Milton, Anon e prosódia na Trilogia dos Gigantes
[Milton, Anon, and prosody in Trilogia dos Gigantes]
Teresa Filipe* & Patricio Ferrari**
Palavras-chave
Fernando Pessoa, Biblioteca particular, Charles Robert Anon, John Milton, Paradise Lost,
Trilogia dos Gigantes, Marginália, Prosódia.
Resumo
Neste contributo investigam-se possíveis referências do projecto pessoano póstumo
intitulado “Trilogia dos Gigantes” a partir da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa –
apresentam-se títulos que se debruçam sobre a mitologia grega e os Gigantes em particular.
Neste artigo, defende-se que a “Trilogia” tem como uma das fontes mais imediatas o Paradise
Lost de Milton, e Charles Robert Anon, como precursor da temática dos Gigantes. O artigo
inclui diversas imagens de exemplares da Biblioteca Particular e ainda, pela primeira vez, a
transcrição da totalidade da marginália verbal do volume The Poetical Works of John Milton.
Keywords
Fernando Pessoa, Private library, Charles Robert Anon, John Milton, Paradise Lost, Trilogia dos
Gigantes [Trilogy of the Giants], Marginalia, Prosody.
Abstract
This contribution focuses on possible sources to the posthumous Pessoan project entitled
“Trilogia dos Gigantes” [Trilogy of the Giants] based on extant books at Fernando Pessoa’s
Private Library––from titles concerning Greek mythology to others featuring a range of
Giants in particular. We argue that the “Trilogy” has Milton’s Paradise Lost as one of the most
immediate sources, and Charles Robert Anon, as a precursor to the theme of Giants in
Pessoa’s works. This article includes a selection of images from Pessoa’s Private Library as
well as the complete (previously unpublished) transcription of the verbal marginalia of the
volume The Poetical Works of John Milton.
* Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL). Bolseira FCT (SFRH/BD/118378/2016).
** Department of Spanish and Portuguese, Rutgers University-Newark.
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Este contributo1 procura identificar possíveis fontes e influências na “Trilogia dos
Gigantes”, um projecto que terá estado nos planos de Pessoa pelo menos de 1913 a
19302. São apresentadas listas editoriais pertencentes ao espólio do autor com
referência ao projecto. Da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, apresentamos
três enciclopédias com verbetes referentes aos Gigantes designados por Pessoa, e
três títulos que tanto pela sua temática como pela marginália aí registada mostram
o interesse pela questão da apropriação dos mitos nas tradições grega e romana e,
mais tarde, pela modernidade. De seguida, defende-se que a génese de a “Trilogia
dos Gigantes” tem como uma das fontes mais imediatas o poema Paradise Lost de
Milton, por um lado, e por outro um texto de Charles Robert Anon, como precursor
da temática miltónica dos Gigantes. Publica-se ainda, pela primeira vez, a
transcrição da marginália verbal do volume The Poetical Works of John Milton. Nas
citações dos textos atribuídos à “Trilogia” utilizamos a transcrição estabelecida por
Filipa Freitas e Jerónimo Pizarro.3 Os documentos mencionados no artigo são
acompanhados da respectiva cota pertencente ao Espólio 3 da Biblioteca Nacional de
Portugal [BNP/E3]4. A sigla (CFP) é atribuída à cota dos livros pertencentes à
Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, à guarda da Casa Fernando Pessoa.5
Este contributo resulta das comunicações efectuadas pelos dois investigadores no colóquio
internacional O Teatro de Fernando Pessoa. Trilogia dos Gigantes, promovido pelo Centro de Estudos de
Teatro da Universidade de Lisboa, no dia 31 de Maio de 2019. Gostaríamos de expressar a nossa
gratidão a Filipa Freitas pelo convite ao colóquio. A Teresa Monteiro e José Correia, funcionários da
Casa Fernando Pessoa, pelo empenho na disponibilização de recursos e materiais bibliográficos para
a realização deste artigo. A Jerónimo Pizarro pela constante e generosa atenção com que acompanhou
a escrita deste texto e a transcrição da marginália no exemplar pessoano de Milton.
1
O intervalo temporal de quase duas décadas, assim como as diferenças registadas no planeamento
do projecto textual reunido sob a designação “Trilogia dos Gigantes”, é representativo de duas características
do processo criativo de Pessoa: a constante reescrita e reorganização. A este propósito, atente-se, por
exemplo, como no texto de apresentação do volume dedicado ao Teatro Estático, os editores Filipa
Freitas e Patricio Ferrari referem, a propósito de O Marinheiro (texto cuja produção, publicação e
reescrita é coincidente com o intervalo de tempo da Trilogia) “[d]e um modo que também é comum
na obra pessoana, O Marinheiro foi pensado e repensado pelo autor até quase ao final da sua vida”
(PESSOA, 2017: 11-12). Sobre a datação e génese de O Marinheiro, veja-se FISCHER (2012).
2
Os textos encontram-se disponíveis (com transcrição diplomática e actualizada) em edição digital
http://www.trilogiadosgigantes.com/autores. A edição encontra-se em permanente actualização pelo
que podem registar-se alterações na transcrição.
3
O espólio de Fernando Pessoa integra os fundos da Biblioteca Nacional desde Outubro de 1980,
tendo passado à tutela do ACPC em Janeiro de 1981, sendo o terceiro espólio a integrar os fundos da
BNP (http://acpc.bnportugal.gov.pt/espolios_cotas.html); foi precedido pelos espólios de Eça de
Queiroz e Luís de Magalhães. Para a história do espólio pessoano (Biblioteca Nacional e Casa
Fernando Pessoa), veja-se: DIONÍSIO (2021: 17-22); CELANI (2020); PIZARRO e FILIPE (2020: 230-349).
4
Os títulos da biblioteca de Pessoa foram reunidos em PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO (2010). Em
http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/aut/index.htm todos os títulos, à excepção
daqueles protegidos por direitos de autor, que se mantêm sob consulta reservada.
5
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Milton, Anon e Prosódia
A “Trilogia dos Gigantes”
O Espólio 3 da Biblioteca Nacional de Portugal conserva diversos documentos com
referência ao projecto intitulado “Trilogia dos Gigantes”. Numa lista editorial
localizada num caderno de notas com as cotas [BNP/ E3 144E-1 a 11], datado de c.
19136 (Fig. 1), a identidade do terceiro Gigante não se encontra definida.
“Poema do Paganismo.”
“Os Gigantes” (Trilogia): 1. “Briareu.”
2. “Livôr.”
3. □
“Outro Fausto” – Tragedia subjectiva.
Fig. 1. [BNP/E3, 144E-4r]. Pormenor.
Em c. 1915, o projecto aparece em 6.º lugar numa lista manuscrita, com a
inclusão de “Encelado”, “Trilogia dos Gigantes – (Briareu. Encelado. Livor).”7, sendo
substituído em c. 1920, “Trilogia dos Gigantes: Briareu. | Typho. | Livôr.” [BNP/E3
144G-38r] (PESSOA, 2010: 549). O projecto continuará a aparecer em diversas listas e
em c. 1930, uma lista de projectos [sem cota] exibe o nome de apenas um dos
Gigantes com uma interrogação em relação aos restantes “Briareu (etc?)”8.
Três enciclopédias
A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa possui três enciclopédias com descrições
dos Gigantes. A mais antiga destas enciclopédias intitula-se Dictionnaire encyclopédique
d'histoire, de biographie, de mythologie et de géographie de Louis Grégoire, tendo sido
publicada em Paris pelo editor G. Frères em 1874 (CFP 9-33). Possui no verso da capa
o selo da livraria Ferin, de Augusto Ferin, em Lisboa, onde terá sido adquirida.9 Não
está assinada nem datada e exibe poucas marcas de uso. Apesar de não terem sido
objecto de qualquer destaque, os nomes dos Gigantes aparecem nesta enciclopédia,
Os cadernos podem ser consultados na secção “Cadernos” do portal da Biblioteca Nacional Digital:
http://purl.pt/1000/1/cadernos/index.html. Para transcrição de [144E], ver PIZARRO (2007: 162-163).
7 [BNP/E3 144C-11r] Fac-símile e transcrição em PIZARRO (2009: 283 e 576).
6
Lista de projectos, manuscrita, sem cota, publicada e transcrita em PESSOA (2010: II, 537). Na p. 536,
informa-se que a lista pertencerá ao primeiro trimestre da década de 1930, e que se encontra em poder
dos sobrinhos-herdeiros de Pessoa.
8
Para mais informações sobre livrarias lisboetas onde Pessoa adquiria os seus livros, ver o texto
assinado por Antonio Cardiello sob o título “Selos”, publicado no site da Casa Fernando Pessoa:
http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/selos.htm.
9
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designadamente, na p. 316, “Briarée” [Briareu], nome que surge em todas as listas
referidas onde figura a “Trilogia” assim como no manuscrito [BNP/E3 111B-17]
intitulado “Briareu” (http://www.trilogiadosgigantes.com/autores).
Fig. 2. GRÉGOIRE (1874: 316). Pormenor (CFP 9-33).
[Briareu ou Ægæon,10 gigante de 100 mãos e 50 cabeças, filho do Céu e da Terra. Com os seus
irmãos revolta-se contra Júpiter, que os precipitará sobre um abismo; após o que lhes pedirá
auxílio contra os Titãs, figuras com as quais os poetas latinos muitas vezes os confundiram.]
Na p. 677 do Dictionnaire encyclopédique, encontra-se “Encelade” [Encelado],
nome que figura na lista editorial localizada em [BNP/E3 144C-11r], datada de c.
1915, e no manuscrito [BNP/E3 116E-1].
Fig. 3. GRÉGOIRE (1874: 677). Pormenor. (CFP 9-33).
Segundo a entrada do dicionário, [“Encelado”, filho de Tártaro e da Terra, foi um
dos Titãs que se revoltou contra Júpiter. Foi atingido por um relâmpago e mantido preso sob
o peso do vulcão Etna. Os seus movimentos são associados aos solavancos da montanha, a
sua respiração ao fogo, fumo e matérias vulcânicas.]11 Na p. 1938, “Typhée” [Typho,
Tífon], é descrito como um [gigante de cem cabeças, filho de Tártaro e da Terra, que obriga
os deuses a refugiarem-se no Egipto sob a figura de animais. Júpiter enterra-o sob o Etna. É
As traduções são nossas. “Briarée ou Ægæon, géant à 100 mains et à 50 têtes, fils du Ciel et de la
Terre, se révolta avec ses frères contre Jupiter, qui les précipita dans un abîme ; puis les appela à son
aide contre les Titans, avec lesquels les poètes latins les ont souvent confondus”.
10
“Encelade, fils du Tartare et de la Terre, fut un des Titans qui se révoltèrent contre Jupiter. Il fut
foudroyé et maintenu à terre par le poids de l’Etna. Ses mouvements produisaient les secousses de la
montagne, et sa respiration lançait le feu, la fumée et les matières volcaniques”.
11
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pai de Gerião e de Cérbero.]12 “Typho” é o nome que surge na lista de c. 1920 [BNP/E3
144G-38r] e “Tífon”, o nome pelo qual surge no manuscrito [BNP/E3 1113 T-2] e
[BNP/E3 1113 T-3]. Abaixo de “Typhée” encontra-se o verbete “Typhon”, que aqui dá
nome a um [deus do antigo Egipto, deus do mal, das trevas e da esterilidade.]13
Fig. 4. GRÉGOIRE (1874: 1938). Pormenor (CFP 9-33).
The Nuttall Encyclopaedia of Universal Information, editada por James Wood, foi
publicada em 1900 pela editora Frederick Warne & Co., em Londres (CFP 0-48).14
O exemplar pessoano da Nuttall terá sido adquirido c. 190315 em Durban e
exibe numerosas marcas de leitura, entre as quais, um sistema de cruzes e espirais
que distingue entre pessoas reais e fictícias, até agora único na Biblioteca Particular.
A enciclopédia conta com entradas relativas aos Gigantes, que não se encontram
destacadas. Na p. 93, sem anotações, encontramos:
“Typhée, géant à cent têtes, fils du Tartare et de la Terre, força les Dieux du ciel à se cacher en
Egypte, sous la figure d’animaux. Jupiter le foudroya et l’ensevelit sous l’Etna. Il est le père de Géryon
et de Cerbère”.
12
13
“Typhon, dieu de l’ancienne Égypte, était le dieu du mal, des ténèbres, de la stérilité”.
Esta editora foi fundada em Julho de 1865 por Frederick Warne (1825-1901) na sequência da
dissolução da sociedade que mantinha com o cunhado e também editor George Routledge. Nesse
mesmo ano, este último fundou a George Routledge & Sons. Warne, que detinha os direitos de autor
de Peter Austin Nuttall (1792/3-1869), particularmente famoso pelos seus dicionários, foi publicando
sucessivas edições revistas destes, e produziu, com James Wood, a enciclopédia que ostenta o nome
daquele. As entradas da enciclopédia são geralmente breves e registam nomes de personalidades,
lugares, bem como, de algumas personagens fictícias. Curiosamente, um dos autores fictícios criados
por Pessoa em Julho de 1903 leva o apelido de Austin (cf. PESSOA, 2016: 113-118).
14
Para a datação veja-se o caderno [144R-22v] que contém exercícios de assinatura de Charles Robert
Anon, junto a livros pretendidos, entre os quais The Nuttall. Este caderno exibe, nas suas primeiras
páginas, textos de O Palrador, nº 1, Julho de 1903; cf. PIZARRO (2007: 17). Para a discussão acerca da
datação, ver também FERRARI (2009: 181 [1904]; 2017: 121, nota de rodapé 6 [1901-1902]).
15
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[Briareus ou Briareu, Uranide com 50 cabeças e 100 braços (nesta descrição não são mãos), filho de Urano
e Gaia, isto é, do Céu e da Terra, lançado ao mar por Poseidon e enterrado sob o Etna; foi depois salvo por
Zeus para o auxiliar na luta contra os Titãs; de acordo com outro relato, um dos Gigantes (quo vide).]16
De acordo com o relato na Nuttall, Briareu é um Titã e não um Gigante. No final da
entrada somos precisamente dirigidos para consultar a diferença entre Gigantes e
Titãs. Na p. 277, na entrada “Giants”, pode ler-se:
[Na mitologia grega são muitas vezes confundidos com os Titãs, contudo, são destes distintos. Pertencem
à terra possuindo apenas grande estatura e força, pelas quais julgaram poder destronar Zeus, que, com
o auxílio de Hercules os derrotou e enterrou sob o Etna e outros vulcões, condenados a aí continuar a
sua impotente luta.]17
Na descrição dos Titãs, na p. 652, estes, na mitologia grega,
[(...) são filhos de Urano e Gaia, possuem força gigante e pertencem à dinastia anterior a Zeus, e contra
ele se revoltaram e esperaram alcançar o céu empilhando montanha sobre montanha, tendo sido vencidos
pelos relâmpagos de Zeus. Foram condenados a habitar o limbo, o ponto mais baixo das profundezas do
Tártaro. Representam as forças primitivas da natureza e com igual relutância são submissos à ordem do
mundo estabelecida por Zeus. Símbolos de um esforço vão se a subversão da ordem celestial for tentada
apenas pela força. Não devem ser confundidos com os Gigantes, nem com a sua descendência, que
alcançaram a sabedoria a partir da derrota de seus pais. Prometeu, um dos seus, representa a ideia
segundo a qual o mundo foi feito para os homens e não os homens para o mundo, e que todos os poderes
existentes no mundo são para benefício dos homens.]18
Registe-se que apesar da diferença genealógica entre Gigantes e Titãs, uns
humanos e outros divinos, ambos lutam pela subversão da ordem estabelecida.
Diferenciam-se nas armas empregues no combate, uns a sabedoria e outros a mera
força, mas todos se encontram condenados a uma luta vã contra a força detentora
da ordem, Zeus, ou na tradição latina, Júpiter.
“A Uranid with 50 heads and 100 arms, son of Ouranos and Gaia, i.e. Heaven and Earth, whom
Poseidon cast into the sea and buried under Etna, but whom Zeus delivered to aid him against the
Titans; according to another account, one of the Giants (quo vide)”.
16
“In the Greek mythology often confounded with, but distinct from, the Titans (q.v.), being a mere
earthly brood of great stature and strength, who thought by their violence to dethrone Zeus, and
were with the assistance of Hercules overpowered and buried under Etna and other volcanoes,
doomed to continue their impotent grumbling there”.
17
“In the Greek mythology sons of Uranus and Gaia, beings of gigantic strength, and of the dynasty
prior to that of Zeus, who made war on Zeus, and hoped to scale heaven by piling mountain on
mountain, but were overpowered by the thunderbolts of Zeus, and consigned to a limbo below the
lowest depths of Tartarus; they represent the primitive powers of nature, as with seeming reluctance
submissive to the world-order established by Zeus, and symbolise the vain efforts of mere strength
to subvert the ordinance of heaven; they are not to be confounded with the Giants, nor with their
offspring, who had learned wisdom from the failure of their fathers, and who, Prometheus one of
them, represented the idea that the world was made form man and not man for the world, and that
all the powers of it, from highest to lowest, were there for his behoof”.
18
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“Enceladus” [Encelado] é descrito como um dos mais importantes Gigantes na
história da revolta contra Zeus (WOOD, 1900: 222). Tendo fugido para a Sicília,
Encelado terá sido atingido por um relâmpago e enterrado sob o Etna cujas violentas
erupções passaram a ser atribuídas à respiração do Gigante, e os tremores de terra
aos seus movimentos. Encelado é um símbolo da luta cega, muitas vezes, impotente,
contra qualquer força opressiva.19 Na p. 661, “Typhon”, é descrito de modo semelhante,
como um Gigante que cospe fogo, tendo sido atingido por um relâmpago de Júpiter
e enterrado sob o Etna. A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa possui cinco
volumes da Nelson's Encyclopaedia (1905-1907) (CFP 0-16), seriam 12 no total, que
terminam no final da letra “C”, só sendo possível encontrar referência a “Briareus”
(p. 276, do volume IV). Todos os volumes, com excepção do volume V, exibem o selo
da livraria M. Lewtas & M. Taboada Booksellers, situada na Rua do Arsenal 144 em
Lisboa, onde terá sido adquirida.
Fig. 5. Nelson's Encyclopaedia. [1905]. Vol. IV, p. 276. Pormenor (CFP 0-16).
Na referida página “Briareus, or Ægæon” é descrito como Gigante, filho de Uranos e
Gaia, com cem mãos e cinquenta cabeças, que ajudou Zeus a derrotar os Titãs e foi guarda
destes quando prisioneiros no Tártaro.20
Outros títulos da Biblioteca Particular com referência aos Gigantes
Para além das enciclopédias, onde Pessoa poderá ter consultado as diferentes
descrições dos Gigantes, a sua biblioteca revela uma vasta bibliografia clássica21
“[...] one of the chief giants that revolted against Zeus, and who, as he fled and took refuge in Sicily,
was transfixed by a thunderbolt, and buried under Etna. The fiery eruptions of the mountain are his
breath, and the shaking of it ascribed to his shifting from one side to another. In the latter regard he
serves in literature as the symbol of a blind, often impotent, struggle to throw off some oppressive
incubus”.
19
“Son of Uranus and Gæa, a giant with a hundred hands and fifty heads who helped Zeus to conquer
the Titans, and guarded them when imprisoned in Tartarus”.
21 Na Biblioteca Particular são vários os vestígios que testemunham o interesse de Fernando Pessoa
pelos autores (e mitos) clássicos gregos e latinos. Para além dos numerosos títulos adquiridos e da
marginália aí existente, algumas destas edições apresentam, nas suas páginas finais, catálogos que
20
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onde se surpreende a apropriação dos mitos dos Gigantes em diferentes autores. De
seguida apresentamos alguns exemplos.
Fig. 6. Três títulos com referência aos Gigantes.
Da editora britânica de William Heinemann, fundada em 1890 e responsável
pela publicação de muitas das traduções dos clássicos gregos e latinos para língua
inglesa na colecção Loeb Classical Library, a biblioteca de Pessoa guarda três títulos
onde encontramos referências aos Gigantes. Na Argonautica de Apollonius Rhodius
(CFP 8-11), Amycus, rei dos Bebrices, é comparado ao “sinistro Typhoeus, senão
mesmo a Terra tal como era na sua fúria contra Zeus”.
Fig. 7. RHODIUS (1912: 105). Pormenor (CFP 8-11).
No volume The Odes of Pindar (CFP 8-438), “Typhon” surge como “aquele que
o filho de Cronos, Zeus, mantém debaixo do Etna” e “jaz no terrível Tártaro, inimigo
dos deuses, Typhon com as suas 100 cabeças” (pp. 43 e 157 respectivamente), e,
exibem marcas de preferência, provavelmente, como indicação de títulos a adquirir. Veja-se, por
exemplo, um destes casos, em: Adams, Ernest (1893) The Elements of the English Language. London:
George Bell and Sons (CFP 8-665). Trata-se de um dos últimos títulos doados à Casa Fernando Pessoa.
http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/index/aut/A/adamsernestw.htm
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linhas abaixo, é designado como “monstro que lança do alto as mais temíveis
montanhas de fogo, uma terrível maravilha de ser contemplada”.
Fig. 8. PÍNDARO (1915: 43). Pormenor (CFP 8-438). Sublinhados nossos.
Fig. 9. PÍNDARO (1915: 157). Pormenor (CFP 8-438).
Contemporâneo de Horácio e Virgílio (autores também representados na
biblioteca de Pessoa), Ovídio retrata nos seus poemas questões relacionadas com os
mitos gregos e o modo como foram incorporados na literatura romana. No exemplar
pessoano de Heroides and Amores, encontramos descrições de “Typhois, de
Typhoeus, gigante enterrado sob o Etna” (Index de Heroides, p. 518); “Encelados”
(Index a Amores, p. 520), descrito como o gigante que lutou contra Jove; e uma
referência a “Livor” (Index a Amores, p. 521).
Fig. 10. “Typhois, of Typhoeus”, OVÍDIO (1914: 518). Pormenor. (CFP 8-403).
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Fig. 11. “Encelados”, OVÍDIO (1914: 520). Pormenor (CFP 8-403).
Fig. 12. “Livor”, OVÍDIO (1914: 521). Pormenor (CFP 8-403).
Note-se que “Livor” foi traduzido para “Envy” (Amores, Livro I, capítulo XV, linhas
1 e 39).
No manuscrito pessoano, Livor, irmão de Briareu, Encilado e Tífon, é, entre
os Gigantes, aquele que sente “o tédio imenso do mundo” [BNP/E3 119-Liv-2], a
inutilidade da acção, o absurdo de ser.
A ânsia absurda e agoniada
De não ter por lugar do nosso ser
O nosso próprio ser – o desejo
De ser outramente outro, alheio
De qualquer modo outro mesmo nosso.
◊ a pesada mágoa
Do eterno ser-hoje e estar-aqui.
(Livor, 17 [BNP/E3 119-Liv-22], datado de 9-3-[19]11)
Fig. 13. “Livor – Envy”, OVÍDIO (1914: 376-377) (CFP 8-403). Marcas nossas.
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Veja-se agora o exemplo de três títulos que reflectem o interesse de Pessoa
pela questão da apropriação dos mitos pela modernidade.
Fig. 14. Três títulos com referência aos mitos.
Se atentarmos na assinatura na folha de guarda inicial, “Fernando Pessoa”
(sem acento circunflexo), entre os 3 títulos agora apresentados, o exemplar de R. W.
Livingstone, The Greek Genius and Its Meaning to Us, (CFP 9-46), terá sido o último a
ser adquirido.22 A frase sublinhada na p. 41 destaca uma ideia segundo a qual o
pensamento moderno se apropria e transforma o clássico. No caso em apreço,
Livingstone reflecte acerca da influência de Sappho em Byron, “o clássico fornece o
texto, o moderno explica-o”.23
Fig. 15. LIVINGSTONE (1915: 41). Pormenor (CFP 9-46).
Em carta a Armando Côrtes-Rodrigues de 4 de Setembro de 1916, Pessoa informa da decisão de
deixar cair o acento circunflexo pois considera “publicar umas cousas em inglez” e “o inutil ^ [...]
prejudica o nome cosmopolitamente” (PESSOA, 2009a: 400).
23 Richard Winn Livingstone (1880-1960) foi um académico britânico, editor da Classical Review (19201922), e ocupou o cargo de Vice-reitor da Universidade de Oxford (1944-1947). Promoveu o ensino
dos estudos clássicos e produziu diversas obras onde defende a genialidade do espírito grego e do
Helenismo.
22
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Na edição que Pessoa adquiriu, Livingstone, tendo sido acusado por alguns críticos
de realizar uma comparação injusta entre a literatura grega e inglesa, com o objectivo
de demonstrar a superioridade da primeira, procura retratar-se destas críticas
fazendo algumas alterações ao texto como explica numa nota (cf. p. [3]). Na
Biblioteca de Pessoa, Livingstone é um autor representativo da defesa dos ideais
helenísticos e, como tal, envolvido na discussão acerca do Cristianismo. Reflectindo
acerca do valor da vida, Livingstone escreve “[i]f there is anything permanent in
Christianity it is the certain persuasion that the world is not an adequate theatre for
man, nor he capable of reaching the perfection of his nature unaided” (LIVINGSTONE,
1915: 123). Pessoa destacou esta ideia com um traço vertical abaulado e inscreveu à
margem, “N[ota] B[ene]”. Páginas adiante, numa súmula do espírito grego, o
classicista inglês continua: “it is the spiritualization of what is earthy, the idealism
of common things, that is typical of the Greek” dando ocasião ao comentário
marginal de Pessoa, “excellent” (LIVINGSTONE, 1915: 127).
Meses antes, Pessoa terá adquirido o seu exemplar de Leaves of Grass de Walt
Whitman, um dos poetas anglófonos mais lidos e relidos por Pessoa.24 Publicado em
1909, em Londres, pela Cassell and Co., terá sido adquirido em 16 de Maio de 1916,
conforme inscrição na folha de guarda inicial, onde ainda se verifica o uso do acento.
Figs. 16a e 16b. (esq.) “Fernando Pessoa” em LIVINGSTONE (1915). Folha de guarda inicial;
(dir.) “Fernando Pessôa 16.5.1916.” em WHITMAN (1909). Folha de guarda inicial.
Na p. 139, numa passagem do poema “Salut au Monde!”, um verso sublinhado a
lápis de carvão assinala os ecos da herança grega e latina.
O primeiro livro de Walt Whitman adquirido por Pessoa terá sido c. 1906-1907, um exemplar de
Poems [1895], o XXVII da colecção “The Penny Poets”. Profusamente anotado, existem transcrições
parciais da marginália pessoana neste exemplar, por exemplo, no estudo pioneiro de Susan Margaret
Brown (1987), assim como em PIZARRO, FERRARI e CARDIELLO (2010: 374-375) e FERRARI (2011; 2017).
24
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I hear the rhythmic myths of the Greeks, and the strong
legends of the Romans.
Fig. 17. WHITMAN (1909: 139) (CFP 8-580).
Anterior à publicação destes exemplares, a Biblioteca de Pessoa conserva uma
biografia do poeta John Keats (COLVIN, 1899: 153), adquirido em Durban, em
Fevereiro de 1905 (como indica a inscrição na folha de rosto; cf. Fig. 18), poucos
meses antes do regresso final a Lisboa no fim do Verão de 1905. Este exemplar exibe
abundante marginália verbal e não-verbal, tendo sido usados pelo menos três
instrumentos de escrita: caneta preta, lápis de carvão e lápis azul, o que sugere uma
utilização interrompida e retomada em diferentes ocasiões. No capítulo VII, nas
páginas dedicadas a Hyperion (pp. 152-160), poema que trata da queda dos Titãs
(seres com quem os Gigantes são muitas vezes confundidos, mas que se distinguem
destes pela sua origem divina), observamos um traço vertical a lápis de carvão na
margem esquerda da página 153, que destaca as linhas 2 a 22, onde Colvin defende,
contra alguns críticos do poema, a vitalidade da mitologia grega antiga na explicação
da experiência humana.
As if that mythology could ever die: as if the ancient fables, in passing out of the transitory
state of things believed, into the state of things remembered and cherished in imagination,
had not put on a second life more enduring and more fruitful than the first.
E mais abaixo, relaciona a decadência do pensamento moderno com essa mesma
incapacidade de valorização do pensamento mitológico.
[I]f the modern world at | any time fails to value them, it is the modern mind which is in so
far dead and not they. One of the great | symptoms of returning vitality in the imagination
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
of Europe, toward the close of the last century, was its | awakening to the forgotten charm of
past modes of faith | and life.
Figs. 18a e 18b. COLVIN (1899: folha de rosto, 153) (CFP 9-20).
Este exemplar é duplamente significativo no contexto da reflexão acerca da
“Trilogia dos Gigantes” por apresentar reflexões de Colvin sobre a apropriação da
mitologia e do espírito grego (temas que se encontram em diversos escritos
pessoanos de defesa do paganismo e também postos em verso, de que a “Trilogia”
é exemplo) e, por outro lado, porque, especificamente no caso de Keats, Hyperion
tem como fonte directa o Paradise Lost de Milton (v. Colvin [1899] pp. 152-153),
também este, uma das fontes de Pessoa para os textos dos Gigantes, como se
defenderá adiante.
Hyperion terá sido escrito entre o final de 1818 e o Verão de 1819 e Keats tê-loá deixado incompleto precisamente por nele sentir demasiadas influências de
Milton, como explica numa carta ao seu amigo e poeta John Hamilton Reynolds
“[t]here were too many Miltonic inversions in it – Miltonic verse cannot be written
but in an artful, or rather, artist’s humour. I wish to give myself up to other
sensations” (Keats apud COLVIN, 1899: 157). Influência significativamente
identificada por Pessoa na página 483 do seu exemplar de Milton onde anota à
margem “This Sonnet reminds us somewhat of Keats (in his Sonnets).”25
25
This Sonnet reminds us some-|what of Keats <,>/(\in his Sonnets).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Ora, estes dois poemas, Paradise Lost e Hyperion, lidos e estudados por Pessoa,
partilham temas, nomes, e métodos de composição que também se podem identificar
na “Trilogia”. Hyperion não foi destacado no índice do exemplar pessoano de The
Poetical Works de Keats, adquirido em 190326, mas logo na primeira página do poema,
na margem esquerda canto superior, Pessoa deixa o comentário “slow verse”,
possivelmente relativo ao facto de muitos destes versos não serem encavalgados
(enjambement). No que diz respeito à sua utilização, como indica Preminger, “Milton
in Paradise Lost laid the foundation for its subsequent use by the English Romantic
poets; in its preface he identified it as one of the chief features of his verse: <<sense
variously drawn out from one verse into another” (PREMINGER, 1993: 359).
O poema de Keats trata da guerra de sucessão entre velhos e novos deuses,
representados por Hyperion e Apollo (de onde este último sai vencedor). Saturno é
representado logo no início do poema. Derrotado por Jupiter, dorme um sono
parecido com a morte, deitado na relva, junto a um rio, onde é visitado por uma
Naiade. Compare-se a primeira frase de Naiade a Saturno “Saturn, look up! ––
though wherefore, poor old King? | I have no comfort for thee, no, not one: I cannot
say, ‘O Wherefore sleepest thou?’ For heaven is parted from thee” (KEATS, 1898: 238),
e o início de Livor, dito pelas “Ninfas” [BNP/E3 119 Liv-2]:
As Ninfas O gigante Livor porque não dorme?
Não lhe é suave a relva verde ondeante
que faz doces luas da Natureza,
as moles afastadas dos outeiros?
O estar debruçado à beira d’água
vendo aquém da alma *pura reflectida
correr o fresco murmurar do rio?
Não lhe põe a alma com a Natureza?
Não lhe ◊ um sossego? Não o ocupa
um macio estar-com-as-cousas, calmo
e responsivo à mansidão do sol?
Natureza, cujas leis impõem a sucessão dos deuses, como explica, mais à frente, o
sábio Deus do Mar, em Hyperion.
Saturno, sem trono e sem reino, perdeu a sua identidade, está ausente de si
mesmo “I am gone | Away from my own bosom: I have left | My strong identity,
my real self, | Somewhere between the throne, and where I sit | Here on this spot of
earth”. As Ninfas questionam Livor [BNP/E3 119 Liv-2]:
KEATS (1898; CFP 8-294). Este volume foi um dos títulos escolhidos por Pessoa pelo Prémio Queen
Victoria Memorial Prize, em Durban, referente a 1903 e atribuído em Fevereiro de 1904 (MONTEIRO,
2000: xv e 111). Os outros títulos foram Johnson’s Lives of the Poets, de Samuel JOHNSON (1897-1900;
CFP 9-37), The Works of Ben Jonson, de Ben JONSON (1897; CFP 8-283), The Choice Works of Edgar Allan
Poe de Edgar A. Poe (1902; CFP 8-442) e The Works of Alfred Tennyson, de TENNYSON (1902; CFP 8-541).
26
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Porque não dorme, sonha ou quasi-sonha?
– Que angústia o fez ausente de si-mesmo,
daquela consciência que intervém
como um véu entre a alma e a natureza?
Que realidade de torpor? Que mágoa?
Que sonho? Que desejo? Que rancor?
Saturno é mencionado 19 vezes no “Briareu” de Pessoa como exemplo de que
os deuses podem ser derrotados e, como tal, a luta dos Gigantes pelo
restabelecimento do seu poder não é vã e existe uma probabilidade de vitória. Em
Hyperion, Briareu e Tífon são mencionados, juntamente com outros Titãs (p. 247) e
Enceladus (pp. 249, 250, 255). Na página 251, Saturno desafia os Titãs a responder à
humilhação da derrota “Not in my own sad breast […] Can I find reason why ye
should be thus” (250-251). Ao que o Deus do Mar intervém no sentido de conter a
vontade de vingança e dizer que a passagem dos deuses segue as leis da Natureza e
“not force of thunder, or of Jove” (252). A intervenção da Gigante Clymene (254-255)
vai ao encontro deste27, mas Enceladus não desiste e reforça as razões pelas quais se
devem revoltar e restabelecer o seu poder.
O poema de Keats retoma temas de Paradise Lost (aliás, referido em nota de
rodapé pelos responsáveis da edição que Pessoa adquire; cf. KEATS, 1898: 239) e
métodos de composição, admitido pelo próprio Keats como já referido aqui. Ambos
poderão ter contribuído para a escrita da “Trilogia”, na medida em que esta reflecte
o interesse pela guerra de sucessão do poder, à perda do qual se associa a perda de
identidade, a vontade de vingança, a luta vã dos Gigantes (Titãs, ou “portuguezes”28,
conforme o relato), o sentimento de horror e desespero. Ao longo do périplo, várias
vozes tentam oferecer consolo e dissuasão, no caso da “Trilogia”, personificadas por
Terra, mãe de Briareu, pelas Ninfas em Livor (correlato da Naiade em Hyperion?) e
nos diferentes Coros (Briareu, Livor e Tífon).
Nos três textos mencionados (Paradise Lost; Hyperion e “Trilogia”) encontramse palavras recorrentes, entre outras: estrelas, luz, sombra, desejo, queda, vingança,
abismo, peso, horror, montanhas, desespero. E temas: poder, guerra, luta vã, vingança,
perda de identidade (“who am I”: cf. marginália pessoana na guarda final do volume
de Milton, transcrito em anexo), revolta contra a suposta ordem natural das coisas
Registe-se a utilização de ideais Românticos no discurso do deus do Mar, segundo o qual, a lei que
define a natural sucessão dos deuses fundamenta-se na constante busca de perfeição e beleza (KEATS,
1898: 252), “’tis the eternal law | That first in beauty should be first in might” (p. 253) e nesses termos
Apolo é considerado superior (KEATS, 1898: 253-254). Ideia reforçada no discurso da Gigante Clymene
que realça a beleza encantatória da música de Apolo (KEATS, 1898: 255), uma beleza que chega a ser
dor “With music winged instead of silent plumes, | To hover round my head, and make me sick | Of
joy and grief at once. Grief overcame”. A ideia de dor superior à de beleza também se encontra nos
únicos versos do poema sublinhados por Pessoa “How beautiful, if sorrow had not made | Sorrow
more beautiful than Beauty’s self!” (KEATS, 1898: 237).
28 V. documento [BNP/E3, 44-35], abaixo.
27
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e, por outro lado, vontade feroz de mudar essa ordem: “Saturn must be King.”
(KEATS, 1898: 240).
Estes temas, em relação directa com Hyperion de Keats, encontram-se num
manuscrito localizado no espólio com a cota [BNP/E3, 44-35], e transcrito na última
edição crítica de Mensagem (PESSOA, 2020: 156; preparada por Jerónimo Pizarro),
onde se lê o seguinte:
A idéa do poema epico representando as navegações e descobertas dos portuguezes como
provenientes da guerra entre os velhos e os novos deuses – Hyperion e Apollo, etc. (o
christianismo onde fica? como entra aqui? como “attrait” empregado pelos velhos deuses para
afastar os homens da fé na raça de Jove?)
Como na Iliada a guerra é um reflexo da guerra entre deuses, aqui as navegações são a guerra
entre os velhos deuses, e os novos, que lhes põem obstáculos – Neptuno com as tempestades,
Jove com os raios, Venus com a corrupção... Marte (seduzido por Venus) com as conquistas que
desviam da Descoberta.
A Victoria é dos deuses novos (em que fica, então, o chistianismo?) e Marte é que a consegue
com Alcacer-Kibir.
Retomando, de certo modo, a Vida de Hyperion de Keats.
Coördenar fortemente os themas e as ideas. Não omittir a base metaphysica, nem as especulações
d’essa ordem no detalhe.
Em 1958, Jorge Nemésio transcreveu o manuscrito [BNP/E3 44-35]
intitulando-o “Portugal” e integrou-o no dossier genético de Mensagem (NEMÉSIO,
1958: 30-31, 73) que, segundo o editor passou por três fases: “Legendas”, “Portugal”
e “Mensagem”. “Portugal” terá sido o nome atribuído ao poema numa fase de
escrita intermédia, a que corresponderiam os testemunhos “E-1 a E-5” (designados
assim por Nemésio). Sob a designação “Portugal”, Nemésio indica como data
provável de escrita 1920, na medida em que se encontra próximo do poema “Se o
teu palácio chega até ao céu”, este datado de 8 de Agosto de1920 (NEMÉSIO, 1958: 74;
cf. [BNP/E3 44-28]). Mas a questão da arrumação do espólio como critério de datação
ou para fazer corresponder um texto a uma data ou a um projecto pode ser
controversa. Pizarro sugere a data de c. 1918 (PESSOA, 2020: 156; 273-274).
O manuscrito [BNP/E3 44-35] não se encontra encimado pela designação
“Portugal”. Foi escrito a tinta preta numa folha timbrada da firma F. A. PESSOA | RUA
DO OURO, 87, 2.O| LISBOA, com indicação incompleta de data “191_”, e encontra-se
numerado, no verso “1” e no rosto “2”. O texto seguinte na ordem de arrumação do
espólio [BNP/E3 44-36] foi escrito em suporte idêntico; este sim, encimado pela
designação “Portugal” abaixo da qual se lê, “Canto 3”. Todavia, não é evidente que
“Canto 3” seja continuação da numeração registada na folha [BNP/E3 44-35],
unicamente como “1” e “2”.
As referências à situação portuguesa no conteúdo do texto [BNP/E3 44-35]
“poema epico representando as navegações e descobertas dos portuguezes”, “as
conquistas que desviam da Descoberta” e a “Victoria é dos deuses novos […] e Marte
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Milton, Anon e Prosódia
é que a consegue com Alcacer-Kibir”, colocam-no na linha de sucessão para a escrita
de Mensagem, e, neste momento, em nosso entender, trata-se de um documento
programático onde se conjugam criticamente as leituras de Ilíada e de Hyperion de
Keats, para além de se inserir num conjunto maior de reflexões pessoanas suscitadas
pelas leituras acerca da origem dos mitos e da religião, a apropriação pela
modernidade, a “guerra entre os velhos e os novos deuses”, o paganismo, “o
christianismo onde fica?”; o que, eventualmente, virá a traduzir-se numa das
tonalidades “metaphysicas” de Mensagem.
Também o fascínio e a influência de John Milton na produção textual de
Fernando Pessoa ficaram registados em numerosos documentos hoje à guarda da
Biblioteca Nacional de Portugal. Na Biblioteca Particular, esta influência pode ser
observada nas páginas do exemplar de Paradise Lost29, assim como em extensa
bibliografia secundária. De seguida, procuramos mostrar que os textos da “Trilogia
dos Gigantes” têm como uma das fontes mais imediatas Paradise Lost. Para tal,
divide-se o argumento em quatro partes: I. Apreciações literárias da poesia de
Milton na Biblioteca Particular de Pessoa; II. Ecos de Paradise Lost na “Trilogia dos
Gigantes”; III. Charles Robert Anon, precursor da temática miltónica dos Gigantes /
Titãs na obra pessoana; e IV. Algumas observações prosódicas na trilogia.
I. Apreciações literárias da poesia de Milton na Biblioteca Particular de Pessoa.
Figs. 19a e 19b. MILTON (s.d.: capa e folha de rosto) (CFP 8-359).
A presença deste exemplar na Biblioteca Particular de Pessoa e a influência da composição poética
de Milton na produção textual pessoana é discutida em FERRARI (2012b). Para uma discussão
detalhada da influência de Milton especificamente em Charles Robert Anon (nomeadamente nas odes
atribuídas e/ou atribuíveis a Anon), ver § 2.2.2 e 4.1. Ver também FERRARI (2012a).
29
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Não datada, a obra The Poetical Works of John Milton, contém um prefácio assinado
por Theodore Alois Buckley, com a data de 1853, em Londres (p. vi). Trata-se de uma
edição revista a partir do texto de Thomas Newton e ilustrada por William Harvey.
O exemplar de Pessoa exibe diversos exercícios de assinatura no verso da contracapa
entre os quais “FPessôa” e “Ch[arles] Search”. Pela caligrafia existente em diversas
notas marginais, entre as quais no verso da capa, trata-se provavelmente de uma
obra que pertence aos anos de formação (1900-1904) na Durban High School, África
do Sul. A presença de dois instrumentos de anotação (caneta preta e lápis de carvão)
e as diferenças visíveis na caligrafia sugerem diferentes momentos de leitura, espaçados
no tempo30. No verso da capa do exemplar pessoano de Paradise Lost encontra-se
uma citação retirada de uma outra edição do poema:
Fig. 20. MILTON (s.d.: verso da capa). Pormenor (CFP 8-359).
A maioria das anotações verbais efectuadas neste exemplar, a tinta preta, relaciona-se com o estudo
do poema: referências extrabibliográficas que procuram identificar influências e crítica, dicionário,
estudo da métrica, e poderão ter sido realizadas, num primeiro momento, ainda em Durban, para
fins académicos (c.1904). Algumas destas anotações poderão ter sido recuperadas ou acrescentadas
num momento, posterior, em que Pessoa decide construir ele próprio um poema com características
métricas similares. As anotações verbais a lápis de carvão são maioritariamente traduções. A
tradução do poema de Milton esteve nos planos de Pessoa pelo menos a partir de ca. 1909, data em
que surge no documento com a cota [48B-17] “Traducções de poesias para portuguez”. Este
documento e [48B-18] apresentam características semelhantes: duas folhas soltas com evidência de
terem sido arrancadas, provavelmente, de um caderno. As duas folhas são de papel quadriculado, 30
quadrículas, cantos arredondados, com cor vermelha nos cortes laterais, ambas possuem evidência
de terem estado dobradas na horizontal, e [48B-17], apresenta ainda uma pequena marca de dobra
no canto inferior direito. As duas folhas apresentam ainda fortes semelhanças com as características
do caderno E3/144D, datado de c. 1909 por Jerónimo PIZARRO (2006: 37) http://purl.pt/13879. [48B-18]
apresenta junto ao corte interior, restos de papel castanho, igual ao papel das folhas de guarda do
caderno 144D. Nos dois documentos, as falhas no papel que sugerem terem sido arrancadas,
correspondem aos locais da encadernação, cosida. O projecto de tradução volta a surgir num
documento datável de c. 1916 “As obras que ha que haver traduzidas em portuguez”, em 6.º lugar
“6. Milton, Paraiso Perdido. B”. [48B-9ar], lista manuscrita a tinta preta numa folha de papel com
carimbo da Galeria das Artes do Salão Bobone. Esta Galeria foi criada por Pacheko, no salão Bobone,
em 1916 (aí realizou-se, em 1917 a I Exposição dos Independentes e a famosa I Conferência Futurista).
Portanto, este documento deverá pertencer a 1916 ou período posterior. Depois, em 1924, numa folha
que ostenta a cota [59-45], encontra-se uma lista manuscrita a tinta preta, no canto inferior direito,
dentro de um quadrado, com indicação de oito autores seguido de “Anthologia Grega”, Latina, India
e Franceza, sem especificação de autores ou títulos. Em 4.º lugar surge “Milton: Paraiso Perdido”; e
em 5.º, “Milton: Samson Agonistes”. Esta última lista é de c. 29-4-1924. Ver anexo para a transcrição
completa da marginália verbal.
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= Volume No. 3 =
“Milton himself says that ‘true <poetical> [↑ musical] delight consists only in apt numbers, fit quantity of syllables, and the
sense variously drawn out from one verse into another’.
A citação é retirada do prefácio de Milton ao vol. III de Paradise Lost na edição de
1674. Nas páginas iniciais, Milton, sensível às críticas anteriores, formaliza as razões
pelas quais rejeita o uso da rima neste seu poema. A edição que Pessoa trouxe
consigo de Durban, em apenas um volume, não inclui esta rejeição formal da rima e
preferência pelo “blank verse” [verso branco].
Uma folha solta pertencente ao exemplar pessoano de The Poetical Works of
John Milton, exibe uma lista intitulada “Works on Milton” [BNP/E3 49B6-43v]:
Works on Milton: –
“Milton” by Mark Pattison (English Men of Letters Series) ……….. 1/6.
Macaulay’s “Essay on Milton”.
Johnson in “Lives of the Poets”. ✓
Addison in “Spectator”. (Saturday Papers). ✓
Robert Bridges “Milton’s Prosody” – ✓✓✓✓
A lista, datável de c. 1904, encontra-se manuscrita a tinta preta. Foi publicada em
2012 com a indicação de que três dos títulos aí incluídos fariam parte da Biblioteca
Particular de Pessoa (v. sinais de aprovação): Johnson (CFP 9-37), Addison (CFP 83), e Bridges (CFP 8-64)31. Na verdade, para além destes três, o ensaio de Macaulay
também se encontra na Biblioteca de Pessoa, no volume Essays, Historical and Literary
for the “Edinburgh Review”. London: Ward, Lock and Co. [post 1890] (CFP 8-328)32. O
primeiro título da lista refere-se provavelmente ao ensaio de Mark Pattison, Milton,
publicado em 1879 na colecção de biografias “English Men of Letters”, da editora
Transcrição de Patricio Ferrari e Jerónimo Pizarro (cf. FERRARI, 2012b: 370). Lista fac-similada em
JENNINGS (1984: 209). As obras referidas são: JOHNSON, Samuel; NAPIER, Alexander; HALES, J. W.
(1890). Johnson's Lives of the Poets. London: George Bell and Sons. 3 vols. (CFP 9-37). Este livro foi parte
do Queen Victoria Memorial Prize, oferecido a Pessoa em 1903. Pessoa refere-se ao ensaio de Johnson
sobre Milton no texto “Um exemplo especialmente precioso é o ‘Lycidas’ de Milton.”, 19-95r;
ADDISON; Joseph; MORLEY, Henry; STEELE, Richard. (1896). The Spectator. London: George Routledge
& Sons (CFP 8-3). Refira-se que nas páginas 1, 18 e 22 de The Poetical Works of John Milton, CFP 8-359,
existem anotações de Pessoa que remetem para The Spectator, cf. Anexo I; BRIDGES, Robert; STONE,
William Johnson (1901). Milton's Prosody & Classical Metres in English Verse. Oxford: Henry Frowde
(CFP 8-64). Este exemplar foi provavelmente adquirido entre 1904-1905 em Durban, cf. FERRARI
(2012b: 16). Sobre um estudo pormenorizado da influência deste exemplar em certas abordagens
prosódicas de Pessoa, ver FERRARI (2012b: 91-94, 160-173).
31
A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa conserva um outro título de MACAULAY (1892).
Biographical, Critical, and Miscellaneous Essays, and Poetical Works: including "the lays of ancient Rome".
London: Ward, Lock & Co. (CFP 8-327), que inclui “Conversation between Cowley and Milton”, pp.
420-430. Sem marginália.
32
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Macmillan. O ensaio de Pattison não se encontra actualmente no catálogo, mas a
biblioteca de Pessoa conserva outros títulos desta colecção, designadamente, a
biografia de Keats de Sidney Colvin publicada em 1899 (CFP 9-20); Byron (CFP 9-52)
e Carlyle (CFP 9-53) ambos de John Nichol publicados em 1902, e Shelley, de J. A.
Symonds (1884) (CFP 8-532), sobre cujo autor existe uma segunda biografia, da
autoria de Edward Dowden (CFP 9-24).
O volume de Macaulay reúne ensaios literários publicados no periódico
Edinburgh Review sendo o primeiro dedicado a Milton, de Agosto de 1825 (pp. 1-26),
e exibe notas de leitura em 11 das suas 25 páginas.
Fig. 21. MACAULAY (post 1890: 11). Pormenor (CFP 8-328).
Na passagem destacada (p. 11) lê-se acerca dos deuses preferidos de Milton:
aqueles da antiga geração, filhos do Céu e da Terra – comparados com os quais
Júpiter não passaria de uma pequena criança –, os gigantes Titãs e as inexoráveis
Fúrias. O ensaio de Macaulay pode ainda ter sido uma das referências para uma
anotação que se encontra na p. 17 do exemplar pessoano de Milton, “use of names”.33
Fig. 22. MILTON (s.d.: 17). Pormenor (CFP 8-359).
Para a questão da anotação no canto superior esquerdo, “CRA”, em relação com a propriedade do
livro, ver FERRARI (2011: 32-33). Registe-se o facto curioso de as iniciais “CRA” (i.e., Charles Robert
Anon) existirem na mesma marginália onde se regista a questão acerca de “use of names”. Até pelo
menos meados de 1913 Pessoa utilizou a palavra “pseudónimo” para se referir aos autores fictícios
por ele criados. O caso mais tardio desta nomenclatura no universo fictício pessoano seria o de
Frederick Wyatt. [133G-10v; cf. FERRARI e PITTELLA, 2016: 226-301].
33
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Na p. 6 do ensaio de Macaulay, este argumenta a favor da perfeita
composição poética de Milton “change the structure of the sentence; substitute one
synonym for another; and the whole effect is destroyed. The spell loses its power”
e, no parágrafo seguinte, do uso dos nomes “scarcely any passages in the poems of
Milton are more generally known or more frequently repeated than those which are
little more than musterolls of names. […] they are charmed names. […] They
produce upon us an effect wholly independent of their intrinsic value”.34
Fig. 23. MACAULAY (post 1890: 6) (CFP 8-328).
O interesse de Pessoa pela questão do uso dos nomes pode ainda observar-se em três anotações
inscritas no seu exemplar de Bell, Palgrave’s Golden Treasury of Songs and Lyrics: “incongruous;
classical names in a | poem that is not in a | classical setting”, e em duas anotações posteriores que
remetem para esta (cf. BELL, 1902: 73).
34
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Num texto acerca de Lycidas, Pessoa refere a questão do uso dos nomes como
uma das características do génio de Milton: “Já aqui se notam os characteristicos
fundamentaes do genio miltonico. Já aqui se vêem a majestade do stylo, o seu
rhythmo severo e sereno, o uso dos nomes proprios como estimulo, evocativo como
rhythmico, para a imaginação, o final, absolutamente calmo, como é de quem segue
a grande tradição dos gregos” [BNP/E3 19-95r; cf. PESSOA, 1967: 324].
Na biblioteca pessoana sobre Milton encontra-se ainda um volume de
William P. Trent (1899) John Milton: A Short Study of his Life and Works (CFP 8-552).
W. Trent (1862-1939) foi um académico, editor e crítico norte americano que
publicou antologias e ensaios acerca de diversos autores, entre os quais, e para além
de Milton, Edgar A. Poe ou Macaulay. Este é, actualmente, o único exemplar de
Trent na biblioteca. A obra terá sido adquirida já em Lisboa e a data de leitura foi
estabelecida em c. 1908/1909 (Ferrari, 2012a: 236-237; 2012b: 17). Encontra-se
assinado a tinta preta “F. Nogueira Pessôa.”.
Fig. 24. TRENT (1899: 252-253) (CFP 8-552).
Admirador dos métodos de composição de Milton, Trent escreve: “he
innovated and experimented, and in short prefaces explained his methods of
composition”. Estes prefácios foram consultados por Pessoa, como se pode concluir
pela marginália deixada no verso da capa do exemplar de Milton. No final do excerto
destacado na margem direita por um traço vertical (Fig. 24), lê-se: “the rules of his
art had become a second nature to him and his taste was as perfect as a finite man’s
can be.” No texto pessoano anteriormente referido acerca de Lycidas menciona-se
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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esta característica de escrever sem esforço “A composição do poema é perfeita, o seu
desinvolvimento [sic] magnificentemente realizado. Nada parece haver que tenha
esforço” [BNP/E3 19-95r; cf. PESSOA, 1967: 324].
De seguida apresentam-se alguns exemplos que se relacionarão com o
método de composição pessoana nos textos que constituem a “Trilogia dos
Gigantes” (Briareu, Livor e Tífon).
A. J. Wyatt quotes the following passage
from an anonymous author:
“To analyse <the> Miltonic blank verse in all its
details would be the work of much study and
prolonged labour. It is enough to indicate the
fact that the most sonorous passages commence and
terminate with interrupted lines.
Fig. 25. MILTON (s.d.: verso da capa) (CFP 8-359).
Ao citar Milton e A. J. Wyatt, um académico britânico, reconhecido na altura pela
sua nona tradução (com William Morris) de Beowulf, as observações pessoanas
acerca das teorias de versificação não se situam a um nível superficial. Na margem,
junto a um traço vertical que destaca os primeiros dez versos de L’Allegro, Pessoa
anota: ‘Lines of 6 | syllables alternat|ing with lines of 10’ (MILTON, [s.d.]: 429). O que
há a sublinhar nestas primeiras notas sobre a métrica do poema é a sua coexistência
com referências a outros autores como Homero, Pope e Keats. Desde a admiração
pela escansão (cf. Fig. 26) à reminiscência de um poeta nos versos de outro ou às
preocupações estéticas, Pessoa forjou, ao longo dos anos, o seu estilo crítico, distinto
e sólido.
Num texto de 1935 intitulado “A Poesia Nova em Portugal”, Pessoa
relacionará nomes de poetas portugueses contemporâneos com uma análise onde
junta o Paradise Lost de Milton, a Ilíada e a Odisseia de Homero. No referido artigo,
propõe-se identificar na poesia portuguesa “a novidade, quer em seu íntimo
conteúdo, quer em sua expressão e modos dela” (PESSOA, 1967: 364). Para o efeito,
indica, quer o conteúdo quer a expressão dessa poesia nova devem possuir como
elemento comum um “individualismo absoluto” (PESSOA, 1967: 367), onde o poeta
possa “exprimir inteiramente a sua alma, com tudo quanto nela se contém” (PESSOA,
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Milton, Anon e Prosódia
1967: 368). O exemplo magno desse “individualismo absoluto”, exposto de forma
detalhada nas páginas seguintes (pp. 368-372) é justamente o Paraíso Perdido de
Milton. A exposição do argumento onde defende o espírito absolutamente
individual do poema miltónico é construído na comparação com os mestres de
Milton (Homero, Virgílio, Dante ou Shakespeare) e, sobretudo, aquela que considera
ser a sua influência mais directa, a Ilíada ou a Odisseia de Homero (p. 370). A análise
comparada (em termos de pensamento, imagens, emoções, ritmo, p. 370, e estrutura,
pp. 371-372), observa dois propósitos, inscreve o Paraíso Perdido na linhagem de
outros grandes poetas de génio, ao mesmo tempo que reforça a tese segundo a qual
é quando já não pertence a qualquer linhagem de influências que cada um desses
poetas é inteiramente expressão individual, novidade, génio. O que o texto de 1935
explicita é o processo entre influência e originalidade, que Pessoa também forja nas
páginas dos exemplares da sua Biblioteca Particular, no caso em apreço, o Paraíso
Perdido.
Fig. 26. MILTON ([s.d.]: 26-27) (CFP 8-359). Veja-se a indicação de cesuras
Na página 47 (cf. Fig. 27) Pessoa sublinha os versos 583 e 584, um exemplo de
“interrupted line” e “the sense variously drawn out from one verse into another”, como
destacou no verso da capa. Trata-se de um exemplo de enjambment, uma unidade
sintáctica interrompida onde o sentido passa de uma linha poética a outra.
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Fig. 27. MILTON ([s.d.]: 47) (CFP 8-359).
Linhas sublinhadas (Paradise Lost, Book II):
Lethe, the river of oblivion rolls,
Her watery labyrinth
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Marginália:
a fine line (liquid sound)
The liquid sound extends
to the other line [part of it]
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Em fonética, a palavra “liquid”, possui um som consoante no qual a língua
produz um fechamento parcial na boca, resultando numa ressonância, uma
consoante-vogal, como na pronúncia das letras “l” e “r” em língua inglesa. Na
mesma página, na margem esquerda, Pessoa escreve:
This is model representative versification
because it seems
to have come naturally from Milton’s
pen; the words
are perfectly natural
& it seems that no other words could be used. Nothing is strained ––
Por “representative versification” Pessoa entende que o verso faz o que diz, isto é,
que o som na imagem construída pelo poeta se encontra nas letras das palavras
escolhidas. No caso do verso em questão, trata-se do som do fluir das águas, evocado
também na qualidade das consoantes “l” e “r” (“Lethe”, “river”, “oblivion”, “rolls”,
“her” “watery” e “labyrinth”, isto é, em 7 das 9 palavras sublinhadas).
Num texto póstumo de 1904-1905, Pessoa escreve sobre aquilo que denomina
“representative versification”:
Some little way back I have spoken of representative versification, and I think it here due to
the reader to explain it. […] If the bard describe a waterfall in troubled numbers, why! he
does but give us its sound, if in very smooth verses, ditto, only that he hears it from a distance
of several miles.
(13A-36r; FERRARI, 2012b: 364).
Noutras palavras, trata-se de “descriptive verse” [verso descriptivo], como lemos
numa nota marginal de Pessoa possivelmente de 1902, a respeito da prática de
Virgílio:
Fig. 28. VIRGÍLIO (1902: XXX). Pormenor (CFP 8-560).
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Ou de “sound being an echo to the sense” [som sendo um eco do sentido], como
Pessoa escreve também sobre um verso de Virgílio (cf. FERRARI, 2012b: 122-123).
Fig. 29. VIRGÍLIO (1902). Verso da capa e primeira folha. (CFP 8-560).
O cuidado do som ecoando o sentido pode encontrar-se em “Briareu”, em diferentes
momentos, por exemplo, na utilização da sibilante “s”, numa fala onde está em
questão o passar do tempo, do silêncio e/ou do vento “Rútilas vidas frias e distantes,
| existências estranhas ao sentido”, a invocação de sombras e sonhos “são sombras
e sombras de sombras, | quimeras, sonhos vãos”. A utilização do “r” e “s” para o
deslizar de um barco no rio “como barco ◊ que rio abaixo | vai, arrastado da corrente
calma, | pelos lugares das *margens sossegadas até ao vago,” [BNP/E3 111 B-17v], do
“b” para o bater das águas “As algas, ◊ mortiças, flácidas, | batidas e abatidas pelas
águas,” [BNP/E3 111 B-16v]. A voz de Júpiter é comparada ao som do trovão pela
utilização do “s”, “r” e “t” “A voz de Júpiter diz | e abala o universo | com seu
horríssono tronar | cheio de significação” [BNP/E3 111B-28r], “E um trovão que
*tremendo o *ouvir de *troando | *espalhando a existência| de todo horror tendo
Som.” [BNP/E3 111B-41r].
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See below
scan “sp’rit”.
Elision.
Fig. 30. MILTON ([s.d.]: 6) (CFP 8-359).
A maior parte das anotações a lápis de carvão (ll. 116, 117, 119, 120-22, 124,
126, 127, 132-34) dividem sintagmas, mas a métrica sintagmática pouco revela sobre
o ritmo do verso: os sintagmas no verso são idênticos aos da prosa e sem regulação
específica. Estas anotações a lápis de carvão podem não ser contemporâneas
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daquelas a tinta preta, muito provavelmente de 1904.35 “Sp’rit” indica que este
substantivo ocupa uma única posição métrica (i.e., oitava). A anotação (“Elision”)
refere-se à elisão em “glory extinct” (l. 141) (três posições métricas para quatro
sílabas; registe-se que o “y” se encontra rasurado).
II. Ecos de Paradise Lost na “Trilogia dos Gigantes”.
Na página 8 do seu exemplar (Paradise Lost, Livro I, ll. 198-199), Pessoa sublinhou
uma passagem relativa aos Gigantes, aqui referidos como Titãs, “Titanian, or earthborn, that warred on Jove, | Briareos, [or] Typhon” e adicionou, à margem, uma
referência extrabibliográfica:
Fig. 31. MILTON ([s.d.]: 8-9) (CFP 8-359).
Margem esq.: See Vergil, Aeneid VI, 580 et seq.).
Os sintagmas indicados por Pessoa a lápis, contemporâneos da sua tradução, são muito
provavelmente parte do seu método para atingir a realização do decassílabo. Vejamos, por exemplo,
o caso do verso 263 do livro I: “Better to reign” (4 silabas métricas em inglês), traduzido por “Reinar”
(2 silabas métricas em português) | “in Hell” (2 silabas métricas em inglês), “no in-” (1 silaba métricas
em português) | “than serve in Heaven” (4 ou 5 silabas métricas, dependendo do nome “Heaven”
ser escandido enquanto monossilábico ou dissilábico), “-ferno que servir no céo” (7 sílabas métricas
em português).
35
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Nos referidos versos de Virgílio, lê-se: “Hic genus antiquum Terræ, Titania pubes |
Fulmine dejecti, fundo volvuntur in imo.” [“Here Earth's first offspring, the Titanic
brood, | Roll lightning-blasted in the gulf profound;”] (Vergil, Aeneid, Livro VI, ll,
580-581; consultado on-line). A anotação revela a atenção de Pessoa tanto à
genealogia do mito como do poema miltónico.36
Compare-se agora a utilização de “wakeful bird” em Paradise Lost e a
referência ao “rouxinol” no fim do possível texto inicial de “Briareu”:
É-me suave e doce o sentimento
da existência e dos seres, seja a terra,
a fresca terra audaz a *sorrir
eternamente, onde estendo o corpo
◊, seja o céu distante
e as estrelas que adoro; quer o mundo
e essas *criações ◊ do universo,
as flores e as brisas quando vêm
despertar a andorinha deslizante,
e o rouxinol que acorda o meu sonhar,
Fig. 32. MILTON ([s.d.]: 66). Pormenor (CFP 8-359).
Para além do recurso à ave madrugadora, atente-se no uso de sibilantes (e.g.,
“estrelas”, “flores”, “brisa”, “deslizante”), interrupção de linhas ou enjambment,
aliterações (e.g. “suave” “sentimento”) e consonâncias (e.g., “seres, seja”).
A Æneida não se encontra no catálogo actual da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, mas existe
um exemplar de The Georgics of Virgil. Edited by S. E. Winbolt. London: Blackie & Son, 1902 (CFP 8560). Está assinado “F. A. N. Pessôa. | Durban High School. | February, 1904. | Form VI.”. Trata-se
igualmente de um livro usado por Pessoa enquanto estudante em Durban. Encontra-se bastante
anotado e sublinhado, exibe traduções do Latim para Inglês, anotações sobre aspectos técnicos da
composição poética como a métrica e a utilização das cesuras, ritmo, som, e a utilização dos nomes
(evidenciados através de traços, sublinhados e traduções). Muito provavelmente terá sido usado em
simultâneo com o exemplar de Milton e com o volume já mencionado de Bell, onde Pessoa consulta
e anota diversos poemas de Milton. Veja-se por exemplo, nas Georgics de Virgílio, Pessoa sublinha
“narcissi lacriman” (verso 160). Na página 50, na nota ao verso lê-se “narcissi lacriman: cf. Milton’s
Lycidas, 150, ‘And daffadillies fill their cups with tears’.” No exemplar de Bell (CFP 8-37)
“daffodillies” encontra-se sublinhado e os versos 142-151 de Lycidas, para além de numerosos
sublinhados foram destacados também por um traço vertical na margem esquerda. O verso da capa
de Georgics exibe a anotação, já referida em vários locais e, também aqui, “Latin. | Examples of sound
being an echo to the | sense: | Lines: 174 – Cyclops forging thunderbolts.” Este último refere-se ao
verso descritivo ou versificação representativa.
36
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33
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A referência ao monte Etna aparece em Paradise Lost, Livro I, v. 233, “Of
thundering Etna […]” e em “Briareu”, texto 14, “Etna”, nos textos 12, 14, 16, 17 e 19.
Apresentam-se exemplos no texto 14 [BNP/E3 111 B-28 a 30].
2º Semicoro
Suas primeiras vozes
troam prenunciadoras
do horror inconcebido.
Diz que o gigante Briareu
durante toda a eternidade
debaixo do monte Etna...
1º Semicoro Debaixo do monte Etna?
Oh dor, oh horror!
Eco
Oh dor! Oh horror!
2º Semicoro Debaixo do monte Etna
será eternamente sofrendo,
eternamente morrendo,
Fig. 33. MILTON ([s.d.]: 10) (CFP 8-359). “Of thundering Etna […]”.
Em “Briareu”, texto 20 [BNP/E3 111 B-40 a 43], note-se a paisagem sonora em “Súbito
| relâmpago enchendo os campos do infinito,” onde a posição do adjectivo produz
um verso mais rápido e imagético:
Súbito
relâmpago enchendo os campos do infinito,
ocupando o esforço com sua forma seres finitos,
na sua luz mais horrorosa,
ou qualquer sonho pávido
faz os objectos todos desaparecer
na sua luz intensa,
na sua luz que no horror
ocupando tudo,
um momento eterno
enche os corações
numa luz imensa,
ocupa o esforço inteiro
e os corações imensos.
Compare-se a simbologia das estrelas e a luz do texto em Paradise Lost, com
“Briareu”, texto 1 [BNP/E3 111 B-17]:
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34
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Fig. 34. MILTON ([s.d.]: 4-5) (CFP 8-359). “No light, but rather darkness visible”. 37
Fig. 35. MILTON ([s.d.]: 82-83) (CFP 8-359). “Stars distant […]”.
Na página 5 (Fig. 34), lê-se, na margem direita, escrito a lápis de carvão, ”nem vem a
esperança | Que a todos vem,” uma tradução parcial dos versos 66-67 “hope never comes | That
comes to all;”. No espólio pessoano foram localizados três testemunhos do seu projecto de tradução
de Paraíso Perdido, com datas de c. 1909, 1916 e c. 29-4-1924 (para mais informações sobre os
documentos cf. nota 30). Esta tradução, nas primeiras páginas do poema, pode pertencer à primeira
data deste projecto, ou seja, c. 1909. Para a transcrição da marginália, cf. Anexo.
37
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35
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Fig. 36. MILTON ([s. d.]: 106-107) (CFP 8-359). “[…] glittering starlight […]”.
Esta imagem das estrelas rutilando, encontra-se no decassílabo que abre a primeira
fala de “Briareu”, uma fala escrita na linha de Milton, isto é, em verso branco e versos
interrompidos onde não faltam as aliterações e o cuidado do som ecoando o sentido:
a utilização da sibilante “s” numa fala onde se fala do passar do tempo e do silêncio.
Briareu Rútilas vidas frias e distantes,
existências estranhas ao sentido
da nossa vida, frias solidões
cujo silêncio desmedido desce
em sonhos à nossa alma; estrelas tristes
interpretando vaga e ◊
um sonho da nossa alma, uma saudade
do nosso coração inconsciente;
estrelas que nesta noite sem luar
deixais cair do vosso afastamento
a solidão; que misteriosamente
de aspiração ungis a alma do ser.
III. Charles Robert Anon, precursor da temática miltónica dos Titãs.
No espólio de Pessoa (Biblioteca Particular e BNP/Espólio 3), Charles Robert Anon e
Milton cruzam-se de diversas formas. Anon assinou os poemas “Ode to the Sea”38,
[BNP/E3, 13-14r; cf. PESSOA, 1997: 172]. “The signature ‘Charles Robert Anon’ appears only in one
part of the ‘Ode to the Sea’” (cf. [BNP/E3 13-14r]; PESSOA, 1997: 444.). Although absent in the other
parts (none signed) of this ode, we attribute it to this literary personality. The same problem of
attribution occurs with the ‘Ode to the Storm’. Given that the first stanza of ‘Ode to the Storm’ follows
38
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
36
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“Ode to the Storm”39 e “Ode to Music”40, onde é notória a influência de “Hymn” na
composição das estrofes (cf. FERRARI, 2012a: 15-39); curiosamente a assinatura de
Anon existe numa das páginas de Milton:
Fig. 37. [BNP/E3 13-14r]. Uma das assinaturas de Charles Robert Anon.
Fig. 38. Milton ([s. d.]: 16-17) (CFP 8-359). CRA | use of names
Como já referido, a presença das iniciais neste local do exemplar sugere, mais do
que uma marca de posse (habitualmente nas guardas iniciais e, discutivelmente,
também nas guardas finais), uma possível relação textual entre Anon e Milton.41
the same Miltonian format used in the antepenultimate and last strophes of the ‘Ode to the Sea’, and
that we attributed it to Anon, it seems to us that in the ‘Ode to the Storm’ we must recognize the same
author” (FERRARI, 2010: 10-11). Cf. “Pessoa and Borges” (FERRARI, 2015: 10-12).
39
[BNP/E3, 49B 2-91r]; PESSOA, 1997: 176, 448.
40
[BNP/E3, 13-12r]; PESSOA, 1997: 178-179, 451.
Na mesma página, na margem direita junto a um traço vertical que destaca as linhas 420-422, lê-se
“use of names” (Fig. 38). Esta anotação já foi anteriormente relacionada com a possível leitura do
ensaio de Macaulay (cf. supra). Para a transcrição da página, v. Anexo.
41
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Em Abril de 1904, Anon assinou um soneto intitulado “The Fall of the Titan”.42
Fig. 39. [BNP/E3, 13-1r] (PESSOA, 1997: 421-423; FERRARI, 2012b: 369).
Trata-se, provavelmente, do poema mais antigo da produção pessoana (texto em
inglês assinado por Anon) no qual encontramos apontamentos prosódicos43. Inscrito
numa folha solta, possivelmente pertencente a um caderno, manuscrita a tinta preta
com intervenções a lápis de carvão, sublinhados e observações que revelam o cuidado
e o domínio técnico com que foi forjado. A folha possui evidência de ter estado
dobrada (horizontal e verticalmente). O soneto foi composto em hexâmetros
iâmbicos (metro raramente utilizado por Pessoa na produção poética em língua
inglesa), uma forma que imprime um ritmo mais lento que o pentâmetro ou metros
menores e que se adequa ao conteúdo semântico: a queda do Titã. Encontramos, e é
significativo, este tema destacado por Pessoa nas linhas 738-751 do Livro I de Paraíso
Perdido que retrata a queda de Mulciber (pp. 27-28). Atente-se, por último, na
semelhança do verso inicial do soneto pessoano “From night’s great womb”, com
marginália no exemplar de Milton “No largo ventre da increada noite”, uma
tradução pessoana da linha 150, Livro II, de Paradise Lost (p. 35).
Existe um testemunho posterior deste texto com pequenas variantes, atribuído a Alexander Search,
sob o título “The Death of the Titan” [BNP/E3 77-73r] publicado por João DIONÍSIO no volume V da
Edição Crítica de Fernando Pessoa, Poemas Ingleses (PESSOA, 1997: 144 e 421-423).
42
Para mais informações sobre o soneto, a composição e relação com técnicas de Milton, veja-se
FERRARI (2012b: 124-127).
43
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Na Trilogia são frequentes as palavras associadas à “queda” (“cair”, “caiu”,
“abismo”) e à “noite” (“Noites lentas sem lua, noites calmas | da vossa escuridão
contemplativa, | silentes noites em que eu sinto | roçar-nos lábios d’alma sedentos
| a taça da beleza” [111 B-20]), “silêncio”, “dor”, “horror”, “trovão”, relâmpago”.
Na introdução à edição de 2007 de Paradise Lost, a editora Barbara Lewalski
argumenta que:
In his Christian Doctrine Milton argued that all ideas or images of the incomprehensible God
are necessarily metaphoric, but that they should correspond to the way God has presented
himself in the Scriptures. Accordingly, he can present the God of Paradise Lost displaying a
range of emotions (fear, wrath, scorn, dismay, love) as Jehovah does in the Hebrew Bible and
its various theophanies […].
(LEWALSKI, 2007: xxiv)
Ao longo dos 12 Livros de Paradise Lost encontram-se pelo menos 26 referências a
“scorn” (desdém). Anon também faz uso desta característica em “The Fall of the
Titan”:
He fell; the startled earth, with frantic fury stung,
Split, burst and broke; the air with rankling curses rung
But in the sky the Sun still smilèd as in scorn! ...
Também em “Briareu”:
2º Semicoro
Já em seu *uso eterno
as montanhas estão
nos seus lugares.
Mas porque param os obreiros?
Porque juntos avançam
todos como que preparando-se
para trabalho mais violento
que maior esforço exige?
Oh horror! Oh horror!
Para o Etna caminham
e passam pelo estendido
corpo silencioso,
arquejante e dorido
de Briareu gigante
e sorriem desdenhosos,
para o Etna avançando.
No soneto de Anon, “The Fall of the Titan”, figura “glittering”:
The lightning shrinks, the seas in roaring clangour splash;
The giant sways, and now, with sudden thunderous crash,
Falls, and the thronèd stars from glittering seats are torn...
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
E veja-se em “Briareu”:
Briareu Rútilas vidas frias e distantes,
existências estranhas ao sentido
da nossa vida, frias solidões
cujo silêncio desmedido desce
em sonhos à nossa alma; estrelas tristes
interpretando vaga e ◊
um sonho da nossa alma, uma saudade
do nosso coração inconsciente;
estrelas que nesta noite sem luar
deixais cair do vosso afastamento
a solidão; que misteriosamente
de aspiração ungis a alma do ser.
A imagem das estrelas frias e longínquas também aparece em “Tífon”, texto 5:
Tífon
Ó silêncio da noute negro e frio,
pestanejar longínquo das estrelas,
Ó noute,
Em Paradise Lost, Livro I, linha 63 “No light, but rather darkness visible” (Fig. 34), e
em “Briareu”, texto 16 [111 B-23 a 27]:
Coro
O dia infindo raia sobre a terra
e a sua luz o negreja os destroços
da alta coluna erguida até aos céus.
Levantem-se inda lentos e aturdidos,
contritos e ◊ os Titãs,
salvo o gigante Briareu, que jaz
caindo da extrema altura suma,
aturdido, por léguas estirando-se
da terra alegre sob o sol nascente.
IV. Algumas observações prosódicas na trilogia.
Em “Briareu” podemos observar como Pessoa tenta construir o decassílabo. Ver, por
exemplo, a queda da vogal “e” na primeira variante do verso: “Nem me são
<e>[↑‘]stranh<as>[↑os], nos jardins dos deuses | das deusas”:
Fig. 40. “Briareu” [BNP/E3, 111 B-16r].
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Milton, Anon e Prosódia
Fig. 41. “Briareu”. [BNP/E3, 111 B-17].
De seguida escandimos estes oito versos indicando as sílabas métricas acentuadas e
o tipo de decassílabo (Heroico [4-6-10]; Martelo [3-6-10]; Sáfico [4-8-10]):
Rútilas vidas frias e distantes,
existências estranhas ao sentido
da nossa vida, frias solidões
cujo silêncio desmedido desce
em sonhos à nossa alma; estrelas tristes
interpretando vaga e ◊
um sonho da nossa alma, uma saudade
do nosso coração inconsciente;44
[1-4-6-10]
[3-6-10]
[4-6-10]
[4-8-10]
[2-6-8-10]
[4-6-◊]
[2-6-10]
[6-10]
No texto 11 de “Briareu” [BNP/E3 111 B-8 a 15], composto por versos de metros
diversos, e.g., heroicos quebrados (6 silabas métricas) e octossílabos, observa-se o
uso do dissílabo “Caiu” com recurso a anáfora, antes de fechar a fala com um heroico
quebrado.
Briareu Oh, Mãe, minha mãe adorada!
Tu em quem só pensando
turvam-se de ternura
os meus olhos que te amam,
oh minha mãe, não me demovas
da empresa ardente e vasta,
da guerra eterna ao Mal
Por motivos rítmicos acontece um hiato em “cien”, (ci-en-te), o que faz deste caso um exemplo
curioso de "representative verse". Este hiato pode ser interpretado como representativo do intervalo
para o silêncio que desce desmedido para a alma (cf. verso 4). Seria necessário escandir toda a peça e
identificar outras ocorrências (de hiato) com função semelhante (neste ou noutro texto) para afirmar
com maior segurança que o hiato foi utilizado com essa finalidade por parte do autor. Em todo o
caso, registamos a hipótese.
44
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Milton, Anon e Prosódia
que tem o trono no Infinito,
Jove o seu nome.
Quem diz que ele é omnipotente
Senão o terror do seu braço
forte e avassalador?
Mas força não *é *toda a força.
Quem diz que ele é omnipotente?
Antes dele havia Saturno,
Saturno, Cronos, Tempo;
E quem mais do que esse
omnipotente julgaria?
Mas um dia
do seu trono, onde exaltado
enchia a solidão
com a sombra do seu poder,
caiu.
Caiu no abismo fundo
“Briareu”, Texto 12 [111 B-32 a 35]. Nesta fala que abre com três tetrassílabos
seguidos de um decassílabo heróico, encontramos o verbo cair (“Cai”) num único
verso:
*Coro Horror! Horror!
Já lentamente,
pesadamente,
com horroroso esforço ao descobrir
lentamente das mãos,
dos centros de mãos,
o monte lentamente
sobre o gigante prostrado
treme os músculos rígidos
dos obreiros de Júpiter.
O sol já o não vê,
já está ele e o corpo
do gigante Briareu,
o monte Etna já quasi *tocando
no corpo estendido,
não o deixa ver a luz.
E das mãos já rasgadas
dos algozes passivos,
da mão em sangue vêm destruindo
com lentidão mais horrorosa
do que rapidez *ruim
o monte Etna descendo
ao seu lugar eterno
sobre o corpo prostrado
do gigante Briareu.
Já não se vê o corpo
sob estreito espaço invisível,
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42
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
entre ele e a base do monte que desce
fica escuro tudo.
De repente,
das mãos em sangue
dos obreiros
cai,
pouco esforço,
o monte enorme
e do seu peso enorme carregado
enterra pela terra dentro,
debaixo de si para sempre,
o corpo que não pode morrer
do gigante Briareu!
“Briareu”, Texto 20 [111 B-40 a 43]. Também acontece com interjeições. Recurso de
anáforas: “E” e “Na” e versos de diferentes metros (monossílabo [uma silaba
métrica], trissílabo, quadrissílabo, pentassílabo, heróico quebrado, redondilha
maior, octossílabo, etc.):
Tudo que existe
para ser muito
de se sentir existir
no *terror horroroso
aonde a natureza
e a vida e o ser,
e o pensamento e o sentido
vácuos se reúnem,
esvaziados calam-se.
Súbito
relâmpago enchendo os campos do infinito,
ocupando o esforço com sua forma seres finitos,
na sua luz mais horrorosa,
ou qualquer sonho pávido
faz os objectos todos desaparecer
na sua luz intensa,
na sua luz que no horror
ocupando tudo,
um momento eterno
enche os corações
numa luz imensa,
ocupa o esforço inteiro
e os corações imensos.
Os dois primeiros versos do “Fim” são claramente decassílabos:
E uma eterna revolta sufocada
Maior que Jove em seu poder, e mais
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
[1-3-6-10] (Martelo)
[2-4-8-10] (Sáfico)
43
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 42. “Briareu”, Texto 23 [BNP/E3, 111 B-19v].
No terceiro verso (Sublime etern<al>/o\, <vasto> [↑ *ardente], e d’ †), trata-se muito
provavelmente de um decassílabo, tendo o seguinte padrão rítmico até a cesura
Sublime eterno, [...]
[2-4]
O padrão após a cesura poderia ser o do decassílabo heróico ou sáfico.45
*
No presente artigo defende-se que a “Trilogia dos Gigantes” terá tido como uma das
suas fontes mais directas o Paradise Lost de Milton, poeta cujos métodos de
composição foram pormenorizadamente estudados por Pessoa em Durban,
nomeadamente em 1904. Os documentos consultados mostram que a escrita de
“Trilogia” terá estado nos planos de Pessoa durante bastante tempo e, pelo menos,
a partir de c. 1913, mas a leitura relacionada com temas afins terá começado bastante
mais cedo. Procurámos também demonstrar a existência de produção poética
anterior relacionada com a questão dos mitos e o tema da queda, designadamente,
através da figura autoral de Charles Robert Anon (“The Fall of Titan”). Os
argumentos foram apresentados relacionando-se documentos provenientes do espólio
de Pessoa em dois locais diferentes: BNP/Espólio 3 e marginália presente nos livros
da Biblioteca Particular de Pessoa, à guarda da Casa Fernando Pessoa.
Actualmente, a edição digital oferece a seguinte leitura: “sublime eterno, *ardente e daquilo”, cf.
http://www.trilogiadosgigantes.com/autores. Consultado em 27/10/2021.
45
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
44
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
A marginália presente nos exemplares tratados é diversa: comentários
estilísticos, linguísticos e de técnicas de composição poética que remontam aos anos
de formação em Durban (Virgílio, Milton, Keats, Trent), crítica literária (Milton,
Keats, Whitman), produção poética (Milton) ou tradução (Milton). Pelo contributo
para o estudo dos processos de composição pessoana e, especificamente, para a
génese da “Trilogia”, publica-se pela primeira vez na íntegra a marginália verbal
presente no exemplar de Milton.
Pessoa constrói a sua voz poética em simultâneo com a do tradutor e do
crítico, e isto é possível identificar na marginália presente nos exemplares estudados.
Das escansões às referências extra-bibliográficas, a marginália de Pessoa convoca
uma constelação de vozes para ensaiar a(s) sua(s) e ganha amplitude ao ser
relacionada com os numerosos testemunhos à guarda do espólio 3, de que o presente
artigo é exemplo.46 No entanto, muito fica ainda por transcrever, datar, e estudar de
maneira pormenorizada. De cada vez que um exemplar da Biblioteca de Pessoa e/ou
um texto do Espólio 3 for transcrito, estudado e disponibilizado em livro impresso
ou em edição digital, o mapa crítico destas constelações é enriquecido e a obra de
Fernando Pessoa tornada mais universal.
Muitos destes casos foram coligidos, por exemplo, por Pauly Ellen Bothe no volume de Apreciações
Literárias (PESSOA, 2013) e, no que diz respeito à assídua pratica de Pessoa enquanto tradutor, no
recente estudo de Claudia J. FISCHER e Patricio FERRARI (2020).
46
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
45
Anexo
Transcrição da marginália verbal presente no volume de Milton, John [s.d.] The
Poetical Works of John Milton. London: George Routledge and Sons.
NORMAS DE TRANSCRIÇÃO
São reproduzidas todas as imagens do exemplar até ao Livro Segundo, de Paradise
Lost, a partir do qual se reproduzem apenas imagens com anotações verbais. Estas
são transcritas, excluindo-se apenas as anotações não-verbais (sublinhados, traços
verticais, outros riscos), numerais ou escansões. A preto transcreve-se as anotações
efectuadas a tinta preta; e a azul, aquelas efectuadas a lápis de carvão. No texto
transcrito a utilização dos colchetes serve para desenvolver abreviaturas,
acrescentos de ortografia ou outras intervenções. Os sublinhados são transcritos em
itálico. No texto e nas notas de rodapé que contêm informação de natureza genética
figuram os seguintes símbolos utilizados na edição crítica das obras de Fernando
Pessoa da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e nas edições da Tinta-da-china. A
estes foi acrescentado o símbolo |–|.
LISTA DE SÍMBOLOS
□
|
*
†
//
<>
<> / \
<> [↑]
[↑]
[↓]
[→]
[←]
|–|
espaço deixado em branco pelo autor
mudança de linha
leitura conjecturada
palavra ilegível
hesitação do autor
segmento autógrafo riscado
substituição por superposição
substituição por riscado e acrescento
acrescento na entrelinha superior
acrescento na entrelinha inferior
acrescento na margem direita
acrescento na margem esquerda
traço separador
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 21. MILTON (s.d.: capa) (CFP 8-359).
= Volume N.º 3 =
“Milton himself says that ‘true <poetical> [↑ musical] delight
consists only in apt numbers, fit quantity of syllables, and the
sense variously drawn out from one verse into another’.
A. J. Wyatt quotes the following passage
from an anonymous author:
“To analyse <the> Miltonic blank verse in all its
details would be the work of much study and
prolonged labour. It is enough to indicate the
fact that the most sonorous passages commence and
terminate with interrupted lines. etc etc
Imagination
Imagination
Fig. 22. MILTON (s.d.: verso da capa e folha de guarda) (CFP 8-359).47
47
No verso da contracapa encontra-se a anotação “= Volume Number 3 =”.
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
47
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 23. MILTON (s.d.: folha de guarda e de rosto) (CFP 8-359).
<Simile>
Fig 24. MILTON (s.d.: [iv] e [v]) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
48
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 25. MILTON (s.d.: vi, [vii]) (CFP 8-359).
See Addison (“Spectator” Nº 303)
Fig. 26. MILTON (s.d.: viii, 1) (CFP 8-359).48
À direita da anotação uma seta curva remete para a indicação “Book I”. A nota remete para o artigo
de Joseph Addison acerca de Paradise Lost, publicado no número 303 do periódico Spectator [Sábado,
16 de Fevereiro de 1712], presente no volume que se encontra na Biblioteca Particular de Pessoa;
48
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
49
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 27. MILTON (s.d.: 2, 3) (CFP 8-359) 49
The tree of
knowledge
(Imitated by Pope. See
Herein – Note 4. Page 27)
Que ousára
O omnip.[otente] provocar a guerra.
Cp. Vergil. Aeneid VI.,
Lines 577-579.
(See further on, next page).
ADDISON, Joseph; STEELE, Richard (1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons, pp. 435438 (CFP 8-3) http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/8-3
Nesta página, Livro I, linha 34, Milton refere pela primeira vez como causa da queda do Paraíso
“Th’ infernal Serpent”. No poema, é também designado por “Devil”, “Belzebu” ou “Satan”. Pessoa
referir-se-á ao Diabo de Milton no texto “A Hora do Diabo”: Desde o principio do mundo que me
insultam e me calumniam. Os mesmos poetas – por natureza meus amigos – que me defendem, me
não teem defendido bem. Um – um inglez chamado Milton – fez-me perder, com parceiros meus,
uma batalha indefinida que nunca se travou. Outro – um allemão chamado Goethe – deu-me um
papel de alcoviteiro numa <tar>/xxx\ tragedia <sem grandeza>/de aldeia\. [277 W-18]; cf. PESSOA
(2004: 56).
49
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
50
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 28. MILTON (s.d.: 4, 5) (CFP 8-359).
See Below.
see below.
nem vem a esperança
Que a todos vem,
Bentley reads “and”.50
Cp. Vergil. Aeneid.
VI., 577-579.
Cp. with
Penseroso:
“Where glowing
embers through
the room
Teach light to
counterfeit
a gloom”.51
Estudo da vingança, odio immortal,
Brio em nunca ceder ou submetter
Richard Bentley (1662-1742), editor de Paradise Lost: A New Edition. London, 1732. Trata-se de uma
das edições de referência consultadas por Theodore Alois Buckley, editor do volume pertencente à
biblioteca de Pessoa. As notas de rodapé de Buckley registam, entre outras informações, diferenças
de leitura observadas nas várias edições do poema miltónico. Estas informações são muitas vezes
reproduzidas por Pessoa no corpo da página, junto ao segmento de texto a que se referem. No caso
em apreço, Pessoa sublinha e reproduz a informação que se encontra na nota de rodapé 3 da página 5.
Outras vezes, como se observa na mesma página, sinaliza a existência de uma nota considerada
relevante, por exemplo, através de “see below”.
50
Anotação inscrita junto a nota de rodapé 1, onde o editor esclarece acerca do uso, em Milton, da
expressão “darkness visible” como correspondente da palavra “gloom”. São dados exemplos de usos
de palavras e expressões com função semelhante – a de designar uma certa intensidade de luz que
no meio da escuridão ainda possibilite alguma visibilidade – em outros autores: Seneca, Epist. lvii;
51
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
51
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
See below.
See below.
scan “sp'rit.”
Elision.
Fig. 29. MILTON (s.d.: 6, 7) (CFP 8-359).
See below.
See below.
See below.
See below.
(See Vergil,
Aeneid VI,
580 et seq.)
Fig. 10. MILTON (s.d.: 8, 9) (CFP 8-359).
Antonio de Solis, History of the Conquest of Mexico; Spenser, The Faerie Queene. Pessoa acrescenta à
margem esta informação remetendo para os versos de Il Penseroso (Milton, [s.d.]: 435) onde Milton
usa a palavra “gloom”: “Teach light to counterfeit a gloom”. Os versos de Il Penseroso neste exemplar
não exibem marginália, contudo, a atenção de Pessoa à palavra e à expressão, aos seus usos e funções,
é expressiva e, neste caso particular, pode encontrar-se ecos na escrita de “Briareu”, um dos textos
pertencentes ao projecto intitulado “Trilogia dos Gigantes”, “O dia infindo raia sobre a terra / e a sua
luz negreja os destroços” [http://www.trilogiadosgigantes.com/autores]; “Briareu”, texto 16 [111 B23 a 27], conforme se argumenta no presente artigo.
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
52
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Reinar no inferno que servir no céo
Respondeu, “chefe das preclaras hostes
Que salvo o omnip.[otente] ninguem vencera
em todos os assaltos
O seu signal seguro, assumirão
Nova coragem inda, posto estejam
N’um lago de fogo abjectas
Como até ora nós, atordoados:
□ de tamanha queda.”
antes
Fig. 30. MILTON (s.d.: 10, 11) (CFP 8-359).52
Tal voz alçou tão alto, que echoou
O ôco do orco profundo.
Fig. 31. MILTON (s.d.: 12, 13) (CFP 8-359).53
Veja-se a alteração: “Que nem [↑ salvo]...”. Poderá faltar, embora não necessariamente, a tradução
de uma palavra do verso (cf. “astounded and amazed”).
52
Notem-se as variantes: “Chamou tão alto [↑ Tal voz alçou], Que eccoou [↓ echoou] | O ôco do [↑
orco] profundo”.
53
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
53
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 32. MILTON (s.d.: 14, 15) (CFP 8-359).
CRA
use of names
Nem presa nem serva de □
Nem fundada na força
frágil de ossos
Fig. 33. MILTON (s.d.: 16, 17) (CFP 8-359).54
“CRA” (i.e., Charles Robert Anon), no canto superior esquerdo da p. 17. Acerca da presença das
iniciais desta figura pessoana nesta página de Milton ver, sobretudo, nota 33 do presente artigo.
(Existe uma anotação ainda não decifrada na p. 16.)
54
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
54
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 34. MILTON (s.d.: 18, 19) (CFP 8-359).
E o rei rebelde dobrou
Esse peccado em B.[ethel] e em D.[an]
BELIAL.
Rimmon seguia56, □
anjo ameno
nas ferteis margens
D.[amascus] P.[harphar] A.[bbana] lucidos rios.
Depois55 Blial veio, mais lascivo
Do qual nenhum outro cahiu, nem
mais grosseiro
A amar o vicio por seu vicio: templo
nem altar
Tinha; mas quem □
a telling word.
(Hazlitt).57
55
<Dep> Depois
56
Seguia-<o> [→ Rimmon],
A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa conserva um exemplar da colecção de ensaios do crítico
inglês William Hazlitt (1905) Hazlitt’s Essays: a selection. London: Cassell and Company (CFP 8-247),
assinado e datado “F. A. N. Pessôa. | January, 1906.”
57
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
55
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 35. MILTON (s.d.: 20, 21) (CFP 8-359).
Fig. 36a. MILTON (s.d.: 22, 23) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
56
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 17b. MILTON (s.d.: 23; pormenor) (CFP 8-359).
Addison (Spec. 297)58
takes exception to this
phrase59
Guerreado por cegonhas,
De Phlegra com a raça □
Que em Thebas e Ilion, □
de cada parte □
C/[om] deuses auxiliares, e o que sôa
Em fabulas □
E a que depois, infiéis ou baptizados,
□
Marrocos, ou Damasco ou Trebizonda
Ou quem Biserta d’Africa enviou
Quando cahira □ Carlos Magno
Em Fontarabia. Assim excedia
Estas comparações humanas, ainda
Assim olham □ temido commandante,
This simile60 unites simplicity
with beauty: the best & most
striking kind of simile =
We seem
to see
Satan.
A nota da página 22 do livro The Poetical Works of John Milton remete para o artigo de Joseph Addison
acerca de Paradise Lost, publicado no número 297 do periódico Spectator [Sábado, 9 de Fevereiro de
1712], presente no volume conservado na biblioteca de Pessoa, ADDISON, Joseph; STEELE, Richard
(1896). The Spectator. London: George Routledge & Sons, pp. 425-428 (CFP 8-3). A passagem destacada
por Pessoa no volume de Milton é referida por Addison na página 427, do artigo indicado.
http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/8-3
58
59
<remark> phrase
60
<image> [↑ simile]
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
57
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
depression
Magnificent
One of the most
magnificent things
in Milton
Fig. 37. MILTON (s.d.: 24, 25) (CFP 8-359).
wonder
(weak)
(strong)
These are objectionable, being technical terms.
Addison
same as Vulcan.
Famous passage –
a beautiful simile.
Fig. 38. MILTON (s.d.: 26, 27) (CFP 8-359).61
A anotação “same as Vulcan.” refere-se à palavra sublinhada (l. 740), “Mulciber”. Pessoa reproduz
a indicação de correspondência dos nomes indicada na nota de rodapé 4, da mesma página. No
documento intitulado “Caesurae in Milton’s fall of Mulciber”, datado de 1904-1905 [BNP/E3, 104A59r], Pessoa transcreve as linhas 738-751 (pp. 27-28), com indicação de cesuras. No exemplar pode
observar-se que as respectivas linhas exibem um traço vertical na margem direita, a tinta preta.
61
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
58
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 39. MILTON (s.d.: 28, 29) (CFP 8-359).
Como estr.[ela] cad.[ente] do zenith
Sobre Lemnos, a i[lha] egêa,
Assim
Contam, errando; □
nem lhe valia □
seus62
despenhado com
artifices no inferno
e construir
Mas dentro em si
E em suas dimensões
como elles
mesmos
62
[↑ despenhado] com seus
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
59
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 40. MILTON (s.d.: 30, 31) (CFP 8-359).
Tornado mais que desesp’rança63
A mais aspira, querer insaciavel64 em
Com o céo guerra vã, nem por victoria
Experiente ou □65 assim
Suas altas imaginações:
“Poderes, □ deidades do céo,
Em alto throno regio, que em riqueza
Excedia Ormus, Indo e onde o Oriente
Com mão prodigiosa
Perola e ouro barbaros derrama
Está Satan66 por merito elevado67
A essa má eminencia; de desespero
Some think “barbaric”
refers to “Kings”
Assim além da esperança já elevado, [↑ Do desespero até além da esperança] [↑ já elevado] [↑
Tornado mais que esp’rança] [↑ desesp’rança]
63
64
[↓ querer] insaciavel
65
<*ensinada [↑ †]>
66
Está <o que> [↑ Satan]
67
<†> [↑ elevado]
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
60
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 41. MILTON (s.d.: 32, 33) (CFP 8-359).
Ergueu-se, o ms feroz e forte spirito
Que no céo luctou, agora
No desespero mais enfurecido.
Em sua □ com o Eterno ser tudo
Egual em força, e antes
De que ser menos
Nada ser; e perdido esse cuidado
Seus medos: Deus, inferno, peor68
que houvesse
Ou peor desprezo; assim
fallo:
68
<†> [↑ peor]
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
61
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 42. MILTON (s.d.: 34, 35) (CFP 8-359).
Milton has forgotten, when he makes Satan speak
of the *hour as of death or extinction, that there is no
death from out eternity and that Satan is immortal
and is in truth in immortal region. nonsense.69
But it is very
difficult to be
correct in matters
of high imagination!
How true!
As a human
utterance this
would have been
magnificent
No largo ventre da increada noite
Cp
Latin “impotens sui”.
As três anotações efectuadas a tinta preta na parte superior da folha (margem superior, margem
esquerda, e direita) foram rasuradas a lápis de carvão dando ocasião ao comentário “nonsense”. Este
comentário parece aplicar-se aos três segmentos riscados. Das anotações a tinta preta localizadas na
parte superior da folha, apenas o comentário “How true!”, referente aos cinco primeiros versos
(Milton, Paradise Lost, Book II, ll. 146-150), não foi rasurado.
69
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
62
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 43. MILTON (s.d.: 36, 37) (CFP 8-359).
Com atlanticos hombros □
□; o seu aspecto
Faz attenção silente como a noite.
E a sesta o verão, assim falla:
Fig. 44. MILTON (s.d.: 38, 39) (CFP 8-359).70
Vejam-se algumas alterações: “o seu <olhar> [↑ modo] [↑ aspecto] | Faz audiente atenção como a
noite [↓ Faz attenção silente como a | noite.]”. Refira-se que a palavra “silente” é usada nove vezes
em “Briareu” e uma vez em “Tífon”, (cf. http://www.trilogiadosgigantes.com/autores)
70
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
63
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 45. MILTON (s.d.: 40, 41) (CFP 8-359).
Fig. 46. MILTON (s.d.: 40, 41) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
64
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 47. MILTON (s.d.: 42, 43) (CFP 8-359).
Fig. 48. MILTON (s.d.: 44, 45) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
65
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Do Lethe, rio do esquecer, deslisa
Fig. 49. MILTON (s.d.: 46, 47) (CFP 8-359).
Esperança fallaz ou armar o □ obduro
Com couraça de paciencia71
Horrendo Styx
Triste Acheronte □ negro e profundo
C.[ocytus] de lamento □ chamando
□
This is model reprea fine line (liquid sound).
sentative versification
The liquid sound extends
because it seems
to the other line [part of
it].
to have come naturally from Milton’s
pen; the words
are perfectly natural
& it seems that no other words could be used. Nothing is strained –
Longe d’estes silente e vagaroso72
Não derretida mas amontoada
A parecer ruina do edificio
Antigo75
O73 acqueo labyrinto, d’um que bebe
Seu anterior estado e ser deslembra74
Tanto alegrias como dôr esquece.
Mais além um gelado continente
Jaz negro e extranho açoitado
De eternas tempestades, vento e pedra
Com [↑ couraça de] paciencia
Longe d’estes <um rio> <[↑ *um †]> [↑ silente e vagaroso] silencioso
73 [← Lethe a corrente do esquecimento /estende/] | <Seu>/O\
74 <Esquece logo *ser □ ser> | Seu <ser e> [↑ anterior] estado| <anterior> [↑ e ser] deslembra
75 Primeira versão: “[← Que não derrete, mas q[ue] se amontou] | [← Parecendo ruina de castello] |
[←Antigo]”. Nos versos alternativos, o segundo mudou: “*Q[ue] parece [↑ A parecer] ruina do
71
72
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
66
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 50. MILTON (s.d.: 48, 49) (CFP 8-359).
[representative versification; not model but
somewhat
strained]
Fig. 51. MILTON (s.d.: 50, 51) (CFP 8-359).
castello [↓ edificio]”. Os versos “edificio |Antigo” são traduções de texto já na página 48, sem
marginália: “Of ancient pile;” (Milton, Paradise Lost, Book II, l. 591).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
67
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 52. MILTON (s.d.: 52, 53) (CFP 8-359).
Fig. 53. MILTON (s.d.: 54, 55) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
68
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Do solo ardente de Cyrene ou Barca,76
Si parva licet +c
Georgics IV.
Fig. 54. MILTON (s.d.: 56, 57) (CFP 8-359).77
Fig. 55. MILTON (s.d.: 58, 59) (CFP 8-359).
76
<*D’ardente> Do solo ardente
Nota: “+c” é abreviatura de “etcetera”. Si parva licet componere magnis. “Locução latina que significa
‘se é lícito comparar as pequenas coisas às grandes’. Expressão de Virgílio, ao comparar o trabalho
das abelhas ao dos ciclopes. Fonte: Virgílio, Geórgicas, IV, 176.” Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha, consultado em 13-10-2021; cf. “componere magnis”].
77
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
69
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 56. MILTON (s.d.: 60, 61) (CFP 8-359).
Fig. 57. MILTON (s.d.: 60, 61) (CFP 8-359).
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
70
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 58. MILTON (s.d.: 128, [258]) (CFP 8-359).
Paradise Lost.
Notes on: Book II Lines 142-151.78
unworthy of
an Epic
78
Lines <146 -> 142 - 151. [Última marginália em Paradise Lost.]
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
71
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
breathe
Fig. 59. MILTON (s.d.: 358, 359) (CFP 8-359).
Fig. 60. MILTON (s.d.: 412, 413) (CFP 8-359).
anticipate, come before.
Faults of the Nativity Ode are:
(1) Inequality of treatment
(2) Too gorgeous use of ornament
(3) Weak & inappropriate ending.
The conception & arrangement of the whole are very remarkable
Mathew79
As observações registadas por Pessoa acerca da «concepção e composição» da ode On the Morning
of Christ’s Nativity terão sido adquiridas no exemplar E. J. Mathew (1901) A History of English
79
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
72
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 61. MILTON (s.d.: 414, 415) (CFP 8-359).
English Alexandrine].80
English
Alexandrine81
English Alexandrine.82
Every word expresses fixedness.
Literature. London: Macmillan (FERRARI, 2010), um título dado como extraviado da sua biblioteca
particular (FERRARI, 2009: 212). Ferrari baseia-se na lista de “Obras em inglês constantes da biblioteca
de Fernando Pessoa adquiridas durante a sua permanência em Durban” (cf. SEVERINO, 1983).
80
[<False> [↑ English] Alexandrine]
81
[<False> [↑ English] Alexandrine]
82
[<False> [↑ English] Alexandrine].
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
73
Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 62. MILTON (s.d.: 416, 424) (CFP 8-359).
English Alexandrine.83
Cf Ben Jonson
Every word expresses fixedness.
Lines of 6
syllables alternating with lines
of 10.
Trochaic inversion - 1st foot
1st Foot - trochaic inversion.
7 syllables. Trochaic.
Fig. 63. MILTON (s.d.: 428, 429) (CFP 8-359).84
83
[<False> [↑ English] Alexandrine].
84
Veja-se uma alteração: “<syllable> [↑ foot]”.
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
dressed, adorned.
feed at large
Note
Ursa Minor (constellation).
three-stringed fiddles.
Fig. 64. MILTON (s.d.: 430, 431) (CFP 8-359).
frizzled, crisped, curled.
Cephalus (Note).
gaudy.
Fig. 65. MILTON (s.d.: 436, 437) (CFP 8-359).
The accent should be in the last
syllable
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Fig. 66. MILTON (s.d.: 453, 475) (CFP 8-359).
(Note)
since “courtesy”
comes from “court”.
Fig. 67. MILTON (s.d.: [483], 570) (CFP 8-359).
This Sonnet reminds us somewhat of Keats (in his Sonnets).85
The End
85
Emenda de vírgula para parênteses, no último segmento, «Keats <,>/(\ in his Sonnets).»
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Char[les] Search
Milton
FPessôa FPessôa
Milton
Fig. 68. MILTON (s.d.: verso da contracapa)
(CFP 8-359).
Search
Milton
Milton.
Milton
Charles
FPessôa
FPessôa
Charles Search
Milton86
As storm on calm at length he spoke & broke87
the horrid silence with more horrid voice –
Voice no – that he but laugh’d. A sudden dull
Fell on my soul & fear my skin is poised
And shook my limbs. A voice so terrible
that if88 the dead the cold and rotting dead
with eyeballs lustreless shown sudden speak
A voice such theirs would be. The laugh did ring89
Along the palace whole – no madman *pens
No horrid hay, no raven croaking hoars –
His voice of doom at night could ever *reach
Power so horrid, Pillar, hall90 and cave
Echoed that voice enorm, and lacèd wall
Echoed in Irony t' increase my fear.
Sent91 a dull along my forehead
Who am I? I am thyself
Myself. Thyself indeed, oh happy man,
Didst ever know that I am e’en thy self?92
Here do I suffer pains Thanox huge
Regard me well – for I am e’en thyself
thy very self. † me no *more, *I *see,
= Volume Number 3 =93
Char[les] Search [→ Milton.] | <Milton> [→ <Milton> /Charles\] [→ F Pessôa] | F Pessôa | Milton
[→ Search] [→ Charles Search] | Milton [→ Milton]. Fac-símile e transcrição dos exercícios de
assinatura também em FERRARI (2015: 16).
86
As anotações nesta guarda final foram rasuradas, à excepção dos exercícios de assinatura: “<*deepest
speak> [↑ spoke & broke]”. Os dois primeiros dois versos foram relacionados com passagem inicial
acerca de Satã, “To whom th' Arch-Enemy, | And thence in Heav'n call'd Satan, with bold words |
Breaking the horrid silence thus began” (Paradise Lost, Liv, I, ll. 81-83; cf. FERRARI, 2015: 16).
87
88
<even>/if\
89
did [↓ ring]
90
<P>/h\all
91
[← Sent]
92
Cf. FERRARI (2015: 17).
Margem esquerda, vertical, sentido ascendente: “As when the priests of some horrid | god †††† |
something to sacrifice”.
93
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
77
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TERESA FILIPE é bolseira de doutoramento da FCT (SFRH/BD/118378/2016) em Crítica Textual
com um projecto intitulado “Edição digital e estudo da marginália de Fernando Pessoa”, Centro
de Linguística da Universidade de Lisboa. Publica regularmente ensaios sobre a marginália nos
livros da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa. Licenciada em Filosofia (2010) e Mestre em
Filosofia Contemporânea (2012) pela Universidade de Évora. Bolseira de investigação no
“Projecto de Edição das Obras Completas de Eduardo Lourenço”, Fundação Calouste
Gulbenkian-Universidade de Évora (2010-2015). Autora de Metafísica da Revolução. Poética e
Política no Ensaísmo de Eduardo Lourenço (2013) e cotradutora de O Nomear e a Necessidade, de Saul
Kripke (2012).
TERESA FILIPE received a PhD grant from FCT (SFRH/BD/118378/2016) in Textual Criticism with
a project entitled “Study and Digital Edition of Fernando Pessoa’s Marginalia,” at the Center of
Linguistics of The School of Arts and Humanities, University of Lisbon. She regularly publishes
essays on Fernando Pessoa’s marginalia from his private library. She holds a BA in Philosophy,
Minor in Translation (2010) and an MA in Contemporary Philosophy (2012), both at
Universidade de Évora, Portugal. Research fellow at the project “Edition of the Complete Works
of Eduardo Lourenço” funded by Fundação Calouste Gulbenkian-Universidade de Évora (20102015). Author of Metafísica da Revolução. Poética e Política no Ensaísmo de Eduardo Lourenço
[Metaphysics of a Revolution. Poetics and Politics in Eduardo Lourenço’s essaysm] (2013).
Cotranslator of O Nomear e a Necessidade [Naming and Necessity], by Saul Kripke (2012).
―――
PATRICIO FERRARI é poeta, editor e tradutor literário (inglês, francês, italiano, português,
espanhol). Deixou o seu Merlo natal (Buenos Aires) aos 16. Desde então, tem levado uma vida
aunando literatura e línguas. Recebeu um mestrado em Literatura Comparada pela Université
Sorbonne Nouvelle, um MFA em Poesia pela Brown University e um PhD. em Linguística
Portuguesa pela Universidade de Lisboa. É responsável por sete edições de Fernando Pessoa,
incluindo a primeira edição crítica dos Poèmes français (Éditions de la Différence, 2014). As suas
edições e traduções mais recentes incluem The Galloping Hour: French Poems de Alejandra
Pizarnik (cotraduzido com Forrest Gander; New Directions, 2018) e The Complete Works of Alberto
Caeiro de Fernando Pessoa (coeditado com Jerónimo Pizarro e cotraduzido com Margaret JullCosta; New Directions, 2020). Publicou em The Paris Review, Lit Hub, Asymptote, Perfil, The Wire,
entre outros. Ferrari mora na cidade de Nova Yorque e leciona na Rutgers University. Além
disso, atua como diretor administrativo do San Patricio Language Institute (fundado pela sua
mãe na Grande Buenos Aires em 1971) e colabora com a Endangered Language Alliance na
cidade de NYC (uma organização sem fins lucrativos com foco na diversidade linguística em
áreas urbanas em todo o mundo).
PATRICIO FERRARI is a poet, editor, and literary translator (English, French, Italian, Portuguese,
Spanish). He left his native Merlo (Buenos Aires) at the age of 16. Since then, he’s lived a life
bridging literature and languages. He received a Master’s Degree in Comparative Literature
from the Université Sorbonne Nouvelle, an MFA in Poetry from Brown University, and a PhD.
in Portuguese Linguistics at the Universidade de Lisboa. He is responsible for seven Pessoa
editions, including the first critical edition of his Poèmes français (Éditions de la Différence, 2014).
His recent editions and translations include The Galloping Hour: French Poems by Alejandra
Pizarnik (co-translated with Forrest Gander; New Directions, 2018) and The Complete Works of
Pessoa Plural: 20 (O./Fall 2021)
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Filipe & Ferrari
Milton, Anon e Prosódia
Alberto Caeiro by Fernando Pessoa (co-edited with Jerónimo Pizarro and co-translated with
Margaret Jull-Costa; New Directions, 2020). His work has been featured in The Paris Review, Lit
Hub, Asymptote, Perfil, The Wire, to name a few. Ferrari resides in New York City and teaches at
Rutgers University. Additionally, he serves as Managing Director of San Patricio Language
Institute (founded by his mother in Greater Buenos Aires in 1971) and collaborates with the
Endangered Language Alliance in NYC (a non-profit organization focused on linguistic
diversity within urban areas worldwide).
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