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Memória, Cultura e Indústrias Criativas

Memória, Cultura e Indústrias Criativas Universidade La Salle Reitor: Paulo Fossatti Vice-Reitor: Cledes Antonio Casagrande Pró-Reitor de Graduação: Cledes Antonio Casagrande Pró-Reitor de Administração: Vitor Augusto Costa Benites Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão: Cledes Antonio Casagrande Conselho da Editora Unilasalle Andressa de Souza, Cledes Antonio Casagrande, Cristiele Magalhães Ribeiro, Jonas Rodrigues Saraiva, Lúcia Regina Lucas da Rosa, Patrícia Kayser Vargas Mangan, Rute Henrique da Silva Ferreira, Tamára Cecília Karawejczyk Telles, Zilá Bernd, Ricardo Figueiredo Neujahr Conselho Editorial da série Andreia Oltramari (UFRGS). Cleusa Maria Gomes Graebin (UNILASALLE),. Dusan Scheriber (FEEVALE) Maria de Lourdes Borges (UNILASALLE). Paulo Lopes Henriques (ISEG/Lisboa). Tamára Cecilia Karawejczyk Telles (UNILASALLE). Willian Rey Ashfield (UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA, URUGUAY). Projeto gráfico e diagramação: Editora Unilasalle - Ricardo Neujahr Revisão final: Tamára Cecilia Karawejczyk Telles Editora Unilasalle Av. Victor Barreto, 2288 | Canoas, RS | 92.010-000 http://livrariavirtual.unilasalle.edu.br editora@unilasalle.edu.br +55 51 3476.8603 SÉRIE MEMÓRIA E GESTÃO CULTURAL UNILASALLE Margarete Panerai Araújo Tamára Cecilia Karawejczyk Telles Organizadoras Memória, Cultura e Indústrias Criativas Universidade La Salle | Editora Unilasalle Canoas, 2020 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 6 Marilene Maia APROXIMAÇÕES CALEIDOSCÓPICAS ENTRE MEMÓRIA, CULTURA E INDÚSTRIAS CRIATIVAS ................................................................................................................................... 8 Margarete Panerai Araujo; Tamára Cecilia Karawejczyk Telles Parte um: Olhares Externos GESTÃO DO CONHECIMENTO NA INDÚSTRIA CRIATIVA: ESTUDO DE CASO DE AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE ................................................................................................. 13 Caroline Esther Buss; Dusan Schreiber; Raquel Engelmann Machado; Cristiano Max Pereira Pinheiro LA INTERCULTURALIDAD Y EL CAMBIO EN EL DISCURSO DEL REGUETÓN ............. 26 Marco Antonio Chávez Aguayo; Angélica Jiménez Muñoz POR UMA HISTÓRIA DOS LUGARES: A MEMÓRIA DAS CIDADES NO ENSINO DE HISTÓRIA ................................................................................................................................... 37 Daniel Luciano Gevehr SÍNTESE SOBRE A INSERÇÃO DA ECONOMIA CRIATIVA NA AGENDA DO GOVERNO FEDERAL ENTRE 2012-2018 ..................................................................................................... 44 Fabiane Frois B Weiler; Silvio Arend A EFICÁCIA ESTÁ NOS OLHOS DE QUE VÊ: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO GRUPAL DA EFICÁCIA EM EQUIPES DE TECNOLOGIA ..................................................................... 54 Luciane Wolff; Patrícia Martins Fagundes Cabral Parte Dois: Olhares internos A FORMAÇÃO DA MEMÓRIA CULTURAL ATRAVÉS DA INDÚSTRIA CRIATIVA: EDUCAÇÃO INFANTIL EM UMA COMUNIDADE DA SERRA GAÚCHA ........................... 63 Denise Anschau Rodrigues Mors; Margarete Panerai Araujo; Moisés Waismann LIVRO E LITERATURA NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA REDE SESC .......................... 73 Simone Luz Ferreira Constante; Margarete Panerai Araújo; Judite Sanson de Bem; Moisés Waismann MEMÓRIA E TEORIA INSTITUCIONAL: UMA BRICOLAGEM DE CONCEITOS TRAMADOS ENTRE SI .............................................................................................................. 83 Claudia Freire Beux; Tamára Cecilia Karawejczyk Telles INCUBADORA POPULAR E O CASO DE UMA INCUBADA: REFLEXÕES SOBRE MEMÓRIA ORGANIZACIONAL .............................................................................................. 91 José Francisco Ribeiro de Lemos; Maria de Lourdes Borges; Luciane Raupp GRAMADO: CINEMA E MEMÓRIA ...................................................................................... 104 Daniela Schmitt; Cleusa Maria Gomes Graebin; Tamara Cecilia Karawejczyk Telles SOBRE OS AUTORES ............................................................................................................... 110 APRESENTAÇÃO Marilene Maia O convite para apresentar a obra intitulada Memória, Cultura e Indústria Criativa foi um presente. Oportunizou um mergulho em temas, cenários, experiências, conhecimentos, territórios, organizações, agentes, temporalidades, indispensáveis às travessias contemporâneas, que estamos desafiadas/os a analisar e fazer. Ao final da leitura a sensação foi de alegria, marcada pela ampliação dos horizontes e indicação de perspectivas para a formação e trabalho. Muitos pesquisadores e autores, conceitos e articulações entre: conhecimentos e experiências; individualidades e convivialidades; passado, presente e futuro; local e global; disciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade; público e privado; ser e fazer; trabalhadores e organizações; profissional e multiprofissional; setores e intersetorialidade; formação e informação; tecnologia e artes; vivências e sistematizações, .... Relações indispensáveis para os enfrentamentos à disciplinaridade, aos individualismos, às intolerâncias, ao imediatismo, às hostilidades, aos fragmentos, às setorialidades que negam a história e a vida em sua totalidade, sistemas e múltiplas potencialidades. Cada texto é resultado de diferentes processos de aproximação com o real, a partir dos temas propostos pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais. Percursos investigativos garantidos com rigor científico demonstrado nos diferentes artigos, que indicam novas questões, que se conectam em processos analíticos e interventivos permanentes e co-responsáveis a serem assumidos pelas Ciências, Universidades, Estado e Sociedade. Memória e Cultura estão fartamente embasadas e se afirmam como mediações indispensáveis aos processos individuais, coletivos e sociais nos diferentes estudos e campos empíricos pesquisados. Encontramos organizações empresariais, governamentais e da sociedade civil, com diferentes matizes regulatórios. Múltiplos são os segmentos populacionais relacionados: equipes de trabalho; crianças e adolescentes; produtores e artesãos; gestores. A ambiência dos estudos também muito diversa: músicas, política, parques, esculturas, linguagem, tecnologias, informação, escolas, empresas e indústrias. Em meio a tudo a criatividade e a indústria e/ou economia criativa se introduzem como possibilidade e, ao mesmo tempo, desafio para os estudos relacionados. O livro Memória, Cultura e Indústria Criativa é rico em conteúdos polissêmicos e experiências multifacetadas, que se encontram e desencontram em diálogos profundos com autores de conteúdos e de organizações. O primeiro artigo destaca a importância da experiência e convivência antes ainda do conhecimento, como está posto no estudo de caso das agências de publicidade. O segundo artigo apresenta diálogo com os diferentes discursos da música El Regatón na história e identifica significativas mudanças em seus conteúdos. Na sequência está a análise do ensino da história apresentada a partir dos diferentes olhares, que é indicada como imprescindível para a construção da história presente e futura. Na continuidade podemos apreender a indispensável memória para a afirmação de políticas públicas de Estado e não de governos, como ensinou a política da economia criativa. O último estudo da primeira parte do livro discorre sobre a convivência nas organizações e equipes de trabalho a partir das diversidades, que se coloca como uma necessidade e possibilidade na contemporaneidade, especialmente quando o foco da organização está nas tecnologias. A segunda parte inicia com o estudo de caso que se propõe incidir sobre os péssimos indicadores da leitura para a sociedade brasileira e as suas implicações com a educação e a cultura. O estudo seguinte trata sobre o acesso à memória cultural a partir da escultura e da importância da construção de diálogos educativos sobre ela com as crianças. Nesta segunda parte ainda está desenvolvida uma revisão bibliográfica importante, relacionando dois temas fundantes para 6 todos os estudos, que é memória e teorias organizacionais. Por fim, os dois últimos artigos apresentam a importância da memória cultural e gestão organizacional, que exige sistematização das experiências e processos construídos para novos projetos. Um deles diz respeito à Incubadora de Economia Solidária e o ponto de comercialização na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o outro ao Museu do Cinema em Gramado. Com tudo isso, fica o convite à leitura desta obra coletiva. Memória, cultura e criatividade se colocam importantes mediações para o diálogo e à convivência para seguirmos juntas/os neste tempo. 7 APROXIMAÇÕES CALEIDOSCÓPICAS ENTRE MEMÓRIA, CULTURA E INDÚSTRIAS CRIATIVAS Margarete Panerai Araujo Tamára Cecilia Karawejczyk Telles A organização de um livro, inserido no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais que têm sua gênese interdisciplinar, promove discussões amplas e profícuas. O momento atual caracteriza-se por ser um período de grandes desafios. Desafios que levam as organizações em geral, incluindo-se o segmento da economia criativa, a se prepararem para superar as dificuldades apresentadas no dia-a-dia, evidenciadas pelas rápidas mudanças estabelecidas. Essas mudanças atingem a grande maioria das organizações, impulsionando o questionamento de paradigmas em todos os níveis da sociedade e do conhecimento humano, provocando em nós um estado de abertura e flexibilidade relacionadas às atuais sustentações epistemológicas do mundo contemporâneo. Entrelaçar memória, cultura e indústrias criativas, é legitimar um referencial teórico que é multidisciplinar e preocupa-se com questões ligadas à identidade, individual ou coletiva (BERND, 2013), comportando diversas abordagens, dependendo do olhar da disciplina ou do autor que dela está se ocupando, possibilitando a coexistência de visões até certo ponto antagônicas entre os autores das diversas áreas do saber. Como conceito significativo a noção de Memória tem sofrido ressignificações bastante importantes. Para Barros (2009), a memória é como um processo limitado e parcial de lembrar fatos passados ou o significado que um indivíduo representa como passado são as designações mais comuns e habituais da memória. Porém, para recordar, os indivíduos necessitam se apoiar nas convenções sociais, ou seja, o indivíduo se apropria de instrumentos criados por outros, tais como: as palavras e as ideias, sem os quais se torna impossível o funcionamento da memória individual e também de outras pessoas que possam legitimar suas recordações (GRAEBIN, 2013). Então, o indivíduo necessita das lembranças de outras pessoas para relembrar o seu próprio passado. Assim, memória coletiva, consiste na impossibilidade dos indivíduos lembrarem e evocarem o passado, desconsiderando os quadros sociais como referência da memória, sendo esses instrumentos da memória coletiva de reconstrução das imagens do passado. Sendo assim, as memórias dos indivíduos nunca são exclusivamente suas, pois nenhuma lembrança pode existir fora de um contexto social, “nossas impressões não se ligam a nenhuma base enquanto não nos tornamos um ser social” (HALBWACHS, 1990, p. 43). Neste sentido, o livro 2 da série Memória e Gestão, traz esses conceitos juntos com o contexto da cultura e das indústrias criativas, ligando aspectos destes campos investigativos, no intuito de promover reflexões multifacetárias. Este ainda é um momento da economia criativa, que está em expansão, sendo considerada pela UNCTAD (2012) e UNESCO (2018) aquela que reúne os setores mais dinâmicos. O Relatório de economia criativa (2012, p. 3), já havia destacado em seu conceito amplo, que a criatividade, oportuniza “o uso de ideias para produzir novas ideias”. Esse conceito sugere que a atividade humana memorial e os ativos culturais, são recursos dotados de valores culturais e econômicos. Diferentes produtos e serviços criativos fazem parte, desse mesmo escopo, pois “[...] produtos e serviços culturais podem ser vistos como um subconjunto de uma categoria maior, que pode ser chamada de produtos e serviços criativos, cuja produção exige um nível razoavelmente relevante de criatividade” (UNCTAD, 2012, p. 3). A expressão indústria cultural, ademais, foi largamente utilizada no período pós-guerra, oferecendo uma crítica ao entretenimento de massa e foi desenvolvida pela escola Frankfurt. Conforme a UNESCO, (UNCTAD 2012, p. 5), são “aquelas indústrias, que combinam a criação, produção e comercialização de conteúdos intangíveis e culturais 8 por natureza”. Nesse caminho conceitual, diversas abordagens amplificam esse caleidoscópio chamado de Indústrias Criativas. Nesse sentido, convém deixar clara a definição da UNCTAD (2012, p. 8) que são: [...] os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários; constituem um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente gerem receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado; posicionam-se no cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e industriais; e constituem um novo setor dinâmico no comércio mundial. Assim, o termo estudado e utilizado por John Howkins (2001), que englobou quinze indústrias criativas das mais diversas áreas foi considerado um conceito específico e, ao mesmo tempo, subjetivo, pois é “voltado para uma convergência de um grupo central de indústrias criativas e suas interações gerais, que geram crescimento e desenvolvimento econômico”, segundo a UNCTAD (2012, p. 10). Não menos importante, o papel desses segmentos está vinculado à cultura no debate como patrimônio, artes, mídia, e criações funcionais. Todas estão relacionadas e cabe demonstrar a Figura 1, que engloba um caleidoscópio dessas indústrias. O termo aqui utilizado, Caleidoscópio grosso modo é um aparelho usado para obtenção de imagens, que oportuniza nos seus movimentos giratórios e múltiplos distintas combinações que estejam em constante movimento. A combinação das ideias criativas, na imagem dos segmentos industriais, também demonstra a cultura e, consequentemente as memórias de forma interconectados, que deram o nome a essa inspiração e ao texto introdutório. Figura 1 - Imagem das indústrias criativas Fonte: UNCTAD, 2012, p. 12. Ao caracterizar a importância das indústrias criativas é bom lembrar que, esse conceito se aproxima também da interdisciplinaridade desse debate, que envolve inúmeras políticas, resgatam ideias e sua importância junto às diferentes cadeias criativas, além das novas perspectivas, que agregam o conhecimento das ciências humanas e sociais, e engloba visões empresariais baseadas nos “conceitos mercadológicos de propriedade intelectual, na qual marcas, patentes e direitos autorais forneciam os princípios para transformação da criatividade em produto” (FIRJAN, 2008 p. 1). O caleidoscópio aqui insinuado é polissêmico como a memória, contempla a cultura e a sociedade numa geração mútua, conforme abordou Morin (1998). O intuito da presente obra é traçar múltiplas aproximações entre os três grandes temas complexos. Assim, temos o prazer de disponibilizar aos leitores uma seleção de capítulos, que objetivam difundir as pesquisas e conhecimentos produzidos, ou seja, a sistematização da obra intitulada Memória, Cultura e Indústria Criativa do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais, que aborda estudos da linha de pesquisa de Memória e Gestão Cultural e, traça um panorama do nosso tempo e contexto das relações entre o todo e as partes. 9 A exposição do conteúdo da obra se mostra em capítulos separados em duas partes: A Parte Um: Olhares externos, que reúne os autores convidados de várias instituições e a Parte Dois: Os olhares internos, que reúne a comunidade acadêmica de professores, alunos e egressos da Universidade La Salle. O convite à leitura já delineado na Apresentação oportuniza de forma sistemática o mote orientador da obra. Nesse sentido, vamos recuperar o conteúdo e destacar a parcela de contribuições, de forma detalhada, que envolve essa SÉRIE MEMÓRIA E GESTÃO CULTURAL. Num primeiro momento, escrito pelos autores Caroline Esther Buss, Dusan Schreiber, Raquel Engelmann Machado, Cristiano Max Pereira Pinheiro o capítulo tratou-se da “Gestão do Conhecimento na Indústria Criativa: Estudo de Caso de Agências de Publicidade”. Aqui foram resgatados os temas da inovação e criatividade no processo criativo em três agências de publicidade e propaganda atuantes na região metropolitana de Porto Alegre/RS demonstrando, que a criatividade deve ser mais estudada, por ser uma atitude inestimável, social e pessoal, e que possui diversas aplicabilidades. No segundo capítulo de Marco Antonio Chávez Aguayo e Angélica Jiménez Muñoz com título “La Interculturalidad y el Cambio en el Discurso del Reguetón” teve como enfoque a música, como um movimento cultural do século XXI, trazendo a público o momento histórico sobre as narrativas e discursos culturais explícitos nas canções musicais declarando os preconceitos e empoderamentos, cujos signos metalinguísticos analisados tem enfoque transdisciplinar. As conexões apresentadas listam um assunto controverso com foco no diálogo intercultural. No terceiro capítulo de Daniel Luciano Gevehr, nomeado “Por uma História dos Lugares: A Memória das Cidades no Ensino de História” oferece um enfoque na produção do sentido e na representação do passado no saber e ensinar. A abordagem preserva a análise dos diferentes veículos de representação e símbolos espaciais num verdadeiro processo e discurso sobre o fazer história. O quarto capítulo de Fabiane Frois B Weiler e Silvio Arend discutem uma “Síntese sobre a Inserção da Economia Criativa na Agenda do Governo Federal Entre 2012-2018”. Ao analisar as ações vinculadas ao processo de inserção da Economia Criativa no Brasil, discorrem sobre consolidação do Ministério da Cultura e seus alinhamentos e atualizações no período proposto, ressaltando o empenho em consolidar a produção e difusão das atividades e bens de base cultural e criativa. No quinto capítulo as autoras Luciane Wolff e Patrícia Martins Fagundes Cabral mostram “A Eficácia está nos Olhos de quem vê: Um Estudo sobre o Processo Grupal da Eficácia em Equipes de Tecnologia” e discutem a dinâmica dos cenários na atualidade sobre o trabalho e o trabalhador. Destacam o propósito dos encaminhamentos sobre a formação de uma equipe condicionada às experiências e os principais fatores que a influenciam. Articulam os aspectos do trabalhador de tecnologia numa compreensão subjetiva, contingente e temporal. O sexto capítulo, na segunda parte do livro foi escrito por Denise Anschau Rodrigues Mors, Margarete Panerai Araujo, Moisés Waismann intitulado “A Formação da Memória Cultural através da Indústria Criativa: Educação Infantil em uma comunidade da Serra Gaúcha” abordou a reconstrução da memória da imigração germânica no município de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, através das Esculturas Parque Pedras do Silêncio. O texto remete a ressignificação pela educação patrimonial representada pelas esculturas em arenito expostas e oferece a análise de um Livro de Atividades, enquanto recurso de roteiro, para o público infantil, que visita o parque. O sétimo capítulo escrito pelos autores Simone Luz Ferreira Constante, Margarete Panerai Araújo, Judite Sanson de Bem, Moisés Waismann com título “Livro e Literatura no Brasil: Estudo de Caso da Rede Sesc” trazem a abordagem das políticas relativa ao desenvolvimento da cadeia produtiva do livro e de incentivo à leitura, relacionando a economia da cultura com diferentes capitais necessários para o consumo de bens culturais. O estudo de caso demonstrou a orientação do SESC como representação da cadeia do livro, nesse debate público. No oitavo capítulo as autoras Claudia Freire Beux e Tamára Cecilia Karawejczyk Telles apresentam a “Memória e Teoria Institucional: Uma Bricolagem de Conceitos Tramados entre si”. Constitui num conjunto de reflexões envolvendo a memória organizacional e a teoria institucional. As diferentes e constantes reinterpretações embasam uma realidade social erguida e sugestionada pelo ambiente institucional. 10 No nono capítulo os autores José Francisco Ribeiro de Lemos, Maria de Lourdes Borges e Luciane Raupp descrevem a “Incubadora Popular e o caso de uma incubada: reflexões sobre a memória organizacional” cujo objetivo envolveu as perspectivas sobre a memória organizacional da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) caracterizando os desafios da economia solidária e a autogestão. O último capítulo escrito pelas autoras Daniela Schmitt, Cleusa Maria Gomes Graebin, Tamara Cecilia Karawejczyk Telles reporta-se ao texto sobre “Gramado: Cinema e Memória” consolidando o reconhecimento nacional, do Festival de Cinema de Gramado que foi e, é responsável pela maior parte da produção cinematográfica. As memórias do Museu e Arquivo do Festival de Cinema de Gramado demonstram que foram resignificadas e ainda são compartilhadas. Esses inúmeros registros de pesquisas desenvolvidas com diferentes temas e confluências expressam um leque de forças e análises de diferentes fenômenos da sociedade, que merecem ser estudados e, que resultaram, nessa construção da obra Memória, Cultura e Indústria Criativa. Com essa instrumentalização teórica articulada nos capítulos apresentados, torna-se possível entregar para o público de leitores contribuindo com o saber coletivo. Desejamos uma ótima leitura a todos! As organizadoras. Referências BARROS, J. D’A. História e memória – uma relação na confluência entre tempo e espaço. MOUSEION, v. 3, n. 5, jan-jul.2009. BERND, Z. Breve panorama das principais teorias da memória. [texto impresso e entregue pela professora]. Material de aula, Curso Memória Social Bens Culturais, Unilasalle, 2013. FIRJAN – A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil. Estudos para o Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, Sistema FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Divisão de Estudos Econômicos, nº 2, 38 maio de 2008. Disponível em : <http://www.firjan.com.br/pagina-inicial.htm>. Acesso junho de 2020. GRAEBIN, C. M. G. Resumo a partir de vários estudos sobre memória - autores recomendados na bibliografia da disciplina. [texto impresso e entregue pela professora]. Material de aula, Curso Memória Social Bens Culturais, Unilasalle, 2013. HALBWACHS, M. Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. HOWKINS, J. The Creative Economy: How People Make money from Ideas, Penguin: Global, 2001. Relume Dumará. IFDM. ÍNDICE FIRJAN DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL. Disponível no endereço: <http://www.firjan.org.br/ ifdm/>. Acesso junho de 2020. MORIN, Edgar. O método 4: as ideias. Porto Alegre: Sulina; 1998. UNCTAD – Creative Economy Report 2008, The challenge of Assessing the Creative Economy: towards informed Policymaking, United Nations, 2008. Disponível em: <http://unctad.org/en/Docs/ditc20082cer_en.pdf>. Acesso junho de 2020. UNCTAD. Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. (2012). Disponível no endereço: <http:// unctad.org/en/Pages/Home.aspx>. Acesso junho de 2020. UNESCO. Repensar as Políticas Culturais: Criatividade para o desenvolvimento. Relatório Global de 2018. São Paulo:UNESCO, 2018. [Re|shaping cultural policies: advancing creativity for development; 2005 Convention global report, 2018: summary] Disponível em: <http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/reshaping-cultural-policies-2018-en. pdf>. Acesso em agosto de 2020. 11 Parte um: Olhares Externos 12 GESTÃO DO CONHECIMENTO NA INDÚSTRIA CRIATIVA: ESTUDO DE CASO DE AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE Caroline Esther Buss Dusan Schreiber Raquel Engelmann Machado Cristiano Max Pereira Pinheiro Em um contexto caracterizado pela globalização, rápidas mudanças, avanços tecnológicos e acirrada competição de mercado, as empresas buscam maneiras de se destacar e renovar-se constantemente. Seja no trabalho ou em outras esferas da vida, nunca se valorizou tanto o conhecimento e se cultivou a criatividade como nos dias atuais. As indústrias, cultural e criativa, não são importantes apenas por serem emergentes na economia, mas elas são relevantes porque trazem benefícios ao resto da economia e da sociedade, devido à maneira como as habilidades e o pensamento criativos se tornaram essenciais à maioria das demais atividades econômicas. Abordar um tema relacionado à inovação e criatividade como um dos elementos basilares para constituir o diferencial competitivo deve ser considerado relevante, no contexto atual, especialmente para as empresas que operam em qualquer um dos setores econômicos vinculados à indústria criativa, como o caso das agências de publicidade. O surgimento do termo “indústrias criativas” está associado a movimentos ocorridos a partir dos anos 1990 em alguns países industrializados, e seu advento decorre de mudanças econômicas e sociais que fizeram com que o foco se deslocasse das atividades industriais para as atividades intensivas em conhecimento, localizadas no setor de serviços. A virada cultural surge da combinação de dois fenômenos simultâneos: a emergência da sociedade do conhecimento e a transição de valores materialistas para valores pós-materialistas (BENDASSOLLI, et al., 2009). Acompanhar o atual processo social e cultural, extremamente dinâmico, tem se mostrado um desafio relevante para as organizações de praticamente todos os setores, e isso se reflete também na realidade do mercado publicitário. As agências deixaram de ser só de propaganda ou publicidade, para se tornarem agências de comunicação, atendendo os seus clientes conforme suas necessidades. Em decorrência da acirrada concorrência no mercado, atualmente os empresários devem confiar cada vez mais na publicidade para manter ou aumentar o volume de vendas, e consequentemente, a publicidade tem experimentado um grande crescimento (SANT’ANNA, 2002; LUPETTI, 2009). Com o intuito de contribuir para o debate acerca do tema em tela, foi realizada uma pesquisa para analisar a gestão do conhecimento no processo criativo em três agências de publicidade e propaganda atuantes na região metropolitana de Porto Alegre/RS, a partir da pesquisa documental a materiais institucionais, observação assistemática no ambiente de trabalho e realização de entrevistas semiestruturadas com seis profissionais atuantes nas agências analisadas, com perfis distintos, atuantes das áreas de gestão e criatividade, o que facultou evidenciar elementos empíricos que contribuíram para a análise do cenário estudado. Agências de publicidade A publicidade gera os efeitos de criação e ampliação de mercados, ação reguladora e sobre os preços, aceleração da rotação de estoques, melhoria da qualidade, entre outros. O público hoje não é mais passivo como em outros tempos, mas sim complexo e exigente, e para atendê-lo se faz necessário compreender seus hábitos, motivações e interesses. Mais do que o centro do processo, o cliente pode estar também integrado a ele, pois hoje ele é mais informado, mais conectado, atuante nos processos, na linguagem e na prática mercadológica (CHRISTOFOLI; CARVALHO, 2014). 13 O campo publicitário é constituído por diversos atores, tais como agências de propaganda, veículos de comunicação, gráficas, produtoras de áudio e vídeo, agências web e empresas de pesquisa de mercado, que atuam para atender governos ou empresas que necessitam de serviços específicos da área de comunicação (CHRISTOFOLI; CARVALHO, 2014). Uma agência representa a soma dos talentos dos profissionais a seu serviço na criação, pois a estrutura física utilizada são apenas recursos como o de qualquer outro escritório, portanto, o negócio publicitário repousa sobre a qualidade dos serviços prestados (SANT’ANNA, 2002). É difícil pensar que um publicitário terá atividades corriqueiras e uma rotina constante, pois além de se envolver com a criação das campanhas e peças publicitárias, há o envolvimento com diversas demandas administrativas, como questões contratuais, acompanhamento da contabilidade, gestão dos recursos humanos, entre outras (LUPETTI, 2009). A publicidade se desenvolve em torno dos sentimentos e tudo o mais que afeta o ser humano. Nela se utilizam todos os tipos de apelos, tendências e variações, princípios artísticos antigos e modernos, ou seja, os meios que podem causar impacto, e, portanto, há muito espaço para expressar a criatividade. A criatividade na publicidade é o ato de dar existência a algo novo, único e original, a capacidade de formar mentalmente ideias, imagens e coisas não presentes, com um determinado objetivo. O conhecimento se faz indispensável ao processo de criação e as informações sobre o assunto devem vir de pesquisas, clientes, vendedores, revendedores, do mercado, ou seja, de todas as fontes possíveis (SANT’ANNA, 2002). O entendimento intelectual do negócio do cliente é vital para a execução de um trabalho correto de publicidade, e a comunicação entre as partes é elemento fundamental para favorecer essa relação e garantir sucesso na divulgação. Portanto, as agências precisam conhecer as empresas clientes, seus produtos, as ações dos concorrentes no mercado e entender a missão, os objetivos e as estratégias de marketing dos seus contratantes (SANT’ANNA, 2002; LUPETTI, 2009). Muitos gestores não sabem como administrar os componentes criativos da inovação e equivocadamente acreditam que a imposição de estruturas e processos pode atrapalhar a criatividade, quando na verdade, uma estrutura estabelecida de maneira adequada só contribui para a sua manifestação (BEZERRA; GUIMARÃES, 2017). O avanço tecnológico exerceu influência direta nas rotinas das agências de propaganda, uma vez que os programas de computadores permitiram novas formas de construir as campanhas, e o sistema de transmissão de arquivos, pela via digital, propiciando maior agilidade ao processo, com softwares que auxiliam no seu dia a dia e no controle de trabalhos nas agências (CHRISTOFOLI; CARVALHO, 2017). É possível afirmar que o publicitário deve ter noções de psicologia, sociologia, conhecer bem os princípios de comunicação, as limitações que impõem aos diferentes meios de comunicação com a massa e ter uma sólida base técnica. Deve acompanhar os novos ritmos, tipos e tendências de negócios e estar conectado, já que na era da informação, as pessoas se informam, relacionam, divertem e consomem de um modo diferente, estabelecendo novos preceitos mercadológicos, nichos e oportunidades para os profissionais da comunicação (SANT’ANNA, 2002). O trabalho nas indústrias criativas é muitas vezes autônomo ou executado com base em uma contratação de curto prazo e profissionais criativos são muito menos propensos a confiar em credenciais educacionais e profissionais formais, pois muitas vezes dependem de contatos e da qualidade dos resultados de trabalhos anteriores para manteremse no mercado (BRIDGSTOCK, 2011). Assim, o universo das agências de publicidade e propaganda é dinâmico, versátil e variado. A agência deve buscar o desenvolvimento e gestão organizacional, como qualquer outro negócio, mas mantendo uma estrutura flexível, com procedimentos e políticas aplicáveis e administráveis de forma adequada, dirigir as tarefas diárias para o atingimento dos objetivos, favorecer a cooperação ativa de seus pares e criar um clima de trabalho construtivo (SANT’ANNA, 2002). Agências analisadas A amostra do estudo foi formada, pelos autores da pesquisa, por conveniência e é composta por três agências da região metropolitana de Porto Alegre/RS. Agência A foi fundada no ano de 2007em Novo Hamburgo, e possui 14 atualmente unidades em Novo Hamburgo/RS e São Paulo/SP. A empresa busca articular um discurso para a marca do cliente, de forma a propagar e amplificar sua estratégia e experiência, bem como gerar inteligência e insumos para alimentar a estratégia de marca; desenvolve modelos estratégicos que conectam a proposta de marca e/ou interesses de negócios com a plataforma digital da marca e orquestra a execução da estratégia de marca de forma a construir pontos de experiência que gerem valor para a marca e para as pessoas. A agência possui aproximadamente cem colaboradores, na sede e filial de São Paulo, entre as funções de analistas de sistema, designers, redatores, planejadores, estrategistas, jornalistas, engenheiros, publicitários, administradores, gerentes de projeto, desenvolvedores e blogueiros. Localizada na região central do município de Novo Hamburgo/RS, a Agência B é uma das mais antigas do segmento na região, somando trinta e dois anos de existência e empresas antigas da região como clientes de longa data. Possui atualmente onze funcionários em seu quadro operacional. Atua em diversos âmbitos do Marketing e Publicidade e Propaganda, tais como: criação de mídias diversas online e off-line, gerenciamento de redes sociais, marcas, materiais gráficos, embalagens, pdvs, merchandising, influencers, gestão de redes sociais, e-commerces, sites, endomarketing, encartes, anúncios, vídeos, TV, rádio, mídia externa e outdoors. Por fim, a Agência C fica localizada em Porto Alegre/RS e foi constituída há três anos. Possui três sóciosdiretores que atendem as demandas da agência, junto com um estagiário e um trabalhador autônomo na equipe, que atuam respectivamente na criação e na gestão de mídias digitais. Terceirizam as atividades financeiras e administrativas com profissional que atende duas vezes, semanalmente, na agência. Eventualmente terceirizam programação web e planejamento de mídia e de produção, no caso de campanhas mais complexas, além te atuar com profissionais que normalmente são independentes no segmento, como fotógrafos, por exemplo. Presta serviços de consultoria de business e marca, comunicação 360º, design, desenvolvimento de produto, gestão de redes sociais, produção de conteúdo e projetos de entretenimento de marca. Buscam se diferenciar posicionando-se como “Uma Plataforma de Inteligência Criativa em Negócios, Marketing e muito mais”. Processo criativo A primeira análise sobre o conceito de criatividade foi feita em 1950 pelo psicólogo e pesquisador Joy Paul Guilford (BEZERRA; GUIMARÃES, 2017). Do ponto de vista puramente teórico, pesquisadores e estudiosos estão ansiosos para aprender o máximo possível sobre a capacidade distintamente humana de gerar novas ideias, novas abordagens e novas soluções, uma vez que a criatividade é um dos fatores-chave que impulsionam a civilização (HENNESSEY; AMABILE, 2010). Quando se fala em trabalho criativo, a maioria das pessoas tem em mente tarefas estritas, geralmente atividades que envolvem a criação de ideias para novos produtos ou processos, adaptando os já existentes para novos propósitos ou criação de conteúdos midiáticos. No entanto, com a difusão simultânea das tecnologias digitais e da globalização comercial nos últimos anos, os profissionais criativos assumiram uma nova importância como fontes de valor agregado e propriedade intelectual (HUWS, 2015). O mundo está mudando em direção a uma economia que depende mais da criatividade e do conhecimento do que de qualquer outra matéria prima. Criatividade é a capacidade mais importante dos seres humanos, responsável pelas invenções que cercam a rotina diária, na memória, percepção e capacidade crítica (BODEN, 2004). A mente criativa gera os comerciais e demais conteúdos visuais, músicas das mais diversas, tecnologias e as artes expostas nos museus, desde os artefatos de civilizações primitivas até a arte contemporânea (SIMONTON, 2000). Segundo Simonton (2000), evidências mostram que a criatividade requer treinamento e práticas sistemáticas para se desenvolver, gerando ao longo do tempo o conhecimento. Já para Hennessey e Amabile (2010), os indivíduos são muito mais do que seus afetos, cognição ou treinamento, e os ambientes ou grupos sociais podem estar inseridos em culturas ou sociedades particulares, mas também os atravessam transversalmente, como quando vários grupos culturais ou religiosos vivem juntos dentro de uma sociedade. 15 O interesse contínuo e generalizado na questão de saber se o pensamento criativo e a resolução de problemas podem ser treinados é claramente devido ao fato de que na maioria das configurações organizacionais exigem-se soluções inovadoras de desenvolvimento de produtos e problemas, e espera-se que os trabalhadores se tornem cada vez mais criativos à medida que colaboram em equipes de projetos (HENNESSEY; AMABILE, 2010). A criatividade pode ser desenvolvida, mas para tal, Sternberg (2006) sugere ser necessário: redefinir problemas, analisando hipóteses, encorajar a geração de ideias e a colaboração, reconhecer que o conhecimento facilita e dificulta a criatividade, superar a resistência, ser sensível ao risco e assumir a responsabilidade por sucessos e fracassos, tolerar ambiguidades, ter amor pelo que faz, compensar a criatividade, aprender com os erros, ver as coisas sob outros pontos de vista e seguir sempre em busca do crescimento intelectual. Independente do propósito ou importância, as contribuições criativas sempre serão definidas com base no contexto em que estão inseridas (STERNBERG, 2006). O indivíduo criativo deve ajudar a quem avalia sua criatividade a entender as interações deste contexto. A criatividade deve ser promovida de diversas formas pelos empregadores, pelos próprios indivíduos criativos e pelas comunidades onde vivem (FLORIDA. 2011). Todo indivíduo é capaz de sonhar ou ter uma ideia, entretanto, poucos conseguem produzir um produto criativo, pois isso depende de fatores técnicos, recursos físicos e ainda, fatores ambientais. Indivíduos criativos precisam de comprometimento de longo prazo, forte sentido de propósito, motivação e uma capacidade de concentrar esforços, e normalmente de um ambiente familiar para dar apoio (HOWKINS, 2013). A exposição a múltiplas culturas pode, por si só, melhorar o comportamento criativo, ou seja, a amplitude da experiência multicultural está positivamente relacionada à criatividade em processos de desempenho e pensamentos considerados propícios ao comportamento criativo (HENNESSEY; AMABILE, 2010). A criatividade vem em todas as cores, gêneros e preferências pessoais, portanto, contratar considerando a diversidade pode ser considerada uma questão de sobrevivência econômica. Horários, regras e códigos organizacionais, como o de vestimenta, podem ser flexibilizados para estimular o processo criativo (FLORIDA, 2011). O humor positivo leva ao pensamento expansivo, brincalhão, divergente e à geração de novas ideias, ao passo que o humor negativo indica que algo é problemático e força os indivíduos para tentarem melhorar as questões através de ideias criativas - processamento de informações sistemático e cuidadoso. O resultado de ambos os processos são ideias boas e bem planejadas, realmente criativas (HENNESSEY; AMABILE, 2010). O contexto cultural, portanto, influenciará diretamente no valor a ser empregado a algo. A diversidade grupal pode criar divisões sociais, com consequências no desempenho, em sua maioria, negativas. Sugere-se que os efeitos mais positivos, como a criatividade, surgem a partir de diferenças subjacentes, como base funcional, educação ou personalidade, mas apenas quando o processo do grupo é gerenciado com cuidado (HENNESSEY; AMABILE, 2010). Entretanto, é necessário um terreno comum, conhecido como redundância de informações, para que a comunicação seja possível entre indivíduos com diferentes origens (DAGHFOUS, 2004). De todos os aspectos específicos do ambiente de trabalho, a pressão do tempo talvez tenha recebido a maior atenção de pesquisa dos psicólogos organizacionais que estudam a criatividade. O argumento teórico é que, na medida em que os funcionários sentem um grau de propriedade e controle sobre seu trabalho, eles serão mais motivados intrinsecamente e, portanto, mais propensos a envolver completamente seus processos cognitivos na solução de problemas no trabalho. Em contrapartida, o apoio de toda a organização, segurança psicológica, tempo suficiente para desempenho de tarefas, autonomia, feedback de desenvolvimento e objetivos de criatividade são facilitadores (HENNESSEY; AMABILE, 2010). O conhecimento é necessário para entender o meio em que estamos, mas costuma gerar uma perspectiva mais fechada, portanto, na opinião de Sternberg (2006), o conhecimento pode auxiliar ou prejudicar a criatividade. Os indivíduos, mesmo aqueles que alcançam notáveis realizações criativas, parecem ter uma tendência igualmente difusa de serem aprisionadas por experiências anteriores e de levar adiante conhecimentos que seriam melhor aproveitados se deixados para trás. O sistema cognitivo procura a interpretação que fornece o relato mais coerente, considerando todas as restrições (WARD; SMITH; FINKE, 1999). 16 Gestão do conhecimento O conhecimento está entre os mais valiosos recursos intangíveis das organizações, uma vez que determina a oferta de produtos de uma empresa, a capacidade de conceber novas ideias, de configurar recursos de maneira diferente e a habilidade de desenvolver e implantar estratégias inovadoras. O sucesso dos produtos comerciais e os novos conhecimentos criados para desenvolvê-los e produzi-los podem influenciar as estratégias adotadas e os resultados do conhecimento também podem alterar os modelos mentais dos membros da empresa, ajudando as estruturas e processos da empresa a evoluir (ZAHRA, Et. al., 2009; LANE, Et. al., 2006). Para adotar e obter resultados da gestão de conhecimento é preciso desenhar estratégias de disseminação da sua importância, consciente que a mesma não é somente uma ferramenta de gestão, mas algo a ser inserido na cultura da organização (KOTLER, 2009). A gestão do conhecimento parte da premissa de que todo o conhecimento existente nas organizações, proveniente da cabeça das pessoas, intrínseco aos processos e arraigado nos departamentos, é de posse da organização, mas em contrapartida, todos podem usufruir de todo o conhecimento presente na organização (LUCHESI, 2012). O conhecimento é dinâmico, criado através de interações sociais entre indivíduos e organizações. Portanto, o conhecimento é específico do contexto, uma vez que a informação se torna um conhecimento útil e significativo apenas quando inserido em um contexto e interpretado pelos indivíduos (CHOU, 2005). O conhecimento pode ser classificado como conhecimento tácito e conhecimento explícito. O conhecimento tácito é aquele que provêm da experiência do trabalhador na prática de suas funções rotineiras, contém know-how, conhecimento procedimental, insights e intuições. Já o conhecimento explícito pode ser expresso em números e palavras, coletado dentro ou fora da organização e depois combinado, editado ou processado para formar novos conhecimentos, e este é articulado formalmente na forma de dados, especificações e manuais (GONÇALO; BORGES, 2010). Em uma era competitiva, em que o sucesso depende na maioria das vezes da capacidade de produção de produtos e serviços inovadores, o conhecimento tácito constitui a base mais importante para a criação de valor baseada na inovação e se baseia na troca de informações em interações sociais, dentro e fora da empresa, e é mais bem transmitido em relações interpessoais, baseadas em uma linguagem comum aos envolvidos na relação (ASHEIN; GERTLER, 2006). Morgan (1996) sugere que as organizações devem usar a investigação como principal força orientadora, ao invés do planejamento prévio, o que ajudará a manter a flexibilidade e diversidade ao mesmo tempo em que se criam estruturas apropriadas para lidar com as contingências, propiciando um ambiente de trabalho que incentive o aprendizado, a criação e compartilhamento de conhecimentos. Dessa forma seus colaboradores podem atuar de forma autônoma, a empresa aumenta as chances de introdução de oportunidades inesperadas por meio dos indivíduos, e estes se sentem mais motivados para a criação de novos conhecimentos (NONAKA; TAKEUCHI, 2008). O planejamento em nível estratégico da gestão de conhecimento é algo complexo, uma vez que se a intenção não for comunicada adequadamente por parte da organização e seus gestores, e tampouco os colaboradores entenderão a sua relevância e podem concluir que a partilha do seu conhecimento significa perder a propriedade intelectual sobre este, agindo instintivamente de modo a reter o conhecimento que possuem. Quando uma organização consegue catalisar o conhecimento individual em prol do conhecimento organizacional, atinge patamares de desempenho e inovação que em muito lhe beneficiam (LUCHESI, 2012). Os mecanismos de armazenamento e recuperação de conhecimento constituem um aspecto importante da gestão eficaz do conhecimento, dessa forma, o armazenamento, organização e recuperação do conhecimento organizacional, também referido como memória organizacional, constitui um aspecto importante da gestão eficaz do conhecimento organizacional. Tecnologia avançada de armazenamento e técnicas sofisticadas de recuperação, como e-mail, intranet, linguagem de consulta e sistemas de gerenciamento de bancos de dados, podem ser ferramentas eficazes para aprimorar os recursos de armazenamento e recuperação de conhecimento, auxiliando o profissional a recuperar e categorizar informações úteis (CHOU, 2005). Deve-se considerar, entretanto, que a estrutura organizacional e as formas de comunicação interna afetam a 17 transferência do conhecimento adquirido para todas as partes da organização. A comunicação cria uma oportunidade para a transferência interna de conhecimento da empresa, ou seja, uma estrutura organizacional que permite o máximo de comunicação entre vários departamentos melhora a capacidade de absorção de novos conhecimentos para a empresa. Supondo que um nível suficiente de conhecimento se propõe a assegurar uma comunicação eficaz, as interações entre indivíduos que possuem estruturas de conhecimento diferentes irão aumentar a capacidade de criar novas ligações e associações, inovando além do que qualquer indivíduo pode alcançar (COHEN; LEVINTHAL, 1990; DAGHFOUS, 2004). Na medida em que uma organização desenvolve uma rede ampla e ativa de relações internas e externas, a conscientização dos indivíduos sobre as capacidades e habilidades dos outros é fortalecida. A estratégia de uma empresa desempenha um papel na determinação de quais áreas do conhecimento são valiosas, quais devem ser assimiladas e quais devem ser aplicadas. Grande parte do conhecimento detalhado de rotinas organizacionais e objetivos que permitem que uma empresa funcione é tácito, proveniente da experiência obtida dentro da empresa (COHEN; LEVINTHAL, 1990). O compartilhamento deste conhecimento pode ser favorecido pela adoção de práticas de gestão de recursos humanos que incluem grupos de trabalho interdisciplinares, círculos de qualidade, sistemas para a coleta de propostas de funcionários, rotatividade de trabalho planejada, delegação de responsabilidade, integração de funções e remuneração e recompensas relacionadas ao desempenho, que podem potencializar a aprendizagem contínua. As empresas devem encorajar os funcionários a se comunicar através de fronteiras funcionais, a pensar em ideias de novos produtos e a identificar e resolver problemas compartilhados como uma equipe, em vez de deixar isso para a alta administração (DAGHFOUS, 2004). Análise e discussão dos resultados Com base nos estudos e constructos teóricos sobre o ambiente das agências de publicidade, o processo criativo e a gestão do conhecimento, elaborou-se um roteiro semiestruturado que norteou entrevistas com dois profissionais em cada uma das agências analisadas. Dados complementares foram obtidos em pesquisa documental à materiais institucionais, bem como, por meio de observação assistemática in loco, realizada pela pesquisadora. Para as entrevistas, foram escolhidos perfis profissionais distintos, em busca de um entendimento distinto do cenário de estudo. Na Agência A, os colaboradores são organizados em unidades organizacionais, denominados internamente também de squades, formados com profissionais de diferentes áreas, conforme suas habilidades e experiências. Na Agência B, a organização dos cerca de dez colaboradores ocorre por tipo de demanda, sendo as áreas online, off-line e administrativo. A equipe do online é a menor e mais recentemente formada, sendo incluída na agência por uma percepção de mercado, “o pensamento geral das campanhas está partindo cada vez mais do online atualmente”, disse um dos colaboradores entrevistado na empresa, diretor do departamento online. Os sócios entrevistados destacam que as equipes na Agência C são formadas por projeto, com equipe básica fixa, que atende demandas corriqueiras, e também por equipes flutuantes, formadas para atender solicitações mais complexas contratadas pelos clientes, necessidades pontuais. Esta forma de organizar o trabalho vai ao encontro do dito por diversos autores que destacam que uma verdadeira economia do conhecimento depende da capacidade dos profissionais pensarem formas criativas e flexíveis para formatar soluções inovadoras em produtos, serviços e modelos de negócios, baseados na cooperação, como a proposta da Agência C, que apresenta uma estrutura alternativa para atendimento de seus clientes. Quanto à interação com o cliente, em um caso excepcional a Agência A possui, por exemplo, uma equipe instalada dentro de um dos clientes, onde a interação é constante, mas no restante dos casos segue-se um processo de pesquisa e planejamento inicial das demandas, onde setores específicos interagem com o cliente, pesquisam sobre seu mercado e histórico e fazem visitas e entrevistas. Posteriormente as necessidades reportadas pelos clientes são centralizadas no departamento de atendimento. 18 Na Agência B, ocorrem reuniões periódicas com os clientes, algumas mais frequentes, outras com menor periodicidade. A agência possui muitos clientes antigos, e desta forma entende-se que já conhecem intimamente suas necessidades e dominam informações acerca do público alvo. A cada interação com o cliente, relatórios são gerados e compartilhados com a equipe via e-mail e há a centralização operacional das necessidades no cliente em uma pessoa, que traduz as necessidades demandadas em solicitações internas de demandas. Lupetti (2009) destaca que, por vezes, o publicitário acaba se envolvendo em demandas administrativas, como questões contratuais e gestão de recursos, o que ocorre na Agência C, onde os três sócios se envolvem diretamente na administração do negócio, fazendo a interface com os clientes. A agência preza pelo atendimento presencial aos seus clientes, periódico, e foca em entender o negócio do cliente como um todo, atuando em questões além da comunicação, como até mesmo em processo de logística, para citar um dos exemplos explicitados por um dos entrevistados. Desta forma, pode-se concluir que a troca de conhecimento tácito, baseado na experiência prática, citado por Ashein e Gertler (2006) como mais facilmente transferido por meio de interações sociais e relações interpessoais, é buscado no relacionamento com os clientes nas três empresas analisadas, por meio do relato dos entrevistados. Percebe-se, igualmente, a necessidade de entender o contexto do cliente, que com base em Chou (2005), faz com que o conhecimento e dados coletados com o cliente ou em pesquisas de mercado e segmento façam-se úteis para todos envolvidos no atendimento das demandas. Quanto às ferramentas de gestão do conhecimento, na agência A é utilizada uma ferramenta chamada Wrike para controle de tarefas, prazos, entregas e registro de horas trabalhadas, implantada este ano em substituição a outra ferramenta similar, criada internamente e usada durante anos. Foi realizado treinamento com todos os colaboradores, de todos os setores da agência, sobre o uso do sistema, que aboliu o uso de e-mail para comunicação internas. O líder criativo entrevistado, que coordena uma equipe de trabalho, afirmou que como tem colegas e colaboradores trabalhando em home office, analisa as entregas através do sistema, fazendo suas considerações. Preza por reuniões de criação e acompanhamento e defende que a multidisciplinaridade na composição dos participantes de sua equipe pode ajudar muito na resolução de impasses. Morgan (1996) destaca que divisões dentro das organizações, tanto verticais quanto horizontais, podem impedir as informações de fluírem livremente e em consequência os diferentes setores da empresa podem funcionar a partir de imagens diferentes da situação global, o que parece ser uma preocupação da Agência A, maior da amostra em estrutura e com colaboradores atuando fora do ambiente da empresa, o que pode justificar o investimento em tecnologias para melhorar a comunicação entre as áreas e centralizar as informações para acesso por todos da organização. Na Agência B é utilizado um sistema de intranet para controle e registros de demandas, usado há uns quinze anos. Há também uma pessoa responsável por um relatório de todos os trabalhos em andamento na agência, chamado de pauta, e todas as semanas, nas segundas ou terças-feiras, a equipe se reúne para discutir a pauta, atualizar os status de cada demanda e resolver os eventuais problemas de entrega. Na área de criação online, segundo o entrevistado responsável pelo setor, não é usado qualquer sistema e, portanto, ainda estão tentando melhorar o processo de elaboração da pauta. Corriqueiramente entram demandas não previstas que prejudicam o andamento dos demais trabalhos. Na Agência C não é utilizado nenhum tipo de sistema, pois segundo os entrevistados, todos estão no mesmo ambiente e eles acompanham a execução das tarefas por meio da pauta e com pessoas estratégicas responsáveis por cada uma das entregas, inclusive de terceirizados. Para controle de demandas externas, um dos sócios diz que cobra constantemente a realização das demandas dos prestadores. Foi possível perceber que todas as agências analisadas se utilizam de recursos tecnológicos como os citados, sendo que a Agência A utiliza de maneira uniforme e integral em seus núcleos de trabalho um software para gestão de tarefas, na Agência B parte da equipe se utiliza de ferramenta similar e na Agência C não se vê necessidade; entretanto, todos profissionais entrevistados citaram o uso de tecnologia para transmissão e compartilhamento de conhecimentos e comunicação com a equipe, de maneira eletrônica e digital. Christifoli e Carvalho (2017) citam o uso de software para gestão das demandas diárias e as facilidades 19 permitidas pelo advento da tecnologia na transmissão de arquivos em via digital, que trouxeram maior agilidade ao processo. Chou (2005) destaca que o armazenamento, organização e recuperação do conhecimento organizacional constituem um aspecto importante da gestão eficaz do conhecimento, e que a tecnologia propiciou ferramentas e recursos para arquivamento e recuperação de conhecimentos através da categorização de informações úteis e foi possível identificar que as empresas utilizam recursos e rotinas para acesso e gestão do conhecimento organizacional. Foi questionado aos entrevistados como os colaboradores das agências articulam o conhecimento, aprendem a realizar as suas demandas e armazenam as informações. Na Agência A, a responsável administrativa relatou que as demandas de trabalho são ensinadas através dos gestores da área ou até mesmo membros da equipe, com mais experiência ou que estão saindo da empresa ou delegando as suas atividades. Busca-se também aprender com colegas de outras áreas, como o setor de redes sociais, ou ainda, por meio de terceiros contratados eventualmente para necessidades específicas dos clientes, o que corrobora o exposto por diversos autores revisados que defendem que através do uso diferencial do conhecimento, integrado ao conhecimento de outros membros da cadeia de serviços, a empresa é capaz de fazer propostas de valor e obter vantagem competitiva. Na Agência B, a gestora afirmou que existem questões mais práticas, que podem ser consultadas nos trabalhos anteriores, e em questões mais complexas de trabalho, caso seja um colaborador novo ou menos experiente, ele é informado ou orientado por colegas mais acostumados com as demandas e clientes. O diretor criativo entrevistado da agência comentou que fica acompanhando de perto integrantes novos da agência, para dar instruções sobre o histórico e necessidades do cliente, principalmente, e monitora até que com o tempo os colaboradores possam assumir as demandas de forma mais autônoma. Na Agência C, o sócio diretor de arte e criação comentou que o aprendizado é uma questão de vivência, relatando que trabalhou em diversos locais, área de atuação e cidades do Brasil. Para ele, o criativo sempre tem que estar buscando informações e talentos externos, diz que se a pessoa é criativa e domina ferramentas de marketing, tudo que é aprendido é trazido para o universo de criação e auxilia no processo criativo, lembrando sempre que a necessidade do cliente deve ser orientadora no processo. O exposto vai ao encontro ao apresentado por Sant’anna (2002) que afirma que o publicitário deve acompanhar as tendências do mercado e de consumo, mantendo-se sempre conectado e atento a novas oportunidades e preceitos de comunicação. Quando questionados sobre a forma e com qual frequência é operacionalizada a discussão de problemas e a busca de novas conexões, através de brainstorming, por exemplo, na Agência A, a coordenadora entrevistada comentou que realizam, na área administrativa, reuniões semanais para discussão de pautas internas do setor tático. A sócia entrevistada na Agência B diz que fazem brainstorming com a equipe sempre que alguém propõe um tema ou uma necessidade surge, onde eles dividem opinião, conversam e discutem, definindo posicionamento e estratégia diante da questão. O diretor da mesma agência ressaltou que a troca de conhecimentos e a discussão são constantes, sempre na busca pela melhor solução para as demandas dos clientes, e que a interação com a equipe não se limita ao ambiente de trabalho, ocorre via WhatsApp e Instagram também. Já na Agência C, um dos sócios entrevistados citou que quando relacionado a uma demanda mais complexa, como uma campanha, ocorre um brainstorming para planejamento e outro para criação, e quando algo mais importante é feito externamente, também fazem um brainstorming de briefing com a equipe externa, mesmo que sua realização ocorra através do Skype. Por meio destas respostas dos entrevistados foi possível compreender a forma e em quais momentos ocorre o compartilhamento de conhecimento entre os integrantes das equipes. Os momentos propiciados para a troca de conhecimentos e experiências nas agências analisadas podem ser identificados como a condição habilitadora para a criatividade. Huws (2015) destaca que a troca de conhecimentos que ocorre dentro de um grupo de colaboração gera efeito sinérgico e considerável satisfação intrínseca com o trabalho, o que pode justificar a constante recorrência de momentos para interação, conforme exposto pelos respondentes. Sobre como o ambiente de trabalho condiciona o desempenho das atividades de cada entrevistado, na Agência A, ambos entrevistados citam a flexibilidade de horário e local de trabalho como algo positivo, o que corrobora o 20 pensamento de Florida (2011) ao defender que horários, regras e códigos organizacionais foram flexibilizados para atender o processo criativo. A sócia fundadora, do setor de atendimento da Agência B, comentou que há trinta e dois anos a empresa busca bom humor em seu ambiente de trabalho e declarou que há total liberdade para diálogo e exposição de problemas na empresa, incentiva-se o feedback e um ambiente leve de trabalho, levando-se em consideração que boa parte da vida das pessoas elas estão trabalhando, o que retoma ao exposto por Hennessey e Amabile (2010), que dizem que o humor positivo leva ao pensamento expansivo, brincalhão, divergente e à geração de novas ideias. O diretor criativo da agência B relatou que há uma grande quantidade de demanda, que a falta de tempo é prejudicial na proposta de materiais mais criativos. Hennessey e Amabile (2010) destacam que restrições e pressões no ambiente de trabalho são prejudiciais para a criatividade, como a falta de tempo suficiente para a resolução das tarefas. Quanto à estrutura física, o entrevistado entendeu que a mesma é perfeita, e disse que há liberdade criativa, até onde o cliente permite. Na Agência C, um dos sócios entrevistado afirmou que, se tivesse muito dinheiro, instalaria a agência dentro de um espaço de coworking, onde pudesse interagir com diversos profissionais diferentes, com demandas diversas, e ressaltou que “ter um universo de pessoas pensando mil coisas diferentes contamina positivamente a tua equipe”. Sant’anna (2002) destaca que a agência deve desenvolver uma gestão organizacional como qualquer outro negócio, mas manter estrutura flexível, favorecendo a cooperação ativa de seus colaboradores e um clima de trabalho construtivo, iniciativas percebidas nos relatos de todos os entrevistados nas agências da amostra analisadas, quanto à flexibilidade em regras e a busca por um ambiente leve e colaborativo. As perguntas seguintes procuraram evidenciar a manifestação da inspiração para realizar tarefas mais criativas e o que os respondentes fazem quando estão com bloqueio na produção criativa. Na Agência A, o líder criativo entrevistado comentou que costuma dar um passo para trás quando vê que a equipe chegou num impasse. Costuma chamar mediadores para auxiliar no avanço do processo criativo, instigando formas alternativas de investigar e analisar a demanda em questão. Quando nem assim há resolução do impasse, o líder declarou que orienta sua equipe a abandonar a ideia inicial e começar novamente. Na Agência B, a sócia do setor de atendimento afirmou que a criatividade não tem método. Nesta perspectiva, buscam-se outros tipos de conhecimento que ajudam na construção de coisas diferentes, como outros interesses e conhecer novas culturas e outros hábitos por meio de viagens, “para não ter preconceito com nada, conhecer o diferente”, segundo as palavras da entrevistada. Tal relato retoma o exposto por Henessey e Amabile (2010) ao argumentar que a exposição a múltiplas culturas pode melhorar o comportamento criativo, através da amplitude da experiência multicultural. Quanto ao bloqueio criativo, ela citou que às vezes exigimos muito de nós mesmos, sem necessidade. Defendeu que quando não se consegue resolver uma questão é necessário desligar-se, ter uma noite de sono, se possível, e não ter uma rigidez muito grande, se permitir relaxar, e que no dia seguinte costuma conseguir resolver os problemas de uma maneira mais simples. O diretor criativo da Agência B respondeu que quando não está conseguindo fazer algo, tenta se libertar da demanda, deixando-a para outro momento, quando possível. Gosta de tocar violão ou assistir a algo que possa inspirar, disse que em momentos de descontração sua inspiração criativa costuma vir naturalmente. Falou que tem insights à noite, por exemplo. O entrevistado relatou ainda que gosta de remixar em seu processo criativo, “eu pego uma coisa aqui e uma coisa ali e monto uma coisa nova”, comentou. Sant’anna (2002) define o processo criativo como o estabelecimento de associações de duas ou mais impressões antigas para a produção de uma nova ideia. Na Agência C, um dos entrevistados respondeu que busca referências em livros de criação que a agência tem em seu acervo, sites de campanhas mundiais e de referência estética. Usa muito o Pinterest para pesquisas e disse que como tem bastante experiência, sempre consegue resolver suas demandas criativas. Segundo Ward, Smith e Finke (1999), as ideias criativas surgem de combinações não convencionais de ideias familiares e requerem um rico histórico de conhecimento, dos mais variados, o que pode ter permitido ao profissional alegar que tem certa facilidade na resolução de demandas de trabalho criativas por sua longa trajetória. 21 Seu sócio defendeu que o segredo é entender particularmente seu processo criativo, que valida o exposto por Simonton (2000) ao afirmar que a criatividade requer treinamento e práticas sistemáticas para se desenvolver, que no decorrer do tempo geram o conhecimento. Ao longo de sua jornada, teve bons professores criativos que o ajudaram a exercitar o seu processo. Para ele, o seu processo criativo inicia-se com absorção de muita informação, depois maturação dessas informações, com foco na necessidade relatada pelo cliente, e por fim, disse que só senta na máquina para escrever ou desenvolver quando já sabe o que fazer. O citado valida o exposto por Sant’anna (2002), que defende que o conhecimento é indispensável ao processo de criação, e que as informações sobre o assunto em questão devem vir de pesquisas, do mercado, de todas as fontes possíveis. A última pergunta da entrevista indaga como são tratados os pensamentos divergentes entre os colegas, até chegar ao consenso. Para Sternberg (2006), o pensamento divergente é a base da criatividade. Na Agência A, comentase que são considerados, de uma maneira profissional, critérios de pertinência para o cliente, na jornada de seu consumidor e que normalmente os gestores fazem a escolha entre duas peças, por exemplo, de uma maneira bastante técnica. Há casos em que são apresentadas duas opções ao cliente, inclusive, quando as duas alternativas atendem a necessidade de forma contundente. Relatam ainda que o criativo necessita ser flexível, entender que seu ponto de vista, com base em sua bagagem de vida, pode ser equivocado em algumas situações. Neste sentido, conforme abordado por Sternberg (2006), a motivação é essencial para a criatividade e estudos apontam que somente é intrinsicamente motivado aquele que consegue enxergar o seu potencial. A sócia da Agência B diz que nestas situações senta todo mundo para conversar, tratando-se de uma equipe de umas dez pessoas, de uma maneira informal, discutindo a questão até o consenso de uma maneira tranquila. O colaborador da área criativa da mesma agência diz que o consenso vem por meio da argumentação, atendendo as solicitações da direção da empresa e dos clientes, mas que se baseia no diálogo. O entrevistado também citou, como referido na Agência A, que eventualmente entregam duas opções ou mais, para decisão final ser a do cliente. Na Agência C, um dos sócios diz que a conversa sempre é a melhor solução, mas que ele particularmente é mais flexível, por que normalmente não é ele que defende a ideia perante o cliente, quem tem essa responsabilidade deve ter preferência na decisão final, na opinião dele. Seu sócio argumentou que a criação, quando se fala de marketing, “é a arte do desapego”, uma vez que a divergência não acontece só com a equipe, mas também com o cliente. Nessas situações, expôs que é necessário negociar e partir para o campo da argumentação, se pautando em critérios técnicos, sempre considerando acima de tudo a necessidade do cliente. A análise de produtos criativos depende de um processo de avaliação consensual, que sempre serão definidas com base no contexto em que estão inseridas e o criativo deve ajudar a quem avalia sua criatividade a entender as interações deste contexto (HENNESSEY; AMABILE, 2010; STERNBERG, 2006). Ressaltou, para finalizar, que é importante todos os profissionais criativos terem um projeto pessoal, onde eles possuem liberdade autoral de criação e, segundo ele, conseguem lidar melhor com imposições nas demandas de trabalho. A partir da análise de dados, foi possível perceber, através das respostas dos entrevistados nas agências pesquisadas, que os profissionais concentram seus conhecimentos e especialidades em demandas específicas, necessidades internas ou solicitações dos clientes, e prezam pelo compartilhamento de experiências e conhecimentos, acreditando que assim é possível explorar as potencialidades individuais e inovar, conforme salienta o autor Lupetti (2009). Este aspecto ficou ainda mais evidente nas respostas do criativo entrevistado na Agência A, que descreveu claramente o intuito de construir equipes multidisciplinares e com perfis complementares. Conforme destacado por Christofoli e Cravalho (2014), hoje os clientes são mais exigentes e suas demandas mais complexas, o que exige das agências entender os hábitos, motivação e interesses de seus consumidores. Bitencourt e Barbosa (2010) ponderam que a adequação das empresas ao contexto mundial de globalização, pode vir por diferentes caminhos, como pela via tecnológica e a de gestão, através de mecanismos e ferramentas que são utilizados para aumentar a eficácia da utilização dos recursos e o controle e monitoramento, além de auxiliar no processo de comunicação, promovendo o fluxo de informações e a gestão do conhecimento. Foi possível evidenciar que as agências analisadas fazem o uso de ferramentas tecnológicas para auxílio na gestão e no processo de comunicação interna e externa. 22 Viu-se que o trabalho criativo realizado nas agências de propaganda se orienta para a resolução das necessidades demandadas pelos clientes e que a liberdade criativa se limita ao permitido pelos mesmos, mais do que pela hierarquia organizacional e autonomia concedida pelas agências, e condiciona-se ainda ao fator tempo disponível para criação. Conhecimentos e técnicas, aliados ao uso das tecnologias, são salientados como fundamentais para possibilitar as entregas nos prazos previstos. Florida (2011) defende que a criatividade deve ser promovida pelos empregadores, mas também pelos próprios indivíduos criativos e pelo contexto social em que convivem, e percebeu-se que muitos dos criativos entrevistados mantem projetos paralelos ou hobbies, que os inspiram em momentos fora do trabalho. A necessidade de se tornar mais competitivas tem feito com que as organizações busquem soluções que contribuam para se adaptarem rapidamente, adotando estruturas alternativas, como a identificada na Agência C, que possui estrutura fixa enxuta e organiza-se para atender seus clientes conforme as demandas são geradas pelos mesmos. As vantagens competitivas, fundamentais para a formulação de estratégias de sucesso em negócios, podem ser concebidas através de aspectos relacionados às capacidades organizacionais de aprendizado e reconfiguração dos recursos, visando gerar inovações que destaquem as organizações. Considerações finais Percebe-se a importância cada vez maior da inovação e comunicação efetiva e assertiva para empresas de todos os portes e segmentos, e resta ao fim do estudo uma grande admiração pelas agências de publicidade, que voltam sua atuação para consultoria em comunicação, auxiliando seus clientes a melhor ofertar valor ao mercado e seus clientes, atuando como parceiros estratégicos. A criatividade deve ser mais estudada, não por se tratar de um interessante fenômeno psicológico, mas por ser um comportamento valioso, social e pessoal, e que possui diversas aplicações a serem exploradas ainda (SIMONTON, 2000). Embora equipamentos e tecnologias tenham sido ressaltados como necessário para as tarefas diárias nas agências, percebeu-se, pelas respostas dos entrevistados, e através da observação assistemática, que o convívio social é o principal aspecto do ambiente de trabalho, possibilitando as interações entre profissionais com especialidades distintas. Em todas as entrevistas foi possível perceber diversas referências a uma mudança que está acontecendo há algum tempo, segundo os respondentes, na área da comunicação, marketing e publicidade, que seria decorrente do advento da tecnologia e redes digitais e seus impactos nas formas de consumo, relacionamento e até mesmo no ambiente organizacional. Huws (2015) alerta para o fato, ao dizer que as organizações têm tido dificuldades em acompanhar o atual processo social e cultural, bem como, a difusão de tecnologias digitais e a globalização comercial e seus impactos nos últimos tempos. Torna-se difícil afirmar que a análise se refere à realidade em um cenário macro, baseando-se em uma amostra tão reduzida de sua população, embora rica em diferentes perspectivas, visto histórico, porte e estrutura organizacional tão diversificada das agências objeto de estudo. Indica-se para tanto a necessidade de ampliação dessa amostra para a obtenção de outros subsídios que embasem um retrato mais aproximado da realidade do mercado publicitário, bem como dos demais setores da Indústria Criativa, cada vez mais vitais mediante o de atividades intensivas em conhecimento, inovação e criatividade localizadas no setor de serviços. A relevância dos estudos na área, como este, consiste em fomentar discussões acerca desse mercado, questionando velhas práticas e visualizando a concepção de alternativas que destaquem a gestão do conhecimento no processo criativo e sua importância para potencializar o pensamento inovativo através do compartilhamento de experiências e valorização do conhecimento e aprendizado contínuo. 23 Referências ASHEIM, B.; GERTLER, M. S. The Geography of Innovation: Regional Innovation Systems. In: FAGERBERG, J.; MOWERY, D. C.; NELSON, R. R. (Eds.). The Oxford Handbook of Innovation. [s.l.] Oxford University Press, 2006. BENDASSOLLI, P. 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Surgieron entonces nuevas formas de pensar y hacer reguetón, eliminando eventualmente los rastros de machismo y reemplazándolos por un discurso opuesto, exaltando así algunas de las características tradicionales compartidas en América Latina, como disfrutar la vida e involucrar a otros. Es importante mencionar que no solo los cantantes latinoamericanos se muestran al mundo a través del reguetón, intérpretes de otras culturas también lo hacen. Este artículo presentará cómo ha habido una paulatina transformación en el discurso del reguetón en las últimas décadas, mostrando ejemplos en los que las canciones de reguetón ofrecen un enfoque diferente, con una narrativa intercultural. La metodología utilizada será cualitativa y analizará el discurso de las canciones de reguetón en las letras. Contextualización El reguetón es un fenómeno cultural muy reciente. Resultó de la fusión de los ritmos caribeños y centroamericanos, tanto tradicionales como modernos. A esta fusión contribuyó el Reggae de Jamaica (inscrito en la Lista del Patrimonio Cultural Inmaterial del Mundo por la UNESCO en 2018), adoptado en Panamá como “Reggae en español”, Hip-Hop, adaptándolo desde los Estados Unidos, en Puerto Rico como “Hip-Hop en español” y el “DemBow”, un ritmo dominicano que se convirtió en la base de percusión y el sinónimo del mismo reguetón. Esta fusión se generó — inesperada o aparentemente no planificadamente — a finales del siglo XX. Sin embargo, se ha vuelto más popular desde principios del siglo XXI en el contexto de la efervescencia de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC) mundiales, lo que sin duda afectó el enorme crecimiento y evolución que tuvo. De hecho, en sus primeros tiempos, las letras de reguetón estaban cargadas con discursos machistas, de narcóticos y de prostitución, versos sin mucho contenido artístico y música simple basada principalmente en el bajo de la percusión. Sin embargo, a medida que el fenómeno se ha globalizado con la vertiginosa velocidad del consumo cultural en la actual era digital, que se ha inclinado tanto por la dinámica de la industria de la música en todo el mundo en las últimas décadas, el reguetón evolucionó musical y discursivamente hacia la dirección opuesta. Después de unos años de su evolución, las canciones que aún contienen estos contenidos son actualmente solo una pequeña proporción de la producción mundial de reguetón. Metodología Esta investigación se inscribe dentro de un Proyecto, iniciado en 2019, denominado: “Uso y significación social del reguetón: más allá de fronteras políticas y científicas”, el cual tiene como objetivo analizar las formas sociales de significar el reguetón y darle un uso propio, a partir de estudios de percepción y de actitud y el análisis discursivo y metalingüístico de canciones, considerando el ámbito “glocal” y la influencia de las TIC en su producción y consumo, 26 bajo una aproximación transdisciplinaria. Está siendo desarrollado en el Sistema de Universidad Virtual de la Universidad de Guadalajara, Jalisco, México. Este Proyecto de investigación funciona bajo dos ejes: • Estudiar la importancia social del reguetón a través del análisis musical, discursivo y metalingüístico de las canciones, teniendo en cuenta sus códigos, declaraciones, normas éticas y estéticas y el contexto social, cultural y tecnológico (cibercultural) de su producción y consumo, en el campo “glocal”. • Caracterizar los usos sociales dados al reguetón a través de estudios de público y actitud (percepción) en diferentes contextos internacionales, así como el análisis de casos que ejemplifican usos políticos, educativos, culturales más allá de lo artístico, en un entorno multicultural. Específicamente, el objetivo del presente capítulo — que es una investigación spin-off derivada del Proyecto de investigación antes descrito — es desarrollar el análisis discursivo y metalingüístico de las canciones, teniendo en cuenta sus códigos, declaraciones, normas éticas y estéticas y su contexto socio-cultural. Esta investigación spin-off fue presentada en la 11th International Multi-Conference on Complexity, Informatics and Cybernetics: IMCIC 2020, en Orlando, Florida, Estados Unidos de América, en marzo de 2020, por los mismos autores, y se ofrece, en esta ocasión, extendida con las retroalimentaciones de dicha experiencia. Además, se presenta por primera vez en lengua castellana y para lectores principalmente latinoamericanos desde Brasil. El diseño metodológico de este estudio es cualitativo y su carácter es fenomenológico. Su corte es exploratorio. Se propone un enfoque transdisciplinario en esta investigación, en el cual las teorías, las premisas y las herramientas para el análisis metodológico — extendiéndose a — Música, Musicología, Psicología Social, Antropología, Sociología, Danza, etc., se aplicarán y discutirán en torno a la Gestión Cultural, siendo esta también una propuesta innovadora, metodológicamente. El análisis de las letras incluirá sus recursos literarios y poéticos y la persona poética (en contraste con la persona real y la persona artística). Del mismo modo, las canciones serán analizadas en sus contextos históricos y sociales, bajo la mirada de la musicología, basado en los autores Clarke y Cook (2008) y Rice (2004). La interpretación y el análisis de contenido se realizarán de acuerdo con el Método Heurístico de Hermenéutica según Beuchot (1999), aplicado al discurso sobre letras e imágenes de videoclips. El marco metodológico del Proyecto de investigación es visto como revisable y posiblemente modificable, ya que es probable que la investigación cualitativa en progreso se pueda refinar y redireccionar. Este aspecto se aborda así a partir de las premisas de la investigación cualitativa enunciadas por Taylor y Bogdan (1984). Desarrollo Los recursos musicales y artísticos que utilizaba el reguetón durante sus primeros años de existencia no eran muy sofisticados, al compararlos con todas las influencias y estilos musicales que expone en el presente, consolidándolo bajo un nuevo y diferente estándar. Sus temas se asociaron con discursos machistas, clasistas e intensamente sexualizados. La presencia de mujeres intérpretes de reguetón era baja, y el contenido de sus canciones era algo similar al proporcionado por los intérpretes masculinos. Un ejemplo de ello es la canción ‘Calocha’ (BARBIE RICAN, JAMSHA, 2018). Pero más cantantes mujeres de reguetón comenzaron a participar, trayendo nuevas tesituras al movimiento cultural y nuevos discursos feministas y motivadores sobre letras e imágenes. Curiosamente, los hombres también comenzaron a mostrar nuevas formas de masculinidad con características diferentes que antes: empatía, igualdad, respeto, cuidado emocional, feminismo, etc. Luego y a medida que el género evolucionó y adquirió nuevas influencias, las canciones de reguetón abordaban diferentes problemas y su discurso no solo abandonaba el machismo sino que iba en la dirección opuesta: el Feminismo. 27 Las mujeres intérpretes de reguetón comenzaron a surgir y aumentar, cuya personalidad poética se describe como autónoma, independiente (incluso emocionalmente) empoderando a las mujeres a expresar y perseguir sus propios deseos y metas. Esto es posible verificarlo en las canciones “Muslona” (LA PILI, 2018) y “La Cobra” (J MENA, 2019). Una de las primeras artistas de reguetón en poner el contenido feminista en la mesa, fue Ivy Queen. Después de ella, varias cantantes contemporáneas de este ritmo urbano se han unido a este esencial y más que relevante llamado, entre ellas Karol G, que invita a las mujeres a hablar abiertamente sobre su sexualidad. Además, Greeicy Rendón, en sus letras, explica cómo las mujeres son las protagonistas de las decisiones en sus propias vidas, ya que las mujeres que no desarrollan dependencia emocional con sus parejas, saben cómo cerrar ciclos y ser resilientes. Por otro lado, Becky G y Anitta, en sus narraciones, son responsables de la elección de sus parejas, así como de su propio placer, respectivamente. De “apretadita” a merecer un amor real Un ejemplo del discurso del reguetón en sus inicios es la canción “Rica y apretadita” de uno de los fundadores del Reguetón, El General (Edgardo Armando Franco, Panamá, 1969), quien la grabó en dúo con Anayka (Judith Cortés, Estados Unidos) en 1995. El General tuvo mucho éxito porque era un excelente rapero (más tarde se convirtió a los Testigos de Jehová y renunció a su pasado reguetonero). Cada una de sus letras y canciones eran pegajosas, y esta canción no fue la excepción. La participación femenina en esta canción es secundaria. Pero es una estrofa que se repite constantemente y entona la idea central de la letra: ¡No lo trates, no, no me trates de engañar! ¡Sé que tú tienes a otra y a mí me quieres para ‘hmmm’! (EL GENERAL Y ANAYKA, 1995). A su vez, el cantante masculino está interpretando el estereotípico, aunque universal, personaje del Latin lover, es decir, entre otras cosas, un seductor compulsivo múltiple que no puede admitir abiertamente su poligamia, pero que socialmente es aceptado (por hombres, principalmente) porque encaja con la aspiración machista de poder tener todas las mujeres que se antojen. El personaje poético del Latin lover no niega la acusación, pero finge no entender; él le responde repetidamente, a manera de halago, para encubrir la ofensa: “¡Tú eres mi mamita rica y apretadita!” (EL GENERAL Y ANAYKA, 1995). En algún momento, él acepta que ella es “muy astuta”, pero su “defensa” se basa solo en resaltar los atributos físicos y sexuales de la pareja femenina e incluso presumirla ante sus amigos varones: “Si tú la ves, amigo, no te puedes contener” (EL GENERAL Y ANAYKA, 1995). Sea como fuere, la canción se hizo famosa principalmente por la melodía de los versos femeninos. Y muy particularmente por el “¡hmmm!”. Veinticuatro años más tarde del estreno de esta canción, en 2019, una nueva versión salió a la luz (como especie de homenaje), llamada “No lo trates”. Fue lanzada por tres de los grandes artistas actuales del reguetón: Pitbull, Daddy Yankee y Natti Natasha (2019). Este remake conserva la melodía y la estrofa original de la cantante femenina, pero en esta ocasión es cantada por la también conocida como “Natti Nat”: ¡No lo trates, no, no me trates de engañar! ¡Sé que tú tienes a otra y a mí me quieres para ‘hmmm’! (PITBULL, DADDY YANKEE y NATTI NATASHA, 2019). 28 Sin embargo, en esta canción, el discurso masculino es bastante diferente que en la versión original de El General y Anayka (1998). En primer lugar, son dos hombres los que se reparten la interpretación del personaje poético masculino. Los varones adoptan un discurso más disuasorio y exculpatorio. Ya no intervienen solo para halagar los aspectos físicos y sexuales del personaje femenino. Le responden frases como: “Aquí no hay jueguitos, hablamos clarito y lo hacemos bien rico”, “contigo, he sido real”, “yo no te engañé”, “tú hablas como si me conocieras”, “aquí no hay mentiras”, “estás inventando para ver si confieso”, “¿Por qué otra?, si tú eres edición especial” (PITBULL, DADDY YANKEE y NATTI NATASHA, 2019). Más allá de lo anterior, la parte más interesante del cambio en el discurso de este remake son las estrofas agregadas a la intérprete femenina, Natti Natasha, cuyas palabras no se limitan a quejarse, de manera indefensa, sobre el engaño de su compañero, como en la versión original. Sino que entonan, en cambio, una declaración francamente feminista. Así: Quieres ser mi amor, y me dices que eres sincero. Me pide por favor, me promete el mundo entero. Sé cuál es mi valor, y no quiero a un bandolero. Tengo un corazón y merezco un amor de un hombre real. (PITBULL, DADDY YANKEE y NATTI NATASHA, 2019). La rebelión feminista de j balvin Por otra parte, las letras de J Balvin (José Álvaro Osorio Balvín, Colombia, 1985), uno de los artistas más escuchados en la plataforma Spotify®, que ostenta de momento 4 Latin Grammy Awards, probablemente han tenido éxito porque, lejos de ser degradantes para las mujeres, están inclinadas a la no discriminación, del mismo modo que al disfrute. Un ejemplo de esto es la versión ‘trap’ (otro género musical surgido contemporáneamente al reguetón, en contextos angloparlantes y relacionado con el mismo) que J Balvin grabó en 2019 de la clásica salsa colombiana “La Rebelión” de Joe Arroyo (ÁLVARO ARROYO GONZÁLEZ, Colombia, 1955-2011), lanzada originalmente en 1986 (SILVA GUZMÁN, 2016), con un mensaje a la vez antirracista y feminista. La canción original tiene como tema la cruel esclavitud que sufrían los africanos que llegaban encadenados en cargueros para servir a los conquistadores españoles: En los años 1600, Cuando el tirano mandó, Las calles de Cartagena, Aquella historia vivió. Cuando allí llegaban esos negreros, africanos en cadenas, besaban mi tierra. Esclavitud perpetua (JOE ARROYO, 1986). No obstante, la historia se centra en la reacción que tuvo uno de esos esclavos cuando el español golpeó a su esposa: 29 “n matrimonio africano, esclavos de un español. Él les daba muy mal trato y a su negra le pegó. Y fue allí, se revelo el negro guapo, tomó venganza por su amor y aun se escucha en la verja: “¡No le pegue a mi negra!” No le pegue a la negra. […] Esa negra se le respeta. […] Porque el negro se le rebela. […] Que el alma se me revienta. […] Porque el alma se me agita, mi prieta (JOE ARROYO, 1986). Por su parte, la versión de J Balvin, estrenada 33 años después de la original y titulada homónimamente, además de retomar algunos compases y sonidos de la canción original, redirige el tema central de la canción para convertirla en una invitación anti-machista y anti-violencia, cantada por un hombre para otros hombres: “El negocio, socio, pana, esto es un gana-gana” (J BALVIN, 2019). Son interesantes los argumentos que ofrece J Balvin para lanzar su mensaje. Principalmente, se presenta en una posición de autoridad, que le dan su fama y sus premios internacionales: Abrí los caminos y llegó la fama. (Ellos saben.) Repisas con Grammys, el mundo me escucha […] Me ven en París, fashion week, qué celebridad. El niño e’ Medellín, en magazines, internacional (J BALVIN, 2019). Y desde dicha autoridad lanza sus mensajes dirigidos a la clase obrera, a sus seguidores e incluso a quienes no simpatiza: Y esto va pal’ pueblo que sigue en la lucha, Pa’ los que critican y pa’ los que me escuchan (J BALVIN, 2019). En su videoclip hace muestra de un grupo intercultural, con elementos de varias culturas y minorías, que se unen a través de la danza y la celebración. Con esto, lanza cuatro mensajes principales: 1. Contra el racismo: “No le pegue’ a la negra” 2. Contra el machismo: “Trátamela con suavidad” 3. Contra la violencia: “Tómatela con suavidad” 4. Respeto al vínculo familiar: “Antes de salir (ma’), la bendición ’cucha” (J BALVIN, 2019). 30 E incluso, pide no-violencia hacia él mismo: No soy tu enemy, no hables de mí Si no es con suavidad (J BALVIN, 2019). Los barbarismos de Rosalía La Rosalía o, simplemente, Rosalía (ROSALÍA VILA TOBELLA, [Cataluña] España, 1993) es una cantante catalana que se ha convertido en una artista muy relevante en la escena musical. En sus variadas interpretaciones en diferentes idiomas, ha empleado diferentes raíces musicales y ritmos y ha incursionado en la fusión de diversos géneros. Entre algunos de los géneros que ha abordado Rosalía, se encuentran la música urbana, el trap, el reguetón, la rumba catalana, el flamenco y el pop, estableciendo de esta forma, referentes importantes a nivel mundial. El video de la canción “Con Altura”, de la cantante catalana Rosalía, con J Balvin (oriundo de Medellín, Colombia) y el Guincho (de las islas Canarias), ahora se acerca a los 500 millones de vistas - tiene otros 155 millones de reproducciones en Spotify - y encabezó la lista de sencillos de YouTube a finales de junio. Detrás había un grupo de ocho canciones en español que ocupaban los primeros diez lugares (COSCARELLI, 2019). En su extended play o EP — es decir, un producto musical que se compone de dos canciones adosadas — titulado “Fucking Money Man”, compuesto por los títulos “Milionària” y “Dio$ No$ Libre Del Dinero” y puesta en plataformas mundiales el 3 de julio de 2019, se pueden hallar dos críticas diferentes hacia el capitalismo y el consumismo. En la primera parte, “Milionària”, el personaje poético fantasea con todos los lujos y extravagancias que podría darse de contar con dinero abundante. Este, como el propósito de su vida: “Que jo sé que he nascut per ser milionària [Yo sé que he nacido para ser millonaria]” (Rosalía, 2019) y el dinero bien fijado en su pensamiento: “Només vull veure bitllets de 100. Signe del dòlar dintre la ment [solo quiero ver billetes de 100, signo de dólar dentro de la mente]” (ROSALÍA, 2019). El clamor principal de la canción, que es su estrofa recurrente, es hacia el dinero: “Fucking money man!” Es particularmente interesante de esta canción que es la primera que la cantante graba en catalán, mezclándole frases en español y en inglés. Además, Rosalía es pionera fusionando el reguetón con la rumba catalana, un género que también alude a su identidad natal. La segunda parte, titulada “Dio$ No$ Libre Del Dinero”, es una crítica más directa, irónica y sombría hacia el poder de atracción del dinero. Mientras una voz desea alejarse del capital, un eco le responde su ansia, señalando su paradoja: Dios nos libre del dinero (queriendo, queriendo, queriéndolo). Dios nos libre del dinero (vistiendo, vistiendo, vistiéndolo). Dios nos libre del dinero (contando, contando, contándolo). Dios nos libre del dinero (teniendo, teniendo, teniéndolo). Dios nos libre del dinero (moviendo, moviendo, moviéndolo). Dios nos libre del dinero (buscando, buscando, buscándolo). Dios nos libre del dinero (soñando, soñando, soñándolo) (ROSALÍA, 2019). Es importante mencionar que los elementos escenográficos utilizados en el videoclip presentan una alusión alegórica del discurso expresado. La directora de este vídeo musical es también una mujer, Bàrbara Farré, quién se hizo acreedora del Premio Gaudí a mejor cortometraje, lo mismo que en el Festival de Málaga por su obra “La última virgen” (Film In, 2020) 31 “Milionària” rápidamente se posicionó en las listas de popularidad. Sin embargo, en Cataluña, en lugar de celebrar el primer uso de la internacional cantante de su lengua nativa, el catalán, y de la rumba catalana (dos de sus grandes distintivos culturales) en una fusión con el reguetón (cuando se había distinguido más por fusionar el flamenco), se desencadenó una polémica porque Rosalía, en su interpretación, empleó dos palabras que no se consideran canónicas de esa lengua, sino más bien barbarismos que constituyen falsos amigos del español: “cumpleanys” [cumpleaños] y “botelles” [botellas]. (Las palabras adecuadas en catalán serían “aniversari” y “ampolles”.) Esto le mereció distintas de críticas por parte de defensores del idioma catalán, sobre todo en las redes sociales, dejando en segundo término su aportación musical y la rareza de un reguetón en catalán fusionado con su rumba particular (CAMPS, 2019; El polémico ‘cumpleanys’ de ROSALÍA, 2019; PUIG, 2019) Al mismo tiempo, otros salían a su defensa, argumentando verazmente que rara vez un artista popular o comercial (en español o inglés, por ejemplo) se ciñe completamente a los diccionarios de su idioma, sino que refleja más bien el lenguaje de las calles. La directora general de Política Lingüística restó importancia a las críticas sobre los barbarismos en la primera canción en catalán de Rosalía. Los artistas tienen su creatividad. Sólo faltaría que sólo siguiéramos las personas que hablan con un catalán impecable, normativo... Hay registros, hay momentos en que se explican de diferentes maneras... Lo que interesa es que sea en catalán y que estimule a acercarse a la lengua (FRANQUESA, 2019). Lo que efectivamente ha sucedido y, de hecho, se le ha denominado en Cataluña “El efecto Rosalía” (Merino, 2019). Sin duda, el empleo de estos dos barbarismos no es fortuito en la letra de la cantante y su polémica es, por otro lado, un desvío en la atención de lo que realmente la artista está aportando. Rosalía, aunque muy orgullosa de sus orígenes, es una cantante intercultural, puesto que ya se le ha visto grabando éxitos en español e inglés y esta vez agregó el catalán a su lista. Además, quien ya había explorado la fusión del reguetón y el flamenco, ahora lo hizo con el dembow (un sinónimo de reguetón) y la rumba catalana. Este es el nuevo orden de las cosas en el mundo cada vez más diverso, políglota y unificador de géneros del pop: el idioma ya no es una barrera, los ritmos mundiales se mezclan y unifican, la colaboración transcultural es común y la influencia del hip-hop se infiltra desde todas partes (COSCARELLI, 2019). En este tema Rosalía expone un binomio de amor/odio hacia el dinero, poniendo en evidencia su poderío femenino, a través del uso de diferentes idiomas; mostrando su expresión dramática en el videoclip; mezclando varios ritmos, y expresando claramente su pensamiento y sentir: “It does not sound like someone who is losing herself in a desperate lunge for fame. It sounds like someone who knows exactly who she is ensuring everyone else will know soon, too”. [Esto no suena como alguien que se está perdiendo así misma por la fama. Esto suena como que sabe exactamente quién es ella, asegurándose de que todos los demás también lo sepan pronto] (DEVILLE, 2019). Además, en “Milionària”, Rosalía habla por primera vez del consumo cultural en un museo, sin librarse de hacerlo mediante una postura crítica. De hecho, habla de dos museos: el Musée de Louvre de París, Francia, y el Museu d’Art Contemporani de Barcelona (MACBA): Que jo sé que he nascut per ser milionària perquè em tanquin el Louvre així com el MACBA [Yo sé que he nacido para ser millonaria, Para que me cierren el Louvre, así como el MACBA] (ROSALÍA, 2019). En esta estrofa, Rosalía, además de exponer que el dinero es la representación más efectiva de poder dentro del modelo socioeconómico capitalista, también evidencia que es una mujer que pone en tela de juicio y hace una crítica directa a los museos, como espacios alusivos a las clases socioeconómicas altas, donde por esta misma condición, se desarrolla la dinámica de que si se tiene el suficiente poder adquisitivo, es totalmente viable que los museos se puedan prestar para variadas actividades que reditúen altas sumas de dinero; actividades tales, muy ajenas al quehacer mismo 32 de los museos, el cual consiste en la exhibición de el patrimonio mueble en varios ámbitos, desde y para la sociedad. Es decir, si se tiene el suficiente dinero es posible rentar un museo para algo tan frívolo como comerse un helado en total exclusividad del espacio museístico. De esta manera Rosalía aborda temas de interés político, social y cultural. Esta discusión hacia el uso de los museos afloró a partir de un trap de Beyoncé y Jay-Z (2018), denominado “Apeshit” a partir de una canción de The Carters, cuyo videoclip fue enteramente grabado en el Museé de Louvre. Mientras unos criticaban el uso del museo para un producto popular comercial, como un videoclip, otros se alegraban de la atracción que esto pudiera incrementar en la experiencia museística en otros tipos de público (CROWLEY, 2018). Vale la pena entonces cuestionarse si por intereses meramente económicos de llenar las arcas de las ya mencionadas instituciones culturales, se debe suspender la importante tarea histórica y social que tiene encomendada los museos para su público, o si su exposición mediática es una gran publicidad para los mismos. Rosalía, en su despliegue como artista integral, es una mujer que en muy corto tiempo ha participado en los festivales internacionales de música más importantes, siendo así un punto de referencia dentro del género urbano, despejando el camino para otras mujeres que se inclinan por la creación de espacios donde se desarrollen encuentros multiculturales, dirigidos desde y para el discurso feminista. Haciendo esto, se aleja de la perpetuación y el refuerzo de las normas dictadas por el orden capitalista, heteropatriarcal y heteronormativo de la industria musical. Al margen de la polémica suscitada en Catalunya a raíz de su libertad expresiva y la potenciación de su registro- la artista parece muy poco afectada- Rosalía sigue cabalgando a ritmo imparable dentro de una industria que está pisando fuerte con fundamentos diva y un universo sonoro propio rodeado de una mística y liturgia en torno al empoderamiento femenino, todo ello con una imagen cuidada y trabajada que también está siendo emulada por las más jóvenes. A este paso, nadie descarta que, llegado el día, le cierren el Louvre o el Macba para celebrar su cumpleanys. (Domènech, 2019). El empoderamiento Rosalía no es la única mujer que juega como protagonista en el mundo del reguetón. En la lista de los 10 artistas latinos más influyentes y mejor pagados están Shakira y Jennifer López. Ellas, además de ser dos grandes intérpretes femeninas que ahora están completamente en el negocio del reguetón, el 2 de febrero de 2020 participaron en el espectáculo del medio tiempo del Supertazón — junto a J Balvin, Bad Bunny y Emme Muñiz — uno de los más grandes escaparates globales en el que cualquier artista desearía participar (ZAS MARCOS, 2020), Esto establece una idea clara del empoderamiento femenino dentro de la industria del reguetón. Omar Rincón, profesor de la Universidad de Los Andes, en Colombia y experto en el análisis de narrativas mediáticas, dice que “El empoderamiento, sin embargo, no se da solo con el hecho de que haya mujeres cantándolo, sino que tiene que ver también con la manera como el reggaetón, su baile y todo el performance alrededor de él gire en torno al cuerpo femenino empoderado. El hombre pasa a ser un simple espectador del cuerpo femenino en el despliegue de su sexualidad”. (SANDOVAL, 2019). Ahora bien, En una experiencia musical grupal, es necesaria la inclusión y la interacción de todos los y las participantes, y precisamente ese objetivo común, hacer música, y esa cooperación para lograrlo, hace de la relación intercultural y del acto musical una fuente de disfrute, conocimiento y comunicación, que nos provoca respuestas emocionales positivas duraderas (SIANKOPE, 2004). A través del reguetón, Latinoamérica ha estado teniendo una importante exhibición cultural, donde artistas de otras regiones del mundo se han sentido atraídos por este género. Teniendo como punto de partida que la esencia del reguetón es la fusión de varios ritmos, característica propia que permite inscribir a este género en el ejercicio de la interculturalidad, es posible afirmar entonces que la mezcla de estos ritmos en un mismo género conlleva a una convivencia no solo de raíces musicales e instrumentos, sino también de intérpretes de diferentes nacionalidades, expresando y transmitiendo a través de la música su propio patrimonio cultural. 33 Hay muchos países donde varios intérpretes han popularizado las canciones de reguetón, no solo de América Latina sino también de África, Europa y Asia, mezclándolas con los elementos culturales que resaltan su herencia cultural, como sus bebidas y celebraciones tradicionales. Existen también los artistas “foráneos” (es decir, cantantes de otra lengua) que se encuentran interesados en unirse al género del reguetón, al placer, al ritmo, al baile, al discurso y también al canto de letras en español y portugués. Entre estos se encuentran artistas conocidos e incluso leyendas, como Madonna, Will Smith, Drake, Kiley Minogue, Snoop Dogg, Nicky Minaj, Katy Perry, Jonas Brothers, Justin Bieber, etc. Además, artistas italianos como Fred de Palma, franceses como Maes o Ninho, alemanes como Lo & Leduc, rumanos como JO y Juno, malienses como Aya Nakamura o vietnamitas como Sơn Tùng M−TP, cantan sus reguetones en sus propios idiomas, siguiendo los estándares creados en América Latina, no solo por el ritmo sino también por la estética y la ética de un nuevo movimiento cultural del siglo XXI. Después de lo expuesto, es posible también establecer una relación entre el movimiento femenino en el reguetón y la interculturalidad, ya que las mujeres latinas reguetoneras y precursoras de narrativas de empoderamiento femenino que se han abierto paso en esta industria con su talento, discurso (musical, verbal y no verbal) y visibilidad, han extendido la invitación a otras mujeres intérpretes de otros géneros y de hablas diferentes a la hispana, a participar de este espacio de reivindicación femenina, generando así un escenario de convivencia, coexistencia respetuosa, sororidad y un directo encuentro cultural, situaciones tales que le restan fuerza al fenómeno de la discriminación. Tal es el caso, por ejemplo, del dúo entre una leyenda como Madonna y la imparable artista brasileña Anitta, “Faz gostoso”, en el cual ambas mujeres cantan en portugués e inglés y fusionan el reguetón con la samba (MADONNA y ANITTA, 2019). Conclusiones El movimiento feminista avanza activamente en varias esferas del mundo y el escenario del reguetón no es la excepción. Con los años, el discurso y la dinámica del reguetón han pasado del machismo al Feminismo. Al principio, los compositores y cantantes eran hombres y los temas de sus canciones repetidamente tenían elementos que denigraban a las mujeres. La objetivación que recibe la mujer ha llegado a tal, cuando se expone a los medios para una entrevista o un estreno, que en lugar de centrarse en sus productos culturales, los periodistas cuestionan su vida o apariencia privada o incluso sexual. Algo a lo que los artistas masculinos, independientemente de su género musical, nunca se verán enfrentados. ¿Serán acaso los medios de comunicación, que son el puente más visible y con más influencia entre el poder y la sociedad, los encargados de seguir perpetuando y proyectando esta imagen sexista y cosificadora de la mujer, ante el mundo, tal y como les es conveniente a las hegemonías patriarcales de las altas esferas? Ahora este escenario ha sufrido una transformación significativa. Las mujeres se han apoderado de la voz del reguetón y la han potenciado con letras que tienen más que ver con el disfrute, el placer y las relaciones emocionales. Las artistas femeninas de reguetón llegaron para quedarse y emprender una transformación y migración desde los mensajes misóginos hacia contenidos incluyentes y de poderío feminista. Así también lo ha notado Zas Marcos (2020), quien, además, resalta el activismo social y político de Bad Bunny (BENITO ANTONIO MARTÍNEZ OCASIO, Puerto Rico, 1994), un reguetonero senior comprometido contra la transfobia y en favor del Feminismo y la diversidad, es decir, orientado hacia la interculturalidad. Se espera entonces que las cantantes reguetoneras continúen transformando estos mensajes a discursos que reflejen el poderío de la mujer en la sociedad, como el par igual que es al hombre, y así más mujeres de otras culturas y otras lenguas se sigan uniendo a esta reivindicación de los derechos femeninos, a través del reguetón, así como también que las mujeres que disfrutan abiertamente de la expresión de bailar este género, puedan seguirlo haciendo sin temor a alguna clase de insinuación explícitamente sexual por parte de los hombres. Finalmente, uno de los objetivos del ejercicio del Feminismo es que el hombre entienda que las mujeres no son 34 objetos, ni mucho menos una parte inherente de todo lo que tienen a su disposición, por simplemente ser miembros privilegiados de una sociedad heteropatriarcal y heteronormativa. Es posible constatar, pues, como el reguetón está siendo un elemento directo y vehículo cohesionador de ese encuentro intercultural, del que se encuentra ávida la sociedad, pues “los ideales de la interculturalidad son más amplios que los del multiculturalismo, porque trata de ir más allá de la coexistencia, la tolerancia y la igualdad formal, para conseguir la convivencia, el respeto y la igualdad sustancial entre culturas” (CRUZ RODRÍGUEZ, 2013). Estas nuevas formas de pensar implican y se traducen entonces en un profundo ejercicio de convivencia y dialogo intercultural, restándole protagonismo a los postulados transversalizados por el prejuicio. Este ejercicio es un fenómeno de corte socio-político donde se hace necesario derribar las ideas preconcebidas, allanando así el camino para construir desde la diversidad, la novedad y la innovación. Se expone claramente como más allá de los intereses económicos de la industria musical, hay un creciente y acentuado encuentro intercultural, que anula cada vez más la premisa de la diferencia como amenaza de la identidad, que ha generado en la mayoría de los casos fracturas socio culturales. El reguetón es más que un tema de moda, es un fenómeno musical que ha ido adquiriendo mayor relevancia en la última década y ha asumido un discurso casi total en sí mismo, puesto que, al ir migrando su narrativa a discursos más inclusivos, permite que diferentes grupos sociales alrededor del mundo se inclinen a escucharlo, componerlo, cantarlo, bailarlo y disfrutarlo. Referencias Barbie Rican y Jamsha. (2018). Calocha [audiovisual]. Puerto Rico: Sony Music Latin. 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Tendo esta premissa como ponto de partida, temos que, tanto a memória social quanto a produção dos sentidos, interferem na construção das representações do passado que compõem o mosaico sobre o qual os estudiosos das ciências humanas e, de forma especial, os historiadores se debruçam, tentando fazer, através de suas próprias perguntas e métodos, uma possível leitura do passado. O vínculo que se estabelece entre as representações sobre o passado e o contexto em que essas são produzidas é fator relevante na análise que pretendemos fazer. Isso se deve, especialmente pelo fato dessas representações terem servido de instrumento para a justificação de toda uma produção de saberes que, ao longo da evolução do saber, foram alvo de diferentes interesses e ideologias. Essas, por sua vez, acabaram impondo determinadas visões sobre o passado, que na maioria das vezes interfere diretamente na forma como ensinamos a(s) história(s) na sala de aula. Parte dessa análise – que discute a relação entre a produção do saber histórico e seu ensino - baseia-se na investigação das novas configurações sociais que expressam-se, materialmente, (entre outros elementos) através da urbanização presente em nossa sociedade - e da construção e nomeação de lugares – onde a história é celebrada e (re)lembrada através das gerações que se sucedem. Isso, em nossa sociedade é perceptível na medida em que observamos a ereção de monumentos e nomeação de inúmeros lugares e instituições, que têm significados os mais diversos em nosso meio. Na perspectiva apresentada por Pesavento (2006), para quem a memória é um elemento indispensável para se compreender a construção de representações sociais, é que iniciamos nossa descrição dos contextos nos quais se produzem diferentes representações sobre o passado. Interessa-nos entender, por exemplo, como a memória de sobreviventes de diferentes conflitos que se sucederam ao longo da história humana produziram discursos e como esses, por sua vez, foram decisivos para a construção dos imaginários sociais sobre o passado da humanidade. Já para Jacques Le Goff (2003), a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, seja ela individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais das pessoas e da própria sociedade. Nesse sentido, a memória não é apenas conquista, mas também um instrumento de poder. Existe uma luta pela dominação da recordação e da tradição, estabelecendo aquilo que deve ser lembrado e aquilo que deve ser esquecido. As representações sociais e suas relações Em nossa análise, consideramos que as representações sociais construídas sobre os lugares de memória (que normalmente são identificados como os lugares onde o fato histórico aconteceu) não se encontravam apenas em textos historiográficos, mas também em diferentes formas narrativas. Tendo a concepção de que as representações sociais se apresentavam de diferentes formas, procuramos analisar como diferentes veículos de representação – textos historiográficos e literários, imprensa e cinema - acabaram difundindo determinadas concepções e pontos de vista sobre a história que será “contada”. 37 A análise das representações construídas sobre o cenário e também sobre os personagens centrais da história nos faz refletir sobre o contexto em que cada autor se insere, e principalmente, sobre os propósitos que levam o autor a “contar” a história dessa ou daquela perspectiva. Da mesma forma, torna-se evidente, em alguns casos, a preocupação por parte dos autores em legitimar sua versão sobre os fatos narrados, recorrendo a testemunhos orais ou até mesmo a referendar documentos cuja legitimidade muitas vezes poderia ser questionada. Essa é, sem dúvida, uma das questões mais intrigantes da história e que, naturalmente, interfere no ato de ensinar história, uma vez que a história a ser ensinada na sala perpassa por toda essa produção, que carece de uma discussão epistemológica mais aprofundada. Isso também nos faz pensar naquilo que Michael Pollack (1989, p. 4) chamou “de trabalho de constituição e de formalização das memórias”. Segundo ele, para que nossa memória se beneficie da dos outros, não basta que ela nos traga apenas o testemunho, mas sim que esta encontre muitos pontos de convergência entre aquilo que queremos afirmar e as memórias de nossos testemunhos. Somente a partir do encontro dessas memórias é que podemos reconstruir as lembranças do passado sobre uma base comum. Em nossa investigação, procuramos compreender como diferentes autores – que produzem os discursos da história e, portanto, daquilo que chamamos de produção historiográfica - procuram respaldar seus discursos a partir de testemunhos e diferentes tipos de fontes, que procuram dar veracidade às suas narrativas. As representações sociais construídas sobre o passado histórico permitem-nos ainda pensar naquilo que Pollack denominou de “trabalho especializado de enquadramento” (1989, p. 11). De acordo com o autor, a memória é alvo de manipulações e defesa de interesses pessoais e coletivos, estando necessariamente relacionada com o contexto e com a época em que foi produzida. Quanto a essa questão, observamos que as representações construídas sobre o passado e que se revelam presentes nos livros didáticos de história – fonte de pesquisa e de estudo presente no cotidiano da sala de aula - inserem-se precisamente nesse contexto, no qual a memória é, muitas vezes, manipulada de forma que a imagem produzida sobre os fatos é enquadrada segundo os objetivos de cada autor e de acordo com sua época. Com isso, torna-se significativo o questionamento acerca do processo que envolve a análise dos diferentes veículos de representação (documentos, filmes, imagens, livros, etc.) sobre o passado, observando em cada um deles a forma como retratam os lugares da história, seus protagonistas e seus diferentes enredos. Relacionado com essa questão que envolve a memória coletiva e a construção das representações sobre o passado nas aulas de história, devemos atentar para o estudo realizado por Bourdieu (1998), que nos mostra como a produção de discursos está diretamente ligada ao contexto no qual estes se fazem presentes. Inseridos no campo das relações de poder, os discursos procuram estabelecer uma determinada ordem das coisas, seguindo interesses de ordem política, econômica, social e cultural. Para Bourdieu, a produção dos discursos não ocorre de forma “inocente nem inconsciente”, mas sim como resultado de interesses de determinados grupos, detentores de um poder simbólico. Segundo ele, esse poder age sobre as estruturas sociais, impondo uma determinada visão dos fatos, transformando-os em “verdades absolutas”. Valendo-nos do pensamento de Bourdieu, podemos entender como a publicação das diferentes obras – com diferentes narrativas e versões sobre o passado - torna-se possível, na medida em que apresentam leituras e releituras sobre o passado. Seus autores, dotados de reconhecimento no meio social de atuação, são, por assim dizer, autorizados a publicar suas versões sobre a história, contribuindo dessa forma para a veiculação de diferentes representações sobre o passado da civilização, o que deve ser observado com muita atenção por aqueles que ensinam história. Assim, acreditamos que as representações sociais produzidas sobre o passado e, de forma especial em nosso caso, sobre o processo que envolve o ensino da história no contexto escolar, vinculam-se a esse campo de poder (pedagógico), no qual determinadas ideias podem ser ditas e outras precisam ser silenciadas. Isso poderia ser exemplificado se tomarmos 38 o período militar na história brasileira, no qual determinadas interpretações e visões não podiam ser “ditas” na sala de aula, uma vez que o regime político e a ideologia do período as consideravam ofensivas ao sistema em que se vivia. Outra questão que nos parece não pode faltar no debate sobre a história e seu ensino é a produção da imagem dos heróis. Esse fato que, durante muito tempo, habitou as páginas de muitos livros didáticos e que, era antes de tudo, reflexo de determinadas vertentes da historiografia. Essas, por sua vez, acreditavam que a história era explicada fundamentalmente, através das ações de personagens heróicos, que assim determinavam os acontecimentos e os resultados dos percursos trilhados pela humanidade. Podemos acrescentar a análise das representações sociais, construídas sobre os cenários em que se inserem esses acontecimentos do passado. Sobre eles, identificamos diferentes narrativas, que se fazem presentes nas mais variadas obras que tratam da história e que, em diferentes momentos, procuraram caracterizar o espaço geográfico onde se desenvolvem a história a ser contada. Entretanto, a falta de uma leitura crítica sobre esse aspecto, muitas vezes impede a compreensão dos fatos e da própria relação que se estabelece entre a própria história e a dimensão geográfica/ física do espaço sobre o qual se está falando. A partir dessa análise, constatamos que determinados lugares – que aqui iremos chamar de lugares de memória, em razão desses constituírem-se em lugares de lembrança sobre o passado - são representados através de diferentes veículos de representação, tais como os documentos, os textos historiográficos e literários, a imprensa e, ainda, o cinema, que muito tem produzindo atualmente uma sensação de “verdade e autenticidade” a certos acontecimentos do passado, algo sem dúvida sobre o qual precisamos observar mais atentamente. Nesse sentido, a produção de determinadas imagens sobre os lugares da história e presentes nessas diferentes fontes e, que por sua vez, se traduzem em “discursos” sobre esse passado é que acabam imprimindo nas pessoas certas visões sobre o passado. Mais um aspecto importante a ser considerado nessa discussão, é o da produção das diferentes representações construídas e difundidas sobre os personagens históricos. Encontrados, muitas vezes em lados opostos, personagens que rivalizam e que são mostrados como “os únicos” responsáveis pela produção do enredo da história que está sendo contada, acabam tendo seu perfil e suas ações interpretadas a partir de diferentes ângulos. Essas interpretações, no entanto, acabaram contribuindo, na maioria das vezes, para a construção de uma imagem detratora da primeira, enquanto se construiu uma imagem heróica para o segundo, ou em ordem inversa dependendo das circunstâncias envolvidas. Nesse caso, os personagens mostrados são antagônicos, em que a narração das virtudes de um serve de desqualificação para o outro, já que se encontram “de lados opostos” no conflito. Tanto o “mocinho” quanto o “bandido” da história produzida por esse discurso sobre o passado têm suas representações construídas, a partir do contraponto, que é estabelecido entre ambos os personagens. De acordo com nossa análise, parte das narrativas construídas sobre o passado – e que se manifestam materialmente nos textos de história e na criação e nomeação dos lugares (materiais) da memória (como as praças, monumentos e diferentes espaços sociais) procuraram incutir no imaginário do leitor a noção de “verdade”, fazendo com que o discurso do autor pareça e assume a condição de descrição fiel dos seus personagens e fatos. Afinal, o que se quer através disso é produzir uma sensação de “fidelidade” em relação aquilo que está sendo narrado pelo texto de história. Como ensina Carvalho (1990, p. 11), “os traços de heroísmo, de virtudes cívicas, oferecidos aos olhos do povo, eletrificam suas almas e fazem surgir as paixões da glória, da devoção à felicidade de seu país”. Essas ações, por sua vez, se manifestam muitas vezes e, de forma especial em alguns materiais didáticos, carregados de adjetivações qualificações essencialmente ideológicas, que procuram solidificar certas imagens sobre esse passado idealizado. Essa visão de ensino de história, que prioriza os personagens centrais e os coloca no panteão dos heróis é, em nosso entendimento, uma visão distorcida da realidade e muito contribui para a difusão de um conhecimento parcial e acrítico da realidade. Ressaltamos, com isso, que não desconsideramos os demais personagens envolvidos na construção do processo histórico. Estes, sem dúvida alguma, nos permitem compreender o contexto de inserção dos personagens centrais da história, ao mesmo tempo em que tornam compreensível a projeção desses como responsáveis pela liderança, em 39 muitos casos, de grupos rivais. Daí ser possível interpretar criticamente o enredo presente nesse passado que passa a ser analisado e por consequência, ensinado na sala de aula. A eleição dos protagonistas da história – como representantes dos dois lados do conflito – remete-nos à análise feita por José Murilo de Carvalho, para quem o processo de “heroificação” inclui necessariamente a “transmutação da figura real, a fim de torná-la arquétipo de valores ou aspirações coletivas” (CARVALHO, 1990, p. 14). Carvalho nos chama também a atenção que “por ser parte real, parte construído, por ser fruto de um processo de elaboração coletiva, o herói nos diz menos sobre si mesmo do que sobre a sociedade que o produz” (CARVALHO, 1990, p. 14). A partir das inquietações manifestadas até aqui é que refletimos sobre aquilo que Halbwachs (2004, p. 150) chama de memória coletiva. De maneira especial, Halbwachs mostra-nos como os lugares desempenham um papel fundamental na construção da memória coletiva. Para ele, os lugares que percorremos nos fazem lembrar de fatos ocorridos no passado e, assim, contribuem para a construção da memória coletiva. A construção de monumentos, a denominação de lugares e a preocupação com a valorização de personagens do passado estão diretamente associadas a uma memória coletiva. Quando uma comunidade elege seus lugares de memória e também seus símbolos e heróis - que passam a representá-la – pode-se perceber os condicionantes que estiveram envolvidos nesse processo de construção das representações. Tendo essas questões como problema, procuramos discutir como os diferentes temas ensinados na história (como disciplina no currículo escolar) passaram – e continuam passando - por um processo de (res)significação. Se observarmos a produção da memória sobre diferente temas da história sul-rio-grandense, iremos perceber como se operam essas produções mentais e simbólicas da história. Poderíamos citar aqui inúmeros exemplos dessas “distorções” presentes na história nacional e mundial, mas infelizmente nos perderíamos em incontáveis exemplos ricos em detalhes e apaixonantes pela natureza que nos trazem. Coerentes com uma nova visão interpretativa da história, os lugares de memória têm uma função importante na difusão e na consagração das imagens produzidas sobre o passado. Para Michel Pollack (1989), os lugares de memória somente se constituem em espaço de preservação de uma memória se assim a comunidade os reconhece. Acrescente-se a isso a constatação de que os lugares de memória construídos sobre os diferentes episódios do passado, como por exemplo o Movimento Farroupilha, são construídos no momento em que lideranças políticas e diferentes segmentos da sociedade sentem a necessidade de materializar uma versão sobre o episódio e de utilizála estrategicamente. Nessa perspectiva, os lugares de memória não somente terão seu significado reconhecido pela sociedade, como impedirão que eles o esqueçam, forçando-os a se posicionarem tanto em relação ao passado quanto em relação ao futuro almejado. O historiador José Murilo de Carvalho (1990, p. 13) refere-se à associação existente entre construção dos imaginários sociais e a criação de diferentes símbolos para reforçar uma determinada visão sobre o passado. Para ele, a manipulação dos símbolos, das alegorias e até mesmo dos mitos criados sobre os personagens históricos nos ajuda a compreender a dinâmica que envolve a construção dos imaginários sociais. Ainda com relação à dinâmica que envolve a análise das representações sociais e à construção dos lugares de memória, resgatamos aquilo que Sandra Pesavento chama de “ressemantização do tempo e do espaço” (PESAVENTO, 2002, p. 162). Para ela, é preciso considerar as transformações de caráter econômico, político, social e cultural, para que se torne possível a realização de uma leitura das representações sociais construídas num determinado contexto. Nesse sentido, a época e o espaço no qual ocorreram essas construções devem ser levados em consideração para que as representações se tornem parte integrante da coletividade da qual fazem parte. Assim, é preciso considerar o fato de que as representações são produzidas social e historicamente, não sendo “anacrônicas, deslocadas ou necessariamente falsas, pois traduzem formas de sentir, pensar e ver a realidade” ((PESAVENTO, 2002, p.162). Entendemos, portanto, que a construção das representações sociais sobre os fatos do passado – e que foram materializadas naquilo que chamamos de lugares de memória – estão diretamente vinculadas ao contexto da época de seu surgimento. 40 A partir da compreensão das condições e dos interesses que estão presentes em cada época é que podemos analisar os diferentes lugares de memória, como resultado daquilo que determinados grupos procuram imprimir como noção de “verdade”. A criação dos lugares de memória atua nesse sentido, de (re)lembrar e manter viva na memória das pessoas aquilo que se quer mostrar e aquilo que se quer “apagar” da memória social. Ainda, de acordo com Maurice Halbwachs (2004), nossas lembranças “permanecem coletivas, e elas nos são lembranças pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos” (HALBWACHS, 2004, p. 30). Em outras palavras, Halbwachs mostra-nos como a memória não é resultado de um trabalho individual, mas sim resultado do trabalho coletivo. Para o autor, a memória, inserida no meio social, é construída coletivamente. Fundamental para se pensar o ensino da história a partir da interpretação dos significados que os lugares de memória exercem na compreensão dos conteúdos de história é mostrar na sala de aula que esses espaços são, antes tudo, dotados de um significado simbólico. Ou seja, esses lugares nos remetem a pensar sobre os fatos que ali ocorreram e pessoas que ali estiveram. É nesse sentido que destacamos a criação dos diferentes lugares de memória (monumentos, praças, instituições, etc.) e os vinculamos ao processo de (res)significação da história, uma vez que os tomamos como evidência das visões e dos sentimentos coletivos que se faziam presentes na época de sua criação. O patrimônio cultural da cidade em foco Embasamos nossa análise sobre os monumentos históricos que nos levam a refletir e (re)lembrar sobre os fatos do passado a partir dos estudos realizados por Françoise Choay (2001). De acordo com essa autora, o sentido original do termo “monumento” é do latim monumentum. Este, por sua vez, deriva de monere, que significa advertir ou lembrar. Para a autora, o monumento tem como propósito essencial não apenas o de apresentar ou dar uma informação neutra. Ao contrário, o monumento tem, segundo Choay, a intenção de tocar uma memória viva pela emoção (CHOAY, 2001, p. 18). Considerando que os monumentos construídos pela comunidade não estão dispostos de forma inocente ou desprovidos de significação, estando diretamente relacionados com a história da comunidade que os erigiu, assim como com os interesses de seus “construtores”, pode-se acrescentar que: “Para aqueles que edificam, assim como para os destinatários das lembranças que veiculam, o monumento é uma defesa contra o traumatismo da existência, um dispositivo de segurança. O monumento assegura, acalma, tranquiliza, conjurando o ser do tempo” (CHOAY, 2001, p. 18). Dessa forma, evidencia-se a eficácia simbólica exercida pelos monumentos. Localizados estrategicamente no espaço social das cidades, os monumentos representam formas de pensar, sentir e expressar os valores coletivos. Tomados como “símbolos espaciais” (OLIVEIRA, 2003), os diferentes monumentos históricos, assim como outros tantos símbolos que passam a representar parte da história de um lugar devem ser entendidos como resultado de diferentes interesses – até mesmo antagônicos às vezes - e anseios presentes nessa comunidade. É justamente esse antagonismo que torna possível pensarmos os dois monumentos sob a perspectiva da construção de alteridades históricas. Isto é, o valor simbólico atribuído por uma comunidade em relação aos seus objetos têm muitas vezes significados contraditórios, dependendo dos grupos que os produzem. O antropólogo Luiz Antônio de Oliveira, em seu importante estudo sobre “os mártires de Canhaú” (2003), mostrou como o relato histórico é elaborado, constituindo uma trama histórico-religiosa, na qual o passado é teatralizado. Oliveira destaca que os locais em que ocorrem conflitos de caráter religioso tornam-se bem-aventurados, em contraste com as ações antagônicas dos seus personagens, fabricando aquilo que ele chama de alteridades históricas. Segundo o antropólogo, uma comunidade procura sempre “atualizar” sua história, para, a partir dos supostos erros do passado, construir uma nova identidade para o local. Contrapondo-se a esse processo de valorização, constata-se que cenas e personagens do passado são, propositalmente, muitas vezes “esquecidas” tanto pelas fontes quanto pelas próprias escolhas feitas por quem manipula 41 essas fontes, evidenciando o que Oliveira denomina de celebração da história. Para ele esse processo em que fatos do passado – percebidos como bens simbólicos – são submetidos ao inventário dos interesses presentes, como constatado em Sapiranga no início gerações –, elege fatos e personagens que devem (ou não) ser lembrados. O diálogo que se estabelece entre o passado e o presente que se está vivendo, produz um “discurso” sobre o passado. Um discurso – é preciso lembrar – circunstanciado pelos diferentes contextos e pelas múltiplas interlocuções, dependente diretamente da ótica de quem o está “lendo” os vestígios do passado. Nessa perspectiva de discutir criticamente a produção dos diferentes discursos sobre o passado (sejam eles documentos, monumentos ou os mais diversos lugares de memória) destacamos aquilo que Roger Chartier (2002) refere-se quando trata das inúmeras possibilidades de leitura de um símbolo, afirmando que este nunca é “lido” de uma única maneira. Segundo Chartier (2002), existem diferentes formas de interpretação de um símbolo, sendo que sua leitura está diretamente vinculada ao contexto no qual o observador está inserido, bem como ao olhar que este lança sobre o objeto em questão. Daí a origem das múltiplas interpretações que dão significados diferentes a esses símbolos. Consequentemente, pode-se dizer que os símbolos construídos sobre o passado a finalidade de “educar” os olhares de uma comunidade, interferindo de forma determinante no “tipo” de história que está se ensinando. Acreditamos ser válido agregar a essa discussão em torno dos símbolos e sua difusão através do ensino da história, a questão que envolve as rupturas e a construção de novas “tradições” pelas sociedades em momentos de transformações rápidas. Para tanto, resgatamos a afirmação do historiador Eric Hobsbawn (1997), a qual acreditamos que contribuiu para a reflexão que propomos, na medida em que esse historiador critica a forma como muitas sociedades manipulam indiscriminadamente os discursos sobre seu passado (HOBSBAWN, 1997, p.12-13). Partindo das colocações feitas por Hobsbawn observamos uma clara relação entre os discursos produzidos sobre o passado (e que se manifestam nos textos didáticos e nas mais diferentes fontes de estudo empregadas pelo professor de história na sala de aula) e a invenção – e difusão – de determinadas verdades sobre esse passado. O imaginário, vale lembrar, tem como um de seus pontos de referência – e de lembrança – os lugares de memória, na expressão de Pierre Nora (1993), para quem “a memória pendura-se em lugares assim como a história em acontecimentos” (NORA, 1993, p. 25). Acreditamos que símbolos, como o hino, a bandeira e a própria criação de monumentos alusivos a um novo regime político, assim como a renomeação dos lugares de memória das mais diferentes cidades, que passam a contar com nomes que referendaram personalidades e feitos desempenham um papel preponderante na consolidação da nova ideologia que diferentes grupos de poder procuram difundir. Cabe aqui lembrar aquilo que o historiador José Newton Coelho Meneses (2004), afirma quando se refere ao papel desempenhado pelos monumentos históricos. Para ele os monumentos “busca[m] tornar viva a memória de algo importante e identitário socialmente. Nesse caso, ele[s] tem, necessariamente, como mediadores a memória construída e a história” (MENESES, 2004, p. 31). Os lugares de memória – espalhados pelas nossas cidades – constituem-se, dessa forma, em materializações dos sentimentos e dos interesses predominantes em cada época. Sentimentos e interesses que acabaram por determinar a condenação ou a celebração, a memória ou o esquecimento dos episódios e de seus personagens. Algumas contribuições para (re)pensar o ensino de história Finalmente, podemos afirmar que a discussão que nos propomos a fazer nesse exercício sobre o “fazer da história” na sala de aula teve como desafio maior articular diferentes questões que implicam no fazer pedagógico do professor de história na atualidade. Articular questões de cunho metodológico com concepções de educação 42 patrimonial, observando nos lugares de memória da história possibilidades de exploração dos sentidos produzidos sobre o passado e identificar nesses lugares possibilidades de interpretação sobre personagens e fatos encobertos pela historiografia “tradicional” foram algumas das provocações que procuramos trazer com essa discussão. Através da análise mais atenta sobre as produções sobre o passado buscamos interrogar sobre as condições em que os “discursos da história” são produzidos. A difusão de determinadas visões (muitas vezes parciais) sobre esse passado a ser ensinado na sala de aula pode trazer, como consequência, o ensino de uma história desprovida de criticidade e inserida num contexto de anacronismo. Ao contrário, a interpretação racional e crítica por parte do professor e a escolha de fontes que corroborem para o desabrochar de uma visão complexa e desafiadora sobre o passado, produzirão “novos discursos” sobre essa história pesquisada na sala de aula. Se por um lado eles correrão o risco de continuarem sendo “visões” sobre esse passado, ao menos trarão à tona novas “possibilidades de se enxergar” esse passado, através de novos “óculos”, com novas lentes sobre o passado humano, muitas vezes ofuscado por diferentes condicionantes históricos. Referências BOURDIEU, P. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp, 1998. CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: 1990. CHARTIER, R. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002. CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. 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A Austrália, em 1994, apresentou como estratégia de desenvolvimento a cultura e o conhecimento para o projeto “Creative Nation”. Na sequência, o Reino Unido, se tornou o país líder para o setor criativo. Esta posição, tem origem nos anos 90, com uma reformulação de uma agenda política, que desregulamentou o setor de comunicação e ampliou a preservação das belas artes e patrimônio. A cultura como estratégia de desenvolvimento com a reformulação e ênfase para a ‘creative industries’ refletidas na ampliação deste setor para a economia local e na inserção no planejamento urbano do país (UNESCO, 2013). Os efeitos dessas iniciativas se propagaram e se tornaram referência para os organismos internacionais disseminarem aspectos positivos desse novo paradigma para demais economias do Sul global. Nessa ordem, o Brasil internalizou essa discussão na sequência das transformações estruturais da cultura consolidadas no âmbito institucional quando Gilberto Gil foi Ministro da Cultura. Nessa sequência de transformações, na primeira Gestão de Dilma Rousseff, a economia criativa ganhou agenda própria com a constituição de uma Secretaria de Economia Criativa. Assim, o objetivo desta investigação é compreender como se inseriu o tema da economia criativa no âmbito institucional e quais iniciativas foram implementadas para a ampliação de ações para o setor criativo no ambiente político-institucional brasileiro após 2012. Para discorrermos sobre economia criativa, no Brasil, não podemos dissociá-la da trajetória da cultura. Em especial, no âmbito institucional, o que representou o Ministério da Cultura, desde a redemocratização até os dias atuais, pois as políticas culturais têm sido responsáveis pelo desencadeamento deste paradigma da economia criativa, que se inseriu na agenda governamental brasileira, especificamente em 2012, com a constituição de uma Secretaria de Economia Criativa, mas com um ciclo curto de existência da pasta. Esta pesquisa está organizada nesta Introdução, seção 1, seção 2 com a apresentação da abordagem metodológica, a seção 3, aborda-se a discussão e resultados obtidos nesta pesquisa, por fim, na seção 4 apresentam-se as considerações finais e as Referências Bibliográficas. Metodologia A abordagem metodológica ampara-se na entrevista semi-estruturada com a responsável pela Secretaria de Economia Criativa, Cláudia Leitão - (1ª fase Governo Dilma) e responsável pela Secretaria do Gabinete de Inovação do Minc, Lucas Baruzzi (Governo Temer). Além disso, se fez um percurso como ouvinte de eventos denominados de Diálogos de Economia Criativa/UFRGS (2017/2018) – com a coleta de informações da representante do Governo Temer, Ana Leticia Fialho (MinC) e o último evento em São Paulo – Mercados da Indústria Criativa do Brasil, em que se transcreveram a visão dos representantes do MinC/Gestão Temer, com vistas a serem agregadas para a investigação do objetivo descrito nesta pesquisa. 44 Também se coletaram dados por meio do Plano de Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura – Gestão Ana de Hollanda e do relatório de gestão da Secretaria de Economia Criativa. A atuação do ministério da cultura na implementação de política para a economia criativa no brasil Nesta seção o objetivo é compreender como se inseriu o tema da economia criativa no âmbito institucional e quais iniciativas foram implementadas para a inserção do setor criativo na agenda política brasileira. Para discorrermos sobre economia criativa, no Brasil, não podemos dissociá-la da trajetória da cultura. Em especial, no âmbito institucional, o que representou o Ministério da Cultura, desde a redemocratização até os dias atuais, pois as políticas culturais têm sido responsáveis pelo desencadeamento deste paradigma da economia criativa, que se inseriu na agenda governamental brasileira. A configuração histórica do Brasil demonstra que a cultura apresenta uma trajetória vinculada à privilégios. Em geral, ao longo do tempo, associada a fontes de financiamento, em que o Estado está presente deliberando prioridades. Há ainda uma triste relação, entre autoritarismo e cultura, pois os avanços institucionais na área da cultura se fizeram nos períodos autoritários, dado que a sistematização das políticas culturais foram expostas nas fases dos governos do Estado-Novo (1937-1945) e dos militares (1964-1985). O Golpe de 64 enfatiza essa relação com uma sistematização que deve ser reconhecida como o desenvolvimento de uma indústria cultural que configuraria a infraestrutura sócio tecnológica para a cultura midiatizada, a qual registraria uma indústria cultural submetida ao regime militar. Esse período “esboçou legislações culturais e criou inúmeros organismos no campo cultural como o “Conselho Federal de Cultura (1966); o Instituto Nacional de Cinema (1966); a Empresa Brasileira de Filme – EMBRAFILME (1969); a Fundação Nacional das Artes – FUNARTE (1975); o Centro Nacional de Referência Cultural (1975); a RADIOBRÁS (1976); o Conselho Nacional de Cinema (1976) etc” (RUBIM, 2008, p. 188). A consolidação de um Ministério da Cultura ocorreu, concomitante, ao processo de redemocratização em 1985, superando o passado quando foi vinculado a outros Ministérios, como em 1930 no Ministério da Educação e Saúde como em 1953 inscrito no Ministério da Educação e Cultura. No Governo Sarney foi criado o Ministério com uma perspectiva desenvolvimentista sob a ótica de Celso Furtado. A preocupação de Furtado seria mediar e democratizar o acesso à cultura, para tal implantou no período, a Lei Sarney com vistas a criar benefícios fiscais. Posteriormente, as leis vindouras que substituiriam a citada lei teriam um foco na substituição do papel do Estado no financiamento da cultura (RUBIM, 2008). Contudo, a instabilidade se tornaria o registro do MINC, pois em 1990 seria desmantelada por Collor de Mello transformando-se em secretaria e recriada novamente em 1993. No período entre 1985-1994, a cultura, conviveu com idas e vindas do ministério e significativa rotatividade de dirigentes responsáveis pelos órgãos nacionais de cultura. A estabilidade seria retomada no Governo de Fernando Henrique Cardoso com a gestão de Francisco Weffort, porém sem fortalecimento institucional do ministério comprovadas com variáveis, que indicariam maior institucionalidade como: quantidade e a localização dos seus equipamentos culturais; as dimensões quantitativas e qualitativos do quadro técnico-funcional e existência de políticas públicas e/ou Estado (e não apenas de governo) para continuidade de ações ministeriais. No Governo Lula com a gestão de Gilberto Gil na pasta houve a iniciativa de enfatizar o papel ativo das políticas públicas de cultura. O Ministro Gil, então, retoma a referência furtadiana com elementos importantes na conduta dos processos decisórios do Ministério, como estabelecer condições democráticas na implementação da política cultural com foco na sociedade em geral, sem favorecimento de grupos específicos de produtores culturais. Bem como a abrangência, quando inaugurou apoio às culturas indígenas, culturas populares, afirmação sexual, cultura digital, midiática e audiovisual. Foi um período de ampla discussão por meio de seminários e câmaras setoriais para culminar na Conferência Nacional 45 de Cultura que favoreceria a reformulação de uma política cultural construída democraticamente. A implantação e desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e o Plano Nacional de Cultura (PNC) seriam o reflexo deste movimento de elaboração de políticas de Estado no campo cultural (RUBIM, 2008, p. 196). A contribuição do Ministro Gil ficou caracterizada pela abrangência e não continuidade da instabilidade, uma vez que, permaneceu como Ministro no início do segundo mandato de Lula. A proposta de projeto de Governo inicial estava vinculada com a necessidade de ampliar as ações e inciativas da cultura coerentes com as dimensões regionais do Brasil. Também se acrescenta, a necessidade de adaptar as iniciativas do MinC com os horizontes do contemporâneo, em termos de sentido da cultura. Esses foram um dos olhares com a Conferência Nacional da Cultura com o propósito de ancorar a compreensão de que cultura não seria somente artes e a literatura, mas também os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e crenças e os direitos fundamentais do ser humano, constituindo-se num conjunto de atributos simbólicos e materiais que caracterizam um grupo social (SILVA, 2012). Esta fase, se caracteriza por restauração/reformulação, fundamental para a organização, no sentido de distribuição das atividades e órgãos e estruturas adequadas. Neste ciclo, Sérgio Leitão, que atuava como secretário de políticas culturais criou as câmaras setoriais, por exemplo, no sentido de estruturar e mediar conflitos que envolviam todos os setores do processo. No caso da música, por exemplo “[...] a formação, a criação, a profissionalização, a produção, os direitos, a distribuição, a divulgação, enfim, todos os setores da cadeia” (BARBALHO, et al, 2017, p. 327). Um aspecto importante para a dimensão que o Ministério obteve estava atrelada com o reconhecimento de Gilberto Gil, como figura artística/política respeitada e reconhecida, que contribuiria para o alcance de um apoio institucional significativo, pois o Presidente Lula sancionaria o apoio para as demandas e verbas necessárias, evidenciando que a cultura seria uma prioridade refletidas nos apoios culturais institucionais como Petrobras e no desenvolvimento de projetos para o setor cultural. No período de transição, no segundo mandato de Lula, em 2008, Gilberto Gil se exonera e emerge nova instabilidade. Essa dificuldade institucional seria superada com a representação de Juca Ferreira assumindo o Minc até o final da gestão do Governo Lula. O alargamento do que se considerava cultura trouxe problemas relacionados a necessidade de definição do campo cultura. Para a efetividade da formulação de políticas culturais e para o próprio delineamento institucional do Ministério (RUBIM, 2008). Logo, em 2011, no Governo de Dilma Rousseff, Ana de Hollanda, seria convidada para assumir o Ministério da Cultura. Para Rocha, et al. (2017), a ex-Ministra da Cultura afirmou que, a prioridade das ações do Minc na sua gestão, na implementação de políticas seriam os diagnósticos que, indicavam uma readequação estrutural/institucional dada a estreita atuação entre algumas secretarias dentro do Minc. A maior urgência seria incorporar nas políticas culturais brasileiras o setor da economia criativa, como refere Hollanda. Ana de Hollanda expõe que um dentre os aspectos de vantagens do Brasil seria a originalidade, especialmente, em cada região há uma produção local seja ela de moda, como as bordadeiras do Nordeste, Sul e Sudeste ou como as peças de capim-dourado do Jalapão. Porém, a comercialização é explorada por poucos e um dos principais problemas seria a falta de proteção, referência ao registro de marca dos autores. Nesse sentido, havia uma necessidade de mapeamento da produção cultural, que no período de sua gestão, apresentava uma carência estatística sobre o setor, para isso, a criação da secretaria da economia criativa apresentava-se de alta prioridade (BARBALHO, 2017). Então, surgiu a indicação de Cláudia Leitão como titular da pasta dentro do MinC, criando-se as bases de estruturas de viabilidade para a elaboração do projeto Plano Brasil Criativo. Na ótica de Ana de Hollanda, o âmbito teórico de elaboração foi nobre, porém, limitado no avanço da gestão prática. “A concepção do projeto foi muito bemfeita, incluindo as relações com cada ministério, estatal, com o sistema S e outras entidades, além do estudo visando facilitar o mecanismo em áreas como a trabalhista, jurídico, as desonerações [...]” (BARBALHO, et al, 2017, p. 335). 46 Importante destacar que, quando o projeto foi apresentado para a Presidente Dilma, a ex-ministra Ana de Hollanda refere na entrevista para Barbalho, et al. (2017), que a Presidente demonstrou interesse e mobilização para a articulação de apoio dos outros onze ministérios, que participariam do grupo de estudo para o Plano Brasil Criativo. Caberia ao MinC as diretrizes e coordenação, em termos estruturais, se constituiu a Secretaria da Economia Criativa com a união de duas secretarias, a pasta de diversidade cultural e cidadania cultural. No Plano da Secretaria de Economia Criativa, as iniciativas foram elaboradas para construir os parâmetros de uma taxonomia com base na realidade brasileira, desde a busca por uma redefinição do papel da cultura. A diversidade cultural como recurso seria a base que cria e consolida uma nova economia que necessita de construção de políticas públicas. Por isso, a necessidade de institucionalizar no Minc uma secretaria para se quantificar e qualificar a economia criativa (MINC, 2011). O primeiro desafio do plano foi a harmonização de um conceito para economia criativa adaptada às potencialidades e às características do Brasil. Os critérios para fundamentar esta economia seriam amparados pela inclusão social, sustentabilidade, inovação e a diversidade da cultura brasileira. O propósito maior da secretaria seria ressignificar a cultura como direito fundamental ao desenvolvimento com vistas a ampliar a transversalidade de suas políticas dentro dos governos com a sociedade. O principal desafio da secretaria seria identificar e conceituar esses setores1 para definir um escopo de atuação. Neste sentido, a nova secretaria assumiria as referências dos organismos multilaterais no âmbito da categorização dos segmentos culturais e criativos. Ou seja, as duas macrocategorias dos setores criativos nucleares e setores criativos relacionados como expostos pela Unesco. Os princípios norteadores do Plano da SEC teriam as políticas públicas de cultura norteadas pela diversidade cultural (criatividade como processo e produto dessa diversidade), a sustentabilidade, a inovação (produtos e serviços frutos da integração entre novas tecnologias e conteúdos culturais) e no campo da cultura, a inovação pressupõe a ruptura com os mercados e o status quo, que justificaria o apoio do Estado aos produtos e serviços culturais que não se submetem às leis de mercado, além da inclusão social. É visível, a intenção da gestão da pasta associar o desenvolvimento na perspectiva de Furtado, que via a desconcentração e na inovação as condições para o desenvolvimento. A proposta da secretaria de economia criativa seria prospectiva com o objetivo de ampliar a transversalidade de suas políticas dentro dos governos e com a sociedade. Isso seria a afirmação das políticas públicas na construção de uma agenda ampla para o desenvolvimento. No entanto, se apresentavam alguns desafios para a elaboração e implementação de políticas públicas para o setor como: o levantamento de informações e dados, articulação e estímulo ao fomento de empreendimentos criativos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social vem exercendo um papel relevante no âmbito de fomento, em específico, o segmento de games e cadeia do audiovisual representam um dos beneficiados, educação para competências criativas, infraestrutura de criação, produção, distribuição/circulação e consumo/fruição de bens e serviços criativos e criação/adequação de marcos legais para os setores criativos. A estruturação da secretaria seria composta por vetores de atuação para o desenvolvimento e monitoramento macroeconômico e estruturante com o fim de constituir ambiente para o desenvolvimento da economia criativa com a institucionalização de territórios criativos, a articulação e a realização de estudos e pesquisas, além da promoção do debate e da elaboração de propostas de adequação de marcos legais. Com base nesses desafios inseridos na elaboração do plano, além do conjunto de marcos conceituais e princípios norteadores estavam criadas as bases para a institucionalização de uma política nacional da economia criativa. 1 O entendimento no Plano da Secretaria de Economia Criativa compreenderia que setores criativos são as atividades produtivas que tem como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social. Os setores criativos vão além dos setores denominados como tipicamente da cultura, mas compreendem expressões ou atividades relacionadas às novas mídias, à indústria de conteúdos ao design, à arquitetura entre outros. 47 Em 2018 entrevistou-se Claudia Leitão,2 que explicou como ocorreu o processo de regionalização da economia criativa no território brasileiro e quais foram as iniciativas implementadas na curta existência da pasta, que duraria em torno de três anos. Entre um ano e meio de elaboração do Plano da Secretaria e um ano e meio de existência e, logo, a pasta ser extinta por Marta Suplicy, após renúncia de Ana de Hollanda. Dentre as limitações, Claudia Leitão, refere que a morosidade e o organograma do Ministério foram os principais desafios para a dinâmica e efetividade da construção de uma agenda e implementação de política para a economia criativa. Sob essas circunstâncias e limitações, Claudia leitão entende que, se torna limitado discorrer sobre um projeto de regionalização da economia criativa, pois sob sua perspectiva isso não se consolidou. Especialmente, pela falta de expectativa de projeções comprovadas pela não-institucionalização ou futuro do não acontecimento da Secretaria de Economia Criativa: resumidas pela ex-secretária numa incoerência de base. Este argumento de Claudia Leitão coincide com a declaração da ex-ministra Ana de Hollanda, que declarou para Barbalho, et al. (2017), a maior dificuldade residia na rígida burocracia institucional, pois obstaria a melhoria de desempenho e morosidade dos fluxos que oneram a estrutura pública. Além disso, a ex-ministra Ana de Hollanda refere que a pactuação partidária, em favor de um governo de coalizão, seria outro argumento desfavorável, em decorrência do intenso fluxo de representantes para as diferentes pastas do Governo, inclusive para o Ministério da Cultura, este contexto desfavoreceria os mecanismos de institucionalização de uma agenda política para o setor. Cláudia Leitão reforça esse olhar com a seguinte afirmação: “O Minc, pós-impeachment está esvaziado e perdeu parte de seus recursos no Governo Temer para o fundo de segurança pública”. Além disso, não se consolidaram alguns objetivos expostos no plano da secretaria, por exemplo, a não consolidação do Observatório Brasileiro de Economia Criativa. Assim, tanto Claudia Leitão quanto a ex-ministra Ana de Hollanda evidenciam nas suas falas que a federalização de uma agenda política para o setor ficou comprometida com a desarticulação do Ministério da Cultura e a da pasta de Economia Criativa. Pois, não houve tempo de institucionalizar a área e disseminar sua institucionalidade para Estados e municípios. Dentre os desafios, conforme Cláudia Leitão presentes no Plano de Economia Criativa estavam a construção e consolidação de estatísticas adequadas e de parâmetros padrões para as diferentes categorias do setor criativo. A entrevistada pontuou também a necessidade de um marco legal como proposição para um avanço significativo, dado que, algumas categorias não possuem “lobbies” no âmbito do legislativo. Ana de Hollanda declarou, na entrevista para Barbalho, et al. (2017), o poder político não atuava com o Minc mesmo dentro do MinC. Fica evidente que, há um poder de barganha dos políticos que influenciam a gestão pública. O tema da economia criativa entrou para a agenda governamental, mas na fase de implementação perdeu fôlego com a falta de lobby. Mesmo com a institucionalização da economia criativa, a descontinuidade das ações previstas no Plano da SEC3 e as rupturas configuradas pela crise política, comprometeram os êxitos em prol do desenvolvimento. A extinção da pasta da Secretaria da Economia Criativa ocorreria, concomitante, à saída da Ministra Ana de Hollanda, que sucedeu a necessidade de se fazer uma acomodação política, muito em função das eleições municipais de São Paulo como prévia para a coalizão partidária da eleição para presidência. Ao analisar o relatório de gestão da Secretaria de Economia Criativa é possível inferir que teve um papel assertivo em especial, também de apoio ao Plano Nacional da Cultura, com o propósito de assumir a ampliação da participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável. Todo o processo de planejamento e criação da secretaria coincidiu com o Plano Plurianual de 2012-2015, o que permitiu o conceito de economia criativa se inserir na agenda governamental. Também se observa, o esforço que houve no envolvimento dos 20 ministérios, órgãos públicos, agências de desenvolvimento, sociedade civil e academia interessados em “participar da construção de uma política pública transversal e inovadora” (Entrevista Cláudia Leitão). 2 3 Entrevistada nesta pesquisa como Ex-secretária da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura é a representante na 1ª fase de Presidência de Dilma Rousseff. Secretaria de Economia Criativa. 48 Acompanhou-se um conjunto de objetivos estabelecidos pela SEC, dentre os quais, criar o Observatório Brasileiro da Economia Criativa, com vistas a estabelecer elos no campo da economia criativa para integrar e articular ações com os diferentes entes da Federação. Como resultado o relatório apresenta, além de ações estruturantes como a criação da conta-satélite da cultura, marcos legais e editais de fomento. Em relação ao marco legal representa ainda, uma das principais limitações no campo da regulamentação para o setor criativo, pois há a necessidade de readequação do ordenamento jurídico adequado aos novos significados da cultura, cujas repercussões são prejudiciais à hermenêutica dos direitos culturais. Outras limitações somam-se ao contexto da dinâmica da econômica criativa que estão relacionadas nas áreas tributária, previdenciária, trabalhista, administrativa, da propriedade intelectual (RELATÓRIO DE GESTÃO SEC, 2013). Na sequência de Governos e da crise política que se instaurou, na segunda gestão do Governo Dilma, acompanharíamos a retomada da instabilidade para o Ministério da Cultura. Em 2016, Michel Temer, assumiu a Presidência da República após o processo de impeachment de Dilma Rousseff ou reconhecido por determinados agentes da sociedade civil como Golpe institucional de 2016 (BARBALHO, 2017). Durante e após a crise institucional, o Ministério da Cultura se tornou uma pasta enfraquecida e foco de instabilidade. Quando assumiu o governo, a gestão de Temer indicava uma possível extinção do MinC. Em especial, por apontar a possibilidade de ser uma secretaria do Ministério da Educação. Na fase interina de Mendonça Filho (DEM), que assumira a representação da cultura para o Governo Temer, já se sinalizava o papel do Estado, pois os representantes legislativos do DEM, em 2016, dentre as 89 proposições que submeteram apenas duas foram em prol do setor (VIANA, 2016 apud BARBALHO, 2017, p. 28). A intensa mobilização de agentes vinculados ao setor cultural apresentaram forte contrariedade a extinção do ministério, pois havia em comum o papel do MinC na condução das políticas públicas para as artes, setor cultural e criativo, que culminaram na apresentação de cartas-protestos pelas diversas categorias do setor (BARBALHO, 2017). A ocupação de prédios vinculados ao MinC se propagou no território nacional com uma convergência entre os que eram contra a extinção do MinC e contra o impedimento expressas nas palavras “Fora Temer” e “Fica MinC”. Então, em maio de 2016, o MinC foi recriado em função do papel que exercia e também por conta das reações contrárias à sua extinção. A politização do campo da cultura apresenta um legado em torno da política cultural, que se desdobrou nas esferas dos Estados e Municípios refletidas no fortalecimento do campo político do campo da cultura com estreita ligação aos últimos anos de política cultural. Na narrativa dos discursos dos ministros da Cultura do presidente Temer – Marcelo Calero, Roberto Freire e João B Andrade e Sérgio Leitão – argumentaram que o MinC teria sido “aparelhado” pelo PT – essa narrativa viria reduzir uma significativa experiência de democracia cultural, que reduziram as ações do MinC por uma simples estratégia de discussão político-partidária (BARBALHO, 2017, p. 40). Em um ano o MinC foi extinto e retomado e liderado por quatro nomes, que implementaram ações distintas como a condução da reformulação da Lei Rouanet4ou Lei de Incentivo à Cultura por meio da Instrução Normativa5 (novos parâmetros para a avaliação de projetos culturais). O Governo Temer registrou um período de instabilidade política do governo e descontinuidade de gestão do MinC com cortes orçamentários e inviabilização na conduta das políticas para o setor cultural. Em julho de 2017, quando Sérgio Sá Leitão, assumiu a pasta conseguiu no curto espaço de tempo conduzir algumas iniciativas, em especial, aquelas vinculadas ao setor criativo, o qual foi conteúdo de seu discurso de posse para sublinhar a importância dos setores cultural e criativo para o Brasil em termos econômicos. 4 5 Lei Rouanet ou Lei de Incentivo à Cultura – Lei 8313 criada em 1991 no Governo de Fernando Collor de Mello com o fim de criar a base legal de fomento aos projetos culturais no Brasil. É um mecanismo de incentivo à cultura e é um dos pilares do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que também conta com o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficarts). Fonte: <http://leideincentivoacultura.cultura.gov.br/>. Instrução Normativa nº 5/2017 49 Sérgio Leitão também creditou as falhas da Lei de Incentivo à Cultura oriundas da má gestão nos governos anteriores. O aumento do inadimplemento de projetos que foram contemplados com recursos vinculados a lei foi o estopim para as críticas de má gestão da pasta, em decorrência desse diagnóstico, a reformulação da referida Lei foi uma das decisões da gestão pós-impeachment. Em julho de 2018, um dos agentes entrevistados foi o Diretor de Sustentabilidade e Inovação na Secretaria de Economia da Cultura – Lucas Baruzzi. O entrevistado relatou que o MinC teve sua estrutura alterada, por exemplo, a relação de ações vinculadas à Secretaria de Economia Criativa havia sido incorporada pela então, Secretaria de Economia da Cultura. Em relação aos processos de regionalização da economia criativa foram relatados pelo representante do MinC na Gestão Temer, a importância na produção de dados, construção de diagnósticos de mensuração desses setores, identificação de gargalos que impediam e obstruíam o desenvolvimento mais pleno dessas economias. Entre 2017-2018 foi um ano que os Observatórios vinculados às instituições federais de ensino construíram pesquisas e dados para a edificação de uma construção de uma base de dados para mapeamento, categorização e parametrização para o setor criativo, o atlas econômico da cultura e o manual de exportações de serviços culturais seriam algumas das publicações disponibilizadas pelo MinC. No percurso desta pesquisa acompanharam-se vários eventos de promoção à discussão para o setor criativo. Acompanharam-se dois eventos, em 2017 e 2018, com a Diretora de Estratégia Produtiva da Secretaria de Economia da Cultura do MinC/Gestão Temer, Ana Letícia Fialho. No evento de 2017, Fialho elencou um conjunto de ações do Governo de apoio para o desenvolvimento setorial: fontes de financiamento, estímulo a força de trabalho ‘criativa’ e novos modelos de negócios, ‘crowdfunding’,6 formulação de arranjos de cooperação inter-setorial e programas de incentivo. Em 2018, a representante do Governo deu ênfase para o segmento de games e a importância de qualificação/ formação deste segmento para o mercado de trabalho. A profissionalização e o estímulo às cadeias produtivas setoriais foram os principais argumentos defendidos pelo Governo, em prol de ampliação de internacionalização das instituições e do mercado brasileiro para o setor cultural e criativo. As ações governamentais da Gestão Temer estão refletidas na articulação para a ampliação do setor de atividades demonstrado por meio da construção do II censo da indústria dos games no Brasil. Compreender a escala de operação deste segmento para a formalização institucional de atividades profissionais, o caso de desenvolvedor de games, que não tem uma classificação no Cadastro Nacional de Atividades Industriais evidenciaram a necessidade de corrigir gargalos que favorecem burocracias e impedem a competitividade deste segmento no Brasil, conforme explicações de Baruzzi. É possível ponderar o papel da cultura como propulsora do desenvolvimento por meio de uma agenda de políticas públicas, mas apresentam-se algumas lacunas no que tange ao papel do Estado nessa conduta, o período pósimpeachement de Dilma Roussef mostrou que, a crise política afasta a estabilidade e elegeu setores vulneráveis como elementos de combate de gasto público. Especialmente, porque há uma tradição no Brasil, em que o Estado, enquanto formulador de política pública, considera a cultura como produção e não como consumo. Há segmentos do setor cultural, por exemplo, que demandam por fontes de financiamento público para sua manutenção, em contrapartida, no âmbito do setor criativo, as fontes de financiamento podem ser dadas pelo mercado para a continuidade e expansão da produção e circulação destes segmentos. Nesse caso, no Brasil, o Estado não acompanhou a dinâmica das transformações do consumo, pois houve nestes primeiros 20 anos do século XXI aumento do consumo do produto cultural de conteúdo, como o consumo oriundo das diferentes mídias vinculadas às tic’s como softwares, games, streaming, conforme dados disponibilizados pela Ancine.7 Ou seja, talvez o Estado tenha acompanhado essa transformação de forma mais lenta dada a baixa abrangência que conferiu às ações econômicas em relação aos bens culturais e criativos. 6 7 O crowdfunding ou financiamento coletivo é uma forma de captação de recursos por meio de uma ação colaborativa e coletiva numa plataforma que cadastram-se os projetos e conquista-se o apoio de diversos grupos e pessoas para sua realização. Fonte: <www.sebrae.com.br>. <www.ancine.gov.br> 50 Isto se materializa na informalidade, parâmetros de desigualdade de análise para diferentes categorias do setor criativo. Inclusive esta é uma dificuldade quando se pretende isolar o efeito das políticas públicas para as atividades culturais e criativas. “Se carreiras e empreendimentos são desenvolvidos exclusivamente a partir desses serviços, os impactos permanentes das políticas públicas devem ser considerados fundamentais, mas de difícil mensuração, pois as trajetórias alternativas que poderiam ser seguidas são muito amplas” (MILAN, 2016, p. 27). É perceptível que a implementação de políticas públicas para ampliar as atividades culturais e criativas com vistas ao desenvolvimento socioeconômico e territorial ainda são recentes, especialmente no Brasil. Neste sentido, Milan (2016) refere que a necessidade de construir indicadores de avaliação dos processos e resultados dessas políticas é fundamental para compreender o efeito sobre o desenvolvimento das atividades econômicas de base cultural e criativa. Contudo, a grande dificuldade é que a cultura é uma dimensão qualitativa que não pode ser mensurada. As atividades culturais têm em comum as expressões culturais, que não servem para a comensuração, pois possuem dimensão simbólica, que não se resume à dimensão comercial. Assim, criam-se as dificuldades de mensuração do impacto socioeconômico das atividades. Por isso, é interessante o uso de indicadores para avaliar as ações de estímulo e efetividade à cultura no que tange a implementação de políticas públicas. Esse aspecto de mensurabilidade se apresenta como uma necessidade para as diferentes categorias do setor criativo. Inclusive, se apresenta como ações do MinC/ Gestão de Temer. Em relação aos indicadores de avaliação dos processos há uma singularidade, pois não se observou dados de maior densidade ou pesquisas do governo. Baruzzi citou editais do Governo e com redes de incubadoras, em que por meio destes canais pode conceber apoio via plano de trabalho e transferência de recursos via observatórios das instituições federais de ensino. Na ótica do Governo Temer, o entrevistado explica que, o estímulo à cultura é pensado na ótica de retorno de investimento, por isso citou, o projeto “Rio de Janeiro a Janeiro”, em que o investimento na cultura na cidade maravilhosa geraria um multiplicador na dinâmica econômica local. Destaca-se que a perspectiva do Governo está vinculada a uma análise economicista, num contexto, em que é necessário pensar o setor criativo como um meio de estímulo ao nível de emprego e renda aliado às fontes de financiamento com incentivos ofertados pelo BNDES.8 Não se apresentam nesses relatos os aspectos qualitativos, sociais e culturais, em que a dinâmica destas atividades pode repercutir de forma positiva no âmbito de emprego, renda e modos de vida na esfera do desenvolvimento urbano, por exemplo. Salvo o slogan presente nas iniciativas do MinC nesta gestão, “economia criativa gera futuro”, o representante do Governo Temer, Baruzzi afirmou que a forma de reduzir as desigualdades sociais seria compreender a atuação para promover esses segmentos no mercado, por isso, rever barreiras burocráticas e regulatórias. Sem projeto de Governo, diante das circunstâncias, a Gestão Temer não apresentou conectividade entre “cultura e criatividade” e realidade local. Ou seja, uma visão regional de inserção do tema da economia criativa previstas no Plano da Secretaria de Economia Criativa não permaneceram presentes no MinC. A cultura para manter seu protagonismo, diante dos conflitos políticos partidários ocupou os agentes e institucionalidades para discussões de uma linguagem setorial carente de cadeias produtivas, conforme explicações do representante do Governo Temer/MinC. Um aspecto presente nas iniciativas do Minc nesta gestão se vinculou aos aspectos de mercado, no âmbito de “capacitação” e “estruturação” para expandir a produção das atividades e bens culturais e criativos. Uma das últimas ações promovidas pelo MinC junto com a Apex9, no final da gestão de 2018, ocorreu em novembro, na cidade de São Paulo, um megaevento denominado Mercado das Indústrias Criativas, com foco nos negócios para criadores e empreendedores do setor cultural e criativo do Brasil e de outros países. O objetivo seria alcançar ao menos dez setores da economia criativa: artes cênicas (circo, dança e teatro), audiovisual (cinema, TV, publicidade e novas mídias), animação e jogos eletrônicos, design, moda, editorial, música, museus e patrimônio, gastronomia e artes visuais. 8 9 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Apex Brasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. 51 Por fim, a pauta do Governo Temer foi prosseguir com algumas iniciativas já programadas pelo MinC/Gestão Dilma. Com isso, a fase de diagnósticos e programação de políticas de apoio ao fomento de algumas categorias foram propositivas. Em especial, a compreensão das estruturas das cadeias de produção por meio da interação entre os agentes com estudos de viabilização à expansão de exportação de segmentos do setor criativo soma decisões positivas para competitividade e crescimento setorial no Brasil. Considerações finais Observa-se que a agenda regional de sistematização de políticas públicas para economia criativa apresentou uma limitação. Pois, o Estado inseriu a economia criativa e suas respectivas bases de atividades e bens culturais e criativos numa agenda, mas a agenda-setting, a formulação e implementação ocorreram de forma descoordenada, desde o início da criação da Secretaria de Economia Criativa até sua extinção. A construção desta pasta ousou ampliar as dimensões de comunicabilidade intersetorial, em função da heterogeneidade e magnitude para adaptar as categorias do segmento do setor criativo no Brasil. A não continuidade da Secretaria da Economia Criativa e a incorporação do tema na agenda do MinC teve rumos divergentes, em função da instabilidade política, crise econômica no final do Governo Dilma. Na sequência, o contexto de um Governo que teve sua Gestão promovida às custas da polaridade ideológica e alianças políticas com interesse nas eleições à Presidência da República projetaram um futuro incerto para a cultura demonstradas na ausência de um projeto de Governo vinculado ao conhecimento e a criatividade expostos nas decisões políticas do Governo via enxugamento de despesas justificadas pela necessidade de controle do gasto público. Sem dúvidas, a instabilidade política e a ausência de uma matriz política de Estado para a cultura compromete o lento avanço de uma agenda para a expansão e fortalecimento de segmentos da economia criativa no Brasil. Uma característica que se apresenta são os impactos sobre os diferentes agentes organizados nos circuitos de produção e difusão dessas atividade e bens de base cultural e criativa. Como elas se expandiram e projetaram-se no âmbito das discussões sob o escopo de sua materialidade está refletida na consolidação de cadeia, arranjos e redes de suas categorias. A ação do Governo via MinC, neste período de análise, se ocupou de mensurar e parametrizar os setores de base cultural e criativa com vistas a gerar informações e levantamento geral de teor censitário, os quais são fundamentais para a ampliação e atuação das categorias do setor criativo. A transversalidade e a intersetorialidade são elementos reguladores dos programas e projetos de governo, além disso o ajustamento de recursos e instrumentos são recursos de diferenciação e identidade para a política cultural como política pública, que precisa ainda, nas circunstâncias políticas atuais do Brasil projetar-se sob diferentes dimensões e maturidade institucional. Há um legado do plano da Secretaria de Economia Criativa, que não pode ser ignorado nas proposições que se apresentarem para o setor: a comunicabilidade e a heterogeneidade regional do Brasil. Estes aspectos refletem-se nas especificidades locais como recurso central de qualquer programa de política pública das atividades de bens culturais e criativos e alcance Governos Municipais e Estaduais. Nesse sentido, residem as condições para um desenvolvimento regional que insira a economia criativa numa agenda mais ampla e significativa para encadeamento de conhecimento e criatividade em prol do progresso Referências BARBALHO, A.; OLIVEIRA, G.; ROCHA, R. Entrevista com Ana de Hollanda. Políticas Culturais em Revista. Salvador, v. 10, n. 1, p. 324-371, jan./jun. 2017 52 BRASIL: MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano da Secretaria de Economia Criativa: Políticas, diretrizes e ações, 2011-2014. Brasília, 2011. 148p. BRASIL: MINISTÉRIO DA CULTURA. Relatório de Gestão da Secretaria de Economia Criativa. Brasília, 2013. MILAN, M. Indicadores para avaliação de atividades econômicas culturais e criativas: uma síntese. p. 24-42. In: VALIATI, L.; MOLLER, G. (Orgs.) Economia criativa, cultura e políticas públicas. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2016. RUBIM, A. Políticas culturais do governo Lula/Gil: desafios e enfrentamentos. pp. 51-74. In: RUBIM, A.; BAYARDO, R. (Orgs.) Políticas Culturais na Ibero-América. Edufba: Salvador, 2008. RUBIM, A. Desenvolvimento, criatividade e comunicação. In: FARIAS, L. A.; LOPES, V.; SCROFERNEKER, C. Comunicação, economia e indústrias criativas. Porto Alegre: Edipucrs, 2017. SILVA, F. As relações entre cultura e desenvolvimento e a economia criativa: reflexões sobre a realidade brasileira. Revista NAU Social, v. 3, n. 4, p. 111-121, maio/out. 2012. UNESCO. Informe sobre la economía creativa: edición especial. PNUD: New York, 2013. 53 A EFICÁCIA ESTÁ NOS OLHOS DE QUE VÊ: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO GRUPAL DA EFICÁCIA EM EQUIPES DE TECNOLOGIA Luciane Wolff Patrícia Martins Fagundes Cabral “Oi, o Sérgio vai chegar daqui a pouco, pode aguardar?” “Posso sentar aqui?” “Sim, quer acessar (o PC)?” “Não, obrigada, vou só aguardar”. Enquanto aguardava, uma reunião ocorria entre a equipe da empresa e a equipe de um fornecedor. Combinações sobre a produção (não tão bem feita ou que não atendia ao esperado era discutida). Fiquei aguardando e pensando que a pesquisa ali inicia. Avaliava minhas questões iniciais, o esboço do roteiro, enquanto observava o ambiente e um funcionário com as características das novas gerações. Achei engraçado. Ri sozinha em meio aos meus pensamentos. Um rapaz, talvez entre 18 e 20 anos, magro, alto, pele clara, cabelos morenos, compridos até o ombro. Usava um gorro preto enterrado na cabeça que tapava as orelhas. Em cima, um fone de ouvido. Usava óculos. Acho que se chamava Fred, seu apelido. Ele se divertia com um game, que jogava no intervalo (?) de almoço. Bebia alguma coisa de uma squeeze oferecida como brinde da Siemens. Vestia camiseta e calças pretas. Allstar, óbvio. Uma figura. Um outro colega cantarolava alguma música em inglês. Outros navegavam pelo facebook...” (dados de pesquisa – diário de campo) A opção por iniciarmos este capítulo com um recorte do Diário de Campo da pesquisa, não é por acaso. É uma cena provocativa do mindset das pesquisadoras, uma cena que anunciou todo o potencial reflexivo acerca das concepções de eficácia no trabalho, no contemporâneo contexto das empresas de Tecnologia da Informação. Cena ilustrativa do quanto a força de trabalho do século XXI é digital, global, diversificada, experientes em automação e mídias sociais, e o quanto estes trabalhadores emergentes estão demandando mudanças no jeito de organizar, recrutar, desenvolver, gerir e engajar as pessoas. A nova força de trabalho tem, obviamente, a tecnologia como um dos impulsionadores dessa mudança; contudo, recursivamente, a tecnologia traz consigo uma gama muito mais ampla de mudanças sociais, culturais e econômicas (BERSIN, et al., 2017). Para acompanhar essas constantes mudanças no mercado de trabalho, lideranças e profissionais que atuam com gestão de pessoas são convocados a revisar suas práticas de trabalho. Um dos desafios enfrentados é a complexidade das relações e da tomada de decisão no trabalho que demandam mais agilidade e eficácia na atuação das equipes de trabalho. Temos visto como a gestão de equipes se transforma e estrutura-se não por setores funcionais, mas por produtos, clientes e/ou mercados. Essas equipes tendem a ser menores, mais ágeis e empoderados por um estilo de liderança hands-on, ao invés do estilo de gestão por detrás da mesa. Nessas novas configurações são fatores de eficácia os valores e a cultura compartilhada, as metas transparentes, o fluxo livre de informação, comunicação e feedback, recompensas pelas competências e conquistas, não somente pelo cargo em que ocupam na hierarquia (BERSIN, 2016). As equipes estruturam o trabalho na maioria das organizações, pois o trabalho em equipe, quando bem organizado e gerenciado, tende a gerar produtividade maior que indivíduos operando isoladamente. Adequar-se, portanto, à dinâmica organizacional contemporânea significa olhar para a forma como o trabalho precisa ser feito, estudando as redes organizacionais que suportam o processo de trabalho das equipes, porque são elas que permitirão às empresas maior desempenho e competitividade para o futuro. Essa dinâmica do cenário contemporâneo social, do trabalho e do trabalhador nos convida a (re)pensar a 54 gestão de pessoas por estarmos diante de outras características e configurações das relações entre indivíduos-equipesorganizações. Com isso, nos propusemos a identificar como integrar os esforços coletivos por meio da compreensão sobre o tema da eficácia associado ao desempenho das equipes de trabalho (WOLFF, 2013). Equipes de trabalho Equipes são pessoas agindo em conjunto para realizar tarefas de trabalho com objetivo em comum, ainda que não sejam individuais, mas do grupo ou organização. Equipes estão organizadas e estruturadas para estabilizar suas relações e dar condições para o grupo operar, pois são pessoas que dependem da interação e interdependência entre seus membros. (GONZALEZ; SILVA; CORNEJO, 1996; LOURENÇO, 2002). A formação de uma equipe está condicionada a sua experiência como equipe e as relações interpessoais ao longo do tempo que implicam na constituição de sua identidade, sentimento de pertença e confiança mútua entre seus membros. É no decorrer dessas relações que ocorre a integração social, reforçadora dos vínculos, embasada no compartilhar de percepções, na realização de esforço cooperativo e nos sentimentos de atração interpessoal. (GONZALEZ; SILVA; CORNEJO, 1996). Dessa forma, ser um grupo pressupõe a “periódica instituição dele mesmo como grupo, criando espaço para pensar a si mesmo, seus sucessos, dificuldades, conflitos, atravessamentos, políticas etc.” (FERNANDEZ, 2006, p. 223). As equipes comportam a diversidade de conhecimentos, atitudes, habilidades e experiências cuja integração permite oferecer respostas rápidas, flexíveis e inovadoras aos problemas e resultados esperados, promovendo rendimento e melhorando a satisfação de seus integrantes (RICO; ALCOVER DE LA HERA; TABERNERO, 2010). Essa é a sabedoria dos coletivos: sua capacidade de dar conta dos resultados a partir das interações entre seus membros. Com o aumento da complexidade dos produtos e das tecnologias é preciso formar grupos de trabalho que (co)operem e conectem suas destrezas, habilidades e experiências para que, juntos, consigam encontrar soluções para problemas que, por sua complexidade, não conseguem ser realizados de forma bem sucedida por indivíduos isoladamente (GONZALEZ; SILVA; CORNEJO, 1996). Sabe-se, portanto, que o trabalho em equipe não opera de maneira isolada, mas sim de modo dinâmico, simultâneo e recursivo na medida em que o processo grupal se desenvolve ao longo do tempo, contexto em que emerge a eficácia da equipe (SALAS et al, 2007). Entretanto, um grupo não é definido somente pelos seus membros, mas também pelas interconexões entre o grupo e seu contexto, o grupo e seus objetos, instrumentos, ferramentas, recursos e tecnologias. Essa abordagem foi desenvolvida pelo modelo sistêmico que contribuiu para a compreensão dos grupos como um fenômeno social integrado em sistemas mais amplos, enfatizando a atenção ao intercâmbio de relações e a mútua influência entre o grupo e o contexto no qual está inserido. Dessa forma, a dinâmica grupal é resultado tanto das relações intragrupo quanto das relações com o ambiente no qual opera. (LOURENÇO, 2002). Para Alves e Seminotti (2006) a pessoa, o grupo e seu ambiente são entendidos como partes de um todo dinâmico cuja ênfase de análise está na dinâmica das inter-relações entre indivíduo-grupo-organização. Nesse sentido, compreender o grupo como processo é reconhecer que suas estruturas e comportamentos serão sempre provisórios, pois, as rupturas de estabilidade que ocorrem a todo o instante fazem com que a noção de equilíbrio não seja estática, mas sim, dinâmica, pois no contemporâneo, alcançamos o equilíbrio, em movimento. (FAGUNDES, 2007). Dessa maneira, a análise do processo grupal contempla o acompanhamento da história de vida do grupo, compreendido como intensidade interativa e processual, e que se constitui na articulação entre os acontecimentos, as necessidades grupais e individuais, no constante processo (de)vir a ser grupo. 55 Eficácia de equipes A eficácia de equipe é uma definição contextual e variável conforme a empresa e situação em que a equipe está inserida. Embora existam variáveis que determinam e influenciam a eficácia, nem todos esses elementos serão os mesmos para todas as equipes, uma vez que devemos considerar os fatores contingentes na hora de desenhar e analisar a eficácia organizacional. (LOURENÇO, 2002; RICO; ALCOVER DE LA HERA; TABERNERO, 2010). A questão central da discussão da eficácia de equipes, portanto, é identificar os elementos adequados para aquele determinado contexto (HACKMAN et al., 2000). Esses elementos podem ser variáveis multinível e estar presente no âmbito individual, da equipe e/ou organizacional, pois o trabalho de uma equipe não acontece em um vácuo, mas sim situada em um contexto e influenciada por elementos externos à equipe como sua conexão com processos, informações, produtos advindos de uma rede maior de conexões, na empresa como um todo. Portanto, para compreender a eficácia de uma equipe é preciso identificar os principais fatores que a influenciam a fim de direcionar as intervenções sobre esse foco. Desse modo, precisamos pensar em variáveis determinantes, de influência e críticas, em relações de causa e efeito, dentro e fora da equipe, integrando-a a particularidade daquele contexto: ambiente, organização e circunstâncias específicas. (LOURENÇO, 2002; SALAS et al., 2007; BRACAMONTE, 2008; RICO; ALCOVER DE LA HERA; TABERNERO, 2010). Nesse sentido, estaríamos explorando as relações entre as variáveis da tarefa, da equipe e do contexto por meio de uma performance adaptativa a fim de compreendermos as similaridades e diferenças entre a performance das equipes e do contexto que, possivelmente, devem compartilhar os mesmos conteúdos e ênfases. Normalmente, quando a eficácia é medida ao longo do tempo, ela é conceituada como uma série de ações, comportamentos ou resultados que podem indicar variáveis que a representam nos múltiplos níveis: do indivíduo, da equipe, dos processos e da organização. (SALAS et al., 2007). Além disso, seus critérios também estão relacionados à história de vida da equipe e suas fases de maturação, assim como os pesos relativos aos critérios e os próprios critérios, que podem se modificar na medida em que o tempo passa e as equipes vivenciam a dinâmica temporal e organizacional. Contudo, a inovação apresentada por nossas pesquisas enfatizou uma leitura sistêmico-complexa sobre a eficácia de equipes, pois percebemos que a lógica linear e estática dos modelos estudados pouco incorpora os aspectos temporais e recursivos de adaptação, da aprendizagem e do desenvolvimento das equipes. Segundo Mariotti (2010), o foco de análise não pode estar somente no objeto, nem só no sujeito, mas sim deve dirigir-se ora para um, ora a outro, ora para relação entre eles, mantendo um olhar numa dinâmica circular. Como argumenta o autor “se o processo é plural a abordagem não pode ser singular; se o processo é complexo, a abordagem não pode ser simplificadora” (MARIOTTI, 2010, p. 43), pois os fenômenos também revelam sua existência por meio de suas inter-relações. Para Hackman et al. (2000), na avaliação do comportamento e o desempenho das equipes, as interelações entre os sujeitos extrapolam a linearidade, sobretudo quando a demanda é por respostas inovadoras, transformadoras e sustentáveis. Conforme Mariotti (2010), o modelo linear-cartesiano, prevalecente em nossa cultura e modo de pensar, tem se mostrado cada vez menos eficaz para lidar com as características dos tempos atuais: a instabilidade e a incerteza. Propomos, portanto, discutir a eficácia a partir de uma compreensão sistêmico-complexa como estratégia para estudar o fenômeno para além das relações de causalidade simples, investigando, desse modo, o processo grupal da eficácia articulado ao seu contexto. O Pensamento Sistêmico pressupõe que os fenômenos de pesquisa estejam imersos em um sistema mais amplo e, para compreender seus processos de organização e auto-organização, é preciso conhecer a inter-relação das múltiplas forças e fatores do sistema. Somente, assim, poderemos compreender as partes a partir da organização do todo que, por sua vez, emerge das interações e relações entre as partes. Trata-se, portanto, de um pensamento processual e contextual, pois para compreender as partes precisamos compreendê-las em um contexto mais amplo. (FAGUNDES, 2007). Nesse sentido, buscamos compreender o processo grupal da eficácia como um fenômeno “vivo”, interconectado com o seu meio através dos muitos elos e das múltiplas inter-relações e inter-retroações que ocorrem no ambiente no qual está inserido. (ALVES; SEMINOTTI, 2006). 56 Análise do processo grupal da eficácia em um projeto de software Pesquisamos sobre os fatores de eficácia, na opinião de líderes e liderados, em empresas de TI, associada a três tempos: a fase inicial, a fase de execução e a fase final de um projeto de desenvolvimento de software, realizado por duas empresas e respectivas equipes situadas em um Parque Tecnológico no RS/Brasil. Uma das equipes atuava na Produtora Digital e outra na Produtora de Entretenimento e Animação 3D, sendo o campo de pesquisa a interdependência entre essas empresas e equipes. O projeto inicia com um planejamento estruturado, definição de tarefas, prazos e entregáveis em ambas equipes. Contudo, havia muitos riscos associado ao fluxo de informações e entrega de materiais entre as equipes, além da complexidade tecnológica que poderiam impactar na entrega e qualidade final. Na fase de execução, houve reuniões de acompanhamento, inspiradas na metodologia Scrum que opera por pressupostos de agilidade, interatividade e geração de melhorias incrementais. (SCRUM, 2013). Com esse estilo de trabalho, as equipes eram estimuladas a participar de reuniões diárias e rápidas que objetivavam constituir um momento para que cada membro da equipe pudesse brevemente relatar as atividades realizadas, assim como os obstáculos que o impediam de prosseguir o trabalho. Contudo, os atrasos na entrega dos materiais e informações demandaram habilidades de negociação e elaboração de estratégias coletiva de auto-organização. Ainda que as equipes tivessem autonomia de atuação, dependiam da outra que influenciava diretamente na sua eficácia. Uma vez que a eficácia não depende somente dos fatores internos à equipe (perspectiva intra), mas principalmente das interações entre as equipes (perspectiva inter) e entre equipe e contexto de trabalho. No acompanhamento do processo grupal identificamos que a comunicação ágil e dinâmica, em cenário de incertezas e indefinições, foi fundamental para sua eficácia, pois com frequência precisaram (re)negociar, (re)organizar, (re)posicionar, discutir, apontar riscos e fazer (re)combinações para solucionar os impedimentos ao processo produtivo. Nessa dinâmica de interação entre as equipes, o conhecimento dos saberes individuais e identificação dos interesses coletivos na direção de um objetivo comum, foi possível perceber a identidade do grupo definida pela sua singularidade, não como uma característica intrínseca, mas como produto acionado pelas relações no contexto do qual fazem parte. Constatamos, portanto, que em contextos dinâmicos de trabalho, os encontros frequentes, como as reuniões de acompanhamento iniciais ou durante o projeto, presenciais ou virtuais, são fundamentais para o andamento do projeto. Esses encontros são dispositivos para a autoregulação e suporte à adaptação da equipe às constantes mudanças do ambiente; suporte que permite aos membros das equipes tolerar a provisoriedade, a impermanência e a incerteza das (in)definições no processo de trabalho. As estratégias de auto-organização das equipes são entendidas como emergentes do processo grupal que, conforme Fagundes (2007), significam a capacidade criativa das pessoas operando em conjunto, em um processo dinâmico e interativo com seu ambiente. Essa é a ideia que ilustra a afirmação de que “o todo é maior que a soma das partes”, pois considera que o trabalho em equipe produz qualidades novas quando comparadas às pessoas trabalhando isoladamente. Essa compreensão sobre o emergente do processo grupal como variável de eficácia é ainda mais importante quando requeremos respostas inovadoras e criativas, pois é na relação entre a equipe-tarefa-contexto que a capacidade criativa das pessoas é produzida. Nesse sentido, a inovação, como uma das dimensões da eficácia se refere ao grau em que a equipe é capaz de inovar no que diz respeito aos seus processos internos e resultados que obtém no desempenho das suas atividades, pois sem esta compreensão a equipe está fadada a fechar-se em si mesmo e, portanto, à mediocridade e ao erro (SAVOIE, LARIVIÈRE, BRUNET; 2006). Na fase final do projeto, a eficácia grupal emerge nos comportamentos de rápida tomada de decisão, necessidade das equipes se comunicarem de modo articulado, fluido e direto e os comportamentos de flexibilidade e tolerância diante da crise e das mudanças. Além disso, um dos fatores vitais para a entrega do projeto foi o desenvolvimento de um modelo mental compartilhado, onde no interjogo dos desafios, das mudanças e das tensões todos deveriam compreender as demandas e o contexto de inserção do projeto. Constatamos, com isso, que os comportamentos e 57 a interação grupal, emergente das condutas individuais e coletivas, como agilidade, comprometimento e dedicação, flexibilidade de adaptação, tolerância perante a crise, rápida tomada de decisão e a tomada de decisão em contexto de incerteza sustentaram a entrega do projeto. Ampliando o olhar: uma proposta de eixos de avaliação da eficácia em equipes de trabalho Para analisar a eficácia grupal, identificamos quatro eixos de investigação que são o contexto organizacional (ou empresa), o design do trabalho, o design da equipe e o papel da liderança. Esses fatores podem ser utilizados na avaliação das equipes de trabalho, em uma análise transversal ou longitudinal associado a um projeto de trabalho, a fim de identificar aqueles presentes e/ou ausentes e importantes para a eficácia. FATORES DE EFICÁCIA Sobre a empresa A empresa recompensa pelo bom desempenho. A empresa oferece treinamento para o trabalho. A organização do espaço físico e as condições de trabalho são adequadas para o bom desempenho. Os recursos de trabalho são disponíveis e adequados para o bom desempenho. Sobre o trabalho Os objetivos são claros e bem definidos. O líder oferece feedback sobre o desempenho. O líder supervisiona o trabalho. A equipe faz a gestão do próprio trabalho. A carga de trabalho é bem dividida entre os membros da equipe. As tarefas de trabalho são organizadas. Existem normas de trabalho na equipe e está claro o que é e não é aceitável. Sobre a equipe As tarefas são significativas quem as executa. A equipe tem experiência na realização das tarefas. Há comunicação entre os membros da equipe. Os membros da equipe são cooperativos. A equipe consegue resolver problemas e solucionar conflitos. A personalidade dos membros da equipe contribui para seu desempenho. As habilidades e conhecimentos dos membros da equipe contribuem para seu desempenho. O tamanho da equipe contribui para seu desempenho. O clima de trabalho na equipe contribui para seu desempenho. A equipe tem experiência de trabalhar junto. A composição da equipe - diversidade, conhecimentos, aptidões, contribuem para seu desempenho. Os papéis e o poder estão bem distribuídos entre os membros da equipe. Os membros da equipe se esforçam para realizar as tarefas de trabalho. Os membros da equipe têm a mesma visão sobre a missão do trabalho. Sobre a liderança A liderança motiva a equipe para o desempenho do trabalho. A liderança orienta aos membros da equipe para sua missão e alinhamento das estratégias de trabalho. A liderança evidencia a consequencia das tarefas para os membros da equipe e/ou clientes. A liderança auxilia nas estratégias para a execução do trabalho A liderança reconhece o desempenho ao final do trabalho. Fonte: dados de pesquisa 58 A partir da análise desses fatores, os resultados convergentes e divergentes na opinião de líderes e liderados podem ser discutidos, bem como com os demais envolvidos no contexto avaliado. Depois disso, as prioridades podem ser (re) estabelecidos e novos acordos podem emergir a partir dessas conversações. Considerações finais Com o acompanhamento do processo de trabalho de uma equipe em um projeto de desenvolvimento de software identificamos que líderes e liderados concebem a eficácia a partir das suas atribuições, expectativas sobre o trabalho e as variáveis do contexto caracterizando, assim, uma compreensão subjetiva, contingente e temporal sobre o que é ser eficaz. Por ser uma compreensão subjetiva, ser eficaz “está nos olhos de quem vê”, pois está ancorado nos valores, interesses e percepções do sujeito sobre o trabalho. Com isso, poderíamos inferir que a eficácia é constituída no campo de tensões entre a lógica dos interesses e atribuições individuais no interjogo com a lógica dos interesses da equipe/organizacionais e da missão do projeto. Parece-nos que, portanto, há uma demanda para as lideranças de contínua constituição de uma visão compartilhada sobre os propósitos e os objetivos do trabalho, assim como de reconhecimento dos interesses dos sujeitos como modo de acionar uma concepção de eficácia representativa das partes (indivíduos) no todo (equipe/organização) e do todo, nas partes. Cabe sublinhar, contudo, que para a visão ser, de fato, compartilhada, as lideranças precisam (re)conhecer os elementos basilares de seu mindset, bem como suas possíveis “armadilhas”. A exemplo, voltamos à cena inicial deste capítulo: o quanto os líderes e a cultura da organização são capazes de reconhecer e validar a eficácia naquele guri de 18 ou 20 anos, com longos cabelos encobertos pelo gorro, com um fone de ouvido por cima... que se divertia com um game no intervalo? Este ponto se extende a uma análise dos valores da cultura organizacional e do quanto ela acolhe as tendências e transformações do mundo do trabalho e da amplitude geracional dos trabalhadores neste contexto. Ao longo desta construção de conhecimento, refletimos sobre os aspectos dinâmicos do pertencer e da produção de subjetividade associada à eficácia e ao trabalho em equipe. Constamos que o desejo de permanecer/pertencer nas equipes estudadas se relaciona ao desafio e à diversão durante o percurso do que propriamente à “linha de chegada” ou ao resultado. Os motivadores à permanência são a possibilidade de interagir e contribuir com colegas, parceiros e clientes; ser desafiado por novos projetos, saberes e tecnologias; ter liberdade de atuação e fazer o que se gosta, sendo que nenhum deles se refere somente ao resultado do projeto. Desse modo, identificamos a importância de reconhecer a subjetividade na concepção da eficácia das equipes de trabalho, pois é ela quem enuncia os interesses (desejo) dos sujeitos que influenciam e são influenciados pelo comportamento grupal, bem como pela ação das lideranças. A entrega final do projeto exigiu dos sujeitos “esforços extras” que se revelaram concretamente em “horas extras” e em comportamentos emergentes como envolvimento, dedicação, comprometimento, tolerância para suportar as mudanças e abertura para absorver as novas aprendizagens. Identificamos, portanto, o movimento recursivo entre o sentido da eficácia no trabalho em equipe e as tarefas no contexto de trabalho, ou seja, o sujeito do trabalho e o trabalho do sujeito necessariamente precisam ter sentido para aquele que o executa, compreensão que nos indica caminhos para intervir e promover a vinculação entre os sujeitos e o trabalho. Com efeito, para atingir o pragmatismo que as entregas organizacionais demandam, há de se considerar os interesses e os desejos dos sujeitos para que sentido e conexão se façam entre eles (e entre o trabalho) a fim de que se sustente o grau de investimento que o trabalho coletivo implica. Da mesma maneira, são compreendidos os fatores de eficácia que marcam de modo objetivo ou interpretativo se as atribuições ou expectativas de eficácia foram atendidas. Da perspectiva organizacional, essa subjetividade dos fatores pode ser uma dificuldade na gestão dos negócios, pois cada membro acaba por “medir” o seu trabalho por fatores de significado pessoal, e o desafio reside em estabelecer a sinergia entre esses singulares significados e o propósito coletivo. Em vista disso, o aprimoramento de sistemas de gestão que constituam fatores geradores de uma visão comum e compartilhada seria indicado para uma melhoria na gestão de equipes e na eficácia do trabalho. Além disso, o grau de importância dos fatores evidencia aquelas variáveis que deveriam receber maior atenção das lideranças na gestão 59 de equipes, pois fatores com alto grau de importância e presentes na percepção de líderes e liderados, possivelmente contribuirão para sua performance. Entretanto, fatores com elevado grau de importância e ausentes ou com percepção divergente deverão ser discutidas entre líderes e liderados. Em vista disso, constatamos que não podemos discutir a eficácia de equipes independente do seu contexto, pois ela não poderá ser eficaz, por si só, principalmente quando imersa em uma rede de interações. Percebemos, portanto, que a eficácia intraequipe é mais facilmente manejada pelos seus membros. Já a eficácia interequipes requer uma visão hologramática sobre o todo e abertura para os movimentos recursivos entre as equipes/empresas envolvidas. Nesse caso, as estratégias de autoprodução e auto-organização altamente eficazes intraequipes, precisariam perpassar a rede de interações interequipes, assim como as concepções e os fatores de eficácia precisariam extrapolar as fronteiras grupais e ser compreendidas na rede de relações associadas ao trabalho/entregas em questão. Com relação ao contexto de trabalho em tecnologia, constatamos, que equipes de trabalho imersas em contextos dinâmicos requerem, constantemente, (re)organização e (re)contratação de uma visão compartilhada sobre a missão e os objetivos do trabalho, por esta ser da ordem da impermanência e, portanto, modificar-se constantemente. Contudo, o processo grupal da eficácia está diretamente associado à sua capacidade auto-eco-organizadora em relação ao seu contexto, pois é essa adaptação que as mantém estáveis diante das mudanças do ambiente. Considerando o contexto pesquisado, recomendamos que as empresas, na perspectiva intraequipes, aprimorem o sistema de gestão criando fatores de eficácia corporativos que evidenciem uma visão comum e compartilhada na execução dos projeto a fim produzir uma concepção organizacional de eficácia, alinhando os esforços de indivíduos-equipesorganização a partir de estratégias de construção coletiva do conhecimento e de resolução de problemas para que cada sujeito tenha espaço para contribuir e se vincular ao trabalho; e estratégias de reconhecimento simbólico e de recompensa tangível direcionada aos envolvidos ao nas entregas finais de trabalho. Na perspectiva interequipes recomendamos que as empresas empreendam esforços para ampliar a visão hologramática sobre os projetos/ações de trabalho entre os envolvidos a fim de dar visibilidade às responsabilidades e atribuições como estratégia para garantir a eficácia das partes e ter atenção sobre os atravessamentos que impactam diretamente na entrega final das equipes envolvidas. Para as lideranças e Gestão de Pessoas recomendamos que proporcionem suporte e treinamento à condução do trabalho das equipes, bem como a elaboração de ação motivacional, alinhada com o perfil dos sujeitos, como estímulo ao desempenho no trabalho. Em ambientes dinâmicos, há que se manter reuniões periódicas de trabalho a fim de constituir continuamente uma visão compartilhada sobre a missão e as estratégias de trabalho, assim como promover a comunicação da consequência das tarefas para a equipe. Além disso, é importante desenvolver estratégias de reconhecimento dos esforços dos membros da equipe e estratégias de remuneração e recompensa na conclusão de projetos e/ou cumprimento de metas de trabalho que evidenciem a articulação nos esforços individuais, no coletivo e a articulação do referido projeto/ação de trabalho com os objetivos corporativos. Referências ALVES, M. C.; SEMINOTTI, N. O pequeno grupo e o paradigma da complexidade em Edgar Morin. Psicologia USP, São Paulo, v. 17, n. 2, jun. 2006. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365642006000200006&lng=pt&nrm =iso>. Acesso em: 01 maio 2012. BERSIN, J. Predictions for 2017: Everything Is Becoming Digital. Bersin by Deloitte, Deloitte Consulting LLP, 2016. BERSIN, J. HR Technology Disruptions for 2018: productivity, design and intelligence reign. Bersin by Deloitte, Deloitte Consulting LLP, 2017. BRACAMONTE, G. Work-team effectiveness: criteria for its definition and assessment in organizations. Revista Psychologica, Coimbra, n. 47, p. 43. 2008. 60 FAGUNDES, P. M. Desenvolvimento de competências coletivas de liderança e gestão: uma compreensão sistêmico-complexa sobre o processo e organização grupal. 2007. 146 f. Dissertação (Doutorado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2007. FERNANDEZ, A. Maria. O campo grupal: notas para uma genealogia. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 230 p. GONZÁLEZ, M. P.; SILVA, M.; CORNEJO, J. M. Equipos de trabajo efectivos. Barcelona: EUB, 1996. HACKMAN, R. J.; Et al. Team effectiveness in theory and in practice. In: LOCKE, E. A.; COOPER, C. L. Industrial and organizational psychology: linking theory with practice. Blackwell, 2000. p. 109-119. LOURENÇO, P. R. M. R. S. Concepções e dimensões da eficácia grupal: desempenho e níveis de desenvolvimento. 2002. 255 f. 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Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Scrum>. Acesso em: 13 jan. 2013. WOLFF, L. O processo grupal da eficácia: uma compreensão sistêmico-complexa sobre a eficácia de equipes. 2013. 104 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Gestão e Negócios) – Programa de PósGraduação em Administração, Unisinos, Porto Alegre, RS, 2013. 61 Parte Dois: Olhares internos 62 A FORMAÇÃO DA MEMÓRIA CULTURAL ATRAVÉS DA INDÚSTRIA CRIATIVA: EDUCAÇÃO INFANTIL EM UMA COMUNIDADE DA SERRA GAÚCHA Denise Anschau Rodrigues Mors Margarete Panerai Araujo Moisés Waismann Introdução A reconstrução da memória da imigração germânica no município de Nova Petrópolis, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, se constitui num exemplo de educação para as artes, cultura e patrimônio, conforme a concepção do sociólogo Halbwachs (1990),10 em que a memória individual existe a partir da memória coletiva, pois todas as lembranças são formadas no interior de um grupo. Da mesma forma os sentimentos, ideias e pensamentos, que são atribuídos às pessoas, na realidade nascem de um grupo. O objetivo geral deste trabalho é descrever uma iniciativa cultural denominada “Esculturas Parque Pedras do Silêncio”, e um Produto Cultural decorrente, que foi denominado “Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio” produzido em 2018. O parque foi idealizado e concebido por um membro de uma comunidade descendente dos protagonistas de um fluxo migratório, que logrou preservar, através de várias gerações, uma cultura que os identifica muito claramente. O parque é um empreendimento particular e familiar, que promove a expansão do turismo e a divulgação cultural. O empreendimento é gerido por seu proprietário e idealizador. Esse local pode ser considerado um espaço em que a reconstrução da memória da imigração germânica se expressa por meio dos produtos culturais instrumentalizados em esculturas em arenito distribuídas ao longo de uma área organizada por eixos temáticos, visando evidenciar diferentes fatos, que marcaram a trajetória de vida daquela comunidade. Um desses eixos, “A Saga dos Imigrantes”, apresenta esculturas que narram o contexto histórico da imigração, o motivo da saída da Europa, e a chegada em Nova Petrópolis. Neste segmento, as esculturas representam o núcleo familiar do imigrante, com imagens de homens, mulheres e crianças. Outro eixo, “Espaço das Profissões”, apresenta ocupações e trabalhos desempenhados pelos imigrantes, privilegiando figuras masculinas e mostrando a formação de um menino aprendendo o ofício do pai. O “Espaço das Tradições e Cultura” tem uma representação mais diversificada de esculturas, mostrando os costumes trazidos ou adquiridos pelos imigrantes, o cotidiano com as atividades festivas, esportes, culinária e diversão infantil. Há, ainda, um quarto conjunto de esculturas, dedicado a pioneiros cujos descendentes habitam a região até hoje. Aos visitantes do parque é apresentada essa ideia da separação em eixos temáticos, através de um folheto explicativo na chegada (HECKLER, 2016, s.p.). A ideia da pesquisa se originou da reflexão sobre os aspectos que motivaram a criação e instalação do parque e sua expografia, com a reprodução da memória coletiva que se recria e se reafirma por meio da seleção de esculturas e das mensagens que estas transmitem (MORS, 2019). Esta pesquisa resultou num produto final educativo cuja utilização visa o reforço de interpretação de cultura das origens migratórias no público infantil visitante do parque. O trabalho foi baseado em fontes documentais, depoimentos orais, em uma seleção da expografia, além das observações participantes, o produto sendo resultado do simbolismo detectado a partir dessa atuação. Este capítulo de livro está dividido em seções, sendo a primeira esta Introdução, seguida da seção que apresenta o espaço estudado e o objetivo do estudo, e da seção que descreve o processo metodológico de busca da memória social que resultou no produto cultural. Por último, a conclusão e referências utilizadas. 10 A conceituação inicial sobre memória social ou, melhor dito, sobre memória coletiva, se dá a partir dos trabalhos de Halbwachs (1952). 63 O “esculturas parque pedras do silêncio” e a ressignificação pela educação patrimonial O município de Nova Petrópolis, berço da colonização germânica no Rio Grande do Sul, localiza-se na Serra Gaúcha, entre os rios Cadeia e Caí, distante 100 km de Porto Alegre (SOUZA, 2005). Foi criado como Colônia Provincial de Nova Petrópolis, um prolongamento da Colônia de São Leopoldo em direção norte ao encontro da serra, e colonizado por saxões, pomeranos, boêmios, alsacianos e holandeses. No início, seu desenvolvimento foi lento, devido à grande distância do mercado de abastecimento e estradas ruins, a ponto de jocosamente ser chamada, em vez de Nova Petrópolis, de “Nova Aflição” (Neu Petrópolis – Neu Betrübnis em alemão), mas, com o passar do tempo ocorreu o seu pleno desenvolvimento (AMSTAD, 1999). Nova Petrópolis foi calcada no trabalho agrícola, redirecionando mais tarde para atividades como indústria moveleira, coureiro-calçadista, confecção de malhas, etc. Integra, com outros doze municípios com forte influência de colonizadores alemães, a área turística gaúcha da chamada “Rota Romântica” (SOUZA, 2005). Suas construções em estilo enxaimel11 têm flores nas sacadas e nas janelas, com jardins em frente às casas, constituindo-se numa herança cultural alemã de forte atração turística para o município. A ligação com suas origens é ressaltada nas práticas cotidianas, no gosto pelo cultivo da terra, nas tradições culturais (festividades, religiosidade, etc.), que se encontram representados na expografia do “Esculturas Parque Pedras do Silêncio”. Convém lembrar que os parques temáticos foram definidos na lei federal nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008), que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, como inspirados em algo histórico, cultural, etnográfico, lúdico ou ambiental, que valoriza uma região. Existem alguns parques que se desenvolveram em torno de um tema ou conceito regional, enquanto outros foram produtos da livre imaginação e criatividade dos seus autores. Para o público infantil esses espaços envolvem a possibilidade de socialização e proporcionam prazer ao brincar. É no brincar que estão presentes dois processos, o movimento físico, através das atividades lúdicas, e o mental. Também é por intermédio do brincar que a criança experimenta as sensações de prazer, medo, curiosidade, entre outras. A sociedade se transformou e os diferentes espaços e parques acompanharam a cultura em que a criança está inserida. Nesses espaços infantis encontram-se hoje as brinquedotecas, centros esportivos, culturais ou de lazer, e os parques, onde através do lúdico é possível oferecer instrumentos para criar e recriar, construir e reconstruir valores estruturantes ao seu processo de desenvolvimento. À luz desses elementos constituintes também se estabelecem a aculturação das práticas culturais e o aprendizado da patrimonialização. A educação patrimonial é um processo que objetiva proporcionar o reconhecimento, a valorização e, consequentemente, a preservação dessa inter-relação do patrimônio cultural de uma comunidade. Todas as vezes que as pessoas se reúnem para construir e dividir conhecimentos, investigar para conhecer melhor, entender e transformar a realidade que as cerca estão realizando uma ação educativa. Quando tudo isso é feito levando em conta algo relativo ao patrimônio cultural, então trata-se de Educação Patrimonial (IPHAN, 2018). Para o público infantil, o espaço em pauta apresenta importância por ter sido fundamentado nos sentimentos dos imigrantes. No parque temático aqui tratado as esculturas foram idealizadas usando-se como fontes os historiadores e os descendentes dos imigrantes. A memória produzida no parque foi proveniente de uma pesquisa bibliográfica e de arquivos pessoais, assim como de fotografias, que inspiraram os escultores na composição das faces esculpidas dos pioneiros. O parque apresenta uma exposição permanente e seu acervo se constitui em esculturas em arenito, que pesam de 1500 kg a 2000 kg, realizadas a partir de imagens fotográficas e, basicamente, de relatos de descendentes imigrantes sobre a história da colonização germânica. O acervo conta com construções representativas da técnica enxaimel e adornos de recordações de época. Possui uma loja, e um espaço expositivo com ampla área cercada por vegetação nativa abundante e muito paisagismo. 11 Técnica de construção trazida pelos imigrantes germânicos que consiste em montar estruturas de madeira encaixada, presas por tarugos de madeira, com espaços vazios preenchidos com argila e pedras ou tijolos (HECKLER, 2017, s.p.). 64 O produto cultural e educativo foi inspirado na hipótese de que a ressignificação desse espaço “Esculturas Parque Pedras do Silêncio” enriquecerá a educação patrimonial das crianças daquela região, preenchendo uma lacuna manifestada pelo próprio gestor do projeto ao relatar as dificuldades que tinha ao receber visitantes infantis. Portanto, o instrumento lúdico educativo oportuniza um nível de compreensão para o público infantil, promovendo entre seus membros uma nova forma de entendimento do contexto histórico de seus antepassados. Essa modificação percebida pode ser interpretada pelo habitus, que se constitui na disposição, na maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo, segundo Bourdieu (1998). Assim, a forma de agir, tanto corporal quanto materialmente é estruturada e estruturante, constituinte de uma ressignificação na composição desse novo habitus. O produto cultural e educativo “Livro de Atividades” proporciona aos visitantes infantis do parque uma reconversão nas suas práticas culturais e patrimoniais e na incorporação de um novo habitus, permitindo-lhes vislumbrar novas possibilidades para suas trajetórias. Esta educação não formal permite diferentes formas de aprendizagens, que não estão condicionadas ao mesmo tipo de ensino tradicional (PINTO, 2003). A construção do habitus comporta, além do comportamento aprendido, o mecanismo memorial promotor do legado social que o indivíduo adquire do seu grupo; portanto a sua ressignificação. Produto cultural “livro de atividades do parque esculturas parque pedras do silencio”: processo metodológico de busca da memória social Buscando o entendimento da memória social presente na reconstrução do “Esculturas Parque Pedras do Silêncio”, bem como na relevância do produto oferecido, procedeu-se a entrevistas com três personagens diretamente envolvidos no espaço social. O primeiro entrevistado foi o idealizador e proprietário do parque que, juntamente com o irmão e sócio proprietário, desejava construir um ponto turístico “diferente de todos os outros que existem no Brasil” (HECKLER, 2017, s.p.). Os outros entrevistados foram um historiador, que atuou como guia no parque desde a data de abertura no ano de 2014, e um escultor, do grupo de três escultores aquele que mais obras elaborou e o único que continua esculpindo obras para a ampliação do parque. O produto “Livro de Atividades”, que visa o enriquecimento e a educação patrimonial das crianças visitantes, “atingiu o seu pleno objetivo”, segundo o próprio idealizador do parque (HECKLER, 2018, s.p.). Trata-se, portanto, de um instrumento lúdico educativo que disponibiliza o simbolismo do parque num nível de compreensão para o público infantil, promovendo a ressignificação do contexto histórico de seus antepassados, conforme todos idealizavam. Segundo o gestor do parque (ENTREVISTADO HECKLER, 2018, s.p.): Oferecer essa experiência para crianças agrega muito ao parque. Tivemos algumas escolas visitando. Por falha nossa, por não saber orientar direito as crianças, no sentido de quais são as regras, tivemos experiências ruins com escolas, inclusive com esculturas quebradas. Tivemos um dente de leão de uma escultura quebrado, além de bagunças na caixa de sugestões do parque. Fiz contato com a diretora dessa escola. Ela me pediu mil desculpas, pois se tratava de uma turma problemática. Em função de nós não estarmos muito bem preparados para receber esses alunos, fizemos uma parceria com os colégios [...] de Nova Petrópolis. Eles recebem os grupos de escola, que passam o dia num sítio, onde eles tratam animais e fazem trilhas ecológicas. Num destes roteiros, está incluso também uma visita ao ‘Esculturas Parque Pedras do Silêncio [...]. Eu acho que é uma semente importantíssima de ser plantada. Se nós tivermos uma maneira de ser feito isso, de forma mais bem orientada, eu ficaria super contente também. Temos muitas visitas de pessoas que gostam de contemplar o silêncio e olhar as esculturas. Então, precisamos ter horários diferentes. Hoje, nós fazemos as visitas de escolas nos dias de menor movimentação ou fora do horário de visitas normais [...]. Portanto, o proprietário, criador do espaço, relatou as dificuldades que foram encontradas ao receber visitantes infantis. Informou sobre tratativas em andamento com a Secretaria de Educação e Cultura no município de Nova Petrópolis, no sentido de organizar visitas desse público, direcionando o interesse das crianças para o tema da história 65 da imigração. Foi cogitada a realização de um concurso em que a criatividade das crianças fosse estimulada. O produto proposto, nesse sentido, oportunizou grande contribuição a essa iniciativa. O gestor avaliou o produto “Livro de Atividades” como um recurso importante a ser agregado. Além disso, está sendo construído um espaço dedicado às crianças, onde elas encontrarão esculturas de animais da fauna local.Conforme o guia do parque, (ENTREVISTADO LIMA, 2018, s. p.): Pelo aspecto histórico, as crianças não se interessam muito, até pela nossa forma de contar a história. Ela não é tão voltada ao público infantil. Temos um espaço dentro do bosque, com animais, que é um espaço mais lúdico que eles gostam. E aí a gente explica que eram animais que tinham na época que os imigrantes chegaram. Essa é uma parte que até agrada as crianças. Mas do ponto principal do parque, que é contar a história da imigração germânica na região, ainda não está muito afinado com o olhar infantil [...]. Eu acho uma grande ideia, porque é o que falta pra gente. A maneira de falar para as crianças. A gente não tem essa linguagem. Eu acho que a gente teria dificuldade de fazer. Teríamos que encomendar com alguém para fazer, porque não temos esse tato, esse jeito de contar história para criança. Parece muito fácil, mas não é. Eu tenho uma filha de 12 anos e sei como é difícil explicar algumas coisas para as crianças. Eu acho que seria interessante um livro nesse estilo [...]. O guia comentou que o percentual de crianças que visitava o parque era baixo, ficando em torno de 10% do total de visitantes. Reconheceu que as crianças não se interessavam pelo aspecto histórico e apontou que um dos motivos seria a abordagem da visita guiada, que não era voltada para o público infantil. As crianças tinham preferências pelos espaços dentro do bosque, com característica mais lúdica, que apresentava estátuas de animais da fauna local. Manifestando essas dificuldades em atrair o olhar desse público, pela falta de uma linguagem infantil na visitação, o entrevistado recebeu com entusiasmo a ideia do produto sugerido Assim sendo, o “Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio”, prevê um roteiro de visitação específico, e será, segundo ele, um importante aliado para afinar o conteúdo dos aspectos históricos da imigração germânica ao entendimento das crianças. Segundo o escultor (ENTREVISTADO HULLEN, 2018, s.p.): [...] a maioria iria gostar. Principalmente bichos, que a criançada se interessa mais. Eu nunca fiz esse teste. Às vezes, vêm as escolinhas. Deveria estar metido dentro para ver o que a gurizada fala. Eles gostam de ver o que está fazendo e bastante os bichos. Eu não sei como, ao certo, tu poderias elaborar. O ideal é fazer um teste. Pegar a gurizada e sair por aí para ver o que falam. Daí se consegue juntar alguma coisa. E acho que seria bom com a gurizada [...]. A gurizada não presta atenção no significado das esculturas. Eles não ficam ali escutando. Agora, onde tem coisas que interessam para eles, aí eles ficam [...]. O escultor reconheceu que as crianças não se interessavam pelo aspecto histórico e, sim, pelo espaço lúdico de animais, sugerido, idealizado e construído por ele. Atualmente, esse local é a atração que mais chamou a atenção desse tipo de público. Outro interesse das crianças, segundo Hullen (2018), foi o trabalho de confecção das esculturas. Entendeu que o “Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio”, dentre inúmeras narrativas, jogos e brincadeiras, prevê um roteiro de visitação específico, ajudando o público infantil a se interessar pelo conteúdo dos aspectos históricos da imigração germânica. Atualmente, está sendo efetivada uma expansão do espaço cultural, demonstrando a determinação em preencher mais vazios de memória. Portanto, o produto “Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio” pretendeu contemplar uma questão colocada pelo idealizador do parque, que revelou na entrevista a dificuldade encontrada em contextualizar o objetivo de sua obra junto ao público infantil. Esta questão foi corroborada pelos outros entrevistados, ao manifestarem a dificuldade de encontrar uma linguagem adequada para contar a história da imigração germânica para o público infantil. Assim, o produto foi elaborado para ter simbolismo próprio, levando à reflexão sobre os temas tratados no parque. A edição de um livro infantil temático foi proposta focando nos três eixos do parque. Sua descrição apresenta a figura da avó de origem germânica convidando os netos a conhecerem o passado da família, o que se desenvolve através de atividades de pintura, desenho e criação textual. As atividades do livro apresentam um mapa com sugestão de roteiro 66 de visitação de esculturas, adaptado para o público infantil, preenchendo a lacuna existente no parque “Esculturas Parque Pedras do Silêncio”. O livro infantil produzido, com capa e contracapa coloridas, mostra na capa imagens de peças da expografia. A parte interna consta de quatorze páginas, com atividades criativas de produção textual e pintura, além de uma folha picotada em branco, para ser desenhada e destacada, que poderá ser afixada em expositores ao longo do parque. A penúltima página interna apresenta um mapa com sugestão de roteiro de visitação de esculturas. Conclusão O estudo do parque “Esculturas Parque Pedras do Silêncio”, permitiu uma avaliação bastante complexa da reconstrução da memória social de uma comunidade de origem germânica, integrada ao meio que a acolheu, evidenciando a pertinência da idéia da construção do empreendimento. As entrevistas realizadas com colabores do parque manifestaram as dificuldades que tinham em cativar a atenção das crianças para a história da imigração germânica e demonstraram interesse em receber um produto voltado ao público infantil. Ao contemplar essas expectativas e atender aos anseios do idealizador do espaço, o produto cultural intitulado “Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio” foi um processo metodológico, que contemplou a parte educativa de entretenimento infantil (ver figuras no Apêndice), com um roteiro histórico adaptado para crianças, e deve contribuir, acima de tudo, para a construção da ressignificação de memórias da comunidade local descendente de imigrantes germânicos. Este trabalho foi resultado de uma Dissertação de Mestrado em Memória Social e Bens Culturais. Referências AMSTAD, T. (Org.). Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul 1824-1924. São Leopoldo: Unisinos, 1999. BOURDIEU, P. Escritos de Educação. Petrópolis, Vozes, 1998. BRASIL. Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico; revoga a Lei no 6.505, de 13 de dezembro de 1977, o Decreto-Lei no 2.294, de 21 de novembro de 1986, e dispositivos da Lei no 8.181, de 28 de março de 1991; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11771.htm>. Acesso em: 26 mar. 2018. HALBWACHS, M. Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. HALBWACHS, M. Lês Cadres Sociaux de la Mémoire, Paris: Presses Universitaires de France, 1952. HECKLER, V. Catálogo Guia de Esculturas. Nova Petrópolis: edição particular do Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2016. HECKLER, V. (Org.) Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Nova Petrópolis: Nova Harmonia; São Leopoldo: Oikos, 2017. HECKLER, V. Entrevista realizada por Denise Anschau Rodrigues Mors. 2018. Entrevista gravada em celular, no formato MP3. HULLEN, C. Entrevista realizada por Denise Anschau Rodrigues Mors. 2018. Entrevista gravada em celular, no formato MP3. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Educação Patrimonial. Disponível em: <http://portal.iphan. gov.br/pagina/detalhes/343>. Acesso em: 19 nov. 2018. LIMA, E. N. de. Entrevista realizada por Denise Anschau Rodrigues Mors. 2018. Entrevista gravada em celular, no formato MP3. 67 MORS, D. A. R. Memórias e Produtos Culturais que Reconstroem Identidades: “Esculturas Parque Pedras do Silêncio” (Nova Petrópolis, RS). 101 f. Dissertação (Mestrado em Memória Social e Bens Culturais), Programa de Pós-graduação em Memória Social e Bens Culturais, Universidade La Salle, Canoas, 2019. PINTO, M. A. L. (Org.). Psicopedagogia: Diversas Faces, Múltiplos Olhares. São Paulo: Olho d´Água, 2003. SOUZA, M. V. de. “Reinvenção das tradições” e promoção do turismo – estratégias diferenciadas de Mercantilização da Identidade Cultural: os casos de Nova Petrópolis e São Francisco de Paula no Rio Grande do Sul. 230f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, Porto Alegre, 2005. Disponível em: <https://lume.ufrgs. br/bitstream/handle/10183/5743/000474512.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 25 dez. 2018. 68 APÊNDICE – Produto Cultural: Livro de Atividades de Entretenimento Infantil Figuras 1 e 2 - Capa e folha de rosto do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. Figuras 3 e 4 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. 69 Figuras 5 e 6 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. Figuras 7 e 8 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. 70 Figuras 9 e 10 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. Figuras 11 e 12 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. Figuras 13 e 14 - Parte interna do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. 71 Figura 15 - Quarta capa do Livro de Atividades Fonte: Produto cultural Livro de Atividades do parque Esculturas Parque Pedras do Silêncio, 2018. 72 LIVRO E LITERATURA NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA REDE SESC Simone Luz Ferreira Constante Margarete Panerai Araújo Judite Sanson de Bem Moisés Waismann Introdução O presente capítulo objetivou a reflexão das políticas relativa ao desenvolvimento da cadeia produtiva do livro e de incentivo à leitura no contexto contemporâneo brasileiro, especialmente o caso do Serviço Social do Comércio (SESC) e suas ações de fomento à literatura em âmbito nacional. Justifica-se esta análise com o devido aporte teórico considerando a conjuntura nacional atual e a historiografia parcial da trajetória institucional. Metodologicamente a pesquisa foi descritiva, com o objetivo de descrever, os fatos dessa trajetória, cujo marco temporal foi de 1946 até os dias de hoje, fazendo uso dos dados do IBOPE de 2015 a 2016. Este artigo foi pensado em quatro seções, sendo: a primeira, esta Introdução, seguida pela parte de referencial intitulada Economia da Cultura – conceitos e perspectivas, apresentando alguns conceitos teóricos relacionados ao campo da cultura, políticas culturais, economia da cultura, consumo e capital cultural. A outra seção é a Metodologia, seguida dão estudo de caso e análise de dados do SESC como instituição de fomento ao livro e à leitura, por último as Conclusões e Referenciais utilizados. Economia da cultura – conceitos e perspectivas De acordo com Baumol e Bowen (1966) as atividades culturais são qualitativamente benéficas e produtivas para toda a sociedade, sendo considerados bens coletivos indispensáveis e, portanto, devem tornar-se objeto de políticas públicas com subvenção do Estado. Quando pensada no âmbito econômico, a expressão economia da cultura passa a referir-se a um conjunto de atividades que envolvem a produção, circulação e consumo de bens e serviços culturais. Na visão de Rouet (1998), caracteriza-se por ser um feixe transversal de práticas com crescente impacto socioeconômico em diversos países, exigindo uma análise por meio de critérios qualitativos e também a partir de paradigmas quantitativos. Para Reis (2007), a economia da cultura corresponde, [...] aos produtos e serviços que têm, ao mesmo tempo, potenciais econômicos e valor simbólico (mensagem, identidade, valores). Encaixam-se nesse critério, por exemplo, o artesanato, as indústrias culturais, o turismo cultural, o patrimônio cultural, a moda, o design, os equipamentos culturais (teatros, cinemas, museus etc.), (REIS, 2007b, s/p.). Nesta linha, as experiências estéticas e os bens simbólicos passaram a ser vistos como produtos de mercado, a partir de uma penetração da lógica capitalista no campo cultural. Considerou-se, de um lado, a dimensão econômica e sua relação com a geração de riquezas, empregabilidade e impostos recolhidos e, de outro lado, a dimensão simbólica e sua relação com os valores culturais, práticas, aspectos intelectuais e morais da vida. Esta dimensão está relacionada ao que Throsby (2011) chamou de capital cultural dos sujeitos sociais, isto é, recursos que possuem valor cultural indiferentemente do valor econômico que possam ter ou criar. Este valor cultural caracteriza-se por um sistema de ideias, crenças, valores e tradições de um grupo social, que permite aos seus indivíduos certo grau de identidade entre si. Na forma de bens tangíveis, o capital cultural possui características criadas por atividades humanas, que exigem manutenção. Já a forma intangível considera o 73 capital intelectual e os sistemas de ideias, mas igualmente não dispensa manutenção apropriada. Em ambas as formas tornam-se necessárias a alocação de recursos e investimentos para que o capital cultural continue existindo e fomente a economia. Throsby (2011) relacionou este tipo de capital com a atividade da produção cultural. Atribui aos bens culturais um valor diferente dos outros bens, o que os torna diferentes e à criatividade a grande competência geradora de inovação, precursora de avanços tecnológicos e, consequentemente, com grande potencial de gerar resultados econômicos. Os produtos culturais carregam consigo alto nível de valor simbólico, uma carga de informações e de sentido social, constituindo-se como uma produção sensível ao meio e aos atributos contidos nele. A cultura exerce um papel importante no desenvolvimento econômico de uma sociedade, visto que, reflete seus modos de pensar e agir, seus valores éticos, influenciando comportamentos econômicos e impactando nas suas relações sociais. A demanda de bens culturais depende tanto do poder econômico do indivíduo, como de seu nível educacional. Neste sentido, as necessidades de consumo e fruição de bens culturais são resultados de um acúmulo de conhecimentos prévios para apreciar a demandar deste tipo de bens. Para Benhamou (2007) outro fator que influencia no consumo de bens culturais é o tempo, interagindo na utilidade dos bens, fazendo com que aumente ou diminua a intensidade desta demanda. O prazer com o consumo cultural é obtido conforme a intensidade, a regularidade e o tempo que um indivíduo dispõe para esta fruição. Foi com Bourdieu (2007), que os conceitos de capital cultural ficaram definidos, bem como o consumo de bens culturais dotados de poder de comunicação, tornando-o um consumo simbólico. Através dele, os indivíduos alcançam certo grau de distinção, mediante o estabelecimento de posicionamentos dos consumidores nas diferentes hierarquias de práticas culturais. As referências relacionadas ao habitus, os campos e ao capital oportunizam a reflexão sobre as práticas culturais. A palavra habitus significa “disposições adquiridas, tanto pelo corpo como pela alma” conforme Lima (1998, p. 169). Ou seja, representa a interiorização, dos valores e princípios sociais vigentes configurando uma dimensão de aprendizado. O habitus orienta toda a ação, sendo um produto das relações sociais. Candau (2011) também organizou uma diversidade de conceitos, que se aproximam do chamado habitus. Segundo Matheus (2011, p. 303); Em uma primeira análise, a protomemória poderia ser confundida com o habitus de Bourdieu (1996), [...] ela é a memória social incorporada, tal como se expressa, por exemplo, nos gestos, nas práticas e na linguagem, cujo exercício é realizado quase automaticamente, sem um julgamento prévio (“quase sem tomada de consciência”). Depois que o habitus passa a estruturar as condições sociais de existência, ele continua produzindo suas representações, opiniões, crenças, valores e toda uma parcialidade independente do exterior, segundo Bourdieu (1996). Na sociedade ou espaço de lutas é possível compreender os campos, pois eles representam essas lutas instituídas para conservar ou transformar a relação de forças, segundo Bourdieu (1996). Nesse sentido, os agentes dispõem de um quantum de capital específico, suficiente para ocupar sua posição no interior do campo. Um, [...] campo de forças, cujas necessidades se impõem aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação de sua estrutura (BOURDIEU, 1996, p. 50). Para Bourdieu (1996, p. 90): A estrutura do campo é um estado da relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégias ulteriores. Esta estrutura, que está na origem das estratégias destinadas a transformá-la, também está sempre em jogo: as lutas cujo espaço e o campo têm por objeto o monopólio da violência legítima (autoridade específica) que é característica do campo considerado, isto é, em definitivo, a conservação ou a subversão da estrutura da distribuição do capital específico. O capital contribui para reprodução e distribuição do próprio capital. Isso porque a reprodução, a economia e a educação, contribuem com o ser social. Nesse sentido, o campo considerado um “espaço de possíveis”. E os conceitos 74 de capital cultural, social e simbólico ficam definidos, conforme o campo ocupado, ou seja: [...] o capital cultural, [...] compreende o conhecimento, as habilidades, as informações etc., correspondente ao conjunto de qualificações intelectuais produzidas e transmitidas pela família, e pelas instituições escolares, sob três formas: o estado incorporado, como disposição durável do corpo (por exemplo, a forma de se apresentar em público); o estado objetivo, como a posse de bens culturais (por exemplo, a posse de obras de arte); estado institucionalizado, sancionado pelas instituições, como os títulos acadêmicos; [...] o capital social, correspondente ao conjunto de acessos sociais, que compreende o relacionamento e a rede de contatos; [...] o capital simbólico, correspondente ao conjunto de rituais de reconhecimento social, e que compreende o prestígio, a honra etc. [...] O capital simbólico é uma síntese dos demais (cultural, econômico e social). As formas de capital são conversíveis umas nas outras, por exemplo, o capital econômico pode ser convertido em capital simbólico e vice-versa (BOURDIEU, 1989, p. 114). Uma das questões compreendidas pela abordagem econômica refere-se à disposição do indivíduo em pagar por algum bem ou serviço cultural, que gere tanto valor econômico como valor cultural. Todos esses conceitos podem ser observados junto à diversidade de saberes, tanto sociais comportamentais, comunicativos e aqueles instaurados através da participação social, que, portanto, adquirem relevância na instauração de outros saberes, via institucional-formal e outras formas. Não obstante, no Brasil ainda são poucas as informações sobre o valor que os indivíduos conferem aos bens culturais. A partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem intensificando esforços para institucionalizar políticas culturais, através de um sistema organizado de produção cultural, de forma a programar, projetos de fomento e agências de financiamento aos circuitos de produção, circulação e consumo de bens simbólicos. Botelho (2001) argumentou que a proposta de criação de um circuito organizacional para a área se configura num conjunto diversificado de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas. Ao buscar construir determinados sentidos e alcançar variados tipos de públicos, torna-se necessário o desenvolvimento de meios específicos de expressão. Este tipo de interferência torna-se mais fácil quando as políticas são visíveis e palpáveis, especialmente quando pensadas através de um circuito socialmente organizado. Tais políticas culturais devem encontrar um ponto de equilíbrio entre interesse público e privado sem excessiva institucionalização ou ainda forte influência do mercado, pois ambos são prejudiciais ao desenvolvimento dinâmico dos sistemas culturais. No que tange às políticas públicas, a implementação do Sistema Nacional de Cultura, a partir das da década de 1990 ou 2000, possibilitou o planejamento de ações, que contemplam todo o circuito da cultura no âmbito da pesquisa, criação, produção, circulação, distribuição, consumo, fruição e regulação. Baseado na diretriz da democracia cultural, este sistema passou a regular as políticas públicas de cultura de modo a oferecer apoio às práticas culturais da sociedade, valorizando seu desenvolvimento. Para Coelho (1997, p. 143-144), a concepção de democracia cultural está: [...] fundada no argumento de que programas de popularização como os defendidos pela tese da democratização cultural não vão nem longe, nem fundo o suficiente e se baseiam em concepções discutíveis do que é bom ou mau em cultura, do que é ou não um valor cultural, do que deve e pode ou não deve e não pode ser consumido. [...] Políticas de democracia cultural se apoiariam não na noção de serviços culturais a serem prestados à população mas no projeto de ampliação do capital cultural de uma coletividade no sentido mais amplo dessa expressão. [...] Contrariamente a um programa de serviços culturais, uma política de sustentação e ampliação do capital cultural que passe pela discussão das formas de controle da dinâmica cultural pode criar as condições para práticas culturais duradouras, quer de consumo quer de produção. As políticas culturais no Brasil procuram promover a cidadania cultural, em seu sentido mais amplo, baseadas em uma diretriz de democracia cultural. Para Chauí (2006) isto envolve compreender a cidadania cultural como o direito à cultura, envolvendo a qualificação da formação escolar, acesso livre à informação, estímulo à reflexão crítica, promoção da solidariedade social, oferta de atividades de lazer, garantia de acesso aos bens culturais e aos meios para 75 a criação cultural. Se a Constituição Brasileira prevê o direito à cultura, como um direito social de todos os cidadãos, é dever não só de o Estado garantir as condições de exercício deste direito, mas também outros agentes e organismos devem ser envolvidos, tais como instituições de ensino, empresas, a mídia e tantos outros organismos sociais que regulam nossa vida em sociedade. O Plano Nacional do Livro e da Leitura é uma promoção à cidadania à medida que a prática da leitura é um dos instrumentos para ampliar a visão de mundo dos sujeitos sociais. A democracia cultural, segundo o Plano Nacional é uma diretriz que busca evidenciar o caráter democrático de uma política pública de cultura, o que inclui a garantia do direito à fruição e expressão simbólicas e de ampla escolha entre as fontes de informação e formação do mundo, muitas vezes dificultada pelas tentativas de homogeneização ou monopolização da cultura (PNLL, 2006). Quanto mais efetiva for à circulação de bens culturais em nosso país, especialmente dos livros, melhor será nossa saúde social e mais potente se tornará o capital humano. Uma possibilidade de se atingir este objetivo é a existência de programas e iniciativas voltadas para a formação de leitores, ou seja, o fomento à leitura, a promoção da literatura nacional, a economia do livro e à democratização do acesso aos bens de leitura. Por parte do poder público, foi instituída a Portaria Interministerial Nº 1.442, de 10 de agosto de 2006, pelos ministérios da cultura e da educação, a fim de definir diretrizes para uma política pública voltada à leitura e ao livro no país. O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) tinha como justificativa o papel de destaque que os livros, bibliotecas e mediadores assumem no desenvolvimento social e nas transformações necessárias da sociedade para a construção de um projeto de nação, com uma organização social mais justa. Baseava-se na necessidade de formar uma sociedade leitora como condição essencial para a inclusão social de milhares de brasileiros no que diz respeito a bens, serviços e cultura, com vistas a garantir-lhes uma vida digna e estruturar um país economicamente viável. Orientado por quatro eixos o PNLL visa, respectivamente, a democratização do acesso ao livro; a formação de mediadores para o fomento à leitura; a valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico; e o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional. O PNLL é fruto do debate entre representantes de toda a cadeia produtiva do livro, a saber: escritores, editores, distribuidores, gráficas, livreiros e outros profissionais do livro - e outros agentes intermediadores, bibliotecários, mediadores de leitura, educadores, pesquisadores, universidades, especialistas em livro e leitura, organizações da sociedade, empresas públicas e privadas, gestores públicos, etc. Seu texto final foi aprovado pela Câmara Setorial do Livro e Leitura (CSLL), com a participação de representantes do Estado e da sociedade, vigorando até o ano de 2011, quando foi reeditado e, posteriormente, atualizado em 2014. Como Política de Estado, o PNLL visa nortear as políticas, programas, projetos e ações continuadas desenvolvidos no âmbito governamental, bem como, evitar a excessiva fragmentação e pulverização das iniciativas de empresas públicas e privadas, organizações da sociedade e indivíduos autônomos. Respaldada publicamente durante a III Conferência Nacional de Cultura, realizada no ano de 2013, em Brasília/DF, esta política consolidou-se através de sua eleição dentre as 20 diretrizes prioritárias para a política cultural do país. O Plano valoriza cinco fatores identificados pela UNESCO como necessários para existência expressiva de leitores em um país, sendo esses: a) o livro deve ocupar destaque no imaginário nacional, sendo dotado de forte poder simbólico e valorizado por amplas faixas da população; b) devem existir famílias leitoras, cujos integrantes se interessem vivamente pelos livros e compartilhem práticas de leitura, de modo que as velhas e 15 novas gerações se influenciem mutuamente e construam representações afetivas em torno da leitura; c) deve haver escolas que saibam formar leitores, valendo-se de mediadores bem formados (professores, bibliotecários, mediadores de leitura) e de múltiplas estratégias e recursos para alcançar essa finalidade; d) deve ser garantido o acesso ao livro, com a disponibilidade de um número suficiente de bibliotecas e livrarias, entre outros aspectos; 76 e) o preço do livro deve ser acessível a grandes contingentes de potenciais leitores (PNLL, 2006, s.p.). No que diz respeito especificamente ao desenvolvimento da economia do livro, o PNLL prevê ações estratégicas para o fomento à cadeia criativa e à cadeia produtiva do livro. Um de seus desdobramentos do Plano Setorial do Livro e Leitura proposto por meio da Política Nacional das Artes, cujo eixo 4 definiu: Apoio à cadeia criativa do livro; Instituição e estímulo para a concessão de prêmios nas diferentes áreas e bolsas de criação literária para apoiar os escritores; Apoio à circulação de escritores por escolas, bibliotecas, feiras etc; Defesa dos direitos do escritor; Apoio à publicação de novos autores; Programas de apoio à tradução; Fóruns de direitos autorais e copyright restritivo e não restritivo (PNLL, 2006, s.p.). Nesse sentido, é possível identificar o fomento à distribuição, circulação e consumo de bens de leitura; apoio e incentivo à leitura literária; fomento às ações de produção, distribuição e circulação de livros e outros materiais de leitura, contemplando as especificidades dos neoleitores jovens e adultos e os diversos formatos acessíveis; e maior presença da produção nacional literária, científica e cultural no exterior. Com base nesses conceitos a próxima seção aborda o método utilizado. Metodologia Nesta seção apresentam-se os pressupostos metodológicos básicos dessa investigação. A metodologia utilizada pretendeu a compreensão do fenômeno a ser investigado e, portanto, se constitui numa pesquisa aplicada que se caracteriza por seu interesse prático. Este critério parte do princípio, que todo o conhecimento verdadeiro é consequência necessária de princípios irrecusáveis e, nessa classificação acrescentam-se aspectos históricos, descritivos e experimentais. Para auxiliar na construção da pesquisa, foi utilizado o estudo de caso, que, de acordo com Triviños (2006), exige diversas informações, com o objetivo de descrever, com precisão, os fatos de determinada realidade. Oliveira (2002) e Marconi e Lakatos (2002) destacam, que num estudo de caso descritivo é necessário compreender aspectos gerais de um fenômeno, mediante um estudo realizado em determinado espaço-tempo. Marconi e Lakatos (2002) ainda acrescentam que a pesquisa é considerada um caminho em busca da realidade e de verdades parciais e, devido a isso, torna-se necessário um tratamento científico. As pesquisas e técnicas desenvolvidas, neste estudo, caracterizaram-se pela utilização da observação e das técnicas bibliográficas, com livros, revistas, artigos, materiais disponíveis na internet, baseando-se na sua autenticidade e confiabilidade, para buscar e apresentar algumas contribuições teóricas relativas ao tema. Análise de dados: o planejamento setorial do livro Contextualizando os resultados da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope, a partir de encomenda do Instituto Pró-Livro, os dados promissores explicitam o setor literário no Brasil. Este instituto tem como entidades mantenedoras a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (ABRELIVROS) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Realizada periodicamente com o objetivo de conhecer o comportamento dos leitores, busca medir a intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura e de acesso ao livro (impresso e digital) pela população brasileira. Os dados divulgados após o lançamento da edição, no ano de 2016, são resultado da coleta de informações com cerca de cinco mil pessoas acima de cinco anos de idade, entre novembro de dezembro de 2015. A pesquisa demonstrou que 56% da 77 população brasileira leram pelo menos, partes de um livro em três meses. Cinco anos atrás, esse índice era de 50%. A pesquisa considera como leitor aquele indivíduo que leu inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses da pesquisa – em papel, digitais ou eletrônicos e/ou áudio livros, livros em braile e apostilas escolares, excluindo-se manuais, catálogos, folhetos, revistas, gibis e jornais. Não leitor é aquele, que declarou não ter lido nenhum livro, nos últimos três meses da coleta de dados, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses. Percebeu-se o aumento do número de livros lidos por ano, passando de 4,0 para 4,96. Contudo, 30% dos entrevistados afirmaram nunca ter comprado um livro na vida, em comparação com os 74% que afirmaram, não ter comprado nos últimos três meses. Entre os compradores, 63% são da classe A, 40% da classe B, 24% da classe C e apenas 13% das classes D e E. A principal forma de acesso ao livro é a aquisição em livrarias físicas ou online (43%), através de presentes (23%), livros emprestados por amigos ou familiares (21%) e emprestados de bibliotecas de escolas (18%). O tema ou assunto do livro é o que determina a escolha para 55% dos entrevistados, ao passo que outros 20% são influenciados por recomendações de terceiros. O autor da obra influencia 19% dos leitores, o título determina a escolha para 17% e, curiosamente, apenas 16% informaram que escolhem o livro a partir do preço. Este dado demonstrou que o poder aquisitivo não é um fator determinante sobre ser ou não leitor no país. O percentual de leitores que acessam as obras por meio de empréstimos é bastante expressivo, o que pode ser visto como uma excelente oportunidade para a ampliação do escopo das bibliotecas públicas, universitárias, escolares e comunitárias. Segundo dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, somente no Rio Grande do Sul existem 587 bibliotecas cadastradas. Em todo o território nacional, foram computadas 7.179 bibliotecas naquele ano. Além disso, há os repositórios e acervos digitais, quase sempre disponibilizados gratuitamente para a população. Dentre alguns dos dados mais instigantes estão as principais motivações para ler um livro. Nesta questão, 25% dos informantes foram motivados pelo gosto, 19% por atualização cultural ou atualização, 15% por distração, 11% por motivos religiosos, 10% para crescimento pessoal e apenas 7% por exigência escolar. Esta última informação vai de encontro ao dado que, nas últimas décadas, ou seja, o Brasil teve uma redução na proporção de analfabetos e aumento da proporção de brasileiros com ensino superior e, sobretudo, ensino médio. Isto significa, de certa forma, que mesmo com o aumento da escolaridade dos brasileiros, o estímulo à leitura no ambiente escolar não cresceu na mesma proporção. Consequentemente, ainda há um grande desconhecimento sobre os meios e ferramentas de leitura na internet e outros suportes tecnológicos, em razão do analfabetismo digital, ainda vasto no país. Com relação à leitura em meios digitais, os livros ficam em 6º lugar (15%), sendo ultrapassados por leitura de notícias e informações em geral (52%), estudo e pesquisas para a realização de trabalhos escolares (35%) e aprofundamento no conhecimento a respeito de temas de interesse pessoal (32%). Sobre o conhecimento de livros digitais, 41% dos entrevistados responderam conhecer, mas apenas 26% declararam já ter lido um e-book. A grande maioria aderiu a esta ferramenta de forma gratuita, restringindo-se a 15% os que declararam o pagamento pela leitura digital. Quanto ao nível de escolaridade, 33% dos informantes frequentaram o ensino médio, 25% o ensino fundamental II, 21% o fundamental I e 13% têm ensino superior. Quanto ao gênero, as mulheres continuam sendo a maioria entre todos os gêneros, representando 59% do público leitor. Com relação à faixa etária, o número de leitores na faixa etária de 18 a 24 anos cresceu de 53% em 2011 para 67% em 2015. Esses apontamentos representam oportunidades de atuação do poder público, iniciativa privada e sociedade civil, pois, os dados das pesquisas, relativos aos usos do tempo livre dos respondentes obteve como respostas: assistir televisão (73%), seguida por ouvir música (60%), usar a internet (47%), reunir-se ou sair com amigos e família (45%), ver vídeos ou filmes em casa (44%), usar o Whatsapp (43%), escrever (40%), usar Facebook, Twitter ou Instagram (35%). Em décimo lugar, aparece a opção leitura. Isso demonstrou que dispositivos de conectividade estão se tornando mais atrativos que os livros, significando uma perda de espaço. A pesquisa mostra a preferência por imagens como a interatividade e conexão com o mundo ao invés da leitura. O acesso a outras visões mais lúdicas do mundo e o domínio da cultura letrada está em risco. 78 Uma das principais instituições promotoras de cultura no país é o Serviço Social do Comércio (SESC). Estruturada em uma extensa rede, vem atuando de forma capilarizada em todo o país. Na próxima seção, é analisada a atuação cultural desta instituição, sobretudo no que concerne à área da literatura e às bibliotecas. O SESC como instituição de fomento ao livro e à leitura Criado em 1946 como empresa da iniciativa privada, após a institucionalização da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Serviço Social do Comércio (SESC) tinha como propósito conter as tensões entre empregadores e trabalhadores deste setor. Ao longo do tempo, o escopo de atuação da instituição foi sendo ampliado quando, na década de 1950, surgiram as primeiras iniciativas culturais. Nesta época, foram inaugurados os primeiros centros de atividades, com ações nas áreas de cultura, educação, saúde e recreação. Na sequência, surgiu às primeiras bibliotecas fixas e móveis, o que era uma grande novidade na época. Na década de 1960, o SESC passou a circular em novas cidades através das Unidades Móveis de Orientação Social (Unimos) por meio das quais promove cursos, espetáculos e outras ações em escolas, praças e clubes. Após o final da ditadura militar, o país clamava por mais atividades de lazer e entretenimento e o SESC estava atento a estas demandas. Com a mudança política e social do país, a Instituição inaugurou diversos projetos dedicados ao Teatro, Cinema, Artes Plásticas, Música e à Literatura. A abertura para a cultura internacional, também instigou o SESC a se diferenciar com uma programação nacional alternativa e propositiva, ao mesmo tempo em que potencializou as diversas linguagens como instrumento de transformação e de preservação das tradições regionais. Em 1983, teve início o projeto Arte SESC vigente até o presente momento. A partir de 1991, os campos da cultura e da saúde são eleitos como prioritários por meio do Plano de Ação Nacional do SESC e, em 2005, o SESC inovou sua atuação no ramo literário, inaugurando as unidades do BiblioSesc – um caminhão-biblioteca que transporta mais de 3 mil livros a todos os cantos do país. Atualmente, o SESC está espalhado através de mais de 500 unidades móveis e fixas em todo o país. Sua política cultural está institucionalizada e visa democratizar o acesso dos cidadãos ao cinema, teatro, concertos, museus e bibliotecas. Mesclando educação, entretenimento e diversão, promove cultura de qualidade e ajuda na formação lúdica de milhões de brasileiros. Especialmente no que se refere à área da literatura, o SESC tem o compromisso de oferecer, gratuitamente, um acervo de livros atualizado, promover atividades que incentivem a prática e o gosto pela leitura, estimular a confecção de novas obras literárias e revelar novos talentos. Percebeu-se a convergência dos eixos de atuação do SESC com as ações estratégicas propostas pelo Plano Setorial do Livro e Leitura e, consequentemente, pelo Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Além de incorporar as diretrizes de fomento à leitura em sua política cultural, a instituição paulatinamente ampliou seu escopo de atuação no incentivo à cadeia produtiva do livro, gerando empregos, riquezas e o desenvolvimento da economia do livro no Brasil. Exemplo disso foi o projeto Prêmio SESC de Literatura, criado no ano de 2003, com o propósito de revelar novos talentos e promover a literatura nacional. Este concurso literário identificou escritores inéditos, cujas obras possuíam qualidades literárias para edição e circulação nacional. O SESC então financiou a publicação dos livros vencedores e os distribui em sua rede de bibliotecas e salas de leitura em todo o país. Com isso, estimula o mercado editorial, gera emprego e renda na cadeia produtiva do livro, oportunizando a estreia de novos escritores em suas programações literárias e proporciona uma renovação no panorama literário brasileiro. Na edição de 2017, por exemplo, foram quase 1.800 inscritos, dos quais 980 foram livros de romance e 813 livros de contos. Números impactantes para um cenário econômico bastante restrito no país, em que há escassez de oportunidades de financiamento e publicação de livros. Outra iniciativa no desenvolvimento da cadeia produtiva do livro foi o projeto nacional Arte da Palavra – Rede Sesc de Leituras, através do qual o SESC possibilitou circuitos em todas as regiões do país, a fim de estimular a formação 79 de leitores, divulgando novos autores, valorizando obras e escritores brasileiros e as novas formas de produção e fruição literária. Além da palavra escrita, por meio do Circuito de Autores, o projeto também contemplou apresentações que privilegiaram a oralidade, por meio do Circuito de Oralidades, buscando garantir diversas possibilidades de manifestações literárias fossem contempladas. Englobou também, um projeto uma ação formativa voltada para a reflexão e criação literária, chamada Circuito de Criação Literária. Além de gerar emprego e renda para diversos escritores de todo o país, outros especialistas foram contratados para fazer a curadoria coletiva do projeto. No âmbito da formação, fruição e consumo destes serviços, milhares de brasileiros são beneficiados. No aspecto editorial, contou com a publicação da Revista Palavra, com artigos de pesquisadores, panoramas e entrevistas relacionadas à literatura, ampliando os conhecimentos de seus leitores em diversos temas. Quanto aos seus espaços destinados ao livro e à leitura, a rede SESC possui centenas de bibliotecas fixas e móveis espalhadas pelo país. Seu amplo e atualizado acervo, tem a função de oferecer conteúdo variados e qualificados sobre diversos temas, com o intuito de informar e auxiliar na formação dos cidadãos. Com a preocupação de garantir a circulação destes acervos nos mais longínquos lugares, as bibliotecas móveis transportam livros e democratizam o acesso às obras literárias de forma gratuita. De modo geral, além de todas estas iniciativas de estímulo à leitura, a rede SESC é uma das principais parceiras do poder público na realização de feiras de livros em todo o território nacional. Com isso, objetiva incentivar e despertar a formação de leitores de forma abrangente, integrando as diversas linguagens artísticas à literatura. O projeto visa ofertar obras e o envolvimento de segmentos estratégicos (professores, estudantes, livreiros, editores, escritores, artistas e a comunidade em geral) com o propósito de pensar o papel da leitura como elemento de construção do ser. Juntamente com as feiras literárias, o SESC realiza saraus, concursos, mostras, exposições e diversas iniciativas junto a outras instituições e o poder público. Por fim, o Departamento Regional do SESC no Rio Grande do Sul ofereceu ainda o projeto SESC Mais Leitura, que tem como proposta oportunizar palestras e apresentações literárias a estudantes de escolas públicas, através da seleção de escritores, professores e especialistas em determinadas áreas da literatura, possibilitando trabalhar as temáticas de uma forma mais dinâmica e, consequentemente, menos expositiva, técnica ou tradicional. Além de promover a circulação de profissionais do livro e da literatura, oportuniza a dinamização dos acervos de suas bibliotecas, uma vez que as obras trabalhadas integram seu acervo literário. Considerações finais Sem dúvidas, fica explícita a importância desta instituição para a promoção da cultura no país. Demais iniciativas relacionadas às outras linguagens, no ramo da literatura podem ser encontradas no SESC, que realiza projetos de grande impacto nacional, com uma forte capilaridade nas capitais e no interior, e que alcança alguns dos objetivos que o Ministério da Cultura deseja no Plano Nacional de Cultura (PNC). Alguns dos eixos do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) começam a ser concretizados, ainda que, por meio da iniciativa privada. Os desafios ainda são inúmeros, mas veremos que há boas oportunidades para esta e outras instituições atuarem no país. O SESC possui uma quantidade de capital específico, suficiente para ocupar sua posição no interior do campo. Destarte que o capital cultural, compreende aqueles conhecimentos, as habilidades, as informações etc., correspondente ao conjunto de qualificações intelectuais produzidas, além do capital simbólico (cultural, econômico e social, conforme apresentado por Bourdieu, (1989, p. 114). No campo esse espaço de forças apresentado pelo do SESC tem o compromisso com a ampliação do número de leitores, o incentivo à escrita e o fomento à cadeia produtiva da economia do livro. É necessário reivindicar um envolvimento mais efetivo de empresas públicas e privadas na implementação das políticas do livro e leitura. No âmbito educacional, os desafios, são grandes para os gestores, educadores e técnicos no esforço para qualificar os programas educativos destinados à formação de leitores e novos escritores, estruturando os espaços das bibliotecas públicas e 80 escolares, bem como, atualizando os acervos com obras que despertem o interesse e dialoguem com os novos públicos por meio de linguagens contemporâneas. É importante lembrar às condições dessas relações das instituições envolvidas, colaboram com o que Bourdieu (2007) definiu sobre o sentido, ação e recursos sociais, bem como, sua relação com o real, historiografada em um marco temporal, enquanto construção do habitus e principalmente a consolidação de um capital cultural. Referências BAUMOL, W. J.; BOWEN W. G. Performing Arts: the economic dilemma. New York, The Twentieth Century Fund, 1966. BENHAMOU, F. A economia da cultura. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007. BOTELHO, I. Dimensões da cultura e políticas públicas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 73-83, 2001. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392001000200011>. Acesso em 03 dez. 2017. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, SP: Perspectiva, 2007. BOURDIEU, P. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996. BOURDIEU, P. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989. BOURDIEU, P. 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Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/ images/2016/RetratosDaLeitura2016_LIVRO_EM_PDF_FINAL_COM_CAPA.pdf>. Acesso em abril de 2020. 82 MEMÓRIA E TEORIA INSTITUCIONAL: UMA BRICOLAGEM DE CONCEITOS TRAMADOS ENTRE SI Claudia Freire Beux Tamára Cecilia Karawejczyk Telles Introdução Este artigo visa buscar embasamento de conteúdo, metodologia e bibliografia, bem como referências autorais a serem abordados e discutidos como objeto de pesquisa à futura tese de doutorado. A metodologia utilizada é de natureza aplicada, com enfoque qualitativo. Quanto aos objetivos, é uma pesquisa descritiva, e quanto aos procedimentos técnicos, bibliográfica. Muitos e variados autores poderiam referendar, subsidiando teoricamente o presente trabalho, todavia elencouse principalmente Halbwachs (1990), Rowlinson et al. (2010) e Telles Filho et al. (2014), para Memória e Memória Organizacional; e para Teoria Institucional, Esquemas Interpretativos e Modelos Mentais, optou-se por Meyer e Rowan (1983), Scott (1995), Dolci e Karawejczyk (2002), Andrade (2002), Fonseca (2003), e Freitas (2009). Isso posto, a próxima seção apresenta a fundamentação teórica que enseja esta questão, com o intuito de oferecer conceitos e argumentos sobre Memória e Memória Organizacional, Teoria Institucional, Esquemas Interpretativos e Modelos Mentais, e Cultura organizacional. Memória e memória organizacional Dependendo da análise, o homem é um macro organismo vivo com sistemas e funções, composto de microorganismos. Ele pode ser estudado como um todo ou como partes de um todo, sob os enfoques de múltiplas disciplinas, como a filosofia, a psicologia, a biologia, entre outras, dependendo do que cada área tem por objetivo examinar. Todavia, foi através da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), com Bertalanffy, nos anos 50, que houve os estudos dos sistemas globalmente, de modo interdisciplinar, possibilitando estudar todos os princípios comuns a todas as entidades complexas. Este estudo, posteriormente, provocou uma quebra de paradigmas, com o entendimento que o mundo é dividido em diferentes áreas, o que possibilitou aos estudiosos saírem de um sistema cartesiano, reducionista e limitado, para outro, sistêmico, expansionista, em que as relações não são somente de causa e efeito, mais sim de probabilidades (TELLES FILHO, et al., 2014). A descoberta desta teoria possibilitou o avanço em vários campos do conhecimento, entre as quais, os estudos sobre a memória, através de um novo olhar e de um novo enfoque, com inúmeras contribuições de múltiplas áreas. A memória é um tema estudado multidisciplinarmente e preocupa-se com questões ligadas à identidade, individual ou coletiva, comportando diversas abordagens, dependendo do olhar da disciplina ou do autor que dela está se ocupando, possibilitando a coexistência de visões, até certo ponto, antagônicas entre os autores das diversas áreas do saber (TELLES FILHO, et al., 2014, p. 2). É a memória que possibilita a conexão dos fatos passados com os acontecimentos presentes, estabelecendo, assim, laços com fases distintas da vida do ser humano e que o remetem à infância, à idade escolar, à família e aos amigos do passado, ao mesmo tempo em que compara sua vida atual e seus relacionamentos presentes, situam-no no tempo e no espaço. De acordo com Graebin (2017), é a memória que nos permite estabelecer relação entre as vivências presentes 83 e as anteriores, religar dois instantes, um ao outro. Quando o indivíduo relembra, está dando significados, atribuindo valores, mensurando tempo e relações que somente ele é capaz de fazer, como um processo subjetivo, parcial e limitado. Esta memória individual é confrontada com outra que se institucionalizou academicamente com os estudos de Halbwachs (1990) - a memória coletiva -, memória constituída pelo grupo, através do fenômeno da recordação e da localização das lembranças. Esta memória leva em consideração os contextos sociais. São esses contextos que vão dar suporte à memória social ou a memória coletiva, ou seja, quanto mais o indivíduo está inserido no grupo, apropriandose de seus hábitos e costumes, mais o grupo estará presente nele, e quanto mais o indivíduo se afasta do grupo, mais facilmente ele se afasta da memória coletiva, perdendo o referencial do próprio grupo. Sendo assim, a memória é uma questão social, em que as características individuais não são negadas, porém estas ultrapassam o individual, visto que são as pessoas e os grupos que geram memória. Na memória coletiva, a lembrança é a elaboração e reelaboração do conhecimento. Graebin (2017) salienta que a memória coletiva é formada de memórias individuais, em que o sujeito se apoia em convenções sociais, em ideias e palavras, em relacionamentos que dão suporte, ratificam e atestam essas memórias. Sem esse suporte, sem esse contato, não existiria a lembrança, sendo praticamente impossível formar a memória individual. Sob o enfoque dos Estudos de Memória Organizacional (EMO), a memória é representada como uma caixa de armazenamento e existe uma preocupação gerencialista com a operacionalização de uma tipologia de memória. Inicialmente, esse modelo foi rejeitado principalmente pelos psicólogos, porque a ótica, segundo esses, é a experiência subjetiva distintamente humana de lembrar, conhecida como memória episódica. Os Estudos, igualmente, não levam em conta o contexto social específico e histórico, mas o individualismo metodológico, considerando o contexto social das organizações, sobretudo, das comunidades mnemônicas. Nesse aspecto, encontram-se os sítios corporativos de memória e os museus corporativos (ROWLINSON, et al., 2010). De acordo com os EMO, a memória como caixa de armazenamento, relaciona-se a uma preocupação maior com sua utilidade funcional para a tomada de decisões. Se por um lado, os estudos priorizam esse campo, negligenciando, de certa forma, a memória coletiva, a memória cultural, ou mesmo a lembrança social, em contrapartida, os Estudos de Memória Social têm se descuidado da importância das organizações sociais, concentrando-se mais nos aspectos da família, da etnicidade e da identidade nacional. As organizações podem ser vistas como memória, por meio de suas narrativas, rituais, símbolos e códigos próprios, bem como expressar sua cultura, através da recordação, dos sítios corporativos, bibliotecas, bibliografias, museus, entre outros. As lembranças sociais, nas organizações, permitem que as conexões sejam feitas entre memória e outros programas de pesquisas ou de investigações. Os ambientes corporativos atuam com um papel mnemônico, aproximando os fundadores dos colaboradores, funcionários dessas organizações. Assim sendo, os indivíduos vão conhecendo e incorporando, passo a passo, os valores da organização (ROWLINSON et al., 2010). Nas festas e comemorações corporativas prevalece o espírito de grupo e essas ocasiões servem para evocá-lo, fortalecendo lembranças, acontecimentos coletivos, rememorando fatos comuns que marcaram o grupo. O estudo das ciências sociais foi preponderante à memória organizacional, principalmente para a elaboração de seu conceito, uma vez que esta é considerada um elemento da memória coletiva. A Escola de Durkheim contribuiu para orientação sociológica do conceito, tendo em Halbwachs (1990), um estudante e seguidor (TELLES FILHO, et al., 2014). O conceito de memória coletiva de Halbwachs (1990), com sua orientação sociológica, reflete uma rejeição ao enfoque individual-psicológico para a memória. Halbwachs (1990) ao abordar memória coletiva e memória individual, refere-se que fazemos apelo aos testemunhos, para reforçar ou enfraquecer os dois “eu” que existem no ser humano. Quando confrontado com algum evento já conhecido, porém obscuro, o ser humano recorre ao outro “eu” para poder reconstruir um conjunto de lembranças de modo a reconhecê-lo. Isso porque as lembranças de um indivíduo permanecem coletivas, necessitando dos outros (grupo) para serem lembradas. Independentemente de uma visão individualista ou coletivista, o conceito de memória organizacional vem 84 passando por constantes reinterpretações e é atribuído por vários olhares, sob múltiplas matizes e abordagens. Entretanto, é através dessa memória que é possível, nas organizações, evocar o conhecimento do passado para o tempo presente, como forma de resolver de maneira incontestável situações e problemas da realidade organizacional. A experiência e os fatos vividos dão suporte, auxiliando em situações laborais, quer sejam elas simples ou complexas. [...] Memória organizacional é um conceito polissêmico porque abarca conceitos sobre gestão do conhecimento, cultura organizacional, aprendizagem organizacional e engenharia do conhecimento. O desenvolvimento teórico-metodológico envolve todos esses elementos (TELLES FILHO, et al., 2014, p. 11). A memória organizacional está relacionada ao espaço organizacional, ao clima da organização, ao que ela pretende ou almeja como negócio, quais são seus objetivos, suas metas e o que atribui valor para a organização. Essa memória está associada, também, ao planejamento, às suas formas de controle e gestão, bem como à sua comunicação e aos relacionamentos internos ou externos. Segundo Walsh e Ungson (1991, p. 61 apud ROWLINSON et al., 2010), “Memória Organizacional referese a informações armazenadas da história de uma organização que podem ser exercidas sobre presentes decisões”. Para eles, a memória organizacional é um modelo em que a informação é adquirida e mantida em “cinco caixas de armazenamento” ou “instalações de retenção”. As caixas de armazenamento são constituídas por indivíduos, pela cultura, pelas transformações, pelas estruturas e pela ecologia. Somando-se a estas, existem os arquivos externos, que podem ser acessados, quando necessário. Em todos esses locais encontram-se as informações. As organizações não são os únicos repositórios do seu passado, e a informação encontra-se alojada na coletividade supraindividual, isto é, na cultura organizacional (WALSH, UNGSON, 1991 apud ROWLINSON, et al., 2010). Ambos não reconhecem que a reconstrução imaginativa do passado representa muito mais do que um auxílio funcional para a tomada de decisão no presente, e, embora atribuam uma personalidade humana para as organizações, negligenciam as características especificamente humanas da memória. Evidencia-se, nesse aspecto, um ponto de convergência com os estudos de Halbwachs. Contudo, a visão dos autores parece ser contestada por outros estudiosos, na medida em que esse modelo apresentado se assemelha a um repositório estático. Nissey e Cassey (2002 apud ROWLINSON, et al., 2010) utilizam os museus corporativos como exemplo, ao contraporem-se às caixas de armazenamento de Walsh e Ungson (1991). As organizações, através dos museus, podem lembrar ou esquecer, de modo seletivo, não se restringindo a uma forma de enquadrar sua memória, posto que esta memória seja dinâmica e socialmente construída, tal como um processo. Mesmo que limitados por modelos mecânicos de Walsh e Ungson (1991), os Estudos de Memória Organizacional e a pesquisa de estudiosos no tema vêm propiciando uma ruptura de padrões estabelecidos, uma vez que envolve uma gama de disciplinas, incluindo contribuições da neurociência, da psicologia experimental, da psicanálise e agregando, também, conhecimentos da sociologia, da história, da literatura, da filosofia, tornando-se um campo mais receptivo e mais amplo às ciências humanas e sociais. [...] embora as organizações não ‘lembrem’ no verdadeiro sentido da palavra, memória organizacional é uma metáfora conveniente que pode ser usada para definir a informação e o conhecimento pela organização e os processos pelos quais essas informações são adquiridas, armazenados e recuperados pelos membros da organização (ANAND, et al., 1998, p. 796 apud ROWLINSON, et al., 2010). A memória, sob o aspecto corporativo, encontra-se presente nas bibliotecas, bibliografias, fotografias, livros de visitas, calendários, datas comemorativas, constituindo-se manifestações organizacionais. Zerubavel (2003, p. 6 apud ROWLINSON, et al., 2010), referiu-se aos “sítios da memória social”, em que o passado é lembrado por uma organização, de forma pública e disponível em documentos organizacionais, tais como relatórios anuais, comunicados de imprensa, páginas de empresas, revistas, listas telefônicas e comerciais, bem como em eventos, festas empresariais, produtos e recordações comemorativas. Nesse ângulo, fazem-se referências a inúmeras empresas nacionais e estrangeiras que são reconhecidas pelo 85 legado institucional que transmitem de geração para geração. Normalmente estas empresas, em seus programas de treinamento, procuram transmitir aos seus funcionários e colaboradores a história por trás da instituição que estão representando. Não raro, a logomarca que as identifica é motivo de orgulho e respeito na comunidade, pois é associada à sua origem, à sua credibilidade e ao serviço que prestam à sociedade. As práticas sociais para relembrar o passado nas organizações são denominadas “mnemônicos organizacionais”. O relatório anual é um exemplo de documento que representa uma oportunidade mnemônica para uma organização lembrar-se de seu passado (ROWLINSON, et al., 2010). Teoria institucional, esquemas interpretativos e modelos mentais As instituições, genericamente, estão relacionadas aos hábitos e costumes cristalizados, aos pensamentos comuns à maioria dos indivíduos, aos padrões concretos e a práticas solidificadas. Em uma instituição há um legado, uma legitimidade formal ou informal, e há políticas e normas que servem a um bem maior, à sociedade. “As instituições consistem em estruturas e atividades cognitivas, normativas e reguladoras que dão estabilidade e sentido ao comportamento social” (ANDRADE, 2002, p. 51). Instituições eternizam-se por valores arraigados às suas tradições, de maneira a poder perpetuá-los a futuras gerações como um legado, como uma herança recebida. As mesmas dão forma ao comportamento social e apresentam processos reguladores, que são construídos e mantidos pelos indivíduos, entretanto apresentam uma aparência impessoal e subjetiva. O conceito de “instituição” vem, por anos, fazendo parte dos estudos sociológicos e organizacionais, e alguns autores buscam esse conceito na antropologia. Para Hughes (1942), instituição é um empreendimento social, praticado de modo certo e contínuo, considerando seu estudo como o da sociedade em ação, mesmo que nos limites de construções sociais solidamente constituídas. Seu entendimento é que tais instituições são fenômenos sociais. [...] a característica da permanência e aquela de comportamento coletivo se encontram de uma maneira particular, de modo que a própria forma assumida pelo comportamento coletivo é socialmente permanente (HUGHES, 1936, p. 180). Sendo assim, Hughes (1936) cita que a durabilidade ou a permanência das instituições não está somente relacionada à satisfação das necessidades do indivíduo, as quais estão vinculadas à sua cultura, mas a outros fatores que se estabelecem nas relações interpessoais, oriundas de fenômenos sociais, cujo comportamento coletivo é encontrado de forma particular e é socialmente constante. A ótica empregada nos estudos de Hughes (1963; 1942) prepondera a enxergar as instituições como aspectos sociais do comportamento coletivo, ou seja, a forma que o homem age reflete outros comportamentos humanos, de modo que um influencia o outro. Por outro lado, Meyer e Rowan (1983), consideram as instituições sob a lente da sociedade pós-industrial, em que as mesmas refletem as estruturas organizacionais de uma realidade socialmente construída e influenciada pelo ambiente institucional. As regras institucionais racionalizadas interferem em maior ou menor grau na forma e na expansão da organização formal, de maneira que esta organização incorpora estas regras como elementos estruturais. Tais regras podem ser simplesmente tomadas como evidentes, ou podem ser sustentadas pela opinião pública ou pela força da lei. Instituições inevitavelmente envolvem obrigações normativas, mas frequentemente entram na vida social, primeiramente, como fatos que devem ser considerados pelos atores. Institucionalização envolve o processo pelo qual processos sociais e obrigações passam a ter um status de regra no pensamento e na ação social (MEYER; ROWAN, 1983, p. 2). Para os autores acima, os regramentos, ou seja, os fatos e as obrigações presentes em uma instituição equivalemse a um poder representado pela lei ou pela opinião pública. Os fatos estão relacionados aos processos cognitivos (pensamentos) e as leis aos processos normativos. 86 Segundo Freitas (2009), as instituições apresentam pilares constituídos de processos reguladores, regras normativas e construções cognitivas. Os pilares forçam as instituições e regularizam seus comportamentos; as normas apresentam um caráter prescritivo e avaliativo, mencionando como as coisas devem ser executadas, realizadas; o pilar cognitivo é o que dá sentido às coisas, dá representação através de estruturas internalizadas. Os elementos institucionais fazem parte das regras, normas e crenças presentes nas organizações, entretanto, de acordo com a abordagem, pode ser priorizada uma, em detrimento de outra, dependendo de seu ponto de vista e de seu objetivo. [...] embora as diferenças entre os analistas enfatizando um ou outro elemento seja uma questão de foco, elas estão também associadas com diferenças mais profundas nas suposições concernentes à natureza da realidade e à lógica da ação social (SCOTT apud FREITAS, 2009, p. 9). Para Freitas (2009), os pilares (regulador, cognitivo ou normativo) estruturantes das instituições estão relacionados às lógicas ou suposições sociais: realista, construtivista, ou entre ambos, como também estão alicerçadas em suportes (Culturas, Estruturas Sociais e Rotinas). Conforme o Quadro 1, pode-se visualizar melhor o contexto abordado. Quadro 1 – Pilares Institucionais Suportes Culturas Estruturas Sociais Rotinas Reguladora Normativa Regras, leis Valores, expectativas Sistemas de governança, Regimes, sistemas de sistemas de poder autoridade Protocolos, procedimento Conformidade padrão Fonte: FREITAS, 2009 (elaborado a partir de SCOTT, 2001). Cognitiva Categorias, tipificações Isomorfismo estrutural, identidades Programas de performance, scripts O suporte cultural está relacionado à decodificação de um sistema em que fazem parte a codificação e interpretação de comportamentos, em que as culturas interferem reforçando e/ou mudando os comportamentos. De igual forma, as estruturas sociais dão suporte às instituições, forçando e fortalecendo o comportamento dos indivíduos enquanto “atores” que reproduzem e transformam seus próprios comportamentos. As rotinas equivalem-se a comportamentos reproduzidos por hábitos arraigados ou crenças e conhecimentos implícitos. A Teoria Institucional analisa ambientes técnicos e institucionais, dando importância e preconizando os processos de inovação e de mudanças organizacionais, advindo, assim, a inclusão deste tema, para a pesquisa. De acordo com Dolci e Karawejczyk (2002), pode-se contextualizar a teoria institucional, a partir de um referencial sociológico, e sua relação com o ponto de vista organizacional pode não ser recente, mas também não é antigo, em termos de pesquisa, sendo reconhecido como neoinstitucionalismo. O tema ganhou evidência, a partir de uma visão de organizações institucionalizadas, enxergando os efeitos da educação como institucionais, com Meyer e Rowan (1991). O novo institucionalismo, conforme Meyer e Scott (1983) é interpretado como uma volta às explicações cognitivas, sociais e culturais dos motivos individuais e organizacionais de como e por que as estruturas e processos tornam-se legitimados e institucionalizados (DOLCI, KARAWEJCZYK, 2002 apud DIMAGGIO, POWELL, 1991). Foi após a década de 70, que os estudos organizacionais vislumbram a organização sob uma nova ótica, relacionando-a a uma interdependência interna e externa, atendo-se em consideração modelos aberto e fechado, além da cultura, as mudanças organizacionais, e não somente isso, mas as incidências do ambiente e da tecnologia às organizações. Segundo Dolci e Karawejczyk (2002), a teoria institucional preocupa-se em interpretar os estudos e mecanismos sobre transformações e mudança organizacional, inseridas no ambiente institucional, que leva em conta mudanças estruturais, sedimentadas por regras, valores, crenças, perpassando uma visão econômica, e colaborando ao entendimento de como se constrói esse processo dentro das organizações. Os processos inerentes à institucionalização estão alicerçados em mudanças tecnológicas, mudanças legais e pelas forças de mercado, que aliadas induzem à inovação, que por sua vez atua nos hábitos, objetivos e na sedimentação desse ‘novo’ referencial. Para que isso ocorra, deverá 87 haver monitoramento interorganizacional, elementos teóricos que configurem entre o que se chama de habitualização até o caminho da objetivação. Por outro lado, impactos positivos, resistências de grupos e defesa de interesses atuam entre o processo de objetivação e o de sedimentação. Com relação aos conceitos citados acima, compreende-se por habitualização, a geração de novas estruturas em decorrência aos processos de inovações sugeridos pela organização, chamado de pré-institucionalização; a objetivação envolve concordância do grupo sobre o valor da estrutura a ser adotada frente aos competidores e ao ambiente em que está inclusa. A sedimentação centra-se na continuidade da estrutura organizacional, especialmente em sua sobrevivência (TOLBERT, ZUCKER, 1998, p. 207). Os esquemas interpretativos, na visão de Machado da Silva e Fonseca (1996), dizem respeito a um somatório de ideias, valores e crenças que dá coerência às estruturas e sistemas de uma organização. Os mesmos definem e limitam três relevantes vetores da atividade, mantendo referências para: (a) o domínio apropriado da operação, da missão organizacional; (b) os apropriados princípios da organização, e (c) o critério de avaliação do desempenho correto utilizado dentro da organização (DOLCI, KARAWEJCZYK, 2002 apud HININGS, GREENWOOD, 1998). Os esquemas interpretativos são próprios de cada organização, e a referência de valores e crenças é essencial, pois são pressupostos básicos que sustentam essa organização. O compartilhamento desses valores e crenças por parte dos grupos que compõem a organização propicia que se valide a estruturação da sua composição, à medida que contribuem, como orientadores dos padrões interativos, a criação de algumas ações em desfavor de outras nas organizações. Sendo assim, segundo Machado da Silva e Fonseca (1993a), o estudo de valores e crenças em relação ao tipo de adaptação organizacional tem o jeito de apresentar algum poder explicativo para distintas respostas organizacionais frente aos contextos ambientais aparentemente análogos. O processo de institucionalização requer que haja outro processo, além do físico, para que possa ser efetivado verdadeiramente. Argyris (1970) preconizou uma maneira de relacionar como o ser humano, a partir de dados, chega a conclusões (modelos mentais). Tais conclusões são o resultado de uma sequência de processos, os quais têm início, em sua mente com pequenas informações, tais como observações que se ouve ou que se presencia. Essas pequenas informações passam por espécies de “filtros”, até chegarem a uma conclusão com base em crenças e conhecimentos com analogias ao mundo no qual o indivíduo está inserido. Esses modelos mentais irrigam as instituições, disseminando-se nos ambientes internos e externos, fortalecendo crenças e mantendo valores compartilhados conjuntamente pelo grupo. Considerações finais Ao término deste estudo procurou-se estabelecer aproximações entre assuntos correlatos, como Memória Organizacional e Teoria Institucional. A pesquisa avançou quanto à busca dentro da teoria institucional, de estruturas cognitivas ou de esquemas interpretativos e padrões mentais, presentes nas organizações e relacionados à Cultura Organizacional ou Corporativa. A proposta inicial deste artigo era subsidiar-se de referências de conteúdo, metodologia e base bibliográfica, bem como autores que servissem de referência à pesquisa de tese de doutorado da autora. No entanto, houve uma qualificação em relação à proposta inicial, pois além de refletir os conceitos relacionados ao tema, objeto da pesquisa, a construção teórica deu fundamentos e estrutura para um avanço, uma vez que permitiu a abordagem da cultura organizacional a ser estudada a posteriori. O tema foi enriquecido pela escolha específica de autores destacados particularmente em cada assunto assinalado, em que foi possível refletir sobres os assuntos, permitindo uma conexão saudável entre seus posicionamentos. Houve a compreensão e o entendimento de que era preciso avançar na bibliografia, assim como a constatação que o tema não só possibilita, mas precisa ser mais e mais detalhado, uma vez que há licença para tal. Isso posto, considera-se cumprido o objetivo maior do estudo, que discutiu a proposta inicial como também 88 progrediu em novas revisões conceituais, cumprindo o percurso metodológico traçado, caracterizando-se como uma pesquisa descritiva, de natureza aplicada, a qual fez uso de fontes bibliográficas e documentais para embasamento técnico. Referências ANDRADE, R. F. As Análises Institucionalistas nas Organizações e o Conceito de “Institucional”. Caleidoscópio. Revista de Comunicação e Cultura. n. 3, Portugal, 2002, p. 49-50. ARGYRIS, C. Intervention Theory and Method: a behavioral science view. Reading, Massachusetts: Addison - Wesley, 1970. ARGYRIS, C. On Organizational Learning. Cambridge, MA: Blackwell, 1992. ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. A. Organizational Learning II: theory, method and practice. New York: Addison-Wesley, 1996. Cap. 1 What is an Organization that It May Learn? p. 3-29. ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. Organizational Learning: a theory of action perspective. 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A lacuna de pesquisa refere-se à trajetória da ITCP com relação aos dados arquivados, a sistematização destes e seu significado para a memória organizacional. A Contraponto, por sua vez, está situada no sítio histórico da UFRGS e é (auto)gerenciada sob os princípios da economia solidária. A Contraponto é uma loja de comercialização solidária de produtos variados como artesanato, confecção e alimentos ecologicamente corretos. A ITCP tem na Loja Contraponto um dos seus projetos mais desenvolvidos e estruturados. Além disso, proporciona uma interação entre os seus trabalhadores e o público consumidor a partir da produção, a aquisição e a circulação desses produtos. Chama a atenção que o projeto da loja Contraponto foi idealizado sob os preceitos da economia solidária, abordagem que guiou a ITCP desde o seu início. A economia solidária é resultante da necessidade de trabalhadores que ficaram desempregados e não conseguiram voltar ao mercado de trabalho e daqueles que desenvolviam uma atividade na informalidade, em decorrência das crises econômicas. (LEITE, 2009). Paul Singer foi o grande difusor de ideias e filosofia sobre este tema. Ele foi titular da Secretaria Nacional da Economia Solidária, a qual foi criada no governo Luiz Inácio Lula da Silva no ano de 2003. Nesse sentido, o suporte teórico da memória organizacional pode ajudar a compreender o contexto de desenvolvimento desta incubadora. Uma sistematização da memória organizacional pode esclarecer questões sobre a organização e também sobre o ambiente de atuação da organização, além de outros ganhos. Salienta-se que o armazenamento de informações, que incluem histórias e lembranças, entre outros elementos, pode ser recuperado para fins de divulgação da memória organizacional em uma organização. Para que a empresa ou organização possa tomar decisões importantes em sua trajetória presente e futura ela pode se beneficiar ao se embasar em sua memória organizacional (WALSH; UNGSON,1991). A economia solidária, por sua vez, surge a partir da formação de cooperativas e de associação de trabalhadores, os quais se organizam de uma maneira distinta da tradicional, pois buscam a autogestão (quando o empreendimento é gerido pelos próprios trabalhadores de forma coletiva e democrática) (SINGER 2008). Além da presente introdução, este artigo apresenta o referencial teórico sobre memória social, coletiva e organizacional sobre a incubadora e a temática de economia solidária. Em seguida apresenta a metodologia, a contextualização do caso estudado, a discussão e as considerações finais. 91 Memória social e coletiva Para Michael Pollack, em entrevista para o CPDOC, quando se fala em memória há possibilidade de relacionála com a identidade social, uma vez que as memórias são estruturadas através da oralidade (POLLAK, 1992). Para Pollak (1992) a memória pode remeter à individualidade e à própria essência do indivíduo, na qual ninguém pode lhe retirar as vivências, lembranças e fatos ocorridos (POLLAK, 1992). Porém Maurice Halbwachs (1920-1930) possui outro olhar sobre esta situação, pois entende que as lembranças, podem ser fomentadas em grupo e com isso sofrem mudanças e transformações, não deixando de lado a vivência de cada indivíduo. A memória coletiva apresenta-se flutuante e mutável (HALBWACHS 1929-1930). Esta situação pode ser evidenciada, a título de exemplificação, em entrevistas de pesquisa muito extensas. Nelas, observa-se que a ordem cronológica não é respeitada pelos entrevistados, sendo as questões abordadas de diversas formas. Porém, para Pollak (1992) a memória possui pontos que não podem sofrer variações, devido as características na qual já fazem parte da essência do indivíduo. Pollak (1992) entende ainda que a memória vai sendo constituída a partir de experiências próprias de cada indivíduo ou de forma coletiva em grupos específicos. É possível também que o indivíduo guarde informações ou lembranças repassadas pelo grupo em que ele habita, de fatos ocorridos que ele não vivenciou, conseguindo lembrar somente devido às informações incessantes dadas pelo grupo (POLLAK, 1992). Ao falar sobre as lembranças de lugares, onde indivíduos frequentam e realizam suas tarefas e/ou lazeres, a memória ora possui características mais íntimas e pessoais de um indivíduo, ora não possui apoio no tempo cronológico (POLLAK, 1992). A memória com o viés de características mais íntimas está interligada a lembranças de locais na qual o indivíduo vivenciou um bom momento como uma comemoração, ou por um fato trágico como um acidente. Em relação ao tempo não cronológico, ela refere-se a locais, lugares em que o indivíduo não vivenciou, mas possui estas recordações devido aos relatos do grupo (entendida como vivência por tabela) (POLLAK, 1992). Nem tudo na memória fica gravado ou registrado, pois a memória é seletiva. Esta seleção baseia-se nas memórias individuais e coletivas, ocorrendo quando a preocupação do momento se torna fator determinante (POLLAK, 1992). Os acontecimentos, personagens e lugares, podem ser reais ou projeções de outros eventos, que ficam gravados na lembrança devido a uma data precisa de um acontecimento público, bem como as datas oficias podem ser marcantes do ponto de vista político (POLLAK, 1992). Com relação à construção da identidade são elementos importantes: a unidade da pessoa fisicamente (o limite do corpo); limites de pertencimento ao grupo (aspecto coletivo); continuidade dentro do tempo sentido físico; sentido psicológico e moral. A memória suporta certo sentimento de identidade, tanto individual como coletivo. O sentimento de identidade é importante para a continuidade e coerência de um indivíduo ou grupo específico (POLLAK, 1992). Segundo Pollak (1992) a sociologia discute a identidade coletiva, tal como o que é necessário (e aceito) ser feito durante um período de tempo; validando o trabalho de cada membro do grupo (família e nação), bem como o sentimento de unidade, continuidade e coerência (POLLAK, 1992). Segundo Halbwachs (1990) a memória individual é inata. Portanto, para o autor, a memória individual não se extingue, pois ela está inserida de diferentes formas nas representações dos membros do grupo. Dessa maneira, a memória individual migra do estado único para uma situação de compartilhamento entre os membros do grupo, ou seja, acontece uma transição da memória individual para a memória coletiva. Segundo Halbwachs é necessário a existência de uma intuição sensível, pois ela é fundamental para que haja um equilíbrio entre os interesses individuais e dos grupos (HALBWACHS, 1950). A vivência em grupo pode indicar memórias reconstruídas ou simuladas tal como uma representação do passado, percepções do imaginário dos indivíduos sobre um fato ocorrido e assimilação de uma representação de um fato histórico (HALBWACHS, 1990). Uma das funções da memória é estabelecer elos entre os membros de um grupo com base no seu passado 92 coletivo. Ela oferece ao grupo uma perspectiva de continuidade, reforça valores buscando estabelecer vínculos. Além disso, as instituições sociais ou familiares são uma influência para a memória do grupo (HALBWACHS, 1990). A memória coletiva funciona como um elemento formador de identidade do grupo, com isso permitindo que ele permaneça coeso por um longo período. Salienta-se que o indivíduo recorda apenas enquanto membro de determinado grupo social, pois é na sociedade que os indivíduos mais se identificam com suas memórias (HALBWACHS, 1990). Em grupos diferentes pode haver diversas memórias coletivas, porém a história de uma nação permeia em todos os grupos. As lembranças têm sua base no social e no histórico. A reconstrução do passado se dá com o auxílio dos dados distribuídos no presente (HALBWACHS, 1990). Le Goff (1994) é outro autor que trata sobre a memória. Para ele, a memória conserva informações que se referem ao conjunto de funções psicológicas humanas, permitindo ao indivíduo repassar impressões passadas e também as reinterpretar (LE GOFF, 1994). Segundo Le Goff (1994) há os grupos caracterizados por memória oral e outros por memória escrita. A memória oral refere-se a uma volta ao passado a partir das situações e vivências encontradas no presente (GUARINELLO, 1998). Para a pesquisadora brasileira Jô Gondar (2005) a memória não se apresenta de forma estática ou regular, ela coexiste entre acúmulo e perda, arquivo e restos, lembrança e esquecimento. Tem como diretriz a reconstrução permanente, compreendendo a este campo noções plásticas e móveis (GONDAR, 2005). Para a autora, depende do conceito que se adota para compreender a memória. Segundo Gondar (2005), o campo da memória social é transdisciplinar. Com isso a memória social é caracterizada para ela como polissêmica e transversal, permeando entre os grandes dogmas como filosofia, psicologia, neurociências e ciências da informação. As inserções nesses campos possibilitam vislumbrar um novo horizonte. Fronteiras serão quebradas para dar à luz a um novo conceito de memória social, estando este em constate construção. Para Gondar (2005) a memória social é um conceito ético e político. Que envolve também uma situação que se pode considerar como adversa no que se refere aos vários entendimentos que a memória pode comportar. Portanto conceituar memória social equivale a significações diferentes. A partir destas escolhas o indivíduo passa a ser parcial nas questões éticas e políticas. Memória organizacional A memória organizacional é importante para que as organizações, instituições e coletivos possam tomar melhores decisões, uma vez que estarão embasando-se em sua trajetória, em seus acertos e erros do passado com vistas a um futuro mais assertivo (WALSH; UNGSON, 1991). Neste ponto de vista, relatórios, e-mails e atas de reuniões, por exemplo, passam a ser recipientes de armazenamento de informações. Eles podem vir a se tornar procedimentos, que poderão promover o atingimento dos objetivos da organização. Nesse contexto, como evitar que os saberes dos trabalhadores se percam? Além disso, a memória organizacional serve como base de pesquisa para buscar experiências passadas a fim de melhor fluir o trânsito de informações dentro da empresa (ROWLINSON, et al. 2010). Rowlinson, et al. (2009), compreendem que é importante buscar, aprender e entender porque o passado possui relevância para a construção da jornada presente e futura da organização. Para Rowlinson et al. (2009), são os integrantes, ou seja, as pessoas envolvidas, que irão construir e nortear a identidade da organização e a sua memória organizacional (MARCHI; BORGES, 2017). Uma sistematização da memória organizacional pode esclarecer questões sobre a organização e também sobre o ambiente de atuação da organização (SIMÃO, 2010). O armazenamento de informações, que englobam histórias e lembranças, entre outros elementos, pode ser recuperado para fins de divulgação da memória organizacional em uma organização. Para que a empresa ou organização possa tomar decisões importantes em sua trajetória presente e futura ela pode se beneficiar ao se embasar em sua memória organizacional (WALSH; UNGSON, 1991). Seguindo 93 nesta lógica, Rowlinson, et al. (2010), compreendem que é importante buscar, aprender e entender porque o passado possui relevância para a construção da jornada presente e futura da organização. Para Rowlinson, et al. (2010), são os integrantes que irão construir e nortear a identidade da organização e a sua memória organizacional (MARCHI; BORGES 2017). A memória organizacional não está definida em um único conceito, pois ao longo dos anos vários autores vêm fazendo a sua construção, tais como Walsh e Ungson (1991), Stain (1995), O’toole (1999), Lehner e Maier (2000) e Conkin (2001). Para Walsh e Ungson (1991), um fator determinante para o sucesso das organizações é a tomada de decisões, que para os autores, deve estar apoiada na memória organizacional. Assim, por meio da memória organizacional é possível construir um ambiente interno mais competitivo através de decisões mais assertivas. No processo de compreender o fluxo da informação dentro das empresas, o conhecimento retido nas organizações permite identificar três imperativos de memória (WALSH, UNGSON 1991), que são: aquisição, retenção e recuperação, os quais são explicados no quadro a seguir. Quadro 1 - Imperativos da memória organizacional Imperativos da Memória Organizacional Aquisição Retenção Recuperação Características No contexto da ITCP A informação pode ser encontrada em documentos, registros, atas de reuniões, e-mails e outros documentos na ITCP e EES As experiências (memória organizacional) Nos programas e ações direcionados são armazenadas em locais específicos de na economia solidária, cooperativa e acordo com a sua ação. autogestão. Aponta as possibilidades pela qual a Possibilidade de recuperação das memória poderá atuar nos resultados da informações que estavam se perdendo na organização por meio da sua recuperação. ITCP. Fonte: elaborado pelo autor embasado em Walsh e Ungson (1991). Entender a maneira como a informação é adquirida, armazenada e recuperada Conforme apresentado no Quadro 1, a seguir são contextualizados os três imperativos desenvolvidos por Walsh e Ungson (1991) a partir do entendimento de outros autores. Para Stein (1995) o processo de aquisição está direcionado inicialmente pelo aprendizado individual, assim construindo conhecimentos para a aprendizagem organizacional. Aprendizagem e memória são determinantes para a memória organizacional. No contexto da ITCP da UFRGS pode-se identificar elementos de aquisição da informação a partir de documentos, registros, atas de reuniões e e-mail. Segundo Stein (1995), a retenção da informação pode ocorrer de forma individual ou organizacional por intermédio de procedimentos como esquemas, scripts, procedimentos operacionais e sistemas. O conhecimento organizacional é estruturado a partir de sistemas de registros, arquivos como papel eletrônico ou banco de dados. Estas informações que foram registradas, podem ser codificadas em locais que resistem ao tempo. Já para O’Toole (1999) memória organizacional refere-se a dados, informações e o saber retidos por organizações em estruturas de memórias coletivas podendo ser compartilhados por vários indivíduos ou grupos de indivíduos. Caracterizando assim as estruturas de retenção como cultura, pessoas, rotinas, estrutura, ambiente físico, arquivos, registros e documentos. O processo de recuperação é um ponto essencial para a memória organizacional, pois possibilita através de uma decisão a resolução de problemas. Mesmo detendo o conhecimento, as vezes as organizações não utilizam este conhecimento (STEIN, 1995). Os imperativos apresentados por Walsh e Ungson (1991), aquisição, retenção e recuperação não podem ser 94 encarados como elementos estáticos, que só se aplique aos interesses da empresa, mas algo arrojado que indique uma via de mão dupla entre empresa e trabalhadores (MARCHI; BORGES, 2017). Segundo Borges et al. (2014) o aperfeiçoamento da gestão possibilita aumento na competitividade da organização. Isso se deve ao aprendizado que a organização teve nas tomadas das decisões, que levaram ao sucessos e fracassos. Economia solidária e os processos de incubação A economia solidária emerge em meio a formação de cooperativas e de associação de trabalhadores, com o intuito de trabalhar de uma maneira diferente da tradicional. Entre essas diferenças encontra-se um modo mais democrático de gerenciar o empreendimento, sendo a autogestão um pilar importante. A autogestão acontece quando um empreendimento econômico solidário é gerido pelos próprios trabalhadores de forma coletiva e democrática (SINGER 2008). Por meio da aplicação da economia solidária pelos próprios trabalhadores, busca-se “desenvolvimento das capacidades e das oportunidades sociais das pessoas” (LEITE, 2009, p. 36). Segundo Guérin (2005) a economia solidária não se resume às cooperativas (do tipo consumo, trabalho, produção e crédito), pois são práticas que fomentam a criação de empregos, produção e comercialização coletiva, moradia coletiva, poupança e créditos solidários e outros avanços que visam rearticular não só a economia, mas também uma sociedade mais democrática e igualitária. O processo característico de produção, distribuição e consumo são vistos como uma maneira de organizar as atividades econômicas recebe o nome de economia solidária. A característica marcante na economia solidária é que se evita as figuras do patrão e empregado, onde todos são donos e administram em conjunto o empreendimento, que é o fundamento da autogestão (SINGER, 2011). De acordo com Mauss e Polanyi (2001) a economia é vista como sendo plural, possuindo uma diversidade de formas de produção, cuja base é a reciprocidade. A reciprocidade apresenta duas características baseadas na ES. A primeira é agir de forma econômica que não vise o lucro, mas sim o interesse coletivo. A segunda característica consiste na elaboração de formas não tradicionais de coordenação e alocações de recursos (GUÉRIN, 2005). Laville (2004) afirma que a economia solidária pode ser híbrida, pois não atua somente no quesito reciprocidade, mas age também por meio dos recursos monetários. Com isso, a economia solidária torna-se responsável por religar o econômico ao social. A economia solidária no campo sociopolítico apresenta a instância interna que podemos resumir como sendo o comprometimento com os processos humanos e decisórios da organização em busca de resultados. Na instância externa visa a autonomia em relação à esfera governamental e não governamental (FRANÇA FILHO 2004). A autogestão é uma das características da economia solidária. O termo autogestão significa administrar, gerir a si mesmo, do grego auto (si mesmo) e do latim gest-o, (gerir). Baseia-se na ideia de que os homens são capazes de se organizarem sem dirigentes - pressuposto filosófico e político que remete aos movimentos anarquistas e literários (CARVALHO, 1995). A autogestão é essencial para uma articulação interna e externa de um empreendimento solidário, sendo um dos seus pilares. A autogestão oportuniza novas formas de organizar e dividir o trabalho de maneira mais inclusiva. Na autogestão as pessoas que participam da economia solidária são responsáveis pelos seus atos com consequências coletivas, bem como distribuem o poder de maneira mais disseminada (ALBUQUERQUE, 2003). A autogestão é caracterizada como multidimensional, pois abrange uma face social por meio de ações e resultados que poderão beneficiar os indivíduos e o coletivo. No que se refere à face econômica, são estabelecidas situações de construção sociais de produção, sendo o trabalho a ação que permite impor-se sobre o capital. Já a face política estabelece um regramento que irá estruturar as decisões de forma coletiva, com isso respaldando de maneira justa, o poder e as diferenças (ALBUQUERQUE, 2003). 95 Conforme Singer (2011) os tipos de atividades presentes na economia solidária, do tipo financeiro podem ser: cooperativas de crédito; finanças solidárias, bancos de crédito, bancos comunitários e fundos rotativos. A economia solidária atua também nos seguintes setores da economia: agricultura, agricultura familiar, pequenas propriedades e cooperativas. A base da economia solidária é que é uma questão de sobrevivência para os trabalhadores se associarem em cooperativas para combater o oligopólio dos que vão industrializar o produto produzido por eles. A economia solidária também tem representantes nos setores como os extrativistas, as quebradeiras de coco, garimpeiros, pescadores artesanais, seringueiros, artesanato, costura, cozinheiras, alimentos e brinquedos, sem falar naqueles que trabalham com produtos recicláveis (SINGER, 2011). No Brasil existem muitas barreiras que dificultam o registro da formalização de atividades produtivas por pessoas menos favorecidas. Um percentual muito pequeno consegue registro, pois o restante se dilui em associações e cooperativas informais (SINGER, 2011). Existem cadeias produtivas com viés solidário, as quais são formadas por cooperativas de economia solidária. A Justa Trama é um exemplo de cooperativa, formada por produtores e cooperativas espalhadas por quatro regiões do Brasil. A cooperativa de economia solidária do Ceará produz algodão orgânico. Outras cooperativas produzem fio e tecido como as costureiras em Minas Gerais e nos estados do sul e sudeste são produzidas bijuterias roupas, bolsas e calçados. Os produtos produzidos são vendidos para a cadeia inteira com o objetivo de que todos os estados envolvidos usufruam do mesmo benefício, ou seja, o preço justo! (SINGER, 2011). A economia solidária pode acontecer em um sistema em que o objetivo é aproximar os produtores e consumidores, estabelecendo uma ligação em que o consumidor sabe quem produz a sua comida e ao produtor é dada a possibilidade de ouvir críticas, elogios e opiniões, tal como ocorre nas feiras de economia solidária (SINGER, 2011). A economia solidária também pode ocorrer em larga escala, sendo, porém, mais difícil conseguir a certificação do produto, que pode ser validado como justo e ecologicamente correto, gerando assim os selos verdes e vermelhos (SINGER, 2011). Percurso metodológico A metodologia utilizada nesta pesquisa será do tipo qualitativa. Para Minayo (2002) uma pesquisa qualitativa é direcionada para as ciências sociais, na qual o sujeito irá responder questões mais particulares englobando suas crenças, aspirações, valores. Sendo assim não podendo ser quantificada e sim apreciada. Metodologicamente, este artigo pode ser considerado um estudo de caso, uma vez que, ele irá possibilitar a compreensão dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos, tornando-se dessa maneira uma ferramenta para as áreas de psicologia, sociologia, ciências políticas, administração, trabalho social, planejamento entre outras (YIN, 2001). O uso do estudo de caso é indicado quando se pretende entender “como” e “por que” ocorre certo evento ou situação em acontecimentos contemporâneos. Essas duas indagações nos levam a um proposito explanatório delineando uma estratégia de pesquisa (YIN, 2001). Foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas realizadas de maio a agosto de 2017, as quais foram transcritas e depois receberam o tratamento analítico de categorizações. As entrevistas foram realizadas com participantes da incubadora, mas a entrevista com o coordenador da ITCP analisada merece destaque, sendo que ele é considerado um informante chave desta pesquisa (YIN, 2001). As entrevistas foram gravadas e depois transcritas integralmente. As entrevistas foram gravadas com consentimento prévio por meio da assinatura no Termo de Consetimento Livre e Esclarecido. Os dados empíricos partiram do estudo de documentação e das quatro entrevistas semiestruturadas realizadas no local com o coordenador da ITCP da UFRGS e com dois integrantes da Contraponto. As entrevistas foram gravadas, em seguida transcritas integralmente e os documentos analisados segundo as diretrizes da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). 96 Também foram estudados os documentos que compõem o processo administrativo de criação do Contraponto, entre os anos de 2005 a 2010. Ao todo foram analisados 85 documentos. Os documentos contidos no processo perfazem um total de 241 páginas numeradas. Em seguida, foi feita uma sistematização dos dados dos documentos e das transcrições das entrevistas, sendo em seguida realizada uma triangulação de dados para então aplicar a análise de conteúdo. Ressalta-se que a Contraponto foi o primeiro empreendimento incubado pela ITCP em tela. Para a estruturação e implantação da Contraponto, foram necessários vários movimentos institucionais, os quais estão registrados em 241 páginas de documentos, guardadas em uma pasta tal como se apresenta a seguir na Imagem 1. Imagem 1 – Imagem da Pasta do Processo Administrativo de Criação do Contraponto Fonte: Acervo do primeiro autor. Ao todo, a partir da análise das 241 páginas, que consistiam de 85 documentos no total, 26 deles (30%) tinham relação direta com a criação da Contraponto, os quais estão listados a seguir no Quadro 2. Quadro 2 – Principais documentos referentes à criação da Contraponto DOCUMENTO IDENTIFICAÇÃO QUANT. Processo Nº23078.033295/05-71 01 Processo(apensamento) Nº23078.008289/06-58 01 Oficio Nº007/2005, Nº014/2006 Nº013/2006, Nº424/1999, Nº131/2008 05 Convênio FINEP Nº01/2005 01 Convênio FINEP (Cópia) Nº01/2005 02 Despacho - 24 Decisão Decisão (Cópia) Nº259/2005, Nº259/2005 Nº259/2005, Nº029/2010 Ref.1536/05 Nº09073 14/08/09 Correspondência do FINEP 04 02 Diário Oficial da União (Cópia) Nº245 dez/2005 01 Apresentação Loja Contraponto - 01 97 Planta de Localização Loja Contraponto - 01 E-mail - 01 Projeto Contraponto - 01 Parecer AUDIN Nº300/2008, Nº615/2009 Nº629/2009, Nº835/2009 04 Decisão Nº259/2005, Nº029/2010 02 Decisão (Cópia) Nº259/2005, Nº259/2005 02 Correspondência Oficial do FINEP 000710/2016 01 Exame PG Nº0224/2006Nº0218/2006 Nº0305/2006Nº0106/2007 04 Minuta - 05 Lei Assembleia Legislativa RS Nº11.52515/09/2000 01 Planta localização Loja Contraponto - 01 Inscrição Cadastral Nº94.011.111/0001-47 Certidões Negativas 17/09/2009, 02/05/2007 24/06/2009, 14/10/2009 03/12/2009, 28/09/2009 02/09/2009, 02/07/2009 08 Certificado Regularidade FGTS 15/10/2009 01 Estatuto CGC/MF94.011.111/0001-47 01 Ata de Fundação da Cooperativa (Cópia) 24/01/1991 01 Ata assembleia Geral Ordinária Extraordinária 18/04/2009 01 Fonte: Dados desta pesquisa a partir dos documentos da criação da Contraponto O contexto das itcps As ITCPs foram criadas em 1999. O cooperativismo e a autogestão foram os objetivos propostos para a propagação das ITCPs e o desenvolvimento da economia solidária. Foram criadas várias ITCPs, geralmente em universidades, gerando a Rede de ITCPs. O produto da rede é a transferência de tecnologias sociais e de conhecimento nas incubadoras (BORGES, et al., 2014). Outra linha da economia solidária pode ser vista no processo de criação de uma incubadora. Ela visa fomentar ações para o desenvolvimento e sugestões que viabilizem o pleno desenvolvimento dos coletivos atendidos (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009). As ações de uma incubadora não se limitam só em empreender no campo da economia solidária, atuam na esfera pública das relações sociais, articulação das políticas públicas, no coletivo e educação para a auto-gestão dos seus membros, produção e comercialização do que é produzido. O papel da ITCP tem importância vital para os coletivos, pois visa capacitar o cooperado, legalizar o empreendimento, gerar trabalho e renda através das políticas públicas, além disso, fomentar a responsabilidade ambiental (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009). Diferentes incubadoras de empreendimentos solidários uniram-se em 1999 e formara a Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCP). Esta rede agrupa iniciativas que tem em comum o objetivo de desenvolver o cooperativismo e autogestão que é caracterizada como multidimensional, pois abrange uma face social, que interage em ações e resultados que irão beneficiar os indivíduos e o coletivo. No que se refere à face econômica, 98 são estabelecidas situações de construção sociais de produção dentro dos coletivos. Já a face política estabelece um regramento que irá estruturar as decisões de forma coletiva, com isso respaldando de maneira justa o poder e as diferenças (ALBUQUERQUE, 2003). O papel da Rede ITCP tem importância vital para a economia solidária, pois visa agregar iniciativas que capacitam os empreendimentos e os cooperados, legalizam o empreendimento, geram trabalho e renda através das políticas públicas, relações sociais (coletivo), educação para a auto-gestão dos seus membros, produção e comercialização do que é produzido, além disso ter uma responsabilidade ambiental (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009). O processo de incubação visa fomentar ações para o desenvolvimento e sugestões que viabilizem o pleno desenvolvimento dos empreendimentos, a partir de instituições filiadas à ITCP (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009). Na economia solidária a ITCP busca atender as seguintes atuações: a) tirar da informalidade e capacitar os associados possibilitando uma renda; b) buscar nas políticas públicas trabalho e renda e c) por meio de redes organizacionais reorganizar as ITCPs (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009). Análise dos dados A seção de análise dos dados apresenta inicialmente uma análise da situação atual da memória organzional da ITCP da UFRGS. Em seguida centra-se na análise dos dados do caso ilustrativo da Loja Contraponto. Análise da ITCP da UFRGS O desenvolvimento da ITCP da UFRGS começou em 2001 por meio de pequenas ações voltadas à organização de projetos sociais que buscavam a melhoria das condições de vida de grupos em situação de desigualdade sócio econômica. Ao procurar informações, artigos, dissertações e outros trabalhos sobre tal ITCP na web, muito poucas informações foram encontradas. Ao analisar as entrevistas fica claro que as evidências empíricas das poucas informações disponíveis na web derivavam de uma falta de sistematizações dos dados de dentro da própria incubadora com o passar dos anos. Ao apresentar a proposta de um estudo sobre a memória organizacional para o coordenador da ITCP, o mesmo se mostra surpreso. Isso pode ser visto na fala do coordenador: O que faltou nesses, sei lá, nos 13 anos, alguém que desse suporte administrativo. Então, assim, eu tenho lá [na incubadora] computadores lotados de coisas, mas que não têm a menor lógica, porque eu nunca consegui montar. Por isso que eu disse pra ele [sobre as entrevistas sobre memória organizacional]: “Cara, não vai dar certo, tu não acha nada” [risos do entrevistado e entrevistador]. É uma loucura!” (Coordenador Incubadora. 2017). Observa-se na fala do coordenador certa surpresa sobre o interesse pelo estudo da memória organizacional na incubadora em que coordenou por 13 anos. Isso porque ele tem a percepção de uma desorganização dos dados quando diz que “tu não achas nada” e ainda de uma maneira indireta entende ser uma consequência do seu próprio perfil, tal como evidenciado na fala a seguir. Talvez eu também tenha de admitir também, que não é meu perfil. Antes de eu trabalhar com extensão [...] nunca trabalhei necessariamente na burocracia. Mas eu lembro, aqui, onde eu fiquei dez anos aqui nessa faculdade, tinha uma chefa minha, aquela artista: [...] “Mas, Gilmar, tu não tem jeito pra esse negócio administrativo. Tu não acha nada no teu arquivo, tu é muito bagunçado, entendeu? Tu tem que fazer extensão”. Aí ela me botou no Vídeo [...] e me achei. Depois fui acabar na extensão. (Coordenador Incubadora. 2017). Neste trecho da entrevista, aparecem aspectos de percepção estilos e personalidade, pois para o entrevistado (e quem sabe para sua ex-chefe) perfis que se adaptam na extensão não são bons organizadores, sistematizadores e 99 quem sabe compiladores. Para além de uma generalização de perfis, observa-se que o que o entrevistado denomina de estilo, além do fato de sua queixa de certa solidão na Incubadora, pode ter ajudado a ocasionar uma lacuna nos registros e sistematização da trajetória da ITCP. Tal aspecto pode ter comprometido a perspectiva de armazenamento e recuperação da memória organizacional (WALSH; UNGSON, 1991). Esse aspecto aparece na fala do entrevistado: Então, assim, é, eu tenho esse problema. Nós não temos uma memória sistematizada. Agora, a gente tem trabalho. A gente tem 13 anos... [...] Além de eu não ser nem um pouco com dom ou vocação, habilidade, pra essa coisa mais de sistematizar – também, não tinha tempo, porque eu faço o trabalho de campo, controlo os bolsistas, etc. Hã, o [professor pesquisador], também, ele não preferia esse tipo de coisa. Então, era a fome com a vontade de comer. E, se torna mole demais, com a relação com os estudantes. Eu ficava o chato que queria os relatórios e o [professor] era aquele negócio: “É, faz quando pode”. O cara não faz! Não faz. Quando diz que faz quando pode, ele não vai fazer. Vai embora, termina a bolsa. (Coordenador Incubadora. 2017). Nesse sentido, entende-se que mesmo que o coordenador tivesse uma percepção da necessidade de sistematizar as informações das ações realizadas pela incubadora, ele percebia que o professor pesquisador que trabalhava com ele não ajudava a cobrar da equipe para a sistematização, fazer os relatórios. Segundo Walsh e Ungson (1991) para que a memória organizacional possa ter utilidade aos processos decisórios, é necessário que ela tenha uma estrutura de retenção e de recuperação das informações. Neste sentido, observa-se que um problema de gestão e controle pode ter contribuído para a falta de sistematização das ações da incubadora e com isso colocando em risco aspectos importantes de sua memória organizacional. Este trecho mostra uma percepção do entrevistado sobre a existência de várias informações, mas que não estão sistematizadas e que acabam não fazendo sentido. Porém o mesmo percebe a importância do trabalho sobre a memória, tal como aparece na sua fala: “a gente, exatamente, ia tentar fazer um tipo de trabalho, fazer uma memória da incubadora. Começar a catar, lá, as coisas”, referindo-se às demandas de pesquisa deste trabalho e convida o entrevistador (autor deste artigo) a garimpar as informações. Muitas lembranças foram compartilhadas entre os membros que fizeram parte em algum momento nos 13 anos da ITCP, os quais contribuíram para a construção dos acontecimentos vividos (ROWLINSON, 2009; TEDESCO, 2002). Ocorre que, para que a memória organizacional possa cumprir seu papel de fomentar a continuação e sucesso de organizações, ela precisa ter possibilidade de ser retida e depois recuperada, como argumentam Walsh e Ungson (1991). A Loja Contraponto: exemplo ilustrativo em análise Inicialmente apresenta-se a gênese da Contraponto. Dentro da UFRGS, a trajetória do Contraponto iniciou a partir do Ofício nº 07/2005 de 27 de outubro, em que Carlos Schmidt, Coordenador do Núcleo de Economia Alternativa (NEA), solicitou ao Espaço de Comercialização e Consumo Consciente, materializado no processo nº 23078.033295/05-71, apoiado pela coordenação do movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (MST). Esse trâmite burocrático estendeu-se até a saída da decisão nº 029/2010 de 08 de Janeiro de 2010, assinado pelo Reitor Carlos Alexandre Neto, no qual ficou determinada a concessão do espaço localizado no Campus Centro ao lado da Faculdade de Educação (FACED), Av. Paulo da Gama nº 110, medindo 35m², para a instalação do ponto de comercialização de produtos da economia popular e solidária, cujo um dos principais objetivos é a criação de um espaço dentro da UFRGS, com a possibilidade de comercializar os produtos vindos dos assentamentos, da agricultura familiar e com base na economia popular e solidária. A administração da loja se dá sob forma de rede, sendo gerida pelos próprios representantes dos empreendimentos de economia solidária. O Contraponto é constituído por 15 grupos, sendo eles: Associação Construção, Associarte, Bem-me-quer, Comunidade Morada da Paz, COOPERBOM, Ecofiltros, Família Almeida, Geração Poa, Misturando Arte, Mulheres da Terra, Ponteio Design, Somos Soma, Utopia e Luta Victoryes e Vida Saudável. O objetivo principal do empreendimento Contraponto é difundir os princípios e valores da economia solidária, 100 tais como: cooperação, comércio justo, sustentabilidade, soberania alimentar, consumo responsável e respeito ao trabalho humano. Comercializando com o viés da economia solidária, o artesanato trabalha com objetos variados a partir do reaproveitamento de peças. Já o vestuário e os acessórios são produzidos ou adaptados a partir de técnicas ecologicamente responsáveis. A alimentação saudável tem como foco os alimentos agroecológicos e integrais, oferecendo lanches e refeições produzidos com produtos orgânicos, visando à qualidade nutricional de seus produtos e a responsabilidade ambiental e social. (OFÍCIO 07/2005 NEA/UFRGS). O Contraponto é um espaço de comercialização consciente onde coabitam várias formas de expressão. A seguir é realizada uma descrição do local já estabelecido, após a fase de ideação e autorizações. Feito todo em estrutura de madeira e pintado de verniz, tem nas laterais amplas portas. No interior existe dois espaços bem definidos. No primeiro estão dispostas duas pequenas mesas baixas com quatro banquinhos cada e um pequeno balcão com quatro bancos altos. Estão expostos em prateleiras, em cabides ou suspensos os mais diversos objetos e peças para venda como, niqueleiras feitas de garrafa pet, bolsas reaproveitadas de tecido de guarda-chuva entre outras. No segundo espaço, há um balcão refrigerado com alimentos (bolos, pizzas, pasteis, sanduíches), uma máquina de café em grãos e um freezer com sucos e comidas congeladas, uma pequena pia e um fogão embutido. O atendimento é feito geralmente por duas pessoas, uma que fica no caixa e a outra no balcão. No exterior estão dispostas mesas e cadeiras de PVC. O local é cercado por várias árvores de grande porte e também tem um pequeno jardim com plantas ornamentais, pedras e uma estrutura em bambu. A partir da sistematização dos documentos que se referem à Contraponto, verifica-se que a ideia central foi a criação de um local humanizado de comercialização justa, porém o mesmo não enfrentou facilidades institucionais para a sua exequibilidade. O objetivo principal do empreendimento Contraponto é difundir os princípios e valores da economia solidária, tais como: cooperação, comércio justo, sustentabilidade, soberania alimentar, consumo responsável e respeito ao trabalho humano. Sobre a consecução do objetivo, o coordenador da ITCP relata que: Além das aulas de educação de jovens e adultos (EJA), discutia-se também os problemas da comunidade e dos trabalhadores, nos anos de 97/98 grandes dificuldades financeiras enfrentadas pelos trabalhadores. (Coordenador da ITCP da UFRGS, 1a. entrevista em 27/06/2017) A administração do Contraponto se dá sob forma de rede em um modelo de autogestão, sendo gerida pelos próprios empreendimentos de economia solidária, coerentemente com o que a abordagem ensina (SINGER, 2008). O Contraponto é constituído por 15 grupos, sendo eles: Associação Construção, Associarte, Bem-me-quer, Comunidade Morada da Paz, COOPERBOM, Ecofiltros, Família Almeida, Geração Poa, Misturando Arte, Mulheres da Terra, Ponteio Design, Somos Soma, Utopia e Luta Victoryes e Vida Saudável. Na Contraponto, observa-se um esforço pelo gerenciamento pela autogestão que é caracterizada pela gestão democrática que realizada entre os participantes dos empreendimentos da economia solidária (SINGER, 2008). Sabe-se que em grupos diferentes pode haver memórias distintas, porém a história em comum permeia em todos os grupos. A reconstrução do passado se dá com o auxílio dos dados distribuídos no presente (HALBWACHS, 1990). As evidências indicam que a heterogeneidade dos grupos formadores do Contraponto, não impede que convirjam para as práticas da ES, trazendo consigo cada um a sua identidade. Apesar das diferenças o objetivo em comum é fazer acontecer o empreendimento de uma maneira coletiva. Durante as entrevistas com participantes da Contraponto ficou claro que eles tiveram muitas vivências, porém essas não foram e não estão registradas em uma sequência cronológica. Poder-se-ia dizer que muitas das memórias compartilhadas entre os diversos grupos, estão mais presentes na oralidade de seus integrantes do que nos registros escritos. Segundo Le Goff (1994) a memória coletiva tem um marco importante nestas lembranças orais. O Contraponto é um grupo que se apropria da escrita, porém um dos pontos que fica mais evidenciado é o poder da oralidade a respeito da sua trajetória, uma vez que carece de uma sistematização. Coadunando com Le Goff (1994) o ideal para o Contraponto, seria lançar luz sobre essa memória oral, que não está devidamente sistematizada. Possibilitando assim que não fique apenas no saber dos integrantes dos grupos, mas que possa ser registrada para difundir seu conhecimento construído ao longo dos anos. 101 Considerações finais O presente artigo teve o objetivo analisar perspectivas sobre a memória organizacional da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apresentar um exemplo ilustrativo de um empreendimento incubado: a loja Contraponto. Os resultados das análises mostram que os processos internos da incubadora analisada que se referiram à aquisição das informações e dos conhecimentos ocorreram durante 13 anos, porém no aspecto de armazenamento, onde se pode incluir os elementos de conhecimento também, foi evidenciado que houveram lacunas, uma vez que existem anotações, cadernos esparsos, fichas, pastas e documentos digitais extraviados e desordenados que constituem atualmente as informações que se tem disponíveis para a sistematização da trajetória da ITCP e que poderá ser organizada de maneira que faça sentido para a sua memória organizacional. Assim sendo, os locais físicos e digitais em que as informações podem ser acessadas, da maneira como se encontram, apresentam dificuldade para a retenção e recuperação da memória organizacional (WALSH; UNGSON, 1991), resultando em um problema para a aprendizagem organizacional da incubadora e que pode afetar inclusive a sua própria continuidade. A partir da análise do exemplo ilustrativo da Loja Contraponto os resultados indicam que houve dois momentos principais de sua trajetória. O primeiro momento refere-se a um trabalho institucional em seguida a um ‘trabalho’ social. No primeiro momento o surgimento da loja Contraponto deu-se por um ato administrativo gerido pelo coordenador Carlos Schmidt do Núcleo de Economia Alternativa que visava a implantação de um espaço de comercialização e consumo consciente. Além disso, o empreendimento surge com o intuito de atender a demanda das mulheres e jovens da comunidade acadêmica engajados em movimentos sociais. Tais movimentos referem-se ao das mulheres camponesas e dos trabalhadores rurais sem-terra, comercializando os produtos produzidos por eles. Portanto, observa-se que, em um lapso de 5 anos, deu-se o trâmite da criação, implantação e atendimento das especificações propostas para o seu funcionamento, que foi assinado pelo Reitor Carlos Alexandre Neto, finalizando-se o momento institucional. O segundo momento refere-se ao envolvimento social do coletivo de artesãos, confecção e, agricultura familiar com ênfase em alimentos orgânicos, naturais e integrais. São em torno de 15 grupos das mais diversas categorias. Cada um com uma necessidade e capacidade específica em que foram construindo a memória e identidade do grupo, enfrentando os desafios de vivenciarem a economia solidária e a autogestão. Com o auxílio da ITCP foi oportunizado aos grupos formadores capacitações para que colocassem em prática as ações da economia solidária e autogestão. Observa-se que na loja Contraponto no que se refere a memória coletiva, as informações estão contidas nas falas das pessoas, havendo a necessidade de organizá-las adequadamente para registros futuros. Portanto, no que se refere aos documentos da ITCP e da Contraponto documentos não estão organizados e identificados adequadamente, resultado em um lacuna para as suas memórias organizacionais, ocultando lembranças e aprendizados dos grupos na formação de suas histórias e assim podendo dificultar, em certa medida, as tomadas de decisões para o futuro. Em outras palavras há um vasto campo a ser aprofundado em pesquisas futuras a respeito da memória organizacional junto à ITCP da UFRGS e ao trabalho dentro da economia solidária naquela instituição. Referências DANTAS, M.; PONTES, F. Empreendimentos solidários e suas estratégias para o desenvolvimento local: estudo de caso da comunidade de Ipoeira, Severiano Melo-RN. 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Histórias como essa devem ser compartilhadas e registradas. Para tanto, o trabalho além de contribuir para o futuro de uma instituição museológica intui registrar e divulgar uma história que foi traçada por vários personagens — uma história diversa, jamais única. Gramado: contexto histórico A cidade de Gramado está localizada na chamada Serra Gaúcha, Rio Grande do Sul, também conhecida como Região das Hortênsias. Segundo dados do IBGE (2018), possui uma população de em torno de 35 mil habitantes. Falar de Gramado é reportar-se a uma cidade pioneira, que se reinventou para criar um núcleo que hoje é considerado exemplo para o país, especialmente no ano de 2020, durante o período de pandemia. Segundo a Secretaria Municipal de Turismo, o país inteiro está contatando a cidade para pedir informações sobre as medidas que Gramado está tomando para sua retomada diante das incertezas, bem como da necessidade de criar estratégias para a retomada do turismo, a fim de fomentar a economia do município. Esse contexto se dá pela sua trajetória, a qual apresentamos a seguir. Gramado foi emancipada no ano de 1954, através da Lei nº 2116. Antes disso, já se destacava, mesmo como distrito, pela sua inovação e ousadia em divulgar suas belezas naturais e pelo bem acolher seus visitantes. Iraci Casagrande Koppe apresenta em seu livro cartazes e propagandas de uma Gramado que viria a ser próspera e exemplo de cidade turística. Na época, Gramado pertencia ao município de Taquara do Mundo Novo. Enquanto distrito, seu primeiro administrador foi José Nicoletti Filho. Assim, via-se Gramado: uma vila que possuía um cinema, o 3 de Outubro, de Claudio Pasqual. O cinema 3 de Outubro (mais tarde Cine Splendid, fez parte da divulgação do Guia e Álbum de Gramado em 1938, folheto de propaganda elaborado por Leopoldo Rosenfeldt. Como exposto anteriormente, Gramado foi crescendo, a partir do olhar visionário de seus moradores e de seus empreendedores. Já em 1958, a 1ª Festa das Hortênsias acontecia na cidade. Uma nova era e um novo público: os turistas. Até então, eram denominados veranistas. Outro momento da história da cidade que também influenciou na trajetória do Museu do Festival do Cinema de Gramado, pois a Festa das Hortênsias foi palco do 1º Festival de Cinema de Gramado. Antes disso, aconteceram a I e II Mostra de Cinema, ambas também faziam parte da programação da festa. Uma trajetória que foi firmando Gramado como principal ponto turístico do país e que hoje colhe os frutos do que foi semeado pelos antepassados. 104 O cinema e o seu palácio Ah se o Cine Embaixador falasse... Cine Embaixador? Sim, o cinema que é palco do Festival de Cinema de Gramado foi intitulado, no ano de 1967, como Cine Embaixador. Sua construção iniciou no ano de 1965 quando um grupo de gramadenses se reuniu modificando a trajetória da cidade. Eles não possuíam a dimensão do quanto contribuiriam para traçar uma nova história da cidade, pois desde o término das atividades do Cine Splendid os moradores dependiam do cinema de Canela para desfrutarem da sétima arte. O Cine Embaixador, um cinema idealizado por gramadenses e que até hoje se mantem com seus mais de 100 sócios, tem um Conselho, do qual são escolhidos dois diretores para gerir o cinema. Junto a eles existe um administrador, que acompanha a parte mais operacional, bem como as escolhas dos filmes a serem exibidos na tela em Gramado. Por ser um dos poucos cinemas de calçada, ainda existente, o Cine Embaixador, mesmo estando situado na cidade de Gramado, possui dificuldades financeiras, pois não pertence a uma grande empresa de rede de salas de cinema, como as de grandes centros e shoppings centers. Est é um dos motivos por não ter lançamentos de filmes comerciais na data oficial. Torna-se muito caro manter essa programação para pouca bilheteria. Entende-se, também, que Gramado oferece muitos atrativos na cidade o que prejudica a oferta. Inaugurado em 11 de fevereiro de 1967, o Cine Embaixador vem se constituindo como espaço de memórias: abrigou a I Mostra de Cinema no ano de 1969, durante a 6ª Festa das Hortênsias; em 1971 ali ocorreu a II Mostra de Cinema, também fazendo parte da programação de mais uma edição da Festa das Hortênsias; a partir delas que se iniciaram os estudos para trazer um Festival de Cinema para a cidade. O ano de 1973 marcou a história do município, pois foi o ano que iniciou uma nova era para a cultura e o turismo em Gramado, com o início do Festival de Cinema. Pela sua consolidação e reconhecimento nacional, o Festival de Cinema foi incorporado pelo próprio Cine Embaixador, ao adotar como nome fantasia, Palácio dos Festivais, no ano de 1988. Foi durante sua ampliação e reforma que se deu a iniciativa, pois o próprio Festival precisava de mais espaço para continuar acontecendo no prédio. Houve uma grande movimentação da cidade junto a artistas para arrecadarem doações para as melhorias. Com êxito, o prédio foi transformado e sua fachada passou a dialogar com uma Gramado que estava sendo traçada, num estilo europeu, conhecida como a Suíça brasileira, a fim de construir um cenário agradável e atraente para novos turistas. O festival de cinema de gramado O Festival de Cinema de Gramado já teve diferentes faces. Foi palco de resistência, de pornochanchada, de debates fervorosos, de rupturas, de pseudo-celebridades, de grandes produtores, de lugar de fala, de posicionamentos, e segue tentando ser palco de resistência e resiliência. Quem não vive o Festival de Cinema de Gramado não consegue captar o que ele representa, para entender sua relevância cultural e política. O Festival de Cinema de Gramado foi e é responsável pela maior parte da produção cinematográfica do Rio Grande do Sul. Os jovens cineastas produzem para o Festival. Foi nele que grandes nomes se firmaram e foi ele quem contribuiu para a formação e formalização do cinema gaúcho. Nomes como Jorge Furtado, Carlos Gerbase, Giba Assis Brasil, Werner Schunemann, entre tantos outros, nasceram e se firmaram desse encontro e premiação/celebração do cinema brasileiro. Claro que já havia alguns nomes fazendo filmes em território gaúcho. Inicia-se com Eduardo Abelin, primeiro cineasta brasileiro. Podemos ainda falar de Teixeirinha, que produziu alguns filmes de grande sucesso. Nomes como Jesus Pfeil e David Quintans também são referências ao produzirem seus curtas-metragens para o festival. A turma jovem na década de 1980 trazia seus filmes em Super 8 e levaram alguns Kikitos para casa. Verdes Anos e Ilha das Flores são produções que fizeram e fazem história em Gramado bem como a nível internacional, até hoje. Após duas Mostras de Cinema realizadas na cidade, em 1969 e 1971, Gramado passou a ser palco do Festival de Cinema Brasileiro em 1973. O Festival iniciou como parte da programação da 8ª Festa das Hortênsias, com o 105 patrocínio da Secretaria de Turismo, da Companhia Riograndense de Turismo, do Conselho Municipal de Turismo de Gramado e da Companhia Jornalística Caldas Júnior/Ipiranga. Cabe registrar nomes fundamentais para que o Festival de Cinema de Gramado acontecesse e continuasse: Horst Volk, prefeito municipal e proprietário da Calçados Ortopé, principal patrocinadora do evento na época; Romeu Dutra, secretário de Turismo; Paulo Fontoura Gastal, jornalista da Companhia Jornalística Caldas Júnior/Ipiranga. O período foi marcado pela ditadura e a produção cinematográfica sentia a censura ao ser reprimida a partir de cortes em alguns de seus filmes, bem como pela proibição de exibição de outros. Diante de um quadro instável para a sétima arte, Gramado foi escolhida para sediar o evento. Nesse período, o Festival de Cinema de Brasília que iniciou em 1965 teve três edições canceladas, de 1972 a 1974. Até então, Gramado não aparecia no mapa artístico nacional. Inclusive, foi confundida pela imprensa com uma localidade do Rio de Janeiro, divulgada como “Gramacho” nos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Após os quatro dias do evento, a última noite — a de premiações —, foi marcada pela falta de energia elétrica na cidade. Porém, nem isto conseguiu diminuir o brilho do Festival de Cinema Brasileiro de Gramado. Já no ano de 2006 foi marcado pela Lei estadual nº 12.529 que instituiu o Festival de Cinema de Gramado como Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Traçava-se assim, o Festival como um marco de referência patrimonial na história dos rio-grandenses. O evento completou sua 47º edição, no ano de 2019, e ao longo dos anos passou por altos e baixos, mas sempre conseguiu, apesar das crises, ser referência como festival de cinema no país. O museu do festival de cinema de gramado O Museu e Arquivo do Festival de Cinema de Gramado foi criado no ano de 2000. Durante alguns anos, sua exposição estava situada no Centro Municipal de Cultura, prédio que abriga atualmente a Câmara de Vereadores. Mesmo após estar fechado ao público seu acervo estava sob a tutela da Secretaria de Cultura, criada no ano de 2013. Já no governo da gestão 2013-2016, a pasta do MFCG passou para a Secretaria de Turismo a fim de buscar um espaço adequado que contemplasse o dinamismo e a interação com o público, em especial, o do turismo cultural. Em decorrência da falta de apoio e de recursos, o museu ficou fechado por alguns anos. Foram diversas tentativas de reabri-lo em um novo espaço e com um diálogo contemporâneo, por meio da Lei de Incentivo à Cultura/LIC-RS. Sem êxito, a Prefeitura Municipal de Gramado, junto à Secretaria de Turismo, optou por lançar um edital de licitação de concessão da administração do MFCG. Desta forma, ao ser a única empresa a concorrer, a Gramado Parks, passou a ser a protagonista da implantação do novo espaço, que deveria inaugurar em agosto do ano de 2016. O MFCG, situado no Município de Gramado, encontra-se cadastrado e registrado junto ao Sistema Estadual de Museus do RS, pertencendo à 2ª Região Museológica do SEM/RS, sob o registro nº 2.49 na data de 29 de janeiro de 2013. Porém, sua história remete à sua criação por Iraci Casagrande Koppe no ano de 2000. Em depoimento, Iraci, relatou que percebia a necessidade de se ter um Museu do Festival. Ela já possuía parte do acervo, pois na época, trabalhava no Arquivo Público Municipal. Com o auxílio da Prefeitura, criou o Arquivo e Museu dos Festivais de Cinema de Gramado, assim intitulado no primeiro momento, transformando-se no Museu do Festival de Cinema de Gramado. As primeiras exposições, idealizadas por Iraci, aconteceram no espaço do Centro de Cultura, onde hoje funciona a Câmara Municipal de Vereadores de Gramado. Nelas estavam dispostos quadros com os cartazes das edições do Festival, bem como Kikitos e fotografias. Com a mudança do Centro de Cultura, no ano de 2010, o Museu do Festival de Cinema de Gramado deixou de ter um espaço expositivo, bem como de ter uma pessoa responsável por ele. Essa situação demonstra o lugar do museu na cidade de Gramado, pois existem outros museus sob responsabilidade da Prefeitura Municipal. Como evidência de anos atuando na cidade, desde 2014, afirmamos que o Turismo está acima da Cultura e os equipamentos culturais, ainda não encontraram o seu lugar de fala na cidade, mas lutam para assumi-lo. 106 Desta forma, foram alguns anos de descaso em relação ao que viria a ser o MFCG. A gestão 2013-2016 da Prefeitura Municipal de Gramado, ao passar a pasta do Museu para a Secretaria de Turismo, possibilitou que o acervo voltasse a ter vida e sentido. Este estava dividido, na época, em documental, fotográfico, bibliográfico e tridimensional. Eram utilizadas duas peças úmidas do prédio do Centro de Cultura para a guarda. O prédio é, também, palco de exposições de artistas locais e regionais. Enquanto os eventos aconteciam, o acervo de três museus estava esquecido nos fundos, a saber: Museu do Festival de Cinema de Gramado, Museu Municipal Professor Hugo Daros e Museu de Arte. O último continua no espaço do Centro Municipal de Cultura. Ilustração 1 - Acervo do Museu do Festival de Cinema de Gramado situado no Centro de Cultura de Gramado. Fonte: Acervo pessoal de Daniela Schmitt (2013). Na época do primeiro projeto, o acervo do Museu estava localizado nas dependências do Centro Municipal de Cultura. A previsão era de que o Município de Gramado, de acordo com Termo de Ajustamento de Conduta do Ministério Público com a Mitra, recebesse uma sala no complexo do Palácio dos Festivais, onde seria alocado o Museu do Festival de Cinema de Gramado. Concorreu-se pelo Museu, junto com a Secretaria de Turismo, ao edital FAC Museus e o projeto foi contemplado. Realizou-se a elaboração do projeto contemplado no Edital FAC-Museus do ano de 2013. Este era voltado para a Documentação Museológica e Plano Museológico. Entretanto, somente no final do ano de 2015 que se recebeu o retorno da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul. Haviam várias diligências, as quais foram atendidas. Ao optar-se por novos procedimentos — edital de licitação — abri-se mão do recurso, no valor de 75 mil reais, do Fundo de Apoio à Cultura/FAC. Nos anos de 2014 e 2015, continuou-se em busca de um projeto que contemplasse o espaço para o Museu. Optou-se pela Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul/LICRS. Foram envolvidos diversos profissionais para a elaboração do projeto e seu encaminhamento. Porém, após diversas diligências não se obtive êxito, pois segundo os avaliadores, o espaço não contemplava uma reserva técnica, bem como sala de quarentena e de pesquisa. Justifica-se que seria utilizado o espaço do Centro de Cultura. Sabia-se que não era o ideal, mas não se poderia tirar do projeto o espaço destinado ao café e à loja, os quais seriam os grandes responsáveis pela sustentabilidade econômica do Museu, sendo que no futuro ambos auxiliariam para a adaptação dos espaços a fim 107 de contemplar as áreas técnicas, tão carentes na maioria dos museus. Isso também confirmou a falta de preparo dos avaliadores, em algumas situações, dos projetos ligados a LIC-RS. Não há espaço para novos olhares e novas formas de se fazer e de se pensar um museu. Mário Chagas, reflete sobre esse pensamento engessado sobre museus. Os museus, lugares privilegiados de construção de memórias, são também palco apropriado para a invenção e a teatralização de tradições. Esta é uma das razões pelas quais eles frequentemente são associados ao tradicionalismo conservador, em termos artísticos, culturais e sociais. Deriva-se desta constatação um certo incômodo que favorece a emersão de questões do tipo: um museu pode ser ruptura? Há nos museus espaço para o novo? (CHAGAS, 2006, p. 119). Seguindo esses pressupostos, mesmo sem ter a total concepção do seu significado, o MFCG foi sim palco de ruptura. Como apresentado anteriormente, a Secretaria de Turismo de Gramado junto à Prefeitura Municipal abriu um edital de licitação a fim de conceder o espaço destinado ao Museu à uma empresa privada local. Antes mesmo da abertura do edital foi realizado um estudo para verificar o interesse dos empresários. A maioria não se convenceu da ideia de administrar um museu, confirmado com a inscrição de apenas uma empresa: a Gramado Parks. Esta, ao cumprir todas as exigências, garantiu a administração do Museu no período de 5 anos com a possibilidade de renovação por mais 5 anos. Assim, o MFCG seria o seu mais novo desafio. Podemos perceber que a história do Museu foi sendo traçada ao acaso. A Gramado Parks foi a grande protagonista ao presentear a cidade com um Museu. A empresa atuava apenas com entretenimento e estava iniciando no ramo da construção de resorts. Um dos seus espaços é o parque de neve Snowland, que no ano de 2015 chegou ao número de 360 mil visitantes. Até o ano de 2020, a GPK inaugurou diferentes espaços, como: Rio Star (Rio de Janeiro/ RJ), Wyndham Gramado Termas (Gramado/RS), Casa Aveiro by Dolores (Gramado/RS). Ainda, serão inaugurados três resorts e o Gramado Termas Parque, ambos na cidade de Gramado. A família também possui o empreendimento Bela Vista Café Colonial, pioneiro na cidade. O investimento no MFCG foi de mais de dois milhões de reais, incluindo as obras da loja e da cafeteria. Ilustração 2 – Registro da assinatura de concessão do Museu à empresa Gramado Parks. Fonte: Acervo pessoal de Daniela Schmitt (2016) Na ilustração 2 podemos visualizar Tuia, Vice-Prefeito de Gramado gestão 2013-2016, Mauro Silva, Diretor da Gramado Parks, Nestor Tissot, Prefeito de Gramado gestão 2013-2016, Delurdes Zangalli, Diretora Financeira da Gramado Parks e Rosa Helena Volk, secretária de Turismo de Gramado gestão 2013-2016. Em entrevista a Anderson Caliari, Mauro Silva comentou sobre a sua trajetória e de sua família na cidade de Gramado. Eles foram pioneiros junto ao café Colonial Bela Vista, que até hoje pertence à família. Já a Gramado Parks surgiu depois da Snowland, pois perceberam que era preciso criar algo maior do que todos os empreendimentos que estavam por vir. Todos os negócios são, ainda, recentes. O Snowland foi inaugurado em 2013 e a GPK em 2014. Para os negócios de uma empresa nova na cidade de Gramado o MFCG surgiu para garantir maior visibilidade junto à sociedade, bem como ao poder público. Entendemos que estratégias políticas foram firmadas. Todavia, o Museu existe. Acreditamos que a Gramado Parks não tenha percebido até hoje, a diferença que fez na história do cinema brasileiro e latino. Ela foi responsável por dar vida ao Museu que narra essa história. A empresa, independente dos 108 motivos de ter abraçado o projeto na cidade de Gramado, garantiu que essa história fluísse para não ser esquecida com a perda do acervo sobre o cinema e o Festival. Podemos dizer que foi no momento certo, pois estávamos mais próximos do esquecimento daqueles que fizeram o Festival na década 1970. Memórias que já não são mais tão vivas, mas que ainda são resignificadas e compartilhadas com orgulho e amor nas figuras de Hiron Goidanich, Hélio Nascimento e Ivo Stigger. O que eles fizeram pelo Festival de Cinema de Gramado, hoje estamos fazendo pelo MFCG. Novos desafios foram surgindo ao longo do processo, poara além da construção de memórias sobre o Festival de Cinema de Gramado. Um deles foi a guarda de parte do acervo. Na época, abril de 2016, a secretária de Administração não permitiu que parte fundamental do acervo documental ficasse com o MFCG, pois ela defendeu a premissa de que pertencia ao Arquivo Público Municipal, o qual estaria inaugurando o prédio novo em poucos meses. Além disso, existem provas através de depoimentos, que parte do acervo do Museu foi extraviado. Já um novo acervo foi se revelando, por meio de uma memória afetiva ligada ao Festival de Cinema de Gramado. Aqueles que fizeram o FCG acontecer nas primeiras décadas guardavam com carinho um acervo pessoal que viria a ser compartilhado, à medida que a confiança nos novos guardiões ia crescendo. Perceber a relevância do acervo ligado à história do Festival de Cinema de Gramado é identificar uma cidade palco do cinema nacional e latino. Além disso, remete à função social do MFCG, de garantir a preservação desse acervo, bem como de difundir e compartilhar memórias que fazem parte do cotidiano e do passado da cidade de Gramado. Referências BRASIL. Lei n° 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Estatuto de Museus. Disponível em: <http://www1.museus.gov.br/IBRAM/ PAG/legislacao_detalhe.asp?cn=32>. Acesso em: 17 nov. 2016. <https://gramado.rs.leg.br/pagina/id/3/?historia-de-gramado.html>. Acessado em 10 de janeiro de 2020. 109 SOBRE OS AUTORES Angélica Jiménez Muñoz - Maestra en Gestión y Desarrollo Cultural por la Universidad de Guadalajara, México. Se ha desempeñado como docente de posgrado en Gestión Cultural en la Universidad Nacional de Colombia, sede Manizales, donde también se graduó como Profesional en la misma área. Ha sido docente e investigadora asistente en distintas instituciones y universidades a nivel internacional en Colombia, México y España. Fue la coordinadora de gestión del Mercado de las Artes Performativas del Atlántico Sur (MAPAS) que organiza la Red de Productores Culturales Latinoamericanos (REDLAT). E mail: ajimenezmu@gmail.com Caroline Esther Buss - Graduação em Administração com Ênfase em Marketing, especialização na área de Gestão Empresarial em organizações do segmento de Serviços e mestrado em Indústria Criativa, com foco na linha de pesquisa de Gestão e Inovação. Possui experiência na consultoria de negócios e mentoria para startups. Professora universitária, ministra disciplinas e cursos nas áreas de gestão e empreendedorismo. Atualmente trabalha em grande empresa de tecnologia na área de Customer Success. Email: carolinebuss@gmail.com Claudia Beux Freire - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle (Canoas/RS). Mestre em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle (Canoas/RS). Especialista em Gestão Saúde pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/Porto Alegre/RS). Bacharel em Nutrição pelo Instituto Metodista de Educação e Cultura (IMEC/Porto Alegre/ RS). Servidora do quadro técnico-administrativo da Pró-Reitoria de Planejamento e Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPLAN/UFRGS/Porto Alegre/RS). E-mail: claudiabeux@yahoo.com.br Cristiano Max Pereira Pinheiro - Doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Comunicação Social pela mesma Universidade. Coordenador do Mestrado em Indústria Criativa da Universidade Feevale, e Professor Permanente no mesmo programa. Professor Colaborador do Mestrado em Administração da Universidade FEEVALE. Desenvolve pesquisas sobre narrativa, jogos digitais, criatividade, processos criativos, indústria e economia criativa e setores de audiovisual e música. E-mail: maxrs@feevale.br Daniel Luciano Gevehr - Realiza estágio de pós-doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em História UNISINOS. É doutor em história (2007), mestrado (2003) e graduação em história (2000) pela mesma Universidade. É Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR - FACCAT), onde também atua como Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Instituições, Ordenamento Territorial e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Regional. E- mail: danielgevehr@faccat.br Daniela Schmitt - Doutoranda em Memória Social e Bens Culturais (2020). Mestre em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, atualmente é museóloga no MFCG com o cargo de diretora, desde abril de 2019. E-mail: daniela.schmitt0493@unilasalle.edu.br Denise Anschau Rodrigues Mors - Licenciada em Letras pela PUC-RS, Especialista em Gestão Educacional pelo SENACRS e Mestre em Memória Social e Bens Culturais, UNILASALLE. E-mail: denisermors@gmail.com Dusan Schreiber - Doutor em Administração (Gestão da Tecnologia e Inovação) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Administração pela UNISINOS. Bolsista Produtividade CNPQ. Professor Permanente do Programa em Qualidade Ambiental, Mestrado em Administração e Mestrado Profissional em Indústria Criativa, da Universidade FEEVALE. Desenvolve pesquisas sobre inovação, gestão do conhecimento, cultura organizacional, estratégia, sustentabilidade, responsabilidade socioambiental, operações, gestão ambiental, empreendedorismo, finanças e custos.). E-mail: dusan@feevale.br 110 Fabiane Frois Balbé Weiler - Doutora em Desenvolvimento Regional pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul/RS (2019). Mestre em Integração Latino-Americana pelo Programa de Pós-Graduação em Integração Latino-Americana da UFSM (2008). José Francisco Ribeiro de Lemos - Mestre em Memória Social e Bens Culturais pela Universidade La Salle e Gestor de RH. É servidor público na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: francisco.lemos@ufrgs.br Judite Sanson de Bem - Pós Doutora em Geografia pela UFRGS (2019), Doutorado em História Ibero Americana PUCRS (2001).Professora e pesquisadora da linha de pesquisa em Memória e Gestão Cultural do Programa em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle (UNILASALLE). E-mail: judite.bem@unilasalle.edu.br Luciane Wolff - Doutoranda em Psicologia Clínica na Unisinos, com foco de pesquisa em Psicologia Positiva, Forças de Caráter, Bem-estar Psicológico em profissionais do segmento de Tecnologia da Informação (TI). Administradora de Empresas (1995) e Psicóloga (2010), com Especialização em Gestão Empresarial (1996). Mestre em Gestão e Negócios (2013) pela Unisinos e Université de Poiters/França dissertando sobre a eficácia de equipes em empresas de TI. Professora na Graduação de Psicologia e Gestão para Inovação e Liderança e nos MBAs da Escola de Gestão e Negócios, além de coordenar o MBA em Gestão de Pessoas, todos na Unisinos. Marco Antonio Chávez Aguayo - Profesor Investigador Titular de la Universidad de Guadalajara, Jalisco, México. Es colaborador de la UNESCO en el proyecto UNESCO San Luis que elaborará la Carta por los Derechos Culturales. Tiene un perfil transdisciplinario que incluye Gestión Cultural, Psicología, Derecho, Música y Virtualidad. Fue promotor de la reforma constitucional en su Estado, Jalisco, que introdujo el Derecho a la Cultura y los Derechos Culturales. Es Doctor por la Universidad de Barcelona, España, Investigador Nacional del Sistema Nacional de Investigadores de México e Investigador Colegiado por el Consejo de Ciencias del Reino Unido. También es Psicólogo Colegiado y Coach por la Sociedad Psicológica Británica, miembro de ICOMOS, ICOM y APA. E-mail: marco.chaves@suv.udg.mx Margarete Panerai Araujo - Pós Doutora em Administração Pública e de Empresas em Políticas e Estratégias pela FGV/ EBAPE/RJ (2013) e Pós- Doutora em Comunicação Social, Cidadania e Região pelas Cátedras UNESCO e Gestão de Cidades na UMESP (2010). Doutorado em Comunicação Social pela PUCRS (2004) é professora colaboradora no Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT) e Professora Visitante no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (PPGPSI-UCS). E-mail: margaretepanerai@gmail.com Maria de Lourdes Borges - Doutora e mestra em Administração pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/ RS) (2012), Atualmente, é corpo docente permanente do programa Stricto Sensu PPG Memória Social e Bens Culturais e coordenadora do TecnoSocial da Universidade La Salle (UNILASALLE). E-mail: maria.borges@unilasalle.edu.br Marilene Maia - Assistente social, doutora em Serviço Social, professora da Unisinos, coordenadora do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos - Observasinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. E-mail: marilene@unisinos.br Moises Waismann - Pós Doutor em Educação. Doutorado em Educação pela UNISINOS (2013). Coordenador do Observatório UNILASALLE; Trabalho, Gestão e Políticas Públicas). É professor e pesquisador da linha de pesquisa em Memória e Gestão Cultural, do Programa Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle (UNILASALLE). E-mail: moises.waismann@gmail.com Patrícia Martins Fagundes Cabral - Doutora em Psicologia (PUCRS, 2008) Mestre em Administração (PUC-Rio, 1999); Psicóloga (Unisinos, 1993). Especialização em Coaching Ontológico Empresarial (Universidad San Sebastian - Chile, 2017). Professora visitante no (WOP-P Erasmus Mundus (Coimbra-PT, 2013). Na Unisinos é Professora Titular no PPG em Gestão e Negócios; coordena grupo de pesquisa sobre Liderança e Gestão de Pessoas; atua nos Mestrado Profissionais em Gestão Educacional e em Direito da Empresa e dos Negócios. E-mail: patriciamf@unisinos.br 111 Raquel Engelman Machado - Pós Doutorado em Administração pelo ISEG - Universidade de Lisboa. Doutorado e Mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Permanente do Mestrado em Administração da Universidade Feevale. Coordenadora do MBA em Estratégia e Inovação Empresarial da Universidade Feevale. Atualmente desenvolve pesquisas sobre inovação, gestão do conhecimento e criatividade com financiamento Cnpq e Fapergs. Silvio Arend - Economista, FISC (1999), Mestre em Economia Rural (UFRGS, 1993) e Doutor em Economia (UFRGS, 2001). Professor no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da UNISC. E-mail: silvio@ unisc.br Simone Luz Ferreira Constante - Doutoranda em Memória Social e Bens Culturais pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade LaSalle. Mestra em Educação pela ULBRA. Bacharel em Comunicação Social / Relações Públicas pela UFRGS e Tecnóloga em Produção Audiovisual - Cinema e Vídeo pela PUCRS. E-mail: simone.constante@gmail.com Tamara Cecilia Karawejczyk Telles - Pós Doutorado em Gestão de Pessoas/Administração na Universidade de Lisboa/ ISEG (Portugal, 2018). Doutorado em Administração (Recursos Humanos) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação pela Unisinos. Professora Permanente do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle (Canoas/RS). Desenvolve pesquisas sobre história empresarial, gestão por competências, liderança e sucessão. E-mail: tamara.karawejczyk@unilasalle.edu.br 112