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ISSN on-line: 1982-2014
Doi: 10.17058/signo.v42i75.11146
Recebido em 27 de Setembro de 2017
Aceito em 07 de Dezembro de 2017
Autor para contato: heronides@uol.com.br
Iconicidade e classes de palavras:
os ideofones na língua changana
Iconicity and parts of speech :
Changana´s ideophones
Heronides Moura
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Ezra Alberto Chambal Nhampoca
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Resumo: O presente artigo tem como objetivo investigar a classe de palavras e
1
função dos ideofones do changana, uma língua do grupo bantu , falada na África do
Sul, em Moçambique, na Suazilândia e no Zimbabwe. Ideofones são palavras que
descrevem eventos/ações/cenas com algum detalhe marcante. A análise é baseada
na teoria da Gramática de Construções Radical (CROFT, 2000; 2001). A hipótese
defendida neste artigo é a de que, na língua changana, os ideofones constituem uma
classe de palavras específica desta língua, e sua principal função é predicadora,
embora cumpra essa função de forma diferente dos verbos, que são os predicadores
prototípicos. Os ideofones são predicadores marcados, tanto no sentido de marcação
funcional, quanto no sentido de marcação tipológica.
Palavras-chave: Ideofones; Classe de Palavras; Gramática de Construções Radical.
Abstract: This paper intends to investigate the part of speech and function of
ideophones in Changana, a Bantu language, spoken in South Africa, Mozambique,
Swaziland and Zimbabwe. Ideophones are words that describe events/actions/scenes
which present a noticeable aspect. The analysis is based on Radical Construction
Grammar (CROFT, 2000; 2001). The hypothesis put forward in this paper is that
ideophones constitute a particular part of speech of Changana, whose function is
predicative, even if ideophones in Changana are not the prototypical predicates. The
verbs are the prototypical predicates in Changana. Ideophones are marked predicates,
both in the sense of functional markedness, and in the sense of typological
markedness.
Keywords: Ideophones; Parts of Speech; Radical Construction Grammar.
1
Mantivemos a grafia mais tradicional bantu, pois é a mais usada na literatura sobre o assunto.
Signo. Santa Cruz do Sul, v.42, n. 75, p. 48-58, set./dez. 2017.
A matéria publicada nesse periódico é licenciada sob forma de uma
Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/
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Moura, H.; Nhampoca, E. A. C.
classe gramatical à luz da Linguística Cognitiva, mais
1 Introdução
concretamente na teoria de Croft (2000; 2001).
O changana é uma língua bantu, falada em
Finalmente,
sustentamos
constituem
que
uma
os
ideofones
classe
do
quatro países na África, incluindo Moçambique, país
changana
no qual foram coletados os dados desta pesquisa.
específica. Defendemos
Este artigo aborda os ideofones, um conjunto de
palavras marcadas, envolvendo tanto a marcação
palavras geralmente pouco conhecidas. Os ideofones
tipológica, quanto a marcação funcional.
que os
gramatical
ideofones
são
foram definidos pela primeira vez por Doke (1935) 2 ,
mas a definição dada por este autor era um tanto
vaga,
e
um
dos
objetivos
deste
trabalho
2. O que são os ideofones?
é,
Nesta seção, vamos focar na caracterização e
justamente, buscar uma definição mais precisa dessa
definição dos ideofones da língua changana. O
classe de palavras.
O objetivo principal do trabalho é discutir a
changana (S53, na classificação de GUTHRIE, 1967)
classe de palavras constituída pelos ideofones na
é uma língua bantu. De acordo com (SITOE, 1996), o
língua changana, ou seja, analisar se os ideofones
changana pertence ao grupo Tswa-Ronga (S.50, na
são ou não uma categoria gramatical independente
classificação de Guthrie, 1967). Em Moçambique, o
nessa língua e, consequentemente, descrever a
changana é falado nas províncias de Maputo, Gaza,
função que nela desempenham. A nossa hipótese é
Inhambane e na zona meridional das províncias de
que os ideofones do changana constituem uma
Manica e Sofala. (SITOE; NGUNGA, 2000). Para este
classe
trabalho,
gramatical
específica
e
que
eles
tomamos
como
referência
a
variante
desempenham a função predicadora, assim como os
xidzonga da língua changana, uma vez que os dados
verbos, embora de uma maneira diferente, como
foram recolhidos num local em que esta variante
veremos. A fim de examinar a identidade categorial e
prevalece.
função dos ideofones no changana, recorremos à
Uma dificuldade básica na caracterização dos
teoria da Gramática de Construção Radical (CROFT,
ideofones é que este tipo de palavras não existe nas
2000; 2001).
línguas indo-europeias (MITI, 2006; LANGA, 2004).
Tentaremos
mostrar,
também,
que
os
Linguistas têm sido desafiados a apresentar uma
ideofones formam uma classe de palavras com base
definição
em uma motivação icônica. Os ideofones são uma
relacionadas à descrição de eventos (FERREIRA,
classe marcada, em relação aos verbos, e essa
2011). Como já vimos, foi Doke (1935) quem
iconicidade da marcação é tanto formal, quanto
primeiramente apresentou uma tentativa de definição
funcional.
dos ideofones. Ngunga (2004, p. 195) afirma que “em
Este trabalho foi motivado, inicialmente, pela
precisa
dessa
classe
de
palavras,
estudos anteriores a 1968, Doke (1931, 1935) incluía
dificuldade de se definir se os ideofones do changana
esta
categoria
de
palavras
no
grupo
das
constituem ou não uma classe gramatical específica.
onomatopeias”. Portanto, apesar de Doke (1935) ter
Este artigo é uma tentativa de responder a esta
introduzido o termo ideofone anteriormente, só a
pergunta e está estruturado da seguinte forma. Na
partir de 1968 é que se começa a considerá-los como
seção 2, é apresentado um quadro mais amplo sobre
uma categoria gramatical distinta das outras. Ainda
o funcionamento e definição dos ideofones. Na seção
sobre esta classe gramatical, Langa (2004, p. 59)
3, discute-se a classe de palavras a que pertencem
defende que Doke “nomeou-os de ideofones por se
os ideofones. Para isso, é apresentado o conceito de
ter apercebido que a terminologia que considera cinco
categorias lexicais principais a saber: “N(ome),
2
Doke (1935) definiu ideofone como sendo a associação entre
um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc. e a
consequente reação na mente do indivíduo.
V(erbo), ADJ(ectivo), ADV(érbio) e PREP(osição) não
cobre a semântica que estas palavras transportam”.
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Um caso de iconicidade em classes de palavras
Os ideofones são comumente definidos como
que a característica dos ideofones é que eles, ao
uma representação viva de uma ideia num som
contrário dos verbos, não caracterizam o evento com
(DOKE, 1935; NGUNGA, 2004). No entanto, esta
base em seus traços fundamentais, mas focam em
definição não é muito precisa e não ajuda muito na
elementos periféricos de uma cena verbal. E, ao
especificação da função desse tipo de palavra. SITOE
contrário dos advérbios, os ideofones não estão
(1996)
ancorados em um verbo, realizando eles mesmos a
defende
ainda
que
os
ideofones
se
caracterizam pelo seu alto grau de especificidade. Já
função predicadora.
BECK (2005) defende que ideofones são expressões
Além disso, os ideofones constituem uma
sinestésicas que se distinguem, como classe, por
classe iconicamente marcada em relação aos verbos.
meio de suas propriedades sintáticas, morfológicas e
Do ponto de vista da marcação funcional, os verbos
fonológicas; da tendência de ter uma função emotiva
funcionam como a forma não marcada, e os
e de estarem associados à fala e a registos
ideofones, como a forma marcada. Uma forma
dramáticos da fala.
marcada, do ponto de vista funcional, é usada em
Sitoe (2012) considera que os ideofones fazem
contextos mais restritos, ao passo que a forma não
parte de uma das principais classes de palavras no
marcada é usada em contextos mais amplos e não
changana. Ribeiro (2010) também alerta para o
específicos (AIKHENVALD, 2016). Os ideofones,
perigo de confundir estes com as onomatopeias. O
justamente, são usados, na língua changana, em
autor
situações bem específicas, quando se quer ressaltar
afirma
que
os
ideofones
podem
ser
semelhantes às onomatopeias no impulso e na
algum detalhe não central do evento referido.
emoção, mas diferem das onomatopeias pelo papel
Para melhor situar o leitor, apresentamos os
que desempenham na linguagem e na gramática. A
exemplos abaixo, com os ideofones -cambùcambù, -
onomatopeia limita-se a imitar sons, enquanto que o
gìdìgìdì e –pshandlà, comparando-os com os verbos
ideofone, para além da imitação de sons, pode ainda
mais ou menos equivalentes na língua changana.
expressar
estados,
Chamamos atenção para o fato de nas glosas, o
fenômenos da natureza, quietude, silêncio, etc.
material linguístico que se encontra entre parênteses
(RIBEIRO, 2010). Ribeiro (2010, p.129) acrescenta
dizer respeito a ambos, o ideofone e o verbo,
que “é difícil sintetizar e classificar o sentido destas
enquanto o que se encontra entre parênteses
palavras, tão largo é o seu campo”. Ribeiro chega a
angulados é referente apenas ao ideofone e é este
afirmar que toda noção verbal, na língua changana,
material que fornece os insights para distinguir os
pode ser também expressa por um ideofone. Por esta
ideofones dos verbos. Por exemplo, a informação de
razão, Ribeiro (2010) considera que os ideofones
que o deslocamento é feito com movimentos bruscos
constituem
sem
e intensos está contida no significado do ideofone
correspondente nas gramáticas europeias; estas
cambùcambù, mas não no significado do verbo –
palavras já foram, equivocadamente, classificadas de
cambula.
ações,
uma
modos,
classe
qualidades,
de
palavras
advérbios, interjeições, onomatopeias, substantivos
onomatopaicos, raízes primitivas, etc. (TORREND,
(s.d); JUNOD, (s.d) apud RIBEIRO, 2010, p 129).
As definições até aqui apresentadas foram e
continuam sendo relevantes para o estudo dos
ideofones. Contudo, pensamos que elas são muito
gerais e não distinguem claramente os ideofones de
outras classes de palavras, em especial os verbos e
advérbios. Assim como os verbos e advérbios, os
ideofones predicam sobre eventos. Argumentamos
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Moura, H.; Nhampoca, E. A.
morfema a- funciona como marca do sujeito Zavala
Quadro 1
(de 3ª pessoa). Portanto, na forma ate temos a
Ideofone
Verbo
-cambùcambù id. de
caminhar
ou
correr
nu/pelado, como veio ao
mundo (o indivíduo do
sexo masculino). [COM
MOVIMENTOS
BRUSCOS
E
INTENSOS]
-cambula
v.i.
caminhar ou correr
pelado, como veio ao
mundo (o indivíduo do
sexo masculino).
indicação da marca do sujeito e o tempo passado. O
verbo defectivo, assim designado na terminologia
bantu, é uma espécie de verbo dicendi que tem a
mera função de situar no tempo e aspectualmente a
ação/estado descrito pelo ideofone, agregando todos
os morfemas que seriam aglutinados ao verbo se a
predicação se desse por meio de um. Portanto, o
verbo defectivo agrega todos os morfemas que
indicam tempo, aspecto, número, pessoa.
No changana, esses morfemas se aglutinam
Ideofone
ao verbo (esta é mais uma diferença entre verbos e
(1a) Zavala ate cambùcambù ndleleni!
Zavala
a-te
Cambùcambù
13.
ID6
Zavala
4
5
MS 1VDef .
=
ndlele-ni!
de 9.rua-
caminhar/corre
7
LOC
r nu
ideofones). Uma vez que o ideofone não aglutina
esses morfemas, eles se agregam ao verbo defectivo,
como em “Zavala ate cambùcambù ndleleni!”, em que
o morfema que indica pessoa, número, a- está
agregado ao verbo defectivo –te e não ao ideofone,
contrariamente ao que ocorre em (1b), onde o
morfema a- (marca de sujeito) e o morfema –e, marca
’O Zavala caminhou nu, com movimentos
de passado, aglutinam-se ao verbo –cambul-. O
verbo defectivo, na sua estrutura semântica, só tem
intensos e bruscos, na rua!’
Verbo
traços temporais e aspectuais. Não se consegue
(1b) Zavala acambule ndleleni!
descrever nada com estes verbos; a função deles é a
de introduzirem os ideofones e/ou os discursos direto
Zavala
1. Zavala
a-cambul-e
ndlele-ni!
9
MS1-
9 .rua- LOC.
8
5 .caminhar/correr
nu-Passado
’O Zavala caminhou nu na rua!’
Nos exemplos em (1a), temos um agente, a
entidade que caminha, (Zavala), temos o verbo
defectivo (-te), que também marca o tempo passado e
que se torna (ate) ao agregar o morfema a-. O
3
Todos os números representam a classe nominal a que o
elemento pertence. No caso, a classe nominal é a 1.
4
MS= Marca de sujeito.
5
VDef=Verbo defectivo.
6
ID= Ideofone.
7
LOC=Locativo.
8
Classe 15 no changana.
9
Classe 9 no changana.
e indireto.
O
ideofone
cambùcambù
descrito
acima
significa caminhar/correr nu, mas não abrange
alguém do sexo feminino, aplicando-se apenas ao
homem. O verbo cambula também tem o significado
de caminhar/correr nu, porém, o ideofone exprime
isso de forma mais intensa e icônica e mais
expressiva, daí que entendemos que a tradução não
pode ser a mesma quando, por um lado se trata do
ideofone e de outro lado, quando se trata de um
verbo.
O nosso ponto, portanto, é que, formalmente,
ideofones e verbos são classes distintas. Do ponto de
vista semântico, ambas as classes servem para
predicar sobre eventos, mas o fazem de maneira
distinta:
os
verbos,
correspondendo
à
forma
funcionalmente não marcada, indicam eventos mais
genéricos,
ao
passo
que
os
ideofones,
correspondendo à forma funcionalmente marcada,
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Um caso de iconicidade em classes de palavras
5258
indicam eventos com algum detalhe bem específico
(no caso, a brusquidão e intensidade do movimento).
A seguir, damos o exemplo do ideofone
‘Os bois movimentaram-se em massa para o rio’.
Tihomu
ti-gidike
ti-ya
combe-ni
MS10 bois
MS10-15.
MS10-15.
5.rio-LOC
movimenta
ir
gìdìgìdì:
Quadro 2
Ideofone
-gìdìgìdì
id.
de
movimentar-se
em
massa
[e
IMPETUOSAMENTE]
(diz-se
de
alguns
animais e de pessoas).
Verbo
-gìdìkà v.i. movimentar-se
em massa (diz-se de
alguns animais e de
pessoas).
r-se
em
massa
Em (2a), temos o verbo defectivo (-te) que se
torna (tite) ao agregar o morfema ti- que funciona
como marca, de 3ª pessoa, do sujeito tihomu (´bois´).
No exemplo em (2b), temos um agente, que é a
Ideofone
entidade que se movimenta em massa (tihomu –
(2a) Tihomu tite gìdìgìdì tiya combeni 10.
Tihomu
ti-te
gìdìgìdì
tiya
‘bois’) e o verbo gìdìkà, que, ao se combinar com o
comb
e-ni
morfema ti- (marca de 3ª pessoa), dá a forma tigidike.
Assim, do ponto de vista semântico, se
comparamos os exemplos 2a e 2b, vemos que a
situação indicada pelo verbo é mais normal e
MS1011
MS10-
ID=
bois
Vdef.
movimen
de MS10.15.ir
5.rioLOC
tar-se
em
corriqueira, ao passo que a situação indicada pelo
ideofone
apresenta
uma
característica
mais
específica e mais notável, correspondendo, assim, à
forma marcada, do ponto de vista funcional.
Na sequência, apresentamos o ideofone –
pshandlà:
‘Os bois movimentaram-se em massa e
(impetuosamente) para o rio’.
Verbo
(2b) Tihomu tigidike tiya combeni.
10
Sobre o plural “bois”, observamos que no changana a maior
parte das classes nominais funciona aos pares e no par 9-10, 9
é o singular e o 10 plural. As classes são:
1-2
3-4
5-6
7-8
9-10
11-10 (onze faz plural com 10, também)
14 (não tem plural, é a classe dos nomes abstratos)
15 não tem plural (classe dos verbos)
16, 17 e 18 (são as classes locativas)
21 (sem plural, classe dos aumentativos pejorativos).
11
Quadro 3.
Ideofone
-pshandlà id. 1. de cair e
se esborrachar, rebentarse [COMPLETAMENTE]
(p. e., frutos maduros e
coisas
empapadas,
geralmente
em
superfícies sólidas); 2. de
(fazer)
rebentar
[COMPLETAMENTE]
(por
exemplo,
frutos
maduros
e
coisas
empapadas, geralmente
em superfícies sólidas).
Verbo
-pshandaka/pshandlasa v.i.&t. 1. de
esborrachar-se,
rebentar-se (p. e., frutos
maduros
e
coisas
empapadas, geralmente
em superfícies sólidas);
2. de (fazer) rebentar (por
exemplo, frutos maduros
e coisas empapadas,
geralmente
em
superfícies sólidas).
Ideofone
(3a) Payipayi rite pshandlà!
Classe 10 no changana.
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Moura, H.; Nhampoca, E. A.
Payipayi
ri-te
pshandlà!
intenso e completo: 3a indica um subconjunto mais
específico da situação mais geral descrita em 3b.
512. Mamão
"O
mamão
MS5-
ID = de cair e se
3 A abordagem da Linguística Cognitiva na
VDef.
esborrachar
definição de classe de palavras: o modelo da
completamente
Gramática de Construções Radical
(maduro)
caiu
e
se
esborrachou
De acordo com Silva e Batoréo (2010), a
distinção mais essencial que a maioria das línguas
completamente!"
codifica é a que opõe nomes e verbos. Os autores
pontuam que isto reflete uma divisão conceptual do
Verbo
mundo que os falantes fazem, a qual consiste na
(3b) Payipayi ripshandlàkile!
distinção entre entidades e relações. Para Silva e
Batoréo (2010, p. 235), ‟nomes perfilam ‘coisas’ ou
Payipayi
Ri-pshandlàk-ile
regiões num determinado domínio e as restantes
categorias
gramaticais
perfilam
‘relações
ou
interconexões entre coisas”. Este posicionamento
5. mamão
MS5- 15. cair e se
esborrachar- Passado
explica por que motivo os nomes são tidos como a
categoria básica nas línguas (AITCHISON, 1996).
Aitchison (1996) atesta que os nomes nas
línguas
do
mundo
gozam
de
primazia
e
a
‘nomenclatura’ é a principal evidência disso. Esse
"O mamão (maduro) caiu e se esborrachou!"
autor afirma que a primazia dos nomes nas línguas,
provavelmente,
terá
causado
a
explosão
na
O ideofone pshandlà indica tanto a intensidade
nomeação das coisas (naming insight) e, os nomes
da ação, quanto a sua completude (o mamão se
das coisas devem ter produzido outro tipo de palavras
esborrachou totalmente no chão), porém, não se trata
logo no início da evolução da linguagem, sobretudo
de um advérbio de modo, pois o próprio ideofone
verbos. O estatuto básico dos nomes é suportado por
cumpre a função predicadora e a modificadora, ao
outras evidências, como, por exemplo, no fato de, na
mesmo tempo. Ou seja, o ideofone marca um evento
maioria das línguas, normalmente ser mais fácil
com características mais típicas, mas cumpre a
transformar um substantivo em um verbo e não o
mesma função predicadora de um verbo.
contrário
Note-se que, nas sentenças com ideofones,
Aitchison (1996) argumenta também que a
não é necessária a ocorrência dos verbos que
maior parte das línguas do mundo possui mais nomes
exprimem ações que tradicionalmente são descritas
que verbos. Em inglês, por exemplo, o número de
por verbos. Os ideofones, por si só, desempenham a
nomes é aproximadamente três vezes maior que o
função predicadora e tornam as sentenças com
dos verbos. Este fato explica o fato de os verbos
ideofones sinônimas das que ocorrem com verbos,
serem mais polissêmicos que os nomes. Em geral, os
em termos de condições de verdade. Ou seja, os
verbos
exemplos 3a e 3b indicam, ambos, uma situação em
significados, enquanto que a maioria dos nomes
que o mamão se esborrachou no chão, mas o
possui até cerca de dois significados apenas
ideofone marca que o evento em 3a foi muito mais
(AITCHISON, 1996).
apresentam
aproximadamente
três
Nomes e verbos provavelmente constituam a
12
Classe 5 no changana.
primeira gramática, ou seja, o mínimo essencial para
Signo [ISSN 1982-2014]. Santa Cruz do Sul, v. 42, n. 75, p. 48-58, set./dez. 2017.
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Um caso de iconicidade em classes de palavras
a gramática de uma língua. Existem diferentes
ocorrer ou funcionar como de outra(s) classes.
modelos cognitivos de gramática (SILVA; BATORÉO,
Vejamos um exemplo do adjetivo certo:
2010). Os autores destacam três: a Gramática
Cognitiva de Langacker (1987, 2008); a Gramática de
(4) a) O certo é escolher um dia próximo para
a defesa.
Construções inspirada em trabalhos de Fillmore
b) Ele escolheu o dia certo para a defesa.
(1988) e desenvolvida por Goldberg (1995) e a
c) Ele falou certo na hora certa.
Gramática de Construções Radical de Croft (2000,
Como se pode verificar, apesar de haver
2001).
Na visão cognitiva da gramática, esta é um
consenso de que certo é um adjetivo, apenas na frase
sistema de estruturação conceptual, envolvendo não
(4b) é que esta palavra desempenha, de fato, essa
só
as
função. Em (4a) ocorre como nome, e em (4c) como
capacidades cognitivas, tais como a percepção, a
advérbio. Por esta razão, como pontua Croft (2000), a
atenção, a categorização, a memória, o conhecimento
análise nocional tem sido rejeitada, pois não dá conta
do mundo, remetendo, deste modo uma semântica
do caráter dinâmico e multifuncional das palavras das
enciclopédica (SILVA; BATORÉO, 2010, p. 230).
línguas.
capacidades
linguísticas,
mas
também
de
Croft (2001, p. 64) afirma que a maioria das
Construção Radical (CROFT, 2000; 2001), pois esta
teorias sintáticas recorre a duas características
oferece
a
binárias, [± N] e [± V], para definir nomes, verbos,
descrição de classes gramaticais identificáveis em
adjetivos e preposição. Este tipo de análise se destina
línguas específicas, como é o caso dos ideofones, na
a captar elementos de semelhança e de diferença no
língua changana.
comportamento sintático destas partes do discurso.
Neste
artigo,
um
vamos
focar
instrumental
na
Gramática
interessante
para
De acordo com Croft (2001), a Gramática de
Contudo, os proponentes desse tipo de análise não
Construções Radical fundamenta-se nos seguintes
deixam claro em que teoria se baseiam para definir as
princípios: 1) as classes gramaticais não devem ser
quatros categorias como tal.
consideradas
como
primitivos,
construções
específicas
construções
são
mas
sim
como
No caso específico da teoria gerativa, a
2)
as
maioria dos esforços, segundo Croft (2001, p. 64) tem
primitivas
de
sido no sentido de identificar padrões sintáticos das
representação sintática; 3) não existem relações
principais classes de palavras e, mais recentemente,
sintáticas independentes da construção e 4) as
de partes menores também, como afixos flexionais,
construções são específicas de cada língua e não
por exemplo. No entanto, não são fornecidos critérios
universais. Com base nestes princípios, pode-se fazer
que permitam distinguir as classes de palavras em
a descrição de classes gramaticais internamente a
uma língua particular, pois se assume que as
uma dada língua. É o que propomos para a categoria
características binárias [±N] e [± V] são intrínsecas a
gramatical e também para a função dos ideofones do
todas as línguas. Essa metodologia termina não
changana.
oferecendo
Croft
as
nas
línguas;
unidades
(2000) faz uma breve análise da
classificação tradicional de classes de palavras,
uma
heurística
satisfatória
para
a
descrição das classes de palavras existentes nas
línguas específicas.
baseada em uma definição nocional, segundo a qual
Essa falta de critérios para identificação das
substantivos denotam pessoas, lugares ou coisas;
classes de palavras é um problema comum na
adjetivos denotam propriedades/qualidades e verbos
descrição sintática. Como diz Langacker (1987, p. 2),
denotam ações/eventos. Croft (2000) reafirma que
“Todo linguista se apoia nestes conceitos, mas
esta definição baseada na classe semântica dos itens
poucos linguistas ou talvez nenhum esteja preparado
lexicais é insuficiente e inadequada, pois na verdade,
palavras de uma classe semântica qualquer podem
Signo [ISSN 1982-2014]. Santa Cruz do Sul, v. 42, n. 75, p. 48-58, set./dez. 2017.
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55
Moura, H.; Nhampoca, E. A.
para defini-los de forma adequada, explícita e
13
encontrada em inglês ou qualquer outra língua
particular” (CROFT, 2000, p. 88). Portanto, categorias
esclarecedora".
Croft (2001) coloca a questão da seguinte
conceptuais
são
universais
e
não
marcadas,
forma: como sabemos que uma dada categoria
enquanto categorias gramaticais são definidas pelas
gramatical
línguas particulares.
numa
língua
exótica
x
corresponde
Nessa linha de pensamento, Croft (2001)
efetivamente à categoria nome, verbo, etc., nas
línguas
europeias?
Consideramos
esta
questão
argumenta que nas línguas há correlações não
fundamental para o tratamento dos ideofones do
marcadas
changana, pois apesar de não considerarmos o
semântico-lexical (Nome – refere-se a objetos;
changana uma língua exótica, ela é uma língua pouco
Adjetivo - modificação de propriedades e Verbo –
conhecida universalmente. Sendo assim, o que se
predicação de ações), no entanto, qualquer outra
verifica, frequentemente, é uma tentativa de encaixar
combinação
os ideofones em classes (tais como verbos ou
semântico-lexical
advérbios) já definidas na maioria das línguas mais
anteriormente, é marcada. Essas combinações não
estudadas.
marcadas são categorias conceituais. O fato de que
Croft (2000, p. 83) afirma que para uma
14
de
função
de
pragmática
função
que
e
pragmática
não
seja
a
de
e
classe
classe
explicada
as combinações acima são não marcadas e as outras
é
possíveis combinações são marcadas conduz-nos a
preciso: 1) Estabelecer critérios claros para a
uma hipótese sobre um padrão de variação dessas
distinção de classes e subclasses de palavras; 2)
categorias conceituais e como são codificadas em
Encontrar
línguas particulares.
definição adequada das classes de palavras
critérios
interlinguísticos
para
definir
classes universais e 3) Reconhecer que as fronteiras
As especificidades das construções nesta
entre as classes de palavras são próprias de cada
teoria abrangem construções que têm as seguintes
língua.
funções
nas
línguas:
predicação,
referência
e
Croft (2000) funde as noções funcionais e
modificação. Estas três funções pragmáticas são, de
formais das classes de palavras, ao recorrer à noção
fato, a base para a distinção das três tradicionais e
de universais tipológicos, baseados no conceito de
principais categorias de palavras: Nome, Verbo e
marcação tipológica. Para o autor, a marcação
Adjetivo. Para Croft (2001), esta constatação seria o
tipológica
primeiro passo para a identificação das ‘grandes’
difere
do
princípio
de
marcação
desenvolvido na Escola de Praga (CROFT, 2001, p.
partes do discurso em oposição com as ‘menores’.
89). A diferença é que a marcação tipológica é uma
Nesta abordagem, reconhece-se a existência
propriedade universal de uma categoria conceitual e
de universais semânticos e não formais, mas também
não uma categoria gramatical específica de uma
se tem em conta que há fatores linguísticos
língua particular, como ocorre na teoria da marcação
particulares das línguas. Assim, Croft (2001) põe em
desenvolvida
autor
causa a questão dos universais linguísticos absolutos
exemplifica: “quando se afirma que o singular é
e afirma que as classes gramaticais são construções
tipicamente não marcado, uma hipótese está sendo
específicas das línguas. Por exemplo, ele considera
apresentada sobre a forma como a categoria
que as categorias substantivo, verbo e adjetivo,
conceitual singular está codificada nas línguas do
consideradas
mundo, e não a categoria gramatical singular
linguísticos, são universais tipológicos, isto é, estas
13
pela
escola
de
Praga.
O
tradicionalmente
como
universais
categorias apresentam apenas padrões sistemáticos
Tradução dos autores. O original é “Every linguist relies on
these concepts but few if any are prepared to define them in an
adequate, explicit and revealing way" (LANGACKER ,1987, p.
2).
14
Em língua inglesa, utiliza-se comumente o termo “parts of
speech” (partes da fala) para designar as classes de palavras,
que é o termo que estamos usando neste trabalho.
de variação nas línguas do mundo, uma vez que, na
teoria
tipológica,
não
se
pode
prever
o
seu
comportamento exato em línguas individuais e em
vez de ‟forçar” o encaixe uniforme em todas as
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Um caso de iconicidade em classes de palavras
línguas do mundo, prevê-se que cada língua se
Os ideofones na língua changana, apesar de
encaixe em algum lugar da variação do padrão
serem marcados, tanto morfologicamente, quanto
permitido pela teoria da marcação tipológica.
funcionalmente (pois se referem a eventos muito
Com isso, Croft (2001) conclui que categorias
gramaticais
definidas
são
pelas
de
línguas
específicas,
construções
dessas
sendo
línguas.
específicos), atuam como predicadores, sem a
necessidade de qualquer ancoragem em um verbo.
Retomamos, para exemplificação, a frase (3a):
Universais linguísticos não são um modelo de
3a) Payipayi
ri-te
pshandlà
estrutura gramatical, mas sim padrões sistemáticos
5. mamão
de variação. Croft (2001) argumenta que as partes do
esborrachar
discurso devem ser identificadas como protótipos
´O mamão (maduro) caiu e se esborrachou
funcionais, ou seja, deve-se identificar qual é a função
completamente!´
MS5-VDef.
ID = de cair e se
de uma dada palavra ou conjunto de palavras na
O
língua.
ideofone,
em
(3a),
funciona
como
Os termos substantivo, verbo e adjetivo não
predicador, embora de uma forma marcada (ocorre
descrevem categorias gramaticais de uma língua
com um verbo defectivo que situa o ideofone temporal
particular,
e aspectualmente). Obedece-se, assim, ao princípio
mas
sim,
protótipos
funcionais.
Um
protótipo descreve o núcleo de uma categoria e não o
de codificação estrutural (CROFT, 2001, p. 90):
limite dessa categoria. A estrutura prototípica de uma
Codificação estrutural: Se uma língua codifica
um membro tipologicamente não marcado de
uma categoria gramatical por meio de n
morfemas (n ≥ 0), então ela codifica um
membro tipologicamente marcado daquela
categoria por meio de ao menos n morfemas.
categoria é fornecida por uma teoria universal,
enquanto que seus limites são fornecidos pela
gramática particular da língua.
Com base nesta teoria, verificamos que os
ideofones do changana se encaixam num padrão de
variação correspondente à predicação. Os ideofones
correspondem a um predicador marcado, ou seja, a
categoria conceitual predicação, nessa língua, é
realizada por duas classes semânticas, a saber: i)
elementos não marcados, que são os verbos e ii) os
elementos marcados, que são os ideofones. Os
ideofones correspondem a uma variação tipológica
dos predicadores, não correspondendo à predicação
prototípica.
No changana, os verbos são os predicadores
prototípicos, o que está de acordo com o princípio da
marcação tipológica: ‟nomes, ad jetivos e verbos são
emparelhamentos prototípicos de respectivamente,
referência/objeto,
modificação/propriedade
e
predicação/ação” (SILVA; BATORÉO, 2010, p. 236).
O ideofone se enquadra no espaço bidimensional que
combina a classe semântica ações e a função
discursiva de predicador. Em suma, nossa hipótese é
que, na língua changana, os verbos são os
predicadores
prototípicos
predicadores marcados.
e
os
ideofones,
Ou seja, o acréscimo obrigatório do verbo
defectivo ao ideofone indica que ele é um membro
marcado da categoria de predicadores do changana.
Verifica-se também que, na frase (3a), não é
necessária a ocorrência dos verbos que exprimem a
ação de esborrachar(se). O ideofone, por si só,
desempenha a função predicadora. A única diferença
em relação ao verbo, de natureza pragmática e
conceitual, é que o ideofone explicita uma situação
atípica, em que se ressalta algum aspecto não central
da cena verbal. No caso, o aspecto não central da
cena é a forma extrema e completa da ação verbal
referida. Ou seja, as frases que ocorrem com
ideofones são sinônimas das que ocorrem com
verbos (aceitando que sinônimos são itens lexicais
cujos sentidos são semelhantes no que diz respeito
aos traços semânticos “centrais”, ou seja, traços
dados pelo predicador básico – não marcado (verbo),
mas que podem diferir nos seus traços “periféricos”,
ou seja, traços dados pelo predicador não básico, ou
seja, os ideofones).
Para os falantes do changana, haverá uma
diferença
de
interpretação,
pois
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os
ideofones
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Moura, H.; Nhampoca, E. A.
(predicadores não prototípicos) acrescentam nuances
(como a predicação), que são universais. Assim,
“periféricas”
diferentes construções (nas diferentes línguas) se
ao
sentido
“central”
dos
verbos
(predicadores prototípicos). As nuances periféricas
organizam
aqui referidas resumem-se ao fato de o ideofone
proposicionais (predicação, referência e modificação),
destacar um elemento não central de um frame, com
que
destaque para algum elemento da cena, que o verbo
Caracteristicamente,
não destacaria. O ideofone acrescenta, ao sentido
representadas
básico dado pelo verbo, nuances que envolvem
respectivamente.
intensidade e expressividade, as quais são agregadas
ao significado proposicional (dado pelo verbo).
em
são
torno
universais
por
das
funções
de
(CROFT,
2001,
essas
funções
verbos,
nomes
atos
p.
e
87).
são
adjetivos,
No changana, os verbos são a classe de
palavras
prototipicamente
associada
à
função
predicativa, em conformidade com a teoria dos
universais descrita acima. No entanto, além dos
4 Conclusão
verbos,
Como
visto,
os
ideofones
do
changana
desempenham a função predicadora: predicam ações
há
outra
classe
de
predicadores,
no
changana. Essa classe é a dos ideofones.
A
teoria da Gramática das
Construções
de entidades. Os ideofones constituem uma classe de
Radical prevê que sempre que uma classe distinta
palavras particular da língua changana. De fato, na
dos verbos assume a função predicativa, então essa
perspectiva da Gramática de Construções Radical,
classe será marcada, em relação aos verbos. Esse é
toda categoria gramatical é irredutivelmente particular
o princípio da marcação tipológica. E é isso que de
a uma língua, pois toda categoria gramatical deriva de
fato acontece, no changana.
construções, que se caracterizam pelo particularismo
Além
disso,
essa
marcação
é
também
funcional, pois os eventos predicados pelos ideofones
(CROFT, 2001, p. 86).
Se se assume uma segmentação extremada
dos particularismos linguísticos, a consequência é
são muito mais específicos que os eventos indicados
pelos verbos com os quais os ideofones contrastam.
que não seria possível construir qualquer tipologia
Assim, não parece haver uma contradição
linguística e que, em especial, não faria sentido falar
entre marcação tipológica e marcação funcional, no
em classes de palavras de caráter universal, pois “as
caso dos ideofones, ao contrário da oposição feita por
línguas podem diferir entre si de maneira ilimitada e
Croft (2001, p. 89) entre os dois tipos de marcação.
imprevisível”15.
das
De fato, a marcação funcional parece ser a motivação
Construções Radical (apesar do radical do nome) se
icônica por trás da constituição da classe dos
opõe
ideofones.
a
No
esse
entanto,
relativismo
a
Gramática
linguístico
extremo,
característico do estruturalismo americano (MOURA;
A
função
predicadora,
no
changana,
é
das
prototipicamente desempenhada pelos verbos e os
Construções Radical assume universais linguísticos
ideofones seriam predicadores não prototípicos,
de natureza implicacional, tais como: eventos tendem
usados geralmente para situações específicas de
a ser representados pela classe semântico-lexical dos
comunicação. Por essa razão, na literatura tradicional
verbos, que são as formas não marcadas da função
sobre o tema, atribui-se aos ideofones a característica
predicativa. Logo, o vínculo entre classes de palavras
de serem expressões sinestésicas que apresentam
universais (como os verbos) se dá entre as
uma tendência de ter uma função emotiva/expressiva
construções (específicas de uma língua) e as funções
e de estarem associados à fala e a registos
CAMBRUSSI,
no
prelo).
A
Gramática
dramáticos da fala, assim como uma representação
15
Tradução dos autores. O original é: “languages could differ
from each other without limit and in unpredicatable ways”
(JOOS, 1957, p. 96).
viva de uma ideia, num som (KIMENYI, [s.d]).
Estamos cientes de que nessa língua os
verbos é que são predicadores prototípicos, mas
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Um caso de iconicidade em classes de palavras
como defende Ferrari (2014, p. 70), ‟todos os
membros de uma classe compartilham propriedades
semânticas fundamentais, e seus polos semânticos
instanciam um esquema abstrato único”. Nesse caso,
verbos e ideofones compartilham um esquema
abstrato único, mas, por outro lado, contrastam pela
especificidade expressiva dos ideofones.
58
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Signo [ISSN 1982-2014]. Santa Cruz do Sul, v. 42, n. 75, p. 48-58, set./dez. 2017.
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