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Do Novo ao Novo Cinema: um país em dois momentos

2009, Do Novo ao Novo Cinema Argentino: pizza, birra, cinema

Notes on "Nuevo Cine Argentino", the set of films of the 1960s and 1990s, both receive the same terminology in the history of Argentine cinema.

Do novo ao novo Cinema Argentino Birra, Crise e Poesia São Paulo : 19 de agosto a 06 de setembro Brasília : 08 de setembro a 27 de setembro Rio de Janeiro : 15 de setembro a 04 de outubro Curadoria: Fabián Nuñez e Priscila Miranda Copyright © Priscila de Miranda do Rosário e Fabián Nunez Ilustração Capa: Carcará Fotos: Edição de Arte: SeeDesign Marcos Gomes Marcelo Tristão CtP, Impressão e Acabamento: Zit Gráfica e Editora Ltda 1ª edição - Agosto 2009 de Miranda do Rosário, Priscila Do Novo ao Novo Cinema Argentina: Pizza, Birra e Poesia Priscila de Miranda do Rosário e Fabián Nunez Associação dos Amigos do Centro Cultural Banco do Brasil, 2009 132 p. - 20 cm. ISBN 978859825130-1 1. Cinema. 2. Cinema Latino-Americano. 3. Cinema Argentino. 4. Catálogo de Filmes. I. Do Novo ao Novo Cinema Argentino. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Todos os Direitos Reservados Do novo ao novo Cinema Argentino - Birra, Crise e Poesia MOSTRA CINEMA ARGENTINO Do Novo ao Novo Cinema: um país em dois momentos por Fabián Núñez1 9 A historiografia do cinema argentino possui uma interessante curiosidade: o termo “ NUEvo CINE arGENTINO” (NCA) se refere tanto à renovação sofrida no começo dos anos 1960 quanto à virada dos anos 1990 aos 2000 . Poderíamos acrescentar nessa lista um terceiro período, que alguns (poucos) estudiosos também chamam de “ NUEvo CINE arGENtINO”: a produção dos anos 1980, com a redemocratização . No entanto, a expressão é mais corrente para designar os supracitados períodos, ou seja, a década de 1960 e o momento contemporâneo . Essa homonímia foi alvo de críticas, visando dissipar confusões . Por outro lado, essa coincidência terminológica pode abrir espaço para uma análise comparativa, não apenas por questões historiográficas, mas também de ordem estética, política e simbólica . A ideia da mostra “ Do Novo ao Novo Cinema: Crise, Birra e Poesia” é seguir a trilha aberta por essa coincidência terminológica, mas visando ultrapassá- la . Ou seja, não se reter ao âmbito meramente pitoresco, inerente a qualquer casualidade, mas lançar uma reflexão sobre as transformações sofridas pela cinematografia argentina nesses dois períodos . Trata- se da irrupção de duas gerações de jovens cineastas que buscaram, conscientemente ou não, mudar o então cenário estético do cinema argentino . Podemos ver um conjunto de filmes que compartilha uma coerência estética e/ ou ideológica, apesar das diferenças singulares de cada cineasta . Portanto, independente de os realizadores, de ambos os períodos, se virem ou não como integrantes de um movimento ou de um grupo, podemos aproximar as suas respectivas obras, encontrando semelhanças . Mas, que relações podemos estabelecer entre os filmes dos anos 1960 e os dos anos 1990/ 2000? Que herança o Nuevo C INE contemporâneo possui do Nuevo C INE anterior? A geração atual mantém algum diálogo com os seus predecessores e vice- versa? Por sua vez, a geração do primeiro Nuevo C INE tinha algum diálogo com os cineastas antecessores? Não podemos deixar de sublinhar que o termo “ NUEvo CINE ” (“cinema novo”) subentende a diferença com um cinema anterior, entendido como “antigo” ou “c lássico” . Na virada dos anos 1950 aos 1960, surge no panorama cinematográfico uma renovação ao longo do mundo, adquirindo a denominação de “c inemas novos” , “c inemas jovens” ou, em um termo mais geral, “c inema moderno” . São um tanto controversas essas denominações, sobretudo a última, mas o relevante é a noção, percebida durante o aparecimento desses filmes, de que a arte cinematográfica estava em transformação . O surgimento de novas tecnologias (câmeras mais leves, películas mais sensíveis, gravação em som direto) se entrelaça com novas sensibilidades estéticas e novos princípios ideológicos . O Neorrealismo italiano havia conclamado os cineastas a abandonarem os estúdios e irem ao encontro da realidade, ao burburinho das ruas e ao lirismo do cotidiano . Para nós, de países periféricos, a proposta neorrealista nos ensinou, sobretudo, duas grandes lições: não é necessária uma gigantesca infraestrutura para se fazer cinema, segundo os moldes hollywoodianos, e a importância de retratar (e discutir) as mazelas da realidade, reservando à atividade cinematográfica um forte papel social e político . Os jovens cineastas dos anos 1960 se encontram em um mundo em transformação . Na Argentina, a queda do peronismo, em 1955, provoca um abrupto e traumático corte em um projeto de nação, em nome das massas traba- 10 lhadoras . O não menos conturbado governo Frondizi estabelece uma proposta de progresso e conciliação política, novamente rompida pelos setores conservadores da sociedade . Fora das fronteiras nacionais, um mundo em ebulição: o aparecimento de novos países, oriundos do fim do colonialismo, que ainda se mantém, a custo de sangue, em regiões africanas; a Revolução Cubana abala mentes e corações; a luta pelos direitos civis exibe as feridas da nação estadunidense que, por sua vez, se vê cada vez mais atolada em uma guerra em um longínquo país asiático, que já havia derrotado invasores japoneses e franceses; o Muro de Berlim é erguido, dividindo o mundo em dois . Ora, os jovens cineastas dos anos 1990 não testemunham também fortes mudanças? No âmbito tecnológico, o cinema se vê às voltas com o rápido crescimento das mídias digitais, mudando as formas de produção audiovisual e o surgimento (e desaparecimento) de funções técnicas . A produção independente, desde meados da década de 1980, ganha mais força, com o interesse de produtoras, distribuidores, festivais e entidades de financiamento, de caráter global . A mundialização é um fenômeno que aproxima, em festivais e fóruns, profissionais do setor, em busca de captação de recursos e absorção das novidades estéticas, como o aparecimento de cineastas cada vez mais jovens e de origens mais diversas, salientado pelo boom asiático: realizadores iranianos, japoneses, chineses (no sentido mais amplo, envolvendo a China comunista, Taiwan e Hong Kong), coreanos e tailandeses conquistam os certames europeus . O Muro de Berlim cai, derrubando regimes e verdades até então inabaláveis, enquanto o Consenso de Washington é erigido como lei e nova verdade incontestável . O mundo do trabalho se transmuta com o fim do fordismo e o perverso aparecimento de uma massa desempregada, que não poupa faixas etárias, classes sociais e populações inteiras . Obviamente, essas transformações possuem características singulares na Argentina, manifesta pela turbulenta década menemista (1989- 1999) . Uma era marcada por uma ilusória e risonha euforia, para alguns, ou um sombrio e cínico pesadelo, para outros, seguida de uma catastrófica crise econômica, social e política, para todos . Podemos afirmar que as repercussões do período Menem culminam nos protestos populares de dezembro de 2001, cognominados como “ ArGENTINAZo”, que provocam a renúncia do presidente De la Rúa, conduzindo o país à acefalia presidencial, uma vez que o cargo é ocupado por quatro sucessores em pouco menos de duas semanas . O cinema não permanece incólume diante de tal cenário tão cambiante . Conforme já afirmamos, vemos o despontar de duas gerações de artistas que catalisam essas transformações, ao mesmo tempo em que almejam estabelecer mudanças no meio cinematográfico de seu país . Portanto, aparentemente, vemos em ambos os casos, o levante de uma juventude insatisfeita e desejosa por expressar seus anseios e impressões acerca do despontar de um – nem sempre admirável – mundo novo . Desse modo, assim como a “Geração dos ‘60” deseja romper com o anquilosado “c inema de estúdios” , com suas convenções estéticas e rígidas estruturas de produção, os cineastas contemporâneos, por sua vez, rompem com determinadas características do cinema dos anos 1980, além de buscarem outras formas de financiamento, realização e dif usão. No entanto, podemos estabelecer “precursores” , que abrem as portas para a renovação ocorrida no cinema 11 argentino pelos dois “ Nuevos C INES” . Formados nos tradicionais estúdios, em franca decadência desde meados dos anos 1940, Leopoldo Torre Nilsson e Fernando Ayala oxigenam o cinema argentino, graças a uma mudanç a temática e formal em seus filmes . A partir da metade da década de 1950, Torre Nilsson começa a chamar a atenção ao exibir um mundo para além das convenções melodramáticas ou épicas, regadas a tango ou povoadas por gauchos , que trouxeram tantos louros à era de ouro do cinema argentino, dos anos 1930 ao início da década seguinte . O pesquisador brasileiro Paranaguá afirma que dois importantes realizadores se destacam na transição do “c inema de estúdios” para o “c inema de autor” na América Latina: Luis Buñuel, no México, e Torre Nilsson, na Argentina .1 Acrescentamos que, por fatores ideológicos e políticos, Buñuel contou com uma maior simpatia, por parte dos realizadores e críticos latino- americanos inclinados à esquerda dos anos 1960, do que o cineasta portenho . Em terras platinas, coube a Fernando Birri receber as graças do pioneirismo estético- ideológico, recebendo o carinhoso apelido de “ el grAN papá del Nuevo C INE LatINOAMERicANO ” . É por isso que há um certo gosto de polêmica na afirmação de Paranaguá ao associar figuras, aparentemente tão distintas, aproximando- as, para mais polêmica ainda, da irrupção neorrealista . Não estamos interessados em refletir a herança da escola italiana em nosso subcontinente, mas o que frisamos é a sábia absorção da estética dos gêneros clássicos e sua subversão/ prolongamento pelos dois cineastas mencionados por Paranaguá . Entretanto, o mais relevante talvez seja o aparente paradoxo de uma tentativa de renovação no interior dos próprios estúdios latino- americanos . Portanto, além da forte ligação com a literatura erudita argentina, o importante a ser destacado na figura de Torre Nilsson é o seu estreito vínculo com o studio system rioplatense . Em relação ao período contemporâneo, podemos considerar como um “precursor” Martín Rejtman, cujo longa de estreia, El rapado, é produzido de forma alternativa, em 1991, mas lançado comercialmente somente em 1996 . No ano anterior, havia sido exibido o longa Historias breves I, formado por curtas de jovens realizadores, que despontariam nos anos seguintes, como Lucrecia Martel, Israel Adrián Caetano, Bruno Stagnaro, Daniel Burman, Ulises Rosell, Sandra Gugliotta e Jorge Gaggero . Em 1997, o “ NUEvo CINE arGENTINO” ganha um marco inicial: Pizza, birra, faso recebe o Prêmio de Melhor Filme Ibero- Americano da FIPRESCI ( FédératION INTERNATIONALE de la Presse C INÉMATO graphique) no Festival de Mar del Plata . No entanto, seria o BAFICI ( BUENOS Aires Festival INTERNACIONAL de C INE INDEPENDIENTE), criado em 1999, o espaço de consagração desses novos cineastas . Em menor medida, é possível incluirmos na lista de “precursores” Alejandro Agrestí e Esteban Sapir, cujas obras fogem da estética consagrada nos ‘80 . Em suma, desde o início dos anos 1990 se gesta um “novo regime criativo”, segundo os termos de Aguilar2, que eclode por volta de 1995 . Ou seja, surge uma outra forma de se produzir filmes, somada a uma nova sensibilidade artística e preceitos estéticos distintos dos até então correntes no âmbito cinematográfico argentino . Uma primeira impressão que podemos estabelecer na relação entre os dois “ Nuevos CINES” é a consagração inter1 2 12 PARANAGUÁ, Paulo Antônio. Tradición y modernidad en el cine de América Latina. Madri: FCE, 2003. AGUILAR, Gonzalo. Otros mundos: un ensayo sobre el nuevo cine argentino. Buenos Aires: Santiago Arcos, 2006. nacional do fenômeno atual, diferentemente do que ocorreu com a “Geração dos ‘60” . Se os cineastas argentinos de hoje arrebatam prêmios e arrancam aplausos da crítica estrangeira, o mesmo não podemos afirmar de seus antecessores . Sem sombra de dúvida, o NCA dos anos 1960 é considerado um corte na história do cinema argentino devido à sua renovação temática, formal e geracional . Mas comparado aos seus coetâneos latino-americanos, diga-se o cinema revolucionário cubano e o Cinema Novo brasileiro, os filmes argentinos não recebem a mesma consagração, principalmente por parte da crítica que apoiava esses movimentos, posteriormente reunidos sob a consigna de “ Nuevo CiNe LatINOAMERicANO” (NCL) . Diante das propostas estéticas e sociopolíticas propaladas pelas obras cubanas e brasileiras, em busca de um cinema “autenticamente nacional” , o NCA é visto como profundamente “europeizado”, com notórias exceções, que são vinculadas à herança neorrealista . Segundo a opinião de seus detratores, o NCA é considerado uma cópia desajeitada das inovações europeias, meros arremedos de Antonioni, Resnais, Fellini e Bergman . De modo geral, a “Geração dos ‘60” é considerada uma “geração perdida”, um breve momento renovador, castrado pelos boicotes institucionais, pela censura política e pelos constrangimentos econômicos . Em uma leitura mais dura, trata- se de um cinema produzido (e voltado) por (e para) uma juventude elitista e antiperonista, amamentada na cinefilia e na cultura europeia . O ano 1966 é considerado o seu término, com a instauração da ditadura do general Onganía, que transforma o cenário cultural e político do país . Na virada dos anos 1960/ 70 surge uma produção militante, de modo clandestino, que galvaniza as discussões na Argentina e no resto da América Latina, encarnado pela célebre trilogia documental La hora de los horNOS (1967/68), do Grupo C INE LiberACIÓN . Subitamente, os anseios estéticos do NCA se encontram precocemente caducos, diante de uma radical mudança no modo de se encarar a atividade cinematográfica em um país latino- americano . É significativo dissipar tais opiniões pejorativas em relação a esse período . Ressaltamos que tal visão sobre a “Geração dos ‘60” se gesta nos próprios anos 1960, ecoando por décadas depois . É movido pela intenção de remover essas impressões negativas que o crítico argentino Peña organiza uma mostra, em 2003, com a mesma ideia que a presente: a interrelação entre os dois “ Nuevos C INES” . No prólogo do catálogo 3, Peña subverte o clássico recorte do primeiro NCA, estendendo o olhar “sessentista” para além do Golpe de ’66, ao encarar a “Geração dos ‘60” não como uma “geração perdida”, mas, pelo contrário, vitoriosa, pois apesar de todos os limites e dificuldades, tais cineastas conseguiram realizar as suas obras, sem ceder às regras do “ viejo CINE”: De hecho, pese a las int errupciones instit ucionales, siguieron viéndose brotes de independencia y rupt ura hast a que el golpe de 1976 venció a t odas las formas del disenso . Se justificaba, entonces, analizar los 60 planteando un período continuo y amplio que abarcara aproximadament e desde 1954 hast a 1976 para poder estu- diar la gestación, el desarrollo y la clausura de lo que fue una manera distint a de entender el cine. (PEÑA,2003,p. 8) 3 PEÑA, Fernando Martín (Org). Generaciones 60/90. Buenos Aires: Malba, 2003. 13 De fato, a última ditadura militar argentina (1976- 1983), autodenominada “ Proceso de ReorGANIZACIÓN N ACIONAL”, é uma ruptura radical, cujas feridas são abordadas no cinema argentino até os dias atuais . Por conseguinte, uma das características do cinema argentino dos anos 1980 é, simultaneamente, o flerte com um “c inema de gênero” e o prolongamento de princípios político- ideológicos, oriundos da década de 1960 e abruptamente interrompidos . A grosso modo, vemos uma releitura das convenções estéticas tradicionais, movida por questões políticas e identitárias, buscando acertar as contas com o traumático passado recente . É justamente a recusa em atender a tais demandas, uma das características do último “ NUEvo CINE arGENTINO” . Não entraremos na discussão se os realizadores contemporâneos interpretam as suas respectivas obras como “políticas” . O que podemos afirmar é que se trata de pensar o político fora dos moldes postos nos anos 1960 e em voga até a década de 1980 . Desse modo, a atual crise econômica e política ou o retrato dos conturbados e duros anos 1970 são abordados sem a (auto) demanda de explicitar posições político-ideológicas ou monumentalizar a memória da luta armada . São filmes que não se querem unívocos, mas abertos a inúmeras interpretações, o que já significa uma “política” .4 A captação de recursos em entidades internacionais de financiamento, como a holandesa Hubert Bals FUND, a francesa FOND Sud C INÉMA e a espanhola Ibermedia, por exemplo, por parte do atual NCA, demonstraria um cinema avesso a convenções comerciais e nacionais, aproximando mais os realizadores argentinos de seus coetâneos, das mais variadas origens, como a legião asiática, do que de seus compatriotas de outros tempos . Ironicamente, o NCA, ou a sua parte mais significativa, estaria esteticamente mais próximo de um “c inema contemporâneo”, de caráter global, do que da história da própria cinematografia argentina . No entanto, esse impulso pode, ardilosamente, sistematizar determinados padrões estéticos, visando à criação de um determinado “ filme para festivais internacionais” , buscando, conscientemente ou não, atender a uma certa expectativa do que se espera de um “ filme argentino contemporâneo” . Assim, paradoxalmente, essa mundialização se transforma na marca distintiva da atual produção audiovisual do país platino . Esse é um sério risco que o recente NCA corre . As mais duras críticas ao atual NCA se fundam nesse “ formalismo global pseudoinovador” . No entanto,se o último NCA se encontra fora do alcance das demandas estético- ideológicas do cinema argentino, talvez, em último aspecto, a aproximação entre as duas gerações, a de 1960 e a atual, se dê sob o mais imponderável dos fatores: o aspecto humano . Vários dos mais prestigiados realizadores argentinos contemporâneos estudaram com realizadores da “Geração dos ‘60”, em especial, Manuel Antín, Simón Feldman e José Antonio Martínez Suárez . Portanto, o nosso intuito é repensar o cinema argentino, a partir de uma singela coincidência terminológica . Assim, olhamos para o passado a partir do presente, buscando romper com opiniões pré- concebidas, tanto em relação aos anos 1960 quanto à contemporaneidade . Recentemente, muito se escreveu sobre o des4 Segundo Aguilar, os filmes do último NCA não querem “bajar línea”, conforme a expressão argentina. Ou seja, não há um personagem no interior da narrativa que “julga” os demais, a partir de uma moral. Essa visão exógena à narrativa é uma das características do cinema argentino dos anos 1980, que tanto abomina os novos realizadores. 14 pontar do recente “ NUEvo CINE arGENTINO ”, em geral, sob um viés entusiasta . Visamos suspender o encômio fácil, em prol de uma reflexão sobre a cinematografia de nosso país vizinho . Olhar para o outro é buscar entender a si mesmo, o que significa a importância fundamental de estabelecer um diálogo entre a chamada “ Retomada do Cinema Brasileiro” e o “ Nuevo C INE ArGENTINO ” . Em última instância, eis a ideia- motriz, que convidamos a todos os espectadores de nossa mostra a manter em suas mentes enquanto estiverem assistindo aos filmes argentinos . No entanto, cremos que a melhor forma de fugir de paralelismos corriqueiros e simplistas, entre argentinos e brasileiros, é mergulharmos de cabeça na história da cinematografia vizinha, para encontrarmos não respostas, mas as principais questões sobre nós – e eles . Em suma, o passado e o presente se misturam . É um equívoco crer que movimentos estéticos se restringem a determinados períodos, como se fossem blocos ou gavetas . A História não é um depósito, um mero arquivo . A História não é um conhecimento sobre o passado, mas sobre o tempo . E, por conseguinte, a História do Cinema visa lançar um conhecimento sobre a atividade cinematográfica, a partir de relações no tempo, seja qual for o seu viés (estético, tecnológico, econômico, social, político, etc) . Assim, por trás de uma mera coincidência terminológica, o “ Nuevo C INE ArGENTINO” indica as mutações e as intenções de uma cinematografia, em constante interrelação . O nosso objetivo não é oferecer uma seleção dos filmes mais importantes ou significativos dos dois “ Nuevos C INES” . Como todo recorte, há uma certa arbitrariedade, apesar da busca de uma coerência . Vários fatores, sobretudo em relação ao acesso às cópias, determinaram a lista final dos filmes exibidos na mostra . Outro aspecto é tentar trazer ao espectador brasileiro filmes (e alguns cineastas) pouco conhecidos . Por outro lado, também tivemos a necessidade de contemplar os principais realizadores de ambos os períodos . Nesse sentido, frisamos a lamentável ausência de Leopoldo Torre Nilsson em nossa mostra, apesar de sua extrema relevância . Uma outra ausência fundamental se refere ao gênero documental . Por motivos de organização, optamos em nos circunscrever somente à ficção . Isso não se deve a algum menosprezo ao documentário . Pelo contrário, cremos que a análise comparativa entre os documentários argentinos dos anos 1960 e os contemporâneos merece uma mostra à parte . Para atender a esse intuito, seria necessário estabelecer um outro recorte, focando- se antes na virada dos anos 1960/70, de extrema importância na produção documental argentina, e não na primeira metade da década de 1960 . É por esse motivo que uma seleção no âmbito do documentário exigiria uma outra mostra . Portanto, mesmo conscientes de graves ausências, buscamos oferecer um amplo leque de filmes (ao todo, vinte e sete títulos), visando estabelecer um intenso diálogo entre os dois períodos contemplados . 15