “[p]erguntar o significado
(representacional) é um tipo de conhecimento (humanista) que mantém o/a conhecedor/a à
114
distância (por meio da linguagem)”146. Esse tipo de postura desemboca na separação dicotômica
entre sujeito/objeto, observador/a/observado/a, perguntador/a/perguntado/a, repetindo um ciclo
cartesiano de falsa objetividade. De acordo com a autora, mais vale fazer uma leitura da agência
performativa desses/as actantes, por meio de perguntas como “o que fazem?” e “como
funcionam?”.
Então, o que fizeram esses monumentos em nosso contexto de educação linguística? Em
primeiro lugar, permitiram que os/as alunos/as experimentassem diferentes linguagens como
forma de expressão; permitiram que pensassem-com as mãos, fizessem-com o corpo e
escutassem-e-falassem-e… Durante as apresentações, pedi que os/as estudantes ligassem suas
câmeras para que pudessem performar suas ideias, também, através de seus corpos físicos, ainda
que de forma restrita. Com exceção de Julio Pinheiro, que teve um problema de ordem técnica,
todos/as o fizeram. Ao falar de seus trabalhos, os/as estudantes mobilizaram recursos semióticos
distintos, envolvendo a língua-alvo, mas não só ela.
Em um momento de sua apresentação, Gigi expôs que não conseguiria exprimir tudo o
que sentia em relação ao tema dos/as refugiados/as por falta de repertórios na língua francesa.
Em resposta, expliquei que ele poderia alternar entre francês e português se julgasse necessário.
Assim como Rocha (2014), entendo que o princípio de exclusividade da língua-alvo na sala de
aula promove um desserviço à educação linguística no sentido de que gera mais silenciamentos
do que engajamento efetivo com a língua não materna. Me permita fazer, aqui, uma breve
digressão. Mediante esse evento, me lembro de que, quando tive o privilégio de começar a
estudar inglês em uma renomada escola de idiomas, a professora (obviamente orientada pela
coordenação), sempre que nos ouvia falar português, nos repreendia: “no English, no talk!”
(“sem inglês, sem conversa!”). Depois que me tornei professor, trabalhei nessa mesma rede de
escolas. Nas paredes das salas de aulas, havia placas de sinalização com a inscrição “no
Portuguese” (“sem português”). Você percebe a violência velada nessas afirmações?
Continuamos a reproduzir uma lógica dicotômica que prioriza a forma em detrimento do
conteúdo. A despeito de sua suposta “boa intenção”, em minhas experiências como aluno e,
posteriormente, como professor, não senti efeitos positivos resultantes desse tipo de abordagem
da língua materna. Frequentemente, o efeito foi o silêncio forçado.
“[a]sking for (representational) meaning is a kind of (humanist) knowing that keeps the knower at a distance
(through language)”.
146
115
Canagarajah (2013, p. 6) reforça que “a comunicação transcende línguas individuais”147
e, além disso, que “[a]s ‘línguas’ estão sempre em contato e se influenciam mutuamente”148.
Aparentemente, esse entendimento ainda não alcançou a política linguística de muitas escolas
no Brasil. Em nossas aulas, os/as estudantes usavam a língua portuguesa com certa frequência,
tanto em seus textos orais quanto em seus textos escritos no chat, alternando a língua materna
e a língua-alvo na coconstrução de seus repertórios. Mais ainda, se valiam também de
conhecimentos na língua inglesa.
Em nosso encontro do dia 30 de outubro de 2021, tratamos da estrutura gramatical ne…
que, chamada de restriction (“restrição”). Quando terminamos um exercício de transformação
de algumas frases, Profa fez uma observação comparando a restriction com um dos possíveis
usos de but em inglês e me perguntou se havia algo equivalente em português. Respondi que
uma possibilidade seria “senão”; porém, esse termo tem uso bastante escasso no português
brasileiro contemporâneo, ficando restrito à escrita formal culta149, o que pode causar certo
estranhamento quando falado, diferentemente de but, que é amplamente empregado em diversas
situações comunicativas. Leia intraveio e nos ofereceu “não mais que” como uma opção, o que
acatamos como o melhor equivalente em português. Observe como, nesse evento, mobilizamos
três línguas diferentes para negociar sentidos e chegar a um lugar comum. O ponto que gostaria
de levantar se resume à compreensão de que, a partir de uma perspectiva pós-humanista,
devemos abordar as línguas por meio de cortes transversais (que nos levem além da gramática
contrastiva), reconhecendo que a troca de códigos é uma estratégia comunicativa em si.
Em segundo lugar, os monumentos apresentados confrontaram norma(lizaçõe)s
impostas pelas incontáveis manifestações sociomateriais das colonialidades. Livholts (2022,
para. 1) aponta que “estátuas tendem a falar a partir de posições de privilégio e da elite,
principalmente de masculinidades brancas e sem deficiência”150. Tendo em vista que os
monumentos ocupam espaços públicos, “[i]sso desempenha um papel no poder narrativo da
governança, privilegiando eventos e memórias específicos em detrimento de outros, excluindo
as histórias de mulheres e das minorias”151 (Livholts, 2022, para. 1). Na contramão de
“[h]omens privilegiados/ [v]igiando a cidade”152 (Livholts, 2014, p. 33 apud Livholts, 2022,
“communication transcends individual languages”.
“‘[l]anguages’ are always in contact with and mutually influence each other”.
149
Mesmo em registros formais, o termo não me parece tão recorrente. Ora, em dezenas de páginas desta
dissertação, recorri à expressão uma única vez por meio de uma citação.
150
“statues tend to speak from positions of privilege and the elite, mainly white, able-bodied masculinities”.
151
“[t]his plays a role for the narrative power of governance, privileging specific events and memories over others,
excluding histories of women and minorities”.
152
“[p]rivileged men/ [w]atching the city”.
147
148
116
on-line), os/as estudantes fizeram escolhas inten(c/s)ionais de colocar em evidência histórias de
corpos (não necessariamente humanos) marginalizados, silenciados e vítimas de violências e
desigualdades. Ao fazê-lo, corpoevidenciaram (Almeida, 2023) maneiras outras de se colocar
no mundo para fazer face ao machismo (Marta, Profa, r.c.), à cisheteronormatividade (Julio
Pinheiro), ao nacionalismo (Gigi), ao racismo (Maria) e ao especismo (Hiago e Toni).
As intra-ações ocorridas no curso de Francês 6 demonstram que repertórios
polissemióticos foram mobilizados nas aulas, combinando a língua francesa com as línguas
portuguesa e inglesa, com gestos, com expressões faciais, com imagens, com emoticons/emojis,
com silêncios, com emoções… Isso nos leva a perceber que as práticas linguageiras são
estratégias híbridas, moventes, fluidas e performáticas, de modo que se materializam de formas
diversas para produzir significados/sentidos. Nos processos comunicativos, cadeias semióticas
de potencial infinito são formadas. Como explicam Deleuze e Guattari (1995, n.p.),
uma cadeia semiótica é como um tubérculo que aglomera atos muito diversos,
lingüísticos, mas também perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos: não existe
língua em si, nem universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos, de
patoás, de gírias, de línguas especiais.
Além disso, podemos perceber que a inteligibilidade se faz para além do ser humano, em
assemblagem com actantes não humanos/as, como monumentos, por exemplo, que se alinham
para coconstruir uma mensagem no corte de determinado tema.
Corporificar a língua(gem) exige fazer re-tornar o corpo e romper com binarismos que
se sedimentaram ao longo da história. Para tanto, é necessário conceber a língua como algo
mais do que um conjunto de regras processado em faculdades mentais. Isso envolve assumir
nossas naturezas corpóreas como parte elementar da coconstrução de inteligibilidade e se
afastar de uma noção logocêntrica que imputa à expressão verbal uma espécie de verdade
ontoepistemológica. Concordo com Lemke (2010, p. 460) sobre a ideia de que “[p]recisamos
derrubar os limites artificiais que temos tentado criar entre o mental e o material, entre os
aspectos individuais e soci[omateri]ais das pessoas e das coisas que interagem [intra-agem]
física e semioticamente com outras pessoas e coisas”.
Como tenho argumentado aqui, esse movimento em direção a um devir pós-humanista
não implica um apagamento do humanismo, mas formas de difratá-lo e gerar diferenças
diferentes. Não podemos negar as mudanças positivas que o humanismo nos proporcionou em
termos de produção do conhecimento e de políticas identitárias ao longo da história. Tal como
Bayne (2017, p. 210),
117
[p]enso que o principal desafio enfrentado por professoras/es e pesquisadoras/es na
era do Antropoceno é tentar se afastar desse legado arraigado, encarnado de
humanismo dentro da educação. Estou interessad[o] no que é útil e importante no
humanismo em torno da agência e da justiça social. Ao mesmo tempo, estou tentando
pensar o que significa estar conectad[o] de forma múltipla, tanto em termos ecológicos
quanto em termos maquinoartificiais, e como isso pode mudar o que significa ensinar,
o que significa ser um/a educador/a e o que significa ser um/a estudante. Na minha
opinião, essa é realmente a questão-chave que precisamos abordar153.
Assim sendo, complexificar a língua(gem) demanda um esforço de trabalhar nossas
corpovivências e as formas como elas se emaranham em nossas produções polissemióticas.
Nossos corpos não são entidades vazias; eles carregam histórias de reprodução de
colonialidades, mas podem, ao mesmo tempo, se tornar materialidades de resistência (Gale;
Wyattt; Moreira; Diversi, 2022). A educação linguística não pode, pois, se esquivar de seu
compromisso ético-ontoepistemológico de responder a um mundo desigual.
“I think the main challenge facing teachers and researchers in the age of the Anthropocene is to try and move
away from this entrenched, embodied legacy of humanism within education. I am interested in what is useful and
important in humanism around agency and social justice. At the same time, I am trying to think what it means to
be multiply connected both in ecological terms and in machinicartificial terms, and how that may change what it
means to teach, what it means to be an educator, and what it means to be a student. In my opinion, this is really
the key question that we need to address”.
153
118
DESCONSIDERAÇÕES DE FINAIS
“Desconsidero qualquer final”154
Como terminar algo que começa pelo meio?
Curiosamente
No espaçotempo em que escrevia
Estas palavras
Deparei com o seguinte texto:
Figura 31 – Tirinha
Fonte: Desorientanda (2023).
Já tendo dito o que tinha a dizer
No corte agencial
Desse espaçotempo situado
Por força de convenção
Me vejo na obrigação
154
Vi esta frase em uma história do Instagram, mas, quando decidi usá-la, não consegui recuperar o lugar de sua
autoria para fazer a citação devidamente. Sendo assim, uso as aspas para referenciar as palavras dessa outra pessoa,
que, infelizmente, seguirá, aqui, em anonimato.
119
De dizer mais
E mais e mais e mais e…
Para estar apto a entrar no Museu de Teses e Dissertações
Para a apreciação de poucos/as
(Pennycook (2018b) já questionou os sentidos das cabeças falantes
Pois eu gostaria de questionar os sentidos das mãos escreventes!!!)
E escolhi fazê-lo em forma de verso livre
Sim, isso mesmo!
Em verso
livre
Mais uma escolha inten(c/s)ional
Ressoam, agora, em meus ouvidos
Os versos de Pitty (2019, 0min 4s):
“eu me domestiquei
pra fazer parte do jogo
mas não se engane, maluco[/a]
continuo bicho solto”
Mas quão livres serão estes versos
Neste arquivo de PDF?
Escrever este texto acadêmico se fez como uma luta
Constante
Comigo
Mesmo
Uma escrita de guerrilha (Gale; Wyattt; Moreira; Diversi, 2022)?
Ainda assim
Não posso negar que
“Me divirto com a empolgação de ser o fugitivo, aquele que está em fuga, aquele que está
sempre escrevendo em guerrilha, aquele que pode viver na universidade, mas aquele que,
cada vez mais, se sente menos parte dela”155 (Gale; Wyattt; Moreira; Diversi, 2022, p. 3)
Talvez esse contraformato me ajude
A desentravar os entraves
A desbloquear os bloqueios
“I revel in the excitement of being the fugitive, the one that is on the run, the one that is always guerrilla writing,
the one that might live in the university but the one who, increasingly, feels less a part of it”.
155
120
A experimentar em minha experimentação
A escrever de um modo outro
Encontro na voz poética
Uma liberdade performática
Que ainda não encontrei
Em outros formatos
Será um caso de poesia como iluminação (Lorde, 2019)?
Ou, melhor, poesia como escuração156?
Ou, ainda, poesia como perguntação?
Como verbaliza Lorde (2019, p. 44):
“é através da poesia que damos nome àquelas ideias que – antes do poema – não têm nome
nem forma, que estão para nascer, mas já são sentidas”
Mas não se engane:
Isto ainda se configura como um texto acadêmico!
Um texto acadêmico em seu tornar-se diferencial
A despeito de quem diga que não
(E dirão, ah, como dirão!)
Ora, mas veja bem as referências!!!
Prometo não me demorar
Desde que me propus a desenvolver
Esta dissertação
(Disserta a ação?)
Tinha muito escuro
Que queria que fosse um texto curto
Na contramão do próprio gênero
E cá estamos
Depois de tantas (poucas?) páginas
Nas palavras finalizantes
Mas não finais!
Qual é o objetivo de uma tal seção em um trabalho acadêmico?
Normalmente
Devo apontar que o termo “escuração” (assim como “escurecer”) não implica em minha autoidentificação como
parte da raça negra, mas se refere a uma forma de re-tornar os sentidos que são comumente associados à negritude.
156
121
(O normal mente?)
Rematamos os aspectos principais do texto
Não é?
Visto que temos trabalhado juntos/as
Ao longo desse processo
No emaranhamento de conceitos-ideias-saberes-perguntações
Não posso deixar de pedir sua colaboração em mais este momento
Sim, você, afetuoso/a leitor/a
Que me acompanhou até aqui
Na coconstrução do que virá a ser
Esta dissertação
Impelido por minha identidade docente
Te deixo, portanto,
Mais uma atividade:
Escreva esta seção comigo
Perguntagindo!
Está pronto/a?
Vamos lá!
Responda às questões a seguir:
Em que consistiu o objetivo deste trabalho?
Que praxiologias sustentaram
As discussões apresentadas?
Que materiais performaram?
Que problematizações foram feitas
Sobre a educação linguística?
Escreva aqui, por favor
Passadas essas formalidades (ufa!)
Agora
Me conte
Sobre sua experiência
Com esta dissertação
De que formas ela te afetou?
O que brilhou para você?
Que perguntas acerca da educação linguística
122
Ela te provocou a fazer?
Que movimentos de difração
Você performou com/a partir d’ela?
Escreva aqui, por favor
De braços dados com Barad (2014)
Rejeito os cortes em dois
Me interessam mais
Os cortes em múltiplas direções
Que produzem diferenças diferentes
Entre on-line e off-line
Escolho onlife
Que é um corte transversal
Que está no meio
E é no meio que as coisas tomam velocidade
Enveredando por experimentações
Me aventurei com o pós-qualitativo
Numa pandemia de um vírus letal
Que desCOnVIDou a copresença física
E instaurou um ensino (ter)remoto (bum!)
E me lançou numa pedagogia da gambiarra
Caí, então, em uma sala de aula distribuída
Dispersa entre espaçotempos-e-corpos-e-pessoas-e-coisas-e-casas-e-salas-e-quartos-ecadeiras-e-mesas-e-redes-e-internet-e-computadores-e-smartphones-e-câmeras-e-microfonese-teclados-e-linguagens-e-textos-e-falas-e-escritos-e-emojis-e-emoticons-e-imagens-e-vídeose-áudios-e-barulhos-e-silêncios-e-tradutores-e-dicionários-e-monumentos-e-experiências-eemoções-e-significados-e-sentidos-e-corpovivências-e-diferenças-e-perguntas-e…
Onde os/as estudantes escorregaram
Na lisura do espaço digital
E foram distraídos/as por actantes
Supostamente “lá de fora”
E sentiram inveja do câmpus
Apesar de terem ganhado tempo de vida
Evitando deslocamentos
E sentiram falta dos corpos alheios
123
Escamoteados por trás de câmeras desligadas
Transcorporificados em algoritmos
Nas telas de computadores e smartphones
E acreditaram que on-line era mais difícil
E ao mesmo tempo escorregaram
Na lisura do espaço digital
Para construir repertórios em assemblagens
Com dicionários e tradutores
Exercendo intranomia
Integrando sentidos
Se alinhando com os espaçotempos da aula
Para aprender em seus próprios ritmos
E trabalhar em grupos
E (des)inventar língua(gen)s
Mobilizando sons, textos escritos, emojis, emoticons, imagens, monumentos
Superpondo verbal-e-não-verbal
Multiplicando significados
Para se fazer (in)inteligíveis
A partir das corpovivências
Nesses emaranhamentos
Emergiram (in)compreensões
Em leituras difrativas
Que me fazem
Argumentar em favor
De uma educação linguística
Corporificada
Movida pelo desenvolvimento
De repertórios polissemióticos
Que não se limitam à expressão verbal
Nem a uma língua determinada
Nem aos seres humanos
Entendo a produção de significados/sentidos
Como um processo que emerge em assemblagem
Atravessando corpos diversos
124
Humanos-e-não-humanos
Em reiteradas intra-ações
De modo híbrido e performático
Mobilizando cadeias semióticas infinitas
O Pós-humanismo não é a resposta
Para todos os anseios que carregamos
Como professores/as-e-linguistas-e-educadores/as
Tampouco tem a pretensão de sê-lo
Ainda estou me descobrindo-com ele
E me permitindo experimentar-com ele
Para difratar entendimentos sedimentados
Sobre língua(gem)
E
Numa perspectiva crítica
Relações de poder
Mas ele nos instiga a questionar
Me instiga a perguntagir sobre minha práxis
E isso
Por si só
Já tem relevância
E re-torna as praxiologias que aí estão postas
125
REFERÊNCIAS
AKRICH, Madeleine; LATOUR, Bruno. A summary of a convenient vocabulary for the
semiotics of human and non-human assemblies. In: BIJKER, Wiebe E.; LAW, John. (ed.).
Shaping technology/building society: studies in sociotechnical change. Cambridge, MA: The
MIT Press, 1992. p. 259-264.
ALAIMO, Stacy. Bodily natures: science, environment, and the material self. Bloomington, IN:
Indiana University Press, 2010.
ALIANÇA FRANCESA RIO DE JANEIRO. DELF scolaire, 2022. Disponível em:
https://www.rioaliancafrancesa.com.br/examesoficiais/delfscolaire/. Acesso em: 31 dez. 2022.
ALLIEZ, Eric. Coleção Trans. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs:
capitalismo e esquizofrenia. Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed.
34, 1995. (Coleção TRANS). v. 1.
ALMEIDA, Ricardo R. Corpovivências decoloniais compartilhadas e coconstruídas nas (e
para além das) aulas de Língua Inglesa de um curso de Letras: Português e Inglês. 2023. 236
f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2023.
AMIEL, Tel. Geringonça, jeitinho, gambiarra: a pesquisa em tecnologia e educação diante de
suas políticas e projetos. In: VALENTE, José A.; FREIRE, Fernanda M. P.; ARANTES, Flávia
L. (org.). Tecnologia e educação: passado, presente e o que está por vir. Campinas:
NIED/UNICAMP, 2018. p. 164-179.
ARVOREAGUA. Rizoma, 2022. Disponível em: https://arvoreagua.org/morfologia/rizoma.
Acesso em: 16 jan. 2023.
ATKINSON, Dwight. Beyond the brain: intercorporeality and co-operative action for SLA
studies. The Modern Language Journal, v. 103, p. 113-121, 2019.
BARAD, Karen. Posthumanist performativity: toward an understanding of how matter comes
to matter. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Boston, v. 28, n. 3, p. 801-831,
2003.
BARAD, Karen. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of
matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press, 2007.
BARAD, Karen. Intra-active entanglements – an interview with Karen Barad. [Entrevista
cedida a] Malou Juelskjær e Nete Schwennesen (2012). Schwennesen. Kvinder, Køn &
Forskning, n. 1-2, p. 10-24, 2012a.
BARAD, Karen. “Matter feels, converses, suffers, desires, yearns and remembers”. Interview
with Karen Barad. Interviewed by Rick Dolphijn and Iris van der Tuin. In: DOLPHIJN, Rick;
VAN DER TUIN, Iris. New materialism: interviews & cartographies. Ann Arbor: Open
Humanities Press, 2012b. p. 48-70.
126
BARAD, Karen. Diffracting diffraction: cutting together-apart. Parallax, v. 20, n. 3, p. 168187, 2014.
BARRY, Daved; MEISIEK, Stefan. Seeing more and seeing differently: sensemaking,
mindfulness, and the workarts. Organization Studies, v. 31, n. 11 p. 1505-1530, 2010.
BAYLEY, Annouchka. Posthuman pedagogies in practice: arts based approaches for
developing participatory futures. Cham: Palgrave Macmillan, 2018.
BAYNE, Siân. From anthropocentric humanism to critical posthumanism in digital education
– Conversation with Siân Bayne. Interviewed by Petar Jandrić. In: JANDRIĆ, Petar. Learning
in the age of digital reason. Rotterdam: Sense Publishers, 2017. p. 195-210.
BAYNE, Siân; EVANS, Peter; EWINS, Rory; KNOX, Jeremy; LAMB, James; MACLEOD,
Hamish; O’SHEA, Clara; ROSS, Jen; SHEAIL, Philippa; SINCLAIR, Christine. The manifesto
for teaching online. Cambridge, MA: The MIT Press, 2020.
BITTI, Pio E. R.; GAROTTI, Pier L. Nonverbal communication and cultural differences: issues
for face-to-face communication over the internet. In: KAPPAS, Arvid; KRÄMER, Nicole C.
(ed.). Face-to-face communication over the internet: emotions in a web of culture, language,
and technology (Studies in emotion and social interaction). Cambridge: Cambridge University
Press, 2011. p. 81-99.
BORDAS, Francis C. Retomada das atividades docentes de forma remota e emergencial na
pandemia: direito de imagem, direitos autorais, deveres e obrigações. Bordas Advogados
Associados. Brasília, DF, 4 ago. 2020. Disponível em: http://www.bordas.adv.br/textos/aulasremotas-direito-autoral-v3.pdf. Acesso em: 20 abr. 2023.
BRILHANTE,
Daniela.
Pós-humanos.
Hipocampo,
2019.
https://hipocampo.space/pos-humanos-2/. Acesso em: 19 jul. 2022.
Disponível
em:
BUZATO, Marcelo E. K. Desafios empírico-metodológicos para a pesquisa em letramentos
digitais. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 46, n. 1, p. 45-62, jan./jun. 2007.
CADENA, Marisol de la. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. Revista do Instituto
de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 69, p. 95-117, 2018.
CANAGARAJAH, Suresh. Translingual practice: global Englishes and cosmopolitan
relations. Abingdon/New York: Routledge, 2013.
CANAGARAJAH, Suresh. Materializing ‘competence’: perspectives from international STEM
scholars. The Modern Language Journal, v. 102, n. 2, p. 268-291, 2018a.
CANAGARAJAH, Suresh. Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm
beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, p. 31-54, 2018b.
CONNOLLY, William E. Materialities of experience. In: COOLE, Diana; FROST, Samantha
(ed.). New materialisms: ontology, agency, and politics. Durham/London: Duke University
Press, 2010. p. 178-200.
127
COUNCIL OF EUROPE. Common European Framework of Reference for Languages:
Learning, teaching, assessment – Companion volume. Strasbourg: Council of Europe
Publishing, 2020.
CRYSTAL, David. Language and the internet. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press,
2006.
DAHMER, André. Palestra sobre os novos tempos. Aba 4, 28 jan. 2023. Instagram:
@andredahmer.
Disponível
em:
https://www.instagram.com/p/Cn9cir3OSbJ/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em: 28
jan. 2023.
DALMASO, Alice C. Fiandografias em educação: experimentações de modos de estar viva
para o mundo. In: RIGUE, Fernanda M. (org.). Rizomas em educação. Veranópolis: Diálogo
Freiriano, 2021. p. 29-46.
DELEUZE,
Gilles.
Sur
Spinoza.
Webdeleuze,
1978.
https://www.webdeleuze.com/textes/11. Acesso em: 24 dez. 2022.
Disponível
em:
DELEUZE, Gilles. Critique et clinique. Paris: Les Éditions de Minuit, 1993.
DELEUZE, Gilles. Eight years later: 1980 interview. [Entrevista cedida a] Catherine Clément
(1980). In: DELEUZE, Gilles; LAPOUJADE, David (ed.). Two regimes of madness: texts and
interviews 1975-1995. Trad. Ames Hodges e Mike Taormina. New York: Semiotext(e), 2006.
p. 175-180.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Aurélio
Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. (Coleção TRANS). v. 1.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Peter Pál
Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 1997. (Coleção TRANS). v. 5.
DERRIDA, Jaques. De la grammatologie. Paris: Les Éditions de Minuit, 1967. (Collection
« Critique »).
DESORIENTANDA. Escrever-no-mundo, 8 jun. 2023. Instagram: @desorientanda.
Disponível em: https://www.instagram.com/p/CtOrPyqr4GE/?hl=pt. Acesso em: 20 jun. 2023.
EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança:
a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Trad. Dayse Batista. Porto
Alegre: Ed. Artmed, 1999.
EKDAHL, David. Our body does not have to end where digital screens begin. Academia
Letters, p. 1-5, 2021.
EKDAHL, David; RAVN, Susanne. Social bodies in virtual worlds: intercorporeality in
esports. Phenomenology and the Cognitive Sciences, v. 21, p. 293-316, 2022.
FERNÁNDEZ-DOLS, José-Miguel; CARRERA, Pilar. To be seen or not to be seen: the
presentation of facial information in everyday telecommunications. In: KAPPAS, Arvid;
128
KRÄMER, Nicole C. (ed.). Face-to-face communication over the internet: emotions in a web
of culture, language, and technology (Studies in emotion and social interaction). Cambridge:
Cambridge University Press, 2011. p. 39-52.
FERRANDO, Francesca. Towards a posthumanist methodology: a statement. Frame: Journal
of Literary Studies, Narrating Posthumanism, v. 25, n. 1, p. 9-18, 2012.
FERREIRA, Windiz B. Série: campo da pesquisa (1): o campo de pesquisa. YouTube: Profa.
Windyz Ferreira, Ph.D, 29 out. 2019. Disponível em: https://youtu.be/U3M4mBSfVBI. Acesso
em: 14 jan. 2023.
FLORIDI, Luciano (ed.). The onlife manifesto: being human in a hyperconnected era.
Cham/Heidelberg/New York/Dordrecht/London: Springer, 2015a.
FLORIDI, Luciano. Introduction. In: FLORIDI, Luciano (ed.). The onlife manifesto: being
human in a hyperconnected era. Cham/Heidelberg/New York/Dordrecht/London: Springer,
2015b. p. 1-3.
FLUMIAN, Catherine; LABASCOULE, Josiane; PRINIOTAKIS, Serge; ROYER, Corinne.
Nouveau Rond-Point 2: méthode de français basée sur l’apprentissage pas les tâches. Paris:
Éditions Maison des Langues, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
GABRIEL, Martha. Cibridismo: ON e OFF line ao mesmo tempo. Martha, 2 maio 2012.
Disponível
em:
https://www.martha.com.br/cibridismo-on-e-off-line-ao-mesmo-tempo/.
Acesso em: 25 ago. 2023.
GALE, Ken; WYATTT, Jonathan; MOREIRA, Claudio; DIVERSI, Marcelo. Writing through
and writing against: materials of resistance. International Review of Qualitative Research, p. 113, 2022.
GOURLAY, Lesley. Posthuman texts: nonhuman actors, mediators and the digital university.
Social Semiotics, v. 25, n. 4, p. 484-500, set. 2015.
GOURLAY, Lesley; LANCLOS, Donna M.; OLIVER, Martin. Sociomaterial texts, spaces and
devices: questioning ‘digital dualism’ in library and study practices. Higher Education
Quarterly, v. 69, n. 3, p. 263-278, 2015.
HARAWAY, Donna. Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege
of partial perspective. Feminist Studies, v. 14, n. 3, p. 575-599, 1988.
HARAWAY, Donna. The promises of monsters: a regenerative politics for inappropriate/d
others. In: GROSSBERG, Lawrence; NELSON, Cory; TREICHLER; Paula (ed.). Cultural
studies. New York: Routledge, 1992. p. 295-337.
HARAWAY, Donna. Donna Haraway. [Entrevista cedida a] Juliana Fausto, Eduardo Viveiros
de Castro e Déborah Danowski (2014). In: Colóquio Internacional Os Mil Nomes de Gaia: do
129
Antropoceno à Idade da Terra, 2014, Rio de Janeiro, on-line. Disponível em:
https://youtu.be/1x0oxUHOlA8. Acesso em: 22 dez. 2022.
HARAWAY, Donna. Anthropocene, Capitalocene, Plantationocene, Chthulucene: making kin.
Environmental Humanities, v. 6, p. 159-165, 2015.
HARAWAY, Donna J. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham and
London: Duke University Press, 2016.
HARAWAY,
Donna
J.
Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan©
_Meets_OncoMouse™: feminism and technoscience. New York: Routledge, 2018.
HARRIS, Roy. Integrationism: a very brief introduction. Roy Harris Online, 2010.
Disponível
em:
http://www.royharrisonline.com/integrational_linguistics/integrationism_introduction.html.
Acesso em: 9 abr. 2023.
HAUCK, Jan D. Language otherwise: linguistic natures and the ontological challenge. Journal
of Linguistic Anthropology, v. 33, n. 1, p. 4-24, 2023.
HERBRECHTER, Stefan. Critical posthumanism. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA,
Maria (ed.). Posthuman glossary. London/New York: Bloomsbury Publishing Plc, 2018. p. 9496.
HICKEY-MOODY, Anna; MATINS, Peta. Introduction: Gilles Deleuze and four movements
in social thought. In: HICKEY-MOODY, Anna; MATINS, Peta. Deleuzian encounters: studies
in contemporary social issues. Basingstoke/New York: Palgrave Macmillan, 2007. p. 1-24.
HINKEL, Eli. Integrating the four skills: current and historical perspectives. In: KAPLAN,
Robert B. (ed.). The Oxford handbook of applied linguistics. 2. ed. New York: Oxford
University Press, 2010. p. 110-124.
HODGES, Charles; MOORE, Stephanie; LOCKEE, Barb; TRUST, Torrey; BOND, Aaron.
The difference between emergency remote teaching and online learning. EDUCAUSE Review,
27 mar. 2020. Disponível em: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-betweenemergency-remote-teaching-and-online-learning. Acesso em: 11 maio 2020.
HYNDMAN, Sarah. Why fonts matter. London: Ebury Publishing, 2016.
INSTITUTO PAZES. Perguntação: habilidade de formulação de perguntas, 2022. Disponível
em:
https://www.pazes.com.br/event-details/perguntacao-habilidade-de-formulacao-deperguntas-2022-10-29-09-00. Acesso em: 19 dez. 2022.
JOYNER, David; ISBELL, Charles. The distributed classroom. Cambridge, MA: The MIT
Press, 2021.
KEANE, Isabel. USC will no longer use the word ‘field’ over racist connotations. New York
Post, 11 jan. 2023. Disponível em: https://nypost.com/2023/01/11/usc-will-no-longer-use-theword-field-over-racist-origin/. Acesso em: 14 jan. 2023.
130
KEINDÉ, Wlange. Pós-humanos: poesia. Wattpad, 2015. Disponível em:
https://www.wattpad.com/story/51047528-p%C3%B3s-humanos-poesia. Acesso em: 19 jul.
2022.
KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KROEF, Renata F. S.; GAVILLON, Póti Q.; RAMM, Laís V. Diário de campo e a relação
do(a) pesquisador(a) com o campo-tema na pesquisa-intervenção. Estudos e Pesquisas em
Psicologia, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 464-480, 2020.
KUBY, Candace R.; CHRIST, Rebecca C. The matter we teach with matters: teaching with
theory, theorizing with (textbook) bodies. Qualitative Inquiry, v. 26, n. 1, p. 71-80, 2020.
KUMARAVADIVELU, Bala. Individual identity, cultural globalization, and teaching English
as an International Language: the case for an epistemic break. In: ALSAGOFF, Lubna;
MCKAY, Sandra L.; HU, Guangwei; RENANDYA, Willy A. (ed.). Principles and practices
for teaching English as an International Language. New York: Routledge, 2012. p. 9-27.
KUMARAVADIVELU, Bala. The decolonial option in English teaching: can the subaltern act?
TESOL Quarterly, v. 50, n. 1, p. 66-85, 2016.
KUNTZ, Aaron M.; PRESNALL, Marni M. Wandering the tactical: from interview to
intraview. Qualitative Inquiry, v. 18, n. 9, p. 732-744, 2012.
LATHER, Patricia A. Getting lost: feminist efforts toward a double(d) science. Albany: State
University of New York Press, 2007.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 1994.
LATOUR, Bruno. On actor-network theory: a few clarifications. Soziale Welt, v. 47, p. 369381, 1996.
LATOUR, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Trad. Nicolas Guilhot. Paris:
Éditions La Découverte, 2007.
LEANDER, Kevin M.; PHILLIPS, Nathan C.; TAYLOR, Katherine H. The changing social
spaces of learning: mapping new mobilities. Review of Research in Education, v. 34, n. 1, p.
329-394, 2010.
LEMKE, Jay L. Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trabalhos em
Linguística Aplicada, Campinas, v. 49, n. 2, p. 455-479, jul./dez. 2010.
LENTERS, Kim; MCDERMOTT, Mairi. Mapping posthuman concepts. In: LENTERS, Kim;
MCDERMOTT, Mairi (ed.). Affect, embodiment, and place in critical literacy: assembling
theory and practice. New York/Abingdon: Routledge, 2020. p. 19-27.
LES MISÉRABLES. Direção: Ladj Ly. Produção: Toufik Ayadi, Christophe Barral. Roteiro:
Ladj Ly, Giordano Gederlini, Alexis Manenti. França: SRAB Films, 2019. son., col., 102min.
1 filme.
131
LIVHOLTS, Mona. Thinking with post-human monuments and urban inequalities through
socially engaged art. What the Urban?!, 15 mar. 2022. Disponível em:
http://www.urbariablog.fi/thinking-with-post-human-monuments-and-urban-inequalitiesthrough-socially-engaged-art/. Acesso em: 20 abr. 2023.
LORDE, Audre. Irmã outsider. Trad. Stephanie Borges. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2019.
MACLURE, Maggie. Researching without representation? Language and materiality in postqualitative methodology. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 26, n. 6,
p. 658-667, 2013.
MACLURE, Maggie. The ‘new materialisms’: a thorn in the flesh of critical qualitative
inquiry? In: CANNELLA, Gaile S.; PÉREZ, Michelle S.; PASQUE, Penny A. (ed.). Critical
qualitative inquiry: foundations and futures. Walnut Creek: Left Coast Press, 2015. p. 93-112.
MAGALHÃES, André L. Qual a diferença entre emoji e emoticon? Canaltech, 15 abr. 2023.
Disponível em: https://canaltech.com.br/internet/qual-a-diferenca-entre-emoji-e-emoticon/.
Acesso em: 2 maio 2023.
MAGALHÃES, Victor H. O.; SILVA, Iury A. Devires rizomáticos: tornando-se-com uma
educação linguística pós-humanista. In: SILVESTRE, Viviane P. V.; BORELLI, Julma D. V.
P.; URZÊDA-FREITAS; Marco T.; FERREIRA, Edilson P. (org.). Movimentos críticos em
educação linguística: um gesto de afeto e gratidão a Rosane Rocha Pessoa. São Paulo: Pá de
Palavra, 2022. p. 99-116.
MANCKO.
Tipografia
e
pontuação,
2023.
Disponível
https://www.mancko.com/tipografia-pontuacao/pt/. Acesso em: 25 set. 2023.
em:
MANSTEAD, Antony S. R., LEA, Martin; GOH, Jeannine. Facing the future: emotion
communication and the presence of others in the age of video-mediated communication. In:
KAPPAS, Arvid; KRÄMER, Nicole C. (ed.). Face-to-face communication over the internet:
emotions in a web of culture, language, and technology (Studies in emotion and social
interaction). Cambridge: Cambridge University Press, 2011. p. 144-175.
MARTIN, Adrian D. Affective reverberations: the methodological excesses of a research
assemblage. In: STROM, Kathryn; MILLS, Tammy; OVENS, Alan (ed.). Decentering the
researcher in intimate scholarship: critical posthuman methodological perspectives in
education. Bingley: Emerald Publishing, 2018. p. 9-23.
MATOS, Junot C. Filosofia (da) perguntação. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021.
(Coleção Filosofias no Chão da Escola).
MCNEILL, David. Gesture and thought. Chicago/London: University of Chicago Press, 2005.
MERRELL, Floyd. Sensing corporeally: toward a posthuman understanding. Toronto:
University of Toronto Press, 2003.
132
MOREIRA, José A.; SCHLEMMER, Eliane. Por um novo conceito e paradigma de educação
digital onlife. Revista UFG, v. 20, p. 1-35, 2020.
MURRIS, Karin. The posthuman child: educational transformation through philosophy with
picturebooks. Abingdon/New York: Routledge, 2016a.
MURRIS, Karin. #Rhodes must fall: a posthumanist orientation to decolonising higher
education institutions. South African Journal of Higher Education, v. 30, n. 3, p. 274-94, 2016b.
OLIVEIRA, Eduardo J. Um “olhar zoo” para o descentramento da visão antropocêntrica sobre
o mundo. [Entrevista cedida a] João Vitor Santos (2022). IHU On-line, n. 552, ano XXII, p. 3954, 2022.
OLIVEIRA, Rita C. M. (Entre)Linhas de uma pesquisa: o Diário de Campo como dispositivo
de (in)formação na/da abordagem (auto)biográfica. Revista Brasileira de Educação de Jovens
e Adultos, Salvador, v. 2, n. 4, p. 69-87, 2014.
ORTIZ OCAÑA, Alexander; ARIAS LÓPEZ, María I. Hacer decolonial: desobedecer a la
metodología de investigación. Hallazgos, v. 16, n. 31, p. 147-166, 2019.
OTHEGUY, Ricardo; GARCÍA, Ofelia; WALLIS, Reid. Clarifying translanguaging and
deconstructing named languages: a perspective from linguistics. Applied Linguistics Review, v.
6, n. 3, 281-307, 2015.
PAINEL CORONAVÍRUS. Óbitos confirmados,
https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 27 jan. 2023.
25
jan.
2023.
Disponível
em:
PALMER, Helen; PANAYOTOV, Stanimir. Transversality. New Materialism, 13 set. 2016.
Disponível em: https://newmaterialism.eu/almanac/t/transversality.html. Acesso em: 18 jul.
2021.
PARIKKA, Jussi. The anthrobscene. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014.
PARIKKA, Jussi. Anthropocene. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (ed.).
Posthuman glossary. London/New York: Bloomsbury Publishing Plc, 2018. p. 51-53.
PARKINSON, Brian; LEA, Martin. Video-linking emotions. In: KAPPAS, Arvid; KRÄMER,
Nicole C. (ed.). Face-to-face communication over the internet: emotions in a web of culture,
language, and technology (Studies in emotion and social interaction). Cambridge: Cambridge
University Press, 2011. p. 100-126.
PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva,
2005.
PENNYCOOK, Alastair. Language as a local practice. Abingdon/New York: Routledge, 2010.
PENNYCOOK, Alastair. Posthumanist applied linguistics. Applied Linguistics, v. 39, n. 4, p.
445-461, 2018a.
133
PENNYCOOK, Alastair. Posthumanist applied linguistics. Abingdon/New York: Routledge,
2018b.
PENNYCOOK, Alastair. Critical and posthumanist applied linguistics. In: ZACCHI, Vanderlei
J.; ROCHA, Cláudia H. (org.). Diversidade e tecnologias no ensino de línguas. São Paulo:
Blucher Open Access, 2020. p. 179-195.
PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical re-introduction. 2. ed. New
York/Abingdon: Routledge, 2021.
PENNYCOOK, Alastair. Toward the total semiotic fact. Chinese Semiotic Studies, v. 19, n. 4,
p. 595-613, 2023.
PESSOA, Rosane R. Movimentos críticos de uma prática docente. In: PESSOA, Rosane R.;
SILVESTRE, Viviane P. V.; MONTE-MÓR, Walkyria (org.). Perspectivas críticas de
educação linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de
inglês. São Paulo: Pá de Palavra, 2018. p. 185-198.
PESSOA, Rosane R.; SILVA, Kleber A.; FREITAS, Carla C. Praxiologias do Brasil Central:
floradas de educação linguística crítica. In: PESSOA, Rosane R.; SILVA, Kleber A.; FREITAS,
Carla C. (org.). Praxiologias do Brasil Central sobre educação linguística crítica. São Paulo:
Pá de Palavra, 2021. p. 15-24.
PESSOA, Rosane R.; URZÊDA-FREITAS, Marco T. Digging up our stones of shame: English
language education and memories of Brazil’s violent past. In: TAVARES, Vander (ed.). Social
justice, decoloniality, and southern epistemologies within language education: theories,
knowledges, and practices on TESOL from Brazil. Abingdon/New York: Routledge, 2023. p.
13-34.
PITTY. Pitty - Bicho solto (áudio). YouTube: Pitty, 25 abr. 2019. Disponível em:
https://youtu.be/kId8LgJJfRI. Acesso em: 10 jun. 2023.
RAMOS, Sérgio R. V. [Orelha esquerda do livro]. In: MATOS, Junot C. Filosofia (da)
perguntação. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021. (Coleção Filosofias no Chão da
Escola).
REZENDE, Tânia F. Políticas de apagamento linguístico. In: BARROS, Débora M.; SILVA,
Kleber A.; CASSEB-GALVÃO, Vânia C. O ensino em quatro atos: interculturalidade,
tecnologia de informação, leitura e gramática. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. p. 63-77.
RIBAS, Mario M. G. Repensando os letramentos pela perspectiva pós-humanista. Trabalhos
em Linguística Aplicada, Campinas, v. 58, n. 2, p. 612-636, 2019.
RIGUE, Fernanda M. Lampejos. In: RIGUE, Fernanda M. (org.). Rizomas em educação.
Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2021. p. 5-7.
RINGROSE, Jessica; ZARABADI, Shiva. Deleuzo-Guattarian decentering of the I/eye: a
conversation with Jessica Ringrose and Shiva Zarabadi. Interviewed by Kathryn Strom. In:
STROM, Kathryn; MILLS, Tammy; OVENS, Alan (ed.). Decentering the researcher in
134
intimate scholarship: critical posthuman methodological perspectives in education. Bingley:
Emerald Publishing, 2018. p. 205-213.
ROCHA, Luciana L. Pensar fora da caixa: teorias queer e a tradição do ensino de inglês na
escola. Ecos de Linguagem, n. 3, p. 124-140, 2014.
RODRIGUES JÚNIOR, Luiz R. Pedagogia das encruzilhadas. Revista Periferia, v. 10, n. 1, p.
71-88, jan./jun. 2018.
RUFINO, Luiz. [legenda da postagem], 25 ago. 2021. Instagram: @rufino.luiz7. Disponível
em: https://www.instagram.com/p/CTAZKSKFaZr/. Acesso em: 20 maio 2023.
SAADI, Yusuf. Posthuman. Griffin Poetry Prize, 10 maio 2021. Disponível em:
https://griffinpoetryprize.com/poem/posthuman/. Acesso em: 15 jun. 2023.
SADIKU, Lorena M. The importance of four skills reading, speaking, writing, listening in a
lesson hour. European Journal of Language and Literature Studies, v. 1, n. 1, 2015. p. 29-31.
SANTOS, Boaventura S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.
SCHEIFER, Camila L. A virada espacial nos novos estudos de letramento: em busca do terceiro
espaço. Calidoscópio, São Leopoldo, v. 12, n. 1, p. 3-14, 2014.
SCHEIFER, Camila L.; REGO, Marianna C. S. Da redundância à gambiarra: reflexões para o
ensino de línguas na era do digital. In: LEFFA, Vilson J.; FIALHO, Vanessa. R;
BEVILÁQUIA, André F.; COSTA, Alan R. (org.). Tecnologias e ensino de línguas: uma
década de pesquisa em linguística aplicada. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2020. p. 109-128.
SILVA, Iury A. Intertwining learning strategies and language conceptions: a close look at a
group of Brazilian learners of French as a Foreign Language. 2021. 20 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em Letras: Inglês) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2021.
SILVA, Tomaz T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
SOUSA, Laryssa P. Q. A posthumanist perspective on an English course at a private language
school. 2022. 294 f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2022.
SOUSA, Laryssa P. Q. [comentário na versão preliminar da dissertação Intra-ações na
educação digital onlife: uma leitura pós-humanista de uma sala de aula de francês].
Destinatário: Iury Aragonez da Silva. Goiânia, 15 ago. 2023, p. 18.
SPINK, Peter K. Pesquisa de campo em Psicologia Social: uma perspectiva pósconstrucionista. Psicologia e Sociedade, Recife, v. 15, n. 2, p. 18-42, jul./dez. 2003.
SPIVAK, Gayatri C. Translator’s preface. In: DERRIDA, Jacques. Of grammatology. Trad.
Gayatri Chakravorty Spivak. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1997. p. ixlxxxvii.
135
ST. PIERRE, Elizabeth A. Methodology in the fold and the irruption of transgressive data.
International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 10, n. 2, p. 175-189, 1997.
ST. PIERRE, Elizabeth A. A brief and personal history of post qualitative research: toward
“post inquiry”. Journal of Curriculum Theorizing, v. 30, n. 2, p. 2-19, 2014a.
ST. PIERRE, Elizabeth A. Post qualitative inquiry. Keynote lecture to the Australian
Association of Research in Education and the New Zealand Association for Research in
Education.
Brisbane,
Austrália,
2
dez.
2014b.
Disponível
em:
https://www.aare.edu.au/assets/documents/Elizabeth-Adams-St.-Pierre-pptpresentationv1.pdf. Acesso em: 18. jul. 2021.
ST. PIERRE, Elizabeth A. Writing post qualitative inquiry. Qualitative Inquiry, v. 24, n. 9, p.
603-608, 2018.
SÜSSEKIND, Maria L.; SANTOS, Wilza L. Um Abaporu, a Feiúra e o Currículo: pesquisando
os cotidianos nas conversas complicadas em uma escola pública do Rio de Janeiro. Momentos
– Diálogos em Educação, Rio Grande, v. 25, p. 273-288, 2016.
TAKAKI, Nara H. Muito mais que o escafandro e a borboleta que habita em nós-outros:
assemblage humana/não humana nos tornando outros. In: FERRAZ, Daniel M.; CASOTTI,
Janayna B. C. (ed.). Letramentos, políticas linguísticas e educação linguística em contexto
capixaba. São Paulo: Pimenta Cultural, 2019a. p. 8-13.
TAKAKI, Nara H. Thought-provoking ‘contamination’: applied linguistics, literacies and
posthumanism. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 58, n. 2, p. 579-611, 2019b.
TORRE, Saturnino de la. Estrategias creativas para la educación emocional. Revista Española
de Pedagogía, ano LVIII, n. 217, p. 543-572, set./dez. 2000.
ULMER, Jasmine B. Posthumanism as research methodology: inquiry in the Anthropocene.
International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 30, n. 9, p. 832-848, 2017.
ULMER, Jasmine B. Refocusing the Anthropocenic gaze: a photo essay. Journal of
Posthumanism, v. 1, n. 2, p. 235-243, 2021.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Centro de Línguas. Ementa e Programa Francês,
2022a. Disponível em: https://cl.letras.ufg.br/p/14817-ementa-e-programa-frances?atr=ptBR&locale=pt-BR. Acesso em: 15 jul. 2022.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Centro de Línguas. Objetivos, 2022b. Disponível
em: https://cl.letras.ufg.br/p/13724-objetivos. Acesso em: 11 jul. 2022.
VAN DER TUIN, Iris. Diffraction. In: BRAIDOTTI, Rosi; HLAVAJOVA, Maria (ed.).
Posthuman glossary. London/New York: Bloomsbury Publishing Plc, 2018. p. 99-101.
VILHENA, Junia; NOVAES, Joana V.; ROSA, Carlos M. A sombra de um corpo que se
anuncia: corpo, imagem e envelhecimento. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 251-264, jun. 2014a.
136
VILHENA, Junia; NOVAES, Joana V.; ROSA, Carlos M. O que vejo no espelho? Corpo,
imagem e envelhecimento feminino. In: POCINHO, Ricardo et al. Metodologias de
investigação: estudos sobre envelhecimento. Viseu: Psicosoma, 2014b. p. 1-12. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/269763875_Oque_vejo_no_espelho_Corpo_image
m_e_envelhecimento_feminino?channel=doi&linkId=5495e0be0cf20f487d2f5889&showFull
text=true. Acesso em: 16 fev. 2023.
WIDDER, Nathan. From negation to disjunction in a world of simulacra: Deleuze and Melanie
Klein. Deleuze Studies, v. 3, n. 2, p. 207-230, 2009.
137
APÊNDICES
138
Apêndice A – Termo de Anuência
139
Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participantes
140
141
142
Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para pais/mães/responsáveis
143
144
Apêndice D – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
145
146
147
Apêndice E – Questionário
148
149
150
Disponível em: https://forms.gle/dTmajKYkbCMtKNva7
151
ANEXOS
152
Anexo A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Goiás
153
154
155
156