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LIVE :presença, ausência e corpo em isolamento

2020, Revista Diálogo Pertinentes

https://doi.org/10.26843

Publicado originalmente em: http://publicacoes.unifran.br/index.php/dialogospertinentes/issue/view/218 RESUMO: Começamos a vislumbrar este artigo pensando em algumas cenas de carnaval, considerando o carnaval de rua, o desfile das escolas de samba e dos trios elétricos, culminando nas lives sobre as quais aqui nos debruçamos. Vamos mais tarde chamar a atenção para o acontecimento que remete à presença/ausência do corpo político na passagem desses eventos coletivos para o âmbito privado de espaços enunciativos informatizados, provocando a equivocidade do sentido de lives. Finalizamos refletindo sobre os efeitos da materialidade técnica sobre os sentidos, engendrando memórias e esquecimentos. Palavras-chave: Live. Materialidade digital. Corpo. Isolamento.

p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 LIVE - PRESENÇA, AUSÊNCIA E CORPO EM ISOLAMENTO LIVE - PRESENCE, ABSENCE AND BODIES IN ISOLATION 6 SILVEIRA, JULIANA DOUTORA EM LETRAS PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (UEM) PÓS-DOUTORANDA PELO PNPD/CAPES NO PPG EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM DA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA (UNISUL) E-MAIL: JULIASILVEIRA@HOTMAIL.COM ORCID ID: 0000-0002-3811-4703 GALLO, SOLANGE L. DOUTORA EM LINGUÍSTICA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP) E PELO COLLÈGE INTERNATIONAL DE PHILOSOPHIE DE PARIS DOCENTE DO PPG EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM DA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA (UNISUL). E-MAIL: SOLANGELEDAGALLO@GMAIL.COM ORCID ID: 0000-0002-0243-4983 PEQUENO, VITOR DOUTOR EM LINGUÍSTICA PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP) DOCENTE DO CURSO DE PSICOLOGIA - UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO (USF). E-MAIL: PEQUENOVITOR@GMAIL.COM ORCID ID: 000-0003-4506-0667 RESUMO: Começamos a vislumbrar este artigo pensando em algumas cenas de carnaval, considerando o carnaval de rua, o desfile das escolas de samba e dos trios elétricos, culminando nas lives sobre as quais aqui nos debruçamos. Vamos mais tarde chamar a atenção para o acontecimento que remete à presença/ausência do corpo político na passagem desses eventos coletivos para o âmbito privado de espaços enunciativos informatizados, provocando a equivocidade do sentido de lives. Finalizamos refletindo sobre os efeitos da materialidade técnica sobre os sentidos, engendrando memórias e esquecimentos. Palavras-chave: Live. Materialidade digital. Corpo. Isolamento. 123 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras ABSTRACT: This article began with glimpses and memories of carnaval scenes, and our experiences with street carnival, with the great parades of the samba schools and major artists, and now, finally, with the presence of artists online in the form of lives about which this paper was written. Later we try to discern the event that beckens to the experiences of a form of presence and absence in the political body of these collective rituals, now they have shifted into the private domain of digital enunciative spaces, putting new meaning to the notion of live. Finally we reflect on the effects of these technical materialities over meaning, engendering new forms of memory and forgetting. Keywords: Live. Digital Materiality. Body. Isolation. INTRODUÇÃO Eu conheci o carnaval no interior do Estado de São Paulo. Meu pai, marceneiro, ensonhava a tecnologia dos carros alegóricos que ele montava com maestria impressionante, com rodas que giravam águas coloridas, com carrossel “de verdade”, em movimento, com trapézio e até, no ano de 1964, com um foguete - na época, uma homenagem de meu pai ao Sputnik. O foguete se levantou em direção aos céus, soando uma sirene ensurdecedora e soltando fumaça, no centro da praça de Serra Negra. O povo correu para se proteger, temendo o alvoroço, a fumaça e o tamanho daquele gigante que, em pé, ultrapassava a altura do único prédio de andares da cidade. Uma emoção guardada no peito para sempre – o carnaval do meu pai. Ao mesmo tempo, minha mãe, uma estilista sem grife nem diploma, e mesmo assim chefe do que poderíamos considerar uma pequena escola de samba, organizava o desfile da pequena cidade. Pela sua mão nós todos fomos vestidos, ano após ano, para acompanhar os carros do mestre Galão. Na rua, ao som de uma pequena bateria que nos acompanhava, cantávamos marchinhas de carnaval. Todo mundo era igual ou, melhor, todo mundo era uma coisa só. Desde então o carnaval esteve comigo. O procurei e o segui, em todos os lugares que morei, assistindo-o se transformar, tomar novas formas e novos nomes. Depois das marchinhas veio o samba-enredo, e passamos a admirar a técnica e a beleza das escolas de samba. Naquela avenida passavam alas de diferentes fantasias e, principalmente, uma bateria espetacular, na qual os tambores, as caixas, e outros instrumentos, tocando freneticamente, vinham levando todos 124 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 para o balanço do samba. Essa prática carnavalesca também acabou sendo (re)inventada em cidades pequenas, com pequenas baterias que passavam e enredavam o público para junto de foliões fantasiados, ao som de sambas e marchinhas. Nas cidades de interior e nos bairros das grandes metrópoles acontecem ainda hoje, os blocos, às vezes uniformes, às vezes multiformes, às vezes com camisetas próprias, mas sempre ao som daquela música, sempre na rua, sempre com aquela bateria, os tambores e os tamborins, e por vezes um trombone ou um trompete cantando as notas das canções, se repetindo. Repetindo alguma coisa muito mais antiga que o enredo daquele ano. O carnaval tem a ver, portanto, com como a cidade acontece, com a memória de certos povos e de um movimento musical. É atravessado pela forma de organização das comunidades e de circulação dos corpos. Portanto, nos faz pensar na historicidade da ordem dos dizeres e da circulação dos sentidos. O carnaval de rua acontece sem convite nem programação definida: ele acontece. Pouca gente sabe bem certo como ele se dá, mas quem gosta dele sempre o encontra: ele não precisa de formalidade nem exige reverência. É um encontro, tão imediato quanto é fugaz, e um efeito: efeito de sentido entre corpos, efeito de identificação e de memória. Ali, a história de um povo (re)acontece. Nesse carnaval, que só permanece tão idílico no coração daqueles que o vivenciaram na infância, a figura imaginária do indivíduo não ganha nunca o palco. O protagonista dessa prática é o tempo todo o corpo político de uma massa que insiste em um gesto de reconhecimento. É esse reconhecimento que sustentou a prática do carnaval em todos os momentos em que o carnaval era esse das marchas, dos sambas, das bandinhas, dos coretos, dos blocos das comunidades, enfim, dos povos que (ainda) ocupam a cidade. [...] quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância [narcísica em relação ao outro] se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. Uma tal limitação do narcisismo, de acordo com nossas conceituações teóricas, só pode ser produzida por um determinado fator, um laço libidinal com outras pessoas. O 125 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras amor por si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros [...] (FREUD, 1969, p.107) Às vezes, em meio a essa tradição das massas, adentrava um caminhão de som, gente em cima, cantando. Um certo descompasso e desconforto. A música do caminhão nunca era bem aquela que o povo, no chão, cantava: uma invasão maquínica nem sempre bem-vinda. Tinha a função de potencializar o som, espalhar o som, fazer chegar o som, o que, dito de outro jeito é: inventar um novo som, atrelado a novas práticas técnicas de circulação e atravessado por outras exigências de consumo. Da mesma forma como mais tarde muitos pensariam sobre o celular ou sobre a internet, na época que os trios elétricos chegaram, pensávamos que se tratava de um esforço inócuo: ora, os verdadeiros interessados na festa estavam no chão, na rua, dançando no seu próprio balanço. Mas eles continuaram vindo, muito diferentes dos blocos de rua. Vinham com protagonistas famosos, as Elbas, Danielas, Ivetes. Vinham para serem assistidos; adorados. Palcos gigantes, móveis, altíssimos, trazendo cantores famosos para desfilar na avenida. Aconteceu também com as escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo, nas quais os lugares de destaque começaram a ser tomados pelas grandes celebridades globais. O imaginário do indivíduo tomava o espaço até então relegado às comunidades de periferia, e para aqueles acostumados às marchinhas e aos sambas-enredo cantados na rua, esse era um som que marcava um outro carnaval, uma outra forma da prática que se fez em um acontecimento. Agora, frente a tudo que está sendo desencadeado pelas mudanças estruturais e violentas dos últimos anos e, principalmente como resultado direto ou indireto da pandemia do vírus COVID-19, nos vemos diante de um novo acontecimento. O espaço simbólico do carnaval brasileiro se transforma de novo. E é aqui que devemos nos ater pelo resto desse artigo, pois nossa intenção não é, na verdade, pensar na história do carnaval, mas na historicidade das práticas públicas que agora se esvaziam ainda mais, em sua “representação” digital. Pois o que é verdade sobre o carnaval é também verdade sobre grande parte da prática do teatro, de muito do congresso e do simpósio, e principalmente da sala de aula. A saber: que no esquecimento da espessura técnica dos gestos linguageiros1, e 1 A ideia de esquecimento da espessura técnica dos gestos linguageiros foi desenvolvida na tese Tecnologia e Esquecimento: uma crítica a representações universais de linguagem, por Pequeno (2019), e se fundamenta em algumas observações fundamentais, a saber: 1. de que a materialidade da língua não pode ser confundida com a 126 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 sob a ilusão da transposição dos discursos entre espaços enunciativos distintos, testemunhamos a produção de práticas de individuação dessas experiências constitutivamente coletivas, esvaziando delas seus sentidos e as desarmando de seu poder. Conforme Orlandi: Pensando a inscrição do sujeito na formação discursiva para que se identifique, assim como a produção do sentido, e o reflexo das formações ideológicas nas formações discursivas, podemos ver como é nesse passo, em que o sujeito individu(aliz)ado se identifica que pode haver ruptura. Essa ruptura é possível porque, se de um lado, na forma do capitalismo atual, a falha do Estado é estruturante do sistema capitalista, de outro, a ideologia é um ritual com falhas. E a falha é o lugar do possível. Daí a contradição: o que segrega é o que torna possível a ruptura do processo de individuação, de identificação, na confluência da falha do Estado no processo de individuação e da falha da ideologia no processo de identificação do sujeito à formação discursiva (ORLANDI, 2012, p.230). Veremos aqui tanto a instância da individuação sem falhas, como a ruptura possível desse processo. ESPAÇOS ENUNCIATIVOS INFORMATIZADOS E MATERIALIDADE TÉCNICA Em nossas análises, temos insistido na ideia de que o espaço do cotidiano, do ordinário, do coletivo, ou seja, o espaço do comum, é totalmente ressignificado quando submetido à normatização dos espaços enunciativos informatizados. Os diferentes recursos técnicos mobilizados na tentativa de produzir um corpo coletivo encontra, na materialidade digital, desafios singulares (SILVEIRA, 2020). Temos tentado reiterar também que essa ressignificação está ligada a uma forma de esquecimento em relação a materialidade concreta das práticas linguageiras, na forma da fantasia de que o sentido é independente da especificidade concreta do gesto de linguagem. materialidade, por exemplo, da escrita; 2. que essas formas de materialidade (como da escrita, da tipografia, da digitação) tem efeitos sobre os sentidos e de que; 3. esses efeitos são sistematicamente esquecidos, tanto no senso comum quanto na grande maior parte da história do pensamento sobre escrita e linguagem. É esse esquecimento que o autor tenta demonstrar em tese, e essa materialidade (técnica) que tenta incluir no campo de dispositivos analíticos da Análise de Discurso. 127 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras Há, de fato, uma heterogeneidade irredutível na fonte daquilo que chamamos de discurso. Especificidades que resistem à apropriação. E se há um real da história e um real da língua, então porque não um real da escrita, da fala, da digitação? (PEQUENO, 2019, p.102). Por muito tempo, os espaços enunciativos informatizados foram o alvo de uma narrativa sobre a democratização dos dizeres, a liberação das vozes: espaços que comportam uma interlocução coletiva amplificada, desterritorializada, desmaterializada. Ao estudar o rumor como um fato social que se potencializava no seu encontro com a materialidade digital (SILVEIRA, 2015), no entanto, pudemos observar que o fato coletivo do rumor nos espaços informatizados, atravessados por processos de midiatização específicos, funcionava também como um efeito de coletividade, efeito rumor2. Entendemos, assim, que por ser um discurso ordinário na forma do discurso da escritoralidade3, o rumor, constitutivamente relacionado a uma coletividade, passava a se produzir, na materialidade digital, enquanto efeito-rumor, instituindo novas relações de sentido, sobretudo quando relacionadas à questão da autoria. Entendemos, assim, que na forma discurso da escritoralidade, o efeito-rumor possui o mesmo estatuto que o efeito-autor dos discursos de escrita, agora remetido aos efeitos de quantidade e de anonimato, que ganham legitimidade com a materialidade digital (GALLO e SILVEIRA, 2017). Assim como ocorre com o encontro dos corpos no carnaval de rua que não se pode reproduzir nos espaços informatizados - o rumor, nesses espaços, deixa de ser o discurso de um sujeito coletivo ordinário, inapreensível no seu efeito de massa, e passa a ser individualizado por um processo de quantificação baseado na soma de diferentes perfis (avatares) facilmente isoláveis, rastreáveis, localizáveis. Nesses espaços privados de participação, logo descobrimos a(s) (im)possibilidades dos sujeitos se sentirem parte do grande corpo popular; efeito paradoxal da materialidade digital que, ao mesmo tempo em que é o espaço onde todos os discursos se massificam, é também o espaço onde o corpo 2 Nos espaços enunciativos informatizados temos disputas que se dão em torno de “sujeitos usuários e ordinários, colocando, de um lado, o sujeito midiático, extra ordinário, individualizado; e, de outro lado, o sujeito ordinário, comum, anônimo” (SILVEIRA, 2020, p.15). São, portanto, formas de interlocução atravessadas pelo modo como a normatização dos espaços enunciativos informatizados constrói a espacialização dos dizeres assimetricamente, conforme demonstra Adorno (2015, p. 45). 3 Sobre Forma-Discurso de Escritoralidade, acesse GALLO, Solange L. - Discurso de Escritoralidade. 1 vídeo (7min e 26seg). In: MARIANI, Bethania (Coord.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis). Niterói: UFF, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=E2Lj449ahzc. Acesso em 10 set. 2020. 128 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 social pode ser segmentado, quantificado, individualizado. Todo corpo é nessa materialidade lido como um corpo privado, individual. por essa quase latência do corpo, se dá o que podemos chamar de “ilimitado do corpo simbolizado”. A permissividade em simbolizar o corpo no espaço virtual é quase uma contradição permanente na relação com a letra e com a língua que materializa o corpo. Essa língua, matéria digital de uma memória metálica e não histórica, pode dizer o corpo imaginário, quase sem limites, exceto pelo limite dado pela ausência, presentificando-se, nesse caso, como um simulacro, um avatar. É esse o corpo que muitas vezes é exposto na intimidade para ser mostrado nas tramas do espaço público. (GALLO; ROMÃO, 2011, p.16) Ao falar de uma ordem discursiva rumoral, chamamos a atenção para a singularidade do (des)encontro entre o discurso ordinário e as mídias sociais digitais, que se caracterizou inicialmente como uma possibilidade de liberação da voz e do corpo social, antes limitados a circularem nos becos, ruas e bares e que, por muito tempo, as instituições midiáticas buscaram forjar, mas, ao mesmo tempo enquadrar, enformar, escantear. Em nossas pesquisas buscamos dar ênfase ao modo como, a partir das técnicas de manipulação de imagens digitais, por exemplo, os espaços enunciativos informatizados constroem mecanismos e forjam práticas linguageiras que pretendem representar o corpo social, recortando e ressignificando, a cada momento e em cada espaço, formas diversas de interlocução. Nesse processo, no entanto, cada vez mais se convoca o âmbito do privado, que passa a representar, paradoxalmente, o ordinário, o social, garantidos quase que exclusivamente por mecanismos de quantificação; nós, perfis, avatares que somados produzem o efeito de uma coletividade. Sabemos que há muito os processos de midiatização buscam construir o efeito de presença das massas por meio dos mais variados aparatos técnicos. Chegar às massas, para encantar, dominar, fazer sonhar, foi o objetivo da imprensa, do rádio, da televisão. Incorporar as massas, fazê-la falar, sentir, participar, foi o sonho (irrealizado?) das mídias digitais. Se o trio elétrico faz ruído no carnaval feito no chão pelos sujeitos ordinários que conformam o corpo político, o que ocorre com as 129 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras técnicas que mobilizamos na produção das lives que se colocam como alternativas potenciais de uma participação social diante do isolamento físico imposto pela pandemia? Algo desse funcionamento rompe com o espaço estabilizado do corpo social, um corpo político, que deixa de ser, nessas condições, uma proposição estabilizada, requerendo novos e outros gestos de interpretação. Vejamos. PRESENÇA E AUSÊNCIA: CORPO(S) EM ISOLAMENTO Essas primeiras imagens são de um Trio Elétrico, no qual Daniela Mercury canta para o público do carnaval de Salvador. Figura 1: Prints vídeo Daniela Mercury – Carnaval e Serpentina – Bloco Crocodilo 2020. 130 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 Fonte: Youtube, 2020.4 Milhares de pessoas no chão pulam e cantam as letras conhecidas, cobertas apenas pelos caríssimos abadás – uma multidão aglomerada, efervescente e apaziguada, muitos metros abaixo do palco móvel do trio que atravessa a avenida como alvo de veneração. Na cena mais remota, milhares de pessoas ocupam a cidade, seguem pequenas bandas ou grupos de samba, cantando marchinhas antigas e se rendendo aos caminhos novos do espaço público que promete partilhar com o povo esse privilégio que, em todos os outros dias do ano, é o privilégio do capital: o uso da cidade. Acontece o carnaval brasileiro. Aqui uma impressão que vale marcar é o quanto duas práticas distintas se imbricam no acontecimento. De um lado, temos a memória do carnaval que aqui lembramos, e que está ligado com a existência de um certo tipo de corpo social, cuja identidade é a do grupo, cujo espaço é a cidade, e cuja posição é ordinária. Mas do outro, temos a nítida sensação de que esse carnaval é engolido pelo carnaval das celebridades, que aglomera um grande público que assiste, ao mesmo tempo que dança e canta. As práticas sociais em completa contradição. Não se trata do carnaval de rua, agora acompanhado por um Trio Elétrico, como se poderia supor mas, ao contrário, trata-se do palco móvel, e de toda tecnologia necessária à sua aparição, adentrando o espaço público. O palco tem em si uma cena privada. Essa cena toma o lugar da cena coletiva. O acontecimento dos trios elétricos é um acontecimento de mercantilização do sujeito carnavalesco. Ele agora tem nome, tem “grife”: Daniela, Ivete, Chiclete com Banana, etc. Não se trata mais de um coletivo sem nome e não monetarizado. O que temos 4 Disponível em: https://youtu.be/4f-pGH_6dy0. Acesso em: 30 jul. 2020. 131 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras é o espetáculo midiático, o artista famoso, o efeito autoral do discurso artístico, a relação com a memória dos grandes shows, da programação das grandes emissoras, ou seja: dos discursos de escrita, na sua relação com os processos sociais de individuação. Nas imagens seguintes, Daniela Mercury canta na sala da sua casa, em uma live. Ambas as transmissões aconteceram neste ano de 2020, uma antes e outra durante a pandemia. Nessa segunda cena, milhares de pessoas mandam pequenas imagens de corações e arcos-íris, mandam comentários enquanto a artista, estranha na câmera estática e no silêncio do playback eletrônico, dança na ampla sala vazia de sua própria casa. Pelo distanciamento imposto pela pandemia, tivemos todos que nos recolher em nossas casa. Isso nos roubou, definitivamente, não só da permanência na rua, mas da participação de coletivos de rua. Então começaram as “lives”, como essa de Daniela Mercury. Desapareceu o público. Figura 2: Print da live “Daniela Mercury - Em casa com o SESC” Fonte: Youtube, 2020. 5 Em um processo que chamamos de mercantilização do carnaval, vimos em um primeiro momento, o povo das ruas ser invadido pelo palco gigante do trio elétrico - ambiente privado - agora o vemos desaparecer. Como se materializa, afinal, esse acontecimento, produzindo o efeito de normalidade para um “show” sem público? O espaço enunciativo não informatizado, do trio elétrico, está presente/ausente nesse espaço enunciativo informatizado, onde acontece a live, já que é a memória do palco que torna possível a interpretação da live. Mas tem um resto. A ausência produz, também, sentido - um sentido de estranhamento. O espaço enunciativo informatizado tem suas formas de normatização que 5 Disponível em: https://youtu.be/QwUqs0rvaf0. Acesso em: 30 jul. 2020. 132 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 também são responsáveis pela determinação do sentido. A materialidade digital, que condensa audiovisual e transmissão em “tempo real”, também engendra o processo de midiatização. No entanto, trata-se de uma midiatização de algo do âmbito privado, e não público. O palco do trio elétrico também é privado, no entanto, seu sentido é determinado pelo espaço (social) público onde ele acontece. Aqui, na live, trata-se de um espaço informatizado - por definição privado - que acontece no âmbito (social) privado. Por essa razão não há interlocução. Não que não haja audiência, mas o que estamos propondo é que não há interlocutores na cena enunciativa, apenas espelhamento - uma dobra do privado. Essa não é, é claro, uma característica de toda e qualquer live. Ao contrário, o tipo mais comum de live traz a interlocução para a cena enunciativa na qual acontece. Por exemplo, quando o artista, por meio de uma interlocução no espaço privado de sua casa, vai desdobrando uma apresentação artística. Figura 3: Live Toquinho #EmCasaComSesc Fonte: Youtube, 2020. 6 Na segunda imagem, Toquinho diz “Ah, não tem aplauso...” e, imediatamente ganha os aplausos de alguém do seu lado: o estranhamento de uma posição que mesmo sob circunstâncias impossíveis, tenta (re)existir. Esse constitui o tipo mais comum de live em que se dá uma interlocução de âmbito (social) privado no espaço enunciativo informatizado, e esse acontecimento enunciativo é transmitido em “tempo real”, pela via da tecnologia de streaming. Há, ainda, um terceiro tipo de live, como as de Teresa Cristina, no Instagram, nas quais a interlocução se estabelece entre dois sujeitos em dois diferentes espaços enunciativos informatizados. No caso das lives realizadas pelo perfil de Teresa Cristina, no Instagram, vemos a constituição de um espaço enunciativo informatizado 6 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xEwt0MPNDL4. Acesso em 30 jul. 2020. 133 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras que convoca uma interlocução própria da normatização desse espaço e, portanto, diferente das lives já citadas, feitas no Youtube. Essa interlocução se dá baseada em critérios técnicos, determinados pelo aplicativo, que pouco tem a ver com a memória de espaços enunciativos próprios do discurso artístico, ou ordinário, como é o caso dos exemplos anteriores, em que vemos uma tentativa de reproduzir um show, uma performance. Nesse caso, a live não tem o espaço privado nem do palco, nem da casa, nem tem interlocução em um desses possíveis espaços de âmbito (social) privado. Cada um dos interlocutores está no seu próprio espaço enunciativo informatizado e, a partir desses espaços, estabelecem a relação de interlocução. Figura 4: Prints das lives disponíveis em @teresacristinaoficial7 Fonte: Instagram, 2020. 7 Disponível em: https://www.instagram.com/teresacristinaoficial/. Acesso em 30 jul. 2020. 134 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 Esse tipo de live nem convoca uma memória de um espetáculo midiático que conta com o âmbito (social) público, nem propõe uma interlocução em âmbito (social) privado. Ela dispensa relações de interlocução que não sejam as que estabelece em espaços enunciativos informatizados. Somente essas contam e são colocadas em cena. As referências geográficas desaparecem. No entanto, o efeito de sentido dominante é dado pelo discurso artístico, embora haja uma sobredeterminação da normatização própria do espaço informatizado em questão: uma outra forma de corpo político começa a se organizar. E por essas novas vias, os cantores cantam, os músicos tocam, e o efeito de sentido é outro, diferente de um show musical ou de um trio elétrico, ou diferente ainda da produção musical “caseira”, definitivamente diferente do que acontece em espaços enunciativos não informatizados. Sabemos que música é, sabemos quem é o artista, mas o sentido é inédito: um acontecimento discursivo. Ao falar do acontecimento, Pêcheux afirma que (...) só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (...) de deslocamento no seu espaço: não há identificação plenamente bem sucedida (PÊCHEUX, 2012, p.56). Em seu movimento, Teresa Cristina vai construindo modos outros de interlocução que fazem laço, costurando o social, o coletivo, a partir mesmo das (im)possibilidades de aproximar artista e audiência, ocupa a posição sujeito ordinário, ao mesmo tempo em que se transforma na “rainha das lives8”, convocando para o seu espaço, anônimos e celebridades, que “desfilam” diariamente ora na tela, ora no espaço dos comentários de suas transmissões. Chamamos a atenção aqui para alguns recortes em que, durante as lives, podemos flagar - pequenos estranhamentos, indicando que estamos diante de um relação de interlocução ainda em construção, a 8 Esse título aparece em inúmeras manifestações de fãs e seguidores, mas também virou notícia no mundo das celebridades, como podemos ver em matérias como as da Folha de S.Paulo, disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/ilustrada/2020/07/rainha-das-lives-teresa-cristina-fala-de-musica-no-ao-vivo-em-casa-as-17h.shtml. Ou, da Veja, chamando a atenção para essa live como uma “roda de samba”, disponível em: https://veja.abril. com.br/cultura/teresa-cristina-a-rainha-das-lives-virou-uma-roda-de-samba-virtual/ 135 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras partir da qual os sujeitos jogam, assumindo, negociando ou contornando a normatização técnica do espaço enunciativo informatizado. No recorte a seguir, retirado da live em homenagem feita a Gilberto Gil, temos o momento em que Preta Gil, que assistia a live, faz um comentário e, por isso, cria a possibilidade técnica de ser chamada por Teresa Cristina para dividir a tela com ela. Ao aparecer, Preta esboça a instabilidade produzida por esse lugar, ao surgir na tela de pijama, deitada em sua cama e elas conversam por alguns minutos: Figura5: Live Teresa Cristina REALCE GILBERTO GIL Preta Gil: eu tive coragem de falar oi aqui, porque eu estava quietinha, vou ver se o Fran vem aqui cantar... Teresa Cristina: Então, fala pra ele, deixa eu ver, como é o nome dele aqui? Preta Gil: é Fran, Francisco Gil Teresa Cristina: Mas, tá, é Francisco Gil o arroba? Preta Gil: Eu acho que é Fran o arroba. Teresa: Fala pra ele sair e entrar de novo, porque aí o Instagram vai perguntar pra ele se ele quer participar da conversa, aí eu chamo ele no quadradinho. (...) Teresa Cristina: O Fran tá aqui. (...) Então, gente, o Instagram ele tem um algoritmo muito escroto. Ele mostra pessoa, ele não mostra pra todo mundo. Então, assim, o que vocês enxergam eu posso não enxergar. Fonte: Instagram, 2020. 9 Em outra live, dessa vez em homenagem ao ator Antônio Pitanga, quem aparece na live para conversar com Teresa é Chico Buarque e, após falarem sobre o colega homenageado, Chico se despede e Teresa precisa encerrar a transmissão de sua imagem. Nesse momento, ela estranha o próprio gesto e diz: “Gente, a minha ação mais cruel que eu fiz em 52 9 No quadro ao lado apresentamos uma transcrição livre e parcial da live transmitida por Teresa Cristina. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CBChLJgHFmk/. Acesso 30 jul. 2020. 136 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 anos de vida foi remover Chico Buarque. Não se remove Chico Buarque de lugar nenhum! Não dá, o dedo não clica!”. Em seu caráter de acontecimento, lives como a de Teresa Cristina, que invadem nossas telas na pandemia, permitem flagrar os equívocos que se produzem no imbricamento entre as materialidades histórica, discursiva e técnica. Os efeitos que esse imbricamento produz é de que “estamos juntos”, “estamos vivos”, “estamos participando de um encontro”. Efeitos que se realizam no momento em que mais fortemente sentimos a retirada de nossos corpos físicos dos espaços sociais. Isso remete os sentidos de live a um “conteúdo sócio-político, ao mesmo tempo perfeitamente transparente e profundamente opaco” (PÊCHEUX, p.20). Então temos um contexto no qual, ao mesmo tempo que se perde a presença da massa pública, da ocupação da cidade, se constroem os novos modos de materialização do corpo político. O estranhamento aqui se dá porque a interpretação artística que a live de Teresa Cristina evoca, não funciona de modo estável. Justamente porque esse não é o espaço coletivo do show; não se dá pela ausência ou presença do corpo coletivo, como vimos ocorrer no exemplo com a live de Daniela Mercury: ele inaugura algo. Ele inaugura um outro tipo de coletivo, que atravessa e é atravessado pelos espaços enunciativos informatizados. OS EFEITOS DA MATERIALIDADE TÉCNICA SOBRE OS EFEITOS DE SENTIDO Entender o efeito das práticas técnicas digitais sobre os efeitos de sentido é análogo a acompanhar a história da transição (inicial e primariamente no norte da África e no mediterrâneo europeu) entre sociedades cujas práticas sociais/produtivas são predominantemente orais, e sociedades cujas práticas sociais/produtivas giram em torno de aspectos da grafia. Essa transição é determinante no processo de se entender como é que uma nova tecnologia de linguagem é apropriada no campo prático da existência social. De fato, sabemos que a prática da grafia está relacionada com as formas produtivas de uma época, e de uma geografia: não é uma prática evidente, nem muito menos universal. E, entretanto, se pensarmos na grafia ou no alfabeto, é exatamente isso que aparece não só no imaginário social, mas também na literatura científica sobre o assunto. Da mesma forma que Pêcheux defende o quanto cada sujeito produz sua “epistemologia da ação humana” (PÊCHEUX, 2016, p.283) no espaço 137 Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras do mito psicológico ocidental, defendemos que cada sujeito produz sua “teleologia espontânea das origens dos enunciados”: penso, portanto falo. Falo, portanto, escrevo. Escrevo, portanto, dígito. Ou seja: que as origens dos enunciados são os chamados “pensamentos”: esquecimento da espessura técnica dos enunciados. O que tenho proposto (PEQUENO, 2019), é que a especificidade técnica na qual se materializa, por exemplo, a língua, tem profundos efeitos sobre o que se pode materializar. Dito de outra forma: “a materialidade da língua não é a materialidade da escrita”. E enquanto qualquer linguista (a não ser os advindos das mais idealistas tradições) teria dificuldade em se opor à observação de que escrever algo produz efeitos sobre o que se enuncia, mesmo assim frequentemente não somos capazes de reconhecer os efeitos que, por exemplo, as tecnologias digitais têm em reconstruir as nossas relações políticas uns com os outros e, por consequência, nossa subjetividade. O que deve-se considerar para entender a diferença entre a live de Daniela Mercury e a de Teresa Cristina é o reconhecimento dos efeitos da materialidade técnica sobre os efeitos de sentido. No caso de Daniela Mercury, a posição é de “adaptação”, “transcrição” ou “representação”, ou seja: a esperança (vã) de que se possa fazer na sala da casa, o que uma vez se fez nas ruas da cidade. No caso de Teresa Cristina, por outro lado, temos um reconhecimento: o reconhecimento absoluto de que não se pode, em meio à pandemia, fazer aquilo que chamamos de carnaval, ou de um show. É nesse e desse ato de reconhecimento que o acontecimento se tece: no encontro entre novas materialidades técnicas, engendrando novas possibilidades de formulação, e finalmente abrindo o caminho para novas formas de constituição: a subjetividade em movimento. Mas o que é mais belo aqui e que se deve reconhecer não é fato em si da diferença entre as duas artistas, mas a razão pela qual a diferença é tão gritante. Até hoje professores, jornalistas, cientistas e juristas, de todos os cantos do espectro político, se aterrorizaram com as formas como a circulação digital dos sentidos pôde enfraquecer o efeito de legitimação das chancelas institucionais. Ficamos embasbacados ao ver adolescentes irreverentes recebendo o reconhecimento, hoje, por plataformas como Youtube, que os Chicos Buarques e Paulos Freires não receberam em seus melhores dias. Nos revoltamos ao acompanhar o incêndio das fakenews, ameaçando as bases do diálogo político e colocando os alicerces da 138 p. 123-141 •Dossiê Temático • 2020 vida na polis, em jogo. Testemunhamos até, confusos, grupos na internet que professam terem encontrado as provas de que a terra é, na verdade, plana. Sentimos o mesmo tipo de horror que devem ter sentido os rabinos judeus com a chegada de Jesus Cristo no templo de Salomão: “blasfêmia!” afirmamos frente a nossas telas. Mas Teresa Cristina construiu sua carreira nos bares do Rio, longe das câmeras e holofotes com os quais está acostumada Daniela Mercury. E ela nos lembra que nem tudo dos discursos de escrita10 são rosas. Ela nos lembra que aqueles que não estão acostumados ao conforto das posições institucionais (de professor, de juiz, de jornalista e até mesmo, de alguns artistas) têm, na verdade, muito pouco a perder: podem reinventar a vida aos moldes que as novas práticas linguageiras tornam possível. Aqui, a tecnologia digital é resistência, e aquilo que era marginal vai tomando força nas ferramentas da hegemonia. Aqui a tecnologia digital é re-existência, pois é a admissão de que outros instrumentos vão exigir uma nova forma de fazer música, por assim dizer, ou mais tecnicamente: que um novo campo prático engendra novas subjetividades. Aqui Teresa Cristina é um lembrete: o corpo político do povo brasileiro não sumiu junto com o carnaval. Ele continua existindo desde que estejamos dispostos a reinventá-lo. Para aqueles que não estão vendo, nem ouvindo, sobra o apartamento vazio para fazer de conta que o carnaval ainda está acontecendo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final desse artigo, nos desfazemos do medo que nos assolava no início: de que algo estava perdido em nossas aulas à distância, nas lives incessantes, no isolamento não só das biomassas, mas também das subjetividades, entendemos que o corpo do carnaval nunca foi a presença empírica dos indivíduos, mas a reencenação das práticas de um povo. Aprendemos que em cada espaço enunciativo há novas formas de resistência. A única forma de falhar é tentar fazer o que sempre se fez, torcendo pra que a diferença não seja, assim, tão grande. Só são, afinal, tecnologias. REFERÊNCIAS ADORNO DE OLIVEIRA, G. (2015). Discursos sobre o eu na composição autoral dos vlogs. 171 f. Tese (Doutorado) - Curso de Linguística, Instituto de Estudos da Linguagem, 10 Sobre Discurso de Escrita, acesse GALLO, Solange L. - Discurso de Escrita e Efeito-autor. 1 vídeo (7min e 58seg). In: MARIANI, Bethania (Coord.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis). 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