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O livro é um dos resultados principais dos meus estudos de doutorado em Psicologia Social por meio do programa de Doutorado Interinstitucional – DINTER entre a Universidade Federal do Maranhão – UFMA e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, sob a orientação dos professores Dr. Jorge Coelho Soares e co-orientação da profa. Dra. Ariane Patrícia Ewald da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e do Prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. A pesquisa foi realizada de 2008 a 2011 nas cidades do Rio de Janeiro/RJ e São Luís/MA. O termo racionalismo terapêutico tomei emprestado de Rüdiger (1996) um dos críticos mais lúcidos da literatura de autoajuda, pois compreendo ser viável para apresentar o modo naturalizado de tratar a razão, a subjetividade e a intersubjetividade. O título original da tese foi: A “salvação” dos endividados: Literatura de “autoajuda” financeira e subjetividade na hipermodernidade. E o que motivou a escrita deste texto? Ah, é preciso revelar uma coisa antes de tudo: - sou réu confesso! Na minha trajetória eu li, indiquei e presenteei pessoas com livros de “autoajuda”. Percebi na própria experiência as características deste fenômeno que aqui será apresentado. Passados vários anos, esta atitude foi sendo modificada na minha história pessoal, pois agora, eu apenas os tenho, como objeto intencional de estudo e como fenômeno cultural voltado para a massificação e para a padronização de modos de vida ditados pelo capitalismo. Nada então mais adequado e fenomenológico do que tomar a própria experiência, para, a partir dela, re-vivêla e tomá-la como “objeto” de estudo intrinsecamente relacionado ao sujeito da vivência. Eis o primado da relação noético-noemática da fenomenologia hussserliana, todo viver tem um vivido, todo lembrar, um lembrado etc.

RACIONALISMO TERAPÊUTICO E SUBJETIVIDADE Direção Editorial: Lucas Fontella Margoni Comitê Científico: Prof. Dr. Jorge Coelho Soares – IP/UERJ Prof.ª Dr.ª Ariane Patrícia Ewald – IP-UERJ Prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães – IFCS-UFRJ. Prof. Dr. Fernando José Gastal de Castro – UFRJ Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Vieira Severiano – UFC Jean Marlos Pinheiro Borba RACIONALISMO TERAPÊUTICO E SUBJETIVIDADE Uma fenomenologia do consumo de livros de “autoajuda” financeira no mundo da vida contemporânea. φ Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni Revisão: Profa. Vera Giust de Sousa A regra ortográfica usada foi prerrogativa do autor. Todos os livros publicados pela Editora Fi estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) BORBA, Jean Marlos Pinheiro. Racionalismo terapêutico e subjetividade: uma fenomenologia do consumo de livros de “autoajuda” financeira no mundo da vida contemporânea. [recurso eletrônico] / Jean Marlos Pinheiro Borba -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016. 273 p. ISBN - 978-85-5696-041-2 Disponível em: http://www.editorafi.org 1. Psicologia Social. 2. Literatura de autoajuda – Finanças. 3. Hipermodernidade – Consumo – Subjetividade. I. Título. CDD-140 Índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia da Psicologia 140 DEDICATÓRIA Dedico este livro a todos que possibilitaram sua escrita, em especial: Aos meus pais, meus alicerces na construção do ser humano que sou. Aos amigos presentes e aos ausentes, aos que já partiram: suas presenças não podem ser mais vistas e cujos risos não são mais ouvidos, porém, no silêncio e na lembrança permanecem. Ao meu orientador Prof. Dr. Jorge Coelho Soares – IP/UERJ, a minha co-orientadora prof.a. Dra.Ariane Patrícia Ewald – IP-UERJ e ao meu co-orientador prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães – IFCS-UFRJ. Aos prof. Dr. Fernando José Gastal de Castro e prof. Dra. Maria de Fátima Vieira Severiano – UFC pelas valiosas contribuições. A todos aqueles que permanecem trabalhando em outro tipo de atividade profissional, para que eu possa obter mais “esclarecimentos” e tentar propor novos modos de intervenção na sociedade. Romper a consciência administrada constitui hoje mais do que nunca uma precondição da libertação (...). Herbert Marcuse AGRADECIMENTOS A frase “Se sou o que sei, então, dentro de mim tem uma parte de cada um que me ensinou” de Roberto Caproni é perfeita para abrir esta sessão de agradecimentos. Sinto grande prazer em dizer a cada pessoa abaixo que sua presença envolveu minha caminhada nestes quatro anos, de força e persistência que, por vezes, revelou-se cansativa e insegura. Aos professores Dr. Jorge Coelho Soares (orientador) e Drª. Ariane Patrícia Ewald (co-orientadora) do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pela qualidade das orientações fornecidas somado ao respeito e atenção a mim dispensados. Ao prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães (co-orientador, in memoriam) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas pelos ensinamentos, carinho e respeito. Aos professores, Dr. Almir Ferreira da Silva Junior (do Departamento de Filosofia da UFMA) e Drª Denise Bessa Leda (do Departamento de Psicologia – UFMA), respectivamente, coordenadores da primeira e segunda fase na UFMA do DINTER em Psicologia Social, pelo compromisso, cortesia e respeito com que conduziram as atividades do programa em São Luís a fim de que pudéssemos, com a maior tranquilidade possível, concretizar este projeto. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social pelas trocas e sugestões apresentadas em sala de aula, com os quais aprendi muito mais do que perspectivas teóricas, mas modos diferentes de ver a vida. E também aos professores Dr. Ricardo Freitas do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ, prof. Drª Deise Mancebo do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ, por compartilharem seus conhecimentos que me incentivaram a aprimorar este estudo. Aos professores Ms. José Rômulo Travassos da Silva, Dr. Adriano Furtado Holanda, Ms. André Dias Senra, Dr. Tommy Akira Goto e Dr. Adriano Furtado Holanda, e, às professoras: Drª Ana Maria Lopes Calvo Feijoó, Ms. Psicóloga Miriam Moreira Protásio, Drª Constança Marcondes César e Dr.ª Florence Tocantins pelo apoio, carinho e sugestões apresentadas. Aos colegas, professores do Departamento de Ciências Contábeis e Administração – DECCA e do Departamento de Psicologia - DEPSI da Universidade Federal do Maranhão - UFMA pelo apoio durante a realização do doutorado. Aos colegas Zilva Pavão, Waldir Cavalcante e Prado Molares, secretários da Coordenação do Curso de Psicologia, do Departamento de Psicologia da UFMA e do DINTER em Psicologia Social, meu agradecimento pela paciência, pelo apoio e pelo respeito. Às amigas Nara Saraiva, Josenilde Azevedo Pinto, Vânia Prado, Natasha Vargas e aos amigos Alexandre Gomes e Alex Brando, pelo apoio durante os meses que precederam a qualificação e na escrita da tese. Aos amigos Moisés Junior pelo apoio nas acomodações iniciais no Rio de Janeiro e, ao João Batista Magalhães e Silva, por cuidar da minha casa e dos meus queridos animais, durante minhas ausências. Aos colegas do doutorado Carla Vaz (pelo apoio constante e convite para participar da seleção), Cristianne Carvalho (em especial, por ter me iniciado no mundo da fenomenologia), e aos colegas Márcia Antônia Piedade, Rose Ferreira, Patrícia Azambuja, Jovelina Reis, Josenildo Brússio, Conceição Furtado, Francisco Sousa e Fátima Braga pelas trocas durante o curso e pelo carinho a mim dispensado. Aos discentes dos cursos de Psicologia e Filosofia da UFMA, e aos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica, principalmente aos discentes que participaram durante estes quatros anos da pesquisa sobre as diferentes categorias do fenômeno da literatura de “autoajuda”. Aos funcionários da Biblioteca Central da Universidade Federal do Maranhão – UFMA em especial a bibliotecária Luhilda Ribeiro Silveira, da Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ a bibliotecária Algacilda Alves da Conceição, e do Sistema de Bibliotecas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a bibliotecária Regina. Agradecimento especial, pois tornaram estes espaços possíveis para a pesquisa e para a elaboração da tese. A prof. ª Vera Lúcia Giusti de Sousa, pelas sugestões e pelo cuidado na revisão do texto final. Enfim, por todos aqueles que mesmo não nominados foram imprescindíveis para a realização desta pesquisa na UFMA, na UFRJ e na UERJ. SUMÁRIO PREFÁCIO ................................................................. 17 Jorge Coelho Soares e Ariane Patrícia Ewald INTRODUÇÃO..........................................................24 1. A INDÚSTRIA DA SUBJETIVIDADE: o fenômeno da literatura de “autoajuda ” ......................................63 1.1 Breve histórico e características da “autoajuda” ........... 77 1.3 A proliferação da “autoajuda” nos espaços de consumo virtual....................................................................................... 100 1.4 Os espaços de consumo da “autoajuda” ..................... 105 1.5 O discurso do capitalismo de consumo nos livros de “autoajuda” financeira .......................................................... 109 1.6 Livros de “autoajuda” financeira: a subjetividade posta à prova em tempos de crise .................................................... 128 1.7 “Autoajuda” e Psicologia Positiva (Ciência da Felicidade)............................................................................... 138 1.7.1 Atribuição de valor ........................................................... 149 2 DESDOBRAMENTOS DO CAPITALISMO NA SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO ................... 153 2.1 O Capitalismo na contemporaneidade e suas crises .. 153 2.2 Capitalismo e as estratégias de subjetivação: endividamento pessoal e o consumismo............................ 171 2.3 Hipermodernidade e sociedade de consumo .............. 189 2.4 A Sociedade de Consumo, o hiperconsumo e as falácias da hipermodernidade. ........................................................... 199 2.5 O Capitalismo visto pelas lentes da fenomenologia .. 202 3 O “CARÁTER PSICOLÓGICO” DA LITERATURA DE “AUTOAJUDA” FINANCEIRA: dinheiro e finanças pessoais. .................................... 208 3.1 A Psicologia e o Dinheiro .............................................. 213 3.1.1 O dinheiro: mediador das relações sociais, afetivas e matrimoniais .............................................................................. 218 3.2 A Psicologia e sua relação com a Economia ............... 230 CONSIDERAÇÔES FINAIS ................................... 237 REFERÊNCIAS ....................................................... 248 PREFÁCIO Jorge Coelho Soares e Ariane Patrícia Ewald (Professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social/ Instituto de Psicologia/UERJ) Que mal é este que o capitalismo é capaz de engendrar para que tantos de nós precisemos de “manuais especializados” para poder lidar com suas armadilhas? Que mal é este que, com uma intenção explicitada e nada velada, nos promete uma vida de segurança, felicidade e bem estar permanente que termina por criar uma multidão de endividados, sempre insatisfeitos e tendencialmente infelizes, em busca de um sentido para sua existência? Em recente reportagem de TV sobre a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, vimos o depoimento de uma moradora, com um pouco mais de 30 anos, em cujo semblante havia orgulho e prazer ao dizer que tinha em sua casa duas geladeiras, cinco televisores, dois ar-condicionados e três computadores, todos comprados a prestação a longo prazo. Este depoimento expressa algo bastante significativo sobre o nosso modo de vida na atualidade, como também desencadeia outras questões: Como um desejo desmesurado e insensato se instalou em milhões de pessoas? O segredo nos parece simples: nunca nos é dito – como nos disse André Gorz – que o sistema econômico no qual vivemos se baseia numa dicotomia simples e de fácil compreensão para qualquer camada da população mundial: uma dicotomia entre o “mais” e o “menos”. A lógica, portanto, passa a ser perfeitamente quantificável, comprar mais significa ter mais; ter menos, então, é ser impedido de comprar. O depoimento dado logo acima, indica com clareza esta lógica quantificável e é facilmente assimilado à noção de sucesso e reconhecimento de ascensão social. Um comentário de vizinho sobre esta acumulação é também uma pergunta simples: “Enricou”? Bem sucedido, desse modo, são os que ganham mais e, consequentemente, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 18 possuem maior número de bens. Nossa vida no mundo atual tem sido regida por esta lógica quantificável e ostentatória. André Gorz, grande intelectual francês que esteve ao lado de Jean-Paul Sartre por anos mantendo a revista Les temps Modernes e um dos grandes teóricos sobre o mundo do trabalho, alertou, de forma iluminadora, que há uma possibilidade de rompimento com esta lógica perversa do capitalismo, se nos dispusermos – e haverá um preço emocional para isto – a introduzir a noção de “suficiente” entre o “mais” e o “menos”. Noção esta que implica uma relação por vezes bastante tensa com a dinâmica social na qual nos inserimos, mas que se ancora firmemente, e essencialmente, em critérios pessoais e existenciais. Somos agora, com esta nova lógica, levados a nos perguntar: o que nos basta para vivermos uma vida com a dignidade que queremos, segundo os valores que acreditamos e que se consolidam em nós pela trajetória de vida que construímos? É neste sentido que o que chamamos de “Educação financeira” deveria ser transformado em educação para cultivar valores pessoais que capacitem os seres humanos a não se tornarem meros consumidores de produtos e de si mesmos; que os ajudem a viver suas breves e enigmáticas vidas para mais além das posses de objetos, para além da crença de que os objetos trarão resoluções mágicas às suas inquietações e aos dilemas das suas relações pessoais, amorosas e sociais. Ao estabelecer para si os valores que irão nortear sua vida, cada um – desta forma e a contrapelo da lógica social hegemônica - definirá um curso possível, pessoal e intransferível para sua vida; determinará aquilo pelo qual vale a pena lutar e, ao fazê-lo, poderá decidir como vai empenhar o tempo que “lhe foi dado” para viver e sobre o qual – objetivamente e “cientificamente” – nada sabemos. Este novo homem será então capaz de compreender que nada nos é mais surpreendente e 19 | Jean Marlos Pinheiro Borba desafiador do que descobrir, ao acordar, que absolutamente nada está planejado, que não sabemos absolutamente nada sobre o que irá nos acontecer durante o simples percurso de um dia. E o mais interessante é que este enigma desafiador acontece todos os dias. Certamente nos protegemos, ou pelo menos tentamos nos proteger desta “descoberta” que pode revolucionar nosso cotidiano, usando uma arma poderosa, a imaginação. Se em certo momento Hans Vahinger chamou de Filosofia do “como se” a um impulso da imaginação, podemos pensar neste impulso também como uma tentativa contínua de simular em nós, mesmo que provisoriamente - mas na lógica econômica atual continuamente -, uma forma de apaziguar internamente uma inquietação fornecendo a este esforço certa solidez aparente e superficial fundamentada nos objetos. Esta imagem de concretude de algo sólido produz em nós uma sensação de segurança e estabilidade cujos objetos são a sua parte mais visível e, enganosamente, estável. A filosofia do “como se” reconhece no “fingimento” da ficção uma dimensão para além do senso comum sobre o imaginário, pois fornece a ele algo que não é dele: o atributo de realidade. Estamos, desta forma, diante de possibilidades diferenciadas de lidarmos e pensarmos a realidade que nos é apresentada cotidianamente já que o imaginário nos fornece condições de transformação e reformulação do mundo e a possibilidade de experenciarmos esta reformulação, por um lado por esta via da literatura – na qual habitamos/criamos mundos, mas também pela indicação feita pelo mundo social que nos encontramos, transformando o mundo como ele é, em outra coisa, criando desejos e mascarando o supérfluo em essencial. Porém, um outro olhar sobre a Filosofia do “como se” de Vahinger, limando suas asperezas, talvez possa igualmente nos fornecer subsídios de reflexão para pensar uma saída de resistência. Ao utilizar a noção de Hans Vahinger, “como se”, Wolfgang Iser procura Racionalismo terapêutico e subjetividade | 20 questionar o que é o ficcional, não só do ponto de vista literário, mas também do conhecimento. Desta forma, ele acaba por questionar verdades socialmente aceitas por estarem relacionadas a este amplo espectro do “como se” que não é, necessariamente, desprezível como muitos ainda acreditam ser. Assim, podemos viver uma vida “como se” soubéssemos prever o que nos acontecerá a cada dia e em todos os dias e temos a possibilidade de ter coragem de continuar vivendo. E “como se” houvesse um futuro para nós e os que amamos, podemos nos atrever a sermos utópicos e pensar em algum outro lugar ou em lugar algum ainda a ser construído. Ao fazer isto, podemos então entender Paul Valéry quando escreveu, no seu poema “Cemitério Marinho”, este verso: “Le vent se leve, ilfauttenter de vivre” [O vento se ergue, é preciso tentar viver]. Mas como viver, porém, sem cultivar ilusões para além do que Hans Vahinger nos propõe – talvez a única, irremediavelmente, essencialmente única vida que temos para criarmos um sentido para nossa existência? Paul Valéry nos fornece duas pistas de compreensão, ambas expostas em seu livro Monsieur Teste. A primeira é um breve conselho: “Deve-se entrar em si mesmo armado até os dentes”. Compreender o que somos e como nos constituímos não será uma tarefa fácil, e estender aos outros algum nível de compreensão, menos ainda. A segunda pista talvez nos aponte uma arma poderosa que devemos carregar: “A sensibilidade é tudo, suporta tudo, avalia tudo [...] As ideias são para mim meios de transformação – e por conseguinte, partes ou momentos de alguma mudança./Uma “ideia” do homem é um meio de transformar uma questão”. Aqui Valéry nos mostra, com um gesto de esperança, a sensibilidade a ser criada no homem como aquilo que nos permitirá viver e suportar “os ventos que se erguerão” a nossa frente; ao mesmo tempo deixa claro que a “ideia” de homem que criamos para nós 21 | Jean Marlos Pinheiro Borba norteará nosso potencial de transformação do mundo da vida. Isto nos faz retornar à questão central do importante livro de Jean Marlos, desvelador dos mecanismos de manipulação dos manuais de autoajuda financeira, que normatizam a dinâmica social como composta somente de uma ideia possível de ser humano; composta somente dos que encaram a vida como uma sequência infindável de problemas a serem resolvidos, tarefas a serem cumpridas; dos que dividem o mundo da vida entre os que têm e os que têm mais ainda; dos que veem, sem hesitar, ser possível preencher seu vazio existencial com uma multiplicidade de objetos e, por fim, encaram qualquer aproximação da morte não como parte da sua condição ontológica, mas como um obstáculo a mais a ser enfrentado e “vencido”. Em recente livro, De Olho na Morte e Antes, Fernando Fortes – que tem em mira exatamente este homem cheio de si, pleno de uma imaginária imortalidade, escreveu este poema: Trajetória do Professor Jardim primário secundário terciário quaternário pós-graduação mestrado doutorado pós-doutorado Phd Pós-Phd POST MORTEN Diante de um homem que aprende a negar a finitude de sua existência, e diante de um mundo cuja “ideia” prevalente de homem seja confundida com as Racionalismo terapêutico e subjetividade | 22 próprias mercadorias que ele consome, consumindo-se neste processo, mundo cada vez mais inumano, inóspito para as necessidades humanas e violentamente arrastado para um movimento no qual já não há qualquer espécie de permanência, o que inclui a necessidade de construção de uma “moral flexível adaptativa”, para se manter no jogo do sucesso, resta-nos perguntar se podemos, objetivamente nos opor à esta lógica de viver. Phillipe-Sollers acredita que sim e nos sentimos tentados, cada vez mais, a endossar sua tese: ao invés de “revolucionário” como toda uma geração anterior tentou ser, tornar-se e exercitar-se na arte de ser refratário, como disse certa vez numa entrevista: “Se você é um refratário, vão certamente lhe propor um belo sacrifício - ser queimado vivo, preso, colocado num asilo psiquiátrico. Eu sou do ponto de vista de Voltaire: não aos martírios! É preciso escapar desta armadilha. É preciso ter máscaras. O refratário tem que aprender a não deixar que o identifiquem”. Incontornável aqui não apontar aqui que no mundo acadêmico, cada vez menos “intelectual”, deixar-se “identificar” e rotular como alguém muito interessado numa perspectiva teórica específica, criará inevitavelmente a armadilha de se ver “encaixotado” como adepto do que será visto como uma “seita teórica” a ser combatida pelas demais “seitas”. É disto que trata a expressão de Sollers. Incontornável também não deixar de pensar, neste momento, no personagem Bartleby criado por Herman Melville em seu livro homônimo, para cujas angústias diante das demandas sobre si mesmo, sugere usar, sistematicamente, a frase: “Acho melhor não”, sempre dito de maneira tranquila, em tom de voz quase neutro, mas com inabalável convicção. Quem sabe não se abre assim uma pequena senda para um viver idiossincrático, mas eivado de uma felicidade de contornos muito particulares, um refratário em permanente mutação, inventando-se e re-inventando-se dia após dia em busca de uma versão melhor de si mesmo sem 23 | Jean Marlos Pinheiro Borba nunca considerar que já produziu uma versão plenamente convincente. I NTRODUÇÃO O livro é um dos resultados principais dos meus estudos de doutorado em Psicologia Social por meio do programa de Doutorado Interinstitucional – DINTER entre a Universidade Federal do Maranhão – UFMA e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, sob a orientação dos professores Dr. Jorge Coelho Soares e coorientação da profa. Dra. Ariane Patrícia Ewald da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e do Prof. Dr. Aquiles Côrtes Guimarães do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. A pesquisa foi realizada de 2008 a 2011 nas cidades do Rio de Janeiro/RJ e São Luís/MA. O termo racionalismo terapêutico tomei emprestado de Rüdiger (1996) um dos críticos mais lúcidos da literatura de autoajuda, pois compreendo ser viável para apresentar o modo naturalizado de tratar a razão, a subjetividade e a intersubjetividade. O título original da tese foi: A “salvação” dos endividados: Literatura de “autoajuda” financeira e subjetividade na hipermodernidade. E o que motivou a escrita deste texto? Ah, é preciso revelar uma coisa antes de tudo: - sou réu confesso! Na minha trajetória eu li, indiquei e presenteei pessoas com livros de “autoajuda”. Percebi na própria experiência as características deste fenômeno que aqui será apresentado. Passados vários anos, esta atitude foi sendo modificada na minha história pessoal, pois agora, eu apenas os tenho, como objeto intencional de estudo e como fenômeno cultural voltado para a massificação e para a padronização de modos de vida ditados pelo capitalismo. Nada então mais adequado e fenomenológico do que tomar a própria 25 | Jean Marlos Pinheiro Borba experiência, para, a partir dela, re-vivêla e tomá-la como “objeto” de estudo intrinsecamente relacionado ao sujeito da vivência. Eis o primado da relação noético-noemática da fenomenologia hussserliana, todo viver tem um vivido, todo lembrar, um lembrado etc. Bom, passei a perceber que alguns dos meus clientes na clínica, posteriormente ao doutoramento, buscavam receitas para aplacar a angústia de existir no mundo-da-vida, eis que muitos chegavam ao setting terapêutico com alguma obra que lhe apresentava dicas de: como sair do sufoco da vida, do endividamento, das escolhas... Santa ingenuidade!! Quando do meu ingresso no doutorado pretendia discutir o endividamento dos servidores da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, buscando integrar a Psicologia às Finanças, bem como as implicações daquele na subjetividade e na vida cotidiana dos servidores. A meu ver, estudar o endividamento possibilitaria ligar minha formação na área contábil-financeira1 com a Psicologia. O que poderia vir a se constituir em uma “nova” forma de reunir áreas do conhecimento até então vistas como díspares. A investigação que realizei mostrou inicialmente que não havia, ainda, uma Psicologia da Cultura Financeira, mas sim uma Psicologia Econômica, Finanças Comportamentais, uma Psicologia do Consumidor e uma Neuroeconomia todas elas com um modo de pensar positivo. Desafio lançado, a questão seria como pensar um 1 Minha formação profissional compõe-se de graduação em Ciências Contábeis, com especialização em Formação Profissional e Novas Tecnologias em Educação e, com o Mestrado em Administração na área de Finanças das Empresas. Soma-se a isso a docência de disiciplinas em cursos técnicos, de graduação e pós-graduação nas áreas de metodologia da pesquisa, contabilidade, sistemas de informação e administração financeira que contribuíram consideravelmente para que eu desenvolvesse um olhar plural e pensasse na possibilidade de investigar a relação entre Psicologia e Finanças. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 26 fenômeno buscando essa interface com as perspectivas teórico-metodológica da fenomenologia e da teoria crítica? Em 2007, ao retornar do XIV Encontro Nacional da ABRAPSO que ocorreu na UERJ onde apresentei o painel Psicologia, Endividamento e Finanças Pessoais 2 permaneci algumas horas, por força de uma conexão, no Aeroporto de Fortaleza. Nesse intervalo ocorreu a ligação necessária e a evidência central da tese, pois me dirigi à livraria para “ver” que livros de autoajuda relacionados às finanças pessoais estavam expostos. Lá me deparei com o desencadeador central da tese: o livro Terapia Financeira, de autoria do contador, Reinaldo Domingos. Após ler o prefácio do livro percebi que ali: A ‘marcha’ havia se iniciado e que o objeto estava definitivamente ligado às minhas intenções iniciais: promover um encontro entre a Psicologia e as Finanças. Ao contemplar a capa, que logo chamou minha atenção, vi e revi o detalhe característico da proposta do livro (a capa continha um saco de dinheiro deitado no Divã) e comecei a ler a intenção central de Domingos (2007, p. 15) ao declarar: “(...) Por isso, acho importante resumir para você a trajetória que percorri até me tornar o Terapeuta do Dinheiro”. De posse dessa evidência imediata, percebi que poderia haver um caminho de investigação interessante e que merecia desvelamento. Continuando a leitura da obra, ficou claro o propósito do autor em oferecer dicas e garantias de que o método por ele apresentado seria válido ao leitor e, caso não o fosse, ele poderia pedir o dinheiro de volta. 2 O resumo deste poster encontra-se publicado nos Anais do XIV Encontro Nacional da ABRAPSO 2007. BORBA, Jean Marlos Pinheiro. Psicologia, endividamento e finanças pessoais. Disponível: <http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/co nteudo/html/poster/3159_poster_resumo.htm>. Acesso em: 25 set. 20111. 27 | Jean Marlos Pinheiro Borba A partir de então, iniciei uma busca por livros que tivessem em sua descrição inicial (orelhas e prefácio) ou mesmo nas capas, algum tipo de apelo convidando o leitor a “salvar” sua situação financeira. Esses dados iniciais colocaram diante de mim a possibilidade de tentar compreender e analisar a luz de uma posição crítica aquilo que se apresentava nos livros e sua relação com as questões contemporâneas que estavam emergindo na atual sociedade de consumo, tais como: o consumismo, o endividamento e a ascensão de livros nesse segmento. O contato que tive com a dissertação de Fonseca (2007), com as teses de doutorado de Brunelli (2004), Bessa (2008), Romão (2009) e Souza3 (2009), com o trabalho de Salem (1992), bem como com o conjunto de artigos, trabalhos e livros que foram mapeados e sistematizados 4 permitiu conhecer de perto quais os focos de pesquisa de seus autores, bem como compreender o universo complexo e multifacetado do fenômeno. Em cada um dos trabalhos desenvolvidos por estes autores, encontrei interessantes modos de ver e abordar o fenômeno da autoajuda, entretanto apenas um tratava da questão financeira, o trabalho de Leite (2008). O exame e a sistematização de um conjunto de artigos e documentos permitiu constatar que dentre os mais de 53 registros encontrados, apenas um deles tem relação direta com finanças pessoais, Leite (2008). Os demais têm propostas variadas desde a análise do discurso e estilo lingüístico das obras de autoajuda até uma análise dos livros 3 A tese da autora foi publicada sob a forma de livro e o lançamento ocorreu dia 26 de outubro de 2011 na UERJ. 4 Visando preservar o sigilo quanto aos autores analisados e uma personalização da analíe crítica aqui feita, os apêndices com os quadros de análises foram suprimidos. Caso o leitor tenha interesse em conhecer, entre em contato direto com o autor. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 28 que tem a intenção de apresentar maneiras de acessar a fé de modo mais imediato. Durante as aulas das disciplinas do doutorado, escrevi as primeiras ideias e inquietações acerca da autoajuda, levando em consideração a diversidade de olhares teóricos presentes no programa. Dos trabalhos realizados, um deles foi publicado no portal Debates Culturais 5 , logo após entrevista concedida à Rádio Bandeirantes AM, na cidade do Rio de Janeiro. O amadurecimento e o avanço da pesquisa diretamente nos livros resultou numa comunicação oral que foi publicada como resumo expandido nos anais do XV Encontro Nacional da ABRAPSO (BORBA, 2009). Em 2010, por ocasião no V Encontro Nacional de Estudos do Consumo foi apresentada uma comunicação oral6 publicada posteriormente sob a forma de artigo. Por fim, em 2011 foi publicado um capítulo sobre a pesquisa no livro organizado por Jacó-Vilela e Silva Junior (2011) e foi escrito um capítulo7 resultante da conferência proferida no I Simpósio Tempo e Subjetividade: perspectivas plurais, promovido em conjunto pelas Universidades Federal do Ceará e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. As investigações iniciais incentivaram a intenção de continuar a busca por relações entre a Psicologia, a Economia e as Finanças Pessoais. Por fim, permitiu conhecer a Psicologia Econômica e, também compreender que existem estratégias utilizadas pelo capitalismo para manter a sociedade administrada e o homem em uma vida unidimensional, afastando dele a possibilidade de transcender ao estado ingênuo. As relações encontradas 5 Disponível em: http://www.debatesculturais.com.br/subjetividade-ecultura-de-consumo-de-livros-de-auto-ajuda-na-hipermodernidade/ 6 Disponível em: < http://estudosdoconsumo.com.br/wpcontent/uploads/2010/09/2.3-_Jean_Marlos_Pinheiro_Borba.pdf>. 7 O livro oriundo do evento está sendo em fase de publicação. 29 | Jean Marlos Pinheiro Borba cada vez mais apontaram para um possível vínculo indissociável entre o homem, o mundo da vida e seu envolvimento com o dinheiro, com a busca pela felicidade e com a vida em sociedade. Havia, de fato, um interesse em reunir duas áreas de conhecimento em princípio consideradas, pela comunidade científica como “diametralmente opostas”: as Finanças e a Psicologia. De início, parecia ser um desafio quase que insuperável, contudo à medida que os estudos, as orientações recebidas, as reflexões e o contato com o fenômeno da “autoajuda” avançavam, percebi que existiam entrelaçamentos entre este fenômeno cultural de massa (a autoajuda), a manutenção da atitude natural pelo homem engajado no sistema capitalista, a falta de um esclarecimento e a necessidade de desvelar as reais intenções daqueles que escrevem livros de “autoajuda” financeira. Considerando que o capitalismo é um sistema sempre em crise, e ainda que estas crises sempre retornam, de modo cada vez mais grave e global, com “novas” configurações, entendo que é possível inferir que a essência deste fenômeno sempre se ratifica, ou seja, o objetivo de maximização de ganho via miséria humana e expropriação do trabalho e dos juros (preço do capital). Uma destas crises mundiais aconteceu em 2008, no momento em que eu havia iniciado o curso de doutorado em Psicologia Social. Mas foi apenas em 2010 que seu sentido foi repercutido na literatura de “autoajuda”, pela Internet a constatação do aumento de livros publicados junto às livrarias de aeroportos e, alguns shopping centers visitados e também do aparecimento de livros que ensinavam como conduzir-se nesses momentos e aproveitar a crise. A crise tornou-se, portanto, um elemento essencial do cenário socioeconômico mundial atravessando a condução da escrita da tese e, indicando que os livros Racionalismo terapêutico e subjetividade | 30 poderiam ser um dos modos de se revelar do fenômeno da autoajuda. Desta maneira, de modo bem impactante, percebi que estava ocorrendo o surgimento de “novos” livros, orientando as pessoas a como sair da crise, a como gerir suas finanças, como educar financeiramente seus filhos, como manter a felicidade, como melhorar de vida, e também, como aproveitar as oportunidades trazidas com a crise e se “dar bem”. A evidência imediata da emergência destes livros diante da crise do capitalismo “ressurgida” em 2008 e novamente no ano de 2011 permitiu, com maior clareza, ter a dimensão e o alcance do fenômeno da “autoajuda”, principalmente a financeira, bem como do modelo de sociedade que se consolidou. Modelo evidente de que a sociedade em crise tem o parasitismo capitalista, a obsolescência programada, o adormecimento das consciências, o hiperindividualismo, a hipertecnologização da vida, a construção de relações fluídas e o totalitarismo do hiperconsumo, como evidências imediatas. Todas elas podem ser percebidas nas intenções declaradas dos autores em seus textos de “autoajuda” financeira. Evidências estas capazes de revelar os indicadores sintomas do mundo da vida contemporâneo. Outras evidências também foram obtidas em catálogos 8 recebidos diretamente em casa, havendo, inclusive, uma crescente e variada oferta de livros de “autoajuda” na área de finanças pessoais, já com a migração para o formato de livros virtuais e audiolivros. Esse crescimento tão significativo chamou a minha atenção para a dimensão que se apresentava: o crescimento do consumo destes livros indicava a concordância do leitor no tipo de 8 O catálogo Negócios Saraiva do 2º. Semestre de 2011, na área Finanças Pessoais e Investimentos oferece a professores universitários mais 26 livros novos que se propõe a dar dicas de como cuidar do patrimônio, investir no mercado financeiro e obter mais dinheiro. 31 | Jean Marlos Pinheiro Borba literatura produzida e de um possível modo de tentar escapar dos conflitos e vazio existencial. A arquitetura, o cinema 9 , a indústria de comésticos 10 , a educação 11 e as instituições religiosas são exemplos de áreas que adotaram a “autoajuda” como modo de expansão e propagação dos seus interesses. O levantamento e a leitura de livros, teses, artigos, dissertações e outros dados que foram mapeados permitiram compreender que a literatura de “autoajuda” é um fenômeno da indústria cultural complexo e multifacetado. Bom eis um ponto de encontro epistemológico forte e decisivo neste livro: a união da fenomenologia husserliana com alguns dos fundamentos da teoria crítica, somando-se em alguns momentos com contribuições de fenomenólogos e filósofos da existência. Essa união 9 Em 2010 foi exibido o filme Love Happens (O amor acontece) que trata da história de um famoso guru da autoajuda. O personagem central escreveu um livro, que se tornou um best-seller, sobre como lidar com perdas. O enredo do filme revela que o personagem-autor do livro ministra workshops ensinando as pessoas a lidarem com as suas perdas, contudo ele mesmo não aprendeu com a morte da esposa. O filme possibilitou perceber além de muitas coisas a associação entre a indústria editorial da subjetividade (“autoajuda”) com a indústria cultural do cinema. 10 Uma orientanda identificou que havia livros de autoajuda sendo oferecidos nos catálogos da empresa de cosméticos Avon (campanhas 18/2011, 14/2010 e 08/2009). Estes catálogos possuem fotos de livros de “autoajuda” e pequenas sinopses de diferentes autores que estão sendo vendidos pelas promotoras desta empresa a preços populares. Há livros a partir de R$ 0,99. 11 Assisti à defesa de tese de doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana de Elaine Souza (2009) que se concentrou no fenômeno das mensagens pedagógicas de “autoajuda” utilizadas por professores da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. É relevante destacar ainda a tese de doutorado em Educação de Romão (2009) que também tratou do consumo de livros de “autoajuda” por educadores, tendo como modo de ver o pensamento frankfurtiano. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 32 primou também pelo respeito às diferenças e modos de ver, mas focou-se naquilo que há de comum entre estas abordagens, a saber: o rigor e a busca constante pela fundamentação e pela crítica do positivismo e do psicologismo na análise da subjetividade e intersubjetividade. O termo Indústria Cultural foi utilizado em Dialética do esclarecimento publicado em 1947, onde Adorno e Horkheimer decidiram substituir o termo “cultura de massas” por “indústria cultural” com o objetivo de separar o segundo termo do sentido dado ao primeiro pelos seus idealizadores. A cultura de massas caracteriza uma cultura que surgiria das massas, assim como a arte popular, o que não se aplicava ao que dos expoentes da Escola de Frankfurt pretendia deixar claro (ADORNO, 2009;2002). Rüdiger (1996) e Chagas (2001) críticos da literatura de autoajuda também a associam à indústria cultural. Em cada trabalho que tive acesso, as variações de estudos apontavam que seria impossível examinar a autoajuda como um fato isolado12, como uma variável ou objeto desvinculado de sistema social, político e econômico. Diante disso, ao escolher um diálogo com outras áreas do conhecimento, dentre elas: a Sociologia Compreensiva, a Sociologia do Consumo, a Economia, as Letras, as Ciências Contábeis, a Administração, a Filosofia, a Psicologia Econômica, a Literatura e a própria Psicologia Social compreendi que seria necessário manter uma atitude intelectual sempre crítica e antinaturalista. Tal atitude possibilitou ampliar o estado de atenção e questionar 12 Modo este que o método científico e a teoria tradicional se utilizam para conhecer os fenômenos e que foi críticado por Edmund Husserl na extensão de suas obras consultadas e citadas nas referências e tambem criticado pelos frankfurtianos, em especial Herbert Marcuse, ao discutir a unidimensionalidade. 33 | Jean Marlos Pinheiro Borba constantemente o conhecimento até então produzido sobre as teorias do consumo, a “autoajuda” e o próprio capitalismo. No contato com o universo da pesquisa percebi que os interesses do sistema se direcionavam para o modo como o ensino, a pesquisa e a literatura de gestão empresarial 13 estavam sendo construídas e revelou as intencionalidades ali presentes. As possíveis confluências e as divergências das áreas nas quais minha formação em nível de graduação e pós-graduação foi construída, indicavam a necessidade de questionar constantemente o que fora aprendido e o significado atribuído a cada área do conhecimento, pelos agentes do capitalismo. A tese frankfurtiana que trata da existência de uma sociedade administrada onde o modelo de homem é unidimensional (MARCUSE, 1967), é confirmada na autoajuda já que ela é “vendida” nas entrelinhas dos livros, audiolivros, cd´s, mensagens textuais e outras pseudotecnologias. Estas pseudotecnologias têm como propósito central manter o homem hipermoderno em constante distração. O modo de administrar, evidenciado aqui nos livros de “autoajuda14”, traz a intenção de serem “terapias financeiras” ou “terapias da/para a riqueza”. 13 Boltanski e Chiapello (2009) apresentam uma análise sobre a literatura de gestão empresarial onde apontam a vinculação desta ao sistema econômico vigente. A partir disso podemos inferir que este é evidenciado na literatura de “autoajuda” , já que alguns livros de gestão empresarial fazem parte da categoria de “autoajuda” . Segundo os autores, “informar os executivos sobre as últimas inovações em matéria de gestão empresarial e direção pessoal, apresenta-se como um dos principais espaços de inscrição do espírito do capitalismo.” (p. 83). Este tipo de literatura tem semelhança com a “autoajuda”, pois se constituem em literaturas de prescrição e manual de instrução moral que tem como objetivo obter engajamento e adesão aos pressupostos da empresa. 14 No item 1.1 será feita uma discussão sobre o significado da autoajuda, mas de antemão esclareço que o sentido culturalmente Racionalismo terapêutico e subjetividade | 34 Compreendo, no entanto, que o homem dos tempos hipermodernos está demasiadamente preocupado com o cuidado de si, e por isso, deixando de se ver como responsável e corresponsável pela manutenção do sistema sócio-econômico vigente. Notei, essa é outra constatação da pesquisa, que no Brasil, a “preocupação” com o fenômeno do endividamento, emergiu com mais força por ocasião da institucionalização de programas de “combate” ao endividamento. Alguns destes programas foram encabeçados por instituições bancárias, dentre elas o Banco Itaú S.A. e, também, por algumas instituições do segmento religioso que passaram a oferecer aos seus fiéis endividados, a “oportunidade” de resolver seus problemas, tal como promete a Igreja Universal do Reino de Deus. Na Reunião da Prosperidade15 afirmam que: atribuído a ela é falacioso, pois não é o indivíduo que usa seus próprios recursos para lidar com os problemas que surgem em sua vida, mas ao contrario pela lógica positiva da autoajuda, ele acata as dicas que são oferecidos pelo autor do livro, por isso deixa de ser auto (ajuda própria) para ser vndo de outra pessoa. 15 Maiores informações podem ser consultadas no endereço http://www.arcauniversal.com/iurd/reunioes.html. Acesso em: 17 out. 2011. É relevante destacar que um dos propósitos da Igreja Universal é estabelecer um vínculo do fiel com ela, assistindo aos programas exibidos na televisão, percebi que um dos propósitos centrais é estabeler um vínculo do “fiel” com a Igreja, induzindo a acreditar que toda e qualquer melhoria passa pela relação que ele estabele com o desapego material e com o exercício do dízimo. Na maioria dos depoimentos os fiéis declaram que a vida melhorou e que a ajuda foi obtida, em geral, melhoria da condição financeira. 35 | Jean Marlos Pinheiro Borba Se as dívidas fugiram do seu controle e, mesmo recorrendo às linhas de crédito, você vive no vermelho, é hora de dar uma virada em sua vida econômica. Participe da Nação dos 318 na Igreja Universal do Reino de Deus. Esta reunião acontece às segundas-feiras e milhares de pessoas têm superado a crise financeira e testemunhado o sucesso econômico através do Poder de Deus. Bispos e pastores, através das Sagradas Escrituras, ensinam a cada reunião o segredo desta conquista. Se você deseja reerguer seus negócios, conquistar o emprego dos seus sonhos, montar sua empresa ou sair definitivamente do vermelho, venha fazer parte desta grande nação de vencedores. Permita que o Poder de Deus se manifeste em sua vida. Além das promessas advindas deste segmento, é possível encontrar nas cartilhas do Banco Itaú S.A ensinamentos oferecidos ao cliente para que ele faça uso consciente do dinheiro, da conta-corrente, do cartão de crédito e de outros serviços oferecidos. A leitura das cartilhas me permitiu compreender que elas seguem a mesma lógica das dicas da “autoajuda” e, talvez por isso tornaram-se, objeto da dinâmica desta instituição, modelo que também está sendo copiado por outros bancos. Na mesma direção, algumas empresas iniciaram seus programas de “conscientização”, tais como consumo consciente e consumo responsável, sendo estas “verdadeiras” alternativas para “reduzir os efeitos” sobre o mundo. O consumo consciente também migrou para a área de cartões de crédito, pois as empresas desse segmento passaram a oferecer alternativas de parcelamento de saldo devedor como um modo de “ajudar” os clientes na gestão de suas finanças pessoais. Entretanto, é necessário destacar que a escolha em ter e usar um cartão de crédito, não exime o seu possuidor das responsabilidades contratuais que o Racionalismo terapêutico e subjetividade | 36 obrigam a liquidar o valor devido (à vista ou parceladamente), caso contrário, o correntista entrará no endividamento e será um eterno refém dos juros. Ser refém do endividamento é hoje o maior interesse dos agentes do sistema financeiro e, isso alterou, inclusive, as estratégias empresariais para aumentar a carteira de clientes. “Lentamente” houve também uma transferência do interesse da poupança para o consumo, e posteriormente do consumo imediato, para o consumo parcelado 16 e por fim, para o endividamento constante como algo “natural”17. Nasceu assim, a nova “raça” de endividados (BAUMAN, 2010), ou seja, aqueles que parcelam as suas “necessidades” e mantém o sistema capitalista em pleno funcionamento. Pergunto-me também se há algum mau em aproveitar uma oportunidade de crédito, uma liquidação? Por que não ser “feliz” agora? O homem hipermoderno que responde à ditadura da felicidade imediata e ao estímulo do mercado passa a se comportar de modo irracional, como um rato de laboratório, pois ao aceitar prêmios, brindes e outros estímulos diversos ele concorda em manter a roda capitalista em movimento. Tomando essa decisão, ele empurra o sistema para o progresso, acatando a ordem de se satisfazer com a “ração” a ele ofertada, que ele mesmo 16 Sobre essa questão específica é interessante que se faça a leitura do livro Vida à crédito de Zygmunt Bauman (2010) Bauman mostra uma visão global da sociedade contemporânea indicando os camihos que o sistema capitalista utiliza para capturar os “ingênuos”, formando assim uma “raça de endividados”. 17 A naturalização do endividamento tem sido uma das estratégias mais utilizadas para capturar os consumidores, ou seja, as lojas, os bancos e outras instituições financeiras, e a publicidade deixam claro que é possível ter acesso ao mundo das mercadorias pelo parcelamento das compras e pelo aproveitamento das opotunidades. Diante disso, percebo um direcionamento do agentes do sistema para um novo estilo de vida, e um acatamento dos indíviduos que aceitaram este estilo. 37 | Jean Marlos Pinheiro Borba paga por ela, perdendo a capacidade crítica de se perceber fora da roda. Bruckner (2002, p. 16) ao discutir a felicidade ensina que: Por dever de felicidade eu entendo, pois, a ideologia própria da segunda metade do século XX, que obriga a que tudo seja avaliado pelo ângulo do prazer e da contrariedade, intimação à euforia que expõe à vergonha e ao mal-estar os que não aderirem a ela. Duplo postulado por um lado, tirar o melhor partido da vida; por outro, afligir-se, punir-se caso isso não seja conseguido. Impor um modelo de felicidade para a existência de cada um dos consumidores, passando sempre, é claro, pelo acesso a bens de consumo, é talvez a característica mais peculiar do capitalismo de consumo, ou seja, você “deve” e “pode” ser feliz, basta apenas comprar. A Indústria Cultural faz o consumidor acreditar que ele é um sujeito soberano, autônomo, livre, quando na verdade ele é o próprio objeto dela. (ADORNO, 2009) Marcuse (1997) lembra que ao procurar e colocar a felicidade na aquisição de bens como objetivo supremo, o homem torna-se dependente do outro, escravo dele e infeliz, pois renuncia a sua própria condição de ser livre. Esse aspecto de depositar no outro ou nos objetos o alcance da felicidade é também tematizado por Baudrillard (1981). Ele aponta que na sociedade de consumo a felicidade é referência absoluta e equivalente autêntico da salvação do indivíduo. A salvação pelo consumo tem o estatuto de graça pessoal e esta idéia motivou inclusive o título da tese. No caso da autoajuda, a salvação ocorrerá pela aceitação irrestrita e inquestionável das “regras” de conduta expostas intencionalmente pelos autores. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 38 Na sociedade de consumo contemporânea, os consumidores são cada vez mais incentivados a utilizarem seus cartões de crédito, de modo que eles vêm se tornado cada vez maior e mais naturalizado, sempre associando seu uso ao “aproveitamento” de oportunidades e à ideia de ser necessário não “adiar” desejos. E ainda que, através deles, a felicidade, é possível. Um bom exemplo desse fato é a campanha “Não tem preço” da MasterCard Administradora de Cartões de Crédito que se coloca no lugar de amiga dos clientes e promete apoiá-los no alcance da felicidade, mas claro que isso só vai ocorrer, unicamente, passando pelos serviços oferecidos pelos seus cartões. De acordo com Gouveia et. al (2010) o discurso da MasterCard visa a proporcionar aos seus clientes a tão desejada felicidade. A fim de capturar o resultado desse “ato bondoso”, a empresa criou um espaço para os clientes postarem relatos pessoais de episódios em que utilizaram o cartão de crédito e, no final, obtiveram algo que “não tem preço”. As empresas do segmento bancário e os autores de livros de “autoajuda” financeira realizaram “parcerias” e aprenderam a oferecer dicas de como lidar racionalmente com cartões e ainda mantê-los. É o caso do livro Como Ficar Rico: Sem Cortar o Cartão de Crédito de autoria de Sharon L. Lechter Robert T. Kyiosaki18. A intenção de conhecer essa relação entre dinheiro, crédito, cartão de crédito e consumo conduziu minha pesquisa à Psicologia Econômica (que existe desde 1881). Até então desconhecida essa área tenta promover a união da Economia com a Psicologia, mas foram os economistas que buscaram apoio na Psicologia. Hoje, no Brasil, ela é 18 É interessante destacar que um grande número de publicações de autoajuda tem sido traduzidas do inglês para o português. Por serem traduções estrangeiras elas refletem o estilo de vida em geral americano. 39 | Jean Marlos Pinheiro Borba representada pela Psicóloga e Psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira19. Tive minha experiência com o endividamento no período de 2003 a 2006, confesso o quanto foi angustiante, pois acarretou-me inúmeros conflitos, desde a tomada de empréstimos a juros abusivos, mudança nos hábitos de consumo até uma renegociação de dívidas. Com essa vivência pude compreender como o endividamento leva uma pessoa a grau significativo de sofrimento psíquico, emocional, social e físico intensos. No meu caso, após o período de turbulência, que ocorreu com o pagamento dos empréstimos, fui tomando consciência da necessidade de repensar o controle de minhas finanças pessoais, bem como todo o sentido e o significado do mal estar vivido naquele período. A recordação desse fenômeno promoveu a lembrança da vivência de endividamento, com a reflexão do sofrimento psíquico, da privação de necessidades básicas, além da contenção do consumo para finalmente quanto aos gastos realizados e decisões que deveriam ser tomadas para a reorganização do fluxo financeiro pessoal, bem como da relação mantida com o dinheiro, com o crédito e com o consumo. A leitura do livro As Armadilhas do Consumo de Tolloti (2007) me aproximou ainda mais da possível relação entre Psicologia, Finanças Pessoais e Literatura de “autoajuda”. A proposta da autora é “acabar” com o endividamento, a partir do conhecimento dos afetos e de procedimentos de conduta básicos que envolvem tal relação. A autora, no entanto, faz posicionamentos em alguns momentos, principalmente quando responsabiliza 19 A Professora Vera Rita de Mello Ferreria Defendeu em 2007 na PUC-SP a tese de Doutorado: Psicologia Econômica: Origens, Modelos, Propostas. Disponível em: http://www.verarita.psc.br/tese/1.pdf. Ela também tem dois livros publicados nesta área. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 40 unicamente o indivíduo pelas dívidas e sucesso financeiro, que ocorrerão com o bom uso que faz de investimentos. O livro é prefaciado por Gustavo Cerbasi20 um dos best-sellers da autoajuda financeira. A autora, até determinado momento, apresenta uma crítica em que tenta esclarecer o endividamento, todavia, ao final do livro, ela propõe ao leitor fazer escolhas inteligentes para sair do sufoco financeiro. De fato, ela não caminha na direção de informações do tipo placebo, nem tampouco sugere uma perspectiva crítica. Uma vez que ela se coloca no “meio” do caminho, isto é, entre o leitor e o mercado financeiro, ele apresenta uma “leitura simplificada” que é característica estratégica da Indústria Cultural. Realizando as leituras propostas pela orientação somando-as às investigações pessoais, percebi a possibilidade que o estudo apresentava, principalmente por tentar investigar o fenômeno da Literatura de “autoajuda” Financeira e suas relações com as áreas das Finanças e da Psicologia. Os estudos iniciais foram permitindo ver como se dá a separação entre a dívida e o endividado, qual é a dominância do raciocínio instrumental e da técnica na vida humana, quais apelos constantes, pelos meios publicitários, para situações de compra. Diante de mim abria-se um campo de estudos possível e instigante. As inquietações iniciais sobre o fenômeno em questão foi se constituindo de modo que trouxe evidências “Um dos prefaciadores do livro é Robert Dannenberg, Presidente da Expomoney ratifica o modo de pensar positivo e racional: “O grande segredo para um futuro finaceiro melhor e mais eficiente está, agora, em suas mãos. Lembre-se, não existe fórmula mágica para ficar rico, o mais importante está na sua atitude diante das oportunidades que se apresentam para você. O nosso objetivo como coordenadores dessa coleção é a transformação para uma sociedade mais justa e digna para todos. Boa leitura!”. Todo esse discurso reafirma o caráter individualista, unidimensional e responsabilizador do individuo pelo seu próprio sucesso e coloca os autores no lugar de salvadores da sociedade. 20 41 | Jean Marlos Pinheiro Borba de que ele poderia dar contribuição aos profissionais da Psicologia e também de outras áreas do conhecimento, para pensar a emergência de estratégias de captura da subjetividade na sociedade de consumo contemporânea. Se a literatura de “autoajuda” crescer em escala exponencial e os psicólogos continuarem a olhá-la como um fenômeno de menor valor, desprezando-o ou ingnorando-o, eles certamente não irão ver os importantes elementos que se revelam nas entrelinhas de um texto de “autoajuda” (quer impresso, eletrônico ou virtual) e como essa prática de leitura simplificada oferece e se apropria da insipiência humana. Esta tese pretende apresentar, por meio de um viés crítico reflexivo, apontar evidências, indicar leituras e reflexões sobre o tema referido, a fim de que os leitores possam ser instigados a pensar este e outros fenômenos contemporâneos. Imagino que os profissionais da Psicologia entendem que esse tipo de literatura é uma prática emergente de pseudoinformação que tentam capturar e manipular a subjetividade. Acredito também que cabe à Psicologia, a iniciativa de dialogar com outras áreas de conhecimento, a fim de repensar seus fundamentos e ampliar seu foco atual, de modo a restabelecer a relação subjetividade-objetividade que foi separada pelo pensamento positivista. Penso na possibilidade de emergir uma área de conhecimento que reúna conhecimentos da Psicologia e das Finanças Pessoais, tendo um olhar críticofenomenológico sobre o trinômio, homem-dinheiromundo-da-vida, pode vir a ser uma ampliação da Psicologia Econômica: a Psicologia Financeira, onde não haja uma separação entre indivíduo e social, nem entre o consumo e a produção, mas que se faça um olhar plural. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 42 A Psicologia Financeira ainda não é uma área da Psicologia. Rezende 21 busca através da psicoterapia e recursos de técnicas teatrais formas de levar o indivíduo a rever e a lidar com valores, crenças e sentimentos conflitantes, facilitando assim, o desenvolvimento de novos hábitos, considerados fundamentais para o alcance da saúde financeira, objetivo do trabalho que a terapeuta vem se dedicando. Penso que a questão não é só o indivíduo, nem as técnicas, nem as crises financeiras, nem o capitalismo e nem o social visto como elementos isolados, pois o que há, de fato, é uma teia de elementos que se interconectam dentro do sistema sócio-político-econômico vigente. A lógica capitalista mantém um culto culpabilizador, conforme a análise de Benjamin (1990). A Psicologia tem preocupação com as questões sociais e o fenômeno do consumo de literatura de “autoajuda” cresce consideravelmente, logo, há um campo de investigação possível para o profissional da Psicologia capaz de abrir um novo espaço de atuação no “mercado”. O profissional de Psicologia, formado a partir de uma perspectiva crítica, possivelmente realizará uma ajuda profissional, afastando-se de um trabalho de pseudoajuda ou racionalismo terapêutico, como propõe a literatura de “autoajuda”. Os críticos do modo de vida hipermoderno como Aubert, Charles, Bauman, Ewald, Matos, Severiano e Soares, demarcam que a hipermodernidade se utiliza de instrumentos que direcionaram os indivíduos de um consumo racional, para um consumo emocional, onde o discurso é voltado para a “liberdade” de compra e para a “autonomia” nesse processo. Dando ao cidadão21 Na perspectiva de Rezende o profissonal da Psicologia pode prestar apoio para identticação de Informações mais específicas sobre o trabalho da psicóloga podem ser obtidas no endereço http://www.psicologiafinanceira.com.br/psicologia/ 43 | Jean Marlos Pinheiro Borba consumidor, um poder efêmero e falacioso capaz de, pela via do consumo, realizar seus desejos de forma autônoma e individualista. A sociedade atual, portanto está mais individualista e despreocupada com a coletividade, uma vez que o consumo passou a ser na sociedade contemporânea o elo entre pessoas, fato recorrente, já que elas se encontram na maioria das vezes para realizar atos de compra. Contudo, geralmente são convidadas pela publicidade22 a não refletir sobre o sentido e o significado desse ato ou até mesmo compreender o sistema em que vivem. Agem assim como serem acéfalos, incapazes de promover uma reflexão ou diálogo sobre as intenções da utopia consumista. O consumo dos tempos hipermodernos alterou de modo significativo as relações sociais, principalmente quando se transformou num estilo de vida e numa questão de “sobrevivência”. Tornou-se um consumo excessivo, um hiperconsumo 23 , corriqueiramente chamado de consumismo 24 . E para manter esse processo, os 22 Muñoz (2000, p. 98) diz: “La publicidad se asienta en la vida psicológica del indivíduo como um parásito”. 23 Este termo é utilizado por Charles (2004; 2009) para designar o consumo excessivo que advém no terceiro estágio da modernidade chamado hipermodernidade. Se fosse considerar a visão médica esta séria mais uma patologia contemporânea já inclusive indicada no DSM –IV, todavia, partindo do referencial escolhido posso caracterizá-lo como um modo de ser e estar no mundo ou mesmo como um tipo de adoecimento existencial, onde o ato de consumir passa o valor ser mais importante para o homem. Como afirmou Campbell: Compro, logo existo!, ou posso adaptar dizendo Consumo, logo existo. 24 Costa (2005) ao tratar da relação entre consumo e felicidade diz que ele é uma prática social oriunda de um acordo entre comprador e consumidor onde: “(...) Os indivíduos consomem, porque aprenderam a associar consumo à felicidade.” Já Baudrillard (1970) trata da lógica social do consumo afirmando que a insatisfação emocional é o motor do consumismo e que a felicidade é equivalente autêntico da salvação, sendo ela referência da sociedade de consumo. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 44 estrategistas da sociedade de consumo trabalham a cada dia para adiar o contato do homem consigo, com os outros e com o mundo, mediando ou deslocando esse encontro existencial para elementos de distração e alienação de si. Convidam os consumidores a se entregarem à “magia” do ato consumista. Essa magia refere ao feitiço (cf. nota de rodapé 124, p. 139) que a mercadoria provoca no indivíduo. A lógica da sociedade hiperconsumidora pauta-se na dinâmica de “Ter para Ser”. E nesse sentido, enquadrase grande parte da literatura de “autoajuda”, pois ela demonstra convergência com os interesses desta sociedade, promovendo um retorno do pensamento positivo, da ingenuidade, do misticismo e acima de tudo do individualismo. Rüdiger (1996) defende ser o individualismo um elemento que atravessa a proposta da autoajuda. Associar a palavra felicidade ao pensamento positivo, a sucesso, a esforço pessoal e a determinação são algumas das maneiras que a literatura de “autoajuda” se utiliza para promover o individualismo 25 e concretizar o corte da alteridade. Dar dicas de como ser feliz, como manter o corpo belo e saudável, como obter dinheiro e sucesso, ou mesmo como não adoecer passou a ser a receita de acesso à felicidade. O mal-estar (ROUANET, 1993) hipermoderno, acompanhado diariamente nos noticiários televisivos, pela web e pelos jornais de maior circulação, permite evidenciar o modo-de-ser-contemporâneo, bem como ratificar a irmandade siamesa entre capitalismo e Estado, entre indivíduo e sistema. Os problemas de endividamento, 25 Sobre essa questão Rouanet (1993) ensina que alguns dos principais efeitos do invidualismo sobre a sociedade dentre eles está a falácia da emancipação que, na verdade, propaga a ruptura com antigas tradições nas quais o homem estava contido no coletivo, uma nova ética liberta do coletivo na qual o homem por si só basta. 45 | Jean Marlos Pinheiro Borba consumismo e do uso excessivo e às vezes indevido do crédito são associados ao sofrimento psíquico e justificado como distúrbios de conduta – distúrbios de personalidade alguns destes validado pela ciência. O consumismo já está classificado no DSM-IV 26 na categoria de Transtornos do controle de impulsos não especificados, “sendo caracterizado pela incapacidade de resistir a um impulso, tendência ou tentação para realizar um ato potencialmente nocivo ao indivíduo ou a terceiros” (TAVARES, 2008, p. 1) A emergência de publicações consideradas best sellers têm o interesse de ensinar as pessoas a ficarem ricas, cuidando do seu dinheiro ou conhecer a si mesmas, de modo que elas sejam capazes de identificar as razões pelas quais não é uma pessoa rica ou próspera. Há livros que trazem indicações de relações mais amplas entre o consumo, o consumismo e as estratégias capitalistas de controle da subjetividade. 26 American Psychiatric Assciation. DSM - IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre. Artmed; 1995. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 46 Considerando esse interesse alguns segmentos educacionais27 incluem em seus currículos a nomenclatura de “educação financeira” que busca promover o ajustamento do indivíduo ao sistema e não o desvelamento do sistema. Esse projeto tem uma vinculação direta do Estado com a iniciativa privada que tem sido uma estratégia do modelo neoliberal: a flexibilização. É inegável que as pessoas são influenciadas por um forte apelo emocional que as levam a consumir produtos e serviços das mais variadas ordens, por isso é necessário compreender como o sujeito se relaciona com o mundo circundante, com os outros e com ele mesmo. Para isto, é necessário considerar que sua inserção na sociedade capitalista, depende diretamente de seu poder de compra, do trabalho e de seus hábitos de consumo. Muitas vezes, para pertencer a um determinado grupo social, o homem se submete às “regras” e às convenções grupais. Dentro do possível, esta tese explorou e aprofundou, os estudos sobre consumo, “autoajuda”, hipermodernidade e capitalismo, a fim de compreender as 27 O governo federal editou um decreto que instituiu a Estratégia Nacional de Educação Financeira, desta maneira ela entrará no currículo de escolas públicas a partir de 2012 sob o discurso de contribuir com o desenvolvimento econômico. O projeto de Lei inicial PL 3401/2004 é de autoria do Deputado Lobbe Neto/PSDB e tem como objetivo criar a disciplina "Educação Financeira" nos currículos de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e do ensino médio. A institucionalização desta disciplina pode possivelmente contribuir definitivamente para o retorno do pensamento calculista e para a entrada da literatura de “autoajuda” financeira no ensino fundamental. A educação financeira nas escolas é incentivada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e faz parte do currículo escolar de mais de 60 países. As diretrizes são resultantes do trabalho conjunto de entidades (diretamente ligadas ao capitalismo financeiro e de especulação) do mercado de capitais -como Febraban (bancos), Anbima (bancos e gestores) e BM&F Bovespa e dos reguladores CVM (ações e títulos de dívida), BC (bancos), Susep (seguros) e Previc (previdência). 47 | Jean Marlos Pinheiro Borba intenções textualmente declaradas pelos autores em seus livros de “autoajuda” financeira selecionados. Em tempos de crise econômico-financeira considerando a lógica do hiperconsumo 28, a subjetividade em crise foi investigada a partir da compreensão que não há consciência 29 desvinculada do mundo e que não há individuo desvinculado do social. Um está sempre para o outro e um está contido no outro, por isso cai por terra a matriz que advoga ser possível isolar para compreender. A elaboração do objetivo geral do trabalho foi pensada a partir de uma maneira interdisciplinar, fenomenologicamente, e ser vista tanto à luz dos pensadores ligados diretamente ao pensamento da Escola de Frankfurt, como também daqueles cuja reflexão se volta para as mesmas inquietações intelectuais. No caso, os autores através dos textos de “autoajuda” financeira, inseridos na lógica capitalista, que visa aprisionar o indivíduo hipermoderno, em tempos de crise do capitalismo. 28 O termo é designado para informar o excesso de consumo, e como apresenta Lipovetsky (2007) o consumo encontra-se na fase III que se caracteriza por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional, ou seja, uma fase onde o consumo emocional ganha cada vez mais força e segmentação. 29 É na concepção fenomenológica, sempre consciência de alguma coisa, tendo traço essencial, a intencionalidade. A consciência é a atividade de “ver”; portanto, é irredutível a um fato natural. A consciência é doadora originária dos fatos naturais; é significado para o mundo. Ela não cria fatos (como na visão idealista), mas também não é criada pelos fatos (como na visão materialista); ela cria o significado dos fatos. É na subjetivdade da consciência que se encontra a objetividade do fenômeno. (RIBEIRO JR., 1991, p. 83). Para Guimarães (2010) consciência é sempre fluxo, ela está sempre em movimento, e este movimento retrata a sua intencionalidade, toda consicência é intencional, por isso não há uma consciência fechada dentro de um cérebro, como supuseram alguns pesqusiadores defensores do subjetivismo clássico.. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 48 Para atingir o objetivo geral alguns objetivos específicos foram traçados, dentre estes: - Apresentar uma fenomenologia da literatura de “autoajuda” financeira compreendendo como estes textos se revelam e fundamentam suas dicas de modos de ser e estar no mundo da vida contemporâneo; - Por em cena o hiperconsumo de livros de “autoajuda” financeira como estratégia da indústria cultural hipermoderna para gerenciamento da subjetividade e propagação do pensamento positivo, da felicidade positiva e do individualismo hedonista; - Compreender criticamente, a partir de autores frankfurtianos e aqueles que com eles mantém diálogo, as influências da crise de 2008 sobre o consumo de literatura de “autoajuda”, evidenciando a propagação dos ideais de felicidade, prosperidade, liberdade, autonomia e controle do tempo. - Investigar a relação entre o dinheiro e o homem, tendo o suporte dos estudos realizados pela filosofia, sociologia e psicologia compreendendo as bases da Psicologia Econômica de modo a propor a Psicologia Financeira como uma nova área de pesquisa para a Psicologia; - Procurar evidências de possíveis pontos de convergência entre a fenomenologia e a teoria crítica para compreensão das intenções textualmente declaradas pelos autores nos livros de “autoajuda” financeira selecionados. O trabalho foi então organizado de modo que possibilite ao leitor ter uma visão panorâmica do fenômeno da literatura de “autoajuda” financeira, bem como da sua inserção na sociedade de consumo hipermoderna que é cortada pelo capitalismo e suas crises. Nesse panorama, será possível observar como a fenomenologia e a teoria crítica, enquanto atitudes intelectuais de rigor e contrária ao modelo positivista permitiram compreender as intencionalidades presentes nos textos de “autoajuda”. 49 | Jean Marlos Pinheiro Borba Fenomenologia e Teoria Crítica postulam ser a teoria tradicional fundamentada na mentalidade positivista, no método experimental de controlar a subjetividade, a cultura e a consciência. Considerando que há pontos em que a fenomenologia e a teoria criticam se divergem, sabendo disso busquei apenas os elementos de encontro e as visões que possibilitaram um olhar interdisciplinar para compreender e analisar este fenômeno social contemporâneo. Uma convergência central entre o pensamento fenomenológico e pensamento frankfurtiano resulta na crítica que ambas fazem ao modelo científico natural que dá domínio da teoria tradicional originária da ciência natural para ver a realidade e encaixá-la em categorias de análise. O modo de existência da teoria tradicional é o cálculo, a racionalidade lógico-matemática. (HUSSERL, 1965; HORKHEIMER, 1975) O contato de Marcuse com Husserl, Heidegger, e posteriormente com as obras Hegel e Marx o permitiu elaborar um modo original de “fundir” as contribuições da fenomenologia às contribuições do materialismo dialético, o que o possibilitou pensar numa fenomenologia do materialismo dialético. (MARCUSE, 1968) Teóricos críticos e fenomenólogos rejeitam o ideal cientificista, o pensamento calculista, a matematização da consciência 30 e a naturalização da vida, o cientificismo, a ruptura entre subjetividade-objetividade-mundo. Outro ponto em comum é o rigor na análise dos fenômenos, pondo em questionamento qualquer conhecimento que se professe como dogma e apego à racionalidade científica e 30 Sobre esse aspecto sugerimos consultar Husserl (1965) quando o pai da fenomenologia tece críticas ao pensamento positivista e ao apego à ciência natural para compreender a subjetividade que acabou por separar o sujeito do objeto do conhecimento, como se isso fosse ‘possivel’. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 50 instrumental31 que ratifiquem o modelo científico e positivo de pensar e viver. Passei então, a investigar as “intenções32” presentes nos livros de “autoajuda” que eram professadas textualmente pelos seus autores, as quais acabaram por revelar elementos importantes de compreensão das relações deste fenômeno com a sociedade de hiperconsumo e com o sistema capitalista. A autoajuda tem vários modos de se revelar e para tema da tese optei pelo viés financeiro, tanto em virtude dos motivos já apresentados, mas principalmente por acreditar ser este um fenômeno interessante para representar um olhar integrador entre a Psicologia e a área contábil-financeira. Alguns contatos diretos e indiretos foram feitos com leitores, apesar de estes não terem feito em nenhum momento parte do “universo” da pesquisa, bem como da metodologia de compreensão e análise dos livros, eles serviram para tornar clara a análise crítico-fenomenológica33 dos textos. No caso específico deste estudo, aquilo que de concreto aparece e é dito pelo autor no texto de “autoajuda” serviu de elemento de análise, pois foi considerada a relevância e o lugar que os livros ocupam no cenário social. Sempre privilegiando as relações críticocompreenssivas, pautadas no rigor de ambas posturas intelectuais encolhidas. Tomando como base as contribuições da Teoria 31 Os conceitos são desenvolvidos com o fim de controle preditivo e manipulativo sobre as coisas”. (RUSH, 2008, p.42) 32 No que diz respeito aos livros examinados as intenções são aquelas em que os autores dos livros de autoajuda financeira declaram textualmente o que pretendem com seus ensinamentos. 33 Em alguns momentos do texto, utilizarei essa terminologia, por mim pensada para reunir a perspectiva rigorosa crítica que percebo tanto na fenomenologia quanto na teoria crítica, respeitando na mesma medida, as suas particularidades. 51 | Jean Marlos Pinheiro Borba Crítica e de seus pensadores mais relevantes, apresento a compreensão do cenário hipermoderno, mais especificamente no que tange à fase atual do consumo de literatura de “autoajuda” financeira, no momento em que se fez presente uma “nova” crise financeira no seio do capitalismo contemporâneo. A discussão sobre a situação atual do capitalismo também contribuiu neste caminho trilhado. Considerando a especificidade deste estudo, os “dados” foram coletados diretamente da literatura (livro de “autoajuda” financeira). O campo característico dessa pesquisa foram os espaços de consumo onde a literatura foi mais observada, preferencialmente as livrarias de aeroportos, as livrarias de shopping center, e já em sua fase final as livrarias (virtuais e, em alguns casos bibliotecas; alguns dos livros seccionados foram adquiridos em sebos e outros foram consultados em bibliotecas públicas). O ensinamento de Husserl (1965, p. 20) que ao criticar a psicologia experimental ratificou a ideia de fluxo da consciência e da relação desta com o mundo permitiu perceber como o contato com os livros seria possível: A questão não é por em movimento, como as ciências empíricas objectivas, a simples experiência e analisar inclusivamente o dado da experiência, mas rastrear as linhas da síntese intencional, como elas estão traçadas intencionalmente e segundo um horizonte, devendo nelas mostrar-se e, em seguida, desvelar-se também os próprios horizontes. O fundamento fenomenológico permitiu, sem nenhuma pretensão de dar explicações, compreender o fenômeno em pleno movimento no seio social, e para isso foi escolhido o critério dos livros de “autoajuda” financeira que tem o objetivo de oferecer dicas de organização das finanças pessoais, conduzindo o leitor no caminho da felicidade e, relacionando diretamente felicidade- Racionalismo terapêutico e subjetividade | 52 subjetividade-dinheiro-crédito como elementos necessários à construção do sucesso pessoal e profissional. Retirados como unidades de significado 34 , esses temas saltaram do texto por representarem os interesses da autoria (self-help writters), além disso, há interesse particular pelas temáticas supracitadas à medida que elas emergiam a investigação tornou-se cada vez mais interessante, principalmente por ver a possível relação entre a Psicologia e a área financeira. Os livros selecionados (APÊNDICE A) foram agrupados e reagrupados de modo a evidenciar aqueles que têm características evidentes de manuais de “autoajuda” financeira. As análises das unidades de significado mais relevantes aos olhos do autor revelaram claramente a intencionalidade 35 presente no diálogo intersubjetivo (escritor-leitor) ali travado, assim como aparecem no texto. “As unidades de significado, por sua vez, são recortes julgados significativos pelo pesquisador, dentre os vários pontos aos quais a descrição pode levá-lo”. (GARNICA, 1997, p. 116) 34 35 É a propriedade do conhecimento que informa o sujeito do outro como fenômeno. A intencionalidade é, portanto, uma nova relação entre a atividade do eu (noesis) e o fenômeno (noema). Através da relação mediadora cognitiva da intencionalidade, sujeito e objeto tornam-se inseparáveis. A intencionalidade é uma ligação necessária sem a qual nem a consciência nem o mundo seriam compreensíveis. (RIBEIRO JR., 1991, p. 85) 53 | Jean Marlos Pinheiro Borba Um conjunto de 21 36 (vinte e um) livros de “autoajuda” que abordam a temática “autoajuda” financeira publicados e disponíveis no mercado editorial brasileiro, quer de origem nacional ou estrangeira (no caso traduzidos para o português) foram organizados. O corte foi dado no momento em que percebi a repetição de ideias e intenções textualmente declaradas nos livros e, principalmente considerando a semelhança imposta pela indústria cultural. A análise dos livros seguiu o referencial críticofenomenológico já que ele possibilitou demonstrar o fenômeno e seu descobrimento37 em termos macro e micro. A análise eidética dos livros me permitiu ver que os 36 Considerando que a pesquisa qualitativa de cunho fenomenológico não está pautada no quanto, mas no “o quê” e “como” se revela esta quantidade não determina em momento algum a validade da pesquisa, como ocorre em pesquisas de viés quantitativo que estão baseadas no raciocínio lógico-matemático. Ao contrário, os números aqui são auxiliares apenas e não determinantes, pois não é o pensamento calculista que determinou a investigação. Para a escolha dos livros objeto dessa análise, foi feita inicialmente uma pesquisa pelos livros que apareciam à frente (por sugestão do orientador deveria chegar ao maior número possível de livros, para somente após isso chegar à decisão final de quais seriam utilizados). Para isso fiz uso do censo como técnica de coleta de dados, onde a preocupação, é conhecer primeiro todo o universo e suas características. Na qualificação em dezembro de 2009 foram selecionados 18 livros. Já no ano de 2010 a seleção foi de 16 livros para a publicação do capítulo com as idéias iniciais da pesquisa (ver Borba & Soares In Jacó-Vilela & Silva Junior, 2011). 37 Em sentido fenomenológico descobrimento, refere-se a des-cobrir, ou seja, retirar aquilo que cobre, retirar a aparência para perceber o fenômeno na sua pureza originára da consciência que é doadora de sentido, e não descobrir no sentido da ciência natural que vê o fatofenômeno como um “achado” do cientista. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 54 autores possuem formações profissionais variadas 38 e, que usam as suas experiências profissionais e/ou pessoais para justificar e fundamentar a motivação da escrita do livro ou mesmo a sua importância para o leitor. Dentre as inúmeras unidades de significado presente foi possível perceber que a valorização do “ter” em lugar do “ser” predomina no discurso dos textos de “autoajuda” financeira. Em termos de operacionalização da análise compreensiva desta metodologia ela foi efetivada da seguinte maneira: Do ponto de vista metodológico, a compreensão e análise do material incluiu à suspensão da atitude natural (epoché), ou seja, a suspensão da atitude ingênua e desconectada da realidade que se tinha antes de investigar. Foram suspensos, temporariamente, as categorias explicativas até então apontadas por outros pesquisadores acerca da autoajuda e após a tomada de consciência da necessidade de manter esta atitude intelectual, seguiram-se dois momentos: Primeiro momento: contato prévio, organização do material, questionamento do conhecimento acessado e descrição prévia; 1) 38 leitura dos livros de “autoajuda” realizando a Os autores são médicos, publicistas, profissionais da área de comunicação marketing, finanças, contadores, engenheiros, psicólogos, padres, pastores, sociólogos, psicobiofísico, economista, presidente de empresas, jornalista, pesquisadores da alma humana, consultores financeiros, vendedores e outros. Alguns deles possuem graduação, outros pós-graduação. 55 | Jean Marlos Pinheiro Borba suspensão temporária 39 de qualquer tentativa prévia de julgamento do significado dado no texto do livro de “autoajuda” selecionado, estando sempre atento ao “que é dito” e ao “como está sendo dito” no texto pelo autor, de modo a tentar compreender o que é “autoajuda” para ele; 2) descrever após o primeiro contato com o livro: nome do autor, título do livro, ano de publicação, relato do autor onde identifica suas intenções ao escrever a obra, sua formação e experiência profissional; condições históricas em que ele a escreveu e por fim, a montagem de quadros de descrição das obras escolhidas; 3) identificar e pôr em destaque as palavras-chave (a repetição de palavras e o modo como elas são utilizadas) foi um critério que intuí no decorrer da análise e que possibilitou a captura, sem nenhuma preocupação quantitativa, daquilo que mais foi evidenciado pelo autor; Segundo momento: Dei relevância ao conjunto dos ensinamentos de Edmund Husserl e do olhar frankfurtiano, pensados em conjunto, para subsidiar metodologicamente a análise compreensiva dos seguintes aspectos: 1) questionar o quê e como está sendo dito e, principalmente, o que é a “autoajuda” para cada autor selecionado? 2) qual é o propósito (significado da ação – [motivopara]) do autor “dizer o que está sendo dito”!? 3) conhecer e descrever o momento em que o texto foi produzido a fim de compreender como ele se liga ao mundo da vida do autor e dos leitores (aqui já se inicia a 39 Faz mister esclarecer que a suspensão temporária (epoché) visa ver diretamente o fenômeno, e não neutralizá-lo como ocorre no método científico tradicional que o aprisiona em laboratório para conhecê-lo, manipulá-lo e controlá-lo, a fenomenologia propõe enquanto atitude intelectual e método ver o fenômeno em movimento, e não neutralizálo. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 56 redução fenomenológica, que busca a conexão entre as essências do fenômeno da “autoajuda” financeira e de que modo vê diretamente as intenções e as conexões deste com o mundo da vida; 4) compreender como o autor busca relacionar o seu mundo da vida ao mundo da vida do leitor, ou seja, compreender como é estabelecido o diálogo intersubjetivo via texto de “autoajuda” , mesmo não estando “presente” o autor; 5) reunir as categorias que mais se revelaram significativas no texto, a partir da representação das invariâncias comuns entre os autores, ou seja, aquilo que textualmente dizem que o fazem pertencer à categoria de “autoajuda” financeira, separando-os de manuais de economia doméstica e dos manuais de finanças pessoais; 6) compreender em que momento o livro surge e se existiram relações entre ele e os interesses da indústria editorial e da crise do capitalismo, via afirmativas proferidas. 7) Descrever os meios utilizados pelo capitalismo para construir modos de subjetivação e captura da subjetividade. Os estudos existentes sobre literatura de “autoajuda” em geral discutem os discursos das narrativas destes livros, enfocando questões de lingüística e a estrutura da linguagem utilizada, alguns apontam o consumo e um outro contingente analisa o discurso tendo como foco o pensamento positivo e a crítica ao individualismo. Assim, com esta tese, ratifico a possibilidade de colocar em cena o consumo destes livros e o crescimento exponencial de vendas que se tornou possível dado às inúmeras estratégias de publicidade, de distribuição e comunicação utilizadas pelo mercado editorial. A publicidade aliada ao uso de tecnologias são estratégias utilizadas para difusão da autoajuda, fato que 57 | Jean Marlos Pinheiro Borba tornou possível que esse fenômeno se difundisse não apenas em formato de livro impresso, mas atualmente em mensagens de texto via celular, páginas e comunidades virtuais na Internet e via uso de recursos eletrônicos tipo multimídia. O universo de livros selecionados e analisados evidenciam: a valorização da mente, do dinheiro e do pensamento positivo dado como elemento necessário para o sucesso financeiro. A mente, para a maioria dos autores, é como uma entidade dotada de poder que pode modificar as ações, bem como a responsabilidade única que o autor atribui ao leitor pela mudança em sua vida. Geralmente ele utiliza termos vagos ou informações da vida cotidiana e também experiências vivenciadas para “fundamentar” seus argumentos. Ratifico também que a leitura destes livros me conduziu à clareza de que a maioria das dicas apontadas indicam ao leitor um caminho para alcançar a felicidade, a liberdade financeira, a riqueza e a independência financeira, bastando que o leitor tome a decisão de escolher e manter uma atitude de organização das finanças pessoais, e também de contenção do consumo para que seus problemas financeiros sejam minimizados ou desapareçam. As questões macroeconômicas, como, por exemplo, a crise financeira, os juros abusivos, os problemas sociais, não têm nenhuma relação direta e imediata com o seu processo de crescimento financeiro, nem com a obtenção da riqueza. Sobre o termo específico “riqueza”, penso ser ele extremamente vago, pois em geral os autores o usam de modo indiscriminado e cada um atribui modos de uso e significados diferentes. Os autores partem do princípio de que as dicas indicadas em seus livros são capazes de restabelecer a relação com o mundo, pela simples crença de que é possível “vencer” ignorando-se ou “tomando-se consciência” de que os problemas existem, apenas são Racionalismo terapêutico e subjetividade | 58 adversidades que o leitor pode superar, de preferência, seguindo a receita apresentada. O uso indiscriminado da palavra consciência é algo recorrente, dando a ela diferentes significados, dentre eles: mente, poder mental, cérebro, espírito etc... Diz Wattles (2008, p. 31): “Não pergunte se isso é verdadeiro, nem especule a respeito de como pode ser assim; simplesmente confie. A ciência de enriquecer começa com a aceitação absoluta dessa crença.” A consciência é para a fenomenologia termo imprescindível e não é visto de modo naturalizado. Ribeiro Jr. (1991) ressalta ser a consciência uma atividade, um ato de “ver”, por isso não pode ser deduzida a um fato natural como fez e faz a ciência natural, não cria fatos e nem é criada por eles. A linguagem psicológica ou psicologizante também é utilizada, bem como o uso da palavra psicologia diversas vezes, sem esclarecer do que se trata, do que o autor entende ser psicologia. Os escritores usam frases de efeito, de modo recorrente partem de fragmentos teóricos ou frases incompletas de pensamentos de teóricos e teorias conhecidas. É uma característica preponderante essa tentativa de dar um caráter científico, quando na verdade fica evidente a pseudocientificidade que os autores pretendem dar. Daí porque usam experiências pessoais como prova de que as orientações dão certo. Esta é uma estratégia central para capturar o leitor, bem como o uso de frases de sociólogos, filósofos, economistas e psicólogos consagrados na literatura com o fim de dar um efeito ao texto. Reservei para análise 21 (vinte e um) livros sendo 8 (oito) estrangeiros traduzidos para o português e 13 (treze) de autores brasileiros. Dos oito livros estrangeiros um é especificamente voltado para que os pais eduquem financeiramente seus filhos Dinheiro não dá em árvores: como introduzir seus filhos no mundo das finanças. Dois ou três livros A Ciência de Ficar Rico e Saber Viver Financeiramente 59 | Jean Marlos Pinheiro Borba fazem uso de frases completamente abstratas, tais como Poder Universal, que remetem o leitor a um pensar mágico e desvinculado da realidade. Aproximadamente quatro livros estabelecem relação direta com questões espirituais, dando ao dinheiro um poder de detentor de uma energia, uma espiritualidade, e até caráter moral; tais como, A Energia do Dinheiro, Saber Viver Financeiramente, O Espírito do Dinheiro, O segredo e A Ciência de Ficar Rico. Os livros Casais Felizes Enriquecem Juntos, Investimentos Inteligentes, Sobrou Dinheiro!, Como Negociar Dívidas são livros de autoajuda financeira que estão mais próximos de “manuais” de autoajuda financeira que usam a linguagem financeira, tabelas e cálculos matemáticos e financeiros para exemplificar e explicar as situações que são apresentadas pelos autores. A tese contém 3 (três) capítulos40 centrais com suas devidas subdivisões. O primeiro capítulo e seus subcapítulos têm o propósito de apresentar o fenômeno da “autoajuda” financeira, evidenciando o modo como ele emergiu e foi apropriado no mercado editorial brasileiro. A autoajuda financeira é um fenômeno da indústria cultural que tenta “fisgar” o homem contemporâneo por meio de diferentes processos de subjetivação. Para isso, destaquei, de forma breve, o “desenvolvimento” histórico da autoajuda demonstrando sua proliferação via tecnologias nos mais diferentes espaços de consumo. Na investigação, busco desvelar o fenômeno da autoajuda financeira de modo que também foram evidenciadas as suas relações 40 Um esclarecimento se faz necessário antes da apresentação dos capítulos. Discorrer sobre o fenômeno da “autoajuda” torna-se tarefa complexa no sentido de estabelecer capítulos “estáticos”, já que conseguimos perceber que ele é cortado transversalmente, por outros inúmeros assuntos que o afetam diretamente em seu núcleo. Diante disso, os capítulos são tentativas de representação dessa possível ‘aproximação’ de cada assunto com o fenômeno em si, respeitando a pureza de sua emergência e crítica necessária para analisá-lo. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 60 com a Psicologia Positiva (ciência da felicidade), com o pensamento positivo e com a crise do capitalismo emergida em 2008. Assim, espero demonstrar que a autoajuda propõe tecnologização das relações humanas e sociais implantando um racionalismo terapêutico e uma padronização do modo de gerenciar a subjetividade. O segundo capítulo tem como mote central evidenciar como a racionalidade contábil-financeira, fruto do pensamento lógico-matemático, revelou-se no cenário hipermoderno. É feita uma análise crítica do modelo de sociedade administrada vigente, sociedade de consumo e contribuições dos pensadores frankfurtianos e seus sucessores, dialogando com seus fundamentos e visões plurais acerca do fenômeno da “autoajuda”; os desdobramentos do capitalismo e suas crises na sociedade de hiperconsumo contemporânea também são apresentados; há uma tematização sobre o capitalismo e as estratégias de subjetivação que os agentes do sistema se utilizam para disseminar o pensamento positivo, o individualismo, o consumismo e o endividamento; a hipermodernidade é contextualizada e colocada em cena como modo de “desenvolvimento” da lógica capitalista de consumo; discuto como o fenômeno da “autoajuda” financeira tem relação direta e indissociável com o capitalismo de consumo e o modelo de sociedade administrada. Por fim, apresento o capitalismo visto pelas “lentes” da fenomenologia. No terceiro e último capítulo, apresento o papel que o dinheiro tem exercido nas relações humanas e sociais, fazendo um paralelo de como ele é tematizado na literatura de autoajuda e nas discussões que envolvem um olhar crítico sobre a sociedade de consumo contemporânea. Apresento as relações entre dinheiro, Psicologia e Economia, de modo que é revisitada a Psicologia Econômica na condição de área emergente que reúne fundamentos de ambas as ciências. Enfatizo o fenômeno 61 | Jean Marlos Pinheiro Borba da literatura de “autoajuda” financeira como um indicador sintoma da sociedade de consumo contemporânea, capaz de associar o uso e o caráter psicológico do discurso monetário. Aponto o possível surgimento de uma “nova” área de conhecimento: a Psicologia da Cultura Financeira, por acreditar que esta é capaz de reunir um conjunto de conhecimentos que possibilitará investigar o homem em suas relações com o dinheiro, o crédito e o consumo, não tendo a preocupação de uma validação dos estudos a partir do paradigma técnico-científico oriundo do modelo dominante, nem tampouco o raciocínio instrumental de adequação do homem ao cenário econômico financeiro, como propõe outros olhares. A Psicologia Financeira como um modo direto de acessar o fenômeno terá um olhar crítico-fenomenológico. Desse modo, a tese contemplou um estudo sobre a literatura de autoajuda financeira, buscando tirar o véu desse fenômeno a partir de atitudes intelectuais desveladoras quanto ao significado e o sentido que a autoajuda tem na sociedade de consumo. Durante quatro anos de pesquisa identifiquei apenas o estudo de Leite 41 (2008) intitulado: “Auto-ajuda e o desenvolvimento do mercado financeiro no Brasil” que trata de seu uso específico para gestão das finanças pessoais e relações com o mercado financeiro e de investimentos. Não conheço outro trabalho de graduação ou pós-graduação que se refira diretamente à temática da autoajuda financeira. Por fim, caro leitor, espero que a leitura de livro fruto de 4 anos de estudo sobre o mundo da literatura de 41 Elaine da Silveira Leite é Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A pesquisa revelou ser ela, além de mim, as únicas pessoas que estão estudando especificamente a categoria de autoajuda financeira. A autora apresentou este trabalho no Simpósio de Pós-graduação em História Econômica no período de 3 a 5 de setembro de 2008. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 62 autoajuda financeira contribua com suas reflexões atuais. 1 A INDÚSTRIA DA SUBJETIVIDADE: o fenômeno da literatura de “autoajuda ” A dinâmica incessante do progresso técnico se tornou permeada de conteúdo político e o Logos da técnica foi transformado em Logos da servidão contínua. A fôrça libertadora da tecnologia – a instrumentalização das coisas – se torna o grilhão da libertação; a instrumentalização das pessoas.” Herbert Marcuse A fabricação de homens unidimensionais, como mercadorias, me levou a recordar os ensinamentos de Husserl, Bauman, Marcuse e outros teóricos. O que a “ciência” fez e faz com os humanos e suas tecnologias e o acatamento ingênuo que este tem com as “ofertas” da indústria cultural contemporânea reside, a meu ver, num grande e grave problema social. Diante disso, neste capítulo, a discussão que será apresentada a seguir, propõe demonstrar que a literatura de “autoajuda” faz parte das estratégias da indústria cultural contemporânea para captar a subjetividade e manter o homem em distração constante, acreditando que apenas é responsável pela mudança, o que impede uma reflexão profunda sobre si e suas relações. Ela é um fenômeno 42, mais especificamente um fenômeno social. Inicialmente, a atitude fenomenológica, onde está contida a suspensão de pré-julgamentos, auxilia na compreensão do significado do fenômeno e seu posterior desvelamento, assim as perguntas iniciais a serem feitas são: 42 É a aparência do objeto acessível imediatamente à consciência. (RIBEIRO JR, 1991, p. 84) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 64 a) o que é a “autoajuda”? b) O que ela significa e quais significados são atribuídos pela cultura e pela literatura contemporânea? A leitura de obras de “autoajuda”, o contato com alguns leitores de livros de autoajuda e também de críticos desta me permitiu pensar: qual a essência43 da “autoajuda”? Quais são as suas estruturas invariantes dos livros selecionados e como ela têm se mantido na hipermodernidade para captar o homem em crise? Que estratégias a indústria cultural contemporânea utiliza para propagá-la? Estas questões são colocadas em cena com o propósito de ampliar o foco de reflexão desta tese. O des (cobrimento) deste fenômeno e de seus modos de gestão da subjetividade na cultura contemporânea foram investigados e colocados em relevo no decorrer desta tese, fazendo-se sempre as devidas apropriações teóricas que auxiliam ao seu desvelamento. Por ser um fenômeno cultural voltado para a massa, a indústria da subjetividade, pode ser conhecida como indústria da alma e literatura de maizena, pois a “autoajuda” visa a atender ao maior número de pessoas com ensinamentos rápidos produzidos em escala industrial e com pseudofundamentos. Nesse sentido, utiliza os princípios da administração científica de produção em série, onde a reprodutibilidade segue o padrão de conferir ao produto as mesmas características com preços acessíveis ao público consumidor, somando-se a isso os valores do pensamento positivo e o incentivo a questões místicas. Demo (2005), Rudiger (1996, 2008), Fornari e Souza (2001), Chagas (2001), Nunes (2002), Paula e Wood Jr. (2003), Brunelli (2004; 2006), Fonseca (2007) e Rodrigues (2008) são alguns dos autores utilizados para 43 É um elemento constitutivo de fenômenos, pois à sua mercê os fatos acontecem; ela é quem os torna possíveis.” (RIBEIRO JR, 1991, p. 83) 65 | Jean Marlos Pinheiro Borba problematizar e compreender o fenômeno da “autoajuda”. Os estudos têm, em geral, uma pesquisa crítica sobre este tipo de “literatura” 44 e, em sua maioria, fazem análise do discurso da literatura de “autoajuda” e de suas possíveis conseqüências, o que não é o caso desta tese. A pesquisa junto às bibliotecas públicas e universitárias nas cidades de São Luís e Rio de Janeiro, bem como no meio virtual, me permitiu levantar e conhecer artigos, dissertações e teses já existentes sobre livros de “autoajuda” e, principalmente conhecer o caminho que cada autor utilizou para discorrer sobre o fenômeno. Essa investigação paralela resultou num mapeamento dos estudos existentes por categoria de trabalho e características dos estudos até então publicados. Esse mapeamento contribuiu para que eu compreendesse o universo no qual o fenômeno estava inserido e ter clareza das perspectivas discutidas nos trabalhos que foram lidos e selecionados para, na medida da necessidade serem chamados para o diálogo com esta pesquisa. A literatura de “autoajuda” é um objeto concreto presente no mundo da vida que é capaz de traduzir o modo de vida da sociedade, já que reúne uma série de elementos que se comportam como indicadores sintoma desta sociedade, dentre eles o uso do racionalismo terapêutico (RUDIGER, 1996) como modo de “fisgar” a subjetividade em crise. Os autores e leitores parecem que se unem nos textos quando, de um lado, são oferecidos modos de ser e estar no mundo, via estratégia de gerenciamento da vida pessoal, profissional, financeira, do corpo, dos relacionamentos afetivos, enquanto do outro lado está um 44 Literatura é uma forma de representação, que visa a reorganizar a realidade. Nesta reorganização, preciso considerar dois momentos. O primeiro, referente aos dados que são fornecidos ao artista pelo Universo; o segundo concerne à transformação destes mesmos dados em linguagem.” (GOMES & VECHI, 1991, p. 17-18) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 66 leitor que espera respostas prontas para os problemas que atravessa. Desse modo, a necessidade de escrever sobre as próprias experiências e a demanda por encontrar soluções de acesso fácil parece ser o casamento perfeito na relação escritor-leitor que é mediada pelo livro ou audiolivro. Dentre os elementos observados são percebidos os vínculos fluídos, indicadores da crise do capitalismo, o retorno do pensamento esotérico, mágico e positivo, o estímulo constante a reflexividade, e a incansável busca pela felicidade como uma mercadoria. O fenômeno em questão, ao ser observado, revela a inseparabilidade entre as consciências e suas relações com o mundo, assim demonstra claramente a relação indissociável sujeito-objeto, entre a consciência de quem escreve e a tentativa de capturar a consciência de quem lê, bem como interconecta ambos com o mundo circundante no momento de usar exemplos, situações e linguagem psicologizante, indicando a possibilidade de existência de uma subjetividade social. Valentini (1988) ratifica a preocupação de Husserl em resgatar a volta àquilo que é original, recuperando a unidade entre sujeito e objeto que a ciência positivista separou e destaca o corte no binômio sujeito-objeto (usado pelas ciências em geral, não num sentido de conexão entre ambos, mas no sentido de separação destes). A relação noema-noesis, aqui se configura com a relação autor-textoleitor. Unidade esta que o capitalismo contemporâneo ataca diretamente, já que promove o corte da relação consciência-mundo da vida e fortalece as práticas individualistas e hedonistas. (LIPOVETSKY, 2004; 2007; 2011; RÜDIGER, 1996). Como esclarece o autor (VALENTINI, 1988, p. 15): A unidade original entre consciência e mundo se torna consciência do mundo. O fato da 67 | Jean Marlos Pinheiro Borba intencionalidade desencadeia naturalmente uma relação geradora de sentido. O sujeito e o mundo no comércio recíproco constituem sentidos e a consciência na qual e pela qual se constituem os sentidos. A perspectiva teórica e metodológica escolhida nesta investigação, prima pela suspensão de pré-suposições acerca do fenômeno, a fim de evitar qualquer formulação de hipóteses e atitudes ingênuas perante este. Nesse sentido, é preciso ver como o fenômeno da literatura de “autoajuda” se manifesta, o que ele é e suas características, extraindo dele mesmo, sem quaisquer medições. Mas na sua pureza, como aparece no mundo da vida, com as suas particularidades e não as de categorias a priori. Categorias a priori buscam explicar o objeto em sua manifestação, desvinculando-o de um sujeito, ou mesmo fechando as possibilidades de compreensão dentro de um corpo teórico “completo” e “acabado”. A fenomenologia buscará sempre as inter-relações, nunca o fechamento, evitando formação de pré-conceitos e afastando inicialmente qualquer teoria, que permita, apenas, através de suas lentes vê-lo de modo imediato. Partindo desse pressuposto, busquei colocar em suspenso temporariamente, os a priori teóricos e os modelos explicativos existentes, que não foram desconsiderados, mas evidenciados e questionados quanto àquilo que as pesquisas já dizem ser o fenômeno da autoajuda. Ao contrário deste caminho, refleti sobre o fenômeno da “autoajuda” financeira, envolvendo e acompanhando seu movimento – nas diferentes maneiras de se revelar, como por exemplo, nas mídias existentes – tendo como princípio que este tipo de literatura remete inicialmente à intersubjetividade entre duas consciências, inicialmente, que é percebida na relação autor-leitor. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 68 O que a caracteriza? Como ela se manifesta e o que manifesta? Qual o sentido e o significado que são atribuídos ao termo “autoajuda”? O termo “autoajuda” advém do inglês self-help 45 (título do primeiro livro escrito por Samuel Smiles), cujo título em português é Ajuda-te. O termo ‘auto' remete ao próprio sujeito da ação, ou seja, indica que o próprio executou ou deverá executar uma ação. É o próprio retorno a si. Por outro lado, o substantivo feminino ajuda se refere a auxílio, socorro ou assistência (BORBA, 2004, p. 41) Em alguns dos dicionários pesquisados, tais como Giles (1993), Blackburn (1997), Mora (2004), Abbagnano (2007) não foi localizado o significado em língua portuguesa para o termo “autoajuda”, exceto em Borba (2004) e Faria (2008). Borba (2004, p. 136) atribui o seguinte significado para “autoajuda”: “uso dos próprios recursos mentais e morais para conseguir resolver dificuldades de ordem psicológica; autocontrole”. Semelhante definição é encontrada no dicionário eletrônico Houssais disponibilizado para os assinantes da uol. Faria (2008) apresenta duas definições uma para livro e outro para literatura, mas não há definição apenas para “autoajuda”, são elas: a) livro de “autoajuda” é “aquele que funciona como guia espiritual na vida de quem o compra e lê; literatura de “autoajuda” (p.461). b) literatura de “autoajuda” é o “gênero literário que engloba obras que funcionam como guia espiritual na vida dos seus leitores”. (p. 455) 45 MICHAELIS: moderno dicionário: inglês – português; português – inglês. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 2001 (Dicionário Michaelis) 69 | Jean Marlos Pinheiro Borba Nenhum destes conceitos consegue definir o que realmente é a “autoajuda”, visto que eles apresentam visões dicotômicas. Borba (2004) argumenta que ela ajuda o leitor a resolver “dificuldades de ordem psicológica”, o que não é apenas o propósito da literatura de “autoajuda”. Já a definição de Faria (2008) apresenta o “caráter espiritual”, isolando também o campo de atuação da “autoajuda” em outras dimensões, que não se resumem apenas ao aspecto espiritual ou psicológico. Diante do universo de livros de “autoajuda” que existem e novos que são diariamente lançados nos mais variados espaços de consumo físicos e virtuais, penso que nenhum dos dois conceitos atende completamente, então é necessário voltar às perguntas: o que é a “autoajuda” e o que caracteriza um livro de “autoajuda”? O que é dito na literatura geral sobre “autoajuda” será temporariamente colocado em estado de suspensão46, para então, poder voltar ao fenômeno, a fim de perceber a sua essência, sentido e significado. Vale destacar a consideração que fez Rezende (1990, p. 17): “A preocupação da fenomenologia é dizer em que sentido há sentido, e mesmo em que sentidos há sentidos. Mais ainda, nos fazer perceber que há sempre mais sentido além de tudo aquilo que podemos dizer.” Para tanto recorro à fenomenologia husserliana que privilegia o ver direto (GUIMARAES, 2008) a relação consciência-objeto-mundo para poder compreender seu significado, procurando ver “a coisa mesma”, a fim de ter a evidência do que ela significa. O modo encontrado foi realizar inicialmente a redução eidética de vinte e um livros de “autoajuda” (que têm em comum, conteúdos de gestão das finanças pessoais, alcance do sucesso, felicidade e 46 Aqui suspensão se refere ao sentido de époche fenomenológica na qual deixam-se temporariamente em suspensão aquilo que se conhece sobre o fenômeno para interrogá-lo diretamente e sem pressuspostos. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 70 dinheiro), para enfim chegar à redução transcendental (na qual foi possível ver, nos livros selecionados, aquilo que em essência os caracteriza e os conecta). Nesse sentido, então o termo “autoajuda”, será utilizado, em minha análise sempre entre aspas, já que o significado que lhe foi atribuído culturalmente não expressa a sua essência. Sobre como se afirma isso seguem explicações. Se o termo “autoajuda” refere-se à ajuda que o próprio indivíduo dá a si mesmo sem recorrer à outra pessoa, então o termo não corresponde ao seu significado, da maneira que é professada pela “autoajuda”, pois estes livros contêm dicas de outra pessoa, o autor do livro, dando ao leitor ensinamentos, para que a partir deles, o leitor, modifique e gerencie a sua vida de modo autônomo e independente das ocorrências à sua volta. Cai por terra, nesta tese, o termo livros de autoajuda e passo a usar o termo entre aspas, livros de “autoajuda” 47. A “autoajuda”, proposta pela indústria editorial, é contrária àquilo que o filósofo grego Sócrates deixou de ensinamento para a humanidade. A frase foi inscrita no templo sagrado de Apolo em Delphos 48 “Conhece-te a ti mesmo” dita por Querofonte a Sócrates. Sócrates utiliza esta frase para refletir sobre a responsabilidade do homem frente a si mesmo, ao outro e ao mundo, propôs uma reflexão consciente, pondo ao homem a possibilidade de usar a sua razão para sair do seu estado de dormência, sugerindo ao homem o reconhecimento da própria ignorância, para assumir seu destino e dele sair. (GIANNETTI, 2007) 47 Tufano (2008) em seu guia ortográfico da nova reforma, aponta ser desnecessário o uso do hífen, passando a palavra a ser utilizada na forma autoajuda e para esta tese “autoajuda” 48 Disponível em http://www.institutodelphos.com.br/instituicao/nome.htm. Acesso em: 8 março 2011.; Giannetti (1997). 71 | Jean Marlos Pinheiro Borba Nessa mesma direção Kierkegaard (FEIJOO, 2010) e Kant não eram favoráveis ao papel de um tutor, já que a tutoria/tutela traria como situação imediata à dependência do tutelado. Imanuel Kant com o seu esclarecimento e o pai da fenomenologia Edmund Husserl, ao enfatizar que para sair de uma atitude natural49, para uma atitude fenomenológica e crítica, o homem deve estar atento ao uso que faz da sua racionalidade. Salem (1992), Rüdiger (1996), Chagas (2001) e Demo (2005) discutem a literatura de “autoajuda” a partir de perspectivas diferentes que foi extremamente enriquecedor para que outra possibilidade se revelasse a mim, ou seja, a de um olhar crítico-fenomenológico do fenômeno da autoajuda financeira. Salem faz uma análise antropológica e discute a noção de doença e de pessoa em livros que se colocam no lugar de médicos. Rüdiger discute a relação dos livros com o capitalismo e o individualismo a partir de uma perspectiva crítica. Chagas alerta para a ilusão proporcionada pela “autoajuda” e sustenta sua análise a partir da psicanálise freudiana e, por fim, Demo faz uma crítica à “autoajuda” colocando em cena a discussão da psicologia positiva e da teoria crítica. Os olhares sobre o fenômeno, bem como as perspectivas teóricas e metodológicas diferentes permitem evidenciar como os autores são unânimes em concordar que os livros de “autoajuda” apresentam ao indivíduo maneiras de burlar a realidade, professando o individualismo e considerando a prática da crença no poder 49 Atitude natural é a atitude da consciência do senso comum precisamente porque se refere a um mundo que é comum precisamente porque se refere a um mundo comum a muitos homens. O conhecimento do senso comum é o conhecimento que eu partilho com os outros nas rotinas normais, evidentes da vida cotidiana. (BERGER e LUCKMANN, 2004, p. 38) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 72 pessoal e no pensamento positivo, numa ilusão de que o indivíduo consegue, sozinho, o que deseja, sem depender de outra pessoa, mas seguindo apenas os ensinamentos lá colocados. Ao se aliar ao pensamento positivo o indivíduo concorda ser o capitalismo a única verdade com a qual ele tem que dialogar, e esse diálogo se prolonga nos ensinamentos e dicas que ele mesmo dá, como por exemplo, nas cartilhas do Banco Itaú ou nos livros de autoajuda financeira. Não é permitido discutir os fundamentos do sistema, mas acatar como verdade universal à “cultura”, que lhe é oferecida, na verdade uma semicultura. O capitalismo via produtos semiculturais, ordena ao leitor (no caso dos livros de autoajuda) que ele aceite o pensamento positivo como verdade, sem questionar os fundamentos, retirando das questões sociais a responsabilidade pela mudança e depositando exclusivamente no leitor e, não no sistema. É o leitor que tem que se adaptar e assumir o peso e a responsabilidade pelas mudanças, o sistema não permite questionamentos. Muñoz (2000) lembra que para Adorno a cultura como mercadoria perde valor simbólico e passa a ter valor mercantil, passando a serem mercadorias culturais. Marcuse (1997, p. 120) diz: “A cultura afirmativa reproduz e glorifica em sua idéia da personalidade o isolamento e empobrecimento social dos indivíduos”. Para complementar a visão husserliana acerca do fenômeno “autoajuda” foi incluída a visão de pensadores frankfurtianos clássicos e contemporâneos que discutem o consumo em tempos hipermodernos, também será estabelecida a relação que a literatura de “autoajuda” tem com o dinheiro, as finanças e a felicidade. A leitura dos frankfurtianos me permitiu ver diretamente a realidade como elemento fundamental para compreender a maneira como o capitalismo busca aprisionar a subjetividade, modificar a percepção do 73 | Jean Marlos Pinheiro Borba consumidor, politizar as massas, tecnificar os modos de ser e estar no mundo. E, além disso, transformar a felicidade em uma mercadoria, ou seja, um bem de consumo que pode ser “alcançado” pela compra. Assim como ratifica Muñoz (2000, p. 85): “Para Adorno, las massas son um producto de la consolidación del capitalismo em su desarrollo.” É na tentativa de massificar modos de ser e estar no mundo que a indústria cultural contemporânea se apropriou da técnica e das tecnologias de gestão da subjetividade. A lógica capitalista é, na perspectiva frankfurtiana, responsável pela proliferação de modos de ser e estar no mundo onde se concretiza a audição regressiva e intelecto regressivo, uma vez que o consumidor-espectador não precisa pensar autonomamente, o produto já deve pensar por ele. (HORKHEIMER, 1985) Esta prática foi adotada pelos livros de “autoajuda”. A ascensão de livros de “autoajuda” entre outros tipos de literatura justifica seu hiperconsumo e, também revela a diminuição do consumo de livros de poesia e literatura brasileira, pois ela se constitui num tipo de leitura simplista de entendimento imediato, que tem uma padronização na escrita, o que não ocorre nem com a literatura e tampouco com a poesia. Assim Matos (2006, p. 24) alerta que: “A literatura de uma língua é sua proteção. Se o interesse pela literatura diminuir ou desaparecer, é a própria língua que estará ameaçada de extinção”. Diante dessa afirmação há necessidade de destacar que não se trata apenas de criticar o consumo de produtos semiculturais como é o caso da autoajuda, mas principalmente de compreender que a ascensão destes livros pode contribuir para o declínio de qualquer tipo de literatura que vá contra o modelo faça-você-mesmo. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 74 Se há avanço da literatura de “autoajuda” e dos famosos best sellers50 (alguns deles livros de “autoajuda”) será bem provável que as literaturas regionais e nacionais percam, pouco a pouco o espaço que lhes é devido: o de retratar a genuína cultura de uma sociedade, além de incentivar ao mergulho no mundo da imaginação, da reflexão, da realidade contextualizada em história, autobiografias etc. A literatura de “autoajuda” burla esse processo, pois apresenta um modo “fácil de ler”, geralmente associando a história e experiências de apenas uma pessoa: o autor. A leitura silenciosa e individual de um texto escrito se encontra ameaçada pela emergência de audiolivros de “autoajuda” e outros mais. A leitura requer tempo, maturação, reflexão, sentimento, entrega do leitor à obra, atitudes que estão sendo pouco a pouco substituídas pela “entrega” à escuta de um livro falado51. No caso da escuta de um livro falado, com conteúdo de “autoajuda”, a empresa produtora do material utiliza estratégias para manter o ouvinte “concentrado” e ao mesmo tempo distraído. A migração de livros do formato impresso para mídias em áudio e eletrônica é uma estratégia que está sendo utilizada massivamente pelas editoras. Ao leitor é oferecido um discurso que garante um maior aproveitamento do tempo, a preservação da consciência ambiental (pelo não uso do papel), economia de espaço e praticidade. Contudo o que ocorre é uma transferência do custo da editora para o leitor e, a intenção disfarçada de facilitar a 50 Expressão estrangeira usada nos meios de comunicação para aqueles livros mais vendidos. 51 A tradução de um livro para o formato aúdio foi desenvolvida para atender àqueles que têm necessidades especiais, mais especificamente os deficientes visuais, cegos. 75 | Jean Marlos Pinheiro Borba vida do leitor, encurtando o tempo e dando-lhe mais oportunidade de aproveitá-lo em outras atividades, com mais informação em menor espaço de tempo. A estratégia dos agentes do hipercapitalismo consiste em fazer com que o homem tenha a sensação de que não perde tempo com a leitura, deixando-o “livre” para distrair-se de outra maneira, consumir produtos oferecidos pela indústria cultural mediados por tecnologias, sob a intenção de fornecer a ele o maior número de informações e oportunidades. Harvey (1989, p. 315) argumenta que: “A informação excessiva, afirma-se, é, uma das melhores induções ao esquecimento.” Manter a “mente” ocupada, distraindo o sujeito, enfeitiçando-o com uma exacerbada oferta de ideias, produtos, serviços e entretenimentos, faz com que ele perca a concentração na própria vida e passe a direcionar mais atenção no consumo. Esse processo de burlar a realidade que os livros propõem, apontam uma armadilha ideológica que leva o leitor ao esquecimento dos aspectos negativos e a valorização única do que é positivo, mascarando aspectos da realidade necessários para o crescimento da pessoa. O rápido esquecer e o rápido recordar proporcionado pelos produtos da indústria cultural contribuem para que o indivíduo ratifique as armadilhas do sistema capitalista, mantendo-se mecanicamente e conscientemente preso ao sistema e sem dele querer sair. O consumidor, ao concordar com aquilo que lhe é oferecido, atesta a permanência do mecanismo de exploração de si mesmo oferecido pela indústria capitalista. Nessa linha de pensamento, Costa (2005, p. 133) aponta que a estratégia utilizada pelos agentes econômicos para “acomodar o poder de compra individual ao ritmo da produção” foi transformar o homo faber (fabricante de artefatos duráveis) em animal laborans (produtor de objetos feitos para serem rapidamente descartados). Concorda com esse modo Racionalismo terapêutico e subjetividade | 76 de pensar Bauman (2010) e Lipovetsky (2004; 2007) que apontam a transformação do modo de ser contemporâneo em modo descartável e fluído. O discurso da obsolescência programada 52 é sustentado na sociedade de consumo contemporânea, em especial, como algo “natural” e estimula ao consumismo de produtos semiculturais. E soma-se a esse discurso a ideia de que a felicidade pode ser adquirida como sendo uma mercadoria. “Os indivíduos consomem, porque aprenderam a associar consumo à felicidade”. (COSTA, 2005, p. 137) Comprar um livro de “autoajuda” que, por exemplo, ensina a ter pensamentos positivos, a conseguir o primeiro milhão, ser independente financeiramente, a economizar o tempo e conseguir mais dinheiro, a ser feliz com ou sem dinheiro são exemplos de “mimos” oferecidos pelo mercado que se utiliza do discurso da ditadura da felicidade (ser feliz a qualquer custo, aqui e agora), a fim de convencer o leitor . A crítica de Mariotti 53 (2008, 35) sobre a relação entre “autoajuda” e pensamento positivo é bem salutar nesta discussão: A negação da legitimidade humana do outro está implícita nas estratégias da chamada “autoajuda”. Ela nos induz a pensar que por meio do pensamento positivo temos amplas condições de resolver sozinho nossos problemas. O que não 52 Essa expressão tem sido usada para caracterizar uma estratégia do racionalismo instrumental, utilizado pelos agentes do capitalismo, para indicar que os produtos adquiridos já tem um tempo para se tornarem obsoletos, descartáveis, já saindo da linha de produção com data prévia de desgaste, ou perda de uso. A obsolescência é tanto um problema como uma estratégia do próprio sistema para vender mais e gerar mais situações críticas para promover outras soluções. E todas elas pagas. 53 MARIOTTI, Humberto. As paixões do ego. 3. ed. Palas Athena, 2008. 77 | Jean Marlos Pinheiro Borba faltam são gurus para nos vender métodos e técnicas”. É relevante conhecer um pouco mais sobre a origem, o desenvolvimento e as características da “autoajuda”, e isto será feito na seção abaixo. 1.1 Breve histórico e características da “autoajuda” O movimento da literatura de “autoajuda” é originário do período onde a moral e as boas maneiras foram transformadas em argumento do bom viver. Os primeiros livros de “autoajuda” tiveram como objetivo demonstrar uma perspectiva moralista. Era preciso, nesse momento de “progresso” da sociedade moderna, que os bons modos de conviver socialmente fossem externalizados, principalmente àqueles que não pertenciam à parte nobre da sociedade e àqueles que desejassem ascender. O termo “autoajuda” foi inicialmente cunhado por Samuel Smiles em 1859 quando publicou seu primeiro livro intitulado Self-help, Ajuda-te54, o qual era composto por um conjunto de treze capítulos, sendo que dois destes capítulos são destinados à relação do homem com os negócios e com o dinheiro e interessam em especial a esta discussão. Smiles faz análises da conjuntura de sua época e tece comentários que tem, em linhas gerais, preocupações essencialmente moralistas, passando a ideia do que é ser um homem bom e um homem mau. Outra obra de Samuel Smiles datada de 1946 é O Caráter 55 , onde apresenta e discute diferentes temas em 54 Este foi o primeiro livro publicado por Smiles e traduzido para o português no Ro de Janeiro 55 Esta obra foi traduzida para o português e comercializada no Rio de Janeiro pela primeira vez no Brasil. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 78 doze capítulos: influência do caráter; o poder da família, a sociedade e o exemplo, o trabalho, a coragem, o império sobre si mesmo, dever – sinceridade, o humor, as maneiras – a arte, a sociedade dos livros, a união do matrimônio e a disciplina da experiência. Dentre os conteúdos, A influência do caráter; o império sobre si mesmo, a sociedade dos livros, a união do matrimônio e a disciplina da experiência são os capítulos que têm uma relação mais próxima com as discussões que apresento, ratificando a necessidade, já observada naquele período, de que tinha o homem moderno para se conduzir adequadamente na sociedade e de modo “consciente” na vida. Smiles (1946, p. 10) diz: “O homem de caráter é consciencioso. Põe a sua consciência nas suas obras, nas suas palavras, nas suas ações”. O autor dá à consciência um caráter de objeto manipulável pela mente humana, usando-a como instrumento e não como condição de existência. Em relação à entrada da autoajuda no Brasil, não foi encontrada uma data exata, mas sim aproximada, porque há divergências. Fonseca (2007) destaca que a “autoajuda” teria surgido no Brasil aproximadamente em 1910 e seu consumo aumentou preferencialmente na segunda metade do século XX, período no qual o capitalismo conseguiu considerável expansão e com ele vieram os “avanços” da modernidade. A popularização da “autoajuda” se deu na década de 40, com Napoleon Hill56 e Dale Carnegie. Estes autores juntos venderam mais de 5 (cinco) de milhões de exemplares dos seus livros. A real expansão de vendas destes livros ocorreu na era JK57. 56 O livro Quem pensa enriquece continua desde esse período até o presente momento como um dos livros mais vendidos nas livrarias brasileiras, e faz parte do ranqueamento dos livros mais vendidos no Brasil sendo considerado um best-seller. 57 Alguns pesquisadores estudados fazem breve relação da questão da “autoajuda” com o sistema de governo. Para efeito desta tese, coloco 79 | Jean Marlos Pinheiro Borba Esse surgimento foi uma forma combinada de duas espécies de textos: a) a primeira espécie contém textos que resultaram em tratados e manuais com fórmulas práticodiscursivas e, também práticas de “autoajuda” testadas e descobertas pelos autores; e, b) a outra espécie contém textos de natureza cética; egoísta; e os místicos. (RÜDIGER, 2007) A “evolução” da “autoajuda” pode ser vista na linha do tempo abaixo em que são apresentados alguns momentos de sua expansão do século XVII até o ano de 2002, de modo condensado: Fig. 1 - “Evolução” da autoajuda Fonte: Veja on line, Edição 179758 Se fôssemos complementar a linha do tempo seria necessário, por exemplo, acrescentar (o que não foi feito pela ausência de dados) o momento em que a autoajuda passa a utilizar os diferentes tipos de mídia existentes e migra para a tecnologia do audiolivro, para o celular e para os e-books. É bem provável que os fatos que mais assegurem o início do consumo de “autoajuda” no Brasil foram: a emergência do pensamento positivo, com os métodos de controle mental associado com os manuais de etiqueta, bons modos, livros sobre espiritualidade e os manuais de economia doméstica. A difusão deste modo de “pensar” foi em suspensão este aspecto para me ater a outros que serão apresentados. MARTHE, Marcelo. O alto-astral da “autoajuda” . Veja on line, Edição 1 777 - 13 de novembro de 2002, Disponível em: < http://veja.abril.com.br/131102/p_114.html>. Acesso em: 9 fev. 2008. 58 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 80 acompanhado pelo desenvolvimento tecnológico, do qual a indústria da “autoajuda” se apropriou. Um dos principais representantes desse período é Lauro Trevisan59. Sobre o autor há quem o considere como um ‘hiperautor’ dado as suas diversas formações e atividades profissionais: conferencista e escritor, poeta, contista, teatrólogo, romancista, pensador. Trevisan é formado em Filosofia com pósgraduação, Psicologia, Teologia, História, Exegese, Ascese, Jornalismo, cursos de Parapsicologia, Análise Transacional, Controle da Mente, Nove Domínios da Consciência, Método Chapiro de Administração, Psicanálise, Pedagogia. E outros cursos intensivos. De acordo com informações obtidas em seu próprio site ele possui 63 livros lançados até meados de agosto de 2010. É um dos mais destacados nomes da ciência do poder da mente e autoajuda. Iniciou esses estudos em 1975, quando participou do curso de Psicorientologia (Controle Mental), pelo método Silva Mind Control. A partir de então, buscou todos os conhecimentos possíveis sobre o fascinante assunto, participando de Congressos nacionais e internacionais de Controle da Mente e Parapsicologia, vasculhando a vasta literatura sobre o assunto a fim de alcançar os princípios que fundamentam essa ciência que – segundo ele – é caminho da auto descoberta e da conquista das dimensões mais altas da criatura humana. Levando em consideração que a “autoajuda” diz respeito a um conjunto de práticas (sistematizadas ou aleatórias) descritas pelo autor, quer seja via texto, fitas cassetes, mensagens sms, programas de rádio ou televisão, 59 Informações obtidas http://www.laurotrevisan.com.br/ no endereço: 81 | Jean Marlos Pinheiro Borba ou nos dias de hoje no formato de audiolivro (mp3 ou DVD), essas práticas estimulam a ação individual de uma pessoa para que ela própria busque melhorias em sua vida pessoal, profissional e financeira, dando-lhe a certeza de que ela mesma pode alcançar êxito, sozinha. Todo este modo de conduzir a vida teve forte influência de Lauro Trevisan um dos principais gurus do pensamento positivo e do método de “controle mental” associado ás questões espirituais e religiosas. Para compreender bem esse modo de pensar resta observar um dos trechos de seu livro A vida é uma festa no qual ele diz ser o livro a necessidade de ‘fundamentar’ o que ele chamou de Movimento FESTINVITA. Os livros do autor foram editados por um considerável tempo pela Editora da Mente. Atualmente o autor oferece, através do seu site, além de livros impressos, os em formato de mídia (áudio e vídeo). Dentre os produtos oferecidos há também um conjunto de: Baralhos da Felicidade, do Mestre da Felicidade, da Criança e dos Negócios. Observe que o autor pretende alcançar segmentos que afetam diretamente a vida das famílias: felicidade, crianças e negócios. O principal objetivo dos livros é na perspectiva de quem escreve, oferecer dicas, mostrar caminhos, compartilhar ‘exercícios’, socializar experiências pessoais positivas. Os autores escolhem experiências que vivenciaram, transformando-as em regras infalíveis e inquestionáveis, visto que declaram textualmente a intenção de não deixar dúvida para o leitor e professam a ideia de que as soluções são de única responsabilidade do leitor, pelo uso do pensamento correto. Fausto (1997, p. 2) diz: “No livro Os segredos da prosperidade, eu, Fausto Oliveira, pretendo passar para você todas as formas de chegar a um ideal financeiro de forma simples e inteligente, sem o perigo de amanhã perder tudo o que conseguiu”. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 82 Ao colocar explicitamente condutas em um livro, elas se tornam semelhantes a um modelo de vida, como se fossem “receitas” que aliviam temporariamente (efeito placebo) o sofrimento do leitor. Para alcançar este objetivo, o autor utiliza uma linguagem psicológica/psicologizante, que evita dúvidas e apresenta sempre certezas da eficácia e eficiência da receita indicada. A seguir, apresento vários exemplos. “O império sôbre si mesmo é a raiz de todas as virtudes. Se o homem deixar toda a liberdade aos seus impulsos e às suas paixões renuncia desde esse momento à sua liberdade moral”. (SMILES, 1946, p. 166) Outro exemplo que corrobora com esta análise é a explicação de Ribeiro (2003, p. 31): “Eu sou meus pensamentos em ação. O dinheiro que tenho no banco ou aplicado em outros investimentos é proporcional à qualidade dos meus pensamentos”. O autor acima associa a força do pensamento à possibilidade de ser rico. Em várias passagens do livro ele utiliza o mesmo recurso como estratégia de responsabilização do leitor pela mudança em sua vida, ratificando um poder interno para essa mudança. Modo semelhante é também encontrado em Wattles (2008, passim60) em A ciência de ficar rico, só que com um aspecto agravante, ele transforma substantivos e adjetivos em nomes próprios, em palavras que textualmente ficam vagas e não oferecem sentido concreto a quem, mas deixam margem para o leitor divagar e acreditar em algo místico, tais como: Modo Certo, Presença Viva, Massa Informe, Substância Inteligente, Poder Criativo etc. (é desse modo que o autor escreve as palavras no texto). Na leitura, não foi encontrada nenhuma definição para os termos. 60 Expressão latina que conforme a NBR 6023/00 da ABNT é utilizada para informar ao leitor que aqui e ali o autor usa os termos que um autor usa no seu texto. 83 | Jean Marlos Pinheiro Borba Fornari e Souza (2001, p. 134) analisam as narrativas dos textos de “autoajuda” de modo a colocar em cena os condicionantes históricos que proporcionaram seu surgimento. As seguintes constatações foram apontadas: a) os autores buscam desenvolver metodologias para uma engenharia da alma; b) possuem um determinado tipo de utopia egocêntrica movida pela ânsia do ter e pela ressignificação da ideia de liberdade; c) tentam, de algum modo, fornecer receitas e modelos de comportamento que enfatizam a necessidade de autogerenciamento e modos de endireitar a personalidade; d) apresentam as suas histórias de vida indicando a transformação pela qual passaram em suas vidas graças, à metodologia da auto-escultura subjetiva; e) buscam uma relação de proximidade, intimidade e informalidade com o leitor e para isso usam o pronome você: Você conhece os problemas daqueles que precisam recomeçar.” (HILL, 2011, p. 35) Para você evoluir no campo material, deve evitar todo tipo de sugestões negativas. (OLIVEIRA, s.d, p. 44) Você tem uma ótima formação acadêmica, excelentes características pessoais, mantém-se em dia com as novas técnicas aplicadas à sua área de atuação. Parabéns, você está com as ferramentas para o sucesso. Agora só falta usá-las. (ZAREMBA,2000, p. 48) f) os autores sempre partem do pressuposto que os leitores são sujeitos dominados, doentes, necessitados de auxílio quanto ao gerenciamento de sua existência nos mais diferentes aspectos: Se pessoa é rica, mas não é próspera, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 84 seu dinheiro se acaba e ela não fica rica nunca mais. (RIBEIRO, 1992, p. 31) As características discutidas anteriormente, ratificam que a literatura de “autoajuda” - (LAA) é um fenômeno que reflete fragmentos da vida social, política e econômica da sociedade, contemporânea, e, pode ser associado à modernidade e à Indústria Cultural. Ele faz parte de um movimento amplo que inclui autores de diversas crenças, formações e interesses, onde cada um busca, respeitando sua “linha de raciocínio” produzir ensinamentos que possam se tornar práticas individuais de gerenciamento da subjetividade e, de preferência, que façam suas ideias circular de modo rápido e livre. Em qualquer livraria, bancas de revistas e na Internet é possível que sejam adquiridos textos de “autoajuda”. Existem aqueles que tratam de autoestima, os que dão dicas para cuidar de filhos (GODFREY, 1994), manter relacionamentos afetivos há os que ensinam como obter sucesso, felicidade, dinheiro, gerenciar pessoas, a sua própria vida, alcançar Deus ou mesmo cuidar das suas finanças pessoais. Este tipo de literatura também ocupa diferentes espaços de consumo, os quais serão tratados mais adiante. Para Rüdiger (2007) o fundamento básico da A-A está relacionado à perspectiva de subjetivação e ao poder interior, ou seja, à tentativa de transformar a subjetividade, utilizando uma metodologia que vincula a realização material à ordem moral universal. É possível olhar o fenômeno da “autoajuda” realizando uma epoché das categorias pré-estabelecidas (oriundas das interpretações que outros críticos tiveram) observando-se o que é dito e levantando suas principais características e os espaços de consumo onde são mais encontrados. Em relação às características centrais da autoajuda posso apontar aquelas elencadas por Fonseca (2007, p. 6) 85 | Jean Marlos Pinheiro Borba em seu estudo e que foram confirmadas na análise dos utilizados na tese: (1) o individualismo pela focalização do sujeito como um ser indiviso e voluntarioso - regido pela vontade consciente. Rüdiger (1997) e Chagas (2001) concordam com essa perspectiva e asseguram ser o individualismo um dos efeitos mais fortes da “autoajuda”; (2) a associação feita com as práticas da sociedade democrática liberal que foi desenvolvida nos países de língua anglo-saxônica, e também foi porta-voz de seu ideário de colonização de outras culturas; (3) surgiu como uma solução pragmática e individual para a angústia causada pela crise social, mais precisamente, por uma crise de modos de socialização, isto é, uma crise do ideário compartilhado por grupos sociais cuja base era construída pela vivência cotidiana” (FORNARI e SOUSA, 2001). A crise é um fenômeno macro, com várias dimensões. Tanto Edmund Husserl quanto os frankfurtianos Adorno, Horkheimer e Marcuse alertaram que a crise que viveria a humanidade seria uma consequência do avanço da técnica e da ciência. Os frankfurtianos, segundo afirma Freitag (1990), preferencialmente utilizaram a terminologia ideologia tecnocrática61 para tratar do uso da racionalidade técnica e da ciência pelo capitalismo, destacando que a racionalidade técnica é a própria racionalidade capitalista em ação. O conteúdo de um número significativo de livros de “autoajuda” que lidos e analisados contém, em geral, uma série informações e algumas outras características que “(...) segundo a qual as quesões políticas não podem mais ser resolvidas politicamente, à base de negociações e lutas, e sim, tecnicamente, de acordo com o princípio instrumental de meios ajustados a fins”; “Essa substituição do político pelo tecnocrático será mais tarde denunciada por Habermas como sendo a “colonização” da Lebenswelt pelo sistema econômico.” (FREITAG, 1990, p. 94; p. 96) 61 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 86 demonstram claramente esse modo racional e técnico de gerenciar a subjetividade do homem contemporâneo. A seguir apresento algumas delas: a) a autoajuda é uma série de “práticas” que induzem o indivíduo comum a descobrir, dentro de si, os recursos e a solução dos problemas pessoais criados pela vida moderna. Alguns autores induzem o leitor a esquecer o passado e a ter uma visão mística sobre a vida presente e seu futuro; b) os textos de autoajuda não usam verbos de opinião e crença: achar, crer, acreditar, mentalizar, pensar, para evitar dúvidas no leitor, mas incentivam o leitor a abandonar crenças e aceitar novas: as oferecidas pelo autor. (BRUNELLI, 2008). É o caso de Byrne no “best-seller” O Segredo que pede ao leitor que use a força do pensamento e do sentimento para obter riqueza: Você é herdeiro do reino. A prosperidade é sua por direito de nascença, e você tem a chave para mais abundância – em todas as áreas da sua vida – do que pode imaginar. Você merece todas as coisas boas que deseja, e o Universo dará todas as coisas boas que deseja, mas você precisa trazer isso para sua vida. Agora você conhece O Segredo. Você tem a chave. A chave é seu pensamento e seus sentimentos e durante toda a dávida você segurou em suas mãos. (2007, p. 109) Na mesma direção Wattles (2008, p. 31) sugere ao leitor: Se surgir alguma dúvida, afaste-a como se fosse um pecado. Não ouça argumentos contrários a essa ideia, não vá a igrejas ou escolas onde é pregado ou ensinado um conceito contrário. Não leia revistas ou livros que ensinem ideias diferentes. Se você 87 | Jean Marlos Pinheiro Borba confundir ou misturar essa crença, todos os seus esforços terão sido em vão. Observe que na citação acima Wattles dá ordens ao leitor para que ele se afaste de qualquer ensinamento que ponha em xeque o que ele sugere como verdade e, ao mesmo tempo, responsabiliza o leitor por não ter o sucesso esperado caso não acredite nos ensinamentos sugeridos. Marcuse (1997, p. 122) diz: “O indivíduo aprendeu a cobrar em primeiro lugar de si mesmo todas as exigências”. c) os textos de autoajuda também evitam frases e palavras que insinuem qualquer tipo de insegurança ao leitor, não há marcas de incerteza: “Para atrair dinheiro, se concentre na prosperidade. É impossível atrair mais dinheiro para sua vida quando você se acostuma na falta dele.” (BYRNE, 2007, p. 111) Garantir a certeza da eficácia, eficiência e efetividade de suas recomendações é um dos cuidados que o escritor de “autoajuda” tem sempre ao materializar suas ideias na obra. d) os autores estão sempre “convictos” do que estão afirmando: “Os conceitos que ensino são simples, porém muito profundos. Eles proporcionam mudanças reais, para pessoas reais, no mundo real. (...) Se você aprender o que são esses arquivos e usá-los, tenho absoluta confiança de que eles lhe darão a chance de transformar a sua vida também.” (EKER, 2006, p. 55) “No decorrer da leitura, não esqueça que o livro trata de fatos, e não de ficção. Seu propósito é transmitir uma grande verdade universal. Com a qual todos aqueles que estiverem prontos Racionalismo terapêutico e subjetividade | 88 aprenderão não só o que fazer, mas também como fazer, recebendo também o estímulo necessário para começar.” (HILL, 2011, p. 17) e) aproveitam-se da ingenuidade de muitas pessoas (DEMO, 2005), principalmente quando apontam que a riqueza chega sem esforço: A riqueza se inicia por uma disposição da mente, com propósitos definidos e pouco ou nenhum esforço. (HILL, 2011, p. 31) Visualize cheques em sua caixa de correio. (BYRNE, 2007, p. 111) A sua habilidade de gerar riqueza é proporcional à velocidade com que a roda da abundância gira na sua vida. (RIBEIRO, 2003, p. 25) f) afirmam que o leitor que tem atitude positiva e prospera para conseguir o que quer: “Declaração: Eu sempre penso: ‘Posso ter duas coisas.’ Eu tenho a mente milionária.” (EKER, 2007, p. 128) “Não importa quão complicada seja sua situação financeira, VOCÊ PODE virar o jogo!. E minha missão é aparelhar você para essa batalha. Portanto, vamos em frente!” (DOMINGOS, 2007, p. 31) Outra forma de pensar “positivamente” é apresenta por Domingos – que se intitula terapeuta do dinheiro – (idem, p. 24) quando usa frases que demonstram convicção afirmando em seu livro: “(...) eu garanto, vai mudar a forma de você lidar com o dinheiro, pois lhe trará o entendimento de um método simples e eficaz, sem fórmulas mirabolantes ou teorias complicadas, capaz de pôr sua vida financeira nos trilhos.” 89 | Jean Marlos Pinheiro Borba Esse retorno ao pensamento positivo demonstra claramente a predominância da visão unidimensional propagada pelo capitalismo, que torna as explicações sobre as vidas causais e fragmentadas. (MARCUSE, 1967; SEVERIANO, 2001) g) usam frases imperativas e geralmente indutoras de sentido e com conteúdo intencional do sistema capitalista, como por exemplo, a flexibilidade e a livre concorrência: A vida é cheia de surpresas e alterações de rumo. No mundo altamente competitivo em que vivemos as empresas procuram profissionais que sejam flexíveis para lidar com um cenário sempre em alteração. Novos produtos, novos concorrentes, novas técnicas de produção, nova realidade mundial. (ZAREMBA, 2000, p. 43-44) O uso de frases imperativas é outra estratégia utilizada pelos autores. A seguir foram escolhidos e destacados dois exemplos de estratégias que remetem diretamente ao objeto e aos conteúdos desta pesquisa. O primeiro de Cerbasi (2008) já citado nesta seção: “Enriquecer é uma questão de escolha”.62 A segunda é de Wattles (2008, p. 31) do livro A ciência de ficar rico: “Não pergunte se isso é verdadeiro, nem especule a respeito de como pode ser assim; simplesmente confie. A ciência de enriquecer começa com a aceitação absoluta dessa crença”. h) vendem a promessa de que a felicidade é conseguida única e exclusivamente por esforço individual e, em geral, está associada a estados mentais positivos e aquisição de 62 Disponível em <http://www.maisdinheiro.com.br/outrosprodutos/audiolivro-cartas-a-um-jovem-investidor-2.html.> Acesso em: 28 maio 2009. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 90 bens ou acumulação de dinheiro, retirando as conexões da consciência para com o mundo – como se isso fosse possível; i) já contém em si justificativas que os autores ao escrevêlas fazem como forma de defendê-la de qualquer espécie de crítica. Dois exemplos específicos desta característica são mostrados a seguir: i.1) nota de rodapé que o autor Cerbasi 63 coloca em seu livro Investimentos Inteligentes para justificar o parágrafo inicial onde introduz o livro: Meus livros costumam ser classificados na categoria “autoajuda” das livrarias, a qual é alvo de muito pré-conceito, principalmente de intelectuais. De guias de viagem a textos meramente inspiradores, há um vasto conteúdo que pode ser classificado como “autoajuda”. Porém, há uma má fama associada a essa categoria, decorrente de um grande número de textos oportunistas e sem conteúdo que exploram a ignorância alheia para iludir e fidelizar leitores. Sim, você está lendo um texto de “autoajuda” , mas que foi elaborado a partir de um grande esforço de pesquisa e adequação da linguagem para que você possa tomar decisões inteligentes sem ter que fazer um intenso investimento em dinheiro e tempo em educação. (CERBASI 2008, p. 17) 63 Cerbasi é autor de 6 (seis) livros na mesma linha de raciocínio, dentre eles um audiolivro. Tem formação como mestre em Administração/Finanças, Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialização em Finanças e, exerce também a carreira de professor em cursos livres e de pós-graduação, além de consultor em Planejamento Financeiro. Ele mantém um conjunto de informações sobre ele mesmo no site: http://www.maisdinheiro.com.br/o-autor-gustavo-cerbasi 91 | Jean Marlos Pinheiro Borba i.2) Ao colocar em prática os princípios descritos neste livro - Quem pensa enriquece – o autor tenta justificar sua escolha e fidelizar os leitores: No decorrer da leitura, não esqueça que o livro trata de fatos, e não de ficção. Seu propósito é transmitir uma grande verdade universal, com a qual todos aqueles que estiverem prontos aprenderão não só o que fazer, mas também como fazer, recebendo o estímulo necessário para começar. (HILL, 2011, 17) Em A ciência de ficar rico o que se observa no texto da justificativa de Wattles (2008, p. 30-31) é uma ordem para seguir seus ensinamentos e não colocá-los em dúvida, aceitando-os incondicionalmente. O discurso do autor é geralmente organizado para manter o leitor preso à obra, induzindo-o a se afastar de qualquer outro evento que o faça sair do seu “objetivo”: Você deve deixar de lado todos os conceitos do Universo e aceitar apenas este, e pensar nele até sentir que está fixado em sua mente e que se tornou seu pensamento habitual. Leia e releia as afirmações desse credo, gravando cada palavra em sua memória, e medite sobre elas até acreditar firmemente em seu conteúdo. Se surgir alguma dúvida, afaste-a como se fosse um pecado. Não ouça argumentos contrários a essa ideia, não vá a igrejas ou escolas onde é pregado ou ensinado um conceito contrário. Se você confundir ou misturar essa crença, todos os seus esforços terão sido em vão”. (Griffo nosso) Essa linguagem apelativa e simples talvez seja uma das razões que explique o constante crescimento da “autoajuda”, pois ao apelar e encontrar um sujeito Racionalismo terapêutico e subjetividade | 92 fragilizado, as palavras acabam por sensibilizar e confortar o leitor, dando-lhe a sensação de que o autor compreende o seu problema. Assim, a identificação se estabelece. 1.2 Tecnologias utilizadas para difusão da “autoajuda” A tecnologia tornou-se um elemento indispensável na vida hipermoderna, tornou-se um apêndice do humano. Isso afirma o domínio da cultura da tecnociência e do hipercapitalismo de consumo que instaurou no mundo atual uma cultura hipertecnológica, cultura esta na qual o indivíduo hipermoderno não consegue mais diferenciar o que é acessório e o que é essencial em sua vida, pois há uma completa subordinação à racionalidade técnica. (LIPOVETSKY & SERROY, 2011; MARCUSE, 1967) Penso que a tecnologia se tornou parte do corpo humano, pois a maioria dos humanos não se concebem existindo sem tecnologia e não dependendo dela diretamente em casa ou no trabalho. Ao uso de tecnologias está diretamente associado à massificação do gosto dos consumidores. Para Marcuse (1967, p. 19): “A racionalidade tecnológica ter-se-á tornado racionalidade política”. Há uma imbricação direta entre o uso de tecnologia e o projeto da sociedade administrada e da propagação do pensamento positivo, pois quanto mais indivíduos a-críticos existirem, mais fácil será mantê-los distraídos e consumindo. Considero que a tecnologia é qualquer forma de conhecimento sistematizado e passado de geração a geração que encontrou na produção capitalista o reino da sua valorização e exacerbação. O capitalismo prolifera o uso da técnica à medida que cria necessidades supérfluas para a vida humana e promove o fetichismo 64 . Por exemplo, o 64 Conceito que se originou na crítica da religião do século XVIII, sendo considerado uma característica essencial de religiões “primitivas”. 93 | Jean Marlos Pinheiro Borba lápis preto e uma grafiteira (considerando seus diversos formatos e marcas disponíveis no mercado) têm a mesma essência e a mesma base material para funcionar: função de escrever e o carvão. Todavia, o capitalismo exacerba seu uso e confere uma produção excessiva deste elemento tornando-o supérfluo. Marcuse (1967, p. 30) já teria apontado como sendo o viés totalitário da sociedade industrial contemporânea ratificando que: “As formas prevalecentes de controle social são tecnológicas num novo sentido”. E isso não seria diferente para o caso dos livros de “autoajuda”, já que os interesses imbricados na “autoajuda” têm, ao longo do tempo, utilizado variadas tecnologias, tais como: livros, revistas ou livros acompanhados de fita cassete e cd-rom, dvd´s, sms via celular e mais recentemente os audiolivros. Todas estas tecnologias sempre foram utilizadas com a justificativa de promover o bem e, nesse sentido resta concordar novamente com Marcuse (1967, p. 30): “(...) Mas, no período contemporâneo, os controles tecnológicos parecem ser a própria personificação da Razão para o bem de todos os grupos e interesses sociais – a tal ponto que toda contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível.” Na contemporaneidade não apenas os livros impressos em papel predominam na lista dos mais vendidos, mas também existem aqueles produzidos em formato de cds e dvd´s como é o caso do audiolivro. De acordo com uma das empresas que comercializam os audiolivros, afirmar que eles são assim chamados, porque o audiolivro: “é um livro em áudio, também conhecido como livro falado ou audiobook, no qual o narrador enriquece o texto por meio de sua interpretação. Também pode apresentar a utilização de efeitos sonoros e Fundamentava-se nas observações de colonizadores portugueses na África e servia para designar uma crença que imagina objetos mortos em uma alma e forças sobrenaturais.” (KURT, 1992, p. 235) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 94 músicas que ajudam o ouvinte a simular melhor a atmosfera criada. É mais um meio para se adquirir cultura65”. A área financeira também aproveitou a tecnologia dos audiolivros para propagar seus ensinamentos, sendo um dos autores mais vendidos o financista Gustavo Cerbasi. Muitos dos seus títulos (impressos em papel) foram migrados para novo formato: Mp3 e DVD. O mesmo conteúdo do livro Cartas a um Jovem Investidor é narrado na forma de áudio MP3 para ser ouvir no carro, iPod ou em casa. A justificativa dada pela empresa que gerencia e vende os livros no Brasil é a de que atualmente os audiolivros são muito conhecidos e escutados na Europa e nos EUA, e, no Brasil vieram para “incentivar a leitura, para adquirirmos mais cultura”. Soma-se a isso o argumento da falta de tempo, pois as pessoas não possuem tempo para ler todas as obras literárias que tem interesse. Para “ampliar nossos conhecimentos culturais” o audiolivro, na visão dos editores e autores permite ao leitor ter acesso a várias obras num curto espaço de tempo, em que é possível realizar outras atividades em seu dia a dia e nos mais diferentes locais (no carro, no ônibus, no metrô, no avião, viajando, praticando exercícios físicos, esperando ser atendido, no computador, etc.), proporcionando a mobilidade e “prazer da leitura”. É o discurso da compressão do espaço e do tempo, da flexibilidade e da praticidade que podem ser vistos na autoajuda mediada por tecnologias. Em relação à questão da tecnologia Marcuse (1967, p. 37) diz: 65 O áudio livro pode ser visualizado na página da própria audiolivraria disponível no site: <http://www.audiolivro.com.br/sistema/custom.asp?IDLoja=6491& Y=7991003316777&arq=audio.htm>. Acesso em 15 jun. 2009. 95 | Jean Marlos Pinheiro Borba “A racionalidade tecnológica revela seu caráter político e ideológico ao se tornar o grande veículo de melhor dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.” O que vejo hoje no atual cenário hipermoderno é um movimento em prol, cada dia mais, da valorização do uso da técnica em detrimento da qualidade de vida humana. No caso do trabalho, por exemplo, o homem passou a ser escravo da máquina, ou apêndice dela, tornando-se um trabalhador vivo controlando o trabalho morto. A máquina passou a ter grande importância na sociedade capitalista. Todas estas justificativas corroboram com o tempo hipermoderno, da cultura do excesso e do prazer individual onde, a linguagem e as palavras são usadas sempre a favor do capital, de modo que o consumo é geralmente justificado pelo caráter de sua praticidade. Esse fato serve para lembrar uma passagem de Horkheimer e Adorno (1985, p. 136) acerca da indústria cultural e suas façanhas: A linguagem que apela apenas à verdade desperta tão-somente a impaciência de chegar logo ao objetivo comercial que ela na realidade persegue. A palavra que não é simples meio para algum fim parece destituída de sentido, e as outras parecem simples ficção, inverdade.(...) A ideologia assim reduzida a um discurso vago e descompromissado nem por isso se vagueza, a aversão quase científica a fixar-se em qualquer coisa que não se deixe verificar, funciona como instrumento de dominação.” A disseminação dessa cultura de acesso a soluções fáceis também ocupa o espaço virtual através de obras não pagas, em versão livres, geralmente disponibilizadas na Racionalismo terapêutico e subjetividade | 96 forma de e-books 66 que são encontrados em formatos virtuais em blogs de autores, em blogs pessoais e até mesmo nas comunidades de relacionamento, a saber: yahoo grupos, orkut etc... Em setembro de 2008 realizei uma pesquisa na comunidade virtual no Orkut utilizando a palavra-chave “autoajuda” e localizei, na época, 186 comunidades cadastradas, já em 2009 identifiquei na pesquisa interna dentro do mesmo site a existência de 204 comunidades localizadas com o mesmo termo, tanto exibindo frases favoráveis quanto desfavoráveis à “autoajuda”. O número de comunidades tem crescido semestralmente até este momento. Se a “autoajuda” teve um crescimento exponencial, também graças à existência de diferentes canais de comunicação impressos, audioeletrônicos e virtuais, na mesma medida cresceu o uso de tecnologias que, para sua difusão, bem como de editoras aderiram a esse “novo nicho de mercado”. As editoras Saraiva, Elsevier, Best Seller e Gente são exemplos de algumas das empresas que mais divulgam livros de “autoajuda” e que sempre lançam novos títulos, principalmente relacionados às finanças pessoais, acentuando pelo o advento da mais recente crise financeira. Como um elemento não-humano, o livro de “autoajuda” (LAA), traz em si os sentidos e os significados dados pelos seus autores e passam também a ter o significado e a importância que os leitores lhe atribuem. Ele é um elemento não-humano expresso em material 66 Abreviação de "eletronic book" ou "livro eletrônico" numa tradução literal. Os ebooks são livros com a única diferença de estarem no formato digital e não em papel como no livro tradicional. Maiores http://www.abcinformações disponíveis em: < commerce.com.br/ebook.htm>. 97 | Jean Marlos Pinheiro Borba impresso, áudio 67 ou virtual e guarda em si o conteúdo (quer pessoal ou profissional) da história de vida de um humano (autor da obra ou personagens) que foi registrada como experiência de sucesso. O livro de autoajuda ao girar, ao circular atinge outros humanos e movimenta também outros nãohumanos, quer pela semelhança de situações que apresenta, quer no próprio momento de sua criação, revisão, venda e distribuição. Penso, então, que de algum modo a literatura de “autoajuda” articula-se numa rede de relacionamentos que envolvem, no momento atual, uma série de mecanismos e tecnologias sociais, tais como: livros, audiolivros, mensagens via sms em telefone móvel, máquinas, Internet, transportes etc... O livro de “autoajuda” é um não-humano presente no cotidiano de um número significativo de leitores, principalmente pelos dados das pesquisas dos órgãos ligados ao mercado editorial que apontam um crescimento considerável de vendas (SNEL, 2000) Sendo o livro de “autoajuda” um não humano, produzido por um ou mais humanos, destaco a afirmação de Tsallis (2006, p. 83): “Os não-humanos, tem agência, efeitos no mundo, modificam nossas ações, redefinem a nossa cognição.” E isso me recorda a célebre frase de Caio Prado Júnior: “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas!.” E como se pode afirmar que os livros fazem isso? Por uma razão que faz parte dos ensinamentos de Edmund Husserl, já iniciados por Franz Brentano: a intencionalidade da Consciência. O livro é produzido por uma consciência dotada de intencionalidade para atingir outras consciências. 67 A forma audiolivro é a mais nova estratégia do mercado editorial. Ao adquirir o audiolivro o consumidor tem acesso ao conteúdo do livro em formato de áudio, ou seja, ele é narrado na forma de áudio MP3 para que possa ser ouvido no carro, iPod ou em casa num aparelho reprodutor de CD-RW. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 98 O livro por ser um elemento bruto não muda, mas ele transfere sentidos, e influências, modos de ser e estar no mundo. Quando associado aos mecanismos de produção da indústria cultural contemporânea otimizam a finalidade do capital e, na condição de sistema parasitário 68 , estão disponíveis como mercadorias fáceis de serem adquiridas, lidas, absorvidas, sem nenhum estranhamento possível. O uso de mecanismos para valorizar a introjeção e a individualização foram algumas das observações feitas por Marcuse (1967, p. 31) ao discutir os modos de personificação da razão no uso de controles tecnológicos adverte: Os múltiplos processos de introjeção parecem ossificados em reações quase mecânicas. O resultado não é o ajustamento, mas a mimese: uma identificação imediata do indivíduo com a sua sociedade e, através dela, com a sociedade em seu todo. No senso comum, a “autoajuda” foi considerada durante muito tempo como pertencente à Psicologia, sendo que mesmo em algumas livrarias, muitas delas ainda insistem em classificar e catalogar os livros de “autoajuda” em prateleiras de psicologia. A “autoajuda” acaba por se passar por literatura psicológica, pois os leitores por estarem engolfados na sua existência de forma alienada adaptam-se às estratégias do capitalismo de modo alienado. (MARCUSE, 1967) Este fato cria a ilusão que a “autoajuda” tem poder de auxiliar na resolução das questões individuais ou até “Sem meias palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. (BAUMAN, 2010, p. 8-9) 68 99 | Jean Marlos Pinheiro Borba mesmo de curar. Alguns destes livros fizeram ou tem feito parte da vida cotidiana de pessoas que acreditam que a “autoajuda” ‘ajuda’ a resolver os problemas pessoais (de relacionamentos, afetivos, de baixa autoestima, de escassez de dinheiro etc.). Creio ser bem apropriada a reflexão de Marcuse (1967, p. 73) sobre a arte, e que esta também pode ser apropriada para pensar a questão da “autoajuda”: “As obras alienígenas e alienadoras da cultura intelectual se tornam mercadorias e serviços familiares.” O trabalho de Pinheiro (2007) trata do marketing emocional e dos interesses dos profissionais desta área que buscam desenvolver estratégias para influenciar a compra de modo “inconsciente69”. Os agentes promotores da literatura de “autoajuda” também se utilizam de estratégias similares já que buscam vender a ilusão de que, sozinho, o indivíduo, com as dicas ali expostas, pode alcançar uma cura, a felicidade, o dinheiro, um casamento perfeito, uma dieta eficaz, riquezas e sucesso profissional, livrar-se da culpa, perdoar-se, por exemplo. O discurso da autoajuda torna, ou tenta tornar, o leitor um mero expectador “passivo” diante das ‘dicas’e sugestões apresentadas. É necessário concordar com o argumento de Arendt (2008, p. 283): “(...) a propaganda e a publicidade fundadas na abordagem tradicional das emoções constroem consumidores passivos, meramente reativos. Na linguagem teórica da teoria do ator-rede a relação tradicional é assimétrica.” Em relação ao uso de estratégias de propaganda para influenciar o consumo, penso que isso só foi possível 69 Aqui se faz necessária uma observação: para a fenomenologia não se utiliza a ideia de inconsciente, não há inconsciente, mas sim consciência ingênua, que está envolvida mecanicamente nas atividades do dia a dia. Já a Teoria Crítica, por ter vários de seus pensadores como leitores e críticos da psicanálise adotam essa terminologia. Para os frankfurtianos aproprio-me da idéa de consciência adormecida. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 100 porque os profissionais de comunicação social e marketing seguiram os atores-consumidores. Estes profissionais observaram e descobriram, apoiando-se em teorias psicológicas e do consumo, que poderiam “ajudar” o mercado editorial a vender mais livros de “autoajuda”, a partir do momento que suas campanhas publicitárias tenham como propósito estimular os desejos do seu público alvo. Eles passaram a valorizar as emoções para desorganizar a razão do consumidor (ARENDT, 2008). Deixar o consumidor indefeso ou mesmo inseguro e frágil ou mesmo se aproveitar de sua insegurança e fragilidade é um objetivo, e esse fato justifica a linguagem apelativa, apolítica e simplista que este tipo de literatura se utiliza. 1.3 A proliferação da “autoajuda” nos espaços de consumo virtual70 Os livros de “autoajuda” iniciaram sua participação no mercado editorial pela mídia impressa, logo depois passaram a utilizar as fitas cassete, os cd-rooms e os dvdrooms. Atualmente utilizam vários formatos tecnológicos e ocupam a web assumindo uma nova roupagem: o áudiolivro, no formato de dvd ou mp3. Realizando uma busca na Internet encontrei diversas editoras que comercializam este tipo de livro, elas inclusive utilizam malas diretas onde anexam resenhas, sumários e capítulos dos livros como forma de demonstrar o conteúdo. O site http://www.livrosautoajuda.com.br/ contém a descrição de uma certa quantidade de livros e grupos de 70 A redação desse subcapítulo inspirou a escrita do capítulo intitulado A “autoajuda” no espaço de consumo virtual: estratégia capitalista para captura da subjetividade via compressão do tempo”, que fará parte do livro organizado por ocasião do I Simpósio Tempo e Subjetividades/2011. 101 | Jean Marlos Pinheiro Borba discussão dos quais o leitor pode participar gratuitamente, como exemplo, cito o grupo Comportamentos positivos71, onde os internautas são convidados a participar com um texto que esclarece, ser comportamento positivo, diferente de pensamento positivo, como por exemplo: Comportamento positivo é algo bem diferente de pensamento positivo. No pensamento positivo você pensa: "sei que vai dar certo" e espera que as coisas aconteçam, no Comportamento positivo você diz: "agindo assim sei que vai dar certo", você é quem comanda, sua ação é que faz as coisas acontecerem. A aplicação dos comportamentos positivos só depende de você e de suas escolhas, é algo pessoal e não exige grandes investimentos financeiros ou de qualquer outra ordem, tendo comportamentos positivos você constrói o seu sucesso, a sua boa sorte e a sua felicidade. Entre os livros mais vendidos, geralmente encontro os do autor Gustavo Cerbasi, que defende não serem seus livros de “autoajuda”, mas manuais de orientação e educação financeira – Cartas a um jovem investidor ocupa a quarta posição entre os livros mais vendidos. Na própria sinopse do livro novamente identifico a real intenção e caracterização de seus livros como “autoajuda”: Neste audiolivro da Editora: Nossa Cultura que tem a duração: 3h42min, no formato MP3, Gustavo Cerbasi 72 , ao nos contar sua história de 71 O grupo pode ser acessado no endereço http://br.groups.yahoo.com/group/comportamentospositivos/ essa tem sido uma estratégia utilizada para mediar os interesses e também comercializar as obras, mantendo um contato com o autor e a editora. 72 O autor mantém o site intitulado http://www.maisdinheiro.com.br/ onde mantém um conjunto de informações e dicas sobre finanças seus Racionalismo terapêutico e subjetividade | 102 vida, incluindo seus erros e acertos para alcançar o sucesso na área de Finanças, oferece dicas às pessoas que desejam trilhar caminhos menos sinuosos para obter um futuro financeiramente mais saudável. Invista seu precioso tempo nesta leitura e consiga grandes resultados em muito pouco tempo! ”(griffo nosso)73 O editor destaca e ratifica que é a partir da própria história de vida, mesclada com as experiências de sucesso e insucesso, que o autor oferece dicas para obter sucesso na organização das finanças pessoais. O autor tem formação na área financeira em nível de graduação e pós-graduação e, mescla a experiência de formação e atuação profissional com as dicas para sucesso financeiro. Os seus textos buscam associar linguagem fácil e direta, com a fundamentação adequada na área. Cerbasi após defender seu livro, ataca os “intelectuais” e acaba por admitir que escreve um livro de “autoajuda” visando ajudar as pessoas a não perderem tempo e dinheiro para se capacitarem, assim realmente se enquadrou em “autoajuda” já que caiu na sua pretensão inicial: facilitar a vida dos outros, por ação “bondosa”. As reflexões de Horkheimer e Adorno (1985) confirmam esse momento em que a “autoajuda” utiliza a técnica, mas especificamente a tecnologia para se disseminar. Este é na verdade um momento inaugurado pelo capitalismo para reproduzir e criar novas necessidades, bens padronizados e propagando a dominação via feitiço tecnológico. livros e outros. A frase abertura utilizada pelo autor é “ Enriquecer é uma questão de escolha”. 73 Disponível em: <http://nossacultura.com.br/index.php?pag=detalhes&p_cod=143&p _nome=Cartasaumjovem investidor>. Acesso em: 20 jul. 2009. 103 | Jean Marlos Pinheiro Borba No site da Nossa Cultura é possível encontrar outros títulos relacionados às finanças pessoais, como por exemplo: Educação financeira na aposentadoria, Psicologia e Psicanálise, Educação financeira: filhos, dinheiro e valores, Inteligência Financeira - Finanças "Absolutamente" Pessoais. A Editora Thomas Nelson74 declara, em sua página na web, que pretende se tornar destaque no mercado editorial da “autoajuda”. Ela é especializada em livros de “autoajuda”, literatura inspiracional e motivacional. Em O Caráter, Samuel Smiles ao tratar da Sociedade dos Livros, traz reflexões importante sobre o papel do livro na vida humana e sua influência na construção da subjetividade e como elemento que integra ou permite a compreensão das intenções e características humanas. Smiles (1946, p. 278) argumenta: Pode-se, geralmente, julgar um homem pelos livros que lê, como pela sociedade que freqüenta; porque há a sociedade dos livros, como há a sociedade dos homens, e numa ou noutra, sempre devemos procurar a melhor. (...) Os homens descobrem, muitas vezes, as afinidades que existem entre si, pela mútua preferência que mostram por um livro, do mesmo modo que duas pessoas ligam amizade pela descoberta da admiração que ambas sentem por uma terceira.” Essa reflexão de Smiles remete às possíveis generalizações que os agentes da indústria cultural se apropriam para alavancar a “autoajuda” e concretizarem a sua inserção no cotidiano. “Pois, a cultura contemporânea confere 74 O grupo editorial Thomas Nelson surgiu no final do século XVII no Reino Unido nasceu em 1798 como um sebo na cidade escocesa de Edimburgo, teve como fundador Thomas Nelson. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 104 a tudo um ar de semelhança” (HORKHEIMER; ADORNO, 1085, p. 133) Essa ideia de reprodutibilidade e semelhança da indústria cultural tem também, nas entrelinhas, um modo de preencher todas as lacunas do pensamento e da vida do homem que o faz inclusive adormecer ou mesmo perder a sua própria capacidade de crítica em relação ao que lhe é imposto, fato este que a teoria crítica preocupou-se com bastante propriedade e que está claramente marcada na passagem abaixo: O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por uma estrutura temática – que desmorona na medida em que exige pensamento – mas através de sinais. Toda ligação lógica que pressuponha esforço intelectual é escrupulosamente evitada”. (HORKHEIMER;ADORNO, 1985, p. 128) Essa reflexão também me faz pensar nas intencionalidades presentes nos textos de “autoajuda”, onde os autores já utilizam uma linguagem que induz o leitor a pensar direcionando o seu pensamento, tirando assim, a sua atenção, na capacidade, mesmo que momentânea, de refletir sobre o que lhe é apresentado. Um exemplo deste modo de conduzir reflexões é encontrado no livro Filho Rico, Filho Vencedor de Kiyosaki e Lechter (2001) onde no capítulo Toda criança nasce rica e inteligente o autor apresenta argumentos para influenciar os pais a entrar no jogo da educação financeira e propõe a eles educar filhos mais espertos, mais ricos e também financeiramente mais inteligentes: A palavra educação se origina do latim educare, que significa "extrair". Infelizmente, para muitos, educação é sinônimo de longas e penosas sessões 105 | Jean Marlos Pinheiro Borba durante as quais temos de captar as informações, decorá-las para as provas e, logo depois, esquecer tudo. Esse modo de induzir a educação dos filhos parece inaugurar uma era onde os pais perderam a capacidade de se relacionar e educar seus próprios filhos, assim a “autoajuda” chega num momento de crise e, utiliza o discurso da educação emocional, e também para ganhar terreno no seio da família, inclusive para esclarecer como educar financeiramente as crianças. É o que fez o Banco Itaú S.A. ao criar a cartilha para educação financeira de crianças: Falando de dinheiro com seus filhos75. Nesse sentido, guiado pela atitude fenomenológica levanto algumas questões para serem pensadas e colocadas em cena: o que está invariavelmente presente nas obras de “autoajuda”? Como o capitalismo tem se apropriado da “autoajuda”? Considerando que a “autoajuda” tem se popularizado no senso comum como sendo um tipo de psicologia popular, quais atitudes dos psicólogos diante deste fenômeno que se apresenta como um indicativo social importante para a atuação da psicologia? O que de social há no fenômeno da “autoajuda”? 1.4 Os espaços de consumo da “autoajuda” O shopping center é um não-lugar, é um objeto de interesse, de observação e ponto de atração turística. Ícone da pós-modernidade. Iwancow 75 Esta cartilha está disponível em formato impresso e eletrônico http://www.itau.com.br/usoconsciente/#/pai?id=0 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 106 Os espaços de consumo76 onde se pode encontrar e adquirir livros de “autoajuda” são variados. Inicialmente os LP´s, os disco compactos, as fitas cassetes eram tecnologias utilizadas para divulgar os livros de autoajuda que podiam ser adquiridos em bancas de revistas, livrarias comerciais, livrarias religiosas e até mesmo nas feiras de livros. Isso ocorreu durante um significativo tempo na história. Na observação in loco percebi que esta categoria de livros foi e ainda tem sido aglutinada nas prateleiras de algumas livrarias como pertencente à área da Psicologia. Equívoco este cometido pelos gestores das livrarias que só reforçam a crença de que “autoajuda” é psicologia ou até é produzida por profissionais da psicologia. O crescimento exponencial da “autoajuda” deve-se também ao grande destaque que ela tem recebido nos espaços de consumo onde é vendida e, geralmente como um best-seller. Atualmente nas livrarias dos shopping centers e dos aeroportos77 a literatura de “autoajuda” ganhou espaço de destaque sendo responsável pelo aumento de vendas . O meio virtual e a comunicação eletrônica móvel também entrou no jogo de popularização e disseminação da “autoajuda”, e, nesse espaço de consumo eles já podem ser encontrados sob a forma de áudio-livro, um tipo de mídia onde o livro é “falado” e gravado em cd-rom ou dvdrom. Como falei inicialmente o aeroporto é o local onde o consumo de livros de “autoajuda” financeira mais se prolifera. Mas por que o aeroporto possibilita esse aumento de vendas deste tipo de literatura? 76 Este termo foi apropriado da disciplina que cursei como ouvinte intitulada Espaços de Consumo e Comunicação ministrada no programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ ministrada pelo prof. Dr. Ricardo Freitas no primeiro semestre de 2009. 77 Ambos são espaços de consumo no qual me deterei a explicar como eles influenciam na venda da literatura de “autoajuda” . 107 | Jean Marlos Pinheiro Borba O aeroporto é um espaço de consumo criado para atender pessoas através de entretenimentos rápidos, enquanto uma série de outras relações ocorre dentro deste espaço. Por ser um grande espaço de pouso e decolagem de aeronaves, possui amplos lugares para o “movimento” do consumo. Ao mesmo tempo as possibilidades de entretenimento estão, de um modo em geral restritos à: lojas de perfumaria e convenIências, chocolatarias e cafeterias, lan houses, support office, lojas de produtos regionais, nacionais e importados, lojas de produtos artesanais e principalmente de livrarias. São exatamente as livrarias, os espaços onde o consumo de “autoajuda” acontece que despertou interesse e chamou atenção para o tema. Tanto nos shopping centers quanto nos aeroportos a literatura de “autoajuda” tem destaque especial ocupando geralmente o espaço de melhor divulgação: as entradas das livrarias e prateleiras centrais. A visita periódica aos espaços de consumo, a observação de leitores na situação de escolha de livros e para consumo me possibilitou perceber o processo de sedução e a crescente busca por esta literatura. A literatura de “autoajuda” financeira foi inicialmente localizada no Aeroporto Internacional de Fortaleza e depois passei a observar a distribuição destes livros noutros aeroportos e em livrarias de shopping centers pelo país, já que em todos eles há, no mínimo, uma livraria comercial, onde os livros de “autoajuda” ganham destaque preferencial. Levado por essas observações, faço reflexões introdutórias, levanto algumas questões para ampliar e clarificar minha discussão: uma delas que é o que faz com que a “autoajuda” financeira seja procurada com mais freqüência nestes espaços de consumo? Que características um aeroporto e uma livraria de um shopping center têm em Racionalismo terapêutico e subjetividade | 108 comum para que proporciona a venda em escala de um livro de “autoajuda”? Em relação ao shopping center, Iwancow (2005) diz que ele é um não-lugar, um espaço que corresponde a uma réplica sintética da cidade onde são retiradas: a marginalidade, a violência, a sujeira, a variação de clima e iluminação, onde é possível utilizá-lo como espaço de exercício da liberdade por suas vias e andares, como se você estivesse numa cidade, onde você pode ser visto e mostrar a sua capacidade de compra e seu poder de obter crédito, por exemplo pelo uso de cartões das lojas lá existentes. Padilha (2008, p. 112) diz que não é apenas no trabalho que o homem está alienado, mas também nos espaços de consumo: “O shopping center é, assim, o lócus do estranhamento, do sujeito semiformado, da reificação, do prazer e do lazer. É o lugar em que as pessoas são reduzidas ao estado de coisas”. Outra estratégia encontrada pelas editoras para disseminar a autoajuda nos espaços de consumo tem sido o uso de mensagens via mensagens de texto (sms no celular). Como exemplo, citamos o Hotdicas que está vinculado a algumas páginas de empresas na Internet e que exige o número do celular da pessoa que navega. Após digitar e somente com essa condição, a pessoa pode passar para a página desejada, logo depois se inicia um constrangimento que é o recebimento consecutivo de mensagens de autoajuda. Fizemos a experiência e uma das mensagens recebidas foi: HotDicas: “A pessoa que pensa positivo, é mais feliz, e mais determinada, tem uma saúde mais favorecida, e tem objetivos mais ousados!” From: +49810 Data:17/05/2011 Time: 11:21 Tipe: text mensage. 109 | Jean Marlos Pinheiro Borba 1.5 O discurso do capitalismo de consumo nos livros de “autoajuda” financeira Se os livros de autoajuda são tão consumidos, então é provável que as pessoas, imersas na dinâmica social vigente, que os buscam não queiram fundamento e concordem com o discurso flácido e com pseudofundamentação que ela apresenta. Segundo Demo (2005, p. 9): “Para os desesperados, que fazem qualquer negócio, auto-ajuda é tábua de salvação, porque aparece como promessa primeira, e talvez última, à mão”. A pesquisa mostra que a literatura de “autoajuda” tem alavancado a cada dia números expressivos no ranqueamento do mercado editorial brasileiro, pois ela está sempre entre os best-sellers. Em sua maioria os livros fazem a proposta de tornar a vida do leitor mais segura e próspera a partir daquele momento, comprimindo o tempo, o espaço e facilitando a tomada de decisões. Entre 2010 e 2011 observei diretamente nas livrarias de shopping centers aeroportos e na Internet, preferencialmente, que as categorias relacionadas a corpo, dietas e emagrecimento, finanças, religião, espiritualidade, autoestima e felicidade têm se destacado significativamente. Dentre algumas das pesquisas que tive acesso, o trabalho de Paula e Wood Jr. (2003) sobre livros de “autoajuda” na área de gestão merece destaque. Os autores demonstram o crescimento deste mercado e as principais editoras que os comercializam, dando ênfase aos livros que ensinam a gerenciar o ambiente de trabalho. Mas a questão que faço é de que se constitui o grupo literatura de “autoajuda”? De acordo com o Conselho Federal de Psicologia “autoajuda”: "É um tipo de Literatura, um saber nãosistematizado, sem fundamentação científica e que beira o pensamento mágico" (Revista Psiquê n. 23, DEZ 2007). Faço uma Racionalismo terapêutico e subjetividade | 110 ressalva aqui, existem até alguns destes livros que tem fundamentação científica sim, quer seja na área da economia, quer seja na área da psicologia positiva, já que muitos conceitos são retirados e apropriados destas teorias e não se caracterizam como “autoajuda”. Demo (2001, p. 67) adverte sobre a falta de crítica que a própria ciência crítica não possui e por isso perde espaço para os gurus da ‘“autoajuda”: A ciência crítica é, obviamente, avessa a receitas. Mas, no contexto modernista usual da pesquisa da felicidade, a crítica não é acompanhada da autocrítica, incidindo facilmente na contradição performativa. A ciência crítica não autocrítica é tipicamente receita. E isto se comprova facilmente na “autoajuda” , que invariavelmente recorre à ciência para angariar a crença dos leitores. Este recurso à ciência tem como função transmitir a ideia de certezas cientificamente trabalhadas, seja apelando para horizontes da psicologia e da psicoterapia, ou mesmo da filosofia, e também da biologia, perseguindo insistentemente esquemas confiáveis de operação de um fenômeno escorregadio. Quer dizer, apela-se para o lado formalizável da ciência, não para dominar um fenômeno que sempre escapa em grade parte, mas para provocar venerabilidade. O que Demo alerta não é para a questão do uso ou não, do conhecimento científico, mas por este deixar escapar a possibilidade de conhecer o fenômeno, reduzindo-o à indiferença ou insignificância, quando na verdade ele tem se tornado mais significativo para os leitores comuns que os próprios conhecimentos científicos que são utilizados e provenientes destas e de outras áreas do conhecimento. O autor ainda apresenta dois percalços notórios da “autoajuda” são o abuso de esquemas científicos e o abuso da fragilidade humana. 111 | Jean Marlos Pinheiro Borba Além desse aspecto apontado é bem freqüente o uso de frases de pensadores, filósofos e psicólogos que são utilizadas pelos autores para ratificar seus pensamentos e ou abrir alguns capítulos, quer sejam elas posta literalmente ou modificadas sem os devidos créditos. Domingos (2007, p. 25) fez destes que seguem: O sucesso financeiro não depende de quanto você ganha, mas de como você lida com o que ganha! Já ouviu aquela máxima: “Não importa o que a vida faz com você, o que importa é o que você faz com que a vida faz com você”? O raciocínio aqui é parecido. É tudo uma questão de atitude, e comprar o livro – e lê-lo, em si, uma tomada de atitude extremamente louvável. Você está buscando o que falta porque, no fundo de seu íntimo, sabe que isso é necessário. E acredite: você não é o único nessa situação. (grifo nosso) As palavras acima grifadas são usadas pelo autor para responsabilizar o leitor, unicamente, pelo seu sucesso financeiro. Além destas duas frases o autor também cita, sem dar o devidos créditos, a frase do filósofo francês Jean Paul Sartre cuja transcrição correta apresento abaixo: "O essencial não é o que foi feito do homem, mas o que ele faz daquilo que fizeram dele. O que foi feito dele são as estruturas, os conjuntos significantes estudados pelas ciências humanas. o que ele faz é a própria história, a superação do real dessas estruturas numa práxis totalizadora."78 78 Revista L'Arc que foi publicada no Brasil com o seguinte título Sartre Hoje. L'Arc Documentos. São Paulo: Documentos, 1968 (p.116). É uma entrevista feita por Bernard Pingaud. Informação fornecida pela prof. Dra.Ariane Patrícia Ewald por e-mail. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 112 Em The Secret – O segredo, Byrne (2007, p. 99) ao tratar de como o leitor deve atrair abundância o responsabiliza por não ter o dinheiro que precisa: A única razão pela qual uma pessoa não tem dinheiro suficiente é estar impedindo com seus pensamentos que o dinheiro chegue a ela. Cada pensamento, sentimento ou emoção negativos está impedindo que seu bem chegue a você, e isso inclui dinheiro. Na citação acima, fica evidente a intenção da autora de responsabilizar o leitor pela sua própria decisão de impedir (veja que a palavra impedindo está colocada em itálico pela própria autora do livro para destacar a atenção do leitor para os aspectos interno do leitor) com seu pensamento que o dinheiro chegue até ele. Esta atitude corrobora com a prerrogativa da “autoajuda” que assegura ser o indivíduo capaz de modificar sua vida independente do que ocorre na esfera social, o que se constitui a meu ver numa atitude ingênua. Na mesma direção de Domingos (2007), Cerbasi (2004, p. 16) ao tratar da dificuldade que as famílias têm de realizar o planejamento financeiro diz que: Os problemas financeiros familiares decorrem de decisões ou escolhas ruins. Se vocês enfrentam dificuldades dessa natureza, a culpa não é dos juros elevados dos bancos, mas sim de um padrão de vida elevado demais para a renda da família. Vocês devem hoje em razão de uma compra feita no passado em um momento em que não havia dinheiro para isso. Os erros financeiros são verdadeiras armadilhas. Caímos facilmente nelas por pura ingenuidade; depois, vivemos um verdadeiro pesadelo que pode durar meses ou anos. 113 | Jean Marlos Pinheiro Borba No argumento apresentado pelo consultor financeiro Gustavo Cerbasi, há um absurdo que está em negrito e merece maior destaque. A ‘culpa’ é sempre do indivíduo e não do sistema. Nessa direção resta lembrar a magnífica análise feita em 1921 por Walter Benjamin que permanece até hoje viva entre nós, permitindo compreender esse sistema parasitário, quando comparo o capitalismo a uma religião de mero culto, sem dogma, mas com caráter de promoção da culpa. “O capitalismo é provavelmente o primeiro caso de um culto não expiatório, mas sim culpabilizador [verschuldenden]”. (BENJAMIN, 1990, p. 2) Pereira (2003) na introdução do seu livro A energia do dinheiro diz para o leitor: “Você é quem decide a utilização negativa ou positiva do dinheiro. Anote para refletir: O que você faz com o dinheiro é o que faz com sua vida!” Como essa culpa então, na lógica da “autoajuda” passa a ser ‘retirada’? Segundo os autores sim e isso ocorre pela obediência às orientações e ensinamentos que eles professam. Os ensinamentos de que trata Domingos (em torno de uma educação financeira) e Demo (uma critica a “autoajuda”) também são apontados por Rüdiger (2008, p. 1) ao definir literatura de “autoajuda” como sendo o: conjunto de relatos e manuais que ensina como conduzir a vida, sobrepujar a depressão, manejar com pessoas, exercitar a sexualidade, parar de fumar, enriquecer etc., pertence, sem dúvida, a esse acervo de textos, constituindo um formidável veículo de subjetivação criado por nossa cultura. A promessa de solução imediata dos problemas eleva os status dos livros de “autoajuda”, daí eles serem muitas vezes interpretados pelas pessoas do senso comum como livros de psicologia popular. Entretanto, a Psicologia, como “ciência” e profissão não tem esta ocupação, pois através de suas teorias, práticas e metodologias, com a Racionalismo terapêutico e subjetividade | 114 intervenção do psicólogo realiza o processo terapêutico ou difusão do saber psicológico sobre o mundo e a existência humana, de modo co-responsável e não autônomo, pois a alteridade, a presença do outro, da relação Eu-Tu como afirmou Buber (1979) é condição essencial para o processo psicoterapêutico. A relação Eu-Outro como tratou Emanuel Levinás destaca que a alteridade é condição essencial para a constituição da intersubjetividade. Na contramão da proposta da Psicologia está a literatura de “autoajuda” que busca apresentar modos de amenizar a dor, esquecer as mágoas, lidar com o sentimento de perda e luto de modo rápido, sem a presença do outro. Partindo da perspectiva de uma psicologia que mantém diálogo com a Filosofia, preferencialmente com a Fenomenologia e com as Filosofias da Existência, acima de tudo, o profissional que tem essa base possibilita a vivência da tristeza para que ela seja vivida e percebida pelo sujeito de modo autêntico e verdadeiro, do que apenas focar numa felicidade não verdadeira e calcada em pseudoinformações. Na perspectiva fenomenológica-existencial as alegrias, as dores, as tristezas e as dificuldades fazem parte da condição humana como elementos necessários para constituição da subjetividade. Foucault (1993, p. 203) apud Rüdiger (2008, p. 1) afirma que este tipo de literatura ratifica o individualismo já que: permitem ao indivíduo efetuar, por seus próprios meios, um certo número de operações em seus próprios corpos, em suas próprias almas, em seus próprios pensamentos, em sua própria conduta e, isso, de uma maneira a transformarem-se, modificarem-se a si mesmos, com vistas à obtenção de um certo estado de perfeição, de felicidade, de pureza, de poder sobrenatural. 115 | Jean Marlos Pinheiro Borba Aspecto também compartilhado por Fonseca (2007, p. 32) quando afirma: A ideia de “autoajuda” se vincula ao individualismo atual como uma prática vinculada em uma teoria. O movimento de “autoajuda” faz parte de uma movimentação mais ampla que buscava a garantia da felicidade humana pelo uso de regras científicas de engenharia social, de acordo com um modelo mecânico materialista. Ele busca conciliar a ideia de individualismo como valor com a ideia do individualismo supramoral do pensamento iluminista. Concorda também com esta visão o sociólogo contemporâneo Bauman (2001) que ao analisar a intenção de livros de “autoajuda”, destaca que eles exercem ou tentam exercer, um papel de aconselhamento individual. Todavia, é um aconselhamento individual de cunho massivo já que os livros são direcionados para um grande número de pessoas sem nenhuma preocupação ou controle de quem são os leitores, quais as suas situações concretas de vida e quais efeitos eles terão sobre elas. “O significado de “autoajuda” é o indivíduo fazer sozinho e não importa quem é o indivíduo e nem o que ele vai fazer”. (VILA CULTURAL, 2007, p. 7). Assim a autoajuda assume um caráter impessoal, já que além de ser reproduzida em série considera todos os leitores como homogêneos, com histórias de vida “semelhantes” e com recursos internos, próprios e imediatos para resolver conflitos pessoais, profissionais, financeiros e afetivos. Na pesquisa bibliográfica inicialmente feita, dentre os diversos tipos de literatura de “autoajuda” diretamente relacionada às finanças pessoais optei por estudar a literatura financeira de “autoajuda” existente no mercado editorial preferencialmente aqueles que tratam de finanças pessoais, felicidade, dinheiro e sucesso. Neste contingente Racionalismo terapêutico e subjetividade | 116 de livros Paula e Woord Jr. (2003, p. 18) ratificam que esta é uma nova categoria que surge e ganha destaque: O grupo das finanças pessoais é mais recente, mas vem conquistando uma fatia cada vez maior de público. Os primeiros sinais de demanda por este tema foram notados após o lançamento dos livros “Seu futuro financeiro”, de Louis Frankenberg, e “Pai rico, Pai pobre”, de Robert Kiyosaki e Sharon Lechter. Este último deu origem a uma série, com: “Filho rico, filho vencedor” e “Independência financeira: o guia do pai rico”. Houve uma adesão à categoria de livros na sociedade de consumo, principalmente o grupo relacionado às finanças pessoais e dinheiro. Em 2008 foi lançado o primeiro Guia Pessoal de Finanças, sendo um exemplar geral e outro específico só para as mulheres, que foi disponibilizado nas bancas de revistas e várias outras continuam sendo editados. Os livros de “autoajuda” podem, na visão de Capriglione e Westin (2008) se tornar manuais de sobrevivência que estão sendo excessivamente disseminados num tempo de alta competitividade e falta de convivência social, pois estas duas características contribuíram para o aquecimento das vendas no mercado editorial, principalmente porque eles tentam vender modos de como agir, se comportar, criar os filhos, escolher roupas e animais, para quem não tem tempo. Nas entrelinhas dos textos, a gestão do tempo tornou-se aliada preferida dos escritores de “autoajuda” ratificando assim a hipervalorização do aqui-agora pela sociedade capitalista. “De todos os modos, a indústria da “autoajuda” carece, desesperadamente, de base tecnológica confiável, sobre a qual exara suas verdades.” (DEMO, 2001, p. 68). Talvez seja utopia 117 | Jean Marlos Pinheiro Borba pensar que ela um dia tenha uma base confiável, porque ela mesma, se assim tiver, deixará de ser pseudocultura. Em relação à subjetividade, os autores usam palavras que demarcam a necessidade de que o leitor aja de modo consciente para conseguir os objetivos que deseja, além disso, demarcam ações que são fortalecedoras da individualidade, professando muitas vezes verdades acientíficas, generalizadoras e tendenciosas. Como exemplo, cito algumas passagens do livro Terapia Financeira de Domingos (2007) que foi o estopim desta tese quanto à nossa opção por esta categoria de livros: A maneira como pela qual você lida com o dinheiro diz muito do seu emocional.(p. 49) O sonho é o combustível da mudança de sua vida financeira. (...) Os sonhos são o combustível para que você possa seguir na caminhada. (p. 59) Quanto mais dinheiro você for capaz de reter, mais dinheiro você terá. (...) Dinheiro gera dinheiro! Faça com que ele trabalhe para você! (p. 103) Desde os slogans das editoras pode-se perceber um direcionamento discreto no caminho da subjetividade, caso da editora Gente especializada em “autoajuda” – Gente fazendo livros, livros fazendo gente. E ainda uma afirmação do diretor executivo desta editora que demonstra claramente a sua intenção: “Nossa ideia é melhorar o desempenho do nosso leitor em um mundo hipercompetitivo”. (CAPRIGLIONE e WESTIN, 2008) Aí então reside a armadilha da hipermodernidade: estabelecer o sentido do hiper (do excesso) como algo natural, perfeitamente aceitável, sem nenhum questionamento. Transformar aquilo que era estranho, diferente em algo naturalizado e totalitário. “(...) Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança”. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 118 Fornari e Souza (2001, p. 135) destacam o risco desse modo enganoso de incentivar o individualismo e constituição da subjetividade: A subjetividade passa a ser percebida como um projeto consciente que prescinde das amarras da tradição. Nesse sentido, procura-se enfatizar o individualismo, já que o sujeito é o produto de seu próprio projeto. O resultado disso para a subjetividade é o perigo de navegar à deriva, já que perdeu a centralidade do eu, “a sua essência” ditada pela tradição.” A subjetividade em conflito passa então a ser alvo fácil de promessas que garantem em pouco tempo restabelecê-la. Assim, a indústria da subjetividade ou indústria da alma (Fornari e Souza, 2001) é amplamente divulgada pela mídia, contribuindo para a massificação de modelos de modos de ser e de soluções expressas. Talvez isso possa ser comparado ao que Walter Benjamin previu em relação a reprodução da obra de arte e ao que Jonh Berger aponta que ocorreu com a chegada da máquina fotográfica (a subordinação do olhar do homem, ao olhar mecânico da câmera como um olhar “melhor, mais seguro”). Silva (2009, p. 95) confirma que a mídia tem papel imprescindível na disseminação das obras de “autoajuda” e em seus modelos de auto-gestão de subjetividade: Os textos da mídia sobre os discursos de “autoajuda”, de uma forma em geral, sustentam que o segredo para que qualquer um consiga melhorar de vida, alcançar o sucesso, ganhar dinheiro, obter um corpo perfeito, um casamento brilhante etc., está primeiramente ligado à crença incondicional da realização dos projetos de vida, que poderão ser aprendidos a partir da leitura de determinados livros ou autores, cuja modalidade é a “autoajuda” ” 119 | Jean Marlos Pinheiro Borba A citação anterior nos mostra o teor totalitário que os livros indicam, ou seja, só a solução de melhoria na vida do leitor, se e somente se, ele adotar as dicas que o autor lhe oferece. Turmina (s.d, s. l) aponta que o discurso da “autoajuda” é utilizado como uma nova pedagogia do capital que orienta para sujeição e, no caso de sua pesquisa que oriente o trabalhador para um movimento de cooperação (passivo) ajustando-se às necessidades do capital, sendo tão flexível quanto ele e suas necessidades. Todo este movimento ratifica que o capital em momento de crise, inclusive crise da subjetividade encontrou na “autoajuda” seu novo e fértil terreno para proliferar-se. Aliado este capaz de entrar no mundo da vida das pessoas pelas mais diferentes vias de interesse já que existem as mais diversas categorias de “autoajuda” envolvendo: animais, espiritual, educacional, religioso, esportivo, familiar, social, para o trabalho e gestão da carreira, espiritual, sexual, afetiva e de relações amorosas e de amizade, esotérica etc. Os livros de autoajuda financeira chegam para complementar esse grupo de livros de auto-gestão da subjetividade em momento de crise da subjetividade e do capitalismo. Crise onde a maior parte das pessoas está confusa e fragilizada, seja pela ausência de perspectivas de trabalho ou dificuldades financeiras, seja pela perda de esperança ou sentido na vida. Um aspecto interessante é o fato de que, estes livros não suprem tudo o que o leitor deseja encontrar em um único texto, nem poderiam, mas ele geralmente é conduzido ou sente a necessidade de, após ler um livro de finanças, buscar como complemento um livro de “autoajuda” espiritual. (LEAL, 2008) O autocultivo e o individualismo estão contidos nos livros de “autoajuda”. Eis a era de estímulo à prática do Racionalismo terapêutico e subjetividade | 120 autocultivo. “As práticas de si passaram a se difundir como um receituário na da vida”. (FORNARI e SOUZA, 2001, p. 136) Paula e Wood Junior (2003, p. 6) apontam que: Nos últimos 10 anos ou 15 anos, entretanto, a produção evoluiu deste estágio quase artesanal para um estágio industrial. Do lado da oferta, ocorreu intenso processo de “profissionalização”, que resultou no tratamento do livro como um produto de consumo destinado a gerar lucro. Tal processo levou ao aumento do número de títulos, à redução do ciclo de vida e à supervalorização dos best-sellers. Do lado da demanda, houve um aumento considerável da procura por títulos populares e obras de “autoajuda”, cuja fórmula passou a ser emulada pelos autores dos livros populares de gestão (Jackson, 2001; Clark and Greatbatch, 2001; Furusten, 1999). Recordo Reynol (2007) 79 diz que: “os livros de “autoajuda” que visam o sucesso financeiro existem há tempos. A própria Rhonda se inspirou numa obra de 1910, A Ciência de Ficar Rico (fig. 4) de Wallace D. Wattles, para criar a sua teoria”. Este livro junto com Quem Pensa Enriquece (fig. 5) e Os Segredos da Mente Milionária (fig.6) são os “best-sellers” da literatura financeira de “autoajuda”. Diante do que se tem observado o público da literatura de “autoajuda” financeira tende a crescer, pois há aumento das publicações e, paralelamente a isso, de problemas de endividamento do brasileiro. Os livros de “autoajuda” são escritos em linguagem clara, tem forte apelo emocional, dizem geralmente às pessoas/leitores o 79 REYNOL, Fábio. Palavra de Especialista. A mágica do pensamento positivo. Revista da Cultura, São Paulo, edição 02, set. 2007. Disponível em: < http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/n02/edicao/htm/ma t_03.htm>. Acesso em: 121 | Jean Marlos Pinheiro Borba que elas desejam ouvir, por isso são de fácil entendimento e acesso, associando experiências pessoais do escritor à vida cotidiana, indicam soluções, tem preços acessíveis e podem ser adquiridos em qualquer livraria. De acordo com a Câmara Brasileira do Livro – CBL 80 os dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) mostram que o segmento de “autoajuda” é campeão de vendas no Brasil e ocupa a décima posição no ranqueamento de livros mais vendidos. Em 2002 foram editados 710 títulos, o que corresponde a 2,5 milhões de exemplares, um recorde. Já em 2003 foi o último ano em que - incluiu este segmento - englobando aí negócios e espiritualidade - em sua pesquisa de produção e vendas no setor editorial brasileiro, foram publicados 855 títulos com vendagem de 4,6 milhões de exemplares. Em relação aos anos de 2007 e 2008 ainda não foram apresentados resultados deste crescimento. Na 19ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em março de 2006, foram lançados 3 mil novas obras nos gêneros ficção, poesia, jornalismo, livros de referência e de “autoajuda” . Na pesquisa da Associação Nacional do Livro – ANL 81 realizada junto às suas associadas — que representam 67% do setor entre pequenas, médias e grandes livrarias — foi divulgada uma amostragem sobre o desenvolvimento do setor livreiro no Brasil. Dentre as dez áreas que mais cresceram em vendas em 2008, o segmento 80 Livros ajudam a ter sucesso sem culpa - Valor Econômico Disponível em: 26/10/2006. <http://www.cbl.org.br/news.php?recid=4246&hl=segmento%20de %20”autoajuda” >. Acesso em: 25 jan. 2008. 81 Dados disponíveis no site: < http://www.cbl.org.br/telas/busca/detalhes.aspx?id=377>. Acesso em: 14 out. 2009. Fiz a consulta nos anos de 2010 e 2011 entretanto não houve atualização das pesquisas pela instituição. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 122 de “autoajuda” ocupa a segunda posição (atrás da literatura infanto-juvenil e na frente das Ciências Humanas e Sociais). O levantamento não apresenta porcentagens deste aumento, comparativamente a 2007 e 2008, pois a pesquisa apenas revela a citação das dez que mais cresceram sem envolver percentuais. Sobre o tipo de intencionalidade presente na “autoajuda” Marcuse (1982, p. 98-99) apresenta uma reflexão que pode ser aqui associada quando diz: A mesma familiaridade é estabelecida por meio da linguagem personalizada, que desempenha papel considerável na comunidade avançada: o “seu” parlamentar, a “sua” rodovia, a “sua” farmácia predileta, o “seu” jornal; é levado a “você”, “você” está convidado etc. Dessa maneira, as coisas e as funções sobrepostas, padronizadas e gerais são apresentadas como “ especialmente para você”. Pouca diferença faz se as pessoas assim objetivadas acreditam ou não. O êxito indica que essa linguagem promove a auto-identificação dos indivíduos com as funções desempenhadas por eles e pelos demais. O que Marcuse discute acima é exatamente o que se encontra nas intenções do mercado editorial, mais especificamente nas obras de “autoajuda”: passar a ideia de que você é um indivíduo que tem os mesmos problemas que outros. Uma ideologia própria do sistema capitalista que utiliza falácias para manter o consumo em alta e provocar a identificação dos sujeitos. No mercado editorial há inúmeros exemplos de autores que tentam dar “receitas” ao leitor para a solução de problemas financeiros. Este é o ponto que Demo (2005) destaca: a proposta da “autoajuda” é na verdade uma receita que massacra a autonomia e constrói dependências, já que ela propõe que é preciso ajudar-se em vez de ser 123 | Jean Marlos Pinheiro Borba ajudado, sendo uma perspectiva correta, todavia ela é utilizada pelo mercado editorial de modo aproveitador. Foi por meio deste tipo de literatura que o mercado editorial se aproveitou para reunir alguns fundamentos ou mesmo a linguagem da Psicologia à das Finanças. Em Domingos (2007), Tolotti (2008) e Cerbasi (2008) encontrei dentre as dezenas de livros disponíveis no mercado editorial que visam a questão financeira, o endividamento e as finanças pessoais. Os autores partem da lógica de que o sujeito precisa manter o controle de suas finanças, ser comedido no consumo e passam a dar dicas de como devem fazê-lo. Além disso, na apresentação de seu livro, Domingos (2007) que é Contador e Consultor em Finanças, explica sua trajetória pessoal até se tornar um Terapeuta do Dinheiro. Realmente, a sua terapia é voltada para o objetivo de conseguir gerenciar finanças pessoais para conseguir mais dinheiro e poder consumir mais e de forma “equilibrada”, ela não trata do sujeito-objeto-mundo, porque a sua lógica é a do mercado que pressupõe, com suas receitas, livrar o indivíduo da sua angústia existencial. Em se tratando da questão de gênero, a Pesquisa Retrato da Leitura do Brasil realizada em 2001 demonstrou o público que consome literatura de “autoajuda” em três categorias: gênero, idade, nível de escolaridade e classe social. A figura 7 demonstra estas características. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 124 Fig. 12 – Demonstrativo do perfil do leitor que procura autoajuda. Fonte: Veja on line, edição 177782 Um dos dados que se pode observar na figura acima mostra que o consumidor 83 de literatura de “autoajuda” em geral possui baixa formação intelectual e social, todavia esta pesquisa talvez retratasse uma outra realidade se fosse realizada na data de hoje. Nessa mesma reportagem Marthe (2002) faz o seguinte comentário: “A expansão da “autoajuda” se deve, ainda, à popularização da psicologia”, e esta serve para demonstrar o grande equívoco que o senso comum e algumas outras áreas do conhecimento tem sobre o papel e objeto da psicologia de tal modo que este tipo de literatura é considerada como Psicologia. A Psicologia ao estudar o homem e os fenômenos psicológicos, dá maior foco à subjetividade, conceito complexo e às vezes confundido, no senso comum, como privacidade. A subjetividade pode ser, sim, considerada como uma categoria, uma vez que para outras ciências MARTHE, Marcelo. O alto-astral da “autoajuda” . Veja on line, Edição 1 777 - 13 de novembro de 2002, Disponível em: < http://veja.abril.com.br/131102/p_114.html>. Acesso em: 9 fev. 2008. 82 83 Bauman (1999) destaca que os consumidores da sociedade de consumo são acumuladores de sensações e estão em movimento constante, são colecionadores de objetos secundários e derivativos, procuram, buscam, podendo encontrar ou não o que desejam, não sendo portanto este desencontro considerado mal-estar, por isso pode haver interesse do mercado editorial de tentar sempre lançar mão de diferentes possibilidades de “encontro” na literatura de “autoajuda” para o hiperconsumidor. 125 | Jean Marlos Pinheiro Borba funciona dentro da lógica da objetividade-subjetividade é elemento deste binômio, e que na Psicologia, em sua gênese, iniciou-se assim, com a tentativa de utilizar a visão e a metodologia das ciências exatas e naturais para compreender a subjetividade e o homem de forma objetiva. O capitalismo de consumo, fase atual, do sistema capitalista, mudou o foco do consumo voltado para massas, para um consumo individualizante, onde agora os desejos pessoais precisam ser atendidos (parcialmente) em detrimento do coletivo, passando ao consumidor a falsa ideia de que ele é exclusivo, único. No filme Foram Ver O Filme 1.99 - O supermercado de palavras 1,99, os consumidores transitam, por um ambiente totalmente branco, com carrinhos de supermercados vendo as prateleiras e sendo seduzidos pelas palavras que estão postas nas prateleiras como mercadorias. Os 3 personagens principais do filme são o desejo, a angústia e a compulsão que temos pelo ato da compra. Um dos atores que faz o papel de comprador passeia pelo supermercado e, ao ver a palavra único a pega e coloca dentro do seu carrinho. Logo depois, um ator-repositor passa com outro carrinho e repõe a palavra retirada da prateleira. Essa cena ilustra bem a lógica da sociedade de consumo que tenta manter esse caráter de unicidade. A ideia de unicidade que é vendida no filme põe temporariamente o consumidor no lugar de “rei”, mas na verdade ele não é, como lembra Severiano (2001, p. 2001): “Quem reina é o objeto, o reconhecimento do indivíduo se dá unicamente, na condição de consumidor. Somente nesses limites a sua ‘liberdade’ se exerce.” O capitalismo passa a fantasia de que o consumidor tem sempre razão, tudo pode e o coloca fantasiosamente no altar, dando-lhe uma satisfação aparente, quando na verdade ele é a própria mercadoria. (BAUMAN, 2010; HAUG, 1997) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 126 A ideologia do capitalismo de consumo constitui-se uma figura tardia dessa fé otimista na conquista da felicidade pela técnica e a profusão dos bens materiais. Simplesmente, a felicidade não é mais pensada como um futuro maravilhoso, mas como presente radiante, gozo imediato sempre renovado, “utopia materializada” da abundância. (LIPOVETSKY, 2007, p. 335) O capitalismo de consumo corresponde à fase contemporânea do sistema capitalista, no qual as relações de consumo têm dominância sobre a produção, apesar de ambas funções serem indissociáveis. Ele não nasceu de técnicas industriais para produção de mercadorias padronizadas, mas é resultado de uma construção cultural e social. O fundamento da economia de consumo está numa “filosofia comercial” que visa assegurar preços baixos, lucros obtidos pelo volume de vendas, e passando a ideia de acessibilidade aos bens mercantis, ou seja, um projeto de democratização do consumo e de incentivo ao crédito e indiretamente ao endividamento. Aos consumidores são oferecidas inúmeras alternativas para que eles, cada vez mais permaneçam consumindo e se endividando84. No atual estágio da sociedade de consumo contemporânea, as pessoas, na condição de consumidores se referenciam pelos seus “estilos de consumo” e não mais pelos padrões da classe social a que pertencem. (SEVERIANO, 2001). Isso ratifica a emergência de um novo tipo de individualismo, o individualismo hedonista, a época do “eu mereço” e ao mesmo tempo do hiperconsumismo. Esse período inaugurado pelo capitalismo de consumo preparou as bases para que o 84 Na fase atual do capitalismo o endividamento se tornou uma das fontes de lucro mais rentáveis para os agentes econômicos do sistema, porque ele vincula a pessoa endividada num círculo vicioso, em que, ela mesma acaba por defender a sua situação de endividade, como algo natural e necessário para sua vida cotidiana. Este modo de vida é discutido por Bauman (2010). 127 | Jean Marlos Pinheiro Borba homem hipermoderno tenha no consumo da felicidade o motivo da sua existência, e nesse caso, pagando pela felicidade. Associar ideal de felicidade a consumo de produtos é a estratégia do capitalismo de consumo para promover a constituição da subjetividade, preferencialmente trata os livros de “autoajuda” financeira como os mecanismos de operação no mundo da vida para alcançar a felicidade. Uma destas estratégias de difusão dos livros encontra-se em meio de divulgação de massa como a Internet e até em catálogos de produtos cosméticos como é o caso da empresa Avon, que passou a divulgar e vender artigos de casa, moda e cultura (no caso livros de autoajuda). Os livros têm valores diversos e em geral contém alguns dos títulos mais vendidos no mercado editorial nacional. Os livros de “autoajuda”, dentro da lógica do consumo contemporâneo, apresentam dicas que estão disponíveis de modo acessível àquele que deseja soluções prontas e rápidas, sem perder tempo com uma ajuda profissional. Essa lógica do consumo contemporâneo corresponde “a fase III da mercantilização moderna onde reina uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva e emocional”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 41). Os livros promovem o retorno ao enfoque mentalista e do controle das emoções, característico da década de oitenta e, toma força novamente, propagando a irracionalidade via consumo de produtos semiculturais. No momento em que as crises financeiras emergem, juntos com elas são lançados centenas de livros de autoajuda financeira. Os livros estão no mundo da vida contemporâneo à disposição de qualquer um que queira um caminho ”rápido” para a felicidade, a independência e a liberdade financeira. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 128 1.6 Livros de “autoajuda” financeira: a subjetividade posta à prova em tempos de crise Carlos Drumond de Andrade já havia dito: “A vitrine das livrarias ostenta as últimas novidades. O livro tornou-se, principalmente, objeto de comércio. Como as gravatas e as malas, ele obedece às flutuações da moda (...).” Hoje, é possível também encontrar livros de “autoajuda” nas lojas Americanas, e em alguns hipermercados como o Hipermercado Extra e o Hiperbompreço, grandes distribuidores de livros de “autoajuda”. A imagem abaixo é de uma das seções do Hipermercado Extra na cidade de Fortaleza onde é possível ver uma seqüência de livros e audiolivros disponibilizados ao consumidor como uma mercadoria de fácil acesso. Fig. 2 Estante de livros de “autoajuda” no Hipermercado Extra, Fortaleza –CE, setembro de 2010. Fonte: Acervo próprio, 2010. A categoria de livros de “autoajuda” voltada para as finanças pessoais que fornecem dicas de como fazer orçamentos pessoais e familiares, investir no mercado 129 | Jean Marlos Pinheiro Borba financeiro, obter sucesso, felicidade e dinheiro é a que aqui denomino de Literatura de “autoajuda” Financeira (L AAF). A LA-AF tornou-se uma “fatia” de mercado para as editoras comerciais, impondo-lhes uma condição, ou seja, não ter livros de “autoajuda” em seus catálogos afeta de alguma maneira suas vendas. Talvez por isso, muitas decidiram investir na área. É o caso da Editora Rocco, especializada em livros de “autoajuda” espiritual de Paulo Coelho que resolveu entrar nesse novo segmento. Paulo Rocco, Presidente da Editora Rocco diz: “Não podemos ficar de fora desse mercado 85”. O segmento das finanças pessoais é um dos que as editoras não querem ficar fora e muitas delas tornaram-se especialistas nesse segmento, investindo inclusive na transcrição do livro impresso para o audiolivro, como é o caso dos livros de Gustavo Cerbasi. As vendas de livros que tratam da “autoajuda” financeira cresceram principalmente quando a crise financeira mundial foi deflagrada em 2008. Deste período até os dias de hoje a produção e distribuição tem se intensificado em diferentes espaços de consumo (lojas, preferencialmente em shoppings centers, livrarias de aeroportos, bancas de revistas, livrarias comerciais, e também em alguns sebos). Penso que hoje temos um número excessivo de livros com essa temática, tanto que muitos já estão sendo disponibilizados em versões gratuitas. Esses livros oferecem dicas de como planejar e organizar sua vida financeira, geralmente tendo como ponto de partida a experiência privada da vida do autor, que ao se tornar pública serve de modelo, e passa a ser, 85 A reportagem completa sobre o crescimento da “autoajuda” financeira está disponível em: http://www.terra.com.br/istoedinheiro/309/seudinheiro/309_passos_ fortuna3.htm#dinheirinho Racionalismo terapêutico e subjetividade | 130 muitas vezes sem qualquer fundamentação como experiências de vida com “resultados positivos”. “Eis a febre do momento nas livrarias brasileiras. Apenas os 15 livros de finanças pessoais mais badalados já venderam 700 mil exemplares nos últimos três anos. O número é expressivo. No Brasil, são poucos os livros que ultrapassam a barreira das 5 mil unidades vendidas86”. Eu utilizo o dia Em 31 de agosto de 2011 como data-corte para uso dos dados coletados nesta tese, principalmente pelo fato de que em se tratando de livros de “autoajuda” é constante seu crescimento e ampliação de categorias, por isso até a conclusão e defesa desta tese tornar-se-á inviável a atualização constante dos números. Mas há que se destacar que o crescimento de vendas é exponencial. Na figura 15 abaixo, apresento o ranqueamento dos livros de autoajuda financeira mais vendidos: AUTOAJUDA87 8 Os Segredos da Mente Milionária T. Harv Eker [9 | 162#] SEXTANTE 9 O Segredo Rhonda Byrne [7 | 111#] EDIOURO 12 Quem Pensa Enriquece Napoleon Hill | FUNDAMENTO 13 Casais Inteligentes Enriquecem Juntos Gustavo Cerbasi | GENTE 14 19 Pai Rico, Pai Pobre Robert Kiyosaki e Sharon Lechter | CAMPUS/ELSEVIER Salomão, o Homem Mais Rico que Já Existiu Steven K. Scott | SEXTANTE 86 ISTOÉ Dinheiro. PASSOS PARA A FORTUNA. A indústria de livros de “autoajuda” financeira explode e transforma seus autores em estrelas. Istoé dinheiro on line, Seu Dinheiro, quarta feira, 30 jul. 2003, Disponível em: www.terra.com.br/.../309_passos_fortuna.htm. Acesso em 23 set. 2009. 87 VEJA Os livros mais vendidos / 31 de agosto de 2011. Disponível em: http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/ 131 | Jean Marlos Pinheiro Borba Fig. 3 - Livros de autoajuda financeira mais vendidos até ago. 2011 Fonte: Veja on line, ago. 2011. Qual seria a possível razão para este crescimento? Pode-se pensar que há várias razões, mas elas acabam se diluindo à medida em que a aproximação com o fenômeno ocorre. Talvez uma delas seja mais veemente: a necessidade que tem o homem hipermoderno de se sentir ancorado em algo, mesmo que temporariamente. A necessidade de sentir-se tutelado diminui para muitas pessoas a insegurança frente ao presente e ao futuro. Os livros de “autoajuda” assumem o papel de “tutores” para aqueles que não tem coragem de assumir conscientemente a sua vida, caindo na menoridade 88 já apresentada por Kant. Para sair da menoridade para a maioridade, o homem só poderia fazê-lo pela via do esclarecimento (<<Aufklãrung89>>). O pensamento do filósofo bem se aplica como exemplo da “autoajuda”. E nesse sentido diz: É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor 88 A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção do outro indivíduo. p.100. 89 Aufklãrung, ou seja, Esclarecimento é segundo Kant a saída do homem de menoridade, da qual ele próprio é culpado. Aufklärung. Os filósofos do séc. XVIII se concebiam a si mesmos como inimigos das "trevas" da ignorância, da superstição e do despotismo. Por isso, procuravam situar-se no registro das Luzes ou Razão (do Enlightenment, em inglês, da Lumières, em francês). Kant define as Luzes ou Iluminismo dizendo que elas são aquilo que permite ao homem sair de sua minoridade, ensinando-lhe a pensar por si mesmo e a não depender de decisões do outro. "Sapere aude! tenha a coragem de usar a sua própria inteligência. Eis a divisa das Luzes." Dicionário Enciclopédico Sérgio Biagi Gregório. Disponível em: <http://sites.google.com/site/dicionarioenciclopedico/aufklarung> Racionalismo terapêutico e subjetividade | 132 espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito da minha dieta, etc., então não preciso de esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. (...) Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso, de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Kant chama atenção que a desrazão é a ausência de um discurso intersubjetivo, por isso ela é o que impossibilita o discurso subjetivo. Abre-se então mão de assumir o mundo como ele concretamente se apresenta para se ficar num mundo só seu. A relevância do pensamento kantiano é inquestionável, contudo é necessário apenas uma ressalva e uma atualização: Kant coloca a razão como iluminadora de tudo, mas Husserl define ser a consciência a iluminadora da razão, por ser também reflexiva e transcendental. É nesse ponto que Husserl diverge de Kant, ou seja, pelo fato de ele criticar a dualidade, mas ter caído no equívoco de polarizar a razão como a única fonte do conhecimento. Assim, a máxima husserliana, “Toda consciência é consciência de”, coloca a consciência voltada para o objeto intencionalmente, não a desligando do mundo da vida, nem tampouco do objeto, nem diluído na consciência. Husserl retoma Kant, mas atualiza o seu conceito de transcendental, focando na consciência e não na razão, o sentido da subjetividade, pois o positivismo usa a razão de modo naturalizado. E a fenomenologia procura evidenciar a relação entre consciência intencional e o mundo. O que em Kant é a menoridade pode ser percebido em Husserl (1990; 2001; 2006) como a permanência na atitude natural. 133 | Jean Marlos Pinheiro Borba Lembra Cintra (2002, p. 109) que Sartre entendia a intencionalidade de Husserl à maneira de Lévinas: Contra a filosofia digestiva do empiriocriticismo, do neokantismo, contra todo “psicologismo”, Husserl não se cansa de afirmar que não podemos dissolver as coisas na consciência. Vedes esta árvore, certo. Mas a vedes no lugar mesmo em que está: à beira da estrada, no meio da poeira, sozinha e curvada para o calor. Não poderia entrar na vossa consciência, porque a árvore não é da mesma natureza que a consciência... É que Husserl vê na consciência um fato irredutível que nenhuma imagem física pode manifestar... Conhecer é ‘explodir para’, arrancar-se. (..) É preciso então estar sempre em relação-com-omundo para poder entender como ele se apresenta diante de nós. Em tempos hipermodernos o mundo é o reduto da perversão capitalista que professa a cultura do individualismo e do esquecimento da relação Eu-Outro, transformando-a numa relação “comercial” de um Eu para um Outro, em termos de utilidade e não de alteridade. É importante, nesse sentido, observar que as práticas capitalistas na contemporaneidade usam mecanismos para promover a menoridade, a consciência ingênua, o vazio do homem e, na mesma medida, oferecem ao homem que está imerso no feitiço da mercadoria, soluções prontas (self service) que estão disponíveis, como é o caso dos livros de “autoajuda”. Matos (2006, p. 19) ao discutir a cultura contemporânea apresenta estes mecanismos quando afirma: Novos valores são transmitidos: fetichismo da juventude, fitness esportiva, cuidado com o corpo, mas sem nenhum ideal do espírito. Essa ‘mobilização total’ da sociedade não mais pressupõe a moral como aperfeiçoamento e libertação Racionalismo terapêutico e subjetividade | 134 individual e coletiva, mas o culto da eficácia e do sucesso. Aqui cabe uma ressalva para o fato de que o homem possui a possibilidade de escolher entre permanecer ou sair da minoridade e, se optar por essa escolha consciente ele assume o seu projeto de ser-nomundo, mas agindo intencionalmente, tomando conta da sua vida e não delegando a terceiros a gestão dela. Isso requer a coragem para ver o mundo como ele se apresenta, e acreditar que, mesmo diante da crise, é possível e é necessário ir além. Nesse momento de crise do capital as fragilidades humanas ficam mais exacerbadas, principalmente na sociedade atual em que a obsessão pela ascensão social, obtenção de dinheiro, riqueza e consumo de mercadorias passaram a ser condição prioritária de existência para muitas pessoas, a máxima em vigor é: “Tenho dinheiro, logo existo!”. Máxima que ratifica o que Georg Simmel (apud Mocellim, 2007) havia percebido na modernidade o fato de que o dinheiro tenha se tornado o herói/vilão, o mediador por excelência, a força que une e afasta. Afasta porque a relação social intermediada por ele é meramente instrumental, superficial e une aqueles que o possuem como nivelador social, logo é um instrumento impessoal. Esse modo de vida pautado no ‘ter’ está diretamente ligado ao acesso, uso ao dinheiro e no poder de compra que ele possibilita. Não ter uma situação financeira estável, hoje, é sinônimo de fracasso existencial e só cabe ao indivíduo responder por este fracasso, já que ele é senhor de si. Se o vazio se manifesta ele logo deve, aos mandos da sociedade de consumo ter preenchido com alguma mercadoria. Isso é o que sugere Byrne (2007, p, 111) ao resumir os “Segredos” para se ter dinheiro, diz ele: “Comprometa-se a olhar para tudo de que gosta e dizer a si mesmo: 135 | Jean Marlos Pinheiro Borba ‘Eu dou conta. Eu posso comprar aquilo’. Você irá mudar sua forma de pensar e começará a se sentir melhor em relação ao dinheiro”. O que Byrne sugere fundamenta-se no pensamento positivo, na instalação de uma crença mágica que acabará por trazer àquele que pensa positivamente o sucesso na aquisição do dinheiro e do bem que deseja comprar. É uma espécie de mentalização. Sabedores dessa situação na contemporaneidade, os autores “gurus” de “autoajuda”; intencionalmente direcionam o texto de seus livros para passar a ilusão de que o leitor será capaz de sair do caos em que ele se encontra, por meio das dicas e modos de se conduzir financeiramente que lhes foram apresentadas. É preciso deixar claro que, apenas fazendo uso de uma racionalidade instrumental para resolver questões complexas, o leitor não irá se livrar dos problemas que tem. E muito menos que ele não depende apenas de decisões lógicas, mas ele precisa principalmente integrar a sua situação pessoal ao contexto social em que ele vive. Não se trata apenas de um ‘poder pessoal”, mas de um estar-nomundo. Penso ser possível analisar esse contexto numa integração entre olhares multidisciplinares que vejam o concreto no mundo da vida, as questões intencionais presentes na sociedade de consumo e os mecanismos de construção de subjetividade utilizados pelo capitalismo contemporâneo, tais como: as hipermídias, o hiperconsumo e as literaturas de autoajuda (com ou sem mediação tecnológica). Considerando assim a existência de uma pseudocultura como elemento representante atual dos elementos que se inserem na cultura em geral. No caso dos livros de “autoajuda” financeira, há uma mistura de lógica a-teórica (Muñoz, 2000) com fundamentos contábeis-financeiros e discursos econômicos cuidadosamente concatenados, para que, pela via da identificação e da linguagem psicológica utilizada, o leitor Racionalismo terapêutico e subjetividade | 136 possa ratificar os ensinamentos ali elencados, como regras de vida já validadas por alguém “mais experiente”. A leitura então se torna uma pseudocultura. Essa associação entre meios de comunicação de massa e agentes do sistema econômico para implantar um modelo de vida calcado na lógica do faça-você-mesmo, se potencializa em tempos de crise. A autoajuda, difundida pela indústria cultural contemporânea, propõe um mundo da uniformidade, propagando a semiformação, a semicultura na massa que, ao se diluir, reforça seu caráter de “educação e cultura fáceis”, instantâneas. Ao ser deflagrada em 2008 a “nova crise” do capital colocou em choque e xeque as teorias econômicas vigentes, chamando os economistas, financistas e engenheiros do sistema a responder pelas “razões” da crise. Paralelo a essa situação, surgiu no mercado publicações fornecendo dicas de como lidar com as crises, reunindo conjuntos de informações contábeis, econômicas e financeiras sugeridos como modos de sair ou dela tirar proveito. Jamenson (2002, p. 22) discute o fenômeno da globalização, da cultura e da financeirização, como sendo um movimento característico da globalização, ou seja, ocorre uma mercantilização da cultura, diz o autor: “A produção das mercadorias agora é um fenômeno cultural, no qual se compram os produtos tanto por sua imagem quanto por seu uso imediato”. E no caso dos livros de “autoajuda”, principalmente os de “autoajuda” financeira o uso imediato é garantido, já que eles tratam de problemas que o leitor vive em seu cotidiano, dando-lhes uma ideia de uniformidade, sem exigir deles pensamento, mas adesão, identificação imediata. Matos (2006, p. 76) diz que: “O pensamento único é o do mundo da uniformidade, da unanimidade, para o qual quem pensa opõe resistência, devendo ser tratado como traidor” Para exemplificar a crescente produção dos livros de finanças relato o caso da editora Elsevier que lançou um 137 | Jean Marlos Pinheiro Borba conjunto de livros intitulados pela Série Pai Rico 90 cujo propósito central é o de ensinar o leitor a cuidar do dinheiro e lidar com o futuro. Para conhecimento, reproduzo abaixo os títulos dos livros desta série: Pai rico, pai pobre; Equipes ricas e vencedoras; Como ficar rico; Aposentado jovem e rico; Filho rico, filho vencedor; Pai Rico, Pai pobre para jovens; Vendedor Rico; Independência financeira: o guia do pai rico; O Guia de Investimentos; História de Sucesso; Quem mexeu no meu dinheiro?; Como comprar e vender empresas e ganhar muito dinheiro; Aposentado jovem e rico; Profecias do pai rico; Como ficar rico: sem cortar o cartão de crédito; Imóveis: Como Investir e Ganhar Muito Dinheiro; Como conseguir dinheiro e, Mulher rica. Toda essa série revela em seus títulos a valorização do dinheiro como agente capaz de proporcionar tudo o que o leitor deseja. No que diz respeito à “autoajuda” quero destacar que, como ela está inserida no seio da disputa capitalista, é natural que as editoras se tornem concorrentes e/ou parceiras para ocupar os “espaços de consumo” oferecendo produtos similares. Nesse caso, a Editora Saraiva lançou a série Letras & Lucros que tem um outro conjunto de livros com vários temas: a) 10 x sem juros: Saiba como se proteger das armadilhas do crediário; b) Aposentada ficava a sua avó; Devo, não nego: tudo o que você precisa saber para sair da dívida e tem vergonha de perguntar; c) Lar S.A. – você e sua família na rota da prosperidade; d) Meninas normais vão ao Shopping, Meninas iradas vão à bolsa; e) Riqueza familiar: como manter o patrimônio por gerações; f) Você tem mais coragem do que imagina: um guia de investimento em ações; Tristezas não pagam dívidas: como domar seus credores e colocar as contas em dia; Você tem mais... motivos que imagina: um guia de investimento para seus filhos; Você tem mais... futuro que imagina: um guia para sua aposentadoria; Você tem 90 Esta série conta com um site específico para os livros disponíveis no endereço http://www.clubedopairico.com.br/livros-1.html Racionalismo terapêutico e subjetividade | 138 mais... opções que imagina: um guia de investimentos em fundos; Você tem mais dinheiro que imagina: um guia para suas finanças pessoais; g) 20 lições essenciais para escolher os melhores fundos investimentos; Investindo sem erro; i) O assunto é dinheiro; j) Como comprar mais gastando menos; l) Decisões econômicas91. A Veja.com92 dentre os vinte e um livros vendidos de “autoajuda” e esoterismo aponta 4 da área de finanças pessoais: 8ª: Casais Inteligentes Enriquecem Juntos de Gustavo Cerbasi; Ed GENTE; 9ª posição Mais Tempo, Mais Dinheiro de Gustavo Cerbasi e Christian Barbosa; Thomas Nelson brasil; - recém lançado; 14ª posição Quem Pensa Enriquece de Napoleon Hill; Ed. Fundamento; 18ª posição Os Segredos da Mente Milionária de T. Harv Eker Sextante Na pesquisa na Internet identificamos que existe apenas um trabalho que trata desta categoria de “autoajuda” da doutorando Leite (2008) e que é uma relação entre o mercado financeiro e a “autoajuda”. 1.7 “Autoajuda” e Psicologia Positiva (Ciência da Felicidade) “Sem cair no senso comum, o mérito deste movimento tem sido o de integrar esforços no sentido de explicar as pessoas os caminhos para a tão sonha da felicidade.” (griffo meu) Este livro está classificado entre os de “autoajuda” no catálogo da Editora Saraiva e é de autoria da psicóloga e psicanalista Dr.a Vera Rita de Mello Ferreira que representa a Psicologia Econômica no Brasil. 91 92 Disponível em <http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/> . Acesso em 23. nov. 2009. 139 | Jean Marlos Pinheiro Borba (Graziano, 2008, p. 7.) Apresento brevemente os propósitos da psicologia positiva e da sua relação com os estudos sobre felicidade, pelo fato de que eles estão contidos em muitos livros de autoajuda, quer da área financeira ou não. E, em seguida discuto a perspectiva positivista e seus problemas na compreensão das questões subjetivas. A Psicologia Positiva como área de conhecimento emergente e ainda pouco conhecida tem sua teoria sujeita a observações, contestações e críticas. Assim, à medida que o assunto for abordado serão feitas observações às suas proposições e fundamentos. Os autores desse segmento iniciam seus argumentos mostrando que a felicidade foi assunto de interesse dos filósofos antigos, dentre eles Sêneca que a tematizou de modo brilhante. Em tempos hipermodernos, ela se tornou um assunto tanto de interesse do mercado, quanto de interesse científico, sendo que para uns é um evento, um fato, uma variável que precisa ser conhecida e controlada. Ela é atualmente o tema central da Psicologia Positiva e tema debatido amplamente por Martin Seligman em seu livro Felicidade Autêntica. Abbagnano (2007) apresenta diferentes visões e definições sobre o que é a felicidade. Lembra-nos que ela nasceu na Grécia antiga com Tales que julgava ser feliz. Contudo, percorrendo a origem do termo e diferentes interpretações filosóficas que existem a respeito é possível pensar que não há uma definição fechada ou perfeita, mas há muitas que nos fazem pensar o que pode ser a felicidade ou ser feliz. Sêneca em De Vita Beata – Sobre A Vida Feliz – discorre sobre felicidade, verdade, retidão, virtude e uso da razão. Em um dos seus diálogos – o primeiro abaixo – Sêneca explica ao seu irmão mais velho Gálio o que significa “viver feliz”, diz ele: Racionalismo terapêutico e subjetividade | 140 Viver de modo feliz, ó meu irmão Gálio, todos almejam, mas, quando se trata de ver, com nitidez, o que torna feliz a vida, então os olhos ficam ofuscados. (s.d., p. 31) É feliz de verdade quem usa, de modo correto, a capacidade judicativa da mente. Feliz é aquele que, satisfeito com sua condição, seja ela qual for, desfruta da mesma. Feliz quem entrega à razão o diecionamento de toda a sua vida. (s.d., p. 41) Ao tratar da Psicologia Positiva e discutir a felicidade, Snyder e Lopez (2009, p. 124) afirmam que ela é: “(...) um estado emocional positivo, subjetivamente definido por uma pessoa”. O termo raramente é usado em estudos científicos, entretanto os autores destacam também que na psicologia é comum associar a felicidade como sinônimo de bem-estar. Os defensores da Psicologia Positiva afirmam terem partido da ideia de felicidade de Aristóteles (eudemonia) por acreditarem que a felicidade é resultado de uma vida virtuosa, pois segundo sua linha de raciocínio ela pode ser alcançada quando as emoções positivas são valorizadas, quando o lócus de controle e o fluxo interno estão harmonizados. Os argumentos que os teóricos e pesquisadores desta corrente de pensamento sustentam provêm, segundo eles, do estudo de códigos de conduta da cultura oriental e ocidental, tais como bíblia, alcorão etc., procurando sempre elencar as seis virtudes comuns a todos eles: sabedoria, coragem, amor, justiça, moderação e transcendência. Partindo desse contexto a questão é: quais as características que um ser humano deveria ter para conquistar tais virtudes? Os pesquisadores chegaram, assim, a 24 características93, as quais chamaram de forças pessoais. 93 A partir destas 24 características Selligman desenvolveu o que chamou de Inventario de La Felicidade Auténtica, neste inventário a pessoa 141 | Jean Marlos Pinheiro Borba Para compreender os argumentos dessa teoria acessei o site Authentic happiness 94 e preenchi um de seus testes intitulado Cuestionario de Felicidad General. O site automaticamente apresentou a seguinte análise: “Aquí está su puntuación en la Escala de Felicidad General. Es una escala global que evalúa el nivel de felicidad percibida. En el gráfico95 puede comparar su nivel de felicidad con el de otras personas similares a usted. Puede obtener más información realizando la Escala de Satisfacción con la Vida en donde encontrará diversas explicaciones que pueden ser de su interes”. Um indicador leva a outro, assim como a realização de um teste leva a realização de outro. O resultado obtido foi respondido de modo aleatório, e ao final o resultado obtido foi “positivo”. Em apenas alguns segundos o site calculou meu índice de felicidade geral – general hapiness score – como escore 5 (cinco) e demonstrou que em relação a outros usuários eu estava entre 61% (sessenta e um por cento) dos usuários da Internet, 65% (sessenta e cinco por cento) do sexo masculino, 63% (sessenta e três por cento) de pessoas da minha idade etc. Este teste é feito on line, havendo apenas interação entre um humano e um não-humano (o sistema computadorizado que foi preparado por um programador). No teste é feita a estandartização dos níveis de felicidade a partir de informações previamente fornecidas pelo programador do sistema. faz um balanço de suas forças, e tem uma estatística de como está a sua felicidade. Em virtude do tamanho do arquivo apresento apenas uma das páginas deste instrumento. 94 Disponível em:<http://www.authentichappiness.sas.upenn.edu/results.aspx?id=25 0&it=1&langid=1034>. Acesso em: 24 jul. 2009. 95 O gráfico não é aqui apresentado, pois o site não permitiu a cópia fidedigna, por essa razão apresentamos alguns dos dados analisados para conhecimento do leitor. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 142 Além disso, há certa ingenuidade na validação deste instrumento, uma vez que não se pode admitir que a capacidade de “decisão” seja transferida para um computador, para um sistema como se ele tivesse condições de avaliar como um homem está num dado intervalo de tempo e espaço, feliz, ou melhor, “autenticamente feliz”, mesmo tendo este sido criado por outro humano. Esse e outros testes (que aparecem listados acima do questionário de felicidad general no quadro abaixo) estão disponíveis no site do Dr. Selligman – Felicidade Autêntica (Authentic Happiness). A psicologia positiva mescla raciocínio lógico, sistema de informação computadorizado, escala de atitudes e fundamentos existentes sobre emoções para demonstrar às pessoas que visitam o site Authentic Happiness que ela é válida e possibilita, em termos práticos, resultados sobre o nível de felicidade autêntica de quem faz o teste. Na figura abaixo exemplifico como se mensura a felicidade. Realiza do por Última Vez Opciones y Detalles 1a5 n/a Realizar el test n/a 0 a 10 0 a 100 n/a Realizar el test n/a 0 a 60 n/a Realizar el test n/a 10 a 50 n/a Realizar el test 5,00 1a7 24jul09 ¿ Volver a realizar el test? Inventario de La Felicidad Auntêntica Mis Puntua ciones Evaluá felicidad general Cuestionario de Emociones de Fordyce Evaluá felicidad Escala de Depresión CES-D Evaluá sintomas depresivos Escala PANAS Evaluá afectividad positiva y negativa Cuestionario de Felicidad General Evaluá felicidad general n/a Rango de Resultados Fig. 4 Teste Authentic Happiness Fonte: Disponível em: http://www.authentichappiness.sas.upenn.edu/testcenter.aspx 143 | Jean Marlos Pinheiro Borba Segundo essa teoria é o exercício das cinco principais forças que fará com que uma pessoa entre em flow 96 . Seus teóricos afirmam que a metodologia que utilizam visa levar as pessoas a cultivar emoções positivas, a partir da identificação do seu nível de felicidade, a fim de que desse modo alcancem a felicidade. Na figura A é possível observar como os teóricos compreendem o modo de alcançar a felicidade, ou seja, pela estimulação de emoções positivas. Fig. 5 – Demonstrativo de Emoções Positivas ao longo do tempo. Fonte: Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, 2009.97 De acordo com Lílian Graziano, psicóloga, Dr.ª em Psicologia, e Diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento 98 , a psicologia positiva se difere da “autoajuda” pelo rigor científico que a primeira utiliza e os méritos iniciais deste campo de saber é devido a Martin Seligman 99 , ex-presidente da Associação de Psicologia 96 Termo do inglês que significa fluxo e desenvolvido pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi na década de 1960. 97 Disponível em http://imagens.nomer.com.br/8138/imagens/tabemoc200805102032.j pg 98 Mais informações podem ser obtidas no site http://www.psicologiapositiva.com.br/ 99 Questionário disponível em http://www.authentichappiness.sas.upenn.edu/Default.aspx. No site o Racionalismo terapêutico e subjetividade | 144 Americana – APA. Como área de conhecimento emergente e recente a Psicologia Positiva, com dez anos de existência, possui uma associação internacional a International Positive Psychology Association da qual Graziano também é membro. Os teóricos dessa corrente de pensamento acreditam ser a felicidade um estado mental, logo, possível de ser controlado cognitivamente. A crença dos pensadores dessa área de conhecimento se resume ao fato de que a Psicologia Positiva: “(..) demonstra que a pessoa, percebendo e acreditando que são os seus recursos internos (forças e virtudes) que efetivamente controlam a maior parte de sua vida, terá mais chance de construir a felicidade.” Para estes pesquisadores existe um lócus de controle que é interno. Eles se apóiam em algumas explicações já dadas por nomes importantes da filosofia e do humanismo (do qual demonstram separar-se por utilizarem metodologia de pesquisa sistemática e científica) para justificar sua teoria, dentre eles: a) Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, b) a ideia de equilíbrio indivíduosociedade de Fritz Pears, fundador da Gestalterapia; e, c) a ideia de centro do processo de avaliação ou apreciação organísmica de Carl Rogers e A. Maslow. Além de utilizarem estes fundamentos para explicar suas idéias, eles afirmam a psicologia positiva surgiu para o bem da humanidade, o que não deixa de ser uma visão bem romântica para explicar a validade de sua teoria, já que se afastam dos valores negativos e aproximam-se intencionalmente das emoções “positivas”. Reforçam ainda, junto à sociedade que a psicologia trata de questões internas, retornando ao paradigma do subjetivismo psicofísico combatido por Husserl e outros pensadores. A psicologia fenomenológica não trata do interno, nem do externo, mas da relação Consciência-Mundo, pois a leitor pode verificar o exemplo do tipo de questões utilizadas para que se chegue ao índice de felicidade autêntica. 145 | Jean Marlos Pinheiro Borba consciência sempre está intencionalmente motivada e voltada para o objeto. Essa área de conhecimento dirije-se na mesma lógica da ciência e tenta respaldo na filosofia e em alguns teóricos da psicologia humanista. Respaldam-se principalmente na metodologia quantitativa para avaliar os níveis de felicidade, mas não percebo, em algum momento, qualquer relação com uma filosofia rigorosa, mas sim com a filosofia naturalista que foi tão criticada por Husserl (1965). Apoiar-se fielmente na metodologia quantitativa aproxima qualquer ciência ou teoria do pensamento positivista e racionalidade matemática, afastando novamente a felicidade de uma condição vivenciada pela consciência em seu constante fluxo, colocando-a como um elemento capaz de ser modificado e controlado, retornando à ideia de que pode haver um controle interno e mental das condições que afetam a existência de uma vida feliz, única e exclusivamente por causa do próprio indivíduo. Este modelo de uso da racionalidade técnica foi criticado tanto por Husserl (1965; 2005; 2008) quanto pelos frankfurtianos que, ao fazerem uma leitura da realidade, evidenciaram os modos como o capitalismo tem se utilizado para manter a sociedade administrada, dentre eles Marcuse (1967) que analisou as novas formas de controle. A Psicologia Positiva pretende ser a nova “ciência da felicidade”, e para isso busca o método científico, mensura os níveis de felicidade, promove a generalização de emoções através da escala de atitudes, de uma pontuação para se atingir a felicidade e estabelece passos para atingi-la. Contrário a ideia de uma forma positiva de pensar a felicidade, de uma psicologia positiva Magnavita (2008, p. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 146 23) ao apresentar uma cópia da tela100 de Dominique Louis Papety intitulada Le rêve de Bonheur (O sonho da felicidade) reflete e afirma que: “A fé cega na eficácia do pensamento positivo pode deixar a felicidade mais distante. Já uma dose sensata de ceticismo pode preparar o indivíduo para os percalços”. O ceticismo que Magnavita (2008) se refere defende a preocupação com a ética e a prática, por isso Pirro de Élis (360-270 a.C.) defendia a necessidade de o homem atingir a imperturbabilidade (ataraxia) para alcançar a felicidade (eudamonia). Isso significa dizer que para atingir a felicidade o homem não deveria romper a vida prática, mas sim vivê-la moderadamente e com tranquilidade . Modo este de condução da vida que é comentado na seção sobre Utopia, quando apresento as ideias de Ernest Bloch por meio de Furter (1974). Ao tomar estes princípios como norte de suas ações, os seguidores do ceticismo deveriam evitar o dogmatismo e colocariam em suspenso o juízo (no dizer de Husserl, realizando uma époche) e a partir desse modo de existir alcançar a tranquilidade , e consequentemente a felicidade. (MARCONDES, 2001) 100 Disponível em: <http://www.chapitre.com/CHAPITRE/fr/PAINT/papetydominique-louis/le-reve-de-bonheur,5679654.aspx>. Acesso em: 6 nov. 2008. 147 | Jean Marlos Pinheiro Borba Fig. 6 - Tela “Le rêve de Bonheur”. (O sonho da felicidade) Fonte: Papety Dominique-Louis A contemplação desta imagem faz concordar com Soares (1999) ao citar Herbert Marcuse: “A arte representa o objetivo derradeiro de todas as revoluções: a liberdade e a felicidade do indivíduo”. É relevante destacar aqui que a busca da felicidade sempre fez parte da condição humana e mobilizou inúmeros períodos da filosofia, desde a antiga até a contemporaneidade, na qual a felicidade tornou-se objeto de consumo. Retornando ao tema relação de felicidade ligada ao consumo e existência, merece consideração Lipovetsky (2008, p. 16) afirma: Quando temos objetivos na existência o consumo é o menos importante. Mas, se não temos trabalhos interessantes se estamos desempregados, se não temos nada na vida que nos interresse, então o consumo preenche esse vazio. É o vazio, portanto, que precisamos preencher. E se não há objetivos nesse modo de vida hipermoderno como fica então a existência? Que rumos ela Racionalismo terapêutico e subjetividade | 148 toma? Charles (2009, p. 11-12) fala dos efeitos dessa condição humana atual e ratifica que a: (...) mercantilização desenfreada dos seres e das coisas, invasão das técnicas em todos os domínios da existência, fragilização cada vez mais funda dos indivíduos, perda crescente do senso comum e do bem público – quase não incitam ao otimismo e levam às vezes ao cansaço frente ao mundo como está” Diante dessa constatação, de cansaço frente ao mundo e perda de esperança, há algumas pessoas que buscam o esquecimento de si, e projetam um sentido para a vida ao buscar incansavelmente a felicidade e o dinheiro, ou a aquisição de modos de ser, de coisas para “exisitir”. É nesse momento que agem com má-fé101, para Sartre (1997, p. 94): “A consciência se afeta a si mesma de má-fé.” Na visão de Giannetti (1997) ela promove o auto-engano.” Ao discutir a relação do dinheiro com a felicidade, Tolotti (2007) argumenta que a felicidade não depende da existência do dinheiro, mas sim de um conjunto de recursos do indivíduo que cria e busca as condições necessárias para se sentir e ser feliz, ou seja, a felicidade está mais relacionada com a individualidade de cada um do que ao acúmulo de bens materiais. Outras questões surgem à consciência sobre essa reflexão: e como se dá o movimento de busca da felicidade pela via do consumo de promessas de felicidade? Pode esse caminho levar a pessoa a ser feliz ou é infeliz? Pode a busca constante pela felicidade levar o homem a algum tipo de adoecimento existencial? 101 No caso da má-fé para o homem que a pratica, ele mente para si mesmo. É o que Giannetti (1997) chama de auto-engano. 149 | Jean Marlos Pinheiro Borba 1.7.1 Atribuição de valor O que leva o homem a procurar um livro de “autoajuda”? Essa questão não tem e não deve ter uma resposta imediata, pois só conseguirei respondê-la, se eu estiver atento ao diálogo que se revela no mundo. É pela via da relação consciência-Mundo-consciência que posso acessar o outro e suas intencionalidades. Mas o que são os valores? Qual o valor de um livro de “autoajuda” para quem o escreve? Que sentido o autor atribui ao livro? Como estes livros podem revelar a realidade das relações contemporâneas? Partindo da ideia de que não há valores para além da consciência humana (GUIMARAES, 2003, p. 43) me ajuda a pensar: “Os valores só se realizam no homem e na sociedade, ou seja, os valores são instituídos pela consciência humana e realizados no processo da cultura”. Essa ideia que atribui valor é encontrada em Husserl (1965; 2001; 2006) quando afirma que “Toda consciência e consciência de algo, e, essa intencionalidade, de que aqui se fala é racional, porém, quando ela não ocorre, é irracional, a-crítica, ou melhor, ingênua, ou seja, se um dos modos de ser do homem é ser racional, também um dos modos de ser é ser irracional” (GUIMARAES, 2003, p. 44) Sabendo que a irracionalidade é condição humana, os agentes e operadores da cultura de massa, agem de modo intencional para manter a condição ingênua e irracional do homem, utilizando a técnica, justificada pela ciência para atender aos interesses do capital. Assim o capitalismo visa apresentar aporias (caminhos sem saída) à consciência para manter o homem ingênuo e irracional conseguindo executar/concretizar com uma grande parcela de pessoas. “Valor é algo que incorporamos à nossa vivência histórica.” (GUIMARAES, 2003, p. 45) Sabendo disso os detentores do capital oferecem novos valores dia a dia, que se tornam passageiros. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 150 Os valores só existem na medida da intuição emocional da consciência, pois não existem regras valorativas. Só existem intencionalidades valorativas, geradas em função do bem e do mal. (GUIMARÃES, 2003, p. 46). Nesse sentido, a consciência atribui um valor ou um significado àquilo que ela intenciona, àquilo que atende mesmo ingenuamente às suas necessidades. Assim, é na relação com a cultura, com a técnica e com outras consciências, enfim com o mundo, que a consciência valora o objeto concreto que intencionalmente almeja e compreende o significado deste. Pensando novamente na questão dos livros de “autoajuda” presentes no seio do capitalismo, posso inferir que quem escreve um livro tem a intenção de transmitir aos seus leitores os valores que acredita, demonstrando que a sua forma de ver o mundo e as pessoas pode também ter valor e sentido semelhante para quem o ler. Talvez esta seja uma das razões que leve alguém a escrever, contar sua experiência e colocar em cena aquilo que acredita. Por isso: “Valor será sempre retorno à consciência valorante, isto é, a consciência doadora de sentidos. (...)” [GUIMARAES, 2003, p. 49). Nesse sentido, ao escrever um texto de autoajuda financeira ou qualquer outro, o autor define os valores que quer mostrar ao leitor e ele, leitor, adquire o livro geralmente por concordar com os valores ali expostos. Ratificando assim a concordância do modo de ser e estar no mundo que lhe é apresentado. A conferência 102 do professor Amatuzzi sobre o significado de uma palavra, ajuda entender essa questão valorativa. De acordo com o professor uma palavra possui um significado e à medida que ela vai sendo usada, muitos outros significados vão sendo atribuídos. “A palavra é 102 AMATUZZI, Mauro Martins. Construindo uma fenomenologia do significado. IX Congresso Brasileiro de Psicoterapia Existencial. São Paulo, Faculdade UNIP, 2009. (conferência pública) 151 | Jean Marlos Pinheiro Borba aglutinadora de muitos significados. E ainda, se pensarmos no livro de “autoajuda” como um objeto para uma consciência, a afirmação do professor Amatuzzi fica ainda mais clarificadora: “Os objetos adquirem significados pelas relações que temos com ele”. A atribuição de valor e a atribuição de significados são ambas atividades da consciência doadora de sentido. Quando alguém se aproxima de um livro de “autoajuda”, está diante de um fenômeno que tem significado tanto para o autor que o escreveu, quanto para um futuro leitor. Como na condição de leitor essa aproximação pode remeter a um outro horizonte de significados. “Uma coisa encontra significado quando ela encontra significado no nosso mundo de significados”. Por isso, se um livro atende às necessidades daquele que o procura, a identificação acontece e possivelmente a valoração que será atribuída o manterá na lista dos mais adquiridos, comprados e divulgados. A partir dessa ideia de valor e consciência valorativa defendida por Guimarães (2003) uma nova questão surge: se a consciência atribui valor, o que é valorado pelo homem que busca um livro de “autoajuda” financeira e ainda, como e quais as estratégias que o capitalismo na hipermodernidade se apropria para ampliar o valor deste tipo de literatura no mercado? Como a indústria do livro incentiva a aquisição destes livros? Entender os modos de funcionamento do capital e o modo como ele se apropriou da racionalidade científica é tarefa complexa, árdua, porém necessária para (des) cobrir o fenômeno, tornando-o assim objeto de análise compreensiva. O capitalismo é o reino da ciência e da técnica, ou melhor, da racionalidade instrumental, um tipo de razão calculista, para fazer valer o interesse do capitalista via fetichização de mercadorias e de modos de ser, enfim das subjetividades. Se o capitalismo é o reino da técnica, então: “O reino Racionalismo terapêutico e subjetividade | 152 da técnica não obriga quaisquer compromissos com o reino dos valores” (GUIMARAES, 2003, p. 49). Decerto, o único valor que interessa é a maximização do capital via auferimento obtido pelos juros, ou seja, fazer o capital ter mais valor. Para o capitalista o valor é atingido via juros, mas para quem lê ou escreve um livro de “autoajuda” financeira, qual será o valor? Para o capitalismo, toda mercadoria que favoreça ao giro do capital passa a ter o valor atribuído que será identificado, no preço que o produto deverá ter, para movimentar a economia. 153 | Jean Marlos Pinheiro Borba DESDOBRAMENTOS DO CAPITALISMO NA SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO 2 O futuro do capitalismo só agravará a tagédia humana que se vive nos dias atuais no planeta. Sustentar o contrário é viver no mundo de ilusões” Carcanholo 2.1 O Capitalismo na contemporaneidade e suas crises A discussão aqui apresentada condensa algumas ideias sobre capitalismo, suas crises e da mundança do sistema de trocas de mercadoria para a transformação do homem como mercadoria dentro da economia capitalista contemporânea. Eu discorro sobre o capitalismo utilizando conceitos e reflexões para possibilitar acessar o fenômeno da “autoajuda” numa perspectiva crítico-fenomenológica. A reflexão sobre os impactos do capitalismo na vida da sociedade contemporânea, aqui chamada muitas vezes de hipermoderna 103 está presente, atravessando vários momentos desta tese, e não apenas será visto nessa seção. De acordo com Macfarlane (1989) o homem precisava ficar livre, mas ao mesmo tempo não abdica de ter ao seu lado o Estado. E por meio dessa simbiose que acontece o progresso, por ele financiado, e a melhora da 103 Adotaremos em quase toda a tese o termo hiper por concordar com a nomenclatura usada por Giles Lipovetsky, Sebastian Charles, Nicole Aubert. Ambos consideram o termo hiper como um indicador da sociedade contemporânea que esta pautada na cultura do excesso. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 154 vida social. Tudo passou aparentemente a tornar-se “livre”, proporcionando a ampliação definitiva dos padrões individualistas já presentes no berço da sociedade europeia. Outro ponto levantado pelo autor, sobre o crescimento do capitalismo, é que ele se apropriou da valorização dos sentimentos na sociedade para transpor esse interesse para o mercado. Apropriando-se dos sentimentos, o capitalismo passou a vendê-los, negociá-los como valores de mercado. Em linhas gerais, Silva (1985) aponta algumas caracterísitca do capitalismo que abaixo são sintetizadas: a) uma produção voltada para mercados; b) relações monetárias; c) existência de grandes empresas; d) preocupação com o lucro e com a acumulação de capital; e) livre iniciativa; f) relações assalariadas de produção; g) poder em mãos de uma minoria; e, h) monetarização da vida humana. Em complementação às características acima apresentadas Marcfarlane (1987) indica outras: a) a emergência da propriedade privada individual; b) o trabalho alienado generalizado; c) a emergência de mundo artificial; d) a maquinaria substituindo o trabalho humano; e) a alienação psicológica; f) o sistema individualista entatizado por Engels; e, g) um sistema que provoca o desencantamento com o mundo e uma nova atitude em relação à natureza como enfatizou Weber. 155 | Jean Marlos Pinheiro Borba Boltanski e Chiapello (2002) argumentam que o espírito do capitalismo104 promove: a) o progresso material; b)a eficiência e a eficácia na satisfação de necessidades; e c) os modos de organização social favorável ao exercício das liberdades econômicas e compatível com regimes políticos liberais. Os pontos levantados por Silva (1985), Marcfarlane (1987), Boltanski e Chiapello (2002) mostram que o capitalismo possibilitou em escala exponencial, a instalação de um modelo de sociedade pautado na valorização do individualismo e da anulação quase que total das alternativas coletivas de superação de crises, sendo que qualquer movimento nesse sentido é abafado. O capitalismo é um sistema que promove o individualismo, o culto de si e o egoísmo. Em entrevista 105 o filósofo francês André ComteSponville afirma que o capitalismo não é nem moral, nem imoral, mas sim amoral, onde o prefixo a é usado para significar privação. Para chegar ao seu estado atual o capitalismo atual passou por 4 (quatro) etapas que permitiram sua consolidação no mundo. a) Do século XII ao XV existiam as relações assalariadas de produção, pois ainda não existia um capitalismo “genuíno”, mas apenas um pré-capitalismo; b) do século XV ao XVII, o comércio era a fonte fundamental de riqueza da burguesia e do Estado nacional (que era a tividade econômica mais importante). Existiam relações assalariadas, e a agricultura e a indústria eram atividades secundárias de reprodução do capital tendo como política econômica o mercantilismo; c) de meados do 104 105 Os autores fazem uma releitura da obra de Max Weber. GALINDO, Rogério Waldrigues. O capitalismo é moral. Entrevista com André Comte-Sponville.. Gazeta do Povo. Disponível em: < http://www.gazetadopovo.com.br/blog/caixazero/?id=1025002&tit= o-capitalismo-e-moral>. Acesso em 05 mai. 2011. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 156 século XVII ao século XX, com a Revolução Industrial, ocorreu a principal base geradora de riqueza que foi a produção. d) fase autal: passou a ser considerada pela alta concentração de atividades nos bancos e nas instituições Financeiras, caracterizando também a dependência das outras atividades aos bancos pela via da especulação. e) fase hipermoderna: acredito que é a fase em que o consumo se define e regula toda a vida em sociedade, tendo inclusive aglutinado a especulação, a produção, a atividade agrária e mercantil em torno do estímulo ao consumo de bens, mercadorias e serviços diversos. (Adaptado de Silva, 1985) Das fases acima, a do capitalismo financeiro e a do consumo são as que mais se aproximam do objeto de discussão desta seção, principalmente em sua fase de especulação financeira, ou como capitalismo financeiro, onde predomina a financeirização 106 da economia. E o estímulo ao consumo de produtos e serviços financeiros exercido não só pelos bancos, mas por outros agentes terceirizados. Ao tratar do capitalismo, do capital, do dinheiro e da mercadoria, assim como de suas relações intrínsecas, não estabelecerei relações ou divisões de categoria ou mesmo privilegiando alguns destes aspectos. O foco aqui não é dado na relação do capital com o trabalho, mas do capital com o próprio capital e, com seus instrumentos de especulação da subjetividade, preferencialmente livros de “autoajuda” que tratam de sucesso financeiro e com as promessas de obter felicidade e sucesso pela gestão das finanças pessoais. O foco ao qual me debruço se refere à relação entre o objeto, estudado neste projeto de tese – literatura de Carcanholo (p. 6) diz que “A atual fase do capitalismo, de retomada da hegemonia do que chamam “finança” (a financeirazação”, pressupôs na forma da propriedade sobre o capital, com sua transferência para grandes instituições financeiras, geridas por especialistas.” 106 157 | Jean Marlos Pinheiro Borba “autoajuda” financeira - e algumas ideias que corroboram para a ampliação da discussão sobre o consumo da literatura de “autoajuda”, a subjetividade e a hipermodernidade. A discussão que proponho está apoiada em contribuições do pensamento de Walter Benjamin, Macfarlane, Löwy, Haug, Mattei, Carcanholo e Meszáros sobre o capitalismo e, sempre que necessário, com referências aos estudos de economia política de Karl Marx, atualizada pelo pensamento de Mészaros, Harvey, Sennet e outros. Dentre estes autores, Harvey (2004) discute o movimento atual de seus estudos apontado um novo modo de ler o capitalismo a partir, do que ele chama de um materialismo histórico-geográfico, já que o paradigma anterior valoriza o aspecto histórico e dá pouca importância ao geográfico. O autor lança um olhar sobre a globalização, mais especificamente para a proliferação e o desenvolvimento das desigualdades geográficas que o capitalismo, para sobreviver e se manter. Além disso, utiliza uma estratégia diferenciada que não está citada nas características centrais anteriormente apresentadas, ou seja: o capitalismo usa ajustes espaciais, isto é, uma reorganização geográfica para expandir-se. O capitalismo então se apropria do espaço em suas mais variadas formas, quer seja o espaço físico ou o virtual. A utilização do espaço e do tempo como modo de expansão do capital é tratada por Bauman e Harvey. As contradições geográficas do processo de acumulação capitalista é, como aponta Harvey (2004, p. 86), percebida na paisagem geográfica que ele produz: Em primeiro lugar, o capitalismo está sempre movido pelo ímpeto de acelarar o tempo de giro do capital, apressar o ritmo de circulação do capital e, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 158 em conseqüência, de revolucionar os horizontes temporais do desenvolvimento; Em segundo lugar, o capitalismo sente-se impelido a eliminar todas as barreiras espaciais, a “aniquilar o espaço por meio do tempo (...).” Compreendo, portanto que a “autoajuda” é um fenômeno social em ascensão que encontrou no capitalismo, o apoio necessário para sua proliferação em escala exponencial. Este tipo de literatura tem se expandido em diferentes espaços de consumo e alavancado o ranking entre os best sellers. Nestes espaços reproduzem-se teses já defendidas por Marx e outros autores, assim como criam novas formas de invasão das relações sociais. A discussão sobre literatura de “autoajuda” será retomada mais adiante. No entanto, não posso deixar de lado a questão, mas afinal o que é a crise financeira? Quando ela se iniciou? Calligaris (2008)107 em seu artigo discute que a crise financeira e a especulação foram saídas encontradas pelo capitalismo para alavancar mais recursos, cita que dentre as formas de especulação estão o mercado imobiliário e os livros de “autoajuda” ao comentar a observação da jornalista americana Bárbara Ehrenreich sobre os livros de “autoajuda” e o estímulo ao pensamento positivo na cultura americana que foi difundido em todo o mundo e, no Brasil encontrou um terreno fértil para se proliferar. O autor conclui dizendo que: “As estantes das livrarias de aeroportos108 mandam cada viajante (sobretudo se for um executivo) ser loucamente otimista e confiante. Em seus 107 CALLIGARIS, Contardo. Aritmética da crise. Folha de São Paulo. São Paulo, quarta-feira, 2 out. 2008. Ilustrada. p. E13. 108 O aeroporto foi o espaço onde, no início da construção do projeto de tese, identifiquei o maior número de livros de literatura de “autoajuda” financeira, espaço este ainda elemento de observação e que continuamente recebe novos títulos de livros de “autoajuda”, no momento atual o foco caminha para a crise. 159 | Jean Marlos Pinheiro Borba sites, os conferencistas motivacionais ainda listam orgulhosamente, entre seus clientes importantes, Lehman Brothers e Merril Lynch.” Carcanholo (s.d) também diz que o capitalismo criou o capital especulativo como uma maneira para, ilusoriamente, garantir os lucros dos seus investidores. Mas o que é o capitalismo? Sem pretender esgotar as inúmeras definições que se encontram na literatura científica, penso que a seguinte revela parcialmente uma compreensão sobre esse fenômeno que se mantém com crises, as produz, mas tenta indicar suas soluções. Desse modo: Capitalismo é o sistema econômico que se caracteriza pela propriedade privada dos meios de produção -- máquinas, matérias-primas, instalações. Nesse sistema, a produção e a distribuição das riquezas são regidas pelo mercado, no qual, em tese, os preços são determinados pelo livre jogo da oferta e da procura.109 O capitalismo é complexo, pois valoriza mais o ter do que o ser, e pode, metaforicamente, ser comparado a duas personalidades da mitologia grega: uma medusa e uma sereia. A primeira por possuir vários tentáculos e a outra por envolver sua presa com uma música suave, doce, sedutora e hiponitizante que arrasta sua presa para o alto mar do sistema, que em situação extrema, à deriva, é convencido ou obrigado a comprar um colete salva-vidas com duração efêmera. O capitalismo se alimenta da produção de desumanidade. 109 Disponível em: <http://www.pfilosofia.xpg.com.br/geocities/mcrost00/20040711a_c apitalismo.htm>. Acesso em 8 maio 2009. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 160 Na condição de fenômeno complexo e multifacetado, o capitalismo se metamorfoseia através de inúmeras estratégias para envolver os agentes/sujeitos do sistema, assim como incita o surgimento de outros fenômenos. As estratégias do capitalismo são propagadas pela indústria cultural, e visam acima de tudo a apropriação da subjetividade e da razão humanas. Como um vampiro ele se apropria do sangue humano para se manter vivo e, não se importa com o número de vítimas a serem sacrificadas, pois lhe interessa apenas beber o sangue, que é fruto do trabalho e da especulação financeira. Quanto mais vítimas infectadas nessa lógica mais ele se robustece. “A vida no capitalismo tardio é um contínuo rito de iniciação; Todos têm que mostrar que se identificam integralmente com o poder de que não cessam de receber pancadas”. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 144) Neste texto faço a opção de me reportar ao agente social que exerce o papel de consumidor, não especificamente o de trabalhador, que está presente nas discussões sociológicas e de economia política, principalmente as iniciadas por Karl Marx. Isso não significa desconsiderar que o consumidor é um trabalhador, nem tampouco desconheço a estreita relação entre trabalho e consumo. Não se trata disso faço, mas apenas um corte que optei fazer na discussão sobre o fenômeno da “autoajuda” financeira, assim como em suas relações com as finanças e a psicologia econômica. Capital e capitalismo são fenômenos distintos, pois o capital antecede o capitalismo e também é, ao mesmo tempo, posterior a ele. O capitalismo proporciona o crescimento do capital através do tripé capital, trabalho e Estado que é o núcleo constitutivo do próprio capital, sendo considerado comum ao sistema de sociometabolismo do capital, um sistema incontrolável. (MÉSZÁROS, 2002). 161 | Jean Marlos Pinheiro Borba Além dessa distinção há outra também necessária para ser feita que é entre capital e dinheiro, aliás há, uma excelente e clara explicação feita por Huberman (1986, p. 156) a esse respeito: “O dinheiro só se torna capital quando é usado para adquirir mercadoria ou trabalho com a finalidade de vendê-los novamente com lucro.” Huberman esclarece dando um exemplo que diferencia um simples usuário do dinheiro, de um que o utiliza na condição de capitalista, como é o caso de um espectador que se dirige a um teatro para assistir a uma peça e adquire um ingresso e, de outra pessoa que o adquire, para logo depois vender por um preço maior ou menor que o valor da bilheteria. Esse segundo, o cambista, é um capitalista nato, pois usa dinheiro para produzir mais dinheiro. O autor complementa ainda explicando: Quando o dinheiro é empregado num empreendimento ou transação que dá (ou promete dar lucro), esse dinheiro se tansforma em capital. É a diferença entre comprar para uso (fase précapitalista) e comprar para vender com o objetivo de ganhar (fase capitalista). (idem, p. 157) Nesse processo de sociometabolismo defendido por Mészáros há de se destacar as duas condições essenciais que determinam o modo capitalista de produção, são elas: (1) a existência de capital, conjunto de recursos que se aplica na compra de meios de produção e força de trabalho e (2) existência de trabalhadores livres, que vendem sua força de trabalho em troca de salário. Definem-se assim as duas classes sociais básicas: a dos capitalistas e a dos assalariados. É possível afirmar que o capitalismo pode também ser caracterizado por outros elementos, tais como: a) a acumulação permanente de capital; b) a promoção da distribuição desigual de riqueza; Racionalismo terapêutico e subjetividade | 162 c) a valorização contínua e o papel de coadjuvante desempenhado pelo dinheiro e pelos mercados financeiros; d) a livre concorrência; e) o uso constante e crescente de tecnologias; f) o surgimento e expansão das multinacionais; e f) o processo de coisificação humana que permeia as relações de uso do capital e do trabalho como elementos ratificadores de sua expansão. O capitalismo é o terreno onde capital e capitalista se encontram para a concretização de um projeto utópico de felicidade eterna, riqueza e lucratividade, disfarçados numa lógica que “prega” a valorização do não-vínculo, da aparência e do efêmero, do individualismo, tanto nas relações comerciais e financeiras, quanto nas relações sociais e afetivas. Terreno este onde o fetiche da mercadoria, já sinalizado por Marx, contribui para coisificar o homem e sua relação com outros homens, cenário que tem estabelecido relações líquidas e pautadas no hedonismo individualista, no efêmero e na valorização do coletivo para atingimento da satisfação pessoal pensamentos estes presentes em Bauman, Charles, Lipovetsky. Destes últimos autores, pode-se atualizar o pensamento de que não seria mais um fetiche da mercadoria em si, mas da subjetividade. Esse projeto utópico estremece mais uma vez com a crise que se inicia. As bases dessas alternativas de “solução” são fluídas e as soluções são apenas passageiras, o suficiente para atender aos interesses das empresas vigentes, não atingindo substancialmente as pequenas e nem as pessoas físicas, mas acima de tudo um pequeno contingente de privilegiados, como Zarifian (2009, p 1) comenta: A crise social é um pede socorro de curto prazo direcionado às grandes firmas para evitar sua 163 | Jean Marlos Pinheiro Borba falência e obrigá-las a reduzir fortemente seus custos, o que terá, em curto prazo, um efeito recessivo, como é o caso do setor automobilístico! E, estímulo da atividade pela construção de infraestruturas financiadas pelo Estado, que apenas atingirão uma pequena parcela das empresas e não terão efeito algum sobre a demanda efetiva dos cidadãos. Como sistema econômico, o capitalismo, através dos donos do capital e do próprio Estado, cria e recria a cada dia a espetacularização e a especulação da vida contemporânea, elaborando mecanismos de modo que tenta se apropriar da subjetividade de cada homem pelo mecanismo do estímulo à alienação e ao consumismo. “O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação”. (DEBORD, 1997, p. 24) E como bem anunciou Walter Benjamin, capitalismo é uma religião que tem ciências organizadas para proclamar a sua defesa dentro de um sistema teórico fechado e metodologicamente organizado, dentre elas estão a Administração e a Ciência Contábil. As Ciências Contábeis, mas conhecida como Contabilidade, em especial, tem seu corpo teórico e metodológico estruturado para garantir os interesses dos detentores do capital, via valorização, controle e avaliação do objeto central desta ciência: o patrimônio que é conhecido como a diferença entre ativos e passivos. Além da contabilidade, as finanças, principalmente as corporativas desenvolvem constantemente inúmeros mecanismos para diminuir a relação custo-benefício nas relações comerciais, financeiras e trabalhistas, assim como metodologias próprias para analisar e conceder crédito, assim como gerenciar o risco e os procedimentos de cobrança. De um modo geral, as políticas de gestão de crédito, risco e cobrança visam a proteger o detentor do Racionalismo terapêutico e subjetividade | 164 capital de sofrer perdas e auferir rentabilidade (BORBA, 2008). Escolhi a denominação apresentada por Netto (2006) que destaca ser o momento atual, o do capital contemporâneo. Momento este no qual o capital é especulativo onde prevalece a financeirização 110 o que na minha percepção tem sido oportuno para retomar o foco das atenções sobre o individualismo e sobre as discussões psicológicas, o que também se percebe na retomada dos estudos da Psicologia Econômica e Finanças Pessoais. Autores como Tolotti (2007) e Ferreira (2008) trazem discussões acerca da relação entre a Economia e a Psicologia tecendo comentários de como o homem mantém relação com o dinheiro e com o crédito, bem como o endividamento. Carcanholo (s.d) argumenta que o capital acreditou ter encontrado na especulação, um modo de “não sujar as mãos com a produção”, todavia isso aconteceu por pouco tempo já que não há maneira limpa para obter mais retorno se não for pela superexploração dos trabalhadores sejam eles assalariados ou não. Essas ações do capitalismo especulativo podem até durar por um certo tempo, mas tendem a desaparecer. Dentre estas preocupações com o gasto do indivíduo é que os capitalistas buscam mecanismos para aumentar a lucratividade e a liquidez de suas operações, atualmente através da gestão do crédito e do risco. Crescer sempre e com quaisquer que sejam as consequências para a humanidade, eis a máxima capitalista. E nesse sentido Mészáros afirmou, ao tratar da globalização e seu efeito 110 A atual fase do capitalismo, de retomada da hegemonia do que chamam “finança” (a financeirização), pressupôs modificação na forma da propriedade sobre o capital, com sua transferência para grandes instituições financeiras, geridas por profissionais especialistas. (CARCANROLO, 2006, p. 6) 165 | Jean Marlos Pinheiro Borba nefasto, que o capitalismo equivale a um câncer em crescimento exponencial: Na ideologia capitalista, crescimento canceroso significa que o capital precisa crescer cada vez mais para não entrar em colapso. O sistema precisa acumular sem parar. Mesmo que não corresponda às necessidades humanas, o capital precisa crescer – e isso pode ser extremamente destrutivo. É um conceito totalmente incriticável e destrutivo no sentido de que, por exemplo, produz um tipo de crescimento parasita, como o militarismo. Colossais recursos são investidos na produção militarista e em aventuras de guerra como a do Afeganistão, de onde se esvai mais de um bilhão de dólares por ano. O sistema capitalista tem operado cada vez mais na produção destrutiva. Você nem mesmo tem que usar o que produz nesse setor. Há produção militarista que sequer tem sido usada. A questão crucial não é crescer ou não crescer, mas o tipo de crescimento, porque crescimento destrutivo é o que eu chamei de crescimento canceroso. Antes das análises contemporâneas de Mészáros, Karl Marx e Walter Benjamin afirmaram ser o capitalismo a “religião” do mundo, e a mercadoria o ídolo desse mundo. No capitalismo, os capitalistas concentram todos os esforços para mantê-lo em funcionamento, são espécie de peixes beta, brigam entre si até a morte e só estão juntos na época do acasalamento. Na perspectiva frankfurtiana encontrei a base para sustentar minhas reflexões sobre a sociedade de consumo atual e o estágio atual do capitalismo. A partir da perspectiva crítica, ou melhor, apoiando-me em Adorno, Horkheimer e Marcuse e de seus interlocutores é que tentarei discutir as armadilhas do capitalismo na contemporaneidade, principalmente aquelas que visam a destruir ou se apropriar da subjetividade humana. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 166 Para os frankfurtianos, o capitalismo é um sistema em decadência e se utiliza de mecanismos para manter o controle burocrático da sociedade de modo racional e instrumental. Löwy (2005) ao se reportar ao pensamento de Benjamim destaca que o capitalismo é uma religião que tem como fundamento um culto, não havendo significado próprio, nem tampouco dogma ou teologia, mas idolatra o dinheiro, como se fosse uma imagem de um santo de uma religião católica. Pensar o capitalismo a partir de uma pesquisa crítica não é apenas pensá-lo de modo crítico, e tentar se ajustar aos seus mecanismos de controle e de dominação, mas acima de tudo pensar noutro modo de organização social que não seja mera utopia. (...) A teoria crítica tem como princípio o interesse por um estado racional, por uma organização social racional que faça justiça a todos. (REPA, 2008) O projeto utópico do capitalismo se concretiza de diferentes maneiras na tentativa criar um cenário em a crise possa ser vencida, via acesso facilitado ao crédito, recuperação da poupança e da economia, via aproveitamento da especulação financeira e de modos de vida oprortunizada pelo acesso ao consumo. A crise, que é produto constante do sistema capitalista, está literalmente inserida no seu projeto utópico. O capitalismo valoriza a manutenção dos lucros a qualquer preço (juros, perda de valores, criação de novos valores, degradação do meio ambiente, vida ou morte humana, falência de empresas, venda de órgãos humanos, especulação financeira etc...) e, acima dos lucros, a manipulação ideológica da alienação social (ARANHA, 2003). Na análise de Mészaros o capital vive uma profunda crise estrutural que é a crise do próprio sistema, onde se 167 | Jean Marlos Pinheiro Borba percebe uma séria manifestação demonstrando que o próprio sistema encontrou seus limites intrínsecos. Carcanholo (s.d) destaca que a sua interpretação sobre a fase atual do capitalismo é a de que ele se denomina de capitalismo especulativo, que é resultado da financeirização e ainda que sua característica básica é a contradiação. Netto (2006) manifesta a ratificação de que a história do capitalismo é marcada por crises sucessivas e por muitas contradições, e com uma dinâmica instável capaz de gerar crises. As crises econômicas datam de 1825 até vésperas da Segunda Guerra Mundial; de 1937/1938 (interrompida pela guerra); 1929, e a mais recente iniciada em 2008. As crises têm caráter ineliminável e são constitutivas do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise. (idem p. 157), podendo ser originadas por um fenômeno político, social ou econômico, ou por uma convergência delas. Não existe uma única causa, mas é certo que elas demarcam ciclos econômicos. O capitalismo como sistema econômico se utiliza, através de seus atores, de inúmeros mecanismos (propaganda, publicidade, fidelização, etc..) para atingir seus objetivos, e, tornou-se como argumenta Löwy (2005) uma religião que cria, institui e destitui seus próprios deuses, pois não possui nem teologia, nem dogma específico, todavia o dinheiro em papel-moeda (e penso também que suas variações cartão de crédito, fundos, derivativos, opções etc.) pode ser o objeto de contemplação e de cultuação do sistema. Portanto, o sistema capitalista elegeu o dinheiro como seu Deus, e ele próprio produz o espetáculo e a riqueza. Em suma, o capitalismo é um sistema que sustenta a barbárie. Por outro ângulo, Sousa (2007) confirma que é justamente a utopia que é carregada de desejo que alimenta o homem para ter coragem de viver e pensar na mudança. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 168 Bronislaw Baczko apud Chauí (2008, p. 2) propõe a seguinte definição de utopia: representação imaginada de uma sociedade que se opõe à existente a) pela organização outra da sociedade tomada como um todo; b) pela alteridade das instituições e das relações que compõem a sociedade como um todo; c) pelos modos outros segundo os quais o cotidiano é vivido. Essa representação, menos ou mais elaborada nos detalhes, pode ser encarada como uma das possibilidades da sociedade real e leva à valorização positiva ou negativa desta sociedade (BACZKO, 1978, p. 405). Esse sentido da utopia me faz concordar com as reflexões e afirmações de Rouanet (2000, p. 1) “a utopia é uma antevisão da sociedade mais justa, formulada por minorias e classes sociais descontentes com o status quo.” Por isso, penso que a utopia é necessária em toda e qualquer época e sociedade, pois sem ela perde-se o sentido de sonhar acordado, de esperar segundo Bloch (Furter, 1974) e fica-se apenas no ato de sonhar dormindo e expectar, ambos como atos passivos. Ser utopista é ser um visionário que age, não um simples expectador. O utopista como argumenta Szachi (1972) é um indivíduo que pensa, mas não apenas de uma única e rígida maneira, pois uma vez que ele não busca reformar ou corrigir o mundo em que se encontra, nem tampouco agir como um revolucionário social, não é um sujeito que quer conhecer apenas, mas fica angustiado com a realidade que a ele se apresenta e pensa em possibilidades, sonha acordado com as possíveis modificações da realidade. Furter (1974) ao ler a obra de Ernest Bloch destacou que este dá aos sonhos acordados um significado muito interessante, principalmente porque neles reside um esboço das utopias, das construções imaginárias que o 169 | Jean Marlos Pinheiro Borba homem lança mão para sair do seu estado de passividade, buscando concretizar algo de forma esperançosa. No sonhar dormindo, o homem aceita passivamente as condições sonhadas como sendo um filme no qual ele apenas o assiste, ao contrário no sonhar acordado em que, a consciência humana, aqui representada pela consciência utópica esperançosa, pode, de algum modo, manisfestar-se. Resumindo, pensar como poderia ser o que está sendo agora ou o que é. Essa consciência esperançosa possui quatro aspectos característicos que acho por bem citar: a vontade, a reflexão, a espera e a expectativa. Destes quatro, dois me chamaram atenção: a espera, que significa transcender do presente para o futuro, através da ação e não da contemplação e a expectativa que corresponde à maneira de dar forma imaginária aos nossos desejos e necessidades. Esse utopista então, não deve negar o seu passado e pensar apenas no futuro, ele, precisa transitar pelo tempo para poder então exercitar o pensamento utópico. Destaco Rouanet (2000, p. 15) que argumenta: “Não é dando costas à modernidade que devemos buscar a utopia, mas sim na própria modernidade”. Diz ainda o autor que a utopia moderna tem como um sonho a autonomia, sendo esta de difícil realização, pois há inúmeras contingências culturais, econômicas e políticas que afetam a utopia da modernidade que é tanto irrenunciável, como irrealizável. O utopista então é um ser que faz escolhas e que por elas responde, não é um ser desorganizado em relação aos seus sonhos acordados. Ele está em desacordo com a vida atual e é exatamente este desacordo com a sua condição atual que o faz pensar em ultrapassar, ter esperança e pensar em transcender, sem apenas ser um expectador. É preciso então buscar em Szachi (1972, p. 13) a clarificação de que a utopia nasce “quando na consciência emerge uma ruptura entre o que é, e o que deveria ser; entre o mundo que é, e o mundo que pode ser pensado”, por essa razão, o autor Racionalismo terapêutico e subjetividade | 170 ainda argumenta que: “A possibilidade da utopia é dada juntamente com a necessidade de escolha.” Diante disto, posso pensar em dividir esta reflexão com o leitor, indagado se é possível pensar em uma utopia da felicidade na hipermodernidade. Pode então, no atual cenário do capitalismo na contemporaneidade, haver a tão sonhada e idealizada felicidade de Aristóteles e Sêneca? Pode haver uma felicidade concreta, substanciada nas bases do capitalismo? Diante dos diversos cenários que se apresentam na sociedade de consumo é possível existir um homem hipermoderno feliz? E caso exista, quais elementos ligam esse homem à felicidade? Questões como essas não se esgotam aqui e nem tampouco tenho, neste momento, a pretensão de respondê-las, mas devo colocá-las em cena, ou mesmo, em suspenso. Para Charles (2009) o homem hipermoderno busca, ele mesmo, criar condições para sua felicidade, sente ele mesmo ter o poder de construí-la e alcança-la e que seja uma felicidade no presente e não no futuro. Não há tempo para esperar!. Outra reflexão do autor acima justifica a emergência da psicologia positiva e da literatura de “autoajuda” que é a adoção do discurso científico e da filosofia provocando uma íntima relação com a felicidade e impactando também a filosofia de modo a chamá-la a se colocar em cena, pensando as questões contemporâneas, já que: A felicidade prometida pela sociedade de consumo de massa ainda não se tornou realidade, e a concientização de que o bem-estar pode ser garantido somente pela compra de bens materiais é outro fato que explica a reabilitação de uma filosofia que pretende trazer respostas à questão da felicidade. (p. 45) Lembro ainda que o capitalismo não possui projeto utópico no sentido dos autores que aqui chamo para 171 | Jean Marlos Pinheiro Borba dialogar, mas ele se sustenta sob a égide de uma racionalidade instrumental, imediatista e que nega a alteridade. Soares (2002, p. 14) diz que o capitalismo visa ter uma sociedade administrada na qual o progresso foi e ainda é incentivado diariamente e, onde os pensadores utópicos, os poetas, as pessoas que têm alguma razão sensível sejam exterminados ou mesmo esquecidos: “A esterilizante homogenização das consciências foi o preço a ser pago para chegarmos a um suposto ‘mundo do bem-estar generalizado”. Esse modelo hegemônico de hedonismo individualista está se revelando cada vez mais no seio da sociedade contemporânea, instalando a barbárie, a indiferença, a falta de tolerância, a violência, a ausência de diálogo e de uso coletivo da irracionalidade, caso que tem sido claramente observado quando das manifestações públicas onde é a violência, a depredação do patrimônio público e privado os tipos de linguagens utilizadas para expressar o desespero e o vazio que se instala, enfim a perda (a perda do até então considerado o maior valor humano: a vida). O futuro do capitalismo só agravará a tragédia humana que se vive nos dias atuais no planeta. Sustentar o contrário é viver no mundo de ilusões. (CARCANHOLO, s.d., p. 5) 2.2 Capitalismo e as estratégias de subjetivação: endividamento pessoal e o consumismo “Ah, disse o rato, o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro. – Racionalismo terapêutico e subjetividade | 172 Você só precisa mudar de direção”, disse o gato e devorou-o.” Franz Kafka (2002, p. 138). Como vimos no subcapítulo 1.7 a felicidade é tratada pela Psicologia Positiva como uma variável alcançada pelo estímulo de emoções positivas, que os teóricos da área chamam de estados e processos emocionais positivos, deixando de lado os aspectos negativos da existência. Pensar em felicidade, no atual estágio da sociedade hipermoderna é de algum modo refletir sobre a possível relação existente entre ter felicidade e ser consumidor de felicidade ou mesmo em ser infeliz. É possível então consumir felicidade? Onde se encontram as promessas de felicidade? O sistema capitalista vende a ideia de que ao consumir o indivíduo se sentirá feliz, por outro, ao ter acesso ao objeto, a felicidade111 escorre pelas mãos. Isso é interessante agora na como reflexão. O capitalismo aproveita-se perversamente da ingenuidade 112 humana para propagar as receitas de (in) felicidade, ou ainda, o próprio homem contemporâneo prefere continuar em sua condição ingênua e permanecer aliado ao capitalismo, tirando dele “pequenos proveitos”. Como por exemplo, ter dinheiro e poder consumir bens 111 Baudrillard (1981) ao tratar dos aspectos lógicos do consumo, afirma que consumir felicidade equivale a obter a “salvação”, já que ela é uma referência absoluta quer de igualdade quer de diferenciação. Se há como diz Baudrillard a necessidade que ela seja mensurável, então a Psicologia Positiva caminha na direção desta proposta, pois não há nela uma perspectiva crítica, mas sim uma proposta de acomodação que é típica do capitalismo. 112 Ingenuidade aqui entendida como ignorância, pouco ou nenhum conhecimento, falta de informação, imaturidade diante da vida, ou vida em constante atitude natural. 173 | Jean Marlos Pinheiro Borba para alcançar a felicidade, quer sejam imóveis, veículos, passeios turísticos, roupas e acessórios de moda, viagens, formação profissional etc. Charles (2009, p. 17) esclarece que: “(...) a felicidade permanece como um ideal, o mundo do consumo, supostamente capaz de nos trazê-la numa bandeja de prata, não a tornou, por conta dessa presunção, mais atual”. Bruckner (2002) lembra que se vive numa época de ditadura da felicidade e, portanto não é possível não ser “feliz”. No caso específico da literatura de “autoajuda” financeira, os autores-escritores professam a ideia de que a infelicidade é fruto do não ter (dinheiro, riqueza, sucesso, corpo perfeito, autoestima etc.) e, principalmente, não ter pensamentos positivos e força interna para mentalizar ou estabelecer metas e padrões de vida. Segundo eles, para alcançar sucesso, felicidade e dinheiro é preciso planejar, poupar, mentalizar o que se quer consumir. As mensagens abaixo foram extraídas de dois livros de autoajuda voltados para finanças pessoais que ajudam a entender a menção anteriormente feita: O modo pelo qual uma pessoa age é resultado direto do modo como ela pensa a respeito das coisas. (WATTLES, 2008, p. 28) A única razão pela qual uma pessoal não tem dinheiro suficiente é estar impedindo com seus pensamentos que o dinheiro chegue a ela. Cada pensamento, sentimento ou emoção negativos está impedindo que seu bem chegue a você, e isso inclui dinheiro. (BYRNE, 2007, p. 99) É possível perceber, nas frases, a responsabilização que o autor atribui ao leitor pelo acesso ao dinheiro e à felicidade. Para isso é necessário que o leitor pense em ser uma pessoa “melhor”, mais otimista, mais crente, mais saudável, mais rica. Os autores sugerem que é preciso ter Racionalismo terapêutico e subjetividade | 174 para ser e que o consumo deve ser comedido. Um paradoxo do qual todos se dizem “conscientes”! Aconselha Wattles (2008, p. 36): “Você só pode dar o melhor de si se ficar rico; portanto é certo e louvável que dedique a melhor parte do seu pensamento à tarefa de enriquecer”. Em todo o livro o autor coloca a riqueza e o sucesso como razões da exstência e possíveis de serem alcançadas pelo leitor, apenas com adoção de atitudes positivas e crença nos ensinamentos que ele professa. Nesta questão paradoxal, também estão inseridas as instituições financeiras e as de crédito, preferencialmente os bancos e as emissoras de cartão de crédito. Por exemplo, o Banco Itaú S.A lançou em janeiro de 2009 uma coleção de cartilhas orientadoras para uso do dinheiro e do crédito de modo “consciente”. E qual pode ser a razão desta atitude tão “humana” por um órgão do sistema financeiro? Uma única e objetiva é claro: ter o seu cliente como aliado permanente na manutenção dos lucros que garantam retorno ao capital investido. Estas cartilhas estão disponíveis na forma impressa, mas também podem ser acessadas pela Internet no site do banco. Numa primeira análise dos pequenos manuais, posso afirmar serem úteis e informativos, tendo um foco de interesse para as pessoas físicas, já que fornecem orientações de como os usuários dos serviços desse banco devem proceder para movimentar suas contas, usar o crédito ou mesmo o cartão de crédito e outros serviços bancários. Numa segunda análise destas cartilhas percebi que o texto pauta-se na legislação do Banco Central do Brasil BACEN e do Conselho Monetário Nacional – CMN, assim como nas próprias normas do Sistema Financeiro Nacional – SFN do qual o banco faz parte e também das próprias normas internas do banco. Apesar disso, ele não perde o seu caráter de manual de uso consciente dos serviços bancários. 175 | Jean Marlos Pinheiro Borba As frases utilizadas no texto das cartilhas assemelham-se com algumas utilizadas nos manuais de “autoajuda”, além do uso específico da palavra consciente que se repete em todas elas, dando a ideia ao leitor de que ele precisa se “conscientizar” e, para isso, o banco oferece auxilio. Há, nessas frases, pensamento similar aos livros de “autoajuda”: “Precisamos enriquecer para termos sempre mais” (WATTLES, 2008, p. 34) O banco então se coloca no papel de conselheiro financeiro do cliente fornecendo-lhe dicas de como usar o dinheiro e o crédito consciente; coloca-se do lado do cliente como um amigo, alguém que “conhece” ás suas necessidades: “(...) o Itaú também tem expandido a ideia de usá-lo de forma consciente”. Este banco foi o primeiro a utilizar a estratégia de fornecer pequenos manuais de orientação e ajuda para seus clientes. Em linhas gerais, o exame do texto destas cartilhas descreve um vocabulário de cunho psicológico e da vida cotidiana. Assim, através de uma linguagem simples e confortadora ele dá dicas de como se manter equilibrado e capaz de tomar empréstimos bancários novamente 113 e tendo o banco como parceiro da gestão de suas finanças pessoais: “(...) Por isso, o Banco Itaú acredita no uso consciente do dinheiro, para levar até você orientações e informações relevantes para a educação financeira”. Eis a real intenção: educar o cliente financeiramente. Horkheimer (2002, p. 105) faz uma comparação ao uso de folhetos para dar dicas aos livros produzidos pela indústria cultural: “Os panfletos sobre como melhorar a linguagem, 113 O interesse de uma empresa capitalista não é ter um bom pagador, mas sim um bom tomador de empréstido e devedor, pois só assim ele se tornará cliente permanente dos produtos e serviços bancários, por outro lado àqueles que poupam e são comedidos nos gastos são um desafio para os profissionais de marketing e um problema para os estrategistas financeiros. (BAUMAN, 2010) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 176 como compreender a música, como ser salvo etc., são escritos no mesmo estilo da propaganda que exalta as vantagens dos laxativo.” Tendo como eixo intencional a educação financeira de seus clientes as organizações bancárias, as bolsas de valores e outros institutos, apóiam-se em regras e orientações jurídicas e contábeis validadas no cenário técnico-científico. A oportunidade de educar financeiramente as pessoas gerou também interesse para o desenvolvimento de projetos de extensão e pesquisa no meio universitário 114 , além de também se tornar uma nova área de atuação no mercado. A validação, ainda que lenta, do conselheiro financeiro e das empresas e institutos de consultoria financeira, além de prestar o serviço de orientação também, em alguns casos, indicam livros de “autoajuda” financeira. O financial adviser ou conselheiro financeiro é um profissional que reúne conhecimentos de finanças, contabilidade, economia e conhecimentos básicos de psicologia, e os utiliza para auxiliar as pessoas a tomar decisões financeiras. O trabalho consiste em auxiliar seu cliente a manter as finanças pessoais organizadas, além de influenciar na aquisição de produtos e serviços bancários ou na própria aquisição de manuais de “autoajuda”. Esses profissionais estão diretamente ligados ao mundo das finanças, investimentos e alguns à economia doméstica115. Conrado Navarro, educador financeiro, formado em Computação, pós-graduado na área financeira, sócio 114 Ressalto o projeto desenvolvido pelos membros da Empresa Junior de Economia da Universidade Federal do Maranhão sob a coordenação do prof. Ms. Felipe de Holanda que juntos desenvolvem ações em prol da capacitação dos empregados de uma empresa maranhense “x” para que os mesmos aprendem a lidar com suas finanças pessoais. É o caso de Ewald (2003) que possui um livro de “autoajuda” no formato de uma economia doméstica. 115 177 | Jean Marlos Pinheiro Borba fundador do Dinheirama 116 é um destes profissionais que atua como conselheiro financeiro pessoal. Além de tecer comentários e dar dicas sobre finanças em seu site, o autor sugere livros de “autoajuda” , e ainda usa o blog para se comunicar com seus visitantes e, caso o internauta se sinta sensibilizado, deixe alguma contribuição em dinheiro, fazendo uma doação pelo site pagseguro (https://pgseguro.uol.com.br). Uma espécie de reforço pelo seu trabalho. No exemplo acima, o agente capitalista faz associação de seus serviços profissionais com os manuais de “autoajuda”, apontando os best sellers mais conhecidos. Esse é um fato que empura as vendas destes livro para a categoira dos mais vendidos e indicados. Em tempos de crise financeira, livros de “autoajuda”, cartilhas de educação financeira e a ascensão da função de conselheiro de finanças pessoais são evidências que surgem no dia a dia. Inseridos na lógica capitalista propagam a ideia de que tendo uma melhor situação financeira e patrimonial, o leitor conseguirá ser feliz. Estes autores e profissionais utilizam o discurso da crise, ratificando a difusão de um novo modo de ser. Geralmente situam a crise dentro do cenário da sociedade de consumo, onde a regra geral, ser consumidor significa ser cidadão e voltam o sentido da existência para o consumo. Como foi citado anteriormente, o Banco Itaú S.A. apresenta em suas cartilhas (que foram distribuídas aos seus clientes e disponíveis no site do banco (https://www.itau.com.br/) dicas de uma gestão mais eficaz e eficiente da sua situação patrimonial, econômica e financeira. Por exemplo: na cartilha, O uso consciente do cartão 116 É um sítio sobre economia, finanças pessoais, educação financeira mantido por Navarro no formato de um blog, e pode ser acessado no endereço htpp://dinheirama.com/blog/ e conta com colaboradores. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 178 de crédito, dentre muitas dicas disponíveis, chama atenção pelo apelo e pela ordem que contemplam ao mesmo tempo a afirmativa, convidando o cliente a ter atitude responsável e dando a ele única e exclusivamente a responsabilidade pela sua liquidez financeira, sem perder o seu poder de consumir, é claro: Um maior limite de crédito significa maior poder de consumo e isso deve ser encarado como responsanbilidade. Independentemente do seu limite de crédito, é importante que você mantenha seus hábitos de consumo adequados à sua renda. Nas cartilhas, o banco usa imagens que sempre indicam pessoas com olhar de satisfação pelo que estão fazendo, quer seja digitando uma senha no caixa eletrônico, quer seja acessando a Internet para consultar seu saldo, planejando tranqüilamente suas contas ao tomar um café, subindo uma escada de aquisição de bens materiais (carros, imóveis etc.), ou mesmo, sentadas falando ao telefone de modo despreocupado, “tranquilo”. Dicas como esta também são encontradas na literatura de “autoajuda”. A intenção deste banco, especificamente, é educar financeiramente o seu cliente, dando-lhe a ideia de que ele é “parceiro” do seu patrimônio. Dentre as cartilhas analisadas há uma direcionada à educação financeira dos filhos, cujo título é: Falando de dinheiro com seus filhos. Dentre os inúmeros exemplos, há um merece destaque pela intenção que apresenta: “Vou investir o dinheiro que ganhei de presente no aniversário e no Natal para comprar no próximo ano uma bicicleta nova”. O texto da cartilha incentiva a criança ou o adolescente a participar das decisões do orçamento familiar com a estratégia de ensiná-los a poupar agora para que se tornem consumidores em potencial no futuro. 179 | Jean Marlos Pinheiro Borba Esta dica é logicamente aceitável e coerente, se não apenas quisesse dizer isso para “ajudar” os pais, mas de um modo geral, o objetivo é tornar o filho do cliente um futuro investidor e um futuro cliente do banco e de seus serviços. E essa conclusão fica bem clara quando afirmam alguns caminhos possíveis na cartilha. Para que não seja mais um fetiche da mercadoria em si, mas da subjetividade. Bauman (2010 a, p. 45) esclarece a estratégia desse segmento: O objeto das operações de crédito não é só o dinheiro pedido emprestado, mas o revigoramento da psicologia e do estilo de vida de “curto prazo”. À medida que se infla até o ponto de ruptura, a grande bolha é cercada por uma multidão de minibolhaas pessoais ou familiares impelidas a seguí-la rumo à perdição. Bauman esclarece como as estratégias capitalistas formam uma multidão que corre enloquecidamente para as ofertas da sociedade de consumo e perde-se nas ofertas. Esse projeto ilusório de inclusão social via consumo estremece mais uma vez com a crise que se inicia. As bases dessas alternativas de “solução” são fluídas e as soluções são apenas passageiras, para atender aos interesses das empresas vigentes, não atingindo substancialmente as pequenas e nem as pessoas físicas, mas acima de tudo um pequeno contingente de privilegiados, assim Zarifian (2009, p 1) comenta: A crise social pede socorro de curto prazo direcionado às grandes firmas para evitar sua falência e obrigá-las a reduzir fortemente seus custos, o que terá, em curto prazo, um efeito recessivo, como é o caso do setor automobilístico! E, estímulo da atividade pela construção de infraestruturas financiadas pelo Estado, que apenas Racionalismo terapêutico e subjetividade | 180 atingirão uma pequena parcela das empresas e não terão efeito algum sobre a demanda efetiva dos cidadãos. Como sistema econômico, o capitalismo, através dos donos do capital e do próprio Estado, cria e recria a cada dia a espetacularização e a especulação da vida contemporânea, elaborando mecanismos de apropriação da subjetividade de cada homem pelo estímulo à alienação e ao consumismo. “O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação”. (DEBORD, 1997, p. 24) E como bem anunciou Walter Benjamin o capitalismo é uma religião que tem ciências organizadas para proclamar a sua defesa dentro de um sistema teórico fechado e metodologicamente organizado, dentre elas estão a Administração, as Ciências Contábeis, a Engenharia e a Tecnologia da Informação. Como disse anteriomente nesta seção, as Ciências Contábeis têm seu corpo teórico-metodológico estruturado para garantir os interesses dos detentores do capital, via valorização, controle e avaliação do objeto central desta ciência: o patrimônio (que é conhecido como a diferença entre ativos e passivos). Além da contabilidade, as finanças, principalmente as corporativas desenvolvem constantemente inúmeros mecanismos, para diminuir a relação custo-benefício nas relações comerciais, financeiras e trabalhistas. Tais ciências possuem metodologias próprias para analisar e conceder crédito, gerenciar o risco e cobrar. De um modo geral, as políticas de gestão de crédito, risco e cobrança visam a proteger o detentor do capital de sofrer perdas e auferir rentabilidade. (BORBA, 2008) Netto (2006) destaca ser o momento atual, o do capital contemporâneo, especulativo e onde prevalece a 181 | Jean Marlos Pinheiro Borba financeirização 117 cujo foco das atenções recai sobre o individualismo e sobre as discussões psicológicas, o que também se percebe na retomada dos estudos da Psicologia Econômica e Finanças Pessoais. Tolotti (2007) e Ferreira (2008) discutem à relação entre a Economia e a Psicologia, tecendo comentários de como o homem se relaciona com o dinheiro e com o crédito, e também como o endividamento. Carcanholo (s.d) argumenta que o capital acreditou ter encontrado na especulação, um modo de “não sujar as mãos com a produção”, todavia isso aconteceu por pouco tempo, já que não há maneira limpa para obter mais retorno se não for pela superexploração dos trabalhadores sejam eles assalariados ou não. Essas ações do capitalismo especulativo podem até durar por um certo tempo, mas tendem a desaparecer. Dentre as preocupações com o gasto do indivíduo que, atualmente através da gestão do crédito e do risco é que os capitalistas buscam mecanismos para aumentar a lucratividade e a liquidez de suas operações. Crescer sempre e com quaisquer que sejam as conseqüências para a humanidade, eis a máxima capitalista. E nesse sentido Mészáros (2004) afirmou, ao tratar da globalização e seu efeito nefasto, que o capitalismo equivale a um câncer em crescimento exponencial: Antes das análises contemporâneas de Istivam Mészáros, Karl Marx e Walter Benjamin já havia afirmado ser o capitalismo a “religião” do mundo, e a mercadoria o ídolo desse mundo. No capitalismo, os capitalistas concentram todos os esforços para manter os negócios em “A atual fase do capitalismo, de retomada da hegemonia do que chamam “finança” (a financeirização), pressupôs modificação na forma da propriedade sobre o capital, com sua transferência para grandes instituições financeiras, geridas por profissionais especialistas. (CARCANROLO, 2006, p. 6) 117 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 182 funcionamento, tudo na relação capitalista é mediado por interesses, por oportunidades e por retorno financeiro. É na perspectiva frankfurtiana que tenho a base para sustentar as reflexões sobre a sociedade de consumo atual e o estágio do capitalismo. A partir da perspectiva crítica, ou melhor, apoiado-me em Adorno, Horkheimer e Marcuse e de seus interlocutores é que tentarei discutir as armadilhas do capitalismo na contemporaneidade, principalmente aquelas que visam destruir ou se apropriar da subjetividade humana. Para os frankfurtianos, o capitalismo é um sistema em decadência que utiliza diferentes mecanismos para manter o controle burocrático da sociedade de modo racional e instrumental. “O conteúdo da crença das massas, no qual ninguém acredita muito é o produto da burocracia que domina a economia e o Estado”. (HORKHEIMER, 1975, p. 159) Löwy (2005) ao se reportar ao pensamento de Benjamim destaca que o capitalismo é uma religião que tem como fundamento um culto, não havendo significado próprio, nem tampouco dogma ou teologia, mas idolatra o dinheiro, como se fosse uma imagem de um santo de uma religião católica. Pensar o capitalismo a partir de uma pesquisa crítica não é apenas pensá-lo de modo crítico, e tentar se ajustar aos seus mecanismos de controle e de dominação, mas acima de tudo pensar noutro modo de organização social que não seja mera ilusão de que o progresso tudo resolve. “(...) A teoria crítica tem como princípio o interesse por um estado racional, por uma organização social racional que faça justiça a todos”. (REPA, 2008) O projeto de socidade administrada do capitalismo se concretiza de diferentes maneiras na tentativa criar um cenário em que a crise possa ser vencida, via acesso facilitado ao crédito, recuperação da poupança e da economia, via aproveitamento da especulação financeira e de modos de vida oportunizada pelo acesso ao consumo. 183 | Jean Marlos Pinheiro Borba A crise que é produto constante do sistema capitalista e está literalmente inserida no seu projeto utópico. O capitalismo valoriza manutenção dos lucros a qualquer preço (juros, perda de valores, criação de novos valores, degradação do meio ambiente, vida ou morte humana, falência de empresas, venda de órgãos humanos, especulação financeira etc...) e acima dos lucros a manipulação ideológica da alienação social (ARANHA, 2003). Na análise de Mészaros (2002; 2008) o capital vive uma profunda crise estrutural que é a crise do próprio sistema, onde se percebe uma séria manifestação demonstrando que o próprio sistema encontrou seus limites intrínsecos. Carcanholo (s.d) destaca que a fase atual do capitalismo é a que ele se denomina de capitalismo especulativo, que é resultado da financeirização (que consiste no aproveitamento finaceiro via especulação do dinheiro, de fundos e papéis), ressalta ainda que sua característica básica é contradição. Remetemo-nos à Netto (2006) que ratifica ser a história do capitalismo marcada por crises sucessivas, muitas contradições e uma dinâmica instável. As crises econômicas datam de 1825 até as vésperas da Segunda Guerra Mundial; de 1937/1938 (interrompida pela guerra); 1929, e a mais recente iniciada em 2008. As crises têm caráter ineliminável e são constitutivas do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise. (idem p. 157) As crises podem ser originadas por um fenômeno político, social ou econômico, ou por uma convergência delas, não existe uma única causa, mas é certo que elas demarcam ciclos econômicos. O capitalismo então como sistema econômico se utiliza, através de seus atores, de inúmeros mecanismos (propaganda, publicidade, fidelização, etc..) para atingir seus Racionalismo terapêutico e subjetividade | 184 objetivos, e, tornou-se como argumenta Löwy (2005) uma religião que cria, institui e destitui seus próprios deuses, pois não possui nem teologia, nem dogma específico, todavia pode o dinheiro em papel-moeda (e penso também que suas variações cartão de crédito, fundos, derivativos, opções etc.) ser o objeto de contemplação e de cultuação do sistema. O sistema capitalista elegeu o dinheiro como seu Deus, e ele próprio produz o espetáculo e a riqueza. O capitalismo é um sistema que sustenta a barbárie, pois é pela manutenção da instabilidade, pela instauração de um modo de ser efêmero, líquido, pela propagação da insegurança que o capitalismo oferece solidez, segurança e conforto. Por outro ângulo Sousa (2007) confirma que é justamente a utopia que é carregada de desejo que alimenta o homem para ter coragem de viver e pensar na mudança. É preciso então ter: “... pessimismo teórico e otimismo prático.” (HORKHEIMER, 1970, p. 175) Bronislaw Baczko apud Chauí (2008, p. 2) propõe a seguinte definição de utopia: representação imaginada de uma sociedade que se opõe à existente a) pela organização outra da sociedade tomada como um todo; b) pela alteridade das instituições e das relações que compõem a sociedade como um todo; c) pelos modos outros segundo os quais o cotidiano é vivido. Essa representação, menos ou mais elaborada nos detalhes, pode ser encarada como uma das possibilidades da sociedade real e leva à valorização positiva ou negativa desta sociedade (Baczko, 1978, p. 405). Esse sentido da utopia permiti-nos concordar com as reflexões e afirmações de Rouanet (2000, p. 1): “a utopia é uma antevisão da sociedade mais justa, formulada por minorias e 185 | Jean Marlos Pinheiro Borba classes sociais descontentes com o status quo.” Por isso, penso que a utopia é necessária em toda e qualquer época e sociedade, sem ela perde-se o sentido de sonhar acordado como disse Bloch (in Furter, 1974) e fica-se apenas no ato de sonhar dormindo e expectar, ambos como atos passivos. Ser utopista é ser um visionário que age, não um simples expectador. “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar". (Eduardo Galeano) O utopista com argumenta Szachi (1972) é um indivíduo que pensa, mas não apenas de uma única e rígida maneira, pois ele não busca reformar ou corrigir o mundo em que se encontra, nem tampouco agir como um revolucionário social, não é um sujeito que quer conhecer apenas, mas fica angustiado com a realidade que a ele se apresenta e pensa em possibilidades, sonha acordado com as possíveis modificações da realidade. Furter (1974) ao ler a obra de Ernest Bloch destacou que ele dá aos sonhos acordados um significado muito interessante, principalmente porque neles reside um esboço das utopias, das construções imaginárias que o homem lança mão para sair do seu estado de passividade buscando concretizar algo de forma esperançosa. No sonhar dormindo, o homem aceita passivamente as condições sonhadas como se elas passassem em um filme no qual ele apenas o assiste, por outro lado, no sonhar acordado, a consciência humana, aqui representada pela consciência utópica e esperançosa, pode, de algum modo, manisfestar-se. Pensar como poderia ser o que está sendo agora ou o que é, pensar ultrapassando a condição em que se está Essa consciência esperançosa possui quatro aspectos característicos que aqui cito: a vontade, a reflexão, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 186 a espera e a expectativa. Destes quatro dois me chamaram atenção: a espera que significa transcender do presente para o futuro através da ação e não da contemplação e, a expectativa que corresponde à maneira de dar forma imaginária aos nossos desejos e necessidades. Esse utopista então, não deve negar o seu passado e pensar apenas no futuro, ele na verdade, precisa transitar pelo tempo para poder então exercitar o pensamento utópico. Destaco Rouanet (2000, p. 15) que argumenta: “Não é dando costas à modernidade que devemos buscar a utopia, mas sim na própria modernidade.” Diz ainda o autor que a utopia moderna tem como um sonho a autonomia, sendo esta de difícil realização, pois há inúmeras contingências culturais, econômicas e políticas que afetam a utopia da modernidade que é tanto irrenunciável, como irrealizável. O utopista então é um ser que responde pelas escolhas faz, não é um ser desorganizado em relação aos seus sonhos acordados. Ele está em desacordo com a vida atual e, é exatamente este desacordo com a sua condição atual que o faz pensar em ultrapassar, ter esperança e pensar em transcender, sem apenas ser um expectador. Em Szachi (1972, p. 13) encontramos a clarificação do para quê a utopia nasce, pois “quando na consciência emerge uma ruptura entre o que é, e o que deveria ser; entre o mundo que é, e o mundo que pode ser pensado”, por essa razão o autor ainda argumenta que: “A possibilidade da utopia é dada juntamente com a necessidade de escolha”. Pode então o senhor humano escolher a mudança ou a continuismo. Diante disto é possível pensar em uma utopia da felicidade na hipermodernidade? Pode então, no atual cenário do capitalismo na contemporaneidade, haver a tão sonhada e idealizada felicidade de Aristóteles e Sêneca? Pode haver uma felicidade concreta, substanciada nas bases do capitalismo? Diante dos diversos cenários que se apresentam na sociedade de consumo é possível existir um homem hipermoderno feliz? E caso exista, quais são estes 187 | Jean Marlos Pinheiro Borba elementos que ligam o homem hipermoderno à felicidade? Essas questões, não se esgotam aqui e nem tampouco, temos neste momento, a pretensão de respondê-las, mas acima de tudo de colocá-las em cena. Para Charles (2009) o homem hipermoderno busca ele mesmo criar condições para sua felicidade, sente ele mesmo ter o poder de construí-la e alcançá-la e que seja uma felicidade no presente e não no futuro, pois não há tempo para esperar! Charles (ibid, p. 45) justifica a emergência da psicologia positiva e da literatura de “autoajuda” que é a adoção do discurso científico e da filosofia provocando uma íntima relação com a felicidade e impactando também a filosofia de modo a chamá-la a se colocar em cena, pensando as questões contemporâneas, já que: A felicidade prometida pela sociedade de consumo de massa ainda não se tornou realidade, e a concientização de que o bem-estar pode ser garantido somente pela compra de bens materiais é outro fato que explica a reabilitação de uma filosofia que pretende trazer respostas à questão da felicidade. O projeto do capitalismo é conforme apresenta Soares (2002, p. 14) ter uma sociedade administrada na qual o progresso foi e ainda é incentivado diariamente e, onde os pensadores utópicos, os poetas, as pessoas que têm alguma razão sensível sejam exterminados ou mesmo esquecidos, ela tem como efeito: “A esterilizante homogenização das consciências foi o preço a ser pago para chegarmos a um suposto ‘mundo do bem-estar generalizado”. A homogeneização do planeta ocorre de modo crescente com a uniformização dos gostos musicais, das musicas escutadas, dos filmes assisitdos, dos livros lidos – preferencialmente dos best sellers - e das questões existenciais Racionalismo terapêutico e subjetividade | 188 tornadas comuns, para os quais as soluções vendidas são “comuns”. Lipovetsky e Serroy (2011) argumentam que em toda parte do mundo é possível perceber como o consumo se homegeneiza, a padronização planetária avança, sob a máxima “Pensar global, agir local”. Homogeneização esta característica do hipercapitalismo transnacional composto por grandes empresas. No que tange a homogeneização do ato de ler ou do “escutar” um livro a literatura de autoajuda se encaixa perfeitamente nesta proposta totalitária, já que padroniza a leitura simplificada e de fácil acesso 118 . Leitura esta que oferece conteúdos nacionais e , como por exemplo, os principais livros vendidos na área de finanças, a saber: Os segredos da mente milionária, O segredo, Quem pensa enriquece e muitos traduzidos de outros países capitalistas. Esse modelo hegemônico de hedonismo individualista está se revelando cada vez mais no seio da sociedade contemporânea, instalando a barbárie, a indiferença, a falta de tolerância, a violência, a perda do até então considerado o maior valor humano: a vida, a ausência de diálogo e de uso coletivo da irracionalidade, caso que tem sido claramente observado quando das manifestações públicas onde é a violência, a depredação do patrimônio público e privado os tipos de linguagens utilizadas para expressar o desespero e o vazio que se instala. O futuro do capitalismo só agravará a tragédia humana que se vive nos dias atuais no planeta. Sustentar o contrário é viver no mundo de ilusões. (CARCANHOLO, s.d., p. 5). Sendo o capitalismo um sistema parasitário e promotor do egoísmo cabe promover ações que resgatem a autonomia e o pensar crítico, como um modo de fazer com 118 A filósofa Olgária Matos em seu livro Discretas Esperanças (2006) afirma ser este tipo de literatura aquela que proporciona uma leitura de qualidade duvidosa como um entrenimento de massa, “Semileitores, somos também pseudoformados no pensamento e na vida.” (2OO6, p. 9) 189 | Jean Marlos Pinheiro Borba que os homens inseridos neste sistema vejam as coisas e os sistemas como elas são e sejam capazes de perceber os mecanismo de subjetivação inseridos nas práticas capitalistas. 2.3 Hipermodernidade e sociedade de consumo “Não é a mercadoria que nos dá felicidade. A felicidade implica uma ligação com a leveza; quando somos felizes, somos leves” (LIPOVETSKY, 2008) Neste texto, não me reporto a uma discussão temporal e conceitual acerca da modernidade e da pósmodernidade, mas me detenho aqui a refletir a partir do conceito de hipermodernidade de Lipovetsky e Charles em seu livros intitulados A felicidade paradoxal e Os tempos hipermodernos. A hipermodernidade é chamada por Charles (in Lipovetsky e Charles, 2004) e Charles (2009) como a terceira fase da modernidade. Era esta caracterizada como o período onde os fenômenos sociais que abarcam questões tanto individuais como sociais crescem em escala exponencial dia a dia e dão ao sistema capitalista uma nova configuração. Concordo com Charles (2009) quando afirma que estamos inseridos na hipermodernidade, sendo ela uma modernidade desprovida de qualquer ilusão, romantismo, com forte exacerbação dos valores individuais, da interferência do mercado na economia, na vida privada e social, das culturas globalizadas, da queda tensa do mundo das tradições, da tecnicização da vida e dos mecanismos de manipulação da subjetividade e de autogestão. A sociedade de consumo reina na hipermodernidade, apresentando aos indivíduos modos de vida que o colocam numa encruzilhada existencial: Racionalismo terapêutico e subjetividade | 190 permanecer parado e aceitar, submeter-se concordando com o que é apresentando ou resistir pensando noutras possibilidades? Ao tentar retirar o homem da linha de retomada da consciência, os capitalistas usam as mais variadas estratégias para aliená-lo de diversas formas119 como foi ilustrado por Marx (1850), e assim obter o controle social. A ideologia do capital na contemporaneidade fez com que a sociedade de consumo se tornasse o modus vivendi fim das pessoas. Consumir é a ideologia e a força do capitalismo e do estilo de vida líquida, que é a característica central da sociedade líquido-moderna. (BAUMAN, 2003) As relações são voláteis 120 ou fluidas do homem consigo mesmo, com outros homens, com o mundo e com os objetos que ele consome. Os vínculos entre as pessoas é cada vez menor e entre pessoas e coisas num curto espaço de tempo cada vez maior: eis a era da descartabilidade, do excesso, do hedonismo individualista, do consumo emocional. Essa liquidez não traduz o conceito financeiro de capacidade de honrar compromissos, como foi sustentando na primeira fase da modernidade, mas sim toma o sentido dado anteriormente aliando eventos temporários, descartáveis aos desejos humanos. Nessa perspectiva, a sociedade líquido-moderna 121 projeta uma vida de consumo122, ou seja, uma vida líquida na qual os objetos e Formas que alienam o homem e o fazem “escravo” deste modo de vida: a vida líquida. 119 120 Desmancham-se assim como o próprio éter e outros produtos químicos à base de álcool e éter! 121 As sociedades contemporâneas, sob o impacto da globalização, tendem a se tornar sociedades que se transformam de maneira contínua, sociedades flexíveis, sem fronteiras e sem limites, sociedades fluidas, sociedades líquidas. (HAROCHE, 2004, p. 223) 122 O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a integração do grupo ; constitui simultaneamente uma moral 191 | Jean Marlos Pinheiro Borba pessoas perdem utilidade dia após dia, cristalizando ainda mais uma sociedade individualista, onde o eu não se satisfaz consigo, e nem tampouco com seu referencial na sociedade. (BAUMAN, 2001, 2007, 2008; BARBOSA, 2004; CAMPBELL, 2006). A sociedade estabelece “novos” valores, dentre eles: a autonomia, a liberdade de escolha, o individualismo irresponsável (Lipovetsky, 2004), a auto-sustentabilidade, o hiperconsumo, a “autoajuda”, e por fim, a tomada de responsabilidade individual (uma faceta) que têm cadeira cativa no palco da vida hipermoderna. O modo hipermoderno é também discutido em Bauman (2007), Barbosa (2004), Lipovestky (2007), Haroche (2006) e Aubert (2006) que dão importância aos impactos do estilo de vida hipermoderno, do hiperconsumo e sua influência sobre a subjetividade, tal como do hipernarcisismo, bem como o sofrimento psíquico. Se no cenário contemporâneo as relações têm sido marcadas pela fluidez, volatilidade de vínculos passageiros, efêmeros, uma liquidez que caracteriza a instabilidade e a mutabilidade nas relações sociais e afetivas. Outro dado importante é a constante necessidade de comprimir o tempo e o espaço para alcançar a tão sonhada liberdade e, buscar meios concretos ou não de aproveitar tudo, sempre com a maior intensidade possível. A compressão espaçotempo faz parte do projeto de expansão do capital e das cultuas globalizantes de massa. A descartabilidade tanto de objetos quanto de pessoas 123 também se tornou um evento "comum", (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta. [...] (BAUDRILLARD, 1995, p. 78). 123 Isso pode ser claramente percebido tanto nos relacionamentos afetivos quanto na banalização e mercantilização da vida e de órgãos humanos, a emergência do biocapital. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 192 "normal" na contemporaneidade. Bauman (2007, p. 5) destaca: "(...) Entre as artes da vida líquido-moderna e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las 124 ." (griffo nosso). Além desta, a compressão do espaço e do tempo também são outras de suas características, assim como o uso constante de tecnologias como ferramentas para "mediar" as relações sociais. Os atores do sistema capitalista, os próprios homens capitalistas propagam e intencionam a manutenção dessa forma de pensar e é exatamente isso que mantém o giro do capital, ou seja, quanto maior a descartabilidade, a obsolescência, a fluidez, quanto maior a alienação e o desapego, mais rápido o capital retorna ao capitalista. É o fluxo do consumo e dos investimentos em bens de serviço, preferencialmente, que movimentam o capital. Siqueira (2005, p. 3) também discute a questão da volatilidade, da efemeridade, ou seja, da descartabilidade no que ele chama de sociedade-cultura pós-modernidade se faz presente nos fundamentos do capitalismo e do consumismo. Ele ratifica que a modernidade tinha como característica a economia da permanência onde os bens eram feitos para durar, já na pós-modernidade tem-se a economia da transitoriedade cujo fundamento é a produção de objetos baratos e não-duráveis: Ao forçar as pessoas a lidarem com a descartabilidade, com a novidade e as perspectivas de obsolescência instantânea, a cultura de consumo pós-moderna faz com que o indivíduo perca sua capacidade de organizar coerentemente seu passado e seu futuro, a vida deixa de ser um projeto com um significado, e suas práticas resultam numa heterogeneidade que se desenrola numa série de 124 Esse fundamento tem relação direta com a sociedade líquido moderna já que o consumo tem sua obsolescência programada. 193 | Jean Marlos Pinheiro Borba fragmentações do tempo vivido como presente perpétuo. Sobre a questão da descartabilidade e da fluidez nas relações Miranda ([s. d], p. 30) também argumenta e ratifica: "A cultura da superficialidade aposta no caráter mutante e efêmero dos bens a serem consumidos, e na necessidade de massificação, para que um maior número de pessoas se tornem consumidoras em potencial”. O que, então, é descartado? Não só os consumidores de bens e serviços, mas também ideias, emoções, sentimentos e estilos de vida. Essa massificação de que trata o autor, serve para justificar as inúmeras estratégias que o capitalista utiliza para manter o sistema funcionando, o consumo e a dependência dos consumidores aos seus produtos, serviços, ideias e emoções, passando assim a visão de que há produtos "diferentes" feitos sob medida, o que torna um consumidor diferente do outro." Essa falsa ideia de que consumindo determinados produtos feitos sob medida se é diferente dos demais consumidores, cria a lógica do hiperconsumismo com no cenário hipermoderno do hiperconsumidor. Lipovetsky (2007) destaca os efeitos da sociedade hiperconsumidora sobre os indivíduos e os estilos de vida: "A sociedade de hiperconsumo funciona como uma sociedade de desorganização psicológica que é acompanhada por numerosos processos de "recuperação" ou redinamização subjetiva." (p. 18). E ainda argumenta que: "(...) as massas têm acesso a uma demanda material mais psicologizada e mais inidividualizada, a um modo de vida (bens duráveis, lazeres, férias, moda) antigamente associado às elites sociais. (p. 33)" Saraiva (s.d., p. 58) ao tratar do consumo e dos seus efeitos sob a vida psíquica nos diz que: "Consumir, além de anestesiar a dor própria do existir, dá sustentação ao sistema econômico, permitindo assim a perpetuação de sua hegemonia." Racionalismo terapêutico e subjetividade | 194 Corroboram com esta reflexão Barbosa e Campbell (2006, p. 56) que afirmam: "(...) o consumo pode nos confortar por nos fazer saber que somos seres humanos autênticos - isto é, que realmente existimos. Nesse caso, o slogan "compro, logo existo" deve ser entendido em seu sentido literal." Assim, o estímulo ao consumo tem se cristalizado na sociedade hipermoderna como a principal estratégia das organizações capitalistas, termo que Lipovetsky (2007) chama de consumo emocional. Posso ainda associar outra estratégia que é o consumo ostentatório ou conspícuo, termo definido por Veblen (1983). A sociedade capitalista, através de seus atores, estimula o consumo conspícuo, e dita formas de identificação e exclusão social para todos aqueles que não podem pertencer aos padrões por ela ditados, ou seja, não podem consumir, ostentar, mostrar-se diferente e único, comprar. E ainda assim, surgem estratégias marginais para que estas pessoas consumam de algum modo. Dentre as inúmeras características deste tipo de sociedade pode-se citar as relações fluidas, ou seja, líquidas do homem consigo, com os outros, com o mundo e com os objetos de consumo. Liquidez esta não mais entendida como um conceito financeiro que traduzia a capacidade de honrar compromissos, mas sim de serem temporários, descartáveis. A sociedade líquido-moderna11 possibilita ao homem uma vida de consumo, ou seja, uma vida líquida na qual os objetos e pessoas passam a ter um sentido utilitário diferente perdem utilidade do sentido afetivo dia-após-dia, para ganhar um significado, mais temporário, fluido, cristalizando ainda mais uma sociedade individualista, onde o eu não se satisfaz consigo, e seu referencial na coletividade. (BAUMAN, 2007). Nessa sociedade a autonomia, o auto-aprendizado, a autodisciplina, a autosustentabilidade, a autogestão, enfim, a “autoajuda” têm cadeira cativa. 195 | Jean Marlos Pinheiro Borba E por essa, razão relembro que, ao discutir a alienação no consumo Aranha e Martins (2003, p. 47) argumentam: O ato de consumo é um ato humano por excelência, pelo qual atendemos necessidades mais amplas, que não se restringem simplesmente às orgânicas, de subsistência. De fato, as necessidades humanas nunca são apenas aquelas essenciais à sobrevivência, mas também as que facilitam o crescimento humano em suas múltiplas e imprevisíveis direções e dão condições para a transcendência. E ainda, como destaca Lipovetsky (2007) o consumo no atual cenário hipermoderno tem características próprias de cada indivíduo, já que: O consumo ordena-se cada dia um pouco mais em função de fins, de gostos e de critérios individuais. Eis a chegada época do hiperconsumo, fase III da mercantilização moderna das necessidades e orquestrada por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional. (p. 41) O consumo ‘para si’ suplantou o consumo ‘para o outro’, em sintonia com o irresistível movimento de individualização das expectativas, dos gostos e dos comportamentos. (p. 42) (...) o consumo encarrega-se cada vez melhor de uma nova função identitária. (p. 45) Sobre esta reflexão, tanto Soares e Dantas (2006) quanto Aubert (2006) afirmam que o indivíduo hipermoderno é um sujeito em constante estado de alerta, que aproveita o tempo ao máximo, um toxicômano da ação (age como se cada momento de sua existência fosse o último momento de vida), busca sempre agarrar e aproveitar todas as oportunidades que surgem, por isso Racionalismo terapêutico e subjetividade | 196 busca estratégias para tentar controlar o tempo como se isso fosse possível. Este indivíduo tenta ilusoriamente retardar o envelhecimento, via produtos cosméticos, e evitar a morte, ao invés de pensar nela como uma condição humana. De algum modo tenta possuir uma “felicidade” mesmo que fluida e escolhe permanecer imerso no seio da sociedade capitalista, contribuindo com o giro do capital para os capitalistas e tendo dia-a-dia perdas significativas em sua vida financeira e patrimonial, já que a poupança é evitada e o consumo é privilegiado. Compartilha desta mesma visão Ewald et. al (2005) quando destaca ser um tipo de homem que tenta estar e ser no mundo via acumulação de produtos e angustiado com sua existência. Sobre as características do sujeito hipermoderno Aubert (2006, p. 157) as descrevem como: “(...) la satisfaction immédiate de ses désirs et intolérant à lá frustation, il poursuit cependant, dans nouvelles formes de dépassement de soi, une quête d´absolu, toujours d´actualité.” Trinta e Trinta (2005, p. 7) confirmam que: “A sociedade de consumo realizou o prodígio de fazer do ato de compra uma festa; da venda, uma arte; e da exibição aparatosa, um espetáculo.” Sociedade esta na qual o hiperconsumidor que busca segundo Ewald et al (2006) uma eterna compressão espaço-temporal para existir e temporalizar. Contribuindo com a perspectiva acima sobre consumo Saraiva ([s,d], p. 3) argumenta que: "consumir é distinguir-se no interior do próprio grupo ou diante de outros grupos." Ilusão esta que é sustentada pelos agentes de crédito e consumo na sociedade contemporânea. Assim, consumir na sociedade atual é mais do que uma atitude econômica, mas um modo de demonstrar inserção social, ratificar um estilo de vida e um modo de ser. O ato de consumir é atualmente um tipo de atitude que permite compreender como a subjetividade de uma pessoa/sujeito se constitui no contato com os outros e com 197 | Jean Marlos Pinheiro Borba o mundo. Consumir é um ato individual com influências no social e, vice-versa. Sobre esse aspecto do consumo, como uma forma de demonstrar a poder e liberdade individual, Severiano (2005, p. 8) explica: "A dita 'democracia' passa, agora, a basear-se na capacidade de 'eleição individual' , "na livre escolha" dos bens de consumo". Ou seja, o consumo passa a ideia de pseudoliberdade e pseudoescolhas. Severiano nos ensina que à propagação da liberdade de escolha está inserida na lógica da liberdade econômica, tão propagada pelos agentes do sistema capitalista, onde inclusive os objetos passam a ter mais valor do que as relações sociais, pessoais e afetivas. Bauman (2001, p. 87) ao pensar a questão do consumo e da escolha diz que: "(...) tudo numa sociedade de consumo é uma questão de escolha, exceto a compulsão da escolha - a compulsão que evolui até se tornar um vício e assim não é percebida como compulsão.." A satisfação com objetos foi pensada por Marx (1985) quando tratou do fetiche 125 da mercadoria e nessa mesma direção Faria e Brandão (2004, p. 29) ao discutirem a questão da cultura e da ideologia capitalista destacam que: O predomínio em uma cultura marcada pela razão instrumental e pela sociedade industrial afasta os indivíduos de seus ideais de liberdade e felicidade; a ideia de uma sociedade racional marcada por indivíduos racionais, livres de exploração se transformou em uma formação cultural falseada pela ideologia da pseudocultura, ou seja, uma Termo que remete ao fetichismo – Conceito que se originou na crítica da religião do século XVIII, sendo considerado uma característica essencial de religiões “primitivas”. Fundamentava-se nas observações de colonizadores portugueses na África e servia para designar uma crença que imaginava em objetos mortos uma alma e froças sobrenaturais. (KURZ, 1992, p. 235) 125 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 198 cultura dominada pelo espírito alienado, o espírito dominado pelo fetiche da mercadoria. Saraiva ([s,d], p. 57) ao tratar da questão da mercadoria na economia capitalista apresenta algumas características do homem consumidor: "Esse homem-ser consumidor, obrigado a gozar e ser feliz, é muito mais uma empresa de prazer e satisfação, já que passa a vida cada vez menos na produção pelo trabalho e cada vez mais na produção contínua do próprio bem-estar". O autor se apropria também das reflexões de Baudrillard quando o mesmo se refere à contradição da sociedade de consumo que intensifica e reprime simultaneamente o individualismo consumidor. Mancebo et. al (2002) trata da questão do consumo e da subjetividade destacando a contribuição dos pensadores da Escola de Frankfurt e, creditando, principalmente a Herbert Marcuse, como o modo de pensar a questão da alienação e do consumo, bem como as reflexões que o autor aponta para os efeitos do consumismo sobre a subjetividade são relevantes e necessárias para se por em cena. Efeitos estes cada dia tornados mais “naturalizados” na sociedade capitalista. Assim pensa também o antropólogo italiano Canevacci (2007, B33) que em entrevista ao Caderno Dinheiro do Jornal Folha de São Paulo afirmou: “O consumidor contemporâneo é performático e protagonista do consumo. (...) O desafio contemporâneo é justamente subjetivar o produto. A subjetivação é uma fetichização. O produto não é mais um produto, mas um ser”. E, é nessa fetichização que os produtores da literatura de “autoajuda” se aproveitam do momento do homem-consumidor 126 para se propagar, vender, lucrar, expandir-se enquanto um segmento do mercado. 126 Também poderia na visão de Lipovetsky (2004; 2007) ser chamado de hiperconsumidor. 199 | Jean Marlos Pinheiro Borba Esse sentido dado ao produto, à mercadoria é o que Severiano (2006) denomina de processo de coisificação a que estão submetidas às subjetividades contemporâneas que são mediadas pelos bens de consumo, ou seja, há o que a autora chama de inversão fetichista, pois há uma personificação dos objetos e uma objetivação das pessoas. O cenário da sociedade de consumo é bastante propicio para que psicólogos preocupados com os modos de ser contemporâneos, possam estar atentos para os diferentes tipos de “psicopatologias” que estão sendo produzidas na contemporaneidade. A própria compulsão pelo ato de compra pode ser pensada como um tipo de adoecimento existencial concreto contemporâneo. Por fim, como assinala Lipovetsky (2004, p. 43): “A hipermodernidade não é nem o reino da felicidade absoluta, nem o reino do nilismo total.” Charles (2009, p. 111) resume as características centrais da hipermodernidade, que aqui re-apresento para fins de reflexão: a) indiferença ao bem público; b) prioridade freqüentemente dada ao presente, em detrimento do futuro; c) interesses corporativistas; d) desagregação do sentido de dever ou da dívida com a coletividade. Na hipermodernidade “novos” modos de ser e estar no mundo foram eleitos e eles trazem em si estratégias individualizantes de conduzir a vida, do que convites à reflexão conjunta. Cenário este perfeito para a alavancagem das promessas de felicidade. 2.4 A Sociedade de Consumo, o hiperconsumo e as falácias da hipermodernidade. “Não gosto de entrar em loja e não comprar. Fico com vergonta” Vinícius Belo, 22 anos, Produtor de Eventos de um hotel na Barra da Tijuca – RJ – RJ (Monteiro , 2009, p.28.) Racionalismo terapêutico e subjetividade | 200 Na sociedade atual o consumo, em excesso 127 , é modus vivendi determinado pela ideologia do capital. Ideologia esta que tem concretizado um modo de vida líquida característico da sociedade líquido-moderna (BAUMAN, 2003). Uma das características é a predominância de relações voláteis, fluídas, ou seja, líquidas do homem consigo, com os outros, com o mundo e com os objetos de consumo. A Liquidez, no mundo hipermoderno, não é entendida como um conceito financeiro que traduz a capacidade de honrar compromissos, mas sim um estado da matéria, recebendo assim novo significado de descartabilidade e imediatez. A sociedade líquido-moderna128 projeta uma vida de consumo129, ou seja, uma vida líquida na qual os objetos e pessoas perdem utilidade dia-após-dia, cristalizando ainda mais uma sociedade individualista, onde o eu não se satisfaz consigo, e seu referencial na coletividade. (BAUMAN, 2007). Nessa sociedade, a autonomia, o auto-aprendizado, auto-disciplina, a auto-sustentabilidade, enfim, a “autoajuda” são extremamente incentivados. Penso que o conceito de paixão autoconsumptiva devolvido por Sennet (2006) também esclarece os interesses do capital e a dinâmica da sociedade consumidora. Ao discutir a alienação no consumo Aranha e Martins (2003, p. 47) argumentam que: 127 Ao tratar de consumo excessivo estarei me apoiando nas idéias de Lipovetsky (2007). 128 As sociedades contemporâneas, sob o impacto da globalização, tendem a se tornar sociedades que se transformam de maneira contínua, sociedades flexíveis, sem fronteiras e sem limites, sociedades fluidas, sociedades líquidas. (HAROCHE, 2004, p. 223) 129 O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a integração do grupo ; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta. [...] (BAUDRILLARD, 1995, p. 78). 201 | Jean Marlos Pinheiro Borba O ato de consumo é um ato humano por excelência, pelo qual atendemos necessidades mais amplas, que não se restringem simplesmente às orgânicas, de subsistência. De fato, as necessidades humanas nunca são apenas aquelas essenciais à sobrevivência, mas também as que facilitam o crescimento humano em suas múltiplas e imprevisíveis direções e dão condições para a transcendência. Mesmo que essa transcendência não ocorra, o consumo é considerado como uma atividade que possibilita a “inclusão” do homem na sociedade, tornando-o capaz de adquirir bens ou serviços, ou até passando a falsa ideia de que ele está inserido em determinada classe social por ter tido o poder de comprar algo, mesmo que sejam cópias de objetos originais. Como destaca Lipovetsky (2007) no atual cenário hipermoderno: O consumo ordena-se cada dia um pouco mais em função de fins, de gostos e de critérios individuais. Eis a chegada época do hiperconsumo, fase III da mercantilização moderna das necessidades e orquestrada por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional. (p. 41) O consumo ‘para si’ suplantou o consumo ‘para o outro’, em sintonia com o irresistível movimento de individualização das expectativas, dos gostos e dos comportamentos. (p. 42) (...) o consumo encarrega-se cada vez melhor de uma nova função identitária. (p. 45) E como define Freitas (2007) o consumo na contemporaneidade exerce o papel de cimento social por unir pessoas de diferentes camadas. De acordo com o autor, o consumo é similar ao que Simmel (1967; 2005; Racionalismo terapêutico e subjetividade | 202 2006) analisou na modernidade como sendo o dinheiro, mediador de tudo, já Freitas (2007) advoga ser o consumo o meio e o fim de todas as coisas. 2.5 O Capitalismo visto pelas lentes da fenomenologia O pai da fenomenologia, Edmund Husserl, em seus estudos A filosofia como ciência de rigor, As Conferências de Paris e A Crise da Humanidade e Filosofia fez, intencionalmente, reflexões e duras críticas ao modo que a ciência moderna havia se apropriado da natureza, da técnica e, acima de tudo, do drástico e equivocado uso que estas fizeram da técnica e do conhecimento. A ciência se apropriou da razão instrumental e da técnica para propagar a separação entre sujeito-objeto, entre objetividade-subjetividade, entre razão-emoção e, por fim, como assegurou Husserl entre Consciência-Mundo. A paixão pela aplicação do método experimental, pela possibilidade de uso raciocínio matemático aplicado às ciências do espírito da mesma maneira que as ciências naturais fez Husserl (1965; 2009) criticar o predomínio do pensamento positivo, cientificista para a consolidação das ciências normativas. Ciências estas que foram criadas para aprisionar a razão em suas regras, dando a elas mais importância que à própria consciência ea essência do fenômeno. A ciência moderna inaugurou um modo de pensar e agir objetivo, cientificista e desconectado do mundo da vida e da experiência real da consciência. Ela artificializou o contato do homem com ele mesmo, com os outros homens e com a natureza. Será a vida mediada pela ciência e pela técnica promotora da felicidade? Em sua época, Husserl, não teceu críticas ao capitalismo, mas em suas reflexões é possível perceber sua insatisfação e desejo de questionar a ausência de fundamentos na filosofia e na psicologia, ausência esta que 203 | Jean Marlos Pinheiro Borba levaria num futuro próximo à uma crise. Crise esta que estava diretamente relacionada ao desenvolvimento da ciência e do uso da técnica pela ciência de modo que isolou o sujeito do processo de conhecimento, da vivência, por fim do mundo da vida, obtendo pela construção de mecanismos artificiais para ver a realidade. Diante de tudo isso a Psicologia, enquanto ciência nasce no seio das ciências naturais (resultando de uma aliança do pensamento físico com o biológico), alia-se ao método experimental, passando a estudar o psíquico de modo empírico, em laboratório desgarrado do mundo da vida e da filosofia. O mundo do laboratório, o laboratório como mundo dos cientista instaurou um novo paradigma: a técnica passou então a fazer parte do modo de pensar a subjetividade, de conhecê-la, de enclausurá-la e manipulá-la, seguindo essa direção a Psicologia, passou consequentemente a aliar-se ao desenvolvimento do trabalho nas fábricas, nas indústrias, para servir ao capitalismo. A Psicologia transformou-se em Psicologia Industrial, servindo inclusive de fundamento posterior para a concretização da Teoria das Relações Humanas no campo da Administração e para a área de Administração de Recursos Humanos. O pacto entre Psicologia e capitalismo, mediada pela Adminstração ratificou o conhecimento por ela produzido ao mesmo tempo em que garantiu no meio técnico-científico sua validade e emancipação enquanto ciência do comportamento humano. Para separar-se da ideia de uma ciência da alma a Psicologia, passou então a estudar as condições de prever, controlar, manipular e adaptar o comportamento humano às condições dadas pelas organizações industriais. O avanço do capitalismo então avaliza a cientificidade inicial da psicologia. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 204 Husserl (2005) se propôs a pensar o que poderia acontecer se a Psicologia se afastasse da filosofia e não tivesse ela própria um método para estudar, aquilo, que até então era seu objeto por excelente – a consciência. A crise então seria uma crise de escolha na qual as conseqüências seriam posteriormente percebidas nas relações artificialmente criadas pela ciência para compreender a subjetividade. (HUSSERL, 2008) As preocupações de Husserl não apontavam para uma aliança da Psicologia com o capitalismo, mas indicavam, a perda de seu fundamento. Fundamento no qual ele evidencia a inseparabilidade entre consciência e mundo, que só é possível pela via da compreensão da intencionalidade da consciência. Isso ocorreria com o uso da atitude e do método fenomenológico que permitiriam a descrição e a compreensão da experiência tal como ela aparece no mundo: “o mundo, tal como consta na consciência” (HUSSERL, 1927/1992, p. 4) e compreender a relação do eu com a comunidade na própria comunidade (mundo), sem a necessidade de prender a experiência em um laboratório. A intenção central de Husserl em relação à Psicologia era a de que ela pudesse não depender do método da ciência natural para estudar a subjetividade, tendo para isso um método de rigor, tornar-se uma psicologia fenomenológica (ser uma fenomenologia eidética), devendo ser “exclusivamente voltada para as formas invariantes essenciais”. (HUSSERL, 1927/1992, p. 5). O modo de pensar husserliano era contrário do modo de pensar proposto pela psicologia exata moderna, que fazia uso da cientificidade, do psicologismo e do relativismo para estudar a consciência, Husserl (1965; 1992) ao contrário propôs que tanto a Filosofia como a Psicologia só poderiam ser ciências de rigor, ciências primeiras, se tivessem, elas mesmas um método de rigor próprio. Um 205 | Jean Marlos Pinheiro Borba método de rigor as fizesse retornar “as coisas mesmas”, ou seja, a essência do fenômeno, ao que nele há de invariante, sem a interferência de uma técnica naturalista ou científica, nem tampouco o pensar positivo. Assim, o pensador afirma que uma psicologia fenomenológica pura seria necessária como base para a construção de uma “psicologia” empírica que tivesse seus fundamentos na consciência, na vivência, na relação desta com o mundo da vida, e não nos fatos e na causalidade mensurados cientificamente. Manter-se nesse modo de investigar a realidade (mundo da vida) seria manter a consciência ingênua e dependente da ciência natural, “adormecida” no pensamento científico que predominou na Europa e que se disseminou nos Estados Unidos, preferencialmente pelas ciências normativas. Marcuse leitor de Husserl e fortemente influenciado por ele em sua fase inicial, permiti-se afetar pela fenomenologia (mesmo que brevemente) e ao entrar em contato com o materialismo dialético propõe um novo olhar, que se complementa com seu encontro com Heidegger. Marcuse então pensa uma fenomenologia do materialismo dialético. (LEO MAAR, In.: MARCUSE, 2006;1968) Soares (2011) ratifica que as influências recebidas por Marcuse, bem como seu interesse por pesquisadores com visões antogônicas não o fez ser seguidor de nenhum dos teóricos que ele escolheu para dialogar, mas principalmente destaca que ele foi capaz de elaborar seu próprio pensamento, respeitando na mesma medida as diferenças daqueles que o ajudaram a tornar-se um teórico crítico. Adorno, também leitor de Husserl, como lembra Muñoz (1995) destaca que era preocupação deste pensador estabelecer uma fenomenologia da consciência alienada, já que ao olhar para a cultura e para os fenômenos Racionalismo terapêutico e subjetividade | 206 contemporâneos na sociedade contemporânea ele se voltava para os modos de organização econômica, social e política que buscavam dissolver o sujeito no social e o social no sujeito. Adorno dá preferência em sua análise a relação entre consciência e alienação, pois ele parte de uma análise teórica da cultura. Ambos, Husserl e Adorno perceberam que, do modo que a sociedade caminhava, o único destino possível era que a consciência do homem moderno permaneceria ingênua (Husserl) e alienada (Adorno), imbricada com a ideologia dominante. Para se pensar um olhar fenomenológico sobre o capitalismo e suas relações com a Psicologia e a Filosofia na contemporaneidade é necessário, acima de tudo, pensar no fundamento daquilo que se revela à consciência. A fenomenologia enquanto um modo de ver o mundo, ao ser utilizada para compreender o fenômeno do capitalismo e da “autoajuda” na contemporaneidade permite ir diretamente aquilo que se manifesta e se revela concretamente, ou seja, diretamente nos modos que os objetos se apresentam para a consciência. No caso desta tese os objetos, os livros de “autoajuda” financeira, permitem perceber as intenções, os significados e os sentidos que são utilizados pelos seus autores para ditar regras de comportamento, modos de ser e estar no mundo e por que não de construir subjetividades, tudo isso perfeitamente inserido na lógica do hipercapitalismo. O mundo contemporâneo, fluído e envolto pela lógica do ter para ser é o cenário perfeito para emergência de uma pseudocultura e para que a “autoajuda” se prolifere e ocupe os mais variados espaços. O estilo faça-você-mesmo contido nos livros de autoajuda ganhou os espaços das livrarias, das bancas de jornais e revistas e passa a ser consumido como uma terapia de bolso. Ingênuo acreditar que estes livros podem dar conta de resolver questões somente possíveis pela via da 207 | Jean Marlos Pinheiro Borba reflexão consciente, participação coletiva e responsabilização conjunta pelas mudanças. Enquanto o ideal de individualismo hedônico predominar será difícil ou até quase impossível uma mudança no cenário contemporâneo, mesmo que as obras de “autoajuda” professem o contrário. O “CARÁTER PSICOLÓGICO” DA LITERATURA DE “AUTOAJUDA” FINANCEIRA: dinheiro e finanças pessoais. 3 “Por isso, o psicólogo não deve negligenciar aquela queixa comum que acusa o dinheiro de ser o deus da nossa época.” Georg Simmel Georg Simmel se refere a preocupação entre o dinheiro, a psicologia e a vida cotidiana tanto na metrópol quanto na vida urbana. A psicologia, em tese, não pôs o dinheiro dentre as suas discussões como um tema de importância, salvo a Psicologia Econômica que irá ser abordada nesta seção. Na atual sociedade de hiperconsumo, os vínculos entre as pessoas são mediados pelo ter e não mais pelo ser, essa relação precisa ser reestabelecida, não pode a psicologia ver o dinheiro apenas como uma variável externa ao mundo, ao homem e às suas relações, ele é sim um elemento e um indicador sintoma do modo de vida humano. Ao apresentar as ideias centrais de Simmel, Waizbort (2000, p. 140) diz que o dinheiro ocupa uma posição central e estratégica da sua “psicologia”: ‘Para a psicologia do dinheiro’ significa um duplo movimento: analisar na consciência o processo que transformará o dinheiro em um caso radical da transformação dos meios e fins, e por outro lado analisar os efeitos do dinheiro faz recair sobre essa mesma consciência. 209 | Jean Marlos Pinheiro Borba Para Simmel e Benjamim o dinheiro é Deus do mundo moderno e continua a sê-lo em tempos hipermodernos, só que agora fetichizado de diferentes maneiras e objetos além dele mesmo. Simmel (apud Waizbort, 2000, p. 142) nos ensina que: A ‘impessoalidade’ do dinheiro, seu ‘anonimato’ (p. 59) são traços fundamentais do dinheiro que não se restringem a ele, mas a tudo o que ele, com seu toque de Midas, alcança. Por isso, sempre que valores pessoais estão em jogo, o dinheiro parece ser tão impróprio como forma de reparação. Tudo que é pessoal, individual, específico está no pólo oposto ao dinheiro.” Se o dinheiro e o crédito permitem o acesso ao mundo do consumo, consequentemente das relações sóciocomerciais é possível então perceber através dele o movimento intencional da consciência dos homens hipermodernos que acreditam que, pela posse, resolvem questões existenciais. Nessa direção, a literatura de “autoajuda” financeira ratifica esse mundo do dinheiro, do modo de ter para ser, como um estilo de vida, principalmente quando indica modos de pertencimento que é uma das características dos livros. Como foi ratificado anteriormente a “autoajuda” pode ser entendida como um indicador sintoma das relações entre o homem, suas finanças e a lógica hipercapitalista, pois ela proporciona pensar no viés psiciológico que a crise do capitalismo instaurou e mantém no viva mundo. É importante ressaltar que a crise do capitalismo se assemelha à crise que Husserl sinaliza à comunidade européia dada a sua opção por adotar o modo positivista de pensar as relações homem-mundo, oriunda da ciência Racionalismo terapêutico e subjetividade | 210 natural e da psicologia exata da época. Tal crise se configura hoje não apenas como uma crise do capitalismo, mas como uma crise da subjetividade, conferindo-se aí um deslocamento da esfera individual-social-individual. Bauman (2010a, p. 45) adverte: “O objeto das operações de crédito não é só o dinheiro pedido e emprestado, mas o revigoramento da psicologia e do estilo de vida de ´curto prazo´.” É na manutenção de um estilo de vida sem vínculos, veloz e mutante que o mercado prolifera e cria estilos de vida variados. “O mercado não sobreviveria caso os consumidores se apegassem às coisas”. (BAUMAN, 2007, p. 48) Nessa mesma lógica, estão os livros de “autoajuda” financeira, já que eles não contêm respostas completas e nem poderiam, mas mantém em seus textos a perspectiva de que o leitor alcançará o que quer com a leitura, alguns outros já indicam, na própria capa, leituras que complementam ou dão continuidade ao que é professado. A instabilidade movimenta esse mercado de ilusões (CHAGAS, 2001). Simmel ao estudar a modernidade, destacou como sendo uma característica dessa época aquela a que mudança do padrão de comportamento humano, deixando de se utilizar apenas da natureza e dos bens materiais, para ter no dinheiro o seu representante maior. “Quanto mais predominante é o dinheiro, mais anulado é o caráter qualitativo das coisas (do mundo, dos homens)” (WAIZBORT, 2000, p. 153) Percorrendo literatura de finanças, principalmente os livros editados e disponíveis no mercado editorial nacional como Braga (1994), Assaf Neto (2000), Hoji (2001), Santos (2002), Padoveze (2005) e outros traduzidos como Gitman (1997) e Ross et al. (2000), não foram encontradas referências aos estudos sobre finanças 211 | Jean Marlos Pinheiro Borba comportamentais 130 , nem pessoais, a literatura que existe surge como um novo segmento desta área. Em alguns periódicos nacionais foi possível encontrar artigos que tratavam da evolução da teoria das finanças, fazendo referência aos estudos sobre comportamento humano e finanças (quer pública ou privada). Para Matias e Freitas (2007, p. 4) a relação do homem com as finanças é historicamente percebida na evolução do pensamento financeiro: “Na Idade Média, o cristianismo influenciou o comportamento humano e estabeleceu procedimentos em relação a Finanças.” Sendo que na Idade Moderna e na Renascença surgiram, em meio ao grande número de pensadores, alguns que se preocupavam com os problemas financeiros; tais como: a correlação entre a economia privada e as finanças públicas. Estes temas são objeto de estudo da obra de Diomedes Carafa. Dentre estes trabalhos estão Castro Junior e Fama(2002), Matias e Freitas (2007), Saito, Savoia e Famá (2007), Krauter e Fama (2003) discutem a evolução do pensamento em Finanças. Saito et al. (2007, p. 10) assinalam que dentro da Moderna Teoria das Finanças cabem os estudos sobre o comportamento humano e as questões econômicas: Adicionalmente, vêm ganhando relevância os estudos que procuram relacionar o comportamento humano com os conceitos econômicos, de forma a entender a influência do fator humano nas decisões financeiras, formando, assim, um novo ramo de pesquisa conhecido como Finanças Comportamentais, fundado por Richard Thaler. Para ilustrar a relevância desse assunto, cabe mencionar que Daniel Kahneman foi premiado 130 Já localizei um livro intitulado Finanças Comportamentais, publicado pela Elsevier recentemente. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 212 com o Nobel de Economia em 2002, pela sua contribuição para a ciência econômica, com a inclusão de conceitos da psicologia na compreensão das decisões dos indivíduos em condições de incerteza. Nesta relação da Psicologia com as Finanças resta observar ainda o que Matias e Freitas (2007, p. 8) identificaram em sua pesquisa iniciada no século XIX: “Na Áustria, na chamada escola austríaca, estudiosos faziam pesquisas financeiras com base na análise psicológica da satisfação das necessidades, com base no valor. K Menger (1840-1921), Boem-Bawerck (1851-1914) foram exemplos desses estudiosos.” Esse movimento contribuiu para a criação de duas áreas específicas as Finanças Comportamentais e a Psicologia Econômica. Ambas as áreas buscam compreender a relação do homem com o uso do dinheiro e do crédito e os efeitos do seu comportamento na tomada de decisão de investimentos. Partem do pressuposto de que existe um "homo economicus" que toma decisões racionais. Abordando ainda as finanças comportamentais encontrei um número expressivo de artigos que discutem os fundamentos, os interesses e os resultados desta área de conhecimento, dentre eles estão os trabalhos de: Milanez (2003), Savoia et al (2006), Krauter e Fama (2007), Matias e Freitas (2007) e Marcon (2007). Existem os trabalhos também na área da Psicologia Econômica iniciados em com Pierre-Louis Reynaud (1967); George Katona (1975); Setephen Lea, Roger Rarpy e Paul Webley (1987); Carlos Descocouvières (1998), Fred van Raaij (1999), Carlos Barracho (2001) e que são apontados na tese da Psicóloga e Psicanalista Dr.a. em Psicologia Social Vera Rita de Mello Ferreira. Foi realmente em 2002 que a disciplina expandiu-se quando Daniel Kahneman e Amos Tversky receberam o prêmio Nobel de Economia pelo desenvolvimento de 213 | Jean Marlos Pinheiro Borba teorias sobre percepção e decisões em cenários de risco e incerteza, a chamada Teoria do Prospecto. Ferreira (2007) e outros apontam que as bases teóricas desta área de conhecimento estão calcadas nas teorias comportamental, cognitiva e psicanálise. No caso em questão vale saber o que é a psicologia econômica e também quando ela se origina. Albou (1974) apud Albou (1980) comenta que a psicologia econômica surgiu em 1902 com a publicação de dois volumes, com este título, por Gabriel Tarde, com forte embasamento no método experimental e na psicanálise. Ambas utilizaram métodos onde a razão, as catagorias explicativas e o uso de métodos de constatação experimental eram dominantes. 3.1 A Psicologia e o Dinheiro Em uma dos livros de autoajuda pesquisados Dinheiro não dá em árvore diz ao leitor Godfrey (1994, p. 11) que : “A verdade é que o dinheiro nos afeta. Não importa quanto temos ou não temos, ele afeta nosso humor, nosso casamento, nossos objetivos, nossos sonhose a nossa personalidade”. Isso ratifica o fato de que o homem sempre manteve uma estreita relação com o dinheiro, tendo dado a ele um signifcado existencial, como se fosse um ser vivo. O dinheiro nos seus inúmeros modos de se revelar tem dado ao homem o poder de conquistar a humanidade, de adquirir bens e transformar a natureza, tornando qualquer um deles em objeto de deleite próprio. Na história da humanidade, os cristãos, por exemplo, foram orientados pelos seus fundamentos religiosos a não valorizar o dinheiro ou a não lhe render culto, todavia muitos reis (amados ou odiados pelo povo) demarcavam o seu modo de ser e governar pela oposição à riqueza e ao dinheiro em si. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 214 O Rei Davi, na história bíblica, é considerado um dos reis que, quer pelo culto e ostentação do poder do dinheiro e de pedras preciosas, ou até mesmo pela posse de terras e domínio sobre os outros homens demarcou o lugar que o dinheiro ocupava em sua condição humana. Os ensinamentos professados na Bíblia foram reunidos pelo escritor Steven K. Scott no livro Salomão o homem mais rico que já existiu. Este é um livro de “autoajuda” que associa sucesso, religião e finanças. O autor diz na sinopse do livro: “Neste livro me concentrarei nas estratégias e passos extraídos do livro bíblico dos Provérbios que apliquei às áreas profissional, pessoal e financeira da minha própria vida.Após examinarmos os conselhos de Salomão em cada capítulo, oferecerei algumas técnicas simples que utilizei para implementar os conselhos no meu cotidiano131”. Um pequeno trecho do Capítulo 1 deste livro pode esclarecer como o homem mais rico que já existiu pode lhe trazer mais felicidade, sucesso e dinheiro auxiliando a se ter uma melhor compreensão dessa relação: Imagine sair de um salário abaixo da média para uma renda pessoal de mais de 600 mil dólares por mês. Imagine perder nove empregos durante os seis anos que se seguiram à faculdade e, então, no décimo, erguer 12 negócios do zero, alcançando vendas de bilhões de dólares. Imagine fazer tudo isso seguindo passos específicos ensinados por Salomão no Livro dos Provérbios do Antigo Testamento. (p. 7) A oração de Salomão 131 Disponível em: http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/salomao-ohomem-mais-rico-que-ja-existiu.shtml. 215 | Jean Marlos Pinheiro Borba Salomão nasceu por volta do ano 974 a.C. e foi coroado rei de Israel pelo pai, Davi, pouco antes da morte deste. Ele tinha 12 anos de idade. Sentia muito medo de governar Israel, receando que não tivesse a sabedoria necessária. De acordo com o Antigo Testamento, Deus apareceu para Salomão e perguntou o que ele queria. Salomão pediu apenas sabedoria e conhecimento para poder julgar com probidade o grande povo de Israel (I Reis 3:9; II Crônicas 1:10). Então Deus disse que, por ele não ter pedido riquezas, bens, honras e vitórias sobre os inimigos, lhe seriam concedidos mais bens, sabedoria, conhecimento, riquezas e honra do que a qualquer rei do passado ou do futuro. A promessa foi cumprida. A sabedoria, o sucesso e a riqueza de Salomão aumentaram de forma inimaginável. Além das reservas de ouro que valeriam centenas de bilhões de dólares no mercado atual, ele possuía 4 mil estábulos para seus cavalos e carruagens, e sua folha de pagamento incluía 12 mil cavaleiros. Governantes de nações do mundo inteiro buscaram seus conselhos e pagaram caro por eles.No entanto, no meio da vida, ele começou a violar as regras de conduta, os princípios e estratégias que articulara com tanta sabedoria no Livro dos Provérbios e, ao fazê-lo, seu sucesso e felicidade desapareceram. Para nossa sorte, ele registrou muitas de suas leis de conduta no Livro dos Provérbios. (p. 9) O trecho anteriormente citado mostra o interesse do autor em associar a sabedoria de Salomão a uma estratégia para alcançar a riqueza. Em um dos ensinamentos a humildade e a persistência passam a ser elementos determinates da riqueza, assim o autor aproxima o dinheiro do sagrado, como bem nos lembra Benjamin. Em tempos hipermodernos onde a relação entre fé e sabedoria é atravessada por relações comerciais e atitudes Racionalismo terapêutico e subjetividade | 216 ingênuas, fica claro que o livro atende aos anseios de uma sociedade que aprendeu a associar dinheiro, religião e pensamento positivo. Na modernidade, a confirmação do poder do dinheiro ocorre de forma exponencial, pois seu uso se oficializou como meio de troca, não apenas nas relações mercantis, comerciais e bancárias, mas acima de tudo nas relações sociais, familiares e afetivas. Com o advento do capitalismo, com a globalização e o “progresso tecnológico” o dinheiro ganhou formas diversas, dentre elas a forma de plástico (cartão de crédito/débito) e a forma virtual. (BORBA, 2008) Nas relações familiares, por exemplo, declara Simmel (2006) que a instituição do dote nas relações afetivas foi uma das fases em que o dinheiro foi usado para comprar afetos, pessoas e capturar subjetividades. Ter dinheiro, ter bens patrimoniais deu ao homem a falsa ilusão de que ao tê-lo, o caminho para a felicidade seria menos sinuoso e que sua aceitação no meio social seria mais fácil. É o que ratifica Smiles (s. d, p. 331-332): A maneira por que o homem se serve do dinheiro, o ganha, o economisa, e o gasta, é talvez uma das melhores pedras de toque da sua sabedoria prática. Ainda que o dinheiro não deve considerar-se como um dos fins principaes da vida, nem por isso deve ser tratado com desprezo philosophico, porque representa em alto grau os elementos do bem-estar: physico e social. Fonseca (1994) ao analisar o que chamou de “Uma Psicologia do agente econômico em David Hume e Adam Smith”, destaca que o pensamento destes dois iluministas escoceses sobre o funcionamento da mente humana e modos de comportar-se na vida cotidiana é afetado por fatores sub-racionais. Professa o autor que o apego ao dinheiro e a idade é que interessam e, não a tranquilidade e 217 | Jean Marlos Pinheiro Borba o prazer, ser rico para um homem lhe garante o status de sempre estar em evidência para com o seu semelhante, de lhe colocar num lugar superior, de ser admirado e de querer ter atenção constante. Através do dinheiro o homem rico se garante como detentor de valores morais e materiais que deveriam ser admirados e referenciados. Essa constatação, feita no século XVII, sofreu algumas modificações no cenário do capitalismo contemporâneo, mas principalmente exacerbou-se. O pensamento do filósofo francês Nicolas Malebranche é apud Fonseca (1994, p. 4) para ilustrar a relação do homem com riqueza: “as pessoas geralmente estão até mais interessadas em aparecer diante aos olhos dos outros como ricas, cultas e poderosas do que realmente ser.” Eis a importância do dinheiro como um agente mediador nas relações sociais e afetivas. Bruckber (2002, p. 173) dá à riqueza um caráter de acesso à vida pública, que no caso da sociedade atual é espetacularizada: “É que a riqueza é antes de tudo um espetáculo a ser exibido, que regala os olhos, aguça os apetites, alimenta o rancor.” Sciliar 132 lembra alguns personagens da ficção que auxiliam a esclarecer a questão do apego ao dinheiro, mas especifcamente da avareza ao longo de séculos. 132 SCLIAR, Moacyr. A avareza na ficção. Mente Cérebro. Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_avareza_na_ficcao.ht ml Racionalismo terapêutico e subjetividade | 218 Honoré de Balzac (1799-1850) e Fiódor Dostoievski (1821-1881) viviam atolados em dívidas, sobretudo o escritor russo, que era um jogador compulsivo. Não é de admirar que avarentos tenham dado grandes personagens da ficção. O primeiro exemplo é, naturalmente, o Shylock, de William Shakespeare (1564-1616) na comédia O mercador de Veneza, do fim do século XVI. Shylock era um agiota. Na Idade Média, o empréstimo a juros era proibido aos cristãos e reservado ao desprezado e marginal grupo dos judeus. Um arranjo perfeito: quando o senhor feudal não queria ou não podia pagar dívidas contraídas com os agiotas, desencadeava um massacre de judeus, um grupo desprezado e marginalizado, e resolvia o problema. Shylock sente-se desprezado e quando empresta dinheiro a Antonio, um mercador, pede em garantia uma libra da carne do devedor: ele quer que este se revele inadimplente e pague a dívida com a matéria de seu próprio corpo: um esforço desesperado e grotesco para ser respeitado. (p.1) Se o dinheiro então assume para o homem um lugar de suprema importância, ele é então como diz Simmel (1900) o mediador por excelência das relações sociais. 3.1.1 O dinheiro: mediador das relações sociais, afetivas e matrimoniais O autor português Mário Gonçalves Viana é um dos primeiros a escrever, no mundo, livros de “autoajuda” financeira e sua obra intula-se Psicologia do Dinheiro. O autor discute essa aproximação moral, cultural e psicológica que o homem tem com o dinheiro, explicando e pondo em referência a sua importância no cotiadiano moderno. O interesse por investigar as relações entre dinheiro, psicologia e busca pela felicidade, como disse 219 | Jean Marlos Pinheiro Borba anteriormente, partiu do contato inicial com os livros de autoajuda e no decorrer da pesquisa com a descoberta da área de conhecimento conhecida como Psicologia Econômica, Ecnomia Comportamental, Finanças Comportamentais e Psicologia Financeira. Conhecer e entender a relação entre estas duas áreas de conhecimento possibilitou perceber novos pontos de encontro entre a Fenomenologia, a Psicologia, a Teoria Crítica, a Socieologia e a Economia. Apesar de estudos e pesquisas em Psicologia voltados para estas relações serem quase inexistentes no Brasil, se faz importante resgatar esta relação a fim de compreender como os agentes da indústria capitalista dela se utiliza para capturar a subjetividade e manter os seus mecanismos de totalitarismo via sociedade administrada. A intenção de compreender como o homem, quer de modo crítico, quer de modo ingênuo, se relaciona com o dinheiro moveu meu interesse para investigar, no decorrer da redação da tese, para o que afeta e promove as mais variadas modificações em seu modo de ser no mundo, de se relacionar com o dinheiro e com os outros. Nesse sentido, tornou-se claro ver que nos textos de autoajuda a relação entre a linguagem psicológica e os conteúdos financeiros apontam sempre para modos de captura da subjetividade daquele homem que entende que as dicas ali apresentadas podem modificar a sua vida. Por isso, penso que a afirmação de Furnham e Areyle (2000, p.10) é capaz de expressar essa reflexão: Os psicólogos interessam-se pelas atitudes assumidas perante o dinheiro, pelo pôrque e o como as pessoas se comportam de certas maneiras em relação ao dinheiro e quando na sua posse, assim como se interessam pelo efeito que este exerce sobre as relações humanas.” Racionalismo terapêutico e subjetividade | 220 O homem aceitou para si a condição de mercadoria, tornou-se ele próprio valor de troca, mesmo permanecendo em atitude natural/mecânica, onde opta por não refletir pelo significado de suas ações, mas apenas acatar as necessidades criadas pelo sistema capitalista e assim coisifica-se, transforma-se em mercadoria viva. Esse processo foi bastante ratificado na época em que o dote era o meio de negociação da posse do “amor” do homem para com a mulher (SIMMEL, 2006) e, que tem relação com o próprio processo de construção da subjetividade e do valor dado ao dinheiro na modernidade. Bauman e, em especial Simmel, ao discutir o pensamento calculista, a intelectualidade e o domínio do dinheiro sobre a vida na metrópole conclui que: “O dinheiro se refere unicamente ao que é comum a tudo: ele pergunta pelo valor de troca, reduz toda qualidade e individualidade à questão: quanto?” (SIMMEL, 1967, p. 13) Compreender de que maneira e como o dinheiro influencia na subjetividade e nas relações sociais e afetivas, nas escolhas de mundo e de modos de ser, tornou-se um elemento bastante motivador deste texto, principalmente quando ao retorno para os livros de autoajuda, lá identifico que as intenções das autorias foram atualizadas. Assim, na perspectiva deste trabalho, ratificando, não é a explicação, o porquê ou os porquês que interessam, mas o quê e como as coisas acontecem, a compreensão das inúmeras situações que emergem, que se revelam à medida que o fenômeno se revela. Diante da possibilidade de pensar uma psicologia social fenomenológica133 e crítica torna-se necessário situar o olhar fenomenológico e a crítica frankfurtiana a esta questão. Os pensadores frankfurtianos que estabelecem análises críticas sobre a barbárie, o capitalismo, a cultura de 133 Tomo aqui emprestado o termo utilizado por Ewald (2007). 221 | Jean Marlos Pinheiro Borba massa, o individualismo e os diferentes modos de apropriação da subjetividade e da razão na modernidade confirmam que o modelo de sociedade administrada proposto pelo capitalismo é um modo de manter a consciência alienada. Assim, o que a Escola de Frankfurt ataca não é o desenvolvimento da cultura de massas, mas a forma repressiva específica assumida pela cultura de massa, ou a ela imposta, sob os auspícios do capital monopolista (SLATER, 1978, p. 177) A leitura dos frankfurtianos já afeta e afetará ainda mais, o desenvolvimento da tese, dos quais eu me apropriei de alguns, preferencialmente, das ideias de Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse. Por sua perspectiva crítica e por seu caráter transdisciplinar os utilizarei para fundamentar e clarificar minhas reflexões sobre as estratégias da indústria cultural no capitalismo contemporâneo para promover o culto à riqueza, ao dinheiro e à racionalidade técnica. Os teóricos da Escola de Frankfurt não fizeram tratados sobre o dinheiro, mas realizaram importantes análises sobre os efeitos do sistema capitalista e das condições culturais, sociais e políticas que afetaram os modos de vida, apontando sérias e rigorosas reflexões sobre os efeitos de uma sociedade administrada, percebida por eles na música, na literatura, na poesia, nas artes e na cultura. Modernidade, de acordo com Jamenson (2002), é uma palavra que os capitalistas se apropriaram ao invés de capitalismo, pois isso faz com que a massa pense que o sistema tem um objetivo social, o que não é verdade. O capitalismo não tem nenhum objetivo social. O projeto utópico apresentado garante uma democratização das relações sociais e do acesso ao mercado consumidor como se este fosse um objetivo que favorecesse ao bem comum. É um discurso fluído, pois o o mercado o exercício da Racionalismo terapêutico e subjetividade | 222 democratização ocorre na relação ser consumidor para ser cidadão e não o inverso. Houve, de fato, uma massificação do consumo, do acesso ao mercado de crédito e financeiro, enfim o dinheiro globalizado chegou às camadas populares com o discurso de modernidade e democratização. Waizbort (2006, p. 160) destaca que Simmel coloca em evidência a ideia de cultura e de dinheiro que caracterizam a modernidade, principalmente porque: “o homem moderno passa grande parte da vida perseguindo a posse do dinheiro, como se toda a felicidade e satisfação da vida humana se resumissem à sua posse.” Numa busca que realizei na web, com as palavras psicologia e dinheiro, imediatamente foram fornecidas relações de páginas contendo artigos, livros e outros elementos lá disponíveis, e uma das mais interessantes foram os constantes anúncios ofertando modos para aumentar a renda, ganhar dinheiro sem sair de casa (teletrabalho), poupar dinheiro, ganhar dinheiro reduzindo impostos ou economizando nas compras, realizar investimentos rentáveis e compreender o segredo do dinheiro. Estas páginas, em tese, contêm os fundamentos da autoajuda e algumas delas oferecem livros e dicas. Já em 1896 Simmel (apud Souza, 2005), trata da cultura moderna, destacando a influência desta na economia do dinheiro. Os estudos de Simmel chamaram atenção para a relação entre patrimônio e personalidade, onde a propriedade de bens era considerada como padrão de inclusão no seio social. O dinheiro conferiu para aqueles que o tinham, força para a personalidade, passou então a substituir uma série de outros valores moralmente aceitos, ou até mesmo ser a moeda designadora de caráter e, além disso, ser o elemento de conexão entre os membros de um setor econômico ou de setores econômicos entre si. 223 | Jean Marlos Pinheiro Borba No contexto de uma modernidade que se estruturava na economia do dinheiro e, conseqüentemente, das relações de troca, ele, o dinheiro, passou a ser elemento atenuador ou absorvidor de delitos graves ou mesmo de penitências religiosas. O dinheiro que era um meio tornouse um fim, um alvo final, além disso, tornou-se o elo entre as coisas mais heterogêneas onde elas se tornaram comuns e comunicáveis entre si. (SIMMEL, 2005) Diz Simmel (2005, p. 29): “No pagamento em dinheiro, a personalidade não se dá mais a si mesma, mas sim a algo totalmente abstrato e livre de toda relação interna com indivíduo.” Simmel (2006) apresenta em suas reflexões algumas relações entre o homem, a mulher e o dinheiro, indicando que ela é permeada por um conjunto de situações históricas, culturais e sociais. O filósofo discute a situação histórica de compra e troca de mulheres e, do pagamento de dotes na relação matrimonial ditadas pelos interesses familiares. Na perspectiva similleriana os casamentos, por exemplo, foram resultado de um modo de administrar as relações afetivas e sociais que, se atualizadas, infere-se que ainda hoje as pessoas mantêm está prática mascarada de outras maneiras (não é mais o dote em moeda, mas configurado em bens de consumo, em patrimônios ou mesmo na vida oriunda da especulação financeira). O dote ou a troca assume a figura de um imóvel, de um bem, de uma viagem, da privação da própria individualidade ou, até mesmo, de uma troca entre patrimônios. O dinheiro é o mediador das relações sociais já que é também pela via do trabalho e da produção que o homem realiza seus projetos e, nesse sentido, afirma: “É dinheiro a mercadoria que serve para medir o valor e, diretamente ou através de representante, de meio de circulação”. (MARX, 1987, p. 144) Conforme advoga Simmel, o dinheiro possui a característica de ter um duplo papel, sendo tanto um mecanismo que ao mesmo tempo aproxima e afasta Racionalismo terapêutico e subjetividade | 224 pessoas tanto de si mesmas como dos outros. O dinheiro promove a interioridade e também o intelectualismo, pois nesse binômio aproximação-afastamento remete o indivíduo ao intelectualismo que passa na análise de Simmel a ser um estilo de vida moderno. O dinheiro é o agente característico da vida na modernidade (WAIZBORT, 2006) e Freitas (2007, p. 45) ao revisitarem Simmel destacam que o dinheiro tornou-se um mediador por excelência nas grandes cidades e um meio de inversão psicológica do meio em fim absoluto: “o dinheiro é a base da felicidade no cotidiano”. O dinheiro assumiu, através dos tempos, inúmeras formas de circulação: sal, animais, especiarias, pedras, utensílios, pessoas, interesses, produtos e serviços de consumo e valores, bem como diversas formas de proliferação. Tê-lo, possibilita ao homem, numa sociedade capitalista, um modo de se sentir incluído social e economicamente, além de marcar sua autonomia, sua individualidade. E no atual cenário da contemporaneidade não é mais, única e exclusivamente como fora no passado, pois a posse de bens materiais ou não que seduzem os homens ou movimentam os mercados, o dinheiro, em forma de capital assume outras facetas, tornou-se virtual, de plástico e fictício, meramente especulativo. Algumas práticas antigas retornam, como por exemplo, o escambo e ao mesmo tempo, surgem novas, a cada dia. A pesquisa e a leitura de livros de “autoajuda” permitiu que eu estivesse atento e realizasse epochés sobre os conteúdos e as intencionalidades presentes nos textos de “autoajuda” até agora acessados. Dos livros analisados foram encontradas várias indicações de seus autores de como lidar com o dinheiro, além das análises e sugestões feitas sobre como se deve administrar o dinheiro que se tem para mais riqueza, ou até 225 | Jean Marlos Pinheiro Borba não ficar a ela subordinado. Não sendo escravo do dinheiro, mas fazendo o dinheiro trabalhar por você. Essa lógica de fazer o dinheiro trabalhar por você é ratificada pelo modo de funcionamento do capitalismo financeiro que segundo Boltanski & Chiapelo (2009, p. 42) ratifica o propósito capitalista: “O espírito do capitalismo é justamente o conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribuem para justificar e sustentar essa ordem, legitimando os modos de ação e disposições coerentes com ela”. Enfim, se há uma crise, a literatura de “autoajuda”, atua para o seu leitor como um placebo, oportunamente colocado para que o leitor possa sentir a necessidade de adquirir outra obra ou outro subproduto. Não é de interesse do autor, apesar de parecer isso, que o leitor ao ler suas dicas consiga imediatamente alcançar a solução que precisa. Essa intenção não se comprova como verdadeira em grande parte dos livros que intencionam ser manuais de modos de ser e oferecer outros produtos e serviços como os de autoria de Gustavo Cerbasi 134 e Reinaldo Domingos135. Um dos exemplos bem claros desta proposta pode ser vista no livro Prosperidade: fazendo amizade com o Dinheiro de Ribeiro (1992, p. 31) quando ele afirma: “Não é você que trabalha para o dinheiro. É o dinheiro que trabalha para você. O 134 O autor mantém um site em funcionamento que tem relação direta com um de seus livros e também com os serviços que ele oferece em seu site profissional que pode ser acessado pelo endereço a seguir:http://www.maisdinheiro.com.br/livros/gustavo-cerbasi. 135 Reinaldo Domingos intitula-se educador e terapeuta financeiro. É o presidente do Instituto DSOP de Educação Financeira e autor dos livros Terapia Financeira (2007), O Menino do Dinheiro (2008), O Menino e o Dinheiro (2011) e Livre-se das Dívidas (2011). Em 2011, publicou a primeira Coleção Didática de Educação Financeira para o Ensino Médio do país, já adotada por diversas escolas brasileiras. Outra estratégia destes autores é infiltrar-se no meio educacional de modo a oferecer seus serviços. Site http://www.dsop.com.br/. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 226 autor ainda assegura ao leitor que ter prosperidade não é apenas ter dinheiro, mas ter saúde e amizade”. Alguns destes livros no formato de pequenos manuais de “autoajuda” apresentam exercícios sugeridos pelo autor como forma de “ajudar” o leitor a organizar seu planejamento e orçamento financeiro, alcançar sucesso e felicidade e principalmente mudar a crença que tem em sua relação com o dinheiro. Eker (2006, p. 97): Ações da mente milionária: Vá a uma biblioteca, a uma livraria ou acesse a Internet para ler a biografia de uma pessoa que é ou foi extremamente rica e bem-sucedida. Roberto Marinho, Antônio Emínio de Morais, Abílio Diniz, Bill Gates, Donal Trump, Jack Welch e Ted Turner são bons exemplos. Use as histórias pessoais deles para se inspirar, para aprender estratégias de sucesso específicas e, o mais importante, para copiar a sua programação mental. No exercício acima sugerido pelo autor fica clara a intenção de fortalecer a volorização do estado mental e a imitação como um modo de conseguir dinheiro. É necessário destacar também que a maioria destes nomes está diretamente ligada ao uso do dinheiro. As frases de efeito que são utilizadas transmitem a ideia de que o dinheiro tem relação direta com os modos de ser: Declaração: Eu imito as pessoas ricas e bemsucedidas. Eu busco a companhia de pessoas ricas e bem-sucedidas. Se elas podem, eu também posso! Eu tenho uma mente milionária! (EKER, 2006, p. 97) Viana (1945) e Michellon (2006) discutem e sugerem modos de lidar com o dinheiro tendo, ao fundo de 227 | Jean Marlos Pinheiro Borba suas análises, reflexões teológicas envolvendo dinheiro e economia. Estes autores relacionam as questões econômicas que envolvem o dinheiro com a religiosidade. Moreira (2002) utilizou metodologia quantitativa para conhecer o significado do dinheiro no Brasil, explorando e mensurando via questionários com escalas de atitude, como os seus respondentes comportavam-se frente ao dinheiro. Essa pesquisa buscou constatar e estabelecer categorias que possam representar, estatisticamente, como os brasileiros se comportam em relação ao uso do dinheiro. Este tipo de pesquisa é importante, contudo ela já coloca a intenção do pesquisador, sob a forma de hipóteses e categorias a serem conhecidas e não interrogam o fenômeno diretamente em sua pureza, mas já fornecem dicas ao participante daquilo que o pesquisador quer saber, artificializando, assim o resultado, uma vez que retira de cena o caráter da vivência imediata que é alcançada pelo pesquisador e do próprio sentido da pesquisa fenomenológica. Existem estudos de âmbito internacional sobre o significado do dinheiro no comportamento humano e seu foco de interesse. Dentre eles, há quatro instrumentos que se difundiram pela via de sistematização de escalas, Moreira (2002) aponta: Diferencial Semântico Modificado (1972); Escalas de Atitudes para Dinheiro (1982); Escala de Crenças e Comportamentos Monetários (1984) e, Escala Ética do Dinheiro (1992). Tais escalas visam a mensurar o significado que o dinheiro vem criando em categorias que agrupam as definições dos comportamentos possíveis. Além disso, visam a traçar um mapeamento deste significado, mas pelo viés da atribuição de categorias já pré-definidas. Todos estes estudos têm como atitude intelectual central o pensamento unidimensional e a racionalidade instrumental que é ratificada a cada estudo divulgado. A divulgação de estudos que tem o referencial unicamente quantitativo, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 228 reforça que os dados “falam” por si sós e são “capazes” de representar a realidade um modo ingênuo que o cientista oriundo do positivismo tem para explicar a realidade como bem apresentou Husserl, ao elencar a ingenuidade do cientista (2009). Seguindo essa mesma perspectiva, Moreira (2002) realizou um estudo comparativo, com estudantes de psicologia distribuídos pelas regiões brasileiras, para mensurar o significado que o dinheiro tem para eles. Utilizou a Escala do Significado do Dinheiro (ESD) e seu estudo parte da proposição de que o dinheiro é objeto universal e específico a culturas nacionais. Contrariamente a este paradigma pretendo desenvolver estudos futuros, ou seja, sem pré-julgamentos, mas ao entrar em contato com o fenômeno, compreendê-lo em sua imediatez e tendo o rigor e o caráter crítico como modos de compreender. Ai invés de estabeçlecer categorias antecipadamente, pretendo investigar diretamente no mundo da vida, o sentido, o significado e o valor que o homem hipermoderno dá ao dinheiro. O modo de lidar com o dinheiro também já foi tema da obra O avarento 136 do escritor francês Jean de la Fontaine em que ele demonstra seu temor por ter perdido um tesouro. Da Literatura, O Avarento também retratado no teatro, adaptado por outro francês, Moliere. Sobre as caracterísitcas de um avarento Mariotti (2001) esclarece que: 136 MARIOTTI, Humberto. A era da avareza: (A Concentração de Renda como Patologia Bio-Psico-Social). Disponível em: <http://www.humbertomariotti.com.br/avareza.htm>. Acesso em: 10 ago. 2011 229 | Jean Marlos Pinheiro Borba Por ser uma patologia do Ter, a avareza é também uma patologia do objeto, uma patologia da coisa. Como já sabemos, ela se traduz pela negação de tudo aquilo que implica processo, fluxo, circulação. É uma inclinação para o enrijecimento, para a petrificação, um movimento em direção ao inanimado.O avarento se sabe um funcionário da retenção. Mais ainda, percebe que não é capaz de fugir dessa armadilha, e por isso está a cada dia mais cheio de medos, sendo o maior deles, como logo veremos, o que tem de si próprio. Esse medo é a cada passo potencializado pela desconfiança. Já vimos que o avarento percebe que por mais que tente não conseguirá acumular e reter o que sua compulsão interna lhe impõe. Por isso, no fundo ele não confia em si próprio como agente da acumulação. Essa desconfiança alimenta o medo, que retroage sobre ela, intensificando-a. E assim se fecha o círculo. Por não poder tolerar essa pressão além de um certo limite, o avarento a projeta nos outros. É por meio dessa dinâmica que a avareza acaba sendo também uma patologia da alteridade, pois para o avarento tudo na vida parece resumir-se ao “meu” que ele opõe ao “não-meu”: “meu” dinheiro, “minha” casa, “minha” mulher, “minhas” crenças e assim por diante. Ao lado disso, como mencionei há pouco, jamais o abandona a compulsão de transformar o “não-meu” em “meu”, no menor tempo possível e com o menor esforço e gastos possíveis. Para o avarento, o dinheiro era a razão de sua existência, pois é ele que preenche a vida de sentido. Na literatura de “autoajuda” financeira essa situação se repete de outras maneiras, uma vez que geralmente os autores contam no prefácio ou na introdução, como chegaram a obter ou a perder dinheiro e de que maneiras eles conseguiram reaver suas posses. Essa estratégia é utilizada Racionalismo terapêutico e subjetividade | 230 pelos autores para deixar o leitor o mais próximo da realidade que ele propõe retratar, influenciando o leitor a confiar nele, na sua experiência e consequentemente nas sugestões que apresenta. “O dinheiro intervém como causa e efeito de uma separação espacial do sujeito e de sua posse, como os acionistas que nunca colocaram os pés na empresa, por exemplo”. (FREITAS, 2007, p. 50) O homem, inserido no capitalismo, sempre conferiu ao dinheiro o estatuto similar ao de Deus, como bem alertou Benjamim (1990), ao relacionar o capitalismo a um culto religioso e o dinheiro ao Deus da modernidade. Para muitos homens a vida só tem sentido se ela for vivida com abundância de dinheiro, crédito e um vultoso patrimônio. 3.2 A Psicologia e sua relação com a Economia Psicologia e Economia se relacionam há algum tempo, embora poucos tenham conhecimento. E como isso começou? Bem, os economistas se interessaram pela Psicologia, bem mais que os psicólogos pela Economia e, eles foram atrás.... Os economistas começaram a buscar na Psicologia, informações para compreender como os homens agiam frente à situação de investimento. As hipóteses e respostas encontradas levaram ao desenvolvimento de uma área cujo suporte advém de diferentes áreas do saber, tais como: economia, finanças das empresas, finanças pessoais, contabilidade, estatística, psicologia, antropologia e sociologia, mas foi preferencialmente na psicologia que ela chamou atenção dos pesquisadores. Uma das discussões que interessa e que moveu esta pesquisa apontou para a relação entre a economia, as finanças pessoais, o consumo e a psicologia, mais 231 | Jean Marlos Pinheiro Borba propriamente das relações entre a psicologia e finanças, que foram intermediadas pela Psicologia Econômica. Reunir reflexões de áreas, em princípio, distantes e desconexas, teoricamente é um desafio que busquei e me comprometi a esclarecer nesta tese. Uma questão central norteou esta reflexão: a Economia e a Psicologia são, de fato, áreas tão contrárias? Caso sejam, quais podem ser os pontos de cortes ou de ligação? Ao iniciar a pesquisa percebi que existiam estudos e pesquisas até então desconhecidos que envolviam olhares plurais da psicologia econômica, da neuroeconomia e das finanças comportamentais. Durante os anos de graduação e pós-graduação strictu sensu não tive conhecimento de nenhum estudo dessa área capaz de mostrar uma relação. A literatura contábilfinanceira, nem tampouco a econômica fazia referência aos pressupostos de desenvolvimento nesse campo emergente do saber. Assim é que ao saber dessa possibilidade passei intencionalmente a buscar relações entre as áreas de conhecimento anteriormente citadas e a literatura financeira de “autoajuda”. A viabilidade desta pesquisa me permitiu compreender que já foram realizados estudos entre estas áreas desde 1800. Assim, um novo impulso intelectual foi possível com a tomada de conhecimento dos estudos de Simmel sobre a Psicologia do dinheiro, que resultou na obra a Filosofia do Dinheiro e das inúmeras análises que este pensador fez acerca do dinheiro na cultura moderna. Em pesquisas no meio virtual localizei estudos sobre finanças pessoais, orçamentos familiares e comportamento do consumidor, sem entretanto fazer qualquer referência a esta nova área do conhecimento ou as questões sociais e filosóficas que integravama a relação homem-dinheiro-mundo. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 232 Além dos estudos anteriormente citados o contato com Journal of Economic Psychology 137 (1993) e as obras de Viana (s.d) e Lauterbach (1959) me permitiram compreender como a relação entre inanças e subjetividade estava sendo pensada, quer seja ainda no paradigma positivista, por estudos empíricos ou apenas pela via da literatura de “autoajuda”. Percebi então que seria necessário oferecer um outro olhar para tais questões, como por exemplo, uma mudança no direcionamento no modo como os assuntos de finanças coorporativas e finanças pessoais eram estudados. Situação perfeitamente possível dada a minha formação em Ciências Contábeis, Psicologia e Mestrado em Administração (Concentração em Finanças das Empresas). Associados os conhecimentos obtidos nestas formações com as perspectivas da fenomenologia e da teoria crítica vislumbrei um outro olhar de análise - o crítico-fenomenológico – para o estudo da literatura de autoajuda financeira. Observei que, dentre os modos de abordar o consumo tanto na psicologia quanto na economia alguns pontos em comum são preservados, mas também existem peculiaridades dos seus modos de ver e acessar o fenômeno. Campbell (2001, p. 62) assinala que a racionalidade é característica do pensamento da teoria da utilidade, que norteia a visão da economia: A abordagem do fenômeno que predomina dentro da disciplina da economia é aquela associada à teoria microeconômica da utilidade marginal, sendo a utilidade, aqui, o nome que se dá a essa qualidade intrínseca do item consumo de que o consumidor 137 Está disponível na versão impressa e eletrônica no sitio http://www.journals.elsevier.com/journal-of-economic-psychology/ 233 | Jean Marlos Pinheiro Borba extrai satisfação, enquanto se admite que ele, por sua vez, deva sempre comportar-se de maneira a elevar ao máximo sua utilidade e, em conseqüência, sua satisfação. É exatamente esta reflexão feita por Campbell (2001) quando marca a racionalidade via pensamento da teoria da utilidade que fez com que alguns pesquisadores buscassem outras áreas de conhecimento para entender como o consumidor se comporta, já que ela não pode ser considerada uma teoria do comportamento do consumidor. Contudo meu encontro inicial foi dirigido para a Psicologia Econômica, a fim de compreender como se deu a sua constituição e que elementos tornaram Psicologia e a Economia disciplinas com interesses comuns. De acordo com Ferreira (2007/2008, p. 45): “A Psicologia Econômica relaciona-se de modo especial com as seguintes abordagens da Psicologia: Experimental, Aplicada, Comportamental, Cognitiva, Social, Organizacional ou Industrial e do Consumidor”. É importante destacar que há outras áreas do conhecimento 138 , além da Psicologia Econômica, que se interessam em estudar o comportamento econômico são elas: Economia Comportamental ou Psicológica; Finanças Comportamentais; Socioeconomia; Psicologia do Consumidor; Pesquisas sobre Julgamento e Tomada de Decisão; Economia Experimental; e, Nova Economia Institucional. (FERREIRA, 2008) Como assinalou Husserl, a Psicologia é herdeira da tradição experimental e o mesmo ocorreu e ainda ocorre na Psicologia Econômica que utiliza métodos quantitativos e aferições para conhecer o comportamento do consumidor. As revistas científicas dessa área, em sua maioria, 138 Não é objeto dessa tese desenvolver um estudo sobre a Psicologia Econômica e outras áreas do conhecimento interessadas pelos estudos sobre o comportamento do consumidor. Farei aqui apenas algumas incursões para melhor situar o tipo de estudo e o método utilizado. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 234 apresentam artigos que valorizam sobremaneira, o método científico tradicional que é eminentemente quantitativo e pautado na formulação e testagem de hipóteses, bem como na representação matemática ou estatística dos dados. As primeiras tentativas de aplicar a Psicologia à Economia no mundo se iniciaram com Gustave Le Bom quando publicou The Crowd em 1897 e também com o Psicólogo Francês Gabriel Tarde. Tarde, pensador social e jurista francês, usou o conceito da economia no final do século XIX, quando publicou Psychologie Economique em 1902. A Escola Econômica Austríaca, também conhecida por Escola Psicológica Austríaca utilizou conceitos por meio de Hayek e Von Mises. George Katona, psicólogo e economista publica em 1975 nos Estados Unidos seu livro sobre Psicologia e Econômica e, torna-se um dos principais expoentes nos E.U.A Psychological Economics, considerada uma obra de credibilidade teórica que cortém o Índice de Sentimento do Consumidor por ele desenvolvido. Outro representante importante da fase de constituição da psicologia econômica foi Pierre-Louis Reynand, professor de Economia Política que também era graduado em Psicologia e Economia. Reynand teve como seguidores de seu pensamento Paul Albou (na França), Karl-Erick War Neryd (na Suécia) e Folke Olander (na Dinamarca). Herberth Simon, também com formação em Psicologia e Economia, desenvolveu a Teoria da Racionalidade Limitada (Recebeu em 1978 o Prêmio Nobel de Economia), publicou livros e o Journal of Economic Psychology139 (1981) e também criou a International Association for Research in Economic Psychology140 -IAREP (1982). 139 Jornal de Psicologia Econômica que existe na versão impressa e on line disponível em http:// 140 Associação Internacional de Pesquisa em Psicologia Econômica. 235 | Jean Marlos Pinheiro Borba Daniel Kahneman junto a Amos Tversky desenvolveu uma teoria sobre percepção e decisões em cenários de risco e incerteza, conhecida como teoria do prospecto que passou a ser utilizada por alguns profissionais da área financeira para compreender o comportamento do investidor frente ao risco. O interesse dessa pesquisa, apenas e unicamente contribuiu com o desenvolvimento das empresas do segmento financeiro, fazendo-as conhecer como um investidor se comporta. De acordo com Ferreira (2008) a Psicologia Econômica tem metodologia própria que No desenvolvimento desta tese investiguei os primeiros estudos sobre a aproximação entre a psicologia e economia, de modo a compreender se há fundamentos que estão presentes nos textos de “autoajuda” ou não. Não pretendo, portanto, me estender nesta discussão, mas sobretudo, compreender as raízes dessa relação ainda pouco conhecida na psicologia, fazendo as devidas apropriações para, talvez, constituir e institucionalizar na Universidade Federal do Maranhão - UFMA um campo de investigação que se aprofunde nas relações entre psicologia, filosofia e questões econômico-financeiras, principalmente aquelas relacionadas ao consumo, ao consumismo, ao endividamento e suas conseqüências. Penso também que esta tese possibilitará fundamentação para colocar em práticas ações de pesquisa 141 e extensão que possam congregar alunos do 141 Os primeiros resultados já se fazem perceber. Em 2010 o autor da tese registrou junto ao CNPq o Grupo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Psicologia Fenomenológica do qual participam discentes do curso de Letras, Filosofia e Psicologia, bem como docentes destas áreas de diversas locais do Brasil. No grupo, os discentes têm desenvolvido estudos introdutórios sobre o fenômeno da “autoajuda” a partir do olhar fenomenológico, tendo como foco de interesse a emergência deste fenômeno noutros espaços e com diferentes interlocutores. Já foram realizados estudos vinculados ao projeto de pesquisa As várias faces da leiteratura de consumo na Racionalismo terapêutico e subjetividade | 236 curso de Psicologia e de outras áreas do conhecimento. Projetos que visem a questões sociais e contribuições para a prática clínica tendo como base a fenomenologia e as filosofias da existência. hipermodernidade, onde por meio da linha de pesquisa Consumo de Literatura de “autoajuda” os discentes investigaram a relação deste fenômeno com: Corpo, Dinheiro, Relacionamentos Afetivos, Trabalho, Religião e Homossexualidade. Os alunos são orientados a conhecer as bases da fenomenologia husserliana, bem como as demais fenomenologias existentes. É também realizado o incentivo e apoio na pesquisa a filósofos da existência de modo que eles sejam capazes de fazer relações com a Psicologia e com a Teoria Crítica que é apresentada a eles, introdutoriamente. Os discentes já apresentaram trabalhos em eventos da UFMA, na UERJ e em outras instituições. C ONSIDERAÇÔES FINAIS Um intelectual é alguém que se recusa a ter compromissos com os dominantes. Herbert Marcuse Numa sociedade como a nossa, manter a postura sugerida por Marcuse é um desafio diário, contudo necessário. Recordo também os ensinamentos de I. Kant ao propor a saída da menoridade e de E. Husserl para sugerir uma saída da atitude natural para uma atitude fenomenológica. Abandonar o diálogo com os dominantes é desafiar o modelo de tutela que o sistema capitalista nos oferecer. É transcender, transgedir com inteligência e capacidade crítica, já que existe acesso a múltiplos pontos de vista, mas cada indivíduo responde por suas ações de modo livre e autêntico. A tese que ora concluo, ratifica a possibilidade de defender uma Psicologia Social Fenomenológica, como propôs Alfred Schutz, tendo preferencialmente a contribuição tanto dos fundamentos da fenomenologia inaugura por Husserl, quanto de outros fenomenólogos, de filósofos da existência e de pensadores frankfurtianos. Durante todo o precurso empreendido me foi possível ratificar que a tanto a fenomenologia, quanto a teoria crítica são atitudes intelectuais de rigor, que permitem ao pesquisador compreender os fenômenos sociais que ele se propõe a investigar de modo direto, crítico e sem apego a nenhuma categoria ou doutrina teórica. O esforço de abandonar o modelo científico explicativo para ir direto às questões fundamentais é um dos pontos em comum entre fenomenologia e teoria crítica. Partindo dessa perspectiva é relevante pôr em cena a compreensão de que o fenômeno da literatura de Racionalismo terapêutico e subjetividade | 238 autoajuda aponta o caráter totalitário do modo de pensar positivo, do modo capitalista de captura da subjetividade e do contínuo estado de atitude natural que o homem hipermoderno escolheu para exisitir. Concordo com Rudiger (1996) quando afirma que este fenômeno contribui para a manutenção do estado de conformismo com o sistema de vida vigente. Assim, a literatura de autoajuda é um tipo de leitura que prega o conformismo, o individualismo e o pensamento positivo. O modo e o estilo de vida contemporâneo indicam que as relações do homem com ele mesmo, com os outros e com as coisas estão pautadas, cada vez mais pela velocidade, satisfação imediata, quebra de vínculos, hedonismo individualista e efêmidade via aquisição de mercadorias. Assim, o livro de autoajuda financeira propõe ao consumidor estratégias, asseguradas pelo capitalismo de consumo, para diminuir ou afastar o incômodo e o vazio existencial do indivíduo. É, portanto, por meio de dicas apresentadas no livro ou áudiolivro que o leitor pode “sair” de seu mal-estar vivenciado, de modo rápido e indolor. Nesse sentido, cabe ao psicólogo social compreender como essas relações se manifestam, e ainda desvelar que estratégias são utilizadas pelo capitalismo para manipular ou tentar promover o domínio sobre a consciência pela via da propagação de uma pseudocultura de “autoajuda”, a qual se apropria do consumo massivo e inconsequente, bem como pelos modos de administração da sociedade e intensifica o estímulo ao individualismo hedônico e ao consumo emocional142. Estes livros ratificam um retorno ao modo romântico de suportar o vazio existencial. Na maioria dos livros analisados, os autores têm um estilo característico em seus textos que é o de valorizar o pensamento positivo, o uso de uma linguagem emocional, 142 Ver Lipovetsky (2007) 239 | Jean Marlos Pinheiro Borba carregada de pré-sentidos capaz de promover uma sedução, hipnotizando o leitor. Em se tratando da relação do homem com o dinheiro (uma das categorias de “autoajuda”), o foco da tese caminhou na direção de desvelar e compreender as intenções presentes nos textos de “autoajuda” financeira, o que acabou por confirmar a relação estreita entre a “autoajuda” e o capitalismo, pois o sistema apoia este tipo de literatura pelo simples fato de que ela, em linhas gerais, não o questiona, mas procura uma adaptação obediente àquilo que é ofertado. A “autoajuda”, pelo que pude observar, propaga a crença de que o indivíduo tem recursos “internos” que o habilitam a “resolver e encontrar” as respostas que procura para o seu endividamento, suas angústias ou quaisquer outras questões existenciais que estão atravessadas pela relação entre dinheiro, sucesso e felicidade. E dentre estes vários, ressaltei, aqueles que fornecem inúmeras dicas para lidar com o consumo e as finanças pessoais. Constatei nas 54 referências analisadas – teses, dissertações, artigos em periódicos eletrônicos, resumos completos em anais, trabalhos apresentados em eventos, reportagens e resenhas que a autoajuda é um fenômeno que mobiliza o interesse dos pesquisadores. Nos 21 livros sobre autoajuda financeira os problemas são tratados de modo bem simples, ou seja, o leitor possui seus dotes de magia que estão adormecidos e, ao reanimá-los será capaz de proporcionar enriquecimento fácil e rápido, independência e liberdade financeira, organização do orçamento pessoal, apenas através do pensamento positivo, que vai estar direcionado para permitir a contenção do consumo, um novo emprego, corte de despesas e assim a pessoa resolverá os problemas e conterá as suas inquietações. Não convém desdenhar, agora, sobre alguns procedimentos considerados necessários, mas eles precisam ser vistos Racionalismo terapêutico e subjetividade | 240 como integrados ao contexto de cada um e de acordo sua própria subjetividade. Os autores deste tipo de “literatura” tentam reunir conhecimentos de psicologia, contabilidade, economia e finanças no intuito de fundamentar as questões e dicas que apresentam, entretanto o que se percebe é uma pseudofundamentação. Não há uma teoria que sustente os ensinamentos: o que existe é o uso exagerado de frases e ideias soltas que os autores utilizam para demonstrar sua “aproximação” com uma análise psicológica. A “conclusão” desta pesquisa deixa inúmeras outras possibilidades de investigação dada a diversdade de focos possíveis que a “autoajuda” permite. O fenômeno continuará a existir, não será interrompido já que ele se constitui em umas das estratégias de subjetivação utilizadas pelo hipercapitalismo. A existência da literatura de “autoajuda” financeira, enquanto fenômeno “cultural” hipermoderno, trabalha com a possibilidade de afirmar a importância de compreender os aspectos sócio-econômicos e psicológicos presentes em seus textos. Além disso, aponta para a emergência das áreas da Psicologia da Cultura do Consumo (SEVERIANO, 2011 143 ) e da Psicologia Financeira, elemento final que defendo como uma possível subárea da Psicologia Social, tendo como base um olhar críticofenomenológico da realidade social. Essa movimentação indicou a migração da “autoajuda” para diferentes mídias e também um hiperaumento da produção destes livros, principalmente quando associado às novas tecnologias que tem promovido um mercado virtual da subjetividade (RÜDIGER, 1996). 143 Esta expressão foi utilizada pela professora no I Simpósio Tempo e Subjetividades: perspectivas plurais prmovido pelos programas de pósgraduação em Psicologia da UFC e UERJ que foi realizado na Universidade Federal de Fortaleza – UFC de 8 a 10 de junho de 2011. 241 | Jean Marlos Pinheiro Borba Na direção da maximização do lucro e da indústria da subjetividade os agentes do capitalismo tem se apropriado das pseudotecnologias de ”autoajuda”, tais como: o audiolivro, as mensagens via sms, as dicas “instantâneas” oferecidas em redes sociais e sites dos escritores, a fim de promover a rápida absorção das ideias apresentadas. Apesar de não ter sido discutida com destaque nesta tese, a temporalidade é fator determinante do crescimento da “autoajuda” daí porque concordo com Romão (2009, p. 5) quando argumenta que: “(...) a literatura de “autoajuda” funciona como um anestésico da consciência crítica.” É possível pensar que o avanço da pseudocultura no Brasil, neste caso da literatura de “autoajuda” financeira aponta para a evidência de que no atual cenário da sociedade capitalista contemporânea, esse tipo de literatura foi eleito pela indústria cultural do livro como capaz de dar continuidade ao “novo” modus operandi do capitalismo: receitas de vida instântaneas. Esse tipo de literatura está sendo consumida por pessoas de diferentes segmentos sociais, tornando-se inclusive literatura de referência para educadores e profissões de diversas áreas, o que em princípio indica um empobrecimento intelectual e ratifica a emergência de uma atitude ingênua frente ao mundo. O conteúdo dos textos de “autoajuda” traz regras de como conduzir a vida pessoal, financeira, profissional, afetiva, social, lidar com o corpo entre outros temas diversos, na presunção de que aquele que procura esse tipo de leitura está sem rumos, perdidos, e não consegue pensar por si próprio e decidir que caminho deve tomar. Fato que não ouso discutir. A tese mostrou, em geral que os autores usam um tipo de construção frasal de cunho psicológico e com forte apelo emocional que busca induzir ou direcionar o leitor para regras de como alcançar sucesso, dinheiro, felicidade, Racionalismo terapêutico e subjetividade | 242 riqueza, independência e liberdade financeira. Ficou bem evidente que os livros analisados passam ao leitor a ideia de que eles têm a solução mais adequada para os problemas deles. Dentre os vários segmentos de “autoajuda” existentes, o de finanças pessoais ganhou destaque e crescimento com a emergência da crise do capitalismo, alavancada em 2008, e com a mudança de consumo. Na condição de fenômeno da indústria cultural voltado para as massas, a literatura de “autoajuda” se caracteriza como uma pseudocultura que promove a crença do faça-você-mesmo, do individualismo, centrando no homem as razões pelo seu sucesso ou insucesso, ao mesmo tempo em que, coloca à margem qualquer referência ao contexto sócio-histórico, político e econômico da sociedade contemporânea. A “autoajuda” quer associada aos fundamentos do pensamento positivo ou superficialmente à psicologia positiva, ou ainda, a qualquer teoria científica já validada, tem se disseminado como um modo de gerenciamento da vida. Descobri que a literatura de autoajuda tem tomado espaço nas escolas, universidades, igrejas, empresas, sendo inclusive utilizada por alguns professores universitários como referência complementar. O que considero lamentável. Pude entender que as tecnologias facilitaram a proliferação e aquisição de livros de autoajuda financeira em livrarias virtuais e também baixados gratuitamente pela Internet tanto no formato de livro virtual (e-book) quanto no formato de um audiolivro. Percebi que os autores de livros de autoajuda financeira estimulam e confirmam ao leitor, a crença de que apenas com dinheiro e crédito é possível alcançar o que se deseja, dando à felicidade o status de mercadoria. O que Walter Benjamim profetizou como sendo o capitalismo a 243 | Jean Marlos Pinheiro Borba religião do mundo, mantém-se e exacerba-se com a figura do crédito parcelado como alternativa de pertencimento social, contribuindo para naturalizar o endividamento. Hoje, estar endividado é uma condição social perfeitamente “natural” e social aceitável: Sou hipermoderno, logo endivido-me! Conheci visões diferentes acerca da autoajuda, tanto aquelas que amam, quanto aquelas que são indiferentes ou odeiam a sua existência. Notei que a autoajuda diz aquilo que o leitor quer ouvir e o estimula a não pensar em problemas e nos sentidos que eles têm, mas acima de tudo acatar as respostas que os autores oferecem ao leitor. Concordo com a observação de Bauman (2010) que anunciou a existência de uma raça de endividados e com Bruckner (1997) que indicou a ditadura da felicidade. O crédito é uma ilusão sustentada pelas teorias contábeis, administrativas e econômico-financeiras que, na verdade, acelera o grau de endividamento e sofrimento para aqueles que não têm capacidade crítica para lidar com as ofertas e tentações do mercado. Os 5 c´s144 do crédito são padrões frutos da racionalidade contábil que dão ao estabelecimento comercial o padrão de analisar o comportamento atual e futuro de um investidor, comprador ou tomador de empréstimo. A hipertecnologização da vida, o hiperindividualismo e o hiperconsumismo foram percebidos como fenômenos que confirmam a adesão do homem contemporâneo à racionalidade técnico-científica e ao modo de vida hipermoderno. O discurso da economia de tempo, espaço e atualização constante é uma estratégia de convencimento Os “5 C´s" (Caráter; Capacidade; Capital; Colateral e Condições) modelos para concessão de crédito. Dos 5 C´s o caráter e a capacidade relacionam-se mais intrinsicamente ao julgamento subjetivo. (BORBA, 2008, p. 59) 144 Racionalismo terapêutico e subjetividade | 244 que se repete na maioria dos livros examinados. O capitalismo é um sistema perverso, parasitário e culpabilizador. Perverso porque promove a barbárie de diferentes maneiras, parasitário porque se agarra ao seu hospedeiro até sugar todas as suas energias e recursos e, culpabilizador por estabelecer ao homem hipermoderno uma ditadura do aqui-agora, responsabilizando-o unicamente pela sua infelicidade. O Ideal de riqueza, prosperidade, independência e liberdade financeiras acompanham o homem há muito tempo, porém exacerbou-se na hipermodernidade. Ser rico, feliz e próspero tornou-se sinônimo de existir. O leitor que acata as dicas que encontra nos livros de autoajuda financeira age de má-fé, por acreditar que encontrará no livro as soluções para problemas financeiros se afastando da responsabilidade de suas escolhas ou por ter fraquejado diante das ofertas da sociedade de hiperconsumo. Ingênuo é aquele leitor que espera encontrar em um ou mais livros de autoajuda soluções para a sua vida financeira ou mesmo para o vazio existencial. Seria possível enclausurar a existência de uma pessoal em um livro e controlá-la? Se os livros de autoajuda financeira fossem realmente efetivos e eficazes talvez existam notícias diárias nos jornais de grande circulação apontando como manchete central que Fulano de Tal tornou-se milionário por seguir as regras que lá encontra. A autoajuda financeira é um negócio, e não um elemento da cultura, mas uma pseudocultura que está disponível para qualquer um consumir. Alguns dos ensinamentos que são encontrados nos livros indicam que o leitor deva fazer bom uso do crédito, pois nem sempre ele terá dinheiro e, não tendo deverá saber como recorrer. Para gerenciar bem as finanças o leitor deve tomar emprestado, ser empreendedor, arriscar, 245 | Jean Marlos Pinheiro Borba gastar e não poupar. Na sociedade capitalista contemporânea a poupança foi substituída pelo consumo. O importante não é reter, economizar, mas aproveitar as oportunidades, gastar, parcelar. Os autores dos livros de autoajuda sustentam seu discurso nos aspectos emocionais, é a vitória do consumo emocional, ingênuo e irracional. O consumidor se satisfaz rindo, diverte-se e ainda paga pela solução-distração que lhe é oferecida (HORKHEIMER e ADORNO, 1985). Os audiolivros, por exemplo, entram nessa categoria de produto fácil, simples, que pode ser “escutado” em qualquer local, sem que o leitor “perca” seu tempo com leitura. Associado a tecnologia os ensinamentos da autoajuda se proliferam e tomam formas mutantes, que muitas vezes torna-se à primeira mão difícil de admitir que é autoajuda, de tão convincente que o produto é. Lembro Adorno quando diz que ninguém pode se sentir seguro, pois é a insegurança que movimenta a roda do capitalismo, é da crise que surgem as oportunidades para os agentes capitalistas e não da calmaria. E ainda, confirmase na leitura dos livros de autoajuda financeira que não deve haver esforço intelectual, ele deve ser evitado a todo custo. O livro precisa garantir identificação, precisar tornar o leitor um espectador envolvido com o que lhe é oferecido, mas ao mesmo tempo distraído, para que ele não perceba a sua captura. O livro de autoajuda ainda apela para o caráter romântico e hedonista do consumo moderno, pois o leitor precisa se sentir convidado a entrar num enredo que o “valorize”, que o oferece uma certa afetividade, uma ética do consumidor, atrelado ao espírito do capitalismo, produzindo um espírito do consumo moderno. (CAMPELL, 2001) E feliz aquele que nunca precisou ser “gerenciado” pela literatura de autoajuda. Lembro-me, no entanto, agora, apenas a título de referência e para concluir o tema, que no início desta tese eu proclamei ser réu-confesso, pois li e indique alguns livros de autoajuda. Racionalismo terapêutico e subjetividade | 246 Hoje, recuperado do momento de incipiência, posso admitir que eu relutava autoenganar-me e o fato de relutar em não me autoconhecer resultou em alguns percalços, como, por exemplo, acreditar que um livro é capaz de indicar caminhos para problemas vivenciados por mim, o que também pode ocorrer com qualquer outro leitor. As sugestões que eu encontrei em um livro de autoajuda, apresentam apenas a realidade daquele que escreve, pois trata única e exclusivamente da percepção do autor que busca convencer o leitor que ele precisa de ajuda e que ela está nas linhas que ele escreveu. Acredito que esta tese deixa trilhas que podem ser um indicativo para outros pesquisadores investigarem: a forma de apreensão que os leitores têm da autoajuda; a migração do livro impresso para o formato eletrônico; a relação entre autoajuda, religião e capitalismo; a relação entre trabalho, mulheres no mercado e livros de autoajuda; manuais de autoajuda para público homossexual; animais, espiritualidade e autoajuda; saúde “perfeita”, corpo, dietas e emagrecimento. O formato da tese não atende aos padrões tradicionais de pesquisa científica que necessita de um “campo” para validar suas descobertas. Aqui, confirma-se a importância da pesquisa qualitativa, que é válida e capaz de ampliar a consciência do investigador e de todos aqueles que decidam ter a fenomenologia e a teoria crítica como atitudes intelectuais de rigor na pesquisa em Psicologia Social. Lembro por fim Adorno (apud Crochik, 2008) em sua proposta de uma Psicologia Social capaz de compreender porque os indivíduos agem contra seus próprios interesses racionais, sendo mais importante compreender a influência que a indústria cultural e o capitalismo têm na construção de novos “estilos” de ser no mundo da vida contemporânea. É da própria realidade que se deve partir, da coisa mesma e não de categorias. As 247 | Jean Marlos Pinheiro Borba categorias e as teorias podem ser utilizadas, mas não devem impedir o pesquisador de ver a realidade e as estratégias de subjetivação que são demasiadamente utilizadas para captar o individuo, confirmando um modelo de sociedade cada vez mais em crise, individualista, naturalizado pelo consumo emocional professando ainda mais a irracionalidade da razão. Penso que o homem hipermoderno se permitiu entrar no jogo de perde-ganha no qual o feitiço materializase no livro-mercadoria e também em outros objetos. Ao escolher a sedução do mercado ele aceita tornar-se a própria mercadoria, e os “mercadores de almas” sabem disso e apresentam inúmeras dicas de salvação tipo self service. Acatam por fim a ilusão de que seguindo as dicas encontraram a felicidade a sua porta. Finalmente, acredito que satisfiz minhas inquietações iniciais e encontrei interlocutores teóricos e orientações seguras que foram capazes de me mostrar caminhos para compreender o fenômeno de modo críticocompreensivo, vendo a realidade da maneira como ela se apresenta. Espero que o leitor tenha desfrutado das reflexões aqui evidenciadas e, possa a partir delas, buscar o esclarecimento necessário e, se for o caso, busque acompanhamento de um profissional de psicologia, e não se permita cair na armadilha ingênua dos livros de autoajuda que oferecem receitas generalizantes para pessoas diferentes com situações e história de vidas diferentes. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. rev. ampl. 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