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Desafios e possibilidades pastorais na cultura digital

2021, Olhar Diocesano

Qual importância da comunicação a partir do ponto de vista da evangelização diante dos desafios e possibilidades pastorais na cultura digital? Quais elementos devemos ter para construir uma presença evangelizadora? Os bispos latino-americanos, ainda nos anos 1970, já afirmaram que a evangelização é comunicação. Tudo o que a Igreja faz para anunciar o Evangelho é permeado por gestos de comunicação - a oração, a liturgia, a catequese, a arte sacra etc. Hoje, na cultura digital, a comunicação vem ainda mais à tona no nosso dia a dia, basta ver o que estamos vivendo ao longo deste período de pandemia. Sem comunicação, "não há nem comunhão, nem comunidade", como afirma o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (n. 13).

ENTREVISTA ntrevista E Moisés Sbardeloto De São Leopoldo-RS, professor, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação. A Revista Olhar Diocesano, em suas páginas da Entrevista, aborda conceitos importantes no processo comunicativo, reetindo e buscando os melhores caminhos para a evangelização nos novos tempos. O entrevistado é o professor Moisés Sbardeloto que assessorou a 37ª Semana Teológica promovida pela Diocese de Palmas-Francisco Beltrão, de 20 a 23 de agosto de 2021, como o tema: "Desaos e possibilidades pastorais na cultura digital". 12 Setembro/Outubro 2021 Qual importância da comunicação a partir do ponto de vista da evangelização diante dos desaos e possibilidades pastorais na cultura digital? Os bispos latino-americanos, ainda nos anos 1970, já armaram que a evangelização é comunicação. Tudo o que a Igreja faz para anunciar o Evangelho é permeado por gestos de comunicação – a oração, a liturgia, a catequese, a arte sacra etc. Hoje, na cultura digital, a comunicação vem ainda mais à tona no nosso dia a dia, basta ver o que estamos vivendo ao longo deste período de pandemia. Sem comunicação, “não há nem comunhão, nem comunidade”, como arma o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (n. 13). Quais elementos devemos ter para construir uma presença evangelizadora? O Papa Bento 16, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2011, disse claramente que existe um “estilo cristão” de presença no ambiente digital. “Traduz-se numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro.” Esses quatro elementos são fundamentais. Em primeiro lugar, um cristão não pode compactuar com a mentira ou com meias verdades, boatos, O principal desao é a quantidade incomensurável de informações que consumimos todos os dias. fake news, fofocas e ans. Um cristão também se comunica com todos, de forma aberta, sem se fechar em bolhas ou “panelinhas”. Busca ser verdadeiramente “católico”, isto é, universal, dialogante, ecumênico. A comunicação envolve ainda uma postura ética, daí a necessidade de se responsabilizar por aquilo que se comunica. A prática do “pronto, falei!”, não é muito cristã, nesse sentido. Por m, o cristão é alguém que respeita o outro, seja quem for. E sabemos como os últimos tempos têm sido marcados pela violência verbal escancarada, pelos discursos de ódio, pelos preconceitos, porém nada disso evangeliza. Estar presente como cristão no ambiente digital é colocar em prática tudo aquilo que Jesus viveu e ensinou e não apenas “falar de Jesus”. O encontro com Jesus é uma grande comunicação. Mas como se utilizar dessa mensagem comunicativa para fazer a diferença na vida das pessoas? Se alguém verdadeiramente se encontrou com Jesus, não consegue “segurar” isso para si mesmo, de forma egoísta. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco diz que a “fonte da ação evangelizadora” é justamente o encontro com o amor de Deus. E continua: “Se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?” (n. 8). Então, se alguém vive essa experiência, poderá fazer a diferença na vida das pessoas a partir da própria convivência com elas, compartilhando as suas alegrias e tristezas, os seus sonhos e os seus sofrimentos, comunicando o amor de Deus. Devemos car atentos para questões complexas na comunicação que podem nos levar a tropeçar em mensagens falsas. Como descobrir as armadilhas da comunicação diante de tantas possibilidades comunicativas? Esse é um risco muito preocupante, hoje. O principal desao é a quantidade incomensurável de informações que consumimos todos os dias. Desde que acordamos até a hora em que vamos dormir, quantas horas camos em frente a uma tela? Quantas imagens, textos, sons invadem a nossa mente? Por isso, em primeiro lugar, precisamos saber escolher o que queremos consumir do ponto de vista das informações e o que deixaremos conscientemente de lado. É preciso sair do “piloto automático”. E isso pelo nosso próprio bem-estar psíquico. O dia tem 24 horas: não temos condições físicas para dar conta de todas as informações que nos cercam. Por isso, é importante perguntar-se: onde busco e encontro informações? Quais são as minhas fontes? Qual a sua credibilidade e reputação? O que e quem estão envolvidos naquilo que leio, vejo, ouço? Que valores cristãos essa informação defende, fere ou ignora? Daí a necessidade de pesquisar, selecionar, decidir com consciência; em suma, discernir. Para que a Igreja seja missionária e em saída, ela não pode se contentar com aquilo que sempre fez e com os métodos de sempre. Como, no dia a dia, os pequenos meios de comunicação devem agir, na sua realidade regional, para fazer a diferença na comunidade? Os meios de comunicação locais têm um papel fundamental, porque estão presentes no “aqui e agora” dos bairros e das comunidades. Por isso, podem oferecer um ponto de vista diferenciado em comparação com a chamada “grande mídia”, que olha tudo a partir dos centros urbanos, muitas vezes negligenciando aquilo que acontece nos “rincões” do País. Para isso, as mídias locais não deixam de acompanhar os grandes debates nacionais ou até internacionais, mas buscam fazer isso a partir da realidade local. Assim, por um lado, podem mostrar os impactos concretos sobre a comunidade local dos fatos político-econômicos ou socioculturais de nível mais amplo. E, por outro lado, podem trazer à tona e dar destaque às boas notícias locais, àquilo que de bom acontece na “porta ao lado” e que, sem as mídias locais, poderia ser ignorado ou car esquecido. Setembro/Outubro 2021 13 A catequese é um bom “termômetro” de como estão as relações entre os éis de uma dada comunidade. É nela que a Igreja cresce e se forma. Como a catequese deve servir-se e ser criativa na construção de uma comunicação que leve aos catequizandos e aos pais uma diferença na evangelização e na vida? A catequese é um processo de comunicação muito importante na vida da Igreja, porque busca levar os catequizandos a conhecerem o amor de Deus e a pessoa de Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, introduzi-los na comunidade eclesial, na partilha da vida com os irmãos e irmãs de fé. Então, a catequese é um bom “termômetro” de como estão as relações entre os éis de uma dada comunidade. É nela que a Igreja cresce e se forma. Mas, para isso, tudo deve girar em torno do eixo principal, que é a experiência do amor de Deus e da vida em comunidade, e não das tecnologias a serem usadas, dos manuais catequéticos, da oratória do catequista etc. Tudo isso pode até ajudar, mas o principal é fomentar e educar para uma boa comunicação com Deus e com os irmãos e irmãs. Diante de tanta incerteza, insegurança e dor causada pela pandemia, observamos a comunicação em dois extremos: por um lado as falsas notícias por interesses obscuros, de outro a comunicação para contribuir com a verdade e a vida. Como o senhor analisa estes dois aspectos e sua inuência na comunidade? A pandemia, por um lado, explicitou aquilo que a própria OMS chamou de “infodemia”, ou seja, a disseminação de mentiras sobre o coronavírus, as vacinas, os métodos de prevenção. Ou seja, as piores práticas de comunicação. Por outro lado, particularmente no Brasil, sem o papel social e cívico dos meios de comunicação, não saberíamos sequer as dimensões da pandemia, depois que o governo decidiu restringir o acesso aos dados sobre a Covid-19. Em resposta, diversos veículos de comunicação rmaram um consórcio e passaram a trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias e repassá-las à população. Está sendo um belo exemplo de comunicação em defesa da vida. Isso nos mostra que a comunicação é um processo social e, portanto, não é bom ou mau em si mesmo: são as pessoas que tornam a comunicação uma ação de vida ou de morte. E essa decisão também está nas nossas mãos. 14 Setembro/Outubro 2021 Ousadia e criatividade são indispensáveis para o bom comunicador. Como usarmos e aplicarmos esses conceitos na Igreja em saída, como pede o Papa Francisco? Para fazer isso, é o próprio Papa quem nos oferece o critério fundamental: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘Sempre se fez assim’” (Evangelii gaudium, n. 33). Para que a Igreja seja missionária e em saída, ela não pode se contentar com aquilo que sempre fez e com os métodos de sempre. Devemos nos deixar desaar e inspirar pelas pessoas de hoje e pela comunicação de hoje. Assim poderemos ousar criativamente a fazer aquilo que ninguém ainda fez ou fazer melhor aquilo que já se faz com bons frutos. São as pessoas que tornam a comunicação uma ação de vida ou de morte. E essa decisão também está nas nossas mãos.