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Fantasmas no cérebro

livro de neurociencia

V S. RAMACHANDRAN, P.h.D. E SANDRA BLAKESLEE Fantasmas no cérebro Prefácio de Oliver Sacks, M.D. Tradução de ANTÔNIO MACHADO 2a EDIÇÃO EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO 2004 • SÃO PAULO CIP-Brasil Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Ramachandran, V S OS Fantasmas no cérebro uma investigação dos mistérios - da mente humana/V S Ramachandran, Sandra Blakeslee; tradução de Antônio Machado, prefácio, Oliver Sacks - 2a ed - Rio de Janeiro: Record, 2004 Tradução de Phantoms m the bram Inclui bibliografia ISBN 85-01-05556-5 l Neurologia - Obras populares 2 Cérebro - Obras populares 3. Neurociência-Obras populares I Blakeslee, Sandra. II. Titulo. 01-1760 CDD- 612-8 CDU-612-8 Título original em inglês: PHANTOMS IN THE BRAIN PROBINO THE MYSTERIES OF THE HUMAN MIND Copyright © 1998 by V. S. Ramachandran and Sandra Blakeslee Copyright do prefácio © 1998 by Oliver Sacks Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Proibida a venda desta edição em Portugal e resto da Europa. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 Rio de Janeiro, RJ 20921-380 Tel.: 2585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil ISBN 85-01-05556-5 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - 20922-970 A minha mãe, Meenakshi A meu pai, Subramanian A meu irmão, Ravi A Diane, Mani e Jayakrishna A todos os meus antigos professores na índia e na Inglaterra A Sarasvati, a deusa da erudição, da música e da sabedoria EDITORA AFILIADA J Pelos déficits, podemos conhecer os talentos, pelas exceções, podemos discernir as regras, pelo estudo da patologia podemos construir um modelo de saúde, E — o mais importante — a partir deste modelo podemos desenvolver os insights e instrumentos de que necessitamos para afetar nossas próprias vidas, moldar nossos destinos, transformar a nós mesmos e à sociedade por meios que, até agora, podemos apenas imaginar. — LAURENCE MILLER O mundo perecerá não por falta de maravilhas, mas por falta de imaginação. — J.B.S. HALDANE . L Apresentação de Oliver Sacks Prefácio índice ~ Capítulo 1: O fantasma interior 11 Capítulo 2: ”Sei Onde Coçar” 15 Capítulo 3: A caça ao fantasma 23 Capítulo 4: O zumbi no cérebro 47 Capítulo 5: A vida secreta de James Thurber69 Capítulo 6: Através do espelho 97 Capítulo 7: O som de uma só mão batendo palmas 121 Capítulo 8: ”A insustentável aparência do ser” 153 Capítulo 9: Deus e o sistema límbico 169 Capítulo 10: A mulher que morreu de rir 205 Capítulo 11: ”O senhor se esqueceu de tirar o gêmeo” 223 Capítulo 12: Os marcianos vêem vermelho? 253 Agradecimentos 269 Notas 287 Bibliografia e leituras sugeridas 323 Apresentação Os grandes neurologistas e psiquiatras do século XIX e início do XX eram mestres na arte de descrever, e alguns de seus históricos de casos continham uma riqueza quase romanesca de detalhes. Silas Weir Mitchell — que era romancista e neurologista — proporcionou descrições inesquecíveis de membros fantasmas (ou ”fantasmas sensoriais”, como os chamou a princípio) em soldados que tinham sido feridos nos campos de batalha da Guerra Civil. Joseph Babinski, o grande neurologista francês, descreveu uma síndrome ainda mais extraordinária — anosognosia, a incapacidade de alguém perceber que um lado do seu corpo está paralisado e a freqüentemente estranha atribuição do lado paralisado a outra pessoa. (Esse tipo de paciente poderia dizer sobre seu próprio lado esquerdo: ”É do meu irmão”, ou ”é seu”.) O Dr. V. S. Ramachandran, um dos mais interessantes neurocientistas do nosso tempo, tem feito um trabalho seminal sobre a natureza e o tratamento de membros fantasmas — aqueles obstinados e às vezes atormentadores fantasmas de braços e pernas perdidos há anos ou décadas, mas não esquecidos pelo cérebro. Um fantasma pode a princípio ter as sensações de um membro normal, uma parte da imagem normal do corpo; mas, isolado da sensação ou ação normal, pode assumir um caráter patológico, tornando-se intruso, ”paralisado”, deformado ou torturantemente doloroso — dedos fantasmas podemse cravar numa palma de mão fantasma com intensidade indizível, irreprimível. O fato de a dor e o fantasma serem ”irreais” não ajuda em nada, e talvez na verdade os torne mais difíceis de tratar, pois a pessoa pode ser incapaz de relaxar o fantasma aparentemente paralisado. Numa tentativa de aliviar tais fantasmas, médicos e pacientes têm sido levados a medidas extremas e desesperadas: tornar o coto da amputação cada vez mais curto, eliminar a dor ou o trato sensorial na medula espinhal, destruir centros de dor no próprio cérebro. Mas, com muita freqüência, nada disso funciona; quase invariavelmente, o fantasma e a dor fantasma retornam. Para esses problemas aparentemente intratáveis, Ramachandran oferece uma 12 / FANTASMAS NO CÉREBRO abordagem nova e diferente, resultante de suas pesquisas sobre o que são fantasmas, e como e onde são gerados no sistema nervoso. Classicamente se considera que as representações no cérebro, inclusive as da imagem corporal e fantasmas, são fixas. Mas Ramachandran (e agora outros) tem mostrado que ocorrem com muita rapidez reorganizações na imagem corporal — em 48 horas e possivelmente muito menos — depois da amputação de um membro. Em sua opinião, os fantasmas são gerados por essas reorganizações da imagem corporal no córtex sensorial e depois podem ser mantidos pelo que ele classifica como paralisia ”aprendida”. Mas se há essas rápidas mudanças subjacentes na gênese de um fantasma, se existe tal plasticidade no córtex, o processo pode ser revertido? O cérebro pode ser induzido astuciosamente a desaprender um fantasma? Usando um engenhoso dispositivo de ”realidade virtual”, uma simples caixa com um espelho, Ramachandran descobriu que um paciente pode ser ajudado simplesmente dando-lhe a visão de um membro normal — o próprio braço direito nornal do paciente, por exemplo, agora visto do lado esquerdo do corpo, em lugar do fantasma. O resultado disso pode ser instantâneo e mágico: o aspecto normal do braço compete com a sensação do fantasma. O primeiro efeito disso é que um fantasma deformado pode ficar reto, um fantasma paralisado pode se mover; posteriormente, o fantasma pode desaparecer completamente. Aqui, Ramachandran fala, com humor característico, ”da primeira amputação bem-sucedida de um membro fantasma”, e de como, se o fantasma for extinto, a dor também pode desaparecer — pois, se não há nada para materializá-la, então ela também não pode sobreviver. (A sra. Gradgrind, em Hard Times [Tempos difíceis], quando indagada se sentia alguma dor, respondeu: ”Há uma dor em algum lugar no quarto, mas não posso ter certeza se a sinto.” Mas isto era confusão dela, ou uma brincadeira de Dickens, pois ninguém pode ter uma dor a não ser em si mesmo.) Será que ”truques” igualmente simples podem ajudar pacientes com anosognosia, pacientes que não podem reconhecer um dos seus lados como seu próprio? Aqui, também, Ramachandran acreditava que os espelhos podem ser de grande utilidade para capacitar esses pacientes a recuperar como seu o lado previamente negado; contudo, em outros pacientes, a perda da ”esquerda”, da bissecção do corpo e do mundo de alguém é tão profunda que os espelhos podem induzir uma confusão ainda maior, uma tendência a ver se não APRESENTAÇÃO / 13 existe alguém se escondendo ”atrás” ou ”no” espelho. (Ramachandran é o primeiro a descrever esta ”agnosia de espelho”.) Graças não só à tenacidade mental de Ramachandran, mas a seu relacionamento delicado e encorajador com os pacientes, ele conseguiu seguir estas síndromes até suas profundezas. O caso profundamente estranho da agnosia de espelho e o de atribuir equivocadamente os próprios membros a terceiros são freqüentemente desprezados pelos médicos como irracionais. Mas esses problemas também são examinados cuidadosamente por Ramachandran, que não os vê como infundados ou loucos, mas como medidas emergenciais de defesa construídas pelo inconsciente para enfrentar as repentinas e esmagadoras confusões sobre o corpo de alguém e sobre o espaço à sua volta. São, segundo ele, mecanismos de defesa perfeitamente normais (negação, repressão, projeção, confabulação etc.) como os que Freud delineou como estratégias universais do inconsciente, quando forçado a se adaptar ao intolerável ou ininteligível. Tal entendimento afasta esses pacientes do reino da loucura ou extravagância e os recoloca no reino do discurso e da razão — embora o discurso e a razão do inconsciente. Outra síndrome de identificação errada que Ramachandran examina é a síndrome de Capgras, em que o paciente vê figuras conhecidas e amadas como impostores. Aqui, também, ele consegue delinear uma clara base neurológica para a síndrome — a remoção dos elementos afetivos habituais e cruciais ao reconhecimento, aliada a uma interpretação que não é anormal das percepções que agora são desprovidas de afeto (”Ele não pode ser meu pai, porque não sinto nada — deve ser uma espécie de simulacro”). Ramachandran também tem inúmeros outros interesses: na natureza da experiência religiosa e nas extraordinárias síndromes ”místicas” associadas a uma disfunção nos lobos temporais, na neurologia do riso e das cócegas, e — um vasto domínio — na neurologia da sugestão e dos placebos. Como o psicólogo Richard Gregory (com quem ele publicou fascinante trabalho sobre vários assuntos, desde o preenchimento do ponto cego a ilusões visuais e colorações protetoras), Ramachandran tem um faro para ver o que é fundamentalmente importante e está preparado para voltar sua mão, seu vigor, e sua inventividade para quase todas as coisas. Todos esses assuntos, em suas mãos, tornam-se janelas para o modo como nossos sistemas nervosos, nossos mundos e nossos próprios eus são constituídos, de forma que seu trabalho se torna, como gosta de dizer, uma forma de ”epistemologia experimental”. Assim, ele é um filósofo 14 / FANTASMAS NO CÉREBRO natural no sentido do século XVIII, embora tenha atrás de si todo o conhecimento e know-how do final do século XX. Em seu prefácio, Ramachandran fala-nos dos livros de ciência do século XIX que apreciava especialmente quando garoto: ChemicalHistory ofa Candle, de Michael Faraday, obras de Charles Darwin, Humphry Davy e Thomas Huxley. Nessa época, não havia distinção entre obras acadêmicas e populares, mas preferia-se a idéia de que alguém podia ser ao mesmo tempo profundo, sério e completamente acessível. Mais tarde, conta-nos Ramachandran, gostou dos livros de George Gamow, Lewis Thomas, Peter Medawar, e depois Carl Sagan e Stephen Jay Gould. Agora Ramachandran se juntou a estes grandes escritores de ciência com seu livro detalhadamente examinado e profundamente sério, mas de leitura deliciosamente agradável, Fantasmas no cérebro. Este é um dos livros de neurologia mais originais e acessíveis da nossa geração. Oliver Sacks Prefácio Em qualquer campo, descubra a coisa mais estranha e depois explore-a. — JOHN ARCHIBALD WHEELER Este livro esteve incubado em minha cabeça por vários anos, mas nunca me convenci completamente a escrevê-lo. Então, há cerca de três anos, fiz a palestra da Década do Cérebro na reunião anual da Sociedade de Neurociência para um público de mais de quatro mil cientistas, discutindo muitas das minhas descobertas, inclusive meus estudos sobre membros fantasmas, imagem corporal e a ilusória natureza do eu, da individualidade. Pouco depois da palestra, fui assediado por perguntas da platéia: Como a mente influencia o corpo na saúde e na doença? Como posso estimular meu lado direito do cérebro a ser mais criativo? A atitude mental pode realmente ajudar na cura da asma e do câncer? A hipnose é um fenômeno real? Seu trabalho sugere novos meios de tratar a paralisia após derrames? Recebi também vários pedidos de estudantes, colegas e até de alguns editores para escrever um livro-texto. Redigir livros não é minha atividade predileta, mas achei que seria divertido escrever um texto popular sobre o cérebro, tratando principalmente de minhas próprias experiências com pacientes neurológicos. Durante a última década, consegui novos insights sobre o funcionamento do cérebro humano estudando esses casos, e o impulso para comunicar estas idéias é forte. Quando você está envolvido num empreendimento tão estimulante como esse, a tendência natural humana é querer compartilhar suas idéias com os outros. Além disso, acho que devo isso aos contribuintes, que em última análise apoiam meu trabalho, através de subsídios aos Institutos Nacionais de Saúde. Os livros de ciência popular têm uma rica e respeitável tradição que remonta a Galileu, no século XVII. Na verdade, este era o principal método que Galileu utilizava para divulgar suas idéias, e em seus livros muitas vezes disparou farpas contra um protagonista imaginário, Simplicio — um amálgama de seus professores. Quase todos os livros famosos de Charles Darwin, inclusive A origem das espécies, The Decent ofMan, The Expression ofEmotions in Animais 16 / FANTASMAS NO CÉREBRO and Men, The Habits of Insectivorous Plants — mas não seu trabalho em dois volumes sobre cirrípedes (cracas)! — foram escritos para o leitor leigo, a pedido de seu editor, John Murray. O mesmo se pode dizer das muitas obras de Thomas Huxley, Michael Faraday, Humphry Davy e muitos outros cientistas vitorianos. O Chemical History ofa Candle, de Faraday, baseado em palestras de Natal que ele fazia para crianças, continua sendo um clássico até hoje. Confesso que não li todos esses livros, mas devo muito intelectualmente aos livros de ciência popular, sentimento que é compartilhado por numerosos colegas meus. O Dr. Francis Crick, do Salk Institute, conta-me que o livro popular de Erwin Schròdinger, What Is Life? (O que é a vida?) continha algumas observações especulativas sobre como a hereditariedade poderia ser baseada numa substância química e que isso teve um profundo impacto em seu desenvolvimento intelectual, culminando na decifração do código genético, juntamente com James Watson. Muitos médicos contemplados com o prêmio Nobel empreenderam uma carreira na pesquisa depois de ler The Microbe Hunters, de Paul Kruif, editado em 1926. Meu interesse em pesquisa científica remonta ao início da minha adolescência, quando lia livros de George Gamow, Lewis Thomas e Peter Medawar, e a chama vem sendo mantida acesa por uma nova geração de escritores — Oliver Sacks, Stephen Jay Gould, Carl Sagan, Dan Dennett, Richard Gregory, Richard Dawkins, Paul Davies, Colin Blakemore e Steven Pinker. Há cerca de seis anos, recebi um telefonema de Francis Crick, o co-descobridor da estrutura do ácido desoxirribonucléico (DNA), no qual contou que estava escrevendo um livro popular sobre o cérebro, chamado The Astonishing Hypothesis. Com seu característico sotaque britânico, Crick disse ter concluído um primeiro esboço e enviado à sua editora, que o achou extremamente bem redigido mas observou que o original ainda continha jargão acessível apenas a especialistas. Ela sugeriu que o mostrasse a alguma pessoa leiga no assunto. ”Olha, Rama”, disse Crick, exasperado, ”o problema é que não conheço nenhuma pessoa leiga. Você conhece algum leigo a quem eu pudesse mostrar o livro?” A princípio, pensei que ele estava brincando, mas depois compreendi que falava sério. Pessoalmente, não posso afirmar que não conheço nenhum leigo no assunto, mas entendi a situação de Crick. Ao escrever um livro popular, cientistas profissionais sempre têm de andar na corda bamba: de um lado, tornar o livro compreensível ao leitor geral; de outro, evitar a supersimplificação, PREFACIO / 17 a fim de não irritar os especialistas. Minha solução foi fazer um uso meticuloso de notas finais, que servem a três funções distintas: primeiro, sempre que foi necessário simplificar uma idéia, minha co-autora Sandra Blakeslee e eu recorremos a notas para qualificar estas observações, assinalar exceções e deixar claro que, em certos casos, os resultados são preliminares ou controvertidos. Segundo, usamos notas para ampliar uma observação feita apenas brevemente no texto principal — para que o leitor possa explorar um tópico em maior profundidade. As notas também levam o leitor a referências originais e reconhecem os que trabalharam em tópicos similares. Peço desculpas àqueles cujos trabalhos não foram citados; minha única justificativa é que tal omissão é inevitável num livro como este (por um momento, as notas ameaçavam exceder em extensão o texto principal). Mas tentei incluir tantas referências pertinentes quanto possível na bibliografia final, embora nem todas elas sejam mencionadas especificamente no texto. Este livro é baseado em histórias da vida real de muitos pacientes neurológicos. Para proteger sua identidade, segui a tradição habitual de alterar nomes, circunstâncias e características definidoras em cada capítulo. Alguns dos ”casos” que descrevo são realmente combinações de vários pacientes, incluindo clássicos da literatura médica, já que meu objetivo foi ilustrar aspectos salientes do distúrbio, como a síndrome da desatenção ou epilepsia do lobo temporal. Quando descrevo casos clássicos (como o homem com amnésia, conhecido como H.M.), remeto o leitor a fontes originais, para fins de detalhamento. Outras histórias são baseadas no que são chamados estudos de caso único, que envolvem indivíduos que manifestam uma síndrome rara ou extraordinária. Em neurologia, existe uma tensão entre os que acreditam que as lições mais valiosas sobre o cérebro podem ser extraídas de análises estatísticas que envolvem um grande número de pacientes e os que acreditam que fazer o tipo certo de experiências nos pacientes certos — mesmo um único paciente — pode produzir informações mais úteis. Este é realmente um debate fútil, uma vez que sua solução é óbvia: É uma boa idéia começar com experiências em casos únicos e depois confirmar as descobertas por meio de estudos de outros pacientes. Por analogia, imagine que eu arraste um porco para dentro de sua sala de estar e lhe diga que ele sabe falar. Você pode dizer: ”Ah, é? Mostre-me.” Então eu agito minha varinha de condão e o porco começa a falar. Você pode responder: ”Meu Deus! É impressionante!” É improvável que diga: ”Ah, mas é um só 18 / FANTASMAS NO CÉREBRO porco. Mostre-me alguns mais e então acreditarei em você.” Pois esta é precisamente a atitude de muitas pessoas em meu campo de estudos. Penso que é justo dizer que, em neurologia, a maioria das grandes descobertas que resistiram ao teste do tempo foi, de fato, baseada inicialmente em estudos e demonstrações de casos únicos. Aprendeu-se mais sobre a memória com poucos dias de estudo de um paciente chamado H.M. do que com o que se compilou nas décadas anteriores de pesquisa pelo cálculo da média de dados sobre muitos pacientes. O mesmo se pode dizer sobre especialização hemisférica (a organização do cérebro em esquerdo e direito, que são especializados para funções diferentes) e sobre as experiências realizadas em dois pacientes com os chamados cérebros divididos (em quem os hemisférios esquerdo e direito foram desconectados, cortando-se as fibras entre eles). Aprendeu-se mais com estes dois indivíduos do que com os cinqüenta anos anteriores de estudos sobre pessoas normais. Em uma ciência ainda em sua infância (como a neurociência e a psicologia), experiências do tipo demonstração desempenham um papel especialmente importante. Um exemplo clássico é o uso dos primeiros telescópios por Galileu. As pessoas muitas vezes supõem que Galileu inventou o telescópio, mas não é verdade. Por volta de 1607, um fabricante holandês de óculos, Hans Lipperhey, colocou duas lentes num tubo de papelão e descobriu que este arranjo fazia com que objetos distantes parecessem mais próximos. O dispositivo foi amplamente usado como brinquedo de criança e logo começou a aparecer nas feiras rurais em toda a Europa, inclusive na França. Em 1609, quando ouviu falar desse aparelho, Galileu reconheceu imediatamente seu potencial. Em vez de ficar observando pessoas e outros objetos terrestres, simplesmente apontou o tubo para o céu — algo que ninguém tinha feito. Primeiro, apontou-o para a Lua e descobriu que era coberta de crateras, vales profundos e montanhas — o que lhe indicou que, ao contrário do que se pensava convencionalmente, os chamados corpos celestes afinal de contas não eram tão perfeitos: eram cheios de falhas e imperfeições, abertos ao exame e observação pelos olhos dos mortais, exatamente como os objetos da Terra. Em seguida, dirigiu o telescópio para a Via Láctea e notou instantaneamente que, longe de ser uma nuvem homogênea (como se acreditava), era composta de milhões de estrelas. Mas sua descoberta mais surpreendente ocorreu quando fitou Júpiter, conhecido como um planeta ou estrela errante. Imaginem seu espanto quando viu três PREFÁCIO / 19 minúsculos pontos próximo de Júpiter (que inicialmente supôs serem novas estrelas) e testemunhou que, após alguns dias, um deles desapareceu. Então, esperou mais alguns dias e olhou novamente para Júpiter, descobrindo não somente que o ponto perdido reapareceu, mas que havia mais um ponto — um total de quatro em vez de três. Entendeu num relance que os quatro pontos eram satélites jupiterianos — luas como a nossa — que giravam na órbita do planeta. As implicações eram imensas. De um golpe, Galileu tinha provado que nem todos os corpos celestes giram em torno da Terra, pois aqui havia quatro que giravam na órbita de outro planeta, Júpiter. Dessa forma, ele destronava a teoria geocêntrica do universo, substituindo-a pela visão copernicana de que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo conhecido. A prova decisiva aconteceu quando apontou seu telescópio para Vênus e descobriu que parecia uma lua em quarto crescente passando por todas as fases, exatamente como nossa Lua, exceto por levar um ano em vez de um mês para fazê-lo. Mais uma vez, Galileu deduziu que todos os planetas giravam em torno do Sol e que Vênus se interpunha entre a Terra e o Sol. Tudo isso com um simples tubo de papelão de duas lentes. Nada de equações, nada de gráficos, nada de medições quantitativas: ”apenas” uma demonstração. Quando relato este exemplo a estudantes de medicina, a reação de sempre é: ”Bem, isso era fácil na época de Galileu, mas certamente agora, no século XX, todas as grandes descobertas já foram feitas e não podemos fazer nenhuma pesquisa nova sem equipamento caro e métodos quantitativos detalhados.” Bobagem! Mesmo agora maravilhosas descobertas estão lhe esperando o tempo todo, bem debaixo do seu nariz. A dificuldade está em entender isso. Por exemplo, em décadas recentes, ensinava-se a todos os estudantes de medicina que as úlceras são causadas por estresse, tensão, levando à produção excessiva de ácido que corrói a mucosa que reveste o estômago e o duodeno, produzindo as características crateras ou feridas que chamamos de úlceras. E, durante décadas, o tratamento foram antiácidos, bloqueadores de receptor de histamina, vagotomia (cortar o secretor de ácido que inerva o estômago) ou até a gastrectomia (remoção de parte do estômago). Então, um jovem médico residente na Austrália, Dr. Bill Marshall, examinou ao microscópio uma secção de úlcera humana e observou que estava fervilhando de Helicobacterpylori — uma bactéria comum, encontrada em certa proporção de indivíduos saudáveis. Como viu regularmente estas bactérias em úlceras, começou a especulai 20 / FANTASMAS NO CÉREBRO se talvez elas realmente causavam úlceras. Quando mencionou a idéia a seus professores, disseramlhe: ”De modo algum. Não pode ser verdade. Todos nós sabemos que as úlceras são causadas pelo estresse. O que você está vendo é apenas uma infecção secundária de uma úlcera que já existia.” Mas o Dr. Marshall não desistiu e continuou desafiando o pensamento convencional. Primeiro, empreendeu um estudo epidemiológico, que mostrou uma forte correlação entre a distribuição da espécie Helicobacter em pacientes e a incidência de úlceras duodenais. Mas esta descoberta não convenceu seus colegas, de forma que, em completo desespero, Marshall engoliu uma cultura da bactéria, fez uma endoscopia em si mesmo poucas semanas depois e demonstrou que seu trato gastrointestinal estava juncado de úlceras! Em seguida fez uma experiência clínica formal e mostrou que pacientes tratados com uma combinação de antibiótico, bismuto e metranidazol (Flagyl, um bactericida), se recuperavam em proporção muito mais alta — e tinham menos recaídas — do que um grupo controle que recebia apenas agentes bloqueadores de ácido. Menciono este episódio para enfatizar que um único estudante ou médico residente cuja mente está aberta a novas idéias e que trabalha sem equipamentos sofisticados pode revolucionar a prática da medicina. É com este espírito que todos devemos empreender nosso trabalho, porque nunca se sabe o que a natureza está escondendo. Gostaria também de dizer uma palavra sobre especulação, termo que adquiriu uma conotação pejorativa entre alguns cientistas. Descrever a idéia de alguém como ”simples especulação” é freqüentemente considerado ofensivo. É uma lástima. Como observou o biólogo inglês Peter Medawar, ”uma concepção imaginativa do que poderia ser verdade é o ponto de partida de todas as grandes descobertas científicas”. Ironicamente, isso é verdadeiro mesmo quando se comprova que a especulação está errada. Ouçam Charles Darwin: ”Falsos fatos são altamente prejudiciais ao progresso da ciência, pois muitas vezes resistem durante muito tempo; mas falsas hipóteses causam pequenos danos, já que todo mundo sente um salutar prazer em provar sua falsidade; e, quando isso acontece, um caminho para o erro é fechado e, ao mesmo tempo e freqüentemente, é aberta a estrada para a verdade.” Todo cientista sabe que a melhor pesquisa surge de uma dialética entre a especulação e um saudável ceticismo. O ideal é que as duas coisas coexistam no mesmo cérebro, mas não tem de ser assim. Como existem pessoas que re- PREFÁCIO / 21 presentam ambos os extremos, no fim todas as idéias são implacavelmente testadas. Muitas são rejeitadas (como a fusão a frio), e outras prometem virar nossas opiniões de cabeça para baixo (como a idéia de que as úlceras são provocadas por bactérias). Várias das descobertas sobre as quais vocês vão ler começaram como palpites e depois foram confirmadas por outros grupos (os capítulos sobre membros fantasmas, síndrome da desatenção, visão cega e síndrome de Capgras). Outros capítulos descrevem trabalhos em estágio inicial, muitos deles francamente especulativos (o capítulo sobre negação e epilepsia do lobo temporal). Na verdade, às vezes eu os levarei até os próprios limites da investigação científica. Acredito firmemente, porém, que é sempre responsabilidade do escritor dizer claramente quando está especulando e quando suas conclusões são claramente confirmadas por suas observações. Fiz todos os esforços para preservar esta distinção em todo o livro, às vezes acrescentando ressalvas, rejeições e advertências no texto e especialmente nas notas. Ao atingir esse equilíbrio entre fato e fantasia, espero estimular sua curiosidade intelectual e ampliar seus horizontes, em vez de fornecerlhes respostas firmes e rápidas às questões levantadas. A famosa expressão ”Que você viva em tempos interessantes” agora tem um significado especial para aqueles dentre nós que estudam o cérebro e o comportamento humano. Por um lado, apesar de 200 anos de pesquisa, há aí perguntas mais fundamentais sobre a mente humana — Como reconhecemos rostos? Por que choramos? Por que rimos? Por que sonhamos? Por que gostamos de música e arte? — continuam sem resposta, assim como a questão realmente grande; O que é consciência, percepção? Por outro lado, o advento de novas abordagens experimentais e técnicas de mapeamento e tratamento de imagem vai seguramente transformar nosso entendimento do cérebro humano. Que fantástico privilégio será para nossa geração — e a dos nossos filho — testemunhar o que acredito que será a maior revolução na história da raça humana: entender a nós mesmos. A perspectiva de fazê-lo é ao mesmo tempo animadora e inquietante. Há algo distintamente singular acerca de um primata neóteno de pele lis, que evoluiu para uma espécie que pode olhar por cima do ombro e fazer per guntas sobre suas origens. E, mais singular ainda, o cérebro pode não só dês 22 / FANTASMAS NO CÉREBRO cobrir como outros cérebros funcionam, mas também fazer perguntas sobre sua própria existência: Quem sou eu? O que acontece depois da morte? Minha mente nasce exclusivamente dos neurônios em meu cérebro? Se é assim, que espaço existe para o livre-arbítrio? É a peculiar qualidade recorrente destas perguntas — à medida que o cérebro luta para entender a si próprio — que torna a neurologia fascinante. CAPÍTULO 1 O fantasma interior Pois dentro e fora, acima., em torno, embaixo, Tudo é apenas um jogo de Sombra Mágica Executado numa Caixa cuja Vela é o Sol, Em torno do qual giramos nós, Figuras Fantasmas. — O Rubáiyát de Ornar Khayyám Eu sei, meu caro Watson, que você compartilha do meu amor a tudo que é bizarro e fora das convenções e rotinas monótonas da vida diária. — SHERLOCK HOLMES Um homem usando uma enorme cruz cravejada de jóias, pendurada num cordão de ouro, senta-se em meu escritório, falando-me de suas conversas eu Deus, o ”significado real” do cosmos e a verdade mais profunda por trás de todas as aparências superficiais. O universo está repleto de mensagens espirituais, diz ele, é só você se deixar sintonizar. Dou uma olhada em sua hc) médica, observando que tem sofrido de epilepsia do lobo temporal desde início da adolescência, quando ”Deus começou a falar” com ele. Será que suas experiências religiosas têm algo a ver com os ataques do lobo temporal. Um atleta amador perdeu o braço num acidente de motocicleta, mas co 24 / FANTASMAS NO CÉREBRO tinua sentindo um ”braço fantasma” com vividas sensações de movimento. Pode agitar o braço no ar, ”tocar” coisas e até estendê-lo e ”pegar” uma xícara de café. Puxo-lhe a xícara de repente, ele grita de dor. ”Ai! Posso senti-la sendo arrancada dos meus dedos”, diz, recuando. Uma enfermeira desenvolveu um grande ponto cego em seu campo de visão, o que é deveras preocupante. Mas, para seu assombro, freqüentemente vê personagens de quadrinhos brincando no ponto cego. Quando ela olha para mim, sentado à sua frente, vê Pernalonga em meu colo, ou Hortelino ou o Papa-Léguas. Às vezes, vê versões em quadrinhos de pessoas conhecidas. Uma professora sofreu um derrame que lhe paralisou o lado esquerdo do corpo, mas insiste que seu braço esquerdo não está paralisado. Certa vez, quando lhe perguntei de quem era o braço estendido na cama perto dela, explicou que pertencia ao irmão. Uma bibliotecária de Filadélfia que teve um tipo diferente de derrame começou a rir descontroladamente. Isso continuou durante um dia inteiro, até que ela literalmente morreu de rir. Depois há o caso de Arthur, um jovem que sofreu um terrível ferimento na cabeça num acidente de carro e pouco depois afirmava que seu pai e sua mãe tinham sido substituídos por duplicatas que tinham a aparência exata dos pais verdadeiros. Reconhecia seus rostos, mas pareciam estranhos, desconhecidos. A única maneira de Arthur ver algum sentido em sua situação foi pensar que seus pais eram impostores. Nenhuma dessas pessoas é ”louca”; mandá-las ao psiquiatra seria perda de tempo. Cada uma delas sofre de alguma lesão numa parte específica do cérebro que leva a mudanças bizarras mas altamente características no comportamento. Ouvem vozes, sentem membros perdidos, vêem coisas que ninguém mais vê, negam o óbvio e fazem afirmações desvairadas e extraordinárias sobre outras pessoas e sobre o mundo em que todos vivemos. Contudo, a maioria é lúcida, racional e não é mais insana do que você ou eu. Embora distúrbios enigmáticos como esses tenham intrigado e deixado perplexos os médicos ao longo da história, são em geral registrados como curiosidades — estudos de caso entulhados numa gaveta com o rótulo ”arquivar e esquecer”. A maioria dos neurologistas que tratam desses pacientes não está particularmente interessada em explicar esses comportamentos estranhos. Seu objetivo é aliviar sintomas e fazer com que pessoas se sintam bem novamente, O FANTASMA INTERIOR / 25 e não necessariamente ir mais fundo ou aprender como o cérebro funciona. Os psiquiatras muitas vezes criam teorias adhoc para síndromes singulares, como se uma condição estranha exigisse uma explicação igualmente estranha. Põe-se a culpa de síndromes estranhas na educação do paciente (pensamentos ruins da infância) ou até na mãe do paciente (má educadora). Fantasmas no cérebro adota o ponto de vista oposto. Esses pacientes, cujas histórias vocês conhecerão em detalhes, são nossos guias para entrar no funcionamento interno do cérebro humano — o seu e o meu. Longe de serem curiosidades, essas síndromes ilustram princípios fundamentais de como a mente e o cérebro humanos normais funcionam, lançando luz sobre a natureza da imagem do corpo, linguagem, riso, sonhos, depressão e outros aspectos distintivos da natureza humana. Vocês alguma vez especularam por que algumas piadas são divertidas e outras não, por que a gente faz um som explosivo quando ri, por que as pessoas são inclinadas a acreditar ou não em Deus, e por que têm sensações eróticas quando alguém lhes chupa os dedos dos pés? Surpreendentemente, agora podemos começar a dar respostas científicas a pelo menos algumas dessas perguntas. De fato, estudando esses pacientes, podemos abordar até solenes perguntas ”filosóficas” sobre a natureza do eu, da individualidade: Por que você resiste como um indivíduo no espaço e no tempo, e o que provoca a unidade inconsútil da experiência subjetiva? O que significa fazer uma escolha ou querer uma ação? E, mais genericamente, como é que a atividade de minúsculos filetes de protoplasma no cérebro leva à experiência consciente? Os filósofos adoram debater questões como essas, mas só agora está se esclarecendo que tais problemas podem ser abordados experimentalmente. Ao transferir esses pacientes da clínica para o laboratório, podemos realizar experiências que ajudam a revelar a arquitetura profunda de nossos cérebros. Na verdade, podemos começar onde Freud terminou, ingressando no que se poderia chamar de a era da epistemologia experimental (o estudo de como o cérebro representa conhecimento e crença) e neuropsiquiatria cognitiva (a interface entre distúrbios físicos e mentais do cérebro), e começar a fazer experiências sobre os sistemas de crença, consciência, interações corpo-mente e outras características do comportamento humano. Acredito que ser um cientista médico não é muito diferente de ser um detetive. Neste livro, tentei compartilhar o sentido de mistério que se encontra no cerne de todas as buscas científicas e é especialmente característico das 26 / FANTASMAS NO CÉREBRO O FANTASMA INTERIOR / 27 incursões que fazemos na tentativa de compreender nossas próprias mentes. Cada história começa com o relato de um paciente que apresenta sintomas aparentemente inexplicáveis ou com uma ampla inquirição sobre a natureza humana, como: por que rimos ou por que somos tão propensos à auto-ilusão e à auto-sugestão? Depois, avançamos passo a passo pela mesma seqüência de idéias que segui em minha própria mente quando tentei abordar estes casos. Em alguns exemplos, como no de membros fantasmas, posso afirmar ter verdadeiramente resolvido o mistério. Em outros — como o capítulo sobre Deus — a resposta final continua esquiva, ainda que tenhamos chegado torturantemente perto. Mas esteja o caso resolvido ou não, espero transmitir o espírito de aventura intelectual que acompanha essa busca e torna a neurologia a mais fascinante de todas as disciplinas. Como dizia Sherlock Holmes a Watson: ”O jogo começou!” Vejam o caso de Arthur, que achava que seus pais eram impostores. A maioria dos médicos seria tentada a concluir que ele era apenas louco, e, de fato, esta é a explicação mais comum para esse tipo de distúrbio, encontrada em muitos livros didáticos. Mas, mostrando-lhe fotos de diferentes pessoas e medindo até que ponto ele começa a suar (usando um dispositivo semelhante ao detector de mentiras), consegui conceber o que tinha dado errado em seu cérebro (ver o Capítulo 9). Esse é um tema recorrente neste livro: começamos com um conjunto de sintomas que parecem estranhos e incompreensíveis e depois terminamos — pelo menos em alguns casos — com um relato intelectualmente satisfatório do sistema de circuitos nervosos do cérebro do paciente. E, ao fazê-lo, muitas vezes descobrimos não somente algo novo sobre o funcionamento do cérebro, mas simultaneamente abrimos as portas para todo um novo rumo de pesquisa. Mas antes de começarmos, acho importante que vocês entendam minha abordagem pessoal da ciência e por que sou atraído para casos curiosos. Quando dou palestras a platéias leigas em todo o país, uma pergunta surge com muita freqüência: ”Quando vocês, cientistas do cérebro, vão chegar algum dia a uma teoria unificada sobre como a mente funciona? Existe a teoria geral da relatividade de Einstein e, na física, a lei da gravitação universal de Newton. Por que não há uma para o cérebro?” Minha resposta é que ainda não atingimos o estágio em que possamos for- mular grandes teorias unificadas sobre mente e cérebro. Toda ciência tem de atravessar uma fase inicial conduzida por ”experimentos” ou fenômenos — em que seus praticantes ainda estão descobrindo as leis básicas — antes de atingir um estágio mais sofisticado de teoria. Vejam a evolução das idéias sobre a eletricidade e o magnetismo. Embora as pessoas tivessem vagas noções sobre magnetitas e ímãs durante séculos e os usassem para fazer bússolas, o físico vitoriano Michael Faraday foi o primeiro a estudar os ímãs sistematicamente. Fez duas experiências muito simples, com resultados espantosos. Num experimento — que qualquer ginasiano pode reproduzir — simplesmente colocou um ímã por trás de uma folha de papel, espalhou limalhas de ferro na superfície do papel e descobriu que estas se alinhavam espontaneamente ao longo das linhas magnéticas de força (foi a primeira vez que alguém demonstrou a existência de campos na física). Na segunda experiência, Faraday movimentou o ímã de um lado para outro no centro de uma bobina de arame, e, vejam só, esta ação produziu uma corrente elétrica no arame. Essas demonstrações informais — e este livro está repleto de exemplos desse tipo — tiveram profundas implicações:’ Elas vincularam magnetismo e eletricidade pela primeira vez. A interpretação dada por Faraday a estes fenômenos permaneceu qualitativa, mas suas experiências montaram o palco para as famosas equações de onda eletromagnética de James Clerk Maxwell, várias décadas depois — os formalismos matemáticos que constituem a base de toda a física moderna. Meu ponto de vista é simplesmente de que a neurociência está na fase de Faraday, não na de Maxwell, e não tem sentido tentar dar um salto à frente. Adoraria que provassem que estou equivocado, realmente, e certamente não há nenhum mal em tentar construir teorias formais sobre o cérebro, mesmo que a pessoa fracasse (e não são poucos os que estão tentando). Mas, para mim, a melhor estratégia de pesquisa poderia ser caracterizada como ”tentativa”. Sempre que uso esta palavra, muitas pessoas parecem chocadas, como se não fosse possível fazer ciência sofisticada apenas jogando com idéias e sem uma teoria de cobertura para orientar os palpites. Mas é exatamente isso que quero dizer (embora esses palpites estejam longe de ser aleatórios; são sempre orientados pela intuição). Tenho interesse por ciência desde que me entendo por gente. Quando tinha oito ou nove anos, comecei a colecionar fósseis e conchas marinhas, tornando-me obcecado por taxonomia e evolução. Pouco mais tarde montei um -. à 28 / FANTASMAS NO CÉREBRO pequeno laboratório de química sob a escada da nossa casa e divertia-me observando limalha de ferro ”crepitar” em ácido clorídrico e ouvindo o hidrogênio ”estalar” quando eu tocava fogo nele. (O ferro deslocava o hidrogênio do ácido clorídrico, formando cloreto de ferro e hidrogênio.) A idéia de que se podia aprender tanto com uma simples experiência e de que tudo no universo é baseado nessas interações era fascinante. Lembro-me de que, quando um professor me falou das experiências simples de Faraday, fiquei intrigado com a idéia de que se podia conseguir tanto com tão pouco. Essas experiências deixaram-me com uma permanente aversão a equipamentos fantásticos e com o entendimento de que não se precisa necessariamente de máquinas complicadas para gerar revoluções científicas; tudo o que você precisa é de alguns bons palpites.2 Outro traço obstinado meu é que sempre fui atraído mais para a exceção do que para a regra em todas as ciências que tenho estudado. No colegial, eu especulava por que o iodo é o único elemento que passa de sólido a vapor diretamente, quando aquecido, sem primeiro se dissolver e passar por um estágio líquido. Por que Saturno tem anéis e os outros planetas não? Por que só a água se expande quando se transforma em gelo, ao passo que todos os outros líquidos se reduzem quando se solidificam? Por que alguns animais não têm sexo? Por que os girinos podem regenerar membros perdidos, embora um sapo adulto não possa? E porque o girino é mais novo, ou porque é um girino? O que aconteceria se você retardasse a metamorfose, bloqueando a ação dos hormônios da tireóide (pode-se pingar algumas gotas de tiouracil no aquário), de modo a ficar com um girino muito velho? Seria o girino geriátrico capaz de regenerar um membro perdido? (Quando garoto, fiz algumas tentativas frustradas de responder a isso, mas, que eu saiba, não sabemos a resposta até o dia de hoje.)3 Na verdade, examinar esses casos estranhos não é a única maneira — nem mesmo a melhor — de fazer ciência; é muito divertido, mas não é do interesse de todo mundo. Mas trata-se de uma excentricidade que carrego comigo desde a infância, e, felizmente, tenho conseguido transformá-la em vantagem. A neurologia clínica, em particular, está repleta desses exemplos que têm sido ignorados pelo establishment porque não se encaixam realmente no conhecimento adquirido. Para minha satisfação, descobri que muitos deles são diamantes em estado bruto. O FANTASMA INTERIOR / 29 Por exemplo, aqueles que suspeitam das pretensões da medicina corpomente deviam levar em consideração os distúrbios de múltipla personalidade. Alguns clínicos dizem que os pacientes podem realmente ”mudar” sua estrutura ocular quando assumem personas diferentes — um míope torna-se hipermétrope, uma pessoa de olho azul fica de olho castanho — ou que a química do sangue do paciente muda juntamente com a personalidade (nível alto de glicose sangüínea com uma personalidade, nível normal de glicose com outra). Há também descrições de o cabelo da pessoa tornar-se branco, literalmente da noite para o dia, após um grave choque psicológico, e de freiras piedosas desenvolvendo estigmas (chagas) nas palmas das mãos em união extática com Jesus. Acho surpreendente que, apesar de três décadas de pesquisa, não temos sequer certeza se estes fenômenos são reais ou falsos. Dados todos os indícios de que existe algo interessante acontecendo, por que não examinar mais detalhadamente essas afirmações? São como seqüestres feitos por extraterrestres e entortamento de talheres, ou são autênticas anomalias — como os raios X ou a transformação bacteriana4 — que algum dia talvez causem mudanças de paradigma e revoluções científicas? Fui pessoalmente atraído para a medicina, disciplina cheia de ambigüidades, porque seu estilo Sherlock Holmes de investigação tinha um grande apelo para mim. Diagnosticar o problema de um paciente continua sendo ao mesmo tempo uma arte e uma ciência, exigindo que se coloque em ação poderes de observação, razão e todos os sentidos humanos. Lembro-me de um professor, o Dr. K.V. Thiruvengadam, ensinando-nos a identificar uma doença simplesmente cheirando o paciente — o inconfundível e adocicado hálito de esmalte de unhas da cetose diabética; o odor de pão fresco da febre tifóide; o fedor de cerveja choca da escrófula; o aroma de penas de frango recém-arrancadas da rubéola; o cheiro fétido de um abscesso pulmonar; e o odor de amoníaco de um paciente com deficiência hepática. (E hoje um pediatra poderia acrescentar o cheiro de suco de uva da infecção de Pseudomonas em crianças e o cheiro de pés suados da acidemia isovalérica.) Examinem os dedos cuidadosamente, dizia-nos o Dr. Thiruvengadam, porque uma pequena mudança no ângulo entre a base da unha e o dedo pode anunciar o início de um câncer pulmonar maligno, muito antes de surgirem sinais clínicos mais sinistros. De rorma impressionante, este sinal denunciador — baqueteamento — desaparece instantaneamente na mesa de operação quando o cirurgião remove o cân- 30 / FANTASMAS NO CÉREBRO cer, mas, até hoje, não temos nenhuma idéia do motivo por que ocorre. Outro professor meu, de neurologia, insistia em que diagnosticássemos a doença de Parkinson de olhos fechados — simplesmente escutando os passos dos pacientes (pacientes com esse distúrbio têm um modo de andar caracteristicamente desajeitado, arrastando os pés). Este aspecto detetivesco da medicina clínica é uma arte em extinção nesta época de medicina high-tech, mas plantou uma semente em minha mente. Observando cuidadosamente, escutando, tocando e, sim, cheirando o paciente, podese chegar a um diagnóstico razoável e usar os exames laboratoriais meramente para confirmar o que já é sabido. Finalmente, quando estiver estudando e tratando de um paciente, é dever do médico perguntar sempre a si mesmo: ”Que tal se sentir como se estivesse na pele do paciente?” ”E se fosse eu?” Ao fazer isso, nunca deixei de ficar maravilhado com a coragem e a força de muitos pacientes meus ou com o fato de que, ironicamente, a própria tragédia pode às vezes enriquecer a vida de um paciente e dar-lhe novo sentido. Por este motivo, embora muitas das histórias clínicas que vocês vão conhecer estejam matizadas de tristeza, são da mesma forma muitas vezes histórias de vitória do espírito humano sobre a adversidade, e há uma forte tendência oculta de otimismo. Por exemplo, um paciente que examinei — um neurologista de Nova York — de repente, aos 60 anos de idade, começou a ter acessos de epilepsia que se originavam em seu lobo temporal direito. Os ataques eram realmente alarmantes, mas para seu espanto e deleite, viu que estava se tornando fascinado por poesia, pela primeira vez na vida. Na realidade, começou a pensar em versos, produzindo um volumoso fluxo de rimas. Ele disse que essa visão poética lhe deu uma nova vida, um novo começo, justamente quando começava a se sentir um tanto estafado. Conclui-se deste exemplo que todos nós somos poetas não realizados, como afirmam numerosos gurus e místicos da nova era? Cada um de nós tem um potencial inexplorado para belos versos e rimas, oculto nos recessos de nosso hemisfério direito? Nesse caso, existe alguma forma de liberar esta capacidade latente, que não seja tendo acessos? Antes de conhecer os pacientes, desvendar mistérios e especular sobre a organização do cérebro, gostaria de levá-los num pequeno passeio guiado pelo cérebro humano. Estes sinais anatômicos, que prometo manter simples, vão ajudá-los a entender muitas explicações novas para o fato de pacientes neurológicos agirem como agem. O FANTASMA INTERIOR / 31 Axónio Soma ou corpo celül Figura 1.1 Hoje, é quase um chavão dizer que o cérebro humano é a forma de matéria mais complexamente organizada no universo, e há realmente alguma verdade nisso. Se você cortar uma seção de cérebro, digamos, da camada externa convoluta chamada neocórtex e examiná-la ao microscópio, verá que é composta de neurônios ou células nervosas — as unidades funcionais básicas do sistema nervoso, onde são trocadas as informações. No início, o cérebro típico contém provavelmente mais de 100 bilhões de neurônios, cujo número diminui lentamente com a idade. Cada neurônio tem um corpo celular e dezenas de milhares de minúsculas ramificações chamadas dendritos, que recebem informações de outros neurônios. Cada neurônio tem também um axônio primário (uma projeção que pode viajar longas distâncias no cérebro) para enviar dados para fora da célula, e terminais de axônio para comunicação com outras células. Na Figura 1.1 você observará que os neurônios fazem contato com outros neurônios, em pontos chamados sinapses. Cada neurônio faz algo entre mil e 10 mil sinapses com outros neurônios. Estas podem ligar ou desligar, ser excitatórias ou inibitórias. Isto é, algumas sinapses ligam o fluido para ativar coisas, enquanto outras liberam fluidos para acalmar tudo à frente, numa dança contínua de atordoadora complexidade. Um pedaço do seu cérebro do tamanhc de um grão de areia deve conter 100 mil neurônios, dois milhões de axônios c 32 / FANTASMAS NO CÉREBRO (b) Lobo frontal (a) Córtex motor Sulco central Cortex sensonal Lobo parietal Tálamo Lobo occipital Corpo caloso Fissura lateral Lobo temporal Medula oblonga (Bulbo) Cerebelo Cordão espinhal Figura 1.2 Anatomia compacta do cérebro humano, (a) Mostra o lado esquerdo do hemisfério esquerdo. Observem os quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. O frontal é separado do parietal pelo sulco central ou rolândico (sulco ou fissura), e o temporal do parietal pela fissura lateral ou stlviana. (b) Mostra a superfície interna do hemisfério esquerdo. Observem o visível corpo caloso (preto) e o tálamo (branco) no meio. O corpo caloso liga os dois hemisférios, (c) Mostra os dois hemisférios do cérebro vistos de cima para baixo, (a) Ramachandran (b) e (c) retraçados a partir de Zeki, 1993- um bilhão de sinapses, todas ”falando” com as outras. Dadas estas cifras, calcula-se que o número de possíveis estados cerebrais — o número de permutações e combinações de atividade teoricamente possíveis — ultrapassa o de partículas elementares existentes no universo. Dada esta complexidade, como começar a entender as funções do cérebro? Obviamente, entender a estrutura do sistema nervoso é essencial para entender suas funções5 — e assim começaremos com um breve exame da anatomia do cérebro, o que, para nossos objetivos aqui, inicia-se no alto da medula espinhal. Esta região, chamada de medulla oblongatd, conecta a medula espinhal ao cérebro e contém aglomerados de células ou núcleos que controlam funções críticas como pressão sangüínea, batimentos cardíacos e respiração. A medula conecta-se com a ponte (uma espécie de protuberância), que envia fibras para o cerebelo, uma estrutura do tamanho de um punho na parte posterior do cérebro que ajuda a pessoa a execuO FANTASMA INTERIOR / 33 tar movimentos coordenados. Acima estão os dois enormes hemisférios cerebrais — as famosas metades do cérebro, em forma de nozes. Cada metade é dividida em quatro lobos — frontal, temporal, parietal e occipital — sobre os quais você saberá mais nos próximos capítulos (Figura 1.2). Cada hemisfério controla os movimentos dos músculos (por exemplo, os do braço e da perna) do lado oposto do corpo. O hemisfério direito de seu cérebro faz seu braço esquerdo se mover e o hemisfério esquerdo permite que sua perna direita chute uma bola. As duas metades do cérebro são conectadas por uma faixa de fibras chamada de corpo caloso. Quando este é cortado, os dois lados não podem mais se comunicar; o resultado é uma síndrome que proporciona uma visão clara do papel que cada lado desempenha no conhecimento. A parte mais externa de cada hemisfério é composta de córtex cerebral: uma fina lâmina enroscada de células, com seis camadas de espessura, que é comprimida em saliências e sulcos como uma couve-flor e compactamente acondicionada dentro do crânio. Bem no centro do cérebro fica o tálamo. É considerado evolutivamente mais primitivo do que o córtex cerebral e freqüentemente descrito como uma ”estação de retransmissão” porque todas as informações sensoriais, com exceção do olfato, passam por ele antes de atingir o manto cortical externo. Interpostos entre o tálamo e o córtex encontram-se mais núcleos, chamados gânglios basais (com nomes como putâmen e núcleo caudado). Finalmente, na base do tálamo fica o hipotálamo, que parece estar envolvido na regulação das funções metabólicas, na síntese de hormônios e em vários impulsos básicos como a agressão, o medo e a sexualidade. Estes fatos anatômicos são conhecidos há muito tempo, mas ainda não temos uma idéia clara de como o cérebro funciona.6 Muitas teorias mais antigas caem em dois campos antagônicos — modularidade e holismo — e, nos últimos 300 anos, o pêndulo tem oscilado de um lado e outro desses dois pontos de vista extremos. Numa ponta do espectro estão os modularistas, que acreditam que diferentes partes do cérebro são altamente especializadas para capacidades mentais. Assim, há um módulo para linguagem, outro para memória, outro para habilidade matemática, um para reconhecimento de fisionomias e talvez até um para detectar pessoas que trapaceiam. Além disso, afirmam eles, estes módulos ou regiões são em grande parte autônomos. Cada um executa sua própria tarefa, série de cálculos, ou qualquer coisa, e depois — como um£ 34 / FANTASMAS NO CÉREBRO O FANTASMA INTERIOR / 3’ brigada de bombeiros trabalhando com baldes — passa seu produto ao próximo módulo da fila, sem ”falar” muito com outras regiões. Na outra extremidade do espectro, temos o ”holismo”, uma abordagem teórica que se sobrepõe ao que nos dias atuais é chamado de ”conexionismo”. Esta escola de pensamento sustenta que o cérebro funciona como um todo e que nelas uma parte é tão boa quanto qualquer outra. A visão holística é justificada pelo fato de que muitas áreas, especialmente as regiões corticais, podem ser recrutadas para múltiplas tarefas. Tudo é conectado com todo o resto, segundo os holistas, e assim a busca por módulos distintos é uma perda de tempo. Meu trabalho com pacientes sugere que estes dois pontos de vista não são mutuamente excludentes — que o cérebro é uma estrutura dinâmica que emprega ambos os ”modos” numa influência recíproca maravilhosamente complexa. A grandeza do potencial humano só é visível quando levamos em conta todas as possibilidades, resistindo à tentação de cair em campos polarizados ou de perguntar se determinada função é localizada ou não localizada.7 Conforme veremos, é muito mais útil atacar um problema quando ele surge em vez de se limitar a apoiar um ponto de vista em detrimento de outro. Em seu extremo, cada visão é de fato absurda. Por analogia, suponham que você está vendo o programa SOS Malibu (Baywatch) na televisão. Onde Baywatch está localizada? Na substância fosforescente que brilha na tela ou nos elétrons dentro do tubo de raios catódicos? Nas ondas eletromagnéticas que estão sendo transmitidas através do ar? Ou no filme de celulóide ou na fita de vídeo do estúdio do qual está sendo transmitido o espetáculo? Ou talvez na câmera que acompanha os atores em cena? A maioria das pessoas admite imediatamente que esta é uma questão sem sentido. Você poderia ficar tentado a concluir, portanto, que Baywatch não está localizada (não existe um ”módulo” Baywatch} em nenhuma parte — que ela permeia o universo inteiro —, mas isso também é absurdo. Pelo que sabemos, não está localizada na Lua nem no meu gatinho de estimação nem na cadeira onde estou sentado (embora algumas das ondas eletromagnéticas possam atingir estes locais). Obviamente, a substância fosforescente, o tubo de raios catódicos, as ondas eletromagnéticas e o celulóide ou fita estão todos mais diretamente envolvidos nesta hipótese que chamamos de Baywatch do que a Lua, uma cadeira ou meu gato. Este exemplo ilustra que, assim que você entende o que é realmente un programa de televisão, a pergunta ”é localizado ou não localizado?” recua para o segundo plano, substituída pela pergunta ”Como isto funciona?” Mas tam bem é óbvio que olhar para o tubo de raios catódicos e o canhão de elétron talvez lhe dê finalmente indícios sobre como o aparelho de televisão funciona e recebe o programa Baywatch como é transmitido, ao passo que, examinando a cadeira onde está sentado, você jamais chegará a isso. Assim, a localização não é um mau lugar para começar, desde que evitemos a armadilha de pensar que ela detém todas as respostas. A mesma coisa acontece com o debate atual de muitos pontos concernente: à função do cérebro. A linguagem é localizada? É localizada a visão de cores? O riso? Assim que entendemos melhor estas funções, a questão de ”onde” torna-se menos importante do que a pergunta ”como”. No estado atual das coisas uma profusão de provas empíricas apoia a idéia de que de fato existem parte: ou módulos especializados do cérebro para várias faculdades mentais. Mas o verdadeiro segredo para entender o cérebro está não somente em deslindar £ estrutura e função de cada módulo, mas em descobrir como interagem uns com os outros para gerar todo o espectro de habilidades que chamamos natureza humana. É aqui que entram em cena os pacientes com problemas neurológicos singulares. Como o anômalo comportamento do cão que não latiu quando o crime estava sendo cometido, proporcionando a Sherlock Holmes uma pista para saber quem poderia ter entrado na casa na noite do assassinato, o estranho comportamento destes pacientes pode nos ajudar a resolver o mistério de como várias partes do cérebro criam uma representação útil do mundo externo e gerarn a ilusão de um ”eu”, uma individualidade, que resiste no espaço e no tempo. Para ajudar vocês a ter um entendimento natural desta forma de fazer ciência, examinemos esses casos interessantes — e as lições com eles aprendidas — extraídos da literatura neurológica mais antiga. Há mais de 50 anos, uma mulher de meia-idade entrou na clínica de Kurt Goldstein, um neurologista de renome mundial dotado de aguda habilidade para diagnósticos. A mulher parecia normal e conversava fluentemente; na verdade, nada havia de obviamente errado com ela. Mas tinha uma doença extraordinária — de vez em quando, a mão esquerda avançava para sua gar- 36 / FANTASMAS NO CÉREBRO ganta e tentava estrangulá-la. Muitas vezes tinha de usar a mão direita para controlar a esquerda, empurrando-a para baixo — como Peter Sellers representando o Dr. Fantástico. Às vezes, tinha até de se sentar na mão assassina, tão decidida em tentar pôr fim à sua vida. Não surpreende que o primeiro médico da mulher a tenha declarado mentalmente perturbada ou histérica, enviando-a a vários colegas para consultas. Como não puderam ajudar, ela foi mandada a Goldstein, que tinha reputação de resolver casos difíceis. Depois de examiná-la, Goldstein concluiu que não era psicótica, mentalmente perturbada ou histérica. Não tinha déficits neurológicos óbvios, como paralisia ou reflexos exagerados. Mas logo chegou a uma explicação para seu comportamento: como você e eu, a mulher tinha dois hemisférios cerebrais, cada um dos quais é especializado em diferentes faculdades mentais e controla os movimentos do lado oposto do corpo. Os dois hemisférios são ligados por uma faixa de fibras chamada corpo caloso, que permite que os dois lados se comuniquem e fiquem ”em sincronia”. Mas ao contrário da maioria de nós o hemisfério direito dessa mulher (que controlava sua mão esquerda) parecia ter algumas tendências suicidas latentes — um genuíno impulso para matá-la. Inicialmente, estes impulsos podem ter sido reprimidos por ”freios” — mensagens inibidoras enviadas através do corpo caloso a partir do hemisfério esquerdo, mais racional. Mas se ela tivesse sofrido, como supôs Goldstein, uma lesão no corpo caloso, em resultado de um derrame, essa inibiçáo seria eliminada. O lado direito do seu cérebro e sua mão esquerda assassina agora estariam livres para tentar estrangulá-la. Esta explicação não é tão artificial como parece, uma vez que é bem sabido há algum tempo que o hemisfério direito tende a ser mais emocionalmente instável do que o esquerdo. Pacientes que têm derrame no cérebro esquerdo freqüentemente são angustiados, deprimidos ou preocupados com suas perspectivas de recuperação. A razão parece ser que, com a lesão no hemisfério esquerdo, o direito assume e se preocupa com tudo. Em contraste, pessoas que sofrem lesão no hemisfério direito tendem a ser alegremente indiferentes a sua própria situação. O hemisfério esquerdo simplesmente não se irrita tanto (sobre isto, ler mais no Capítulo 7). Quando Goldstein chegou ao diagnóstico, deve ter parecido ficção científica. Mas não muito depois dessa visita, a mulher morreu de repente, provavelmente de um segundo derrame (não, ela não se estrangulou). A autópsia O FANTASMA INTERIOR / 37 confirmou as suspeitas de Goldstein: antes do seu comportamento tipo Dr. Fantástico, ela sofrera um maciço derrame no corpo caloso, de forma que o lado esquerdo do cérebro não podia ”falar” nem exercer o controle habitual sobre o lado direito. Goldstein tinha revelado a natureza dual da função cerebral, mostrando que os dois hemisférios são de fato especializados em diferentes tarefas. Vejam em seguida o simples ato de sorrir, algo que todos fazemos a cada dia em situações sociais. Você vê um bom amigo e dá um largo sorriso. Mas o que acontece quando este amigo aponta uma câmera para seu rosto e pede que sorria? Em vez de uma expressão natural, você faz uma pavorosa careta forçada. Paradoxalmente, um ato que você executa sem esforço dezenas de vezes por dia torna-se extraordinariamente difícil de praticar quando alguém simplesmente lhe pede para fazê-lo. Você poderia pensar que é por constrangimento. Mas essa não pode ser a resposta, porque se você se olhar em qualquer espelho e tentar sorrir, garanto que aparecerá a mesma careta. A razão por que estes dois tipos de sorriso diferem é que regiões diferentes do cérebro os controlam e apenas uma delas contém um ”circuito especializado em sorriso”. Um sorriso espontâneo é produzido pelos gânglios basais, aglomerados de células encontrados entre o córtex superior do cérebro (onde se realizam pensamento e planejamento) e o tálamo, evolutivamente mais antigo. Quando você encontra um rosto amigável, a mensagem visual procedente desse rosto atinge posteriormente o centro emocional do cérebro, ou sistema límbico, e é subseqüentemente retransmitida aos gânglios basais, que orquestram as seqüências de atividade do músculo facial necessárias para produzir um sorriso natural. Quando este circuito é ativado, seu sorriso é sincero. Uma vez posta em movimento, toda a cascata de eventos acontece numa fração de segundo sem que as partes pensantes do seu córtex jamais sejam envolvidas. Mas o que acontece quando alguém lhe pede para sorrir enquanto tira sua foto? A instrução verbal do fotógrafo é recebida e entendida pelos centros superiores de pensamento no cérebro, inclusive o córtex auditivo e os centros de linguagem. Daí é retransmitida para o córtex motor na frente do cérebro, que é especializado em produzir movimentos voluntários treinados, como tocar piano e pentear o cabelo. Apesar de sua aparente simplicidade, o ato de sorrir envolve a cuidadosa orquestração de dezenas de diminutos músculos na seqüência apropriada. No que concerne ao córtex motor (não especializado para 38 / FANTASMAS NO CÉREBRO gerar sorrisos naturais), este é um feito tão complexo quanto tocar Rachmaninoff sem nunca ter tido aulas de piano, e portanto falha completamente. Seu sorriso sai forçado, tenso, artificial. A prova de dois diferentes ”circuitos de sorriso” vem de pacientes com cérebro lesionado. Quando uma pessoa sofre um derrame no córtex motor direito — a região especializada do cérebro que ajuda a orquestrar movimentos complexos no lado esquerdo do corpo —, surgem problemas no esquerdo. Solicitado a sorrir, o paciente faz aquela careta forçada, artificial, mas agora parece ainda mais pavorosa; é um meio sorriso apenas no lado direito do rosto. Mas quando este mesmo paciente vê um amigo ou parente querido atravessar a porta, seu rosto explode num sorriso amplo e natural, usando os dois lados da boca e da face. A razão é que seus gânglios basais não foram danificados pelo derrame, de forma que está intacto o circuito especial para dar sorrisos simétricos.8 Muito raramente, encontra-se um paciente que aparentemente tenha tido um pequeno derrame, que nem ele nem ninguém mais nota, até que ele tente sorrir. De repente, seus entes queridos ficam espantados em ver que apenas uma metade do rosto está arreganhando os dentes. E, contudo, quando o neurologista o instrui a sorrir, ele produz um sorriso simétrico, embora artificial — exatamente o inverso do paciente anterior. Este indivíduo, comprova-se, teve um pequeno derrame que afetou seletivamente os gânglios basais num lado do cérebro. O ato de bocejar fornece mais uma prova do sistema de circuitos especializados. Como foi observado, muitas vítimas de derrame ficam com o lado direito ou esquerdo do corpo paralisado, dependendo de onde ocorre a lesão no cérebro. Os movimentos voluntários no lado oposto cessam permanentemente. E, contudo, quando esse paciente boceja, estira os dois braços espontaneamente. Para sua surpresa, o braço paralisado repentinamente salta para a vida! Isso acontece porque uma diferente via do cérebro controla o movimento do braço durante o bocejo — uma via estreitamente ligada aos centros respiratórios no tronco encefálico. As vezes uma minúscula lesão cerebral — uma lesão num simples pontinho de células entre bilhões — pode causar extensos problemas que parecem flagrantemente desproporcionais ao tamanho da lesão. Por exemplo, você pode pensar que a memória envolve o cérebro inteiro. Quando digo a palavra ”rosa”, esta evoca todo tipo de associações: talvez imagens de um jardim de rosas, a primeira vez que alguém lhe deu uma rosa, o cheiro, a suavidade das pétalas, O FANTASMA INTERIOR / 39 uma pessoa chamada Rosa etc. Até o simples conceito de ”rosa” tem muitas associações ricas, sugerindo que todo o cérebro deve seguramente estar envolvido no armazenamento de qualquer vestígio de memória. Mas a infeliz história de um paciente conhecido como H.M. sugere o contrário.9 Como H.M. sofria de uma forma particularmente intratável de epilepsia, seus médicos decidiram remover o tecido ”doente” dos dois lados do seu cérebro, inclusive duas estruturas minúsculas em forma de cavalo-marinho (uma de cada lado) chamadas hipocampo, uma estrutura que controla o \ armazenamento de novas memórias. Só sabemos disso porque, depois da cirurgia, H.M. não conseguiu mais formar novas memórias, embora pudesse relembrar tudo que acontecera antes da operação. Agora, os médicos tratam o hipocampo com mais respeito e jamais o removem conscientemente dos dois lados do cérebro (Figura 1.3). Embora eu nunca tenha trabalhado diretamente com H.M., vi muitas vezes pacientes com formas semelhantes de amnésia resultante de alcoolismo crônico ou hipóxia (carência de oxigênio no cérebro em seguida a uma cirurgia). Conversar com eles é uma experiência fantástica. Por exemplo, quando cumprimento o paciente, ele parece inteligente e articulado, fala normalmente e consegue até discutir filosofia comigo. Se lhe peço para somar ou subtrair, faz isso sem problema. Não é perturbado emocional ou psicologicamente e pode discutir à vontade assuntos de família e suas várias atividades. Então, peço licença para ir ao banheiro. Ao voltar, não há um mínimo vislumbre de reconhecimento, nenhum indício de que jamais me viu antes em sua vida. — Lembra-se de mim? — Não. Mostro-lhe uma caneta. — O que é isso? — Uma caneta. — De que cor? — Vermelha. Coloco a caneta embaixo de um travesseiro ou numa cadeira próxima e lhe pergunto: — O que acabo de fazer? Responde imediatamente: 40 / FANTASMAS NO CÉREBRO Talamo Córtex cerebral Trato óptico Olho Córtex motor Córtex sensonal Corpo caloso l Amigdala Hipotalamo Glândula pituitana Formação reticular Hipocampo Ponte Medula Cerebelo Cordão espinhal Figura 1.3 Representação artística de um cérebro com o córtex convoluto externo tornado parcialmente transparente para permitir a visão de estruturas internas. O tálamo (escuro) pode ser visto no meio, e interpostos entre ele e o córtex estão feixes de células chamados gânglios basais (não mostrados). Engastada na parte frontal do lobo temporal, você pode ver a amigdala, escura, em forma de amêndoa, o ”portão” para o sistema límbico. No lobo temporal, pode-se ver também o hipocampo (envolvido com a memória). Além da amígdala, podem ser vistas outras partes do sistema límbico, como o hlpotálamo (abaixo do tálamo). As vias limbicas medeiam a excitação emocional. Os hemisférios estão presos à medula espinhal pelo tronco encefálico (que consiste em medula, ponte e cérebro médio), e abaixo dos lobos occipitais está o cerebelo, envolvido principalmente com a coordenação de movimentos e ritmo. Extraído de Brain, Mind and Behavior, Bloom e Laserson (1988) da Educational Broadoasting Corporation. Usado com permissão de W. H. Freeman and Company. — Colocou a caneta embaixo do travesseiro. Então converso um pouco mais, talvez perguntando por sua família. Passa-se um minuto e lhe pergunto: — Acabo de lhe mostrar alguma coisa. Lembra-se do que é? Ele olha intrigado: O FANTASMA INTERIOR / 41 — Não. — Lembra-se de que lhe mostrei um objeto? Lembra-se de onde o coloquei? Não. — Não se lembra absolutamente de que escondi a caneta 60 segundos antes. Esses pacientes estão, com efeito, congelados no tempo, no sentido de que se lembram apenas de fatos acontecidos antes do acidente que os danificou neurologicamente. Conseguem relembrar sua primeira partida de beisebol, o primeiro encontro e a formatura colegial com detalhes minuciosos, mas, depois da lesão, nada parece ter sido gravado. Por exemplo, se depois do acidente eles vêem um jornal da semana passada, o lêem dias seguidos como se fosse um jornal novinho em folha. Podem ler um romance policial várias vezes, sempre se divertindo com a trama e com o fim surpreendente. Conto-lhes uma piada dezenas de vezes e, sempre que chego ao ponto culminante, riem sinceramente (na verdade, meus alunos de pós-graduação também fazem isso). Estes pacientes estão nos dizendo algo muito importante — que uma minúscula estrutura cerebral chamada hipocampo é absolutamente essencial no armazenamento de novos traços de memória (embora as pistas atuais de memória não sejam guardadas no hipocampo). Eles ilustram o poder da abordagem modular: como um auxílio para limitar o campo da investigação, se você quiser entender a memória, olhe para o hipocampo. E contudo, como veremos, o estudo do hipocampo, sozinho, jamais explicará todos os aspectos da memória. Para entender como as memórias são recuperadas em questão de momentos, como são editadas, arquivadas, classificadas (às vezes, até censuradas!), precisamos examinar como o hipocampo interage com outras estruturas do cérebro como os lobos frontais, o sistema límbico (envolvido com emoções) e as estruturas no tronco encefálico (que nos permitem atender seletivamente a memórias específicas). O papel do hipocampo na formação de memórias está claramente estabelecido, mas há regiões do cérebro especializadas em capacidades mais esotéricas como o ”sentido de número” que é específico dos humanos? Não faz muito tempo, conheci um senhor, Bill Marshall, que sofrera um derrame uma semana antes. Alegre e a caminho da recuperação, sentia-se feliz demais em discutir 42 / FANTASMAS NO CÉREBRO sua vida e condição clínica. Quando lhe pedi que me falasse da família, deu o nome de cada um dos filhos, mencionou suas ocupações e deu numerosos detalhes sobre seus netos. Era fluente, inteligente e articulado — e nem todo mundo é assim após um derrame. — Qual era sua profissão? — perguntei. Bill respondeu: — Era piloto da Força Aérea. — Que tipo de avião você pilotava? Deu o nome do avião e disse: — Naquela época, era a coisa mais veloz feita pelo homem, neste planeta. — Depois me contou qual era a velocidade e disse que tinha sido fabricado antes da introdução dos motores a jato. A certa altura, falei: — Tudo bem, Bill, você pode subtrair sete de 100? Quanto é 100 menos sete? Ele disse: — Oh. Cem menos sete? — Sim. — Hummm, 100 menos sete. — Sim, 100 menos sete. — Bem — disse Bill. — Cem. Você me pede que eu tire sete de 100. Cem menos sete. — Sim. — Noventa e seis? — Não. — Oh — disse ele. — Vamos tentar outra coisa. Quantos são 17 menos três? — Dezessete menos três? Sabe, não sou muito bom nesse tipo de coisa — respondeu Bill. — Bill — perguntei —, a resposta é um número menor ou maior? — Ah, é um número menor — respondeu, mostrando que sabia o que é subtração. — Tudo bem, então quantos são 17 menos três? — São 12? — perguntou finalmente. O FANTASMA INTERIOR / 4; Comecei a imaginar se Bill tinha problema em entender o que é um número ou a natureza dos números. De fato a questão dos números é antiga e profunda, remontando a Pitágoras. Perguntei: — O que é infinito? Al / • \ — Ah, é o maior numero que existe. — Que número é maior: 101 ou 97? Respondeu imediatamente: — Cento e um é maior. — Por quê? — Porque tem mais dígitos. Isto significava que Bill ainda entendia, pelo menos tacitamente, conceitos numéricos sofisticados como valor de lugar. Além disso, embora não soubesse subtrair três de 17, sua resposta não era completamente absurda. Disse ”12” e não 74 ou 200, deixando implícito que ainda era capaz de fazer estimativas aproximadas. Então resolvi contar-lhe uma historinha: Outro dia, um homem entrou na nova exposição de dinossauros no salão do Museu Americano de História Natural, em Nova York, e viu um enorme esqueleto. Querendo saber sua idade, dirigiu-se a um antigo curador que estava sentado no canto da sala e perguntou: ”Companheiro, qual é a idade desses ossos de dinossauro?” O curador olhou para ele e disse: ”Têm 60 milhões e três anos, senhor.” ”Sessenta milhões e três anos? Eu não sabia que se podia ter essa precisão sobre a idade de ossos de dinossauro. Como assim, 60 milhões e três anos de idade?” ”Bem, senhor”, respondeu ele, ”comecei a trabalhar aqui há três anos, e, naquela época, me disseram que os ossos tinham 60 milhões de anos.” Bill deu uma sonora risada com o final da história. Obviamente, entendia muito mais de números do que se podia imaginar. É preciso uma mente sofisticada para entender essa piada, já que envolve o que os filósofos chamam de falácia da concretude deslocada”. Voltei-me para Bill e perguntei: — Por que você acha que é engraçado? — Bem, sabe — disse —, o nível de precisão é inadequado. 44 / FANTASMAS NO CÉREBRO O FANTASMA INTERIOR / 4 Bill entende a piada e a idéia de infinito, mas não consegue subtrair três de 17. Será que isto significa que cada um de nós tem um centro numérico na região da circunvolução angular esquerda (onde foi localizada a lesão do derrame de Bill) do nosso cérebro para somar, subtrair, multiplicar e dividir? Acho que não. Mas obviamente esta região — a circunvolução angular — é de algum modo necessária para tarefas computacionais numéricas, mas não para outras faculdades como memória de curto alcance, linguagem ou humor. Paradoxalmente, também não é necessária para entender os conceitos numéricos subjacentes a tais cômputos. Não sabemos como funciona este circuito ”aritmético” na circunvolução angular, mas pelo menos agora sabemos onde procurar.10 Muitos pacientes com discalculia, como Bill, também têm um distúrbio cerebral associado chamado agnosia digital: não conseguem mais dar o nome do dedo que o neurologista está apontando ou tocando. É uma complicada coincidência que tanto operações aritméticas quanto denominar dedos ocupem regiões adjacentes do cérebro, ou isso tem algo a ver com o fato de que todos nós aprendemos a contar usando os dedos na mais tenra infância? A observação de que em alguns desses pacientes uma função pode ser retida (dar o nome de dedos), ao passo que a outra (somar e subtrair) se acabou, não invalida a alegação de que estas duas podem estar intimamente ligadas e ocupam o mesmo nicho anatômico no cérebro. É possível, por exemplo, que as duas funções estivessem localizadas em grande proximidade e fossem dependentes uma da outra na fase de aprendizagem, mas no adulto uma função pode sobreviver sem a outra. Em outras palavras, uma criança pode agitar seus dedos subconscientemente enquanto está contando, ao passo que você e eu talvez não precisemos disso. Estes exemplos históricos e estudos de caso compilados de minhas anotações sustentam a opinião de que existem circuitos ou módulos especializados, e vamos encontrar vários outros exemplos no decorrer deste livro. Mas outras perguntas interessantes continuam e vamos explorá-las também. Como é que os módulos funcionam realmente e como ”falam” uns com os outros para gerar experiência consciente? Até que ponto todo esse intricado sistema de circuitos do cérebro é especificado de forma inata por nossos genes ou até que ponto é adquirido gradualmente como resultado de nossas experiências, à medida que a criança interage com o mundo? (Este é o velho debate ”natureza versus criação”, que vem se arrastando há centenas de anos, embora ma tenhamos arranhado a superfície na formulação de uma resposta.) Mesmi que certos circuitos sejam montados mecanicamente desde o nascimento conclui-se que não podem ser alterados? Para descobrir isso, vamos conhecer Tom, uma das primeiras pessoas que me ajudaram a explorar estas quês tões mais amplas. CAPÍTULO 2 ”Sei Onde Coçar” Minha intenção é falar de corpos mudados para diferentes formas. O firmamento e todas as coisas abaixo dele, A Terra e suas criaturas, Tudo muda, E nós, parte da criação, Também temos de sofrer mudança. — OVÍDIO Tom Sorenson se lembra nitidamente das horripilantes circunstâncias que lêvaram à perda de seu braço. Depois de jogar futebol, estava dirigindo de volta para casa, cansado e faminto, quando um carro na faixa oposta deu uma guinada na frente dele. Os freios guincharam, o carro de Tom rodopiou fora do controle e ele foi ejetado do assento e lançado contra a fábrica de gelo à mar gem da rodovia. Enquanto era arremessado pelo ar, Tom olhou para trás e viu que sua mão ainda estava no carro, ”segurando” a almofada do assento — separada de seu corpo como um adereço num filme de terror de Freddy Kruegei Em conseqüência desse terrível acidente, Tom perdeu a parte do braço es 48 / FANTASMAS NO CÉREBRO querdo logo abaixo do cotovelo. Tinha 17 anos, faltando apenas três meses para terminar o 2° grau. Nas semanas seguintes, embora sabendo ter perdido o braço, Tom ainda podia sentir sua presença espectral abaixo do cotovelo. Podia mexer cada ”dedo”, ”estender o braço” e ”pegar” objetos que estavam ao alcance da mão. Realmente, seu braço fantasma parecia capaz de fazer tudo que o braço real tinha feito automaticamente, como aparar golpes, evitar quedas ou dar tapinhas carinhosos nas costas do irmãozinho. Como Tom era canhoto, seu fantasma sempre queria pegar o telefone quando este tocava. Tom não estava louco. A impressão de que o braço perdido ainda estava ali é um exemplo clássico de membro fantasma — um braço ou perna que subsiste indefinidamente nas mentes de pacientes muito tempo depois de ter sido perdido num acidente ou amputado por um cirurgião. Alguns despertam da anestesia e se mostram incrédulos quando lhe dizem que seu braço teve de ser sacrificado, porque ainda sentem nitidamente sua presença.1 Só quando olham por baixo dos lençóis é que chegam à chocante constatação de que o membro realmente se foi. Além disso, alguns desses pacientes experimentam dores terríveis no braço, mão ou dedo fantasma, a ponto de pensar em suicídio. A dor não somente é implacável como também intratável; ninguém tem a menor idéia de como surge ou de como enfrentá-la. Como médico, eu sabia que a dor em membro fantasma representa um problema clínico sério. A dor crônica num membro real, como a causada por artrite nas articulações ou a dor nas costas, já é de tratamento difícil, mas como tratar a dor num membro que não existe? Como cientista, eu também tinha curiosidade para saber em primeiro lugar por que o fenômeno ocorre: Por que um braço persiste na mente do paciente muito tempo depois de ser removido? Por que a mente simplesmente não aceita a perda e ”remodela” a imagem do corpo? Sem dúvida, isto acontece em alguns pacientes, mas geralmente leva anos ou décadas. Por que décadas — por que não apenas uma semana ou um dia? Percebi que um estudo deste fenômeno poderia não só nos ajudar a compreender a questão de como o cérebro enfrenta uma perda repentina e importante, mas também contribuir para abordar o debate mais fundamental sobre natureza versus criação — até que ponto a imagem do nosso corpo, assim como outros aspectos de nossas mentes, é determinada pelos genes e até que ponto é modificada pela experiência. ”SEI ONDE COÇAR”” / 49 A persistência de sensação em membros muito tempo depois da amputação já fora observada no século XVI pelo cirurgião francês Ambroise Pare, e não é surpresa que exista um minucioso folclore em torno deste fenômeno Depois que perdeu o braço direito num malogrado ataque a Santa Cruz d< Tenerife, Lord Nelson sofreu dores terríveis no membro fantasma, inclusive ; inconfundível sensação de dedos se fincando na palma da mão inexistente. O surgimento dessas sensações fantasmagóricas no membro perdido levou o se nhor dos mares a proclamar que este fantasma era ”uma prova direta da exis tência da alma”. Pois se um braço pode existir depois de retirado, por que pessoa inteira não pode sobreviver à aniquilação física do corpo? É uma prova afirmava Lord Nelson, de que o espírito continuava existindo muito tempo depois de ter se livrado de sua carcaça. O eminente médico de Filadélfia Silas Weir Mitchell2 cunhou a expressão ”membro fantasma” depois da Guerra Civil. Naquela época, anterior aos ant bióticos, a gangrena era um resultado comum de ferimentos e os cirurgiõiserravam membros infectados de milhares de soldados feridos. Estes voltavam para casa com fantasmas, provocando muitas especulações sobre o que poderia causá-los. O próprio Weir Mitchell ficou tão surpreso com o fenômeno que, usando um pseudônimo, publicou o primeiro artigo sobre o assunto numa revista popular chamada Lipptncotts Journal, para não se arriscar a ser ridiu larizado pelos colegas se o divulgasse numa publicação médica profissional. Pensando bem, fantasmas são um fenômeno mal-assombrado. Desde o tempo de Weir Mitchell tem havido todo tipo de especulações sobre fantasmas, que vão do extraordinário ao ridículo. Recentemente, há anos, um trabalho publicado no Canadian Journal ofPsychiatry declarou q membros fantasmas são meramente o resultado da racionalização do dese Os autores argumentavam que o paciente quer desesperadamente seu braço de volta e portanto sente um fantasma — da mesma forma que uma pessoa pensa ter sonhos recorrentes ou até ver ”espíritos” de um pai falecido recentemente Este argumento, como veremos, é um completo absurdo. Uma segunda e mais popular explicação para os fantasmas é que as extremidades esgarçadas e enroscadas dos nervos no coto (neuromas) que originalmente alimentavam a mão tendem a ficar inflamadas e irritadas, induzindo assim os centros superiores do cérebro a pensar que o membro perdido ai1 50 / FANTASMAS NO CÉREBRO está ali. Embora haja muitíssimos problemas com esta teoria da irritação dos nervos, é uma explicação simples e conveniente e por essa razão a maioria dos médicos ainda se apega a ela. Existem literalmente centenas de fascinantes estudos de caso, que aparecem em publicações médicas mais antigas. Alguns dos fenômenos descritos têm sido confirmados repetidamente e ainda exigem explicação, ao passo que outros parecem produtos forçados da imaginação do redator. Um dos meus favoritos é o de um paciente que começou a sentir nitidamente um braço fantasma após a amputação — nada incomum até agora — mas, depois de algumas semanas, desenvolveu uma sensação peculiar de que algo estava corroendo seu fantasma. Naturalmente, ficou intrigadíssimo com o súbito aparecimento destas novas sensações, mas, quando perguntou a seu médico por que isso estava acontecendo, este não soube responder nem pôde ajudar. Finalmente, por curiosidade, ele perguntou: ”O que aconteceu com meu braço depois que o senhor o retirou?” ”Boa pergunta”, respondeu o médico, ”você deve fazê-la ao cirurgião.” Ele se dirigiu ao cirurgião, que disse: ”Geralmente, enviamos os membros para o necrotério.” Então, o homem ligou para o necrotério e perguntou: ”O que é que vocês fazem com braços amputados?” Responderam: ”Mandamos para o incinerador ou para a patologia. Geralmente os incineramos.” ”Está bem, que fizeram vocês com este braço em particular? Com o meu braço?” Eles consultaram os registros & informaram: ”Sabe, é engraçado. Não o incineramos. Enviamos à patologia.” O homem dirigiu-se ao laboratório de patologia. ”Onde está meu braço?”, perguntou novamente. Resposta: ”Bem, tínhamos braços demais, de forma que o enterramos no jardim, atrás do hospital.” Levaram-no ao jardim e lhe mostraram onde o braço estava enterrado. Quando o exumou, viu que estava fervilhando de vermes e exclamou: ”É, talvez seja por isso que estou com estas estranhas sensações em meu braço.” Assim, pegou o membro e o incinerou. Daquele dia em diante, a dor fantasma desapareceu. É divertido contar essas histórias, especialmente à noite num acampamento, mas elas contribuem muito pouco para dissipar o verdadeiro mistério dos membros fantasmas. Embora pacientes com esta síndrome tenham sido estudados exaustivamente desde a virada do século, tem havido entre os médicos uma tendência a considerá-los enigmáticos, curiosidades clínicas, e quase não ”SEI ONDE COÇAR” / 51 se realizou nenhum trabalho experimental sobre o assunto. Um dos motivos disso é que, historicamente, a neurologia clínica tem sido uma ciência mai descritiva do que experimental. Os neurologistas do século XIX e início de XX eram astutos observadores clínicos, e pode-se aprender muitas lições valiosas com a leitura desses relatos. Estranhamente, porém, eles não deram o ób vio passo seguinte de fazer experiências para descobrir o que poderia estar acontecendo nos cérebros desses pacientes; sua ciência era mais aristotélica do que galileana.3 Dado o imenso sucesso que se tem obtido com o método experimental em quase todas as outras ciências, não está na hora de o importarmos para a neurologia? Como a maioria dos médicos, fiquei intrigado com os fantasmas desde primeira vez que os encontrei e assim continuo desde então. Além de braços pernas fantasmas — que são comuns entre amputados — também tenho en contrado mulheres com seios fantasmas após mastectomia radical e até un paciente com um apêndice fantasma: a característica dor espasmódica da apen dicite não diminuiu depois da remoção cirúrgica, de tal modo que o pacient se recusava a acreditar que o cirurgião o tinha retirado! Quando estudante d medicina, eu ficava tão frustrado quanto os próprios pacientes, e os livros que consultava apenas aprofundavam o mistério. Li sobre um paciente que sentia ereções fantasmas depois de seu pênis ter sido amputado, uma mulher com cãibras menstruais após uma histerectomia e um senhor que tinha nariz e rosto fantasmas depois que o nervo trigêmeo que enerva sua face fora avariado num acidente. Todas estas experiências clínicas permaneceram guardadas no meu cérebro, adormecidas, até cerca de seis anos atrás, quando meu interesse foi reaceso por um trabalho científico publicado em 1991 pelo Dr. Tim Pons, dos Inst tutos Nacionais de Saúde, trabalho que me impeliu a um rumo inteiramemte novo de pesquisa e que posteriormente trouxe Tom a meu laboratório. Mas antes de continuar com esta parte da história, precisamos examinar atentamente a anatomia do cérebro — particularmente como várias partes do corpo, com os membros, estão mapeadas no córtex cerebral, o grande revestimento convoluto da superfície externa do cérebro. Isto nos ajudará a compreender que Pons descobriu e, por sua vez, como os membros fantasmas aparecem. Das muitas imagens que ficaram comigo desde meus dias de estudante de medicina, talvez nenhuma seja mais nítida do que a do homenzinho deforma 52 / FANTASMAS NO CÉREBRO do que se pode ver na Figura 2. 1, dependurado através da superfície do córtex cerebral — o chamado homúnculo de Penfield. O homúnculo é uma estranha representação artística da maneira como diferentes pontos da superfície do corpo estão mapeados na superfície do cérebro — os traços grotescamente deformados são uma tentativa de indicar que certas partes do corpo, como os lábios e a língua, são grosseira e exageradamente representados. O mapa foi desenhado a partir de informações compiladas de cérebros humanos reais. Durante as décadas de 1940 e 1950, o brilhante neurocirurgião canadense Wilder Penfield realizou amplas cirurgias de cérebro em pacientes sob anestesia local (não há receptores de dor no cérebro, embora este seja uma massa de tecido nervoso). Muitas vezes, grande parte do cérebro ficava exposta durante a operação e Penfield aproveitava esta oportunidade para fazer experiências que nunca tinham sido tentadas antes. Estimulava regiões específicas dos cérebros de pacientes com um eletrodo e simplesmente lhes perguntava o que sentiam. Todos os tipos de sensações, imagens e até lembranças, eram trazidos à tona pelo eletrodo, e as áreas do cérebro que eram responsáveis puderam ser mapeadas. Entre outras coisas, Penfield descobriu uma estreita faixa que vai de alto a baixo em ambos os lados do cérebro onde seu eletrodo produzia sensações localizadas em várias partes do corpo. Na parte de cima do cérebro, na fenda que separa os dois hemisférios, a estimulação elétrica provocava sensações nos órgãos genitais. Estímulos ali perto despertavam sensações nos pés. Seguindo esta faixa do cérebro de cima para baixo, Penfield descobriu áreas que recebem sensações das pernas e do tronco, da mão (uma grande região com uma representação bem destacada do polegar), da face, dos lábios e finalmente do tórax e da laringe. Este ”homúnculo sensorial”, como agora é chamado, forma uma representação exageradamente distorcida do corpo na superfície do cérebro, com as partes que são especialmente importantes ocupando áreas desproporcionalmente grandes. Por exemplo, a área envolvida com os lábios ou com os dedos ocupa tanto espaço quanto a área envolvida com todo o tronco do corpo. Presumivelmente é assim porque os lábios e dedos são altamente sensíveis ao toque e capazes de discriminação muito apurada, enquanto o tronco é consideravelmente menos sensível, exigindo menos espaço cortical. Na maior parte, o mapa é bem ordenado, embora esteja de cabeça para baixo: o pé é representado no alto e os braços estendi”SEI ONDE COÇAR” / 5 dos estão na base. Contudo, depois de um cuidadoso exame, você verá que o mapa não é inteiramente contínuo. O rosto não está perto do pescoço onde deveria, mas abaixo da mão. Os órgãos genitais, em vez de estar entre as coxas, se localizam abaixo do pé.4 (b) Figura 2.1 (a) A representação da superfície do corpo na superfície do cérebro humano (conforme descoberta de Wilder Penfield) atrás do sulco central. Existem muitos desses mapas, ma para maior clareza, apenas um é mostrado aqui. O homúnculo (”homenzinho ”) está de cab, capara baixo na maior parte, e seus pés estão enfiados na superfície mediai (superfície inte na) do lobo parietal bem perto do topo, ao passo que a face está embaixo, perto da base a superfície externa. A face e a mão ocupam uma parte desproporcionalmente grande do map> Observem também que a área da face está abaixo da área da mão, em vez de ficar onde devi ria —perto do pescoço — e que os órgãos genitais estão representados abaixo do pé. Será qi isso poderia fornecer uma explicação para os fetiches do pé? (b) Um excêntrico mode, tridimensional do homúnculo de Penfield— o homenzinho no cérebro — retratando a repn sentação das partes do corpo. Observem a grosseira representação exagerada da boca e das mão Reproduzido com permissão do British Museum, Londres. Estas áreas podem ser mapeadas ainda com maior precisão em outros ani mais, particularmente macacos. O pesquisador introduz uma comprida e fina agulha de aço ou tungstênio no córtex somatossensório do macaco — a faixa de tecido cerebral descrita antes. Se a ponta da agulha chega a ficar bem proxima do corpo celular de um neurônio e se esse neurônio está ativo, gera minúsculas correntes elétricas, que são captadas pelo eletrodo da agulha 54 / FANTASMAS NO CÉREBRO amplificadas. O sinal pode ser exibido num osciloscópio, possibilitando monitorar a atividade desse neurônio. Por exemplo, se você introduzir um eletrodo no córtex somatossensório do macaco e tocar numa parte específica do seu corpo, a célula se excitará. Cada célula tem seu território na superfície do corpo — sua pequena nesga de pele, por assim dizer — à qual ela responde. Chamamos isso de campo receptivo da célula. Existe no cérebro um mapa do corpo inteiro, com cada metade do corpo mapeada no lado oposto do cérebro. Embora sejam pacientes experimentais lógicos para se examinar a estrutura e a função detalhadas das regiões sensoriais do cérebro, os animais têm um problema óbvio: macacos não sabem falar. Portanto, não podem dizer ao experimentador, como faziam os pacientes de Penfield, o que estão sentindo. Assim, perde-se uma importante dimensão quando se usam animais nessas experiências. Mas, apesar dessas óbvias limitações, pode-se aprender muito, fazendo o tipo certo de experimento. Por exemplo, como já observamos, uma importante pergunta se refere ao problema natureza versus criação: será que estes mapas do corpo na superfície do cérebro são fixos, ou podem mudar com a experiência à medida que evoluímos de recém-nascidos para a infância, para a adolescência e para a idade adulta? E mesmo que os mapas já estejam lá ao nascermos, até que ponto podem ser modificados no adulto?5 Foram estas questões que levaram Tim Pons e seus colegas a embarcar na pesquisa. Sua estratégia foi registrar sinais dos cérebros de macacos que tinham sido submetidos a uma rizotomia dorsal — um procedimento em que todas as fibras nervosas que transportam informações sensoriais de um braço para a medula espinhal são completamente cortadas.6 Onze anos depois da cirurgia, eles anestesiaram os animais, abriram seus crânios e fizeram registros a partir do mapa somatossensório. Como o braço paralisado do macaco não estava enviando mensagens ao cérebro, não se esperava registrar quaisquer sinais quando você tocasse na mão inútil do macaco e registrasse a partir da ”área da mão” no cérebro. Deveria haver uma grande nesga de córtex silenciosa correspondente à área afetada. De fato, quando os pesquisadores bateram na mão inútil, não houve nenhuma atividade nesta região. Mas, para sua surpresa, eles descobriram que, quando tocavam no rosto do macaco, as células cerebrais correspondentes à mão ”morta” começaram a se excitar vigorosamente. (O mesmo aconteceu com I ”SEI ONDE COÇAR”” / f as células correspondentes à face, mas isso já era esperado.) Aparentemente, informação sensorial da face do macaco não somente ia para a área da face r córtex, como aconteceria num animal normal, mas também tinha invadido território da mão paralisada! As implicações dessas descobertas são espantosas: significam que você pode mudar o mapa; que você pode alterar o conjunto de circuitos cerebrais de u animal adulto, e que as conexões podem ser modificadas em distâncias qi abrangem um centímetro ou mais. Depois de ler o trabalho de Pons, pensei: ”Meu Deus! Será que esta pode ser uma explicação para os membros fantasmas?” O que o macaco ”sentia realmente quando sua face estava sendo tocada? Já que o córtex de sua ”mão também estava sendo excitado, será que percebia sensações originando-se da mão inútil como também da face? Ou usaria centros superiores do cérebro parareinterpretar as sensações corretamente como procedentes apenas do rosto? claro que o macaco manteve silêncio sobre o assunto. São necessários anos para treinar um macaco para executar até tarefas muito simples, quanto mais sinalizar que parte do seu corpo estava sendo tocada. Então me ocorreu a idéia de que você não tem de usar um macaco. Por que não résponder à mesma pergunta tocando o rosto de um paciente humano que perdeu um braço? Telefonei aos meus colegas Dr. Mark Johnson e Dra. Ri Finkelstein, da área de cirurgia ortopédica, e perguntei: ”Vocês têm por aí a gum paciente que tenha perdido um braço recentemente?” Foi assim que cheguei a conhecer Tom. Visitei-o imediatamente e perguntei se gostaria de participar de um estudo. Embora inicialmente tímido e reticente, como é do seu estilo, Tom logo se mostrou ansioso em participar da nossa experiência. Tive o cuidado de não lhe dizer o que esperávamos descobrir, para não interferir em suas respostas. Embora extenuado pelas ”comichões e sensações dolorosas em seus dedos fantasmas, estava alegre, aparentemente satisfeito por ter sobrevivido ao acidente. Com Tom sentado confortavelmente em meu laboratório no subsolo, coloquei uma venda sobre seus olhos, porque não queria que visse onde eu estava tocando. Em seguida peguei um cotonete comum e comecei a tocar de leve várias partes da superfície do seu corpo, pedindo-lhe que me dissesse onde experimentava as sensações. (Meu aluno formado, que observava tudo, pensou que eu estava louco.) 56 / FANTASMAS NO CÉREBRO Esfreguei seu queixo. — O que está sentindo? — Você está tocando meu queixo. — Outra coisa mais? — Hei, é engraçado — disse Tom. — Você está tocando meu polegar desaparecido, meu polegar fantasma. Movimentei o cotonete para seu lábio superior. — Que tal aqui? — Está tocando meu dedo indicador. E meu lábio superior. — É mesmo? Tem certeza? — Sim. Estou sentindo nos dois lugares. — E aqui? — Passei o cotonete em seu maxilar inferior. — E meu dedo mínimo desaparecido. Logo descobri um mapa completo da máo de Tom — em seu rosto! Compreendi que o que eu estava vendo era talvez um correlato perceptivo direto do remapeamento que Tim Pons tinha visto em seus macacos. Pois não há outra maneira de explicar por que o toque numa área tão distante do tronco — isto é, o rosto — gerasse sensações na mão fantasma; o segredo está no mapeamento peculiar das partes do corpo no cérebro, com o rosto se localizando logo abaixo da mão.7 Continuei este procedimento até ter explorado toda a superfície do corpo de Tom. Quando tocava seu tórax, o ombro direito, a perna direita ou a parte inferior das costas, ele tinha sensações apenas nesses lugares e não no fantasma. Mas também descobri um segundo e bem traçado ”mapa” de sua mão desaparecida — guardado na parte superior do braço esquerdo, poucos centímetros acima da linha da amputação (Figura 2.2). O toque na superfície da pele deste segundo mapa também provocava sensações localizadas precisamente em cada dedo: um toque aqui e ele diz: ”Oh, esse é o meu polegar”, e assim por diante. Por que havia dois mapas em vez de apenas um? Se você olhar novamente o mapa de Penfield, verá que a área da mão no cérebro é flanqueada embaixo pela área do rosto e acima pela área da parte superior do braço e do ombro. A informação procedente da área da mão de Tom foi perdida depois da amputação, e, conseqüentemente, as fibras sensoriais que se originavam na face de Tom — que normalmente ativam apenas a área da face em seu córtex — agora invadiam o ’SEI ONDE COÇAR” / 5 Figura 2.2 Pontos da superfície do corpo que produziam sensações relatadas na mão fantasma (o braço esquerdo deste paciente tinha sido amputado dez anos antes do nosso teste). Observem que bd um mapa completo de todos os dedos (etiquetados de l a 5) na face e um segundo mapa na parte superior do braço. A informação sensorial destas duas nesgas de pele agora está aparentemente ativando o território da mão no cérebro (ou no tálamo ou no córtex). Assim, quando estes dois pontos são tocados, as sensações são experimentadas como originárias também da mão perdida. território desocupado da mão e começavam a movimentar as células ali. Assim, quando eu tocava o rosto de Tom, ele também experimentava sensações na mão fantasma. Mas, se a invasão do córtex da mão também resulta em fibras sensoriais que normalmente inervam a região cerebral acima do córtex da mão (isto é, fibras que se originam na parte superior do braço e no ombro), então o toque em pontos na parte superior do braço devia também provocar sensações na mão fantasma. E de fato consegui mapear estes pontos no braço acima do coto de Tom. Assim, este tipo de arranjo é precisamente o que se esperaria: um feixe de pontos na face que despertam sensações no fantasma e um segundo feixe na parte superior do braço, correspondendo às duas partes 58 / FANTASMAS NO CÉREBRO do corpo que são representadas em cada lado (acima e abaixo) da representação da mão no cérebro.8 Não é freqüente no campo da ciência (especialmente na neurologia) que se possa fazer uma previsão simples como esta e confirmá-la em alguns minutos de exploração, usando um cotonete. A existência de dois feixes de pontos sugere firmemente que o remapeamento do tipo visto nos macacos de Pons também ocorre no cérebro humano. Mas ainda havia uma dúvida incômoda: como podemos ter certeza de que essas mudanças estão realmente se realizando — de que o mapa está realmente mudando em pessoas como Tom? Para obter uma prova mais direta, tiramos vantagem de uma moderna técnica de neuroimageamento chamada magnetoencefalografia (MEG), que se baseia no princípio de que, se você tocar diferentes partes do corpo, a atividade elétrica localizada despertada no mapa de Penfield pode ser medida como mudanças em campos magnéticos do couro cabeludo. A grande vantagem da técnica é que não é invasiva; não é preciso abrir o couro cabeludo do paciente para olhar o cérebro. Usando a MEG, é relativamente fácil numa sessão de apenas duas horas mapear a superfície de todo o corpo na superfície do cérebro de qualquer pessoa disposta a ficar sentada ali durante esse tempo. Sem causar surpresa, o mapa resultante é bem semelhante ao mapa original do homúnculo de Penfield, e há pouca variação de pessoa a pessoa na disposição geral do mapa. Quando aplicamos MEGs em quatro pessoas de braço amputado, porém, descobrimos que os mapas tinham mudado em grandes distâncias, exatamente como tínhamos previsto. Por exemplo, uma olhada na Figura 2.3 revela que a área da mão (sombreada) está desaparecida no hemisfério direito e foi invadida pela carga sensorial procedente da face (em branco) e parte superior do braço (em cinza). Estas observações, que fiz em colaboração com um estudante de medicina, Tony Yang, e os neurologistas Chris Gallen e Floyd Bloom, foram na verdade a primeira demonstração direta de que essas mudanças em larga escala na organização do cérebro podem ocorrer em seres humanos adultos. As implicações são impressionantes. Antes de tudo, sugerem que mapas do cérebro podem mudar, às vezes com espantosa rapidez. Esta descoberta contradiz flagrantemente um dos dogmas mais generalizadamente aceitos em neurologia — a natureza estável das conexões no cérebro humano adulto. Sempre se supôs que, uma vez que este sistema de circuitos, inclusive o mapa de ”SEI ONDE COÇAR” / Figura 2.3 Imagem magnetoencefalográfica (MEG,) sobreposta a itma imagem de ressonância magnética (MR) do cérebro de um paciente cujo braço direito foi amputado abaixo do cotovelo. O cérebro é visto de cima. O hemisfério direito mostra ativação normal nas áreas da mão (sombreada), face (preta) e parte superior do braço (branca) do córtex correspondentes ao mapa de Penfield. No hemisfério esquerdo, não há nenhuma ativação correspondente à mão direita perdida, mas a atividade proveniente da face e da parte superior do braço agora ”se espalhou”para esta área. Penfield, tenha sido montado na vida fetal ou na mais tenra infância, muito pouco se pode fazer para modificá-lo na idade adulta. Realmente, esta suposta ausência de plasticidade no cérebro adulto é freqüentemente invocada para explicar por que há tão pouca recuperação de funções após uma lesão cerebral e por que doenças neurológicas são tão difíceis de tratar. Mas a prova de Tom mostra — ao contrário do que é ensinado nos livros — que novos caminhos, altamente precisos e funcionalmente eficientes, podem aparecer no cérebro adulto quatro semanas depois de uma lesão. Não se conclui necessariamente que desta descoberta surgirão imediatamente novos tratamentos revolucionários para as síndromes neurológicas, mas ela proporciona realmente alguns motivos para otimismo. 60 / FANTASMAS NO CÉREBRO Em segundo lugar, as descobertas podem ajudar a explicar a própria existência de membros fantasmas. A explicação médica mais popular, mencionada antes, é que nervos que anteriormente alimentavam a mão começam a enervar o coto. Além disso, estas extremidades nervosas esgarçadas formam pequenos blocos de tecido cicatrizado chamados neuromas, que podem ser muito dolorosos. Quando os neuromas são irritados, diz a teoria, enviam impulsos de volta à área original da mão no cérebro, de forma que o cérebro é ”induzido” a pensar que a mão ainda existe: daí o membro fantasma e a idéia de que a dor associada surge porque os neuromas estão doloridos. Com base neste frágil raciocínio, os cirurgiões têm idealizado vários tratamentos para dor em membro fantasma, em que cortam e removem neuromas. Alguns pacientes experimentam um alívio temporário, mas, surpreendentemente, tanto o fantasma quanto a dor associada geralmente voltam violentamente. Para aliviar este problema, às vezes os cirurgiões realizam uma segunda ou mesmo uma terceira amputação (tornando o coto cada vez mais curto), mas, quando se pensa sobre isto, vêse que é logicamente absurdo. Por que uma segunda amputação iria ajudar? Seria de esperar um segundo fantasma, e de fato é o que geralmente acontece; é um problema de regressão interminável. Alguns cirurgiões chegam a fazer rizotomias dorsais para tratar de dor em membro fantasma, cortando os nervos sensoriais que vão para a medula espinhal. Às vezes, funciona; às vezes, não. Outros tentam até o procedimento mais drástico de cortar a parte traseira da própria medula espinhal — uma cordotomia —, para impedir que os impulsos atinjam o cérebro, mas isso, também, é muitas vezes ineficaz. Ou vão até o tálamo, uma estação de retransmissão do cérebro que processa os sinais antes que sejam enviados ao córtex, e novamente verificam que não ajudaram o paciente. Podem caçar o fantasma cada vez mais profundamente no cérebro, mas realmente nunca vão encontrá-lo. Por quê? Um dos motivos, seguramente, é que o fantasma não existe em nenhuma destas áreas; existe em partes mais centrais do cérebro, onde tem ocorrido remapeamento. Para falar francamente, o fantasma surge não do coto mas do rosto e da maxila, porque toda vez que Tom sorri ou movimenta o rosto e os lábios, o impulso ativa a área da ”mão” em seu córtex, criando a ilusão de que sua mão ainda está ali. Estimulado por todos estes sinais falsos, ”SEI ONDE COÇAR” / 61 o cérebro de Tom literalmente tem a alucinação de seu braço e talvez esta seja a essência de um membro fantasma. Se for este o caso, a única forma de se livrar de um fantasma seria remover sua maxila. (E, pensando bem, isso também não ajudaria. Ele provavelmente terminaria com uma maxila fantasma. É novamente aquele problema de regressão interminável.) Mas o remapeamento não pode ser toda a história. Primeiro, não explica por que Tom ou outros pacientes experimentam a sensação de serem capazes de movimentar seus fantasmas voluntariamente ou por que o fantasma pode mudar sua postura. Onde se originam estas sensações de movimento? Segundo, o remapeamento não é responsável pelo que mais seriamente preocupa médico e paciente — a gênese da dor fantasma. Vamos explorar estes dois assuntos no próximo capítulo. Quando pensamos em sensações originárias da pele, geralmente pensamos apenas em toque, tato. Mas, na verdade, vias neurais que medeiam sensações de calor, frio e dor também se originam na superfície da pele. Estas sensações têm suas próprias áreas-alvo ou mapas no cérebro, mas os caminhos usados por elas podem estar entrelaçados uns com os outros em formas complicadas. Se é este o caso, será que tal remapeamento também poderia ocorrer nestas vias evolutivamente mais velhas, independentemente do remapeamento que ocorre para o toque? Em outras palavras, o remapeamento visto em Tom e nos macacos de Pons é peculiar ao toque, ou aponta para um princípio bem geral — ocorreria para sensações como calor, frio, dor ou vibração? E se esse remapeamento ocorresse, haveria casos de ”cruzamento de linhas” acidental, de forma que uma sensação de toque evocasse calor ou dor? Ou elas permaneceriam separadas? A questão de como milhões de ligações neurais no cérebro são conectadas tão precisamente durante o desenvolvimento — e até que ponto esta precisão é preservada quando elas são reconhecidas após uma lesão — é de grande interesse para os cientistas que estão tentando compreender o desenvolvimento das vias cerebrais. Para investigar isto, coloquei uma gota de água morna no rosto de Tom. Ele a sentiu ali imediatamente, mas também disse que sua mão fantasma sentia o calor de outra forma. Certa vez, quando a água acidentalmente escorreu pelo rosto, ele exclamou com visível surpresa que podia realmente sentir a água quente escorrendo pelo braço fantasma. Demonstrou isto usando sua mão normal para traçar o caminho da água descendo pelo braço. Em todos os meus 62 / FANTASMAS NO CÉREBRO anos de clínica neurológica, nunca tinha visto algo tão impressionante — um paciente sistematicamente localizando mal uma sensação complexa como uma ”gota d’água” escorrendo do rosto para sua mão fantasma. Estas experiências sugerem que novas conexões altamente precisas e organizadas podem ser formadas no cérebro adulto em poucos dias. Mas não nos dizem como estes novos caminhos surgem realmente, que mecanismos subjacentes se encontram no nível celular. Vejo duas possibilidades. Primeiro, a reorganização pode envolver o brotamento — o crescimento real de novas ramificações a partir das fibras nervosas que normalmente inervam a área da face em direção às células da área da mão no córtex. Se esta hipótese fosse verdadeira, seria realmente impressionante, já que é difícil ver como brotamentos altamente organizados poderiam se efetuar em distâncias relativamente longas (no cérebro, alguns milímetros podem muito bem eqüivaler a mais de um quilômetro) e num período tão curto. Além disso, mesmo que ocorra o brotamento, como as novas fibras ”saberiam” para onde se dirigir? Pode-se imaginar uma mistura altamente amontoada de conexões, mas não vias organizadas com precisão. A segunda possibilidade é que há de fato uma tremenda redundância de conexões no cérebro adulto normal, mas que a maioria delas são não-funcionais ou não têm uma função óbvia. Como tropas da reserva, podem ser convocadas para entrar em ação apenas quando necessário. Assim, mesmo em cérebros adultos normais saudáveis poderia haver informações sensoriais da face para o mapa da face no cérebro e também para a área do mapa correspondente à mão. Se for assim, devemos supor que esta energia oculta ou escondida é ordinariamente inibida pelas fibras sensoriais procedentes da mão real. Mas, quando a mão é extirpada, esta informação silenciosa procedente da pele do rosto é desmascarada e autorizada a se expressar, de forma que um toque na face agora ativa a área da mão e leva a sensações na mão fantasma. Assim, a cada vez que assobia, Tom pode sentir um formigamento na mão fantasma. Não temos no presente nenhuma forma de fazer facilmente uma distinção entre estas duas teorias, embora meu palpite seja que ambos os mecanismos estão em atividade. Afinal de contas, tínhamos visto o efeito em Tom em menos de quatro semanas e este parece um tempo curto demais para o brotamento se efetuar. Meu colega do Hospital Geral de Massachusetts, Dr. David Borsook,9 viu efeitos semelhantes num paciente, apenas 24 horas depois da amputação, ”SEI ONDE COÇAR”” / 6; e não há possibilidade de ocorrência de brotamento num período tão curto. / resposta final virá do rastreamento simultâneo de mudanças perceptivas < mudanças cerebrais (usando a técnica de imageamento) num paciente, duran te um período de vários dias. Se Borsook e eu estivermos certos, a imagen completamente estática que se obtém olhando os diagramas de livros é alta mente enganadora e precisamos repensar inteiramente o significado dos ma pás do cérebro. Longe de indicar uma localização específica na pele, cad, neurônio no mapa se encontra num estado de equilíbrio dinâmico com outro neurônios adjacentes; sua significação depende acentuadamente do que ou tros neurônios da vizinhança estão (ou não) fazendo. Estas descobertas levantam uma pergunta óbvia: E se for perdida algum parte do corpo que não a mão? Ocorrerá o mesmo tipo de remapeamento Quando meus estudos sobre Tom foram publicados, recebi muitas cartas telefonemas de amputados querendo saber mais. Alguns tinham sido infor mados de que sensações fantasmas são imaginárias e ficaram aliviados ao saber que isso não é verdade. (Os pacientes sempre acham reconfortante saber que há uma explicação lógica para seus sintomas aparentemente inexplicáveis; nada é mais insultuoso para um paciente do que ser informado de que sua dor está ”toda na mente”.) Um dia me telefonou uma mulher jovem de Boston. — Dr. Ramachandran — disse ela —, sou universitária formada no Hospital Beth Israel e durante vários anos estudei a doença de Parkinson. Mas recentemente, resolvi mudar para o estudo de membros fantasmas. — Maravilhoso — disse eu. — O assunto foi ignorado por tempo de mais. Diga-me o que está estudando. — No ano passado, tive um acidente terrível na fazenda do meu tio. Perdi a perna esquerda abaixo do joelho e, desde então, tenho um membro fantasma. Mas estou lhe telefonando porque seu artigo me fez compreender o que vem acontecendo. —- Limpou a garganta. — Depois da amputação, acontecéu comigo algo realmente estranho, que não fazia sentido. Toda vez que faço sexo, experimento estas estranhas sensações no meu pé fantasma. Não ousav adizer a ninguém porque é muito esquisito. Mas quando vi nos seus gráficos que, no cérebro, o pé está perto dos órgãos genitais, tudo ficou instantanea mente claro para mim. Ela sentira e compreendera, como poucos de nós jamais faremos, o fenc 64 / FANTASMAS NO CÉREBRO meno do remapeamento. Lembrem-se de que, no mapa de Penfield, o pé está ao lado dos órgãos genitais. Portanto, se uma pessoa perde uma perna e depois é estimulada nos órgãos genitais, experimentará sensações na perna fantasma. É isto que se esperaria se a informação procedente da genitália invadisse o território desocupado pelo pé. No dia seguinte, o telefone tocou novamente. Desta vez, era um engenheiro de Arkansas. — É o Dr. Ramachandran? — Sim. — Sabe, doutor, li algo sobre seu trabalho no jornal, e é realmente empolgante. Perdi minha perna abaixo do joelho há dois meses, mas ainda há alguma coisa que não entendo. Gostaria da sua opinião. — De que se trata? — Bem, sinto-me um pouco embaraçado em contar isso. Eu sabia o que ele ia dizer, mas, ao contrário da universitária, ele não conhecia o mapa de Penfield. — Doutor, toda vez que tenho relações sexuais, tenho sensações em meu pé fantasma. Como o senhor explica isso? Meu médico diz que não faz sentido. — Veja -— disse eu. — Uma das possibilidades é que os órgãos genitais estão bem perto do pé nos mapas do cérebro. Não se preocupe. Ele riu nervosamente. — Tudo isso é perfeito, doutor. Mas o senhor ainda não está entendendo. Veja, sinto realmente o orgasmo no meu pé. E portanto é muito mais intenso e maior do que costumava ser, porque não está mais confinado aos meus órgãos genitais. Os pacientes não inventam essas histórias. Em 99% dos casos, estão dizendo a verdade, e se a coisa parece incompreensível, é geralmente porque não somos suficientemente inteligentes para imaginar o que está acontecendo nos cérebros deles. Este senhor estava me contando que às vezes tinha mais prazer sexual depois da amputação. A estranha implicação é que não é apenas a sensação táctil que se transferia para seu fantasma, mas também as sensações eróticas do prazer sexual. (Um colega sugeriu que eu desse a este livro o título: ”O homem que confundiu seu pé com um pênis.”) Isto me faz pensar na base dos fetiches de pé em pessoas normais, assunto que — embora não exatamente fundamental para nossa vida intelectual — des”SEI ONDE COÇAR”” / 6 perta a curiosidade de todo mundo. (O livro de Madonna, Sex, tem um capítul inteiro dedicado ao pé.) A explicação tradicional para fetiches de pé vem, e na é surpresa, de Freud. O pênis se assemelha ao pé, argumenta ele, daí o fetichi Mas, se é esse o caso, por que não alguma outra parte alongada do corpo? Por que não um fetiche de mão, um fetiche de nariz? Acho que a explicação é muit simples: no cérebro, o pé fica bem perto dos órgãos genitais. Talvez até muit; das chamadas pessoas normais, como nós, tenham um pouco de linhas cruzadas, o que explicaria por que gostamos quando nos chupam os dedos dos pés. Os trajetos percorridos pela ciência freqüentemente são tortuosos, com muitas curvas e desvios, mas nunca suspeitei que começaria buscando uma explicação para membros fantasmas e terminasse explicando também fetiches de pé. Dadas estas hipóteses, deduzem-se outras previsões.10 Que acontece quan do o pênis é amputado? O carcinoma do pênis às vezes é tratado com amputação, e muitos desses pacientes sentem um pênis fantasma— às vezes, até ereções fantasmas! Nesses casos, seria de esperar que uma estimulação dos pés fossentida no pênis fantasma. Um paciente assim acharia especialmente delicioso dançar sapateado? E o caso da mastectomia? Um neurologista italiano, Dr. Salvatore Aglio descobriu recentemente que certa proporção de mulheres submetidas ’a mastectomia radical sentem nítidos seios fantasmas. Assim, perguntou a mesmo que partes do corpo estão mapeadas perto do seio? Estimulando regiões adjacentes no tórax, verificou que partes do esterno e da clavícula, quando tocadas, produzem sensações no mamilo do seio fantasma. Além disso, esse remapeamento ocorreu apenas dois dias depois da cirurgia. Para surpresa sua, Aglioti também descobriu que um terço das mulheres com mastectomia radical testadas relatava formigamentos, sensações eróticas em seus mamilos fantasmas, quando os lóbulos das orelhas eram estimulados, Mas isto só acontecia no seio fantasma, não no real, do outro lado. Ele especulou que, em um dos mapas do corpo (existem outros, além do de Penfield) mamilo e a orelha estão próximos um do outro. Isto nos leva a imaginar porque muitas mulheres relatam sensações eróticas quando suas orelhas são mordiscadas durante as preliminares do ato sexual. Trata-se de uma coincidência ou isso tem realmente alguma coisa a ver com a anatomia do cérebro? (Mesmo no mapa original de Penfield, a área genital das mulheres está colocada bem perto dos mamilos.) 66 / FANTASMAS NO CÉREBRO Um exemplo menos excitante de remapeamento que também envolve o ouvido veio do Dr. A. T. Caccace, neurologista que me falou de um fenômeno extraordinário chamado zumbido associado ao olhar. As pessoas com esta anomalia têm um problema esquisito. Quando olham para a esquerda (ou para a direita), ouvem um som. Quando olham direto para a frente, nada acontece. Os médicos conheciam esta síndrome há muito tempo, mas não sabiam explicá-la. Que acontece quando os olhos se desviam? O que acontece mesmo? Depois de ler a respeito de Tom, Caccace ficou impressionado com a semelhança entre membros fantasmas e zumbido associado ao olhar, pois sabia que seus pacientes tinham sofrido lesão no nervo auditivo — o grande conduto que liga o ouvido interno ao tronco cerebral. Uma vez no tronco cerebral, o nervo auditivo conecta-se com o núcleo auditivo, que fica bem perto de outra estrutura chamada núcleo neural oculomotor. Esta segunda estrutura adjacente envia comandos aos olhos, instruindo-os a se movimentar. Eureka! O mistério está resolvido.” Devido à lesão do paciente, o núcleo auditivo não recebe mais informação de um ouvido. Axônios do centro de movimentação do olho no córtex invadem o núcleo auditivo de forma que, toda vez que o cérebro da pessoa envia um comando para mover os olhos, esta ordem é enviada inadvertidamente ao núcleo neural auditivo e traduzida em som. O estudo de membros fantasmas oferece fascinantes vislumbres da arquitetura do cérebro, de sua espantosa capacidade de crescimento e renovação12 e pode até explicar por que tocar secretamente o pé de outra pessoa por baixo da mesa para mostrar que ela é sexualmente atraente — o roçar de pés — é tão delicioso. A dor real, como a dor de câncer, é bem difícil de tratar; imaginem o desafio de tratar a dor num membro que não existe! No momento, pode-se fazer muito pouco para aliviar tal dor, mas talvez o remapeamento que observamos em Tom possa ajudar a explicar por que acontece. Sabemos, por exemplo, que a dor fantasma intratável pode se desenvolver semanas ou meses depois que o membro é amputado. Talvez, enquanto o cérebro se adapta e as células lentamente fazem novas conexões, haja um leve erro no remapeamento, de forma que a informação sensorial vinda dos receptores de toque seja acidentalmente conectada às áreas de dor no cérebro. Se isso acontecesse, então a cada vez que o paciente sorrisse ou roçasse acidentalmente a bochecha, as sensações de toque seriam sentidas como dor torturante. Esta, quase certamente, não é ”SEI ONDE COÇAR”” / C toda a explicação para a dor fantasma (como veremos no próximo capitule mas é um bom começo. Um dia, quando Tom saía do meu consultório, não pude resistir a lhe fazer uma pergunta óbvia. Durante as últimas quatro semanas, tinha percebido alguma vez em sua mão fantasma alguma dessas peculiares sensações menci nadas, quando seu rosto era tocado — por exemplo, quando fazia a barba toda manhã? ”Não, não senti”, respondeu, ”mas como o senhor sabe, minha mão fantasma às vezes tem umas comichões malucas e nunca sabia o que fazer. Mas agora”, disse ele, batendo de leve na bochecha e piscando o olho para mim ”sei exatamente onde coçar!” CAPÍTULO 3 A caça ao fantasma Você nunca se identifica com a sombra projetada pelo seu corpo, ou com seu reflexo, ou com o corpo que você vê num sonho ou em sua imaginação. Portanto, você também não deve se identificar com este corpo vivo. — SHANKAM (788-820 A. D.), Viveka Chudamani (Escrituras védicas) Quando um repórter perguntou ao famoso biólogo J. B. S. Haldane o que seus estudos biológicos lhe tinham ensinado sobre Deus, Haldane respondeu ”O criador, se é que existe, deve ter uma predileção excessiva por besouros’ pois existem mais espécies de besouros do que de qualquer outro grupo de criaturas vivas. Pela mesma razão, um neurologista poderia concluir que Deus é um cartografo. Deve ter uma predileção exagerada por mapas, pois em toda parte do cérebro que você olhe, existem mapas em abundância. Por exemplo há mais de 30 mapas diferentes envolvidos só com a visão. Da mesma forma para sensações táteis ou somáticas —- percepção sensorial de toque, articulações e músculos — existem vários mapas, inclusive, como vimos no capítul anterior, o famoso homúnculo de Penfield, um mapa pendurado ao longo da faixa vertical do córtex nos lados do cérebro. Estes mapas são em grande parte estáveis durante a vida inteira, ajudando assim a assegurar que a percepção seja acurada e confiável. Mas, como vimos, também são constantemente atualizados 70 / FANTASMAS NO CÉREBRO e aprimorados em relação aos caprichos da informação sensorial. Lembrem-se de que, quando o braço de Tom foi amputado, a grande nesga de córtex correspondente a sua mão perdida foi ”assumida” pela informação sensorial procedente da face. Se eu toco no rosto de Tom, a mensagem sensorial agora vai para duas áreas — a área original da face (como devia) mas também a ”área original da mão”. Essas alterações do mapa do cérebro podem ajudar a explicar o surgimento do membro fantasma de Tom logo depois da amputação. Toda vez que ele sorri ou sente alguma atividade espontânea de nervos faciais, a atividade estimula a ”área da mão”, induzindo-o assim a pensar que sua mão ainda existe. Mas esta não pode ser toda a história. Primeiro, não explica por que tantas pessoas com fantasmas afirmam que podem mover voluntariamente seus membros ”imaginários”. Qual é a fonte desta ilusão de movimento? Segundo, não explica o fato de que estes pacientes às vezes sentem intenso sofrimento no membro desaparecido, fenômeno chamado de dor fantasma. Terceiro, que dizer de uma pessoa que nasceu sem um braço? Também ocorre remapeamento em seu cérebro, ou a área da mão no córtex simplesmente nunca se desenvolve, porque ela nunca teve um braço? Esta pessoa sentiria um fantasma? Alguém pode nascer com membros fantasmas? A idéia parece absurda, mas se há uma coisa que aprendi com o tempo é que a neurologia é cheia de surpresas. Poucos meses depois da publicação do meu primeiro relato sobre fantasmas, conheci Mirabelle Kumar, uma universitária indiana de 25 anos, encaminhada a mim pelo Dr. Sathyajit, que sabia de meu interesse por fantasmas. Mirabelle nasceu sem braços. Tinha apenas dois cotos pendentes dos ombros. As radiografias revelaram que esses dois cotos continham a cabeça do úmero ou osso da parte superior do braço, mas não havia sinais do osso rádio ou ulna. Até os minúsculos ossos das mãos estavam desaparecidos, embora ela tivesse na verdade um vago sinal de unhas rudimentares no coto. Mirabelle entrou em meu consultório num dia quente de verão, com o rosto avermelhado por ter subido três lances de escada. Atraente, alegre, ela também foi extremamente franca, com uma atitude de ”não tenha pena de mim” estampada no rosto. Assim que Mirabelle se sentou, comecei a fazer perguntas simples: de onde era ela, onde freqüentou a escola, quais os seus interesses e assim por diante. A CAÇA AO FANTASMA / 71 Ela logo perdeu a paciência e disse: — Olha, o que você quer saber realmente? Quer saber se tenho membros fantasmas, certo? Vamos deixar de rodeios. — Bem — disse eu —, de fato, fazemos experiências sobre membros fantasmas. Estamos interessados em... Ela me interrompeu. — Sim. Perfeitamente. Nunca tive braços. Tudo que sempre tive são estes. — Com habilidade, usando o queixo para ajudá-la num movimento exercitado, tirou os braços protéticos, colocou-os na minha escrivaninha e ergueu os cotos. E contudo sempre senti a presença dos membros fantasmas mais vivos desde a infância, pelo que posso me lembrar. Mantinha-me cético. Será possível que Mirabelle estava apenas embarcando numa racionalização do desejo? Talvez ela tivesse um profundo desejo de se adaptar, de ser normal. Comecei a me portar como Freud. Como poderia ter certeza de que ela não estava inventando? Perguntei-lhe: — Como é que você sabe que tem membros fantasmas? — Bem, porque enquanto estou falando com o senhor, eles estão gesticulando. Apontam para objetos quando eu aponto para coisas, exatamente como seus braços e mãos. Inclinei-me para a frente, fascinado. — Outra coisa interessante com eles, doutor, é que não são tão longos quanto deveriam. Têm cerca de 15 a 20 cm, curtos demais. — Como você sabe disso? — Porque quando ponho meus braços artificiais, meus fantasmas são muito mais curtos do que deveriam — disse Mirabelle, olhando-me direta mente nos olhos. — Meus dedos fantasmas deviam se ajustar nos dedos ar tificiais, como uma luva, mas meu braço tem apenas 15 cm de comprimento Acho isso incrivelmente frustrante, porque não parece natural. Geralmente termino pedindo ao protético para reduzir o comprimento dos meus braços artificiais, mas ele diz que pareceriam curtos e esquisitos. Assim, chegamos : um acordo. Ele me dá membros que sejam mais curtos do que a maioria mas não tão absurdamente curtos que pareçam estranhos. — Apontou para um dos braços artificiais na minha mesa, para que eu verificasse. — São un pouquinho mais curtos do que braços normais, mas a maioria das pessoas não nota. Para mim isto era prova de que os fantasmas de Mirabelle não eram um racionalização do desejo. Se ela queria ser como as outras pessoas, por que que 72 / FANTASMAS NO CÉREBRO braços mais curtos do que o normal? Devia acontecer algo em seu cérebro que estava originando a sensação de um nítido fantasma. Mirabelle fez outra observação. — Quando eu caminho, doutor, meus braços fantasmas não balançam como os braços normais, como os seus braços. Ficam congelados no lado, assim. — Levantou-se, deixando os cotos caírem retos para baixo, nos dois lados. — Mas, quando falo — disse —, meus fantasmas gesticulam. Na verdade, estão se movimentando agora, enquanto falo. Isto não é tão misterioso como parece. A região do cérebro responsável pelo balanço desembaraçado e coordenado dos braços enquanto caminhamos é totalmente diferente da que controla a gesticulação. Talvez o conjunto de circuitos nervosos responsáveis pelo balanço do braço não possa sobreviver muito tempo sem contínuo feedback de treinamento a partir dos membros. Simplesmente fica inativo ou não consegue se desenvolver quando faltam os braços. Mas os circuitos nervosos da gesticulação — ativados durante a linguagem falada — poderiam ser especificados por genes durante o desenvolvimento. (O conjunto de circuitos pertinente é provavelmente anterior à linguagem falada.) Singularmente, o conjunto de circuitos nervosos que gera estes comandos no cérebro de Mirabelle parece ter sobrevivido intacto, apesar do fato de que ela não recebeu nenhum feedback visual ou cinestésico daqueles ”braços” em nenhum momento de sua vida. Seu corpo continua lhe dizendo: ”Não existem braços, não existem braços”, mas ela continua a sentir a gesticulação. Isto sugere que o conjunto de circuitos nervosos para a imagem corporal de Mirabelle deve ter sido estabelecido pelo menos parcialmente pelos genes e não é estritamente dependente de experiência motora ou tátil. Alguns relatos médicos antigos afirmam que pacientes com falta de certos membros desde o nascimento não sentem fantasmas. O que vi em Mirabelle, porém, indica que cada um de nós tem uma imagem do corpo e dos membros internamente montada no nascimento — uma imagem que pode sobreviver indefinidamente, mesmo em face de informações contraditórias dos sentidos.1 Além dessas gesticulações espontâneas, Mirabelle pode também gerar movimentos voluntários em seus braços fantasmas, e isto também é verdade em pacientes que perdem braços na vida adulta. Como Mirabelle, muitos desses pacientes podem ”estender” o braço e ”pegar” objetos, apontar, acenar um A CAÇA AO FANTASMA / 7 adeus, apertar mãos ou realizar meticulosas e elaboradas manobras com o fantasma. Sabem que parece loucura, pois percebem que o braço se foi, mas para eles estas experiências sensoriais são bem reais. Não entendia quão compulsivos podiam ser estes movimentos sentidos até que conheci John McGrath, que tinha um braço amputado e me telefonou depois de ver na televisão uma reportagem sobre membros fantasmas. Consumado atleta amador, John perdera o braço esquerdo logo abaixo do cotovelo, três anos antes. ”Quando jogo tênis”, disse ele, ”meu fantasma faz o que se supõe que deveria. Vai querer jogar a bola para cima quando eu saco ou tentar me dar equilíbrio num ataque mais duro. Está sempre querendo pegar o telefone. Até acena para pedir a conta nos restaurantes”, contou, com uma gargalhada. John tinha o que é conhecido como mão fantasma encaixada. Sentia com se estivesse ligada diretamente ao coto, sem nenhum braço entre os dois. Ma se um objeto como uma xícara de chá fosse colocado a uns 30 ou 60 cm de distância do coto, podia tentar alcançá-lo. Quando fazia isso, seu fantasma não permanecia mais ligado ao coto, mas sentia como se ele estivesse se movendo rapidamente para pegar a xícara. De repente, comecei a pensar: e se eu pedir a John para estender a mão pegar esta xícara, mas puxála antes que a ”toque” com seu fantasma? O fantasma vai se estender, como o braço elástico de um personagem de quadrinhos, ou vai parar a uma distância natural do comprimento do braço? Até qi ponto posso afastar a xícara antes que John diga que não pode alcançá-la Poderia ele agarrar a Lua? Ou as limitações físicas que se aplicam a um braco real também se aplicam ao fantasma? Pus uma xícara de café na frente de John e pedi que a pegasse. Assim qi ele disse que estava chegando perto, puxei a xícara. — Ui! — gritou ele. — Não faça isso! — Qual é o problema? — Não faça isso — repetiu. — Eu tinha acabado de pôr meus dedos e torno da asa da xícara, quando você a puxou. Isso realmente dói. Espere um minuto. Eu arranco uma xícara real de dedos fantasmas e a pessoa grita ui! Os dedos eram ilusórios, é claro, mas a dor era real — na verdade, tão intensa que não ousei repetir a experiência. Minha experiência com John começou a me levar a especular sobre o papel 74 / FANTASMAS NO CÉREBRO da visão na manutenção da sensação de um membro fantasma. Por que simplesmente o ato de ”ver” a xícara ser puxada resulta em dor? Mas, antes de responder a esta pergunta, precisamos examinar por que alguém sentiria movimentos num membro fantasma. Se você fechar os olhos e mover seu braço, pode de fato sentir nitidamente sua posição e movimento, em parte devido aos receptores das articulações e músculos. Mas nem John nem Mirabelle têm esses receptores. Na verdade, não têm braço. Assim, onde se originam estas sensações? Ironicamente, tive a primeira pista para solucionar este mistério quando verifiquei que muitos pacientes com membros fantasmas — talvez um terço deles — não são capazes de mover seus fantasmas. Quando perguntados, dizem: ”Meu braço está num molde de gesso, doutor” ou ”Está imobilizado num bloco de gelo”. ”Tento mover meu fantasma, mas não consigo”, dizia Irene, uma de nossas pacientes. ”Ele não vai obedecer à minha mente. Não vai obedecer ao meu comando.” Usando o braço intacto, Irene imitava seu braço fantasma, mostrando-me como estava congelado numa estranha posição retorcida. Tinha ficado daquele jeito durante um ano inteiro. Ela sempre se preocupava com a possibilidade de ”colidir” com ele quando atravessava vãos de portas, e que iria doer ainda mais. Como pode um fantasma — um membro inexistente — ser paralisado? Parece um oxímoro. Dei uma olhada nos prontuários e constatei que muitos desses pacientes tiveram patologia preexistente nos nervos que vêm da medula espinhal para o braço. Seus braços tinham realmente sido paralisados numa tipóia ou no gesso por alguns meses e depois amputados, simplesmente porque estavam constantemente atrapalhando. Alguns pacientes foram aconselhados a se desfazer do membro, talvez numa tentativa equivocada de eliminar a dor no braço ou para corrigir anormalidades de postura causadas pelo braço ou perna paralisada. Não surpreende que, depois das operações, estes pacientes muitas vezes sintam um nítido membro fantasma, mas, para seu desalento, o fantasma permanece bloqueado na mesma posição de antes da amputação, como se uma memória da paralisia fosse transferida para o fantasma. Assim, aqui temos um paradoxo. Mirabelle nunca teve braços em toda a sua vida, mas pode mover seus fantasmas. Irene perdera um braço há apenas um ano e contudo não pode gerar um meneio de movimento. O que está acontecendo aqui? A CAÇA AO FANTASMA / 75 Para responder a esta pergunta, precisamos examinar mais de perto a anatomia e a fisiologia dos sistemas motor e sensorial no cérebro humano. Vejam o que acontece quando você ou eu fechamos os olhos e gesticulamos Temos uma nítida sensação do nosso corpo e da posição dos nossos membros e de seus movimentos. Dois eminentes neurologistas ingleses, lord( Russell Brain e Henry Head (sim, estes são seus verdadeiros sobrenomes cunharam a expressão ”imagem corporal” para este vibrante e internament< construído conjunto de experiências e sensações — a imagem e memórií internas do corpo no espaço e no tempo. Para criar e manter esta imagen corporal em determinado momento, os lobos parietais combinam informa ções procedentes de muitas fontes: os músculos, articulações, olhos e cen tros de comando motor. Quando você decide mover sua mão, a cadeia de acontecimentos que levam a seus movimentos se origina nos lobos frontais — especialmente na faixa vertical de tecido cortical chamado córtex motor. Esta faixa fica logo em frent do sulco que separa o lobo frontal do lobo parietal. Como o homúnculo sensorial que ocupa a região logo atrás deste sulco, o córtex motor contém ur ”mapa” invertido do corpo inteiro — só que está envolvido no envio de sina aos músculos mais do que na recepção de sinais da pele. As experiências mostram que o córtex motor primário está envolvido prir cipalmente com movimentos simples, como agitar o dedo ou estalar os lábios Uma área imediatamente em frente a esta, chamada área motora suplementar parece ser encarregada de habilidades mais complexas, como acenar um adei ou se apoiar num corrimão de escada. Esta área motora suplementar atua corr uma espécie de mestre-de-cerimônias, passando instruções específicas sobre seqüência adequada de movimentos necessários ao córtex motor. Imputa nervosos que então vão dirigir estes movimentos avançam do córtex motor e sentido descendente pela medula espinhal para os músculos no lado opôsto do corpo, permitindo que a pessoa acene um adeus ou passe um batom. Toda vez que um ”comando” é enviado da área motora suplementar ao córtex motor, vai para os músculos e estes se movem.2 Ao mesmo tempo, copias idênticas do sinal de comando são enviadas a duas outras grandes áreas de processamento” — o cerebelo e os lobos parietais —, informando-os da ação pretendida. Assim que estes sinais de comando são enviados aos músculos, entra < 76 / FANTASMAS NO CÉREBRO A CAÇA AO FANTASMA / 7 movimento um ciclo de feedback. Tendo recebido um comando para se mover, os músculos executam o movimento. Por sua vez, sinais das células musculares fusiformes e das articulações são enviados de volta ao cérebro, via medula espinhal, informando ao cerebelo e lobos parietais que ”sim, o comando está sendo executado corretamente”. Estas duas estruturas ajudam você a comparar sua intenção com o desempenho real, comportando-se como um termostato num circuito auxiliar, e modificando os comandos motores quando necessário (aplicando freios, se estes estão rápidos demais e aumentando a descarga motora, se está demasiado lenta). Assim, as intenções são transformadas em movimentos regularmente coordenados. Agora, vamos voltar aos nossos pacientes para ver como tudo isso tem relação com a sensação de fantasma. Quando John decide movimentar seu braço fantasma, a parte frontal de seu cérebro ainda envia uma mensagem de comando, já que esta parte específica do cérebro de John não ”sabe” que seu braço desapareceu — embora John, ”a pessoa”, esteja inquestionavelmente ciente do fato. Os comandos continuam a ser monitorados pelo lobo parietal e são sentidos como movimentos. Mas são movimentos fantasmas executados por um braço fantasma. Assim, a sensação experimentada do membro fantasma parece depender de sinais procedentes de duas fontes. A primeira é o remapeamento; recordem que a informação sensorial que vem da face e da parte superior do braço ativa áreas do cérebro que correspondem à ”mão”. Em segundo lugar, toda vez que o centro de comando motor envia sinais ao braço desaparecido, uma informação sobre os comandos é também remetida ao lobo parietal que contém nossa imagem corporal. A convergência de informações dessas duas fontes resulta numa imagem dinâmica e vibrante do braço fantasma em qualquer dado instante — uma imagem que é continuamente atualizada enquanto o braço ”se move”. No caso de um braço real há uma terceira fonte de informação, a saber, os impulsos vindos das articulações, ligamentos e fusos musculares do braço. O braço fantasma não tem estes tecidos nem seus sinais, mas estranhamente este fato aparentemente não impede o cérebro de ser induzido a pensar que o membro está se movendo — pelo menos nos primeiros meses ou anos depois da amputação. Isto nos leva de volta a uma pergunta anterior. Como é que um membro fantasma pode ser paralisado? Por que permanece ”congelado” após uma am putação? Uma das possibilidades é que, quando o membro real está paralisa do, numa tipóia ou aparelho, o cérebro envia seus comandos usuais —— mov aquele braço, balance aquela perna. O comando é monitorado pelo lob< parietal, mas desta vez não recebe o adequado feedback visual. O sistema visual diz: ”Não, este braço não está se movendo.” O comando é enviado novament — braço, mova-se. O feedback visual retorna, informando repetidamente ao cérebro que o braço não está se movendo. Finalmente, o cérebro verifica que o braço não se move e uma espécie de ”paralisia aprendida” é estampada no conjunto de circuitos do cérebro. Não se sabe exatamente onde isso ocorre, mas pode se localizar em parte nos centros motores e em parte nas regiões parietais envolvidas com a imagem corporal. Qualquer que venha a ser a explicação fi siológica, quando o braço é amputado mais tarde, a pessoa ficou com aquela imagem revisada do corpo: um fantasma paralisado. Se você pode aprender paralisia, será que pode desaprendê-la? Que acon teceria se Irene fosse enviar uma mensagem de ”mova-se agora” ao braço fan tasma e, a cada vez que o fizesse, recebesse de volta um sinal visual de que ele estava se movendo, de que, sim, estava obedecendo ao seu comando? Mas como pode ela receber feedback visual, quando não tem um braço? Podemos induzir seus olhos a ver realmente um fantasma? Pensei numa realidade virtual. Talvez pudéssemos criar a ilusão visual di que o braço estava restaurado e que obedecia aos comandos dela. Mas essa tecnologia, que custa mais de meio milhão de dólares, consumiria todo o meu orçamento de pesquisa com uma aquisição. Felizmente, tive a idéia de fazer , experiência com um espelho comprado num armarinho. Para fazer pacientes como Irene perceberem movimento real em seus bra ços inexistentes, construímos uma caixa de realidade virtual. Coloca-se un espelho vertical numa caixa de papelão e retira-se a tampa. A frente da caixa tem dois buracos, através dos quais a paciente introduz sua ”mão boa” (isto é a direita) e sua mão fantasma (a esquerda). Como o espelho está no meio da caixa, a mão direita agora está no lado direito do espelho e o fantasma está no lado esquerdo. A paciente então é solicitada a observar o reflexo de sua mão normal no espelho e movimentá-la em volta levemente até que o reflexo pareça estar sobreposto à posição sentida de sua mão fantasma. Assim, ela criou ; ilusão de observar duas mãos, quando de fato está vendo apenas o reflexo no 78 / FANTASMAS NO CÉREBRO espelho de sua mão intacta. Se agora enviar comandos motores para os dois braços fazerem movimentos simétricos, como se estivesse dirigindo uma orquestra ou batendo palmas, ela na verdade ”vê” seu fantasma se movendo também. Seu cérebro recebe feedback visual confirmando que a mão fantasma está se movendo corretamente, em resposta ao seu comando. Será que isto vai ajudar a restaurar o controle voluntário sobre seu fantasma paralisado? A primeira pessoa a explorar este novo mundo foi Philip Martinez. Em 1984, Philip foi arremessado de sua motocicleta, que ia a 70 km por hora na auto-estrada de San Diego. Ele deslizou pelo canteiro central, parou na base de uma ponte de concreto, e, levantando-se atordoado, teve a presença de espírito de verificar se estava ferido. O capacete e o casaco de couro evitaram o pior, mas o braço esquerdo de Philip tivera uma grave ruptura perto do ombro. Como os macacos do Dr. Pons, ele tivera uma avulsão braquial — os nervos que alimentam seu braço tinham sido puxados da coluna vertebral. Seu braço esquerdo estava completamente paralisado e ficou sem vida na tipóia durante um ano. Finalmente, os médicos aconselharam a amputação. O braço nunca mais recuperaria as funções. Dez anos depois, Philip entrou em meu consultório. Agora na casa dos 30, recebe um auxílio por incapacidade física e conquistou impressionante reputação como jogador de sinuca, conhecido entre os amigos como o ”bandido de um braço só”. Philip tinha sabido das minhas experiências com membros fantasmas através de relatos na imprensa local. Estava desesperado. ”Dr. Ramachandran”, disse, ”tenho esperança de que o senhor possa me ajudar.” Olhou de relance para o braço desaparecido. ”Perdi-o há 10 anos. Mas, desde então, tenho sentido dores terríveis no meu cotovelo, pulso e dedos fantasmas.” Entrevistando-o mais adiante, descobri que, durante uma década, Philip nunca tinha conseguido mover seu braço fantasma. Estava sempre fixo numa posição desajeitada. Será que Philip estava sofrendo de paralisia aprendida? Nesse caso, poderíamos usar nossa caixa de realidade virtual para ressuscitar o fantasma visualmente e restabelecer os movimentos? Pedi a Philip para colocar a mão direita no lado direito do espelho na caixa e imaginar que sua mão esquerda (fantasma) estava no lado esquerdo. — Quero que você mova seus braços direito e esquerdo simultaneamente — instruí. A CAÇA AO FANTASMA / — Oh, não consigo fazer isso — disse Philip. — Posso mover meu braço direito, mas o braço esquerdo está congelado. Toda manhã, quando me levanto, tento movimentar meu fantasma, porque está numa posição esquisita e acho que movê-lo poderia ajudar a aliviar a dor. Mas — disse, olhando para o braço invisível — jamais consegui gerar nele um mínimo de movimento. — Está bem, Philip, mas tente assim mesmo. Philip girou o corpo, mudando a posição do ombro, para ”introduzir” na caixa seu fantasma sem vida. Depois, colocou a mão direita no outro lado do espelho e tentou fazer movimentos sincrônicos. Quando olhou o espelho, res pirou ofegante e gritou: — Oh, meu Deus! Oh, meu Deus, doutor. É incrível! fantástico! — Pulava como uma criança. — Meu braço esquerdo está ligado novamente. É como se eu estivesse no passado. Todas estas lembranças de tantos anos atrás estão voltando à minha mente. Posso mover meu braço de novo, Posso sentir meu cotovelo se movendo, meu pulso se movendo. Todos estão movimentando novamente. Depois que se acalmou um pouco, eu disse: — Tudo bem, Philip, agora feche os olhos. — Oh, meu Deus — falou, obviamente desapontado. — Está congelado novamente. Sinto a mão direita se movendo, mas não há nenhum movimento no fantasma. — Abra os olhos. — Ah, sim. Agora está se movendo de novo. Era como se Philip tivesse alguma inibição ou bloqueio temporário dos circuitos nervosos que iriam comumente mover o fantasma e o feedback visual tivesse superado este bloqueio. Mais impressionante ainda, estas sensações corporais dos movimentos do braço eram reanimadas instantaneamente embora nunca tivessem sido sentidas nos dez anos anteriores! Embora a reação de Philip fosse estimulante e proporcionasse um apoio à minha hipótese sobre paralisia aprendida, fui para casa naquela noite e fiquei me perguntando: ”E daí? Pois é. Aí está esse cara movimentando novamente seu membro fantasma. Mas é uma capacidade perfeitamente imutil, se pensarmos bem — exatamente o tipo da coisa esotérica em qi rnuitos de nós, pesquisadores médicos, somos às vezes acusados de trabalhar. Eu não ganharia um prêmio por fazer alguém mover um membro fantasma. 80 / FANTASMAS NO CÉREBRO Mas talvez a paralisia aprendida seja um fenômeno mais generalizado.4 Poderia acontecer a pessoas com membros reais paralisados, digamos, em conseqüência de um derrame. Por que as pessoas perdem o uso de um braço após um derrame? Quando um vaso sangüíneo que abastece o cérebro fica obstruído, as fibras que se estendem da parte frontal do cérebro para a medula espinhal ficam sem oxigênio e sofrem dano, deixando o braço paralisado. Mas nas fases iniciais de um derrame, o cérebro incha, levando temporariamente alguns nervos a morrer, mas deixando outros simplesmente atordoados e ”desligados”, por assim dizer. Durante este período, quando o braço não funciona, o cérebro recebe feedback visual: ”Negativo, o braço não está se movendo.” Depois que o inchaço diminui, é possível que o cérebro do paciente fique com uma forma de paralisia aprendida. Poderia a engenhoca do espelho ser usada para superar pelo menos esse componente da paralisia que se deve à aprendizagem? (Obviamente, não há nada que se possa fazer com espelhos para reparar uma paralisia causada pela destruição real de fibras.) Mas, antes de implementarmos esta espécie de terapia original para pacientes de derrame, precisávamos assegurar que o efeito fosse mais do que uma simples ilusão temporária de movimento no fantasma. (Recordem que quando Philip fechava os olhos, a sensação de movimento em seu fantasma desaparecia.) Que tal se o paciente praticasse com a caixa a fim de peceber feedback visual contínuo durante vários dias? É concebível que o cérebro ”desaprendesse” sua percepção de dano e que os movimentos fossem recuperados permanentemente? Voltei no dia seguinte e perguntei a Philip: — Está disposto a levar este aparelho para casa e praticar com ele? — Claro — disse Philip. — Adoraria levá-lo para casa. Acho muito empolgante poder mover meu braço de novo, mesmo que só momentaneamente. Assim, Philip levou o espelho para casa. Uma semana depois, telefonei para ele. — O que está acontecendo? — Oh, é divertido, doutor. Uso-o por 10 minutos diariamente. Ponho minha mão dentro, giro-a e vejo como se sente. Minha namorada e eu brincamos com o aparelho. É muito agradável. Mas, quando fecho os olhos, não funciona. E, se eu não usar o espelho, não funciona. Sei que quero que A CAÇA AO FANTASMA / 81 meu fantasma comece a se mover de novo, mas, sem o espelho, isso nãc acontece. Passaram-se mais três semanas, até que um dia Philip me telefonou, muiti excitado e agitado. — Doutor — exclamou —, ele se foi! — O que se foi? — (Pensei que talvez tivesse perdido a caixa do espelho — Meu fantasma se foi. — De que está falando? — Sabe, meu braço fantasma, que tive durante dez anos. Não existe mais Agora tenho apenas dedos e palma da mão fantasmas balançando, pendur dos do meu ombro! Minha reação imediata foi: Oh, não! Aparentemente, alterei de de modo permanente a imagem corporal de uma pessoa, usando um espelho. Como isso iria afetar seu estado mental e seu bem-estar? — Philip, isso incomoda você? — Não não não não não não — respondeu. — Pelo contrário. Sabe aquela dor torturante que sempre sentia no meu cotovelo? A dor que me torturava várias vezes por semana? Bem, agora não tenho mais cotovelo nem sinto dor. Mas ainda tenho dedos pendurados do meu ombro e eles ainda doem. Fez uma pausa, aparentemente para deixar as coisas assentarem. — Infelizmente, — acrescentou — sua caixa com espelho não funciona mais, porque meus dedos estão altos demais. O senhor pode mudar o projeto, para eliminar meus dedos? — Aparentemente, Philip pensava que eu era uma espécie de mágico. Não tinha certeza se podia atender ao pedido de Philip, mas percebi este era provavelmente o primeiro exemplo na história médica de uma’ amputação” bem-sucedida de um membro fantasma! A experiência sugere que, qi do o lobo parietal direito de Philip recebeu sinais conflitantes — feedbackv dizendo-lhe que seu braço está se movendo de novo, enquanto seus músculos estão lhe dizendo que o braço não existe —, sua mente recorreu a uma forma de negação. A única maneira de seu cérebro sitiado poder lidar com este conflito sensorial foi dizer: ”Com os diabos, não existe braço!” E, com< enorme bônus, Philip perdeu também a dor associada em seu cotovelo fantasma, pois talvez seja impossível sentir uma dor desencarnada num fantasma inexistente. Não está claro por que seus dedos não desapareceram, mas um dos motivos poderia ser que eles sejam representados exageradamente — 82 / FANTASMAS NO CÉREBRO nos lábios enormes no mapa de Penfield — no córtex somatossensorial e talvez mais difíceis de negar. Movimentos e paralisia de membros fantasmas são extremamente difíceis de explicar, mas ainda mais intrigante é a dor terrível que muitos pacientes sentem no fantasma pouco depois da amputação, e Philip me colocara face a face com este problema. Que confluência de circunstâncias biológicas poderia fazer a dor irromper num membro inexistente? Há várias possibilidades. A dor poderia ser causada por tecido fibroso ou neuromas — os pequenos feixes ou cachos enroscados de tecido nervoso no coto. A irritação desses cachos e extremidades esfiapadas de nervos poderia ser interpretada pelo cérebro como dor no membro desaparecido. Quando os neuromas são removidos cirurgicamente, a dor fantasma às vezes some, mas depois, insidiosamente, muitas vezes retorna. A dor também poderia resultar de remapeamento. Tenham em mente que o remapeamento é comumente de modalidade específica: isso significa simplesmente que a sensação de toque segue as vias do tato e que a sensação de calor segue vias do calor etc. (Como observei, quando toco levemente o rosto de Tom com um cotonete, ele sente que estou tocando em seu fantasma. Quando pingo água gelada em sua bochecha, sente o frio em sua mão fantasma e quando aqueço a água, ele sente calor no fantasma, como também na face.) Isto significa provavelmente que o remapeamento não acontece aleatoriamente. As fibras envolvidas com cada sentido devem ”saber” para onde ir para encontrar seus alvos apropriados. Assim, na maioria das pessoas, inclusive você, eu e os amputados, não se tem cruzamento de ligações. Mas imaginem o que poderia acontecer se ocorresse um pequeno equívoco durante o processo de remapeamento — um minúsculo defeito na planta — de forma que alguma das informações de toque seja conectada acidentalmente a centros de dor. O paciente poderia sentir dor aguda toda vez que regiões em torno da face ou parte superior do braço (em vez de neurônios) fossem friccionadas, mesmo levemente. Esses leves toques podem gerar dor torturante, tudo porque algumas fibras estão no lugar errado, fazendo a coisa errada. Um remapeamento anormal pode também causar dor de duas outras maneiras. Quando sentimos dor, vias especiais são ativadas simultaneamente tanto para transmitir sensação e amplificá-la quanto para amortecê-la de acordo com a necessidade. Esse ”controle de volume” (às vezes chamado controle de entrada) A CAÇA AO FANTASMA / é o que nos permite modular nossas reações à dor efetivamente em resposta a demandas que mudam (o que poderia explicar por que a acupuntura funciona, ou por que, em certas culturas, as mulheres não sentem dor durante o parto. Entre amputados, é totalmente possível que estes mecanismos de controle de volume tenham se desmantelado em conseqüência do remapeamento — rés tando numa reverberação semelhante a um eco ”ua, ua” e na amplificação da dor. Em segundo lugar, o remapeamento é inerentemente um processo pato lógico ou anormal, pelo menos quando ocorre em larga escala, como após a pérda de um membro. É possível que as sinapses do toque não sejam corretamente religadas e sua atividade pode ser caótica. Os centros superiores do cérebro iriam então interpretar o padrão anormal de informação como lixo, que é percebido como dor. Na verdade, não sabemos realmente como o cérebro transforma pa drões de atividade nervosa em experiência consciente, seja dor, prazer ou coceira. Finalmente, alguns pacientes dizem que a dor que sentiam em seus mem bros imediatamente antes de amputações persiste como uma espécie de memó ria da dor. Por exemplo, soldados em cujas mãos explodiram granadas mur vezes relatam que sua mão fantasma está numa posição fixa, segurando a grana da, pronta para lançá-la. A dor na mão é cruciante — a mesma que eles sentirram no instante da explosão da granada, fixada permanentemente em seus cérebro. Em Londres, conheci um dia uma mulher que me contou ter tido frieiras uma espécie de ulceração dolorosa causada pelo tempo frio — no polegar < durante vários meses, quando era criança. Depois o polegar ficou gangrenado e foi amputado. Ela agora tem um nítido polegar fantasma e sente frieiras todavez que o tempo esfria. Outra senhora descreveu uma dor de artrite em suas articu lações fantasmas. Antes de seu braço ser amputado, tivera o problema, mas < continuou na ausência de articulações reais, e a dor piora quando o tempo fica úmido e frio, exatamente como acontecia nas articulações antes da amputação. Um de meus professores de medicina me contou uma história que jurou ser verdadeira, a história de outro médico, um eminente cardiologista, que desenvol véu uma cãibra na perna, causada pelo mal de Buerger — doença que provoca constrições nas artérias e dor intensa e latejante nos músculos da barriga da perna. Apesar de todas as tentativas de tratamento, nada aliviava a dor. Desespe rado, o médico decidiu amputar a perna. Simplesmente não conseguia viver com aquela dor. Consultou um cirurgião colega seu e marcou a opera ção, mas, para espanto do cirurgião, ele disse que tinha um pedido especial. 84 / FANTASMAS NO CÉREBRO — Depois de amputar minha perna, você pode me fazer o favor de conservá-la num vidro de formol e me entregar? Era uma excentricidade, para dizer o mínimo, mas o cirurgião concordou, amputou a perna, colocou-a num frasco com formol e deu-a ao colega, que a pôs no seu escritório e disse: — Hah, afinal posso olhar para esta perna e dar uma risada e falar: Finalmente me livrei de você! Mas a perna riu por último. As dores latejantes voltaram violentamente na perna fantasma. O bom doutor olhava fixamente para sua perna flutuando no formol, enquanto esta o encarava de volta, como a zombar de todos os seus esforços para se livrar dela. Há muitas histórias desse tipo circulando por aí, ilustrando a espantosa especificidade das memórias de dor e sua tendência a vir à tona quando um membro é amputado. Se este é o caso, pode-se imaginar ser possível reduzir a incidência de dor após uma amputação, simplesmente aplicando anestesia local no membro, antes da cirurgia. (Isso tem sido tentado com algum sucesso.) De todas as experiências sensoriais, a dor é uma das mais mal compreendidas. É uma fonte de frustração para pacientes e médicos e pode surgir com muitos disfarces diferentes. Uma queixa especialmente enigmática, freqüentemente ouvida de pacientes, é que de vez em quando a mão fantasma fica encrespada, o punho firmemente fechado, os dedos se cravando na palma da mão com toda a fúria de um pugilista pronto para desferir um golpe de nocaute. Robert Townsend é um engenheiro inteligente, de 55 anos. Um câncer o fez perder o braço esquerdo, 15 cm acima do cotovelo. Quando o vi, sete meses após a amputação, estava sentindo um claro membro fantasma que muitas vezes tinha um espasmo involuntário de contração. ”É como se minhas unhas estivessem se cravando na minha mão fantasma”, dizia Robert. ”A dor é insuportável.” Mesmo que concentrasse toda a sua atenção, não conseguia abrir a mão invisível para aliviar o espasmo. Quisemos saber se o uso da caixa com espelho poderia ajudar Robert a eliminar o espasmo. Como Philip, Robert olhou para dentro da caixa, colocou a mão boa de forma a sobrepor seu reflexo na mão fantasma e, depois de fechar o punho com a mão normal, tentou as duas mãos simultaneamente. Na primeira vez, Robert exclamou que podia sentir o punho fantasma aberto junA CAÇA AO FANTASMA / 8 tamente com seu punho bom, simplesmente em resultado do feedback visual Melhor ainda, a dor desapareceu. O fantasma então permaneceu aberto por várias horas, até que ocorreu espontaneamente um novo espasmo. Sem o espelho, seu fantasma latejava de dor por 40 minutos ou mais. Robert levou a ca xá para casa e tentava o mesmo truque toda vez que voltava o espasmo de contração. Se não usava a caixa, não conseguia abrir o punho, apesar de tentar com toda a sua energia. Se usava o espelho, a mão se abria instantaneament Experimentamos este tratamento em mais de uma dezena de pacientes; Funciona para a metade deles. Levam a caixa espelhada para casa e sempre que ocorre o espasmo, põem a mão boa dentro da caixa, abrem-na e o espasmo eliminado. Mas isto é uma cura? É difícil saber. A dor é notoriamente susceti vel ao efeito placebo (o poder de sugestão). Talvez o refinado ambiente do laboratório ou a simples presença de um carismático especialista em membro fantasmas seja tudo de que a pessoa necessita para eliminar a dor e isso não tem nada a ver com espelhos. Testamos esta possibilidade num paciente, dan do-lhe um inofensivo conjunto de pilhas que geram uma corrente elétrica Sempre que ocorriam espasmos ou posturas anormais, ele pedia para girar dial na unidade do seu ”simulador elétrico transcutâneo”, até que começava sentir um formigamento no braço esquerdo (seu braço bom). Dissemos-lhe que isto iria restaurar imediatamente os movimentos voluntários no fantasma e proporcionar alívio dos espasmos. Também informamos que o procedimento tinha funcionado em outros pacientes na situação dele. Ele disse: — Verdade? Puxa, mal consigo esperar para tentar. Dois dias depois, estava de volta, obviamente aborrecido. — É inútil — exclamou. — Tentei cinco vezes e simplesmente não funci ona. Girei o botão até a potência máxima, embora o senhor tenha dito par não fazer isso. Quando lhe dei o espelho para experimentar naquela mesma tarde, ele conseguiu abrir a mão fantasma instantaneamente. Os espasmos foram eliminados e também a ”sensação de unhas se cravando” na palma da mão. Esta uma observação perturbadora, se pensarmos bem. Aqui está um homem sen mão e sem unhas. Como é que pode alguém ter unhas inexistentes cravando se numa palma da mão inexistente, resultando em dores agudas? Por que um espelho eliminaria o espasmo fantasma? 86 / FANTASMAS NO CÉREBRO Vejam o que acontece em seu cérebro quando comandos motores são enviados do córtex pré-motor e motor para fechar o punho. Assim que sua mão está cerrada, sinais de feedback dos músculos e articulações de sua mão são enviados de volta através da medula espinhal para o seu cérebro, dizendo: Devagar, já chega. Qualquer pressão a mais vai doer. Este feedback proprioceptivo aplica freios, automaticamente e com espantosa velocidade e precisão. Se o membro desapareceu, entretanto, este feedback amortecedor não é possível. Portanto, o cérebro continua enviando a mensagem: Aperte mais, aperte mais. A potência motora é amplificada ainda mais (a um nível que ultrapassa de longe qualquer coisa que você ou eu jamais experimentaríamos) e a própria descarga excedente ou ”sensação de esforço” pode ser sentida como dor. O espelho pode funcionar, ao proporcionar feedback visual para abrir a mão, de forma a abolir o espasmo de contração. Mas por que a sensação de unhas se cravando? Pense apenas nas numerosas ocasiões em que você realmente fechou o punho e sentiu suas unhas fincando-se na palma da mão. Estas ocasiões devem ter criado uma ligação de memória no seu cérebro (os psicólogos a chamam de ligação hebbiana) entre o comando motor para fechar e a inconfundível sensação de ”unhas se cravando”, de forma que você pode realmente evocar esta imagem em sua mente. Contudo, embora você possa imaginar a imagem com toda a nitidez, não pode realmente ter a sensação de dor e dizer: ”Puxa, isso dói.” Por que não? O motivo, creio, é que você tem uma palma da mão real e a pele na palma da mão diz que não existe dor. Você pode imaginá-la mas não a sente, porque sua mão normal lhe envia feedback real e, no choque entre realidade e ilusão, a realidade geralmente vence. Mas o amputado não tem palma da mão. Não há sinais de contra-ordem da palma da mão para impedir que venham à tona estas lembranças de dor. Quando imagina que suas unhas estão se cravando na mão, Robert não recebe sinais questionadores de sua pele, dizendo: ”Robert, seu bobo, não há nenhuma dor por aqui.” De fato, se os próprios comandos motores estão ligados à sensação de unhas se fincando, é concebível que a amplificação destes comandos leve a uma correspondente amplificação dos sinais de dor associados. Isto poderia explicar por que a dor é tão brutal. As implicações são radicais. Mesmo associações sensoriais transitórias como aquela entre cerrar as mãos e fincar as unhas nas palmas das mãos são guardaA CAÇA AO FANTASMA / 87 das como traços permanentes no cérebro e só são desmascaradas em certas circunstâncias — experimentadas neste caso como dor em membro fantasma. Além disso, estas idéias implicam que a dor é mais uma opinião sobre o estado de saúde do organismo do que uma simples reação reflexiva a uma lesão. Não existe nenhuma linha direta dos receptores de dor aos ”centros de dor” no cérebro. Pelo contrário, há tanta interação entre diferentes centros cerebrais, como os envolvidos’com visão e toque, que até o simples aparecimento visual de um punho se abrindo pode realmente realimentar as vias motoras e táteis do paciente, permitindo-lhe sentir o punho se abrindo, neutralizando assim uma dor ilusória num membro inexistente. Se a dor é uma ilusão, quanta influência os sentidos, como a visão, têm sobre nossas experiências subjetivas? Para descobrir, tentei uma experiência um tanto diabólica em duas pacientes minhas. Quando Mary entrou no laboratório, pedi-lhe que colocasse sua mão direita fantasma, com a palma para baixo, dentro da caixa com espelho. Então, pedi-lhe que pusesse uma luva cinza na mão esquerda e a colocasse no outro lado da caixa, numa posição de imagem espelhada. Depois de assegurar que ela estava confortável, instruí um dos meus alunos formados a se esconder embaixo da mesa encortinada e pôr sua mão esquerda enluvada dentro do mesmo lado da caixa onde repousava a mão boa de Mary, acima da dela numa plataforma falsa. Quando olhava para dentro da caixa, Mary podia ver não somente a mão esquerda enluvada do estudante (que parecia exatamente com a sua própria mão esquerda), mas também seu reflexo no espelho, como se ela estivesse olhando para sua própria mão direita fantasma usando uma luva. Agora, quando o estudante fechava a mão ou usava a ponta do dedo indicador para tocar o polegar, Mary sentia nitidamente seu fantasma se movendo. Como em nossos dois pacientes anteriores, a visão foi suficiente para induzir o cérebro a experimentar movimentos em seu membro fantasma. Que aconteceria se induzíssemos Mary a pensar que seus dedos estavam ocupando posições anatomicamente impossíveis? A caixa permitia esta ilusão. Mais uma vez, Mary pôs a mão direita fantasma na caixa, com a palma voltada para baixo. Mas o estudante agora fez algo diferente. Em vez de colocar sua mão esquerda no outro lado da caixa, numa exata imagem espelhada do fantasma, inseriu a mão direita, com a palma para cima. Como a mão estava enluvada, parecia exatamente com a mão direita fantasma dela, de ”palma para 88 / FANTASMAS NO CÉREBRO baixo” Então o estudante flexionou o dedo indicador para tocar a palma da mão Para Mary, que olhava com atenção dentro da caixa, parecia que seu dedo indicador fantasma estava- se dobrando para trás para tocar as costas do seu pulso — na direção errada-’5 Qual seria sua reação? Quandouu seu dedo cdobrado para trás, Mary disse: ”Deveria parecer uma coisa estranha, doutor, Parece exatamente que o dedo está se dobrando para trás, como não se supõe que possa fazê-lo. Mas não é esquisito, nem doloroso, nem nada parecido.” A outra paciente, Kare estremeceu um pouco e disse que o dedo fantasma torcido doía: ”Foi commo se alguém estivesse agarrando e puxando meu dedo. Senti uma pontada de dor. Estas experiências são importantes porque contradizem flagrantemente a teoria de que o cérebro conste em vários módulos autônomos que atuam como uma brigada apagando incêndios com baldes d’água. Popularizada por pesquisadores de inteligência Artificial, é amplamente aceita a idéia de que o cérebro se comporta como um computador, com cada módulo executando uma tarefa altamemte especializada e enviando seu resultado ao módulo seguinte. Segundo esta visão, o processo sensorial envolve uma cascata de mão única de receptores sensoriais de informação na pele e em outros órgãos dos sentidos para os centros superiores ao cérebro. Mas minhas experiências com estes pacientes têm me ensinado que não é assim que funciona o cérebro. Suas conexões são extraordinariamente variáveis e dinâmicas. As percepções vêm à tona como resultado de reverberações de sinais entre diferentes níveeis de hierarquia sensorial, na verdade até de diferentes sentidos. O fato de que a informação visual pode eliminar o espasmo de um braço inexistente e depoís apagar a memória associada de dor ilustra nitidamente como podem ser amplas e profundas estas interações. O estudo de pacientes com membros fantasmas tem me dado insights do funcionamento interno do cérebro que vão muito além das simples perguntas com que comecei há quatro anos, quando Tom entrou pela primeira vez no meu consultório. Temos realmente testemunhado (direta e indiretamente) como emergem novas conexões no cérebro adulto, como interagem as informações procedentes de diferentes sentidos, como a atividade dos mapas sensoriais é relacionadacom a experiência sensorial e, de modo mais geral, como o céreA CAÇA AO FANTASMA / 89 bro está continuamente atualizando seu modelo de realidade em reação a informações sensoriais novas e diferentes. Esta última observação lança nova luz sobre o chamado debate natureza versus criação, permitindonos fazer a pergunta: Membros fantasmas nascem principalmente de fatores não-genéticos como remapeamento ou neuromas no coto, ou representam a persistência espectral de uma ”imagem corporal” congênita, geneticamente especificada? A resposta parece ser que o fantasma surge de uma complexa interação entre os dois. Vou lhes dar cinco exemplos para ilustrar isto. No caso de amputados abaixo do cotovelo, os cirurgiões às vezes fendem o coto, transformando-o num apêndice parecido com uma pinça de lagosta, como uma alternativa para o gancho padrão de metal. Depois da cirurgia, as pessoas aprendem a usar as pinças no coto para pegar objetos, girá-los e de certa forma manipular o mundo material. Curiosa, sua mão fantasma (alguns centímetros distante da carne real) também se sente dividida em duas — com um ou mais dedos fantasmas ocupando cada pinça, imitando claramente os movimentos do apêndice. Conheço um caso em que um paciente se submeteu a uma amputação de suas pinças e ficou com um fantasma permanentemente fendido — indício evidente de que o bisturi de um cirurgião pode dissecar um fantasma. Depois da cirurgia original em que o coto foi fendido, o cérebro deste paciente deve ter reformulado sua imagem corporal para incluir as duas pinças — por que outro motivo ele sentiria pinças fantasmas? As outras duas histórias divertem e informam, ao mesmo tempo. Uma garota que nasceu sem antebraços e que sentia mãos fantasmas 15 centímetros abaixo dos cotos freqüentemente usava seus dedos fantasmas para calcular e resolver problemas aritméticos. Uma garota de 16 anos que nasceu com a perna direita cinco centímetros mais curta do que a esquerda e que sofreu uma amputação abaixo do joelho aos seis anos de idade tinha a estranha sensação de possuir quatro pés! Além do pé bom e do esperado pé fantasma, ela desenvolveu dois pés fantasmas extras, um no nível exato da amputação e o segundo, inclusive com batata da perna, estendendo-se para o chão, onde deveria estar se o membro não fosse congenitamente mais curto.6 Embora alguns pesquisadores tenham usado este exemplo para ilustrar o papel dos fatores genéticos na determinação da imagem corporal, pode-se igualmente usá-lo para 90 / FANTASMAS NO CÉREBRO enfatizar influências não-genéticas, pois por que seus genes iriam especificar três imagens separadas de uma perna? Um quarto exemplo que ilustra a complexa influência recíproca entre genes e meio ambiente nos leva de volta a nossa observação de que muitos amputados experimentam nítidos movimentos no fantasma, voluntária e involuntariamente, mas, na maior parte, os movimentos desaparecem posteriormente. Esses movimentos são sentidos a princípio porque o cérebro continua enviando comandos motores ao membro desaparecido (e os monitora), depois da amputação. Mas, mais cedo ou mais tarde, a falta de confirmação visual (Xii! não existe braço) faz o cérebro do paciente rejeitar estes sinais e os movimentos não são mais sentidos. Mas, se esta explicação estiver correta, como podemos entender a presença continuada de claros movimentos de membro em pessoas como Mirabelle, que nasceu sem braços? Posso imaginar que um adulto normal tenha tido uma vida inteira de feedback visual e cinestésico, processo que leva o cérebro a esperar teh feedback mesmo após uma amputação. O cérebro fica ”desapontado” se a expectativa não é cumprida — levando posteriormente a uma perda de movimentos voluntários ou até à perda completa do próprio fantasma. As áreas sensoriais do cérebro de Mirabelle, porém, nunca receberam esse feedback. Conseqüentemente, não existe dependência aprendida à feedback sensorial, e essa falta poderia explicar por que a sensação de movimentos tinha persistido, inalterada, por 25 anos. O último exemplo vem do meu país, a índia, que visito anualmente. A temida doença lepra ainda é muito comum por lá e freqüentemente leva a progressivas mutilações e perda de membros. No leprosário de Vellore, informaram-me que estes pacientes que perdem seus braços não sentem fantasmas, e pessoalmente vi vários casos e comprovei estas afirmações. A explicação comum é que o paciente ”aprende” gradualmente a assimilar o coto em sua imagem corporal, usando feedback visual, mas, se isto é verdade, como justificar a presença continuada de fantasmas em amputados? Talvez a perda gradual do membro ou a presença simultânea de um dano progressivo aos nervos causada pela bactéria da lepra seja, de alguma forma, decisiva. Isso poderia dar a seus cérebros mais tempo para ajustar a imagem corporal à realidade. Mais estranho ainda, quando esse paciente desenvolve gangrena em seu coto e o tecido infeccionado é amputado, ele desenvolve realmente um fantasma. Mas não é A CAÇA AO FANTASMA / 91 um fantasma do antigo coto; é um fantasma da mão inteira! É como se o cérebro tivesse uma representação dual, uma da imagem corporal original, estabelecida geneticamente, e uma imagem em andamento, atualizada, que pode incorporar mudanças subseqüentes. Por alguma razão estranha, a amputação perturba o equilíbrio e ressuscita a imagem original do corpo, que sempre esteve lutando para chamar a atenção.7 Menciono estes exemplos curiosos porque implicam que membros fantasmas surgem de um complexo jogo de influências recíprocas de variáveis genéticas e experimentais cujas relativas contribuições só podem ser desemaranhadas por sistemáticas investigações empíricas. E, como na maioria dos debates natureza/criação, perguntar qual é a variável mais importante não tem sentido — apesar de extravagantes afirmações em contrário na literatura sobre QI. (Na verdade, a pergunta não tem mais sentido do que perguntar se a umidade da água resulta principalmente das moléculas de hidrogênio ou das moléculas de oxigênio que constituem o H2O!) Mas a boa notícia é que, fazendo o tipo certo de experiências, pode-se separá-las, investigar como interagem e finalmente ajudar a desenvolver novos tratamentos para a dor fantasma. Parece extraordinário até mesmo contemplar a possibilidade de que se possa usar uma ilusão visual para eliminar a dor, mas tenham em mente que a própria dor é uma ilusão — construída inteiramente no cérebro, como qualquer outra experiência sensorial. Afinal de contas, não parece muito surpreendente usar uma ilusão para apagar outra. As experiências que discutimos até agora têm nos ajudado a entender o que está se passando nos cérebros de pacientes com fantasmas e fornecido indicações sobre como poderíamos ajudar a aliviar sua dor. Mas aqui há uma mensagem mais profunda: o próprio corpo é um fantasma, que o cérebro construiu temporariamente por pura conveniência. Sei que isto parece espantoso, de forma que vou demonstrar-lhes a maleabilidade da sua imagem corporal e como se pode alterá-la profundamente em apenas alguns segundos. Duas dessas experiências você pode fazer em si próprio agora mesmo, mas a terceira exige uma visita a uma loja de artigos para o Halloween (Dia das Bruxas). Para experimentar a primeira ilusão, você vai precisar de duas ajudantes. (Vamos chamá-las de Júlia e Mina.) Sente-se numa cadeira, de olhos vendados, e peça a Júlia que se sente em outra a sua frente, voltada para a mesma 92 / FANTASMAS NO CÉREBRO direção que você. Faça Mina ficar em pé a seu lado direito e dê-lhe as seguintes instruções: — Pegue minha mão direita e dirija meu dedo indicador para o nariz de Júlia. Movimente minha mão ritmicamente, de forma que meu indicador alise e bata de leve no nariz dela, numa seqüência aleatória, como numa mensagem em código Morse. Ao mesmo tempo, use sua mão esquerda e toque meu nariz no mesmo ritmo e seqüência. Os afagos e batidas no meu nariz e no de Júlia devem estar em perfeita sincronia. Depois de 30 ou 40 segundos, se você tiver sorte, desenvolverá a fantástica ilusão de que está tocando seu próprio nariz ou de que seu nariz foi deslocado e esticado cerca de um metro em frente ao seu rosto. Quanto mais aleatória e imprevisível for a seqüência de toques, mas impressionante será a ilusão. Esta é uma ilusão extraordinária; por que acontece? Sugiro que seu cérebro ”observa” que as sensações de afagos e batidas leves do seu indicador direito estão perfeitamente sincronizadas com os afagos e batidas sentidos em seu nariz. Então ele diz: — A batidinha no meu nariz é idêntica às sensações no meu dedo indicador direito; por que as duas seqüências são idênticas? A probabilidade de que isto seja uma coincidência é zero, e portanto a explicação mais provável é que meu dedo deve estar tocando meu próprio nariz. Mas eu também sei que minha mão está a 60 centímetros de distância do meu rosto. Assim, conclui-se que meu nariz também deve estar ali, a 60 cm de distância.8 Tentei esta experiência com vinte pessoas e funciona em cerca da metade delas (espero que funcione em você). Mas, para mim, o espantoso é simplesmente que funcione — que seu conhecimento seguro de que você tem um nariz normal, que a imagem do seu corpo e rosto construída durante uma vida sejam negados por apenas alguns segundos do tipo certo de estímulo sensorial. Esta experiência simples não só mostra quão maleável é sua imagem corporal como também ilustra o princípio mais importante subjacente a todas as percepções — que os mecanismos de percepção estão envolvidos principalmente na extração de correlações estatísticas procedentes do mundo para criar um modelo que seja temporariamente útil. A segunda ilusão exige um ajudante e é até mais fantasmagórica.9 Você terá de ir a uma loja de novidades ou de artigos para o Halloween e comprar uma mão de manequim, de borracha. Depois, construa uma ”parede” de papelão A CAÇA AO FANTASMA / 93 de 60 cm x 60 cm e coloque-a numa mesa à sua frente. Ponha sua mão direita atrás do papelão de forma que não possa vê-la e ponha a mão de borracha em frente ao papelão, de modo a poder vê-la claramente. Em seguida, faça seu amigo alisar sincronizadamente locais idênticos na sua mão e na de manequim, enquanto você olha para a mão de borracha. Dentro de alguns segundos, você experimentará a sensação de afago como nascendo da mão de borracha. A experiência é fantasmagórica, pois você sabe perfeitamente bem que está olhando para uma mão de borracha, sem corpo, mas isto não impede seu cérebro de atribuir sensação a ela. A ilusão ilustra, mais uma vez, como é efêmera sua imagem corporal e quão facilmente pode ser manipulada. Projetar sensações numa mão de borracha é deveras surpreendente, mas há coisas mais notáveis: meu aluno Rick Stoddard e eu descobrimos que se pode até experimentar sensações de toque como se surgissem de mesas e cadeiras que não apresentam nenhuma semelhança com partes do corpo humano. Esta experiência é especialmente fácil de fazer, já que você só precisa de um único amigo para ajudá-lo. Sente-se junto à escrivaninha e esconda sua mão esquerda por baixo da mesa. Peça ao amigo para bater de leve e alisar a superfície da mesa com sua (dele) mão direita (enquanto você observa) e então use a mão dele simultaneamente para bater de leve e alisar sua mão esquerda, que está escondida. E absolutamente crucial que você não veja os movimentos da mão esquerda dele, pois isto estragaria o efeito (use uma divisória de papelão ou uma cortina, se necessário). Depois de mais ou menos um minuto, você começará a sentir batidinhas e alisados como surgissem da superfície da mesa, embora sua mente consciente saiba perfeitamente bem que isto é logicamente absurdo. Mais uma vez, a simples improbabilidade estatística das duas seqüências de toques e afagos — uma, vista na superfície da mesa, e outra, sentida em sua mão — leva o cérebro a concluir que a mesa agora é parte do seu corpo. A ilusão é tão convincente que, nas poucas ocasiões em que acidentalmente fiz um afago mais demorado na superfície da mesa do que na mão oculta do paciente, a pessoa exclamou que sua mão parecia ”alongada” ou ”esticada” em proporções absurdas. Ambas as ilusões são muito mais do que divertidos truques de festa para tentar com seus amigos. A idéia de que você pode realmente projetar suas sensações para objetos externos é radical e me faz lembrar de certos fenômenos como experiências extracorpóreas ou até vodu (espete a boneca e ”sinta” a dor). 94 / FANTASMAS NO CÉREBRO Mas como podemos ter certeza de que a aluna voluntária não está apenas sendo metafórica ao dizer: ”Sinto meu nariz lá fora” ou ”A mesa sente como a minha própria mão”? Afinal de contas, muitas vezes tenho a experiência de ”sentir” que meu carro faz parte da imagem estendida do meu corpo, tanto que fico furioso se alguém faz um pequeno amassado nele. Mas seria o suficiente para eu argumentar, a partir daí, que o carro se tornara parte do meu corpo? Estas não são perguntas fáceis de enfrentar, mas, para descobrir se os alunos realmente se identificavam com a superfície da mesa, imaginamos um expediente simples que tira vantagem do que se chama resposta galvânica cutânea — (GSR, de galvania skin response). Se eu atacar você com um martelo ou segurar uma pedra pesada acima do seu pé e ameaçar soltá-la, as áreas visuais do seu cérebro despacharão mensagens para seu sistema límbico (o centro emocional), a fim de preparar seu corpo para adotar medidas de emergência (basicamente, dizendo-lhe para fugir do perigo). Seu coração começa a bombear mais sangue e você começa a suar para dispersar calor. Esta reação de alarme pode ser monitorada medindo as mudanças na resistência da pele — a chamada GSR — causadas pelo calor. Se você olha para um porco, um jornal ou uma caneta, não há nenhuma GSR, mas se olhar para algo evocativo — uma foto de Mapplethorpe, uma página dupla central da Playboy ou uma pedra pesada oscilando acima do seu pé — você registrará uma gigantesca GSR. Assim, liguei os dois voluntários estudantes a um dispositivo de GSR enquanto eles olhavam fixamente para a mesa. Então alisei simultaneamente a mão oculta e a superfície da mesa por vários segundos, até que o aluno começasse a sentir a mesa como sua própria mão. Em seguida, bati na superfície da mesa com um martelo, enquanto ele observava. Instantaneamente, houve uma enorme mudança de GSR, como se eu tivesse esmagado os dedos do estudante. (Quando tentei controlar a experiência de alisar a mesa e a mão fora de sincronia, o paciente não sentiu a ilusão nem houve reação de GSR.) Era como se a mesa agora tivesse ficado acoplada ao sistema límbico do estudante e sido assimilada em sua imagem corporal, tanto que a dor e a ameaça ao simulacro são sentidas como ameaças ao seu próprio corpo, conforme mostrado pela GSR. Se este raciocínio está correto, então talvez não seja uma tolice tão grande perguntar se você se identifica com seu carro. Apenas esmurre-o para ver se sua GSR se altera. Na verdade, a técnica pode nos dar uma pista para começar a entender fenômenos indefiníveis como a empada e o amor que se sente por A CAÇA AO FANTASMA / 95 ,um filho ou um cônjuge. Se você está profundamente apaixonado por alguém, é possível que se tenha realmente tornado parte dessa pessoa? Talvez suas almas — e não simplesmente seus corpos — tenham ficado entrelaçadas. Agora, pense no que tudo isto significa. Pela vida inteira, você tem andado por aí, supondo que seu ”eu” está ancorado num corpo único que continua estável e permanente pelo menos até a morte. Realmente, a ”lealdade” do seu eu ao seu próprio corpo é tão axiomática que você nunca parou para pensar no assunto, quanto mais questioná-lo. Contudo, estas experiências sugerem exatamente o contrário — que sua imagem corporal, apesar de toda sua aparência de durabilidade, é uma construção interior inteiramente transitória, que pode ser modificada profundamente com apenas alguns truques simples. É apenas uma concha que você criou temporariamente, para transmitir com sucesso seus genes a sua descendência. CAPÍTULO 3 O zumbi no cérebro Ele se recusava a se associar a qualquer investigação que não tendesse para o incomum, e mesmo para o fantástico. — DR. JAMES WATSON David Milner, neuropsicólogo da Universidade de St. Andrews em Fife, Escócia, estava tão ansioso para chegar ao hospital e examinar sua recém-chegada paciente que quase se esqueceu de levar as anotações do caso, com a descrição do seu estado. Teve de voltar apressado a casa, sob uma chuva fria de inverno, para pegar as fichas de Diane Fletcher. Os fatos eram simples mas trágicos: Diane tinha se mudado recentemente para o norte da Itália, onde iria trabalhar como tradutora comercial free-lance. Ela e o marido tinham encontrado um daqueles adoráveis apartamentos antigos, perto do centro medieval da cidade, recém-pintado, com utensílios novos de cozinha e banheiro reformado — um lugar quase tão luxuoso quanto sua casa no Canadá. Mas sua aventura durou pouco. Quando Diane entrou no chuveiro certa manhã, não sabia que o aquecedor de água estava inadequadamente ventilado. Quando acendeu o gás propano para aquecer a água, acumulou-se monóxido de carbono no pequeno banheiro. Diane estava lavando o cabelo quando as emanações inodoras a engolfaram, levando-a a perder a consciência e cair no piso de azulejos, com 98 / FANTASMAS NO CÉREBRO o rosto vivamente avermelhado pela mistura irreversível de monóxido de carbono à hemoglobina de seu sangue. Ficou ali talvez durante 20 minutos, a água caindo sobre seu corpo flácido, quando o marido voltou para pegar algo que tinha esquecido. Se não tivesse voltado a casa, ela teria morrido em uma hora. Mas, embora Diane tenha sobrevivido, conseguindo uma surpreendente recuperação, seus amigos e parentes logo verificaram que algumas partes dela tinham desaparecido para sempre, perdidas em áreas de tecido do cérebro permanentemente atrofiado. Quando despertou do estado de coma, Diane estava completamente cega. Alguns dias depois conseguia reconhecer cores e texturas, mas não formas de objetos ou rostos — nem mesmo o do marido ou seu próprio reflexo num espelho. Ao mesmo tempo, não tinha nenhuma dificuldade em identificar pessoas pela voz e podia dizer o nome dos objetos, se estes fossem colocados em suas mãos. Milner foi consultado devido ao seu antigo e permanente interesse em problemas visuais surgidos após derrames e outras lesões cerebrais. Informaram-lhe que Diane viera à Escócia, onde vivem seus pais, a fim de ver se podia ser feito algo para ajudá-la. Quando Milner iniciou os testes visuais de rotina, ficou claro que Diane estava cega em todos os sentidos tradicionais da palavra. Não conseguia ler as letras maiores numa tabela para exame de vista e, quando ele lhe mostrava dois ou três dedos, não conseguia dizer quantos eram. A certa altura, Milner segurou um lápis. •— O que é isto? — perguntou. Como de costume, Diane pareceu confusa. Depois, fez algo inesperado. — Aqui, deixe-me vê-lo — disse ela, estendendo o braço e tirando agilmente o lápis da mão dele. Milner ficou espantado, não com sua capacidade de identificar o objeto ao senti-lo, mas com sua destreza em arrancá-lo da mão dele. Diane estendeu a mão para o lápis, segurou-o e levou-o de volta para o colo, num movimento natural. Você nunca diria que ela estava cega. Era como se outra pessoa — um zumbi inconsciente dentro dela -— tivesse guiado suas ações. (Quando falo zumbi, quero dizer um ser completamente não-consciente, mas é claro que o zumbi não está adormecido. Está perfeitamente alerta e capaz de fazer movimentos complexos, hábeis, como as criaturas do filme cult A noite dos mortos vivos.) O ZUMBI NO CÉREBRO / 99 Intrigado, Milner decidiu fazer algumas experiências com a capacidade oculta de Diane. Mostroulhe uma linha reta e perguntou: — Diane, esta linha é vertical, horizontal ou inclinada? — Não sei — respondeu. Então, mostrou-lhe uma fenda vertical (na verdade, uma tampa de caixa postal) e pediu que descrevesse sua orientação. Novamente, a resposta: Não sei. Quando lhe entregou uma carta e pediu-lhe que a colocasse na fenda da caixa postal, ela protestou: — Oh, não consigo fazer isso. — Oh, vamos lá, faça uma tentativa — disse ele. — Finja que está pondo uma carta no correio. Diane relutou. — Tente — insistiu ele. Diane tomou a carta do médico e movimentou-a em direção à caixa postal, girando a mão de tal forma que a carta ficou perfeitamente alinhada com o sentido da fenda. Em outra manobra ainda mais hábil, Diane meteu rapidamente a carta na abertura, embora não conseguisse dizer se era vertical, horizontal ou inclinada. Executou esta instrução sem nenhum conhecimento consciente, como se aquele mesmo zumbi tivesse se encarregado da tarefa e guiado sua mão para o objetivo.1 As ações de Diane são espantosas porque geralmente pensamos na visão como um processo único e singular. Quando alguém que é obviamente cego pode estender a mão e pegar uma carta, girar a carta para a posição correta e colocá-la através de uma abertura que não pode ”ver”, a habilidade parece quase paranormal. Para entender o que Diane está experimentando, precisamos abandonar todas as idéias comuns sobre o que é realmente ver. Nas próximas páginas, você descobrirá que há muito mais coisas nesta percepção do que a visão do olho. Como a maioria das pessoas, você provavelmente dá a visão como coisa certa e não precisa de mais explicações. Você acorda de manhã, abre os olhos e, voilà, tudo está ali a sua frente. Ver parece tão fácil, tão automático, que simplesmente deixamos de reconhecer que a visão é um processo incrivelmente complexo — e ainda profundamente misterioso. Mas pense, por um momento, no que acontece a cada vez que você olha de relance até para a cena mais simples. Como observou meu colega Richard Gregory, tudo o que você recebe são duas minús- 100 / FANTASMAS NO CÉREBRO culas imagens bidimensionais de cabeça para baixo dentro dos globos oculares, mas o que você percebe é um singular mundo panorâmico, na posição correta, tridimensional. Como pode se operar esta milagrosa transformação?2 Muitas pessoas se aferram ao conceito errado de que o ato de ver envolve simplesmente a varredura de uma imagem mental interna de certo tipo. Por exemplo, não faz muito tempo estava num coquetel e um jovem colega me perguntou o que eu fazia para viver. Quando lhe disse que estava interessado no modo como as pessoas vêem as coisas — e como o cérebro está envolvido na percepção —, ele pareceu perplexo. — O que existe aí para estudar? — perguntou. — Bem — respondi —, o que acha que acontece no cérebro quando você olha para um objeto? Ele olhou de relance para o cálice de champanhe em sua mão. — Bom, há uma imagem de cabeça para baixo desse cálice incidindo no meu globo ocular. O jogo de imagens claras e escuras ativa fotorreceptores na minha retina, e as formas são transmitidas ponto por ponto através de um cabo — meu nervo óptico — e exibidas numa tela em meu cérebro. Não é assim que vejo este cálice de champanhe? E claro, meu cérebro; precisaria recolocar a imagem na posição certa. Embora seu conhecimento de fotorreceptores e óptica fosse impressionante, a explicação — de que em alguma parte interior do cérebro existe uma tela onde imagens são exibidas — engloba uma séria falácia lógica. Pois se você tivesse de exibir a imagem de um cálice de champanhe numa tela neural interna, precisaria de outra pequena pessoa dentro do cérebro para ver essa imagem. E isso também não resolveria o problema, porque então você precisaria de mais outra pessoa, ainda menor, dentro de sua cabeça para ver essa imagem, e assim por diante, ad infinitum. Você terminaria com uma infindável regressão de olhos, imagens e pequenas pessoas, sem resolver realmente o problema da percepção. Assim, o primeiro passo para entender a percepção é livrar-se da idéia de imagens no cérebro e começar a pensar em descrições simbólicas de objetos e acontecimentos no mundo exterior. Um bom exemplo de descrição simbólica é um parágrafo escrito como os desta página. Se você tivesse de transmitir a um amigo na China o aspecto do seu apartamento, não precisaria teletransportálo para a China. Bastaria escrever-lhe uma carta, descrevendo seu apartamenO ZUMBI NO CÉREBRO / 101 to. Contudo, os rabiscos de tinta — as palavras e parágrafos da carta — não têm nenhuma semelhança física com o seu quarto. A carta é uma descrição simbólica do seu quarto de dormir. O que se pretende dizer com descrição simbólica no cérebro? Não rabiscos de tinta, é claro, mas a linguagem de impulsos nervosos. O cérebro humano contém múltiplas áreas para processar imagens, cada uma das quais é composta de uma emaranhada rede de neurônios especializada em extrair da imagem certos tipos de informação. Qualquer objeto evoca uma forma de atividade — única para cada objeto — entre um subconjunto destas áreas. Por exemplo, quando você olha para um lápis, um livro ou um rosto, uma diferente forma de atividade é trazida à tona em cada caso, ”informando” os centros superiores do cérebro sobre o que você está olhando. Os padrões de atividade simbolizam ou representam objetos visuais da mesma forma que os rabiscos de tinta no papel simbolizam ou representam seu quarto de dormir. Como cientistas tentando entender os processos visuais, nosso objetivo é decifrar o código usado pelo cérebro para criar estas descrições simbólicas, da mesma forma que um criptógrafo tenta decifrar uma estranha mensagem escrita em código. Figura 4. Um cubo de Necker Observe que este esboço de desenho de um cubo pode ser visto de dois modos diferentes — ou apontando para cima e para a esquerda ou para baixo e para a direita. A percepção pode mudar, mesmo quando a imagem na sua retina é constante. 102 / FANTASMAS NO CÉREBRO Assim, a percepção envolve muito mais do que a reprodução de uma imagem no cérebro. Se a visão fosse simplesmente uma cópia fiel da realidade, do mesmo modo que um fotógrafo capta uma cena, então deveria continuar sempre constante, se a imagem na retina fosse mantida constante. Mas não é assim. A percepção pode mudar radicalmente, mesmo quando a imagem em sua retina continua a mesma. Um exemplo impressionante foi descoberto em 1832 pelo cristalógrafo suíço L. A. Necker. Certo dia, ele estava olhando no microscópio um cristal cubóide e de repente notou uma coisa. Toda vez que olhava, parecia que o aspecto mudava — uma impossibilidade física. Necker ficou intrigado e imaginou se algo dentro de sua própria cabeça não estava se movimentando, e não no cristal. Para testar esta estranha idéia, fez um simples desenho em linhas do cristal, e, pasmem, este também se movimentava (Figura 4.1). Você pode vê-lo apontando para cima ou para baixo, dependendo de como seu cérebro interpreta a imagem, embora a imagem continue constante em sua retina, sem mudar em nada. Portanto, todo ato de percepção, mesmo algo tão simples como ver o desenho de um cubo, envolve um ato de julgamento pelo cérebro. Ao fazer esses julgamentos, o cérebro tira vantagem do fato de que o mundo em que vivemos não é caótico e amorfo; tem propriedades físicas estáveis. Durante a evolução — e em parte durante a infância, como resultado da aprendizagem —, estas propriedades estáveis se tornaram incorporadas às áreas visuais do cérebro como suposições ”certas” ou conhecimento oculto sobre o mundo que pode ser usado para eliminar ambigüidade na percepção. Por exemplo, quando um conjunto de pontos se movimentam em uníssono — como as pintas num leopardo — geralmente pertencem a um só objeto. Assim, em qualquer momento que você vê um conjunto de pontos se movendo juntos, seu sistema visual faz a ilação razoável de que não está se movendo assim apenas por coincidência — de que provavelmente são um só objeto. E, portanto, é o que você vê. Não é de admirar que o físico alemão Hermann von Helmholtz (o fundador da ciência visual) chamasse a percepção de ”ilação inconsciente”.3 Dê uma olhada nas imagens sombreadas na Figura 4.2. São apenas discos planos sombreados, mas você observará que cerca de metade deles parecem ovos com o bojo voltado para você, e os outros, entremeados aleatoriamente, O ZUMBI NO CÉREBRO / 103 parecem cavidades ocas. Se examiná-los cuidadosamente, notará que os que são brancos em cima parecem sobressair para você, enquanto os que são pretos em cima parecem cavidades. Se você virar a página de cabeça para baixo, verá que todos se invertem. As protuberâncias tornam-se cavidades e viceversa. A razão é que, ao interpretar as formas de imagens sombreadas, seu sistema visual tem uma suposição embutida de que o sol brilha a partir de cima, e que, no mundo real, um objeto convexo projetando-se para você seria iluminado no topo, ao passo que uma cavidade receberia luz embaixo. Dado que evoluímos num planeta com um único sol que geralmente brilha no alto, esta é uma suposição razoável4. Claro, às vezes ele está no horizonte, mas, estatisticamente falando, a luz solar vem normalmente de cima e, seguramente, nunca vem de baixo. Não faz muito tempo, tive a agradável surpresa de descobrir que Charles Darwin tivera ciência deste princípio. As penas da cauda do faisão argus têm notáveis marcas cinzentas em forma de disco que parecem muito com as que você vê na Figura 4.3; são, porém, sombreadas da esquerda para a direita em vez de em cima e embaixo. Darwin percebeu que a ave poderia estar usando isto como um ”convite” sexual em seu ritual de corte, com os notáveis discos de aspecto metálico sendo o equivalente a jóias no mundo das aves. Mas, se é assim, por que o sombreado da esquerda para a direita, em vez de em cima e embaixo? Darwin conjecturou corretamente que talvez durante a corte as penas se eriçassem, apontando para cima, e de fato é exatamente o que acontece, ilustrando no sistema visual das aves uma impressionante harmonia entre seu ritual de corte e a direção da luz solar. Indício ainda mais convincente da existência de todos esses processos extraordinariamente sofisticados na visão vem da neurologia — de pacientes como Diane e outros que sofreram déficits visuais altamente seletivos. Se a visão envolve simplesmente a exibição de uma imagem numa tela neural, então, no caso de lesão neural, seria de esperar o desaparecimento de pedacinhos e partes do cenário — ou o cenário inteiro —, dependendo da extensão do dano. Mas os defeitos são geralmente muito mais sutis. Para entender o que está realmente acontecendo nos cérebros desses pacientes e por que sofrem tais problemas peculiares, precisamos examinar mais de perto as vias anatômicas envolvidas com a visão. 104 / FANTASMAS NO CÉREBRO Figura 4.2 Uma mistura de ovos e cavidades. Os discos sombreados são todos idênticos, só que a metade deles é clara no alto e o resto é escuro no alto. Os claros no alto são sempre vistos como ovos destacando-se para fora do papel, ao passo que os escuros em cima são vistos como cavidades. Isto é porque as áreas visuais do seu cérebro têm embutido um sentido de que o sol está brilhando a partir de cima. Se isso fosse verdade, então só as protuberâncias (ovos) seriam claras no alto e as concavidades seriam claras em baixo. Se você virar a página de cabeça para baixo, os ovos se transformarão em cavidades e as cavidades em ovos. Adaptado de Ramachandran, 1988a. Quando eu era estudante, ensinaram-me que as mensagens procedentes de meus globos oculares passam pelo nervo óptico para o córtex visual na parte posterior de meu cérebro (para uma área chamada córtex visual primário) e que é aí que a visão se realiza. Existe um mapa ponto-a-ponto da retina nesta parte do cérebro — cada ponto no espaço visto pelo olho tem um ponto correspondente no mapa. Este processo de mapeamento foi originalmente deduzido do fato de que, quando as pessoas sofrem lesão no córtex visual primário — digamos, quando uma bala atravessa uma pequena área —, ficam com um O ZUMBI NO CÉREBRO / 105 Figura 4.3 As penas da cauda dofaisão argus têm destacadas marcas em forma de disco ordinariamente sombreadas da esquerda para a direita, em vez de de cima para baixo. Charles Darwin observou que, quando a ave efetua seu ritual de corte, galanteio, a cauda aponta para cima. Os discos então ficam claros no alto — fazendo-os se arquear distintamente para fora, como os ovos na Figura 4.2. Esta pode ser a coisa mais próxima do equivalente a jóias no mundo das aves. Retirado de The Descent ofMan, de Charles Darwin (1871), John Murray, Londres. buraco correspondente ou ponto cego no seu campo visual. Além disso, devido a alguma singularidade na história evolutiva, cada lado do cérebro vê a metade oposta do mundo (Figura 4.4). Se você olhar diretamente em frente, o mundo inteiro à sua esquerda é mapeado em seu córtex visual direito e o mundo à direita do seu centro de atenção é mapeado em seu córtex visual esquerdo.5 Mas a mera existência deste mapa não explica o ato de ver, pois, como observei anteriormente, não existe um homenzinho lá dentro observando o que é exibido no córtex visual primário. Em vez disso, este primeiro mapa serve como um escritório de classificação e editoração onde informações redundantes ou inúteis são descartadas em bloco e certas características que definem a imagem visual — como fios e margens — são fortemente enfatizadas. (É por isso que um cartunista pode transmitir uma imagem tão vivida com apenas 106 / FANTASMAS NO CÉREBRO Direito Esquerdo Radia< óptica HEMISFÉRIO ESQUERDO Cortex visual primário Figura 4.4. Parte inferior do cérebro humano vista de baixo. Observe o curioso arranjo de fibras que vão da retina para o córtex visual. Uma imagem visual no campo visual esquerdo (cinza-escuro) incide no lado direito da retina do olho direito como também no lado direito da retina do olho esquerdo. As fibras externas (temporais) procedentes do olho direito (cinzaescuro) vão então para o mesmo córtex (visual) direito sem cruzar com o quiasma óptico. As fibras internas (nasais) do olho esquerdo (cinza-escuro) cruzam com o quiasma e vão também para o córtex visual direito. Assim, o córtex visual direito ”vê” o lado esquerdo do mundo. Como existe um mapa sistemático da retina no córtex visual, um ”buraco”no córtex visual causará um correspondente ponto cego (escotoma) no campo visual. Se o córtex visual direito for removido inteiramente, o paciente ficará completamente cego para o lado esquerdo do mundo. Redesenhado a partir de A Vision ofthe Brain, de S. Zeki, 1993. Reproduzido com permissão da Blackwell (Oxford). O ZUMBI NO CÉREBRO / 107 alguns traços retratando só os contornos ou margens; ele está imitando o que seu sistema visual é especializado em fazer.) Esta informação editada é então retransmitida a cerca de trinta áreas visuais distintas no cérebro humano, cada uma das quais recebe um mapa completo ou parcial do mundo visual. (As expressões ”escritório de classificação” e ”retransmissão” não são inteiramente apropriadas, já que estas áreas iniciais executam análises perfeitamente sofisticadas e contêm maciças projeções á.e feedback procedentes das áreas visuais superiores. Voltaremos a elas mais tarde.) Isto suscita uma pergunta interessante. Por que precisamos de trinta áreas?6 Não sabemos a resposta, mas elas parecem altamente especializadas em extrair diferentes características da cena visual — cor, profundidade, movimento etc. Quando uma ou mais áreas são seletivamente danificadas, você é confrontado com estados mentais paradoxais do tipo visto em vários pacientes neurológicos. Um dos exemplos mais famosos em neurologia é o caso de uma mulher suíça (que chamarei de Ingrid) que sofria de ”cegueira para movimento”. Ingrid tinha lesão bilateral numa área do cérebro chamada área temporal média (MT). Na maioria dos aspectos, sua visão era normal; podia identificar formas de objetos, reconhecer pessoas e ler livros sem problema. Mas se olhasse para uma pessoa correndo ou um carro se movimentando na estrada, tinha uma sucessão de instantâneos estáticos, estroboscópicos, em vez da impressão regular de movimento contínuo. Sentia terror de atravessar uma rua, porque não conseguia calcular a velocidade dos carros que passavam, embora pudesse identificar a marca, a cor e até a placa de qualquer veículo. Dizia que conversar com alguém pessoalmente era como falar ao telefone, porque não podia ver as mudanças de expressões faciais associadas com uma conversação normal. Até pôr café na xícara era uma provação, porque o líquido inevitavelmente transbordaria e respingaria no chão. Nunca sabia quando diminuir o ritmo do movimento, mudar o ângulo da cafeteira, porque não conseguia calcular a velocidade do líquido subindo na xícara. Todas essas habilidades normalmente parecem, tão naturais para você e para mim que nem pensamos nisso. Somente quando algo está errado, como quando esta área de movimento é danificada, é que começamos a verificar como a visão é realmente sofisticada. Outro exemplo envolve a visão de cor. Quando pacientes sofrem lesão bilateral numa área chamada V4, tornam-se completamente cegos para cores (este é um tipo diferente da forma mais comum de cegueira congênita para cores 108 / FANTASMAS NO CÉREBRO O ZUMBI NO CÉREBRO / 109 que surge porque o>s pigmentos sensíveis à cor no olho são deficientes). Em seu livro Um antropólogo em Marte, Oliver Sacks descreve um artista que foi para casa certa noite, depois de sofrer um derrame tão pequeno que não notou no momento. Mas, quando entrou em casa, todas as suas pinturas coloridas de repente pareciam ter sido feitas em preto-e-branco. Na verdade, o mundo inteiro estava preto e branco e logo ele entendeu que as pinturas não tinham mudado, que alguma coisa lhe tinha acontecido. Ao olhar para sua mulher, viu um rosto cinza fosco — e disse que ela parecia um chapéu. Assim, isso cobre duas das trinta áreas — MT e V4 1—, mas e todas as restantes? Indubitavelmente, estão fazendo algo igualmente importante, mas ainda não temos idéias claras sobre quais poderiam ser suas funções. Contudo, apesar da desnorteante complexidade de todas estas áreas, o sistema visual parece ter uma organização total relativamente simples. Mensagens dos globos oculares passam pelo nervo óptico e imediatamente se bifurcam ao longo de duas vias — uma filogen eticamente antiga, e uma segunda, mais nova, que é mais desenvolvida nos primatas, inclusive humanos. Além disso, parece haver uma clara divisão de trabalho entre estes dois sistemas. A via ”mais antiga” vai do olho diretamente para baixo, para uma estrutura chamada colículo superior no tronco cerebral, e daí posteriormente para áreas corticais superiores, especialmente nos lobos parietais. Avia ”mais nova”, por outro lado, avança dos olhos para um aglomerado de células chamado núcleo geniculado lateral, que é uma estação de retransmissão no trajeto para o córtex visual primário (Figura 4.5). Daí, a informação visual é transmitida às cerca de trinta áreas visuais para outros processamentos. Por que temos uma via antiga e uma via nova? Uma das possibilidades é que a via mais antiga tenha sido preservada como uma espécie de sistema de alerta antecipado e seja envolvida com o que às vezes é chamado de ”comportamento orientador”. Por exemplo, se um objeto grande vem na minha direção a partir da esquerda, esta via mais antiga me diz onde está este objeto, possibilitando-me girar os globos oculares e virar minha cabeça e corpo a fim de olhar para ele. Este é um reflexo primitivo que introduz eventos potencialmente importantes em minha fóvea, a região central de alta acuidade dos meus olhos. Nesta fase, começo a organizar meu sistema filogeneticamente mais novo para determinar qual é o objeto, pois somente então posso decidir como reagir. Retina Olho / Núcleo geniculado lateral Córtex visual Figura 4.5 A organização anatômica das vias visuais. Diagrama esquemático do hemisfério esquerdo visto a partir do lado esquerdo. As fibras provenientes do globo ocular se afastam em dois ”fluxos”paralelos: uma via nova que vai para o núcleo geniculado lateral (aqui mostrado na 1superfície, para efeito de clareza, embora esteja realmente dentro do tálamo e não no lobo temporal) e uma via antiga que vai para o colículo superior no tronco cerebral. A via ”nova” então vai para o córtex visual e novamente se divide (após algumas religações) em duas vias (setas brancas) — uma via do ”como” nos lobos parietais, que é envolvida com atos como agarrar 1coisas, navegar, andar e outras funções espaciais, e a segunda, a via do ”o quê” nos lobos temporais, envolvida com o reconhecimento de objetos. Estas duas vias foram descobertas por Leslie Ungerleider e Mortimer Mischkin, dos Institutos Nacionais de Saúde. •As duas vias são mostradas aqui por setas brancas. lio / FANTASMAS NO CÉREBRO Devo pegá-lo, esquivar-me, fugir dele, comê-lo, combatê-lo ou fazer amor com ele? Uma lesão nesta segunda via — especialmente no córtex visual primário — leva à cegueira no sentido convencional. É causada mais comumente por um derrame — um vazamento ou coágulo de sangue num dos principais vasos sangüíneos que irrigam o cérebro. Se o vaso por acaso for uma artéria cerebral na parte posterior do cérebro, pode ocorrer dano ou no lado esquerdo ou no direito do córtex visual primário. Quando o córtex primário direito é danificado, a pessoa fica cega no campo visual esquerdo, e se o córtex primário esquerdo é danificado, o campo visual direito é destruído. Esta espécie de cegueira, chamada hemianopia, é conhecida há muito tempo. Mas também reserva surpresas. O Dr. Larry Weiskrantz, cientista que trabalha na Universidade de Oxford na Inglaterra, fez uma experiência muito simples que espantou os especialistas em 1visão.7 Seu paciente (conhecido como 1D.B., a quem chamarei de Drew) teve uma massa anormal de vasos sangüíneos removida cirurgicamente do cérebro, juntamente com um pouco de tecido cerebral normal das proximidades. Como uma massa malformada se localizava no córtex visual primário direito, o procedimento tornou Drew completamente cego para a metade esquerda do mundo. Não importava que usasse o olho esquerdo ou o direito, que olhasse direto para frente 1—, não conseguia ver nada no lado esquerdo do mundo. Em outras palavras, embora pudesse enxergar com os dois olhos, nenhum deles conseguia ver seu próprio campo visual esquerdo. Depois da cirurgia, o oftalmologista de Drew, Mike Sanders, pediu-lhe que olhasse direto, em frente, para um pequeno ponto de fixação montado no centro de um dispositivo que parece uma enorme bola translúcida de pingue-pongue. Todo o campo visual de Drew foi ocupado por um pano de fundo homogêneo. Em seguida, Sanders lançou pontos de luz em diferentes partes da tela curva montada no interior de uma bola e perguntou se ele conseguia vê-los. Toda vez que o ponto caía em seu campo visual bom, ele dizia: ”Sim, sim, sim.” Mas, quando o ponto incidia em sua região cega, nada dizia. Não estava vendo. Até aqui, tudo bem. Então, Sanders e Weiskrantz observaram algo muito estranho. Drew estava obviamente cego no campo visual esquerdo, mas, se o condutor da experiência colocasse a mão nessa região, Drew estendia o braço para tocá-la com muita precisão! Os dois pesquisadores pediram a Drew para olhar fixa e diretamente em frente e puseram marcadores móveis na parede, à O ZUMBI NO CÉREBRO / l l esquerda de onde ele estava olhando. Mais uma vez, ele conseguiu apontar os marcadores, embora insistisse que realmente não os ”via”. Eles ergueram um bastão, ora em posição vertical ora horizontal, em seu campo cego e pediram que desse um palpite sobre a posição do bastão. Drew não teve problema em fazê-lo, embora dissesse novamente que não conseguia vê-lo. Depois de umalonga série de ”palpites”, em que não cometeu praticamente nenhum erro perguntaram-lhe: — Você sabe que se saiu muito bem? — Não — respondeu. — Não sei, porque não pude ver nada. Não 1con segui ver coisa nenhuma. — Pode dizer como teve o palpite, o que fez você dizer se a posição era vertical ou horizontal? — Não, porque não vi nada; simplesmente não sei. ’ Finalmente, perguntaram-lhe: — Então você realmente não sabia que estava acertando tudo? — Não — respondeu Drew, com um ar de incredulidade. Weiskrantz e seus colegas deram a este fenômeno um nome paradoxal —”visão cega” — e trataram de documentá-la em outros pacientes. Mas a desco berta é tão surpreendente que muitas pessoas ainda não aceitam que este fenômeno seja possível. Weiskrantz interrogou Drew repetidamente sobre sua ”visão” no campo esquerdo cego, e na maior parte do tempo Drew disse que não via absolutamente nada. Se pressionado, podia ocasionalmente dizer que tinha uma ”sen sação” de que um estímulo estava se aproximando ou se afastando, ou que era ”liso” ou ”irregular”. Mas Drew sempre enfatizava que não via nada no sentido de ”enxergar”; que estava conjecturando e que não conseguia achar palavras para descrever qualquer percepção consciente. Os pesquisadores ficaram convencidos de que Drew era um colaborador confiável e honesto, e que, quando os objetos do teste caíam perto do vértice do seu campo visual bom, sen pré o dizia prontamente. Sem invocar percepção extra-sensorial, como explicar a visão cega — urr pessoa apontando para ou adivinhando a presença de um objeto que não consegue perceber conscientemente? Weiskrantz sugeriu que o paradoxo é resolvido quando se considera a divisão de trabalho entre as duas vias visuais de que falamos anteriormente. Nesse caso específico, embora Drew tivesse perdido 112 / FANTASMAS NO CÉREBRO seu córtex visual primário — tornando-o cego — sua via ”de orientação” filogeneticamente primitiva ainda estava intacta, e talvez medeie a visão cega. Em outras palavras, o ponto de luz na região cega — embora não consiga ativar a via mais nova, que está danificada — é transmitido através do colículo superior para centros superiores do cérebro como os lobos 1parietais, guiando o braço de Drew em direção ao ponto ”invisível”. Esta ousada interpretação traz consigo uma implicação extraordinária — 1que somente a via nova é capaz de percepção consciente (”Eu vejo isto”), ao passo que a via antiga pode usar informação visual para todos os tipos de comportamento, mesmo que a pessoa esteja completamente inconsciente do que acontece. Deve-se concluir, então, que a percepção consciente é uma propriedade especial da via evolutivamente mais recente do córtex visual? Se é assim, por que esta via tem acesso privilegiado à mente? São questões que examinaremos no último capítulo. O que examinamos até aqui é a versão simples da história da percepção, mas de fato o quadro é um pouquinho mais complicado. Acontece que a informação na via ”nova” — a que contém o córtex visual primário que supostamente leva à experiência consciente (e que está completamente danificada em Drew) — mais uma vez se desvia em duas direções distintas. Uma é a via do ”onde”, que termina no lobo parietal (nas laterais de seu cérebro, acima das orelhas); a outra, às vezes chamada via do ”o quê”, vai para o lobo temporal (abaixo das têmporas). Parece que cada um destes dois sistemas é também especializado em um distinto subconjunto de funções visuais. Realmente a expressão via do ”onde” é um pouco enganadora, porque este sistema é especializado não apenas no ”onde” — em atribuir localização espacial a objetos 1—, mas em todos os aspectos da visão espacial: a capacidade dos organismos de andar pelo mundo, vencer terrenos acidentados e evitar colisão com objetos e queda em buracos. Ele provavelmente capacita um animal a determinar a direção de um alvo móvel, a avaliar a distância de objetos que se aproximam ou se afastam e a esquivar-se de um projétil. Se você for um primata, ele o ajuda a estender o braço e pegar um objeto com os dedos e o polegar. O psicólogo canadense Mel Goodale sugeriu que este sistema devia realmente ser chamado ”visão para a via de ação” ou ”via do como”, já que parece estar envolvido principalmente com movimentos guiados visualmente. (Daqui em diante, o chamarei de via do 1”como”.) O ZUMBI NO CÉREBRO / 113 Agora, talvez você coce a cabeça e diga: Meu Deus, e o que mais? O que resta é sua capacidade de identificar o objeto; daí, a segunda via ser chamada via do ”o quê”. O fato de a maioria das suas trinta áreas visuais serem na realidade localizadas neste sistema dá uma idéia de sua importância. Esta coisa que você está olhando é uma raposa, uma pêra ou uma rosa? É o rosto de um inimigo, um amigo, um companheiro? É Drew ou Diane? Quais são os atributos semânticos e emocionais desta coisa? Interessa-me? Estou com medo dela? Três pesquisadores, Ed Rolls, Charlie Gross e David Perrett, descobriram que, se você colocar um eletrodo dentro do cérebro de um macaco para monitorar a atividade das células neste sistema, há uma região específica onde você encontra as chamadas células de rosto — cada neurônio só se ativa em reação à foto de um determinado rosto. Assim, uma célula pode responder ao macho dominante no bando de macacos, outra ao companheiro ou companheira do macaco, outra ao macho alfa substituto — isto é, o humano condutor da experiência. Isto não significa que uma única célula seja de algum modo responsável pelo processo completo de reconhecer rostos; o reconhecimento provavelmente depende de uma cadeia que envolve milhares de sinapses. Contudo, as células de face existem como parte crítica de uma cadeia de células envolvidas no reconhecimento de rostos e outros objetos. Assim que estas células são ativadas, sua mensagem é de algum modo retransmitida a áreas superiores nos lobos temporais envolvidos com ”semântica” — todas as lembranças e conhecimento que você tem daquela pessoa. Onde nos encontramos antes? Qual é o nome dela? Qual foi a última vez em que vi essa pessoa? O que estava fazendo? Acrescentem-se a isto, finalmente, todas as emoções despertadas pelo rosto da pessoa. Para ilustrar mais o que estes dois fluxos — as vias do o quê e do como — fazem em seu cérebro, gostaria que você imaginasse uma experiência. Na vida real, as pessoas têm derrames, ferimentos na cabeça ou outros acidentes cerebrais e podem perder vários pedaços dos fluxos do o quê e do como. Mas a natureza é confusa e raramente as perdas são confinadas exclusivamente a um fluxo e não ao outro. Assim, vamos supor que um dia você acorde e sua via do o quê tenha sido destruída seletivamente (talvez um médico malvado tenha entrado na calada da noite, posto você a nocaute e removido seus dois lobos temporais). Eu me arriscaria a prever que, quando você acordou, o mundo inteiro parecia uma galeria de esculturas abstratas, talvez uma galeria de arte 114 / FANTASMAS NO CÉREBRO marciana. Nenhum objeto que você olhasse seria reconhecível nem evocaria emoções ou associações com qualquer outra coisa. Você ”veria” estes objetos, seus contornos e formas, poderia estender o braço e pegá-los, apalpá-los com os dedos e apanhar um, se eu o atirasse para você. Em outras palavras, sua via do como estaria funcionando. Mas você não teria a mais vaga idéia sobre o que eram estes objetos. É uma questão discutível especular se você estaria ”consciente” de qualquer um deles, pois pode-se argumentar que o termo consciência não quer dizer nada, a não ser que você reconheça o significado emocional e as associações semânticas daquilo que está olhando. Dois cientistas, Heinrich Klüver e Paul Bucy, da Universidade de Chicago, realizaram realmente uma experiência como esta em 2macacos, removendo cirurgicamente seus lobos temporais que contêm a via do o quê. Os animais podem andar normalmente e evitar choques com as paredes da jaula — porque a via do como está intacta •—-, mas, se lhes derem um cigarro aceso ou uma lâmina de barbear, provavelmente meterão na boca e começarão a mastigar. Macacos machos cobrirão qualquer outro animal, inclusive galinhas, gatos ou mesmo os seres humanos que estão conduzindo a experiência. Não estão superexcitados sexualmente, apenas não sabem discriminar. Têm grande dificuldade em saber o que é uma presa, o que é uma companheira, o que é comida e, em geral, qual poderia ser o significado de qualquer objeto. Existem pacientes humanos com déficits semelhantes? Em raras ocasiões uma pessoa sofrera dano generalizado em ambos os lobos temporais e desenvolverá um conjunto de sintomas semelhantes ao que agora chamamos de síndrome de Klüver-Bucy. Como os macacos, podem colocar qualquer coisa e tudo na boca (como fazem os bebês) e mostrar comportamento sexual indiscriminado, como fazer propostas indecorosas a médicos ou pacientes em cadeiras de rodas perto deles. Esses extremos de comportamento são conhecidos há muito tempo e emprestam credibilidade à idéia de que existe uma clara divisão de trabalho entre estes dois sistemas — e isso nos leva de volta a Diane. Embora seu déficit não seja tão extremo, Diane também tinha dissociação entre seus sistemas de visão do o quê e do como. Não conseguia dizer a diferença entre um lápis em posição horizontal ou vertical ou uma fenda, porque sua via do o quê fora destruída seletivamente. Mas, uma vez que sua via do como ainda estava intacta (como também a via evolutivamente mais antiga do ”comportamento de 2orientação”), O ZUMBI NO CÉREBRO / 2iu ela conseguia estender o braço e pegar um lápis com precisão ou girar uma carta no ângulo correto para colocá-la na fenda de uma caixa postal que não podia ver. Para tornar esta distinção ainda mais clara, Milner realizou outra experiência engenhosa. Afinal de contas, postar cartas é um ato relativamente fácil, habitual, e ele queria ver o quanto eram realmente sofisticadas as habilidades manipulativas do zumbi. Colocando dois blocos de madeira em frente de Diane, um grande e um pequeno, Milner perguntou-lhe qual era o maior. Descobriu, sem surpresa, que ela acertava por acaso. Mas, quando lhe pediu que estendesse a mão e pegasse o objeto, seu braço se moveu no rumo certo, com o polegar e o indicador abertos na distância exata para pegar o objeto. Tudo isto foi constatado pela imagem em videoteipe do braço se aproximando e por uma análise quadro a quadro da fita. Mais uma vez, era como se houvesse um ”zumbi” inconsciente dentro de Diane, executando cálculos complicados que lhe permitiam movimentar corretamente a mão e os dedos, quer estivesse postando uma carta ou simplesmente pegando objetos de diferentes tamanhos. O ”zumbi” correspondia à via do como, que ainda estava em grande parte 2intacta, e a ”pessoa” correspondia à via do o quê, muito danificada. Diane pode interagir com o mundo espacialmente, mas não tem informação consciente sobre formas, localizações e tamanhos da maioria dos objetos em torno dela. Diane mora atualmente numa casa do interior, onde cuida de uma grande horta de 2ervas, recebe amigos e leva uma vida ativa, embora protegida. Mas há outra peculiaridade na história, pois mesmo a via do o quê de Diane não estava completamente danificada. Embora não conseguisse reconhecer formas de objetos — o desenho de uma banana não pareceria diferente do desenho de uma abóbora 2—, como observei no início deste capítulo, não tinha problema em distinguir cores ou texturas visuais. Ela era boa em ”subs2tância”, ”matéria” mais do que em ”coisas” e distinguia uma banana de uma abobrinha amarela por suas texturas visuais. A razão disso poderia ser que, mesmo nas áreas que constituem a via do o quê, existem subdivisões mais delicadas envolvidas com cor, textura e forma, e as células de ”cor” e ”textura poderiam ser mais resistentes ao envenenamento por monóxido de carbono do que as células de ”forma”. A prova da existência de tais células no cérebro do primata ainda é debatida arrebatadamente pelos fisiologistas, mas os déficits e as capacidades preservadas de Diane, tudo altamente seletivo, nos dão pistas 116 / FANTASMAS NO CÉREBRO adicionais de que no cérebro humano existem realmente regiões desse tipo, requintadamente especializadas. Se você está à procura de evidência de modularidade no cérebro (e de munição contra a concepção holística), as áreas visuais são o melhor lugar para isso. Agora, vamos voltar à experiência de pensamento que mencionei antes e completá-la. Que poderia acontecer se o médico malvado removesse sua via do como (aquela que guia suas ações) e deixasse intacto o sistema do o quê? Você esperaria ver uma pessoa sem conexões, que teria grande dificuldade em olhar para objetos de interesse, em estender o braço e pegar coisas ou apontar alvos interessantes em seu campo visual. Algo como isto acontece num curioso distúrbio chamado síndrome de Balint, em que há um dano bilateral nos lobos parietais. Numa espécie de visão de túnel, os olhos do paciente permanecem focalizados em qualquer objeto pequeno que por acaso esteja em sua visão foveal (a região de alta acuidade do olho), mas ela ignora completamente todos os outros objetos na vizinhança. Se você lhe pedir para apontar para um pequeno alvo no seu campo visual, ele muito provavelmente errará o ponto por uma larga margem — às vezes por trinta centímetros ou mais. Mas, assim que captar o alvo com as duas fóveas, pode reconhecê-lo sem esforço, porque sua intacta via do o quê está totalmente engrenada. A descoberta de áreas visuais múltiplas e a divisão de trabalho entre as duas vias é uma conquista marcante na neurociência, mas apenas começa a arranhar a superfície do problema de compreender a visão. Se eu atirar uma bola para você, várias extensas áreas visuais do seu cérebro são ativadas simultaneamente, mas o que você vê é uma só imagem unificada da bola. Será que esta unificação se opera porque existe algum outro ponto no cérebro onde todas estas informações são reunidas — o que o filósofo Dan Dennett pejorativamente chama de ”teatro 2cartesiano”?8 Ou há conexões entre estas áreas de forma que sua ativação simultânea leva diretamente a uma espécie de forma sincronizada de disparo que por sua vez cria a unidade perceptiva? Esta questão, o chamado problema da 2vinculação, é um dos muitos enigmas não resolvidos na neurociência. De fato, o problema é tão misterioso que certos filósofos argumentam que não é nem mesmo uma questão científica legítima. O problema nasce, afirmam eles, de peculiaridades no uso que fazemos da linguagem ou de hipóteses logicamente falhas sobre o processo visual. O ZUMBI NO CÉREBRO / 117 Apesar desta ressalva, a descoberta das vias do como e do o quê e das múltiplas áreas visuais tem gerado grande comoção, especialmente entre pesquisadores jovens que estão entrando neste 2campo.9 Agora é possível não só registrar a atividade de células 2individuais, mas também observar muitas dessas áreas se iluminarem no cérebro humano vivo quando uma pessoa vê uma cena — seja algo simples como um quadrado branco sobre fundo negro, seja algo mais complexo como um rosto sorridente. Além disso, a existência de regiões que são altamente especializadas em uma tarefa específica dá-nos uma alavanca experimental para abordar a questão apresentada no início deste capítulo: Como a atividade de neurônios dá origem à experiência perceptiva? Por exemplo, sabemos agora que os cones da retina primeiro enviam suas informações a aglomerados de células sensíveis à cor no córtex visual primário, chamadas fantasiosamente de bolhas e faixas finas (na adjacente área 18) e daí para a área V4 (lembre-se do homem que confundiu sua mulher com um chapéu) e que o processamento da cor torna-se cada vez mais sofisticado à medida que você percorre esta seqüência. Tirando vantagem da seqüência e de todo este detalhado conhecimento anatômico, podemos perguntar: Como é que esta cadeia específica de eventos resulta em nossa experiência de cor? Ou, lembrando o caso de Ingrid, que era cega ao movimento, podemos perguntar: Como este conjunto de circuitos na área temporal média nos capacita a ver o movimento? Como observou o imunologista britânico Peter 2Medawar, a ciência é a ”arte do resolúvel”, e pode-se afirmar que a descoberta de áreas especializadas múltiplas na visão torna resolúvel o problema da 2visão, pelo menos no futuro previsível. A esta frase famosa eu acrescentaria que, em ciência, a gente é muitas vezes forçado a escolher entre dar respostas precisas a perguntas tolas (quantos cones existem num olho humano) ou respostas vagas a grandes perguntas (o que é o eu), mas, de vez em quando, a gente consegue uma resposta precisa para uma grande pergunta (como a ligação entre ácido desoxirribonucléico [DNA] e 2a. hereditariedade) e ganha o prêmio acumulado. Parece que a visão é uma das áreas da neurociência em que, mais cedo ou mais tarde, teremos respostas precisas a grandes perguntas, mas só o tempo dirá. Enquanto isso, temos aprendido muito sobre a estrutura das vias visuais com pacientes como Diane, 2Drew e Ingrid. Por exemplo, embora os sintomas de Diane inicialmente parecessem exóticos, agora podemos explicá-los em termos do que aprendemos sobre as duas vias visuais — a via do o quê e a via do 118 / FANTASMAS NO CÉREBRO Figura 4.6 A ilusão do contraste de tamanho. Os dois discos centrais de tamanho médio são fisicamente idênticos em tamanho. Contudo, o que é rodeado por discos grandes parece menor do que o circundado pelos pequenos. Quando uma pessoa normal estende a mão para pegar o disco central, seus dedos se afastam exatamente na mesma distância para pegar qualquer um deles — embora pareçam de tamanhos diferentes. O zumbi — ou a via do ”como” nos lobos panetais — aparentemente não é enganado pela ilusão. como. É importante, porém, continuarmos nos lembrando de que o zumbi existe não somente em Diane, mas em todos nós. Na verdade, o objetivo da nossa iniciativa não é simplesmente explicar os déficits de Diane, mas entender como seu cérebro e o meu cérebro funcionam. Como estas duas vias trabalham em uníssono, de forma suavemente coordenada, é difícil discernir suas contribuições individuais. Mas é possível idealizar experiências para mostrar que elas existem realmente e funcionam até certo ponto de modo independente, mesmo em você e em mim. Para ilustrar isso, descreverei uma última experiência. A experiência foi realizada pelo Dr. Salvatore Aglioti,10 que tirou proveito de uma conhecida ilusão visual (Figura 4.6) que envolve dois discos circulares lado a lado, de tamanho idêntico. Um deles é circundado por seis discos minúsculos e o outro, por seis discos gigantescos. Para a maioria dos olhos, os dois discos centrais não parecem do mesmo tamanho. O circundado por discos grandes parece 30% menor do que o rodeado por discos pequenos — uma ilusão chamada contraste de tamanho. E uma das muitas ilusões usadas por psicólogos gestaltistas para mostrar que a percepção é sempre relativa — nunca absoluta 2—, dependendo sempre do contexto circundante. O ZUMBI NO CÉREBRO / l 219 Em vez de usar um desenho de linhas para conseguir este efeito, Aglioti colocou duas pedras de dominó de tamanho médio numa mesa. Uma era circundada por dominós maiores e a segunda por dominós menores — exatamente como os discos. Como acontece com os discos, quando um estudante olhava para os dois dominós centrais, um parecia obviamente menor do que o outro. Mas o espantoso é que, quando lhe foi pedido que estendesse o braço para pegar um dos dois dominós centrais, seus dedos se abriram na distância correta enquanto sua mão se aproximava do dominó. Uma análise quadro a quadro de sua mão revelou que os dedos se abriam exatamente no mesmo ângulo para cada um dos dominós centrais, embora para os olhos dele (e para os seus, leitor) um pareça 30% maior. Obviamente, suas mãos sabiam algo que seus olhos não sabiam, e isto implica que a ilusão só é ”vista” pelo fluxo do objeto no cérebro dele. O raio do como — o zumbi — não é enganado por um segundo, e assim ”o zumbi” (ou ele) era capaz de estender a mão e pegar corretamente o dominó. Esta pequena experiência pode ter interessantes implicações para as atividades do dia-a-dia e o atletismo. Bons atiradores dizem que se você focalizar demais o alvo de um rifle, não acertará na mosca; você precisa ”se soltar” antes de atirar. A maioria dos esportes depende pesadamente de orientação espacial. Um lançador arremessa a bola rumo a um ponto vazio no campo, calculando onde estará o recebedor, se este não for agarrado. Um outfielder (jogador que fica fora do quadrado) começa a correr no momento em que ouve o estalo da bola de beisebol entrando em contato com o bastão, enquanto sua via do como no lobo parietal calcula o esperado ponto de destino da bola por esta informação auditiva. Jogadores de basquete podem até fechar os olhos e atirar a bola na cesta, se se postarem a cada vez no mesmo lugar da quadra. De fato, nos esportes, como em muitos aspectos da vida, pode valer a pena ”liberar seu zumbi” e deixá-lo agir. Não há prova direta de que tudo isso envolva principalmente o seu zumbi — a via do como 2—, mas a idéia pode ser testada com técnicas de imageamento cerebral. Meu filho de oito anos, Mani, certa vez me perguntou se o zumbi não é talvez mais esperto do que pensamos, um fato que é observado tanto nas artes marciais antigas como em filmes modernos como Guerra nas estrelas. Quando o jovem Luke Skywalker está lutando com sua percepção consciente, Yoda aconselha: ”Use a força. Sinta-a. Sim”, e ”Não. Não tente! Faça ou não faça. Não existe tentativa”. Estaria se referindo a um zumbi? 120 / FANTASMAS NO CÉREBRO Respondi ao meu filho: ”Não.” Mas depois comecei a pensar melhor. Pois, na verdade, sabemos tão pouco sobre o cérebro que até perguntas de uma criança devem ser levadas a sério. O fato mais evidente sobre a existência é a sua impressão de ser uma só pessoa, um ser unificado ”tomando conta” do seu destino; na realidade, tão óbvio que você raramente pára para pensar nisso. E contudo a experiência de Aglioti e a observação em pacientes como Diane sugerem que existe realmente outro ser dentro de você que se ocupa dos negócios sem seu conhecimento ou percepção consciente. E, como se verifica, não há apenas um desses zumbis, mas uma multidão deles habitando seu cérebro. Se este é o caso, o conceito de um único ”eu” ou ”pessoa” habitando seu cérebro pode ser simplesmente uma 2ilusão11 — embora uma ilusão que permite a você organizar sua vida mais eficientemente, dá a você um senso de objetivo e ajuda-o a interagir com os outros. Esta idéia será um tema recorrente no restante deste livro. CAPITULO 5 A vida secreta de James Thurber É um punhal o que enxergo, com o seu cabo Voltado para mim? Vem, que eu te 2empunho! Não te seguro, é certo, mas te vejo Sempre. Não és, fatal visão, sensível Ao tato como à vista? Ou és apenas Imaginária criação da mente Que a febre exalta? — 2WILLIAM SHAKESPEARE Quando James Thurber tinha seis anos, uma flecha de brinquedo atirada acidentalmente pelo irmão atingiu seu olho direito e ele nunca mais viu com esse olho. Embora trágica, a perda não foi devastadora; como a maioria das pessoas com um só olho bom, ele conseguia circular bem pelo mundo. Mas, para sua desolação, nos anos seguintes ao acidente, seu olho esquerdo também começou a se deteriorar progressivamente, de forma que, por volta dos 30 anos, ele ficara completamente cego. Ironicamente, porém, longe de ser um impedimento, a cegueira de Thurber de certa forma estimulou-lhe a imaginação, e seu campo visual, em vez de ser escuro e triste, ficou cheio de alucinações, criando para ele 122 / FANTASMAS NO CÉREBRO ”A senhora me disse há um momento que toda pessoa para quem olha parece ser um coelho. Agora, o que quer dizer exatamente com isso, senhora 2Sprague?” Figura 25.1 Um dos mais conhecidos desenhos de James Thurber publicado em The New Yorker. Suas alucinações visuais poderiam ter sido uma fonte de inspiração para alguns desses 2quadrinhos? Por James Thurber, 1937, em The New Yorker Collection. Todos os direitos reservados. um mundo fantástico de imagens surrealistas. Os fãs de Thurber adoram A vida secreta de Walter Mitty, em que Mitty, um homem frágil, oscila pra lá e pra cá entre vôos de fantasia e realidade, como que para imitar a estranha situação do próprio Thurber. Até os excêntricos quadrinhos pelos quais ficou tão famoso provavelmente eram provocados por sua deficiência visual (Figura 25.)1.1 Assim, Thurber não era cego no sentido em que você ou eu poderíamos pensar em cegueira — uma escuridão como a da noite mais negra, sem luar nem estrelas, ou mesmo uma ausência completa de visão — um vazio insuportável. Para Thurber, a cegueira era brilhante, cravejada de estrelas e matizada de duendes mágicos. Certa vez, ele escreveu ao seu oftalmologista: A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 123 Há alguns anos você me contou a história de uma freira dos rempos antigos que confundia seus distúrbios retinianos com visitações santas, sagradas, embora visse apenas um décimo dos santos símbolos que eu vejo. Entre as minhas visões estavam um Hoover azul, fagulhas douradas, goras púrpura se fundindo, uma meada de borrifos de chuva, uma mancha marrom dançando, flocos de neve, ondas cor de açafrão e azul-claros e duas bolas de sinuca, para não falar da coroa, que sempre formava um halo em torno das lâmpadas da rua e agora é esplendidamente visível quando um raio de luz bate numa taça de cristal ou num fio polido de metal. Esra coroa, geralmente tríplice, é como um crisântemo composto de milhares de pétalas que se irradiam, cada uma dez vezes mais rênue e cada uma contendo em ordem as cores do prisma. O homem nunca inventou um esperáculo de luzes nem de longe semelhante a este sublime arranjo de cores ou sanra visiração. Certa vez, depois que os óculos de Thurber se quebraram, ele disse: ”Vi uma bandeira cubana tremulando sobre um banco nacional, vi uma alegre e velha senhora com uma sombrinha cinza caminhar diretamente ao lado de um caminhão, vi um gato rolar para o outro lado da rua num pequeno barril listrado. Vi pontes subindo preguiçosamente no ar, como balões.” Thurber sabia usar criativamente suas visões. ”Quem sonha de dia”, dizia, ”precisa visualizar o sonho tão vivida e insistentemente que este se torne praticamente uma realidade.” Vendo seus fantásticos desenhos e lendo sua prosa, percebi que Thurber provavelmente sofria de um problema neurológico extraordinário, chamado síndrome de Charles Bonnet. Pacientes com este estranho distúrbio geralmente têm uma lesão em alguma parte de sua via visual — no olho ou no cérebro — que os torna completa ou parcialmente cegos. Mas paradoxalmente, como Thurber, eles começam a ter as mais vividas alucinações 2visuais, como que para ”substituir” a realidade desaparecida de suas vidas. Ao contrário de muitos distúrbios que vocês encontrarão neste livro, a síndrome de Charles Bonnet é extremamente comum no mundo inteiro e afeta milhões de pessoas cuja visão se torna comprometida por glaucoma, catarata, degeneração macular ou retinopatia diabética. Muitos desses pacientes desenvolvem alucinações thurberianas — mas, o que é muito estranho, a maioria dos médicos nunca ouviu falar do 2distúrbio.2 Uma das razões talvez seja que as pessoas que têm estes sintomas relutam em mencioná-los, com receio de se- 124 / FANTASMAS NO CÉREBRO 2rem tachadas de loucas. Quem acreditaria que uma pessoa cega estava vendo palhaços e animais de circo pulando e brincando em seu quarto? Quando a vovó, sentada em sua cadeira de rodas na casa de saúde, diz: ”O que é que aqueles lírios-d’água estão fazendo no 2chão?”, a família provavelmente pensa que ela perdeu o juízo. Se o meu diagnóstico do estado de Thurber for correto, devemos concluir que ele não estava apenas sendo metafórico, quando falava de realçar a criatividade com seus sonhos e alucinações; ele realmente experimentava todas aquelas visões obsedantes — um gato num barril listrado realmente atravessou seu campo visual, flocos de neve dançavam e uma senhora caminhou ao lado do caminhão. Mas as imagens que Thurber e outros pacientes portadores da síndrome de Charles Bonnet experimentam são muito diferentes daquelas que você ou eu poderíamos evocar em nossas mentes. Se eu lhe pedisse para descrever a bandeira americana ou me dizer quantos lados tem um cubo, você talvez fechasse os olhos para evitar se distrair e evocar uma vaga imagem mental, que você então passaria a esquadrinhar e descrever. (É muito variável a capacidade das pessoas nesse tipo de coisa; muitas pessoas sem formação superior dizem que conseguem visualizar apenas quatro lados em um cubo.) Mas as alucinações da síndrome de Charles Bonnet são muito mais nítidas e o paciente não tem nenhum controle consciente sobre elas — surgem completamente inesperadas, embora como objetos reais possam desaparecer quando os olhos são fechados. Fiquei intrigado com estas alucinações por causa da contradição interna que apresentam. Parecem tão extraordinariamente reais ao paciente — na verdade, alguns me dizem que as imagens são mais ”reais do que a realidade” ou que as cores são 2”supervívidas” — e contudo sabemos que são meras invenções da imaginação. O estudo desta síndrome pode assim nos permitir explorar aquela misteriosa 2terra-de-ninguém entre ver e conhecer e descobrir como a lâmpada da nossa imaginação ilumina as prosaicas imagens do mundo. Ou talvez possa até nos ajudar a investigar a questão mais básica de como e onde no cérebro nós realmente ”vemos” as coisas — como a complexa cascata de eventos nas cerca de trinta áreas visuais do meu córtex me capacita a perceber e compreender o mundo. A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 125 O que é imaginação visual? São as mesmas partes do seu cérebro que entram em atividade quando você imagina um objeto — digamos, um gato 2—- e quando olha realmente para o gato que está em frente a você? Há uma década, estas poderiam ter sido consideradas perguntas filosóficas, mas recentemente cientistas do campo da cognição começaram a investigar estes processos no nível do próprio cérebro e chegaram a algumas respostas surpreendentes. Acontece que o sistema visual humano tem uma espantosa capacidade para fazer palpites certos, baseados em imagens fragmentárias e evanescentes que dançam nos globos oculares. Realmente, no capítulo passado, mostrei a vocês muitos exemplos para ilustrar que a visão envolve muito mais coisas do que simplesmente transmitir uma imagem para uma tela no cérebro e que é um processo ativo, construtivo. Manifestação específica disso é a extraordinária capacidade do cérebro para lidar com lacunas inexplicáveis na imagem visual — um processo às vezes mencionado imprecisamente como ”preenchimento”. Um coelho olhado atrás de uma cerca de ripas, por exemplo, não é visto como fatias de coelho, mas como um coelho por trás das barras verticais da cerca; sua mente aparentemente preenche os segmentos desaparecidos do coelho. Mesmo um vislumbre do rabo do seu gato aparecendo debaixo do sofá evoca a imagem de um gato inteiro; você seguramente não vê um rabo fora do corpo, respira ofegantemente e entra em pânico ou, como a Alice de Lewis Carroll, deseja saber onde está o resto do gato. Realmente, o ”preenchimento” ocorre em vários estágios diferentes do processo visual, e é de certo modo enganoso aglomerálos todos numa expressão. Mesmo assim, é claro que a mente, como a natureza, tem horror ao vácuo e aparentemente vai fornecer qualquer tipo de informação que seja necessária para completar a cena. Os pacientes de enxaqueca conhecem perfeitamente este fenômeno extraordinário. Quando um vaso sangüíneo entra em espasmo, eles perdem temporariamente uma nesga do córtex visual e isto provoca uma região cega correspondente — um escotoma — no campo visual. (Recordem que há um mapa ponto-a-ponto do mundo visual no campo visual.) Se uma pessoa com crise de enxaqueca olha em torno da sala e seu escotoma ”cai” por acaso num relógio grande ou pintura na parede, o objeto desaparecerá completamente. Mas, em vez de ver um enorme vazio em seu lugar, ele vê uma parede de aspecto normal com pintura ou papel de parede. A região correspondente ao objeto 126 / FANTASMAS NO CÉREBRO desaparecido é simplesmente coberta com a mesma cor da pintura ou do papel de parede. Qual é realmente a sensação de ter um escotoma? Com a maioria dos distúrbios cerebrais, temos de nos contentar com uma descrição clínica, mas pode-se ter um claro sentido do que está acontecendo em pacientes de enxaqueca simplesmente examinando o ponto cego. A existência deste ponto cego natural do olho foi realmente prevista pelo cientista francês do século XVII, Edme Mariotte. Enquanto dissecava um olho humano, Mariotte observou o disco óptico — a área da retina onde o nervo óptico sai do globo ocular. Ele verificou que, ao contrário de outras partes da retina, o disco óptico não é sensível à luz. Aplicando seu conhecimento de óptica e de anatomia do olho, deduziu que todo olho devia ser cego numa pequena porção do seu campo visual. Você pode facilmente confirmar a conclusão de Mariotte examinando a ilustração de um disco hachurado sobre um fundo cinza-claro (Figura 5-2). Feche o olho direito e segure este livro a cerca de 30 cm de distância do seu rosto e fixe o olhar no pequeno ponto negro da página. Concentre-se no ponto enquanto move lentamente a página rumo ao seu olho esquerdo. A uma certa distância crítica, o disco sombreado deve cair em seu ponto cego natural e desaparecer 2completamente!3 Contudo, observe que, quando o disco desaparece, você não sente um grande buraco negro ou vazio em seu lugar. Você simplesmente vê esta região como sendo ”colorida” pelo mesmo fundo cinzaclaro do resto da página — outro exemplo impressionante de 2preenchimento.4 Você pode estar imaginando por que nunca observou seu ponto cego antes. Uma das razões tem relação com a visão binocular, que você pode testar por si mesmo. Depois que o disco hachurado tenha desaparecido, experimente abrir o outro olho e você verá o disco saltar de volta instantaneamente para seu campo visual. Isto acontece porque, quando ambos os olhos estão abertos, os dois pontos cegos não se sobrepõem; a visão normal do seu olho esquerdo compensa o ponto cego do olho direito e vice-versa. Mas o surpreendente é que, mesmo que você feche um olho e olhe em torno da sala, não perceberá ainda o ponto cego a não ser que o procure cuidadosamente. Mais uma vez, você não observa a lacuna porque seu sistema visual completa obsequiosamente a informação 2desaparecida.5 A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 127 Figura 5.2 Demonstração do ponto 2cego. Feche seu olho direito e olhe f ura o pontinho 2f reto à 2direita, com o olho esquerdo. A uma distância de cerca de 245 cm, 2mova. lentamente o livro em direção a você. A certa distância crítica, o disco circular hachurado à esquerda vai incidir inteiramente no seu ponto cego e desaparecer completamente. Se você mover o livro para mais perto ainda, o disco vai reaparecer. Você pode precisar de uma ”caçada” ao ponto cego, movendo o livro pra lá e pra cá várias vezes, até que o disco desapareça. Observe que, quando o disco desaparece, você não vê um vazio ou buraco escuro em seu lugar. A região é vista como se estivesse coberta pela mesma cor cinza-clara no fundo. Este fenômeno é classificado imprecisamente como ”preenchimento”. Mas quanta sofisticação tem este processo de preenchimento? Existem limites claros para o que pode ser preenchido e o que não pode? E a resposta a esta pergunta nos daria indicações sobre que tipo de maquinismo neural do cérebro pode estar envolvido em permitir que ele aconteça? Tenha em mente que o preenchimento não é apenas alguma singularidade estranha do sistema visual que evoluiu com o único objetivo de lidar com o ponto cego. Ao contrário, parece ser manifestação de uma capacidade muito geral para construir superfícies e transpor lacunas que, de outro modo, poderiam estar dividindo uma imagem — de fato, a mesma capacidade que permite você ver um coelho atrás de uma cerca de ripas como um coelho completo e não fatiado. Em nosso ponto cego natural temos um exemplo especialmente óbvio de preenchimento — um exemplo que nos fornece uma valiosa oportu- 128 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 129 nidade experimental de examinar as ”leis” que governam o processo. De fato, você pode realmente descobrir estas leis e explorar os limites do preenchimento, brincando com o seu próprio ponto cego. (Para mim, esta é uma razão por que é tão estimulante o estudo da visão. Permite que qualquer pessoa equipada com uma folha de papel, um lápis e alguma curiosidade perscrute o funcionamento interno do próprio cérebro.) Primeiro, você pode decapitar amigos e inimigos, usando seu ponto cego natural. Ficando em pé a cerca de três metros da pessoa, feche o olho direito e olhe para a cabeça dela com seu olho esquerdo. Agora, comece lentamente a mover seu olho esquerdo horizontalmente para a direita, afastando-o da cabeça da pessoa, até que seu ponto cego caia diretamente em sua cabeça. Nesta distância crítica, sua cabeça deve desaparecer. Quando o rei Carlos II, o ”rei da ciência”, que fundou a 2Royal 2Society, ouviu falar no ponto cego, divertiu-se muito caminhando em volta de sua corte, decapitando as damas de serviço no palácio ou cortando a cabeça de criminosos com seu ponto cego, antes que estes fossem realmente guilhotinados. Devo confessar que às vezes fico sentado em reuniões da faculdade e me divirto decapitando o chefe do nosso departamento. Em seguida, podemos perguntar o que acontecerá se você atravessar uma linha vertical no seu ponto cego. Mais uma vez, feche o olho direito e olhe fixamente para o ponto negro à direita da ilustração (Figura 5.3) com o olho esquerdo. Então movimente a página gradualmente de um lado pra outro, até que o quadrado hachurado no centro da linha vertical caia exatamente dentro do ponto cego do seu olho esquerdo. (O quadrado hachurado agora deve desaparecer.) Como nenhuma informação sobre esta porção central da linha — que incide sobre o ponto cego — está disponível para o olho ou para o cérebro, você percebe duas linhas verticais curtas com uma lacuna no meio, ou você ”preenche” e vê uma linha contínua? A resposta é clara. Você verá sempre uma linha vertical contínua. Talvez os neurônios em seu sistema visual estejam fazendo uma estimativa estatística; eles ”percebem” que é extremamente improvável que, simplesmente por acaso, duas linhas diferentes estejam precisamente alinhadas para cima de ambos os lados do ponto cego desta maneira. 2Assim, ”sinalizam” para os centros superiores do cérebro que esta é provavelmente uma única linha contínua. Tudo que o sistema visual faz é baseado nesse tipo de estimativa instruída. Mas o que acontece se você tentar confundir o sistema visual, apresentando sinais intrinsecamente contraditórios — por exemplo, fazendo os dois segmentos Figura 5.3 Uma 2linha preta vertical atravessando aponto cego. Repita o procedimento descrito para a Figura 5.2. Feche o olho direito, olhe para o pontinho preto à direita com o olho esquerdo e mova a página de um lado para outro, até que o quadrado hachurado à esquerda caia em seu ponto cego e desapareça. A linha vertical parece contínua, ou tem uma lacuna no meio? Há muitas variações de pessoa a pessoa, mas a maioria ”completa” a linha. Se a ilusão não funciona para você, tente assestarseu ponto cego para uma só margem preto-e-branco (como a margem de um livro preto sobre fundo branco) e você a verá completa. L 130 / FANTASMAS NO CÉREBRO * Figura 5.4 A metade superior da linha é branca e a metade inferior, preta. Seu cérebro completa a linha vertical apesar deste indício intrinsecamente contraditório? da linha se diferençarem de alguma forma? Que tal se 2uma linha for preta e a outra, branca (mostrada sobre um fundo 2cinza)? Será que seu sistema visual ainda olha estes dois segmentos diferentes como partes de uma única linha e trata de completá-la? Surpreendentemente, a resposta mais uma vez é sim. Você verá uma só linha reta contínua, branca em cima e preta embaixo, mas tendo no meio A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 131 uma lustrosa mancha cinza-rnetálico (Figura 25.4). Esta é a solução conciliatória que o sistema visual parece preferir. As pessoas muitas vezes supõem que a ciência é sisuda, que é sempre ”baseada em teoria”, que você desenvolve grandiosas conjecturas sobre o que já sabe e depois trata de planejar experiências especificamente para testar estas conjecturas. Na realidade, a verdadeira ciência parece mais com uma expedição de pesca do que a maioria dos meus colegas gostaria de admitir. (Claro, eu nunca diria isto num projeto apresentado aos Institutos Nacionais de Saúde [NIH], pois a maioria dos órgãos de financiamento ainda se apegam à crença ingênua de que a ciência é simplesmente uma questão de testar hipóteses e depois cuidadosamente colocar os pingos nos ”is”. Deus nos livre de tentar fazer algo inteiramente novo, que seja baseado apenas num palpite, numa intuição!) Assim, vamos continuar nossas experiências com o seu ponto cego, apenas por brincadeira. Que tal se você desafiasse seu sistema visual, desalinhando deliberadamente as duas metades das linhas — mudando o segmento da linha de cima para a esquerda e o segmento de baixo para a direita? Será que você veria assim mesmo uma linha completa com um olhete no meio? Você conectaria as duas linhas com uma linha diagonal atravessando o ponto cego? Ou veria uma grande lacuna (Figura 25.5)?6 A maioria das pessoas realmente completa o segmento desaparecido da linha, mas o espantoso é que os dois segmentos agora parecem colineares — ficam perfeitamente enfileirados para formar uma linha reta vertical! Contudo, se tentar a mesma experiência usando duas linhas horizontais — uma em cada lado do ponto cego — não conseguirá este efeito de ”alinhamento”. Ou verá uma falha ou um grande olhete — as duas linhas não se fundem para formar uma linha reta horizontal. A razão da diferença — alinhamento de linhas verticais, mas não de horizontais — não está clara, mas suspeito que tem alguma coisa a ver com visão estereoscópica: nossa capacidade de deduzir as minúsculas diferenças entre a imagem dos dois olhos para ver a 2profundidade.7 Até que ponto é ”inteligente” o mecanismo que completa imagens por sobre o ponto cego? Já vimos que, se você apontar seu ponto cego para a cabeça de alguém (de modo que esta 2desapareça), seu cérebro não substitui a cabeça desaparecida; ela continua decepada até que você olhe para um lado, de forma 132 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 133 Figura 5-5 Repita a experiência, ”assestando” seu ponto cego para uma forma que se assemelha a uma suástica — um antigo símbolo de paz indo-europeu. As linhas estão deliberadamente desencontradas, uma em cada lado do ponto cego. Muitas pessoas descobrem que, quando o disco central hachurado desaparece, as duas linhas verticais ficam ”enftleiradas 2” e se tornam colineares, ao passo que as duas linhas horizontais não se 2enfileiram — há uma leve curva ou olhete no meio. que a cabeça incida novamente na retina normal. Mas e se você usasse formas bem mais simples do que cabeças? Por exemplo, você pode tentar ”apontar” seu ponto cego para o canto de um quadrado (Figura 5.6). Observando os outros três cantos, seu sistema visual preenche o canto desaparecido? Se você tentar esta experiência, observará que de fato o canto desaparece ou parece ”mordido” ou borrado. Obviamente, o maquinismo neural que permite que se complete por sobre o ponto cego não consegue lidar com cantos; há um limite para o que pode e o que não pode ser 2preenchido.8 Figura 5.6 Mova a página em direção a 2você, até que o disco hachurado caia no ponto cego. O canto do quadrado é 2completado? A resposta é que a maioria das pessoas vê o canto ”desaparecido” ou ”borrado”; não é preenchido. Esta demonstração simples mostra que o preenchimento não é baseado em estimativas; não é um processo cognitivo de alto nível. Completar um canto, um ângulo, é obviamente um desafio grande demais para o sistema visual; talvez ele consiga enfrentar apenas formas muito simples como cores homogêneas ou linhas retas. Mas você vai ter uma surpresa. Tente apontar seu ponto cego para o centro de uma roda de bicicleta com raios, como na Figura 5-7. Note que, quando faz isso, ao contrário do que você observou com o canto do quadrado, não vê uma falha ou um borrão. Você de fato ”completa” a lacuna — vê realmente os raios convergindo para um vórtice no centro do seu ponto cego. Assim, parece que há algumas coisas que você pode completar por sobre o ponto cego e outras que você não pode, e é relativamente fácil descobrir estes princípios, simplesmente fazendo experiências com o seu ponto cego ou com o de um amigo. Há alguns anos, Jonathan Piei, ex-editor de Scientific American, me convidou a escrever um artigo sobre o ponto cego para aquela publicação. Logo depois que o artigo saiu, recebi centenas de cartas de leitores que tentaram as várias experiências que eu descrevera ou tinham inventado novas experiências por 134 / FANTASMAS NO CÉREBRO Figura 5.7 Surpreendentemente, quando o ponto cego é apontado para o centro de uma roda de bicicleta, não se vê nenhuma lacuna As pessoas geralmente relatam que os raios convergem para um vórtice conta própria. Estas cartas me fizeram perceber como as pessoas têm uma curiosidade intensa sobre o funcionamento interno de suas vias visuais. Um leitor até se envolveu num estilo inteiramente novo de arte e expôs suas pinturas numa galeria. Tinha criado vários esboços geométricos complexos, que você tem de ver com um olho, assestando seu ponto cego para uma parte específica da pintura. Como James Thurber, ele usara criativamente o ponto cego para inspirar sua arte. Espero que estes exemplos tenham dado a você uma impressão do que parece ser o ”preenchimento” de partes desaparecidas do campo visual. É preciso ter em mente, porém, que você tem tido um ponto cego durante toda a vida e pode ser especialmente hábil neste processo. Mas e se você perdeu uma área do «t. A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 135 córtex visual, em resultado de doença ou acidente? E se aparecesse repentinamente em seu campo visual um buraco muito maior — um escotoma? Tais pacientes existem mesmo e representam uma valiosa oportunidade para estudar até onde o cérebro pode ir no suprimento de ”informações desaparecidas”, quando necessário. Pacientes de enxaqueca têm escotomas transitórios, mas concluí que seria melhor estudar alguém que tivesse um grande ponto cego permanente em seu campo visual, e foi assim que conheci Josh.9 Josh era um homem corpulento, sobrancelhas como as de Brejnev, tórax avantajado e mãos carnudas. Mas transpirava um brilho e senso de humor naturais que impregnavam com a doçura de um ursinho de pelúcia o que de outra forma seria um tipo de corpo ameaçador. Sempre que Josh ria, todo mundo na sala ria com ele. Agora entrando na casa dos trinta, alguns anos antes ele sofrera um acidente de trabalho em que uma vareta de aço penetrou na parte posterior do seu crânio, fazendo um furo em seu pólo occipital direito no córtex visual primário. Quando Josh olha direto em frente, tem um ponto cego do tamanho da palma da minha mão, à esquerda do ponto para onde está olhando. Nenhuma outra parte do cérebro foi danificada. Quando veio me ver, Josh disse saber perfeitamente que tinha um grande ponto cego. — Como é que você sabe? — perguntei. — Bem, um dos problemas é que muitas vezes dirijo-me ao banheiro das mulheres. — Por quê? — Porque quando olho direto para a placa WOMEN (mulheres), não vejo o ”W” nem o ”O” à esquerda. Vejo apenas MEN (homens). —Josh insistiu, porém, que, a não ser por esses indícios ocasionais de que algo estava errado, sua visão parecia surpreendentemente normal. Na verdade, dado este déficit, ele estava surpreso com a natureza unitária do seu mundo visual. — Quando olho para o senhor — disse ele —, não vejo nada desaparecido. Não faltam pedaços. — Fez uma pausa, franziu as sobrancelhas, estudou meu rosto e então deu um sorriso largo. — Se eu prestar atenção, Dr. Ramachandran, observo que um dos seus olhos e uma orelha estão desaparecidos! O senhor está se sentindo bem? A não ser que observasse cuidadosamente seu campo visual, Josh aparentemente completava a informação desaparecida sem nenhum problema. Embora os pesquisadores saibam há muito tempo que pacientes como Josh 136 / FANTASMAS NO CÉREBRO existem (e vivem normalmente, exceto quando assustam mulheres em banheiros femininos), muitos psicólogos e médicos têm continuado céticos ante o fenômeno do preenchimento. Por exemplo, a psicóloga canadense Justine Sergent afirmou que pacientes como Josh estão confabulando ou se empenhando numa espécie de conjectura inconsciente, quando dizem que podem ver normalmente. (Ele imagina que existe papel de parede em seu escotoma porque existe papel de parede em todas as outras partes.) Este tipo de conjectura, segundo ela, seria muito diferente dos tipos de verdadeiro completamente perceptivo que você experimentou quando teve uma linha atravessando seu ponto cego.10 Mas eu percebi que Josh nos dava a oportunidade de descobrir o que está realmente se passando dentro de um escotoma. Por que tentar conjecturas sobre os mecanismos da visão a partir do nada, quando poderíamos perguntar a Josh? Josh irrompeu no laboratório numa tarde de garoa, fria, colocou o guardachuva num canto e iluminou a sala com sua jovialidade. Vestia uma camisa de tecido axadrezado, calças jeans folgadas e sapatos surrados, úmidos e um tanto enlameados, íamos nos divertir hoje. Nossa estratégia foi simplesmente repetir com Josh todas as experiências que você acaba de fazer em seu próprio ponto cego. Primeiro, decidimos ver o que aconteceria se atravessássemos uma linha por sobre seu escotoma, onde estava desaparecido um grande trecho do campo visual. Será que ele veria a linha com uma falha ou a preencheria? Mas antes de fazermos a experiência, verificamos que tínhamos um pequeno problema técnico. Se apresentássemos a Josh uma linha real, pedíssemos para olhar direto em frente e nos dizer se via uma linha completa ou com falta de um pedaço, ele poderia ”trapacear” inadvertidamente. Poderia acidentalmente mover um pouquinho seus olhos, e o leve movimento traria a linha para dentro do seu campo visual normal e lhe diria que a linha está completa. Queríamos evitar isso. Assim, simplesmente apresentamos a Josh duas meias linhas nos dois lados do seu escotoma e pedimos-lhe para dizer o que via. Será que veria uma linha contínua ou duas meias linhas? Lembre-se de que, quando você tentou esta pequena experiência usando seu ponto cego, viu as linhas como se fossem completas. Ele examinou por um momento e disse: — Bem, vejo duas linhas, uma em cima, outra embaixo e há uma grande falha no meio. — Tudo bem — disse eu. Isso não iria levar a lugar algum. A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 137 — Espere! — disse Josh, entrecerrando os olhos. — Espere um minuto. Sabe o quê? Elas estão crescendo uma em direção à outra. — O quê? Ele colocou o dedo indicador direito verticalmente, apontando para cima, para imitar a linha de baixo e o indicador esquerdo apontando para baixo para imitar a linha de cima. A princípio, as duas pontas dos dedos estavam a cinco centímetros de distância. Depois, Josh começou a movê-las em direção uma da outra. — Legal — disse ele, empolgado. — Estão crescendo, crescendo, crescendo, crescendo juntas, e agora há uma linha completa. — Enquanto dizia isso, seus dedos indicadores se tocaram. Josh não somente está preenchendo, como o preenchimento está acontecendo em tempo real. Ele podia observá-lo e descrevê-lo, contrariando as afirmações de que o fenômeno não existe em pessoas com escotomas. Obviamente alguns circuitos nervosos no cérebro de Josh estavam tomando duas meias linhas, em ambos os lados do escotoma, como prova suficiente de que ali existe uma linha completa, e estes circuitos estão enviando esta mensagem aos centros superiores do cérebro de Josh. Assim, seu cérebro podia completar a informação sobre o enorme buraco existente bem perto do seu centro de visão, da mesma maneira que você o fez sobre seu ponto cego natural. Em seguida, imaginamos o que aconteceria quando deliberadamente desalinhássemos as duas linhas. Ela completaria com uma linha diagonal? Ou seu sistema visual simplesmente desistiria? Diante desta ilustração, Josh disse: — Sem jogo. Não são completas. Vejo uma falha. Desculpe. — Sei disso; apenas me diga o que está acontecendo. Alguns segundos depois, Josh exclamou: — Meu Deus, veja o que está acontecendo. — Que é? — Hei, elas começaram assim e agora estão se movendo em direção uma da outra. Assim. — E ergueu novamente os dedos para mostrar como as duas linhas se moviam lateralmente, — Agora estão completamente alinhadas para cima, e agora estão preenchendo, assim. Perfeito, agora está completo. — O processo inteiro durou cinco segundos, uma eternidade no que concerne ao sistema visual. Repetimos a experiência várias vezes, com resultados idênticos. Assim pareceu perfeitamente claro que aqui estamos lidando com um au- 138 / FANTASMAS NO CÉREBRO têntico completamente perceptivo, pois por que outro motivo levaria tantos segundos? Se Josh estivesse conjecturando, devia dar o palpite imediatamente. Mas até onde poderíamos levar isso? Qual o grau de sofisticação da capacidade do sistema visual de ”inserir” informações desaparecidas? Que aconteceria se usássemos uma coluna vertical de ”X” em vez de uma simples linha? Ele teria realmente a ilusão de ver os ”X” desaparecidos? E se usássemos uma coluna de rostos sorridentes? Ele preencheria o escotoma com rostos sorridentes? Então, pusemos a coluna vertical de ”X” na tela do computador e pedimos que Josh olhasse para a direita desta coluna, de forma que os três ”X” do meio incidissem no escotoma. •— O que você está vendo? — perguntei. — Estou vendo ”X” no alto, ”X” embaixo, e há uma grande falha do meio. Disse-lhe que continuasse olhando, pois já estabelecêramos que o preenchimento leva tempo. — Veja, doutor, estou olhando fixamente e sei que o senhor quer que eu veja um ”X” ali, mas não estou vendo. Nenhum ”X”. Sinto muito. — Mirou fixamente o ponto durante três minutos, quatro minutos, e depois nós desistimos. Então, tentei uma longa fileira vertical de ”x” minúsculos, um conjunto acima e um abaixo do escotoma. — Agora, o que você vê? — Ah, sim, é uma coluna contínua de ”x”, pequenos ”x”. —Josh virou-se para mim e disse: — Sei que o senhor está brincando comigo. Ali não há realmente nenhum ”x”. Há? — Não vou lhe dizer. Mas quero saber mais uma coisa. Os ”x” no lado esquerdo de onde você está olhando (que eu sabia que estavam em seu escotoma) parecem de certa forma diferentes dos que estão acima e abaixo? Josh respondeu: — Parecem uma coluna contínua de ”x”. Não vejo nenhuma diferença. Josh estava preenchendo os pequenos ”x” mas não os ”X” grandes. Esta diferença é importante por dois motivos. Primeiro, descarta a possibilidade de confabulação. Muitas vezes, em testes neurológicos, os pacientes compõem uma história, fingindo uma demonstração para contentar o médico. Sabendo que havia ”x” em cima e embaixo, Josh poderia ter imaginado que os ”viu” no meio, sem tê-los visto realmente. Mas por que se empenharia em tal estimativa com os ”x” pequenos e não com os grandes? Já que ele não preencheu o ”X” grande A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 139 desaparecido, podemos aceitar que, no caso dos ”x” pequenos, estamos lidando com um genuíno processo perceptivo de completamento, e não com conjectura, estimativa ou confabulação. Por que o autêntico processo perceptivo de completamento ocorre somente com os ”x” pequenos e não com os grandes? Talvez o cérebro trate os ”x” minúsculos como se formassem uma textura contínua e portanto a complete, mas, quando defrontado com ”x” grandes, comute para um modo diferente de operação e ”veja” que alguns dos ”X” estão desaparecidos. Meu palpite é que as letras miudinhas ativavam uma parte diferente da via visual de Josh, a que lida com continuidade de texturas e superfícies, enquanto as letras grandes seriam processadas na via de seus lobos temporais que está envolvida mais com objetos (discutida no capítulo anterior) do que com superfícies. Faz sentido que o cérebro deva ser especialmente hábil em completar lacunas quando lida com texturas e cores de superfície contínua, mas não quando lida com objetos. A razão é que superfícies no mundo real são geralmente compostas de ”material” (textura de superfície) uniforme — como um bloco de madeira granulada ou um penhasco de arenito —, mas não existe algo como uma superfície natural composta de letras alfabéticas ou rostos grandes. (É claro que superfícies fabricadas pelo homem, como papel de parede, podem ser compostas de rostos sorridentes, mas o cérebro não evoluiu originalmente num mundo fabricado pelo homem.) Para testar a idéia de que o completamento de texturas e ”material” por sobre uma lacuna pode ocorrer mais facilmente do que o completamento de objetos ou letras, vi-me tentado a experimentar algo um pouquinho exótico. Coloquei os numerais 1, 2 e 3 acima do escotoma e 7, 8 e 9 abaixo. Josh iria completar perceptivamente a seqüência? O que veria no meio? Claro, usei numerais minúsculos para assegurar que o cérebro os trataria como uma ”textura . — Hummm — disse Josh —, estou vendo uma coluna contínua de números, números alinhados verticalmente. < — C’ i egue ver uma lacuna no meio? — Não. — Quer lê-los em voz alta para mim? — Um, dois, três, humm, sete, oito, nove. Hei, isso é muito estranho. Consigo ver os números no meio, mas não posso lê-los. Parecem números, mas não sei o que são. 140 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 141 — Parecem borrados? — Não. Não parecem. Têm um aspecto estranho. Vou dizer, são como hieroglifos ou coisa assim. Tínhamos induzido uma curiosa forma de dislexia temporária em Josh. Estes números intermediários não existiam, não tinham brilhado subitamente ante seus olhos, mas seu cérebro estava suprindo as características de textura da fileira de números e completando-a. Esta é outra impressionante demonstração da divisão de funções das vias visuais. O sistema no cérebro dele que lida com superfícies e margens está dizendo: ”Há um material semelhante a número nesta região — é o que você devia ver no meio”, mas como não há números reais, a via envolvida com objetos permanece silenciosa e o resultado líquido são ”hieroglifos” ilegíveis! Há mais de duas décadas, sabe-se que o que chamamos de sistema visual são realmente vários sistemas; que existem múltiplas áreas corticais especializadas, envolvidas com diferentes atributos visuais como movimento, cor e outras dimensões. O preenchimento ocorre separadamente em cada uma destas áreas, ou ocorre repentina e inesperadamente em apenas uma área? Para descobrir, pedimos que Josh olhasse para o centro de uma tela em branco no monitor do computador, e depois repentinamente comutamos para uma configuração de pontos negros piscando sobre um fundo vermelho. Josh assobiou, aparentemente se deliciando tanto quanto eu com tudo isso. — Meu Deus, doutor — exclamou —, consigo realmente ver meu escotoma pela primeira vez. — Puxou uma caneta de feltro da minha mão e, para meu espanto, começou a desenhar no monitor, criando o que parecia ser um esboço das margens irregulares de um escotoma (a oftalmologista de Josh, Lilian Levinson, tinha anteriormente mapeado seu escotoma, usando uma técnica sofisticada chamada perimetria e, assim, eu pude comparar seu desenho com o dela; eram idênticos). — Mas, Josh, o que você vê dentro do escotoma? perguntei. — Bem, é muito estranho, doutor. Nos primeiros segundos, vi apenas a cor vermelha sangrando para dentro desta parte da tela, mas os pontos negros piscantes não se preenchiam. Então, depois de alguns segundos, os pontos se preencheram, mas não estavam piscando. E por fim, a piscadela real, a sensação de movimento, também se preencheu. — Ele se voltou, esfregou o olho, olhou para mim e perguntou: — O que significa tudo isso?11 A resposta é que o preenchimento parece ocorrer em diferentes velocidades para diferentes atributos perceptivos como cor, movimento (piscadela) e textura. Movimento leva mais tempo para preencher do que cor, e assim por diante. Na verdade, esse preenchimento diferente fornece uma prova adicional de que essas áreas especializadas existem realmente no cérebro humano. Pois se a percepção fosse apenas um processo que acontece num só lugar do cérebro, deveria acontecer tudo de uma vez, e não em estágios. Finalmente, testamos a capacidade de Josh para preencher formas mais sofisticadas, como cantos de quadrados. Lembre-se de que, quando você tentou assestar seu ponto cego num canto, ele foi cortado — seu cérebro aparentemente não podia preenchê-lo. Quando tentamos a mesma experiência com Josh, conseguimos o resultado oposto. Ele não teve nenhuma dificuldade em ver o canto desaparecido, provando que tipos muito sofisticados de completamente estavam se realizando em seu cérebro. Nessa altura, Josh estava se sentindo cansado, mas tínhamos conseguido torná-lo tão intensamente curioso quanto nós sobre o processo de preenchimento. Depois de ouvir a história do rei Carlos, ele resolveu assestar seu escotoma em direção à cabeça da minha aluna universitária. Será que seu cérebro preferiria completar a cabeça dela (ao contrário do que acontecia com o nosso ponto cego) para impedir esse espetáculo horrendo? A resposta é não. Josh sempre via esta pessoa sem cabeça. Assim, ele conseguia preencher partes de figuras geométricas simples, mas não objetos complexos como rostos ou coisas dessa natureza. Esta experiência mostra mais uma vez que o preenchimento não é simplesmente uma questão de conjectura, estimativa, pois não havia motivo para que Josh não fosse capaz de ”achar” que a cabeça da minha aluna ainda estava no lugar. É preciso fazer uma importante distinção entre completamento perceptivo e conceitual. Para entender a diferença, pense agora no espaço atrás da sua cabeça como se você estivesse sentado numa cadeira lendo este livro. Você pode deixar sua mente vaguear, pensando nos tipos de objetos que poderiam estar atrás da sua cabeça ou do seu corpo. É uma janela? Um marciano? Um bando de gansos? Com a imaginação, você pode ”preencher” este espaço ausente com aproximadamente quase tudo, mas como pode mudar sua mente sobre o conteúdo, chamo este processo de preenchimento conceitual. 142 / FANTASMAS NO CÉREBRO Preenchimento perceptivo é bem diferente. Quando você preenche seu ponto cego com o desenho de um tapete, você não tem escolhas sobre o que preenche este ponto; não pode mudar sua mente sobre isto. O preenchimento perceptivo é executado por neurônios visuais. Suas decisões, uma vez tomadas, são irreversíveis: assim que eles sinalizam para os centros superiores do cérebro — ”sim, é uma textura repetitiva” ou ”sim, esta é uma linha reta” — o que você percebe é irrevogável. Voltaremos a esta distinção entre preenchimento perceptivo e conceitual, em que os filósofos têm muito interesse, quando falarmos da consciência e discutirmos se os marcianos vêem em vermelho, no Capítulo 12. Por enquanto, é suficiente enfatizar que estamos lidando com verdadeiro completamente perceptivo por sobre os escotomas, e não apenas estimativa ou dedução. Este fenômeno é muito mais importante do que se poderia imaginar pelos jogos de salão que acabamos de descrever. O setor de decapitação é divertido, mas por que o cérebro se empenharia em completamento perceptivo? A resposta se encontra numa explicação darwinista de como evoluiu o sistema visual. Um dos mais importantes princípios em visão é que ela tenta se safar com o menor processamento possível para ter a tarefa realizada. Para economizar no processamento visual, o cérebro tira vantagem das regularidades estatísticas no mundo — como o fato de que os contornos são geralmente contínuos ou de que superfícies de mesa são uniformes — e estas regularidades são captadas e transmitidas para o maquinismo das vias visuais no início do processamento visual. Quando você olha para sua escrivaninha, por exemplo, parece provável que o sistema visual extraia informações sobre suas margens e crie uma representação mental que se assemelha ao esboço de um desenho da mesa (mais uma vez, esta extração inicial de margens ocorre porque seu cérebro é interessado principalmente em regiões de mudança, de descontinuidade abrupta, na margem da escrivaninha, que é onde estão as informações). O sistema visual poderia então aplicar a interpelação de superfície para ”preencher” a cor e a textura da mesa, dizendo com efeito: ”Bem, há este material granulado aqui; deve ser o mesmo material granulado em toda parte.” Este ato de interpelação economiza uma enorme quantidade de cálculos; seu cérebro pode evitar o ônus de inspecionar atentamente cada pequena seção da escrivaninha e, em vez disso, consegue simplesmente empregar estimativas livres (tendo sempre em mente a distinção entre estimativa conceitual e estimativa perceptiva). A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 143 O que tem tudo isso a ver com James Thurber e outros pacientes portadores da síndrome de Charles Bonnet? As descobertas que discutimos até agora sobre a capacidade do cérebro para ”preencher” pontos cegos e escotomas também poderiam nos ajudar a entender as extraordinárias alucinações visuais que eles experimentam? As síndromes médicas recebem o nome de seus descobridores, e não dos pacientes que delas sofrem, e esta foi classificada com o nome do naturalista suíço Charles Bonnet, que viveu de 1720 a 1773. Embora tivesse saúde precária e estivesse sempre a ponto de perder a visão e a. audição, Bonnet era um arguto observador do mundo natural. Foi a primeira pessoa a observar a partenogênese — a geração de filhos por uma fêmea não fertilizada — e isso o levou a propor uma teoria absurda conhecida como pré-formacionismo, a idéia de que cada ovo carregado por uma fêmea deve conter um indivíduo inteiro pré-formado, presumivelmente com pequeninos ovos próprios, cada um deles por sua vez contendo indivíduos ainda mais minúsculos com ovos, e assim por diante, ad infinitum. Assim, muitos médicos se lembram de Charles Bonnet como o cara simplório que, em alucinações, via pequenas pessoas dentro de ovos e não como o perspicaz biólogo que descobriu a partenogênese. Felizmente, Bonnet foi mais perceptivo quando observou e relatou uma estranha situação médica em sua família. Seu avô materno, Charles Lullin, tinha sido submetido sucessivamente ao que naquela época era uma cirurgia perigosa e traumática — a remoção de cataratas aos 77 anos de idade. Onze anos depois da operação, o avô começou a sofrer intensas alucinações. Pessoas e objetos apareciam e desapareciam sem aviso, aumentavam de tamanho e depois encolhiam. Quando fitava as tapeçarias em seu apartamento, via bizarras transformações envolvendo pessoas com olhares estranhos e animais que, sabia ele, fluíam do seu cérebro e não da obra do tecelão. Este fenômeno, como mencionei antes, é razoavelmente comum em pessoas idosas com deficiências visuais como degeneração macular, retinopatia diabética, lesões na córnea e cataratas. Um recente estudo publicado na Lancet, um periódico médico britânico, relatou que homens e mulheres mais velhos com visão deficiente ocultam o fato de que ”vêem coisas que realmente não estão ali”. Entre 500 pessoas visualmente deficientes, 60 admitiram ter alucinações uma ou duas vezes por ano, mas outras tinham fantasias visuais pelo 144 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 145 menos duas vezes por dia. Na maior parte, o conteúdo do seu mundo imaginário é terreno, talvez envolvendo uma pessoa desconhecida, uma garrafa ou um chapéu, mas as alucinações também podem ser bem estranhas. Uma mulher viu dois policiais em miniatura levando um vilão nanico para uma minúscula viatura policial. Outros viarn figuras espectrais translúcidas flutuando no corredor, dragões, pessoas usando flores na cabeça e até belos anjos resplandecentes, pequenos animais de circo, palhaços e duendes. Peter Halligan, John Marshall e eu certa vez vimos em Oxford um paciente que não só ”via” crianças em seu campo visual esquerdo como realmente ouvia suas risadas. Então virava a cabeça e percebia que ali não havia ninguém. As imagens podem ser em preto e branco ou coloridas, estacionárias ou em movimento, e tão claras, menos claras ou mais claras do que a realidade. Às vezes, os objetos se misturam com o ambiente concreto, de forma que uma pessoa imaginária se senta numa cadeira real, pronta para falar. As imagens raramente são ameaçadoras — nada de monstros escravizadores nem cenas de carnificina brutal. Alguns pacientes eram sempre facilmente corrigidos por outras pessoas, no momento das alucinações. Uma senhora contou que certa vez estava sentada junto à janela contemplando vacas num prado vizinho. Fazia muito frio no meio daquele inverno. Ela se queixou com a empregada da crueldade do fazendeiro. Espantada, a empregada olhou, não viu vacas e disse: ”De que a senhora está falando? Que vacas?” A mulher enrubesceu, embaraçada. ”Meus olhos estão me enganando. Não posso mais confiar neles.” Outra senhora disse: ”Em meus sonhos, tenho experiências de coisas que me afetam, que são relacionadas com a minha vida. Mas estas alucinações nada têm a ver comigo.” Outros não têm tanta certeza. Um homem idoso e sem filhos andava intrigado com repetidas alucinações em que aparecia uma garotinha e um garoto e especulava se estas alucinações refletiam seu desejo não realizado de ser pai. Existe até o relato de uma mulher que via três vezes por semana o marido recém-falecido. Em face de ser tão comum esta síndrome, sinto-me tentado a imaginar se os relatos ocasionais de visões ”verdadeiras” de fantasmas, OVNIs e anjos por parte de pessoas inteligentes não podem ser meramente exemplos de alucinações de Charles Bonnet. Constitui alguma surpresa que aproximadamente um terço dos americanos afirme ter visto anjos? Não estou afirmando que não existem anjos (não tenho a menor idéia se existem ou não), mas simplesmente que muitas das visões podem ser devidas a uma patologia ocular. Iluminação deficiente e a penumbra e os tons mutantes do crepúsculo favorecem tais alucinações. Se os pacientes piscam os olhos, balançam a cabeça ou ligam uma luz, as visões freqüentemente cessam. Contudo, eles não têm nenhum controle voluntário sobre as aparições, que geralmente surgem sem aviso. Entre nós, a maioria pode imaginar as cenas que estas pessoas descrevem — um carro policial em miniatura com criminosos em miniatura—, mas exercemos controle consciente sobre essas imaginações. Com a síndrome de Charles Bonnet, porém, as imagens aparecem completamente inesperadas e espontâneas, como se fossem objetos reais. Este aparecimento repentino de imagens intrusas era evidente no caso de Larry MacDonald, agrônomo de 27 anos que sofreu um terrível acidente de carro. A cabeça de Larry chocou-se violentamente contra o pára-brisa, fraturando os ossos frontais acima dos olhos e as placas orbitais que protegem os nervos ópticos. Tendo ficado em estado comatoso por duas semanas, não conseguiu andar nem falar quando readquiriu a consciência. Mas esse não era o pior dos seus problemas. Como relembra Larry, ”o mundo estava cheio de alucinações, tanto visuais quanto auditivas. Não conseguia distinguir o que era real do que era falso. Os médicos e enfermeiras de pé junto à minha cama estavam rodeados de jogadores de futebol e dançarinas havaianas. Vozes chegavam a mim de toda parte e eu não podia dizer quem estava falando”. Larry sentiu pânico e confusão. Gradualmente, porém, seu estado foi melhorando, à medida que o cérebro lutava para se consertar depois do trauma. Readquiriu controle sobre suas funções corporais e aprendeu a caminhar. Conseguia falar, com dificuldade, e aprendeu a distinguir vozes reais de vozes imaginadas — um feito que o ajudou a eliminar as alucinações auditivas. Conheci Larry cinco anos depois do acidente, porque ele tinha ouvido falar do meu interesse em alucinações visuais. Falava lentamente, com esforço, mas era inteligente e perspicaz. Sua vida era normal, a não ser devido a um problema espantoso. As alucinações visuais, que costumavam acontecer em qualquer parte e em toda parte no seu campo visual, com cores brilhantes e movimentos rodopiantes, tinham recuado para a metade inferior do seu campo de visão, 146 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 147 onde ele era completamente cego. Isto é, via apenas objetos imaginários abaixo de uma linha central que se estendia do seu nariz para fora. Tudo acima da linha era completamente normal; sempre via o que realmente estava ali. Abaixo da linha, tinha repetidas alucinações intermitentes. — Lá no hospital, as cores costumavam ser muito mais nítidas — disse Larry. — O que você via? — perguntei. — Via animais e carros e barcos. Via cachorros e elefantes e todo tipo de coisas. •— Ainda consegue vê-las? — Ah, sim, vejo-as agora mesmo aqui na sala. — Está vendo-as agora, enquanto falamos? — Ah, sim — respondeu. Figuei intrigado. — Larry, você disse que, quando as vê comumente, elas tendem a cobrir outros objetos na sala. Mas, neste exato momento, você está olhando diretamente para mim. Não é como se você visse algo me cobrindo agora mesmo, certo? — Enquanto olho para o senhor, há um macaco sentado no seu colo — anunciou Larry. — Um macaco? — Sim, bem aí no seu colo. Pensei que ele estava brincando. — Diga-me como sabe que está tendo alucinação. — Não sei. Mas é improvável que houvesse aqui um professor com um macaco no colo. Assim, penso que provavelmente não há um macaco. — E sorriu alegremente. — Mas parece extremamente nítido e real. — Devo ter parecido chocado, pois Larry continuou: Primeiro elas desaparecem gradualmente após alguns segundos ou minutos, de forma que sei que não são reais. E, embora a imagem às vezes se misture perfeitamente com o resto da cena em torno dela, como o macaco em seu colo — continuou —, percebo que é altamente improvável e geralmente não falo com as pessoas sobre isso. — Sem fala, olhei de relance para o meu colo, enquanto Larry apenas sorria. — Também, há algo estranho com as imagens; freqüentemente, parecem boas demais para ser verdadeiras. As cores são vibrantes, extraordinariamente nítidas, e as imagens na verdade parecem mais reais do que objetos reais, se o senhor entende o que quero dizer. Eu não tinha certeza. O que ele quer dizer com ”mais real do que a realidade”? Existe um escola de arte chamada hiper-realismo na qual as pinturas de coisas como latas de sopa Campbells são criadas com o tipo de detalhes tão finos e delgados que você só pode ver com lentes de aumento. Estes objetos são estranhos para se olhar, mas talvez fosse assim que Larry via imagens em seu escotoma. — Isto o incomoda, Larry? — Bem, de certa forma sim, porque desperta minha curiosidade para saber por que as sinto, mas isso realmente não me atrapalha. Fico muito mais preocupado com o fato de que estou cego do que com o fato de que tenho alucinações. Na verdade, às vezes é divertido observá-las, porque nunca sei o que vou ver em seguida. — As imagens que você vê, como este macaco no meu colo, são coisas que você viu antes na vida ou as alucinações podem ser completamente novas? Larry pensou por um momento e disse: — Acho que podem ser imagens completamente novas, mas como pode ser isso? Sempre pensei que alucinações eram limitadas a coisas que você já viu em outra parte da sua vida. Mas muitíssimas vezes as imagens são comuns. Às vezes, quando estou procurando meus sapatos de manha, o chão inteiro fica de repente coberto de sapatos. Ê difícil encontrar meus próprios sapatos! Mais freqüentemente as visões surgem e vão embora, como se tivessem vida própria, ainda que não tenham ligação com o que estou fazendo ou pensando no momento. Não muito depois das minhas conversas com Larry, conheci outra paciente com síndrome de Charles Bonnet, cujo mundo era mais estranho ainda. Era atormentada por personagens de quadrinhos! Nancy era uma enfermeira do Colorado que tinha uma malformação arteriovenosa (AVM) — basicamente um aglomerado de artérias e veias intumescidas e fundidas na parte posterior de seu cérebro. Se houvesse uma ruptura, ela poderia morrer de hemorragia cerebral. Assim, seus médicos atacaram a AVM com laser para reduzir seu tamanho e ”isolá-la”. Ao fazer isso, deixaram tecido cicatrizado em partes do seu córtex visual. Como Josh, Nancy tinha um pequeno escotoma, e este ficava imediatamente à esquerda do local para onde estivesse olhando, cobrindo cerca de 10 graus de espaço. (Se ela estendesse o braço para a frente e olhasse para a mão, o escotoma teria cerca de duas vezes o tamanho da palma da sua mão.) — Bem, a coisa mais extraordinária é que vejo imagens dentro do escoto- 148 / FANTASMAS NO CÉREBRO ma —, disse Nancy, sentando-se na mesma cadeira que Larry ocupara antes. — Vejo-as dezenas de vezes por dia, não continuamente, mas em momentos diferentes que duram vários segundos de cada vez. — O que você vê? — Quadrinhos. — O quê? — Quadrinhos. — O que quer dizer com quadrinhos? Quer dizer Mickey Mouse? — Em algumas ocasiões, vejo desenhos de Walt Disney. Mas, mais comumente, não. O que vejo principalmente são apenas pessoas, animais e. objetos. Mas estes são sempre desenhos de linhas, preenchidos com cor uniforme como histórias em quadrinhos. E muito divertido. Fazem-me lembrar desenhos de Roy Lichtenstein. — Que mais você pode me contar? Eles se movimentam? — Não. São absolutamente estacionários. Outra coisa: meus quadrinhos não têm profundidade, nem sombreado, nem curvatura. Então, era isso que ela queria dizer quando falava que eram como revistas de quadrinhos. — São pessoas conhecidas ou pessoas que você nunca viu? — perguntei. — Pode ser uma coisa ou outra — disse Nancy. — Nunca sei o que vem em seguida. Aqui está uma mulher cujo cérebro cria histórias em quadrinhos de Walt Disney, desafiando o copyright. Que está acontecendo? E como pode a mesma pessoa ver um macaco no meu colo e aceitar isso como normal? Para entender esses bizarros sintomas, vamos ter de rever nossos modelos de como o sistema visual e a percepção operam dia a dia. Em um passado não muito distante, os fisiologistas traçavam diagramas das áreas visuais com setas apontando para cima. Uma imagem seria processada em um nível, enviada para o próximo nível acima e assim por diante, até que a ”gestalt” finalmente surgia de maneira um tanto misteriosa. É a chamada visão de baixo para cima da percepção visual, defendida por pesquisadores da inteligência artificial nas últimas três décadas, embora muitos anatomistas tenham há muito tempo enfatizado que existem maciças vias de feedback projetando-se das chamadas áreas superiores para áreas visuais inferiores. Para pacificar estes anatomistas, os diagramas dos livros geralmente incluíam setas apontando para trás, mas, A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 149 em geral, mencionava-se por mencionar a noção dessas projeções, sem lhe atribuir significado funcional. Uma visão mais nova da percepção — defendida pelo Dr. Gerald Edelman, do Instituto de Neurociências em La Jolla, Califórnia — sugere que o fluxo de informações do cérebro se assemelha às imagens numa sala de parque de diversões cheia de espelhos, continuamente refletidas de um lado para outro, e continuamente alteradas pelo processo de reverberação.12 Como raios separados de luz numa dessas casas, a informação visual pode tomar diferentes caminhos, às vezes desviando-se, às vezes reforçando a si própria, às vezes propagando-se em direções opostas. Se isto parece confuso, vamos voltar à distinção que fizemos anteriormente entre ver um gato e imaginar um gato. Quando vemos um gato, sua forma, cor, textura e outros atributos visíveis vão incidir em nossa retina e seguir através do tálamo (uma estação de retransmissão no meio do cérebro) e entrar no córtex visual primário para se processar em dois fluxos ou vias. Como foi examinado no capítulo anterior, uma via segue para regiões envolvidas com profundidade e movimento — permitindo a você pegar objetos ou esquivar-se deles e se movimentar pelo mundo —, e a outra, para regiões envolvidas com forma, cor e reconhecimento de objetos (estas são as vias do como e do o quê). Posteriormente, todas as informações são combinadas para nos dizer que este é um gato — digamos, Félix — e nos capacitar a relembrar tudo que já aprendemos ou sentimos sobre gatos em geral e sobre o gato Félix em particular. Pelo menos, é o que nos dizem os livros. Agora, pense no que está acontecendo em seu cérebro, quando você imagina um gato.13 Há bons indícios a sugerir que realmente estamos movimentando nosso maquinismo visual ao contrário! Nossas lembranças de todos os gatos e deste gato em particular fluem do alto para a base — de regiões superiores para o córtex visual primário — e as atividades combinadas de todas estas áreas levam à percepção de um gato imaginário pelos olhos da mente. De fato, a atividade no córtex visual primário pode ser quase tão forte como se você realmente visse um gato, mas na verdade o gato não está ali. Isto significa que o córtex visual primário, longe de ser um mero escritório de classificação para informações que chegam da retina, é mais parecido com uma sala de guerra onde as informações estão sendo constantemente enviadas de volta por batedores, montando todos os tipos de cenários, e depois a informação é remetida 150 / FANTASMAS NO CÉREBRO A VIDA SECRETA DE JAMES THURBER / 151 de volta novamente para aquelas mesmas áreas superiores onde os batedores estão trabalhando. Há uma dinâmica interação recíproca entre as chamadas áreas visuais iniciais e os centros visuais superiores, culminando numa espécie de simulação de realidade virtual de um gato. (Tudo isso foi descoberto principalmente a partir de experiências com animais e estudos de neuroimageamento em seres humanos.) Ainda não está claro o modo como ocorre esta ”interação” recíproca ou qual poderia ser sua função. Mas ela pode explicar o que está acontecendo nos pacientes com síndrome de Charles Bonnet, como Larry e Nancy, ou com cidadãos idosos sentados numa sala escurecida da casa de repouso. Sugiro que eles estão preenchendo informação desaparecida da mesma forma que Josh fazia, exceto pelo fato de que estão usando lembranças guardadas em um nível alto.14 Assim, na síndrome de Bonnet, as imagens são baseadas mais numa espécie de ”completamento conceitual” do que completamento perceptivo; as imagens que estão sendo ”preenchidas” estão vindo da memória (do alto para baixo) — e não de fora (de baixo para cima). Palhaços, lírios-d’água, macacos e quadrinhos povoam a região cega mais do que apenas as informações que circundam imediatamente o escotoma, como linhas e pequenos ”x”. De fato, quando Larry vê um macaco no meu colo, sabe perfeitamente que não é real, porque percebe ser altamente improvável que houvesse um macaco em meu escritório. Mas se este raciocínio estiver correto — se as áreas visuais primárias são ativadas a cada vez que você imagina algo —, então por que você e eu não temos alucinações o tempo todo ou pelo menos ocasionalmente não confundimos nossas imagens geradas internamente com objetos reais? Por que você não vê um macaco na cadeira, quando simplesmente pensa em um macaco? A razão é que, mesmo que você feche os olhos, as células em sua retina e nas vias sensoriais primárias estão constantemente ativas — produzindo um sinal plano, linear. Este sinal linear informa seus centros visuais superiores de que não existe nenhum objeto (macaco) incidindo em sua retina, rejeitando desse modo a atividade evocada por imagens de cima para baixo. Mas se as vias visuais primárias estão danificadas, este sinal linear é removido e assim você tem alucinações.15 Do ponto de vista da evolução, é perfeitamente sensato que, embora as imagens internas possam ser bem realistas, não podem na verdade substituir a coisa real. Você não pode, como dizia Shakespeare, ”saciar a fome com a simples imaginação de um banquete”. O que é bom, também, porque se você pudesse matar a fome pensando num banquete, nunca se preocuparia em comer e rapidamente seria extinto. Da mesma forma, qualquer criatura que pudesse imaginar orgasmos não tem probabilidade de transmitir seus genes à próxima geração. (Claro, você pode fazer isso até certo ponto, como quando seu coração palpita ao imaginar um encontro amoroso — cuja base às vezes é chamada de terapia de visualização.) Uma confirmação adicional desta interação entre imagens de cima para baixo e sinais sensoriais na percepção vem do que vimos em pacientes com membros fantasmas que têm nítidas impressões de apertar seus dedos inexistentes e cravar unhas imaginárias em suas palmas da mão fantasmas, causando uma dor insuportável. Por que estes pacientes sentem realmente o ato de apertar, ”unhas se cravando” e dor, ao passo que você e eu podemos imaginar a mesma posição de dedos, mas nada sentimos? A resposta é que você e eu temos informação real procedente de nossas mãos, dizendonos que não existe nenhuma dor, embora tenhamos vestígios de lembrança em nosso cérebro ligando o ato de apertar os dedos com o cravar de unhas (especialmente se você não corta freqüentemente as unhas). Mas num amputado, estas fugazes associações e lembranças preexistentes de dor podem agora surgir sem contradição de informações sensoriais em andamento. O mesmo tipo de coisa poderia estar acontecendo na síndrome de Charles Bonnet. Mas por que Nancy sempre via desenhos de quadrinhos em seu escotoma? Uma das possibilidades é que, em seu cérebro, ofeedback vem principalmente da via do o quê no lobo temporal, a qual, você vai se lembrar, tem células especializadas em cor e formas, mas não em movimento e profundidade, que são manejadas pela via do como. Portanto, seu escotoma fica cheio de imagens sem profundidade nem movimento, tendo apenas contornos e formas, como acontece com os quadrinhos. Se eu estiver certo, estas estranhas alucinações visuais são simplesmente uma versão exagerada dos processos que ocorrem no seu cérebro e no meu, toda vez que deixamos nossa imaginação correr livre. Em alguma parte do confuso amontoado de vias que se interligam para a frente e para trás, está a interface entre visão e imaginação. Ainda não temos idéias claras de onde esta interface está ou como funciona (ou até se existe uma só interface), mas estes pacientes fornecem algumas provocantes pistas sobre o que poderia estar ocorrendo. O 152 / FANTASMAS NO CÉREBRO indício delas sugere que o que chamamos percepção é realmente o resultado final de uma interação dinâmica entre sinais sensoriais e informações armazenadas em alto nível sobre imagens visuais do passado. Toda vez que qualquer um de nós encontra um objeto, o sistema visual inicia um constante processo de questionamento. Indícios fragmentários chegam e os centros superiores dizem: ”Hummmmm, talvez isto seja um animal.” Nosso cérebro então faz uma série de perguntas visuais, como num jogo de perguntas. E um mamífero? Um gato? Que tipo de gato? Doméstico? Selvagem? Grande? Pequeno? Preto ou branco ou malhado? Os centros visuais superiores então projetam respostas parciais ”mais adequadas” de volta para as áreas inferiores, inclusive o córtex visual primário. Desta maneira, a imagem empobrecida é progressivamente trabalhada e aprimorada (com pequenos ”preenchimentos”, quando adequado). Acho que estas maciças projeções para a frente e Á.efeedback executam a tarefa de dirigir sucessivas iterações que nos capacitam a nos aproximar o mais possível da verdade.16 Exagerando deliberadamente a argumentação, talvez tenhamos alucinações o tempo todo e o que chamamos de percepção é atingido ao simplesmente determinarmos que alucinações se ajustam melhor à atual informação sensorial. Mas, como acontece na síndrome de Charles Bonnet, se não receber estímulos visuais confirmadores, o cérebro está simplesmente livre para compor sua própria realidade. E, como James Thurber sabia muito bem, aparentemente não há limites para sua criatividade. CAPÍTULO 6 Através do espelho O mundo não é apenas mais estranho do que imaginamos; é mais estranho do que podemos imaginar. — J.B.S. HALDANE Quem era aquela figura que saía do quarto numa cadeira de rodas? Sam não pôde acreditar no que via. Sua mãe, Ellen, tinha acabado de voltar para casa na noite anterior, depois de passar duas semanas no hospital Kaiser Permanente, recuperando-se de um derrame. A mãe sempre fora exigente com sua aparência. Roupas e maquilagem eram impecáveis, o cabelo bem penteado, unhas bem pintadas com matizes de bom gosto, rosa ou vermelho. Mas hoje, algo estava seriamente errado. No lado esquerdo, o cabelo naturalmente crespo de Ellen estava despenteado, salientando-se para fora em pequenos tufos em forma de ninho, ao passo que o resto estava muito bem arrumado. O xale verde cobria inteiramente seu ombro direito e se arrastava pelo chão. Tinha aplicado batom vermelho brilhante no lado direito dos lábios, deixando o resto da boca sem nada. Da mesma forma, havia um traço de delineador e rimel no olho direito, mas o esquerdo estava sem maquilagem. O toque final era uma mancha de ruge na bochecha direita — aplicada com muito cuidado, de forma a não parecer que ela estava tentando esconder seu mau estado de saúde, mas suficiente para demonstrar que ainda cuidava da sua aparência. Era quase como 154 / FANTASMAS NO CÉREBRO se alguém tivesse usado uma toalha úmida para retirar a maquilagem do lado esquerdo do rosto da sua mãe! -— Por Deus! — exclamou Sam. — O que você fez com sua maquilagem? Ellen franziu as sobrancelhas, surpresa. De que seu filho estava falando? Passara meia hora se aprontando nesta manhã e achava que tinha aparência tão boa quanto possível, dadas as circunstâncias. Dez minutos depois, quando se sentaram para tomar o café da manhã, Ellen ignorou toda a comida ao lado esquerdo do seu prato, inclusive o suco de laranja recém-preparado que ela adorava tanto. Sam correu para o telefone e me chamou, pois eu era um dos médicos que tinha passado algum tempo com sua mãe no hospital. Nós nos conhecemos quando eu estava examinando uma paciente de derrame que dividia o quarto com sua mãe. — Tudo bem — disse eu —, não fique alarmado. Sua mãe está sofrendo de uma síndrome neurológica comum de desatenção parcial, um estado que muitas vezes se segue a derrames no lado direito do cérebro, especialmente no lobo parietal direito. Pacientes desse tipo são profundamente indiferentes a objetos e acontecimentos no lado esquerdo do mundo, inclusive às vezes o lado esquerdo de seus próprios corpos. — Quer dizer que ela está cega do lado esquerdo? — Não, cega, não. Apenas não presta atenção ao que está à esquerda. E por isso que chamamos isso de desatenção. No dia seguinte, para satisfação de Sam, consegui demonstrar isso, fazendo um simples teste clínico em Ellen. Sentei-me exatamente na frente dela e disse: ”Olhe firmemente para o meu nariz e não mova os olhos.” Quando ela fez isso, levantei meu dedo indicador perto do seu rosto, exatamente para a esquerda do seu nariz, e agitei-o vigorosamente. — Ellen, o que está vendo? — Um dedo balançando. — Tudo bem — disse eu. — Mantenha os olhos fixos no mesmo ponto do meu nariz. — Depois, bem lenta e descuidadamente, ergui o mesmo dedo para a mesma posição, exatamente à esquerda do seu nariz. Mas desta vez, tive o cuidado de não movimentá-lo abruptamente. — O que está vendo agora? Ellen pareceu confusa. Sem ter sua atenção atraída para o dedo — atrás do movimento ou outras pistas fortes —, ela estava esquecida, distraída. Sam começou a compreender a natureza do problema da sua mãe, a importante ATRAVÉS DO ESPELHO / 155 distinção entre cegueira e desatenção. A mãe o ignoraria completamente se ele ficasse ao seu lado esquerdo e nada fizesse. Mas se pulasse e agitasse os braços, ela às vezes se voltaria e olharia. Pela mesma razão, Ellen não consegue perceber o lado esquerdo do seu rosto num espelho, se esquece de aplicar maquilagem no lado esquerdo do rosto e não penteia o cabelo nem escova os dentes desse lado. E, não constitui surpresa, até ignora a comida que está ao lado esquerdo do seu prato. Mas, quando seu filho aponta para coisas na área descuidada, forçando-a a prestar atenção, Ellen pode dizer: ”Ah, que bom. Suco de laranja fresquinho!” ou ”Que coisa embaraçosa. Meu batom está torto e meu cabelo, despenteado”. Sam ficou frustrado. Teria de ajudar sua mãe pelo resto da vida em coisas simples do dia-a-dia, como aplicar maquilagem? Ela continuaria assim para sempre, ou será que eu poderia fazer algo para ajudá-la? Garanti a Sam que tentaria ajudar. A desatenção é um problema bem comum1 e sempre me intrigou. Além de sua relevância imediata para a capacidade da paciente de cuidar de si mesma, tem profundas implicações para o entendimento de como o cérebro cria uma representação espacial do mundo, como lida com esquerda e direita e como conseguimos — num instante — prestar atenção a diferentes partes da cena visual. O grande filósofo alemão Immanuel Kant tinha tanta obsessão por nossos conceitos ”inatos” de espaço e tempo que passou 30 anos percorrendo sua varanda de um lado a outro, pensando neste problema. (Algumas de suas idéias mais tarde inspiraram Mach e Einstein.) Se pudéssemos de alguma forma transportar Ellen de volta numa máquina do tempo para visitá-lo, tenho certeza de que ele ficaria tão fascinado pelos sintomas dela quanto você ou eu e especularia se nós, cientistas modernos, tínhamos sequer uma vaga idéia do que provocava este estranho estado. Quando você olha de relance para qualquer cena visual, a imagem excita receptores em sua retina e põe em movimento uma cascata de eventos que culminam em sua percepção do mundo. Como observamos em capítulos anteriores, a mensagem procedente do olho é primeiramente mapeada numa área posterior do cérebro chamada córtex visual primário. Daí é retransmitida ao longo de duas vias, a via do como para o lobo parietal e a via do o quê para o lobo temporal (ver Figura 4.5, no Capítulo 4). Os lobos temporais estão envolvidos no reconhecimento e denominação de objetos e com a reação a eles com as emoções adequadas. Os lobos parietais, por outro lado, estão envolvi- 156 / FANTASMAS NO CÉREBRO dos no discernimento da disposição espacial do mundo exterior, permitindo que você navegue através do espaço, estenda o braço para pegar objetos, se desvie de coisas atiradas em você e saiba onde está. Esta divisão de funções entre lobos temporais e parietais pode explicar quase todos os sintomas da peculiar constelação de que a gente vê em pacientes de desatenção, nos quais um lobo parietal — especialmente o direito — está danificado, como no caso de Ellen. Se você deixá-la vaguear por si própria, ela não prestará atenção ao lado esquerdo do espaço nem a nada que por acaso aí se encontre. Até mesmo tropeçará em objetos a seu lado esquerdo ou dará uma topada com o dedão do pé esquerdo numa saliência da calçada. (Mais tarde explicarei por que isto não acontece em caso de lesão no parietal esquerdo.) No entanto, como os lobos temporais de Ellen ainda estão intactos, ela não tem dificuldade em reconhecer objetos e acontecimentos, desde que sua atenção seja atraída para eles. Mas ”atenção” é uma palavra carregada, rica, e até sabemos menos sobre ela do que sobre desatenção. Assim, a afirmação de que a desatenção surge da ”falha em prestar atenção” realmente não nos diz muito, a não ser que tenhamos uma noção clara do que podem ser os mecanismos neurais subjacentes. (É mais ou menos como dizer que a doença resulta de uma falha na saúde.) Em especial, a gente gostaria de saber como uma pessoa normal — você ou eu — é capaz de atender seletivamente a uma única informação sensorial, quer esteja tentando ouvir uma única voz em meio a uma algazarra de vozes num coquetel ou apenas tentando localizar um rosto conhecido num estádio de beisebol. Por que temos esta nítida sensação de ter um holofote interno, que podemos apontar para diferentes objetos e incidentes em torno de nós?2 Sabemos agora que mesmo uma habilidade tão básica como a atenção exige a participação de muitas regiões extensas do cérebro. Já falamos dos sistemas visual, auditivo e somatossensorial, mas outras regiões especiais do cérebro executam tarefas igualmente importantes. O sistema de ativação reticular — um emaranhado de neurônios no tronco cerebral que se projeta amplamente para vastas regiões do cérebro — ativa o córtex cerebral inteiro levando a excitação e vigília, ou — quando necessário — uma pequena porção do córtex, conduzindo a atenção seletiva. O sistema límbico está envolvido no comportamento emocional e na avaliação do significado emocional e do valor potencial de acontecimentos no mundo exterior. Os lobos frontais estão envolvidos em processos mais abstratos como julgamento, previsão e planejamento. To- ATRAVÉS DO ESPELHO / 157 das estas áreas são interconectadas num arco de. feedback positivo — uma reverberação recorrente, como de um eco — que pega um estímulo vindo do mundo exterior, extrai seus traços salientes e depois o faz saltar de região para região, antes de finalmente calcular o que é e como reagir a ele.3 Devo lutar, fugir, comer ou beijar? A disposição simultânea de todos estes mecanismos culmina na percepção. Quando um estímulo grande, ameaçador — digamos, a imagem de uma figura perigosa, talvez um assaltante agigantando-se em direção a mim numa rua de Boston — entra primeiro no meu cérebro, não tenho a menor idéia do que é. Antes que eu possa determinar, ahá, talvez seja uma pessoa perigosa, a informação visual é avaliada quanto à relevância tanto pelos lobos frontais quanto pelo sistema límbico e enviada a uma pequena porção do córtex parietal, que, em ligação com conexões neurais apropriadas na formação reticular, me capacita a dirigir minha atenção para a figura que assoma. Força meu cérebro a girar meus globos oculares para algo importante lá fora, na cena visual, prestar-lhe atenção seletiva e dizer: ”Ahá!” Mas imagine o que aconteceria se qualquer parte deste arco de feedhack positivo fosse interrompida de forma a comprometer todo o processo. Você então não notaria o que estivesse acontecendo em um lado do mundo. Seria um paciente de desatenção. Mas ainda temos de explicar por que a desatenção ocorre depois de dano ao lobo parietal direito e não ao esquerdo. Por que a assimetria? Embora o motivo real continue a se esquivar de nós, Mareei Mesulam, da Universidade de Harvard, propôs uma teoria engenhosa. Sabemos que o hemisfério esquerdo é especializado em muitos aspectos da linguagem e o hemisfério direito, em emoções e aspectos ”globais” ou holísticos do processamento sensorial. Mas Mesulam sugere que há outra diferença fundamental. Dado seu papel nos aspectos holísticos da visão, o hemisfério direito tem um amplo holofote” de atenção que abrange inteiramente os campos visuais esquerdo e direito. O hemisfério esquerdo, por outro lado, tem um holofote muito menor, que é confinado inteiramente ao lado direito do mundo (talvez porque esteja tão ocupado com outras coisas, como a linguagem). Em resultado desse estranho arranjo, se o hemisfério esquerdo é danificado, perde seu holofote, mas o direito pode compensar, porque lança um holofote sobre o mundo inteiro. Quando o hemisfério direito é danificado, por outro lado, o 158 / FANTASMAS NO CÉREBRO holofote global se extingue, mas o hemisfério esquerdo não pode compensar plenamente a perda, porque seu holofote está confinado apenas ao lado direito. Isto explicaria por que a desatenção só é vista em pacientes cujo hemisfério direito está avariado. Assim, desatenção não é cegueira, mas antes uma indiferença geral a objetos e eventos à esquerda. Mas até que ponto é profunda esta indiferença? Afinal de contas, mesmo você e eu, quando dirigimos de volta do trabalho para casa, sem dar atenção ao terreno conhecido, erguemos a cabeça imediatamente se vemos um acidente. Isto sugere que em certo nível a informação visual inesperada vinda da estrada deve ter sido passada. A indiferença de Ellen é uma versão extrema do mesmo fenômeno? É possível que, embora ela não note coisas conscientemente, alguma parte da informação ”vaze”? Será que, em algum nível, estes pacientes ”vêem” o que não vêem? Não é uma pergunta fácil de responder, mas, em 1988, dois pesquisadores de Oxford, Peter Haligan e John Marshall,4 aceitaram o desafio. Inventaram uma forma engenhosa para demonstrar que os pacientes de desatenção percebem subconscientemente algumas das coisas que estão se passando no seu lado esquerdo, embora isso aparentemente não aconteça. Mostraram aos pacientes desenhos de duas casas, uma abaixo da outra, que eram completamente idênticas, exceto numa característica saliente — a casa do alto tinha chamas e fumaça saindo pelas janelas à esquerda. Então perguntaram ao paciente se as casas pareciam as mesmas ou eram diferentes. O primeiro paciente de desatenção que eles estudaram disse, e não foi surpresa, que as casas pareciam idênticas, já que não prestava atenção ao lado esquerdo dos dois desenhos. Mas, quando forçado a escolher — ”Agora, vamos lá, em que casa você gostaria de morar?” — escolheu a casa de baixo, a que não estava se incendiando. Por motivos que não conseguiu expressar, disse que ”preferia” aquela casa. Uma forma de visão cega, talvez? Será que embora não esteja prestando atenção ao lado esquerdo da casa, alguma parte de informação sobre chamas e fumaça vaza para o seu hemisfério direito através de alguma via alternativa e o alerta para o perigo? A experiência deixa implícito mais uma vez que não há cegueira no campo visual esquerdo, pois, se houvesse, como poderia ele processar este nível de detalhe sobre o lado esquerdo da casa em quaisquer circunstâncias? Histórias de desatenção são muito populares entre estudantes de medicina. Oliver Sacks5 conta-me o estranho caso de uma mulher que, como muitos ATRAVÉS DO ESPELHO / 159 pacientes de desatenção parcial, só comia alimentos do lado direito do seu prato. Mas ela sabia o que estava ali e percebeu que, se quisesse o jantar inteiro, tinha de mudar a posição da cabeça, a fim de ver a comida à esquerda. Mas, dada sua indiferença geral pelo lado esquerdo e a relutância em sequer olhar para a esquerda, adotou uma solução comicamente engenhosa. Fazia em sua cadeira de rodas um enorme círculo de mais ou menos 340 graus para a direita até que finalmente seus olhos vissem a comida intocada. Consumida essa parte, fazia outro giro, para comer a metade restante no seu prato, e assim por diante, vezes seguidas, até terminar. Nunca lhe ocorreu que bastava voltar-se para a esquerda, porque — para ela — a esquerda simplesmente não existia. Em certa manhã não muito distante, quando eu consertava o sistema de irrigação do nosso jardim, minha mulher me trouxe uma carta de aspecto interessante. Recebo muitas cartas por semana, mas esta tinha o carimbo do Panamá, um selo exótico e letras curiosas no endereço. Enxuguei as mãos numa toalha e comecei a ler uma descrição até certo ponto eloqüente do que é a sensação de sofrer de desatenção parcial. ”Quando dei por mim, em vez de ter uma grave dor de cabeça, não percebi quaisquer efeitos adversos do meu infortúnio”, escreveu Steve, um ex-capitão da Marinha que ouvira falar do meu interesse pelo problema da desatenção e queria me consultar em San Diego. ”De fato, em lugar de uma dor de cabeça, eu me sentia bem. Não querendo preocupar minha mulher — sabendo muito bem que eu tinha tido um ataque cardíaco e que a dor na cabeça estava diminuindo — disse-lhe que não se preocupasse; eu estava bem. ”Ela respondeu: ’Não, você não está bem, Steve. Você teve um derrame!’ Um derrame? Esta declaração me deixou ao mesmo tempo surpreso e levemente animado. Eu tinha visto vítimas de derrame na televisão e na vida real, pessoas que olhavam fixamente para o nada ou mostravam claros sinais de paralisia em um membro ou no rosto. Como não percebia nenhum desses sintomas, não pude acreditar que ela estivesse certa. Realmente, eu estava com o lado esquerdo do corpo completamente paralisado. Tanto meu braço esquerdo quando a perna esquerda estavam afetados, bem como o rosto. Assim começou minha odisséia ao entrar num estranho mundo deformado. A meu ver, eu estava plenamente consciente de todas as partes do meu l 160 / FANTASMAS NO CÉREBRO corpo no lado direito. O esquerdo simplesmente não existia! O senhor pode achar que estou exagerando. Alguém que olhasse para mim veria uma pessoa com membros que, embora paralisados, obviamente existem e obviamente estão ligados ao meu corpo. ”Quando me barbeava, esquecia o lado esquerdo do rosto. Quando me vestia, deixava sempre o braço esquerdo fora da manga. Abotoava incorretamente o botão do lado direito da minha roupa nos buracos da esquerda, embora tivesse de completar esta operação com a mão direita. ”Não há maneira”, concluía Steve, ”de o senhor ter qualquer idéia do que acontece no País das Maravilhas, a não ser que um habitante de lá o descreva.” A desatenção é clinicamente importante por dois motivos. Primeiro, embora a maioria dos pacientes se recupere completamente depois de algumas semanas, há um subconjunto em que o distúrbio pode persistir indefinidamente. Para eles, a desatenção continua sendo um verdadeiro incômodo, embora possa não constituir um distúrbio que ameace a vida. Segundo, mesmo aqueles pacientes que parecem se recuperar rapidamente podem ser seriamente prejudicados, porque sua indiferença à esquerda nos primeiros dias atrapalha a reabilitação. Quando o fisioterapeuta exige que exercitem o braço esquerdo, eles não vêem o sentido de fazer isso, porque não notam que o braço não está se desempenhando bem. Este é um problema, porque, na reabilitação após derrame, a maior parte da recuperação da paralisia ocorre nas primeiras semanas e, depois dessa ”janela de plasticidade”, a mão esquerda tende a não reconquistar a função. Os médicos, portanto, fazem o máximo para induzir as pessoas a usar suas mãos e pernas esquerdas nas primeiras semanas — uma tarefa frustrada pela síndrome da desatenção. Existe algum truque que se possa usar para fazer uma paciente aceitar o lado esquerdo do mundo e começar a notar que seu braço esquerdo não estava se movendo? O que aconteceria se você pusesse um espelho no lado direito da paciente em ângulo reto com seu ombro? (Se ela estivesse sentada numa cabine telefônica, isto corresponderia à parede direita da cabine.) Se ela olhar agora para o espelho, verá o reflexo de tudo que está no seu lado esquerdo, inclusive pessoas, incidentes e objetos, assim como seu próprio braço esquerdo. Mas como o próprio reflexo está à direita — em seu campo não negligenciado —, será que ela de repente começaria a prestar atenção a estas coisas? Perceberia que estas pessoas, incidentes e objetos estavam no seu lado esquerdo, embora o ATRAVÉS DO ESPELHO / 161 reflexo deles esteja na direita? Se funcionasse, um truque desse tipo seria quase um milagre. Os esforços para tratar da desatenção têm frustrado igualmente médicos e pacientes, desde que esse estado foi descrito clinicamente pela primeira vez, há mais de 60 anos. Telefonei para Sam e perguntei se sua mãe, Ellen, se interessaria em tentar a idéia do espelho. Poderia ajudar Ellen a se recuperar mais rapidamente e era bem fácil de experimentar. A maneira como o cérebro lida com reflexos de espelho tem fascinado desde longa data psicólogos, filósofos e mágicos. Muita criança tem feito a pergunta: ”Por que um espelho inverte as coisas da esquerda para a direita, mas não inverte de cabeça para baixo? Como o espelho ”sabe” de que modo deve inverter?” — uma pergunta que a maioria dos pacientes acha embaraçosamente difícil de responder. A resposta correta a esta pergunta vem do físico Richard Feynman (citado por Richard Gregory, que escreveu um delicioso livro sobre este tópico).6 Adultos normais raramente confundem um reflexo de espelho com um objeto real. Quando você detecta pelo espelho retrovisor um carro se aproximando rapidamente, não pisa no freio. Você acelera para a frente, embora pareça que a imagem do carro está se aproximando rapidamente pela frente. Da mesma forma, se um ladrão abrisse a porta enquanto você estivesse se barbeando no banheiro, você se voltaria para enfrentá-lo — e não para atacar o reflexo no espelho. Alguma parte do seu cérebro deve estar fazendo a correção necessária: o objeto real está atrás de mim, embora a imagem esteja na minha frente.7 Mas, como Alice no País das Maravilhas, pacientes como Ellen e Steve parecem habitar numa estranha terra-de-ninguém entre ilusão e realidade — um ”mundo deformado”, como Steve o chamou, e não há nenhum jeito fácil de prever como reagirão a um espelho. Embora todos nós, pacientes de desatenção e pessoas normais, tenhamos familiaridade com espelhos e nem prestemos muita atenção a eles, existe algo inerentemente surrealista a respeito de imagens de espelho. Os aspectos ópticos são bastante simples, mas ninguém tem a mais vaga idéia de quais mecanismos do cérebro são ativados quando olhamos para o reflexo de um espelho, de que processos cerebrais estão envolvidos em nossa capacidade especial de compreender a justaposição paradoxal de um objeto real com o seu ”gêmeo” óptico. Dado o importante papel do lobo parietal direito no tratamento de relações espaciais e aspectos ”holísticos” 162 / FANTASMAS NO CÉREBRO da visão, será que um paciente de desatenção teria problemas especiais em lidar com reflexos de espelho? Quando Ellen chegou ao meu laboratório, primeiro fiz uma série de testes clínicos simples para confirmar o diagnóstico de desatenção parcial. Foi reprovada em todos. Primeiro, pedi-lhe que se sentasse numa cadeira à minha frente e olhasse para o meu nariz. Então peguei uma caneta, ergui-a em direção à sua orelha esquerda e comecei a movê-la lentamente, em círculos, sempre do lado da orelha esquerda. Pedi que Ellen acompanhasse a caneta com os olhos, e ela o fez sem nenhum problema até que cheguei ao seu nariz. Nesse ponto, seus olhos começaram a vaguear, e logo estava olhando para mim, tendo ”perdido de vista” a caneta perto do seu nariz. Paradoxalmente, uma pessoa realmente cega no campo visual esquerdo não mostraria este comportamento. Quando muito, tentaria mover os olhos à frente da caneta, num esforço para compensar sua cegueira. Em seguida, mostrei a Ellen uma linha horizontal traçada numa folha de papel e pedi que a seccionasse ao meio com um traço vertical. Ellen franziu os lábios, pegou a caneta e confiantemente colocou um traço bem à direita da linha, porque para ela só existia meia linha — a metade direita — e presumivelmente estava assinalando o centro daquela metade.8 Quando pedi que desenhasse um relógio, Ellen fez um círculo completo em vez de apenas meio círculo. Esta é uma resposta perfeitamente comum, porque desenho de círculo é uma reação motora demasiado aprendida e o derrame não a comprometeu. Mas, quando chegou o momento de preencher os números, Ellen parou, olhou fixamente para o círculo e então começou a escrever os números de 1 a 12, apinhados inteiramente no lado direito do círculo! Finalmente, peguei uma folha de papel, coloquei-a na frente de Ellen e pedi que desenhasse uma flor. — Que tipo de flor? — perguntou. — Qualquer tipo. Apenas uma flor comum. Novamente, Ellen fez uma pausa, como se a tarefa fosse difícil, e afinal desenhou outro círculo. Até agora, tudo bem. Então desenhou com esforço uma série de pequenas pétalas — era uma margarida — todas comprimidas no lado direito da flor (Figura 6.1). — Ótimo, Ellen — disse eu. — Agora, quero que faça algo diferente. Quero que feche os olhos e desenhe uma flor. ATRAVÉS DO ESPELHO / 163 A incapacidade de Ellen para desenhar a metade esquerda dos objetos era esperada, já que ela ignora o lado esquerdo quando está de olhos abertos. Mas o que aconteceria com eles fechados? Será que a representação mental de uma flor — a margarida em sua imaginação — seria uma flor inteira ou apenas a metade? Em outras palavras, até que profundidade vai a reverberação da desatenção em seu cérebro? Figura 6. l Desenho feito por uma paciente de desatenção. Observem que está faltando a metade esquerda da flor. Muitos pacientes de desatenção também desenham só a metade da flor quando desenham de memória — mesmo de olhos fechados. Isto indica que o paciente também perdeu a capacidade de esquadrinhar o lado esquerdo da imagem mental da flor. Ellen fechou os olhos e desenhou outro círculo. Depois, franzindo as sobrancelhas e concentrandose, desenhou graciosamente cinco pétalas — todas do lado direito da margarida! Era como se o padrão interno que usou para fazer o desenho estivesse preservado só pela metade, e, portanto, o lado esquerdo da flor simplesmente desaparecesse, mesmo quando ela está apenas imaginando-a. 164 / FANTASMAS NO CÉREBRO Depois de um intervalo de meia hora, voltamos ao laboratório para fazer o teste do espelho. Ela sentou-se em sua cadeira de rodas, afofando os cabelos com a mão boa, e sorriu docemente. Fiquei em pé à sua direita segurando um espelho na altura do meu peito, de forma que quando Ellen se voltasse direto para a frente na cadeira, o espelho estivesse paralelo ao braço direito da cadeira de rodas (e ao seu perfil) e a cerca de 60 centímetros de seu nariz. Então pedi que virasse a cabeça cerca de 60 graus e olhasse no espelho. Deste ponto de observação, Ellen pode obviamente ver o lado desconsiderado do mundo refletido no espelho. Está olhando para sua direita, para o seu lado bom, por assim dizer, e sabe perfeitamente bem o que é um espelho, e assim sabe que ele está refletindo objetos no lado esquerdo dela. Como a informação sobre o lado esquerdo do mundo agora está vindo do lado direito — o lado não negligenciado — será que o espelho a ajudaria a ”superar” sua desatenção de forma que ela estendesse corretamente o braço para os objetos à esquerda, exatamente como faria uma pessoa normal? Ou diria para si mesma: ”Epa, esse objeto está realmente em meu campo esquecido. Assim vou ignorá-lo.” A resposta, como acontece tão freqüentemente na ciência, não foi nenhuma das duas. Na verdade, ela fez algo completamente exótico. Ellen olhou o espelho e pestanejou, curiosa sobre o que via. Deve ter sido óbvio para ela que se tratava de um espelho, já que tinha uma moldura de madeira e poeira na superfície, mas, para ter certeza absoluta, perguntei: — Que é isto que estou segurando? — (Lembrem-se de que eu estava atrás do espelho, segurandoo.) Respondeu sem hesitar: — Um espelho. Pedi-lhe que descrevesse seus óculos, o batom e a roupa, enquanto olhava para o espelho. Fez isso sem nenhum problema. Recebendo um sinal, um dos meus alunos, de pé ao lado esquerdo de Ellen, exibiu uma caneta de forma a ficar ao alcance da mão direita dela, mas inteiramente dentro do campo visual negligenciado. (Estava realmente a cerca de 20 cm abaixo e à esquerda de seu nariz.) Ellen podia ver claramente no espelho o braço do meu aluno assim como a caneta, já que não havia intenção de enganá-la quanto à presença de um espelho. — Está vendo a caneta? — Sim. ATRAVÉS DO ESPELHO / 165 — Perfeito. Por favor estenda a mão, pegue-a e escreva seu nome neste bloco de papel que pus em seu colo. Imaginem meu espanto quando Ellen ergueu a mão direita e, sem hesitação, foi diretamente para o espelho e começou a golpeá-lo repetidamente. Agarrou-o literalmente durante cerca de 20 segundos e disse, claramente frustrada: — Não está ao meu alcance. Quando repeti o mesmo processo, 10 minutos depois, ela disse: — Está atrás do espelho — e estendeu o braço em torno e começou a apalpar a fivela do meu cinturão. Um pouco depois, chegou até a espreitar por cima da borda do espelho à procura da caneta. Assim, Ellen estava se comportando como se o reflexo fosse um objeto real para o qual podia estender a mão e pegar. Nos meus 15 anos de carreira, nunca tinha visto algo assim — um adulto inteligente e equilibrado cometendo o disparate absurdo de pensar que um objeto estava realmente dentro do espelho. Queríamos ter certeza de que o comportamento de Ellen não provinha de alguma inépcia de movimentos do seu braço ou de uma deficiência para compreender o que são espelhos. Então, tentamos simplesmente colocar o espelho a uma boa distância na frente dela, exatamente como um espelho de banheiro em casa. Desta vez, a caneta aparecia exatamente atrás e acima do seu ombro direito (mas bem fora do seu campo visual). Ela viu a caneta no espelho e a mão se dirigiu diretamente para trás, para suas costas, a fim de pegá-la. Assim, seu fracasso na tarefa inicial não podia ser explicado pelo argumento de que estava desorientada, inepta ou confusa como resultado do derrame. Resolvemos dar um nome ao estado de Ellen — ”agnosia de espelho” ou a síndrome do espelho”, em homenagem a Lewis Carroll. Realmente, sabe-se que Lewis Carroll sofria ataques de enxaqueca causados por espasmos arteriais. Se afetaram seu lobo parietal direito, talvez tenha sofrido confusões momentâneas com espelhos que poderiam não só tê-lo inspirado a escrever Through the Looking Glass (Através ao espelho) mas também ajudar a explicar sua obsessão por espelhos, escrita espelhada e inversão direita-esquerda. Especula-se que a preocupação de Leonardo da Vinci com a escrita invertida, da direita para a esquerda, tinha origem semelhante. A síndrome do espelho era intrigante de observar, mas era também frus- 166 / FANTASMAS NO CÉREBRO ATRAVÉS DO ESPELHO / 167 trante, porque inicialmente eu tinha esperado a reação exatamente oposta — que o espelho tornaria Ellen mais consciente do lado esquerdo do mundo e ajudaria na reabilitação. O passo seguinte foi descobrir quão generalizada é esta síndrome. Todos os pacientes se comportam como Ellen? Descobri que muitos tinham o mesmo tipo de agnosia de espelho. Estenderiam a mão rumo ao espelho em busca da caneta ou de um bombom, quando este fosse exibido no campo negligenciado. Sabiam perfeitamente bem que estavam olhando para um espelho e contudo cometiam o mesmo erro de Ellen. Mas nem todos os pacientes cometiam este engano. Alguns deles inicialmente pareciam perplexos, mas depois de ver o reflexo da caneta ou do bombom no espelho, riam entre dentes, e — com ar conspiratório — estendiam a mão corretamente para o lado esquerdo, como você ou eu faríamos. Um dos pacientes até girou a cabeça para a esquerda — algo que comumente relutaria em fazer — e sorriu triunfante, enquanto agarrava avidamente a recompensa. Estes poucos pacientes estavam claramente prestando atenção a objetos que anteriormente tinham ignorado, criando uma fascinante possibilidade terapêutica. Será que a exposição repetida ao espelho ajudará algumas pessoas a superar a desatençáo, tornando-as gradualmente mais conscientes do lado esquerdo do mundo?9 Temos esperança de experimentar isso algum dia na clínica. Terapia à parte, o cientista que há em mim está igualmente intrigado com a agnosia de espelho — a deficiência do paciente em estender corretamente a mão para o objeto real. Até meu filho de dois anos, quando lhe foi mostrado um bombom visível apenas no espelho, deu uma risadinha, virou-se e agarrou o doce. Porém Ellen, muito mais velha e mais sagaz, não conseguiu fazer isso. Posso pensar em pelo menos duas interpretações do motivo por que falta a ela esta capacidade. Primeiro, é possível que a síndrome seja causada por sua desatenção. É como se a paciente estivesse dizendo para si mesma, inconscientemente: ”Como o reflexo está no espelho, o objeto deve estar à minha esquerda. Mas a esquerda não existe no meu planeta — portanto, o objeto deve estar dentro do espelho.” Por mais absurda que esta interpretação possa parecer a nós que temos cérebros intactos, é a única que faria qualquer sentido para Ellen, dada a sua ”realidade”. Segundo, a síndrome do espelho pode não ser uma conseqüência direta de desatenção, embora geralmente seja acompanhada por desatenção. Sabemos que, quando o lobo parietal direito é danificado, os pacientes têm todos os tipos de dificuldades com tarefas espaciais, e a síndrome do espelho pode simplesmente ser uma manifestação rebuscada desses déficits. A resposta correta a uma imagem de espelho exige que você tenha simultaneamente em mente o reflexo e o objeto que o está produzindo e depois execute a necessária ginástica mental para localizar corretamente o objeto que produziu o reflexo. Esta capacidade muito sutil pode ser comprometida por lesões no lobo parietal direito, dado o importante papel dessa estrutura no lidar com atributos espaciais do mundo. Nesse caso, a agnosia de espelho poderia proporcionar um novo teste no leito do doente, para detectar lesões no lobo parietal direito.10 Numa época de custos cada vez maiores de imageamento do cérebro, qualquer novo teste simples seria um acréscimo útil ao kit de diagnósticos do neurologista. O aspecto mais estranho da síndrome do espelho, porém, é ouvir as reações dos pacientes. ”Doutor, por que não posso alcançar a caneta?” ”O maldito espelho está no caminho.” ”A caneta está dentro do espelho e não consigo alcançá-la!” ”Ellen, quero que você pegue o objeto real, não o reflexo. Onde está o objeto real?” Ela respondeu: ”O objeto real está ali, atrás do espelho, doutor.” É espantoso que a simples confrontação com um espelho lance estes pacientes na zona crepuscular de forma que se mostrem incapazes — ou relutantes — de tirar a simples ilação lógica de que, como o reflexo está à direita, o objeto que o produz deve estar à esquerda. É como se, para estes pacientes, até as leis da óptica tenham mudado, pelo menos para este pequeno canto do seu universo. Em geral pensamos em nosso intelecto e conhecimento de ”alto nível” — como leis concernentes a óptica geométrica — como sendo imunes aos caprichos da informação sensorial. Mas estes pacientes nos ensinam que isto nem sempre é verdade. De fato, para eles é diferente. Não somente seu mundo sensorial está deformado, como sua base de conhecimento é distorcida para se acomodar ao estranho mundo novo que eles habitam.” Seus déficits de atenção parecem permear inteiramente sua perspectiva, tornando-os incapazes de dizer se um reflexo de espelho é um objeto real ou não, embora possam conduzir conversações normais sobre outros tópicos — política, esportes ou xadrez — exatamente como você e eu. Perguntar a estes pacientes qual é a ”verdadeira localização” do objeto que vêem no espelho é como perguntar a 168 / FANTASMAS NO CÉREBRO uma pessoa normal o que está ao norte do pólo Norte. Ou se um número irracional (como a raiz quadrada de 2 ou 71 com uma interminável fileira de decimais) realmente existe ou não. Isto levanta profundas questões filosóficas sobre até que ponto podemos estar certos de que nossa própria apreensão da realidade é tão segura assim. Uma criatura alienígena quadridimensional nos observando do seu mundo de quatro dimensões poderia considerar nosso comportamento exatamente tão despropositado, inepto e absurdamente cômico, quanto consideramos as confusões de pacientes de desatenção presos na armadilha de seu estranho mundo de espelhos. CAPÍTULO 5 O som de uma só mão batendo palmas O homem efeito por sua crença. Como acredita, assim ele é. — Bhagavad Gita, 500 a.C. Os cientistas sociais têm um longo caminho a percorrer para chegar lá. Mas podem estar próximos do assunto científico mais importante de todos, se e quando finalmente chegarem às questões certas. Nosso comportamento uns para com os outros é o mais estranho, mais imprevisível, e quase inteiramente inexplicável dos fenômenos com os quais somos obrigados a viver. — LEWIS THOMAS A Sra. Dodds estava começando a perder a paciência. Por que todo mundo à sua volta — médicos, terapeutas, até seu filho — insistiam que seu braço esquerdo estava paralisado, quando ela sabia muito bem que estava funcionando perfeitamente? Por quê? Há apenas 10 minutos tinha-o usado para lavar o rosto. Sabia, claro, que tivera um derrame há duas semanas e era por isso que estava aqui, no Centro Médico da Universidade da Califórnia em Hillcrest. excetuando uma pequena dor de cabeça, estava se sentindo melhor agora e 170 / FANTASMAS NO CÉREBRO desejava poder ir para casa para podar as roseiras e retomar suas caminhadas diárias ao longo da praia, perto de Point Loma, onde morava. Tinha visto sua neta Becky ontem e estava pensando como seria bom impressioná-la com o jardim, agora que estava em plena florescência. A Sra. Dodds estava de fato com o lado esquerdo do corpo completamente paralisado, depois de um derrame que danificara o hemisfério direito de seu cérebro. Todos os meses, vejo pacientes desse tipo. Geralmente, fazem muitas perguntas sobre sua paralisia. Quando é que vou caminhar de novo, doutor? Poderei mexer meus dedos novamente? Quando bocejei hoje de manhã, meu braço esquerdo começou a se mover um pouquinho — isto significa que estou começando a me recuperar? Mas há um pequeno subconjunto de pacientes com lesão no hemisfério direito que, como a Sra. Dodds, parecem jubilosamente indiferentes à sua situação — aparentemente inconscientes de que todo o lado esquerdo do seu corpo está paralisado —, embora sejam mentalmente lúcidos sob todos os outros aspectos. Este curioso distúrbio — a tendência a ignorar ou às vezes até negar o fato de que o braço esquerdo (ou a perna) esteja paralisado — foi classificado de anosognosia (”desconhecimento da doença”) pelo neurologista francês Joseph François Babinski, o primeiro a observá-lo clinicamente em 1908. — Sra. Dodds, como está se sentindo hoje? — Bom, doutor, estou com dor de cabeça. O senhor sabe que me trouxeram para o hospital. — Por que veio para o hospital, Sra. Dodds? — Ah, bem disse ela —, tive um derrame. — Como sabe? — Caí no banheiro há duas semanas e minha filha me trouxe para cá. Fizeram alguns exames cerebrais, usaram raios X e me disseram que tive um derrame. — Obviamente, a Sra. Dodds sabia o que tinha ocorrido e tinha consciência do ambiente em que estava. — Ótimo — disse eu. — E como se sente agora? — Bem. — Consegue andar? — Claro que posso andar. — A Sra. Dodds tinha ficado deitada na cama ou fora colocada numa cadeira de rodas nas duas últimas semanas. Não dera um só passo desde sua queda no banheiro. O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 171 — E suas mãos? Levante as mãos. Consegue movê-las? A Sra. Dodds pareceu levemente irritada com minhas perguntas. — Claro que posso usar minhas mãos — disse. — Pode usar a mão direita? — Sim. — Pode usar a mão esquerda? — Sim, posso usar minha mão esquerda. — As duas mãos estão igualmente fortes? — Sim, ambas estão fortes. Agora isto provoca uma pergunta interessante: Até onde você pode leva/ esta linha de questionamento nesses pacientes? Os médicos geralmente relutam em continuar provocando, com receio de precipitar o que o neurologista Kurt Goldstein chamou de ”reação catastrófica”, que é simplesmente o jargão médico para dizer ”a paciente começa a soluçar” porque suas defesas desmoronam. Mas, pensei, se eu a levasse gentilmente, passo a passo, antes de realmente confrontá-la com sua paralisia, talvez pudesse impedir tal reação.1 — Sra., Dodds, pode tocar meu nariz com sua mão direita? Ela o fez sem nenhum problema. — Pode tocar meu nariz com a mão esquerda? Sua mão continuou ali, paralisada. — Sra. Dodds, está tocando meu nariz? — Sim, é claro que estou tocando seu nariz. — Pode realmente ver sua mão tocando meu nariz? — Sim, posso. Está a menos de três centímetros do seu rosto. Nessa altura, a Sra. Dodds teve uma clara confabulação, quase uma alucinação, de que seu dedo estava quase tocando meu nariz. Sua visão era perfeita. Podia ver perfeita e claramente seu braço, mas insistia que estava vendo o braço se movimentar. Resolvi fazer só mais uma pergunta: — Sra. Dodds, pode bater palmas? Com resignada paciência, ela disse: — Claro que posso. — Pode fazer isso para eu ver? A Sra. Dodds olhou para para mim e começou a movimentar a mão direita, como se estivesse batendo palmas com uma imaginária mão esquerda. — Está batendo palmas? — Sim, estou. 172 / FANTASMAS NO CÉREBRO Não tive coragem de lhe perguntar se realmente estava ouvindo a si própria batendo palmas, mas, se o tivesse feito, poderíamos ter encontrado a resposta ao eterno koan do mestre zen — qual é o som de uma só mão batendo palmas? Mas não é preciso invocar koans do zen-budismo para perceber que a Sra. Dodds nos oferece um quebra-cabeça em nada menos enigmático do que a luta para entender a natureza não-dual da realidade. Por que esta mulher, aparentemente sensata, inteligente e articulada, nega estar paralítica? Afinal de contas, tem estado confinada a uma cadeira de rodas por quase duas semanas. Deve ter havido dezenas de ocasiões em que tentou pegar alguma coisa ou simplesmente estender a mão esquerda, mas todas as vezes ela ficou ali sem vida, no seu colo. Como pode até insistir que se ”vê” tocando meu nariz? Realmente, a confabulação da Sra Dodds está na ponta extrema da escala. Pacientes de negação em geral inventam desculpas esfarrapadas ou racionalizações para explicar por que seus braços esquerdos não se movem, quando solicitados a demonstrar o uso daquele braço. A maioria não afirma que consegue ver o braço inerte se movendo. Por exemplo, quando perguntei a uma mulher chamada Cecília por que não estava tocando meu nariz, ela respondeu um tanto exasperada: ”Bem, doutor, são estes estudantes de medicina, eles têm passado o dia inteiro me provocando, me incomodando. Estou farta disso. Não quero mover meu braço.” Outra paciente, Esmeralda, adotou uma estratégia diferente. — Esmeralda, como está passando? — Estou bem. — Consegue caminhar? — Sim. — Pode usar os braços? — Sim. — Consegue usar o braço direito? — Sim. — E o braço esquerdo? — Sim, consigo usar meu braço esquerdo. — Pode apontar para mim com sua mão direita? Ela apontou direto para mim com a mão direita boa. O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 173 — Pode apontar para mim com a esquerda? A mão esquerda ficou imóvel à sua frente. — Esmeralda, está apontando? — Tenho uma grave artrite no ombro; o senhor sabe disso, doutor. Dói muito. Não posso mover o braço agora. Em outras ocasiões, usava outras desculpas. ”Bem, é que nunca fui muito ambidestra, doutor.” Observar estes pacientes é como observar a natureza humana com lentes de aumento; faz-me lembrar de todos os aspectos da loucura e estultícia humana e como somos todos inclinados à autoilusão, à auto-sugestão. Pois aqui, encarnada numa mulher idosa numa cadeira de rodas, está uma versão comicamente exagerada de todos aqueles mecanismos psicológicos de defesa de que Sigmund e Anna Freud falaram no início do século XX— mecanismos usados por você, por mim e por todas as outras pessoas, quando somos confrontados com fatos perturbadores sobre nós mesmos. Freud afirmava que nossas mentes usam estes variados truques psicológicos para ”defender o ego”. Suas idéias têm tal apelo intuitivo que muitas das palavras que usou se infiltraram na linguagem popular, embora ninguém pense nelas como ciência, porque ele nunca fez nenhuma experiência. (Voltaremos a Freud mais adiante neste capítulo, para ver como a anosognosia pode nos dar uma ajuda experimental sobre estes esquivos aspectos da mente.) Nos casos mais extremos, o paciente não só negará que o braço (ou perna) esteja paralisado, mas afirmará que o braço estendido na cama perto dele, seu próprio braço paralisado, não pertence a ele! Há uma disposição descontrolada para aceitar idéias absurdas. Não faz muito tempo, no Centro Rivermead de Reabilitação em Oxford, Inglaterra, peguei a mão esquerda inerte de uma mulher e levantei-a até a altura dos seus olhos. — De quem é este braço? Ela me olhou firme e perguntou amuada: — O que esse braço está fazendo na minha cama? — Bem, de quem é o braço? — É do meu irmão — disse sem hesitar. Mas o irmão dela não estava em nenhuma parte do hospital. Mora em algum lugar no Texas. A mulher mostrava o que chamamos de somatoparafrenia 174 / FANTASMAS NO CÉREBRO — a negação de propriedade de partes do próprio corpo — que é ocasionalmente vista em associação com a anosognosia. Desnecessário dizer que os dois estados são muito raros. — Por que acha que é o braço do seu irmão? — Porque é grande e cabeludo, doutor, e eu não tenho braços cabeludos. A anosognosia é uma síndrome incomum sobre a qual quase nada se sabe. A paciente é obviamente normal sob quase todos os aspectos, mas afirma ver seu membro inerte entrando em ação — batendo palmas ou tocando meu nariz — e não consegue perceber o absurdo de tudo isso. O que causa este estranho distúrbio? Não constitui surpresa que tenham surgido dezenas de teorias2 para explicar a anosognosia. A maior parte pode ser classificada em duas categorias principais. Uma é a visão freudiana, de que o paciente simplesmente não quer enfrentar o contratempo de sua paralisia. A segunda é uma visão neurológica, de que a negação é uma conseqüência direta da síndrome de desatenção, discutida no capítulo anterior — a indiferença geral a tudo que está no lado esquerdo do mundo. Ambas as categorias de explicação têm muitos problemas, mas também contêm algum discernimento, que podemos usar para construir uma nova teoria da negação. Um dos problemas com a visão freudiana é que não explica a diferença em magnitude dos mecanismos psicológicos de defesa entre pacientes com anosognosia e o que é visto em pessoas normais — por que são geralmente sutis em você e em mim e desvairadamente exagerados em pacientes de negação. Por exemplo, se eu fraturasse meu braço esquerdo e danificasse certos nervos e você me perguntasse se eu poderia vencê-lo numa partida de tênis, eu poderia tender a minimizar um pouco meu ferimento, afirmando: ”Ah, sim, posso vencer você. Meu braço está ficando muito melhor agora, você está vendo.” Mas certamente não apostaria uma queda de braço com você. Ou, se meu braço estivesse completamente paralisado, pendendo flácido ao meu lado, eu não diria: ”Oh, vejo-o tocando seu nariz” ou ”Pertence ao meu irmão”. O segundo problema com a visão freudiana é que não explica a assimetria dessa síndrome. O tipo de negação visto na Sra. Dodds e em outros pacientes é quase sempre associado à lesão no hemisfério direito do cérebro, que resulta em paralisia do lado esquerdo do corpo. Quando as pessoas sofrem lesão no hemisfério esquerdo do cérebro, com paralisia no lado direito do corpo, quase O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 175 nunca experimentam negação. Por que não? Elas ficam tão incapacitadas e frustradas quanto as pessoas com lesão no hemisfério direito, e presumivelmente há a mesma ”necessidade” de defesa psicológica, mas, na verdade, não só têm consciência da paralisia, mas também falam constantemente dela. Essa assimetria sugere que precisamos olhar não para a psicologia mas para a neurologia, em busca de uma resposta, especialmente nos detalhes de como os dois hemisférios do cérebro são especializados em tarefas diferentes. Na verdade, a síndrome parece estar na fronteira entre as duas disciplinas, motivo por que é tão fascinante. As teorias neurológicas da negação rejeitam completamente a visão freudiana. Em vez disso, sustentam que a negação é uma conseqüência direta da desatenção, que também ocorre depois de dano no hemisfério direito e deixa os pacientes profundamente indiferentes a tudo que acontece no lado esquerdo do mundo, inclusive o lado esquerdo de seus próprios corpos. Talvez a paciente com anosognosia simplesmente não note que seu braço esquerdo não está se movendo em resposta aos seus comandos, e daí a ilusão, o delírio. Vejo dois problemas principais nesta abordagem. Um é que desatenção e negação podem ocorrer independentemente — alguns pacientes com desatenção não experimentam negação e vice-versa. Segundo, a desatenção não é responsável porque a negação geralmente persiste, mesmo quando a atenção do paciente é atraída para a paralisia. Por exemplo, se eu forçar um paciente a virar sua cabeça e focalizar seu braço esquerdo, a fim de lhe demonstrar que não está obedecendo ao seu comando, ele pode continuar obstinadamente a negar que o braço esteja paralisado — ou até que lhe pertença. É esta veemência da negação — não a mera indiferença à paralisia — que clama por uma explicação. Na verdade, o motivo por que a anosognosia é tão intrigante é que consideramos o ”intelecto” de caráter primordialmente proposicional — isto é, certas conclusões derivam indiscutivelmente de certas premissas — e geralmente se espera que a lógica proposicional seja internamente coerente. Ouvir uma paciente negar a propriedade de seu braço e contudo, no mesmo instante, admitir que este está ligado ao seu ombro é um dos fenômenos mais desconcertantes que se pode encontrar como neurologista. Assim, nem a visão freudiana nem a teoria da desatenção proporcionam uma explicação adequada para o espectro de déficits que se vê na anosognosia. A forma correta de abordar o problema, eu percebi, é fazer duas perguntas: 1) 176 / FANTASMAS NO CÉREBRO O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 177 Por que pessoas normais se envolvem em todos esses mecanismos psicológicos de defesa? 2) Por que os mesmos mecanismos são tão exagerados nesses pacientes? Defesas psicológicas em pessoas normais são especialmente intrigantes porque, à primeira vista, parecem prejudiciais à sobrevivência.3 Em que melhoraria minha sobrevivência aferrar-me tenazmente a falsas crenças sobre mim mesmo e. sobre o mundo? Se eu fosse um fracote que acreditasse ser tão forte quanto Hércules, brevemente teria sérios problemas com o ”macho alfa” do meu grupo social — meu diretor, o presidente da empresa onde trabalho ou até meu vizinho de porta. Mas, como observou Charles Darwin, se você vir algo aparentemente não-adaptativo em biologia, então examine mais profundamente, porque muitas vezes existe um programa oculto. A chave para todo o quebra-cabeça, sugiro eu, está na divisão de trabalho entre nossos dois hemisférios cerebrais e em nossa necessidade de criar um sentido de coerência e continuidade em nossas vidas. A maioria das pessoas sabe que o cérebro humano consta de duas metades que se refletem — como as duas metades de uma noz —, com cada metade, ou hemisfério cerebral, controlando os movimentos no lado oposto do corpo. Um século de neurologia clínica mostrou claramente que os dois hemisférios são especializados em diferentes capacidades mentais e que a mais impressionante assimetria envolve a linguagem. O hemisfério esquerdo é especializado não somente na produção real de sons da fala, mas também na imposição de estruturas sintáticas ao discurso e em muito do que é chamado de semântica — a compreensão dos significados. O hemisfério direito, por outro lado, não governa palavras orais, mas parece mais envolvido com aspectos mais sutis da linguagem, como nuances de metáfora, alegoria e ambigüidade — habilidades que são inadequadamente enfatizadas em nossas escolas elementares mas que são essenciais para o avanço das civilizações através da poesia, das lendas, da fábula e do drama. Tendemos a chamar o hemisfério esquerdo de hemisfério maior ou ”dominante”, porque, como um chauvinista, ele produz toda a fala (e talvez muito do pensamento também), reivindicando ser o repositório do mais elevado aspecto da humanidade, a linguagem. Infelizmente, o mudo hemisfério direito nada pode fazer para protestar. Outras especializações óbvias envolvem visão e emoção. O hemisfério direito está envolvido com os aspectos holísticos da visão, como ver a floresta em vez das árvores, ler expressões faciais e responder a situações evocativas com a emoção apropriada. Conseqüentemente, após derrames no hemisfério direito, os pacientes tendem a ficar tranqüilamente despreocupados com sua situação, e até levemente eufóricos, porque sem o ”hemisfério direito emocional” eles simplesmente não compreendem a magnitude da sua perda. (Isto é verdade até em relação àqueles pacientes que têm consciência de sua paralisia.) Além dessas óbvias divisões de trabalho, quero sugerir uma diferença ainda mais fundamental entre os estilos cognitivos dos dois hemisférios,4 distinção que não só ajuda a explicar os mecanismos amplificados de defesa da anosognosia, mas pode também ajudar a justificar as formas mais comuns de negação que as pessoas usam na vida diária — como quando um alcoólatra se recusa a reconhecer seu problema com a bebida ou quando você nega sua atração proibida por uma colega casada. Em dado momento de nossa vida consciente, nossos cérebros são inundados por uma estonteante sucessão de informações sensoriais, todas as quais precisam ser incorporadas numa perspectiva coerente baseada no que as memórias armazenadas já nos dizem ser verdade sobre nós mesmos e sobre o mundo. Para gerar ações coerentes, o cérebro precisa ter alguma forma de peneirar esta superabundância de detalhes e de ordená-la num ”sistema de crença” estável e internamente coerente — uma história que tenha sentido e seja entendida. Toda vez que chega um novo item de informação, nós o incorporamos inconsutilmente à nossa preexistente visão do mundo. Sugiro que isto é feito principalmente pelo hemisfério esquerdo. Mas, agora, suponha que apareça algo que não se encaixa perfeitamente na trama. O que você faz? Uma das opções é rasgar o script inteiro e começar do nada: rever completamente a história para criar um novo modelo sobre o mundo e sobre você mesmo. O problema é que, se você fizesse isso para cada pedacinho de informação ameaçadora, seu comportamento logo se tornaria caótico e instável; você ficaria louco. Em vez disso, o que seu hemisfério esquerdo faz é ignorar completamente a anomalia ou distorcê-la para introduzi-la à força na estrutura preexistente, a fim de preservar a estabilidade. E este, acho eu, é o fundamento lógico essencial por trás de todas as chamadas defesas freudianas — as negações, repressões, confabulações e outras formas de auto-sugestáo que governam nossas vidas diárias. Longe de ser não-adaptativos, esses mecanismos de defesa do dia-a-dia 178 / FANTASMAS NO CÉREBRO impedem o cérebro de ser açulado a uma indecisão sem rumo pela ”explosão combinatória” de possíveis histórias que poderiam ser escritas a partir do material disponível aos sentidos. A inconveniência, claro, é que você está ”mentindo” para si mesmo, mas é um pequeno preço a pagar pela coerência e estabilidade conferidas ao sistema como um todo. Imagine, por exemplo, um general a ponto de empreender guerra ao inimigo. E tarde da noite e ele está no gabinete de guerra, planejando estratégias para o dia seguinte. Batedores continuam entrando na sala para lhe dar informações sobre a terra, disposição do terreno, nível etc. Também lhe contam que o inimigo tem 500 tanques e que ele tem 600, um fato que leva o general a decidir atacar. Posiciona suas tropas em locais estratégicos e decide se lançar à batalha exatamente às 6h da manhã, ao nascer do sol. Imagine ainda que, às 5h55, um pequeno batedor entra correndo no gabinete de guerra e diz: ”General! Tenho más notícias.” Faltando minutos para a batalha, o general pergunta: ”Quais são?” O batedor responde: ”Acabei de olhar pelo binóculo e vi que o inimigo tem 700 tanques, e não 500!” Que é que o general — o hemisfério esquerdo — faz? É importante fazer alguma coisa o mais rápido possível e ele simplesmente não se pode dar ao luxo de rever todos os seus planos de batalha. Assim, ordena que o batedor se cale e não conte nada do que viu. Negação! Claro, ele pode até atirar no batedor e esconder o informe numa gaveta com a etiqueta ”altamente confidencial” (repressão). Ao agir assim, ele confia na alta probabilidade de que a opinião da maioria — a informação anterior de todos os batedores — estivesse correta e de que este novo item único de informação procedente de uma fonte provavelmente está errado. Assim, o general mantém sua posição original. Não só por isso, mas também por medo de motim, ele poderia ordenar que o batedor mentisse para os outros generais e lhes dissesse que só tinha visto 500 tanques (confabulação). O objetivo de tudo isso é impor estabilidade ao comportamento e impedir a vacilação, porque a indecisão não serve a nenhum objetivo. Qualquer decisão, na medida em que seja provavelmente correta, é melhor do que nenhuma decisão. Um general perpetuamente hesitante jamais ganhará uma guerra. Nesta analogia, o general é o hemisfério esquerdo5 (o ”ego” de Freud, talvez?), e seu comportamento é análogo aos tipos de negações e repressões que a gente vê tanto em pessoas sadias quanto em pacientes com anosogno- O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 179 sia. Mas por que estes mecanismos de defesa são tão grosseiramente exagerados nos pacientes? Entre no hemisfério direito, que gosto de chamar de Advogado do Diabo. Para ver como este funciona, precisamos levar a analogia um passo à frente. Suponhamos que o batedor entra correndo e, em vez de contar que o inimigo tem mais tanques, declara: ”General, acabei de olhar pelo meu telescópio: o inimigo tem armas nucleares.” O general seria de fato louco se seguisse o plano original. Ele precisa formular rapidamente um novo plano, pois se o batedor estivesse certo, as conseqüências seriam devastadoras. Assim, as estratégias de luta dos dois hemisférios são fundamentalmente diferentes. A tarefa do hemisfério esquerdo é criar um sistema de crença ou modelo e incorporar novas experiências ao sistema de crença. Se confrontado com alguma nova informação que não se encaixa no modelo, ele conta com mecanismos freudianos de defesa para negar, reprimir ou confabular — qualquer coisa para preservar o status quo. A estratégia do hemisfério direito, por outro lado, é bancar o ”Advogado do Diabo”, questionar o status quo e procurar incongruências globais. Quando a informação anômala atinge certo patamar, o hemisfério direito decide que é hora de forçar uma completa revisão do modelo inteiro e começar do nada. O hemisfério direito, portanto, força uma ”mudança no paradigma kuhniano” em resposta a anomalias, ao passo que o hemisfério esquerdo sempre tenta se aferrar tenazmente ao modo como as coisas estavam. Agora considere o que acontece se o hemisfério direito é danificado. Então o hemisfério esquerdo fica de rédea solta para se dedicar a suas negações, confabulações e outras estratégias, como faz normalmente. Ele diz: ”Sou a Sra. Dodds, uma pessoa com dois braços normais cujo movimento tenho comandado.” Mas o cérebro dela é insensível ao feedback visual contrário que normalmente lhe informaria que seu braço está paralisado e que ela está numa cadeira de rodas. Assim, a Sra. Dodds é apanhada num ilusório beco sem saída. Não consegue revisar seu modelo de realidade porque o hemisfério direito, com seus mecanismos para detectar discrepâncias, está desarranjado. E, na ausência do contrapeso ou ”controle de realidade” proporcionado pelo hemisfério direito, não há literalmente nenhum limite para suas andanças e divagações ao longo do caminho ilusório. Alguns pacientes dirão: ”Sim, estou tocando seu nariz, Dr. Ramachandran” ou ”Todos os estudantes de medicina têm me 180 / FANTASMAS NO CÉREBRO irritado e é por isso que não quero mover meu braço”. Ou até?: ”Que é que o braço do meu irmão está fazendo na minha cama, doutor?” A idéia de que o hemisfério direito é um revolucionário esquerdista que provoca mudanças de paradigma, ao passo que o hemisfério esquerdo é um conservador ferrenho que se apega ao status quo, é quase certamente uma grosseira supersimplificação, mas, mesmo que se venha a comprovar que é errada, esta idéia realmente sugere novas formas de fazer experiências e nos incita a fazer novas perguntas sobre a síndrome da negação. Qual a profundidade da negação? O paciente realmente acredita que não está paralítico? Que tal se você enfrentasse diretamente os pacientes: conseguiria então forçá-los a admitir a paralisia? Será que negariam apenas sua paralisia ou negariam também outros aspectos da sua doença? Dado que as pessoas freqüentemente pensam em seu carro como uma extensão de sua ”imagem corporal” (especialmente aqui na Califórnia), que aconteceria se o pára-lama dianteiro esquerdo do seu carro fosse danificado? Negariam isso? A anosognosia é conhecida há quase um século, mas tem havido muito poucas tentativas para responder a essas perguntas. Qualquer luz que possamos lançar sobre esta estranha síndrome seria clinicamente importante, é claro, porque a indiferença dos pacientes à sua situação não só constitui um obstáculo à reabilitação do braço ou perna doente, como freqüentemente os leva a projetos futuros irreais. (Por exemplo, quando perguntei a um homem se ele poderia voltar à sua antiga ocupação de reparar linhas telefônicas — um emprego que exige duas mãos para subir em postes e emendar fios — ele disse: ”Ah, sim, não vejo nenhum problema.”) O que eu não percebia, porém, quando comecei essas experiências, era que elas me levariam direto ao âmago da natureza humana. Pois negação é algo que fazemos em toda a nossa vida, seja quando ignoramos temporariamente as listas se acumulando na nossa caixinha de ”coisas a fazer”, seja quando negamos desafiadoramente a inexorabilidade e humilhação da morte. Conversar com pacientes de negação pode ser uma experiência extraordinária. Eles nos põem frente a frente com algumas das perguntas mais fundamentais que alguém pode fazer como ser humano consciente: O que é o eu, a pessoa, a individualidade? O que causa a unidade da minha experiência consciente? O O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 181 que significa querer uma ação? Os neurocientistas tendem a se esquivar dessas perguntas, mas os pacientes com anosognosia oferecem uma oportunidade única para abordar experimentalmente esses enigmas filosóficos aparentemente inabordáveis. Freqüentemente, os parentes ficam perturbados com o comportamento de seus entes queridos. ”Será que mamãe realmente acredita não estar paralítica?”, perguntou um jovem. ”Claro, deve haver algum recesso de sua mente que sabe o que aconteceu. Ou será que ela ficou completamente maluca?” Portanto, nossa primeira e mais óbvia pergunta é: Até que ponto o paciente acredita em suas negações ou confabulações? Isso pode ser uma espécie de fachada superficial ou mesmo uma tentativa de evitar o trabalho através de fingimento? Para responder a esta pergunta, imaginei uma experiência simples. Em vez de enfrentar diretamente o paciente, pedindolhe para responder verbalmente (pode tocar meu nariz com sua mão esquerda?), que tal se eu ”trapaceasse”, pedindolhe que executasse uma tarefa motora que exige duas mãos — antes que ele tivesse uma chance de pensar nisso? Como reagiria? Para descobrir a resposta, coloquei à frente de pacientes com síndrome de negação uma bandeja de coquetel com seis copos de plástico com água até a metade. Se eu lhe pedisse que estendesse a mão e pegasse a bandeja, certamente você colocaria as mãos em cada lado da bandeja para levantá-la. Mas, se você tivesse uma das mãos atada às costas, procuraria naturalmente o meio da bandeja — o centro de gravidade — para erguê-la. Quando testei pacientes de derrame paralíticos de um lado do corpo, mas que não sofriam de negação, sua mão não paralisada foi diretamente para o meio da bandeja, como era esperado. Quando tentei a mesma experiência com pacientes de negação, suas mãos direitas foram diretamente para o lado direito da bandeja, deixando o lado esquerdo da mesma sem apoio. Naturalmente, quando a mão direita erguia apenas o lado direito da bandeja, os copos caíam, mas os pacientes muitas vezes atribuíam isto mais a uma momentânea falta de jeito do que a uma falha em erguer o lado esquerdo da bandeja. (”Puxa! Como sou desajeitado!”) Uma mulher chegou mesmo a negar que não tivesse conseguido erguer a bandeja. Quando lhe perguntei se tinha conseguido levantar a bandeja, mostrou-se surpresa: ”Sim, claro”, respondeu, com o colo todo molhado. 182 / FANTASMAS NO CÉREBRO A lógica de uma segunda experiência foi um tanto diferente. Que tal se recompensássemos o paciente pela honestidade? Para investigar isto, dei aos nossos pacientes a oportunidade de escolher entre uma tarefa simples, que pode ser feita com uma só mão, e outra tarefa igualmente simples, que exige o uso de duas mãos. Os pacientes foram informados de que podiam ganhar cinco dólares, se encaixassem uma lâmpada no soquete vazio de um abajur de mesa, ou dez dólares, se conseguissem atar um par de cadarços de sapato. Você ou eu iríamos naturalmente para os cadarços, mas a maioria dos pacientes de derrame com paralisia — que não sofrem de negação — escolheu a lâmpada, por saber de suas limitações. Obviamente, cinco dólares é melhor do que nada. Mas quando testamos quatro pacientes de derrame que tinham negação, eles optaram, sem exceção, pela tarefa dos cadarços e passaram vários minutos mexendo desajeitadamente com os cordões sem mostrar nenhum sinal de frustração. Mesmo quando lhes foi dada a mesma opção 10 minutos depois, eles foram sem hesitação para a tarefa bimanual. Uma mulher repetiu esse estranho comportamento cinco vezes seguidas, como se não tivesse nenhuma lembrança de suas fracassadas tentativas anteriores. Uma repressão freudiana, talvez? Em certa ocasião, a Sra. Dodds continuou mexendo desajeitadamente com os cadarços usando uma só mão, esquecida de sua situação, até que eu finalmente tive de puxar dela o sapato. No dia seguinte, meu aluno lhe perguntou: — Lembra-se do doutor Ramachandran? Ela foi muito agradável. — Ah, sim, me lembro. É aquele médico indiano. — Que fez ele? — Me deu um sapato de criança com pintinhas azuis e pediu que eu atasse os cadarços. — A senhora fez isso? — Sim, consegui amarrá-los com minhas duas mãos. Algo estranho estava acontecendo. Que pessoa normal diria ”amarrei os cadarços com minhas duas mãos”? Era quase como se dentro da Sra. Dodds estivesse escondido outro ser humano — um fantasma interior — que sabe perfeitamente bem que ela está paralítica, e sua estranha observação era uma tentativa de encobrir este conhecimento. Outro exemplo intrigante foi um paciente que disse, enquanto eu estava examinando-o: ”Não agüento mais es- O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 183 perar a hora de voltar a apostar queda de dois braços numa mesa de cerveja.” Estas observações peculiares são exemplos impressionantes do que Freud chamou de ”formação de reação” — uma tentativa subconsciente de disfarçar algo que é ameaçador à sua auto-estima, afirmando o oposto. A ilustração clássica de uma formação de reação, na verdade, vem de Hamlef. ”Parece que a senhora realmente protesta demais.” A própria veemência do protesto dela não é, em si, uma revelação de culpa? Agora, voltemos à explicação neurológica mais aceita sobre negação — a idéia de que esta tem algo a ver com desatenção, a indiferença geral que alguns pá-/ cientes muitas vezes demonstram por fatos e objetos no lado esquerdo do mundo. Talvez, quando solicitada a executar uma ação com a mão esquerda, a Sra. Dodds envie comandos motores ao braço paralisado e cópias destes comandos sejam remetidas simultaneamente aos centros de sua imagem corporal (nos lobos parietais), onde eles são monitorados e experimentados como movimentos sentidos. Os lobos parietais são assim avisados sobre quais são as ações pretendidas, mas, como a Sra. Dodds está ignorando acontecimentos no lado esquerdo do seu corpo, também não consegue notar que o braço não obedeceu ao comando. Embora, como argumentei antes, esta explicação seja implausível, fizemos duas experiências simples para testar diretamente a teoria da desatenção ligada à negação.7 Na primeira experiência, testei a idéia de que o paciente está simplesmente monitorando sinais motores que estão sendo enviados ao braço. Larry Cooper, 56 anos, inteligente, é um paciente de negação que sofrera um derrame uma semana antes da minha visita a ele no hospital. Estava deitado sob uma colcha azul e púrpura que sua mulher tinha trazido, com os braços inertes fora das cobertas — um paralisado e um normal. Conversamos durante 10 minutos e depois saí do quarto, somente para voltar cinco minutos depois. ”Sr. Cooper!”, exclamei, aproximando-me de sua cama. ”Por que agora mesmo moveu seu braço esquerdo?” Os dois braços estavam parados, na mesma posição que vi quando saí do quarto. Tenho experimentado isso com pessoas normais e a reação habitual é de completa perplexidade. ”O que o senhor quer dizer? Eu não estava fazendo nada com o braço esquerdo” ou ”Não estou entendendo; eu mexi meu braço esquerdo?” O Sr. Cooper me olhou calmamente e disse: ”Eu estava gesticulando para enfatizar uma observação!” Quando repeti a experiência 184 / FANTASMAS NO CÉREBRO no dia seguinte, ele falou: ”Estava doendo, de forma que o movimentei para aliviar a dor.” Como não há nenhuma possibilidade de que o Sr. Cooper pudesse ter enviado um comando motor ao seu braço esquerdo no exato momento em que lhe fiz a pergunta, o resultado sugere que a negação provém não meramente de um déficit sensorial motor. Pelo contrário, todo o seu sistema de crenças sobre si mesmo se acha tão profundamente desarranjado que aparentemente não há nenhum limite para o que ele fará a fim de proteger estas crenças. Em vez de se mostrar confuso, como faria uma pessoa normal, acompanha minha burla, porque esta faz perfeito sentido para ele, dada sua visão de mundo. A segunda experiência foi quase diabólica. Que aconteceria, imaginei, se a gente ”paralisasse” temporariamente o braço direito de um paciente de negação cujo braço esquerdo estivesse realmente paralítico? A negação agora abrangeria também seu braço direito? A teoria da desatenção faz uma previsão bem específica — como só despreza o lado esquerdo do seu corpo e não o direito, ele deve notar que o braço direito não está se mexendo e dizer: ”É muito estranho, doutor; meu braço não está se movendo.” (Minha teoria, por outro lado, faz a previsão oposta: ele deve ser insensível a esta ”anomalia”, já que o detector de discrepância no seu hemisfério direito está danificado.) Para ”paralisar” o braço direito de um paciente de negação, projetei uma nova versão da caixa de realidade virtual que tínhamos usado em nossas experiências com membros fantasmas. Mais uma vez, era uma simples caixa de papelão com buracos e espelhos, mas posicionados bem diferentemente. Nossa primeira paciente foi Betty Ward, uma professora aposentada, 71 anos, mentalmente lúcida, que se mostrou feliz em cooperar na experiência. Quando Betty ficou sentada confortavelmente, pedi-lhe que colocasse uma comprida luva cinzenta na mão direita (sua mão boa) e a introduzisse por um buraco na frente da caixa. Depois, pedi-lhe que se inclinasse para a frente e espiasse dentro da caixa por um buraco existente na parte de cima, a fim de olhar para sua mão enluvada. Em seguida, liguei um metrônomo e pedi que Betty movimentasse a mão para cima e para baixo, acompanhando os sons do tique-taque. — Consegue ver sua mão se movendo, Betty? — Sim, claro — disse ela. — Pegou o ritmo certo. O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 185 Então, pedi a Betty que fechasse os olhos. Sem seu conhecimento, um espelho na caixa foi movido para determinada posição e um estudante de medicina, meu auxiliar, que estava escondido embaixo da mesa, introduziu sua mão com luva cinza na caixa, por um buraco existente na parte traseira. Pedi que Betty abrisse os olhos e olhasse de novo para dentro da caixa. Ela pensou estar olhando para sua própria mão direita novamente, mas, por causa do espelho, o que via realmente era a mão do estudante. Meu auxiliar fora previamente instruído a manter sua mão absolutamente imóvel. — Tudo bem, Betty. Continue olhando. Vou ligar novamente o metrônomo e quero que você movimente a mão acompanhando seu ritmo. / Tique, taque, tique, taque. Betty mexia sua mão, mas o que via na caixa era uma mão perfeitamente imóvel, uma mão ”paralisada”. Quando se faz esta experiência com pessoas normais, elas pulam da cadeira: ”Hei, que está acontecendo aqui?” Jamais, nem nos seus devaneios mais absurdos, iriam imaginar que havia um estudante escondido embaixo da mesa. — Betty, o que está vendo? — Por quê? Estou vendo minha mão direita se movendo para cima e para baixo, exatamente como antes — respondeu.8 Isto me sugere que a negação de Betty atravessou para o lado direito do seu corpo — o lado normal, sem nenhuma desatenção — pois por que outro motivo ela diria que podia ver uma mão imóvel em movimento? Esta experiência simples põe por terra a teoria da desatenção da anosognosia e também nos dá uma pista para entender o que realmente causa a síndrome. O que está danificado nestes pacientes é o modo como o cérebro lida com uma discrepância em informações sensoriais concernentes à imagem corporal; não é crucial se a discrepância nasce do lado esquerdo ou direito do corpo. O que observamos em Betty e nos outros pacientes que discutimos até aqui corrobora a idéia de que o hemisfério esquerdo é um conformista, em grande parte indiferente a discrepâncias, enquanto o hemisfério direito é o oposto: altamente sensível a perturbações. Mas nossas experiências só proporcionam evidências circunstanciais para esta teoria. Precisávamos de uma prova direta. Mesmo há uma década, uma idéia desse tipo teria sido impossível de testar, mas o advento de modernas técnicas de imageamento, como ressonância magnética funcional (fMR) e tomografia por emissão de pósitron (PET), tem acelerado tremendamente o ritmo da pesquisa ao nos permitir observar o cére- 186 / FANTASMAS NO CÉREBRO bro vivo em ação. Muito recentemente, Ray Dolan, Chris Frith e seus colegas do Queen Square Neurological Hospital for Neurological Diseases, de Londres, realizaram uma bela experiência empregando a caixa de realidade virtual que tínhamos usado com nossos pacientes de membros fantasmas. (Lembremse de que este é apenas um espelho vertical apoiado numa caixa, perpendicular ao tórax da pessoa.) Cada pessoa introduziu seu braço esquerdo na caixa e olhou no lado esquerdo do espelho para o reflexo de seu braço esquerdo de forma que ficasse opticamente superposto na localização sentida do seu braço direito. Ele foi então solicitado a mover as duas mãos sincronizadamente para cima e para baixo, de forma a não haver discrepância entre a aparência visual de sua mão direita em movimento (na verdade, o reflexo da sua esquerda) e as sensações de movimento cinestésico — de juntas e músculos — surgindo de sua mão direita. Mas se ele agora movesse as duas mãos fora de sincronia — como quando nadando ”de cachorrinho” — então havia uma profunda discrepância entre o que visualmente a mão direita parecia estar fazendo e o que sentia estar fazendo. Ao fazer uma varredura PET durante este procedimento, Chris Frith conseguiu localizar o centro no cérebro que monitora discrepâncias; é uma pequena região do hemisfério direito que recebe informação do lobo parietal direito. Frith então fez uma segunda varredura PET com o paciente olhando para o lado direito do espelho, para o reflexo de sua mão direita (e movimentando sua mão esquerda fora de sincronia), de forma que a discrepância em sua imagem corporal agora parecia vir mais do seu lado esquerdo do que do direito. Imaginem minha satisfação quando ouvi de Frith que mais uma vez o hemisfério direito ”se iluminou” no scanner. Não parecia ter importância de que lado do corpo nascia a discrepância — direito ou esquerdo —, sempre ativava o hemisfério direito. Esta é agradável prova de que minhas idéias ”especulativas” sobre especialização hemisférica estão no caminho certo. Quando dirijo apresentações de casos clínicos — mostrando pacientes de negação a estudantes de medicina —, uma das perguntas mais comuns que me fazem é: ”Os pacientes negam apenas paralisia de partes do corpo ou negam também outras deficiências? Se uma paciente desse uma topada, negaria a dor e o inchaço no dedão do pé? Eles negam estar gravemente doentes? Se repentinamente tivessem um ataque de enxaqueca, negariam isso?” Muitos neurologistas têm explorado isto em seus pacientes, e a resposta de sempre é que eles O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 187 não negam outros problemas — como minha paciente Grace que, quando lhe ofereci bombons se ela conseguisse atar os cordões do sapato, disparou: ”O senhor sabe que sou diabética, doutor. Não posso comer açúcar!”9 Quase todos os pacientes que tenho testado são plenamente conscientes do fato de que tiveram um derrame e nenhum deles sofre do que se poderia chamar ”negação global”. Mas há gradações em seus sistemas de crença e das negações concomitantes — que têm correlação com a localização de suas lesões cerebrais. Quando o dano é confinado ao lobo parietal direito, confabulações e negações tendem a ficar confinadas à imagem corporal. Mas, quando ocorre mais perto da frente do hemisfério direito (uma parte chamada lobo frontal ventromedial), a negação é mais ampla, mais variada e estranhamente autoprotetora. Lembro-me de um exemplo especialmente impressionante disso — um paciente chamado Bill, que veio me ver seis meses depois de os médicos terem diagnosticado nele um tumor maligno no cérebro. O tumor tinha continuado crescendo rapidamente, comprimindo seu lobo frontal direito, até que foi finalmente extirpado pelo neurocirurgião. Infelizmente, então já se espalhara e Bill foi informado de que provavelmente tinha menos de um ano de vida. Agora, Bill era um homem altamente instruído e deve ter percebido a gravidade de sua situação, mas parecia despreocupado e continuava atraindo minha atenção para uma pequena bolha em sua bochecha. Queixou-se amargamente de que os outros médicos nada tinham feito com a bolha e perguntou se eu podia ajudá-lo a se livrar dela. Quando eu voltava ao assunto do tumor no cérebro, ele o evitava, dizendo coisas como: ”Bem, o senhor sabe como esses médicos às vezes fazem diagnósticos incorretos.” Assim, aqui estava uma pessoa inteligente contestando flagrantemente a prova fornecida por seus médicos e minimizando sem nenhum fundamento o fato de que tinha câncer terminal no cérebro. Para evitar ser acossado por uma angústia sem sentido, ele adotava a conveniente estratégia de atribuí-la a algo tangível — e a bolha era o alvo mais conveniente. Na verdade, sua obsessão com a bolha é o que Freud chamaria de mecanismo de deslocamento — uma tentativa disfarçada de desviar sua própria atenção da morte iminente. Curiosamente, às vezes é mais fácil desviar do que negar.10 O mais extremo delírio de que já ouvi falar é um caso descrito por Oliver Sacks, sobre um homem que caía seguidamente da cama à noite. A cada vez que ele se chocava com o chão, a equipe da enfermaria o levantava e colocava 188 / FANTASMAS NO CÉREBRO de volta na cama. Poucos minutos depois, ouvia-se o ruído do baque. Depois que isto aconteceu várias vezes, Sacks perguntou-lhe por que continuava caindo da cama. Ele parecia assustado. ”Doutor”, disse, ”estes estudantes de medicina vêm colocando o braço de um cadáver na minha cama e eu tenho tentado me livrar dele a noite inteira!” Como não admitia a propriedade do seu membro paralisado, o homem era arrastado para o chão toda vez que tentava empurrá-lo para fora. As experiências que discutimos antes sugerem que a paciente de negação não está apenas tentando salvar a dignidade; a negação está ancorada no fundo de sua psique.” Mas isso implica que a informação sobre sua paralisia está fechada a sete chaves em algum lugar — reprimida? Ou que a informação não existe em nenhum lugar do seu cérebro? A última hipótese parece improvável. Se o conhecimento não existe, por que a paciente diz coisas como, ”Amarrei os cadarços do sapato com minhas duas mãos)” ou ”Não consigo esperar a hora de voltar a uma queda de dois braços numa mesa de cerveja”? E por que observações evasivas como ”Não sou ambidestra”? Comentários como este dão a entender que ”alguém” ali sabe que ela é paralítica, mas que a informação não está disponível para a mente consciente. Se é este o caso, existe algum meio de acessar aquele conhecimento proibido? Para descobrir, tiramos proveito de uma engenhosa experiência realizada em 1987 por um neurologista italiano, Eduardo Bisiach, numa paciente com desatenção e negação. Bisiach pegou uma seringa cheia com água gelada e irrigou o canal do ouvido esquerdo da paciente — um procedimento que testa a função do nervo vestibular. Poucos segundos depois, os olhos da paciente começaram a se mover vigorosamente, num processo chamado nistagmo. A água fria estabelece uma corrente de convecção nos canais do ouvido, induzindo assim enganosamente o cérebro a pensar que a cabeça está se movendo e a fazer movimentos involuntários de correção dos movimentos do olho que chamamos de nistagmo. Quando Bisiach então perguntou à paciente de negação se conseguia usar os braços, ela respondeu calmamente que não podia usar o braço esquerdo! Surpreendentemente, a irrigação do ouvido esquerdo com água gelada tinha causado uma melhora completa (embora temporária) da anosognosia. Quando li algo a respeito desta experiência, pulei da cadeira. Aqui estava O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 189 uma síndrome neurológica produzida por uma lesão no parietal direito que tinha sido revertida pelo simples ato de esguichar água no ouvido. Por que esta impressionante experiência não tinha dado manchete em The New York Times! Na verdade, descobri que a maioria dos meus colegas de profissão sequer tinha ouvido falar da experiência. Assim, decidi tentar o mesmo procedimento no próximo paciente que eu visse com anosognosia. Aí apareceu a Sra. Macken, uma mulher idosa que, três semanas antes, sofrera um derrame no parietal direito que resultou em paralisia do lado esquerdo. Meu objetivo era não somente confirmar as observações de Bisiach, mas também fazer perguntas especificamente para testar sua memória — algo que não tinha sido feito sistematicamente. Se a paciente repentinamente começasse a admitir que estava paralítica, o que diria sobre suas negações anteriores? Negaria suas negações? Se as admitisse, como as explicaria? Conseguiria possivelmente nos dizer por que estivera negando-as, ou esta é uma pergunta absurda? Durante quatro semanas, vi a Sra. Macken a cada três ou quatro dias, e todas as vezes tínhamos passado pelo mesmo discurso sem sentido e confuso. — Sra. Macken, consegue caminhar? — Sim, posso caminhar. — Pode usar os dois braços? — Sim! — Estão igualmente fortes? — Estão. — Consegue mover a mão esquerda? — Sim. — Pode mover a mão direita? — Posso. — Estão igualmente fortes? — Sim. Depois das perguntas, enchi uma seringa com água gelada e esguichei-a no seu canal auditivo. Como se esperava, seus olhos começaram a se movimentar da forma característica. Após um minuto, comecei a interrogá-la. — Como está se sentindo, Sra. Macken? — Bem, meu ouvido dói. Está frio. — Mais alguma coisa? E os braços? Pode movimentar os braços? 190 / FANTASMAS NO CÉREBRO — Claro — disse ela. — Pode andar? — Sim, posso andar. — Consegue usar os dois braços? Os dois estão igualmente fortes? — Sim, igualmente fortes. Fiquei especulando sobre o que estavam falando esses cientistas italianos. Mas, quando ia dirigindo de volta para casa, percebi que tinha esguichado água no ouvido errado! (Água gelada no ouvido esquerdo ou água morna no ouvido direito faz os olhos virarem repetitivamente para a esquerda e pular para a direita. E o oposto é verdade. É uma dessas coisas sobre as quais muitos médicos se confundem, ou pelo menos eu me confunde. Assim, eu tinha feito inadvertidamente a experiência de controle primeiro!) No dia seguinte, repetimos a experiência no outro ouvido. — Sra, Macken, como está passando? — Bem. — Consegue andar? — Claro. — Pode usar a mão direita? — Sim. — Pode usar a mão esquerda? — Sim. — Estão igualmente fortes? — Sim. Depois do nistagmo, perguntei novamente: — Como se sente? — Meu ouvido está frio. — Que tal os braços? Consegue usar os dois braços? — Não — respondeu —, meu braço esquerdo está paralisado. Era a primeira vez que usava essa palavra nas três semanas depois do derrame. — Sra. Macken, por quanto tempo ficou paralisada? Ela disse: — Oh, continuamente, todos estes dias. Esta era uma observação extraordinária, pois implica que, embora tivesse continuado negando sua paralisia todas as vezes que eu a tinha visto durante estas últimas semanas, as memórias de suas tentativas fracassadas vinham se registrando em alguma parte do seu cérebro, mas o acesso a elas tinha sido O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 191 bloqueado. A água fria atuou como um ”soro da verdade” que trouxe à tona as lembranças reprimidas sobre sua paralisia. Meia hora depois, voltei e perguntei-lhe: — Consegue usar os braços? — Não, meu braço esquerdo está paralítico. — Embora o nistagmo tivesse cessado há muito tempo, ela porém admitia estar paralisada. Doze horas mais tarde, um aluno meu a visitou e perguntou: — Lembra-se do Dr. Ramachandran? — Sim, claro, era aquele médico indiano. — E que fez ele? — Pegou um pouco de água gelada e pôs no meu ouvido esquerdo e doeu. — Alguma coisa mais? — Bem, ele estava usando aquela gravata com uma imagem escaneada do cérebro. — É verdade, eu usava uma gravata com uma imagem PET. Sua memória para detalhes estava ótima. — Que lhe perguntou ele? — Perguntou-me se eu conseguia usar os dois braços. — E o que a senhora disse? — Disse que eu estava muito bem. Assim, agora ela estava negando sua confissão anterior de paralisia, como se estivesse reescrevendo completamente seu script. Na verdade, era como se tivéssemos criado dois seres humanos conscientes, mutuamente amnésicos: a Sra. Macken da ”água gelada”, que é intelectualmente honesta, que reconhece sua paralisia, e a Sra. Macken sem a água gelada, que tem a síndrome de negação e nega inflexivelmente sua paralisia! A observação das duas Sras. Macken me fez lembrar a controvertida síndrome clínica conhecida como personalidades múltiplas, imortalizada na ficção como Dr. Jelcyll e Mr. Hyde. Digo controvertida, porque a maioria de meus colegas mais inflexíveis se recusa a acreditar que a síndrome sequer exista e provavelmente argumentaria que se trata simplesmente de uma forma elaborada de ”representação”. O que vimos na Sra. Macken, porém, dá a entender que esse isolamento parcial de uma personalidade da outra pode de fato ocorrer, embora as duas ocupem um só corpo. Para compreender o que está acontecendo aqui, vamos voltar ao nosso general no gabinete de guerra. Usei esta analogia para ilustrar que existe uma espécie de mecanismo produtor-de-coerência no hemisfério esquerdo — o 192 / FANTASMAS NO CÉREBRO general — que impede anomalias, permite o surgimento de um sistema unificado de crenças e é em grande parte responsável pela integridade e estabilidade do eu, da individualidade. Mas e se uma pessoa fosse confrontada por várias anomalias que não fossem compatíveis com seu sistema original de crenças, e não obstante fossem compatíveis umas com as outras? Como bolhas de sabão, elas poderiam se aglutinar num novo sistema de crenças isolado da trama anterior, criando personalidades múltiplas. Talvez a balcanização seja melhor do que a guerra civil. Acho um tanto embaraçosa a relutância de psicólogos cognitivos em aceitar a realidade deste fenômeno um tanto intrigante, dado que até indivíduos normais têm essas experiências de quando em quando. Lembrome de um sonho que tive certa vez, no qual alguém tinha acabado de me contar uma anedota muito engraçada que me fez rir sinceramente — dando a entender que deve ter havido pelo menos duas personalidades mutuamente amnésicas dentro de mim, durante o sonho. A meu ver, esta é uma ”prova da existência” da plausibilidade de personalidades múltiplas.12 A pergunta permanece: Como pôde a água gelada causar esses efeitos aparentemente miraculosos na Sra. Macken? Uma das possibilidades é que ”desperte” o hemisfério direito. Não existem conexões do nervo vestibular se projetando para o córtex vestibular no lobo parietal direito nem também para outras partes do hemisfério direito. A ativação destes circuitos no hemisfério direito faz a paciente prestar atenção ao lado esquerdo e notar que seu braço esquerdo está inerte, sem vida. Então ela reconhece, pela primeira vez, que está paralítica. Esta interpretação é provavelmente correta, pelo menos parcialmente, mas eu gostaria de considerar uma hipótese alternativa mais especulativa: a idéia de que este fenômeno é de alguma forma relacionado com movimentos rápidos dos olhos (REM) ou sono com sonhos. As pessoas passam um terço de suas vidas dormindo, e durante 25% desse tempo seus olhos ficam se movimentando à medida que elas têm sonhos vividos, emocionantes. Durante estes sonhos, muitas vezes somos confrontados com fatos desagradáveis, perturbadores, sobre nós mesmos. Assim, tanto no estado água-gelada quanto no sono REM, há perceptíveis movimentos do olho, e memórias desagradáveis e proibidas vêm à tona, e isto pode não ser uma coincidência. Freud acreditava que nos sonhos nós dragamos do fundo o material que é comumente censurado, e a gente especula se o mesmo tipo de coisa pode estar acontecendo duran- O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 193 te a estimulação ”água gelada no ouvido”. Com o risco de levar a analogia longe demais, vamos recorrer ao nosso general, que agora está sentado em seu quarto, já bem tarde da noite seguinte, sorvendo um cálice de conhaque. Agora tem tempo de se dedicar a uma inspeção sossegada do informe entregue a ele por um batedor às 5h55 da manhã e talvez esta meditação e interpretação corresponda ao que chamamos sonhar. Se o material fizer sentido, ele pode incorporá-lo ao seu plano de batalha para o dia seguinte. Se não fizer sentido ou se for muito perturbador e complicado, ele o colocará na gaveta da escrivaninha e tentará esquecê-lo; é provavelmente por isso que não conseguimos nos lembrar da maioria dos nossos sonhos. Sugiro que a estimulação vestibular causada pela água gelada ativa parcialmente o mesmo conjunto de circuitos que gera o sono REM. Isto permite à paciente descobrir fatos desagradáveise perturbadores sobre si mesma — inclusive sua paralisia — que são geralmente reprimidos quando está acordada. Esta é obviamente uma conjectura altamente especulativa, e eu lhe daria apenas 10% de chance de estar correta. (Meus colegas provavelmente lhe dariam 1%.) Mas leva a uma previsão simples e testável. Pacientes com negação devem sonhar que estão paralíticos. Na verdade, se estiverem acordados durante um episódio REM, podem continuar admitindo sua paralisia por vários minutos, antes de reverter novamente à negação. Recordem que os efeitos de nistagmo termicamente induzido — a confissão de paralisia da Sra. Macken — duraram pelo menos 30 minutos depois que o nistagmo cessara.13 Podeis não atender a uma. mente doente, Arrancar da memória uma mágoa enraizada, Apagar os problemas gravados do cérebro, E com algum doce antídoto que faz esquecer Limpar o feito entulhado desse perigoso material Que pesa no coração? — WILLIAM SHAKESPEARE A memória tem sido legitimamente chamada de o Santo Graal da neurociência. Embora tenham sido escritos muitos tratados volumosos sobre este tópico, na verdade sabemos pouco a seu respeito. A maioria dos trabalhos realizados em décadas recentes tem caído em duas categorias. Uma delas é a 194 / FANTASMAS NO CÉREBRO formação do rastro da memória em si, buscada na natureza de mudanças físicas entre sinapses e nas cascatas químicas dentro das células nervosas. A segunda é baseada no estudo de pacientes como H.M. (brevemente descrito no Capítulo 1), cujo hipocampo foi removido cirurgicamente devido a epilepsia e que não foi mais capaz de criar novas memórias depois da cirurgia, embora possa se lembrar da maioria das coisas acontecidas antes disso. Experiências em células & em pacientes como H.M. nos têm dado algumas visões mais profundas sobre como novos traços de memória sáo formados, mas falham completamente em explorar aspectos narrativos e construtivos da memória igualmente importantes. Como cada novo item é editado e censurado (quando necessário) antes de ser arquivado de acordo com o momento e o lugar onde ocorreu? Como estas memórias são progressivamente assimiladas ao nosso ”eu autobiográfico”, tornando-se parte do que somos? Estes aspectos sutis da memória são extraordinariamente difíceis de estudar em pessoas normais, mas percebi que é possível explorá-los em pacientes como a Sra. Macken, que ”reprimem” o que aconteceu há somente alguns minutos. Você não precisa nem mesmo de água gelada para mapear este novo território. Descobri que podia gentilmente estimular alguns pacientes a finalmente admitir que o braço esquerdo ”não está funcionando” ou está ”fraco” ou às vezes até ”paralítico” (embora não parecessem perturbados com este reconhecimento). Se eu conseguisse extrair um pronunciamento desses, saísse do quarto e voltasse 10 minutos depois, o paciente não se lembraria absolutamente da ”confissão”, tendo uma espécie de amnésia seletiva para assuntos referentes ao seu braço esquerdo. Uma mulher, que chorou durante 10 minutos quando percebeu que estava paralítica (uma ”reação catastrófica”), não conseguiu se lembrar deste fato algumas horas mais tarde, embora deva ter sido uma experiência emocionalmente carregada e importante. Trata-se de algo tão próximo quanto possível de uma repressão freudiana. O curso natural da síndrome da negação nos proporciona outros meios de explorar as funções da memória. Por motivos não compreendidos, a maioria dos pacientes tende a se recuperar completamente da síndrome após duas ou três semanas, embora seus membros ainda estejam quase sempre paralisados ou extremamente fracos. (Não seria maravilhoso se alcoólatras ou anoréxicos que rejeitam a terrível verdade sobre seu hábito de beber ou sua imagem corporal conseguissem se recuperar tão rapidamente da negação? Fico imaginan- O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 195 do se água gelada no canal auditivo esquerdo faria a mágica!) Que aconteceria se nos dirigíssemos a um paciente depois que ”terminou” de negar sua paralisia e lhe perguntássemos: ”Quando estive com você na semana passada e lhe perguntei pelo seu braço esquerdo, o que você me disse?” Ele admitiria ter estado em negação? A primeira paciente que interroguei sobre isto foi Mumtaz Shah, que negara sua paralisia durante quase um mês após ter um derrame e depois se recuperou completamente da negação (embora não da paralisia). Comecei com a pergunta óbvia: — Sra. Shah, lembra-se de mim? — Sim, o senhor veio me ver no Mercy Hospital. Estava sempre com aquelas duas estudantes de enfermagem, Becky e Susan. — (Era tudo verdade; até agora, ela estava acertando.) — Lembra-se de que lhe perguntei sobre seus braços? O que a senhora disse? — Disse-lhe que rneu braço esquerdo estava paralítico. — Lembra-se de que a vi várias vezes? O que disse a cada vez? — Várias vezes, várias vezes, sim, disse a mesma coisa, que eu estava paralítica. (Na verdade, ela me dissera todas as vezes que seu braço estava bom.) — Mumtaz. Pense bem. Lembra-se de me dizer que seu braço esquerdo estava bom, que não estava paralisado? — Bem, doutor, se eu disse isso, fica implícito que estava mentindo. E não sou mentirosa. Aparentemente, Mumtaz tinha reprimido as dezenas de episódios de negação em que se envolvera durante minhas numerosas visitas ao hospital. O mesmo aconteceu com outra paciente, Jean, a quem visitei no Centro de Reabilitação de San Diego. Fizemos as perguntas de sempre. — Consegue usar seu braço direito? — Oh, sim. — Pode usar o braço esquerdo? — Sim. Mas quando cheguei à pergunta, ”Os dois estão igualmente fortes?”, Jean disse: — Não, meu braço esquerdo está mais firme. Tentando esconder minha surpresa, apontei para uma mesa de mogno no fim do corredor e perguntei se podia levantá-la com a mão direita. 196 / FANTASMAS NO CÉREBRO — Acho que sim — disse. — Até que altura pode erguê-la? Ela avaliou a mesa, que devia pesar 40 quilos, franziu os lábios e disse: — Acho que posso levantá-la uns três centímetros. — Consegue levantar uma mesa com sua mão esquerda? — Claro — respondeu Jean. — Posso levantá-la uns quatro centímetros! Ergueu a mão direita e me mostrou com o polegar e o indicador até que altura podia suspender uma mesa com sua mão esquerda inerte. Mais uma vez, esta é uma ”formação de reação”. Mas, no dia seguinte, depois que se recupera da negação, Jean repudiou estas mesmas palavras. — Jean, lembra-se de que lhe fiz uma pergunta ontem? — Sim — disse ela, tirando os óculos com a mão direita. — O senhor me perguntou se eu podia levantar uma mesa com a mão direita e eu disse que conseguia erguê-la uns três centímetros. — O que disse sobre a mão esquerda? — Disse que não conseguia usar minha mão esquerda. — E dirigiu-me um olhar perplexo.14 O ”modelo” de negação que examinamos antes proporciona uma explicação parcial tanto para as formas sutis de negação em que todos nos envolvemos, quanto para os veementes protestos de pacientes de negação. Baseia-se na idéia de que o hemisfério esquerdo tenta preservar a todo custo uma visão coerente do mundo, e, para fazê-lo bem, às vezes tem de fechar a entrada de informação que seja potencialmente ”ameaçadora” à estabilidade do eu, da individualidade. Mas que tal se pudéssemos de alguma forma tornar mais aceitável este fato ”desagradável” — menos ameaçador ao sistema de crenças de um paciente? Ele então ficaria mais disposto a aceitar que seu braço esquerdo está paralítico? Em outras palavras, é possível ”curar” sua negação simplesmente mexendo na estrutura de suas crenças? Comecei fazendo um trabalho neurológico informal com uma paciente, neste caso, uma mulher chamada Nancy. Mostrei-lhe uma seringa cheia de solução salina e disse: ”Como parte do seu exame neurológico, gostaria de injetar no seu braço esquerdo este anestésico e, assim que o fizer, seu braço esquerdo O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 197 ficará temporariamente paralisado por alguns minutos.” Depois de assegurar que Nancy entendeu bem, tratei de ”injetar” água salgada em seu braço. Minha pergunta era: Será que iria de repente admitir que estava paralítica, agora que isso fora tornado mais aceitável para ela, ou diria: ”Sua injeção não funciona; consigo mover o braço esquerdo muito bem”? Este é um belo exemplo de experiência com o sistema de crenças de uma pessoa, um campo de pesquisa que batizei de epistemologia experimental, só para incomodar os filósofos. Nancy sentou-se tranqüilamente por alguns momentos, esperando a ”injeção” ”fazer efeito”, enquanto seus olhos corriam em volta, examinando vários microscópios antigos do meu consultório. Então perguntei: ”Bem, consegue mover seu braço esquerdo?” ”Não”, respondeu, ”ele parece não querer fazer nada. Não se move.” Aparentemente, minha suposta injeção tinha funcionado, pois ela agora conseguia aceitar o fato de que seu braço esquerdo estava realmente paralisado. Mas como poderia ter certeza de que este não era simplesmente o resultado do meu charme persuasivo? Talvez eu estivesse apenas ”hipnotizando” Nancy para que aceitasse que seu braço estava paralisado. Assim, fiz o controle óbvio: repeti o mesmo procedimento com o braço direito. Após 10 minutos, voltei à sala e, depois de conversar rapidamente sobre vários assuntos, disse: ”Como parte do nosso exame neurológico, vou injetar este anestésico local em seu braço direito, e, depois que eu aplicar a injeção, seu braço direito ficará paralisado por alguns minutos.” Então apliquei a injeção, com a mesma seringa contendo a mesma solução, esperei um pouco e perguntei: ’Consegue mexer o braço direito?” Nancy olhou para baixo, ergueu a mão direita até o queixo e falou: ”Sim, está se movendo. Veja o senhor mesmo.” Fingi surpresa. ”Como é possível? Injetei em você o mesmo anestésico que usei em seu braço esquerdo!” Ela balançou a cabeça, incrédula, e respondeu: ”Bem, eu não sei, doutor. Acho que é a mente sobre a matéria. Sempre acreditei nisso.”15 O que chamamos de fundamentos racionais de nossas crenças são muitas vezes tentativas extremamente irracionais de justificar nossos instintos. — THOMAS HENRY HUXLEY 198 / FANTASMAS NO CÉREBRO Quando iniciei esta pesquisa há cerca de cinco anos, não tinha absolutamente nenhum interesse por Sigmund Freud. (Ele poderia ter dito que eu estava em negação.) E, como a maioria dos meus colegas, era muito cético ante suas idéias. Toda a comunidade da neurociência tem profunda desconfiança de Freud, porque ele tratou de aspectos esquivos da natureza humana que parecem verdadeiros, mas não podem ser testados empiricamente. Mas, depois que trabalhei com esses pacientes, logo se tornou claro para mim que, embora Freud tenha escrito uma grande quantidade de absurdos, não há como negar que foi um gênio, especialmente quando se considera o ambiente social e intelectual de Viena na virada do século. Freud foi uma das primeiras pessoas a enfatizar que a natureza humana pode ser submetida a investigação científica sistemática, que a gente pode realmente procurar leis da vida mental da mesma forma que um cardiologista pode estudar o coração ou um astrônomo estudar movimentos planetários. Aceitamos tudo isso agora, mas naquela época foi um insight revolucionário. Não é de admirar que seu nome tenha se tornado um clichê comum. A mais valiosa contribuição de Freud foi a descoberta de que a mente consciente é simplesmente uma fachada e que você é completamente inconsciente de 90% do que realmente se passa em seu cérebro. (Um exemplo impressionante é o zumbi no Capítulo 4.) E, com respeito a defesas psicológicas, Freud acertou em cheio. Alguém pode duvidar da realidade do ”riso nervoso” ou das ”racionalizações”? Singularmente, embora esteja envolvido nesses truques mentais o tempo todo, você é completamente inconsciente de estar fazendo isso e provavelmente o negaria se alguém chamasse sua atenção. Mas, quando você observa outra pessoa procedendo assim, a coisa é comicamente visível, muitas vezes até embaraçosa. Na verdade, tudo isso é muito bem conhecido de todo bom dramaturgo ou romancista (experimente ler Shakespeare ou Jane Austen), mas Freud seguramente merece crédito por apontar o papel fundamental das defesas psicológicas em nos ajudar a organizar nossa vida mental. Infelizmente, os esquemas teóricos que ele construiu para explicá-las eram nebulosos e não eram testáveis. Apelou com demasiada freqüência para uma terminologia obscura e tinha verdadeira obsessão pelo sexo para explicar a condição humana. Além disso, nunca fez experiências para confirmar suas teorias. Mas em pacientes de negação, você pode testemunhar estes mecanismos O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 199 evoluindo ante seus olhos, colhidos em flagrante delito. Pode-se fazer uma lista dos numerosos tipos de auto-sugestão que Sigmund e Anna Freud descreveram e ver nitidamente exemplos amplificados de cada um deles em nossos pacientes. Foi vendo esta lista que me convenci pela primeira vez da realidade das defesas psicológicas e do papel central que desempenham na natureza humana. • Negação: O tipo mais óbvio, de fato, é a negação direta. ”Meu braço está funcionando perfeitamente.” ”Consigo mover meu braço esquerdo — não está paralítico.” • Repressão: Como vimos, o paciente às vezes admitirá, com interrogatório repetido, que está de fato paralítico, para logo voltar à negação —y aparentemente ”reprimindo” a memória da confissão feita apenas alguns minutos antes. Muitos psicólogos cognitivos afirmam que memórias reprimidas, como a repentina lembrança de abuso e maus-tratos na infância, são inerentemente fictícias — a colheita de sementes psicológicas plantadas pelo terapeuta e levadas a florescer pelo paciente. Mas aqui temos uma prova de que algo como a repressão está se passando, embora em menor escala de tempo, sem nenhuma possibilidade de que o comportamento do paciente tenha sido indevidamente influenciado pelo realizador da experiência. • Formação de reação: Esta é a propensão para afirmar exatamente o oposto do que a pessoa suspeita ser verdade para si mesma. Por exemplo, um homossexual latente pode beber sua cerveja, desfilar por aí com botas de cowboy e exibir um comportamento machista, numa tentativa inconsciente de afirmar sua presumida masculinidade. Existe até um estudo recente mostrando que, vendo clips de filmes de pornografia masculina, homens que são abertamente espancadores de gays têm ereções maiores do que homens sem preconceitos. (Se você está especulando como foram medidas as ereções, os pesquisadores usaram um dispositivo chamado pletismógrafo peniano.) Lembro-me aqui de Jean — a mulher que disse que podia erguer uma mesa grande três centímetros acima do chão com a mão direita e depois acrescentou, quando interrogada, que sua mão esquerda paralítica estava realmente mais forte do que a direita; que podia usá-la para levantar 200 / FANTASMAS NO CÉREBRO a mesa quatro centímetros. Lembrem-se também da Sra. Dodds que, quando perguntada se amarrou os cordões do sapato, respondeu: ”Sim, fiz isso com minhas duas mãos.” Estes são exemplos impressionantes de formação de reação. • Racionalização: Vimos muitos exemplos neste capítulo. ”Oh, doutor, não movi meu braço porque tenho artrite no ombro e dói.” Ou esta, de outro paciente: ”Oh, os estudantes de medicina têm me irritado o dia todo e é por isso que não quero mover meu braço agora.” Solicitado a erguer as duas mãos, um homem levantou a mão direita no ar e disse, quando detectou meu olhar fixo em sua mão esquerda imóvel: ”Humm, como pode ver, estou me firmando na mão esquerda para levantar a direita.” Mais raramente, vemos uma clara confabulação: ”Estou tocando seu nariz com minha mão esquerda.” ”Sim, claro que estou batendo palmas.” • Humor. Até o humor pode vir em socorro — não apenas desses pacientes mas de todos nós —, como Freud sabia muito bem. Pense apenas no chamado riso nervoso ou em todas aquelas vezes em que você usou de humor para esvaziar uma situação tensa. Além disso, será uma simples coincidência que tantas piadas lidem com assuntos potencialmente ameaçadores, como morte ou sexo? Na verdade, depois de ver esses pacientes, estou convencido de que o antídoto mais eficaz para o absurdo da condição humana talvez seja o humor, mais do que a arte. Lembro-me de ter pedido a um paciente, um professor de literatura inglesa, para mover seu braço esquerdo paralisado. — Sr. Sinclair, consegue tocar meu nariz com sua mão esquerda? — Sim. — Está bem, mostre-me. Por favor, vá em frente e toque-o. — Não estou acostumado a receber ordens, doutor. Colhido de surpresa, perguntei-lhe se estava brincando ou sendo sarcástico. — Não, falo sério. Não estou brincando. Por que pergunta? Assim, parece que, embora as observações dos pacientes sejam muitas vezes matizadas de um impertinente senso de humor, eles próprios não têm consciência de que estão sendo engraçados. O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 201 Outro exemplo: — Sra. Franco, pode tocar meu nariz com sua mão esquerda? — Sim, mas cuidado. Eu poderia furar seu olho. • Projeção: E uma tática usada quando, querendo evitar enfrentar uma doença ou deficiência, nós a atribuímos convenientemente a outra pessoa. ”Este braço paralítico pertence ao meu irmão, pois sei perfeitamente que o meu está bem.” Deixo aos psicanalistas a tarefa de decidir se este é um verdadeiro caso de projeção. Mas, quanto a mim, está muito próximo de sê-lo. Então, aqui temos pacientes envolvendo-se precisamente nos mesmos tipos de mecanismos freudianos de defesa — negação, racionalização, confabulação, repressão, formação de reação etc. — que todos nós usamos diariamente em nossas vidas. Percebi que eles apresentam uma fantástica oportunidade de testar cientificamente, pela primeira vez, as teorias freudianas. Os pacientes são um microcosmo de você e de mim, mas ”melhores”, no sentido de que seus mecanismos de defesa ocorrem numa escala de tempo comprimida e são ampliados dez vezes. Assim, podemos realizar experiências com que os analistas freudianos apenas sonharam. Por exemplo, o que determina que defesa em particular você usa em uma determinada situação? Por que você usaria uma negação direta num caso e uma racionalização ou formação de reação em outro? É o seu (ou do paciente) tipo de personalidade que determina quais mecanismos de defesa você usa? Ou o contexto social determina a qual delas apelar? Você usa uma estratégia com um superior e outra com pessoas socialmente inferiores? Em outras palavras, quais são as ”leis” dos mecanismos psicológicos de defesa? Ainda temos um longo caminho a percorrer, antes de podermos tratar dessas questões,16 mas, para mim, é empolgante pensar que nós, cientistas, podemos começar a invadir um território até agora reservado a romancistas e filósofos. Enquanto isso, será possível que algumas destas descobertas tenham implicações práticas na clínica? Usar água gelada para corrigir a ilusão de alguém sobre a imagem corporal é fascinante de observar, mas poderia também ser útil aos pacientes? A irrigação repetida ”curaria” permanentemente a Sra. Macken da negação e a tornaria disposta a participar na reabilitação? Também comecei a especular sobre a anorexia nervosa. Estes pacientes têm distúrbios 202 / FANTASMAS NO CÉREBRO de apetite, mas também se iludem sobre sua imagem corporal — afirmando realmente ”ver” que estão gordos quando se olham no espelho, embora estejam grotescamente magros. O distúrbio de apetite (ligado aos centros de nutrição e saciedade no hipotálamo) é primordial, ou a distorção da imagem corporal causa o problema de apetite? Vimos no capítulo passado que alguns pacientes de desatenção na verdade começam a acreditar que o objeto no espelho é ”real” — seus distúrbios sensoriais de fato provocam mudanças em seu sistema de crenças. E, em pacientes de negação ou anosognosia, observa-se muitas vezes uma urdidura, uma deformação semelhante de suas crenças para se acomodar à imagem corporal distorcida. Alguns desses mecanismos poderiam estar envolvidos na anorexia? Sabemos que certas partes do sistema límbico, como o córtex insular, são conectadas aos centros hipotalâmicos do ”apetite” e também a partes dos lobos parietais relacionados com a imagem corporal. É admissível que a quantidade que você come durante um longo período de tempo, suas crenças intelectuais sobre se você está gordo ou magro demais, a percepção que tem da sua imagem corporal e do seu apetite estejam todos muito mais intimamente ligados em seu cérebro do que você percebe — de forma que uma distorção num desses sistemas também possa levar a um distúrbio difuso nos outros? Esta idéia pode ser testada diretamente fazendo a irrigação de água gelada numa paciente com anorexia (para ver se corrigiria temporariamente a ilusão sobre sua imagem corporal). Esta é um possibilidade forçada, mas que vale a pena tentar, dada a facilidade do procedimento e a falta de um tratamento eficaz para a anorexia. Na verdade, o distúrbio é fatal em cerca de 10% dos casos. Atacar Freud é um passatempo intelectual popular nos dias de hoje (embora ele ainda tenha seus fãs em Nova York e Londres). Mas, como vimos neste capítulo, ele deu realmente alguns valiosos mergulhos de entendimento na condição humana, e, quando falou das defesas psicológicas, acertou diretamente na mosca, embora não tivesse nenhuma idéia do motivo por que estas evoluíram nem de quais mecanismos neurais poderiam mediá-las. Uma idéia bem menos conhecida, mas igualmente interessante, formulada por Freud, foi sua afirmação de que tinha descoberto o único denominador comum de todas as grandes revoluções científicas: surpreendentemente, todas elas humilham ou destronam o ”homem” da posição de figura central no cosmos. O SOM DE UMA SÓ MÃO BATENDO PALMAS / 203 A primeira destas, segundo ele, foi a revolução copernicana, na qual uma visão geocêntrica (centrada na Terra) do universo foi substituída pela idéia de que a Terra é apenas uma partícula de poeira no cosmos. A segunda foi a revolução darwiniana, que sustenta que somos franzinos macacos neótenos sem pêlo, que desenvolveram acidentalmente certas características que nos fizeram bem-sucedidos, pelo menos temporariamente. A terceira grande revolução científica, afirmava ele (modestamente), foi sua descoberta do inconsciente e o corolário de que a sensação humana de ”ser responsável” é ilusória. Freud afirmava que tudo que fazemos na vida é governado por um caldeirão de emoções, impulsos e motivos inconscientes e que o^ que chamamos consciência é apenas a ponta do iceberg, uma elaborada racionalização post hoc de todos os nossos atos. Acredito que Freud identificou corretamente o denominador comum das grandes revoluções científicas. Mas não explica por que é assim — por que iriam os seres humanos realmente gostar de ser ”humilhados” ou destronados? O que recebem em troca por aceitar a nova visão de mundo que diminui a humanidade? Aqui podemos fazer uma reviravolta e providenciar uma interpretação freudiana sobre por que cosmologia, evolução e ciência do cérebro têm tanto apelo, não só para os especialistas, mas para todo mundo. Ao contrário de outros animais, os seres humanos têm aguda consciência de sua própria mortalidade e pavor da morte. Mas o estudo da cosmologia nos dá uma sensação de intemporalidade, eternidade, de que fazemos parte de algo muito maior. O fato de sua vida ser finita é menos aterrorizador, quando você sabe que é parte de um universo em evolução — um drama que está sempre se desenrolando. Este é provavelmente o ponto mais próximo de uma experiência religiosa que um cientista pode chegar a ter. O mesmo acontece com o estudo da evolução, pois lhe dá uma sensação de tempo e lugar, permitindo que você se veja como parte de uma grande jornada. E igualmente em referência às ciências do cérebro. Nesta revolução, abandonamos a idéia de que existe uma alma separada de nossas mentes e corpos. Longe de ser aterrorizante, a idéia é bem liberadora. Se você pensa que é algo especial neste mundo, envolvendo-se uma altiva inspeção do cosmos a partir de um único ponto de observação, seu aniquilamento se torna inaceitável. Mas se você faz parte da grande dança cósmica de Shiva, em vez de ser 204 / FANTASMAS NO CÉREBRO mero espectador, então sua morte inevitável deve ser vista mais como uma jubilosa reunião com a natureza do que como tragédia. O brâmane é tudo. Do brâmane vêm aparências, sensações, desejos, atos. Mas todos estes são meramente nomes e formas. Para conhecer o brâmane deve-se experimentar a identidade entre ele e o Eu, ou o brâmane que mora dentro do lótus do seu coração. Só fazendo assim pode o homem escapar da aflição e da morte e tornar-se um com a sutil essência além de todo conhecimento. — UPANISHADS, 500A.C. CAPÍTULO 8 ”A insustentável aparência do ser” ”A gente não pode acreditar em coisas impossíveis. ” ”Ouso dizer que você não tem praticado muito”, disse a Rainha. ”Quando eu tinha sua idade, sempre fazia isso meia hora por dia. Bem, às vezes eu acreditei em até seis coisas impossíveis antes do café da manhã.” — LEWIS CARROLL, Através do espelho ”Geralmente”, disse Holmes, ”quanto mais estranha, é uma coisa menos misteriosa se mostra. Os crimes comuns, sem traços característicos, é que são realmente enigmáticos, exatamente como um rosto comum é o mais difícil de identificar.” — SHERLOCK HOLMES Jamais esquecerei a frustração e o desespero daquela voz no outro lado da linha. O telefonema foi num começo de tarde, enquanto eu estava em pé junto à escrivaninha, remexendo papéis à procura de uma carta fora de lugar, e levei alguns segundos para registrar o que o homem estava dizendo. Apresentou-se como um ex-diplomata da Venezuela cujo filho estava sofrendo um delírio terrível e cruel. Eu poderia ajudá-lo? 206 / FANTASMAS NO CÉREBRO — Que tipo de delírio? — perguntei. A resposta e a tensão emocional em sua voz me pegaram de surpresa. — Meu filho de 30 anos pensa que não sou seu pai, que sou um impostor. Diz a mesma coisa sobre sua mãe, que não somos seus pais verdadeiros. — Fez uma pausa. — Não sabemos mais o que fazer ou onde procurar ajuda. Seu nome nos foi indicado por um psiquiatra de Boston. Até agora, ninguém conseguiu nos ajudar, descobrir um meio de fazer Arthur melhorar. — Ele estava quase chorando. — Dr. Ramachandran, amamos nosso filho e iríamos até os confins da Terra para ajudá-lo. Existe alguma forma de o senhor poder vê-lo? — Claro, vou examiná-lo — disse eu. Quando podem traze-lo? Dois dias depois, Arthur veio ao nosso laboratório pela primeira vez no que se tornaria um estudo de um ano inteiro sobre seu estado. Era um sujeito de boa aparência, usava calças jeans, uma camiseta branca e mocassins. Seu modo de ser era tímido e quase infantil, muitas vezes sussurrando as respostas às perguntas ou fitando-nos de olhos esbugalhados. Às vezes, eu mal podia ouvir sua voz em meio ao zumbido dos aparelhos de ar condicionado e computadores. Os pais explicaram que Arthur sofrera um acidente automobilístico quase fatal quando freqüentava a escola em Santa Barbara. Sua cabeça bateu no párabrisa com tanta força que ele ficou em coma durante três semanas, sem nenhuma certeza de que sobreviveria. Mas quando finalmente despertou e começou uma terapia intensiva de reabilitação, as esperanças de todos aumentaram. Arthur aprendeu gradualmente a falar e caminhar, lembrava-se do passado e parecia, segundo todos os indícios externos, estar de volta ao normal. Apenas tinha este incrível delírio a respeito dos pais — que eram impostores — e nada podia convencê-lo do contrário. Após uma breve conversa para animar o ambiente e deixar Arthur à vontade, perguntei: — Arthur, quem levou você ao hospital? — Aquele cara que está na sala de espera — respondeu Arthur. — E o cavalheiro que vem cuidando de mim. — Você quer dizer seu pai? — Não, não, doutor. Aquele não é meu pai. Apenas parece com ele. E... como o senhor chamaria isso?... um impostor, acho eu. Mas não acho que ele represente qualquer ameaça. ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 207 — Arthur, por que acha que ele é um impostor? O que dá a você essa impressão? Ele me dirigiu um olhar tolerante, como se quisesse dizer: Como não poderia eu ver o óbvio?, e falou: — Sim, ele parece exatamente com meu pai, mas realmente não é. É um bom sujeito, doutor, mas seguramente não é meu pai. — Mas, Arthur, por que este homem está fingindo ser seu pai? Arthur parecia triste e resignado quando disse: — Isso é que é tão surpreendente. Por que alguém quereria fingir ser meu pai? — Parecia confuso à medida que procurava uma explicação plausível. -<— Talvez meu pai verdadeiro o tenha empregado para cuidar de mim, dando-lhe algum dinheiro para que pagasse minhas contas. Mais tarde, em meu escritório, os pais de Arthur acrescentaram outro componente ao mistério. Aparentemente, seu filho não tratava nenhum dos dois como impostores, quando falavam com ele pelo telefone. Só afirmava que eram impostores quando se encontravam e conversavam cara a cara. Isto indicava que Arthur não tinha amnésia com respeito a seus pais e que não estava simplesmente ”louco”. Pois, se isso fosse verdade, por que ele seria normal quando os ouvia ao telefone e delirante com respeito às identidades dos pais somente quando olhava para eles? ”É muito desconcertante”, disse o pai de Arthur. ”Ele reconhece todos os tipos de pessoas que conheceu no passado, inclusive seus companheiros de quarto na faculdade, seus melhores amigos de infância e suas ex-namoradas. Não chama nenhum deles de impostor. Parece ter alguma implicância contra sua mãe e contra mim.” Senti muita pena dos pais de Arthur. Poderíamos investigar o cérebro do seu filho e tentar lançar uma luz sobre seu estado — e talvez confortá-los com uma explicação lógica para seu estranho comportamento —, mas havia muito pouca esperança de um tratamento eficaz. Esse tipo de problema neurológico em geral é permanente. Mas tive uma agradável surpresa em certa manhã de domingo, quando o pai de Arthur me telefonou, empolgado com uma idéia que tivera, vendo um programa de televisão sobre membros fantasmas no qual eu demonstrava que o cérebro pode ser induzido por truques, simplesmente usando um espelho. ”Dr. Ramachandran”, disse ele, ”se o senhor pode induzir 208 / FANTASMAS NO CÉREBRO uma pessoa a pensar que seu braço paralítico pode se mover de novo, por que não podemos usar um truque semelhante para ajudar Arthur a se livrar do seu delírio?” Claro, por que não? No dia seguinte, o pai de Arthur entrou no quarto do filho e anunciou alegremente: ”Arthur, adivinha! Aquele homem com quem você tem vivido todos esses dias é um impostor. Realmente não é seu pai. Você estava com a razão o tempo todo. Assim, mandei-o embora para a China. Eu sou seu pai verdadeiro.” Aproximou-se de Arthur e tocou seu ombro com a mão. ”É bom ver você, filho!” Arthur arregalou os olhos e piscou ante a notícia, mas pareceu aceitá-la sem duvidar. Quando veio ao meu laboratório no dia seguinte, perguntei-lhe: — Quem é aquele homem que trouxe você hoje? — É meu pai verdadeiro. — Quem estava cuidando de você na semana passada? — Ah — disse Arthur —, aquele cara voltou para a China. Ele é parecido com o meu pai, mas agora se foi. Quando falei ao telefone com o pai de Arthur na tarde daquele dia, ele confirmou que Arthur agora o chamava de ”pai”, mas que Arthur ainda parecia sentir que algo estava errado. ”Acho que ele me aceita intelectualmente, doutor, mas não emocionalmente”, disse. ”Quando o abraço, não há nenhum calor.” Coitado, nem mesmo esta aceitação intelectual de seus pais durou muito. Uma semana depois, Arthur voltou ao delírio original, afirmando que o impostor tinha retornado. Arthur estava sofrendo da ilusão de Capgras, uma das mais raras e variegadas síndromes na neurologia.1 O paciente, que muitas vezes é perfeitamente lúcido, chega a considerar parentes próximos — geralmente seus pais, filhos, cônjuge ou irmãos — impostores. Como Arthur disse repetidas vezes: ”Aquele homem é idêntico ao meu pai, mas realmente não é meu pai. Essa mulher que afirma ser minha mãe? Está mentindo. É igual à mamãe, mas não é ela.” Embora essas estranhas ilusões possam aflorar em estados psicóticos, mais de um terço dos casos documentados de síndrome de Capgras tem ocorrido em associação com lesões traumáticas no cérebro, ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 209 como o ferimento na cabeça que Arthur sofreu no acidente de carro. Isto me sugere que a síndrome tem uma base orgânica. Mas, como a maioria dos pacientes de Capgras parecem desenvolver esta ilusão ”espontaneamente”, eles são geralmente enviados a psiquiatras, que tendem a preferir uma explicação freudiana para o distúrbio. Segundo esta visão, todos nós, chamados pessoas normais, quando crianças sentimos atração sexual por nossos pais. Assim, todo homem quer fazer amor com sua mãe e chega a ver seu pai como um rival sexual (Édipo abriu o caminho), e toda mulher tem durante a vida profundas obsessões sexuais pelo pai (o complexo de Electra). Embora estes sentimentos proibidos sejam inteiramente reprimidos na idade adulta, permanecem latentes, como brasas profundamente recobertas depois que um incêndio foi extinto. Então, afirmam numerosos psiquiatras, acontece um golpe na cabeça (ou algum outro mecanismo não reconhecido de liberação) e a sexualidade reprimida em relação à mãe ou ao pai vem à tona, acesa. O paciente se vê de repente e inexplicavelmente atraído sexualmente pelos pais e portanto diz para si mesmo: ”Meu Deus! Se esta é minha mãe, como posso sentir atração sexual por ela?” Talvez a única forma de poder manter alguma aparência de sanidade seja dizer a si próprio: ”Esta deve ser outra mulher, uma mulher estranha.” Da mesma forma: ”Eu nunca poderia sentir esse tipo de ciúme sexual com relação ao meu pai verdadeiro, portanto, este homem deve ser um impostor.” É uma explicação engenhosa, como de fato a maioria das explicações freudianas, mas então eu posso mostrar um paciente de Capgras que tinha delírios semelhantes com sua poodle de estimação: a Fifi à sua frente era uma impostora; a verdadeira Fifi estava vivendo no Brooklyn. Na minha opinião, esse caso demoliu a explicação freudiana para a síndrome de Capgras. Talvez haja alguma bestialidade latente em todos nós, mas suspeito que não é este o problema de Arthur. Para uma abordagem melhor do estudo da síndrome de Capgras, é preciso examinar mais de perto a neuroanatomia, especificamente as vias envolvidas com o reconhecimento visual e as emoções no cérebro. Lembrem-se de que os lobos temporais contêm regiões que se especializam em reconhecimento de rostos e objetos (a via do o quê, descrita no Capítulo 4). Sabemos 210 / FANTASMAS NO CÉREBRO disso porque, quando partes específicas da via do o quê são danificadas, os pacientes perdem a capacidade de reconhecer rostos,2 mesmo os de amigos íntimos e parentes — conforme imortalizado por Oliver Sacks em seu livro The Man Who Mistook His Wife for a Hat (O homem que confundiu sua mulher com um chapéu). Num cérebro normal, estas áreas de reconhecimento de rostos (encontradas nos dois lados do cérebro) retransmitem informações para o sistema límbico, encontrado no fundo do meio do cérebro, que então ajuda a gerar reações emocionais a determinados rostos (Figura 8.1). Posso sentir amor quando vejo o rosto da minha mãe, raiva quando vejo a face de um patrão ou de um rival sexual ou indiferença deliberada ao ver o semblante de um amigo que me traiu e ainda não me pediu perdão. Em cada exemplo, quando olho para o rosto, meu córtex temporal reconhece a imagem — mãe, patrão, amigo — e passa adiante a informação para minha amígdala (um portal para o sistema límbico) discernir o significado emocional daquele rosto. Quando esta ativação é depois retransmitida ao resto do meu sistema límbico, começo a sentir as nuances de emoção — amor, raiva, desapontamento — apropriadas àquele semblante em particular. A seqüência real de eventos é indubitavelmente mais complexa, mas esta caricatura capta sua essência. Depois de pensar nos sintomas de Arthur, ocorreu-me que seu estranho comportamento poderia ter resultado de uma desconexão entre estas duas áreas (uma envolvida com o reconhecimento e a outra, com as emoções). Talvez a via de reconhecimento de rostos de Arthur estivesse completamente normal, e era por isso que podia identificar todo mundo, inclusive sua mãe e seu pai, mas a conexão entre esta ”região da face” e sua amígdala fora danificada seletivamente. Se fosse esse o caso, Arhur reconheceria os pais, mas não sentiria nenhuma emoção ao olhar para seus rostos. Não sentiria um ”calor” ao olhar para sua querida mãe, e assim, quando a vê, diz para si mesmo: ”Se esta é minha mãe, por que sua presença não me faz sentir como me sinto com a minha mãe?” Talvez a única forma de escapar a este dilema — a única interpretação sensata que se poderia fazer, dada a peculiar desconexão entre as duas regiões do seu cérebro — seja supor que esta mulher simplesmente representa a mãe. Ela deve ser uma imposto rã.3 Agora, esta é uma idéia intrigante, mas como testá-la? Por mais complexo que o desafio pareça, os psicólogos descobriram um meio até certo ponto ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 211 Figura 8. l O sistema límbico é envolvido com as emoções. Consiste em um número de núcleos (aglomerados de células) interligados por longos tratos de fibras em forma de C. A amígdala — no pólo frontal do lobo temporal— recebe informação das áreas sensoriais e envia mensagens ao resto do sistema límbico para produzir estímulo emocional. Finalmente, esta atividade entra em cascata no hipotálamo e daí passa ao sistema nervoso autônomo, preparando o animal (ou pessoa) para a ação. simples de medir reações emocionais a rostos, objetos, cenas e fatos encontrados na vida diária. Para entender como isto funciona, é preciso conhecer alguma coisa sobre o sistema nervoso autônomo — uma parte do cérebro que controla as atividades involuntárias, aparentemente automáticas, de órgãos, vasos sangüíneos, glândulas e muitos outros tecidos do corpo. Quando você é estimulado emocionalmente — digamos, por um rosto ameaçador ou sexualmente atraente —, a informação viaja da sua região de reconhecimen- 212 / FANTASMAS NO CÉREBRO to de rostos para o seu sistema límbico e depois para um minúsculo aglomerado de células no hipotálamo, uma espécie de centro de comando para o sistema nervoso autônomo. Fibras nervosas se estendem do hipotálamio para o coração, músculos e mesmo para outras partes do cérebro, ajudando) a preparar seu corpo para agir adequadamente em reação àquele rosto partticular. Se você vai lutar, fugir ou se acasalar, sua pressão sangüínea subirá e s,eu coração começará a bater mais rápido para fornecer mais oxigênio aos s<eus tecidos. Ao mesmo tempo, você começa a suar, não somente para dissipar o calor que vai se acumulando em seus músculos, mas para dar às palmas das suas mãos suadas melhor condição para agarrar um galho de árvore, uma arma ou a garganta de um inimigo. Do ponto de vista do experimentador, as palmas das mãos suadas são o aspecto mais importante de sua reação emocional a um rosto ameaçador. A umidade de suas mãos é uma revelação segura de como você se sente em relação àquela pessoa. Além disso, podemos medir esta reação com muita facilidade, colocando eletrodos na palma de sua mão e registrando a resistência elétrica de sua pele. (Chamada resposta cutânea à corrente galvânica ou resposta galvânica cutânea — GSR—, este pequeno e simples procedimento constitui a base do teste detector de mentiras. Quando você diz uma pequena mentira, as palmas das mãos suam muito levemente. Como pele úmida tem resistência elétrica mais baixa do que pele seca, os eletrodos respondem e você é apanhado na mentira.) Para nossos objetivos, toda vez que você olha para sua mãe ou seu pai, acredite ou não, seu corpo começa a suar imperceptivelmente e a resposta cutânea galvânica aumenta, como era esperado. Assim, o que acontece quando Arthur olha para a mãe ou para o pai? Minha hipótese prevê que, embora ele os veja parecidos com seus pais (lembrem-se, a área de reconhecimento de rostos do cérebro dele está normal), não deve registrar uma mudança na condutância da pele. A desconexão em seu cérebro impedirá que as palmas de suas mãos fiquem suadas. Com permissão da família, começamos a testar Arthur num dia chuvoso de inverno, em nosso laboratório no subsolo do campus. Arthur sentou-se numa cadeira confortável, fazendo piadas com o tempo e. dizendo esperar que o carro do seu pai chegasse flutuando, antes de terminarmos as experiências daquela manhã. Tomando chá quente para espantar o frio, Arthur fitava uma tela de vídeo enquanto afixávamos dois eletrodos em seu dedo indicador esquerdo. ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 213 Qualquer minúsculo aumento de suor em seu dedo mudaria a resistência da pele e mostraria um ponto de luz na tela. Em seguida, mostrei-lhe uma seqüência de fotos de sua mãe, do pai e do avô intercaladas como fotos de estranhos, e comparei sua resposta cutânea galvânica com a de seis colegas estudantes aos quais era mostrada uma seqüência idêntica de fotos que serviam de controles para comparação. Antes da experiência, eles foram informados de que lhes seriam mostradas fotos de rostos, alguns dos quais lhes seriam familiares e alguns, desconhecidos. Depois de ligados os eletrodos, foi-lhes exibida cada foto durante dois segundos, com intervalos de 15 a 25 segundos entre uma e outra, para que a condutância da pele voltasse à linha básica. Nos estudantes, verifiquei que havia um grande solavanco na GSR em reação a fotos de seus pais — conforme esperado —, mas não a fotos de estranhos. Em Arthur, por outro lado, a resposta cutânea era uniformemente baixa. Não se via nenhum aumento de reação a seus pais, ou às vezes haveria um minúsculo ponto de luz na tela após um longo intervalo, como se ele estivesse fazendo uma tomada dupla. Este resultado proporcionava uma prova direta de que nossa teoria era correta. Obviamente, Arthur não estava reagindo emocionalmente a seus pais, e podia ser isto que levava à perda de reação galvânica da pele. Mas como poderíamos ter certeza de que Arthur sequer estava vendo os rostos? Talvez a lesão na cabeça tivesse danificado células nos lobos temporais que o ajudariam a distinguir rostos, resultando numa GSR invariável, quer olhasse para a mãe ou para um estranho. Mas isto parecia improvável, já que reconheceu prontamente que as pessoas que o levaram ao hospital — o pai e a mãe — pareciam com seus pais. Também não tinha dificuldade em reconhecer rostos de pessoas famosas como Bill Clinton e Albert Einstein. Contudo, precisávamos testar mais diretamente sua capacidade de reconhecimento. Para conseguir uma prova direta, fiz a coisa óbvia. Mostrei a Arthur 16 pares de fotografias de estranhos, cada par consistindo ou em duas fotos ligeiramente diferentes da mesma pessoa ou em instantâneos de duas pessoas diferentes. Perguntamos a ele se as fotografias representavam a mesma pessoa ou não. Aproximando o nariz de cada foto e olhando atentamente os detalhes, Arthur acertou 14 das 16 tentativas. Agora tínhamos certeza de que Arthur não tinha nenhum problema em 214 / FANTASMAS NO CÉREBRO reconhecer rostos e distingui-los. Mas sua falha em produzir uma forte resposta cutânea galvânica ante seus pais poderia ser parte de uma perturbação mais global em sua capacidade emocional? Como poderíamos ter certeza de que a pancada na cabeça não tinha danificado também seu sistema límbico? Talvez ele não tivesse emoções, ponto final. Isto parecia improvável porque, durante os meses que passei com Arthur, ele demonstrou uma completa gama de emoções humanas. Ria das minhas piadas e, em troca, contava também histórias engraçadas. Mostrava frustração, medo e raiva, e em raras ocasiões o vi chorar. Qualquer que fosse a situação, suas emoções eram adequadas. Então, o problema de Arthur não era nem sua capacidade de reconhecer rostos nem a capacidade de sentir emoções; o que estava perdido era sua capacidade de ligar as duas. Até agora, tudo bem, mas por que o fenômeno é específico a parentes próximos? Por que não chamar o carteiro de impostor, já que o seu rosto, também, é familiar? Pode ser que, quando qualquer pessoa normal (inclusive Arthur, antes do acidente) encontra alguém emocionalmente muito próximo — pai, mãe, cônjuge, irmão —, espere que surja um ”calor” emocional, um vago sentimento, embora este às vezes seja experimentado apenas levemente. A ausência deste calor é, portanto, surpreendente, e o único recurso de Arthur é gerar uma ilusão absurda — racionalizá-la ou atenuá-la com explicações. De outro lado, quando alguém vê o carteiro, não espera uma excitação e conseqüentemente não há nenhum incentivo para Arthur criar uma ilusão para explicar a falta de reação de ”vago calor”. Um carteiro é simplesmente um carteiro (a não ser que o relacionamento tenha assumido uma feição amorosa). Embora a ilusão mais comum entre pacientes de Capgras seja a afirmação de que um pai é impostor, podem ser encontrados exemplos mais estranhos na literatura médica mais antiga. Realmente, num dos casos registrados, o paciente estava convencido de que seu padrasto era um robô, tratou de decapitá-lo e abriu seu crânio para procurar microchips. Talvez, neste paciente, a dissociação de emoções fosse tão extrema que ele foi forçado a uma ilusão ainda mais absurda do que a de Arthur: que seu padrasto não era nem mesmo um ser humano, mas um andróide bronco, sem cérebro.4 Há cerca de um ano, quando fiz uma conferência sobre Arthur no Veterans Administration Hospital em La Jolla, um residente de neurologia levantou uma ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 215 sagaz objeção à minha teoria. O que acha de pessoas nascidas com uma doença na qual suas amígdalas (o portal para o sistema límbico) se calcificam e atrofiam ou das que perdem completamente suas amígdalas (cada um de nós tem duas) numa cirurgia ou num acidente? Estas pessoas existem de fato, mas não desenvolvem a síndrome de Capgras, embora suas GSRs sejam invariáveis a todos os estímulos emocionalmente evocativos. Da mesma forma, pacientes com dano nos lobos frontais (que recebem e processam informações vindas do sistema límbico para fazer cuidadosos planos futuros) também muitas vezes não têm GSR. Contudo, estes também não mostram síndrome de Capgras. Por que não? A resposta pode ser que estes pacientes experimentam um embotamento geral de todas as suas reações emocionais e portanto não têm uma base para comparação. Como um purosangue Vulcano ou Data em Jornada nas estrelas pode-se afirmar, eles nem mesmo sabem o que é emoção, enquanto pacientes de Capgras como Arthur desfrutam uma vida emocional normal sob todos os outros aspectos. Esta idéia nos ensina um importante princípio sobre a função do cérebro, isto é, que todas as nossas percepções — na verdade, talvez todos os aspectos de nossas mentes — são governadas por comparações e não por valores absolutos. Isto parece ser verdade quer você esteja falando sobre algo tão óbvio quanto julgar a boa qualidade de impressão de um jornal ou algo tão sutil como detectar um pequeno ponto de luz em sua paisagem emocional interna. Esta é uma conclusão de grande alcance, e também ajuda a ilustrar o poder da nossa abordagem — na verdade, de toda a disciplina que agora é conhecida pelo nome de neurociência cognitiva. Pode-se descobrir importantes princípios gerais sobre como o cérebro funciona e começar a abordar profundas questões filosóficas, fazendo experiências relativamente simples nos pacientes certos. Começamos com um estranho estado, propusemos uma teoria exótica, testamos no laboratório e — atendendo a objeções a ela — aprendemos mais sobre como realmente funciona o cérebro sadio. Levando estas especulações ainda mais longe, considerem o distúrbio extraordinário chamado síndrome de Cotard, no qual um paciente afirma que está morto, dizendo sentir cheiro de carne podre ou vermes rastejando sobre sua pele. Mais uma vez, a maioria das pessoas, até neurologistas, se apressariam em concluir que o paciente está louco. Mas isso não explicaria por que a ilusão assume esta forma muito específica. Eu afirmaria, em vez disso, que a síndrome 216 / FANTASMAS NO CÉREBRO de Cotard é simplesmente uma forma exagerada da de Capgras e provavelmente tem origem semelhante. Na de Capgras, somente a área de reconhecimento de rostos fica desconectada da amígdala, enquanto na de Cotard talvez todas as áreas sensoriais estejam desconectadas do sistema límbico, levando a uma completa falta de contato emocional com o mundo. Aqui está um exemplo em que um estranho distúrbio cerebral que a maioria das pessoas vê como um problema psiquiátrico pode ser explicado em termos do conhecido conjunto de circuitos do cérebro. E, mais uma vez, estas idéias podem ser testadas no laboratório. Eu faria a previsão de que pacientes da síndrome de Cotard terão uma perda completa de GSR para todos os estímulos externos — e não apenas rostos — e isto os deixa detidos numa ilha de desolação emocional, tão perto quanto se pode chegar de experimentar a morte. Arthur parecia gostar de suas visitas ao nosso laboratório. Os pais estavam alegres em saber que havia uma explicação lógica para sua situação, que ele não estava simplesmente ”louco”. Nunca revelei os detalhes a Arthur, porque não tinha certeza de como reagiria. O pai de Arthur era um homem inteligente, e em certo momento, quando Arthur não estava por perto, me perguntou: ”Se sua teoria está correta, doutor — se a informação não chega à amígdala dele — então como o senhor explica por que não tem problemas em nos reconhecer pelo telefone? Isso faz sentido para o senhor?” ”Bem”, respondi, ”há uma via separada a partir do córtex auditivo, a área auditiva dos lobos temporais, para a amígdala. Uma das possibilidades é que esta rota auditiva não tenha sido afetada pelo acidente — que somente os centros visuais tenham sido desconectados da amígdala de Arthur.” Esta conversa me levou a especular sobre as outras conhecidas funções da amígdala e os centros visuais que se projetam para ela. Em particular, cientistas que registram reações celulares na amígdala descobriram que, além de reagir a expressões faciais e emoções, as células também reagem à direção do olhar. Por exemplo, uma célula pode se ativar se outra pessoa estiver olhando diretamente para você, enquanto uma célula vizinha só vai se ligar se o olhar dessa pessoa for desviado por uma fração de centímetro. Contudo, outras células se ativam quando o olhar se afasta para a esquerda ou para a direita. Este fenômeno não é surpreendente, dado o importante papel desempenhado pela direção do olhar5 nas comunicações sociais dos primatas — o olhar ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 217 desviado, indicando culpa, vergonha ou embaraço; o olhar intenso e direto de um namorado ou o olhar fixo e ameaçador de um inimgo. Tendemos a esquecer que, embora sentidas íntima e privadamente, as emoções muitas vezes envolvem interações com outras pessoas e que uma forma de interagir é através do contato pelo olhar. Dadas as ligações entre direção do olhar, familiaridade e emoções, eu quis saber se a capacidade de Arthur para julgar a direção de olhares, digamos, examinando fotos de rostos, não estaria avariada. Para descobrir, preparei uma série de imagens, cada uma delas mostrando um modelo olhando diretamente para a lente da câmera ou para um ponto dois ou quatro centímetros à direita ou à esquerda da lente. A tarefa de Arthur era simplesmente nos informar se o modelo estava olhando diretamente para ele ou não. Enquanto você ou eu podemos detectar minúsculas mudanças no olhar com fantástica precisão, Arthur ficou desesperado com a incumbência. Somente quando os olhos do modelo estavam olhando bem afastados para um lado, ele conseguia discernir que não o estava fitando nos olhos. Esta descoberta, em si, é interessante mas não inteiramente inesperada, dado o conhecido papel da amígdala e dos lobos temporais na detecção da direção do olhar. Mas na oitava tentativa de olhar para estas fotos, Arthur fez algo completamente inesperado. Com sua voz suave, quase pedindo desculpas, exclamou que a identidade do modelo tinha mudado. Ele agora estava olhando para outra pessoa! Isto significava que uma simples mudança na direção do olhar fora suficiente para provocar a ilusão de Capgras. Para Arthur, o ”segundo” modelo era aparentemente outra pessoa, que meramente se parecia com a ”primeira”. ”Esta é mais velha”, disse Arthur com firmeza. Fitou atentamente as duas imagens. ”Esta é uma senhora; a outra é uma garota.” Mais adiante na seqüência, Arthur fez outra reprodução — um modelo era velho, outro jovem e o terceiro ainda mais jovem. No fim da sessão de testes, continuou a insistir que tinha visto três pessoas diferentes. Duas semanas depois, fez isso novamente em outro teste em que usei imagens de um rosto completamente novo. Como podia Arthur olhar para o rosto do que era obviamente uma só pessoa e afirmar que eram três pessoas diferentes? Por que a simples mudança de direção de um olhar leva a esta profunda incapacidade de ligar imagens sucessivas? As respostas se encontram na mecânica de como formamos memórias, em 218 / FANTASMAS NO CÉREBRO particular nossa capacidade de criar representações duradouras de rostos. Por exemplo, suponha que você vai certo dia a uma mercearia e um amigo o apresenta a alguém —Joe. Você forma uma lembrança daquele episódio e guardaa no cérebro. Passam-se duas semanas e você encontra Joe na biblioteca. Ele lhe conta uma história sobre o amigo comum, você ri junto com ele e seu cérebro arquiva uma lembrança deste segundo episódio. Decorrem algumas semanas e você encontra Joe novamente no escritório dele — é um pesquisador médico e está usando um jaleco branco de laboratório —, mas você o reconhece instantaneamente dos encontros anteriores. Mais lembranças de Joe são criadas durante estes momentos, de forma que agora você tem na mente uma ”categoria” chamada Joe. Esta imagem mental se torna progressivamente aperfeiçoada e enriquecida a cada vez que você encontra Joe, ajudada por uma crescente sensação de familiaridade que cria um incentivo a ligar as imagens e os episódios. Posteriormente você desenvolve um forte conceito de Joe — ele conta grandes histórias, trabalha num laboratório, faz você rir, sabe muito de jardinagem e assim por diante. Agora, pense no que acontece a alguém com uma forma rara e específica de amnésia, causada por dano ao hipocampo (outra importante estrutura cerebral nos lobos temporais). Estes pacientes têm uma completa incapacidade de formar novas memórias, embora se recordem perfeitamente de todos os fatos de suas vidas acontecidos antes da lesão no hipocampo. A conclusão lógica a ser tirada da síndrome é que as lembranças são realmente armazenadas no hipocampo (daí a preservação de velhas lembranças), mas que o hipocampo é essencial para a aquisição de novos traços de memória no cérebro. Quando esse paciente encontra alguém desconhecido (Joe) em três ocasiões consecutivas — no supermercado, na biblioteca e no escritório — não se lembrará de ter encontrado Joe antes. Simplesmente não o reconhecerá. Insistirá em todas as vezes que Joe é um completo estranho, independente de quantas vezes tenham interagido, conversado, trocado histórias, informações etc. Mas Joe é realmente um completo estranho? Surpreendentemente, as experiências mostram que esses pacientes de amnésia na verdade conservam a capacidade de formar novas categorias que transcendem episódios sucessivos com Joe. Se nosso paciente encontrasse Joe dez vezes e a cada vez Joe o fizesse rir, ele tenderia a se sentir vagamente jovial ou feliz no encontro seguinte, mas não saberia quem é Joe. Não haveria absolutamente nenhuma ”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 219 sensação de familiaridade — nenhuma lembrança de cada episódio com Joe — e contudo o paciente reconheceria que Joe o faz feliz. Isto significa que o paciente de amnésia, ao contrário de Arthur, pode ligar episódios sucessivos para criar um novo conceito (uma inconsciente expectativa de alegria), embora esqueça cada episódio, enquanto Arthur se lembra de cada episódio mas não consegue interligá-los. Assim, sob certos aspectos, Arthur é uma imagem espelhada do nosso paciente de amnésia. Quando ele conhece um estranho total como Joe, seu cérebro cria um arquivo para Joe e para as experiências associadas que tem com Joe. Mas se Joe sair da sala por 30 minutos e voltar, o cérebro de Arthur — em vez de recuperar a velha ficha de arquivo e fazer o acréscimo — às vezes cria uma completamente nova. Por que isto acontece na síndrome de Capgras? Pode ser que, para ligar episódios sucessivos, o cérebro conte com sinais provindos do sistema límbico — a excitaçáo, o ”calor” ou sensação de familiaridade associada com um rosto conhecido e um conjunto de memórias — e se esta ativação estiver desaparecida, o cérebro não pode formar uma categoria duradoura através do tempo. Na ausência deste calor, o cérebro simplesmente monta categorias separadas a cada vez; é por isso que Arthur afirma estar conhecendo uma nova pessoa que parece com a que ele encontrou há 30 minutos. Psicólogos cognitivos e filósofos muitas vezes fazem uma distinção entre símbolos e tipos — que todas as nossas experiências podem ser classificadas em categorias gerais ou símbolos (pessoas ou carros) em oposição a exemplares ou tipos (Joe ou meu carro). Nossos testes com Arthur sugerem que esta distinção não é meramente acadêmica; está embutida profundamente na arquitetura do cérebro. À medida que continuamos testando Arthur, observamos que ele tinha algumas outras singularidades e excentricidades. Por exemplo, Arthur às vezes parecia ter um problema geral com categorias visuais. Todos nós fazemos taxonomias mentais ou agrupamentos de eventos e objetos: patos e gansos são aves, mas coelhos não são. Nossos cérebros organizam estas categorias mesmo sem educação formal em zoologia, presumivelmente para facilitar o armazenamento de memórias e melhorar nossa capacidade de acessar estas lembranças num instante. Arthur, por outro lado, muitas vezes fazia observações que davam a entender que estava confuso a respeito de categorias. Por exemplo, tinha uma preo- 220 / FANTASMAS NO CÉREBRO cupação quase obsessiva com judeus e católicos, e tendia a rotular um número desproporcional de pessoas recentemente encontradas como judeus. Esta propensão me fez lembrar outra síndrome rara chamada Fregoli, na qual o paciente continua vendo a mesma pessoa em toda parte. Caminhando pela rua, o rosto de quase todas as mulheres pode parecer com o de sua mãe ou todos os jovens podem se assemelhar ao seu irmão. (Eu faria a previsão de que, em vez de ter rompidas as conexões das áreas de reconhecimento de rostos com a amígdala, o paciente de Fregoli pode ter um excesso dessas conexões. Todos os rostos estariam impregnados de familiaridade e ”calor”, levando-o a ver a mesma face vezes e vezes seguidas.) Poderia essa confusão do tipo Fregoli ocorrer em cérebros normais? Isto poderia ser uma base para formar estereótipos racistas? O racismo é muito freqüentemente dirigido contra um determinado tipo físico (negros, asiáticos, brancos e assim por diante). Talvez um desagradável episódio isolado com um membro de uma categoria visual estabeleça uma conexão límbica que é inadequadamente generalizada para incluir todos os membros daquela classe e é notoriamente impermeável a uma ”correção intelectual” baseada em informações guardadas nos centros superiores do cérebro. De fato, pontos de vista intelectuais de alguém podem ser coloridos (sem trocadilho) por este reflexo patelar emocional; daí, a notória e obstinada tenacidade do racismo. Começamos nossa viagem com Arthur tentando explicar suas estranhas ilusões sobre impostores e desvendamos alguns novos insights sobre como as memórias são armazenadas e recuperadas no cérebro humano. A história dele oferece introvisões sobre como cada um de nós constrói narrativas sobre a nossa vida e as pessoas que a habitam. Em certo sentido, a vida de alguém — sua autobiografia — é uma longa seqüência de memórias episódicas altamente pessoais sobre o primeiro beijo, o baile de formatura, o casamento, o nascimento de um filho, as pescarias e assim por diante. Mas é também muito mais do que isso. Obviamente, há uma identidade pessoal, o sentido de um ”indivíduo” unificado que atravessa como um fio dourado todo o tecido da nossa existência. O filósofo escocês David Hume traçou uma analogia entre a personalidade humana e um rio — a água do rio está sempre mudando e, contudo, o próprio rio permanece constante, uniforme. O que aconteceria, perguntava ele, se uma pessoa mergulhasse o pé num rio e depois o mergulhasse nova”A INSUSTENTÁVEL APARÊNCIA DO SER” / 221 mente após meia hora — seria o mesmo rio ou um rio diferente? Se você acha que este é um tolo enigma semântico, tem razão, pois a resposta depende de sua definição de ”mesmo” e de ”rio”. Mas tolo ou não, um aspecto é claro. Para Arthur, dada sua dificuldade em ligar memórias episódicas sucessivas, pode haver de fato dois rios! Efetivamente, esta tendência a fazer cópias de eventos e objetos era mais pronunciada quando ele se deparava com rostos — Arthur não reproduzia objetos freqüentemente. Contudo havia ocasiões em que metia os dedos no cabelo e o chamava de ”peruca”, em parte porque seu couro cabeludo parecia estranho, devido às cicatrizes deixadas pela neurocirurgia a que fora submetido. Em raras ocasiões, Arthur chegou a reproduzir países, afirmava a certa altura que havia dois Panamás (recentemente, ele visitara esse país durante uma reunião de família). O mais impressionante de tudo é que às vezes Arthur reproduzia a si mesmo! Na primeira vez em que isto aconteceu, eu estava lhe mostrando fotos dele mesmo, tiradas de um álbum de família e apontei para um instantâneo batido dois anos antes do acidente. — De quem é esta foto? — perguntei. — E de outro Arthur — respondeu. — Parece comigo, mas não sou eu. — Não pude acreditar em meus ouvidos. Arthur talvez tenha detectado minha surpresa, já que reforçou sua afirmação, dizendo: — Está vendo? Ele usa bigode. Eu, não. Esta ilusão, porém, não ocorria quando Arthur se olhava no espelho. Talvez fosse suficientemente sensato para perceber que o rosto no espelho não podia ser de outra pessoa. Mas a tendência de Arthur para ”reproduzir” a si próprio — a se ver como uma pessoa distinta de um antigo Arthur — às vezes também vinha à tona espontaneamente durante conversas. Para minha surpresa, certa vez disse: ”Sim, meus pais mandaram um cheque, mas foi para o outro Arthur.” O problema mais sério de Arthur, porém, era sua incapacidade de fazer contato emocional com as pessoas que tinham mais importância para ele — seus pais — e isso lhe causava grande angústia. Posso imaginar uma voz dentro de sua cabeça, dizendo: ”O motivo de eu não sentir cordialidade deve ser porque não sou o verdadeiro Arthur.” Uma vez, Arthur se voltou para a mãe e disse: ”Mamãe, se o verdadeiro Arthur voltar algum dia, você promete que ainda me tratará como amigo e me amará?” Como pode um ser humano sensato, 222 / FANTASMAS NO CÉREBRO perfeitamente inteligente sob outros aspectos, chegar a se considerar duas pessoas? Parece haver algo inerentemente contraditório com a divisão do Eu, que, por sua própria natureza, é unitário. Se eu começasse a me ver como várias pessoas, para qual delas faria planos? Qual é o eu ”real”? Este é um verdadeiro e doloroso dilema para Arhtur. Há séculos, os filósofos afirmam que, se existe uma coisa em nossa existência completamente fora de dúvida, é o simples fato de que ”Eu” existo como ser humano único que permanece no espaço e no tempo. Mas até este fundamento axiomático básico da existência humana é questionado por Arthur. CAPÍTULO 9 Deus e o sistema límbico É muito difícil elucidar este sentimento [cósmico religioso] para qualquer pessoa que esteja inteiramente sem ele. (...) Os gênios religiosos de todas as épocas têm-se distinguido por esse tipo de sentimento religioso, que não conhece nenhum dogma. (...) Em minha opinião, a mais importante função da arte e da ciência é despertar este sentimento e mantê-lo vivo naqueles que lhe são receptivos. — ALBERT EINSTEIN [Deus] é o maior democrata que o mundo conhece, pois Ele nos deixa ”livres” para fazer nossa própria escolha entre o bem e o mal. Ele é o maior tirano já visto, pois Ele muitas vezes tira a taça de nossos lábios e, sob a aparência de livre-arbítrio, nos deixa uma margem inteiramente inadequada de forma a proporcionar alegria e felicidade para Si Próprio à nossa custa. Por essa razão é que o hinduísmo chama isso de todo o Seu esporte (Lila), ou chama tudo isso de uma ilusão (Maya). (...) Dancemos ao som de sua bansi (flauta), e tudo estará bem. — MOHANDAS K. GANDHI 224 / FANTASMAS NO CÉREBRO Imagine que você tivesse uma máquina, uma espécie de capacete que você simplesmente pusesse na cabeça e estimulasse qualquer pequena região do seu cérebro, sem causar dano permanente. Para que você usaria o dispositivo? Isto não é ficção científica. Esse dispositivo, chamado estimulador magnético transcraniano, já existe e é relativamente fácil de construir. Quando aplicado ao couro cabeludo, provoca um campo magnético de rápida flutuação e extremamente poderoso numa pequena área do tecido cerebral, ativando-a e proporcionando indicações sobre sua função. Por exemplo, se você estimulasse certas partes do córtex motor, diferentes músculos se contrairiam. Seu dedo poderia se crispar ou você sentiria uma sacudidela repentina e involuntária no ombro, como um movimento de boneco. Então, se tivesse acesso a este dispositivo, que parte do cérebro você estimularia? Se por acaso estivesse familiarizado com os relatos dos primeiros dias da neurocirurgia sobre o septo — um aglomerado de células localizado perto da frente do tálamo, no meio do seu cérebro —, você poderia ser tentado a aplicar o magneto aí.’ Pacientes ”atacados” nesta região afirmam experimentar intenso prazer, ”como milhares de orgasmos num só”. Se você fosse cego de nascença e as áreas visuais do seu cérebro não se tivessem degenerado, poderia estimular pequenas partes de seu próprio córtex visual para descobrir o que as pessoas querem dizer quando falam em cor ou em ”ver”. Ou, dada a conhecida observação clínica de que o lobo frontal esquerdo parece estar envolvido na sensação de ”coisas boas”, talvez quisesse estimular uma região acima do olho esquerdo para ver se poderia induzir um ”barato” natural. Quando o psicólogo canadense Michael Persinger pôs a mão num dispositivo desses há alguns anos, optou por estimular partes do seus lobos temporais. E, para seu espanto, descobriu que tinha sentido Deus pela primeira vez em sua vida. Quem me falou pela primeira vez na estranha experiência de Persinger foi minha colega Patrícia Churchland, que viu um relato numa revista popular canadense de ciência e me telefonou imediatamente: — Rama, você não vai acreditar. Há um homem no Canadá que estimulou seu lobo temporal e sentiu Deus. Que acha disso? — Ele tem ataques no lobo temporal? — perguntei. — Não, absolutamente. É um sujeito normal. — Mas ele estimulou seus próprios lobos temporais? DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 225 — E o que diz o artigo. — Hummmm, imagino o que aconteceria se alguém tentasse estimular o cérebro de um ateu. Sentiria ele a presença de Deus? — Sorri comigo mesmo e disse: — Hei, talvez devêssemos experimentar o dispositivo em Francis Crick. A observação de Persinger não foi uma surpresa completa, já que sempre suspeitei de que os lobos temporais, especialmente o esquerdo, estão de algum modo implicados em experiências religiosas. Todo estudante de medicina aprende que pacientes com ataques epilépticos originários desta parte do cérebro podem ter intensas experiências espirituais durante os acessos e às vezes se tornam preocupados com problemas religiosos e morais, mesmo durante os períodos intermediários, sem ataque. Mas esta síndrome implica que nossos cérebros contêm algum tipo de conjunto de circuitos que é realmente especializado em experiências religiosas? Existe um ”módulo de Deus” em nossas cabeças? E se tal circuito existe, de onde veio? Poderia ser produto de seleção natural, um traço humano tão natural no sentido biológico quanto a linguagem ou a visão estereoscópica? Ou está em jogo aí um mistério mais profundo, como um filósofo, epistemologista ou teólogo poderia afirmar? Muitas características nos fazem singularmente humanos, mas nenhuma é mais enigmática do que a religião — nossa propensão a acreditar em Deus ou em algum poder superior que transcende as meras aparências. Parece altamente improvável que qualquer outra criatura possa pensar no infinito ou especular sobre ”o sentido de todas as coisas”. Ouçam John Milton em Paraíso perdido: Pois quem perderia, embora, cheio de dor Este ser intelectual Esses pensamentos que vagueiam através da eternidade para serem tragados e perdidos No vasto ventre da noite incriada. Mas de onde vêm tais sentimentos? Talvez qualquer ser inteligente e sensível que possa ver para seu próprio futuro e enfrentar sua própria mortalidade mais cedo ou mais tarde comece a se empenhar nessas ruminações e 226 / FANTASMAS NO CÉREBRO reflexões inquietantes. Será que a minha vidinha tem qualquer significado real no grande plano das coisas? Se o espermatozóide do meu pai não tivesse fertilizado aquele óvulo específico naquela noite fatídica, eu não teria existido, e então em que sentido real o universo teria existido? Não teria sido ele então, como disse Erwin Schrõdinger, uma simples ”peça teatral diante de cadeiras vazias”? E se meu pai tivesse tossido naquele momento crítico de forma que um espermatozóide diferente tivesse fertilizado o óvulo? Nossas mentes começam a rodopiar vertiginosamente quando ponderam essas possibilidades. Somos atormentados pelo paradoxo: de um lado, nossas vidas parecem tão importantes — como todas aquelas acalentadas lembranças altamente pessoais — e contudo sabemos que, no plano cósmico das coisas, nossa breve existência eqüivale a absolutamente nada. Assim, como as pessoas vêem sentido neste dilema? Para muitos a resposta é direta: procuram conforto na religião. Mas seguramente há mais coisas além disso. Se as crenças religiosas são meramente o resultado combinado de desejo mágico e de um anseio de imortalidade, como explicar os arroubos de intenso êxtase religioso experimentados por pacientes com ataques no lobo temporal ou a alegação de que Deus fala diretamente com eles? Muitos pacientes têm me falado de uma ”luz divina que ilumina todas as coisas” ou de uma ”verdade suprema que está completamente além do alcance de mentes de pessoas comuns que estão mergulhadas demais na azáfama da vida diária para notar a grandeza de tudo isso”. Claro, eles poderiam simplesmente estar sofrendo de alucinações e delírios do tipo que um esquizofrênico pode sentir, mas, se é este o caso, por que essas alucinações ocorrem principalmente quando os lobos temporais estão envolvidos? E, mais intrigante ainda, por que assumem esta forma em particular? Por que estes pacientes não têm alucinações com porcos ou perus? Em 1935, o anatomista James Papez observou que pacientes que morriam de hidrofobia muitas vezes experimentavam acessos de extrema fúria e terror nas horas anteriores à morte. Ele sabia que a doença era transmitida por mordidas de cães e deduziu que algo na saliva dos cães — o vírus da raiva — passava pelos nervos periféricos da vítima localizados perto da mordida, subindo pela medula espinhal até o cérebro. Ao dissecar cérebros de vítimas, Papez descoDEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 227 briu o destino do vírus — aglomerados de células nervosas ou núcleos conectados por longos tratos de fibra em forma de C localizados profundamente no cérebro (Figura 9.1). Um século antes, o famoso neurologista francês Pierre Paul Broca tinha chamado esta estrutura de sistema límbico. Como os pacientes de hidrofobia sofriam violentos acessos emocionais, Papez deduziu que estas estruturas límbicas devem estar intimamente envolvidas no comportamento emocional humano.2 O sistema límbico recebe informação de todos os sistemas sensoriais — visão, tato, audição, paladar e olfato. O último sentido é de fato ligado diretamente ao sistema límbico, indo direto para a amígdala (uma estrutura em forma de amêndoa que serve de portal de entrada para o sistema límbico). Isto não surpreende, dado que, nos mamíferos inferiores, o olfato é intimamente ligado a emoções, comportamento territorial, agressividade e sexualidade. O sistema límbico, como percebeu Papez, é aparelhado principalmente para a experiência e a expressão de emoções. A experiência de emoções é mediada por conexões de ida e volta com os lobos frontais, e grande parte da riqueza de nossa vida emocional interior provavelmente depende dessas interações. A expressão externa destas emoções, por outro lado, exige a participação de um pequeno e denso aglomerado de células, chamado hipotálamo, um centro de controle com três grandes saídas próprias. Primeiro, os núcleos hipotalâmicos enviam sinais hormonais e neurais à glândula pituitária, que é freqüentemente descrita como o ”regente” da orquestra endócrina. Os hormônios liberados através deste sistema influenciam quase todas as partes do corpo humano, um tour de force biológico que examinaremos na análise das interações corpo-mente (Capítulo 11). Segundo, o hipotálamo envia comandos ao sistema nervoso autônomo, que controla várias funções vegetativas e corporais, inclusive a produção de lágrimas, saliva e suor e o controle da pressão sangüínea, do ritmo cardíaco, da temperatura do corpo, respiração, função da bexiga, defecação etc. O hipotálamo pode ser considerado, então, o ”cérebro” deste sistema nervoso arcaico, ancilar. A terceira saída dirige comportamentos reais, como os de lutar, fugir, alimentar-se e comportamento sexual. Em resumo, o hipotálamo é o ”centro de sobrevivência” do corpo, preparando-o para emergências extremas ou, às vezes, para a transmissão dos seus genes. 228 / FANTASMAS NO CÉREBRO Formx Giro cmgulado Lobo frontal Septo Bulbo olfatonc Talamo Hipocampo Formação reticular Hipotalamo Cordão espinhal Corpo mamilar Figura 9.1 Outra vista do sistema límbico O sistema límbico é composto de uma série de estruturas mterconectadas circundando um ventrículo central cheio de fluido do cérebro anterior e formando uma borda interna do córtex cerebral As estruturas incluem o hipocampo, amígdala, septo, núcleos talâmicos anteriores, corpos mamilares e córtex cmgulado. Ofórmx é um longo feixe de fibras ligando o hipocampo aos corpos mamilares. Também estão desenhados o corpo caloso, um trato de fibra ligando o neocórtex direito e esquerdo, o cerebelo, uma estrutura envolvida na modulação de movimentos, e o tronco encefâlico. O sistema límbico não é diretamente sensonal nem motor, mas constitui um núcleo central processador do sistema do cérebro que lida com informações derivadas de fatos, memórias de fatos e associações emocionais com estes fatos. Este processamento é essencial, se se quer usar a experiência para orientar comportamento futuro (Wmson, 1985) Reproduzido de Brain, Mind and Behavwr, de Bloom e Laserson (1988), Educacional Broadcastmg Corporation. Usado com permissão de W. H. Freeman and Company. Grande parte do nosso conhecimento sobre as funções do sistema límbico vem de pacientes que têm ataques epilépticos com origem nesta parte do cérebro. Quando ouve a palavra ”epilepsia”, você geralmente pensa em alguém tenDEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 229 do acessos ou um ataque — uma intensa contração involuntária de todos os músculos do corpo — e caindo no chão. De fato, estes sintomas caracterizam a mais conhecida forma de epilepsia. Esses ataques geralmente surgem porque um minúsculo aglomerado de neurônios em alguma parte do cérebro está se portando mal, disparando caoticamente até que a atividade se espalha como um incêndio, para abranger o cérebro inteiro. Mas os ataques também podem ser ”focais”; isto é, podem ficar confinados em grande parte a uma única nesga pequena do cérebro. Se esses ataques focais estiverem principalmente no córtex motor, o resultado é uma marcha seqüencial de contrações musculares — os chamados ataques jacksomanos. Mas se por acaso estiverem no sistema límbico, então os sintomas mais impressionantes são emocionais. Os pacientes dizem que seus ”sentimentos estão em fogo”, indo de intenso êxtase a profundo desespero, uma sensação de desgraça iminente ou até acessos de extrema raiva e terror. Mulheres às vezes sentem orgasmos durante os ataques, embora, por alguma razão obscura, os homens nunca sintam. Mas o mais impressionante de tudo são aqueles pacientes que têm experiências espirituais profundamente comoventes, inclusive uma sensação de presença divina e a impressão de que estão em comunicação direta com Deus. Tudo em torno deles está impregnado de significado cósmico. Eles podem dizer: ”Finalmente compreendo tudo. Este é o momento por que tenho esperado em toda a minha vida. De repente, tudo tem sentido.” Ou ”Finalmente tenho uma introvisão da verdadeira natureza do cosmos.” Acho irônico que esta sensação de iluminação, esta absoluta convicção de que a Verdade finalmente foi revelada, derive mais de estruturas límbicas envolvidas com emoções do que das partes pensantes e racionais do cérebro que tanto se orgulham de sua capacidade para discernir verdade de falsidade. Deus tem concedido a nós, pessoas ”normais”, apenas lampejos ocasionais de uma verdade mais profunda (comigo, podem ocorrer quando estou ouvindo alguma passagem de música especialmente comovente ou quando olho para a lua de Júpiter através de um telescópio), mas estes pacientes desfrutam do privilégio único de fitar diretamente os olhos de Deus toda vez que têm um ataque. Quem vai dizer se essas experiências são ”genuínas” (o que quer que isso signifique) ou ”patológicas”? Você, médico, quereria realmente medicar tal paciente e negar o direito de visitação ao Todo-Poderoso? Os ataques — e visitações — geralmente duram apenas alguns segundos a cada vez. Mas estas breves tempestades no lobo temporal às vezes podem alte- 230 / FANTASMAS NO CÉREBRO rar permanentemente a personalidade do paciente de forma que, mesmo entre os acessos, ele é diferente de outras pessoas.3 Ninguém sabe por que isto acontece, mas é como se as repetidas rajadas elétricas no cérebro do paciente (a passagem freqüente de maciças descargas de impulsos nervosos dentro do sistema límbico) ”facilitassem” permanentemente certas vias ou pudessem até abrir novos canais, como a água de uma tempestade pode descer por uma colina, abrindo novos regatos, sulcos e passagens ao longo da encosta. Este processo, chamado ignição, pode alterar permanentemente — e às vezes enriquecer — a vida emocional interior do paciente. Estas mudanças dão origem ao que alguns neurologistas chamaram de ”personalidade do lobo temporal”. Os pacientes têm emoções intensificadas e vêem significado cósmico em acontecimentos banais. Afirma-se que eles tendem a ser destituídos de humor, cheios de altivez e empáfia, e a manter diários cuidadosos que registram fatos cotidianos em detalhes meticulosos — uma característica chamada de hipergrafia. Certos pacientes têm me dado ocasionalmente centenas de páginas de texto escrito, cheio de símbolos místicos, sinais e anotações. Alguns destes pacientes são desconcertantes quando conversam, argumentadores, pedantes e egocêntricos (embora menos do que muitos dos meus colegas cientistas), e mostram-se obsessivamente preocupados com problemas filosóficos e teológicos. Todo estudante de medicina é informado de que nunca deve esperar ver um ”caso de livro” nas enfermarias, pois estes são simplesmente compósitos preparados pelos autores de livros médicos. Mas, quando Paul, de 32 anos, subgerente de uma filial local da Goodwill, entrou em nosso laboratório há algum tempo, senti que ele tinha saído diretamente do Brairís Textbook of Neurology — a Bíblia de todos os neurologistas. Vestindo uma camisa verde modelo Nehru e calças brancas de brim de linho, tinha uma postura de rei e usava uma imponente cruz cravejada de jóias no pescoço. Há em nosso laboratório uma poltrona macia, mas Paul parecia pouco disposto a relaxar. Muitos pacientes que entrevisto mostram-se inicialmente inquietos, mas Paul não estava nervoso nesse sentido — pelo contrário, parecia se considerar um especialista, chamado a testemunhar sobre si próprio e seu relacionamento com Deus. Era vivo e egocêntrico e tinha a arrogância de um crente, mas nada da humildade dos profundamente religiosos. Quase sem ser estimulado, começou a contar sua história. DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 231 — Tive meu primeiro acesso quando estava com oito anos de idade — começou. — Lembro-me de ter visto uma luz brilhante antes de cair no chão e imaginar de onde vinha. — Alguns anos depois, teve vários outros ataques que transformaram toda a sua vida. — De repente, para mim tudo ficou claro como cristal, doutor — continuou. — Não havia mais nenhuma dúvida. — Ele experimentava um arroubo, um êxtase, ao lado do qual tudo o mais empalidecia. No êxtase, havia uma claridade, uma apreensão do divino, sem categorias, sem fronteiras, apenas uma Unicidade com o Criador. Tudo isso ele relatava com detalhes minuciosos e com grande persistência, aparentemente determinado a nada deixar de fora. Intrigado com tudo aquilo, pedi-lhe que continuasse. — Você pode ser um pouco mais específico? ^/ — Bem, não é fácil, doutor. É como tentar explicar o êxtase sexual a uma criança que ainda não atingiu a puberdade. Isso faz algum sentido para o senhor? Assenti com a cabeça. — O que acha do êxtase sexual? — Bem, para ser honesto — disse ele —, não estou mais interessado nisso. Não significa muito para mim. Empalidece completamente ao lado da divina luz que tenho visto. — Mas, ainda naquela tarde, Paul flertou descaradamente com duas das minhas alunas e tentou conseguir o número dos seus telefones. Esta combinação paradoxal de perda de libido com uma preocupação com rituais sexuais não é incomum em pacientes com epilepsia do lobo temporal. No dia seguinte, Paul voltou ao meu consultório trazendo um enorme manuscrito encadernado com uma florida sobrecapa verde empoeirada — projeto em que vinha trabalhando há vários meses. Expunha suas opiniões sobre filosofia, misticismo e religião; a natureza da trindade; a iconografia da Estrela de Davi; meticulosos desenhos descrevendo temas espirituais, estranhos símbolos místicos e mapas. Fiquei fascinado, mas frustrado. Este não era o tipo de material que normalmente julgo. Quando finalmente ergui os olhos, havia uma estranha luz no olhar de Paul. Juntou as mãos, entrelaçando os dedos, e tocou o queixo com os indicadores. — Há outra coisa que devo mencionar — disse. —Tenho estes espantosos flashbacks. 232 / FANTASMAS NO CÉREBRO — Que espécie de flashbacks! — Bem, outro dia, durante um acesso, pude relembrar cada pequeno detalhe de um livro que li há muitos anos. Linha por linha, página por página, palavra a palavra. — Tem certeza disso? Você pegou o livro e comparou suas lembranças com o original? — Não. Perdi o livro. Mas esse tipo de coisa acontece muito comigo. Não é apenas com este livro em especial. Fiquei fascinado com a afirmação de Paul. Ela corroborava declarações semelhantes que antes eu tinha ouvido muitas vezes de outros pacientes e médicos. Qualquer dia destes planejo realizar um ”teste objetivo” das espantosas aptidões mnemônicas de Paul. Será que ele simplesmente imagina estar revivendo cada detalhe minucioso? Ou, quando tem um ataque, falta-lhe a capacidade de censura ou edição que ocorre na memória normal, de forma que ele é forçado a registrar cada detalhe trivial — resultando numa paradoxal melhoria em sua memória? A única maneira de ter certeza seria recuperar o livro ou passagem original de que ele estava falando e testá-lo. Os resultados poderiam oferecer importantes insights sobre como os traços e trilhas de memórias são formados no cérebro. Certa vez, quando Paul estava recordando seus flashbacks, interrompi: — Paul, você acredita em Deus? Ele pareceu intrigado: — E que mais existe? — perguntou. Mas por que pacientes como Paul têm experiências religiosas? Consigo pensar em duas possibilidades. Uma é que Deus realmente visita estas pessoas. Se isso é verdade, tudo bem. Quem somos nós para questionar a infinita sabedoria de Deus? Infelizmente, isto não pode ser provado nem descartado com fundamentos empíricos. A segunda possibilidade é que, como estes pacientes experimentam todo tipo de emoções estranhas, inexplicáveis, como se um caldeirão tivesse fervido e transbordado, talvez seu único recurso seja buscar ablução nas águas calmas da tranqüilidade religiosa. Ou a confusão emocional pode ser interpretada erroneamente como mensagens místicas do outro mundo. Acho improvável a última explicação, por duas razões. Primeiro, existem outros distúrbios neurológicos e psiquiátricos como síndrome do lobo fronDEUS E O SISTEMA LímBICO / 233 tal, esquizofrenia, doença maníaco-depressiva ou apenas depressão, nas quais as emoções são perturbadas, mas raramente se vêem preocupações religiosas do mesmo grau nesses pacientes. Embora esquizofrênicos possam ocasionalmente falar em Deus, os sentimentos são geralmente passageiros; eles não têm o mesmo fervor intenso nem a qualidade obsessiva e estereotipada que se vê em epilépticos do lobo temporal. Portanto, só as mudanças emocionais não podem fornecer uma completa explicação para preocupação religiosa.4 A terceira explicação recorre a conexões entre centros sensoriais (visão e audição) e a amígdala, aquela parte do sistema límbico especializada em reconhecer o significado emocional de acontecimentos no mundo exterior. Obviamente, nem toda pessoa ou acontecimento com que você se depara num dia típico dispara campainhas de alarme; isso seria inadequado e você logo ficaria louco. Para lidar com as incertezas do mundo, você precisa de uma forma de calibrar, medir o relevo dos fatos antes de retransmitir uma mensagem ao resto do sistema límbico e ao hipotálamo, dizendo-lhes para ajudar você a lutar ou fugir. Mas considere o que poderia acontecer se sinais falsos provindos da atividade de um ataque límbico percorressem estas vias. Você teria o tipo de ignição que descrevemos antes. Estas vias ”de relevância” se tornariam fortalecidas, aumentando a comunicação entre as estruturas do cérebro. Áreas sensoriais do cérebro que vêem pessoas e acontecimentos, e ouvem vozes e barulhos, se tornariam mais intimamente ligadas a centros emocionais. O resultado? Todos os objetos e acontecimentos — não apenas os relevantes — se tornariam impregnados de profundo significado, de forma que o paciente veria ”o universo num grão de areia” e ”seguraria o infinito na palma de sua mão”. Flutuaria num oceano de êxtase religioso, transportado por uma maré universal às praias do Nirvana. A quarta hipótese é ainda mais especulativa. Poderiam os seres humanos ter realmente desenvolvido um conjunto especializado de circuitos neurais com o único objetivo de mediar experiências religiosas? A crença humana no sobrenatural é tão difundida e comum em todas as sociedades do mundo inteiro que é tentador perguntar se a propensão para tais crenças não poderia ter uma base biológica.5 Se é este o caso, você teria de responder a uma pergunta essencial: Que tipos de pressões de seleção darwiniana poderiam levar a esse mecanismo? E se existe tal mecanismo, existe um gene ou conjunto de genes 234 / FANTASMAS NO CÉREBRO envolvido principalmente com religiosidade e tendências espirituais — um gene que os ateus poderiam não ter ou poderiam ter aprendido a enganar (só de brincadeira!)? Estes tipos de argumentos são populares numa disciplina relativamente nova chamada psicologia da evolução. (Costumava-se chamá-la de sociobiologia, termo que caiu em descrédito por motivos políticos.) De acordo com seus postulados centrais, muitos traços e propensões humanos, mesmo aqueles que poderíamos ser tentados a atribuir à ”cultura”, podem de fato ter sido escolhidos especificamente pela mão condutora da seleção natural por causa do seu valor adaptativo. Um bom exemplo é a tendência dos homens a serem polígamos e promíscuos, enquanto as mulheres tendem a ser mais monógamas. Das centenas de culturas humanas no mundo inteiro, somente uma, a dos thodas do sul da índia, sancionou oficialmente a poliandria (a prática de ter mais de um marido ou companheiro). Realmente, o velho ditado — ”higamous, hogamous, women are monogamous; hogamous higamous, men are polygamous” (mulheres são monógamas, homens são polígamos) —• reflete este estado de coisas. Tudo isso tem sentido na cadeia da evolução, já que a mulher investe muito mais tempo e esforço — uma gravidez de nove meses, arriscada, árdua — em cada filho, de forma que tem de ser muito perspicaz na escolha de parceiros sexuais. Para o homem, a melhor estratégia evolutiva é disseminar seus genes o mais amplamente possível, dados os poucos minutos (ou, coitado, segundos) de investimento em cada encontro. É improvável que estas propensões comportamentais sejam culturais. Como todos nós sabemos, a cultura tende mais a proibi-las ou minimizá-las do que a encorajá-las. Por outro lado, precisamos ter cuidado para não levar longe demais estes argumentos de ”psicologia da evolução”. Somente porque uma característica é universal — presente em todas as culturas, inclusive naquelas com que nunca tivemos contato — não se segue que a característica seja geneticamente especificada. Por exemplo, quase toda cultura que conhecemos tem alguma forma de cozinhar, por mais primitiva que seja. (Sim, até os ingleses.) Contudo, nunca se iria argumentar a partir daí que existe no cérebro um módulo de cozinhar, especificado por genes da culinária que foram aperfeiçoados por seleção natural. A capacidade de cozinhar é quase certamente uma derivação de várias outras habilidades não relacionadas, como um bom sentido de olfato e DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 235 paladar e a capacidade de seguir uma receita passo a passo, bem como uma generosa dose de paciência. Assim, a religião (ou pelo menos a crença em Deus e a espiritualidade) é como cozinhar — com a cultura exercendo decididamente um papel dominante — ou é mais parecida com a poligamia, para a qual parece haver uma forte base genética? Como um psicólogo da evolução explicaria a origem da religião? Uma das possibilidades é que a tendência humana universal a buscar figuras autoritárias — dando origem a um clero organizado, à participação em rituais, cantos e danças, ritos sacrificiais e adesão a um código moral — encorage o comportamento conformista e contribua para a estabilidade do próprio grupo social — ou ”parentela”, ”família” — que compartilha os mesmos genes. Genes que encorajam o cultivo desses traços conformistas tenderiam portanto, a florescer e se multiplicar, e as pessoas que não os tivessem seriam colocadas no ostracismo e punidas por seu comportamento socialmente divergente. Talvez o meio mais fácil de assegurar essa estabilidade e conformidade seja acreditar em algum poder transcendente mais elevado que controla nosso destino. Não é de admirar que pacientes com epilepsia do lobo temporal experimentem um sentimento de onipotência e grandeza, como que dizendo: ”Eu sou o eleito. É meu dever e privilégio transmitir a obra de Deus a vocês, seres inferiores.” Este é reconhecidamente um argumento especulativo, pelos vagos e imprecisos padrões da psicologia da evolução. Mas, quer se acredite ou não em ”genes” de conformismo religioso, é claro que certas partes do lobo temporal exercem um papel mais direto na gênese dessas experiências do que qualquer outra parte do cérebro. E se as experiências pessoais de Persinger significam alguma coisa, então isto deve ser verdade não só com relação a epilépticos, mas também a você e a mim. Apresso-me a acrescentar que, no que concerne ao paciente, sejam quais forem as mudanças ocorridas, são autênticas — às vezes, até desejáveis — e que o médico não tem realmente nenhum direito de atribuir um rótulo de valor a esses embelezamentos esotéricos de personalidade. Com que base alguém decide se uma experiência mística é normal ou anormal? Há uma tendência atual a equiparar ”incomum” ou ”raro” com anormal, mas esta é uma falácia lógica. O gênio é um traço raro mas altamente apreciado, enquanto a deterioração dos dentes é comum, mas obviamente indesejável. Em qual dês- 236 / FANTASMAS NO CÉREBRO tas categorias se encaixa a experiência mística? Por que a verdade revelada dessas experiências transcendentes é de qualquer forma ”inferior” às verdades mais terrenas com que nós, cientistas, lidamos? De fato, se você for alguma vez tentado a saltar para esta conclusão, tenha em mente então que se pode usar exatamente a mesma prova — o envolvimento dos lobos temporais com a religião — para argumentar em favor da existência de Deus, e não contra. Por analogia, considere o fato de que a maioria dos animais não tem os receptores ou o maquinismo neural para a visão da cor. Somente alguns poucos privilegiados têm, mas você concluiria disso que a cor não seria real? Obviamente não, mas, nesse caso, por que então o mesmo argumento não se aplica a Deus? Talvez apenas os ”eleitos” tenham as conexões neurais exigidas. (Afinal de contas, ”Deus age de formas misteriosas”.) Em outras palavras, meu objetivo como cientista é descobrir como e por que sentimentos religiosos se originam no cérebro, mas isto, de uma forma ou de outra, não tem nenhuma relação com a existência ou inexistência de Deus. Assim, temos várias hipóteses em competição para explicar por que epilépticos do lobo temporal têm essas experiências. Embora invoquem as mesmas estruturas neurais, todas estas teorias postulam mecanismos bem diferentes e seria bom descobrir uma forma de fazer uma distinção entre eles. Uma das idéias — de que a ignição fortalece todas as conexões do lobo temporal com a amígdala — pode ser abordada diretamente, estudando a resposta galvânica cutânea do paciente. Em geral, um objeto é reconhecido pelas áreas visuais dos lobos temporais. Seu relevo emocional — é um rosto amigável ou um leão feroz? — é sinalizado pela amígdala e transmitido ao sistema límbico, de forma que você fica emocionalmente incitado e começa a suar. Mas se a ignição reforçou todas as conexões com estas vias, então tudo se torna relevante. Independentemente do que você olha — um estranho indefinido, uma cadeira ou uma mesa — isso deve ativar fortemente o sistema límbico e fazer você transpirar. Assim, ao contrário de você e de mim, que devemos mostrar uma GSR intensificada somente em face de nossas mães, nossos pais, esposas, maridos ou leões, ou mesmo a um baque surdo ou barulho, o paciente com epilepsia do lobo temporal deve mostrar uma resposta galvânica cutânea aumentada em face de qualquer coisa sob o sol. Para testar esta possibilidade, fiz contato com dois colegas meus especializados no diagnóstico e tratamento da epilepsia — o Dr. Vincent Iragui e a DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 237 Dra. Evelyn Tecoma. Dada a natureza altamente controvertida de todo o conceito de ”personalidade do lobo temporal” (nem todo mundo concorda que estes traços de personalidade sejam vistos mais freqüentemente em epilépticos), eles ficaram muito intrigados com minhas idéias. Alguns dias depois, convocaram dois de seus pacientes que manifestavam ”sintomas” óbvios desta síndrome — hipergrafia, inclinações espirituais e uma necessidade obsessiva de falar de seus sentimentos e de tópicos religiosos e metafísicos. Estariam dispostos a se submeter voluntariamente a um estudo? Ambos estavam ansiosos para participar. No que pode se tornar a primeira experiência científica jamais feita diretamente sobre religião, acomodei-os em cadeiras confortáveis e liguei eletrodos inofensivos em suas mãos. Uma vez colocados em frente a uma tela de computador, foram-lhes exibidas amostras aleatórias de vários tipos de palavras e imagens — por exemplo, palavras que significavam objetos comuns inanimados (um sapato, vaso, mesa e coisas assim), rostos familiares (pais, irmãos), faces desconhecidas, palavras e fotos sexualmente incitantes (modelos de revistas eróticas), palavras chulas envolvendo sexo, extrema violência e horror (um crocodilo comendo uma pessoa viva, um homem ateando fogo a si próprio) e palavras e ícones religiosos (como a palavra ”Deus”). Se você e eu nos submetêssemos a este exercício, mostraríamos enorme GSR às cenas de violência e às palavras e fotos sexualmente explícitas, uma boa reação a rostos familiares e geralmente nenhuma reação a todas as outras categorias (a não ser que você tenha um fetiche com sapato, caso em que reagiria a ele). E os pacientes? A hipótese da ignição faria prever uma alta reação uniforme a todas as categorias. Mas, para nosso espanto, o que verificamos nos dois pacientes testados foi uma reação intensificada principalmente a palavras e ícones religiosos. Sua reação às outras categorias, inclusive palavras e imagens sexuais, que geralmente despertam uma forte reação, foi estranhamente reduzida, em comparação com o que é visto em indivíduos normais.6 Assim, os resultados mostram que não houve uma intensificação geral de todas as conexões — na verdade, se algo aconteceu, foi um decréscimo. Mas, surpreendentemente, houve uma amplificação seletiva de reação a palavras religiosas. Especula-se se esta técnica poderia ser útil como uma espécie de ”índice de piedade” para distinguir amadores religiosos ou fraudes (”ateus de ba- 238 / FANTASMAS NO CÉREBRO nheiro”) dos verdadeiros crentes. O zero absoluto na escala poderia ser estabelecido, medindo a resposta galvânica cutânea de Francis Crick. Quero enfatizar que nem todo paciente de epilepsia do lobo temporal se torna religioso. Existem muitas conexões neurais paralelas entre o córtex temporal e a amígdala. Dependendo de que conexões em particular estejam envolvidas, alguns pacientes podem ter suas personalidades desviadas para outras direções, tornando-se obscecados com escrever, desenhar, discutir filosofia ou, raramente, preocupando-se com sexo. É provável que suas reações de GSR disparem em resposta a estes estímulos mais do que a ícones religiosos, possibilidade que está sendo estudada no nosso laboratório e em outros. Deus estava falando diretamente conosco através da máquina de GSR? Tínhamos agora uma linha direta com o céu? O que quer que se faça com a amplificação seletiva de respostas a palavras e ícones religiosos, a descoberta elimina uma das explicações propostas para estas experiências — que essas pessoas se tornam espirituais simplesmente porque todas as coisas em volta delas se tornam demasiado relevantes e profundamente significativas. Pelo contrário, a descoberta sugere que houve um realce seletivo de reações a algumas categorias de estímulos — como palavras e ícones religiosos — e uma redução na reação a outras categorias como as de forte conotação sexual (o que é coerente com a diminuição de libido que alguns desses pacientes relatam). Assim, estas descobertas implicam que existem estruturas neurais nos lobos temporais, especializadas em religião ou espiritualidade, que são seletivamente realçadas pelo processo epiléptico? Esta é uma hipótese sedutora, mas há outras interpretações possíveis. Pelo que sabemos, as mudanças que despertaram o fervor religioso destes pacientes poderiam estar ocorrendo em outra parte, não necessariamente nos lobos temporais. Tal atividade será trasmitida em cascata posteriormente para dentro do sistema límbico e daria o mesmo resultado — uma GSR acentuada para imagens religiosas. Uma GSR tão forte não é, em si, nenhuma garantia de que os lobos temporais são diretamente envolvidos com a religião.7 Há, porém, outra experiência que pode ser feita para resolver este problema de uma vez por todas. A experiência tira vantagem do fato de que, quando os ataques se tornam seriamente incapacitantes, ameaçando a vida e sem reação a medicamentos, porções do lobo temporal muitas vezes são removidas DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 239 cirurgicamente. Assim, podemos perguntar: O que aconteceria com a personalidade do paciente — especialmente suas inclinações religiosas — se removêssemos uma parte do seu lobo temporal? Algumas das mudanças de sua personalidade adquirida seriam ”revertidas”? Será que ele pararia repentinamente de ter experiências místicas e se tornaria ateu ou agnóstico? Teríamos realizado uma ”Deustectomia”? Ainda temos de realizar esse estudo, mas enquanto isso já aprendemos algo com nossos estudos de GSR— que os acessos têm alterado permanentemente a vida mental interior dos pacientes, muitas vezes causando distorções interessantes e altamente seletivas de sua personalidade. Afinal de contas, raramente se vêem essas sublevações emocionais profundas ou tais preocupações religiosas em outros distúrbios neurológicos. A explicação mais simples para o qiie acontece nos epilépticos é que houve mudanças permanentes no conjunto de circuitos do lobo temporal causadas pelo reforço seletivo de algumas conexões e ofuscamento de outras — levando a novos picos e vales na paisagem emocional dos pacientes. Então, qual é o ponto essencial? A única conclusão clara que surge de tudo isso é que existem circuitos no cérebro humano que são envolvidos com experiências religiosas e que estes se tornam hiperativos em alguns epilépticos. Ainda não sabemos se estes circuitos evoluíram especificamente para religião (como psicólogos da evolução poderiam afirmar) ou se eles geram outras emoções que são meramente conducentes a essas crenças (embora isso não possa explicar o fervor com que as crenças são defendidas por muitos pacientes). Ainda estamos, portanto, muito longe de mostrar que existe um ”módulo de Deus” no cérebro que pudesse ser geneticamente especificado, mas, para mim, a idéia empolgante é que simplesmente se possa começar a abordar cientificamente questões sobre Deus e espiritualidade. Então ao próprio céu eu gritei, Perguntando:”Que Lâmpada tinha o Destino para guiar Seufdhinho tropeçando nas Trevas?” E o Céu respondeu: ”Segue teu instinto cego. ” — Os RUBÁIYÁT DE OMAR KHAYYÁM 240 / FANTASMAS NO CÉREBRO Para muitos dos tópicos que discutimos nos capítulos anteriores — membros fantasmas, síndrome da desatenção e síndrome de Capgras — agora temos interpretações razoáveis, em resultado das nossas experiências. Mas ao buscar centros do cérebro envolvidos com experiência religiosa e Deus, percebi que tinha entrado na ”zona crepuscular” da neurologia. Existem sobre o cérebro algumas questões que são tão misteriosas, tão profundamente enigmáticas, que a maioria dos cientistas sérios simplesmente as evitam, como que dizendo: ”O estudo disso seria prematuro” e ”Eu seria um tolo se embarcasse nessa pesquisa”. E contudo estes são exatamente os pontos que mais nos fascinam. O mais óbvio, na verdade, é a religião, uma característica essencialmente humana, mas é o único mistério não resolvido da natureza humana. Que dizer de outros aspectos singularmente humanos — como nossa capacidade para música, matemática, humor e poesia? O que fazia Mozart compor uma sinfonia inteira em sua cabeça ou matemáticos como Fermat ou Ramanujan ”descobrirem” conjecturas e teoremas perfeitos, sem percorrer passo a passo as provas formais? E o que se passa no cérebro de uma pessoa como Dylan Thomas que lhe permitia escrever uma poesia tão evocativa? A centelha criadora é simplesmente uma expressão da centelha divina que existe em todos nós? Ironicamente, as pistas vêm de uma bizarra condição chamada ”síndrome do idiot savant”’, síndrome do idiota-prodígio (ou, para usar uma expressão mais politicamente correta, a síndrome do savant, do prodígio). Estes indivíduos (retardados, mas altamente talentosos) podem nos dar valiosos insights sobre a evolução da natureza humana — tópico que se tornou uma obsessão para algumas das maiores mentes científicas do século passado. A era vitoriana testemunhou um vigoroso debate intelectual entre dois biólogos brilhantes — Charles Darwin e Alfred Russel Wallace. Darwin, claro, é um nome conhecido. Todo mundo o associa com a descoberta da seleção natural como a principal força impulsionadora da evolução orgânica. É uma pena que Wallace seja quase completamente desconhecido, exceto entre biólogos e historiadores da ciência, já que era um acadêmico igualmente brilhante e chegou independentemente à mesma idéia. De fato, o primeiro documento científico sobre a evolução natural foi apresentado conjuntamente por Darwin e Wallace e comunicado à Sociedade Lineana por Joseph Hooker em 1850. Em vez de brigar interminavelmente sobre a prioridade, como fazem muitos cientistas de hoje, eles alegremente reconheceram as respectivas contribuições DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 241 e Wallace até escreveu um livro chamado Darwinism (Darwinismo), defendendo aquilo a que se referia como a teoria ”de Darwin” da seleção natural. Ouvindo falar deste livro, Darwin reagiu: ”Você não devia falar de darwinismo, pois isso também pode ser chamado de wallacismo”. O que afirma a teoria? Existem três componentes:8 1. Como a descendência supera amplamente em número os recursos disponíveis, é preciso haver uma luta constante pela existência no mundo natural. 2. Dois indivíduos de uma espécie nunca são exatamente idênticos (exceto no caso raro de gêmeos idênticos). Na verdade, há sempre variações aleatórias, embora mínimas, no tipo de corpo que nasce do embaralhamento aleatório de genes que se realiza durante a divisão celular — um embaralhamento que assegura que os filhos sejam diferentes uns dos outros e de seus pais, aumentando assim suas possibilidades de se candidatar à mudança evolutiva. 3. Essas combinações fortuitas de genes que fazem os indivíduos serem ligeiramente mais bem adaptados a um dado ambiente local tendem a se multiplicar e propagar em uma população, já que aumentam a sobrevivência e a reprodução desses indivíduos. Darwin acreditava que seu princípio da seleção natural podia ser responsável não só pelo surgimento de traços morfológicos como dedos ou narizes, mas também pela estrutura do cérebro e, portanto, por nossas capacidades mentais. Em outras palavras, a seleção natural podia explicar nossos talentos para música, arte, literatura e outras façanhas intelectuais humanas. Wallace discordava. Admitia que o princípio de Darwin poderia explicar dedos das mãos e dos pés e talvez até alguns aspectos mentais simples, mas que certas habilidades essencialmente humanas, como o talento matemático e musical, possivelmente não teriam surgido pelo funcionamento cego do acaso. Por que não? De acordo com Wallace, à medida que evoluiu, o cérebro humano encontrou uma força nova e igualmente poderosa, chamada cultura. Uma vez surgida a cultura, a linguagem e a escrita, afirmava ele, a evolução humana tornou-se lamarckiana — isto é, você poderia transmitir à sua prole o conhecimento acumulado numa vida. Esta progênie será muito mais culta do que a prole 242 / FANTASMAS NO CÉREBRO de analfabetos, não porque seus genes mudaram, mas simplesmente porque este conhecimento — na forma de cultura — foi transferido de seu cérebro para o cérebro de seu filho. Desta forma, o cérebro é simbiótico com a cultura; os dois são tão interdependentes como o paguro e sua concha ou como a célula nucleada e sua mitocôndria. Para Wallace, a cultura impulsiona a evolução humana, tornando-nos absolutamente únicos no reino animal. Não é extraordinário, dizia ele, que nós sejamos o único animal em que a mente é imensamente mais importante do que qualquer órgão do corpo, assumindo um tremendo significado devido ao que chamamos de ”cultura”? Além disso, nosso cérebro realmente nos ajuda a evitar a necessidade de mais especialização.9 A maioria dos organismos evolui para se tornar cada vez mais especializada à medida que ocupa novos nichos ambientais, seja um pescoço mais longo para a girafa ou o sonar para o morcego. Os humanos, por outro lado, desenvolveram um órgão, o cérebro, que nos dá a capacidade de fugir à especialização. Podemos colonizar o Ártico sem criar evolutivamente uma cobertura de couro e pêlo durante milhões de anos, como o urso polar, porque podemos matar um, tirar seu couro e nos cobrir com ele. E depois podemos dá-lo aos nossos filhos e netos. O segundo argumento de Wallace contra ”o acaso cego dando origem aos talentos de um Mozart” envolve o que poderia ser chamado de inteligência potencial (expressão usada por Richard Gregory). Digamos, você pega um jovem apenas alfabetizado de uma sociedade aborígine contemporânea (ou até usa uma máquina do tempo para conseguir um homem de Cro-Magnon) e lhe dá educação numa moderna escola do Rio ou de Nova York ou de Tóquio. Ele não vai ser diferente de qualquer outra criança criada nessas cidades. Segundo Wallace, isto significa que o aborígine ou o Cro-Magnon possui uma inteligência potencial que ultrapassa enormemente tudo o que ele poderia necessitar para lidar com seu ambiente natural. Esta espécie de inteligência potencial pode ser comparada com a inteligência cinética, que é obtida por educação formal. Mas por que diabos esta inteligência potencial evoluiu? Não poderia ter surgido com o aprendizado de latim em escolas inglesas. Não poderia ter evoluído com a aprendizagem do cálculo, embora quase todos os que tentem com suficiente empenho possam dominá-lo. Qual foi a pressão da seleção para o surgimento dessas habilidades latentes? A seleção natural pode explicar apenas o surgimento de habilidades reais que são expressas pelo organismo — nunca as potenciais. Quando elas são úteis e favorecem a sobrevivência, são transmitidas à geração seguinte. Mas o que diDEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 243 zer de um gene para habilidade matemática latente’. Que benefício isso confere a um analfabeto? Parece mais do que o necessário ou desejável. Wallace escreveu: ”Os mais inferiores selvagens com os vocabulários mais reduzidos [têm] a capacidade de proferir uma variedade de sons articulados distintos e de aplicá-los a uma quantidade quase infinita de modulações e inflexões [que] não é de nenhum modo inferior à das raças superiores [européias]. Um instrumento foi desenvolvido antecipadamente às necessidades de seu possuidor.” E o argumento se aplica, até com força maior, a outras habilidades humanas esotéricas, como a matemática ou o talento musical. Aqui está o busílis. Um instrumento foi desenvolvido antecipadamente às necessidades do seu possuidor, mas sabemos que a evolução não tem previsão! Aqui está um exemplo em que a evolução parece ter presciência. Como isso é possível? Wallace lutou bravamente com este paradoxo. Como pode o aperfeiçoamento em habilidades matemáticas esotéricas — em forma latente — afetar a sobrevivência de uma raça que tem esta capacidade latente e a extinção de outra que não a tem? ”É um fato um tanto curioso”, escreveu ele, ”que, quando todos os escritores modernos admitem a grande antigüidade do homem, a maioria deles sustentem o desenvolvimento recente do intelecto, e dificilmente pensem na possibilidade de terem existido, nos tempos préhistóricos, homens iguais a nós em capacidade mental.” Mas sabemos que existiram. As capacidades cranianas tanto do homem de Neanderthal quanto do de Cro-Magnon eram realmente maiores do que as nossas, e não é inconcebível que sua inteligência potencial latente possa ter sido igual ou até maior do que a do Homo sapiens. Assim, como é possível que estas espantosas habilidades surgissem no cérebro pré-histórico mas só tenham sido percebidas nos últimos mil anos? Resposta de Wallace: obra de Deus! ”Alguma inteligência superior deve ter dirigido o processo pelo qual a natureza humana foi desenvolvida.” Assim, a graça humana é uma expressão terrena da ”graça divina”. É onde Wallace se separava da companhia de Darwin, que sustentava resolutamente que a seleção natural era a principal força na evolução e podia responder pelo surgimento até dos traços mentais mais esotéricos, sem a interferência de um Ser Supremo. Como um biólogo moderno resolveria o paradoxo de Wallace? Provavelmente argumentaria que traços humanos esotéricos e ”avançados” como habili- 244 / FANTASMAS NO CÉREBRO dade musical e matemática são manifestações específicas do que é normalmente chamado de ”inteligência geral” — ela própria a culminância de um cérebro ”desembestado” que explodiu em tamanho e complexidade nos últimos três milhões de anos.10 A inteligência geral evoluiu, continua o argumento, para que a pessoa possa se comunicar, caçar, armazenar alimentos em celeiros, participar de minuciosos rituais sociais e fazer os milhares de coisas de que os humanos gostam e que os ajudam a sobreviver. Mas uma vez estabelecida a inteligência, podia-se usá-la para todos os tipos de outras coisas, como o cálculo, música e o projeto de instrumentos científicos para estender o alcance dos nossos sentidos. Por analogia, considere a mão humana: embora tenha melhorado evolutivamente sua espantosa versatilidade para agarrar galhos de árvores, agora pode ser usada para contar, escrever poesia, balançar o berço, empunhar um cetro e fazer figuras de sombra. Mas com respeito à mente, este argumento não faz muito sentido para mim. Não digo que seja errado, mas a idéia de que a habilidade de arpoar antílopes com a lança foi depois de certa forma usada para o cálculo é um pouco equivocada. Gostaria de sugerir outra explicação, que nos leva de volta não somente à síndrome do savant que mencionei anteriormente, mas também à questão mais geral do surgimento esporádico do talento e do gênio na população normal. ”Idiotas-prodígio” são pessoas cuja capacidade mental ou inteligência geral é abissalmente baixa, mas que têm ilhas de espantoso talento. Por exemplo, há registros de savants com um QI abaixo de 50, escassamente capaz de funcionar em sociedade normal, e contudo podem com facilidade gerar um número primo de oito dígitos, façanha que a maioria dos professores titulares de matemática não conseguem igualar. Um deles pôde obter em segundos a raiz cúbica de um número de seis algarismos e conseguiu duplicar 8.388.628 vinte e quatro vezes para obter 140.737.488.355-328 em alguns segundos. Tais indivíduos constituem uma refutação viva da afirmação de que talentos especializados são simplesmente hábeis organizações da inteligência geral.11 Os reinos da arte e da música são pontilhados de savants cujos talentos têm maravilhado e deliciado o público através dos tempos. Oliver Sacks descreve Tom, um garoto de 13 anos que era cego e incapaz de atar os cadarços dos seus sapatos. Embora nunca tivesse tido instrução musical nem qualquer tipo de educação, aprendeu a tocar piano, simplesmente ouvindo outros tocarem. Absorvia árias e canções ouvindo-as cantar e conseguia tocar qualquer DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 245 peça musical na primeira tentativa, tão bem quanto o mais perfeito músico. Um dos seus feitos mais notáveis foi executar três peças de música ao mesmo tempo. Com uma das mãos, tocava Fisher’s Horn Pipe, com a outra, tocava Yankee Doodle Dandy e simultaneamente cantava Dixie. Também conseguia tocar piano de costas para o teclado, com suas mãos invertidas percorrendo as teclas para cima e para baixo. Tom compunha sua própria música, e contudo, como observou uma testemunha contemporânea, ”ele parece ser um agente inconsciente atuando conforme atuava e sua mente [é] um receptor vazio onde a natureza guarda suas jóias para recordá-las a seu bel-prazer”. Nadia, cujo QI media entre 60 e 70, era um gênio artístico. Aos seis anos de idade, mostrava todos os sinais de grave autismo — comportamento ritualístico, incapacidade de se relacionar com outras pessoas e linguagem limitada. Mal podia juntar duas palavras. Mas, desde a mais tenra idade, Nadia conseguia desenhar retratos fiéis de pessoas à sua volta, de cavalos e até de complexas cenas visuais, ao contrário dos desenhos desengonçados de outras crianças da sua idade. Seus esboços eram tão vividos que pareciam saltar da tela e suficientemente bons para figurar em qualquer galeria de arte da Madison Avenue (Figura 9.2). Outros savants têm talentos incrivelmente específicos. Um garoto pode lhe dizer a hora do dia, com precisão de segundos, sem apelar para qualquer cronômetro. Consegue fazer isso até dormindo, às vezes resmungando a hora exata enquanto sonha. O ”relógio” em sua cabeça é tão preciso quanto qualquer Rolex. Outra pode calcular a largura exata de um objeto visto a sete metros de distância. Você ou eu daríamos um número aproximado. Ela diria: ”Aquela pedra tem exatamente oitenta e três centímetros e meio de largura.” E estaria certa. Estes exemplos mostram que talentos esotéricos especializados não surgem espontaneamente da inteligência geral, pois, se isso fosse verdade, como é que um ”idiota” pode demonstrá-los? Também não temos de invocar os exemplos patológicos extremos de savants para demonstrar isto, pois há um elemento desta síndrome em toda pessoa talentosa ou de fato em todo gênio. ”Gênio”, ao contrário do falso conceito popular, não é sinônimo de inteligência super-humana. A maioria dos gênios a quem tive o privilégio de conhecer são mais parecidos com idiotas-prodígio do que gostariam de admitir — extraordinariamente talentosos em alguns domínios, mas perfeitamente medíocres sob outros aspectos. Considerem a conhecida história do gênio matemático indiano Ramanujan, 246 / FANTASMAS NO CÉREBRO Figura 9.2 (a) Desenho de um cavalo feito por Nadia, a savant autista, quando tinha cinco anos de tdade. (b) Um cavalo desenhado por Leonardo da Vinci. (c) Desenho de um cavalo, feito por uma criança normal de oito anos. Observem que o desenho de Nadia é imensamente superior ao da criança normal de oito anos e quase tão bom quanto (ou talvez até melhor!) o cavalo de da Vinci. (a) e (c) reproduzidos de Nadia, de Lorna Selfe, com permissão da Academic Press (Nova York). que na virada do século trabalhava como escriturário no porto marítimo de Madras, a poucos quilômetros de onde eu nasci. Ele tinha se matriculado para a primeira parte do segundo grau, onde se saiu mal em todas as matérias, e não teve educação formal em matemática avançada. Contudo era espantosamente dotado para matemática, pela qual tinha obsessão. Tão pobre que não podia comprar papel, usaria envelopes descartados para rabiscar suas equações matemáticas, descobrindo vários novos teoremas antes de completar 12 anos. Como não era relacionado com nenhum teórico de números na índia, decidiu comunicar suas descobertas a vários matemáticos de outras partes do mundo, inclusive Cambridge, na Inglaterra. Um dos maiores teóricos de números da época, G. H. Hardy, recebeu seus rabiscos e imediatamente achou que Ramanujan era um maluco. Depois de dar uma olhada nos rabiscos, saiu para jogar tênis. À medida que o jogo prosseguia, as equações de Ramanujan continuavam assediando-o. Continuava vendo os números em sua mente. ”No mínimo, eu nunca tinha visto antes nada igual a elas”, escreveu Hardy mais tarde. ”Devem ser verdadeiras, porque ninguém teria imaginação para inventálas.” Então voltou prontamente e conferiu a validade das minuciosas equações nas costas dos envelopes, viu que a maioria delas era correta e imediatamente DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 247 enviou um recado a seu colega J. E. Littlewood, que também examinou os manuscritos. Os dois luminares rapidamente perceberam que Ramanujan era provavelmente um gênio do mais alto calibre. Convidaram-no a vir a Cambridge, onde ele trabalhou por muitos anos, posteriormente superando-os na originalidade e importância de suas contribuições. Menciono esta história porque, se um dia você saísse para jantar com Ramanujan, não acharia que houvesse nada de incomum com ele. Era exatamente como qualquer outra pessoa, exceto pelo fato de que suas habilidades matemáticas eram fora de série — quase sobrenaturais, segundo disseram alguns. Mais uma vez, se a habilidade matemática é simplesmente uma função da inteligência geral, um resultado do crescimento e melhoria geral do cérebro, então pessoas mais inteligentes deveriam ser melhores em matemática, e vice-versa. Mas, se você conhecesse Ramanujan, saberia que isso não é verdade. Qual é a solução? A explicação do próprio Ramanujan — de que as equações totalmente formadas eram cochichadas a ele, em sonhos, pela divindade protetora da aldeia, a deusa Namagiri — realmente não nos ajuda muito. Mas posso pensar em duas outras possibilidades. A primeira idéia, mais parcimoniosa, é que inteligência geral é realmente um grupo de diferentes características mentais, onde os genes e as próprias características influenciam a expressão um do outro. Como os genes se combinam aleatoriamente na população, de vez em quando haverá uma combinação fortuita de características — como nítidas imagens e fantasias visuais combinadas com excelentes habilidades numéricas — e esse embaralhamento pode pôr em atividade todos os tipos de interações inesperadas. Assim nasce aquele extraordinário florescimento de talento que chamamos de gênio — os dons de um Albert Einstein, que podia ”visualizar” suas equações ou de um Mozart, que via, e não simplesmente ouvia, suas composições musicais se desenrolarem nos olhos de sua mente. Esse tipo de gênio só é raro porque as combinações genéticas felizes são raras. Mas há um problema com este raciocínio. Se o gênio resulta de felizes e inesperadas combinações genéticas, como explicar os talentos de Nadia e Tom, cuja inteligência geral é abissal? (Na verdade, as habilidades sociais de um savant autista podem ser menores do que as de um macaco bonobo.) É difícil, além disso, ver por que esse talento singular deva realmente ser mais comum entre 248 / FANTASMAS NO CÉREBRO savants do que o é entre a população geral que, se é este o caso, tem um número maior de características saudáveis para embaralhar em cada geração. (Até 10% das crianças autistas têm ouvido absoluto, em comparação com apenas 1% ou 2% da população geral.) Além disso, as características nesse indivíduo teriam de ”interligarse” perfeitamente e interagir de tal forma que o resultado fosse algo elegante e não absurdo, hipótese que é tão improvável quanto uma confederação de burros e estúpidos produzir uma obra de gênio artístico ou científico. Isto me leva à segunda explicação para a síndrome do idiota-prodígio em particular e para o gênio em geral. Como alguém que não consegue atar os cordões do sapato ou conduzir uma conversação normal pode calcular números primos? A resposta poderia estar numa região do hemisfério esquerdo chamada circunvolução angular, que, quando danificada, deixa algumas pessoas (como Bill, o piloto da Força Aérea do Capítulo l, que não conseguia fazer subtrações) com incapacidade de fazer cálculos simples, como subtrair 7 de 100. Isto não significa que a circunvolução angular esquerda seja o módulo da matemática no cérebro, mas é bom dizer que esta estrutura faz algo crucial para cálculos matemáticos e não é essencial para a linguagem, memória ou visão. Mas você realmente parece necessitar da circunvolução angular esquerda para a matemática. Pensem na possibilidade de que savants sofram danos cerebrais precoces, antes ou pouco depois do nascimento. É possível que seus cérebros passem por alguma forma de remapeamento, como se viu em pacientes de membros fantasmas? Será que o dano pré-natal ou neonatal leva a renovação das conexões? Nos savants, uma parte do cérebro pode, por alguma razão obscura, receber informações superiores à média ou algum outro impulso equivalente para se tornar mais denso e maior — uma enorme circunvolução angular, por exemplo. Qual seria a conseqüência para as habilidades matemáticas? Isto produziria uma criança que pode gerar números primos de oito dígitos? Na verdade, sabemos tão pouco sobre como os neurônios realizam essas operações abstratas que é difícil prever qual poderia ser o efeito de tal mudança. Uma circunvolução angular duplicada em tamanho poderia levar não a uma simples duplicação da habilidade matemática, mas a um aumento logarítmico ou cêntuplo. Pode-se imaginar uma explosão de talento resultante deste aumento simples mas ”anômalo” no volume do cérebro. O mesmo raciocínio DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 249 poderia valer para desenho, música, linguagem, e na verdade para qualquer aspecto humano.12 Este raciocínio é maluco e desavergonhadamente especulativo, mas pelo menos é testável. Um savant matemático deve ter uma circunvolução angular esquerda grande ou hipertrofiada, enquanto um savant artístico pode ter uma circunvolução angular direita hipertrofiada. Essas experiências não foram feitas, ao que me consta, embora saibamos realmente que um dano ao córtex parietal direito, onde está localizada a circunvolução angular, pode atrapalhar profundamente as habilidades artísticas (exatamente como uma lesão no esquerdo atrapalha os cálculos). Raciocínio semelhante pode ser aplicado para explicar o surgimento ocasional de gênios ou talentos extraordinários na população normal, ou para responder à pergunta especificamente incômoda sobre como tais habilidades surgiram pela primeira vez na evolução. Talvez, quando o cérebro atinge uma massa crítica, surjam características novas e imprevistas, propriedades que não foram especificamente escolhidas pela seleção natural. Talvez o cérebro tivesse de se tornar grande por alguma outra razão mais obviamente adaptativa — atirar lanças, conversar ou navegar — e a maneira mais simples de conseguir isso foi aumentar um ou dois hormônios relacionados com o crescimento ou morfogenes (genes que alteram o tamanho e a forma nos organismos em desenvolvimento). Mas como esse jorro de crescimento baseado em hormônio ou morfogene não pode aumentar seletivamente o tamanho de algumas partes enquanto poupa outras, o bônus poderia ser um cérebro inteiramente maior, inclusive uma enorme circunvolução angular e o concomitante aumento decuplicado ou centuplicado das habilidades matemáticas. Observem que este raciocínio é muito diferente da crença generalizada de que a gente desenvolve alguma capacidade muito ”geral”, que é depois desenvolvida para uma habilidade especializada. Levando esta especulação ainda mais longe, será possível que os humanos acham que esses talentos esotéricos — seja música, poesia, desenho ou matemática — são sexualmente atraentes, principalmente porque servem como assinatura extremamente visível de um cérebro prodigioso? Exatamente como a grande cauda iridescente do pavão ou o tamanho das presas de um majestoso elefante macho constitui a ”verdade na publicidade” da saúde do animal, assim a habilidade humana de cantar uma canção ou escrever um soneto pode- 250 / FANTASMAS NO CÉREBRO ria ser o sinal de um cérebro superior. (A ”verdade na publicidade” pode desempenhar importante papel na seleção do companheiro. Na verdade, Richard Dawkins sugeriu, meio a sério, que o tamanho e o vigor da ereçáo de um macho humano podem ser sinais de saúde geral.) Esta linha de raciocínio levanta algumas possibilidades fascinantes. Por exemplo, pode-se injetar hormônios ou morfogenes no cérebro de um feto ou bebê humano para tentar aumentar artificialmente o cérebro. Isto resultaria numa raça de gênios com talentos super-humanos? Desnecessário dizer que seria antiético fazer a experiência em seres humanos, mas um gênio diabólico poderia ser tentado a fazê-la em macacos de porte grande. Nesse caso, ver-se-ia uma repentina florescência de extraordinários talentos mentais nesses macacos? Seria possível acelerar o ritmo da evolução símia por meio de uma combinação de engenharia genética, intervenção hormonal e seleção artificial? Meu raciocínio básico — que algumas regiões especializadas do cérebro podem ter-se tornado aumentadas à custa de outras — pode mostrar-se correto ou não. Mas, mesmo que seja válido, tenha em mente que nenhum savant vai ser um Picasso ou um Einstein. Para ser um verdadeiro gênio, são necessárias outras aptidões, e não apenas ilhas isoladas de talento. A maioria dos savants não é verdadeiramente criativa. Se você olhar para um desenho de Nadia, verá realmente uma criativa aptidão artística,13 mas entre savants matemáticos e musicais, não há tais exemplos. O que parece estar faltando é uma inefável qualidade chamada criatividade, que nos põe face a face com a própria essência do que é ser humano. Existem os que afirmam que criatividade é simplesmente a capacidade de ligar aleatoriamente idéias aparentemente não relacionadas, mas seguramente isso não é suficiente. O proverbial macaco com uma máquina de escrever acabará produzindo uma peça de Shakespeare, mas seria necessário um bilhão de vidas antes que ele pudesse fazer uma frase inteligível — quanto mais um soneto ou uma peça. Não muito tempo atrás, quando falei a um colega de meu interesse na criatividade, repeti a cediça afirmação de que simplesmente atiramos idéias em nossas cabeças, produzindo combinações aleatórias até atingirmos algumas esteticamente agradáveis. Então, desafiei-o a ”atirar” algumas palavras e idéias pensando numa única metáfora evocativa para ”levar as coisas a extremos ridículos” ou ”exagerar as coisas”. Ele pesquisou, fez um esforço mental e, meia hora depois, confessou não conseguir pensar em nada tão original (apesar de DEUS E O SISTEMA LÍMBICO / 251 seu altíssimo QI verbal, poderia eu acrescentar). Observei-lhe que Shakespeare tinha juntado cinco dessas metáforas numa única frase: Dourar ouro refinado, pintar o lírio, lançar um perfume na violeta, alisar o gelo, ou acrescentar outro matiz ao arco-íris... é excesso extravagante e inútil. Parece tão simples. Mas como Shakespeare pensou nisso e ninguém mais? Cada um de nós tem as mesmas palavras à nossa disposição. Não há nada de complicado ou esotérico na idéia que é transmitida. Na verdade, uma vez explicada, é clara como cristal e tem aquela qualidade universal — ”por que eu não pensei nisso?” — que caracteriza os insights mais belos e criativos. Contudo, você e eu nunca chegamos a um conjunto igualmente elegante de metáforas, simplesmente garimpando e embaralhando aleatoriamente palavras em nossas mentes. O que está faltando é a centelha criativa de gênio, um traço que continua tão misterioso para nós agora quanto era para Wallace. Não é de admirar que ele se sentisse impelido a recorrer à intervenção divina. CAPÍTULO 10 A mulher que morreu de rir Deus é um comediante que atua diante de uma platéia que tem medo de rir. FRIEDRICH NIETZSCHE Deus é um hacker. — FRANCIS CRICK Na manhã do dia do enterro de sua mãe em 1931, Willy Anderson — bombeiro hidráulico de Londres, 25 anos — vestiu um terno preto, camisa branca e sapatos finos emprestados por seu irmão. Amava muito sua mãe e a dor era visível. A família se reuniu entre abraços e lágrimas e participou em silêncio do serviço fúnebre de uma hora numa igreja quente e abafada. Willy sentiuse aliviado quando pôde finalmente sair para o ar frio do cemitério com o resto da família e os amigos, todos de cabeça baixa. Mas, assim que os coveiros começaram a baixar o caixão de sua mãe para a cova, Willy começou a rir. Inicialmente, foi como um som abafado que logo evoluiu para uma risadinha contida e prolongada. Willy inclinou ainda mais a cabeça, comprimiu o queixo contra o colarinho da camisa e levou a mão direita à boca, tentando abafar a alegria inesperada. De nada adiantou. Contra sua vontade e para seu profundo embaraço, começou a rir alto, com os sons explodindo ritmicamente, 254 / FANTASMAS NO CÉREBRO até que ele se dobrou sobre si mesmo. Todos os presentes ao funeral ficaram de olhos arregalados, boquiabertos, enquanto o jovem cambaleava para trás, procurando desesperadamente se retirar. Caminhou curvado sobre a cintura, como que suplicando perdão pelo riso que não diminuía. Os participantes do enterro podiam ouvi-lo na extremidade do cemitério, a risada ecoando entre os túmulos. Naquela tarde, o primo de Willy o levou ao hospital. A crise de riso tinha cedido após algumas horas, mas era tão inexplicável, tão espantosa em sua incongruência, que a família achou que ele devia ser tratado como uma emergência médica. O médico de plantão, Astley Clark, examinou as pupilas de Willy e checou seus sinais vitais. Dois dias depois, uma enfermeira encontrou Willy inconsciente no leito. Tinha sofrido uma grave hemorragia subaracnóide e morreu sem recobrar a consciência. A autópsia mostrou um grande aneurisma rompido numa artéria na base do cérebro que tinha comprimido parte do hipotálamo, corpos mamilares e outras estruturas da base de seu cérebro. E depois houve o caso de Ruth Greenough, bibliotecária da Filadélfia, 58 anos. Embora tivesse sofrido um derrame brando, conseguia manter sua biblioteca funcionando tranqüilamente. Mas, em certa manhã de 1936, Ruth sentiu uma repentina e violenta dor de cabeça e, segundos depois, seus olhos reviraram e ela foi tomada por um acesso de riso. Começou a se sacudir com a risada e não conseguiu parar. Curtos intervalos de expiração se seguiram uns aos outros em sucessão tão rápida que o cérebro de Ruth foi ficando sem oxigênio e ela começou a suar, às vezes levando a mão à garganta, como se estivesse sufocada. Nada do que fez conseguiu parar as convulsões de riso e nem mesmo uma injeção de morfina aplicada pelo médico surtiu efeito. A crise de riso continuou por uma hora e meia. Durante todo o tempo, os olhos de Ruth ficaram revirados para cima e abertos completamente. Estava consciente e podia seguir as instruções do médico, mas não conseguia proferir uma única palavra. Ao fim de uma hora e meia, Ruth caiu completamente exausta. O riso persistia mas era silencioso — pouco mais do que uma careta, um esgar. De repente, desfaleceu e ficou em coma comatoso, morrendo 24 horas depois. A autópsia revelou que uma cavidade no meio do seu cérebro (chamada terceiro ventrículo) estava cheia de sangue. Ocorrera uma hemorragia, envolvendo a base do tálamo e comprimindo várias estruturas adjacentes. O neurologista inglês Purdon Martin, que descreveu o caso de Ruth, disse: ”A risada é uma zombaria, uma A MULHER QUE MORREU DE RIR / 255 chacota ou contrafação e zomba de quem ri na hora, mas este é o maior escárnio de todos, que o paciente seja forçado a rir como um presságio de sua própria condenação.”1 Mais recentemente a publicação inglesa Nature relatou um caso moderno de risada provocada por estimulação elétrica direta do cérebro durante uma cirurgia. A paciente era uma garota de 15 anos chamada Susan, que estava sendo tratada de epilepsia refratária. Os médicos tinham esperança de extirpar o tecido no ponto focal de seus acessos e estavam explorando áreas próximas para terem certeza de não remover nenhuma função criticamente importante. Quando estimulou o córtex motor suplementar de Susan (perto de uma região nos lobos frontais que recebe informações dos centros emocionais do cérebro), o cirurgião teve uma resposta inesperada. Susan começou a rir descontroladamente, ali mesmo na mesa de operações (estava desperta para o procedimento). Muito estranhamente, atribuiu sua alegria a tudo que via em volta, inclusive a foto de um cavalo, e acrescentou que as pessoas ali em pé pareciam incrivelmente engraçadas. Aos médicos, ela disse: ”Vocês aí, que estão em pé a minha volta, são tão engraçados.”2 O tipo de riso patológico visto em Willy e Ruth é raro; somente algumas dezenas desses casos têm sido descritas na literatura médica. Mas quando você os reúne, salta aos olhos um fato impressionante. A atividade anormal ou dano que faz as pessoas darem risadinhas é quase sempre localizada em partes do sistema límbico, um conjunto de estruturas que inclui o hipotálamo, os corpos mamilares e o giro cingulado que são envolvidas com emoções (ver Figura 8.1). Dada a complexidade do riso e suas infinitas conotações culturais, acho intrigante que um aglomerado relativamente pequeno de estruturas do cérebro esteja por trás do fenômeno — uma espécie de ”circuito do riso”. Mas identificar a localização de tal circuito não nos diz por que o riso existe ou qual poderia ser sua função biológica. (Você não pode dizer que o riso se desenvolveu evolutivamente porque dá uma sensação boa. Seria uma argumentação em círculos, como dizer que o sexo existe porque dá uma sensação agradável, em vez de dizer que é agradável porque motiva você a disseminar seus genes.) Perguntar por que determinado traço evoluiu (seja bocejar, rir, chorar ou dançar) é absolutamente vital para entender sua função biológica, e no entanto esta questão raramente é levantada por neurologistas que estudam 256 / FANTASMAS NO CÉREBRO pacientes com lesões cerebrais. Isto é espantoso, dado que o cérebro foi moldado por seleção natural, exatamente como qualquer outro órgão do corpo, como os rins, o fígado ou o pâncreas. Felizmente, o quadro está mudando, graças, em parte, à ”psicologia da evolução”, a nova disciplina que mencionei no capítulo anterior.3 O princípio central deste campo controvertido é que muitos aspectos proeminentes do comportamento humano são mediados por módulos especializados (órgãos mentais) que foram moldados especificamente por seleção natural. Quando nossos ancestrais do pleistoceno vagueavam pelas antigas savanas em pequenos bandos, seus cérebros desenvolveram soluções para os problemas do dia-adia — coisas como reconhecer parentes, buscar parceiros sexuais saudáveis ou abster-se de comida com cheiro de podre. Por exemplo, os psicólogos da evolução afirmariam que o asco que você sente por fezes — longe de ser ensinado por seus pais — está provavelmente embutido em seu cérebro. Como fezes contêm bactérias, ovos e parasitas infecciosos, aqueles hominídeos ancestrais que tinham genes de ”asco a fezes” sobreviveram e transmitiram esses genes, enquanto os que não os tinham foram extintos (ao contrário dos besouros rala-bosta, que provavelmente acham irresistível o buquê de fezes). Esta idéia pode explicar até por que fezes infectadas com cólera, salmonelose ou shigella têm um cheiro especialmente desagradável. A psicologia da evolução é uma dessas disciplinas que tendem a polarizar os cientistas. Ou você é a favor ou veementemente contra ela, com muitas discussões e trocas de desaforos pelas costas, exatamente como as pessoas são nativistas (os genes especificam tudo) ou empiristas (o cérebro é uma tabula rasa cuja ”fiação” é subseqüentemente especificada pelo meio ambiente, inclusive a cultura). O cérebro real, está comprovado, é muito mais complicado do que sugerem essas dicotomias ingênuas. Para algumas características — e eu vou afirmar que o riso é uma delas — a perspectiva evolutiva é essencial e ajuda a explicar por que existe um circuito especializado no riso. Para outras, esta forma de pensar é uma perda de tempo (como observamos no Capítulo 9, a idéia de que poderia haver genes ou órgãos mentais para a culinária é imbecil, embora cozinhar seja uma característica humana universal). A distinção entre fato e ficção torna-se mais facilmente confusa na psicologia da evolução do que em qualquer outra disciplina, problema que é exa- l A MULHER QUE MORREU DE RIR / 257 cerbado pelo fato de que a maioria de suas explicações é completamente intestável. Não se pode fazer experiências para prová-las ou contestá-las. Algumas das teorias propostas — de que temos mecanismos geneticamente especificados para nos ajudar a detectar parceiros férteis ou de que as mulheres sofrem enjôos matinais para proteger o feto de venenos em comidas — são engenhosas. Outras são ridiculamente forçadas. Certa tarde, num momento de capricho, sentei-me e escrevi uma paródia de psicologia da evolução só para incomodar meus colegas desse campo. Queria ver até onde se podia ir na invocação de explicações evolutivas completamente arbitrárias, forjadas adhoc e intestáveis, para certos aspectos do comportamento humano que a maioria das pessoas consideram de origem ”cultural”. O resultado foi uma sátira intitulada ”Por que os cavalheiros preferem as louras?” Para meu espanto, quando submeti meu irônico ensaio à apreciação de uma publicação médica, esta prontamente aceitou. E, para surpresa ainda maior, muitos dos meus colegas não o acharam divertido; para eles, era uma argumentação perfeitamente plausível, não um embuste.5 (Descrevo-o nas Notas, para o caso de você estar curioso.) Que dizer do riso? Podemos chegar a uma explicação evolutiva razoável ou o verdadeiro significado do riso permanecerá impalpável e indefinível para sempre? Se um etologista de outro planeta chegasse à Terra e observasse os seres humanos, ficaria aturdido com muitos aspectos do nosso comportamento, mas eu aposto que o riso estaria bem perto do alto da lista. Enquanto observa as pessoas interagindo, ele nota que, de vez em quando, paramos repentinamente o que estamos fazendo, fazemos uma careta e produzimos um som repetitivo em reação a uma ampla variedade de situações. A que função serviria possivelmente este misterioso comportamento? Fatores culturais indubitavelmente influenciam o humor e o que as pessoas acham engraçado — considera-se que os ingleses têm um refinado senso de humor, enquanto os alemães e os suíços, dizem, raramente acham alguma coisa engraçada. Mas, mesmo que isto seja verdade, poderia haver ainda algum tipo de ”estrutura profunda” subjacente a todo humor? Os detalhes do fenômeno variam de cultura para cultura e são influenciados pelo modo como as pessoas são criadas, mas isto não significa que não haja nenhum mecanismo geneticamente especificado para o riso — um denominador comum subjacente a todos os 258 / FANTASMAS NO CÉREBRO tipos de humor. De fato, muitas pessoas já sugeriram que tal mecanismo existe realmente, e as teorias sobre as origens biológicas do humor e do riso têm uma longa história, indo sempre a Schopenhauer e Kant, dois filósofos alemães singularmente sem humor. Vejam as duas piadas seguintes. (Não surpreendentemente, foi difícil encontrar exemplos que não sejam racistas, sexistas ou étnicos. Após uma diligente pesquisa, descobri uma que era e outra que não era.) Um motoqueiro estava andando tranqüilamente numa estrada, e de repente veio um passarinho e, ”pá!”, deu de encontro com o motoqueiro. O cara imediatamente olhou pelo retrovisor e viu o passarinho ainda tentando voar. O passarinho rodopiou no ar e caiu desmaiado. Então o motoqueiro retornou, pegou o passarinho e o levou para casa. Colocou-o numa gaiola; encheu um pote com água; colocou um pedaço de pão e deixou o bichinho lá para que se recuperasse. Passado um tempo, o passarinho recobrou a consciência. Meio atordoado ainda, olhou ao redor e viu que estava cercado de grades e com apenas pão e água para comer. Colocou uma asinha sobre a cabeça e falou: — Putz! Matei o motoqueiro. Entra um sujeito num bar e diz para o barman: — Quero que o senhor me pague uma bebida! O barman, muito admirado, diz que não. Que o bar dele não é instituição de caridade. Então o cliente diz o seguinte: — Ah! Eu tenho aqui uma coisa impressionante e, se eu te mostrar, você vai me pagar uma bebida! O barman, intrigado, pede que ele lhe mostre logo. Então o cliente tira do sobretudo um baralho de cartas com cerca de 50 cm. O barman fica perplexo e, como nunca tinha visto um jogo de cartas tão grande, resolve pagar uma bebida para o sujeito. Alguns jogos e copos depois, o barman resolve perguntar ao homem onde ele tinha arranjado tão estranho baralho. — Eu tenho um geniozinho que concede desejos! O barman, todo empolgado, pede ao homem que lhe mostre logo o geniozinho para que possa pedir alguma coisa. A MULHER QUE MORREU DE RIR / 259 O sujeito esfrega uma lâmpada e realmente aparece o tal gênio, dizendo o seguinte: — Vou te conceder um único desejo, mas fala logo que eu quero voltar a dormir! O barman então, sem pensar muito, pede a primeira coisa que lhe vem à cabeça: — Quero um milhão! Um milhão em notas! O geniozinho estala os dedos e, de repente, o bar fica entulhado de botas. — Botas? Eu pedi um milhão em notas e não em botas! Essa porra desse gênio é um bocado surdo, não acha? O homem responde: — Claro que eu acho! Ou você realmente acredita que eu ia pedir um baralho de 50 cm? Por que estas histórias são engraçadas? E o que elas têm em comum com outras piadas? Apesar de toda a sua aparente diversidade, a maioria das piadas e incidentes engraçados têm a seguinte estrutura lógica: em geral você ilude o ouvinte ao longo de um caminho de expectativas, aumentando lentamente a tensão. Bem no fim, você introduz uma reviravolta inesperada que acarreta uma completa reinterpretação de todos os dados precedentes e, além disso, é decisivo que a nova interpretação, embora inteiramente inesperada, tenha tanto ”sentido” no conjunto inteiro de fatos quanto tinha a interpretação originalmente ”esperada”. Sob este aspecto, as piadas têm muito em comum com a criatividade científica, com o que Thomas Kuhn chama de ”mudança de paradigma” em resposta a uma única ”anomalia”. (Provavelmente, não é por coincidência que muitos dos cientistas mais criativos têm um grande senso de humor.) De fato, a anomalia na piada é o tradicional desfecho e a piada só é engraçada se o ouvinte capta o desfecho ao ver num relance de insight como uma interpretação completamente nova do mesmo conjunto de fatos pode incorporar o final anômalo. Quanto mais longo e mais tortuoso for o caminho ilusório de expectativas, ”mais engraçado” o desfecho final. Os bons comediantes fazem uso deste princípio, aproveitando seu tempo para aumentar a tensão da trama, pois nada mata mais seguramente o humor do que um desfecho prematuro. Mas, embora a introdução de uma repentina reviravolta no final seja necessária para a gênese do humor, certamente não é suficiente. Suponhamos que 260 / FANTASMAS NO CÉREBRO meu avião esteja a ponto de descer em San Diego e eu aperte meu cinto de segurança e me prepare para a aterrissagem. De repente, o piloto anuncia que os ”solavancos” que ele (e eu) descartamos anteriormente como turbulência do ar devem-se realmente a uma falha nos motores e que precisamos esvaziar o combustível antes de aterrissar. Uma mudança de paradigma ocorreu em minha mente, mas esta certamente não me faz rir. Ao contrário, faz-me orientar para a anomalia e me preparar para enfrentá-la. Ou então pensemos no tempo em que eu estava na casa de alguns amigos em lowa. Eles estavam fora e eu sozinho num ambiente desconhecido. Era tarde da noite e, quando estava quase cochilando, ouvi um barulho lá embaixo. ”Deve ser o vento”, pensei. Poucos minutos depois, outra pancada, mais forte do que a anterior. Novamente, ”afastei” aquilo do meu pensamento e tratei de dormir. Vinte minutos depois, ouvi um ”barulho” extremamente forte e pulei da cama. O que estava acontecendo? Um arrombamento, talvez? Naturalmente, com meu sistema límbico ativado, me ”orientei”, peguei uma lanterna de pilhas e desci as escadas. Até agora, nada engraçado. Então, de repente, notei um grande vaso de flores despedaçado no chão e um grande gato malhado ali perto — o culpado, claro! Comparado com o incidente do avião, desta vez comecei a rir, porque percebi que a ”anomalia” que eu detectara e a subseqüente mudança de paradigma tinham conseqüências banais. Todos os fatos podiam agora ser explicados em termos da teoria do gato em vez da sinistra teoria do arrombamento. Com base neste exemplo, podemos afiar nossa definição de humor e riso. Quando uma pessoa percorre uma via enganosa e ilusória de expectativas e há uma repentina mudança no fim que acarreta uma completa reinterpretação dos mesmos fatos e a nova interpretação tem implicações banais e não aterrorizantes, aí vem o riso. Mas por que a risada? Por que este som explosivo, repetitivo? A opinião de Freud de que a risada descarrega tensões internas reprimidas não faz muito sentido sem o recurso a uma meticulosa e forçada metáfora hidráulica. Ele afirmava que a água acumulada num sistema de canos encontrará sua saída da trajetória no ponto de menor resistência (da forma como uma válvula de segurança se abre, quando se acumula pressão demasiada num sistema), e que a risada pode proporcionar uma válvula de segurança semelhante, a fim de permitir o escapamento de energia psíquica (o que quer que isso possa significar). Para mim, esta ”explicação” realmente não funciona; pertence a uma classe de A MULHER QUE MORREU DE RIR / 261 explicações que Peter Medawar chamou de ”analgésicos” que ”entorpecem a dor da incompreensão, sem remover a causa”. Para um etologista, por outro lado, qualquer vocalização estereotipada quase sempre dá a entender que o organismo está tentando comunicar algo a outros do grupo social. Agora, o que poderia ser isto no caso da risada? Sugiro que o principal objetivo da risada pode ser permitir que o indivíduo alerte outros do grupo social (geralmente parentes) de que a anomalia detectada é insignificante, nada que preocupe. A pessoa que está rindo praticamente anuncia sua descoberta de que houve um alarme falso; de que vocês, companheiros, não precisam desperdiçar sua preciosa energia e recursos, reagindo a uma falsa ameaça.6 Isto também explica por que o riso é tão notoriamente contagioso, pois o valor de qualquer sinal desse tipo seria amplificado à medida que se espalha pelo grupo social. Esta ”teoria do alarme falso” sobre o humor também pode explicar o pastelão. Você observa um homem — de preferência um que seja imponente e cheio de empáfia — caminhando pela rua, quando, de repente, ele escorrega numa casca de banana e cai. Se sua cabeça bater na calçada e seu crânio se abrir, você não iria rir vendo o sangue escorrer; você correria em sua ajuda ou procuraria o telefone mais próximo, para chamar uma ambulância. Mas se ele se levantar meio sem jeito, limpar do rosto os restos da fruta e continuar andando, você provavelmente explodirá numa gargalhada, permitindo assim que outras pessoas ali perto saibam que não precisam correr em sua ajuda. Na verdade, quando vemos Laurel e Hardy ou Mr. Bean, nos mostramos mais dispostos a tolerar danos ou ferimentos ”reais” à vítima infeliz, porque temos plena consciência de que aquilo é apenas um filme. Embora este modelo explique a origem evolutiva do riso, de nenhuma forma explica todas as funções do humor entre os seres humanos modernos. Uma vez que o mecanismo estava montado, porém, podia facilmente ser explorado para outros objetivos. (Isto é comum na evolução. As penas evoluíram nos pássaros originalmente para proporcionar isolamento, mas depois foram adaptadas para voar.) A capacidade de reinterpretar fatos à luz de novas informações pode ter sido aperfeiçoada ao longo das gerações para ajudar as pessoas a justapor jocosamente idéias ou conceitos mais amplos — isto é, a ser criativas. Esta capacidade para ver idéias conhecidas a partir de novos pontos de vista (elemento essencial do humor) pode ser um antídoto para o pensamento conservador e 262 / FANTASMAS NO CÉREBRO um catalisador de criatividade. Riso e humor talvez sejam um ensaio geral para a criatividade, e, se é assim, talvez as piadas, trocadilhos e outras formas de humor devessem ser introduzidos muito cedo em nossas escolas primárias como parte do currículo formal.7 Embora estas sugestões possam ajudar a explicar a estrutura lógica do humor, não explicam por que o próprio humor às vezes é usado como mecanismo de defesa psicológica. Será coincidência, por exemplo, que um número desproporcional de piadas lide com tópicos potencialmente perturbadores, como morte ou sexo? Uma das possibilidades é que as piadas sejam uma tentativa de banalizar anomalias perturbadoras, ao fingir que estas não têm nenhuma conseqüência; você desvia a atenção de sua própria angústia, dando corda ao seu mecanismo de alarme falso. Assim, um traço que evoluiu para acalmar os outros em um grupo social agora tornase internalizado para enfrentar situações verdadeiramente tensas e pode vir à tona como o chamado riso nervoso. Assim, até um fenômeno tão misterioso como o ”riso nervoso” começa a fazer sentido, à luz de algumas das idéias evolucionistas aqui discutidas. O sorriso, também, pode ter semelhantes origens evolutivas, como uma forma ”mais fraca” de riso. Quando um dos nossos ancestrais primatas via à distância outro indivíduo que vinha em sua direção, podia inicialmente mostrar seus caninos numa careta ameaçadora, na justa suposição de que a maioria dos estranhos são inimigos em potencial. Mas, depois de conhecer o indivíduo como um ”amigo” ou ”parente”, poderia abortar parcialmente a careta, produzindo assim um sorriso, que por sua vez pode ter evoluído para uma saudação humana ritualizada: ”Eu sei que você não representa nenhuma ameaça e retribuo.”8 Assim, em meu esquema, o sorriso é uma resposta de orientação abortada, da mesma forma que o riso. As idéias que temos explorado até agora ajudam a explicar as funções biológicas e a possível origem evolutiva do humor, do riso e do sorriso, mas ainda deixam aberta a pergunta sobre quais poderiam ser os mecanismos neurais subjacentes do riso. Que dizer de Willy, que começou a dar risadinhas no enterro de sua mãe, e de Ruth, que morreu de rir, literalmente? Seu estranho comportamento implica a existência de um circuito do riso encontrado principalmente em partes do sistema límbico e seus alvos nos lobos frontais. A MULHER QUE MORREU DE RIR / 263 Dado o conhecido papel do sistema límbico na produção de resposta de orientação a uma possível ameaça ou alarme, não é inteiramente surpreendente, talvez, que ele também esteja envolvido na reação de orientação abortada em resposta a um alarme falso — o riso. Algumas partes deste circuito lidam com emoções — a sensação de alegria que acompanha o riso —, enquanto outras estão envolvidas no próprio ato físico, mas presentemente não sabemos que partes estão fazendo o quê. Existe, porém, outro curioso distúrbio neurológico, chamado assimbolia da dor, que oferece indícios adicionais sobre as estruturas neurológicas subjacentes ao riso. Pacientes com este estado não registram dor quando são deliberadamente espetados no dedo com uma agulha pontiaguda. Em vez de dizer ”Ai!”, eles dizem: ”Doutor, posso perceber a dor mas ela não dói.” Aparentemente, não sentem o impacto emocional adverso da dor. E, misteriosamente, tenho observado que muitos deles realmente começam a dar risadinhas, como se estivéssemos fazendo cócegas e não espetando-os. Por exemplo, num hospital de Madras, na índia, examinei recentemente uma professora que me disse que uma espetadela que eu aplicava como parte de um trabalho rotineiro de neurologia era incrivelmente engraçada — embora ela não soubesse explicar por quê. Fiquei interessado em assimbolia da dor principalmente porque ela proporciona apoio adicional à teoria evolutiva do riso que apresentei neste capítulo. A síndrome é freqüentemente vista quando há lesão numa estrutura chamada córtex insular — enterrado na dobra entre os lobos parietal e temporal (e estreitamente ligado às estruturas que foram danificadas em Willy e Ruth). Esta estrutura recebe informação sensorial, inclusive de dor, a partir da pele e órgãos internos, e envia seu resultado a partes do sistema límbico (como o giro cingulado) de forma que a pessoa começa a sentir a forte reação adversa — a agonia, o tormento — da dor. Agora imaginem o que aconteceria se uma lesão desconectasse o córtex insular do giro cingulado. Uma parte do cérebro da pessoa (o córtex insular) lhe diz: ”Aqui há algo doloroso, uma ameaça em potencial”, enquanto a outra (o giro cingulado do sistema límbico) diz, uma fração de segundo depois: ”Oh, não se preocupe; não existe absolutamente nenhuma ameaça.” Assim, os dois ingredientes-chave — ameaça seguida de esvaziamento — estão presentes, e a única forma de o paciente resolver o paradoxo é rir, exatamente como preveria a minha teoria. 264 / FANTASMAS NO CÉREBRO A mesma linha de raciocínio pode ajudar a explicar por que as pessoas riem quando lhes fazemos cócegas.9 Você se aproxima de uma criança, com a mão estendida ameaçadoramente. A criança imagina: ”Ele vai me ferir, me sacudir ou me cutucar?” Mas não, seus dedos fazem contatos leves e intermitentes na cintura dela. Novamente a reação — ameaça seguida de esvaziamento — está presente e a criança ri, como que para informar a outras crianças: ”Ele não quer fazer mal. Está apenas brincando!” A propósito, isto pode ajudar as crianças a praticar o tipo de brincadeira mental exigido para o humor adulto. Em outras palavras, o que chamamos de humor ”cognitivo sofisticado” tem a mesma forma lógica da cócega e portanto liga os mesmos circuitos neurais — o detector de fatos ”ameaçadores mas inofensivos” que envolve o córtex insular, o giro cingulado e outras partes do sistema límbico. Esses mecanismos de cooptação constituem mais a regra do que a exceção na evolução de características mentais e físicas (embora, neste caso, a cooptação ocorra para uma função relacionada, de nível mais alto e não para uma função completamente diferente). Estas idéias têm alguma relação com um acalorado debate que vem se desenrolando durante os últimos dez anos entre biólogos da evolução em geral e psicólogos da evolução em particular. Tenho a impressão de que há dois lados em guerra. Um deles dá a entender (com alguns discordantes) que cada um dos nossos traços mentais — ou pelo menos 99% — é especificamente escolhido por seleção natural. O outro, representado por Stephen Jay Gould, chama os membros do primeiro grupo de ”ultradarwinistas” e afirma que outros fatores devem ser considerados. (Alguns dos fatores pertencem ao próprio processo de seleção natural e, outros, à matéria-prima sobre a qual a seleção natural pode agir. O complemento mais do que contradiz a idéia de seleção natural.) Todo biólogo que conheço tem opiniões firmes sobre quais poderiam ser estes fatores. Eis aqui alguns dos meus exemplos favoritos: • O que você observa agora pode ser um bônus ou um subproduto útil de alguma outra coisa selecionada para um objetivo completamente diferente. Por exemplo, o nariz evoluiu para cheirar, e aquecer e umidificar o ar, mas também pode servir para usar óculos. As mãos evoluíram para agarrar galhos, mas agora também podem ser usadas para contar. • Uma característica pode representar um aperfeiçoamento posterior (através da seleção natural) de outra que foi originalmente escolhida para uma A MULHER QUE MORREU DE RIR / 265 finalidade completamente diferente. As penas evoluíram a partir das escamas dos répteis para manter os pássaros aquecidos, mas desde então foram cooptadas e transformadas em penas de asa para voar; isto é chamado de pré-adaptação. • A seleção natural só pode escolher a partir do que está disponível, e o que está disponível é muitas vezes um repertório bem restrito, limitado pela história evolutiva antecedente do organismo como também por certas vias de desenvolvimento que ou são fechadas permanentemente ou permanecem abertas. Eu ficaria muito surpreso se estas três declarações não fossem verdade até certo ponto com relação aos numerosos traços mentais que constituem a natureza humana. Realmente, existem muitos outros princípios desse tipo (inclusive a velha sorte ou o acaso) que não são cobertos pela expressão ”seleção natural”10. Contudo os ultradarwinistas se aferram inflexivelmente à opinião de que quase todas as características, exceto aquelas obviamente aprendidas, são produtos específicos da seleção natural. Para eles, pré-adaptação, acaso e coisas semelhantes desempenham apenas um papel secundário na evolução; são ”exceções que confirmam a regra”. Além disso, acreditam que, em princípio, se pode fazer a engenharia reversa de várias características mentais humanas, examinando as coações e constrangimentos ambientais e sociais. (”Engenharia reversa” é a idéia de que você pode entender melhor como alguma coisa funciona perguntando para que desafio ambiental ela evoluiu. E depois, trabalhando retrospectivamente, você examina soluções plausíveis para aquele desafio. Não surpreende que a idéia seja muito popular entre engenheiros e programadores de computadores.) Como biólogo, inclino-me a acompanhar Gould; acredito que a seleção natural é certamente a força impulsionado mais importante da evolução, mas também acredito que cada caso precisa ser examinado individualmente. Em outras palavras, é uma questão empírica saber se algum traço mental ou físico que você observa num animal ou pessoa foi escolhido por seleção natural. Além disso, há dezenas de modos de solucionar um problema ambiental, e, a não ser que você conheça a história evolutiva, taxonomia e paleontologia do animal que você está examinando, não pode calcular o caminho exato tomado por uma determinada característica (como penas, riso ou audição) à medida que evoluiu para sua forma presente. Isto é mencionado 266 / FANTASMAS NO CÉREBRO tecnicamente como a ”trajetória” percorrida pela característica ”através da paisagem da aptidão”. Meu exemplo favorito deste fenômeno envolve os três minúsculos ossos de nosso ouvido médio — martelo, bigorna e estribo. Agora usados para a audição, dois destes ossos (martelo e bigorna) faziam parte originalmente da mandíbula (maxila inferior) dos nossos ancestrais répteis, que os usavam para mastigar. Os répteis precisavam de mandíbulas flexíveis, multiequipadas e multiadaptadas para poder engolir presas gigantes, enquanto os mamíferos preferiam um só osso forte (a arcada dentária) para quebrar nozes, amêndoas e mastigar substâncias duras, como grãos. Assim, à medida que os répteis evoluíram para mamíferos, dois dos maxilares foram cooptados para o ouvido médio e usados para amplificar sons (em parte porque os primeiros mamíferos eram noturnos e dependiam amplamente da audição para a sobrevivência). Esta é uma solução tão específica, propositada e estranha que, a não ser que conhecesse bem sua anatomia comparativa ou descobrisse fósseis intermediários, você jamais poderia tê-la deduzido simplesmente considerando as necessidades funcionais do organismo. Contrariamente à visão ultradarwinista, a engenharia reversa nem sempre funciona em biologia pela simples razão de que Deus não é engenheiro; é um hacker. O que têm todas essas coisas a ver com características humanas como sorrir? Tudo. Se meu raciocínio concernente ao sorriso estiver correto, então, embora este tenha evoluído por seleção natural, nem toda forma de sorriso é adaptativa para sua atual demanda. Isto é, o sorriso toma a forma particular que assume, não por causa apenas da seleção natural, mas porque evoluiu exatamente do oposto — a careta de ameaça! Não há nenhuma forma de você deduzir isto através de engenharia reversa (ou calcular sua trajetória específica através da aptidão), a não ser que você saiba sobre a existência dos dentes caninos, saiba que os primatas não-humanos mostravam seus caninos como uma suposta ameaça ou que pretensas ameaças por sua vez evoluíram a partir de demonstrações reais de ameaça. (Caninos grandes são verdadeiramente perigosos.) Vejo uma grande ironia no fato de que, toda vez que alguém sorri para você, está realmente fazendo uma meia ameaça, ao exibir seus caninos. Quando publicou A origem das espécies, Darwin insinuou delicadamente no último capítulo que nós também podemos ter evoluído de ancestrais semelhantes ao A MULHER QUE MORREU DE RIR / 267 macaco. O estadista inglês Benjamin Disraeli ficou ofendido com isso e, numa reunião realizada em Oxford, fez uma famosa pergunta retórica: ”O homem é uma besta ou um anjo?” Para responder, bastaria apenas ter olhado para os caninos de sua mulher enquanto esta lhe sorria e teria percebido que, neste simples gesto humano universal de amizade, está oculto um feroz lembrete do nosso passado selvagem. Como o próprio Darwin concluiu em The Descent ofMan: Mas aqui não estamos preocupados com esperanças e medos, somente com a verdade. Precisamos reconhecer, como me parece, que o homem com todas as suas nobres qualidades, com a solidariedade que sente pelos mais aviltados, com a benevolência que estende não somente a outros homens mas também às mais humildes criaturas, com seu intelecto divino que penetrou nos movimentos e na constituição do sistema solar — com todos esses decantados poderes —, o homem ainda carrega em sua estrutura corpórea a marca indelével de sua origem inferior. CAPÍTULO ”O senhor se esqueceu de tirar o gêmeo” É um velho princípio meu que, quando você tiver excluído o impossível, o que quer que reste, embora, improvável, deve ser a. verdade. — SHERLOCK HOLMES Mary Knight, 32 anos, belos cabelos ruivos arrumados num coque, entrou no consultório do Dr. Monroe, sentou-se e sorriu. Estava grávida de nove meses e até agora tudo parecia ir bem. Era uma gravidez muito esperada e desejada, mas também era sua primeira visita ao Dr. Monroe. Corria o ano de 1932 e o dinheiro estava escasso. O marido de Mary não tinha trabalho fixo, e, assim, Mary conversara apenas com uma parteira, informalmente. Mas hoje era diferente. Mary tinha sentido o bebê esperneando por algum tempo e suspeitava que o trabalho de parto estava para começar. Queria que o Dr. Monroe a examinasse, verificasse se o bebê estava na posição correta e a ajudasse neste último estágio da gravidez. Era hora de se preparar para o parto. Monroe examinou-a. Seu abdome estava bem dilatado e caído, sugerindo 270 / FANTASMAS NO CÉREBRO que o feto tinha descido. Os seios estavam intumescidos, com os mamilos mosqueados. Mas havia algo errado. O estetoscópio não captava uma clara batida do coração do feto. Talvez o bebê estivesse numa posição esquisita, ou talvez em dificuldade, mas, não, não era isso. O umbigo de Mary Knight estava todo errado. Um dos sinais seguros de gravidez é um umbigo desviado ou estufado para fora. O de Mary estava invertido, na forma normal. Para ”dentro”, em vez de para ”fora”. Monroe deu um pequeno assobio. Na faculdade de medicina, tinha recebido informações sobre pseudociese, falsa gravidez. Algumas mulheres que querem desesperadamente engravidar — e ocasionalmente algumas que temem profundamente a gravidez — desenvolvem todos os sinais e sintomas de verdadeira gravidez. Seus abdomes se dilatam em proporção enorme, ajudados por uma postura inclinada para trás e pela misteriosa sedimentação de gordura abdominal. Os mamilos ficam pigmentados, como acontece em gestantes. Param de menstruar, produzem leite, têm enjôo matinal e sentem movimentos fetais. Tudo parece normal, a não ser por uma coisa: não existe bebê. Monroe sabia que Mary Knight estava sofrendo de pseudociese, mas como dizer isso a ela? Como podia explicar que tudo estava na sua cabeça, que a drástica transformação em seu corpo era causada por um delírio, por autosugestão? ”Mary”, disse ele com suavidade, ”o neném está vindo agora. Nascerá nesta tarde. Vou lhe dar éter para você não sentir dor. Mas o trabalho de parto já começou e podemos continuar.” Mary estava exultante e se submeteu à anestesia. Administrava-se éter rotineiramente durante o parto e ela já esperava isso. Um pouco mais tarde, quando Mary acordou, Monroe pegou sua mão e deu uma leve palmadinha. Deu-lhe alguns minutos para se arrumar e depois disse: ”Mary, lamento ter de falar isso com você. É uma notícia terrível. O neném nasceu morto. Fiz tudo que podia, mas de nada adiantou. Sinto muito, sinto muito.” Mary caiu no choro, mas aceitou a notícia de Monroe. Ali mesmo, na mesa de operações, seu abdome começou a diminuir. O neném tinha sido levado e ela estava desolada. Tinha de voltar para casa e contar ao marido e à sua mãe. Que decepção terrível seria para toda a família. ”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 271 Passou-se uma semana. E então, para espanto de Monroe, Mary irrompeu no consultório, com a barriga saliente, tão enorme como sempre. ”Doutor!”, gritou ela. ”Voltei! O senhor se esqueceu de tirar o gêmeo! Posso senti-lo esperneando!”1 Há cerca de três anos, encontrei por acaso a história de Mary Knight num velho trabalho médico dos anos 30. O relato era do Dr. Silas Weir Mitchell, o mesmo médico da Filadélfia que cunhou a expressão ”membro fantasma”. Não surpreendentemente, ele se referiu ao estado de Mary como gravidez fantasma e criou o termo ”pseudociese” (falso intumescimento). Se a história tivesse vindo de qualquer outra pessoa, talvez eu a tivesse descartado como tolice, mas Weir Mitchell era um astuto observador clínico, e ao longo dos anos eu aprendera a dar cuidadosa atenção aos seus escritos. Fiquei especialmente impressionado com a relevância do seu relato para os debates contemporâneos sobre como a mente influencia o corpo, e vice-versa. Como fui nascido e criado na índia, as pessoas freqüentemente me perguntam se acredito que entre a mente e o corpo existem conexões que as culturas ocidentais não compreendem. Como os iogues exercem controle sobre sua pressão sangüínea, ritmo cardíaco e respiração? É verdade que os mais peritos entre eles podem reverter seus movimentos peristálticos (deixando de lado a questão de por que alguém quereria fazer isso)? A doença resulta de estresse crônico? A meditação fará a pessoa ter vida mais longa? Se você me tivesse feito essas perguntas há cinco anos, eu teria admitido relutantemente: ”Claro, obviamente a mente pode afetar o corpo. Uma atitude jovial pode acelerar sua recuperação de uma doença, reforçando seu sistema imunológico. Há também o chamado efeito placebo, que não entendemos completamente — simplesmente acreditar numa terapia aparentemente melhora o bemestar da pessoa, senão a saúde física real.” Mas com referência a idéias de a mente curar o incurável, minha tendência é ser profundamente cético. Não é apenas por minha educação e prática em medicina ocidental; também acho inconvincentes muitas das afirmações empíricas. E que tal o caso de pacientes de câncer de mama com atitudes mais positivas que vivem, em média, dois meses mais do que pacientes que negam sua doença? Para falar a verdade, dois meses é melhor do que nada, mas comparando-se com os efeitos de um antibiótico como a penicilina no aumento 272 / FANTASMAS NO CÉREBRO das taxas de sobrevivência em pacientes com pneumonia, isto não é algo para se alardear. (Sei que não está na moda elogiar antibióticos nos dias de hoje, mas basta ver uma única criança salva da pneumonia ou difteria por algumas injeções de penicilina para se convencer de que os antibióticos são realmente medicamentos maravilhosos.) Mas, quando estudante, ensinaram-me que certa proporção de cânceres incuráveis — uma fração bem minúscula, na verdade — desaparecem misteriosamente sem qualquer tratamento e que ”muito paciente com tumor declarado maligno tem sobrevivido ao seu médico”. Ainda recordo meu ceticismo quando o professor me explicou que tais ocorrências eram conhecidas como ”melhoras espontâneas”. Pois como qualquer fenômeno na ciência, que só lida com causa e efeito, pode ocorrer espontaneamente — especialmente algo tão dramático como a dissolução de um câncer maligno? Quando levantei esta objeção, o professor me lembrou o fato básico da ”variabilidade biológica” — que efeitos cumulativos de pequenas diferenças individuais podem ser responsáveis por uma infinidade de respostas inesperadas. Mas dizer que uma regressão de tumor nasce da variabilidade não é dizer muito; dificilmente é uma explicação. Mesmo que seja devido à variabilidade, seguramente precisamos fazer a pergunta: Qual é a variabilidade crítica que causa a regressão em determinado paciente? Pois se pudéssemos resolver isso, então teríamos ipsofacto descoberto a cura do câncer! De fato, pode se verificar que a remissão é o resultado de uma combinação fortuita de várias variáveis, mas isso não torna o problema insolúvel; simplesmente o torna mais difícil. Então, por que as instituições que lidam com câncer não dão mais atenção a estes próprios casos, em vez de olhá-los como curiosidades? Não se poderia estudar detalhadamente estes raros sobreviventes, procurando indícios e pistas que conferem resistência a agentes virulentos ou reaplicam os freios a genes supressores de tumor traiçoeiro? Esta estratégia tem sido aplicada com êxito à pesquisa da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). A descoberta de que alguns sobreviventes a longo prazo produzem uma mutação genética que impede o vírus de invadir suas células imunológicas agora está sendo explorada na clínica. Mas agora voltemos à medicina corpo-mente. A observação de que alguns cânceres vez por outra regridem espontaneamente não prova necessariamente que a hipnose ou uma atitude positiva podem induzir tais melhoras. Precisa”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 273 mos não cometer o erro de juntar todos os fenômenos misteriosos simplesmente porque são misteriosos, pois isso pode ser tudo que eles têm em comum. O que eu preciso para me convencer é de um único exemplo comprovado da mente de alguém influenciando diretamente seus processos corporais, um exemplo bem definido e que possa ser reproduzido. Quando me deparei casualmente com o caso de Mary Knight, ocorreu-me que a pseudociese (gravidez fantasma) poderia ser um exemplo do tipo de conexão que eu estava procurando. Se a mente humana pode fazer surgir algo tão complexo como a gravidez, o que mais o cérebro pode fazer ao ou pelo corpo? Quais são os limites das interações corpo-mente e que vias medeiam estes estranhos fenômenos? Singularmente, a ilusão da gravidez fantasma vem associada a toda uma gama de transformações fisiológicas ligadas à gravidez — cessação da menstruação, aumento dos seios, pigmentação dos mamilos, desejo de comidas estranhas, enjôo matinal e a mais impressionante de todas — a progressiva dilatação abdominal e sensação de movimentos do feto, que culmina com verdadeiras dores de parto! Às vezes, mas nem sempre, há uma dilatação do útero e do seu colo, mas os sinais radiológicos são negativos. Quando estudante de medicina, aprendi que até obstetras experientes podem ser iludidos2 pelo quadro clínico a não ser que tenham cuidado, e que no passado muita cesariana foi realizada numa paciente com pseudociese. Como o Dr. Monroe detectou em Mary, o sinal denunciador para o diagnóstico está no umbigo. Médicos modernos familiarizados com a pseudociese supõem que esta resulta de um tumor pituitário ou ovariano que causa a liberação de hormônios, imitando os sinais de gravidez. Minúsculos e clinicamente indetectáveis tumores secretores de prolactina (adenomas) da pituitária poderiam suprimir a ovulação e a menstruação e levar aos outros sintomas. Mas se isso fosse verdade, por que o estado às vezes é reversível? Que espécie de tumor poderia explicar o que aconteceu com Mary Knight? Ela entra em ”trabalho de parto” e seu abdome diminui. Depois, o abdome cresce novamente por causa do ”gêmeo . Se um tumor pudesse fazer tudo isso, representaria um mistério ainda maior do que a pseudociese. Então, o que causa a pseudociese? Fatores culturais indubitavelmente desempenham um papel importante3 e podem explicar o declínio da pseudociese da incidência de um em cada 200 casos de gravidez no final dos anos 1700 274 / FANTASMAS NO CÉREBRO para cerca de um em cada 10.000 hoje. No passado, muitas mulheres sentiam extrema pressão social para ter um bebê, e, quando achavam estar grávidas, não havia ultra-sonografia para refutar o diagnóstico. Ninguém podia dizer com certeza: ”Olha aqui, não existe feto.” Hoje, as mulheres grávidas se submetem a sucessivas avaliações que deixam pouco espaço para ambigüidade; confrontar a paciente com a prova física da ultra-sonografia geralmente é suficiente para dissipar a ilusão e as transformações físicas associadas. A influência da cultura na incidência de pseudociese não pode ser negada, mas o que causa as mudanças físicas reais? De acordo com os poucos estudos realizados sobre esta estranha aflição de mente e corpo, a dilatação abdominal é geralmente causada por uma combinação de cinco fatores: um acúmulo de gases intestinais, um rebaixamento do diafragma, um avanço para a frente da porção pélvica da espinha, um drástico crescimento do omento maior — uma dobra do peritônío que flutua livre na frente dos intestinos — e em raros casos uma real dilatação uterina. O hipotálamo — a parte do cérebro que regula as secreções endócrinas — pode também cair em erro, produzindo profundas mudanças hormonais que imitam quase todos os sinais de gravidez. Além disso, é uma rua de mão dupla: os efeitos do corpo sobre a mente são exatamente tão profundos quanto os da mente sobre o corpo, dando origem a complexos circuitos de feedback envolvidos na geração e na manutenção de falsa gravidez. Por exemplo, a distensão abdominal causada por gases e a ”postura de corpo grávido” da mulher poderiam ser explicados, em parte, pelo clássico condicionamento operante. Quando Mary, que quer engravidar, vê seu abdome aumentar e sente o diafragma cair, aprende inconscientemente que, quanto mais ele cai, mais grávida ela parece. Da mesma forma, uma combinação de deglutição exagerada de ar (aerofagia) e constrição autônoma dos esfíncteres gastrointestinais que aumentariam a retenção de gases também poderia ser aprendida inconscientemente. Desta forma, o ”bebê” de Mary e seu ”gêmeo perdido” são literalmente criados do nada por um processo de aprendizado inconsciente. Sobre dilatação do abdome, já chega. Mas que dizer dos seios, mamilos e outras mudanças? A explicação mais parcimoniosa para todo o espectro de sinais clínicos vistos na pseudociese seria que o intenso desejo de ter um filho e a depressão associada poderiam reduzir os níveis de dopamina e norepinefrina — os ”transmissores de alegria” no cérebro. Isto, por sua vez, poderia reduzir a ”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 275 produção tanto de hormônio foliculoestimulante (FSH), que causa ovulação, quanto de uma substância chamada fator de inibição de prolactina.4 Níveis baixos destes hormônios levariam a uma cessação da ovulaçáo e menstruação e a uma elevação do nível de prolactina (o hormônio materno), que causa aumento dos seios e lactação, formigamento dos mamilos e comportamento maternal (embora isto ainda tenha de ser provado em seres humanos), juntamente com um aumento de produção de estrogênio e progesterona pelos ovários, contribuindo para a impressão total de gravidez. Esta idéia é coerente com a conhecida observação clínica de que a depressão grave pode deter a menstruação — uma estratégia evolutiva para evitar a perda de preciosos recursos em ovulação e gravidez quando a pessoa está incapacitada e deprimida. Mas a cessação de menstruação durante uma depressão é comum, enquanto a pseudociese é muito rara. Talvez haja algo especial na depressão de não ter filhos numa cultura obsedada por filhos. Se a síndrome ocorre somente quando a depressão é associada com fantasias sobre gravidez, provoca uma pergunta fascinante: Como um desejo ou ilusão altamente específica originando-se no neocórtex é trasladado pelo hipotálamo para induzir redução de FSH e elevação de prolactina — se esta é de fato a causa? E, ainda mais intrigante, como se explica a observação de que algumas pacientes com pseudociese não têm um nível elevado de prolactina ou que em muitas pacientes as dores de parto começam exatamente aos nove meses? O que provoca as contrações de parto, se não existe nenhum feto em crescimento? Qualquer que seja a resposta definitiva a estas perguntas, a pseudociese proporciona uma valiosa oportunidade para explorar a misteriosa terra-de-ninguém entre a mente e o corpo. Falsa gravidez e trabalho de parto em mulheres são deveras surpreendentes, mas existem até alguns casos registrados de pseudociese em homens! Toda a gama de transformações — inclusive dilatação abdominal, lactação, desejo de comidas estranhas, náusea, até dores de parto — pode ocorrer como síndrome isolada em alguns homens. Mais comumente, porém, é vista em homens que sentem profunda empatia para com sua esposa grávida, produzindo a chamada gravidez solidária ou síndrome da couvade. Tenho me perguntado muitas vezes se a empatia emocional do homem com a esposa grávida (ou talvez os feromônios dela) de alguma forma libera prolactina — um hormônio indispensável da gravidez — no cérebro do marido, causando o surgimento de algumas dessas transformações. (Esta hipótese não é tão exótica 276 / FANTASMAS NO CÉREBRO quanto parece; os micos-leões machos desenvolvem um elevado nível de prolactina quando em estreita proximidade de mães que amamentam, e isto pode estimular a afeição paterna ou filial e reduzir o infanticídio.) Sinto-me tentado a entrevistar homens que participavam das aulas de Lamaze e medir os níveis de prolactina naqueles que experimentam estes sinais característicos de couvade. A pseudociese é dramática. Mas constitui um exemplo isolado e excepcional de medicina corpomente? Acho que não. Outras histórias me vêm à mente, inclusive uma que ouvi pela primeira vez na faculdade de medicina. Uma amiga disse: ”Você sabia que, de acordo com Lewis Thomas, podese hipnotizar alguém e eliminar suas verrugas?” ”Bobagem”, zombei. ”Não, é verdade”, disse ela. ”Há casos documentados.5 A pessoa é hipnotizada e as verrugas desaparecem em poucos dias ou, às vezes, da noite para o dia.” Agora, num exame superficial, isto parece uma grande bobagem, mas, se for verdade, teria amplas implicações para a moderna ciência. A verruga é essencialmente um tumor (um câncer benigno) produzido pelo vírus papiloma. Se isso pode ser eliminado por sugestão hipnótica, por que não o câncer de colo do útero, que também é causado pelo vírus papiloma (embora de uma cepa diferente)? Não estou afirmando que isto funcionará — talvez as vias nervosas influenciadas pela hipnose atinjam a pele, mas não o revestimento do colo do útero — mas, a não ser que façamos a experiência apropriada, nunca saberemos. Supondo, só para argumentar, que verrugas podem ser eliminadas por hipnose, surge a pergunta: Como é que uma pessoa pode simplesmente ”eliminar com o pensamento” um tumor? Há pelo menos duas possibilidades. Uma envolve o sistema nervoso autônomo — as vias neurais que ajudam a controlar pressão sangüínea, suor, ritmo cardíaco, produção de urina, ereções e outros fenômenos fisiológicos que não estão sob controle direto do pensamento consciente. Estes nervos formam circuitos especializados que atendem a funções distintas em vários segmentos do corpo. Assim, alguns nervos controlam o eriçamento dos cabelos, outros o suor e alguns geram a constrição local de vasos sangüíneos. Será possível que a mente, atuando ”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 277 através do sistema nervoso autônomo, pode literalmente asfixiar a verruga, constringindo vasos sangüíneos em sua vizinhança imediata, fazendo-a murchar e secar? Esta explicação implica um grau inesperado de controle preciso pelo sistema nervoso autônomo e implica também que a sugestão hipnótica pode ser ”entendida” pelo sistema nervoso autônomo e transferida para a região da verruga. A segunda possibilidade é que a sugestão hipnótica de alguma forma atinja o sistema imunológico, eliminando portanto o vírus. Mas isto não explicaria pelo menos um caso registrado, envolvendo uma pessoa hipnotizada cujas verrugas desapareceram em apenas um lado do seu corpo. Por que ou como o sistema imunológico poderia eliminar seletivamente verrugas em um lado em detrimento do outro é um mistério que convida a novos vôos de especulação. Um exemplo mais comum de interação corpo-mente envolve a influência recíproca entre o sistema imunológico e pistas perceptivas procedentes do mundo em torno de nós. Há mais de três décadas, ensinava-se muitas vezes aos estudantes de medicina que uma crise asmática podia ser provocada não só pela inalação de pólen de uma rosa mas, às vezes, pela simples visão de uma rosa, mesmo de plástico, numa chamada reação alérgica condicionada. Em outras palavras, a exposição a uma rosa e a pólen reais estabelece no cérebro uma associação ”aprendida” entre a mera aparência visual de uma rosa e a constrição brônquica. Como funciona exatamente este condicionamento? Como é que a mensagem desce das áreas visuais do cérebro para as células que revestem os brônquios dos pulmões? Quais as verdadeiras vias envolvidas? Apesar de três décadas de medicina corpo-mente, ainda não temos respostas claras. Quando era estudante de medicina no final dos anos 60, perguntei a um professor visitante de fisiologia de Oxford sobre este processo de condicionamento e se a associação condicionada podia ser empregada em uso clínico. ”Se é possível provocar uma crise asmática simplesmente mostrando ao paciente uma rosa de plástico, então teoricamente também devia ser possível abortar ou neutralizar o ataque por meio de condicionamento. Por exemplo, digamos que você sofre de asma e eu lhe dou um broncodilatador como norepinefrina (ou talvez um anti-histamínico ou esteróide) toda vez que lhe mostro um girassol de plástico. Você poderia começar a associar a imagem do girassol com 278 / FANTASMAS NO CÉREBRO alívio de asma. Depois de algum tempo, podia simplesmente andar por aí com um girassol no bolso e tirá-lo para olhar, quando sentisse a aproximação de uma crise.” Na época, este professor (que depois se tornou meu orientador) achou que esta era uma idéia engenhosa mas tola, e demos uma boa risada. Parecia forçada e estapafúrdia. Assim castigado, guardei meus pensamentos, especulando comigo mesmo se realmente se poderia condicionar uma reação imunológica, e, nesse caso, quão seletivo poderia ser este processo de condicionamento. Por exemplo, sabe-se que se você injetar numa pessoa um bacilo de tétano alterado, ela desenvolverá logo imunidade ao tétano, mas, para manter a imunidade ”viva”, a pessoa precisa reforçar a dose periodicamente. Mas que aconteceria se você tocasse uma sineta ou piscasse uma luz verde todas as vezes que essas injeções de reforço fossem aplicadas? O cérebro aprenderia a associação? Você poderia depois dispensar os reforços e simplesmente tocar uma sineta e piscar uma luz para estimular a proliferação seletiva de células imunologicamente competentes, reativando assim a imunidade da pessoa ao tétano? As implicações de tal descoberta para a medicina clínica seriam enormes. Até hoje, maldigo-me por não ter tentado esta experiência. As idéias ficaram guardadas em minha mente até há poucos anos, quando, como tantas vezes acontece no campo da ciência, alguém fez uma descoberta acidental, provando que eu perdera o bonde. Ralph Ader, da Universidade McMaster, estava pesquisando a aversão a comida em ratos. Para induzir náusea nos animais, deulhes uma droga indutora de náusea, ciclofosfamida, juntamente com sacarina, especulando se eles mostrariam sinais de náusea na próxima vez que lhes desse apenas sacarina. Funcionou. Como se esperava, os animais mostraram realmente aversão a comida, neste caso uma aversão a sacarina. Surpreendentemente, porém, os ratos também caíram gravemente doentes, desenvolvendo todos os tipos de infecções. Sabe-se que a droga ciclofosfamida, além de produzir náusea, suprime intensamente o sistema imunológico, mas por que a sacarina sozinha teria este efeito? Ader raciocinou corretamente que a simples combinação da inócua sacarina com a droga imunossupressora levara o sistema imunológico do rato a ”aprender” a associação. Uma vez estabelecida esta associação, toda vez que o rato encontra o substituto do açúcar, seu sistema imunológico vai cair, tornando-o vul”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 279 nerável a infecções. Eis aqui novamente um poderoso exemplo de mente afetando corpo, exemplo que é saudado como um marco divisório na história da medicina e da imunologia.6 Menciono estes exemplos por três motivos. Primeiro, não dê ouvidos a seus professores — mesmo que eles sejam de Oxford (ou, como diria meu colega Semir Zeki, especialmente se forem de Oxford). Segundo, os exemplos ilustram nossa ignorância e elucidam a necessidade de realizar experiências sobre tópicos que a maioria das pessoas tem ignorado sem nenhuma razão óbvia; pacientes que manifestam estranhos fenômenos clínicos são apenas um exemplo. Terceiro, talvez seja hora de reconhecer que a divisão entre mente e corpo pode não ser mais do que um expediente pedagógico para instruir estudantes de medicina — e não uma construção útil para compreender saúde, doença e comportamento humanos. Ao contrário do que acreditam muitos dos meus colegas, a mensagem pregada por médicos como Deepak Chopra e Andrew Weil não é apenas psicologês da Nova Era. Contém importantes insights sobre o organismo humano — que merecem séria investigação científica. As pessoas têm se tornado cada vez mais impacientes com a esterilidade e falta de compaixão da medicina ocidental, e isto explicaria o atual ressurgimento da ”medicina alternativa”. Mas, infelizmente, embora os remédios trombeteados por gurus da Nova Era tenham toques de plausibilidade, raramente são submetidos a testes rigorosos.7 Não temos nenhuma idéia de quais funcionam (se é que existe algum) e quais não funcionam, embora mesmo os céticos empedernidos concordem que existe provavelmente algo de interessante em andamento. Se quisermos fazer qualquer avanço, precisamos testar cuidadosamente estas alegações e pesquisar os mecanismos do cérebro que estão por trás desses efeitos. O princípio geral de condicionamento imunológico foi claramente estabelecido, mas será que você pode juntar diferentes estímulos sensoriais com diferentes tipos de respostas imunológicas (por exemplo, uma sineta com uma reação a febre tifóide e um apito com reação a cólera), ou o fenômeno é mais difuso — envolvendo apenas um reforço geral de todo o seu sistema imunológico? O condicionamento afeta a própria imunidade ou apenas a subseqüente reação inflamatória ao agente provocador? A hipnose segue a mesma via que os placebos?8 Enquanto não tivermos respostas claras a estas perguntas, a medicina ocidental e a mediei- 280 / FANTASMAS NO CÉREBRO na alternativa vão continuar sempre como empreendimentos paralelos, sem pontos de contato entre si. Então, com todas essas evidências encarando-os de frente, por que os profissionais da medicina ocidental continuam a ignorar os numerosos exemplos impressionantes de vínculos diretos entre mente e corpo? Para entender por quê, é útil ter uma compreensão natural de como progride o conhecimento científico. A maior parte do avanço gradual e constante da ciência depende simplesmente da colocação de mais um tijolo no grande edifício — uma atividade monótona que o falecido historiador Thomas Kuhn chamou de ”ciência normal”. Este corpusde conhecimentos, incorporando uma quantidade de crenças amplamente aceitas, é, em cada caso, chamado de ”paradigma”. Ano após ano, novas observações chegam e são assimiladas a um modelo padrão existente. A maioria dos cientistas são pedreiros, não arquitetos; ficam felizes simplesmente em acrescentar mais uma pedra à catedral. Mas às vezes a nova observação simplesmente não se encaixa. É uma ”anomalia”, incoerente com a estrutura existente. O cientista pode então fazer uma dessas três coisas. Primeiro, pode ignorar a anomalia, varrendo-a para debaixo do tapete — uma forma de ”negação” psicológica surpreendentemente comum até entre pesquisadores eminentes. Segundo, os cientistas podem fazer pequenos ajustes no paradigma, tentando encaixar a anomalia em sua visão do mundo, e esta seria ainda assim uma forma de ciência normal. Ou podem gerar hipóteses auxiliares adhocopic. brotam como numerosos galhos de uma só árvore. Mas logo estes galhos se tornam tão grossos e numerosos que ameaçam derrubar a própria árvore. Finalmente, podem derrubar o edifício e criar um completamente novo, que guarde muito pouca semelhança com o original. Isto é o que Kuhn chamava de ”mudança de paradigma” ou revolução científica. Agora, na história da ciência há muitos exemplos de anomalias que foram originalmente desprezadas como insignificantes ou mesmo fraudulentas, mas depois se comprovaram de importância fundamental. Isto acontece porque a vasta maioria dos cientistas é conservadora por temperamento e, quando surge um fato novo que ameaça derrubar o grande edifício, a reação inicial é ignorálo ou negá-lo. Isto não é tão tolo quanto parece. Como a maioria das anomalias mostram ser alarmes falsos, não é má estratégia agir com segurança e ignorá”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 281 Ias. Se tentássemos acomodar em nossa estrutura todos os relatos de seqüestres por seres extraterrestres ou de entortamento de colheres, a ciência não teria evoluído para o conjunto de crenças imensamente bem-sucedido e internamente coerente que é hoje. O ceticismo é uma parte tão vital do empreendimento inteiro quanto as revoluções que dão manchetes nos jornais. Vejam, por exemplo, a tabela periódica dos elementos. Quando Mendeleyev ordenou os elementos seqüencialmente de acordo com seus pesos atômicos, para criar uma tabela periódica, descobriu que alguns elementos não ”se encaixavam” perfeitamente — seus pesos atômicos pareciam errados. Mas, em vez de descartar este modelo, optou por ignorar os pesos anômalos, concluindo, primeiramente, que talvez tivessem sido medidos incorretamente. E, efetivamente, mais tarde se descobriu que os pesos atômicos aceitos estavam errados porque a presença de certos isótopos distorcia as medições. Há muito de verdade na famosa observação paradoxal de Sir Arthur Eddington: ”Não acredite nos resultados de experiências até que sejam confirmados pela teoria.” Mas não devemos ignorar todas as anomalias, já que algumas delas têm o potencial de levar a mudança de paradigma. Nossa sabedoria está em sermos capazes de dizer que anomalia é insignificante e qual delas é uma possível mina de ouro. Infelizmente, não existe uma fórmula simples para distinguir entre insignificâncias e ouro, mas, como regra simples e prática, se uma observação fantástica e incoerente atravessou épocas e não foi confirmada empiricamente, apesar de repetidas tentativas honestas, então provavelmente é insignificante. (Considero a telepatia e as repetidas visões de Elvis pertencentes a esta categoria.) Por outro lado, se a observação em questão tem resistido a várias tentativas de refutação e é considerada uma extravagância somente porque resiste a explicação de acordo com nosso atual esquema conceitual, então você está provavelmente diante de uma autêntica anomalia. Um exemplo famoso é a deriva dos continentes. Por volta da virada do século (1912), o meteorologista alemão Alfred Wegener observou que a costa leste da América do Sul e a costa ocidental da África ”se encaixam” nitidamente como as peças de um quebra-cabeça gigantesco. Também observou que fósseis de um pequeno réptil ”mesossauro” de água doce eram encontrados somente em duas partes da Terra — no Brasil e na África ocidental. Como poderia, perguntava ele, um lagarto de água doce atravessar o Atlântico a nado? É concebível que no passado distante estes dois continentes fossem de fato partes de 282 / FANTASMAS NO CÉREBRO :’0 SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 283 uma só grande massa terrestre que tinham se rachado e boiado à deriva? Obcecado por esta idéia, ele buscou uma prova adicional e encontrou-a na forma de fósseis de dinossauro espalhadas em camadas de rocha idênticas, mais uma vez na costa ocidental da África e na costa leste do Brasil. Era de fato uma prova convincente, mas surpreendentemente foi rejeitada por todo o establishment da geologia, que argumentou que os dinossauros devem ter atravessado por uma antiga e agora submersa ponte de terra que ligava os dois continentes. Recentemente, em 1974, no St. John’s College em Cambridge, Inglaterra, um professor de geologia balançou a cabeça quando mencionei Wegener. ”Um monte da absurdos”, disse ele, com um tom de voz exasperado. Mas agora sabemos que Wegener tinha razão. Sua idéia foi rejeitada simplesmente porque não havia nenhum mecanismo que as pessoas pudessem conceber que levasse continentes inteiros à deriva. Se existe alguma coisa que todos nós consideramos axiomático, é a estabilidade da terra firme. Mas assim que foram descobertas as placas tectônicas — o estudo de placas rígidas que se movem sobre um manto viscoso —, a idéia de Wegener tornou-se verossímil e conquistou aceitação universal. A lição moral desta história é que não se deve rejeitar uma idéia como exótica simplesmente porque não se pode pensar num mecanismo que a explique. E este raciocínio é válido quer se esteja falando de continentes, hereditariedade, verrugas ou pseudociese. Afinal de contas, a teoria da evolução de Darwin foi proposta e amplamente aceita antes de os mecanismos da hereditariedade serem entendidos claramente. Um segundo exemplo de anomalia genuína é o distúrbio de personalidade múltipla (MPD, de múltiplepersonaliiy disorder), que na minha opinião pode se comprovar tão importante para a medicina quanto a deriva dos continentes o foi para a geologia. Até o dia de hoje, o MPD continua a ser ignorado pela comunidade médica, embora proporcione uma valiosa base de testes para as afirmações da medicina corpo-mente. Nesta síndrome — imortalizada por Robert Louis Stevenson em Dr. Jekyll and Mr. Hyde — a pessoa pode assumir duas ou mais personalidades distintas, cada uma das quais é completamente inconsciente, ou apenas levemente consciente, das outras. Mais uma vez, tem havido na literatura clínica relatos ocasionais de que uma personalidade pode ser diabética enquanto a outra não é, ou de que vários sinais vitais e perfis hormonais podem ser diferentes nas duas personalidades. Há mesmo uma declaração de que uma personalidade pode ser alérgica a determinada substância, enquanto a outra não é e de que uma poderia ser míope — de visão curta — enquanto a outra tem visão 20/20.9 O MPD desafia o bom senso. Como podem duas personalidades morar em um corpo? No Capítulo 7, aprendemos que a mente está constantemente lutando para criar um sistema coerente de crenças a partir da multiplicidade das experiências da vida. Quanto há pequenas discrepâncias, você geralmente reajusta suas crenças ou se empenha nos tipos de negações e racionalizações sobre as quais falou Sigmund Freud. Mas considere o que poderia acontecer se você mantivesse dois conjuntos de crenças — cada um internamente coerente e racional —, mas estes conjuntos estivessem completamente em conflito um com o outro? A melhor solução poderia ser balcanizar as crenças, separá-las umas das outras com a criação de duas personalidades. Existe de fato um elemento desta ”síndrome” em todos nós. Falamos de fantasias puta/senhora e dizemos coisas como ”Eu estava com a mente dividida”, ”Não estou me reconhecendo hoje” ou ”Ele é uma pessoa diferente quando você está por perto”. Mas em alguns casos raros, é possível que este cisma se torne literal, de forma que você termina com duas ”mentes distintas”. Suponhamos que um conjunto de crenças diz: ”Eu sou Sue, a mulher sexy que vive no número 123 da rua Elm, em Boston, freqüenta bares à noite para arranjar homens, bebe uísque puro e nunca se preocupou em se submeter a um teste de AIDS.” O outro diz: ”Eu sou Peggy, a entediada dona-de-casa que mora no 123 da rua Elm, em Boston, vê televisão à noite, não bebe nada mais forte do que chá de ervas e vai ao médico ao menor sinal de doença.” Estas duas histórias são tão diferentes que obviamente se referem a duas pessoas diferentes. Mas Peggy Sue tem um problema: ela é ambas as pessoas. Ela ocupa um corpo, na verdade um cérebro! Talvez a única forma de evitar uma guerra civil interna seja ”separar” suas crenças em dois grupos, como bolhas de sabão, resultando no estranho fenômeno de personalidades múltiplas. De acordo com muitos psiquiatras, alguns casos de MPD são conseqüência direta de abuso sexual ou físico na infância. Crescendo, a criança acha o abuso tão emocionalmente intolerável que gradualmente o empareda no mundo de Sue, não no de Peggy. O que é verdadeiramente impressionante, porém, é que, para manter a ilusão em funcionamento, ela realmente reveste cada per- 284 / FANTASMAS NO CÉREBRO sonalidade com vozes diferentes, entonações, motivações, maneirismos e até com diferentes sistemas imunológicos — quase dois corpos, somos tentados a dizer. Talvez ela precise desses minuciosos dispositivos para manter estas mentes separadas e evitar o perigo sempre presente de vê-los se fundir e criar um insuportável conflito interno. Gostaria de fazer experiências com pessoas como Peggy Sue, mas até agora fui impedido pela falta do que eu chamaria de um caso bem definido de MPD. Quando telefono a amigos do ramo da psiquiatria, pedindo nomes de pacientes, eles me dizem que têm visto vários desses pacientes, mas a maioria tem várias personalidades em vez de apenas duas. Um deles aparentemente tinha 19 ”alters” dentro de si. Afirmações desse tipo têm me tornado profundamente suspeitoso de todo o fenômeno. Com tempo e recursos limitados, o cientista sempre tem de manter um equilíbrio entre perder tempo com efeitos tênues e irrepetíveis (como fusão a frio ou fotografia kirliana) e ter a mente aberta (tendo em mente as lições da deriva dos continentes ou de impactos de asteróides). Talvez a melhor estratégia seja concentrar-se apenas em afirmações relativamente fáceis de provar ou desmentir. Se algum dia localizar um paciente de MPD com apenas duas personalidades, pretendo eliminar a dúvida enviando-lhe duas contas. Se ele pagar as duas, saberei que é pra valer. Se não o fizer, saberei que é uma fraude. Num caso ou noutro, não posso perder. Falando mais seriamente, seria interessante realizar estudos sistemáticos sobre a função imunológica quando o paciente está nos dois estados diferentes, medindo aspectos específicos da reação imunológica (como a produção de citocina por linfócitos e monócitos e a produção de interleucina por células T provocadas por mitógenos — fatores que estimulam a divisão celular). Tais experiências podem parecer tediosas e esotéricas, mas, somente fazendo-as, podemos conseguir a mistura correta de Oriente e Ocidente e criar uma nova revolução na medicina. A maioria dos meus professores zombava de antigas práticas hindus ”suaves”, como medicina ayurvédica, tantra e meditação. Contudo, ironicamente, alguns dos medicamentos mais potentes que usamos podem ter sua origem em antigos remédios populares como casca de salgueiro (aspirina), dedaleira e reserpina. Na verdade, calcula-se que mais de 30% dos medicamentos usados na medicina ocidental são derivados de produtos vegetais. (Se você pensar em mofos — antibióticos — como ”ervas”, a percenta”O SENHOR SE ESQUECEU DE TIRAR O GÊMEO” / 285 gem é ainda maior. Na antiga medicina chinesa, muitas vezes esfregava-se mofo em ferimentos.) A lição moral de tudo isso é que não devemos ter uma fé cega na ”sabedoria do Oriente”, mas que seguramente há muitos insights nestas práticas antigas. Contudo, se não fizermos experiências sistemáticas ao ”estilo ocidental”, jamais saberemos quais as que realmente funcionam (hipnose e meditação) e quais as que não funcionam (cura pelo cristal). Vários laboratórios no mundo inteiro estão preparados para lançar tais experimentos, e, na minha opinião, a primeira metade do próximo século será relembrada como a idade de ouro da neurologia e da medicina corpo-mente. Será uma época de grande euforia e celebração para os pesquisadores neófitos desse campo. CAPÍIÜLO 12 Os marcianos vêem vermelho? Toda a moderna, filosofia consiste em desvendar, exumar e repudiar o que foi dito antes. — V. S, RAMACHANDRAN Por que o pensamento, sendo uma secreção do cérebro, mais maravilhosa do que a gravidade, é uma propriedade da matéria? CHARLES DARWIN Na primeira metade do século XXI, a ciência enfrentará seu maior desafio tentando responder a uma pergunta impregnada de misticismo e metafísica durante milênios: Qual é a natureza do eu, da individualidade? Como alguém que nasceu na índia e se criou na tradição hindu, ensinaram-me que o conceito de indivíduo — o ”eu” dentro de mim que é separado do universo e se empenha numa altaneira inspeção do mundo em torno de mim — é uma ilusão, um véu chamado maya. A busca de esclarecimento, diziam-me, consiste em levantar este véu e perceber que você é realmente ”Um com o cosmos”. Ironicamente, após extenso aprendizado em medicina ocidental e mais de 15 anos de pesquisas sobre pacientes neurológicos e ilusões visuais, cheguei ao entendimento de que há muita verdade nisso — que a idéia de uma única individualidade unificada ”que habita” o cérebro pode ser de fato uma ilusão. 288 / FANTASMAS NO CÉREBRO Tudo que tenho aprendido no estudo intensivo de pessoas normais e pacientes que tiveram lesões em várias partes de seus cérebros aponta para uma idéia empolgante: que você cria sua própria ”realidade” a partir de fragmentos de informações, que o que você ”vê” é uma representação confiável — mas nem sempre acurada — do que existe no mundo, que você é completamente inconsciente da grande maioria de fatos que se desenrolam em seu cérebro. Na verdade, a maior parte de suas ações é realizada por uma hoste de zumbis inconscientes que existem em pacífica harmonia com você (a ”pessoa”) dentro do seu corpo! Espero que as histórias que você leu até agora tenham ajudado a convencê-lo de que o problema do eu — longe de ser um enigma metafísico — agora está maduro para investigação científica. Contudo, muitas pessoas acham inquietante que toda a riqueza de nossa vida mental — todos os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, até mesmo o que consideramos nossos eus íntimos — nasça inteiramente da atividade de pequenos feixes de protoplasma no cérebro. Como é possível isto? Como poderia algo tão profundamente misterioso como a consciência surgir de um naco de carne dentro do crânio? O problema de mente e matéria, substância e espírito, ilusão e realidade, tem sido uma grande preocupação da filosofia oriental e ocidental há milênios, mas pouca coisa de valor duradouro tem surgido. Como disse o psicólogo britânico Stuart Sutherland, ”a consciência é um fenômeno fascinante, mas esquivo: é impossível especificar o que é, o que faz ou por que evoluiu. Nada que valha a pena ler foi escrito sobre ela”. Não vou fingir ter resolvido estes mistérios,1 mas penso realmente que há uma nova forma de estudar a consciência, tratando-a não como uma questão filosófica, lógica ou conceitual, mas como um problema empírico. Com exceção de uns poucos excêntricos (chamados panpsiquistas) que acreditam que tudo no universo é consciente, inclusive coisas como cupins, termostatos e mesas de fórmica, a maioria das pessoas agora concorda que a consciência nasce em cérebros e não em baços, fígados, pâncreas ou qualquer outro órgão. Já é um bom começo. Mas vou estreitar ainda mais o campo de investigação e sugerir que a consciência nasce não do cérebro inteiro, mas de certos circuitos cerebrais especializados que realizam um estilo particular de computação. Para ilustrar a natureza destes circuitos e as computações especiais que realizam, recorrerei aos muitos exemplos de psicologia perceptiva e neurologia que já examinamos neste livro. Estes exemplos mosOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 289 trarão que o conjunto de circuitos que corporifica a nítida qualidade subjetiva da consciência reside principalmente em partes dos lobos temporais (como a amígdala, o septo, o hipotálamo e o córtex insular) e numa única zona de projeção nos lobos frontais — o giro cingulado. E a atividade destas estruturas deve preencher três critérios importantes, que chamo (com meu pedido de desculpas a Isaac Newton, que descreveu as três leis básicas da física) as ”três leis das qualia” (’qualia” significa simplesmente a impressão crua e tosca de sensações como a qualidade subjetiva de ”dor” ou de ”vermelho” ou de ”nhoque com trufas”). Meu objetivo em identificar estas três leis e as estruturas especializadas que as corporificam é estimular mais investigações sobre a origem biológica da consciência. O mistério central do cosmos, no que me concerne, é o seguinte: Por que há sempre duas descrições paralelas do universo — o relato em primeira pessoa (”eu vejo vermelho”) e o relato na terceira pessoa (”ele diz que vê vermelho quando certas vias em seu cérebro encontram um comprimento de onda de 600 nanômetros”)? Como podem estes dois relatos ser tão completamente diferentes, embora complementares? Por que não há apenas um relato na terceira pessoa, pois, de acordo com a visão objetiva de mundo do físico e do neurocientista, é a única que existe realmente? (Os cientistas que têm esta opinião são chamados de behavioristas.) De fato, em seu plano de ”ciência objetiva”, a necessidade de um relato na primeira pessoa nem mesmo surge — implicando que simplesmente não existe consciência. Mas todos nós sabemos perfeitamente bem que isso não pode estar certo. Lembro-me da velha história sarcástica sobre um behaviorista que, tendo acabado de fazer amor apaixonadamente, olha para a amante e diz: ”Obviamente, foi bom para você, querida, mas foi bom para mim?” Esta necessidade de reconciliar relatos de primeira e terceira pessoa (a visão do ”eu” versus a visão do ”ele” ou ”ela”) é o mais importante problema específico não resolvido na ciência. Destrua esta barreira, dizem os místicos e sábios indianos, e você verá que a separação entre eu e não-eu é uma ilusão — que você é realmente Um com o cosmos. Os filósofos chamam este mistério de enigma das qualia (sensações subjetivas). Como pode o fluxo de íons e correntes elétricas em pequenas partículas de geléia — os neurônios em meu cérebro — gerar todo o mundo subjetivo de sensações como vermelho, quente, frio ou dor? Por que mágica é transmutada a matéria no tecido invisível de sentimentos e sensações? Este problema é tão 290 / FANTASMAS NO CÉREBRO complicado que nem todo mundo concorda que sequer seja um problema. Ilustrarei o chamado enigma das qualia com duas simples experiências de pensamento, do tipo que os filósofos adoram fazer. Estas fantásticas experiências imaginárias são virtualmente impossíveis de realizar na vida real. Meu colega, Francis Crick, tem profunda suspeita de experiências de pensamento, e concordo com ele que estas podem ser muito enganadoras, porque muitas vezes contêm hipóteses e suposições ocultas. Mas podem ser empregadas para esclarecer aspectos lógicos, e eu as usarei aqui para apresentar o problema das qualia de maneira mais viva. Primeiro, imagine que você é um futuro supercientista com um completo conhecimento do funcionamento do cérebro humano. Infelizmente, você é completamente daltônico, cego para cores. Não tem cones receptores (as estruturas em sua retina que permitem que seus olhos distingam as diferentes cores), mas tem bastonetes (para ver preto e branco), e você também tem o maquinismo correto para processar cores em seu cérebro. Se seus olhos podiam distinguir cores, seu cérebro também podia. Agora, suponhamos que você, o supercientista, estude meu cérebro. Sou normal em matéria de percepção de cores — posso ver que o céu é azul, a grama é verde e a banana é amarela — e você quer saber o que quero dizer com esses termos referentes a cores. Quando olho para objetos e os descrevo como de cor turquesa, amarelada ou escarlate, você não tem nenhuma idéia sobre o que estou falando. Para você, todos elas parecem matizes de cinza. Mas você tem intensa curiosidade sobre o fenômeno, de forma que aponta um espectrômetro para a superfície de uma maçã vermelha madura. O aparelho indica que uma luz com um comprimento de onda de 600 nanômetros está emanando da fruta. Mas você ainda não tem nenhuma idéia sobre a cor que poderia corresponder a isto, porque não pode senti-la. Intrigado, você estuda os pigmentos do meu olho sensíveis à luz e as vias de cor em meu cérebro até que finalmente chega a um completa descrição das leis de processamento de comprimento de onda. Sua teoria lhe permite rastrear a seqüência inteira de percepção de cor, começando dos receptores em meu olho e percorrendo todo o caminho até dentro do meu cérebro, onde você monitora a atividade neural que gera a palavra ”vermelho”. Em resumo, você entende completamente as leis da visão de cor (ou mais estritamente, as leis de processamento de comprimento de onda), e pode me dizer antecipadamente que palavra eu usarei OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 291 para descrever a cor de uma maçã, laranja ou limão. Como supercientista, você não tem nenhuma razão para duvidar da perfeição do seu relato. Satisfeito, você se aproxima de mim com o fluxograma e diz: ”Ramachandran, é isto que está acontecendo em seu cérebro!” Mas eu protesto: ”Certo, é isto que está acontecendo. Mas também vejo vermelho. Onde está o vermelho neste fluxograma?” ”O que é isso?”, pergunta você. ”Isso é parte da experiência real e inefável da cor, que aparentemente nunca posso lhe transmitir, porque você é totalmente daltônico.” Este exemplo leva a uma definição de ”qualia”: são aspectos do estado de meu cérebro que parecem tornar a descrição científica incompleta — do meu ponto de vista. Como segundo exemplo, imagine uma espécie de peixe elétrico da Amazônia que é muito inteligente, na verdade, tão inteligente e sofisticado quanto você ou eu. Mas ele tem algo que nos falta — isto é, a capacidade de sentir campos elétricos usando órgãos especiais em sua pele. Como o supercientista do exemplo anterior, você pode estudar a neurofisiologia deste peixe e conceber como os órgãos elétricos nos lados do seu corpo transformam corrente elétrica, como esta informação é transmitida ao cérebro, que parte do cérebro analisa esta informação e como o peixe usa esta informação para fugir de predadores, encontrar presa e assim por diante. Se o peixe soubesse falar, porém, diria: ”Perfeito, mas você nunca saberá qual é a sensação da eletricidade.” Estes exemplos estabelecem claramente o problema de por que se julga que as qualia são essencialmente particulares. Também ilustram por que o problema das qualia não é necessariamente um problema científico. Lembre-se de que sua descrição científica é completa. Acontece que seu relato é incompleto epistemologicamente, porque a experiência de campos elétricos ou de cor vermelha é algo que você nunca saberá. Para você, continuará sendo para sempre um relato ”em terceira pessoa”. Durante séculos, os filósofos têm suposto que este fosso entre cérebro e mente apresenta um profundo problema epistemológico — uma barreira que simplesmente não pode ser transposta. Mas isto é realmente verdade? Concordo que a barreira ainda não foi cruzada, mas segue-se daí que nunca pode ser transposta? Gostaria de argumentar que de fato não existe nenhuma barreira desse tipo, nenhum grande divisor vertical na natureza entre mente e matéria, 292 / FANTASMAS NO CÉREBRO substância e espírito. Na verdade, creio que esta barreira é apenas aparente e que nasce como resultado da linguagem. Esta espécie de obstáculo surge quando há qualquer tradução de uma linguagem para outra.2 Como esta idéia se aplica ao cérebro e ao estudo da consciência? Sugiro que aqui estamos lidando com duas linguagens mutuamente ininteligíveis. Uma é a linguagem dos impulsos nervosos — os modelos espaciais e temporais de atividade neuronal que nos permitem ver vermelho, por exemplo. A segunda, a que nos permite comunicar aos outros o que estamos vendo, é uma língua falada natural como inglês ou alemão ou japonês — ondas rarefeitas, comprimidas, de ar transitando entre você e o ouvinte. As duas são linguagens em rigoroso sentido técnico, isto é, são mensagens ricas em informações destinadas a transmitir significado, através de sinapses entre diferentes partes do cérebro num caso e através do ar entre duas pessoas, no outro. O problema é que só posso falar a você, o cientista daltônico, sobre minhas qualia (minha experiência de ver vermelho), usando uma linguagem falada. Mas a inefável ”experiência” em si perde-se na tradução. A ”cor vermelha” real permanecerá eternamente inatingível para você. Mas o que aconteceria se você fugisse à linguagem falada como meio de comunicação e, em vez disso, conectasse um cabo de vias neurais (obtido por cultura de tecidos ou de outra pessoa) das áreas de processamento de cores no meu cérebro nas regiões processadoras de cores do seu cérebro (lembre-se de que seu cérebro tem o maquinismo para ver cores, embora seus olhos não possam distinguir comprimentos de ondas porque não têm receptores de cores)? O cabo permite que a informação da cor vá diretamente do meu cérebro para os neurônios do seu, sem tradução intermediária. Esta é uma hipótese bem forçada, mas nada tem de logicamente impossível. Anteriormente, quando eu disse ”vermelho”, isto não fazia nenhum sentido para você, porque o simples uso da palavra ”vermelho” já envolve uma tradução. Mas se você fugir à tradução e usar um cabo, de forma que os próprios impulsos nervosos sigam diretamente para a área da cor, então talvez você diga: ”Oh, meu Deus, vejo exatamente o que você quer dizer. Estou tendo esta maravilhosa experiência nova.”3 Esta hipótese destrói a afirmação dos filósofos de que existe uma barreira lógica intransponível para entender as qualia. Em princípio, você pode experimentar as qualia de outra criatura, mesmo do peixe elétrico. Se você pudesse OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 293 descobrir o que a parte eletrorreceptora do cérebro do peixe está fazendo e de alguma forma pudesse enxertá-la nas partes pertinentes de seu cérebro com todas as devidas conexões associadas, então começaria a experimentar as qualia do peixe elétrico. Agora, poderíamos entrar num debate filosófico sobre se seria necessário ser um peixe para senti-lo ou se, como ser humano, você poderia ter esta experiência, mas o debate não é relevante para minha argumentação. A observação lógica que aqui faço refere-se unicamente às qualia elétricas — não a toda a experiência de ser um peixe. A idéia-chave aqui é que o problema das qualia não é único no problema corpo-mente. Não é diferente em espécie dos problemas que nascem de qualquer tradução, e assim não há necessidade de invocar uma grande divisão na natureza entre o mundo das qualia e o mundo material, Existe apenas um mundo com muitas barreiras de tradução. Se você puder superá-las, o problema desaparece. Este pode parecer um debate esotérico, teórico, mas permita-me dar-lhe um exemplo mais realista — uma experiência que estamos planejando fazer. No século XVII, o astrônomo inglês William Molyneux fez um desafio (outra experiência de pensamento). Que aconteceria, perguntava ele, se uma criança fosse criada em completa escuridão desde o nascimento até a idade de 21 anos e, de repente, lhe permitissem ver um cubo? Ela reconheceria o cubo? Na verdade, o que aconteceria se repentinamente lhe permitissem ver a luz do dia? Ela sentiria a experiência da luz, dizendo: ”Ahá! Agora vejo o que as pessoas querem dizer quando falam a palavra luz!”, ou agiria inteiramente confusa e continuaria sendo cega? (A bem da argumentação, o filósofo supõe que as vias visuais da criança não se degeneraram com a privação e falta de uso e que ela tem um conceito intelectual de visão, exatamente como o nosso supercientista tinha um conceito intelectual de cor antes de usarmos o cabo.) Esta mostra ser uma experiência de pensamento que na verdade pode ser respondida empiricamente. Alguns indivíduos infelizes nascem com lesões tão sérias nos olhos que nunca viram o mundo e têm curiosidade sobre o que é realmente ”ver”: para eles, é tão intrigante quanto a eletroconcepção do peixe é para você. Agora é possível estimular diretamente pequenas partes de seus cérebros com um dispositivo chamado estimulador magnético transcraniano — um magneto extremamente poderoso, oscilante, que ativa tecidos nervosos com certo grau de precisão. E se alguém estimulasse o córtex visual dessa pés- 294 / FANTASMAS NO CÉREBRO soa com pulsos magnéticos, contornando assim a óptica não funcional do olho? Posso imaginar dois possíveis resultados. Ele poderia falar: ”Ei, sinto algo engraçado atacando a parte posterior da minha cabeça”, e nada mais. Ou poderia dizer: ”Oh, meu Deus, isto é extraordinário! Agora entendo sobre o que todos vocês estão falando. Finalmente estou tendo a experiência desta coisa abstrata chamada visão. Então, isto é luz, isto é cor, isto é ver!” Esta experiência é logicamente equivalente à experiência de cabo neuronal que fizemos com o supercientista, porque estamos contornando a linguagem falada e atingindo diretamente o cérebro da pessoa cega. Agora você pode perguntar: Se ele experimenta sensações totalmente novas (o que você e eu chamamos ver), como podemos ter certeza de que é de fato verdadeira visão? Uma das formas seria procurar evidências de topografia em seu cérebro. Eu poderia estimular diferentes partes do seu córtex visual e pedir-lhe para apontar várias regiões do mundo exterior onde ele experimenta estas estranhas sensações novas. Isto é semelhante ao modo como você poderia ver estrelas ”lá fora” no mundo, quando atinjo sua cabeça com um martelo; você não sente as estrelas como se estivessem dentro do seu crânio. Este exercício proporcionaria uma prova convincente de que ele de fato estava sentindo pela primeira vez algo muito próximo da nossa experiência de ver, embora pudesse não ser uma coisa tão diferenciadora ou sofisticada como a visão normal.4 Por que as qualia — as sensações subjetivas — surgiram na evolução? Por que alguns eventos cerebrais começaram a ter qualia?. Existe um estilo particular de processamento de informações que produz qualia, ou há alguns tipos de neurônios exclusivamente associados com qualia? (O neurologista espanhol Ramón y Cajal chama estes neurônios de ”neurônios psíquicos”.) Exatamente como sabemos que apenas uma minúscula parte da célula, isto é, a molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA), está diretamente envolvida com hereditariedade, e outras partes, como proteínas, não estão, seria possível que somente alguns circuitos nervosos estejam envolvidos com qualia e outros, não? Francis Crick e Christof Koch fizeram a engenhosa sugestão de que as qualia surgem de um conjunto de neurônios nas camadas inferiores das áreas sensoriais primárias, porque estas são as que se projetam para os lobos frontais onde muitas das chamadas funções superiores são executadas. Sua teoria tem galvanizado toda a comunidade científica e servido como catalisador para aqueles que busOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 295 cam explicações biológicas para as qualia. Outros têm sugerido que as formas reais de impulsos nervosos (picos) procedentes de regiões do cérebro amplamente separadas ficam ”sincronizadas” quando você presta atenção a alguma coisa e toma consciência dela.5 Em outras palavras, é a própria sincronização que leva à percepção consciente. Ainda não há prova direta disso, mas é encorajador ver que as pessoas estão pelo menos tentando explorar a questão experimentalmente. Essas abordagens são atraentes por uma razão principal, isto é, o fato de que o reducionismo tem sido a estratégia singular mais bem-sucedida na ciência. Como define o biólogo inglês Peter Medawar, ”reducionismo é a crença de que um conjunto pode ser representado como uma função (no sentido matemático) de suas partes constituintes, as funções tendo a ver com o ordenamento espacial e temporal das partes e com a forma precisa como elas interagem”. Infelizmente, como declarei no início deste livro, nem sempre é fácil saber a priori qual é o nível apropriado de reducionismo para um dado problema científico. Para entender consciência e qualia não teria muito sentido olhar para canais de íon que conduzem impulsos nervosos, para o reflexo do tronco cerebral que medeia o espirro ou para o arco reflexo da medula espinhal que controla a bexiga, embora estes sejam em si próprios problemas interessantes (pelo menos para algumas pessoas). Estas coisas não seriam mais úteis para entender as funções superiores do cérebro como qualia do que examinar chips de silício no microscópio, numa tentativa de compreender a lógica de urn programa de computador. E contudo é precisamente esta a estratégia que a maioria dos neurocientistas usa para entender as funções superiores do cérebro. Eles afirmam que o problema não existe ou que um belo dia será resolvido à medida que nos afadigamos examinando a atividade de determinados neurônios.6 Os filósofos oferecem outra solução para este dilema, quando dizem que consciência e qualia são ”epifenômenos”. De acordo com esta visão, a consciência é como o som do apito que um trem dá ou como a sombra de um cavalo enquanto corre: não desempenha nenhum papel causaL no trabalho real feito pelo cérebro. Afinal de contas, você pode imaginar um ”zumbi” fazendo inconscientemente tudo exatamente da mesma maneira que um ser consciente faz. Uma batida rápida no tendão perto do joelho põe em movimento uma cascata de eventos nervosos e químicos que causa um reflexo patelar (recepto- 296 / FANTASMAS NO CÉREBRO rés de tensão no joelho se conectam a nervos na medula espinhal, que por sua vez envia mensagens aos músculos). A consciência não entra neste quadro; um paraplégico tem excelente reflexo patelar, embora não possa sentir a batida. Agora imagine uma cascata muito mais complexa de eventos que começa com uma luz de longo comprimento de onda atingindo sua retina e vários retransmissores, levando você a dizer ”vermelho”. Já que você pode imaginar esta cascata mais complexa de eventos sem percepção consciente, não se segue que a consciência é irrelevante para todo o esquema? Afinal de contas, Deus (ou a seleção natural) podia ter criado um ser inconsciente que faz e diz todas as coisas que você faz, embora ”ele” não seja consciente. Este argumento parece sensato, mas de fato é baseado na falácia de que, como você pode imaginar que algo é logicamente possível, logo é realmente possível. Mas considere o mesmo argumento aplicado a um problema na física. Todos nós podemos imaginar algo viajando mais depressa do que a velocidade da luz. Mas Einstein nos diz que esta visão de ”senso comum” está errada. Simplesmente imaginar que algo é logicamente possível não garante sua possibilidade no mundo real, mesmo em princípio. Da mesma forma, embora você possa imaginar um zumbi inconsciente fazendo tudo que você pode fazer, pode haver alguma causa natural profunda que impede a existência de tal ser! Observe que este argumento não prova que a consciência precisa ter um papel causal; simplesmente prova que você não pode usar afirmações como ”Afinal de contas, posso imaginar” para tirar conclusões sobre qualquer fenômeno natural. Gostaria de tentar uma abordagem um tanto diferente para entender as qualia, que apresentarei pedindo-lhe para fazer alguns jogos com seus olhos. Primeiro, lembre-se da discussão do Capítulo 5 referente ao chamado ponto cego — o lugar onde o nervo óptico sai da parte posterior do globo ocular. Mais uma vez, se você fechar o olho direito, fixar o olhar no ponto negro da Figura 5-2 e movimentar lentamente a página em direção ao seu olho ou afastando-a, verá que o disco sombreado desaparece. Caiu no seu ponto cego natural. Agora, feche o olho direito novamente, levante o dedo indicador de sua mão direita e aponte o ponto cego do olho esquerdo para o meio do seu dedo estendido. O meio do dedo devia desaparecer, assim como acontece com o disco sombreado, mas isso não acontece; ele parece contínuo. Em outras palavras, as qualia são tais que você simplesmente não deduz intelectualmente que o dedo OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 297 Figura 12.1 Um campo de roscas amarelas (aqui mostradas em branco). Feche o olho direito e, com o esquerdo, olhe para o pequeno ponto branco no meio da ilustração. Quando a página estiver a cerca de 15 cm a 22 cm do seu rosto, uma das roscas vai incidir exatamente em torno do ponto cego do seu olho esquerdo. Como o buraco preto no centro da rosca é ligeiramente menor do que o seu ponto cego, deve desaparecer e o ponto cego então é ”preenchido” com qualia amarelas (brancas) do anel, de forma que você vê um disco amarelo em vez de um anel. Observe que o disco ”se destaca” nitidamente contra o fundo de anéis. Paradoxalmente, você tornou um alvo mais visível em virtude do seu ponto cego. Se a ilusão não funcionar, tente com uma fotocópia ampliada deslocando o ponto branco horizontalmente. é contínuo — ”Afinal de contas, meu ponto cego está ali” —, você literalmente vê o ”pedaço desaparecido” do seu dedo. Os psicólogos chamam este fenômeno de ”preenchimento”, uma expressão útil embora um tanto enganadora que significa simplesmente que você vê algo numa região de espaço onde nada existe. Este fenômeno pode ser demonstrado até mais dramaticamente se você olhar para a Figura 12.1. Mais uma vez, com o olho direito fechado, olhe para o pequeno ponto branco à direita com o olho esquerdo e gradualmente mova o livro em direção a você, até uma das roscas cair em seu ponto cego. Como o diâmetro interno da rosca — o pequeno disco preto — é ligeiramente menor do que seu ponto cego, deve desaparecer e o anel branco deve 298 / FANTASMAS NO CÉREBRO cobrir e circundar o ponto cego. Digamos qua a rosca (o anel) é amarelo. O que você verá, se sua visão for normal, é um completo disco homogêneo amarelo, o que indicará que seu cérebro ”preencheu” seu ponto cego com qualia amarelas (ou brancas, na Figura 12.1). Enfatizo isto porque muitas pessoas têm afirmado que todos nós simplesmente ignoramos o ponto cego e não notamos o que está se passando, significando que não há realmente nenhum preenchimento. Mas isto não pode estar certo. Se você mostrar a alguém vários anéis, um dos quais seja concêntrico com o ponto cego, esse concêntrico parecerá um disco homogêneo e vai realmente ”saltar” perceptivamente contra um pano de fundo de anéis. Como é que algo que você ignora pode se movimentar? Isto significa que o ponto cego tem na verdade qualia a ele associadas, e, além disso, que as qualia podem prover ”apoio sensorial” real. Em outras palavras, você não simplesmente deduz que o centro da rosca é amarelo; você literalmente o vê amarelo.7 Agora veja um exemplo relacionado. Suponha que eu ponha um dedo em cruz com outro (como num sinal de somar) e olhe para os dois dedos. Na verdade, vejo o dedo que está por trás como sendo contínuo. Sei que ele é contínuo. E claro que é contínuo. Mas se você me perguntasse se literalmente vejo o pedaço de dedo desaparecido, diria que não — alguém poderia ter cortado um dedo em dois pedaços e colocado em cada lado do dedo da frente para me enganar. Não posso ter certeza de que realmente vejo a parte desaparecida. Compare estes dois casos, que são semelhantes num ponto: o cérebro fornece a informação desaparecida nas duas vezes. Qual a diferença? O que importa para você, a pessoa consciente, que a rosca amarela agora tem qualia no meio e que a parte coberta do seu dedo não tem? A diferença é que você não pode mudar sua opinião sobre o amarelo no meio da rosca. Você não pode pensar: ”Talvez seja amarelo, mas talvez seja rosa-pálido, ou talvez seja azul.” Não, ele está gritando para você: ”Sou amarelo”, com uma explícita representação de cor amarela em seu centro. Em outras palavras, o amarelo preenchido não é revogável, você não pode mudá-lo. No caso do dedo tapado, porém, você pode pensar: ”Há uma grande probabilidade de existir um dedo ali, mas algum cientista malévolo poderia ter colado duas metades de dedo em cada lado dele.” Esta hipótese é altamente improvável, mas não é inconcebível. Em outras palavras, posso optar por admitir que poderia existir alguma OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 299 coisa mais por trás daquele dedo, mas não posso fazer o mesmo com o amarelo preenchido do ponto cego. Assim, a diferença crucial entre uma percepção carregada de qualia e uma que não tenha qualia é que a primeira não é revogável pelos centros superiores do cérebro e, portanto, é ”resistente a adulteração”, ao passo que a segunda é flexível; você pode escolher qualquer uma entre várias ”pretensas” informações, usando sua imaginação. Uma vez criada, a percepção carregada de qualia fica definitivamente com você. (Um bom exemplo disso é o cão dálmata da Figura 12.2. Inicialmente, quando você olha, tudo são fragmentos. Depois, de repente, tudo se ajusta e você vê o cão. Livremente falando, agora você captou as qualia do cachorro. De fato, mostramos recentemente que os neurônios do cérebro alteram permanentemente suas conexões assim que você vê o cachorro.)8 Estes exemplos demonstram uma importante característica das qualia — têm de ser irrevogáveis. Mas, embora esta característica seja necessária, não é suficiente para explicar a presença de qualia. Por quê? Bem, imagine que você está em coma e eu projeto uma luz dentro do seu olho. Se o coma não é muito profundo, sua pupila se contrairá, embora você não tenha nenhuma percepção subjetiva de quaisquer qualia causadas pela luz. Todo o arco reflexo é irrevogável, e contudo não há qualia associadas a ele. Você não pode mudar a opinião sobre isso. Não pode fazer nada, assim como nada poderia fazer com o preenchimento amarelo em seu ponto cego no exemplo da rosca. Então, por que só o último tem qualiá! A diferença básica é que no caso da contração da pupila, há apenas um resultado — um resultado final — disponível, e daí, nada de qualia. No caso do disco amarelo, embora a representação que foi criada seja irrevogável, você tem o luxo de uma escolha; o que você pode fazer com a representação é infinito. Por exemplo, quando você experimentou qualia amarelas, poderia dizer amarelo, ou pensar em bananas amarelas, dentes amarelos, a pele amarela da icterícia e assim por diante. E quando você finalmente viu o dálmata, sua mente estaria posicionada para evocar qualquer uma de um conjunto infinito de associações relacionadas com cachorro -— a palavra ”cão”, o latido do cão, comida de cachorro ou até cão de arma de fogo. E aparentemente não há limite para o que você pode escolher. Esta é uma segunda característica importante das qualia: sensações carregadas de qualia podem se dar ao luxo da escolha. Assim, agora identificamos duas características funcionais das qualia: irrevocabilidade no lado da informação e flexibilidade no lado do resultado. 300 / FANTASMAS NO CÉREBRO ísíafcffi Figura 12.2 Mistura aleatória de manchas. Olhe atentamente para este quadro por alguns segundos (ou minutos) e você finalmente verá um cão dálmata farejando o chão sarapintado de sombras de folhas (dica. a cara do cachorro está à esquerda, perto do meio da ilustração, pode-se ver sua caleira e orelha esquerda) Uma vez que o cão tenha sido visto, é impossível livrar-se dele Usando quadros semelhantes, mostramos recentemente que os neurônios nos lobos temporais tornam-se alterados permanentemente após a breve exposição inicial— uma vez que se tenha ”visto” o cachorro (Tovee, Rolls e Ramachandran, 1996) Cão dálmata fotografado por Ron James. Há uma terceira característica importante. Para tomar decisões com base em uma representação carregada de qualia, a representação precisa existir por tempo suficiente para você trabalhar com ela. Seu cérebro precisa segurar a OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 301 representação num acumulador intermediário ou na chamada memória imediata. (Por exemplo, você retém o número telefônico que recebe da telefonista de informações apenas o tempo suficiente para discar com seus dedos.) Mais uma vez esta condição não é por si só suficiente para gerar qualia. Um sistema biológico pode ter outras razões, além de fazer uma opção, para reter informações num acumulador. Por exemplo, a dionéia pega-mosca só se fecha se seus pêlos-gatilho dentro da armadilha forem estimulados duas vezes em sucessão, aparentemente retendo uma memória do primeiro estímulo e comparando-o com o segundo, para ”inferir” que algo se moveu. (Darwin sugeriu que isto evoluiu para ajudar a planta a evitar fechar inadvertidamente a armadilha, se atingida por uma partícula de poeira em vez de um inseto.) Caracteristicamente, nesses tipos de casos, há apenas um resultado possível: a dionéia pega-mosca invariavelmente se fecha. Não há nada mais que possa fazer. A segunda característica importante das qualia — a escolha — está ausente. Acho que posso concluir com segurança, ao contrário dos panpsiquistas, que a planta não tem qualia ligadas à detecção de insetos. No Capítulo 4, vimos como qualia e memória estão ligadas na história de Denise, a jovem mulher que, morando na Itália, sofreu envenenamento por monóxido de carbono e desenvolveu um estranho tipo de ”visão cega”. Lembrem-se de que ela conseguia girar corretamente um envelope para colocá-lo numa fenda horizontal ou vertical de uma caixa de correio, embora não pudesse perceber conscientemente a orientação da fenda. Mas, se alguém pedisse a Denise para primeiro olhar para a fenda e então desligasse as luzes antes de pedir-lhe para postar a carta, ela não conseguia mais. ”Ela” parecia esquecer a orientação da fenda quase imediatamente e era incapaz de inserir a carta. Isto sugere que a parte do sistema visual de Denise que discernia orientação e controlava os movimentos do seu braço — o que chamamos de zumbi ou via do como no Capítulo 4 — não só era destituída de qualia, mas também de memória de curto prazo. Mas a parte do seu sistema visual — a via do o quê — que normalmente a capacitaria a reconhecer a fenda e perceber sua orientação não é somente consciente, também tem memória. (Mas ”ela” não pode usar a via do o quê, porque está danificada; tudo isso está disponível no zumbi inconsciente e ”ele” não tem memória.) E não acho que esta ligação entre memória de curto prazo e percepção consciente seja coincidência. 302 / FANTASMAS NO CÉREBRO Por que uma parte da corrente visual tem memória e outra, não? Pode ser que o sistema do o quê, carregado de qualia, tenha memória porque está envolvido em fazer opções baseado em representações perceptivas — e escolher exige tempo. Por outro lado, o sistema do como, sem qualia, se empenha em um contínuo processamento em tempo real, funcionando num ciclo estanque — como o termostato de sua casa. Não precisa de memória porque não está envolvido em fazer opções reais. Assim, simplesmente postar uma carta não exige memória, mas escolher qual a carta a ser postada e decidir onde pô-la no correio realmente exige memória. Esta idéia pode ser testada num paciente como Denise. Se você montasse uma situação em que ela fosse forçada a fazer uma escolha, o sistema do zumbi (ainda intacto nela) poderia se atrapalhar completamente. Por exemplo, se você pedisse a Denise para pôr uma carta no correio e lhe mostrasse duas fendas (uma vertical, outra horizontal) simultaneamente, ela fracassaria, pois como poderia o sistema do zumbi escolher entre duas coisas? Na verdade, a própria idéia de um zumbi inconsciente fazer opções parece paradoxal — pois a própria idéia de livre-arbítrio não implica consciência? Para resumir o que foi dito até aqui — para existir qualia, você precisa de implicações potencialmente infinitas (bananas, icterícia, dentes), mas uma representação estável, fmita, irrevogável em sua memória de curto prazo, como ponto de partida (amarelo). Mas se o ponto de partida for revogável, então a representação não terá qualia fortes, nítidas. Bons exemplos deste último são um gato que você ”infere” estar embaixo do sofá, quando vê apenas seu rabo sobressaindo, ou sua capacidade de imaginar que há um macaco sentado naquela cadeira. Estes não têm qualia fortes, por uma boa razão: porque, se tivessem, você as confundiria com objetos reais e não poderia sobreviver muito tempo, dado o modo como seu sistema cognitivo está estruturado. Repito o que disse Shakespeare: ”Não se pode saciar o apetite com a simples imaginação de um banquete.” Ainda bem, pois do contrário você não comeria; bastaria gerar em seu cérebro as qualia associadas com saciedade. Da mesma forma, qualquer criatura que simplesmente imagina ter orgasmos não tem probabilidade de transmitir seus genes à próxima geração. Por que estas imagens vagas, geradas internamente (o gato embaixo do sofá, o macaco na cadeira) ou crenças, nesse caso, não têm qualia fortes? Imagine como o mundo seria confuso se tivessem. Percepções reais precisam ter qualia OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 303 nítidas, subjetivas, porque estão levando a decisões e você não pode se dar ao luxo de hesitar. Por outro lado, crenças e imagens internas não devem ser carregadas de qualia, porque precisam ser experimentais e revogáveis. Assim, você acredita — e pode imaginar — que embaixo da mesa há um gato porque vê um rabo sobressaindo. Mas poderia haver um porco sob a mesa com um rabo de gato transplantado. Você precisa estar disposto a alimentar essa hipótese, embora implausível, porque de vez em quando você pode ser surpreendido. Qual é a vantagem funcional ou computacional de fazer as qualia irrevogáveis? Uma das respostas é a estabilidade. Se você mudasse constantemente de opinião sobre qualia, o número de resultados potenciais seria infinito; nada refrearia seu comportamento. A certa altura você precisa dizer ”é este” e fincar ali uma bandeira, e é a colocação da bandeira que chamamos de qualia. O sistema perceptivo segue uma linha de raciocínio mais ou menos assim: dada a informação disponível, é 90% certo que o que você está vendo é amarelo (ou cachorro ou dor ou qualquer outra coisa). Portanto, a bem da discussão, vou admitir que ê amarelo, porque, se continuar dizendo ”Talvez não seja amarelo”, não serei capaz de dar o próximo passo de escolher um rumo adequado de ação ou pensamento. Em outras palavras, se eu tratasse percepções como crenças, estaria cego (assim como paralisado pela indecisão). As qualia são irrevogáveis a fim de eliminar hesitação e conferir certeza às decisões. E isto, por sua vez, pode depender de que neurônios particulares estão atuando, quão intensamente estão atuando e para que estruturas eles projetam. Quando vejo o rabo do gato sobressaindo por baixo da mesa, ”acho” ou ”sei” que há um gato embaixo da mesa, presumivelmente ligado ao rabo. Mas não vejo literalmente o gato, embora veja o rabo literalmente. E isto provoca outra pergunta fascinante: Ver e saber — a distinção qualitativa entre percepção e concepção — são coisas completamente diferentes, mediadas talvez por diferentes tipos de conjuntos de circuitos cerebrais, ou há uma zona cinzenta entre as duas? Voltemos à região correspondente ao ponto cego do meu olho, onde não posso ver nada. Como vimos na discussão sobre a síndrome de Charles Bonnet, no Capítulo 5, existe outra espécie de ponto cego — a enorme região atrás da minha cabeça — onde também não posso ver nada (embora as pessoas geralmente não usem a expressão ”ponto cego” para esta região). De fato, ordinariamente você não anda por aí sentindo uma enorme 304 / FANTASMAS NO CÉREBRO lacuna atrás de sua cabeça, e portanto poderia ser tentado a saltar para a conclusão de que, em certo sentido, está preenchendo o espaço em branco da mesma forma que preenche o ponto cego. Mas você não o faz. Você não pode. Não existe nenhuma representação visual neural no cérebro correspondente a esta área atrás da sua cabeça. Você só a preenche no sentido comum de que, se você está em pé num banheiro com papel de parede à sua frente, supõe que o papel de parede continua atrás da sua cabeça. Mas, embora suponha que exista papel de parede atrás de sua cabeça, literalmente não o vê. Em outras palavras, esse tipo de ”preenchimento” é puramente metafórico e não preenche nosso critério de ser irrevogável. No caso do ”verdadeiro” ponto cego, como vimos antes, você não pode mudar sua opinião sobre a área que foi preenchida. Mas, no tocante à região atrás da sua cabeça, você é livre para pensar: ”Com toda probabilidade, há papel de parede ali, mas, quem sabe, talvez haja ali um elefante.” Preencher o ponto cego é, portanto, fundamentalmente diferente da sua falha em notar a lacuna atrás de sua cabeça. Mas a pergunta permanece: A distinção entre o que se passa atrás da sua cabeça e o ponto cego é qualitativa ou quantitativa? A linha divisória entre ”preenchimento” (do tipo visto no ponto cego) e mera conjectura (sobre coisas que poderiam estar atrás de sua cabeça) é completamente arbitrária? Para responder, considere outra experiência de pensamento. Imagine que nós continuemos evoluindo de tal forma que nossos olhos migram rumo aos lados de nossas cabeças, preservando ao mesmo tempo o campo visual binocular. Os campos de visão dos dois olhos invadem cada vez mais a parte traseira de nossas cabeças até que eles quase se tocam. Nesse ponto, suponhamos que você tem um ponto cego atrás da sua cabeça (entre seus olhos) que é idêntico em tamanho ao ponto cego que está em sua frente. Então surge a pergunta: completar os objetos no ponto cego atrás da sua cabeça seria um verdadeiro preenchimento de qualia, como no ponto cego real, ou seriam imagens conceituais, revogáveis ou conjecturas do tipo que você e eu experimentamos atrás de nossas cabeças? Penso que haverá um ponto definido em que as imagens se tornem irrevogáveis, e em que vigorosas representações perceptivas sejam criadas, talvez até recriadas e enviadas zmfeedback às áreas visuais primitivas. Nesse ponto, a região cega atrás da sua cabeça torna-se funcionalmente equivalente ao ponto cego normal da sua frente. Então, o cérebro de repente mudará para um modo completamente novo de representar OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 305 a informação; usará neurônios das áreas sensoriais para assinalar os eventos atrás da sua cabeça irrevogavelmente (em vez de neurônios das áreas de pensamento para fazer conjecturas ilustradas mas experimentais sobre o que poderia estar se escondendo ali). Assim, embora o completamento do ponto cego e o completamento atrás de sua cabeça possam ser logicamente vistos como duas extremidades de um contínuo, a evolução decidiu separá-las. No caso do ponto cego do seu olho, a chance de que algo significativo esteja se escondendo ali é tão pequena que vale a pena tratá-la como possibilidade zero. No caso da área cega atrás da sua cabeça, porém, as probabilidades de que ali haja algo importante (como um ladrão com uma arma) são tão altas que seria perigoso preencher esta área irrevogavelmente com papel de parede ou o que quer que esteja na frente dos seus olhos. Até aqui falamos de três leis das qualia — três critérios lógicos para determinar se um sistema é consciente ou não — e consideramos exemplos do ponto cego e de pacientes neurológicos. Mas você pode perguntar: Até que ponto este princípio é geral? Podemos aplicá-lo a outros exemplos específicos quando há controvérsia ou dúvida sobre se a consciência está envolvida? Eis alguns exemplos: Ésabido que as abelhas empregam formas bem meticulosas de comunicação, inclusive a chamada dança das abelhas. Quando uma abelha batedora localiza uma fonte de pólen, volta à colmeia e executa uma dança esmerada para designar a localização do pólen ao resto da colmeia. A pergunta é: a abelha tem consciência quando faz isto?10 Já que o comportamento da abelha, uma vez posto em movimento, é irrevogável e como a abelha está agindo obviamente de acordo com alguma representação de memória de curto prazo da localização do pólen, pelo menos dois dos três critérios para a consciência são atendidos. Você poderia então concluir apressadamente que a abelha é consciente quando se empenha neste meticuloso ritual de comunicação. Mas como a abelha não preenche o terceiro critério — resultado flexível — eu afirmaria que é um zumbi. Em outras palavras, embora a informação seja muito meticulosa, seja irrevogável e baseada em memória de curto prazo, a abelha só pode fazer uma coisa com aquela informação; apenas um resultado é possível — a dança ritual. Este raciocínio é importante, pois implica que a mera complexi- 306 / FANTASMAS NO CÉREBRO dade ou elaboração do processamento de informações não é garantia de que haja envolvimento de consciência. Uma vantagem que meu esquema tem sobre outras teorias da consciência é que nos permite responder sem ambigüidade a perguntas como: a abelha tem consciência quando executa sua dança? Um sonâmbulo é consciente? A medula espinhal de um paraplégico é consciente — tem suas próprias qualia sexuais — quando ele tem uma ereção? Uma formiga tem consciência quando detecta feromônios? Em cada um desses casos, em vez da vaga asserção de que se está lidando com vários graus de consciência — o que é a resposta padrão —, deve-se simplesmente aplicar os três critérios especificados. Por exemplo, pode um sonâmbulo (enquanto está andando dormindo) fazer o ”teste da Pepsi” — isto é, escolher entre Pepsi-Cola e Coca-Cola? Ele tem memória de curto prazo? Se você lhe mostrasse a Pepsi, colocasse numa caixa, desligasse as luzes do aposento por 30 segundos e depois as ligasse de novo, ele estenderia a mão para a Pepsi (ou falharia completamente, como o zumbi em Denise)? Um paciente parcialmente comatoso com mutismo acinético (aparentemente desperto e capaz de seguir você com os olhos mas incapaz de se mover ou falar) tem memória de curto prazo? Agora podemos responder a estas perguntas e evitar infindáveis subterfúgios semânticos sobre o significado exato da palavra ”consciência”. Agora, você poderia perguntar: ”Qualquer uma dessas coisas fornece pistas sobre em que partes do cérebro poderiam estar as qualia?.” É surpreendente que muitas pessoas pensem que a sede da consciência está nos lobos frontais, porque nada de dramático acontece às qualia ou consciência per se, se você danifica os lobos frontais — embora a personalidade do paciente possa ser profundamente alterada (e ele possa ter dificuldade em desviar a atenção). Eu sugeriria que em vez disso a maior parte da ação está nos lobos temporais porque lesões e hiperatividade nestas estruturas é que mais freqüentemente produzem impressionantes distúrbios de consciência. Por exemplo, você precisa da amígdala e de outras partes dos lobos temporais para ver o significado das coisas, e seguramente esta é uma parte vital da experiência consciente. Sem esta estrutura você é um zumbi (como o cara na famosa experiência de pensamento do aposento chinês proposto pelo filósofo John Searle),’’ capaz somente de dar um único resultado correto em resposta a uma demanda, OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 307 mas sem nenhuma capacidade de sentir o significado do que está fazendo ou dizendo. Todo mundo concordaria que qualia e consciência não estão associadas com os estágios iniciais do processamento perceptivo como no nível da retina. Nem estão associadas com os estágios finais de planejamento de atos motores quando o comportamento é posto realmente em ação. Em vez disso, estão associadas com os estágios intermediários de processamento12 — um estágio em que são criadas representações perceptivas estáveis (amarelo, cachorro, macaco) e que têm significado (as infinitas implicações e possibilidades de ação, entre as quais você pode escolher a melhor). Isto acontece principalmente no lobo temporal e nas estruturas límbicas associadas, e, neste sentido, os lobos temporais são a interface entre percepção e ação. A prova disso vem da neurologia; lesões cerebrais que produzem os mais profundos distúrbios de consciência são aquelas que geram acessos nos lobos temporais, enquanto lesões em outras partes do cérebro produzem apenas distúrbios menores em matéria de consciência. Quando os cirurgiões estimulam eletricamente os lobos temporais de epilépticos, os pacientes têm nítidas experiências conscientes. Estimular a amígdala é o meio mais seguro de ”repassar” toda uma experiência, como uma memória autobiográfica ou uma nítida alucinação. Acessos nos lobos temporais são muitas vezes associados não só com alterações de consciência no sentido de identidade pessoal, destino pessoal e personalidade, mas também com nítidas qualia — alucinações como odores e sons. Se estas são meras memórias, como afirmam alguns, por que a pessoa diria: ”Sinto literalmente como se estivesse revivendo isso”? Estes acessos são caracterizados pela nitidez das qualia que produzem. Os odores, dores, paladares e sentimentos — todos gerados nos lobos temporais — sugerem que esta região do cérebro está intimamente envolvida em qualia e percepção consciente. Outra razão para escolher os lobos temporais — especialmente o esquerdo — é que é nele que grande parte da linguagem é representada. Se vejo uma maçã, a atividade do lobo temporal me permite apreender todas as suas implicações quase simultaneamente. O reconhecimento dela como uma fruta de certo tipo ocorre no córtex temporal inferior, a amígdala afere o significado da maçã para o meu bem-estar e a área de Wernicke e outras me alertam para todas as nuances de significado que a imagem mental — inclusive a palavra ”maça” — 308 / FANTASMAS NO CÉREBRO evoca; posso comer a maçã, posso sentir seu cheiro; posso fazer uma torta, retirar sua polpa, plantar as sementes; usá-la para ”manter o médico afastado”, tentar Eva e mil outras coisas. Se se enumerar todos os atributos que usualmente associamos com as palavras ”consciência” e ”percepção”, cada um deles, como você notará, tem um correlato em acessos do lobo temporal, inclusive nítidas alucinações visuais e auditivas, experiências ”extracorpóreas” e uma sensação absoluta de onipotência ou onisciência.13 Qualquer uma dessa longa lista de perturbações de experiência consciente pode ocorrer individualmente quando outras partes do cérebro são danificadas (por exemplo, perturbações de imagem corporal e atenção na síndrome do lobo parietal), mas é somente quando os lobos temporais estão envolvidos que elas podem ocorrer simultaneamente ou em diferentes combinações; isso mais uma vez sugere que estas estruturas desempenham um papel central na consciência humana. Até agora, discutimos o que os filósofos chamam de o problema das ”qualia” — a essencial particularidade e incomunicabilidade de estados mentais — e tentamos transformá-lo de problema filosófico num problema científico. Mas além das qualia (a ”impressão crua” de sensações), também temos de considerar o indivíduo — o ”eu” dentro de você que realmente experimenta estas qualia. Qualia e individualidade são realmente dois lados da mesma moeda; obviamente não existe algo como qualia flutuando livremente sem que sejam experimentadas por ninguém e é difícil imaginar uma individualidade desprovida de todas as qualia. Mas o que é exatamente a individualidade? Infelizmente, a própria palavra ”indivíduo”, ”eu”, é como a palavra ”felicidade” ou ”amor”; todos nós sabemos o que é e sabemos que é real, mas é difícil defini-la ou mesmo apontar exatamente suas características. Como acontece com o mercúrio, quanto mais você tenta agarrá-lo, mais ele tende a escorregar. Quando você pensa na palavra ”indivíduo”, o que estala em sua mente? Quando penso em ”mim mesmo”, parece ser algo que une todas as minhas diversas impressões sensoriais e memórias (unidade), afirma estar ”encarregado” da minha vida, faz escolhas (tem livre-arbítrio) e parece resistir como entidade única e singular no espaço e no tempo. Também vê a si próprio inserido num contexto social, agitando seu talão de cheques e talvez até planejando seu próprio funeral. Na realidade, podemos fazer uma lista de todas as características do ”indivíduo” — exataOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 309 mente como podemos fazer em relação à felicidade — e depois procurar estruturas cerebrais que estejam envolvidas em cada um desses aspectos. A realização disto algum dia nos capacitará a desenvolver um entendimento mais claro do indivíduo, do eu e da consciência — embora eu duvide que haja uma ”solução” grandiosa, única e definitiva para o problema do eu, da forma como o DNA é a solução para o enigma da hereditariedade. Quais são estas características que definem a individualidade? William Hirstein, um colega bolsista de pós-graduação em meu laboratório, e eu chegamos à lista seguinte: A individualidade corporificada: Minha Individualidade está ancorada em um corpo único. Se fecho os olhos, sinto nitidamente diferentes partes do corpo ocupando espaço (algumas partes mais sentidas do que outras): a chamada imagem corporal. Se você belisca meu dedo do pé, é o ”eu” que experimenta a dor, não ”ele”. E contudo a imagem corporal, como vimos, é extremamente maleável, apesar de toda a sua aparência de estabilidade. Com alguns segundos do tipo certo de estimulação sensorial, você pode fazer seu nariz ter um metro de comprimento ou projetar sua mão numa mesa (Capítulo 3)! E sabemos que certos circuitos nos lobos parietais, e nas regiões dos lobos frontais para as quais eles se projetam, têm grande envolvimento na construção desta imagem; a paciente pode dizer que seu braço esquerdo pertence à mãe dela ou (como no caso de uma paciente que vi com a Dra. Riita Hari em Helsinque) afirmar que a metade esquerda do seu corpo ainda está sentada na cadeira quando ela se levanta e caminha! Se estes exemplos não o convencem de que a ”propriedade” do seu corpo é uma ilusão, então nada o convencerá. A individualidade arrebatada: É difícil imaginar o indivíduo sem emoções — ou o que esse estado possa significar. Se você não vê o sentido ou significação de algo — se não pode apreender todas as suas implicações — em que sentido você o percebe conscientemente? Desse modo, suas emoções — mediadas pelo sistema límbico e pela amígdala — são um aspecto essencial do indivíduo, e não apenas um ”bônus”. (É uma questão discutida se um vulcano puro-sangue, como o pai de Spock na versão original de Jornada nas estrelas, é realmente consciente ou se é apenas um zumbi — a não ser que ele também seja contaminado por alguns genes humanos, como é o caso de Spock.) Lem- 310 / FANTASMAS NO CÉREBRO bre-se de que o ”zumbi” na via do ”como” é inconsciente, ao passo que a via do ”o quê” é consciente, e sugiro que a diferença aparece porque somente a última é ligada à amígdala e outras estruturas límbicas (Capítulo 5). A amígdala e o resto do sistema límbico (nos lobos temporais) assegura que o córtex — na verdade, o cérebro inteiro — sirva aos objetivos evolutivos básicos do organismo. A amígdala monitora o nível mais alto de representação perceptiva e ”tem seus dedos no teclado do sistema nervoso autônomo”; determina se deve ou não reagir emocionalmente a algo e que tipos de emoções são adequados (medo em resposta a uma serpente ou raiva ao seu patrão ou afeição ao seu filho). Também recebe informação do córtex insular, que por sua vez é dirigido parcialmente por informações sensoriais não só da pele, mas também dos órgãos internos — coração, pulmão, fígado, estômago — de forma que também se pode falar de uma ”individualidade visceral, vegetativa” ou de uma ”reação instintiva” a alguma coisa. (É esta ”reação instintiva”, de fato, que a gente monitora com a máquina de GSR, como mostramos no Capítulo 9, de forma que você pode afirmar que, rigorosamente falando, o eu visceral não faz parte do eu consciente. Mas pode intrometer-se profundamente na sua individualidade consciente; é só pensar na última vez em que você sentiu náuseas e vomitou.) Entre as patologias do eu emocional, incluem-se epilepsia do lobo temporal, síndrome de Capgras e síndrome de Klüver-Bucy. Na primeira, pode haver uma intensificada sensação de individualidade que pode surgir parcialmente através de um processo que Paul Fedio e D. Bear chamam de ”hiperconectividade” — o reforço de conexões entre as áreas sensoriais do córtex temporal e a amígdala. Essa hiperconectividade pode resultar de repetidos acessos que causam uma intensificação permanente (ignição) destas vias, levando o paciente a atribuir um profundo significado a tudo que está em torno dele (inclusive a si próprio!). Inversamente, pessoas com síndrome de Capgras têm reduzida reação emocional a certas categorias de objetos (rostos) e pessoas com a síndrome de Klüver-Bucy ou de Cotard têm problemas mais difusos com emoções (Capítulo 8). Um paciente com síndrome de Cotard sente-se tão emocionalmente distante do mundo e de si próprio que fará realmente a absurda afirmação de que está morto ou de que pode sentir o cheiro de sua carne apodrecendo. Curiosamente, o que chamamos de ”personalidade” — um aspecto essenOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 311 cial da individualidade que dura a vida inteira e é notoriamente impermeável a ”correções” de outras pessoas ou até do bom senso — provavelmente também envolve as mesmas estruturas límbicas e suas conexões com os lobos frontais ventromediais. Um dano ao lobo frontal não causa nenhuma perturbação óbvia e imediata à consciência, mas pode alterar profundamente a personalidade. Quando uma alavanca perfurou os lobos frontais de um ferroviário chamado Phineas Gage, seus amigos íntimos e parentes observaram que ”Gage não era mais Gage”. Neste famoso exemplo de lesão do lobo frontal, Gage se transformou de jovem estável, polido e trabalhador num vagabundo mentiroso e trapaceiro, que não conseguia se manter num emprego.14 Pacientes de epilepsia do lobo temporal, como Paul no Capítulo 9, também mostram impressionantes mudanças de personalidade, tanto que alguns neurologistas falam de ”personalidade de epilepsia do lobo temporal”. Alguns deles (os pacientes, não os neurologistas) tendem a ser pedantes, questionadores, egocêntricos e verborrágicos. Também tendem à obsessão com ”pensamentos abstratos”. Se esses traços são um resultado de hiperfuncionamento de certas partes do lobo temporal, qual é exatamente a função normal destas áreas? Se o sistema límbico é envolvido principalmente com as emoções, por que acessos nestas áreas causariam uma tendência a gerar pensamento abstrato? Existem em nosso cérebro áreas cujo papel é produzir e manipular pensamentos abstratos? Este é um dos muitos problemas não resolvidos da epilepsia do lobo temporal.15 A individualidade executiva: A física clássica e a neurologia moderna nos dizem que você (inclusive sua mente e cérebro) vive num universo determinista. Mas em geral você não se sente como uma marionete; sente que está no controle. Mas, paradoxalmente, é sempre óbvio que existem algumas coisas que você pode fazer e outras que não pode, dados os limites e restrições do seu corpo e do mundo exterior. (Você sabe que não pode erguer um caminhão; sabe que não pode dar um soco de deixar arroxeado o olho do seu patrão, embora gostaria de fazê-lo.) Em algum lugar do seu cérebro existem representações de todas estas possibilidades, e os sistemas que planejam comandos (o giro angulado e áreas motoras suplementares nos lobos frontais) precisam estar cientes desta distinção entre coisas que eles podem ou não podem ordenar que você faça. Na verdade, o indivíduo que se vê como completamente passi- 312 / FANTASMAS NO CÉREBRO vo, como um espectador impotente, não é absolutamente um indivíduo, e uma individualidade que é desesperadamente levada à ação por seus impulsos e ímpetos é igualmente impotente. Um indivíduo precisa de livre-arbítrio — o que Deepak Chopra chama de ”o campo universal de infinitas possibilidades” — até para existir. Mais tecnicamente, a percepção consciente tem sido descrita como uma ”disposição condicional para agir”. Para conseguir tudo isto, preciso ter em meu cérebro não somente uma representação do mundo e de vários objetos, mas também uma representação de mim mesmo, inclusive do meu próprio corpo dentro dessa representação — e é este peculiar aspecto recursivo do eu que o torna tão intrigante. Além disso, a representação do objeto externo tem de interagir com minha autorepresentação (inclusive com os sistemas de comando motor) a fim de me permitir fazer uma opção. (Ele é seu patrão; não bata nele. É um biscoito; está ao seu alcance pegá-lo.) Desarranjos neste mecanismo podem levar a síndromes como anosognosia ou somatoparafrenia (Capítulo 7) em que uma paciente afirmará com a expressão mais sincera do mundo que seu braço esquerdo pertence ao irmão dela ou ao médico. Que estrutura neural está envolvida na representação destes aspectos ”corporificados” e ”executivos” do indivíduo? Um dano à circunvolução do giro cingulado anterior resulta num curioso estado chamado ”mutismo acinético” — o paciente simplesmente fica na cama, sem vontade de fazer ou incapaz de fazer nada, embora pareça estar plenamente consciente do que o cerca. Se existe uma coisa como ausência de livre-arbítrio, aí está um caso. Às vezes, quando há um dano parcial ao cingulado anterior, acontece exatamente o oposto. A mão do paciente é desacoplada de seus pensamentos conscientes e intenções e tenta pegar coisas ou mesmo executar ações relativamente complexas sem sua permissão. Por exemplo, o Dr. Peter Halligan e eu vimos uma paciente no Rivermead Hospital em Oxford, cuja mão esquerda agarraria o corrimão da escada quando ela descia os degraus e tinha de usar a outra mão energicamente para abrir os dedos um a um, a fim de poder continuar andando. A mão estranha é controlada por um zumbi inconsciente, ou é controlada por partes do cérebro dela que têm qualia e consciência? Agora podemos responder a esta pergunta, aplicando nossos três critérios. O sistema do cérebro dela que movimenta seu braço cria uma representação irrevogável? Tem memória de curto prazo? Pode fazer uma escolha? OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 313 Tanto a individualidade executiva quanto a individualidade corporificada são mobilizadas quando você está jogando xadrez e assume ser a rainha enquanto planeja o próximo movimento ”dela”. Quando faz isto, você quase sente momentaneamente que está habitando a rainha. Agora você poderia dizer que está usando apenas uma figura de linguagem, que não está literalmente assimilando a peça de xadrez na sua imagem corporal. Mas você pode estar tão certo assim de que a lealdade da sua mente ao seu próprio corpo não é igualmente uma ”figura de linguagem”? O que aconteceria com a sua GSR se eu repentinamente esmurrasse a rainha? Dispararia como se eu estivesse esmurrando seu próprio corpo? Nesse caso, qual é a justificativa para uma distinção inflexível entre o corpo dela e o seu? Pode acontecer que sua tendência normal a se identificar com seu próprio corpo em vez de com a peça de xadrez seja também uma questão de convenção, embora uma convenção duradoura? Poderia esse mecanismo também estar subjacente à empatia e no amor que alguém sente por um amigo íntimo, um cônjuge ou um filho que é literalmente feito a partir do seu próprio corpo? A individualidade mnemônica: Seu senso de identidade pessoal — uma pessoa única que permanece no espaço e no tempo — depende de uma longa série de recordações altamente pessoais: sua autobiografia. Organizar estas memórias numa história coerente é obviamente fundamental para a construção do indivíduo. Sabemos que o hipocampo é necessário para adquirir e consolidar novos traços de memória. Se você perdeu o hipocampo há dez anos, então não vai ter nenhuma lembrança de fatos ocorridos depois daquela data. Você ainda está plenamente consciente, é claro, porque tem todas as lembranças anteriores a essa perda, mas, num sentido bem real, sua existência foi congelada naquela época. Um desarranjo profundo na individualidade mnemônica pode levar ao distúrbio de personalidade múltipla (MPD). Este distúrbio é visto como um defeito do mesmo princípio de coerência a que aludi na discussão da negação, no Capítulo 7. Como vimos, se você tem dois conjuntos mutuamente incompatíveis de crenças e lembranças sobre si mesmo, a única maneira de impedir a anarquia e o conflito infindável pode ser criar duas personalidades dentro de um corpo — o chamado distúrbio de personalidade múltipla. Dada a óbvia 314 / FANTASMAS NO CÉREBRO relevância desta síndrome para entender a natureza da individualidade, do eu, é espantoso como tem recebido pouca atenção das correntes predominantes da neurologia. Até a misteriosa peculiaridade chamada hipergrafia — a tendência de pacientes de epilepsia do lobo temporal a manter diários minuciosos — pode ser uma exacerbação da mesma tendência geral: a necessidade de criar e manter uma visão coerente do mundo ou autobiografia. Talvez a ignição na amígdala faça todo e qualquer acontecimento externo e crença interna adquirir um profundo significado para o paciente, de forma que haja em seu cérebro uma enorme proliferação de crenças e memórias falsamente relevantes para si próprio. Acrescente-se a isto a necessidade compulsiva que, de vez em quando, todos nós temos de fazer um balanço de nossas vidas, ver em que ponto estamos; de passar em revista periodicamente os aspectos relevantes de nossas vidas — e tem-se a hipergrafia, uma exacerbação desta tendência natural. Todos nós temos pensamentos aleatórios durante nossos devaneios e meditações do dia-adia, mas se estes fossem às vezes acompanhados de miniacessos — produzindo euforia — então os próprios devaneios poderiam evoluir para obsessões e crenças arraigadas a que o paciente continuaria voltando, seja em seu discurso seja em seus escritos. Será que fenômenos semelhantes poderiam fornecer uma base neural para o zelo excessivo e o fanatismo? A individualidade unificada — impondo coerência à consciência, preenchimento e confabulação: Outro atributo importante da individualidade é a unidade — a coerência interna de seus diferentes atributos. Uma forma de abordar a questão de como nossa explicação de qualia tem relação com o eu é perguntar por que ocorre algo como o preenchimento do ponto cego com qualia. O motivo original que muitos filósofos tiveram para afirmar que o ponto cego não é preenchido era que no cérebro não havia nenhuma pessoa para preenchêlo — que nenhum homiínculo estava observando. Como não existe nenhum homenzinho, argumentavam eles, o antecedente também é falso. Qualia não são preenchidas, e pensar assim é uma falácia lógica. Já que afirmo que as qualia são de fato preenchidas, significa isto que acredito que são preenchidas por um homúnculo? Claro que não. O argumento do filósofo é falso. A linha de raciocínio devia ser: Se as qualia são preenchidas, elas o são por algo, e o que é esse ”algo”? OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 315 Existe em certos ramos da psicologia a idéia de um processo executivo, ou de controle, cuja localização geralmente se acredita estar nas áreas pré-frontais e frontais do cérebro. Gostaria de sugerir que o algo pelo qual as qualia são preenchidas não é uma ”coisa”, mas simplesmente outro processo do cérebro, isto é, processos executivos associados com o sistema límbico que incluem partes do giro cingulado anterior. Este processo conecta suas qualia perceptivas com emoções e objetivos específicos, capacitando você a fazer opções — exatamente o tipo de coisa que tradicionalmente sempre se supôs que o indivíduo faz. (Por exemplo, depois de tomar várias xícaras de chá, tenho a sensação ou impulso — as qualia — de urinar, mas estou dando uma aula e assim opto por protelar a ação até a aula terminar, mas também posso optar por me desculpar no fim, em vez de responder a perguntas.) Um processo executivo não é algo que tenha todas as propriedades de um ser humano completo, é claro. Não é um homúnculo. Ao contrário, é um processo pelo qual algumas áreas do cérebro, como as envolvidas com a percepção e a motivação, influenciam as atividades de outras áreas, como as que lidam com o planejamento de produção motora. Visto desta maneira, o preenchimento é uma espécie de tratamento e ”preparação” de qualia para capacitá-las a interagir adequadamente com as estruturas executivas límbicas. As qualia podem precisar ser preenchidas porque as lacunas interferem no funcionamento adequado destas estruturas, reduzindo sua eficiência e sua capacidade de selecionar uma resposta apropriada. Como o nosso general que ignora lacunas nos dados fornecidos a ele por batedores para evitar tomar uma decisão errada, a estrutura de controle também descobre um meio de evitar lacunas — preenchendo-as. Onde, no sistema límbico, estão estes processos de controle? Poderia ser um sistema envolvendo a amígdala e o giro cingulado anterior, dado o papel central da amígdala na emoção e o visível papel executivo do cingulado anterior. Sabemos que, quando estas estruturas são desconectadas, ocorrem distúrbios de ”livre-arbítrio”, como o mutismo acinético16 e a síndrome da mão estranha. Não é difícil ver como esses processos poderiam dar origem à mitologia de uma individualidade como uma presença ativa no cérebro — um ”fantasma na máquina”. ~^Tindividualidade vigilante: Uma importante pista para o conjunto de circuitos neurais subjacentes às qualia e à consciência vem de dois outros 316 / FANTASMAS NO CÉREBRO distúrbios neurológicos: alucinose peduncular e ”coma vígil” ou mutismo acinético. O cingulado anterior e outras estruturas límbicas também recebem projeções dos núcleos talâmicos intralaminares (células no tálamo), que por sua vez são impelidos por feixes de células no tronco cerebral (inclusive as células colinérgicas do tegmento lateral e as células pedunculopontinas). Uma hiperatividade destas células pode levar a alucinações visuais (alucinose peduncular), e também sabemos que os esquizofrênicos têm uma duplicação do número de células nestes mesmos núcleos do tronco encefálico — o que pode contribuir para suas alucinações. Inversamente, um dano ao núcleo intralaminar ou ao cingulado anterior resulta em coma vígil ou mutismo acinético. Pacientes com este estranho distúrbio ficam imóveis e mudos e reagem lentamente, se chegam a reagir, a estímulos dolorosos. Contudo, estão visivelmente despertos e conscientes, movendo os olhos e seguindo objetos. Quando sai deste estado, o paciente pode dizer: ”Nem palavras nem pensamentos vinham à minha mente. Eu simplesmente não queria fazer, nem pensar, nem dizer nada.” (Isto provoca uma pergunta fascinante: Um cérebro desnudado de qualquer motivação pode absolutamente registrar memórias de qualquer tipo? Se pode, de quantos detalhes o paciente pode se lembrar? Ele se lembra da picada e das palavras repetidas do neurologista? Ou da fita cassete que sua namorada tocou para ele?) Obviamente estes circuitos talâmicos e do tronco encefálico desempenham um papel importante na consciência e nas qualia. Mas resta ver se desempenham meramente um papel ”de apoio” para as qualia (como de fato o fígado e o coração desempenham!), ou se são uma parte integrante do conjunto de circuitos que engloba qualia e consciência. São análogos ao fornecimento de energia para um videocassete ou aparelho de TV, ou ao próprio cabeçote magnético de gravação e ao canhão eletrônico no tubo de raios catódicos? A individualidade conceitual e a individualidade social: Em certo sentido, nosso conceito de individualidade não é fundamentalmente diferente de qualquer outro conceito abstrato que temos — como ”felicidade” ou ”amor”. Portanto, um cuidadoso exame das diferentes maneiras como usamos a palavra ”eu” no discurso social comum pode proporcionar algumas pistas sobre o que é a individualidade e qual poderia ser sua função. OS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 317 Por exemplo, é claro que o conceito abstrato que se faz de si mesmo também precisa ter acesso às partes ”inferiores” do sistema, para que a pessoa possa reconhecer ou se responsabilizar por diferentes fatos relacionados com a individualidade: estados do corpo, movimentos do corpo e assim por diante (exatamente como você afirma ”controlar” seu polegar quando está pedindo uma carona, mas não o seu joelho, quando eu bato no tendão com meu martelo de borracha). A informação em memória autobiográfica e a informação sobre a imagem corporal precisam ser acessíveis ao conceito pessoal, para que pensamento e discurso sobre o indivíduo sejam possíveis. No cérebro normal, há vias especializadas que permitem que ocorra esse acesso, mas quando uma ou mais destas vias são danificadas, o sistema tenta fazê-lo de qualquer forma, e resulta a confabulação. Por exemplo, na síndrome da negação discutida no Capítulo 7, não há nenhum canal de acesso entre informação sobre o lado esquerdo do corpo e o conceito que o paciente tem dele mesmo. Mas o conceito pessoal é montado para tentar automaticamente incluir essa informação. O resultado líquido disso é a anosognosia ou síndrome da negação; a individualidade ”supõe” que o braço está bem e ”preenche” os movimentos daquele braço. Uma das características do sistema de auto-representação é que a pessoa vai confabular para tentar encobrir os déficits nele existentes. Os principais objetivos deste modo de agir, como vimos no Capítulo 7, são impedir a constante indecisão e conferir estabilidade ao comportamento. Mas outra importante função talvez seja apoiar o tipo de individualidade criada ou narrativa de que fala o filósofo Dan Dennett — que nos apresentamos a nós mesmos como unificados a fim de atingir objetivos sociais e ser inteligíveis aos outros. Também nos apresentamos como reconhecendo nossa identidade passada e futura, capacitando-nos a ser vistos como parte da sociedade. Reconhecer e assumir crédito ou culpa por coisas que fizemos no passado ajuda a sociedade (em geral, parentes que compartilham nossos genes) a nos incorporar efetivamente em seus planos, acentuando assim a sobrevivência e a perpetuação de nossos genes.17 Se você duvida da realidade da individualidade social, apresente a você mesmo a seguinte questão: Imagine que há algum ato que você cometeu, a respeito do qual se sente extremamente embaraçado (cartas de amor e fotos Polaroid de um caso ilícito). Suponha além disso que agora você tem uma 318 / FANTASMAS NO CÉREBRO doença fatal e morrerá em dois meses. Se você sabe que, remexendo em seus pertences, alguma pessoa descobrirá seus segredos, fará o máximo para encobrir suas pistas? Se a resposta é sim, surge a pergunta: Por que se incomodar? Afinal de contas, você não estará mais aqui. Então que importância tem o que as pessoas pensam de você depois que você se foi? Esta simples experiência de pensamento sugere que a idéia da individualidade social e de sua reputação não é apenas uma coisa abstrata. Pelo contrário, está entranhada tão profundamente em nós que queremos protegê-la até depois da morte. Muitos cientistas passaram a vida inteira desejando obsessivamente a fama póstuma — sacrificando tudo o mais para deixar uma pequenina marca no edifício. Assim, aqui está a maior ironia de todas: que a individualidade, que quase por definição é inteiramente privada, é em grau significativo uma construção social — uma história que você compõe para os outros. Em nossa discussão sobre negação, sugeri que confabulação e auto-sugestão evoluíram principalmente como subprodutos da necessidade de impor estabilidade, coerência interna e coerência com o comportamento. Mas uma função adicional importante poderia nascer da necessidade de ocultar a verdade de outras pessoas. O biólogo da evolução RobertTrivers18 propôs o engenhoso raciocínio de que a auto-sugestão evoluiu principalmente para permitir que a pessoa minta com completa convicção, como pode fazer um vendedor de carros. Afinal de contas, em muitas situações sociais poderia ser útil mentir — numa entrevista para conseguir emprego ou durante uma conquista amorosa (”Não sou casado”). Mas o problema é que seu sistema límbico muitas vezes estraga o jogo e seus músculos faciais deixam entrever vestígios de culpa. Uma forma de impedir isto, sugere Trivers, pode ser você primeiro enganar a si próprio. Se você acredita realmente em suas mentiras, não há perigo de seu rosto o denunciar. E esta necessidade de mentir eficientemente providenciou a pressão de seleção para o surgimento da auto-sugestão. Não acho a idéia de Trivers convincente como uma teoria geral da autosugestão, mas existe um tipo particular de mentiras para as quais ela leva uma força especial: a mentira sobre as próprias capacidades ou fanfarronada. Através do alarde de seus bens e posses, você pode aumentar a probabilidade de conseguir mais encontros, assim disseminando seus genes mais eficientemente. O castigo para a auto-sugestão, claro, é que você pode se tornaFdelirante. Por exemplo, dizer a sua namorada que você é milionário é uma coisa; acrediOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 319 tar realmente nisso é completamente diferente, porque você pode começar a gastar o dinheiro que não tem! Por outro lado, as vantagens da fanfarronada bem-sucedida (retribuição de gestos de galanteio) podem sobrepujar a desvantagem do delírio — pelo menos até certo ponto. As estratégias evolutivas são sempre uma questão de acordo e concessão. Assim, podemos fazer experiências para provar que a auto-sugestão evoluiu num contexto social? Infelizmente, estas não são idéias fáceis de testar (como acontece com todos os raciocínios evolutivos), mas, mais uma vez, nossos pacientes com síndrome de negação, cujas defesas são maciçamente amplificadas, podem vir em nosso socorro. Quando questionado pelo médico, o paciente nega estar paralítico, mas será que negaria sua paralisia também a si próprio! Faria isso quando ninguém estivesse observando? Minhas experiências sugerem que provavelmente faria, mas imagino se o delírio é amplificado na presença de terceiros. Sua pele registraria uma resposta galvânica quando afirmasse confiantemente que pode encarar uma queda de braço? Que tal se lhe mostrássemos a palavra ”paralisia”? Embora negue a paralisia, ficaria perturbado com a palavra e registraria uma forte GSR? Uma criança normal mostraria mudança na pele quando confabulando (crianças são notoriamente inclinadas a esse comportamento)? Que aconteceria se um neurologista desenvolvesse anosognosia (a síndrome da negação) em resultado de um derrame? Continuaria a dar aulas sobre este assunto a seus alunos — jubilosamente inconsciente de que ele próprio estava sofrendo de negação? Na verdade, como sei que não sou assim? Somente fazendo perguntas como estas é que podemos começar a abordar o maior enigma científico e filosófico de todos — a natureza do eu, da individualidade. Nossos divertimentos já acabaram. Esses nossos atores, Como eu já prevenira, eram todos espíritos e Desapareceram no ar, no seio do ar impalpável... Somos feitos Do mesmo material que os sonhos, E nossa curta vida Acaba com um sono — WILLIAM SHAKESPEARE 320 / FANTASMAS NO CÉREBRO Durante as três últimas décadas, neurocientistas do mundo inteiro investigaram o sistema nervoso em detalhes fascinantes e aprenderam muito sobre as leis da vida mental e sobre o modo como estas leis surgem do cérebro. O ritmo do avanço tem sido animador, mas — ao mesmo tempo — as descobertas incomodam a muita gente. Parece um tanto desconcertante que sua vida, todas as suas esperanças, triunfos e aspirações nasçam simplesmente da atividade de neurônios em seu cérebro. Mas, longe de ser humilhante, esta idéia é enobrecedora, penso eu. A ciência — a cosmologia, a evolução e especialmente as ciências do cérebro — está nos dizendo que não temos nenhuma posição privilegiada no universo e que nossa sensação de ter um espírito, uma alma imaterial particular ”observando o mundo”, é realmente uma ilusão (como há muito tempo tem sido enfatizado por tradições místicas orientais como o hinduísmo e o zen-budismo). Uma vez que você compreenda que, longe de ser um espectador, você é parte do eterno fluxo e refluxo de acontecimentos no cosmos, esta percepção é muito libertadora. Em última análise, esta idéia também lhe permite cultivar uma certa humildade — a essência de toda experiência religiosa autêntica. Não é uma idéia fácil de traduzir em palavras, mas chega muito perto da do cosmólogo Paul Davies, que disse: Através da ciência, nós, seres humanos, somos capazes de apreender pelo menos alguns dos segredos da natureza. Deciframos parte do código cósmico. Por que isto deve ser assim, por que o Homo sapiens deve levar consigo a centelha da racionalidade que fornece a chave do universo, é um enigma profundo. Nós, que somos filhos do universo — poeira de estrela vivente —, podemos no entanto refletir sobre a natureza desse mesmo universo, até mesmo a ponto de entrever as regras de seu funcionamento. Como nos tornamos ligados a esta dimensão cósmica é um mistério. No entanto, a ligação não pode ser negada. O que significa isso? O que é o Homem para podermos ser partícipes de tal privilégio? Não posso acreditar que nossa existência neste universo seja um mero capricho do destino, um incidental ponto de luz no grande drama cósmico. Nosso envolvimento é íntimo demais. A espécie física Homo pode não valer nada, mas a existência de mente em algum organismo em algum planeta do universo é seguramente um fato de significado fundamental. Através de seres conscientes o universo gerou a autopercepção, o autoconheOS MARCIANOS VÊEM VERMELHO? / 321 cimento. Isto não pode ser um detalhe banal, um subproduto menor de forças irracionais, sem propósito. Somos verdadeiramente destinados a estar aqui. Somos? Não acho que a ciência do cérebro sozinha, apesar de todas as suas vitórias, responda jamais a esta pergunta. Mas o simples fato de podermos fazer a pergunta é, para mim, o aspecto mais enigmático de nossa existência. Agradecimentos Minhas incursões pela neurologia durante os últimos dez anos têm sido fascinantes, cheias de toda sorte de voltas e reviravoltas inesperadas à medida que se desenrolava cada trama. Meus companheiros de jornada têm sido meus numerosos alunos e colegas, os muitos livros de onde tenho tirado inspiração e as imagens de meus antigos professores de Cambridge e da índia ainda vivas na minha mente. Gostaria de agradecer particularmente às seguintes pessoas: Primeiro e antes de tudo, meus pais — Vilayanur Subramanian e Vilayanur Meenakshi — que estimularam fortemente meu interesse precoce pela ciência. (Meu pai comprou para mim um microscópio Zeiss de pesquisa quando eu tinha 10 anos e minha mãe aguçou-me o apetite pela química, dando-me o manual de Partington de química inorgânica e ajudando-me a montar um pequeno laboratório embaixo da nossa escada.) Meu irmão, Vilayanur Ravi, despertou meu interesse por poesia e literatura, que têm muito mais coisas em comum com a ciência do que muitas pessoas percebem. Minha mulher, Diane, tem sido minha colaboradora na exploração do cérebro e ajudou-me a planejar muitos dos capítulos. Dois tios meus, Parameswara Hariharan e Alladi Ramakrishnan, alimentaram meu interesse latente em visão e ciência do cérebro (quando eu ainda era adolescente, o Dr. Ramakrishnan insistiu que submetesse à apreciação da Nature um trabalho que foi aceito e publicado). Também devo muito aos antigos professores John Pettigrew, Oliver Braddick, Colin Blakemore, David Whitteridge, Horace Barlow, Fergus Campbell, Ridiard Gregory, Donald MacKay, K. V. Thiruvengadam e P K. Krishnan Kutty e a vários colegas, amigos e alunos, Reid Abraham, Tom Albright, Krishnaswami Alladi, John Allman, Stuart Anstis, Carrie Armei, Richard Attiyeh, Elizabeth Bates, Floyd Bloom, Mark Bode, Patrick Cavanagh, Steve Cobb, Diana Deutsch, Paul Drake, Sally Duensing, Rosetta Ellis, Martha Farah, David Galin, Sir Alan Gilchrist, Chris Gillin, Rick Grush, Ishwar Hariharan, Laxmi Hariharan, Steve Hillyer, David Hubel, Mumtaz Jahan, Jonathan Khazi, Julie Kindy, Ranjit Kumar, Margaret Livingstone, Donald MacLeod, Jonathan 324 / FANTASMAS NO CÉREBRO Miller, Ken Nakayama, Kumpati Narenda, David Pearlmutter, Dan Plummer, Mike Posner, Alladi Prabhakar, David Presti, Mark Raichle, Chandramani Ramachandran, William Rosar, Vivian Roum, Krish Sathian, Nick Schiff, Terry Sejnowski, Margaret Sereno, Marty Sereno, Alan Snyder, Subramanian Sriram, Arnie Starr, Gene Stoner, R. Sudarshan, Christopher Tyler, Claude Valenti, T.R. Vidyasagar, Ben Williams e Tony Yang. E agradecimentos especiais a Míriam Alaboudi, Eric Altschuler, Gerald Arcilla, Roger Bingham, Joe Bogen, Pat Churchland, Paul Churchland, Francis Crick, Odile Crick, Hanna Damasio, Tony Damasio, Art Flippin, Harold Forney, William Hirstein, Bela Julesz, Leah Levi, Charlie Robbins, Irvin Rock, Oliver Sacks, Elsie Schwartz, Nithya Shiva, John Smythies e Christopher Wills. Agradeço também à Universidade da Califórnia de San Diego (UCSD) e ao Center for Human Information Processing — CHIP por proporcionarem um magnífico ambiente acadêmico; em recente pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisas, o campus da UCSD foi classificado como o número um do país em neurociência. A universidade também tem a sorte de ter um relacionamento simbiótico com muitos vizinhos, inclusive o Instituto Salk, a Clínica Scripps e o Instituto de Neurociência, tornando La Jolla a Meca para neurocientistas do mundo inteiro. Muitas das pesquisas que descrevo neste livro foram realizadas em La Jolla, mas também dirijo estudos com pacientes na índia, durante minhas visitas anuais ao país. Agradeço ao Instituto de Neurologia, ao Hospital Geral de Madras e ao Instituto Tata de Pesquisa Fundamental em Bangalore por sua hospitalidade. Algumas das idéias discutidas no livro surgiram de diálogos que tive com estudantes e colegas — Eric Altschuler (experimentos sobre placebos e somatoparafrenia), Roger Bingham (psicologia da evolução), Francis Crick (consciência e qualia; o termo ”zumbi” para a via do como no lobo parietal), Anthony Deutsch (analogia com o porco falante), Ilya Farber (sensações de movimento do braço num paciente de negação), Stephen Jay Gould (alertandome para a idéia de Freud sobre as revoluções científicas), Richard Gregory (qualia, preenchimento e espelhos), Laxmi Hariharan (diagnóstico pediátrico), Mark Hauser (consciência de abelhas), William Hirstein (com quem foi escrito um primeiro esboço do Capítulo 12), Ardon Lyon (pontos cegos), John Pettigrew (talento como marca de tamanho do cérebro), Bob Rafael (soma- AGRADECIMENTOS / 325 toparafrenia), Diane Rogers-Ramachandran (o experimento da injeção simulada), Alan Snyder (semelhanças entre os cavalos de Nadia e os de da Vinci na seção sobre síndrome do savanf) e Christopher Wills (que ajudou com um esboço inicial do Capítulo 5). Também sou grato ao meu agente, John Brockman, presidente da Fundação EDGE, não só por insistir comigo para eu escrever este livro mas também por fazer tudo a seu alcance para ajudar a construir uma ponte entre as ”duas culturas”. Como o conde de Bridgewater, que encomendou muitos livros de ciência popular na Inglaterra vitoriana, Brockman tem sido uma poderosa força na divulgação da ciência na última parte deste século. Agradecimentos também a Sandra Blakeslee e Toni Sciarra, que continuaram me incitando a concluir este projeto e contribuíram para tornar o livro acessível a um número maior de leitores. Finalmente, tenho uma dívida muito importante para com meus pacientes, que muitas vezes ficaram sentados durante longas horas de testes cansativos e tediosos, muitos deles tão intensamente curiosos sobre sua situação quanto eu. Muitas vezes tenho aprendido mais batendo papo com eles ou lendo suas cartas do que em conferências dos meus colegas médicos. Notas Capítulo 1: O fantasma interior 1. Naturalmente, estou falando aqui de estilo, não de conteúdo. Modéstia à parte, duvido que qualquer informação neste livro seja tão importante quanto uma das descobertas de Faraday, mas acho realmente que todos os cientistas experimentais deviam se esforçar para imitar seu estilo. 2. Na verdade, não se quer tornar um fetiche a ciência de baixa tecnologia. Meu ponto de vista é simplesmente que, paradoxalmente, pobreza e equipamentos toscos podem às vezes servir realmente como um catalisador, em vez de constituir uma desvantagem, porque nos forçam a ser inventivos. Ninguém nega, porém, que a tecnologia inovadora impele a ciência, da mesma forma que as idéias. O advento de novas técnicas de imageamento, como PET, fMRI e MEG provavelmente vai revolucionar a ciência do cérebro no próximo milênio, permitindo-nos observar cérebros vivos em ação, enquanto as pessoas se empenham em várias tarefas mentais. (Ver Posner e Raichle, 1997, e Phelps e Mazziotta, 1981.) Infelizmente, existe hoje uma porção de inventos apressados em ação (quase uma repetição da frenologia do século XIX). Mas, se usadas inteligentemente, estas engenhocas podem ser imensamente úteis. As melhores experimentações são aquelas em que a construção de imagens é combinada com hipóteses claras e testáveis de como a mente realmente funciona. Há muitos casos em que rastrear o fluxo de eventos é vital para entender o que está acontecendo no cérebro, e vamos encontrar alguns exemplos neste livro. 3. Esta pergunta pode ser respondida mais facilmente usando insetos, que têm estágios específicos, cada um com um período de vida fixo. (Por exemplo, a espécie de cigarra Ma.gicica.da septendectm passa 17 anos como ninfa imatura e apenas algumas semanas como adulta!) Usando o hormônio da metamorfose ecdisona ou um anticorpo para esta ou insetos mutantes, que carecem do gene para o hormônio, pode-se teoricamente manipular a duração de cada estágio separadamente a fim de ver como isso contribui para o período total de vida. Por exemplo, o bloqueio da ecdisona permitiria à lagarta desfrutar uma vida indefinidamente 328 / FANTASMAS NO CÉREBRO longa e, inversamente, a transformação dela numa borboleta permitiria que gozasse uma vida mais longa como borboleta? 4. Muito antes que o papel do ácido desoxirribonucléico fosse explicado por James Watson e Francis Crick, Fred Griffiths provou em 1928 que, quando uma substância química obtida de uma bactéria de uma espécie — chamada cepa pneumococo S —, morta pelo calor, era injetada simultaneamente em ratos com outra cepa (cepa R), a última era ”transformada” na cepa S! Era óbvio que na bactéria S estava presente algo que levava a cepa R a se tornar S. Então, na década de 1940, Oswald Avery, Colin Macleod e Maclyn McCarty mostraram que esta reação é causada por uma substância química, o DNA. A implicação — de que o DNA contém o código genético — devia ter provocado ondas de choque no mundo da biologia, mas causou apenas uma pequena agitação. 5. Historicamente tem havido muitas maneiras diferentes de estudar o cérebro. Um dos métodos, popular entre os psicólogos, é a chamada abordagem da caixa preta: você varia sistematicamente a informação ao sistema para ver como o resultado muda e constrói modelos do que está acontecendo entre uma coisa e outra. Se você acha que isto parece enfadonho, monótono, tem razão. Contudo, a abordagem tem tido alguns sucessos espetaculares, como a descoberta da tricromia como mecanismo da visão de cores. Os pesquisadores descobriram que todas as cores que a gente vê podem ser feitas simplesmente combinando diferentes proporções de três cores primárias — vermelha, verde e azul. A partir daí, deduziram que temos apenas três receptores no olho, cada um dos quais responde no máximo a um comprimento de onda, mas também reage em menor grau a outros comprimentos de onda. Um dos problemas da abordagem da caixa preta é que, mais cedo ou mais tarde, terminamos com múltiplos modelos em competição, e a única forma de descobrir qual é o correto é abrir a caixa preta — isto é, fazer experiências fisiológicas em seres humanos e animais. Duvido muito, por exemplo, se qualquer pessoa poderia ter concebido como funciona o sistema digestivo simplesmente observando seu produto. Usando somente esta estratégia, ninguém poderia ter deduzido a existência de mastigação, movimentos peristálticos, saliva, sucos gástricos, enzimas pancreáticas ou bílis, nem verificado que o fígado sozinho tem mais de dez funções para ajudar o processo digestivo. Contudo, uma vasta maioria de psicólogos — chamados funcionalistas — se aferra ao ponto de vista de que se pode entender o processo mental de uma perspectiva estritamente computacional, behaviorista ou ”perspectiva de engenharia reversa” — sem se incomodar com o confuso material dentro da cabeça. NOTAS / 329 Quando se lida com sistemas biológicos, entender a estrutura é crucial para entender a função — visão completamente antitética à abordagem funcionalista ou da caixa preta à função cerebral. Vejam, por exemplo, como nossa compreensão da anatomia do DNA — sua estrutura helicoidal dupla — transformou completamente nosso entendimento da hereditariedade e da genética, que até então tinham permanecido um assunto do tipo caixa preta. Realmente, uma vez descoberta a dupla hélice, ficou óbvio que a lógica estrutural desta molécula de DNA determina a lógica funcional da hereditariedade. 6. Por mais de meio século, a neurociência moderna tem percorrido uma via reducionista, decompondo as coisas em partes cada vez menores na esperança de que a compreensão de todos os pedacinhos, posteriormente, ajudará a explicar o todo. Infelizmente, muitas pessoas pensam que, como o reducionismo é tão freqüentemente útil na solução de problemas, também é suficiente para resolvêlos, e gerações de neurocientistas têm sido criadas neste dogma. Esta má aplicação do reducionismo leva à crença perversa e obstinada de que de alguma forma o reducionismo em si nos revelará como funciona o cérebro, quando o que é realmente necessário são tentativas de fazer uma ponte entre diferentes níveis de discurso. O fisiologista de Cambridge, Horace Barlow, recentemente observou num encontro de cientistas que passamos cinco décadas estudando o córtex cerebral em minuciosos detalhes, mas ainda não temos a menor idéia de como funciona ou o que faz. Ele chocou o público, ao sugerir que todos nós nos portamos como marcianos assexuados que, visitando a Terra, passam 50 anos examinando detalhadamente o mecanismo celular e a bioquímica dos testículos, sem saber absolutamente nada sobre sexo. 7. A doutrina da modularidade foi levada aos extremos mais ridículos por Franz Gall, um psicólogo do século XVIII que fundou a popular pseudociência da frenologia. Um dia, quando fazia uma preleção, Gall notou que determinado aluno, que era muito inteligente, tinha globos oculares salientes. Gall começou a pensar: Por que ele tem globos oculares salientes? Talvez os lobos frontais tenham algo a ver com inteligência. Talvez sejam especialmente grandes neste rapaz, empurrando os globos oculares para a frente. Com base nesse raciocínio vago, Gall embarcou numa série de experiências que envolviam medições das protuberâncias e depressões do crânio da pessoa. Descobrindo diferenças, Gall começou a correlacionar as formas com várias funções mentais. Os frenologistas logo ”descobriram” protuberâncias para características como veneração, cautela, sublimidade, aptidão e discrição. Numa loja de antigüidades de Boston, um colega meu viu recentemente o molde frenológico que representava uma protu- 330 / FANTASMAS NO CÉREBRO berância própria do ”espírito republicano”! A frenologia ainda era popular no fim do século XIX e início do século XX. Os frenologistas também se interessavam pela correlação em tamanho do cérebro e da capacidade mental, assegurando que cérebros mais pesados são mais inteligentes do que os mais leves. Afirmavam que, em média, os cérebros de negros são menores do que os de brancos e que os cérebros das mulheres são menores do que os dos homens, argumentando que a diferença ”explicava” diferenças na média de inteligência entre esses dois grupos. A ironia final é que, quando Gall morreu, as pessoas realmente pesaram o cérebro dele e descobriram que era alguns gramas mais leve do que a média do cérebro feminino. (Para uma expressiva descrição das armadilhas da frenologia, ver The Mismeasure of Man, de Stephen Jay Gould.) 8. Estes dois exemplos eram grandes favoritos do neurologista de Harvard, Norman Gerschwind, quando fazia palestras para públicos leigos. 9. Referências e indicações sobre o papel das estruturas do lobo temporal mediai, inclusive o hipocampo, na formação de memória remontam ao psiquiatra russo Sergei Korsakov. O paciente H.M. e outros amnésicos como ele têm sido estudados elegantemente por Brenda Milner, Larry Weiskrantz, Elizabeth Warrington e Larry Squire. As verdadeiras mudanças celulares que reforçam as conexões entre neurônios têm sido explicadas por vários pesquisadores, mais notadamente por Eric Kandel, Dan Alkon, Gary Lynch e Terry Sejnowski. 10. Nossa faculdade de fazer cômputos numéricos (somar, subtrair, multiplicar e dividir) parece tão desembaraçada que é fácil saltar direto para a conclusão de que o circuito é ”inato”. Mas, na verdade, só se tornou desembaraçada após a introdução de dois conceitos básicos — valor de lugar e zero — na índia, durante o século terceiro d.C. Estas duas noções e a idéia de números negativos e de decimais (também introduzida na índia) lançaram o alicerce da moderna matemática. Tem-se afirmado até que o cérebro contém uma ”linha numérica”, uma espécie de representação gráfica, escalar, de números em que cada ponto no gráfico é um feixe de neurônios sinalizando um valor numérico particular. O conceito abstrato de uma linha numérica remonta ao poeta e matemático persa Ornar Khayyám, no século nono, mas há alguma prova de que existe essa linha no cérebro? Quando se pergunta a pessoas normais qual de dois números é maior, demora mais tempo para tomar a decisão se os números estão mais perto um do outro do que se estiverem mais distanciados. Em Bill, a linha numérica não parece NOTAS / 331 afetada, porque ele consegue fazer estimativas grosseiras — que número é maior ou menor ou por que parece inapropriado dizer que os ossos de dinossauro têm 60 milhões e três anos. Mas há um mecanismo separado para cômputo numérico, para arrumar números em sua cabeça, e para isso você precisa da circunvolução angular do hemisfério esquerdo. Para uma interessante descrição de discalculias, ver Dehaene, 1997. Meu colega aqui na UCSD, Tim Rickard, tem mostrado, usando imagens de ressonância magnética funcional (fMRI), que a ”área de cálculo numérico” situa-se não inteiramente na própria circunvolução angular esquerda clássica, mas ligeiramente em frente dela, mas isto não afeta meu argumento principal e é apenas uma questão de tempo, antes que alguém também demonstre a ”linha numérica” usando modernas técnicas de imageamento. Capítulo 1: ”Sei onde cocar” 1. Em todo este livro, uso nomes fictícios para os pacientes. O lugar, tempo e circunstâncias também foram alterados substancialmente, mas os detalhes clínicos são apresentados tão acuradamente quanto possível. Para informação clínica mais detalhada, o leitor deve consultar os artigos científicos originais. Em um ou dois exemplos, quando descrevo uma síndrome clássica (como a síndrome da desatenção no Capítulo 6), uso vários pacientes para criar compósitos do tipo usado nos livros de neurologia, a fim de enfatizar aspectos salientes do distúrbio, mesmo que nenhum paciente sozinho possa apresentar todos os sintomas e sinais descritos. 2. Silas Weir Mitchell, 1872; Sunderland, 1972. 3. Aristóteles era um sagaz observador de fenômenos naturais, mas nunca lhe ocorreu que se pode fazer experiências; que é possível gerar conjecturas e passar a testálas sistematicamente. Por exemplo, ele acreditava que as mulheres tinham menos dentes do que os homens; para verificar ou refutar a teoria, bastavalhe pedir a certo número de homens e mulheres que abrissem a boca para que pudesse contar seus dentes. A moderna ciência experimental começou realmente com Galileu. Fico espantado quando às vezes ouço psicólogos do desenvolvimento afirmarem que bebês ”nascem cientistas”, porque para mim é perfeitamente claro que nem adultos são cientistas natos. Se o método experimental é completamente natural à mente humana — como eles afirmam —, por que tivemos de esperar tantos milhares de anos por Galileu e pelo nascimento do método experimental? Todo mundo acreditava que objetos grandes e pesados caem muito mais depressa do 332 / FANTASMAS NO CÉREBRO que os leves, e bastou uma experiência de cinco minutos para refutar isso (na verdade, o método experimental é tão alheio à mente humana que muitos dos colegas de Galileu rejeitaram suas experiências sobre corpos cadentes mesmo depois de vê-las com os próprios olhos!). E até hoje, 300 anos depois de ter começado a revolução científica, as pessoas têm grande dificuldade em compreender a necessidade de uma ”experiência de controle” ou ”estudos duplo-cego”. Uma falácia comum é: Eu melhorei depois de tomar o comprimido A, portanto melhorei porque tomei o comprimido A. 4. Penfield e Rasmussen, 1950. Não se sabe com clareza a razão desta disposição peculiar, que provavelmente está perdida em nosso passado filogenético. Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia, propôs uma hipótese que é compatível com minha opinião (e a de Merzenich) de que mapas do cérebro são altamente maleáveis. Ela observa que, no feto enrascado, os braços geralmente estão dobrados no cotovelo, com as mãos tocando a face, e as pernas dobradas, com os pés tocando os órgãos genitais. A repetida coativação destas partes do corpo e a descarga sincrônica de neurônios correspondentes no feto podem ter resultado em sua localização perto um do outro no cérebro. A idéia dela é engenhosa, mas não explica por que em outras áreas do cérebro (S2 no córtex), o pé (e não apenas a mão) se localiza perto da face também. Minha tendência é pensar que, embora os mapas sejam modificáveis pela experiência, o plano básico é genético. 5. A primeira demonstração experimental de ”plasticidade” no sistema nervoso central foi proporcionada por Patrick Wall, do University College, Londres, 1977, e por Mike Merzenich, eminente neurocientista da Universidade da Califórnia em San Francisco, 1984. A demonstração de que a informação sensorial procedente da mão pode ativar a ”área da face” do córtex em macacos adultos vem de Tim Pons e seus colegas, 1991. 6. Quando pessoas são arremessadas de uma motocicleta em alta velocidade, um braço é muitas vezes parcialmente deslocado do ombro, produzindo uma espécie de ocorrência natural de rizotomia. Quando o braço é estirado, as raízes do nervo sensório (dorsal) e motor (ventral) que vão do braço para a espinha são puxadas da espinha dorsal, de forma que o braço fica completamente paralisado e destituído de sensação, embora se mantenha ligado ao corpo. A pergunta é: Quanto da função — caso aconteça — a pessoa pode recuperar durante a reabilitação? Para explorar isto, os fisiologistas cortaram os nervos sensórios que vão do braço para a espinha dorsal num grupo de macacos. Seu objetivo era tentar NOTAS / 333 reeducar os macacos no uso do braço, e foi obtido um grande número de informações valiosas estudando estes animais (Taub et ai., 1993). Onze anos depois desse estudo, estes animais se tornaram uma cause célebre, quando defensores dos direitos dos animais se queixaram de que a experiência era desnecessariamente cruel. Os chamados macacos de Silver Springs logo foram enviados ao equivalente a um asilo para primatas e, como se dizia que estavam sofrendo, tiveram sua morte programada. Pons e seus colaboradores concordaram com a eutanásia, mas decidiram primeiro fazer registros e gravações de seus cérebros, para ver se alguma coisa tinha mudado. Os macacos foram anestesiados antes das gravações, para que não sentissem nenhuma dor durante o procedimento. 7. Ramachandranrt*/. ,1992a, b; 1993; 1994; 1996. Ramachandran, Hirstein e Rogers-Ramachandran, 1998. 8. Foi observado por muitos pesquisadores anteriores (Weir Mitchell, 1871) que estimular certos pontos sensíveis no coto muitas vezes faz vir à tona sensações procedentes de dedos perdidos. William James (1887) escreveu certa vez: ”Uma brisa no coto é sentida como uma brisa no fantasma” (ver também um importante trabalho de Cronholm, 1951). Infelizmente, nem o mapa de Penfield nem os resultados obtidos por Pons e seus colaboradores estavam disponíveis na época, e estas observações iniciais ficaram portanto abertas a várias interpretações. Por exemplo, esperava-se que os nervos cortados no coto reinervariam o coto; se o fizessem, isso poderia explicar por que as sensações procedentes desta região são atribuídas aos dedos. Mesmo quando pontos remotos do coto provocavam as sensações referidas, o efeito era muitas vezes atribuído a conexões difusas numa ”neuromatriz” (Melzack, 1990). O que era novidade em nossas observações é que descobrimos um mapa real topograficamente organizado na face e também descobrimos que sensações relativamente complexas como de ”gotas escorrendo”, de ”metal” e ”fricção” (como também de calor, frio e vibração) eram remetidas da face para a mão fantasma numa forma específica de modalidade. Obviamente, isto não pode ser atribuído a uma estimulação acidental das extremidades do nervo no coto ou a conexões ”difusas”. Nossas observações sugerem, em vez disso, que novas conexões altamente precisas e organizadas podem ser formadas no cérebro adulto com extrema rapidez, pelo menos em alguns pacientes. Além disso, temos tentado relacionar nossas descobertas de forma sistemática a resultados psicológicos, especialmente as experiências de ”remapeamento” de Pons et ai., 1991. Temos sugerido, por exemplo, que o motivo por que freqüentemente vemos dois feixes de pontos — um na região inferior da face e 334 / FANTASMAS NO CÉREBRO um segundo conjunto perto ou em torno da linha de amputação — é que o mapa da mão do homúnculo sensório no córtex e no tálamo é flanqueado num lado pela face e no outro pela parte superior do braço, ombro e axila. Se a informação sensorial procedente da face e do braço acima do coto tivesse de ”invadir” o território cortical da mão, esperar-se-ia precisamente esse tipo de agrupamento de pontos. Este princípio nos permite dissociar proximidade de pontos na superfície do corpo de proximidade de pontos em mapas do cérebro, idéia a que nos referimos como a hipótese de remapeamento de sensações remetidas. Se a hipótese está correta, então se esperaria também ver transmissão dos órgãos genitais para o pé após uma amputação de perna, visto que estas duas partes do corpo são adjacentes no mapa de Penfield. (Ver Ramachandran, 1993b; Aglioti et ai, 1994.) Mas nunca se veria transmissão da face para um pé fantasma, nem dos órgãos genitais para um braço fantasma. Ver também a nota n° 10. 9. Recentemente, David Borsook, Hans Breiter e seus colegas do Hospital Geral de Massachusetts (MGH) mostraram que, em alguns pacientes, sensações como toque, toque com pincel, com alfinete e atrito são transmitidas (numa forma específica de modalidade) da face para o fantasma apenas algumas horas depois da amputação (Borsook et ai., 1998). Isto deixa claro que a desinibição ou ”mascaramento” de conexões preexistentes deve pelo menos contribuir para o efeito, embora provavelmente também ocorra algum brotamento de novas conexões. 10. Se a hipótese do remapeamento está correta, então o corte do nervo trigêmeo (que abastece metade do rosto) devia ter um resultado exatamente oposto ao que observamos em Tom. Nesse tipo de paciente, o toque na mão devia fazer sensações surgirem na face (Ramachandran, 1994). Stephanie Clark e seus colegas testaram recentemente esta previsão numa elegante e meticulosa série de experiências. Sua paciente teve o gânglio do nervo trigêmeo cortado devido à necessidade de extirpar um tumor na proximidade, e duas semanas depois eles descobriram que, quando a mão era tocada, a paciente tinha sensações surgindo da face — embora os nervos da face estivessem desligados. No cérebro dela, a informação sensorial provinda da pele da mão tinha invadido território desocupado pela informação sensorial vinda da face. Curiosamente, nesta paciente as sensações eram experimentadas apenas no rosto — e não na mão — quando a mão era tocada. Uma das possibilidades é que, durante o remapeamento inicial, haja uma espécie de ”ultrapassagem” — que a nova informação sensorial da pele da mão à área da face no córtex seja realmente mais forte do que as conexões originais e, como resultado, as sensaNOTAS / 335 ções são experimentadas predominantemente na face, mascarando as sensações mais fracas da mão. 11. Caccace et ai., 1994. 12. Estas sensações proporcionam uma oportunidade para estudar mapas corticais em mutação no cérebro humano adulto, mas a pergunta continua: Qual é a função do remapeamento? É um epifenômeno — plasticidade residual restante da infância — ou continua a ter uma função no cérebro adulto? Por exemplo, será que a área cortical maior dedicada à face após uma amputação de braço levaria a uma melhoria da discriminação sensorial — medida por discriminação de dois pontos — ou a uma hiperacuidade táctil na face? Será que este aperfeiçoamento, caso ocorresse mesmo, seria visto somente depois que as sensações relacionadas tivessem desaparecido, ou seria visto imediatamente? Essas experiências resolveriam, de uma vez por todas, a questão de saber se o remapeamento é ou não é realmente útil para o organismo. Capítulo]: A caça ao fantasma 1. Mary Ann Simmel (1962) afirmava originalmente que crianças muito novas não sentem fantasmas depois de uma amputação e que crianças nascidas sem membros também não sentem fantasmas, mas esta idéia tem sido contestada por outros. (Uma interessante série de estudos foi conduzida recentemente por Ron Melzek e seus colegas da Universidade McGill; Melzek et ai., 1997.) 2. A importância das estruturas frontais do cérebro no planejamento e execução de movimentos foi discutida com fascinantes detalhes por Fuster, 1980; G. Goldberg, 1987; Pribram etal.,1%7; Shallice, 1988; E. Goldberg et ai, 1987; Benson, 1997; e Goldman-Rakic, 1987. 3. Em seguida, pedi que Philip movesse o dedo indicador e o polegar de ambas as mãos e simultaneamente olhasse no espelho, mas desta vez o polegar e o dedo fantasmas continuaram paralisados; não foram revividos. Esta é uma observação importante, pois descarta a possibilidade de que o resultado anterior fosse simplesmente uma confabulação em resposta a circunstâncias peculiares que cercavam nossa experiência. Se fosse maquinação, por que é que ele era capaz de mover toda a mão e cotovelo, mas não os dedos separadamente? Nossas experiências com o uso de espelhos para reviver movimentos em membros fantasmas foram originalmente relatadas na Nature e em Proceedings ofthe RoyalSociety ofLondon B (Ramachandran, RogersRamachandran e Cobb, 1995; Ramachandran e Rogers-Ramachandran, 1996a e b). 336 / FANTASMAS NO CÉREBRO 4. A idéia de paralisia aprendida é provocativa e pode ter implicações além do tratamento de membros fantasmas paralisados. Como exemplo, tome a cubra do escritor (distonia focai). O paciente pode agitar os dedos, cocar o nariz ou dar o nó de sua gravata sem nenhum problema, mas, de repente, sua mão fica incapaz de escrever. As teorias sobre o que causa esta condição vão desde cáibras musculares até uma forma de ”paralisia histérica”. Mas não poderia ser outro exemplo de paralisia aprendida? Neste caso, um truque simples, como o uso de um espelho, também ajudaria esses pacientes? O mesmo argumento também poderia se aplicar a outras síndromes que ultrapassam a fronteira entre paralisia manifesta e uma relutância a mover um membro — uma espécie de bloqueio mental. A apraxia ideomotora — a incapacidade de executar movimentos hábeis sob comando (o paciente consegue escrever uma carta de modo independente mas não tentar acenar um adeus ou mexer uma xícara de chá, quando solicitado a fazê-lo) — não é certamente ”aprendida”, no sentido de que um fantasma paralisado poderia ser aprendido. Mas isso também poderia ser baseado em alguma espécie de inibição nervosa temporária ou bloqueio? E, nesse caso, o feedback visual pode ajudar a superar o bloqueio? Finalmente, há a doença de Parkinson, que provoca rigidez, tremor e falta de movimentos (acinesia) envolvendo o corpo inteiro, inclusive a face (uma expressão como de máscara). Na fase inicial desta doença, a rigidez e o tremor afetam apenas uma das mãos, de forma que, em princípio, pode-se tentar a técnica do espelho, usando o reflexo da mão boa para o feedback. Como é sabido que o feedback visual pode de fato influir na doença de Parkinson (por exemplo, o paciente comumente não consegue caminhar, mas se o piso tem ladrilhos alternados pretos e brancos, ele pode), talvez a técnica do espelho também ajude. 5. Há outra fascinante observação sobre Mary que merece comentário. Nos dez anos anteriores, ela jamais tinha sentido um cotovelo ou pulso fantasma; seus dedos fantasmas estavam pendurados no coto acima do cotovelo, mas, ao olhar para o espelho, ela respirou ofegante, exclamando que agora podia realmente sentir — e não simplesmente ver — o cotovelo e pulso perdidos há muito tempo. Isto levanta a fascinante possibilidade de que, até para um braço perdido há muito tempo, um fantasma adormecido ainda sobrevive em alguma parte do cérebro e pode ser ressuscitado instantaneamente por estímulo visual. Se é assim, esta técnica pode ter aplicação para amputados que pensam em usar um braço ou perna protética, visto que eles muitas vezes sentem a necessidade de animar a prótese com um fantasma e se queixam de que a prótese parece ”antinatural” assim que o fantasma se foi. Talvez mulheres transexuais que tencionam se tornar homens possam tentar NOTAS / 337 um ensaio geral e ressuscitar a imagem cerebral adormecida de um pênis (supondo que isto sequer exista num cérebro feminino), usando um truque semelhante ao dispositivo do espelho empregado com Mary. 6. Fantasmas bifurcados foram descritos por Kallio, 1950. Fantasmas múltiplos numa criança foram descritos por La Croix et ai., 1992. 7. Estas são explicações altamente especulativas, embora pelo menos uma delas possa ser testada com a ajuda de procedimentos de imageamento como MEG e de ressonância magnética funcional (fMRI). Estes dispositivos nos permitem ver diferentes partes do cérebro vivo se acenderem enquanto um paciente realiza diferentes tarefas. (Na criança com três pés fantasmas distintos, haveria em seu cérebro três representações separadas que pudessem ser visualizadas usando estas técnicas?) 8. Nosso efeito de nariz fantasma (Ramachandran e Hirstein, 1997) é bem semelhante a outro relatado por Lackner (1988), exceto que o princípio subjacente é diferente. Na experiência de Lackner, o paciente se senta de olhos vendados na mesa, com o braço flexionado no cotovelo, segurando a ponta do seu próprio nariz. Se o condutor da experiência agora aplica um vibrador no tendão do bíceps, o paciente sente não só que seu braço está estendido — por causa de sinais falsos dos receptores de tensão do músculo —, mas também que seu nariz está realmente alongado. Lackner invoca a ”inferência inconsciente” helmholtziana como uma explicação para este efeito (estou segurando meu nariz; meu braço está estendido; portanto, meu nariz deve estar comprido). Por outro lado, a ilusão que descrevemos não requer um vibrador e parece depender inteiramente de um princípio bayesiano — a simples improbabilidade estatística de duas seqüências tácteis serem idênticas. (Na verdade, nossa ilusão não pode ser produzida se o paciente simplesmente segura o nariz do cúmplice.) Nem todos os pacientes experimentam este efeito, mas o simples fato de que isso aconteça — que a evidência de uma vida inteira concernente ao seu nariz possa ser negada por apenas alguns segundos de informação táctil intermitente — é espantoso. Nossas experiências são mencionadas em Ramachandran e Hirstein, 1997, e Ramachandran, Hirstein e Rogers-Ramachandran, 1998. 9. Botvinik e Cohen, 1998. Capítulo 4:0 zumbi no cérebro 1. Milner e Goodale, 1995. 2. Para interessantes introduções ao estudo da visão, ver Gregory, 1966; Hochberg, 1964; Crick, 1993; Marr, 1981; t Rock, 1985. 338 / FANTASMAS NO CÉREBRO 3. Outra linha de prova é exatamente o inverso: sua percepção pode permanecer constante, mesmo que a imagem mude. Por exemplo, toda vez que você gira os globos oculares enquanto está observando cenas do dia-a-dia, a imagem em cada retina corre através dos seus fotorreceptores em tremenda velocidade — muito parecido com a mancha indistinta que você vê quando gira a sua câmera de vídeo em movimento panorâmico pela sala. Mas, quando você move os olhos em volta, não vê objetos correndo, voando pelo local ou o mundo avançando em zoom e passando por você em velocidade estranha. O mundo parece perfeitamente estável — não parece se mover em volta, embora a imagem esteja se movimentando em sua retina. O motivo é que os centros visuais do seu cérebro foram ”avisados” antecipadamente pelos centros motores que controlam os movimentos do olho. Toda vez que uma área motora envia um comando aos músculos do seu globo ocular, fazendo-os se mover, também envia um comando aos centros visuais, dizendo: ”Ignorem este movimento; não é real.” É claro, tudo isto se realiza sem pensamento consciente. A computação está embutida nos módulos visuais do seu cérebro para evitar que você tenha a atenção desviada por sinais de movimento falso toda vez que você olhar em volta. 4. Ramachandran, 1988a e b, 1989a e b; Kleffner e Ramachandran, 1992. Peça a um amigo que segure a página (com as imagens dos discos sombreados) em posição normal enquanto você se inclina para baixo e olha para a página com sua cabeça virada para baixo, entre as pernas. A página estará então de cabeça para baixo em relação à sua retina. Você verificará mais uma vez que os ovos e cavidades trocaram de lugar (Ramachandran, 1988a). Isto é espantoso porque implica que, ao julgar a forma a partir do sombreado, o cérebro agora supõe que o sol está brilhando a partir de baixo: Isto é, seu cérebro está fazendo a suposição de que o sol está fincado em sua cabeça quando você gira a cabeça! Embora o mundo ainda pareça na vertical, devido à correção vinda do órgão de equilíbrio no ouvido, seu sistema visual é incapaz de usar este conhecimento para interpretar a forma pelo sombreado (Ramachandran, 1988b). Por que o sistema visual incorpora essa hipótese tola? Por que não corrige pela inclinação da cabeça, quando está interpretando as imagens sombreadas? A resposta é que, quando caminhamos pelo mundo, na maior parte do tempo mantemos nossas cabeças a prumo, e não inclinadas nem viradas para baixo. Assim, o sistema visual pode se aproveitar disso para evitar o encargo adicional de fazer cálculos e sempre enviar de volta a informação ao módulo da forma pelo sombreado. Você pode usar impunemente esse ”atalho” porque, estatisticamente falando, sua cabeça está geralmente a prumo. A evolução não se esforça para obter NOTAS / 339 perfeição; seus genes serão transmitidos à sua descendência, desde que você viva o suficiente para deixar bebês. 5. A arquitetura desta região do cérebro foi estudada com fascinantes detalhes por David Hubel e Torsten Weisel na Universidade de Harvard; sua pesquisa culminou num prêmio Nobel. Em resultado do seu trabalho, durante as duas décadas de 1960-1980 aprendeu-se mais sobre as vias visuais do que durante os 200 anos anteriores, e eles são corretamente considerados os fundadores da moderna ciência visual. 6. A demonstração de que estas áreas corticais extra-estriadas são requintadamente especializadas em diferentes funções vem principalmente de seis fisiologistas — Semir Zeki, John Allman, John Kaas e David Van Essen, Margaret Livingstone e David Hubel. Os pesquisadores primeiro mapearam estas áreas corticais sistematicamente em macacos e fizeram registros a partir de células nervosas individuais; logo se tornou claro que as células tinham propriedades diferentes. Por exemplo, qualquer determinada célula na área chamada MT, a área temporal média, reagirá melhor a alvos no campo visual que se movem numa direção específica mas não em outras direções, mas a célula não é particularmente interessada na cor ou forma do alvo. Inversamente, células na área chamada V4 (nos lobos temporais) são muito sensíveis a cores mas não se preocupam muito com a direção do movimento. Estas experiências fisiológicas fornecem fortes indícios de que as duas áreas são especializadas na extração de diferentes aspectos da informação visual — movimento e cor. Mas, no conjunto, a prova fisiológica é ainda um pouquinho confusa, e o indício mais convincente desta divisão de trabalho vem, mais uma vez, de pacientes nos quais uma destas duas áreas tenha sido seletivamente danificada. Uma descrição do famoso caso da paciente cega ao movimento pode ser encontrada em Zihl, von Cramon e Mai, 1983. 7. Para uma descrição da síndrome original da visão cega, ver Weiskrantz, 1986. Para uma discussão atualizada das controvérsias em torno da visão cega, ver Weiskrantz, 19978. Para um relato bem estimulante dos muitos aspectos da ciência cognitiva, ver Dennett, 1991. O livro também tem uma breve explicação de ”preenchimento”. 9. Ver especialmente o elegante trabalho de William Newsome, Nikos Logotethis, John MaunSêlí, Ted DeYoe, e Margaret Livingstone-éDavid Hubel. 10. Aglioti, E/eSouza e Goodale, 1995. ^ 11. Aqui e em outras partes, quando digo que o eu, a pessoa/ é uma ”ilusão”, quero simplesmente dizer que provavelmente não existe uma entidade singular cor- 340 / FANTASMAS NO CÉREBRO respondente a este no cérebro. Mas na verdade sabemos tão pouco sobre o cérebro que é melhor manter a mente aberta. Vejo pelo menos duas possibilidades (ver o Capítulo 12). Primeira, quando atingirmos um entendimento mais maduro dos diferentes aspectos de nossa vida mental e dos processos neurais que os medeiam, o ”eu” pode desaparecer do nosso vocabulário. (Por exemplo, agora que entendemos o DNA, o ciclo de Krebs e outros mecanismos bioquímicos que caracterizam os seres vivos, as pessoas não mais se preocupam com a pergunta: ”O que é a vida?”) Segunda, a individualidade pode de fato ser uma construção biológica útil baseada em mecanismos específicos do cérebro — uma espécie de princípio organizador que nos permite viver com mais eficácia, impondo coerência, continuidade e estabilidade à personalidade. De fato, muitos autores, inclusive Oliver Sacks, têm falado eloqüentemente da notável resistência e persistência da individualidade — na saúde ou na doença — em meio às vicissitudes da vida. Capítulo 5: A vida secreta de James Thurker 1. Para uma excelente biografia de Thurber, ver Kinney, 1995. Este livro tem também uma bibliografia dos trabalhos de Thurber. 2. Bonnet, 1760. 3. Minhas experiências com ponto cego foram originalmente descritas na Scientiftc American (1992). Para a afirmação de que o genuíno completamente não ocorre em escotomas, ver Sergent, 1988. Para a demonstração de que realmente ocorre, ver Ramachandran, 1993b, e Ramachandran e Gregory, 1991. 4. O famoso físico vitoriano Sir David Brewster ficou tão impressionado com este fenômeno do preenchimento que concluiu, como Lorde Nelson a respeito de membros fantasmas, que era uma prova da existência de Deus. Em 1832, ele escreveu: ”Devíamos esperar, quer usemos um olho ou os dois, ver um ponto preto ou escuro em cada paisagem a 15 graus do ponto que mais particularmente atrai nossa atenção. O Divino Artífice, porém, não deixou sua obra imperfeita assim (...) o ponto, em lugar de ser preto, tem sempre a mesma cor do chão.” Curiosamente, Sir David aparentemente não se perturbou com a questão de por que o Divino Artífice, para começar, teria criado um olho imperfeito. 5. Na moderna terminologia, ”preenchimento” é uma expressão conveniente e cômoda que alguns cientistas usam quando se referem a este fenômeno de completamento — a tendência a ver, na região cega, a mesma cor das adjacências ou do fundo. Mas precisamos ter cuidado para não cair na armadilha de supor NOTAS / 341 que o cérebro recria uma representação ponto por ponto da imagem visual nesta região, pois isso iria anular todo o objetivo da visão. Não existe, afinal de contas, nenhum homúnculo — aquele homenzinho dentro do cérebro — observando uma tela mental interna que se beneficiaria desse preenchimento. (Por exemplo, você não diz que o cérebro ”preenche” os minúsculos espaços entre os receptores retinianos.) Gosto de usar o termo como uma taquigrafia para indicar que a pessoa literalmente vê algo numa região de espaço visual a partir da qual nenhuma luz ou outra informação está chegando ao olho. A vantagem desta definição ”teoricamente neutra” é que mantém aberta uma porta para fazer experiências, permitindo-nos investigar mecanismos neurais de visão e percepção. 6. Jerome Lettvin, da Universidade de Rutgers (1976), realizou esta engenhosa experiência. A explicação deste efeito — de que tem algo a ver com a visão estereoscópica — é minha (ver a nota 7). Tenho visto também o mesmo efeito em pacientes com escotomas de origem cortical: o alinhamento de barras verticais desalinhadas horizontalmente (Ramachandran, 1993b). 7. Como você olha para o mundo a partir de dois pontos vantajosos ligeiramente diferentes, correspondentes aos dois olhos, há diferenças entre as imagens retinianas dos dois olhos que são proporcionais às distâncias relativas dos objetos no mundo. O cérebro portanto compara as duas imagens, mede as separações horizontais e ”funde” as imagens de forma que você vê uma só imagem unificada do mundo — e não duas. Em outras palavras, você já tem montado em sua via visual um mecanismo neural para ”alinhar” margens verticais separadas horizontalmente. Mas, como seus olhos são separados horizontal e não verticalmente, você não tem esse mecanismo para alinhar margens horizontais que estão desalinhadas verticalmente. Na minha opinião, você liga exatamente o mesmo mecanisnia quando tenta lidar com margens que estão ”desalinhadas” por sobre um ponto cego. Isto explicaria por que as linhas verticais ficam ”fundidas” numa linha contínua, ao passo que seu sistema visual não consegue funcionar com as linhas horizontais. O fato de que você está usando apenas um olho na experiência do pontolcego não invalida este argumento, porque você pode muito bem estar inconsc entemente pondo em ação os mesmos circuitos nervosos, mesmo quando fecha o outro olho. 8. Estes exercícios são divertidos para os que têm visão normal e pontos cegos naturais, mas como seria a vida com uma retina danificada, de forma que você desenvolvesse um ponto cego artificial? Será que seu cérebro compensaria, 342 / FANTASMAS NO CÉREBRO ”preenchendo” as regiões cegas do campo visual? Ou poderia haver um remapeamento; as partes adjacentes do campo visual agora se mapeiam na região que já não está recebendo nenhuma informação? Qual seria a conseqüência do remapeamento? O paciente passaria a ter dupla visão? Imagine que eu segure um lápis perto do seu escotoma. Ele está olhando diretamente em frente e obviamente vê o lápis original, mas como este agora estimula a faixa do córtex correspondente ao escotoma, ele deve ver uma segunda imagem, uma imagem ”fantasma” do lápis em seu escotoma. Deve, portanto, ver dois lápis em vez de um, exatamente como Tom experimentava sensações tanto em seu rosto quanto na mão. Para explorar esta possibilidade, testamos vários pacientes que tinham um buraco numa retina, mas nenhuma pessoa via as coisas duplicadas. Minha conclusão imediata foi: Bem, quem sabe, talvez a visão seja diferente. Então, de repente me lembrei de que, embora um olho tenha um escotoma, o paciente tem dois olhos, e a faixa correspondente no outro olho ainda está enviando informação ao córtex visual primário. As células são estimuladas pelo olho bom, de forma que talvez o remapeamento não ocorra. Para ter o efeito de dupla visão, você teria de remover o olho bom. Poucos meses depois, vi uma paciente que tinha um escotoma no quadrante esquerdo inferior de seu olho esquerdo e perdera completamente o olho direito. Quanto eu apresentava pontos de luz no campo visual normal, ela não via em duplicata, mas, para meu espanto, se eu piscasse o ponto de luz a cerca de l O hertz (10 ciclos por segundo), ela via dois pontos — um, onde ele realmente estava, e outro, uma espécie de fantasma, dentro do escotoma. Ainda não consigo explicar por que Joan só vê em duplicata quando o estímulo está piscando. Ela muitas vezes tem esta sensação enquanto está dirigindo, em meio à luz do sol, de folhagens e constante movimento. Pode ser que um estímulo trefrteluzerrte ative preferencialmente a via magnocelular — um sistema visual envolvido com percepção de movimento — e que esta via seja mais propensa a remapeamento do que outras. 9. Ramachandran, 1992. \ 10. Sergent, 1988. 11. Verifiquei subseqüentemente que isto acontecia toda vez que eu testava Josh e também observei o mesmo fenômeno em um dos pacientes da Dra. Hanna Damasio (Ramachandran, 1993b). 12. Um primeiro esboço deste capítulo, baseado em minhas anotações clínicas, foi escrito em colaboração cpm Christopher Wills, mas o texto foi completamente NOTAS / 343 reescrito para esta obra. Mantive, porém, uma ou duas de suas metáforas mais coloridas, inclusive esta do parque de diversões. 13. Kosslyn, 1996; Farah, 1991. 14. Indício disso vem do fato de que, embora a maioria dos pacientes com a síndrome de Charles Bonnet não se lembrem de ter visto as mesmas imagens antes (talvez sejam de um passado distante), em alguns deles as imagens são objetos que viram há poucos segundos ou minutos ou coisas que poderiam estar logicamente associadas a objetos próximos do escotoma. Por exemplo, Larry muitas vezes via múltiplas cópias do seu sapato (que ele tinha visto poucos segundos antes) e tinha dificuldade em estender o braço para pegar o ”verdadeiro”. Outros têm me contado que, quando estão dirigindo um carro, um nítido cenário por que passaram há vários minutos reaparece de repente em seu escotoma. Assim, a síndrome de Charles Bonnet se mistura com outra conhecida síndrome visual, chamada palinopsia (que os neurologistas freqüentemente encontram depois de lesão na cabeça de um paciente ou doença cerebral que tenha danificado as vias visuais), na qual os pacientes relatam que, quando um objeto se move, deixa para trás múltiplas cópias dele. Embora ordinariamente concebida como um problema de detecção de movimento, a palinopsia pode ter mais coisas em comum com a síndrome de Charles Bonnet do que os oftalmologistas percebem. A implicação mais profunda de ambas as síndromes é que todos nós podemos ficar subconscientemente repassando imagens visuais recentemente encontradas durante minutos ou mesmo horas (depois que estas foram vistas) e esta reapresentação vem à superfície, tornando-se mais obviamente manifesta, quando não há nenhuma informação real proveniente da retina (como pode acontecer depois de dano à via visual). Humphrey (1992) também tem sugerido que a desaferenciação é de certa forma decisiva para as alucinações visuais e que tais alucinações podem ser baseadas em retroprojeções. Qualquer novidade que eu possa reivindicar deriva-se da observação de que em ambos os meus pacientes a alucinação estava confinada inteiramente ao interior do escotoma, nunca se espalhando além das margens. Esta observação me deu a pista de que este fenômeno só pode ser explicado por retroprojeções (uma vez que estas são topograficamente organizadas) e que nenhuma outra hipótese é viável. 15- Se esta teoria está correta, por que todos nós não temos alucinações quando fechamos os olhos ou entramos num quarto escuro? Afinal de contas, não há nenhuma informação visual entrando. Em primeiro lugar, quando são completamente privadas de informação sensorial (como quando flutuam numa cuba ou tanque de isolamento sensorial), as pessoas de fato têm alucinações. O motivo mais 344 / FANTASMAS NO CÉREBRO importante, porém, é que mesmo quando você fecha os olhos, os neurônios em sua retina e nos estágios iniciais de suas vias visuais estão continuamente enviando sinais de atividade linear, básica (chamamos de atividade espontânea) aos centros superiores, e isto pode ser suficiente para vetar a atividade induzida de cima para baixo. Mas quando as vias (retina, córtex visual primário e nervo óptico) são danificadas ou perdidas, produzindo um escotoma, mesmo esta pequena atividade espontânea desaparece, permitindo assim que venham à tona as imagens internas — as alucinações. Na verdade, pode-se argumentar que a atividade espontânea nas vias visuais primárias, o que sempre foi um enigma, evoluiu principalmente para providenciar tal sinal de ”nulo”. O indício mais forte disso vem dos nossos dois pacientes em quem as alucinações eram nitidamente confinadas dentro das margens dos seus escotomas. 16. Esta visão um tanto radical da percepção, eu sugiro, aplica-se principalmente ao reconhecimento de objetos específicos no fluxo ventral — um sapato, uma chaleira, o rosto de um amigo — onde faz perfeito sentido computacional usar a base de conhecimento semântico superior para ajudar a resolver ambigüidades. De fato, dificilmente poderia ser de outro modo, dado o verdadeiro grau de espontaneidade deste aspecto da percepção — a percepção de objetos. Para os outros processos visuais ”primitivos” ou ”iniciais” — como movimento, visão estereoscópica e cor — essas interações podem ocorrer em escala mais limitada, já que você pode conseguir se sair bem usando apenas o conhecimento genérico de superfícies, contornos, texturas etc., que pode ser incorporado à arquitetura neural da visão inicial (conforme foi enfatizado por David Marr, embora Marr não tenha feito a distinção particular que faço aqui). Contudo, mesmo com estes módulos visuais de nível inferior, os indícios sugerem que as interações através de módulos e com o conhecimento de ”nível superior” são muito maiores do que geralmente se supõe (ver Churchland, Ramachandran e Sejnowski, 1994). A regra geral parece ser que as interações ocorrem sempre que lhes seja útil ocorrerem e não ocorrem (nem podem) quando não é útil. Descobrir quais interações são fracas e quais são fortes é uma das metas da psicofísica visual e da neurociência. Capítulo 6: Através do espelho 1. Para descrições de desatenção, ver Critchley, 1966; Brain, 1941; Halligan e Marshall, 1994. 2. Ninguém descreveu a função seletiva da consciência mais eloqüentemente do que o eminente psicólogo William James (l 890) em seu famoso ensaio The Stream NOTAS / 345 ofThought. Ele escreveu: ”Vemos que a mente é em cada estágio um teatro de possibilidades múltiplas. A consciência consiste na comparação destas, umas com as outras, na seleção de algumas, e na supressão do resto pela ação reforçadora e inibidora da atenção. Os produtos mentais mais elevados e mais elaborados são filtrados a partir dos dados escolhidos pela faculdade logo abaixo, da massa oferecida pela faculdade abaixo dessa, massa que por sua vez é peneirada de uma quantidade ainda maior de material ainda mais simples, e assim por diante. A mente, em resumo, trabalha sobre os dados que recebe de modo muito parecido como um escultor trabalha em seu bloco de pedra. Em certo sentido, a estátua estava ali em pé desde a eternidade. Mas havia mil estátuas diferentes fora dela, e somente ao escultor se deve agradecer por ter libertado esta do resto. Podemos, se preferirmos, por meio de nossos raciocínios, desenrolar coisas de volta para essa escura e desarticulada continuidade de espaço e nuvens móveis de enxames de átomos que a ciência chama de único mundo real. Mas durante todo o tempo o mundo que sentimos e em que vivemos será esse que nossos ancestrais e nós, por lentos e cumulativos golpes de escolha, desenredamos deste, como escultores, ao simplesmente rejeitar certas porções do material dado. Outros escultores, outras estátuas, da mesma pedra! Outras mentes, outros mundos, do mesmo caos monótono e inexpressivo! Meu mundo é apenas um em um milhão igualmente engastados, igualmente reais para aqueles que podem desenredá-los. Como deve ser diferente o mundo na consciência de uma formiga, um molusco ou um caranguejo!” 3. Este ciclo ae.feedba.ck positivo envolvido na orientação foi descrito por Heilman, 1991. 4. Marshall e Halligan, 1988. 5. Sacks, 1985. 6. Gregory, 1997. 7. Que aconteceria se, do banco de trás, eu estivesse para atirar um tijolo em você, de forma que você visse o tijolo se aproximando no espelho? Você se abaixaria para a frente (como deveria), ou seria enganado pela imagem crescendo no espelho e se esquivaria para trás? Talvez a correção intelectual para o reflexo do espelho, deduzindo acuradamente onde está localizado o objeto real, seja realizada pela via consciente do o quê (via do objeto) nos lobos temporais, enquanto o esquivar-se para evitar um projétil é feito pela via do como (direção espacial) no lobo parietal. Nesse caso, você poderia ficar confuso e se abaixar incorretamente — é seu zumbi que está se esquivando! 8. Edoardo Bisiach acrescentou um toque brilhante a esse teste de bissecção de uma 346 / FANTASMAS NO CÉREBRO linha que sugere que esta interpretação pode não representar toda a história, embora seja uma razoável explicação inicial. Em vez de mandar o paciente seccionar em duas uma linha horizontal pré-desenhada, simplesmente lhe deu uma folha de papel com uma minúscula linha vertical no meio e disse: ”Finja que esta marca vertical é o bissetor de uma linha horizontal e trace a linha horizontal.” O paciente traçou confiantemente a linha, mas, mais uma vez, a porção da linha no lado direito tinha cerca da metade do tamanho da porção à esquerda. Isto sugere que está acontecendo algo mais do que simples desatenção. Bisiach argumenta que toda a representação de espaço é pressionada para ampliar o campo visual direito sadio e reduzir o esquerdo. Assim o paciente tem de fazer o lado esquerdo da linha mais longo do que o direito, para que os dois pareçam iguais aos seus próprios olhos. 9. A boa notícia é que muitos pacientes com síndrome de desatenção — causada por lesão no lobo parietal direito — se recuperam espontaneamente em poucas semanas. Isto é importante, pois implica que muitas das síndromes neurológicas que chegamos a considerar permanentes — envolvendo tecido nervoso destruído — podem de fato ser ”déficits funcionais”, envolvendo um desequilíbrio temporário de transmissores. A popular analogia entre cérebros e computadores é altamente enganosa, mas neste exemplo particular sou tentado a usá-la. Um déficit funcional é semelhante a um defeito no software, mais um bug no programa do que um problema com o hardware. Nesse caso, ainda pode haver esperança para milhões de pessoas que sofrem de distúrbios que têm sido tradicionalmente classificados como ”incuráveis”, porque até agora ainda não soubemos como tirar o bug do software do seu cérebro. Para ilustrar isto mais diretamente, vamos ao caso de outro paciente, que, em resultado de lesão em partes do seu hemisfério esquerdo, tinha um impressionante problema chamado discalculia. Como numerosos pacientes portadores desta síndrome, ele era inteligente, articulado e lúcido sob muitos aspectos, mas, quando se tratava de aritmética, era desesperadoramente inepto. Podia discutir o tempo, o que acontecera no hospital naquele dia, e quem o visitou. E contudo, se você lhe pedisse para subtrair 7 de 100, ele ficava bloqueado. Mas, surpreendentemente, o problema não era apenas a incapacidade para resolver o problema aritmético. Meu aluno Eric Altschuler e eu observamos que toda vez que ele tentava, produzia confiadamente uma algaravia incompreensível — o que Lewis Carroll chamaria de jabberwocky — e parecia inconsciente de que era algaravia. As ”palavras” eram integralmente formadas, mas destituídas de qualquer sentido — o tipo de coisa que se vê em distúrbios de linguagem como a afasia de Wernicke (na verdade, até as palavras eram em grande parte neologismos). Era como se a NOTAS / 347 mera confrontação com um problema de matemática o levasse a inserir um ”disquete de linguagem” com um bug. Por que produz algaravia em vez de ficar em silêncio? Estamos tão acostumados a pensar em módulos autônomos do cérebro — um para matemática, um para linguagem, um para rostos — que esquecemos a complexidade e magnitude das interações entre os módulos. O estado dele, em particular, só faz sentido se se admitir que a própria mobilização de um módulo depende das atuais demandas apresentadas ao organismo. A capacidade de pôr em ordem e seqüência rapidamente pequenas unidades de informação é uma parte vital das operações matemáticas, assim como da geração da linguagem. Talvez seu cérebro tenha um ”bugàs. seqüenciamento”. Pode haver a necessidade de certo tipo especial de seqúenciador, comum tanto à matemática quanto à linguagem, que está desarranjado. Ele consegue conduzir uma conversação comum, porque tem tantas pistas — tantas opções de backup — para se orientar que não precisa do mecanismo de seqüenciamento plenamente engrenado. Mas, quando apresentado a um problema de matemática, é forçado a contar com este em muito maior extensão e, portanto, fica completamente confuso. Desnecessário dizer que tudo isso é pura especulação, mas fornece matéria para pensar. 10. Algum tipo de conversação entre o sistema do o quê no lobo temporal e a via do como no lobo parietal deve obviamente ocorrer em pessoas normais, e esta comunicação fica talvez comprometida em pacientes com a síndrome do espelho. Liberado da influência da via do o quê, o zumbi estende a mão diretamente para dentro do espelho. 11. Alguns pacientes com perturbação no parietal direito realmente negam que seu braço esquerdo lhes pertença — um distúrbio chamado somatoparafrenia; estudamos esses pacientes no Capítulo 7. Se você pegar o braço esquerdo inerte do paciente, erguê-lo e movimentá-lo para dentro do campo visual direito dele, o paciente insistirá que o braço pertence a você, o médico, ou à sua mãe, irmão ou cônjuge. Na primeira vez em que vi um paciente com este distúrbio, lembro-me de ter dito a mim mesmo: ”Este deve ser o fenômeno mais estranho em toda a neurologia — se não em toda a ciência!” Como pode uma pessoa sensata e inteligente afirmar que seu braço pertence à sua mãe? Robert Rafael, Eric Altschuler e eu testamos recentemente dois pacientes com este distúrbio e descobrimos que, quando olharam para seu braço esquerdo num espelho (colocado à direita para fazer vir à tona a síndrome do espelho), eles de repente começaram a concordar que de fato o braço era seu! Será que um espelho poderia ”curar” este distúrbio? 348 / FANTASMAS NO CÉREBRO Capítulo I: O som de uma só mão batendo palmas 1. Isto pode parecer duro, mas, para o terapeuta físico, é frustrante começar a reabilitação de pacientes quando eles estão em negação, de forma que superar o delírio é de grande importância na clínica. 2. Para descrições de anosognosia, ver Critchley, 1966; Cutting, 1978; Damasio, 1994; Edelman, 1989; Galin, 1992; Levine, 1990; McGlynn e Schacter, 1989; Feinberg e Farah, 1997. 3. O eminente psicólogo da evolução RobertTrivers, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, propôs uma inteligente explicação para a evolução da auto-sugestão (Trivers, 1985). De acordo com Trivers, há muitas ocasiões na vida diária em que precisamos mentir — digamos, durante um exame oficial de impostos ou num caso de adultério ou num esforço para proteger os sentimentos de alguém. Outra pesquisa mostrou que mentirosos, a não ser que sejam adestrados, quase sempre entregam o jogo, mostrando um sorriso pouco natural, uma expressão ligeiramente forçada ou um falso tom de voz que outros podem detectar (Ekman, 1992). A razão é que o sistema límbico (involuntário, inclinado a falar a verdade) controla expressões espontâneas, enquanto o córtex (responsável pelo controle voluntário, também o lugar onde as mentiras são maquinadas) controla as expressões faciais exibidas quando estamos contando lorotas. Conseqüentemente, quando mentimos com um sorriso, é um sorriso falso, e mesmo que tentemos manter um rosto sincero, invariavelmente o sistema límbico deixa vazar vestígios de falsidade. Há uma solução para este problema, afirma Trivers. Para mentir com eficácia para outra pessoa, tudo que você tem a fazer é primeiro mentir para si próprio. Se você acreditar que é verdade, suas expressões serão sinceras, sem um vestígio de fraude. Assim, adotando esta estratégia, você pode cometer algumas mentiras convincentes — e vender uma porção de lorotas. Mas parece-me que há uma contradição interna nesta hipótese. Suponha que você é um chimpanzé que escondeu algumas bananas sob os ramos de uma árvore. Aí chega o chimpanzé alfa, que sabe que você tem bananas e pede que você as dê a ele. Que faz você? Mente ao seu superior e diz que as bananas estão do outro lado do rio, mas também corre o risco de ele detectar a mentira pela expressão do seu rosto. Então que faz você? Segundo Trivers, você adota o simples dispositivo de se convencer de que as bananas realmente estão do outro lado do rio, e diz isso ao macho alfa, que é induzido a acreditar, e se livra da situação. Mas há outro problema. Se você depois ficar com fome e for procurar as bananas? Como acredita que o alimento está no outro lado do rio, é lá que você iria procurá-lo. NOTAS / 349 Em outras palavras, a estratégia proposta por Trivers frustra todo o objetivo de mentir, pois a própria definição de uma mentira é que você precisa continuar a ter acesso à verdade — caso contrário não haveria lugar para a estratégia evolutiva. Uma saída para este dilema seria sugerir que uma ”crença” não é necessariamente unitária. Talvez a auto-sugestão seja principalmente uma função do hemisfério esquerdo — à medida que tenta comunicar seu conhecimento a outros — enquanto o hemisfério direito continua ”sabendo” a verdade. Uma forma de abordar isto experimentalmente seria obter respostas galvânicas cutâneas em anosognósticos e, claro, em pessoas normais (por exemplo, crianças) quando estão confabulando. Quando uma pessoa normal gera uma falsa memória — ou quando uma criança confabula —, será que apesar disso registraria uma forte resposta galvânica cutânea (como o faria se estivesse mentindo)? Finalmente, há outro tipo de mentira para o qual a afirmação de Trivers pode de fato ser válida, que é mentir sobre as próprias habilidades — vangloriar-se. Realmente, uma falsa crença sobre suas capacidades também pode causar-lhe problemas (”Sou um cara grandão e forte, não um sujeito fraco”), se o levar a lutar por objetivos irreais. Mas esta desvantagem pode ser superada em muitos casos pelo fato de que um fanfarrão convincente pode conseguir os melhores encontros na noite de sábado e talvez assim disseminar seus genes mais ampla e freqüentemente, de forma que os genes da ”fanfarronice bem-sucedida através da autosugestão” rapidamente se tornem parte do grupo comum de genes. Uma previsão para isto seria que os homens devem ser mais inclinados tanto à fanfarronice quanto à auto-sugestão do que as mulheres. Pelo que sei, esta previsão nunca foi testada de forma sistemática, embora vários colegas me assegurem que é verdade. As mulheres, por outro lado, devem ser melhores em detectar mentiras, já que têm muito mais coisas em jogo — uma árdua gravidez de nove meses, um parto arriscado e um longo período de cuidados com uma criança cuja ”maternidade” não é posta em dúvida. 4. Kinsbourne, 1989; Bogen, 1975; e Galin, 1976, todos eles nos advertiram repetidamente para os perigos da ”dicotomania”, de atribuir funções cognitivas inteiramente a um hemisfério em detrimento do outro. Precisamos ter em mente que a especialização na maioria dos casos tem mais probabilidade de ser relativa do que absoluta e que o cérebro tem uma frente e uma parte traseira, um topo e uma base, e não apenas esquerda e direita. Para piorar as coisas, uma elaborada cultura pop e inúmeros livros de auto-ajuda são baseados no conceito de especialização hemisférica. Como observou Robert Ornstein (1997), ”é um clichê nos conselhos e recomendações gerais a administradores, banqueiros e artistas, esta 350 / FANTASMAS NO CÉREBRO nas histórias em quadrinhos. É um anúncio publicitário. A United Airlines apresenta razões para levar os dois lados de você de costa a costa. A música para um lado e o bom valor para o outro. A empresa automobilística Saab ofereceu seu seda turbo como ’um carro para ambos os lados do seu cérebro’. Uma amiga minha, não conseguindo se lembrar de um nome, desculpou-se descrevendo a si própria como um ’tipo de pessoa de atmosfera direita”. Mas a existência dessa cultura pop não deve obscurecer a questão principal — a noção de que os dois hemisférios podem de fato ser especializados em funções diferentes. A tendência a atribuir poderes misteriosos ao hemisfério direito não é nova — remonta ao neurologista francês do século XIX, Charles Brown Sequard, que iniciou a moda do movimento aeróbico do hemisfério direito. Para um exame atualizado das idéias sobre especialização hemisférica, ver Springer e Deutsch, 1998. 5- Grande parte do nosso conhecimento de especialização hemisférica vem do trabalho pioneiro de Gazzaniga, Bogen e Sperry, 1962, cuja pesquisa em pacientes de cérebro dividido é bem conhecida. Quando o corpo caloso que liga os dois hemisférios é cortado, as capacidades cognitivas de cada hemisfério podem ser estudadas separadamente no laboratório. O que estou chamando de ”o general” não é diferente do que Gazzaniga, 1992, chama de ”o intérprete” no hemisfério esquerdo. Entretanto, Gazzaniga não considera a origem evolutiva ou o fundamento biológico para ter um intérprete (como tento aqui), nem postula um mecanismo antagônico no hemisfério direito. Idéias semelhantes à minha também foram propostas por Kinsbourne, 1989, não para explicar a anosognosia, mas para explicar efeitos de lateralidade vistos na depressão depois de um derrame. Embora não discuta defesas freudianas ou ”mudanças de paradigma”, ele fez a proposta engenhosa de que o hemisfério esquerdo pode ser necessário para manter a continuação de comportamentos, enquanto a ativação do hemisfério direito pode ser exigida para interromper comportamentos e causar uma resposta orientadora. 6. Gostaria de enfatizar que a teoria específica de especialização hemisférica que estou propondo certamente não explica todas as formas de anosognosia. Por exemplo, a anosognosia da afasia de Wernicke provavelmente surge porque a própria parte do cérebro que comumente representaria crenças sobre a linguagem está danificada. A síndrome de Anton (negação de cegueira cortical), por outro lado, pode exigir a presença simultânea de uma lesão no hemisfério direito. (Vi um único caso de ”dupla lesão” semelhante a este, com a Dra. Leah Levi, mas é preNOTAS / 351 ciso uma pesquisa adicional para esclarecer o assunto.) Será que um afásico de Wernicke se tornaria mais consciente de seu déficit se seu ouvido fosse irrigado com água gelada? 7. Ramachandran, 1994, 1995a, 1996. 8. Ainda estamos longe de compreender a base neural dessas ilusões, desses delírios, mas o importante e recente trabalho de Graziano, Yap e Gross, 1994, pode ser relevante. Eles descobriram neurônios especiais na área motora suplementar do macaco que tinham campos receptores visuais ”superpostos” em campos somatossensoriais da mão do macaco. Curiosamente, quando o macaco movia sua mão, o campo receptor visual se movia com a mão, mas movimentos de olho não tinham nenhum efeito sobre o campo receptor. Estes campos receptores visuais centrados na mão (”macaco ver, macaco fazer células”) podem proporcionar substratos, fundamentos neurais para os tipos de delírios que vejo em meus pacientes. 9. A idéia de que existe um mecanismo no hemisfério direito não somente para detectar e orientar sobre discrepâncias da imagem do corpo (conforme sugerido pela nossa caixa de realidade virtual e pela experiência de Ray Dolan e Chris Frith), mas também para outros tipos de anomalias recebe apoio de três outros estudos que foram relatados na literatura. Primeiro, é sabido há algum tempo que pacientes com dano no hemisfério esquerdo tendem a ser mais deprimidos e pessimistas do que aqueles que têm derrames no hemisfério direito (Gainotti, 1972; Robinson et ai, 1983), diferença geralmente atribuída ao fato de que o hemisfério direito é mais ”emocional”. Gostaria de argumentar em vez disso que, devido ao dano ao hemisfério esquerdo, o paciente não tem sequer os mínimos ”mecanismos de defesa” que você e eu usaríamos para lidar com as pequenas discrepâncias da vida diária, de forma que qualquer anomalia insignificante se torna potencialmente desestabilizadora. De fato, afirmei (Ramachandran, 1996) que mesmo depressões idiopáticas vistas num quadro psiquiátrico podem nascer da falta de o hemisfério esquerdo não conseguir acionar mecanismos freudianos de defesa — talvez em resultado de desequilíbrios transmissores ou dano clinicamente não detectável à região frontal esquerda do cérebro. A velha observação experimental de que as pessoas deprimidas são realmente mais sensíveis a incoerências sutis (como um ás de espada vermelho apresentado rapidamente) do que pessoas normais é coerente com esta linha de especulação. Atualmente, estou fazendo testes semelhantes com pacientes de anosognosia. Um segundo conjujtto de experiências em apoio a esta idéia vem da importan- 352 / FANTASMAS NO CÉREBRO te observação (Gardner, 1993) de que, após um dano ao hemisfério direito (mas não ao esquerdo), os pacientes têm dificuldade em reconhecer o absurdo de proposições enganadoras nas quais há uma inesperada mudança no final que contradiz o início. Interpreto esta descoberta como falha do detector de anomalias. 10. As negações de Bill pareceriam cômicas se não fossem trágicas. Mas seu comportamento ”faz sentido” porque ele está fazendo o máximo para proteger seu ”ego” ou individualidade. Quando se está ante uma sentença de morte, o que há de errado com a negação? Mas, embora a negação de Bill possa ser uma saudável resposta a uma situação sem esperança, sua magnitude é surpreendente e provoca outra pergunta interessante. Pacientes como ele, com essas ilusões e delírios em resultado do envolvimento do lobo frontal ventromedial, confabulam principalmente para proteger a integridade do ”ego”, ou podem ser provocados a confabular também sobre outros assuntos abstratos? Se você perguntasse a um desses pacientes — ”Quantos cabelos tem Bill Clinton?” — ele confabularia ou admitiria ignorar? Em outras palavras, o simples ato de ser questionado por uma figura de autoridade seria suficiente para fazêlo confabular? Não tem havido estudos sistemáticos para tratar desses problemas, mas, a não ser que tenha demência (fala desconexa, retardo mental devido a dano cortical difuso), o paciente é geralmente muito ”honesto” em admitir a ignorância de assuntos que não representam nenhuma ameaça imediata ao seu bemestar. 11. Obviamente a negação é profunda. Mas, embora fascinante de observar, é também uma grande fonte de frustração e preocupação prática para os parentes do paciente (embora, por definição, não o seja para o paciente!). Por exemplo, dado que os pacientes tendem a negar as conseqüências imediatas da paralisia (não tendo a menor idéia de que a bandeja de coquetel seguramente vai virar ou de que não podem atar os cadarços do sapato), será que também negam suas conseqüências remotas — o que vai acontecer na próxima semana, no próximo mês, no próximo ano? Ou, no fundo de suas mentes, têm uma vaga consciência de que algo está errado, de que estão incapacitados? Será que a negação os impediria de escrever um testamento? Não tenho explorado estas perguntas de forma sistemática, mas, nas poucas ocasiões em que levantei esta questão, os pacientes reagiram como se estivessem completamente inconscientes de quão profundamente a paralisia iria afetar suas vidas futuras. Por exemplo, o paciente pode afirmar confiantemente que pretende sair do hospital dirigindo de volta para casa ou que gostaria de voltar ao golfe ou ao tênis. Assim, é óbvio que não está simplesmente sofrendo de mera distorção NOTAS / 353 sensorial/motora — uma falha em atualizar sua imagem corporal (embora este seja um grande componente de sua doença). Pelo contrário, toda a gama de crenças sobre si mesmo e seus meios de sobrevivência foi radicalmente alterada para se acomodar à atual negação. Felizmente, tais delírios podem freqüentemente ser considerados um conforto para estes pacientes, embora sua atitude entre em conflito direto com um dos objetivos da reabilitação — restaurar o discernimento do paciente sobre sua situação. Outra forma de abordar a especificidade do domínio e da profundidade da negação seria acender a palavra ”paralisia” na tela e obter uma resposta galvânica cutânea. Será que a paciente iria achar a palavra ameaçadora — e registrar uma grande GSR —, embora não tenha consciência de sua paralisia? Como ela classificaria a palavra numa escala de l a 10, se solicitada a fazê-lo? Sua classificação seria mais alta (ou realmente mais baixa) do que a de uma pessoa normal? 12. Existem até pacientes de derrame no lobo frontal direito que manifestam sintomas de que estão a meio caminho entre a anosognosia e a síndrome do distúrbio de personalidade múltipla. A Dra. Riita Hari e eu vimos recentemente uma paciente assim em Helsinque. Como resultado de duas lesões — uma na região frontal direita e uma no giro cingulado — o cérebro da paciente era aparentemente incapaz de ”atualizar” a imagem do seu corpo como os cérebros normais fazem. Quando ela se sentava numa cadeira por um minuto e depois se levantava para começar a andar, sentia como se seu corpo se dividisse em duas metades — a metade esquerda ainda sentada na cadeira e a metade direita caminhando. E olhava para trás, aterrorizada, para se assegurar de que não tinha abandonado a metade esquerda do seu corpo. 13. Lembrem-se de que, quando estamos acordados, o hemisfério esquerdo processa dados sensoriais que chegam, impondo consistência, coerência e ordenação temporal sobre nossas experiências do dia-a-dia. Ao fazer isso, ele racionaliza, nega, reprime ou até censura grande parte desta informação que está entrando. Agora considerem o que acontece durante sonhos e sono REM. Há pelo menos duas possibilidades que não são mutuamente excludentes. Primeiro, o REM pode ter uma importante função vegetativa relacionada com coisas secundárias (por exemplo, manutenção e melhoria dos suprimentos neurotransmissores), e os sonhos podem ser apenas epifenômenos — subprodutos irrelevantes. Segundo, os próprios sonhos podem ter uma importante função cognitiva/emocional, e o REM pode ser simplesmente um veículo para causar isto. Por exemplo, podem capacitar você a submeter à prova vários cenários hipotéticos que seriam potencialmente desestabilizadores se experimentados du- 354 / FANTASMAS NO CÉREBRO NOTAS / 355 rante a vigília. Em outras palavras, os sonhos podem permitir uma espécie de estimulação de ”realidade virtual”, usando vários pensamentos proibidos que são em geral eclipsados pela mente consciente; esses pensamentos poderiam ser expressados experimentalmente para ver se podem ser assimilados na trama da história. Se não puderem, então são reprimidos e mais uma vez esquecidos. Por que não podemos realizar estes ensaios em nossa imaginação, enquanto plenamente despertos, não está claro, mas duas idéias vêm à mente. Primeiro, para os ensaios serem eficazes, devem parecer e ser sentidos como a realidade, e isto talvez não seja possível quando estamos acordados, já que sabemos que as imagens são geradas internamente. Como observamos antes, Shakespeare disse: ”Não se pode saciar o apetite com a simples imaginação de um banquete.” Na evolução, tem perfeito sentido que as imagens não possam substituir a realidade. Segundo, o desmascaramento de lembranças perturbadoras quando estamos despertos anularia o próprio objetivo de reprimi-las e poderia ter um profundo efeito desestabilizador no cérebro. Mas o desmascaramento dessas memórias durante os sonhos pode permitir que se efetue uma simulação realista e emocionalmente carregada, evitando ao mesmo tempo as punições que resultariam se você fizesse isto quando acordado. Há muitas opiniões sobre as funções dos sonhos. Para estudos estimulantes sobre o assunto, ver Hobson, 1988, e Wilson, 1986. 14. Isto não é verdade com todas as pessoas. Um paciente, George, lembrou-se nitidamente de que tinha negado sua paralisia. ”Podia ver que não estava se movendo”, disse ele, ”mas minha mente não aceitava. Foi a coisa mais estranha. Acho que eu estava em negação.” Não está claro por que uma pessoa se lembra e a outra esquece, mas poderia ter algo a ver com dano residual ao hemisfério direito. Talvez George tivesse se recuperado mais completamente do que Mumtaz ou Jean e assim era capaz de enfrentar diretamente a realidade. Pelas minhas experiências, porém, fica claro que pelo menos alguns pacientes que se recuperam de negação irão ”negar suas negações”, embora estejam mentalmente lúcidos e não tenham outros problemas de memória. Nossas experiências com a memória também provocam outras perguntas interessantes: Que tal se uma pessoa sofresse um acidente de carro que causasse danos nervosos periféricos e paralisasse seu braço esquerdo? Suponhamos que ela sofresse um derrame alguns meses depois, do tipo que leva a paralisia do lado esquerdo e síndrome de negação. Ela diria de repente: ”Oh, meu Deus, doutor, meu braço que estava paralisado todo esse tempo, de repente está se movendo de novo.” Voltando à minha teoria de que o paciente tende a se apegar a uma visão de mundo preexistente, será que ela se aferraria à sua visão de mundo atualizada e portanto diria que o braço esquerdo está paralítico — ou voltaria à sua imagem corporal anterior e afirmaria que seu braço está de fato se movendo novamente? 15- Enfatizo que este é um só estudo de caso e precisamos repetir a experiência com mais cuidado em outros pacientes. Na verdade, nem todo paciente foi cooperador como Nancy. Recordo-me nitidamente de uma paciente, Susan, que negava vigorosamente a paralisia em seu braço esquerdo e que concordou em participar de nossas experiências. Quando lhe disse que ia aplicar um anestésico local em seu braço esquerdo, ela empertigou-se na cadeira de rodas, inclinou-se para a frente, olhou-me diretamente nos olhos e, sem pestanejar, falou: ”Mas, doutor, isso está certo?” Era como se Susan estivesse participando de uma espécie de jogo comigo e eu de repente tivesse mudado as regras, e isto era proibido. Não continuei a experiência. Eu me pergunto, porém, se falsas injeções não podem preparar o caminho para uma forma inteiramente nova de psicoterapia. 16. Outro problema fundamental surge quando o hemisfério esquerdo tenta ler e interpretar mensagens procedentes do hemisfério direito. Vocês se lembram pelo Capítulo 4 que os centros visuais do cérebro são separados em duas correntes, chamadas vias do como e do o quê (lobos parietais e temporais). Toscamente falando, o hemisfério direito tende a usar um meio analógico — de preferência a um digital — de representação, enfatizando a imagem corporal, a visão espacial e outras funções da via do como. O hemisfério esquerdo, por outro lado, prefere um estilo mais lógico relacionado com a linguagem, reconhecendo e categorizando objetos, marcando objetos com rótulos verbais e representando-os em seqüências lógicas (o que é feito principalmente pela via do o quê). Isto cria um uma profunda barreira de tradução. Toda vez que o hemisfério esquerdo tenta interpretar informações vindas do direito — como tentar pôr em palavras as inefáveis qualidades da música e da arte — pelo menos algumas formas de confabulação podem surgir, porque o hemisfério esquerdo começa a se enrolar e atrapalhar todo quando não consegue obter a esperada informação do direito (porque este último está danificado ou desconectado do esquerdo). Será que essa deficiência de tradução pode explicar pelo menos algumas das mais floreadas confabulações que vemos em pacientes com anosognosia? (Ver Ramachandran e Hirstein, 1997.) 356 / FANTASMAS NO CÉREBRO Capítulo 8: ”A insustentável aparência do ser” 1. J. Capgras e J. Reboul-Lachaux, 1923; H. D. Ellis e A. W. Young, 1990; Hirstein e Ramachandran, 1997. 2. Este distúrbio é chamado de prosopagnosia. Ver Farah, 1 990; Damasio, Damasio e VanHoesen, 1982. As células no córtex visual (área 1 7) respondem a traços simples como feixes de luz, mas nos lobos temporais elas freqüentemente reagem a traços complexos como rostos. Estas células podem fazer parte de uma complexa rede especializada em reconhecer rostos. Ver Gross, 1992; Rolls, 1995; Tovee, Rolls e Ramachandran, 1996. As funções da amígdala que figura com destaque neste capítulo foram discutidas detalhadamente por LeDoux, 1996, e Damasio, 1994. 3. A engenhosa idéia de que a ilusão de Capgras pode ser uma imagem espelhada da prosopagnosia foi proposta inicialmente por Young e Ellis (1990), mas eles postulam uma desconexão entre fluxo dorsal e estruturas límbicas de preferência à desconexão da amígdala que sugerimos neste capítulo. Ver também Hirstein e Ramachandran, 1997. 4. Outra pergunta: Por que a mera ausência deste despertar emocional leva a uma ilusão tão extremada? Por que o paciente não pensa apenas: Sei que este é meu pai mas, por alguma razão, não sinto mais o calor? Uma das respostas é que alguma lesão adicional, talvez no córtex frontal direito, pode ser necessária para gerar essas ilusões exageradas. Lembrem-se dos pacientes de negação no capítulo passado, cujos hemisférios esquerdos procuravam preservar a coerência global explicando discrepâncias e cujos hemisférios direitos mantinham as coisas em equilíbrio, monitorando e reagindo à incoerência. Para desenvolver uma síndrome de Capgras plena, seria necessária uma conjunção de duas lesões — uma que afete a capacidade do cérebro de atribuir significado emocional a um rosto familiar e outra que perturbe o mecanismo de ”verificação de coerência” no hemisfério direito. Para resolver isto, são necessários mais estudos de imagens do cérebro. 5. Baron-Cohen, 1995. Capítulo 9: Deus e o sistema límbico l . No presente, o dispositivo é eficaz principalmente para estimular partes do cérebro próximas da superfície, mas futuramente poderemos estimular estruturas mais profundas. 2. Ver Papez, 1937, para a descrição original, e Maclean, 1973, para um exame abrangente, cheio de especulações fascinantes. NOTAS / 357 Não é por pura coincidência que o vírus da raiva ”escolhe” se alojar principalmente nas estruturas límbicas. Quando o cachorro A morde o cachorro B, o vírus viaja dos nervos periféricos perto da mordida para a medula espinhal e depois sobe para o sistema límbico da vítima, transformando-a completamente. Rosnando e espumando pela boca, o antes pacato cãozinho morde outra vítima e assim o vírus é transmitido adiante, infectando as estruturas do cérebro que impelem ao comportamento agressivo de morder. E, como parte desta estratégia diabólica, o vírus inicialmente deixa outras estruturas do cérebro completamente intactas, de forma que o cão pode continuar vivo o suficiente para transmitir o vírus. Mas como diabo o vírus segue dos nervos periféricos perto da mordida para células bem dentro do cérebro, ao passo que poupa todas as outras estruturas cerebrais ao longo do caminho? Quando eu era estudante, muitas vezes especulei se seria possível tingir o vírus com um corante fluorescente, a fim de ”iluminar” estas áreas do cérebro — permitindo-nos, assim, descobrir vias especificamente envolvidas com mordida e agressão, da mesma forma que hoje se usam varreduras PET. Em todo caso, é claro que, no que concerne ao vírus da raiva, um cachorro é apenas outro meio de fazer um vírus — um veículo temporário para transmitir seu genoma. 3. Descrições úteis da epilepsia do lobo temporal podem ser encontradas emTrimble, 1992, e Bear e Fedio, 1977. Waxman e Geschwind, 1975, defenderam a opinião de que existe uma constelação de traços de personalidade encontrados mais freqüentemente em pacientes de epilepsia do lobo temporal do que em controles aliados a idade. Embora esta idéia tenha seus críticos, vários estudos têm confirmado tal associação: Gibbs, 1951; Gastaut, 1956; Bear e Fedio, 1977; Nielsen e Kristensen, 1981; Rodin e Schmaltz, 1984; Adamec, 1989; Wieser,1983. A suposta ligação entre ”perturbações psiquiátricas” e epilepsia, de fato, remonta à antigüidade, e, no passado, havia um lamentável estigma vinculado ao distúrbio. Mas, como enfatizei repetidamente neste capítulo, não existe base para concluir que qualquer destes traços seja ”indesejável” ou que o paciente é muito pior por causa deles. A melhor forma de eliminar o estigma, realmente, é explorar a síndrome com mais profundidade. Slater e Beard (1963) notaram ”experiências místicas” em 38% de suas séries de casos, e Bruens (1971) fez uma observação semelhante. Freqüentes conversões religiosas também são vistas em alguns pacientes (Dewhurst e Beard, 1970). É importante reconhecer que apenas uma minoria de pacientes revela traços esotéricos, como religiosidade e hipergrafia, mas isso não torna a associação de nenhuma forma menos real. Por analogia, considerem o fato de que mudanças 358 / FANTASMAS NO CÉREBRO renais ou oculares (complicação de diabetes) ocorrem somente numa minoria de diabéticos, mas ninguém negaria que a associação existe. Como Trimble (1992) observou, ”é mais provável que traços de personalidade como religiosidade e hipergrafia vistos em pacientes com epilepsia representem um fenômeno tudoou-nada e sejam vistos numa minoria de pacientes. Não é uma característica que tenha gradações, como por exemplo a obsessão, e portanto não surge como fator proeminente em estudos de questionário, a não ser que seja avaliado um número suficientemente grande de pacientes”. 4. Para complicar as coisas, é inteiramente possível que algum dano clinicamente indetectável nos lobos temporais também acentue a esquizofrenia e distúrbios maníaco-depressivos, de forma que o fato de pacientes psiquiátricos às vezes experimentarem sentimentos religiosos não invalida meu argumento. 5. Opiniões semelhantes foram apresentadas por Crick, 1993; Ridley, 1997; e Wright, 1994, embora eles não invoquem estruturas especializadas no lobo temporal. Este raciocínio cheira a seleção de grupo — uma expressão tabu na psicologia da evolução —, mas não tem de ser assim. Afinal de contas, a maioria das religiões, embora louvem e exaltem a ”irmandade” da humanidade, tende principalmente a enfatizar a lealdade ao clã ou tribo (conseqüentemente, àqueles que provavelmente compartilham muitos dos mesmos genes). 6. Bear e Fedio (1997) ofereceram a engenhosa sugestão de que houve no sistema límbico uma hiperconectividade que fazia com que pacientes vissem significado cósmico em tudo. Sua idéia prevê uma GSR intensificada a todas as coisas para que o paciente olhe, previsão que se confirmou em alguns estudos preliminares. Mas outros estudos mostraram ou nenhuma mudança ou uma redução de GSR à maioria das categorias. O quadro é complicado também pelo grau e extensão de medicação a que o paciente está submetido enquanto a GSR é medida. Nossos estudos preliminares, por outro lado, sugerem que pode haver uma intensificação seletiva de reações GSR a algumas categorias e não a outras — alterando assim, permanentemente, a paisagem emocional dos pacientes (Ramachandran, Hirstein, Armei, Tecoma e Iragui, 1997). Mas esta descoberta, também, deve ser recebida com uma generosa dose de desconfiança, até ser confirmada em grande número de pacientes. 7. Além disso, mesmo que as mudanças no cérebro do paciente fossem originalmente mediadas pelos lobos temporais — o real repositório das mudanças —, ”uma perspectiva religiosa” envolve provavelmente muitas áreas diferentes do cérebro. NOTAS / 359 8. Para exposições lúcidas e vivas das idéias de Danvin, ver Dawkins, 1976; Maynard Smith, 1978; Dennett, 1995. Há um áspero debate em andamento na seleta mesa da evolução sobre se cada característica (ou quase toda característica) é um resultado direto de seleção natural ou se há outras leis e princípios que governam a evolução. Falaremos deste debate no Capítulo 10, onde discuto a evolução do humor e do riso. 9. Grande parte desta discussão aparece num livro de Loren Eisley (1958). 10. Esta idéia é claramente descrita num delicioso livro de Christopher Wills (1993). Ver também Leakey, 1993, e Johanson e Edward, 1996. 11. O savant que conseguia tirar a raiz cúbica é descrito por Hill, 1978. A idéia de que savants tenham aprendido alguns atalhos simples ou truques para descobrir números primos ou fatorar esteve em circulação por algum tempo. Mas não funciona. Quando um matemático profissional aprendeu o algoritmo adequado, ainda assim levou quase um minuto para gerar todos os números primos entre 10.037 e 10.133 — enquanto um homem autista não verbal, ingênuo para essa tarefa, levou apenas 10 segundos (Hermelin e O’Connor, 1990). Existem algoritmos para gerar números primos em alta freqüência — com raros erros ocasionais. Seria interessante ver se savants em números primos cometem exatamente os mesmos erros raros que estes algoritmos cometem; isso nos diria se os savants estavam usando tacitamente o mesmo algoritmo. 12. Outra explicação possível para a síndrome do savant é baseada na idéia de que a ausência de certas capacidades pode realmente tornar mais fácil tirar vantagem do que restou e focalizar a atenção em habilidades mais esotéricas. Por exemplo, quando se depara com fatos no mundo exterior, você obviamente não registra na mente cada detalhe trivial; seria não-adaptativo. Nossos cérebros primeiro avaliam o significado dos fatos e se entregam a um trabalho minucioso de censura e editoração da informação — antes de armazená-la. Mas, e se o mecanismo funcionar mal? Então você pode começar a registrar pelo menos alguns acontecimentos com detalhes desnecessários, como as palavras de um livro que você leu há dez anos. Isto, para você ou para mim, poderia parecer um talento espantoso. Mas, na verdade, surge de um cérebro danificado que não consegue censurar experiências diárias. Da mesma forma, uma criança autista está trancada num mundo onde outros não são bem-vindos, exceto um ou dois canais de interesse para o exterior. A capacidade da criança para focalizar toda a sua atenção num único assunto com exclusão de todos os outros pode levar aparentemente a habilidades exóticas — mas, repetimos, seu cérebro não é normal e ela continua profundamente retardada. 36o / FANTASMAS NO CÉREBRO Um raciocínio afim, porém mais engenhoso, é proposto por Snyder eThomas (1997), que sugerem que, por algum motivo, savants são menos impulsionados por conceitos devido ao seu retardo e isto, por sua vez, lhes permite acesso a níveis iniciais da hierarquia do processamento, o que não é acessível para a maioria de nós (daí os desenhos obsessivamente detalhados de Stephen Wiltshire, que contrastam flagrantemente com as figuras primitivas ou os desenhos do tipo quadrinhos de crianças normais). Esta idéia não é incompatível com a minha. Pode-se argumentar que a mudança de ênfase da percepção dirigida pelo conceito (ou concepção) para permitir acesso a processos iniciais talvez dependa da hipertrofia dos módulos ”primários” precisamente da maneira que sugeri. A idéia de Snyder poderia, portanto, ser vista como meio caminho entre a teoria tradicional da atenção e a minha teoria proposta neste capítulo. Um dos problemas é que, embora os desenhos de alguns savants pareçam excessivamente detalhados (por exemplo, os de Stephen Wiltshire, descritos por Sacks), existem outros cujos desenhos parecem genuinamente belos (por exemplo, os desenhos parecidos com os de da Vinci, feitos por Nadia). Seu senso de perspectiva, sombreado, nuances etc. parece hipernormal numa forma de certo modo prevista por meu raciocínio. O que todas estas idéias têm em comum é que implicam uma mudança de ênfase de um conjunto de módulos para o outro. Resta saber se isto resulta simplesmente da falta de função de um conjunto (com mais atenção dedicada a outros) ou de real atrofia do que restou. A idéia da mudança de atenção também não me atrai, por duas outras razões. Primeiro, afirmar que você se torna automaticamente hábil em alguma coisa usando com eficácia a atenção não nos diz muito, a não ser que se saiba o que é atenção, e nós não sabemos. Segundo, se este raciocínio está correto, por que pacientes adultos com grandes porções do cérebro danificadas não se tornam hábeis em outras coisas — mudando de atenção? Ainda tenho de me deparar com alguém deficiente em cálculos que de repente tenha se transformado num savant musical ou com um paciente de desatenção que tenha se tornado um prodígio em cálculos. Em outras palavras, o raciocínio não explica por que savants nascem, e não são fabricados. A teoria da hipertrofia pode, de fato, ser facilmente testada, usando imagens de ressonância magnética (MRI) em diferentes tipos de savants. 13- Pacientes como Nadia também nos põem cara a cara com uma pergunta ainda mais profunda: O que é arte? Por que algumas coisas são bonitas, enquanto ouNOTAS / 361 trás não são? Existe uma gramática universal subjacente e oculta em toda estética visual? Um artista é perito em captar os traços essenciais (que os hindus chamam de rasa] de uma imagem que ele está tentando retratar e em eliminar detalhes supérfluos, e, ao fazê-lo, está essencialmente imitando aquilo para que o próprio cérebro evoluiu. Mas a pergunta é: Por que isto deve ser esteticamente agradável? Na minha opinião, toda arte é ”caricatura” e hipérbole, de forma que, se você entende por que caricaturas são eficientes, entende a arte. Se você ensinar um rato a distinguir um quadrado, por exemplo, de um retângulo e o recompensar pelo último, logo o rato começará a reconhecer o retângulo e mostrar preferência por este. Mas, paradoxalmente, reagirá ainda mais vigorosamente a um retângulo ”caricatural” mais estreito (por exemplo, com uma proporção de aspecto de 3:1 em vez de 2:1) do que o protótipo original! O paradoxo é resolvido quando você percebe que o que o rato aprende é um regra. — ”retangularidade” — e não um determinado exemplar dessa regra. E o modo como a área da forma visual no cérebro é estruturada, ampliando a regra (um retângulo mais estreito) é especialmente reforçador (agradável) ao rato, proporcionando um incentivo para o sistema visual do rato ”descobrir” a regra. Em estilo semelhante, se você tirar um rosto médio genérico do rosto de Nixon e depois ampliar as diferenças, terminará chegando a uma caricatura que é mais parecida com Nixon do que o original. Realmente, o sistema visual está lutando constantemente para ”descobrir a regra”. Meu palpite é que, bem no início da evolução, muitas das áreas visuais extra-estriadas que são especializadas em extrair correlações e regras e juntar características ao longo de diferentes dimensões (forma, movimento, sombreado, cor etc.) são diretamente ligadas a estruturas límbicas para produzir uma sensação agradável, já que isto aumentaria a sobrevivência do animal. Conseqüentemente, ampliar uma regra específica e eliminar detalhes irrelevantes faz a figura parecer ainda mais atraente. Eu sugeriria também que estes mecanismos e conexões límbicas associadas são mais proeminentes no hemisfério direito. Na literatura, há muitos casos de pacientes com derrame no hemisfério esquerdo cujos desenhos ficam realmente melhorados depois do derrame — talvez porque o hemisfério direito então esteja livre para ampliar a regra. Uma grande pintura é mais evocativa do que uma foto, porque os detalhes da fotografia podem realmente mascarar a regra subjacente — disfarce que é eliminado pelo toque do artista (ou por um derrame no hemisfério esquerdo!). Esta não é uma explicação completa da arte, mas é um bom começo. Ain- 362 / FANTASMAS NO CÉREBRO da precisamos explicar por que os artistas muitas vezes usam deliberadamente justaposições incongruentes (como no humor) e por que um nu visto atrás de uma cortina de chuveiro ou de um véu diáfano é mais atraente do que uma foto de nu. É como se a regra descoberta depois de uma luta fosse ainda mais revigorante do que uma que é imediatamente óbvia, observação que também foi feita pelo especialista em história da arte, Ernest Gombrich. Talvez a seleção natural tenha ligado as áreas visuais de tal forma que o reforço é realmente mais vigoroso se obtido depois de ”trabalho” — a fim de assegurar que o próprio esforço seja mais agradável do que desagradável. Daí o eterno apelo de quadros tipo quebra-cabeça, como o cão dálmata da página 300 ou pinturas ”abstratas” de rostos com sombras fortes. Ocorre uma sensação agradável quando o quadro finalmente é entendido e as manchas e salpicos ficam corretamente ligados para formar uma figura. Capítulo 10: A mulher que morreu de rir 1. Ruth e Willy (pseudônimos) são reconstruções de pacientes originalmente descritos num artigo de Ironside (1955). Os detalhes clínicos e relatos da autópsia, porém, não foram alterados. 2. Fried, Wilson, MacDonald e Behnke, 1998. 3. A disciplina da psicologia da evolução foi prenunciada pelos primeiros escritos de Hamilton (1964), Wilson (1978) e Williams (1966). O manifesto moderno desta disciplina é de Barkow, Cosmides e Tooby (1992), que são considerados fundadores do campo. (Ver também Daly e Wilson, 1983, e Symons, 1979.) A exposição mais clara destas idéias pode ser encontrada no livro de Pinker, How the Mina Works, que contém muitas idéis estimulantes. Minha discordância com ele sobre detalhes específicos da teoria da evolução não diminui o valor de suas contribuições. 4. Esta idéia é intrigante, mas, como com todos os problemas em psicologia da evolução, é difícil de testar. Para acentuar ainda mais, mencionarei outra idéia igualmente intestável. Vejam a inteligente sugestão de Margie Profet de que as mulheres têm enjôos matinais nos três primeiros meses de gravidez para diminuir o apetite, evitando assim os venenos naturais de muitos alimentos que poderiam levar ao aborto (Profet, 1997). Meu colega, Dr. Anthony Deutsch, propôs um raciocínio ainda mais engenhoso. Sugere, com ironia, que o odor de vômito impede o macho de querer fazer sexo com uma mulher grávida, reduzindo portanto a probabilidade de relação sexual, que por sua vez, como se sabe, aumenta o risco NOTAS / 363 de aborto. Fica imediatamente óbvio que este é um raciocínio tolo, mas por que o raciocínio sobre toxinas seria de qualquer forma menos tolo? 5. V.S. Ramachandran, 1997. Eis aquilo por que eles se deixaram lograr: Agora pergunte a si mesmo: ”Por que os homens preferem as louras?” Nas culturas ocidentais, acredita-se geralmente que os homens têm uma nítida preferência sexual e estética por louras em vez de morenas (Alley e Hildebrandt, 1988). Preferência semelhante por mulheres com a cor da pele mais clara do que a média também é vista em muitas culturas não-ocidentais. (Isto foi formalmente confirmado por estudos ”científicos”; Van der Berghe e Frost, 1986.) De fato, em muitos países, há uma preocupação quase obsessiva em ”melhorar a aparência da pele” — mania que a indústria de cosméticos tem se apressado a estimular com inumeráveis produtos inúteis. (Curiosamente, não parece haver tal preferência por homens de pele mais clara; daí a expressão ”alto, moreno e bonito”.) O conhecido psicólogo americano Havelock Ellis sugeriu há 50 anos que os homens preferem formas arredondadas (que indicam fecundidade) nas mulheres e que o cabelo louro acentua a rotundidade, combinando melhor com o contorno do corpo. Outra opinião é que a pele e cor do cabelo dos bebês tendem a ser mais claras do que as dos adultos e a preferência por mulheres louras pode simplesmente refletir o fato de que, nos humanos, feições neótenas de bebê em mulheres talvez sejam características sexuais suplementares. Gostaria de propor uma terceira teoria, que não é incompatível com estas duas, mas tem a vantagem de ser coerente com teorias biológicas mais gerais da seleção da companheira. Mas, para entender minha teoria, você tem de considerar em primeiro lugar por que o sexo se desenvolveu na evolução. Por que não se reproduzir assexuadamente, já que assim se poderia transmitir à descendência todos os genes em vez de apenas a metade? A resposta surpreendente é que o sexo se desenvolveu principalmente para evitar parasitas (Hamilton e Zuk, 1982)! A infestação parasitária é extremamente comum na natureza e os parasitas estão sempre tentando induzir o sistema imunológico do hospedeiro a pensar que eles fazem parte do seu corpo. O sexo se desenvolveu para ajudar a espécie hospedeira a embaralhar seus genes a fim de que esteja sempre um passo à frente dos parasitas. (Isto é chamado de estratégia da Rainha Vermelha, termo inspirado pela rainha de Alice no país das maravilhas, que está sempre andando rápido para ficar em um lugar.) Da mesma forma, podemos perguntar por que caracteres sexuais secundários como a cauda do pavão ou a barbela do galo se desenvolveram. A resposta novamente é: parasitas. Estas exibições — uma reluzente cauda grande 364 / FANTASMAS NO CÉREBRO ou barbelas vermelho-sangue — podem servir ao objetivo de ”informar” à fêmea que o pretendente é saudável e livre de parasitas na pele. Ser loura ou ter uma pele clara poderia servir a um objetivo semelhante? Todo estudante de medicina sabe que a anemia, geralmente causada por parasitas intestinais ou no sangue; que a cianose (sinal de doença cardíaca); que a icterícia (um fígado doente) e a infecção de pele são mais fáceis de detectar em pessoas de pele clara do que em pessoas morenas. Isto é verdade tanto para a pele quanto para os olhos. A infestação de parasitas intestinais deve ter sido muito comum nos primeiros assentamentos agrícolas, e essa infestação pode causar grave anemia no hospedeiro. Deve ter havido considerável pressão da seleção para a detecção precoce de anemia em jovens mulheres núbeis, uma vez que a anemia pode interferir na fertilidade, na gravidez e no nascimento de uma criança saudável. Assim, as louras estão efetivamente dizendo aos seus olhos: ”Sou rosada, saudável e livre de parasitas. Não confie naquela morena. Ela pode estar escondendo sua má saúde e infestação parasitária.” Um segundo motivo relacionado para a preferência poderia ser o fato de que a ausência de proteção contra a radiação ultravioleta pela melanina faz a pele das louras ”envelhecer” mais depressa do que a das morenas e os sinais dérmicos de envelhecimento — pintas e rugas da idade — são geralmente mais fáceis de detectar. Como a fertilidade nas mulheres declina rapidamente com a idade, talvez homens maduros prefiram mulheres bem jovens como parceiras sexuais (Stuart Anstis, comunicação pessoal). Assim, as louras poderiam ser preferidas não somente porque os sinais de envelhecimento ocorrem mais cedo, mas também porque é mais fácil detectá-los. Em terceiro lugar, certos sinais exteriores de interesse sexual, como constrangimento social e rubor, bem como excitação sexual (a ”descarga” do orgasmo), podem ser mais difíceis de perceber em mulheres de pele escura. Assim, a probabilidade de gestos de galanteio e namoro serem retribuídos e consumados pode ser prevista com maior confiança quando se corteja uma loura. A razão de não ser tão assinalada a preferência por homens de pele clara poderia ser que anemia e parasitas constituem um risco principalmente durante a gravidez, e homens não engravidam. Além disso, uma loura teria mais dificuldade do que uma morena em mentir sobre um caso que acabou de ter, já que o rubor de constrangimento e culpa a denunciaria. Para o homem, detectar esse rubor numa mulher seria especialmente importante, porque ele tem terror de ser traído, enquanto a mulher não precisa se preocupar com isso — seus principais objetivos são encontrar e manter um provedor. (Esta paranóia do homem NOTAS / 365 não é absurda; pesquisas recentes mostram que de 5% a 10% dos pais não são pais genéticos. Há provavelmente muito mais genes de leiteiros na população do que se imagina.) A última razão para preferir louras diz respeito às pupilas. A dilatação da pupila — outro sinal óbvio de interesse sexual — seria mais evidente quando vista contra a íris azul de uma loura do que contra a íris escura de uma morena. Isto pode também explicar por que as morenas são muitas vezes consideradas ”quentes” e misteriosas (ou por que mulheres usam beladona para dilatar as pupilas e por que homens tentam seduzir mulheres com a luz de velas; a droga e a luz fraca dilatam as pupilas, acentuando a demonstração de interesse sexual). Na verdade, todos esses raciocínios se aplicariam igualmente a qualquer mulher de pele mais clara. Por que o cabelo louro faz alguma diferença, se é que faz? A preferência por pele mais clara foi estabelecida através de pesquisas, mas a questão do cabelo louro não foi estudada. (A existência de louras clareadas não desmente nosso raciocínio, já que a evolução não poderia ter previsto a invenção do peróxido de hidrogênio. Realmente, o fato de que não existe uma ”falsa morena” mas apenas uma ”falsa loura” dá a entender que existe essa preferência; afinal de contas, a maioria das louras não pinta seu cabelo de preto.) Sugiro que o cabelo louro serve como uma ”bandeira”, a fim de que, mesmo a uma grande distância, fique óbvio para o homem que há uma mulher de pele clara na vizinhança. A mensagem, trocada em miúdos: cavalheiros preferem louras porque podem detectar facilmente os primeiros sinais de infecção parasitária e envelhecimento, ambos os quais reduzem a fertilidade e a viabilidade de descendência e podem também detectar rubor e tamanho da pupila, que são indícios de interesse sexual e fidelidade. (A tese de que a própria pele clara pode ser um indicador de juventude e condição hormonal foi proposta em 1995 por Don Symons, eminente psicólogo da evolução da UCSB, mas ele não apresentou argumentos específicos referentes à detecção mais fácil de parasitas, anemia, rubor ou pupilas nas louras, que defendemos aqui.) Como disse antes, inventei toda essa história ridícula como uma sátira a certas teorias sociobiológicas forjadas sobre a seleção da companheira humana — o principal sustentáculo da psicologia da evolução. Dou-lhe menos de 10% de chance de ser verdadeira, mas, mesmo assim, é pelo menos tão viável quanto muitas outras teorias sobre galanteio humano atualmente em voga. Se você acha que a minha teoria é tola, enão deve ler algumas das outras. 6. Ramachandran, 1998. 366 / FANTASMAS NO CÉREBRO 7. A importante ligação entre humor e criatividade foi também enfatizada pelo médico, dramaturgo e polímata inglês Jonathan Miller. 8. A idéia de que o sorriso tem relação com uma careta de ameaça remonta a Darwin e freqüentemente volta à tona na literatura. Mas, que eu saiba, ninguém salientou que ele tem a mesmaforma lógica do riso: uma resposta abortada a uma ameaça em potencial, quando se comprova que o estranho que se aproxima é um amigo. 9. Qualquer teoria que pretenda explicar humor e riso tem de explicar todas as características seguintes — e não apenas uma ou duas: primeiro, a estrutura lógica de piadas e fatos que provoquem riso — isto é, a informação; segundo, a razão evolutiva por que a informação toma a forma particular que tem, a construção de um modelo seguida de repentina mudança de paradigma que tem conseqüência insignificante; terceiro, o som explosivo alto; quarto, a relação de humor com cócegas e por que as cócegas poderiam ter se desenvolvido (sugiro que têm a mesma forma lógica do humor, mas podem representar ensaio de ”brincadeira” para o humor adulto); quinto, as estruturas neurológicas envolvidas e como a lógica funcional do humor se mapeia na ”estrutura lógica” destas partes do cérebro; sexto, se o humor tem quaisquer outras funções além daquela para que se desenvolveu (por exemplo, sugerimos que o humor cognitivo adulto pode proporcionar ensaio para a criatividade e pode também servir internamente para ”esvaziar” pensamentos potencialmente perturbadores de que você nada pode fazer com aquilo); sétimo, por que o sorriso é um ”meio riso” e freqüentemente precede a risada (a razão que sugiro é que tem a mesma forma lógica — esvaziamento de ameaça potencial — do humor e do riso, porque evoluíram em resposta à aproximação de estranhos). O riso pode também facilitar uma espécie de vínculo ou ”ordenação” social, especialmente porque freqüentemente ocorre em resposta a uma falsa violação de contratos sociais ou tabus (por exemplo, quando alguém está fazendo uma preleção na cátedra com a braguilha aberta). Contar piadas ou rir de alguém pode permitir ao indivíduo recalibrar freqüentemente os costumes sociais do grupo a que ele pertence e ajudar a consolidar o sentimento dos valores compartilhados. (Daí a popularidade das piadas étnicas.) O psicólogo Wallace Chafe (1987) propôs uma engenhosa teoria do riso que é em certos aspectos o inverso da minha — embora ele não considere a neurobiologia. A principal função do riso, diz ele, é servir como um dispositivo ”incapacitante” — o ato físico é tão exaustivo que literalmente o imobiliza momentaneamente e permite você relaxar, quando percebe que a ameaça não é verdadeira. Acho esta idéia atraente por dois motivos. Primeiro, quando se NOTAS / 367 estimula o córtex motor suplementar esquerdo, o paciente não somente tem acessos de riso como também fica efetivamente imobilizado; não pode fazer nenhuma outra coisa mais (Fried et ai., 1998). Segundo, num estranho distúrbio chamado catalepsia, ouvir uma piada leva o paciente a ficar paralisado e cair no chão, enquanto permanece plenamente consciente. Parece plausível que isto possa ser uma expressão patológica do ”reflexo de imobilização” a que Chafe alude. No entanto, a teoria de Chafe não explica como a risada tem relação com o sorriso ou como tem relação com as cócegas; nem por que a risada deva assumir a forma particular que tem — sons rítmicos, altos, explosivos. Por que simplesmente não ficar imobilizado em cima do rastro como um gambá? Este, na verdade, é um problema geral da psicologia da evolução: chega-se a várias hipóteses aparentemente razoáveis sobre como algo pode ter evoluído, mas é freqüentemente difícil reconstituir a rota particular percorrida pela característica para chegar onde está agora. Finalmente, mesmo que eu esteja correto ao afirmar que o riso se desenvolveu como um sinal de comunicação — ”perfeito”, ”está tudo bem” —, temos de explicar os movimentos rítmicos da cabeça e do corpo (além dos sons) que acompanham a risada. Pode ser uma coincidência que tantas outras atividades agradáveis, como dança, sexo e música, também envolvam movimentos rítmicos? Será possível que todos eles liguem parcialmente os mesmos circuitos? Jacobs (1994) propôs que tanto crianças autistas quanto pessoas normais podem gostar de movimentos rítmicos porque esses movimentos ativam o sistema serotoninérgico da rafe, liberando a serotonina ”transmissora de recompensa”. Especula-se se a risada ativa os mesmos mecanismos. Sei de pelo menos uma criança autista que freqüentemente se entregava a uma risada incontrolável, socialmente inadequada, em busca de alívio. 10. Ao dizer isto, não tenho nenhuma intenção de fornecer munição aos criacionistas. Estes ”outros fatores” devem ser vistos como mecanismos que complementam mais do que contradizem o princípio da seleção natural. Eis alguns exemplos: a. O acaso — a velha sorte — deve ter desempenhado um imenso papel na evolução. Imaginem duas espécies diversas que são um pouco diferentes geneticamente — vamos chamá-las de hipo A e hipo B — em duas ilhas diferentes, ilha A e ilha B. Agora se um enorme asteróide atingir ambas as ilhas, talvez hipo B esteja mais bem adaptado a impactos de asteróides, sobreviva e transmita seu gene por seleção natural. Mas é igualmente possível que o asteróide não tenha atingido a ilha, nem seus hipos. Digamos que atingiu apenas a ilha A e destruiu todos os hipos A. Os hipos B, portanto, sobreviveram e transmitiram seus genes 368 / FANTASMAS NO CÉREBRO NOTAS / 369 não porque tinham ”genes de resistência a asteróides”, mas simplesmente porque tiveram sorte e o asteróide nunca os atingiu. Esta idéia é tão óbvia que acho espantoso que as pessoas a questionem. Em minha opinião, ela resume todo o debate sobre as criaturas de argila de Burgess. Quer Gould esteja certo ou errado sobre as criaturas particulares ali desenterradas, seu raciocínio geral sobre o papel do acaso é seguramente correto. O único contra-argumento sensato seriam os numerosos exemplos de evolução convergente. Meu exemplo favorito é a evolução da inteligência e de complexos tipos de aprendizagem — como o aprendizado por imitação — independentemente em octópodes e vertebrados superiores. Como se explica o surgimento desses traços complexos tanto em vertebrados quanto em invertebrados, se o acaso mais do que a seleção natural estava desempenhando o papel principal? Isso não dá a entender que, se a fita da evolução fosse tocada novamente, a inteligência se desenvolveria de novo? E se evoluiu duas vezes, por que não três? Contudo, esses exemplos de espantosa convergência não são fatais para a idéia de casualidade: afinal de contas, ocorrem muito raramente. A inteligência evoluiu duas vezes, não dezenas de vezes. Mesmo a clara evolução convergente dos olhos em vertebrados e invertebrados — como as lulas — provavelmente não é um verdadeiro caso de convergência, já que foi demonstrado recentemente que estavam envolvidos os mesmos genes. b. Quando certos sistemas neurais atingem um nível crítico de complexidade, podem repentinamente adquirir propriedades imprevistas, que mais uma vez não são um resultado direto de seleção. Nada há de místico nestas propriedades; pode-se demonstrar matematicamente que mesmo interações completamente aleatórias podem levar a estes pequenos torvelinhos de ordem a partir da complexidade. Stuart Kauffman, biólogo teórico do Santa Fe Institute, tem sustentado que isto poderia explicar a natureza pontuada da evolução orgânica — isto é, o repentino surgimento de novas espécies em novas linhas filogenéticas. c. A evolução de traços morfológicos pode ser dirigida, até um grau significativo, por mecanismos perceptivos. Se você ensinar um rato a distinguir um quadrado (proporção de 1:1) de um retângulo (proporção de 1:2) e o recompensar somente pelo retângulo, descobrirá que o rato reage até mais vigorosamente a um retângulo mais estreito (proporção de 1:4) do que ao retângulo protótipo original em que foi treinado. Este resultado paradoxal — chamado ”efeito de mudança de pico” — sugere que o animal está aprendendo mais uma regra — retangularidade — do que uma reação a um único estímulo. Sugiro que esta propensão básica — conectada nas vias visuais de todos os animais — pode aju- L dar a explicar o surgimento de novas espécies e novas tendências filogenéticas. Vejam o problema clássico de como a girafa conseguiu seu pescoço longo. Suponham primeiro que um grupo ancestral de girafas desenvolveu um pescoço ligeiramente mais longo, como resultado da competição por comida, isto é, através da seleção darwinista convencional. Uma vez estabelecida essa tendência, porém, seria importante para as girafas de pescoço longo se acasalarem apenas com outras girafas de pescoço longo, para assegurar a viabilidade e fertilidade da descendência. Quando o pescoço mais longo se tornou uma característica distintiva da nova espécie, então essa característica precisou ficar ”ligada” nos centros visuais do cérebro da girafa para ajudar a encontrar parceiros em potencial. Uma vez impressa esta regra — ”girafa = pescoço longo” — num grupo de girafas que se cruzavam livremente, dado o princípio da mudança de pico, qualquer girafa tenderia a preferir se acasalar com o espécime mais ”semelhante a girafa” que conseguisse localizar— isto é, o de pescoço mais longo no rebanho. O resultado líquido seria um aumento progressivo de alelos ”de pescoço longo” na população, mesmo na ausência, de uma pressão específica de seleção por parte do meio ambiente. O produto final seria uma raça de girafas de pescoços quase comicamente exagerados como as que vemos hoje. Este processo vai levar a vtmfeedback positivo de ”ampliação de ganho” de quaisquer tendências evolutivas preexistentes; vai exagerar diferenças morfológicas e comportamentais entre uma determinada espécie e sua ancestral imediata. Esta ampliação vai ocorrer como conseqüência direta mais de uma lei psicológica do que em resultado de pressões da seleção ambiental. A teoria faz a interessante previsão de que na evolução deve haver muitos exemplos de caricaturização progressiva de espécies. Essas tendências ocorrem realmente e podem ser vistas claramente na evolução de elefantes, cavalos e rinocerontes. À medida que seguimos a pista de sua evolução, eles parecem se tornar cada vez mais ”semelhantes a mamutes” ou ”semelhantes a cavalos” ou ”semelhantes a rinocerontes” com a passagem do tempo. Esta idéia é muito semelhante à própria explicação de Darwin para a origem de caracteres sexuais secundários — sua chamada teoria da seleção sexual. Julgase, por exemplo, que a ampliação progressiva da cauda do pavão macho nasce da preferência da fêmea por companheiros de caudas maiores. A principal diferença entre nossa idéia e a seleção sexual darwiniana é que esta última foi formulada especificamente para explicar diferenças entre os sexos, enquanto a nossa idéia também explica as diferenças morfológicas entre espécies. A seleção do companheiro envolve a escolha de parceiros que tenham ”marcas sexuais” (caracteres 370 / FANTASMAS NO CÉREBRO sexuais secundários) mais proeminentes e tenham ”marcas” de espécie (etiquetas que servem para diferençar uma espécie de outra). Consequentemente, nossa idéia pode ajudar a explicar a evolução de traços morfológicos externos em gemi e a progressiva caricaturização das espécies, e não apenas o surgimento de flamejantes sinais de exibição sexual e ”liberadores” etológicos. Especula-se se o explosivo aumento do tamanho do cérebro (e da cabeça) na evolução dos hominídeos é uma conseqüência do mesmo princípio. Talvez achemos atraentes características infantis neótenas, como uma cabeça desproporcionalmente grande, porque estas formas são geralmente sinais de um bebê frágil e indefeso, e os genes que estimulam o desvelo com bebês se multiplicariam rapidamente numa população. Mas, uma vez instalado esse mecanismo perceptivo, as cabeças dos bebês se tornariam cada vez maiores (já que genes para cabeça grande produziriam formas neótenas e evocariam cuidado e desvelo maior) e o cérebro grande poderia ser simplesmente um bônus! A esta longa lista podemos acrescentar outras — a idéia de Lynn Margulis de que organismos simbióticos podem se ”fundir” para evoluir para novas linhas filogenéticas (por exemplo, as mitocôndrias têm seu próprio DNA e podem ter começado como parasitas intracelulares). Uma descrição detalhada das idéias dela está fora da perspectiva deste livro, que, afinal de contas, trata do cérebro e não da evolução. (apítulo 11: ”O senhor se esqoeceu de tirar o gêmeo” 1. A história é uma reconstrução baseada em caso originalmente descrito por Silas Weir Mitchell. Ver Bivin e Klinger, 1937. 2. Christopher Wills me contou a história de um eminente professor de obstetrícia que foi tão enganado por uma paciente que chegou a apresentar o caso dela como gravidez normal aos médicos residentes e estudantes de medicina durante uma apresentação de caso. Os estudantes prontamente encontraram todos os sintomas e sinais clássicos de gravidez na infeliz senhora. Até afirmaram ouvir os batimentos cardíacos do feto com seus brilhantes estetoscópios novos — até que uma aluna lembrou-se do sinal de ”umbigo saliente” e se arriscou a embaraçar o professor, revelando o diagnóstico correto. 3. A pseudociese é uma doença muito antiga, tão rara que dificilmente ainda se vê. O estado foi descrito pela primeira vez por Hipócrates no ano 300 a.C. Atribulou Mary Stuart, rainha da Inglaterra, que esteve duas vezes falsamente grávida. Anna O., uma das mais famosas pacientes de Freud, sofreu uma falsa gravidez. E a literatura médica mais recente até descreve dois transexuais que a NOTAS / 371 tiveram! Para trabalhos recentes sobre pseudociese, ver Brown e Barglow, 1971, e Starkman et ai., 1985. 4. Hormônio foliculoestimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH) e prolactina são produzidos pela pituitária anterior; eles regulam o ciclo da menstruação e a ovulação. O FSH causa o amadurecimento inicial do folículo ovariano e o LH causa a ovulação. A ação combinada de FSH com LH aumenta a liberação de estrogênio pelos ovários e, depois, tanto de estrogênio quanto de progesterona pelo corpo lúteo (o que resta do folículo após a liberação do óvulo). Por último, a prolactina também atua sobre o corpo lúteo, levando-o a secretar estrogênio e progesterona e impedindo-o de ficar involuto (e portanto impedindo subseqüente menstruação se o óvulo for fertilizado). 5. Para os efeitos da sugestão sobre as verrugas, ver Spanos, Stenstrom e Johnston, 1988. Para um relato sobre melhora unilateral de verruga, ver Sinclair-Gieben e Chalmers, 1959. 6. Ver Ader, 1981, e Friedman, Klein e Friedman, 1996. 7. A hipnose é um bom exemplo. É matéria às vezes lecionada até nas instituições médicas mais conservadoras, e, no entanto, toda vez que a palavra é mencionada em encontros científicos, há um desconfortável arrastar de pés. Embora tenha uma venerável tradição que remonta a um dos fundadores da neurologia moderna, Jean Martin Charcot, a hipnose parece desfrutar de uma curiosa reputação dúbia, sendo aceita como real de um lado mas também vista como o filho órfão da ”medicina marginal”. Charcot afirmava que, se o lado direito do corpo de uma pessoa normal ficar temporariamente paralítico em resultado de uma sugestão hipnótica, então essa pessoa também tem problemas com a linguagem, sugerindo que o estado hipnótico está realmente inibindo mecanismos do cérebro no hemisfério esquerdo (lembrem-se de que a linguagem está no esquerdo). Semelhante paralisia induzida por hipnose no lado esquerdo do corpo não causa problemas de linguagem. Tentamos reproduzir este resultado em nosso laboratório, sem sucesso. A questão essencial com relação à hipnose é saber se é simplesmente uma esmerada forma de ”representar um papel” (na qual você suspende temporariamente a incredulidade, como faz quando está vendo um filme de horror) ou se é um estado mental fundamentalmente diferente. Richard Brown, Eric Altschuler, Chris Foster e eu começamos a tentar responder a esta pergunta usando uma técnica chamada interferência Stroop. As palavras ”vermelho” e ”verde” são impressas ou na cor certa (tinta vermelha para a palavra ”vermelho”, verde para ”verde”) ou com as cores trocadas (a palavra 372 / FANTASMAS NO CÉREBRO ”verde” em tinta vermelha). Se se pede a um sujeito normal para dizer apenas o nome da cor e ignorar a palavra, ele demora consideravelmente se a palavra e a cor não casam. Aparentemente, ele está voluntariamente incapaz de ignorar a palavra, e assim a palavra interfere na designação da cor (interferência Stroop). Agora, surge a pergunta: O que aconteceria se você implantasse na mente do paciente a sugestão hipnótica de que ele é um chinês nativo que não sabe ler o alfabeto ocidental mas consegue denominar cores? Isto eliminaria de repente a interferência Stroop? Este teste provaria de uma vez por todas que a hipnose é real — não a representação de um papel — pois não há forma de um paciente poder voluntariamente ignorar a palavra. (Como dispositivo de ”controle”, podia-se simplesmente oferecer-lhe uma grande recompensa em dinheiro por superar voluntariamente a interferência.) 8. A reação placebo é um fenômeno muito caluniado mas parcamente compreendido. De fato, a expressão chegou a adquirir uma conotação pejorativa em medicina clínica. Imagine que você está testando um novo medicamento analgésico de dor para dores nas costas. Admita também que ninguém melhora espontaneamente. Para determinar a eficácia do remédio, você dá comprimidos a 100 pacientes e descobre que, digamos, 90 pacientes melhoram. Numa experiência clínica controlada, em geral o grupo de comparação de 100 pacientes recebe um simulacro de comprimido — um placebo — (na verdade, o paciente não sabe disso) para ver qual a proporção deles, se for o caso, melhora simplesmente em resultado da crença no medicamento. Se apenas 50% melhorarem (em vez de 90%), podemos concluir que o remédio é de fato um analgésico eficaz. Mas agora voltemos aos misteriosos 50% que melhoram em resultado do ”placebo”. Por que melhoraram? Foi demonstrado há cerca de uma década que estes pacientes realmente liberam em seus cérebros substâncias químicas analgésicas, chamadas endorfinas (em alguns casos, o efeito do placebo pode ser contra-atacado por naloxona, uma droga que bloqueia endorfinas). Uma questão fascinante, mas largamente inexplorada, diz respeito à especificidade da reação placebo, e nosso laboratório ficou recentemente muito interessado nesse problema. Lembrem-se de que somente 50% melhoraram tomando o placebo. Será porque existe algo especial ri esse grupo? Que tal se os mesmos 100 pacientes (tratados com placebo para dor) desenvolvessem uma depressão alguns meses depois e você lhes administrasse um ”novo” placebo — dizendo-lhes que era um poderoso antidepressivo? Os mesmos 100 pacientes melhorariam, ou um novo conjunto de pacientes mostraria melhora, coincidindo apenas parcialmente com o primeiro conjunto? Em outras palavras, existe NOTAS / 373 algo como ”reação placebo”? A reação é específica à doença, ao comprimido, à pessoa ou aos três? De fato, considere o que aconteceria se os mesmos 100 pacientes mais uma vez desenvolvessem uma dor um ano mais tarde e você lhes desse novamente o mesmo placebo ”analgésico”. Os mesmos 50 melhorariam ou seria um novo grupo de pacientes? O Dr. Eric Altschuler e eu estamos realizando atualmente esse estudo. Resta investigar outros aspectos da especificidade do placebo. Imagine que um paciente desenvolve simultaneamente uma enxaqueca e uma úlcera — e você lhe dá um placebo, informando-lhe que é um novo ”medicamente antiúlcera”. Então somente a dor da úlcera desapareceria (supondo que ele seja um ”reagente a placebo”), ou seu cérebro ficaria tão inundado de endorfinas que a dor de enxaqueca também desapareceria como um bônus? Isto parece improvável, mas se neurotransmissores antidores, como endorfinas, forem liberados difusamente em seu cérebro, então ele também pode sentir alívio de outros incômodos e dores, embora sua crença diga respeito apenas à úlcera. A questão de como crenças sofisticadas são traduzidas e entendidas por mecanismos primitivos do cérebro relacionados com a dor é fascinante. 9. Para um estudo dos distúrbios de personalidade múltipla, ver Birnbaum e Thompson, 1996. Quanto a transformações oculares, ver Miller, 1989. Capítulo 12: Os marcianos vêem vermelho? 1. Para uma introdução clara ao problema da consciência, ver Humphrey, 1992; Searle, 1992; Dennett, 1991; P. Churchland, 1986; P.M. Churchland, 1993; Galin, 1992; Baars, 1997; Block, Ramachandran e Hirstein, 1997; Penrose, 1989. A idéia de que a consciência — especialmente a introspecção — pode ter evoluído para permitir que simulemos outras mentes (o que inspirou a noção atualmente popular de um módulo ”teoria de outras mentes”) foi proposta pela primeira vez por Nick Humphrey, numa conferência que organizei em Cambridge há mais de vinte anos. 2. Outro tipo muito diferente de problema de tradução também surge entre o código ou linguagem do hemisfério esquerdo e o do direito (ver nota 16, Capítulo 7). 3. Alguns filósofos ficam inteiramente frustrados com esta possibilidade, mas não é mais misteriosa do que eu golpear seu nervo cúbito no cotovelo com um martelo para gerar qualia de ”formigamento” elétrico totalmente novas, embora seja 374 / FANTASMAS NO CÉREBRO NOTAS / 375 possível que você nunca tenha experimentado nada exatamente igual antes (ou mesmo mais misteriosa do que a primeira vez em que um garoto ou garota sente um orgasmo). 4. Assim, um antigo enigma filosófico que remonta a David Hume e William Molyneux agora pode ser respondido cientificamente. Pesquisadores do NIH têm usado magnetos para estimular o córtex visual de pessoas cegas para ver se as vias visuais degeneraram ou se tornaram reorganizadas, e nós também começamos alguns experimentos aqui na UCSD. Mas, ao que eu saiba, a questão específica sobre se uma pessoa pode experimentar um quale ou sensação subjetiva totalmente nova para ela nunca foi explorada empiricamente. 5. As experiências pioneiras neste campo foram realizadas por Singer, 1993, e Gray eSinger, 1989. 6. Às vezes é afirmado — sob pretexto de parcimônia — que não se precisa de qualia para uma descrição completa da forma como o cérebro funciona, mas discordo desta opinião. A navalha de Occam — a idéia de que a mais simples entre várias teorias concorrentes é preferível a explicações mais complexas de fenômenos desconhecidos — é um método simples e útil, mas às vezes pode ser um empecilho real à descoberta científica. A maior parte da ciência começa com uma ousada conjectura sobre o que poderia ser verdade. A descoberta da relatividade, por exemplo, não foi produto da aplicação da navalha de Occam ao nosso conhecimento científico naquela época. A descoberta resultou da rejeição à navalha de Occam e de perguntar o que aconteceria se algumas generalizações mais profundas fossem verdadeiras, o que não era exigido pelos dados disponíveis, mas que faziam previsões inesperadas (o que mais tarde se comprovou parcimonioso, afinal de contas). É uma ironia que a maioria das descobertas científicas resultem não de brandir ou afiar a navalha de Occam — apesar da opinião em contrário sustentada pela grande maioria dos cientistas e filósofos —, mas de gerar conjecturas aparentemente ad hoc e ontologicamente promíscuas que não são justificadas pelos dados presentes. 7. Favor observar que uso a palavra ”preenchimento” em sentido estritamente metafórico — simplesmente por falta de outra melhor. Não quero deixar você com a impressão de que há uma transmissão, ponto por ponto, da imagem visual para alguma tela neural interna. Mas discordo da afirmação específica de Dennett de que não há um ”maquinismo neural” correspondente ao ponto cego. Existe, de fato, uma nesga de córtex correspondente ao ponto cego de cada olho que recebe informação do outro olho, como também da região que circunda o ponto cego no mesmo olho. O que quero dizer com ”preenchimento” é simplesmente isto: que a pessoa literalmente vê estímulos visuais (como formas e cores) como se surgissem de uma região do campo visual onde não há realmente nenhuma informação visual. Esta é uma definição de preenchimento puramente descritiva, teoricamente neutra, uma definição para cuja aceitação não é preciso invocar — nem desmascarar — homúnculos observando uma tela. Eu diria que o sistema visual preenche não para beneficiar um homúnculo, mas a fim de tornar alguns aspectos da informação explícitos para o próximo nível de processamento. 8. Tovee, Rolls e Ramachandran, 1996. Kathleen Armei, Chris Foster e eu mostramos recentemente que se duas ”visões” deste cão forem apresentadas em rápida sucessão, pacientes ingênuos conseguem ver apenas um movimento caótico e incoerente das manchas, mas assim que vêem o cachorro, é como se ele assumisse de repente a forma apropriada— acentuando o papel do conhecimento ”progressivo” de um objeto na percepção de movimentos (ver Capítulo 5). 9. Às vezes, as qua.Ha ficam desarranjadas, levando a um fascinante estado chamado de sinestesia, no qual uma pessoa sente o sabor de uma forma ou vê cor em um som. Por exemplo, um paciente, um sinestésico, afirmava que os frangos têm um sabor acentuadamente ”pontudo” e disse ao seu médico, Richard Cytowic: ”Eu queria que o sabor deste frango fosse pontudo, mas ele veio todo redondo... bem, quero dizer que é quase esférico; não posso servi-lo se não tiver pontas.” Outro paciente afirmava ver a letra ”U” como de cor amarela a castanho-claro, enquanto a letra ”N” tinha um brilhante matiz de ébano envernizado. Alguns sinestésicos consideram a união dos sentidos um dom para inspirar sua arte, e não uma patologia cerebral. Alguns casos de sinestesia tendem a ser duvidosos. Uma pessoa afirma ver um som ou saborear uma cor, mas verifica-se que está sendo meramente metafórica — da mesma forma que você poderia falar de um sabor agudo, uma lembrança amarga ou um som sem brilho (tenha em mente, porém, que a distinção entre o metafórico e o literal fica extremamente toldada neste estranho estado). Entretanto, muitos casos são perfeitamente autênticos. Uma aluna formada, Kathleen Armei, e eu examinamos recentemente um paciente chamado John Hamilton que tinha visão relativamente normal até a idade de cinco anos, depois sofreu progressiva deterioração de sua vista em resultado de uma retinite pigmentosa, até que finalmente, aos 40 anos, ficou completamente cego. Dois ou três anos depois, John começou a notar que sempre que tocava em qualquer coisa, objetos ou simplesmente lia em alfabeto Braille, sua mente evocava nítidas imagens visuais, inclusive lampejos de luz, alucinações palpitantes ou às vezes a . 376 / FANTASMAS NO CÉREBRO forma real do objeto em que estava tocando. Estas imagens eram altamente intrusas e realmente interferiam em sua leitura de Braille e na capacidade de reconhecer objetos através do tato. Na verdade, se você ou eu fecharmos os olhos e tocarmos numa régua, não temos a alucinação de uma régua, embora possamos visualizá-la com o olho mental. A diferença, mais uma vez, é que a sua visualização da régua é geralmente útil ao seu cérebro, já que é experimental e revogável — você tem controle sobre ela —, ao passo que as alucinações de John são freqüentemente irrelevantes e sempre irrevogáveis e intrusas. Nada pode fazer com estas, e para ele são um incômodo espúrio e perturbador. Parece que os sinais táteis evocados nas áreas somatossensoriais de John — seu mapa de Penfield — estão sempre sendo enviados de volta a suas áreas visuais destituídas, que estão famintas de informação. Esta é uma idéia radical, mas pode ser testada, usando modernas técnicas de imageamento. Interessante, a sinestesia às vezes é vista em casos de epilepsia do lobo temporal, sugerindo que a mistura de modalidades de sentidos ocorre não somente na circunvolução angular (como se afirma freqüentemente), mas também em certas estruturas límbicas. 10. Esta pergunta surgiu numa conversa que tive com Mark Hauser. 11. Searle, 1992. 12. Jackendorf, 1987. 13. O paciente também pode dizer: ”É isto; finalmente vejo a verdade. Não tenho mais dúvidas.” Parece irônico que nossas convicções sobre verdade absoluta ou falsidade de um pensamento deva depender nem tanto do sistema de linguagem proposicional, que tem grande orgulho de ser lógico e infalível, mas muito mais de estruturas límbicas primitivas, o que acrescenta uma forma de qualia emocionais aos pensamentos, dando-lhes uma ”aparência de verdade”. (Isto pode explicar por que as asserções mais dogmáticas dos padres, como também dos cientistas, são notoriamente resistentes à correção por raciocínio intelectual!) 14. Damasio, 1994. 15. Claro, aqui estou sendo simplesmente metafórico. Em certo estágio da ciência, temos de abandonar ou aprimorar as metáforas e partir para o mecanismo real — seus elementos e fatos básicos e reais. Mas, numa ciência que ainda está na infância, as metáforas freqüentemente podem ser indicadores úteis. (Por exemplo, os cientistas do século XVII muitas vezes falavam da luz como sendo composta de ondas ou partículas, e ambas as metáforas foram úteis até certo ponto, até que foram assimiladas na física mais madura da teoria quântica. Até o gene — a partícula independente do pacote genético — con- NOTAS / 377 tinua sendo uma palavra útil, embora seu sentido real tenha mudado radicalmente com o tempo.) 16. Para uma discussão profunda de mutismo acinético, ver Bogen, 1995, e Plum, 1982. 17. Dennett, 1991. 18. Trivers, 1985. Bibliografia e leituras sugeridas Adamec, R.E. 1989. ”Kindling, Anxiety, and Personality.” InT.G. Bowling e M.R. Trimble (orgs.), The Clinicai Relevance of Kindling. Chichester: Wiley,! 17-135. Ader, R., org. 1981. Psychoneuroimmunology. Nova York: Academic Press. Aglioti, S.A., A. Bonazzi, F. Cortese, 1994. ”Phantom Lower Limb as a Perceptual Marker for Neural Plasticity in the Mature Human Brain.” Proceedings ofthe Royal Society (Londres) [Biol], 255: 273-278. 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Ligon. 1990. ”Mechanisms of Female Choice in Red Jungle Fowl.” Evolution, 44: 477-485. Índice Os números de página em itálico referem-se a ilustrações abelhas, dança das, 305-306 acaso, evolução e, 265, 367-368 acupuntura, 83 Adamec, R.E., 357w Adler, Ralph, 278 Advogado do Diabo, 179 Aglioti, Salvatore A., 65, 118-119, 334« alarme falso, teoria do, 261, 262-263 alcoolismo, 39, 177, 194 Alkon, Dan, 330w Alley,T.R.,363« Allman, John, 339» Altschuler, Eric, 346n, 347n, 371 w, 373» alucinações, 61, 143-152, 343-344 auditivas, 144, 145 Charles Bonnet, 123-124, 143-152, 343« deThurber, 121-124, 722 epilepsia do lobo temporal e, 226 imaginando e, 149-152 ameaça, careta de; sorriso comparado com, 262, 266-267, 366w ameaça: emoção despertada em resposta a, 210-212 percepção de, 157 amígdala, 40, 210, 211, 216-217, 227, 228, 233, 236, 238, 289 e consciência, 306-307,309-310,315 amnésia, 207 síndrome de Capgras comparada com, 217-219 caso H. M. e, xiii, 17-18, 39, 194, 330» amor, 94-95, 313 Anderson, Willy, 253-254, 255, 256, 263,362 angular, circunvolução, 44, 248-249 animais de estimação, síndrome de Capgras e, 208-210 Anna O., 370w anomalias, 280-283 anorexia nervosa, 194, 201-202 anosognosia, vii, 11, 24, 169-204, 311- 312, 348w, 354«-355« assimetria da, 175 da afasia de Wernicke, 350-351 especialização hemisférica e, 177-180, 349«-350» estimulação com ”água gelada no ouvido” e, 188-193 experiências com, 180-185 398 / FANTASMAS NO CÉREBRO melhora temporária da, 188-191, 193 visão freudiana da, 174-175 visão neurológica da, 174,175,183-187 ansiedade, 36, 267 Anstis, Stuart, 364» Antropólogo em Marte, Um, (Sacks), 108 antibióticos, 271 apaixonada, individualidade, 309-311 apêndice, fantasma, 51 apraxia ideomotora, 336» aprendida, paralisia, viu, 12, 77, 79-80, 336n aprendizagem, 44, 102, 368» Arthur, caso de, 24, 26, 205-222 duplicação no, 221 problema de categorias visuais no, 219 reconhecimento auditivo no, 207216 resposta galvânica cutânea no, 212213 Aristóteles, 51, 331 w Armei, Kathleen, 286», 358», 375» arte, 241, 244, 245, 246, 249, 250, 360»-362« artrítica, dor, 83 asma, 277-278 Astonishing Hypothesis, The(Cnck), 16 atenção, 156-157, 161 atenção, idéia de mudança de, 359», 360» Através do espelho (Carroll), 165, 205 auditivo, córtex, 37, 216 auditivo, nervo, 66 auditivo, núcleo, 66 Austen, Jane, 198 autistas, crianças, 248, 359», 367» auto-sugestão (auto-ilusão), 173, 177178, 318-319, 348«-349» Avery, Oswald, 328» axônio, terminais de, 31 Baars, B., 373» Babinsky, Joseph François, 11, 170 bactérias, como causa de úlceras, 19-20, 21 bandeja, experiência da, 181 Barglow, O., 371 w Barkow, J.H., 362» Barlow, Horace, 329 w basais, gânglios, 33, 37, 38, 40 Baywatch (SOS Malibti), programa de TV, 34-35 Bear, D.M., 310,357-358» Beard, A.W., 357» behaviorismo, 289, 328» Benson, F. , 335» Bhagítvad Gita, 169 bicicleta, experiência com roda de, 133, 134 Bill (paciente de negação), 187, 352» binocular, visão, 126 biológica, variabilidade, 272 Birnbaum, M.H., 373» Bisiach, Edoardo, 144,188-189,345-346» Blakemore, Colin, 16 Block, N., 373» Bloom, Floyd, 58 bocejo, 38 Bogen, J.E., 349, 350, 377 Bonnet, Charles, 143 ver também síndrome de Charles Bonnet ÍNDICE / 399 Borsook, David, 62-63, 334» braços, 38, 52 balanço dos, 72 de macacos, 54 fantasma, 11, 47-50, 55-58, 57, 6162, 71-73, 76-82, 336» negação de paralisia nos, 24, 169-175, 183-187, 194-201 paralisia de, 74, 78 protéticos, 71, 336 ver também dedos; mãos Brain, Lorde Russell, 75 Brain, Mind and Behavior (Bloom e Laserson), 40, 228 Breiter, Hans, 334 Brewster, Sir David, 340 Brocca, Pierre Paul, 227 brotamento, 62-63 Brown, E., 371» Brown, Richard, 371» Brown-Sequard, Charles, 350» Bruens,J.H.,357 Bucy, Paul, 114 Buerger, doença de, 83 Burgess, criaturas de, 368» Caccace, A.T., 66 cadarço de sapato, experiência do, 182183 caixa preta, abordagem da, 328-329 Califórnia, Centro Médico da Universidade da, 169-172 calor, 61-62, 82 Canadian Journal of Psychiatry, 49 câncer, 29-30, 271-272, 276 canto-de-um-quadrado, experiência de, 132-133, 733-141, caricatura, 361-362 Carroll, Lewis, 165, 205, 346 carros: em espelhos retrovisores, 161 imagem corporal e, 94, 180 cataratas, 123, 143 catastrófica, reação, 171, 194 Cecília (paciente de negação), 172 cegueira, 97-99, 106 a movimento, 107, 117, 339» cor, 107-108, 290-291 ’ de Thurber, 121-124 na síndrome de Charles Bonnet, 123124, 143-152,343» celular, corpo, 31 cerebelo, 32, 32, 40, 75-76, 228 cérebro humano: abordagem da caixa preta ao, 328»-329» como computador, 88, 349-347 descrição simbólica no, 100-101 discrepância em informações sensoriaise, 185-186 divisão, 18, 33, 350» estrutura do, 30-33, 31, 32, 40 hipocampo, 39, 40, 41, 194, 211, 228,330 julgamentos do, 102 membros fantasmas e, 11-12, 48-49, 51-71,76-78,87-91 redundância dentro do, 62 sistema motor do, 75-76, 86 tamanho do, 243, 249, 330», 370» teoria unificada do, 26-27 ver também córtex cerebral; lobos frontais; hemisfério esquerdo; hemisfério direito; lobos temporais; tópicos específicos 400 / FANTASMAS NO CÉREBRO visão modularista versus visão holística do, 33-35 cérebro, lesão, do, 36-44, 59, 248-249 e visão e, 98-99, 107, 108-110, 110111 ver também derrame cérebro, macaco, 53-55, 58,113,332-333 cérebro, modelo computadorizado do, 88, 346«-347» cérebro, tronco do, 38,41, 66,156,228, 294-295 colículo superior no, 108, 109 cérebro, negação de tumor no, 187 Chafe, Wallace, 366-367 Chalmers, D., 371 Charcot, Jean Martin, 371 Charles Bonnet, síndrome de, 123-124, 143-152, 343» Chemical History ofa Candle (Faraday), 14, 16 Chopra, Deepak, 279, 312 Chudamani, Viveka, 69 Churchland, P.M., 373 Churchland, Patrícia, 224, 344, 373 ciclofosfamida, 278 ciência: exceção versus regra em, 28 progresso em, 280 científicas, revoluções, denominador comum das, 202-204 cinética, inteligência, 242 cingulado, córtex, 211, 228 cingulado, giro, 255,263-264, 289,311312,315-316 Civil, Guerra, EUA, 11,49 Clark, Astley, 254 Clark, Stephanie, 334 Cobb, S., 335 cócegas, 13, 263-264, 367 coerência e continuidade, 176, 178,192, 350, 353-354 cognitiva, ciência, 339 cognitiva, neuropsiquiatria, 25 colo do útero, câncer de, 276 comichão, 55, 67 conceituai, individualidade, 316-318 conceituai, preenchimento, 141, 150 conexionismo, 34 confabulação, 200, 201, 317-318, 355« consciência, percepção, 112, 142, 180181, 202, 287-321, 373»-377« como epifenômeno, 295 função seletiva da, 157, 344-345 ver também qualia; individualidade contraste de tamanho, ilusão de, 118119,118 Cooper, Larry, 183-140 copernicana, revolução, 19, 203 cor, cegueira para, 107-108, 290 cor, visão de, 140-141, 149, 151, 236, 290, 328», 339», 344« cordotomia, 60 corneana, lesão, 143 corpo caloso, 32, 33, 36, 40, 211, 228, 350» derrame no, 36-37 corpo, partes do, negação de propriedade de, ver somatoparafrenia corporal, imagem, 14,25,317,353», 355» anorexiae, 194, 201-202 carros e, 94, 180 cunhagem da expressão, 75 espelho na alteração da, 80-81 individualidade e, 94-95, 309, 313 ÍNDICE / 401 lobo parietal e, 75, 76, 77, 81, 187, 202,308,309 maleabilidade da, 91-95, 192 natureza versus criação e, 48, 54-58, 71-72,89-91,332» reorganização da, 12, 48 corporificada, individualidade, 309, 313 córtex cerebral, 32, 33, 37, 40, 156, 228, 329 homúnculo de Penfield e, 52-54, 53 mentira e, 348 Cosmides, L., 362 cosmologia, 18-19, 203-204 Cotard, síndrome de, 215-216, 310 coto de amputação, redução de, 11, 60 couvade, síndrome de (gravidez solidária), 275-276 crença, sistema de, 184, 187, 202, 349» experimento com, 196-197 hemisfério esquerdo e, 177-180, 185, 191-192, 353»-354» criança, abuso de, 283 crianças, 349» autistas, 247-248, 359», 367» membros fantasmas em, 89-90,335», 337» nas alucinações de Charles Bonnet, 144-145 criatividade, 30, 250-251 deThurber, 121-124, 722, 152 humor e, 261-262, 366» Cnck, Francis, 16, 225, 238, 253, 290 Critchley, M., 344», 348» Cro-Magnon, 242, 243 Cronholm, B., 333» Cutting, J., 348» Cytowic, Richard, 375» D.B. (Drew), 110-113, 117 Daly, M., 362» Damasio, A., 348», 356» Damasio, Hanna, 342», 356w Darwin, Charles, 14, 15, 20, 103, 105, 176, 240-243, 267, 282, 287, 301, 359», 366» darwiniana, revolução, 203 Darwinism (Wallace), 241 Davies, Paul, 16, 320-321 Davy, Humphry, 14, 16 Dawkins, Richard, 16, 250, 359» deKruif, Paul, 16 decapitação: ponto cego e, 128, 131132 escotoma e, 141-142 síndrome de Capgras e, 214 dedo, agnosia de, 44 dedos dos pés, chupando os, 25, 65 dedos: fantasma, 11, 24, 48-49, 55-58, 57, 71, 73, 78,81-88, 151, 336-337» identificação de doença e, 29 mapeamento do cérebro e, 52-53, 53,82 defesa, mecanismo(s) de, 13, 172-176, 179, 198-202, 351«-352» em pessoas normais, 173-179 explicação, fundamento lógico por trás de, 177-178 formação de reação como, 183, 199200,201 humor como, 200-201, 262 repressão como, 178-179, 188, 191, 193, 194, 199, 201, 353«-354» seleção de, 201 Dehaene, S., 331 402 / FANTASMAS NO CÉREBRO dendritos, 31 Dennett, Dan, 16, 116, 317, 339«, 359«, 373«, 374« depressão, 25, 36, 233, 275, 351«-352« deriva dos continentes, 281-282 derrame, 24, 36-37, 38 cegueira e, 108, 110 no hemisfério direito, 154, 157-158, 169-170, 177, 187, 189, 346«347« paralisia e, 80-81,159-160,169-171 sentido, percepção de números e, 41- 44 síndrome da desatenção e, 153, 154155, 159-160, 346-347w desatenção parcial, ver síndrome da desatenção desatenção, síndrome da, 153-168, 202, 331,344-347 agnosia de espelho e, 164-168 espelhos e, 160-167 importância clínica da, 160 negação e, 175-176, 183-185, 188 percepção subconsciente na, 158 recuperação da, 159-160, 346-347w testes para, 162-164, 163 DescentofMan, 7/k(Darwin), 105, 267 Deus, 25, 69, 224-226, 229-233, 235240,243, 296, 340« Deutsch, Anthony, 362« Deutsch, G., 350« Dewhurst, K., 357w DeYoe, Ted, 339« diabetes, 35 8 n diabética, retinopatia, 123, 143 Dickens, Charles, 12 dicotomania, 349w digestivo, sistema, 328» dionéia pega-mosca, 301 direito, hemisfério, 17,33,32,36-37,59, 361» anosognosia e, 174-175, 185, 192, 353« auto-sugestão e, 349 n barreira de tradução e, 355n circunvolução angular do, 249 como Advogado do Diabo, 179 dano, avaria no, 30,36,38, 154,157158, 169-170, 174, 177, 186-187, 188-189, 350w-351«, 352», 353«; ver também síndrome da desatenção discrepâncias monitoradas no, 186, 351» linguagem e, 176 visão e, 176-177 discalculias, 41-44, 330«-331«, 346»347w dislexia temporária, 140 Disraeli, Benjamin, 267 divididos, cérebros, 17-18, 33-34, 350« DNA (ácido desoxirribonucléico), 117, 294, 309, 328», 329«, 340«, 370« Dodds, Sra., 169-172, 174, 179, 182183, 200 doença, identificação sensorial de, 2930 Dolan, Ray, 186, 351 w dor, 81-88 memória de, 83-84, 151 dor, assimbolia da, 263 dor, fantasma, 11,12, 24, 48-49, 55, 60, 66-67, 70,78, 81-88, 151 alívio de, 50, 60, 81, 82, 84-88 causas de, 82-83 ÍNDICE / 403 experiência da xícara e, 73-74 remapeamento anormal e, 82-83 dorsal, rizotomia, 54, 60 Dr. JekyllandMr. Hyde (Stevenson), 282 Eddington, SirThomas, 281 Edelman, Gerald M., 149, 348» Édipo, complexo de, 209 Edward, B., 359« ego, defesa do, 173, 178 Einstein, Albert, 26,155, 223, 247, 296 Ekman, O., 348w Electra, complexo de, 209 eletricidade, magnetismo e, 27-28 Ellen (paciente com síndrome de desatenção), 153-158, 161-167 Ellis, H.D., 356« Ellis, Havelock, 363 n emoção, 156-157, 158, 353« adequada, 155,214 contato pelos olhos e, 216-217 epilepsia do lobo temporal e, 230, 232-233, 238-239 hemisfério direito e, 176-177, 351« individualidade e, 309-311 síndrome de Capgras e, 209-216, 219, 221-222, 356w sistema límbico e, 37, 40,41, 156, 210-214, 211, 216, 220, 227, 232233,236,309-310,310-311 empatia, 94, 275, 313 entrada, controle de (controle de volume), 82 enxaquecas, escotomas transitórios e, 125126,135 epilepsia, 39 acesso de, 228-229 lobo temporal, ver epilepsia do lobo temporal epilepsia do lobo temporal, 21, 23, 30, 311,357-358« experiência religiosa e, 224-226, 228240, 357«-358w resposta cutânea galvânica e, 236239,358« epistemologia experimental, 25, 197 ereções: de espancadores de gays, 199 fantasma, 51, 65 saúde e, 250 escotoma, 106, 135-143, 342«-344w decapitação e, 141-142 enxaquecas e, 125, 135 experiência do canto-deum-quadrado e, 141 perimetria e, 140 escritor, cãibra de (distonia focai), 336 Esmeralda (paciente de negação), 172173 espacial, representação, 155-156, 160163,167 especulação, 19-20 espelho, 336n membros fantasmas e, 12-13, 77-81, 84-86, 335w-337w objetos reais versus reflexos em, 160161,345» pacientes de negação e, 184-186 síndrome da desatenção e, 160-167 espinhal, medula, 32, 32, 40, 60, 80 rizotomia dorsal e, 54, 60 sistema motor e, 75, 76 espontânea, atividade, 344w espontâneas, melhoras, 271-273 404 / FANTASMAS NO CÉREBRO espelho, agnosia de (síndrome do espelho), 12-13, 165-168 esportes, orientação espacial em, 119 esquerdo, hemisfério, 18, 33, 36-37, 59, 361» auto-sugestão e, 349 w barreira da tradução e, 355w circunvolução angular do, 248-249 como general, 178179,191-192,350» estrutura do, 32-33, 32 intérprete no, 350» lesão no, 36,38,174-175,350»-351« linguagem e, 176, 355», 371» sistema de crenças e, 177-179, 185186, 192, 353«-354» vias visuais no, 109 esquizofrenia, 226, 233, 358» estereoscópica, visão, 131, 341» estrogênio, 371 w sinais contraditórios, sistema visual e, 128, 130-131, 130 evolução, 202, 203, 282 contingência e, 264, 367-368» convergente, 368» de auto-sugestão, 348-349 lamarckiana, 241-242 percepção e, 102, 105, 111-112, 141142» seleção natural na, 225, 234, 241243, 249,256,264-267, 296,359«, 361», 367«-369« evolutiva, psicologia (sociobiologia), 234235, 256-257, 362-365» executiva, individualidade, 311-313 faisão, penas da cauda do, 103, 105 fanfarronada, 318-319, 349» fantasmas, membros, 11-12, 24, 26, 4791, 151,332»-337» ”amputação” de, 12, 81-82 definidos, 11-12,48 dispositivo de ”realidade virtual” e, 77-81, 84-88, 185-186 explicações de, 49-50, 54-55, 60 movimento, movimentação de, 7080 numa perspectiva histórica, 11, 49 paralisia em, 11, 12, 74-79 tendo nascido com, 70-73, 335» visão e, 74,77-81,86-88 Faraday, Michael, 14, 16, 27-28, 327» Farah, Manha, 332», 348», 356» Fedio, Paul, 310-311, 357w-358w Feinberg, T., 348» Fermat, Pierre de, 240 Feynman, Richard, 161 fezes, nojo, repugnância a, 256 Finkelstein, Rita, 55 física, 26-28 Fletcher, Diane, 97-99, 103, 114-120 flor, desenho de, 162-163, 163 foliculoestimulante, hormônio (FSH), 275,371» formas, visão e, 149, 151 Foster, Chris, 371», 375» foveal, visão, 116 Fregoli, síndrome de, 220 frenologia, 329-330» Freud, Anna, 173, 199 Freud, Sigmund, 13,25,65,71,178,192, 198-204, 260, 283 • mecanismos de defesa e, 173-176, 183, 198-202 síndrome de Capgras vista por, 209-210 ÍNDICE / 405 Fried, L, 367» frio, 61,82 Frith, Chris, 186, 351» frontais, lobos,32,33,40,156-157,215, 224, 227, 289, 294, 309, 329»330», 353», 356» consciência e, 306, 311 movimento e, 75 ventromedial, 187 Frost, P, 363» funcionalistas, 328» Fuster, J.M., 335» Gage, Phineas, 311 Gainotti, G., 351» galanteio, ritual de, em pássaros, 103,105 Galileu,l6, 18-19, 51, 331 «-332» Galin, D., 348», 349», 373» Gall, Franz, 329» Gallen, Chris, 58 galvânica, resposta cutânea (GSR), 94, 215, 310, 313,337», 349«, 353» de pacientes com síndrome de Cotard, 216 epilepsia do lobo temporal e, 236239, 358» síndrome de Capgras e, 212-213 Gamow, George, 14, 16 Gandhi, Mohandas K., 223 Gardner, H., 352» Gastaut, H., 357» gatos, ver e imaginar, 125, 149-150 gay, espancadores de, 199 Gazzaniga, M., 350» genética, engenharia, 250 gênio, 235, 244-251 genitais, órgãos: mapeamento do cérebro e, 52, 53, 53, 63-65, 332» ver também ereções; pênis George (paciente de negação), 354»355» Geschwind, Norman, 330w-357» gestalt, 148 gestaltistas, psicólogos, 118 gesticulação, 71-73, 75, 183 Gibbs, F.A., 357» girafas, o longo pescoço das, 369» girinos, recuperação em, 28 glaucoma, 123 Goldberg, E., 335» Goldberg, G., 335» Goldman-Rakic, P.S., 335» Goldstein, Kurt, 35-37, 171 Gombrich, Ernest, 362» Goodale, Mel, 112 Gould, Stephen Jay, 14, 16, 264, 330», 368» Grace (paciente de negação), 187 gravidez: falsa (pseudociese), 269-276, 370»371» solidária (síndrome da couva.de), 275276 Gray, C.M., 374» Graziano, M.S.A, 351» Greenough, Ruth, 254, 255, 262, 263, 362» Gregory, Richard, 13, 16, 99, 161, 242, 337»,340» Griffiths, Fred, 328» Gross, CG., 113, 351», 356« Guerra nas estrelas (filme), 119 406 / FANTASMAS NO CÉREBRO H.M. (paciente com amnésia), 17-18, 39, 194, 330» Haldane, J.B.S., 7, 69, 153 Halligan, Peter, 144, 158, 312, 344» Hamilton, John, 375 n Hamilton, W.D., 362», 363» Hamlet (Shakespeare), 183 Hard Times (Dickens), 12 Hardy, G.H., 246 Hari, Riita, 309, 353» Head, Henry, 75 hebbiana, ligação, 86 Heilman, J., 345» Helicobacter pylori, 19-20 Helmholtz, Hermann von, 102 hemianopsia, 110 hemisférica, especialização, 18, 186 anosognosia e, 177-180, 350» ver também hemisfério esquerdo; hemisfério direito hereditariedade, ver DNA; natureza versus criação Hermelin, B., 359» Hildebrandt, K.A., 363» Hill, A.L., 359» hiperconectividade, 310 hipertrofia, teoria da, 360 n hipnose, 272, 276-277, 37l«-372» hipocampo, 39, 40, 41, 194, 277, 228, 330» Hipócrates, 370» hipotálamo, 33, 40, 202,277, 212,227, 233, 255, 289 falsa gravidez e, 274, 275 hipóxia, 39 Hirstein, W., 309, 337», 355«-356», 358»,373» Hobson, J.A., 354» Hochberg, J.E., 337» holismo, 34-35, 116 Holmes, Sherlock, 23, 26, 35, 205, 269 Homem que confundiu sua mulher com um chapéu, (Sacks), 210 Hooker, Joseph, 240 hormônios, 227, 249, 250 falsa gravidez e, 273-274, 275, 370»371» How the Mind Works (Pinker), 362» Hubel, David, 339» Hume, David, 220, 374» humor, 200-201, 240 evolução do, 257-264, 359», 366» teoria do alarme falso do, 261,262-263 ver também piadas; riso Humphrey, Nick, 343», 373» Huxley, Thomas Henry, 14, 16 Ignição (ateamento), hipótese de 233, 236-237 imagem, representação, técnicas de, 63, 119, 356» ressonância magnética funcional (fMRI), 185, 327», 331», 337» ressonância magnética (MR), 59,360», magnetoencefalografía (MEG), 58, 59, 327», 337» tomografia por emissão de pósitron (PET), 185, 186, 327», 357» imaginação, 20, 123-125 alucinações e, 149-152 visão versus, 124-125, 148-150 impostores, síndrome de Capgras e, 13, 205-215 imunológico, sistema, 271,277-279,284 ÍNDICE / 407 inconsciente, ilação, 102, 337» inconsciente, 12-13, 203, 296 índia, 234, 245-247, 271, 330rc lepra na, 90 individualidade, 25-26, 35, 117, 120, 287-320, 373-376» anosognosia e, 180 apaixonada, 309-311 como ilusão, 120, 287-288, 309, 336«-340» conceituai, 316-317 executiva, 311-313 imagem corporal e, 95, 309, 313 mnemônica, 313-314 síndrome de Capgras e, 220-222 social, 317-318 unificada, 314-315 vigilante, 315-316 ver também consciência informação, ordenamento e seqüencia- ção, 346w-347» Ingrid (paciente suíça), 107, 117 injeções, simulação, 196-197, 355» insular, córtex, 202, 263-264, 289 inteligência, 242-245, 368» cinética, 242 frenologia e, 329-330 n geral, 244, 245, 248 potencial, 242, 243 interações corpo-mente, 227, 269-285, 370«-373» asma e, 277-278 distúrbio de personalidade múltipla e, 282-284, 373» efeito placebo e, 279, 372w-373» em condicionamento imunológico, 277-279 em falsa gravidez, 269-276, 370»371» hipnose e, 272, 276-277, 371-372» resistência à idéia de, 279-283 intralaminares, núcleos talâmicos, 316 Iragui, Vincent, 236-237, 258» Irene (paciente com membro fantasma), 74,77 Ironside, R., 362» jacksonianos, acessos, 229 Jacobs, B., 367» James, William, 333», 344«-345« Jean (paciente de negação), 195-196, 199-200 Joan (paciente com escotoma) 342» Joe (paciente com amnésia), 218-219 Johanson, D., 359» Johnson, Mark, 55 Johnston, M.A., 371» Josh (paciente com escotoma), 135-141, 342» Kaas, John, 339» Kallio, K.E., 337» Kandel, Eric, 330» Kant, Immanuel, 155, 258 Karen (paciente com membro fantasma), 88 Kauffman, Stuart, 368» Kinsbourne, M., 349», 350« Kleffner, D.A., 338» Klüver, Heinrich, 114 Klüver-Bucy, síndrome de, 114, 310 Knight, Mary, 269-274 Koch, Christof, 294 Korsakov, Sergei, 330» 408 / FANTASMAS NO CÉREBRO Kristensen, O., 357» Kuhn, Thomas, 179, 259, 280 Kumar, Mirabelle, 70-74 La Croix, R., 337 n lábios, 60 mapeamento do cérebro e, 52, 53, 56 Lackner, J. R., 337» lamarckiana, evolução, 241 Lancet, 143 latente, homossexualidade, 199 lateral (sylviana), fissura, 32 lateral, núcleo geniculado (LGN), 106, 108, 109 Leakey, R., 359» Leonardo da Vinci, 165, 246 lepra, 90 Lettvin, Jerome, 34 1 n Levi, Leah, 350» Levine, D.N., 348w Levinson, Lilian, 140 límbico, sistema, 94, 202, 361 «-362» emoção e, 37, 40, 41, 156, 210-214, 211, 216, 220, 227, 232-233, 236, 309-310, 310-311 funções do, 227-228 mentira e, 348 n racismo e, 220 raiva (hidrofobia) no, 226-227, 357« riso e, 255, 262-263, 264 síndrome de Cotard e, 215-216 linguagem, 33, 35, 37, 44, 157, 243, 307, 371w barreira da tradução e, 291-293 corpo, 71-72, 75 especialização hemisférica e, 176,355n sequenciamento de informação e, 346-347 linha bisseccionada, teste da, 162, 345 n346» linha preta vertical, experiência, 130,129 linhas, verticais versus horizontais, 131, 132,341» Lipperhey, Hans, 18 Lippincott’s Journal, 49 Littlewood, J.E., 247 Livingstone, Margaret, 339» lobo frontal, síndrome do, 232-233 Logotethis, Nikos, 339 Lullin, Charles, 143 luteinizante, hormônio (LH), 371» Lynch, Gary, 330» macacos, 247, 250, 351 « cérebro de, 53-55,58,113,332-333» MacDonald, Larry, 145-148,150,343» Mach, Ernst, 155 Macken, Sra., 189-195, 201 Maclean, R, 356» Macleod, Colin, 328» macular, degeneração, 123, 143 Madonna, 65 Magicicadct septendecim, 327 magnetismo, eletricidade e, 27-28 magnetoencefalografia (MEG), 58, 59, 327», 337» Mai, N., 339» mamilares, corpos, 211, 228, 255 maníaco-depressiva, doença, 233, 358» mãos, 264 de manequim, de borracha, 92-93 doença de Parkinson e, 336 w ÍNDICE / 409 mão fantasma encaixada, 73 mapeamento do cérebro e, 52, 53, 53-58, 57, 59 ver também dedos mapeamento do cérebro, mapas do cérebro, 69-70, 332» homúnculo de Penfield e, 52-54, 53, 57, 58-59, 59, 65,69,75,82, 333», 334»,376n visão e, 104-105 Margulis, Lynn, 370» Mariotte, Edme, 126 Marr, David, 337», 344» Marshall, Bill, 19-20, 41-44, 330-331 Marshall, John, 144, 158 Martin, Purdon, 254 Martinez, Philip, 78-82, 335» Mary (paciente com membro fantasma), 87-88, 336»-337« Massachusetts, Hospital Geral (MGH), 62,334» mastectomia, 51, 65 matemática, capacidade, 33, 41-44, 240, 241-250, 330«-331«, 347», 359» matinal, enjôo, 255, 362»-363» Maunsell, John, 339» Maxwell, James Clerk, 27 Maynard Smith, J., 359» Mazziotta, J.C., 327» McCarty, Maclyn, 328» McGlynn, S.M., 348» McGrath, John, 73-74, 76 Medawar, Peter, 14, 16, 20, 117, 261, 295 média, área temporal (MT), 107, 108, 339» medicina, 19, 29-30 medulla oblongata, 32, 32, 40 Melzack, Ron, 333», 335» memória, 33, 38-41, 44, 74-75, 79-80, 301,354» dor, 82-84, 151 em alucinações de Charles Bonnet, 150, 343» epilepsia do lobo temporal e, 231232 hipocampo e, 39, 40, 41, 194, 218, 313,330» ligação hebbiana e, 86 negação e, 193-196, 354«-355« para rostos, 217-218 percepção e, 152, 299-303 síndrome de Capgras e, 2 1 7-222 memória, formação de traços 194, 313 Mendeleyev, Dmitri, 281 menstruais, cãibras fantasmas, 5 1 mentira (auto-sugestão), 178, 348«-349« Merzenich, Mike, 332 mesa, ilusão do toque em, 93-94, 94 mesencéfalo, cérebro médio, 40 Mesulan, Mareei, 157 metáforas, 250-251 metamorfose, retardamento da, 28, 327»-328« método experimental, galileano, 51, 331 «-332» Microbe Hunters, The (de Kruif). 16 Miller, Jonathan, 366» Miller, Lawrence, 7 Miller, S.O., 373» Milner, Brenda, 330» Milner, David, 97-99, 115 Milton, John, 225 410 / FANTASMAS NO CÉREBRO Mischkin, Mortimer, 109 Mismeasure ofMan, The (Gould), 330» mística, experiência, 13, 233-234, 235236, 358» Mitchell, Silas Weir, 11, 49, 271, 333», 370» mnemônica, individualidade, 313-314 modularidade, 33-35, 41, 44, 88, 116, 329«-330» Molyneux, William, 293, 374» monogamia, 234 Monroe, Dr., 269-271, 273 morte: síndrome de Cotard e, 215-216 riso e, 253-254, 262 motor, córtex, 32, 37-38, 40, 75, 86, 224,229 movimento, cegueira a, 107, 117, 339» movimento, percepção de, 107, 140- 141, 150, 339», 342», 344», 374»375» movimento: braço, 72-73 de membros fantasmas, 70-80 ver também: olho, movimento do Mozart, Wolfgang Amadeus, 240, 247 Murray, John, 16 música, 240, 247 mutismo acinético, 316, 377 Nadia (savant autista), 245, 246, 247, 250,360» Nadia (Selfe), 246 Nancy (paciente com síndrome de Charles Bonnet), 147-151 Nancy (paciente de negação), 196-197, 355» nariz, 264 fantasma, 51» 337» nariz, ilusão de, 92, 337» natural, seleção, 225, 234, 236, 241-243, 249, 264-267, 296, 356», 362», 367«-369» Nature, 255, 335» natureza versus criação, 44-45, 234 imagem corporal e, 48, 54-58, 71-72, 89-91, 332»-333« Neanderthal, 243 Necker, cubo de, 101, 102 Necker, L.A., 102 negação, 81, 169-199, 201-203, 317, 347-355» global, 187 injeções simuladas e, 196-197, 355» localização de lesões no cérebro e, 187 memória e, 193-196, 354«-355« normal versus exagerada, 174 profundidade da, 187-188,352w-353w síndrome da desatenção e, 175-176, 183-185, 188 Nelson, Lorde Horatio, 49, 340« neocórtex, 31 neuromas, 49, 60, 82, 89 neurônios (células nervosas), 31, 31 New Yorker, 122 Newsome, William, 339» Newton, Sir Isaac, 26, 289 Nielsen, H., 357» Nietzsche, Friedrich, 253 nistagmo, 188-191, 193 núcleos talâmicos anteriores, 228 objetiva, ciência, 289 objeto, reconhecimento de, 39-41, 99, 139, 149-150, 155, 156-157,344», 355» ÍNDICE / 41 l auditivo, 207-208 ver também: rosto, reconhecimento de objetos externos, projeção de sensações para, 92, 94 Occam, navalha de, 374» occipital, lobo, 32, 33, 40 ocular, mudança, distúrbio de personalidade múltipla e, 283, 373» oculomotor, núcleo do nervo, 66 olfato, cheiro, 29-30, 33, 227 olhar, direção do, 216-217 olho, movimento do, 66, 188, 189-190, 338» rápido (REM), 192-193, 353» olhos, 29, 108, 109, 216-217 retinados, 104, 106, 107, 117, 126, 155, 342»-344« Ornar Khayyám, 23, 239, 330» óptica, faixa, 106 óptica, radiação, 706’ óptico, disco, 126 óptico, nervo, 104, 106, 108, 109, 126, 344» óptico, quiasma, 106 Origem das espécies, A (Darwin), 266 orgasmo, 64, 151, 224, 229, 374« orientação, comportamento de, 108-110, 112, 114,350» ciclo de feedbctck positivo em, 157, 345» Ornstein, Robert, 349» ouvido, estimulação ”com água gelada”, 188-193 ouvidos, 66 alucinações e, 144, 145 nistagmo e, 188-191 Ovídio, 47 ovos e imagens de cavidades, 102-103, 104, 105, 338» pai(s): atração do filho pelo(s), 209 como impostores, 13, 205-214 como robôs, 214 palinopsia, 343» Papez, James, 226-227, 356» paradigma, mudanças de, 180,259,260, 281-282, 350», 366» Paraíso perdido (Milton), 225 paralisia, 38 aprendida, 12, 77, 78-80, 336» derrame e, 80-81,159-160,169-171 do braço direito de paciente de negação, 184-185 em macacos, 54-55 em membros fantasmas, 11,12,78-79 negação de, 11, 24, 169-204, 348»355» ver também anosognosia; somatoparafrenia Pare, Ambroise, 49 parietal, lobo, 32, 33, 77, 81, 156-157 direito, derrame no, 154, 157-158, 186,346» direito, detecção de dano no, 167 esquerdo, dano no, 156, 157 imagem do corpo e, 75, 76, 77, 81, 187,202, 308, 309 negação e, 183, 186-187 representação espacial e, 156, 161163, 167 síndrome de Balint e, 116 sistema motor e, 75, 76, 81 ver também via do ”como” Parkinson, doença de, 30, 366» 412 / FANTASMAS NO CÉREBRO partenogênese, 143 Paul (personalidade do lobo temporal), 230-233 pé, fetiches do, 53 peduncular, alucinose, 316 Peggy Sue (paciente com MPD), 283-284 pele, sensações originárias da, 61-62 Penfield, homúnculo de (homúnculo sensorial), 52-54, 53, 56, 58-59, 59 65, 69, 75, 82, 333», 334», 376n Penfield, Wilder, 52-54, 53 pênis, 51,53, 337 ver também ereções percepção, 97-152, 338»-344», 368» ambigüidade na, 102-103 como ”ilação inconsciente”, 102 comparações versus valor absoluto na, 215 estabilidade na, 303, 338» julgamento e, 102 memória e, 152, 299-303 ovos e imagem de cavidades e, 102103, 104 unidade da, 116-117 visão de imagens numa sala de parque de diversões cheia de espelhos e, 149 ver também visão, sistema visual perceptivo, preenchimento, 138-142, 149-150 perimetria, 140 periódica, classificação, 281 pernas, 52, 173 fantasma, 11, 48, 51, 63-65, 84 Perrett, David, 113 Persinger, Michael, 224-225, 235 personalidade do lobo temporal, 230239,357» personalidade múltipla, distúrbio de (MPD), 29, 191-192, 282-284, 313, 353« pés: fantasma, 63-65, 89, 337» mapeamento do cérebro e, 52,53,53, 64, 65, 332» sexualidade e, 25, 63-65 Phelps. M.E., 327 piadas, 25, 43-44, 192, 200-201, 258259, 262, 366«-367» Piei, Jonathan, 133-134 Pinker, Steven, 16, 362» pituitária, glândula, 227, 273, 371» placebo, efeito, 85, 196-198, 271-272, 279, 372«-373« Plum, E, 377» poesia, 30, 240 poliandria, 234 poligamia, 234, 235 Pons, Tim, 51, 54-58, 332»-333« ponte, 32, 32, 40 pontos cegos, 105, 106, 125-134, 296299, 297, 339-342» artificiais, 341 «-342» decapitação e, 128, 131 demonstração de, 126, 127 forma de suástica e, 131, 132 linha vertical atravessando, 128, 129 na experiência com roda de bicicleta, 133,134 na experiência do canto de um quadrado, 132-133, 133 preenchimento, 13, 125-134, 126127, 142-143, 297-299, 297, 303305, 340-341», 374»-375« ”Por que os homens preferem as louras?” (Ramachandran), 257, 363»-365» ÍNDICE / 413 pósitron, tomografia por emissão de (PET), 185, 186, 327», 357» Posner, M., 327» potencial, inteligência, 242-243 pré-adaptação, 265 preenchimento, fenômeno do, 125-126, 727, 340»-342» definição de, 125, 340»-341« escotomase, 125,135-l43,340w-34l» na síndrome de Charles Bonnet, 150 perceptivo versus conceituai, 141-142, 150 pontos cegos e, 13, 125-134, 126127, 142-143, 297-299, 297, 303- 305, 340w-341», 374»-375« pré-formacionismo, 143 Pribram, K., 335« primário, axônio, 31 primário, córtex visual, 104,106,107,108110,110, 112, 117, 149, 155,344» Proceedings ofthe Royal Society ofLonãon, 335» Profet, Margie, 362» profundidade, 149, 151 progesterona, 371» projeção, 201 prolactina, 273, 275, 371» prosopagnosia, 210, 356» pseudociese (falsa gravidez), 269-278, 370«-371« psicológicas, defesas, ver: defesa, mecanismo(s) de pulmão, câncer no, 29-30 punhos, fantasma, 84-88, 151 quadrinhos, 24, 105-106, 148, 151 deThurber, 122, 722, 123 qualia (sensações subjetivas), 289-307, 314-315, 373-375» características das, 299-303, 300 definição, 289-290, 291 enigma das, 289-292 Queen Square Neurological Hospital for Neurological Diseases, 186 racionalizações, 198, 200, 201, 202 racismo, 220 Rafael, Robert, 347» Raichle, M., 327» raiva (hidrofobia), 226-227 Ramachandran, Mani, 119 Ramachandran, V. S., 104, 287, 300, 333«-338«, 340»-341«, 342», 344», 351», 355«-356», 373» Ramanujan, Srinivasa, 240, 245-247 Ramón y Cajal, 294 reação, formação de, 183, 199-200, 201 realidade virtual, dispositivo de, 12-13, 77-79, 84-88 experiência de Dolan-Frith com, 186, 351» pacientes de negação e, 184-186 reducionismo, 295, 329» redundância, 62 religiosa, experiência, 13, 23, 25, 29, 224-240, 357w-358» REM (movimento rápido dos olhos), sono, 192-193 remapeamento do cérebro, 53-59, 59, 61-70, 76, 89, 333«-335« anormal, 82-83 em macacos, 54-55, 56, 61 savants e, 248-249 visão e, 342» repressão, 178, 188, 191,193,194,199, 201,209,354» 414 / FANTASMAS NO CÉREBRO ressonância magnética (MR), 59 ressonância magnética (MR), imagem, 59, 360» ressonância magnética funcional (ÍMRI), 185 ressonância magnética funcional, imageamento (ÍMRI), 185,327», 331 w, 337» reticular, sistema de ativação, 156 reversa, engenharia, 265 Rickard, Tim, 331 w Ridley, M., 358» rifle, alvos de, 119 riso, 13, 25-26, 35, 253-264 evolução do, 255, 259-264, 359», 366«-367« incontrolável, 24, 253-255 nervoso, 198, 200, 262 patológico, 253-255 Rivermead, Centro de Reabilitação, 173 Robinson, R.G., 351» robô, pai como, 214 Rock, L, 337» Rodin, E., 357» Rogers-Ramachandran, D., 335», 337» Rolls, E.T., 113,300,356» rosto, células do, 113 rosto, face fantasma, 51 mapeamento do cérebro e, 52-59,53, 57, 5^61-62,70, 332«-335« rosto, reconhecimento de, 33,98,113,218 prosopagnosia e, 210, 356» síndrome de Capgras e, 209-216, 221-222, 356» síndrome de Fregoli e, 220 Rubáiyát de Ornar Khayyám, O, 23, 239 Sacks, Oliver, 16, 158, 187, 210, 244, 340», 360» Sagan, Carl, 14, 16 sala de parque de diversões com espelhos, imagens na, 149, 343» Sam (filho de Ellen), 153-155 San Diego, Centro de Reabilitação, 195 Sanders, Mike, 110 Saúde, Institutos Nacionais de, 15, 109, 131,374« savant, síndrome do idiot savant (síndrome do idiota-prodígio), 244-250, 246, 359»-360» explicação de, 247-249 Schacter, D.L., 348» Schmaltz, S., 357» Schopenhauer, Arthur, 258 Schrõdinger, Erwin, 16, 226 Sàentific American, 133, 340» Searle, John, 306, 373» seio, câncer no, 271 seios fantasmas, 51,65 Sejnowski, Terry, 330», 344« Selfe, Lorna, 246 Sen, Sathyajit, 70 sensorial, córtex, 12, 32, 40 sensorial, homúnculo, ver Penfield, homúnculo de septo, 224, 225, 229 Sergent, Justine, 136, 340», 342» Sex (Madonna), 65 sexual, seleção, 369»-370« sexualidade, comportamento sexual, 33, 199,249,255 atração dos filhos pelos pais e, 209 epilepsia do lobo temporal e, 231, 237-238 ÍNDICE / 415 indiscriminada, 114 ouvidos e, 65 pés e, 25, 63-65 ver também ereções; orgasmo; pênis Shah, Muntaz, 195 Shakespeare, William, 121, 150, 193, 198,251,302,319,354» Shallice, T., 335» simbólica, descrição, 100-101 Simmel, Mary Ann, 335» sinais (símbolos) e tipos, 219 sinapses, 31, 31 Sinclair-Gieben, A.H.C., 371 n síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), 272 síndrome de Anton, 350» síndrome de Balint, 116 síndrome de Capgras, 13, 21, 24, 26, 205-222, 310, 356» amnésia comparada com, 218-219 direção do olhar e, 216-217 individualidade e, 200-222 memória e, 217-222 reconhecimento auditivo e, 207, 216 resposta cutânea galvânica e, 212-214 síndrome de Cotard como forma exagerada de, 215-216 visão freudiana da, 209 sinestesia, 375«-376» Singer, W., 374» sistema nervoso autônomo, 211-212, 277, 227, 276-277, 310 Slater, E., 357» Snyder, A., 360» social, individualidade, 317-318 sociobiologia, ver psicologia da evolução sol, 103, 104, 338» somatoparafrenia, 11,24, 173-174, 187188,312, 347» sonhos, 25, 192, 247 sonoREMe, 192-193,353» Sorenson,Tom,45-48,55-59,6l-63,67, 70, 82, 334» sorriso, 37-38, 366«-367» careta comparada com, 262, 266267,366» mentira e, 348» Spanos, N.R, 371» Sperry, R.W., 350» Springer, S., 350» Squire, Larry, 330» Starkman, M., 371» Stenstrom, R.S., 371» Steve (paciente com síndrome de desatenção), 156-160, 161 Stevenson, Robert Louis, 282 Stoddard, Rick, 93 Stream ofThought, The (James), 344»- 345» Stroop, interferência de, 295» Stuart, Mary, 370» suástica, forma, ponto cego e, 131, 132, subjetiva, sensação; ver qualia. suicidas, tendências, 35-37, 48 sulco central (rolândico), 32 suor, 212-213 ver também resposta cutânea galvânica superior, colículo, 108, 109 suplementar, área motora, 75, 255, 311 Susan (paciente com epilepsia), 255 Susan (paciente de negação), 355» Sutherland, Stuart, 288 Symons, Don, 362», 365» 416 / FANTASMAS NO CÉREBRO ÍNDICE / 417 tato, 61-62, 66, 69, 227 dor fantasma e, 82-83, 87 tálamo, 32, 33, 37, 40, 61, 109, 149, 211, 224, 316/2 Taub, E., 333« Tecoma, Evelyn, 237, 358/2 telescópio, 18-19 temporais, lobos, 13, 32, 33, 109, 109, 112, 113-114, 139,289,330/z consciência e, 306-308 experiência religiosa e, 224-227, 229239, 358/2 reconhecimento de objetos e, 155, 210, 213-214,356/2 ver também amígdala; hipotálamo; córtex insular, septo tentativa de, reparo, estratégia da, 27 teoria de outras mentes, módulo, 373/2 texturas, 98, 115, 139, 141, 142, 344/2 Thiruvengadam , K.V., 29 Thomas, Dylan, 240 Thomas, Lewis, 14, 16, 169, 276 Thomas, M., 360/2 Thompson, K., 373/2 Thurber, James, 121-124,122,143,152, 340/z Tom (”sábio”), 244-245, 247 Tooby, J., 362/2 Tovee, M.J., 330, 356» Townsend, Robert, 84-86 tradução, barreirada, 291-293, 355«, 373 transcraniano, estimulador magnético, 224, 356/2 transexuais, 336/2, 370/2 tricromia, 328/2 Trimble, M.R., 357/2-358/2 Trivers, Robert, 318, 348/2-349/2 úlceras, causa de, 19-20, 21 ultradarwinistas, 264-266 Ungerleider, Leslie, 109 unificada, individualidade, 314-315 universo, visão geocêntrica versus heliocêntrica, 203 Upanishads, 204 V4 (área visual), 107-108, 117, 339« Van der Berghe, L., 363/2 Van Essen, David, 339/2 Van Hoesen, G.W., 356n verrugas, hipnose e, 276-277’, 371/2 vestibular, córtex, 192 vestibular, nervo, 192 via do ”como”, 109, 112, 113, 114, 117, 118,775,119,149,151,155,355/2 agnosia de espelho e, 347/2 consciência e, 301-302, 306, 310 via do ”onde”, ver via do ”como” via do ”o quê”, 109, 112-118, 149, 151, 155,301,310,347/2,355« Vida Secreta de Walter Mitty, A. (Thurber), 122 vigilante, individualidade, 315-316 vinculação, problema de, 116 visão cega, 21, 24, 110-112, 158, 339« visão, sistema visual, 97-152, 227, 293294, 338/2-344/2 áreas especializadas múltiplas da, 107108, 113, 116, 117, 140,339/2 binocular, 126 cor, 35, 98, 107-108, 115, 117, 141, 149, 151, 236, 290-291, 328/2, 339/2, 344« doença de Parkinson e, 366/z dupla, 342/2 estereoscópica, 131, 341/2 experiência subjetiva e, 87 foveal, 116 hemisfério direito e, 176-177 ilusão de contraste de tamanho e, 118-119, 118 imaginação e, 151-152 membros fantasmas e, 74,77-81,86-88 organização da, 108, 109 regularidades estatísticas e, 142 sinais contraditórios e, 128,130,131 síndrome da desatenção e, 155-156 suposições, hipóteses do, 103, 104, 338/2 ver também cegueira; pontos cegos; via do ”como”; via do ”o quê” Vision ofthe Brain, A (Zeki), 106 visuais, categorias, síndrome de Capgras e, 219-220 visual, córtex, 104-105, 106, 109, 293294, 356«, 374w enxaquecas e, 125 primário, 104, 706’, 107, 108-110, 112, 117, 149, 155,344/2 Visual, percepção: visão de baixo para cima, 148,150,151 visão de cima para baixo, 148, 150, 344/z, 374/2-375/2 visualização, terapia da, 151 volume, controle de (controle de entrada), 82-83 von Cramon, D., 339/z Wall, Patrick, 332 Wallace, Alfred Russel, 240-244, 251 Ward, Betty, 184-185 Warrington, Elizabeth, 330/2 Watson, James, 97, 328/2 Waxman, S.G., 357/2 Wegener, Alfred, 281-282 Weil, Andrew, 279 Weisel, Torsten, 339 Weiskrantz, Larry, 110-111, 330/2, 339» Wernicke, afasia de, 346/2, 350/2 Wernicke, área de, 307 WhatIsLife?(Schrodin£er), 16 Wheeler, John Archibald, 15 Wieser, H.G., 357/z Williams, G., 362/2 Wills, Christopher, 342/2, 359/2, 370/2 Wilson, E.O., 362/2 Wilson, M., 362/2 Wiltshire, Stephen, 360» Winson, J., 354« Wright, R., 358/2 xadrez, jogo de, 313 Yang, Tony, 58 Yap, G.S.,351/2 Young, A. W, 356/2 Zeki, Semir, 32, 106, 279, 339« Zihl, J., 339/2 Zuk, M., 363« zumbido associado ao olhar, 66 Seja um Leitor Preferencial Record e receba informações sobre nossos lançamentos. Escreva para RP Record Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - CEP 20922-970 dando seu nome e endereço e tenha acesso a nossas ofertas especiais. Válido somente no Brasil. Ou visite a nossa home page: http://www.record.com.br