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Milton, Anon e prosódia na Trilogia dos Gigantes

2021, Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies

FILIPE, Teresa & FERRARI, Patricio "Milton, Anon e prosódia na Trilogia dos Gigantes" (2021). Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies, No. 20, Fall, pp. 3-83. Brown Digital Repository. Brown University Library. https://doi.org/10.26300/bgac-v148 Is Part of: Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies, Issue 20 Milton, Anon e prosódia na Trilogia dos Gigantes [Milton, Anon, and prosody in Trilogia dos Gigantes] https://doi.org/10.26300/bgac-v148 RESUMO Neste contributo investigam-se possíveis referências do projecto pessoano póstumo intitulado "Trilogia dos Gigantes" a partir da Biblioteca Particular de Fernando Pessoaapresentam-se títulos que se debruçam sobre a mitologia grega e os Gigantes em particular. Neste artigo, defende-se que a "Trilogia" tem como uma das fontes mais imediatas o Paradise Lost de Milton, e Charles Robert Anon, como precursor da temática dos Gigantes. O artigo inclui diversas imagens de exemplares da Biblioteca Particular e ainda, pela primeira vez, a transcrição da totalidade da marginália verbal do volume The Poetical Works of John Milton. ABSTRACT This contribution focuses on possible sources to the posthumous Pessoan project entitled “Trilogia dos Gigantes” [Trilogy of the Giants] based on extant books at Fernando Pessoa’s Private Library––from titles concerning Greek mythology to others featuring a range of Giants in particular. We argue that the “Trilogy” has Milton’s Paradise Lost as one of the most immediate sources, and Charles Robert Anon, as a precursor to the theme of Giants in Pessoa’s works. This article includes a selection of images from Pessoa’s Private Library as well as the complete (previously unpublished) transcription of the verbal marginalia of the volume The Poetical Works of John Milton. BIBLIOGRAFIA AA.VV. Nelson's Encyclopaedia (1905-1907). 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Milton, Anon e prosódia na Trilogia dos Gigantes [Milton, Anon, and prosody in Trilogia dos Gigantes] Teresa Filipe* & Patricio Ferrari** Palavras-chave Fernando Pessoa, Biblioteca particular, Charles Robert Anon, John Milton, Paradise Lost, Trilogia dos Gigantes, Marginália, Prosódia. Resumo Neste contributo investigam-se possíveis referências do projecto pessoano póstumo intitulado “Trilogia dos Gigantes” a partir da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa – apresentam-se títulos que se debruçam sobre a mitologia grega e os Gigantes em particular. Neste artigo, defende-se que a “Trilogia” tem como uma das fontes mais imediatas o Paradise Lost de Milton, e Charles Robert Anon, como precursor da temática dos Gigantes. O artigo inclui diversas imagens de exemplares da Biblioteca Particular e ainda, pela primeira vez, a transcrição da totalidade da marginália verbal do volume The Poetical Works of John Milton. Keywords Fernando Pessoa, Private library, Charles Robert Anon, John Milton, Paradise Lost, Trilogia dos Gigantes [Trilogy of the Giants], Marginalia, Prosody. Abstract This contribution focuses on possible sources to the posthumous Pessoan project entitled “Trilogia dos Gigantes” [Trilogy of the Giants] based on extant books at Fernando Pessoa’s Private Library––from titles concerning Greek mythology to others featuring a range of Giants in particular. We argue that the “Trilogy” has Milton’s Paradise Lost as one of the most immediate sources, and Charles Robert Anon, as a precursor to the theme of Giants in Pessoa’s works. This article includes a selection of images from Pessoa’s Private Library as well as the complete (previously unpublished) transcription of the verbal marginalia of the volume The Poetical Works of John Milton. * Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL). Bolseira FCT (SFRH/BD/118378/2016). ** Department of Spanish and Portuguese, Rutgers University-Newark. Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Este contributo1 procura identificar possíveis fontes e influências na “Trilogia dos Gigantes”, um projecto que terá estado nos planos de Pessoa pelo menos de 1913 a 19302. São apresentadas listas editoriais pertencentes ao espólio do autor com referência ao projecto. Da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, apresentamos três enciclopédias com verbetes referentes aos Gigantes designados por Pessoa, e três títulos que tanto pela sua temática como pela marginália aí registada mostram o interesse pela questão da apropriação dos mitos nas tradições grega e romana e, mais tarde, pela modernidade. De seguida, defende-se que a génese de a “Trilogia dos Gigantes” tem como uma das fontes mais imediatas o poema Paradise Lost de Milton, por um lado, e por outro um texto de Charles Robert Anon, como precursor da temática miltónica dos Gigantes. Publica-se ainda, pela primeira vez, a transcrição da marginália verbal do volume The Poetical Works of John Milton. Nas citações dos textos atribuídos à “Trilogia” utilizamos a transcrição estabelecida por Filipa Freitas e Jerónimo Pizarro.3 Os documentos mencionados no artigo são acompanhados da respectiva cota pertencente ao Espólio 3 da Biblioteca Nacional de Portugal [BNP/E3]4. A sigla (CFP) é atribuída à cota dos livros pertencentes à Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, à guarda da Casa Fernando Pessoa.5 Este contributo resulta das comunicações efectuadas pelos dois investigadores no colóquio internacional O Teatro de Fernando Pessoa. Trilogia dos Gigantes, promovido pelo Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa, no dia 31 de Maio de 2019. Gostaríamos de expressar a nossa gratidão a Filipa Freitas pelo convite ao colóquio. A Teresa Monteiro e José Correia, funcionários da Casa Fernando Pessoa, pelo empenho na disponibilização de recursos e materiais bibliográficos para a realização deste artigo. A Jerónimo Pizarro pela constante e generosa atenção com que acompanhou a escrita deste texto e a transcrição da marginália no exemplar pessoano de Milton. 1 O intervalo temporal de quase duas décadas, assim como as diferenças registadas no planeamento do projecto textual reunido sob a designação “Trilogia dos Gigantes”, é representativo de duas características do processo criativo de Pessoa: a constante reescrita e reorganização. A este propósito, atente-se, por exemplo, como no texto de apresentação do volume dedicado ao Teatro Estático, os editores Filipa Freitas e Patricio Ferrari referem, a propósito de O Marinheiro (texto cuja produção, publicação e reescrita é coincidente com o intervalo de tempo da Trilogia) “[d]e um modo que também é comum na obra pessoana, O Marinheiro foi pensado e repensado pelo autor até quase ao final da sua vida” (PESSOA, 2017: 11-12). Sobre a datação e génese de O Marinheiro, veja-se FISCHER (2012). 2 Os textos encontram-se disponíveis (com transcrição diplomática e actualizada) em edição digital http://www.trilogiadosgigantes.com/autores. A edição encontra-se em permanente actualização pelo que podem registar-se alterações na transcrição. 3 O espólio de Fernando Pessoa integra os fundos da Biblioteca Nacional desde Outubro de 1980, tendo passado à tutela do ACPC em Janeiro de 1981, sendo o terceiro espólio a integrar os fundos da BNP (http://acpc.bnportugal.gov.pt/espolios_cotas.html); foi precedido pelos espólios de Eça de Queiroz e Luís de Magalhães. Para a história do espólio pessoano (Biblioteca Nacional e Casa Fernando Pessoa), veja-se: DIONÍSIO (2021: 17-22); CELANI (2020); PIZARRO e FILIPE (2020: 230-349). 4 Os títulos da biblioteca de Pessoa foram reunidos em PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO (2010). Em http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/aut/index.htm todos os títulos, à excepção daqueles protegidos por direitos de autor, que se mantêm sob consulta reservada. 5 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 4 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia A “Trilogia dos Gigantes” O Espólio 3 da Biblioteca Nacional de Portugal conserva diversos documentos com referência ao projecto intitulado “Trilogia dos Gigantes”. Numa lista editorial localizada num caderno de notas com as cotas [BNP/ E3 144E-1 a 11], datado de c. 19136 (Fig. 1), a identidade do terceiro Gigante não se encontra definida. “Poema do Paganismo.” “Os Gigantes” (Trilogia): 1. “Briareu.” 2. “Livôr.” 3. □ “Outro Fausto” – Tragedia subjectiva. Fig. 1. [BNP/E3, 144E-4r]. Pormenor. Em c. 1915, o projecto aparece em 6.º lugar numa lista manuscrita, com a inclusão de “Encelado”, “Trilogia dos Gigantes – (Briareu. Encelado. Livor).”7, sendo substituído em c. 1920, “Trilogia dos Gigantes: Briareu. | Typho. | Livôr.” [BNP/E3 144G-38r] (PESSOA, 2010: 549). O projecto continuará a aparecer em diversas listas e em c. 1930, uma lista de projectos [sem cota] exibe o nome de apenas um dos Gigantes com uma interrogação em relação aos restantes “Briareu (etc?)”8. Três enciclopédias A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa possui três enciclopédias com descrições dos Gigantes. A mais antiga destas enciclopédias intitula-se Dictionnaire encyclopédique d'histoire, de biographie, de mythologie et de géographie de Louis Grégoire, tendo sido publicada em Paris pelo editor G. Frères em 1874 (CFP 9-33). Possui no verso da capa o selo da livraria Ferin, de Augusto Ferin, em Lisboa, onde terá sido adquirida.9 Não está assinada nem datada e exibe poucas marcas de uso. Apesar de não terem sido objecto de qualquer destaque, os nomes dos Gigantes aparecem nesta enciclopédia, Os cadernos podem ser consultados na secção “Cadernos” do portal da Biblioteca Nacional Digital: http://purl.pt/1000/1/cadernos/index.html. Para transcrição de [144E], ver PIZARRO (2007: 162-163). 7 [BNP/E3 144C-11r] Fac-símile e transcrição em PIZARRO (2009: 283 e 576). 6 Lista de projectos, manuscrita, sem cota, publicada e transcrita em PESSOA (2010: II, 537). Na p. 536, informa-se que a lista pertencerá ao primeiro trimestre da década de 1930, e que se encontra em poder dos sobrinhos-herdeiros de Pessoa. 8 Para mais informações sobre livrarias lisboetas onde Pessoa adquiria os seus livros, ver o texto assinado por Antonio Cardiello sob o título “Selos”, publicado no site da Casa Fernando Pessoa: http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/selos.htm. 9 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 5 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia designadamente, na p. 316, “Briarée” [Briareu], nome que surge em todas as listas referidas onde figura a “Trilogia” assim como no manuscrito [BNP/E3 111B-17] intitulado “Briareu” (http://www.trilogiadosgigantes.com/autores). Fig. 2. GRÉGOIRE (1874: 316). Pormenor (CFP 9-33). [Briareu ou Ægæon,10 gigante de 100 mãos e 50 cabeças, filho do Céu e da Terra. Com os seus irmãos revolta-se contra Júpiter, que os precipitará sobre um abismo; após o que lhes pedirá auxílio contra os Titãs, figuras com as quais os poetas latinos muitas vezes os confundiram.] Na p. 677 do Dictionnaire encyclopédique, encontra-se “Encelade” [Encelado], nome que figura na lista editorial localizada em [BNP/E3 144C-11r], datada de c. 1915, e no manuscrito [BNP/E3 116E-1]. Fig. 3. GRÉGOIRE (1874: 677). Pormenor. (CFP 9-33). Segundo a entrada do dicionário, [“Encelado”, filho de Tártaro e da Terra, foi um dos Titãs que se revoltou contra Júpiter. Foi atingido por um relâmpago e mantido preso sob o peso do vulcão Etna. Os seus movimentos são associados aos solavancos da montanha, a sua respiração ao fogo, fumo e matérias vulcânicas.]11 Na p. 1938, “Typhée” [Typho, Tífon], é descrito como um [gigante de cem cabeças, filho de Tártaro e da Terra, que obriga os deuses a refugiarem-se no Egipto sob a figura de animais. Júpiter enterra-o sob o Etna. É As traduções são nossas. “Briarée ou Ægæon, géant à 100 mains et à 50 têtes, fils du Ciel et de la Terre, se révolta avec ses frères contre Jupiter, qui les précipita dans un abîme ; puis les appela à son aide contre les Titans, avec lesquels les poètes latins les ont souvent confondus”. 10 “Encelade, fils du Tartare et de la Terre, fut un des Titans qui se révoltèrent contre Jupiter. Il fut foudroyé et maintenu à terre par le poids de l’Etna. Ses mouvements produisaient les secousses de la montagne, et sa respiration lançait le feu, la fumée et les matières volcaniques”. 11 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 6 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia pai de Gerião e de Cérbero.]12 “Typho” é o nome que surge na lista de c. 1920 [BNP/E3 144G-38r] e “Tífon”, o nome pelo qual surge no manuscrito [BNP/E3 1113 T-2] e [BNP/E3 1113 T-3]. Abaixo de “Typhée” encontra-se o verbete “Typhon”, que aqui dá nome a um [deus do antigo Egipto, deus do mal, das trevas e da esterilidade.]13 Fig. 4. GRÉGOIRE (1874: 1938). Pormenor (CFP 9-33). The Nuttall Encyclopaedia of Universal Information, editada por James Wood, foi publicada em 1900 pela editora Frederick Warne & Co., em Londres (CFP 0-48).14 O exemplar pessoano da Nuttall terá sido adquirido c. 190315 em Durban e exibe numerosas marcas de leitura, entre as quais, um sistema de cruzes e espirais que distingue entre pessoas reais e fictícias, até agora único na Biblioteca Particular. A enciclopédia conta com entradas relativas aos Gigantes, que não se encontram destacadas. Na p. 93, sem anotações, encontramos: “Typhée, géant à cent têtes, fils du Tartare et de la Terre, força les Dieux du ciel à se cacher en Egypte, sous la figure d’animaux. Jupiter le foudroya et l’ensevelit sous l’Etna. Il est le père de Géryon et de Cerbère”. 12 13 “Typhon, dieu de l’ancienne Égypte, était le dieu du mal, des ténèbres, de la stérilité”. Esta editora foi fundada em Julho de 1865 por Frederick Warne (1825-1901) na sequência da dissolução da sociedade que mantinha com o cunhado e também editor George Routledge. Nesse mesmo ano, este último fundou a George Routledge & Sons. Warne, que detinha os direitos de autor de Peter Austin Nuttall (1792/3-1869), particularmente famoso pelos seus dicionários, foi publicando sucessivas edições revistas destes, e produziu, com James Wood, a enciclopédia que ostenta o nome daquele. As entradas da enciclopédia são geralmente breves e registam nomes de personalidades, lugares, bem como, de algumas personagens fictícias. Curiosamente, um dos autores fictícios criados por Pessoa em Julho de 1903 leva o apelido de Austin (cf. PESSOA, 2016: 113-118). 14 Para a datação veja-se o caderno [144R-22v] que contém exercícios de assinatura de Charles Robert Anon, junto a livros pretendidos, entre os quais The Nuttall. Este caderno exibe, nas suas primeiras páginas, textos de O Palrador, nº 1, Julho de 1903; cf. PIZARRO (2007: 17). Para a discussão acerca da datação, ver também FERRARI (2009: 181 [1904]; 2017: 121, nota de rodapé 6 [1901-1902]). 15 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 7 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia [Briareus ou Briareu, Uranide com 50 cabeças e 100 braços (nesta descrição não são mãos), filho de Urano e Gaia, isto é, do Céu e da Terra, lançado ao mar por Poseidon e enterrado sob o Etna; foi depois salvo por Zeus para o auxiliar na luta contra os Titãs; de acordo com outro relato, um dos Gigantes (quo vide).]16 De acordo com o relato na Nuttall, Briareu é um Titã e não um Gigante. No final da entrada somos precisamente dirigidos para consultar a diferença entre Gigantes e Titãs. Na p. 277, na entrada “Giants”, pode ler-se: [Na mitologia grega são muitas vezes confundidos com os Titãs, contudo, são destes distintos. Pertencem à terra possuindo apenas grande estatura e força, pelas quais julgaram poder destronar Zeus, que, com o auxílio de Hercules os derrotou e enterrou sob o Etna e outros vulcões, condenados a aí continuar a sua impotente luta.]17 Na descrição dos Titãs, na p. 652, estes, na mitologia grega, [(...) são filhos de Urano e Gaia, possuem força gigante e pertencem à dinastia anterior a Zeus, e contra ele se revoltaram e esperaram alcançar o céu empilhando montanha sobre montanha, tendo sido vencidos pelos relâmpagos de Zeus. Foram condenados a habitar o limbo, o ponto mais baixo das profundezas do Tártaro. Representam as forças primitivas da natureza e com igual relutância são submissos à ordem do mundo estabelecida por Zeus. Símbolos de um esforço vão se a subversão da ordem celestial for tentada apenas pela força. Não devem ser confundidos com os Gigantes, nem com a sua descendência, que alcançaram a sabedoria a partir da derrota de seus pais. Prometeu, um dos seus, representa a ideia segundo a qual o mundo foi feito para os homens e não os homens para o mundo, e que todos os poderes existentes no mundo são para benefício dos homens.]18 Registe-se que apesar da diferença genealógica entre Gigantes e Titãs, uns humanos e outros divinos, ambos lutam pela subversão da ordem estabelecida. Diferenciam-se nas armas empregues no combate, uns a sabedoria e outros a mera força, mas todos se encontram condenados a uma luta vã contra a força detentora da ordem, Zeus, ou na tradição latina, Júpiter. “A Uranid with 50 heads and 100 arms, son of Ouranos and Gaia, i.e. Heaven and Earth, whom Poseidon cast into the sea and buried under Etna, but whom Zeus delivered to aid him against the Titans; according to another account, one of the Giants (quo vide)”. 16 “In the Greek mythology often confounded with, but distinct from, the Titans (q.v.), being a mere earthly brood of great stature and strength, who thought by their violence to dethrone Zeus, and were with the assistance of Hercules overpowered and buried under Etna and other volcanoes, doomed to continue their impotent grumbling there”. 17 “In the Greek mythology sons of Uranus and Gaia, beings of gigantic strength, and of the dynasty prior to that of Zeus, who made war on Zeus, and hoped to scale heaven by piling mountain on mountain, but were overpowered by the thunderbolts of Zeus, and consigned to a limbo below the lowest depths of Tartarus; they represent the primitive powers of nature, as with seeming reluctance submissive to the world-order established by Zeus, and symbolise the vain efforts of mere strength to subvert the ordinance of heaven; they are not to be confounded with the Giants, nor with their offspring, who had learned wisdom from the failure of their fathers, and who, Prometheus one of them, represented the idea that the world was made form man and not man for the world, and that all the powers of it, from highest to lowest, were there for his behoof”. 18 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 8 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia “Enceladus” [Encelado] é descrito como um dos mais importantes Gigantes na história da revolta contra Zeus (WOOD, 1900: 222). Tendo fugido para a Sicília, Encelado terá sido atingido por um relâmpago e enterrado sob o Etna cujas violentas erupções passaram a ser atribuídas à respiração do Gigante, e os tremores de terra aos seus movimentos. Encelado é um símbolo da luta cega, muitas vezes, impotente, contra qualquer força opressiva.19 Na p. 661, “Typhon”, é descrito de modo semelhante, como um Gigante que cospe fogo, tendo sido atingido por um relâmpago de Júpiter e enterrado sob o Etna. A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa possui cinco volumes da Nelson's Encyclopaedia (1905-1907) (CFP 0-16), seriam 12 no total, que terminam no final da letra “C”, só sendo possível encontrar referência a “Briareus” (p. 276, do volume IV). Todos os volumes, com excepção do volume V, exibem o selo da livraria M. Lewtas & M. Taboada Booksellers, situada na Rua do Arsenal 144 em Lisboa, onde terá sido adquirida. Fig. 5. Nelson's Encyclopaedia. [1905]. Vol. IV, p. 276. Pormenor (CFP 0-16). Na referida página “Briareus, or Ægæon” é descrito como Gigante, filho de Uranos e Gaia, com cem mãos e cinquenta cabeças, que ajudou Zeus a derrotar os Titãs e foi guarda destes quando prisioneiros no Tártaro.20 Outros títulos da Biblioteca Particular com referência aos Gigantes Para além das enciclopédias, onde Pessoa poderá ter consultado as diferentes descrições dos Gigantes, a sua biblioteca revela uma vasta bibliografia clássica21 “[...] one of the chief giants that revolted against Zeus, and who, as he fled and took refuge in Sicily, was transfixed by a thunderbolt, and buried under Etna. The fiery eruptions of the mountain are his breath, and the shaking of it ascribed to his shifting from one side to another. In the latter regard he serves in literature as the symbol of a blind, often impotent, struggle to throw off some oppressive incubus”. 19 “Son of Uranus and Gæa, a giant with a hundred hands and fifty heads who helped Zeus to conquer the Titans, and guarded them when imprisoned in Tartarus”. 21 Na Biblioteca Particular são vários os vestígios que testemunham o interesse de Fernando Pessoa pelos autores (e mitos) clássicos gregos e latinos. Para além dos numerosos títulos adquiridos e da marginália aí existente, algumas destas edições apresentam, nas suas páginas finais, catálogos que 20 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 9 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia onde se surpreende a apropriação dos mitos dos Gigantes em diferentes autores. De seguida apresentamos alguns exemplos. Fig. 6. Três títulos com referência aos Gigantes. Da editora britânica de William Heinemann, fundada em 1890 e responsável pela publicação de muitas das traduções dos clássicos gregos e latinos para língua inglesa na colecção Loeb Classical Library, a biblioteca de Pessoa guarda três títulos onde encontramos referências aos Gigantes. Na Argonautica de Apollonius Rhodius (CFP 8-11), Amycus, rei dos Bebrices, é comparado ao “sinistro Typhoeus, senão mesmo a Terra tal como era na sua fúria contra Zeus”. Fig. 7. RHODIUS (1912: 105). Pormenor (CFP 8-11). No volume The Odes of Pindar (CFP 8-438), “Typhon” surge como “aquele que o filho de Cronos, Zeus, mantém debaixo do Etna” e “jaz no terrível Tártaro, inimigo dos deuses, Typhon com as suas 100 cabeças” (pp. 43 e 157 respectivamente), e, exibem marcas de preferência, provavelmente, como indicação de títulos a adquirir. Veja-se, por exemplo, um destes casos, em: Adams, Ernest (1893) The Elements of the English Language. London: George Bell and Sons (CFP 8-665). Trata-se de um dos últimos títulos doados à Casa Fernando Pessoa. http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/aut/A/adamsernestw.htm Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 10 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia linhas abaixo, é designado como “monstro que lança do alto as mais temíveis montanhas de fogo, uma terrível maravilha de ser contemplada”. Fig. 8. PÍNDARO (1915: 43). Pormenor (CFP 8-438). Sublinhados nossos. Fig. 9. PÍNDARO (1915: 157). Pormenor (CFP 8-438). Contemporâneo de Horácio e Virgílio (autores também representados na biblioteca de Pessoa), Ovídio retrata nos seus poemas questões relacionadas com os mitos gregos e o modo como foram incorporados na literatura romana. No exemplar pessoano de Heroides and Amores, encontramos descrições de “Typhois, de Typhoeus, gigante enterrado sob o Etna” (Index de Heroides, p. 518); “Encelados” (Index a Amores, p. 520), descrito como o gigante que lutou contra Jove; e uma referência a “Livor” (Index a Amores, p. 521). Fig. 10. “Typhois, of Typhoeus”, OVÍDIO (1914: 518). Pormenor. (CFP 8-403). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 11 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 11. “Encelados”, OVÍDIO (1914: 520). Pormenor (CFP 8-403). Fig. 12. “Livor”, OVÍDIO (1914: 521). Pormenor (CFP 8-403). Note-se que “Livor” foi traduzido para “Envy” (Amores, Livro I, capítulo XV, linhas 1 e 39). No manuscrito pessoano, Livor, irmão de Briareu, Encilado e Tífon, é, entre os Gigantes, aquele que sente “o tédio imenso do mundo” [BNP/E3 119-Liv-2], a inutilidade da acção, o absurdo de ser. A ânsia absurda e agoniada De não ter por lugar do nosso ser O nosso próprio ser – o desejo De ser outramente outro, alheio De qualquer modo outro mesmo nosso. ◊ a pesada mágoa Do eterno ser-hoje e estar-aqui. (Livor, 17 [BNP/E3 119-Liv-22], datado de 9-3-[19]11) Fig. 13. “Livor – Envy”, OVÍDIO (1914: 376-377) (CFP 8-403). Marcas nossas. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 12 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Veja-se agora o exemplo de três títulos que reflectem o interesse de Pessoa pela questão da apropriação dos mitos pela modernidade. Fig. 14. Três títulos com referência aos mitos. Se atentarmos na assinatura na folha de guarda inicial, “Fernando Pessoa” (sem acento circunflexo), entre os 3 títulos agora apresentados, o exemplar de R. W. Livingstone, The Greek Genius and Its Meaning to Us, (CFP 9-46), terá sido o último a ser adquirido.22 A frase sublinhada na p. 41 destaca uma ideia segundo a qual o pensamento moderno se apropria e transforma o clássico. No caso em apreço, Livingstone reflecte acerca da influência de Sappho em Byron, “o clássico fornece o texto, o moderno explica-o”.23 Fig. 15. LIVINGSTONE (1915: 41). Pormenor (CFP 9-46). Em carta a Armando Côrtes-Rodrigues de 4 de Setembro de 1916, Pessoa informa da decisão de deixar cair o acento circunflexo pois considera “publicar umas cousas em inglez” e “o inutil ^ [...] prejudica o nome cosmopolitamente” (PESSOA, 2009a: 400). 23 Richard Winn Livingstone (1880-1960) foi um académico britânico, editor da Classical Review (19201922), e ocupou o cargo de Vice-reitor da Universidade de Oxford (1944-1947). Promoveu o ensino dos estudos clássicos e produziu diversas obras onde defende a genialidade do espírito grego e do Helenismo. 22 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 13 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Na edição que Pessoa adquiriu, Livingstone, tendo sido acusado por alguns críticos de realizar uma comparação injusta entre a literatura grega e inglesa, com o objectivo de demonstrar a superioridade da primeira, procura retratar-se destas críticas fazendo algumas alterações ao texto como explica numa nota (cf. p. [3]). Na Biblioteca de Pessoa, Livingstone é um autor representativo da defesa dos ideais helenísticos e, como tal, envolvido na discussão acerca do Cristianismo. Reflectindo acerca do valor da vida, Livingstone escreve “[i]f there is anything permanent in Christianity it is the certain persuasion that the world is not an adequate theatre for man, nor he capable of reaching the perfection of his nature unaided” (LIVINGSTONE, 1915: 123). Pessoa destacou esta ideia com um traço vertical abaulado e inscreveu à margem, “N[ota] B[ene]”. Páginas adiante, numa súmula do espírito grego, o classicista inglês continua: “it is the spiritualization of what is earthy, the idealism of common things, that is typical of the Greek” dando ocasião ao comentário marginal de Pessoa, “excellent” (LIVINGSTONE, 1915: 127). Meses antes, Pessoa terá adquirido o seu exemplar de Leaves of Grass de Walt Whitman, um dos poetas anglófonos mais lidos e relidos por Pessoa.24 Publicado em 1909, em Londres, pela Cassell and Co., terá sido adquirido em 16 de Maio de 1916, conforme inscrição na folha de guarda inicial, onde ainda se verifica o uso do acento. Figs. 16a e 16b. (esq.) “Fernando Pessoa” em LIVINGSTONE (1915). Folha de guarda inicial; (dir.) “Fernando Pessôa 16.5.1916.” em WHITMAN (1909). Folha de guarda inicial. Na p. 139, numa passagem do poema “Salut au Monde!”, um verso sublinhado a lápis de carvão assinala os ecos da herança grega e latina. O primeiro livro de Walt Whitman adquirido por Pessoa terá sido c. 1906-1907, um exemplar de Poems [1895], o XXVII da colecção “The Penny Poets”. Profusamente anotado, existem transcrições parciais da marginália pessoana neste exemplar, por exemplo, no estudo pioneiro de Susan Margaret Brown (1987), assim como em PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO (2010: 374-375) e FERRARI (2011; 2017). 24 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 14 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia I hear the rhythmic myths of the Greeks, and the strong legends of the Romans. Fig. 17. WHITMAN (1909: 139) (CFP 8-580). Anterior à publicação destes exemplares, a Biblioteca de Pessoa conserva uma biografia do poeta John Keats (COLVIN, 1899: 153), adquirido em Durban, em Fevereiro de 1905 (como indica a inscrição na folha de rosto; cf. Fig. 18), poucos meses antes do regresso final a Lisboa no fim do Verão de 1905. Este exemplar exibe abundante marginália verbal e não-verbal, tendo sido usados pelo menos três instrumentos de escrita: caneta preta, lápis de carvão e lápis azul, o que sugere uma utilização interrompida e retomada em diferentes ocasiões. No capítulo VII, nas páginas dedicadas a Hyperion (pp. 152-160), poema que trata da queda dos Titãs (seres com quem os Gigantes são muitas vezes confundidos, mas que se distinguem destes pela sua origem divina), observamos um traço vertical a lápis de carvão na margem esquerda da página 153, que destaca as linhas 2 a 22, onde Colvin defende, contra alguns críticos do poema, a vitalidade da mitologia grega antiga na explicação da experiência humana. As if that mythology could ever die: as if the ancient fables, in passing out of the transitory state of things believed, into the state of things remembered and cherished in imagination, had not put on a second life more enduring and more fruitful than the first. E mais abaixo, relaciona a decadência do pensamento moderno com essa mesma incapacidade de valorização do pensamento mitológico. [I]f the modern world at | any time fails to value them, it is the modern mind which is in so far dead and not they. One of the great | symptoms of returning vitality in the imagination Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 15 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia of Europe, toward the close of the last century, was its | awakening to the forgotten charm of past modes of faith | and life. Figs. 18a e 18b. COLVIN (1899: folha de rosto, 153) (CFP 9-20). Este exemplar é duplamente significativo no contexto da reflexão acerca da “Trilogia dos Gigantes” por apresentar reflexões de Colvin sobre a apropriação da mitologia e do espírito grego (temas que se encontram em diversos escritos pessoanos de defesa do paganismo e também postos em verso, de que a “Trilogia” é exemplo) e, por outro lado, porque, especificamente no caso de Keats, Hyperion tem como fonte directa o Paradise Lost de Milton (v. Colvin [1899] pp. 152-153), também este, uma das fontes de Pessoa para os textos dos Gigantes, como se defenderá adiante. Hyperion terá sido escrito entre o final de 1818 e o Verão de 1819 e Keats tê-loá deixado incompleto precisamente por nele sentir demasiadas influências de Milton, como explica numa carta ao seu amigo e poeta John Hamilton Reynolds “[t]here were too many Miltonic inversions in it – Miltonic verse cannot be written but in an artful, or rather, artist’s humour. I wish to give myself up to other sensations” (Keats apud COLVIN, 1899: 157). Influência significativamente identificada por Pessoa na página 483 do seu exemplar de Milton onde anota à margem “This Sonnet reminds us somewhat of Keats (in his Sonnets).”25 25 This Sonnet reminds us some-|what of Keats <,>/(\in his Sonnets). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 16 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Ora, estes dois poemas, Paradise Lost e Hyperion, lidos e estudados por Pessoa, partilham temas, nomes, e métodos de composição que também se podem identificar na “Trilogia”. Hyperion não foi destacado no índice do exemplar pessoano de The Poetical Works de Keats, adquirido em 190326, mas logo na primeira página do poema, na margem esquerda canto superior, Pessoa deixa o comentário “slow verse”, possivelmente relativo ao facto de muitos destes versos não serem encavalgados (enjambement). No que diz respeito à sua utilização, como indica Preminger, “Milton in Paradise Lost laid the foundation for its subsequent use by the English Romantic poets; in its preface he identified it as one of the chief features of his verse: <<sense variously drawn out from one verse into another” (PREMINGER, 1993: 359). O poema de Keats trata da guerra de sucessão entre velhos e novos deuses, representados por Hyperion e Apollo (de onde este último sai vencedor). Saturno é representado logo no início do poema. Derrotado por Jupiter, dorme um sono parecido com a morte, deitado na relva, junto a um rio, onde é visitado por uma Naiade. Compare-se a primeira frase de Naiade a Saturno “Saturn, look up! –– though wherefore, poor old King? | I have no comfort for thee, no, not one: I cannot say, ‘O Wherefore sleepest thou?’ For heaven is parted from thee” (KEATS, 1898: 238), e o início de Livor, dito pelas “Ninfas” [BNP/E3 119 Liv-2]: As Ninfas O gigante Livor porque não dorme? Não lhe é suave a relva verde ondeante que faz doces luas da Natureza, as moles afastadas dos outeiros? O estar debruçado à beira d’água vendo aquém da alma *pura reflectida correr o fresco murmurar do rio? Não lhe põe a alma com a Natureza? Não lhe ◊ um sossego? Não o ocupa um macio estar-com-as-cousas, calmo e responsivo à mansidão do sol? Natureza, cujas leis impõem a sucessão dos deuses, como explica, mais à frente, o sábio Deus do Mar, em Hyperion. Saturno, sem trono e sem reino, perdeu a sua identidade, está ausente de si mesmo “I am gone | Away from my own bosom: I have left | My strong identity, my real self, | Somewhere between the throne, and where I sit | Here on this spot of earth”. As Ninfas questionam Livor [BNP/E3 119 Liv-2]: KEATS (1898; CFP 8-294). Este volume foi um dos títulos escolhidos por Pessoa pelo Prémio Queen Victoria Memorial Prize, em Durban, referente a 1903 e atribuído em Fevereiro de 1904 (MONTEIRO, 2000: xv e 111). Os outros títulos foram Johnson’s Lives of the Poets, de Samuel JOHNSON (1897-1900; CFP 9-37), The Works of Ben Jonson, de Ben JONSON (1897; CFP 8-283), The Choice Works of Edgar Allan Poe de Edgar A. Poe (1902; CFP 8-442) e The Works of Alfred Tennyson, de TENNYSON (1902; CFP 8-541). 26 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 17 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Porque não dorme, sonha ou quasi-sonha? – Que angústia o fez ausente de si-mesmo, daquela consciência que intervém como um véu entre a alma e a natureza? Que realidade de torpor? Que mágoa? Que sonho? Que desejo? Que rancor? Saturno é mencionado 19 vezes no “Briareu” de Pessoa como exemplo de que os deuses podem ser derrotados e, como tal, a luta dos Gigantes pelo restabelecimento do seu poder não é vã e existe uma probabilidade de vitória. Em Hyperion, Briareu e Tífon são mencionados, juntamente com outros Titãs (p. 247) e Enceladus (pp. 249, 250, 255). Na página 251, Saturno desafia os Titãs a responder à humilhação da derrota “Not in my own sad breast […] Can I find reason why ye should be thus” (250-251). Ao que o Deus do Mar intervém no sentido de conter a vontade de vingança e dizer que a passagem dos deuses segue as leis da Natureza e “not force of thunder, or of Jove” (252). A intervenção da Gigante Clymene (254-255) vai ao encontro deste27, mas Enceladus não desiste e reforça as razões pelas quais se devem revoltar e restabelecer o seu poder. O poema de Keats retoma temas de Paradise Lost (aliás, referido em nota de rodapé pelos responsáveis da edição que Pessoa adquire; cf. KEATS, 1898: 239) e métodos de composição, admitido pelo próprio Keats como já referido aqui. Ambos poderão ter contribuído para a escrita da “Trilogia”, na medida em que esta reflecte o interesse pela guerra de sucessão do poder, à perda do qual se associa a perda de identidade, a vontade de vingança, a luta vã dos Gigantes (Titãs, ou “portuguezes”28, conforme o relato), o sentimento de horror e desespero. Ao longo do périplo, várias vozes tentam oferecer consolo e dissuasão, no caso da “Trilogia”, personificadas por Terra, mãe de Briareu, pelas Ninfas em Livor (correlato da Naiade em Hyperion?) e nos diferentes Coros (Briareu, Livor e Tífon). Nos três textos mencionados (Paradise Lost; Hyperion e “Trilogia”) encontramse palavras recorrentes, entre outras: estrelas, luz, sombra, desejo, queda, vingança, abismo, peso, horror, montanhas, desespero. E temas: poder, guerra, luta vã, vingança, perda de identidade (“who am I”: cf. marginália pessoana na guarda final do volume de Milton, transcrito em anexo), revolta contra a suposta ordem natural das coisas Registe-se a utilização de ideais Românticos no discurso do deus do Mar, segundo o qual, a lei que define a natural sucessão dos deuses fundamenta-se na constante busca de perfeição e beleza (KEATS, 1898: 252), “’tis the eternal law | That first in beauty should be first in might” (p. 253) e nesses termos Apolo é considerado superior (KEATS, 1898: 253-254). Ideia reforçada no discurso da Gigante Clymene que realça a beleza encantatória da música de Apolo (KEATS, 1898: 255), uma beleza que chega a ser dor “With music winged instead of silent plumes, | To hover round my head, and make me sick | Of joy and grief at once. Grief overcame”. A ideia de dor superior à de beleza também se encontra nos únicos versos do poema sublinhados por Pessoa “How beautiful, if sorrow had not made | Sorrow more beautiful than Beauty’s self!” (KEATS, 1898: 237). 28 V. documento [BNP/E3, 44-35], abaixo. 27 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 18 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia e, por outro lado, vontade feroz de mudar essa ordem: “Saturn must be King.” (KEATS, 1898: 240). Estes temas, em relação directa com Hyperion de Keats, encontram-se num manuscrito localizado no espólio com a cota [BNP/E3, 44-35], e transcrito na última edição crítica de Mensagem (PESSOA, 2020: 156; preparada por Jerónimo Pizarro), onde se lê o seguinte: A idéa do poema epico representando as navegações e descobertas dos portuguezes como provenientes da guerra entre os velhos e os novos deuses – Hyperion e Apollo, etc. (o christianismo onde fica? como entra aqui? como “attrait” empregado pelos velhos deuses para afastar os homens da fé na raça de Jove?) Como na Iliada a guerra é um reflexo da guerra entre deuses, aqui as navegações são a guerra entre os velhos deuses, e os novos, que lhes põem obstáculos – Neptuno com as tempestades, Jove com os raios, Venus com a corrupção... Marte (seduzido por Venus) com as conquistas que desviam da Descoberta. A Victoria é dos deuses novos (em que fica, então, o chistianismo?) e Marte é que a consegue com Alcacer-Kibir. Retomando, de certo modo, a Vida de Hyperion de Keats. Coördenar fortemente os themas e as ideas. Não omittir a base metaphysica, nem as especulações d’essa ordem no detalhe. Em 1958, Jorge Nemésio transcreveu o manuscrito [BNP/E3 44-35] intitulando-o “Portugal” e integrou-o no dossier genético de Mensagem (NEMÉSIO, 1958: 30-31, 73) que, segundo o editor passou por três fases: “Legendas”, “Portugal” e “Mensagem”. “Portugal” terá sido o nome atribuído ao poema numa fase de escrita intermédia, a que corresponderiam os testemunhos “E-1 a E-5” (designados assim por Nemésio). Sob a designação “Portugal”, Nemésio indica como data provável de escrita 1920, na medida em que se encontra próximo do poema “Se o teu palácio chega até ao céu”, este datado de 8 de Agosto de1920 (NEMÉSIO, 1958: 74; cf. [BNP/E3 44-28]). Mas a questão da arrumação do espólio como critério de datação ou para fazer corresponder um texto a uma data ou a um projecto pode ser controversa. Pizarro sugere a data de c. 1918 (PESSOA, 2020: 156; 273-274). O manuscrito [BNP/E3 44-35] não se encontra encimado pela designação “Portugal”. Foi escrito a tinta preta numa folha timbrada da firma F. A. PESSOA | RUA DO OURO, 87, 2.O| LISBOA, com indicação incompleta de data “191_”, e encontra-se numerado, no verso “1” e no rosto “2”. O texto seguinte na ordem de arrumação do espólio [BNP/E3 44-36] foi escrito em suporte idêntico; este sim, encimado pela designação “Portugal” abaixo da qual se lê, “Canto 3”. Todavia, não é evidente que “Canto 3” seja continuação da numeração registada na folha [BNP/E3 44-35], unicamente como “1” e “2”. As referências à situação portuguesa no conteúdo do texto [BNP/E3 44-35] “poema epico representando as navegações e descobertas dos portuguezes”, “as conquistas que desviam da Descoberta” e a “Victoria é dos deuses novos […] e Marte Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 19 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia é que a consegue com Alcacer-Kibir”, colocam-no na linha de sucessão para a escrita de Mensagem, e, neste momento, em nosso entender, trata-se de um documento programático onde se conjugam criticamente as leituras de Ilíada e de Hyperion de Keats, para além de se inserir num conjunto maior de reflexões pessoanas suscitadas pelas leituras acerca da origem dos mitos e da religião, a apropriação pela modernidade, a “guerra entre os velhos e os novos deuses”, o paganismo, “o christianismo onde fica?”; o que, eventualmente, virá a traduzir-se numa das tonalidades “metaphysicas” de Mensagem. Também o fascínio e a influência de John Milton na produção textual de Fernando Pessoa ficaram registados em numerosos documentos hoje à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal. Na Biblioteca Particular, esta influência pode ser observada nas páginas do exemplar de Paradise Lost29, assim como em extensa bibliografia secundária. De seguida, procuramos mostrar que os textos da “Trilogia dos Gigantes” têm como uma das fontes mais imediatas Paradise Lost. Para tal, divide-se o argumento em quatro partes: I. Apreciações literárias da poesia de Milton na Biblioteca Particular de Pessoa; II. Ecos de Paradise Lost na “Trilogia dos Gigantes”; III. Charles Robert Anon, precursor da temática miltónica dos Gigantes / Titãs na obra pessoana; e IV. Algumas observações prosódicas na trilogia. I. Apreciações literárias da poesia de Milton na Biblioteca Particular de Pessoa. Figs. 19a e 19b. MILTON (s.d.: capa e folha de rosto) (CFP 8-359). A presença deste exemplar na Biblioteca Particular de Pessoa e a influência da composição poética de Milton na produção textual pessoana é discutida em FERRARI (2012b). Para uma discussão detalhada da influência de Milton especificamente em Charles Robert Anon (nomeadamente nas odes atribuídas e/ou atribuíveis a Anon), ver § 2.2.2 e 4.1. Ver também FERRARI (2012a). 29 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 20 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Não datada, a obra The Poetical Works of John Milton, contém um prefácio assinado por Theodore Alois Buckley, com a data de 1853, em Londres (p. vi). Trata-se de uma edição revista a partir do texto de Thomas Newton e ilustrada por William Harvey. O exemplar de Pessoa exibe diversos exercícios de assinatura no verso da contracapa entre os quais “FPessôa” e “Ch[arles] Search”. Pela caligrafia existente em diversas notas marginais, entre as quais no verso da capa, trata-se provavelmente de uma obra que pertence aos anos de formação (1900-1904) na Durban High School, África do Sul. A presença de dois instrumentos de anotação (caneta preta e lápis de carvão) e as diferenças visíveis na caligrafia sugerem diferentes momentos de leitura, espaçados no tempo30. No verso da capa do exemplar pessoano de Paradise Lost encontra-se uma citação retirada de uma outra edição do poema: Fig. 20. MILTON (s.d.: verso da capa). Pormenor (CFP 8-359). A maioria das anotações verbais efectuadas neste exemplar, a tinta preta, relaciona-se com o estudo do poema: referências extrabibliográficas que procuram identificar influências e crítica, dicionário, estudo da métrica, e poderão ter sido realizadas, num primeiro momento, ainda em Durban, para fins académicos (c.1904). Algumas destas anotações poderão ter sido recuperadas ou acrescentadas num momento, posterior, em que Pessoa decide construir ele próprio um poema com características métricas similares. As anotações verbais a lápis de carvão são maioritariamente traduções. A tradução do poema de Milton esteve nos planos de Pessoa pelo menos a partir de ca. 1909, data em que surge no documento com a cota [48B-17] “Traducções de poesias para portuguez”. Este documento e [48B-18] apresentam características semelhantes: duas folhas soltas com evidência de terem sido arrancadas, provavelmente, de um caderno. As duas folhas são de papel quadriculado, 30 quadrículas, cantos arredondados, com cor vermelha nos cortes laterais, ambas possuem evidência de terem estado dobradas na horizontal, e [48B-17], apresenta ainda uma pequena marca de dobra no canto inferior direito. As duas folhas apresentam ainda fortes semelhanças com as características do caderno E3/144D, datado de c. 1909 por Jerónimo PIZARRO (2006: 37) http://purl.pt/13879. [48B-18] apresenta junto ao corte interior, restos de papel castanho, igual ao papel das folhas de guarda do caderno 144D. Nos dois documentos, as falhas no papel que sugerem terem sido arrancadas, correspondem aos locais da encadernação, cosida. O projecto de tradução volta a surgir num documento datável de c. 1916 “As obras que ha que haver traduzidas em portuguez”, em 6.º lugar “6. Milton, Paraiso Perdido. B”. [48B-9ar], lista manuscrita a tinta preta numa folha de papel com carimbo da Galeria das Artes do Salão Bobone. Esta Galeria foi criada por Pacheko, no salão Bobone, em 1916 (aí realizou-se, em 1917 a I Exposição dos Independentes e a famosa I Conferência Futurista). Portanto, este documento deverá pertencer a 1916 ou período posterior. Depois, em 1924, numa folha que ostenta a cota [59-45], encontra-se uma lista manuscrita a tinta preta, no canto inferior direito, dentro de um quadrado, com indicação de oito autores seguido de “Anthologia Grega”, Latina, India e Franceza, sem especificação de autores ou títulos. Em 4.º lugar surge “Milton: Paraiso Perdido”; e em 5.º, “Milton: Samson Agonistes”. Esta última lista é de c. 29-4-1924. Ver anexo para a transcrição completa da marginália verbal. 30 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 21 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia = Volume No. 3 = “Milton himself says that ‘true <poetical> [↑ musical] delight consists only in apt numbers, fit quantity of syllables, and the sense variously drawn out from one verse into another’. A citação é retirada do prefácio de Milton ao vol. III de Paradise Lost na edição de 1674. Nas páginas iniciais, Milton, sensível às críticas anteriores, formaliza as razões pelas quais rejeita o uso da rima neste seu poema. A edição que Pessoa trouxe consigo de Durban, em apenas um volume, não inclui esta rejeição formal da rima e preferência pelo “blank verse” [verso branco]. Uma folha solta pertencente ao exemplar pessoano de The Poetical Works of John Milton, exibe uma lista intitulada “Works on Milton” [BNP/E3 49B6-43v]: Works on Milton: – “Milton” by Mark Pattison (English Men of Letters Series) ……….. 1/6. Macaulay’s “Essay on Milton”. Johnson in “Lives of the Poets”. ✓ Addison in “Spectator”. (Saturday Papers). ✓ Robert Bridges “Milton’s Prosody” – ✓✓✓✓ A lista, datável de c. 1904, encontra-se manuscrita a tinta preta. Foi publicada em 2012 com a indicação de que três dos títulos aí incluídos fariam parte da Biblioteca Particular de Pessoa (v. sinais de aprovação): Johnson (CFP 9-37), Addison (CFP 83), e Bridges (CFP 8-64)31. Na verdade, para além destes três, o ensaio de Macaulay também se encontra na Biblioteca de Pessoa, no volume Essays, Historical and Literary for the “Edinburgh Review”. London: Ward, Lock and Co. [post 1890] (CFP 8-328)32. O primeiro título da lista refere-se provavelmente ao ensaio de Mark Pattison, Milton, publicado em 1879 na colecção de biografias “English Men of Letters”, da editora Transcrição de Patricio Ferrari e Jerónimo Pizarro (cf. FERRARI, 2012b: 370). Lista fac-similada em JENNINGS (1984: 209). As obras referidas são: JOHNSON, Samuel; NAPIER, Alexander; HALES, J. W. (1890). Johnson's Lives of the Poets. London: George Bell and Sons. 3 vols. (CFP 9-37). Este livro foi parte do Queen Victoria Memorial Prize, oferecido a Pessoa em 1903. Pessoa refere-se ao ensaio de Johnson sobre Milton no texto “Um exemplo especialmente precioso é o ‘Lycidas’ de Milton.”, 19-95r; ADDISON; Joseph; MORLEY, Henry; STEELE, Richard. (1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons (CFP 8-3). Refira-se que nas páginas 1, 18 e 22 de The Poetical Works of John Milton, CFP 8-359, existem anotações de Pessoa que remetem para The Spectator, cf. Anexo I; BRIDGES, Robert; STONE, William Johnson (1901). Milton's Prosody & Classical Metres in English Verse. Oxford: Henry Frowde (CFP 8-64). Este exemplar foi provavelmente adquirido entre 1904-1905 em Durban, cf. FERRARI (2012b: 16). Sobre um estudo pormenorizado da influência deste exemplar em certas abordagens prosódicas de Pessoa, ver FERRARI (2012b: 91-94, 160-173). 31 A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa conserva um outro título de MACAULAY (1892). Biographical, Critical, and Miscellaneous Essays, and Poetical Works: including "the lays of ancient Rome". London: Ward, Lock & Co. (CFP 8-327), que inclui “Conversation between Cowley and Milton”, pp. 420-430. Sem marginália. 32 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 22 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Macmillan. O ensaio de Pattison não se encontra actualmente no catálogo, mas a biblioteca de Pessoa conserva outros títulos desta colecção, designadamente, a biografia de Keats de Sidney Colvin publicada em 1899 (CFP 9-20); Byron (CFP 9-52) e Carlyle (CFP 9-53) ambos de John Nichol publicados em 1902, e Shelley, de J. A. Symonds (1884) (CFP 8-532), sobre cujo autor existe uma segunda biografia, da autoria de Edward Dowden (CFP 9-24). O volume de Macaulay reúne ensaios literários publicados no periódico Edinburgh Review sendo o primeiro dedicado a Milton, de Agosto de 1825 (pp. 1-26), e exibe notas de leitura em 11 das suas 25 páginas. Fig. 21. MACAULAY (post 1890: 11). Pormenor (CFP 8-328). Na passagem destacada (p. 11) lê-se acerca dos deuses preferidos de Milton: aqueles da antiga geração, filhos do Céu e da Terra – comparados com os quais Júpiter não passaria de uma pequena criança –, os gigantes Titãs e as inexoráveis Fúrias. O ensaio de Macaulay pode ainda ter sido uma das referências para uma anotação que se encontra na p. 17 do exemplar pessoano de Milton, “use of names”.33 Fig. 22. MILTON (s.d.: 17). Pormenor (CFP 8-359). Para a questão da anotação no canto superior esquerdo, “CRA”, em relação com a propriedade do livro, ver FERRARI (2011: 32-33). Registe-se o facto curioso de as iniciais “CRA” (i.e., Charles Robert Anon) existirem na mesma marginália onde se regista a questão acerca de “use of names”. Até pelo menos meados de 1913 Pessoa utilizou a palavra “pseudónimo” para se referir aos autores fictícios por ele criados. O caso mais tardio desta nomenclatura no universo fictício pessoano seria o de Frederick Wyatt. [133G-10v; cf. FERRARI e PITTELLA, 2016: 226-301]. 33 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 23 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Na p. 6 do ensaio de Macaulay, este argumenta a favor da perfeita composição poética de Milton “change the structure of the sentence; substitute one synonym for another; and the whole effect is destroyed. The spell loses its power” e, no parágrafo seguinte, do uso dos nomes “scarcely any passages in the poems of Milton are more generally known or more frequently repeated than those which are little more than musterolls of names. […] they are charmed names. […] They produce upon us an effect wholly independent of their intrinsic value”.34 Fig. 23. MACAULAY (post 1890: 6) (CFP 8-328). O interesse de Pessoa pela questão do uso dos nomes pode ainda observar-se em três anotações inscritas no seu exemplar de Bell, Palgrave’s Golden Treasury of Songs and Lyrics: “incongruous; classical names in a | poem that is not in a | classical setting”, e em duas anotações posteriores que remetem para esta (cf. BELL, 1902: 73). 34 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 24 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Num texto acerca de Lycidas, Pessoa refere a questão do uso dos nomes como uma das características do génio de Milton: “Já aqui se notam os characteristicos fundamentaes do genio miltonico. Já aqui se vêem a majestade do stylo, o seu rhythmo severo e sereno, o uso dos nomes proprios como estimulo, evocativo como rhythmico, para a imaginação, o final, absolutamente calmo, como é de quem segue a grande tradição dos gregos” [BNP/E3 19-95r; cf. PESSOA, 1967: 324]. Na biblioteca pessoana sobre Milton encontra-se ainda um volume de William P. Trent (1899) John Milton: A Short Study of his Life and Works (CFP 8-552). W. Trent (1862-1939) foi um académico, editor e crítico norte americano que publicou antologias e ensaios acerca de diversos autores, entre os quais, e para além de Milton, Edgar A. Poe ou Macaulay. Este é, actualmente, o único exemplar de Trent na biblioteca. A obra terá sido adquirida já em Lisboa e a data de leitura foi estabelecida em c. 1908/1909 (Ferrari, 2012a: 236-237; 2012b: 17). Encontra-se assinado a tinta preta “F. Nogueira Pessôa.”. Fig. 24. TRENT (1899: 252-253) (CFP 8-552). Admirador dos métodos de composição de Milton, Trent escreve: “he innovated and experimented, and in short prefaces explained his methods of composition”. Estes prefácios foram consultados por Pessoa, como se pode concluir pela marginália deixada no verso da capa do exemplar de Milton. No final do excerto destacado na margem direita por um traço vertical (Fig. 24), lê-se: “the rules of his art had become a second nature to him and his taste was as perfect as a finite man’s can be.” No texto pessoano anteriormente referido acerca de Lycidas menciona-se Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 25 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia esta característica de escrever sem esforço “A composição do poema é perfeita, o seu desinvolvimento [sic] magnificentemente realizado. Nada parece haver que tenha esforço” [BNP/E3 19-95r; cf. PESSOA, 1967: 324]. De seguida apresentam-se alguns exemplos que se relacionarão com o método de composição pessoana nos textos que constituem a “Trilogia dos Gigantes” (Briareu, Livor e Tífon). A. J. Wyatt quotes the following passage from an anonymous author: “To analyse <the> Miltonic blank verse in all its details would be the work of much study and prolonged labour. It is enough to indicate the fact that the most sonorous passages commence and terminate with interrupted lines. Fig. 25. MILTON (s.d.: verso da capa) (CFP 8-359). Ao citar Milton e A. J. Wyatt, um académico britânico, reconhecido na altura pela sua nona tradução (com William Morris) de Beowulf, as observações pessoanas acerca das teorias de versificação não se situam a um nível superficial. Na margem, junto a um traço vertical que destaca os primeiros dez versos de L’Allegro, Pessoa anota: ‘Lines of 6 | syllables alternat|ing with lines of 10’ (MILTON, [s.d.]: 429). O que há a sublinhar nestas primeiras notas sobre a métrica do poema é a sua coexistência com referências a outros autores como Homero, Pope e Keats. Desde a admiração pela escansão (cf. Fig. 26) à reminiscência de um poeta nos versos de outro ou às preocupações estéticas, Pessoa forjou, ao longo dos anos, o seu estilo crítico, distinto e sólido. Num texto de 1935 intitulado “A Poesia Nova em Portugal”, Pessoa relacionará nomes de poetas portugueses contemporâneos com uma análise onde junta o Paradise Lost de Milton, a Ilíada e a Odisseia de Homero. No referido artigo, propõe-se identificar na poesia portuguesa “a novidade, quer em seu íntimo conteúdo, quer em sua expressão e modos dela” (PESSOA, 1967: 364). Para o efeito, indica, quer o conteúdo quer a expressão dessa poesia nova devem possuir como elemento comum um “individualismo absoluto” (PESSOA, 1967: 367), onde o poeta possa “exprimir inteiramente a sua alma, com tudo quanto nela se contém” (PESSOA, Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 26 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia 1967: 368). O exemplo magno desse “individualismo absoluto”, exposto de forma detalhada nas páginas seguintes (pp. 368-372) é justamente o Paraíso Perdido de Milton. A exposição do argumento onde defende o espírito absolutamente individual do poema miltónico é construído na comparação com os mestres de Milton (Homero, Virgílio, Dante ou Shakespeare) e, sobretudo, aquela que considera ser a sua influência mais directa, a Ilíada ou a Odisseia de Homero (p. 370). A análise comparada (em termos de pensamento, imagens, emoções, ritmo, p. 370, e estrutura, pp. 371-372), observa dois propósitos, inscreve o Paraíso Perdido na linhagem de outros grandes poetas de génio, ao mesmo tempo que reforça a tese segundo a qual é quando já não pertence a qualquer linhagem de influências que cada um desses poetas é inteiramente expressão individual, novidade, génio. O que o texto de 1935 explicita é o processo entre influência e originalidade, que Pessoa também forja nas páginas dos exemplares da sua Biblioteca Particular, no caso em apreço, o Paraíso Perdido. Fig. 26. MILTON ([s.d.]: 26-27) (CFP 8-359). Veja-se a indicação de cesuras Na página 47 (cf. Fig. 27) Pessoa sublinha os versos 583 e 584, um exemplo de “interrupted line” e “the sense variously drawn out from one verse into another”, como destacou no verso da capa. Trata-se de um exemplo de enjambment, uma unidade sintáctica interrompida onde o sentido passa de uma linha poética a outra. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 27 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 27. MILTON ([s.d.]: 47) (CFP 8-359). Linhas sublinhadas (Paradise Lost, Book II): Lethe, the river of oblivion rolls, Her watery labyrinth Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) Marginália: a fine line (liquid sound) The liquid sound extends to the other line [part of it] 28 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Em fonética, a palavra “liquid”, possui um som consoante no qual a língua produz um fechamento parcial na boca, resultando numa ressonância, uma consoante-vogal, como na pronúncia das letras “l” e “r” em língua inglesa. Na mesma página, na margem esquerda, Pessoa escreve: This is model representative versification because it seems to have come naturally from Milton’s pen; the words are perfectly natural & it seems that no other words could be used. Nothing is strained –– Por “representative versification” Pessoa entende que o verso faz o que diz, isto é, que o som na imagem construída pelo poeta se encontra nas letras das palavras escolhidas. No caso do verso em questão, trata-se do som do fluir das águas, evocado também na qualidade das consoantes “l” e “r” (“Lethe”, “river”, “oblivion”, “rolls”, “her” “watery” e “labyrinth”, isto é, em 7 das 9 palavras sublinhadas). Num texto póstumo de 1904-1905, Pessoa escreve sobre aquilo que denomina “representative versification”: Some little way back I have spoken of representative versification, and I think it here due to the reader to explain it. […] If the bard describe a waterfall in troubled numbers, why! he does but give us its sound, if in very smooth verses, ditto, only that he hears it from a distance of several miles. (13A-36r; FERRARI, 2012b: 364). Noutras palavras, trata-se de “descriptive verse” [verso descriptivo], como lemos numa nota marginal de Pessoa possivelmente de 1902, a respeito da prática de Virgílio: Fig. 28. VIRGÍLIO (1902: XXX). Pormenor (CFP 8-560). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 29 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Ou de “sound being an echo to the sense” [som sendo um eco do sentido], como Pessoa escreve também sobre um verso de Virgílio (cf. FERRARI, 2012b: 122-123). Fig. 29. VIRGÍLIO (1902). Verso da capa e primeira folha. (CFP 8-560). O cuidado do som ecoando o sentido pode encontrar-se em “Briareu”, em diferentes momentos, por exemplo, na utilização da sibilante “s”, numa fala onde está em questão o passar do tempo, do silêncio e/ou do vento “Rútilas vidas frias e distantes, | existências estranhas ao sentido”, a invocação de sombras e sonhos “são sombras e sombras de sombras, | quimeras, sonhos vãos”. A utilização do “r” e “s” para o deslizar de um barco no rio “como barco ◊ que rio abaixo | vai, arrastado da corrente calma, | pelos lugares das *margens sossegadas até ao vago,” [BNP/E3 111 B-17v], do “b” para o bater das águas “As algas, ◊ mortiças, flácidas, | batidas e abatidas pelas águas,” [BNP/E3 111 B-16v]. A voz de Júpiter é comparada ao som do trovão pela utilização do “s”, “r” e “t” “A voz de Júpiter diz | e abala o universo | com seu horríssono tronar | cheio de significação” [BNP/E3 111B-28r], “E um trovão que *tremendo o *ouvir de *troando | *espalhando a existência| de todo horror tendo Som.” [BNP/E3 111B-41r]. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 30 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia See below scan “sp’rit”. Elision. Fig. 30. MILTON ([s.d.]: 6) (CFP 8-359). A maior parte das anotações a lápis de carvão (ll. 116, 117, 119, 120-22, 124, 126, 127, 132-34) dividem sintagmas, mas a métrica sintagmática pouco revela sobre o ritmo do verso: os sintagmas no verso são idênticos aos da prosa e sem regulação específica. Estas anotações a lápis de carvão podem não ser contemporâneas Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 31 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia daquelas a tinta preta, muito provavelmente de 1904.35 “Sp’rit” indica que este substantivo ocupa uma única posição métrica (i.e., oitava). A anotação (“Elision”) refere-se à elisão em “glory extinct” (l. 141) (três posições métricas para quatro sílabas; registe-se que o “y” se encontra rasurado). II. Ecos de Paradise Lost na “Trilogia dos Gigantes”. Na página 8 do seu exemplar (Paradise Lost, Livro I, ll. 198-199), Pessoa sublinhou uma passagem relativa aos Gigantes, aqui referidos como Titãs, “Titanian, or earthborn, that warred on Jove, | Briareos, [or] Typhon” e adicionou, à margem, uma referência extrabibliográfica: Fig. 31. MILTON ([s.d.]: 8-9) (CFP 8-359). Margem esq.: See Vergil, Aeneid VI, 580 et seq.). Os sintagmas indicados por Pessoa a lápis, contemporâneos da sua tradução, são muito provavelmente parte do seu método para atingir a realização do decassílabo. Vejamos, por exemplo, o caso do verso 263 do livro I: “Better to reign” (4 silabas métricas em inglês), traduzido por “Reinar” (2 silabas métricas em português) | “in Hell” (2 silabas métricas em inglês), “no in-” (1 silaba métricas em português) | “than serve in Heaven” (4 ou 5 silabas métricas, dependendo do nome “Heaven” ser escandido enquanto monossilábico ou dissilábico), “-ferno que servir no céo” (7 sílabas métricas em português). 35 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 32 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Nos referidos versos de Virgílio, lê-se: “Hic genus antiquum Terræ, Titania pubes | Fulmine dejecti, fundo volvuntur in imo.” [“Here Earth's first offspring, the Titanic brood, | Roll lightning-blasted in the gulf profound;”] (Vergil, Aeneid, Livro VI, ll, 580-581; consultado on-line). A anotação revela a atenção de Pessoa tanto à genealogia do mito como do poema miltónico.36 Compare-se agora a utilização de “wakeful bird” em Paradise Lost e a referência ao “rouxinol” no fim do possível texto inicial de “Briareu”: É-me suave e doce o sentimento da existência e dos seres, seja a terra, a fresca terra audaz a *sorrir eternamente, onde estendo o corpo ◊, seja o céu distante e as estrelas que adoro; quer o mundo e essas *criações ◊ do universo, as flores e as brisas quando vêm despertar a andorinha deslizante, e o rouxinol que acorda o meu sonhar, Fig. 32. MILTON ([s.d.]: 66). Pormenor (CFP 8-359). Para além do recurso à ave madrugadora, atente-se no uso de sibilantes (e.g., “estrelas”, “flores”, “brisa”, “deslizante”), interrupção de linhas ou enjambment, aliterações (e.g. “suave” “sentimento”) e consonâncias (e.g., “seres, seja”). A Æneida não se encontra no catálogo actual da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, mas existe um exemplar de The Georgics of Virgil. Edited by S. E. Winbolt. London: Blackie & Son, 1902 (CFP 8560). Está assinado “F. A. N. Pessôa. | Durban High School. | February, 1904. | Form VI.”. Trata-se igualmente de um livro usado por Pessoa enquanto estudante em Durban. Encontra-se bastante anotado e sublinhado, exibe traduções do Latim para Inglês, anotações sobre aspectos técnicos da composição poética como a métrica e a utilização das cesuras, ritmo, som, e a utilização dos nomes (evidenciados através de traços, sublinhados e traduções). Muito provavelmente terá sido usado em simultâneo com o exemplar de Milton e com o volume já mencionado de Bell, onde Pessoa consulta e anota diversos poemas de Milton. Veja-se por exemplo, nas Georgics de Virgílio, Pessoa sublinha “narcissi lacriman” (verso 160). Na página 50, na nota ao verso lê-se “narcissi lacriman: cf. Milton’s Lycidas, 150, ‘And daffadillies fill their cups with tears’.” No exemplar de Bell (CFP 8-37) “daffodillies” encontra-se sublinhado e os versos 142-151 de Lycidas, para além de numerosos sublinhados foram destacados também por um traço vertical na margem esquerda. O verso da capa de Georgics exibe a anotação, já referida em vários locais e, também aqui, “Latin. | Examples of sound being an echo to the | sense: | Lines: 174 – Cyclops forging thunderbolts.” Este último refere-se ao verso descritivo ou versificação representativa. 36 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 33 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia A referência ao monte Etna aparece em Paradise Lost, Livro I, v. 233, “Of thundering Etna […]” e em “Briareu”, texto 14, “Etna”, nos textos 12, 14, 16, 17 e 19. Apresentam-se exemplos no texto 14 [BNP/E3 111 B-28 a 30]. 2º Semicoro Suas primeiras vozes troam prenunciadoras do horror inconcebido. Diz que o gigante Briareu durante toda a eternidade debaixo do monte Etna... 1º Semicoro Debaixo do monte Etna? Oh dor, oh horror! Eco Oh dor! Oh horror! 2º Semicoro Debaixo do monte Etna será eternamente sofrendo, eternamente morrendo, Fig. 33. MILTON ([s.d.]: 10) (CFP 8-359). “Of thundering Etna […]”. Em “Briareu”, texto 20 [BNP/E3 111 B-40 a 43], note-se a paisagem sonora em “Súbito | relâmpago enchendo os campos do infinito,” onde a posição do adjectivo produz um verso mais rápido e imagético: Súbito relâmpago enchendo os campos do infinito, ocupando o esforço com sua forma seres finitos, na sua luz mais horrorosa, ou qualquer sonho pávido faz os objectos todos desaparecer na sua luz intensa, na sua luz que no horror ocupando tudo, um momento eterno enche os corações numa luz imensa, ocupa o esforço inteiro e os corações imensos. Compare-se a simbologia das estrelas e a luz do texto em Paradise Lost, com “Briareu”, texto 1 [BNP/E3 111 B-17]: Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 34 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 34. MILTON ([s.d.]: 4-5) (CFP 8-359). “No light, but rather darkness visible”. 37 Fig. 35. MILTON ([s.d.]: 82-83) (CFP 8-359). “Stars distant […]”. Na página 5 (Fig. 34), lê-se, na margem direita, escrito a lápis de carvão, ”nem vem a esperança | Que a todos vem,” uma tradução parcial dos versos 66-67 “hope never comes | That comes to all;”. No espólio pessoano foram localizados três testemunhos do seu projecto de tradução de Paraíso Perdido, com datas de c. 1909, 1916 e c. 29-4-1924 (para mais informações sobre os documentos cf. nota 30). Esta tradução, nas primeiras páginas do poema, pode pertencer à primeira data deste projecto, ou seja, c. 1909. Para a transcrição da marginália, cf. Anexo. 37 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 35 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 36. MILTON ([s. d.]: 106-107) (CFP 8-359). “[…] glittering starlight […]”. Esta imagem das estrelas rutilando, encontra-se no decassílabo que abre a primeira fala de “Briareu”, uma fala escrita na linha de Milton, isto é, em verso branco e versos interrompidos onde não faltam as aliterações e o cuidado do som ecoando o sentido: a utilização da sibilante “s” numa fala onde se fala do passar do tempo e do silêncio. Briareu Rútilas vidas frias e distantes, existências estranhas ao sentido da nossa vida, frias solidões cujo silêncio desmedido desce em sonhos à nossa alma; estrelas tristes interpretando vaga e ◊ um sonho da nossa alma, uma saudade do nosso coração inconsciente; estrelas que nesta noite sem luar deixais cair do vosso afastamento a solidão; que misteriosamente de aspiração ungis a alma do ser. III. Charles Robert Anon, precursor da temática miltónica dos Titãs. No espólio de Pessoa (Biblioteca Particular e BNP/Espólio 3), Charles Robert Anon e Milton cruzam-se de diversas formas. Anon assinou os poemas “Ode to the Sea”38, [BNP/E3, 13-14r; cf. PESSOA, 1997: 172]. “The signature ‘Charles Robert Anon’ appears only in one part of the ‘Ode to the Sea’” (cf. [BNP/E3 13-14r]; PESSOA, 1997: 444.). Although absent in the other parts (none signed) of this ode, we attribute it to this literary personality. The same problem of attribution occurs with the ‘Ode to the Storm’. Given that the first stanza of ‘Ode to the Storm’ follows 38 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 36 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia “Ode to the Storm”39 e “Ode to Music”40, onde é notória a influência de “Hymn” na composição das estrofes (cf. FERRARI, 2012a: 15-39); curiosamente a assinatura de Anon existe numa das páginas de Milton: Fig. 37. [BNP/E3 13-14r]. Uma das assinaturas de Charles Robert Anon. Fig. 38. Milton ([s. d.]: 16-17) (CFP 8-359). CRA | use of names Como já referido, a presença das iniciais neste local do exemplar sugere, mais do que uma marca de posse (habitualmente nas guardas iniciais e, discutivelmente, também nas guardas finais), uma possível relação textual entre Anon e Milton.41 the same Miltonian format used in the antepenultimate and last strophes of the ‘Ode to the Sea’, and that we attributed it to Anon, it seems to us that in the ‘Ode to the Storm’ we must recognize the same author” (FERRARI, 2010: 10-11). Cf. “Pessoa and Borges” (FERRARI, 2015: 10-12). 39 [BNP/E3, 49B 2-91r]; PESSOA, 1997: 176, 448. 40 [BNP/E3, 13-12r]; PESSOA, 1997: 178-179, 451. Na mesma página, na margem direita junto a um traço vertical que destaca as linhas 420-422, lê-se “use of names” (Fig. 38). Esta anotação já foi anteriormente relacionada com a possível leitura do ensaio de Macaulay (cf. supra). Para a transcrição da página, v. Anexo. 41 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 37 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Em Abril de 1904, Anon assinou um soneto intitulado “The Fall of the Titan”.42 Fig. 39. [BNP/E3, 13-1r] (PESSOA, 1997: 421-423; FERRARI, 2012b: 369). Trata-se, provavelmente, do poema mais antigo da produção pessoana (texto em inglês assinado por Anon) no qual encontramos apontamentos prosódicos43. Inscrito numa folha solta, possivelmente pertencente a um caderno, manuscrita a tinta preta com intervenções a lápis de carvão, sublinhados e observações que revelam o cuidado e o domínio técnico com que foi forjado. A folha possui evidência de ter estado dobrada (horizontal e verticalmente). O soneto foi composto em hexâmetros iâmbicos (metro raramente utilizado por Pessoa na produção poética em língua inglesa), uma forma que imprime um ritmo mais lento que o pentâmetro ou metros menores e que se adequa ao conteúdo semântico: a queda do Titã. Encontramos, e é significativo, este tema destacado por Pessoa nas linhas 738-751 do Livro I de Paraíso Perdido que retrata a queda de Mulciber (pp. 27-28). Atente-se, por último, na semelhança do verso inicial do soneto pessoano “From night’s great womb”, com marginália no exemplar de Milton “No largo ventre da increada noite”, uma tradução pessoana da linha 150, Livro II, de Paradise Lost (p. 35). Existe um testemunho posterior deste texto com pequenas variantes, atribuído a Alexander Search, sob o título “The Death of the Titan” [BNP/E3 77-73r] publicado por João DIONÍSIO no volume V da Edição Crítica de Fernando Pessoa, Poemas Ingleses (PESSOA, 1997: 144 e 421-423). 42 Para mais informações sobre o soneto, a composição e relação com técnicas de Milton, veja-se FERRARI (2012b: 124-127). 43 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 38 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Na Trilogia são frequentes as palavras associadas à “queda” (“cair”, “caiu”, “abismo”) e à “noite” (“Noites lentas sem lua, noites calmas | da vossa escuridão contemplativa, | silentes noites em que eu sinto | roçar-nos lábios d’alma sedentos | a taça da beleza” [111 B-20]), “silêncio”, “dor”, “horror”, “trovão”, relâmpago”. Na introdução à edição de 2007 de Paradise Lost, a editora Barbara Lewalski argumenta que: In his Christian Doctrine Milton argued that all ideas or images of the incomprehensible God are necessarily metaphoric, but that they should correspond to the way God has presented himself in the Scriptures. Accordingly, he can present the God of Paradise Lost displaying a range of emotions (fear, wrath, scorn, dismay, love) as Jehovah does in the Hebrew Bible and its various theophanies […]. (LEWALSKI, 2007: xxiv) Ao longo dos 12 Livros de Paradise Lost encontram-se pelo menos 26 referências a “scorn” (desdém). Anon também faz uso desta característica em “The Fall of the Titan”: He fell; the startled earth, with frantic fury stung, Split, burst and broke; the air with rankling curses rung But in the sky the Sun still smilèd as in scorn! ... Também em “Briareu”: 2º Semicoro Já em seu *uso eterno as montanhas estão nos seus lugares. Mas porque param os obreiros? Porque juntos avançam todos como que preparando-se para trabalho mais violento que maior esforço exige? Oh horror! Oh horror! Para o Etna caminham e passam pelo estendido corpo silencioso, arquejante e dorido de Briareu gigante e sorriem desdenhosos, para o Etna avançando. No soneto de Anon, “The Fall of the Titan”, figura “glittering”: The lightning shrinks, the seas in roaring clangour splash; The giant sways, and now, with sudden thunderous crash, Falls, and the thronèd stars from glittering seats are torn... Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 39 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia E veja-se em “Briareu”: Briareu Rútilas vidas frias e distantes, existências estranhas ao sentido da nossa vida, frias solidões cujo silêncio desmedido desce em sonhos à nossa alma; estrelas tristes interpretando vaga e ◊ um sonho da nossa alma, uma saudade do nosso coração inconsciente; estrelas que nesta noite sem luar deixais cair do vosso afastamento a solidão; que misteriosamente de aspiração ungis a alma do ser. A imagem das estrelas frias e longínquas também aparece em “Tífon”, texto 5: Tífon Ó silêncio da noute negro e frio, pestanejar longínquo das estrelas, Ó noute, Em Paradise Lost, Livro I, linha 63 “No light, but rather darkness visible” (Fig. 34), e em “Briareu”, texto 16 [111 B-23 a 27]: Coro O dia infindo raia sobre a terra e a sua luz o negreja os destroços da alta coluna erguida até aos céus. Levantem-se inda lentos e aturdidos, contritos e ◊ os Titãs, salvo o gigante Briareu, que jaz caindo da extrema altura suma, aturdido, por léguas estirando-se da terra alegre sob o sol nascente. IV. Algumas observações prosódicas na trilogia. Em “Briareu” podemos observar como Pessoa tenta construir o decassílabo. Ver, por exemplo, a queda da vogal “e” na primeira variante do verso: “Nem me são <e>[↑‘]stranh<as>[↑os], nos jardins dos deuses | das deusas”: Fig. 40. “Briareu” [BNP/E3, 111 B-16r]. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 40 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 41. “Briareu”. [BNP/E3, 111 B-17]. De seguida escandimos estes oito versos indicando as sílabas métricas acentuadas e o tipo de decassílabo (Heroico [4-6-10]; Martelo [3-6-10]; Sáfico [4-8-10]): Rútilas vidas frias e distantes, existências estranhas ao sentido da nossa vida, frias solidões cujo silêncio desmedido desce em sonhos à nossa alma; estrelas tristes interpretando vaga e ◊ um sonho da nossa alma, uma saudade do nosso coração inconsciente;44 [1-4-6-10] [3-6-10] [4-6-10] [4-8-10] [2-6-8-10] [4-6-◊] [2-6-10] [6-10] No texto 11 de “Briareu” [BNP/E3 111 B-8 a 15], composto por versos de metros diversos, e.g., heroicos quebrados (6 silabas métricas) e octossílabos, observa-se o uso do dissílabo “Caiu” com recurso a anáfora, antes de fechar a fala com um heroico quebrado. Briareu Oh, Mãe, minha mãe adorada! Tu em quem só pensando turvam-se de ternura os meus olhos que te amam, oh minha mãe, não me demovas da empresa ardente e vasta, da guerra eterna ao Mal Por motivos rítmicos acontece um hiato em “cien”, (ci-en-te), o que faz deste caso um exemplo curioso de "representative verse". Este hiato pode ser interpretado como representativo do intervalo para o silêncio que desce desmedido para a alma (cf. verso 4). Seria necessário escandir toda a peça e identificar outras ocorrências (de hiato) com função semelhante (neste ou noutro texto) para afirmar com maior segurança que o hiato foi utilizado com essa finalidade por parte do autor. Em todo o caso, registamos a hipótese. 44 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 41 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia que tem o trono no Infinito, Jove o seu nome. Quem diz que ele é omnipotente Senão o terror do seu braço forte e avassalador? Mas força não *é *toda a força. Quem diz que ele é omnipotente? Antes dele havia Saturno, Saturno, Cronos, Tempo; E quem mais do que esse omnipotente julgaria? Mas um dia do seu trono, onde exaltado enchia a solidão com a sombra do seu poder, caiu. Caiu no abismo fundo “Briareu”, Texto 12 [111 B-32 a 35]. Nesta fala que abre com três tetrassílabos seguidos de um decassílabo heróico, encontramos o verbo cair (“Cai”) num único verso: *Coro Horror! Horror! Já lentamente, pesadamente, com horroroso esforço ao descobrir lentamente das mãos, dos centros de mãos, o monte lentamente sobre o gigante prostrado treme os músculos rígidos dos obreiros de Júpiter. O sol já o não vê, já está ele e o corpo do gigante Briareu, o monte Etna já quasi *tocando no corpo estendido, não o deixa ver a luz. E das mãos já rasgadas dos algozes passivos, da mão em sangue vêm destruindo com lentidão mais horrorosa do que rapidez *ruim o monte Etna descendo ao seu lugar eterno sobre o corpo prostrado do gigante Briareu. Já não se vê o corpo sob estreito espaço invisível, Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 42 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia entre ele e a base do monte que desce fica escuro tudo. De repente, das mãos em sangue dos obreiros cai, pouco esforço, o monte enorme e do seu peso enorme carregado enterra pela terra dentro, debaixo de si para sempre, o corpo que não pode morrer do gigante Briareu! “Briareu”, Texto 20 [111 B-40 a 43]. Também acontece com interjeições. Recurso de anáforas: “E” e “Na” e versos de diferentes metros (monossílabo [uma silaba métrica], trissílabo, quadrissílabo, pentassílabo, heróico quebrado, redondilha maior, octossílabo, etc.): Tudo que existe para ser muito de se sentir existir no *terror horroroso aonde a natureza e a vida e o ser, e o pensamento e o sentido vácuos se reúnem, esvaziados calam-se. Súbito relâmpago enchendo os campos do infinito, ocupando o esforço com sua forma seres finitos, na sua luz mais horrorosa, ou qualquer sonho pávido faz os objectos todos desaparecer na sua luz intensa, na sua luz que no horror ocupando tudo, um momento eterno enche os corações numa luz imensa, ocupa o esforço inteiro e os corações imensos. Os dois primeiros versos do “Fim” são claramente decassílabos: E uma eterna revolta sufocada Maior que Jove em seu poder, e mais Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) [1-3-6-10] (Martelo) [2-4-8-10] (Sáfico) 43 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 42. “Briareu”, Texto 23 [BNP/E3, 111 B-19v]. No terceiro verso (Sublime etern<al>/o\, <vasto> [↑ *ardente], e d’ †), trata-se muito provavelmente de um decassílabo, tendo o seguinte padrão rítmico até a cesura Sublime eterno, [...] [2-4] O padrão após a cesura poderia ser o do decassílabo heróico ou sáfico.45 * No presente artigo defende-se que a “Trilogia dos Gigantes” terá tido como uma das suas fontes mais directas o Paradise Lost de Milton, poeta cujos métodos de composição foram pormenorizadamente estudados por Pessoa em Durban, nomeadamente em 1904. Os documentos consultados mostram que a escrita de “Trilogia” terá estado nos planos de Pessoa durante bastante tempo e, pelo menos, a partir de c. 1913, mas a leitura relacionada com temas afins terá começado bastante mais cedo. Procurámos também demonstrar a existência de produção poética anterior relacionada com a questão dos mitos e o tema da queda, designadamente, através da figura autoral de Charles Robert Anon (“The Fall of Titan”). Os argumentos foram apresentados relacionando-se documentos provenientes do espólio de Pessoa em dois locais diferentes: BNP/Espólio 3 e marginália presente nos livros da Biblioteca Particular de Pessoa, à guarda da Casa Fernando Pessoa. Actualmente, a edição digital oferece a seguinte leitura: “sublime eterno, *ardente e daquilo”, cf. http://www.trilogiadosgigantes.com/autores. Consultado em 27/10/2021. 45 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 44 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia A marginália presente nos exemplares tratados é diversa: comentários estilísticos, linguísticos e de técnicas de composição poética que remontam aos anos de formação em Durban (Virgílio, Milton, Keats, Trent), crítica literária (Milton, Keats, Whitman), produção poética (Milton) ou tradução (Milton). Pelo contributo para o estudo dos processos de composição pessoana e, especificamente, para a génese da “Trilogia”, publica-se pela primeira vez na íntegra a marginália verbal presente no exemplar de Milton. Pessoa constrói a sua voz poética em simultâneo com a do tradutor e do crítico, e isto é possível identificar na marginália presente nos exemplares estudados. Das escansões às referências extra-bibliográficas, a marginália de Pessoa convoca uma constelação de vozes para ensaiar a(s) sua(s) e ganha amplitude ao ser relacionada com os numerosos testemunhos à guarda do espólio 3, de que o presente artigo é exemplo.46 No entanto, muito fica ainda por transcrever, datar, e estudar de maneira pormenorizada. De cada vez que um exemplar da Biblioteca de Pessoa e/ou um texto do Espólio 3 for transcrito, estudado e disponibilizado em livro impresso ou em edição digital, o mapa crítico destas constelações é enriquecido e a obra de Fernando Pessoa tornada mais universal. Muitos destes casos foram coligidos, por exemplo, por Pauly Ellen Bothe no volume de Apreciações Literárias (PESSOA, 2013) e, no que diz respeito à assídua pratica de Pessoa enquanto tradutor, no recente estudo de Claudia J. FISCHER e Patricio FERRARI (2020). 46 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 45 Anexo Transcrição da marginália verbal presente no volume de Milton, John [s.d.] The Poetical Works of John Milton. London: George Routledge and Sons. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO São reproduzidas todas as imagens do exemplar até ao Livro Segundo, de Paradise Lost, a partir do qual se reproduzem apenas imagens com anotações verbais. Estas são transcritas, excluindo-se apenas as anotações não-verbais (sublinhados, traços verticais, outros riscos), numerais ou escansões. A preto transcreve-se as anotações efectuadas a tinta preta; e a azul, aquelas efectuadas a lápis de carvão. No texto transcrito a utilização dos colchetes serve para desenvolver abreviaturas, acrescentos de ortografia ou outras intervenções. Os sublinhados são transcritos em itálico. No texto e nas notas de rodapé que contêm informação de natureza genética figuram os seguintes símbolos utilizados na edição crítica das obras de Fernando Pessoa da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e nas edições da Tinta-da-china. A estes foi acrescentado o símbolo |–|. LISTA DE SÍMBOLOS □ | * † // <> <> / \ <> [↑] [↑] [↓] [→] [←] |–| espaço deixado em branco pelo autor mudança de linha leitura conjecturada palavra ilegível hesitação do autor segmento autógrafo riscado substituição por superposição substituição por riscado e acrescento acrescento na entrelinha superior acrescento na entrelinha inferior acrescento na margem direita acrescento na margem esquerda traço separador Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 21. MILTON (s.d.: capa) (CFP 8-359). = Volume N.º 3 = “Milton himself says that ‘true <poetical> [↑ musical] delight consists only in apt numbers, fit quantity of syllables, and the sense variously drawn out from one verse into another’. A. J. Wyatt quotes the following passage from an anonymous author: “To analyse <the> Miltonic blank verse in all its details would be the work of much study and prolonged labour. It is enough to indicate the fact that the most sonorous passages commence and terminate with interrupted lines. etc etc Imagination Imagination Fig. 22. MILTON (s.d.: verso da capa e folha de guarda) (CFP 8-359).47 47 No verso da contracapa encontra-se a anotação “= Volume Number 3 =”. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 47 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 23. MILTON (s.d.: folha de guarda e de rosto) (CFP 8-359). <Simile> Fig 24. MILTON (s.d.: [iv] e [v]) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 48 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 25. MILTON (s.d.: vi, [vii]) (CFP 8-359). See Addison (“Spectator” Nº 303) Fig. 26. MILTON (s.d.: viii, 1) (CFP 8-359).48 À direita da anotação uma seta curva remete para a indicação “Book I”. A nota remete para o artigo de Joseph Addison acerca de Paradise Lost, publicado no número 303 do periódico Spectator [Sábado, 16 de Fevereiro de 1712], presente no volume que se encontra na Biblioteca Particular de Pessoa; 48 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 49 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 27. MILTON (s.d.: 2, 3) (CFP 8-359) 49 The tree of knowledge (Imitated by Pope. See Herein – Note 4. Page 27) Que ousára O omnip.[otente] provocar a guerra. Cp. Vergil. Aeneid VI., Lines 577-579. (See further on, next page). ADDISON, Joseph; STEELE, Richard (1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons, pp. 435438 (CFP 8-3) http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/8-3 Nesta página, Livro I, linha 34, Milton refere pela primeira vez como causa da queda do Paraíso “Th’ infernal Serpent”. No poema, é também designado por “Devil”, “Belzebu” ou “Satan”. Pessoa referir-se-á ao Diabo de Milton no texto “A Hora do Diabo”: Desde o principio do mundo que me insultam e me calumniam. Os mesmos poetas – por natureza meus amigos – que me defendem, me não teem defendido bem. Um – um inglez chamado Milton – fez-me perder, com parceiros meus, uma batalha indefinida que nunca se travou. Outro – um allemão chamado Goethe – deu-me um papel de alcoviteiro numa <tar>/xxx\ tragedia <sem grandeza>/de aldeia\. [277 W-18]; cf. PESSOA (2004: 56). 49 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 50 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 28. MILTON (s.d.: 4, 5) (CFP 8-359). See Below. see below. nem vem a esperança Que a todos vem, Bentley reads “and”.50 Cp. Vergil. Aeneid. VI., 577-579. Cp. with Penseroso: “Where glowing embers through the room Teach light to counterfeit a gloom”.51 Estudo da vingança, odio immortal, Brio em nunca ceder ou submetter Richard Bentley (1662-1742), editor de Paradise Lost: A New Edition. London, 1732. Trata-se de uma das edições de referência consultadas por Theodore Alois Buckley, editor do volume pertencente à biblioteca de Pessoa. As notas de rodapé de Buckley registam, entre outras informações, diferenças de leitura observadas nas várias edições do poema miltónico. Estas informações são muitas vezes reproduzidas por Pessoa no corpo da página, junto ao segmento de texto a que se referem. No caso em apreço, Pessoa sublinha e reproduz a informação que se encontra na nota de rodapé 3 da página 5. Outras vezes, como se observa na mesma página, sinaliza a existência de uma nota considerada relevante, por exemplo, através de “see below”. 50 Anotação inscrita junto a nota de rodapé 1, onde o editor esclarece acerca do uso, em Milton, da expressão “darkness visible” como correspondente da palavra “gloom”. São dados exemplos de usos de palavras e expressões com função semelhante – a de designar uma certa intensidade de luz que no meio da escuridão ainda possibilite alguma visibilidade – em outros autores: Seneca, Epist. lvii; 51 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 51 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia See below. See below. scan “sp'rit.” Elision. Fig. 29. MILTON (s.d.: 6, 7) (CFP 8-359). See below. See below. See below. See below. (See Vergil, Aeneid VI, 580 et seq.) Fig. 10. MILTON (s.d.: 8, 9) (CFP 8-359). Antonio de Solis, History of the Conquest of Mexico; Spenser, The Faerie Queene. Pessoa acrescenta à margem esta informação remetendo para os versos de Il Penseroso (Milton, [s.d.]: 435) onde Milton usa a palavra “gloom”: “Teach light to counterfeit a gloom”. Os versos de Il Penseroso neste exemplar não exibem marginália, contudo, a atenção de Pessoa à palavra e à expressão, aos seus usos e funções, é expressiva e, neste caso particular, pode encontrar-se ecos na escrita de “Briareu”, um dos textos pertencentes ao projecto intitulado “Trilogia dos Gigantes”, “O dia infindo raia sobre a terra / e a sua luz negreja os destroços” [http://www.trilogiadosgigantes.com/autores]; “Briareu”, texto 16 [111 B23 a 27], conforme se argumenta no presente artigo. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 52 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Reinar no inferno que servir no céo Respondeu, “chefe das preclaras hostes Que salvo o omnip.[otente] ninguem vencera em todos os assaltos O seu signal seguro, assumirão Nova coragem inda, posto estejam N’um lago de fogo abjectas Como até ora nós, atordoados: □ de tamanha queda.” antes Fig. 30. MILTON (s.d.: 10, 11) (CFP 8-359).52 Tal voz alçou tão alto, que echoou O ôco do orco profundo. Fig. 31. MILTON (s.d.: 12, 13) (CFP 8-359).53 Veja-se a alteração: “Que nem [↑ salvo]...”. Poderá faltar, embora não necessariamente, a tradução de uma palavra do verso (cf. “astounded and amazed”). 52 Notem-se as variantes: “Chamou tão alto [↑ Tal voz alçou], Que eccoou [↓ echoou] | O ôco do [↑ orco] profundo”. 53 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 53 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 32. MILTON (s.d.: 14, 15) (CFP 8-359). CRA use of names Nem presa nem serva de □ Nem fundada na força frágil de ossos Fig. 33. MILTON (s.d.: 16, 17) (CFP 8-359).54 “CRA” (i.e., Charles Robert Anon), no canto superior esquerdo da p. 17. Acerca da presença das iniciais desta figura pessoana nesta página de Milton ver, sobretudo, nota 33 do presente artigo. (Existe uma anotação ainda não decifrada na p. 16.) 54 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 54 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 34. MILTON (s.d.: 18, 19) (CFP 8-359). E o rei rebelde dobrou Esse peccado em B.[ethel] e em D.[an] BELIAL. Rimmon seguia56, □ anjo ameno nas ferteis margens D.[amascus] P.[harphar] A.[bbana] lucidos rios. Depois55 Blial veio, mais lascivo Do qual nenhum outro cahiu, nem mais grosseiro A amar o vicio por seu vicio: templo nem altar Tinha; mas quem □ a telling word. (Hazlitt).57 55 <Dep> Depois 56 Seguia-<o> [→ Rimmon], A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa conserva um exemplar da colecção de ensaios do crítico inglês William Hazlitt (1905) Hazlitt’s Essays: a selection. London: Cassell and Company (CFP 8-247), assinado e datado “F. A. N. Pessôa. | January, 1906.” 57 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 55 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 35. MILTON (s.d.: 20, 21) (CFP 8-359). Fig. 36a. MILTON (s.d.: 22, 23) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 56 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 17b. MILTON (s.d.: 23; pormenor) (CFP 8-359). Addison (Spec. 297)58 takes exception to this phrase59 Guerreado por cegonhas, De Phlegra com a raça □ Que em Thebas e Ilion, □ de cada parte □ C/[om] deuses auxiliares, e o que sôa Em fabulas □ E a que depois, infiéis ou baptizados, □ Marrocos, ou Damasco ou Trebizonda Ou quem Biserta d’Africa enviou Quando cahira □ Carlos Magno Em Fontarabia. Assim excedia Estas comparações humanas, ainda Assim olham □ temido commandante, This simile60 unites simplicity with beauty: the best & most striking kind of simile = We seem to see Satan. A nota da página 22 do livro The Poetical Works of John Milton remete para o artigo de Joseph Addison acerca de Paradise Lost, publicado no número 297 do periódico Spectator [Sábado, 9 de Fevereiro de 1712], presente no volume conservado na biblioteca de Pessoa, ADDISON, Joseph; STEELE, Richard (1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons, pp. 425-428 (CFP 8-3). A passagem destacada por Pessoa no volume de Milton é referida por Addison na página 427, do artigo indicado. http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/8-3 58 59 <remark> phrase 60 <image> [↑ simile] Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 57 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia depression Magnificent One of the most magnificent things in Milton Fig. 37. MILTON (s.d.: 24, 25) (CFP 8-359). wonder (weak) (strong) These are objectionable, being technical terms. Addison same as Vulcan. Famous passage – a beautiful simile. Fig. 38. MILTON (s.d.: 26, 27) (CFP 8-359).61 A anotação “same as Vulcan.” refere-se à palavra sublinhada (l. 740), “Mulciber”. Pessoa reproduz a indicação de correspondência dos nomes indicada na nota de rodapé 4, da mesma página. No documento intitulado “Caesurae in Milton’s fall of Mulciber”, datado de 1904-1905 [BNP/E3, 104A59r], Pessoa transcreve as linhas 738-751 (pp. 27-28), com indicação de cesuras. No exemplar pode observar-se que as respectivas linhas exibem um traço vertical na margem direita, a tinta preta. 61 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 58 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 39. MILTON (s.d.: 28, 29) (CFP 8-359). Como estr.[ela] cad.[ente] do zenith Sobre Lemnos, a i[lha] egêa, Assim Contam, errando; □ nem lhe valia □ seus62 despenhado com artifices no inferno e construir Mas dentro em si E em suas dimensões como elles mesmos 62 [↑ despenhado] com seus Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 59 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 40. MILTON (s.d.: 30, 31) (CFP 8-359). Tornado mais que desesp’rança63 A mais aspira, querer insaciavel64 em Com o céo guerra vã, nem por victoria Experiente ou □65 assim Suas altas imaginações: “Poderes, □ deidades do céo, Em alto throno regio, que em riqueza Excedia Ormus, Indo e onde o Oriente Com mão prodigiosa Perola e ouro barbaros derrama Está Satan66 por merito elevado67 A essa má eminencia; de desespero Some think “barbaric” refers to “Kings” Assim além da esperança já elevado, [↑ Do desespero até além da esperança] [↑ já elevado] [↑ Tornado mais que esp’rança] [↑ desesp’rança] 63 64 [↓ querer] insaciavel 65 <*ensinada [↑ †]> 66 Está <o que> [↑ Satan] 67 <†> [↑ elevado] Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 60 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 41. MILTON (s.d.: 32, 33) (CFP 8-359). Ergueu-se, o ms feroz e forte spirito Que no céo luctou, agora No desespero mais enfurecido. Em sua □ com o Eterno ser tudo Egual em força, e antes De que ser menos Nada ser; e perdido esse cuidado Seus medos: Deus, inferno, peor68 que houvesse Ou peor desprezo; assim fallo: 68 <†> [↑ peor] Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 61 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 42. MILTON (s.d.: 34, 35) (CFP 8-359). Milton has forgotten, when he makes Satan speak of the *hour as of death or extinction, that there is no death from out eternity and that Satan is immortal and is in truth in immortal region. nonsense.69 But it is very difficult to be correct in matters of high imagination! How true! As a human utterance this would have been magnificent No largo ventre da increada noite Cp Latin “impotens sui”. As três anotações efectuadas a tinta preta na parte superior da folha (margem superior, margem esquerda, e direita) foram rasuradas a lápis de carvão dando ocasião ao comentário “nonsense”. Este comentário parece aplicar-se aos três segmentos riscados. Das anotações a tinta preta localizadas na parte superior da folha, apenas o comentário “How true!”, referente aos cinco primeiros versos (Milton, Paradise Lost, Book II, ll. 146-150), não foi rasurado. 69 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 62 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 43. MILTON (s.d.: 36, 37) (CFP 8-359). Com atlanticos hombros □ □; o seu aspecto Faz attenção silente como a noite. E a sesta o verão, assim falla: Fig. 44. MILTON (s.d.: 38, 39) (CFP 8-359).70 Vejam-se algumas alterações: “o seu <olhar> [↑ modo] [↑ aspecto] | Faz audiente atenção como a noite [↓ Faz attenção silente como a | noite.]”. Refira-se que a palavra “silente” é usada nove vezes em “Briareu” e uma vez em “Tífon”, (cf. http://www.trilogiadosgigantes.com/autores) 70 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 63 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 45. MILTON (s.d.: 40, 41) (CFP 8-359). Fig. 46. MILTON (s.d.: 40, 41) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 64 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 47. MILTON (s.d.: 42, 43) (CFP 8-359). Fig. 48. MILTON (s.d.: 44, 45) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 65 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Do Lethe, rio do esquecer, deslisa Fig. 49. MILTON (s.d.: 46, 47) (CFP 8-359). Esperança fallaz ou armar o □ obduro Com couraça de paciencia71 Horrendo Styx Triste Acheronte □ negro e profundo C.[ocytus] de lamento □ chamando □ This is model reprea fine line (liquid sound). sentative versification The liquid sound extends because it seems to the other line [part of it]. to have come naturally from Milton’s pen; the words are perfectly natural & it seems that no other words could be used. Nothing is strained – Longe d’estes silente e vagaroso72 Não derretida mas amontoada A parecer ruina do edificio Antigo75 O73 acqueo labyrinto, d’um que bebe Seu anterior estado e ser deslembra74 Tanto alegrias como dôr esquece. Mais além um gelado continente Jaz negro e extranho açoitado De eternas tempestades, vento e pedra Com [↑ couraça de] paciencia Longe d’estes <um rio> <[↑ *um †]> [↑ silente e vagaroso] silencioso 73 [← Lethe a corrente do esquecimento /estende/] | <Seu>/O\ 74 <Esquece logo *ser □ ser> | Seu <ser e> [↑ anterior] estado| <anterior> [↑ e ser] deslembra 75 Primeira versão: “[← Que não derrete, mas q[ue] se amontou] | [← Parecendo ruina de castello] | [←Antigo]”. Nos versos alternativos, o segundo mudou: “*Q[ue] parece [↑ A parecer] ruina do 71 72 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 66 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 50. MILTON (s.d.: 48, 49) (CFP 8-359). [representative versification; not model but somewhat strained] Fig. 51. MILTON (s.d.: 50, 51) (CFP 8-359). castello [↓ edificio]”. Os versos “edificio |Antigo” são traduções de texto já na página 48, sem marginália: “Of ancient pile;” (Milton, Paradise Lost, Book II, l. 591). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 67 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 52. MILTON (s.d.: 52, 53) (CFP 8-359). Fig. 53. MILTON (s.d.: 54, 55) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 68 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Do solo ardente de Cyrene ou Barca,76 Si parva licet +c Georgics IV. Fig. 54. MILTON (s.d.: 56, 57) (CFP 8-359).77 Fig. 55. MILTON (s.d.: 58, 59) (CFP 8-359). 76 <*D’ardente> Do solo ardente Nota: “+c” é abreviatura de “etcetera”. Si parva licet componere magnis. “Locução latina que significa ‘se é lícito comparar as pequenas coisas às grandes’. Expressão de Virgílio, ao comparar o trabalho das abelhas ao dos ciclopes. Fonte: Virgílio, Geórgicas, IV, 176.” Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha, consultado em 13-10-2021; cf. “componere magnis”]. 77 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 69 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 56. MILTON (s.d.: 60, 61) (CFP 8-359). Fig. 57. MILTON (s.d.: 60, 61) (CFP 8-359). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 70 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 58. MILTON (s.d.: 128, [258]) (CFP 8-359). Paradise Lost. Notes on: Book II Lines 142-151.78 unworthy of an Epic 78 Lines <146 -> 142 - 151. [Última marginália em Paradise Lost.] Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 71 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia breathe Fig. 59. MILTON (s.d.: 358, 359) (CFP 8-359). Fig. 60. MILTON (s.d.: 412, 413) (CFP 8-359). anticipate, come before. Faults of the Nativity Ode are: (1) Inequality of treatment (2) Too gorgeous use of ornament (3) Weak & inappropriate ending. The conception & arrangement of the whole are very remarkable Mathew79 As observações registadas por Pessoa acerca da «concepção e composição» da ode On the Morning of Christ’s Nativity terão sido adquiridas no exemplar E. J. Mathew (1901) A History of English 79 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 72 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 61. MILTON (s.d.: 414, 415) (CFP 8-359). English Alexandrine].80 English Alexandrine81 English Alexandrine.82 Every word expresses fixedness. Literature. London: Macmillan (FERRARI, 2010), um título dado como extraviado da sua biblioteca particular (FERRARI, 2009: 212). Ferrari baseia-se na lista de “Obras em inglês constantes da biblioteca de Fernando Pessoa adquiridas durante a sua permanência em Durban” (cf. SEVERINO, 1983). 80 [<False> [↑ English] Alexandrine] 81 [<False> [↑ English] Alexandrine] 82 [<False> [↑ English] Alexandrine]. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 73 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 62. MILTON (s.d.: 416, 424) (CFP 8-359). English Alexandrine.83 Cf Ben Jonson Every word expresses fixedness. Lines of 6 syllables alternating with lines of 10. Trochaic inversion - 1st foot 1st Foot - trochaic inversion. 7 syllables. Trochaic. Fig. 63. MILTON (s.d.: 428, 429) (CFP 8-359).84 83 [<False> [↑ English] Alexandrine]. 84 Veja-se uma alteração: “<syllable> [↑ foot]”. Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 74 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia dressed, adorned. feed at large Note Ursa Minor (constellation). three-stringed fiddles. Fig. 64. MILTON (s.d.: 430, 431) (CFP 8-359). frizzled, crisped, curled. Cephalus (Note). gaudy. Fig. 65. MILTON (s.d.: 436, 437) (CFP 8-359). The accent should be in the last syllable Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 75 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Fig. 66. MILTON (s.d.: 453, 475) (CFP 8-359). (Note) since “courtesy” comes from “court”. Fig. 67. MILTON (s.d.: [483], 570) (CFP 8-359). This Sonnet reminds us somewhat of Keats (in his Sonnets).85 The End 85 Emenda de vírgula para parênteses, no último segmento, «Keats <,>/(\ in his Sonnets).» Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 76 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Char[les] Search Milton FPessôa FPessôa Milton Fig. 68. MILTON (s.d.: verso da contracapa) (CFP 8-359). Search Milton Milton. Milton Charles FPessôa FPessôa Charles Search Milton86 As storm on calm at length he spoke & broke87 the horrid silence with more horrid voice – Voice no – that he but laugh’d. A sudden dull Fell on my soul & fear my skin is poised And shook my limbs. A voice so terrible that if88 the dead the cold and rotting dead with eyeballs lustreless shown sudden speak A voice such theirs would be. The laugh did ring89 Along the palace whole – no madman *pens No horrid hay, no raven croaking hoars – His voice of doom at night could ever *reach Power so horrid, Pillar, hall90 and cave Echoed that voice enorm, and lacèd wall Echoed in Irony t' increase my fear. Sent91 a dull along my forehead Who am I? I am thyself Myself. Thyself indeed, oh happy man, Didst ever know that I am e’en thy self?92 Here do I suffer pains Thanox huge Regard me well – for I am e’en thyself thy very self. † me no *more, *I *see, = Volume Number 3 =93 Char[les] Search [→ Milton.] | <Milton> [→ <Milton> /Charles\] [→ F Pessôa] | F Pessôa | Milton [→ Search] [→ Charles Search] | Milton [→ Milton]. Fac-símile e transcrição dos exercícios de assinatura também em FERRARI (2015: 16). 86 As anotações nesta guarda final foram rasuradas, à excepção dos exercícios de assinatura: “<*deepest speak> [↑ spoke & broke]”. Os dois primeiros dois versos foram relacionados com passagem inicial acerca de Satã, “To whom th' Arch-Enemy, | And thence in Heav'n call'd Satan, with bold words | Breaking the horrid silence thus began” (Paradise Lost, Liv, I, ll. 81-83; cf. FERRARI, 2015: 16). 87 88 <even>/if\ 89 did [↓ ring] 90 <P>/h\all 91 [← Sent] 92 Cf. FERRARI (2015: 17). Margem esquerda, vertical, sentido ascendente: “As when the priests of some horrid | god †††† | something to sacrifice”. 93 Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 77 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Bibliografia AA.VV. Nelson's Encyclopaedia (1905-1907). London, Edinburgh, Dublin, Leeds, Paris, Leipzig, New York: Thomas Nelson and Sons. (CFP 0-16). ADDISON; Joseph; MORLEY, Henry; STEELE, Richard (1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons. (CFP 8-3). ANTUNES, Madalena Lobo (2016). “Fernando Pessoa: entre Milton e Shakespeare”. Estranhar Pessoa, Lisboa, n.º 3. BACON, Francis (1905). The Philosophical Works of Francis Bacon. Edited with an introduction by John M. Robertson. London: George Routledge & Sons. New York: E. P. Dutton. BELL, W. (1902). Palgrave’s Golden Treasury of Songs and Lyrics. London: MacMillan and Co. (CFP 8-37). BOTHE, Pauly Ellen (2007). “Algumas reflexões sobre o ritmo na poesia versilibrista de Fernando Pessoa: Alberto Caeiro e Álvaro de Campos”. 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Licenciada em Filosofia (2010) e Mestre em Filosofia Contemporânea (2012) pela Universidade de Évora. Bolseira de investigação no “Projecto de Edição das Obras Completas de Eduardo Lourenço”, Fundação Calouste Gulbenkian-Universidade de Évora (2010-2015). Autora de Metafísica da Revolução. Poética e Política no Ensaísmo de Eduardo Lourenço (2013) e cotradutora de O Nomear e a Necessidade, de Saul Kripke (2012). TERESA FILIPE received a PhD grant from FCT (SFRH/BD/118378/2016) in Textual Criticism with a project entitled “Study and Digital Edition of Fernando Pessoa’s Marginalia,” at the Center of Linguistics of The School of Arts and Humanities, University of Lisbon. She regularly publishes essays on Fernando Pessoa’s marginalia from his private library. She holds a BA in Philosophy, Minor in Translation (2010) and an MA in Contemporary Philosophy (2012), both at Universidade de Évora, Portugal. Research fellow at the project “Edition of the Complete Works of Eduardo Lourenço” funded by Fundação Calouste Gulbenkian-Universidade de Évora (20102015). Author of Metafísica da Revolução. Poética e Política no Ensaísmo de Eduardo Lourenço [Metaphysics of a Revolution. Poetics and Politics in Eduardo Lourenço’s essaysm] (2013). Cotranslator of O Nomear e a Necessidade [Naming and Necessity], by Saul Kripke (2012). ――― PATRICIO FERRARI é poeta, editor e tradutor literário (inglês, francês, italiano, português, espanhol). Deixou o seu Merlo natal (Buenos Aires) aos 16. Desde então, tem levado uma vida aunando literatura e línguas. Recebeu um mestrado em Literatura Comparada pela Université Sorbonne Nouvelle, um MFA em Poesia pela Brown University e um PhD. em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa. É responsável por sete edições de Fernando Pessoa, incluindo a primeira edição crítica dos Poèmes français (Éditions de la Différence, 2014). As suas edições e traduções mais recentes incluem The Galloping Hour: French Poems de Alejandra Pizarnik (cotraduzido com Forrest Gander; New Directions, 2018) e The Complete Works of Alberto Caeiro de Fernando Pessoa (coeditado com Jerónimo Pizarro e cotraduzido com Margaret JullCosta; New Directions, 2020). Publicou em The Paris Review, Lit Hub, Asymptote, Perfil, The Wire, entre outros. Ferrari mora na cidade de Nova Yorque e leciona na Rutgers University. Além disso, atua como diretor administrativo do San Patricio Language Institute (fundado pela sua mãe na Grande Buenos Aires em 1971) e colabora com a Endangered Language Alliance na cidade de NYC (uma organização sem fins lucrativos com foco na diversidade linguística em áreas urbanas em todo o mundo). PATRICIO FERRARI is a poet, editor, and literary translator (English, French, Italian, Portuguese, Spanish). He left his native Merlo (Buenos Aires) at the age of 16. Since then, he’s lived a life bridging literature and languages. He received a Master’s Degree in Comparative Literature from the Université Sorbonne Nouvelle, an MFA in Poetry from Brown University, and a PhD. in Portuguese Linguistics at the Universidade de Lisboa. He is responsible for seven Pessoa editions, including the first critical edition of his Poèmes français (Éditions de la Différence, 2014). His recent editions and translations include The Galloping Hour: French Poems by Alejandra Pizarnik (co-translated with Forrest Gander; New Directions, 2018) and The Complete Works of Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 82 Filipe & Ferrari Milton, Anon e Prosódia Alberto Caeiro by Fernando Pessoa (co-edited with Jerónimo Pizarro and co-translated with Margaret Jull-Costa; New Directions, 2020). His work has been featured in The Paris Review, Lit Hub, Asymptote, Perfil, The Wire, to name a few. Ferrari resides in New York City and teaches at Rutgers University. Additionally, he serves as Managing Director of San Patricio Language Institute (founded by his mother in Greater Buenos Aires in 1971) and collaborates with the Endangered Language Alliance in NYC (a non-profit organization focused on linguistic diversity within urban areas worldwide). Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021) 83