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A natureza da Polícia Militar: história e ecologia

2017

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL (PPGECOH) WAGNER SOARES DE LIMA A Natureza da Polícia Militar: História e Ecologia Orientador: Juracy Marques Juazeiro - BA Out. 2017 WAGNER SOARES DE LIMA A Natureza da Polícia Militar: História e Ecologia Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, do campus de Paulo Afonso da Universidade Estadual da Bahia, como um dos requisitos para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Juracy Marques. Juazeiro - BA Out. 2017 Ficha catalográfica DE LIMA, Wagner S. A Natureza da Polícia Militar: História e Ecologia / Wagner Soares de Lima. – Juazeiro, 2017 – 300p.: il. (color.); xx cm. Orientador: Juracy Marques Dissertação – Universidade Estadual da Bahia Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH) Out., 2017. WAGNER SOARES DE LIMA A Natureza da Polícia Militar: História e Ecologia Texto de aprovação Trabalho aprovado. Juazeiro-BA, ______/_____/2017 Juracy Marques (UNEB) Orientador Luciano Sérgio Ventim Bomfim (UNEB) Dra. Alvany Maria dos Santos Santiago (UNIVASF) A Ieshua Sananda (Jesus); Aos meus filhos: João Pedro, Gabriel (in memoriam), Maria Luiza e Davi Emanuel. E aos policiais militares mortos em serviço ou em decorrência dos anos de trabalho e estilo de vida insalubre, na pessoa do capitão da PMAL Rodrigo Rodrigues Página | 1 AGRADECIMENTOS Agradeço de forma muito especial aos meus mestres filosóficos e espirituais: Ieshua Sananda (Jesus), Sha'ul (Paulo de Tarso), Rajneesh Chandra Mohan Jain (Osho), Luiz Gonzaga Scortecci de Paula (Ben Deijin), Laércio Benedito Fonseca, Rogério Almeida de Freitas (Jan Val Ellam) e Hélio Couto. Aos meus pais, o suboficial reformado da Marinha do Brasil, Wilson Alves de Lima e a bióloga, Maria do Carmo Soares de Lima, pela base moral que me proporcionaram para suportar o assédio corruptível dessa vida e pelo esforço incomensurável que fizeram para sustentar uma educação cara e de qualidade para mim e minha irmã. Há em mim algumas constatações que ainda não pude expressar a meu pai, sobre o que ele sempre disse e sempre teimei em duvidar: “Tudo é energia” e “tudo é genética”; o primeiro “tudo” é abrangente, o segundo, é força de expressão. A José Arthur dos Santos Silva, meu companheiro “Pedro” de todas as horas, por quem nutro um amor profundo, que me acompanhou inclusive em loucuras como a de ir de motocicleta de Recife à Petrolina, para assistir aula do curso de Mestrado. Quem me incentivou e suportou meu período de introspecção prolongado para elaboração da dissertação. A Patricia Soares de Lima, minha irmã consanguínea, pela contribuição da compreensão médica e por ajudar a contextualização dos temas, tendo em vista que é oficial da Polícia Militar de Alagoas, enfrentando os desafios adicionas impostos pelo fato de ser mulher, atuou tanto na área de operações especiais como de polícia comunitária. Ao professor Dr. Juracy Marques, meu orientador, que toda vez que me encontra, mais cedo ou mais tarde, pergunta: “já fez terapia?”. Hoje sou compelido a responder: “vou fazer”. Mas até então a maior terapia foi poder compreender o que se passou comigo nesses quatorzes anos na Polícia Militar. Realmente a autoetnografia tem essa faculdade de iluminar percepções sobre relações do sujeito com seu grupo étnico ou tribo urbana. Às vezes acho engraçada a expressão que o professor Juracy faz do tipo: “de onde você tirou essa ideia?”. A vontade que dá de dizer é “dos autores aludidos em suas obras”. A lista é extensa: Jung, Zizek, Baunam, Lacan, Freud, Gowsami, Guattari, Bateson, Einstein, Maturana, Boff, Chardin, Morin, Chopra, Agabem, Marcuse, Capra entre outros. Lendo Fritjof Capra somei outros tantos. A verdade é quem mais teria condições de recepcionar uma proposta que contempla desde a Biologia Cognitiva e Evolutiva, perpassando pela Antropologia, a Sociologia até Psicologia profunda: Psicanálise e a Psicologia Analítica, aglutinando coisas como a Física Quântica, o taoísmo, o hermetismo, expressões mitológicas? Quem poderia receber uma proposta que “de cara” diz: “quero encontrar o espírito da polícia militar”? Quem mais além de Juracy poderia ainda sim captar disso a questão de sensibilidade humana referente ao adoecimento do sujeito policial? Meu agradecimento também vai ao meu orientador por ter me oportunizado uma importante experiência: em Petrolina, às margens do rio São Francisco, em 2015, eu tive uma experiência espiritual muito forte, que mantive sob discrição, eu fiquei em silêncio enquanto princípios femininos da ordem espiritual, personificado na face e na voz de uma gentil e poderosa mãe, disse: “não se esqueça de mim”. E por isso o trabalho como um todo fala da reintegração da porção feminina de nossa sociedade. Ao professor Erani Nunes Ribeiro, da UFPE, um verdadeiro coorientador, se não de direito, mas de fato e um amigo a quem aprendi a ouvi, pois sua capacidade de análise e prospecção é fabulosa. Quem primeiro me disse: “você Página | 2 precisa ler Harari”, quem antecipou a consideração da banca de qualificação, “você precisa de suporte da teoria crítica”. A ele peço desculpas por não selecionar o corpus teórico de Bourdieu. Sejamos sinceros, Ernani é o “cara”, o novo filósofo da ciência brasileira. À turma 2015.2 do mestrado em Ecologia Humana, do campus de Paulo Afonso, da Uneb: Marcos, Rafael, Amanda, Lirane e Cristiane. Aos professores do programa de pós-graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, nas pessoas do professor Sérgio Luiz Malta de Azevedo (UFCG) e Luciano Sérgio Ventim Bomfim membros da minha banca de qualificação, de quem eu bebi algumas importantes considerações, do primeiro, sobre a integralização da antiga filosofia ocidental e do segundo, a necessidade de partículas da Teoria Crítica nas ponderações em Ecologia Social. Bem como, à professora Eliane Maria de Souza Nogueira, que de forma enfática me fez ver que a presença das formas masculinas de concepção, carregam invariavelmente atributos de violência. Depois pude associar isso ao thanatus freudiano e à auto afirmação de Fritjiof Capra. À professora Dra. Alvany Maria dos Santos Santiago, da Univasf, por compor minha banca de defesa e ter tido a enorme paciência de ler esse calhamaço de páginas e por ter me inspirado a entender a gestão da carreira, como uma atitude de empreendedorismo pessoal, mas também como responsabilidade social das corporações. Minhas visões sobre o intinerário podem ser diferentes, devido o fato de ter sido um policial, mas todos que estamos no caminho da construção da paz, acabamos nos reconhecendo como uma comunidade. Ao físico austríaco Fritjof Capra, por meio de quem passei a nutrir uma admiração especial por alguns estudiosos, dos quais suas ideias foram cruciais para a elaboração dessa dissertação: Carl Gustav Jung, Gregory Bateson, Geoffrey Chew, Anthony Giddens, Gareth Morgan e Ken Wilber. Ao linguista chileno Humberto Maturana, que já me cativava com a Biologia Cognitiva e agora me fez reorientar minha visão para a Biologia do Amor. Ao professor Ricardo Silva, da UFAL, que desde a época da Polícia Civil e da Secretaria de Defesa Social de Alagoas, pode ser considerado uma referência na formação de operadores de segurança pública. Orgulhosamente foi meu orientador na especialização em Gestão Pública. Às professoras Dra. Elaine Pimentel e Dra. Ruth Vasconcelos (que gentilmente cedeu acesso a um texto valioso sobre Sociologia Clínica freudiana), coordenadoras do Núcleo de Estudo da Violência de Alagoas (NEVIAL). À equipe multiprofissional de primeiríssima qualidade que conduziu a Pesquisa QVT, na pessoa da professora Dra. Lígia Fagundes. A forte e brava alagoana, professora Dra. Luitgarde Barros Cavalcanti da UERJ, que me recebeu em sua casa no Rio de Janeiro e me fez ver o valor honrado do traço de masculinidade pronto para defesa dos seus. À professora Dra. Célia Nonata de História Social da UFAL, o termo “marte (in)civilizado” foi cunhado por ela, de quem me inspirei para o uso sobre “autoridade mestiça”. Ao professor Dr. Welington Barbosa Silva da História Social da UFRPE, de quem pude entender todo o universo da segunda linha genealógica da PM: juízes de paz, a guara cívica, bem como a relação ambígua entre os corpos militarizados e os de inspiração da intendência de polícia. Ao professor Dr. Luiz Eduardo Soares da UERJ, que gentilmente me ofertou uma carta de recomendação na seleção anterior (ano 2013) do Mestrado em Ciências Sociais daquela instituição fluminense. Devo a ele a percepção de que a PM precisa mudar. Ao professor Dr. Adriano Oliveira, de Ciência Política da UFPE, a quem eu procurei e me confessou: “estou pesquisando em outra linha Página | 3 agora, mas a problemática de segurança pública me persegue”, estou com “medo” de ter que dizê-lo que o esquema básico desta pesquisa nasce de suas observações quando em contato direto com policiais militares de Pernambuco na escola de formação do Curado em Recife; ou seja, o tema continua a persegui-lo, porque desenvolvi as indagações dele daquela oportunidade. Ao professor Will Eduardo de Goya Campos, filósofo clínico que gentilmente atendeu comunicação eletrônica sobre sua palestra que faz uma crítica construtiva ao texto “Mal na civilização” de Freud e anuncia a “peste” sobre a civilização Ocidental. Ao professor Dr. José Jorge de Morais Zacharias, terapeuta, membro do Instituto Junguiano de São Paulo, que desenvolveu um trabalho seminal sobre tipos psicológicos dos policiais militares de São Paulo, na década de 90. O professor gentilmente respondeu meus contatos e me ajudou entender o problema da predominância de tipos reflexivos racionais na polícia. Ele também aborda a dimensão arquetípica dos orixás da cosmologia afro-brasileira e yorubá. Ambas as linhas de pesquisa me influenciaram de sobremaneira. A Wellington Amâncio, concluinte do mesmo programa, que me ajudou a compor o conceito de Ecologia Humana, bem como, através de seus textos me orientou a buscar suporte na Imaginação Simbólica de Gilbert Duran. À Shirlene Giló, psicopedagoga, a mãe do forte e bravo Davizinho filho do meu primo Rubens Alves. Foi vendo força e a garra dela que concebi as características do arquétipo policial da Mãe Guerreira. Aos policiais e amigos Maxwell dos Santos e Hadriel Santos que me ajudaram de forma proeminente a entender um pouco mais sobre o universo psicológico da PM. Aos policiais militares que foram e são minha família. À minha turma da Academia de Polícia Militar Senador Arnon de Mello, os Aspirantes 2003, nas pessoas de meus amigos e companheiros de luta, os capitães Marcos Costa e Edson Carlos. Capitão José Wilson, filho de Batalha, um mentor que me mostrou muito do que sei da PM. Toda equipe de oficiais alagoanos do Sertão, principalmente aqueles que acreditaram no sonho da criação da Companhia de Caatinga. A alguns oficiais superiores que formaram minha percepção modelar sobre a conduta policial militar: coronel Clara, coronel Gouveia, coronel Dimas, coronel Mário da Hora e coronel Joás Barbosa. Ao meu amigo cabo Márcio (in memorian), o eterno marinheiro. A todos os bravos guerreiros dos Pelopes (Pelotões de Operações Especiais) do 7º e do 9º BPM, a quem saúdo e agradeço nas pessoas do sargento Charles Cavalcante, do meu “primo” Dr. Sobral Alves e às equipes de Pernambuco (Arco Verde, Serra Talhada e Salgueiro), bravos e inteligentes guerreiros. Aos meus amigos do Núcleo de Polícia Comunitária da PMAL, incansáveis batalhadores por mudanças na atuação policial e sua interação com a sociedade: major Alexandre, tenente Sidicley, tenente Dayana e capitã Joyce. À professora Dra. Carla Ticiane, da UFAL, e seus sobrinhos mestres pela UFS, que me ajudaram muito no entendimento sobre bases interdisciplinares na concepção do projeto de pesquisa. Ao Pedro Gustavo e ao tenente Everton Estevão que me ajudaram muito com a língua inglesa na época da seleção e do projeto, bem como à Natália Pontes e a Renan Ferreira na finalização da dissertação. A Lucas Ribeiro que me ajudou muito na seleção dando suporte em Paulo Afonso. AGRADEÇO FINALMENTE AO ETERNO, A MENTE INCOGNOSCÍVEL QUE É E SUSTENTA A TUDO E A TODOS. Página | 4 “Feliz é o leão que o ser humano comerá, pois assim o leão se torna humano. E tolo é o ser humano que o leão comerá, e o leão se tornará humano”. Mestre Jesus Evangelho apócrifo de Tomé “[...] nunca aceitar a descrença dos grandes homens ou as suas acusações de impostura ou de imbecilidade [...]” Alfred Russel Wallace Coautor da Teoria da Evolução Página | 5 RESUMO O sistema de segurança pública brasileiro tem se mostrado ineficaz frente aos números alarmantes da violência e a Polícia Militar, o órgão mais representativo desse sistema, além de ser copartícipe do insucesso, apresenta um comportamento lesivo às comunidades e aos seus próprios integrantes. Tendo sido depreendido muitos esforços em prol de mudanças, pergunta-se: por que a Polícia Militar tanto resiste aos projetos reformuladores? Esta pesquisa teórica, portanto, em um formato de estudo interdisciplinar aos moldes da Ecologia Humana, de abordagem sistêmica com objetivos prospectivos, propôs-se apresentar os principais elementos profundos próprios do modelo institucional policial militar, geradores de resistência às mudanças organizacionais. Para tanto, recorremos a uma extensa revisão bibliográfica, a instrumentos como a etnografia digital, a uma análise institucional histórica e, sobretudo, ao resgate das memórias do autor como ex-nativo da instituição, mediante a autoetnografia. A partir de uma visão ecológica profunda dialogou-se com múltiplos quadros de referência, compostos por contribuições destacadamente de Leonardo Boff, Edgar Morin, Gregory Bateson e Felix Guattari. Mediante o prisma das abordagens de Fritjof Capra, Humberto Maturana e Niklas Luhmann, passou-se a compreender a organização como um sistema social vivo portador de uma dinâmica psíquica autônoma, similar à propriedade autopoiética de um organismo biológico. Munidos de uma sabedoria ecológica aplicada aos estudos organizacionais (com contribuições de Gareth Morgan, Chris Argyris e Edgar Shein), partiu-se para a segunda fase, sondando significados ocultos dos símbolos heráldicos utilizados pelas polícias militares, destacamos três deles: a estrela de cinco pontas, a insígnia e o emblema institucional. Dois caminhos foram selecionados para a pesquisa: um histórico e outro de imagens mentais. O caminho histórico sonda as matrizes institucionais da PM, compondo sua genealogia: a Gendarmaria Nacional francesa, a Guarda Nacional Republicana portuguesa e a Polícia Militar do exército norteamericano entre outras expressões do mundo colonial português. O caminho imagético tece analogias que demonstram as relações ecológicas profundas da instituição. Encontrou-se, portanto, modelos mentais que guardam vínculo com parcelas funcionais da mente organizacional. Disso desenvolveu-se uma tipologia, não dos policiais, mas ideológica dos “deuses” guerreiros, para o qual fazemos uso das expressões mitológicas. Cada grupo de componentes ideológicos ficou associado a uma das quatro funções psicológicas segundo Jung, estabelecendo a tipologia policial arquetípica guerreira: o Pai-Zeloso, o Herói, o Aventureiro e o Guerreiro. Através da narrativa da experiência do autor, revela-se a disputa pela primazia na regência dos destinos institucionais, até então vencida por expressões agressivas: o guerreirocaveira e o aventureiro-caçador, constatando a presença de barreiras mentais, para as quais descrevo meios de como desbloqueá-las. Nas conclusões, discutimos sobre a viabilidade de reformas e a possível necessidade de extinção da Polícia Militar e as consequências de sua ausência no ambiente social e propomos uma re-militarização, como alternativa transitória. Discorremos sobre uma gestão de competências, bem como explanamos sobre as atitudes necessárias a um ativismo interno, ambos para desbancar a ideologia hegemônica. Em um desfecho filosófico-espiritual conectamos a problemática institucional à crise civilizatória da humanidade. Palavras-chave: Ecologia Humana; Pensamento Sistêmico; Psicologia Analítica; Biologia Cognitiva; Autoetnografia. Página | 6 The Nature of the Military Police: History and Ecology ABSTRACT Brazil’s Public Safety System has been shown to be ineffective before the alarming violence numbers and the Military Police, the most representative public organization of that System, besides being co-participant on its failures, presents a harmful behavior towards the communities and its own members. Because many efforts have been understood in favor of change, one poses the question: Why does the Military Police resist so much to re-formulating projects? This theoretical research, therefore, in an interdisciplinary study format modeled after Human Ecology, and with a systemic approach with prospective objectives, proposes to present the Military Police’s own main deep elements of its institutional model, the generators of resistance to organizational changes. For this reason, we resort to an extensive bibliographical review, to instruments like digital ethnography, to a historical institutional analysis and, above all else, to the rescue of the author’s memories as an ex-native of the institution through autoethnography. Starting from a deep ecological vision, the author has dialogued with multiple frameworks of reference, composed of contributions mainly from authors Leonardo Boff, Edgar Morin, Gregory Bateson and Felix Guattari. Through the prism of the approach of Fritjof Capra, Humberto Maturana and Niklas Luhmann, the author has come to understand the organization as a live social system carrying an autonomous psychic dynamic, similar to the autopoietic properties of a biological organism. Provided with an ecological wisdom applied to organizational studies (with contributions from Gareth Morgan, Chris Argyris and Edgar Schein), we arrived at phase two; probing for hidden meanings of the heraldic symbols utilized by the Military Police, we have highlighted three of them: The five-pointed star, the insignia and the institutional emblem. Two paths were selected for the research: a historical one and one other composed of mental images. The historical path probes the institutional matrices of the Military Police, composing its genealogy; the French National Gendarmerie, the Portuguese National Republican Guard and the Military Police of the US Army, among other expressions of the colonial Portuguese world. The image path weaves analogies that show the deep ecological relations of the institution. However, mental models were found, that hold a bond with functional portions of the organizational mind. From it, a typology has been developed, not from the police officers, but ideological of the “warrior gods” for whom we make use of mythological expressions. Each group of ideological components has become associated with one of the four psychological functions according to Jung, establishing the archetypal warrior police typology: Through the narrative of the experience of the author, the dispute for primacy in the regency of the institutional regencies is revealed, until now, won by aggressive expressions: the “skull-warrior” and the “hunter-adventurer”, noting the presence of mental barriers, to which I describe means of how to unblock them. In the conclusion, we discuss the viability of reforms and the possible necessity of the extinction of the Military Police and the consequences of its absence in the social environment. We discourse about a management of competences, as well as explain the necessary attitudes to an internal activism, both used to undo the hegemonic ideology. In a philosophical-spiritual closing, we connect the institutional problems to the civilizational crisis within humanity. Keywords: Human Ecology; Systemic Thought; Analytical Psychology; Cognitive Biology; Autoethnography. Página | 7 SUMÁRIO Agradecimentos ...........................................................................................................................2 Resumo ........................................................................................................................................6 Abstract ........................................................................................................................................7 Sumário ........................................................................................................................................8 Lista de Siglas e Abreviaturas .....................................................................................................11 Lista de Figuras ...........................................................................................................................14 Lista de Gráficos .........................................................................................................................16 Lista de Quadros ........................................................................................................................16 Lista de Tabelas ..........................................................................................................................16 Introdução ..................................................................................................................................18 Burocracia estatal da caça e da luta primitiva ........................................................................19 Problematizando no contexto social brasileiro ......................................................................27 Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia ...............................................................35 Disposição textual ..................................................................................................................41 Parte I Eu e a Polícia Militar: caminhos da pesquisa...................................................................46 Capítulo 1 | Percurso Metodológico ..........................................................................................47 Alguns parâmetros do percurso .............................................................................................52 Contexto da propositura do trabalho .....................................................................................56 Definição do objeto ................................................................................................................60 As metodologias, instrumentos e seus subsídios teóricos .....................................................61 Capítulo 2 | Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um policial ....................................72 A polícia e os policiais militares ..............................................................................................72 A polícia e eu ..........................................................................................................................80 Subsídios para um exercício de uma Saúde Coletiva ..............................................................86 Relevância ecológica da sondagem pelo espírito guerreiro ...................................................94 Parte II Exploração Básica: Ecologia Humana Integral e Organizações .......................................98 Capítulo 3 | Ecosofia: Sabedoria Ecológica ..............................................................................100 As três realidades de mundo ................................................................................................100 Ecologia Humana: visão integrada, atitude integradora ......................................................102 Ecologia Profunda: desvendando a mente organizacional ...................................................115 Ecologia Mental de Boff: necessidade de sarar a mente humana ........................................123 Física Quântica: as excentricidades de uma realidade paradoxal .........................................131 Taoísmo e Hermetismo: natureza sutil, movimento e complementariedade dos opostos ..134 Página | 8 Ecologia Social: derrubando premissas do status quo ..........................................................137 Ecologia Humana Integral ....................................................................................................142 Capítulo 4 | Ecologia Mental Organizacional ...........................................................................146 Biologia das Organizações ....................................................................................................146 Instituições como troncos filogenéticos ...............................................................................156 Sistemas sociais humanos: organismos vivos .......................................................................160 Pessoa Organizacional ..........................................................................................................164 Ecologia das ideias danosas..................................................................................................170 Parte III Explicação Aplicada: História e Ecologia da Polícia Militar ..........................................176 Capítulo 5 | Arqueologia simbólica da Polícia Militar ..............................................................177 Símbolos da Polícia Militar Brasileira ...................................................................................179 Heráldica, arqueologia e etnografia digital ..........................................................................187 Capítulo 6 | História da Polícia Militar: genealogia das matrizes institucionais .......................193 Genealogia da polícia ...........................................................................................................194 Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira ..............................................................195 A matriz da Guarda Nacional Republicana portuguesa (a Guarda Real da Polícia de Lisboa) .............................................................................................................................................201 O formato sui generis da Polícia Militar Brasileira................................................................201 A matriz da Military Police do Exército norte-americano .....................................................202 Autoridade mestiça ..............................................................................................................207 Capítulo 7 | Ecologia Profunda da Polícia Militar .....................................................................212 Por uma Sociologia Profunda ...............................................................................................212 Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor 229 Kshatriyas: a casta guerreira ................................................................................................232 Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal ...................................................................................238 “Adrenalina no sangue”: resistência à perda de capital simbólico acumulado ....................241 Giroscópio da alternância entre os pares de arquétipos ......................................................249 Parte IV Síntese Integrativa e Visão Prospectiva ......................................................................272 Capítulo 8 | Tipologia guerreira no contexto policial militar ....................................................273 Nicho-função de força-vigor como exercício de masculinidades .........................................274 A abordagem de análise e interpretação tipológica .............................................................280 Tipologia policial arquetípica guerreira ................................................................................282 Capítulo 9 | Desmobilizando a Chave Guerreira ......................................................................301 O Efeito Lúcifer .....................................................................................................................303 Página | 9 A hegemonia do guerreiro e do aventureiro ........................................................................314 Teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda .......................................330 Colocar o mundo de cabeça para cima ................................................................................342 Capítulo 10 | Extinção ou reformulação institucional? ............................................................351 A polícia como dizem ser, como ela é e como ela pode vir a ser..........................................351 A natureza do processo de amotinamento contra o espírito regente institucional .............361 Estado, Mercado e seus guerreiros ......................................................................................365 Plano de ações de gestão para a mudança ..........................................................................367 Re-militarização como proposta transitória .........................................................................370 Conculsão | Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro .......................................................374 Ecologia dos espíritos institucionais .....................................................................................374 Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro .......................................................................376 Referências...............................................................................................................................384 Apêndices .................................................................................................................................413 Apêndice A – Tabelas da composição tipológica representativa da PMESP .........................414 Apêndice B – Quadros resumo dos atributos dos tipos policiais ..........................................416 Apêndice C – Genealogia dos panteões mitológicos ............................................................420 Apêndice D – Mapeamento filogenético da instituição policial militar ................................422 Página | 10 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACLU American Civil Liberties Union (União Americana de Liberdades Civis) BPRp Batalhão de Radiopatrulha CF ou CF88 Constituição Federal de 1988 CFO Curso de Formação de Oficiais FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública FEB Força Expedicionária Brasileira GCM Guarda Civil Municipal GM Guarda Municipal GPM Grupamento Policial Militar GRP Guarda Real de Polícia IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MMA Mixed Martial Arts (Artes Marciais Mistas) PE Polícia do Exército (polícia militar no âmbito da força terrestre) PM Polícia Militar PPMM Policiais militares PUCMG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro UFAL Universidade Federal de Alagoas UFF Universidade Federal Fluminense UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UPP Unidade de Polícia Pacificadora USP Universidade de São Paulo Senasp Secretaria Nacional de Segurança Pública PC Polícia Civil IGPM Inspetoria Geral das Polícias Militares IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ONU Organização das Nações Unidas Página | 11 MJ Ministério da Justiça CBM Corpo de Bombeiros Militar EB Exército Brasileiro PF Polícia Federal PC Polícia Civil PFR Polícia Rodoviária Federal DF Distrito Federal Corporações policiais militares estaduais e a distrital do Brasil PMAC Polícia Militar do Estado do Acre PMAL Polícia Militar de Alagoas PMAP Polícia Militar do Amapá PMAM Polícia Militar do Amazonas PMBA Polícia Militar da Bahia PMCE Polícia Militar do Ceará PMDF Polícia Militar do Distrito Federal PMES Polícia Militar do Espírito Santos PMGO Polícia Militar do Estado de Goiás PMMA Polícia Militar do Maranhão PMMT Polícia Militar do Mato Grosso PMMS Polícia Militar do Mato Grasso do Sul PMMG Polícia Militar de Minas Gerais PMPA Polícia Militar do Pará PMPB Polícia Militar da Paraíba PMPR Polícia Militar do Paraná PMPE Polícia Militar de Pernambuco PMPI Polícia Militar do Piauí PMERJ Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro PMRN Polícia Militar do Rio Grande do Norte Página | 12 BMRS Brigada Militar do Rio Grande do Sul PMRO Polícia Militar de Rondônia PMRR Polícia Militar de Roraima PMSC Polícia Militar de Santa Catarina PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo PMSE Polícia Militar de Sergipe PMTO Polícia Militar de Tocantins Página | 13 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Polícia militar como herdeira histórico-institucional dos modos de subsistência de coleta-caça e agricultura. ...........................................................................................................21 Figura 2 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar (UFF em Niterói) .................................................................................33 Figura 3 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar (UFMG em Belo Horizonte) ................................................................34 Figura 4 – Diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às demandas sociais ..........38 Figura 5 – Diagrama representativo do percurso metodológico ................................................51 Figura 6 – Representação gráfica do quadro de modelos mentais, meta do objetivo geral.......52 Figura 7 – Filogeografia do vírus Zika em comparação com o Mapeamento “filogenético” institucional: em comparação ....................................................................................................69 Figura 8 – Fotografias do Autor fardado atuando como policial. ...............................................79 Figura 9 – Triângulo ecológico humano (Natureza-Pessoa-Sociedade) ....................................109 Figura 10 – Triângulo ecológico humano integral (Natureza-Espírito-Pessoa) .........................144 Figura 11 – Metáfora do “iceberg” difundido por Chiavenato1 baseado na teoria de modelo de cultura organizacional de Shein2 e seus níveis da cultura organizacional ................................159 Figura 12 – Logomarca do Conselho Federal de Medicina (Brasil) ...........................................178 Figura 13 – Cura, equilíbrio e poder criativo: bastião de Asclépio e outras representações. ...179 Figura 14 – Símbolos da polícia militar: quepe de oficial superior e o Brasão da Polícia Militar de Alagoas. ...............................................................................................................................180 Figura 15 – Emblema e Insígnia da Polícia Militar Brasileira. ...................................................181 Figura 16 – Homem Vitruviano: em diversas representações. .................................................184 Figura 17 – Relação entre estrela, poder político e militar. ......................................................185 Figura 18 – Insígnia de Polícia Militar: pistolas (“garruchas”) cruzadas....................................187 Figura 19 – Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael. ..........................192 Figura 20 – Genealogia da Polícia (Militar). ..............................................................................194 Figura 21 – Brasão da Guarda Nacional Republicana portuguesa ............................................200 Figura 22 – Brasão, insígnia e distintivo da Military Police of U.S. Army ..................................203 Figura 23 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em atividade operacional ..............................................................................................................................204 Figura 24 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em interação com crianças ....................................................................................................................................205 Figura 25 – Capitão-do-mato: O caçador de recompensas procurando por escravos fugitivos .................................................................................................................................................209 Figura 26 – Composição de elementos masculinos e femininos. .............................................219 Figura 27 – Giroscópio..............................................................................................................250 Figura 28 – Sistema Solar por visões diferentes .......................................................................252 Figura 29 – Emblemas de força e poder humano e suprahumano ...........................................257 Figura 30 – Mandala institucional: correlação com PM e o homem vitruviano .......................257 Figura 31 – Relação estrela e círculo ........................................................................................258 Figura 32 – Eros e Thanatus .....................................................................................................263 Figura 33 – Quaternário hebreu (judaico-cabalístico) ..............................................................265 Página | 14 Figura 34 – Filhos do Quaternário judaico-cabalístico..............................................................266 Figura 35 – Quaternário greco-romano ....................................................................................267 Figura 36 – Quaternário yorubá. ..............................................................................................269 Figura 37 – Orixás de atração do grupo Justiça e Vingança. .....................................................270 Figura 38 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros e suas expressões híbridas........................274 Figura 39 – Representação esquemática da teoria de gênero de Sandra do Bem. ..................275 Figura 40 – Representação gráfica de masculinidade e feminilidade como variáveis independentes. ........................................................................................................................276 Figura 41 – Guerreiros dos contextos de alta masculinidade: representação esquemática da correlação entre o exercício da força-vigor e a teoria de gênero de Sandra do Bem. ..............279 Figura 42 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com os bigramas taoístas .................................................................................................................................................285 Figura 43 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica e as funções psicológicas. ..........................................................................................294 Figura 44 – Correspondência da base alquímica (elementos) e taoísta (princípios) com as funções psicológicas. ................................................................................................................296 Figura 45 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica, as funções psicológicas, os elementos naturais e a representação da inversão do giroscópio institucional. ...........................................................................................................297 Figura 46 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica greco-romana. ..........................................................................................................................298 Figura 47 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica yorubá. .....................................................................................................................................299 Figura 48 – Efeito da influência Xangô (Justiça) e Oyá (Vingança)............................................300 Figura 49 – Representação Gráfica do Efeito Lúcifer como ação entrópica de queda moral. ..310 Figura 50 – Coronéis da força pública: Lucena Maranhão, Cavalcante e Nascimento..............311 Figura 51 – Símbolos das frações operacionais em que o Autor atuou. ...................................312 Figura 52 – Simbologia bucaneira e corsária em relação à da Polícia Militar ...........................316 Figura 53 – Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o caçador de recompensa. ............................................................................................................................317 Figura 54 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas. .......................................318 Figura 55 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas (2). ..................................320 Figura 56 – Simbologia caveira em outras instituições .............................................................320 Figura 57 – Simbolismo mitraico e romano (2). .......................................................................326 Figura 58 – Simbolismo mitraico e romano (1). .......................................................................327 Figura 59 – Mapeamento dos principais elementos ecológicos profundos da Polícia Militar ..331 Figura 59 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda ..................................................................................................................................333 Figura 60 – Possível correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus .......................................337 Figura 61 – Colocar o mundo de cabeça para cima ..................................................................348 Figura 62 – Dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros .......366 Figura 63 – Charge que apresenta a dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros ............................................................................................................367 Figura 64 – Genealogia das divindades da mitologia greco-romana ........................................420 Figura 65 – Genealogia dos seres da mitologia judaica-messiânica .........................................420 Página | 15 Figura 66 – Genealogia dos orixás da mitologia yorubá ...........................................................421 Figura 67 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda ..................................................................................................................................422 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Proporção de homens e mulheres no contingente nacional da PM.........................76 Gráfico 2 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação .......................................77 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Dimensões ecológicas: relação com o indivíduo humano ......................................60 Quadro 2 – Dimensões ecológicas nas perspectivas pessoais e coletiva. .................................142 Quadro 3 – Dimensões ecológicas: esferas* concêntricas da relação humanidade x ambiente .................................................................................................................................................143 Quadro 4 – Níveis da Cultura Organizacional segundo a teoria de Shein: definições e visibilidade ...............................................................................................................................160 Quadro 5 – Matrizes institucionais a Polícia Militar Brasileira .................................................200 Quadro 6 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Pai-zeloso ......................................416 Quadro 7 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Herói .............................................417 Quadro 8 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro ...................................418 Quadro 9 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro ...................................419 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação. .......................................78 Tabela 2 - Aspectos da visão de mundo dominante e a Ecologia Profunda..............................121 Tabela 3 – Princípios herméticos ..............................................................................................136 Tabela 4 – Brasões das Corporações estaduais e distrital e a correspondência com elementos simbólicos/heráldicos ..............................................................................................................189 Tabela 5 – Logomarcas utilizadas em substituto ao brasão da Corporação .............................190 Tabela 6 – Frequência de uso de elementos em brasões das Corporações .............................190 Tabela 7 – Genealogia da Polícia Militar Brasileira ...................................................................194 Tabela 8 – Duplas de força de atração .....................................................................................264 Tabela 9 – As dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas .................................277 Tabela 10 – Comparação entre as terminologias utilizadas para identificar as forças essenciais dos opostos complementares ..................................................................................................280 Tabela 11 – Tipologia policial arquetípica guerreira quanto ao caráter integrativo e auto afirmativo .................................................................................................................................284 Tabela 12 – Relação tipo policial e modelos mentais (arquétipos e complexos) ......................286 Tabela 13 – Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana ......................287 Página | 16 Tabela 14 – Visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos ..................................................292 Tabela 15 – Correspondência mitológica dos tipos policiais ....................................................298 Tabela 16 – Espectro predominante de algumas Corporações policiais militares ....................325 Tabela 17 – Troncos verticais filogenéticos ..............................................................................331 Tabela 17 – Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre.360 Tabela 18 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado por Zacharias (1994) – Grupo de 149 policiais com 3 anos de carreira. ...................................414 Tabela 19 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado por Zacharias (1994) – Grupo de 184 policiais durante recrutamento/seleção. ......................415 Página | 17 INTRODUÇÃO No começo, eu era enfaticamente contrário, taxado até como ingênuo, por não admitir certas práticas1. Saí ileso da corrupção, fato do qual me orgulho, bem como saí ileso da marca de ter matado alguém, dessa também me orgulho, mas não é bem assim que nos fazem crer dentro da Polícia Militar. Inclusive entre alguns guardas municipais e vigilantes de segurança privada, essa marca era (e é) vista como uma patente prova de que eu não tinha aproveitado o suficiente, ou que não tinha sido um “policial de verdade”. Tendo em vista tudo aquilo que eu acreditava antes de ingressar na PM, só o fato de ter ficado propenso a atos mais agressivos já era uma grande mudança. Lembro-me de evitar de forma exaltada, que policiais agredissem um jovem, quando eu ainda era aspirante-a-oficial2. Contudo, lembro-me também que 10 anos depois, eram os policiais que me acompanhavam que me impediam de agredir. Ora vistos como anjos, ora como demônios. Ora agindo como protetores, ora como agressores. Foram quatorze anos atuando como oficial da Polícia Militar de Alagoas, dos quais pelo menos dez foram em atividades tanto operacionais como administrativas no Sertão de Alagoas. Passamos muitas madrugadas juntos rondando os rincões do sertão e periferias de cidades de médio porte. Tiveram momentos em que eu me angustiei e pensava que aquilo de forma alguma era lugar para mim, tiveram momentos que eu me orgulhei, sabia que estava cumprindo uma missão perante a sociedade. Pessoas como eu, todas dizem que entraram na polícia militar pela oportunidade de emprego, salário e estabilidade, dizemos mais: “que será como um trampolim para buscar outros objetivos”. Mas não é bem isso que acontece e me parece que esses não são os únicos motivos, há uma necessidade de se apropriar de um capital simbólico (BOURDIEU, 1986), escasso nas sociedades contemporâneas, um espaço para o exercício de aspectos primitivos de masculinidade (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; MUNIZ, 1999). E como não pensar assim, ou pelo menos levantar essa hipótese, se em meio ao serviço policial eu sempre ouvia: “e aí, tenente, bora caçar!?”. E talvez esteja aí o motivo pelo qual as polícias militares estaduais e a distrital no Brasil não mudam: seus integrantes estão em um estado inconsciente de acesso a um acervo arquetípico (JUNG, 2000) do qual não desejam se desfazer e, portanto, irão infligir resistência aos projetos reformuladores (MUNIZ, et al. 1997; OLIVEIRA Jr, 2007). Por essa perspectiva, o comportamento lesivo percebido por parte da instituição em seu contato com as comunidades3, as quais devia assistir, e 1 Cabe salientar o uso da primeira pessoa se dá pela escolha da autoetnografia como metodologia de abordagem e interpretação, sobre a qual se pode ler mais no Capítulo 1 (Percusro Metodológico). 2 Graduação especial anterior ao posto de Tenente, que marca o período de estágio e adaptação do egresso da Academia Militar à carreira de oficial, dura entre 6 a 12 meses (normalmente 8 meses). A hierarquia das garduações e postos da PM podem ser vistos no tópico “A missão da PM: entre força militar estadual e polícia ostensiva”, do Capítulo 2. 3 a) CHADE, Jamil e TAVARES, Vitor. ONU diz que polícia brasileira mata 5 pessoas por dia. [On-line]. Estado de São Paulo. Disponível em <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,onu-denuncia-impunidade-em-crimes-cometidospela-policia,10000019846>. Acessado em 15 mar. 2017. Publicado em 10 mar. 2016. b) GLOBO NEWS. Força policial Página | 18 para com seus próprios integrantes (SOARES, 2013; MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008) não é visto, a princípio, como desajuste, mas a conduta tão só esperada mediante os pressupostos (SHEIN, 2010) que carrega no mais profundo da cultura institucional. Burocracia estatal da caça e da luta primitiva Altruísmo versus Egoísmo Antes de pensar em mudança institucional é preciso saber, se quem a propõe acredita ou não que o altruísmo possa ser um valor verdadeiramente humano? Se o proponente acredita na ideia de Sigmund (2014) e Anna Freud (2006)4, que o altruísmo é, na verdade, uma reação ao impulso da agressividade reprimido e, portanto, apenas a atitude egoísta é a fundamentalmente humana; então não há porque desejar a mudança da Polícia Militar, ela é até mesmo um exemplar de sistema social e simbólico humano muito bem adaptado, que alcançou altos níveis de eficiência, fazendo aquilo que suas diretrizes internas lhe compelem a fazer. Entretanto, se o proponente, como eu, consegue vislumbrar esse estado de supremacia egoística como uma fase do desenvolvimento civilizacional, que poderá ser superada ao longo do tempo (WILBER, 1987); então inevitavelmente precisamos de outro tipo de agência de coesão social. Relatarei, a partir de uma visão ecológica profunda, porque em um ulterior estágio avançado, a humanidade deverá dispensar o aparelho estatal denominado de polícia, mas que ainda se faz necessário. O que talvez não seja mais necessário é admitir um formato tão idiossincrático desse tipo de aparelho, como é o caso da Polícia Militar Brasileira (VALENTE, 2012; ZAVERUCHA, 2004; KRISCHKE, 2014). Mas o que leva uma instituição e suas organizações a ela vinculadas resistir a mudanças, patentemente requeridas pela sociedade? Se conhecermos os mecanismos profundos que geram resistência às mudanças, por parte das polícias militares estaduais e distrital no Brasil, poderemos desativá-los e reorientar sua dinâmica organizacional, sarando-as, como quem está cuidando de uma terapia social. Conhecendo esses mecanismos e tomando ciência que transcendem os limites formais da agência estatal e quão arraigados estão no espírito humano (VASCONCELOS, 2007), poderemos ainda nos convencer da necessidade da extinção delas – as milícias estaduais – caso sejam arredias aos processos reformuladores (RAWLS, 1997). Contudo numa visão socioecológica, estamos falando de sistemas orgânico-simbólicos complexos (MATURANA e VARELA, 2005; HANNAN e FREEMAN, 2005) e a eliminação de um organismo, não resultará no automático expurgo da carga ideológica, bem como outras espécies ascenderão ao nicho predatório e no caso particular do Brasil atual, isso recairia certamente na viabilização de uma guarda municipal mais forte (já impregnada dos mesmos conteúdos profundos) e de um crime organizado sem rivalidade suficiente brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório. [On-line]. Disponível em <http://g1.globo.com/globonews/noticia/2015/09/forca-policial-brasileira-e-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio.html>. Acessado em 15 mar. 2017. Publicado em 07 set. 2015. c) Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Draft report of the Working Group on the Universal Periodic Review (BRAZIL). Genebra, 09 mai. 2017. Disponível em <http://acnudh.org/wp-content/uploads/2017/05/A_HRC_WG.6_27_L.9_Brazil.pdf> 4 FREUD, Sigmund, “As pulsões e seus destinos”, 2014 / FREUD, Anna, “O ego e os mecanismos de defesa”, 2006. Página | 19 que lhe faça contenção. Dado meu compromisso intelectual de usar uma abordagem ecológica, os fatos e soluções não sucumbirão à emotividade partidária. Não defenderei a PM simplesmente pelo fato ter atuado em seus quadros, bem como não a rechassarei apenas porque compõe um cenário de manutenção de status quo. Ao certo, após acompanhar cada trecho dessa extensa pesquisa teórica, acredito que você estará ciente, tanto quanto eu, que as raízes históricas e arquetípicas que nutrem o imaginário e o simbolismo policial militar guardam vínculos com forças elementares da espécie humana. E, portanto, ao menos no tocante específico a presença dessas forças em nossa civilização, não pode ser rechaçada (para alguns ainda, para outros apenas parcialmente) (WRANGHAM E PETERSON, 1998; JUNG, 1959; 2000; FREUD apud MARQUES, 2017; VASCONCELOS, 2007). Marques (2017) acompanhando o raciocínio de Freud, diz que tendo a humanidade exercido, “inicialmente, a violência pelo uso da força bruta”, vai transferir esse impulso agressivo para “outras funções e usos pelas sociedades, pela civilização”, ou seja, por “instrumentos e intelectos”. Inferi que desse pressuposto possamos compreender a governamentalidade e o biopoder em Foucault 5 (1998) e, portanto, aludir diretamente “aos bons propósitos das polícias”. Na perspectiva, freudiana “não há maneira de eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem; pode-se tentar desviá-los num grau que não necessitem encontrar expressão de guerra” (FREUD, 1921 apud MARQUES, 2017). As polícias militares brasileiras podem ser reformuladas, com grande dificuldade, mas é um trabalho que urge, considerando sua capacidade lesiva tanto ao tecido social como aos seus próprios integrantes. Essa reformulação deve ser de tal ímpeto transmutativo que o resultado venha a ser uma instituição tão diferente da anterior, que compararemos isso a uma refundação. Não obstante elas possam ser reformuladas, os impulsos do acervo humano que governam a atividade guerreira e de caça, não podem ser extirpados ainda, nem mesmo com o árduo trabalho que deverá ser preciso para as mudanças pretendidas junto à PM. Esboçando uma genealogia da polícia militar 6 Cabe-nos nessa perspectiva, compreender que a polícia militar é um produto elaborado da evolução sócio-humana e que guarda em si a herança mais aguerrida do sistema de subsistência da agricultura e da caça-coleta: a polícia moderna, estatal, profissional e especializada (BAYLEY, 2002) é um engenhoso instrumento burocrático higiênico de controle populacional (FOUCAULT, 2008; ALTHUSSER, 1998), a burocracia estatal é um dos nossos mais desenvolvidos modos de organização política7 advinda depois da revolução agrícola. O militarismo sistemático foi a forma estruturada pela qual os sistemas políticos pós-revolução agrícola absorveram o saber-fazer da caça e da luta primitiva. 5 Faço a associação ciente da certa repulsa de Michel Foucault a algumas abordagens da psicanálise. Pareceu-me oportuno trazer alguns dos resultados da pesquisa para a Introdução. Trata-se na verdade apenas de um esboço, demonstrando parcialmente aquilo do que eu já era ciente, mas ainda não sabia articular no tocante às matrizes institucionais da Polícia Militar. 7 Ao estilo weberiano de concepção de atestar o Ocidente como ápice do desenvolvimento humano. 6 Página | 20 Na Figura 1, vemos delineado um esboço, em linhas gerais, da genealogia da polícia militar, tendo como pontos de partida os modos de subsistência: da coletacaça e da agricultura. Na parte superior do diagrama, estão representados eventos e circunstâncias quão mais distantes estão do presente (contados em anos a partir de 2017 D.C.), como pode ser visto, os modos de subsistência estão inseridos em blocos retangulares e distam um do outro, aproximadamente 2 milhões 488 mil anos, período representado por área acinzentada. Este é o período, ainda, que evoluindo fisicamente, paulatinamente pouco se alterou em termos de avanços culturais (BLAINEY, 2004; HARARI, 2015). Figura 1 – Polícia militar como herdeira histórico-institucional dos modos de subsistência de coleta-caça e agricultura. Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”, 2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha cronológica: contagem a partir de 2017 D.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012. (4) BLAINEY, Geoffrey, “Uma breve história do mundo”, 2004. Note que como foi extenso o período em que nos mantivemos com a coleta e caça como modos de subsistência. Esse é o período ao qual podemos chamar de nossa infância civilizacional. E tendo em vista sua extensa duração, a adaptação necessária para as condições de vida daquelas épocas que começaram no Paleolítico (período inicial da Idade da Pedra, na Pré-História) e foram até início da sedentarização e surgimento da agricultura, deixaram marcas muito profundas no que somos hoje como espécie animal e como agentes sociais, na verdade, fomos forjados por sobre essas etapas primárias (HARARI, 2015; JUNG, 2000; FREUD, 1996; BLAINEY, 2004; NEVES e RAPCHAN, 2017). Entre essas marcas e outras dinâmicas do fenômeno humano, trabalhamos nesta pesquisa a propensão à agressividade e ao domínio como resquícios de nossa natureza primata (DE WAAL apud MARQUES, 2017; WRANGHAM e PETERSON, 1998; FREUD, 2014). Em meio a esse período, por volta de 200 mil anos surge no continente africano uma espécie de hominídeos, de postura bípede, com o córtex cerebral desenvolvido e desde lá temos sido assim como somos biofisicamente até hoje: Homo sapiens, os “homens [sábios] inteligentes” (BLAINEY, 2004; HARARI, 2015). Porém, Página | 21 de acordo com o que devo demonstrar, a espécie que se tem como sábia, também pode ser chamada de homo demens, ou insanos8 (MORIN, 2000). Quando digo “esboçando” ou “em linhas gerais”, quero me referir à necessidade de mapear mais detalhadamente o processo de reprodução institucional desde o período colonial português na América até as etapas republicanas da história brasileira. De antemão, posso registrar a ausência de referência, por ora, a outras importantes matrizes institucionais, como aspectos do sistema escravista, a absorção pelo sistema policial do modelo mental de atuação do feitor, do capitão-do-mato (LIMA e LIMA, 2013; BALDO, 1980; LÍBANO SOARES, 1999), por exemplo, bem como outras instituições sociais portuguesas, das quais cabe destacar os quadrilheiros, as milícias e as ordenaças (COTTA, 2012). No ínterim entre a formação da “burocracia9” estatal, do modo de produção asiático até a formação da polícia moderna como aparelho de controle burguês, cabe destacar influências do exército romano (BAYLEY, 2002) e do português tradicional, bem como dos corpos militarizados de polícia ao estilo francês: gendarmarias (COTTA, 2012). Esses pormenores da genealogia da Polícia Militar podem ser mais bem apreendidos na leitura do Capítulo 6 (História da Polícia Militar: genealogia das matrizes institucionais). 10 E se você como eu fica perplexo em saber que a Polícia Militar é “um produto elaborado” ou subproduto de “um modo de (auto)governo mais desenvolvido”, então deve compreender que o problema é mais amplo e concernente ao nosso padrão de desenvolvimento civilizatório geral11 (HARARI, 2015). Nisso está meu abandono ao projeto de insistência (ao certo ideológico-partidário) de procurar a fatídica origem da disfunção da PM em algum evento próximo, do qual ainda se possa vislumbrar um culpado que esteja vivo. Portanto ser polícia e ser militar não é um oximoro12 como nos queiram dizer Júlia Valente (2012) e Jorge Zaverucha (2004), ou ainda uma antinomia13 segundo Jair Krischke14(2014). Na verdade, é um pleonasmo15 tão potencialmente reafirmado, que temos um ente com suas próprias características genéticas reforçadas por uma apropriação cultural similar que potencializa o conjunto. É como ensinar por meio de inculturação a uma pessoa que já possui propensão à produção de altas doses de testosterona, a ter um comportamento agressivo, o qual já lhe seria nartural. 8 Segundo Marques (2017), esse homem tem sua natureza humana reconhecida, quando sabe de sua carência. O que torna o termo “sapiens” presunçoso demais. 9 Estou denominando nem que seja como proto-burocracias estatais os sistemas complexos de governo tais como os da China, Egito e reinos e impérios mesopotâmicos da Antiguidade. 10 Classificação de linha marxiana: modo de produção primitiva coincide com o modo de subsistência da coletacaça; nessa dada classificação seguem-se o modo de produção asiático, escravista, feudal, capitalista, socialista e comunista. 11 Características elementares do modo de expansão imperial, ao qual denominamos neste trabalho de “germe de Utopia”. 12 Oximoro, expressão retórica elaborada a partir de ideias opostas, no texto segue uma explicação mais detalhada. 13 Antinomia, contradição entre proposições, princípios ou ideias (Dicionário Priberam). 14 KRISCKKE, Jair. "A Polícia Militar é uma invenção da ditadura”: Entrevista especial com Jair Krischke. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/532364-a-ditadura-fez-com-queperdessemos-mais-de-uma-geracao-de-politicos-entrevista-especial-com-jair-krischke>. Publicado em 16 jun. 2014. 15 Pleonamso é uma figura de linguagem, o termo provém do grego: pleonasmos, que significa superabundância ou excesso, trata-se de uma repetição de uma ideia na mesma sentença (Dicionário Priberam). Página | 22 Ser policial e ser militar são condições contraditórias? Júlia Leite Valente (2012), em um artigo que adapta e atualiza o teor de sua monografia em Direito 16, pela UFMG, refere-se à expressão polícia + militar como um oximoro. De acordo como o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa 17, o termo de origem grega e posteriormente recepcionado pelo latim, oxúmoron significa um instrumento retórico conseguido por meio de uma “combinação engenhosa de palavras cujo sentido literal é contraditório ou incongruente”, como exemplos cita-se: bondade cruel ou silêncio ensurdecedor. Portanto, é possível compreender o que Valente (2012) se propôs em seu trabalho de pesquisa jurídico-social. Ela se refere à incompatibilidade da natureza militar em relação à atividade policial. Entretanto, eu sustento que não há nada de contraditório nisso. Pois no padrão de desenvolvimento civilizacional denominado por mim, por De Paula18 ([1987]19, 2005) e por Marques20 (2017) como padrão masculino, ou então por Boff (2012) como “egocêntrico”, ou pela expressão feminista ou ecofeminista, por patriarcal21, o que inclui os estudos do domínio masculino por Bourdieu (2002), é inerente à atividade de controle populacional, coesão social e instanciamento, na realidade vivencial, do ente fiscalizatório do ordenamento jurídico (ou seja, o corpo de polícia22) ser um filão, um comissionamento das tropas de exército e, portanto, guardarem com ele vínculo organizacional ou pelo menos estético ou de modelo inspirador. Insisto novamente na estrutura de base, que lida com as pessoas controladas pelo Estado moderno nos termos de Foucault: diplomacia-exército-polícia. Cabe destacar que usamos a noção de Michel Foucault (2008) e JeanPaul Brodeur (1984) de que “as polícias” é o próprio ordenamento sócio jurídico e “o corpo de polícia” são as agências públicas que guardam o cumprimento das normas e nisso podemos ver os órgãos de polícia sanitária, polícia ambiental, polícia de trânsito Monografia que serviu de TCC para o curso de Direito, na UFMG, em jun. 2012: “’Polícia Militar’ é um oximoro: A militarização da segurança pública no Brasil”, sob a orientação de Dr. Túlio Lima Vianna. 17 Toda referência, por via de regra, à fonte de pesquisa para elucidações sobre etimologia e acepções léxicas são creditas ao Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: <http://www.priberam.pt/dlpo/>, ficando, portanto, implícito no restante do corpo deste trabalho tais referências demasiadamente redundantes; quando diferente disso, explicitamente, são feitas as devidas referências em notas de rodapé. 18 De Paula (1987) ainda usa duas expressões sem uma origem sociolinguística definida entre as línguas de grupamentos humanos terrestres, chamada de “Sudi-Vaens”, como referência ao padrão de desenvolvimento civilizacional masculino, o qual tende a formar grandes impérios expansionistas em contraposição ao padrão feminino, denominado de “Rama-Maens”, que tendem a formar matriarcados de pequenos grupamentos humanos conectados por compartilhamento de valores e tradições. 19 AUTOR ([ANO DO ORIGINAL] ANO DA EDIÇÃO USADA) - Ao longo de toda a dissertação, algumas referências usarão este padrão que possibilita deixar patente o ano da publicação do título original. Isso tem uma nítida intensão de demonstrar que muito do que estamos discutindo como novidade acadêmica do século XXI, na verdade, são discussões até mesmo do começo do século XX e que foram dissimuladas e tornadas de difícil acesso pelas barreiras impostas pelo pensamento hegemônico. 20 “Vimos que a história humana é masculina, eu, esperanço-me com o papel civilizador do feminino, como observado nos elefentes e nos bonobos, espécies matriarcais” (MARQUES, 2017). 21 Conforme a leitura de Fritjof Capra (1996) à obra de Eisler: “o patriarcado, o imperialismo, o capitalismo e o racismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica”, como pode ser visto no tópico “Ecologia Social: derrubando premissas do status quo” do Capítulo 3. 22 Usamos a noção de Foucault e Brodeur que “as polícias” é o próprio ordenamento e “o corpo de polícia” são as agências públicas que guardam o cumprimento das normas. Porém por uso corrente, assim como o faz David Bayley, chamaremos simplesmente de “polícia” o órgão público moldado no padrão da polícia moderna, profissionalizada, especializada. 16 Página | 23 etc. Porém por uso corrente nesta, assim como o faz David Bayley (2002), chamaremos simplesmente de “polícia” o órgão público moldado no padrão da polícia moderna, profissionalizada, especializada que possui em meio às suas funções o princípio do uso ou a ameaça do uso da força física (BRODEUR, 1984). Frisar o fato de estar se falando de “corpo” de polícia, cabe ao fato de que possamos até entender a contradição de ser militar e o “espírito” de assepsia social proporcionado pela “intendência” de polícia, aos moldes francês higienista; ou até mesmo a diferença entre o magistrado romano da prefeitura e os seus auxiliares armados destacados do exército, ou seja um funcionário civil e outro militar, mas o que dizer então da característica ampla de um Estado que se diz militar apenas, dos portões da Capital para fora, quando o é, na verdade, em seu interior profundo 23. Francis Albert Cotta (2010) alega que esse caráter é inerente ao âmago das relações arcaicas de Portugal24 e a partir de Raymundo Faoro (2001), podemos concluir que no patronato luso-brasileiro, mesmo que em posições declarademente civis, o agente destacado socialmente se utiliza da imagem profunda de líder de força. Como se o brasileiro, portanto, de alguma forma tivesse uma carência de sentir-se protegido (ou subjugado) por um coronel ou um senhor feudal ibérico (um pai fundador). Assim como o povo romano precisa saber, mesmo que espetacularmente apenas, que seu princeps entre os demais, o imperador, fosse um honorável vencedor de batalhas. A dificuldade em ver ou não contradição em ser policial e militar, pode ser explicada da seguinte forma, deve-se talvez a quem assim tem dúvida porque não foi devidamente inculturado como brasileiro e deve sonhar com algum ideal britânico ou exclusivamente africano ou ameríndio (idealsita) e queira numa engenharia social apagar o componente lusitano ou até mesmo o real caráter da amálgama desse com os dois anteriores. Sinto que não admitamos quem nós realmente somos. Existe uma passagem da história israelita, que os povos das tribos hebreias não admitiram mais ser governados por um sacerdote e clamaram por um guerreiro, assim como os povos vizinhos também eram governados por reis e nisso há a ascenção de um jovem líder da tribo de Benjamin para unifiar à base de sangue as demais tribos em um reino só, esse foi Saul, sogro e antecessor de Davi, o qual expandiu a ideia de “unificar” e ampliou isso aos povos vizinhos. As antigas Roma, Israel e Portugal todas tem de alguma forma um ímpeto que amálgama espírito guerreiro e expansão imperial, porque existiria a falsa ideia do Brasil não está circunscrito nisso? Pergunte a um boliviano em condição de semi-escravidão em São Paulo, pergunte no Uruguai, Paraguai, Bolívia ou nas Guianas sobre o que Brasil representa em suas histórias, pergunte a um paraguaio expulso de suas terras para o gado brasileiro, pergunte a um líder andino ou africano sobre o peso do aliciamento dos grandes empreiteiros brasileiros em fazer “negócios”, pergunte à segurança privada dos parques de diversão de Orlando, pergunte aos novos funcionários norteamericanos das transnacionais brasileiras. E, aí sim, saberá o quanto o brasileiro pode ser “expansionista” do jeito irreverente dele. Eu perguntaria, quem além do Sul dos Estados Unidos e Cuba, mais entranharam a cultura escravocrata e por mais Nisso Clausewitz e Foucault não podem ser esquecidos, no “a política é a continuação da guerra por outros meios” e vice-versa. 24 A herança simbólica dos “infantes” reis da retomada cristã da península ibérica, bem como, a Ordem de Cristo precisam ser incluídas nesse contexto. 23 Página | 24 tempo fizeram ganhos com ela25? É preciso lembrar, que os navios que aportavam em África, falando português, para esse fim, a partir do segundo quarto do século XIX, já não eram de europeus, mas de um certo povo de “bem”, chamados de fluminenses26. Retornando à suposta contradição entre polícia (e, portanto, entenda-se corpo de polícia) e caráter militar, devo dizer que de forma alguma nego a validade do conteúdo da pesquisa de Julia Valente (2012), ao contrário atesto que de forma excepcional e corajosa aponta para idiossincrasias do modelo de segurança pública brasileiro. Ela (VALENTE, 2012; 2015) sempre aponta para a transição incompleta para a democracia, após o período de exceção das décadas de 60, 70 e 80 (1964 a 1985). A noção de transição democrática inacabada, tendo na Polícia Militar uma de suas marcas emblemáticas, usada por Valente (2012) é corroborada pelos estudos de seu orientador em nível de graduação: Túlio Lima Vianna (2013), bem como, destacadamente pelos professores de Ciência Política da UFPE: Jorge Zaverucha 27 (2004) e Adriano Oliveira (2002). Considero muito válidas todas as propostas de estudo que identificam aspectos não condizentes com a missão precípua de polícia, em contextos democráticos, adotados pelo modelo policial militar no Brasil, como efeito-herança da última ditadura militar. Porém, por todo este trabalho, tento evidenciar que há aspectos institucionais da base humana histórico-universal que conduzem, desde muito antes, ao aparecimento dessas idiossincrasias. O modelo brasileiro apenas evidencia a contradição de um sistema nominalmente democrático sustentar por “tanto tempo” essa aparente aberração (VALENTE, 2012). E é bom frisar que o “tanto tempo” está correlacionado à nova sensação psicossocial de tempo que urge da póscontemporaneidade28. Trato, nas seções conclusivas deste trabalho, isso como efeito do germe de Utopia, portanto, nas bolhas civilizacionais, nas ilhas metropolitanas do Norte, esse efeito acirrado não poderá ser visto e possivelmente isso levará a iludida pretensão até mesmo de desejar que o modelo policial daqui se converta numa cópia do modelo europeu, como se isso representasse um verdadeiro avanço civilizacional. Espero conseguir demonstrar que o modelo policial brasileiro tem aspectos de injustiça social entranhados nele e que seria transitoriamente conveniente torná-lo mais assemelhado aos modelos menos “agressivos”. Também pretendo demonstrar, que ao longo prazo, a civilização humana deve optar por outros mecanismos de coesão social, que excluam os atuais formatos de polícia qualquer que seja ele, patentemente agressivo ou esteticamente domesticado. O que quero evidenciar é que um novo modelo policial que o assemelhe a uma força cuidadora e de proteção social, carece inexoravelmente de uma mudança 25 PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. 2015. [Tese] Doutorado em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2015. 26 Oriundos da costa sudeste do Brasil. 27 ZAVERUCHA, Jorge. Polícia, Democracia, Estado De Direito E Direitos Humanos. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.º 3, jan./jun. – 2004. pp. 37 - 54. 28 Porque o que são 40 ou 200 anos, ou seja a PM da Ditadura Militar e a polícia moderna iniciada na França para os 2,5 milhões de anos em que reverberamos em nossas mentes um padrão de pressupostos emocionais sobre a guerra, a luta, o domínio e a força. Página | 25 profunda da sociedade (OLIVEIRA, 2002). Isso não quer dizer que não se possam suscitar, antes disso, mudanças nos atuais corpos policiais, o que evidentemente é uma urgência para o modelo policial militar brasileiro. Mas é preciso ter a clareza, que sob o auspício do padrão civilizatório masculino, excedido em seu caráter agressor e virulento, de exploração dos outros e da Terra (BOFF, 2012; JUNG, 1959), toda reformulação de instituições como a polícia, resultarão em mudanças plásticas, que não atingirão o âmago da questão (ARGYRIS e SHÖN, 1978). Esse isomorfismo institucional não é exclusividade das atividades que exercem a força-vigor, até mesmo outras instâncias da vida coletiva moderna se converteram em aparelhos ideológicos dos donos do poder (ALTHUSSER, 1998; FAORO, 2001), que oportunamente cooptaram o fabuloso instrumento de controle denominado por alguns como Leviatã (HOBBES, 1651) e por outros pela simpática alcunha, que ainda inspira esperanças de liberdades humanas, chamada de Estado. Talvez minha adesão a um idealismo que aponta para uma espécie de anarquia sublime, ou uma expressão filosófica da democracia nuclear de Geoffrey Chew (1964), suscite-me a uma constante desconfiança a esse ente denominado Estado. Sustento por meio de Althusser (1998) e de Mészáros (2011) que Estado, com as atuais bases históricas que possui, sem que sofra sérias mudanças estruturais e funcionais, incapacita-o como instrumento de promoção de justiça e igualdade plena. E vou mais além, sustento por meio de Renè Girard (1998), que qualquer instituição humana baseada na sacralidade (mesmo que tenha sido modernamente secularizada) do sacrifício de sangue reabilitador da violência mimética, ou seja, toda instituição nascida para sustentar “a insustentável” transição do homem natural para a sociedade civil e política (ALEXANDRIA COSTA, 2005), estará fadada mais cedo ou mais tarde a impor sua faceta dominadora, sangrenta, classificadora das coisas e hierarquizante das desigualdades, geradora de status falsamente implantados. Acompanhando Girard (1998) e Rousseau (apud ALEXANDRIA COSTA, 2005) o “mal” civilizatório não seria intrínseco ao humano, seria um acidente de percurso muito antigo que se constitui a base da civilização. Características irremediáveis para o homem-animal, bem como para a versão vigente do homem-animal social; nesta perspectiva, haveria uma possibilidade do desenvolvimento de uma certa transumanidade29 (advinda da trans-ranhadura do homem cindido) liberta ou sabedora dos meios de como equilibrar a equação (MARQUES, 2017; CHARDIN, 1970). Se discuto os entremeios profundos, por ora, sobre a polícia, inevitalvemente, essa discussão vai além, sobre o Estado, a guerra, o modo de produção, a divisão racional do trabalho, a família, os padrões de conjugalidade, as questões étnicas, de sexualidade humana, as religiões, os grupos de campos especialistas, tais como a educação, a saúde, a cultura e a tecnologia (ALTHUSSER, 1998) e essa multiplicidade de temas interconectados, partindo da natureza da espécie homo sapiens, que valida o presente estudo ter sede na Ecologia Humana. 29 Equipara-se a proposição de transumanidade a de suprahumanidade de Nietzche, a de emacipação humana da corrente marxiana e o da espécie Homo theos de Harari. Página | 26 Problematizando no contexto social brasileiro O aumento da violência criminal no Brasil salta aos olhos do mundo, nos últimos trinta anos, nosso sistema de estratégias de resolução (comumente denominada de modelo de enfrentamento 30) mostra-se, desde aqueles idos, ineficaz. O sistema de justiça criminal é falho e o subsistema policial carrega manchas indeléveis31, que não permitem aos componentes das agências policiais conduzirem um programa de ações, que contenha o crime, e harmonicamente possam se compatibilizar com a marcha rumo à ampliação da democratização. Muito se fez, discutiu, a mídia foi às comunidades desfavorecidas socialmente que eram prioritariamente vítimas do “descompasso” policial. Os acadêmicos passaram a se debruçar nas causas da violência, os formadores de opinião denunciavam, o que os recortes jornalísticos já demonstravam sobre as polícias brasileiras (CHESNAIS, 1997; MUNIZ et al. 1997; MUNIZ, 1999; ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; OLIVEIRA, 2002; SAPORI, 2007). Alguns acadêmicos adentraram no mundo das “tecnoburocracias” da segurança pública, por vezes como consultores, outras como pesquisadores e até mesmo como militantes-docentes. Organismos internacionais financiaram propostas, em sua maioria de “doutrinamento” dos “parvos” policiais. As polícias permitiram esse acesso, por questão de sobrevivência social, plasticamente se enveloparam em roupagens menos atemorizantes (MUNIZ et al. 1997; MUNIZ, 1999; ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; OLIVEIRA, 2002; SAPORI, 2007). Aqueles que participaram dos esforços, que enfrentaram as desconfianças, inclusive os membros das próprias corporações “convertidos” ou “sensibilizados”, hoje na segunda década do século XXI, olham para trás, e se questionam, em suspiros de frustração: “Não entenderam nada! Não fizemos certo? Por que não mudam?32 Apesar de retoques, da abertura para falar do assunto, farta produção textual, muitas reverências solenes à Constituição e às cartas da ONU, continuam produzindo o mesmo produto com uma leve nova coloração”. (ARAÚJO e GIRÃO, 2013; SOARES, 2000; RATTON, 2016; MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008; OLIVEIRA, 2002). Os problemas sociais, culturais e institucionais Chesnais (1999) e outros autores dedicados ao tema (CRUZ, 2012; SOARES, 2010; ROCHA, 2013; SAPORI, 2007; ROLIM, 2006; OLIVEIRA, 2002, ZAVERUCHA, 2004) destacam a influência de fatores típicos das dinâmicas sociais, culturais e institucionais, há então que se entender certos aspectos não nas suas 30 O primeiro obstáculo a reconhecer a legítima atuação policial, são os termos utilizados para sua missão: “combate”, “guerra”, “confronto”, sendo alicerces inclusive da expectativa pública de letalidade em relação à polícia (MUNIZ, 1999). 31 Manchas indeléveis: são referências a eventos em que a intervenção policial no Brasil causou danos sociais e a sua própria imagem como instituição, destacadamente pode-se citar: Massacre do Carandiru, Chacina da Candelária, Rambo e a Favela Naval, “batalha campal” de Carajás, extermínios em Pernambuco, gangue fardada em Alagoas. 32 Esse sentimento de frustração, especificamente entre acadêmicos/pesquisadores sociais, foi melhor exemplificado no tópico “Frustração: por que não mudam?” do Capítulo 4. Página | 27 formas depuradas contemporâneas, mas em suas raízes, no processo de formação da nação e das instituições. O artigo seminal de Jean-Claude Chesnais, sempre me surpreendeu muito porque como um estrangeiro, ao chegar no Brasil, ele constatou que em relação a segurança pública o país vive uma intrincada rede de deficiências institucionais e marcas sócio-históricas que confluem ao estado “patológico” de coisas. Em 1999, ele publicou na Revista Ciência & Saúde Coletiva, “A violência no Brasil: causas e recomendações políticas para a sua prevenção”, no qual “apresenta um amplo diagnóstico dos principais fatores que possibilitam o crescimento da violência criminal no Brasil, ou seja, fatores socioeconômicos, conjunturais e estruturais, a fraqueza e descrédito das instituições e a carência do Estado para administrar a repressão e propiciar a prevenção” (CHESNAIS, 1999). O professor-pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Demográficos da Universidade de Paris começa o artigo, dizendo: No Brasil, a violência, sobretudo urbana, está no centro do dia a dia e ocupa as manchetes dos jornais. Ela é assunto de especiais para a TV e, mais que tudo, assombra as consciências, de tal forma é ameaçadora, recorrente e geradora de um profundo sentimento de insegurança. Essa evolução é sintoma de uma desintegração social, de um mal-estar coletivo e de um desregramento das instituições públicas (CHESNAIS, 1999). “A violência gera o medo, mas este gera igualmente violência”, afirma Chesnais (1999) que continua, “trata-se então de um círculo vicioso que se instala, uma psicose coletiva que é preciso romper a qualquer preço e cujos únicos beneficiados são certos lobbies”. E como também nos alerta Soares (2000), depois que certos grupos de interesse percebem o quanto podem ganhar com a insegurança, eles não desejarão que as coisas mudem e se forem elementos que estão ao mesmo tempo entre a segurança pública e a privada, orquestrarão um jogo de “faz de contas”. Chesnais (1999) lembra que “a sociedade brasileira é uma das mais desiguais, uma das mais estratificadas que existem”. A polícia brasileira não poderia deixar de estar polarizada como promotora pela emancipação de um lado ou instrumento do outro. “Aqui se encontra a mais extrema pobreza ao lado da mais fabulosa riqueza.” E qual lado faz a oferta cabal do capital econômico, social e simbólico de que desejam consciente ou inconscientemente os policiais? O professor francês toca em um assunto que nos serviu de guia para nossa pesquisa: “a imagem da polícia, em sua natureza profunda, é que tem de ser mudada”, ele cita o exemplo como a polícia mineira, “o recrutamento e a formação psicológica da polícia são mais bem feitos, a violência é menos frequente”. Fato este que também constatei em visita a unidades da Polícia Militar de Minas Gerais em 2014. Em uma sentença Chesnais (1999) incorpora a expectativa da imagem e da autoimagem, corrompida e curada: “não deve ser vista como parasita, mas como instância intermediária da república entre os cidadãos, como defensora dos fracos contra os fortes, das pessoas honestas contra os marginais”. Página | 28 Letalidade da Polícia Militar e os números da violência nacional Segundo o Mapa da Violência (2017)33, pelos dados consolidados do Ministério da Saúde, do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus), em 2015, o Brasil teve 59.080 vítimas de homicídios. As maiores taxas de mortes violentas são dos Estados de Sergipe, com 58,1 mortes por 100 mil habitantes; Alagoas, com 52,3 e Ceará com 46,7. Ainda segundo o Mapa da Violência (2017), em 2015, foram 942 mortes provocadas pela intervenção policial (não diferenciando de qual agência policial), tais dados levam em conta os números da Saúde. Já o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em sua 10ª edição, referente ao ano de 201534, considera a base de dados e os serviços de análise estatística, ainda que não padronizados, dos próprios órgãos de segurança estaduais e distrital, na soma dos registros policiais foram 58.467 mortes violentas intencionais, incluindo vítimas de homicídios dolosos, de latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. Isso tudo ocorre com uma soma de 76,3 bilhões de reais gastos em Segurança Pública, tanto por municípios, Estados e a União, o que representa 1,38% do PIB brasileiro. O Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais do que a Guerra civil na Síria, no acumulado de cinco anos. Na Síria, entre março de 2011 e novembro 2015, segundo a ONU (Alto Comissariado para Refugiados/Observatório de DH da Síria), morreram 256.124 pessoas; no Brasil, segundo as edições anteriores do próprio Anuário do FBSP, entre 2011 e 2015, 279.567 pessoas foram assassinadas. São números de uma guerra civil não declarada. Quanto à letalidade policial, pelos números do 10º Anuário, os dados da Saúde tem subnotificação quanto a mortes decorrentes de intervenções policiais. Pois enquanto o Datasus registrou 942 vítimas, o Anuário coletou dados e somou 3.320 mortos pela polícia brasileira em 2015, em um aumento progressivo, já que em 2009 tinham sido 2.177. Juntas as polícias estaduais mataram 17.688 pessoas entre 2009 e 2015. Nem todo o Estado dispõe de dados sobre mortos por intervenção policial desagregados por corporação: Polícia Militar e Civil. Por isso das 3.320 mortes, não se sabe quanto realmente é resultado da atividade da PM. Mas se pode comparar alguns números dos Estados que declararam a diferenciação. Por exemplo, segundo a 10ª edição do Anuário do FBSP, em São Paulo, no ano de 2015, as polícias estaduais causaram a morte de 848 pessoas, dessas 580 foram causadas pela ação de policiais militares em serviço. Contudo, 220 ocorreram por policiais militares de folga, não podendo ser consideradas fruto da ação organizacional, mas inseridas no contexto institucional geral, que induz o comportamento policial. Assim chega-se, subtraindo, que apenas 48 de 848 mortes foram causadas por policiais civis em serviço ou de folga. Façamos o mesmo exercício, agora com Alagoas, foram 97 mortes no ano de 2015, sendo 78 por policiais militares e 14 por policiais civis e 5 mortes em operação conjunta. Portanto, entre 80% e 90% das mortes causadas pelas polícias brasileiras, são de responsabilidade da PM, 33 34 Cerqueira et al. Atlas da Violência 2017. Rio de Janeiro: Ipea; FBSP, 2017. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ano 10. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2016. Página | 29 o que dariam do total do ano de 2015, algo em entre 2.600 e 2.900 pessoas mortas somente pela PM. Se usarmos a mesma proporção, em sua menor taxa: 80% e consideramos os mortos por policiais brasileiros em serviço, no ano de 2012, segundo a 7ª edição do Anuário do FBSP35, que foram 1.890 (80% = 1.512) e compararmos isso aos dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODOC) referentes ao mesmo ano (Estudo Mundial sobre Homicídios 201336); só a Polícia Militar Brasileira, em 2012, teria sido responsável, independente da legitimidade das ações (e excludentes de ilicitude 37), por mais mortes do que o total de homicídios de 22 países (Hong Kong, Noruega, Nova Zelândia, Dinamarca, Suiça, Irlanda, Áustria, Suécia, Portugal, Jordânia, Líbano, Holanda, Uruguai, Bósnia e Herzegovina, TimorLeste, Kuwait, Eslovênia, Áustria, Hungria, Butão, Catar e Singapura). Lembrando que Bósnia e Herzegovina, Timor-Leste e Kuwait foram áreas de confronto bélico no final do século XX e existem brasileiros que pensariam duas vezes antes de ir ao Líbano e à Jordânia se perguntando se lá é seguro. Ora, só uma das polícias do Brasil mata muito mais do que todos os assassinatos da Jordânia (1500 contra 100). Números de uma guerra não declarada Naquele ano de 2012, as mortes violentas intencionais no Brasil, haviam somado 40.974, segundo a UNODOC e 50.062, segundo o Anuário do FBSP. Usando a contagem menor, o Brasil foi onde mais morreram pessoas assassinadas no mundo. A soma dessas pessoas mortas pela violência no país é maior que todos os homicídios da Europa, Oceania, Caribe e Oriente Médio juntos nesse mesmo ano. O país em que se mais mata pessoas e no qual suas polícias mais fazem vítimas fatais, bem como proporcionalmente um policial mais tem chances de morrer em serviço, esse é o panorama do Brasil. Podemos dizer: “sim, o país que não está em guerra, onde mais pessoas são mortas. Tudo bem, nos países em guerra devem morrer muito mais”. E aí teríamos que explicar: “Não, não, eu quis dizer o país que mais mata, mais até que os países em guerra”. Indiscutivelmente, se você tem uma máquina militar atuando em um território, em fogo cruzado com forças paralelas ao Estado, com tantas mortes violentas: ou se trata de uma guerra civil ou de um genocídio por omissão, para abrandar os termos. E nisso vemos a sustentação da argumentação de José Carlos Moreira da Silva Filho, professor da PUC gaúcha, quando fala em “terrorismo de Estado” (2011), para o qual no âmbito do Direito Internacional, o Brasil poderia ser responsabilizado pelo massacre ao seu próprio povo, seja lá quais sejam alegados os motivos para a carnificina sutilmente naturalizada. Se os holofotes da mídia internacional se voltam para a Síria, como um desastre humanitário, por que não dizer o mesmo do Brasil? Os números provam isso. 35 Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ano 7. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2013. UNODC Global Study on Homicide 2013: TRENDS, CONTEXTS and DATA. Viena, Áustria: UNODC, 2014. Disponível em <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_crime/Publicacoes/2014_GLOBAL_HOMICIDE_BOOK_ web.pdf>. 37 As mortes que realmente seriam esperadas pela ação policial e nesses casos o ordenamento jurídico não atribuirá cometimento de crime ao policial. Essas mortes estão inseridas nos números. O que se tenta demonstrar é que essas circunstâncias de não aplicação de penalidade ao policial, por ter cumprindo sua obrigação, não justificariam os altos números dos totais de mortes, quando comprados com o restante do mundo. 36 Página | 30 Pessoas como eu, que estiveram na linha de frente e que guardam boas lembranças e laços afetivos para com a profissão e as pessoas que lá atuam, não conseguem dar conta que 15,6% dos homicídios tinham um policial no gatilho, no ano de 2014, segundo a Anistia Internacional38; ou seja, estamos em guerra. Contra quem? Contra nosso próprio povo. Contra criminosos! Quando se analisa o perfil das vítimas, isso não é totalmente verdade. Seria mais factível dizer, estamos matando a parcela mais jovem da população pobre, sobretudo os de sexo masculino. E quem é esse “nós” oculto que conjuga com “estamos”? “Nós”, nesse caso, somos todos da sociedade brasileira: os pobres (e alguns poucos que ascenderam com os ganhos) estão matando os pobres e integrantes da classe média em ações diretas; os poderosos estão matando a população desassistindo-a dos instrumentos sociais capazes de prevenir a violência; esses poderosos, mais alguns ascedentes das classes subalternas, tem deliberadamente evitado o controle sobre o crime, porque ganham inescrupulosamente com os dividendos do tráfico de drogas, de armas, de pessoas, de influência e com apoio político eleitoral; nossa classe média mais próxima dos pobres tem encorpado as fileiras de “exércitos” estaduais que são postos em campo para combater o inimigo declarado de tudo isso, que são os pobres do primeiro grupo; o restante da classe média e de muitos outros pobres, todos vivendo em meio às áreas de conflito (ou zonas de guerra, humanisticamente chamadas de territórios de paz; gélida e estatisticamente chamados de hotpost – áreas quentes), assistindo aos “plantões de polícia” e pensando: “bandido bom é bandido morto” 39. Mas qual “bandido” esses querem ver mortos? Os poderosos que criminosamente estão ganhando muito com isso? Os policiais (parentes de alguns desses “do restante da classe média”) que se desviam de suas obrigações e passam a auferir pequenos ganhos aqui e acolá? Ou dos pobres (parentes desses “muitos outros pobres”, que precisam visitar-lhes nos presídios) que excluídos voluntariamente ou compulsoriamente do mercado, tornaram-se especialistas em obter para si, aquilo que é considerado do outro? Opa, parece que “obter para si, aquilo que é considerado do outro” é uma marca em comum desses três tipos de bandidos. Se isso não é uma guerra, como explicar que no ano base de 2012, Palestina, Israel, Iraque, Síria e Somália, que estavam em meio a conflitos armados e, portanto, tem números de guerras formais, acrescentados dos assassinatos comuns e perfazem a soma juntos de 1.513 mortos. Isso é apenas uma morte a mais do que a Polícia Militar, em todo territótio brasileiro, provocou no mesmo ano. Essas 1.513 mortes em regiões de conflito não são nem 4% de todas as mortes intencionais do Brasil em 2012. Literalmente há uma grande mancha de sangue entre outras menores, no globo terrestre, e a maior delas não está sobre o Oriente Médio, está sobre o Brasil. Globo News. “Força policial brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório; Relatório da Anistia Internacional destaca o Brasil e os EUA. Brasil aparece como o país que tem o maior número geral de homicídios”. Publicado em 07 set. 2015. Acessado em 20 jul. 2017. Disponível em < http://g1.globo.com/globonews/noticia/2015/09/forca-policial-brasileira-e-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio.html>. 39 Segundo a Pesquisa FBSP e DataFolha, inserida no 10º Anuário do FBSP, 57% da população brasileira concorda com a afirmativa “bandido bom é bandido morto”, enquanto 6% são indiferentes e 34% discordam da assertiva. Entre o detalhemento dos resultados é possível observar que aqueles que ganham até 5 salários mínimos (ou seja, R$ 4.400,00 no valor atual de um SM igual a 880,00), o resultado é de 58% que concordam. O resultado são mais expressivos entre os mais ricos, os de classe intermediárias são mais moderados quando se trata de desejar bandidos mortos. 38 Página | 31 A 7ª edição do Anuário do FBSP, que traz dados de 2012, faz uma comparação entre a cidade norte-americana de Nova Iorque e as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro. Bueno et al. (2013), em “Sob fogo cruzado II: letalidade da ação policial”, comparam os números da violência duas maiores cidades brasileiras e o relatório anual de disparos de arma de fogo da polícia (metropolitana) de Nova Iorque, a maior cidade dos Estados Unidos (e diga-se de passagem, uma polícia não tão pacífica assim): [...] Departamento de Polícia de Nova Iorque [...] responsável por prover segurança pública em uma cidade com cerca de 8,2 milhões de habitantes [...] logrou reduzir suas taxas de homicídios e se transformou em exemplo a ser seguido no mundo - percebemos que em 1971 a Polícia daquela cidade atirou em 314 pessoas e matou 93. No ano de 2011, esta mesma polícia, atirou em apenas 24 pessoas e matou somente 8. Já no município de São Paulo, com cerca de 11 milhões de habitantes, no mesmo ano as polícias Civil e Militar mataram, juntas, 242 pessoas; no Rio de Janeiro, município com cerca de 6 milhões de habitantes, no mesmo ano as duas polícias mataram, juntas, 283 pessoas. O texto acima deixa-nos com um dilema sobre a polícia brasileira (lembrando os 80% dos números da letalidade policial representariam aquela promovida pelas políciais militares). Dilema esse entre a eficiência policial e a intenção deliberada de matar. A minha questão interna, já refletindo os números da época, era que mesmo em meio aos tabus corporativos em falar do assunto, eu tinha uma parcial noção de que a PM era assassina como instituição, mas eu não me via como um assassino. Eu não sou assassino! Eu sou um desses tais “membros das próprias corporações convertidos ou sensibilizados”, afinal este humilde investigador foi um nativo da instituição em tela, um daqueles que com certeza, ao ser observado pelos primeiros instrutores no período de formação militar, – eles – dizem: “meu Deus, esse vai dá trabalho”. Vai dá trabalho para incultir nesse tipo de ingresso um sentir e pensar que não é, a princípio, compátil com suas crenças e valores. Lembro-me de forma muito marcante, em duas oportunidades, uma visita por iniciativa própria, em meados de setembro de 2013, ao programa de pósgraduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), na cidade de Niterói. Antes de entrar na área onde estão os prédios das Ciências Sociais, no campus principal de Gragoatá, estava grafado com spray preto: “A PM mata!” (Figura 2). Eu tirei uma foto e fiquei a pensar: “Como assim mata? Se a Polícia mata, todos nós que somos policiais, matamos também, eu não sou assassino. Eu tenho investido tanto tempo de minha vida para constituir uma realidade diferente dessas. Por que sou incluído nessa generalização que faz doer à alma?”. Página | 32 Figura 2 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar (UFF em Niterói) b) a) c) Fonte: Acervo pessoal do autor. Fotos de um cercado em volta de uma obra, próximo ao Bloco P, do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), no Campus do Gragoatá, da Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói-RJ. a) “PM mata!” b) “Estado Criminoso”. “Eles vestiam preto!”. “A PM é facista!” c) “Não a PM no Campus”. “Tribunal de rua não!”. A segunda oportunidade de se deparar com grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar, já tinha outra conotação. Tratava-se de uma visita técnica do núcleo de Polícia Comunitária da Polícia Militar de Alagoas ao Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte. Em um dos prédios da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFICH) era possível visualizar: “PM bom é PM morto” (Figura 3), complementada pelo questionamento: “Liber QUÊ, Iguali QUEM, Fraterni QUANDO”. Nessa segunda oportunidade, eu não mais me surpreendi, entendi que de alguma forma a Polícia Militar é encarada como ente simbólico (ou fantasmagórico) que se constituí o “bode emissário” do sistema de crenças de uma boa parte dos formadores de opinião no país (GIRAD, 1998). Ela carrega o conjunto das mazelas orquestradas pelo sistema social mais amplo, para que essa culpabilização não afete os verdadeiros “donos do poder” (FAORO, 2001; BALDO, 1980), demonstrando a “dispensabilidade do homem branco pobre e livre” no sistema de matriz escravocrata (LIMA e LIMA, 2013). O governo é diariamente conivente com os abusos cometidos para com os pobres dos territórios subalternos, mas quando se vê ameaçado, derruba a culpa sobre os ombros do “feitor-policial” (LIMA e LIMA, 2013). Além de entender sobre essa função de cunho psicossocial profunda, onde um vetor das impurezas carrega os “pecados” (GIRARD, 1998), o questionamento que acompanhava me serviu de catalisador para buscar novos rumos pela busca de respostas, quanto às problemáticas relacionadas à instituição policial militar e o policiamento de uma forma geral. Dado ao fato que, ela não questionava apenas a ordem capitalista, mas toda a credibilidade da ordem moderna-iluminista. Página | 33 Figura 3 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar (UFMG em Belo Horizonte) b) a) c) Fonte: Acervo pessoal do autor. a) Foto ampliada, da fachada de um dos prédios da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFICH), no campus principal da UFMG, na cidade de Belo Horizonte, com os dizeres: “PM bom é PM morto” e “Liber QUÊ, Iguali QUEM, Fraterni QUANDO”. b) Mesma foto do item a., mas sem a ampliação. c) Porta de entrada do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da UFMG, o destino da visita no dia em que as fotos foram feitas. Para o senso comum, os policiais são agentes das forças de opressão; mas para quem os conhece de perto, sabe que são mais uma minoria silenciada. Existem formas possíveis de operar o silêncio pela força do capital coisificador ou pelo (des)trabalho midiático e consequente, fechamento das portas para o palco político ativo. Assim é imposto o silêncio à classe trabalhadora e a minorias étnicas respectivamente. Mas aos sujeitos milicianos da proteção social se opera o silênciocontrolador, dando-lhes espaços de vazão emocional. São, portanto, seduzidos por artimanhas simbólicas, que oferecem o uso de instrumentos sociais e organizacionais que permitem o contato com instintos primordiais da base evolutiva humana: guerra, sangue, adrenalina, caça, aventura, poder fálico, supressão dos efeitos do superego social, status na disputa homossocial. São prerrogativas muito empolgantes e cativantes. Quando você alerta a um policial que ele tem sido um operador de um mal social, ele pode até admitir, mas abandonar todo esse capital simbólico é difícil para ele. Não que sobre nós (eles) não estejam também mecanismos de controle pela via econômico-monetária e pela obstrução a espaços de decisão política, mas esse mecanismo simbólico de vazão emocional é substancialmente a marca de supressão da “casta-classe” comerciante por sobre a “casta-classe” guerreira (PRIESTLAND, 2014). Sobre controle pela via econômico-monetária, pode-se dizer que o dinheiro, materializado no salário, no soldo (porção de sal dada ao soldado romano), também opera controle aos policiais. E sobre obstrução a espaços de decisão política, refere-se ao fato de que policiais militares são “estrategicamente” afastados de sindicatos e partidos políticos. A tomarem posse de cargos eletivos são afastados definitivamente de suas funções milicianas. Há algum tempo, as praças Página | 34 (soldados, cabos e sargentos) não exerciam direito ao voto e só recentemente a legislação definiu meios reais para que os policiais militares possam votar mesmo engajados no serviço de segurança das eleições. O mecanismo simbólico de vazão emocional pode, infelizmente, ser comparada a tática do “pão e circo”, não da perspectiva do povo romano da capital e das províncias que lotavam as arenas tipo coliseu. Os policiais militares são, por esta interpretação peculiar, capturados emocionalmente por algo semelhante à promessa de glória, honra, reconhecimento social e prêmio ofertado aos gladiadores. Presos, portanto, nessa tripla armadilha: pecuniária, simbólico-psicológica e sócio-política, eles podem protagonizar a mudança institucional esperada? Eles querem fazer essa mudança? Eles seriam capazes de invalidar as tentativas externas de mudança? Perguntas que nos remetem à formulação central do problema desta pesquisa. Mesmo diante de alternativas patentemente mais eficientes, socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis; por que essas alternativas são rejeitadas pela instituição policial militar? Primeira contra argumentação que se deve tecer, ao falar em alternativas patentemente mais eficientes, para quem são mais eficientes? Quem as considera legítimas? Se a Instituição, através de seus membros, assim não as consideram, então invariavelmente ocorrerá rejeição. E mesmo que por força das circunstâncias impostas pelo meio externo, sejam assumidas mudanças plásticas, de circuito simples, logo que possível o complexo conjunto de forças internas, acomodar-se-á de tal maneira a manter o estado semelhante ao original (ARGYRIS e SHÖN, 1978; MORGAN, 2002). Por decorrência do problema levantado é preciso fazer outras considerações por decorrência: o que são instituições? Por que instituições resistem às mudanças? Como elas reproduzem seus padrões organizativos? Para essas primeiras indagações, desenvolvemos um diálogo com as bases teóricas necessárias, nos afastamos do estruturalismo puro e privilegiamos a visão socioecológica. O resultado da busca por respostas para o primeiro grupo de questionamentos, do primeiro nível de decorrência concretiza-se na Parte II e em seus dois capítulos, que caracteriza a fase exploratória básica da pesquisa. Se aproximando mais das questões próprias da polícia militar, passamos a perguntar: o que é polícia? Como se constituiu o modelo institucional das polícias militares do Brasil? Quais fatores específicos compelem à resistência às mudanças do modelo policial militar? As respostas para essas indagações, não são definitivas, como aquelas dadas às primeiras também não são, mas para essas últimas aplicamos o colhido na primeira fase e compomos a Parte III do trabalho de caráter explicativo. Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia Para responder essa pergunta-problema, debruçamos em validar ou refutar uma hipótese: as polícias militares do Brasil funcionam otimizadas em Página | 35 conformidade aos seus modelos mentais institucionais. São esses modelos que estão em desalinhamento à demanda social declarada. O enunciado da hipótese levantada pode ser discorrido da seguinte forma, os entes organizacionais modelados pela instituição policial militar não estão em curso de mau funcionamento. Eles têm reagido sistemicamente às mudanças estruturais, devido à incompatibilidade dos modelos mentais recursivamente adotados pelos seus membros e a suposta demanda social. A reação inicial é de resistência, devido à robustez do sistema; em paulatina e cumulativa, pressão social, o sistema se reorganiza, gerando novos processos de adaptabilidade, com o mínimo de perda de identidade organizacional. Funções concorrentes de resistência e resiliência que confere ao metassistema institucional a capacidade de se perdurar, mesmo impondo ao meio social uma projeção/ação em desalinhamento com os declarados anseios públicos. É preciso notar que, os modelos mentais que dão suporte a esse aparente desalinhamento, possuem reverberação na própria sociedade em correlação a uma pressão social subjacente, legitimadora do uso da força. A professora Ivone Ferreira Costa (2005), da Universidade Federal da Bahia, realizou uma pesquisa como tese de doutoramento em Sociologia Econômica e das Organizações (pela Universidade Técnica de Lisboa), na qual sonda a imagem da atividade policial entre moradores e policiais que atuam no bairro de Liberdade, na capital baiana, Salvador. Dos resultados e análises do trabalho de Costa (2005), vamos nos servir em algumas oportunidades a frente. Agora, cabe trazer uma assertiva teórica sobre o papel da polícia. Ivone Costa (2005) alega existirem três papéis: atribuído, transferido e desejado. Segundo a autora (COSTA, 2005), o papel atribuído é “de natureza jurídico-política expressa historicamente” na sucessão de diplomas legislativos. O papel transferido é aquele “deliberadamente permitido pela sociedade que transfere a outrem o poder do exercício policial e o poder de Polícia”, nesse caso “a sociedade permite que o poder legal/formal das organizações policiais seja exercido sem questionamentos”. O ponto crítico dessa transferência está no fato que se trata de “um conjunto de ações não muito claras nem precisas”, em corroboração ao dito sobre a atividade policial por David Bayley (2002) e Dominique Monjardet (2003). Sobre o caso brasileiro, trago novamente a lista dos três tipos de “bandidos” que poderiam ser diretamente culpabilizados pelos números de mortes de uma guerra não declarada: poderosos (aliciadores), policiais (corruptos) e pobres (criminosos). Quando se fala do papel transferido, no contexto de cada um que faz a transferência, cabe salientar que se esse grupo é considerado por larga parcela da população como os vitoriosos, os espertos, “aqueles que se deram bem”, então temos sérios problemas sobre o que esperar de nossas instituições (DAMATTA, 1997; OLIVEIRA, 2002). Quanto ao papel desejado, Costa (2005) sinaliza que está “presente em nosso inconsciente” e faz um questionamento instigador: será que esse papel sombrio que dizemos querer eliminar, não é na verdade “desejado” por nós? “Será que o que Página | 36 se deseja é uma Polícia violenta, que tenha e demonstre força física e que responda ao medo social da morte ou de outros aspectos do inconsciente?” (COSTA, 2005). Segundo a pesquisa de opinião realizada pelo DataFolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, inserida no 10º Anuário do FBSP, podemos apurar um pouco sobre a expectativa dos brasileiros em relação à violência a à atuação de suas polícias:  População reconhece as difculdades enfrentadas pelos policiais:  64% da população brasileira acredita que os policiais são caçados pelo crime e  63% acham que os policiais não têm boas condições de trabalho.  Polícia é efciente, porém, muito violenta:  50% afirmam que a PM é eficiente em garantir a segurança da população,  Mas 59% têm medo de ser vítima de violência da Polícia Militar.  Entre matar e morrer:  76% dos brasileiros têm medo de morrer assassinados, não obstante,  57% da população acredita que “Bandido bom é bandido morto”. A Figura 4 apresenta uma representação gráfica (de complexidade reduzida) da dinâmica conflituosa entre modelos mentais internos ao contexto institucional-organizacional, como pode ser visto pelo antagonismo das forças representadas pelos elementos (c) e (d). Parte desses modelos mentais é formada por um conjunto instigador da (a) resistência às mudanças (c - modelos mentais socialmente divergentes) e outra parcela é alinhada à pressão social (d - modelos mentais socialmente convergentes). Pressão social (b) é aquela principalmente proveniente de formadores de opinião esclarecidos de certas subjacências das relações de poder. Por resistência (de uma forma geral) às mudanças (elemento a da Figura 4), incluem-se tanto (1) a resistência (propriamente dita) fruto direto da robustez organizacional como (2) a capacidade resiliente, de voltar ao estado anterior, com poucas alterações efetivas, após abalos causados por pressões externas. Página | 37 Figura 4 – Diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às demandas sociais Fonte: Elaborado pelo Autor. Portanto, sustento que o papel inconsciente “desejado” nos termos de Ivone Costa (2005), muito bem apropriados e cultuados internamente nas corporações policiais militares, que encontram ecos de concordância na sociedade é a principal força de resistência ao papel da polícia imaginado pelos “formadores de opinião esclarecidos”, que tem seu pensamento muito bem refletido nas seguintes proposições de Ivone Costa (2005): “E, afinal, qual seria realmente o seu papel [da polícia]? Copartícipe da manutenção da ordem social, dos direitos plenos do cidadão, protegendo-o, com respeito e confiança, enfim, com alteridade? Seria, sobretudo, um papel que contribuiria na construção da ordem social democrática de plenos direitos?”. O papel de copartícipe da ordem social democrática é o sonho dos formadores de opinião, que infelizmente baseado na minha experiência nativa, posso dizer que não tem potencial suficiente para influenciar mudanças profundas no psiquismo institucional. A polícia que demonstra a força física é, em fim, a consubstanciação de um estado pré-ordenado no inconsciente coletivo. Fruto dessa dinâmica conflituosa de práticas e intensões ocorre um movimento organizacional de mudanças, entretanto de cunho mantenedor, que em último grau é um esforço por sobrevivência, que pode ser confundido, justamente por essa classe de “formadores de opinião esclarecidos” com um processo de autosabotagem. Isso devido ao fato de não compartilharem os mesmos valores mais intrínsecos da condição de ser um nativo dessa cultura institucional. Mudar e manter-se como é parece paradoxal. A mudança supostamente acarretaria reorganização. Mas em um sistema autorreferenciado, o equilíbrio é alcançado não com a inanição, ou ausência de movimento. Trata-se de equilíbrio dinâmico, homeostase, o corpo em ininterruptos processos metabólicos, renovandose, constituindo-se por novo material orgânico sem, contudo, perder a configuração original (MORGAN, 2002; MATURANA e VARELA, 1997). Alguns estudos sob a égide da Ecologia Humana (LAWRENCE, 1993) tem apontado a teoria sociológica de Anthony Giddens (2003) como uma das mais apropriadas para uma integração à visão sistêmica. Para nossa pesquisa, em particular, a noção de homeostase, utilizada por Giddens (2003), oportuna uma luz inicial para a compreensão da resistência/resiliência institucional. Para Giddens (2003) a noção de homeostase é o pilar de um dos dois padrões para processos reprodução Página | 38 sociocultural40. O primeiro padrão de reprodução é pautado por (1) circuitos de autorreferência (com indefinidos loops, dando voltas e mais voltas, gastando energia, mudando as pessoas envolvidas, mas sempre preservando o mesmo padrão organizativo) o segundo, privilegia a capacidade reflexiva dos agentes, ocorrendo por (2) uma estratégia intencional para a mudança ou manutenção (onde a estrutura é alterada e o padrão de múltiplas relações ciclado) (GIDDENS, 2003): A reprodução do sistema homeostático na sociedade humana pode ser vista como envolvendo a operação de laços causais, em que uma gama de consequências impremeditadas da ação realimenta-se para reconstituir as circunstâncias originadoras. Mas em muitos contextos da vida social ocorrem processos de "filtragem de informação seletiva", pelos quais atores estrategicamente colocados procuram reflexivamente regular as condições globais de reprodução do sistema, seja para manter as coisas como estão, seja para mudá-las (GIDDENS, 2003). Graças a esta capacidade reflexiva, que os agentes de sistemas sociais podem mudar os quadros organizacionais (GIDDENS, 2003). Desde já, algo deve ficar muito bem explícito: sustento a viabilidade de mudança institucional da polícia militar, o que passo a discorrer até as seções conclusivas, é sobre o complexo conjunto de fatores que faz com que movimentos de mudança, nesse contexto institucional específico, sejam mais difíceis. Os tais “atores estrategicamente colocados” estão sutilmente e até inconscientemente trabalhando para a perpetuação do padrão organizativo das relações internas e externas da PM. Se não acreditasse na mudança, não haveria sentido para o esforço dessa pesquisa. A questão é: quais chaves profundas suportam a inalteração dos padrões organizativos e, evidentemente, seriam as mesmas chaves que desarmadas, provocariam mudanças em cadeia. Portanto, não se deve ser suscitado o tom desesperançoso ou fatalista, até que se possa compreender os entremeios dessa rede complexa de imagens mentais convertidas em elementos simbólicos. A abordagem escolhida a partir de um aporte teórico sistêmico, que privilegia a interpretação dos fatos mentais profundos pelo prisma arquetípico, pode aparentar, em um primeiro momento, não haver chance de mudança, mas é o mesmo aporte, numa síntese integrativa, que nos levará a conhecer janelas de oportunidade para operar as mudanças necessárias. Portanto, espera-se que seja observado o termo “capacidade reflexiva”, ou seja, supõe-se que existe um agente exercitando faculdade habilitadora a ponderar e escolher “destino diferente”, daquele relegado pelas estruturas/processos instituídos. Sobre “destino” diferente, devo destacar que mesmo podendo perceber o processo evolutivo biológico contíguo a uma ontologia cultural da espécie, no qual há uma tendência de supormos um determinismo biológico, existe um espaço de manobra para efetuar mudanças. Sem a “capacidade reflexiva”, colhida (neste caso) da teoria de Giddens (2003), a jaula de ferro de Weber ([1917] 2004) seria 40 Deveria parecer impróprio usar Giddens (2003) para fazer a analogia com sistemas sociais, pois ele declara ser contra esse tipo de associação, mas ele mesmo utiliza a noção de homeostase. Página | 39 intransponível, não haveria um “mundo como pode vir a ser” como nos afirma Milton Santos (2001). O Mesmo Milton Santos (2001) deixa claro que é devido à dinâmica de centros frouxos, que ainda existe a chance de sermos quem desejamos ser, porque pelo contrário já teríamos nos tornado plenos robôs programados e alienados, como Zizek (apud MARQUES, 2012) sugere já ter ocorrido. É justamente sobre o como ativar essa capacidade mesmo contra a influência de forças gregárias da mente coletiva, que vou abordar paulatinamente neste trabalho, começando pelo aporte teórico sobre a existência dessas forças, a identificação dos elementos determinantes da resistência institucional específica da Polícia Militar e possíveis formas de neutralizar sua potência de manutenção do status quo. Há algo de peculiar nas instituições policiais que, a priori, permitem-se discutir o modelo adotado, mas em última instância resistem, como se cuidassem por um senso de autopreservação (MUNIZ et al., 1997). Tal processo psicodinâmico é inconsciente e sutil, mas com desdobramento muito contundente no cotidiano de instituições, notoriamente as totalizantes (GOFFMAN, 1988). Segundo Dominique Monjardet (2003), “a análise da cultura profissional dos policiais é o ‘calcanhar-de-aquiles’ de toda pesquisa sobre a polícia”. Para Monjardet (2003), toda vez que as análises sobre os dados coletados em pesquisas sobre a polícia demonstrassem uma incoerência, como “que parece escapar à lógica organizacional”, a cultura profissional seria aludida como princípio explicativo de tais condutas incongruentes. Monjardet (2003) confessa que o pesquisador das ciências sociais imbuído de tal tipo em empreendimento, acaba se deparando com “uma ‘variável’ imprevista, ou subestimada no protocolo de pesquisa”. Esta peculiaridade, essa tal “variável imprevista”, traz à tona um traço marcante de resistência e um padrão de interferência aparentemente incoerente, abordada anteriormente como o “calcanhar-de-aquiles” das investigações sociais sobre a polícia, assim denominada por Monjardet (2003), refletem um mundo profundo de motivações não reveladas, não apenas dos sujeitos, bem como da coletividade. Segundo Giddens (2003), estes motivos inconscientes não estão vinculados diretamente a ações do cotidiano, mas traçam panoramas gerais, como linhas orientadoras do comportamento, vindas em alguns casos pouco frequentes irromperem as barreiras da racionalidade lógica e conduzirem “atos falhos” nos termos de Freud (apud GIDDENS, 2003). Embora atores competentes possam quase sempre informar discursivamente sobre suas intenções ao – e razões para – atuar do modo que atuam, podem não fazer necessariamente o mesmo no tocante a seus motivos. A motivação inconsciente é uma característica significativa da conduta humana (GIDDENS, 2003). Em “Resistências e dificuldades de um programa de policiamento comunitário” pesquisadoras como Jacqueline Muniz e Leonarda Musumeci e outras, orientam um projeto piloto, no final da década de 1990, muito antes das UPPs, para um serviço destacado de patrulha comunitária na unidade da Polícia Militar, responsável pelo policiamento de uma área nobre do Rio de Janeiro. Acompanhe o trecho final do artigo fruto dessa pesquisa: Página | 40 Nesse clima, não é de estranhar que a desativação do projeto tenha sido saudada dentro do 19º BPM como vitória dos ‘verdadeiros policiais’, dos ‘machos’, contra aquela espécie de ‘brincadeira de menina’ que o policiamento comunitário representava para os defensores da cultura policial tradicional (MUNIZ et al., 1997). Assim sendo, tendo chegado ao insucesso, inúmeras empreitadas que objetivavam tornar a relação desse corpo organizacional institucionalizado melhor adaptado às novas demandas sociais, restou aprofundar-se ainda mais no entremeio simbólico dos modelos mentais que rege a atuação e que lastreia a percepção dos membros da polícia militar. Inócuo são as empreitadas que se impregnam do sentimento de admiração, pavor e reprovação moral apenas pela existência de tais modelos. Pois são elementos sombrios do inconsciente organizacional. Eles existem 41, oferecem certa dificuldade para serem verificados pelos instrumentos científicos e, sem juízo de valores precipitados, são motivo de honra42 e prestígio para alguns e vergonha e frustração para outros, entre os próprios membros das organizações do uso da força (militares e/ou policiais) (MUNIZ et al., 1997; MUNIZ, 1999). Disposição textual Para alcançar os objetivos desta pesquisa teórica perpassamos por dois momentos bem definidos: um de exploração básica e um de explicação aplicada. Cada momento desses ficou registrado como uma parte específica. Além dessas duas partes nucleares, uma introduz contextualizando como se deu a pesquisa, sendo equivalente ao quadro metodológico e outra parte que sintetiza os achados das duas partes nucleares e gera uma síntese que acaba por definir um perfil institucional da Polícia Militar dentro dos critérios definidos. Portanto, com o objetivo de responder o problema suscitado, ao fim dessa dissertação como resultado da pesquisa, propus-me a apresentar um quadro com os principais elementos da Ecologia Profunda própria do modelo institucional da Polícia Militar Brasileira, geradores de resistência e resiliência às mudanças organizacionais exigidas por pressão social. Tal resultado pode ser constatado na Parte IV, onde se trata da Síntese Integrativa e Visão Prospectiva, tanto quando abordo uma tipologia arquetípica dos perfis policiais idealmente construídos no meio institucional, que é o tema de todo o Capítulo 8: “Tipologia guerreira no contexto policial militar”, tanto quando abordo uma sondagem sobre a “chave guerreira”, ou seja, a dinâmica simbólico-imagética de regência de alguns tipos policiais sobre os demais. Justamente no Capítulo 9 (Desmobilizando a Chave Guerreira), denuncio o processo hegemônico de regência ideológica intrainstitucional e abro discussão de como “desativá-la” ou como denomino, desmobilizar. No capítulo: “‘Um sujeito homem’: Orgulho, preconceito e relativização” de sua tese de doutorado, a professora Jacqueline Muniz constata esses modelos mentais durante uma pesquisa participante entre policiais militares cariocas. Um dos modelos que ela destaca é o caráter sexista da cop culture (cultura policial), na PMERJ e em todo mundo, apoiando-se na literatura internacional sobre o tema (MUNIZ, 1999). 42 Fato observado por MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO (2008) depois de ouvirem 1.120 policiais da PMERJ: “Essa convicção, apesar de não ser verbalizada por todos os seus membros, foi encontrada em muitos policiais que entrevistamos, tanto oficiais quanto praças, que manifestam autoconfiança e orgulho de sua profissão”. 41 Página | 41 E para chegar a esse objetivo final, alguns entremeios precisaram ser alcançados como resultados específicos, entre eles estão (1) ofertar contribuição conceitual de abordagem ecológica para o estudo organizacional, como se vê no Capítulo 4. (2) Modelar uma representação conceitual da evolução histórica das matrizes institucionais da polícia militar, como pode ser visto no Capítulo 6. (3) E descrever por analogias, as principais relações ecológicas profundas das organizações estruturadas pelo modelo policial militar, como pode ser visto no Capítulo 7. Portanto os capítulos 8 e 9 concretizam o objetivo geral da pesquisa e os capítulos 4, 6 e 7 trazem os resultados que concretizam os objetivos específicos. Recapitulemos a disposição textual, por quanto, admito ser uma produção extensa e permeada de muitas conexões, que exigirão atenção e atitude de disponibilidade para compreender primeiro a natureza das instituições como elementos ecológicos, para depois passar a ter uma consciência sobre a natureza da Polícia Militar. Para isso a dissertação que reflete os caminhos e os resultados da pesquisa está estruturada além da Introdução e Conclusão em 10 capítulos divididos em 4 partes, quais são:  Parte I - Eu e a Polícia Militar: caminhos da pesquisa;  Parte II - Exploração Básica: Ecologia Profunda e Organizações;  Parte III - História e Ecologia da Polícia Militar e  Parte IV - Síntese Integrativa e Visão Prospectiva. A Parte I é aquela que contextualiza a pesquisa, denomina-se “Eu e a Polícia Militar: caminhos da pesquisa” e divide-se em dois capítulos. O Capítulo 1: “Percurso Metodológico” trata de alguns parâmetros do percurso da pesquisa, o contexto da propositura do trabalho, a seleção da abordagem teórica, uma definição mais enfática do objeto e uma discussão teórica das metodologias de interpretação e instrumentos de apreensão da realidade. Essa discussão se fez necessária devido o fato do desenho da pesquisa ter requerido um leque de metodologias e instrumentos que possuem uma adesão e uso insipiente nas pesquisas do tema abordado, a saber, a autoetnografia, a etnografia digital, o mapeamento filogenético aplicado à análise institucional e a imaginização como uma aplicação peculiar da imaginação ativa ao estilo de Jung por Gareth Morgan para o estudo organizacional. O Capítulo 2: “Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um policial”, por sua vez, encarna a principal metodologia de abordagem da realidade psicossocial pesquisada e instrumento de apreensão que valida a experiência do autor como policial militar, para ser o meio de captar o sentido profundo da vivência de ser um nativo da dada instituição. Esse meio é a autoetnografia, sob qual a base teórica que suporta seu uso é discutida no capítulo anterior. No Capítulo 2 é permitida ao autor uma construção mais próxima da biográfica para que dela surjam os dramas pessoais e os elementos formativos dos contextos coletivos institucionais a partir dos quais é possível inferir as causas dos problemas motivador da pesquisa. Página | 42 Findada essa primeira parte, partimos para a construção teórica geral, que pode ser aplicada, em empreitadas futuras, para a compreensão sistêmica de outras instituições e/ou organizações. Trata-se da Parte II: “Exploração Básica: Ecologia Profunda e Organizações”, composta por dois capítulos. Sobre esta parte e seus capítulos cabe uma nota, não obstante esta parte do trabalho ter uma pretensão de discutir fundamentos teóricos e construir uma proposição de abordagem organizacional ecológica profunda, ela traz inserções de contextualização sobre o quanto esses conhecimentos podem elucidar o caso específico da Polícia Militar. Assim o fazemos, para que toda revisão literária e produção primária de cunho teórica não fique dissociada do objeto primaz da pesquisa, ou seja, um direcionamento para a resolução da problemática institucional levantada. O primeiro capítulo da Parte II denomina-se “Ecosofia: Sabedoria Ecológica” e é o Capítulo 3 da dissertação, ele corresponde a maior parcela da Matriz Teórica de suporte do presente trabalho. É fruto de uma revisão bibliográfica extensa e múltipla em campos do conhecimento, que também envolve inúmeras audições de material audiovisual. Tudo para lastrear um estudo interdisciplinar. Estabelecemos três quadros teóricos de referência: um articulador, um integrador e um temático. A articulação cabe à Visão Sistêmica Unificada específica do físico austríaco Fritjof Capra. Essa abordagem de Capra nos serve de suporte e constitui-se em um compêndio que aponta para quais outros autores contribuem para uma visão de sistemas sociais como organismos vivos, visão que não foi possível ser apreendida em um único campo do saber. Essa construção vai beber em fontes como Física Quântica, Psicologia Analítica, Psicanálise, Psicologia Integral, Teoria da Estruturação (teoria sociológica), Biologia Evolutiva e Cognitiva, Teoria dos sistemas sociais (teoria jurídico-comunicacional), Teoria da Ação e Imagética aplicada a Estudos Organizacionais. Esse multiparadgmatismo articulado em uma abordagem sistêmica é justamente a caracterização de um estudo interdisciplinar de Ecologia Humana, portanto, infundindo o trabalho com a forma peculiar de associar toda essa potencialidade da espécie humana como estratégias de adaptação do processo evolutivo. A integração dos saberes em um senso de conexidade parte das múltiplas ecologias que formam a Ecologia Humana Integral: Ecologia Social, Mental, Profunda e do Ser (do corpo, da alma e do espírito). Como elas suscitam saberes de cosmovisões diferentes e saberes transcientíficos, há importante contribuição do taoísmo chinês e do hermetismo egípcio. Outras influências filosóficas e religiosas emergem ao longo do texto em outros capítulos, tais como cristianismo gnóstico, alquimia, hinduísmo, neoconfuncionismo, sufismo islâmico, estoicismo pré-socrático, espiritualismo universal e ufológico, enredos mitológicos tais como o yorubá, o grecoromano e o judaico cabalístico. O quadro de referência temático é formado por produção específica sobre Segurança Pública e a Polícia Militar Brasileira e está difuso, sobretudo, sustentando as seções introdutórias dos capítulos da próxima parte com maior destaque para ao Capítulo 7: “História da Polícia Militar”, mas encontram ressonância nos diversos trechos que é preciso contextualizar a discussão teórica com o quadro geral da segurança pública brasileira ou específico das características institucionais da Página | 43 Polícia Militar. No Capítulo 3, reservamos uma seção para apresentar as fontes desse quadro e registrar onde elas foram utilizadas no restante da dissertação. O capítulo subsequente é o quarto da dissertação, no qual se concentram os resultados da elaboração teórica básica e o suporte teórico imediato para essa elaboração. Denominado de (Capítulo 4) “Ecologia Mental Organizacional”, propõe um esquema de Ser Organizacional composto pelo detalhamento de sua constituição, da dinâmica psíquica coletiva e de sua reprodução quanto um organismo social. Fechando o capítulo há uma breve discussão sobre a característica de resistência institucional a mudanças como uma herança do mal civilizatório geral, o que se constitui uma forma peculiar de explicar uma das ecologias das ideias danosas como queira Guattari (1990) ou Bateson (1972). Chegando ao momento de descrever os resultados da fase de explicação aplicada ao problema, começa-se a Parte III que se refere à “História e Ecologia da Polícia Militar”. Para demonstrar um pouco da trajetória dessa etapa da pesquisa, fazemos no Capítulo 5 uma “Arqueologia Simbólica da Polícia Militar” aplicando o método de hermenêutica de padrão junguiano aos símbolos gráficos e heráldicos utilizados pelas polícias militares estaduais e a distrital no Brasil. Como resultado desse capítulo, percebe-se a potência oculta dos símbolos compartilhados pelas corporações, destacam-se três deles: o emblema e a insígnia institucional, além da estrela de cinco pontas. Da diferença do suporte necessário para a compreensão do emblema e da insígnia, dispõe-se a rumar a um caminho histórico e outro imagético para revelar relações ecológicas profundas. É no Capítulo 6: “História da Polícia Militar: genealogia das matrizes institucionais”, que as polícias militares são vistas tal como ficou estabelecido no Capítulo 4, espécies organizacionais de um tronco filogenético institucional, portanto, buscam-se as instituições do passado que serviram de matriz para a atual constituição das corporações. Fizemos uma genealogia, começando com os primórdios da atuação policial e prosseguimos com as matrizes específicas do modelo brasileiro: a Gendarmaria Nacional francesa, a Guarda Nacional Republicana portuguesa e a Polícia Militar do Exército norte-americano, além de outras instituições sociais típicas do contexto português colonizador. Neste capítulo, revelamos ainda modelos mentais associados a representações sociais e históricas, que agem como ordenadores do comportamento organizacional, como vestígios da memória institucional, tais como o capitão-do-mato, o feitor ausente, o soldado romano, o guerreiro tribal africano, os quadrilheiros entre outros. Ao fim apresentamos um diagrama que demonstra a influência dessas matrizes ao longo do tempo no desenvolvimento da identidade institucional da PM e a esse diagrama denominamos de mapeamento filogenético. Tendo vasculhado a constituição histórica da instituição, em seguida, como que se pudesse por a pessoa organizacional no divã, fizemos uma análise das manifestações do inconsciente dela, analogias que ilustram seu lado sombrio e sua anima-animus. O Capítulo 7: “Ecologia Profunda da Polícia Militar” é composto com trechos que “imaginização” da instituição através de recursos metafóricos, cada seção dá espaço para uma expressão específica desse tipo: a luta ideológica interna como uma disputa de elementos de gênero (masculino e feminino); corporações policiais como espécies potencialmente invasoras de um ecossistema alheio, como Página | 44 indutores de verticalidades; a elaboração de um pequeno ensaio que define uma casta “bioantroplógica” dos guerreiros; o exercício da atividade policial como um sacerdócio servil que cumpre um rito sacrificial; o trabalho policial como remanescência da atividade de caça das comunidades humanas primitivas e as organizações policiais (de força-vigor) como espaços de culto a deuses guerreiros. Com o desdobramento deste capítulo, mais modelos mentais e arquétipos fundantes da polícia militar são revelados. Como já havíamos dito, na Parte IV – Síntese Integrativa e Visão Prospectiva, fazemos a entrega do resultado que consubstancia o objetivo geral da pesquisa. No Capítulo 8: “Tipologia guerreira no contexto policial militar”, estabelecemos uma tipologia arquetípica do espírito guerreiro que influencia a atividade policial, com claras inspirações na fundamentação mitológica e em um alinhamento com as funções psicológicas do equipamento psíquico, segundo Carl Gustav Jung. Fazemos, portanto, uma classificação, inspirada no taoísmo, que contempla as quatro funções psíquicas: Sentimento, Sensação, Intuição e Pensamento e estabelecendo os quatro tipos policiais: pai-zeloso, herói, aventureiro e guerreiro. Ao longo do Capítulo 9: “Desmobilizando a chave guerreira”, discorremos sobre a hegemonia ideológica de dois tipos em suas expressões sombrias: o guerreiro-caveira e o aventureiro-caçador. Narro a minha experiência de adaptação e busca por alinhamento aos perfis modelares hegemônicos. Exponho como esses perfis ideológicos disputam a primazia na regência dos destinos institucionais, tal qual uma disputa homossocial de padrões de masculinidades (CONNELL, 1995; COLLINSON e HEARN, 2005). Esclareço sobre a tendência negativamente entrópica de uma queda moral, para a qual aludimos a Phillip Zimbardo (2008) e usamos o conceito de Efeito Lúcifer. Voltamos ao método de arqueologia simbólica e vasculhamos os símbolos empregados pelas unidades policiais militares especializadas em Choque, Operações Especiais e Patrulhamento Tático Móvel, com um substancial destaque para esse último nicho. Com os tipos policiais arquétipos guerreiros do Capítulo 8 e a discussão do Capítulo 9, sobre a “chave guerreira” e a lógica necessária para desativá-la; chegamos a hora de olhar para o futuro e antever os destinos possíveis para a Polícia Militar. Justamente no Capítulo 10: “Extinção ou reformulação institucional?”, traçamos um cronograma de ações sugeridas para implantar mudanças que desbanquem a hegemonia ideológica interna. Não obstante, propor mudanças, discorremos sobre circunstâncias e peculiaridades entre as diferentes corporações estaduais, que ensejariam mais que mudança, a própria extinção da PM. É no entremeio desse debate, que temas atuais sobre a mudança institucional são tratados, tais como desmilitarização, unificação, federalização, municipalização, desconstitucionalização. O Capítulo 10 está para a dissertação como uma conclusão técnica, que apresenta sugestões de melhoria e de aplicação dos resultados e a seção denominada de “Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro”, configura-se uma conclusão de caráter filosófico-espiritual, o qual o drama institucional da sede dos guerreiros, de âmbito nacional – como é o caso das polícias militares – é contextualizado com a crise civilizatória geral. Página | 45 PARTE I EU E A POLÍCIA MILITAR: CAMINHOS DA PESQUISA Página | 46 CAPÍTULO 1 | PERCURSO METODOLÓGICO Natuteza da pesquisa Este trabalho trata-se de uma pesquisa teórica, que tem por objetivo, esclarecer melhor as relações entre os elementos sutis de um dado sistema. A forma geral de abordagem é qualitativa. Método de abordagem O método da perspectiva de apreensão da realidade é o pensamento sistêmico, conjugado com as referências de enfoque linear-analítico adequado ao estudo das partes, relações ou subsistemas integrantes. Portanto, uma abordagem holística, numa visão sistêmica unificada43 das dimensões do ser/saber humano. Quanto aos métodos de procedimentos, adotouse uma composição mista, por influência da própria composição do mosaico teórico de Fritjof Capra, e pela necessidade de filtros específicos para a observação das relações lineares em particular, como nos esclarece Chew (1964), Mariotti (2000) e Morin (2008). Cientes de que o pensamento sistêmico corresponde a uma forma de compreender uma dada parcela de relações da realidade e que outra inevitavelmente é preciso um prisma analítico próprio para compreender um sistema ou contexto delimitado (MARIOTTI, 2000). Segundo Mariotti (2000), “o racional vem do emocional, não o contrário, [...] mas isso não quer dizer que devamos deixar de ser racionais”. Apenas que “precisamos aprender a harmonizar razão e emoção, pensamento linear e pensamento sistêmico” (MARIOTTI, 2000). É por esse motivo que apesar desse trabalho sediar-se no terreno do pensamento sistêmico com as articulações próprias da Ecologia Humana, não dispensa o uso de partículas de corpos teóricos de análise linear. Para Humberto Mariotti, “não se pode desenvolver uma compreensão satisfatória da cidadania e do desenvolvimento sustentado com base apenas no pensamento linear”, porque: Os argumentos racionais são úteis para iniciar conversações. Mas se eles insistem em permanecer lineares (ou seja, excludentes, binários, apegados ao “ou/ou”), isso significa que querem manter-se como os únicos “verdadeiros”, isto é, que não respeitam a diversidade. E esta, como sabemos, é uma das bases da cidadania (MARIOTTI, 2000). Mariotti (2000) continua dizendo que é por isso que “não se pode desenvolver uma compreensão satisfatória da cidadania e do desenvolvimento sustentado com base apenas no pensamento linear” e, portanto, “o pensamento sistêmico, quando isolado, é também insuficiente para as mesmas finalidades”. 43 Por não existir um corpo único de subsídios para formulações em pensamento sistêmico, adotou-se aquele que respalda a interpretação e sistemas sociais como sistemas vivos, o quadro de referência constituído por Fritjof Capra em suas obras de física nuclear, tradição filosófica e ecologia. Página | 47 Descrição sumária do objeto O sistema estudado é a instituição policial militar brasileira, como metassistema social humano, que vem a ser corporificado mediante a adesão dos modelos mentais institucionais por dadas organizações humanas, a priori, as polícias militares estaduais brasileiras, bem como, em níveis de envolvimento institucional diferentes: os corpos de bombeiro, as guardas municipais e o setor de segurança privada no país. A ênfase é pautada na dimensão mental (cognitiva), onde os elementos investigados são os modelos mentais (ou imagens) que esses sistemas, compartilham entre si com o metassistema modelar institucional. Atributos específicos observados do objeto A questão instigadora está na não adequação da funcionalidade do sistema com a demanda social declarada. O parâmetro mensurável da inadequação é o caráter letal e lesivo da instituição perante o corpo social e os próprios membros do corpo organizacional. Portanto, prontificou-se em debruçar-se nos motivos geradores de robustez e resiliência, numa perspectiva socioecológica. Fases da pesquisa e metodologias específicas A pesquisa se desdobra em duas fases: (1) A primeira, de natureza básica de objetivo exploratório abrange o tema das instituições humanas, reprodução cultural, bem como seleciona o aporte necessário para desenvolver a fase seguinte da pesquisa sob a visão do pensamento sistêmico. O procedimento técnico empregado é notoriamente a pesquisa bibliográfica. (2) A segunda fase da pesquisa, tem natureza aplicada de objetivo explicativo referente ao tema sistema de segurança pública brasileiro e os corpos militarizados de polícia do sistema luso-brasileiro de manutenção da ordem. Os procedimentos técnicos empregados para tais fins foram:  Pesquisa bibliográfica tanto de publicações acadêmicas como da imprensa escrita;  Etnografia Digital (ciberetnografia) como “biblioteca de pessoas” para perscrutar alguns artefatos da cultura do subgrupo social estudado: logomarcas, brasões, insígnias, trajes, sítios oficiais das organizações institucionalizadas. Bem como representações sociais internas e externas à instituição sobre imagem projetada e autoimagem percebida por meio de produções ficcionais (como filmes, livros e séries de TV), por produções autobiográficas e o destaque das falas de policiais (guardas e familiares) em artigos e relatórios de diagnósticos de autoria de acadêmicos brasileiros, além de matérias jornalísticas;  Autoetnografia por memórias de seguidas observações participantes assistemáticas, tendo sido a integração com o grupo estudado ocorrida de forma natural; recaptuladas por um processo Página | 48 de simulação de vozes: do etnógrafo e do etnografado, registrado no formato de entrevista escrita, sendo aproveitado na redação final os trechos pertinentes à compreensão e ilustração dos pontos abordados;  Pesquisa documental: produção legislativa e fontes estatísticas; as principais fontes foram: a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o Exército Brasileiro (pela Inspetoria Geral das Polícias Militares IGPM) de onde partiu-se para os sites institucionais de cada Corporação estadual e a distrital de polícia militar; o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgãos das Nações Unidas e a União Americana de Liberdades Civis (ACLU); Circunscrição disciplinar Na compreensão de Nicolescu (1999), nosso trabalho se trata de uma investida interdisciplinar que tem como ponto de partida a Teoria Organizacional, é a transversalidade do tema que opera a sobreposição dos campos de saber e que exige a troca de conceitos e metodologias, tendendo nossa modelização a uma postura transdisciplinar. Iarozinski Neto e Leite (2010) esclarecem que na abordagem [da interdisciplinaridade “há uma interação participativa de um grupo de disciplinas conexas, cujas relações são definidas a partir de um nível hierárquico superior, ocupado por uma delas” (JANTSCH; BIANCHETTI, 1999 apud IAROZINSKI NETO E LEITE, 2010). O objetivo é a “transferência de métodos de uma disciplina para outra” (NICOLESCU, 2005 apud IAROZINSKI NETO E LEITE, 2010). Resultados esperados O desfecho geral da pesquisa, no entrecruzamento entre a exploração básica e a explicação aplicada, no momento de produção do conhecimento, empenhou-se em “esclarecer melhor as relações entre os elementos”, através da produção múltipla e consecutiva de modelos de desenho sistêmico e/ou simbólico na formação de uma síntese. Melhor fica explanado, ao elencar os procedimentos específicos para a formação da síntese e seus modelos conceituais específicos, fazendo-o em correlação aos objetivos declarados da pesquisa. Começa-se pelos empreendimentos em prol de chegar até os objetivos específicos para conclusos, alcançar o objetivo geral: Objetivo específico (a): Ofertar contribuição conceitual de abordagem ecológica para o estudo organizacional. Página | 49 Métodos de produção modelo conceitual: Modelagem conceitual própria para apresentar a constituição da pessoa organizacional e dinâmica de reprodução institucional. Objetivo específico (b): Modelar uma representação conceitual da evolução histórica das matrizes institucionais da polícia militar; Métodos de produção de síntese/modelo conceitual: Mapeamento Filogenético aplicado à análise histórica institucional, conforme o modelo inicial proposto tal como proposto no tópico “Mapeamento filogenético e Análise histórica institucional” deste mesmo capítulo. Objetivo específico (c): Descrever por analogias, as principais relações ecológicas profundas das organizações estruturadas pelo modelo policial militar. Métodos de produção de síntese/modelo conceitual: "Imaginin.i.zation" ("Imaginização"): uma espiral de múltiplas alegorias, contendo simbolizações, que circulam em redundâncias amplificadoras do valor simbólico, até culminar em revelar o dominante inconsciente, do qual o conjunto simbólico são expressões cognoscíveis (DURAND [1964] 1995; MORGAN, 2002). Trata-se, portanto, do processamento simbólico arquetípico, com seus recursos processuais disponíveis (amplificação simbólica, imaginação ativa, hermenêutica construtiva) que importa realizar associação, comparação e síntese. Neste caso, o conjunto método/técnicas do paradigma junguiano está à serviço de uma peculiar análise institucional, ao modus de racionalização/intuição de Gareth Morgan para o ambiente-função-entidade organização humana (sistema sociohumano), como coletivo que concomitantemente empresta conteúdo para o outro "interno" das pessoas membros e impõe padrões normativos na figura do Outro "externo". Detalhes teórico-metodológicos Para entender o caminho percorrido neste trabalho, a natureza da pesquisa e as estratégias empregadas, discorrer-se-á sobre os seguintes pontos:  Alguns parâmetros do percurso: natureza geral da pesquisa teórica; o uso de metáforas e o uso da modelagem conceitual.  Contexto da propositura da pesquisa: as condições, eventos e questionamentos que antecederam a delimitação dos parâmetros desta pesquisa.  Definição do objeto: delimitação do sistema de contexto, o subsistema de enfoque, a característica sistêmica.  As metodologias e instrumentos: primeiramente, resgatou-se os objetivos do trabalho, para definir as metodologias de abordagem e de interpretação elencadas para cada um. Além dos instrumentos Página | 50 pertinentes ao acesso aos dados, bem como os procedimentos de produção de síntese. Logo mais, prossegue-se com explicações com mais inteireza sobre: imaginização, mapeamento filogenético, autoetnografia e etnografia digital. A figura abaixo (Figura 5) é um diagrama representativo que resume as principais características desta pesquisa, o transcurso das fases em correlação aos desdobramentos necessários a partir da pergunta-problema. Figura 5 – Diagrama representativo do percurso metodológico Fonte: Elaborado pelo Autor. Portanto para esta pesquisa, “apresentar um quadro com os principais elementos da Ecologia Profunda própria do modelo institucional da Polícia Militar Brasileira”, como objetivo geral, trata-se de sondar por aproximações quais modelos mentais geram resistência de forma geral (tanto resistência direta como forte resiliência) às mudanças organizacionais exigidas pela pressão social declarada. A figura abaixo (Figura 6) representa graficamente o que viria a ser um quadro dos modelos mentais, onde há grafado uma interrogação estão blocos retangulares, onde no interior de cada devem, ao fim esta pesquisa está designações de “complexos-arquétipos” específicos do ethos policial militar. Aqueles à esquerda são os modelos mentais socialmente divergentes que mais contribuem para a resistência institucional. Ao meio do quadro da Figura 6, devem ficar aqueles que ocasionalmente corroboram para resistência institucional, ora para mudança em alinhamento à Página | 51 demanda social declarada. À direita, inscrevem-se os modelos mentais que forem identificados tanto na análise institucional histórica ou pela prospecção das imagens arquetípicas como aqueles que cooperam para a mudança salutar das organizações policiais militares em direção à estrutura e aos processos mais consentâneos aos princípios ecológicos. Figura 6 – Representação gráfica do quadro de modelos mentais, meta do objetivo geral. Fonte: Elaborado pelo Autor. Uma pesquisa; duas trajetórias: uma histórica e uma ecológica profunda; dois níveis de interesse: a polícia militar brasileira e uma ecologia das organizações, tendo como aspectos e contexto: as instituições e a sociedade. Uma investigação envolvida em um multiparadigmatismo peculiar da Ecologia Humana, buscando novas respostas, para perguntas recorrentes nas problematizações do sistema de Segurança Pública. Alguns parâmetros do percurso Natureza geral da pesquisa: teórica Por pesquisa teórica entende-se “é aquela que monta e desvenda quadros teóricos de referência” (DEMO, 1985). Portanto, trata-se de um empreendimento científico dedicado “a reconstruir teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000). Ainda segundo Pedro Demo (2000), a pesquisa teórica, não é menos relevante para o avanço da ciência, por não propor imediata intervenção na realidade, na verdade, o papel da pesquisa teórica é determinante para a criação contextual de condições favoráveis para intervenções futuras. Para essa empreitada o pesquisador teórico deve ter “conhecimento criativo” dos autores do quadro teórico de referência original, com o qual irá dialogar e Página | 52 isso é feito pelo “domínio da bibliografia fundamental”. Tal acervo informacional do campo de conhecimento pode ser aceito, rejeitado e com ele dialogar criticamente. O domínio dos autores pode ajudar muito a criatividade do cientista, porque através deles chega a saber o que dá certo, o que não deu certo, o que poderia dar certo, e assim por diante [...] O bom teórico não é tanto quem acumulou erudição teórica, leu muito e sabe citar, mas principalmente quem tem visão crítica da produção científica, com vistas a produzir em si uma personalidade própria (DEMO,1985) [grifo nosso]. Segundo Lakatos e Marconi (2003), “a teoria indica lacunas no conhecimento”, lacunas que podem ser entendidas como “fatos e relações até então insatisfatoriamente explicados”, isso quando não forem áreas do saber inexploradas. O uso das metáforas A delimitação se deu mediante a capacidade do instrumento metodológico de apreender parcelas cognoscíveis do Real com confiabilidade suficiente para se enquadrar como uma pesquisa científica. Neste caso o que justifica selecionar um fragmento ou subsistema (de fragmentos) mediante o uso de entidades mediadoras, a saber, as alegorias e símbolos, contidos nas metáforas. De antemão, fica registrado que é próprio da natureza do objeto que fora pesquisado oferecer dificuldades de ser capturado e tratado. Imbuindo essa pesquisa de um encargo adicional de servir de fator de contribuição para o desenho conceitual de um transcurso teórico-metodológico que contemple a realização daquilo que mais se aproximaria de uma análise socioambiental de organizações institucionalizadas, com enfoque na dimensão mental (BATESON, 1972; [1979] 1986); denominada de dimensão cognitiva na visão sistêmica, pela influência da Escola de Santiago e suas decorrências (PRIGOGINE apud CAPRA, [1988] 1995; 2005; LUHMANN, [1997] 2006; MATURANA e VARELA, [1984] 1995). Entre vários autores que foram referenciados neste trabalho e que tem sua forma própria de explanar sobre esses elementos de cunho universal, temático (MOSCOVICI, 2003), contextual (GOSWAMI, 2005) e de tipo primordial (JUNG, 2000), deixo-me explicar pelas próprias palavras de Gregory Bateson, mediante diálogo mantido com Fritjof Capra44 ([1988] 1995). Para mim o ponto culminante da interlocução de Bateson é “Sim, metáforas. É assim que se sustenta todo esse tecido de interligações mentais. A metáfora está no âmago do estar vivo”. [...] estávamos sentados num terraço de Esalen, e Bateson falava sobre lógica. “A lógica é um instrumento muito elegante”, disse ele, “e fizemos bom uso dela nesses últimos dois mil anos. O problema é 44 Foi dada preferência à extração do trecho na íntegra do diálogo registrado por Capra (1995) com Bateson, devido o quanto revelador é a linguagem coloquial e simples para explicar fenômenos complexos e talvez avalisar o fato que um padrão referencial primordial como as metáforas pode sim ser o veículo da “comunicação intrapsíquica inconsciente” e por desdobramento o mesmo padrão compor as interconexões de tudo aquilo que pode “aprender”. E que seria esse: tudo aquilo que pode aprender? Maturana e Varela (1995) alegam ter essa competência todos os organismos biológicos, desde os unicelulares e Argyris e Shön (1978) defendem a mesma capacidade para as organizações sociais, assim como pode ser depreendido de Luhmann (2006). Página | 53 que quando a aplicamos aos caranguejos e às tartarugas, às borboletas e à formação do hábito...“ Sua voz foi se extinguindo, e depois de uma pausa ele acrescentou, contemplando o oceano: “Bem, para todas essas coisas lindas”, e olhou diretamente para mim, “a lógica simplesmente não serve”. “Como assim?” “Não serve”, prosseguiu ele animado, “porque não é a lógica que torna coeso todo o tecido das coisas vivas. Perceba, quando criamos encadeamentos causais circulares, como sempre acontece no mundo vivo, o uso da lógica nos faz deparar com paradoxos. Veja o caso do termostato, um dispositivo sensorial simples, não?” Olhou para mim, querendo saber se eu o estava acompanhando, e, vendo que sim, prosseguiu. “Se está ligado, está desligado; e se está desligado, está ligado. Se sim, então não; se não, então sim.” Ficou quieto então para que eu ponderasse sobre o que dissera. Sua última frase me lembrava os paradoxos clássicos da lógica aristotélica — e isso era evidentemente o que ele pretendia. Arrisquei, portanto, um salto. “Você quer dizer que os termostatos mentem?” Os olhos de Bateson reluziram: “Sim-não-sim-não-sim-não. Veja que o equivalente cibernético da lógica é a oscilação”. E calou-se de novo. Nesse instante, percebi algo subitamente, e estabeleci uma conexão com algo que despertara meu interesse há muito tempo. Fiquei bastante excitado, e disse com um sorriso provocador: “Heráclito sabia disso!” “Heráclito sabia disso”, repetiu Bateson, respondendo ao meu sorriso com o seu. “E também Lao-tse”, prossegui. “Certamente; e também aquelas árvores ali. A lógica não serve para elas.” “O que elas usam então?” “Metáforas.” ”Metáforas?” “Sim, metáforas. É assim que se sustenta todo esse tecido de interligações mentais. A metáfora está no âmago do estar vivo.” CAPRA, [1988] 1995, p. 62 Segundo Capra ([1988] 1995), o pensamento de Bateson era notavelmente único porque era amplo e alcançava uma generalidade de fenômenos, justamente numa época marcada “pela fragmentação” e “especialização”, “Bateson desafiou os Página | 54 pressupostos básicos e os métodos das várias ciências ao buscar os padrões que se articulam por trás dos padrões e os processos subjacentes às estruturas” (CAPRA, [1988] 1995). Para Bateson (apud CAPRA, [1988] 1995), “a relação deveria ser a base para toda definição e sua meta principal seria a de descobrir os princípios de organização em todos os fenômenos que observava”, Fritjof Capra lembra saudosamente que para Gregory Bateson o conjunto desses princípios demarca “o padrão que une” tudo. Apesar de inferir por constructos teóricos científicos, filosóficos e transcientíficos a existência/ocorrência desses padrões, a metodologia apropriada para sua captura não nos parece muito fácil. Em tópico posterior, vamos abordar uma das metodologias instrumentais desta pesquisa, a “imaginização” como proposta aplicada à Teoria Organizacional. Porquanto, ao fazer essa proposta de aplicação, Gareth Morgan (2002) nos informa que “[...] aplicada deste modo, a metáfora torna-se um instrumento - eu diria até, um instrumento primário - para criar e compreender o que reconhecemos como organização e administração”. Por esta linha, percebe-se a forte influência da Linguística Cognitiva no trabalho de Morgan (2002) e, portanto, assim como indica Fritjof Capra (1995), torna-se indispensável aludir ao psicoterapeuta e filósofo George Lakoff, hoje da Universidade da Califórnia, em Berkeley e ao filósofo Mark Johnson, da Universidade do Oregon, mediante a obra “Metáforas da Vida Cotidiana” (2002). Morgan (2002) introduz a questão tal qual fazem os filósofos norteamericanos Lakoff e Johnson (2002): “não sei se você já pensou sobre isto, mas o próprio conceito de organização é uma metáfora”. Os estudos de Lakoff e Johnson (2002) sondam a natureza dos sistemas conceituais humanos, em temas de profunda relevância para base de nossa dinâmica interacional formativa dos grupos, ou seja, de nossa vida social. Metáforas são por eles (LAKOFF E JOHNSON, 2002), acertadamente, vistas como um aspecto formal da linguagem, esse atributo não é desconsiderado. A figura de linguagem metafórica, na verdade, evidencia-se porque significante e significado ficam intermediados por várias camadas de correlação, deixando claro o uso análogo, a comparação ilustrativa. Contudo, “na vida cotidiana” tudo o que usamos para nos expressar são metáforas corporificadas, estruturando todo tipo de conceito a partir de outros conceitos mais básicos e concretos. Tudo isso, como ressalta Capra (1995), baseado a partir do corpo. Mente e corpo nisso não estão separados, a dinâmica mental sustenta-se no ponto de inferência corporal para aludir a tudo. Algo é quente quando é mais interessante. O futuro está à frente e o passado para trás. Aquilo que lidera, encabeça. E assim, seguem outros exemplos cotidianos. São essas correlações entre Capra (1995), Lakoff e Johnson (2002), Morgan (2002), Bateson (1972) e Maturana e Varela (1995) que nos asseguram as pontes interdisciplinares de coesão entre Ecologia, Biologia, Teoria Organizacional, Linguística e Filosofia. E assim como Bateson faria, “ligamos os pontos” e um sistema social (LUHMANN, 2006) tal como uma organização, tem sua biologia e sua ecologia profunda, incluindo a mental. Não se trata de metáfora da estrutura complexa das línguas humanas, usadas na arte poética, quando dizemos “a natureza da Polícia Militar”, “sua biologia e sua ecologia”, são as metáforas que lidam com temas Página | 55 universais assim como nos esclarece Serge Moscovici ([2000] 2003), ao aludir a uma categoria de representações sociais primordiais que antecedem as historicamente construídas e são recorrentes em todas as sociedades em tempos diversos: “themata”, entendido por Moscovici (e VIGNAUX, 200345 apud AMARAL e ALVES, 2013) como “princípio organizador”, “máxima” ou “ideia central”, “ideia universal”. Contexto da propositura do trabalho A frustração dos acadêmicos Em suma, neste tópico serão apresentadas a indagações e trabalhos que antecederam a esta pesquisa, os quais justificam a não adoção da abordagem convencional para tratar do tema de Segurança Pública. Destacadamente, tratam-se de investidas anteriores de acadêmicos conceituados do contexto brasileiro que não tiveram êxito nas ações reestruturantes. Como bem ficará demonstrado, o insucesso, não se deu por falta de empenho, mas porque estavam diante da expressão social “sofisticada” de um conjunto de fortes impulsos sorrateiros da psique coletiva, no oceano simbólico que envolve o todo social. Ao longo de pouco mais de uma década de serviço em uma instituição policial de caráter militar, conjugado com uma formação em Administração, uma dúvida surgiu em meio a tentativas frustradas de readequação de procedimentos funcionais: mesmo diante de alternativas patentemente mais eficientes, socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis; por que são rejeitadas pela instituição? No transcurso do amadurecimento dessa percepção empírica, em meio a relatos de investidas algumas parcialmente exitosas e outras frustradas realizadas por acadêmicos (ARAÚJO e GIRÃO, 2013; SOARES, 2000; MUNIZ, 1999; MUNIZ et al., 1997; RATTON, 2016; ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001), entre tantos outros atores sociais, com objetivos de insuflar mudanças no corpo institucional policial militar, um simples relato, em especial, configurou-se como pedra de alicerce para o inicio deste trabalho. Isso se deu porque, o referido relato é de cunho etnográfico, teve como informantes sujeitos da base hierárquica de um dos “espécimes” organizacionais do modelo institucional em tela, a saber, a Polícia Militar de Pernambuco; e a breve análise dos discursos feita no ensaio, está aliada a uma leitura pertinente dos processos de poder intracorpore. O “simples relato” trata-se de uma iniciativa coordenada pelo Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), organização não governamental, que realizou várias investidas de educação em Direitos Humanos feitas em instituições policias do Nordeste. O resultado publicado foi um livro com relatos de pesquisa, ensaios e artigos, intitulado: “Polícia e Democracia: desafios à educação em Direitos Humanos” pela editora Bagaço de Recife, no ano de 2002. O ensaio etnográfico, em particular, a que se tem feito referência é o de autoria do professor Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), “Um estudo etnográfico da instituição Polícia Militar”. Adriano Oliveira, no segundo semestre de 2000, presenciou e lecionou 45 As pesquisadoras Amaral e Alves (2013), da PUC-MG, aludem a MOSCOVICI, Serge; VIGNAUX, Georges. O conceito de themata. In: MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. Página | 56 aulas em diversos cursos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE). Naquela ocasião o professor Adriano propôs algumas ações que esboçavam um plano de mudança, a partir das constatações que teve, ouvindo os próprios policiais. Para efeitos didático-explicativos, sintetizaremos em nove proposições: (1) Construção de uma teoria genética da Instituição Policial Militar. (2) Não confiar totalmente que a classe detentora do poder interno seja sincera em prol da mudança. (3) O modelo policial militar teve mais de vinte anos para demonstrar sua eficácia na diminuição da criminalidade e contrariamente, permite inclusive o aumento. (4) O modelo não é racional, nem democrático. (5) Não adianta discutir a “aparência” da instituição. (6) Existem duas polícias, dentro de uma nominal: a dos oficiais e das praças, sendo apontadas tensões originadas da prática social “arbitrária” por parte dos oficiais. (7) “Autorizados” a atuar livremente apenas no estrato social mais baixo, não atuam de forma contumaz contra uma série de “crimes dos ricos”. (8) Uma mudança das polícias, passa necessariamente por uma mudança na sociedade. (9) É urgente a necessidade de “mergulhar” na instituição, ouvir a “totalidade” dos componentes e construir outro modelo (OLIVEIRA, 2002). Destaca-se o “urgentemente” do nono item, tendo em vista que isso foi escrito há mais de quinze anos46. Na época, em que se teve contato com o referido texto, o mais impressionante foi perceber que Adriano acertava irrefutavelmente nas celeumas mais acirradas do meio institucional policial militar, simplesmente porque ele depreendia isso da escuta ativa dos atores institucionais, nesse contexto, protagonistas. Desde então, temos perseguido o objetivo da “construção de uma teoria genética” institucional, justamente para não se enganar com a aparência das regiões superficiais da estrutura (OLIVEIRA, 2002; LIMA e LIMA, 2013). Mas como se constrói tal coisa: uma teoria genética de uma instituição? Obviamente o termo foi utilizado como figura de linguagem, uma metáfora que remete a um resgate histórico, que compreende que há origens da forma institucional e que perpassam por dinâmicas de reprodução cultural. Portanto, tecnicamente temos uma impropriedade observada ano uso do termo “genético”. Suas conclusões naquela dada oportunidade, já chamavam a atenção, pois que seus demais pares da Academia, envolvidos em empreendimentos reformuladores das arcaicas tecnoburocracias policiais, pareciam não se dá conta da extraordinária força de resistência da organização-estrutural dessas instituições. Portanto, logo a frustração de tanto esforço empreendido sem resultados substanciais surgiria. Segundo Argyris e Shön (1978) isso se dá, quando as organizações institucionalizadas não aprendem efetivamente, apenas se reformatam plasticamente47. Observa-se, por exemplo, esse sentimento de frustração nas palavras da professora Glaucíria Mota Brasil, da Universidade Estadual do Ceará, que em diário da imprensa cearense, comenta os resultados de cinco anos do programa de 46 Esta dissertação está sendo escrita em 2017, a experiência do professor Adriano Oliveira ocorreu em 2000, ele escreveu o ensaio entre 2000 e 2002. 47 Aprendizagem de circuito simples e de circuito duplo. Ou ainda, mudança transacional e transformacional, segundo Burke e Litwin, em “A causal model organizational performance and change”, publicado no Journal of Management em 1922 (apud BEURON, 2012). Página | 57 proximidade da Polícia Militar daquele Estado, denominado de Ronda do Quarteirão: “Como pesquisadora não me espanta o fracasso do 'Ronda', mas me frustra, como cidadã principalmente, o fato deste ter se tornado 'o mais do mesmo' na política estadual de segurança pública” (ARAÚJO e GIRÃO, 2013). Mas ela não está sozinha, o então professor Luiz Eduardo Soares da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, relata em seu diário de bordo (“Meu casaco de General: 500 dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro”, 2000), os fatos ocorridos no período que ocupou cargos no secretariado de Segurança Pública fluminense. As propostas de mudança da equipe do acadêmico, agora engajado politicamente, contraditoriamente precisaram ser barradas pelo próprio governador, porque estavam tendo os resultados esperados, tudo isso num intrincado jogo de apoio eleitoral e dos interesses dos “profissionais” da área que têm ganhado a margem do sistema, justamente com o insucesso das políticas públicas de segurança (SOARES, 2000). Mais recentemente o professor José Luis Ratton, também da UFPE, manifestou-se em órgão da imprensa regional. Mentor do Plano Pacto pela Vida, aderido pelo Governo do Estado, que capacitou o sistema de justiça criminal estadual de ferramentas do novo gerencialismo na gestão pública, sobretudo com o uso do painel de indicadores, a análise de causa e efeito, a responsabilização territorial, a integração das forças operativas em territórios comuns e a contratualização de metas e consequente pagamento de bonificação dos profissionais que atingissem tais metas. Entretanto, as palavras de Ratton (2016) foram: “infelizmente, o Pacto pela Vida morreu” e continua “O Pacto construiu um mecanismo de governança, que hoje está perdido”. As ilustrações dos casos de Soares (2000) e Ratton (2016) dizem respeito ao sistema de segurança pública completo, mas nossa atenção, aqui, recai especificamente sobre a polícia miliar. O professor Adriano, em uma dessas tantas investidas tentadas em meio aos policiais militares, ouve, depura e conclui: “o problema é mais complexo do que aquisição de arma e viatura. As bases institucionais do atual modelo policial não são questionadas internamente” (OLIVEIRA, 2002). É um tabu institucional. Melhora-se aqui, retoca-se ali, sem mexer nos fundamentos. Segundo a professora Ruth Vasconcelos (2007), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é preciso se distanciar das “interpretações simplistas e reducionistas” que produzem respostas do mesmo caráter “a um problema tão complexo e de tão grave magnitude”. A professora Jaqueline Muniz (1999), que fez parte da citada equipe do professor Luiz Eduardo Soares, no Rio de Janeiro, efetuou uma pesquisa etnográfica entre membros da polícia fluminense, suas análises são preciosas, entretanto, há uma tendência de enaltecer o modelo anglo-americano de polícia ostensiva civil em detrimento do modelo francês de gendarmarias. As gendarmarias são corpos militarizados de polícia originariamente rurais ou de guarda pessoal do soberano, devido a sua efetividade na restauração de rupturas da ordem social, uma vez usadas contingencialmente para essa finalidade, foram recorrentemente usadas no trato urbano cotidiano. Página | 58 Muitos elementos que precisam ser melhor estudados, mostram certa tendência desses corpos militarizados de polícia serem eles mesmos provocadores de violência. Mas circunstâncias envolvendo a morte de brasileiros, supostamente não criminosos, pela polícia inglesa e a australiana, incentivaram este proponente da pesquisa, a ir mais fundo, nos motivos profundos dessa letalidade, que não estão contidos pelo formato estético da instituição policial. E essa tendência é corroborada por recentes trabalhos que seguem a direção de explicar os problemas da Segurança Pública, a partir das questões relativas ao indivíduo e pela aplicação da Sociologia Clínica e Psicologia Social e não mais somente pelas variáveis estruturais (ROCHA, 2008). A minha frustração Olha, passei anos relutando em ser um policial, um guerreiro, porque eu achava os métodos de trabalho dos policiais militares eram contrários àquilo que eu tinha como meus princípios norteadores. Busquei as propostas de uma polícia mais humana, dos 10 anos de polícia de rua (já que foram 14 no total, sendo 3 de formação e 1 em atividades apenas administrativas), – dos 10 – eu passei 8 anos estudando, lendo, especializando-me e agindo como multiplicador da filosofia de polícia comunitária. Até que percebi, que era mais uma linha midiática, que uma linha transformadora. A apropriação dos termos e das ideias era plástica. Nenhum comando ou chefia queria verdadeiramente uma mudança de base. Quando comecei a ver isso, simplesmente me entreguei por vez, àquilo que aos poucos já me tomava e eu tanto resistia. Em uma linguagem, não apropriada para uma pesquisa científica (e digo isso, porque sei que meu depoimento, tem essa primeira intenção de servir como suporte para o estudo do profundo psico-cultural da instituição) – mesmo em uma linguagem não convencional – a forma mais direta para descrever essa situação seria: o resto de resistência consciente ao “espírito da polícia militar” eu declinei e permiti-me ser possuído por ele (ou por eles, ou por ela) de forma tão integrada que parecia ser da minha natureza ter sido aquilo sempre. É nesse momento que você entende o que vem a ser vocação. É um chamado, não audível, mas intuído feito (na minha forma de dizer) pelo espírito da atividade, chamado o qual você só pode responder por meio de uma ambientação concreta que conduza na mesma direção, por isso lhe torna inevitável acabar parando em uma das manifestações organizacionais que “invocam” os mesmos espíritos. Página | 59 Definição do objeto O aporte teórico da Ecologia Profunda compartilha a ênfase do estudo entre (1) as pessoas membros das organizações e as (2) organizações como ente vivo com (3) as imagens da dimensão mental (cognitiva) dos sistemas sociohumanos, perfazendo três categorias de agentes autônomos, respectivamente da biosfera, sociosfera e noosfera. Essas três categorias aplicadas à Polícia Militar ficam da seguinte forma: (1) Pessoas: policiais militares (Biosfera/Sociosfera); (2) Oraganizações: polícias militares estaduais e a distrital no Brasil (Sociosfera); Instituição: Polícia Militar Brasileira (Sociosfera/Noosfera); (3) Expressões idelógicas: que regem a instituição policial militar: modelos mentais e arquétipos (Noosfera); O Quadro 1 faz a correlação desse níveis de análise, a categoria utilizada para tanto, o tipo de abordagem e a dimensão ecológica (do ser) em que os elementos tais categorias são a espécie em análise. Cabe ressaltar, portanto, que na abordagem ecológica profunda e na socioecológica (peculiar a este trabalho) o indíviduo humano não é a espécie em estudo, mas sim os sistemas sociais humanos e os complexos ideológicos respectivamente. Quadro 1 – Dimensões ecológicas: relação com o indivíduo humano Dimensão ecológica Abordagem Relação com o indivíduo humano Categoria principal de análise (O indivíduo/a espécie) Noosfera Ecológica profunda Mente humana como o ambiente/habitat. As ideias Os espíritos Sociosfera Sócioecológica Biosfera Ecológica Ambiental Indivíduo humano como membro das organizações. Organismo acoplado pelo domínio linguístico. Uma partícula do sistema. Organismo autônomo com capacidade volitiva Sistemas sociais humanos: organizações e instituições O indivíduo da espécie homo sapiens Elaborado pelo Autor baseado nos seguintes autores/obras: (1) MORIN, Edgar. “El Método IV: Las ideas – su hábitat, su vida, sus costumbres, su organización”, 1991. (2) TOFFLER, Alvin. “La terceira ola”, 1980. (3) VERNADSKY, Vladimir I. “La Biosfera”, 1997. (4) CHARDIN, Pierre T. de. “O fenómeno humano”, 1970. Definição do objeto: as expressões idelógicas que regem a instituição policial militar (modelos mentais e arquétipos), com ênfase nas que geram resistências às mudanças exigidas às organizações que compartilham os elementos institucionais da Polícia Militar. Através da autoetnografia, que se explica logo a seguir, no próximo tópico, parte-se do “Eu” do autor/etnógrafo/etnografado para perpassar pelo “Eles” dos policiais militares até alcançar o “Nós” da(s) sociedade(s) humana(s). Mas apesar de Página | 60 ser uma produção textual que contém diretamente o ponto de vista do autor (ex-nativo do grupo estudado), indiretamente os discursos recursivos dos policiais militares e suas representações sociais e uma breve (muito breve mesmo, o suficiente apenas para dar suporte às análises pretendidas) revisão da história evolutiva da espécie humana e seus arranjos sociais, a categoria estudada, sob a qual esse autor põe a lupa do investigador é a instituição policial militar. Não é a organização Polícia Militar de Alagoas, ou de Pernambuco ou a do Rio de Janeiro, é a instituição Polícia Militar Brasileira que serve como modelo regente (estrutural e cultural) dessas organizações citadas, suas demais congêneres e tantas outras que estão embrincadas na mesma rede de símbolos compartilhados, práticas comissionadas e de um mesmo conjunto do registro imaginário que orienta o comportamento e as experiências de vida e trabalho. Na dimensão profunda da instituição, vasculhamos as imagens mentais que determinam a visão de mundo e outras dinâmicas inconscientes dos integrantes. As metodologias, instrumentos e seus subsídios teóricos Cada uma das metodologias tem um debate sobre subsídios teóricos, que numa organização ortodoxa de trabalho científico deveriam compor um capítulo específico de revisão bibliográfica cada. Escolhemos aglutinar uma breve discussão teórica sobre a sustentação do uso daquela dada metodologia mais a forma como foi aplicada neste trabalho e em que trechos é possível ver seu uso de forma mais enfatizada. Essa adaptação é consequência do multiparadgmatismo advindo do estudo interdisciplinar com abordagem sitêmica proposto pela Ecologia Humana, ou seja, para cada partícula específica a ser analisada, toma-se por empréstimo os instrumentos de disciplinas diferentes. Devolvendo à disciplina origem redefinições teórico-metodológicas e para a disciplina que se serve, uma prospecção do conhecimento que não seria capaz pelas suas próprias ferramentas. Neste tópico abordaremos quatro metodologias chave para este estudo, que carecem de esclaecimetos sobre seu uso:  Autoetnografia;  Etnografia Digital;  Mapeamento filogenético e análise histórica institucional e  Imaginização. Autoetnografia Este é o momento que explico o uso, ocasional dentro do trabalho, dessa linguagem coloquial, em primeira pessoa. Mais à frente, irei expor sobre o foco de projeção na realidade para este estudo interdisciplinar: a mente humana. Trabalhos Página | 61 em Ecologia Humana podem sustentar foco na sociedade ou na natureza, além das pessoas, agentes volitivos dotados de reflexividade. Com a articulação complementar do aporte em Ecologia Humana, o foco foi deliberadamente voltado para uma dimensão específica das pessoas. Falar do mundo psíquico do membro de um grupo social e as inter-relações com os elementos coletivamente compartilhados exige que se transmita uma carga de subjetividade, não apreciada pela tradição científica “objetiva”. Com o envolvimento e a intimidade do pesquisador com seus sujeitos, em ambos os casos, questões críticas de observação, epistemologia e de procedimentos de pesquisa científica "objetiva" são levantados (HANAYO, 1979). E “como um antropólogo conduz e escreve etnografias de seu próprio povo”, já era uma indagação de David Hayano, da Universidade do Estado da Califórnia, em 1979. Quando Hanayo escreve “Auto-etnografia: Paradigmas, Problemas e Perspectivas”, o termo ainda não tinha nem sido sistematizado. Mas a prática de outros cientistas sociais realizarem “pesquisa intensiva de observação participante em configurações naturais de campo” já estava largamente difundida. Talvez os critérios de estranhamento e distanciamento do objeto estudado fizessem sentido na tradicional etnografia do colonizador. Nesta lógica, que já tem sido ultrapassada, o homem intelectual dotado de capacidades excepcionalmente eruditas podia entender melhor as relações socioculturais subjacentes que o próprio nativo partícipe direto de tais relações. “Os antropólogos de grupos minoritários e estrangeiros estão sendo treinados em maior número do que nunca, e muitos deles têm clara prioridade para fazer etnografia em seus territórios domésticos”, esta é a opinião de Hanayo fazendo alusão a Fahim (1977 apud HANAYO, 1979). Hanayo (1979) comenta que já fora a época que “o trabalho de campo em uma sociedade não ocidental” era um prérequisito para a legitimidade do etnólogo, fato este que ocorria nas escolas de antropologia britânicas e americanas tradicionais, o que era praticamente “um rito profissional de passagem”. Mas há evidências recentes de uma mudança de em direção à autoetnografia entre pesquisadores novos e veteranos. Existem vários motivos importantes para este desenvolvimento. [...] Primeiro, é óbvio que o trabalho de campo não pode mais ser tratado sob a égide de simpáticas autoridades coloniais (HANAYO, 1979, grifo nosso). Assim como denomina Hanayo (1979), as “simpáticas autoridades coloniais” não podem mais fazer estudos de “pequenos grupos tribais isolados como se estivessem separados de outras pessoas ou da economia mundial ou ainda das forças políticas”, pois teria ficado praticamente impossível pelo desaparecimento ou incorporação de povos tribais em sistemas urbanos e camponeses. Hanayo (1979) elenca, também como motivo para tendência em direção a essas etnografias auto interpretativas, a explosão da criação de cursos e departamentos de Estudos Étnicos nos países em desenvolvimento, no chamado Eixo Sul, “gerou a necessidade de cientistas sociais minoritários examinarem primeiro seus próprios povos e comunidades”. Página | 62 Segundo David Hanayo (1979), um terceiro motivo para o maior uso de narrativas pessoais etnográficas tem um motivo peculiar, a própria dinâmica da produção científica, a escolha pela Antropologia Urbana como forma de pré-produção por parte de estudantes de Ciências Sociais ainda em formação ou em disputa por vagas em cursos de pós-graduação, quando ainda não se tem acesso às verbas de custeio, dificultando o “trabalho de campo antropológico no exterior” e incentivando o trabalho de campo “em seus próprios quintais”. Seguindo as pistas do texto de Reed-Danahay (1997), pode-se perscrutar o significado do termo em si: autoetnografia, que pode ser desmembrado em: “auto”“etno”-“grafia”. A partícula “auto” pode ser entendida como prefixo que provém do grego autós e remete a ideia de si mesmo ou por si próprio. Ainda pode-se invocar o termo autóctone do grego autókhthon que quer dizer aquele que é natural do território onde vive, ou seja, um nativo. Já a partícula “etno”, vem da ideia de etnia, do termo grego éthnos, que exprime a ideia de grupo de pessoas que vive em conjunto, povo. Por fim, a partícula “grafia”, sugere um estudo que foi relatado de forma escrita, significando por origem do termo em si, apenas escrita. Portanto, autoetnografia é o resultado escrito de um estudo sobre um grupo de pessoas feito por um membro do próprio grupo. Desde David Hanayo em 1979 até hoje (2017), muitos outros acadêmicos se apropriaram do termo e se inteiraram dos “problemas de metodologia e da teoria associadas a esta abordagem”, bem como discutiram “se a antropologia pode se beneficiar desses exercícios” (HANAYO, 1979). Partindo agora para outras contribuições importantes, começa-se destacando o “Handbook of Autoehnography” (2013), editado por Stacy Holman Jones, Tony Adams e Carolyn Ellis. Para servir de orientação na análise dos 34 capítulos que compõe a obra, usa-se a resenha de Pedro Motta e Nelson Barros, publicada em 2015, no Caderno de Saúde Pública. A autoetnografia, que em linhas gerais tem como objetivo requalificar a relação entre objeto e observador, ressaltando a importância desta interação e da experiência pessoal do pesquisador como forma de construção do conhecimento [...] propõe a pesquisa social numa prática ainda menos alienadora, em que o pesquisador não precisa suprimir sua subjetividade (MOTTA e BARROS, 2015). Analisando a Handbook de Ellis et al. (2013), Motta e Barros (2015) lembram que “a pesquisa social na maior parte das Ciências Sociais busca a impessoalidade, já a autoetnografia emerge para estudar a experiência pessoal”. Segundo Barbara Tedlock (apud Ellis et al., 2013), "escrever e atuar de forma a se permitir vulnerável do que provém do coração, ainda que com precisão analítica" permite que os autoetnógrafos "saiam de uma descrição sem alma e plana dos mundos sociais" para uma "pesquisa sensível e evocativa que incentiva e sustente o desenvolvimento pessoa e a promoção da social justiça". Tony Adams (2015) persegue ainda mais essa natureza viva e pulsante, já que, segundo ele, a autoetnografia consegue mostrar “as pessoas no processo de descobrir o que fazer, como viver e o significado de suas lutas”: Página | 63 A vida social é bagunçada, incerta e emocional. Se nosso desejo é de pesquisar a vida social, devemos adotar um método de pesquisa que, no melhor de sua capacidade, reconheça e acomode a confusão e o caos, a incerteza e a emoção (ADAMS, 2015). Ainda segundo a análise de Motta e Barros (2015) das seções introdutórias do Handbook de Ellis et al. (2013), existem aspectos da vivência de uma determinada cultura que “não podem ser acessados na pesquisa convencional” e sendo assim, a autoetnografia, representando a experiência pessoal no contexto das relações sociais, torna-se um método que “procura revelar o conhecimento de dentro do fenômeno”. Para Ellis et al. (2013 apud MOTTA e BARROS, 2015) existem cinco chaves para a construção da autoetnografia: (1) Visibilidade para o si: “é o eu do pesquisador se tornando visível no processo, este eu não é separado do ambiente, ele só existe na relação com o outro, é, portanto, o eu conectado com o seu entorno”; (2) Forte reflexividade: “representa a consciência de si e a reciprocidade entre o pesquisador e os outros membros do grupo, o que conduz a uma introspecção guiada pelo desejo de entender ambos”; (3) Engajamento: “a autoetnografia clama pelo engajamento pessoal como meio para entender e comunicar uma visão crítica da realidade” ao contrário da “pesquisa positivista que assume a necessidade de separação e objetividade”; (4) Vulnerabilidade: trata-se de um texto “evocativo, emocionalmente tocante”, o que acarreta “algumas vulnerabilidades ao explorar a fraqueza, força, e ambivalências do pesquisador” e (5) Rejeição de conclusões: tudo transcorre como “relacional, processual e mutável”, evitando “fechamento das concepções de si e da sociedade”. Motta e Barros (2015) observam que Jones, Adams e Ellis (2013) identificam quatro formas de produzir textualmente uma autoetnografia: (1) imaginativo-criativa; (2) confessional emotiva; (3) realista-descritiva e (5) analíticointerpretativa. Sendo, portanto, o estilo de produção analítico-interpretativo, aquele selecionado para esta pesquisa, pois “é uma abordagem acadêmica típica comum na pesquisa em ciências sociais, que tende a suportar a análise e a interpretação sociocultural” (ELLIS et al., 2013 apud MOTTA e BARROS, 2015). Portanto, tive que me perguntar “como escrever uma autoetnografia que estabeleça a conexão do ‘pessoal com o cultural’ e que consiga, por essa ponte de acesso, ir até o profundo do cultural, tocando-lhe e revelando um mundo que está além de mim? E que tanto precisa ser compreendido para que se gerem soluções ao acirrado problema da violência e criminalidade”. E a resposta veio da revisão teórica sobre o uso dessa metodologia para a investigação social e alguns Página | 64 exemplos dessa escrita sobre “si mesmo” e seu grupo, sua tribo, sua comunidade. Mas a mim se destacou (bem, como me emocionou) as reflexões da professora Elaine Jenks (2005) da West Chester University: Eu abordo esse tópico como uma mãe que está criando uma criança com deficiência visual e como etnógrafa de comunicação interpessoal. Porque eu estou incluindo minhas próprias experiências nesta pesquisa, meu trabalho pode ser rotulado como autoetnográfico. A autoetnografia, no entanto, é mais do que escrever na primeira pessoa ou até mesmo escrever sobre a própria vida. Espera-se que os autoetnógrafos liguem "o pessoal ao cultural" (Bochner e Ellis 1996, 24). O objetivo da autoetnografia é tocar "um mundo além do Self do autor” (Bochner and Ellis 1996, 24) (JENKS, 2005)48. A autoetnografia traz uma informação, que não pode ser suportada pela difusão científica ortodoxa, a emotividade. Esse componente é crucial na formação do conhecimento, a mesma informação associada a uma emoção diferente gera outro conhecimento. Espelhamo-nos em Elaine Jenks (2005) porque, não obstante sendo mãe, devidamente instruída dos objetivos da etnografia analítica partindo de si mesma, para alcançar o grupo; ela narra e analisa, ou seja, ela toma a voz do etnografado e do etnógrafo, ao falar do seu drama e dos demais pais que conhece que têm filhos cegos. Faço jus também indicar, a leitura em língua portuguesa de outro brilhante trabalho, que encarna o real espírito de uma análise autoetnográfica, trata-se de fruto do Mestrado em Cultura e Sociedade da UFBA, Viviane Vergueiro (2016)49, a medida que ela narra suas memórias, faz uma construção muito bem fundamentada da condição do sujeito que não ver alinhamento entre o sexo biológico que porta corporaemaente e a identidade de gênero a que é afeto. Parafraseando, portanto, aquela mãe e cientista social norte-americana (JENKS, 2005), posso dizer que eu relato sobre a atividade policial como um profissional da área de segurança pública, que atuou especificamente 14 anos em uma organização que tem a instituição em análise como modelo. Aos 18 anos de idade prestei vestibular conjugado da UFAL, optando pelo Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Polícia Militar de Alagoas, ingressando no inicio do ano 2001, como cadete. Em 2015, já era capitão e saía para assumir cargo efetivo na Segurança Universitária Federal da Universidade Federal de Alagoas. Como etnógrafo, eu descrevo e interpreto a cultura institucional a partir das minhas experiências. E como ecólogo humano, que tem a princípio o campo do comportamento organizacional como ponto de partida (devido a formação superior de base), eu analiso os dados obtidos com o relato autobiográfico e a interpretação etnográfica para constituir um modelo teórico explicativo do sistema mental/humano complexo que suporta esse mecanismo 48 Trecho original em língua inglesa: I approach this topic as a mom who is raising a child with a visual impairment and as an ethnographer of interpersonal communication. Because I’m including my own experiences in this research, my work can be labeled autoethnographic. Autoethnography, however, is more than writing in the first person or even just writing about one’s own life. Autoethnographers are expected to connect “the personal to the cultural” (Bochner and Ellis 1996, 24). The goal of autoethnography is to touch “a world beyond the self of the writer” (Bochner and Ellis 1996, 24) (JENKS, 2005). 49 VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação] Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. Salvador: UFBA, 2016. Página | 65 específico da adaptação humana para a vida social, a saber, o sistema de autoproteção comunitária. O empoderamento do “eu” pode ser percebido ao longo de todo o corpo desta dissertação, por vezes em respeito as múltiplas vozes do mesmo “eu”: etnógrafo, etnografado, observador objetivo, sujeito participante, usamos o termo “nós”. A análise que se origina da percepção autoetnográgica conduz as discussões em todo o trabalho, mas a produção textual em si, aos moldes de uma escrita autobiográfica, só é percebida em alguns pontos específicos desta dissertação, a saber:  Na Introdução;  Em “A minha frustração”, no “Contexto da propositura do trabalho” do Capítulo 1;  No Capítulo 2 (Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um policial);  No contexto introdutório do Capítulo 5 (Arqueologia Simbólica da Polícia Militar)  Em “Eu: um oficial aventureito-sonhador tornando-se um caçador” do Capítulo 9 e  Em “‘Causos’ de polícia e o efeito de queda moral”, do Capítulo 9. Etnografia digital O que se convencionou denominar há algum tempo de Etnografia Digital, teve suas bases metodológicas revisadas e pode ser conhecida por Etnografia Online, Ciberetnografia (TELI et al.), Netnografia (KOZINETS, 2011; NOVELI, 2010), ou ainda Etnografia Virtual (DOMÍNGUEZ FIGAREDO et al., 2007). Esta metodologia, denominada por Robert Kozinets (2011) como netnografia, é definida por ele como “uma forma especializada de etnografia que utiliza comunicações mediadas por computador como fonte de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de um fenômeno cultural na Internet” (KOZINETS, 2011). “O que se observa no conteúdo da Internet é artefato material da sociedade de pessoas e numa reflexividade incomum são parte expressivas dessas mesmas pessoas”, afirmam Maurizio Teli, Francesco Pisanu e David Hakken (2007), quando advogam pela Internet como uma “biblioteca de pessoas”. Mas como assim? “Pessoas as produzem, pessoas são alteradas” pelos discursos que manifestam: portanto, sendo (re)produzidas pela sua própria obra (TELI et al., 2007). Por essa abordagem as pessoas não são apenas pessoas biológicas, são compostas pelas suas parcelas discursivas que reverberam suas próprias produções e as dos grupos a que estão vinculadas. Nesse caso não apenas acompanhando a ideia de Teli et al. (2007), mas as de Pierre Lévy (2003), e os prognósticos de Yuval Harari (2016) e Edgar Morin (2000), podemos falar na metáfora da “biblioteca de pessoas” e nesse caso, pessoas devem ser entendidas por ciborgues: “uma simbiose entre humanos e Página | 66 discursos” (TELI et al., 2007). Por isso cabe-nos justificar a metodologia de coleta de material digital na Internet, apresentando a citação que nos inspirou: Nessa esteira epistemológica e ontológica, percorrer as páginas, os vídeos, perfis de redes sociais e outros conteúdos da Internet, é como pesquisar numa biblioteca onde nas prateleiras estão pessoas ciborgues e vestígios de suas ações (TELI et al., 2007). No caso peculiar da abordagem teórica selecionada, as organizações estão sendo analisadas como organismos vivos e com personalidade, portanto, não buscamos apenas os vestígios materiais e discursos das pessoas-humanas, mas os das pessoas organizacionais, que são também pessoas ciborgues, sustentadas pelos discursos das pessoas-humanas e tem em si, como parte constituiva essas mesmas pessoas produtoras dos discursos. Outro assunto foi relevante na escolha de como aplicar a metodologia: a questão ética sobre o caráter público ou privado das informações. Marcio Noveli (2010) ao discutir sobre o tema da questão ética que envolve a coleta e uso do material obtido pela “netnografia”, explica-nos que “no que tange à questão de domínio público versus domínio privado”, há questionamentos referentes à “possibilidade de utilização dos dados da Internet como dados públicos”. Noveli alude a Garcia et al. (2009 apud NOVELI, 2010), para esclarecer que “internet não é um ‘espaço’ físico, e que a questão de domínio está ligada à acessibilidade da informação. Se a informação é acessível, então seria pública”. Para Estalella e Ardèvol (2007) os dilemas éticos nem sempre tem uma solução única, mas o guia geral para a investigação etnográfica na Internet é a seguinte diferenciação: (a) as pessoas com quem se mantém contato direto, através de chat, email etc, pede-se consentimento informado (b) para análise de páginas, sites e perfis públicos de onde se colhe uma ou outra informação, considera-se de acesso realmente público, equiparando-se a uma pesquisa documental na imprensa, por exemplo. Reconhecendo a visão exposta, neste trabalho resguardamo-nos, preferindo a fontes institucionais, sítios online realmente de caráter público, tais como entidades representativas. Uma possível lacuna para captar a subjetividade da experiência nativa, é suprida pela autoetnografia. Admitamos que possam ser feitas dois tipos de etnografia online e que utilizamos a primeira neste trabalho: (1) uma da atividade online de grupos “reais” e (2) outra especificamente de grupos online. Nossa instrumentação de investigação utilizou-se da etnografia de parte das interações de um determinado grupo “real”, nessa prospecção a atenção recaiu, além de discursos diretos de pessoas, à coleta de vestígios iconográficos. Portanto, o trabalho de Etnografia Digital desenvolvido nesta pesquisa serviu aos propósitos de uma “arqueologia simbólica”. Como pode ser observado em aplicação ao longo de todo o Capítulo 5, quando símbolos heráldicos foram coletados de sites institucionais. Página | 67 A ênfase em discursos diretos pode ser vista com maior enfoque em três trechos: “A dor do funeral militar: a polícia que mata, também morre” do Capítulo 2; “‘Adrenalina no sangue’: resistência à perda de capital simbólico acumulado” do Capítulo 7 e “Polícia Militar como modelo mental-institucional hegemônico” do Capítulo 2. Em cada um desses trechos falas de policiais, familiares, acadêmicos e guardas municipais extraídos de trabalhos etnográficos já publicados ou matérias jornalísticas enriquecem o etendimento sobre o mundo institucional da Polícia Militar. Mapeamento filogenético e Análise histórica institucional Para propor um mapeamento correlato ao filogenético, sentimos uma forte influência da diagramação de mapeamento genético-espaço-temporal, denominado de filogeográfico (MARTINS E DOMINGUES, 2011), utilizado na pesquisa que detectou os caminhos da disseminação do vírus da Zika no Brasil e no mundo, recentemente publicado na Revista Nature50 (FARIA et al., 2017). É certo que os instrumentos desenvolvidos nesta pesquisa estão muito aquém, da moderna tecnologia de sequenciamento genético-molecular, contudo, alguns resultados são correlatos. Por exemplo, o fato de poder observar uma fase de disseminação oculta e dispersões inesperas. O conceito é de um estudo de processos históricos responsáveis pela distribuição geográfica de indivíduos, explicando a formação e características dos indivíduos das populações atuais (AVISE, 2000). Nesse sentido, que nosso mapeamento quando ampliado e detalhado nas reproduções institucionais mais recentes (últimos 200 anos) nos remetem diretamente a quatro ambientes geográficos: França, Portugal, Brasil e Estados Unidos. Quando o mapeamento é alargado para abranger um maior lapso temporal, tal qual começamos no Paleolítico (há 2,5 milhões de anos), mesmo antes do surgimento do homo sapiens, aí temos uma diversidade sem par de conexões sócio-espaciais. Essas explicações ficam mais bem compeendidas se observado o Apêndice D (Mapeamento filogenético da instituição policial militar) e a análise do mapeamento feita no tópico “Teoria ‘genética’ da Polícia Militar: história e ecologia profunda” no Capítulo 9. A necessidade de construir tal tipo de ferramenta especificamente para sondar a origem das idiossincrasias da instituição policial militar partiu da proposta de Adriano Oliveira (2002), por “uma teoria genética da instituição”. A primeira referência, para a possibilidade de aplicação de uma ferramenta de evolução genética ao ambiente sócio-organizacional, partiu dos estudos seminais de Hannan e Freeman (2005) sobre ecologia populacional das organizações51, nos quais se desloca para a organização (empresa, órgão público etc.) a categoria de análise correlata a “indivíduo”. O agente humano, antes visto como indivíduo fica para fins de interpretação, como uma unidade autônoma que se acopla em grupos no interior dessa organização, ou seja, tal como células. O foco passa para a dinâmica de organizações similares, tratadas como populações. No trabalho de Hannan e Freeman 50 FARIA, N. R. et al. Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the Americas. Nature, num. 546, pp. 406–410, 2017. 51 Originalmente publicado na The American Journal of Sociology, em 1977 e republicado em português pela Revista de Administração de Empresas, em 2005. Página | 68 há clara distinção entre a abordagem que visa estudar o processo de seleção natural (ambiente incidindo sobre a população de organismos) e o processo de adaptabilidade (organismos que se mantém ao longo do tempo, desde que consigam encontrar novas estratégias para superar os desafios ambientais); distinguindo entre a competição por recursos (2005) e a aprendizagem organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978). Figura 7 – Filogeografia do vírus Zika em comparação com o Mapeamento “filogenético” institucional: em comparação (1) Filogeografia do vírus Zika (2) Mapeamento “filogenético” da Polícia Militar: história e ecologia profunda Fonte: (1) Reproduzido de FARIA, N. R. et al., “Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the Americas”, 2017 (Nature, num. 546, pp. 406–410). (2) Elaborado pelo autor com inspiração do elemento (1), tal como pode ser observado no Capítulo 9 e no Apêndice D. O nível de análise estabelecido sobre a instituição como “tronco filogenético”, família de um grupo de espécies de nicho-função equivalente, deve-se a uma inferência da intersecção entre o trabalho inaugural de Hannan e Freeman (2005) e a teoria neo-institucionalista, a partir da obra seminal de Dimaggio e Powell (1991). Imaginização “Imaginizar” consiste em um exercício de imaginação ativa orientada por metáforas, assim como sugere Gareth Morgan (2002), para aplicação pela Teoria Organizacional. Constituindo uma alternativa às abordagens sociológicas no campo da Administração. Trata-se de uma abordagem interpretativa específica da realidade das organizações por um aporte de uma Teoria Imagética própria, que em muito bebe da psicosociolinguística52 exercitada por George Lakoff e Mark Johnson (2002). Proposta na obra “Imagens da Organização” do teórico organizacional britânico, erradicado no Canadá, Gareth Morgan e desenvolvido por outros estudiosos da área de Simbolismo Organizacional. Portanto, por meio de matáforas, as organizações são vistas como se replicassem o funcionamento e a estrutura de uma máquina, ou de um organismo, ou do cérebro e da mente, uma de uma dinâmica cultural, bem como de hologramas ou 52 Liguística Cognitiva Página | 69 da disputa política etc. Estabalecendo paradigmas que orientam a atitude e o comportamento dos membros daquela organização. Para Morgan (2002), ver a organização como uma máquina é típico do inicio dos estudos organizacionais do século XX, com as inovações industriais em Taylor e Fayol. A visão sobre a organização pode ser híbrida ou sobreposta, por exemplo, Fayol também via alguns aspectos de organismos vivos dentro das empresas. James Lawley (2007) lembra que Gareth Morgan (2002) diz que um dos problemas mais básicos da administração moderna é a maneira mecânica de pensar. E esta maneira está tão enraizada na nossa concepção do dia a dia das organizações que muitas vezes é difícil se organizarem de outra maneira qualquer. Neste trabalho, estamos levantando a questão que organizações de força-vigor como a polícia e os exércitos possuem outros princípios institucionais (GIDDENS, 2003), que nem seriam associados à metáfora da máquina, mas a metáforas próprias da expressão corpórea da caça e guerra. Portanto, imagens mentais agem como modeladoras da realidade. Tomase a liberdade de exercitar um desafio intelectual proposto por Morgan (2002), quando alegou ser vantajoso o uso sobreposto de múltiplas visões metafóricas sobre o fenômeno organizacional, da vida associativa humana. Vantajoso, desde que feito com as cautelas necessárias, principalmente para evitar o efeito da “distorção” excludente. Segundo Morgan (2002), “ao abordar a mesma situação de maneiras diferentes, as metáforas ampliam a visão” e como um efeito em cascata, uma metáfora conduz a outra, “criando um mosaico de pontos de vista concorrentes e complementares”. Para Gareth Morgan (2002), “a metáfora dános a oportunidade de alargar nosso pensamento e aprofundar nosso entendimento” e por isso “ver as coisas de maneiras novas e agir” consequentemente de maneiras novas também. James Lawley (2007) informa que Gareth Morgan (2002) procura fazer três coisas em sua obra “Imagens da Organização”: (1) Mostrar que muitas das ideias convencionais sobre organização e administração são baseadas num pequeno número de imagens e metáforas tomadas como certas. (2) Explorar algumas metáforas alternativas para criar novas maneiras de pensar sobre organização. (3) Mostrar como usar as metáforas para analisar e diagnosticar problemas e melhorar a administração e design das organizações (LAWLEY, 2007). Morgan ilustra suas ideias explorando oito metáforas arquetípicas da organização: máquinas, organismos, inteligências, culturas, sistemas políticos, prisões físicas, fluxo e transformação, instrumentos de dominação. Para Gareth Morgan (2002) o modelo imagético influencia o comportamento dos agentes, tornando o modelo factível a medida que é tomado como verdade. Esse entendimento não é próximo da “profecia autorrealizável” de Robert Merton (1970), quando ele diz “a profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira”. Em relação às metáforas organizacionais e os modelos cognitivos institucionais, não poderíamos chamar de definição falsa, mas autoimposta, como visão espelhar de si mesmo. Ou seja, prognósticos que, ao se tornarem um conjunto de crenças, provocam a sua própria concretização. Página | 70 James Lawley (2007) lembra-nos que em “Imagens da Organização”, Morgan escreveu quase que inteiramente do ponto de vista do “consultor treinado”, já na obra “Imaginization”, entretanto ele reconhece que as pessoas dentro da organização podem descrever suas próprias metáforas e criar novas. [BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo e PILATI, Ronaldo. Validação de uma medida de percepção de imagens organizacionais] Portanto, com o suporte da autoetnografia busquei quais imagens estavam em minhas memórias e que podiam relativamente apontar para imagens compartilhadas pelo grupo, para diluir essa relatividade complementei a indicação de imagens válidas para a interpretação da dinâmica policial militar por meio da etnografia digital (aliado à arqueologia simbólica) e a análise institucional histórica que vasculha como aquela partícula imagética (“meme”) possa ter sido herdada na sucessão dialética dos diferentes desenhos organizacionais dentro de uma mesma linhagem institucional. Portanto, por exemplo, quando informo aqui que ao assistir um filme eu reconheço atitudes e comportamentos típicos da Polícia Militar em cenas que remonatam ao exército romano, não fico apenas na percepção individual. Nas minhas próprias memórias, resgato momentos em que o outro, mas ainda sim, policial também me trouxe essa correlação. E não satisfetito com isso, a simbologia é contrastada para ver se há resquícios de tal influência. Por fim, a análise histórica nos confirma um possível “trajeto” espaçotempral percorrido para que aquele conjunto ideológico possa ter sido recepcionado pela Polícia Militar, tornando-a “herdeira” de algum atributo do exército romano. Sobre esse exemplo, em particular, sugiro a leitura do tópico “Expressão mitraica de culto do exército romano”, do Capítulo 9. E neste caso o trajeto, perpassa pelo Exército Português, as forças militares organizadas da Europa continental, sobretudo, do Sacro Império Romano-Germânico e sua vertente francesa; bem como, do Exército dos Estados Unidos, como pode ser visto ao longo do Capítulo 6 (História da Polícia Militar: genealogia das matrizes institucionais) e no tópico “Teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda”, do Capítulo 9. Nesse “microscópio” ou acervo imagético-simbólico ficam juntos, para elencar: a expressão “força e honra”; a formação de tropas de controle de distúrbio civil; os valores de coesão “fraterna” do mitraísmo; o uso da águia nos símbols heráldicos entre outros. Segundo Willy McCourt (1997), do Instituto de Política e Gestão de Desenvolvimento da Universidade de Manchester, Reino Unido, numa crítica à abordagem de Morgan, ainda sim diz que o pensamento metafórico é epistemologigamente válido para dar sentido às organizações, embora isso não dispense o uso das abordagens tradicionais da Teoria Organizacional. Considerando, portanto, que o pensamento metafórico desta peculiar abordagem está circunscrito ao campo do Desenvolvimento Organizacional (OD) e os estudos sobre mudanças organizacionais (MCCOURT, 1997). Página | 71 Gosto o jeito que você se despe dos costumes, o jeito que assume que o negócio é se arriscar. Eu tinha prometido não ceder à compulsão, mas é uma agressão dizer pra um bicho não caçar. [...] O bom é que depois, o final, é a pequena morte lenta de nós dois. Pitty e Martin (Trecho da Música “Pequena Morte”) CAPÍTULO 2 | EXPERIÊNCIA NATIVA: RELATOS SOBRE A POLÍCIA POR UM POLICIAL A polícia e os policiais militares A Polícia Militar é um modelo de órgão público brasileiro, da Administração Pública Direta, replicado nos 26 Estados e no Distrito Federal. Instituída por ordenamento constitucional, compõe o leque de órgãos responsáveis pela segurança pública, previsto no art. 144 da Constituição Federal de 1988, no que tange ao dever do Estado. Tais órgãos formam um sistema composto por três em nível federal (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal) e três em nível estadual (polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares). Apesar de que revisão interpretativa sobre o dispositivo faça-nos entender que o corpo de bombeiros comporia outro sistema de serviço público. Ao se falar em polícias militares, antes de considera-las uma a uma como organização, e atribuir a ela (a PM) um papel modelar de órgão, pode-se dizer que tem sua parcela de estrutura organizacional regida por alguns poucos dispositivos da Constituição o inciso IV do caput do artigo 144 e os parágrafos 5º e 6º desse mesmo artigo, além de algumas normativas que veremos a seguir. A parcela deste modelo constituído de características institucionais historicamente adquiridas e desenvolvidas, não tratada pela lei, será vista no Capítulo 6 desta dissertação. O que é preciso antecipar, seria apenas destacar que a Polícia Militar Brasileira é uma instituição que foi sendo moldada com o tempo, em análise comparativa internacional, trata-se de uma gendarmaria que foi fortemente influenciada pela tradição militar lusitana e pela forma de fazer polícia, das polícias militares das forças armadas. Por ser aquele um dispositivo constitucional, isso significa que os Estados e o DF não podem constituir uma PM, eles têm que tê-la, bem como não podem criar outros órgãos que não sejam aqueles três: (PM, PC e CBM). A Constituição, em seu artigo 21, inciso XIV, reza ainda que a PM do DF seja custeada e ordenada legislativamente pela União, cabendo a gestão administrativa de todas as PMs aos governadores estaduais e distrital, segundo o §6º do artigo 144. Página | 72 A missão da PM: entre força militar estadual e polícia ostensiva A missão precípua das polícias militares é de serem polícia ostensiva e promoverem a preservação da ordem pública. Em termos do Direito Administrativo, isso abrange mais funções que o contexto restrito da segurança pública, cabendo ainda à PM, para assegurar a ordem, tratar da salubridade e tranquilidade pública. Sobre sua exclusividade no policiamento ostensivo, há interpretações diferentes. Quando no texto constitucional, se quer demonstrar explicitamente essa prerrogativa, o termo apropriado é citado como ocorre no inciso IV, do §1º, em relação à Polícia Federal: “IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. Neste caso, há outro órgão que também é polícia judiciária: as polícias civis estaduais e do DF, portanto, realmente ali cabe um enunciado diferenciando suas competências. Ao certo que dispositivos infraconstitucionais determinam a incumbência exclusiva no policiamento ostensivo por parte da PM, o que na prática não ocorre, devido à atuação, sobretudo, das Guardas Municipais, que tem sua criação facultada aos municípios mediante o §8º do artigo 144. A exclusividade também não é plena devido o uso da segurança privada e orgânica em instituições públicas e empresas privadas de grande circulação de pessoas como cidades universitárias, hospitais e centros de comércio (shopping center)53; além do patrulhamento da PRF e o policiamento ostensivo das polícias militares das Forças Armadas ficar sobreposto à circunscrição da PM. Os corpos de bombeiros militares que tem incumbência em atividades de defesa civil podem ou não estar atrelados às estruturas organizacionais das polícias militares, paulatinamente os CBMs do Brasil foram se desvinculando organicamente, restando apenas essa comunhão em São Paulo, já que foi recentemente executada no Rio Grande do Sul54 e na Bahia55. Todo esse efetivo militar: das polícias e corpo de bombeiros, ainda que estadual ou distrital, são por força do §7º do artigo 144 da CF88, força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro. A polícia militar é, portanto, uma força militar estadual, para todos os efeitos, atuando em circunstâncias normais como força policial, ressalvadas as competências da União. As polícias militares são instituições militares fundamentadas pela hierarquia e disciplina. As PMs são comandadas por um oficial de carreira do último posto de suas hierarquias: um coronel56. Outra possibilidade, muito usada no passado, que tem sido evitada pelos governadores dos Estados é a indicação de um oficial superior ou general do Exército para o comando de suas PMs. Segundo o Decreto Lei n.º 667/1969, em seu art. 8º, a hierarquia nas Polícias Militares é composta de Oficiais, Praças Especiais e Praças de Polícia, 53 Nisso está a polêmica, poderiam as PMs atuar nas vias de trânsito das Universidades e de locais como Shopping Center? Bem, o que nos parece é que nada impede isso, como também nada impede que a PM faça policiamento concorrente das rodovias federais. A outra pergunta seria: ela pode, mas convém que faça? 54 FREITAS, Caetanno. "Piratini cria CNPJ e oficializa separação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar". Zero Hora. Publicado em 01 jul. 2016. Disponível em <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/07/piratini-criacnpj-e-oficializa-separacao-do-corpo-de-bombeiros-da-brigada-militar-6296046.html>. 55 G1. "Sancionada lei que desvincula Corpo de Bombeiros da Polícia Militar na BA". Publicado em 11 nov. 2014. Disponível em <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/11/sancionada-lei-que-desvincula-corpo-de-bombeirosda-policia-militar-na-ba.html>. 56 Comumente chamado de coronel “fechado” para diferenciar do penúltimo posto denominado de tenentecoronel. No dia a dia, os dois são chamados de coronel Página | 73 perfazendo 13 níveis (excluindo o de aluno oficial), uma verticalização muito acentuada típica da estrutura militar, o que traz compatibilidade no seu emprego em situações como força reserva, mas traz consequências negativas para a política de remuneração por parte dos governos estaduais. Os Estatutos das Corporações, postos em vigor por leis estaduais, definem outros aspectos dessa hierarquia, mas em suma são compostos pelos seguintes níveis (postos e graduações): a) Oficiais de Polícia:  Oficiais superiores: Coronel, Tenente-Coronel e Major;  Oficiais intermediários: Capitão;  Oficiais subalternos: 1º Tenente e 2º Tenente; b) Praças Especiais de Polícia:  Aspirante-a-Oficial;  Aluno oficial ou Cadete (Curso de Formação de Oficiais); c) Praças de Polícia:  Graduados: Subtenente; 1º Sargento; 2º Sargento e 3º Sargento;  Cabo;  Soldado. Coordenação das polícias militares: Defesa ou Interior Forças militares estaduais atuando nas funções policiais administrativas, essa é a natureza de emprego das PMs. Funções essas que se constituem as iniciais de um ciclo completo de polícia: prevenção, manutenção, investigação e repressão. No entanto, sua manutenção tem um caráter muito repressivo, julgando na prática que sua atividade de prender, disciplinar já lhe deva imbuir do poder de punir dos desvios sociais. Sua prevenção é falha, por se basear majoritariamente na atividade de patrulhamento ostensivo, deixando de realizar outras atividades concernentes ao leque maior a que se refere ser uma polícia ostensiva. Configuram um dos poucos redutos em que a autonomia prevista pelo pacto federativo se faz valer. Muito da padronização entre as polícias militares é fruto do desejo de seus próprios integrantes e isso se dá na dimensão dos aspectos institucionais dos quais discorreremos posteriormente. Mas quando se fala em padronização formal, elas têm aquilo que precisam seguir do ordenamento vinculado ao Exército e as diretrizes formuladas pelo Ministério da Justiça (MJ) são oficialmente bem aceitas, mas na prática algumas são obstaculizadas. Cabe destacar que quando se trata de uma força militar de uso doméstico a dupla ou ambígua subordinação não é exclusividade do Brasil. Em Portugal e França as suas “polícias militarizadas”, tem duplo vínculo com o Ministério da Defesa e com o Página | 74 do Interior. Em Chile e Itália suas gendarmarias nacionais57 estão vinculadas ao ministério que trata da guerra e na Espanha ao dos assuntos do “Interior”. No âmbito do governo federal essa coordenação do “Interior” fica a cargo da Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJ, sob a qual estão subordinadas as polícias federal e rodoviária federal. Mediante a Senasp, o governo federal também mantém a Força Nacional de Segurança Pública, que se trata juridicamente de um programa de cooperação, do qual os Estados participam caso firmem acordo bilateral, no qual disponibilizam parte dos efetivos policiais militares, para formar um contingente apto à intervenção naquela dada Unidade da Federação com falência circunstancial em sua segurança. Já nos Estados e no DF, essa coordenação da Polícia Militar junto aos demais órgãos de segurança tais como: Polícia Civil, Polícia Científica (ou perícia oficial), o próprio Corpo de Bombeiros e outras estruturas e projetos que podem incluir o sistema penitenciário, o departamento de trânsito e os assuntos ligados à inteligência, estatística e promoção de direitos humanos – a coordenação de todos eles – fica a cargo das Secretarias estaduais de Segurança Pública (ou Defesa Social). O restante do que está previsto de como deve atuar e como deve ser estruturada internamente as polícias militares, tais como alguns dispositivos de controle sobre efetivo, treinamento e armamento estão elencados no Decreto-Lei n.º 667, de 2 de julho de 1969 e suas posteriores revisões. Tais normativas legais são os dispositivos onde se faz sentir o controle do Exército sobre as polícias militares. Devido o contexto em que foram postas em vigor, são passíveis ou não de recepção pela nova ordem constitucional, contudo nenhum dispositivo foi arguido para avaliação do STF, ou seja, sem nenhum outro diploma legal que o revogue, esse decreto-lei tem equivalência a uma lei ordinária em vigor. Segundo o Decreto-Lei n.º 667 a Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM) do Exército Brasileiro 58 incumbe-se dos estudos, da coleta e registro de dados bem como do assessoramento referente ao controle e coordenação, no nível federal. O texto deste decreto-lei, ainda diz que as polícias militares foram instituídas “para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal”, competindo a ela:  Executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente;  Atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;  Atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas e 57 Em Itália, o fato de se ter uma instituição nacional, não impede que haja um rateamento regional e/ou local de autoridade (política) sobre a força policial, assim como ocorre no Canadá. 58 Hoje, sob a estrutura interna do Coter (Comando de Operações Terrestres). Página | 75  Atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção. O perfil do contingente policial militar Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (PIBE), de 2014, realizado pelo IBGE, o efetivo geral das polícias militares somava 425.248, em todo o Brasil, dos quais 383.410 eram homens e 41.838 eram de mulheres, ou seja, 90% do sexo masculino, conforme pode ser visto no gráfico abaixo: Gráfico 1 – Proporção de homens e mulheres no contingente nacional da PM Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE. A razão do contingente de policiais militares em relação à população brasileira é equivalente a um policial militar para cada 473 brasileiros, conforme a estimativa populacional que havia sido preparada para julho 2013. Mas essa presença policial não percebida igualmente no país, enquanto no Maranhão existia um policial militar para cada 881 habitantes; no Distrito Federal, a razão era de 1:194. A Corporação de maior efetivo é a da PMESP (Polícia Militar do Estado de São Paulo), já que nele somam-se também os números dos bombeiros militares paulistas, perfazendo um total de 89.478 integrantes. Os maiores efetivos em sequencia, depois do paulista são o fluminense, o mineiro e o baiano, respectivamente: PMERJ (46.135), PMMG (42.115) e PMBA (31.039). As polícias militares com menor efetivo são a do Acre e de Roraima: PMAC (2.712) e PMRR (1.669). Os números dos efetivos acompanham os resultados da PIBE-2014 do IBGE. Em tudo, o policial militar, antes de outra natureza é um militar. O policial militar “de rua”, envolto em atividades operacionais é um militar em emprego ininterrupto de uma atividade policial. Depois dessas naturezas, aí sim ele é um servidor público, um cidadão e uma pessoa, exatamente nessa ordem, não por força totalmente de lei, nem por cultura institucional apenas, na verdade, por ambas. A Constituição Federal em seu artigo 42 (dispositivo concernente aos militares estaduais) dispõe que “os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, sendo a eles aplicados Página | 76 parte das prerrogativas e obstruções feitas aos militares federais 59. Vejamos algumas, mediante o artigo 142 (dispositivo concernente aos militares federais):  Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares;  O militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva;  Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;  O militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;  Entre os direitos trabalhistas, cabem apenas aos militares, incluindo os estaduais e distritais, no Brasil: décimo terceiro salário, férias remunerada, salário-família, licença à gestante, licença-paternidade e assistência gratuita aos filhos em creches e pré-escolas. Os demais direitos comuns aos demais trabalhadores lhes são vedados, tais como: repouso semanal garantido, jornada de trabalho definida, fundo de garantia, seguro-desemprego, horas extras, adicional noturno, de periculosidade ou de insalubridade. Gráfico 2 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE. Estão com o números apresentados as oito maiores corporações e as cinco menores. CF88: “Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores”. 59 Página | 77 Tabela 1 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação. Unidade da Federação Acre Alagoas Amapá Amazonas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo Goiás Maranhão Mato Grosso PMAC PMAL PMAP PMAM PMBA PMCE PMDF PMES PMGO PMMA PMMT Mato Grosso do Sul PMMS Minas Gerais Pará Paraíba Paraná Pernambuco Piauí Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul Rondônia Roraima Santa Catarina São Paulo Sergipe Tocantins PMMG PMPA PMPB PMPR PMPE PMPI PMERJ PMRN BMRS PMRO PMRR PMSC PMESP PMSE PMTO Efetivo Policial Militar 2.712 7.135 3.700 9.050 31.039 15.926 14.345 8.491 11.950 7.709 6.579 5.255 42.115 15.943 9.263 17.465 19.348 5.335 46.135 8.926 20.405 5.200 1.669 11.560 89.478 4.660 3.855 Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE. Segundo a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (ANERMB), que apresenta a tabela do piso salarial bruto das Polícias Militares em 2015, a média salarial (calculado pelo autor) é de R$ 3.484,00, ou seja, de 1.110,00 dólares. O menor salário era o da Bahia, R$ 2.498,00 e o maior o de Brasília (que tem subsídio do governo federal), R$ 7.190,00. Os policiais militares passaram a empreender várias lutas de cunho trabalhistas, algo que antes da sucessão de greves de 1997, nunca tinha sido visto entre eles. Daí por diante houve uma ruptura da lógica de subordinação e remuneração, que tende a se fortalecer cada vez mais. Página | 78 Participação social e a Segurança privada Segundo o caput do artigo 144, toda a sociedade brasileira tem direito a essa mesma segurança pública, bem como seria auto-responsável, contudo, o que observamos na prática é que a atividade é bastante monopolizada pelo Estado. A proporção de pessoas reservistas do Exército é baixa, o porte de arma legal foi vetado quase que completamente. No Brasil, as circunstâncias citadas anteriormente são ditas como o comum, sem perceberem que isso posiciona suas polícias como entes sociopolíticos dos quais a sociedade menos favorecida depende quase que totalmente para a resolução de seus conflitos mais simples. Iniciativas de justiça reparadora tem sido implementadas, ficando fora do alcance da maioria. Os conselhos comunitários de segurança foram bastante estimulados em algumas Unidades da Federação, mas devido a essa cultura, antes citada, eles acabam por definharem se não forem tutelados pela própria polícia. Porém a parcela mais favorecida da sociedade sustenta um nicho de mercado de segurança privada que traduzida em números significa 520 mil vigilantes ativos, segundo dados do Departamento de Polícia Federal (Coordenação Geral de Controle de Segurança Privada), número atualizado em outubro de 2013. Mas segurança privada não é realizada apenas com vigilantes, ao todo o setor emprega algo próximo a 620 mil trabalhadores, segundo dados da Federação Nacional de Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) mostram que o faturamento do setor, em 2015, chegou a R$ 50 bilhões. O emprego institucional, corporativo e pela classe alta seria razoável, mas o exagerado emprego da segurança privada por parte inclusive pela classe média demonstram uma certa descredibilidade no sistema público de segurança. Para nós, falar da segurança privada se faz necessário nesta pesquisa, porque acreditamos que o envolvimento dos padrões institucionais da polícia militar seja preponderante sobre a formação e a identidade profissional do vigilante. Figura 8 – Fotografias do Autor fardado atuando como policial. a) Pelopes – Pelotão de Operações Especiais b) Copes – Companhia de Operações Policiais Especiais de Sertão c) Pelopes – Pelotão de Operações Especiais em uma abordagem na Caatinga Fonte: Imagens de acervo pessoal do Autor. a) 2015. b) 2014. c) 2013. Página | 79 A polícia e eu Como e por que eu ingressei na Polícia Militar? Sou filho de militar da Marinha, meu pai sentou praça como aprendiz de marinheiro em Olinda em 1966 e durante minha infância era sargento e vi ele ir para reserva como suboficial. Admirava as histórias dele, pelos portos do mundo. Tentei exame para o Colégio Naval, fiz provas na mesma Escola em Olinda, essa que foi minha primeira viagem com meu pai, ele estava mais ansioso que eu. Isso deve ter me impactado muito, mais ainda ao decepcioná-lo por não ter passado. Apesar de seguir o que parecia minha vocação natural, o mundo da TI, computação e informática; eu permanecia ‘antenado’ nas oportunidades de concurso para a área militar, tentei Exército ainda. Queria ser militar. Nunca havia me passado pela mente ser policial. Mas em dado momento eu e alguns amigos do CEFET, antiga Escola Técnica decidimos: ‘vamos seguir carreira universitária na área de Computação’. Quando repassei isso ao meu pai e que de quebra demandaria que eu ficasse um tempo sem trabalhar (eu trabalhava desde os 14 anos, isso aí eu já tinha 17), ele foi categórico: somente sustentaria se fosse Medicina. Não vi opção, no ano que foquei o Vestibular da UFAL, em 2000, abandonei a ideia de Ciências da Computação e optei pelo CFO. Mas o que era CFO? Curso de Formação de Oficiais, que nem eu, nem meu pai sabíamos ao certo.... (risos) Depois eu iria descobrir a furada que me meti (mais risos). E posso lhe dizer a sensação sobre essa “furada” essa decepção para com o CFO é bastante difundida entre os oficiais egressos das Academias de Polícia Militar. Bem, estudei que nem um condenado, mas continuei com minha vida sedentária, era área de Humanas do Vestibular da Copeve/Ufal. Passei em sexto lugar das doze vagas masculinas e 3 femininas. Poxa, nem lembrava mais disso, quando eu entrei na PM, ainda eram divididos os quadros para homens e mulheres. Chamávamo-las de PFem... em alguns momentos isso era em tom pejorativo mesmo. Quem mudou essa realidade foi minha primeira professora da área de Direito, nossa coordenadora de disciplina (cargo que se chama comandante do corpo de alunos), a então capitã Clara, que foi a primeira coronel da Polícia Militar de Alagoas, ela e mais outras oficiais que lutaram, fizeram pressão política de bastidores (lobby) e conseguiram alterar a lei de promoção e o Estatuto, meus parabéns para essas guerreiras. Mas voltemos pra pergunta original. Foi assim que entrei na PM. Sim, ia me esquecendo, eu e mais três (hoje, meus amigos de fé e de luta) perdemos no teste físico. Bem, foi uma loucura na época, sabe. Passar num concurso muito concorrido e ficar no meio do caminho. Acionamos a Justiça e entramos por força de liminar, por impetração de um mandado de segurança. Depois ouve um ‘zum-zum’ sobre irregularidades, mas prefiro acreditar que foi mais devido a nossa deficiência no treinamento físico e a dificuldade burocrática da Corporação. A Corporação tem esse traço interessante, ela possui em seus quadros pessoas altamente qualificadas, por exemplo, na época tinham policiais com formação jurídica para elaborar um edital no nível de preparo de um procurador do Estado, mas na hora de chocar o trabalho desse especialista, com as vontades e falta de capacidade técnica de outros, mais os traços próprios da cultura Página | 80 organizacional, o resultado são peças, projetos, programas atrapalhados sem uma definição de diretrizes de escopo. Por que eu realmente ingressei na Polícia Militar (sendo mais objetivo)? Na época, por que parecia um bom emprego, salário razoável; promessa de rápida independência dos meus pais, sem que tivesse que cursar uma faculdade toda na dependência deles; havia a percepção que ao entrar na vida da corporação, propriamente dita, faríamos isso no nível de comando. Particularmente, eu via na Academia Militar um ambiente de desenvolvimento polivalente, meu teste vocacional feito naquele ano de preparo para o ingresso, acusou uma potencialidade múltipla de competências. Eu disse, bem é lá que vou desenvolver o físico e o intelectual, que vou estudar tanto humanidades como tecnologia, tudo vai ser conduzido por um condão filosófico-moral pertinente àquilo que projeto de mim mesmo. Para quem entra pensando esse tipo de coisa: a Academia Militar (pode suprir algumas expectativas), mas de a Academia de Polícia Militar é sem nenhuma reserva ao significado da palavra: uma tremenda fraude. Mas você entra ingenuamente pensando essas coisas. Hoje, creio que ingressei por alcançar o capital simbólico de expressões da masculinidade que me faltavam. Ou que achava que me faltava. Quando me tornei homem, autônomo o suficiente, sem precisar da Polícia Militar para tal, eu simplesmente pedi o divórcio! Alguns amigos meus ainda estão por lá, como quem permanecem anos em um casamento mal sucedido, no qual o parceiro não tem mais alegrias, nem gosto de estar naquela relação, cumprem-se as obrigações assim que se pode, dá as costas para não querer nem papo. Mas nas aparições públicas, o dito casamento falido, é motivo de status. Tarefa ingrata, desprezada e perigosa Abordei a visita e o estudo realizado no Brasil, por Jean-Claude Chesnais (1999) na Introdução, retomo entre várias considerações dele, quero destacar as que se remetem diretamente ao sistema de justiça criminal de qual (segundo certa abordagem) fazem parte as polícias e ele começa com “a polícia, a justiça e o sistema penitenciário não são respeitados” e já revela uma das causas “os salários e os meios são insuficientes, daí a facilidade com que os funcionários são corrompidos” (CHESNAIS, 1999). Um membro da polícia militar tem um salário da ordem de apenas 600 dólares60 por mês para uma tarefa ingrata, desprezada e 60 Essa era a média em 1999, segundo a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (ANERMB), que apresenta a tabela do piso salarial bruto das Polícias Militares em 2015, a média salarial (calculado pelo autor) é de R$ 3.484,00, ou seja, de 1.110,00 dólares. O menor salário era o da Bahia, R$ 2,498,00 e o maior o de Brasília (que tem subsídio do governo federal), R$ 7.190,00. Desde a vinda de JeanClaude Chesnais naquele primeiro momento de estudos, até hoje, os policiais empreenderam várias lutas de cunho trabalhistas, algo que antes da sucessão de greves de 1997, nunca tinha sido visto entre eles. Daí por diante houve uma ruptura da lógica de subordinação e remuneração, que tende a se fortalecer cada vez mais. Página | 81 perigosa cujas consequências são uma alta taxa de suicídios 61 e de abandono da profissão. Muitos policiais têm um segundo emprego, nas horas livres; alguns desenvolvem a prática de achacar ou se deixam corromper pelos traficantes. A sorte da polícia civil também não é melhor. (CHESNAIS, 1999). [grifo nosso] “Tarefa ingrata, desprezada e perigosa” (CHESNAIS, 1999), sentíamos isso com muita vivacidade a cada plantão, a cada vez que éramos punidos por fazer aquilo para o qual havíamos sido treinados; a cada vez que os operadores do direito morno ou frio descartavam o valor de nossas ações “quentes” e saiam destrinchandoas com os critérios frígidos da lei. Por Direito frio refiro-me àquele em que se analisam fatos jurídicos da esfera criminal, sentados comodamente em gabinetes refrigerados. Por morno, algo como os delegados e os escrivães e agentes de polícia civil, que estão à parte do processo ruidoso, dinâmico das ruas, mas ainda sentem as consequências de tudo que lá acontece pouco tempo depois. Ao contrário desses, nós estávamos lá, em meio a acidentes de trânsito chegando ao local antes mesmo das equipes de regaste, se realizássemos o socorro indevidamente certamente seríamos processados pelas sequelas à vítima, se nos omitíssemos, erámos passíveis do mesmo destino; sentíamos compelidos a chegar no foco dos problemas o quanto antes fosse possível. Sofri dois acidentes de trânsito, em rodovias do Sertão, embarcado em viatura. Um sem gravidade, o outro fiquei inerte, apenas ouvindo os demais integrantes: “mexe no tenente, que ele parece que morreu”. A viatura havia colidido com um animal na pista, o chassi empenou. Anos depois, em outra unidade especializada, a melhor viatura que tínhamos era essa mesma viatura que devia ter sido inutilizada. Empurrávamos viatura que “baixava” (quebrava), ali mesmo na rua, mas não parávamos, até que realmente não tivesse nenhuma condição ou quando o corpo mesmo, exaurido, nos exigia a parar. Quando o policial despachante, depois de receber uma notícia de crime, vinha nos dizer: “ligaram dizendo, que quatro homens armados, entraram numa casa do sítio procurando pelo dinheiro da venda de uma rês62 e bateram no proprietário. E, olha, dava para ouvir o choro das mulheres, tenente, eles foram embora, dizendo ‘se não tava como o filho, [o dinheiro] tava com o pai’”. Tínhamos que saber o que nos esperava: “quantas armas?”, “quanto tempo faz?”, se eu não perguntasse, alguém o faria. Dessa vez a resposta foi: “tava todo mundo muito nervoso, mas tinha uma ‘12’ 63 e um revólver, de certeza, tava acontecendo ainda”. Largávamos refeição, armávamos e saíamos (sempre era assim, parece que ficávamos esperando essa hora de Jornalista Fernanda da Escóssia BBC Brasil, relatando sobre o livro “Por que os policiais se matam?” fruto do “estudo, com coautoria de cinco psicólogos da Polícia Militar e de pesquisadores da UERJ de diferentes áreas, investiga fatores que levam ao suicídio de policiais...” [Diagnóstico e prevenção do comportamento suicida na polícia militar do Estado do Rio de Janeiro] “a pesquisa traz números e relatos dramáticos do suicídio de policiais, investigando seus possíveis fatores – diretamente associados a problemas como falta de reconhecimento profissional, maus-tratos e quadros depressivos. Outra queixa frequente é a transferência, para a família, de relações violentas comuns no quartel [...] de 1995 a 2009 foram notificados 58 casos de suicídio de policiais militares no Rio, mais 36 tentativas de suicídio. Dos 58 óbitos por suicídio de PMs da ativa, três aconteceram em serviço e 55 nos dias de folga. Foram em média três suicídios a cada ano. O número de mortes por suicídio na folga foi 18 vezes maior do que em serviço” (ESCÓSSIA, Fernanda. “Por que os policiais se matam: pesquisa traz números e relatos de suicídios de PMs”, 2016). 62 Um animal do gado bovino: uma vaca ou um boi. 63 Espingarda calibre 12 61 Página | 82 ‘morfar’, de se transformar em heróis vigilantes). Gandola, cinto de guarnição com coldre de perna, colete balístico com sua capa tática, pistola, carabina, revólver de backup, cobertura64. Prontos, embarcávamos na viatura, sirene e “giroflex”65 ligados para cortar o trecho urbano, depois preferíamos ser confundidos com qualquer outro veículo. O sítio não era longe, pensei: “soubemos da ocorrência ainda em andamento, vamos frustrar o crime”. Infelizmente, por poucos minutos, o “velho” (o pai que os criminosos se referenciaram, um homem de 70 anos) havia sido morto com um golpe de porrete na cabeça. Nenhum daqueles equipamentos, toda aquela disposição e o corpo estava estendido no galpão, ao lado da casa. Sua esposa gritava: “mataram fulano, ai meu Deus!”. Pequeno desentendimento entre a guarnição, sobre a viabilidade de entrar na caatinga, os que insistiam para que entrássemos de imediato, como eu (talvez por inexperiência), dizíamos: “bora, gente... fazer feio na frente deles não, se os caras estão aí, a gente alcança!”. Os que pediam cautela o faziam lembrando: “calma, tenente, se eles tiverem aí dentro, eles estarão nos vendo e a gente vai ‘tá’ no breu, eles vão acertar a gente como alvo fácil”. Resolvido o impasse, formação em coluna, para incursão em campo aberto, fuzil à frente, retaguarda em atenção. Tínhamos que evitar fazer barulho e emitir brilho. Vasculhamos pelo menos, dez outras propriedades vizinhas, informando o que havia ocorrido, acalmando as mulheres que, porventura, ficam amedrontadas. Os moradores da localidade rural disseram-nos que esse era o terceiro roubo na região. Não sabíamos, garanto se eu soubesse, teríamos feito ronda ali. Saldo: um senhor morto. A missão agora era registrar a ocorrência, esperar o IML, que só poderia ser acionado pela Polícia Civil. Cadê os agentes? Muito tempo depois chegaram. O delegado? Era melhor nem pensar em esperá-lo. O IML também não veio, o jeito foi autorizar por o corpo em uma D-20 e levar para a ‘pedra’ do hospital66. Obriguei-me a ouvir consternado, o filho do homem morto dizer: “vocês demoraram, se tivessem chegado antes meu pai tava vivo”. Ocorrência finalizada oito horas depois do chamado, dormir, descansar? Negativo, um homem havia sido preso após espancar a esposa, numa cidade a 50 km, mas o efetivo local tinha esgotado o combustível deles nas diligências. Nova missão: ir buscar o preso e trazer para a única delegacia de plantão da região, desafio: como trazer a vítima? No dia seguinte, o comandante me chama para explicar que ocorrências vêm e vão, mas que eu tivesse mais cuidado com a viatura, “para quê aquela correria pela cidade?”, além de uma autoridade política ter reclamado que quase tínhamos colidido com o carro dele, a nossa viatura voltou avariada de passar rápido em um lajedo 67. Como disse o cientista social francês Jean-Claude Chesnais: “tarefa ingrata, desprezada e perigosa” (1999). 64 Gandola: camisa externa (blusão); cinto de guarnição: que envolve a cintura, carrega alguns utensílios, principal sinal de que está em prontidão; coldre de perna: associando ao cinto, mantém a arma de menor porte atada à coxa do policial; capa tática: que envolve a placa de proteção balística, carrega vários utensílios, simbolicamente assemelhasse à armadura romana; carabina: arma de maior porte, cano longo, calibre igual ou próximo das armas de menor porte, com precisão para maior distância; backup: arma de reserva caso as demais falhem. 65 As luzes, em vermelho e azul, acima da viatura. 66 D20: tipo de veículo pick-up; pedra: necrotério do hospital que serve como local de acomodação em substituição ao recolhimento direto no local de crime pelo IML em cidades pequenas. 67 Formação rochosa lapidada encravada no solo. Página | 83 Em determinado momento Jean-Claude Chesnais (1999) afirma que ao percorrer o Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte), mesmo em lugares tão diferentes ele pôde encontrar, nos meios policiais, profissionais “notáveis, desinteressados, dedicados à causa pública e com um aguçado senso do dever de proteger a sociedade, ainda que ao custo da própria vida”. E que apesar dessa abnegação era possível testemunhar “o desconforto, a insegurança, a miséria e a extrema precariedade das condições em que trabalham” (CHESNAIS, 1999). Sem o totem não tem tabu Certa vez um policial me disse: “a gente sempre vai tá errado, a gente impede o povo de fazer o que eles querem”, ele simplesmente disse algo que já havia sido discutido por muito tempo na civilização, e atualizado nos círculos intelectuais do final do século XIX e no restante do XX (FREUD, 2014). Ele estava falando do malestar na civilização (FREUD, 2014). Quem não quer ser livre e satisfazer plenamente todos os seus desejos? (VASCONCELOS, 2007) Deu vontade de ouvir uma música? Que ouça. Deu vontade de fazer isso bebendo? Bem, que mal pode ter nisso, é você quem vai ingerir a substância psicotrópica, vai relaxar, dançar. Mas e se a vontade for de fazer isso em meio à praça pública, num bairro residencial? Tudo bem, ouve-se baixinho. Mas baixo não tem graça. Você não está sozinho, acompanham você outros amigos. Tem um deles que gosta de tudo isso, mas quando pega no volante, vem uma lembrança sobre o quanto era bom jogar videogame, como era eletrizante assistir na TV, um grande prêmio de Fórmula 1. E ele deixando o grupo que se diverte na praça, vai para a avenida principal da cidade, dar “cavalo de pau”. A questão da estória ilustrativa é que, enquanto você está em meio à praça ouvindo música alta, constituindo-se uma diversão, há outros tantos simplesmente querendo dormir, porque são idosos adoentados, crianças de colo e homens e mulheres que no outro dia vão acordar cedo e trabalhar; você, por algum motivo, estará de folga, ou talvez não trabalhe. “Mas dos males o menor”, formalmente falando ao acionar a guarnição da polícia para esse tipo de situação, no Brasil, talvez a guarnição peça para reduzir o volume, por um certo tipo de cortesia. Mas sendo reincidente, ou você sendo desrespeitoso para com os policiais, eles vão apreender o equipamento de som e lhe conduzir a uma delegacia. Irá ser gerado um termo 68 (em alguns Estados, a própria Polícia Militar irá lavrar o termo), no qual você assume que irá comparecer diante de um juiz, certo tempo depois e você terá o processo suspenso como forma de lhe dar uma primeira chance ou se condenado pagará algumas cestas básicas a serem doadas para uma instituição de caridade. Até aí, posso dizer que “não há um mal, que não traga um bem”. A questão, realmente gravosa, é que seu amigo, estando embriagado, em meio às manobras arriscadas em alta velocidade, perdeu o controle, atingiu uma criança que estava no portão de caso, logo após se despedir de seu pai, que acabara de sair para trabalhar. Os policiais que estavam no atendimento da sua ocorrência, digo naquela que você provocou , são os primeiros a chegarem ao local do acidente. Acidente? Crime! Há uma multidão, e já estão com o motorista cercado caído no chão, o qual já havia sido golpeado por alguns dos presentes. 68 Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), segundo a Lei Federal n.º 9.099/95. Página | 84 Vamos falar de liberdade: você tem o direito de fazer uma comemoração com som alto; o pai da criança tinha o direito de ter dormido bem para trabalhar sem a perturbação provocada por você; a criança morta tinha o direito de viver. E o policial vai “ter o direito” de cortar o fio da fonte de energia do seu equipamento de som? Isso seria um abuso, não? A multidão tem o direito de lixar o motorista assassino, bem... é o desejo que eles têm, por que deveria ser impedido? Será que o policial vai “ter o direito” de espancar seu amigo, quando ele vê a criança morta e lembrar o quanto ela se parece com o filho dele (do policial). Seu amigo embriagado ainda vai colocar o dedo na cara do policial e dizer: “olha, soldadinho de merda, você não sabe quem é meu pai? É bom se preparar porque vocês vão...”. Eu diria que essa ilustração é surreal. Mas alguém vai falar baixinho no seu ouvido: “tá bom tenente, se não o senhor vai matar o cara e o pessoal da delegacia não vai receber a ocorrência com ele assim”. O policial gerencia a situação: uma outra equipe fica velando pelo corpo esperando perícia e IML; o motorista é conduzido à um posto rodoviário distante que tenha bafômetro69, ele se recusa a fazer o teste; por fim, a ocorrência é entregue na delegacia, onde já estão os familiares do preso, que por surpresa do policial são amigos do delegado. Resultado, você nem pagou as cestas básicas, seu amigo que matou a criança foi considerado inimputável, sabe-se lá como. E o policial respondeu a um processo administrativo e ficou em prisão disciplinar por oito dias no quartel e perdeu a festa de aniversário do filho dele, que tanto se parecia com a criança morta. Eu prefiro dizer, que não se passou de uma ilustração, baseado em fatos reais transcorrido em um lugar distante. Depois de “imaginar” uma situação como essa, eu passei a entender o velho jargão: “perto, a polícia incomoda, longe ela faz falta”: e quem o diga, se não você e o seu amigo. Para impedir a farra perturbadora os policiais são um incomodo. Para livrar o culpado do lixamento os policiais são heróis, uns “estraga-prazeres” para a multidão. Ruth Vasconcelos (2007) diz “é preciso colocar o desafio de pensar quais os meios que a humanidade dispõe para ‘inibir a agressividade que se lhe impõe 70’”. Porque ela é parte importante do superego social, sem ela os fatores do inconsciente coletivo e pessoal estão livres para impulsionar as pessoas a fazerem o que quiserem para satisfazer seus desejos. Mas seus desejos podem não ser compatíveis como os meus e certamente isso provocará uma reação em cadeia, por que o de ninguém será totalmente compatível como do de mais nenhum outro. A barbárie se instala e a pedra de salvação é matar o culpado. Tirando os pais e o delegado amigo da família, muitos ali ficariam muito satisfeitos em saber que o motorista embriagado infanticida foi morto ali mesmo sumariamente (GIRARD, 1998; FOUCAULT, 2003). Tenho que admitir, apesar de não sucumbir a essa ideia, ela parece ter uma certa lógica, a lógica animal, quiçá um passo a frente do animalesco: a lógica do “olho por olho, dente por dente”. Mas o motorista não é morto, ora, porque somos superiores a esse instinto animal, viabilizamos a criação de um “estatuto legal para o qual todos – exceto os incapazes de ingressar na comunidade – contribuíram com o sacrifício de seus 69 70 Equipamento que mede o índice de alcoolemia a partir de uma amostra do (“hálito”) do ar expirado dos pulmões. Freud, 1997 apud Vasconcelos, 2007. Página | 85 instintos que não deixa ninguém – novamente com a mesma exceção – à mercê da força bruta” (FREUD, 1997 apud VASCONCELOS, 2007). Por isso, impede-se o lixamento público e entrega o culpado ao sistema judiciário. Eles sim como verdadeiros sacerdotes podem executar o sacrífico que lava nossas almas. Uma análise mais aprimorada sobre a falência a imagem do pai disciplinador é feita no tópico: “Re-militarização como proposta transitória” do Capítulo 10, no qual se retoma a discussão em Sociologia Clínica freudiana sobre violência por Ruth Vasconcelos (2007). Subsídios para um exercício de uma Saúde Coletiva Por em pauta as relações ecológicas das organizações policiais que tem como modelo institucional, o da Polícia Militar Brasileira, sobretudo, com o enfoque da Ecologia Profunda está à guisa de tratar da saúde, destacadamente a saúde mental, de 420 mil profissionais e suas famílias no país. Se o que está diante da percepção do pesquisador é um modelo que determina uma “eficiência” institucional, como um aperfeiçoamento da divisão racional do trabalho, constituindo uma burocracia (não totalmente encaixada na classificação de Weber) com alguns pontos positivos que merecem ser mantidos e replicados poder-se-ia tratar do tema pelo guidão da eficiência administrativa ou da arquitetura institucional jurídico-legislativa e assim operar-se-ia uma reengenharia de processos e estrutura. Entretanto, esse mesmo modelo conduz a ação institucional para a perpetração de males sociais, sendo utilizado como instrumento de perpetuação de uma ordem exploratória tanto do profissional a ela diretamente vinculado como das comunidades nas quais intervém; então, está diante de um agente ecológico que precisa ser sarado, curado ou ajustado em seu nível mental. As duas correntes de mudança não são excludentes, podem ser empregadas em conjunto, ou seja, podem-se propor mudanças estruturais por meio de alterações na legislação, pode-se propor uma mudança funcional por meio do estudo e aplicação de novas formas de fazer a atividade cotidiana, mas alego que, sobretudo, deve-se sanear a mente organizacional e consequentemente a relação psíquica entre sujeito e organização. Preciso esclarecer que por sujeito ecológico estou me referindo ao mesmo tempo aos sujeitos policiais militares, bem como à pessoa organizacional, que é decorrência do aporte teórico selecionado, o qual aborda os sistemas sociais humanos como seres portadores das características de autopreservação indenitária e constitutiva por meio de trocas ininterruptas com o meio externo, ou seja, seres vivos. Portanto, organizações são tão vivas como os seus membros e se assim são, não se altera a base estrutural-funcional de pessoas orquestrando apenas reengenharia, reprogramação ou baixando um decreto. Sendo organizações, seres vivos, se estão com alguma disfunção, é preciso tratá-las terapeuticamente. Página | 86 Tratemos por ora, da saúde dos membros da PM, das pessoas a ela vinculada. Maria Cecília Minayo, Edinilsa Souza e Patricia Constantino (2008) chegaram a algumas conclusões depois de ouvirem 1.120 policiais em 17 unidades da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), em 2005, em pesquisa da Fiocruz, “Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro”: O trabalho mal remunerado, sem reconhecimento e sem perspectivas de crescimento profissional leva ao baixo desempenho no cumprimento das tarefas, o que se reflete na insatisfação da população. Esse subconjunto de temas aferidos negativamente e referidos nos últimos parágrafos traz como consequência um sentimento de frustração muito forte, que tem impacto sobre a saúde física e emocional dos policiais [grifo nosso] (MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008). Geralmente trabalhos que tem como alvo a cultura organizacional (a subcultura) dos agentes aplicadores da lei tem uma intenção de certa intervenção que resulte à instituição uma difusão de mentalidade, que corresponderia a dizer 71: “Corporação, entenda a sociedade que você serve, torne-se solícita aos movimentos sociais”. Esta investigação teórico e autoetnográfica vem por certo fazer a percepção de resposta, que seria bem ilustrada dessa forma: “Sociedade, sobretudo, formadores de opinião, enxerguem as pessoas que estão aqui dentro da Corporação, estamos submetidos a certas condições e nossas livres intenções não se coadunam com o mal perpetrado por quem quer que esteja nos usando”. A dor do funeral militar: a polícia que mata, também morre Há necessidade de sensibilidade humana para olhar por outro prisma, este trabalho usou justamente a abordagem de elaboração autoetnográfica como forma de suscitar esse valor que as letras frias decepam. Mas observadores externos podem sim, desempenhar este mesmo papel, como na matéria jornalística de Maria Martín, do jornal El País – Brasil. Em abril de 2017, Martin escreve, sob o título: “No Rio, a polícia que mais mata é também a que mais morre” (MARTÍN, 2017). A matéria é ilustrada por uma foto da Agência Globo, onde se vê um policial militar fardado do Rio de Janeiro, de joelhos, com um fuzil na bandoleira, cruzado, apoiado na perna elevada. O PM, com insígnia de soldado, chora a morte do colega, em sepultamento no gramado do cemitério Jardim da Saudade, na zona Oeste do Rio (MARTÍN, 2017). Juntamente com ele, há “duas fileiras de policiais militares [que] prestavam continência, com os olhos chorosos, diante de mais um caixão” (MARTÍN, 2017), o caixão do policial militar Fernando Santos, de 25 anos. A reportagem de Maria Martín (2017) começa com a uma narrativa impressionante do episódio da morte de outro policial militar carioca, o cabo Pedro Araújo, que, portanto, me cabe reproduzir na íntegra: 71 Usa-se da linguagem ilustrativa de um diálogo informal, como recurso didático, as expressões do conteúdo utilizadas tem por base a experiência nativa do proponente desta pesquisa. Página | 87 Chovia no Rio e Pedro Araújo acabava de ser abatido com um disparo na cabeça. Havia atendido um caso de violência doméstica e ia registrar a ocorrência quando cruzou com um bonde de criminosos armados numa região supostamente pacificada. Iniciou-se um tiroteio e Pedro, de 39 anos, foi atingido. Fardado e ainda agarrado ao seu fuzil dava para ver o cabo respirar agonizante. Estava sozinho, deitado de barriga para cima, num chão molhado e sujo. Ninguém o socorria. Pelo contrário. Um vídeo de quase dois minutos72 mostra como um grupo de moradores, assim como uma dezena de motoristas que passa pelo local, olham com indiferença seu corpo. Ele não parece ser alguém resgatável, mas sim um “cana fudidão” com “o maior buracão” na testa, como dizem durante a gravação. A única pessoa que se aproxima de Pedro é um rapaz de blusa listrada para roubar sua arma. “Agarra o meiota!”, grita a turma se referindo ao fuzil automático leve 7.62 mm usado pelo PM. “São 20.000 [reais]!” (MARTÍN, 2017). A morte de Pedro ocorreu em 28 mar. 2017, na Avenida dos Democráticos, no bairro de Irajá. Maria Martín (2017) expõe um justificante para a indiferença da população, quanto à morte de policiais militares no Rio: “[...] ele foi visto por esses moradores como mais um membro da polícia que mais mata no Brasil”. Realmente, no mesmo dia do sepultamento do outro policial, Fernando Santos, foi divulgado “que dois PMs foram flagrados executando dois bandidos rendidos no chão, após um confronto que também acabou com a vida de uma menina de 13 anos numa escola” (MARTÍN, 2017). Na descrição da foto da matéria de Maria Martín (2017), quem também chora a morte do policial Fernando Santos, é o policial Jefferson Cruz que também era seu amigo de infância, entre gritos de desespero dos familiares, ele denuncia: Foi um ato heroico, mas eu perdi um irmão por uma profissão ingrata, que não dá condições aos policiais. Não tem armamento, não tem colete, não tem assistência social para a família. Ficamos a mercê da marginalidade, melhor armada que nossos policiais (Fala do policial Jefferson Cruz, da PMERJ apud MARTÍN, 2017). “Fernando foi morto um dia antes ao tentar impedir um assalto, no bairro do Recreio. Levou um tiro no peito” e morreu (MARTÍN, 2017). Enquanto eu escrevia essa dissertação, dois amigos e outros três colegas de trabalho meu perderam a vida, em serviço pela Polícia Militar de Alagoas ou em decorrência dos anos de trabalho e estilo de vida. Um deles, valente combatente do “raio”, como chamam o Batalhão de Radiopatrulha (BPRp) da capital alagoana, o então capitão (major post mortem73) Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=RqZn7h8biyQ>. Vídeo no Site Youtube, com 1’44’’ de duração, sob o título “POLICIAL MORTO: Jovem marginal rouba fuzil de PM baleado no Rio de Janeiro”, com a descrição “Publicado em 31 de mar de 2017. PM morto com fuzil roubado: Vídeo mostra garoto roubando arma fuzil 762 de policial baleado no chão. Policial foi morto com tiro na cabeça nesta terça-feira (28) na Avenida dos Democráticos, Irajá.” 73 Na maioria dos estatutos da classe policial militar, a morte em serviço resulta em promoção póstuma, para fins de percepção de pensão à família do “morto em combate”. 72 Página | 88 Rodrigo Rodrigues, meu ex-cunhado, morto em serviço74, a quem devo o fato de ter me reaproximado das orientações de mestre Ieshua. Eu pude ver em redes sociais as falas de sua viúva, com um filho recém-nascido do casal, a fala dela não se difere em nada daquela que Maria Martín (2017) registra de Fabiana da Cunha, 44 anos, viúva do policial militar da PMERJ, Thiago Machado Costa, de 31 anos: Eu não tenho mais chão, nosso casamento era um conto de fadas. Ele era importante para as pessoas que o conheciam, era um bom policial, um homem honesto, mas hoje não é mais que um número. E isso para quê?, questiona a viúva (Fala de Fabiana da Cunha viúva do PM Thiago Costa, do Rio apud MARTÍN, 2017). Thiago Costa, segundo apurou Martín (2017), “era campeão de kickboxing e liderava um projeto social para crianças, foi um dos 121 policiais militares na ativa assassinados em 2016 [no Rio], segundo números do Instituto de Segurança Pública”. Conforme sua esposa explica, Thiago havia presenciado a morte de um amigo em serviço, ele “ajudou a socorrer um amigo baleado, um ano antes de morrer”. Martín (2017) registra que Fabiana relata tudo isso em prantos e não posso negar, eu li e transcrevo isso chorando quase compulsivamente: [Thiago um ano antes de morrer] Ele arrastou e conseguiu tirar o amigo do alto do morro e levá-lo para o hospital, mas não resistiu. Thiago tinha a farda cheia de sangue, chorava igual criança e foi obrigado, mesmo assim, a cumprir seu horário até o final [grifo nosso] (MARTÍN, 2017). Ser obrigado a continuar o plantão, mesmo depois da perda de um amigo, essa é uma característica tipicamente da cultura institucional da Polícia Militar. Nesses momentos, todos que são guerreiros fardados dessa luta urbana, pensamos o que estamos fazendo ali e em prol do que ou de quem lutamos que possa valer a pena morrer e ser tratado com tanta indiferença. Mas posso atestar, que apesar do posicionamento seco das esferas institucionais, existem muita solidariedade e companheirismo nas redes de relações informais entre os policiais militares brasileiros. Nem todos os contextos geográficos do país são como o Rio de Janeiro, há cenários menos acirrados, nem todos os policiais reagem da mesma forma, mas todos mais cedo ou mais tarde, aprendem que precisam se distanciar, no mínimo, psicologicamente desse mundo frio e obscuro, para poder ter uma vida familiar ou uma dinâmica social externa. Mas é quase impossível para os policiais militares falar de outra coisa que não seja a coletânea de disposições da convivência em caserna quando mesmo em folga, estão em momentos de entretenimento. Thiago Costa, como eu, pensou além desse distanciamento superficial, ele planejava o afastamento orgânico: “[...] lamenta [a viúva] todos os dias que a decisão do marido de mudar de profissão chegasse tarde demais. ‘Ele começou a dizer que queria sair da PM no dia em que ajudou a socorrer um amigo baleado, um ano antes de morrer. Dizia que estava com medo de acontecer a mesma coisa com ele. GOMES, Thiago. “Capitão da Polícia Militar é assassinado com tiro em ocorrência no Santa Amélia”. Jornal Gazeta de Alagoas, seção Polícia, em 09 abr. 2016. Disponível em <http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia.php?c=7580>. 74 Página | 89 Começou a estudar para outros concursos, queria ser bombeiro” (MARTÍN, 2017). Infelizmente o medo dele se tornou realidade em abril de 2016, no mesmo bairro do Fonseca, na cidade de Niterói, onde eu fui criado na primeira infância 75. Fabiana da Cunha, espera até hoje a resposta de Thiago Costa, no aplicativo de mensagem instantânea “Whatsapp”, pelo qual conversavam, antes da chamada no rádio da viatura sobre um roubo de veículo. Uma nota relevante desse intento de afastamento orgânico é que uma viúva com certeza teria dito ao marido, se soubesse que ele ia morrer, que deixasse a profissão de qualquer jeito. Mas antes de saber disso, os próprios familiares e amigos mais próximos, são os primeiros a desincentivar a saída, a perda da segurança do cargo público conquistado pelo concurso é algo impensável ainda hoje para as classes médias do tradicional pensamento brasileiro. Eu vivenciei isso e sei muito bem como o policial é visto como um desertor renegado, por escolher uma melhor qualidade de vida longe das trincheiras dessa guerra urbana. Mas assim como Fabiana não receberá mais aquela mensagem, assim também Klarita Omena não receberá as mensagens de Rodrigo Rodrigues, que segundo um companheiro de farda, era “de boa índole, casado e deixa um filho de oito meses” (GOMES, 2016). Segundo o jornalista Thiago Gomes (2016), do jornal Gazeta de Alagoas, “O capitão Rodrigo Moreira Rodrigues, de 32 anos, que estava na supervisão do dia do BPRp [...] foi morto a tiros, no fim da noite desse sábado (09) [abr. 2016]”. O fato teria ocorrido, “durante uma ocorrência no bairro de Santa Amélia, na parte alta de Maceió”. [...] A viatura comandada pelo oficial foi recebida à bala por um homem que estava dentro de uma residência. Um dos tiros acertou o militar na região do pescoço [...] a guarnição tentava localizar suspeitos de ter roubado um aparelho celular. O equipamento possui rastreador e os policiais conseguiram achar o imóvel pelo monitoramento. Na casa, o capitão Rodrigues chamou o dono pelo muro e, quando foi recebido, levou o tiro (GOMES, 2016). É impossível ficar de pé, sem se abalar ao som do toque fúnebre da corneta, em funerais com honras militares, sendo você um policial, em um funeral de um amigo ou colega de farda. Homens perfilados, fardados, com toda a simbologia da força, neles revestida, pelas insígnias, emblemas e armas, segurando o choro, que não se controla e irrompe em lágrimas, até que um deles desaba e grita. Essa cena típica que marca o clima emocional desse tipo de evento, não foi diferente na tarde do domingo, dia 10 abr. 2016, no cemitério Parque das Flores, em Maceió, no funeral do capitão da PM Rodrigo Rodrigues, bem como, em seu velório no Palácio dos Martírios, antiga sede histórica do governo de Alagoas. Na ocasião, algumas autoridades se manifestaram publicamente. O tenente-coronel Jairison Correia de Melo, comandante imediato do capitão falecido, afirmou que Rodrigues era “um orgulho, exemplo para os companheiros de farda. Ele era um homem valente, corajoso. Que Deus receba esse guerreiro no céu” e adiantou 75 ALMEIDA, Marcelo. Policial campeão leva tiro na cabeça. Jornal O Fluminense, seção Cidades, 06 abr. 2016. Disponível em <http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/pm-%C3%A9-baleado-na-cabe%C3%A7a-durantepersegui%C3%A7%C3%A3o-no-fonseca>. Página | 90 a informação de que Batalhão da Radiopatrulha iria receber o nome do oficial morto, em forma de homenagem. O então comandante-geral da Polícia Militar de Alagoas, coronel Marcos Sampaio, declarou: “capitão Rodrigues nos deixa como herói. Ele foi um herói da Polícia Militar porque sempre cumpriu seu papel com excelência”. O então O secretário de Segurança Pública de Alagoas, coronel Lima Júnior, que pode ser visto ao lado do caixão na foto do enterro, “também esteve presente e ressaltou o tamanho da perda, para a família e para a corporação” (G1-AL, 2016). O fato sensibilizou inclusive, o governador do Estado, Renan Filho, que declarou luto oficial de três dias, sua assessoria divulgou nota com seguinte teor: “Rodrigo era um policial exemplar, dedicado em sua função, estava servindo na Radiopatrulha [...] Em nome do povo alagoano, agradeço a ele pela contribuição ao Estado e pelo grande desempenho em proteger e levar paz a sociedade” (G1-AL, 2016). Se estudantes de Ciências Sociais, por todo o país, como constatei in loco, no Rio, em Minas Gerais, em Alagoas e em Pernambuco conduzidos parcialmente inclusive por seus mestres docentes, sustentam discursos generalistas e invisibilizadores de pessoas, tais como: “A PM mata!”, “policiais são assassinos”. Se eles podem sustentar esse tipo discurso ao ponto de constituir um pressuposto cristalizado, é preciso argumentar, que esses mesmos policiais também morrem, se matam (pelo suicídio) e adoecem (cronicamente), levando consigo a estrutura de suas famílias. Polícia Militar como modelo mental-institucional hegemônico Os modelos mentais que regem o comportamento dos policiais militares como corporação estão diretamente ligados em como eles lidam com as relações diárias que mantém com o seio das comunidades por eles assistidas e inclusive com os demais profissionais das instituições do sistema político, justiça criminal e segurança pública. Modelos mentais-institucionais hegemônicos76, ou seja, entre tantos que podem servir para direcionar a ação de um determinado espectro da vida social, refere-se àqueles que são recursivamente selecionados como o modelo principal, o de maior sucesso no processo de reprodução cultural, esses tais influenciam o todo social, bem como os sistemas sociais específicos, determinando um conjunto padrão de práticas e estética. Sem dúvida, esse é o caso da Polícia Militar no Brasil, seus valores e práticas recorrentes direta ou indiretamente moldam a construção dos modelos institucionais das Guardas Municipais; dos grupos de elite das demais organizações policiais, mesmo as de caráter civil; dos agentes penitenciários e na formação e atuação da segurança privada no país. Está, portanto, falando de um nicho social que transcende as agências estaduais policiais militares. Pode-se chegar ao ponto de dizer, que um jovem brasileiro, sempre residente aqui, não conhece outra forma de ser aplicador da lei que não seja a forma policial militar ou de alguma derivação dela. 76 Refere-se de certa forma ao componente ideológico da superestrutura de Gramsci (1982; 2001). Página | 91 Para ilustrar esse potencial modelar, analisemos brevemente dois trabalhos etnográficos em comparação: um com guardas municipais da cidade de Porto Alegre e outro com policiais militares de uma unidade do Rio de Janeiro. Em 2007, um grupo de pesquisadores sob a coordenação de Tatiana Baierle e Álvaro Merlo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, adentraram no espaço institucional da Guarda Municipal de Porto Alegre para estudar as relações entre saúde mental e trabalho, sob o prisma da Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours (apud BAIERLE e MERLO, 2008). Entre, tantos elementos suscitados, destacam-se aqui aqueles que de certa forma podem apontar para a adoção pela Guarda Municipal de modelos mentais-institucionais das polícias, sobretudo, da PM. Perguntado a um guarda o que ele gostava no seu trabalho, ele respondeu: A adrenalina! Adrenalina, a espera, nunca se sabe o que vai dar. A inconstância do dia, um dia nunca é igual ao outro (BAIERLE e MERLO, 2008). Verifique a similaridade da resposta dada por um soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, na pesquisa etnográfica de Jacqueline Muniz (1999): A grande coisa de trabalhar na rua é que você não precisa ir para a guerra ou para a selva para ter aventuras. Você tem muita adrenalina, muita excitação e ainda sai do trabalho e volta para a família (MUNIZ, 1999). Baierle e Merlo (2008) fazem nota sobre a sensação de risco, perigo que os guardas municipais sentem em atuação nas ruas da capital gaúcha: O risco existe e é real no cotidiano de trabalho. Por ser guarda municipal, isso não significa que enfrente situações mais fáceis ou menos perigosas do que a polícia. A morte em serviço é uma probabilidade (BAIERLE e MERLO, 2008). Tal nota guarda grande similaridade com o trecho da Canção do Policial Militar, prospectado por Muniz (1999) em sua pesquisa junto a PMERJ: Aqui nós todos aprendemos a viver demonstrando valor, pois o nosso ideal é algo que nem todos podem entender na luta contra o mal! Ser Policial é, sobretudo, uma razão de ser. É enfrentar a morte, mostrarse um forte no que acontecer (MUNIZ, 1999). Para a equipe de pesquisadores da UFRGS, um dos guardas municipais relatou: “Tem que ter um psicológico forte para aguentar. Nós estamos preparados para o quê? Para esta ação, sermos assaltados, de tentar evitar se der, mas somos a primeira barreira”. Baierle e Merlo (2008) apontam que padrões de comportamento típico dos policiais podem ser encontrados entre os guardas, um deles são inclusive as escolhas pelos mesmos processos de escape ao estresse: Os maiores problemas de saúde são o alcoolismo e a drogadição. É um sintoma que se reproduz a partir do modelo das polícias. [...] a reflexão do papel da guarda municipal hoje na sociedade e pensar um caminho que pudesse levar à construção de uma guarda cidadã, Página | 92 que se diferencie das polícias por ter identidade própria. Identidade que ainda está por ser construída [grifo nosso] (BAIERLE E MERLO, 2008). Portanto, tendo em vista esse caráter de modelo hegemônico do ethos da Polícia Militar, para toda a área de segurança no Brasil, sustento que no caso do guarda municipal, do vigilante da segurança privada, bem como para o recém-ingresso nas fileiras da própria milícia estadual, lhes é praticamente impossível não ceder à potência de atração dos elementos inconscientes de guerra, caça, adrenalina do modelo institucional da PM. E que a via de mudança institucional, como ação estratégica reflexiva, nos termos de Giddens (2003) só é possível na proposta de Jung (2000) em trazer à luz da consciência cada vez mais, parcelas do conteúdo sombrio e oculto, para que sabedor aí sim das linhas de controle do teatro de marionetes (RIBEIRO, 2017), os membros internos ou os interventores externos possam se dar conta sobre a capacidade sedutora-controladora desses aspectos, anteriormente desconhecidos, mas nem por isso, não ativos. Contribuição Científica Ao delinear uma pesquisa com as características que ora se podem observar, há uma humilde intenção de contribuir para a melhor definição do campo das Ciências Policiais e do tema transversal da Segurança Pública, que tendo em vista a gama de material produzido, vai se constituindo paulatinamente em um campo autônomo do saber. Espera-se que alguns resultados possam ser de grande valia na formação dos profissionais e no debate acadêmico dessa área, que não é insipiente, ao contrário é prolífica, apenas não tem as convencionais delimitações de campo científico, bem como lhe faltam visão integrada, pois se já nasce multidisciplinar, não pode alcançar respostas aos complexos fenômenos humanos sem que tenha um eixo articulador para lidar com tantas questões referentes a áreas fronteiriças do conhecimento científico. Nesse sentido, não uso da modéstia em dizer que almejo ter o presente trabalho, um dia, usado como referência nas Academias de Polícia Militar e nos cursos de Segurança Pública de Instituições de Ensino Superior civis. Se essa é a intenção em relação às Ciências Policiais, não muito diferente é em relação à Ecologia Humana. Pretende-se criar um marco simplório do uso da projeção nas relações profundas como condutor os estudos interdisciplinares da relação homem – ambiente total. A espécie observada neste estudo é em primeira via o homo sapiens; mas com o devido aporte teórico de suporte, pretende-se estabelecer outras duas categorias de análise das interações ecológicas: (1) a primeira, é para o intercâmbio Ecologia e Teoria Organizacional, criando futuras possibilidades para análises institucionais e a categoria em si é a organização como um organismo e a instituição como um tronco filogenético. (2) A segunda categoria são os espíritos, os seres viventes da noosfera, a tentativa de sua apreensão marca um entrecruzamento da “Ecologia Organizacional” do intercâmbio anterior com a Psicologia Analítica e metodologias de hermenêutica com abrangência transcientífica (de outras Página | 93 epistemologias: filosofia, teologia e cosmovisões peculiares de subgrupos sociais) para refletir as preocupações da Ecologia Profunda. Relevância ecológica da sondagem pelo espírito guerreiro E em um ecossistema que englobe sistemas humanos77, se as relações entre as parcelas populacionais (comunidades, estratos, classes ou sociedades) pretendem manter relações de cooperação, então os agentes ecológicos dos diversos segmentos precisam num processo dialógico conhecerem mais sobre as condições de interação dos partícipes. É muito preocupante que a ausência dessa fala de resposta dos integrantes das corporações policiais constitua-se numa lacuna, preenchida por humanistas que inadvertidamente desprezam a humanidade desses indivíduos aliciados pela estrutura sociopolítica e estabeleçam debates que englobem esses profissionais, tratados em alguns aspectos como cidadãos de segunda classe 78, dentro de um conjunto totalizante denominado Corporação. Sem um franco debate hoje, sobre essas interações no seio das sociedades pós-industriais, não se terá subsídios suficiente para compreender o nichofunção dos agentes, que no futuro, tratarão do comportamento desviante (os lapsos de violência, que certamente continuarão a ocorrer, mesmo que em menor frequência e amplitude) e que terão as condições predeterminantes para desempenharem papéis que exijam um desprendimento de suas pretensões individuais, um vigor corporalpsicológico para enfrentamentos ainda necessários. É essa gente que em u-topias possíveis, nos termos de Edgar Morin (2000), estarão encarregados de funções de integração e coesão social. Esse aspecto de pedagogo social desempenhado pelos aplicadores da lei, tão reiterado por Ricardo Balestreri (1998), já se pode ver em algumas sociedades de caráter mais coletivistas ou as que obtiveram maiores patamares de paz social. São esses profissionais que terão que conduzir por dentro da dinâmica de suas próprias instituições, o desaceleramento num declínio planejado, segundo Howard. T. ODUM e E. C. ODUM (2012), até a praticamente extinção das máquinas bélicas. 77 Neste término da era geológica Holoceno, conhecida como Antropoceno, os sistemas terrestres da biosfera não possuem mais parcelas livres da influência da espécie humana, o que nos asseguraria dizer que não existe mais natureza intocada e, portanto, todos os ecossistemas terrestres englobam em si sistemas humanos ou interações com os mesmos. 78 Militares estaduais tem na atual ordem jurídica, situação sui generis, para qual faço uso das palavras do então presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, Sérgio Antonio Berni de Brum, para explicar: “Há uma linha divisória entre os servidores civis e militares, ocorrida com o advento da nova ordem constitucional, consolidada no art. 42, que reservou capítulo separado aos militares, conferindo-lhes, em diversos tópicos, direitos e obrigações peculiares, em contraste com os funcionários civis. Como cidadãos, podem ser presos, sem ser em flagrante delito e por ordem escrita de autoridade judiciária competente (art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal), em atividade, não podem estar filiados a partidos políticos (artigos 42, § 3º, e 142, § 3º, inciso V, da Constituição Federal) e têm limitações para se candidatarem a cargos eletivos (artigos 14, § 8º, 42, § 3º, e 142, § 3º, inciso V, da Constituição Federal). Como trabalhadores e funcionários públicos, são-lhes proibidas a greve e a sindicalização (artigos 42, § 3º, e 142, § 3º, inciso IV, da Constituição Federal)”. Acrescentando que alguns direitos elencados no artigo 7º da Constituição, como universais a todos os trabalhadores brasileiros, são negados aos militares: adicional noturno, hora extra, indenizações, fundo de garantia, jornada de trabalho pré-estabelecida, folga semanal entre outros. Por questões de alocação de pessoal, é praticamente inviável que todos os policiais militares possam exercer seu direito ao voto, nas atuais condições vedadoras de voto em trânsito. Página | 94 Ou ainda, como diz Leonardo Boff, no “ecozóico” as relações se alteram, uma reintegração dos papéis humanos em suas próprias sociedades com a rede de interações ecológicas de Gaia, resultará em mudanças notáveis do formato desses papéis, novas formas de ser professor, novas formas de ser um empreendedor, novas formas de ser pai, de ser mãe, novas formas de ser um cuidador social, de ser um agente zelador pela paz social. Esses dois últimos papéis provavelmente se apliquem ao que hoje chamamos de polícia. Afinal, na era moderna “las policias de la ordem e del rey”, surgiram como agente civilizador, mas com viés de controlador higiênico. Estamos, de fato numa encruzilhada antropológica, nossas condições de desenvolvimento tecnológico, deixaram a civilização planetária na sempre iminência de autodestruição (CAPRA, 2005). Urge conhecer os aspectos do espírito dos guerreiros79 e compreender as relações ecológicas profundas dos mesmos, afinal mal interpretados e não conscientizados da marcha civilizacional em rumo, eles podem constituir-se em algozes e instrumento de enrijecimento do sistema de domínio. Essas organizações ainda preservam características de um desenho bélico 80. Algumas dessas características fundamentais que representam o âmago do caráter viril (caçador-guerreiro, lutador, agente de resistência), serão necessárias para a constituição de novas sociedades com ímpeto da autogestão. Mas a preponderância da lógica bélica, sobretudo, nas mãos do monopólio de uso do Estado, geram aberrações, tais como a manutenção de instrumentos ineficientes à custa de toda a sociedade. Se essa gente está hoje nessas organizações policiais, essa mesma gente tem em si aspectos relevantes para a construção do novo social do futuro81 (CAPRA, 2005), apesar de estarem, hoje, arregimentadas por estruturas que institucionalizadas, não permitem a renovação em tempo hábil dos modelos mentais, como também não permitem a livre expressão 79 Espírito guerreiro além dos exércitos: Uma confusão comumente disseminada entre os formadores de opinião, a elite intelectual, é que o órgão público, agência estatal estruturado por um desenho do direito administrativo possa ser confundido com a casta guerreira por si só. Esses órgãos constituem-se em um espaço para a expressão de determinadas competências humanas (habilidades e atitudes) que não seriam possíveis de serem praticadas com o mesmo status social, recompensa financeira e prerrogativas legais em comparação a outros espaços sociais. Sendo, portanto, os exércitos e as polícias um espaço comum e preferencial, mas não único, entre esses homens e mulheres. Essa casta e seus participantes por afinidade temática (levando em consideração o vínculo de janela nãolocal, de sincronicidade, segundo Jung) não estão reclusos apenas nessas agências estatais, inspiram-se nos modelos institucionais delas para desempenhar seus papéis nos mais variados segmentos de atuação, tais como a caça; o esporte; a exploração científica de campo: em selvas, pólos antárticos e árticos, no fundo dos mares, no espaço sideral; militância por causas ambientais e sociais; a militância política e o engajamento mais acirrado em partidos políticos; os grupos armados de resistência política; os grupos fundamentalistas de guerra santa etc. Por vezes essa casta ascende ao poder central, impondo hegemonia dos seus modelos mentais, através das instituições que lhes favorecem por afinidade simbólica; quando não estão submetidos a uma lógica de domínio, poucas vezes em parcimônia com as outras castas dirigentes: a de sábios e de comerciantes. Essa forma de interpretar a “luta de classes” por uma visão de origem védica-indiana pode ser compreendida pela obra do professor David Priestland, em “Uma nova história do poder: Comerciante, guerreiro, sábio”, versão brasileira do ano de 2014. 80 Movimentos ecológicos mundo a fora usam a seguinte assertiva: “It’s a planet, not an empire! (Isso é um planeta, não um império!). 81 Essa citação de Fritjof Capra (2005) deve esclarecer esse ponto de vista que aglutina em um mesmo pensar: sociedades do futuro, suas instituições e integração com os sistemas ecológicos da Terra: “Os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições sociais terão de ser coerentes com os princípios de organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida. Para tanto, é essencial que se desenvolva uma estrutura conceitual-unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais”. Página | 95 deles como cidadãos plenos82. Ou seja, há entre eles um conjunto de sujeitos aptos e prontos para uma renovação substancial. Quando falo do espírito guerreiro, ou seja, a auto afirmação extrovertida como um elemento necessário para o desenvolvimento humano, estou me referindo ao quanto nos identificamos com a luta indígena contra a dominação estrangeira. Por exemplo, posso dizer que frente a um projeto de nação imperialista como a dos incas ou a dos espanhóis83, era legítimo que os povos indígenas se sublevassem e isso só é possível pelo espírito guerreiro. A relevância de compreender os entremeios da relação que se mantém com essas forças elementares, se dá porque elas são cruciais na sobrevivência legítima, como igualmente é fonte da energia expansionista dos impérios. Uma mãe para defender seus filhos, se inspira nesses arquétipos que evocam força, resistência e senso de defesa e proteção. Esses mesmos elementos foram cruciais para construir o conceito do tipo Mãe Guerreira. Assim como uma pessoa acometida de uma doença grave ou uma incapacidade permanente na locomoção ou nos sentidos, não tem outro caminho para se reerguer se não tiver força e determinação. Mesmo um artista fotográfico, um cientista, ou um alpinista para enfrentar perigos como desbravadores, seja no Himalaia 84, no Saara ou na Antártida 85, Situação ilustrativa em uma pesquisa feita entre policiais militares: “Por exemplo, no caso dos grupos focais de soldados e cabos, muitos demonstravam medo de dizer o que pensavam sobre os temas sugeridos, o que nos sugere fechamento e censura interna na instituição” (MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008). 83 Espírito de dominação: “A justificação lógica de tamanha expansão dos Incas era semelhante à dos espanhóis: através da dominação fortalecer e enriquecer o Império e, se possível, levar a civilização aos povos que viviam na barbárie. A conquista espanhola nos Andes Centrais, foi beneficiada pela estrutura civilizatória existente, comportamento bélico quase nulo dos nativos e confrontamento de visões do cosmos distintos. A julgar pelo modo como os Incas incorporaram uma extensão tão vasta de território, estão muito próximos das estratégias utilizadas pelos conquistadores espanhóis. Os Incas utilizaram as estruturas existentes para dominar as diversas tribos locais, pois quando chegaram aos Andes, a estrutura base de convivência recíproca, o Ayllu, já era uma realidade. Esta foi utilizada e adaptada para amalgamar o que se tornaria um Império, através do sistema redistributivo. Da mesma forma os espanhóis usuram a estrutura social e infra-estrutura existente para sedimentar as bases do que viria ser a colônia, através da Mita, igualmente utilizada e adaptada pra transformar-se em Encomienda. A civilização Inca não foi uma teocracia do regadio, antes uma sociedade com intrincada rede de valores e prioridades e, assim como a Espanha, o Império Inca estava estruturado por domínios regionais que respondiam a um soberano” trecho das conclusões de ROBERTO, Limia Fernandes, “O Império Inca e a economia da América Pré-Colombiana”, 2010. 84 Senso de sobrevivência no alpinismo: Trecho do artigo de crítica cinematográfica de Luís Francisco, site Publico.pt, intitulado “Situações-limite A única regra é sobreviver”, de 27 fev. 2011: “Em situações-limite, de risco de vida imediato, as pessoas transformam-se e fazem coisas que não julgaríamos possíveis. À boleia do filme 127 Horas, sobre o alpinista que amputou o próprio braço para se salvar, eis uma viagem pelos mecanismos da mente que nos permitem sobreviver. E exemplos dramáticos dessa pulsão instintiva, com as montanhas por cenário. Como é que alguém, cons-cientemente, amputa o seu próprio braço? Que estranhos mecanismos mentais e fisiológicos nos transformam, perante situações-limite, em máquinas de sobreviver? A questão, desconfortável mas fascinante, é novamente posta em cima da mesa pela história do alpinista norte-americano Aron Ralston, o homem que, em 2003, se viu perante uma escolha impossível: preso por uma pedra durante uma descida em rappel, ou cortava o seu próprio braço ou morria à sede”. Disponível em < https://www.publico.pt/sup-publica/jornal/situacoeslimite-aunica-regra-e-sobreviver-21350825>. 85 Jornalista, fotógrafo e cientistas na Antártida - Trecho do editorial da Folha de São Paulo, de 22 mar. 2009, intitulado “No coração da Antártida: nes plus ultra!”: “Os desbravadores da Antártida usavam essa frase ("não mais além", em latim) sempre que avançavam o máximo, aonde ninguém havia estado antes. O colunista da Folha Marcelo Leite e o repórter fotográfico Toni Pires, podem repeti-la com orgulho: em dezembro último, tornaram-se os primeiros jornalistas brasileiros a pisar o interior do continente gelado[...] a dupla passou 14 dias nos montes Patriot, sem banho, dormindo em barracas, para acompanhar com exclusividade o trabalho dos pesquisadores da Expedição Deserto de Cristal - a primeira missão científica brasileira no interior da Antártida [...] a expedição é um dos pontos altos da participação brasileira no Quarto Ano Polar Internacional, um esforço de pesquisas que se encerra neste mês e envolveu cerca de 5.000 cientistas de 60 países, destinado a entender as relações das regiões polares com o clima”. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/antartida/inde22032009.htm>. 82 Página | 96 precisam de uma boa dose de espírito guerreiro para desenvolver suas atividades que não são diretamente vinculadas à guerra. Página | 97 PARTE II EXPLORAÇÃO BÁSICA: ECOLOGIA HUMANA INTEGRAL E ORGANIZAÇÕES Página | 98 Página | 99 Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente Jiddu Krishnamurti CAPÍTULO 3 | ECOSOFIA: SABEDORIA ECOLÓGICA As três realidades de mundo Usando a visão sobre as três realidades de mundo de Milton Santos (2001), pretendo neste tópico introdutório do capítulo apresentar qual é a composição do aporte teórico selecionado para esta pesquisa. Segundo Milton Santos (2001) estarmos aprisionados em apenas dois dos três mundos da realidade social humana. No livro “Por outra globalização”, Milton Santos (2001) descreve e explana sobre três realidades para a sociedade humana: (1) o mundo como nos dizem que é, (2) o mundo como ele realmente é e (3) o mundo alternativo como ele pode vir a ser. E seria, portanto, por este aprisionamento (aos dois primeiros), que certas questões tragam estranheza ou incapacidade para fazer uso da imaginação e compor mentalmente um quadro de outras possibilidades. Para superar essa estranheza, e desvelar véus que escondem fatos sobre a realidade social e organizacional que precisamos antes de mais nada, nos apropriar de um farto aporte teórico para começarmos a esmiuçar as relações profundas da instituição em estudo. Esse farto aporte começa por uma tal “sabedoria ecológica” que liga os pontos, que visualiza as conexões ocultas, o que gera a necessidade de fazer este trabalho sediado na forma de estudos interdisciplinares inspirados pela Ecologia Humana pós-moderna. É do incômodo causado pela inadequação entre “o mundo como nos dizem que é” e as práticas de arbitrariedade violenta da Polícia Militar que lançam as bases da problemática que instiga a pesquisa e nisso temos suporte disciplinar na Ciência Política e no Direito. Está sob o auspício da Ecologia Humana, pelo menos pelo corpo de produção literário majoritário, submete o intento à abordagem sistêmica. Dentro das inúmeras versões dessa abordagem, aquela que melhor embasa o principal insight vinculado à aposta intelectual deste trabalho, ou seja, de que organizações são seres vivos e podem ser vistos como pessoas portadoras de identidade, – aquela que melhor embasa – é a perspectiva unificada dos campos de domínio humano de Fritjof Capra, o que fez seu conjunto de estudos ser selecionado como articulador interdisciplinar científicas. Sendo, portanto, uma versão da abordagem sistêmica, Capra procura explanar sobre os domínios do saber humano, fora do seu campo específico, a Física, através de autores ou escolas de pensamento que se propuseram a serem influenciadas pela Teoria Geral de Sistemas, pela Cibernética e pela Física Quântica. Em suma, Capra aponta para a Escola de Santiago, com Maturana e Varela para o domínio Biológico. Para Giddens e Habermas em relação ao domínio Social, dos quais selecionamos a Teoria da Estruturação de Giddens, como o aporte principal para o domínio do socius. Capra aponta para Jung, Wilber entre outros para o Página | 100 domínio psicológico, nossa escolha recaí majoritariamente sobre a Psicologia Analítica junguiana, pois em seu corpo há possibilidades de tratar de temas com os princípios quânticos e do substrato coletivo sutil não consciente. Capra alude a Gareth Morgan e a Peter Senge nos estudos organizacionais, do domínio social aplicado, dos quais nos nutrimos com as “imagens das organizações” e a “aprendizagem organizacional”, sendo que este último tópico, damos destaque a abordagem de Chris Argyris em sua Teoria da Ação. Capra classifica Marx, Freud e Darwin como proposições híbridas que foram capturadas pelo Pensamento Cartesiano, mas que contém algumas indicações para dinâmicas sistêmicas. Em termos disciplinares essa abordagem múltipla, ou unificada como quer chamar Fritjof Capra, recorre a diversos campos científicos, a saber, Biologia (Ecologia, Biologia Evolutiva, Biologia Cognitiva, Biologia Cultural), Sociologia, Psicologia (Psicanálise, Psicologia Analítica, Psicologia Transpessoal e Psicologia Integral), Teoria Organizacional (Comportamento Organizacional) e Antropologia. Depois dos estudos feitos para compor este trabalho, reconheço diferentemente de Capra, o caráter integral das obras de Marx, Freud e Darwin, contudo, a interpretação posterior dada à obra desses autores ficou restrita aos parâmetros legitimadores da ciência convencional. Incluo nesse mesmo caso, Max Weber, a quem pude observar como um árduo crítico à burocracia, apesar dele tentar desenhar uma versão ideal a qual em sua visão trazia menos riscos ao processo de esvaziamento do espírito humano. Sobre Freud e Marx, devo dizer que são ocasionalmente abordados de forma direta e que nosso diálogo é incipiente com o conjunto de suas obras, creio que futuramente, para que nossas propostas possam ser adequadamente compreendidas será preciso que este trabalho seja revisitado por pessoas que dominem a interpretação das abordagens freudiana e marxiana. Mas a influência desses dois mestres podem ser observadas; no caso de Freud, pelas colocações de Will Goya, Juracy Marques, Túlio Vianna e Ruth Vasconcelos. Também preciso admitir que a carência de usar sabiamente os conceitos de outros três autores, pode infligir este trabalho de certa lacuna, a saber, Habermas e Darwin, bem como, os acadêmicos brasileiros podem sentir falta de um maior diálogo com Bourdieu86. Tanto Guattari, Boff como Capra, atentam para que é preciso um aporte mais sólido, com características de ousadia frente ao atual status quo e justamente para desvelar como “o mundo como ele realmente é” que aludimos (não tão aprofundado como deveríamos) à Teoria Crítica ou autores por ela fortemente impactados: Mészáros, Althusser, Gramsci, Bourdieu e Foucault. Sustentado por essas inserções, incluído nesse rol o próprio Guattari, Boff e Milton Santos, que sabemos que a Marx se faz presente, mesmo que indiretamente. 86 Neste sentido, faço alusão a uma outra possibilidade teórico-metodológica, que não fica muito distante da presente proposta, trata-se da Hermeneutica de Profundidade de John Thompson, baseada em Habermas e Bourdieu. Fruto de uma pesquisa sobre o desarmamento VERONESE, Marília V. e GUARESCHI, Pedrinho A. apresentam uma discussão sobre o trabalho de Thompson, em “Hermenêutica de Profundidade na pesquisa social”, Ciências Sociais Unisinos, num. 42, vol. 2, pp. 85-93, maio/ago de 2006. Página | 101 Para desvendar um possível fator disfuncional mais antigo que as bases modernas e medievais, fizemos uso da teoria da violência mimética Rene Girard, que é um entrecruzamento entre Antropologia e Psicanálise. Para esboçar um desenho institucional possível da polícia do futuro num “mundo alternativo como ele pode vir a ser”, precisei de visões prospectivas aguçadas dos processos complexos de transformação da Terra e da rede de consciência humana que circunda o planeta. Ecologia Humana: visão integrada, atitude integradora Pessoas “biológicas” não possuem capacidade reflexiva até que possam produzir discursos, baseado num sistema simbólico, denominado linguagem. Assim equipadas podem pensar de forma ordenada (significado/significante) e expressar a ideia (significado) por um elemento que ao ser repetidamente utilizado possa se referir àquela mesma ideia por pessoas diferentes (significante). Numa reação em cadeia, a pessoa que era vista apenas como um animal, agora é um animal pensante (JABLONKA e LAMB, 2010; VIANNA, 2006). Os pensamentos ordenados pelos discursos construídos por sobre a linguagem qualificam esse animal em algo mais que ele não era antes, ou seja, ele passa a ser um animal-discursivo. Ele em si é formado agora pelo componente biológico e o ideológico. O que vamos examinar nesta pesquisa é a área de fronteira dessas duas naturezas. Por exemplo, o comportamento social é um atributo também de outras espécies animais como as baleias, as abelhas e os chimpanzés. Deve existir ainda em nós, humanosprimatas “inteligentes” (Homo sapiens), parte desse comportamento induzido pelos fatores biológicos (WRANGHAM E PETERSON, 1998; NEVES e RAPCHAN, 2017). E como eles se compatibilizam ou são neutralizados pelo componente ideológico é a nossa indagação. Propomo-nos a entender um pouco de quanto de nossas instituições sociais refletem nossa herança primata (FREUD, 1996) e quais são nossas reais possibilidades de nos distanciarmos dela (JUNG, 1959, WILBER, 1983). Em meio aos estudos que conectam essas dimensões: biológico e ideológico (psicológico e cultural) além do quanto podemos deixar de ser presos aos instintos, também precisamos saber o quanto podemos mudar a configuração inicial da ordenação primitiva do pensamento. Essa configuração inicial nos ajudou a sair do estado pré-consciente, mas ameaça retardar muito nossa evolução. Para uma gama de temas sondados em seus pormenores por disciplinas científicas tão distintas o quadro de referência precisaria ser multidisciplinar e permitir a aplicação de temas transversais: a evolução-reprodução de instituições humanas e a problemática dos esforços estatais pela segurança pública, em um contexto idiossincrático como o brasileiro. De acordo com o tamanho do desafio e as características peculiares desses entrecruzamentos múltiplos exigidos, restou “sediar” o empreendimento nas bases da Ecologia Humana. Mas em qual delas? Porque com esse mesmo intuito de compreender o homem natural e o sociocultural vários campos do saber desenvolveram-se como subespecialidades, a saber, alguns, Antropologia Ecológica, Sociobiologia (BEGOSSI, 1993), Saúde Coletiva (ÁVILA-PIRES, 2010), Ecologia Urbana, Geografia Humana (LAWRENCE, 2014), Psicanálise (MARQUES, 2017) etc. Página | 102 Desenvolvimento da Ecologia Humana como campo de estudos científicos Durante o processo evolutivo, as espécies sofreram graduais adaptações em seu próprio corpo. Porém a espécie humana desenvolveu soluções culturais para aperfeiçoar esta adaptação ao meio circundante. Estudar essas relações homemambiente foi o objeto adstrito deste campo científico multidisciplinar que se formou concorrentemente, em várias linhas de frente, e veio a se convencionar denominar de Ecologia Humana. As discussões da Ecologia Humana já se situaram, sobretudo, entre as ciências sociais e as naturais: em uma intersecção, mais enfática, da Antropologia e da Biologia, bem como em outros campos, escolas e teorias que rumaram focando na relação “homem” x “natureza”. Hoje, as pesquisas desenvolvidas por ecólogos humanos tem se envolvido com diversos campos dos saberes humanos, inclusive em saberes geralmente não contemplados pela ciência, denominada de “convencional”. A esse movimento fragmentado, que ocorreu concorrentemente em ritmos diferentes, nas diversas disciplinas científicas, Dieter Steiner e Markus Nauser (1993) chamam de a parte tradicional da Ecologia Humana; já a “este novo tipo de Ecologia Humana [que] se empenha por uma integração na forma de vínculos interdisciplinares e conexões trans-científicas”, Steiner e Nauser (1993) dizem ser “resposta à crise ecológica planetária”. Os diversos autores da área têm elencado as diversas origens disciplinares dessas contribuições, no entanto, alguns objetos e campos de Ciências fazem com maior propriedade o ponto de contato multidisciplinar com a Ecologia Humana (BEGOSSI, 1993; LAWRENCE, 1993; 2014; MILLER et al., 2003; PIRES e CRAVEIRO, 2014). Alpina Begossi (1993) elenca Ecologia de Sistemas, Ecologia Evolutiva, Ecologia Cultural (Antropologia Ecológica), Etnobiologia, Modelos de Subsistência, Sociobiologia, Modelos de Transmissão Cultural, Ecologia Aplicada, Ecologia Social, Psicologia Ambiental, Bioecologia. Julia Miller entre outros como Richard Lerner (2003), citam a raiz da ecologia humana norte-americana “comunitária”: a Economia Doméstica; enquanto, Iva Pires e João Craveiro (2014), bem como Roderick Lawrence (2014) e Juracy Marques (2014) apontam a origem norte-americana do tema, na esfera estritamente acadêmica, na Ecologia aplica à Sociologia, sobretudo, urbana da Escola de Chicago. O mesmo ecólogo humano e psicanalista brasileiro Juracy Marques 87 (2017), professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) em um trabalho mais recente, aponta para uma possível abertura do campo da Ecologia Humana nos trabalhos pioneiros de Freud. Lawrence (2014) explana sobre as contribuições da História Natural, Economia e Economia Ecológica, Epidemiologia, Psicologia, Sociologia (Escola de Chicago), Antropologia Social e Cultural, Arquitetura e Urbanismo, além da Teoria de Sistemas, sobretudo como pilar de método de abordagem e interpretativo. 87 Ativista em prol dos direitos de comunidades tradicionais do Nordeste Brasileiro e da preservação de suas identidades culturais: pescadores, indígenas e afro-brasileiros. <http://juracymarques.com.br>. Presidente da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (SABEH) a época da elaboração desta pesquisa. <http://sabeh.org.br/>. Página | 103 Segundo Roderick J. Lawrence (2014), em uma revisão de seu artigo original, “What is human ecology?” de 2005, ele fala de um “dialogue between disciplines”, elencando em quais disciplinas científicas e profissões, podem-se observar os estudos sobre relações homem-ambiente e que formam a gama de origens possíveis de contribuições para Ecologia Humana: antropologia, arqueologia, arquitetura, biologia, demografia, epidemiologia, ecologia geral, geografia, direito, medicina, ciência política, psicologia, sociologia e teoria dos sistemas. Lawrence (2014), porém, argumenta que as interpretações feitas nos estudos oriundos de tais contribuições “rarely adopt a holistic framework that includes the contributions from both the social and natural sciences” [raramente adotam um quadro holístico que inclua as contribuições das ciências sociais e naturais] (LAWRENCE, 2014). O que revela, para este autor, uma demanda poucas vezes satisfeita de realizar uma real integração entre o que viria a ser “meio-ambiente total”, bem como, a dissolução do conflito entre homem versus natureza, fatores culturais versus biológicos. Vê-se nisso, dificuldade severa de romper com categorias estabelecidas de pensamento. Para Lawrence (2014) fazer interpretações parciais, que desprezem a totalidade das relações humanas e não consigam captar a influência mútua entre pessoas e ambiente, é consequência recursiva de uma tradição científica. […] essas interpretações parciais refletem e reforçam tradições de longa data nessas e outras disciplinas que separam as pessoas do seu ambiente imediato ou consideram o meio ambiente como se não fossem afetadas por atividades humanas (LAWRENCE, 2014)88. Formada a partir de um paradigma moderno (século XIX), a Ecologia Humana, teve alguns dos seus primeiros trabalhos voltados para as comunidades tradicionais em correlações com o comportamento social de outras espécies animais. Agora os atuais entrelaçamentos entre as complexas sociedades contemporâneas e as questões ambientais e seus efeitos no ser humano como indivíduo e como coletivo da espécie, que tem dirigido as pesquisas em um rompimento de paradigma levando a um circuito pós-moderno de debates, compreendendo o decisivo momento do desenvolvimento civilizacional (DIETER STEINER E MARKUS NAUSER, 1993; SOUSA SANTOS, 1998). A adaptação cultural para perpetuação da espécie humana sofreu de cristalização gerando práticas e simbolizações contraproducentes, que ao longo do tempo tornaram-se disfuncionais. Essas disfunções acarretam em pressões de toda espécie no meio biótico e abiótico e rompem estruturas simbólicas que alinhavam a experiência vivencial aos princípios do funcionamento adequado (BOFF, 2012). A emergência de tratar esses pontos se vincula a própria viabilidade da permanência da espécie no planeta (CAPRA, 2006a; MARGULIS e LOVELOCK, 2002). Os grandes temas de reflexão planetária invariavelmente envolvem a relação homem-ambiente: segurança alimentar, suprimento de água potável, geração Tradução livre de trecho original em língua inglesa: “[...] these partial interpretations reflect and reinforce longstanding traditions in these and other disciplines that either separate people from their immediate environment or consider the environment as if unaffected by human activities” (LAWRENCE, 2014). 88 Página | 104 de energia, ressignificação de conteúdo da educação para promoção de consciência crítica, afirmação positiva de minorias como preservação da diversidade humana, resgate e aprofundamento em saberes sobre a natureza aplicados à saúde humana, reformulação de modos de produção mais eficientes e menos danosos que sustentem a demanda populacional e viabilize a vivência das novas gerações, bem como, a reformulação da organização social, jurídica e política que integre a humanidade à rede de inter-relações gerais do sistema planetário terrestre (MILLER et al., 2003; CESARIO, 2004; ODUM, 1983). Para as organizações inseridas no seio social, qual o proveito de entender os fatores dessas complexas questões humanas? O conhecimento advindo dessa busca por compreender o modo de viver humano subsidia o suporte para que instituições, empresas e o Estado possam conduzir-se em meio as diversidades e adversidades do campo cultural, com as diversas nuances do comportamento humano, e do campo ambiental, onde tramitam as atuais discussões sobre natureza, conservação e sustentabilidade. O que se precisa saber para exercer essa responsabilidade para com as pessoas, do público interno e externo, e para com o meio ambiente, constitui a Gestão Socioambiental89, como competência empresarial ou subsídio teórico da formulação de políticas públicas. A formação do ecólogo humano Um ecólogo humano atual traz uma bagagem de sua formação original, que tão diversa pode ser, assim como diversas foram as ciências e disciplinas que desembocaram no trato das relações homem-ambiente. Munido desse cerne inicial de saber, enriquecido pela apropriação de conceitos mais peculiares da Ecologia, como desdobramento da Teoria Geral de Sistemas na Biologia e sua correlata aplicação ao próprio do espaço-relaciomento humano, esse estudioso, discorre dos problemas sociais atuais e dos efeitos antrópicos na natureza, por vezes já observados por outros campos do saber, mas que por sua vez, serão tratados em seu todo. O que diferencia, portanto, um biólogo, um pedagogo, um antropólogo, um sociólogo, um filósofo, um jurista, um engenheiro, um médico que seja também ecólogo humano de um que não seja, está muito mais relacionado com a linguagem e com a proposta de não apenas buscar a verdade, mas trazer respostas solucionadoras para reformar justamente componentes atitudinais ou axiológicos do composto de processos adaptativos humanos. Essa atitude manifestada na investigação científica levará o ecólogo humano a transpor os limites de sua formação especialista, em busca das respostas: Precisará [o ecólogo humano] ser um especialista bastante competente para descobrir que a sua especialidade não lhe fornece todas as respostas e para sentir a angustiante necessidade de outras respostas que só lhe poderão dar as disciplinas adjacentes. A insatisfação estimulante resultará de um conhecimento mínimo No tópico “Responsabilidade Social e Contrato psicológico”, do próximo capítulo (cap. 3) é possível ver um desdobramento do tema gestão socioambiental e responsabilidade social para como o público interno das organizações. 89 Página | 105 acerca das disciplinas vizinhas, e do maior numero possível de disciplinas (MACHADO, 1984 apud BOMFIM, 2016). Em resumo, traçar uma imagem holística do problema. Quando abordar um problema particular, deve iniciar sua análise do ponto de vista de seu conhecimento profissional de origem. Mas precisa ultrapassar as barreiras e limitações de seu campo de conhecimento original para chegar a um quadro da situação em toda sua complexidade. Para isso precisa aprender os métodos e paradigmas dos campos distintos do conhecimento. Não se espera que se torne um sociólogo, um economista, um biólogo e um matemático ao mesmo tempo, mas precisa aprender o essencial para ser capaz de avaliar as diferentes facetas e implicações do problema (ÁVILAPIRES, 2010). Portanto, é possível uma formação superior inicial em Ecologia Humana, seja com núcleo biológico ou das ciências sociais, contemplando interdisciplinarmente o outro bojo de saberes e tratando dos temas cruciais de forma transversal. Na verdade, tratar hoje de uma ecologia humana, necessariamente é suscitar um exercício, inclusive pedagógico, de forma transdisciplinar, ou seja, esforçando-se para romper com os espaços estanque das ciências excessivamente delimitadas (ÁVILAPIRES, 2010). Universidade Nova de Lisboa, Portugal No Guia do Curso (2017-2018) de Mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos da Universidade Nova de Lisboa 90, identificou-se uma competência esperada de ser desenvolvida no estudante do curso, pela cadeira de Ecologia Humana Aplicada, que para os propósitos firmados nesta pesquisa, chamou a atenção e bem define o nosso desafio: “autonomia e capacidade para investigar sobre determinado tema articulando a perspectiva ecológica com as outras ciências sociais”. Compreendendo as novas exigências do mundo actual e a necessidade de implementar um desenvolvimento sustentável, o curso fomenta o conhecimento numa área interdisciplinar que promove o diálogo entre várias formações disciplinares e percursos profissionais. Proporciona o aprofundar do conhecimento e compreensão dos conceitos, fontes e meios de recolha e estruturação de informação e ferramentas de análise transdisciplinar da Ecologia Humana, designadamente nas dimensões territorial, ambiental, socioeconómica e sociodemográfica. Esta formação científica permitirá a capacitação aos profissionais envolvidos em contextos de reflexão e de intervenção (nomeadamente no ensino, na saúde, no urbanismo, na acção social, entre outros) da escala local à nacional para um mais sustentado apoio a tomadas de decisão. Contribui igualmente para o desenvolvimento de uma nova consciência de cidadania, abrindo 90 Guia do Curso 2017/2018, curso ofertado no contexto do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL, que tem como coordenadora a professora Iva Pires. Disponível em < http://ecologiahumanafcsh.weebly.com/uploads/1/6/2/3/16236920/guiacursomeh-17-18.pdf > Página | 106 espaço para uma integração com vários ramos do saber científico e tecnológico necessários em sociedades em constante transformação sócio-ecológica (Departamento de Sociologia, Universidade Nova de Lisboa, 2017). Universidade de Alberta, Canadá No encarte do Relatório de Atividades 2015-201691, do Departamento de Ecologia Humana da Universidade de Alberta, no Canadá, há uma expressão que faz uso da polissemia do termo design na língua inglesa: “Human Ecologists: Generalists by Design. Experts in Connecting the Dots” [Ecólogos Humanos: generalistas por desenho, especialistas em conectar os pontos]. Ao dizer generalista por design, podese entender pelo contexto que segue no texto de apresentação, que se trata de generalistas por concepção, formados assim em uma multiplicidade de saberes como próprio fundamento do projeto do curso. Pelo desenho da proposta da área de Ecologia Humana, esse profissional é generalista, mas há uma coisa que ele sabe fazer muito bem: conectar os pontos, encontrar os padrões de interconexão, porque desenvolve em si uma sensibilidade para fluir mentalmente com a dança, aparentemente caótica dos problemas complexos. No mesmo encarte, da Universidade de Alberta, diz “os ecologistas discutiram os benefícios relativos da generalização versus a especialização de espécies de plantas por décadas [...] os generalistas são favorecidos em ambientes flutuantes”, usando tal analogia segue comparando com a formação de generalistas, ecólogos humanos, “certamente, parece que, com mudanças rápidas de tecnologia, globalização, conflitos globais emergentes e mudanças climáticas, é necessário navegar a incerteza”. Há uma referência sobre a importância de especialistas para profundidade de alguns temas peculiares, sobretudo, à medicina, à engenharia e ao direito, mas por outro lado o generalista tem suas vantagens: No entanto, ter uma visão ampla e uma capacidade de "conectar os pontos", e para poder sintetizar e integrar ideias, também são atributos extremamente valiosos. Os generalistas tendem a ser empáticos, pois podem imaginar o mundo sob diferentes perspectivas. Esta habilidade pode ser útil para destruir a natureza dos problemas complexos. Além disso, complementa o pensamento dos especialistas, desafiando-os a reformular os problemas. (Department of Human Ecology, University of Alberta, 2016)92. [tradução livre] Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica Baseado na experiência de dez anos “lecionando um curso sobre Rumos da Ecologia Humana no Programa Internacional de Mestrado em Ecologia Humana na Universidade Livre de Bruxelas (VUB), Bélgica”, Fernando Ávila-Pires (2010) 91 Department of Human Ecology, University of Alberta. Disponível em < http://www.hecol.ualberta.ca/> Trecho original em língua inglesa: However, having a broad vision and an ability to “connect the dots,” and to be able to synthesize and integrate ideas, are also extremely valuable attributes. Generalists tend to be empathic as they can imagine the world from different perspectives. Further, it complements specialists’ thinking, by challenging them to reframe problems. 92 Página | 107 apresenta a discussão sobre interdisciplinaridade e a formação de “especialistas de mente aberta” (MALDAGUE, 1977 apud ÁVILA-PIRES, 2010). Minha tarefa principal [era] é de mostrar como abordar problemas razoavelmente complexos no campo da ecologia humana, envolvendo aspectos ou dimensões biológicas, socioculturais, éticas, econômicas e políticas. Para atingir meu objetivo, os estudantes precisão ultrapassar as limitações da abordagem unidisciplinar ou uniprofissional à solução de problemas (ÁVILA-PIRES, 2010). Corroborando com a frase utilizada pelo Departamento de Ecologia Humana da Universidade de Alberta: “Human Ecologists: Generalists by Design. Experts in Connecting the Dots”, Ávila-Pires (2010) em referência a frase de Greehalgh (2001) destaca que “descobrir como as coisas se interconectam é geralmente mais importante do que conhecer as peças”. Segundo Ávila-Pires (2010), baseados em uma “taxonomia simplista e reducionista” a dos currículos tradicionais, as disciplinas visam à aquisição de fatos, em perspectivas unidimensionais. Trata-se de dissecar a realidade em pequenas proposições sem “compreender as inter-relações entre as partes”, e, portanto, ÁvilaPires (2010) discorre como o ecólogo humano pode superar essa limitação imposta pelo próprio desenho funcional das ciências disciplinares: Para atingir tal objetivo é necessário abandonar a trilha batida em direção à especialização para se adquirir novas maneiras de compreender o mundo, juntamente com a capacidade de dominar conceitos e métodos das diferentes áreas do conhecimento. (ÁVILAPIRES, 2010). “Esse profissional de ecologia humana”, prossegue Ávila-Pires (2010), “estará capacitado a traçar uma imagem compósita” de inúmeros elementos e sistemas que integram o cenário analisado a ele infligem influência. Para Ávila-Pires (2010), o mosaico bem ajustado, que habilitaria o ecólogo humano a uma reflexão sistêmica, seria composto “do ambiente natural, dos padrões climáticos, da estrutura da biota, da complexidade das comunidades humanas e das subcomunidades envolvidas, sua estrutura social, instituições, padrões culturais, antecedentes históricos, imperativos econômicos e limitações de caráter político” (ÁVILA-PIRES, 2010). Resolvendo a dicotomia “homem” x “natureza” Segundo Steiner e Nauser (1993), “o triângulo ecológico humano, pessoasociedade-ambiente, desempenham um papel metafórico constitutivo” (Figura 9) para todos os esforços interpretativos da área de Ecologia Humana e que a questão da interdisciplinaridade, sobre qual assento o estudo irá primar: as ciências sociais, humanas ou tecnológicas, dependerá de qual o "local de integração" adequado nesse triângulo ecológico: pessoa, sociedade ou meio ambiente? Steiner e Nauser (1993) apresentam os argumentos que sustentam a melhor adequação do esforço interdisciplinar partir das ciências humanas. Se forem as ciências sociais o vértice Página | 108 selecionado é a sociedade, se forem as ciências do comportamento o vértice selecionado é a pessoa. Sendo a projeção do problema a ser estudado feito por sobre a pessoa, então “ao observar os estados mentais dos seres humanos, percebemos que parte de seu eu e consciência são produtos de processos sociais, outras partes das relações passadas com o meio ambiente” (STEINER e NAUSER, 1993). “Mas deve ser claro que, para estabelecer uma estrutura integrativa, não pode significar desenvolver uma teoria global, porque isso significaria tentar o impossível” (STEINER e NAUSER, 1993). Em outras palavras, podemos argumentar pela possibilidade de projetar o problema no canto da "pessoa". Na verdade, ao observar os estados mentais dos seres humanos, percebemos que parte de seu eu e consciência são produtos de processos sociais, outras partes das relações passadas com o meio ambiente (STEINER e NAUSER, 1993)93. [grifo nosso] Steiner e Nauser (1993) lembram que “as ações dos indivíduos humanos são o intermediário entre as premissas socioculturais e as condições ambientais”. Portanto, não havendo influências causais diretas de uma sociedade em seu ambiente natural, toda a ação antrópica na natureza é feita diretamente pela ação das pessoas. Essa ação humana pode está “dentro da lógica falsa de um [determinado] sistema social”. Figura 9 – Triângulo ecológico humano (Natureza-Pessoa-Sociedade) Fonte: Elaborado pelo Autor baseado em STEINER e NAUSER, “Human ecology: fragments of anti-fragmentary views of the world” (1993). Duarte (2017), aludindo a Pinheiro (1997), explica que cabe à Psicologia como disciplina integrar os esforços de dissolução da crise ambiental, “pois não existem problemas ambientais e sim humano-ambientais”. “Não se pode pensar em ecologia sem uma atitude relacional e interdisciplinar”, considerando que é da própria natureza da concepção ecológica, interpretar e compreender a coexistência e a rede de relações e diversos níveis entre os seres vivos (DUARTE, 2017). Baseado na análise de Bruhn (1974 apud LAWRENCE, 1993), sobre o uso de analogias mal transplantadas das ciências naturais, para o uso das ciências 93 Texto original em língua inglesa: In other words, we can argue for the possibility of projecting the problem on to the corner of ‘person’. Indeed, by just looking at the mental states of human beings, we realize that part of their self and consciousness are products of social processes, other parts of past relations to the environment (STEINER e NAUSER, 1993). Página | 109 sociais, Roderick J. Lawrence alerta para a impropriedade de modelos de análise e interpretação que percebem como insumos a terem seu fluxo estudado, apenas materiais e energia, desprezando insumos tipicamente socioculturais intangíveis de difícil mensuração, tais como saberes, comunicação e outros de valor simbólico: “o termo "ambiente" foi interpretado e estudado de forma restritiva [...] enquanto que muitos constituintes inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio ambiente têm sido ignorados” (LAWRENCE, 1993). Por exemplo, muitas análises ambientais e econômicas das cidades frequentemente adotaram uma analogia biológica ao tratar os assentamentos humanos como metabolismos e examinando fluxos de energia e materiais à custa de outros processos sociais, especialmente conhecimento humano, comunicação e informação. Consequentemente o termo "ambiente" foi interpretado e estudado de forma restritiva, de acordo com conceitos e métodos acadêmicos que muitas vezes enfatizam os produtos e processos humanos, enquanto que muitos constituintes inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio ambiente têm sido ignorados. A este respeito, a teoria da estruturação apresentada por Giddens não desafia explicitamente o status quo, mas fornece pistas inexploradas para desenvolvimentos futuros (LAWRENCE, 1993)94. Tais analogias, também acarretaram uma visão restritiva quanto o que viria a ser “ambiente”. Quando se tem uma visão adstrita aos parâmetros físicos, ambiente é o meio da matéria, composta de elementos inorgânicos e biológicos. Ao passo, que dentro dessas analogias mal transplantas, o ambiente que rodeia os agrupamentos sociais humanos, são outras metaestruturas intangíveis, de mesmo caráter normativo. Por exemplo, uma organização tem por ambiente a sociedade em que está inserida. Faltando, portanto, para as interpretações sociais “pseudoteológicas” integrar à atividade humana da dimensão sociocultural a processos biofísicos da Terra (LAWRENCE, 1993). O status científico da Ecologia Humana: disciplina, paradigma, nova ciência? Qual a natureza da Ecologia Humana? Qual o seu real status científico? A “Ecologia Humana é um paradigma científico ou um outro tipo de Ciência emergente? (BOMFIM, 2016)”. Como bem ponderou Luciano Sergio Bomfim95 (2016), professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), prospectando das obras de Paulo Machado (1984), Ronaldo Alvim (2012), Manuel Cesário (2004) e Juracy Marques (2012), a 94 Tradução livre: For example, many environmental and economic analyses of cities have frequently adopted a biological analogy by treating human settlements as metabolisms, and by examining flows of energy and materials at the expense of other social processes, especially human knowledge, communication and information. Consequently, the term ‘environment’ has been interpreted and studied restrictively, according to academic concepts and methods that often emphasize human products and processes, whereas many inorganic, biological and symbolic constituents of the environment have commonly been overlooked. In this respect, the theory of structuration presented by Giddens does not explicitly challenge the status quo, yet it does provide unexplored cues for future developments (LAWRENCE, 1993). 95 Professor Luciano é um exemplo da formação estimulada por esse aspecto integrador da Ecologia Humana: ele é geógrafo, bacharel em Direito, filósofo, pedagogo e pensador da escola crítica marxiana. Página | 110 Ecologia Humana se assinala como "instrumento de reflexão para a mudança de paradigma em prol da vida" (ALVIM, 2012), é "ciência e arte" (CESARIO, 2004), ou seja, saber/experimentar e saber/fazer-poético. Bem como, também é “um novo nível de pensamento” (MACHADO, 1984 apud BOMFIM, 2016), ou uma religiãocompromisso à que se possa converter (MARQUES, 2012). Para Marques (2012), o estabelecimento formal do status científico da Ecologia Humana, passa a ser uma questão de segundo plano, desde “que dê conta do fenômeno humano em sua complexidade” e instrua a alma humana às possibilidades de insurgência contra as vorazes “estruturas homogeneizantes” (MARQUES, 2012 apud BOMFIM, 2016). Assim como para Alvim (2012), a Ecologia Humana como estudo, que se torna instrumento, “tenta resgatar, transformar e revigorar valores esquecidos ou anulados pelo atual processo de desenvolvimento aplicado pela cultura de consumo e acumulação de bens”. Segundo Cesário (2004), “como disciplina aplicada”, a Ecologia Humana “procura identificar as forças que melhoram o desenvolvimento humano, atualizam o potencial humano”. Ao ouvir isso, penso numa expansão das características latentes do ser humano livre (emancipado das amarras, mas conectado com o todo). Cesário (2004) segue mostrando as consequências no plano pragmático desse desenvolvimento, que aperfeiçoa “o funcionamento humano e melhorando a qualidade de vida das pessoas” (CESARIO, 2004). Para Bomfim (2016), Manuel Cesário alcança, inclusive, uma dimensão a mais da Ecologia Humana, a descreve como “um caminho de autotransformação, de despertar sensibilidades, de adocicar a afetividade, de alimentar o coração”. Inspirado nesse painel bem desenvolvido por BOMFIM (2016), aliado às reflexões de Boff (2012; 2013), Chardin (1970), Rumi, Jesus (apud PAGOLA, 2011) e De Paula (2005), posso oferecer um conceito, que opera para mim como imagem de acesso para essa dinâmica existencial, a qual o meio acadêmico vem chamando de Ecologia Humana. Para este autor, a Ecologia Humana é uma atitude, que pode permear toda e qualquer atividade humana, direcionada para a expansão da consciência. Em cada dimensão da existência humana, essa atitude se manifesta de formas diferentes, em busca dos meios que proporcionem tal expansão. Quando a Ecologia Humana se torna a motivação da investigação científica, ela de imediato, leva esse método epistêmico há uma correlata expansão de seus limites, em termos de objetos, procedimentos e capacidade interpretativa. Portanto, é uma manifestação plausível com a natureza dessa atitude o alargamento das bases de funcionamento e de interesse das ciências. Chegando ao ponto de, após uma bateria de produções, debates e reformulações, a ciência ganhar tais novas propriedades e capacidades, - de - não se parecer mais com a ciência que era antes. Nisso está a função de paradigma emergente. Isso de certa forma fundamenta nossa intenção de demonstrar que aquilo que a ciência chama de Ecologia Humana, é na verdade uma versão mais recente, da integralização dos saberes, caminho que foi percorrido por inúmeros pensadores do passado, da Grécia Antiga ao mundo Árabe-Islâmico e que Fritjof Capra (2007) Página | 111 demonstra bem essa atitude cosmopolita específica nos estudos sobre o fenômeno humano na figura de Leonardo Da Vinci e Juracy Marques (2017) em Sigmund Freud. E como atitude inevitável para aqueles que se aprofundam no estudo da nova Física. Mas essas são as consequências da influência dessa atitude de desenvolvimento-evolução, que a Ecologia Humana como dinâmica existencial inflige para com a ciência. Porque em outros campos da atividade humana, a Ecologia Humana pode gerar outras surpreendentes transformações. A força de base dessa dinâmica é, como foi muito bem identificada por Machado (1984 apud BOMFIM, 2016), Maturana e Dávila (2009) e Chalita (2003), o Amor. Bomfim (2016) justamente extrai de Paulo Machado (1984), o mais relevante pré-requisito para a pesquisa em Ecologia Humana: “é amar o gênero humano, compenetrar-se da responsabilidade social da ciência, sentir a necessidade de ser útil”. Em uma entrevista concedida à Cecília Reis, em julho de 2012, Ximena Dávila e Humberto Maturana (2012), são questionados sobre o amor como fundamento biológico e qual a visão científica possível para o amor, fiz a escolha de trazer as respostas em citação direta, na íntegra: (Cecilia Reis) – O que significa colocar o amor como um fundamento biológico do ser humano? (Humberto Maturana) – O ser humano não vive só. A história da humanidade mostra que o amor está sempre associado à sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe não acolhe o bebê, ele perece. É o acolhimento que permite a existência. Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor. (Cecilia Reis) – Como a senhora, uma cientista, pode definir o amor? (Ximena Dávila) – Esse não é um fenômeno eventual, mas uma condição básica e cotidiana que define as relações entre os humanos. Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e não se exige ou se espera nada como recompensa. Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente. Em vez de oferecer instruções do que e como fazer, amar é respeitar o espaço do outro para que ele exista em plenitude (MATURANA e DÁVILA, 2012). Essa insuperável força, o Amor, não tem nenhum constrangimento de operar uma transição paradigmática e desaprovar edifícios do saber, obsoletos e esperar pacientemente, contudo, insistentemente alertando, que seus moradores deixem serenamente, a construção que logo se tornará escombros. Página | 112 Ecologia Humana: definição do conceito Pode-se dizer, desde que seja de forma dialógica, que a Ecologia Humana é uma atitude, que se instancia na ação do investigador científico, como um estudo proposto circunstancialmente em prol da melhoria da vida humana. Devido à natureza do fenômeno humano, inevitavelmente, esse investigador, devidamente capacitado para operar abordagens e instrumentos da complexidade, sistêmicos e, ainda quando necessários, analíticos – esse investigador – agora levando a alcunha de ecólogo humano, levará a cabo um estudo interdisciplinar, quando não, transdisciplinar ou transcientífico. Ao ponto, de devolver às disciplinas que fez uso, novos conceitos, metodologias e interpretações, suscitando novos paradigmas. Portanto, como natureza dos estudos interdisciplinares de um ecólogo humano, ao fim deste trabalho, espero está ofertando uma contribuição de novos elementos para a abordagem ecológica em organizações, sobretudo, as institucionalizadas e para novas interpretações das problemáticas envoltas do tema de segurança pública e a atividade policial. Portanto, Ecologia Humana, na Ciência, é atitude que motiva estudos sobre o ser humano, os quais geram novos paradigmas. Ou seja, dialogicamente, é atitude, pode vir a ser estudo e torna-se novo paradigma. Para Roderick J. Lawrence (1993) vale começar a construir a definição do que venha a ser Ecologia Humana, lembrando que até pouco tempo, e talvez ainda seja, o termo era caracterizado por “confusão e falta de consenso”. Diferentes status tem sido atribuído à ecologia humana, que “tem sido proposta como uma ciência, uma disciplina, uma filosofia, um ponto de vista e uma abordagem para estudar dado problema” (BRUHN, 1974 apud LAWRENCE, 1993). Apesar de indefinição inicialmente registrada por Lawrence (1993), ele mesmo esclarece o que venha a ser Ecologia Humana, por meio de uma expressão tridimensional integradora dos elementos (1) “bio”, (2) “físico” e (3) “psicossocioculturais” como mediadores que regulam os ecossistemas “naturais e humanos”: A Ecologia Humana é uma interpretação holística e integrativa desses processos, produtos, ordens e fatores mediadores que regulam os ecossistemas naturais e humanos em todas as escalas da superfície terrestre e da atmosfera. Isso implica um modelo (quadro) sistêmico para a análise e compreensão de três lógicas e as inter-relações entre seus constituintes usando uma perspectiva temporal. Essas três lógicas são: 1. Uma bio-lógica, ou as ordens de organismos biológicos. 2. Uma eco-lógica, ou a ordem dos constituintes inorgânicos (por exemplo, água, ar, solo e sol). 3. Uma lógica humana, ou a ordenação de fatores humanos culturais, sociais e individuais (LAWRENCE, 1993)96. [Tradução livre] Trecho original em língua inglesa: “Human ecology is an holistic, integrative interpretation of those processes, products, orders and mediating factors that regulate natural and human ecosystems at all scales of the earth’s 96 Página | 113 Portanto para Lawrence, Ecologia Humana, trata-se de “an holistic, integrative interpretation” [uma interpretação holística e integrativa]. Este autor vai além, convalido ainda que seja integradora, ela não só impulsiona a ver a íntegra, como ao se deparar com a dissociação promove a integração. Toda essa transcientificidade pode resultar em uma aparente perda da objetividade. Mas cria intersubjetividade suficiente para sujeito e objeto do estudo se integrar, trazendo à Ciência o ganho de voltar a ver de forma humanizada, e não mecânica. Já para a experiência vivencial das comunidades humanas, essa outra Ecologia Humana científica traz uma série de conhecimentos que ao serem assimilados melhoram as condições de vida. As ecologias humanas desenvolvidas, no ambiente acadêmico, são diversas e compartilham traços subjetivos do contexto de sua produção. Segundo as palavras de Luciano Bomfim, “se há uma especificidade na Ecologia Humana produzida no Brasil, ela reside no humanismo romântico, por vezes, espiritualista”. Ele prossegue, ponderando, “sem qualquer fragilização do escopo teórico das produções cientificas aqui elaboradas” (BOMFIM, 2016). Apesar de encontrar amparo, nas ponderações de Bonfim (2016), nossa definição sobre a Ecologia Humana como: “uma atitude, que pode permear toda e qualquer atividade humana, direcionada para a expansão da consciência”; carece de uma circunscrição nos limites da ciência. Portanto, para que possamos ter um conceito, que oriente nosso trabalho como inscrito no campo ou imbuído da missão investigativa ecológica humana, selecionou-se duas definições: a primeira, de Paulo Machado (1984 apud Bomfim 2016), que nos diz o que e como fazer, enquanto, a segunda definição de Manoel Cesário (2004) nos diz sobre quais temas e aspectos preferenciais devemos nos concentrar: (…) a Ecologia Humana como o estudo interdisciplinar das interações entre o homem e o meio ambiente, estudo realizado sob inspiração sistêmica e com objetivos prospectivos. Estudo realizável por qualquer disciplina com interação de disciplinas adjacentes. Ecologia Humana não é uma disciplina isolada, não é uma profissão. É simplesmente um nível superior de pensamento, utilizando metodologia sistêmica (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016). [grifo nosso] O estudo da interação dos seres humanos e do ambiente completo, esses estudos são direcionados principalmente para (1) as circunstâncias naturais das sociedades humanas, (2) as tradições, a organização social e a tecnologia que são elementos básicos dessas sociedades e (3) as estratégias que são úteis para uma sobrevivência e desenvolvimento (CESARIO, 2004). [grifo nosso] Portanto, o conceito operativo de Ecologia Humana, circunscrito na episteme científica (das ciências sociais e naturais) e útil para nosso presente trabalho, compreende alguns aspectos depreendidos das citações anteriores de surface and atmosphere. It implies a systemic framework for the analysis and comprehension of three logics and the interrelations between their constituents using a temporal perspective. These three logics are: 1. A bio-logic, or the orders of biological organisms. 2. An eco-logic, or the order of inorganic constituents (e.g. water, air, soil and sun). 3. A human-logic, or the ordering of cultural, societal and individual human factors” (LAWRENCE, 1993) . Página | 114 Machado (1984 apud Bomfim 2016) e Cesário (2004). Cabe relembrar qual foi o objetivo e a que pergunta central que procurávamos responder: Problema: Por que as polícias, mesmo em patente desajuste com os anseios sociais, não muda? Objetivo: Apresentar um quadro com os principais elementos profundos do modelo institucional da Polícia Militar Brasileira, geradores de resistência às mudanças organizacionais exigidas por pressão social. Portanto para alcançar esse esclarecimento nosso trabalho transcorreu, com os seguintes aspectos:  Natureza do trabalho: Estudo interdisciplinar, “estudo realizável por qualquer disciplina com interação de disciplinas adjacentes” (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016).  Natureza geral do objeto: interações entre o homem e o meio ambiente, compreendendo como ambiente completo: (1) o natural externo, (2) o constitutivo interno do homem e (3) o construído pelo homem (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016; CESARIO, 2004). Ordens eco-logic, bio-logic e human-logic (LAWRENCE, 1993). Fatores inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio ambiente (LAWRENCE, 1993).  Objetivo do estudo: “objetivos prospectivos” (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016). Abordagem dos vários cenários possíveis (prováveis e desejáveis) do futuro.  Método e metodologias: inspiração sistêmica, utilizando metodologia sistêmica (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016). “Análise institucional” (GIDDENS, 2003).  Delimitação da dimensão apreendida no objeto: as tradições, a organização social (CESARIO, 2004). “Propriedades institucionais” (GIDDENS, 2003). Tem dois outros aspectos que impregnaram a pesquisa, mas estão ausentes nas citadas definições, mas sabemos está presente na obra de Machado (1984 apud Bomfim 2016) e Cesário (2004), a saber, (1) um fundamento éticoespiritual, provedor de sentido de humanidade e (2) uma percepção que nas mentalidades estão introjetadas barreiras para o alinhamento funcional das organizações sociais humanas para com os processos biofísicos do planeta. Esses dois aspectos compuseram o âmago de nossa proposta, portanto, a Ecologia Humana, mediada pela visão sistêmica, articula os saberes interdisciplinares. Mas falta explanar, quais partículas, quais relações fazem a liga, que integra. E é uma sabedoria que leva a aprofundar os questionamentos: “A essência da ecologia profunda é fazer indagações. O adjetivo ‘profundo’ realça o fato de que perguntamos por que e como, quando os outros não o fazem” (NAES, 1988 apud UNGER, 2000). Ecologia Profunda: desvendando a mente organizacional Apresentando o campo multidisciplinar formado pelo conjunto dos esforços científicos em Ecologia Humana, definimos através de uma citação de Paulo Machado Página | 115 (1984 apud Bomfim 2016), a natureza de nosso trabalho: um “estudo interdisciplinar das interações entre o homem e o meio ambiente [...] sob inspiração sistêmica e com objetivos prospectivos” (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016). Ressaltando a noção de ambiente total: natural físico externo ao homem, natural psíquico interno ao homem e construído tangível e intangível do meio social e tecnológico. Quem disse que as polícias militares não funcionam bem? O foco desse estudo interdisciplinar recaiu sobre os fatores que operam resistência à mudança organizacional, no caso das polícias militares brasileiras persistirem em um modelo que afronta a demanda social. Aí está uma questão crucial: partimos do pressuposto que as polícia militares não funcionam bem. Mas quem disse que elas não funcionam bem? Em termos de eficiência organizacional, talvez tenhamos que admitir que a “máquina policial brasileira” funciona muitíssimo bem. Se seus pressupostos internos, que servem, mesmo que ocultamente, para a definição de todas as diretrizes operacionais apontam como funcionalidade um empreendimento de guerra e o objetivo é a eliminação do inimigo, portanto, a Polícia Militar Brasileira é um modelo institucional digno inclusive de exportação massiva. Ajudá-la a funcionar “melhor” pode ser, na verdade, uma falácia que resultaria em permitir sua maior adaptabilidade no meio social, sem que por fim, a instituição tivesse seus pontos “sombrios” saneados ou integrados. O professor Adriano Oliveira (2002), fez uma observação pertinente ao dizer que “o modelo policial militar teve [tempo suficiente] para demonstrar sua eficácia na diminuição da criminalidade e contrariamente, permite inclusive o aumento [...] o modelo não é racional, nem democrático [...] não adianta discutir a “aparência” da instituição”. Sou muito sincero em dizer, que pouco me importa (não, quer dizer, que não me importo de forma alguma, apenas me importo pouco com isto) – pouco me importa – uma mudança da arquitetura institucional-organizacional, com foco estrutural, numa nítida intenção de constituir um instrumento públicoestatal melhor preparado para o contexto democrático. Vejo nisso, um aperfeiçoamento dos métodos de vigilância, tornando mais funcional um dos tripés do “diplomacia-exército-polícia” de Foucault, contribuindo para a maior amplitude do raio de alcance do panóptipo sócio-político. Apesar, de admitir que esta fase de requerer mudança estrutural jurídica-administrativa é necessária, para o fomentação de um ambiente psíquico pessoal e coletivo propício para aquilo que realmente me importo. E com o que realmente me importo? Com o desastre existencial que a adesão aos modelos mentais difundidos pelo ambiente institucional tem feito nas mentalidades das pessoas envolvidas: “policiais maltratados, mal pagos, se sentindo desrespeitados, não funcionando bem” (SOARES, 2013) e os familiares desses policiais que sofrem esses efeitos juntos; moradores de territórios subalternos e pessoas, com potencialidade de reabilitação social, caçadas e encarceradas como animais. Por isso que além das linhas orientadoras de um estudo enquadrado em Ecologia Humana, há essa necessidade de buscar guarida, envolvimento e inspiração Página | 116 na sabedoria ecológica profunda: por um fundamento ético-espiritual e suporte intelectivo suficiente para determinar se a dinâmica organizacional-institucional está compatível com os processos biofísicos do planeta Terra. Por exemplo, a ecologia como ciência não pergunta que tipo de sociedade seria a mais adequada para manter um ecossistema específico - esta é considera uma pergunta para a ciência política, ou para a ética, ou a teoria de valores (NAESS, 1988 apud UNGER, 2000). Usemos as palavras de Arne Naess (1988 apud UNGER, 2000), parafraseando-o e contextualizado as circunstâncias deste estudo: qual ciência vai perguntar que tipo de instituições seria melhor para manter-nos ajustados aos princípios ecológicos? Que tipo de agência humana serve aos propósitos de prestar segurança comunitária e coesão social, segundo os padrões dos processos biofísicos da Terra? A agência humana, de fins coletivos, que tem um propósito nominal correlato a esse, indagado anteriormente, é a polícia e seu corpo. A polícia nos termos de Foucault (2003) e em uma das acepções de Brodeur (1984) são as normas de ordenamento social (as polícias propriamente ditas), instrumentalizadas como agência pública estatal (o seu corpo operacional), profissionalizada e especializada, a polícia moderna, nos termos de Bayley (2002). Mas que tipo de questões podem conectar um estudo sobre esse ordenamento jurídico ou esse órgão público, típico da ordem urbana e a relação homem-natureza, ou o que faz pensar em apontar que possa haver considerações de ordem ecológica quanto ao funcionamento da polícia? Tecido íntegro que contém diversidade: multicolorido sem costura Para Nancy Unger (2000), com passagens articuladas de Naess (1982), Devall e Sessions (1985) e Spretnak (1986), a essa abordagem de ordem filosófica (ética) e espiritual, que vai às últimas consequências da capacidade de perceber padrões de inter-relações em sistemas complexos, como é o caso da ecologia, diz-se que é mais profunda (ecologia profunda) e que desenvolve um tratado de sabedoria (ecosofia). Múltiplas são as fontes que complementam a episteme estritamente científica experimental, nessa abordagem, mas de todas vem uma intuição: [...] característica essencial à ecologia profunda é a percepção da unidade fundamental da vida na qual os seres humanos não são nem "sujeitos" separados de um real reduzido à categoria de objeto, nem a medida de todas as coisas, mas, integrados num universo que é compreendido como “seamless multileveled creative event97” para usar a expressão do físico Brian Swimme (UNGER, 2000). O universo é um todo coerente, um evento criativo multicolorido sem costura (SWIMME E BERRY, 1992). Portanto, retomando a reflexão de “qual ciência vai perguntar que tipo de instituições seria melhor para manter-nos ajustados aos princípios ecológicos?”. Por 97 Tradução livre: Evento criativo como um tecido com várias cores sem emendas. Página | 117 via de regra, ciência nenhuma faria articulação desde o nível fundamental (subatômico) da matéria, perpassando os processos biológicos, contemplando a organização social e perscrutando as dimensões do simbólico e do imaginário da pisque humana (individual e coletiva), bem como atingindo todo o “paradigma invisível” (MARQUES, 2016). Contudo, todas as disciplinas, que forem necessárias, sendo articuladas por uma visão sistêmica, já nos empodera de uma atitude propícia para começar a fazer as indagações. Mas para propósitos tão enriquecedores ao desenvolvimento humano, “não nos limitamos a uma abordagem científica; temos a obrigação de verbalizar uma visão abrangente” (NAESS, 1982 apud UNGER, 2000). Incluindo desde logo, a filosofia e trazendo a reboque muitas outras tradições, que dentro do paradigma analítico (cartesiano-positivista), são vistas como não convalidadoras da “verdade”. “Na ecologia profunda, perguntamos se a presente sociedade preenche as necessidades humanas básicas como amor e segurança e acesso à natureza” (NAES, 1982 apud UNGER, 2000). Em seu livro “Deep Ecology, Living as if Nature Mattered”, Devall e Sessions acrescentam “a ecologia profunda é um processo sempre mais aprofundado de questionamento de nós mesmos, da visão de mundo que é dominante em nossa cultura do sentido e da verdade de nossa realidade”. O termo “ecologia profunda” [deep ecology] visa também distinguir o que foi chamado de “ambientalismo superficial” [shallow enviromentalism] ou literalmente de ecologia “rasa”. (UNGER, 2000; CAPRA, 1996). Como nos explica Nacy Unger (2000), o ambientalismo superficial está “voltado para um controle mais eficiente do meio ambiente em benefício do status quo”; já a perspectiva profunda, “reconhece que o equilíbrio ecológico exigirá mudanças de fundo com implicações para as estruturas sociais, as expressões culturais, a saúde, a espiritualidade” (UNGER, 2000). A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos) (CAPRA, 1996). [grifo nosso] É oportuno fazer alusão a esse trecho de Fritjof Capra (1996): “estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza” e salientar que este trabalho foi todo profundamente influenciado pela noção de que a aproximação de um momento de transição planetária ou nos termos de Howard T. e Elisabeth Odum (2012), de Jung (2012b), de De Paula (2003a; 2003b), de Harari (2015; 2016), de Fonseca (2017) ou ainda nos termos “proféticos” de Milton Santos (2001) estão inevitavelmente entrelaçados com ciclos de grandes proporções em termos de amplitude de sua influência e para explicações sobre tal ponto em questão, deixamos para mais a frente acompanhar o tema conduzido pela visão de Renè Guénon ([1927] 1977). O físico austríaco, Fritjof Capra (1996), ressalta que “ecologia profunda não separa seres humanos — ou qualquer outra coisa — do meio ambiente natural”. Desde já, queremos incluir na categoria “qualquer outra coisa”, como já foi discutido no tópico sobre o ternário da Ecologia Humana (natureza-homem-sociedade), os sistemas sociais. Mais adiante, faremos a difícil tarefa de integrar a dimensão nooética, a esse “qualquer coisa”. Sendo assim, é através da ecologia profunda, que Página | 118 num mesmo estudo podemos integrar a visão da matéria, da sua organização macro e microscópica, a emergência da vida, os desdobramentos da evolução, a produção cultural e “as coisas do espírito” para usar o termo de Morin (1991). Em relação a essa dificuldade de integração, Steiner e Nauser (1993) aludem a Naess (1989 apud STEINER e NAUSER, 1993), para esclarecer que essa separação tem origem no próprio isolamento psíquico-simbólico operado na mente humana. A pessoa não se sente parte do todo, portanto, as relações do ambiente, são externas e não lhe dizem respeito totalmente. Para solucionar isso, Naess (1989 apud STEINER e NAUSER, 1993) sustenta que precisamos nos ver integrados em um “EU Maior”, uma consciência expandida sobre uma personalidade coletiva. Steiner e Nauser (1993) ainda prosseguem, refletindo que semelhante postura pode ser aplicada à identidade social e as relações sociais. Ainda um passo adiante, pode-se dizer que a crise ecológica pode ser entendida como um caso de identidades pessoais inadequadas ou insuficientes: elas não incluem essas relações externas como partes constitutivas. Para superar o problema que precisamos no sentido de Naess (1989) para o “Eu maior” (em oposição a um “eu pequeno”) dentro do qual essas relações se tornam internas. Presumivelmente, um ponto semelhante poderia ser feito em relação à identidade social e às relações sociais (STEINER e NAUSER, 1993)98. [grifo nosso – tradução livre] Ciência com Filosofia e Espiritualidade Mas falar de espírito e espiritualidade, não deve trazer choques aos condicionantes do pensamento analítico, deve-se primeiro compreender ao que se denomina espiritualidade na perspectiva da ecologia profunda: “quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência [pertencimento], de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda” (CAPRA, 1996). Chegando a essa conclusão, Capra (1996) nos remete ao fato, assim como Unger (2000) também o faz, de que “não é, pois, de se surpreender o fato de que a nova visão emergente da realidade baseada na percepção ecológica profunda é consistente com a chamada filosofia perene das tradições espirituais”. [...] a ideia de que uma ética ecológica efetiva pressupõe uma cosmologia e mesmo uma ontologia que nos devolva a experiência de um universo pleno de sentido - o que significa re-espiritualização e um re-encantamento de nossa visão de mundo (UNGER, 2000). 98 Tradução livre de texto original em língua inglesa: Going yet a step further one might say that the ecological crisis can be understood as a case of inappropriate or insufficient personal identities: they do not include those external relations as constitutive parts. To overcome the problem we need in the sense of Naess (1989) a larger Self (as opposed to a small self) within which those relations become internal. Presumably a similar point could be made with regard to social identity and social relations (STEINER e NAUSER, 1993). Página | 119 Nancy Unger (2000) não só comenta a ocorrência da proximidade da perspectiva ecológica profunda com “a filosofia perene das tradições espirituais”, como elenca, os fundamentos de fontes diversas da Ecologia Profunda:  feminismo, e particularmente o ecofeminismo, com todo seu questionamento do paradigma patriarcal e a ênfase que dá à necessidade de unir a transformação das estruturas sociais à transformação pessoal;  as comunidades de povos tradicionais (povos tribais), principalmente indígenas cujas tradições são um exemplo de afinamento com as leis da Natureza;  o taoísmo e budismo, entre outras razões por seus ensinamentos sobre desapego e o respeito a todos os seres e ao ritmo da vida,  grandes místicos cristãos como São Francisco de Assis e Hildegard de Bingen que experienciam a sacralidade na Natureza como parte intregrante do cristianismo, bem como Mestre Eckhart.  a nova física e suas contribuições revolucionárias para a superação do modelo mecanicista do universo e a religação entre ciência e o sagrado; Ainda segundo Unger (2000), “a tradição do pensamento através dos séculos percebeu a filosofia como sabedoria que permite ao ser humano uma compreensão autêntica de sua humanidade e de seu lugar no Cosmos”. Devido à escolha pela autoetnografia como um dos instrumentos de coleta de dados da realidade (ainda que intersubjetiva) e como abordagem geral para a elaboração textual deste trabalho, é pertinente que eu seja sincero quanto às minhas fontes, mesmo que isso venha a descumprir uma dica valiosa de Albert Einstein: “o segredo da criatividade é: saber como esconder suas fontes”. Nesse caso, é uma questão ética, devido o uso da autoetnografia, deixar o leitor ciente de quais sentimentos, emoções e circunstâncias influenciam a visão de mundo do autoetnógrafo, para que ele possa ter seu trabalho julgado dentro dos parâmetros de seu contexto biográfico específico. As principais influências transcientíficas que atuaram na minha visão para elaboração deste trabalho foram:  Espiritualismo universal, sobretudo as versões oriundas do espiritismo kardecista confluentes com os estudos sobre o fenômeno ufológico, tendo como principais expoentes brasileiros;  Física quântica e os desdobramentos de suas reflexões filosóficas e a comunhão com a metafísica;  Sufismo islâmico;  Cristianismo gnóstico; Página | 120  Cristianismo protestante, pentecostal de expressões místicas e aquele que tem se reaproximado das bases culturais judaicas, pela confluência com o judaísmo messiânico;  Teologia da libertação e abordagens histórico-culturais das narrativas evangélicas cristãs;  Cabala judaica;  Mitologia suméria-acadiana, babilônica-persa, semita-hebraica, hindu-védica, greco-romana e yorubá-afrobrasileira;  Novas formulações de preceitos filosóficos pré-socráticos, como os estoicos e Heráclito. E as deliberações de Spinoza e Giovano Bruno. Ecologia profunda versus ecologia rasa Na produção acadêmica brasileira, uma contribuição citada recorrentemente é a de José Roberto Goldim (1999), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a primeira definição que ele traz é a de Potter (1998) sobre bioética, numa forte correlação com os princípios da ecosofia: Bioética como nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e uma competência interdisciplinar, intercultural e que potencializa o senso de humanidade (POTTER, 1998 apud GOLDIM, 1999). Outra importante contribuição de Goldim (1999) é a tabela, que está reproduzida abaixo (Tabela X) em que faz a diferença entre os aspectos da visão de mundo dominante e a Ecologia Profunda proposta por Arne Naess (1973). Tabela 2 - Aspectos da visão de mundo dominante e a Ecologia Profunda Visão de mundo dominante Ecologia Profunda Domínio da Natureza Harmonia com a Natureza Ambiente natural como recurso para os seres humanos Toda a Natureza tem valor intrínseco Seres humanos são superiores aos demais seres vivos Igualdade entre as diferentes espécies Crescimento econômico e material como base para o crescimento humano Objetivos materiais a serviço de objetivos maiores de auto realização Crença em amplas reservas de recursos Planeta tem recursos limitados Progresso e soluções baseados em alta tecnologia Tecnologia apropriada e ciência não dominante Reproduzida de GOLDIM (1999), <https://www.ufrgs.br/bioetica/ecoprof.htm>. Página | 121 Princípios ecológicos aplicados aos sistemas sociais humanos A aplicação desses princípios às estruturas sociais reforça uma concepção qualitativa da vida e realça valores como a simplicidade, o desenvolvimento autossustentado (ou seja, empreendimentos que se sustentam no tempo porque respeitam os ciclos e a dignidade da natureza e dos homens), a não-violência (baseado no respeito pela vida) (UNGER, 2000). É crucial, para o entendimento dos valores e motivações que conduzem este trabalho, que essa passagem de Nancy Unger (2000), seja revisitada com a mente e o coração diversas vezes. Porque é exatamente o que fizemos e o que vamos demonstrar nas próximas páginas, a necessidade da “aplicação desses princípios às estruturas sociais” e no caso da polícia, as noções de “[respeito] [a]os ciclos e a dignidade da natureza e dos homens”, bem como a “não-violência”, num exercício profundo de respeito à vida, em todas as suas manifestações é um condão filosófico que resgata a missão de protetor e defensor, que invariavelmente está como projeção arquetípico em todo aquele que se predispõe à atividade de força-vigor. Mas nossas ações conscientes podem ter múltiplas motivações inconscientes. E quando a predominância é do arquétipo da caça sangrenta, da guerra mortífera e do vingador, por meio da carnificina 99, esses princípios, anteriormente citados, são desbancados no “palco principal das emoções” (CURY, 2008), por outros que conduzem ao espírito de morte100. “Os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições sociais” – sustenta Fritjof Capra (2005) – “terão de ser coerentes com os princípios de organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida”. Selecionar as instituições pelos seus aspectos de coerência funcional com a dinâmica do meio em que se encontram, continua sendo tão simplesmente, a continuidade da atuação das mesmas forças que operaram na evolução biológica. Mais adiante estarão identificados os princípios ecológicos de organização social, para que se possa refletir o que viria a ser uma instituição de força-vigor coerente com os mesmos princípios que orientam as dinâmicas e vida na Terra. É preciso certa cautela, na transposição-tradução de dinâmicas essencialmente físicoquímicas para sistemas sociais. “Para tanto, é essencial que se desenvolva uma estrutura conceitual-unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais.” (CAPRA, 1995). 99 Pode-se ver na tríade caçador-guerreiro-mensageiro, divindades do panteão yorubá, os três são emanações de Oxalá: os dois irmãos por reprodução acasalada com uma deusa: Oxóssi (caçador) e Ogum (guerreiro); e Exu (mensageiro), emanação essencial neutra do pai celeste. Perceba que não há aí julgamento de bom e mau, mas em determinadas circunstâncias podemos ver a irradiação energética desses orixás invertida produzindo, no caso de Ogum, rompantes de fúria contra seus próprios adoradores, ou no caso de Exu, que pode se tornar instrumento da justiça-vingadora de Oxalá. Outros panteões podem reproduzir tal dinâmica: no greco-romano, Artemísia (Diana), a mulher-maravilha da Marvel, pode ser tomada por desprezo à humanidade e passar a ser “caçadora sangrenta”. Bem como, o guerreiro por excelência, Ares (Marte) pode inspirar uma luta pela sobrevivência de seu povo, como em os 300 de Esparta, contra as tropas de elite persa, ou pode depreender uma Carnificina (deusa menor que acompanha Ares). 100 Ou são conduzidos por ele em ação recursiva/cíclica para fazer jus ao impulso de morte de Freud. Página | 122 O desencontro entre ciências da ordem natural e da ordem social ainda é a regra e difundido como dogma acadêmico. A forma de pensar moderna dissecou muitos elementos e alcançou um poder de análise que foi capaz de trazer compreensão linear pormenorizada de inúmeros fatos. Contudo, a síntese tem sido, bastante prejudicada, pela dicotomia de opostos que surgem da categorização linear da realidade (CAPRA, 2005). Ecologia Mental de Boff: necessidade de sarar a mente humana Se a emergência do problema está tão alarmante aos olhos de todos, o que tem impedido, portanto, que as organizações sociais mudem? Os construtos sociais e culturais são nossas criações, eles têm o padrão de funcionamento que nós imprimimos neles, para a sociedade mudar, nós precisamos mudar concomitantemente, em ação reflexiva. Discorreremos abaixo da reflexão de Leonardo Boff (2012) sobre Ecologia Mental, que está inscrita no contexto da profundidade da interconectividade geral, contudo, estamos a dar ênfase ao ambiente intrapsíquico humano. “Certos equívocos de como lidar com a natureza e com seus congêneres, os outros humanos, parte de dentro” do próprio ser humano (BOFF, 2012). Apesar de parabenizarmos os esforços depreendidos para estudar as estruturas dos corpos policiais, em especial os militarizados, o que nos proporciona conhecimentos de alternativas viáveis de organização administrativa e jurídica – apesar, disso – enfatizamos que não há outro fator mais preponderante que a mentalidade dos policiais (militares), a ser considerado no êxito de empreendimentos de mudança. Em certa ocasião, para explicar as pretensões desta pesquisa, precisei esclarecer da seguinte forma: “há propostas de mudança estrutural da polícia militar, no Brasil: municipalização, unificação, nacionalização, desconstitucionalização e extinção, depois dessa última a que mais me impressiona é a desmilitarização. E o que me impressiona é a forma como pensam em fazer. Aprovar uma Emenda Constitucional e pronto, a partir da publicação em Diário Oficial, a polícia vai mudar. Bem, não creio que seja, tão simplista. Mudar o status jurídico, desmilitarizando a polícia pode ser feito assim mesmo, mas quem vai desmilitarizar a cabeça dos policiais?”. Segundo Boff (2012), “ecologia mental tem a vê com a mente e o que está dentro dela [...] remover as barreiras mentais, para remontar, colocar outras placas de orientação”. E por que essas barreiras precisam ser removidas? Porque geram desequilíbrio entre o ser e o ambiente circundante (relação ecológica). Barreiras que impedem o livre fluxo da energia psíquica, estancando-a, ou operando esforço desproporcional em algum segmento da vida em detrimento de outros. De dentro do próprio ser humano surgem mazelas, atitudes e motivações desalinhadas com o equilíbrio do todo que o envolve. O todo que o envolve é o ambiente, a dinâmica da relação de um ser com o ambiente é ecológica (BOFF, 2012). Portanto, “a ecologia mental, chamada também de ecologia profunda, sustenta que as causas do déficit da Terra não se encontram apenas no tipo de Página | 123 sociedade que atualmente temos” (BOFF, 2012). As causas encontram-se também na “cabeça” dos agentes volitivos dos sistemas sociais humanos. As tais barreiras, ou modos específicos de pensar determinada temática ou percepção de uma das dimensões da vida, podem ser reflexos dos tempos modernos: do capitalismo, do cartesianismo, da era da informação, da midiatização, mas também podem ter origens em outras fases do transcurso evolutivo da espécie humana, quando nossas sociedades eram mais jovens ou até mesmo quando ainda não éramos o homo sapiens na configuração atual. E quanto mais antigos esse modelos mentais são, mais arraigados e ocultos à nossa reflexão consciente eles estão. [...] não se encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos. Mas também no tipo de mentalidade que vigora, cujas raízes alcançam épocas anteriores à nossa história moderna, incluindo a profundidade da vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica (BOFF, 2012) [grifo nosso]. Considerando que Leonardo Boff (2012) alude a “profundidade da vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica”, não teremos como continuar fazendo uso de sua reflexão sobre “ecologia mental”, sem antes começar a esclarecer a relação entre “consciente e inconsciente”, o que venha a ser “arquétipo” e porque Boff está o contrapondo à instância pessoal. E para os devidos esclarecimentos nesse sentido, deve-se introduzir a contribuição da Psicologia Analítica, começando, portanto, pelo seu fundador o médico psiquiatra, austríaco, Carl Gustav Jung, contemporâneo e compatriota de Alfred Adler (fundador da Psicologia Individual) e de Sigmund Freud (fundador da Psicanálise), deste último tendo sido por um tempo correspondente e aluno. Durante 3 anos, entre 1959 a 1962, a rede de TV britânica BBC, produziu um programa de entrevistas, intitulado de “Face to face” [Cara a cara]. O programa, apresentado pelo ex-político norte-americano John Freeman, em um dos episódios foi até Zurique entrevistar o médico psiquiatra Carl Gustav Jung 101. Freeman pergunta ao professor Jung (em 1959), se ele seria capaz de predizer uma terceira guerra mundial, levando em conta que, no passado, antes de 1939, ele foi capaz de prever a aproximação de um grande evento bélico, interpretando dados clínicos de pacientes alemães, a saber, seus sonhos. Jung (1959) começa explicando que as circunstâncias eram outras, que ninguém falava de guerra, então todo o sinal de um evento como esse, destacava-se como expressão espontânea do inconsciente. Mas naquela época da entrevista (1959), todos estavam falando dessa possibilidade, cheios de medo e apreensão, portanto interpretar seus sonhos, no sentido de prever tal coisa era muito difícil. Jung termina a resposta dizendo que, apesar de não poder prever, com mínima precisão, uma possível guerra: “uma coisa é certa; uma grande mudança de nossa atitude psicológica é iminente. Isso é certeza” (JUNG, 1959). Freeman, rapidamente indaga pelo porque disso e Jung responde, com o trecho abaixo, que nos serve de formidável paralelo com Boff (2012): 101 JUNG, Carl G. Face to face interviews Carl Gustav Jung: depoimento. [Audiovisual]. Entrevista concedida a John Freeman, da BBC, em 22 de out. de 1959. Programa produzido por Hugh Burnett. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=G2vGvPF1GME>. Página | 124 Porque precisamos de mais, precisamos de mais psicologia. Nós precisamos de um entendimento maior da natureza humana, porque o único perigo real existente é o próprio homem. Ele é o grande perigo, e lamentavelmente não temos consciência disso. Não sabemos nada sobre o homem, sabemos muito pouco. Sua psique deveria ser estudada, pois somos a origem de todo o mal vindouro (JUNG, 1959). [grifo nosso] Há em nós instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que nos afastam da benevolência em relação à vida e à natureza. Aí dentro da mente humana se iniciam os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra (BOFF, 2012). [grifo nosso] Se Boff (2012) e Jung (1959) estiverem certos, a humanidade com seus construtos materiais e simbólicos estão envoltos em dinâmicas não tão esclarecidas, sobre as quais não possuem controle e provavelmente são a origem do desequilíbrio social para com as condições de suporte à perpetuação duradoura no orbe terrestre. Quais aspectos não compreendemos dos processos naturais? E desses aspectos, quais precisaríamos incorporar em nossa experiência coletiva para garantirmos a nossa sobrevivência como espécie? Há na natureza, processos de autodestruição descompensados? E por que mesmo tomando ciência dessas implicações, insistimos em prosseguir obstinadamente em direção ao ocaso? Não guiamos nossas próprias ações? Muitos questionamentos demandam bastante reflexão. Contextualizando ao primeiro nível de interesse de nossa pesquisa, que diz respeito ao futuro de um dado modelo de instituição humana, a saber, a Polícia Militar Brasileira, por que seus membros estariam tão empenhados em permanecer atuando de tal forma que lhes conduzirão a serem estorvo social? Algo que é preferível não existir, pela clara desproporção entre custo e benefício. Isso de forma alguma parece racional, há alguma força conduzindo esse processo, que impeça que seja visto esse irremediável paradoxo? O segundo nível de interesse desta pesquisa, em decorrência de explicações sobre a dinâmica resistente/resiliente da Polícia Militar, nos conduz para uma investigação sobre as instituições humanas de forma geral. E nesse contexto é relevante mostrar o que Freud (1996) denomina de “o interesse da psicanálise do ponto de vista da história da civilização”, também observado por Ortega (2011). Já dizia ele (Freud) em 1913, que “o modo de pensar psicanalítico atua como um novo instrumento de pesquisa” e “aplicação de suas hipóteses à psicologia social torna possível tanto o levantamento de novos problemas como a visão dos antigos sob nova luz e nos capacita a contribuir para a sua solução” (FREUD, 1996). É essa nova luz sob a problemática das instituições sociais promotoras de segurança pública que se busca, na psicanálise102, para elaborar um esboço propositivo de primeiras providências em rumo a uma solução possível. 102 Psicanálise aqui está sendo usada para referir não apenas a escola freudiana, mas toda a Psicologia de compreensão insigh, nos termos de Wilber, incluindo portanto abordagens como a de Jung. Página | 125 E é justamente o uso da Psicologia “profunda”, que nos possibilitou no transcurso da pesquisa, alcançar certos níveis do “papel desejado” da atividade policial, nos termos usados por Ivone Costa (2005), quando essa alega, existir um papel proveniente de imagens inconscientes que dão suporte a atuação regida por elementos sombrios, divergentes ao papel formal declaradamente de persecução do bem social. Para Freud (1996), “Uma aplicação semelhante de seus pontos de vista [ou seja, da psicanálise], suas hipóteses e suas descobertas permitiu à psicanálise lançar luz sobre as origens de nossas grandes instituições culturais”, ele cita como exemplo a religião, a moralidade, a justiça e a filosofia. Em nosso caso particular, está se sondando uma congruência entre Justiça, Política e Guerra. Portanto, para Freud (1996), a psicanálise é uma das alternativas para compreensão (insight) mais penetrante, substitutiva de uma “psicologia demasiado superficial” e isso é inferido justamente do bem sucedido uso desse novo modo de pensar (1913) no exame das “primitivas situações psicológicas que poderiam fornecer o motivo para criações” como essas, de instituições sociais. Tanto porque, “a psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas de indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única fonte dinâmica para ambas” (FREUD, 1996). Ecologia dos espíritos-ideias: deuses-fatores (Boff, Jung, Morin e Marques) Segundo Jung (2000) estar nesse limiar é recorrente na história da humanidade: “seja ela primitiva ou não, a humanidade encontra-se sempre no limiar das ações que ela mesma faz, mas não controla”. E para ilustrar seu pensamento, Jung (2000) comenta justamente sobre a vontade declarada de todos em alcançar a paz, mas em paradoxal atitude, o mundo inteiro se prepara para a guerra. Para explicar, o que nos leva a um caminho, aparentemente não pensado por nós, Jung (2000) lança mão do termo “fator”, palavra que de sua origem latina, pode significar, criador, agente, autor, causador, “aquele que faz ou executa uma coisa”103. A humanidade nada pode contra a humanidade e os deuses, como sempre, lhe indicam os caminhos do destino. Chamamos hoje os deuses de "fatores", palavra que provém defacere, fazer. Os que fazem ficam por detrás dos cenários do teatro do mundo. Tanto no grande, como no pequeno (JUNG, 2000). Por detrás entenderemos as dinâmicas inconscientes, “os bastidores”. Por grande teatro os contextos coletivos e por pequeno, os pessoais. E nisso, para mantermos conexão com a reflexão de Boff (2013), queremos enfatizar o fato de ele demarcar a existência de uma “ecologia externa” e uma “ecologia interna”. E desde já acentuar que para Boff (2013), o saneamento da ecologia interna tem insuperável potencial curativo de todo o restante. Essa compreensão nos é muito cara, pois mantivemos uma aposta intelectual, através, da hipótese testada, de que tanto como uma pessoa pode ser “psicologicamente” curada, uma organização também pode, justamente compreendendo as chaves de organização dos seus processos ocultos, ou seja, a compreensão sobre a “alma” e o “espírito” organizacional, o que é limitado ao 103 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa <https://www.priberam.pt/dlpo/fator> Página | 126 “eu racional”. Justamente essas são “categorias incômodas às ciências” (MARQUES, 2012), pois fazem parte do “paradigma invisível da ciência” (MARQUES, 2016). Ao sistema de interações entre os elementos “invisíveis” da cultura organizacional, estamos chamando de relações ecológicas profundas. Parafraseando Jung ([1919] 2000 apud MARQUES, 2012) e usando a interpretação de Juracy Marques (2012), a “alma organizacional” são “complexos autônomos” do inconsciente da pessoa organizacional104. Mais adiante, discorreremos sobre os níveis de visibilidade dos elementos da cultura organizacional, portanto, por inconsciente do ente organização, estamos nos referindo ao núcleo dessa dada cultura, que é inacessível de forma clara para os próprios membros da organização. Por pessoa organizacional, compreendemos uma forma indenitária própria, num exercício imagético, de ver as organizações como organismos e, portanto, possuidores de uma base corpórea, tanto quanto um espírito. Contudo, apenas para admitir conceitualmente tal proposição, demanda uma argumentação com sua sustentação teórica própria, algo que será apresentado ainda neste capítulo. Mas de antemão, já fazemos alusão a Maturana e Varela (1995), que estão circunscritos pelo mesmo entrelaçamento paradigmático dos autores selecionados e até agora expostos nesta dissertação. Organismos e sociedades pertencem a uma mesma classe de metassistemas, membros formados pela agregação de unidades autônomas, tanto celulares como metacelulares (MATURANA e VARELA, 1995). Esse conceito, que dá equivalência à natureza formativa de sistemas sociais e organismos biológicos será recorrentemente utilizado nos demais trechos deste texto, oportunidade que se oferecerá uma melhor explicação. Por ora, devemos por consequência esquemática, expor que por “espírito institucional” estamos a fazer referência àqueles “complexos autônomos do inconsciente” (JUNG, 1996) compartilhados por pessoas organizacionais de um mesmo contexto institucional. Para ilustrar, poderíamos dizer que a Polícia Militar de Alagoas ou a de Pernambuco possui a sua alma e que existe um espírito das Polícias Militares. Mas esse conceito é fluído e usa a noção fractal, ou de operador hologramático. Portanto, é possível existir metassistemas concêntricos com sistemas e subsistemas, o que acarretaria dizer, que o panteão regente das polícias militares, compartilha “falange” de espíritos de outros contextos institucionais tais como o patriarcado, o exército, o guerreiro e o caçador tribal. Ou ainda, que a alma de uma da unidade local de polícia militar, “age” inspirada pelo espírito geral da instituição. Outra formulação ainda é possível, referente a organizações que mesmo fora do contexto institucional stricto sensu, podem compartilhar alguns traços constitutivos, como é o caso das guardas municipais em relação ao espírito das polícias militares. 104 Cabe salientar, que nem Jung, nem Marques, estão nessa ocasião da citação se referindo ao coletivo, ou se podem fazê-lo, não é especificamente a organização, como sistema social, estamos fazendo uma decorrência lógica do dito de Freud, que cabe repetir: “a psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas de indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única fonte dinâmica para ambas” (FREUD, 1996). Para chegar a postular uma “mente organizacional” é preciso confluência dos saberes a serem expostos de Gareth Morgan, Nicolas Luhmann, Fritjof Capra e Humberto Maturana. Página | 127 Se eu tiver que ser chamado de louco por isso, não me sentirei incomodado, considerando que “louco é aquele que vê o invisível. Nossa cultura só nos autoriza a ver o visível” (MARQUES, 2016). Neste momento, faço uso da prerrogativa que o procedimento instrumental da autoetnografia me concede e invocarei memórias da minha experiência nativa, como membro de uma dada “tribo urbana” (ou melhor, tribo moderna, a tal casta dos guerreiros), numa conjugação dos saberes de Maffesoli ([1988] 2004) e Priestland (2014). Na Polícia Militar, eu vi esse espírito, pude senti-lo de perto. Na verdade, são vários, sob a regência de alguns dominantes e o serviço de outros subalternos105. Quando digo ver ou sentir, estou me referindo à sensação psíquica, através de imagens mentais, para as quais eu teria muita dificuldade de exprimir em linguagem (simbólica). Mas posso relatar as circunstâncias e o contexto dos fatos ensejadores dessas “visões” do invisível, para que, mesmo em uma aproximação falha, possa ser compreendido o mínimo do poder de influência desses complexos inconscientes na dinâmica institucional 106. Em algum momento do passado humano, a religião disse que era pecado falar em ciência. Para alguns flancos das ciências, tornou-se pecado falar nos fractais de Deus, dentre os quais a alma, o espírito e a psique. Jung pondera, em sua conferência científica sobre o espírito e alma, que o “eu”, a consciência, não dá conta de uma totalidade humana (MARQUES, 2012). Retornamos à triangulação: Boff (2012; 2013), Jung (2000), acrescentando Morin (2000), constatando que “nós somos objetos de fatores” (JUNG, 2000), algo que não parece muito reconfortável, saber que de alguma forma, somos controlados por metaestruturas ou dinâmicas ocultas. Para nos ajudar na construção dessa “ideia”, aludimos a Edgar Morin (2000) para compreendermos melhor que “deuses” são esses. No ano de 2000, mais precisamente em dezembro, Morin concede entrevista 107 ao Programa Roda Vida, da TV Cultura, oportunidade essa em que lhe é pedido que explicasse uma frase sua: “a simplicidade é a barbárie do pensamento e a complexidade é a civilização das ideias” (da obra “Ciência com consciência”). Ele começa primeiro falando das duas naturezas das quais podem ser “as ideias”. Em primeiro lugar, devemos ter uma concepção complexa das ideias. Consideramos as ideias instrumentos conceituais para conhecer o mundo. Isto é verdade. Temos ideias que são usadas por nosso conhecimento. Mas é preciso ver também que existem ideias, grandes ideias que, alimentadas por nossos espíritos e pelos de uma comunidade, adquirem uma força autônoma e se autonomizam relativamente. É claro que se autonomizam na medida... relativamente, como eu disse, pois as alimentamos com a fé. É como os deuses (MORIN, 2000). [grifo nosso] Antes de prosseguir, apenas peço que seja guardado, para futura invocação o trecho grifado, da citação acima de Edgar Morin (2000), “grandes ideias 105 Disputa entendida como equivalente pela luta homossocial de ideologias hegemônicas do que viria a ser o “macho” reprodutor viril do topo da cadeia trófica inter e intra gênero e espécie, baseado no pensamento de Kimmel (1998) e Connell (1995), esta última é decorrência de Gramsci (1982). 106 Essas narrativas estão no Capítulo 2 e no Capítulo 9. 107 Entrevista concedida ao Programa Roda Vida, em 18 dez. 2000. Disponível em < http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/49/entrevistados/edgar_morin_2000.htm>. Página | 128 que, alimentadas por nossos espíritos e pelos de uma comunidade, adquirem uma força autônoma”, esse é um conceito muito próximo, do que venha a ser egrégora (em grego) ou abjuran (em sânscrito). Mas voltemos, ainda, à definição primária sobre essas ideias ou fatores. Ao encontro dessa concepção, está o que Jung (2000) diz sobre sermos nossos próprios senhores no palco da consciência. Nesse ambiente psíquico, as ideias “são usadas por nosso conhecimento” como “instrumentos conceituais” (MORIN, 2000). Mas na “profundidade da vida psíquica humana” (BOFF, 2012), “então as ideias adquirem um poder sobre nós” (MORIN, 2000). Mas se ultrapassarmos o pórtico da sombra, percebemos aterrorizados que somos objetos de fatores. Saber isso é decididamente desagradável, pois nada decepciona mais do que a descoberta de nossa insuficiência. É até mesmo um motivo de pânico primitivo porque significa questionar a supremacia da consciência em que acreditamos e a qual protegemos medrosamente, pois na realidade ela é o segredo do sucesso humano (JUNG, 2000, p. 33). Portanto, para Jung (2000, p. 33), na dimensão do consciente somos “donos de si mesmos”, mas ultrapassando “o pórtico da sombra”, o primeiro nível do inconsciente para ele, entramos em um contexto em que não mais temos o controle, lá não pensamos, os pensamentos é que pensam sobre nós. Edgar Morin (2000) prossegue no raciocínio dele, em meio à resposta naquela entrevista, comparando nossa relação com as nossas próprias “grandes ideias”, com aquela entre um religioso-adorador e os seus deuses. “Os deuses para um religioso [...] existe, fala com ele, lhe pede coisas. Espera dele favores. As ideias [também] existem, já que podemos morrer por uma ideia, matar por uma ideia, viver por uma ideia” (MORIN, 2000). Mas o que construiríamos sem ideias? Portanto, desejamos não ser esmagados por essas que tomam o cenário e nos impõe scripts, mas antes, precisamos trabalhar em conjunto com elas para proveito comum. Morin (2000) cita o exemplo do espírito da tecnologia e das consequências do seu sempre constante avanço. O que seriam os homo sapiens (faber) sem tecnologia, sem ferramenta, sem esse prolongamento do seu corpo e de sua mente que se materializam em objetos fabricados de suporte a melhores condições de vida? Mas essa mesma tecnologia, sendo ela a razão em si mesma, ganhando vida e poder sobre nós, impondo-se, sem que possamos lhe definir limites e/ou sentido salutar à experiência da vida – essa mesma tecnologia – converte-se em algoz do ser humano, de suas sociedades e do ambiente natural terrestre. “Os espíritos humanos criaram a tecnologia. E hoje é ela que nos ameaça e que, em muitos casos, provém de nós” (MORIN, 2000). Leonardo Boff (2012) explica que “os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra”, expressam-se através de uma categoria, a saber, “a nossa cultura antropocêntrica” (BOFF, 2012). Portanto, a tecnologia não é má em si, mas se operada pela categoria do antropocentrismo é capaz de gerar a “negação do valor intrínseco de cada ser, dominação da Terra, depredação de seus recursos” (BOFF, 2013108). Segundo Boff 108 BOFF, Leonardo. A força curativa da ecologia interior. Jornal Correio Popular, coluna Opinião. Campinas-SP: 05 nov. 2013. Disponível em <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/11/blogs/leonardo_boff/116986-a-forcacurativa-da-ecologia-interior.html> Página | 129 (2012; 2013), o atual estado da Terra, que é patológico, é reflexo da e se repercute na psique humana e tem como núcleo ordenador “falsas premissas éticas e espirituais”. Em seu livro “A Ecologia da Alma”, Juracy Marques (2012), faz um apanhado sobre as considerações de Jung sobre o conceito de alma e espírito e constata também que existe um conjunto de “falsas premissas éticas e espirituais”, assim como fez Boff (2013), que impõe uma negação sumária sobre tudo aquilo que “se acha em condições de dar uma expressão vital para todas aquelas virtualidades psíquicas” (JUNG, [1919] 2000 apud MARQUES, 2012), mas que se encontram fora do alcance do ambiente controlado da consciência. Esse é mais um dos pontos cruciais de nossa pesquisa, o porquê de focar na ecologia mental ou profunda de um modelo institucional em operação em organizações humanas, surge das linhas tecidas nesse debate sobre o poder que esses elementos/dinâmicas têm sobre nós, quer sejam chamados de “ideias” (MORIN, 2012), “contextos” (GOSWAMI, 2005, p. 51), “fatores” (JUNG, 2000, p. 33), “almas” ou “espíritos” (MARQUES, 2012). Predominância de um tipo de relação ecológica: competição versus cooperação Masculinidade. Domínio. Subjugamento. Dialogar com as grandes ideias: porque precisamos do masculino. A banalização dessas abordagens nas ciências está aliada ao reelaborado processo de dominação sobre as pessoas e sobre o mundo, pois, atinge, sobremaneira, grupos humanos culturalmente diferenciados, cujas existências remetem a este lugar dos “semalmas” para os dominadores, e de um Planeta como recurso alimentar ao voraz mundo maquínicomoderno. Dessa lógica extrai-se: só é protegido e intocável quem tem alma. Se alguns sub-humanos e a Terra, não têm almas, não os decifre, devore-os (MARQUES, 2012). Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato, sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigma está baseado em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências. Quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo (CAPRA, 1996). Segundo Steiner e Nauser (1993), deve-se está atento para efeitos não intencionais dos complexos sociais-psíquicos e que “modelos conscientizados”, nos termos de Rappaport (1979 apud STEINER e NAUSER, 1993) não são prisões mentais-sociais eternas, que graças a capacidade “reflexiva” da agência humana, pode-se promover a mudança de modelos mentais. Página | 130 Física Quântica: as excentricidades de uma realidade paradoxal Suposta objetividade e concretude do mundo físico O professor de História da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yuval Noah Harari, em seu livro “Sapiens: Uma breve História da Humanidade” (2015), expõe um jogo de efeitos de um contexto “objetivo”, no qual “rios, árvores e leões” existem “objetivamente”, diferentemente de coisas como “deuses, nações e corporações” que são entidades imaginadas e não passam de “produtos de nossa fértil imaginação”. Destaco duas questões: Primeiro, o fato de que coisas imaginadas, ou seja, ideias não existem mais “objetivamente” do que seres humanos. Isso porque “objetivamente” é na verdade algo muito relativo. Não é preciso lembrar que seres humanos são constituídos de órgãos e tecidos, que por sua vez são formados por células, feitas de uma combinação especial de moléculas, que não deixam de ser átomos e esses formados por partículas e subpartículas, até que se chegue numa constituição que basicamente é energia vibratória (CAPRA, 2006b; COUTO, 2017). Não passamos de um “imenso campo energético” devidamente estruturado que se sustém e se replica mediante uma base informacional, tipo a que se encontra em nosso DNA (FREITAS, 2010a; GOSWAMI, 2005). Digamos que o DNA, seja um pedacinho desse holograma (MORIN, 2008) que contém a base informacional de um certo leque de possibilidades de estruturas do campo energético da vida, paulatinamente experimentadas durante muitas replicações anteriores (CAPRA, 2006b; COUTO, 2017). Em “The Silent Pulse” (1978), o norte-americano George Leonard, que fora piloto do Exército, mestre em Aikido e atua como psicólogo, faz uma ilustração muito esclarecedora, ele descreve uma simulação de tentar ampliar a visão sobre as fibras de um tecido qualquer por um microscópio eletrônico: À medida que nos aproximamos do núcleo, ele também começa a se dissolver. Também ele nada mais é do que um campo oscilatório, ondas rítmicas. Dentro do núcleo há outros campos organizados: prótons, nêutrons, e partículas ainda menores. Assim que nos aproximamos de uma partícula dessas, ela se desfaz em oscilações rítmicas [...] Do que, então, é feito o corpo? De vazio e ritmo. No âmago do corpo, no cerne mesmo do mundo, não há solidez de matéria. Só existe a dança109. (LEONARD, 1978) Na sede de uma discussão sobre fundamentos ecológicos profundos, quero retomar a defesa pela necessidade da transcientificidade quando se trata de temas de integralização dos domínios do saber humano. A filosofia, a religião (e a espiritualidade) e as artes comumente precedem a ciência em inúmeros debates sobre 109 A dança de Shiva, da estátua em homenagem a obra de Fritjof Capra na porta d entrada do CERN; a dança dos átomos contida na poesia sufi de Rumi. Página | 131 aspectos da vida humana. Por isso, cabe a ciência, por seus métodos e instrumentos próprios conferir e incorporar cautelosamente, sem, no entanto, excluir ou ignorar propositalmente, assertivas provenientes de outras epistemologias. Nessa esteira do não exclusivismo, sobre a dança dos átomos, eu não poderia deixar de fazer referência ao poeta persa do sufismo islâmico, Mowlana Jalaluddin, nascido na porção mais ao leste da Pérsia, no século XIII 110, onde hoje fica o Afeganistão, mais conhecido no mundo ocidental como Rumi (“o romano”) alcunha incorporada ao seu nome, porque mesmo sendo persa, viveu uma boa parte de sua vida no império Bizantino, na atual Anatólia turca. Rumi tem “uma sede metafísica pela unidade” (TEIXEIRA, 2003). Ele enxerga as profundezas da realidade dinâmica, flexível, constantemente mutável, que abrange a tudo e a todos: Vem, Te direi em segredo Aonde leva esta dança. Vê como as partículas do ar E os grãos de areia do deserto Giram desnorteados. Cada átomo Feliz ou miserável, Gira apaixonado Em torno do sol. Oh, dia, levanta! Os átomos dançam, As almas, loucas de êxtase dançam. A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança, Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança Retornando a discussão iniciada pela leitura feita a Harari (2015), tal realidade constitutiva da matéria, como campos de ondas vibratórias, não é muito diferente daquela que se observa das ideias. Neurofuncionalmente tais pensamentos são blocos de informações que trafegam no cérebro por micro impulsos elétricoiônicos (sinais eletroquímicos111) das inúmeras sinapses entre nossos neurônios. Ecologicamente falando (refiro-me a noção de mente ecológica de Bateson), tais ideias são informações trocadas por meio de campos energéticos-vibratórios (som, luz, sensação de calor112) que ao passo que são ininterruptamente trocadas entre os seres, também constituídos por tais “campos energéticos”, “existem” exteriormente aos 110 Vale ressaltar que o poema que fala da dança dos átomos é do século XIII. Creio que não será preciso, novamente, descrever a constituição última dessas partículas e energia que formam o processo neurofisiológico do pensamento (quanto processo sediado no cérebro, em uma dada perspectiva materialista); essas partículas e energia são tão campos energéticos-vibratórios quanto as demais realidades “materiais”. 112 É preciso destacar que um ser troca fluídos ou contato físico isso também é uma ação comunicacional, não no nível de linguagem, mas fluídos também são campos energéticos-vibratórios que são absorvidos e seu padrões são decodificados, bem como o contato físico é a influência (confluência) da “superfície” dos campos energéticos que constituem os organismos da relação. 111 Página | 132 indivíduos. Ou melhor, profundamente no interior, mas já fora deles nesses “loucos” paradoxos da Física Quântica. Segundo, que devido às implicações dos princípios observados no mundo de tais subpartículas, a Física Quântica tem que sustentar que o ritmo compassivo, em um único sentido de sucessão de fatos, correspondente ao tempo cronológico tal como o percebemos é apenas uma forma específica do “leitor óptico-mental” do nosso equipamento de “DVD ou Blue-Ray” da realidade percorrer o “disco cósmico” do Universo. Mas o disco e a informação contida nele, já estão lá, todo ele. Quando tivermos em si mesmos o “upgrade”, a atualização do aplicativo específico da leitura da realidade, poderemos dar um replay, ou avançar a cena perturbadora, assim como podemos fazer na diferença entre a programação da TV transmitida em canais abertos comuns de rádio frequência (VHF e UHF) e a programação interativa acessada pelos modernos aparelhos que usam a conexão com Internet113. Digamos que a programação já estava ali produzida, aliás é justamente o que ocorre, os produtores deixam suas séries e filmes prontos com antecedência. Mas no primeiro caso, eles são transmitidos paulatinamente em sequencia esparsa. No segundo caso, você pode assistir o último capítulo primeiro, pode dar um pause ou avançar uma parte já vista no site de notícias sobre programação de TV. Portanto dizer que algo é efeito de uma causa específica é um ponto de vista que depende de sua capacidade de leitura do “disco cósmico” universal, se você pudesse assistir no ritmo ao contrário, em slow motion (câmera lenta), você perceberia que o efeito pode ser, na verdade, a causa, invertendo os papéis da cadeia de implicações (CAPRA, 2006b, p. 223). Nesse caso, o que denominemos de efeito da imaginação coletiva, ou seja, esses tais seres imagéticos tais como “deuses, nações e corporações” (HARARI, 2015) podem ser, na realidade, a causa dos “rios, árvores e leões” e seres humanos existirem. E para num perder muito tempo inventando termos mirabolantes, mesmo com o legado não muito auspicioso que o uso do termo pode conferir, faço-me valer daquele amplamente usado para designar tais “causas” “primeiras”: espíritos. Caso seja desconcertante ler e compreender o termo espírito, por algum tipo de dogma anti-realidade não-sensasorial, basta a cada vez que lê-lo, substituir mentalmente por algo como, campos energéticos-vibratórios que influenciam os demais campos, num espectro de frequência não passível de ser percebida pelos seus apenas cinco sentidos, mas que consegue induzir tal influência, porque os outros campos-estruturas possuem uma parte agregada nessa mesma faixa de frequência. Ou pode pensar, “ah, são os produtores ocultos da Netflix 114 cósmica”. E aí sim o 113 Veja a nota abaixo sobre Netflix. Netflix é uma empresa norte-americana, com sede em Los Gatos, na Califórnia. Fundada em 1997, atuava no serviço de entrega de DVDs pelo correios, até que adotou a transferência de dados de áudio e vídeo pela Internet, chamado de streaming, no qual não há o download completo dos arquivos, mas uma transmissão assíncrona, na qual se tem acesso enquanto está conectado a fonte de programação. Hoje a empresa atua, portanto, como provedora global de filmes e séries de televisão, com mais de 90 milhões de assinantes atuando em mais de 190 países. Em relação ao uso o termo no texto, vale salientar o slogan da empresa, no Brasil: “Com a Netflix, você tem o controle”. 114 Página | 133 termo produtores fica bem ajustado ao usado por Jung (2000, p. 33), para chegar bem perto dessa mesma noção: fazedores, ou fatores115. Uma questão de reflexão, por decorrência não apenas dessa passagem analisada de Harari (2015), mas do contexto geral do livro “Sapiens”, pode ser posta da seguinte maneira: organizações, como o caso da empresa francesa Pegeout citado por ele, existem de fato, como algum tipo de entidade pré-consciente ou não passam de mitos compartilhados? Nossa opinião, muito bem inspirada de Edgar Morin (2008), é que as duas visões são verdadeiras e é exatamente por isso que nossa investigação ainda tomará dois rumos um histórico, vasculhando a reprodução das formas e conteúdos e um ecológico profundo (imagético e psicanalítico), sondando os significados. Taoísmo e Hermetismo: natureza sutil, movimento e complementariedade dos opostos O Tao: o caminho, o caminhante e o ato de caminhar Mestre Wu Jyh Cherng, fundador da Sociedade Taoísta do Brasil, cita um verso do Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude), do capítulo 24: “Quem respira apressado não dura. Quem alarga os passos não caminha” (Lao Tse, [± séc. III a.C.]). Agora “imaginemos nós e um trilhão de pessoas respirando com ansiedade”, diz Cherng (2012), que prossegue perguntando: “como seria a energia do planeta?”. Para o mestre taoísta sino-brasileiro, “isso traz os desastres naturais como a alteração do clima, do vento, das tempestades, na Terra” (CHERNG, 2012). Segundo Wu Jyh Cherng (2012) a respiração está correlacionada com o controle das emoções, com a possibilidade de gerar longevidade ou rupturas do tipo stress moderno, “a alteração emocional altera imediatamente a respiração. A grande alteração emocional coletiva altera a respiração da humanidade” (CHERNG, 2012). Nessa visão peculiar de uma ecologia profunda inspirada no taoísmo, o ponto de equilíbrio é a busca incessante para que o “caminho seja constante”, ou seja, duradouro ou eterno. Segundo mestre Cherng (2012) os versos anteriores de Lao Tse, “falam da naturalidade”, justamente porque “todas as coisas têm um tempo próprio para acontecerem. Ao darmos um passo maior do que podemos dar, nos cansamos e não podemos caminhar mais”. E ele prossegue falando de “uma grande crise na Terra” gerada pela “cultura moderna”: Também essas palavras dizem que a cultura moderna é uma cultura de “alargar passos”. Nós consumimos muito rapidamente. Existe uma grande crise na Terra em função do que o ser humano dá um passo maior que a natureza. Ou seja, o homem deixa de se integrar à natureza, com o céu, com a terra, com a floresta e com outros seres, por que tende a dar passos maiores, consumir mais do que pode oferecer (CHERNG, 2012). 115 Em determinado ponto, ainda precisará fazer a diferença entre arquétipos junguianos historicamente herdados e as características imersas em realidades não-locais mais típicas dos arquétipos transpessoais citados por Ken Wilber. Página | 134 Portanto, para Cherng (2012), a Terra até pode ser considerada rica, como ela realmente é. “Mas por mais rica que seja, esse consumo exagerado, esses grandes passos, acabam cansando a terra, cansando o mundo”. O Taoísmo é uma tradição religiosa, de origem chinesa, que foi codificada como tradição filosófica a partir do século IV a.C., em suma, propõe-se levar o homem ao retorno de um estado de consciência e vida plena, portanto, levá-lo ao Tao. O termo Tao, literalmente quer dizer “O Caminho”116, numa interpretação filosófica-espiritual: “Tao é, ao mesmo tempo, o caminho, o caminhante e o ato de caminhar. Filosoficamente, pode ser interpretado como o Absoluto” (Sociedade Taoísta do Brasil, 2012). Tecnicamente, no sentido estrito desta pesquisa, a concepção de conexidade e pertencimento mútuo entre objeto e observador é a razão da imprescindibilidade da abordagem ecológica profunda, para a análise institucional. “O outro não é o outro. Ele e eu somos apenas um”, disse Mêncio, transliteração para o português do nome do filósofo chinês, seguidor de Confúcio, conhecido como Mestre Meng (Meng Tzŭ, Mèngzǐ), que viveu no final do século IV a.C., em uma época de guerra civil na China. Ele prossegue dizendo: “o indivíduo existe, mas não é passível de ser isolado. Cada consciência está continuamente em relação sensível com as outras, salvo quando se enrijece”. O enrijecimento a que se refere Mêncio, é para nós o mesmo mal que assola o Ocidente e seu aprofundamento da divisão “racional” do trabalho. Para nossa compreensão, o enrijecimento da teoria confucionista é o princípio do mal na civilização. Segundo, Mestre Meng: “a realidade do mundo é a sua profunda unidade. Ser humano é promover essa dimensão transpessoal própria da existência; ser desumano é romper com ela”. Portanto, o globalitarismo (SANTOS, 2001) que arrasta consigo uma noção materialista e analítica em excesso é alijador de consciências é essencialmente desumano. Sociologia quântica Dois autores, a saber, Chew (1964; apud CAPRA, 2006b) e Giddens (2003) nos mostraram essa relação de existência paradoxal que entrelaçam sujeito e objeto, sendo, portanto, cada sistema ao mesmo tempo: (1) um elemento de outro sistema maior, (2) ser composto por elementos tal como ele e, ainda, (3) não ser elemento, mas ser uma relação entre elementos. Nisso guardamos para posterior explicação, (1) como instituições se “solidificam” e tornam-se organizações institucionalizadas; (2) como organizações “liquefeitas” se transmutam, envolvem-se umas nas outras, uma participando da dinâmica da outra; e (3) como “gaseificadas” podem não mais possuir um corpo organizacional, tendo sido formalmente dissolvida no passado, hoje continuam vivas como características institucionais que ordenam e ligam as organizações ainda atuantes. Fritjof Capra (2005; 2006b) conduzido por ideias como a de Geoffrey Chew (1964; apud CAPRA, 2006b) – democracia nuclear e o bootstrap de hádrions – e de pensadores taoístas e neoconfuncionistas chega a apontar justamente a noção da “estrutura-ação” do sociólogo britânico Anthony Giddens, pela sua fluidade de ter uma estrutura virtual que é instanciada a cada estabelecimento de relação entre os 116 Curiosamente é termo pelo qual, algumas esparsas fontes históricas alegam, era chamado o grupo sectário judaico criado a partir dos discípulos de Jesus, a igreja cristã primitiva. Página | 135 agentes, tal como ocorre no uso da língua nos estudos de Ferdinand de Saussure. Giddens (PETERS, 2011), como outros sociólogos do século XX, elaborou um corpo teórico unificado, com fins de dissolver as divergências entre estruturalismo e funcionalismo. Um sistema composto por (1) elementos estruturais virtuais, (2) agentes de toda sorte de “natureza” com capacidade volitiva e (3) incontáveis formas de relacionamento entre estruturas e agentes (GIDDENS, 2003). Quando digo agentes volitivos isso é válido para a teoria sociológica de Giddens (2003), mas em relação a “toda sorte de natureza”, trata-se de uma interpretação minha baseada na Biologia Cognitiva da Escola de Santiago, compreendendo sistemas sociais como agentes, com certo grau de “vontade” própria. Princípios Herméticos Hermes Trismegisto teria sido um sábio legislador, filósofo e sacerdote egípcio que viveu na região de Ninus por volta de 1.330 a.C. (ou talvez antes mesmo desse período). Segundo seus admiradores dos tempos atuais, este deus-sacerdote teria vivido “no antigo Egito, quando a atual raça humana estava em sua infância. Contemporâneo de Abraão e se for verdadeira a lenda, instrutor deste venerável sábio”117. Assim sendo, isso posicionaria Hermes Trismegisto como sendo Melquisedeque, rei de Salém, segundo a tradição judaica. O que nos vale nessa empresa, é tomar por empréstimo os princípios herméticos (Tabela X), tendo em vista, sua indubitável similaridade com o que tem sido considerado descobertas inovadoras da ciência moderna e contemporânea. Espero que fique pacificado o fato de que se está sob inspiração do que vimos na tradução intercultural de preceitos da filosofia oriental para o entendimento do estudioso e do homem comum do Ocidente. Vimos isso em Fritjof Capra e o Tao da Física ([1975], 1996), bem como Jung (1959; 2000; 2012), as mandalas e tantos outros conceitos. Nossa expectativa é que raízes primitivas guardem saberes sobre a organização e a postura guerreira, defensora, protetiva, vigorosa tipicamente observada em meio aos militares e aos policiais. E que muito provavelmente, se nossa civilização ocidental-globalitarista-capitalista não tem encontrado em si mesma os meios para equalização de certos distúrbios, outras sociedades, ainda vivas ou do passado nos revelarão, a partir do estudo sobre elas e elementos de suas culturas, como reificar instituições que tem cada vez mais, prestado desserviços (GUÉNON, [1927] 1977). Tabela 3 – Princípios herméticos Princípios O Princípio de Mentalismo O Princípio de Correspondência Enunciados O Todo é Mente, O Universo é Mental. A criação divina se dá mentalmente e fazemos todos parte d'uma mente universal. O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima. Existe relação entre a mente universal e nossa própria Extraído do livro “O Caibalion” (Kybalion), que supostamente conteria lições de Hermes Trismegisto recompilado em 1908, provavelmente por William Walker Atkinson e parceiros. 117 Página | 136 mente humana. O Princípio de Vibração Nada está parado, tudo se movimenta, tudo vibra. O Princípio de Polaridade Tudo é Duplo; tudo tem Polos; tudo tem seu Oposto; o Igual e o Desigual são a mesma coisa; os Opostos são idênticos em Natureza, mas diferentes em Graus; extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os Paradoxos podem ser reconciliados. O Princípio de Ritmo Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés; tudo sobe e desce, tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda, o ritmo é a compensação. O Princípio de Causa e Efeito Toda Causa tem seu Efeito, todo Efeito tem sua Causa; tudo acontece de acordo com a Lei; O acaso é simplesmente o nome dado a uma Lei desconhecida; há muitos Planos de Causalidade, porém nada escapa à Lei. O Princípio de Gênero O Gênero está em tudo; tudo tem seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o Gênero se manifesta em todos os planos da existência. Fonte: Extraído do livro “O Caibalion” (Kybalion), que supostamente conteria lições de Hermes Trismegisto recompilado em 1908, provavelmente por William Walker Atkinson e parceiros. Ecologia Social: derrubando premissas do status quo Para Fritjof Capra (1995), apesar “da percepção ecológica profunda [...] fornecer a base filosófica e espiritual ideal para um estilo de vida ecológico e para o ativismo ambientalista”, é preciso ter ciência de que os quadros próprios dos fenômenos sociais e, sobretudo, aqueles envolvidos numa crise estrutural com processos de domínio e homogeneização dissimulados demandam filtros interpretativos próprios. Ecologia Profunda suscita um “encantamento” pelo humano livre, mas é preciso o sagaz olhar crítico, pois como afirma Capra (1995): “[a ecologia profunda], no entanto, não nos diz muito a respeito das características e dos padrões culturais de organização social que produziram a atual crise ecológica. É esse o foco da ecologia social”. Mas o que caracteriza o diferencial do estudo da Ecologia Social? Segundo Capra (1995), “o reconhecimento [da] natureza fundamentalmente antiecológica de muitas de nossas estruturas sociais e econômicas” e para demarcar o que “condena” nossas instituições como antiecológica, Fritjof Capra alude à também austríaca, radicada nos Estados Unidos, Riane Eisler (1989118 apud CAPRA, 1996). Segundo Eisler (1989) nossas estruturas sociais estão arraigadas naquilo que chamou de "sistema do dominador" de organização social. Conforme a leitura de Capra à obra de Eisler (1989 apud CAPRA, 1996), “o patriarcado, o imperialismo, o capitalismo e o racismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica”. Para este autor, estamos falando do padrão de desenvolvimento civilizacional adotado por um conjunto de sociedades, o qual pode ser masculino ou feminino e de forma sobreposta, ainda pode ser jovem ou maduro (DE PAULA [1987], 2005). As expressões masculino ou feminino, aqui expostas estão correlacionadas com o que no taoísmo, chama-se “yin” ou “yang”. Luiz de Paula (2005) em seus ensinamentos de cunho espiritualista distingue esses dois padrões com termos, sem uma correlação etimológica compatível com as línguas modernas, algo aparentemente 118 The Chalice and The Blade: Our History, Our Future. New York: Harper & Row, 1989 Página | 137 inspirado no sânscrito, denomina-os de “Sudi-Vaens” (impérios pautados nos princípios masculinos, marcados pelo patriarcado – yang) e “Rama-Maens” (sociedades em rede pautadas em princípios femininos, marcadas pelo matriarcado – yin)119. Apesar dos ensinamentos de De Paula (2005) terem um tom quase quimérico, sua interpretação sobre os padrões de desenvolvimento civilizacional corresponde ao alegado por autores como Riane Eisler (1989) e Fritjof Capra (1996). Por isso destaco não ter sido desproposital a referência aos princípios herméticos, em destaque para o da polaridade e do gênero essencial. Segundo a equipe editorial associada a Atkinson (1908), “os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em graus”, bem como “tudo tem seu princípio masculino e o seu princípio feminino”, inclusive se manifestando em padrões diferentes de desenvolvimento civilizacional. Fritjof Capra (1996), por sua vez, denomina esses padrões respectivamente de “auto afirmativo” e “integrativo” (masculino essencial e feminino essencial) e ainda faz referência ao conceito de autopoiesis: pois “essas duas tendências — a auto afirmativa e a integrativa — são, ambas, aspectos essenciais de todos os sistemas vivos” (CAPRA, 1996). [Explicar autoafirmação e integração] pelos conceitos tao. Segundo Capra (1996) “dentre as diferentes escolas de Ecologia Social, há vários grupos marxistas e anarquistas”, prossegue explicando que cada grupo utiliza seu respectivo arcabouço conceitual “para analisar diferentes padrões de dominação social”. O que por ora fazemos aqui é conciliar a capacidade de sondagem da Teoria Crítica e a visão prospectiva da Ecologia Humana para denunciar e desvelar aspectos obscuros do sistema regente. A teoria social quântica Alguns ao lerem esse tópico, podem se perguntar: qual conexão pode existir entre a Teoria Quântica da Física Moderna e a redefinição de conceitos na aplicação da estruturação e funcionamento das instituições sócio-políticas? Como pode princípios quânticos como o da incerteza [descrever outros], afetarem nossa forma de conceber policiamento, ou outra atividade social humana da organização política? Como Física Quântica possa vir a influenciar a Segurança Pública? Para responder de forma minimamente satisfatória, devo recorrer primeiramente às implicações sociais que Geoffrey Chew inferiu da “democracia nuclear”, referindo-se a condição paritária como as partículas subatômicas se relacionam, não havendo os vetores de verticalização hierárquica, mas mantendo uma coerente auto-organização mantida por si-mesmas. Mas para um entendimento mais próximo do nosso objeto de pesquisa, recorro ao professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Túlio Lima Vianna que tem uma intensa atividade acadêmica, convenientemente ao nosso objetivo, no trato de questões sobre a reformulação do aparelho policial 119 “[...] Aviz é um planeta-sede de um gigantesco império do tipo Sudi-Vaens, sociedades extraordinárias, como que perfeitas, fundadas nos princípios do masculino (Yang), ao contrário do tipo Rama-Maens, pautados nos princípios do feminino (Yin), sociedades matriarcais, e que não se organizam em impérios e não fazem guerras de conquista, por exemplo, e que são, embora sob outros valores, igualmente perfeitas” (DE PAULA [1987], 2005). Página | 138 brasileiro. Façamos uma sucinta avaliação das decorrências do que ele discorre em “Teoria quântica do direito: o direito como instrumento de dominação e resistência”, de 2008. Primeiramente quero destacar os autores citados por Lima Vianna (2008), para de certa forma demonstrar a necessidade desses autores em nossa presente obra: FREUD (1996 apud LIMA VIANNA, 2008); FOUCAULT (2000; 2003 apud LIMA VIANNA, 2008); CAPRA (1999 apud LIMA VIANNA, 2008). A conclusão de LIMA VIANNA (2008) nos remete inequivocamente às falas de Roberto Freire, não existe ação neutra nos campos especialista do saber, “não há mais uma verdade determinada a ser descoberta pelo cientista, mas uma provável a ser criada a partir do seu olhar”. Ou seja, como muito bem Lima Vianna (2008) correlacionou com o pensamento de Foucault (2003 apud LIMA VIANNA, 2008), “as condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou um obstáculo para o sujeito do conhecimento, mas aquilo através do que se formam os sujeitos de conhecimento e, por conseguinte, as relações de verdade”. É sob a visão de mundo que rege o padrão mental do ator social que a dita realidade é construída, com uma das possibilidades vivenciais. “Surge, assim, uma relação de saber-poder, pela qual o cientista se funde com seu objeto de estudo, pois, para conhecê-lo, necessariamente precisa modificá-lo”, isso afirma Lima Vianna (2008), porque “o conhecimento não se limita a descrever a realidade, mas inevitavelmente a altera”. Mas não usemos a dogmática visão do cientista, formalmente falando, como o promulgador da verdade, cada ator social é o “cientista” que observa os fatos, pensa sobre ele, interfere na organização interna (In-Forma) dos elementos envolvidos alterando o fato que em uma relação dialógica, é reflexo dos pensamentos e emoções do observador, seja ele, um acadêmico ou outro ator social qualquer que tem relação com o contexto em si. Portanto, as pessoas nos diversos campos da atividade humana não estão “descobrindo” a verdade sobre as coisas, estão criando-a. Neste ponto trago um trecho da fala de Lima Vianna (2008): De forma semelhante, o olhar do historiador definirá as “verdades” históricas. Não mais “a história da humanidade”, mas histórias diversas contadas sob a perspectiva de múltiplos historiadores que, ao narrá-las, modificam o próprio passado. Os economistas, por sua vez, ao observarem o mercado, enunciarão “verdades” que interferirão nos índices das bolsas de valores. Enfim, os juristas, ao interpretarem o direito, criarão novos “direitos” (LIMA VIANNA, 2008). Portanto, os operadores do Direito tanto na vertente jurisdicional como os do específico subsistema de Segurança Pública da Justiça Criminal, em um exercício coletivo, estão, juntamente com toda a Sociedade, gerando ininterruptamente a força mental que sustém as verdades sob a forma como concebemos e concordamos em sermos controlados e/ou organizados, em termos de coesão social. No caso particular, da atividade policial, há inúmeras possibilidades de como ela pode se manifestar, sustento com essa visão quântica, que os atores sociais envolvidos com os processos da ação de policiar, internamente ou externamente às organizações institucionalizadas, estão optando por uma razão de consenso e lógica da teoria dos jogadores, uma dessas possibilidades, que se configura a nossa forma peculiar de fazer polícia. Mas por que a entidade coletiva, denominada de sociedade brasileira, Página | 139 escolhe ininterruptamente o padrão institucional, que por ora, temos exposto como desalinhado com a demanda social geral? Introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos Sou obrigado pela força dos argumentos a concordar com o professor Túlio Vianna (2008) sobre a maleabilidade ideológica dos instrumentos sociais, eles são modelados em sua finalidade a depender da atitude/ação volitiva, só que coletiva, dos atores envolvidos. O que preciso discordar é da visão dicotômica entre uma verdade dos opressores e outra dos oprimidos, uma tese com uma única antítese posta, que equivocadamente está denominada de “dual”, exprimiria, na visão de Lima Vianna (2008), que o direito pode ser, a escolha de quem o manipula, “instrumento de dominação e de resistência; de manutenção do status quo e de inclusão social; de segurança jurídica e de justiça distributiva”. Essa é uma visão restrita dicotômica de opostos, o fato da escolha deliberada por um modo instrumental torná-lo a realidade vivencial, não significa que somente existe um outro modo diametralmente oposto de reificação. Há aqui uma incongruência com o próprio texto de Nietzsche, que é aludido oportunamente por Lima Vianna (2008). Se o Direito e a estrutura sócio-política for utilizada como instrumento da lógica do oprimido, ela levará por decorrência das reflexões de Freud, em uma ação institucionalizada da vingança, depondo os opressores de hoje, e substituindo-os pelos oprimidos, que serão logo a seguir novos opressores. É bem verdade, o que está posto por Lima Vianna (2008) que o ator social estrategicamente posicionado (recorro a Giddens para essa tal ação estratégica), que são os agentes com prerrogativa do uso dos discursos na visão foucaultinana, podem optar, fazer escolha por um dado modo instrumental. O autor faz uma reflexão focada na ação jurisdicional daquele que atua como a pessoa encarnada da face Juiz do Estado. Segundo Lima Vianna (2008), “a Teoria Quântica do Direito desvela o caráter político de todas as decisões judiciais [...] e a interpretação da norma jurídica deixa de ser mera elucidação de significado, transformando-se em verdadeira produção de significado normativo”. E esse caráter político faz com que suas ações, portanto, políticas “ora tutelam os interesses de manutenção do status quo, ora os interesses de redução da tensão de poder entre opressores e oprimidos” (LIMA VIANNA, 2008). Estou admitindo juntamente com o professor Túlio Vianna da UFMG, que as instituições sócio-políticas podem ser manipuladas e usadas como instrumento de uma dada mentalidade, construída coletivamente, conduzida por atores estratégicos e reproduzida de tal forma que dificulte (quase a vedar) as possibilidades de mudança; mas estou, ao passo, discordando que se possa vencer isso por uma tal mentalidade oposta dos “oprimidos”, como em algum momento Leonardo Boff possa vir a se expressar semelhantemente a Vianna, mas a ambos me posiciono, contrário, ouvindo a voz de Félix Guattari (1990, p. 15): “não se trata mais - como nos períodos anteriores de luta de classe ou de defesa da ‘pátria do socialismo’ - de fazer funcionar uma ideologia de maneira unívoca”. Félix Guattari (1990) nos remete a um pensamento assentado na Sabedoria Ecológica: “[...] é concebível em compensação que a nova referência ecosófica indique linhas de recomposição das práxis humanas nos mais variados Página | 140 domínios”. Usando palavras do próprio Guattari (1990), passo a esclarecer qual o problema “quântico” da internalização do sentimento do oprimido: “a maior dificuldade, aqui, reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam em princípio para defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem em seu seio os mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda liberdade de expressão e de inovação” (GUATTARI, 1990). Não é muito fácil, para quem vem de uma tradição de pensamento materialista, abandonar a “ação humana”, como a alavanca crucial do ponto de mudança civilizacional, e adotar um condão que se aponta para outro paradigma de percepção do mundo: o padrão mental. O que colapsa a função de onda é a observação feita por uma consciência que “imagina” (modela mentalmente a imagem) daquilo que espera ver; nesse caso pode-se lutar indefinidamente para alterar a condição do oprimido, se na mente (pessoal/coletiva) dos que lutam estiver impregnada a noção de opressão, tal qual se está concebendo, materializará mais cedo ou mais tarde o tipo correspondente de relação: opressão. Como lutar pelo oprimido, sem gerar opressão? Abandonando a concepção sobre opressão. Não pensando sobre si mesmo, nem como opressor, nem como oprimido, mas segundo Guattari (1990), “um dos problemas-chave de análise que a ecologia social e a ecologia mental deveriam encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos”. É crucial demarcar, que apesar de usarmos Guattari (1990) para redefinir o fluxo da luta contra a opressão, o desvelamento sobre o nome da causa engenhosa ainda permanece a mesma e desse sentido a Ecologia Social não pode se eximir: “A ecologia social deverá trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius”, o autor prossegue enfatizando que “ela [Ecologia Social] jamais deverá perder de vista que o poder capitalista se deslocou, se desterritorializou, ao mesmo tempo em extensão - ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social, econômica e cultural do planeta - e em ‘intenção’ - infiltrando-se no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos” (GUATTARI, 1990). Um fenômeno impulsionado pelo ardil engenho do caráter de autoafirmação, para usar os termos de Capra (1995), – caráter esse – do próprio complexo dos sistemas socioculturais humanos, tomando dos humanos a capacidade plena de exercer reflexividade. O “capital” instanciando aqui nesse caráter auto afirmativo, não é uma entidade metafísica, mas é um “meme egoísta” estabelecido no padrão mental coletivo, no formato de sentido de “sobrevivência a todo custo” e de “usufruto na forma de exploração dos recursos e pessoas ao seu redor”. Em relação a isso, abordaremos mais adiante a noção de que existe uma dada ecologia dos modelos mentais em desajuste, para o qual aludimos ao acirramento do processo que organiza de forma racional o trabalho e alcança níveis sufocantes ao espírito humano, que deveria ser livre. [romper o mimetismo da violência] Página | 141 Ecologia Humana Integral Associando a noção da “ecologia das ideias” de Edgar Morin (1991) e as reflexões de Juracy Marques (2016), pode-se concluir que “os ecossistemas espirituais também atuam no mundo físico dos humanos” (MARQUES, 2016). Por Leonardo Boff (2012) e Jung (2000), estamos dizendo que tais “ecossistemas espirituais” atuam mediante a “manipulação” dos elementos imaginários e consequentemente os simbólicos. E, portanto, uma “Ecologia Humana Integral”, segundo Marques (2016), “não deve partilhar da fragmentação desses mundos (físico e espiritual)”. A diferença entre Ecologia Mental e Profunda, portanto, é sutil, primeiramente estamos considerando que Leonardo Boff (2012), as definem como a mesma coisa; segundo, estamos nos referindo a um alinhamento entre a ecologia da mente de Bateson (1972) como sendo a Mente e a Natureza uma entidade de interrelações só. Ou seja, acompanhando tanto Amit Goswami (2005) como Baruch de Spinozza ([1677] 2009) e dizendo que Deus (a mente universal) e a Natureza (o Universo) são na verdade a mesma supraentidade e que sob a “premissa metafísica de que é a consciência, e não a matéria, a base de toda existência” (GOSWAMI, 2005 apud MARQUES, 2016). Em “Ecologia do Espírito”, Marques (2016) decorre do pensamento de Goswami (2005) que “sabendo não ser possível abordar essa dimensão com os paradigmas clássicos das ciências, sugere um novo paradigma científico para a natureza da realidade”. Juracy Marques (2016) cita, então, que tipo de ciência Goswami (2005) está propondo: “uma ciência baseada na primazia da consciência”. A essa transcendência do mundo material, causando deslocamento do foco das ciências, adotemos a definição de “paradigma invisível da ciência” proposto por Marques (2016). À integração entre as dimensões do saber humano, que na realidade do cosmos não são em nada separadas, chamemos de emergência por uma nova Ecologia Humana que possa abarcar não apenas às dimensões física, biológica, social e cultural, mas possa também unir isso à mente humana e à mente universal. Nesse ponto, talvez estejamos fazendo uso do termo Ecologia Humana, numa perspectiva mais ampla que comumente é utilizada e nisso esteja de certa forma incluído o antigo desejo de uma ciência humana total como ocorreu com a Antropologia. Contudo, como explicamos anteriormente, não se trata da constituição de um novo campo ou disciplina, essa “nova” ecologia humana (que é a mesma, apenas está cada vez mais alargando as fronteiras para integrar saberes) é instanciação do intento de “explicar o inexplicável” como nos afirma Marques (2016) ser o “combustível da ciência”. Para instanciar esse intento, realizam-se estudos interdisciplinares, já que não estamos prontos, quanto homens da razão moderna, a sermos transdisciplinares em plenitude. Dimensões ecológicas Quadro 2 – Dimensões ecológicas nas perspectivas pessoais e coletiva. Perspectiva Pessoal Platão1 Marques2 Perspectiva Coletiva Guattari3 Boff4 Jung5 Página | 142 Soma Corpo Anima Alma Noos Espírito Meio Ambiente Relações Sociais Ecologia Ambiental Ecologia Social Intersubjetividade Humana Ecologia Mental - Ecologia Integral Consciente Coletivo Consciente Pessoal Inconsciente Pessoal Inconsciente Coletivo6 Arquétipo de Si-Mesmo Elaborado pelo Autor com uso das seguintes fontes: (1) Platão. “X”, Ano. (2) MARQUES, Juracy. “Ecologia da Alma”, (2012). (3) GUATTARI, Félix. “As três ecologias”, (1990). Para Guatarri compreendem o mundo da “psique”, do “socius” e do “ambiente”. (4) BOFF, Leonardo. “Uma cosmovisão ecológica: a narrativa atual”, (1995). (5) JUNG, Carl G., “Fundamentos de Psicologia Analítica”. (1996). (6) É importante notar que para Jung, é necessário uma representação esférica, já que o Inconsciente Coletivo revelam um processo de acumulação do acervo evolucional anímico biológico. Quadro 3 – Dimensões ecológicas: esferas* concêntricas da relação humanidade x ambiente Dimensões ecológicas Noosfera1, 3, 4 Infosfera2, 6 Sociosfera Psicosfera 2 Tecnosfera2, 5 2, 5 Biosfera2, 3, 4 Atmosfera2, 3, 4 Hidrosfera3, 4 Litosfera3, 4 Elaborado pelo Autor baseado nos seguintes autores/obras: (1) MORIN, Edgar. “El Método IV: Las ideas – su hábitat, su vida, sus costumbres, su organización”, 1991. (2) TOFFLER, Alvin. “La terceira ola”, 1980. (3) VERNADSKY, Vladimir I. “La Biosfera”, 1997. (4) CHARDIN, Pierre T. de. “O fenómeno humano”, 1970. (5) SANTOS, Milton. “A Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, 2012. (6) FLORIDI, Luciano. “Philosophy and Computing: An Introduction”, 1999. (*) Segundo Milton Santos (2012), trata-se de “contextos alargados”, que “passam a cobrir praticamente toda a superfície da Terra”. Triângulo ecológico humano integral Portanto, usamos a Figura 10, acima, para representar o triângulo ecológico humano integral. Na seção anterior, apresentamos o triângulo de projeção para os estudos em Ecologia Humana, segundo Steiner e Nauser (1993), como pode ser visto na Figura Y120. No triângulo ecológico humano, os vértices são NaturezaPessoa-Sociedade, Steiner e Nauser (1993) já nos alertam que não existe ação direta entre sociedade e natureza, ela é sempre mediada pela pessoa humana. Na proposta interpretativa sobre a ecologia dos elementos profundos, que guiou esta pesquisa, não abandona os efeitos intelectivos do uso do triângulo ecológico humano, mas ressalta outras relações por ele não demonstradas. 120 Figura 9: triângulo ecológico humano, na página 109. Página | 143 Figura 10 – Triângulo ecológico humano integral (Natureza-Espírito-Pessoa) Fonte: Elaborado pelo Autor baseado no aporte teórico da Ecologia Humana Integral: bioecologia, ecologia profunda/mental e ecologia social. Portanto, usamos a Figura 10, acima, para representar o triângulo ecológico humano integral. Na seção anterior, apresentamos o triângulo de projeção para os estudos em Ecologia Humana, segundo Steiner e Nauser (1993), como pode ser visto na Figura 9121. No triângulo ecológico humano, os vértices são NaturezaPessoa-Sociedade, Steiner e Nauser (1993) já nos alertam que não existe ação direta entre sociedade e natureza, ela é sempre mediada pela pessoa humana. Na proposta interpretativa sobre a ecologia dos elementos profundos, que guiou esta pesquisa, não abandona os efeitos intelectivos do uso do triângulo ecológico humano, mas ressalta outras relações por ele não demonstradas. O triângulo de projeção para os estudos em Ecologia Humana Integral tem como vértices Natureza-Espírito-Pessoa, contudo Natureza não é um elemento apartado dos demais, na verdade, o diagrama da Figura X, tem o termo “natureza” grafado em letras maiores, justamente porque, trata-se de referência a todo o campo de relações, para uma delimitação didática, digamos que seja todo o campo de relações existenciais possíveis com alguns pontos de contato com realidades essenciais. Sendo assim, Espírito e Pessoa também fazem parte da Natureza. As relações estão representadas por linhas, com setas demonstrando o direcionamento possível de influência entre um ente e outro. A cor cinza representa relações ou elementos de natureza sutil ou virtual. Quase a totalidade de relações é dialógica, em nosso diagrama, que não pretende ser o mapa exato dessas relações, a relação de influência dos espíritos para com as pessoas, por meio dos modelos mentais é de via única. Para que as pessoas possam exercer sua capacidade volitiva perante os espíritos, elas não podem modificá-los, mas podem mudar seu vínculo a modelos mentais. Alterando o conjunto de modelos mentais a que se associa, naturalmente passa-se a se vincular a outros espíritos. Em nossa representação diagramática, Sociedade é um ente virtual, ainda como no triângulo ecológico humano, da Figura Y, o acoplamento social em si não interfere na Natureza, mas as pessoas diretamente fazem-no, neste caso, orientadas pelos discursos dos modelos mentais predominantes. 121 Figura Y: triângulo ecológico humano, na página XX. Página | 144 Passa-se denominar, por ora, de abordagem ecológica essa visão específica do design funcional das organizações por parâmetros típicos dos sistemas vivos e/ou de suporte à vida na biosfera (CAPRA, 2005; ALIGLERI, 2011). Fritjof Capra (2005) diz “minha aplicação da abordagem sistêmica ao domínio social abarca em si, tacitamente, o mundo material”, ele segue admitindo que “isso não é usual, pois, tradicionalmente, os cientistas sociais nunca se interessaram pelo mundo da matéria”. Capra (2005) avalia que “nossas disciplinas acadêmicas organizaram-se de tal modo que as ciências naturais lidam com as estruturas materiais, ao passo que as ciências sociais tratam das estruturas sociais, as quais são compreendidas essencialmente como conjuntos de regras de comportamento”. Essa divisão rigorosa vem se desenvolvendo para uma ruptura e entrelaçamento de conteúdos e metodologias. Para Carpa (2005) “o principal desafio deste novo século [...] será a construção de comunidades ecologicamente sustentáveis, organizadas de tal modo que suas tecnologias e instituições sociais [...] não prejudiquem a capacidade intrínseca da natureza de sustentar a vida”. E esse desafio será dos cientistas sociais, dos cientistas da natureza e de todas as pessoas. Página | 145 CAPÍTULO 4 | ECOLOGIA MENTAL ORGANIZACIONAL Biologia das Organizações Níveis de vida: bios, psique e zoe Eu não poderia considerar minha proposição minimamente coerente sem referir-me a tradições antigas, se vou, ao fim, dizer que o excessivo racionalismo é causador de um mal dissociativo. Portanto, sou obrigado a perceber a Grécia Antiga como um belo florescer da razão, que se aprofundou em uma captura de nosso sentido maior de existência, alijando-nos. Sem Logos é caos, mas só Logos é atrofia. Hoje se faz necessário um resgate de Mythos, sem novamente ser unicamente guiado por esse princípio. É preciso como diz Nietzche, ser apolíneo e dionisíaco em proporções salutares. Acompanhando Rene Guénon ([1927] 1977), Heráclito (apud CAPRA, [1988] 1995) e Lao Tse (1999), não poderia deixar de vasculhar ideias sobre uma sabedoria que é perene porque admite a fluidez e mutabilidade constante de tudo. Não despropositalmente que Baruch de Spinoza e Giordano Bruno estão presentes como inspiração neste trabalho, tanto pelo hilozoísmo (hyle-zoe) como pelo panpsiquismo. Ou seja, assim como nos adverte Foucault em debate com Noam Chosnky: os conceitos mudam, nossa forma de validar o conhecimento muda e, por exemplo, como dizer o que é vivo? Houve tempos que filósofos consideravam tudo o que existe portador de vida e feito de mente (ou consciência). A raiz grega bios (βίος – modo de vida, curso da vida), não é a plenitude sobre o conceito de vida; assim como eros (ερως), não é do amor. E assim como ainda existe filos () e ágape (αγάπη) como formas mais abrangentes ou de diferentes dimensões de amar; assim há psique (Ψυχή – a vida da alma, alma vivente, homem interior) e zoe (ζωή – vida plena, luz vivificante). Zoe encarna a imanência da vida do Todo, de Theos ou do Tao. A hipótese Gaia não pode apenas vislumbrar bios para dizer que o planeta é vivo, ela o faz porque o orbe possui zoe, que pode suportar a dimensão de vida bios, da psique, como muitas outras, que nos parecem mistério, simplesmente pela nossa incapacidade de compreendê-las. Nossa atenção a esse ternário, ao qual já tratamos em “Ecologia Humana Integral” do Capítulo 3, será retomado mais adiante, tendo em vista que uma das partículas de integração teórica que nos servimos é a Ecologia do Ser de Juracy Marques (2012; 2015; 2016), ecólogo humano brasileiro, e dela depreendemos a ecologia do ser organizacional. Em momento oportuno, sondaremos a dinâmica organizacional tanto na sociosfera (onde se materialzia o corpo organizacional), na psicosfera (onde se dão as dinâmicas da mente organizacional), bem como a noosfera (onde os espíritos institucionais impõem sua influência e regência sobre os sitemas sociais humanos). Em suma, neste capítulo ao discorrer sobre a constituição das organizações, articuladas por suas instituições, depreenderemos que tal como seres cencientes e conscientes, essas também possuem corpo, alma e espírito, mesmo que isso sejam tão somente formas didáticas de descrever os fenômenos organizacionais. Página | 146 Feito aí um preâmbulo filosófico, histórico na defesa de uma dada epistemologia abrangente e a princípio conflituosa com a ciência iluminista, mas necessário para que eu possa dizer sem temer ser imprudente: as organizações, como sistemas sociais humanos, são seres vivos e possuem uma dinâmica psíquica própria. Cabe-nos demonstrar, ao menos especulativamente, a validade desse pressuposto e caso consiga transpor a especulação simplória, passar a tecer uma reformulação conceitual sobre os processos e estrutura organizacional a partir dos postulados desta abordagem, que para ciência tradicional é excêntrica, para contextos de admissibilidade do holismo e da complexidade, é potencialmente elucidativa. Uma biologia da Polícia Militar: conceito razoável? Segundo Maturana e Varela (1995), existe a possibilidade de transformações nas dinâmicas internas e nos demais processos de relacionamentos entre as unidades autônomas de um dado metassistema, que façam o conjunto se deslocar para um nível maior ou menor de autonomia “volitiva” das unidades. Os pesquisadores e professores referências daquilo que viria a ser chamado da Escola de Santiago (do Chile), esclarecem que sendo da mesma classe (organismos e sociedades), a distinção aparente percebida por um observador é meramente fruto da diferença operacional e não que sejam sistemas de natureza verdadeiramente distintas. Organismos são metassistemas com unidades de menor autonomia: células. Sistemas sociais humanos são os que da classe de metassistemas os que têm suas unidades quase “independentes”: organismos multicelulares complexos com consciência desperta (homo sapiens). Em níveis intermediários estão sociedades de insetos, por exemplo (MATURANA e VARELA, 1995). Organismos e sociedades pertencem a uma mesma classe de metassistemas, membros formados pela agregação de unidades autônomas, tanto celulares como metacelulares (MATURANA e VARELA, 1995). Maturana e Varela (1995) falam de um desvirtuamento de sistemas sociais humanos pelo intensivo uso de “mecanismos coercitivos de estabilização”, casos em que os sujeitos perdem sua autonomia e ficam despersonalizados, trata-se de um sistema social humano desvirtuado. Seguindo este raciocínio, pelo qual Maturana e Varela (1995) comparam a sociedade grega da cidade-Estado de Esparta como um exemplar de sistema social humano desvirtuado, faz-se alusão às “instituições totalizantes” de Erving Goffman (1988), para o qual os exemplos primários de sua pesquisa foram: manicômios, prisões e conventos. Mas em sua obra outras instituições sociais humanas são definidas como “totais”, Goffman (1988) classificamnas em cinco tipos, em um deles estão as instituições militares. Em dado momento, refletindo sobre esse aspecto de abarcar todas as experiências do sujeito por parte das instituições totais, incluindo a “mortificação do self”, assim como define Erving Goffman (1988) e explicando isso a outros policiais, para falar sobre nossas próprias aflições, concluí que “a PM não quer apenas seu suor, ela quer seu sangue e sua alma. Ela quer te dizer como você deve pensar e como deve agir até mesmo fora do serviço”. Página | 147 Tal análise é feita sob o espectro da abordagem sistêmica, suscitando aproximações da perspectiva sobre sistemas vivos biológicos para sistemas “vivos” sociais (MATURANA e VARELA, 1995; CAPRA, 1996; 2005; 2006a; 2006b). Sistema esse que quando incorporado por estruturas de domínio, como tem sido historicamente o caráter do Estado, são transmutados em sistemas de repressão e dissuasão com o, pretensamente legítimo, uso da força física ou a ameaça efetiva de seu uso (FOUCAULT, 2008; BRODER, 1984). Portanto, o tema segurança pública e os corpos militarizados de polícia típicos do sistema luso-brasileiro de manutenção da ordem (COTTA, 2012; BRETAS, 1997; SAPORI, 2007; MUNIZ, 1999) são tratados transversalmente a um aporte teórico ecológico multidisciplinar (MATURANA e VARELA, 1995; CAPRA, 1996; 2005; 2006a; 2006b; JABLONKA e LAMB, 2010; HANNAN e FREEMAN, 2005) aplicado a instituições sociais humanas (GIDDENS, 2003; LUHMANN, 2006; SHEIN 2007; ARGYRIS e SHÖN, 1978; MORGAN, 2002; FOUCAULT, 2008; 1986; 2003; RAMOS, 1989). Em um contexto que proteger seja a razão de ser da entidade afeta ao uso da força-vigor, do desbravamento e da rápida articulação para a assistência das pessoas e/ou das comunidades, a “polícia” (para usar um termo moderno de compreensão acessível) é um sistema de autoproteção comunitária. Para o ambiente a polícia é a membrana da comunidade, tendo em consideração que “as membranas são os fundamentos da identidade celular” (CAPRA, 2005, LYNN, 2001). Membrana que circunda a comunidade-célula externamente e envolve as organelas internas numa estrutura contínua, que as diferenciam do restante do meio celular (CAPRA, 2005, LYNN, 2001). No ambiente de um metassistema de unidades comunitárias (uma sociedade complexa), a polícia é o sistema imunológico. Esse primeiro contexto é uma prospectiva do ambiente saudável, que poderá se estabelecer. Essa é a sã biologia do sistema social (vivo) que em outro contexto, relativamente degenerado, dá cabimento ao surgimento da polícia pública-estatal. Nesta perspectiva, é necessário uma “atitude mental” que possibilite questionar a até então irrefutável composição essencial do poder político pela “coerção e subordinação [...] em toda a parte e em todo tempo”, viabilizando a modelização de um panorama onde o “não-poder” estabeleça relações horizontais e por consequência as estruturas sócio-políticas sejam eminentemente de autogestão (CLASTRES, 1979). Pierre Clastres (1979) propõe para tanto o estudo das sociedades fora do paradigma de crescimento/desenvolvimento do Ocidente, por reiterado erro etnológico, chamadas de arcaicas ou primitivas, onde não há presença do Estado, como, por exemplo, as nações tupi-guarani do Brasil e Paraguai entre outras (CLASTRES, 1979). Essa questão de um equívoco etnológico, difundido para o mainstream das ciências sociais, também é abordada por Juracy Marques (2012). Entretanto, em um processo histórico de domínio (COSTA, 2005), os agentes volitivos dos sistemas sociais humanos (GIDDENS, 2003), ganham simbolicamente um conjunto de indumentária que suscita imagens mentais muito distintas, quebra-se a "democracia nuclear" (CHEW, 1964), criam-se as classes (os estamentos, as castas desalinhadas de seus propósitos) e nem todos os sujeitos são pessoas, alguns são mais patrícios que outros, formando uma massa de indivíduos parcialmente ou totalmente despersonalizados (MARQUES, 2012; DAMATTA, 1997). Marques (2012) aborda essa relação como de “humanos” e “anti-humanos” e fazendo Página | 148 uso das reflexões de Boventura de Sousa Santos (2010 apud MARQUES, 2012), afirma que a modernidade apenas se mantém como ela é, pela existência de uma subhumanidade. Nesse sentido, governam-se mentes, para controlar corpos (FOUCAULT, 2008). A polícia desse contexto está desvirtuada, tal qual está o meio social, numa profunda crise estrutural de percurso (MÉSZARÓS, 2011), quiçá mesmo seja um desvio fundante (GIRARD, 1998). Dentro da perspectiva de uma biologia das organizações, essa subumanidade é gerada por artimanhas culturais de estabelecimento das relações de poder, gerando uma divisão artificial da espécie humana, criando nela uma diferenciação ao ponto de podermos analisar as relações entre o grupo das pessoas e o grupo dos indivíduos (DAMATTA, 1997) como relações interespecíficas que tendem a de caráter negativo, como predatório ou parasita. É nisso, que a visão ecosófica, como diz Guattari (1990), nos serve para uma ecodemocracia, assentada na “irmandade” entre todos os seres humanos e não-humanos, com essa consciência, as relações tendem a focar as de caráter positivo, como a cooperação. No contexto mais restrito dos estudos organizacionais, pode-se citar a diferenciação marcante entre corpo gerencial (administrativo) e o corpo operacional na Teoria Clássica da Administração. Apesar de Taylor ([1911]; 2004) demonstrar em seus escritos uma, quase febril, preocupação com o alívio das tensões entre patrões e empregados, parece-nos que a visão paramilitar de Fayol (CHIAVENATO, 2000) superou nesse aspecto ideal integrativo a de Taylor (2004), aproveitando dele a eficiência da “máquina operacional”. Tanto quanto as relações interpessoais dentro das organizações e suas dinâmicas de funcionamento refletem o padrão das relações de poder da sociedade, mais não como um todo. Os troncos institucionais podem carregar de forma mais acentuada uma faixa do espectro dos modelos mentais a eles inerentes, tornando a organização um espelho não da sociedade completa, mas de um determinado conjunto ideológico preponderante, ou porque não denominar de hegemônico, já que a melhor explanação sobre esse fenômeno é de Antonio Gramsci (1982; 2001). Portanto, uma organização institucionalizada como o Congresso Nacional, que tem raízes na instituição Parlamento inglês e nas Assembleias romanas, até remontar o Conselho de Anciões tribais, tem sua natureza constitutiva, na reprodução de pressupostos, que estabelecem sua força mental coletiva. Numa análise institucional, tal como sugere Anttony Giddens (2003), há de se verificar a confluência de características institucionais fundamentais, como o do pátrio poder (EISLER apud CAPRA) no caso do Congresso Nacional e por conclusão, não há de esperar que uma dinâmica institucional como essa venha a naturalizar ou naturalizar-se com pressupostos estranhos, tais como as de relações horizontais de resistência do “grupo dos indivíduos”. Uma sociedade como a brasileira composta por 51% de mulheres, não terá logicamente a mesma representatividade numérica no Congresso, que não passa de 10% de parlamentares mulheres. Isso ocorrerá semelhantemente com outros fatores de distinção como etnia, atividade profissional de origem, faixa etária etc. Página | 149 Onde quero chegar com essa explicação sobre caráter preponderante da natureza constitutiva das organizações, a depender de seu tronco institucional? Que a Polícia Militar faz parte de um arranjo híbrido que aponta para a conexão com certas instituições históricas irremediavelmente espelhares de uma parcela das representações sociais possíveis. E que no caso da PM, ela reflete justamente características mais sagazes do tronco militar milenar e político-burocrático bicentenário, que chamamos nesta pesquisa de características dos elementos sociais do masculino agressivo. Aqui se abriga nossa metáfora sobre o câncer e não estamos falando da Polícia Militar como ente adoecido num ambiente são (SONTAG, 1984; REICH, 2009). Estamos falando de uma estrutura social/mental que se sobressaí como mais agressiva na sua expansão de metástase isso porque, esse composto institucional tinha para bons propósitos (bons, no sentido de úteis ou éticos) características destacáveis de arrojo e vitalidade (SONTAG, 1984; REICH, 2009; GRIVICICH, 2007; ALBERTS, 2009). O caráter canceroso não partiu desse subsistema em particular, mas encontrou nele condições mais propícias para se alastrar, como uma leucemia. Acompanhando a "genealogia" do sistema terrestre, e/ou dos sistemas vivos, observa-se que a preponderância de tomada do espaço por um ente "vitorioso" ou mais bem adaptado é comum e sua metaestrutura de acoplamento desenvolve uma camada circundante, uma sobreposta a outra ao planeta Terra (LYNN, 2001). Nisso temos a biosfera, a sociosfera e a noosfera, para citar os exemplos mais pertinentes ao nosso estudo em tela (CHARDIN, 1970; VERNADSKY, 1997; MORIN, 1991). Tomando isso, como pressuposto do padrão natural de crescimento/povoamento do orbe-casa (nave-oikos) entendemos que as populações dos seres-elementos da noosfera tendem a um isomorfismo, ou seja, sendo a noosfera o ambiente das ideologias, um dado padrão de governo mental tende a ser preponderante, fiador de um “pensamento único” (SANTOS, 2001). Estando a base geral do pensamento regente desalinhado com seu corpo hospedeiro, age esse como um ente devastador ou invasor, tal qual um câncer ou um vírus. Para tal reflexão, considera-se o padrão de desenvolvimento/crescimento Ocidental (capitalismo-cartesianismo) como o dito pensamento regente (CAPRA, 2005; 2006a) e Gaia (o planeta Terra e sua rede de relações) como o corpo hospedeiro (MARGULIS e LOVELOCK, 2002). Nesse ponto, é muito importante que um esclarecimento válido para essa perspectiva geral, bem como, da institucional estudada. O que é visto como um elemento díspare, com características de parasita, é o bloco ideológico que inspira as ações contraproducentes, no longo prazo, e não a espécie humana em si. E como sempre pondera muito enfaticamente, o Dr. Juracy Marques, as experiências de sucesso apontadas por Elionor Ostrom, sob o título de “o governo dos comuns” é prova digna de defesa ativista para indicar a preponderância do fator cooperação entre os humanos, quando alinhados aos princípios biofísicos (ecológicos) e espirituais (profundos) da Terra. Se assim nos referimos ao conjunto social, também o é no estudo sobre a instituição policial militar, não são os policiais, que devem ser encarados como Página | 150 inimigos sociais, mas a mentalidade hegemônica, que disputa espaços com outras mentalidades vigorantes, porém preteridas como subalternas (KIMMEL, 1998; CONNELL, 1995). Essa noção de um jogo no palco político institucional por conflito de esxpressões de masculinidades foi mais bem trtado no Capítulo 8. A concepção de modelo mental regente do comportamento humano e certa disputa desses modelos é trabalhada mediante o aporte dos estudos sobre homens e suas diversas masculinidades mediante o crivo de Michael Kimmel (1998), Robert Connell (1995), Botton (2007), Fry (1982) além de Jeff Hearn e Davis Collinson (2005). Enquanto o ideal hegemônico estava sendo criado, ele foi criado em um contexto de oposição a “outros” cuja masculinidade era assim problematizada e desvalorizada. O hegemônico e o subalterno surgiram em uma interação mútua, mas desigual em uma ordem social e econômica dividida em gêneros (KIMMEL, 1998). Essa disputa se dá pelo uso recursivo dos símbolos linguísticos por parte dos sujeitos, criando uma hierarquia entre o modelo hegemônico e modelos alternativos que se organizam em inúmeras camadas até a identificação de modelos antagônicos, que alicerçam a identidade do modelo hegemônico como contraposto (KIMMEL, 1998; CONNELL, 1995). A ressalva que faço ao aporte teórico do tema trata-se do fato de que sempre é apresentado enfaticamente, que “as masculinidades são socialmente construídas”, ou seja, descartando qualquer tipo propriedade essencial eterna ou biológica (KIMMEL, 1998). Essa ênfase, e declaração de pressuposto, também encontrada no aporte sociológico e da teoria crítica utilizado na análise de outros quadros temáticos, ao longo deste trabalho, não são vista como constrangimento ao seu uso, devido à conciliação de dicotomias propostas pela visão sistêmica. Em prol de compreender a verdadeira natureza das organizações policiais militares “imaginizou-as122” como organismos vivos (MORGAN, 2002), que por serem metassistemas de organismos autônomos refletem o padrão organizativo dessas unidades em seu conjunto estrutural. Instituições sociais humanas refletem a forma humana de constituição, nisso se estabeleceu a metáfora da “pessoa organizacional”. Considerando uma analogia propícia para o entendimento do objetivo de tal empreitada, recorre-se ao ternário (Simbólico-Imaginário-Real) dos registros psicológicos de Lacan (apud CLAVURIER, 2013), bastante utilizados por Zizek para explicar as relações sociais e suas ideologias (padrões organizativos e conteúdos ideais). E para uma triangulação, que contemple os estudos organizacionais, recorrese subsidiariamente à proposição do psicólogo organizacional Edgar Schein (2007), na qual a cultura organizacional tem três níveis: (1) Artefatos (portanto, palpáveis, diretamente observáveis), (2) Normas e Valores (percebidos apenas pelos membros da organização) e (3) Pressupostos (verdades incontestáveis, motivos inconscientes). Temos, portanto, a recursiva decomposição, apenas didática, de um todo inseparável, em três camadas, níveis ou dimensões constitutivas. 122 Imaginizar – Vide tópico “Imaginização” do Capítulo 1, com referência direta a Gareth Morgam (2002). Página | 151 Para Morgan (2002), assim como um iceberg, a parte visível da cultura organizacional trata-se da menor parte da imensa pedra de gelo, ainda conforme Hofstede (1991), comparando a uma cebola, nas camadas superficiais estão os elementos da cultura organizacional que ocultam o núcleo, onde estão os princípios basilares que dão a razão de ser do grupo social. Shein (2007), Morgan (2002) e Hofstede (1991), fizeram a alusão a múltiplas camadas em aplicação ao estudo da cultura organizacional em uma abordagem de grupo. Em aludir ao ternário de Lacan, faço um paralelo didático entre as dimensões do ser e do grupo (como ente transpessoal). Para Shein (2007 apud CHIAVENATO, 2009), o terceiro nível, mais profundo é “o coração da cultura de uma organização”. Pressupostos envolvem as crenças consideradas “tabus”, ou seja, verdades incontestáveis. Aquilo que os membros acreditam ser a base de significado da realidade, influenciando no que sentem e pensam. Os elementos dessa camada estão além da consciência, são elementos invisíveis e de difícil identificação. Retornando a Lacan (apud CLAVURIER, 2013), sendo, portanto, inviável capturar sistematicamente as expressões do Real, intento através da autoetnografia, alcançar as imagens psíquicas, socialmente compartilhadas, pelo grupo estudado, que possam ser traduzidas em uma descrição simbólica a partir de elementos análogos conhecidos pela comunidade acadêmica e pelo público em geral. Organizações institucionalizadas se tornam reduto de grupos geneticamente assemelhados O objetivo deste trabalho é conhecer, ainda que superficialmente, algumas das características dos “espíritos” dos guerreiros e em particular, a associação peculiar destes que regem a polícia militar brasileira. Oportuno é esclarecer que por “espírito” adotei o conceito de Edgar Morin (1991), ou seja, ideias autônomas que possuem vida própria e se estabelecem nas mentes humanas como se essas fossem seu habitat ou seus hospedeiros, concepção similar a de Teilhard de Chardin (1970). As ideias são dotadas de vida própria porque dispõem, como os vírus, em um meio (cultural/cerebral) favorável, da capacidade de autonutrição e de autorreprodução. (MORIN, 1991) [...] os memes devem ser considerados como estruturas vivas, não apenas metafórica, mas tecnicamente. Quando você planta um meme fértil em minha mente, você literalmente parasita meu cérebro, transformando-o num veículo para a propagação do meme, exatamente como um vírus pode parasitar o mecanismo genético de uma célula hospedeira. (HUMPHREY apud DAWKINS, 2007) Por associação peculiar, quero me referir à mesma noção de que as ideias são transmitidas em blocos, tal como propõe Dawkins (2007) com os agrupamentos de memes, Jung (2000) com o panteão de arquétipos e Giddens (2003) com a constelação de instituições. Uma comunidade de ideias pode ser equiparada a um paradigma, que para Morin (2008): “são princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência”. Página | 152 Por guerreiros, entendo um nicho da ecologia própria dos humanos, que nos diversos contextos sociais podem se apresentar por feições especializadas ou combinadas com outros nichos, ou seja, numa perspectiva funcionalista, dentro da divisão natural das atividades humanas em grupo, existe um conjunto de atividades ou atuações sociais que estão vinculadas a um percurso histórico de padrão de comportamento, instituições e imagens mentais que ordenam tais scripts (JABLONKA e LAMB, 2010). Numa perspectiva evolutiva, eu as chamaria por casta "bioantropológica" de guerreiros. Entre as atividades sociais que guardam vínculo por um tronco “filogenético” direto a sua mais provável raiz, a saber, a atividade de caça do modo de subsistência de caça-(re)coleta do homo sapiens, herdada dos primatas, estão nas expressões ainda existentes na contemporaneidade: os policiais, os militares, os militantes, os guerrilheiros, os esportistas combativos, os bombeiros entre outros. Este entendimento que carrega uma perspectiva mais abrangente sobre um grupo de nicho-função social tem aporte em uma fundamentação teórica de David Priestland, em “Uma nova história do poder: comerciante, guerreiro, sábio” (2014) e de percepções fruto da observação deste autor como nativo do grupo de policiais militares de um determinado estado brasileiro. Enclausuramento operacional: a chave guerreira Para Maturana e Varela (1995), “os organismos, como sistemas metacelulares, possuem clausura operacional graças ao acoplamento estrutural das células que os compõem”. Para os pesquisadores chilenos todo o processo evolutivo é envolvido de aprendizagem, para eles seres unicelulares aprendem, nessa esteira Argyris e Shön (1978) aplicaram conceitos similares e dizem que todas as organizações pode ser aprendentes. Tanto Argyris e Shön (1978) como Maturana e Varela (1995) dirão que sistemas sociais humanos “também possuem clausura operacional que se dá no acoplamento estrutural de componentes”, porém para eles a situação ganha novos desdobramentos, quando se trata dos humanos modernos. Maturana e Varela (1995) explicam que “a identidade dos sistemas sociais humanos depende, portanto, da conservação da adaptação dos seres humanos não só como organismos, no sentido geral, mas também como componentes dos domínios lingüísticos que constituem”. Os humanos não bastam ter predisposição genética para uma dada atividade, eles precisam reconhecer os sistemas sociais onde essas predisposições são exercidas como “unidades para seus componentes no domínio da linguagem” (MATURANA E VARELA, 1995). Conforme Maturana e Varela (1995), “é uma história em que se selecionou a plasticidade comportamental ontogênica que possibilita os domínios lingüísticos e em que a conservação da adaptação do ser humano como organismo exige que opere em tais domínios e conserve tal plasticidade”. A recorrente reativação de uma predisposição neurofisiológica de base filogenética induzida pelas interações com o ambiente e, portanto, inclui-se o “hambiente” social é o que chamamos de aspecto biológico da “chave guerreira”. Ou Página | 153 seja, a estrutura neurofisiológica necessária para operacionalizar as funções que suportam o comportamento de guerra e caça, estão previamente selecionados pela grande linha sucessória, em que tal comportamento foi exigido como requisito para melhor êxito e sobrevivência da espécie (JABLONKA e LAMB, 2010). E mesmo que um ser humano moderno, não apresente o dito comportamento espontaneamente em toda sua plenitude, se em contato com os elementos simbólicos cabíveis, terá a composição e o arranjo interno do sistema nervoso cerebral reconformado com base no projeto já guardado em seu acervo genético, para tornar-se um guerreiro (FERRARI, 2001; JABLONKA e LAMB, 2010). Uma vez o processo de ontogenia da neuroplasticidade ativado, para sua reversão será necessário exposição a estímulos tão intensos e duradouros quanto aqueles que desencadearam o processo. O conjunto de símbolos capazes de suscitar a reação, recorrente em uma linha geracional, de trazer à tona características antes adormecidas e/ou latentes são nessa perspectiva o aspecto arquetípico da “chave guerreira” (JUNG, 2000; CHEVALIER e GHEERBRANT, 1986). É um processo de mão dupla, as instituições, como acervo da reprodução cultural trazem em si a simbologia guerreira. Os corpos dos indivíduos trazem a memória genética de quando ser guerreiro era questão de sobrevivência e por isso a seleção natural os privilegiou como descendência mais ampla numericamente (JABLONKA e LAMB, 2010). Lógico que ser guerreiro no campo simbólico remonta a noções como vigor, honra, subjugamento, domínio etc. No campo biológico, isso se traduz por características que bem poderiam ser aproveitados por outras funções sociais, tais como maior capacidade de resposta a estímulos que exigem pronta resposta corporal, capacidade de melhor oxigenação, músculos mais aptos à resposta ao medo etc. O ambiente fomentou e esculpiu nos hominídeos a necessidade de luta e caça, por meio de circunstâncias insalubres, escassez de alimentos, concorrência com primatas e com outros hominídeos (NEVES e RAPCHAN, 2017; WRANGHAM e PETERSON, 1998). A seleção natural deu a eles maiores probabilidades de sobreviver e a seleção sexual os privilegiou para a perpetuação da prole (JABLONKA e LAMB, 2010). As sociedades humanas organizaram em seu acoplamento linguístico, no nível da linguagem: histórias, mitos e expressões que defendiam, incentivavam e agrupavam os “guerreiros” (HARARI, 2015). As instituições humanas levam em si o acervo daquilo que é preciso para ser um guerreiro, tudo aquilo que não foi incorporado ao acervo genético. Portanto, esses dois blocos do mesmo ser, o corpo celular e o espírito inanimado se atraem de tal forma para criar os componentes subjacentes: o corpo orgânico coeso, a alma sociojurídica e a reativação do agir concreto do espírito numinoso. O rompimento se dá com a grande mutabilidade do “hambiente” cultural prole (JABLONKA e LAMB, 2010; MARQUES, 2017). O ambiente impacta nos humanos e os humanos reconstroem o ambiente, mas no plano cultural isso se dá tão rápido, em poucas gerações ou na mesma geração, que o corpo humano não acompanha todas as adaptações (JABLONKA e LAMB, 2010; HARARI, 2015; 2016). Página | 154 Portanto, uma civilização dócil, autocontrolada por institutos civilizatórios tem que ser capaz de lidar com uma massa de indivíduos ainda propensos à caça e à guerra (ZALUAR e LEAL, 2001). Especificamente sobre o processo de descobrir-se previamente um guerreiro em potencial e ser em seguida lapidado para se tornar um policial militar, é oportuno a citação de Ferrari et al. (2001): Do mesmo modo que o comportamento altera a probabilidade de outros comportamentos123 a atividade neural altera a probabilidade das funções neurais. Uma das evidências para este fato é que tanto as situações de mera exposição à estimulação ambiental quanto às situações de treinamento sistemático em aprendizagem resultam em alterações no comportamento e nos circuitos neurais124. Ou seja, subjacentes aos processos comportamentais de aprendizagem e de memória encontram-se as alterações funcionais e morfológicas que ocorrem no sistema nervoso e que caracterizam a plasticidade neural125. Desse modo, verifica-se que os processos comportamentais e os processos de plasticidade neural possuem relações mais estreitas e complexas do que se supôs durante muito tempo (FERRARI, 2001). Essa noção de base evolutiva e biológica, transposta para a dimensão cultural, não é um conceito inédito, ele é correlato ao uso do termo ethos pelos gregos como a natureza comportamental de um determinado grupo. Não despropositalmente este trabalho é denominado de “A Natureza da Polícia Militar”. Neste sentido, pode-se correlacionar ao uso conceitual do termo ethos guerreiro por Nobert Elias (1997 apud ZALUAR e LEAL, 2001), que o fez para se referir a uma predisposição psicossociocultural à guerra entre os alemães. As pesquisadoras, na época, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro demonstram no seu animus pela pesquisa sobre criminalidade e violência e os processos de institucionalização, justamente aquilo que denomino de “exercício de Saúde Coletiva” ou de Medicina Social. Os números da violência brasileira são endêmicos126, e o que as instituições que lidam diretamente com o problema precisam operar é uma “cura social”. Retornando ao conceito de ethos guerreiro, o qual é apontado por Albuquerque e Machado (2001), como o responsável pelo “currículo da selva” da formação policial militar, deixo que Alba Zaluar e Maria Leal (2001) façam a devida interpretação da formulação original de Elias (1997 apud ZALUAR e LEAL, 2001): Norbert Elias usou o conceito de habitus antes de Bourdieu para se referir a práticas internalizadas através de longos processos de socialização variáveis segundo a época e a classe social. Disso decorrem desenvolvimentos variáveis e divergentes, o que fornece um sinal positivo à domesticação interior ou ao autocontrole, bem como maior precisão para o conceito de violência. Dentre os habitus que descreve, o etos guerreiro é aquele que designa os 123 (Catania, 1999) (Rosenzweig, 1996) 125 (Cuello, 1997) 126 Apresentados no tópico “Letalidade da Polícia Militar e os números da violência nacional” da Introdução. 124 Página | 155 comportamentos que estimulam a alegria e a liberdade de competir para vencer o adversário, destruí-lo fisicamente, e o prazer de infligir dor física e moral ao vencido. Este etos teria sido ultrapassado no processo civilizador ocorrido em algumas sociedades ocidentais por vários processos inclusive o do monopólio legítimo da violência pelo Estado (ZALUAR e LEAL, 2001). Zaluar e Leal (2001), lembram que esse processo civilizador, especificamente referente a evolução no controle do imupulso psicossocial da agressividade pode sofrer retrocessos. E nesse caso, Zaluar e Leal (2001) colocam com forças antagônicas dois tipos de orgulho, um que resulta na não submissão “a nenhum compromisso exterior ou poder superior, típico do etos guerreiro” ou um outro que advém “do autocontrole, próprio da sociedade civilizada”. Para fazer uma ponte com as expressões mitológicas, eu identificaria nisso um conflito entre o orgulho de Ares e o orgulho de Atena. É em Marques (2012) que encontramos algumas discussões chaves para fechar ou alcançar patamares ainda não vistos. A eficiente abordagem congruente entre a visão ecológica profunda e a teoria crítica (ŽIŽEK, 2012 apud MARQUES, 2012), remete-nos a discussões sobre a ontologia do Ser e a necessidade de uma mudança da postura humana, quanto ao padrão civilizacional estabelecido. Mediante ainda Juracy Marques (2012; 2017), que sem nenhuma restrição, por preconcepção alijadora (pré-conceito), ou por inquietação quanto ao uso das palavras sem um maior entendimento de suas múltiplas significações – devido a essa liberdade alcançada por meio da postura de escuta a outras cosmovisões – que posso declarar, este trabalho trata-se de uma modelização teórica, em busca dos efeitos contra evolutivos ou antimorfogênicos causados pelo “espírito da polícia militar” em desfavor do alinhamento entre os propósitos das organizações congêneres (daquelas que adotam o modelo institucional policial militar) e as razões sociais difusas que legitimam (simbolicamente) a manutenção (material) de tais agências estatais. Instituições como troncos filogenéticos O neo-institucionalismo seria o caminho apontado como o natural para um estudo dessa natureza, apesar da abordagem rumar para uma perspectiva socioecológica, as concepções sobre instituições humanas neste trabalho estão alinhadas à escola neo-insitucionalista da Sociologia (HALL e TAYLOR, [1996] 2003). Como da distinção entre adaptabilidade e seleção natural (competição e aprendizagem), selecionamos a primeira dentro do paradigma de uma ecologia das popoulações de organizações, naturalmente perdemos, em parte, a influência do neoinsitucionalismo econômico ou denominado de “escolhas racionais” por otimização e melhor eficiência. Isso se desdobra numa Ecologia Humana que não pode apenas vislumbrar o “forrageamento ótimo”, o agentes não são puramente racionais e interpretam o ambiente por um prisma de valores e crenças que por vezes lhes indicam um caminho até mesmo da extinção ou colapso de suas estruturas sociais. Sobre isso, aludimos a Dimaggio e Powell (1991 apud HALL e TAYLOR, 2003), quando nos informam que “as instituições exercem influência sobre o comportamento não simplesmente ao especificarem o que se deve fazer, mas também o que se pode imaginar fazer num [dado] contexto”. Página | 156 Partindo do pressuposto, que em uma “dimensão cognitiva do impacto das instituições”, essas “influenciam o comportamento ao fornecer esquemas, categorias e modelos cognitivos que são indispensáveis à ação”. Os modelos cognitivos, chamados recorrentemente neste trabalho de modelos mentais, ofertados pelas instituições desde antes o nascimento do indivíduo, ditam as bases para “interpretar o mundo e o comportamento dos outros atores”. Quando você pensa que uma criança terá contato com uma instiuição apenas na idade escolar, está se esquecendo da própria família como instituição, da carga que cada membro da família carrega de outras instituições e reproduzem à criança: patriarcalismo, o matrimônio, a religião. Estaria nisso se esquecendo também das instituições que se interpenetram para alcançar a criança antes mesmo dos 3 anos de idade: mercado de brinquedos, da mídia, do enterternimento, a medicina pediátrica etc. Portanto, fica distinguido que ao falar da Polícia Militar de determinado Estado, como Unidade da Federação, essa espécime organizacional em particular é uma organização institucionalizada e não uma instituição, essa últuma é para nós atributos mais recorrentes que fundam as primeiras. Por instituição, adotamos duas posições as quais se harmonizam. Primeira posição é aquela que W. Richard Scott e John W. Meyer (1994 apud HALL e TAYLOR, 2003), da Stanford University, nos apresentam e pode ser sintetizada que diferentemente da visão nativa da Ciência Política, além de incluir “as regras, procedimentos ou normas formais”, também, compreende-se instituições como sendo “os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem ‘padrões de significação’ que guiam a ação humana”. A segunda posição trata-se das definições da base da Teoria da Esruturação de Anthony Giddens (2003), “a estruturação de instituições pode ser entendida em função de como acontece para que as atividades sociais se alonguem através de grandes extensões de espaço-tempo”. Em termos de uma análise histórica sobre a atividade de polícia, David Bayley (2002), deixa claro como essa atividade se perdura nos mais variados enclaves geográficos, nas mais diferentes épocas da história, com peculiaridades distintas, mas que nos permitem minimamente correlacionar com a forma como a atividade é exercida atualmente no mundo Ocidental. Quando Giddens (2003) diz que a estrutura social é uma “ordem virtual” de relações transformadoras significa que os sistemas sociais, como práticas sociais reproduzidas, não tem em si “estruturas”. Na verdade, elas exibem “propriedades estruturais”, propriedades “mais profundamente embutidas” podem ser chamadas de princípios estruturais. As estruturas “sólidas” podem ser um recurso mnemônico que aponta uma dada organização institucionalizada do presente a título de referência para os agentes humanos envolvidos. Mas fundamentalmente, instituições são, antes das organizações, “aquelas práticas que possuem a maior extensão espaço-temporal”, dentro das totalidades sociais reproduzíveis. Portanto, a estrutura virtual social são conjuntos de simbolizações e práticas recursivamente manifestadas pelos agentes do dado sistema social abrangente. A Polícia Militar é uma organização institucionalizada constituída em si Página | 157 por propriedades estruturais que a diferenciam, por exemplo, da polícia portuguesa, britânica ou da Civil brasileira. Alguns princípios estruturais logo deixam bem claro o desenvolvimento em um tronco de reproduções diferenciado entre a PM e a Polícia Civil brasileira e a britânica. Contudo, no âmago desses princípios estruturais de todas elas há instituições tão antigas quanto pode ser a atividade de controle e coesão social que as equiparam. Portanto, Giddens (2003) deixa o conceito de instituições o mais próximo possível de expressões comportamentais de um arquétipo junguiano (JUNG, 2000). Essa discussão para nossa compreensão multidimensional do Ser, oriundo da Ecologia do Ser de Juracy Marques (2016; 2017) é pacificada pela adoção da noção de que o ser consciente ou senciente tem múltiplos e simultâneos registros, geralmente explanado como ternário, como o fazem Lacan (apud CLAVURIER, 2013), Boff (2012), Guattari (1990) e Platão. Quando isso é associado a um quaternário, como também faz Boff (2012) e Jung (2012a), a quarta dimensão é da integralização. Partindo da Biologia das Organizações e alcançando a Mente Organizacional, concluímos juntamente com Edgar Shein, por uma identidade organizacional. O registro da dinâmica multidimensional da organização (sistema social humano) segundo Shein, pode ser visto como as camadas de um “iceberg”. No nível emerso, estão práticas e símbolos tangíveis ou visíveis, mesmo ao agente externo. Nos níveis submersos, estão normas de cunho oficiosas, costumes e hábitos dos membros nativos, já de difícil acesso ao observador externo e no mais profundo dessa “estrutura-estruturante”, estão pressupostos básicos que determinam, inclusive a forma de ver o mundo dos membros nativos, para os quais nem todo o processo é consciente. Partindo do campo dos estudos sobre cultura organizacional circunscritos na Teoria Organizacional, seria comum procurar no segmento aparente da instituição elementos de caracterização indenitária do grupo e da estrutura sociotécnica. Entretanto, esse é a reiterada ponta do iceberg que fica exposta, emersa no oceano. Essa matáfora pode ser melhor compreendida na Figura 11 e no Quadro 4. No profundo do complexo cultural, no sutil do inconsciente coletivo há determinados tipos de elementos que quanto menos se tem consciência deles, mais eles possuem potência para dirigir o comportamento (CHIAVENATO, 2000; JUNG, 2000; SHEIN, 2007). Página | 158 Figura 11 – Metáfora do “iceberg” difundido por Chiavenato1 baseado na teoria de modelo de cultura organizacional de Shein2 e seus níveis da cultura organizacional Elaborado pelo Autor baseado nas seguintes fontes: (1) CHIAVENATO, Idalberto. “Recursos Humanos: O capital humano das organizações”, (2009). (2) SCHEIN, Edgar H. “Guia de sobrevivência da Cultura Corporativa”, (2007). Etimologicamente, como forma híbrida entre línguas nórdicasescandinavas e anglo-saxãs, o termo iceberg127, significa montanha (berg) de gelo (ice). Trata-se de um bloco de água doce, que ao se desprender de geleiras ou plataformas de gelo continentais vagueia nas águas dos mares ártico e antártico. Devido à diferença entre a densidade da água doce e a água salgada do mar esse imensos blocos flutuam, apresentando 10% de seu volume acima da linha da superfície do oceano. Portanto, 90% do iceberg, ou seja, 6/7 da sua altura ficam submersos, oculto aos olhos dos navegantes, o que historicamente constitui-se em uma armadilha para a navegação. Desse fato, costuma-se dizer: “essa é apenas a ponta do iceberg”, para referir-se a situações em que aquilo que está aparente não passa de uma amostra do todo, ainda mais complexo, que se encontra às escondidas. Segundo Chiavenato (2009), à semelhança de um iceberg (Figura 11), assim podem ser entendidas as múltiplas camadas da cultura organizacional. Chiavenato (2009) sintetiza as concepções de vários autores, falando de duas camadas: aspectos formais e abertos e aspectos informais e ocultos. Mas essa visão de camadas aplicados à cultura organizacional fica mais bem esclarecida pelo psicólogo social Edgar Shein (2007), que apresenta em seu modelo três níveis: Artefatos (nível superficial), Normas e Valores (nível intermediário) e Pressupostos (nível profundo). A disposição dessas camadas pode ser mais bem compreendida pela interpretação da Figura 11 e o detalhamento quanto definição e visibilidade observase no Quadro 4. 127 Iceberg. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica, 2017. Web, 2017. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/481548/iceberg>. Acessado em 10 jan. 2017. ICEBERG. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida-EUA: Wikimedia Foundation, 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Iceberg>. Acessado em: 10 jan. 2017. Página | 159 Quadro 4 – Níveis da Cultura Organizacional segundo a teoria de Shein: definições e visibilidade Nível Artefatos Normas e Valores Pressupostos Definição É o primeiro e mais visível nível da cultura de uma organização. Exemplo de elementos: missão, slogans, as instalações da empresa, mobília, fardamento, jargão. Os valores podem ser estudados através de entrevistas com trabalhadores, a fim de captar as atitudes deles. Membros de uma organização são aptos para reconhecer seus valores razoavelmente de maneira fácil. Essas normas (regras não escritas) são associadas com valores. Coração da cultura de uma organização. Envolvem as crenças consideradas “tabus”. Verdades incontestáveis: aquilo que os membros acreditam ser a realidade, influenciando no que sentem e pensam. Estão além da consciência e são elementos invisíveis e dificilmente identificados. Para o observador externo Para o membro interno Visível Visível Oculto Visível Oculto Oculto Elaborado pelo Autor com uso das seguintes fontes: (1) CHIAVENATO, Idalberto. “Recursos Humanos: O capital humano das organizações”, (2009). (2) SCHEIN, Edgar H. “Guia de sobrevivência da Cultura Corporativa”, (2007). Sistemas sociais humanos: organismos vivos Nossa proposta caracteriza-se como uma análise socioambiental, em que a organização estudada, ela mesma é um ser vivo. Executar uma análise socioambiental, desse tipo, de uma dada organização requer antes de tudo, reconhecer a própria natureza das organizações sociais humanas que são mais uma das expressões da complexa fenomenologia do ser humano. Os aspectos da dita natureza aqui destacado é que esses sistemas são dinâmicos; em constante retroalimentação; articulam processos em dimensões corpóreas e em dimensões sutis; evoluem por meio de uma espécie de aprendizado coletivo, que se utiliza do acervo das experiências individuais; em certo estágio ganham relativa autonomia, não sendo possível controlar os resultados de seu metabolismo, mas de induzir alterações, que são processadas pelo próprio sistema, em alguns casos com desdobramentos a revelia de seus gestores (ARGYRIS e SHÖN, 1978; CAPRA, 2006a; LUHMANN, 2006; SCHEIN, 2007). Há, portanto uma exigência por uma visão sistêmica e uma postura transdisciplinar, toda vez que o fato/objeto pesquisado seja um aspecto do fenômeno humano. Não é preciso maiores indícios, para se começar a testar aplicações no trato com as organizações sociais humanas, que as contemple como um resquício, um reflexo ou um autêntico fenômeno inerente aos sistemas vivos (CAPRA, 2005). Com o atual contexto do avançado processo de organização racional do trabalho, as sociedades humanas estão invariavelmente institucionalizadas. As sociedades, que também são complexos de organizações, tornaram-se o ecossistema de diversas organizações humanas. Nas sociedades contemporâneas, pós-industriais, não há praticamente nenhuma atividade social humana, que não esteja sob a tutela, regência ou suporte de uma organização. Nascemos em organizações; somos educados por elas; exercemos o labor em várias delas, durante a vida; alimentamo-nos e temos entretenimento mediante organizações e ao morrermos, dependemos dos serviços de algumas delas (ETZIONI, 1967; DRUCKER, 1997; RAMOS, 1989; CHIAVENATO, 2000; WEBER, 2006). Página | 160 Portanto, esse envolvimento com todas as áreas da atividade humana e um grande número de sociedades e indivíduos, fez com que na história evolutiva das organizações, elas ganhassem cada vez mais complexidade interna e uma forte interação interdependente com as demais. É dessa complexidade que se quer falar, por enquanto. Os sistemas intrincados, de padrões não lineares, envolvendo inúmeras variáveis e interagindo com uma grande quantidade de agentes volitivos por vezes apresentam anomalias, em relação à funcionalidade esperada (GIDDENS, 2003; CAPRA, 2005). Necessidade de sarar sistemas sociais disfuncionais A correção de tais sistemas não parece ser mais possível por procedimentos que os percebem de forma estática. Não se alteram sistemas complexos, autônomos, em pleno funcionamento (anômalo ou não) mediante decreto ou projetos de engenharia 128. Propor uma gestão dos recursos, processos e pessoas inerentes a responsabilidade social e a consciência ambiental (de uma dada gestão socioambiental) não pode intentar um regresso à “ambição do pensamento simples, que era controlar e dominar o real”, assim como nos diz Edgar Morin (2008). Tratando-se de sistemas em equiparação com sistemas vivos, sendo reflexivos da natureza de seus agentes operativos: os humanos; então, o mais apropriado é que assim como uma saúde integrativa pretende, as organizações sociais humanas precisam ter seu equilíbrio restaurado e os processos de conserto e manutenção, passam a se assemelhar a processos de cura, terapia e cirurgia. Não se trata de ser “caridoso”, mas inteligente o suficiente, para reconhecer a complexidade inerente a tais fenômenos; “trata-se de exercer a um pensamento capaz de tratar o real, de dialogar e de negociar com ele” (MORIN, 2008). Apenas o fato das organizações envolverem seres humanos, independentemente de reconhecer nelas mesmas as características da emergência da vida, já seria o bastante para que o trato com as organizações requeresse tal sensibilidade. Nessa linha de pensamento, fica claro que as relações sociais e todas as demais estabelecidas entre as pessoas no interior das organizações, ou mesmo estando fora delas, sendo por uma delas influenciado é inequivocamente um fenômeno humano. E por si só, sendo um fenômeno humano não se pode dissecar ou desconsiderar a interação entre as múltiplas dimensões do ser. Segundo, Jean Piaget: “Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios”. O que conduz a constatar que um desenho apropriado de uma ferramenta conceitual de interpretação de organizações sociais humanas, assim como o é uma análise socioambiental, precisa incorporar no seu traçado uma visão sistêmica aliada a uma postura transdisciplinar (PIAGET apud MARIOTTI 2000). 128 Ressalta-se que as Ciências Jurídicas e a Engenharia da Produção são áreas profícuas em conhecimentos relevantes no trato com organizações sociais, ao citar “decretos e projetos de engenharia”, não se quer afastar tais áreas do cabedal necessário para reordenar os sistemas sociais. Na verdade, quer apenas humanizar tais processos, que ainda se revestem de concepções mecanicistas ou burocráticas em demasia. Página | 161 Simbolismo Organizacional Nesta pesquisa, ao tomar o desafio de “imaginizar” as organizações do modelo institucional policial militar, aplicando, portanto, a Teoria Imagética de Gareth Morgan (2002) está procurando respostas mais efetivas para problemáticas, tais como, porque os subgrupos sociais organizados seguem rumos em aparente desalinhamento daquilo que se espera deles, do ponto de vista social mais amplo e ainda assim, o grupo encontra justificantes profundas e arraigadas o bastante para dar suporte a perpetuação de práticas que certamente lhes levarão à obsolescência. Estes sujeitos devem está tão permeados por uma rede de interações e uma camada de introjeções simbólicas coletivamente compartilhadas que não podem ver ou perceber, além daquilo lhe é (auto)imposto pela cultura organizacional (MORGAN, 2002; SHEIN, 2007). Esse mundo simbólico sempre esteve em franca interferência e interdependência com as demais dimensões das organizações. Mas segundo Carrieri e Saraiva (2007), o investimento em conhecer o simbolismo torna-se essencial para as organizações, devido “um contexto que se afirma cada vez mais pautado pela descontinuidade” compelindo as essas mesmas organizações “repensar as estratégias e as práticas de atuação”. Justamente é o que se exige da polícia, em tempos de mudanças. As polícias do modelo luso-brasileiro de manutenção da ordem e da lei (COTTA, 2012) ficam ainda mais submetidas a pressões, pois guardam em si, profundos e arcaicos traços de um respeito honroso, quase sagrado a uma outrora, ordem vigente, hoje explicitamente (contra)ordem em antifluxo do que vem a ser a emergência de sistemas sociopolíticos democráticos. Para Carrieri e Saraiva (2007) desvendar o simbolismo organizacional é “compreender melhor como as organizações reagem à realidade que se lhes apresenta”. Nesta perspectiva, não se admira o primeiro ânimo de refutar tais tipos de imersão nas organizações, assim porque estaríamos a principio falando de construções subjetivas dos seus membros, mas ao adentrar com maior acuidade, estaríamos falando da construção “subjetiva” de um coletivo. A refutação tem suas motivações que devem ser ponderadas, neste tipo de pesquisa. Quais instrumentos poderão garantir uma leitura adequada de imagens tão nebulosas? Ao certo, o que podemos dizer por ora, que esse é um “prisma pouco (ou quase nada) explorado habitualmente” para analisar as organizações. Isso pode ser compreendido pelo que nos informa Carrieri e Saraiva (2007): “ao considerar o que está além da racionalidade propriamente dita, o simbolismo se habilita como sendo a porta para o ingresso no mundo do não-racional, do não-quantitativo, e do não-lógico nas organizações”. Responsabilidade social e contrato psicológico Nosso trabalho de certa forma se enquadra nos estudos sobre responsabilidade social com o público interno em organizações públicas. Segundo Antônio Pereira (2008), os trabalhadores ou servidores de uma organização são considerados stakeholders primários com os quais as relações mantidas dependem Página | 162 diretamente para o alcance dos objetivos organizacionais. Pereira (2008) nos informa que “o estabelecimento de regras organizacionais não implica necessariamente que determinada organização seja ética”. Portanto, a efetiva indução da perspectiva ética organizacional, depende dos entremeios das relações informais, isso porque os códigos escritos, por si só podem se esvaziar, “podem também perder a perspectiva de autonomia e liberdade e converter-se em uma ferramenta legalista, fechada em si mesma” (PEREIRA, 2008). Na problemática levantada sobre as polícias militares, recorremos ao tema da responsabilidade social para fazer referência ao fato de que sem o cuidado para com os policiais, como pessoas dignas de respeito, inviabilizados ficam os esforços de ver a polícia como uma organização promotora e protetora de direitos das pessoas assistidas pelo seu serviço. Estamos considerando que policiais desrespeitados podem tender a não respeitar a população, como deveriam (SOARES, 2013). Segundo Cheibub e Locke (1997 apud PEREIRA, 2008), uma organização “socialmente responsável, do ponto de vista interno [...] assegura uma atmosfera de justiça nas relações de trabalho, trata seus trabalhadores como pessoas morais, dignas de respeito e consideração e pagam salários que permitam condições de vida razoáveis”. Não apenas remuneração, mas desenvolve outras ações tais como “investimentos no bem-estar dos empregados e seus dependentes, respeito aos direitos trabalhistas, preservação da privacidade pessoal”, Pereira segue elencando os itens destacados por Coelho (2004 apud PEREIRA, 2008), “liberdade de expressão em defesa de seus direitos, programas de remuneração e participação nos resultados, assistência médica, social, odontológica, alimentar e de transporte”. Não desejo ser impertinente, mas para qualquer um que leia essa listagem de ações que a gestão organizacional precisa tomar para garantir respeito aos seus integrantes e também conheça a realidade das polícias militares poderá não apenas lamentar, como até mesmo rir e ter a certeza que não quis suscitar um verdadeiro debate, mas que quis apenas ser irônico. Cabe registrar que muitos desses itens são inerentes à estrutura militar de assistência humana, mas que estão sucateadas em boa parte das corporações estaduais. Por decorrência do exposto por Niklas Luhmann (2006) sobre ações comunicacionais e a natureza autopoiética dos sistemas sociais e, ainda, por decorrência do que nos diz as pesquisadoras da Universidade de Santa Cruz do Sul, Elizabeth Moreira e Mônica Pons (2008), a sociedade, vista como o ambiente externo à organização, terá contato sobre a verdade das relações organizacionais e dela fará uma imagem, no sentido de representação social, sobretudo, por aquilo que o público interno projeta para o exterior em seus encontros com os demais stakeholders. Em nossa aplicação à atividade policial, os encontros que fortalecem as imagens que se tem da polícia, são justamente os atendimentos ao usuário-cidadão. Tendo em vista o que acabamos de expor sobre responsabilidade social para com o público interno e os efeitos da correlata “irresponsabilidade” traduzida por desrespeito é que recorremos ao conceito de contrato de psicológico para acessar, mesmo na relação negativa, quais desdobramentos orientam as relações entre policiais e a polícia. O primeiro a usar o conceito, foi o teórico organizacional norte- Página | 163 americano, hoje professor da Harvard Business School, Cris Argyris que explica “não podemos entender a dinâmica psicológica se olharmos apenas as motivações do indivíduo ou as condições ou práticas organizacionais”, segue concluindo que ambas (motivações individuais e práticas organizacionais) “interagem de forma complexa”, exigindo, portanto, “que desenvolvamos teorias e abordagens de pesquisa que possam lidar com sistemas e fenômenos interdependentes” (ARGYRIS, 1964 apud SHEIN, 2015). Argyris (1964 apud SHEIN, 2015) define que “em última análise, a relação entre o indivíduo e a organização é interativa, desenvolvendo-se através da influência mútua e da negociação mútua para estabelecer um contrato psicológico viável”. Tal contrato é pactuado com aquilo que o membro (funcionário) espera da organização (empresa) e o vice-versa, incluindo itens além dos formalmente contratuados na relação jurídica (SHEIN, 2015). Para Amitai Etzioni, os contratos psicológicos firmados entre organizações e funcionários refletirá a três formas como a sociedade tem para envolver pessoas em projetos coletivos: punindo, incentivando ou permitindo, bem como o conteúdo e formas de fazê-las. Apesar da PM ter um déficit quanto à empregabilidade quando se trata de responsabilidade social e, portanto, ser devedora na exigência por uma prestação de serviço devidamente compensada por cuidados dispensados ao “funcionário”. Devo destacar a forte capacidade da Polícia Militar em envolver moralmente seus integrantes, fazendo-os preocupados com os valores institucionais. Uma capacidade, portanto, de constituir uma comunidade que se identificam como irmãos-companheiros “leais e comprometidos”, mesma capacidade observada por Edgar Shein (2015) como benéfica para a empresa. Agora e se concluíssemos que, realmente os policiais militares estão absorvidos e compenetrados em um amplo projeto “comunitário” próprio, mas que os valores desse empreendimento estão desalinhados com parte dos anseios sociais? Nesse lapso entre responsabilidade social interna objetiva e o contrato psicológico subjetivo, posso afirmar que na Polícia Militar, aqueles que se dispõe a prestar um serviço e ser recompensado por isso, nos restritos parâmetros legais e morais da missão precípua da organização, estarão fadados a uma frustação cabal pelo rompimento do contrato psicológico. Enquanto, aqueles que astutamente aprendem a ganhar com o capital subjetivo (simbólico e emocional) inerente à atividade policial sentem tão fidelizados que encarnam, em seus discursos e ações, uma defesa apaixonada pela dinâmica viciada da corporação. Ou seja, os policiais que se fiam apenas pelas vias institucionais acabam se sentindo decepcionados e aqueles que trilham carreiras baseadas em jogatinas e subterfúgios são altamente fidelizados. Pessoa Organizacional Para podermos falar em uma pessoa organizacional e admitir a existência de processos psicológicos do ente organização, com uma delimitação indenitária Página | 164 própria, seria preciso dizer que organizações são (como) pessoas e, portanto, possuem uma base corpórea, tanto quanto um espírito. Isso não parece muito ortodoxo, contudo, a noção de mente concreta ou encarnada (LAKOF e JOHNSON, 2002 apud CAPRA, 2005) sustentadas por construções teóricas tais como a de Gregory Bateson (1972; [1979] 1986), também não são ortodoxas. Os processos aos quais costumamos chamar de mente humana não ocorrem exclusivamente no interior do organismo, nem muito menos apenas no cérebro. Os processos que conferem individualidade, sim; mas o processo geral de mentalidade, ocorre, sobretudo, na interação com o ambiente. Aprender, por exemplo, é uma faculdade não originalmente típica dos humanos, um organismo unicelular já o faria, baseado em dinâmicas envolvendo moléculas e íons. O uso da linguagem simbólica é um refinamento dessa faculdade (MATURAMA e VARELA, 1995; CAPRA, 2005). Recapitulando, os pressupostos que possamos admitir da Biologia Cognitiva (MATURAMA e VARELA, 1995): “organismos e sociedades pertencem a uma mesma classe de metassistemas”, a diferença é que organismos são redes complexas de acoplamentos de células e as sociedades, de organismos. Portanto, são formados pela agregação de unidades com maior ou menor autonomia (MATURAMA e VARELA, 1995). Jakob von Uexküll, biólogo e filósofo germano-esloveno, na obra “Theoretische Biologie” [Biologia Teórica] de 1928, esclarece que vê... [...] um organismo mais [como] um ser ativo que seleciona e modifica seu ambiente de tal forma que, de fato, cria seu próprio ambiente de acordo com suas necessidades. Na medida em que esse processo se baseia no uso de um "modelo interno", temos aqui o início de um conceito que se torna particularmente útil em um contexto envolvendo seres humanos como organismos (UEXKÜLL, 1928 apud STEINER e NAUSER, 1993). Portanto, pelo princípio (ou operador) “hologramático” (MORIN, 1997), pode-se dizer que dentro do todo há as partes, dentro do organismo há células; bem como, também é verdade que nas partes de certa forma está o todo, dentro das células está a informação geral sobre a base constitutiva do organismo (na cadeia de ácido desoxirribonucleico, ou DNA). Portanto, o provérbio que diz “dentro da semente existe uma árvore” está correto, neste ponto de vista. Dentro de uma célula há “hologramaticamente” um organismo todo. Dentro de um organismo há um registro de como deve se desenvolver seu agrupamento, em coletivo ordenado, para não dizer em uma ordem superior. Sociedades são agrupamentos de organismos, por inferência lógica, dentro dos organismos se encontram a lógica de organização de sociedades. Para que se possa compreender melhor essa relação espelho do holograma, achei oportuno trazer duas citações, uma de Edgar Morin (1997) e outra que alude a ele, mas de Humberto Mariotti (2007): Um holograma é uma imagem em que cada ponto contém a quase totalidade da informação sobre o objeto representado [...] o princípio Página | 165 hologramático significa que não apenas a parte está num todo, mas que o todo está inscrito, de certa maneira, na parte (MORIN, 1997). O pensamento cartesiano-binário nos leva a ver tudo sempre em separado e a achar natural a divisão e a separação, mesmo quando há evidências que apontam para o contrário. Ver as coisas separadas revela apenas a limitação dos nossos meios de percepção. Mas isso não significa que elas estejam desligadas. No mundo natural existe afastamento, mas não desligamento. Como diz Morin, o indivíduo é o ponto do holograma que contém a totalidade da sociedade e da espécie, mas mesmo assim continua singular e não pode ser reduzido essa totalidade (MARIOTTI, 2007). Compreendendo, portanto que “a parte está num todo, mas que o todo está inscrito, de certa maneira, na parte” (MORIN, 1997) e depreendendo de Uexküll (1928) é que se pode dizer que a organização social é um princípio inerente aos organismos que a compõe. Nossa socioeconomia reflete aspectos internos do nosso ser (a característica holográfica ou fractal). Nisso pode-se relembrar o interesse da psicanálise pela história e da evolução das instituições humanas, como Freud destaca na compilação “Totem e Tabu e outros trabalhos”. Assim como ocorrem processos da pisque humana (individual), assim ocorrem numa instância coletiva. Existe um desajuste, em algum ponto da evolução sócio-biológica humana que faz refletir no processo civilizatório, um modelo com bases competitivas, em que o usufruto de um benefício em uma ponta, significa necessariamente o desalojamento ou preterimento de um desafortunado na outra ponta (DE PAULA, 2005; SILVA, 2014). Esse “desenvolvimento” demonstra de forma amplificada/concreta uma esclerose na lógica interna profunda do sociocultural. Um grave acidente de percurso (talvez no parricídio e consequente fratricídio generalizado causado pela capitulação do ente totêmico) (GIRARD, 1998) ou uma profunda crise estrutural (MÉSZÁROS, 2011). Mas assim como de uma mesma semente da imagem do todo, como no caso ilustrativo de irmãos gêmeos, podem desenvolver fenótipos diferentes, dependendo das condições a que as crianças são expostas. Assim também podemos dizer que dentro da humanidade existe um outro sistema econômico social possível, que ora se encontra latente. Sendo gestado, em dores de parto, tem marcado a atual encruzilhada antropológica (DE PAULA, 2005). Parece oportuno, usar o ensejo deste desencadeamento que fala do operador hologramático e trazer a baila uma reflexão de Humberto Mariotti (2007) sobre como princípios “fundantes” podem sustentar o crescimento de uma organização e como perdê-los de vista, criar desintegração social: Na cultura das organizações, os princípios básicos elaborados pelos fundadores (as chamadas crenças ou certezas fundamentais) sustentam e motivam corporações transnacionais de muitos milhares de funcionários e um número muitas vezes maior de acionistas e outros participantes. A missão e a visão de futuro são formas de reforçar as ligações entre as pessoas. Ligações geram confiança e o sentimento de pertencer a uma totalidade. Pensar de modo fragmentador produz medo e desconfiança. No primeiro caso, o Página | 166 resultado é solidariedade, finalidade, sentido. No segundo caso, gerase a competição predatória, o “cada um por si”, o “salve-se quem puder” (MARIOTTI, 2007). Admitindo, por um momento que seja, o aspecto holográfico do Universo e aliando a esta linha de raciocínio o fato de que as sociedades humanas são sistemas autogeridos e autossustentados por uma dinâmica de fluxo de informação (LUHMANN, 2006), baseado sobre a capacidade humana de expressão pela linguagem, – admitindo o entrecruzamento do entendimento sobre esses dois aspectos – resta evidenciar que a linguagem é um refinamento do domínio linguístico, uma aquisição evolutiva de espécies animais superiores na dinâmica de acoplamento entre organismos (MATURANA e VARELA, 1995). A linguagem metafórica além de ser um recurso heurístico, possui fortes características arraigadas mesmo na estrutura mental. Não sendo apenas uma figura da linguagem, mas estando a linguagem baseada por sobre ela, assim como se verá mais adiante, neste trabalho, por meio do conceito de “mente encarnada” prospectado da obra de Fritjof Capra (2005), ao comentar sobre as observações feitas por Maturana e Varela (1995; apud CAPRA, 2005), bem como Lakoff e Johnson (apud CAPRA, 2005). Essa mesma linguagem, por mais sofisticação que acumule, tem por base, termos referenciais orientados pela constituição corpórea. A essa característica basilar da linguagem, mente encarnada (CAPRA, 2005). Está aqui a discorrer das consequências naturais desse processo auto mimético (de imitação de si mesmo), mas quando a razão humana pretende a partir dela conhecer o mundo, temos nesse processo auto mimético, uma ancoragem, um circuito delimitador, que oferece limitações ao alcance da compreensão universal, nisso cabe evidenciar a natureza dos “ídolos da tribo e da caverna”129 de Francis Bacon (1620). As raízes etimológicas das palavras remontam a estados e posições correlacionadas a si mesmo. Portanto, um sistema que tenha se constituído por sobre a linguagem humana, irá por princípios holográficos ou fractais, organizar-se de tal forma que tenda a mimetizar o funcionamento do organismo humano. Jung (2000) trata do assunto da seguinte maneira: “As formas que usamos para outorgar sentido são categorias históricas que remontam às brumas da Antiguidade” e prossegue mais adiante dizendo, “para dar sentido servimo-nos de certas matrizes linguísticas que, por sua vez, derivam de imagens primordiais”. Essas imagens primordiais são as imagens gravadas pelo arquivamento da impressão das próprias experiências psíquicas da espécie humana, sobretudo, das noções de diferenciação entre o “eu” e o que não sou “eu”: o ambiente e o outro. Basta ver o tráfego de pessoas, veículos, insumos e comunicação dentro de uma grande metrópole. Há múltiplos centros especializados que irradiam instruções, processam insumos e jogam nas redes de distribuição bastante capilarizadas. Assim como a corrente sanguínea, o sistema linfático, os impulsos percorrendo tanto o sistema nervoso central e como os periféricos autônomos; assim é Ídolos da obra Novum Organum (1620) de Francis Bacon – para uma melhor compreensão sobre essas implantações mentais perniciosas ao intelecto humano. 129 Página | 167 o tráfego urbano, o sistema de telecomunicações, a distribuição de energia elétrica, a dinâmica dos centros de abastecimento de alimentos, a rede de água e esgoto. O crescimento das cidades de alguma forma refletem os estágios do desenvolvimento embrionário-fetal, que em um plano ainda mais ao fundo, reflete os estágios do desenvolvimento evolutivo da espécie. Lembrando que cidades seriam uma das representações corpóreas do ente social total que mimetizaria o organismo humano, que é constituído por outras dimensões, a saber, a psicológica e a espiritual por exemplo. Portanto, esse exercício criativo metafórico não pode ir além disso, se não pontuarmos essas duas questões: o reflexo do desenvolvimento embrionário-fetalevolutivo e que o ser humano é integralmente biopsicossocial. Isso são considerações, que primeiramente nos faz admitir que existem estágios de desenvolvimento diferentes, uma pequena cidade, ainda por falta de aglutinação de recursos suficientes não tem uma dinâmica que reflita a complexidade de um primata, mas já apresenta aspectos similares a um simples organismo multicelular. Expressões ainda mais simples como uma aldeia de um único clã familiar, pode mimetizar o comportamento de uma única célula. A segunda consideração, é que o ente social total estando hipoteticamente mimetizando o organismo humano, o padrão de estruturação arquitetônico e urbano são dimensões corpóreo-biológica. A mimetização intuitiva abarcaria também dimensões tais como a mental-psicológica. Assim como temos um humano crescendo desde sua fase neonatal, infantil, juvenil, madura e senil; assim teríamos sociedades humanas jovens, que refletiriam imageticamente o comportamento dos nossos adolescentes e crianças, bem como civilizações inteiras que após acumularem um grande capital ontológico, seriam consideradas maduras. Alcançar esse contexto do estágio evolutivo não seria, portanto, exclusividade da espécie animal homo sapiens. Qualquer outra espécie que alcançasse o despertamento da consciência lógico-filosófica, em pouco tempo, acoplados por algum tipo de linguagem, manifestaria o mesmo padrão evolutivo. Chegar à consciência difusa, em seguida, à consciência esclarecida e, por fim, à autoconsciência, são atributos hologramáticos do Universo e emergências comuns à vida. Faz necessária uma ressalva ao termo: “por fim”, um fim relativo e transitório, pois as evidências demonstram que após a autoconsciência, ainda viriam estágios elevados da ecoconsciência130 e da cosmoconsciência131. De nós humanos, será manifestada uma suprassociedade desperta com o signo do primata-hominídeo132. Mas o próprio planeta Terra, no grande jogo Ecoconsciência – Terceira Ecologia de Gadotti. Ecologia Profunda. Cosmoconsciência – “Condição ou percepção interior da consciência do Cosmos, da vida e da ordem do Universo; exultação intelectual e ética impossível de descrever, quando a consciência sente a presença viva do Universo e se torna um com ele, em uma unidade indivisível” (VIEIRA, 1999). 132 Pode parecer inoportuno, cientificamente falando, mas creio que convém relembrar que algumas tradições míticas-religiosas realmente apontam para a presença de seres advindos de outros lugares do espaço sideral, que aparentemente parecem ser humanos, mas simbiotizados com estruturas genéticas de outros animais. Isso pode ser inferido de mitos relacionados aos primeiros governantes sumérios, aos deuses egípcios, aos deuses babilônicos, figuras mitológicas como os ciclopes ou centauros, os deuses serpentes hindus, os dragões e expressões majestáticas místicas como: “Leão da tribo de Judá”. Vale ressaltar que num futuro longínquo, olhar para o relato histórico e ver que um dia o novo ser humano, o tal “homo deus”, foi tão simbiotizado com primatas, lembrando os 130 131 Página | 168 probabilístico do “acaso” poderia ter gestado um “projeto” evolutivo de seres autoconscientes baseados corporalmente nos primatas-símeos, ou nos dinossauros bípedes, ou nos cetáceos. É importante compreender também, que essa emergência independente do tronco evolutivo e se nele ocorre, a primazia de uma espécie, não é fator de exclusividade, pode ocorrer concorrentemente, assim como coexistiu Homo sapiens (homem sábio) e Homo neanderthalensis (homem de neandertal). Um planeta como a Terra ou um sistema estelar-planetário como o Solar, poderiam se houvessem as condições ecológicas necessárias, ou seja, de suporte a vida, sediarem como um hábitat, para outras tantas populações de espécies “irracionais”, duas ou mais com a propriedade da consciência desperta. Foram e ainda são candidatos elegíveis a ser esse hospedeiro da simbiose corpo-espírito civilizacional: a Igreja, o Estado, o Mercado e a Internet. Sem contar que há evidências de que o Planeta Terra, ele mesmo já seja algo muito próximo do que possamos chamar de um ente “vivo”. O equipamento psíquico organizacional Em meio às pesquisas, por fundamentação necessária para a empreitada deste trabalho, ficou claro que não é possível compreender com mais profundidade os sistemas sociais humanos, sem entender a dimensão psíquica dos fenômenos associados (CAPRA, 2005). Na verdade, a organização social, por meio dessas mesmas pesquisas, demonstrou-se ser uma manifestação do psiquismo coletivo (FREUD, 1996). A dimensão psicológica, portanto, é uma camada preponderante de condução dos sistemas sociais: sociedades, comunidades, organizações etc. E entre tantas correntes da abordagem comportamental, uma série de autores aponta para os conceitos da Psicologia Analítica como um dos satisfatoriamente bem sucedidos para expressar a visão sistêmica e alcançar a explicação integrada dos fatos da relação homem-ambiente (CAPRA, 2006b; BOFF, 2012). Tratar da mente organizacional por força imagética é abordar a organização e sua estrutura, função e relações como um “cérebro” ou como uma “prisão mental”, na perspectiva de metáforas, que determinam a dinâmica organizacional, segundo Gareth Morgan (2002). Laffitte (2002) lembra que Morgan (1996 apud LAFFITTE, 2002), em “Imagens da Organização”, enfoca a ideia de um inconsciente organizacional, “através da teoria freudiana e cita também Jung”. Ainda para Laffitte (2002), “uma forma metafórica que merece maior atenção é a de entender a organização como uma grande mente, um aparelho psíquico”. E assim como a mente humana possui “áreas claras e áreas sombrias, repressões e defesas, condicionamentos e traumas, repertórios comportamentais e medos, ansiedades e desejos, entre outras coisas”, assim também a mente organizacional possui, porque em última instância a organização é formada por mentes humanas (LAFFITTE, 2002). Portanto, o inconsciente organizacional é a "campo", "área", "espaço" ou contexto "não conhecido dentro de um organismo, seja humano ou organizacional" (LAFFITTE, 2002). E se está a se falar de tal coisa, "imediatamente se está dirigindo a símeos irá causar tanta estranheza quanto aquela que os símeos do filme Planeta dos Macacos tem ao pensarem que humanos podiam um dia ter sido uma raça evoluída. Página | 169 atenção à ideia de uma mente organizacional, pois o inconsciente solto não existe" (LAFFITTE, 2002). Laffitte ainda ressalta que é preciso conhecer bem os conceitos que possibilitam ter uma noção da dinâmica do inconsciente, no estudo da psique humana, para que se possa transpor esses conceitos para psique organizacional. Ecologia das ideias danosas Emergência da coesão social e refundação de instituições A Sociedade brasileira, assim como as civilizações humanas coexistentes, em franco processo de planificação, precisam urgentemente repensar em suas condições de coesão. Na visão metafórica de organismos biológicos, considerando seus princípios estruturais e funcionais. O aspecto de segurança, sobretudo desempenhado pelo sistema membranoso, é a preservação da identidade perante o todo ambiental, tanto quanto a integridade das estruturas, para preservação da funcionalidade satisfatória. Contraproducente, é o modelo social de segurança até hoje executado, ele é antropofágico, ou seja, canibal. Ele é forte, irresoluto, de tal forma demasiadamente, que é capaz de impor uma desenfreada lógica assassina contra quem devia proteger. O sistema imunológico social tornou-se canceroso ou autoimune. É necessário repensar a base do porque fazemos o que fazemos, para alcançarmos um nível tal de reflexão que sustente uma nova forma de fazer, sem perder de vez as características que nos capacitam a gerar coesão. Coesão social é a chave acima de ordem pública. Diz-se acima, talvez seja mais pertinente dizer: mais abrangente e quiçá em substituição, mesmo. A ordem que nos foi legada historicamente nos processos coloniais, a saber, genocídio, extermínio físico e cultural, migração compulsória em massa e escravização - essa ordem - serve à imposição viril do corpo do rei. Policiar nunca foi um problema em si, até que o pensamento racionalizador dos séculos XVIII e XIX, sobretudo o estruturador das “novas” funções inerentes ao Estado-Nação, construíram quase que simultaneamente em um processo de mimética generalizada um padrão de organização paramilitar burocrático. Este padrão de agência estatal arrancou da Sociedade suas capacidades difusas de autorregulação e a concentrou numa monopolização do usufruto da prerrogativa viril coletiva, emblemática do corpo do rei (BAYLEY, 2006; ROLIM, 2006). Com os três pólos de produção e disseminação de sistemas de pensamento e inovações tecnológicas do Oriente: Índia, China e Japão; histórico circunstancialmente desarticulados para gerar um modelo de bases próprias, aliado ao típico soterramento das experiências das sociedades tradicionais (chamadas de Página | 170 primitivas pelo etnocentrismo europeu), restou ao mundo, o rápido contágio de uma prática policialesca do processo colonial. Apesar de ser necessário pontuar que a noção do fato como um problema apenas é possível claramente hoje, porque na “belle époque”, a modernização, baseada numa profissionalização do aparato policial era visto como um dos aspectos da evolução civilizacional (ROLIM, 2006). Sem pretensões utópicas messiânicas, mas por emergência da encruzilhada antropológica a que chegamos no inicio do século XXI, a nossa sobrevivência como espécie, como coletivo global, não disponibiliza tempo para ajustamentos, para salvar instituições da sua extinção. Condenamo-las, ou nos condenaremos. Se instituições como o Estado precisam de refundação, o que dizer de aparatos a ele simbiotizados, como as polícias. Talvez tenha chegado a hora – ou passado dela – em que essa civilização “globalitarista”, liberal burguesa, deixe de acreditar que seus valores pretensamente universais sejam necessariamente compartilhados por toda a aldeia planetária. Trazendo a baila, uma consciência, que melhor somos como um mercado árabe, ou uma feira nordestina, do que um único clube de cavalheiros ingleses, isso se é que realmente podemos conviver, como pretensamente dizemos que podemos, com a diversidade humana (RORTY, 1997; SANTOS, 2001). Portanto, os modelos institucionais do processo civilizatório ocidental, não se constituem as etapas finais, muito menos, nas mais avançadas. Nessa inexorável marcha evolutiva, um ou outro modelo podem ser desprezados ou aglutinados a outros. É certo que rumam a uma gradual planificação, como pretende Darcy Ribeiro (1987) aludindo à Marx. E é, justamente Ribeiro (1987), que ao referir-se a Alexis de Tocqueville, que nos previne sobre o ritmo dessa marcha está vinculado as futuras sucessões de ambientes de autoritarismo e liberdades. Ao requerem o título de Estado Democrático de Direito ao atual momento histórico brasileiro, estamos falando de experiência de liberdades, quer sejam as de inspiração de Montesquieu ou as de Rousseau, como bem nos explica Bobbio (2000): ou a liberal ou a democrática. Tratando-se da liberal, invoca-se a Rorty (1997), que em réplica a Clifford Geertz, faz uso tanto da força de convencimento dos agentes da justiça como dos agentes do amor. Ele tanto alude a John Rawls, para lembrar que o ideal liberal ocidental gerou uma emergência da noção de justiça, e a sua categoria de justiça processual fez emergir princípios de tolerância. Bem como, Rorty (1997) acessa Lévi-Strauss para explicar que a exclusividade cultural é “uma condição necessária e própria da determinação do si próprio”. Mas se preferir a noção de liberdade autorregulada, em um compromisso firmado espontaneamente com seus próximos de Rousseau, então estamos falando nada mais nada menos, do que o alargamento da democracia, como bem nos fala o próprio Bobbio, ou então, Boaventura de Sousa Santos (2009). Página | 171 Resistência à “apoptose social” Constrangida é a ciência que pretende compreender a saúde e a vida, a partir de um contexto corpóreo-ambiental doente. Inúmeras elucubrações para emprestar sentido a um sistema patológico. Estudando a constituição e o funcionamento de um organismo, a partir de um prolongado processo neoplasmático com a perda da memória sobre o estímulo inicial, gera a falsa sensação de que essa seja a condição natural e desejável. Para as mentalidades envolvidas de forma duradoura na condição psicoambiental cancerosa, não há poesia no cair das folhas do outono. O esforço é descontroladamente voltado para a autopreservação e perpetuação de si, independentemente dos efeitos sistêmicos totais que isso possa ocasionar (ALBERTS, 2009). Mentalidades, assim envolvidas, preferem uma profusão de “caranguejos” circulando pelos caminhos do cosmos, deixando sua marca existencial onde quer que possam. Insensatamente, desprovidos de nobreza e incapazes de elegância, não se permitem entregar aos novos tempos, passar o bastão ou servir de base de nutrientes constitutivos para outros seres, outras condições de existência. Falta-lhes um bom senso para orquestrar uma saída encenada, “um declínio próspero”, nos termos do casal Howard Thomas e Elisabeth Odum (2012); ou uma reciclagem das organizações, nos termos de Hazel Henderson (1978). Façamos os devidos esclarecimentos, para que não se torne abusivo, o uso da figura de linguagem metafórica. Apesar de que é preciso de antemão expor que a linguagem metafórica além de ser um recurso heurístico, possui fortes características arraigadas mesmo na estrutura mental. Não sendo apenas uma figura da linguagem, mas estando a linguagem baseada por sobre ela, assim como se verá mais adiante, neste trabalho, por meio do conceito de “mente encarnada” prospectado da obra de Fritjof Capra (2005), ao comentar sobre as observações feitas por Maturana e Varela (1995; apud CAPRA, 2005), bem como Lakoff e Johnson (apud CAPRA, 2005). Voltemos, então, a não inadvertida metáfora com a ideia de estrutura viva, contudo doente, usada neste para sistemas sociohumanos, que para tanto tomam por empréstimo termos, designações e conceitos da Medicina e da Biologia. Fala-se de “folhas que caem no Outono”, porque remete ao termo apoptose, que em sua origem grega, significa queda, deposição, desaparecimento, negação. No domínio da Biologia Celular, é o termo utilizado para designar certo tipo de morte programada, que tem por finalidade, em condições normais, manter a estabilidade geral do organismo (ALBERTS, 2009). Tal autoproclamação de merecedora da morte individual em prol da vida do coletivo, não ocorre por parte da célula cancerosa. Constituindo “eticamente” um embaraço e fisiologicamente um inchaço, um crescimento anômalo de tecido. Até aí de menor dano ao sistema geral, comumente designado como benigno. Diz-se maligno, quando dá vazão a uma disseminação, por transferência de parte desse material danificado, vindo a constituir uma nova colônia com as mesmas propriedades anômalas. Maligno ou benigno constitui-se os dois casos em uma neoplasia decorrente de um evento anômalo, que seja conversão do tipo celular (metaplasia) ou Página | 172 a maturação defeituosa (displasia). Já a disseminação denomina-se metástase, etimologicamente, o que em grego significa mudança de lugar. Por isso se fala em “caranguejos”, pois a origem da palavra portuguesa câncer vem do nome desse crustáceo em latim, que é homólogo. Visto o processo de metástase, percebe-se que ocorre na aparência justamente desses crustáceos com suas patas e pinças (ALBERTS, 2009). Dando continuidade a argumentação primeira, está ao certo, falando de um funcionamento anômalo nos sistemas sociohumanos. Aqui se faz pedido de permissão, para que a aparente redundância em dizer “socio” + “humano”, seja perdoada, até que se possa esclarecer sobre as diferentes condições de acoplagem entre organismos, podendo gerar: “sociedades” humanas baseadas na linguagem simbólica ou grupamentos com características societárias, mediante mecanismos “mais elementares”, realizados por outros organismos vivos, o que permitiria falar, nos termos por vezes contravertidos da Sociobiologia, em sociedade das abelhas, sociedade dos símeos ou sociedade dos cetáceos (MATURANA e VARELA, 1995; DAWKINS, 2007). Deixa-se para posteriores maiores esclarecimentos, abstendo-se, temporariamente, de discussões epistemológicas, e retornando “ao fio da meada”. Portanto, relutar em permanecer vivo e se multiplicando, apesar de está doente, é justamente uma das condições mais características dos tumores malignos, assim como esclarece Grivicich et al. (2007): “A expansão clonal de uma célula transformada depende de um descontrole da sua capacidade proliferativa e de uma crescente incapacidade de morrer por apoptose”. Durante o processo evolutivo, as espécies sofreram graduais adaptações em seu próprio corpo. Porém a espécie humana desenvolveu soluções culturais para aperfeiçoar esta adaptação ao meio circundante (MORAN, 1994; BROWN e KORMONDY, 2002). A adaptação cultural da espécie humana sofreu, em alguns aspectos, do mal de cristalização gerando práticas e simbolizações contraproducentes, que ao longo do tempo tornaram-se disfuncionais (MERTON, 1970). A persistência de características de uma adaptação é um padrão próprio da emergência da vida (dos sistemas vivos), bem como, a contingência evolutiva (MATURANA e VARELA, 1995). Um processo recursivo de manutenção e transformação. São ciclos de prolongados períodos de manutenção com alterações paulatinas e incrementais, com súbitas erupções geradoras de intensas perturbações, que fomentam uma transformação de ruptura, os gregos viam nisso a ação de Caos e Cosmos, os hindus, de Vishnu e Shiva (CAPRA, 2006a). Porém, sua imutabilidade, mesmo diante de sua fatal contrariedade com o meio, traduz-se pela capacidade reflexiva sustentar processos de reprodução, manutenção e transformação contrários a homeostase. Pertinentemente, manifesta-se por ora, que apesar de um alinhamento preponderante à Teoria da Estruturação do sociólogo britânico Anthony Giddens, em alguns tópicos por uma preferencial aproximação a reflexões de outras fontes, ocorre uma ligeira ou transitória discordância. Ao exemplo da passagem anterior, que em muito lembra textos de funcionalistas, na esteira das regras do método sociológico de Página | 173 Durkheim (PETERS, 2011). Contudo, espera-se que seja observado o termo “capacidade reflexiva”, ou seja, supõe-se que existe um agente exercitando faculdade habilitadora a ponderar e escolher “destino diferente” 133, daquele relegado pelas estruturas/processos instituídos. É nesse sentido, que anteriormente foi comentado sobre “elucubrações”, ou seja, noites a fio em intermináveis debates sobre a primazia do subjetivismo ou do objetivismo como ponto central das interpretações a serem realizadas pelas Ciências Sociais. “Inúmeras elucubrações para emprestar sentido a um sistema patológico”: porque tanto debate na teoria social que tange a condição inócua? Porque estão de um ponto de observação da realidade humana, que é anacrônico. As estruturas sociais humanas, entre elas algumas mais, outras menos, enrijeceram, ficaram incompatíveis com “as exigências ecológicas”, nos termos de Guerreiro Ramos (1989). São folhas que insistem em não cair, mesmo com a chegada do Outono; são células cancerosas que não indicam a si mesmas para a morte por apoptose. Esse enrijecimento gera a tal “jaula de ferro” weberiana (WEBER, ([1917] 2004)). Então estudá-las a partir das condições atuais realmente lhe faz ter dúvida sobre o equilíbrio entre estrutura e ação. Entre o poderio do “exopoder”, das estruturas externas que se impõe verticalmente aos indivíduos e a capacidade desses indivíduos superarem o mero comportamento programado para realmente agirem, exercendo o “endopoder”134 (RAMOS, 1989). Assim sendo, decorrências postuladas de tais elucubrações tenderam a extremar certas dimensões, ora mais pelas estruturas externas, ora mais pela capacidade volitiva dos agentes. De dentro de um prisma trincado, observando o mundo estando o próprio observador em um ambiente doentio, a condição vista como comum não pode ser percebida, pelo que ela realmente é: não natural. De forma mais contundente, está sendo tecida aqui, uma abertura para um diálogo, que percorrerá toda esta pesquisa, demonstrando o papel metafórico como elemento modelar da ação humana (MORGAN, 2002; ARGYRIS e SHÖN, 1978; JUNG, 2000). Nesse ínterim, demonstrar-se-á, que a escolha pela metáfora do organismo vivo aplicado a sistemas sociohumanos, na escala de organizações (e instituições) ou sociedades, não ocorre inadvertidamente (MATURANA e VARELA, 1995; CAPRA, 2005). Bem como, restará sustentado que modelos falhos podem gerar uma profusão de estruturas com estados de saúde que vão desde uma ligeira dissintonia com o meio circundante e os agentes participantes; até uma condição aniquilante e aviltante do espírito humano (RAMOS, 1989). Destino diferente – esse ponto torna-se relevante, pois ao tornar o processo evolutivo biológico contíguo a uma ontologia cultural da espécie, há uma tendência de supormos um determinismo biológico. Sem a “capacidade reflexiva”, colhida (neste caso) da teoria de Giddens (2003), a jaula de ferro de Weber ([1917] 2004) seria intransponível, não haveria um “mundo como pode ser: uma outra globalização” como nos afirma Milton Santos (2001). Foucault deixa claro que é devido à dinâmica de centros frouxos, que ainda existe a chance de sermos quem somos. É dessa capacidade reflexiva que iremos abordar, mesmo no caso antagônico, quando as estações e eras compelem o todo sócio natural numa direção, e certos setores resistem em se proliferar e perpetuar na contramão do fluxo. 134 Exopoder e Endopoder – são termos cunhados neste trabalho, apesar da referência no corpo do texto sugerirem ser constructos de Guerreiro Ramos. Mas é de certo que a noção do esvaziamento da capacidade volitiva dos agentes é uma das marcas do tratado sobre uma Sociologia das Organizações de Ramos (1989) abordando o anacronismo da lógica econométrica. 133 Página | 174 Portanto, suspendamos temporariamente os debates sobre a condição cancerosa que uma estrutura social humana possa chegar a ter e todas as implicações ontológicas da construção de um saber como este, as questões epistemológicas que lastreiam uma coerência lógica para se chegar a tal afirmação e inclusive os dilemas de ordem axiológica decorrentes da admissão de tal fato. Por ora, antes mesmo de uma mais consistente introdução, deixe-se que se prossiga em uma seção de “para inicio de conversa”, sobre o ponto de partida e contexto da propositura desta pesquisa. Ainda na esteira de opiniões prospectivas, alude-se à futuróloga britânica, Hazel Henderson, num trecho bastante pertinente, utilizado também por Fritjof Capra (2005): Assim como a decomposição das folhas do ano passado fornece o húmus para o novo crescimento na primavera seguinte, algumas instituições devem declinar e desintegrar-se para que seus componentes de capital, terra e talentos humanos possam ser usados para criar novas organizações (HENDERSON apud CAPRA, 2005). O crescimento indiferenciado tende a caminhar de mãos dadas com a fragmentação, a confusão e o colapso geral da comunicação. Os mesmos fenômenos são característicos do câncer em nível celular, sendo o termo "crescimento canceroso" muito apropriado para o crescimento excessivo de nossas cidades, tecnologias e instituições sociais (CAPRA, 2005). Segunda a historiadora e psicopedagoga Maria Vaz de Lima 135 (2015), no processo de estagnação institucional, as verdades se enrijecem e não há a decência de permitir ser renovado. 135 Maria Vaz de Lima é mais conhecida como Marina Silva ambientalista e política brasileira, tendo disputado a presidência da República. Página | 175 PARTE III EXPLICAÇÃO APLICADA: HISTÓRIA E ECOLOGIA DA POLÍCIA MILITAR Página | 176 CAPÍTULO 5 | ARQUEOLOGIA SIMBÓLICA DA POLÍCIA MILITAR Em determinado momento, me veio à intuição de que posicionamentos coletivos como os da Polícia Militar Brasileira, compelindo seus membros a uma planificação paulatina de atitudes mentais e ações comportamentais, tão fortes, irresolutos e claramente obstinados, precisam de um suporte de conteúdos ocultos de muita potência. Como que uma voz, provavelmente a de Jung ou Gilbert Duran (DURAN, [1964] 1995), eu ouvi a orientação: “investigue os artefatos simbólicos”. Foucault fez uma arqueologia dos discursos, em meio aos relatos médicos e inquisitoriais da Igreja e autoridades jurisdicionais e políticas. Propomo-nos a uma arqueologia dos símbolos, começar pelos artefatos visíveis da cultura organizacional para em um exercício de hermenêutica possamos ver o quanto isso reflete os padrões institucionais herdados historicamente e quanto disso está articulando a organização em seu nível mais sutil. Não posso negar que estava a procura de relações não declaradas, pois da persona organizacional, ou seja, a imagem projetada para nós, membros da Corporação e para a sociedade, através do discurso predominante contendo justificativas honoríficas da árdua e enaltecida missão de proteger a sociedade não me convencia; existia claramente um efeito de sombra, aspectos ocultos, não formalmente revelados, que para nós, membros, era possível perceber como algo que ordenava nossas relações diárias, mas não era satisfatoriamente explicado. Se os discursos não exprimiam essa verdade, então os símbolos como recursos dos discursos internos, antigos e propositalmente ocultos iriam dizer, era como eu pensava. Quando falo de “conteúdos ocultos de muita potência”, refiro-me a uma conexão com múltiplos desdobramentos de expressões elementares com virtudes: Beleza, Força, Amor, Justiça, Vida etc. Para explicar, o que eu esperava encontrar, preciso demonstrar quais outras instituições ou atividades humanas possuem esta ligação numinosa. Tomemos como primeiro exemplo a logomarca do Conselho Federal de Medicina do Brasil, que “é um órgão que possui atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica” (CFM, 2010)136. Na logomarca (Figura 12), recentemente refeita, há no centro de uma esfera na cor verde: o bastão (ou bordão) de Asclépio (Esculápio)137, o deus da cura, patrono da Medicina (BULFINCH, 2002). 136 Disponível em <https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20671&Itemid=23>. Acessado em 10 mai. 2017. Seção: “Sobre o CFM”, “A Instituição”, publicado em 22 jul. 2010. 137 Referências a deuses da mitologia grega acompanham entre parênteses de seu correlato no panteão romano, quando a correlação não é exata, é feita uma observação explicativa. Página | 177 Figura 12 – Logomarca do Conselho Federal de Medicina (Brasil) Fonte: Site do Conselho Federal de Medicina. Disponível em <https://portal.cfm.org.br> O referido bastão, que por vezes é confundido com o caduceu de Hermes (Mercúrio), o deus do comércio, da destreza e da inventividade, era o mensageiro dos deuses (BULFINCH, 2002), contudo, a caduceu dado a Hermes por Apolo (o deus sol) também é uma nítida referência ao controle ou reajuste das forças vitais (FRANCHINI E SEGANFREDO, 2007). O bastão representaria o centro de sustentação corpórea do ser humano e a serpente a energia que a circunda, essa noção suscintamente explanada é correlata ao conceito hindu (adotado também pelo yoga e pelo budismo) de Kundalini. Essa mesma forma espiralada pode ser observada nas cadeias de ácido desoxirribonucleico (sigla em inglês: DNA), que contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e pelo efeito de espelhamento de sua combinação é possível “gerar a vida” (ALBERTS, 2009). Na Figura 12 é possível verificar a comparação com a forma dessas estruturas: a) bastão de Asclépio, b) as cadeias de DNA e c) o “caduceu de Hermes” projetado no corpo, com Kundalini138 fluindo pelos pontos vitais (chakras139) Percebamos, portanto, que a simples imagem inserida que está na Figura 12, da logomarga de um órgão de regulação médica, carrega uma gama de significados decorrentes e importam diretamente na relevância da atividade humana vinculada, bem como exprimem potência, que pode ser convertida em poder, refletindo inclusive nas relações sociais e naturais (Figura 13). Esse é um símbolo que se liga a Vida e a capacidade curativa, mas quem detém o poder sobre a vida, impõe restrições à morte. Ora, quem detém o poder da morte, provavelmente imporá restrições à vida. A serpente de Kundalini que sobe sobre o eixo central do caduceu é dupla. E a elevação do estado de consciência depende do equilíbrio dessas forças. Como diria Jung, “não existe qualquer realidade sem oposição”, o que é um ensinamento muito próximo do pensamento de Heráclito. Mas esse também é um dos princípios atribuídos a essa personalidade divinizada, incluída no panteão de deuses gregos, como Hermes. Parece-nos válido, sondar um pouco sobre o conhecimento hermético, tendo em vista, que Jung assim denomina, por algumas vezes, o seu método de buscar o sentido não revelado: hermenêutica. 138 Kundaliní é um fenômeno bioelétrico, dito ser uma corrente elétrica que fica concentrada na base da coluna. O símbolo do caduceu é considerado como uma antiga representação simbólica da fisiologia da Kundalini. É entendida como um poder espiritual adormecido no osso sacro (cócix) que só pode ser despertado por uma alma realizada de alto nível. Depois do despertar a Kundalini atravessa seis chakras que estão acima. São eles: swadisthana, manipura, anahata, vishuddhi, ajna e Sahasrara (Wikipedia.org). 139 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: Do sânscrito: roda ou círculo. Cada um dos centros de energia distribuídos pelo corpo, no budismo e no hinduísmo. <https://www.priberam.pt/dlpo/chacra>. Página | 178 Figura 13 – Cura, equilíbrio e poder criativo: bastião de Asclépio e outras representações. b) a) c) Fonte: Imagens do Site Pixbay, sob licença Creative Commons (CC0 1.0 Universal) Sem Direito de Autor nem Direitos Conexos: a) Bastião de Asclépio em baixo relevo em ruínas romanas. Foto de Manfred Antranias Zimmer, em 12 de Maio de 2014. Disponível em <https://pixabay.com/pt/alívio-símbolo-haste-snake-342555/> b) Sequência de DNA. Arte gráfica de Arek Socha. Disponível em <https://pixabay.com/pt/dna-string-biologia-3d-1811955/> c) Caduceu – Kundalini e chakras. E é baseado nesse método, que vamos dar delineamento a nossa arqueologia simbólica. E o que pode vasculhar dos vários mitos correlatos a essa figura, Hermes Trismegisto apresentamos na seção “Princípios Herméticos” do Capítulo 3. Símbolos da Polícia Militar Brasileira Sigamos, portanto, no exercício hermenêutico aplicado ao objeto de nosso estudo, a saber, a instituição policial militar brasileira. Partirei daquilo que eu sentia, próximo a mim, impondo-se a mim. Quando eu vestia a farda, o fato de ter o brasão da Polícia Militar de Alagoas bordado na posição esquerda do peito, por sobre o coração (Figura 14.b) e tê-lo também na cobertura, sendo um gorro, uma boina ou um quepe140 (Figura 14.a), na altura da testa, bem no centro, me incomodava devido o seguinte pensamento: “se está nesses locais posicionados, então devem ser importante o suficiente para mim, por que estarão, simbolicamente, governando meu intelecto e minha emoção”. Esse sentimento me conduziu a usar a hermenêutica, para trazer à consciência um pouco mais do conteúdo inconsciente dele. Quepe – Cobertura militar para fardamentos de passeio (para uso em momentos de licença ou serviço administrativo), ou ainda para fardamentos de gala (festivos). Os policiais norte-americanos usam no cotidiano operacional do patrulheiro. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: “Boné de topo cilíndrico ou circular rígido, usado por militares de alguns países”. 140 Página | 179 Examinemos o Brasão da Polícia Militar de Alagoas (Figura 13.b), ele possui elementos que são do Brasão de Armas do Estado de Alagoas, a saber, o suporte com o coimo de cana-de-açúcar e o ramo de algodão; na parte superior, as três tainhas, que representam as maiores lagoas do Estado: Mundaú, Manguaba e de Jequiá. Outros três elementos, são alusivos diretamente à Polícia Militar: o emblema central, as pistolas cruzadas (ou garruchas) e a sigla: “P”-“M”. Foquemos nos dois primeiros. Figura 14 – Símbolos da polícia militar: quepe de oficial superior e o Brasão da Polícia Militar de Alagoas. a) Quepe de oficial superior b) Brasão da Polícia Militar de Alagoas Fonte: Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). a) Quepe de oficial superior, do Estado de Santa Catarina, extraído do site institucional do Comando de Policiamento Militar Rodoviário. Disponível em <http://www.pmrv.sc.gov.br/jsp/institucional/ex-comandantes.jsp>. b) Brasão da Polícia Militar de Alagoas. Imagem do Site Wikimedia Commons. O emblema das Polícias Militares do Brasil O emblema das Polícias Militares do Brasil (Figura 15.a) foi uma criação para-institucional, convencionada na primeira Convenção Nacional das Polícias Militares, no Clube dos Oficiais da antiga Força Pública de São Paulo, em 1957. Costuma-se dizer que tal símbolo está em desuso, para evitar a associação com o período de exceção da ditadura civil-militar das décadas de 60 a 80 no país. Porém uma análise um pouco mais aguçada vai perceber que se trata de um motivo simbólico ainda em franco uso entre as polícias militares brasileiras. Encontramos algumas informações sobre a descrição dos elementos do emblema, no sítio institucional da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), que introduz da seguinte forma: “os símbolos da Polícia Militar do Distrito Federal funcionam como identificadores da presença da Corporação junto à sociedade, cumprindo o papel preventivo e ostensivo de segurança pública, ao mesmo tempo que simbolizam o respeito pela história e tradições” (PMDF, 2013)141. Sobre o emblema das Polícias Militares diz ser “um símbolo representativo das polícias militares em todo o Brasil, desde a década de 50 do século XX” (PMDF, 2013), trata-se de dois círculos concêntricos, no centro do menor (Figura 15.a), preenchido pela cor vermelha, há uma grande estrela “gironda” de cinco pontas, na cor dourada, este círculo possui uma Site oficial da Polícia Militar do Distrito Federal, seção “Manual de Identidade Visual”, publicado em 29 mai. 2013. Disponível em <http://www.pmdf.df.gov.br/site/index.php/component/content/article/34institucional/sobre-a-pmdf/simbolos/75-identidade-visual> 141 Página | 180 borda na cor prata. O círculo maior, preenchido na cor vermelha, também com uma borda prata, tem em seu interior, ao redor do círculo menor, 26 estrelas de cinco pontas, pequenas, na cor prata, “[...] finalizando o conjunto que simboliza a segurança e proteção exercida pelas polícias militares em todas as Unidades Federativas do Brasil” (PMDF, 2013). Tendo em vista, o destaque dado a estrela central do emblema, usemos o mesmo “significado sintético” dos símbolos das Polícias Militares do Brasil do sítio institucional da PMDF (2013): [A estrela de cinco pontas...] É um controverso elemento heráldico que possui variados significados. Já foi utilizada por Leonardo da Vinci para simbolizar o homem e por algumas pessoas como símbolo religioso. Na heráldica militar, a estrela de cinco pontas gironda simboliza o comando e a liderança plena, isto é, sem divisões ou partições, simbolizam também os estabelecimentos de ensino segundo a heráldica portuguesa (PMDF, 2013), Figura 15 – Emblema e Insígnia da Polícia Militar Brasileira. a) Emblema das polícias militares brasileiras b) Insígnia das polícias militares brasileiras Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons, produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). a) Emblema das Polícias Militares do Brasil. (Imagem originalmente extraída do site da Polícia Miliar do Paraná) b) Insígnia das Polícias Miliares do Brasil. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant ([1969] 1986) ensina-nos como um acervo incomensurável de significações e interpretações já foram atribuídos aos símbolos, fazendo-nos concluir que não há como “nomearmos com novo nome” aquilo que se já é conhecido há tanto tempo. O que significa uma estrela? E se tiver cinco pontas? Que atitude mental reflete cruzar “em aspas” duas armas? Que potência está sendo invocada na circunscrição de um elemento? Convencer-nos-íamos pela descrição formal feita por novos “produtores” dessas expressões? Mediante o exercício de Etnografia Digital, visitei muitos sítios (locais virtuais na Internet) oficiais das Corporações estudadas observando muitas descrições heráldicas e outras mais simples sobre seus próprios símbolos usados. A atitude de “dar novo nome”, de atribuir novo significado, pareceu-me uma tentativa de projetar uma autoimagem institucional proveitosa. Mas o símbolo vai falar por si mesmo, apesar de ter em si a agregação do valor atribuído, ele ainda carregará de forma numinosa o efeito transcendente que remeterá primeiramente a “las ideas-fuerza, grabadas desde la antigüedad en la piedra y la madera, cantadas y dichas en el mito con inspirada gracia, y escenificadas en el drama perpetuo de la Página | 181 naturaleza y la vida142” (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Segundo Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986), depois de nos levar às ideias primordiais, os símbolos ainda podem nos remeter a outro momento, ou melhor, a um não-momento: operando “em nós um retorno, uma realocação no atemporal antes do tempo”. Que valor daremos, pois, ao símbolo? Com que novo nome nomearemos, hoje, o que já se sabe? [...] O símbolo não é uma maneira mais poética ou elegante de dizer algo já conhecido, apesar de ser isso também. O símbolo é o fundamento de tudo quanto existe. É a ideia em seu sentido originário, o arquétipo ou forma primeira que vincula o existir com o Ser. O símbolo e seu desenvolvimento na forma de mito são outra história, outra fantasia se assim quiser chamar, mas tem a virtude de nos aproximar da fonte imutável oculta de onde toda a luz e palavra provém (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986)143. Estrela: centro místico Ciente da capacidade transcendente do símbolo, usei o “Dictionnaire des symboles” [Dicionário de símbolos] de Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986). Comecemos avaliando as descrições para o significado da estrela. Para os autores, estrela sempre remete à sua capacidade luminosa, de ser fonte de luz, lançando novo conhecimento sobre as trevas, é especialmente usada para representar o conflito entre as forças espirituais e materiais, portanto, faróis a iluminar a noite do inconsciente (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986)144. “La estrella llameante de la masonería ha salido manifiestamente del pentagrama pitagórico” [A estrela flamejante da maçonaria é herança direta do pentagrama pitagórico] (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Esta estrela flamejante de cinco pontas é o símbolo da manifestação central da luz, do centro místico, do foco de um universo (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986) ainda lembram algumas representações emblemáticas de estrelas: a estrela de Davi (ou selo de Salomão), a estrela de Belém (o evento cósmico que marcou o nascimento de Cristo), a estrela D’Alva (representando o planeta Vênus). Em latim, o termo luxfero (lúcifer) tonou-se signo para representar esta estrela, em correspondência a passagens diferentes da Bíblia Vulgata (a versão “vulgar”, corrente em latim da Igreja Católica, compilada por São Jerônimo). O termo é utilizado para uma referência profética sobre o rei Nabuconodosor, da Babilônia, no livro do profeta Isaías (capítulo 14, versículo 12): 142 Tradução livre: [...] as ideias-chave, registradas desde a antiguidade em pedra e madeira, cantadas e faladas no mito graciosamente [espontaneamente] inspirados, e encenadas no drama perpétuo da natureza e da vida (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). 143 Tradução livre: ¿Qué valor daremos, pues, al símbolo? ¿Con qué nombre nuevo nombraremos hoy lo ya sabido? [...] El símbolo no es una manera más poética o hermosa de decir cosas ya sabidas, aunque también sea eso. El símbolo es el fundamento de todo cuanto es. Es la idea en su sentido originarío, el arquetipo o forma primigenia que vincula el existir con el Ser. [...] El símbolo y su desarrollo en forma de mito son otra historia, otra fantasía si se quiere, pero que tiene la virtud de acercarnos a la inmutable fuente oscura de donde surge toda luz y toda palavra (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). 144 “Su carácter celeste las presenta también como símbolos del espíritu y, en particular, del conflicto entre las fuerzas espirituales, o de la luz, y las fuerzas materiales, o de las tinieblas. Traspasan la obscuridad, son también faros proyectados sobre la noche de lo inconsciente” (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Página | 182 “Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!” (Versão Almeida Corrigida Fiel - VACF). Tradicionalmente no mundo cristão (o que não ocorre no mundo judaico), esta passagem se refere a um ser celestial, um anjo, que havia provocado uma rebelião contra Deus. Denotando, portanto, que antes da queda esse anjo “portava a luz”. É interessante notar, que no texto bíblico também se fala, que “sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra” (Apocalipse 12:4, VACF). A interpretação comum a esta última passagem vincula as “estrelas do céu” a seres angelicais, que se converteram em demônios. Portanto, estrelas podem deixar de brilhar. Aquilo que porta a luz do conhecimento ou da vida em si, em um estado sutil, pode deixar de conduzir tais virtudes para se precipitar na escuridão, no denso, no material. Na mesma cosmovisão cristã tradicional, Jesus, o Cristo, quando transmuta seu corpo em um estado “glorioso”, passa a referir-se a si mesmo como estrela da manhã: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã” (Apocalipse 22:16, VACF). Na tradução latina Vulgata, São Jerônimo, traduz o termo “resplandecente estrela da manhã” por lúcifer, ou seja, aquele outro ser celestial, antropomorfizado a um dragão (no contexto desse mesmo texto), portara a luz, mas não portava mais. Enquanto, isso o Cristo, que havia sido humano, agora sim era o primeiro exemplar de um que conseguiu ascender e ser em si-mesmo a luz para o mundo. Percebam como esse enredo mitológico se enquadra ao contexto de nossa explanação sobre a estrela, elemento que destacamos do emblema institucional das polícias militares. Retome-se a explicação dada à estrela do emblema, no sítio da PMDF: “[...] é um controverso elemento heráldico que possui variados significados [...]”. Realmente apenas por uma extração sucinta no Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant (1986) e de um estudo sumário dos textos bíblicos já se obteve uma enorme correlação. As estrelas não poderiam exercer menor influência ao imaginário humano, segundo Geoffrey Blainey (2008), em seu livro “Uma breve história do Mundo”, o firmamento resplandecente com as constelações foi o fenômeno mais fascinante para toda a humanidade até a disseminação da luz artificial, há pouco mais de 150 anos. A estrela “[...] já foi utilizada por Leonardo da Vinci para simbolizar o homem e por algumas pessoas como símbolo religioso [...]” (PMDF, 2013). Neste sentido, voltemos ao significado maçônico da estrela flamejante de cinco pontas, segundo Chevalier e Gheerbrant (1986), a estrela pode ser a parcela da essência divina que está no coração do iniciado, bem como pode representar o próprio homem em sua integridade material e imaterial, assim como se encontra no desenho do “Homem vitruviano” concebido pelo arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio e registrada na obra “Architectura Libri Decem” (Dez Livros sobre a Arquitetura). Como a representação gráfica do século I a.C. foi perdida, a descrição “arquitetônica” do corpo humano, perfazendo um modelo em “proporções áureas” tem sido retratada por artistas da Renascença até hoje, a mais conhecida é a de Leonardo da Vinci (Figura 16.a), mas também se pode elencar as de Francesco di Giorgio (Figura 16.c), Albrecht Dürer e Robert Fludd (Figura 16.b). Página | 183 Figura 16 – Homem Vitruviano: em diversas representações. a) Leonardo da Vinci b) Robert Fludd c) Francesco di Giorgio Fonte: a) Elaborado pelo autor a parir da montagem da representação do homem vitruviano Leonardo da Vinci e uma estrela de cinco pontas (pentagrama). Imagem do Site Pixbay, sob licença Creative Commons (CC0 1.0 Universal) Sem Direito de Autor nem Direitos Conexos. b) Representação do homem vitruviano por Robert Fludd, fotografia da capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617, captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do Site Wikimedia Commons. c) Representação do homem vitruviano de Francesco di Giorgio Martini (homme de Vitruve). Imagem do Site Wikimedia Commons. Estrela: poder político e poderio militar Assim como percorri a hermenêutica da simbologia envolta à atividade médica, estou apresentando, paulatinamente como foi possível perceber que a atividade policial, autoridade política do uso da força, também possui “suporte de conteúdos ocultos de muita potência”. Perceba como polícia e política tem o mesmo radical de origem grega, referente ao poder central governante da cidade-Estado, ou "pólis". Perceba, também que para a cultura védica-hindu, o Senhor Krishna, ele mesmo dividiu a humanidade em diferentes nichos naturais de atuação social, o que viemos a conhecer historicamente como castas. A casta guerreira, ou kshatriyas (do sânscrito) é a mesma dos militares e dos governantes. Sobre essa equivalência de dupla função, convém abordar David Priestland (2014) sobre o espírito guerreiro: Na maioria das sociedades pré-modernas, a aristocracia guerreira era a casta dominante. Esperava-se dos governantes que combinassem duas funções intimamente ligadas: o guerreiro heroico, em busca da fama, e o “pai do povo”. E, embora esse grupo tenha diminuído no Ocidente, ainda podemos ver o que resta dele em um conjunto de valores associados a governantes do tipo “homem forte”, de Vladimir Putin na Rússia a Saddam Hussein no Iraque. Ele até sobrevive, em forma muito reduzida, na família real britânica: a rainha é supostamente a matriarca da nação, enquanto seus descendentes homens, vestidos com uniformes militares, partem em seus modernos cavalos de guerra (helicópteros) para postos avançados longínquos (as ilhas Falkland, ou Malvinas) (PRIESTLAND, 2014). E a estrela central na heráldica pode justamente significar essa transferência/confluência de poder. Segundo a Constituição Federal do Brasil, de 1988, no inciso XIII do artigo 84: “[...] compete privativamente ao Presidente da República exercer o comando supremo das Forças Armadas [...]”. Fato este que não Página | 184 difere muito em outras nações. A indumentária de gala dos príncipes europeus, ainda é de oficiais militares (Figura 17.b), assim como, por toda parte nos países em que o governo foi instaurado pela revolução popular, o líder arvora-se do simbolismo militar e a estrela possui um papel importante nesse processo simbólico (Figura 17.c). Figura 17 – Relação entre estrela, poder político e militar. a) Brasão de Armas do Brasil b) Príncipes Williams e Harry do Reino Unido c) Che Guevara em fardamento paramilitar e a bandeira cubana Fonte: a) Brasão de Armas do Brasil. Disponível em <http://www2.planalto.gov.br/acervo/simbolosnacionais/brasao/brasao-da-republica>. b) Príncipes Williams (à esquerda) e Harry (à direita) do Reino Unido, a caminho da Abadia de Westminster, em traje de gala militar, no casamento de Williams, irmão mais velho, em abril de 2011. Foto do Blog do iG Gente. Disponível em <especiais.ig.com.br>. c) Che Guevara em selo postal da Federação Russa de 2009, em comemoração aos 50 anos da Revolução Cubana. De acordo com o artigo 1259 do código civil russo, este trabalho não é um objeto de direito autoral. Imagem do Site Wikimedia Commons. No conjunto de figuras acima, podemos observar a dita relação entre estrela, poder político e poderio militar. Da direita para esquerda, na Figura 17.c está retratado o médico argentino Ernesto Guevara de la Serna, que viria a ser mais conhecido como Che Guevara, guerrilheiro e um dos idealistas da Revolução Cubana, em meados do século XX, vindo exercer altos cargos no governo do país. A imagem é a reprodução de um selo comemorativo (em 2009) da Rússia em alusão aos 50 anos daquela revolução, Che está trajando um fardamento paramilitar, com uma boina na qual há uma estrela de cinco pontas na fronte, numa correspondência espelhar com outra estrela que está na bandeira cubana. Na Figura 17.b, é possível ver na foto os irmãos e príncipes herdeiros do trono do Reino Unido, Williams e Harry, a caminho da Abadia (catedral anglicana) de Westminster, para a celebração do casamento do mais velho, Williams, em 29 abr. 2009. Os dois estão em trajes militares de gala, o noivo está com uma farda da Guarda Irlandesa e ostenta nos ombros, uma platina com as insígnias de tenentecoronel, que são formadas por estrelas e gemadas (esplendor dourado) e no quepe uma estrela radiosa de oito pontas. Portanto, pelo pouco até agora visto, estrela pode ser fonte de luz, origem de sabedoria, símbolo de poder político e militar, anjo e demônio, anúncio de evento marcante, pode ser o próprio homem como ser divinizado e a luta entre o espiritual e o material. Página | 185 A insígnia das Polícias Militares do Brasil A insígnia das Polícias Militares do Brasil (Figura 15.b) é de uso comum pelo mundo (a exemplo do Brasil: Figura 18.b), por apropriação do símbolo usado pelo Exército norte-americano (Figura 18.a), que mantém uma fração de polícia militar em seus desdobramentos de infantaria, com o objetivo de manter a ordem e promover a segurança das tropas. Quando está na zona de combate, esta unidade de polícia militar acumula outras atribuições, tais como patrulhas motorizadas ou a pé, operações de força de resposta, controle de danos de área, reconhecimento de rotas, operações de busca e escoltas de comboio e pessoal. São as tropas também utilizadas no controle da população civil de territórios ocupados. O símbolo das garruchas cruzadas, como é conhecido no Brasil, são, na verdade, pistolas históricas de fabricação norte-americana que remontam a época da Guerra Civil145. O modelo de pistolas de qual a insígnia é ícone146, trata-se da primeira pistola de uso militar fabricada por um arsenal dos Estados Unidos, onde hoje fica o Estado de Virgínia Ocidental. As pistolas de marca Harper’s Ferry, modelo ano 1806, calibre .54, eram fabricadas sempre em dupla, idênticas, com ambas tendo o mesmo número de série, concebida para o uso de oficiais montados a cavalo. As pistolas podem ser vistas na foto de réplicas conforme a Figura 18.c. Seu funcionamento era de um disparo apenas, chamado de pederneira, ou seja, o acionamento era feito com um cão externo, no qual tinha uma pedra de sílex na ponta, que ao gerar atrito numa peça metálica, chamada fuzil, provocava a faísca e aí sim detonava a pólvora 147. Considerada “the most graceful and handsome of all United States martial flintlock pistols” [A mais elegante e formosa de todas as pistolas pederneiras de uso militar dos Estados Unidos]148. O símbolo foi adotado em 1923, por ordem do Chefe do Estado Maior, à época, o General John J. Pershing, como a quarta insígnia histórica do Corpo de Polícia Militar do Exército. Anteriormente, já haviam sido escolhidos dois cassetetes cruzados, duas maças cruzadas (cassetetes da era medieval) e duas pistolas automáticas Colt .45 M1911 cruzadas. Nos três casos anteriores, o uso das imagens foi abolido porque traziam confusão com elementos que não denotavam bem a natureza da missão da polícia militar149. Na Figura 18.a, a insígnia pode ser observada acima do escudo do brasão da Military Police Corps of U.S. Army. Na Figura 18.b ela, a insígnia das PMs, compõe como emblema interno, o brasão do primeiro e histórico batalhão de Polícia do Exército da força terrestre militar brasileira, cujo incorporou uma fração de idêntica função policial das tropas que lutou na Itália, na Segunda Guerra Mundial. E realmente, no mesmo brasão do 1º BPE, pode-se ver como emblema interno, o brasão da Força Expedicionária Brasileira (“a cobra fumando charuto”). A Figura 18.c é uma réplica das “garruchas cruzadas” (pistolas Harper’s Ferry 1806), que são ofertadas, em um costume peculiar dos membros-amigos de unidade de polícia militar do exército 145 Kinard, Jeff (2004). Pistols: An Illustrated History of Their Impact. ABC-CLIO. pp. 47–49. ISBN 978-1-85109-470-7. Brown, Jerold E. (2001). Historical Dictionary of the U.S. Army. Greenwood Publishing Group. p. 317 147 How Flintlock Guns work by Marshall Brain. http://science.howstuffworks.com/flintlock.htm 148 The Guns of Harpers Ferry. Por Stuart E. Brown, Jr. Genealogical Publishing Com, 2009. 149 Brown, Jerold E. (2001). Historical Dictionary of the U.S. Army. Greenwood Publishing Group. p. 317 146 Página | 186 norte-americano como homenagem a combatentes que prestaram bons serviços, foram promovidos ou foram transferidos para a reserva (situação semelhante a ser “aposentado”). Placas como esta, que carregam as réplicas trazem escritas “from troop for troop” [da tropa para a tropa]. Figura 18 – Insígnia de Polícia Militar: pistolas (“garruchas”) cruzadas. a) Brasão da Military Police Corps of U.S. Army b) Brasão do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Brasil) c) Fotografia de duas pistolas Harper’s Ferry 1806 cruzadas Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons. a) Brasão da Military Police Corps of U.S. Army. United States Army Institute of Heraldry (http://www.tioh.hqda.pentagon.mil). b) Brasão do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Brasil), sediado no Rio de Janeiro. Considerado batalhão histórico, alojou parte das tropas da Força Expedicionária Brasileira, depois do retorno da Itália. c) Duas pistolas cruzadas, marca Harper’s Ferry, modelo 1806, calibre .54, de pederneira, fabricadas no Arsenal do Exército dos EUA. Presente em homenagem ao graduado John G. Smith, membro da 787ª Companhia do 14º Batalhão de Polícia Militar do Exército norte-americano. Heráldica, arqueologia e etnografia digital Voltemos agora para um trabalho minuncioso de averiguação dos simbolismo utilizado pelas corporações militares estaduais, para tanto, observemos novamente a Figura 17150 em seu item a), que traz um elemento relevante para o contexto desta pesquisa, trata-se do brasão de armas do Brasil e pode-se notar que dele, o emblema das polícias militares teve clara inspiração no selo (escudo redondo) que está no centro das Armas Nacionais. A mesma relação pode ser observada no brasão do Exército Brasileiro. No símbolo da República, o selo possui o Cruzeiro do Sul ao centro, no emblema das milícias estaduais há uma estrela central e em ambos há a representação dos estados como estrelas menores ao redor. Esse emblema está em 08 (oito) brasões das Corporações estaduais e distrital (Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Tocantins), além de está em várias manifestações das organizações, como banners, páginas na Internet, em marcas de associações de membros (que funcionam como sindicatos despolitizados). Destaca-se a presença desse emblema nas logomarcas das polícias paulista e mato-grossense, conforme Tabela 4. Todas estas contabilizações podem ser acompanhadas pela Tabela 3. A mesma espada do brasão nacional, que está em riste (ou em pala), em posição vertical ao centro do escudo pode ser vista em quatro brasões das Corporações estaduais (a brigada gaúcha e as polícias militares da Bahia, do Amapá e do Pará). É a mesma espada do brasão da Força Área Brasileira. Já a estrela de cinco pontas que dá suporte ao escudo central no brasão de armas do Brasil, pode ser visto em 17 brasões de polícias militares, conforme a Tabela 4, em algumas ela é a 150 Figura 17 em seu item a), “Relação entre estrela, poder político e militar”, página 185. Página | 187 gironda, como a do brasão nacional, em outras a flamejante maçônica, como a dos pitagóricos. O esplendor dourado, como foi descrito na indumentária dos príncipes britânicos, também é percebido no brasão das armas nacionais e em quatro brasões de polícias (Paraná, Bahia, Roraima e Distrito Federal). Na mesma correlação, também pode ser vista a estrela de oito pontas no brasão da Corporação de Rondônia e, de forma etilizada, no novo brasão da coirmã paraibana. Os detalhes de cada brasão podem ser vistos na Tabela 4. Portanto, como o caminho da pesquisa percorre os significados ocultos, sobretudo, do emblema, da insígnia institucional e da estrela foi preciso contabilizar o quanto esses elementos eram realmente relevantes na maior parte das polícias militares do Brasil. Nas Tabelas 4, 5 e 6; foi classificada e contabilizada, a frequência da ocorrência dos elementos mais destacáveis nos brasões das corporações, a saber, o emblema institucional, a estrela de cinco pontas, a insígnia institucional, a espada em riste, outras armas, a águia, outros animais, o elmo e a efígie de Tiradentes. Devido à necessidade de seguir rumo a explicações que se detenham mais em relação ao universo mental das polícias militares, privilegiando os nossos elementos relacionais selecionados: o emblema, a insígnia e a estrela – devido a isso – não tive tempo de debruçar-me nos demais elementos, mas acredito que possam revelar outro número sem par de questões inconscientes. O emblema, a insígnia e a estrela estão presentes em 8 (30%), 14 (52%) e 17 (63%) brasões respectivamente, de 27 (100%) corporações. Página | 188 Tabela 4 – Brasões das Corporações estaduais e distrital e a correspondência com elementos simbólicos/heráldicos Correspondência (elementos presentes) Brasões das Corporações (Estaduais e Distrital) Emblema e insígnia institucional PMAL PMBA PMPI PMTO PMDF PMGO PMMA PMPE PMRO PMAC PMAP PMPA PMRN PMSC4 PMAM PMMT1 PMMS PMPB2 PMERJ PMRR PMSE PMCE PMESP5 PMES PMMG PMPR BMRS3 Apenas o emblema institucional A insígnia institucional e a estrela de cinco pontas Apenas a insígnia institucional Presença menos expressiva da estrela de cinco pontas Efígie de Tiradentes Outras armas Outros animais Fonte: (1) A Polícia Militar do Mato Grosso em seu cotidiano utiliza uma marca gráfica, que ostenta o emblema institucional (http://www.pm.mt.gov.br/simbolos-da-policia-militar). (2) Recente reformulação do Manual de Identidade Visual (Dez. 2016). (3) “B” a força pública gaúcha se chama Brigada Militar. (4) Em seu cotidiano, a Polícia Militar de Santa Catarina é reconhecida por uma logomarca mais atual. (5) O brasão é histórico, a imagem de uso corrente é a logomarca. Mas o brasão possui elementos de armas e o soldado e Guarda Civil tem uma estrela na fronte. Página | 189 Tabela 5 – Logomarcas utilizadas em substituto ao brasão da Corporação Corporação Correspondência entre os brasões das corporações e o emblema e a insígnia institucional policial militar Logomarca Polícia Militar do Mato Grasso (PMMT) Apenas o emblema institucional Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) Emblema institucional parcial, com a presença central da estrela de cinco pontas. O Círculo base são duas faixa curvas que simulam um movimento giratório, nas cores do Estado. Fazendo um yin-yang. Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) Apenas o emblema institucional Fonte: PMMT (http://www.pm.mt.gov.br/simbolos-da-policia-militar). (https://www.instagram.com/policiamilitarsp_oficial/). PMSC (www.pm.sc.gov.br). PMESP Tabela 6 – Frequência de uso de elementos em brasões das Corporações PMAL x PMAP PMBA x x x x PMCE PMDF x x x x x PMES x PMGO x x PMMA x x x PMMT x x x PMMS x x x x PMMG x PMPA x PMPB x x x x PMPR x PMPE x x PMPI x x PMERJ x x PMRN x BMRS x PMRO Tiradentes x Elmo x PMAM Outros Animais x Águia x x Outras armas x Espada Vertical Insígnia PMAC Estrela Corporação Emblema Elementos x x x x x Página | 190 PMRR x PMSC x PMESP x PMSE x PMTO x Logo da PMMT x Logo da PMSC x x x x x Tiradentes 5 Elmo 10 17 17 4 6 2 Total Fonte: Elaborado pelo Autor baseado em Etnografia Digital (Sites Institucionais) Outros Animais Águia Outras armas Espada Vertical x Insígnia x Estrela de 5 pontas Corporação x x Emblema Logo da PMESP x x 3 2 Pouco sobre o emblema já foi explanado, sobre a estrela também, cabe algumas considerações sobre a insígnia das polícias militares que é um elemento em mais franco uso que os outros dois. Dois caminhos diferentes: ecológico profundo e histórico Ao término dessas investigações preliminares, fica estabelecido os motivos que levaram a pesquisa para dois rumos diferentes: um imagético, vinculado ao emblema e a estrela e outro histórico, vinculado à insígnia. Isso porque, enquanto o emblema nos encaminha para uma interpretação diretamente numinosa, apontando para forças primordiais e atemporais; a insígnia traça uma herança institucional por construção histórica. Esse tal rumo imagético, trata do vínculo direto entre as práticas desenvolvidas atualmente pela polícia militar e as representações simbólicas por ela ostentadas. Tais representações levam a imagens mentais regentes. De acordo com nossa sistematização da Ecologia Mental Organizacional, essas imagens são referenciadas a partir de esquemas compostos que servem de estruturas de ancoragem na psicodinâmica institucional. São essas estruturas de ancoragem, denominadas aqui de modelos mentais que são herdados pela reprodução cultural. A herança cultural, que opera no plano da linguagem, traz consigo as representações simbólicas numinosas, como artefatos culturais, atualizados e ressignificados. A tal arqueologia simbólica é o exercício de sondar esses artefatos, em estudo comparado, encontrar similaridades, validando os estudos da linha de reprodução histórica. A dinâmica complexa de convivência entre as imagens mentais regentes, que agem como ideias autônomas, ou “espíritos”, instala uma ecologia própria de uma tal cadeia trófica151 que induz movimentos das organizações e das pessoas membros delas. Estabelecendo uma ecologia profunda institucional. 151 Cadeia alimentar: onde no nível superior de predadores estão os espíritos; no nível intermediário, as instituições e organizações, na condição de entes gregários e no nível inferior as pessoas (ou as mentes humanas) como pasto (fauna cultivável) que alimenta a cadeia. O que impulsiona o mover na realidade existencial autoconsciente é o Página | 191 O outro rumo da pesquisa, denominado de histórico trata-se de uma análise do processo de constituição institucional, mediante o continuum do processo civilizatório. Figura 19 – Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael. a) Adão e Eva b) Polícia Militar (invertida) c) Lilith e Samael Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons, b) Emblema das polícias militares brasileiras (invertido verticalmente). Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). trabalho operado pelos corpos humanos. Outra visão que reúne aspectos da visão de Luhmann e versões místicas do tema, a mente humana é a terra agricultável e os espíritos são o plantio: joio ou trigo. Página | 192 CAPÍTULO 6 | HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR: GENEALOGIA DAS MATRIZES INSTITUCIONAIS Professor, hoje aposentado, Antonio Carlos Palhares Moreira Reis, da UFPE, dá o tom inicial de nossas discussões sobre as matrizes institucionais, como já explicamos nos trechos que esclarecem nossos fundamentos teórico-metodológicos sobre análise histórica institucional, usamos um quadro de múltiplas composições que privilegiam para essa questão ensinamentos de Giddens (2003), Scott e Mayer (1994), Dimaggio e Powell (1991). Mas não descartamos uma combinação com alguns aspectos da visão de reprodução institucional advinda da Ciência Política. Justamente fruto do seu curso de Ciência Política, Reis esclarece um pouco sobre a passagem da sociedade natural para a civil-política em sua obra “O poder político e seus elementos”, edição do ano 2000. Para Reis (2000), “a vida do homem em sociedade existe desde tanto tempo que não é possível a um ser humano (salvo hipóteses demasiado raras) viver fora da vida social. O homem só existe coexistindo com seus semelhantes”. Reis prossegue dizendo que “a partir do momento em que os antigos primatas conheceram o sistema de comunicação por símbolos” houve a compreensão daquilo que consistia em um bem ou um mal não apenas para si mesmo, mas para a unidade social. “Conseguiram distinguir entre o certo e o errado, passou a existir na sociedade humana o que pode ser chamado de realidade dupla:” (1) a lógica social: um sistema normativo abrangendo o que deveria ser e (2) e a lógica natural: uma ordem real de coisas que compreende o que realmente é152. Este sistema normativo é um dos fatores determinantes da ordem real, pelo fato de gerar o sentimento de que os padrões culturais adquiridos com a convivência, com a coexistência, devem ser obedecidos, mesmo quando em oposição a determinados padrões individuais ou tendências biológicas e psicológicas, surgindo então os meios de controle social. O legado herdado pela polícia “profissionalizada” do Brasil é um típico caso do “morto se apoderando do vivo”, para usar a fórmula jurídica do Direito Civil francês, na mesma proposta de Pierre Bourdieu ([1989] 2011), quando reflete sobre a história que se desenvolve acondicionada ao passado. Para tanto Bourdieu, lembra Marx ao referir-se a expressão: “quando a herança se apropriou do herdeiro, o herdeiro pode apropriar-se da herança”. As formas institucionais – e para aqui, mais valem as formas reais, aquelas vivenciadas, do que as formas arquitetadas em regulamentos – não são como são, porque foram concebidas racionalmente, como que mecanicamente, de um consultor estrangeiro distanciado e sem paixões por quaisquer características anteriores. Tais formas ganham corpo, pouco a pouco, fruto lapidado pelo tempo. Pelos fatos que se sucedem e geram uma forma de ser e de pensar, das quais dificilmente os novos 152 No tópico sobre o Efeito Lúcifer do Capítulo 9, há um apanhado sobre um carta de Freud a Einstein que mostra bem a relação entre o direito (como lógica social) e a violência como instinto (como lógica natural). Página | 193 atores, mesmo os de vanguarda que sofrem de um estranhamento e uma aversão às formas tradicionais, conseguirão se desvencilhar (BOURDIEU, [1989] 2011). Genealogia da polícia Figura 20 – Genealogia da Polícia (Militar). Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”, 2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha cronológica: contagem a partir de 2017 d.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012. Tabela 7 – Genealogia da Polícia Militar Brasileira Cronologia Evento 2,5 milhões de anos Modo de subsistência de coleta-caça 200 mil anos Homo Sapiens 10 mil anos Revolução Verde Absorção dos elementos da caça/guerra Descrição Inicio da Idade da Pedra Lascada (Paleolítico) Surgimento do Homo sapiens, a atual espécie humana. Inicio da transição do modo de subsistência da caça-coleta para a agricultura. Considera-se a formação dos Estados assim que há sedentarização da população devido à agricultura e a posterior invenção da escrita. Formação dos primeiros Estados, na forma de reinos. Invenção da escrita e do dinheiro. 5 mil anos Burocracias estatais 4,25 mil anos Primeiro império Império Acádio de Sargão Exércitos formais Organização dos exércitos da Suméria e do Antigo Egito. Célebre representação da Batalha de Kadesh (1296 a.C.) travada entre o Egito (Ramsés II) e o Império Hitita. Organização estratégica do exército e o sistema de prefeituras na China. Tratados de estratégia de guerra na China Antiga e desenvolvimento do sistema de prefeituras nos reinos de Chu e Jin, o prefeitos como funcionários do governo, respondiam pela autoridade civil de sua localidade, realizando investigação criminal em algumas vezes. Exército romano usado como polícia na Capital Na gestão do imperador Augusto César, são criadas as cohortes vigilum, uma estrutura militarizada ligada aos magistrados da cidade, desempenhavam as funções de bombeiros e guardas noturnos. Augusto ainda lançou mão de mais uma unidade militar, não vinculada ao Exército, mas ao prefeito urbano, as cohortes urbanas. O objetivo era dispor de uma força antidistúrbios sem depender da Guarda Pretoriana; Polícia Moderna (1791) Convencionou-se demarcar a formação da polícia moderna pela criação da Gendarmaria Nacional francesa a partir da Maréchaussée do Antigo Regime. Essa instituição mais antiga é aquela da qual faziam parte os mosqueteiros do rei de França. 2,5 mil anos 2 mil anos 226 anos Sistema luso-brasileiro privilegia o modelo militarizado de polícia 208 anos Vinda da Família Real Portuguesa (1809) Dom João VI cria a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro de forma espelhar à congênere de Lisboa (e do Porto), demonstrando mais uma vez a predileção Página | 194 aos formato de corpos militarizados de policia do sistema lusobrasileiro. 74 anos Força Expedicionária Brasileira Reforço dos elementos da caça/guerra 46 anos 32 anos 3 anos Ditadura Militar (1943) Participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Exército Brasileiro absorve uma estrutura de infantaria: polícia militar, mediante o treinamento e uso de uma tropa pioneira formada, sobretudo, por Guardas Civis de São Paulo. (1969) AI-5 e última reestruturação da Polícia Militar durante da Ditadura Militar. Conferida parte das prerrogativas da função legislativa ao Executivo, o Decreto-lei n.º 667 torna exclusivo à PM a atividade de policiamento ostensivo. Extinguiram-se as guardas civis e unificando os efetivos às forças públicas que passam a se denominar polícias militares, nomenclatura já em uso na época em alguns Estados. A estrutura e as funções atribuídas à Polícia Militar passaram a ser similares à fração da Polícia do Exército. Constituição de 1988 (1988) A nova Constituição do Brasil mantém a estrutura em atividade na Ditadura Militar, inclusive o duplo vínculo ao governo estadual e ao Exército, não torna explícito a exclusividade do policiamento ostensivo, mas não prever outra força para tal incumbência. Estatuto Geral das Guardas Municipais (2014) Lei n.º 13.022 estabelece os parâmetros orgânicos das guarda civis municipais, referindo-se a elas como “instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas”. Para este autor, apesar de ainda existirem as organizações policiais militares propriamente ditas, a reprodução da instituição policial militar já ocorreu mediante o compartilhamento de valores e pressupostos profundos para com as GCM’s. Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”, 2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha cronológica: contagem a partir de 2017 d.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012. (4) BLAINEY, Geoffrey, “Uma breve história do mundo”, 2004. Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira Referir-se às matrizes do sistema de segurança pública brasileiro e mais especificamente à sua instituição mais emblemática: a Polícia Militar (PM) é como fazer uma análise de quais outras instituições em outros contextos geo-históricos a PM herdou determinados traços marcantes de sua estrutura organizativa e dos modelos mentais que regem seu funcionamento e o comportamento de seus integrantes. No livro “Matrizes do sistema policial brasileiro” o professor da UFMG, Francis Albert Cotta, faz um primoroso trabalho de pesquisa documental em acervos no Brasil e em Portugal e chega à conclusão de que o sistema de segurança pública adotado no Brasil, desenvolvido paralelamente em Portugal, não pode ser estritamente classificado nem como sendo do modelo de gendarmarias francesas nem como o de blue corps britânico. Na verdade, constitui-se um sistema próprio onde religiosidade, patrimonialismo e militarismo são componentes fundamentais (COTTA, 2012). Quantos anos tem a Polícia Militar? Uma pergunta difícil de responder153, antes de saber se está fazendo referência à organização pública estadual e qual delas, porque são 26 mais a distrital. Ou se está perguntando sobre a instituição “policial militar” e aí temos duas linhas genealógicas divergentes e ainda sim é preciso saber, o que se quer saber é sobre a instituição peculiar da atualidade brasileira ou do tipo de unidade chamado genericamente de polícia militar, como preboste das forças armadas? 153 Uma pergunta difícil de responder que me custou cinco anos de leituras e reflexões, forçosamente ler em francês e inglês e agora respondo em cinco parágrafos. Página | 195 Para os defensores da PM bicentenária, é ponderativo citar que contando de hoje (2017), são 48 anos de Polícia Militar reestruturada pela Ditadura Militar e são 32 anos dessa mesma PM coexistindo no regime da nova Constituição de 1988. Faço o mesmo tipo de ponderação aos aguerridos denunciantes dos frutos do autoritarismo de nossos períodos de exceção, em nossa visão de reprodução institucional por um prisma socioecológico, a PM é uma espécie híbrida, proveniente do cruzamento de outras duas espécies e mesmo assim gerou uma prole ideológica muito fértil. As duas espécies que se cruzaram foram a Força Pública e a Guarda Civl (estadual), uma fruto da linha institucional da Guarda Real de Polícia (portanto, da autoridade central) e outra das Guardas Municipais Permanentes154 e das Guardas Cívicas (portanto, do sistema local/regional) (COTTA, 2012; KRISCKKE, 2014). Uma militar especializada, realmente como um exército provincial a outra militar de segunda linha que com as reformulações se tornou de status civil e estética militar (WANDERLEY ROCHA, 2014; BARBOSA SILVA, 2015). É preciso ponderar a força indutora modelar por admiração (como o fazem defensores da PM bicentenária), ou por entender o quão difícil possa ser alterar essa base mental, que o componente correspondente à Força Pública e Guarda Civil tem na PM. Esse componente pode contar com 208 até 226 anos de existência, dependendo se o marco é a criação da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro (1809), formata tal como a de Lisboa, ou se é a criação da Gendarmaria francesa, em 1791 (da qual a GRP de Lisboa se inspirou). Se tomarmos em consideração a referência honrosa à criação da matriz direta da Polícia Militar de Minas Gerais, em 1775, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, temos o marco tomado por oficial que determina a criação da corporação estadual mais antiga, com 242 anos, sendo mais antiga que o próprio marco de fundação da polícia moderna (1791) (COTTA, 2012). É preciso ser mais específico: quantos anos tem a organização policial militar tal qual ela é hoje, jurídico e administrativamente, recepcionda sem ressalvas pela Constituição de 1988: 48 anos. Para se perguntar quantos anos tem a instituição policial militar, é preciso delimitar mais. Como órgão totalmente bancado pelo Estado e não como tropa de exército em função secundária ou como empreendimento militar privado com outorga estatal, ou seja, realmente como um corpo de polícia nos termos modernos, apenas em sua trajetória no Brasil, então teriam 208 anos. Se fosse a mesma indagação no mundo, seriam 226 anos. Mas se a pergunta for quantos anos tem o uso de instituição militar em funções policiais, voltamos ao mesmo delimitador: onde? No Brasil, remonta à chegada dos donatários das capitanias hereditárias, algo aproximadamente com 480 anos. E deve coincidir com as primeiras outorgas reais a nobres portugueses como administradores e promotores da justiça em nome de seu soberano nas terras de além-mar. Muito provavelmente, o primeiro a fazer uso dessas prerrogativas tenha sido Martim Afonso de Sousa, donatário da Capitania de São Vicente futuro governador do pretorado portugês na Índia. Se for a mesma questão no mundo, quando instituições militares foram usadas nas funções policiais? Então, teríamos que dizer, entre o Império da Acádia, o Antigo Egito e os reinos Chineses, 154 Quando se fala em municipal, é preciso entender que províncias como a de Alagoas que hoje tem 102 municípios, no período regencial e imperial, não tinha mais que 10, o que assemelha a noção do que hoje se pretende com Guardas Metrolopitanas ou consórcios de guardas municipais. Página | 196 algo em torno de 2 mil e 500 anos a 4 mil anos, um uso como esse um pouco mais sistematizado remontaria ao Império Romano, com um pouco mais que 2 mil anos. Uma polícia dos militares, a qual no mundo todo é conhecida por Polícia Militar, ou seja, um destacamento da força militar, servindo diretamente ao poder central (o monarca ou o comandante supremo das forças armadas) para disciplinar as tropas, na função denominada de preboste, como é o caso da Guarda Nacional portuguesa e da Gendarmaria Nacional francesa, remontaria aos “Imortais” do Império Persa (séc. IV a. C.), bem como à Guarda Pretoriana em Roma (séc. I a.C.)155. Mas em termos modernos, seria a antecessora da Gendarmaria francesa, o Marechalato (la Maréchaussée), tropas destacadas de boa reputação que acompanhavam o marechal de campo, servindo-lhe em missões diretas, prendendo os militares baderneiros, chegando ao ponto de extravasar seu contexto institucional promovendo a segurança pública dos rincões rurais e das estradas, bem como, no final do Antigo Regime absolutista francês, aplicando a justiça militar e comum. Algo semelhante ocorria com os generais chineses, que quando no governo civil temporário de território ocupado, promoviam a segurança local com parte de suas forças militares, bem como mantinha um grupo de espiões instalados nos países estrangeiros (TZU, [séc. IV a.C.] 2006). Como diria Foucault (2008), a diplomacia (espiã) tem ligações institucionais com os exércitos. A Guarda Pretoriana talvez fosse mais bem equiparada a la Maison militaire du Roi (a Casa Militar Real) da qual se trata da instituição de onde surgiram os mosqueteiros, que também foi absorvida pela Gendarmaria Nacional, após a queda da Bastilha. “La Maison militaire du Roi” promovia a segurança pessoal do rei e de sua corte. Essa missão mais específica de proteção do soberano é a origem histórica das secretarias estaduais e do ministério que cuida de tais assuntos junto ao chefe do poder executivo: Gabinetes Militares, Casa Militar ou Secretaria de Segurança Instititucional. Note que essa função de “casa militar” é desempenhada pelas Polícias Militares no Brasil, em cada Estado e no Distrito Federal. Corpos militarizados de polícia versus polícias de trato civil Numa redução proposital da classificação de Jean-Paul Brodeur, proposta em “The policing web”, 2010, podemos distinguir dois tipos básicos de constituição de agências estatais de segurança interna que tem suas atividades desenvolvidas em meio à sociedade (em meio ao tecido social): (1) os corpos militarizados de polícia e (2) as polícias de trato civil. O primeiro tipo são os corpos militarizados de polícia frutos direto do uso desenho funcional das Forças Armadas no trato da ordem social interna dos Estadosnação. O segundo tipo são as polícias de trato civil podendo elas serem, ou não esteticamente semelhantes aos corpos militares. O tipo de corpo militarizado de polícia tem como instituição modelar a gendarmaria francesa, já o modelo da polícia urbana inglesa é tipicamente a referência de uma polícia de trato civil (MUNIZ, 1999; MARCINEIRO, 2009). Isso não significa que o sistema de segurança francês só seja 155 Tropas de elite de proteção do soberano e quem se confiava missões paralelas ao do exército formal. Página | 197 composto por gendarmaria, nem que os de aplicação na comunidade britânica não tenham forças de reserva de cunho militarista (MONET, 2001). A diferenciação básica, para fins de análise das relações ecológicas por ora proposta, está na capacidade de envolver-se com o tecido social considerando-se como pertencente a ele ou como uma categoria sistêmica externa que desempenha uma atividade de vigilância e controle. Ou seja, a condição de sua relação com o todo social, se dá pela preponderância de vias de verticalidade ou horizontalidade (SANTOS, 2001). Dessa diferenciação básica decorrem outras características comuns, quanto à estrutura administrativa, estética, status jurídico, traços da cultura organizacional, que acabam por se repetir como padrão. O formato dos corpos militarizados de polícia refletem normalmente a ordem metropolitana sobre o cotidiano político da colônia (ou província). Isso porque, numa lógica citadina, o uso da máquina bélica contra seus próprios citadinos fere alguns princípios do pretenso contrato social firmado entre Estado e Sociedade Civil. Na verdade, a Sociedade Civil, em um jogo de sedução-indução-imposição, só se permite ser controlada por meio de um algoz que minimamente lhe respeite como portador de direitos básicos. Essa perspectiva específica será tratada sob uma imagem metafórica no tópico “Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor” no Capítulo 7. Tipologia dos corpos militarizados de polícia Em um exercício sumário de classificação, pretendo delimitar a tipologias funcionais das agências policiais, com ênfase nas militarizadas:  polícia militar: Este é o termo utilizado no mundo todo para designar a corporação que exerce o poder de polícia no âmbito das forças armadas, para os brasileiros ficaria mais fácil entender se for dito: “a polícia dos militares”. No Brasil, quem exerce essa função são três estruturas internas de cada uma das três forças armadas: Companhia de Polícia do Batalhão Naval, na Marinha do Barsil; Polícia do Exército, no Exército Brasileiro e a Polícia da Aeronáutica, na Força Aérea Brasileira.  gendarmaria: É uma força militar incubida de executar as funções de polícia no âmbito da população civil; ocasionalmente, em cenário de guerra no estrangeiro, podem atuar como preboste ou polícia militar no âmbito das forças armadas, ou ainda, servi-lhes de tropas de reserva.  preboste: termo que foi transliterado do francês, mas sua origem remonta ao termo latino: præpositus, ou seja, preposto. Alguém que por outorga, cabe-lhe zelar e aplicar dsisciplina em nome da autoridade outorgante. Nos exércitos, cabe ao preboste a correição e disciplina das tropas. O termo pode designar o chefe do serviço de preboste ou o corpo de militares ao seu serviço, nisso podem-se usar os policiais militares. Página | 198 Instituições modelares De forma sucinta, correndo o risco de perda da multiplicidade de elementos constitutivos, por uma simplificação de um quadro amplo de matrizes, porém destacando aquelas que marcadamente definem um maior número de elementos predominantes do modelo institucional, pode-se elencá-las (as matrizes) em uma lista, com seis instituições modelares. (a) Três são organizações institucionalizadas estrangeiras, (b) outras três são sistemas de múltiplos atores e funções-nicho (encargos de atuação social) que com a cristalização histórica compuseram instituições sociais típicas do contexto social português colonizador. O Quando 5 é uma representação resumida dessa classificação. Da primeira classificação (a), incluem-se (1) a Gendermarie Nationale (Gendarmaria Nacional francesa) (COTTA, 2012), (2) o Corpo de Guarda de Polícia da Corte de Lisboa (o que viria a se tornar a Guarda Nacional Republicana portuguesa GNR) (COTTA, 2012) e (3) a Military Police of U.S. Army (a Polícia Militar do Exército norte-americano). No segundo grupo (b) constam modelos oriundos do sistema de suporte à Justiça das Ordenações Filipinas e Manuelinas do império português (contextualizado no fim da Idade Média e ao longo da Idade Moderna na porção lusitana da península Ibérica e suas colônias), o que se dá pelas (4) Ordenanças e Milícias (uma forma de emprego doméstico das tropas do exército português ou a formação de frações de segunda linha, ou seja, forças militares ou milicianas de reserva) e (5) pelos Quadrilheiros (homens incumbidos de prestar um serviço de autoridade delegada, semelhante aos Sherifs ingleses) (BAYLEY, 2002; COTTA, 2012). (6) Também se pode elencar a forte influência cultural da atuação dos “novos” portugueses já nascidos em Colônias, que constituíam uma nova classe da hierarquia social, a qual pode ser denominada de “autoridade mestiça” (NONATA SILVA, 2009), que definem a posição do “homem branco pobre e livre”, dos alforriados, dos nascidos livres, dos indígenas e dos bastardos, dentro do sistema escravocrata, englobando figuras como o jagunço, o feitor da plantation e o capitão-do-mato (BALDO, 1980; LÍBANO SOARES, 1999; JESUS, 2007). Cabe para usar uma linguagem didática, compor uma lista mais objetiva ainda: 1) a Gendarmaria Nacional francesa; 2) a Guarda Nacional Republicana portuguesa; 3) a Polícia Militar do Exército norte-americano; 4) as Ordenanças e Milícias; 5) os Quadrilheiros e 6) a “autoridade mestiça”. Página | 199 Para esclarecer sobre o receio a uma simplificação extremada, é oportuno correlacionar essas seis instituições modelares com outras influências organizacionais e culturais, bem como veículos sócio-culturais de transmissão “genética” e “epigenética”, numa dada reprodução cultural do padrão sistêmico (membros, unidades, estrutura, padrão de organização, processos e cultura) de tais instituições (Quadro 5). Quadro 5 – Matrizes institucionais a Polícia Militar Brasileira Herança direta de organizações institucionalizadas Guarda Nacional Polícia Militar do Gendarmaria Nacional Republicana Exército nortefrancesa portuguesa americano Maréchaussée La Maison militaire du roi de France (Mousquetaires) Exército Romano Exército Português (EP) Guarda Civil do Estado de São Paulo (GCSP) Polícia de Segurança Pública (PSP) Guarda Real da Polícia de Lisboa (GRP de Lisboa) Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte Força Expedicionária Brasileira (FEB) Sécurité nationale Polícia do Exército Brasileiro (PE) (EB) - (GRP do Rio de Janeiro) Cohortes vigilum (Força policial e de defesa civil de Roma) Guarda Civil Estadual Força Pública Provincial/Estadual Instituições sociais típicas do contexto luso-brasileiro Tropas militares de segunda Controle local/municipal Autoridade mestiça linha Ordenanças e Milícias Quadrilheiros e Sherifs ingleses Capitão-do-mato Guarda Nacional Jagunço e Feitor ausente Entradas e Bandeiras Intendência de Polícia Homem pobre livre e branco Juiz de Paz Guerreiro tribal africano Elaborado pelo Autor. Figura 21 – Brasão da Guarda Nacional Republicana portuguesa Fonte: Site oficial da GNR (http://www.gnr.pt) Página | 200 A matriz da Guarda Nacional Republicana portuguesa (a Guarda Real da Polícia de Lisboa) Portanto, dizer que a Guarda Nacional Republicana portuguesa é uma instituição modelar para as polícias militares brasileiras, por exemplo, é dizer indiretamente que além da atual GNR que atua na jurisdição nacional da contemporânea República Portuguesa, é dizer também que essa matriz (e aí está o sentido mais apropriado para dizer que a GNR é uma instituição modelar, que em nosso caso, empresta a denominação para uma matriz mais ampla) é composta por diversas outras influências originárias, a saber, a Guarda Real da Polícia de Lisboa (GRP de Lisboa), criada em 1801, na regência do futuro rei D. João VI, enquanto ainda era príncipe regente de Portugal. A empreitada de constituir a GRP de Lisboa foi encabeçada pelo magistrado português, Pina Manique, seguindo o modelo da Gendarmaria francesa, para tanto devia ser “formada pelos melhores soldados, escolhidos em todo o Exército, não só entre os mais robustos, firmes, solteiros, e até 30 anos de idade […] mas também de boa morigeração e conduta” (COTTA, 2012). Portanto, assim como Cotta (2012) foi perspicaz para pontuar, apenas pela circunstância de formação da GRP de Lisboa pode-se perceber a influência indireta: da organização modelar francesa do período que sucedeu a Revolução de 1789; das organizações que viriam a se institucionalizar, que seguiram a evolução histórica administrativa da atual GNR portuguesa, a saber, suas antecessoras, a GRP de Lisboa, a GRP do Porto e as posteriores Guardas Municipais de ambos os distritos; a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, já após a transferência da Corte para o Rio de Janeiro (GRP do Rio de Janeiro); sendo do Exército Português, a origem de um recrutamento de homens já treinados, então a herança da ordem militar portuguesa foi direta nessa formação dos corpos militarizados de polícia, tanto em Portugal como no Brasil e pouco menos evidente em Moçambique e Angola (COTTA, 2012). No Brasil, com a vinda da família real portuguesa, tornando o Rio de Janeiro a nova sede da Corte, foi criada em 1809, no mesmo formato que a GRP de Lisboa a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, ou simplesmente Guarda Real da Polícia (GRP), no Rio de Janeiro, antecessora organizacional/administrativa direta das atuais polícias militares do Rio de Janeiro (PMERJ) e do Distrito Federal (PMDF). Institucionalmente, a Guarda Real da Polícia do Rio de Janeiro é o modelo referencial, historicamente mais destacado, de todas as demais polícias militares do Brasil (COTTA, 2012). O formato sui generis da Polícia Militar Brasileira A Polícia Militar Brasileira não tendo acompanhado as mesmas transformações as que foram compelidas por pressão histórico-social ocorridas para com suas instituições modelares estrangeiras, a saber, a Guarda Nacional Republicana (GNR) portuguesa e a Gendarmaria Nacional francesa – a PM no Brasil – distanciou-se de suas matrizes institucionais e de alguma forma as forças atuantes dos períodos de exceção (o Estado Novo de Getúlio Vargas e a ditadura civil-militar, em seu acirramento desde 1969 até o fim da década de 70) conseguiram enxertar, Página | 201 numa árvore institucional já constituída, traços estranhos que em nenhum outro sistema de segurança pública doméstico é possível observar. O modelo institucional, o status e competência conferido pela lei às polícias militares estaduais do Brasil é sem igual no restante do mundo (BRODEUR, 2010). Apesar de David Bayley em sua obra seminal, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa” (2002), afirmar que é inerente a uma observação geral das polícias pelo mundo, uma multiplicidade de formas e organizações peculiares aos contextos locais e/ou nacionais, o fato de considerar a principal força de segurança doméstica ostensiva do Brasil um gênero sem par, no transcurso desta pesquisa, apoia-se, sobretudo, na tentativa de classificar as agências policiais em determinadas categorias por Jean-Paul Brodeur (2010). Justamente segundo o sociólogo canadense, depois de elaborar um quadro com categorias de polícias ao redor do mundo, a polícia militar do Brasil está numa categoria à parte, de policiamento fardado paramilitar (BRODEUR, 2010). Esse formato sui generis da Polícia Militar Brasileira, combina traços históricos do sistema escravocrata, onde justamente ele mais perdurou nas Américas e a confluência do padrão organizativo tribal das parcelas populacionais subjugadas (mas que formavam justamente a linha operacional das forças de segurança, numa hibridização denominada de ‘autoridade mestiça’) (NONATA SILVA, 2009). Os traços próprios das matrizes, sejam elas francesas ou portuguesas, já conferiam aspectos de uma marca fortemente preservadora da autoridade central. E com tudo isso que já estava na tal árvore “filogenética” das polícias militares do Brasil, surge os ensaios de laboratório social e administrativo dos governos paraditatoriais. Ou seja, ao olhar a Polícia Militar, não é a GNR ou a Gendarmaria que se pode perceber a princípio, mas algo muito mais próximo da Polícia do Exército (PE), o que somente no Brasil se chama assim, porque em todo o mundo isso é a Military Police, a polícia militar das forças armadas. A matriz da Military Police do Exército norte-americano Em meio a matriz denominada por Polícia Militar do Exército norteamericano ainda é preciso fazer referência à Guarda Civil do Estado de São Paulo (GCSP) origem do pequeno grupamento que atuou incorporado à Miltary Police of U.S. Army (Polícia Militar do Exército dos Estados Unidos) na Segunda Guerra Mundial. Essa partícula da Força Expedicionária Brasileira (FEB), formada por soldados originalmente guardas civis e por oficias que não apresentavam discordâncias ao governo Vargas, tornou-se o embrião da Polícia do Exército (PE) brasileiro, pelo processo de emulação (OJEDA, 2015; PIMENTEL, 2012; CARVALHO, 2009; BRASIL, 1966). Segundo Marcos Piffer (2014), emulação é um processo intencional de imitação de práticas e técnicas, consideradas mais bem sucedidas, por parte de Estados estrangeiros. No caso específico, tratam-se de estratégias militares. Entre outros processos de mudança em forças militares, tais como adaptação e inovação, a emulação é típica de países em desenvolvimento, pois ela se faz valer da Página | 202 expertise já consagrada no cenário global (FARREL e TERRIFF, 2002 apud PIFFER 2014)156. Então a PM de certa forma carrega o vigor e a sede de incursão peculiar da FEB, da Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial, que atuou quase exclusivamente na Itália (e na coalizão de forças aéreas), bem como sua aptidão de envolvimento humano (BRASIL, 1966; FRÖHLICH, 2015). A FEB na missão de solo, ainda que precariamente e sem representar de fato a estrutura do Exército Brasileiro formal e permanente (considerando que não eram tropas de primeira linha, mas um contingente de voluntariados recém-recrutados), demonstrou empenho destacável no cenário de operações (OJEDA, 2015; PIMENTEL, 2012; CARVALHO, 2009). O que se chama aqui de destacável, pouco tem haver com organização, disciplina e estratégia; esse destaque cabe à capacidade dos indivíduos em se adaptar às adversidades e apresentarem certo desprendimento que pode ser caracterizado por coragem (BRASIL, 1966; PIMENTEL, 2012). A tropa brasileira também se destacou por outra característica secundária, a rápida “integração” com as comunidades locais italianas (FRÖHLICH, 2015). Esse é o formato da polícia militar do Exército norte-americano, uma força de elite, especializada, que faz o papel de preboste, típico também das Gendarmarias. O que por sinal no Brasil, as polícias militares estaduais não fazem. Esse papel é o de disciplinador do corpo do pessoal das forças armadas, ou seja, a polícia que trata dos atos criminosos e indisciplinares dos militares. Mas como a polícia militar no Brasil ainda guarda o status de tropa de segunda linha, reserva do Exército, um ente que figurativamente quase não seria profissionalizado ou estaria atuando por investidura temporária, assim como eram as Ordenanças e Milícias ou os quadrilheiros do sistema medieval/moderno português – devido a isso – a função de preboste não lhe cabe, por um posicionamento inferior às forças armadas e descentralizadas nas “províncias”, lhe desqualificando para ser verdadeiramente o que designa seu nome: polícia administrativa militar, a não ser para com seu próprio pessoal. As garruchas cruzadas denunciam esse vínculo simbólico de modelo institucional para com a polícia militar do Exército norte-americano. Marca visual inicialmente elaborada nos idos da Guerra Civil norte-americana, primeiramente formado por bastões cruzados, até a apropriação definitiva das “garruchas”: pistolas Harper’s Ferry 1806, conforme histórico desenvolvido no capítulo anterior157. Figura 22 – Brasão, insígnia e distintivo da Military Police of U.S. Army 156 FARRELL, T.; TERRIFF, T. (EDS.). The Sources of Military Change: Culture, Politics, Technology. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers, 2002. 157 Capítulo 5, tópico “A insígnia das Polícias Militares do Brasil”. Página | 203 Fonte: United States Army Institute of Heraldry (http://www.tioh.hqda.pentagon.mil) Mas, ser preboste, não é a única função dessa unidade de elite, a ela cabe a missão de estabilização de territórios ocupados, no trato da população civil estrangeira “invadida” e nesse aspecto a Polícia Militar Brasileira guarda mais semelhanças para com a Polícia do Exército. Uma polícia de controle da população civil do território ocupado, a qual não se pretende aniquilar e, portanto, precisa levar estabilização em termos de autoridade e segurança, além de reestabelecer os sistemas de suporte às comunidades e centros urbanos, tais como agricultura, educação, saúde e construção de equipamentos públicos de primeira relevância como as escolas, hospitais, pontes e distribuição de água e energia. Um exemplo desse tipo de atuação são as esparsas mais persistentes forças que permanecem bastante tempo depois da guerra propriamente dita, como foi no caso do Afeganistão e do Iraque. Em alguns casos, pelo perigo gerado na aquisição de recursos bélicos de forças da resistência nativa, as unidades de elite anfíbia ou de biomas diferentes (como fuzileiros ou especialistas em deserto e selva) são designados em conjunto e em paralelo a tal atuação de polícia de controle da população civil. Figura 23 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em atividade operacional a) Polícia Militar do exército norte-americano (Iraque) b) Fuzileiros Navais barsileiros no Haiti c) Policiais do Rio em favelas Fonte: a) Site Common Dreams, disponível em <https://www.commondreams.org/> b) Site Zona Militar – Misiones de Paz. Disponível em <https://www.zona-militar.com>. c) Imagem: Marco Antônio Cavalcanti/UOL, disponível <https://noticias.uol.com.br/album/2013/01/19/osso-duro-de-roer-veja-imagens-dos-35-anos-do-bope-a-elite-da-pm-dorio.htm#fotoNav=8> Tal fato pode de alguma forma ser observada na proximidade de treinamento entre e o emprego complementar dos fuzileiros navais e a polícia militar nas comunidades (favelas) do Rio de Janeiro, onde apesar de uma tropa regular de cobertura ou de investidura “azul-clara” faz o controle rotineiro, forças como o Bope atuando cirurgicamente. O que não pode deixar der percebido, mesmo que como resquício ou espelho distante, na atuação da unidade especializada em Caatinga da Polícia Militar de Pernambuco nas cidades de maior porte do Interior. Por sinal em Pernambuco, depois da falência das primeiras versões do “Pacto pela Vida”, a ampliação das forças escpecializadas em combate direto à criminalidade suburbana tem sido um marca característica da polícia de segurança estadual, tanto com a criação do BEPI, o Batalhão Especial de Policiamento do Interior (sucessor da Página | 204 CIOSAC, Companhia Independente de Operações na Caatinga), como da criação de uma versão do BOPE na capital. No que se trata ao Rio de Janiero, nesse sentido, dizer polícia de pacificação é um eufemismo por parte da autoridade político-militar ocupante. E de forma alguma o uso da cor azul-clara, seja no exemplo da ONU (e o uso dos “comandos” e demais forças de elite no Haiti pelos brasileiros é uma boa prova disso) ou da polícia fluminense vai destituir o caráter colonialista de tal tipo de ação que se firma materialmente pelo uso, contraditório, do fuzil de grosso calibre. O que, nem sempre é admitido pelos teóricos/ativistas humanistas é que uma vez a autoridade estrangeira tendo desmantelado a estrutura de suporte da sociedade na qual houve a intervenção severa, essas unidades de estabilização são em alguns casos a única “salvação” para o total desabastecimento e deterioração social. Sem as forças de incursão do Estado dominante, as comunidades ficam entregues aos despautérios dos focos de violência que gravitam e permeiam o cenário do “pós-guerra”, são forças paramilitares que surgem espontaneamente para defender interesses tribais e de atividades econômicas de especulação da ausência de autoridade formal. Esses tais focos “organizados” em facções, partidos, gangues, milícias etc – essas organizações informais – podem ser simpáticas às comunidades nas quais se proliferam principalmente as que são por elas considerados seu berço, seu ninho. Mas também, podem ser hostis e utilizar de métodos no trato social que não ficam longe das mesmas atrocidades que por vezes são creditadas às forças de incursão invasora da autoridade estrangeira 158. Missões jesuítas de paz Essa característica de incursão, faz das polícias militares brasileiras forças paramilitares empregadas num constante esquema de Operations Other Than War (OOTW – “operações além da guerra”) ou de PeaceKeeping Operations (PKO – “operações de manutenção da paz”) (PROENÇA Jr., 2002). Posso adiantar que não é saudável para nenhuma pessoa ser alocada nas fileiras de uma tropa em guerra ininterrupta por 30 ou 25 anos159. Como também, não é sustentável administrativamente e simbolicamente para uma organização está em esquema de guerra permanente. É certo que para sustentar tal disfunção, é preciso manter processos e suporte mental-profundo compativelmente disfuncionais. Figura 24 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em interação com crianças 158 Esse debate retorna, quando demonstramos nítidas evidências que a orquestração de novos rumos da ordem mundial tem feito com que países antes fomentadores de liberdades civis, tem presenciado a “invasão” bélica dentro de seus próprios territórios como demonstram: Slovaj Zizek (2017) e União Americana de Liberdades Civis (ACLU), como pode ser visto no tópico “Expressão mitraica de culto do exército romano”, no Capítulo 9. 159 Tempo de serviço ativo exigido na maioria dos Estatutos das polícias militares estaduais: 30 anos para homens e 25 anos para mulheres. Página | 205 a) Polícia Militar do exército norte-americano (Afeganistão) b) Militar do Exército Brasileiro no Haiti c) Policial militar do Rio de janiero Fonte: a) Site Common Dreams, disponível em <https://www.commondreams.org/> b) Site institucional do Exército Brasileiro c) Imagem: Divulgação da Ascom do Bope, disponível <https://noticias.uol.com.br> Quando o lado mais aguerrido da PM é temporariamente suplantado pelos projetos de cunho “comunitários”, de certa forma é possível perceber a Polícia Militar como o substitutivo do elemento jesuítico na ocupação territorial portuguesa na faixa americana, correspondente ao atual Brasil (destacadamente as terras paulistas e amazônicas), Sacramento argentino160 e o Uruguai. Essa comparação pode parecer exdrúxula a princípio, mas vale salientar, que a pesar da estética missionária, de cunho humanista, a Ordem Jesuíta é uma ordem militar, com juramento de sangue para preservação dos interesses papais. Leiamos uma passagem do historiador português, João Lúcio de Azevedo, do século XIX: Em 1659, Vieira consegue reduzir as tribus de Marajó. O feito é extraordinário e quase milagroso. O que não tinha alcançado a força das armas, obtem-o a doçura do evangelizador, a fama repercutida de suas virtudes, a sublime confiança com que vai metterse entre os cannibais: tal Anchieta entre os tamoyos (AZEVEDO, 1999). É nisso que temos algumas ressalvas com a forma e a pretensão de desenvolver polícia comunitária, porque como demonstratremos no Capítulo 10 (Extinção ou Reformulação Institucional?), as polícias de trato civil ordeiro são mais propensas a servirem de aparelho ideológico reprodutor mais bem sucedido ao domínio de elites dirigentes do que a polícia “militar” agressiva. E creio que muitos já devem ter, nesse mesmo sentido, desmascarado a intenção sagaz por trás da pacificação de favelas cariocas161162. A terminologia jesuítica ou da ONU é a mesma: “ir em missão de paz” e de alguma forma vemos se reproduzir o “entre a cruz e a espada”, agora como entre o azul celeste e a pomba da paz e os fuzis e blindados. 160 TV Escola. Terra sem males (1º Episódio). [Audiovisual] Duração 50min. Documentário brasileiro, ano 2015. Disponível em <http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/terra-sem-males--versao-completa>. 161 “Na Providência, não temos hospitais, mas temos 200 policiais efetivos. Para mim isso não muda nada, já que o Bope e o Choque continuam subindo. Não há tiroteio quando a polícia não entra. Qual avanço que a comunidade teve com a UPP? Pode ter permitido entrar alguns serviços, como TV a cabo e bancos, mas não houve avanço social”. Relato de morador à jornalista Gabriela Mattos, para Jornal O Dia, em 26 abr. 2017, sob o título: “Sete anos de pacificação: moradores relatam aumento de confrontos na Providência”, disponível em < http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-04-26/sete-anos-de-pacificacao-moradores-relatam-aumento-deconfrontos-na-providencia.html>. 162 PELLEGRINI, Marcelo. “UPP não acabou com o tráfico, só trouxe falsa sensação de segurança". Carta Capital, edição 858. Publicado em 16 jul. 2015. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/revista/858/espremidosentre-dois-senhores-6954.html>. Página | 206 Cabe destacar a opinião de Victor Leonardi (1996), que falando das missões religiosas no Brasil, nos serve de recomendação a fugir de generizações sobre as atitudes individuais em meio aos movimentos do coletivo. Posso atestar em relação a Polícia Militar, que mesmo os projetos humanísticos sendo macrocontextualmente arranjos dominadores, inócuos num sentido amplo à razão que se dizem prestar; em cada interação pontual há indivíduos realmente bem intecionados, fazendo o que podem para que a realidade possa ser utopicamente alterada: Apesar dessas vozes discordantes, em geral o parecer dos historiadores é severo quando se trata de analisar a atuação da Igreja nos países coloniais. A meu ver, no que diz respeito ao Brasil, a crítica à atuação dos missionários não pode ser feita de maneira genérica. Cada ordem religiosa teve uma história específica na América Portuguesa. E dentro de cada ordem, houve de tudo, nos vários momentos históricos, de homens venais até santos (LEONARDI, 1996). Ainda na comparação (não desavisada) entre os projetos humanísticos de polícia e a atividade de incursão mundial dos jesuítas é preciso compreender as facetas do ardil jogo de introdução de espécies exóticas/invasoras que permanecem muito tempo em latência, quando finalmente simbiotizadas pelo sistema social hospedeiro, elas já tem inoculado o veneno da verticalidade metropolitana 163. Autoridade mestiça Feitor ausente e o capitão-do-mato Inúmeros autores alegam continuidade e persistência de padrões de conduta policial. “A existência e a persistência desses tipos de práticas, apenas, tendem a levar a Política de Segurança Pública e todas as suas inovações a 'lugar nenhum'” (CRUZ, 2012). “A violência policial de hoje tem suas especificidades, mas traz em si elementos de outras épocas”. (ROCHA, 2013: 87). Alexandre Rocha (2013), ainda destaca o fato desse contexto paradoxal, ser perpetuado dentro do Estado Democrático de Direito: “nada disso é novo. O paradoxo é a ordem democrática com-portar ações autoritárias por longo tempo”. O governo é diariamente conivente com os abusos cometidos para com os pobres dos territórios subalternos, mas quando se vê ameaçado, derruba a culpa sobre os ombros do “feitor-policial”. Parece claro que para inocentar seus escravos, que têm valor como mercadoria e não convém paralisar com uma condenação, o fazendeiro faz recair a culpa sobre o homem livre, que nenhuma relevância tem para seus interesses (FRANCO apud BALDO, 1980: 50-51). Ver tópico “Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor” do Capítulo 7. 163 Página | 207 No contexto contemporâneo, o “escravo” necessário, é o eleitor. Quem é o policial, nessa não tão inadvertida comparação com o período pré-republicano brasileiro? Para Leila Mezan Algranti (1988 apud LÍBANO SOARES, 1999: 127), tratase do substituto do feitor da clássica plantation rural, devido à “ausência da autoridade senhorial direta”. E se para o cenário dos cres-centes centros urbanos do século XIX, aceita-se o policial como a imagem de um feitor, outrora presente nos latifúndios, pode-se então buscar em Emília Costa (1966 apud BALDO, 1980), que tipo de relação esse agente do Estado, não adaptado a sua missão pública, mas ainda afeto aos interesses privados dos mais abastados da sociedade (LÍBANO SOARES, 1999), tem com o escravo: Rude e ignorante [o feitor], odiado, muitas vêzes viciado pelo conceito, que o cativeiro generalizara, da inferioridade racial do negro, o feitor tinha os escravos à sua mercê. Se magnânimo, aplicava moderadamente as penas. Se desumano e grosseiro, dava vazão à sua brutalidade, espancando-os em excesso, castigando pelo simples prazer de comtemplar o sofrimento alheio (EMÍLIA COSTA,1966 apud BALDO, 1980). Portanto não cabe ao feitor libertar os escravos. Feitor é feitor, quando se propõe a causas abolicionistas, deixou de ser feitor e aproveita-se de sua antiga posição para articular as fugas. Mas se ainda permanece feitor, como é o caso do policial frente os territórios subalternos, na condição de instrumento de controle populacional, ele ainda pode tratar os “escravos”, digo os controlados, de forma piedosa ou cruel, “magnânimo” ou “desumano e grosseiro” como diz Emília Costa (1966 apud BALDO, 1980) sobre o feitor e aqui se faz uso de analogia ao policial. Diferentemente do que a tradição corporativista quer fazer acreditar, as polícias militares estaduais do Brasil com a dupla função ( -1- manutenção da ordem pública e -2- policiamento ostensivo, notoriamente o urbano de trato da população civil) que desempenham hoje, nas atuais configurações organizacionais, não são de forma alguma centenárias. Não passam de um ensaio – até hoje mal sucedido – do laboratório do último regime de exceção. E, portanto, está próximo de completar cinco décadas contando desde 1969 e três décadas, contando de 1988 (MUNIZ, 2001 apud CRUZ, 2012). Se elas possuem algo de centenário, é um ente fantasmagórico que a rodeia. Ou então, se preferir outra metáfora, um espírito de sua antecessora e genitora, a força pública provincial-estadual e toda a gama de matrizes institucionais decorrentes disso. A polícia arregimentada das classes inferiores e que desenvolve ações para suprir interesses privados e negocia a vida e outros valores sem nenhum tipo de escrúpulo é ainda o capitão-do-mato fechando negócio com senhores proprietários de negros-fujões (GOULART, 1971 apud BALDO, 1980). Esses escravos, fora das cercas de seus donos estão desajustados do contexto social. Não possuem um projeto de vida autônomo e não se coadunam com o ritmo produtivo fora da exploração da qual fogem. Por onde passam deixam um rastro de lesões ao tecido da ordem social, pois sem o paternalismo dos seus senhores, não tem outra forma de satisfazer suas necessidades básicas, se não criando “arruaças”. Página | 208 São essas desordens, que tornam imperioso para as classes dominantes que não importa quem sejam os agentes da lei, mas que deem cabo desta situação que se alastra pelo território. Figura 25 – Capitão-do-mato: O caçador de recompensas procurando por escravos fugitivos Fonte: Imagem do Site Wikimedia. Capitão do mato. 1823. Ilustração de Johann Moritz Rugendas (domínio público) Ou seja, não só o capitão-do-mato de ofício embrenha-se nos rincões do interior para capturar os escravos foragidos, bem como todo aquele que é investido da missão de mantenedor da ordem, deve buscá-los. E a isso eram incumbidos concorrentemente com os mercenários-particulares, os comissários de polícia cariocas, os membros das ordenanças e milícias, os da Guarda Nacional, dos Corpos de Polícia provinciais e até mesmo o componentes do Exército regular, o de 1ª linha (BALDO, 1980). Muitos provimentos regionais lhes concediam receber a paga, chamada de tomadia, diretamente dos “bons homens”, que tiveram seu patrimônio recuperado. Essa polícia ainda existe e recebe uma gentil gratificação por um veículo recuperado. Ou ainda, uma rês das dez recuperadas, depois de uma exaustiva ação em prol de localizar a parte do gado subtraído durante a noite. Essa polícia tem no meio dela, pessoas rudes, indesejadas pelo convívio social comum, mas são requisitadas, por causa de suas habilidades não encontradas em outros, para executarem os bons préstimos. Mas não apenas os “bons homens” os financiam. “Ganham de todos os lados”, parafraseando José Alípio Goulart (1971 apud BALDO, 1980), quando falava do capitão-do-mato. Ganham inclusive não apenas das versões contemporâneas dos senhores de engenho e cafezais, mas também dos “pretos e pardos”, obtendo resgate do traficante sequestrado. Página | 209 Ganha de todos os lados: ganha do dono do negro a tomadia; do "padrinho" do negro ganha a propina. E, de outros protetores do prófugo — a esposa, a amante, a mãe — vem-lhe as escondidas a gorgeta, para que afrouxe a caçada renitente (GOULART, 1971 apud BALDO, 1980). A polícia que mata os opositores, enquanto leva às últimas consequências, sessões que tem o dever cívico como condutor ideológico dissimulador de uma verdadeira sede sádica de sangue, como condutor de prazer psicológico, - a polícia que mata - é a ponta executora na rua do sistema de torturas capitaneado pelo DOICODI e pelo DOPS. Numa queda moral, assim como Zimbardo (2008) explica o Efeito Lúcifer observado em sua experiência de prisão simulada na Universidade de Stanford, em 1971, quando jovens voluntários incorporam o papel de carcereiros de outros jovens, deixando que aflorassem condutas degradantes e alguns chegassem ao colapso emocional em apenas seis dias. A lógica civilizadora ocidental aponta para a violência, como barbárie desmedida, mas nas “dimensões não verbais, simbólicas e inconscientes” (SOARES, 2008) como traços culturais e formação de um imaginário coletivo, a violência pode ser um fenômeno convencionalmente legitimado. Rocha (2013) apresenta dados como: 47,5% dos brasileiros são favoráveis à tortura para obtenção de provas e conclui “a arbitrariedade policial não é um aspecto isolado, mas é parte de um sistema”, que alcança a todos, e apela ao combate da criminalidade como guerra, fator este que temos denominado de “pressão social subjacente – legitimadora do uso da força”, coadunando-se a Oliveira (2002), quando diz que uma mudança da polícia, perpassaria necessariamente por uma mudança da sociedade. Não se trata de legitimar atentados graves por meio de um certo determinismo social, não é “desculpologia”, parafraseando Philip Zimbardo (2008). Mas “reformas dificilmente serão realizadas se desconsiderarem os policiais [...]” (ROCHA, 2013), o que se tem entre os jovens ingressos nos corpos militarizados de polícia, no Brasil, são inúmeros cativos de um proceder estranho, que por mais acostumados estejam com ele, lhes doí a alma, desesperados, sem esperança, perguntam-se: “onde estamos? Que proceder é esse? É o que falo, é o que sei fazer. Mas não é o que realmente desejaria fazer, nem é o que eu sei ser o certo a fazer”. Se para Gramsci (apud SILVA, 2003) e Alba Zaluar e Maria Leal (2001), cooptado pela classe dominante, o Estado "educador" busca construir legitimidade não apenas pelo uso da força: ele lança mão de outros artifícios de cunho ideológicos, como a escola e a manipulação do discurso público, como aquele veiculado na mídia. Mas conforme Silva (2003), se pelo simbolismo paulatinamente aceito, os aparelhos estatais pretendem “domesticar” as classes “de cima”, já para a massa escrava e para os pobres livres o Estado (Brasileiro) agia como sisudo pedagogo, com métodos severos que tinha (e tem) como agente de disciplina a força policial (SILVA, 2003). Esse “feitor-policial” ou então pedagogo mais severo, não pode ter direitos de trabalhador reconhecidos, pois as mesmas classes dominantes que cooptaram o poder regional, não admitem arcar com maiores despesas das forças policiais, pois acreditam que parte daquilo que é realizado deva ser feito por liturgia, aos moldes daqueles que estavam na incumbência do serviço público das pólis gregas (SILVA, Página | 210 2003). A cultura militar acentua essa discrepância, soldados e comandantes realmente tem em si incutido o dever por missão, são sacerdotes de um ofício, que mesmo sem a remuneração pecuniária imediata, devem cumprir. Legitimando sutilmente certas condutas libertinas do corpo policial, que precisa encontrar por meios próprios o retorno de seu empenho nas fileiras da corporação. No Rio de Janeiro e no interior de muitos Estados brasileiros isso é patente. Os salários dos policiais no Rio de Janeiro, são ínfimos frente o perigo que representa ser policial num cenário de guerra civil não-declarada. Isso compele os profissionais a buscarem outros meios de sobreviver ou de aumentar o patamar socioeconômico de suas famílias. Eu mesmo vi, no interior do Nordeste, a realidade de abandono do EstadoMetrópole com os rincões do território, nos agrestes e sertões, a fração policial local depende materialmente dos bons préstimos de empresários, de fazendeiros e de autoridades políticas. No caso específico do Interior, insatisfatoriamente suportado pelo poder central da Capital, vemos nisso a continuidade do sistema orquestrado no período regencial, com a criação dos Corpos de Guarda Permanente ou da Guarda Nacional ou da Guarda Cívica, assim como muito bem nos apresenta Raymundo Faoro (2001), do uso dos contingentes locais de polícia como força particular de atuação dos “coronéis”. Página | 211 A massa é feita pra saciar, a fome dos que a sabem modelar. Regurgitado pra lá e pra cá. Bota fermento nessa massa, deixa fermentar. Que a regra de ouro se faça. Massa sem adubo não há. A massa é feita pra saciar. A fome dos que a sabem modelar. Pitty (Trecho da música “Massa”) CAPÍTULO 7 | ECOLOGIA PROFUNDA DA POLÍCIA MILITAR Por uma Sociologia Profunda Hermenêutica hindu-cristã das instituições masculinas e femininas Neste tópico, inspirado, sobretudo, na obra “Aion: o estudo sobre o simbolismo do Si-Mesmo” de Jung (2012a), foi realizado um exercício de hermenêutica com alguns fragmentos da mitologia e de aspectos místicos do hinduísmo e do cristianismo. A intenção é evidente: conhecer aspectos da relação entre as potências masculinas e femininas. Trata-se por fim de um preâmbulo pertinente a alguma “sociologia profunda” das instituições humanas, que usarei para analisar o caráter predominantemente masculino, agressor ou moderado, das polícias modernas. Cabe ainda menção a algumas outras fontes que contribuíram seja fundamentalmente ou por inserções posteriores. Fundamentalmente este tópico combina as considerações de Jung (2012a) e as correlaciona com mensagens de cunho espiritualista, preponderantemente as de Pamela Kribbe 164 (2004) e Luiz de Paula165 (1987) e Deepak Chopra (2015). Houve muitas inserções posteriores por meio das reflexões do filósofo clínico, Will Eduardo Goya166 (2014), do Instituto Packter de Goiânia, em sua crítica à obra “Mal na civilização” de Freud ([1930] 2011), mais especificamente aos fundamentos externos, fazendo entrecruzamento com Friedrich Nietzsche e Hannah Arendt. Matrimônio místico: o atrator civilizacional e o corpo social Sobre esta dinâmica da relação entre o masculino e o feminino, é pertinente um exercício de hermenêutica para sondar o conteúdo místico (profundo e 164 KRIBBE, Pamela. Energia Masculina e Feminina, por Jeshua. Canalização do Mestre Ieshua, feita por Pamela Kribbe, em 12 dez. 2004, em Tilburg, Holanda. Série de Cura. Disponível em <https://rayviolet2.blogspot.com.br /2014/12/a-serie-de-cura-energia-masculina-e.html>. 165 DE PAULA, Luiz Gonzaga Scortecci (Ben Daijih). Revelações extraterrestres: a história da humanidade e do planeta Terra. [On-line]. Escrito inicialmente em 25 mar. 1987, revisado em 06 jun. 2005. Disponível em <http://www.amasofia.org.br/web/DOCUMENTOS/01-revel-ets-dez-2007.htm> 166 GOYA, Will E. Mal estar na civilização de Freud: fundamentos externos. [Audiovisual] 41min28seg. Café Filosófico com Will Goya. Palestra proferida em 16 mar. 2014 em Goiânia-GO. Disponível em <https://youtu.be/noSSb8eVbTc>. Página | 212 transcendente) de um enunciado da doutrina cristã, no sentido primitivo do desenvolvimento desse ramo religioso, ou seja, em suas raízes judaicas messiânicas numa franca tradução intercultural para o mundo greco-romano, no primeiro século de nossa Era (a de peixes). Comecemos falando de uma figura controvertida, e um dos principais executores da tal tradução intercultural, fala-se do judeu por genealogia, cidadão romano por condição jurídica e grego por apropriação cultural: Sha'ul (Saulo em hebraico), que viria a se chamar em grego: Παῦλος (Paulos) (RENAN, 2003; ROHDEN, 1941). Paulo foi um proeminente difusor da fé dissidente e sectária do judaísmo, que viria a ser o embrião do cristianismo. É atribuída a ele a autoria de cartas enviadas a comunidades de tal novo segmento religioso pelas províncias asiáticas e gregas do Império Romano. Uma em particular, dirigida à comunidade da cidade de Éfeso, a segunda maior cidade do mundo na época, capital da província da Jônia. Nesta carta, aos efésios da comunidade cristã primitiva, Paulo faz recomendações sobre o adequado comportamento em grupo a ser seguido (RENAN, 2003; ROHDEN, 1941). Como norma social, de ditame cultural, o texto é particularmente para o olhar contemporâneo, um tanto ofensivo e inspirador de condutas de ódio. Creio que essa interpretação está infundida de uma dose, justificável, de propensão a refutar imediatamente qualquer inspiração machista, misógina ou homofóbica. Contudo, a mensagem por si só, conduzida pela metáfora que Paulo fez entre uma certa associação mística entre Cristo e a Eclésia (Igreja), pode transcender às condições morais e levar a uma reflexão profunda. Baseio-me em alguns escritos de Deepak Chopra (2015) para o exercício de novas interpretações do cristianismo. O trecho será reproduzido logo abaixo, mas é preciso que se evite, nesse primeiro momento, um juízo de valor que se estabeleça apenas nas formas externas das acepções dos termos usados: Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o [restaurador] do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela. (Bíblia, Efésios 5:22-25) Complexo de Paulo versus o Arquétipo do Cristo Integral Os termos da análise psicológica de Paulo por Jung (1959 apud MACHON, 2016), coaduna-se parcialmente com algumas expressões de Humberto Rohden (1941): "no centro da vida de Paulo está Cristo – ontem como inimigo, hoje como amigo; a princípio, alvo de ódio; depois, objeto de amor e glorificação". No centro da vida do ente civilizacional está o seu cristo, uma emanação integrada do Todo. Um Página | 213 atrator diferente pode privilegiar certas características do que a outras, sendo, portanto, um catalisador de reações que desencadearão na formação de uma civilização com aspectos diferentes. O mesmo se aplica aos demais grupos sociais de menor abrangência, como o caso das instituições e organizações. No centro da vida da instituição policial militar está seu cristo integrado, mas na periferia da dinâmica psíquica, modelos institucionais podem apontar ora mais para o lado luminoso, ora para o lado sombrio; ora mais para aspectos femininos, ora para aspectos masculinos. Houve uma visão que foi predominante no processo de evolução civilizacional, que corresponde ao patriarcado. A tentativa de um outsider-insider cosmopolita como Paulo de “ouvir a voz de cristo”, mas permanecer ainda influenciado por outras matrizes das expressões humanas será aqui denominado de Complexo de Paulo, é uma tentativa ainda enviesada de uma postura de respeito à diversidade. Mas tanto a postura recente de acompanhar o soerguimento do elemento feminino coletivo, bem como esses ensaios de integração ainda viciados, como os de Paulo, são regidos, ambos, pelo Arquétipo de Cristo Intregral, que neste caso não pode referenciar historicamente apenas à figura de rabino Ieshua, mas do casal Jesus e Maria Madalena. Assim como se pode ver nisto a relação, por vezes apontada pela Cabala entre Javé e Shekinah (o deus hebreu do Antigo Testamento e o Espírito Santo, como força feminina); para os que não possam captar o sentido transcendente, por não poderem cogitar num matrimônio entre Jesus e Madalena, devem supor um tipo de relação de amor puro como a do irmão sol e a irmã lua: São Francisco de Assis e Santa Clara. Por isso a relação maridos-esposas (andrasin-gynaikes) pode ser mal compreendida, na primeira leitura, pois o uso corrente dos termos das posições inerentes ao casamento ainda denotam dominação de um sobre o outro. Contudo, vale ressaltar que Paulo, à época, ao contrário do que estou comentando no século XXI, lá no século I, suas ideias eram radicalmente transformadoras. Talvez seja difícil para um militante humanitário admitir hoje, mas os ideais paulinos, apesar de não serem tão profundamente reorganizadores sociais como os de rabi Ieshua, mas já davam um significativo avanço na derrubada de cadeias do preconceito e forjavam ambientes para diminuir o impacto da acepção de pessoas. O próprio Paulo167 e um discípulo seu168, conhecido como Lucas, médico que acabou atuando como biógrafo-historiador, relatam uma passagem que para defender o direito de novos convertidos, de origem grega e romana, de não serem obrigados a adotar as normas restritivas do judaísmo clássico, Paulo entra em uma disputa acirrada com os apóstolos Pedro e Tiago (esse último, supostamente parente consanguíneo – irmão – de rabi Ieshua). O episódio seria conhecido como “incidente Carta de Paulo aos gálatas: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe francamente, porque era censurável. Pois, antes de chegarem alguns homens da parte de Tiago, ele comia com os pagãos convertidos. Mas, quando aqueles vieram, retraiu-se e separou-se destes, temendo os circuncidados. Os demais judeus convertidos seguiram-lhe a atitude equívoca, de maneira que mesmo Barnabé foi levado por eles a essa dissimulação. Quando vi que o seu procedimento não era segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, em presença de todos: Se tu, que és judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como os judeus?” (Bíblia Versão Católica, Gálatas 2:11-14). 168 Livro dos Atos dos apóstolos, capítulo 15. 167 Página | 214 em Antioquia”, pois o primeiro entrave entre Paulo e Pedro teria acontecido nessa cidade, o que teria acarretado a reunião do primeiro concílio, o de Jerusalém. Espero que minha comparação não seja mal interpretada, mas assim como alguém hoje alheio às preocupações sobre a igreja cristã primitiva, perceberá esse relato anterior, de uma disputa interna de um dado segmento religioso sectário do judaísmo, como mais uma banalidade e que muito provavelmente não passam todos os envolvidos de figuras retrogradas de um mundo culturalmente isolado. Da mesma forma como essa pessoa, não é capaz de perceber que o mínimo de abertura (na época, foi o máximo) promovida pela insistência de Paulo, foi o que proporcionou a integração posterior da fé sectária judaica aos ditames culturais greco-romanos, viabilizando o desenvolvimento do cristianismo; essa pessoa não será capaz também de compreender que dentro do mundo guerreiro, existem acaloradas discussões e posicionamentos diametralmente opostos e que por mais que para uma sociedade liberal-democrática, todos ali não passem de retrógrados e truculentos neoespartanos, é justamente no seio deles, que se trava a batalha pela hegemonia de uma corrente liberal como a de Paulo contra uma corrente restritiva como era a de Tiago. Como diria Friedrich Nietzsche, mestres não se debatem em tais questões. Isso seria, portanto, típico da mente de um povo escravo. Não vejo como infrutífero, a análise contraposta entre Paulo e Jesus, há algo de muito importante, ou diria mesmo, nefasto na forma como o pensamento de Cristo foi absorvido pelo mundo grecoromano. Chego ao ponto de está dizendo, que quem difundiu o pensamento de Sócrates foram os seus assassinos simbólicos e da mesma forma ocorreu com Jesus. E nesse quesito não falo eu, mas deixo que sejam formadas as devidas opiniões a respeito por meio de Sigmund Freud, o próprio Friedrich Nietzsche, Renè Girard e o líder cristão Dong Yu Lan169. Imaginemos como seria uma expansão cristã, com um âmago restritivo. Provavelmente não teria tido tantas adesões espontâneas, mas ao ser imposto, seria ainda mais aniquiladora da diversidade cultural de inúmeras localidades onde se estabeleceu ao longo de dois milênios. Sustento que a ideologia guerreira, não será superada nesta fase da evolução civilizacional, mas uma versão mais branda precisa urgentemente ser fomentada, no próprio seio dos guerreiros. Isso porque, dada as características deles e sua natural tendência ao poder, a hegemonia de uma ideologia guerreira, de ímpeto mais agressivo, certamente suplantaria os mecanismos de defesa da sociedade livre e usurparia o poder central, tornando entes como o Estado, em um Estado guerreiro. Um Estado guerreiro é notoriamente militarmente imperialista e/ou policial. Nisso estejamos talvez replicando a preocupação gramsciana com o centralismo estatal, por exemplo, aquele aplicado por Lenin (GRAMSCI, 1982; 2001). 169 Dong Yu Lan é considerado um dissidente entre dissidentes, ele lidera uma porção de um grupo cristão, sobretudo na América do Sul, que originalmente surgiram da perseguição do regime comunista aos cristãos na China. Esse grupo se deslocou para os Estados Unidos e posteriormente a célula implantada no Brasil liderou um afastamento. No geral, esse grupo, como um todo, são de dissidentes entre os cristãos, que pregam uma libertação das amarras legalistas das igrejas tradicionais. Palestra proferida em 08 set. 2007, no Centro de Aperfeiçoamento para a Propagação do Evangelho (CEAPE), no município de Sumaré-SP, Brasil. A referida mensagem tratava de uma diferenciação entre um suposto ministério tradicional, liderado por Pedro (ao qual eu incluo Tiago); um ministério judicial, liderado por Paulo e um ministério orgânico liderado por João, o evangelista. Página | 215 Relação dialógica entre morte pela vida e vida pela não-morte Outra dificuldade em captar o sentido que o Complexo de Paulo não consegue fazer em totalidade do Arquétipo de Cristo Integral, trata-se de um óbice que não raras vezes também nos afeta fortemente: estamos há tanto tempo regidos por diretrizes de institucionalismo do poder externo (exopoder), tanto nas formas de patriarcado como de matriarcado, que não sabemos (mais), nem conseguimos imaginar como se dão relações verdadeiramente horizontais, de auto-organização, por introspecção de valores e não por imposição de força. E nesse sentido, o patriarcado, ainda é mais intransigente que o matriarcado. Essa incapacidade por condicionamento recursivo de exercer uma imaginação fora do padrão milenar, faz com que, ao falar em polícia, organização humana do exercício da força-vigor, só se conceba atividade de cunho repressivo e controlador. Já que esse é o intuito policial último de sociedades de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino (DE PAULA, 2003a; 2003b). Os corpos militarizados de polícia em contextos de guerra ou discrepâncias sociais acirradas deixa isso mais patente, já as polícias de trato civil, do modelo inglês, as “blue corps” [corporações de farda azul-marinho], tentam dissimular esse caráter agressivo e sombrio. Mas no fim de uma avaliação minuciosa, compreender-se-á que no contexto social de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino, não há conciliação entre uma intenção de ser plenamente comunitária e ser “eficiente”. Por que ser eficiente em patriarcados é notoriamente dominar. Tais sociedades têm internalidades do tipo escravo, súdito ou cidadão. Segundo Osho (2014): “o mundo não quer que os homens sejam seres humanos, quer, sim, é que sejam máquinas eficientes. Quanto mais eficiente o homem for, mais respeitável e mais honrado ele será”. Não é fácil explicar, hoje, para um fiel defensor do sistema pós-iluminista, que a internalidade do tipo cidadão, ainda está longe de ser uma manifestação de igualdade, ela tem em si, o germe de Utopia 170 e patentemente significa que em algum aspecto há quem não seja cidadão daquela determinada (cidade) Estado. A ampliação do termo para uma cidadania planetária é adequado, pois toma rumo para a noção filial, ou seja, de filhos da Mãe Terra. O passo seguinte seria reconhecer, que somos os filhos mais novos do planeta e que vários outros “irmãos” já estão aí há mais tempo (BOFF, 2012; MARQUES, 2012) ou como preferir primatas e hominídeos de “irmãos” e os demais de “primos”, nos termos de Harari (2015). Algo semelhante a São Francisco de Assis, chamando um pássaro em sua janela ou ao astro Sol de irmão, ou ainda à Lua de irmã (BOFF, 2012). Sociedades de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino adotam o medo, como chave mestra de sua organização. As de padrão de desenvolvimento feminino, com organização interna fluída (endopoder), tem no amor, seu combustível propulsor, ou sua fonte nutricional (DE PAULA, 2003a; 2003b). Portanto, chamaremos para efeitos didáticos de sociedades de internalidades filial ou discipular. Encaixando no conceito de civilização matrística de Maturana e Dávila 170 O termo germe de Utopia fica melhor esclarecido no tópico conclusivo: Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro. Página | 216 (2009; 2012) experiências híbridas entre o aspecto externo do matriarcado e de internalidades como a filial ou a discipular. Por isso que não é fácil para uma pessoa com forte herança cultural patriarcal/matriarcal entender o verdadeiro valor do amor, fora de suas relações afetivas próximas. O mundo coisificado da pós-modernidade, com seres hedonistas, no culto extremado a Dionísio (Baco) – versões contemporâneas de “lendas urbanas” e a cultura cinematológica, relata o caráter hedonista do arcanjo Gabriel 171, além do endossar tal caráter ao arcanjo Samael – esse culto – faz com que não se possa ver o amor filho de Afrodite Urânia (amor puro - ágape), apenas sentindo o amor de Afrodite Pandemos (sensualidade e compulsão - eros) (BULFINCH, 2002). Nem um dos dois amores é bom ou mau, são expressões da essência ou da existência, precisa-se de equilíbrio. Sem eros não há gana, paixão, ímpeto de vencer as adversidades típicas do meio físico; sem ágape não se pode ter contato profundo com o outro, sem usá-lo como objeto, não se supera os vícios. O Cristo quando desce faz a função dionisíaca ou de Prometeu, mas precisa voltar a subir, para não ficar preso na malha ilusória (matrix) de Maia. Portanto, é preciso ter paixão para empreender a aventura de desbravar, de expandir-se, dar contributo; como é preciso amar para voltar-se satisfatoriamente para a fonte coletiva, e receber o contributo. Estamos nas entrelinhas do segredo fundador da dinâmica da generosidade do “dar, receber e retribuir” de Marcel Mauss (2003). As narrativas evangélicas dizem que rabi Ieshua, repetiu a regra de ouro, que já constava nos livros da época de Moisés (em Levíticos 19:18172), que é selecionada a dedo pelo rabi Hillel173: “não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti. Essa é toda a Torá, o resto é o comentário; agora ide e aprendei”. No Extremo Oriente, essa regra de ouro é citada pelo filósofo chinês, Mêncio, 400 anos antes de Ieshua: “Para todo homem, existe alguma coisa que ele não pode suportar que aconteça com os outros. Que este sentimento do insuportável seja estendido ao que ele consegue suportar, então teremos o sentimento de humanidade”. Porém, rabi Ieshua, em certo momento, antes de sua crucificação, diz que ainda há uma expressão maior de amor174. A lição máxima do amor, para Ieshua seria: “ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” (Bíblia ACRF, João 15:13); ou seja, ser capaz de doar sua vida por quem se ama. E nesse sentido, cabe a interpretação tanto do sacrifício de morte, que é doar sua morte para dar vida, o caso exemplar é o martírio; ou do sacrifício de vida, que é doar sua vida para que alguém não morra, o caso exemplar é a abnegação total para cuidar de Cultura cinematológica: Série de TV, “Sobrenatural”, produção canadense, quinta temporada de 2009. Filme “Gabriel - A Vingança de um Anjo”, produção australiana de 2007. Perceba a correlação: Gabriel é o anjo mensageiro (Samael era o que transitava com a luz), Eros (Mercúrio) é o mensageiro dos deuses, assim como Ensu (Exu) é o mensageiro de Oxalá. Ou seja, eles no céu são puros ou neutros, eles na terra são caprichosos e obstinados. 172 Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor (Levítico 19:18). 173 Hilel, o Ancião, (em hebraico: ‫ ;הלל‬c. 60 a.C. - c. 9) é o nome pelo qual é conhecido um célebre líder cabalista, que viveu durante o reinado de Herodes, o Grande na época do Segundo Templo. Estudioso respeitado em seu tempo, Hilel é associado a diversos ensinamentos da Mishná e do Talmud, tendo fundado uma escola (Beit Hilel) para ensino de mestres (Wikipedia.org). 174 Will Goya (2014) se refere a essa expressão como o martírio. 171 Página | 217 um parente com doença terminal, em coma ou em quadro de permanente dependência. É baseado na diferença entre essas duas vertentes, que numa aproximação da tradição cristã e a védica-hindu, não se saberia dizer se o “espírito” que animou a missão do rabino Ieshua (Jesus) está associado aos arquétipos representados pelas figuras mitológicas de Shiva ou de Vishnu. O sacrifício de morte é tipicamente uma postura de Shiva175, que chegou a propor a eugenia coletiva voluntária (deixar-se morrer) para que houvesse fim na reprodução da falha no “dna cósmico” dos seres viventes (FREITAS, 2010a). Sacrificar-se em vida, na sua porção individual, para a manutenção da vida do todo, é uma postura associada à Vishnu. Essas considerações são relevantes para este estudo porque, é na condução de atos dialógicos de morte pela vida e vida pela não-morte que se encontra o equilíbrio. Para quem ver no sistema de pensamento védico-hindu um sistema politeísta, não compreende que Shiva e Vishnu são manifestação da deidade total. Ou seja, na deidade integral, criação, manutenção e destruição são fases de um mesmo movimento cíclico e nenhuma delas é boa ou má por si só. No cristianismo, com a presença de um deus único, por síntese numinosa gerou-se um dito comum baseado em suas escrituras sagradas, principalmente entre os seguidores do protestantismo: “Deus é amor, mas também é justiça”. Em palavras mais correlacionadas com a dinâmica parental esse dito cristão seria: “Deus é mãe, mas também é pai”. Isso relaciona-se à integração masculino e feminino essenciais. Instituições humanas que carregam a tipificação masculina precisam ser contrapostas a alguma que carregue a tipificação feminina. O sistema de justiça criminal, por exemplo, tem que equilibrar essas posturas de justiça e punição, educadoras e vingativas, de controle e liberdade de tal forma que as corporações uma equilibrem as outras. Ou em um melhor cenário, esses princípios estejam equilibrados dentro do próprio sistema organizacional, de cada tribunal, e de cada presídio, de cada delegacia ou quartel. Eu sustento que apesar de “as polícias” serem um instrumento útil para a configuração social moderna, elas precisam dosar a medida entre a função pedagógica social (BALESTRERI, 1998)176 e o ímpeto vingativo. Creio que é uma ilusão insatisfatória a disseminação da expectativa generalizada na supressão plena do ímpeto vingativo. As próximas linhas são decorrências baseadas nas reflexões de Goya (2014), sobre essa expectativa ideal, mas na prática inócua, o processo civilizatório ocidental (hoje, globalizante) é extremamente deficitário por 175 Essa é uma interpretação peculiar de Rogério de Almeida Freitas (2010a) de textos védicos. Função pedagógica da polícia é registrada por Ricardo Balestreri em “Direitos Humanos: Coisa de Polícia”, 1998, quando ele discorre sobre o policial: pedagogo da cidadania, na página 8 da edição da Paster Editora. “Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade. Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado unicamente aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo. O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legitimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.” 176 Página | 218 promover um ideal não realizável (FREUD, [1930] 2011), por ora177. E nisso tanto a ética judaico-cristã, como a utopia democrática são fomentadoras do mal-estar. É preciso reconhecer os impulsos mais sombrios da humanidade e trabalhá-los e não negá-los. Afinal esse ímpeto agressor, que sublimado é vigor vitalizante, ganha conotação de Justiça, nos termos de Hannah Arendt (2007), quando adequadamente equilibrado com a função pedagógica. Nisso precisamos avançar mais na atividade de sublimação, nos termos de Freud ([1930] 2011), para cada vez mais desviarmos o ímpeto vingativo para constructos culturais menos ameaçadores de nossa própria base de suporte à vida terrestre. Nos termos junguianos, podemos dizer que assim como a sombra social que se integra ao ego coletivo, para rumar em direção a uma individuação da mente social. E a meta conclusiva da individuação é alcançar uma integração inspirada no Self pleno, no arquétipo do Si-Mesmo, na partícula divina central de nosso equipamento psíquico. Para Jung, tanto cristo na figura mítica de Jesus (o Cristo) ou na de Krisnha (o Ser Supremo) são exemplos de ápice da individuação e quando usados como referência de um corpo social como um todo, Cristo se torna o Self-meta do processo coletivo. E tenho fortes suportes da literatura tanto de Jung, como até mesmo de Freud, para sustentar que os processos psíquicos pessoais podem ser vistos no coletivo, como propõe a Psicologia Social, a Sociologia Clínica e as Psicologias Transpessoais e Integrativas, no aporte de Ken Wilber. Figura 26 – Composição de elementos masculinos e femininos. a) Cristo e o hexagrama b) Tao (yin yang) c) Chakras Fonte: a) Vital de igreja na Alemanha, representando uma estrela de Davi, hexagrama com a imagem de cristo do centro. Foto de Hans Braxmeier, em 20 set. 2014. Imagem do Site Pixabay. Disponível em <https://pixabay.com/pt/janela-de-cristo-janela-vitrais-699872/>. b) Tao (Yin Yang). Imagem do Site Pixabay. Disponível em <https://pixabay.com/pt/taijitsu-yin-yang-bola-touro-161352/>. c) Os sete chakras: chakra de polarização neutra (coroa), chakras superiores (masculinos) e chakras inferiores (femininos). Imagem do Site Wikimedia Commons. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Chacra#/media/File:Czakry.png>. Tradução intercultural e transcendente do matrimônio místico Para uma melhor compreensão da mensagem e articularmos os subsídios necessários para fazer a tradução intercultural para nossa época, capturando elementos transcendentes, torna-se prudente que utilizemos o texto (menos corrompido pelo tempo) em grego, na versão “recebida” pela ortodoxia da igreja cristã. Segue fragmento do Textus Recptus, do Novo Testamento versão grega comum, Carta de Paulo aos efésios, capítulo 5, os versos do 22 ao 25: 177 Por ora, significa, nesse atual estágio evolutivo da civilização, sob fundamento do pensamento de Ken Wilber, o qual afirma que haverá sim no futuro o estágio adequado para tal tipo de desenvolvimento civilizacional amadurecido. Página | 219 22 – Ai gynaikes tois idiois andrasin ypotassesthe os to kyrio. 23 – Oti o anir estin kefali tis gynaikos os kai o christos kefali tis ekklisias kai aftos estin sotir tou somatos. 24 - All osper i ekklisia ypotassetai to christo outos kai ai gynaikes tois idiois andrasin en panti. 25 – Oi andres agapate tas gynaikas eafton kathos kai o christos igapisen tin ekklisian kai eafton paredoken yper aftis. (Textus Recptus, Efésios 5, 22:25) Depois de articular tais subsídios para a compreensão, minimamente, transcendente, segue enfim uma versão do texto em discussão mais coerente para nosso padrão cultural atual e oportuno em relação ao nosso momento de “Civilização em transição” (JUNG, 2012b)178, ou como prefiro me referir, à encruzilhada antropológica: (22) Sujeitos com personalidade infundida pela essência feminina mantenham-se na posição ligada aos mistérios da vida, do corpo e da terra e deixem que os sujeitos com personalidade infundida pela essência masculina estejam envoltos dos assuntos do céu, da mente e do além-vida. Assim como a Terra, mesmo grandiosa, está abrangida por sistemas de ordem cósmica maiores. (23) Porque, assim como os pontos transfísicos masculinos estão acima e os femininos abaixo, assim também o atrator civilizacional conduz acima o corpo social, sendo o atrator o agente de restauração e integração do corpo. (24) Portanto, assim como é salutar que o corpo social se permita ser infundido pelo atrator civilizacional, assim também nas relações internas do corpo social, os sujeitos femininos permitam-se ser conduzidos pelos sujeitos masculinos. E dentro da dinâmica bioenergética de cada ser, que a mente consciente não obstrua o papel integrador do espírito, antes, permita-se vivenciar as conexões inferiores pelo prisma feminino e as conexões superiores pelo prisma masculino. (25) Mas nisso, não se deva ver julgo opressor do masculino sobre o feminino, porque o masculino deve se doar ao feminino, amando-o, assim como as pessoas de proeminência históricas e figuras míticas que se permitiram ser infundidas pelo atrator civilizacional integrador doaram-se pelo corpo social, abandonando-se para que de suas partes simbólicas, o corpo fosse nutrido. Cuidado/sedução – proteção/imposição Posicionar-se abaixo é uma atitude passiva de contexto masculino. Para quem ler a tradução em línguas modernas, com termos como “submeter-se” e “sujeitar-se”, crer a concepção assim colocada como ultrajante. Mas é preciso ter uma 178 O mundo esotérico atual denomina de “transição planetária” que corresponde na cultura cristã ao apocalipse. Página | 220 cosmovisão ampla (amplitude essa que duvidamos que Paulo tivesse até certo momento, a interpretação literal das demais passagens textuais associadas mostram que o apóstolo estava muito comprometido pela herança cultural patriarcal israelita) – precisa uma cosmovisão ampla – para compreender que o equilíbrio ecológico sutil ou material precisam contrapor fractalmente em todos os níveis à polarização espontânea da existência. No caso dessa mensagem de Paulo, à medida que se pede ao feminino uma atitude passiva de contexto masculino, pede-se ao elemento masculino uma atitude ativa do contexto feminino, que é doar-se em amor. O feminino já se projeta naturalmente pelo amor, o excesso disso torna-se sedução, se quer buscar o equilíbrio precisa além de sua naturalidade, esforçar-se contra a entropia e esperar a proteção do masculino. O masculino já se projeta espontaneamente pelo vigor, o excesso desse tipo de atitude gera uma espécie equivocada de força: a imposição. Se a meta é alcançar a homeostase, o masculino precisa assumir sua natureza de vigor, mas empreendendo esforços para usar essa disposição de luta em prol da manutenção do amor, na forma protetiva. Aquilo que está infundido de feminilidade quando está em amor: cuida, dá assistência e carinho; quando se desvirtua, seduz ardilosamente para controlar internamente. Entretanto, aquilo que está infundido de masculinidade quando guiado pelo amor: protege, defende; quando sofre desvirtuamento, impõe dominando para controlar externamente. Subsídios de uma “sociologia profunda” Portanto, para o feminino sujeitar-se a um a masculino obstinado no controle é uma franca decepção, pois o feminino tem armas suficientes para se contrapor às intenções impositivas do masculino e sua atitude solícita lhe coloca em perigo frente ao um masculino desrespeitoso. Este debate de hermenêutica hinducristã é, na verdade para nós, uma precedência necessária para um exercício de uma “sociologia profunda”. É possível ver claramente nessa alusão de um masculino desrespeitoso fazendo autofagia do feminino, em relações “ecológicas” entre instituições humanas. Modelo anglo-saxão de polícia: masculino moderado Sustento que a polícia moderna de padrão “civilizado”, de trato civil, próprio para contextos de liberalismo político e democracias indiretas com institutos para certo exercício de responsabilidade direta, sejam um modelo preponderantemente guiado pela atitude masculina, menos agressora, mas ainda não voltada para a proteção irrestrita do feminino. Esse modelo é o anlgo-saxão, e sua maior referência é o inglês e por isso versões desse modelo com algumas diferenças contextuais e históricas foram adotados nos Estados Unidos, na Índia, na Austrália e é o modelo para as organizações de trato civil que concorrem com outras militarizadas em contextos de atuação mista, como por exemplo: Espanha, Portugal (com a Polícia de Segurança Pública, PSP) e a própria França (com a Securitê). Página | 221 Modelo de corpos militarizados de polícia: masculino agressor em mudança Sustento ainda que os corpos de polícia militarizados tendem a uma postura masculina agressora, com características de indutor severo de verticalidades (SANTOS, 2001; 2012), tratando em alguns casos, em nome da lei e da ordem179, a população civil nacional como inimigos, já que para esses corpos de polícia a diferenciação entre população civil estrangeira de território ocupado e inimigos militares é crítica. Esses NÃO são modelos de polícia habitualmente usados para a segurança interna dos países, esse é o modelo que teve como umas de suas materializações o uso do exército romano no policiamento interno das províncias conquistadas. Fato esse, do uso do exército internamente, radicalmente rejeitado na Inglaterra, no inicio da Idade Moderna. A Polícia Militar Brasileira é um exemplar desse modelo que não tem sido solícito a mudanças que ensejariam uma melhor adaptação ao contexto social, com nítido soerguimento do caráter feminino. Esse modelo de polícia, na verdade, é para uso de unidades destacadas de infantaria que acompanham seus exércitos promovendo a segurança da tropa, impondo disciplina interna e eventualmente usado nas funções de policiamento da população inimiga estrangeira, bem como na custódia do inimigo militar rendido ou capturado. Hoje, a organização exemplar mais notória desse tipo é a polícia militar do exército norte-americano, usado nas invasões (“ocupações/libertações”) do Afeganistão, Iraque, Panamá e Vietnã. Outras organizações tem certa influência do modelo acima citado, ou seja, a mesma raiz das gendarmarias, que remonta a essa alusão ao exército romano. Mas, contudo, as gendarmarias contemporâneas têm acompanhado mudanças de seus contextos sociais circundantes e empreendido esforços para uma projeção social de sua imagem menos ofensiva, mesmo que internamente guardem o espírito de orgulho em serem militares, ou militarizados. Pode-se citar nesse rol: a Gendarmaria Nacional francesa, a Guarda Nacional Republicana portuguesa, os Carabineros de Chile, os Carabinieri da Itália e a Guarda Civil espanhola. Recentemente a organização que passou por uma mudança acentuada de projeção social de sua imagem foi a Polícia Nacional de Colômbia e para tanto, a redução dos números da criminalidade e da violência policial falam por si só. Contudo, isso não significa que o espírito militar da polícia colombiana foi abatido, talvez, ao contrário tenha sido levemente restaurado. Em Chile, os carbineros chegam a ser citados pela população civil urbana e até mesmo por minorias nativas indígenas como a instituição mais respeitada do país. São informações que nos fazem paulatinamente entender que algum item de caráter profundo (institucional-organizacional-social) está com sérios problemas no Brasil. Mais gritante, seria comentar que desse modelo de gendarmaria surgiu a versão mais comunitária ocidental de polícia relatada na literatura sociológica do tema: a Real Polícia Montada do Canadá. Polícia essa que é apontada como a mais Em algum momento é possível fazer um contraposto entre o “pela lei e pela grei” (grei = povo) da Guarda Nacional Republicana portuguesa e o “pela garantia da lei e da ordem” como resquício da política de segurança nacional que autoriza o uso do exército em território pátrio no Brasil. 179 Página | 222 integrada ao contexto social de base, despontando juntamente com a Polícia Nacional Japonesa, que em seu caso, parece ser um exemplar de polícia anglo-saxã, infundida de um caráter viril-honrado que remonta aos tempos dos samurai180. O caráter viril-honrado japonês As reflexões de Freud ([1930] 2011) remetem ao inextricável caráter agressivo do ser humano, violência inata da qual não se poderia desenredar. Abordaremos, quando oportuno, uma conclusão preliminar sobre a impossibilidade de “desmobilizar a chave guerreira” repentinamente no âmbito sócio-psicológico, portanto, apontamos para uma fase transitória de atenuação da original atitude violenta dos guerreiros por uma filosofia (sabedoria) de serenidade. E o Bushido181, “o caminho do guerreiro”, ética samurai do Japão feudal é o pilar histórico que sustenta os pontos de diferença da polícia japonesa de suas correlatas ocidentais. Quando Freud (2011), diz que entre as válvulas de escape da violência nata do ser humano, podem ser o trabalho intelectual e a arte, vemos muito bem acertada do bushido, as influências budistas e confucionistas, tornando “o caminho do guerreiro” (bushi): “o caminho da espada, mas também o da pena” (KEPLER, 2014). O bushi deve dominar tanto a arte da guerra quanto das letras, devendo apreciar ambas as artes (KEPLER, 2014). Deixamos aqui indicações182 de outras leituras pertinentes que podem ajudar a esclarecer sobre o caráter viril-honrado do samurai: Kaline Cavalheiro (2010) faz uma releitura das narrativas do herói nacional Miyamoto Musashi, do século XVI, a partir de folhetins “nacionalistas” da década de 30 do século XX; Any Ortega (2011) faz uma análise metapsicológica sobre o psiquismo coletivo japonês, mediante uma adaptação da abordagem freudiana para “realidades culturais distintas da ocidental” para pensar “especificidades no que tange à estruturação do sujeito e da família” por outro prisma (ORTEGA, 2011), nisso ela recolhe suas impressões de Sasaki, discípulo e tradutor de Lacan, que muito se interessava pelo Japão. Adson Kepler (2014), delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, faz uma alusão sobre a aplicabilidade do código de honra samurai (bushido) à realidade da atividade policial brasileira e aponta as sete virtudes inspiradas por esse código: “Justiça (na acepção oriental), Coragem, Compaixão, Polidez, Sinceridade, Honra e Lealdade” como “uma solução para essa crise de valores, [na sociedade] inclusive nas Palavras em japonês, não flexionam para o plural. Interessante à correspondência sobre certo “código de honra” que transmuta a agressividade em algo até certo ponto benéfico: “Portanto, embora não se trate de uma guerra, é preciso que o homem seja um guerreiro. É assim que, no Japão, o mundo todo do samurai, o guerreiro, veio da meditação, e todos os tipos de artes marciais se tornaram caminhos para a paz interior. A esgrima se tornou uma das melhores formas de meditação no Japão [...]Parece estranho, mas o Japão fez muitas coisas realmente estranhas. Do hábito de beber chá até a prática da esgrima, tudo foi transformado em meditação.” (OSHO, 2014). 181 Em japonês: Bushi = guerreiro; Do = caminho; “o caminho do guerreiro”. 182 No corpo do texto fizemos constar a indicação de três textos, respectivamente de Kaline Cavalheiro (2010), Any Ortega (2011) e Adson Kepler (2014). Mas deixamos aqui em nota, mais duas indicações: (1) Daniel Delfino (2004), com uma ótima análise sob o prisma da Teoria Crítica, sobretudo inspirado em Mészáros, sobre o filme “O último samurai” que mostra a transição do Japão feudal para o industrial-moderno, no século XIX. E mostra como o capitalismo corroeu a (2) “alma japonesa”, pois é assim que o já falecido diplomata japonês, que atuou na então Liga das Nações, Inazo Nitobé, define o Bushido, em “Bushido, the Soul of Japan”, 1908. (1) DELFINO, Daniel M. “O Último Samurai” e o golpe quase perfeito. [On-line] Espaço Socialista. 23 jan. 2004. Disponível em <http://espacosocialista.org/portal/?p=72>. (2) NITOBÉ, Inazo. Bushido, the Soul of Japan. 13a. Ed. 1908. Originalmente publicado em 1904. Versão eletrônica do Project Gutenberg, disponível em <http://www.gutenberg.org/files/12096/12096-0.txt>. Publicada em abr. 2004. 180 Página | 223 polícias e na Segurança Pública”, “inserindo-os em sua cultura, o que inclui a cultura organizacional que pode e deve ser transformada pela inteligência organizacional das instituições policiais” (KEPLER, 2014). Nisso apontamos a importação do método Koban para implementar polícia comunitária no Brasil, uma cópia estética, sem contudo, fomentar a aquisição da base filosófica profunda que sustenta a atividade policial no Japão. E considerando as diferenças do contexto social nipo-brasileiro, não podemos deixar de esperar uma adaptação aos traços viris-honrados típicos de nossa herança cultural, mais à frente abordaremos como referência o código de honra sertanejo por Luitgarde Cavalvante (2007). Agressividade: potencialidade latente em qualquer modelo de polícia É importante salientar, que essas observações quanto às características de integração masculino-feminino, não eximem a atividade policial, em nenhum lugar ou época de atitudes típicas do exercício da força-vigor, inclusive mesmo organizações consideradas menos arbitrárias ou violentas também demonstram em ocasiões determinadas certo grau de impositividade agressora. Destaco como exemplo o modelo anglo-saxão de inspiração inglesa que tem sérias dificuldades para tratar com equidade acentuadas diferenças sociais e/ou raciais, basta citar três casos: (1) do Departamento de Polícia de Baltimore, no Estado norte-americano de Maryland, na costa Oeste; (2) da organização policial utilizada para assegurar o regime do apartheid na África do Sul e (3) da reação da polícia britânica ao evento denominado de Lodon Riots, em 2011, que foram tumultos generalizados nos países do Reino Unido, tendo por incitação inicial uma revolta popular na capital, Londres, devido a morte de um homem (Mark Duggan, negro, 29 anos) considerado suspeito pelas autoridades, mas inocente pela população. A espera do masculino maduro Retornando ao exercício de hermenêutica mítica-mística, no esquema proposto pela metáfora mística do matrimônio entre Cristo (o noivo) e a Igreja (a noiva), o equilíbrio em forma de harmonia só é mantido porque os dois pólos, os cônjuges, cometem um erro capital para os contextos de desconfiança generalizada: eles abandonam-se um no outro. Esse gesto de entrega suprema só se torna possível em contextos de confiança mútua. Por isso, na nossa analogia, que redireciona tais reflexões às instituições sociais dos grupamentos humanos, as ideias principais necessárias para obtenção da “paz social” é o amor e a confiança. A desconfiança é típica do processo transitório de adolescência. A entrega natural e espontânea é da infância. A civilização humana está no caminho do amadurecimento, onde se espera uma re-entrega consentida e precavida. A atual conjuntura exige, para um soerguimento de uma civilização equilibrada, o franco amadurecimento do papel masculino, que deve deixar de ter prazer infantil e egocêntrico em ser algoz das constituições femininas. Neste sentido, quando se diz que é preciso desmobilizar a chave guerreira, está fazendo referência à necessidade de aplacar o ímpeto dominador do masculino em suas expressões coletivas e individuais. Os elementos femininos estão prontos para seu soerguimento. Quando se diz elementos, refere-se a expressões humanas Página | 224 coletivas e individuais: sociedades, tribos, grupos, partidos, redes ideológicas, organizações, instituições, grupos, famílias e pessoas. Portanto, elementos femininos que saíram de seu estado de apatia e desesperança e que estão agora aptos a desenvolver um importante papel nos rumos civilizacionais, são grupos étnicos minoritários, pessoas anteriormente invisibilizadas; pessoas com deficiência física, mas não espiritual; complexos institucionais e suas organizações que tem por função típica expressões de feminilidade como a escola e a saúde; tribos urbanas de outsiders, que compõe um quadro de alternativas sociais naturalizadas e manifestações individuais de caráter feminino. Elementos femininos sociais constituem um quadro predominante do Terceiro Setor e de uma parcela do Estado e minoritariamente do Mercado e uma rede paralela aos sistemas especialistas (campos profissionais especializados) comprometidos com a mudança das bases sociais, em prol de um pleno e integral bem-estar social. O elemento feminino, no atual ante momento de transição, está esperando a manifestação de um elemento masculino maduro, sensível à causa da integração, adequadamente adaptado à necessidade de proteger o feminino e não de oprimi-lo. Existem vários contextos da ação humana de masculinidade, mas a que este estudo focaliza é a expressão guerreira. Entre os elementos coletivos masculinos de expressão guerreira que precisam reconfigurar-se para tornarem-se esse masculino maduro não-impositivo, estão os desbravadores, os inventores e os protetores. Ainda no atual estado de conflito, pela resistência a capitulação do masculino agressivo, esses elementos não podem ser vistos como desbravadores, inventores e protetores. Eles são ainda percebidos como exércitos, ciência em prol da morte e da destruição e corpos de polícia e controle. De uma forma geral os elementos masculinos constituem um quadro predominante do Estado e do Mercado, ocasionalmente estão imbuídos de atividades de cunho fortemente militante-guerrilheira do Terceiro Setor e toda rede de sistemas especialistas (campos profissionais especializados) imbuídos pela manutenção do status quo e cooptados pelo mercado (o que numa visão um tanto impregnada de juízo de valores, pode-se denominar de a Ciência do Mal). O complexo de Paulo, da civilização Ocidental, admite a existência de senhores e escravos, da iniquidade entre os gêneros, da diferenciação entre etnias, da preponderância de genealogias segundo os laços parentais biológicos, mas com moderação. O complexo de Paulo aceita as discrepâncias de um contexto excessivamente masculino, redirecionando para uma amortização do ímpeto dominador. Este foi um instrumento psíquico coletivo necessário, para preparar o solo para outra melhor semeadura. Percebe-se, por inferência do que se tem levantado, que este particular momento histórico, tem se apresentado como a hora da manifestação mais integrada ao arquétipo de Cristo (integral sem sombras), porque em cristo, essas discrepâncias não são toleradas, pelo bem da integridade social antiga. Passam a não haver mais nem senhores, nem escravos; passa haver equidade entre os gêneros, equilíbrio entre instituições femininas e masculinas, respeito das pessoas que carregam Página | 225 preponderantemente expressões masculinas pelas as que carregam as de cunho feminino, harmonia entre as manifestações internas de masculinidade e feminilidade. Em cristo, não há raças superiores ou inferiores. Apesar de termos explicado, acompanhando do raciocínio de Jung (1959 apud MACHON, 2016), que o Complexo de Paulo obstrui parcialmente a manifestação plena do Arquétipo de Cristo Integral, há, no entanto, momentos que essa manifestação plena irrompe e toma a consciência dos “paulos” de nossa civilização Ocidental e cristo pode falar por eles, como fez com Paulo, em outras passagens de sua vida, mais particularmente neste trecho da carta à comunidade cristã primitiva da Galácia (na atual Anatólia turca): “[...] já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Bíblia Versão Católica, Carta de Paulo aos gálatas 3:28). Quem é Paulo antes da “conversão” à Cristo? Um perseguidor fundamentalista religioso que ordenou a prisão e consentiu na morte de homens, mulheres e crianças “piedosas” e desfavorecidas. Segundo o romance, de um importante escritor espírita brasileiro, Chico Xavier183 ([1942] 2014), ele teria inclusive abdicado de seu relacionamento amoroso, com sua noiva, e mandado executar o irmão dela, seu cunhado Estevão, considerado o primeiro mártir cristão, tudo por suposta traição a ideologia-fé considerada normal para um judeu daquela época. Paulo, ainda nominado de Saulo, derramou sangue, matando a carne, na vã tentativa de impedir que uma "epidemia" ideológica se alastrasse (CROSSAN e REED, 2007). Mas como uma ideologia cunhada no quintal das cidades mais pobres da longínqua província da Palestina pôde se tornar potencialmente ameaçadora ao império Romano? Num terreno sedento por novidades, a "boa nova" (evangelho) de uma esperança de vida melhor se alastrou como um vírus que acabou por corroer a estrutura religiosa ortodoxa e sociopolítica tanto da Palestina em primeira instância, como de Roma em segunda instância (SILVA e MENDES, 2006). Logicamente o sistema do status quo foi astuto o suficiente, digno de uma análise ao estilo de Bauman, para aprender a tática de alastramento e combatê-la por intermédio de suas próprias características, assim como se faz uma vacina ou um soro antídoto. E mesmo com esses contratempos a governamentalidade prossegue seu rumo totalizante (FOUCAULT, 1986; 2008). Paulo era um sacerdote intelectual que matava em nome de seu deus e que subitamente, na aparência exterior, mas paulatinamente no seu interior, segundo Jung (1959 apud MACHON, 2016); torna-se um soldado que guerreia sem armas, pelo discurso, apoiado numa perspectiva tão diferente do mesmo deus, que nos parece ser ou outro deus ou outro Paulo. E não se trata nem de uma coisa, nem de outra. Tratase em nossa visão de que o "giroscópio"184 manteve-se apontado para o mesmo centro numinoso do sistema mental geral, enquanto a plataforma ambiental se movia, exigiu- 183 XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. [Contribuição: Emmanuel] Rio de Janeiro: FEB, 2014. Título original em língua portuguesa, 1942. 184 Giroscópio é um dispositivo utilizado na navegação marítima, na aviação e na atividade aeroespacial, é basicamente uma combinação de um rotor suspenso por um suporte formado por dois círculos articulados, que através do princípio de inércia, produz o efeito de demonstrar o desvio da plataforma em que se encontra em relação a um ponto fixo no espaço, ou seja, tem a propriedade de manter-se apontando para o mesmo ponto. Página | 226 se reconformação interna para sustentar a manutenção identitária do sistema em particular. A associação da noção de giroscópio e o centro psíquico de um sistema social humano será mais bem desenvolvida no tópico subsequente “Giroscópio da alternância entre os pares de arquétipos”, deste mesmo capítulo. O que nos importa, por ora é salientar que se trata, do mesmo homem, do mesmo deus, do mesmo tipo de causa, com o mesmo vigor fervoroso, sutilmente reorientada na ânima interna de significado do que seria fazer o bem ou o mal. Tal movimento e reconformação ocorreu no plano pessoal de Saulo/Paulo; tal dinâmica ocorreu entre o Cristianismo primitivo e o Império Romano (CROSSAN e REED, 2007; GIOVANNI COSTA, 1923); tal reconformação é o que se quer da Polícia Militar quando se deseja que uma máquina de controlar e matar perfeitamente ajustada aos propósitos do sistema de status quo, seja sabotada e/ou reorientada. O resultado não será, ao certo, a vitória nem do proponente, nem do oponente; mas a constituição de uma amálgama, numa clara disputa não de classes, mas de complexos ideológicos. E tal amálgama, não deve ser vista como fruto de um fatídico encontro único, mas de um processo paulatino e cumulativo de múltiplos encontros sucessivos, como nos explica Peter Burke185 sobre hibridismo cultural (2008 apud BRITO DE SOUZA, 2009). Em que essa análise feita sobre o comportamento de Paulo e o contexto do cristianismo primitivo podem contribuir para a compreensão de uma mudança institucional? Trata-se de uma metáfora, o comportamento opressor de Saulo traduz o egocentrismo masculino; a nova conduta de Paulo traduz o sociocentrismo feminino. O que houve, portanto, numa perspectiva ecológica profunda, que justifique essa contextualização com uma trama entre elementos masculinos e femininos sociais? Houve, portanto, um transbordo de energia vital psíquica, como uma variante social da bioenergia de Reich (2009), que compeliu que o sistema, que na verdade é fluído, passasse ao movimento interno em antifluxo tornando o que era guiado antes por princípios masculinos, agora ainda apontando para o mesmo centro estivesse guiado por princípios femininos. Fato esse que contemplamos pelos exemplos ilustrativos anteriores ocorrerem na dimensão pessoal e institucional. Essa é a reforma esperada em uma instituição como a Polícia Militar, tão profunda que aparente ser uma refundação, contudo sem sua extinção de fato. Mas também vimos que antes que o sistema abarcador, do tipo masculino dominador, como o é o império Romano, tivesse que sucumbir inteiramente a uma lógica reversa, ele concede uma anistia na luta ideológica e incorpora seu oponente promissor. Devemos trazer à tona, que pelo até agora debatido ao longo do trabalho, a reorientação institucional de um elemento sociopolítico do contexto brasileiro não seria um movimento isolado. Essa transição entre um cenário de contexto masculino para um feminino trata-se de um movimento percebido como necessidade advinda de uma encruzilhada antropológica geral, sobre a qual voltaremos a discutir na conclusão filosófico-espiritual deste trabalho em “Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro”. 185 BURKE, Peter. Hibridismo cultural. [Trad.: Leila Souza Mendes]. São Leopoldo-RS: Editora UNISINOS, 2008. Página | 227 Sobre essa dinâmica de fluxo da variante social da bioenergia, acreditamos que o dilema do novo paradigma tão sustentado por Fritjof Capra (2006a) guarda o aviso sobre quão traumático pode ser essa transição no nível civilizacional. Um novo padrão civilizacional tem sido exigido por fatores ambientais. Só como um exemplo: o ente vivo (MARGULIS e LOVELOCK, 2002) que suporta essa humanidade, o planeta Terra, está em convulsões de parto por esse e outros motivos combinados, como também nos queira dizer Guénon ([1927] 1977), Boff (2013) e Jung (2012b). E por retroalimentação esse processo se dá em via dupla. O planeta influenciando a humanidade e vice-versa. E nos parece sensato supor que a confluência de dois ou mais términos ou recomeços de grandes ciclos cósmicos (reais) como, por exemplo, a precessão planetária (OLIVEIRA FILHO e SARAIVA, 2016) e a entrada em um novo quadrante da órbita do sistema solar ao redor do núcleo da galáxia186 poderiam ter forte impacto na ativação do antifluxo ao qual nos referimos. Existem processos reais e não metafóricos poderiam está suscitando a necessidade de mudança de polarização biofísica e consequentemente psicossocial dos padrões civilizacionais humanos na Terra. A constatação do alinhamento da ocorrência de tais eventos com conjunturas históricas precisaria de uma análise pormenorizada. Entre outros, processos podemos citar alguns pelos quais o planeta ou nossos antepassados hominídeos já haveriam passado, mas não teríamos registros fidedignos das consequências, nem muito menos parâmetros para prever totalmente as consequências em uma sociedade moderna tão dependente de tecnologia eletrônica. A lista de mudanças, ciclos e indutores se avolumam entre a dinâmica do campo magnético planetário e inversão do pólos (ALLAN COX, 1973; COE, 1995), explosões solares e consequentes tempestades magnéticas (ECHER, 2006), os movimentos do magma plasmático (ALLAN COX, 1973), comportamento climático interglacial (RIOS, 2011), os decisivos momentos de extinção em massa (MACHADO et al. 2006), o esgotamento da capacidade de sustentação nutricional de grandes populações de mamíferos superiores, sobretudo, as de humanos (FAO, 2016; EIU, 2017) e os testes de armas nucleares (BORDNER et al., 2016). Esse conjunto de fatores combinados com a própria dinâmica não-linear e complexa da estrutura social humana (sociosfera e tecnosfera) e suas confluências no plano sutil (infosfera e psicosfera) (GUATTARI, 1990; FLORIDI, 1999;) tem exercido pressão para que o sistema social humano abarcador, ou seja, a civilização planetária (SANTOS, 2001) converta seu padrão interno de domínio imperial para convivência mais harmônica e menos conflituosa (CAPRA, 2006a; H. ODUM e E. ODUM, 2012). Sustento que os guerreiros também são assim. O centro numinoso de integração do mundo particular deles aponta para uma atitude altruísta e de total beneplácito ao restante da sociedade, mas seu estado bruto e ainda ligado a impulsos animistas, fazê-los qualquer um deles, desde o mais agressivo ao mais moderado, 186 Apesar de não haver nenhuma evidência científica contundente de uma passagem para um novo posicionamento dentro da órbita ao redor do centro galáctico, a suposição de uma mudança como essa e a magnitude dos efeitos é que é considerada nessa referência. Até antes do estudo da USP liderado por Lépine et al. (2017), acreditava-se que mais cedo ou mais tarde o sistema solar local poderia em sua órbita ao redor da galáxia, transitar por regiões de grande convulsão de atividades cósmicas. LÉPINE, Jacques R. D. et al. The Dynamical Origin of the Local Arm and the Sun's Trapped Orbit. The Astrophysical Journal, Volume 843, Issue 1, article id. 48, jul. de 2017. Página | 228 urrar gritos de guerra, tais como o “Força e Honra” mitráico-romano ou os tradicionais “Brasil!”, “Sertão!”, “Selva!”, “Caveira!” ou o “Missão dada, missão cumprida!” típicos da formação militar. Portanto, para observadores externos, todos não passam de ameaçadores homens de guerra, mas entre eles há alguns que por vezes deixam “brilhar” a luz do Arquétipo do Si-Mesmo integral civilizacional, são nessas dadas oportunidades rompantes que sentenças como “polícia amiga” ou “polícia cidadã” realmente fazem sentido. Sobre algumas últimas considerações baseadas na analogia ao caso de Paulo de Tarso, deixamos para o tópico sobre “A reconversão do guerreiro” no Capítulo 9. Por fim neste tópico, destaca-se o termo que foi utilizado no inicio: “para compreender que o equilíbrio ecológico sutil ou material precisa contrapor fractalmente em todos os níveis à polarização espontânea da existência”. Justamente pelo princípio do operador hologramático, ou característica fractal da realidade, que se a civilização está em transição, as instituições precisam mudar e as pessoas também. E o processo inverso, também é verdadeiro, justamente porque as pessoas estão mudando, é que as instituições precisam mudar e, por conseguinte, a civilização transita para outro estado evolutivo. Algumas pessoas e instituições podem despontar como “pedras no caminho”, como resistentes em morrer para dar espaço para outras pessoas ou instituições mais consentâneas com a nova fase. A formulação conjugada com essa ideia e a análise institucional feita no exercício de uma sociologia profunda da polícia esclarece-nos que a configuração atual da polícia militar tem posicionada a si mesma como uma partícula social resistente a essa mudança necessária, causando sérias consequências à estrutura sutil da sociedade brasileira. Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor Para compreender a aplicação da metáfora selecionada, é preciso entender as definições usadas, neste caso sobre a introdução de espécies estranhas àquele ecossistema específico (ou seja, espécie alienígena ou exótica), deve-se recorrer às definições empregadas pela Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica187 (CDB) em textos denominados de decisões, esses aí deliberados em Conferência das Partes (Conference Of the Parties - COP), dos quais Ziller e Zalba (2007) e LEÃO et al. (2011) fizeram um extrato de algumas definições. O primeiro termo que se faz necessário definir o conceito, para o uso adequado nesta metáfora é o de espécie exótica ou alienígena que se contrapõe a espécie endógena ou nativa. Para o CDB Decisão VI/23, que trata especificamente sobre “alien species that threaten ecosystems, habitats or species188”: "Espécies exóticas" referem-se a uma espécie, subespécie ou táxon inferior, introduzido fora da sua distribuição natural passada ou presente; Inclui quaisquer partes, gametas, sementes, ovos ou 187 188 Convention on Biological Diversity, estabelecida na EcoRio 92 (https://www.cbd.int/) Espécies exóticas que ameaçam ecossistemas, habitats ou espécies. [Tradução livre] Página | 229 propágulos dessas espécies que possam sobreviver e, subsequentemente, reproduzir (CDB Decisão VI/23). [Tradução livre] Segundo Ziller e Zalba (2007), “sempre houve na história evolutiva do planeta o trânsito de espécies entre distintos pontos geográficos e entre ambientes”, porém antes da interferência humana o ritmo desse fluxo era menos intenso. Sem a ação humana esse trânsito natural se dá por agentes dispersores naturais: animais polinizadores, hospedeiros de microorganismos, ventos, águas correntes etc. A ação antropogênica de fazer a introdução de uma espécie em um ecossistema estranho ao seu de origem pode ocorrer tanto intencional como não intencionalmente. O homem escolhe fazer uma introdução deliberada “por diversas razões que tangem fins sociais, econômicos e até ambientais” (LEÃO et al., 2011). Ainda segundo Leão et al. (2011), essas razões vão desde fins estéticos paisagísticos e de ornamentação, bem como “para uso na agropecuária, como alternativa de renda e subsistência para populações de baixa renda, para controle biológico de pragas”, além de outras razões. Depois da introdução pela ação humana, a espécie “estranha” passará por um desafio de viabilidade no novo ambiente. Esse processo de uma espécie exótica em um novo habitat passar a ter sucesso reprodutivo, com uma descendência viável com nítidas probabilidades de sobrevivência continuada, dá-se o nome de “estabelecimento” (CDB Decisão VI/23). A espécie introduzida pode enfrentar durante anos os desafios para se estabelecer, sempre correndo o risco de não progredir com a permanência naquele novo hábitat. Mas depois de vencer as primeiras barreiras e constituir uma população em número suficiente e espalhada pelo terreno, a espécie alienígena, já adaptada em estratégias adequadas para propagação, pode superar os limites que lhe eram impostos, sair vitoriosa na rivalidade, no ciclo de algumas gerações, com espécies concorrentes de seu nicho, tomando características impertinentes ao conjunto da comunidade local. Esse processo em que a nova espécie introduzida, passa a protagonizar um desiquilíbrio é conhecido por invasão (ZILLER E ZALBA, 2007; e LEÃO et al., 2011). Já a partir deste ponto, propõe-se que a cada detalhamento sobre o comportamento invasivo da espécie introduzida no ambiente estranho ao seu de origem, faça-se uma reflexão e passe a vislumbrar que tal panorama pode ocorrer similarmente com o desenho de instituições trazidas como experiências de sociedades diferentes. Análises contextuais como essa, em que a dinâmica das organizações e instituições, tem as organizações humanas como categoria no nível de indivíduo inseridas em um dado ecossistema social é um desdobramento do trabalho seminal de Hannan e Freeman (2005). Portanto, uma "espécie exótica invasora" é aquela “cuja introdução e/ou disseminação ameaçam a diversidade biológica” (CDB Decisão VI/23). Sabe-se hoje que espécies exóticas invasoras são “consideradas como a segunda causa de perda de biodiversidade em todo o mundo” (ZILLER E ZALBA, 2007). E um fator que torna o problema mais agravado é justamente o desconhecimento sobre ele, não sendo tratado com a devida importância. Segundo Ziller e Zalba (2007), essa dificuldade reconhecer o risco iminente está em compreender “que a invasão é um processo dinâmico e crescente, não um fato estável”. Página | 230 E mesmo quando a introdução de uma nova espécie alcança o objetivo econômico pretendido sem que ela cause diretamente danos ao seu novo habitat, ela “pode levar à introdução acidental de outras espécies a ela associadas, como é o caso de parasitas associados aos peixes introduzidos em atividades de piscicultura” (LEÃO et al., 2011). Nisso se diz que instituições podem carregar em si modelos mentais “parasitas”, são esses que até então estão em harmonia com o hospedeiro que os carregam. Mas no novo ambiente, pessoas e organizações podem ser afetadas pela influência de valores e práticas dirigidas pela ação de tais modelos de pensamento estranhos. É dessa noção primária, que se pretende chegar ao “transportam as verticalidades” que Milton Santos (2012) alude sobre o papel concentrador e simultaneamente dispersor da dinâmica das redes de atores sociais. Pois ao referir-se, aqui, à dinâmica de introdução e estabelecimento de espécies estranhas àquele dado ambiente e um possível comportamento de rivalidade perante as espécies nativas, não está se falando de outra coisa, que não seja a delicada costura da rede trófica e as diversas cadeias alimentares intercambiantes que a compõe. Ambos os contextos são redes de agentes interdependentes com papéis sociais/ecológicos distintos. O primeiro “alerta” ou destaque que se quer fazer com esse uso de figura imagética, é que assim como a espécie estranha pode firmar entrelaçamentos na rede local e dela passar a fazer parte, como um processo de integração; a espécie social exótica também pode nisso, introduzir “regras e normas egoísticas e utilitárias do ponto de vista dos atores hegemônicos”, constituindo-se a base de um processo desfacelador das marcas de diferenciação entre as espécies (SANTOS, 2012). Sutilmente a nova espécie traz consigo novos comportamentos, um acervo “genético” (memético) distinto, que no seu processo de estabelecimento constitui-se como contribuição à diversidade do dado ecossistema. Mas progressivamente, quando esse cabedal de padrões funcionais passa a subsidiar a sua dominância no espaço social, o que antes era acervo em prol da diversidade, torna-se veículo da gradativa extinção de outras espécies (SANTOS, 2012; LEÃO et al., 2011; DAWKINS, 2007). Portanto, a espécie exótica introduzida pode ou não se tornar invasora, na verdade, com ela pode ocorrer três situações, conforme Ziller e Zalba (2007): (1) não sobreviver, (2) estabelecer-se e persistir apenas no foco local (3) ou se tornar invasora. A não sobrevivência é algo típico da transposição espontânea dos limites naturais, mas quando se trata de uma introdução dirigida, a atividade humana se empenha em cuidar e facilitar para que a nova espécie progrida. O que significa que boa parte as espécies invasoras são fruto direto do trabalho humano. Na metáfora para com as organizações humanas, recorre-se a Hannan e Freeman (2005), para demonstrar como uma nova espécie de nicho em sobreposição a uma espécie nativa acirra o processo competitivo e define o sucesso reprodutivo final apenas para uma delas: As formas organizacionais, aparentemente, não conseguem florescer em certas circunstâncias ambientais porque outras formas competem com essas pelos recursos essenciais. Somente se os recursos que sustentam as organizações são finitos e as populações têm uma capacidade de expansão ilimitada, a competição deve acontecer. Página | 231 [...] Se duas populações de organizações mantidas por recursos ambientais idênticos diferem em alguma característica organizacional, aquela população com característica menos ajustada às contingências do ambiente tenderá a ser eliminada. O equilíbrio estável irá conter, então, somente uma população que poderá ser considerada isomórfica ao ambiente (HANNAN e FREEMAN, 2005). Uma espécie que é deliberadamente escolhida para ornamentação e desenvolvimento rural e econômico, assim o é porque tem qualidades de superação de barreiras naturais. Entre as características elencadas por Ziller e Zalba (2007), estão: 1. Fácil reprodução; 2. Crescimento rápido; 3. Vigor competitivo; 4. Flexibilidade para adaptação a diversos ambientes; 5. Período juvenil curto; 6. Produção de descendência abundante; 7. Capacidade de dominância e 8. Boa capacidade de dispersão. Esses são os vetores que agem positivamente para o estabelecimento da nova espécie e fazem com que “persistam apenas no foco local” (ZILLER E ZALBA, 2007), mas o sucesso em “melhor” desempenhar seu papel, faz prevalecer sobre as demais espécies. Segundo Santos (2012), o mesmo se dá para com empresas disputando o mercado, vindo a serem tais vetores de sucesso uma força desorganizadora “para muitas atividades preexistentes no lugar de seu impacto”. Kshatriyas: a casta guerreira Bagdavah-gita em uma perspectiva sociológica Tendo em vista que a tradição védica é uma das mais antigas que possui uma compilação escrita, pode-se creditar a ela no mínimo certa influência sobre alguns traços da cultura que foi carregada, sobretudo, pelos comerciantes árabes, ao Oriente Médio e ao Ocidente. O mosaico cultural hindu clássico e a reforma budista, esta última em menor proporção, provavelmente preencheram as lacunas da construção da amálgama entre a leitura cristã tardia, a filosofia grega e os elementos da sociedade romana. Entre as muitas contribuições da cultura indiana nativa original e a “suposta” cultura invasora indo-ariana, torna-se oportuno destacar o desenho de engenharia social, denominado de vastas, ou melhor, conhecido como sistema de Página | 232 castas (SWAMI e ACHARYA, 2003; ANTONOV, 2016; GUÉNON, 1977; PRIESTLAND, 2014). [referência histórica dos vedas e sua influência na cultura ocidental] Na interpretação do cenário social, feita pelo pós-iluminismo, os estamentos refletem notoriamente a concepção da luta de classes, com a sucessiva ascensão dos segmentos como instituidor de uma nova ordem. [Estados Gerais Franceses]. Essa visão tripartite, que oportunamente pelo desencadeamento histórico registrado, desconsidera os servos e os párias, vem ratificar a abordagem interpretativa da História, feita pelo professor de Oxford, David Priestland189 (2014), que vê a história do poder através de períodos alternados da predominância de uma das três castas de elites, que correspondem aos três Estados Gerais. As classes seriam (1) os sábios: burocratas e líderes religiosos; (2) os guerreiros: aristocratas e militares; e (3) os comerciantes. Se você acompanhar o desenvolvimento da civilização védica até a hindu moderna, você verá que a percepção de Marx baseado em Hegel estava correta: ao longo das gerações, a dinâmica social se define pelos conflitos entre as classes e o caráter hegemônico é determinado por qual ideologia de qual classe predomina naquele dado momento histórico (PRIESTLAND, 2014). Isso pode ser depreendido do conflito entre brâmanes e xátrias, segundo Renè Guénon ([1927] 1977), que considera o "progresso", na verdade um gradativo alijamento, no qual o corpo social vai deixando de ser conduzido pela cabeça apropriada para ser dirigido pelas classes servis. E de certa forma é verdade que esse alijamento pode ser percebido, por exemplo: a era dominada pela classe de comerciantes, vaishyas, que carregam o signo do vento, ou seja, da circulação que arrasta, se perpetrada por homens desalmados é predadora, sua orquestração social transmuta arte, dons, talentos e vocações em meros instrumentos a sua disposição, desfazendo o elo entre caráter indenitário e o exercício das competências humanas (SENNET, 2009). Porém ainda mais conflituosa é a subversão dos operários, shudras, marcada pelo sangue da ira. Assim como nos revela Jung (2000), o arquétipo que carrega o signo da terra costuma desencadear laços de sangue. A melhor situação seriam elementos de elite: brahmanas e kshatriyas, possuindo sensibilidade e correção de caráter suficiente para eles mesmos, promoverem essa liberalização social. E de classe dominante passassem a classe dirigente e chegassem ao ápice, como indicado por Jesus: tornarem-se lideranças servidoras. Aliás, por mencionar Jesus, deve-se constar que há um tipo de movimento, que não toma o poder, mas deixa sequelas na estrutura social por séculos ou décadas. Esse movimento parte dos dálits, dos párias, dos marginalizados e arrasta as parcelas campesinas mais simples, de vida humilde. Não necessariamente as lideranças de aglutinamento simbólico são dálits, na verdade, esse tipo de movimento 189 Considerei de suma importância, por ora, registrar que a noção de bionaturalidade do nicho-função social teve como inspiração as palavras de Krishna, no “Canto do Senhor”; antes mesmo de ter tomado conhecimento do brilhante trabalho do professor Priestland. Somente depois, através do professor, pude perceber que já havia todo um legado de análise crítica feita por sobre o mesmo conceito. Página | 233 costuma ser encabeçado por um “messias”, nascido em berço de ouro, ou de herança nobre, mas que em dado momento é inspirado pelo senso de fazer justiça aos dálits. Tal movimento que se repete ciclicamente pelo globo tende a uma aspiração que pode ser resumida em: deixem-nos apenas viver, façam cada um a sua parte com o melhor de si e reconheçam a cada um de nós como seres humanos, semelhantes em comum união. Jesus, Bhuda e Krishna nasceram em castas kshatriyas, de origem real, logo manifestaram um comportamento brâmane (sábio) e passaram a conviver com dálits. Moshe (Moisés) era descendente consanguíneo de um chefe-sacerdote semita nômade, criado como príncipe da casa real do Egito, tornase genro de um chefe-sacerdote beduíno190. Mhatma Ghandi era de casta brâmane, foi educado como um aristocrata britânico e nos primeiros anos na África do Sul, atuando como advogado passou a defender causas de “dálits”. Mas ora, o que poderia conter no sistema de castas de pertinente sobre um debate de reforma institucional? Até porque, no imaginário coletivo ocidental, este sistema somente teria aspectos negativos. Cabe apresentar uma interpretação de Armatya Sen (2000), sobre a Índia contemporânea, dos séculos XX e XXI, não para enaltecer em uma promoção do capitalismo, mas como ele mesmo indica, para afirmar que a democracia, vista como uma manifestação política das liberdades humanas permitiu que elementos de castas subalternas pudessem fluir dentro da sociedade indiana e oxigenassem aquilo que já estava necrosando. O que se pretende esboçar neste cluster específico e estender o debate, aponta para uma “reforma”, que leva esse nome apenas pela nossa limitada capacidade de fluxo no tecido espaço-tempo. Na verdade, tratar-se-ia de recolocar “as cousas” (apenas para lembrar do linguajar de Camões) em seus devidos lugares. Nesta pesquisa em particular, focada em certa atividade profissional, a saber, das forças de segurança ou agências policiais (em inglês, denominadas como: Public Safety and Homeland Security) – nesse particular meio – estar-se-ia, portanto, tecendo uma raiz histórica-genealógica, concomitantemente com um mapeamento arquetípico daquilo que se pode chamar de vocação vaishnava kshatriya191 (guerreiro-mantenedor). A vocação vaishnava kshatriya: o guerreiro-mantenedor  Shivaya kshatriya (guerreiro-destruidor)  Vaishnava kshatriya (guerreiro-mantenedor)  Bramah kshatriya (guerreiro-sábio): estrategista, estratego, general, político Não seria, portanto, coincidência que o termo militar em suas variantes de ação e substantivação seja utilizado por todo o grupo (aparentemente dissociado), 190 Inclusive essa relação entre Moisés, Zéfora (sua esposa), Jetro (seu sogro) e Miriam (sua irmã e sacerdotisa de culto anímico) é citado por Jung, explicando as relações necessárias para o estabelecimento integral do arquétipo do Si-Mesmo. 191 Neologismo em sânscrito: como um aprendiz muito primário de um idioma como o sânscrito, é de extrema ousadia de minha parte, cunhar novos termos. Peço desculpas pelos prováveis erros disso advindos. Por isso, logo que eles ocorrem seguem os termos correspondentes em minha língua materna, o português. Página | 234 quando da latinização do fenômeno: o verbo, militar e os substantivos, militante e militância. O primeiro véu que dificulta a visão sobre uma vocação guerreiromantenedor está no falso pudor iluminista-burguês que pretende dissociar o elemento guerreiro das funções de estabilização social. Fazendo que não possa ser compreendido como se alcança a paz, por simbolismos de guerra. Na verdade, esse falso moralismo é uma divulgação para as massas, as quais se quer docilizar os corpos, numa verdadeira: “psicobiopolítica” (apropriando-se e fazendo novo uso do termo de Foucault). A classe comerciante, vaishyas, tem dificuldades em conter o ímpeto guerreiro, não sendo para ela possível manter o predomínio social, se não conseguir imprimir confusão ou a desvirilização da casta dos xátrias. Não obstante, os vaishyas, ou para nossa visão ocidental, os capitalistas bem sabem da necessidade do vigor guerreiro quando se trata de controlar as classes subalternas e os párias. O segundo véu está relacionado à existência de tal coisa denominada vocação. Predisposição ontogenética ampla, o que inclui inclusive a base filogenética como pré-história própria do indivíduo. O terceiro véu, que age como escama para o senso comum, mas há muito tempo tem sido astutamente observado por estadistas ou estrategistas é a simbiose ou relação de fluxo-continuidade entre Guerra e Paz, ou melhor, Guerra e Política. Ou guerra e “mundo”. O general prussiano Carl von Clausewitz disse que a guerra é a continuação da política por outros meios. Michel Foucault inverteu a sentença e gerou política é a continuação da guerra, para tanto, o marco fundador da sociedade passa a ser a guerra civil. Corroborando para a ideia de violência fundadora de Renè Girard, não sabendo precisar se esse marco coincide com a fundação da sociedade civil, tal como nos ensina Rousseau, deixando para trás uma sociedade dita natural, ou selvagem. Esse laço entre indivíduos que articula e integra seria, portanto, firmado no sangue das mortes da guerra civil. Assim sendo, a política é um cenário onde os vencedores mantém uma disputa perpétua pelo espólio de guerra, ou seja, os corpos, almas e mentes de cada pessoa, o destino das gerações futuras, a condução do trabalho, o usufruto e distribuição dos frutos desse trabalho e a prerrogativa da definição da posse de bens. Ontogênese institucional A polícia é uma instituição de substrato do grupo institucional-modelar kshatriya (xátria, guerreira), contudo, tem funções peculiares que lhe dão uma feição híbrida de defensora e cuidadora social. Trata-se de uma instituição guerreiramantenedora, que nem por isso será formada apenas por guerreiros. A casta hindu guerreira está sob o signo do fogo, sua atividade tem o ímpeto yang, assim se pode dizer ao procurar similaridades dos conceitos hindus com os taoístas. Em muitas culturas a divindade de regência da guerra é correlacionada ao fogo, aos vulcões e é um ferreiro que atua na mineração e trabalha os metais (confusão entre Hefesto e Ares). Portanto, o fogo guerreiro tem três aplicações no manuseio do metal: destruição, purificação e modelagem. Página | 235 A instituição guerreira-destruidora tem os exércitos como unidade-célula e serve para expelir fogo ao meio externo e garantir a sobrevivência do organismo social contra as ameaças do meio circundante e em casos de desorganização crítica, um recurso de auto-destruição com remanescentes programados. [ethos guerreiro] A instituição guerreira-mantenedora tem as forças de segurança interna como unidade-célula, serve-se do o fogo purificador, que remove do metal as impurezas encrustadas no seio social. Mas sua atividade pode ser desempenhada de forma difusa por membros que inspirados pelos valores guerreiros, ou seja, reservas de força do exército, conduzam suas atividades sociais comuns com autoridade disciplinadora, quer seja o gestor político secular local, o juiz, o oficial de cobrança fiscal, o professor diretor da escola, o chefe secundário da casa religiosa. É justamente o caráter discricionário do magistrado romano, que também porta arma; tanto quanto, o sheriff inglês. A instituição guerreira-estrategista usa o fogo devidamente controlado para modelar, continuamente dando forma ao organismo social, na relação ambiente dos indivíduos organizacionais entre seus demais membros da população institucional formada por organizações similares, é sempre necessário o uso de contrapesos, pois a instituição guerreira-estrategista e seus membros melhor adaptados a essa funçãonicho são sagazes e irresolutamente levados à busca pela vitória na sucessão de jogos sociais pela condução e imposição de seu conteúdo ou forma peculiar a todo o restante do organismo social. A unidade-célula desse tipo institucional para nosso modelo político contemporâneo seriam os partidos políticos. Mas ao longo da história e dentro do conjunto social há outras instituições que carregam o aspecto guerreiroestrategista como essência: reinos, facções, algumas sociedades secretas, o estado e suas partículas ou dimensões de governo, tais como os poderes e suas casas sedes, no formato moderno-contemporâneo: Senado, Parlamento, Tribunais, corpos diplomáticos. Ao final das contas são todos kshatriyas, podendo membros e unidades migrarem de espaço-nicho social, bem como esses dois já citados e/ou organizações inteiras podem apoiar as atividades de seus similares institucionais, vindo até a substituí-los nas circunstâncias de falência funcional. Os valores e a estrutura, ou seja, os pontos em comum de forma e conteúdo entre os diversos elementos individuais ou organizacionais de um determinado estamento, constituí pontos de interconexão que convergem e articulam a unidade institucional, ou seja, do modelo mental de funcionamento de toda a função-nicho. Essa abordagem irá sem dúvida soar familiar aos que conhecem o tema Ecologia das Organizações, no entrecruzamento entre saberes da Ecologia Humana, Bioecologia e Teoria Organizacional. Essa abordagem biossocial (ou sociobiológica), de alguma forma aponta para a existência de células-tronco da cultura, ou seja, aglomerados de memes que sustentam não apenas uma reprodução de uma recorrente ideia simples, mas todo um sistema de base sócio linguístico. Por exemplo, com a célula-tronco cultural guerreira, devidamente modeladas e/ou recombinadas com o “código genético” (base memética) de outras faixas institucionais, é possível apropriadamente estruturar uma organização de guerra convencional (como um exército ou um corpo de mercenários), de espionagem (como as agências de inteligência), de suporte à justiça criminal (a polícia Página | 236 investigativa), de segurança urbana (como os corpos de polícia comuns), de instrução juvenil (como os escoteiros), de ordenamento urbano (serviço de controle de trânsito), de militância social (tais como os movimentos campesinos pela reforma agrária ou como organizações não-governamentais ambientalistas), de guerrilha de resistência (como as FARC colombianas), de atividade criminosa (como as máfias japonesa, russa ou italiana, os cárteis de narcotráfico ou as facções criminosas-partidárias do sistema penitenciário brasileiro) ou de guerra santa (como os grupos denominados pelo Ocidente: de organizações terroristas islâmicas, ou mesmo como foi concebido a Ordem dos Jesuítas na Contra Reforma Católica ou dos Cavaleiros Templários nas Cruzadas). Todas essas espécies de organizações são em sua essência kshatriyas (guerreiras), seus membros operacionais de primeira linha até os escalões anteriores as chefias superiores são majoritariamente de “guerreiros”. Membros de suporte e/ou que não sejam da linha principal de carreira podem ser de outra vocação, predispostos ou adaptados a outra função-nicho. As atividades das chefias superiores dessas organizações costumam exigir dos ocupantes que tenham ao longo do percurso e aprimoramento nas atividades exclusivistas, acumulado conhecimentos, habilidades e atitudes generalista, próprias do conjunto geral da comunidade institucional, que não apenas sua organização; bem como certo grau de compreensão sobre o funcionamento do todo social que sua instituição modelar se relaciona recorrentemente (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000). Essa é uma visão muito aproximada daquilo que Robert Katz, delineou em “Skills of an Effective Administrator”, publicado pela Harvard Business Review, em 1955, alçado a um clássico da Teoria Organizacional, tópico inicial obrigatório dos compiladores de obras de introdução à Teoria Geral da Administração. As habilidades inerentes à atividade de conduzir processos e pessoas são, segundo Katz, de três tipos: técnicas, humanas e conceituais. Da primeira para última, tem-se da mais específica para a mais geral. De certa forma, está aqui sendo feita a proposta de inusitada correspondência, das habilidades pessoais desenvolvidas ao longo da carreira profissional para com o predomínio das características mais marcantes da própria cultura organizacional. Ou seja, não somente os indivíduos, mas a organização a qual eles estão vinculados tem para com o restante do ambiente social uma identidade institucional que corresponde a um desses três “estágios” de aprimoramento (CHIAVENATO, 2000). Assim se pode dizer que uma instituição guerreira-destruidora, terá um maior número de membros com essa mesma propensão, bem como estarão submetidos a ritos, compartilharão mitos e ostentarão e cultuarão símbolos que reforcem essa característica. O que não deixa de exigir para um equilíbrio organizacional que ela possua em seus quadros membros com propensão diferente que ainda guerreiros, sejam mantenedores ou estrategistas (jogadores). A organização ainda pode ter membros que não sejam guerreiros. Por exemplo, os setores de comunicação e logística exigem que despontem indivíduos essencialmente vaishyas (comerciantes), mas que tendam à guerra, ou a situações críticas e de emergência. Essa tendência pode ser nata ou adquirida pela primeira educação (sobretudo a familiar/escolar) ou por adaptação através do processo de formação do profissional (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000). Página | 237 Nas altas chefias de uma instituição guerreira-destruidora, ter sido um soldado sanguinário, pode não ser uma boa credencial, um feito ou outro dessa natureza pode lhe conferir a experiência e a legitimidade para ocupar o posto de comando, mas nesse nível o primordial é que seja também um político, um professor, um sábio inspirador, um administrador, um comunicador, funções inerentes a outros grupos de funções-nicho (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000). Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal Espera-se fazer jus, aqui, ao mérito do padre católico Jaime Carlos Patias, tendo em vista que por meio de seus artigos, sobretudo o “O sagrado e o profano: do rito religioso ao espetáculo midiático” (PATIAS, 2009), ter servido a este de introdução aos estudos dos autores mais relevantes sobre o sagrado, rito, mito e sua relação com a violência e o espetáculo no contexto arcaico, clássico e contemporâneo. Então na metáfora, aqui denominada de rito sacrificial, usou-se de conceitos de autores como o romeno Mircéa Eliade (2001), por ora já referenciado; Claude Rivière (apud PATIAS, 2009); o antropólogo, Aldo Natele Terrin (apud PATIAS, 2009); o próprio David Émile Durkheim, com “As formas elementares da vida religiosa”, (obra original de 1912) e de sobremaneira, pelo desenvolvimento dos conceitos de violência fundadora, bode expiatório, desejo mimético e a consequente escalada da violência pela rivalidade mimética de Renè Girard (1998). Nas próximas linhas, o sangue será referido como capaz de carregar simbolicamente poder, magia e refugo, na forma de impureza. Ele é vida, mas também é morte. Fluindo no interior é vida, jorrando de dentro para fora é prenúncio de morte, contudo, sendo espargido ou derramado, mesmo que proceda da morte de algo, para os outros traz vida. Essa característica ambígua também é vista na expressão de violência e força por Michel Foucault (2003). Um caráter que desestrutura e em seguida estrutura. Numa era em que a ordem se liquefaz e os mais densos sentidos se desfazem, como não ficar enebreado por uma atuação, que permite acesso às classes subalternas, reveste-se com o manto do sacerdócio, encarna o mito do herói e no mercado das trocas simbólicas lhe aufere lucro, obtendo um valor-capital cada vez mais restrito (GIRARD, 1998; MUNIZ, 1999; BOURDIEU, 2007). Lida-se com o sangue, um dos materiais mais impactantes e efetivos no processo de transferência simbólica de poder. A civilidade transmutou instituições para operarem com o sangue mediado por instrumentos, com luvas cirúrgicas para que os agentes manipuladores não se contaminassem. Então o mais alto clero do sistema penal, usa a caneta, a pensar na tinta como sendo o próprio sangue. Ao policial também é imposto o uso de instrumento inibidor do contato direto, mas o poder atrativo, quase que mágico, desempenhado pelo sangue, compele-no a tocar, nem que seja uma vez, ou poucas vezes, ou apenas no discurso de uma possível vez, para sentir-se ilusoriamente imortal (GIRARD, 1998). Alguns, não mais alcançados pelos laços do superego coletivo, autoafirmados em um resultado de engradecimento do ego, que agora se apossa de símbolos antes guardados e refutados no id, - esses alguns – não somente tocam, Página | 238 mas bebem o sangue da vítima sacrificial, o qual está infundido de altas cargas de adrenalina, extremamente viciante, fará com que esses justiceiros em um descontrole não se submetam à sacralidade do rito expiatório, profanando-o e não mais servindo para impedir a propagação da violência comum, sendo eles mesmos os algozes de um virulento movimento vingador sem sentido social legítimo (GIRARD, 1998; FREUD, 1996). Os detentores da caneta com tinta de sangue: a alta classe do sacerdócio das diversas manifestações decorrentes do liberalismo-iluminista, em um discurso digno de serenos conselhos de anciães, não propõe o fim do uso da violência, sem a qual não exerce o domínio. O sistema por eles engendrado articula engenhosamente paz e guerra, interna e externamente aos limites de seu território dominado. Ressignificam elementos, tais como a violência fundadora, para avançar no propósito de tornar o arbítrio explorador cada vez mais invisível ao explorado, o que paulatinamente faz ser impensável a contestação que realmente toque na estrutura e, porventura, venha a ela abalar. Afinal, segundo Foucault (2008), o modelo engenhosamente arquitetado para governar mentes e arrastar com isso a força produtiva do corpo, usa o tripé polícia, exército e diplomacia. Considerando que as “técnicas de polícia”, descritas por Foucault (2008) não dizem respeito apenas às atuais agências policiais de segurança, mas a todo o “bom” propósito de civilidade das polícias do século XVIII e XIX, isso abrange o sistema penal, jurisdicional e administrativo ordenador e fiscalizatório. Esse sistema, portanto, exige dos antigos verdugos, a substituição da patente opressão pelos jogos de conflitos e tensões, em pseudoevolução moral, para que atuem como classe sacerdotal servil. Os policiais, então, continuam em rito, preparando as vítimas de expiação, mas agora desautorizados a degolá-las, devem entregá-las ao “brando e sapiente” sistema judiciário. Assim pode-se associar a governamentalidade da teoria foucaultiana como um desenvolvimento das estruturas primitivas de ordenação coletiva de Girard (1998), que explica sobre a substituição, que entregou à Justiça o poder de expiação em lugar ao sistema sacrificial primitivo. Antes de continuar sobre esta base conceitual explicativa que não inadvertidamente correlaciona pensamentos filosóficos e sociológicos de correntes francesas aparentemente díspares (Foucault e Girard), é preciso esclarecer especificamente o uso do conceito de “jogos de conflitos e tensões” e as decorrências disso, para o papel de verdugo, ou de sacerdote servil desempenhado pelo policial. Afinal de contas, o lendário popular (na paixão de Cristo) não se esquece de afirmar que justamente são os “soldados” na função de auxiliares da autoridade políticajurisdicional, que aplicam a pena legitimamente prolatada e podem fazê-lo de forma sensata ou sádica. O Ocidente tem a imagem do deus-inocente torturado e escarnecido pelos soldados romanos antes da crucificação de Cristo, ou seja, se existe uma alta casta de magistrados que operam o sistema penal em substituição ao rito sacrificial religioso, existe também uma casta de sacerdotes servis que operam diariamente pequenos julgamentos e aplicações de “penas” sumárias que “mantenham a ordem”. Um dos momentos que me ascendeu a luz vermelha de alerta, sobre quem eu estava me tornando e a que tipo de coisas eu estava cedendo meus Página | 239 princípios, foi quando ao assistir Paixão de Cristo de Mel Gibson, eu simplesmente ri, dei gargalhadas e fiquei muito entusiasmado com a cena de tortura de Jesus pelos soldados romanos. Eu estava exultando, dizendo: “toma safado, para aprender a ter respeito pela autoridade”. Até que tive que parar e me dar conta de que eu estava falando do “Filho de Deus” e que ali ele representava todo aquele que lutava pela alteração do status de injustiça social. Baixei a cabeça e comecei a chorar. “Meu Deus, que tipo de monstro estou me tornando?”. E assim eu descobri que se você não é um torturador, um sanguinolento, um ladrão ou um carniceiro, de tanto se envolver em situações da manutenção da ordem que por si só é “assassina” e injusta, você não terá escapatória, mais cedo ou mais tarde, você também será um assassino ou um cúmplice. Apesar do conceito de “jogos de conflitos e tensões” referir-se melhor aos espetáculos tal como as antigas disputas de gladiadores ou a contemporânea saga futebolística; ele vem aludir a todo o engenho midiático que transforma pequenas realidades vividas na janela local em organizadores simbólicos, capazes de modular, impondo um dado ritmo ao “pensar” coletivo. Ou seja, se não há guerra, que se mostre uma, ao menos na favela (no aglomerado, na grota, no gueto, no Oriente Médio, onde quer que seja), para que se possa perceber como se uma guerra estivesse vivendo. Se não há espetáculos públicos de suplício, assim como nos relata Foucault (2003), onde levar a família para um “emocionante” piquenique no fim da tarde? A resposta talvez esteja no sucesso da mídia sensacionalista, outrora cunhada nas páginas policiais dos jornais, hoje melhor representada pela grande audiência dos programas televisivos do mesmo tema ou o número de visualizações dos sites especializados na Web. Mídia essa que se alimenta justamente das pequenas realidades vividas na janela local e as serve aos inconscientes pessoais para que em sua digestão possam encontrar os nutrientes necessários para uma “doentia”, mas mais que necessária expiação e autopurificação. O tal sensacionalismo, consegue em poucos minutos trazer à luz, o comum obscuro de alguém, em uma sequencia de tragédias, antes de quem sabe lá, para se tornar minha e sua, ao ponto, de sentir que a qualquer instante pela porta de casa adentrará um estuprador, um ladrão, um assassino ou que se possa ser atingido por uma “bala perdida”. Há uma produção involuntária de uma série bioquímica, cria-se uma condição favorável para que janelas entre o inconsciente e o consciente se formem, e “fatores” no sentido arquétipo de Jung (2000) e “contextos” como diz Goswani (2005) possam manifestar alguns de seus aspectos. Gerando um clima permanente de tensão, uma massa amedrontada, mas não o suficiente para incapacitá-la de produzir, só o necessário para que abdique de sua prerrogativa de autogoverno, por patente impotência em promover autosegurança e docilmente submeta-se a, ou até mesmo implore, o “acalentar” do pulso forte de seus pastores, príncipes e sábios. Essa liderança simbólica, essas castas ou estamentos, que melhor operam os instrumentos do sistema formam um sacerdócio, assim como nos diz Benjamin (2015). Tendo por arquétipos regentes, ou divindades cultuadas, Marte (deus grecoromano da guerra e da carnificina) ou Mamon (deus semita da ganância e Página | 240 personificação do “dinheiro”), eles formam o Sacerdócio do Mal. A expressão “mal” nesse sentido, em nada deve ser associada a um julgamento moral subjetivo, trata-se apenas de uma constatação de que esse sacerdócio, culto e religião essencial do sangue e da posse (do ter, do capital) são estruturas simbólicas que compelem a construção de uma realidade desarmônica ao “espírito” humano em seu estado livre (o que se assemelha a noção de emancipado, mas não assim tratado, já que é impossível está fora da teia da vida numa concepção ecológica profunda). Portanto, para os que compõem o dito “sacerdócio do mal”, nada existe de maléfico em sua conduta, há sim uma defesa pela persistência/sobrevivência de um sistema simbólico. Retornando aos jogos de “jogos de conflitos e tensões”, pode-se perguntar: quer melhor forma de domínio que essa? O dominado pede desesperadamente que o dominador o possua. Nunca foi tão fácil para um assediador deflorar uma virgem. Nem Vlad, nos contos de Drácula da Transilvânia, poderia orquestrar uma sedução a suas presas como essa. Mas quem nessa circunstância toma o lugar de Vlad, quem são a classe de vampiros, que secretamente se alimentam do sangue e do suor-labor das multidões? Assim como Drácula, eles são brandos e sapientes. Em seus círculos de irmandade e confrarias, a alta classe do sacerdócio do Estado-Capital, assinam tratados de repúdio a patente opressão e carnificina. Mas são os promotores dos jogos de conflitos e tensões, que simbolicamente e/ou materialmente sanguinolizam as massas e por isso há de se falar em pseudo evolução moral. Eles estão de toga, terno, paletó, vestimentas indumentárias que servem quase que como um avental e aí se tem um dos instrumentos inibidores do contato direto com o sangue. Pobre policial (será que pobre mesmo?) só queria “servir e proteger”. Alguém precisa ser o algoz, quem vai puxar o gatilho e se sujar de sangue no lugar dos civilizados irmãos da confraria. Voltando agora a dinâmica ritual da violência fundadora tal como nos diz Renè Girard (1998), pode-se afirmar que não há dúvidas que o sistema previamente ordenado, em tais bases, irá desautorizar o morticínio e fazer dos próprios algozes, novas vítimas sacrificais, ad hoc et pro tempore, justificando tal fato, sobretudo, pela transmissão feita aos policiais, da impureza das vítimas imoladas, por meio do sangue que delas, eles beberam. “Adrenalina no sangue”: resistência à perda de capital simbólico acumulado Na Introdução, foi utilizado o termo sabotagem. Entre tantos regentes do comportamento que já foram citados e ainda serão esclarecidos, este do caçadorguerreiro é significativamente mais decisivo, como motivação da tal sabotagem institucional. Naquela etapa do texto, problematizou-se da seguinte maneira: Por que alternativas socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis são rejeitadas pela instituição? E assim como foi feita na Introdução, deve-se novamente perguntar: para quem essas alternativas são mais legítimas, mais eficientes? Página | 241 A abordagem sociológica convencional do tema de alguma forma parece não dar conta de desvelar vivências experimentadas na profundidade da cultura institucional. Os profissionais de segurança pública supostamente cometem “sabotagem” aos projetos reformuladores, com um empenho notoriamente mais resistente a outros processos de mudança organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978; MUNIZ, 1999; SOARES, 2000; OLIVEIRA, 2002; VASCONCELOS, 2007; ROCHA, 2008; LIMA e LIMA, 2013; RATTON, 2016). Comportamento social sem consciência a real motivação interna Desde já, deve-se esclarecer que não há juízo negativo de valor em relação a essa dinâmica, chamada de sabotagem. Assim como explica Freud, algumas de nossas reações, que externamente se apresentam como lapsos, falhas, mero equívocos ou até incidentes ocasionais são, na verdade, expressões de nossos desejos reprimidos, que são atentados por convenções sociais que nem ao menos permitem a manifesta insatisfação verbal. Freud usa algumas ilustrações para demonstrar que as parapraxias, ou atos falhos, apontam se observadas cuidadosamente para uma intenção sutil, não consciente (FREUD, 1996). Agora chegou o momento de esclarecermos mais um pouco a citação a Giddens (2003) feita no tópico de Justificativa no contexto introdutório desta dissertação: “a motivação inconsciente é uma característica significativa da conduta humana”. Portanto, uma pessoa que esquece algo ou um nome, pode ter oculto o desprazer que o objeto em referência impõe. Entrar no ônibus errado, sentir vontade de ir ao banheiro pouco antes de uma viagem, ou ficar “se batendo” para achar o bilhete de passagem, pode ser mais do que efetiva desorganização, pode está envolta da vontade de não seguir viagem (FREUD, 1996). Trata-se de aparentemente de uma sabotagem do inconsciente para com a capacidade volitiva consciente. Portanto, não há porque ter surpresa em discursos operados simbolicamente pela linguagem que queiram dar uma explicação plausível para esses atos não desejáveis, para aquilo que, na verdade, é uma manifestação do desejo não perceptível conscientemente pelo próprio agente volitivo. Entremos primeiramente no contexto do ânimo do jovem tribal guerreiro, para que possamos reutilizar essa partícula do pensamento de Freud (1996). Polícia: mercado de troca de capital simbólico O insucesso, dos projetos institucionais de reformulação192, esconde uma percepção silenciosa de que elementos viris, que obtiveram um ganho no mercado de itens simbólicos, não pretendem abrir mão, daqueles amuletos totêmicos ou talismãs abstratos que os fazem ser alguém, que os liberta da infeliz sensação de ser um qualquer na multidão. Esses itens simbólicos valem mais que dinheiro. Esse entendimento sobre um capital simbólico oriundo de outras fontes de poder social, que 192 Projetos institucionais: a perspectiva do uso do estudo comportamental quanto à administração de organizações (gestão de empresas) pode ser vista com melhor precisão no tópico 1.2. Organizações como Prisão Mental, do Capítulo 1, onde Gareth Morgan (2002) faz uso de metáforas para esclarecer como questões de fundo inconscientes da dimensão psicológica dos membros da empresa podem afetar o andamento dos negócios. Página | 242 não a material-econômica, rementem instantaneamente a prismas teóricos como os de Pierre Bourdieu (1986) e Michael Mann (2005). Essas outras fontes, auferem honra, glória, status social. Essas vantagens podem ter seu lado pejorativo, mas há ganhos que são incontestavelmente “bons”, pelo menos pelo contexto moral das sociedades contemporâneas. Esse é o caso da satisfação de dever cumprido, o ser necessário e poder servir (FREUD, 1996; BOURDIEU, 1986, 2007; MANN, 2005). Qual projeto de reestruturação institucional, visando uma otimização gerencial ou um pretenso avanço moral, vai convencer complexos de consciências individuais (com seus conscientes psicológicos e seus elementos inconscientes, difusos e autônomos), que perder todo esse capital simbólico é, ao fim, vantajoso (BOURDIEU, 1986; KOTTER, 1997; JUNG, 2000; BERGUE, 2010; MORGAN, 2002). Se fazer isso para com indivíduos é tão improvável, o que dizer de conquistar a adesão (in)“voluntária” de (in)conscientes coletivos em prol de uma empreitada que vai corroer os elementos que lhes fazem ser o que são? O resultado é rejeição, mesmo que seja silenciosa e simulando cooperação. Sob o signo de Marte Paulatinamente deseja-se desvelar essa característica arraigada, que aos olhos de quem não conhece tal realidade pareça a princípio um paradoxo. Porque realmente a cooperação, a disposição para operar a mudança institucional parece sincera. Contudo a rejeição a tais intentos ocorre, mesmo sem que os indivíduos tomem plena consciência dos processos subjacentes. Para esse desejo de desvelar, oportunamente cita-se o trabalho realizado pelos professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Carlos de Albuquerque e Eduardo Machado, intitulado “Sob o signo de Marte: modernização, ensino e ritos da instituição policial militar”, que em 1999, entrevistaram 27 alunos do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar daquele Estado. Segundo Albuquerque e Machado (2001), a presença dos acadêmicos fazia parte de esforços por um novo programa de formação de oficiais, não obstante os depoimentos davam conta, entre outros fatos, de uma atividade denominada Jornada de Instrução Militar (JIM). Essa atividade consistia em uma experiência de campo, conjugada uma marcha, um acampamento e jogos de instrução militar 193, durante seis dias numa porção de Mata Atlântica, próximo à cidade de Salvador. Mediante as falas dos próprios participantes-entrevistados foi possível perceber que tal atividade se tratava de um “rito iniciático feroz”, reforçador da identidade selvática, numa absorção do imaginário típico do Exército. Uma identidade tecida sob atos de “Longe do recinto acadêmico, alojados em barracas, experimentam situações de frustração extremas. Similar aos treinamentos tradicionais, que conjugam, a um só tempo, técnicas de sobrevivência na selva com velhos ensinamentos antiguerrilha, a JIM se processa num ritmo estressante, baseado em táticas que estimulam a ansiedade e o medo, produzindo um estado psicológico de absoluta alerta emocional. Para criar esta atmosfera, o grupo de aprendizes é dividido em dois subgrupos tornados rivais, dentro da perspectiva conhecida como mentalidade do inimigo, estabelecendo um confronto bélico contínuo entre eles” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). 193 Página | 243 violência e submissão do outro e que as marcas ficavam gravadas nos corpos 194 (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). O dilema para o qual esse breve relato serve de ilustração, é o paradoxo entre uma pressão social por mudança institucional, a aparente disposição formal em colaborar com tal projeto e a dissimulada e informal atividade de resistência. Para efeito de tal ilustração, cita-se Albuquerque e Machado (2001), quando problematizam o efeito daquela tal identidade selvátiva tecida sob violência: “para esta identidade da selva emergir ela deve se opor a outra identidade”. Essa outra identidade é o “novo perfil policial” que “o novo currículo tenta, em vão, sustentar entre as grades de disciplinas”. Os professores baianos parecem até mesmo se admirar com essa atitude paradoxal: Foi a própria Corporação que contratou especialistas para a elaboração de um novo currículo, capaz de dar conta de uma nova fisionomia policial. Paradoxalmente, ela sustenta e celebra ritos que são formas de enfraquecer e boicotar essa mudança (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Entre os alunos entrevistados, apesar da baixa faixa etária e de estarem no segundo ano de curso, existem aguçadas análises sobre seus próprios instrutores195. Mas o que chama a atenção, para fins dessa ilustração, indubitavelmente é o sentimento de ambivalência196 produzido nos alunos, submetidos ao rito-instrução e inclusive no ato dos pesquisadores em admitir que, talvez, a atividade de campo guarde algumas necessárias características desejáveis: Os conteúdos vividos na JIM tanto podem opor-se aos propostos no currículo oficial como, algumas vezes, podem complementá-los. [...] Complementam porque qualificam e aprofundam traços dessa imagem, reforçando aspectos desejados que o currículo novo não equaciona. [...] Em outros termos, a JIM é um meio de desautorizar a emergência do traço modernizador na cena acadêmica, constituindose numa espécie de currículo rival, disposto a fagocitar o novo e corroer a implementação de modalidades renovadas de formação policial (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). “Levando em conta que a transmissão de certos códigos identitários se realiza mediante a provocação da dor física (Clastres, 1990), a JIM também busca inscrever seus conteúdos nos corpos dos iniciados. O ciclo de exercícios inclui, portanto, a aquisição de uma marca corpórea que deixe registrada a fúria do rito, conforme Santiago (21 anos): ‘muitos aqui na sala, agora, estão usando agasalho e não é porque está frio, mas é que conseguiram uma lesão na JIM e escondem a marca’” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). 195 Segundo o aluno (aspirante com são chamados na Bahia) Denilson de 23 anos os instrutores: “apresentam pouca maturidade psicológica para uma experiência de fortes dimensões emocionais [...] revelam falta de habilidade... demonstram isso com abusos e arbitrariedades, se vingam ali de rixas antigas”. Carolina de 21 anos alega sentir “decepção com instrutores pela utilização do traquejo” o que denotou “pouco ou nenhum profissionalismo para uma missão daquela”. Para Raul (22 anos) ao assim agirem os instrutores “revelam-se arbitrários, são a cara PM mascarada, a verdadeira PM injusta”. 196 “Indagados se a JIM poderia ser um fator de aumento de eficácia policial, o grupo se dividiu entre, por um lado, os que concordam em parte e, por outro, os que discordam totalmente disso. Para os que concordam parcialmente com o treinamento da selva, a principal vantagem deste é que os precipita numa realidade mais próxima da que vão encontrar. Esse é o caso de Joseval (22 anos): ‘Acho que os instrutores da JIM sacam que a gente sai da academia super despreparados e eles querem dar uma pitada de realidade na simulação da JIM’” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). 194 Página | 244 A oposição entre o ambiente das salas de aula na Academia de Polícia e o de mata da Jornada Militar de Instrução parece conduzir a uma oposição entre o espaço do pensar de ateniense e o campo de treinamento espartano. O que faria o título do artigo de Albuquerque e Machado (2001), “sob o signo de Marte”, ganhar algum tipo de significado arquetípico. Considerando que Palas Atena era a deusa grega da sabedoria, da justiça e da estratégia militar, representava de alguma forma o avanço civilizacional, ela era protetora da cidade que levava o mesmo nome. Já por Ares, o deus da guerra do mundo grego, os espartanos tinham uma predileção, ao ponto de acorrentá-lo para que o “espírito da guerra” não os deixasse. A forma latina de Ares, mesmo que em alguns aspectos diferente, é Marte. Também buscando conciliar os dois currículos, o oficial-explícito e o implícito-da-selva, a aspirante Olívia (22 anos) pondera que “a eficácia policial não pode ser atingida exclusivamente nem por um, nem por outro: nem pelas aulas que se arrastam chatas demais no Bonfim [Academia], nem pela correria e humilhação da JIM” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Continua-se, nessa jornada, que pretende responder a indagação: Por que alternativas socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis são rejeitadas pela instituição? Conforme Albuquerque e Machado (2001) as polícias estão em uma encruzilhada, dois caminhos: (1) reproduzirem práticas condenadas e ineficientes ou (2) se democratizarem e profissionalizarem 197. Eles concluem dizendo que os policiais deverão “perder o medo” de deixar de ser quem são (como são). Então em oposto, o que até então tem ocorrido seja um “medo de perder” algo, de deixar de ser. E nesse condão devo deixar aqui registrado a ocorrência de duas atitudes mentais, uma correlacionada a ingenuidade do herói e formação de mártires e outra correspondente ao ardil guerreiro-estrategista, numa dada guerra política, que sabe muito bem onde está pisando. Entre as duas atitudes, ainda há espaço para posições intermediárias. Em defesa do seu capital (simbólico) E como os julgar condenáveis, os que estão lutando apenas pelo direito de serem “homens” e de poder jogar suas lutas de gladiadores diárias, quando ao ler Richard Sennett (2009) você se depara com uma multidão de identidades corroídas, dessignificadas, que outrora podiam se orgulhar de seu nicho-função social. Sennett (2009) explora exemplos como o de padeiros gregos imigrantes nos Estados Unidos, que tinham uma inserção social definida. Podiam ser pobres, podiam sofrer inúmeras agúrias na vida, mas eram padeiros. O que dizer da geração de seus filhos, que não tinham identidade profissional, operários sem nome, os que ainda estavam nos setor de panificação, não eram padeiros, eram operadores de automação da produção alimentar, apertando botões em painéis sem que isso emprestasse sentido para suas vidas (SENNETT, 2009). 197 Como não há nenhuma receita pronta para isso, o caminho é a reinvenção da cultura policial com todas as incertezas que isso implica, em especial, a incerteza de que o caminho é feito, como diria o poeta, pelos próprios caminhantes no seu andar, no caso os policiais militares e civis (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Página | 245 Se a nova geração soubesse que se “profissionalizar” e ser mais “eficiente”, levaria à cabo um projeto de corrosão de suas identidades “étnicas”, de nicho-função social, não seria legítimo ou não seria natural esperar que resistissem a isso? Albuquerque e Machado (2001) propõe que os policiais percam o medo e permitam-se a uma mudança, mas quem irá garantir a esses sujeitos, que eles ganharão mais (no contexto social amplo) em ter menos (no contexto individual psicossocial)? Em relação à atitude estrategista ardil, cabe um pequeno destaque para uma pontuação de Adriano Oliveira (2002) da UFPE, quando se fala da incoerente “autosabotagem”: “ao contrário, os que fazem a cúpula das Polícias Militares da maioria dos Estados estão cientes de seu espaço e não admitem ceder ao objetivo de reformular a instituição Polícia Militar”. Fato este corroborado pelo registro da realidade demonstrada pelos truncados jogos de poder observado no ensaio autobiográfico do antropólogo Luiz Eduardo Soares, “Meu casaco de General: 500 dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro” (2000), na gestão do governador Antony Garotinho. Durante milhares de milênios198 (e isso não é superlativo estético) o jovem do sexo masculino deixava de ser um adolescente, uma criança para ser alguém de valor, quando podia desbravar os territórios além das circunvizinhaças e caçar. Montar emboscada, sentir adrenalina no sangue, ter êxito e regressar em glória. Quantas vezes ele como criança, viu a alegria dos outros homens da tribo em seus triunfos cotidianos. Sua carne ficava quente, depois do esforço físico empreendido, o sangue do animal abatido ainda estava quente e quente, também eram as pernas do maior número de mulheres que se atraiam por ele. Esse era o contexto de caça, não muito diferente era o contexto da guerra primitiva (WRANGHAM E PETERSON, 1998). E sobre a guerra primitiva, nos é oportuna a citação de Wrangham e Peterson (1998) sobre a dinâmica de rivalidade entre as comunidades ianomâmis, por se tratarem de uma sociedade que preservou traços arcaicos da condição social humana: Os ianomâmis afirmam que a guerra entre aldeias não se desencadeia por causa de recursos naturais. Ela pode ser deflagrada por algo tão teórico como uma suspeita de feitiçaria [...] ou ciúmes sexuais ou suspeita de adultério. Os ianomâmis dizem que, na maioria das vezes, acontece por causa de mulheres. [...] Os ataques podem parecer uma atividade inútil, porém, como os heróis militares pelo mundo afora, os unokais ianomâmis são homenageados por suas sociedades e, por fim, premiados (apud WRANGHAM E PETERSON, 1998). Especificamente sobre “como os heróis militares pelo mundo afora [...] são homenageados por suas sociedades”, é oportuno trazer uma inserção de um trecho de Osho (2014): “[...] quem nunca viu nos generais várias listras coloridas presas ao uniforme? Que tipo de estupidez é essa? Aquelas listras continuam aumentando à medida que o general mata e destrói a si mesmo. Qualquer um pode ter todas aquelas 198 Uma herança comportamental-cultural tão arraigada que esse elemento memético pode ser comparado a um regente arquétipo do inconsciente. Página | 246 cores em suas camisas. Aparentemente, não há nenhuma lei que possa impedir de têlas, mas quem usá-las vai parecer simplesmente tolo. Aqueles generais, eles não parecem tolos? São respeitados e grandes heróis. E o que foi que fizeram? Assassinaram muitas pessoas do próprio país e de vários outros países. E esses assassinos ainda são recompensados.” Jovem policial ainda é o guerreiro tribal em busca da caça Em que outro contexto das grandes metrópoles, um jovem como qualquer um de hoje em dia, que tem essa história de gerações inscrita no seu acervo de hereditariedade genética, cultural e inconsciente vai ter acesso a essas experiências de satisfação pessoal dentro das relações de grupo nas dinâmicas sociais contemporâneas? Qual instituição vai lhe dar essa oportunidade de ser guerreiro 199? Afinal, é o que todo indivíduo viril200 deveria buscar ser, ao menos, esse foi um dos pressupostos culturais comuns que se sustentou por milhares de anos entre os da nossa espécie (WRANGHAM E PETERSON, 1998; JABLONKA e LAMB, 2010; MUNIZ, 1999). Portanto, não se trata de sabotagem, do ponto de vista da casta guerreira . Traz-se aqui uma correlação feita a música: "Pequena Morte", do rock brasileiro, como recurso heurístico. Composta por Martin e Pitty, que também a interpreta diz: "[...] Eu tinha prometido não ceder à compulsão, mas é uma agressão dizer pra um bicho não caçar [...]". Justamente, dessa forma, assim como roubar ou ferir é uma agressão, para um guerreiro, ser persuadido a não caçar é uma agressão a sua razão de ser, ou seja, aquele que assim o tenta está de alguma forma tentando roubar dele ou matá-lo. Sabotadores (ou aliciadores, enganadores) são os gentis homens do saber e da ética que veem lhes tirar algo que é seu, até onde sabem, são eles os legítimos possuidores das honrarias, por mérito. Nada pode ser tão valoroso que ser digno de ir à guerra. 201 Colocar o colete, atar o cinto de guarnição e o coldre de perna. Ajeitar a cobertura seja ela um gorro (boné) ou, preferencialmente, uma boina ao estilo francês, assim como a boina preta, por sobre os olhos de Capitão Nascimento. Aquela criança202 via isso na aldeia, os homens de verdade pintando seus rostos e fazendo 199 Qual instituição? Apesar de o texto encaminhar para uma resposta evidente, espera-se que no conjunto da leitura deste cluster sobre o guerreiro-caçador e o próximo sobre a casta guerreira, fique sobressaltada a relação de fundo existente não apenas nas forças de segurança do Estado, mas que outras atividades humanas da intricada rede dos ecossistemas sócio-simbólicos também carregam os mesmos pressupostos de virilidade, luta, competição, defesa territorial, conquista e expansionismo ideológico dirigido, por vezes maior outras com menor caráter impositivo, a saber, a política, a guerra santa e a militância de causa. 200 Jovem do sexo masculino e indivíduo viril: na primeira referência, como se tratava realmente do transcurso préhistórico, não houve a necessidade dos novos pudores em não manifestar sexismo. Mas na segunda referência, tratando-se dos contextos das atuais grandes cidades, indivíduo viril, não é correlação direta a homem ou pessoa do sexo masculino. É, neste caso, homem ou mulher que porte em si predisposição de uma polaridade bioenergética masculina. Para entender os termos aqui utilizados na diferenciação entre sexo biológico, orientação sexual entre outras, vide o tópico 5.3.1. Um breve glossário particular para sexualidade abrangente, na página XX. 201 Casta: o termo ganhará melhores contornos no tópico 6.3. Kshatriyas: a casta guerreira, deste mesmo capítulo. 202 Nota pessoal: D'Artagnan. Não consigo deixar de fazer aqui registro sobre o meu primeiro herói, de qual fui fã. Diz minha mãe, que aos 3 ou 4 anos de idade eu ficava de frente a TV, gritando: “D'Artagnan!”, o quarto mosqueteiro. Página | 247 danças rituais para “vampirizar psiquicamente” o inimigo e ela (a criança que assistia) não podia ir, mas um dia iria. (WRANGHAM E PETERSON, 1998; MUNIZ, 1999). Anteriormente fornecemos um sucinto exemplo sobre parapraxias, prospectado da obra de Freud (1996). Agora, encaixa-se o sentido disso, o próprio Freud nos esclarece que apesar das patologias psiquiátricas mais graves serem a fonte natural de informação e motivadora dos estudados psicanalíticos, são nos atos falhos das pessoas “normais” que se pode perceber a similaridade difusa dos mecanismos psíquicos com os que se processam nos casos das patologias. Portanto, um jovem ingresso na instituição policial e/ou militar pode ter um discurso de posição contrária às práticas da atividade vistas como injustas, incoerentes ou ineficientes. O que ele mesmo não tem consciência, é que ele justamente está ali, porque seu complexo inconsciente lhe levou a buscar os meios necessários para “voltar” (num contexto de memória evolutiva da espécie) a ter acesso ao meio que lhe confere a satisfação desse impulso reprimido, o de ser guerreiro-aventureiro. Ele pode esquecer essa vontade latente, mas se isso tiver adormecido em seu inconsciente, esse dia pode chegar, ele pode ser lutador de MMA. Ele pode entrar para o “movimento” e ser alguém respeitado entre os seus na favela. Mas ele também pode se tornar um policial, um militar ou um vigilante particular, mesmo que alegue outros motivos. Assim como qualquer um de nós muda, ao entrar num carro, ou simplesmente ao por óculos escuros. De alguma forma a atitude interna se transforma e isso é refletido no comportamento, no andar, no falar. Assim também é quando você põe a armadura de guerreiro 203. Nada é criado, “não é que surja algo novo, o que ocorre é o que já estava lá, saí 204”, como explica o professor Juracy Marques205. Não surge algo novo, apenas ganha vida concreta ou ainda que fantasmática na experiência consciente. Querer sentir-se assim é Real. Se eu não sei expressar isso pela linguagem, opera o Imaginário, que me faz relembrar a sensação psicológica direta correlacionada à imagem que se tem de dada situação-objeto. Quando criança em ver o filme, ou o desenho animado, ou ao brincar com o boneco do super-herói, uma imagem mental foi associada diretamente àquela experiência. Se o jovem, ingresso no servidorismo público, não manifesta esse patente desejo por adrenalina, aventura, virilidade (e até mesmo por sangue) – se ele não manifesta – então se pode voltar a aludir Freud e apontar, que entre alguns desses despretensiosos jovens ora civilizados, há uma parcela que no fundo desejam, aquilo que com o discurso negam. O jovem pacato das cidades também pode fazer um 203 Em comparação com esse gesto, da situação normal pacata para a mais ofensiva, pronta para guerra ou aventura, podemos citar: Clark Kent tirando o óculos de grau e pondo a capa para se tornar o superhomem. Rambo que pinta o rosto, amarra uma fita na cabeça e se arma com uma metralhadora. Personagens de animes japoneses, dos mais variados que vivem como pessoas comuns, mas em dado momento crítico precisam “morfar” usando um artefato tecnológico ou mágico. Entre tantos outros exemplos. 204 Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem. (Mateus 15:16-20). 205 Entrevista concedida como participação do programa “Falando Sério com Flávio Henrique”, de TV local de Juazeiro-BA, em dezembro de 2015. "Quem você é quando ninguém está te olhando?", disponível em <https://www.youtube.com/ watch?v=DzmXo_PZveo> Página | 248 concurso alegando dissimuladamente querer independência financeira, mas apenas seu terapeuta poderia saber que, no fundo, ele estava à procura da adrenalina. A professora Jaqueline Muniz (1999), fez parte da equipe do professor Luiz Eduardo Soares, na secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no ousado projeto de reformulação, intentado nos primeiros anos da gestão do governador Antony Garotinho. Hoje professora da UFRJ, na época entre 1998 e 1999, efetuou uma pesquisa etnográfica entre membros da polícia fluminense para composição de sua tese de doutorado em Sociologia, intitulada: “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”. Sobre as impressões que teve, nos onze meses em contato direto com os policiais de rua, Jaqueline Muniz relata: “Uma coisa era imediatamente perceptível na maioria dos PMs de ponta com os quais convivi – a pressa de ir para as ruas, o gosto em vestir a farda e ir tomar conta do seu pedaço da cidade” (MUNIZ, 1999). A grande coisa de trabalhar na rua é que você não precisa ir para a guerra ou para a selva para ter aventuras. Você tem muita adrenalina, muita excitação e ainda sai do trabalho e volta para a família. (Fala de um soldado da PMERJ, com 5 anos de atuação, em entrevista à professora Jaqueline Muniz, 1999, em “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”). Ou ele se apropria desse capital simbólico, que tem o sangue como vetor, ou ele estará condenado a transitar entre as camadas das masculinidades subalternas206. Como nos apontam De Waal (apud MARQUES, 2017) e Wrangham e Peterson (1998) o primata que não possui a hegemonia do bando, o macho subalterno mais cedo ou mais tarde, sozinho ou em aliança com outros, ameçará debandar o macho alfa. É da natureza darwiniana do macho, sempre que possível ser o primaz? Não, necessariamente. Talvez seja uma propensão primata? Também não. Poderia o homem-animal vivenciar outros padrões de organização social? Giroscópio da alternância entre os pares de arquétipos Jung (2000; 2012a), Freud([1920] 1996b), Paulo de Tarso (JUNG, 2012a), Agostinho de Hipona (CONKE, 2014), Lao Tse (1999), Jesus (PAGOLA, 2011) e Giorgio Agamben (2013 apud MARQUES, 2017) falam de um homem superior e um inferior, na diferença entre a carne e o espírito, do consciente regido pelo ego e de um mar abismal do inconsciente, falam todos de um homem cingido. De um animal humano e um homem-animal (AGAMBEN, 2013 apud MARQUES, 2017). Nas 206 O segundo intuito é marcadamente o eixo desta pesquisa, sobretudo, quando se fala de masculinidades e dominação em um jogo “homossocial” competitivo pela primazia da hierarquia simbólica institucional (KIMMEL, 1998). Na busca de entender, o que legitima simbolicamente quem tem a primazia de ocupar as posições de poder e usá-lo para difundir, retroalimentando o sistema institucional com a carga axiológica de suas verdades – nesta busca – parte-se para a fonte dos sentidos coletivamente compartilhados e que por sua primitividade, em relação ao próprio processo institucionalizador, revela uma preexistência, quer se fale em essência humana e por isso o uso do termo “anima”, na acepção junguiana, quer se fale em marcadores referenciais de aprendizagem evolutiva orgânica, na acepção da Escola de Santiago (CAPRA, 2006; MATURANA e VARELA, 1997). Página | 249 próximas linhas será aprsentado o homem-policial no seu microcosmo e macrocosmo mental, assim como nos sugere o emblema das polícias militares (Figura 19207). Giroscópio e a estrela Giroscópio208 é um dispositivo utilizado na navegação marítima, na aviação e na atividade aeroespacial, é basicamente uma combinação de um rotor suspenso por um suporte formado por dois círculos articulados (Figura 27.a), que através do princípio de inércia, produz o efeito de demonstrar o desvio da plataforma em que se encontra em relação a um ponto fixo no espaço, ou seja, tem a propriedade de manter-se apontando para o mesmo ponto. Para essa analogia, o sentido que se está procurando dar, é que os sistemas sociais em sua função de equilíbrio dinâmico, pretendem se manter inalterados, com um perfil identitário próprio, por meio de ininterruptos ajustes internos, considerando que o meio externo constantemente muda e interfere no dado sistema por novos estímulos. Figura 27 – Giroscópio a) Giroscópio b) Giroscópio humano c) Homem vitruviano de Fludd Fonte: a) Representação em animação 3D, do funcionamento de um giroscópio. Imagem do Site Wikimedia Commons. b) Foto de criança experimentando o giroscópio humano. Imagem coletada na galeria de fotos do site institucional do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Disponível em <http://www.pucrs.br/mct/visitenos/galeria/aniversario/>. c) Representação do homem vitruviano por Robert Fludd, fotografia da capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617, captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do Site Wikimedia Commons. Na Figura 27.b, vê-se uma criança experimentando um giroscópio humano, não muito diferente do usado no treinamento dos astronautas pela NASA. A razão de expormos essa imagem no trabalho é para que se tenha uma ideia, de que ao se falar da mente organizacional (LAFFITE, 2002) funcionando como um giroscópio, deve-se lembrar que no esforço de se manter em ponto de equilíbrio a pessoa organizacional (BOULARD e LANZA, 2007), rebate, gira, constrange, faz reviravoltas com as pessoas humanas, membros das organizações, que estão atreladas a elas. Trazer novamente a imagem do homem vitruviano, mas com destaque a versão de Robert Fludd, como se vê na Figura 27.c, é para fazer um Figura 19, “Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael”, página 192. Acepção formada pelo recolido no Dicionário Priberam de <https://www.priberam.pt/dlpo/girosc%C3%B3pio> e Wikipédia.org. 207 208 Língua Portuguesa Página | 250 paralelo de simbolismo: os círculos concêntricos de sua gravura representam o macrocosmos e microcosmos do ser humano. No esoterismo, explicado por meio do Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant (1986), cada estrela é um universo, cada pessoa é uma estrela, cada luzeiro resplandecente é um pequeno deus não desperto. No emblema das polícias militares, segundo a “heráldica militar, a estrela de cinco pontas gironda simboliza o comando e a liderança plena, isto é, sem divisões ou partições” (PMDF, 2013). Ou seja, o deus no centro do culto dos guerreiros é símbolo da autoridade suprema. A correlação entre estrela e poder político e poderio militar já foi alvo de estudo de tópico anterior, no Capítulo 5. Falar em giroscópio em um estudo sobre o comportamento organizacional, a partir da dinâmica da mente organizacional, está se tratando da fluidez que torna possível intercalar períodos de regências diferentes, no aspecto dos elementos predominantemente condutores do hardcore da cultura de determinado sistema social humano (civilização, sociedade, instituição, organização ou grupo). Se uma civilização apresenta aspectos que demonstram a regência de aspectos masculinos agressivos na escolha de padrões estruturantes como o patriarcado, isso não significa que em algum momento do passado, essa mesma civilização em um estado diferente de evolução ou involução, tenha “experimentado” a regência de outros aspectos possíveis, através do exercício do matriarcado, por exemplo, como expressão do feminino sedutor-impositivo, bem como, outras expressões como a matrística, onde o amor e o cuidado são marcantes, ou uma assembléia de pares representativos, típicas do masculino amadurecido. Portanto, o que se levanta com isso é que o mesmo ser na condição existencial, muda-se, reorganiza-se e permanece se identificando como sendo o mesmo ser, bem como projeta uma imagem externa que intenta demonstrar continuidade. Depois de um certo tempo, você não é mais o mesmo arranjo de moléculas, partes do seu corpo se reconstituem todos os dias. Assim como Heráclito, filósofo pré-socrático grego, da cidade asiática de Éfeso, dizia: “O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”. E poderiam me dizer por que se esforçar por um conserto, por uma nova ordem de coisas? Como pode alguém que reconhece a lei do eterno retorno redita modernamente por Nietzsche, ser otimista em prol de mudanças? Ora isso é simples, ourabórus pode morder sua calda infinitamente, mas nem ela, nem sua calda são as mesmas depois de um ciclo. É bem verdade, que seguimos em eras cíclicas, mas a cada ciclo damos um salto a regiões dimensionais mais concêntricas ou mais tangenciais como se em uma espiral ou em um vórtice estivéssimos. Esta consideração, é de suma importância para possa ser visto aquilo que já era observado mas com um novo conceito estruturante-estruturador. Isso é quebra de paradigma, e para tecermos reflexões sobre a biologia das organizações e sobre a dinâmica psíquica sutil-coletiva da instituição é preciso ter esse senso de avanço do conceito estruturante-estruturador do pensamento como aquele necessário para acompanhar a evolução que se ver na figura abaixo: Página | 251 Figura 28 – Sistema Solar por visões diferentes a) Visão geocêntrica b) Visão heliocêntrica c) Visão helicoidal Fonte: Simulações 3D computadorizadas retiradas da Internet, com fins meramente ilustrativos. Estando, portanto, transitoriamente circunscritos em um contexto civilizacional masculino que se alterou e se tornou rompantemente agressivo dissimulado, é natural que as alternativas apontadas para a solução dos problemas da base biológica-cultural, marquem-se por uma tendência em esperar maior sensibilidade, uma feminilização geral dos processos e estruturas. Deixo que Leonardo Boff, que faz alusão ao discípulo de Gilbert Duran, Michel Maffesoli, nos esclareça um pouco mais sobre a questão: [...] Essa mutualidade Terra-Humanidade é melhor assegurada se articularmos a razão intelectual, instrumental-analítica, com a razão sensível e cordial. Damo-nos conta, mais e mais, de que somos seres impregnados de afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser afetados. Tal dimensão possui uma história de milhões de anos, desde quando surgiu a vida há 3,8 bilhões de anos. Dela nascem as paixões, os sonhos e as utopias que movem os seres humanos para a ação. Esta dimensão, também chamada de inteligência emocional, foi recalcada na modernidade em nome de uma pretensa objetividade da análise racional. Hoje sabemos que todos os conceitos, ideias e visões do mundo vêm impregnados de afeto e de sensibilidade 209 (BOFF, 2014). Esse recalque do qual fala Maffesoli é justamente a cruzada iconoclasta da modernidade apontada por Duran ([1964] 1995). Note que, enquanto eu usei termos que se referem a uma masculinização ou feminilização, Leonardo Boff utiliza termos como “razão intelectual”, ou “razão sensível”. Portanto está se costurando uma correlação entre o padrão de funcionamento organizacional e as funções psicológicas segundo Jung. O trecho “[...] somos seres impregnados de afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser afetados [...]” de Boff (2014), em muito de coaduna com o que já expus sobre o elemento do amor, no tópico sobre a dimensão profunda da Ecologia Humana, quando citei o casal Maturana e Dávila (2009; 2012)210. Essa assepsia, em prol de uma objetividade não garante nosso futuro como espécie, bem como deixar-se guiar inteiramente pela emoção pode-nos fazer cair em sérios conflitos irronconciláveis. Para compreender a dose do balanço O último trecho da citação de Boff é uma paráfrase de Michel Maffesoli em “Elogio da razão sensível” (1998). Referência ao texto do tópico “O status científico da Ecologia Humana: disciplina, paradigma, nova ciência?”, do Capítulo 3. 209 210 Página | 252 necessário faço uso de um trecho da entrevista de Edgar Morin ao programa Roda Viva (2000): Você sabe que não há pensamento racional sem emoção. Até mesmo o matemático tem paixão pela matemática, ou seja, não podemos pensar... A razão fria são unicamente os computadores. Eles é que têm a razão fria. Não têm sentimentos, nem vida. Se os deixássemos governar a humanidade seria um perigo. Portanto, somos seres capazes de emoções e de loucuras também. E, no fundo, a dificuldade da vida é navegar, não é? (MORIN, 2000). Morin (2000) conclui esse fragmento de reflexão dizendo: “Nunca perder a racionalidade, mas, também, nunca perder o sentimento, sobretudo o amor”. Nas próximas linhas, na verdade, nas próximas páginas, iremos demonstrar o quanto de infusão de racionalidade objetiva e capacidade sensível têm a mente organizacional da Polícia Militar, ou por analogia, qualquer que seja uma instituição guerreira. O quanto o movimento de “profissionalização” (BAYLEY, [1985] 2002) da polícia higienista que marca a fundação da polícia moderna escode um ardil mecanismo que diz suplantar a emoção cega, mas desumaniza as relações e confere ainda mais poder ao processo de governamentalidade, de controle populacional (FOUCAULT, 2008). E ainda, pretendemos demonstrar, que para fugir dessa mecanização do humano, como bem nos revela Max Weber ([1917] 2004), acabamos caindo de volta nas ações intempestivas do emocional e no dilema: como reificar aquilo que é próprio nosso, do ser humano? A paradoxal e interdependente constituição por impulsos de vida e morte (FREUD, [1920] 1996b). Esta trama paradoxal será resgatada no tópico “Colocar o mundo de cabeça para cima”, do Capítulo 9. Organizações de força-vigor como espaços de culto Andityas Matos prefaciou o livro de Francis Cotta (2012), falando sobre como o estado de exceção, como um golpe de estado não é um momento anacrônico, é na verdade, a razão de ser do Estado. Mas como pode algo está acima das próprias normas que o regem? Apenas se estivéssimos falando de um deus, de algo sagrado, aí sim, sua nova vontade por si só já se constituiria a legítima norma a ser seguida. Na esteira do que aludiríamos se fosse o caso à Rene Girard (1998) e a Miceas Eliade (2001); Matos (apud COTTA, 2012), prefere Giorgio Agamben (2007) com a noção de “homo sacer”. Por essa noção, ao aplicarmos em relação à dinâmica da polícia militar, entenderemos que para esperar um comportamento divergente daquele compelido pelos “deuses guerreiros”, seria necessário esperar uma profanação deliberada por parte dos integrantes. Uma profanação aos estatutos até então considerados sagrados. Profanar é, nesse sentido, como remete o termo na acepção latina original, “devolver as coisas ao uso comum”. Segundo Matos (apud COTTA, 2012) em alusão à Carl Schmitt (2005): “todos os principais conceitos da teoria do Estado não passam de constructos teológicos secularizados”, porque o “Estado ainda se envolve com as sedas e os ostentórios do poder religioso”. Página | 253 Solarte Rodríguez (2015) diz ainda que a obra de Girard (1998) mostra que todas as culturas e suas instituições contêm violência e, neste sentido, são sacrificiais, retornando à discussão do tópico anterior “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal”. Segundo o filósofo e teólogo colombiano Mario Roberto Solarte Rodríguez (20015): “a contemporaneidade se orgulha de ser um mundo que deixou Deus para trás em seu próprio entendimento, e acusa a crença religiosa de ser a origem do fanatismo e da intolerância”. Porém, assim como nos informa Carl Schmitt (2005 apud COTTA, 2012), com apoio de Duran ([1964] 1995) e Guénon ([1927] 1977), “este mundo afastado de Deus não deixou de ser religioso 211”, e pela visão girardiana com bases em Freud, não deixou de ser sacrificial. Solarte Rodríguez (2015) continua dizendo, “as duas grandes instituições da contemporaneidade são o Estado de Direito e o Livre Mercado. As duas têm sua origem em tremendas formas de violência, sejam as revoluções liberais, ou os processos de apropriação e concentração da riqueza efetuados pelos grandes centros de comércio e, finalmente, a indústria ao redor do mundo” (SOLARTE RODRÍGUEZ, 2015). Portanto, nessa visão em que o aparato social moderno, o Estado (GIRARD, 1998; ELIADE, 2001; BENJAMIN, 2015), para citar como um dos exemplos possíveis, não deixou de ser essencialmente religioso, carrega em si formas rituais e objetos tangíveis e saberes intangíveis que servem de ponto de contato entre uma realidade vivencial e um plano ideal. Esses pontos de contato fazem a devida ancoragem entre o Real e o Imaginário-Simbólico212 que é cognoscível ao consciente (CLAVURIER, 2013). Parece não ser possível suprimir as expressões religiosas da experiência humana (LACAN apud MARQUES, 2016). O que acarreta, em dizer que contextos, ditos profissionais e/ou formais, a parte dos sistemas religiosos, acabam por se constituir em "terreiros" ou "templos" de manifestação de cultos dissimulados. Nesse sentido, propõe-se um olhar para com as agências humanas que operam a força-vigor como razão precípua, ou como dizem por tradição weberiana (BRODEUR, 1984), as intuições que mantém o monopólio do uso da força ou a ameaça de usá-la - um olhar para elas - tal qual sejam palcos propícios para o culto a expressões do acervo ontológico humano, que personalizem a guerra, o fogo, a caça, a busca pela justiça e o heroísmo. Poderíamos permanecer apenas com esses termos, se estivéssemos discorrendo sobre escolas de pensamento de caráter transcendentes. Mas estamos falando da experiência comum em organizações humanas, onde os agentes precisam focar maior parte da sua vida em atividades de suporte à sobrevivência sociobiológica (sobretudo biológicas, na base da pirâmide das necessidades de Maslow (apud CHIAVENATO, 2009): demandas fisiológicas, além das de segurança). Portanto, esses conceitos distantes, abstratos não tem aspecto vivo, consistente, não podem falar, não expressam sentimentos, são etéreos, não podem ser adorados, precisam de nomes e forma minimamente humana, de preferência suprahumana. Por isso, exércitos e polícias, milícias e guardas, guerrilhas e partidos com militância ativa, são as igrejas propícias ao culto a entidades como Ares (deus grego da guerra, patrono de Esparta e fundador de Tebas), Atena (a deusa grega da 211 212 Carl Schmitt (2005 apud COTTA, 2012) Ternário dito por Lacan: R-S-I (Real-Imaginário-Simbólico). Página | 254 sabedoria, que incluí a estratégia militar, patrona de Atenas e da civilização ocidental), São Miguel Arcanjo (o chefe das milícias celestes), Ogum (o Senhor das guerras e do fogo), Oxóssi (o deus caçador), Krishna (Ser Supremo encarnado, como conselheiro de guerra para o príncipe Arjuna), Yavé (Adonai YHWH Tzevaot, como Senhor dos Exércitos), Mitra (deus persa zodiacal taurino, quem inspira o voto de "força e honra" do Exército Romano) entre outros. O culto também pode recair sobre personalidades do passado que exprimam as mesmas qualidades, em suas formas lendárias ou míticas: São Jorge (oficial da cavalaria romana, padroeiro de vários países e exércitos), Rei Leônidas (dos 300 de Esparta), Che Guevara (um dos líderes da Revolução Cubana), Rei Arthur (oficial romano libertador da Bretanha), Rei Davi (sanguinário, responsável pela expansão israelita), Simon Bolívar. Pai-guerreiro e o casal original Pai-guerreiro que horas pode ser bastante zeloso, mas também pode ser bastante furioso. Citamos anteriormente, Ogum e Ares, mas eles têm pais, ainda mais potentes que eles, encenando enredos míticos de maiores proporções. Destarte ainda falaremos dos deuses-filhos guerreiros. Agora nos cabe comentar sobre Javé, que como Zeus e Oxalá, são para nós os pais-guerreiros das mitologias hebraica, grega e yorubá. Oxalá é mais lembrado em sua fase anciã, como Oxalufã, mas não se pode esquecer que como jovem portava uma espada (o idá) sob o epíteto de Oxaguiã. O movimento javelista tornou Javé um deus patriarcal monolítico, mas as expressões femininas são perceptíveis: em algumas passagens dos textos sagrados, ele é comparado a uma mãe, sobretudo, quando usa da misericórdia. Bem como, existem correntes cabalísticas, que vão apontar para Shekinah como sua contraparte feminina, em outras ocasiões Shekinah estaria tutelando a empreitada ousada de Lilith. Não se pode esquecer das referências cabalísticas e gnósticas ao Aba e à Ima, ou seja, ao Pai e à Mãe primordial. Nisso pretendo aludir a uma questão muito bem colocada por Leonardo Boff (1997), quando esclarece que no mito da criação judaicocristão, Deus faz consórcio com Adamá, a mãe Terra, para poder gerar filhos “adâmicos”. Quaternário alquímico e Psicologia Analítica As antigas tradições, não estão carentes do espírito integral das coisas. É o desenvolvimento Ocidental (o qual se inicia, na verdade, no Oriente Médio) que em algum momento rompe com a estrutura que sustentava o equilíbrio do passado e faz o caráter “masculino agressor” sobressair-se. Comecemos por uma base que é rechaçada, na pós-modernidade, por ser misógina, as reedições abraamicas, como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Para nos socorrer, nessa empreitada tomarei por empréstimo reflexões de Carl Gustav Jung (2012a) sobre a alquimia e a cabala. Jung (2012a) discorre sobre um tal quartenário, que indica a integralização, ou melhor, em seu vocábulo da Psicologia Analítica: a individuação do ser. Quartenário esse que usa das personagens: Moisés, Zéfora, Jetro e Miriam. Jetro, o sogro de Moisés, apesar de não ser hebreu, era um sacerdote beduíno midianita, e provavelmente prestava culto a Javé, nesse contexto cultural Página | 255 havia manifestações do feminino, personificado em nossa ilustração em Zéfora, a esposa estrangeira de Moisés. A irmã de Moisés, Miriam, que possui a mesma raiz do nome de Maria, mãe de Jesus, também era uma ministradora de ritos sagrados, ao menos ela conduzia manifestação de cânticos, danças e preces, algo que pode ser indicado como sincretismo entre os costumes tribais semitas, cananeus e os adquiridos no Egito, portanto era uma sacerdotiza. Esses quatro personagens do judaísmo, são usados pela alquimia para representar o quaternário de dois casais, que simbolizam os matrimônios entre primos cruzados, segundo Jung (2012a) fato esse que é tido como estrutura e processo fundamental das relações parentais entre povos primitivos tribais, conforme os estudos de Lévi-Strauss (1976). Portanto, espero que não seja visto tais comentários sobre esoterismo judaico e alquímico como não correlato ao nosso estudo em tela. O que pretendo demonstrar, que assim como Jung, apontou, não há como nos eximirmos da estrutura básica do equipamento psíquico humano, encontraremos sempre os aspectos masculinos e femininos tanto quanto os sombrios e os luminosos. Cabe aqui referência à filosofia taoísta (CHERNG, 2012; WILHELM, 2006), porque necessariamente teremos um ser humano inferior e um ser humano superior e qualquer um desses dois terá sua porção de masculinidade e feminilidade. Justamente, na percepção dos matrimônios entre primos cruzados, que vamos usar quaternários de três mitologias: hebraica (segundo a interpretação cabalística), a greco-romana e a yorubá. Com os casais Adão-Eva (Adam-Chevah) e Lilith-Samael, pretendo expor as relações herméticas de dualismo-oposição de aspectos: masculinos e femininos, sombrios e o luminosos, bem como do ser superior e ser inferior. Com o quaternário greco-romano e yorubá formado por irmãos filhos do Deus-pai guerreiro, respectivamente, Zeus e Oxalá, intento nesse caso apresentar apenas o perfil de masculinidades guerreiras, e desde logo devo esclarecer, que isso não impede de forma alguma a presença de deusas no quaternário. Portanto, na ilustração analógica greco-romana, o quaternário é composto por Atena (Minerva), Artemis (Diana), Ares (Marte) e Eros (Cupido) [A-A-A-E]. Já o quaternário yorubá é formado por Oxum, Oxóssi, Ogum e Exu [O-O-O-E]. Para que as explanações sejam inteligíveis, preciso me conter no ímpeto de uma imaginação de fluxo circular e por vezes caótica, tentarei ser linear e sistemático, num tema que vai no profundo das relações ecológicas, que tem início no espaço interno do ser humano e se expressa com vigor e voracidade no mundo externo. Outro destaque ponderativo, trata-se do fato de que muitas das questões a serem tratadas daqui por diante são da ordem da fé ritual de muitas pessoas e deixo claro que de forma alguma, aqueles pontos que contradizem os dogmas por tempos já estabelecidos, não têm a intenção de ofender ou minimamente escarnecer qualquer que sejam as visões de mundo, por mais que estejam usando lentes de fabulações, ainda não totalmente explicadas. Comecemos pelo quaternário, a ser explorado a partir do emblema das polícias militares, o da mitologia hebraica, que dará o ritmo do restante do trabalho. A analogia do giroscópio faz o emblema das polícias militares girar, ao ponto de o eixo de condução da atividade mental do sujeito privilegiar duas das funções psicológicas Página | 256 segundo Jung (1976): o Pensamento e a Sensação. Este jogo entre microcosmos e macrocosmos, entre uma porção “terrena” e outra “celestial”, dentro de cada ser humano, ou seja, “animalesca” e “divina”, pode ser visto na Figura 29.a, Figura 29 – Emblemas de força e poder humano e suprahumano a) Giroscópio do emblema b) Selo Lilith-Samael c) Homem Vitruviano de Da Vinci d) Selo Adam-Eve Fonte: a) Emblema das polícias militares brasileiras (invertido verticalmente) com setas que indicam o giro dos selo circular. Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). Imagem do Site Wikimedia Commons. b) O selo de Lilith-Samael comparado ao emblema das polícias militares invertido. c) Selo extraído dos manuscritos de Leonardo da Vinci, representando o Homem Vitruviano. d) Selo de Adão-Eva. Quem quer que tenha desenvolvido esse emblema, consciente ou inconscientemente, traçou as linhas de um importante símbolo de força humana e supra-humana: uma estrela de cinco pontas inserida em dois círculos concêntricos. Foi, portanto, desenhada a mandala (Figura 30) dos elementos sutis da instituição. É, aos nossos olhos, uma patente manifestação da mente organizacional e do inconsciente institucional. Figura 30 – Mandala institucional: correlação com PM e o homem vitruviano a) Equipamento psíquico de Jung b) Emblema da PM c) Homem vitruviano de Fludd Fonte: a) Elaborado pelo autor com subsídios de JUNG, Carl G, “Fundamentos de Psicologia Analítica”, 1996. b) Imagem do Site Wikimedia Commons, produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). Emblema das Polícias Militares do Brasil. (Imagem originalmente extraída do site da Polícia Miliar do Paraná). c) Representação do homem vitruviano por Robert Fludd, fotografia da capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617, captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do Site Wikimedia Commons. Página | 257 No Capítulo 5, introduzimos o exercício de sondagem dos símbolos institucionais, demonstrando como podem está ocultas referências de grande força indutora em símbolos de outros nichos sociais, naquela oportunidade esboçamos o inicio de um trabaho de arqueologia simbólica da Medicina. Agora, portanto, estamos evidenciando que não despropositalmente as organizações de força-vigor também carregam uma simbologia tão enriquecida de significados de força como a Medicina ou o Direito. Relação estrela e círculo Aí está o que carrega na fronte e sobre o coração do guerreiro. O “Eu” interior da instituição guerreira está contida nas duas camadas representadas pelos círculos. Esse centro representativo que não extrapola, por si só, tais limites, mas emana força e transfere-na para os elementos menores e tangentes, representados pelas pequenas estrelas no número das corporações existentes. Antes de prosseguir, creio ser salutar apresentar três considerações baseadas na observação da próxima figura (Figura Z). Figura 31 – Relação estrela e círculo a) Estrela suporta o círculo b) Estrela extrapola o círculo c) O círculo gira Fonte: a) Brasão de Armas do Brasil. Disponível em <http://www2.planalto.gov.br/acervo/simbolosnacionais/brasao/brasao-da-republica>. b) Logomarca da Fraternal Order of Police (FPO), <http://www.fop.net/>. c) Logomarca da Polícia Militar de Santa Catarina, <http://www.pm.sc.gov.br/>. A Figura 31 (relação estrela e círculo), acima, traz a oportunidade de obsevar situações diferentes da dinâmica simbólica entre o círculo e a estrela. Em 31.a, no Brasão de Armas do Brasil, a estrela central de cinco pontas é consideravelmente maior que o círculo e serve-lhe de suporte, neste caso, “deus” é maior que o firmamento, obra sua. Em 31.b está o símbolo emblemático da Ordem Fraternal das Polícias (Fraternal Order of Police - FOP) norte-americanas uma organização não-governamental e também não sindical, que congrega 325.000 filiados, todos policiais de alguma força de aplicação da lei nos Estados Unidos. O brasão da FOP é caracterizado pelo extrapolamento da estrela central ao círculo que deveria contê-la, há uma mensagem implícita sobre o papel sobreposto dos oficiais de polícia, como agentes sociais em outros campos de atuação lhes conferindo a prerrogativa de influenciar destinos políticos, por exemplo. Em 31.c, a logomarca da Polícia Militar de Santa Catarina, o efeito do giroscópio está muito bem representado pelas caudas que circundam externamente o Página | 258 conjunto central formado por uma estrela em um círculo. Neste caso o efeito natural de engessamento institucional, está harmonizado pela previsão deliberada da necessidade de alternar entre força e meios pacíficos, ou seja, intervenção do tipo yang e yin. Em nenhum dos três casos da Figura 31, acreditamos ter sido desproposital a relação círculo e estrela descrita. Fontes para narrativas míticas Antes de inciar a narrativa mítica, vale salientar que cada conjunto mitológico traz inúmeras variações e, portanto, é muito difícil estabelecer uma conformidade geral com os autores. Preferimos elencá-los aqui antecipadamente e contemplar o resultado como uma síntese de suas informações aplicadas aos objetivos desta pesquisa:  Expressão mitológica judaica: (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (3) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008. (4) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976.  Expressão mitológica greco-romana: (1) BULFINCH, Thomas, “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (2) FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO, Carmen, “As 100 melhores histórias da mitologia: deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana”, 2007. (3) FREUD, Sigmund. “As pulsões e seus destinos”, 2014.  Expressão mitológica yorubá: (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3) BARRETTI FILHO, Aulo, “O ‘Sagrado’ e o Duvidoso na Etnografia: Os Clérigos Nativos Yorùbá e o Òrìṣàísmo”, 2012.  Expressão mitológica védica-hindu: (1) ANTONOV, Vladimir, “Bhagavad-gita: com comentários”, 2016. (2) FREITAS, Rogério A, “O Drama Cósmico de Javé”, 2012.  Fonte para Cristianismo, Gnosticismo e Alquimia: (1) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976.  Referência geral: Wikipédia, a Enciclopédia livre, ferramenta online, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. Mito fundador hebraico A cultura judaica, hoje cosmopolita desde o princípio era uma cultura tribal com várias reminiscências acadianas, sumérias e beduínas; com o tempo e com as migrações, diásporas e exílios carregou em si um capital cultural significativo do Egito Página | 259 e da Babilônia, até sua corrente ortodoxa se refugiar gravitando o poder monárquico da Roma fragmentada e aglutinada com os invasores bárbaros, enquanto sua corrente dissidente mais proeminente (o cristianismo) fazer simbiose com a Roma oficial. Portanto, despois dessas mutações o mito fundador hebreu semita ficou muito distante da força explicativa daquele formato reverberado pelo cristianismo ou o judaísmo oficial. As origens, ou então a gênese, remontam a um contexto de uma suposta criação não da Terra em si, que já estava ali, mas uma segunda reordenação, pois esse mundo já criado estava informe e vazio, depois de uma estruturação baseada em sucessivas separações213: a luz das trevas, a terra das águas, constitui-se um núcleo de povoamento em um jardim. Quem tenha escrito o mito de alguma forma conhecia a ordem da evolução, começou pelos elementos inanimados, passando pelos seres vivos mais simples até os mais complexos e acertadamente colocou o ser humano como uma das últimas épecies a surgirem. O mito é surpreendentemente esclarecedor inclusive do ponto de vista da Psicologia Evolutiva, existe um episódio, considerado um incidente grave. O ser humano antes em harmonia com o ambiente descobre em si uma potencialidade reflexiva de julgar as coisas, como boas ou más e isso lhe provoca uma separação do jardim, onde antes eram apenas prazeres. O mito fundador hebreu fala de um ser que é um espécime de uma classe de seres, pois a entidade criadora chamava-se Elohim Yhwh. Em hebraico clássico “el” é deus no masculino, “eloá” é deusa no feminino e elohim o plural multigênero: “deuses e deusas”. Ou seja, dos elohim ele é o “Yau”. O texto começa por uma expressão com difícil concordância devido o posicionamento dos termos, mas os termos são: “Princípio”, “Criar” (do nada), “Deuses e Deusas”, “Céus” e “Terra”. A versão cristã e judaica ortodoxa traduz por “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. Há correntes esotéricas do judaísmo que traduzem por “O Princípio criou os deuses, as deusas, os céus e a terra”. Entre a Deídade e o deus criador Perceba como essa última versão é mais próxima da base antropológica comum dos diversos mitos fundadores: um elemento primordial despersonificado, a ação de fazer as coisas tomarem existência; portanto, também há um não-existir, a multiplicidade de seres divinos e a divisão entre céu, que são muitos (tendo inclusive alguns que não se conhece) e a terra. Existindo, portanto, um ente não personificado elementar, anterior a um deus que viria a ocupar a posição soberana. Assim como ocorre com as gerações de deuses-reis (macho alfas) que ascendem e depois são destronados por seus filhos, geralmente o mais novo, na mitologia grega: Urano, Cronos e Zeus. Esse tal “princípio” estaria mais próximo do Tao oriental ou do Caos grego que é “pai” de Gaia, e essa mãe de Urano, por concepção indepentende. As tradições abraamicas mais modernas como o Islamismo, precisariam distinguir um Alá menor e outro Alá todo abrangente, algo que de certa forma metafórica o sufismo faz. O cristianismo gnóstico 213 Como fazia uma divindade grega, não um deus, mas um daemon, chamado de Anteros. A antítese dele era um olimpiano seu irmão Eros e nem por isso as duas formas de agir não são consideradas Amor. Página | 260 os diferencia, e apontam esse “criador” menor como um ser com falhas. O espiritualismo universal os diferencia pelos termos Deídade e deuses. Na expressão yorubá (africana-nigeriana), um é Olodumaré, o Senhor do Òrun, por isso “Olorum”, mas como ele é despersonificado, uma força elementar, não recebe culto direto, a expessão de culto é direcionada a Obalatá, o primeiro orixá, portanto, Orixànlá (conhecido como Oxalá), da classe funfun, entre os orixás. Perceba nisso a questão de uma classe hieraquica primordial participante da criação assim como são os elohim judaicos, até hoje a tradução cristã não diz: “ele criou”, ainda está lá mesmo após inúmeras traduções e corruptelas: “façamos os elementos do mundo”, na primeira pessoa do plural. Cabenos registrar que a genealogia de cada panteão foi esboçada em diagramas e estão dispostos no Apêndice C (genealogia dos panteões mitológicos), onde se pode ter uma noção da parentalidade dos “deuses”. Esse nós oculto é atribuído pelo cristianismo católico e protestante à Santíssima Trindade. E a explicação na que se baseia na Santíssima Trindade é muito semelhante a mesma que diferencia Brahma que compõe a Trimurti com Shiva e Vishnu, do Brahman essencial origem de tudo, substância masculina neutra. É bom ressaltar que ao fim de um dia do Brahma védico-hindu (aprox. 4,3 bilhões de anos) ele dorme e toda a criação é consumida pelo fogo, não muito diferente do fato que depois de uma semana do Yavé semita ele descansa, o que gera o Sabat, o sábado santo, o dia do descanso. O Éden e os seres físico-espirituais da classe adâmica Yhwh se lê “Yau” e transliteramos por Yavé ou Javé, se esse Ser usasse seus dois princípios ele fecundaria um ser espiritual, como a infinidade de “anjos” que já existiam. Ele usa apenas sua parcela masculina para fecundar a Adamá, a terra. Portanto, Yavé cria dois seres físico-espirituais da classe adâmica um masculino e outro feminino (Adão e Lilith), ambos criados a partir da Terra (que em tudo é mais água), terra e água, é barro. Uma tremenda forma poética de dizer do que somos feitos. Adam vem de Adamá, assim como Humano vem de humus. O homem é filho da Terra femina fecundada por um agir "espiritual" masculino. Assim como Gaia da mitologia grega é fecundada por titãs e deuses. O casal Adam e Lilith do mito fundador vive nesse “paraíso”, até que em dada ocasião a mulher passou a se queixar, cobrando para si uma posição que fosse igual ao do homem e mesmo durante a relação sexual, pediu (exigiu) para ficar por cima, assim como o homem também fazia. Adam recusou-se, alegou que a ordem natural seria aquela. Rebelando-se daquela intransigência, aos seus olhos, Lilith se ausenta do jardim do Éden e parte numa jornada solitária. Parece-nos que Yavé, vive um drama recorrente de ver seus filhos envolvidos sucessivamente em incidentes de rebelião contra uma ordem anteriormente posta, que lhes parece injusta. Aquela partida para campos longínquos de Lilith, assemelhava-se ao que já ocorrera com um dos seres que não era da classe adâmica, um ser angelical. Página | 261 O filho do Pai A parte do mito que se segue é pré-fundante, pelo menos em realção ao planeta Terra. Ele era um dos anjos antigos, daqueles em maior poder, ou seja, um arcanjo. Seu nome era Samael (“Sam”, veneno; “El”, Deus: “o veneno de Deus”). Mas ele tinha um título: Portador da Luz, o primeiro entre os seres viventes. Portanto, um príncipe, Lucífer. Em meio às muitas atividades de Yavé, esse elohim pergunta a seu filho, como quem antever algo a acontecer: “ocorre algo contigo? Você está diferente.” Justamente, o filho de “Yau”, esse “Sam” estava experimentando em seu interior uma convulsão de ordem estrutural mental, dúvidas corroíam sua harmonia. É inegável a semelhança de um certo episódio entre Zeus e Dioniso, Javé e Samael. Ambos os pais queriam que seu filho fosse o herdeiro e sucessor, a primeira “versão” de seus filhos é a perfeita indicação de substituto. A diferença está nas idades Dioniso é um dos caçulas e Samael é o primigênito, assim como Ogum (e relativamente Ares) é o mais velho. Ambos, Dioniso e Samael tem uma segunda versão e em ambos o trauma do acidente entre a primeira versão e a decadência da segunda versão, dão origem ou são causadas pelo surgimento dos seres da classe adâmica. Os titãs a serviço de Hera comem Zagreu, a primeira versão de Dioniso, dilacerados pela ira de Zeus as partes dos corpos dos titãs seminam Gaia e geram os humanos, nisso a parte divina de Dioniso vai junto. Algumas versões contam que antevendo a ruína dos seres apenas espirituais, Javé criou seres híbridos e os posicionou como centro de um governo futuro, mas Samael se negou a paulatinamente os orientar para que se tornassem os regentes, decidindo ele mesmo ser o regente. Mas em ambos de uma forma ou de outra eles transmitem conhecimentos “secretos” aos homens de constituição híbrida. A segunda versão de Dioniso mesmo é o único “semi-deus”, nascido de uma mortal que ascende ao Olimpo como um deus em plenitude. Na teologia cristã, um ser adâmico, denominado de segundo Adão ou Cristo, nascido de uma mortal, ascende aos céus depois ter sido ressuscitado. Detalhe, Dioniso eleva sua mãe logo depois à condição de deusa; no catolicismo romano ou ortodoxo grego, o mesmo ocorre com Nossa Senhora. Não utilizamos Dioniso como um membro do quaternário, mas como um fiel da balança, influenciando seus irmãos numa reificação interior em contraposição de Apolo, que age como irradiador de uma ação positiva auto afirmativa. O elemento que compõe o quaternário na expressão greco-romana que nos serve como o emulador de força vital é Eros. E com Eros novamente temos duas versões, em uma ele é filho de Afrodite e Ares, um Erote, neto de Zeus. Ele é visto como um deus, mas seus irmãos Erotes: Anteros, Photos e Hímeros, como daemons. Esse é o Eros menor. Eros maior é um primordial, gerado de forma assexuada de Caos. Portanto, seu “irmão”, na verdade, seu clone diferenciado. Caos é na mitologia grega, de difícil explicação, por ser a mais velha das formas de consciência divina. Já Thanatus é essencialmente um primordial de terceira geração. Portanto, não se deve pô-lo submetido a Hades, senhor do submundo e irmão de Zeus. Thanatus é filho do próprio espírito do submundo, Érebo em algumas versões, em outras é filho sem pai de Nix (a noite, a escuridão) que é filha do Caos primordial. Página | 262 Figura 32 – Eros e Thanatus a) Eros e Psique b) Thanatus c) Amor celeste e Amor terreno Fonte: a) Psiquê resgatada por Eros (1895) do artista William-Adolphe Bouguereau. b) Representação moderna de Thanatos. c) Amor Sagrado versus Amor Profano (1602-1603). Galleria Nazionale d'arte Anticadi Palazzo Barberini em Roma, do pintor italiano Giovanni Baglione (1566-1643). Duplas de força de atração Assim como na mitologia greco-romana, onde propomos deuses-irmãos que jogam como forças de atração divergentes: Apolo e Dioniso. Na expressão yorubá, vamos usar a dupla de irmãos e casal (incestuoso): Xangô e Oyá, como focos de atração respectivamente da Justiça e da Vingança, portanto cada expressão de um tipo policial, os quais veremos mais adiante, será identificado com uma qualidade de um dos quatros orixás do quaternário, se a qualidade tiver fundamento com o orixá Xangô, será o polo voltado à justiça, se tiver fundamentos com Oyá, será o polo voltado à vingança, para os que tiverem interesse antecipado, pode ser observado o resultado na Figura Z, do próximo Capítulo. Oyá, mais conhecida pelos filhos da diáspora radicados no Brasil, por Iansã, que na verdade é um título. Senhora dos ventos da tempestade, esposa de Xangô, seu irmão. Ela é valente, tem um temperamento forte, guerreira e independente e é associada a sensualidade, dos Orixás femininos. Xangô é irmão de Ogum (e de Exu), orixá masculino da justiça, dos raios, do trovão e do fogo. Apesar de ser viril e atrevido, violento e justiceiro, castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitores, estamos utilizando suas qualidades de justo governante. Página | 263 Tabela 8 – Duplas de força de atração Cosmovisão Greco romana Cristã Yorubá Nuance Integrador Entrecruzamento Nietzche e Jung Dionisíaco Apolíneo Psicanálise segundo Freud Eros Thanatus Discurso de Sócrates por Platão Eros Caos Natureza messiânica Cristo Anticristo Relação de manipulação do axé de Exu Bara Exu Exu Elegbá Idade do Orixá Ancião/Prudência Jovem/Vingança Gênero e Qualidade Xangô (Alufan ou Airá) Oyá (Onira) Chesed Geburat Rei no trono que sabiamente julga Rei que vai à guerra Entrecruzamento de Jung e a Cabala Misericórdia Justiça Mito fundador judaico Samael como Lucífer, antes da queda Samael como Saitã, depois da queda Sephirot da Árvore da Vida da Cabala Judaica Dissociador Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios em (1) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. (2) FREUD, Sigmund. “As pulsões e seus destinos”, 2014. (3) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (4) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (5) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta online, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (6) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (7) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008. Essa relação é vista por Jung e Nietzche como apolínea-dionisíaca; Jung alerta para esse ciclo que corresponde ao trabalho de contrapeso de Shiva e Vishnu na cosmovisão védica-hindu, está corrompido no cristiasnismo e, portanto, há uma necessidade implítica pelo Anticristo, que age tal qual Anteros e Eros. Freud prefere o mito de Eros menor, o Erote (Cupido), mas o contrapõe a um filho titânico: Thanatus. A tabela acima (Tabela 8) apresenta outros pares de contrapostos que integram e dissociam. Do Éden ao exílio Retornando a saga de Lilith, com Samel já exilado na Terra, Lilith segue até o Mar Vermelho onde habitava o arcanjo, que outrora fora lúcifer e outros anjos que com a queda e os desígnios de Javé, agora eram demônios. Lilith se torna a esposa de Samael, mas copula com um grande número de outros demônios, gerando uma prole farta. Adão sofre com essa desilusão amorosa, ele lamenta muito a perda de sua companheira. Se no mito grego de Eros, é Psique que morre de amor, no Éden semita é Adam que chega a desfalecer de depressão. Javé provoca um desses desfalecimentos e executa uma operação de “manipulação genética” e da consusbtância de Adão gera outro ser feminino. O ser adâmico teria sido dividido gerando "almas" gêmeas, cada uma levando uma porção de força vital. Chevah (Eva) é gerada a partir do material genético de Adam. Antes dessa operação, Javé tenta trazer Lilith de volta, manda uma comitiva de anjos seus buscá-la, mas essa se recusa a acompanhá-los; então Javé prolata uma sentença de provocar a morte de muitos de seus filhos diariamente; ela, por sua vez, determina-se a matar quantos filhos de humanos possa fazer, é nesse ponto que Lilith, não mais é considerada um ser adâmico, mas um demônio tal quais aqueles com quem tem relações. Mas independente dos incidentes, parece que as coisas iam bem com o novo casal de humanos do Éden. Até que o casal das Página | 264 “profundezas” Samael e Lilith armam um plano e cada um deles de forma ardilosa copula com os humanos do Éden, em pares de opostos. Figura 33 – Quaternário hebreu (judaico-cabalístico) a) Adam a) Chevah b) Lilith c) Samael Fonte: a) Pintura a óleo sobre tela: "Lilith", de 1887 do pintor John Collier (1850-1934) no Atkinson Art Galelery, Reino Unido. b) Pintura a óleo sobre tela: "Adão e Eva", de 1507 do pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528) no Museu do Prado, Madri, Espanha. c) Representação moderna de Samael. Das cópulas entre os casais “naturais” nascem: Mamon (filho de Samael e Lilith) e Abel (filho de Adam e Chevah). Das cópulas cruzadas, em semelhança ao adultério, nascem: Caim (filho de Samael e Chevah) e Asmodeus (filho de Adam e Lilith). A cópula cruzada havia sido proibida por Javé, porque de alguma forma isso deixava o impulso de co-criadores a livre vontade dos adâmicos ou estaria relacionado com algum tipo de declínio da pureza da linhagem. Para nós esse relato tem um valor de analogia do processo da dinâmica psicológica primitiva. No Capítulo 8, ao definir a tipologia guerreira, associaremos cada um dos quatro personagens do mito fundante judaico com uma função psicológica, segundo Jung (1976) e justamente os quatro filhos deles são as expressões híbridas, ficando assim: Os pais: Adam (Sentimento); Chevah (Sensação); Lilith (Intuição) e Samael (Pensamento) (Figura 43214 no próximo capítulo). Os filhos: Abel (Sentimento-Sensação); Asmodeus (Sentimento-Intuição); Mamon (Intuição-Pensamento) e Caim (Pensamento-Sesação) (A filiação no mito judaico pode ser vista na Figura 34, logo abaixo). É preceiso perceber que na correspondência mitológica greco-romana, não trabalhamos com o posicionamento puro em cima de uma função, os “deuses guerreiros” indicam as linhas duplas dos filhos do mito judaico. Portanto, podemos Figura 43, “Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica e as funções psicológicas”, Página 290 214 Página | 265 antecipar que, associado à função híbrida de Abel está Atena; de Asmodeus está Artêmis (ou Artemísia); de Mamon está Eros (com uma ação de morte e não de vida) e de Caim está Ares. Não devemos nos prolongar, por ora, mas em uma ulterior análise, é válido revisitar ainda no mito fundante o fato que Caim mata seu irmão Abel, depois de ser sucessivamente escarnecido por este último, devido a um jogo de ciúmes pela natureza de proximidade que Abel mantinha com seu avô Javé. Antes de prosseguir é preciso fazer anoto, uma das coisas que tenho notado na redescoberta do mito da primeira esposa de Adão, é um certo entusiasmo pela postura feminista de Lilith. Contudo, sempre pondero, pedindo cautela em relação à visão emancipadora da Lilith cabalística-judaica, que como a Hera greco-romana, personificam o lado sombrio feminino e extremamente passional-mortífero. Livrar-se da escuridão do masculino agressor e entregar-se nos braços do feminino passionalmortífero, não parece um passo evolutivo muito inteligente a se fazer. Creio que ser “possuído” totalmente pelo animus ou a anima civilizacional, ou no caso, de um sistema social menos abrangente, como é o caso de uma organização institucionalizada, não deve ter bons resultados, assim como um paciente psiquiátrico que desenvolva tal anulação do consciente normal para a regência e dominância do animus-anima fica bastante perturbado. Algumas evidências de uma influência arquetípica de Lilith sobre à atividade policial ou militar foi tecida sumariamente no Capítulo 9, no tópico “Herança de um possível período matriarcal anterior”. Figura 34 – Filhos do Quaternário judaico-cabalístico Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (3) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008. Expressão mitológica greco-romana O quaternário de deuses guerreiros montado através do panteão grecoromano, serve-se de três irmãos filhos de Zeus e um neto que ao mesmo tempo é seu antecessor primordial, Eros, como explanamos no tópico “o filho do Pai”. Palas Atena, é a deusa da sabedoria, da justiça, da civilização e da estratégia militar. Uma grande guerreira, patrona da cidade grega de Atenas. Em Roma era cultuada como Minerva. Filha de Zeus, senhor do Olimpo com sua primeira esposa a ocêanide Mêtis, a deusa da saúde, proteção, astúcia, prudência e virtudes. Mas que é enganada por Zeus, e ao se transformar em uma gota do oceano de onde Página | 266 ela era originária, seu marido a ingere. Mas Atena já estava no ventre de Mêtis e por isso Atena “nasce” da cabeça de seu pai. Ártemis ou Artemísia é a deusa da vida selvagem e da caça e posteriormente é associada à lua e à magia, assim como ocorre com o orixá Oxóssi. É irmã gêmea de Apolo, ambos filhos de Zeus com a deusa Leto. Leto é da linhagem de Urano e Gaia, mas não filha dos titãs Cronos e Reia como Zeus, é filha de Céos e Febe. Ou seja, enquanto a linhagem de Zeus está mais próxima do sangue e da terra, a de Leto está ligado à profecia, à beleza e à inteligência, justamente o auspício dos gêmeos. Ela porta sempre uma aljava com suas flechas. O culto romano a identifica como Diana, uma deusa virgem. Ares é filho de Zeus com sua irmã e última esposa Hera, ele é identificado como o deus da sede de sangue, que não necessariamente organiza uma guerra inteligente, mas é dado mais à Carnificina, que uma deusa auxiliar dele. Cultuado em Esparta. Em Roma, seu culto é sincretizado com de um deus estrusco da guerra e da agricultura e passa ser chamado de Marte. Junto com Afrodite, esposa que ele tomou por adultério de seu irmão deficiente Hefesto, tem filhos, o mais relevante é Eros, o Cupido romano. Figura 35 – Quaternário greco-romano a) Atena (Minerva) b) Artemísia (Diana) c) Ares (Marte) d) Eros (Cupido) Fonte: Wikimedia Commons <https://commons.wikimedia.org>. a) Escultura de Atena em Viena, Áustria. b) Diana de Versalhes, no Museu do Louvre. É uma cópia romana de uma estátua original grega de Leocares. c) Escultura de Ares, cópia romana do original grego. Vila Adriana, em Tivoli. d) Escultura de Eros, em Londres. Expressão mitológica yorubá Precisamos discordar de Barret i Filho (2012), quando diz que “a teologia yorùbá sobre Olódùmarè é completamente diferente de todos os conceitos existentes na teologia atual”. Esta afirmação está correta se considerar apenas a face exotérica da visão muçulmana, cristã e judaica. A questão está muito mais na transparência da cosmovisão yorubá, que permite que qualquer um nela enculturado possa ter acesso a fundamentos da espontaneidade da natureza humana. Enquanto que as versões Página | 267 hegemônicas monoteístas têm o “segredo” dessa natureza em arcanos ocultos e neste caso se recorremos ao sufismo, para o islamismo, ao gnosticismo, para o cristianismo e a cabala, para o judaísmo, algo imanente como olodumaré surge tão abrangente como o vácuo quântico da Física Moderna. Como já demonstramos o monoteísmo por si só, apenas pode ter base, mesmo no judaísmo, no cristianismo ou no islamismo se for desconsiderado os “irmãos” elohim de Javé e tomarmos ele como o único deus soberano no centro de sua própria criação. Ou então se um cristão, judeu ou mulçumano enxergar em sua interlocução com seu deus, um direcionamento ao princípio elementar de tudo, portanto não a uma divindade e sim à Deídade. O que nos parece que em sucessivas ações deliberadas pelas gerações um movimento exclusivista corrompeu o sentido. Talvez uma má interpretação do movimento orquestrado por Aquenaton no Egito Antigo. Ou talvez iniciado por um grupo de israelitas, que ao se autoafirmarem simbolicamente contra o domínio babilônico e persa “construíram” artificialmente um deus único. O quarternário, dentro da cosmovisão africana-nigeriana, selecionado foi Oxum, Oxóssi, Ogum e Exu. Há ponto de contato entre a expressão mitológoca yorubá e a greco-romana, mas não são totalmente alinháveis. No caso, dos orixás é de suma importância que compreendamos de forma a vislumbrar as qualidades que tem fundamentos uns com os outros, ou seja, certos traços de personalidade que se consubstanciam como figuras próprias. Isso garante, por exemplo, que não se confunda a doce Mamãe Oxum com a Oxum Opará. Essa última tem fundamentos com Oyá, assim sendo representaria para nós a Mãe-Guerreira. Oxum, orixá feminino da fertilidade, amor, beleza e regente das águas doces, filha de Oxalá e Iemanjá. Comumente retratada como “Mamãe”, aqui estamos falando das suas qualidades guerreiras, portanto, suas qualidades mais novas e agitadas, representadas com o longo vestido amarelo cor de ouro ou cobre, não com o típico espelho, mas com o abebé (o leque) e o alfanje (adaga/espada). Foi consorte de seus irmãos: Xangô, Oxóssi e Ogum. Oxóssi, irmão de Ogum e Oxum, filho de Oxalá e Iemanjá, orixá masculino da caça, carrega o ofá (arco e flecha), regente das florestas e das matas. Também é feiticeiro, porque na ida para a caçada, trazia as plantas medicinais e o conhecimento da cura. Oxóssi e Oxum foram cônjuges. Ogum, irmão de Oxóssi e Oxum, filho de Iemanjá, algumas versões apontam seu pai como Obatalá outras como Oduduá, orixá masculino da guerra, senhor do ferro, da guerra, da agricultura e da tecnologia. Retratado às vezes como o único sobrevivente, do castigo de Olodumaré aos duzentos orixás que foram fulminados, coube a Ogum liderar os quatrocentos restantes (de alguma forma nos faz lembrar o castigo que exilou Samael e a terça parte das “estrelas” do céu). É poderoso e triunfal, mas também exibe a raiva e destrutividade do guerreiro cuja força e violência pode virar contra a comunidade que a ele serve. Ogum foi esposo de Oxum e de Oyá. Exu, orixá da comunicação, do movimento e da sexualidade. É o mensageiro entre o Òrun (os mundos espirituais) e o Aiyê (o mundo material). Muito Página | 268 volátil, age tanto para o bem como para o mal. De caráter irascível, Exu se satisfaz em provocar disputas e trazer calamidades para as pessoas que estão em falta com ele. É astucioso, vaidoso, culto e dono de grande sabedoria, grande conhecedor da natureza humana. O conjunto de mitologemas (orikis) sobre o orixá Exu faz-nos crer que sua qualidade, encarnada como ancestral mais reverenciada é a que era irmão mais novo de Ogum. E nesse caso Ogum é civilizador como Apolo e Exu é reificador dos mistérios como Dioniso. Mas o orixá Exu, no sentido amplo sustenta todos os outros. Há aqui de alguma forma a mesma situação de Eros (um de segunda geração dos deuses olímpicos) e um que é a essência viva de todas as coisas. O Exu “terreno”, que encarnou e depois encantou o Ser é irmão mais novo de Ogum e teria salvado Xangô de ser fulminado por seu pai Oxalá. Já o Exu “celeste”, nunca desceu do Orun propriamente dito, ele é quem anima os demais orixás como força essencial de vida. Para esse Exu “terreno” cabe melhor chama-lo de Exu Elegbá ao “celestial” de Bará Exu. Figura 36 – Quaternário yorubá. a) Oxum b) Oxóssi c) Ogum d) Exu Fonte: Ensaio fotográfico de James C. Lewis, da N3K Photo Studios, Atlanta, Estados Unidos. Página | 269 Figura 37 – Orixás de atração do grupo Justiça e Vingança. a) Xangô b) Oyá Fonte: Ensaio fotográfico de James C. Lewis, da N3K Photo Studios, Atlanta, Estados Unidos. Centro numinoso e as expressões fracionadas O objetivo principal dessa longa associação mitológica está centrado no fato que nas três cosmovisões selecionadas existe uma origem primordial neutra, ou masculina neutra começando a se diferenciar do mar primordial feminino. Nisso queremos deixar evidente que a sabedoria dos milênios inserida astutamente no, ou espontaneamente emergida do mito, implica que a existência e a evolução da civilização dependem inevitavelmente de um impulso de “morte”, ou melhor, de diferenciação, de separação de dissociação do Todo. Deixa-se a conexão com a plenitude da energia do Todo, para poder se manifestar em aglo diferenciável do restante. Chamamos isso de primeira atividade que seria do masculino essencial e estamos dizendo que civilizações humanas que tenham mais desse caráter masculino, aplicam mais da dissociação, ou seja, da dominação para se preservarem íntegras e coesas. Portanto, o espírito guerreiro é essencial para isso, mas não há um único espírito guerreiro. A uma única fonte como nos quer dizer Jung com seu Arquétipo de Si-Mesmo, mas há uma infinidade de arquétipos menores derivados dele que privilegiam certas qualidades do centro numinoso. Portanto Oxóssi não é menor guerreiro que Ogum, especializa-se em habilidade diferentes. Atena é justiça, mas vence guerras mesmo contra seu irmão Ares ou seu tio Poseidon. Que tanto Eros primordial como Bara Exu sustentam tudo, mas um ser derivado que “abra a cabeça” e se conecte com Ele, pode não ser um exemplo do “bom mocinho”. Enganam-se quem ver na atividade de Adam, apenas boa vontade e esquecem-se alguns que cronologicamente Samael, passou muito mais tempo sendo o príncipe portador da luz que um renegado. Portanto, a sabedoria do giroscópio é que Página | 270 se deve girar sempre, permanecer muito tempo sem ser capaz de mudar seu interior, aprisiona a ânima do sistema. A mente organizacional de cada uma das 27 Corporações policiais militares do Brasil ressoa e induz a práticas e atitudes recursivas que tendem mais ou menos a um determinado espectro de modelos mentais ligados a um determindado atributo do Pai-Mãe Guerreiro. E por isso perguntamos: a instituição como um todo, elegeu, numa paulatina construção histórica, um grupo específico de arquétipos? Quais são? A instituição está presa, portanto, nisso pelo reforço da operação de sucesso? É o que veremos no próximo capítulo, traçando a tipologia dos deuses, ou melhor, dos complexos-ideológicos hegemônicos da Polícia Militar e correlacionando com as matrizes históricas vasculhadas do Capítulo 6. De antemão, mediante a análise intersubjetiva da autoetnografia desenvolvida em alguns pontos deste trabalho, da vasculha pela etnografia digital e uma prelimar análise dos resultados de José Zacharias (1994), posso indicar uma tendência a um enclausuramento da dinâmica profunda da cultura organizacional no eixo das linhas duplas de Mamon-Caim-Abel ou Eros-Ares-Atena, encabeçados pelo elemento central. Ou seja, uma predominância do perfil Racional-Sensorial, que em tudo se guia mais pelo Pensamento e a Sensação. Aliado a uma profunda corruptela da Intuição que devia servir a saúde institucional, mediante insights criativos, é usado para a caçada oportunista. Página | 271 PARTE IV SÍNTESE INTEGRATIVA E VISÃO PROSPECTIVA Página | 272 CAPÍTULO 8 | TIPOLOGIA GUERREIRA NO CONTEXTO POLICIAL MILITAR “A violência policial pode ser compreendida através dos estilos de masculinidade comuns na Polícia Militar”, afirma o professor Jonas Henrique de Oliveira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com formação acadêmica em Ciências Sociais (Antropologia) pela UFRJ, seus estudos focavam o contexto fluminense, que despontam como o reflexo de nível crítico das questões de Segurança Pública no país. Essa frase de J. Oliveira é uma extração do artigo: “O corpo como significado ou o significado do corpo: poder, violência e masculinidade na polícia militar”, publicado em 2010 pela Revista Vivência. Artigo, no qual, J. Oliveira (2010) prossegue explicando, que estudar os estilos de masculinidade, forma uma base de interpretação de certos valores dos policiais militares, tal qual a violência, tendo em vista, que está “profundamente arraigado”. A visão de J. Oliveira, sobre este tópico em particular, corrobora com nosso ponto de vista ecológico organizacional215, esses valores e as características institucionais reproduzíveis decorrentes deles, não são uma elaboração exclusiva da Polícia Militar, como “organismo” ela extraí esses elementos do ambiente social: “não pretendo afirmar que esse valor é formulado na Polícia Militar enquanto instituição, mas acredito que a Polícia Militar é uma instituição que reforça os valores masculinos disponíveis” (OLIVEIRA, 2010). Portanto os “estilos de masculinidade comuns” de J. Oliveira (2010), para nós se tornam perfis que englobam uma vertente específica de mentalidade e práxis decorrente dela, nesse sentido, precisamos fazer o que no mundo real não existe: classificação delimitada e para tal empreendimento escolhemos a noção de tipologias ideias weberiana e a forma junguiana procedimental de fazê-la. Sobre essa contraditória posição, em que sabemos não existir de fato tal tipologia, mas a usamos como recurso didático, deixo que Jung (2000) fale em defesa de seus arquétipos: “Pelo que eu saiba, até hoje não foram feitas outras propostas. A crítica contentou-se em afirmar que tais arquétipos não existem. E não existem mesmo assim como não existe na natureza um sistema botânico! Mas será que por isso vamos negar a existência de famílias de plantas naturais?”. E abandonar sumariamente a proposta de classificá-las? Em resumo, o que pretendemos neste capítulo é estabelecer um quadro de um quaternário216 de tipologias arquetípicas do espírito guerreiro que influencia a atividade policial. O quaternário tem claras inspirações na fundamentação mitológica como propõe Jung, bem como no alinhamento de cada elemento do quaternário a uma das funções psicológicas do equipamento psíquico também segundo Jung. Ou seja, 215 A abordagem ecológica é uma interpretação nossa, a de J. Oliveira (2010) tem outros aportes teóricos. A escolha de quaternário e não ternário ou uma classificação dual está no exposto por Jung em “Aion” sobre o quaternário está correlacionado com a integralidade do arquétipo de Si-Mesmo, já que pretendemos na superação das diferentes “masculinidades” alcançar o espírito integral dos guerreiros. 216 Página | 273 vamos fazer um entrecruzamento entre as funções de Pensamento, Sensação, Intuição e Sentimento com os quaternários dos panteões já expostos anteriormente: hebreu (Adão, Eva, Lilith e Samael); greco-romano (Atenas, Artemis, Ares e Eros) e yorubá (Oxum, Oxóssi, Ogum e Exu). Lembrando que assim como Jung, tanto em sua tipologia psicológica, como na suposta regência mística sobrenatural das visões religiosas citadas, tais divindidades ou funções psicológicas operam especificamente sob o auspício de um elemento natural, seja pela concepção ocidental (Ar, Água, Terra e Fogo), ou pela oriental (Fogo, Terra, Metal, Água e Madeira). Em nossa visão, esses arquétipos são de exercício de masculinidades, mas não exclusivas de homens, pois estamos nos referindo a expressão de “autoafirmação” (CAPRA, 1996) do sistema vivo autônomo (seja a pessoa ou a organização) em relação ao ambiente e aos seus pares. Existe uma porção de feminilidade nesses arquétipos, ou seja, da expressão de “integração”, e é justamente o jogo de proporção entre as nuances que provocam a diferenciação. O bojo marcante das diferenciações é classificado em tipos, que são de cunho ideal, a saber: (1) o paizeloso, (2) o herói, (3) o aventureiro e (4) o guerreiro. Na prática, tanto as pessoas, como as organizações são híbridas com uma tendência preponderante. Figura 38 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros e suas expressões híbridas. Fonte: Elaborada pelo Autor. Nicho-função de força-vigor como exercício de masculinidades Nicho é um termo da ecologia tradicional (biológica) que congrega em um conceito a noção de território e posição na cadeia alimentar (trófica). Quando utilizo o termo “nicho-função” refiro-me às relações do organismo de determinada espécie na dinâmica funcional da cadeia trófica. “Força-vigor”, portanto é uma posição/função de elementos humanos na dinâmica interna da espécie, ou seja, em relações intraespecíficas. Essa posição/função exercita, sobretudo, os aspectos corporais autoafirmativos. Essa é uma forma conceitual própria de abarcar uma “família” de atividades laborais e políticas no seio das comunidades humanas que compartilham dos mesmos fundamentos de motivação, simbolização etc. Em contextos de Página | 274 masculinidades hegemônicas, a ordem social naturalmente se dá pelo exercício da ação vigorosa com dispêndio da força. Acreditamos que essa decorrência natural dá o tom das atividades dos militares, policiais, seguranças, vigilantes, carcereiros, guerrilheiros, militantes, terroristas e em certa parte aos bombeiros, esportistas, lutadores entre outros. Esses tais formam, portanto, em nossa visão que conjuga Ecologia Humana e tradição védica-hindu, a casta “bioantrolpógica” dos guerreiros. Figura 39 – Representação esquemática da teoria de gênero de Sandra do Bem. Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of sex typing”, 1981. Cabe ressaltar que nossa noção de atividade ou mentalidade, compondo uma personalidade, infundidos de masculinidade e feminilidade essenciais acompanha em boa parte a teoria do esquema de gênero da psicóloga norte-americana Sandra Ruth Lipsitz Bem, atualmente da Universidade de Cornell (Nova York). Sandra Bem constrói uma esquematização em que as variáveis masculinidade e feminilidade possam se combinar em um plano bidimensional, portanto, fugindo da noção dicotômica, na qual, a presença de masculinidade implica na ausência de feminilidade. No esquema de Sandra Bem (1981), como pode ser observado na Figura 39, um indivíduo através do instrumento metodológico introduzido por ela mesma, o Inventário de Papéis Sexuais de Bem, pode ser identificado como: (1) feminino (alta feminilidade e baixa masculinidade); (2) masculino (baixa feminilidade e alta masculinidade); (3) andrógino (alta feminilidade e alta masculinidade) e (4) indiferenciado (baixa feminilidade e baixa masculinidade). Portanto, não como graus diferentes da mesma variável, mas variáveis independentes correlacionadas, como se vê na Figura 40. Página | 275 Figura 40 – Representação gráfica de masculinidade e feminilidade como variáveis independentes. Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of sex typing”, 1981. Sexualidade institucional Segundo Geert Hofstede (2011), “estudos anteriores da psicóloga americana Sandra Bem (1974) mostraram que [...] a masculinidade e a feminilidade deveriam novamente ser tratadas como aspectos distintos e não como pólos opostos217”. Cabe-nos referenciar algumas reflexões da obra do psicólogo holandês, Geert Hostede, com aplicações nos estudos organizacionais. Hofstede inicialmente influenciado pelo trabalho antropológico culturalista do norteamericano Clyde Kluckhohn; ambos definiram uma abordagem psicossocial em que há uma análise da escala de valores dos sujeitos em determinada dimensões, o que ao término traça o perfil de um grupo. Enquanto Clyde Kluckhohn (1951) e colaboradores218 fazem uma análise etnográfica de cinco comunidades norteamericans Geert Hofstede (2011) faz nas décadas de 60 e 70, uma análise das diferenças culturais dos diversos países, tendo como base os funcionários de uma mesma corporação transnacional, a IBM. O estudo de Clyde Kluckhohn (1951) é realizado no Sudoeste norteamericano entre os povos nativos Zuni e Navajo, os adeptos do movimento dos mórmons, populações hispano-americanas e os considerados autênticos texanos. A escala de valores da etnovisão de cada segmento populacional é formada pelas seguintes dimensões-variáveis: orientação com relação à natureza humana inata (boa ou má), orientação homem-natureza-sobrenatural (harmonia ou dominação), orientação em relação ao tempo (foco no passado-tradição, presente-prazer ou futuroposteridade), orientação com relação à atividade (ser ou ter), orientação entre as relações humanas (hierárquica, coletiva-igualitária ou individualista). Geert Hofstede (2011) utiliza uma escala que considera outras quatro dimensões: distância de poder; aversão à incerteza; individualismo versus coletivismo; Tradução livre: “the terms masculinity and femininity have also been used for describing values at the individual level. Earlier studies by U.S. psychologist Sandra Bem (1974) showed already that in this case masculinity and femininity should again rather be treated as separate aspects than as opposite poles”. 218 Entre os colaboradores: o antropólogo cultural norteamericano Evon Zartman Vogt e a esposa de Clyde Kluckhohn: Florence Rockwood Kluckhohn. 217 Página | 276 masculinidade versus feminilidade e após estudar com mais acuidade as sociedades asiáticas Hofstede (2011) inclui a dimensão denominada de orientação de curto prazo versus longo prazo. Perceba que esse espectro de valores em dimensões específicas acabam por compor um perfil da indentidade pessoal, organizacional, institucional, nacional, étnica ou civilizacional. Adotei em particular, nesta pesquisa, uma abordagem ampla em termos de diferentes dimensões humanas, mas praticamente sobre o mesmo espectro de valores: a sexualidade do sistema social e suas implicações quanto à percepção dos valores de outros espectros. E por sexualidade do sistema social estamos nos referindo a orientação à competitividade e a imposição da força como masculinidade e a orientação ao cuidado e a cooperação como feminilidade. Segundo Hofstede, baseado em sua pesquisa na IBM, “a masculinidade versus o oposto, a feminilidade, novamente como uma característica social e não como uma característica individual, refere-se à distribuição de valores entre os gêneros”. Sendo uma das questões fundamentais para qualquer sociedade, segundo Hofstede (2011), que definiu como “o pólo assertivo tem sido chamado de ‘masculino’ e o pólo modesto e atencioso ‘feminino’”. Confirmando nosso entendimento de que numa conjuntura de base masculina, como é caso do patriarcalismo ou das organizações força-vigor, é o jogo de quanto de feminilidade há nos elementos masculinos que determinam o composto diferencial entre os grupos; Hofstede (2011) alcança resultados, tais como “os valores das mulheres diferem menos entre as sociedades do que os valores masculinos”. Nas culturas nacionais de orientação feminina: as mulheres têm os mesmos valores modestos e carinhosos que os homens; nas culturas nacionais de orientação masculina: as mulheres são um pouco mais assertivas e competitivas, mas não tanto quanto os homens. Na tabela abaixo, reproduziu-se a visão sobre os valores desse escpectro como as dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas. Tabela 9 – As dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas Feminilidade Masculinidade Diferenciação mínima do papel emocional e social entre os gêneros. Homens e mulheres devem ser modestos e cuidadosos. Equilíbrio entre família e trabalho O trabalho prevalece sobre a família. Tanto os pais como as mães lidam com fatos e sentimentos. Máxima diferenciação do papel emocional e social entre os gêneros. Os homens devem ser e as mulheres podem ser assertivas e ambiciosas. Simpatia pela fraca admiração pelo forte. Os pais lidam com fatos, mães com sentimentos. As meninas choram, os meninos não. Os meninos devem lutar, mas não é conveniente que as meninas lutem. As mães decidem sobre o número de crianças. Os pais decidem sobre o tamanho da família. Muitas mulheres em posições políticas eleitas. Poucas mulheres em cargos políticos eleitos. A religião se concentra em seres humanos. A religião se concentra nas figuras divinas. Liberdade sobre sexualidade; Atitudes morais quanto à sexualidade; O sexo é uma maneira de se relacionar. o sexo é uma maneira de se realizar. Fonte: Reproduzido de HOFSTEDE, Geert; “Dimensionalizing Cultures: The Hofstede Model in Context”, 2011. Meninos e meninas podem chorar, mas nem um nem outro devem lutar; Um ponto marcante para Hofstede (2011) é que nas culturas masculinas, muitas vezes há um tabu em torno dessa dimensão, que por ora estamos denominando de sexualidade institucional. A pura e simples existência de tabu, já demonstra o quão relevante essa dimensão de orientação de vida pode influenciar as pessoas envolvidas. Para Hofstede (2011), “os tabus são baseados em valores Página | 277 profundamente enraizados [...] este tabu mostra que a dimensão masculinidade/feminilidade, em algumas sociedades, toca valores básicos e muitas vezes inconscientes, muito doloroso para ser explicitamente discutidos”, quanto mais alterados. Portanto, para que possamos entender melhor como esse entendimento de Hofstede (2011) e indiretamente de Kluckhohn (1951) foram aplicados aos nossos estudos sobre a Polícia Militar e a tipologia guerreira, façamos uma distinção entre as diferentes formas de se vincular mentalmente à instituição, consciente ou inconscientemente, se fará por dois pólos: um em que a prevalência é de valores como a agressividade, a busca por dinheiro e bens materiais e a competitividade e outro que se refere ao grau em que as pessoas valorizam os relacionamentos e mostram sensibilidade e preocupação com o bem estar dos outros. Mais adiante isso poderá ficar claro com a distinção entre: guerreiro-feminino (protetor) e guerreiroindiferenciado ou (justiça) versus o guerreiro-andrógino (caçador) e o guerreiromasculino (vingança). Os guerreiros escalonados segundo a teoria do esquema do gênero Quando definimos o exercício laboral das atividades de força-vigor como manifestações de masculinidades, estamos correlacionando esse grupo-família de funções sociais, inclusive o próprio perfil institucional, como mais consentâneo à correlação com os elementos masculinos ou andróginos. É importante frisar que dimensões como orientação sexual e sexo biológico são nessa elaboração conceitual tipológica interdependentes com certo grau de autonomia, quase que independentes. Mas de certo, que estamos falando de sexualidade composta ampla, ou seja, que articula características como atitude mental voltada para o interior ou para o exterior (introversão ou extroversão); pré-disposição à regência por funções racionais ou irracionais, bem como ao maior desenvolvimento da inteligência lógica-racional ou emocional. Tendo em vista essa percepção de exercício de masculinidades, esperamos que o termo guerreiro seja tão logo correlacionado com uma atividade de contextos de alta masculinidade. Ao dizer guerreiro, já estamos carregando isso com a noção auto afirmação ou princípio yang. Porém, o quadro é tão complexo o quanto mais se queira aprofundar nas nuances, delimitamos uma sobreposição em três camadas: (1) Primeira camada: Toda a casta de guerreiros é uma manifestação de alta masculinidade; (2) Segunda camada: Dentro da própria casta de guerreiros, definimos quatro tipos que remetem a virtudes/instintos correlacionados com a nuance do mínimo de feminilidade que ainda possuem os guerreiros, ficando o esquema da segunda camada da seguinte forma: a. Guerreiro-feminino ou guerreiro-protetor; b. Guerreiro-indiferenciado ou guerreiro-justiça; Página | 278 c. Guerreiro-andrógino ou guerreiro-caçador e d. Guerreiro-masculino ou guerreiro-vingança. (3) Terceira camada: Cada tipo guerreiro possui uma expressão mais ou menos extrovertida, sob a qual discorreremos mais adiante, mas que já foram introduzidos pela Figura 38. Na Figura 41, é possível observar as duas primeiras camadas onde contextos de alta feminilidade correspondem aos perfis feminino e andrógino da teoria do esquema de gênero de Bem (1981) e os contextos de alta masculinidade aos perfis andrógino e masculino dessa mesma teoria. Logo, a atividade de ordenação social corporal-direta, desempenhada pela polícia no patriarcado, é um exercício de nichofunção de força-vigor. A mesma atividade de ordenação do corpo social realizado pelo contato pessoal direto (diferente da atividade legislativa e jurisdicional), em contextos de alta feminilidade podem ser parcialmente ou integralmente parte da função de proteção-cuidado. Figura 41 – Guerreiros dos contextos de alta masculinidade: representação esquemática da correlação entre o exercício da força-vigor e a teoria de gênero de Sandra do Bem. Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of sex typing”, 1981. Percorrendo todo estre trabalho é possível perceber referências a esses dois princípios essenciais masculinos e femininos. Cabe-nos compilar uma representação que congregue cada um desses pares de opostos complementares, como se vê na tabela a seguir (Tabela 9): Página | 279 Tabela 10 – Comparação entre as terminologias utilizadas para identificar as forças essenciais dos opostos complementares Autor/Tradição/Escola Princípio Feminino Princípio Masculino Terminologia proposta Integrativo Auto afirmativo Concepção autopoética Intercâmbio com o meio Enclausuramento operativo C Concepção darwinista Cooperação Competição D Sentido original Negação Afirmação Termo atual Yin Yang A B E Fritjof Capra1 Taoísmo2 F Tradução Sombrio Luminoso G Tipologia policial de Mccold e Wachtel3 Serviço Autoridade H Entrecruzamento Nietzche e Jung4 Dionisíaco Apolíneo I Princípio da complementariedade de Niels Bohr1, 5 Onda Partícula J Jung4 Introversão Extroversão Altruísmo* Egoísmo Eros Tânatos K Atitude psicológica L Freud6 Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios em (1) CAPRA, Fritjof, “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”, 1996. (2) WILHELM, Richard, “I Ching : o livro das mutações”, 2006. Wilhelm traduz para o alemão um escrito milenar chinês, que tanto guarda aspectos filosóficos como esotéricos na forma da função oracular. O autortradutor explica que yin e yang, não são conceitos primitivos do tempo original da compilação do I Ching. (3) MCCOLD, Paul and WACHTEL, Bem, “Police officer orientation and resistance to implementation of community policing”, 1996. (4) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. (5) LIMA VIANNA, Túlio, “Teoria quântica do direito: o direito como instrumento de dominação e resistência”, 2008. (6) FREUD, Sigmund. “As pulsões e seus destinos”, 2014. A abordagem de análise e interpretação tipológica Tipologia policial clássica Não posso deixar de fazer anoto que uma finalização do estudo do universo psicossocial dos policiais e da polícia, em uma elaboração tipológica dos perfis dos agentes e/ou das agências, não é uma novidade e é um termo comum de muitos trabalhos do campo multidisciplinar das Ciências Policiais ou da Sociologia da Polícia. Cabe-nos citar duas sínteses que coletaram a produção sobre tipologia policial: (a) a elaborada pelo professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Dr. Almir Oliveira Jr., na oportunidade de sua tese de doutorado em Sociologia e Política, intitulado “Cultura de polícia: cultura e atitudes ocupacionais entre policiais militares em Belo Horizonte”, de 2007 defendida na UFMG. Orientado pelo célebre, na temática de segurança pública, o professor Cláudio Chaves Beato Filho (UFMG), Almir Oliveira Jr. realiza uma análise de um recorte da pesquisa que aplicou questionários a 1/6 das 6 mil praças da Polícia Militar de Minas Gerais e a quase a totalidade dos 322 oficiais da Corporação (números da época). Em uma segunda fase foram entrevistados e escutados grupos focais de policiais militares que integram o policiamento comunitário. A análise estatística evidenciou as relações entre variáveis que demarcam a diferença comportamental e a visão social dos policiais de perfil: Law Officer e Peace Officer, tipologia de Egon Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr., 2007). Página | 280 (b) E a (síntese) produzida por Stephen M. Cox (2007), professor da Central Connecticut State University, pelo verbete: “Styles of policing” na “The Encyclopedia of Police Science” [A Enciclopédia das Ciências Policiais]. A síntese sobre os perfis são frutos das pesquisas219 de Stephen Cox, o que nos Estados Unidos chama-se de “influence of neighborhood characteristics or context” [influência do contexto ou características do bairro], o que em suma, poderia provocar por parte dos policiais o uso maior da força ou serem mais propensos a prisões quando em bairros desfavorecidos. A pesquisa do Cox (1992 apud COX, 2007) evidencia que não apenas o contexto do bairro condiciona como se dará o encontro entre polícia e comunidade, mas também o perfil pessoal e o institucional a que estão vinculados os agentes da lei. Como veem o mundo e a que espectro de atitudes estão propensos a terem e sua relação com o clima típico de sua unidade departamental, condiciona o comportamento do policial na atividade operacional. Tanto Cox (2007) como Oliveira Jr. (2007) fazem um apanhado com duas dimensões, (I) a institucional da polícia e (II) a pessoal do policial: (I.1) Perfis Institucionais de Wilson220: classificação do estilo do departamento, ou seja, que reflete os aspectos da cultura organizacional, pelo trabalho de James Q. Wilson (1968 apud COX, 2007; apud OLIVEIRA Jr., 2007): a) watchman (guardião): o modelo de percepção do policial do perfil guardião (ou sentinela, ou observador); b) service (prestador de serviços) e c) legalistic (legalista). (II.1) Perfis pessoais de Bittner221: a) Law Officer (policial em nome da lei): Segundo Oliveria Jr. (2007), traduzindo e interpretando Egon Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr., 2007), o policial de cunho legalista, pensaria da seguinte forma: “[combato] a criminalidade, agindo de forma repressiva em relação a comportamentos desviantes, fazendo uso da lei e autoridade que lhe é conferida para manter a ordem”. b) Peace Officer (policial apaziguador): “o trabalho [do peace officer] envolve agir de forma preventiva, evitando conflitos e apaziguando ânimos nas situações de tensão que venha a enfrentar” (OLIVEIRA Jr., 2007). 219 COX, Stephen. M., and J. Frank. 1992. The influence of neighborhood context and method of entry on individual styles of policing. American Journal of Police 11:1-22. 220 WILSON, James Q. 1968. Varieties of police behavior. Cambridge, MA: Harvard University Press. Citado por Oliverira Jr. (2007) e Cox (2007). 221 BITTNER, Egon. The functions of the police in modern society. Washington: National Institute of Mental Health, 1970 Página | 281 (II.2) Perfis pessoais alinhados por Cox: Stephen Cox (2007) lança mão de um alinhamento de três propostas de tipologias diferentes: (a) a de William Muir 222 (1977 apud COX, 2007); (b) a de John Broderick 223 (1977 apud COX, 2007) e (c) a de Michel Brown224 (1981 apud COX, 2007). Tipologia policial arquetípica A principal referência disciplinar científica deste capítulo é a Teoria dos Tipos Psicológicos junguianos, considerada o contributo mais referenciado da Psicologia Analítica. A proposta aqui exposta tem pontos de conexão com aquela feita pelo terapeuta junguiano José Jorge de Morais Zacharias, professor da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG), sobretudo, de sua tese de doutorado: “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), em 1994. No trabalho, que para nossa proposta específica destaca-se como seminal, Zacharias (1994) busca um tipo psicológico predominante entre 333 policiais miliares como amostra representativa do perfil entre os integrantes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP). José Zacharias (1994) não apenas encontra alguns tipos predominantes, como identifica um tipo ideal (como perfil idealizado pelos próprios policiais como modelo desejado em um exercício de pesquisa por autoimagem) e a ausência de tipos, que em seu ponto de vista seriam importantes elementos de contrapeso e alavancadores de outro espectro de comportamento organizacional. Tanto o trabalho de Zacharias (1994) como a pesquisa de Elvina Maciel Lessa, de 2002, intitulada: “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung” (tese de doutorado apresentada na UFRJ) – tanto um como o outro – deixam claro a validade e relevância do uso a teoria dos tipos psicológicos para a gestão de competências, como contribuição que a obra de Jung e seus discípulos podem trazer para a área organizacional. As considerações de Lessa (2002) são nossa principal referência de condução teórica, por sintetizar num apanhado revisional das contribuições diretas do próprio Jung, além das de MarieLouise von Franz (1990 apud LESSA, 2002), de Nise da Silveira (1968 apud LESSA, 2002) e de Isabel Briggs Myers e Peter Myers (1997 apud LESSA, 2002). Tipologia policial arquetípica guerreira Os termos “integrativo” e “auto afirmativo” são usados por Fritjof Capra (1996) e já foram tratados neste trabalho225 e remontam aos aspectos de opostos complementares, que por vezes entram em conflito, advindos de concepções do ecofeminismo (e ecomarxismo), de tradições filosóficas como o taoísmo, como o pré- 222 MUIR, William. 1977. Police: Streetcorner politicians. Chicago: University of Chicago Press. BRODERICK, John. 1977. Police in a time of change. Prospect Heights, IL: Waveland Press. 224 BROWN, Michael. 1981. Working the street: Police discretion and the dilemmas of New York: Russell Sage. 225 No tópico “Predominância de um tipo de relação ecológica: competição versus cooperação” em “Ecologia Mental” do Capítulo 3 e no mesmo capítulo em “Ecologia Social”, explicou-se sobre o padrão de desenvolvimento civilizacional yin e yang por preceitos taoístas e com entrecruzamento com o ecofeminismo. 223 Página | 282 socrático Heráclito, do hermetismo egipício, bem como do princípio quântico da complementariedade de Niels Bohr226. Na analogia com complementariedade quântica de Niels Bohr, os aspectos de opostos complementares que aplicamos à realidade social, pode-se dizer que a auto afirmação é agir como a matéria e diferenciar-se do restante numa individualidade; já integração é torna-se fluído como onda, tendendo a ser um com o coletivo. Está se falando da porção de masculino e feminino essenciais que compõe o dado sistema, como os sistemas aqui são organismos vivos, pessoas humanas e pessoas organizacionais, então há de se falar em masculinidades e feminilidades. Por se tratar do nicho-função do exercício da força-vigor em uma civilização de padrão “patriarcal”, os tipos policiais propostos, são vistos como experiências mentais e de práxis de masculinidades, sendo em menor ou maior grau, infundidas de doses de feminilidade. Esse jogo de proporções de influência dos fatores de auto afirmação e integração, podem ser observados nas Tabelas 10 e 11. Usando algumas reflexões que soam como paráfrase de Capra (1996), Eisler (1989) e Maturana e Dávila (2009; 2012) pode-se tecer algumas ilustrações exemplificativas sobre o que diferencia os tipos policiais propostos. Na Tabela 11, a coluna “mentalidade” se refere ao modo de pensar daquele indivíduo e a coluna “práxis” o padrão de ação desempenhada para alcançar os fins pensados. Uma mentalidade integrativa tende às necessidades do coletivo, uso da intuição como apreensão da realidade e julga por sentimento, fala-se em inteligência emocional. Agir por bases integrativas é cooperar, na certeza que perdas individuais serão recompensadas com o ganho coletivo. É contentar-se com menos, desde que tenha qualidade. A integração por vezes, levada às últimas consequências pode ter o resultado de neutralizar a individualidade e mal expressada pode gerar circunstâncias de acomodação, mesmo frente a riscos iminentes. Já um pensamento auto afirmativo, analisa, disseca, racionaliza. Tende ao individualismo e procura o melhor ganho para si, frente à incapacidade de confiar nos outros elementos autônomos que o cercam. Agir por auto afirmação, é competir, por vezes por esporte, superando seu próprio limites, que se pensava ter; mas em outras leva à dominação, à exploração do “outro”, que para a visão auto afirmativa, não sou “eu” e, portanto, pode ser subjugado. Busca-se sempre a métrica da maior quantidade possível. 226 Na analogia com complementariedade de Niels Bohr, a auto afirmação é agir como a matéria e diferenciar-se do restante numa individualidade; já integração é torna-se fluído como onda, tendendo a ser um com o coletivo. Página | 283 Tabela 11 – Tipologia policial arquetípica guerreira quanto ao caráter integrativo e auto afirmativo Tipo policial Pai-zeloso Contexto sócio organizacional: Auto afirmativo Mentalidade Práxis Integrativa Integrativa Herói Integrativa Auto afirmativa Aventureiro Auto afirmativa Integrativa Guerreiro Auto afirmativa Auto afirmativa Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. Orientação taoísta para a tipificação Entre aquelas pessoas que se sentem consciente ou inconscientemente atraídos pelas funções-nicho de força-vigor, aglutinamo-nas em um conjunto denominado de casta “bioantorpológica” de guerreiros e por um gradiente da diferente combinação entre o modo de processamento mental e de prática vivencial do masculino ou do feminino essencial, inspirado pelo I-Ching (WILHELM, 2006), estipulou-se quatro tipos psicológicos, que se vinculam em proporções diferentes às diversas metáforas anteriormente identificadas nesta pesquisa (As ditas metáforas estão elencada na Tabela 12, com a denominação de modelos mentais). Na figura 42, observa-se um diagrama, que pressupõe uma derivação a partir do símbolo da unicidade, o Tai Ji. O símbolo taoísta está em uma posição de giro, na qual fica mais próxima das decorrências, o lado auto afirmativo, em cor clara, do masculino essencial, ou yang. Isso demonstra que os tipos escritos na parte inferior da figura são as manifestações em contexto de preponderância auto afirmativa, ou seja, em uma era de espíritos civilizacionais da imposição e institucionalização, por exemplo, o patriarcado. Se o contexto geral fosse preponderantemente yin os tipos, que não caberiam mais ser chamados de policiais, seriam de uma vertente do cuidado e da proteção social. Do monograma Yin (- -), representando a concepção de Integração, segundo Fritjof Capra (1996), surgem dois bigramas: Dai Yin [Grande Yin], formado por duas linhas seccionadas e o Xiao Yang [Pequeno Yang], formado por uma linha seccionada acima e uma linha contínua abaixo. Nos bigramas compostos, há uma linha acima e outra abaixo, uma ligada ao céu e outra a terra, uma ao mental e outra à ação real. Portanto, estamos definindo que aquele que pensa e age de forma feminina, não obstante seja um guerreiro, tem o instinto maternal aguerrido em si, estamos denominando-o de “pai zeloso”. Aquele guerreiro que pensa de forma feminina, mas age pelo modus operandi do masculino, é o “herói”, que é afeto à luta, às armas, valoriza as expressões corporais de vitalidade, mas o faz pela causa da justiça (“integrativa”). Ainda descrevendo a Figura 42, é possível observar que do monograma Yang (─), grafado por uma linha contínua, representando a Auto afirmação, como vetor masculino, decorre o Xiao Yin [Pequeno Yin], formado por uma linha contínua acima e uma linha seccionada abaixo, que alude em nossa tipologia dos guerreiros, ao arquétipo do “aventureiro”, figura de mentalidade masculina, quem melhor se relaciona com os guerreiros aguerridos, pois entendem-nos, são movidos pelo entusiasmo da Página | 284 novidade, da busca, da caçada. Ainda do monograma Yang, surge o bigrama, composto por duas linhas contínuas, Dai Yang [Grande Yang], o qual estamos correlacionando com o arquétipo do “guerreiro” propriamente dito, ou seja, do caráter yang de força-vigor enfatizado em suas próprias características, esse é o elemento, que não se conforma com a pacificidade, ele precisa de luta parar viver, digo, para emprestar significado à sua vida, mais do que qualquer outro entre a casta dos guerreiros. Figura 42 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com os bigramas taoístas Fonte: Elaborada pelo Autor. Orientação junguiana para tipificação Para uma concepção junguiana, os quatro tipos base de guerreiros aqui propostos, atuam na dinâmica psíquica institucional como arquétipos; já os modelos mentais identificados nas metáforas e elementos prospectados do estudo das relações ecológicas profundas e da análise institucional histórica atuam como complexos, tendo como base um equipamento psíquico nos moldes da Psicologia Analítica (JUNG,1996). Um complexo pode apontar para mais de um arquétipo, tendo um preponderante, ou seja, regente (função primária) e outros corregentes (função secundária). Na Tabela 11 podem ser observadas as relações entre arquétipos e complexos. Cabe salientar que não se trata de uma análise do perfil psicológico dos integrantes, mas da personalidade institucional, que se instancia com nuances diferentes nas organizações da mesma família de nicho-função (bombeiros, as diferentes agências policiais, forças armadas, polícia penitenciária e função carcerária etc). Ou seja, um observador atento à proposta feita neste trabalho, sentirá falta de perfis introvertidos, por quanto, toda a atividade de força-vigor é extrovertida. Talvez essa seja a diferença crucial entre o relatório de Zacharias (1994) e o presente trabalho, estamos classificando os tipos ideais, aqueles em que a atividade funcional se projeta e não os perfis em si das pessoas. Isso significa dizer, que pessoas que não Página | 285 possuem enquadramento de seu perfil pessoal com um daqueles reproduzidos e nutridos pela dinâmica institucional, certamente no processo de socialização serão forçosamente obrigados a desenvolver novas aptidões ou sofrer reversos de frustração. Tabela 12 – Relação tipo policial e modelos mentais (arquétipos e complexos) Tipos policiais Pai-zeloso Herói Aventureiro Guerreiro Expressão Luminosa Piedoso Justo Sonhador Patriota Expressão Sombria Mãe-guerreira Justiceiro Caçador de Recompensa Caveira Pedagogo social Mestre Professor Tutor Feitor Arcanjo Miguel São Jorge Xerife Jagunço Salvador Ateniense Capitão-do-mato Pirata Bucaneiro Corsário Bandeirante Gladiador Mercenário Anjo da morte Soldado Espartano Romano Arquétipos Modelos mentais Complexos Fonte: Elaborado pelo Autor. Antecipação sobre o uso de teste psicotécnico, vocacional e elaboração de perfil profissiográfico Creio que a essa altura já seja patente, que um dos pontos de nossa proposta de mudanças institucionais concentre-se no processo de recrutamento e seleção, bem como desenvolvimento da carreira dos integrantes de acordo com uma gestão de competências devidamente alinhada com o atual perfil institucional e com o perfil funcional desejado para o futuro (LESSA, 2002). Um momento crucial nessa gestão de competências é o teste psicotécnico no ato do ingresso subsidiado por um perfil profissiográfico adequado, anteriormente elaborado. Visando uma futura adequação de nossa proposta dos perfis institucionais com um instrumento capaz de identificar as preferências e constituições pessoais, fizemos o possível para que a formatação dos tais perfis ideais fossem compatíveis com a linguagem empregada pela classificação tipológica de Myers-Briggs (CASADO, 1993; LESSA, 2002), para tanto nos apoiamos na interpretação e quadro síntese elaborado pela professora Tânia Casado, da Universidade de São Paulo (USP), primeiramente por seu trabalho de dissertação, intitulado “Tipos Psicológicos e Estilos de Comportamento Motivacional: o diálogo entre Jung e Fromm”, de 1993, orientado por uma das pioneiras em Psicologia Organizacional no Brasil, a professora Cecília Whitaker Bergamini. Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana Conforme pode ser observado na Tabela 12, foram dispostos os tipos policiais em colunas e internamente a elas divididas cada uma em duas, que são as expressões luminosas e sombrias. Cabe registrar, que os termos estão invertidos, por quanto, aqui luminosas são as que têm uma base yin e as sombrias as que se baseiam no principio yang, quando na concepção chinesa (oriental) convencional se dá ao contrário. Isso ocorre por já estarmos vivenciando por muito tempo um excesso Página | 286 de masculinidade essencial no padrão civilizatório, acarretando algumas disfunções socioculturais que tem necessitado de uma feminilização (ou queira chamar-se de integração) como processo de compensação. Nas Tabelas 11 e 13, é possível observar os quatro tipos policiais base, como arquétipos guerreiros e suas expressões hibridas ou constitutivas com ponto de contato com os tipos adjacentes. Para cada tipo policial definiu-se seu perfil composto: sentimental, perceptivo, intuitivo ou reflexivo (todos extrovertidos); definiuse também a dimensão preponderante da dinâmica psíquica: racional ou irracional, ou seja, de julgamento ou apreensão de fatos e realidade; bem como, as funções psicológicas superior e a inferior (dominante e oposta), pois são as mesmas das duas expressões de cada tipo. Para cada expressão, registrou-se, conforme na Tabela 13, o nível de extroversão, numa escala de 1 a 8; considerando os níveis 1 e 2, como levemente extrovertido; os níveis 3, 4, 5 e 6 como moderadamente extrovertido e os níveis 7 e 8 como altamente extrovertido. Cada expressão tem também os registros de sua função secundária (auxiliar) e terceária que juntamente com nível de extroversão as diferenciam de sua contraparte, correspondente no mesmo tipo policial. Tabela 13 – Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana Dimensões da classificação junguiana1, 2 Expressão Luminosa Expressão Sombria Perfil composto Tipos Policiais (1) Pai-zeloso Piedoso Mãe Guerreira Sentimental Extrovertido (2) Herói Justo Justiceiro Perceptivo Extrovertido (3) Aventureiro Sonhador Caçador Intuitivo Extrovertido (4) Guerreiro Patriota Caveira Reflexivo Extrovertido Atitude/Disposição Geral (Extroversão) Levemente extrovertido Moderadamente extrovertido Levemente extrovertido Moderadamente extrovertido Moderadamente extrovertido Altamente extrovertido Moderadamente extrovertido Altamente extrovertido Nível de extroversão (de 1 a 4) Nível 1 Nível 5 Nível 2 Nível 6 Nível 3 Nível 7 Nível 4 Nível 8 Dimensão preponderante Racional Irracional Irracional Racional Função Dominante Julgamento: Sentimento Apreensão: Sensação Apreensão: Intuição Julgamento: Pensamento Função Auxiliar (Secundária) Apreensão: Intuição Apreensão: Sensação Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Apreensão: Intuição Apreensão: Sensação Função Terceária Apreensão: Sensação Apreensão: Intuição Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Apreensão: Sensação Apreensão: Intuição Função Inferior Correspondência Myers-Briggs3 Julgamento: Pensamento Apreensão: Intuição Apreensão: Sensação Julgamento: Sentimento ENFJ ESFJ ESFP ESTP ENFP ENTP ENTJ ESTJ Diplomata Idealista Guardião Explorador Artesão Explorador Artesão Diplomata Idealista Analista Analista Guardião Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (1) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (2) LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. (3) CASADO, Tania, “Tipos Psicológicos e Estilos de Comportamento Motivacional: o diálogo entre Jung e Fromm”, 1993. Interpretando os dados da Tabela 13, para cada tipo policial, podemos tecer algumas considerações: (1) O tipo pai-zeloso, tem o perfil composto de Sentimental Extrovertido, sua (a) expressão menos extrovertida, é a relativamente mais próxima da introversão do quadro total proposto: o piedoso (extroversão nível 1) e (b) a expressão mãe guerreira como sua face mais aguerrida (nível 5 de extroversão). O tipo como um todo tem o Sentimento como função psíquica dominante, ou seja, são racionais. Considerando os valores pessoais como peso de julgamento. Em termos de função Página | 287 auxiliar, que é praticamente toda consciente, o piedoso especializa-se na apreensão intuitiva e a mãe guerreira na apreensão perceptiva, auferindo a essas duas expressões a correspondência com classificação Myers-Briggs (CASADO, 1993), respectivamente nos tipos ENFJ (Extrovertido, função principal sentimento, função auxiliar intuição, função menos preferida pensamento) e ESFJ (Extrovertido, função principal sentimento, função auxiliar sensação, função menos utilizada pensamento). (2) o herói, pode ser referenciado como o tipo Perceptivo Extrovertido. Possui duas expressões: (a) o justo, como a face mais próxima do pai-zeloso e (b) o justiceiro, que de alguma forma combina traços do guerreiro. Respectivamente essas expressões tem nível de extroversão 2 (levemente extrovertido) e 6 (moderadamente extrovertido). A função dominante é a sensação, que o liga de sobremaneira aos sentidos e as relações corporais, o que privilegia neles o fato de apreender informações do exterior colocando a tomada de decisão como função auxiliar, que no caso do justo ocorre mais pelos valores pessoais e no do justiceiro pela lógica racional. Na escala Myers-Briggs (CASADO, 1993), o justo se caracteriza como ESFP (Extrovertido, função principal sensação, função auxiliar sentimento, função menos utilizada intuição) e o justiceiro como ESTP (Extrovertido, função principal sensação, função auxiliar pensamento, função menos utilizada intuição). (3) o aventureiro, possui a composição de perfil Intuitivo Extrovertido, porque sua função psíquica mais desenvolvida é a intuição, ou seja, “o ouvir a voz interior”, o “sexto sentido”, portanto é mais propenso a perceber padrões de conexão do que julgar fatos. Sua expressão mais infundida de feminilidade é um idealista, denominado por aqui de sonhador (com nível 3 de extroversão); já sua expressão mais aguerrida disposta à atividade física é o caçador, pois é altamente extrovertido, em nível 7. Isso se dá porque, apesar de serem intuitivos, o sonhador conta com o auxílio da função de sentimento e o caçador com a dinâmica lógico-reflexiva. Portanto, segundo Casado (1993), podem ser classificados na escala Myers-Briggs como ENFP (Extrovertido, função principal intuição, função auxiliar sentimento, função menos utilizada sensação) para o sonhador e ENTP (Extrovertido, função principal intuição, função auxiliar pensamento, função menos utilizada sensação) para o caçador. (4) o guerreiro, é tipo policial que mais incorpora o padrão viril de soldado ou lutador pronto para o combate, seu perfil geral é o de Reflexivo Extrovertido. Ele não ouve muito, pensa um pouco sobre como fazer e simplesmente faz. Sua expressão menos aguerrida é o patriota que ainda tem uma causa para lutar, já a expressão caveira, não precisa de causa, apenas o sangue já lhe é motivo suficiente. As duas expressões tem o fluxo de sua psique voltado para o mundo exterior, em níveis 6 e 8 de extroversão. Ambos têm a função do pensamento como a mais desenvolvida, portanto julgam mais do que percebem, mas quando ainda param para ouvir o mínimo que seja, o patriota o faz pela intuição e o caveira pela sensação corporal. Se fossem classificados conforme a tipologia Myers-Briggs (CASADO, 1993), seriam identificados da seguinte forma: o patriota como ENTJ (Extrovertido, função principal pensamento, função auxiliar intuição, função menos utilizada sentimento) e o caveira como ESTJ (Extrovertido, função principal pensamento, função auxiliar sensação, função menos utilizada sentimento). Página | 288 Correspondência com a classificação Myers-Briggs No livro Tipos Psicológicos, Jung ([1960], 1976) define oito tipos psicológicos a partir da atitude geral e da função principal. A psicóloga norte-ameriana Katharine Cook Briggs e sua filha Isabel Briggs Myers, também psicóloga, criaram um sistema de definição da personalidade, conhecido pela sigla MBTI (de Myers-Briggs Type Indicator [Indicador Tioplógicos de Myers-Briggs]), pelo qual é possível mensurar as preferências individuais com relação a cada um dos quatro aspectos ou tipos de personalidade. Os quatro aspectos, portanto, podem ser definidos como:  Atitude ou Disposição: identificadas extroversão e “I” para introversão; pelas letras “E” para  Percepção: a forma como apreendem o mundo pela “N” intuição (iNtuition) ou pela “S” sensibilidade (Sensing);  Julgamento: a forma como racionaliza ou esquadrinha o mundo pelo “T” pensamento (Thinking) ou pelo “F” sentimento (Feeling);  Tática: a forma como se relaciona com o exterior numa orientação de dominá-lo ou de se adaptar a ele, ou seja, de “J” julgameno (Judgment) ou “P” percepção (Perception). Portanto, a classificação Myers-Briggs alcança 16 tipos psicológicos definindo além da função principal, a função auxiliar a as demais funções (terceária e inferior) por decorrência. Agora façamos um sucinto extrato do perfil das pessoas classificados pelo sistema Myers-Briggs e sua correlação com os tipos policiais aqui propostos. Pai-zeloso como Sentimental Extrovertido O tipo geral sentimental extrovertido que abrange os tipos particulares ENFJ e ESFJ, no contexto geral da população costuma ser tipos femininos (RAMOS, 2005) o que pode acarretar numa nítida diferenciação intrainstitucional entre o tipo Guerreiro que é Reflexivo (Racional) Extrovertido. Uma pessoa sentimental extrovertida, costuma ter “sua atenção voltada para as pessoas que lhe rodeiam, pois valorizam muito o contato humano. Geralmente são amistosas, cheias de tato e capazes de entrar em sintonia com os outros” (CASADO, 1993). Tânia Casado (1993) explica que as pessoas desse tipo “mostram a tendência a idealizar excessivamente as pessoas, causas ou instituições que admiram, pois concentram sua atenção nos aspectos mais positivos dela”. Segundo Ramos (2005), o “valoriza a harmonia nas relações interpessoais”, já que ele sempre “aprecia o contato humano, é amigável, simpático, gosta de conversar, quase sempre é capaz de exprimir o comportamento apropriado ao que cada momento exige”. E isso, segundo Casado (1993) é alcançado por que “conseguem manter a fé de que de algum modo é possível chegar a uma conclusão harmoniosa”, mesmo que sejam “confrontados com opiniões conflitantes”. Página | 289 Luís Ramos (2005) ainda nos fornece algumas outras pistas sobre o comportamento sentimental extrovertido: “seus valores pessoais coincidem com os valores sociais geralmente aceitos”, sendo que ele “raramente desvia dos valores que lhe são inculcados desde a infância”; “sofre com manifestações de indiferença de pessoas” próximas ou estranhas. Sobre o Piedoso que encarna o tipo ENFJ, pode-se dizer de forma particular que “seu interesse maior é enxergar as possibilidades que estão além daquilo que está presente, é óbvio ou conhecido”. A intuição aguça sua curiosidade por idéias novas, sua visão do futuro e sua capacidade de penetrar além do conhecido. São geralmente pessoas que se interessam pela leitura e pela teoria. É provável que expressem bem suas idéias, mas usem esta facilidade para se expressarem principalmente quando têm que falar em público e não tanto ao escrever. Aliás, pensam melhor quando estão falando com outras pessoas do que sozinhos. Guerra e Paz: visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos Numa perspectiva sobre guerra e paz, o pai-zeloso eventualmente luta, em último caso, a guerra para ele é um mal necessário, que deve ser evitado, não consegue ver muito sentido nela e só passa a fazer parte de uma, porque “sua prole” está ameaçada. O herói é preparado na arte da guerra, ou em outras habilidades, como a esportiva, facilmente convertidas em instrumentação para a guerra, prefere a vida sem guerras, mas não consegue entender como ficar inerte frente a injustiças. O aventureiro não tem afeição pela instrumentação de guerra por si só, passa a ter contato com ela, porque ela é seu passaporte para a mobilidade, para gerar adrenalina. O guerreiro vive para guerra, ele gera guerra se for necessário, para poder ter luta, conflito. Os rituais de demonstração de perda ou vitória consensual como uma rendição ou armistício, não são suficiente para ele, para ele o motivo da luta deve ir até as últimas consequências. Esses tipos não são pessoas em si, são estados mentais que deles decorrem uma prática, um comportamento padrão. Portanto, quando um agente do exercício da força-vigor é regido pelo pai-zeloso/herói, ele estará levando a cabo, princípios como as estratégias militares do general chinês Sun Tzu, tais como: se possível derrote sem combate direto; se ela for indispensável, que seja rápida, com menor número de perdas em ambos os lados. Quando a regência cabe ao espírito guerreiro aguerrido e/ou aventureiro, “o aniquilamento total do inimigo” independente de alguns danos a si mesmo é o objetivo final da guerra e segundo Clausewitz ([1832] 1984), o meio para tal propósito é o uso da “força física”, já que a guerra foge aos limites normais da política em tempo de paz, onde a “força moral” tem eficácia. Usemos trechos iniciais dos tratados de guerra de ambos os autores: Sun Tzu, com “A arte da guerra”, escrito no século IV a.C. e o “Da Guerra” de Carl von Clausewitz, general prussiano do século XIX. Não que seja correto, assim distinguir, mas tentemos ver no primeiro a visão oriental clássica e no segundo a ocidental moderna. Comecemos por um trecho do capítulo “da arte de vencer sem desembainhar a espada” do general chinês: Página | 290 Deves almejar como aquilo que há de mais perfeito, conservar intatos os domínios dos inimigos. [...] Só deves destruí-Ias [as cidades inimigas] em caso de extrema necessidade. Se um general age assim, sua conduta ombreará com a dos mais virtuosos personagens. (TZU, [± 400 a.C.] 2006). Em um trecho logo a seguir Sun Tzu (2006), diz “repito: a melhor política guerreira é tomar um Estado intato”, ou seja, uma atitude sábia, “uma política inferior”, seria, portanto, arruinar o Estado inimigo. “É preferível aprisionar a destruir o exército inimigo; é melhor tomar um batalhão intato do que fulminá-Io” (TZU, 2006). Já Clausewitz ([1832] 1984), em seu primeiro capítulo, explicando “o que é a guerra”, inicia introduzindo da seguinte forma: “Não devo começar apresentando uma definição pedante e literária de guerra, mas sim ir direto ao cerne da questão, ao duelo” e segue até chegar a definir que... A guerra é, portanto, um ato de força para obrigar o nosso inimigo a fazer a nossa vontade [...] para atingir aquele propósito devemos fazer com que o inimigo fique impotente e este é, em tese, o verdadeiro intuito da guerra. Este intuito toma o lugar do propósito, descartando-o como algo que na realidade não é parte da guerra propriamente dita (CLAUSEWITZ, [1832] 1984). Portanto, para o general prussiano, o intuito de como fazer para alcançar o propósito, ou seja, tornar o inimigo impotente, subjugá-lo por si só, passa ser o fim em lugar de fazê-lo cumprir nossa vontade. Apesar de soarem como definições semelhantes, isso significaria dizer: mesmo imobilizado, se estiver ainda expressando certa resistência simbólica, deve ser ultrajado até ficar realmente entregue. Carl von Clausewitz (1984) ainda pondera sobre o pernicioso sofisma, segunda sua visão, que pode por os negócios da guerra em risco: “as pessoas de bom coração podem pensar, evidentemente, que existe alguma maneira criativa para desarmar ou derrotar o inimigo sem que haja muito derramamento de sangue”, ele conclui dizendo que dessa forma “podem imaginar que este é o verdadeiro propósito da arte da guerra”, mas segundo ele, essas pessoas estão enganadas. E posso dizer, que os policiais regidos por essa atitude mental (os de base yang em um contexto yang: guerreiro e aventureiro), também assim consideram os atos de diálogo com o “inimigo”, como claras manifestações de fraqueza. Enquanto, um elemento masculino maduro (de base yin em um contexto yang: pai-zeloso e herói), primeiramente não vê o oponente transitório como “inimigo”, mas como um irmão rebelado, um filho desorientado e segundo, o tal diálogo, é nesta visão, tomado por sabedoria. Mas sejam, os perfis de base integrativa ou auto afirmativa, todos do exercício da força-vigor são guerreiros; perceba como mesmo a prudência do tratado chinês, ainda sim, admite a existência da guerra. E nisso, destaca-se que apesar de apresentar os tipos pela base geral, os dois tipos intermediários: o herói e o aventureiro tem noções diferentes de seu adjacente de extremo. Para ilustrar, podemos dizer que para o herói, o diálogo ou o armistício é uma alternativa viável, desde que o oponente não tenha como reagi no futuro. Já para o aventureiro, trata-se de uma alternativa imposta, apenas viável se ele ganhar alguma vantagem e se já tiver Página | 291 alcançado prazer suficiente na adrenalina da caçada ou do combate (tema resumido na Tabela 14, no item d). Na Tabela 14 (itens a, b, c), os pontos até aqui abordados estão categorizados por tipo policial, sendo possível apreender a forma como cada tipo trata assuntos referentes a conflitos, à guerra. Vejamos como cada tipo ver seu oponente, o (1) pai-zeloso o percebe como filho desorientado, o qual tenta reeducar e em último caso prende um deles ou se omite na punição do assassino de um filho morto em combate por elemento regido por outro tipo. Para o pai-zeloso o propósito da guerra é a reorganização social, levando a justiça a seus próprios territórios em conflito. Tabela 14 – Visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos Visão sobre o tema Tema Base Integrativa Base Auto afirmativa Pai-zeloso Herói Aventureiro Guerreiro (a) Como ver o oponente Filho desorientado Irmão rebelado Presa da caçada Inimigo perpétuo (b) Destino do oponente Busca reeducar seus filhos, em último caso prende um deles ou se omite na punição do assassino de um filho morto em combate. Mata alguns poucos no combate, prende os revoltosos e aceita o rendimento de alguns Libera algumas presas, por vezes em negociação pecuniária e sacrifica uma como exemplo intimidador Mata todos Aceita a prisão de alguns, apenas durante o julgamento (c) Objetivo da guerra Reorganização social, levar a justiça a seus próprios territórios em conflito Salvar outros territórios da injustiça Usurfruir da emoção da luta Aniquilamento total do inimigo (d) O que pensa sobre diálogo e armistício Uma questão de sabedoria, fim que deve ser sempre desejado. Uma alternativa viável, desde que o oponente não tenha como reagi no futuro. Uma alternativa imposta, apenas viável se ganhar alguma vantagem e se já tiver alcançado prazer suficiente na adrenalina Uma fraqueza, inconcebível até que o rendimento seja uma patente expressão de derrota e humilhação do inimigo (e) Reação a prêmios materiais Dispensa veementemente Aceita como medalha e depois doa ao uso comum Aceita como trófeu e depois vende-o ou consome em benefício próprio Arranca-o do inimigo derrotado, é seu espólio de guerra (f) Visão territorialista Não tende a expansão, tende ao alcance de todos os rincões não explorados de seu próprio território Missionário, funda núcleos em prol das missões e depois os integra em rede Colonização de entrepostos Expansão imperial, anexação territorial Fonte: Elaborado pelo Autor. (2) Para o herói, o oponente é assemelhado a um irmão que se rebelou aos estatutos do “pai”, poderá ser que em combate mate alguns desses oponentes, mas seu objetivo é que mudem de desígnio e se rendam, aos muitos revoltosos, mas não mortos, cabe-lhes a prisão, tudo isso porque pretende salvar os seus e outros territórios de toda injustiça. (3) Como presas de uma caçada, são vistos os oponentes pelo tipo aventureiro, enquanto o tipo anterior espera o rendimento, esse libera a maioria das presas, depois de concluída a tarefa. Podendo auferir algum ganho ou vantagem na liberação, isso lhe parece salutar. Na verdade, seu envolvimento se dá em tudo, para usufruir da emoção da luta ou da caçada. Quando os ganhos são baixos, é preciso demonstrar força para os possíveis “colaboradores” se sentirem compelidos a dar a paga, para tanto se mata uma das presas, em sacrifício. (4) O guerreiro tem o oponente, que para os demais é uma condição temporária, como inimigos perpétuos, se possível mataria a todos, já que seu objetivo com a guerra é aniquilamento total do inimigo. Ele aceita prisões em dois casos, Página | 292 quando se trata de evitar a morte de um par seu, ou quando é preciso submeter-se ao rito do julgamento. Outros dois pontos abordados nesse tópico e que estão dispostos na Tabela 14, é (e) a reação do tipo policial a prêmios, vantagens ou algum tipo de reconhecimento adicional pelo trabalho executado e seus resultados, quando de interesse coletivo/social, bem como (f) a visão que cada tipo tem sobre posse ou uso de território. Pelo que até aqui foi explanado (e), irá parecer evidente que os de base auto afirmativa são territorialistas, mas na verdade, todos os guerreiros são territorialistas, pois são reminiscências do modo caçador de sobrevivência de grupos humanos primitivos. Porém alguns são mais suscetíveis à dinâmica nômade, alguns são mais expansionistas que os outros. O tipo (1) pai-zeloso não tende a expansão, tende ao alcance de todos os rincões não explorados de seu próprio território, o (2) herói tem espírito missionário, funda núcleos em prol das missões e depois os integra em rede. O (3) aventureiro também é mais livre ele funda entrepostos numa colonização dispersa; já o (4) guerreiro é bastante expansionista, de forma a constituir impérios mediante a anexação territorial. Sobre premiação material (f), podemos dizer que entre os quatro tipos, um dispensa, dois deles aceitam (sendo um por consideração e o outro para ganho próprio) e o último tipo arranca o prêmio se não lhe for dado. Portanto o (1) pai-zeloso costuma dispensar veementemente os prêmios. O (2) herói aceita-os como medalha e depois doa ao uso comum. O (3) aventureiro aceita como trófeu e depois vende-o ou consome em benefício próprio e o (4) guerreiro arranca-o do inimigo derrotado, pois acredita que é seu espólio de guerra merecido pelo esforço. Deuses guerreiros: correspondência mitológica dos tipos policiais No capítulo 7, sobre a Ecologia Profunda da Polícia Militar, reservamos um tópico para discorrer sobre organizações de força-vigor como espaços de culto e logo em seguida descrevemos quaternários de figuras mitológicas de heranças culturais diferentes. Naquele momento, pareceu-nos um exercício antropológico e da ciência das religiões despretensioso e talvez descabido para com o tema específico de uma mudança institucional das polícias militares brasileiras. Agora se faz a hora oportuna de demonstrar o quanto aquelas figuras mitológicas carregam carga simbólica suficiente para esclarecer sobre o espírito guerreiro. Realizamos um entrecruzamento entre as manifestações mitológicas de cunho guerreiro da tradição cultural-religiosa greco-romana e yorubá, bem como com figuras do mito fundador da tradição judaica. Comecemos pelas quatro figuras da expressão mitológica hebraica correlacionadas com as quatro funções psicológicas da teoria junguiana. Essa correlação pode ser observada na Figura 43 e na coluna correspondente da Tabela 15 assim encontramos: Base Integrativa (yin) Página | 293  Adam (Adão) correlacionado à função Sentimento e, portanto, ao tipo policial arquétipo Pai-zeloso, com uma expressão materna, o Piedoso e uma expressão paterna, a Mãe-Guerreira;  Chevah (Eva) correlacionada à função Sensação e, portanto, ao tipo policial arquétipo Herói, com uma expressão materna, o Justo e uma expressão paterna, o Justiceiro; Base Auto afirmativa (yang)  Lilith correlacionada à função Intuição e, portanto, ao tipo policial arquétipo Aventureiro, com uma expressão materna, o Sonhador e uma expressão paterna, o Caçador e  Samael correlacionado à função Pensamento e, portanto, ao tipo policial arquétipo Guerreiro, com uma expressão materna, o Patriota e uma expressão paterna, o Caveira. Cabe ressaltar que o gênero do termo que denomina o tipo ou a expressão não estão condicionados ao nível de extroversão ou a proporção de masculinidade e feminilidade. Por exemplo, apesar do termo “Mãe-Guerreira” ser de gênero feminino, ele aponta para uma expressão mais extrovertida do tipo Pai-zeloso. Já o tipo Paizeloso, como um todo, é o tipo mais infundido de não-extroversão (introversão) e feminilidade, apesar do termo de gênero masculino. Figura 43 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica e as funções psicológicas. Fonte: Elaborado pelo Autor. Depois de correlacionar com as funções psicológicas, agora precisamos encaixar isso com os elementos naturais na visão alquímica, pitagórica ou druida (Água, Terra, Ar e Fogo). Para tanto faço uso de alguns trechos da obra “Anatomia da Psique: o simbolismo alquímico na psicoterapia” do psiquiatra norte-americano Edward Edinger ([1985] 1990). Página | 294 Segundo Edinger ([1985] 1990) em seu estudo sobre as imagens alquímicas como reveladoras da dinâmica psíquica, a "ideia de uma substância única original não tem fonte empírica no mundo exterior". Apesar de termos demonstrado algumas imagens que conduzem a uma perspectiva sobre a unicidade do vácuo quântico, admitamos, por ora, que pelos meios experimentais para definir a diferenciação entre o macroambiente e o microambiente e até mesmo um nanoambiente, deve-se concluir que "exteriormente, o mundo é sem dúvida uma multiplicidade" (EDINGER, 1990). Nossa noção de "atrator civilizacional" e de integração entre as nuances diferentes do quaternário de arquétipos e suas expressões sombrias e luminosas, parte do princípio que tal "substância única original", pelo menos no tocante aos fatos psíquicos, seja uma premissa verdadeira. E assim sendo, apontam para um ponto central integral, para o qual acompanhamos a denominação de Jung, de Arquétipo de Si-Mesmo. Portanto, tanto nós como indivíduos, como um sistema social (na perspectiva de ser também um organismo vivo com sua mente "pessoal-coletiva") precisamos rumar em um processo "evolutivo-involutivo" de diferenciar-se ou libertarse dos arquétipos que nos regem (ou que nos aprisionam) através do esforço de um deles de forma destacada, o Ego, com o olhar atento para o conteúdo complexo e completo do Si-Mesmo. Ou seja, a "libertação" da prisão imposta pelos arquétipos se dá pelo esforço de um deles, aquele pelo qual nos identificamos: o Ego, que deve se diferenciar dos demais, justamente pelo enriquecimento do conjunto do todo deles, é isso que denominamos, aqui, de integração. O movimento do Ego em destacar-se é auto afirmativo, o movimento do Ego em enriquecer-se pelo conteúdo do Si-Mesmo é integrativo. Numa interpretação pelo prisma de nossa proposta tipológica, a Polícia Militar definida como uma organização guerreira (organismo com predisposição à atitude predatória) está sob a regência e corregência de nuances de aspectos guerreiros diferentes. Um ego institucional "aprisionado" em apenas uma dessas nuances, provoca um verdadeiro comportamento anômalo. Levantamos, a priori, como hipótese que a expressão hegemônica aprisionadora são os tipos guerreiro-caveira e o aventureiro-caçador. Quanto mais tempo a instituição reproduz seus aspectos nas organizações congêneres, mais imutáveis (ou de difícil transformação) esses conteúdos e padrões de ligação ficam. "Os aspectos fixos e desenvolvidos da personalidade não permitem mudanças. São sólidos, estabelecidos" (EDINGER, 1990) e acreditam invariavelmente que representam o melhor estado do que podiam ser e por isso não precisam de alterações, precisam de auto afirmação, enfatizando o que já são. Edinger (1990) chega a citar Jesus, em referência ao "nascer de novo", "tornar-se criança" ou "odres novos para vinho novo" como atitude predisposta a permitir-se a uma transformação interna, ou seja, aprender tudo de novo. Não é sem vínculo com essa tecitura, que a imagem da criança é por Jung identificada como um dos símbolos do Si-Mesmo. A criança é a matéria prima do adulto, a "prima materia" alquímica é citada por Edinger (1990) como uma "fantasia filosófica" quando aplicada Página | 295 ao mundo da matéria, mas quando aplicado ao mundo interior da psique, o arquétipo central do Si-Mesmo é a substância original e constitutiva do mundo psicológico. Nessa tal "fantasia filosófica[-alquímica]", “a primeira matéria passara por um processo de diferenciação por meio do qual fora decomposta nos quatro elementos: terra, ar, fogo e água" (EDINGER, 1990). Segundo Edinger (1990), "pensava-se que os quatro elementos" combinados em proporções diferentes formavam os objetos do mundo físico. "Impôs-se à prima materia, por assim dizer, uma estrutura quádrupla, uma cruz, que apresenta os quatro elementos, dois grupos de contrários: terra-ar e fogo-água", explica Edward Edinger (1990), que prossegue resolvendo o dilema ao esclarecer que não se trata de um enquadramento conceitual aceitável ao mundo físico e a Química moderna (sucessora da Alquimia) nos diz isso com a centena de elementos químicos. Mas para Edinger (1990), ao qual nós acompanhamos em seu raciocínio, essa diferenciação da matéria primordial é sem dúvida, uma base conceitual aplicável à realidade da psique, pois "essa imagem [da diferenciação quádrupla] corresponde à criação do ego a partir do inconsciente indiferenciado mediante o processo de discriminação das quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição". A divisão quádrupla de elementos, a cruz, as funções psicológicas, e ainda uma referência à base de princípios taoístas, podem ser observados na Figura 44. Figura 44 – Correspondência da base alquímica (elementos) e taoísta (princípios) com as funções psicológicas. Fonte: Elaborado pelo Autor, baseado em A Figura 45 traz a representação da amálgama das informações tanto da Figura 43 como da Figura 44. Justamente na Figura 43, ficam sobrepostos os enquadramentos e correspondências: dos quatro tipos policiais arquetípicos com as quatro funções psicológicas, os quatro elementos naturais, bem como a demonstração Página | 296 de quais são de base yin, quais são de base yang e o posicionamento correto das funções de julgamento (racionais) e as de apreensão sensorial (irracionais). Mas na Figura 45, traz uma possível representação de fator de desiquilíbrio ou incongruência do contexto de base yang (auto afirmativo). Trata-se de um deslocamento da função Intuição que se liga ao elemento Ar e da função Pensamento que se liga ao elemento Fogo. É uma forma ilustrativa de designar que no interim da função social de força-vigor, a guerra e a caça atuam como elementos de “enclausuramento operacional”. Implicando em um vetor de entropia que reafirma vertentes de impulsos, ao invés de compensá-los. Ou seja, um posicionamento correto deveria ter Intuição ligado ao Fogo, esse fogo passa a ser etéreo e não um fogo de magma terrestre, o fogo sutil age como purificador, o fogo comum é destruidor. Está regido pela função Pensamento associado ao Fogo, reafirma a característica de vingança de Samael. Em texto posterior farei correlação ao “Efeito Lúcifer” abordado pelo psicólogo Phillip Zimbardo, tal noção também pode ser associada à predisposição ao mal, citado por Freud em Mal na civilização ou por Thomas Hobbes em Leviatã. Figura 45 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica, as funções psicológicas, os elementos naturais e a representação da inversão do giroscópio institucional. Fonte: Elaborado pelo Autor. Página | 297 Tabela 15 – Correspondência mitológica dos tipos policiais Tipo policial Pai-zeloso Herói Aventureiro Guerreiro Expressões Correspondência com sistemas mitológicos Regente/Corregente Elemento natural Hebraica1 Greco-romana2 Yorubá3,4 Piedoso Adam/Ima (Adão materno) Atenas/Atermis (Minerva/Diana) Oyá/Xangô (Filha de Iemanjá) Água, Lago Mãe Guerreira Adam/Abba (Adão paterno) Atenas/Ares (Minerva/Marte) Oyá/Oyá (Filha de Iemanjá) Água, Tempestade Justo Chevah/Ima (Eva materna) Ares/Atenas (Marte/Minerva) Ogum/Xangô (Filho de Iemanjá) Terra Metal Justiceiro Chevah/Abba (Eva paterna) Ares/Eros (Marte/Cupido) Ogum/Oyá (Filho de Iemanjá) Fauna Madeira Sonhador Lilith/Ima (Lilith materna) Artemis/Atenas (Diana/Minerva) Oxóssi/Xangô (Filha de Oxalá) Ar Vento Caçador Lilith/Abba (Lilith paterna) Artemis/Eros (Diana/Cupido) Oxóssi/Oyá (Filha de Oxalá) Flora Madeira Patriota Samael/Ima (Samael materno) Eros/Artemis (Cupido/Diana) Exu/Xangô (Filho de Oxalá) Terra Metal Caveira Samael/Abba (Samael paterno) Eros/Ares (Cupido/Marte) Exu/Oyá (Filho de Oxalá) Fogo Metal Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (2) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (3) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (4) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (5) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. Correspondência dos tipos policiais com a mitologia greco-romana e yorubá Figura 46 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica greco-romana. Fonte: Elaborado pelo Autor. A não equivalência entre o sistema mitológico greco-romano e o yorubá não nos permite um alinhamento conclusivo, mas conseguimos trazer uma aproximação satisfatória. Os elementos essenciais casaram, o alinhamento mais surpreendente, em nossa opinião, é o de Oxóssi e Artemísia. A expressão mitológica yorubá é a que melhor manifesta a característica humana ambígua das figuras Página | 298 enaltecidas. Não é fácil explicar, nos outros sistemas que existem dois Ares ou duas Eva(s), mas na cosmovisão de origem africana-nigeriana, podemos perfeitamente dizer que um é Ogum com fundamentos com Xangô e outro é ele com Oyá. Apesar de acreditarmos não termos respeitado as idades desses dois irmãos, em tudo o que lemos em orikis Ogum é sempre mais velho, mas há passagens que demonstram uma maior sobriedade de Xangô, quando os dois já maduros. Na figura abaixo (Figura 47), apresentamos uma representação do efeito da influência de Xangô e Oyá como co-regentes, ou algo próximo a um “[ad]”+“juntó”. As expressões que estão sob influência direta de Xangô, são as versões mais consensuais daquele tipo policial, aquelas que essa influência é mais abundante de Oyá, é o mesmo tipo policial em sua versão mais aguerrida, furiosa. Figura 47 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica yorubá. Fonte: Elaborado pelo Autor. É realmente muito interessante que tenhamos construído os tipos policiais sobre as funções psicológicas segundo Jung (1976), porque na cosmovisão yourubá, ou na afro-brasileira (candomblé e ubanda) existam também as regências principais (de frente), auxiliar (“juntó”) e de direita e de esquerda. Em nossa aplicação peculiar, a corregência de Xangô e Oyá não impedem as confluências entre os membros do quaternário, assim como também ocorreu no sistema greco-romano. Página | 299 Figura 48 – Efeito da influência Xangô (Justiça) e Oyá (Vingança). Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. Página | 300 As pessoas dormem tranquilamente à noite porque existem homens brutos dispostos a praticar violência em seu nome. George Orwell227 CAPÍTULO 9 | DESMOBILIZANDO A CHAVE GUERREIRA Voltando a aludir a Leonardo Boff (2012), posso dizer que, para um patente agente do novo padrão civilizacional escolher a vida em preterição à morte, é algo sensato, óbvio e que não há dúvidas sobre a primazia da primeira sobre a última, fato este, que para os guerreiros, não é tão simples assim. A desmobilização da chave guerreira (DE PAULA [1987], 2005) não será um processo fácil, terá inúmeros percalços, o "deus", digo a ideologia autônoma que governa a casta guerreira não cederá espaço com parcimônia. O masculino agressivo cairá, fazendo o máximo de estrago possível que lhe estiver ao alcance. Portanto, cabe aos agentes do novo padrão civilizacional, prepararem-se para uma luta de altos e baixos, de conquistas e retrocessos. A principal arma do masculino agressivo é um tipo de honra desvirtuada, onde convalida ações intermediárias injustas em nome de um objetivo final. Quando os agentes do novo padrão civilizacional cedem aos intentos de "acirrar" o embate, passando a usar meios e se deixarem ser estimulados pelos mesmos princípios de guerra física dos remanescentes do masculino agressivo, justamente aquilo que estava sendo combatido, tomará o palco como vitorioso. Através da minha experiência entre os subgrupos mais conectados com o masculino agressivo da polícia militar, posso afirmar categoricamente, o poder de persuasão em convencer um herói-justo a se tornar um pretenso herói, agora justiceiro, possui uma força de atração em alguns casos aparentemente insuperável. A diferenciação entre o herói-justiceiro e os sujeitos regidos pela predominância de tipos como o guerreiro-patriota e o guerreiro-caveira é tênue. Portanto, a qualquer momento um guerreiro da "luz". (luz no sentido de está se direcionando ao arquétipo do simesmo integrado), pode sucumbir pelos caprichos da forma egocêntrica típica da busca pela satisfação dos prazeres envoltos ao sangue, a adrenalina e o desejo de vencer a qualquer custo. Poderia dizer que, nessa "guerra", quem vence, na verdade, perde. Para realmente ganhar, tem que perder. Perder a impulsividade de ser o primeiro, de ser o que mais tem, de ser o melhor em detrimento dos outros. Tem que perder a ilusão de que haja algum tipo de vantagem em vencer por meio da destruição do outro. Agora, você vá até um guerreiro estatal-urbano (um policial) e diga a ele que, ele tem a prerrogativa de matar, mas ele vence, quando não a usa. Diga a ele que socialmente tolera-se sua impostação, de peito estufado, voz altiva, olhar penetrante e ameaçador, para suplantar a intenção desviante de alguma pessoa, mas é até aí que se tolera; o que passa disso entra num estado de círculo vicioso, que por algum tempo vai "servir" aos propósitos de controle populacional, mas em um dado momento, a recursividade dessas práticas irá aprisionar o próprio policial em uma forma degradante de atuar e 227 Epígrafe do livro Violência: Seis reflexões laterais de Slavoj Žižek. Página | 301 experimentar a vida. Pouco a pouco, ele se tornará intolerante com pequenos desvios, cometidos inclusive por seus familiares e amigos. E desvio, em certo momento, não será mais aquilo que está coletivamente em desacordo, será aquilo que desagrada pessoalmente o guerreiro. Eu: um oficial aventureito-sonhador tornando-se um caçador Eu sou extremamente intuitivo, em tudo faço elaborações complexas baseada na visão do todo, em menor proporção eu tendo a julgar, quando o faço ocorre pela escala de valores internos, sou duas vezes mais extrovertido, realizandome nas atividades para o outro, mas possuo uma reserva de tempo e energia dedicada para o desenvolvimento interno. Em tudo sou cauteloso, aguardando o momento mais oportuno para decidir, ou até mesmo deixando-o passar. Assim posso me classificar a partir da descrição da tipologia Myers-Briggs elaborada por Tânia Casado (1993) e pelo formulário de teste de perfil psicológico da empresa britânica NERIS ANALYTICS228. Para atuar como policial militar, esse perfil me fez voltar para o tipo policial Aventureiro e naturalmente manifestar a expressão Sonhador. Isso me qualificava como uma peça rara na área administrativa e de apoio operacional, mas para ser um bom policial de rua me faltava alguns requisitos. Precisava ser mais assertivo, ponderar menos os efeitos de minhas decisões e estando certo ou não, simplesmente agir. Precisei disciplinar minha função de percepção sensorial, o que não era muito fácil devido o fato de ser a minha função inferior (VON FRAN, [1971] 1990). Mas naquilo que eu não sentia diretamente, passei a colher as informações pela reação das pessoas e para tanto meu desempenho dependia, sobretudo, da confiança para com os integrantes da equipe. Com o tempo, passei cada vez mais a liberar minha libido para o mundo exterior, isso causou revoluções em minha vida pessoal, já que essa característica reprimida assegurava a compassividade. Não demorou muito, para eu ter gosto pela ideologia hegemônica, não porque era “correta” ou acertada, muito pelo contrário, eu tinha conhecimento suficiente para saber o quanto inócua era o conjunto de ações de caça “gato ao rato”, mas o que era realmente relevante era ao fato da caçada ser simplesmente emocionante. Aqui me vejo hoje, como quem estava deixando impulsos mais densos, mais próximos da natureza animal aflorarem, estava passando por processos de cunho dionisíaco, mas estava cada vez mais me tornando menos entusiasmado e mais eufórico. Os eufóricos, por estarem embriagados, perdem a oportunidade de crescimento interior no encontro das águas indomáveis do inconsciente e passam a manifestar apenas a etapa sombria de Dioniso (JUNG, [1960] 1976). A instituição carece de instrumentos simbólicos para suprir o desenvolvimento dos integrantes de forma saudável. Ou ela desistimula quase que por completo o ânimo do sujeito ou ela lhe compele para uma ação extremada e perigosa. As expressões Piedoso, Justo e Sonhador respectivamente dos tipos policiais PaiZeloso, Herói e Aventureiro, não tem suporte para se desenvolverem e se alicerçarem 228 Teste de perfil psicológico <https://www.16personalities.com/br>. da empresa britânica NERIS ANALYTICS, disponível em Página | 302 como compensação no seio institucional, eles são abertamente confrontados para que se convertam em suas contrapartes de expressões mais sombrias e posteriormente aceitem, pratiquem e divulguem cada vez mais a hegemonia do Guerreiro, sobretudo, não seja obstáculo a “honrosa” epopeia dos Caveiras, sem os quais diz o discurso dominante, não poderíamos ter força e assertividade na resolução de probelams de grande vulto. Hoje minha avaliação criteriosa sobre os fatos, sem paixões, aponta para a indispensabilidade do vigor do guerreiro, mas também aponta que ele não precisa ser o regente da ideologia hegemônica, deve ser uma reserva de forças a ser usada como instrumento e não o contrário, usar os demais como seus súditos e cúmplices de jogos sujos e sangrentos. Justificando o foco na ideologia hegemônica atual Este presente trabalho teve como objetivo a identificação do quadro de modelos mentais, sobretudo, aqueles que geram a resistência às mudanças institucionais, portanto, vou concentrar-me nos complexos-arquétipos que regem a ideologia hegemônica em vigor, portanto, este capítulo nos conduz a entender a atuação do guerreiro-caveira e do aventureiro-caçador. Apesar de identificar também os modelos mentais e os processos inerentes a eles, daqueles que são socialmente convergentes (pai-zeloso, aventureirosonhador e herói-justo), o destaque recaí sobre os socialmente divergentes. São as chaves da dinâmica psíquica institucional que mantém fechadas as portas para caminhos de alteração dos cenários até então impostos. Em um futuro trabalho, pretendo traçar um possível esquema de estrutura, processos e conteúdo mental das agências policiais da visão prospectiva alternativa, na qual a polícia é uma agência humana de cuidado e proteção. Por ora, devo focar, naquilo, que em suma, tem impedido os esforços de mudança, o que pelo próprio volume de páginas, pode-se perceber já ser uma difícil tarefa intelectual. O Efeito Lúcifer Em suma, este tópico irá abordar sobre o quanto predisposição ao bem e ao mal social estão na mesma pessoa e na mesma instituição. E está preponderantemente no exercício de uma gama ou outra de atitudes e comportamentos é uma questão que por ora está ligada a se permitir ser influenciado por fatores indutores ou ser influenciado por outro conjunto de indutores num nível não consciente e, portanto, a revelia do agente volitivo. Antes se seguir o curso da análise dos conceitos de Phillip Zimbardo, considerados pela crítica acadêmica como situacionais em demasia (PONTES e BRITO, 2014), devemos deixar claro nosso posicionamento em relação às contradições suscitadas pelo conflito entre duas correntes dos estudos sociais. Esse Página | 303 esclarecimento e definição de posição servirá para minimamente desbloquear o entrave que alguns possam ter apenas em se prestar a considerar algo que venha da corrente contrária de pensamento. Uma corrente, como nos informa Arthur Bezerra (2011) é dos que enxergam “uma submissão dos bens e das práticas culturais aos interesses das classes economicamente favorecidas” e a outra dos que proclamam “a autonomia da cultura, cuja dimensão não poderia ser reduzida à estrutura social externa”. Arthur Bezerra (2011) aponta como representantes emblemáticos dessas correntes: Pierre Bourdieu da primeira e Jeffrey Alexander da segunda. Creio que já deva ter ficado claro, ao longo deste trabalho, que usei fontes de ambas as correntes229. Que todo o cunho de enfoque psicológico e mítico veio a tratar justamente dos processos autônomos que refletem na cultura humana. Esse enfoque possibilitou que chegássemos às profundezas da dimensão sutil dos sistemas sociais humanos, o que fizemos sem, no entanto, sermos iludidos pela não constatação de uma instrumentalização desses saberes por classes dominantes, que agem como donatárias dos recursos que corporificam a estrutura social. Portanto, não deixamos de admitir a paulatina e orquestrada construção histórica do concreto que se pode ver nas práticas humanas envolvidas na atividade de polícia, desenvolvemos alguns desses aspectos no Capítulo 6 e bastante analisadas no Capítulo 10. A prova disso é que importantes contribuições de Zizek, Mèszáros, Althusser, Agabem, Benjamin e inclusive Milton Santos e Pierre Bourdieu podem ser vistos ao longo do trabalho. Mas longe de enxergar na possibilidade de discordar em parte de algumas referências ao panteão sociológico da academia franco-brasileira, como blasfêmia, tivemos ao menos a curiosidade de ver por outros prismas. Esses outros prismas não nos pareceram referências que devam ser descartadas de antemão simplesmente por discordância ideológica-partidária. Ou seja, aquilo que alguns tendem a refutar em Phillip Zimbardo, no tocante a comportamento de grupo, sem ao menos conhecer melhor sua obra, acabam por endossar quando o mesmo é dito por Zizek ou Adorno, pois ambos bebem da mesma fonte: Gustave Le Bon, por vezes por intermédio de Sigmund Freud. Há sim aspectos não possíveis de plena manipulação por classes sociais favorecidas numa autêntica Sociologia do Mal, contudo conhecer minimamente a dinâmica desses aspectos-processos pode lhes garantir a indução de massas favoravelmente aos seus interesses. Mas é sobre esses aspectos autônomos, que são ativados por condições ambientais e situacionais, que quero discorrer. Seja diretamente por Le Bon ([1895] 1905) em “Psicologia das Multidões” ou por Freud ([1920] 2013) em “Psicologia das Massas e a Análise do Eu” ou ainda por sua “Carta a Einstein” (1932). O quadro geral que esse esboça, também pode ser apreendido de “Efeito Lúcifer” de Zimbardo (2008), aludi a como pode um indivíduo, para o qual possamos compreender seus instintos e formas de satisfazer suas necessidades pessoais pode “pensar, sentir e agir de maneira inteiramente diferente daquela que seria esperada” Tendo escrito inclusive um artigo próprio sobre a “Indispensabilidade da Teoria Crítica para a abordagem socioecológica: desarticulando a ecologia das ideias danosas”. 229 Página | 304 quando está incluso num “grupo psicológico” (FREUD, 2013). Freud (2013) pergunta pode o grupo ter “a capacidade de exercer influência tão decisiva sobre a vida mental do indivíduo? E qual é a natureza da alteração mental que ele força no indivíduo?”. Zimbardo (2008) explica o Efeito Lúcifer observado em sua experiência de prisão simulada na Universidade de Stanford, em 1971 como análogo àquele observado na prisão de Abu Ghraib, na ocupação do Iraque e relatado no livro “Procedimento Operacional Padrão”, de Philip Gourevitch e Errol Morris (2008). O experimento de aprisionamento da Universidade de Stanford foi um marco no estudo psicológico das reações humanas ao cativeiro, em particular, nas circunstâncias reais da vida na prisão. Foi conduzido em 1971, por uma equipe de pesquisadores liderados por Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford. Voluntários faziam os papéis de guardas e prisioneiros - e viviam em uma prisão "simulada". Contudo, o experimento rapidamente ficou fora de controle e foi abortado. Seria pertinente falar no horror visto em Abu Ghraib em qualquer tipo de comparação com a atividade policial militar no Brasil? Creio que é preferível não detalhar as cenas e espero que seja entendido o porque de não fazê-lo, mas peço que se confie na palavra de um ex nativo, que tudo aquilo que se pode ver nas fotos da prisão iraquiana poderia ser obtido se todos os passos das guarnições da PM fossem registradas, em cada periferia desse país. E, portanto, parafraseio Jung (1959), para quem encara o mal como uma fantasia, eu gostaria de dizer que eu vi o mal, ele é real e quando ele se instala no psiquismo do grupo coeso, em cada olhar dos integrantes pode-se ver uma chama negra e um flamejar encarnado. O que nos informa esse antecedente experimental pouco ortodoxo de Zimbardo (2008) e Milgram ([1973] 1983) que de certa forma endossam os textos de Adorno (1982 apud CÉSAR DE OLIVEIRA, 2010), especificamente no tocante ao nosso estudo sobre a Polícia Militar? Para responder a essa pergunta, creio ser válido trazer um trecho do psicanalista e ecólogo humano Juracy Marques (2017) sacabar de vez com essa falaciosa pretensão utópica, de que a curto prazo, estejamos livres dos percalços advindos dos fatos constatados tanto por Phillip Zimbardo (2008) como por Stanley Milgram (1983), desde que acertadamente interpretados com o auxílio de Alexander Haslam e Stephen Reicher230 (2012). A Carta de Einstein a Freud: a violência institucional e a violência institual O trecho de Marques (2017) é, na verdade, uma alusão a um evento curioso da trajetória de Sigmund Freud que envolve Albert Einstein. Em julho de 1932, como uma proposta da Liga das Nações (o embrião da ONU), Einstein envia a Freud uma carta com o seguinte problema: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?”. Em setembro, vem a resposta de Freud, uma reflexão que HASLAM, S. Alexander e REICHER, Stephen. D. Contesting the “Nature” Of Conformity: What Milgram and Zimbardo's Studies Really Show. PLOS Biology, vol. 10, issue 11. Publicado em 20 nov. 2012. Disponível em <http://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.1001426>. 230 Página | 305 acompanha a evolução humana. E aceita o desafio a partir do ponto de partida definido por Einstein: a relação poder versus direito. Quando Zimbardo (2008) diz que o mero exercício do poder é a maldade em si, temos que considerar como endosso a Freud (1932): “O senhor [Einstein] começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me substituir a palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua ‘violência’”. Rene Girard (1998) inicia sua teoria mimética, dizendo que o poder institucionalizado parte de uma violência a ser contida por sua transmutação em sacrifício231. Portanto, a relação entre direito e violência, parece-nos tal qual Reis (2000) nos fala de uma lógica social e uma lógica natural. Existe uma lógica “artificial” que enseja a violência simbólica e física instrumentalizada por trás da cortina da injustiça estruturante, denunciada pela Teoria Crítica. Existe uma outra lógica, a natural que tem a violência por instinto e nela o animal humano se regozija na tortura, no aniquilamento, no derramamento de sangue. Na continuação da carta, Freud (1932) contextualiza muito bem o dilema na esfera de atuação da Ecologia Humana: “é, pois, um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir”. E nesse sentido, durante este trabalho eu não perdi de vista as lições de Richard Wrangham e Dale Peterson (1998) e de Walter Neves e Eliane Rapchan (2017), sobre nossa herança primata232. Mas esse é um “planeta simbólico” (MARGULIS, 2001) e o Homo sapiens se tornou a única espécie representativa, por enquanto, dessa qualidade ambiental, depois da extinção dos demais hominídeos. E, portanto, assim como faz Harari (2015), Freud (1932) também diz, que além desse nível biológico-institual há outro no domínio da linguagem: “No caso do homem, sem dúvida ocorrem também conflitos de opinião que podem chegar a atingir as mais raras nuances da abstração e que parecem exigir alguma outra técnica para sua solução”. Tais técnicas diferenciam a guerra primitiva do esforço de guerra estratégico e até de sofisticados sistemas de perduração do domínio de vencedores sobre vencidos em engenhosas ações sociopolíticas, nos intercursos “aparentemente” de paz. Nesse ponto da carta de Freud a Einstein, podemos ver juntos os pensamentos de Foucault (2008) e Clausewitz ([1832] 1884)233. Para Freud (1932) “[...] matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual” daqueles homens das sociedades primitivas. Mas contra esse impulso de matar, vinha uma “reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis, se fosse deixado vivo e num estado de intimidação”. É assim, portanto, que Freud (1932) crer que “a violência do vencedor” passa a contentar-se “com subjugar, em vez de matar, o vencido”. 231 Sobre a conversão da contenção da violência mimética ou imitadora no termos de Girard (1998), indica-se o tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal” do Capítulo 7. Sobre essa passagem de sociedade natural para sociedade política, proponho a releitura da introdução do Capítulo 6. 232 Tratamos do efeito espelhar de nossa herança evolutiva por sobre nossa organização social no tópico “Pessoa Organizacional”, do Capítulo 4. 233 Tal qual Nota 23: Clausewitz e Foucault não podem ser esquecidos, no “a política é a continuação da guerra por outros meios” e vice-versa. Página | 306 Freud (1932) faz em algumas linhas uma ponderação que alude a “conflitos de opinião” e interesses regidos, portanto, pelo direito, o qual para ele não de deixa de ser violência, mas violência da maioria contra alguns, ou dos vencedores sobre os vencidos. Freud (1932) chega a propor uma solução paradoxal, em que uma grande guerra o suficiente para suplantar todos os opositores estabelecesse “o reino ansiosamente desejado de paz perene”. Vejamos que tal concepção não ficou longe das pretensões dos grandes Faraós, do Império Medo-Persa, de Alexandre Magno, bem como do Reich alemão e está nas pretensões messiânicas. Tais ponderações são muito pertinentes, mas fiquemos com a base biológica-psicológica por trás da violência e da guerra, na carta de Freud a Einstein: O senhor expressa surpresa ante o fato de ser tão fácil inflamar nos homens o entusiasmo pela guerra, e insere a suspeita, de que neles existe em atividade alguma coisa “um instinto de ódio e de destruição” que coopera com os esforços dos mercadores da guerra. Também nisto apenas posso exprimir meu inteiro acordo. Acreditamos na existência de um instinto dessa natureza [...] (FREUD, 1932) Portanto, como havíamos iniciado a questão na Introdução desta dissertação, havendo uma manifestação da violência que é de instinto, “de nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens” (FREUD, 1932). Esse tal “instinto destrutivo”, diz Freud (1932), “pudemos supor que esse instinto está em atividade em toda criatura viva e procura levá-la ao aniquilamento”. E qual é sua intenção última? “Reduzir a vida à condição original de matéria inanimada” (FREUD, 1932). Tal instinto do mundo interior do organismo, manifesta-se direcionado para o ambiente quando consegue o auxílio de algum “órgão especial”, seja a fala, as mãos, a cauda, uma secreção etc. Segundo Freud (1932), “o organismo preserva sua própria vida, por assim dizer, destruindo uma vida alheia”. O uma quatidade residual de energia mortífera que ao invés de desembocar no exterior, é internalizada no inconsciente. Sendo paradoxal ou não, sendo moralmente reprovável ou não, ao certo é que quanto mais destruir o organismo de autopreserva. Quando “essas forças se voltam para a destruição no mundo externo, o organismo se aliviará e o efeito deve ser benéfico” (FREUD, 1932). Como condenar em plenitude uma instituição como a Polícia Militar que carrega em si esses impulsos? Ela carregando, livra o restante da população de fazêlo. Torna-se sozinha culpada por nossos pecados. É bem algo como a PM que nos conscientiza sobre quem somos é partir de algo fora do controle, é com a PM que se pode ter a noção que qualquer um de nós pode sair do controle. Saber que algo é mal em contraste do bem, que nos deixa conscientes diferenciados da doce inocência da integração à natureza: “Foi-nos até mesmo imputada a culpa pela heresia de atribuir a origem da consciência a esse desvio da agressividade para dentro” (FREUD, 1932). Assim como muitos criticam a abordagem de Zimbardo (2008) porque parece dar cabimento a uma “desculpologia”, parece que Freud (1932) também estava ciente deste revés como resultado de suas conclusões: “[...] isto serviria de justificação biológica para todos os impulsos condenáveis e perigosos contra os quais lutamos [...]”. Sendo que a possibilidade de desculpologia de Zimbardo (2008) recaí sobre as Página | 307 instituições e a de Freud (1932) a uma predisposição genética. Mas ambos se perguntam: porque certas pessoas não se alinham a isso, por mais que sejam expostas aos indutores da violência? Zimbardo lembra que em sua experiência ele estava emocionalmente envolvido e passou a “banalizar” os excessos praticados, foi sua namorada, professora universitária e futura esposa que o parou; em Abuh Graib, enquanto os solados estavam todos seduzidos pela euforia sanguinária das torturas, um soldado desafiou o status institucional e denunciou o que estava ocorrendo. Se tivermos que aludir aos eventos que disparam as reflexões de Adorno e Arendt, enquanto alemães, austríacos e russos estavam dirigindo e colaborando com a atividade genocida da Segunda Grande Guerra, haviam alemães que não podiam deixar de fazer algo para salvar pessoas condenadas à morte. Freud (1932) lembra a Einstein que enquanto esses dados a serem violentos estão por aí, também há uns como eles que trocavam cartas naquela oportunidade, que se esforçavam contra o cometimento de tais “atrocidades”. Por que o senhor, eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra? Por que não a aceitamos como mais uma das muitas calamidades da vida? Afinal, parece ser coisa muito natural, parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na prática (FREUD, 1932). Segundo Freud (1932) poderíamos elencar nobres motivos do domínio simbólico, onde temas como ética fazem sentido: “[...] reagimos à guerra dessa maneira, porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque a guerra põe um término a vidas plenas de esperanças”, ele prossegue, citando outros bons motivos para que alguns de nós nos insurjamos contra a guerra, “porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade” (FREUD, 1932). Esses motivos tem um forte impacto nas consciências dos policiais militares que não foram totalmente capturados pela ideologia hegemônica institucional. Mas em uma última análise, para o fundador da psicanálise, tudo isso não passa de desculpas que encontramos para justificar nossa propensão biológica para o estado de pacificidade, de mansidão, inscrito em nossos genes que haveriam sido alterados depois de tanto tempo desprezando a luta corpórea como essencial à vida (FREUD, 1932). Freud (1932) fala de uma “evolução cultural” que estaria impactando geração após geração na inibição ou desativação dos instintos biológicos de guerra, da predisposição aos atos corporeamente atuantes em expressão autoafirmativa de sobrevivência. Até então a evolução cultural teria permitido que ser predisposto à luta, a vitória pelos músculos, não fosse maior vantagem que a capacidade de ser cooperativo ou intelectualmente produtivo (FREUD, 1932). Mas um efeito colateral seria tal qual o mesmo tipo de manifestação no reino animal, a domesticação prolongada por milênios, fez do lobo, cachorros domésticos e de touros selvagens em gado manso, que em tudo são dependentes de uma ordem do domesticador e que expõe essas populações de espécies derivadas da perda do instinto selvagem à predadores e até mesmo aos espécimes de seus próprios antecedentes que Página | 308 coexistem com eles234. O homem ainda institivamente selvagem é nessa reflexão absolutamente o lobo do próprio homem que se permite à domesticação civilizacional (GOYA, 2014). As modificações psíquicas que acompanham o processo de civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo deslocamento dos fins instintuais e numa limitação [...] sensações que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos. (FREUD, 1932). Para Freud (1932), “Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas consequentes vantagens e perigos”. Particularmente, eu cheguei à concepção da casta bioantropológica dos guerreiros, sem ter lido Freud, mas agora diante do que esse mestre nos coloca, fica plausível supor que realmente exista biologicamente uma parcela da população humana predisposta às atividades de guerra e uma outra que introjetou os efeitos da “domesticação” e da sedentarização, ou seja, do processo civilizatório. Portanto, Freud (1932) que parece, assim como Jung (1959), um tanto fatalista, dá-nos um alento: “tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra”. Portanto, concluímos que não há uma única chave guerreira; as chaves guerreiras formam uma herança concorrentemente: biológica, comportamental e cultural. E para cada tipo de chave precisamos de mecanismos diferentes de desmobilização. Entropia sistêmica e a queda moral É oportuno destacar que o mito sobre Samael e a terça parte dos anjos do céu, bem como, o imaginário das lendas urbanas sustentado por uma cultura cinematológica própria, que abordam comportamentos variantes de personalidades mitológicas até então consideradas apenas luminosas, demonstram ao todo, de forma muito apropriada que anjos e demônios não são espécies de seres diferentes. São os mesmos seres, em estados diferentes de consciência ou de intenção, mudança operada pela vontade própria do ser individualizado ou sob influência de outros. O mito sobre a queda do arcanjo Samael e da “novela” do Jardim do Éden tem nos oportunizado um rico recurso heurístico ao serviço de uma didática explicação sobre processos mentais primordiais. Neste ponto, gostaríamos de pinçar, entre tantos aspectos, um evento em particular, que no tópico “O filho do Pai” do Capítulo 7, explicitado pela sentença, a qual recorremos novamente, transcrevendo-a: 234 Talvez esse processo esteja levando à extinção a raça humana, pois em mais de um sentido ele prejudica a função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicam mais rapidamente do que as camadas superiormente instruídas. Talvez se possa comparar o processo à domesticação de determinadas espécies animais, e ele se acompanha , indubitavelmente, de modificações físicas; mas ainda não nos familiarizamos com a idéia de que a evolução da civilização é um processo orgânico dessa ordem. Página | 309 “justamente, o filho de “Yau”, esse “Sam” estava experimentando em seu interior uma convulsão de ordem estrutural mental, dúvidas corroíam sua harmonia”. Portanto, diferente do que se possa imaginar, ao consentir em chamar essa dinâmica caótica de Efeito Lúcifer, tal qual fez Phillip Zimbardo (2008), não estou misticamente atribuindo a ocorrência dela na mente humana à influência dessa entidade mítica. Estou apenas dizendo, que quem quer que tenha compilado o mitologema desenhou narrativamente a circunstância pela qual todos nós que sustentamos uma identidade psíquica consciente por meio de um complexo egoico, tendemos a uma perda espontânea do foco mental, se não nos esforçarmos para mantê-lo em uma devida ordenação (CURY, 2008). Samael, portanto, não seria o causador de tal efeito, ele teria sido mitologicamente o primeiro a que fora arrastado por essa desestruturação mental. E toda a obscunridade, atribuída a sua personalidade caótica como Satã, é uma representação enfática do tenebroso quadro ao qual qualquer um de nós pode chegar, caso não possamos manter um esforço continuado pela regeneração e sanidade do conjunto de nossa mente. Mas a necessidade de manter um esforço continuado revelaria, ao certo, uma tendência à desordem. Um sistema que de alguma forma não está hermeticamente fechado e, portanto, sofre entropia. Figura 49 – Representação Gráfica do Efeito Lúcifer como ação entrópica de queda moral. Fonte: Elaborado pelo Autor. E nisso, reside nossa específica analogia aos policiais militares, com esse panteão de regência angelical-demoníaca. O próprio policial pode ser ele mesmo em dada circunstância um “demônio” social e em outra ocasião atuar como um “anjo” protetor. O mesmo se dá com a instituição, como ente social vivo. Ora uma espécie nativa ajustada ao meio circundante, ora uma espécie alienígena invasora. Página | 310 “Causos” de polícia e o efeito de queda moral Em certa profundidade dessa queda moral, e nisso vem bem a acalhar alusão ao "efeito Lúcifer" de Phillip Zimbardo (2008), o guerreiro tomará para si o papel de juiz sumário de uma ilusória corte marcial no próprio campo de batalha e ele mesmo aplicará a pena, pois a carga de bioenergia proveniente desse círculo vicioso lhe insuflará o ego, estando inchado, ele se considerará o embaixador do deus a que serve. O acúmulo ou dinâmica dessa bioenergia (psíquica) consegue inclusive romper as barreiras do superego pessoal e coletivo, livre das amarras morais e sem a maturidade para operar num ambiente onde não existe mais certo ou errado, o certo é aquilo que lhe convier. Nas lendas e causos da Polícia Militar de Alagoas, mais especificamente no Sertão, existe duas histórias que me são muito caras como ilustração desse efeito de queda moral. São muito próximos em localização geográfica e contexto, mas diferem em pelo menos 50 anos. Em certo momento da caçada de coronel Lucena Maranhão, na época provavelmente tenente ou capitão, ele deixou uma equipe na responsabilidade de guarnecer a localidade, hoje cidade de Ouro Branco, na divisa com o Estado de Pernambuco. Lucena, que estava pessoalmente comprometido no percalço de Lampião, teve que administrar inúmeros conflitos de questões pessoais e de intrigas internas do corpo miliciano e político. Mas, contam os relatos que uma das situações que mais lhe desanimou a não mais está em campo, foi a forma brutal que um desses membros da equipe que guarnecia Ouro Branco, matou e retalhou um sujeito em praça pública, pelo simples motivo de não lhe ser favorável. Figura 50 – Coronéis da força pública: Lucena Maranhão, Cavalcante e Nascimento. a) Coronel Lucena Maranhão (Busto de bronze) b) Coronel Cavalcante c) Coronel Nascimento (Personagem de Wagner Moura) Fonte: a) Busto de bronze, pintado, do coronel Lucena Maranhão, fixado no pátio do 7º BPM, na cidade de Santana do Ipanema, Sertão de Alagoas. Imagem do acervo pessoal do Autor. b) Coletado no site Alagoas na Net, matéria “Tribunal de Justiça anula julgamento que condenou Manoel Cavalcante”235, de 30 jan. 2013. Foto de Ailton Cruz do jornal Gazeta de Alagoas, estilizada para despersonalizar a imagem. c) Personagem denominado de coronel Nascimento, encenado pelo ator Wagner Moura, no filme “Tropa de Elite 2: Agora o inimigo é outro”. Coletado do blog pessoal do ator <http://oficialwagnermoura.blogspot.com.br>. Eu comandei a 2ª Companhia do 7º Batalhão sediada em Ouro Branco. E toda vez que eu passava na praça, eu me lembrava disso, já que de 235 http://www.alagoasnanet.com.br/v3/tribunal-de-justica-anula-julgamento-que-condenou-manoel-cavalcante/ Página | 311 alguma forma, vestido da indumentária de miliciano, eu era um dos herdeiros desse legado. E não foi apenas uma ou duas vezes, que eu mesmo me flagrei dando os primeiros passos para essas atitudes arbitrárias, as quais conscientemente em discurso eu combatia. Para mim era muito difícil não fazer a comparação entre coronel Lucena Maranhão e coronel Cavalcante. Todos os dias quando eu ia trabalhar o busto de bronze do coronel Lucena Maranhão estava lá, no meio do pátio do 7º Batalhão de Polícia Militar, em Santana do Ipanema. Na mente, expostas pelos discursos ainda correntes dos policiais e da população estavam vivas, as memórias sobre como o então capitão, e posteriormente major Cavalcante atuava na região. Como comandante autônomo coronel Cavalcante atuou na região do Litoral Norte, comandando o 6º Batalhão em Maragogi. No Sertão, em Santana do Ipanema, ele não foi comandante como Lucena, mas sua influência ultrapassava o poder formal da autoridade dos comandantes do 7º BPM, que precisavam ter muita cautela e firmeza para exercer seu cargo sem sucumbir à influência paralela e sem chocar-se frontalmente com ela. Coronel Lucena Maranhão vivenciou a situação similar com os delegados de Penedo e de Piranhas. Lembrar-se de Santana do Ipanema, para mim suscita muitas lembranças, praticamente aprendi a ser adulto naquela localidade do Sertão de Alagoas, foi minha primeira residência fora da casa de meus pais, a primeira moradia depois de casado, onde comecei a criar juntamente com minha exesposa, meus três filhos, de onde parti em certa madrugada aos 180km por hora, pelas rodovias do Sertão, para chegar à Arapiraca, na tentativa de salvar a vida do meu filho Gabriel, nascituro. Era justamente nas madrugadas, dos plantões, nessas mesmas rodovias que, juntamente com a equipe de Operações Especiais do 7º BPM (Pelopes), eu vinha das missões normalmente de Patrulhamento Tático e de Supervisão de Área, e descendo a última curva da AL-130, no sentido proveniente de Olho D’Água das Flores, chegando à Santana do Ipanema, que eu via a cidade toda iluminada, eu sabia quase a totalidade da população estava dormindo, descansando, guardada por quem? Nós nos sentíamos os guardiões desse povo. Figura 51 – Símbolos das frações operacionais em que o Autor atuou. a) Brasão do Pelopes adotado no Interior de Alagoas b) Viatura utilizada pelo Pelopes no Interior de Alagoas c) Brasão do Pelopes do 9º BPM, Delmiro Gouveia/AL Fonte: Imagens de acervo pessoal. a) Bordado com o brasão do Pelopes, padrão do 3º BPM de Arapiraca, por vezes replicado pelas outras Unidades, fixado na capa tática do colete balístico, por sobre o lado esquerdo do peito. b) Página | 312 Grafismo institucional da viatura, modelo Blazer, marca GM, usada pela Polícia Militar de Alagoas, alocada para os Pelotões de Operações Especiais dos batalhões e companhias independentes do Interior. Na porta do motorista, lado esquerdo, está grafada o brasão equivalente ao do BOPE alagoano. c) Brasão não oficial do Pelotão de Operações Especiais do 9º BPM, de Delmiro Gouveia/AL, que passou muito tempo sendo uma das tropas especiais de Caatinga de Alagoas. E eu tinha a certeza, que por todo o Estado, meus contemporâneos de Academia, estavam naquele momento em plantões de serviço semelhante ao meu. Que por todo o país, sargentos e tenentes comandantes de guarnições sentiam o mesmo que eu. Viviam as mesmas dificuldades e orgulho. Guardiães de um povo que por vezes nos admira e em outras vezes não nos entende, num misto de necessidade e rejeição, de fascínio e desprezo. Santana do Ipanema foi onde eu tive experiências religiosas-espirituais. Foi onde sofri uma profunda depressão, sem saber qual significado da minha vida. E posso confirmar veementemente, entre outros fatores pessoais, os desdobramentos da escolha pela profissão policial foi decisivamente marcante para o aprofundamento dessa noção de disparidade entre meus princípios internos e os desvios necessários para se adaptar a vida policial militar. Por tudo o que eu ouvi de meus colegas de farda, tenho convicção que muitos deles passaram por situações criticamente decisivas em suas vidas, suscitadas pelos mesmos motivos. Em certa oportunidade, sedento por preencher novamente minha vida de um sentido profundo de conexão com o todo circundante, eu fui a um templo da fé cristã protestante, escolhido em cima da hora, na posição de palestrante estava um major da Polícia Militar, que até então eu não o conhecia, nem sabia que era policial. Ele era um dos oficiais, que como eu naquela época, tinha sido um recém chegado no batalhão. No caso dele, o batalhão de Maragogi, ele tinha sido oficial moderno fiel aos propósitos do comando de coronel Cavalcante. No desbaratamento da gangue fardada, ele escapou das acusações mais sérias, mas viveu um momento de profundo ostracismo. Sua vida tinha perdido o sentido, até que se converteu de agente da morte, para agente da vida. Até que se firmou no lado oposto da luta. Ele deixou de ser perseguidor como Saulo de Tarso e passou a ser Paulo de Cristo. Ouvindo seu testemunho, eu não consegui ficar de pé, literalmente me faltou forças e desabei emocionalmente me entregando a possibilidade de novas formulações mentais. Teve um fato que eu observei anos depois, nesse major, hoje tenentecoronel (finalmente ele chegou à mesma patente do seu antigo mentor, Cavalcante, mas sem aprofundar-se na queda moral que inevitavelmente não é sustentável). Ministro de uma denominação religiosa de grande vulto no Estado, chefe de seção do Estado Maior, eu via nele, que apesar de ter se livrado do fundo poço, ele não largava reminiscências incompatíveis a uma verdadeira agência da vida, que infelizmente a Polícia Militar insiste em carregar. É, portanto, incompatível ser um agente do novo padrão civilizacional, sem que se rejeitem alguns refugos do modelo patriarcal e do instinto imperialista. Mas, tenho que destacar mais que isso, que simplesmente, não cair no abismo da queda moral e poder levantar a cabeça novamente, é um passo indescritível. Dessas reflexões, tive que entender que cai aquele, que orgulhosamente numa espiral decrescente se coaduna cada vez mais com as práticas obscuras, bem como, aquele que luta para subir pelas paredes do poço de lama e sair dele, rejeitando aquelas práticas, mas preso organicamente e inconscientemente, acaba satisfazendo- Página | 313 se por algumas dessas práticas. Aquele primeiro, caí sentindo prazer, ele nem sabe que é uma queda. Na verdade, ele acredita, que está se tornando mais homem, mais forte, aproximando-se da liberdade divina do juízo sobre os outros. Já o outro, sofrerá porque suas forças conscientes serão inúteis para romper o círculo vicioso nutrido pelo seu próprio querer interno oculto. E como não abraçou de vez a missão de forte algoz, será preterido institucionalmente, como indivíduo útil, mas subalterno às pretensões da ideologia hegemônica. A hegemonia do guerreiro e do aventureiro Continuando o uso do método de “arqueologia simbólica”, pretendo nesse tópico, explanar sobre quem são, como atuam e qual a importância ecológica, até então atribuída, dos trabalhadores da caça noturna. Para tanto, inserido no trabalho de etnografia digital, coletou-se algumas imagens representativas de certo segmento de atuação da Polícia Militar, da Guarda Municipal e da Segurança Privada no Brasil. A Figura 53, uma das imagens a ser sondada, trata-se de uma guarnição de ROTA da PMESP. A ROTA (Batalhão de Rondas Tobias Aguiar) é uma unidade de Patrulhamento Tático Urbano, uma tropa de elite, não de missões especiais esporádicas, mas de um diuturno e árduo trabalho de “limpeza” do submundo da Grande São Paulo. As frações de Força Tática dos demais batalhões e das companhias da Polícia Militar bandeirante 236 tem na ROTA sua inspiração, bem como, as equipes de ROMU (Rondas Ostensivas Móveis – Municipais – Urbanas) de diversas guardas municipais de grandes centros, sobretudo, do Sudeste e Sul do país. A mesma indumentária e simbologia, do relâmpago, da águia, da caveira, das armas cruzadas em substituição aos ossos, do braçal preto com letras douradas, a boina inclinada e o patrulheiro projetado para fora da viatura, em atenção visual ao que ocorre em via pública, conecta o imaginário compartilhado dos homens e mulheres que compõe essas equipes, o que pude constatar in locu em Jundiaí-SP, São PauloSP, Niterói-RJ, Rio de Janeiro-RJ, Belo Horizonte-MG, Ouro Preto-MG, Juazeiro-BA, Paulo Afonso-BA, Recife-PE, Caruaru-PE, Jaboatão dos Guararapes-PE, PetrolinaPE, Aracaju-SE, João Pessoa-PB, Campina Grande-PB, Natal-RN, Maceió-AL, Arapiraca-AL, Delmiro Gouveia-AL e Santana do Ipanema-AL, bem como, pela biblioteca digital que se constituí a Internet. E não vi isso apenas na Polícia Militar, vi nos grupos de atividades especiais da Polícia Civil, da Polícia Rodoviária Federal, da Guarda Municipal e de grupos de escolta armada e transporte de valores (carro-forte) da Segurança Privada. Note que essa primeira ilustração (Figura 53) foi coletada de redes sociais específicas de policiais militares e vigilantes de segurança privada no Nordeste do Brasil. Ela também pode ser acessada por uma pesquisa pública no acervo da Internet, onde se podem ver variações que fazem alusão a outros grupos que não a ROTA, como é o caso da mesma imagem representando a ROMU. Destaco, particularmente, o fato de ter sido encontrada entre policiais de Alagoas e Pernambuco237, lembrando que é uma representação de um grupo que atua em São 236 Badeirante = paulista. O autor fez ou faz parte dos grupos virtuais de relacionamento, o que ainda continua caracterizando a autoetnografia conciliada a uma etnografia digital. 237 Página | 314 Paulo, o que demonstra como a rede informal de relações entre os policiais faz trocas simbólicas de suporte indetitário. O outro fato, que cabe destaque, é que a mesma imagem foi observada em grupos do contexto da Segurança Privada, constatando que a ideologia regente da PM serve de base para a ordenação mental das atividades de outros contextos organizacionais. Equivalente à atuação da ROTA em São Paulo, é a função de PATAMO (Patrulhamento Tático Móvel) de algumas unidades de Operações Especiais e/ou de Choque, aliás a ROTA é um batalhão de choque na estrutura orgânica da PMESP. Mas essa função propriamente dita, que tem na agilidade e versatilidade de se embrenhar nos guetos e ruas das grandes metrópoles, usa o raio do relâmpago como seu símbolo e absorve a missão das unidades de Rádiopatrulha (RP), como são chamadas em Alagoas e Pernambuco, espalhadas pelo país. Ora como frações das Unidades de Operações Especiais, ora vinculadas as de Choque, em outros casos como Unidades Especializadas das regiões metropolitanas, ainda sob designações como ROTAM, como ocorre em Amapá, Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e Tocantins (dos quais destaco a atuação da versão mineira), ou ainda sob o acrônimo de RONE, nos casos do Piauí e Paraná. Na Figura 54.b), mostra uma foto coletada no site institucional da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado do Paraná, nela está o brasão da equipe de RONE, fração do BOPE paranaense, inserido no braçal preto de um componente que porta a bandeira do Brasil em cerimônia militar. Por isso, essa atividade será para nós definida como regida duplamente pelo arquétipo guerreiro, sobretudo em seu aspecto caveira, e pelo arquétipo aventureiro, em seu aspecto de caçador de recompensa. Sendo, portanto, a adrenalina e a efêmera sensação de semi-deus a paga dada ao caçador. Afinal de contas, a ROTA é historicamente sucessora do Batalhão de Caçadores que leva o nome de um antigo presidente da província: Tobias Aguiar. Atividade como a de Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas) está mais afeta ao arquétipo aventureiro, o que é típico do que se relaciona ao uso de motocicletas, da sensação de liberdade imaginada como um vôo e por isso, trazem comumente as asas angelicais como emblema inserido em seus símbolos, como pode ser observado na Figura 54.c. O outro lado desse espectro é a regência mais restrita do espírito guerreiro-caveira. E as atividades de patrulhamento ordinário do BOPE do Rio de Janeiro, podem ser um exemplo de uma certa adaptação de uma infantaria leve, fazendo incursões no território “inimigo” parcialmente ocupado. Pertencentes a simbologia própria, desse lado do espectro, está o uso do crânio e da caveira (Figura 54.c), que em si, não denota apenas aspectos negativos, pode significar uma maestria acima das acepções morais, uma certa sabedoria dos senhores da vida e da morte. O que podemos perceber é que o crânio sustentado por garruchas cruzadas, ainda é uma expressão da aventura outside dos piratas, que usavam como símbolo o crânio e um par de fêmures cruzados, dependendo da variação escolhida pelo capitão corsário, os ossos cruzados poderiam está abaixo ou no centro do crânio, assim como estão as garruchas cruzadas no tradicional símbolo de tropas de elite. Na Figura 52.a, pode-se ver a versão da “Jolly Roger”, atribuída ao capitão Richard Página | 315 Worley, pirata que atuou na costa atlântica das colônias britânicas na América do Norte, no inicio do século XVIII. Na Figura 52.b, eu elaborei uma montagem, que sobrepõe o “Skull and Bones” [Caveira e Ossos] à bandeira do Reino Unido, em sua configuração atual que se mantém desde 1801. Esta imagem intenta demonstrar que o motivo inicial provável do uso dos ossos cruzados, está correlacionado com a autorização dada pelo Rei Charles da Inglaterra a Sir Henry Morgan, a saquear e fazer capturas de embarcações e localidades no além-mar, mediante os termos estabelecidos em sua carta de corso, com o repasse de certa porcentagem dos ganhos para a coroa inglesa. E, portanto, legalmente autorizado, exercia sua atividade corsária sob sua bandeira nacional. Na “Union Jack”, ou seja, a bandeira do Reino Unido, a cruz branca em forma de “X” com fundo azul é a Cruz de Santo André que representa a Escócia é ela que provavelmente inspira o posicionamento dos ossos cruzados. O que provavelmente ocorreu, foi que do corso à pirataria, propriamente dita, a bandeira foi sendo adaptada. A intenção do uso emblemático da caveira era amedrontar e de impor pavor a suas vítimas, antes mesmo do ataque. Figura 52 – Simbologia bucaneira e corsária em relação à da Polícia Militar a) “Jolly Roger” atribuída a Richard Worley b) Sobreposição da “Jolly Roger” à “Union Jack” (1801) c) Brasão distintivo do BOPE da PMERJ Fonte: a) Tradicional bandeira pirata, com elaboração e primeiro uso atribuída o capitão Richard Worley Imagem do Site Wikimedia Commons. b) Arte gráfica produzida pelo Autor (com inspiração em imagens observadas na Internet), através da montagem da sobreposição da bandeira do Reino Unido e o “Skull and Bones”, demonstrando a possível inspiração do formato da bandeira corsária, o uso da bandeira nacional britânica é atribuído ao capitão corsário Henry Morgan. c) Brasão distintivo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, o brasão histórico com a estrutura heráldica adequada é outro, em que este é apenas um emblema. E assim como os piratas no imaginário popular usavam navios fantasmas e estavam envoltos por maldições, assim são as viaturas dos trabalhadores das trevas e assim são suas vidas, que depois de conectadas a essa dinâmica, eximem-se de autonomia, para compor o espírito coletivo da casta. Uma vez envolvido pelo trabalho diuturno, sobretudo o das madrugadas, o policial militar (ou o guarda) com essa incumbência “sombria” terá repercussões em sua vida pessoal. Não devemos esquecer que essas são as consequências advindas da fusão guerreiro-caveira e o caçador de recompensa, pois daquilo que ainda resta do arquétipo do herói, tanto o justo como o justiceiro, provém a noção mitraica, oculta no paralelo das forças bélicas conquistadoras de Roma, no brado de invocação a união do corpo guerreiro: “Força e Honra”. Essa noção é aquela que diz, apesar de nossas ações obscuras no limiar da ilegalidade, ainda somos heróis e nisso repetem com orgulho frases atribuídas aos escravos-guerreiros (gladiadores) ansiosos por liberdade: “Tempos de Glória”. Página | 316 Na verdade, o Estado sustenta espaços de exercício do anti-herói, por dois motivos relevantes. Primeiro, os corsários são os únicos capazes de operar com ousadia frente a ações de grupos “anti-civlização”: indígenas e piratas. Segundo, se eles não forem absorvidos pelo Estado, serão pelo Mercado ou pelo “mercado negro”, do tráfico e do contrabando, somando forças contra a ordem constituída. Em poucas palavras é possível ver as “conexões ocultas”, porém persistentemente vivas, entre bandeirantes, corsários, piratas, exército romano, gladiadores, militares, policiais e guardas. Nossas pesquisas também encontraram referências a duas ordens militares-religiosas, de alguma forma a expansão marítima, o corso e a colonização americana pelos ibéricos fazem ponto de contato com a Ordem Jesuíta e os Cavaleiros Templários (CHILDRESS, David Hatcher; “Os Piratas e a Frota Templária Perdida”). Esses dois focos de disseminação ideológica-simbólica estão no âmago da manifestação mitráica bélica das escolas de segredo egípcias e babilônicas. De alguma forma a polícia intendente britânica que tanto se almeja como modelar é a consagração de um cavaleiro real dos ritos de fraternidade esotéricos. E a polícia “militar” é sua versão mais beligerante, que se formou no âmago da disputa ibérica entre mouros e cristãos, que age como cruzados e veio depois a encontrar uma base de predisposição genética consistente de guerreiros ameríndios e africanos. Paulatinamente, no transcurso desta pesquisa, vamos, portanto, montando o quadro de modelos mentais institucionais que se ligam em diferente grau a diferentes arquétipos primordiais do exercício da força-vigor. Figura 53 – Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o caçador de recompensa. Fonte: Imagem coletada em trabalho de Etnografia Digital de redes sociais específicas de policiais militares e vigilantes de segurança privada no Brasil. Representativa de uma guarnição de ROTA da PMESP. Página | 317 Antes de prosseguir nos desdobramentos sobre o que vem a ser os trabalhadores das trevas, pretendo fazer uma descrição minuciosa da Figura 53, que tem como legenda “Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o caçador de recompensa”: A imagem com um fundo escuro tem três elementos, surgem da penumbra, com aspectos de pessoas, sendo esqueletos humanos. Estão numa formação triangular, estando um deles destacado à frente dos demais, o qual tem no ombro esquerdo às insígnias de primeiro sargento. Usam cobertura na cabeça, tipo boina francesa de cor preta inclinada cobrindo parcialmente o olho esquerdo. Aquele à frente usa um distintivo metálico, na fronte fixado à boina, na cor vermelha que significa ser do círculo de praças graduadas (sargento ou subtenente), os demais, que estão à retaguarda, distintivo na cor azul, ou seja, são soldados. Os três estão vestidos com a farda da ROTA, unidade especializada em patrulhamento tático urbano e choque leve motorizado, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, um blusão longo azul-marinho. Aquele que é identificado, como sargento, portanto, comandante da guarnição, tem por cima do peito, no lado esquerdo, por sobre o coração, um distintivo com a logo da PMESP, cujo possui a estrela de cinco pontas. No braço direito, usa um braçal preto, identificando que integra ao Batalhão Rondas Tobias Aguiar (ROTA). Nas mãos carrega objetos emblemáticos: na direita, um par de algemas e na esquerda, um caixão. Ele os oferece como quem diz: "A ROTA ou prende ou mata: bandido, escolha: cadeia ou cemitério". Quem elaborou essa arte gráfica na Figura 53 está dizendo que "idealmente", no mundo "espiritual", ou seja, na dinâmica invisível das imagens mentais profundas, uma guarnição de ROTA é isso: trabalhadores das trevas, que cumprem seu dever dando aos mal feitores sua merecida recompensa. Figura 54 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas. a) Logo da ROTA da PMESP b) Braçal do RONE da PMPR c) Brasão da ROCAM usado no interior de Alagoas Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Logo da ROTA da PMESP, conferida a equivalência pelo site Institucional da PMESP. b) Brasão da equipe de RONE, fração do BOPE paranaense, inserido no braçal preto de um componente que porta a bandeira do Brasil em cerimônia militar. Imagem coletada no site da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado do Paraná. Disponível em <http://www.seguranca.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=16>. A imagem sofreu um destorcimento para despersonalizar o sujeito nela contido. c) Brasão da ROCAM do 3º BPM da PMAL, sediado em Arapiraca e replicado pelas demais Unidades do interior de Alagoas. Página | 318 A Figura 54, traz três elementos diferentes todos relacionados com o simbolismo do patrulhamento tático e rondas ostensivas das polícias militares estaduais, foram prospectados artefactos de Corporações de três Estados: a) São Paulo; b) Paraná e c) Alagoas. Sobre cada um desses elementos já falamos um pouco anteriormente: as asas da Rocam, o braçal preto com letras douradas, a caveira e a estrela de cinco pontas. A Figura 54.a, é o logo da ROTA paulista, o brasão é outra imagem que tem seu uso correlacionado com momentos cerimoniais e usa princípios heráldicos portugueses. A vantagem do uso de uma logo, comum na PMESP é o fato de não se abandonar a herança histórica e poder usar no cotidiano algo mais correlato à atualidade. A logo da Figura 54.a é uma letra “R” estilizada, que se assemelha a uma seta que aponta para uma estrela de cinco pontas. Demonstrando um direcionamento que conscientemente pode usar o discurso, por uma busca pela honra, dignidade e iluminação, mas inconscientemente também pode indicar busca pelo estabelecimento do poder pela força. A logo da Rota é o elemento que identifica suas viaturas. Na Figura 54.b, que já fora parcialmente descrita anteriormente, há o brasão da equipe de RONE do BOPE da PMPR, no qual se pode ver um escudo, no seu interior centralizado uma espada em riste, no qual se apoia uma águia em posição de caça, ela tem uma serpente ou áspide em suas garras. Serpente e águia enfrentam-se no olhar. Do flanco direito (na heráldica é espelhado) superior desce um raio, cruzando o escudo. Para ilustrar um brasão de ROCAM, eu coletei aquele com o qual eu tinha mais contato na minha atividade policial, o adotado pelo 3º BPM da PMAL, que está sediado na cidade de Arapiraca/AL. Devido o fluxo entre oficiais de uma Unidade para outra o símbolo foi levado para outras Unidades do Interior. A Figura 54.c trata-se de um escudo, que está sobre uma espada em riste, na sua parte superior há o indicativo de designação “ROCAM”, no centro um crânio/caveira que usa uma boina francesa inclinada levemente sobre o olho esquerdo (lado espelhado). Da caveira erguem-se duas asas de águia ou angelicais sobressaindo do escudo, igualmente sobressaindo, porém mais abaixo da caveira, estão duas pistolas similares ao modelo PT100, da Taurus, de calibre .40, apontados em efeito 3D para quem olha o brasão, no listel que está tal como uma manicaca na altura da bainha da espada, tem grafado “3º BPM”. Página | 319 Figura 55 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas (2). a) Brasão da ROTA da PMESP, 1º BPChoque b) Braçal da ROMU da Guarda Municipal de Santo André/SP c) Símbolo distintivo da ROTA, usado informalmente Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Brasão da ROTA da PMESP, 1º BPChoque, conferida a equivalência pelo site Institucional da PMESP. b) Braçal da ROMU da Guarda Municipal de Santo André/SP. Imagem coletada do site institucional da Prefeitura Municipal de Santo André. Release da Ascom, de 23 jun. 2017, por Daniel Betega. Disponível em <http://www2.santoandre.sp.gov.br/index.php/noticias/item/11368-operacao-delegada-municipal-reforcaseguranca-no-segundo-subdistrito>238 c) Símbolo distintivo da ROTA, usado informalmente por admiradores e membros da unidade especial. Figura 56 – Simbologia caveira em outras instituições a) Brasão distintivo a ser bordado no fardamento do COPE do Sistema Prisional mineiro b) Tatuagem de um concluinte do curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro c) Grafismo na viatura da Equipe de ROMU da Guarda Municipal de Jandira/SP Fonte: a) Brasão do Comando de Operações Especiais da Secretaria de Estado de Administração Prisional (SEAP) de Minas Gerais, coletado da página em Rede Social (Facebook 239) do grupamento e conferido pelo site institucional 240 b) Imagem coletada em rede social, conta pública do Instagram, usuário Anjos na Polícia. c) Grafismo na viatura da Equipe de ROMU da Guarda Municipal de Jandira/SP, coletado no site institucional da Prefeitura Municipal de Jandira241. Trata-se de um escudo típico da heráldica portuguesa, todo preenchido por uma estampa quadriculada de cor preta e branca, como um tabuleiro. No centro, um emblema circular negro, ao qual circunda uma corrente metálica, internamente há um triângulo, um raio vermelho e uma caveira usando boina preta estilo francesa inclinada. No listel, abaixo do emblema, mas ainda dentro do escudo, está a inscrição: “JANDIRA”. Acima do escudo, encontra-se a inscrição: “ROMU”. 238 Mais informações sobre o cotidiano da ROMU de Guarda Municipal de Santo André pode ser vista em <https://www.facebook.com/romusantoandre/>. 239 Disponível em <https://www.facebook.com/COPE-Comando-de-Opera%C3%A7%C3%B5es-Especiais-MG235069373312487/>. 240 Disponível em <http://www.seds.mg.gov.br/component/gmg/story/3195-pela-primeira-vez-o-cope-e-visitadopor-um-secretario-de-estado> 241 Disponível em <http://jandira.sp.gov.br/operacao-da-guarda-civil-municipal-resulta-em-autuacoes-eapreensoes/>. Página | 320 Trabalhadores da luz e das trevas Deixando a interpretação simbólica e retornando ao condão de reflexão, faz-se importante salientar que por trevas não está se atribuindo características malignas. Primeiramente, o uso trevas se dá pelo aspecto preponderantemente noturno da atividade. Segundo, estou categoricamente me referindo, que um jovem de classe média, que tem a capacidade de passar num concurso público e se submete a esse tipo de atividade, como eu fiz, o faz por ignorância “espiritual”. Porque não tem ideia do profundo abismo ético-moral em que está se embrenhando. Infelizmente, o salário e a adrenalina, suplantam o valor de uma racionalidade-intuitiva superior. Portanto, a segunda acepção do termo trevas está correlacionada com desconhecimento sobre as implicações que a adesão a esse tipo de atividade resultará ao longo prazo nas vidas dos policiais e de suas famílias. Mais adiante, serei obrigado a expor, que esse trabalho de “limpeza urbana”, infelizmente, por enquanto, no nosso momento crítico de transição civilizacional, ainda precisa ser executado, pois não há instrumentos capazes de fazer frente à investida, dos igualmente trabalhadores das trevas, não disciplinados pelo Estado, mas excluídos pelo Mercado, que formam a rede de criminalidade contumaz. É justamente, a partir desse conhecimento desvelado, que se pretende conceder a oportunidade dos guerreiros de farda, que deixem de ser trabalhadores das trevas para que se tornem, paulatinamente, trabalhadores da luz que sabiamente lidam com as trevas. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, alude ainda a uma outra acepção da palavra Trevas, que na liturgia católica, é o período de três dias entre a crucificação e a ressuscitação de Cristo. A doutrina cristã costuma apontar que nesse período, Cristo desceu a mansão dos mortos, e nas “trevas” inferiores, ele efetuou uma missão de resgate das almas condenadas, tomando o controle sobre a morte. Ora, aquele que trabalha durante o período de escuridão, não pode ser chamado de outra coisa que trabalhador das trevas. Mas o que faremos se esse tal Cristo retornar vitorioso, com um corpo glorioso, convertido em ser de luz e agora venha a ser o cristo da civilização. Entendamos com cautela a analogia, se a civilização humana passou por um período de trevas, ela tem apontado para uma transição restauradora, nem que para tanto haja uma profunda ruptura. E se o âmago de conciliação da nova organização planetária estiver pautado em diretrizes mais elevadas de convívio social, permaneceremos lançando nas ruas de nossas cidades, guarnições de mentalidades sombrias para combater o desvio social com práticas questionáveis? Certamente, que uma nova fase histórica, de reconciliação com os princípios ecológicos profundos da dinâmica do Universo, suscitará novas práticas de ordenação social. E o que é a polícia? Senão um instrumento de um dos aspectos da ordem social. Sede de sangue É de suma importância, que não sejam feitas interpretações generalistas, que invisibilizam os sujeitos. Luz e trevas são aspectos que estão ao mesmo tempo nas pessoas e nas instituições. São ao mesmo tempo capazes de dar largos passos nas duas direções e, portanto, o guerreiro das trevas de hoje, poderá ser o mais Página | 321 persistente guerreiro da luz do futuro. Mas alguns fatos não podem negar, que as agências humanas envoltas do Simbólico e do Imaginário a que tenho aludido até agora, neste trabalho, possuem uma tendência a ultrapassar a linha da moralidade sem medir as consequências disso a si mesmos e à sociedade. E é justamente para explanar sobre essa tendência, que selecionei um caso de acusação de violência policial supostamente cometida pela ROTA. Ou seria por alguns policiais da ROTA? Esse impasse entre responsabilidade institucional e pessoal foi o que resultou na oferta de denúncia-crime por parte do Ministério Público Estadual de São Paulo e consequente rejeição de denúncia por parte juiz de direito competente para a análise do caso. O caso242 específico refere-se a morte de dois jovens na região metropolitana de São Paulo. Segundo os policiais, eles “perseguiram três suspeitos em um carro na Avenida Felipe Pinel. Os homens teriam reagido e os PMs atiraram. Dois suspeitos morreram. Na versão dos PMs, o tiroteio teria acontecido pouco antes das 14h”. Mas o Ministério Público, alega que “Esses réus simularam uma perseguição policial ao veículo que seria ocupado pelos ofendidos, quando, na verdade, as vítimas sequer se conheciam. Uma delas (Hebert) foi levada de Osasco para ser executada em Pirituba, a uma distância de 29,4 km entre os dois extremos. O ofendido Weberson foi detido em outro local, porém desconhecido”. A sede de matar deles é maior que qualquer coisa. Temos gente muito boa na PM, mas esses não são. Eles fizeram uma montagem do crime, forjaram os armamentos (Fala do pai de um jovem morto pela ROTA em ARAÚJO, 2017) [grifo nosso]. Destaquei da citação acima: “sede de matar”, que representa a principal característica ontológica da ecologia das ideias danosas entre os modelos mentais institucionais da PM, além do “obter para si o que é condiserado do outro”. Lembro: ecologia das ideias danosas! Existe uma ecologia mental saudável, pouco reverberada, mas que diz respeito à maioria numérica dos policiais. Bom seria que apenas a maioria numérica garantisse a hegemonia das ideiais saudáveis. E destaquei, também: “temos gente muito boa na PM”, como parte da fala do pai de uma suposta vítima de arbítrio policial, para demonstrar que da mesma instituição, partem evidentes focos de manifestação de condutas diferentes. Falácia entre bons e maus Não se pode deixar enganar por falácias que “demonizam” pessoas ou dadas instituições, “santificando” outras. É uma estupenda falácia dizer que policiais militares são maus e promotores de justiça, magistrados ou médicos são bons. Durante minha trajetória na PM de Alagoas eu vi de perto, policiais militares que eram exemplos de retidão, enquanto tive que amargamente conviver com médicos que 242 ARAÚJO, Glauco. MP denuncia 14 policiais da Rota por morte de dois jovens em Pirituba. Publicado em 04 mai. 2017. Acessado em 20 jun. 2017. Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mp-denuncia-14-policiaisda-rota-por-homicidio-e-fraude-processual.ghtml>. Página | 322 disseram que não iriam salvar a vida de um marginal, na esdrúxula situação, em que eu policial estava lutando pelo contrário. Eu ouvi abertamente de promotor de justiça que ele queria ver sangue, bem como, pude ver descortinando o véu de idoneidade com um juiz de direito com o qual eu tratava, quando soube que era um aliciador de menores. Acompaho (especificamente) nesse quesito a opinião de Felipe Moura Brasil (2017243): A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança pública à Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até policiais influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não são privativas da PM (MOURA BRASIL, 2017). Se faço uma devassa no profundo institucional da Polícia Militar, o faço por meio de minha própria experiência e deixo o registro como provável fonte de inspiração para outros que estejam, como eu estive, desorientados e confusos sobre sua atuação profissional. Não faço de outro contexto institucional, porque aí sim seria leviandade intelectual minha, pois não conheço os entremeios desses “universos” particulares. Mas posso afirmar com base no apanhado geral sobre instituições e reprodução cultural do inicio dessa dissertação, que ao investigar, usando metodologia próxima das que eu usei aqui, com certeza serão encontrados aspectos luminosos e sombrios das demais instituições e campos profissionais, assim como demonstrou Laffite (2002). Afinal de contas, o padrão de desenvolvimento civilizacional masculino infundiu em todos os aspectos da vida humana inúmeros fundamentos que tendem hoje a um isomorfismo, o qual tem sido percebido na dinâmica da globalização impositiva. Não há quem não tenha sido afetado de alguma forma por esse padrão. Até o meio natural não humano tem sentido severamente as repercussões desse processo. Portanto, dentre os entes sociais, por onde for posto o foco de observação, serão percebidos traços desse padrão específico na Educação, na Ciência, na Cultura, nos Transportes, na Indústria, na Justiça, na Política, na Saúde, na Religião, por todo o lado dos sistemas sociais se verá esses aspectos. Anteriormente comecei a esboçar uma arqueologia simbólica da atividade médica, posso afirmar sem constrangimento que ao prosseguir aprofundando os estudos, vai ser encontrado conexões do biofísico-social-espiritual, que sustentam práticas e relações de poder há muito tempo replicadas e cristalizadas. Hoje como membro da Segurança Institucional de uma Universidade pública, posso ver claramente esses aspectos sombrios/ocultos em nível institucional no meio em que atuo. Como já demonstrei, encontrar os aspectos específicos dos guerreiros entre aos vinculados à Segurança Privada seria até uma constatação óbvia, os vigilantes projetam a imagem dos policiais como se da mesma família fizessem parte. Mas o que para mim foi surpresa, mas depois entendi que não deveria ser, é que o ímpeto de guerra, do conflito, da posse pelo território está por toda parte entre os intelectuais 243 MOURA BRASI, Felipe. "O perigo e a falácia da desmilitarização da polícia". Blog Veja Publicado em 15 fev. 2017. Acessado em 01 set. 2017. Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/o-perigo-e-a-falaciada-desmilitarizacao-da-policia/>. Página | 323 acadêmicos que disputam posições como se de feudos cuidassem244. E é nesse ponto que percebo, o que Jung (2012a) dizia, sobre quanto mais um aspecto como esse é negado, mais ele irrompe o limiar entre a inconsciência e a consciência com mais força. Peço realmente escusas, pela referência às disputas do meio acadêmico, mas não o poderia deixar de fazer, porque este trabalho nasce justamente da percepção da frustração desses em relação às suas investidas reformuladoras da polícia245. E como estive do “lado de dentro”, como um verdadeiro nativo da referida casta (tribo moderna), eu sou obrigado a esclarecer que um pesquisador de Universidade que propõe: por que vocês não fazem assim? Precisa ele mesmo perceber sua proposta, da forma como ele reage, quando dizemos, já que esse tema é conectado por que não publica ou o desenvolve em conjunto com “Dr. Fulano de tal”? Por que não aborda da seguinte forma e se afasta do paradigma corrente de sua área? Porque irá perder credibilidade, legitimidade e espaços do exercício de poder. Exatamente, esses são os mesmos motivos pelos quais um policial mesmo regido pelos arquétipos do herói e do pai zeloso admite-se está sob a dinâmica hegemônica do guerreiro e do aventureiro. Dignidade acima de tudo Indescritível sensação da caça. É impossível a um guerreiro (como casta de forma geral, sendo ele predominantemente aventureiro, herói ou pai zeloso) não se emocionar e ter o sangue aquecido com um vídeo institucional de um grupo como a ROTA ou o BOPE, essas unidades modelares tem admiradores, não apenas por adesão a um caráter sanguinário, mas por uma conexão ao espírito de corpo, à fraternidade que se ver muito forte entre os guerreiros. Devo explicar porque eu usei a Rota como ente emblemático da questão, nas análises anteriores. Porque existem diferenças entres as corporações de cada Estado. O policial fluminense, por exemplo, internalizou uma guerra constante e relativizou alguns princípios axiológicos. Falar do Bope do Rio demandaria uma profunda e detalhado acompanhamento de um processo avançado e já cristalizado de distorção dos limites entre excessos e corruptela do vício motífero que arrecada verba. O caso carioca é, portanto, um daqueles que nos indica a necessidade da extinção da organização institucionalizada, como forma inegociável para uma mudança mais a frente. O caso bandeirante, mineiro e o alagoano são exemplos da viabilidade de operar não uma desmilitarização, mas uma remilitarização, ou um saneamento das relações entre cultura e processos organizacionais no sentido de uso do arquétipo do herói. O caso catarinense pode ainda ser utilizado como modelo transitório, enquanto ele mesmo faz as mudanças necessárias a si mesmo. 244 Cabe destacar uma parcela que não foi citada diretamente: parte da classe média e média alta, detentora do conhecimento sobre essas questões, que se sente compelida a fazer algo, mas seus colegas não podem lhe ajudar, porque estão muito ocupados “obtendo para si, aquilo que é considerado do outro”, como projetos e bolsistas fantasmas e lutas intermináveis por política interna institucional para saber quem controlará orçamentos pomposos, ou ainda como farão uma carreira política vinculada a luta pelos pobres (e por si mesmos) ou como farão para ganhar sem trabalhar muito. 245 Tópico “A frustração dos acadêmicos” em “Contexto da propositura do trabalho” do Capítulo 1. Página | 324 Sobre o tema elaboramos uma tabela (Tabela 16: espectro predominante de algumas corporações policiais militares) que ilustra de forma muito reducionista e que em nada deve ser considerada conclusiva, apenas demonstrativa de que temos 27 polícias militares e elas, apesar de compartilharem o mesmo núcleo arquetípico, desenvolveram solucações diferentes em suas dinâmicas mentais (da cultura organizacional) que as fazem se apresentar de forma diferente. Tabela 16 – Espectro predominante de algumas Corporações policiais militares Pai-zeloso A B C Herói Aventureiro Guerreiro Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) Polícia Militar de Alagoas (PMAL) Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) Polícia Militar do Paraná (PMPR) D Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) E Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) Fonte: Elaborado pelo Autor. Na tabela anterior (Tabela 16), as corporações do Grupo A, seriam aquelas que a extinção organizacional seria inevitável para que se forme um ambiente propício para as mudanças. O Grupo B são das organizações que podem ser reorientadas, com muita dificuldade, mas o contexto cultural a que estão inseridos exigem uma postura de demonstração de autoridade, influenciado por um passado de ordenação social ao redor de figuras masculinas emblemáticas. O Grupo C são corporações que precisam recuar em grandes centros, o trato diário deve irrefutavelmente ficar a cargo de uma nova organização. São corporações que a maioria numérica de adeptos de uma posição moderada pode suplantar o excesso da ideologia hegemônica. O Grupo D e E são de corporações que podem ser utilizadas como modelo para as demais. Mas isso não significa que essas também não precisem de mudanças profundas. Nos cursos e formação da Polícia Militar, as canções e hinos são muito presentes no nosso cotidiano, de alguma forma, constituem fonte dos valores que incorporamos aos poucos. Por ter sido formado na Academia de Alagoas, tive que decorar e entoar muitas vezes a Canção da PMAL, “Somos Soldados Leais”, da qual trago abaixo um trecho246: Alagoas de pé pela história, eis a tua Polícia sempar. Ela passa à caminho da glória, sorridente e feliz a cantar [...] somos soldados leais, da terra dos Marechais. (PIERRE LUZ apud PMAL, 2017). [grifo nosso] Com certeza, eles podem bradar: “Somos soldados leais!”, o que precisam urgentemente fazer, é se questionar: soldados leais a quem? Ao Estado, aos governantes, à Sociedade ou si mesmos? E se a resposta for a deus, tem que se perguntar: a qual deles? 246 Canção Somos Soldados Leais. Letra de Pierre Luz e música de Antônio Gondim de Lima. Disponível em <http://www.pm.al.gov.br/intra/downloads/hinos/leais.pdf>. Site da PMAL, coletado em 10 jun. 2017. Página | 325 Expressão mitraica de culto do exército romano Nesta seção vamos articular um tema transversal sobre o compartilhamento e parte do processo reprodutivo genealógico de instrumentos de controle operados pela governamentalidade (FOUCAULT, 2008), que pode ser comentado usando ilustrações reais dos “impérios” de Roma e dos Estados Unidos (HARARI, 2015), bem como o Patronato Luso-Brasileiro (FAORO, 2001), como pode ser visto na Figura 57 “Simbolismo mitraico e romano (2)”. Figura 57 – Simbolismo mitraico e romano (2). a) Distintivo da Polícia Militar do Exército norte-americano b) Brasão da PMPR c) Vexilo (Estandarte) do Império Romano Fonte: a) Distintivo metálico da Military Police of U.S. Army, com a águia característica do poder norte-americano, com referências emblemáticas, no centro do escudo a elementos romanos como fardamento e lança, inclusive ao “gorro” de Mitra. Imagem do Site Wikimedia Commons, conferido com United States Army Institute of Heraldry (http://www.tioh.hqda.pentagon.mil). b) Brasão institucional da Polícia Militar do Paraná, com a águia, que também está no escudo da RONE. No centro do escudo há elementos como a araucária da vegetação local, bem como o sol mitraico, equivalente ao das bandeiras argentina e uruguaia. Imagem do Site Wikimedia Commons. c) Estandarte (espécie de bandeira pendurada verticalmente por uma haste), vexilo, do Império Romano, com a característica águia e o acrônimo SPQR, o nome de oficial de Roma: Senatus Populusque Romanus. Imagem do Site Wikiwand. Disponível em <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/83/Vexilloid_of_the_Roman_Empire.svg/320pxVexilloid_of_the_Roman_Empire.svg.png?1499651870799>. Na Figura 57 é possível ver três elementos heráldicos que fazem a conexão simbólica do que nos propomos: Estados Unidos – Portugal/Brasil – Roma. São imagens com traços semelhantes, mais marcante é um da águia como emblema da parte superior. O primeiro é o 57.a) distintivo da Polícia Militar do Exército norteamericano; o segundo, 57.b) é o brasão da Polícia Militar do Paraná; e o terceiro, 57.c) Vexilo do Império Romano, usado como flâmula-estandarte nas incursões militares. Entre o símbolo nortemamericano e o brasileiro, é notável a semelhança do listel que trazem a mesma inscrição em idiomas diferentes: “polícia militar”; bem como, é possível ver pequenos emblemas menores da simbologia mitráica, não obstante a descrição heráldica oficial não os reconheça assim: o sol do brasão paranaense (que também se vê nas bandeiras da Argentina e Uruguai) e o gorro no distintivo americano. “Força e Honra” era um cumprimento dos membros do Exército Romano. Mais que “Ave César” que era uma referência ao império e um culto à personalidade, "Força e Honra" era um termo de coesão, de chamada à fraterna amizade que só a conhece aqueles que lutam e passam dores juntos. Desde já é interessante notar a Figura 58, a similaridade entre os elementos (b) uma reconstituição de uma fração de Página | 326 combate do exército romano e (c) a atividade de policiamento de choque em um treinamento da Polícia Militar de Sergipe. Podemos alegar que é possível a reprodução de algo tão similar, apenas como técnica objetivamente eficiente, mas posso afirma categoricamente pela experiência nativa, que tais técnicas não vireram desacompanhadas de resquícios das bases de significado profundas a que já eram vinculadas na época. Nos bastidores do Exército Romano, ocorria um culto a Mitra, originalmente o ícone da sabedoria e da guerra para os persas, foi incorporado pelo culto romano como representatividade de força, disciplina e destemor (SILVA e MENDES, 2006). Na luta mítica contra o touro (Figura 58.a), nos mistérios mitraícos, pretendia-se exercer autocontrole pelo desenvolvimento da perícia bélica aliada a um tal discernimento, que lhe orientasse ao caminho da luz. É relevante notar a semelhança da simbologia da estrela flamejante de cinco pontas, anteriormente discutida247. Figura 58 – Simbolismo mitraico e romano (1). a) Imagem do deus Mitra no Museu Britânico b) Reconscituição de uma formação com escudos de tropa do exército romano c) Treinamento em policiamento de choque da PM de Sergipe Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Estátua do deus persa, indiano e posteriormente incorporado ao culto romano Mitra, como deus do Sol, em sua épica passagem da vitória sobre o touro. Fotografia da imagem exposta no British Museum. b) Imagem coletada no site Cultura Mix. Disponível em <http://www.culturamix.com/cultura/historia/curiosidades-sobre-o-exercito-romano/>. c) Coletada no site institucional da PMSE. Com esses aspectos de engajamento de uma evolução moral e espiritual, mesmo que mediante o suor e o sangue, legiões desse tipo se tornam um corpo coeso capaz de articular feitos de interesse às sociedades humanas. Cego é o guerreiro que, destemido, honrado, que sacrificou tanto de sua vida pessoal pela causa, pelas armas, pela corporação, em horas de treino e qualificação serve, sem nenhum tipo de questionamento, a uma classe de parasitas, aristocráticos, ladrões que usurpam as posições e os instrumentos de poder para beneficiar-se do trabalho e dos esforços da coletividade (FAORO, 2001). Esse é, portanto, o ponto de vista daqueles guerreiros que em algum momento da carreira tem a vendas retiradas, assim como o personagem, coronel Nascimento, do ator Wagner Moura no filme brasileiro Tropa de Elite 2. 247 Nos tópicos “Estrela: centro místico” e “Estrela: poder político e poderio militar” do Capítulo 5. Página | 327 O rei Leônidas, o líder lendário dos 300 de Esparta, uma prefiguração viva de Ares, percebeu isso, julgava ele que a classe política era covarde e ambiciosa. E que nos momentos de maior necessidade não poderiam contar com ela para proteger o corpo social. Não é segredo que essa beligerância que torna a força militar apta a reestabelecer a ordem em momentos de convulsão, é demasiadamente enérgica para simplesmente manter o ritmo de civilidade e urbanidade em tempos de paz. E por isso sustento que corpos coesos que se assemelhem ao ritmo espartano não devem ser lançados diuturnamente nas ruas, quando existirem, devem ser forças reservas de pronto emprego e nisso nada se difere da política até então implementada no emprego das unidades de SWAT (acrônimo em inglês para Special Weapons And Tactics [Armas e Táticas Especiais]) das polícias norte-americanas. O que para Cotta (2012), foi observado no sistema luso-brasileiro, desde a época de Camões, bem como, cientistas sociais das epistemologias do Sul, tem avaliado na América Latina, desde os meados do século passado, parece está sendo visto no seio da cultura civilista norte-americana, um movimento gradativo de militarização dos corpos policiais248. Sustento ainda que, o espírito guerreiro possui uma noção ambiental de domínio e extravasamento do seu contexto para o mundo circundante, ou seja, se não há ambiente propício para desempenhar sua atividade inerente, a saber, a guerra, cria-se uma ou um ambiente hostil suficiente para que possam usar suas tão estimadas estratégias e símbolos de força viril. A “pax romana-americana” de um império belicoso só se sustenta, na verdade, com a guerra. É esse tipo de “fenótipo estendido” (DAWKINS, 2007), já que o militarismo está nos “genes da polícia”, que pode surpreender organizações como a American Civil Liberties Union (ACLU [União Americana de Liberdades Civis]) e obrigá-las a constatar que guerra um dia, mais cedo ou mais tarde, adentra à ilha de Utopia, assim como entrou pelos “portões” de Roma249: Em todo o país, as equipes SWAT fortemente armadas estão atacando as casas das pessoas no meio da noite, muitas vezes apenas para procurar drogas. Devemos acrescentar que pessoas morreram inutilmente durante essas invasões, que animais de estimação foram carregados/enxotados e que as casas foram destruídas/saqueadas. Nossos bairros não são zona de guerra, e policiais não devem nos tratar como inimigos em tempo de guerra. No entanto, a cada ano, bilhões de dólares de equipamentos militares circulam do governo federal para departamentos de polícia estaduais e locais. Os departamentos usam essas armas de guerra no policiamento cotidiano, especialmente para lutar contra numa guerra anti-drogas AYUSO, Silvia. “Os Estados Unidos começam a questionar a militarização de sua polícia”. Jornal El País. Washington D.C. Publicado em 16 ago. 2014. Disponível em < https://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/15/internacional/1408135415_730417.html>. 249 O título do relatório da ACLU sobre a excessiva militarização das polícias norte-americanas é “A guerra chega em casa”. 248 Página | 328 dispendiosa e mal sucedida, que tem atacado injustamente pessoas negras (ACLU, 2014). [Tradução livre de texto original em inglês250] Quando leio isso, não sei se estou lendo uma carta do intendente de polícia do Rio de Janeiro repreendendo os excessos cometidos pelos soldados da Guarda Real no inicio do século XIX (LÍBANO SOARES, 1999) ou se trata de uma notícia da semana passada de um jornal de grande circulação de cidades como São Paulo251 ou Bogotá, ou se realmente estão falando de blue corps norte-americanas. É importante salientar, que não há polícia militar no trato de populações civis formalmente falando em circunstâncias normais dos Estados Unidos, ao contrário do Brasil e Colômbia, usados anteriormente como exemplos comparativos, que possuem “gerdermarias”, o primeiro, uma força militar descentralizada muito peculiar, o segundo, uma polícia nacional, para todos os efeitos militar. E mesmo num contexto teoricamente civilista como o norte-americano, ACLU é obrigado a fazer uma conclamação como a que se segue: À medida que nosso novo relatório deixa claro, é hora de a polícia americana lembrar que eles devem proteger e servir nossas comunidades, não fazer guerra contra as pessoas que vivem nelas (ACLU, 2014). [Tradução livre de texto original em inglês252] Porém, quando a classe dos sábios príncipes-sacerdotes-juízes debandam em uma degeneração acentuada, não há a quem recorrer, se não aos homens e mulheres da força. Entre a força bélica espartana e a romana, tem-se aí uma diferença de nuances entre Ares e Mitra-Minerva. Há perfis de guerreiros diferentes, que apontam para arquétipos distintos. O militar romano iniciado nos mistérios mitraicos, podia até bater no peito e em seguida estender o braço em um “Ave César” em momentos formais com o público geral, entretanto entre eles, o brado acompanhado do forte gesto de braço era a invocação do: “Força e Honra!”. Gestos de braço acompanham esses tipos de brados, da casta guerreira. Assim como Nobert Elias identificou o ethos guerreiro de forma acentuada entre os alemães, que faziam a combinação semelhante com o “Herr Hitler”. Força e Honra! A primeira vez que ouvi essa frase foi no filme Gladiador 253, que assim como Ben-Hur254 consegue atribuir um novo sentido àquele que fora Texto original em inglês: “All across the country, heavily armed SWAT teams are raiding people’s homes in the middle of the night, often just to search for drugs. It should enrage us that people have needlessly died during these raids, that pets have been shot, and that homes have been ravaged. Our neighborhoods are not warzones, and police officers should not be treating us like wartime enemies. Any yet, every year, billions of dollars’ worth of military equipment flows from the federal government to state and local police departments. Departments use these wartime weapons in everyday policing, especially to fight the wasteful and failed drug war, which has unfairly targeted people of color”. 251 ARAÚJO, Glauco. MP denuncia 14 policiais da Rota por morte de dois jovens em Pirituba. G1 São Paulo. Publicado em 04 mai. 2017. Acessado em 20 jun. 2017. Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mpdenuncia-14-policiais-da-rota-por-homicidio-e-fraude-processual.ghtml>. 252 Texto original em inglês: “As our new report makes clear, it’s time for American police to remember that they are supposed to protect and serve our communities, not wage war on the people who live in them”. 253 Filme de coprodução anglo-americana, de 2000, estrelado por Russell Crowe, que interpreta o general Máximus, que era leal ao imperador Marco Aurélio. Mas Máximus é traído quando o ambicioso filho do imperador, Cómodo, mata seu pai e toma o trono. Reduzido a um escravo, Máximus ascende através das lutas de gladiadores para vingar 250 Página | 329 perdido da República Romana, uma força de restauração dos ideais de liberdade, igualdade e justiça entre os patrícios. O filme Gladiador usa músicas em hebraico moderno com ritmos itálicos e celtas, Ben-Hur trata da recepção e amálgama da cultura judaica e do sectarismo nazareno pelo seio da sociedade romana. Tudo isso estava na minha mente, quando eu ouvi categoricamente, um oficial da PMESP invocar o espírito guerreiro pela sentença: “Força e Honra”. Estávamos, numa sala de aula da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, onde são formados os oficiais paulistas e de outras várias Corporações que não tem Academias ou preferem fazer o intercâmbio. Ele invocou e saudou o outro companheiro, como quem dizia: “estamos juntos, eles não nos entendem, mas nós sabemos o nosso dever”. O oficial que saudava da forma mitraica era proveniente de toda a honraria subjetiva de uma tropa de elite, ele estava em um momento de ostracismo, pelo natural afastamento das ruas, imposto pelo comando, que faz isso, quando ver perigo no comportamento de um de seus membros. Desde então ouvi aquela saudação repetidas vezes e passei a usá-la. De forma alguma fiquei consternado com isso. Ao contrário, éramos uma fraternidade, que só agora eu dava conta, de que rompia os limites temporais, geográficos e institucionais. Teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda Finalmente alcançando o objetivo principal proposto no inicio desta investigação, apresentaremos o quadro com os principais elementos ecológicos, dando ênfase aos que geram resistência à demanda social por mudanças (Figura 59). Foi feita uma proposta de representação gráfica para esse quadro, uma se encontra na Introdução dessa dissertação, no tópico “Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia”, na Figura 4 (diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às demandas sociais) e a outra, sobre a qual redesenharemos a versão conclusiva, incluindo, portanto, nossos resultados, pode ser revista no Capítulo 1 (Percuro Metodológico), na Figura 7 (representação gráfica do quadro de modelos mentais, meta do objetivo geral). a morte de sua família e do antigo Imperador. De general a escravo, de escravo a gladiador, que mata o imperador em desafio dentro da arena. 254 Livro de 1880 com várias versões para o cinema, uma de 1925, uma de 1959 e a última de 2016. Um nobre hebreu, Judah Ben-Hur é falsamente acusado de tentativa de assassinato por seu amigo de infância e irmão adotivo Mesalla, que agora serve aos romanos. Ele sobrevive anos como escravo sob o domínio Romano e busca vingança contra seu irmão adotivo através de uma corrida de bigas enquanto tem sua vida mudada após uma série de encontros com Jesus de Nazaré Página | 330 Figura 59 – Mapeamento dos principais elementos ecológicos profundos da Polícia Militar Fonte: Elaborado pelo Autor Os elementos ecológicos profundos foram denominamos de arquétipos, que definem os tipos policiais, e de complexos, que coincidem com os modelos mentais. Tendo em vista que, ao compor a genealogia da instituição encontramos as raízes históricas de alguns desses elementos, construímos uma representação gráfica que combina imagens mentais e herança institucional (Figura 59). Essa última representação é uma versão preliminar que intenta satisfazer a proposta do professor Adriano Oliveira (2002), de uma “teoria genética” da instituição policial militar, tal qual foi explanado no tópico “A frustração dos acadêmicos”, no “Contexto da propositura do trabalho” do Capítulo 1 (Percurso metodológico). Os troncos de heranças “genéticas” Na Figura 59 (representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda), em sua base inferior, há um quadrilátero arredondado, que representa a constituição da instituição policial militar que recebe dos troncos verticais as heranças institucionais e arquetípicas. São dez troncos verticais, que agrupam heranças correlatas, três delas (b – Patriarcalismo; c – Resquícios do modo de subsistência da caça; j – Heroísmo) chegam à instituição por meio daquilo que o policial traz de sua enculturação prévia ao ingresso numa das organizações sob a influência institucional. Tabela 17 – Troncos verticais filogenéticos Identificação (a) (b) (c) (d) (e) Descrição Heranças institucionais / antecedentes Rito sacrificial e religiosidade Sistema Judiciário; sacerdócio servil Horda primitiva; pátrio poder; domínio masculino; violência fundadora Patriarcalismo Resquícios do modo de subsistência da caça Sistema escravista Heranças anacrônicas dos regimes de exceção brasileiros Caça; guerra primitiva; autoridade tribal Colonialismo português; bandeiras; autoridade mestiça Estado Novo da Era Vargas e Ditadura Militar Página | 331 do século XX (f) (f1) (g) Militarismo Soldado religioso Burocracia Estatal (h) Higienismo francês (i) Herança Corsária (j) Heroísmo Fonte: Elaborado pelo Autor. Exército formal em função policial; Corpos militarizados de polícia; Gendarmaria; Guarda Real de Polícia de Lisboa e do Rio; Força Pública Cruzados; Quadrilheiros; Ordenanças; Guarda Regencial Agricultura; Escrita; Sendentarização; Estado Moderno; Polícia Moderna Intendência de Polícia Corso; pirata; mercenário Herói; gladiador Três troncos desembocam nas características institucionais (a – Rito Sacrificial; e – Heranças anacrônicas dos regimes de exceção brasileiros do século XX; f – Militarismo; g – Burocracia Estatal), são aquelas heranças que, muito provavelmente, um cidadão sem contato direto com alguma agência policial, com o servidorismo público, as forças armadas ou instituições do sistema de justiça criminal não teria pleno conhecimento desses elementos históricos e imagéticos. Um desses troncos (d – Sistema escravista) desemboca parte de suas heranças no seio comum da sociedade brasileira e outra parte específica na atitude interna da instituição. O tronco vertical (h) é o da Intendência de Polícia, que são heranças típicas da razão de ser de polícia moderna, que influenciam em parte a Polícia Militar, mas que são mais evidentes em outras agências policiais como a Polícia Civil, a Polícia Científica e a Polícia Federal. É justamente o tronco (h) em sua noção de assepsia social que intenta afastar os “bons propósitos de polícia” do tronco militar. O último tronco vertical denominado herança Corsária, indentificado pela (i), está correlacionado com o ímpeto mercenário do caçador de recompensas. Página | 332 Figura 60 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda Elaborado pelo Autor. Estamos supondo que as origens do tronco vertical (b – Patriarcalismo), são as mais antigas, remontando a épocas anteriores ao surgimento da espécie Homo sapiens. A noção sobre horda primitiva, considerada um dos mitos freudianos, é originalmente uma ideia de Chales Darwin em "A descendência do Homem e Seleção em relação ao Sexo", de 1871, sobre a qual discorremos suscintamente com subsídios de Ruth Vasconcelos (2007) e Juracy Marques (2017) num tópico conclusivo do próximo capítulo (cap. 10), denominado: “Re-militarização como proposta transitória”. A partir dessa ideia de uma configuração específica dos bandos dos primeiros hominídeos, formados por um macho alfa com exclusividade sobre a cópula das fêmeas, que deveria ter expulsado os demais machos jovens e adultos, seus filhos – a partir essa ideia – decorre-se o pátrio poder e o domínio masculino. Os filhos formariam uma aliança e deporiam o pai abusivo, matando-o. Rene Girard (1998) tem uma formulação diferente para o episódio de uma violência fundadora da sociedade não mais natural e as instituições de ordenação social. Tal formulação é para nós as heranças representadas pelo tronco vertical (a – Rito Sacrificial). Acompanhamos o raciocínio da violência desencadeada pela inveja que imita o desejo que o outro tem sobre algo ou alguém, tornando o objeto cobiçado Página | 333 valioso para muitos ao mesmo tempo, sem a possibilidade de compartilhá-lo, ele é motivo de uma barbárie assassina desintegradora das comunidades e inviabilizando o convívio social. Para selar uma repactuação de concordância, é feito o sacrifício de uma vítima que carrega simbolicamente (ou verdadeiramente) a culpa pela desgraça. De tempos em tempos o sacrifício é refeito, para Girard (1998), esse forma sacrificial dá origem ao sistema judiciário, que oferece um “bode expiatório”. Alegamos que o policial se tornou um sacerdote servil, nesse sistema, impedido formalmente de realizar ele mesmo o sacrifício, em dadas oportunidades a magia decorrente do sangue “purificador” o seduz. Mais detalhes sobre o desdobramento desses aspectos para a atividade policial podem ser vistas no tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal” do Capítulo 7 (Ecologia Profunda da Polícia Militar). Baseado no que for dito sobre os elementos e práticas “do Estado não passa[rem] de constructos teológicos secularizados” (MATOS apud COTTA, 2012), no tópico “Organizações de força-vigor como espaços de culto” do Capítulo 7, demarcamos a influência dos fundamentos religiosos na formação da Burocracia Estatal, tronco vertical (g), do qual falaremos depois. O tronco vertical (c) corresponde aos resquícios do modo de subsistência da caça, entre eles a luta primitiva e a autoridade tribal exercida por guerreiros senis. Em nossa visão, a luta primitiva é absorvida pela estrutura social-estatal pelo militarismo e a autoridade tribal, surgirá na genealogia da Polícia Militar, mediante sua inserção pela reprodução de práticas originais tanto de ameríndios como de africanos repatriados pela Diáspora Negra. Alguns alegam que esses traços foram esmaecidos pelo padrão cultural branco-europeu, mas apenas a influência dos orikis (os mitologemas dos orixás) (POLI, 2011) já é o suficiente para trazer uma carga atitudinal sobre a atividade guerreira (de força-vigor). Alegamos que o comportamento da autoridade mestiça (NONATA SILVA, 2009) fruto do uso de descendentes não brancos como feitores e algozes dos escravos tem uma maior proporção da herança cultural eurocêntrica, mas guarda reminiscências da cultura tribal. A autoridade mestiça é um dos frutos do sistema escravista, representado pelo tronco vertical (d), originado pela forma peculiar do colonialismo português no além-mar. Entre os modelos mentais frutos das heranças desse tronco para a PM, estão o capitão-do-mato (BALDO, 1980; LIMA e LIMA, 2013), o jagunço, o feitor ausente da platantion (ALGRANTI,1988 apud LÍBANO SOARES, 1999), o homem branco pobre livre (FRANCO apud BALDO, 1980), o bandeirante, o donatário. As heranças desse tronco foram discutidas no tópico “Autoridade mestiça”, do Capítulo 6 (História da Polícia Militar: Genealogia das matrizes institucionais). É um tanto descosertante para todo brasileiro, sobretudo, aquele que tem uma autoimagem do nacional como pessoa descontraída e irreverente, lembrar que a herança do tronco vertical (d) é aquela que remete às consequências de manutenção dos resultados obtidos por um grande genocídio de indígenas ameríndios, de aproximadamente um milhão de pessoas, e uma diáspora cruel e vil, de pelo menos 12 milhões de africanos. Pulemos o tronco vertical (e) e passemos às considerações sobre o tronco (g), que fala sobre as características herdadas pela Polícia Militar por fazer parte do contexto da dinâmica burocrática estatal. Prosseguindo pela origem “sagrada” do Estado, que é fruto da secularização de constructos religiosos, discorremos sobre sua Página | 334 formação histórica está baseada na sedentarização da população antes nômade devido a caça e a coleta, agora estabelecidos em núcleos urbanos devido a revolução agrícola. Aos poucos, essa instituição vai “atraindo” os centros ordenadores de poder social, já tendo em si os recursos simbólicos da força religiosa e a posse dos recursos de produção, passa a absorver os institntos de guerra primitiva por meio da sistematização do militarismo. O primeiro grande marco desse tronco remonta há invenção da escrita, o segundo grande marco remonta a fundação do Estado Moderno na transição da Idade Média para a Idade Moderna (a partir do século XV), em nossa representação isso ocorre numa reinjeção dos aspectos religiosos na estrutura estatal que passa a está acima de tudo (MATOS apud COTTA, 2012), controlando tudo e a todos, encontramos nesse soerguimento do Estado, o aprofundamento das bases do biopoder e da governamentalidade (FOUCAULT, 2008), que irão desembocar nas polícias como ordenamento salutar dos súditos reais. Com entrincamento das funções estatais em todos os aspectos da vida social, o poder policial recorre a estruturas especialistas em controle e ordenamento, até que o direito de vingança é totalmente cooptado por esse poder central. Nesse sentido o corpo de polícia armado se reveste da sacra aparência higiênica e se torna subestrutura permanente do Estado. Não que corpos armados com função policial não já tivessem sido usados, mas seu uso sempre constituía um estado de exceção ou seu emprego se dava sobre territórios ocupados ou a serem colonizados, discorremos sobre o tema parcialmnete no capítulo 6, no tópico “A matriz da Military Police do Exército norte-americano” e no tópico “Expressão mitraica de culto do exército romano”, logo anteriormente neste mesmo capítulo. Esta dinâmica é representada no tronco vertical (f – Militarismo), não obstante, o higienismo tende a constituir um corpo e uma normatização policial civilista, de um caráter pseudo-permanente de paz, os corpos militarizados de polícia são preferidamente utilizados na tradição francesa e luso-brasileira. Esse processo foi tema recorrente na dissertação: visto no capítulo 6, quando do tópico "Corpos militarizados de polícia versus polícias de trato civil" e sobre "a matriz da Guarda Nacional Republicana portuguesa (a Guarda Real da Polícia de Lisboa)", um preâmbulo sobre o tema havia sido exposto no tópico "Ser policial e ser militar são condições contraditórias?" da Introdução. A abordagem ecológica profunda que correlaciona os tipos de militarizados e de trato civil com níveis de masculinidade e grau de moderação ou agressividade tem um trecho desenvolvido no tópico “Subsídios de uma ‘sociologia profunda’” do Capítulo 7. A influência direta do tronco vertical (f) alcança a Polícia Militar mediante o espelhamento modelar da Gendarmaria Nacional (1791) e da Guarda Real de Polícia tando a de Lisboa como a do Rio de Janeiro (1809). Cabe ressaltar que essas são as apropriações da governamentalidade de polícia por sobre as estruturas de corpos militarizados que já atuavam, tal é o caso da própria Gendarmaria Francesa que foi uma “renomeação” de instituição do Antigo Regime absolutista, tal é também o caso dos Regimentos de Dragões que são o antecessor imediato do corpo policial-militar colonial a originar a Polícia Militar de Minas Gerais, para compreensão do contexto mineiro é imprescindível a leitura de Matrizes do sistema policial brasileiro, de Francis Albert Cotta (2012), obra na qual a linha de influência portuguesa fica bem esclarecida. Página | 335 Portanto, coube-nos destacar um tronco paralelo ao (f), ao qual denominamos de (f1) e refere-se a herança feudal na descentralização do poder político e a formação de pequenos exércitos. Acreditamos que é de um tronco semelhante a esse que surge a atividade de “bons homens” de reputação ilibada com outorga de seu suserano para atuarem como policiais, aplicadores da justiça primária e agente de arrecadação fiscal. Esses homens não tinham salário, mas pagavam suas despesas com a arrecadação, em Portugal isso gerou os “quadrilheiros” a serviço das Câmaras municipais, na Inglaterra, isso gerou a função dos “sheriffs”. O tronco (f1) guarda ainda uma curiosa relação da função dos cruzados, assim como os direitos humanos podem hoje ser postos como um corpo de valores universais que validam o uso da força pela ONU em favor do bem maior, os cruzados faziam o mesmo em nome a cristandade. Essa comparação a qual desenvolvemos parcialmente em “Missões jesuítas de paz” no Capítulo 6, foi apreendida da noção de homem armado religioso da obra de Moreira (2013): “De soldado de cristo a promotor de direitos humanos”, como fruto de estudo em Ciências da Religião na PUC-MG, sobre a formação histórica da polícia militar mineira. Portanto, para mim, é entre o tronco (f) e (f1) que está o lado da espada da ideologia expansionista “entre a cruz e a espada”, que pelo prisma das necessidades instrumentais do padrão civilizacional masculino pode ser visto como a glória do império ibérico e lusitano, como pelo prisma das investidas anti-sistêmicas, o vetor de transmissão do germe de Utopia. Para a visão socioecológica, nada mais é que a dupla capacidade de romper a resistência de e inocular com sua herança cultural um sistema social hospedeiro com quem se disputa recursos materiais e autoritativos. No Brasil a ideia de um corpo militar de polícia formado a partir do exército nacional ser uma artimanha do poder central versus o uso de pequenos corpos milicianos sob o comando de autoridades locais estimulou a coexistência de corporações durante os séculos XIX e XX até a Era Vargas. Esse prolongado jogo entre força policial central e regional pode ser mais bem apreendido das obras de BARBOSA SILVA (2003; 2015), bem como de alguns trechos de Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro (2001). Para a melhor compreensão da natureza do serviço dos sheriffs recomendo como leitura inicial a obra seminal Padrões de Policiamento, de David Bayley ([1985] 2002). Algumas análises sobre a teoria “genética” da PM Brasileira Herança de um possível período matriarcal anterior Quando se fala de um possível período pré-histórico do qual ainda teríamos resquícios do matriarcalismo, temos que levar isso como hipótese, sobre a qual não me debrucei e ficou para estudos futuros. Nesse caso algumas sociedades antigas teriam sido herdeiras de um matriarcalismo que fora antropofagocitado por uma cultura patriarcal estrangeira dominante, o fruto amalgamado, como é típico do processo de aglutinação imperial, traria fórmulas de reconciliação interna que beiram ao esquecimento dos fatos (CAMPBELL, 1997255; GIBELLINI, 2002256). Minha hipótese Campbell aponta para os estudos de Johann Jakob Bachofen, 1861 sobre o “direito de mãe”: “Mother Right: an investigation of the religious and juridical character of matriarchy in the Ancient World”. 255 Página | 336 é que seja pela linha histórica, ou pela arquetípica inconsciente, certas instituições podem reconectarem-se com esse acervo primitivo. E de alguma forma esse seria o caso da Polícia Militar. Deixem-me explicar com calma, dentro do cotidiando da PM, a instituição é sempre referida como uma “mãe”, quando ela é caracterizada como pessoa, que quer ou deixa de querer algo em relação aos policiais, isso é tratado pela relação mãe e filhos. A adesão tão irresoluta de certo segmento dos integrantes da Polícia Militar, sendo de maioria masculina, ou de mulheres experessando com mais veemência suas potencialidades masculinas, não há como não pensar na necessidade de um foco central inconsciente de polarização feminina, tal qual nos sugere Jung (2012a), na relação anima para homens e animus para mulheres. Neste caso, a mente organizacional da Polícia Militar, teria um foco inconsciente profundo, sua anima que compensa sua persona projetada externamente. A sustentação ecológica profunda desse sistema institucional dependeria, portanto, da imagem de uma “deusa” perdida. Correlacionamos isso a figura de Lilith e a da Mãe Guerreira na atividade de Oyá. Figura 61 – Possível correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus a) Vênus de Willendorf b) Vênus de Willendorf esquadrinhada c) Símbolo esotérico da Deusa Mãe Fonte: a) Museu de História Natural de Viena (http://www.nhm-wien.ac.at/). b) Elemento a) grafado apenas em seus contornos esquadrinhado para demonstrar a proporcionalidade. c) Símbolo da Deusa Tríplice utilizado pelo neopaganismo, trata-se das luas: nova (a donzela), cheia (a mãe) e a minguante (a anciã). O que nos parece é que os irmãos que usurpam o controle da horda primitiva, apesar de poderem agora se organizar institucionalmente a partir cada um de um núcleo familiar com sua própria fêmea e prole cativa; eles ainda se juntam para guerra e feitos exclusivamente masculinos, sob os auspícios da superfêmea que os aninhou no longo período de dominação exclusiva do macho alfa. Nesse período, a natureza sexual primata, foi convertida à comunidade como a dos insetos sociáveis, na qual todos estavam submetidos por necessidade fisiológica e dependência psicológica a uma única fêmea compartilhada por todos. Em um estudo sobre o “catolicismo”, ou seja, a partícula universal da teologia do século XX, Rosino Gibellini destrincha inúmeros movimentos com suas doutrinas próprias até chegar à Teologia Feminista, ou seja, as fundamentações de cunho religioso-espirituais que enaltecem a figura da Deusa e dão sustentação profunda para a a emanciapação da mulheres de hoje. Para tanto é preciso fazer uma retrospectiva do enredo histórico dessas questões. Gibellini faz alusões a Carol Christ, Naomi Goldenberg, Heide Göttner-Abendroth, difusosras da Godness Spirituarily (a Espiritualidade da Deusa); inclusive Mary Daly com (Gine)ecologia. 256 Página | 337 Assim também um policial, sobretudo um militar, é compelido a ter sua vida comum normatizada pelo patriarcalismo nas unidades familiares que deva chefiar, entretanto, deve se dirigir ritualmente para a confraria dos guerreiros rememorirar as sagas das aventuras de caça, longe do jugo do pai abusivo (macho alfa) ou do jugo do matriarcado comum. Encontrando nas matas as mulheres expulsas sob o signo da lua (GIBELLINI, 2002). Na ausência de mulheres, eles deviam ter prazer na própria relação de amizade entre os homens, a qual poderia em certas condições ultrapassar esse marco. São variações possíveis de mitologemas que em conjunto explicam a força de coesão das confrarias de guerra masculinas. Tenho fundamentadas evidências que a estrela pitagórica de cinco pontas no alto dos quepes militares, possa ser uma ressonância tardia, mas sempre presente, da Vênus, e tento apresentar uma preliminar desse estudo com a Figura 60 (Possível correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus ), acima. Cabe correlacionar com aquilo que fora abordado em “Estrela: centro místico” subtópico inderido em “Símbolos da Polícia Militar Brasileira” no Capítulo 5. Análise Internacional comparada Para podermos falar em análise comparada é salutar um exercício de imaginação sobre a Figura 59 (representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda). Pensemos nos casos mais emblemáticos de sistemas de segurança doméstica mundo a fora e, sobretudo, os países que mantêm corpos militarizados de polícia como França e Portugal. Olhando a citada figura, podemos, a grosso modo, arrancar-lhe troncos verticais de heranças institucionais para demonstrar como outras polícias não possuem o mesmo acervo arquetípico da Polícia Militar Brasileira. Por exemplo, as polícias dos Estados Unidos não têm a ascendência direta do tronco vertival (f) nem do (f1), a formação moderna a título de intendência civilista é mais forte, contudo, diferente de sua metrópole a Grã Bretanha, a polícia dos Estados Unidos sofrerá influência de um tronco específico do colonialismo britânico, que tem a presença do sistema escravista, bem como a expansão para o Oeste, carrega em si uma irrupção de práticas e valores de desbravamento que não se diferenciam muito do estilo mercenário bandeirante paulista. Outra ilustração imaginativa pode ser realizada com a Polícia Nacional do Japão, não estou afirmando, mas supondo como uma hipótese para estudos futuros. A polícia nipônica não teria os troncos verticais (i), (d) e (e), ou seja, os correspondentes à atividade pirata, ao colonialismo europeu e aos regismes ditatoriais republicanos; os troncos (f) e (f1) em tudo estariam mais amalgamados, o guerreiro feudal japonês era essencialmente um homem religioso e a influência higienista civilista (tronco vertical h) na formação do corpo moderno de polícia teria sido mais forte no Japão que em Portugal, por lá ter encontrado ambiente propício para reverberação de uma atuação mais técnica. Digamos que a Missão “Iwakura”, por volta de 1870, teria sido um exercício de benchmarking bem sucedido da Era Meiji, trazendo para o Japão as “melhores” experiências do Ocidente. Sabemos pela teoria crítica do próprio Ocidente, que as melhores práticas para uma transição entre o mundo feudal e o uma sociedade Página | 338 industrial e a consolidação de um Estado-nação moderno requer certos instrumentos, que na opinião deste autor, são indispensáveis no padrão civilizatório patriarcal. O Brasil, na mesma época também estava sob a regência de um exemplar dos últimos “déspotas esclarecidos” (se assim podemos chamá-los, já que o despotismo não eram atributos seus), assim como o imperador Mutsuhito Meiji, Dom Pedro II também havia feito modernizações no âmago estrutural da nação. Contudo, as proporções continentais, a herança colonial-escravista e a diferença do aspecto de culto e fidelidade à figura imperial eram em tudo muito diferentes. Trouxe essa breve discussão sobre o Japão, porque seu modelo de polícia tem sido apontado como formato de reificação de nossa atividade de prevenção. Devo, portanto, passar aos contextos contemporâneos de onde vem nossas bases diretas da formação do corpo policial: França e Portugal. Pergunto-me: como Portugal e França tem forças policiais militares (que se constituem forças reservas de guerra mesmo) e sua atuação em meio urbano não causam os mesmos efeitos que a Polícia Militar Brasileira257? Tomando por base a análise institucional histórica, é preciso perceber algumas diferenças: primeiramente, França e Portugal possuem uma versão de agência policial civil para a atuação específica em centros urbanos. Portanto, as suas gendarmarias atuam como se sua missão precípua fosse guarnecer os rincões do território, o que é menos incompatível com "voracidade" da máquina bélica. Em relação às heranças institucionais e arquetípicas, Portugal, por exemplo, não tem o tronco vertical do seu próprio colonialismo e, portanto, as relações entre policiais e cidadãos não replicam a de feitor para com escravo. O que dar o tom de diferenciação do modelo lusitano em relação ao francês, é que o sistema de segurança doméstica de Portugal guarda em maior proporção as heranças do soldado-religioso que é fruto medieval e em muito deve a Ordem de Cristo. Apesar da nomemcltura, sugerir isso ao francês, já que “gens d’arme”, é a designação para cavaleiros de uma nobreza subalterna que compunha os exércitos europeus medievais. Nem França, nem Portugal terão o indutor de reforço dos atributos militares e específicos de expansão imperial aplicados contra seu próprio povo, porque os seus períodos de exceção, no século XX, tiveram conotações diferentes. É, bem certo, que o período Salazar empresta ao sistema lusitano sociopolítico algumas características de centralização do poder, mas se comparados ao caso brasileiro, diríamos, superficialmente, que corresponderia ao período Vargas. O Brasil, portanto, teria um adicional nesse aspecto com a Ditadura Militar. O período de exceção francês do século XX é a ocupação alemã e a reconstrução no pós-guerra com o general Charles de Gaulle. É uma importante linha de pesquisa futura, entender porque os governos Salazar e Charles de Gaulle não causaram a mesma indução de arbitrariedade nas forças policiais militares de seus países, como ocorreu com Vargas e o Regime iniciado em 64 (69). 257 Por ora teceremos uma consideração histórica circunstanciada, mas sobre linha de uma teoria sobre o fato cabe resposta a essa pergunta, também no tópico “Nível de (in)tolerância às feições guerreiras” do próximo capítulo. Página | 339 Minhas pesquisas preliminares mostram que, o reforço de tal característica no Brasil, deveu-se a influência das forças armadas norte-americanas (como tentamos demonstrar neste trabalho e sua correlação com a FEB e a PE), bem como um perfil de inspiração prussiana no âmago do oficialato do Exército Brasileiro fruto da ala positivista do final do século XIX, que teria buscado inspiração na engenharia socialinstitucional alemã de Bismark. Ou seja, do que o Brasil se aproxima, no caso da atuação policial, é o que a França do pós-guerra se afasta. Por exemplo, a Alemanha atual tem as forças policiais condideradas menos militarizadas do mundo, apesar de possuirem a típica formação romana pretoriana de intervenção em convulsões sociais. O Japão tem uma reserva militar a título apenas de autodefesa, e sua capacidade soberana de força depende dos Estados Unidos. Essas duas "máquinas" vorazes foram suplantadas pela derrota na Segunda Grande Guerra. É certo, que as forças militares japonesas que atuaram como força policial de manutenção de ocupação na Coréia, no Sudeste Asiático e no Pacífico não foram nenhum pouco corteses ao estilo da polícia-samurai que atua nas ilhas nipônicas. Portanto, percebe-se que as forças policiais brasieiras, quando guardam semelhanças, ocultas aos primeiros olhares de análise, com a máquina bismarkiana258, estão mantendo em si atributos que foram dispensados pelos contextos nacionais de origem. O mesmo ocorre com a voracidade militarista e escravista dos atributos de nossa polícia para com o desenvolvimento da Guarda Nacional portuguesa e a Gendarmaria Nacional francesa. Do que eles se afastaram, nós nos aproximamos. O que eles apenas aplicam em populações estrangeiras ou em pequenos guetos, nós aplicamos contra nosso próprio povo. Sobre guetos, cabe destacar que nem a força orgânica policial civilista norte-americana, nem a britânica estão longe de serem arbitrárias, basta aplicá-las em contextos de desigualdade social ou de subjugamento étnico: observam-se as revoltas contra a atuação policial nos guetos afroamericanos e afrobritânicos, bem como o combate diário ao arranjo criminoso para-estatal das gangues latino-americanas em cidades dos Estados Unidos, ainda como é possível prever o estouro da violência, nos redutos islâmicos de Londres, Paris e Marselha. Cabe fazer registro, que inclusive a polícia ocidental, caracterizada como a mais comunitária, a Gendarmaria Real Canadense (Real Polícia Montada do Canadá) teve denúncias de abuso, quando atuou na Guerra dos Boêres, na África do Sul, no final do século XIX e desde então a sociedade canadense rediscutiu o papel de sua força militar reserva. O que nós nos acostumamos e por isso podemos exportar tal tecnologia de controle populacional para o Haiti, Sudão, Timor Leste e Angola; eles certamente, mais cedo ou mais tarde, também precisarão. É um tanto, exdrúxulo, mas se acompanharmos as previsões de Zigmund Bauman e Milton Santos, tão provável quanto possa nos parecer uma necessária extinção da PM, o modelo de gendarmaria 258 A máquina bismarkiana de controle populacional se for submetida ao mesmo tipo de análise institucional histórica feita por nós, numa abordagem como se instituições fossem troncos genelógicos, certamente encontraríamos influência direta da amálgama do espírito bélico romano e o dos “bárbaros”; e esses por sua vez, teriam influência dos hunos/tártaros e chegaríamos, não apenas por essa linha ascendente, ao impulso primitivo de caça e guerra. Página | 340 francesa, acaba surgindo com mais força como ocorreu no México em 2014 259, também passa a ser provável a replicação dessas, no eixo do Norte que devem ter panoramas de vitalidade socioeconômica decaídos e precisar lidar com a desigualdade acentuada. Chega-se a conclusão que não é apenas o fato de ser militar que provoca tal indução. Quando discorremos sobre a visão da divisão "sagrada" do trabalho do mundo védico-hindu (tópico: “Kshatriyas: a casta guerreira”, do capítulo 7), ressaltamos que o próprio "Deus" que havia separado as castas, teria destinado a casta guerreira para o comando político. Bem, o comando político-militar brasileiro não teve a mesma desenvoltura que a de outros países, desde a proclamação da República. Existe uma força oligárquica, antes agro-industrial, hoje cosmopolita, que rege o Brasil não como classe dirigente, mas como classe donatária. E por alguns motivos, por mim ainda não conhecidos, tanto a força militar burocrática como a paramilitar revolucionária não foram páreas para lhe fazer frente. Julgo não parecer tão reacionário quando lembro que um determinado círculo do poder monárquico maçônico e paramaçônico do século XIX no Brasil, alertou sobre esse fato, como foi feito pelo próprio Dom Pedro II; o próprio Marechal Deodoro tinha consciência disso, assim como alguns generais da década de 70 e começo da de 80 também alegaram não ter forças contra esse poderio oculto. Pode-se presumir pela carta testamento de Vargas que algo não muito diferente lhe levou ao sucídio, bem como atuais discursos de dois ex-presidentes do Brasil, Fernando Collor e Lula, mostram em suas entrelinhas a mesma questão problemática. E aí está minha alusão ao alerta: não é muito inteligente livrar-se de Marte e, ainda assim, ser capturado por Mamon. Marte é o deus da guerra romano, em correlação ao Ares grego e Mamon é a figura mitológica hebreia, filho do arcanjo Samael e da segunda esposa de Adão, Chevah (Eva) e é apontado como o demônio da ganância e da ambição, portanto, do dinheiro. 259 RUBÍ, Mauricio. "Llegará equipo francés a asesorar creación de Gendarmería: La nueva embajadora de Francia en México señaló que en las próximas semanas una misión gala iniciará una asesoría a México sobre la Gendarmería Nacional". El Economista. Publicado em 14 fev. 2013. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em <http://eleconomista.com.mx/sociedad/2013/02/14/francia-asesorara-mexico-sobre-gendarmeria-embajadora>. El Economista. "Presentarán Gendarmería el 16 de septiembre: El inspector general de la Comisión Nacional de Seguridad Pública de la Segob dijo que la Gendarmería estará compuesta de 8,500 miembros del Ejército y 1,500 de la Marina". Publicado em 08 mai. 2013. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em <http://eleconomista.com.mx/sociedad/2013/05/08/presentaran-gendarmeria-16-septiembre>. MOLINA, Héctor e MONROY, Jorge. "Gendarmería, 'opción para seguridad interna': El especialista en seguridad Alejandro Hope considera que la Gendarmería aún no ha cumplido el objetivo para el que fue pensada, que era ser la institución que marcara la retirada de las Fuerzas Armadas de las tareas de seguridad pública". Publicado em 22 ago. 2017. Acessado em 02 set. 2017. Disponível em <http://eleconomista.com.mx/sociedad/2017/08/22/ gendarmeria-opcion-seguridad-interna>. Página | 341 Colocar o mundo de cabeça para cima A reconversão do guerreiro No Capítulo 7, ao desenvolver uma reflexão “Por uma Sociologia Profunda”, fizemos um exercício de “Hermenêutica hindu-cristã das instituições masculinas e femininas” e utilizamo-nos de uma análise sobre um tal “Complexo de Paulo”, fortemente influenciado pela perspectiva da Natureza da Psique de Carl Gustav Jung ([1945-1971] 2012c, §582). Agora retornemos ao tema, apenas para ilustrar como ocorre a conversão a um “outro deus”. Ou seja, como é possível vislumbrar a reorientação pessoal e, sobretudo, institucional para a regência de outros elementos psíquicos associados ao centro de identidade egoico. Sejamos claros: como um policial ou a polícia podem mesmo atraídos e fortemente orientados por um complexo-ideológico serem convertidos a um novo comportamento, por consequência de uma nova tomada de atitude interna. Depois de falar sobre “ideias delirantes”, Jung (2012c) esclarece que essas irrupções autônomas são possíveis porque “[...] a psique em si não é uma unidade indivisível, mas um todo divisível e mais ou menos dividido”. E espero que o pouco que discorremos sobre a mente organizacional no Capítulo 4, possa ter deixado as bases necessárias para que façamos compreender o fato dessa estrutura psíquica, ser correlata no plano pessoal, bem como no organizacional. Vejamos o que Jung (2012c, §582) segue esclarecendo: Embora as partes separadas estejam ligadas entre si, contudo, são relativamente independentes, a tal ponto que certas partes da alma jamais aparecem associadas ao eu, ou se lhe associam apenas raramente (Jung, 2012c, §582). A estas partes da alma Jung (2012c, §582) chamou de “complexos autônomos” e sobre esta concepção fundou a teoria dos complexos da psique. “Segundo esta teoria”, prossegue Jung (2012c), “o complexo do eu forma o centro característico de nossa psique. Mas é apenas um dentre vários complexos”. Para nós a aplicação organizacional de tal dinâmica, explica-se como se elementos orbitassem o centro do sistema social humano, elementos que carregam em si partículas ou porções de unidades replicadoras de simbolismo e imagens primordiais. Numa perspectiva Biológica Evolutiva, poderíamos dizer “memes” (DAWKINS, [1976] 2007) para se referir a subconstituição de tais elementos; para continuar numa perspectiva da Psicologia Analítica, diríamos que cada um desses elementos tem múltiplos e diferentes vínculos associativos a ideias primordiais. O que se caracteriza muito bem pela relação Arquétipos-Complexos (JUNG, 1996). Uma maior ou menor proporção de vínculos a um determinado grupo de ideias define a orientação ideológica hegemônica do sistema social. Concepção essa que não difere em muito da consolidação da hegemonia de Gramsci ([1949] 1982), de sobremaneira da forma compreendia por Connell (1995). Esta forma específica de associação e estabelecimento de uma regência preponderante foi por nós estipulada na arquitetura do “Triângulo ecológico humano integral”, representado pela Figura 10, do Capítulo 3. Página | 342 Assim como um alinhamento cósmico precisa ser esperado com parcimônia, assim “[...] sabemos por longa e variada experiência que uma transformação tão fundamental exige um longo período de incubação”, informa-nos Jung (2012c) sobre o quanto pode ser lento, gradual e silencioso os processos de reordenação dos elementos psíquicos inconscientes. Para Henryk Machon (2016), que faz uma releitura de Jung, pode-se “observar nitidamente essa fase de incubação inconsciente na conversão de Paulo de Tarso”. Quando ainda se chamava Saulo, ele era “inconsceintemente cristão havia bastante tempo”, o que explicaria sua perseguição passional aos cristãos, pois não queria aceitar, mas sim destruir o complexo de Cristo que agia nele: “A visão de Cristo no caminho de Damasco designa apenas o momento em que o complexo de Cristo insconsciente se associou ao seu de Paulo” (MACHON, 2016). Jung (2012c) é quem nos permite começar a ver as pistas sobre a seriedade e complexidade do trabalho induzido de desmobilização da chave guerreira (DE PAULA, [1987] 2005) pretendida para que haja uma permanente conversão atitudinal e comportamental da polícia e dos policiais: “embora pareça que o momento da conversão tenha sido absolutamente repentino [...] e só quando esta preparação está completa”, ou seja, ao chegar o momento de amadurecimento do indivíduo para minimamente suportar o “peso” da conversão, “é que a nova percepção irrompe com violenta emoção” (JUNG, 2012c, §582). Para o processo de conversão do guerreiro, o transcurso desta fase de incubação e a possível reação fanática e passional também são situações que não raras vezes ocorrem. Tanto na conversão do guerreiro moderado para o agressivo, como do que mata e extorqui prazerosamente para uma postura mais sensata. Nos cursos de formação e nos primeiros anos da carreira é possível ver novos integrantes da Polícia Militar, sendo rebatedores ferrenhos das injustiças ali cometidas, eles na verdade, não sabem, mas aquele jeito de ser também faz parte deles e lhes está inconsciente sendo “constelado” ou ativado (JUNG, 2012c, §198) à medida que o sujeito tem contato com os indutores externos, que agem como estímulos. Conforme explicamos de forma comedida no Capítulo 4, por força da interpenetração do comportamento selecionado como exitoso na herança genética geral da espécie, dadas disposições estão no indivíduo humano invariavelmente e esse é o caso do espírito guerreiro; que, portanto, precisa ser trazido à tona. Os treinamentos de selva260, os traumas psicológicos nominados de adestramento (formação) e o uso e a exposição continuados de simbologia associada261 são os indutores preferenciais, há muito testados e reinventados pela dinâmica institucional. Ao que parece, a conversão inversa, nunca foi uma chave funcional tão relevante para a evolução civilizacional quanto à “fabricação de monstros” úteis. Mesmo as sociedades modernas mantiveram as técnicas e tecnologias de conversão de homens comuns em guerreiro para apropriadamente utilizá-los em seus 260 Como demonstrado no tópico “‘Adrenalina no sangue’: resistência à perda de capital simbólico acumulado” do Capítulo 7. 261 Simbologia essa que é identificada preliminarmente em “Símbolos da Polícia Militar Brasileira” do Capítulo 5 e depois discorrido sobre aquelas que agem como indutores mais severos em “A hegemonia do guerreiro e do aventureiro” do Capítulo 9. Página | 343 instrumentos de controle e guerra. Tímidas tentativas foram orquestradas para provocar essa reconversão, assim como demonstramos no tópico “A frustração dos acadêmicos” no Capítulo 1. Tímidas porque não tiveram a ousadia, ou não puderam ser autorizadas que fossem feitas, em um nível de tal intensidade e profundidade que influísse na conexão inconsciente que os integrantes da Polícia Militar mantêm com os conteúdos sutis da instituição. Mas desde já usamos as palavras de Jung (2012c, §582), para especular, que onde se vêem guerreiros fervorosamente lançados ao embate corpóreo e ao exercício do “mal”, ali você também tem em potencial um ferrenho defensor da humanidade. Segundo Jung (2012c), “[...] o fanatismo se encontra sempre naqueles indivíduos que procuram reprimir uma dúvida secreta”. Nesse elemento masculino agressor há nele um futuro potencial defensor dos elementos femininos sociais. Porque o senso de maternidade está nele e contra esse senso que ele reluta, assim como nos explica Jung sobre Paulo, assim podemos vislumbrar como seria para um guerreiro aguerrido permitir-se perder sua autoafirmação e integrar-se a um senso sociocêntrico ou ecocêntrico: Por isto é que este complexo [o de Cristo] lhe aparecia sob a forma de projeção, como não pertencendo a ele próprio. Ele não podia verse a si mesmo como cristão. Por isto ficou cego, em consequência de sua resistência a Cristo e só pôde ser curado de novo por um cristão (JUNG, 2012c, §582). E assim como a cegueira psicógena é sempre uma recusa inconsciente a ver (JUNG, 2012c), a exacerbação do discurso ou das práticas excludentes, para um espécime da casta dos guerreiros, é um último esforço para evitar o inevitável soerguimento dos elementos femininos em si mesmo (KRIBBE, 2004). O discurso como arma ideológica Segundo Bessa (2017), a arma do verdeiro guerreiro é uma espada, mas essa espada não é de aço, é o discurso devidamente alinhado a uma expressão mental superior, um Deus, ou seja, como dizem nos círculos teístas de adoração: um louvor. E, portanto, “deus” está entronizado por “altos louvores” (BESSA, 2017). A ideologia hegemônica, ou o deus social, mantém-se pela recursividade operacionalmente enclausurada de discursos que lhe reafirmam suas características e lhe confirmam a posição. E o que seriam, portanto, “altos louvores”? Para nossa compreensão filosófica e psicológica profunda, seja pela visão de Jung ou a de Nietzche (apud JUNG, [1960] 1976), trata-se analogicamente às canções de Apolo ou às peças teatrais de Dioniso. Tais discursos com o código devidamente orquestrado provocam reestruturação dos campos energético-vibratórios. Isso explica desde a capacidade da antítese dialética operar mudanças socioculturais; do encaixe compatível entre determinadas cadeias de aminoácidos proporcionando a ação enzimática; tal como os "milagres" de cura, que não passam de operações de reorganização bem sucedidas da inter-relação ideia-matéria (BRADEN, 2008), ou seja, discursos na sua acepção mais profunda, superando inclusive a noção de Foucault sobre o tema. Isso significa que ao “dar” espaço para o Página | 344 atrator trazer o espírito regente ao mundo socionatural, ocorrerão literalmente modificações na natureza física provocada pelos elementos ideológicos. A realidade é alterada pela mente. O verbo encarna e Logos se faz presente. A oração, por exemplo, são discursos. A meditação, são discursos sucessivos da intenção não-discursiva (BRADEN, 2008). E, portanto, não há nada de excêntrico quando dizem por senso comum religioso, que uma oração é uma arma (FREITAS, 2012). Logicamente no palco das ações políticas, o discurso preponderante precisa de reverberação factível. Para isso retomo a noção foucaultiana, a disputa é pelo que se poderá dizer e por quem pode dizer ao ponto de ser ouvido como portador da verdade (FOUCAULT, 1986). Falar em guerreiros do discurso está de certa forma em concordância com a arma viável relatada por Harari (2015; 2016): a ação discursiva, para que não sejamos obrigados a cumprir a sua profecia de tempos obscuros, onde um “deus”, digo uma ideologia massivamente hegemônica, tome das pessoas a faculdade de discursar e mantenha o texto único da verdade, o que para Zigmund Bauman (apud VAZ DE LIMA, 2015) já estaria em curso, com uma implícita, no entanto, enfática interdição à crítica ao status quo do Sistema Global, acelerando cada vez mais para a formação sem escapatória do “pensamento único” em contraste à “consciência universal”, tal qual nos alertou Milton Santos (2001). Ou seja, aterrorizantemente a concretização da epifania do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley ([1932], 1979). Repito, para deixar claro: o desmantelamento total do espírito guerreiro é uma baixa considerável na luta contra o Sistema Global. Desarmar uma instituição estatal como a Polícia Militar, pode ser uma boa jogada, mas perder o espírito guerreiro seria fatídico para a causa humana contra a causa biônica. Antes de voltarmos a participação da casta guerreira nisso, concluo esse tópico com um trecho da música da cantora de rock, a baiana Pitty, que parafraseia o título do livro de Huxley. Na música, há um breve rol de ações discursivas possíveis contra essa estratégia do Sacerdócio do Mal262: Pane no sistema, alguém me desconfigurou. ‘Aonde’ estão meus olhos de robô? [...] E eu achando que tinha me libertado, mas lá vêm eles novamente e eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema. Pense, fale, compre, beba. Leia, vote, não se esqueça. Use, seja, ouça, diga. Tenha, more, gaste e viva. (Trecho da música “Admirável chip novo”, de Pitty). Portanto, no meu modo peculiar de perceber o aludido drama, todos os antereriormente citados, neste tópico: Bessa, Jung, Nietzche, Braden, Freitas, Foucault, Harari, Bauman, Santos, Huxley e Pitty, são todos guerreiros do discurso e tantos quantos como esses estão aprisionados em instituições totalizantes como a Polícia Militar e precisam ser resgatados sem que percam o espírito guerreiro-justiça ou guerreiro-proteção. 262 Quem constitui esse sacerdócio pode ser visto no tópico “Rito Sacrificial e Sacerdócio do Mal” no capítulo 7. Página | 345 A lógica dos deuses guerreiros A consequência é trágica, essa ideologia hegemônica conseguirá fazer com que todos a cultivem no terreno de suas mentes e corações como o único “deus” a ser adorado. Isso equivale à regulação total sobre manifestação externa de culto. O sacrifício do esforço da manifestação externa de culto é direcionado à honra desse “deus”. Lembrando que esse deus é uma expressão ideológica autônoma do centro numinoso do inconsciente coletivo, portanto, a manifestação externa terá o caráter coletivo e poderá ter ou não a adesão individual plena. Individualmente poderá ocorrer a adesão por alinhamento pleno, onde o caráter do “deus” coletivo reflete os desejos pulsionais do sujeito, ou poderá ocorrer uma artificialidade (um artifício) para que a mente pessoal possa se sujeitar à influência do “deus” coletivo, como uma obrigação ritual, não chegando a um alinhamento, mas sempre o percebendo (intuitivamente) como um invasor. Portanto, têm-se dentro de um sistema social, fiéis adoradores que cumprirão tudo o que for proposto pela imagem coletiva regente, como se desejo próprio seu fosse. E tem-se o outro grupo que se sujeitará, tendo em vista que a imagem coletiva regente coopta o poder sobre os recursos do sistema (recursos materiais e simbólicos), mas esses que se sujeitam a contra gosto impõe aos demais limites para a plena “entronização” do “deus” hegemômico. O verdadeiro guerreiro é invariavelmente um crente. O deus do guerreiro patriarcal é um ser belicoso, que tanto cuida dos seus como pune os que se rebelam. Para alguns dizer que o guerreiro aguerrido é o tipo regido pelo pensamento e, portanto, reflexivo racional, não deixa claro como ele pode ser tão intransigente e parecer não ter afeto ao conhecimento sublime. Isso se dá porque ele, ou melhor, seu deus tem uma lógica própria. O atrator civilizacional ou o espírito institucional estabelecem uma ordem interna pela qual todos os fiéis seguem irresolutamente. Por isso, um guerreiro não se vê como oposto à razão, ele está convicto que razão maior que a de seu deus não há. E seguindo os preceitos da lei divina, eles estão sendo o mais lógico possível263. O espírito guerreiro como salvação paradoxal Quando discorri sobre a relevância ecológica desta pesquisa, no Capítulo 2, referi-me ao quanto essa gente que está hoje nas organizações de força-vigor pode contribuir para a construção do novo social do futuro. Agora arremato aquela alusão, estando convicto que o “espírito guerreiro” como manifestação da auto afirmação tem um papel preponderante nas lutas, mesmo as que não se contaminam com o sangue – nas lutas – discursivas. Ora, se esses guerreiros estiverem a serviço do Deus de Spinoza (SPINOZA, [1677] 2009) ou o de Einstein (PONCZEK, 2009), o quão integradores serão, mesmo em lutas auto afirmativas? Por quanto, o Deus aí referenciado é a própria Natureza, digo o Universo. 263 Aplica-se a policiais, militares, militantes, traficantes, terroristas e guerrilheiros. Página | 346 Enquanto Nietzche (apud JUNG, 1976; apud GOYA, 2014) e Freud ([1930], 2011) acham inconcebível a regra de ouro do fazer ao outro aquilo que de melhor faria a si mesmo, por ser diametralmente oposta a natureza instríseca do homem, que é fundamentalmente egoísta. Estamos propondo aqui algo não tão difícil para um koan zen-budista ou para o entendimento cabalístico. O homem como elemento último da criação é infundido por um natural desejo auto afirmativo, sua reconexão está no fato de se sentir o EU dele parte integrante de EU’s maiores, tais como sua família, sua tribo, seu povo até chegar a noções como cidadania planetária ou pequeno ser em comunhão com sua Mãe Terra. Voilà! Como que um passe de mágica, o desejo egocêntrico é reorientado para, mesmo em seu impulso individualista, exaurir-se em esforço pelo bem coletivo, porque julga ele está lutando por si mesmo. O mundo racionalista não pode compreender essa reificação, porque sendo ele mesmo o próprio princípio de ruptura da integralidade, não consegue captar o valor soterológico do pensamento antigo de reconciliação com o todo. Acompanhando a reflexão de Leonardo Boff (1997), Maria Vaz de Lima (2015) responde ao um jornalista, seu entrevistador que alegando o sentido do agnosticismo, questiona-a sobre a obsolecência da religião. A antiga aprendiz de Chico Mendes264 faz um defesa de fé e conclui que a tradição espiritual-religiosa judaico-cristã nunca ficou obsoleta, mas foi mal interpretada por muito tempo, ao gosto do desejo da opressão auto afirmativa, ou seja, masculina em essência. Por quanto, se fala muito do “espírito de dominação” suscitado na Torá (Antigo Testamento), pela passagem de Gênesis cap. 1, verso 28: “Deus os abençoou: ‘frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra" (Versão Católica); mas não se segue coadunando tal preceito com outro de igual ou maior relevância que diz “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo” (Nova Tradução Internacional), em Gênesis 2: 15. Coadunar esses dois “mandamentos” divinos para uma consciência de responsabilidade pela proteção e pelo cuidado como também nos esclarece Haroldo Reimer (2009) com seus textos referentes à “Criação e Cuidado” ou ainda a produção em Ciências das Religiões da UFPB, com Amelia Limeira e Maristela de Andrade (2013) que abordam “Eco(teo)logia”, como uma “ética para preservação ambiental”, não diferente de Cassiano da Silva e Kelly Nascimento (2015). Trata-se de equilíbrio paradoxal, sendo o homem o mais auto afirmativo, acertadamente orientado, torna-se o elemento mais intregrador que possoa existir. A mesma decorrência paradoxal aplica-se ao guerreiro. Ninguém pode deter um guerreiro fanático por seu deus, ou sua ideologia. Bem como, não poderá existir melhor fanático do que aquele que inalienavelemente luta pelo Todo. E é nesse sentido, que proponho não apenas para a instituição Polícia Militar, mas para o processo civilizatório humano, o desafio de Ana Bessa (2017) de “colocar o mundo de cabeça para cima”. Parafraseio-a em nítida alusão ao esquema do giroscópio explanado no Capítulo 7, no qual o emblema da PM está representado 264 Chico Mendes: Seringueiro que se tornou ambientalista pela causa da salvar a Floresta Amazônica, assassinado a mando de fazendeiros e madeireiros que tinham seus negócio afetados pelas campanhas do ativista. Página | 347 pelo selo do casal arquetípico Lilith e Samael, a estrela pitagórica de cinco pontas, ou seja, o ser humano potencialmente divino, direcionando a energia de seu microcosmo para o inferior, para o abismal, para o animalesco. E não passando o homem, na fase atual de desenvolvimento global, nos termos de Ken Wilber (1987), de um animal que pouco se distinguiu dos primatas, portanto, estar voltado para seu componente animalesmo e reafirmando aquilo que já se é, não gera o equilíbrio do tipo paradoxal a que se propõe. Figura 62 – Colocar o mundo de cabeça para cima Elaborado pelo Autor. A geração de Caim De forma alguma, é uma alusão preconceituosa àquilo que representam tanto Lilith como Samael, assim como Jung (1976) nos lembra, a infusão irracional dionisíaca é necessária para caputar a energia psíquica interior e oculta para nosso desenvolvimento. Mas estando este homem (esta mulher) com os pés no chão, compostos dos mesmos elementos químicos que o planeta Terra, não se pode esperar sensatez e progresso se realçarmos em nós aquilo que já somos e do qual precisamos nos distanciar, certamente em algum ponto sem a devida compensação, estaremos em perigoso excesso. Deixem-me usar a metáfora mitológica, ainda por um momento: entronizamos Samael como o príncipe deste mundo. Esta é a geração filha de Caim, ou seja, temos por pais Samael e Eva. Caim matou seu irmão, Abel, mesmo aquele sendo mais novo, mas aquele era filho legítimo de sua mãe Eva com seu pai adotivo Adão. Somos em tudo racionalistas, não nos importamos com o outro e só percebemos o exterior pelos sentidos. Desencantamo-nos, portanto, dos ideiais sublimes, bem como não conseguimos ver a conexão do todo. Adão está entristecido e consternado, e Lilith está furiosa, já que essa precedência não é de um filho seu, mas daquela que lhe substitiu no Éden e ainda assim encanta seu novo marido. Página | 348 Estou usando do mito para dizer que nossa civilização regida pelo Pensamento e auxiliada pela Sensação, não consegue articular com harmonia a valoração subjetiva das coisas, bem como sepultou a intuição feminina somatizando suas manifestações negativas de reclames265. Estamos fundamentalmente cindidos, não sendo capazes de fazer o bem a que nos propomos e fazendo abundantemente o mal, que dizemos não querer fazer, como nos diz tanto Paulo de Tarso266, Agostinho de Hipona267 e Sigmund Freud (apud VAZ DE LIMA, 2015; CONKE, 2014). E se nosso mal civilizatório é paradoxal, por que a solução também não o seria? Querer estar vivo sem dever nada à natureza, ou seja, a deus nenhum é o mesmo que retirar o status de vida autopoética como ela é concebida. Portanto, dizemos que é vivo o sistema que se mantém diferenciado constituindo suas partes em uma ininterrupta troca com o ambiente. Apenas querer se autoafirmar não mantém vida, bem como não ter diferenciação autoafirmativa não gera nada que não seja o próprio ambiente. O impulso de morte de Freud (1996b) é em certa medida, na verdade, um impulso de vida, de luta para ter a vida. Há ali uma necessidade de autoafirmação, de ser alguém que não é o outro e não vai se permitir ser fagocitado pelo sistema mais abrangente (ambiente). Muito impulso de vida, em excesso, traz a morte, porque é do ambiente que provém o sustento de vida. Tolo ou incauto do sistema vivo que queira se apartar do sistema mais abrangente que lhe sustenta. Tolo do homem que queira viver livre DO ambiente. O que ele pode almejar é viver livre NO ambiente. Usando um recurso mítico-poético, mais uma vez, podemos abordar cosmovisões étnicas próprias, usemos a yorubá: dizer que um homem (ou um deus) pode existir sem prestar satisfação a ninguém é como não lembrar que Obatalá (Oxalá) é corcunda, por ter sido castigado, quando orgulhosamente queria ser o deus-criador soberano e não prestou culto a Bara Exu que já estava lá antes dele. Está ligado ao ensinamento rabínico-evangélico que diz “longe de mim não há vida”, “o ramo precisa está ligado à videira”. E nisso podemos dizer que o impulso à morte de Freud ([1920] 1996b), que é impulso de vida, e assim o é paradoxal, tanto quanto dizer: “quem procurar sua vida a perderá, quem abdicar de sua vida a ganhará”268. Precisamos perder nossas vidas em favor do Todo. A questão que antes do Todo integral, há sistemas mais abrangentes do que nós, que também possuem certa dose de autoafirmação. A esses intermediários precisamos ter certa dose de autoafirmação própria, sem culpa, porque se não o fizermos eles nos abarcarão. Hoje os sistemas mais abrangentes de acinte autoafirmativo (egoísta) mais aguerrido e que nos ameaçam, são nossas próprias criações (MORIN, 2000): os sistemas simbólicos 265 Aqui é traçado um sumário perfil da mente civilizacional como um ente, nos termos da Psicologia Analítica, que tem a função Pensamento como a principal, a Sensação como a auxiliar, a Intuição como parcialmente consciente e parcialmente inconsciente e o Sentimento como função inferior e menosprezada pela lógica dominante. 266 Paulo escreve à comunidade cristã primitiva da cidade de Roma: “Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.” (Rm 7.15-20) 267 CONKE, Marcio S. A questão da memória em santo Agostinho e Freud. Perspectiva Filosófica, vol. 41, n. 1, pp. 3048, 2014. 268 As setenção citadas nesta explicação são atrabuídas ao “rabino” Jesus. Página | 349 (socioculturais) e ideológicos, que nos regem e constituem o conjunto social, tecnológico e ideal (a sociosfera, a tecnosfera e a noosfera). A Polícia Militar, nessa visão, é um sistema autopoético social muito auto afirmativo, seus “deuses” internos creem poder ser fortes e inabaláveis sem a necessidade da sociedade. Existe um sentimento incutido nos seus integrantes, de uma epifania que beira a dizer: não somos nós que precisamos da sociedade, é ela que nos deve. Pense agora em um leão, animal forte, considerado no imaginário: o rei entre os outros animais. E se esse leão por mais forte que fosse, tendo um mínimo de consciência rudimentar, sentisse que era mais que a própria savana, mais que todos os rios, mais que todos os outros animais juntos. Assim é o homem globalizado pelo Ocidente. Pois, assim também parece ser o “espírito” da Polícia Militar, sua robustez e adaptabilidade são impressionantes, duplamente empoderada de instrumentos ideológicos auto afirmativos com certa dose de maneabilidade do caráter intregrativo interno e de suas conexões com um ideal almejado e/ou temido pelos que estão de fora. Esses instrumentos são o caráter burocrático estatal e o miliciano. Cada um como a herança histórico-imagética do sistema de subsistência da agricultura e da caça. Em sua saga progressivamente mais autoafirmativa, sem se tornar sutil e ardil como os demais equipamentos de Estado, certamente vai perdendo a cadeia de suprimentos nutricionais provindas da sociedade, ou seja, a legitimidade social. O que posso antever é que uma instituição burocrática-miliciana de controle populacional tentando sobreviver a toda custa, apartando-se do seio social, certamente definhará. Ora, quem ainda sustém essa estrutura, não são apenas os seus integrantes e sua energia psíquica, são também os de espírito guerreiro espalhados pela sociedade. Nesse caso, o oprimido se sente conectado ao opressor, porque ele mesmo é um opressor em potencial e seu predador mais lhe fascina do que lhe atemoriza269. Em “Rito Sacrificial e Sacerdócio do Mal”, abordamos sobre o ardil encantamento aos vampiros. A presa se apaixona pelo predador, assim como muitos agentes sociais vibram com o espetáculo da morte, nos termos informados por Foucault (2003) em “Vigiar e Punir”. E por isso, desinformados sobre a conexões ocultas, em seu íntimo incentivam que uma polícia, como a militar, faça aquilo que dela eles esperam: cace, mate, castigue, vingue. 269 Página | 350 [...] leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas. John Rawls (Uma Teoria da Justiça, 1971270) CAPÍTULO 10 | EXTINÇÃO OU REFORMULAÇÃO INSTITUCIONAL? No inicio do Capítulo 3, para introduzir a necessidade de um suporte teórico vasto, usamos um trocadilho com as proposições de mundo de Milton Santos (2001), de sua obra “Por outra globalização: do pensamento único à consciência universal”. Agora retornamos ao mesmo uso como recurso heurístico e fio condutor de uma reflexão sobre os destinos institucionais da PM. Afinal a PM tem jeito? É possível torna-la menos mortífera? Caberia uma reformulação ou uma extinção? Será que ficou claro, quando tratamos sobre a “chave guerreira”, que para a ideologia hegemônica interna, não há nada de errado com a polícia, para um fiel do deus belicoso, na verdade, carece endurecer mais os controles sociais para que se possa impor a paz, ao estilo da pax romana (PAGOLA, 2011). Ou seja, “um pensamento único” pretensamente bem intencionado num momento em que a “consciência universal” de uma cidadania planetária (ou cósmica) ainda não está consolidada (SANTOS, 2001). A polícia como dizem ser, como ela é e como ela pode vir a ser Aqueles que esperam uma mudança institucional da polícia militar para conformar-se aos parâmetros da democracia liberal, estão até hoje esperando que espécies exóticas de ordenação social como é o caso da polícia militar brasileira (e por visão ampliada, o caso das reminiscências sociais do patrimonialismo brasileiro) planifiquem-se e assemelhem-se ao funcionamento das versões institucionais que dão suporte à estrutura social “maquiada” dos centros globais metropolitanos, minimamente palatáveis para serem toleradas pelas massas populacionais controladas. Portanto, encarnam parâmetros eurocêntricos como referência e empreendem muitos esforços para que instituições como a PM possam ser parte do mundo como ele pretensamente deveria ser. Para mim esses são os otimistas, que vão defender ingenuamente projetos como os de polícia comunitária, sem que se percebam o quão vexatório isso pode vir a ser às suas capacidades intelectuais por não se dispuserem a ver o engenhoso e ardiloso esquema de alienação que opera em proporções macro socioeconômicas. Se esse agente “ingênuo” estiver interno às instituições, ele pode ser um regido pelos arquétipos do Pai-zeloso (nas expressões 270 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. [Trad.: Almiro Pisetta e lenita M. R. Esteves]. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Original: A teory of justice, 1971). Página | 351 Piedoso ou Mãe Guerreira271), do Herói (na expressão Justo) ou do Aventureiro (na expressão Sonhador), que acreditando na propaganda de Estado e da pátria, prestase a sacrifícios, que a princípio podem parecer válidos, mas por fim são mortes (físicas ou psicológicas) sem valor. Também se incluem nessa dinâmica, mas com alguns lapsos de queda moral, os regidos pelos arquétipos do herói-justiceiro e o guerreiropatriota. Há outros que ao se deparar com o mundo como realmente ele é, nos bastidores da atuação social pública, ficam atônitos e seu padrão vibratório altera-se para um estado de consciência de rebeldia constante, proporcionador de impulsos revoltosos que criticam e desestabilizam tudo o que se possa ser orquestrado como projeto coordenado com lideranças estabelecidas. Descobrir que temos sido tratados como gado manobrado e explorado por muitos séculos, gera uma onda de desconfiança que legitima inclusive a tomada do poder pela violência. Mas essa tomada traz um “cavalo de Tróia”: o herdar o aparelho de controle da elite destituída, que invariavelmente irá corromper as boas intenções iniciais dos movimentos de revolta. Em relação à Polícia Militar, através de minha experiência vivencial, o que se tem demonstrado é que, se o agente que desperta para essa perversa realidade é um formador de opinião externo às corporações, ele não consegue mais articular saídas viáveis com os membros não totalmente alienados, devido a um processo de desconfiança mútua. E utilizo as reflexões de Eduardo Soares (2013) à incapacidade do setor político e acadêmico comprometido com a alteração do status quo em dialogar e fazer propostas consistentes de substituição da ponta de lança do aparelho repressor estatal: a polícia. Geralmente esse tipo de “colaborador externo” tem a ideia obstinada de extinguir a Corporação, como se apenas isso pudesse desencadear o desmantelamento do império de coisas. Alguns desses são para mim, os pessimistas, que ao aludirem a uma filosofia humanista, na verdade, orquestram a demonização do sujeito policial. O fim da Polícia Militar, como pessoa jurídica, não garante o fim da perpetração dos males sociais advindos da existência desse tipo de mecanismo de repressão. O mecanismo é ideológico e, portanto, sem mudanças profundas, o sistema se reorganizaria para levantar uma outra organização, que ao passo que se institucionalizasse, iria aos poucos ser “possuída” pelo espírito opressor272. Se os agentes despertos para essa realidade são internos podem compor três tipos de grupo: (1) infelizmente, eles podem adotar o cinismo e a hipocrisia como meios de se preservar psicologicamente, fingindo que não sabem o que realmente são, (2) bem como, podem se tornar servidores apáticos, que desistem da luta (contra o crime, ou melhor, contras as classes subalternas) para escolherem posições de comodidade, que não precisem lhes expor nem à guerra urbana, nem ao embate com a ideologia hegemônica institucional. (3) Outro grupo é formado por salteadores e 271 Talvez seja necessário ao leitor retornar ao capítulo 8, para capturar melhor as nuances que diferenciam os tipos policiais arquetípicos. 272 Esse fato ocorreu tal, qual estou dizendo, com a Força Nacional de Segurança Pública, que tem um dilema interno entre mobilizar e capacitar os melhores policiais militares, a “instituição” acaba atraindo também os mais propensos à violência e a engenharia normativa e comportamental para impor limites a esse impulso não tem sido nada fácil. Como a Força Nacional utiliza o padrão de aliciamento mercenário implícito, então a força pecuniária dita o que os policiais devem ou não fazer, isso já não ocorre com trabalhos “vocacionados” ou os de liturgia. Essa organização que ascenderia em lugar da PM já está predestinada é a Guarda Municipal. Página | 352 facínoras travestidos de agentes públicos, irão entender como realmente as coisas funcionam e vão se lançar ao campo, visto como um variado jogo de oportunidades de se dar bem, de levar vantagem. Extorquem sem escrúpulos e matam sem piedade. Nisso guarda um vínculo muito próximo: o aventureiro-caçador “de recompensa” e o guerreiro-caveira. Tenho uma consideração que busca guarida no trabalho de Zacharias 273 (1994), ou seja, sobre as implicações da existência de um tipo psicológico predominante entre os policiais. Mas desde já, é salutar informar que admitindo a ocorrência de tal preponderância e que ela recaí sobre um padrão racional e sensorial, de sujeitos que pouco conseguem perceber o todo das relações e que não são ábeis em ponderar os valores subjetivos. Um padrão retroalimentado pelas práticas e discursos, que por sua vez, atraí o mesmo tipo de pessoas como ingressos. Pessoas (e organizações) desse perfil ficam ainda mais fragilizadas perante disfuncionalidades institucionais e falências estruturais, tendo em vista, que depositam suas crenças em um conjunto de normas que se constitui sua lógica de análise da realidade. Esses sujeitos propensos por “vocação” a serem mais aguerridos, corpóeos, incisivos também tem pouca flexibilidade para suportar o fato de estarem fazendo aquilo que lhes disseram que era o que deviam fazer e não serem reconhecidos socialmente e pecuniariamente por isso. Estou levantando a questão de que sendo eles, os policiais militares, de uma outra composição psicológica preponderante sustentariam, por mais tempo, a persistência de mudar o padrão interno para alcançar novos patamares, sendo lógicos-racionais aguerridos, guerreiros “sanguíneos e coléricos” são mais propensos a dizer: “ao invés de mudar, vamos acirrar mais as coisas, do nosso jeito”. Nível de (in)tolerância às feições guerreiras Afeição da atividade guerreira não vai de encontro à essência do funcionamento da atividade de policiar ela é na verdade até necessária e uma exigência mínima por sua presença em tais funções sociais. Pode-se compreender melhor essa afirmativa, quando se diz que um perfil profissiográfico ideal dos agentes policiais, por mais que possam ser mais bem enriquecidos com um saber consciente sobre os dilemas sociais, sempre exigirá uma atitude um pouco mais enérgica, comparada a outras atividades profissionais. Esse caráter enérgico é de cunho essencialmente masculino e pode ser denominado como agressividade controlada274 ou vigor moderado275. O que torna socialmente intolerável a aplicação das feições guerreiras no trato da Ordem Social é o excesso das características masculinas desta atividade. Desde que o guerreiro e as atividades de guerra e caça estejam orientadas por alguns 273 ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo. [Tese]. Instituto de Psicologia. São Paulo: USP, 1994. 274 Colheu-se na Internet os Mandamentos de Operações Especiais (ou do BOPE), como são conhecidos 11 traços do perfil profissional exigido para os integrantes das unidades policiais (militares) de elite: 1- agressividade controlada; 2 - controle emocional; 3 - disciplina consciente; 4 - espírito de corpo; 5 - flexibilidade; 6 - honestidade; 7 - iniciativa; 8 - lealdade; 9 - liderança; 10 - perseverança; 11 - versatilidade. 275 Como exemplo, desse requisito de competência típica do policial, pede-se que se compare a diferença de atitude exigida entre um médico clínico e um paramédico alocado nas atividades do serviço móvel de urgência e resgate. Página | 353 princípios essencialmente femininos podem ser direcionados saudavelmente para a proteção e defesa dos agentes e estruturas sociais. Por derivação dessa tolerância e intolerância a depender do excesso das características viris de caça e guerra é que se pode afirmar que no atual estado contextual da sociedade brasileira, e por analogia pode ser correlacionar com outras sociedades contemporâneas, é admissível a presença de corpos militarizados de polícia desde que sejam aplicados em menor razão numérica que as polícias de trato social civil, sendo exigência que estas últimas sejam aquelas majoritariamente lançadas no campo urbano, para que o sistema seja funcional e possa ser “palatável”, suportável pela população cidadã(-servil). No passado os vazios demográficos eram bastante consideráveis o que fazia com que as forças de intervenção (incursão) agissem como mandatários da ordem metropolitana em meio aos espaços do interior levando consigo a insígnia do rei e do Estado. Em alguns sistemas nacionais de segurança pública, as gendarmarias são forças de atuação lançadas no Interior do país ou em cidades de menor porte. Com o intensivo processo de urbanização foi extremamente urgente que as polícias de trato civil fossem majoritariamente a composição das forças de segurança interna urbana (metropolitanas). Essa composição majoritária do formato de trato civil em detrimento do de cunho militar não garante livrar-se do processo de totalização do biopoder, na verdade, apenas o faz se tornar menos suscetível a focos de resistência e subversão, considerando a tolerância a menor opressividade que o primeiro formato tem em ralação às classes médias. Entre as classes subalternas, a polícia estatal seja ela de trato civil ou um corpo militarizado, provocam espontânea animosidade. Ao que parece, o pretenso bom êxito das experiências de polícias de trato civil correspondem à sua atuação em contextos de menor severidade da distância entre as elites e os bolsões de pobreza (que em seus casos, são guetos segregados). Em uma conjuntura de desigualdade acirrada, onde os bolsões possuem dezenas ou centenas de milhares de pessoas em áreas contínuas ou fortemente conectadas, parece ser indispensável o uso da força policial de caráter ostensivamente impositivo da ordem superior (OLIVEIRA, 2002). Pare se ter um equilíbrio nessa equação ecológico-social, é necessário que em um determinado espaço geográfico, o Estado não seja a organização social de maior expressão, nem muito menos a única detentora do controle das relações interpessoais e interorgnizacionais. Um dos princípios ecológicos de desenho sistêmico saudável para sistemas sociais é, justamente, refletir o padrão de organização da vida, ou seja, múltiplas conexões em rede, com multicentros de inteligência coordenativa. Para esvaziar a proposição da estrutura vertical centralizadora do Estado, é preciso que esse peso “pesado” seja contrabalançado com outras forças ativas da sociedade. Enquanto, o padrão sócio-político primar pela verticalidade, os instrumentos de coesão social, sobretudo, os de uso da força física (como o são as polícias), terão inevitavelmente feições de estranhamento comunitário e se constituirão como organismos invasores de imposição de uma ordem externa. A questão é que caso o conjunto ideológico dominante aparelhado com os sistemas sociais necessários para o domínio tiver o senso de relação predatória ele provoca um massacre aos subarranjos sociais dominados. Página | 354 Inviabilidade de uma polícia comunitária estatal Tendo em vista as bases sobre as quais estão a fundação das instituições sociais (continuidade por outros meios da guerra civil) e, portanto, do próprio Estado não há como se falar de uma polícia comunitária sendo esta uma implementação de uma agência estatal de segurança, menos ainda quando essa agência ter por base constituinte de seus modelos mentais, a subserviência da massa populacional perante os dominantes e cooptadores do poder político central. Em tais condições, trata-se de um paradoxo irreconciliável: a proposição de uma polícia comunitária estatal. Nisso está a hipocrisia, a ingenuidade ou o brilhante sarcasmo de quem começa um texto sobre polícia moderna, aludindo à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) em se Art. 12: “A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada”. Ou você tem uma polícia comunitária que utiliza instrumentos coletivos de coesão social, e que seja uma ordem nascida do seio comunitário e dela faça parte integralmente ou você tem uma agência estatal de segurança, nas dadas circunstâncias do avanço da “governamentalidade”, por uso de facetas totalitárias dissimuladas do “biopoder” (FOUCAULT, 2008). Trata-se de uma crítica, não tão severa e não tão estranha, à possibilidade de coesão entre os modelos tradicionais de segurança pública e a "polícia comunitária”. Tal contestação pode também ser observada nos alertas feitos pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Márcio Simeone (2010), que sem desacreditar o projeto da polícia comunitária, ao falar sobre as questões de mobilização social, destaca os riscos do movimento em direção ao novo modelo ser apenas um subterfúgio para maior controle do Estado sobre a dinâmica sócio-política local e das populações dos territórios subalternos. Portanto um dito avanço da democratização, num panorama abrangente de “democratizar a democracia” em que se trate da formação de uma polícia cidadã, perpassa primeiramente que outros organismos sociais coletivos se sobreponham ao Estado, retirando dele a primazia da ordem na ação social dentro de um determinado contexto social-geográfico delimitado (SOUSA SANTOS, 2002; BOBBIO, 2010). É nesse sentido, portanto, que se pode tecer uma hipótese de vislumbrar a corporação policial, com as características de verticalidades impostas, como uma espécie exótica invasora, no dado ecossistema social (comunitário). A validade interna da proposta de filosofia de polícia comunitária Usando ainda a abordagem de Milton Santos (2001), ainda é preciso comentar sobre a situação alternativa, de um mundo como pode vir a ser. E nesse cenário prospectivo em que está a polícia como uma organização ou uma agência humana (não formalmente corporificada), que tem por razão de existência outro tipo de coesão social, tratada pelo cuidado e proteção social. Página | 355 Nessa utopia possível, nos termos de Edgar Morin (2000), a polícia, ou como quer que ela venha a ser chamada, estaria muito mais afeta a campos da atuação social humana que hoje conhecemos como Saúde ou Educação. Nessa versão humanizada e realmente representativa da organização comunitária em autogestão, os “policiais” serão conhecidos como psicólogos ou assistentes sociais de campo. Ainda será preciso, selecionar novos membros que possam ter suas competências de força-vigor desenvolvidas, independente do sexo biológico. Não seriam agentes da lei, mas pedagogos sociais que conhecem a lei, não a letra da lei, mas a lei do respeito à dignidade humana com profundas bases filosófico-espirituais. Não veríamos uma guarnição de guerreiros sendo despachada para atender uma ocorrência de violência doméstica. Veríamos uma equipe de cuidadores sociais indo por iniciativa própria a mais uma visita domiciliar a uma família que vem sendo acompanhada. Uma equipe como essa ainda portaria armas, numa proporção maior às de baixa letalidade, mas dariam preferência irresoluta a um uso escalonado da força, que insistisse no diálogo ou na impostação verbal para resolução dos conflitos. Quem conhece a filosofia de polícia comunitária e as práticas de policiamento inspirado nessa filosofia, sabem que o que estou propondo não é novo, nem se difere muito das investidas de reformulação policial. A grande diferença, é que estou sustentando duas questões: (1) a inviabilidade da polícia comunitária plena em um contexto social vertical e de sérias desigualdades sociais, ao ponto de dizer que uma polícia verdadeiramente comunitária não poderia ser estatal; (2) e para que essa filosofia seja aceita como uma alternativa legítima de atuação pelos próprios policiais, a ideologia hegemônica interna deve ser substancialmente alterada, bem como deve ser acompanhada da mudança concomitante da visão e expectativa de resolução dos conflitos sociais por parte da população assistida pela polícia. É preciso, portanto, alterar a mente policial e a mente social sobre a polícia; sem alterar as bases profundas das representações sociais, nos termos de Serge Moscovici (2003), não é possível induzir a mudança reflexivamente, ficando presos ao processo homeostático, segundo Giddens (2003). O que é muito próximo de uma das sugestões de correção para o sistema de segurança brasileiro, feita por Jean-Claude Chesnais (1999): “ela [a polícia] não deve ser vista como parasita, mas como instância intermediária da república entre os cidadãos, como defensora dos fracos contra os fortes, das pessoas honestas contra os marginais”. Não há como mudar uma estrutura sócio-organizacional, desejar comportamento diferente de um sistema autopoiético, se desse ambiente o organismo continua se nutrindo dos mesmos elementos; sem alterar o padrão mental, não há transformação da realidade. Segundo Chesnais (1999): “torna-se urgente restaurar a imagem da função policial. Isso seria feito através de campanhas publicitárias mas, também, de um esforço de revalorização das qualificações”, segundo o estudioso francês, “a imagem a ser divulgada é a de uma polícia ‘cidadã’, a serviço do bem público”. Hoje, concordo com Chesnais (1999) sobre a necessidade de mudança da imagem, mas creio sua proposta de como fazê-lo superficial e de lá (1999) para cá (2017), seu conselho foi seguido por inúmeros governos estaduais e o nacional, ao Página | 356 contrário do esperado, foi inclusive vexatório o uso de denominações eufemistas. Eu, portanto, falo de mudança da imagem não da persona organizacional (JUNG, 1996; LAFFITE, 2002) (que é construída por ações comunicacionais) (LUHMANN, [1997] 2006), mas das imagens que operam no inconsciente da mente organizacional (na dimensão psicológica profunda) e por isso recorremos a Moscovici (2003). Pois retronando ao tema de uma “Sociologia Quântica”, abordada no capítulo 3 e de certa forma desenvolvida na teoria imagética de Gareth Morgan (2002), aquilo que se espera imageticamente é aquilo que se passa a ter na realidade. E tenho sérios receios que o que a sociedade espera da polícia, no Brasil seja o “papel desejado”, segundo Ivone Costa (2005), como foi apresentado na Introdução, no tópico “Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia”, em forma de pergunta, agora a parafraseio e afirmo: “[...] o que se deseja é uma Polícia violenta, que tenha e demonstre força física e que responda ao medo social da morte ou de outros aspectos do inconsciente” e uso para sustentar isso o sucesso do filme Tropa de Elite 1, bem como quantas vezes eu era assediado pela população, para que fizesse “justiça” e sempre diziam: “se eu fosse policial, eu sabia o que fazer, mandava esses todos pro inferno, matava pouco não, saía acabando com esses todos”. Ou ainda como fui assediado inclusive por parentes ou amigos: “e aí dá pra tirar muito por fora 276?”, “arranja aí um ferro pra mim no precinho277”. Tipologia de agências policiais e os mundos de Milton Santos Em tópico anterior, discorremos de uma tipologia reducionista que avaliava o quanto de indução de verticalidade aquela agência policial provocava no seio social, no tópico “Corpos militarizados de polícia versus polícias de trato civil” nas disposições sobre as “Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira” do capítulo 6. Agora vamos aglutinar minha proposta reducionista de tipos de agências policiais e a perspectiva de Milton Santos (2001):  A polícia (Tipo A) do mundo como ele pretensamente deveria ser: agência estatal, com a prerrogativa do uso ou da ameaça de uso da força física, ordeiras e urbanas, para a manutenção da ordem, aos moldes das polícias europeias de trato civil (ou ainda canadense ou japonesa);  A polícia (Tipo B) do mundo como ele realmente é: espaço de exercício dos impulsos de força e vigor, aproveitados pelo sistema político-econômico para servir de sentinelas que impedem a sublevação das massas exploradas;  A polícia (Tipo C) do mundo como ele pode vir a ser: agência humana, pública, porém não estatal movida pelo senso de proteção e cuidado social. O cronograma paulatino proposto como conclusão desta pesquisa, se dá pela (1) conscientização do real papel institucional na atualidade, seguido do 276 277 “Por fora”: auferir ganhos mediante propina. “Ferro”: arma de fogo, revólver geralmente, de procedência ignorada. Página | 357 compromisso dos agentes internos e externos “desiludidos” para, enquanto não podem estabelecer modelos organizacionais da agência humana da proteção e cuidado social (Tipo C), (2) possam desarmar as chaves profundas que impedem ao menos a transmutação em polícias do modelo de trato civil ordeiro (Tipo A). Esses agentes comprometidos precisam dissipar os modelos mentais que condicionam a hegemonia ideológica interna. Não podem se acomodar com a transitória aparência de pacificidade alcançada pela polícia do Tipo A, pois se trata apenas de uma falseta programada pelo próprio sistema socioeconômico, devem sem descanso projetar, vislumbrar, doar energia psíquica e agir ao encontro das polícias do Tipo C. Isso tudo está coadunado com a desaceleração energética proposta nas produções de ecologia como as de Odum. Eu advirto que poderá não ter tempo para consecução de um cronograma paulatino, que poderá ser interrompido por uma ruptura do sistema de suporte à civilização planetária humana (no tocante ao estilo de vida ocidental), não sendo impossível a ocorrência de um cataclisma. Nesse caso da ruptura do sistema ou colapso em cadeia, toda a produção discursiva dos agentes comprometidos servirá de base para a formação de novas dinâmicas de coesão social, que por si só exiguem ou estirpem a função do Estado e, por conseguinte, excluam a polícia como instrumento coletivamente válido de autogestão. No meu ponto de vista, realçado pelas conclusões desta pesquisa, todos os dois: Estado e polícia são heranças funestas da forma de “explorar” humanos. O primeiro, ou seja, o Estado pode ter formatos de reconciliação integrativa, mas o segundo, ou seja, a polícia deve-se alterar de tal forma, a não ser nem mais reconhecida como tal. Ainda como visão prospectiva existe uma chance sombria de surgir a polícia (Tipo D) do mundo como não gostaríamos que ele pudesse vir a ser. Essa polícia, não seria mais um instrumento de Estado, ela seria o Estado. Um Estado, portanto, policial, total que controlaria tudo e a todos sem margem para sublevações de qualquer ordem. Seria o alcance pleno do panóptipo foucaultinano e a realização de uma das visões proféticas de Yuval Harari (2016) em “Homo Deus”. E por mais contraditória que possa parecer, não são as polícias do Tipo B que tendem a esse formato tenebroso, são as do Tipo A. As polícias como confaria dos guerreiros, tem neles uma força atuante disposta a se sublevar à ordem dirigente econômica. As polícias do tipo A, por serem regidas por espíritos institucionais menos aguerridos, são susceptíveis a cooptação e subserviência ao fator dominante global, quando não despertos para a realidade dos fatos. Portanto, passarei a discorrer de propostas de gestão e ativismo que componham um cronograma paulatino de transmutação das polícias do Tipo B para as do Tipo A. Ou seja, das confrarias de guerreiros para as polícias de trato civil ordeiro. Creio que no ambiente de estudos sobre polícia e segurança pública, a trajetória de conversão institucional (com a extinção da Scotland Yard para a criação da New Scontland Yard) seja um dos casos mais emblemáticos de proposições dessa natureza (MUNIZ, 1999). Apresento, no entanto, algumas apostas intelectuais, baseado no fato da discrepante diferença do contexto social brasileiro do século XXI Página | 358 ao britânico do final do século XIX. Bem como, tento antecipar armadilhas lançadas pelo jogo da perpetuação e tomada da hegemonia ideológica institucional. Primeiro ponto que precisamos deixar claro é que em essência, as polícias dos Tipo A e B são as mesmas estruturas com pactuações diferentes em sua dinâmica interna. Como ficou demonstrado, as polícias de confraria de guerreiros são, na verdade, as mesmas polícias modernas, estatais, profissionalizadas e especializadas que na sua trajetória institucional, tiveram os elementos simbólicos da guerra e da caça reforçados. Portanto, transmutar de um tipo para outro se dá por uma questão de reorientação mental. Não apenas a reorientação mental dos seus integrantes, mas, sobretudo, a da mente organizacional. Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre O cronograma paulatino que nos propomos a definir é inspirado, sobretudo, na noção de Howard e Elisabeth Odum (2012), de uma desacelarão programada da dinâmica civilizacional para compatibilização de um período de baixo uso de recursos energéticos, como também nos informa Maria Vaz de Lima (2015) e Fritjof Capra (2006a) o qual chama esse tal período de “a Era do Sol”, numa referência ao uso mais acentudado da energia solar como um mimetismo aos sistemas naturais que dão suporte à vida na Terra. Há também nessa proposta inspiração da forma como Rene Girard nos ensina a mitigar paulatinamente o impulso imitador e invejoso que gera violência sistêmica e institucionalizada e isso o estudioso francês faz na obra “Rematar Clausewitz - Além da Guerra”278. As diretrizes de guimamento, um formato de proposta que devo explicar detalhes em um trabalho futuro, é basicamente um conjunto de planos de ações circunstanciais que tem por objetivo um estágio evolutivo civilizacional alterado. Na aplicação atual, portanto, se refere a estágios evolutivos institucionais, a saber, da Polícia Militar e que podem usar como demarcações a tipologia de agências policiais (Tipos A, B, C e D) anteriormente descrita. O guiamento, ou condução do ente sistêmico institucional pode ocorrer sob duas circinstâncias que determinam ritmos diferentes: (A) Sequência Normal e (B) Sequência Reativa à Cataclisma. Em qualquer uma das duas circunstâncias o guiamento é composto por três planos de ação: (1) Plano de Contingência; (2) Plano de Transição; (3) Plano de Transmutação/Refundação. Na Tabela X, é possível observar a sequencia das etapas do guiamento, que pretende transmutar as instituições e consequentemente o estágio civilizacional, ou usando um termo alemão recorrentemente referenciado para este fim, trata-se de alterar o Zeitgeist279 [“espírito da época ou do tempo”]. Sinopse do livro: “Este livro propõe-se a ser uma investigação da Alemanha e das relações franco-alemãs nos dois últimos séculos. A hipótese do livro é mimética - os homens se imitam uns aos outros, mais do que os animais, e por isso tiveram de encontrar um meio de conter a similitude contagiosa, capaz de produzir o puro e simples desaparecimento de sua sociedade. O trabalho apresenta-se como uma discussão da religião arcaica desde a perspectiva da antropologia comparada”. 279 Termo cunhado pelo alemão Johann Gottfried Herder e popularizado pelo filósofo, também alemão, Friedrich Hegel. Zeitgeist, como conceito filosófico, significa o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa 278 Página | 359 Das etapas descritas na Tabela 17, nossa proposta de final de pesquisa contempla apenas os planos A1 e A2, ou seja, (A1) um plano de contingência das anomalias do sistema atual e uma gestão dos impactos das primeiras ações e (A2) um plano de transição programada. Sendo mais específico ao caso da Polícia Militar, irei, nas próximas seções deste capítulo, propor um plano que estanque a sangria, provocada pela letalidade do caráter da pessoa organizacional, seguido de ações que possibilitem o desativamento das chaves que bloqueiam a mudança da regência ideológica da instituição. Tabela 18 – Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre. (A) Sequência Normal (1) Plano de Contingência (2) Plano de Transição (3) Plano de Transmutação Refundação Objetivo (A1) Contingência das anomalias do sistema atual e gestão dos impactos  (B) Sequência Reativa à Cataclisma (B1) Sustentação primária durante eventos cataclísmicos  (A2) Transição programada (B2) Transição não-programada mediante eventos cataclísmicos   (A3) Transmutação mediante transição programada (B3) Refundação contingente póscataclisma   Estágio evolutivo institucional/civilizacional alterado Elaborado pelo Autor inspirado em (1) ODUM, Howard T. e ODUM, Elisabeth C, “O declínio próspero: princípios e políticas”, 2012. Antes de continuarmos devo fazer um grave alerta: não se deve desmobolizar o espírito guerreiro antes de conscientizar os integrantes das instituições. Primeiro, porque desinformados dos objetivos, irão defender seu “deus”, como se ele estivesse sofrente um ataque injusto. Segundo, na verdade, o espírito de luta não é totalmente abatido, ele é redirecioando para outros fins. Terceiro, enquanto estamos discutindo sobre os guerreiros aliciados pelo Estado, há ainda guerreiros rejeitados pelo Mercado, ou melhor, cooptados pelo “mercado paralelo”. Existe uma legião de guerreiros que são impedidos de consumar seus desígnios de lesão social grave, pela contra ação dos guerreiros estatais. Esses cooptados pelo “mercado parelelo” formam as redes de criminosos contumazes. E por último, devo reevidenciar: a demobilização levará ao mitigamento do ânimo de guerra e, portanto, o grupo-instituição estará mais susceptível a ser cooptado parcimoniosamente por um projeto de governo suprainstitucional que sendo guerreiro dissimuladamente “diplomático”, irá impor um domínio incontestável sem que integrantes das organizações de força-vigor possam esboçar reação a essa cooptação. Nisso reside uma preocupação minha, ser livre de Marte (o deus da guerra) e acabar sendo capurado por Mamon (o demônio semita da ganância e do época. Quando foi cinhando o termo-conceito era uma forma de explicar outro conceito anterior a esse, em latim: genius seculi, ou “espírito guardião do século”. Página | 360 dinheiro), retirar desses sujeitos sua feição aguerrida de luta e deixá-los tão dóceis que podem ser reapriosionados com facilidade por outras estrutras de exploração. Para prosseguir preciso compor duas explanações: uma sobre a natureza do processo de amotinamento contra o espírito regente institucional e outra sobre a relação entre o Estado, o Mercado e os guerreiros pagos pelo Estado contra os rejeitados pelo Mercado. Para por fim, propor um esboço de ações de gestão em prol da mudança institucional. A natureza do processo de amotinamento contra o espírito regente institucional Conforme defendemos no tópico “Triângulo ecológico humano integral” do capítulo 3: “Para que as pessoas possam exercer sua capacidade volitiva perante os espíritos, elas não podem modificá-los, mas podem mudar seu vínculo a modelos mentais”. O espírito guerreiro viril é indestritível plea via do combate direto, até porque ao usar “contra” ele suas mesmas estratégias, na verdade, estaria o cultuando, alimentando-o. Portanto, o policial militar ou qualquer outro integrante de uma organização de força-vigor doente, deve saber que para induzir mudanças precisará se comportar como se por uma conversão religiosa-espirtual tivesse passado. Deve saber que até suas expectativas internas alimentarão ou não essa força sutil que mantém a organização regida pela interface dos modelos mentais. Trata-se de um exercício de culto. E o deus ao qual vai servir e sua fidelidade determinarão a progressiva mudança institucional. Em minha opinião, no caso atual da Polícia Militar e o contexto de guerra não declarada vivenciado no Brasil, uma reorientação para um arquétipo de guerreiro de masculinidade moderada já nos seria muito vantajoso, do que apostarmos no culto irrefutável de um complexo ideológico demasiadamente solícito e pacífico. Nisso não posso deixar de concordar com Friedrich Nietzsche (1985), sobre a fragilidade de ideologias de extrema bondade, que não se codunam com a natureza humana. Devemos ter mais paciência na adoção de metas supra-humanas, para não everedarmos para um retrocesso consequente de uma natural compensação de forças. Isso não impede que um grupo de pessoas, colaboradores internos e externos, comece desde já a pensar na “polícia que a de vir” (MATOS apud COTTA, 2012), assim como Giorgio Agabem (2007 apud COTTA, 2012) lembra existir uma “sociedade e um direito que a de vir”. Por isso, com a finalidade de provocar mudanças em instituições com raízes tão profundas, existiria um palno ações de gestão e um “devocionário” para a ação militante. Esse devocionário deve partir do âmago das expressões humanas dos policiais que desejem a mudança ou, ainda não a desejando em seu interior inconsciente, reconheçam a necessidade da mudança. Essas ações cotidianas resumem-se em: pensar, falar e fazer de forma diferente. Página | 361 Ativismo pessoal-coletivo ou (auto)(etno)transformação Estou, em suma, propondo que a solução da discrepância atualmente observada entre os propósitos públicos de manter uma organização, tal qual é a polícia, e a estrutura-funcionalidade das organizações policiais, que operam a partir do modelo institucional, polícia militar, no contexto brasileiro, possa ser alcançada por meio da compreensão da psicodinâmica inerente aos processos mentais dos membros de tais organizações e a consequente orientação/condução para uma (auto)(etno)transformação. Para propor a relevância de uma mudança "de dentro para fora" é preciso primeiramente demonstrar a inviabilidade de conseguir uma satisfatória mudança organizacional, alinhada ao anseio social mais amplo, por uma mudança subsidiada apenas por percepções externas e por instrumentos de regulação formal, tais como alteração das bases jurídicas. Por (auto)(etno)transformação, quero conceber um processo de aprendizagem organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978), movido pelo adequado estímulo para que os agentes volitivos, alcancem consciência da necessidade de mudança e possam operar nas brechas do sistema estrutural recursivo (GIDDENS, 2003) que lhes impõe a adoção de um conjunto de símbolos e a pratica de ações, até então inquestionáveis. “Auto” porque é realizado por si mesmo. “Etno” porque se trata de um grupo, uma tribo, uma casta. A casta "bioantropológica" de guerreiros. Transformação é a ação de mudar de forma. O que um corpo institucional, como organismo, precisaria para alinhar-se aos anseios sociais gerais, como ambiente, é romper fatores-chave da recursividade homeostática (GIDDENS, 2003), ou seja, o enclausuramento operacional (MATURANA e VARELA, 1995) e conduzir-se por uma progressiva adaptação incremental. Mas, considerando o que pretendi demonstrar, como hipótese, é que a polícia militar, especificamente, em seu quadro atual de estrutura e função, não tem o lapso temporal necessário para mudanças paulatinas. Sua presença como indutor irrevogável de verticalidades (SANTOS, 2001; 2012) indigna, e cria clamor público, pois é percebida como instrumento menos tolerável à ordem civil de domínio e controle social. Faço como resultado do entrecruzamento da pesquisa teórica e a interpretação autoetnográfica, uma descrição de “imagens” de uma biologia e ecologia da Polícia Militar. Em uma dessas analogias, refiro-me a PM como uma espécie exótica ardilosamente introduzida por uma ordem metropolitana com potencial caráter invasor em relação ao ambiente social das comunidades subalternas, nesse entendimento volta-se às bases da Ecologia Humana em sua versão própria da Escola de Chicago, fazendo a correlação entre a dinâmica social-urbana e as relações ecológicas. Mas pelo aporte teórico, chamado aqui de quadro de referência articulador, não há relação ecológica apenas no aspecto físico, ou seja, na presença física de uma viatura de polícia numa rua da periferia de uma dada cidade; há também, numa dimensão mais profunda, apenas no fato de se sentir empático ou antipático à ação policial noticiada na mídia ou nos comentários feitos entre os grupos Página | 362 de relações informais; ou ainda, no simples fato, como crianças representam os papéis de polícia versus bandido em atividades lúdicas espontâneas. Este trabalho debruçou-se na primeira etapa da dita solução a ser proposta, a saber, a compreensão do universo simbólico profundo do modelo institucional da Polícia Militar Brasileira. Ou seja, se é a (auto)(etno)transformação que se busca, o primeira etapa é a conscientização. Por simbólico profundo estou a me referenciar a figuras de linguagem que mais se aproximam a experiência psicológica direta, revelando traços da percepção de imagens mentais. Portanto, trata-se de descrever simbolizações explicativas das imagens que regem a experiência de ser um profissional de segurança pública, especificamente em ser um policial militar no Brasil. O binômio (simbolização + imagem mental) que fundamenta a práxis individual e permite a operação do agente no modo “automático” dentro do sistema social, proporcionando-lhe um conhecimento de senso comum, para si inteligível, pode ser aproximado à noção de “representações sociais” de Moscovici (2003). Considerando que a análise feita pela observação das manifestações perceptíveis aos sentidos apenas nos trazem uma possível interpretação daquilo que o observador quis conscientemente apresentar (GIDDENS, 2003, MAYO, 2004; SCHEIN, 2007)280. Ou seja, reconheço o valor das coletas de discursos em pesquisas empíricas, mas me proponho a começar por uma discursividade de produção espontânea. O simbólico aparente nos surge nesta pesquisa com um importante ponto de partida, por isso propomos uma arqueologia simbólica. Portanto, quando se realiza a análise direta do discurso do agente, membro do grupo social estudado provavelmente o pesquisador irá se deparar com uma intencional simbolização preferida mediante a linguagem corrente do agente, em formas explicativas das experiências psíquicas diretas, que só ele sentiu. Para essas figuras de linguagem, se usarmos apenas a métrica de palavras, isso poderá “dissimular”, ou melhor, dar um sentido plausível, a pulsões nem por ele mesmo bem compreendidas ou conscientes. Ao ofertar um quadro de analogias que ressignifiquem a experiência vivida pelo policial, dando-lhe outras alternativas explicativas sobre aquilo que ele “já tinha certeza”, minha intenção é desvelar talvez a lógica própria das thematas (temas universais e gerais), conjuntos de “pensamentos-ambientes” relativamente autônomos e descolados da estrutura social (MOSCOVICI, 2003). Por themata de Moscovici (2003), compreendo “fatores” no sentido arquétipo de Jung (2000) e “contextos” como diz Goswami (2005). Uso para melhor esclarecimento termos mais coloquiais, condizentes com o espírito da autoetnografia. Só um policial honesto pode entender o drama de ser honrado e ter seu ofício marcado por uma minoria numérica que possui hegemonia ideológica interna na instituição por fatores ecológicos e psicanalíticos aqui estudados. Há muito mais bons policiais do que a mídia acaba por nos passar, sou testemunha disso, mas eles precisam de um choque de reflexão para serem eles mesmos a barreira contra os maus policiais. 280 Para captura reais motivos inconscientes seria necessário surpreender o entrevistado em "atos falhos" sociais, situações sem explicação lógica aparente. Página | 363 Entre vários fatores para a proliferação desse câncer, está o fato que no meio social há um grupo muito aguerrido de sujeitos também dados à guerra sanguinária e à rapina. Gente que não se interessa por trabalhar, apenas usurpar o que é do outro. Esse grupo ao que parece somente é combatido, ou seja, feito equilíbrio ecológico a eles por meio dos pseudo-policiais, que na verdade são criminosos fardados. O que ocorre? Levando em conta o espírito institucional que tem uma dinâmica de masculinidades, mesmo quando envolve mulheres; é mais "homem", mais guerreiro: quem elimina, quem esfola, quem trucida. Vemos, portanto, nesse jogo os policiais honrados se refugiando a trás dos birôs dos gabinetes e deixando o campo limpo para os maus policiais atuare ao bel prazer nas ruas. Não é desproposital que unidades que estariam prontas para serem reduto de heróis, usam simbologia pirata281, assim como comprovamos no tópico “A hegemonia do guerreiro e do aventureiro” do Capítulo 9. Os bons policiais e os formadores de opinião podem dizer: “queremos que os maus policiais sejam extirpados”, mas é preciso admitir que são os únicos ainda capazes de reagir contra o crime apoiado pelos grandes caciques do tráfico de drogas, de armas, de influência, de carga roubada e de pessoas. Caberia aos bons policiais, aprenderem mais sobre a conjuntura social, os entremeios juridicos, tomarem gosto por atividades corpóreas: arte marcial, condicionamento fisico; saber manusear uma arma; quererem também serem guerreiros de verdade, mas guerreiros da "luz" e não das "trevas"282. Nesse quadro projetado no futuro, bons policiais poderiam tomar as rédeas da situação e inverter a imagem destroçada que a instituição tem perante a sociedade, utilizando a dinâmica associada ao “Triângulo ecológico humano integral”, conforme o tópico correlato do Capítulo 3. Bons policiais devem sair do refúgio dos gabinetes e ir à rua, “combater um bom combate283”, tomar a frente dos encontros cotidianos com o cidadão-usuário e como um fiel novo convertido a uma nova prática “religiosa”, fazer cada gesto de seu ofício como tributo a outro “deus”, que não seja o da guerra sanguinária. Cada encontro com do cidadão-usário, deve ser para ele uma oportunidade de mostrar a face de uma nova polícia e de um novo homem e de uma nova mulher que promove justiça. Para isso é preciso repensar em justiça nos termos de John Rawls (1997) e a justiça substitutiva da vingança de Girard (1998). Os maus policiais, talvez não possam ser todos eles taxados de “maus” por si só, alguns são apenas prisioneiros da dinâmica do rito sacrificial psicossocial e do sacerdócio servil, para usar referência à metáfora organizacional da “prisão mental” de Gareth Morgan (2002), ao mito da caverna de Platão e àquilo que vimos no tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal” do Capítulo 7. Nós como sociedade que custeia o serviço público e dele é cliente, podemos até tolerar alguns atos mais vigoros com os em média 2% da população que são criminosos contumazes, mas não podemos tolerar que os mesmos policiais 281 O símbolo das unidades de operações especiais é uma nítica referência à caveria pirata e a atitude bucaneira. Vide tópico “Trabalhadores da luz e das trevas” do Capítulo 9. 283 Fala de Paulo de Tarso 282 Página | 364 atinjam como o mesmo ímpeto vingativo e agressivo os 98% da população que são de pessoas honradas e de alguns criminosos eventuais. Estado, Mercado e seus guerreiros Em suma, como apostamos que aqueles guerreiros que estão em campo de batalha, fardados e pagos pelo Estado têm o mesmo padrão de pefil psicológico de base que aqueles outros aliciados pelo tráfico e pela vida criminosa contumaz, podemos decorrer disso, que os mecanismos de sedução inconsciente são os mesmos. A sede de sangue e o impulso pela aventura, ou o simples desejo de obter o capital simbólico de masculinidade os farão gravitar as oportunidades para esse exercício em nossas configurações sociais contemporâneas (ZALUAR, 2004). Portanto, são as características internas em cada um deles, que determinará se ingressarão voluntariamente nos jogos ou na guerra. As circunstâncias externas (e não as psicológicas) é que determinarão em que lado estarão jogando, ou sendo manipulados. Conforme nos diz Alba Zaluar (2004), “apenas pobreza e desigualdade não explicam a presença de adolescentes na criminalidade”, ela prossegue explicando que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico”. Alba Zaluar (2004) comenta sobre uma pesquisa realizada na Cidade de Deus, comunidade pobre e violenta do Rio de Janeiro, e diz: “concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí”. E nisso, posso dizer por experiência nativa observadora, que na Polícia Militar se dá o mesmo. Numericamente os adeptos à corporeidade da violência são em menor número, mas suas ideias, discursos e símbolos reverberam com tal intensidade, que nos fazem crer ser a instituição em todo violenta. Zaluar e Leal (2001) estavam interessadas na violência escolar e suas consequencias para o desenvolvimento das crianças, consideraram a violência intramuros, mas também as extramuros. E sobre aquela que ocorre no mundo físico externo das escolas, mas é trazida dentro das consciências das crianças, elas utilizaram o subsídio de Nobert Eilas em “Os alemães, a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX”, sobre o ethos guerreiro, uma propensão “natural” ao uso da força até chegar ao cometimento da violência. Foi baseado na mesma noção de Elias (1997 apud ZALUAR e LEAL, 2001) juntamente com o apreendido de Michel Maffesoli ([1988] 2004) e de David Priestland (2014) que tecemos a noção de casta bioantropológica dos guerreiros. Assim a tecemos para acompanhar a evolução e transmissão histórica dos modelos mentais que chegam à Polícia Militar e seus integrantes, mas como já havíamos discorrido anteriormente, engloba um conjunto considerável de outros nichos sociais. O alinhamento entre o contexto psicológico pessoal e o coletivo dos espaços de exercício da força-vigor é o que induzirão o nível de comprometimento com a “guerra” de marionetes em que os agentes se envolverão. Se mais alinhados, Página | 365 serão sanguinários, independente se fardados ou considerados criminosos. Se compelidos a uma autodefesa, ao um ganho pecuniário “justo” ou uma satisfação mais cautelosa por aventura, serão moderados. Conforme De Carvalho (1993) e Piketty (2012) podemos elaborar a figura abaixo (Figura 62), denominando como “supracapitalismo” a entidade que representa os anseios e as ações estratégicas da “sociedade de herdeiros”, controlando como que por fora do sistema tanto Mercado como Estado, fazendo os adjetivos livre para o primeiro e soberano para o segundo, parecerem nota honrosa que em nada são de verdade. O Estado e o Mercado utilizados, portanto, como aparelhos de forma positiva (ou seja, por ação deliberada) alicia, contrata, treina e remunera os guerreiros fardados, é isso que representa as setas de linha contínua (policiais, militares e seguranças privados). A relação representada pelas setas de linhas tracejadas é estabelecida de forma negativa (por uma omissão deliberada), o Estado se ausenta de prestar assistência a determiando “bolsão” de reservatório de servos excluídos e o Mercado cuida de não absorvê-los, ou melhor, o faz em sua faceta paralela por meio do tráfico, do crime organizado, da máfia, da pistolagem etc. Figura 63 – Dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros Elaborado pelo Autor. Tratar desse tema numa visão socioecológica é admitir que existem aí alguns entes ecológicos cada vez mais adaptados e superando-se na permanência no topo da cadeia trófica ideológica. Essa massa de guerreiros moderados são em tudo, os únicos capazes de articular uma reviravolta ou um contrabalanço necessário para a não aniquilação da consciência dos governados por esse sistema. Creio ser muito preocupante encontrar círculos de intelectuais que decidam se verem refletidos em, ou tutelarem um dos grupos de guerreiros sanguinários, o que mostra incapacidade de ver o todo, ou o desejo inconsciente de está nas lutas, não o podendo, fazem-no simbolicamente no apoio. O jogo está tal posto que a investida para a moderação em massa ou a retirada artificial do caráter sanguinário de um dos dois lados do conflito preparado, resulta na extrapolação da espécie rival, que busca exclusividade no mesmo nicho. Página | 366 Tendo a força oculta, do supracapitalismo, o controle dos mecanismos de uso das massas guerreiras, uma campanha de enfraquecimento deliberada das forças policiais, por exemplo, não resultaria em uma “sociedade” mais saneada ou livre da violência estatal, provocaria a abundância da população guerreira criminosa, o que legitimaria o uso de guerreiros fardados ainda mais aliciados simbolicamente pelo Estado e Mercado. Um projeto de reformulação policial deve simultaneamente alcançar as mentes de guerreiros fardados e criminosos. Os únicos aptos a serem ouvidos com legitimidade por eles, são os guerreiros no limiar entre a moderação e o instinto sanguinário. Por isso fui muito explícito de que falo de uma mudança de dentro para fora e que na expectativa de sucesso ao longo prazo, admito situações transitórias, que ainda tolerem impulsos de agressividade controlada. Figura 64 – Charge que apresenta a dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros Arte elaborada pelo cartunista João da Silva. Plano de ações de gestão para a mudança Mas por que os policiais permanencem iludidos? Porque uns (1) estão ocupados demais em sua brincadeira de criança de guerrear e caçar e (2) outros estão demasiamaente enfraquecidos psiquicamente, frustrados por não admitirem se satisfizer com a lógica do rito sacrificial e da adrenalina à custa do subjugamento humano. Aos primeiros (1), sua parcela mais acirrada, proponharíamos a vedação de seu ingresso nas agências policiais, os menos acirrados precisam ser ocupados com atividades cóproreas de sublimação da agressividade: tais como esporte, lutas, arte marciais e serem a reserva “militar” para intervenção em convulsões sociais. Aos frustrados (2), que são vistos jocosamente, como aqueles que “não nasceram para serem policiais”, são na verdade, os policiais dos quais precisamos para construir o futuro das instituições da força-vigor. Esses são os guerreiros, que sabem manejar a espada, mas preferem a luta do discurso. Eles não precisam ser Página | 367 japoneses, para entender o bushido284. Eles já são moderados por natureza psíquica interna. Para fomentar as condições necessárias para que o agentes possam desencadar a mudança pretendida propomos uma série de intervenções, as quais discorremos suscintamente: Recrutamento e seleção: teste vocacional, perfil profissiográfico, teste psicotécnico alinhado com os parâmetros do tópico “Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana” do Capítulo 8. Portanto, dando preferência a perfis de candidatos mais alinhados com o espectro Sentimento/Sensação e Sentimento/Intuição. Desenhar um modelo de teste que posso verficar a aderência aos e/ou atração pelos arquétipos vinculados aos tipos policais. Rejeitar definitivamente o ingresso de guerreiros-caveiras, certo de que o efeito de queda moral espontâneo suscitará o quantativo mínino de guerreiros-caveiras entre os demais. O referido teste psicotécnico deve ter parte dele baseado em um instrumento de avaliação psicométrico tal qual proposto por Borges-Andrade e Pilati (2000), da UnB, para correlacionar o quanto o candidato e posteriormente, o recruta (que também deve ser monitorado após a formação inicial) tem de alinhamento com as metáforas (imagens) que definem para ele a identidade da organização. A outra parte deve contemplar ferramenta associada ao MBTI (Myers-Briggs Type Indicator) e ao QUATI (Questionário de Avaliação Tipológica) segundo propõe José Zacharias (1994; 2003). Como parte de nossa colaboração, proponho o uso referencial dos tipos policiais arquetípicos guerreiros, ofertados como sistema de interpretação nesta pesquisa, devidamente correlacionados com os tipos policiais clássicos de Wilson (1968 apud COX, 2007), de Egon Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr., 2007), de Mccold e Wachtel285 (1996), de William Muir286 (1977 apud COX, 2007); de John Broderick287 (1977 apud COX, 2007) e de Michel Brown288 (1981 apud COX, 2007). Quotas para ingresso e para alocação de policiais envolvidos com determinadas atividades e simbologias. Fazemos uma aposta intelectual, não completamente criteriosa, pois carece de dados experimentais. Mas se trata de uma aposta intelectual intuitiva, que as quotas utilizem a proporção áurea: 4-3-2-1.  40% de policiais com aderência ao tipo “pai zeloso”;  30% de heróis;  20% de aventureiros e  10% de guerreiros. 284 Espírito sábio-guerreiro japonês que infunde como arquétipo dos samurais, por exemplo, entre outras instituições nipônicas. Ver mais detalhes no subtópico: “O caráter viril-honrado japonês”, do tópico “Subsídios de uma ‘sociologia profunda’” do capítulo 7. 285 MCCOLD, Paul and WACHTEL, Bem, “Police officer orientation and resistance to implementation of community policing”, 1996. 286 MUIR, William. 1977. Police: Streetcorner politicians. Chicago: University of Chicago Press. 287 BRODERICK, John. 1977. Police in a time of change. Prospect Heights, IL: Waveland Press. 288 BROWN, Michael. 1981. Working the street: Police discretion and the dilemmas of New York: Russell Sage. Página | 368 Gestão da Informação e Imagem Corporativa. Desafiar com o contrauso de outros símbolos. Identificados os símbolos utilizados tais como as expressões sombrias de animais, crânios e ossos; deve-se gerenciar a imagem corporativa para que oficialmente eles não sejam liberados para uso generalizado. Não recomendamos a proibição sumária dos existentes, mas aconselhamos o estímulo da adoção de símbolos contrapostos. Não se deve escolher simbologias descontextualizadas com o exercício de força-vigor. Deve-se sabiamente, permutar o símbolo de força mortífera pelo de força moderada. Exemplos práticos: permuta programada do cão raivoso para o lobo, ou do cão com o raio para apenas o raio. Pode parecer esdrúxulo, mas permutar do cão de raça simbolicamente agressiva para um cão pastor. O uso de figurinhas humanistas, flores, aves símbolo da paz são demasiadamente fora de propósito. Outros exemplos: permutar da caveira para ave de rapina ou um felino da fauna nativa. Trocar punhal e adaga por espada. Gestão de Pessoas e Gestão por Competências. Deve-se pensar, se possível na gradual eliminação dos integrantes e unidades regidos pelo arquétipo guerreiro, na sua expressão extremada caveira. Bem como, é preciso criar situações forçosas (treinamentos e estágios em campo) para desenvolver, nos “pai zelosos” extremados, competências mais típicas de guerreiros, de uma forma geral. Comissionamento temporário. Que pode atingir a carreira como um todo. Ou a transferência para determinadas unidades, com data programada de saída. Ou seja, para um membro da PM ser transferido para um batalhão como o Bope, a Rota ou o Ciosac ele deveria ir, sabendo que em determinado tempo, por exemplo, 2 (dois) anos, sairá, retornando para sua unidade de origem, ou sendo aproveitado em outras funções como treinamento de recrutas ou convivendo com outros contextos institucionais. Reconhecimento da carreira em segurança pública. Carreira reconhecida sem o vínculo exclusivo com a instituição formadora. Permitir a troca de talentos entre as organizações por portadores de certificado e experiência em corporações diferentes. Salários, carreiras e planos de previdência são prisões. Alargar os institutos de democracia interna. Como dizia um inteligente comandante meu, na verdade meu último comandante, ele propôs uma grande emenda ao estatuto, na verdade, era outro mais moderno, mais humano, sem perder as bases de uma instituição regida por hierarquia e disciplina. Mas o principal ponto que chamou a atenção de sua proposta era a lista tríplice para escolha do comandante geral. Se não me engano uma das opções da lista era indicada por uma eleição geral interna e uma das outras por votação entre o colegiado de Alto Comando, a última vaga da lista pelo coronel mais antigo que não havia sido comandante ainda. A lista, portanto, só podia ser composta por ocupantes do último posto da PM: coronel. Atividades de compensação psicológica. Deve-se imbuir os policiais de atividades que os façam focar a atenção psíquica para outrões padrões de funcionalidade, que compensem o foco exigido pela atividade operacional de policiamento: capelania; arte: dança, teatro; jornalismo, literatura e bloguesfera; docência; artes marciais e defesa pessoal; esportes. Página | 369 Re-militarização como proposta transitória Em dada oportunidade, apresentava uma revisão do artigo "Continuidade e persistência de comportamentos sociais: as práticas repressivas do Estado brasileiro" (LIMA E LIMA, 2013) em um evento do Núcleo de Estudos da Violência da UFAL. Coordenando estavam, as professoras Ruth Vasconcelos e Elaine Pimentel, que como eu, tínhamos participado de uma pesquisa sobre as condições de trabalho dos policiais alagoanos, qualidade de vida e adoecimento psíquico 289. Foi quando eu que comparava o caso Amarildo a casos de violência policial no século XIX pelas forças da corte carioca (LÍBANO SOARES, 1999), fui interpelado sobre o que eu pensava para o futuro da PM. Primeiro eu disse, "olha, eu sei que as professoras já presenciaram nas falas de grupos focais tanto aqui como no Ceará e sabem da ambiguidade que prevalece entre os policiais, sobretudo, os militares". Respirei forte, porque não é fácil para nós que tanto investimos energia na carreira dizer isso: "mas sou sincero em dizer, eu amo ser policial, mas odeio a Polícia Militar". Amo a atividade que repugnei por tanto tempo, aprendi a valorizar seus percalços, sair estando apaixonado por ela e fui muito decepcionado pela instituição que me sugou e em muito pouco, fora a remuneração, me assistiu quando preciso. A desilusão está no choque de realidade e talvez, a instituição tenha sua natureza própria bem (ou mal) adaptada ao meio social, são as pessoas como eu, que não estão satisfeitos nem com esse tipo de adaptação, nem com um meio social regido pela competição e padrão de domínio e subjugamento do outro. Eu entrei na PM, por ela ser militar, meu pai era militar, os filmes e tudo o que eu tinha lido apontavam para uma instituição de correição, promotora da justiça mesmo que com o uso da força, que inspira seus membros ao melhor condicionamento físico e aperfeiçoamento intelectual. E acreditei na utopia militar de uma máquina eficiente com assistência humana: colégio, psicólogo, médicos, assistentes sociais, música, esporte, cultura, vastas bibliotecas, centro de produção tecnológica, Mas a única coisa de pretensamente militar que a PM tem é a disciplina distorcida, na qual a maioria dos comandantes não dá nenhum exemplo que seja virtuoso. E excetuando algumas políticas de alta gestão, como os casos paulista e mineiro, de uma forma geral, a gestão organizacional das polícias militares é precária e, na verdade, desonram a herança institucional da estratégia e logística militar. Sabendo disso, conhecendo os entremeios da resistência às mudanças de um sistema complexo-simbólico com as características da PM ao ser perguntado afasto-me de proposições como desmilitarização e como eu disse, naquela 289 ASCOM - SEDS-AL. Secretaria da Defesa Social do Estado de Alagoas (Seds). Defesa Social inicia pesquisa de qualidade de vida dos servidores. ASCOM, publicada em 06 fev. 2014. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em <http://www.pm.al.gov.br/intra/index.php?option=com_content&view=article&id=5092:defesa-social-iniciapesquisa-de-qualidade-de-vida-dos-servidores&catid=7:destaques&Itemid=80>. / MARTTINA, Luana. "Pesquisa mapeia condições de trabalho na segurança pública: Estudo, objetivo é subsidiar políticas de qualidade de vida". Jornal Gazeta de Alagoas. Seção Cidades. Publicado em 06 jul. 2014. Acesso em 10 ago. 2017. Disponível em <http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=247715>. Página | 370 oportunidade, do evento do NEV-AL, proponho a re-militarização da polícia em seu componente profundo arquetípico que suscita a justiça, dignidade, polidez, equidade, estratégia, uso da força moderada. Ou seja, em termos mitológicos como é do gosto de Freud e de Jung, substituir a regência de Ares pela de Atena. Ou seja, assim como Xangô tem uma atuação civilizatória, Palas Atena (mesmo sendo guerreira) também tem. Nessa visão, contemplamos a proporção de Tânatos e Eros como uma solução com mais ou menos soluto dissipado no solvente. Eros está sempre presente, resta saber quanto de Tanatos vai se aglutinar a isso. Assim sendo Eros se presta ao serviço se outras vontades arquetípicas (aliás, ele é o mensageiro), assim como Bara Exu serve em trabalhos aos mais diversos orixás, sustentando-os. Oxalá tem Exu, Oxum tem Exu, Ogum tem Exu. Quem se auto sacrificará como Ogum, ao perceber que foi excessivamente mortífero, matando seus próprios adoradores? Força de vida indiferenciada é o primordial, sempre vai ter, quanto de autoafirmação vai ter nisso, define a característica do ser e/ou do ambiente. Se não tiver nada de auto afirmação, não tem consciência, não tem existência. Tudo ainda é o ponto inicial antes do Big-Bang. A sociedade humana ainda não teria se diferenciado da natureza e ainda estaria no paraíso-infernal de viver apenas os seus instintos. Quando se auto afirma e quer algo que não seja o compelido pelo natural, isso é suscitado por forças essenciais masculinas e por lógica masculina passa a ser regida em parte para se manter existindo, se não se desintegrar. Seria descabido de minha parte propor uma reorientação institucional própria de contextos civilizacionais femininos, isso pode ser desastroso em contextos masculinos. Ou seja, na lógica patriarcal não se pode simplesmente dispensar os elementos de controle. “Em toda sociedade existe a militarização no seu sentido amplo”, explica-nos Firmino (2015), atrelando esse caráter geral da civilização a sua própria existência e manutenção: “porque ela determina a harmonia e a evolução social dentro de padrões controladores para a sua própria sobrevivência”. Nesse ponto vemos Slavoj Žižek (2015) se perguntando, deveríamos nos submeter a isso? Minha resposta: no padrão de desenvolvimento civilizacional masculino, sim. E a desmilitarização em seu sentido amplo, pode ser percebida como “o declínio da metáfora paterna”, explicada por Ruth Vasconcelos (2007), aludindo a Freud, justamente no tocante a crise civilizatória e o aumento da violência. Sem o totem não há tabu, foi a paráfrase que utilizamos para nomear um tópico do Capítulo 7, onde demonstramos que a polícia por si só é um elemento simbólico de grande relevância na interdição social. Sentimo-nos mal com sua presença, incomodados um tanto, porque ela é os olhos do pai disciplinador, mas toda a estrutura sociopolítica carrega uma parcela do pátrio poder (VASCONCELOS, 2007), contudo, a polícia tem nas mãos o instrumento direto de punição e a iniciativa de flagrar “as peripécias” dos filhos sociais. E quando nos deparamos com uma instituição sui generis como a PM (BRODEUR, 2010; KRISCHKE, 2014), que tem o hábito de aplicar punições severas antes mesmo da aplicação de castigos educativos, sentimos certo repúdio a algo que nos vêm como abjeto. Página | 371 Tolera-se a punição paterna, quando moderada e perceptível o objetivo educador. É justificável a rejeição à obediência ao pai agressor que embriagado insulta a mãe, usurpa dos filhos algo conseguido com o trabalho e abusa das filhas 290. E quando nem mais se vê nele um pai, quem não se levantaria contra um irmão que espelhasse esse comportamento do pai? Totem se refere a um animal sagrado que remete a lembrança do pai da horda primitiva, um macho alfa que é morto por seus filhos, pois não toleram mais sua impulsividade agressora, tal qual a história mítica de Cronos, morto por Zeus, Poseidon e Hades (BULFINCH, 2002; FRANCHINI e SEGANFREDO, 2007). Diz-se que as sociedades primitivas visitadas pelos primeiros antropólogos-etnógrafos do século XIX, apresentavam um conjunto de práticas sociais e religiosas que tinham por sagrado esse animal, que servia de consolo à culpa de se ter matado o, na prática, pai abusivo, mas, em memória, um santo ao qual se devia cultuar (GOYA, 2014; FREUD, 1996). O que os irmãos assassinos estabelecem: para que não surjam novos machos alfas abusivos? Estabelecem-se limites, uma interdição que impede que os mais afoitos satisfaçam todos os seus desejos por sobre os outros. As regras que limitam são os tabus. É bem verdade, que vivemos a época da quebra dos tabus, dizemos que algumas dessas rupturas são necessárias, mas quanto? Porque sem totem simbólico, não se mantém as normas e sem elas, voltamos à beira do precipício do risco iminente da desintegração social. Segundo Ruth Vasconcelos (2007), “nesta perspectiva, é importante refletirmos sobre as implicações sociais do declínio da metáfora paterna, que se traduz numa dinâmica social marcada pela crise de autoridade e pela insuficiência da inscrição da lei no campo subjetivo”. Para Vasconcelos (2007) essa não introjeção da lei no sujeito é “fator que obsta o reconhecimento das leis no campo social”. E assim sendo, sem a lei do respeito (pelo medo de ser o próximo morto) inscrita em si, faz com que “a constituição de uma sociabilidade pautada em direitos e deveres reconhecidos como referenciais legítimos para todo e qualquer sujeito social” ficar deveras prejudicada. Se quisermos outra lógica que não a patriarcal, precisamos antes passar por um período de moderação masculina. Se quiséssemos deixar o hábito mundial de sermos carnívoros, teríamos que primeiro consumir toda carne em excesso, castrar milhares de animais de rebanho, tornarmos onívoros, fazer tudo paulatino (VAZ DE LIMA, 2015); existem culturas entranhadas a isso como o texano ou o gaúcho, tem pessoas dependendo das redes de produção e distribuição da carne. Faço uso dessa analogia, porque submeti nesta pesquisa à validação a hipótese do acirramento belicoso ser resquício do modo de subsistência da caça. Existem sujeitos atrelados à lógica do controle de padrão masculino. A ruína de seu hábitat organizacional, não a matará, porque ainda terá o hábitat mental, ao contrário, a tal lógica armará seus adeptos como quem luta pela sobrevivência (MORGAN, 2002). Posso afirmar categoricamente, se há consciência de está circunscrito em uma civilização patriarcal, o caráter militar não deveria ser objeto de repulsivididade, 290 Eu vi o que policiais podem fazer desde o bem até o mal excessivo. Página | 372 ao contrário, ele deveria ser de certa forma enaltecido pela sua capacidade de ordenação. Preciso esclarecer, porque falo de enaltecimento, militar é a forma pós Revolução Agrícola de absorver os impulsos de caça e guerra primitiva. Aqueles sujeitos dados ou compelidos por necessidade a acessarem o acervo arquetípico da guerra, somente são detidos pelo que chamamos de militarismo. Agora se o sujeitoanalista, não se vê obrigado permanecer psiquicamente atrelado ao padrão de domínio masculino e é dado a uma preferência em tudo mais propício ao sistema matriarcal ou matrístico, o militarimo tal como é, senti-o abjeto, repugante. Os ligados ao matriarcalismo, entedem até mesmo o domínio, desde que orquestrado por mulheres; os ligados à cultura matrística invertem a ordem do poder da força, pela introjeção subjetiva do amor. Portanto, – posso afirmar categoricamente – que o militarismo no sentido amplo, contextualizado no padrão masculino de civilização, não é em nada repugnante. A guerra e o sangue em si, sempre causam comoção. Há muito do militarismo que passa longe do sangue, há nele tal qual as artes marciais orientais um desafio constante de autoequilíbrio e disciplina. Ao certo, aquilo que vemos tanto causar polêmica sobre a Polícia Militar, é aquilo que não se vê (ou se vê muito menos) em suas cogêneres lusitana, chilena, italiana e francesa291: as práticas do pai abusivo, que não lida com filhos, mas com escravos. É a herança escravocrata e não a militar que torna a PM tão letal. É o reforço do ímpeto imperial, expansionista e invasor, que a PM adquiriu no contato com a forma de atuação da polícia militar do exército norteamericano. O indutor desse reforço dos componentes de caça, guerra e expansão imperial, foi indubitavelmente os regimes de exceção do século XIX no Brasil: o Estado Novo da Era Vargas e a Ditadura Militar, que correspondem juntos a 30 anos. 291 Quais são a côgeneres lusitana, chilena, italiana e francesa da PM? Respectivamente: Guarda Nacional Republicana, Carabinero de Chile, Carabinieri e Gerndermaria Nacional. Página | 373 A negação da realidade que acontece hoje em termos planetários, só pode ser vencida através do Amor do Todo. Hélio Couto CONCULSÃO | MENSAGEM DO VERDADEIRO ESPÍRITO GUERREIRO Ecologia dos espíritos institucionais Durante o percurso desta pesquisa, estive à procura do espírito da Polícia Militar, identificou-se que os espíritos institucionais ou organizacionais são escolhidos pelos agentes volitivos dos sistemas sociais humanos. As pessoas escolhem a quais ideias dedicarão seus esforços físicos e mentais. Os espíritos, por sua vez, como entidades autônomas, em uma dinâmica denominada da ecologia das ideias, estabelecem ações estratégicas para “possuírem” mais mentes de pessoas que lhes sustentarão como as ideologias predominantes. Portanto, uma organização institucionalizada como é o caso das polícias militares estaduais e distrital, ou qualquer outra organização que adere ao modelo institucional policial militar, como é o caso das guardas municipais, não tem todas, um espírito único. Bem como, nem todos os membros das organizações acompanham os ditames da ideologia predominante internamente. Mas a ideologia 292 que sustenta por mais tempo o posicionamento de príncipe entre as outras, manipula os recursos alocativos e autoritativos293 (materiais e de poder) em prol da manutenção e expansão da sua hegemonia. Tornando praticamente compulsório a adesão ou submissão a ela. A ideologia predominante hoje na Polícia Militar, segundo a prospecção da interpretação autoetnográfica é o de guerreiro em sua tonalidade “caveira”, ou seja, uma adesão coletiva ao espírito do guerreiro-assassino como atrator do sistema institucional e sua personificação imaginada como o modelo de policial honrado a ser seguido. Caberia uma conversão coletiva ao “culto” de outro espírito. Numa transição paulatina, mas não demasiadamente lenta, o arquétipo modelo temporário apropriado, parece ser o de herói-justo. Minha prospecção sobre os direcionamentos da civilização como um todo, parece apontar para novas formas de fazer polícia. Instituições que cuidam e protegem, com uma incrível sensibilidade da condição humana, sem perder o vigor nas ações rápidas, sagazes, mas não vorazes. No futuro, o arquétipo de condução mental dos agentes sociais, que talvez nem mais se chamem policiais, será o de pai-zeloso ou de mãe-guerreira. Caso quiséssemos saber a mensagem do espírito do guerreiro-caveira, bastaria ler as notícias da imprensa brasileira e dos números da guerra civil-urbana não declarada do país, assim como isso surpreendeu Jean-Claude Chenais (1999). Para ouvi-lo basta ir ao mundo obscuro das atividades só para homens das academias de policia militar ou dos cursos de operações especiais (MUNIZ, 1999; 292 293 Ideologia e hegemonia termos de Gramsci (1982; 2001). Os tipos de recursos segundo Giddens (2003). Página | 374 ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Quando digo conversão, é porque a Academia de Polícia Militar precisa permanecer, talvez mude naturalmente de denominação, mas o mais importante é que precisa expressar o “desejo” de outra entidade ideológica, de outro espírito. Nesse sentido, o texto que culmina esta pesquisa trata-se de uma simulação do que o espírito guerreiro, melhor adaptado às novas exigências sociais falaria para seus seguidores, ele é um híbrido integrado entre o herói-justo, o aventureiro-sonhador, o pai-zeloso-piedoso e a mãe-guerreira, assim como o arquétipo do si mesmo de Jung, ele integra luminosidade e sombra, masculino e feminino e, portanto, é algo mais aproximado do cristo da estrutura sociohumana dos guerreiros. Trate-se da mensagem do verdadeiro espírito guerreiro. Deixa o espírito falar É na Ecologia do Ser de Juracy Marques que compreendemos a relevância nos estudos ecológicos humanos, das cosmovisões próprias nas quais se baseiam as condutas coletivas e individuais de grupos humanos destacados, seja pela etnia (indígenas, por exemplo), pela religião (candomblé, por exemplo) ou pela atividade laboral integrada ao meio (pescadores, por exemplo). Portanto, policiais e ainda mais os policiais militares tem uma matriz de interpretação da realidade própria. Essa matriz revela o espírito dos policiais, ou o espírito da polícia. Então dizer que o espírito de uma instituição pode falar, é reconhecer que essa cosmovisão própria tem vida, para se exprimir o faz pelos seus adeptos. É também em Marques, que não há constrangimentos em apontar como origem de um discurso, os próprios elementos sutis, personificados, dessas cosmovisões próprias. Então uma Ecologia Humana, verdadeiramente humana, teria que reconhecer a fala de um orixá, o texto psicografado de um espírito desencarnado ou as considerações de um pajé sobre o que lhes dizem os espíritos dos ancestrais. Portanto, num exercício mais taxativo, nesse sentido, que a imaginação ativa de Jung ou a simbólica de Duran (o que fiz, até agora, pelas analogias, tipologias e mapeamentos mentais) – num exercício mais profundo que esse – disponho-me a deixar que o verdadeiro espírito de uma polícia melhor adaptada ao futuro sustentável da Terra, tome minha consciência e fale. E se Isaac Newton nos confessa que suas leis da física têm inspirações metafísicas na Cabala judaica; se Fritjof Capra ao avançar nos seus estudos de física, precisa admitir que um senso mais profundo e significativo do cosmos já podia ser visto nos antigos textos védico-hindu, budistas e taoístas. Se por meio do olhar ao que sempre foi denominada tradição religiosa, Max Weber e Carl Jung puderam contribuir enormemente para uma ciência social e humana mais madura; se Charles Darwin não podia confessar publicamente, que muitos insights de intuição de seus estudos eram proporcionados por diálogos com sua filha já falecida, o que confessou privativamente a Alfred Russel Wallace, coautor da teoria da evolução. Se todos esses contributos tiveram significativas influências de alterepistemologias. Porque eu teria que me constranger em dissimular as inspirações deste trabalho. Portanto, deve-se dizer que o texto que se segue é baseado numa canalização do Mestre Ieshua, feita por Pamela Kribbe, em 12 de dez. de 2004, em Tilburg, Holanda. E corresponde a uma amálgama entre os resultados de nossa Página | 375 pesquisa pelo inconsciente institucional específicos da expressão guerreira, que por sua vez já tinham inspiração original em outros trabalhos de canalização de espiritualistas brasileiros, tais como Luiz Gonzaga Scortecci de Paula (Ben Daijih), Laércio Benedito Fonseca, Hélio Couto e Rogério de Almeida Freitas (Jan Val Ellam). Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro Nunca diga a um guerreiro que ele não pode fazer o que ele tem que fazer. Sobretudo, dizer que ele não pode, porque não consegue ou porque está proibido, ou seja, desautorizado a fazê-lo. Ele irá certamente, pelo ditame das formas induzidas pela sua natureza, contrapor-se a isso veementemente. O que se pode fazer, quando o "que precisa ser feito" é de natureza danosa ao todo social é redirecionar essa energia, eminentemente masculina essencial, para outro senso de missão. Reconstrua-se, portanto, junto aos guerreiros que novas lutas precisam travar, mas não lhes digam que não haverá mais lutas. Primeiramente, que isso não é verdade, nem mesmo da Ilha de Utopia 294 havia cessado espaço para conflitos e embates. Segundo, porque sem desafios um guerreiro não tem sentido de existir. Talvez seja esse o termo proeminente para se compreender a questão: desafios, e não guerras. Dizer aos guerreiros que guerra de sangue são prejudiciais a todos, como se estivéssemos infligindo um mal injusto a nós mesmos, é isso que a Ecologia Profunda aborda em seu âmago. E quando reunimos isso ao intento último da Ecologia Social, integramos o mundo social com o natural, por meio de uma liga que nos inspira a dizer como Spinoza, que não há sentido de sermos contra algo (Ecologia Profunda) ou alguém (Ecologia Social), pois esse algo ou alguém somos nós mesmos em um único Todo inseparável. O germe de Utopia Em Utopia sempre havia um mundo exterior não explorado de onde poderia vir um perigo. Afinal de contas Utopia era o melhor lugar para se viver, mas ainda era um império295. O soldado e, sobretudo, o oficial romano segue sem temor porque crer na utopia de Roma296. Como dizem no meio militar, mesmo quando muitos anos se passaram: "nada mudou". O soldado norte-americano ainda acredita na mesma coisa. A questão é um germe interno, próprio do sistema verticalizado 297 não maduro o suficiente para aplacar o ímpeto de domínio. Este germe298 é disseminado nos territórios ocupados, seja no caso histórico romano, ou na epopeia norte-americana que ainda está em curso, ou nas 294 Utopia lugar imaginário, uma ilha sede de uma República concebida por Thomas Morus (que foi diplomata, filósofo inglês, chanceler do reino na época de Henrique VIII, santo da igreja Católica), em 1516, seu livro escrito em latim: “De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia” [Sobre o Melhor Estado de uma República que Existe na Nova Ilha Utopia]. O termo “utopia” passa a ideia de civilização ideal, imaginária, fantástica. A palavra foi criada a partir do grego: "u" (prefixo de negação) e "tópos" (lugar), portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe". 295 A série 3% de produção brasileira, do canal Netflix, mostra essa mesma realidade. 296 SILVA e MENDES, “Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural”, 2006. 297 Milton Santos aborda o mesmo aspecto de disseminação de verticalidades em livro, ano. 298 Para nós, esse germe é na verdade um “meme” nos termos de Richard Dawkin, que está no aspecto de ecologia das ideias danosas de Bateson. Ele é danoso, não por ser mal em si mesmo, mas porque não está adaptado, não é próprio da natureza da Terra e de seus filhos protetores (a “última” espécie: os humanos). Página | 376 outras duas ilhas da Utopia existentes na atualidade: o Reino Unido e Israel. Em todos esses casos, a expansão utópica do império que leva sua herança de “felicidades e liberdades”, sempre causa efeitos colaterais, destacadamente um sentido de injustiça entre colônia e metrópole e uma enculturação de que essas colônias, quando emancipadas vão criar suas próprias “colônias” de uso-fruto. Assim foi com o desmoronamento do império colonial europeu por sobre a África no século XX. Assim ainda é o mosaico cultural da própria Europa. Uma Espanha se projeta para o mundo como uma nação só, mas é na verdade um domínio central de uma origem étnica contra outras. Não escapam dessa realidade a Alemanha, a Itália, a Hungria, os Países Baixos e o próprio Reino Unido. E para não me acusarem que estou “demonizando” o Ocidente, é preciso não deixar de fazer referência à expansão árabe-islâmica por sobre a África, o Oriente Médio e o Sudeste Asiático; do até então ímpeto insaciável do império japonês; da supremacia cultural ariana sobre a hindu e das distinções entre as etnias chinesas. Talvez o caso mais acentuado do espírito guerreiro, com difícil desmobilização da chave guerreira se dê nos filhos da Grande Mãe Rússia. A questão em tela, é que o modelo policial predominante suscetível à corruptela extremada é ocidental. Importante caso, que ilustra um pouco mais sobre essas dinâmicas de uma “guerra de impérios” (ou “guerra dos tronos”299) é a construção da identidade do Timor Leste. Para garantir sua integridade em diferenciação à Indonésia, foi preciso emprestar-lhe instrumentos simbólicos de guerra e política, de Portugal e do Brasil. A presença de policiais militares brasileiros300 (tanto estaduais, distritais e da Polícia do Exército)301 e de membros da Guarda Nacional Republicana portuguesa302 atesta esse fato. E a morte do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, no Iraque, em 2003, em um atentado assumido pela Al Qaeda, alegando represália à independência do Timor Leste é outra ilustração típica do padrão de relações estabelecidas entre os impérios civilizacionais, mesmo quando se fala em instituições “pacificadoras”303. Ora, a missão 299 Guerra dos tronos: Aqui se faz referência a uma série norte-americana de TV de grande audiência, cuja primeira temporada é de 2011, intitulada “Game of Thrones”, baseada numa adaptação da série de livros “As Crônicas de Gelo e Fogo”, escrita pelo também norte-americano George R. R. Martin, publicado em 1996. Trono também é uma referência ao termo cabalístico, utilizado pelo apóstolo Paulo em suas cartas (Epístola aos Colossenses 1:16), que designa na tradição cristão medieval uma das hierarquias mais elevadas entre os anjos. Porém para o judaísmo isso não é consenso, a palavra hebraica erelim que é traduzida para o grego como θρόνος [tronos], é geralmente melhor aceita como equivalente à guerreiros ou heróis. 300 Em meio à polêmica do relatório quadrienal de 2012 do Conselho de Direitos Humanos da ONU ter uma recomendação da Dinamarca sobre a extinção da PM, em matéria da ISTOÉ, o comandante da PM de Santa Catarina e presidente do Conselho Nacional do Comando de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, afirma que: “O que a Dinamarca sugeriu foram medidas para acabar com a violência extralegal praticada por grupos de extermínio", argumenta o coronel Atair Derner Filho. Até porque seria incoerente já que “a ONU, inclusive, usa o serviço de policiais militares brasileiros para treinar forças de segurança em países com instabilidade política, como Haiti e Timor Leste”. ISTOÉ, “Brasil diz não à ideia da ONU de pôr fim à PM”. Publicado em 19 set. 2012. Acessado em 20 jun. 2017. Disponível em <http://istoe.com.br/238978_BRASIL+DIZ+NAO+A+IDEIA+DA+ONU+DE+POR+ FIM+A+PM/>. 301 OLIVEIRA Jr., Almir e GÓES, Fernanda Lira. “A presença brasileira nas operações de paz das Nações Unidas”. [Texto para Discussão n.º 1516]. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dez. 2010. 302 SALVADOR, Susana. “Cronologia da presença da GNR em Timor-Leste”. Agência Lusa. Publicado em 11 nov. 2012. Disponível em < http://www.dn.pt/portugal/interior/cronologia-da-presenca-da-gnr-em-timorleste-2893861.html >. Acessado em 10 jun. 2017. 303 Como pano de fundo desse padrão de relações, peço destaque para uma análise que constata a hegemonia de figuras políticas e militares dos Estados Unidos, em uma sequencia de condecorações por parte da nova República Página | 377 de Sérgio Vieira 304 era justamente, coordenar como figura de autoridade transnacional uma ocupação que foi praticamente imposta pelos Estados Unidos e Reino Unido sem autorização do Conselho de Segurança da ONU305. E o que move essas relações? Espírito de liberdade306, o ouro negro ou algum tesouro do saber tecnológico babilônico ou sumério307? Em última perspectiva, trata-se do Eu contra o Outro. Do homem contra a natureza, do qual quer se separar e dominar. Quando é inconcebível tal separação. O que pode está em curso é, uma diferenciação pela autoconsciência, a qual deve logo em seguida se tornar uma responsabilidade consciente de proteção e cuidado308. Para aqueles que se admirarem pela indicação das novas ilhas de Utopia, devem considerar o fato da alta casta comerciante, de financista mundiais, de um certo supracapitalismo309, serem os mesmos patrocinadores da paz e prosperidade do moderno Estado de Israel, os quais tem suas bases operacionais em Londres e são os mesmos que suportam a máquina de guerra estadunidense. E são os mercenários selecionados em meio ao povo americano, com esse dinheiro, que trasvestidos de militares regulares, vão aplicar procedimentos operacionais padrões (leia-se, práticas de tortura310) no presídio de Abu Ghraib no Iraque. Esse é o problema da atual Israel, não basta ser uma ilha próspera, se ainda há, lá fora, um abismo de injustiças e medo. Não é sustentável construir um país da liberdade, por sobre a exploração mundial da opressão pela riqueza de poucos. É preciso abordar esse ponto delicado, porque a cosmovisão da capelania militar (e policial) é baseada nos mesmos fundamentos da fé protestante anglo-americana e semita. Estão esquecendo que o ente que encarna essa predileção de povo escolhido, o Senhor dos Exércitos, em sua própria literatura histórico-religiosa, é considerado justo o suficiente para não admitir tal discrepância, bem como em mais de um ponto do drama de Javé, ele lembra que zela pelo destino não só do Israel, mas de todas as nações e cada ser vivente. A epopeia de Camões é poeticamente empolgante, mas por mais que se invoquem todos os deuses, não haverá paz, se os próprios deuses Democrática do Timor-Leste, no Jornal da República (equivalente ao Diário Oficial), de 7 set. 2016. Disponível em < http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2016/serie_1/SERIE_I_NO_35.pdf>. 304 GOUREVITCH, Philip e MORRIS, Errol. Procedimento Operacional Padrão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 305 BLIX, Hans. “Invasão do Iraque sem autorização da ONU foi um erro: Governo Bush ignorou normas internacionais”. Estado de São Paulo. Publicado em 20 dez. 2009. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,invasao-do-iraque-sem-autorizacao-da-onu-foi-um-erro,484948>. 306 O nome da operação militar de invasão orquestrada pela coalizão liderada Estados Unidos e Reino Unido e apoiada pela Austrália e Polônia era “Operação Liberdade do Iraque”. 307 Especulações fazem referência à obsessão de Saddam Hussein, ex-presidente ditador iraquiano, em honrar e buscar segredos da época de Nabuconodosor, rei da Babilônia. As especulações, dignas de teorias conspiratórias, fazem associação da possibilidade de reconstruir ou reativar um Gerador de Vórtice Magnético, como portal interdimensional, tal qual seria um dos propósitos do Projeto Motauk, da Força Área dos Estados Unidos no Estado de Long Island. “A luta pela herança Extraterrestre da Babilônia (Iraque) e Pérsia (IRÃ)”. Publicado em 23 set. 2013. Disponível em <https://jackzennectoux.wordpress.com/2013/09/23/a-luta-pela-heranca-extraterrestre-dababilonia-iraque-e-persia-ira/> baseado na tradução do texto de Michael E. Salla, Doutor em Filosofia da Universidade de Queensland, Austrália, que especula sobre os artefatos tecnológicos dos antigos deuses astronautas em “Iraq’s extraterrestrial heritage”. Publicado em mar. 2013. Disponível em <http://www.bibliotecapleyades.net/exopolitica/esp_exopolitics_a_3.htm>. 308 Inspirado em Maria Vaz de Lima (2015) e em Reimer (2009) o tema bíblico: dominação versus cuidado foi aborado no final do Capítulo 9, na seção “Colocar o mundo de cabeça para cima”. 309 (DE CARVALHO, 1993; 1996). 310 GOUREVITCH, Philip e MORRIS, Errol. Procedimento Operacional Padrão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Página | 378 estão em guerra. O problema do espírito de desbravamento ultramarino dos Lusíadas é o mesmo de todos os enredos de expansões imperiais, desde Alexandre, Genghis Khan ou Nabuconodosor. Mitologicamente isso se refere ao arcanjo Samael, mas tem conotação na própria estrutura psíquica humana. Não se pode levar a paz, mesmo em forma de ordem, se internamente não se vive essa paz ordenada. Vale a pena destacar que Samael é correlacionado com a personagem mitológica que causou uma rebelião no mundo ideal dos deuses, mesmo sendo anteriormente o portador da luz: Lúcifer. Mas aqui nos vale a analogia com o mundo interior do ser humano. A luz quem trouxe foi a consciência desperta por sobre a vasta escuridão da inconsciência. Essa mesma grande conquista da emergência evolutiva da vida, tem hoje causado sérios desajustes sociais, porque a consciência é conduzida por uma lente muito fina de percepção, o ego. Ele precisa está integrado à vida pulsante da inconsciência. Mas não pode se deixar ser totalmente possuído por um arquétipo isolado, nem se desconectar de todos eles. Em Ecologia Profunda, diz-se que é a atitude centrada do ego em si mesmo que causa os males civilizacionais. O espírito do guerreiro aderido pela Polícia Militar Brasileira está corrompido pelo germe de Utopia, adotado pela simples herança institucional direta da Gendarmaria Francesa e do Exército Português, que aludem ambos ao exército romano e esse último em certa parte ao contra furor lusitano à voracidade moura. Reforçado sorrateiramente pela alocação das redes de base de uma sociedade escravocrata. A cabeça branca é metropolitana, mas as mãos que chicoteiam são pretas e pardas, porque reproduzem as desigualdades do velho sistema tribal. Desigualdades do além-mar sejam do Porto ou de Ruanda. Entre outras influências, cabe destacar a artificialidade da engenharia institucional, tecida pelos dois regimes de exceção brasileiros do século XX: o Estado Novo de Vargas e o regime militar, marcadamente de 1969 ao final da década de 70. O composto institucional recebeu uma sobrecarga de espírito guerreiro corrompido, com a adoção deslocada do pensamento vigente e dos procedimentos da polícia militar de exército. Momento esse que a instituição brasileira, aprendeu muito bem, dos norte-americanos, como se submete uma população estrangeira. Apesar de que os brasileiros tem uma característica luso-ameríndia peculiar, de aproximação e integração cultural com os estrangeiros, mas isso é feito por uma apropriação seletiva que rediscuti e reencaixa os novos membros da confraria em categorias condizentes com a estrutura vertical original. Portanto, não causa admiração que o modelo brasileiro de atuação no Haiti, que tem por fundamentos alguns dos mesmos da atuação nas favelas cariocas 311, revestido, aquele, pela austeridade (como imagem projetada) do Exército Brasileiro – não admira, tal sistema 311 VALENTE, Júlia Leite. Unidades de Polícia Pacificadora: pacificação, território e militarização. [Dissertação] Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015. Página | 379 – possa ser um dos escolhidos pela ONU para replicação312 em outras partes do globo em operações de estabilização e manutenção da paz. O português não se priva do contato humano direto como os demais europeus, ele dorme com a preta, mas o filho dessa relação vai ser feitor da senzala e não herdeiro. E a preta depois de servir certo tempo ao seu senhor, passará por humilhações por parte da esposa, senhora da casa. Assim como todos os filhos de Zeus, são guerreiros, mas nem todos são filhos de Hera, que os perseguem com veemência. A Polícia Militar hoje é o filho de Hera, Ares (Marte), o deus da guerra, e esse por sua vez ajudado esse por seu filho Eros, caçando os seus demais irmãos em nome de sua mãe313. A mancha de sangue, que só a sensibilidade ética humana pode ver no globo terrestre por sobre o Brasil, é uma manifestação histérica, devidamente dissimulada, do fratricídio generalizado, onde representantes do irmão mais velho buscam a todo custo retomar a posição de domínio incontestável do pai primordial, a figura totêmica de Freud, que em muito se assemelha a Zeus. É por Raymundo Faoro que se percebe que não poderia ser diferente, esses tais donos do poder constituíram um exemplar sistema socio-cultural, a ser invejado em muitas partes do mundo. Pois que controlam, usurpam as riquezas e possuem uma insuperável máquina de silenciamento das massas. Mas o controle de Ares sobre os guerreiros desse sistema inescrupuloso persiste até que um de seus irmãos tome a dianteira do processo: seja Dioníso (Baco), como figura que revela segredos aos homens; ou, Atena (Minerva) e Artemisia (Diana) que reconfiguram a força do guerreiro-estrategista-caçador para outros fins. É como se nem Exu aguentasse mais ser sempre chamado para orquestrar trabalhos à esquerda, ele mesmo como mensageiro de Oxalá e embaixador de Oludumaré, ele cessa o apoio aos seus filhos, rejeita as ofertas e provoca mudança de folha de inúmeros chefes de casa para trabalhos à direita. Sendo casa, portanto, 312 “ONU quer levar ao Congo experiência brasileira no Haiti”. BBC Brasil. Publicado em 25 abr. 2013. Disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130424_general_rdc_lk >. “A experiência prévia à frente de operações militares no Haiti fez o general de divisão brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz ser convidado pela ONU para comandar sua maior missão de paz: a Monusco, na República Democrática do Congo [...] A ‘Brigada de Intervenção’ foi estabelecida com uma ‘autorização especial’ da cúpula da ONU para adotar ‘qualquer medida necessária’ para derrotar o M23 (Movimento 23 de Março), o FDLR (Forças Democráticas para Libertação de Ruanda) e o LRA (Exército de Resistência do Senhor), e ao menos outros quatro grupos rebeldes locais e internacionais que operam especialmente no leste do país. Na prática, isso significa que o Departamento de Missões da Paz da ONU criou uma estrutura para possibilitar a realização de ofensivas militares mais robustas no âmbito de uma missão de paz convencional, sem ferir a legislação e os princípios das Nações Unidas [...] Na época, o general autorizou seus coronéis e subordinados a planejar e executar ações de força, que finalizaram o processo de desmantelamento de grupos rebeldes e gangues que dominavam a favela de Citè Soleil – o último grande bastião rebelde do país. Segundo militares ouvidos pela BBC Brasil, assim como seus antecessores, Santos Cruz sofreu grande pressão de diplomatas da ONU para endurecer as ações no Haiti naquela ocasião. Porém, de acordo com diplomatas do Itamaraty, ele teve versatilidade para balancear o uso da força – fazendo com que as operações em Porto Príncipe atingissem seus objetivos sem descumprir a legislação internacional ou ferir direitos humanos” (BBC, 2013). 313 Hera, portanto, simboliza a anima feminina que centraliza a atividade inconsciente de uma instituição dinamizada pela atividade masculina. A referência a Ares, a Eros e a caça são claras alusões aos tipos policiais arquétipos o herói (aqui corrompido), o guerreiro e o aventureiro, para compreensão serve releitura do Capítulo 8. Página | 380 nessa analogia, não espaços patentemente de culto religioso, como terreiros ou templos, mas as instituições sociais humanas. O inimigo agora é outro Portanto, nunca diga a um guerreiro que ele não pode fazer, diga a ele o que realmente ele tem que fazer. Mostre-o que ele está, na verdade, obedecendo cegamente a uma autoridade injusta. Porque lá na frente, ele precisará de muita coragem. Em seu novo posicionamento contra as injustiças ele terá novos inimigos, que até então eram seus companheiros, seus deuses-irmãos. Ele terá que entender, que “o inimigo agora é outro314”. Esse conflito interno de “casta” não é desproposital, há dois conjuntos de subcastas: aquelas conduzidas por uma dinâmica bioenergética masculina agressora e um conjunto predominantemente conduzido pelo masculino maduro. Os de masculinidade agressora parecem, nos padrões patriarcais, serem os “mais homens” ou os “homens de verdade”, mas são em última análise os elementos infantis, que gostam e brincar de guerra e que estão desesperados pela iminência de seu fim. Os de masculinidade madura foram até agora rejeitados e eles mesmos alimentavam o desatino, porque para serem reconhecidos reproduziam as condutas de agressão. Contudo, toda a parcela feminina desperta da sociedade não dará mais suporte a esse desatino, os elementos femininos despertos estão conscientizando e chamando à luta os elementos femininos ainda frágeis. Aos poucos as antigas vítimas estão se autodeclarando, não mais dispostas a aceitar os vilipêndios praticados pelos algozes. Cabe agora aos de masculinidade madura, moderada, assumirem a predominância nas instituições de força-vigor (controle policial e militar) e as de forçapoder (política), banindo a mentalidade masculina agressora e lançando ao ostracismo os sujeitos que persistirem na conduta antiga ou à extinção das instituições que não cederem à onda de reformulação. Lembrando que dizer elementos masculinos não excluem as mulheres, nem se trata de confraria exclusiva de homens, masculino ou feminino aqui colocado, não se trata de sexo biológico, porém é natural que mais homens se associem aos padrões de masculinidade do que as mulheres315. Bem como, é importante destacar que como se já se havia esclarecido, a casta guerreira engloba instituições de forçavigor e de força-poder, ou seja, “o guerreiro heroico e o pai da nação”, os milicianos e os políticos. “O inimigo agora é outro” é o subtítulo do filme brasileiro, de 2010, dirigido por José Padilha e estrelado por Wagner Moura, baseado no livro brasileiro “Elite da Tropa 2”, de autoria do antropólogo Luiz Eduardo Soares, do ex-policial do Bope, Rodrigo Pimentel, do ainda oficial da PMERJ, André Batista e de Cláudio Ferraz, publicado em 2010. 315 “O homem precisa de uma nova psicologia para entender a si mesmo”, diz Osho, e a compreensão básica que precisa ser profundamente assimilada e experimentada é que “nenhum homem é apenas homem e que nenhuma mulher é apenas mulher, e que cada homem é tanto homem quanto mulher, da mesma forma que cada mulher é mulher e homem. Adão tem Eva nele, Eva tem Adão nela. Na verdade, ninguém é apenas Adão, assim como ninguém é apenas Eva. Somos Adões e Evas. Este é um dos maiores conhecimentos já alcançados”. Porém, ao ser condicionado a negar e a rejeitar suas qualidades femininas, o homem foi treinado para reprimir sua parte feminina interior, o que se reflete na repressão do elemento feminino no mundo exterior. A menos que comece a descobrir sua própria mulher interior, o homem estará preso a uma busca frustrante pelas qualidades femininas, que são inerentes à sua natureza, do lado de fora, na mulher exterior. Ele precisa reintegrar sua parte feminina, de modo a se tornar saudável e inteiro, ou seja, completo dentro de si mesmo (OSHO, [1997] 2014). 314 Página | 381 Sentido profundo: princípio fractal Guerreiros desolados ficam como Arjuna, no enredo mítico do BhagavadGita . Arjuna se ver paralisado, pois estava à frente de um grande exército perfilado pronto para combater outro fortíssimo exército, mas os líderes no outro lado do campo de batalha eram seus parentes e amigos. Foi preciso, para tradição védica-hindu, que o próprio Ser Supremo (Krishna) viesse até Arjuna para dizê-lo, qual o sentido interior da luta. É atribuído à luta, um novo sentido e como é da natureza inalienável dele (a natureza do vigor), o guerreiro volta a se por de pé, pronto, profundamente motivado, agora para combater o mal que está em si mesmo317. 316 Guerreiro! Você não pode combater o mal lá fora, antes de combater o mal dentro de você. Roma, Estados Unidos, Rússia, China, França ou Inglaterra318 não podem levar liberdade, nem igualdade para lugar nenhum sem antes serem elas mesmas expressões vivas de liberdade e justiça. Brasil não pode negociar ou difundir a paz sem que seja ele mesmo um celeiro da paz. Está simbolicamente vedado ao homem terrestre deixar sua mãe Terra para explorar o espaço exterior, sem que limpe a bagunça que tem feito por aqui, primeiro. Portanto, pelo princípio fractal ou hologramático, se o indivíduo ou uma sociedade quer compartilhar algo, eles precisam ter isso em abundância dentro de si mesmo319. Conhece-te a ti mesmo e conhecereis a verdade320. A verdade que dissipa as trevas sobre a ilusão de está separado do Todo. Apenas assim, será promovida a liberdade das amarras, que não são cadeias no corpo, mas vendas 316 Texto religioso védico indiano, escrito em sânscrito, aproximadamente no século IV A.C., que surge como inserção posterior da epopeia do Mahabharata. Bhagavad Gītā, literalmente, quer dizer “O Cântico do Senhor”, ou a canção de Deus. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre seu dever, e recebe iluminação diretamente do Senhor Krishna considerado a Suprema Personalidade de Deus, que o instrui na ciência da auto-realização. No desenrolar da conversa são colocados pontos importantes da filosofia divina. 317 Osho (2014) diz “O maior guerreiro não tem nada a ver com a guerra. Não tem nada a ver com a luta contra os outros. Tem algo a fazer dentro de si. E não se trata de uma luta, embora isso traga a vitória”. 318 Roma está patentemente representada pelo Vaticano e pelo ordenamento jurídico de quase todo o Ocidente. Os outros países da lista (Estados Unidos, Rússia, China, França ou Inglaterra) são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. É importante notar, que a ONU consegue mostrar em seu funcionamento a dinâmica da casta guerreira, no contexto de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino, em termos de nações. Apesar de a instância máxima deliberativa ser a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança no final expõe a autoridade dos “príncipes”. Um problema de origem do sistema, é que a Terra como sustentáculo dessa civilização, é predominantemente feminina. O que torna insustentável ao longo prazo, as estruturas e dinâmicas demasiadamente masculinas. Já em relação à casta de comerciantes, seria necessário tecer comentários sobre a ilusão de chefes de Estados e ministros de governos, estarem em Davos, discutindo o interesse de suas populações assistidas, ou seriam, exploradas? 319 Nisso está o “mistério” da entronização do Arquétipo Civilizacional, que é o arquétipo primaz do Si-Mesmo de um todo social. 320 Amálgama do antigo pensamento recitado pelo Sócrates platônico e Jesus Cristo joanino. A primeira sentença se refere ao “Conhece-te a ti mesmo”, grafado no pátio do Templo em honra ao deus solar Apolo na cidade de Delfos (Pausanias, Description of Greece, Paus. 10.24 <http://www.perseus.tufts.edu>). Bem como, algo muito semelhante no templo de Luxor, no antigo Egito: “Homem, conhece a ti mesmo, assim conhecerá os deuses.” (Isha Schwaller De Lubicz, Lucie Lamy, Her-Bak: Egyptian Initiate., Inner Traditions International, 1978). A segunda sentença é “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, dita por Jesus (João 8:32), enquanto debatia sobre a legitimidade divina de sua mensagem atestada por uma certa união espiritual entre ele e Deus, ao qual chamava Abba, “pai”. Os religiosos, inconformados com seus novos ensinamentos, trouxeram-lhe uma mulher adúltera (que pode ser identificada como Maria Madalena ou Maria, irmão de Lázaro) para ser julgada e punida conforme a lei, que previa apedrejamento. Jesus a absorve numa estratégia provocativa que compelia os acusadores à autorreflexão sobre suas próprias falhas. Na continuidade, ele esclarece que o verdadeiro julgamento não se dá pelo aspecto interior, mas pelo que se encontra dentro do ser humano. Página | 382 nos olhos da alma. Porque o Espírito é livre, mas não pode atuar adequadamente sobre o corpo, com uma alma cega. Nisso este trabalho encerra-se com o ternário: Espírito, Alma e Corpo. Numa proposta da Ecologia do Ser Civilizacional, que fractalmente se espelha na realidade das sociedades, instituições, tribos e organizações. Reconhecidos alguns dos aspectos do espírito da Polícia Militar do Brasil, cabe agora reformular as propostas de reorganização no contexto institucional próprio, alcançando primeiramente o território onde habitam os espíritos: na mente humana. Ou seja, revelar a todo o guerreiro 321, o ardiloso jogo pela predominância entre os espíritos, pelo controle dos sistemas sociais humanos. Conscientizá-lo de como eles têm sido usados na qualidade de alienados úteis 322 tanto do sistema como das inócuas propostas antissistema, pois padecem do mesmo mal: o mimetismo da violência 323. Para, somente assim, no caso da Polícia Militar, os próprios policiais operarem as mudanças necessárias, impostas pelo “Ponto de Mutação324”, pela atual encruzilhada civilizacional do Antropoceno325. 321 Militares, militantes, policiais, guerrilheiros etc. Referência a “idiotas úteis” de Antonio Gramsci. 323 Conceito de Renè Girard, como elemento fundante da sociedade civil: violência mimética, ou competição gerada pela ambição imitadora do desejo pelo mesmo objeto que outrem. 324 Nome do livro de Fritjof Capra (2006a), captado de um dos “oráculos” do livro chinês I-Ching, que aponta para um tempo de mudanças estruturais. Este tema está correlacionado sobre está ou não no fim de um Kali Yuga (GUENON, [1927] 1977), a última das quatro etapas que o mundo atravessa ciclicamente e estaria correlacionada com uma degeneração generalizada. 325 Antropoceno é um termo recente (década de 1980) cunhado para designar a última etapa da era geológica do Holoceno. Criado pelo biólogo Eugene F. Stoermer foi popularizada pelo químico vencedor do Prêmio Nobel, Paul Crutzen. Esta última etapa geológica, estaria marcada pelas modificações no ambiente natural realizadas pela ação humana, por isso o prefixo “antropo”. The Encyclopedia of Earth: Disponível em <http://editors.eol.org/eoearth/wiki/Anthropocene>. 322 Página | 383 REFERÊNCIAS Referências bibliográficas ALLAN COX. Plate Tectonics and Geomagnetic Reversals. W H Freeman & Co, 1973. ALBERTS, Bruce et. al. Biologia Molecular da Célula. 5a. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009 ALBUQUERQUE, Carlos Linhares de e MACHADO, Eduardo Paes. Sob o signo de Marte: modernização, ensino e ritos da instituição policial militar. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 3, nº 5, p.p.214-237. jan/jun 2001. ALEXANDRIA COSTA, Israel. Rousseau e a origem do mal. [Dissertação] Mestrado em Filosofia. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: 2005. ALTHUSSER, Loius P. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. 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ISTJ ISFJ INFJ INTJ Sensorial Introvertido auxiliado pelo Pensamento Sensorial Introvertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Introvertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Introvertido auxiliado pelo Pensamento 65 03 01 01 43,63% 2,01% 0,67% 0,67% ISTP ISFP INFP INTP Reflexivo Introvertido auxiliado pela Sensação Sentimental Introvertido auxiliado pela Sensação Sentimental Introvertido auxiliado pela Intuição Reflexivo Introvertido auxiliado pela Intuição 19 04 0 01 12,75% 2,68% - 0,67% ESTP ESFP ENFP ENTP Sensorial Extrovertido auxiliado pelo Pensamento Sensorial Extrovertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Extrovertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Extrovertido auxiliado pelo Pensamento 16 0 03 00 10,74% - 2,01% - ESTJ ESFJ ENFJ ENTJ Reflexivo Extrovertido auxiliado pela Sensação Sentimental Extrovertido auxiliado pela Sensação Sentimental Extrovertido auxiliado pela Intuição Reflexivo Extrovertido auxiliado pela Intuição 30 01 0 02 20,15% 0,67% - 1,34% Fonte: Transcrito de ZACHARIAS, José Jorge de Morais, “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, 1994. Amostra de 149 policiais com 3 anos de carreira. Página | 414 Tabela 20 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado por Zacharias (1994) – Grupo de 184 policiais durante recrutamento/seleção. ISTJ ISFJ INFJ INTJ Sensorial Introvertido auxiliado pelo Pensamento Sensorial Introvertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Introvertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Introvertido auxiliado pelo Pensamento 58 08 0 05 31,53% 4,34% - 2,71% ISTP ISFP INFP INTP Reflexivo Introvertido auxiliado pela Sensação Sentimental Introvertido auxiliado pela Sensação Sentimental Introvertido auxiliado pela Intuição Reflexivo Introvertido auxiliado pela Intuição 19 09 1 03 10,33% 4,90% 0,54% 1,63% ESTP ESFP ENFP ENTP Sensorial Extrovertido auxiliado pelo Pensamento Sensorial Extrovertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Extrovertido auxiliado pelo Sentimento Intuitivo Extrovertido auxiliado pelo Pensamento 14 01 0 04 7,61% 0,54% - 2,17% ESTJ ESFJ ENFJ ENTJ Reflexivo Extrovertido auxiliado pela Sensação Sentimental Extrovertido auxiliado pela Sensação Sentimental Extrovertido auxiliado pela Intuição Reflexivo Extrovertido auxiliado pela Intuição 49 08 02 03 26,64% 4,35% 1,08% 1,62% Fonte: Transcrito de ZACHARIAS, José Jorge de Morais, “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, 1994. Amostra de 149 policiais com 3 anos de carreira. Página | 415 Apêndice B – Quadros resumo dos atributos dos tipos policiais Quadro 6 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Pai-zeloso Atributos do tipo policial Tipo Policial Valores dos atributos do tipo policial Pai-zeloso Correspondência taoísta1 Base Yin (Integrativa) – Grande Yin (- -) Humanidade espiritual1,7 Polo Feminino do Homem Superior Mentalidade2 Integrativa (-) Práxis2 Integrativa (-) Expressão Luminosa/Sombria Piedoso Mãe-guerreira Sentimental Extrovertido Levemente extrovertido Nível 1 Racional Julgamento: Sentimento Apreensão: Intuição Apreensão: Sensação Julgamento: Pensamento Sentimental Extrovertido Moderadamente extrovertido Nível 5 Racional Julgamento: Sentimento Apreensão: Sensação Apreensão: Intuição Julgamento: Pensamento Água, Lago Água, Tempestade Regente/Corregente Regente/Corregente Adam-Ima (Adão materno) Atenas/Atermis (Minerva/Diana) Oyá/Oxóssi (Filha de Iemanjá) Adam-Abba (Adão paterno) Atenas/Ares (Minerva/Marte) Oyá/Ogum (Filha de Iemanjá) Peace Officer (policial apaziguador) Service (prestador de serviços) Law officer (policial em nome da lei) Legalistic (legalista) Justo Sonhador Patriota Justiceiro Caçador Caveira Função Psicológica3, 8 Perfil composto Atitude/Disposição Geral (Extroversão) Nível de extroversão (de 1 a 4) Dimensão preponderante Função Dominante Função Auxiliar (Secundária) Função Terceária Função Inferior Elementos1 Correspondência mitológica Hebraica Greco-Romana4 Yorubá9 Correspondência com outras tipologias policiais Segundo Egon Bittner5 Segundo Wilson6 Relação com os demais tipos policiais Relação de Complementariedade (Parceira) Relação Espelhar (Paralelismo) Relação Conflituosa (Rivalidade) Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8) LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. (9) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. Página | 416 Quadro 7 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Herói Atributos do tipo policial Tipo Policial Valores dos atributos do tipo policial Herói Correspondência taoísta1 Base Yin (Integrativa) – Pequeno Yang (- +) Humanidade espiritual1,7 Polo Masculino do Homem Superior Mentalidade2 Integrativa (-) Auto afirmativa (+) Práxis2 Expressão Luminosa/Sombria Justo Justiceiro Perceptivo Extrovertido Levemente extrovertido Nível 2 Irracional Apreensão: Sensação Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Apreensão: Intuição Perceptivo Extrovertido Moderadamente extrovertido Nível 6 Irracional Apreensão: Sensação Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Apreensão: Intuição Terra, Metal Fauna, Madeira Regente/Corregente Regente/Corregente Chevah/Ima (Eva materna) Ares/Atenas (Marte/Minerva) Ogum/Oyá (Filho de Iemanjá) Chevah/Abba (Eva paterna) Ares/Eros (Marte/Cupido) Ogum/Exu (Filho de Iemanjá) Peace Officer (policial apaziguador) Legalistic (legalista) Law officer (policial em nome da lei) Watchman (patrulheiro) Função Psicológica3, 8 Perfil composto Atitude/Disposição Geral (Extroversão) Nível de extroversão (de 1 a 4) Dimensão preponderante Função Dominante Função Auxiliar (Secundária) Função Terceária Função Inferior Elementos1 Correspondência mitológica Hebraica Greco-Romana4 Yorubá Correspondência com outras tipologias policiais Segundo Egon Bittner5 Segundo Wilson6 Relação com os demais tipos policiais Relação de Complementariedade (Parceira) Relação Espelhar (Paralelismo) Relação Conflituosa (Rivalidade) Piedoso Patriota Sonhador Mãe Guerreira Caveira Caçador Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8) LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. Página | 417 Quadro 8 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro Atributos do tipo policial Tipo Policial Valores dos atributos do tipo policial Aventureiro Correspondência taoísta1 Base Yang (Auto afirmativa) – Pequeno Yin (+ -) Humanidade espiritual1,7 Polo Feminino do Homem Inferior Mentalidade2 Auto afirmativa (+) Integrativa (-) Práxis2 Expressão Luminosa/Sombria Sonhador Caçador Intuitivo Extrovertido Moderadamente extrovertido Nível 3 Irracional Apreensão: Intuição Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Apreensão: Sensação Intuitivo Extrovertido Altamente extrovertido Nível 7 Irracional Apreensão: Intuição Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Apreensão: Sensação Ar, Vento Flora, Madeira Regente/Corregente Regente/Corregente Lilith/Ima (Lilith materna) Artemis/Atenas (Diana/Minerna) Oxóssi/Oyá (Filha de Oxalá) Lilith/Abba (Lilith paterna) Artemis/Eros (Diana/Cupido) Oxóssi/Exu (Filha de Oxalá) Peace Officer (policial apaziguador) Service (prestador de serviços) Law officer (policial em nome lei) Watchman (patrulheiro) Patriota Piedoso Justo Caveira Mãe Guerreira Justiceiro Função Psicológica3, 8 Perfil composto Atitude/Disposição Geral (Extroversão) Nível de extroversão (de 1 a 4) Dimensão preponderante Função Dominante Função Auxiliar (Secundária) Função Terceária Função Inferior Elementos1 Correspondência mitológica Hebraica Greco-Romana4 Yorubá Correspondência com outras tipologias policiais Segundo Egon Bittner5 Segundo Wilson6 Relação com os demais tipos policiais Relação de Complementariedade (Parceira) Relação Espelhar (Paralelismo) Relação Conflituosa (Rivalidade) Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8) LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. Página | 418 Quadro 9 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro Atributos do tipo policial Tipo Policial Valores dos atributos do tipo policial Aventureiro Correspondência taoísta1 Base Yang (Auto afirmativa) – Pequeno Yin (+ -) Humanidade espiritual1,7 Polo Feminino do Homem Inferior Mentalidade2 Auto afirmativa (+) Integrativa (-) Práxis2 Expressão Luminosa/Sombria Sonhador Caçador Intuitivo Extrovertido Moderadamente extrovertido Nível 3 Irracional Apreensão: Intuição Julgamento: Sentimento Julgamento: Pensamento Apreensão: Sensação Intuitivo Extrovertido Altamente extrovertido Nível 7 Irracional Apreensão: Intuição Julgamento: Pensamento Julgamento: Sentimento Apreensão: Sensação Ar, Vento Flora, Madeira Regente/Corregente Regente/Corregente Lilith/Ima (Lilith materna) Artemis/Atenas (Diana/Minerna) Oxóssi/Oyá (Filha de Oxalá) Lilith/Abba (Lilith paterna) Artemis/Eros (Diana/Cupido) Oxóssi/Exu (Filha de Oxalá) Peace Officer (policial apaziguador) Service (prestador de serviços) Law officer (policial em nome lei) Watchman (patrulheiro) Patriota Piedoso Justo Caveira Mãe Guerreira Justiceiro Função Psicológica3, 8 Perfil composto Atitude/Disposição Geral (Extroversão) Nível de extroversão (de 1 a 4) Dimensão preponderante Função Dominante Função Auxiliar (Secundária) Função Terceária Função Inferior Elementos1 Correspondência mitológica Hebraica Greco-Romana4 Yorubá Correspondência com outras tipologias policiais Segundo Egon Bittner5 Segundo Wilson6 Relação com os demais tipos policiais Relação de Complementariedade (Parceira) Relação Espelhar (Paralelismo) Relação Conflituosa (Rivalidade) Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8) LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. Página | 419 Apêndice C – Genealogia dos panteões mitológicos Figura 65 – Genealogia das divindades da mitologia greco-romana Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) BULFINCH, Thomas, “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (2) FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO, Carmen, “As 100 melhores histórias da mitologia: deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana”, 2007. (3) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. Figura 66 – Genealogia dos seres da mitologia judaica-messiânica Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (3) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008. (4) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. Página | 420 Figura 67 – Genealogia dos orixás da mitologia yorubá Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. (3) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. Página | 421 Apêndice D – Mapeamento filogenético da instituição policial militar Figura 68 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda Elaborado pelo Autor. Página | 422