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Memória, Direito e Verdade: um ensaio sobre a Casa da Morte

2019

Monografia

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO Tiago da Silva Cicilio MEMÓRIA, DIREITO E VERDADE: Um Estudo Sobre a Casa da Morte Petrópolis 2019 Tiago da Silva Cicilio MEMÓRIA, DIREITO E VERDADE: Um Estudo Sobre a Casa da Morte Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis como requisito parcial para conclusão do Curso de Direito . Orientador: Prof. Dr. Daniel Machado Gomes Petrópolis 2019 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. CIP – Catalogação na Publicação C568m Cicilio, Tiago da Silva. Memória, direito e verdade: um estudo sobre a Casa da Morte / Tiago da Silva Cicilio. – 2019. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Católica de Petrópolis, 2019. Orientação: Prof. Daniel Machado Gomes. 1. Lugares de memória. 2. Casa da morte. 3. Direitos humanos. I. Gomes, Daniel Machado (Orient.). II. Título. DORIS: 341.2709 Universidade Católica de Petrópolis (UCP) Bibliotecária responsável: Marlena H. Pereira – CRB7: 5075 RESUMO O Brasil passou por um período de graves violações aos direitos humanos na vigência da ditadura militar. Quando a ditadura militar findou, iniciou-se o período da redemocratização que exige uma justiça transicional plena. Contudo, há anos essa justiça tem sido prejudicada pela política de apagamento de rastros e de esquecimento dos fatos, ferindo princípios da República e impedindo a estabilização da democracia. Dessa maneira, o objetivo geral do trabalho é investigar como o Estado brasileiro deve lidar com a herança da ditadura militar e a principal questão desta monografia é demonstrar que a Casa da Morte é um lugar de memórias e o reconhecimento estatal das graves violações e a promoção dessas memórias são providências que garantem o direito a ter direitos. Essa pesquisa se justifica pela flagrante omissão estatal em preservar documentos e evidências e fornecer meios para se alcançar toda a verdade e, consequentemente, a negação reiterada de direitos fundamentais, como o direito à memória e à identidade coletiva. A metodologia empregada no estudo está baseada no modelo qualitativo e dedutivo, com utilização de livros, artigos de periódicos e relatórios, como o produzido pela Comissão Nacional da Verdade. Com isso, dividiu-se o texto em três seções, a primeira versando sobre história, memória e lugares de memórias. Na parte seguinte, conceitua os direitos à memória e à verdade, destacando a Comissão da Verdade. E por fim, apresenta-se uma das conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que foi o Relatório Preliminar sobre a Casa da Morte. Como resultado do estudo, foi percebido que a busca pela verdade e o resgate das memórias coletivas do período ditatorial são indispensáveis ao processo de efetivação dos direitos humanos e à construção e preservação do espaço público comum. Pode-se concluir que o acesso à toda a verdade dos crimes lesa-humanidade cometidos na Casa da Morte, somada a políticas de memória, são essenciais para a consolidação da democracia e para a não repetição de tais atrocidades. Palavras-chave: lugares de memória; casa da morte; direitos humanos. ABSTRACT Brazil experienced a period of serious violations of human rights during the military dictatorship. When military dictatorship ended, the period of re-democratization began, which requires a full transitional justice. However, for years this justice has been hampered by the policy of deletion of trace elements and the forgetting of facts, injuring principles of the Republic and preventing the stabilization of democracy. Therefore, the general objective of the work is to investigate how the Brazilian State must deal with the heritage of the military dictatorship and this monograph’s main question is to demonstrate that the House of Death is a place of memories and the state recognition of the serious vio006Cations and the promotion of these memories are measures that guarantee the right to have rights. This research was justified by the flagrant state omission to preserve documents and evidences and provide means to achieve the whole truth and, consequently, the repeated denial of fundamental rights, as the right to memory and to collective identity. The methodology used in the study is based on the qualitative and deductive model, using books, newspaper articles and reports, such as the ones produced by the National Commission of Truth. Thereby, the text was divided into three sections, the first talks about history, memory and places of memory. The following part conceptualizes the rights to the memory and the truth, highlighting the Commission of the Truth. At last, is presented one of the conclusions of the National Commission of Truth, which was the Preliminary Report on the House of Death. As study’s result, it was perceived that the search for truth and the ransom of the collective memories of the dictatorial period are indispensable to the realization process of human rights and to the construction and preservation of the common public space. It can be concluded that access to the whole truth of crimes against humanity committed in the House of Death, together with policies of memory, are essential for the consolidation of democracy and for the non-repetition of such atrocities. Keywords: places of memory; house of dearth; human rights. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 6 2 DA HISTÓRIA A LUGARES DE MEMÓRIA ........................................................... 8 2.1 MEMÓRIA COLETIVA ................................................................................................... 9 2.2 LUGARES DE MEMÓRIA ............................................................................................ 12 3 MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ........................................ 15 3.1 DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE ........................................................................ 16 3.2 COMISSÃO DA VERDADE ............................................................................................ 18 4 CASA DA MORTE: UMA DESCOBERTA DA COMISSÃO DA VERDADE .... 21 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 26 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 27 6 1 INTRODUÇÃO Não há como tratar o passado maculado por graves violações aos direitos humanos sem haver acesso a toda verdade da época, nem haverá redemocratização plena sem que as memórias desse determinado período sejam restauradas, protegidas e promovidas. Assim, a memória coletiva, que é construída pelos grupos sociais e por eles determinadas as que serão memoráveis e os lugares onde serão preservadas, é condição primeira para a formação da identidade brasileira nessas circunstâncias de redemocratização. E, como a identidade não se sustenta ante a fatos mentirosos ou meias verdades, urge o acesso irrestrito a tudo que aconteceu. Por isso que as políticas públicas que promovem o esquecimento não só nos impossibilitam de sermos nós mesmos, como violentam outra vez as vítimas da ditadura, seus familiares e toda a sociedade, colocando-nos em risco de possível recorrência das barbáries da ditadura. Diante disto, o objetivo geral do trabalho é investigar como o Estado brasileiro deve lidar com a herança da ditadura militar. Pretende-se indicar a luta pela efetivação dos direitos humanos e fundamentais nesses mais de 30 anos do início da abertura política brasileira, que reivindica uma transição equânime. A principal questão do presente artigo é demonstrar que a Casa da Morte é um lugar de memórias e o reconhecimento estatal das graves violações cumulado com sua transformação em memorial são medidas ímpares para a garantia do direito a ter direitos e a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Essa pesquisa se justifica pela flagrante omissão estatal em preservar documentos e evidências e fornecer meios para se alcançar toda a verdade, assim como optando por uma política de esquecimento e silêncio. O estudo utiliza o método de pesquisa qualitativo e dedutivo para investigar os termos memória, história e lugares de memória, valendo-se das ideias e contribuições de autores franceses como o filósofo Maurice Halbwachs, em sua obra “A Memória Coletiva”, e os historiadores Jaques Le Goff, e Pierre Nora na obra “Entre Memória e História: a Problemática dos Lugares”. Assim, buscou-se na doutrina do direito internacional e nos instrumentos legais dos Órgãos nacionais e supranacionais para descrever os direitos à memória e à verdade e a Comissão Nacional da Verdade. Ademais, faz uso da pesquisa bibliográfica em livros e artigos de periódicos e no Relatório Preliminar de Pesquisa sobre a Casa da Morte, da Comissão Nacional da Verdade, para trazer luz a uma das ferramentas do Estado repressor, empregada nos anos de chumbo numa nova etapa da ditadura. 7 O presente ensaio está divido em três partes, a primeira seção visa conceituar memória coletiva e construir uma diferenciação entre memória e história, as quais eram tidas como sinônimas, mas que na modernidade se desassociam. Isso porque na modernidade a memória passa a ser entendida como aquela lembrança que está viva e se comportando no hábito, podendo até ser transformada em história, mas que antes se transforma em memória-arquivo, como muitas memórias que se acredita serem história, mas ainda não são. Já a história, por seu turno, é uma reconstrução problemática e incompleta do que não mais existe. Ademais, será definido o termo lugares de memória, cunhado pelo autor francês Pierre Nora, lugares que são inaugurados porque menos as memórias são vividas e mantidos por causa do sentimento do risco de um potencial apagamento pela história. Para atender as demandas das sociedades que sofreram graves violações aos direitos humanos, cometidos pelos governos autoritários, lugares de memória são ressignificados nas últimas décadas, abrangendo não só o patrimônio cultural, mas abarcando todas as memórias da época do governo autoritário. A seção seguinte pretende evidenciar os desdobramentos dos direitos à memória e à verdade e da comissão da verdade. Eixos da justiça de transição, o direito à verdade importa em trazer à tona todos os acontecimentos do período repressivo e o direito à memória coletiva trabalha com a conservação desses fatos, que mantém o passado vivo no presente, possibilitando a construção da identidade coletiva e a não reincidência de todos esses males. Por isso que os trabalhos da Comissão da Verdade foram tão relevantes, pois resultaram em grande contribuição para a democracia e cidadania, num acesso irrestrito a toda verdade. O último bloco destina-se a um dos resultados da Comissão Nacional da Verdade: a Casa da Morte. Esse relatório de investigação descreveu o funcionamento de um dos instrumentos mais terríveis da ditadura militar, apontando os responsáveis, reconhecendo as vítimas e as violações, denunciando o local que foi um centro clandestino de prisões ilegais, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de presos políticos da ditadura militar. 8 2 DA HISTÓRIA A LUGARES DE MEMÓRIA A memória procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro (LE GOFF, 2013, p. 437). Isso quer dizer que a memorização é a capacidade de conservar certas informações que são passíveis de inúmeras readaptações pelo indivíduo, o qual se utiliza da linguagem para exterioriza-la. Essa extensão é fundamental para a informação armazenada sair dos limites dos corpos e interpor noutros, ou nos livros ou na tecnologia. Em termos temporais, constatamos que essa manifestação da memória percorreu três períodos marcantes: a transmissão oral, a escrita e a eletrônica, havendo nuances entre povos que dominavam somente uma, povos que dominavam duas, como a oral e a escrita, e nós, que dominamos todas os três tipos de linguagem. E é nesse contexto que as novas ciências, como a cibernética e o estudo da linguagem, teorizaram a memória e fez surgir na modernidade a divisão da memória em específica, étnica e artificial (LE GOFF, 2013, p. 389), ultrapassando a ideia de memória no sentido de propriedade da inteligência humana e a concebendo em lato senso. Nessa revolução da memória, o desenvolvimento dos seus estudos tomou enorme proporção na atualidade. Portanto, recortemos, para uso dessa pesquisa, o estudo da memória ligado ao comportamento e às mentalidades, que se inicia a partir da individualidade, num jogo íntimo no campo da psicologia social, graças as ciências sociais e a conjugação interdisciplinar, como a sociológica e antropológica. Estudos que se tornaram cruciais para perceber que a memória oferece conceitos mais adaptados à realidade das sociedades do que se tinham pensado antes, porque a pesquisa da memória coletiva é uma retratação dos acontecimentos ao longo do tempo, que de certa maneira converte o olhar histórico numa busca menos textual e mais nas palavras, nos ritos, nas comemorações, na linguagem. Deste modo, instauram-se inúmeros desdobramentos de memória e que em sua problemática guarda estrita relação com a identidade e com o esquecimento, alvos de manipulações que tem como principal exemplo os importantes jogos pelo poder nas lutas sociais, das quais “tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas” (LE GOFF, 2013, p. 390). 9 2.1 MEMÓRIA COLETIVA O impulso dessacralizante da Era moderna fez o Estado-Nação ser substituído pelo Estado-Sociedade. Deixando de ser Estado-Nação, a “nação não é mais o quadro unitário que encerrava a consciência da coletividade” e passando a ser Estado-Sociedade, inicia-se a legitimação pelo futuro. Pois no Estado-Nação “o passado, só seria possível conhecê-lo e venerá-lo e a Nação servi-la; o futuro, é preciso prepará-lo” (NORA, 1993, p. 12). Ao tempo do Estado-Nação a memória coletiva se confundia com história e os historiadores usavam fórmulas que não as dividiam, tratando a história e a memória coletiva como um bloco. Mas nesses novos ares da modernidade, a história perde seu caráter pedagógico da herança e a crítica do passado fez os projetos de memória individual se multiplicarem. Com isso, a tríade ‘nação, história e memória’ passou a ser independente entre si e o resultado foi que a Nação se tornou um dado; a ‘história’, uma ciência social; e, a ‘memória’, um fenômeno privado. A consciência historiográfica é um dos prenúncios do abismo que separa os conceitos história e memória. Le Goff define historiografia como “o estudo da manipulação pela memória coletiva de um fenômeno histórico que só a história tradicional tinha até então estudado” (2012, p. 434). Em outras palavras, a historiografia é um arsenal científico com remanejamentos históricos alargadores do território da memória coletiva, que denuncia as ficções de seus predecessores. Essa história da história analisa como um indivíduo constitui sua memória e sua identidade através da escrita e do testemunho oral, por exemplo: o estudo da recordação e da lenda ou a análise dos mitos. É aplicada estabelecendo-se uma democracia da memória coletiva, contrapondo o conhecimento monopolizado pelos grupos com interesses políticos préconcebidos. Conhecimento monopolizado que pode ser percebido na historiografia de alguns povos antigos, como o povo etrusco, que a história conhece tão somente a visão do grupo dominante da época, um lapso na memória social que fez com que perdessem seu passado e a si próprios. Baseado em um estudo crítico é possível concluir que aqueles que detêm o poder, seja de qual forma se materializem, empregam parte de suas posses para deixarem uma memória do seu traço no mundo ou apagarem aquilo que não querem que sejam lembrados. Igualmente fazem os governos, que constroem tantos quantos monumentos e prédios importantes puderem, fazem grandes reformas, pregam e tentam efetivar suas políticas particulares, mas quando se institui novos governos, esses vêm e destroem o que foi feito pelo governo antecedente e constroem 10 tudo outra vez, numa tentativa de estabelecer nova memória de acordo com suas intenções, numa verdadeira manipulação genealógica. Mas se antes a memória coletiva e a história eram tomadas como manifestação indissociável, hoje revelam-se distintas. Pierre Nora (1993, p. 9), em sua obra Entre Memória e História: a Problemática dos Lugares, elenca inúmeras diferenças entre memória e história, nos ensinando que a história pode ser compreendida como uma reconstrução problemática e incompleta do que não mais existe. Então, se existe rastro, distância e mediação, trata-se de história e não mais da verdadeira memória. Já a memória é entendida como um fato atual que está sempre aberta à dialética da lembrança e do esquecimento; estando vulnerável a todos os usos e manipulações. Tem multiplicidade e é desacelerada, absoluta, viva. A memória acontece sem cronologia pré-definida, trabalhando com a exposição do todo no presente. Em síntese, a memória caminha em direção ao mundo do passado da vivência de um grupo no presente, ou o que se faz com esse passado, e a história é um produto científico que se utiliza da memória coletiva para montar suas bases, um panorama daquilo que ficou no passado, podendo até falar da memória, mas nunca se confundindo com ela. Bem verdade que possuem a mesma natureza – e por isso se confundiam –, seja um movimento que nos transforma ou aquilo que simboliza para nós. Tanto que muitas manifestações que hoje são chamadas de memória não significam mais memória e sim história pura. Isso porque, segundo Nora (1993, p. 9), a memória verdadeira é aquela que está viva e se comporta no hábito. Diferindo também a memória-arquivo, que não é mais a memória espontânea, mas não se confunde com história. Ademais, a memória pode ser dividida em individual ou coletiva. Do ponto de vista individual, a memória é resultado de um processo de arquivamento de informações e de experiências, com influência de fatores fisiológicos e genéticos, modificando os modos de viver e de agir dos seres humanos. Pensada em sua forma coletiva, a memória pode ser entendida como conjunto de experiências compartilhadas entre gerações e membros da sociedade, sobre fatos, pessoas, sentimentos e sentidos, desenvolvendo-se tanto nas interações verbais e cotidianas dos agentes sociais (memória comunicativa e oral) quanto em formas mais institucionalizadas, escritas, monumentais ou genericamente em figuras de memória. Importante notar que da memória geral à particular, a memória privada coage a lembrar para pertencer, e pertencer para ter identidade. Quando uma memória não é mais geral – não pertence a todo local – corre um grande risco de desaparecer na medida em que estando em um 11 único indivíduo, esse sujeito não faça essa memória continuar viva. Espécie de renascimento do homem-memória, mas agora com interesses pontuais, buscando atender as suas próprias finalidades e não mais como antes, que servia como disseminador dessas memórias coletivas. A memória coletiva se renova, se molda, aparece e desaparece e as vezes cai no esquecimento. É por que traz as marcas, transforma e ocorre no presente que se permite que a memória seja escrita ou reescrita na história. O passado não muda, mas o que muda é a nossa percepção e conhecimento do passado com relação a uma determinada memória. O termo memória coletiva foi cunhado pelo filósofo francês Maurice Halbwachs em 1925, para designar o fenômeno que surge da interação social. Segundo Halbwachs (2004, p. 26), as memórias são construções dos grupos sociais, são eles que determinam o que é memorável e os lugares onde essas memórias serão preservadas. Ele ainda entende que elas são noções que referem conhecimentos acerca do passado e que muitas vezes são usadas como memória social ou memória cultural. Entretanto, com o tempo tornando-se cada vez mais acelerado, surge uma oscilação do passado cada vez mais rápida que gera um inédito desequilíbrio existencial. Com esse desequilíbrio, a necessidade de recuperar o passado atingiu todas as pessoas e a atividade rememorativa torna-se um dever pessoal, numa psicologia individual em que tudo deve ser lembrado, ocasionando um aumento excessivo de arquivos. Pierre Nora (1993, p. 15), nesse contexto fenomenológico dos nossos dias, atribui três causas para o aumento exponencial de produção de arquivos: (i) o volume natural que a sociedade moderna produz; (ii) os meios de reprodução e conservação que se sofisticou; (iii) a crescente necessidade/obrigação de acumular dados, que, em última análise, serve tanto como mecanismo de segurança e estabilidade existenciais, conferindo uma sensação de permanência e durabilidade frente à crescente insegurança sobre nossa identidade, quanto para provar que aconteceu. Podemos concluir que para a memória social hoje se tornou crucial a constituição “do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar” (NORA, 1993, p. 15). Momento em que a consciência da ruptura do presente com o passado se confunde com o sentimento de uma memória debilitada, mas ainda capaz de evocar a problemática de sua composição. A consequência desse evento em nossa Era é o aumento do interesse por lugares em que a memória possa ser abrigada, possuindo um certo sentimento de continuidade do que restou do 12 vivido. E como não há mais meios de memória, esses locais de memória surgem aos montes, materializados em inúmeros museus, bibliotecas, bases de dados e etc. 2.2 LUGARES DE MEMÓRIA No contexto de uma França submersa em uma fase de comemorações 1 (1980), Pierre Nora editou a coleção, não finalizada: Historien Public; Présent, Nation, Mémoire; e, Recherches de la France. Coleção responsável por oferecer chance ímpar de reflexão concernente ao patrimônio cultural a partir da definição de lugares de memória. A Les Lieux de Mémoire, o trabalho mais conhecido que Nora organizou e que integra o segundo volume de sua coleção Présent, Nation, Mémoire, é a sintetização de lugares de memória e que tem como texto inicial “Entre Memória e História: a Problemática dos Lugares”, a qual faz o conceito de lugares de memória extrapolar seu sentido até então aceito. Nos três tomos do seu trabalho Les Lieux de Mémoire – La République; La Nation; Les France –, Nora estrutura o conceito relativo a lugares de memória. Inicialmente, aponta o conjunto de elementos que estiveram associados a projetos republicanos na França – os restos de uma memória republicana. Depois, afirma que esse conjunto não é somente republicano, há, também, uma conexão com o poder e Estado monárquico. Por fim, após essa análise, caberia ao terceiro tomo os lugares comuns da memória coletiva. E nesse último, Nora investigou a concepção de lugares de memória, buscando entender se “significava ainda alguma coisa quando aplicada aos lugares comuns da memória coletiva e sobretudo se permitia fazer com que se dissesse sobre esses temas algo que não se soubesse deles” (GONÇALVES, 2012, p.36). No escopo dessas obras, Nora transcende os usos de lugares de memória. Existiam alcances de “uso político, no âmbito das batalhas de memória, bem como uso jurídico e técnico, no campo institucional do patrimônio cultural, ou ainda uso turístico” (GONÇALVES, 2012, p.30). Com o novo enfoque, esses lugares deixaram de caracterizar apenas lugar portador de uma memória significativa. Nessa época havia uma desaparição da memória nacional, o que exigia um inventário dos lugares, onde a memória tivesse encarnado e que sobrevivessem como símbolos. Após a primeira definição de lugares de memória empregada por Nora, que já era expansiva, viu-se na aplicação do termo uma flagrante tentação de reduzir os lugares à 1 Não num sentido clássico, nem alimentada por uma nação unitária, mas sim comemoração readaptada, nutrida pela identidade de grupos específicos, em que ninguém tinha chances de salvar-se da comemoração. 13 materialidade. Por isso, Nora retoma a discussão e refina a proposta inicial definindo lugares de memória como “unidade significativa, de ordem material ou ideal, que a vontade dos homens ou o trabalho do tempo converteu em elemento simbólico do patrimônio memorial de uma comunidade qualquer” (NORA, 1997, p.34). Com isso, lugares de memória passam a ser claramente de duas ordens: tangível e simbólica. Pode-se dizer, então, que lugares de memória são desde lugares naturais – como cemitérios ou datas de aniversários – até os intelectuais – como a ideia de geração ou a paisagem. Ligando objetos sem vínculo nítido e fazendo com que os arquivos tenham o mesmo valor que as comemorações. Lugares de memória têm e são restos de uma consciência comemorativa que ainda não se transformaram em história, cristalizando o ritual de uma sociedade sem rituais. Esses lugares configuram-se numa maneira de demonstrar que a sociedade está incumbida na atualidade com a transformação e a renovação, valorizando o novo e o futuro numa proporção maior do que ao passado. Surgem ao passo que a histografia se fecha para a identidade, ingressando em fase científica que absorve a memória, porque “menos a memória é vivida do interior, mais ela tem necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através dela” (NORA, 1993, p. 14). São inaugurados e mantidos pela consciência da necessidade em consagrar algo, por não ser um procedimento aparentemente natural. Um sentimento de não existência da memória espontânea, que será apagada pela história caso não haja consagração. Ou seja, se vivêssemos as lembranças que esses lugares envolvem, não passariam de inutilidades (NORA, 1993, p. 13). Igualmente, não seriam lugares de memória se só a história os manipulasse, porém é esse jogo de “pertencimento e desprendimento” que os solidificam. Como a pretensão da história se revela na anulação do que de fato aconteceu, uma espécie de deslegitimação do passado, seu movimento crítico generalizado sustentaria os lugares de história: os lugares esvaziados daquilo que os fazem ser de memória. Consequentemente, a sociedade que vivesse sob essa marca já não seria uma sociedade além da tradicional, sem lugares para estabelecer suas memórias. Senão, seriam lugares híbridos, palco do histórico memorial. A razão de ser lugar de memória é parar o tempo, prender o máximo de sentido num mínimo de sinais (NORA, 1993, p. 22). Nora, fazendo uso da classificação do domínio desses lugares, destaca três aspectos cumulativos e vinculados, que aparecem em intensidades diferentes a depender do objeto em análise: o material – demográfico; o simbólico – 14 acontecimento vivido; e, o funcional – concretização e divulgação.2 Todavia, não bastam apenas essas três características, é preciso a vontade de memória, que é um elemento fundamental para um lugar ser de memória. Elemento que inibe a adesão de tudo que possa ser lembrado. Ressalta-se que essa seleção, de quais lugares serão de memória ou de história, usa regras da historiografia, como as fontes diretas – sociedade produz para ser reproduzida – e as fontes indiretas – aquelas indefinidas, gerais e abrangentes. A rigor, o termo lugares de memória é concebido de modo a reconhecer o patrimônio cultural, conquanto, esse conceito foi apropriado pelo campo dos direitos humanos, ganhando uma ressignificação. A exemplo do que pensam Inês Virgínia Prado Soares e Renan Honório Quinalha, ao dizerem que esses lugares servem como mecanismo extrajudicial para reparação simbólica das vítimas da ditadura e da sociedade e atingindo também o Estado que pode expressar pública e oficialmente seu repúdio às violações cometidas (2011, pág. 80). Por isso, hoje é preciso mais do que nunca que esses lugares sejam colocados em relevo por causa das violações aos direitos humanos, para que sejam sempre lembrados a fim de que nunca voltem a ocorrer. 2 Um lugar predominantemente material, como um depósito, sem simbolismo não é lugar de memória. Como um testamento, puramente funcional, que só será lugar de memória se fizer parte de um ritual. Ou o minuto de silêncio, simbólico, que deve ter uma função e um recorte temporal para ser chamado de lugar de memória. 15 3 MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO No regime antidemocrático há uma proibição da ideologia que diverge à sua própria e perseguições e destruição das tradições, onde pensar diferente e exteriorizar tem um custo altíssimo. Nesse tipo de governo há um esforço sem medidas para o silenciar das vozes divergentes e com esse processo muitas memórias são questionadas e recusadas por divergirem da história oficial, sujeitando-se ao processo intencional de esquecimento. Consequentemente, toda versão contrária é incriminada e todos que são diferentes dos moldes impostos tornam-se terroristas, que precisam ser calados e torturados para que sirvam como espiões a serviço do regime ou então são mortos. Com mentiras ou meias verdades convertidas em verdades, essa regência busca o controle social, divulgando -se como um fruto da natureza, por meios midiáticos e até pelo sistema nacional regular de ensino. Em vista disso, o Estado que sai dessa condição tem a obrigação de tornar público todas as verdades e inverdades da versão oficial do que aconteceu e do que não aconteceu, garantindo a preservação da memória coletiva. Porque os direitos à memória e à verdade rechaçarem a historiografia que conta o fato na perspectiva de quem detém o poder, por ser uma montagem seletiva fática. Não que introduza uma história substituta à oficial, mas cria para toda a população um acesso irrestrito dos fatos acerca do passado sob perspectivas plurais. O fim do regime ditatorial brasileiro resultou de um acordo de saída gradual do governo autoritário, devolvendo ao povo o poder de escolha de seu representante e trazendo um espírito de superação do autoritarismo, cujo ápice foi a Constituição de 1988. Essa abertura democrática foi gradual e lenta, porque acompanhou os fenômenos que foram acontecendo aos poucos, como o declínio econômico que fez com que o regime perdesse apoio, abrindo espaço para a voz da oposição que ganhava mais adeptos. Com o declínio econômico somado à perda de apoio e à oposição ganhando espaço, a sociedade começou a organizar-se em grupos de resistência e reivindicações, culminando nas Diretas Já 3. A partir disso, passou-se ao desafio do processo de transformação política rumo a (re)democratização, porém com o legado de um regime autoritário, que a sociedade é obrigada a lidar, determinando uma justiça de transição efetiva. 3 Slogan do movimento que tinha por objetivo a retomada do voto popular direto para a escolha do Presidente da República. Teve início em 12 de janeiro de 1984 em um comício na Boca Maldita – Curitiba/PR. 16 3.1 DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE A sobrevivência de uma sociedade e seu progresso são consequências diretas da relação de equilíbrio entre memória, verdade e rotina, que tem a identidade como elemento primordial, devendo ser objeto de busca incessante do indivíduo e da coletividade. A evolução de dada sociedade pode ser demonstrada a partir da importância que dão às memórias plurais. Neste sentido, a proteção jurídica da memória exige a criação de mecanismos legítimos que devolvam e protejam a segurança e estabilidade existenciais, como instrumento para a realização da justiça social e proteção de todos nós ante ao esquecimento, tornando-se medida eficaz de proteção da identidade. Ainda que essa proteção objetiva a preservação do patrimônio cultural, expor-se-á seu alcance referente a herança das graves violações aos direitos humanos. Heranças que se esquecidas geram consequências irreparáveis, lesando mais uma vez a sociedade, as vítimas e seus iguais, e abrem espaço a repetições sistemáticas. A Organização das Nações Unidas (ONU), em 2005, no instrumento com o nome de “Conjunto Atualizado de Princípios para a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos por meio de Ações de Combate à Impunidade”, auferiu destaque ao direito à memória. Expressamente no princípio três, com título “O Dever de Preservar a Memória”, o direito à memória foi formulado como um dever de recordar, que parte do Estado: O conhecimento do povo sobre a história de sua opressão faz parte de sua herança e, como tal, deve ser assegurado por medidas apropriadas para cumprir o dever do Estado de preservar arquivos e outras evidências relativas a violações dos direitos humanos e do direito humanitário e para facilitar o conhecimento dessas violações. Tais medidas serão destinadas a preservar a memória coletiva da extinção e, em particular, a se prevenir contra o desenvolvimento de argumentos revisionistas e negacionistas (ONU, 2005, principle 3)4 – tradução nossa. Como se observa, esse asilo jurídico não se destina a ignorar o estabelecimento de uma nova narrativa permanente, nem reprime outras formulações sobre o mesmo fato. Pois o Estado democrático de direito não se iguala ao que foi praticado ao tempo do regime autoritário, ele abre novas possibilidades aos fatos pretéritos e procura reavivar todas a rotina vivida para que todos possam sempre se lembrar daquelas violações. Um direito 4 A people's knowledge of the history of its oppression is part of its heritage and, as such, must be ensured by appropriate measures in fulfilment of the State's duty to preserve archives and other evidence concerning violations of human rights and humanitarian law and to facilitate knowledge of those violations. Such measures shall be aimed at preserving the collective memory from extinction and, in particular, at guarding against the development of revisionist and negationist arguments. 17 subjetivo que requer do Estado políticas públicas que promovam as memórias da época e previnam o revisionismo, as negações e a repetição desses crimes de lesa-humanidade. O exercício desse direito relaciona-se com o direito à verdade por serem direitos imprescindíveis a formação da identidade nacional, já que essa não se sustenta ante a fatos mentirosos. O direito à verdade representa uma ambição da civilização em conhecer os fatos sociais e históricos da maneira como aconteceram, mesmo que vergonhosos, tanto para a reparação dos lesados e o devido processamento e punição dos criminosos, como para o reconhecimento de nós mesmos no presente, pois é com base no passado que definimos nossas pretensões futuras. O direito à verdade foi teorizado no cenário das graves violações aos direitos humanos cometidos por agentes de governos ditatoriais das últimas décadas. Mesmo que o seu exercício date décadas atrás, a exemplo do Tribunal de Nuremberg, seus contornos iniciais foram dados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo formulado em dois vieses: um direito coletivo, que possibilita o acesso à informação essencial para o desenvolvimento dos sistemas democráticos, que deve ser exercido pela sociedade; um direito particular, que permite uma forma de reparação e que é destinado às vítimas e seus familiares. Com essa primeira definição é possível notar que apesar de o direito à verdade se utilizar do direito fundamental de acesso à informação, consolidado pela constituinte na Carta Maior de 1988, não se limita a ele. Quando se diz acesso à verdade, significa uma abertura a todas as fontes de informações disponíveis que permitam uma (re)construção da opinião dos fatos históricos do seu grupo. A busca pela verdade de nenhuma forma poderia ser objeto de restrição e seus “modos de asserção não são os de evidência da verdade racional, mas sim o desvendamento dos fatos pelo testemunho” e pelas informações colhidas por inúmeros outros mecanismos (LAFER, 2012, p. 182). Apesar da primeira definição ser suficiente, o mesmo instrumento de proteção e promoção aos direitos humanos da ONU que definiu o direito à memória coletiva, deu destaque ao direito à verdade na seção “Definição II – O Dever de Saber”, em seu princípio dois, dos princípios gerais, do “Direito Inalienável à Verdade”: Todo o povo tem o direito inalienável de saber a verdade sobre os acontecimentos passados relativos à perpetração de crimes hediondos e sobre as circunstâncias e razões que levaram, através de violações maciças ou sistemáticas, à perpetração 18 desses crimes. O exercício pleno e efetivo do direito à verdade fornece uma proteção vital contra a recorrência de violações (ONU, 2005, principle 2)5 – tradução nossa. Logo, deduz-se que os direitos à verdade e à memória agem combatendo a amnésia histórica e o esquecimento dos massacrados, que se esquecidos são duplamente violentados. Esquecimento que torna o agora insignificante, fazendo desaparecer a memória com a desculpa de ser irrelevante. Realidade que se observa nos resultados da ainda vigente Lei de Anistia, a qual estabelece anistia recíproca aos torturados e aos torturadores, quanto pela postura do Estado em permanecer omisso quanto a abertura e conservação de todos os arquivos da repressão, sendo apenas possível obter informações a respeito dos torturados e mortos pelo Estado brasileiro nos poucos arquivos abertos. 3.2 COMISSÃO DA VERDADE Contudo, na contramão da política predominante de esquecimento e destruição das evidências, o Brasil deu um passo importantíssimo para a efetivação dos direitos à memória e à verdade quando instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV) 6, atendendo ao anseio da população em saber todas as verdades sobre a ditadura militar e demonstrando ser ferramenta essencial para o país que tenta se estabilizar democraticamente e reafirmar sua identidade. Essa Comissão faz parte de um dos desdobramentos do Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PHDH-3), que por sua vez é um dos eixos orientadores da atuação da administração pública, que garante o direito à verdade e à memória e estabelece diretrizes para alcançar esse objetivo. O trabalho de uma comissão da verdade, como afirma Paul Van Zyl, é de extrema importância, pois “dar voz oficial às vítimas também pode ajudar a reduzir seus sentimentos de indignação e raiva. Ainda que seja importante não exagerar a respeito dos benefícios psicológicos do poder de se expressar, e de saber-se ser inexato afirmar que o testemunho sobre os abusos é sempre catártico, o fato de reconhecer oficialmente o sofrimento das vítimas melhorará as possibilidades de confrontar os fatos históricos de maneira construtiva” (2009, p. 39). 5 Every people has the inalienable right to know the truth about past events concerning the perpetration of heinous crimes and about the circumstances and reasons that led, through massive or systematic violations, to the perpetration of those crimes. Full and effective exercise of the right to the truth provides a vital safeguard against the recurrence of violations. 6 A criação da CNV não foi algo natural, mas consequência de fatores dos anos anteriores, como o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF 153/2010, que discutia a interpretação da Lei de Anistia e sua revisão, sendo decidido a improcedência da ação. Ou então, a condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que julgou o caso Júlia Gomes Lund e outros versus Brasil. 19 Criada pela Lei nº 12.528 de 18 de novembro de 2011, a CNV pode ser considerada como uma continuidade dos trabalhos antecedentes com natureza institucional como: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, 1995 (reparação ao familiares dos mortos e desaparecidos durante o período de 1961 a 1988); pela Comissão de Anistia de 2002 (indenização reparatória a “vítimas” dos atos arbitrários cometidos antes da Carta Magna de 1988); e, pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo (preservação da história de resistência contra a repressão política, o marco zero da memória sobre o legado da repressão). As quais tiveram como principais objetivos: o esclarecimento de fatos e circunstâncias; a análise e elucidação dos casos criminosos e seus autores; a publ icidade dos locais, estruturas e instituições que foram palco dessas violações; encaminhamento das informações às autoridades públicas; auxílio para outras instâncias do poder público; recomendações de medidas e políticas públicas; promoção da reconstrução da história dos casos apurados. A Comissão da Verdade cumpriu uma missão imprescindível, que está além das comissões anteriores, porque as anteriores tiveram um caráter punitivo e indenizatório, e, igualmente, do que um indiciamento judiciário penal pode oferecer, pois um processo penal trabalha com a verdade relativa e a restituição da dignidade fica apenas na história e nos documentos. Esse modelo da CNV deu ênfase às vítimas, focando no reflexo danoso que os traumas provocaram nelas, em seus familiares e em toda a sociedade. Para além, a Comissão da Verdade estabeleceu toda verdade referente as violações aos direitos humanos na vigência de regime autoritário brasileiro de 1946 a 1988 e ofereceu, com suas concl usões e recomendações, maiores benefícios à cidadania e à democracia. Apesar de no histórico brasileiro as investigações das verdades serem limitadas a algumas informações sobre mortos e desaparecidos, terem muitas tentativas fracassadas de responsabilização criminal dos autores de violações e não ter havido reforma de instituições do regime político, a Comissão tornou-se uma benesse à coletividade, por abrir espaço à multiplicidade de vozes e verdades sobre determinado fato e seus efeitos. De outra forma, exerceu o papel de uma justiça extensiva e asseguradora, a qual permite tratar o passado manejando depoimentos múltiplas sobre o sofrimento das vítimas e de seus pares. O objetivo de identificar e tornar públicos os locais, as instituições e as circunstâncias pertinentes a violações dos direitos humanos é para impedir o esquecimento por apagamento de rastros. E nisso, a conclusão da Comissão e o seu relatório atenderam 20 de forma eficiente e razoável, corroborando principalmente com a transparência, pois num regime democrático de direito a publicidade é a regra. Logo, a abrangência dos trabalhos da Comissão demonstrou as consequências de um poder que age na surdina, tanto por se ocultar quanto ocultar. A verdade factual e a objetividade e imparcialidade da Comissão foram contribuições consideráveis para a justiça de transição, pois o resgate das verdades e das memórias desse período possibilita a cada geração reagrupar os fatos a sua maneira. E se tratando do regime autoritário, fatos como os desembaraçados pela Comissão não são nem serão questões de opinião. Pelo contrário, contradisse a falsidade e ocultação e a mentira na manipulação dos fatos. Por isso, “os seus modos de asserção não foram os de evidência da verdade racional, mas sim o desvendamento dos fatos pelo testemunho e pelo acesso à informação” (LAFER, 2012, p. 128). 21 4 CASA DA MORTE: UMA DESCOBERTA DA COMISSÃO DA VERDADE Mesmo que surjam dificuldades a respeito da memória que se deve lembrar, pois “não há, assim, uma percepção histórica única, clara e imune às influências das pressões sociais e às circunstâncias políticas, em que se encontra inserido o historiador ou intérprete” (SAMPAIO; LEMOS, 2014, p. 207), e apesar da aprovação democrática da Lei de Anistia, que teve como um dos maiores motivadores a crença que seria a única forma de fazer cessar as perseguições, os exílios políticos e a clandestinidade daqueles que viviam como opositores do regime anterior, a transformação democrática impõe ao Estado diversas obrigações, como criar meios para o conhecimento de fatos passados, independente da fonte; garantir o reconhecimento das graves violações aos direitos humanos; assegurar a responsabilização dos culpados e a reparação das vítimas e de seus familiares; rememorar todos os fatos, para uma efetiva construção de identidade coletiva e para a não repetição das violações aos direitos humanos. Atendendo essas obrigações, a Comissão Nacional da Verdade confeccionou dossiês volumosos com inúmeros temas, compilando relatórios detalhados de toda a investigação que fizera, juntando documentos, fotografias, depoimentos, entre outros, os quais revelaram a organização dos agentes públicos e o tratamento desumano que empregavam aos presos políticos na ditadura militar. Possibilitando a denúncia dos culpados e garantindo que houvessem documentos bastantes para consolidar a cultura rememorativa sobre a ditadura. Ao total foram oito Relatórios Preliminares de Pesquisa, sendo o terceiro relatório, apresentado em 25/03/2014 ao Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, referente a todo funcionamento da Casa da Morte. De acordo com o Relatório Preliminar de Pesquisa sobre a Casa da Morte, essa casa, conhecida também como a Casa dos Horrores, foi um centro clandestino de prisões ilegais, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de presos políticos nos anos de chumbo7, localizada na cidade de Petrópolis/RJ. O imóvel, emprestado ao Fernando Ayres da Motta, foi escolhido estrategicamente por estar localizado em um bairro de difícil acesso, afastado do centro, e por ser cercado por matas densas e com poucos vizinhos. Segundo o relatório, na época que foi negociado o empréstimo com o proprietário Mario Lodders, Fernando tentou esconder a verdadeira intenção, dizendo que o espaço serviria de moradia 7 Termo cunhado por Élio Gaspari, Anos de Chumbo é o nome dado ao período que vai da edição do AI-5, durante o governo do Presidente Costa e Silva, até o final do Governo do Presidente Médici, considerado o período mais violento de todo o regime militar. 22 para seu filho recém-casado, porém, o filho nunca apareceu. Outra estratégia, para camuflar o constante movimento na propriedade e para dar “vida” a casa, foi a organização de festas e instalações de decorações para passar a imagem de um lugar comum habitado. A Casa da Morte foi instituída em 1971 para atender uma nova etapa da ditadura, a qual usava uma estratégia de intensificação do combate às organizações armadas de oposição ao governo. Contava com bases secretas e equipes especializadas, comumente subordinadas ao comando das Forças Armadas, na execução de uma política de extermínio e desaparecimento forçado. A necessidade dessa nova etapa surge com a enorme repercussão do caso Chael Charles Schreier, morto sob tortura na 1ª Companhia de P olícia do Exército da Vila Militar do Rio de Janeiro em 1969, e do deputado Rubens Paiva, morto sob tortura na casa da morte e seu cadáver ocultado no DOI do I Exército em janeiro de 1971. Até então, “as torturas e as execuções extrajudiciais de opositores políticos foram, na maioria das vezes, encobertas por falsas versões de suicídios, confrontos, fugas e atropelamentos” (CNV, 2014, p. 6). Em entrevista concedida à Comissão Nacional da Verdade, (2014, p. 9), o Tenente Coronel na época, Paulo Malhães, revelou que essa casa era seu trabalho específico, sendo ele quem organizou todo o ambiente, inclusive selecionando colaboradores. Destacou na entrevista que foi o responsável pelo “tratamento” de pelo menos 4 presos políticos levados ao local. Na casa trabalhavam militares previamente escolhidos, especificamente militares do Centro de Informações do Exército 8 (CIE), os quais permaneciam à paisana. Para esses agentes, essa casa era conhecida como a “casa de conveniência”, um ponto de apoio aos DOI-Codis9, principalmente dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Um lugar onde eram empregados esforços (todos os tipos de atrocidades) para que o preso político “mudasse de lado” e se tornasse um infiltrado da repressão nos movimentos de esquerda ou, em sua maioria, eram assassinados. Assim, a Casa da Morte tornou-se num 8 O Centro de Informações do Exército (CIE) era órgão diretamente subordinado ao Ministro do Exército, responsável por orientar, coordenar e supervisionar as atividades de informações e contrainformações internas e segurança interna do Exército. Com papel central na estrutura da repressão ditatorial, foi responsável por enorme parte das mortes e desaparecimentos durante 1969 e 1975. 9 Em 1970, é criado o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e o Destacamento de Operações de Informações (DOI), instalados nas principais capitais do país. Conhecidos à época pela sigla DOI-CODI, foram os locais por onde passaram milhares de presos e onde ocorreu a maioria dos casos de execuções e desaparecimentos forçados de opositores ao regime. DOI-CODI era um dos órgãos que davam sustentação ao sistema repressivo. 23 lugar para cometer várias espécies de crimes que permaneceriam no anonimato, não fosse a sobrevivência de uma prisioneira, a qual anos mais tarde denunciaria tudo. Mineira, natural de Pouso Alegre e nascida no ano de 1942, Inês Etienne Romeu foi líder estudantil e dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Conforme o relatório da Comissão da Verdade (CNV, 2014, pág. 14), sua trajetória do terror começou na cidade de São Paulo/SP, no dia 05 de maio de 1971 na parte da manhã, dia em que foi presa por agentes comandados pelo então delegado Sérgio Paranhos Fleury, ocasião que fora levada para o DEOPS-SP10 para ser interrogada. Já presa, requisitaram informações e submeteram-na à tortura. Transportaram-na para o Rio, submetendo-a ao ensaio de um suposto encontro que teria no dia posterior. No dia seguinte, a caminho desse “encontro” forjado pelos seus algozes, pela primeira vez tentou suicídio, atirando-se na frente de um ônibus. Saiu do episódio com escoriações e queimaduras, mas sem fraturas, obtendo tratamento médico em seguida. Três dias depois, antes mesmo de receber alta, Inês foi retirada à força do Hospital, jogada em uma caminhonete e levada à Casa da Morte, passando mais de noventa dias presa, sendo humilhada, estuprada e torturada. A casa da morte só foi revelada a partir do depoimento de Inês, pois foi a única vítima sobrevivente que passou por essa casa. Com muita audácia e coragem, teve sua libertação após convencer seus torturados que tinha mudado de ideologia e que estava comprometida em tornar-se uma infiltrada, ganhando a liberdade para nunca mais voltar. Mas antes de ser liberada para a sua suposta primeira missão, foi forçada a assinar declarações acusando sua própria irmã de subversão e firmar contrato de trabalho, gravando em vídeo relatando ser uma agente do governo infiltrada e que recebia remuneração por isso. Inês registrou a denúncia pela primeira vez em 1979 à Ordem dos Advogados do Brasil, uma semana após ter deixado a prisão, beneficiada pela Lei de Anistia, onde cumpriu oito anos de pena no presídio feminino Talavera Bruce, em Bangu, por supostamente ter participado do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher. Sua denúncia foi importante em muitos sentidos, pois em seu relato foi possível saber as barbáries que eram 10 O Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP) foi criado em 1924, numa época de agitações políticas e crise social, para reprimir e prevenir delitos considerados contra a ordem e a segurança do Estado e se tornou, ao decorrer dos anos, um dos departamentos mais temidos da polícia civil do Estado de São Paulo. Foi extinto em 4 de março de 1983 na esteira das eleições diretas para governador e o seu arquivo passou para a guarda da Polícia Federal. 24 cometidas naquele local, identificar os nomes dos agentes que trabalharam na casa e das pessoas que foram mortas ou ocultadas no local, além de ajudar a localizar o imóvel e o proprietário, Mario Lodders. Inês, também, listou nomes de desaparecidos políticos sobre os quais ela teve notícia durante o tempo que permaneceu na casa. Destes, seis teriam sido assassinados em Petrópolis: Carlos Alberto Soares de Freitas, Mariano Joaquim da Silva, Aluízio Palhano Pedreira, Heleny Teles Ferreira Guariba, Walter Ribeiro Novais e Paulo de Tarso Celestino da Silva. Já Ivan Mota Dias, José Raimundo da Costa e o Rubens Paiva 11, apesar de mencionados, as investigações da CNV não encontraram elementos que permitissem provar que tenham passado por lá. Ressalta-se que a Marilena Villas Boas Pinto é a única vítima da Casa da Morte de Petrópolis mencionada cuja a família conseguiu resgatar o corpo e realizar o enterro. Dez anos depois do seu depoimento para a OAB, Inês procurou um jurista para que ajuizasse demanda contra o Estado, relativo ao calvário que sofreu nos noventa e seis dias em que passou por aquele centro clandestino de tortura e extermínio. De acordo com sua fala, ela não buscava indenização, queria justiça. Queria que o Estado reconhecesse oficialmente todos os males que fez contra ela, por meio dos agentes públicos. Foi então que a ação judicial proposta na 17ª Vara de Justiça Federal de São Paulo, em dezembro de 2002, foi julgada procedente para o fim de declarar a existência de relação jurídica entre Inês Etienne Romeu e a União Federal, por conta dos crimes cometidos pelos agentes militares. Cinco anos depois, a União desistiu do recurso contra essa decisão do TRF/SP e o TRF da 3ª Região confirmou a sentença. Destaca-se que antes desse reconhecimento por parte do Estado, agentes do CIE já haviam declarado que a casa era utilizada para fins de interrogatório, como o depoimento de Adyr Fiúza de Castro, general e chefe do CIE de 1967 a 1969. As informações trazidas por Inês foram completadas e corroboradas por documentos produzidos pelo próprio Estado e por testemunhos de ex-presos políticos e por agentes do regime ditatorial militar, como o Amilcar Lobo (oficial médico), o Marival 11 A prova que Rubens foi morto e esquartejado na Casa da Morte está na entrevista que Marival Chaves Dias Canto, ex-agente do CIE e do DOI CODI do II Exército em São Paulo, deu à revista VEJA, de 18 de novembro de 1992, onde declarou: “(...)Ele [o ex-deputado Rubens Paiva] foi levado por um destacamento do I Exército para a casa de Petrópolis, onde o mataram. Usaram o método de cortar o corpo aos pedaços e enterrar em locais diferentes” (RELATÓRIO, p. 24). 25 Chaves (sargento), o Cláudio Guerra (delegado de Polícia) e o Paulo Malhães (tenente coronel). Colaboradores de um projeto da Comissão Nacional da Verdade em parceria com a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, que buscava a garantia do direito à memória coletiva e à verdade. Um dos depoimentos mais marcantes fora a do Paulo Malhães, na época oficial integrante das equipes especiais do CIE. Nesse depoimento, confessou que torturou, mutilou e matou e para apagar rastros ou dificultar eventual identificação dos corpos, arrancou dentes e dedos das vítimas. Diz ele que não havia outra solução, por isso não se arrependia do que fez. Sem estimar quantas pessoas torturou, mutilou e matou, apenas asseverou que foram tantos quanto foram necessários e que não teria como dizer um número total certo, porque a casa não era só controlada por ele. Em vários depoimentos Inês conta e reafirma as violações que lá sofreu, entre outras, agressão física e psicológica; passou por inúmeros abusos sexuais, inclusive por parte do Antônio Waneir Pinheiro Lima (vulgo Camarão) em duas ocasiões; teve seu corpo molestado – como quando Camarão verificou seus órgãos genitais a procura de vestígios de estupros dos outros agentes da casa, ou quando esses agentes mandavam segurar suas próprias genitálias ou tocavam a dela. Esteve amarrada a “paus de arara” e espancada; sofreu com choques elétricos da cabeça aos pés; foi obrigada a fazer serviços domésticos completamente nua e assistida com todos as espécies de manifestações obscenas por parte dos agentes; foi submetida ao Pentotal Sódico (soro da verdade); e, tamanho os danos sofridos por ela que a segunda tentativa de suicídio ocorreu na própria casa. A Comissão ainda salienta que houveram denúncias de desaparecimentos posteriores ao depoimento de Inês Etienne que poderiam estar vinculadas ao centro clandestino de tortura e extermínio de Petrópolis/RJ, como as vítimas: Celso Gilberto de Oliveira; Antônio Joaquim Souza Machado; João Batista Rita; Joaquim Pires Cerveira, Eduardo Collier Filho; Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira; David Capistrano da Costa, José Roman; Ana Rosa Kucinski Silva; Wilson Silva; Walter de Souza Ribeiro; Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto; Issami Nakamura Okano. 26 5 CONCLUSÃO A transformação do regime político brasileiro requer do Estado o reconhecimento das violações através de políticas públicas que alcancem e disponibilizem a todos as verdades do período ditatorial, gerando meios de reparação das vítimas, dos seus familiares e da sociedade brasileira. Como em qualquer governo de exceção, o regime militar no Brasil foi marcado por ações que implementaram a tortura, o desaparecimento forçado, o exílio político, entre outras arbitrariedades. A grande particularidade do caso brasileiro foi que a impunidade e o lapso nas memórias do período não se mantiveram no período da ditadura em si, mas permanece nos dias atuais. A pesquisa expôs que as memórias de um grupo não podem ser confundidas com história, pois enquanto a história é criada cientificamente, numa reconstrução problemática e incompleta do que não mais existe, as memórias caminham em direção ao mundo do passado da vivência de um grupo e estão vivas e se comportam no hábito. Os lugares de memória entram em jogo para abrigar os restos de uma consciência que ainda não se transformaram em história e possuem sempre três características: material, simbólico e funcional. Termo que apropriado pelos direitos humanos extrapola seus usos oriundos do campo do patrimônio cultural e passam a servir a toda herança da ditadura militar. Uma ferramenta àqueles que não viveram as violações, mas que recebem essa responsabilidade de construção das memórias daquele tempo para a construção da identidade individual e coletiva. Deste modo, o estudo demonstrou a grande necessidade de valorização dos direitos à verdade e à memória, uma vez que o primeiro traz informação, dignidade às vítimas e aos familiares daqueles que sofreram as violações de direitos, além, é claro, da consequente punição dos agentes dessas violações e, o segundo, cria ambiente para a valorização do sentimento democrático através do “recontar”, cotidianamente, que a ruptura do Estado Democrático de Direito implica em perdas de liberdades. Ambos os direitos dependem muito da implementação de políticas públicas que viabilizem a identidade democrática de uma dada sociedade. Neste sentido, a Comissão Nacional da Verdade representou um passo importantíssimo para a transição para o Estado Democrático de Direito. A contribuição da comissão da verdade foi de duas ordens: investigação e recomendações para o Estado. Uma das investigações teve como objeto a Casa da Morte. Imóvel que se tornou um centro clandestino de prisões ilegais, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de presos políticos, escolhido para atender uma nova etapa que 27 exigia sigilo e ocultações. Lugar que não deixou rastros, exceto Inês, que fora a única sobrevivente que passara por essa casa dos horrores e que testemunhou todas as violências que sofreu e que teve notícia que aconteceu. Como resultado do estudo, foi percebido que a busca pela verdade e o resgate da memória coletiva das violações ocorridas no período ditatorial são fundamentais no processo de efetivação dos direitos humanos e na construção e preservação da democracia, razão pela qual se justifica o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. A relação de interdependência entre o direito à verdade e à memória transforma-se em instrumento eficaz para a garantia do direito a ter direitos, porque o sigilo, o esquecimento absoluto e a não implementação de propostas que reparem as ofensas aos direitos humanos são inconcebíveis com a consolidação da democracia. Conclui-se, portanto, que a Casa da Morte é um lugar de memória e que a garantia de um direito à verdade das violações aos direitos humanos que aconteceram na casa no período ditatorial deve ser reconhecida pelo Estado brasileiro e a implementação de políticas de memórias, como a criação de um memorial, serve tanto para efetivação dos direitos humanos como para a não repetição dessas graves violações. REFERÊNCIAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 22/04/2018. BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979. Lei de Anistia. Brasília, DF: 28 de agosto de 1979. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 12/04/2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. 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