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Juventude Rural em ação

2015, O Rural Contemporâneo em Debate

Este texto constitui-se como um ponto de partida para uma leitura sobre a juventude em ação em um espaço rural moderno, enfocando-se a capacidade de se colocarem como protagonistas de uma história construída pela mobilização social e norteada pela perspectiva de futuro. A juventude rural como objeto de análise, neste estudo, é considerada constantemente em movimento, tomando-se como referência empírica a experiência da Associação Regional da Juventude Rural (AREJUR) instituída no Território Centro Serra, a qual envolve em torno de nove mil jovens de doze municípios do estado do Rio Grande do Sul.

Coleção Ciências Agrárias Ijuí 2015 2015, Organizadores Rua Tuiuti, 500/501 97015-660 – Santa Maria – RS – Brasil Fone (0__55) 9973-2507 E-mail: giseleguima@yahoo.com.br Direitos de Publicação, Programação Visual, Editoração e Impressão: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Rua do Comércio, 1364 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil Fone: (0__55) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 E-mail: editora@unijui.edu.br Http://www.editoraunijui.com.br www.twitter.com/editora_unijui Editor: Gilmar Antonio Bedin Editor-Adjunto: Joel Corso Capa: Alexandre Sadi Dallepiane Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí R948 O rural contemporâneo em debate : temas emergentes e novas institucionalidades / organização Gisela Martins Guimarães ... [et al.]. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2015. – 400 p. - (Coleção ciências agrárias). ISBN 978-85-419-0164-2 1. Desenvolvimento rural. 2. Organização rural. 3. Economia – Finanças agrícolas. I. Guimarães, Gisela Martins (Org.). II. Título. III. Série. CDU : 338.431 631.16 139 De sujeitos ocultos (off-line) a sujeitos visíveis (on-line): o protagonismo da juventude rural a partir de novas sociabilidades no rural contemporâneo Gisele Martins Guimarães Ezequiel Redin Paulo Roberto Cardoso da Silveira Janaína Balk Brandão 157 As famílias assentadas da reforma agrária: projetos em construção Jaqueline Malmann Hass Jairo Alfredo Genz Bolter 171 A juventude rural em ação Ezequiel Redin Vilson Flores dos Santos Paulo Roberto Cardoso da Silveira 187 A erosão da cultura alimentar e os desafios para a segurança alimentar Tatiana Aparecida Balem Paulo Roberto Cardoso da Silveira 211 213 SEÇÃO 2 REDEFININDO OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO RURAL A(s) ruralidade(s) nas políticas públicas brasileiras: limites e possibilidades para o rural contemporâneo Silvia Aparecida Zimmermann Karina Yoshie Martins Kato Catia Grisa 235 O papel da alimentação escolar na construção de mercados para a agricultura familiar Tatiana Aparecida Balem Gustavo Pinto da Silva Paulo Roberto Cardoso da Silveira 253 Identidades e patrimônio cultural em sistemas de produção de alimentos coloniais no rural contemporâneo da Quarta Colônia-RS Gisele Martins Guimarães Ivaldo Gehlen A JUVENTUDE RURAL EM AÇÃO Ezequiel Redin Vilson Flores dos Santos Paulo Roberto Cardoso da Silveira Este texto constitui-se como um ponto de partida para uma leitura sobre a juventude em ação em um espaço rural moderno, enfocando-se a capacidade de se colocarem como protagonistas de uma história construída pela mobilização social e norteada pela perspectiva de futuro. A juventude rural como objeto de análise, neste estudo, é considerada constantemente em movimento, tomando-se como referência empírica a experiência da Associação Regional da Juventude Rural (Arejur), instituída na Região Centro-Serra, a qual envolve em torno de 9 mil jovens de 12 municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Justifica-se este recorte, pois entre o nascimento e a consolidação desta experiência emerge um rico leque de reflexões que incorporam o rural para além das questões agrícolas e as expectativas dos jovens rurais. Trata-se de um espaço fértil para a mobilização social em busca de formas de entretenimento, lazer, educação, convivência, fortalecimento de laços e a elaboração de projetos coletivos para e pela juventude rural. Os estudos sobre a juventude rural no Brasil têm sido marcados por recortes empíricos localizados, analisando-se experiências centradas no fluxo migratório para os centros urbanos. Neste texto, analisamos a organização da juventude do rural e no rural. Apresenta-se aqui um processo de organização social que envolve uma instituição guarda-chuva, a qual legitima a experiência da juventude rural em âmbito territorial. Em estudo anterior, Redin et al. (2013) traçaram uma correlação entre a juventude rural e os espaços de sociabilidade vivenciados em um processo de transformação da vida rural 172 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a provocado pela universalização do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no campo. Neste estudo, coloca-se essa experiência como sui generis, o que torna relevante sua abordagem acadêmica. A organização social da juventude rural do Centro-Serra está comprometida com um projeto de desenvolvimento humano e social, no âmbito comunitário, criando e recriando espaços de sociabilização, constituindo-se como uma categoria que rompe com sua condição de invisibilidade e negação, resquícios de um passado recente de desvalorização e estigma da juventude da roça, o qual internalizou estigmas sociais – o adjetivo de atrasados, com traquejo social caricaturado e excluídos. Por outro lado, a juventude rural ainda é socialmente vista como rebelde, imatura, em processo de aprendizagem, sem trabalho remunerado próprio e, portanto, sem autonomia. Pesquisadores como Castro (2005) e Stropasolas (2006) identificam, em suas investigações, a consciência rebelde dos jovens rurais e os juízos de valor impostos pela sociedade adulta. Esse processo de estigmatização também tem servido como mote de luta por reconhecimento e participação social, buscando-se espaços autônomos e de valorização na sociedade. Nesse alento, a Arejur tem se afirmado, historicamente, como uma organização social distintiva no Território Centro-Serra com foco no desenvolvimento de uma identidade social. A Região Centro-Serra, localizada na Região do Vale do Rio Pardo, configura-se espacialmente como um dos importantes polos de concentração de atividades agropecuárias de base familiar como principal estratégia econômica, com destaque para a produção de fumo em folha. A juventude rural é percebida como um problema social recorrente, porém, nesse caso particular, apresenta-se com um arranjo social com raízes rurais assentadas na promoção da sociabilidade e na produção de sujeitos ativos, de forma permanente, nos fóruns comunitários. O objetivo do trabalho é analisar a organização social da juventude rural da Região Centro-Serra, sobre a perspectiva da construção de espaços sociais e refletir sobre as prioridades da juventude rural que sustentam sua ação política. Toma-se como referência um estudo de caso baseado A Juventude Rural em Ação 173 em experiência coordenada por um dos autores,1 quando foram realizadas um conjunto de reuniões nas 12 associações municipais que compõem a Arejur, seguidas de um seminário regional. Como resultado deste processo, obtiveram-se as expectativas da juventude rural, as quais devem alimentar sua ação. Metodologicamente, confronta-se este estudo de caso com a pesquisa bibliográfica e os documentos da Arejur, buscando-se compreender os elementos fundantes do processo organizacional e suas implicações na proposição de linhas interpretativas e na sugestão de futuros esforços analíticos. No percurso deste texto, inicialmente focamos a historicidade do processo de construção social da organização da juventude rural que desemboca na constituição da Arejur; avança-se no resgate do estudo de caso como base empírica e conclui-se com uma reflexão sobre as diferentes dimensões dessa experiência social. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA ORGANIZAÇÃO DA JUVENTUDE RURAL Nesta seção será tratada a organização histórica da juventude rural da Região Centro-Serra-RS, a qual parte da mobilização que se converteu num projeto de conformação jurídica de vários grupos de jovens em associações municipais e agregadas regionalmente na Arejur. Recorre-se aqui a documentos históricos no escopo da associação regional para a reconstituição da trajetória desta organização social. A juventude é idealizada por Galland (1985, 1993,), importante sociólogo da juventude na França, sob a noção de ingresso na vida adulta, um rito de passagem que lhe concebe a responsabilidade para trabalhar e casar. A juventude rural é uma construção social, pois “a juventude e a velhice não são dadas, mas construídas socialmente, na luta entre jovens e velhos” (Bourdieu, 2003, p. 152). Além de uma construção social, a juventude rural 1 Trata-se de uma ação coordenada por Vilson Flores dos Santos, então doutorando em Extensão Rural, objetivando atender demanda da Arejur em conhecer as principais solicitações das diferentes associações municipais de jovens rurais suas constituintes. 174 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a é percebida como um problema social ao ser relacionada com as consequências de sua migração em busca de novas perspectivas de vida. O fato de os jovens desistirem do rural tem sido foco de inúmeras pesquisas, seja focando a dimensão individual (jovens rurais) ou análises do comportamento coletivo (juventude rural). No âmbito do jovem rural, vários estudos sociológicos colocam o dilema dos agricultores com a indefinição de futuro da propriedade rural na iminência da carência de herdeiros na França (Bourdieu, 2008), a ampliação do espaço social dos jovens rurais e a fragilização do controle social da família camponesa (Champagne, 1986). Por outro lado, diversas pesquisas abordam a inserção dos jovens rurais na agricultura familiar, particularmente no Brasil.2 A maioria destes trabalhos focam nas relações dos jovens rurais no seio da família rural, as relações de gênero, os fluxos migratórios, a sucessão rural. Os trabalhos acadêmicos com jovens rurais têm tido a preocupação de direcionar o foco à unidade camponesa na lógica vital da produção e consumo. Já neste esforço analítico, pousamos o olhar no coletivo e para os espaços de sociabilidade, ou seja, para a juventude rural como promotora de espaços sociais ligados ao lazer, convívio social, entretenimento e troca de experiências (Redin, 2012; Redin; Silveira, 2012) e também como um ator político (Stropasolas, 2006). Abdicamos aqui, portanto, da análise sobre os projetos individuais para realçar um projeto coletivo de juventude rural. As decisões coletivas situam-se na projeção de espaços sociais, ações culturais, educacionais e de mobilização institucional como estratégia de reconhecimento e legitimidade. A organização social da Arejur tem construído um espaço sui generis no campo coletivo, momento em que se valorizam identidades positivadas, sustentam-se analogias com os jovens urbanos e os situam no âmbito do discurso e na esfera da representação como equivalentes e com posição 2 Nessa perspectiva podem-se elencar os seguintes trabalhos: Schneider, 1994; Camarano; Abramovay, 1999; Carneiro, 1998; Sacco dos Anjos; Caldas, 2003; Castro, 2005; Stropasolas, 2006, Brumer; Anjos, 2008; Marin, 2009; Weisheimer, 2009; Froehlich et al., 2011; Marin; Redin, Costa, 2014. A Juventude Rural em Ação 175 social idêntica à juventude urbana. Forjam-se espaços de reconhecimento, duelam pela honra social e demonstram à sociedade regional que têm força e capital cultural para influenciar nos espaços legítimos da sociedade adulta. A condição juvenil que busca realização social, autonomia e emancipação é exposta para a sociedade sem a necessidade de negar sua condição camponesa, seu modo de vida e suas formas de reprodução social. Essa característica diferencia a juventude rural da Região Centro-Serra, a todo o momento, pois aspira ser reconhecida como juventude rural protagonista no território, cria e recria um sistema de referência para a sociedade e retrabalha sua identidade, fortalecendo projetos coletivos com o objetivo de revigorar seu status social. Essas simbologias são transmitidas em todos os espaços em que as representações da juventude estão presentes, como nos eventos promovidos pela Arejur, nos colegiados territoriais, nos diferenciados espaços de legitimação social que a entidade ocupa na região. A organização social privilegia reforçar o papel da juventude rural na comunidade. Ela é mantida conforme um sistema de participação arbitrário, necessário para fortalecer a coesão social dos grupos de jovens de distintos municípios rurais. O universo rural em que vivem e se socializam dentro do território é explicitado por relações de cumplicidade e aproximação, até mesmo de diferenciação social e da valorização de um projeto de fortificação do ato de ser um jovem agricultor de referência. Referência como agricultor implica produtividade ou produção de algum produto de destacada participação econômica. O econômico move a organização social, enquanto esta move-se por formas de trabalho voluntário, de ações, de reciprocidade e de auxílio da sociedade institucionalizada. É uma força de corresponsabilidade. A presença da Arejur é requerida, estimulada e desenhada também pela sociedade adulta, pelas comunidades rurais, pelo comércio urbano, pelas empresas da área da agricultura, pelas entidades sociais da região. É uma forma de codependência, enquanto interesses de uma sociedade coletiva de ações particularizadas ou no escopo de estratégias sociais formuladas no âmbito dos espaços legítimos de ascensão social. 176 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a A Arejur é fruto da organização do Conselho Regional de Juventude Rural da Região Central, cujo foco prioritário gira em torno dos espaços de sociabilidade, como as atividades esportivas, festivais artísticos e culturais, conferências municipais de juventude rural, participação em eventos regionais, em conselhos municipais, em sindicatos rurais e nos meios de comunicação, em especial, rádio e jornal. A Arejur, entidade guarda-chuva, é representativa de todos os grupos de jovens dos municípios da Região Centro-Serra e fora desta, caso algum município próximo solicitar adesão. No âmbito municipal, a associação municipal de juventude rural (ou conselho) coordena seus grupos nesta delimitação geográfica, com os grupos de juventudes rurais formados em suas localidades rurais diretamente atrelados à associação municipal. As juventudes rurais nas suas respectivas localidades, as associações municipais e a associação regional possuem uma diretoria composta pelo presidente e vice-presidente, secretários e tesoureiros eleitos pelos pares. Essa equipe tem a responsabilidade de protagonizar os encontros sociais, criar espaços de animação, seguir as diretrizes acordadas pelos grupos, representar a juventude em reuniões deliberativas e promover eventos de interesse da juventude rural (Figura 1). Figura 1 – Escala da organização social das juventudes rurais da Região Centro-Serra Fonte: Elaborado pelo autor. A Juventude Rural em Ação 177 Para validação social, a escolha das soberanas da juventude rural municipal e, posteriormente, as soberanas da Arejur compõem o sistema de estratégias de reconhecimento e demarcação do espaço. A simbologia da beleza da jovem rural – escolhida por um júri especializado envolvendo conhecimentos gerais e específicos, o desfile e também um conjunto de características físicas – carrega consigo a bandeira e a imagem de uma juventude rural que se traduz em sentimentos de pertencimento, de conquista de novos espaços e de promoção da categoria rural. Geralmente as soberanas eleitas pelas juventudes rurais em seu município são visadas para participação em outros concursos de beleza na região ou em outros espaços. Algumas soberanas eleitas e visibilizadas pela Arejur têm alcançado projeção social, como contratos com agências de modelos, participação em meios de comunicação de expressão no país, em concursos em âmbito nacional e internacional. O espaço promovido pelas associações de juventude rural, portanto, tem ofertado também a oportunidade de crescimento pessoal em dimensões que mudam a perspectiva de vida das jovens rurais. Essa ascensão é concebida como extremamente positiva para o reconhecimento social do trabalho da juventude rural na região. Nesse caso, o fato de as meninas não permanecerem no meio rural não é um problema, mas uma forma de romper com as barreiras físicas do rural e do urbano, da distância que se encontram em relação às grandes capitais. Os espaços promovidos pela Arejur objetivam também formar líderes capazes de promover uma mudança social, um comportamento coletivo que comande a juventude rural. As lideranças locais, municipais e regionais formam um grupo com capital social para manter viva essa rede de inter-relacionamentos da juventude rural. Ademais, é necessário salientar que esta organização foi historicamente cotutelada pelo trabalho da extensão rural, fruto de um processo longo de auxílio e organização das entidades representativas no Estado. A juventude rural depende da ação dos extensionistas e cobra sua presença e articulação, mas ao mesmo tempo pretende constituir-se autônoma. 178 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a De uma forma geral, parece existir uma compatibilidade entre o estímulo da extensão rural e o desenvolvimento da ação da juventude rural, como se a primeira necessitasse da segunda, ou como se existisse uma grande sintonia entre ambas. A extensão rural promove a qualificação, os cursos de formação, a organização dos espaços de lazer e sociabilidade e, de outra parte, a juventude rural protagoniza o espetáculo, promove a organização, são os atores que atuam no cenário social. A ausência de autonomia da juventude rural estava diretamente vinculada à carência de recursos para realizar trabalhos com direção e execução próprias. A criação de uma associação, como entidade jurídica, fornece essa autonomia, ou seja, o repasse de verbas para o desenvolvimento dos trabalhos da juventude rural. Nesse contexto, a Arejur foi fundada em 3 de maio de 2005, constituindo uma entidade educacional, social, cultural e esportiva com tempo indeterminado de duração, sem fins lucrativos. A sua data de criação legal é posterior à das Associações de Juventudes Rurais Municipais, como é o caso da Associação da Juventude Rural de Arroio do Tigre (Ajurati), legalizada em 1996. É uma dinâmica processual e transitória, mas não delimita o início da história da organização da juventude rural, apenas legitima juridicamente um trabalho desenvolvido há muitos anos. O papel da associação regional, além da atuação em cursos de capacitação sobre as questões produtivas, está em estimular o lazer, a recreação, a cultura e a formação da juventude rural em diferentes âmbitos, em promover ofertas significativas de atividades de lazer, entretenimento e festas nas comunidades rurais. Por isso, a organização socioespacial da juventude rural amplia as redes de sociabilidade, quando coloca em interação diferentes jovens rurais de distintos municípios, de culturas similares ou, às vezes, díspares. A ampliação das redes de sociabilidade entre os jovens rurais promove no imaginário uma condição de liberdade, uma abertura para conhecer novas pessoas, novos modos de vida, diferentes comportamentos sociais. A possibilidade do novo interage com as trajetórias pessoais e se reflete nos relacionamentos entre moças e rapazes no cotidiano rural. Essa ampliação dos espaços pode causar um efeito contrário, ou seja, uma A Juventude Rural em Ação 179 revalorização do seu modo de vida, do seu cotidiano rural local. Conhecer a realidade do outro pode cognitivamente proporcionar um sentimento de maior valor a sua realidade. A interação social entre as juventudes rurais é, de certa maneira, uma forma de romper com a estrutura de relacionamentos comunitários para relacionamentos intercomunidades ou interurbanos. Nessa realidade social existem moças rurais estabelecendo namoros com jovens rurais de outros municípios, bem como moças urbanas estabelecendo relações socioafetivas com jovens da roça. Em certas ocasiões, observam-se meninas urbanas transformando-se em agricultoras, assumindo uma condição camponesa ao casar-se com um jovem rural. Assim, o coletivo social pode implicar a condição individual, as contingências sociais no estabelecimento de laços de união, uma reconfiguração nas relações comportamentais de reprodução biológica ou de estilo de vida, em que o rural passou a ser considerado moderno. A aspiração da juventude rural mobilizada refere-se à formação de um capital cultural vinculado a um sistema de referência, cujo pertencimento ao segmento social da juventude rural os coloca numa condição de destaque social. Nesse sentido, a mobilização da juventude rural tem se mostrado necessária justamente porque existem determinados sentidos coletivos não necessariamente naturalizados que, a partir de uma organização social, promovem formas de protagonismo que emergem do rural para o urbano, ou de forma mais complexa, de uma lógica que transcende o sistema binário rural-urbano. A identidade da juventude rural principia a ganhar força no cenário contemporâneo. EM BUSCA DE EXPECTATIVAS COLETIVAS Em 2012, a Arejur conseguiu recursos do Ministério de Desenvolvimento Agrário, via Consórcio Intermunicipal do Vale do Jacuí para realizar, mediante contratação de consultoria, um processo de mobilização das juventudes rurais dos 12 municípios da Região Centro-Serra, visando a definir um espectro comum que pudesse unificar as pautas reivindicatórias a serem defendidas coletivamente. 180 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a Com apoio da Emater-RS, efetivaram-se encontros com cada associação municipal, quando se abordou os temas da Sucessão na Agricultura Familiar, Formação de Lideranças e Motivação, por meio de palestras a cargo de membros dos grupos Nepals 3 e Nemad4 da UFSM. Em um segundo momento os jovens participantes, divididos em grupos, buscaram responder sobre quais seriam os principais problemas enfrentados em seu município e quais as possíveis soluções. Estes dados sistematizados acabaram por produzir um interessante painel das diferentes expectativas de cada associação municipal. Posteriormente, em seminário regional com a participação das juventudes rurais de todos os municípios, apresentou-se às autoridades presentes e às lideranças da Arejur as expectativas de cada associação. Neste espaço, uma contribuição importante foi a possibilidade de que cada juventude rural conhecesse os problemas e expectativas das demais, criando um sentido de unicidade a partir das diferenças. Isto serviu para reforçar ainda mais as pautas a serem trabalhadas pela Arejur. Entre as principais prioridades da juventude rural em âmbito regional destacam-se: a necessidade de disponibilização de sinal de Internet e telefonia em todas as comunidades rurais; a instalação de uma escola técnica; a criação de projetos de diversificação produtiva; a construção de vias de escoamento de produção; investimento na área de lazer e esportes; a garantia de comercialização em espaços institucionais como mercados públicos e privados para os produtos da agricultura familiar; o incentivo com verbas municipais para fortalecimento das associações da juventude rural e promoção do desenvolvimento social e cultural; o agenciamento de atividades culturais, sociais, recreativas e de desenvolvimento rural; criação de Lei Municipal de Incentivo à Juventude Rural, entre outras demandas mais específicas. 3 Núcleo Interdisciplinar em Extensão e Pesquisa sobre Alimentação e Sociedade. 4 Núcleo de Estudos sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A Juventude Rural em Ação 181 ENTRE AS PRIORIDADES LOCAIS E O SONHO DA JUVENTUDE RURAL Nesta seção trata-se de um dilema ambíguo, entre as expectativas e sonhos da juventude rural (voltados ao rural ou fora dele) e as prioridades locais de um rural em construção. Identifica-se que no momento em que a juventude rural prospecta melhorias às comunidades em que vivem ou transitam, por outro lado, anseiam por um futuro com projeções que envolvem atividades não agrícolas ou até mesmo aparecem suas idealizações em projetos urbanos. Aqui se lança a tese da desmistificação da projeção de um rural fixo, de uma juventude que deveria visar estritamente a um futuro no campo, construindo-se um cenário em que a juventude rural é protagonista não só em espaços rurais, mas no cenário urbano e político. Propõe-se, então, desbancar a noção da juventude rural tutelada, suplantando a proposição positivista que vê as ambições dos jovens e o papel das políticas públicas direcionadas a ações voltadas à questão produtiva. Ao negarmos tal entendimento, desnuda-se o fato da flagelação da família rural ao imputar-se uma força de coação, um mote discursivo em torno de que o problema de sucessão rural inviabilizaria a reprodução social da agricultura familiar. Para esta linha de pensamento, alguns aspectos são evidenciados neste segmento social coletivo. As prioridades da juventude rural em âmbito regional equivalem a contemplar as ações em curto e médio prazos que podem facilitar ou fornecer melhores oportunidades no meio rural. Nesse sentido, as ações dependeriam da atuação da gestão pública e da articulação política para oportunizar condições básicas que a juventude rural reivindica nos espaços coletivos de base. Como vimos anteriormente, as prioridades da juventude rural giram em torno da situação coletiva vivenciada, tanto ligadas à questão da atividade agrícola quanto dos espaços de fortalecimento social coletivos. Essas ações são consideradas requisitos fundamentais para elevar o índice de desenvolvimento na região, bem como segurar o capital social dos jovens neste espaço. Para tanto, transportam a histórica exclusão social e os problemas estruturais para a esfera pública, demandam como sujeitos protagonistas da gestão pública eleita a responsabilidade de fornecer condições mínimas para o desenvolvimento do mundo rural, tendo em vista que também 182 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a elegem vereadores como representantes políticos da juventude rural. Cabe destacar que nem tudo é consensual, existem disputas pelo poder simbólico representativo, demarcação de espaços individuais e coletivos e também interesses particulares em movimento, por isso construídos no contexto ambíguo da participação da juventude rural. A luta da juventude rural na Região Centro-Serra afirma-se, majoritariamente, no âmbito da persistência, da organização e da vontade, mais do que nas formas consensuais de resolução dos problemas locais. Os líderes da juventude rural são jovens mais experientes e articulados politicamente, em especial com a finalidade coletiva de buscar legitimar o trabalho que vem sendo construído nos pleitos locais e nas instâncias da sociedade. Calcada no êxtase do reconhecimento e da participação social, a juventude rural clama por intervenções mais enfáticas, mas também se contrapõe a projetos que não estejam focados nas demandas historicamente defendidas coletivamente nos meandros de sua organização. Conforme Stropasolas (2006), a juventude rural também tem reagido com seu movimento migratório, pois nele se manifesta uma reação à degradação das condições de vida na sociedade rural. Para Sacco dos Anjos, Caldas e Pollnow (2014), uma das explicações para este movimento migratório é a possibilidade de poder ir para além das fronteiras, buscando ampliar os horizontes sociais em que se fecha a agricultura e o mundo rural, os quais até bem pouco tempo atrás, estavam circunscritos ao espaço local. Assim, segundo Stropasolas (2006), a mobilização em diferentes espaços sociais e a valorização pela sociedade de suas reivindicações dependerão de sua habilidade em ganhar apoio fora de sua própria coletividade. As expectativas referem-se ao plano individual e, ao mesmo tempo, ao plano coletivo. Os sonhos da juventude rural evocam conquistas sociais como a ascensão, seja como agricultor ou não, a sua qualificação profissional, a busca por atividades agrícolas ou não agrícolas que oportunizem que a juventude possa reproduzir-se economicamente. O sonho, em geral, fica no plano do inconsciente, mas se batalha para que ele ultrapasse a barreira psíquica para a sua realização. Uma das demandas, de forma unânime e aclamada, tem relação direta com a necessidade de valorização dos produtos agrícolas e, consequentemente, do seu trabalho rural. A Juventude Rural em Ação 183 A resolução dos problemas da juventude rural podem propiciar inúmeros benefícios à sociedade, consistindo na possibilidade de serem os principais protagonistas no processo de reversão da erosão social e cultural em curso nas pequenas localidades, na dinamização e ampliação das oportunidades de emprego, educação e lazer, nas iniciativas de desenvolvimento que visam à melhoria das condições de vida e na conquista de uma igualdade de direitos entre os gêneros (Stropasolas, 2006). A rede de associações, guiada pela Arejur, coloca a juventude rural em sintonia com as propostas e as demandas de gênero e da agricultura familiar. Para canalizar as ações e reproduzir projetos voltados para a juventude rural envolve-se, sobretudo, o esforço do Estado em assegurar recursos de animação, capacitação e de estímulo para a juventude dar o pontapé inicial em projetos que sejam protagonistas, além do plano do lazer e entretenimento. A oportunidade de desenvolver projetos atinentes ao desenvolvimento rural coloca o grupo social em evidência como responsáveis por estimular o crescimento da região e o fortalecimento do rural. Isso posto, a sucessão rural não será afetada simplesmente pelo abandono de um jovem rural ao projeto camponês, mas sua saída será requerida para participar como agente de desenvolvimento que pode promover a sucessão e o desenvolvimento das unidades produtivas de toda a região. Dessa forma, a saída do jovem do meio rural não deve ser vista como uma aflição, mas como um exemplo de que a sua capacitação futura possa auxiliar muitos outros jovens a suceder seus pais, de forma que assim os frutos positivos do esforço da juventude rural são vistos de outra perspectiva. A juventude rural organizada com cunho social, educativo e produtivo tem boas chances de tornar o rural, além de um espaço produtivo, um lugar de referência por sua mobilização e seu capital social investido na Região Centro-Serra. O DESFECHO O processo de construção social da juventude rural em ação desenrola-se pela trama destes atores rurais movidos pela ânsia de prospectar um futuro mais promissor e digno, seja no espaço rural ou no urbano. O enredo procrastina-se sobre a forma de adaptação da juventude rural a uma vida 184 E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a moderna, distanciando-se daquela caricatura estigmatizada de um recente rural que sofre de resquícios cognitivos, ainda não completamente saneados. Ao mobilizar a juventude do campo na dimensão política e social, dada a legitimação pela sociedade local de um grupo organizado e reconhecido em espaços da comunidade “adulta”, tenciona-se a sociedade a respeitar os jovens rurais enquanto agentes protagonistas não, somente, do rural, mas da sociedade regional como um todo. A experiência social demonstra, antes de tudo, que a juventude rural quando orientada para a ação política significa a mobilização de recursos inativos no território até então. Desse modo, não apenas reproduzem culturalmente suas concepções e ideais transmitidos de geração em geração, mas reinventam, a todo instante, novas estratégias que vão impactar tanto no seio da família rural quanto na sociedade regional em questão. O desfecho dessa trama tem apontado roteiros da mais completa imprevisibilidade, mas um fato é certo: a juventude rural na região em análise não mais será como antes e, como consequência, o rural também não será mais visto como já o foi. REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. Uma vida perdida. In: BOURDIEU, P. (Org.). A miséria do mundo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 437-449. ______. A juventude é apenas uma palavra. In: BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século Edições, 2003. BRUMER, A.; ANJOS, G. Gênero e reprodução social na agricultura familiar. 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