Coleção Ciências Agrárias
Ijuí
2015
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Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
R948
O rural contemporâneo em debate : temas emergentes e novas
institucionalidades / organização Gisela Martins Guimarães ... [et
al.]. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2015. – 400 p. - (Coleção ciências agrárias).
ISBN 978-85-419-0164-2
1. Desenvolvimento rural. 2. Organização rural. 3. Economia –
Finanças agrícolas. I. Guimarães, Gisela Martins (Org.). II. Título.
III. Série.
CDU : 338.431
631.16
139
De sujeitos ocultos (off-line) a sujeitos visíveis (on-line):
o protagonismo da juventude rural a partir de novas
sociabilidades no rural contemporâneo
Gisele Martins Guimarães
Ezequiel Redin
Paulo Roberto Cardoso da Silveira
Janaína Balk Brandão
157
As famílias assentadas da reforma agrária: projetos em construção
Jaqueline Malmann Hass
Jairo Alfredo Genz Bolter
171
A juventude rural em ação
Ezequiel Redin
Vilson Flores dos Santos
Paulo Roberto Cardoso da Silveira
187
A erosão da cultura alimentar e os
desafios para a segurança alimentar
Tatiana Aparecida Balem
Paulo Roberto Cardoso da Silveira
211
213
SEÇÃO 2
REDEFININDO OS DESAFIOS
DO DESENVOLVIMENTO RURAL
A(s) ruralidade(s) nas políticas públicas brasileiras:
limites e possibilidades para o rural contemporâneo
Silvia Aparecida Zimmermann
Karina Yoshie Martins Kato
Catia Grisa
235
O papel da alimentação escolar na construção
de mercados para a agricultura familiar
Tatiana Aparecida Balem
Gustavo Pinto da Silva
Paulo Roberto Cardoso da Silveira
253
Identidades e patrimônio cultural em sistemas de produção de
alimentos coloniais no rural contemporâneo da Quarta Colônia-RS
Gisele Martins Guimarães
Ivaldo Gehlen
A JUVENTUDE RURAL EM AÇÃO
Ezequiel Redin
Vilson Flores dos Santos
Paulo Roberto Cardoso da Silveira
Este texto constitui-se como um ponto de partida para uma leitura
sobre a juventude em ação em um espaço rural moderno, enfocando-se a
capacidade de se colocarem como protagonistas de uma história construída
pela mobilização social e norteada pela perspectiva de futuro. A juventude
rural como objeto de análise, neste estudo, é considerada constantemente em movimento, tomando-se como referência empírica a experiência
da Associação Regional da Juventude Rural (Arejur), instituída na Região
Centro-Serra, a qual envolve em torno de 9 mil jovens de 12 municípios do
Estado do Rio Grande do Sul.
Justifica-se este recorte, pois entre o nascimento e a consolidação
desta experiência emerge um rico leque de reflexões que incorporam o
rural para além das questões agrícolas e as expectativas dos jovens rurais.
Trata-se de um espaço fértil para a mobilização social em busca de formas
de entretenimento, lazer, educação, convivência, fortalecimento de laços e
a elaboração de projetos coletivos para e pela juventude rural.
Os estudos sobre a juventude rural no Brasil têm sido marcados por
recortes empíricos localizados, analisando-se experiências centradas no fluxo
migratório para os centros urbanos. Neste texto, analisamos a organização da
juventude do rural e no rural. Apresenta-se aqui um processo de organização
social que envolve uma instituição guarda-chuva, a qual legitima a experiência da juventude rural em âmbito territorial. Em estudo anterior, Redin et
al. (2013) traçaram uma correlação entre a juventude rural e os espaços de
sociabilidade vivenciados em um processo de transformação da vida rural
172
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provocado pela universalização do uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) no campo. Neste estudo, coloca-se essa experiência
como sui generis, o que torna relevante sua abordagem acadêmica.
A organização social da juventude rural do Centro-Serra está comprometida com um projeto de desenvolvimento humano e social, no âmbito
comunitário, criando e recriando espaços de sociabilização, constituindo-se como uma categoria que rompe com sua condição de invisibilidade e
negação, resquícios de um passado recente de desvalorização e estigma
da juventude da roça, o qual internalizou estigmas sociais – o adjetivo de
atrasados, com traquejo social caricaturado e excluídos. Por outro lado, a
juventude rural ainda é socialmente vista como rebelde, imatura, em processo de aprendizagem, sem trabalho remunerado próprio e, portanto, sem
autonomia. Pesquisadores como Castro (2005) e Stropasolas (2006) identificam, em suas investigações, a consciência rebelde dos jovens rurais e os
juízos de valor impostos pela sociedade adulta.
Esse processo de estigmatização também tem servido como mote de
luta por reconhecimento e participação social, buscando-se espaços autônomos e de valorização na sociedade. Nesse alento, a Arejur tem se afirmado,
historicamente, como uma organização social distintiva no Território Centro-Serra com foco no desenvolvimento de uma identidade social.
A Região Centro-Serra, localizada na Região do Vale do Rio Pardo,
configura-se espacialmente como um dos importantes polos de concentração de atividades agropecuárias de base familiar como principal estratégia
econômica, com destaque para a produção de fumo em folha. A juventude
rural é percebida como um problema social recorrente, porém, nesse caso
particular, apresenta-se com um arranjo social com raízes rurais assentadas
na promoção da sociabilidade e na produção de sujeitos ativos, de forma
permanente, nos fóruns comunitários.
O objetivo do trabalho é analisar a organização social da juventude
rural da Região Centro-Serra, sobre a perspectiva da construção de espaços
sociais e refletir sobre as prioridades da juventude rural que sustentam
sua ação política. Toma-se como referência um estudo de caso baseado
A Juventude Rural em Ação
173
em experiência coordenada por um dos autores,1 quando foram realizadas
um conjunto de reuniões nas 12 associações municipais que compõem a
Arejur, seguidas de um seminário regional. Como resultado deste processo,
obtiveram-se as expectativas da juventude rural, as quais devem alimentar
sua ação.
Metodologicamente, confronta-se este estudo de caso com a pesquisa
bibliográfica e os documentos da Arejur, buscando-se compreender os elementos fundantes do processo organizacional e suas implicações na proposição de linhas interpretativas e na sugestão de futuros esforços analíticos.
No percurso deste texto, inicialmente focamos a historicidade do
processo de construção social da organização da juventude rural que desemboca na constituição da Arejur; avança-se no resgate do estudo de caso como
base empírica e conclui-se com uma reflexão sobre as diferentes dimensões
dessa experiência social.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA ORGANIZAÇÃO
DA JUVENTUDE RURAL
Nesta seção será tratada a organização histórica da juventude rural da
Região Centro-Serra-RS, a qual parte da mobilização que se converteu num
projeto de conformação jurídica de vários grupos de jovens em associações
municipais e agregadas regionalmente na Arejur. Recorre-se aqui a documentos históricos no escopo da associação regional para a reconstituição da
trajetória desta organização social.
A juventude é idealizada por Galland (1985, 1993,), importante sociólogo da juventude na França, sob a noção de ingresso na vida adulta, um
rito de passagem que lhe concebe a responsabilidade para trabalhar e casar.
A juventude rural é uma construção social, pois “a juventude e a velhice
não são dadas, mas construídas socialmente, na luta entre jovens e velhos”
(Bourdieu, 2003, p. 152). Além de uma construção social, a juventude rural
1
Trata-se de uma ação coordenada por Vilson Flores dos Santos, então doutorando em
Extensão Rural, objetivando atender demanda da Arejur em conhecer as principais
solicitações das diferentes associações municipais de jovens rurais suas constituintes.
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é percebida como um problema social ao ser relacionada com as consequências de sua migração em busca de novas perspectivas de vida. O fato de
os jovens desistirem do rural tem sido foco de inúmeras pesquisas, seja
focando a dimensão individual (jovens rurais) ou análises do comportamento
coletivo (juventude rural).
No âmbito do jovem rural, vários estudos sociológicos colocam o
dilema dos agricultores com a indefinição de futuro da propriedade rural
na iminência da carência de herdeiros na França (Bourdieu, 2008), a ampliação do espaço social dos jovens rurais e a fragilização do controle social da
família camponesa (Champagne, 1986). Por outro lado, diversas pesquisas
abordam a inserção dos jovens rurais na agricultura familiar, particularmente
no Brasil.2 A maioria destes trabalhos focam nas relações dos jovens rurais no
seio da família rural, as relações de gênero, os fluxos migratórios, a sucessão
rural. Os trabalhos acadêmicos com jovens rurais têm tido a preocupação
de direcionar o foco à unidade camponesa na lógica vital da produção e
consumo.
Já neste esforço analítico, pousamos o olhar no coletivo e para os
espaços de sociabilidade, ou seja, para a juventude rural como promotora
de espaços sociais ligados ao lazer, convívio social, entretenimento e troca
de experiências (Redin, 2012; Redin; Silveira, 2012) e também como um
ator político (Stropasolas, 2006).
Abdicamos aqui, portanto, da análise sobre os projetos individuais
para realçar um projeto coletivo de juventude rural. As decisões coletivas
situam-se na projeção de espaços sociais, ações culturais, educacionais e de
mobilização institucional como estratégia de reconhecimento e legitimidade. A organização social da Arejur tem construído um espaço sui generis no
campo coletivo, momento em que se valorizam identidades positivadas,
sustentam-se analogias com os jovens urbanos e os situam no âmbito do
discurso e na esfera da representação como equivalentes e com posição
2
Nessa perspectiva podem-se elencar os seguintes trabalhos: Schneider, 1994; Camarano; Abramovay, 1999; Carneiro, 1998; Sacco dos Anjos; Caldas, 2003; Castro, 2005;
Stropasolas, 2006, Brumer; Anjos, 2008; Marin, 2009; Weisheimer, 2009; Froehlich et
al., 2011; Marin; Redin, Costa, 2014.
A Juventude Rural em Ação
175
social idêntica à juventude urbana. Forjam-se espaços de reconhecimento,
duelam pela honra social e demonstram à sociedade regional que têm força
e capital cultural para influenciar nos espaços legítimos da sociedade adulta.
A condição juvenil que busca realização social, autonomia e emancipação é exposta para a sociedade sem a necessidade de negar sua condição
camponesa, seu modo de vida e suas formas de reprodução social. Essa
característica diferencia a juventude rural da Região Centro-Serra, a todo o
momento, pois aspira ser reconhecida como juventude rural protagonista no
território, cria e recria um sistema de referência para a sociedade e retrabalha
sua identidade, fortalecendo projetos coletivos com o objetivo de revigorar
seu status social. Essas simbologias são transmitidas em todos os espaços em
que as representações da juventude estão presentes, como nos eventos promovidos pela Arejur, nos colegiados territoriais, nos diferenciados espaços
de legitimação social que a entidade ocupa na região.
A organização social privilegia reforçar o papel da juventude rural na
comunidade. Ela é mantida conforme um sistema de participação arbitrário,
necessário para fortalecer a coesão social dos grupos de jovens de distintos
municípios rurais. O universo rural em que vivem e se socializam dentro
do território é explicitado por relações de cumplicidade e aproximação, até
mesmo de diferenciação social e da valorização de um projeto de fortificação
do ato de ser um jovem agricultor de referência. Referência como agricultor
implica produtividade ou produção de algum produto de destacada participação econômica.
O econômico move a organização social, enquanto esta move-se por
formas de trabalho voluntário, de ações, de reciprocidade e de auxílio da
sociedade institucionalizada. É uma força de corresponsabilidade. A presença da Arejur é requerida, estimulada e desenhada também pela sociedade
adulta, pelas comunidades rurais, pelo comércio urbano, pelas empresas
da área da agricultura, pelas entidades sociais da região. É uma forma de
codependência, enquanto interesses de uma sociedade coletiva de ações
particularizadas ou no escopo de estratégias sociais formuladas no âmbito
dos espaços legítimos de ascensão social.
176
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A Arejur é fruto da organização do Conselho Regional de Juventude
Rural da Região Central, cujo foco prioritário gira em torno dos espaços
de sociabilidade, como as atividades esportivas, festivais artísticos e culturais, conferências municipais de juventude rural, participação em eventos
regionais, em conselhos municipais, em sindicatos rurais e nos meios de
comunicação, em especial, rádio e jornal.
A Arejur, entidade guarda-chuva, é representativa de todos os grupos
de jovens dos municípios da Região Centro-Serra e fora desta, caso algum
município próximo solicitar adesão. No âmbito municipal, a associação
municipal de juventude rural (ou conselho) coordena seus grupos nesta
delimitação geográfica, com os grupos de juventudes rurais formados em
suas localidades rurais diretamente atrelados à associação municipal. As
juventudes rurais nas suas respectivas localidades, as associações municipais
e a associação regional possuem uma diretoria composta pelo presidente e
vice-presidente, secretários e tesoureiros eleitos pelos pares. Essa equipe
tem a responsabilidade de protagonizar os encontros sociais, criar espaços de
animação, seguir as diretrizes acordadas pelos grupos, representar a juventude em reuniões deliberativas e promover eventos de interesse da juventude
rural (Figura 1).
Figura 1 – Escala da organização social das juventudes rurais da Região Centro-Serra
Fonte: Elaborado pelo autor.
A Juventude Rural em Ação
177
Para validação social, a escolha das soberanas da juventude rural
municipal e, posteriormente, as soberanas da Arejur compõem o sistema
de estratégias de reconhecimento e demarcação do espaço. A simbologia
da beleza da jovem rural – escolhida por um júri especializado envolvendo
conhecimentos gerais e específicos, o desfile e também um conjunto de
características físicas – carrega consigo a bandeira e a imagem de uma juventude rural que se traduz em sentimentos de pertencimento, de conquista
de novos espaços e de promoção da categoria rural.
Geralmente as soberanas eleitas pelas juventudes rurais em seu
município são visadas para participação em outros concursos de beleza
na região ou em outros espaços. Algumas soberanas eleitas e visibilizadas
pela Arejur têm alcançado projeção social, como contratos com agências de
modelos, participação em meios de comunicação de expressão no país, em
concursos em âmbito nacional e internacional.
O espaço promovido pelas associações de juventude rural, portanto,
tem ofertado também a oportunidade de crescimento pessoal em dimensões que mudam a perspectiva de vida das jovens rurais. Essa ascensão é
concebida como extremamente positiva para o reconhecimento social do
trabalho da juventude rural na região. Nesse caso, o fato de as meninas não
permanecerem no meio rural não é um problema, mas uma forma de romper
com as barreiras físicas do rural e do urbano, da distância que se encontram
em relação às grandes capitais.
Os espaços promovidos pela Arejur objetivam também formar líderes
capazes de promover uma mudança social, um comportamento coletivo que
comande a juventude rural. As lideranças locais, municipais e regionais
formam um grupo com capital social para manter viva essa rede de inter-relacionamentos da juventude rural. Ademais, é necessário salientar que
esta organização foi historicamente cotutelada pelo trabalho da extensão
rural, fruto de um processo longo de auxílio e organização das entidades
representativas no Estado. A juventude rural depende da ação dos extensionistas e cobra sua presença e articulação, mas ao mesmo tempo pretende
constituir-se autônoma.
178
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De uma forma geral, parece existir uma compatibilidade entre o estímulo da extensão rural e o desenvolvimento da ação da juventude rural,
como se a primeira necessitasse da segunda, ou como se existisse uma
grande sintonia entre ambas. A extensão rural promove a qualificação, os
cursos de formação, a organização dos espaços de lazer e sociabilidade e, de
outra parte, a juventude rural protagoniza o espetáculo, promove a organização, são os atores que atuam no cenário social.
A ausência de autonomia da juventude rural estava diretamente vinculada à carência de recursos para realizar trabalhos com direção e execução
próprias. A criação de uma associação, como entidade jurídica, fornece essa
autonomia, ou seja, o repasse de verbas para o desenvolvimento dos trabalhos da juventude rural. Nesse contexto, a Arejur foi fundada em 3 de maio
de 2005, constituindo uma entidade educacional, social, cultural e esportiva
com tempo indeterminado de duração, sem fins lucrativos. A sua data de
criação legal é posterior à das Associações de Juventudes Rurais Municipais, como é o caso da Associação da Juventude Rural de Arroio do Tigre
(Ajurati), legalizada em 1996. É uma dinâmica processual e transitória, mas
não delimita o início da história da organização da juventude rural, apenas
legitima juridicamente um trabalho desenvolvido há muitos anos.
O papel da associação regional, além da atuação em cursos de capacitação sobre as questões produtivas, está em estimular o lazer, a recreação,
a cultura e a formação da juventude rural em diferentes âmbitos, em promover ofertas significativas de atividades de lazer, entretenimento e festas
nas comunidades rurais. Por isso, a organização socioespacial da juventude
rural amplia as redes de sociabilidade, quando coloca em interação diferentes jovens rurais de distintos municípios, de culturas similares ou, às vezes,
díspares.
A ampliação das redes de sociabilidade entre os jovens rurais
promove no imaginário uma condição de liberdade, uma abertura para
conhecer novas pessoas, novos modos de vida, diferentes comportamentos sociais. A possibilidade do novo interage com as trajetórias pessoais e
se reflete nos relacionamentos entre moças e rapazes no cotidiano rural.
Essa ampliação dos espaços pode causar um efeito contrário, ou seja, uma
A Juventude Rural em Ação
179
revalorização do seu modo de vida, do seu cotidiano rural local. Conhecer
a realidade do outro pode cognitivamente proporcionar um sentimento de
maior valor a sua realidade.
A interação social entre as juventudes rurais é, de certa maneira, uma
forma de romper com a estrutura de relacionamentos comunitários para
relacionamentos intercomunidades ou interurbanos. Nessa realidade social
existem moças rurais estabelecendo namoros com jovens rurais de outros
municípios, bem como moças urbanas estabelecendo relações socioafetivas
com jovens da roça. Em certas ocasiões, observam-se meninas urbanas transformando-se em agricultoras, assumindo uma condição camponesa ao casar-se
com um jovem rural. Assim, o coletivo social pode implicar a condição individual, as contingências sociais no estabelecimento de laços de união, uma
reconfiguração nas relações comportamentais de reprodução biológica ou de
estilo de vida, em que o rural passou a ser considerado moderno.
A aspiração da juventude rural mobilizada refere-se à formação de um
capital cultural vinculado a um sistema de referência, cujo pertencimento
ao segmento social da juventude rural os coloca numa condição de destaque
social. Nesse sentido, a mobilização da juventude rural tem se mostrado
necessária justamente porque existem determinados sentidos coletivos não
necessariamente naturalizados que, a partir de uma organização social, promovem formas de protagonismo que emergem do rural para o urbano, ou
de forma mais complexa, de uma lógica que transcende o sistema binário
rural-urbano. A identidade da juventude rural principia a ganhar força no
cenário contemporâneo.
EM BUSCA DE EXPECTATIVAS COLETIVAS
Em 2012, a Arejur conseguiu recursos do Ministério de Desenvolvimento Agrário, via Consórcio Intermunicipal do Vale do Jacuí para realizar,
mediante contratação de consultoria, um processo de mobilização das juventudes rurais dos 12 municípios da Região Centro-Serra, visando a definir
um espectro comum que pudesse unificar as pautas reivindicatórias a serem
defendidas coletivamente.
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Com apoio da Emater-RS, efetivaram-se encontros com cada associação municipal, quando se abordou os temas da Sucessão na Agricultura Familiar, Formação de Lideranças e Motivação, por meio de palestras
a cargo de membros dos grupos Nepals 3 e Nemad4 da UFSM. Em um
segundo momento os jovens participantes, divididos em grupos, buscaram
responder sobre quais seriam os principais problemas enfrentados em seu
município e quais as possíveis soluções. Estes dados sistematizados acabaram por produzir um interessante painel das diferentes expectativas de cada
associação municipal.
Posteriormente, em seminário regional com a participação das juventudes rurais de todos os municípios, apresentou-se às autoridades presentes
e às lideranças da Arejur as expectativas de cada associação. Neste espaço,
uma contribuição importante foi a possibilidade de que cada juventude rural
conhecesse os problemas e expectativas das demais, criando um sentido
de unicidade a partir das diferenças. Isto serviu para reforçar ainda mais as
pautas a serem trabalhadas pela Arejur.
Entre as principais prioridades da juventude rural em âmbito regional destacam-se: a necessidade de disponibilização de sinal de Internet
e telefonia em todas as comunidades rurais; a instalação de uma escola
técnica; a criação de projetos de diversificação produtiva; a construção de
vias de escoamento de produção; investimento na área de lazer e esportes;
a garantia de comercialização em espaços institucionais como mercados
públicos e privados para os produtos da agricultura familiar; o incentivo
com verbas municipais para fortalecimento das associações da juventude
rural e promoção do desenvolvimento social e cultural; o agenciamento de
atividades culturais, sociais, recreativas e de desenvolvimento rural; criação
de Lei Municipal de Incentivo à Juventude Rural, entre outras demandas
mais específicas.
3
Núcleo Interdisciplinar em Extensão e Pesquisa sobre Alimentação e Sociedade.
4
Núcleo de Estudos sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
A Juventude Rural em Ação
181
ENTRE AS PRIORIDADES LOCAIS E O SONHO DA JUVENTUDE RURAL
Nesta seção trata-se de um dilema ambíguo, entre as expectativas e
sonhos da juventude rural (voltados ao rural ou fora dele) e as prioridades
locais de um rural em construção. Identifica-se que no momento em que
a juventude rural prospecta melhorias às comunidades em que vivem ou
transitam, por outro lado, anseiam por um futuro com projeções que envolvem atividades não agrícolas ou até mesmo aparecem suas idealizações em
projetos urbanos.
Aqui se lança a tese da desmistificação da projeção de um rural fixo,
de uma juventude que deveria visar estritamente a um futuro no campo,
construindo-se um cenário em que a juventude rural é protagonista não
só em espaços rurais, mas no cenário urbano e político. Propõe-se, então,
desbancar a noção da juventude rural tutelada, suplantando a proposição
positivista que vê as ambições dos jovens e o papel das políticas públicas
direcionadas a ações voltadas à questão produtiva. Ao negarmos tal entendimento, desnuda-se o fato da flagelação da família rural ao imputar-se uma
força de coação, um mote discursivo em torno de que o problema de sucessão
rural inviabilizaria a reprodução social da agricultura familiar.
Para esta linha de pensamento, alguns aspectos são evidenciados
neste segmento social coletivo. As prioridades da juventude rural em âmbito
regional equivalem a contemplar as ações em curto e médio prazos que
podem facilitar ou fornecer melhores oportunidades no meio rural. Nesse
sentido, as ações dependeriam da atuação da gestão pública e da articulação
política para oportunizar condições básicas que a juventude rural reivindica
nos espaços coletivos de base.
Como vimos anteriormente, as prioridades da juventude rural giram
em torno da situação coletiva vivenciada, tanto ligadas à questão da atividade agrícola quanto dos espaços de fortalecimento social coletivos. Essas
ações são consideradas requisitos fundamentais para elevar o índice de
desenvolvimento na região, bem como segurar o capital social dos jovens
neste espaço. Para tanto, transportam a histórica exclusão social e os problemas estruturais para a esfera pública, demandam como sujeitos protagonistas
da gestão pública eleita a responsabilidade de fornecer condições mínimas
para o desenvolvimento do mundo rural, tendo em vista que também
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elegem vereadores como representantes políticos da juventude rural. Cabe
destacar que nem tudo é consensual, existem disputas pelo poder simbólico
representativo, demarcação de espaços individuais e coletivos e também
interesses particulares em movimento, por isso construídos no contexto
ambíguo da participação da juventude rural.
A luta da juventude rural na Região Centro-Serra afirma-se, majoritariamente, no âmbito da persistência, da organização e da vontade, mais do
que nas formas consensuais de resolução dos problemas locais. Os líderes da
juventude rural são jovens mais experientes e articulados politicamente, em
especial com a finalidade coletiva de buscar legitimar o trabalho que vem
sendo construído nos pleitos locais e nas instâncias da sociedade. Calcada no
êxtase do reconhecimento e da participação social, a juventude rural clama
por intervenções mais enfáticas, mas também se contrapõe a projetos que
não estejam focados nas demandas historicamente defendidas coletivamente nos meandros de sua organização.
Conforme Stropasolas (2006), a juventude rural também tem reagido
com seu movimento migratório, pois nele se manifesta uma reação à degradação das condições de vida na sociedade rural. Para Sacco dos Anjos, Caldas
e Pollnow (2014), uma das explicações para este movimento migratório é
a possibilidade de poder ir para além das fronteiras, buscando ampliar os
horizontes sociais em que se fecha a agricultura e o mundo rural, os quais
até bem pouco tempo atrás, estavam circunscritos ao espaço local. Assim,
segundo Stropasolas (2006), a mobilização em diferentes espaços sociais
e a valorização pela sociedade de suas reivindicações dependerão de sua
habilidade em ganhar apoio fora de sua própria coletividade.
As expectativas referem-se ao plano individual e, ao mesmo tempo,
ao plano coletivo. Os sonhos da juventude rural evocam conquistas sociais
como a ascensão, seja como agricultor ou não, a sua qualificação profissional, a busca por atividades agrícolas ou não agrícolas que oportunizem que
a juventude possa reproduzir-se economicamente. O sonho, em geral, fica
no plano do inconsciente, mas se batalha para que ele ultrapasse a barreira
psíquica para a sua realização. Uma das demandas, de forma unânime e
aclamada, tem relação direta com a necessidade de valorização dos produtos
agrícolas e, consequentemente, do seu trabalho rural.
A Juventude Rural em Ação
183
A resolução dos problemas da juventude rural podem propiciar inúmeros benefícios à sociedade, consistindo na possibilidade de serem os principais protagonistas no processo de reversão da erosão social e cultural em
curso nas pequenas localidades, na dinamização e ampliação das oportunidades de emprego, educação e lazer, nas iniciativas de desenvolvimento que
visam à melhoria das condições de vida e na conquista de uma igualdade de
direitos entre os gêneros (Stropasolas, 2006).
A rede de associações, guiada pela Arejur, coloca a juventude rural
em sintonia com as propostas e as demandas de gênero e da agricultura familiar. Para canalizar as ações e reproduzir projetos voltados para a juventude
rural envolve-se, sobretudo, o esforço do Estado em assegurar recursos de
animação, capacitação e de estímulo para a juventude dar o pontapé inicial
em projetos que sejam protagonistas, além do plano do lazer e entretenimento. A oportunidade de desenvolver projetos atinentes ao desenvolvimento rural coloca o grupo social em evidência como responsáveis por
estimular o crescimento da região e o fortalecimento do rural.
Isso posto, a sucessão rural não será afetada simplesmente pelo abandono de um jovem rural ao projeto camponês, mas sua saída será requerida para participar como agente de desenvolvimento que pode promover a
sucessão e o desenvolvimento das unidades produtivas de toda a região.
Dessa forma, a saída do jovem do meio rural não deve ser vista como uma
aflição, mas como um exemplo de que a sua capacitação futura possa auxiliar muitos outros jovens a suceder seus pais, de forma que assim os frutos
positivos do esforço da juventude rural são vistos de outra perspectiva. A
juventude rural organizada com cunho social, educativo e produtivo tem
boas chances de tornar o rural, além de um espaço produtivo, um lugar
de referência por sua mobilização e seu capital social investido na Região
Centro-Serra.
O DESFECHO
O processo de construção social da juventude rural em ação desenrola-se pela trama destes atores rurais movidos pela ânsia de prospectar um
futuro mais promissor e digno, seja no espaço rural ou no urbano. O enredo
procrastina-se sobre a forma de adaptação da juventude rural a uma vida
184
E z e q u i e l R e d i n – V i l s o n F l o r e s d o s S a n t o s – Pa u l o R o b e r t o C a r d o s o d a S i l v e i r a
moderna, distanciando-se daquela caricatura estigmatizada de um recente
rural que sofre de resquícios cognitivos, ainda não completamente saneados.
Ao mobilizar a juventude do campo na dimensão política e social, dada a
legitimação pela sociedade local de um grupo organizado e reconhecido
em espaços da comunidade “adulta”, tenciona-se a sociedade a respeitar os
jovens rurais enquanto agentes protagonistas não, somente, do rural, mas
da sociedade regional como um todo.
A experiência social demonstra, antes de tudo, que a juventude rural
quando orientada para a ação política significa a mobilização de recursos
inativos no território até então. Desse modo, não apenas reproduzem culturalmente suas concepções e ideais transmitidos de geração em geração, mas
reinventam, a todo instante, novas estratégias que vão impactar tanto no seio
da família rural quanto na sociedade regional em questão. O desfecho dessa
trama tem apontado roteiros da mais completa imprevisibilidade, mas um
fato é certo: a juventude rural na região em análise não mais será como antes
e, como consequência, o rural também não será mais visto como já o foi.
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