UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E
GESTÃO SOCIOAMBIENTAL (PPGECOH)
WAGNER SOARES DE LIMA
A Natureza da Polícia Militar:
História e Ecologia
Orientador:
Juracy Marques
Juazeiro - BA
Out. 2017
WAGNER SOARES DE LIMA
A Natureza da Polícia Militar:
História e Ecologia
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Ecologia Humana e
Gestão Socioambiental, do campus de Paulo
Afonso da Universidade Estadual da Bahia,
como um dos requisitos para obtenção do
título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Juracy Marques.
Juazeiro - BA
Out. 2017
Ficha catalográfica
DE LIMA, Wagner S.
A Natureza da Polícia Militar: História e Ecologia / Wagner Soares de Lima. –
Juazeiro, 2017 –
300p.: il. (color.); xx cm.
Orientador: Juracy Marques
Dissertação – Universidade Estadual da Bahia
Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental
(PPGEcoH)
Out., 2017.
WAGNER SOARES DE LIMA
A Natureza da Polícia Militar:
História e Ecologia
Texto de aprovação
Trabalho aprovado. Juazeiro-BA, ______/_____/2017
Juracy Marques (UNEB)
Orientador
Luciano Sérgio Ventim Bomfim (UNEB)
Dra. Alvany Maria dos Santos Santiago (UNIVASF)
A Ieshua Sananda (Jesus);
Aos meus filhos:
João Pedro, Gabriel (in memoriam),
Maria Luiza e Davi Emanuel.
E aos policiais militares mortos
em serviço ou em decorrência
dos anos de trabalho e
estilo de vida insalubre,
na pessoa do capitão da PMAL
Rodrigo Rodrigues
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AGRADECIMENTOS
Agradeço de forma muito especial aos meus mestres filosóficos e
espirituais: Ieshua Sananda (Jesus), Sha'ul (Paulo de Tarso), Rajneesh Chandra
Mohan Jain (Osho), Luiz Gonzaga Scortecci de Paula (Ben Deijin), Laércio
Benedito Fonseca, Rogério Almeida de Freitas (Jan Val Ellam) e Hélio Couto.
Aos meus pais, o suboficial reformado da Marinha do Brasil, Wilson Alves
de Lima e a bióloga, Maria do Carmo Soares de Lima, pela base moral que me
proporcionaram para suportar o assédio corruptível dessa vida e pelo esforço
incomensurável que fizeram para sustentar uma educação cara e de qualidade para
mim e minha irmã. Há em mim algumas constatações que ainda não pude expressar a
meu pai, sobre o que ele sempre disse e sempre teimei em duvidar: “Tudo é energia” e
“tudo é genética”; o primeiro “tudo” é abrangente, o segundo, é força de expressão.
A José Arthur dos Santos Silva, meu companheiro “Pedro” de todas as
horas, por quem nutro um amor profundo, que me acompanhou inclusive em loucuras
como a de ir de motocicleta de Recife à Petrolina, para assistir aula do curso de
Mestrado. Quem me incentivou e suportou meu período de introspecção prolongado
para elaboração da dissertação.
A Patricia Soares de Lima, minha irmã consanguínea, pela contribuição
da compreensão médica e por ajudar a contextualização dos temas, tendo em vista
que é oficial da Polícia Militar de Alagoas, enfrentando os desafios adicionas impostos
pelo fato de ser mulher, atuou tanto na área de operações especiais como de polícia
comunitária.
Ao professor Dr. Juracy Marques, meu orientador, que toda vez que me
encontra, mais cedo ou mais tarde, pergunta: “já fez terapia?”. Hoje sou compelido a
responder: “vou fazer”. Mas até então a maior terapia foi poder compreender o que se
passou comigo nesses quatorzes anos na Polícia Militar. Realmente a autoetnografia
tem essa faculdade de iluminar percepções sobre relações do sujeito com seu grupo
étnico ou tribo urbana. Às vezes acho engraçada a expressão que o professor Juracy
faz do tipo: “de onde você tirou essa ideia?”. A vontade que dá de dizer é “dos autores
aludidos em suas obras”. A lista é extensa: Jung, Zizek, Baunam, Lacan, Freud,
Gowsami, Guattari, Bateson, Einstein, Maturana, Boff, Chardin, Morin, Chopra,
Agabem, Marcuse, Capra entre outros. Lendo Fritjof Capra somei outros tantos.
A verdade é quem mais teria condições de recepcionar uma proposta que
contempla desde a Biologia Cognitiva e Evolutiva, perpassando pela Antropologia, a
Sociologia até Psicologia profunda: Psicanálise e a Psicologia Analítica, aglutinando
coisas como a Física Quântica, o taoísmo, o hermetismo, expressões mitológicas?
Quem poderia receber uma proposta que “de cara” diz: “quero encontrar o espírito da
polícia militar”? Quem mais além de Juracy poderia ainda sim captar disso a questão
de sensibilidade humana referente ao adoecimento do sujeito policial? Meu
agradecimento também vai ao meu orientador por ter me oportunizado uma importante
experiência: em Petrolina, às margens do rio São Francisco, em 2015, eu tive uma
experiência espiritual muito forte, que mantive sob discrição, eu fiquei em silêncio
enquanto princípios femininos da ordem espiritual, personificado na face e na voz de
uma gentil e poderosa mãe, disse: “não se esqueça de mim”. E por isso o trabalho
como um todo fala da reintegração da porção feminina de nossa sociedade.
Ao professor Erani Nunes Ribeiro, da UFPE, um verdadeiro
coorientador, se não de direito, mas de fato e um amigo a quem aprendi a ouvi, pois
sua capacidade de análise e prospecção é fabulosa. Quem primeiro me disse: “você
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precisa ler Harari”, quem antecipou a consideração da banca de qualificação, “você
precisa de suporte da teoria crítica”. A ele peço desculpas por não selecionar o corpus
teórico de Bourdieu. Sejamos sinceros, Ernani é o “cara”, o novo filósofo da ciência
brasileira.
À turma 2015.2 do mestrado em Ecologia Humana, do campus de Paulo
Afonso, da Uneb: Marcos, Rafael, Amanda, Lirane e Cristiane.
Aos professores do programa de pós-graduação em Ecologia Humana
e Gestão Socioambiental, nas pessoas do professor Sérgio Luiz Malta de Azevedo
(UFCG) e Luciano Sérgio Ventim Bomfim membros da minha banca de qualificação,
de quem eu bebi algumas importantes considerações, do primeiro, sobre a
integralização da antiga filosofia ocidental e do segundo, a necessidade de partículas
da Teoria Crítica nas ponderações em Ecologia Social. Bem como, à professora
Eliane Maria de Souza Nogueira, que de forma enfática me fez ver que a presença
das formas masculinas de concepção, carregam invariavelmente atributos de
violência. Depois pude associar isso ao thanatus freudiano e à auto afirmação de
Fritjiof Capra.
À professora Dra. Alvany Maria dos Santos Santiago, da Univasf, por
compor minha banca de defesa e ter tido a enorme paciência de ler esse calhamaço
de páginas e por ter me inspirado a entender a gestão da carreira, como uma atitude
de empreendedorismo pessoal, mas também como responsabilidade social das
corporações. Minhas visões sobre o intinerário podem ser diferentes, devido o fato de
ter sido um policial, mas todos que estamos no caminho da construção da paz,
acabamos nos reconhecendo como uma comunidade.
Ao físico austríaco Fritjof Capra, por meio de quem passei a nutrir uma
admiração especial por alguns estudiosos, dos quais suas ideias foram cruciais para a
elaboração dessa dissertação: Carl Gustav Jung, Gregory Bateson, Geoffrey Chew,
Anthony Giddens, Gareth Morgan e Ken Wilber. Ao linguista chileno Humberto
Maturana, que já me cativava com a Biologia Cognitiva e agora me fez reorientar
minha visão para a Biologia do Amor.
Ao professor Ricardo Silva, da UFAL, que desde a época da Polícia Civil
e da Secretaria de Defesa Social de Alagoas, pode ser considerado uma referência na
formação de operadores de segurança pública. Orgulhosamente foi meu orientador na
especialização em Gestão Pública. Às professoras Dra. Elaine Pimentel e Dra. Ruth
Vasconcelos (que gentilmente cedeu acesso a um texto valioso sobre Sociologia
Clínica freudiana), coordenadoras do Núcleo de Estudo da Violência de Alagoas
(NEVIAL). À equipe multiprofissional de primeiríssima qualidade que conduziu a
Pesquisa QVT, na pessoa da professora Dra. Lígia Fagundes.
A forte e brava alagoana, professora Dra. Luitgarde Barros Cavalcanti
da UERJ, que me recebeu em sua casa no Rio de Janeiro e me fez ver o valor
honrado do traço de masculinidade pronto para defesa dos seus. À professora Dra.
Célia Nonata de História Social da UFAL, o termo “marte (in)civilizado” foi cunhado
por ela, de quem me inspirei para o uso sobre “autoridade mestiça”. Ao professor Dr.
Welington Barbosa Silva da História Social da UFRPE, de quem pude entender todo
o universo da segunda linha genealógica da PM: juízes de paz, a guara cívica, bem
como a relação ambígua entre os corpos militarizados e os de inspiração da
intendência de polícia. Ao professor Dr. Luiz Eduardo Soares da UERJ, que
gentilmente me ofertou uma carta de recomendação na seleção anterior (ano 2013) do
Mestrado em Ciências Sociais daquela instituição fluminense. Devo a ele a percepção
de que a PM precisa mudar. Ao professor Dr. Adriano Oliveira, de Ciência Política
da UFPE, a quem eu procurei e me confessou: “estou pesquisando em outra linha
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agora, mas a problemática de segurança pública me persegue”, estou com “medo” de
ter que dizê-lo que o esquema básico desta pesquisa nasce de suas observações
quando em contato direto com policiais militares de Pernambuco na escola de
formação do Curado em Recife; ou seja, o tema continua a persegui-lo, porque
desenvolvi as indagações dele daquela oportunidade.
Ao professor Will Eduardo de Goya Campos, filósofo clínico que
gentilmente atendeu comunicação eletrônica sobre sua palestra que faz uma crítica
construtiva ao texto “Mal na civilização” de Freud e anuncia a “peste” sobre a
civilização Ocidental. Ao professor Dr. José Jorge de Morais Zacharias, terapeuta,
membro do Instituto Junguiano de São Paulo, que desenvolveu um trabalho seminal
sobre tipos psicológicos dos policiais militares de São Paulo, na década de 90. O
professor gentilmente respondeu meus contatos e me ajudou entender o problema da
predominância de tipos reflexivos racionais na polícia. Ele também aborda a dimensão
arquetípica dos orixás da cosmologia afro-brasileira e yorubá. Ambas as linhas de
pesquisa me influenciaram de sobremaneira.
A Wellington Amâncio, concluinte do mesmo programa, que me ajudou a
compor o conceito de Ecologia Humana, bem como, através de seus textos me
orientou a buscar suporte na Imaginação Simbólica de Gilbert Duran.
À Shirlene Giló, psicopedagoga, a mãe do forte e bravo Davizinho filho do
meu primo Rubens Alves. Foi vendo força e a garra dela que concebi as
características do arquétipo policial da Mãe Guerreira.
Aos policiais e amigos Maxwell dos Santos e Hadriel Santos que me
ajudaram de forma proeminente a entender um pouco mais sobre o universo
psicológico da PM.
Aos policiais militares que foram e são minha família. À minha turma da
Academia de Polícia Militar Senador Arnon de Mello, os Aspirantes 2003, nas
pessoas de meus amigos e companheiros de luta, os capitães Marcos Costa e
Edson Carlos. Capitão José Wilson, filho de Batalha, um mentor que me mostrou
muito do que sei da PM. Toda equipe de oficiais alagoanos do Sertão, principalmente
aqueles que acreditaram no sonho da criação da Companhia de Caatinga. A alguns
oficiais superiores que formaram minha percepção modelar sobre a conduta policial
militar: coronel Clara, coronel Gouveia, coronel Dimas, coronel Mário da Hora e
coronel Joás Barbosa. Ao meu amigo cabo Márcio (in memorian), o eterno marinheiro.
A todos os bravos guerreiros dos Pelopes (Pelotões de Operações Especiais) do 7º
e do 9º BPM, a quem saúdo e agradeço nas pessoas do sargento Charles
Cavalcante, do meu “primo” Dr. Sobral Alves e às equipes de Pernambuco (Arco
Verde, Serra Talhada e Salgueiro), bravos e inteligentes guerreiros.
Aos meus amigos do Núcleo de Polícia Comunitária da PMAL, incansáveis
batalhadores por mudanças na atuação policial e sua interação com a sociedade:
major Alexandre, tenente Sidicley, tenente Dayana e capitã Joyce.
À professora Dra. Carla Ticiane, da UFAL, e seus sobrinhos mestres pela
UFS, que me ajudaram muito no entendimento sobre bases interdisciplinares na
concepção do projeto de pesquisa. Ao Pedro Gustavo e ao tenente Everton Estevão
que me ajudaram muito com a língua inglesa na época da seleção e do projeto, bem
como à Natália Pontes e a Renan Ferreira na finalização da dissertação. A Lucas
Ribeiro que me ajudou muito na seleção dando suporte em Paulo Afonso.
AGRADEÇO FINALMENTE AO ETERNO, A MENTE INCOGNOSCÍVEL
QUE É E SUSTENTA A TUDO E A TODOS.
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“Feliz é o leão que o ser humano comerá,
pois assim o leão se torna humano.
E tolo é o ser humano que o leão comerá,
e o leão se tornará humano”.
Mestre Jesus
Evangelho apócrifo de Tomé
“[...] nunca aceitar a descrença
dos grandes homens
ou as suas acusações de impostura
ou de imbecilidade [...]”
Alfred Russel Wallace
Coautor da Teoria da Evolução
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RESUMO
O sistema de segurança pública brasileiro tem se mostrado ineficaz frente aos
números alarmantes da violência e a Polícia Militar, o órgão mais representativo desse
sistema, além de ser copartícipe do insucesso, apresenta um comportamento lesivo às
comunidades e aos seus próprios integrantes. Tendo sido depreendido muitos
esforços em prol de mudanças, pergunta-se: por que a Polícia Militar tanto resiste aos
projetos reformuladores? Esta pesquisa teórica, portanto, em um formato de estudo
interdisciplinar aos moldes da Ecologia Humana, de abordagem sistêmica com
objetivos prospectivos, propôs-se apresentar os principais elementos profundos
próprios do modelo institucional policial militar, geradores de resistência às mudanças
organizacionais. Para tanto, recorremos a uma extensa revisão bibliográfica, a
instrumentos como a etnografia digital, a uma análise institucional histórica e,
sobretudo, ao resgate das memórias do autor como ex-nativo da instituição, mediante
a autoetnografia. A partir de uma visão ecológica profunda dialogou-se com múltiplos
quadros de referência, compostos por contribuições destacadamente de Leonardo
Boff, Edgar Morin, Gregory Bateson e Felix Guattari. Mediante o prisma das
abordagens de Fritjof Capra, Humberto Maturana e Niklas Luhmann, passou-se a
compreender a organização como um sistema social vivo portador de uma dinâmica
psíquica autônoma, similar à propriedade autopoiética de um organismo biológico.
Munidos de uma sabedoria ecológica aplicada aos estudos organizacionais (com
contribuições de Gareth Morgan, Chris Argyris e Edgar Shein), partiu-se para a
segunda fase, sondando significados ocultos dos símbolos heráldicos utilizados pelas
polícias militares, destacamos três deles: a estrela de cinco pontas, a insígnia e o
emblema institucional. Dois caminhos foram selecionados para a pesquisa: um
histórico e outro de imagens mentais. O caminho histórico sonda as matrizes
institucionais da PM, compondo sua genealogia: a Gendarmaria Nacional francesa, a
Guarda Nacional Republicana portuguesa e a Polícia Militar do exército norteamericano entre outras expressões do mundo colonial português. O caminho
imagético tece analogias que demonstram as relações ecológicas profundas da
instituição. Encontrou-se, portanto, modelos mentais que guardam vínculo com
parcelas funcionais da mente organizacional. Disso desenvolveu-se uma tipologia, não
dos policiais, mas ideológica dos “deuses” guerreiros, para o qual fazemos uso das
expressões mitológicas. Cada grupo de componentes ideológicos ficou associado a
uma das quatro funções psicológicas segundo Jung, estabelecendo a tipologia policial
arquetípica guerreira: o Pai-Zeloso, o Herói, o Aventureiro e o Guerreiro. Através da
narrativa da experiência do autor, revela-se a disputa pela primazia na regência dos
destinos institucionais, até então vencida por expressões agressivas: o guerreirocaveira e o aventureiro-caçador, constatando a presença de barreiras mentais, para as
quais descrevo meios de como desbloqueá-las. Nas conclusões, discutimos sobre a
viabilidade de reformas e a possível necessidade de extinção da Polícia Militar e as
consequências de sua ausência no ambiente social e propomos uma re-militarização,
como alternativa transitória. Discorremos sobre uma gestão de competências, bem
como explanamos sobre as atitudes necessárias a um ativismo interno, ambos para
desbancar a ideologia hegemônica. Em um desfecho filosófico-espiritual conectamos a
problemática institucional à crise civilizatória da humanidade.
Palavras-chave: Ecologia Humana; Pensamento Sistêmico; Psicologia Analítica;
Biologia Cognitiva; Autoetnografia.
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The Nature of the Military Police: History and Ecology
ABSTRACT
Brazil’s Public Safety System has been shown to be ineffective before the alarming
violence numbers and the Military Police, the most representative public organization of
that System, besides being co-participant on its failures, presents a harmful behavior
towards the communities and its own members. Because many efforts have been
understood in favor of change, one poses the question: Why does the Military Police
resist so much to re-formulating projects? This theoretical research, therefore, in an
interdisciplinary study format modeled after Human Ecology, and with a systemic
approach with prospective objectives, proposes to present the Military Police’s own
main deep elements of its institutional model, the generators of resistance to
organizational changes. For this reason, we resort to an extensive bibliographical
review, to instruments like digital ethnography, to a historical institutional analysis and,
above all else, to the rescue of the author’s memories as an ex-native of the institution
through autoethnography. Starting from a deep ecological vision, the author has
dialogued with multiple frameworks of reference, composed of contributions mainly
from authors Leonardo Boff, Edgar Morin, Gregory Bateson and Felix Guattari.
Through the prism of the approach of Fritjof Capra, Humberto Maturana and Niklas
Luhmann, the author has come to understand the organization as a live social system
carrying an autonomous psychic dynamic, similar to the autopoietic properties of a
biological organism. Provided with an ecological wisdom applied to organizational
studies (with contributions from Gareth Morgan, Chris Argyris and Edgar Schein), we
arrived at phase two; probing for hidden meanings of the heraldic symbols utilized by
the Military Police, we have highlighted three of them: The five-pointed star, the
insignia and the institutional emblem. Two paths were selected for the research: a
historical one and one other composed of mental images. The historical path probes
the institutional matrices of the Military Police, composing its genealogy; the French
National Gendarmerie, the Portuguese National Republican Guard and the Military
Police of the US Army, among other expressions of the colonial Portuguese world. The
image path weaves analogies that show the deep ecological relations of the institution.
However, mental models were found, that hold a bond with functional portions of the
organizational mind. From it, a typology has been developed, not from the police
officers, but ideological of the “warrior gods” for whom we make use of mythological
expressions. Each group of ideological components has become associated with one
of the four psychological functions according to Jung, establishing the archetypal
warrior police typology: Through the narrative of the experience of the author, the
dispute for primacy in the regency of the institutional regencies is revealed, until now,
won by aggressive expressions: the “skull-warrior” and the “hunter-adventurer”, noting
the presence of mental barriers, to which I describe means of how to unblock them. In
the conclusion, we discuss the viability of reforms and the possible necessity of the
extinction of the Military Police and the consequences of its absence in the social
environment. We discourse about a management of competences, as well as explain
the necessary attitudes to an internal activism, both used to undo the hegemonic
ideology. In a philosophical-spiritual closing, we connect the institutional problems to
the civilizational crisis within humanity.
Keywords: Human Ecology; Systemic Thought; Analytical Psychology; Cognitive
Biology; Autoethnography.
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SUMÁRIO
Agradecimentos ...........................................................................................................................2
Resumo ........................................................................................................................................6
Abstract ........................................................................................................................................7
Sumário ........................................................................................................................................8
Lista de Siglas e Abreviaturas .....................................................................................................11
Lista de Figuras ...........................................................................................................................14
Lista de Gráficos .........................................................................................................................16
Lista de Quadros ........................................................................................................................16
Lista de Tabelas ..........................................................................................................................16
Introdução ..................................................................................................................................18
Burocracia estatal da caça e da luta primitiva ........................................................................19
Problematizando no contexto social brasileiro ......................................................................27
Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia ...............................................................35
Disposição textual ..................................................................................................................41
Parte I Eu e a Polícia Militar: caminhos da pesquisa...................................................................46
Capítulo 1 | Percurso Metodológico ..........................................................................................47
Alguns parâmetros do percurso .............................................................................................52
Contexto da propositura do trabalho .....................................................................................56
Definição do objeto ................................................................................................................60
As metodologias, instrumentos e seus subsídios teóricos .....................................................61
Capítulo 2 | Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um policial ....................................72
A polícia e os policiais militares ..............................................................................................72
A polícia e eu ..........................................................................................................................80
Subsídios para um exercício de uma Saúde Coletiva ..............................................................86
Relevância ecológica da sondagem pelo espírito guerreiro ...................................................94
Parte II Exploração Básica: Ecologia Humana Integral e Organizações .......................................98
Capítulo 3 | Ecosofia: Sabedoria Ecológica ..............................................................................100
As três realidades de mundo ................................................................................................100
Ecologia Humana: visão integrada, atitude integradora ......................................................102
Ecologia Profunda: desvendando a mente organizacional ...................................................115
Ecologia Mental de Boff: necessidade de sarar a mente humana ........................................123
Física Quântica: as excentricidades de uma realidade paradoxal .........................................131
Taoísmo e Hermetismo: natureza sutil, movimento e complementariedade dos opostos ..134
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Ecologia Social: derrubando premissas do status quo ..........................................................137
Ecologia Humana Integral ....................................................................................................142
Capítulo 4 | Ecologia Mental Organizacional ...........................................................................146
Biologia das Organizações ....................................................................................................146
Instituições como troncos filogenéticos ...............................................................................156
Sistemas sociais humanos: organismos vivos .......................................................................160
Pessoa Organizacional ..........................................................................................................164
Ecologia das ideias danosas..................................................................................................170
Parte III Explicação Aplicada: História e Ecologia da Polícia Militar ..........................................176
Capítulo 5 | Arqueologia simbólica da Polícia Militar ..............................................................177
Símbolos da Polícia Militar Brasileira ...................................................................................179
Heráldica, arqueologia e etnografia digital ..........................................................................187
Capítulo 6 | História da Polícia Militar: genealogia das matrizes institucionais .......................193
Genealogia da polícia ...........................................................................................................194
Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira ..............................................................195
A matriz da Guarda Nacional Republicana portuguesa (a Guarda Real da Polícia de Lisboa)
.............................................................................................................................................201
O formato sui generis da Polícia Militar Brasileira................................................................201
A matriz da Military Police do Exército norte-americano .....................................................202
Autoridade mestiça ..............................................................................................................207
Capítulo 7 | Ecologia Profunda da Polícia Militar .....................................................................212
Por uma Sociologia Profunda ...............................................................................................212
Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor 229
Kshatriyas: a casta guerreira ................................................................................................232
Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal ...................................................................................238
“Adrenalina no sangue”: resistência à perda de capital simbólico acumulado ....................241
Giroscópio da alternância entre os pares de arquétipos ......................................................249
Parte IV Síntese Integrativa e Visão Prospectiva ......................................................................272
Capítulo 8 | Tipologia guerreira no contexto policial militar ....................................................273
Nicho-função de força-vigor como exercício de masculinidades .........................................274
A abordagem de análise e interpretação tipológica .............................................................280
Tipologia policial arquetípica guerreira ................................................................................282
Capítulo 9 | Desmobilizando a Chave Guerreira ......................................................................301
O Efeito Lúcifer .....................................................................................................................303
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A hegemonia do guerreiro e do aventureiro ........................................................................314
Teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia profunda .......................................330
Colocar o mundo de cabeça para cima ................................................................................342
Capítulo 10 | Extinção ou reformulação institucional? ............................................................351
A polícia como dizem ser, como ela é e como ela pode vir a ser..........................................351
A natureza do processo de amotinamento contra o espírito regente institucional .............361
Estado, Mercado e seus guerreiros ......................................................................................365
Plano de ações de gestão para a mudança ..........................................................................367
Re-militarização como proposta transitória .........................................................................370
Conculsão | Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro .......................................................374
Ecologia dos espíritos institucionais .....................................................................................374
Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro .......................................................................376
Referências...............................................................................................................................384
Apêndices .................................................................................................................................413
Apêndice A – Tabelas da composição tipológica representativa da PMESP .........................414
Apêndice B – Quadros resumo dos atributos dos tipos policiais ..........................................416
Apêndice C – Genealogia dos panteões mitológicos ............................................................420
Apêndice D – Mapeamento filogenético da instituição policial militar ................................422
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACLU
American Civil Liberties Union (União Americana de Liberdades Civis)
BPRp
Batalhão de Radiopatrulha
CF ou CF88
Constituição Federal de 1988
CFO
Curso de Formação de Oficiais
FBSP
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
FEB
Força Expedicionária Brasileira
GCM
Guarda Civil Municipal
GM
Guarda Municipal
GPM
Grupamento Policial Militar
GRP
Guarda Real de Polícia
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MMA
Mixed Martial Arts (Artes Marciais Mistas)
PE
Polícia do Exército (polícia militar no âmbito da força terrestre)
PM
Polícia Militar
PPMM
Policiais militares
PUCMG
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
PUC-Rio
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
UFAL
Universidade Federal de Alagoas
UFF
Universidade Federal Fluminense
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE
Universidade Federal de Pernambuco
UFRGS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UPP
Unidade de Polícia Pacificadora
USP
Universidade de São Paulo
Senasp
Secretaria Nacional de Segurança Pública
PC
Polícia Civil
IGPM
Inspetoria Geral das Polícias Militares
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ONU
Organização das Nações Unidas
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MJ
Ministério da Justiça
CBM
Corpo de Bombeiros Militar
EB
Exército Brasileiro
PF
Polícia Federal
PC
Polícia Civil
PFR
Polícia Rodoviária Federal
DF
Distrito Federal
Corporações policiais militares estaduais e a distrital do Brasil
PMAC
Polícia Militar do Estado do Acre
PMAL
Polícia Militar de Alagoas
PMAP
Polícia Militar do Amapá
PMAM
Polícia Militar do Amazonas
PMBA
Polícia Militar da Bahia
PMCE
Polícia Militar do Ceará
PMDF
Polícia Militar do Distrito Federal
PMES
Polícia Militar do Espírito Santos
PMGO
Polícia Militar do Estado de Goiás
PMMA
Polícia Militar do Maranhão
PMMT
Polícia Militar do Mato Grosso
PMMS
Polícia Militar do Mato Grasso do Sul
PMMG
Polícia Militar de Minas Gerais
PMPA
Polícia Militar do Pará
PMPB
Polícia Militar da Paraíba
PMPR
Polícia Militar do Paraná
PMPE
Polícia Militar de Pernambuco
PMPI
Polícia Militar do Piauí
PMERJ
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
PMRN
Polícia Militar do Rio Grande do Norte
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BMRS
Brigada Militar do Rio Grande do Sul
PMRO
Polícia Militar de Rondônia
PMRR
Polícia Militar de Roraima
PMSC
Polícia Militar de Santa Catarina
PMESP
Polícia Militar do Estado de São Paulo
PMSE
Polícia Militar de Sergipe
PMTO
Polícia Militar de Tocantins
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Polícia militar como herdeira histórico-institucional dos modos de subsistência de
coleta-caça e agricultura. ...........................................................................................................21
Figura 2 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão
negativa à polícia militar (UFF em Niterói) .................................................................................33
Figura 3 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo alusão
negativa à polícia militar (UFMG em Belo Horizonte) ................................................................34
Figura 4 – Diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às demandas sociais ..........38
Figura 5 – Diagrama representativo do percurso metodológico ................................................51
Figura 6 – Representação gráfica do quadro de modelos mentais, meta do objetivo geral.......52
Figura 7 – Filogeografia do vírus Zika em comparação com o Mapeamento “filogenético”
institucional: em comparação ....................................................................................................69
Figura 8 – Fotografias do Autor fardado atuando como policial. ...............................................79
Figura 9 – Triângulo ecológico humano (Natureza-Pessoa-Sociedade) ....................................109
Figura 10 – Triângulo ecológico humano integral (Natureza-Espírito-Pessoa) .........................144
Figura 11 – Metáfora do “iceberg” difundido por Chiavenato1 baseado na teoria de modelo de
cultura organizacional de Shein2 e seus níveis da cultura organizacional ................................159
Figura 12 – Logomarca do Conselho Federal de Medicina (Brasil) ...........................................178
Figura 13 – Cura, equilíbrio e poder criativo: bastião de Asclépio e outras representações. ...179
Figura 14 – Símbolos da polícia militar: quepe de oficial superior e o Brasão da Polícia Militar
de Alagoas. ...............................................................................................................................180
Figura 15 – Emblema e Insígnia da Polícia Militar Brasileira. ...................................................181
Figura 16 – Homem Vitruviano: em diversas representações. .................................................184
Figura 17 – Relação entre estrela, poder político e militar. ......................................................185
Figura 18 – Insígnia de Polícia Militar: pistolas (“garruchas”) cruzadas....................................187
Figura 19 – Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael. ..........................192
Figura 20 – Genealogia da Polícia (Militar). ..............................................................................194
Figura 21 – Brasão da Guarda Nacional Republicana portuguesa ............................................200
Figura 22 – Brasão, insígnia e distintivo da Military Police of U.S. Army ..................................203
Figura 23 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em atividade
operacional ..............................................................................................................................204
Figura 24 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em interação com
crianças ....................................................................................................................................205
Figura 25 – Capitão-do-mato: O caçador de recompensas procurando por escravos fugitivos
.................................................................................................................................................209
Figura 26 – Composição de elementos masculinos e femininos. .............................................219
Figura 27 – Giroscópio..............................................................................................................250
Figura 28 – Sistema Solar por visões diferentes .......................................................................252
Figura 29 – Emblemas de força e poder humano e suprahumano ...........................................257
Figura 30 – Mandala institucional: correlação com PM e o homem vitruviano .......................257
Figura 31 – Relação estrela e círculo ........................................................................................258
Figura 32 – Eros e Thanatus .....................................................................................................263
Figura 33 – Quaternário hebreu (judaico-cabalístico) ..............................................................265
Página | 14
Figura 34 – Filhos do Quaternário judaico-cabalístico..............................................................266
Figura 35 – Quaternário greco-romano ....................................................................................267
Figura 36 – Quaternário yorubá. ..............................................................................................269
Figura 37 – Orixás de atração do grupo Justiça e Vingança. .....................................................270
Figura 38 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros e suas expressões híbridas........................274
Figura 39 – Representação esquemática da teoria de gênero de Sandra do Bem. ..................275
Figura 40 – Representação gráfica de masculinidade e feminilidade como variáveis
independentes. ........................................................................................................................276
Figura 41 – Guerreiros dos contextos de alta masculinidade: representação esquemática da
correlação entre o exercício da força-vigor e a teoria de gênero de Sandra do Bem. ..............279
Figura 42 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com os bigramas taoístas
.................................................................................................................................................285
Figura 43 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica
hebraica e as funções psicológicas. ..........................................................................................294
Figura 44 – Correspondência da base alquímica (elementos) e taoísta (princípios) com as
funções psicológicas. ................................................................................................................296
Figura 45 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica
hebraica, as funções psicológicas, os elementos naturais e a representação da inversão do
giroscópio institucional. ...........................................................................................................297
Figura 46 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica
greco-romana. ..........................................................................................................................298
Figura 47 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica
yorubá. .....................................................................................................................................299
Figura 48 – Efeito da influência Xangô (Justiça) e Oyá (Vingança)............................................300
Figura 49 – Representação Gráfica do Efeito Lúcifer como ação entrópica de queda moral. ..310
Figura 50 – Coronéis da força pública: Lucena Maranhão, Cavalcante e Nascimento..............311
Figura 51 – Símbolos das frações operacionais em que o Autor atuou. ...................................312
Figura 52 – Simbologia bucaneira e corsária em relação à da Polícia Militar ...........................316
Figura 53 – Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o caçador de
recompensa. ............................................................................................................................317
Figura 54 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas. .......................................318
Figura 55 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas (2). ..................................320
Figura 56 – Simbologia caveira em outras instituições .............................................................320
Figura 57 – Simbolismo mitraico e romano (2). .......................................................................326
Figura 58 – Simbolismo mitraico e romano (1). .......................................................................327
Figura 59 – Mapeamento dos principais elementos ecológicos profundos da Polícia Militar ..331
Figura 59 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia
profunda ..................................................................................................................................333
Figura 60 – Possível correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus .......................................337
Figura 61 – Colocar o mundo de cabeça para cima ..................................................................348
Figura 62 – Dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros .......366
Figura 63 – Charge que apresenta a dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos
exércitos de guerreiros ............................................................................................................367
Figura 64 – Genealogia das divindades da mitologia greco-romana ........................................420
Figura 65 – Genealogia dos seres da mitologia judaica-messiânica .........................................420
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Figura 66 – Genealogia dos orixás da mitologia yorubá ...........................................................421
Figura 67 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia
profunda ..................................................................................................................................422
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Proporção de homens e mulheres no contingente nacional da PM.........................76
Gráfico 2 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação .......................................77
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Dimensões ecológicas: relação com o indivíduo humano ......................................60
Quadro 2 – Dimensões ecológicas nas perspectivas pessoais e coletiva. .................................142
Quadro 3 – Dimensões ecológicas: esferas* concêntricas da relação humanidade x ambiente
.................................................................................................................................................143
Quadro 4 – Níveis da Cultura Organizacional segundo a teoria de Shein: definições e
visibilidade ...............................................................................................................................160
Quadro 5 – Matrizes institucionais a Polícia Militar Brasileira .................................................200
Quadro 6 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Pai-zeloso ......................................416
Quadro 7 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Herói .............................................417
Quadro 8 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro ...................................418
Quadro 9 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro ...................................419
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação. .......................................78
Tabela 2 - Aspectos da visão de mundo dominante e a Ecologia Profunda..............................121
Tabela 3 – Princípios herméticos ..............................................................................................136
Tabela 4 – Brasões das Corporações estaduais e distrital e a correspondência com elementos
simbólicos/heráldicos ..............................................................................................................189
Tabela 5 – Logomarcas utilizadas em substituto ao brasão da Corporação .............................190
Tabela 6 – Frequência de uso de elementos em brasões das Corporações .............................190
Tabela 7 – Genealogia da Polícia Militar Brasileira ...................................................................194
Tabela 8 – Duplas de força de atração .....................................................................................264
Tabela 9 – As dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas .................................277
Tabela 10 – Comparação entre as terminologias utilizadas para identificar as forças essenciais
dos opostos complementares ..................................................................................................280
Tabela 11 – Tipologia policial arquetípica guerreira quanto ao caráter integrativo e auto
afirmativo .................................................................................................................................284
Tabela 12 – Relação tipo policial e modelos mentais (arquétipos e complexos) ......................286
Tabela 13 – Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana ......................287
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Tabela 14 – Visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos ..................................................292
Tabela 15 – Correspondência mitológica dos tipos policiais ....................................................298
Tabela 16 – Espectro predominante de algumas Corporações policiais militares ....................325
Tabela 17 – Troncos verticais filogenéticos ..............................................................................331
Tabela 17 – Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre.360
Tabela 18 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado
por Zacharias (1994) – Grupo de 149 policiais com 3 anos de carreira. ...................................414
Tabela 19 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado
por Zacharias (1994) – Grupo de 184 policiais durante recrutamento/seleção. ......................415
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INTRODUÇÃO
No começo, eu era enfaticamente contrário, taxado até como ingênuo, por
não admitir certas práticas1. Saí ileso da corrupção, fato do qual me orgulho, bem
como saí ileso da marca de ter matado alguém, dessa também me orgulho, mas não é
bem assim que nos fazem crer dentro da Polícia Militar. Inclusive entre alguns guardas
municipais e vigilantes de segurança privada, essa marca era (e é) vista como uma
patente prova de que eu não tinha aproveitado o suficiente, ou que não tinha sido um
“policial de verdade”. Tendo em vista tudo aquilo que eu acreditava antes de ingressar
na PM, só o fato de ter ficado propenso a atos mais agressivos já era uma grande
mudança. Lembro-me de evitar de forma exaltada, que policiais agredissem um jovem,
quando eu ainda era aspirante-a-oficial2. Contudo, lembro-me também que 10 anos
depois, eram os policiais que me acompanhavam que me impediam de agredir. Ora
vistos como anjos, ora como demônios. Ora agindo como protetores, ora como
agressores.
Foram quatorze anos atuando como oficial da Polícia Militar de Alagoas,
dos quais pelo menos dez foram em atividades tanto operacionais como
administrativas no Sertão de Alagoas. Passamos muitas madrugadas juntos rondando
os rincões do sertão e periferias de cidades de médio porte. Tiveram momentos em
que eu me angustiei e pensava que aquilo de forma alguma era lugar para mim,
tiveram momentos que eu me orgulhei, sabia que estava cumprindo uma missão
perante a sociedade.
Pessoas como eu, todas dizem que entraram na polícia militar pela
oportunidade de emprego, salário e estabilidade, dizemos mais: “que será como um
trampolim para buscar outros objetivos”. Mas não é bem isso que acontece e me
parece que esses não são os únicos motivos, há uma necessidade de se apropriar de
um capital simbólico (BOURDIEU, 1986), escasso nas sociedades contemporâneas,
um espaço para o exercício de aspectos primitivos de masculinidade
(ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; MUNIZ, 1999). E como não pensar assim, ou
pelo menos levantar essa hipótese, se em meio ao serviço policial eu sempre ouvia: “e
aí, tenente, bora caçar!?”.
E talvez esteja aí o motivo pelo qual as polícias militares estaduais e a
distrital no Brasil não mudam: seus integrantes estão em um estado inconsciente de
acesso a um acervo arquetípico (JUNG, 2000) do qual não desejam se desfazer e,
portanto, irão infligir resistência aos projetos reformuladores (MUNIZ, et al. 1997;
OLIVEIRA Jr, 2007). Por essa perspectiva, o comportamento lesivo percebido por
parte da instituição em seu contato com as comunidades3, as quais devia assistir, e
1 Cabe salientar o uso da primeira pessoa se dá pela escolha da autoetnografia como metodologia de abordagem e
interpretação, sobre a qual se pode ler mais no Capítulo 1 (Percusro Metodológico).
2 Graduação especial anterior ao posto de Tenente, que marca o período de estágio e adaptação do egresso da
Academia Militar à carreira de oficial, dura entre 6 a 12 meses (normalmente 8 meses). A hierarquia das garduações
e postos da PM podem ser vistos no tópico “A missão da PM: entre força militar estadual e polícia ostensiva”, do
Capítulo 2.
3 a) CHADE, Jamil e TAVARES, Vitor. ONU diz que polícia brasileira mata 5 pessoas por dia. [On-line]. Estado de São
Paulo. Disponível em <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,onu-denuncia-impunidade-em-crimes-cometidospela-policia,10000019846>. Acessado em 15 mar. 2017. Publicado em 10 mar. 2016. b) GLOBO NEWS. Força policial
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para com seus próprios integrantes (SOARES, 2013; MINAYO, SOUZA e
CONSTANTINO, 2008) não é visto, a princípio, como desajuste, mas a conduta tão só
esperada mediante os pressupostos (SHEIN, 2010) que carrega no mais profundo da
cultura institucional.
Burocracia estatal da caça e da luta primitiva
Altruísmo versus Egoísmo
Antes de pensar em mudança institucional é preciso saber, se quem a
propõe acredita ou não que o altruísmo possa ser um valor verdadeiramente humano?
Se o proponente acredita na ideia de Sigmund (2014) e Anna Freud (2006)4, que o
altruísmo é, na verdade, uma reação ao impulso da agressividade reprimido e,
portanto, apenas a atitude egoísta é a fundamentalmente humana; então não há
porque desejar a mudança da Polícia Militar, ela é até mesmo um exemplar de sistema
social e simbólico humano muito bem adaptado, que alcançou altos níveis de
eficiência, fazendo aquilo que suas diretrizes internas lhe compelem a fazer.
Entretanto, se o proponente, como eu, consegue vislumbrar esse estado
de supremacia egoística como uma fase do desenvolvimento civilizacional, que poderá
ser superada ao longo do tempo (WILBER, 1987); então inevitavelmente precisamos
de outro tipo de agência de coesão social. Relatarei, a partir de uma visão ecológica
profunda, porque em um ulterior estágio avançado, a humanidade deverá dispensar o
aparelho estatal denominado de polícia, mas que ainda se faz necessário. O que
talvez não seja mais necessário é admitir um formato tão idiossincrático desse tipo de
aparelho, como é o caso da Polícia Militar Brasileira (VALENTE, 2012; ZAVERUCHA,
2004; KRISCHKE, 2014). Mas o que leva uma instituição e suas organizações a ela
vinculadas resistir a mudanças, patentemente requeridas pela sociedade?
Se conhecermos os mecanismos profundos que geram resistência às
mudanças, por parte das polícias militares estaduais e distrital no Brasil, poderemos
desativá-los e reorientar sua dinâmica organizacional, sarando-as, como quem está
cuidando de uma terapia social. Conhecendo esses mecanismos e tomando ciência
que transcendem os limites formais da agência estatal e quão arraigados estão no
espírito humano (VASCONCELOS, 2007), poderemos ainda nos convencer da
necessidade da extinção delas – as milícias estaduais – caso sejam arredias aos
processos reformuladores (RAWLS, 1997). Contudo numa visão socioecológica,
estamos falando de sistemas orgânico-simbólicos complexos (MATURANA e
VARELA, 2005; HANNAN e FREEMAN, 2005) e a eliminação de um organismo, não
resultará no automático expurgo da carga ideológica, bem como outras espécies
ascenderão ao nicho predatório e no caso particular do Brasil atual, isso recairia
certamente na viabilização de uma guarda municipal mais forte (já impregnada dos
mesmos conteúdos profundos) e de um crime organizado sem rivalidade suficiente
brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório. [On-line]. Disponível em <http://g1.globo.com/globonews/noticia/2015/09/forca-policial-brasileira-e-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio.html>. Acessado em 15
mar. 2017. Publicado em 07 set. 2015. c) Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Draft report of the
Working Group on the Universal Periodic Review (BRAZIL). Genebra, 09 mai. 2017. Disponível em
<http://acnudh.org/wp-content/uploads/2017/05/A_HRC_WG.6_27_L.9_Brazil.pdf>
4 FREUD, Sigmund, “As pulsões e seus destinos”, 2014 / FREUD, Anna, “O ego e os mecanismos de defesa”, 2006.
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que lhe faça contenção. Dado meu compromisso intelectual de usar uma abordagem
ecológica, os fatos e soluções não sucumbirão à emotividade partidária. Não
defenderei a PM simplesmente pelo fato ter atuado em seus quadros, bem como não a
rechassarei apenas porque compõe um cenário de manutenção de status quo.
Ao certo, após acompanhar cada trecho dessa extensa pesquisa teórica,
acredito que você estará ciente, tanto quanto eu, que as raízes históricas e
arquetípicas que nutrem o imaginário e o simbolismo policial militar guardam vínculos
com forças elementares da espécie humana. E, portanto, ao menos no tocante
específico a presença dessas forças em nossa civilização, não pode ser rechaçada
(para alguns ainda, para outros apenas parcialmente) (WRANGHAM E PETERSON,
1998; JUNG, 1959; 2000; FREUD apud MARQUES, 2017; VASCONCELOS, 2007).
Marques (2017) acompanhando o raciocínio de Freud, diz que tendo a humanidade
exercido, “inicialmente, a violência pelo uso da força bruta”, vai transferir esse impulso
agressivo para “outras funções e usos pelas sociedades, pela civilização”, ou seja, por
“instrumentos e intelectos”. Inferi que desse pressuposto possamos compreender a
governamentalidade e o biopoder em Foucault 5 (1998) e, portanto, aludir diretamente
“aos bons propósitos das polícias”. Na perspectiva, freudiana “não há maneira de
eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem; pode-se tentar desviá-los num
grau que não necessitem encontrar expressão de guerra” (FREUD, 1921 apud
MARQUES, 2017).
As polícias militares brasileiras podem ser reformuladas, com grande
dificuldade, mas é um trabalho que urge, considerando sua capacidade lesiva tanto ao
tecido social como aos seus próprios integrantes. Essa reformulação deve ser de tal
ímpeto transmutativo que o resultado venha a ser uma instituição tão diferente da
anterior, que compararemos isso a uma refundação. Não obstante elas possam ser
reformuladas, os impulsos do acervo humano que governam a atividade guerreira e de
caça, não podem ser extirpados ainda, nem mesmo com o árduo trabalho que deverá
ser preciso para as mudanças pretendidas junto à PM.
Esboçando uma genealogia da polícia militar 6
Cabe-nos nessa perspectiva, compreender que a polícia militar é um
produto elaborado da evolução sócio-humana e que guarda em si a herança mais
aguerrida do sistema de subsistência da agricultura e da caça-coleta: a polícia
moderna, estatal, profissional e especializada (BAYLEY, 2002) é um engenhoso
instrumento burocrático higiênico de controle populacional (FOUCAULT, 2008;
ALTHUSSER, 1998), a burocracia estatal é um dos nossos mais desenvolvidos modos
de organização política7 advinda depois da revolução agrícola. O militarismo
sistemático foi a forma estruturada pela qual os sistemas políticos pós-revolução
agrícola absorveram o saber-fazer da caça e da luta primitiva.
5
Faço a associação ciente da certa repulsa de Michel Foucault a algumas abordagens da psicanálise.
Pareceu-me oportuno trazer alguns dos resultados da pesquisa para a Introdução. Trata-se na verdade apenas de
um esboço, demonstrando parcialmente aquilo do que eu já era ciente, mas ainda não sabia articular no tocante às
matrizes institucionais da Polícia Militar.
7 Ao estilo weberiano de concepção de atestar o Ocidente como ápice do desenvolvimento humano.
6
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Na Figura 1, vemos delineado um esboço, em linhas gerais, da genealogia
da polícia militar, tendo como pontos de partida os modos de subsistência: da coletacaça e da agricultura. Na parte superior do diagrama, estão representados eventos e
circunstâncias quão mais distantes estão do presente (contados em anos a partir de
2017 D.C.), como pode ser visto, os modos de subsistência estão inseridos em blocos
retangulares e distam um do outro, aproximadamente 2 milhões 488 mil anos, período
representado por área acinzentada. Este é o período, ainda, que evoluindo
fisicamente, paulatinamente pouco se alterou em termos de avanços culturais
(BLAINEY, 2004; HARARI, 2015).
Figura 1 – Polícia militar como herdeira histórico-institucional dos modos de subsistência
de coleta-caça e agricultura.
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”,
2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha
cronológica: contagem a partir de 2017 D.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012.
(4) BLAINEY, Geoffrey, “Uma breve história do mundo”, 2004.
Note que como foi extenso o período em que nos mantivemos com a
coleta e caça como modos de subsistência. Esse é o período ao qual podemos
chamar de nossa infância civilizacional. E tendo em vista sua extensa duração, a
adaptação necessária para as condições de vida daquelas épocas que começaram no
Paleolítico (período inicial da Idade da Pedra, na Pré-História) e foram até início da
sedentarização e surgimento da agricultura, deixaram marcas muito profundas no que
somos hoje como espécie animal e como agentes sociais, na verdade, fomos forjados
por sobre essas etapas primárias (HARARI, 2015; JUNG, 2000; FREUD, 1996;
BLAINEY, 2004; NEVES e RAPCHAN, 2017). Entre essas marcas e outras dinâmicas
do fenômeno humano, trabalhamos nesta pesquisa a propensão à agressividade e ao
domínio como resquícios de nossa natureza primata (DE WAAL apud MARQUES,
2017; WRANGHAM e PETERSON, 1998; FREUD, 2014).
Em meio a esse período, por volta de 200 mil anos surge no continente
africano uma espécie de hominídeos, de postura bípede, com o córtex cerebral
desenvolvido e desde lá temos sido assim como somos biofisicamente até hoje: Homo
sapiens, os “homens [sábios] inteligentes” (BLAINEY, 2004; HARARI, 2015). Porém,
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de acordo com o que devo demonstrar, a espécie que se tem como sábia, também
pode ser chamada de homo demens, ou insanos8 (MORIN, 2000).
Quando digo “esboçando” ou “em linhas gerais”, quero me referir à
necessidade de mapear mais detalhadamente o processo de reprodução institucional
desde o período colonial português na América até as etapas republicanas da história
brasileira. De antemão, posso registrar a ausência de referência, por ora, a outras
importantes matrizes institucionais, como aspectos do sistema escravista, a absorção
pelo sistema policial do modelo mental de atuação do feitor, do capitão-do-mato (LIMA
e LIMA, 2013; BALDO, 1980; LÍBANO SOARES, 1999), por exemplo, bem como
outras instituições sociais portuguesas, das quais cabe destacar os quadrilheiros, as
milícias e as ordenaças (COTTA, 2012).
No ínterim entre a formação da “burocracia9” estatal, do modo de produção
asiático até a formação da polícia moderna como aparelho de controle burguês, cabe
destacar influências do exército romano (BAYLEY, 2002) e do português tradicional,
bem como dos corpos militarizados de polícia ao estilo francês: gendarmarias
(COTTA, 2012). Esses pormenores da genealogia da Polícia Militar podem ser mais
bem apreendidos na leitura do Capítulo 6 (História da Polícia Militar: genealogia
das matrizes institucionais).
10
E se você como eu fica perplexo em saber que a Polícia Militar é “um
produto elaborado” ou subproduto de “um modo de (auto)governo mais desenvolvido”,
então deve compreender que o problema é mais amplo e concernente ao nosso
padrão de desenvolvimento civilizatório geral11 (HARARI, 2015). Nisso está meu
abandono ao projeto de insistência (ao certo ideológico-partidário) de procurar a
fatídica origem da disfunção da PM em algum evento próximo, do qual ainda se possa
vislumbrar um culpado que esteja vivo.
Portanto ser polícia e ser militar não é um oximoro12 como nos queiram
dizer Júlia Valente (2012) e Jorge Zaverucha (2004), ou ainda uma antinomia13
segundo Jair Krischke14(2014). Na verdade, é um pleonasmo15 tão potencialmente
reafirmado, que temos um ente com suas próprias características genéticas reforçadas
por uma apropriação cultural similar que potencializa o conjunto. É como ensinar por
meio de inculturação a uma pessoa que já possui propensão à produção de altas
doses de testosterona, a ter um comportamento agressivo, o qual já lhe seria nartural.
8
Segundo Marques (2017), esse homem tem sua natureza humana reconhecida, quando sabe de sua carência. O
que torna o termo “sapiens” presunçoso demais.
9 Estou denominando nem que seja como proto-burocracias estatais os sistemas complexos de governo tais como
os da China, Egito e reinos e impérios mesopotâmicos da Antiguidade.
10 Classificação de linha marxiana: modo de produção primitiva coincide com o modo de subsistência da coletacaça; nessa dada classificação seguem-se o modo de produção asiático, escravista, feudal, capitalista, socialista e
comunista.
11 Características elementares do modo de expansão imperial, ao qual denominamos neste trabalho de “germe de
Utopia”.
12 Oximoro, expressão retórica elaborada a partir de ideias opostas, no texto segue uma explicação mais detalhada.
13 Antinomia, contradição entre proposições, princípios ou ideias (Dicionário Priberam).
14 KRISCKKE, Jair. "A Polícia Militar é uma invenção da ditadura”: Entrevista especial com Jair Krischke. Instituto
Humanitas Unisinos. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/532364-a-ditadura-fez-com-queperdessemos-mais-de-uma-geracao-de-politicos-entrevista-especial-com-jair-krischke>. Publicado em 16 jun. 2014.
15 Pleonamso é uma figura de linguagem, o termo provém do grego: pleonasmos, que significa superabundância ou
excesso, trata-se de uma repetição de uma ideia na mesma sentença (Dicionário Priberam).
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Ser policial e ser militar são condições contraditórias?
Júlia Leite Valente (2012), em um artigo que adapta e atualiza o teor de
sua monografia em Direito 16, pela UFMG, refere-se à expressão polícia + militar como
um oximoro. De acordo como o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa 17, o termo
de origem grega e posteriormente recepcionado pelo latim, oxúmoron significa um
instrumento retórico conseguido por meio de uma “combinação engenhosa de
palavras cujo sentido literal é contraditório ou incongruente”, como exemplos cita-se:
bondade cruel ou silêncio ensurdecedor.
Portanto, é possível compreender o que Valente (2012) se propôs em seu
trabalho de pesquisa jurídico-social. Ela se refere à incompatibilidade da natureza
militar em relação à atividade policial. Entretanto, eu sustento que não há nada de
contraditório nisso. Pois no padrão de desenvolvimento civilizacional denominado por
mim, por De Paula18 ([1987]19, 2005) e por Marques20 (2017) como padrão masculino,
ou então por Boff (2012) como “egocêntrico”, ou pela expressão feminista ou
ecofeminista, por patriarcal21, o que inclui os estudos do domínio masculino por
Bourdieu (2002), é inerente à atividade de controle populacional, coesão social e
instanciamento, na realidade vivencial, do ente fiscalizatório do ordenamento jurídico
(ou seja, o corpo de polícia22) ser um filão, um comissionamento das tropas de exército
e, portanto, guardarem com ele vínculo organizacional ou pelo menos estético ou de
modelo inspirador. Insisto novamente na estrutura de base, que lida com as pessoas
controladas pelo Estado moderno nos termos de Foucault: diplomacia-exército-polícia.
Cabe destacar que usamos a noção de Michel Foucault (2008) e JeanPaul Brodeur (1984) de que “as polícias” é o próprio ordenamento sócio jurídico e “o
corpo de polícia” são as agências públicas que guardam o cumprimento das normas e
nisso podemos ver os órgãos de polícia sanitária, polícia ambiental, polícia de trânsito
Monografia que serviu de TCC para o curso de Direito, na UFMG, em jun. 2012: “’Polícia Militar’ é um oximoro: A
militarização da segurança pública no Brasil”, sob a orientação de Dr. Túlio Lima Vianna.
17 Toda referência, por via de regra, à fonte de pesquisa para elucidações sobre etimologia e acepções léxicas são
creditas ao Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), ferramenta on-line, acessível através do sítio na
Web/Internet pelo endereço: <http://www.priberam.pt/dlpo/>, ficando, portanto, implícito no restante do
corpo deste trabalho tais referências demasiadamente redundantes; quando diferente disso, explicitamente, são
feitas as devidas referências em notas de rodapé.
18 De Paula (1987) ainda usa duas expressões sem uma origem sociolinguística definida entre as línguas de
grupamentos humanos terrestres, chamada de “Sudi-Vaens”, como referência ao padrão de desenvolvimento
civilizacional masculino, o qual tende a formar grandes impérios expansionistas em contraposição ao padrão
feminino, denominado de “Rama-Maens”, que tendem a formar matriarcados de pequenos grupamentos humanos
conectados por compartilhamento de valores e tradições.
19 AUTOR ([ANO DO ORIGINAL] ANO DA EDIÇÃO USADA) - Ao longo de toda a dissertação, algumas referências
usarão este padrão que possibilita deixar patente o ano da publicação do título original. Isso tem uma nítida
intensão de demonstrar que muito do que estamos discutindo como novidade acadêmica do século XXI, na
verdade, são discussões até mesmo do começo do século XX e que foram dissimuladas e tornadas de difícil acesso
pelas barreiras impostas pelo pensamento hegemônico.
20 “Vimos que a história humana é masculina, eu, esperanço-me com o papel civilizador do feminino, como
observado nos elefentes e nos bonobos, espécies matriarcais” (MARQUES, 2017).
21 Conforme a leitura de Fritjof Capra (1996) à obra de Eisler: “o patriarcado, o imperialismo, o capitalismo e o
racismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica”, como pode ser visto no tópico “Ecologia Social:
derrubando premissas do status quo” do Capítulo 3.
22 Usamos a noção de Foucault e Brodeur que “as polícias” é o próprio ordenamento e “o corpo de polícia” são as
agências públicas que guardam o cumprimento das normas. Porém por uso corrente, assim como o faz David
Bayley, chamaremos simplesmente de “polícia” o órgão público moldado no padrão da polícia moderna,
profissionalizada, especializada.
16
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etc. Porém por uso corrente nesta, assim como o faz David Bayley (2002),
chamaremos simplesmente de “polícia” o órgão público moldado no padrão da polícia
moderna, profissionalizada, especializada que possui em meio às suas funções o
princípio do uso ou a ameaça do uso da força física (BRODEUR, 1984).
Frisar o fato de estar se falando de “corpo” de polícia, cabe ao fato de que
possamos até entender a contradição de ser militar e o “espírito” de assepsia social
proporcionado pela “intendência” de polícia, aos moldes francês higienista; ou até
mesmo a diferença entre o magistrado romano da prefeitura e os seus auxiliares
armados destacados do exército, ou seja um funcionário civil e outro militar, mas o que
dizer então da característica ampla de um Estado que se diz militar apenas, dos
portões da Capital para fora, quando o é, na verdade, em seu interior profundo 23.
Francis Albert Cotta (2010) alega que esse caráter é inerente ao âmago das relações
arcaicas de Portugal24 e a partir de Raymundo Faoro (2001), podemos concluir que no
patronato luso-brasileiro, mesmo que em posições declarademente civis, o agente
destacado socialmente se utiliza da imagem profunda de líder de força. Como se o
brasileiro, portanto, de alguma forma tivesse uma carência de sentir-se protegido (ou
subjugado) por um coronel ou um senhor feudal ibérico (um pai fundador). Assim
como o povo romano precisa saber, mesmo que espetacularmente apenas, que seu
princeps entre os demais, o imperador, fosse um honorável vencedor de batalhas.
A dificuldade em ver ou não contradição em ser policial e militar, pode ser
explicada da seguinte forma, deve-se talvez a quem assim tem dúvida porque não foi
devidamente inculturado como brasileiro e deve sonhar com algum ideal britânico ou
exclusivamente africano ou ameríndio (idealsita) e queira numa engenharia social
apagar o componente lusitano ou até mesmo o real caráter da amálgama desse com
os dois anteriores. Sinto que não admitamos quem nós realmente somos.
Existe uma passagem da história israelita, que os povos das tribos
hebreias não admitiram mais ser governados por um sacerdote e clamaram por um
guerreiro, assim como os povos vizinhos também eram governados por reis e nisso há
a ascenção de um jovem líder da tribo de Benjamin para unifiar à base de sangue as
demais tribos em um reino só, esse foi Saul, sogro e antecessor de Davi, o qual
expandiu a ideia de “unificar” e ampliou isso aos povos vizinhos. As antigas Roma,
Israel e Portugal todas tem de alguma forma um ímpeto que amálgama espírito
guerreiro e expansão imperial, porque existiria a falsa ideia do Brasil não está
circunscrito nisso? Pergunte a um boliviano em condição de semi-escravidão em São
Paulo, pergunte no Uruguai, Paraguai, Bolívia ou nas Guianas sobre o que Brasil
representa em suas histórias, pergunte a um paraguaio expulso de suas terras para o
gado brasileiro, pergunte a um líder andino ou africano sobre o peso do aliciamento
dos grandes empreiteiros brasileiros em fazer “negócios”, pergunte à segurança
privada dos parques de diversão de Orlando, pergunte aos novos funcionários
norteamericanos das transnacionais brasileiras. E, aí sim, saberá o quanto o brasileiro
pode ser “expansionista” do jeito irreverente dele. Eu perguntaria, quem além do Sul
dos Estados Unidos e Cuba, mais entranharam a cultura escravocrata e por mais
Nisso Clausewitz e Foucault não podem ser esquecidos, no “a política é a continuação da guerra por outros
meios” e vice-versa.
24 A herança simbólica dos “infantes” reis da retomada cristã da península ibérica, bem como, a Ordem de Cristo
precisam ser incluídas nesse contexto.
23
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tempo fizeram ganhos com ela25? É preciso lembrar, que os navios que aportavam em
África, falando português, para esse fim, a partir do segundo quarto do século XIX, já
não eram de europeus, mas de um certo povo de “bem”, chamados de fluminenses26.
Retornando à suposta contradição entre polícia (e, portanto, entenda-se
corpo de polícia) e caráter militar, devo dizer que de forma alguma nego a validade do
conteúdo da pesquisa de Julia Valente (2012), ao contrário atesto que de forma
excepcional e corajosa aponta para idiossincrasias do modelo de segurança pública
brasileiro. Ela (VALENTE, 2012; 2015) sempre aponta para a transição incompleta
para a democracia, após o período de exceção das décadas de 60, 70 e 80 (1964 a
1985). A noção de transição democrática inacabada, tendo na Polícia Militar uma de
suas marcas emblemáticas, usada por Valente (2012) é corroborada pelos estudos de
seu orientador em nível de graduação: Túlio Lima Vianna (2013), bem como,
destacadamente pelos professores de Ciência Política da UFPE: Jorge Zaverucha 27
(2004) e Adriano Oliveira (2002).
Considero muito válidas todas as propostas de estudo que identificam
aspectos não condizentes com a missão precípua de polícia, em contextos
democráticos, adotados pelo modelo policial militar no Brasil, como efeito-herança da
última ditadura militar. Porém, por todo este trabalho, tento evidenciar que há aspectos
institucionais da base humana histórico-universal que conduzem, desde muito antes,
ao aparecimento dessas idiossincrasias. O modelo brasileiro apenas evidencia a
contradição de um sistema nominalmente democrático sustentar por “tanto tempo”
essa aparente aberração (VALENTE, 2012). E é bom frisar que o “tanto tempo” está
correlacionado à nova sensação psicossocial de tempo que urge da póscontemporaneidade28.
Trato, nas seções conclusivas deste trabalho, isso como efeito do germe
de Utopia, portanto, nas bolhas civilizacionais, nas ilhas metropolitanas do Norte, esse
efeito acirrado não poderá ser visto e possivelmente isso levará a iludida pretensão até
mesmo de desejar que o modelo policial daqui se converta numa cópia do modelo
europeu, como se isso representasse um verdadeiro avanço civilizacional. Espero
conseguir demonstrar que o modelo policial brasileiro tem aspectos de injustiça social
entranhados nele e que seria transitoriamente conveniente torná-lo mais assemelhado
aos modelos menos “agressivos”. Também pretendo demonstrar, que ao longo prazo,
a civilização humana deve optar por outros mecanismos de coesão social, que
excluam os atuais formatos de polícia qualquer que seja ele, patentemente agressivo
ou esteticamente domesticado.
O que quero evidenciar é que um novo modelo policial que o assemelhe a
uma força cuidadora e de proteção social, carece inexoravelmente de uma mudança
25
PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846.
2015. [Tese] Doutorado em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo. São Paulo: USP, 2015.
26 Oriundos da costa sudeste do Brasil.
27 ZAVERUCHA, Jorge. Polícia, Democracia, Estado De Direito E Direitos Humanos. Revista Brasileira de Direito
Constitucional, n.º 3, jan./jun. – 2004. pp. 37 - 54.
28 Porque o que são 40 ou 200 anos, ou seja a PM da Ditadura Militar e a polícia moderna iniciada na França para os
2,5 milhões de anos em que reverberamos em nossas mentes um padrão de pressupostos emocionais sobre a
guerra, a luta, o domínio e a força.
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profunda da sociedade (OLIVEIRA, 2002). Isso não quer dizer que não se possam
suscitar, antes disso, mudanças nos atuais corpos policiais, o que evidentemente é
uma urgência para o modelo policial militar brasileiro. Mas é preciso ter a clareza, que
sob o auspício do padrão civilizatório masculino, excedido em seu caráter agressor e
virulento, de exploração dos outros e da Terra (BOFF, 2012; JUNG, 1959), toda
reformulação de instituições como a polícia, resultarão em mudanças plásticas, que
não atingirão o âmago da questão (ARGYRIS e SHÖN, 1978). Esse isomorfismo
institucional não é exclusividade das atividades que exercem a força-vigor, até mesmo
outras instâncias da vida coletiva moderna se converteram em aparelhos ideológicos
dos donos do poder (ALTHUSSER, 1998; FAORO, 2001), que oportunamente
cooptaram o fabuloso instrumento de controle denominado por alguns como Leviatã
(HOBBES, 1651) e por outros pela simpática alcunha, que ainda inspira esperanças
de liberdades humanas, chamada de Estado.
Talvez minha adesão a um idealismo que aponta para uma espécie de
anarquia sublime, ou uma expressão filosófica da democracia nuclear de Geoffrey
Chew (1964), suscite-me a uma constante desconfiança a esse ente denominado
Estado. Sustento por meio de Althusser (1998) e de Mészáros (2011) que Estado, com
as atuais bases históricas que possui, sem que sofra sérias mudanças estruturais e
funcionais, incapacita-o como instrumento de promoção de justiça e igualdade plena.
E vou mais além, sustento por meio de Renè Girard (1998), que qualquer
instituição humana baseada na sacralidade (mesmo que tenha sido modernamente
secularizada) do sacrifício de sangue reabilitador da violência mimética, ou seja, toda
instituição nascida para sustentar “a insustentável” transição do homem natural para a
sociedade civil e política (ALEXANDRIA COSTA, 2005), estará fadada mais cedo ou
mais tarde a impor sua faceta dominadora, sangrenta, classificadora das coisas e
hierarquizante das desigualdades, geradora de status falsamente implantados.
Acompanhando Girard (1998) e Rousseau (apud ALEXANDRIA COSTA, 2005) o “mal”
civilizatório não seria intrínseco ao humano, seria um acidente de percurso muito
antigo que se constitui a base da civilização. Características irremediáveis para o
homem-animal, bem como para a versão vigente do homem-animal social; nesta
perspectiva, haveria uma possibilidade do desenvolvimento de uma certa
transumanidade29 (advinda da trans-ranhadura do homem cindido) liberta ou sabedora
dos meios de como equilibrar a equação (MARQUES, 2017; CHARDIN, 1970).
Se discuto os entremeios profundos, por ora, sobre a polícia,
inevitalvemente, essa discussão vai além, sobre o Estado, a guerra, o modo de
produção, a divisão racional do trabalho, a família, os padrões de conjugalidade, as
questões étnicas, de sexualidade humana, as religiões, os grupos de campos
especialistas, tais como a educação, a saúde, a cultura e a tecnologia (ALTHUSSER,
1998) e essa multiplicidade de temas interconectados, partindo da natureza da
espécie homo sapiens, que valida o presente estudo ter sede na Ecologia Humana.
29
Equipara-se a proposição de transumanidade a de suprahumanidade de Nietzche, a de emacipação humana da
corrente marxiana e o da espécie Homo theos de Harari.
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Problematizando no contexto social brasileiro
O aumento da violência criminal no Brasil salta aos olhos do mundo, nos
últimos trinta anos, nosso sistema de estratégias de resolução (comumente
denominada de modelo de enfrentamento 30) mostra-se, desde aqueles idos, ineficaz.
O sistema de justiça criminal é falho e o subsistema policial carrega manchas
indeléveis31, que não permitem aos componentes das agências policiais conduzirem
um programa de ações, que contenha o crime, e harmonicamente possam se
compatibilizar com a marcha rumo à ampliação da democratização. Muito se fez,
discutiu, a mídia foi às comunidades desfavorecidas socialmente que eram
prioritariamente vítimas do “descompasso” policial. Os acadêmicos passaram a se
debruçar nas causas da violência, os formadores de opinião denunciavam, o que os
recortes jornalísticos já demonstravam sobre as polícias brasileiras (CHESNAIS, 1997;
MUNIZ et al. 1997; MUNIZ, 1999; ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; OLIVEIRA,
2002; SAPORI, 2007).
Alguns acadêmicos adentraram no mundo das “tecnoburocracias” da
segurança pública, por vezes como consultores, outras como pesquisadores e até
mesmo como militantes-docentes. Organismos internacionais financiaram propostas,
em sua maioria de “doutrinamento” dos “parvos” policiais. As polícias permitiram esse
acesso, por questão de sobrevivência social, plasticamente se enveloparam em
roupagens menos atemorizantes (MUNIZ et al. 1997; MUNIZ, 1999; ALBUQUERQUE
e MACHADO, 2001; OLIVEIRA, 2002; SAPORI, 2007).
Aqueles que participaram dos esforços, que enfrentaram as desconfianças,
inclusive os membros das próprias corporações “convertidos” ou “sensibilizados”, hoje
na segunda década do século XXI, olham para trás, e se questionam, em suspiros de
frustração: “Não entenderam nada! Não fizemos certo? Por que não mudam?32 Apesar
de retoques, da abertura para falar do assunto, farta produção textual, muitas
reverências solenes à Constituição e às cartas da ONU, continuam produzindo o
mesmo produto com uma leve nova coloração”. (ARAÚJO e GIRÃO, 2013; SOARES,
2000; RATTON, 2016; MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008; OLIVEIRA, 2002).
Os problemas sociais, culturais e institucionais
Chesnais (1999) e outros autores dedicados ao tema (CRUZ, 2012;
SOARES, 2010; ROCHA, 2013; SAPORI, 2007; ROLIM, 2006; OLIVEIRA, 2002,
ZAVERUCHA, 2004) destacam a influência de fatores típicos das dinâmicas sociais,
culturais e institucionais, há então que se entender certos aspectos não nas suas
30
O primeiro obstáculo a reconhecer a legítima atuação policial, são os termos utilizados para sua missão:
“combate”, “guerra”, “confronto”, sendo alicerces inclusive da expectativa pública de letalidade em relação à
polícia (MUNIZ, 1999).
31 Manchas indeléveis: são referências a eventos em que a intervenção policial no Brasil causou danos sociais e a
sua própria imagem como instituição, destacadamente pode-se citar: Massacre do Carandiru, Chacina da
Candelária, Rambo e a Favela Naval, “batalha campal” de Carajás, extermínios em Pernambuco, gangue fardada em
Alagoas.
32 Esse sentimento de frustração, especificamente entre acadêmicos/pesquisadores sociais, foi melhor
exemplificado no tópico “Frustração: por que não mudam?” do Capítulo 4.
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formas depuradas contemporâneas, mas em suas raízes, no processo de formação da
nação e das instituições.
O artigo seminal de Jean-Claude Chesnais, sempre me surpreendeu muito
porque como um estrangeiro, ao chegar no Brasil, ele constatou que em relação a
segurança pública o país vive uma intrincada rede de deficiências institucionais e
marcas sócio-históricas que confluem ao estado “patológico” de coisas. Em 1999, ele
publicou na Revista Ciência & Saúde Coletiva, “A violência no Brasil: causas e
recomendações políticas para a sua prevenção”, no qual “apresenta um amplo
diagnóstico dos principais fatores que possibilitam o crescimento da violência criminal
no Brasil, ou seja, fatores socioeconômicos, conjunturais e estruturais, a fraqueza e
descrédito das instituições e a carência do Estado para administrar a repressão e
propiciar a prevenção” (CHESNAIS, 1999). O professor-pesquisador do Instituto
Nacional de Estudos Demográficos da Universidade de Paris começa o artigo,
dizendo:
No Brasil, a violência, sobretudo urbana, está no centro do dia a dia e
ocupa as manchetes dos jornais. Ela é assunto de especiais para a
TV e, mais que tudo, assombra as consciências, de tal forma é
ameaçadora, recorrente e geradora de um profundo sentimento de
insegurança. Essa evolução é sintoma de uma desintegração social,
de um mal-estar coletivo e de um desregramento das instituições
públicas (CHESNAIS, 1999).
“A violência gera o medo, mas este gera igualmente violência”, afirma
Chesnais (1999) que continua, “trata-se então de um círculo vicioso que se instala,
uma psicose coletiva que é preciso romper a qualquer preço e cujos únicos
beneficiados são certos lobbies”. E como também nos alerta Soares (2000), depois
que certos grupos de interesse percebem o quanto podem ganhar com a insegurança,
eles não desejarão que as coisas mudem e se forem elementos que estão ao mesmo
tempo entre a segurança pública e a privada, orquestrarão um jogo de “faz de contas”.
Chesnais (1999) lembra que “a sociedade brasileira é uma das mais
desiguais, uma das mais estratificadas que existem”. A polícia brasileira não poderia
deixar de estar polarizada como promotora pela emancipação de um lado ou
instrumento do outro. “Aqui se encontra a mais extrema pobreza ao lado da mais
fabulosa riqueza.” E qual lado faz a oferta cabal do capital econômico, social e
simbólico de que desejam consciente ou inconscientemente os policiais?
O professor francês toca em um assunto que nos serviu de guia para
nossa pesquisa: “a imagem da polícia, em sua natureza profunda, é que tem de ser
mudada”, ele cita o exemplo como a polícia mineira, “o recrutamento e a formação
psicológica da polícia são mais bem feitos, a violência é menos frequente”. Fato este
que também constatei em visita a unidades da Polícia Militar de Minas Gerais em
2014. Em uma sentença Chesnais (1999) incorpora a expectativa da imagem e da
autoimagem, corrompida e curada: “não deve ser vista como parasita, mas como
instância intermediária da república entre os cidadãos, como defensora dos fracos
contra os fortes, das pessoas honestas contra os marginais”.
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Letalidade da Polícia Militar e os números da violência nacional
Segundo o Mapa da Violência (2017)33, pelos dados consolidados do
Ministério da Saúde, do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus), em
2015, o Brasil teve 59.080 vítimas de homicídios. As maiores taxas de mortes
violentas são dos Estados de Sergipe, com 58,1 mortes por 100 mil habitantes;
Alagoas, com 52,3 e Ceará com 46,7. Ainda segundo o Mapa da Violência (2017), em
2015, foram 942 mortes provocadas pela intervenção policial (não diferenciando de
qual agência policial), tais dados levam em conta os números da Saúde.
Já o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em sua
10ª edição, referente ao ano de 201534, considera a base de dados e os serviços de
análise estatística, ainda que não padronizados, dos próprios órgãos de segurança
estaduais e distrital, na soma dos registros policiais foram 58.467 mortes violentas
intencionais, incluindo vítimas de homicídios dolosos, de latrocínios, lesões corporais
seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. Isso tudo ocorre
com uma soma de 76,3 bilhões de reais gastos em Segurança Pública, tanto por
municípios, Estados e a União, o que representa 1,38% do PIB brasileiro.
O Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais do que a
Guerra civil na Síria, no acumulado de cinco anos. Na Síria, entre março de 2011 e
novembro 2015, segundo a ONU (Alto Comissariado para Refugiados/Observatório de
DH da Síria), morreram 256.124 pessoas; no Brasil, segundo as edições anteriores do
próprio Anuário do FBSP, entre 2011 e 2015, 279.567 pessoas foram assassinadas.
São números de uma guerra civil não declarada.
Quanto à letalidade policial, pelos números do 10º Anuário, os dados da
Saúde tem subnotificação quanto a mortes decorrentes de intervenções policiais. Pois
enquanto o Datasus registrou 942 vítimas, o Anuário coletou dados e somou 3.320
mortos pela polícia brasileira em 2015, em um aumento progressivo, já que em 2009
tinham sido 2.177. Juntas as polícias estaduais mataram 17.688 pessoas entre 2009 e
2015. Nem todo o Estado dispõe de dados sobre mortos por intervenção policial
desagregados por corporação: Polícia Militar e Civil. Por isso das 3.320 mortes, não se
sabe quanto realmente é resultado da atividade da PM.
Mas se pode comparar alguns números dos Estados que declararam a
diferenciação. Por exemplo, segundo a 10ª edição do Anuário do FBSP, em São
Paulo, no ano de 2015, as polícias estaduais causaram a morte de 848 pessoas,
dessas 580 foram causadas pela ação de policiais militares em serviço. Contudo, 220
ocorreram por policiais militares de folga, não podendo ser consideradas fruto da ação
organizacional, mas inseridas no contexto institucional geral, que induz o
comportamento policial. Assim chega-se, subtraindo, que apenas 48 de 848 mortes
foram causadas por policiais civis em serviço ou de folga. Façamos o mesmo
exercício, agora com Alagoas, foram 97 mortes no ano de 2015, sendo 78 por policiais
militares e 14 por policiais civis e 5 mortes em operação conjunta. Portanto, entre 80%
e 90% das mortes causadas pelas polícias brasileiras, são de responsabilidade da PM,
33
34
Cerqueira et al. Atlas da Violência 2017. Rio de Janeiro: Ipea; FBSP, 2017.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ano 10. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2016.
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o que dariam do total do ano de 2015, algo em entre 2.600 e 2.900 pessoas mortas
somente pela PM.
Se usarmos a mesma proporção, em sua menor taxa: 80% e
consideramos os mortos por policiais brasileiros em serviço, no ano de 2012, segundo
a 7ª edição do Anuário do FBSP35, que foram 1.890 (80% = 1.512) e compararmos
isso aos dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODOC)
referentes ao mesmo ano (Estudo Mundial sobre Homicídios 201336); só a Polícia
Militar Brasileira, em 2012, teria sido responsável, independente da legitimidade das
ações (e excludentes de ilicitude 37), por mais mortes do que o total de homicídios de
22 países (Hong Kong, Noruega, Nova Zelândia, Dinamarca, Suiça, Irlanda, Áustria,
Suécia, Portugal, Jordânia, Líbano, Holanda, Uruguai, Bósnia e Herzegovina, TimorLeste, Kuwait, Eslovênia, Áustria, Hungria, Butão, Catar e Singapura). Lembrando que
Bósnia e Herzegovina, Timor-Leste e Kuwait foram áreas de confronto bélico no final
do século XX e existem brasileiros que pensariam duas vezes antes de ir ao Líbano e
à Jordânia se perguntando se lá é seguro. Ora, só uma das polícias do Brasil mata
muito mais do que todos os assassinatos da Jordânia (1500 contra 100).
Números de uma guerra não declarada
Naquele ano de 2012, as mortes violentas intencionais no Brasil, haviam
somado 40.974, segundo a UNODOC e 50.062, segundo o Anuário do FBSP. Usando
a contagem menor, o Brasil foi onde mais morreram pessoas assassinadas no mundo.
A soma dessas pessoas mortas pela violência no país é maior que todos os
homicídios da Europa, Oceania, Caribe e Oriente Médio juntos nesse mesmo ano.
O país em que se mais mata pessoas e no qual suas polícias mais fazem
vítimas fatais, bem como proporcionalmente um policial mais tem chances de morrer
em serviço, esse é o panorama do Brasil. Podemos dizer: “sim, o país que não está
em guerra, onde mais pessoas são mortas. Tudo bem, nos países em guerra devem
morrer muito mais”. E aí teríamos que explicar: “Não, não, eu quis dizer o país que
mais mata, mais até que os países em guerra”. Indiscutivelmente, se você tem uma
máquina militar atuando em um território, em fogo cruzado com forças paralelas ao
Estado, com tantas mortes violentas: ou se trata de uma guerra civil ou de um
genocídio por omissão, para abrandar os termos. E nisso vemos a sustentação da
argumentação de José Carlos Moreira da Silva Filho, professor da PUC gaúcha,
quando fala em “terrorismo de Estado” (2011), para o qual no âmbito do Direito
Internacional, o Brasil poderia ser responsabilizado pelo massacre ao seu próprio
povo, seja lá quais sejam alegados os motivos para a carnificina sutilmente
naturalizada. Se os holofotes da mídia internacional se voltam para a Síria, como um
desastre humanitário, por que não dizer o mesmo do Brasil? Os números provam isso.
35
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ano 7. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2013.
UNODC Global Study on Homicide 2013: TRENDS, CONTEXTS and DATA. Viena, Áustria: UNODC, 2014. Disponível
em <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_crime/Publicacoes/2014_GLOBAL_HOMICIDE_BOOK_
web.pdf>.
37 As mortes que realmente seriam esperadas pela ação policial e nesses casos o ordenamento jurídico não atribuirá
cometimento de crime ao policial. Essas mortes estão inseridas nos números. O que se tenta demonstrar é que
essas circunstâncias de não aplicação de penalidade ao policial, por ter cumprindo sua obrigação, não justificariam
os altos números dos totais de mortes, quando comprados com o restante do mundo.
36
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Pessoas como eu, que estiveram na linha de frente e que guardam boas
lembranças e laços afetivos para com a profissão e as pessoas que lá atuam, não
conseguem dar conta que 15,6% dos homicídios tinham um policial no gatilho, no ano
de 2014, segundo a Anistia Internacional38; ou seja, estamos em guerra. Contra
quem? Contra nosso próprio povo. Contra criminosos! Quando se analisa o perfil das
vítimas, isso não é totalmente verdade. Seria mais factível dizer, estamos matando a
parcela mais jovem da população pobre, sobretudo os de sexo masculino. E quem é
esse “nós” oculto que conjuga com “estamos”? “Nós”, nesse caso, somos todos da
sociedade brasileira: os pobres (e alguns poucos que ascenderam com os ganhos)
estão matando os pobres e integrantes da classe média em ações diretas; os
poderosos estão matando a população desassistindo-a dos instrumentos sociais
capazes de prevenir a violência; esses poderosos, mais alguns ascedentes das
classes subalternas, tem deliberadamente evitado o controle sobre o crime, porque
ganham inescrupulosamente com os dividendos do tráfico de drogas, de armas, de
pessoas, de influência e com apoio político eleitoral; nossa classe média mais próxima
dos pobres tem encorpado as fileiras de “exércitos” estaduais que são postos em
campo para combater o inimigo declarado de tudo isso, que são os pobres do primeiro
grupo; o restante da classe média e de muitos outros pobres, todos vivendo em meio
às áreas de conflito (ou zonas de guerra, humanisticamente chamadas de territórios
de paz; gélida e estatisticamente chamados de hotpost – áreas quentes), assistindo
aos “plantões de polícia” e pensando: “bandido bom é bandido morto” 39. Mas qual
“bandido” esses querem ver mortos? Os poderosos que criminosamente estão
ganhando muito com isso? Os policiais (parentes de alguns desses “do restante da
classe média”) que se desviam de suas obrigações e passam a auferir pequenos
ganhos aqui e acolá? Ou dos pobres (parentes desses “muitos outros pobres”, que
precisam visitar-lhes nos presídios) que excluídos voluntariamente ou
compulsoriamente do mercado, tornaram-se especialistas em obter para si, aquilo que
é considerado do outro? Opa, parece que “obter para si, aquilo que é considerado do
outro” é uma marca em comum desses três tipos de bandidos.
Se isso não é uma guerra, como explicar que no ano base de 2012,
Palestina, Israel, Iraque, Síria e Somália, que estavam em meio a conflitos armados e,
portanto, tem números de guerras formais, acrescentados dos assassinatos comuns e
perfazem a soma juntos de 1.513 mortos. Isso é apenas uma morte a mais do que a
Polícia Militar, em todo territótio brasileiro, provocou no mesmo ano. Essas 1.513
mortes em regiões de conflito não são nem 4% de todas as mortes intencionais do
Brasil em 2012. Literalmente há uma grande mancha de sangue entre outras menores,
no globo terrestre, e a maior delas não está sobre o Oriente Médio, está sobre o Brasil.
Globo News. “Força policial brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório; Relatório da Anistia
Internacional destaca o Brasil e os EUA. Brasil aparece como o país que tem o maior número geral de homicídios”.
Publicado em 07 set. 2015. Acessado em 20 jul. 2017. Disponível em < http://g1.globo.com/globonews/noticia/2015/09/forca-policial-brasileira-e-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio.html>.
39 Segundo a Pesquisa FBSP e DataFolha, inserida no 10º Anuário do FBSP, 57% da população brasileira concorda
com a afirmativa “bandido bom é bandido morto”, enquanto 6% são indiferentes e 34% discordam da assertiva.
Entre o detalhemento dos resultados é possível observar que aqueles que ganham até 5 salários mínimos (ou seja,
R$ 4.400,00 no valor atual de um SM igual a 880,00), o resultado é de 58% que concordam. O resultado são mais
expressivos entre os mais ricos, os de classe intermediárias são mais moderados quando se trata de desejar
bandidos mortos.
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A 7ª edição do Anuário do FBSP, que traz dados de 2012, faz uma
comparação entre a cidade norte-americana de Nova Iorque e as cidades de São
Paulo e o Rio de Janeiro. Bueno et al. (2013), em “Sob fogo cruzado II: letalidade da
ação policial”, comparam os números da violência duas maiores cidades brasileiras e
o relatório anual de disparos de arma de fogo da polícia (metropolitana) de Nova
Iorque, a maior cidade dos Estados Unidos (e diga-se de passagem, uma polícia não
tão pacífica assim):
[...] Departamento de Polícia de Nova Iorque [...] responsável por
prover segurança pública em uma cidade com cerca de 8,2 milhões
de habitantes [...] logrou reduzir suas taxas de homicídios e se
transformou em exemplo a ser seguido no mundo - percebemos que
em 1971 a Polícia daquela cidade atirou em 314 pessoas e matou 93.
No ano de 2011, esta mesma polícia, atirou em apenas 24 pessoas e
matou somente 8. Já no município de São Paulo, com cerca de 11
milhões de habitantes, no mesmo ano as polícias Civil e Militar
mataram, juntas, 242 pessoas; no Rio de Janeiro, município com
cerca de 6 milhões de habitantes, no mesmo ano as duas polícias
mataram, juntas, 283 pessoas.
O texto acima deixa-nos com um dilema sobre a polícia brasileira
(lembrando os 80% dos números da letalidade policial representariam aquela
promovida pelas políciais militares). Dilema esse entre a eficiência policial e a intenção
deliberada de matar. A minha questão interna, já refletindo os números da época, era
que mesmo em meio aos tabus corporativos em falar do assunto, eu tinha uma parcial
noção de que a PM era assassina como instituição, mas eu não me via como um
assassino.
Eu não sou assassino!
Eu sou um desses tais “membros das próprias corporações convertidos ou
sensibilizados”, afinal este humilde investigador foi um nativo da instituição em tela,
um daqueles que com certeza, ao ser observado pelos primeiros instrutores no
período de formação militar, – eles – dizem: “meu Deus, esse vai dá trabalho”. Vai dá
trabalho para incultir nesse tipo de ingresso um sentir e pensar que não é, a princípio,
compátil com suas crenças e valores.
Lembro-me de forma muito marcante, em duas oportunidades, uma visita
por iniciativa própria, em meados de setembro de 2013, ao programa de pósgraduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), na cidade de
Niterói. Antes de entrar na área onde estão os prédios das Ciências Sociais, no
campus principal de Gragoatá, estava grafado com spray preto: “A PM mata!” (Figura
2). Eu tirei uma foto e fiquei a pensar: “Como assim mata? Se a Polícia mata, todos
nós que somos policiais, matamos também, eu não sou assassino. Eu tenho
investido tanto tempo de minha vida para constituir uma realidade diferente dessas.
Por que sou incluído nessa generalização que faz doer à alma?”.
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Figura 2 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo
alusão negativa à polícia militar (UFF em Niterói)
b)
a)
c)
Fonte: Acervo pessoal do autor. Fotos de um cercado em volta de uma obra, próximo ao Bloco P, do Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), no Campus do Gragoatá, da Universidade Federal Fluminense, na cidade de
Niterói-RJ. a) “PM mata!” b) “Estado Criminoso”. “Eles vestiam preto!”. “A PM é facista!” c) “Não a PM no Campus”.
“Tribunal de rua não!”.
A segunda oportunidade de se deparar com grafias feitas nas paredes de
prédios em universidades públicas fazendo alusão negativa à polícia militar, já tinha
outra conotação. Tratava-se de uma visita técnica do núcleo de Polícia Comunitária da
Polícia Militar de Alagoas ao Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública
(CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte. Em
um dos prédios da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFICH) era possível
visualizar: “PM bom é PM morto” (Figura 3), complementada pelo questionamento:
“Liber QUÊ, Iguali QUEM, Fraterni QUANDO”. Nessa segunda oportunidade, eu não
mais me surpreendi, entendi que de alguma forma a Polícia Militar é encarada como
ente simbólico (ou fantasmagórico) que se constituí o “bode emissário” do sistema de
crenças de uma boa parte dos formadores de opinião no país (GIRAD, 1998). Ela
carrega o conjunto das mazelas orquestradas pelo sistema social mais amplo, para
que essa culpabilização não afete os verdadeiros “donos do poder” (FAORO, 2001;
BALDO, 1980), demonstrando a “dispensabilidade do homem branco pobre e livre” no
sistema de matriz escravocrata (LIMA e LIMA, 2013).
O governo é diariamente conivente com os abusos cometidos para
com os pobres dos territórios subalternos, mas quando se vê
ameaçado, derruba a culpa sobre os ombros do “feitor-policial” (LIMA
e LIMA, 2013).
Além de entender sobre essa função de cunho psicossocial profunda, onde
um vetor das impurezas carrega os “pecados” (GIRARD, 1998), o questionamento que
acompanhava me serviu de catalisador para buscar novos rumos pela busca de
respostas, quanto às problemáticas relacionadas à instituição policial militar e o
policiamento de uma forma geral. Dado ao fato que, ela não questionava apenas a
ordem capitalista, mas toda a credibilidade da ordem moderna-iluminista.
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Figura 3 – Grafias feitas nas paredes de prédios em universidades públicas fazendo
alusão negativa à polícia militar (UFMG em Belo Horizonte)
b)
a)
c)
Fonte: Acervo pessoal do autor. a) Foto ampliada, da fachada de um dos prédios da Faculdade de Filosofia e Ciências
Sociais (FAFICH), no campus principal da UFMG, na cidade de Belo Horizonte, com os dizeres: “PM bom é PM morto”
e “Liber QUÊ, Iguali QUEM, Fraterni QUANDO”. b) Mesma foto do item a., mas sem a ampliação. c) Porta de entrada
do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da UFMG, o destino da visita no dia em que as
fotos foram feitas.
Para o senso comum, os policiais são agentes das forças de opressão;
mas para quem os conhece de perto, sabe que são mais uma minoria silenciada.
Existem formas possíveis de operar o silêncio pela força do capital coisificador ou pelo
(des)trabalho midiático e consequente, fechamento das portas para o palco político
ativo. Assim é imposto o silêncio à classe trabalhadora e a minorias étnicas
respectivamente.
Mas aos sujeitos milicianos da proteção social se opera o silênciocontrolador, dando-lhes espaços de vazão emocional. São, portanto, seduzidos por
artimanhas simbólicas, que oferecem o uso de instrumentos sociais e organizacionais
que permitem o contato com instintos primordiais da base evolutiva humana: guerra,
sangue, adrenalina, caça, aventura, poder fálico, supressão dos efeitos do superego
social, status na disputa homossocial. São prerrogativas muito empolgantes e
cativantes. Quando você alerta a um policial que ele tem sido um operador de um mal
social, ele pode até admitir, mas abandonar todo esse capital simbólico é difícil para
ele.
Não que sobre nós (eles) não estejam também mecanismos de controle
pela via econômico-monetária e pela obstrução a espaços de decisão política, mas
esse mecanismo simbólico de vazão emocional é substancialmente a marca de
supressão da “casta-classe” comerciante por sobre a “casta-classe” guerreira
(PRIESTLAND, 2014). Sobre controle pela via econômico-monetária, pode-se dizer
que o dinheiro, materializado no salário, no soldo (porção de sal dada ao soldado
romano), também opera controle aos policiais. E sobre obstrução a espaços de
decisão política, refere-se ao fato de que policiais militares são “estrategicamente”
afastados de sindicatos e partidos políticos. A tomarem posse de cargos eletivos são
afastados definitivamente de suas funções milicianas. Há algum tempo, as praças
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(soldados, cabos e sargentos) não exerciam direito ao voto e só recentemente a
legislação definiu meios reais para que os policiais militares possam votar mesmo
engajados no serviço de segurança das eleições.
O mecanismo simbólico de vazão emocional pode, infelizmente, ser
comparada a tática do “pão e circo”, não da perspectiva do povo romano da capital e
das províncias que lotavam as arenas tipo coliseu. Os policiais militares são, por esta
interpretação peculiar, capturados emocionalmente por algo semelhante à promessa
de glória, honra, reconhecimento social e prêmio ofertado aos gladiadores.
Presos, portanto, nessa tripla armadilha: pecuniária, simbólico-psicológica
e sócio-política, eles podem protagonizar a mudança institucional esperada? Eles
querem fazer essa mudança? Eles seriam capazes de invalidar as tentativas externas
de mudança? Perguntas que nos remetem à formulação central do problema desta
pesquisa. Mesmo diante de alternativas patentemente mais eficientes,
socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis; por que essas
alternativas são rejeitadas pela instituição policial militar?
Primeira contra argumentação que se deve tecer, ao falar em alternativas
patentemente mais eficientes, para quem são mais eficientes? Quem as considera
legítimas? Se a Instituição, através de seus membros, assim não as consideram,
então invariavelmente ocorrerá rejeição. E mesmo que por força das circunstâncias
impostas pelo meio externo, sejam assumidas mudanças plásticas, de circuito simples,
logo que possível o complexo conjunto de forças internas, acomodar-se-á de tal
maneira a manter o estado semelhante ao original (ARGYRIS e SHÖN, 1978;
MORGAN, 2002).
Por decorrência do problema levantado é preciso fazer outras
considerações por decorrência: o que são instituições? Por que instituições
resistem às mudanças? Como elas reproduzem seus padrões organizativos?
Para essas primeiras indagações, desenvolvemos um diálogo com as bases teóricas
necessárias, nos afastamos do estruturalismo puro e privilegiamos a visão
socioecológica. O resultado da busca por respostas para o primeiro grupo de
questionamentos, do primeiro nível de decorrência concretiza-se na Parte II e em seus
dois capítulos, que caracteriza a fase exploratória básica da pesquisa.
Se aproximando mais das questões próprias da polícia militar, passamos a
perguntar: o que é polícia? Como se constituiu o modelo institucional das
polícias militares do Brasil? Quais fatores específicos compelem à resistência às
mudanças do modelo policial militar? As respostas para essas indagações, não são
definitivas, como aquelas dadas às primeiras também não são, mas para essas
últimas aplicamos o colhido na primeira fase e compomos a Parte III do trabalho de
caráter explicativo.
Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia
Para responder essa pergunta-problema, debruçamos em validar ou
refutar uma hipótese: as polícias militares do Brasil funcionam otimizadas em
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conformidade aos seus modelos mentais institucionais. São esses modelos que
estão em desalinhamento à demanda social declarada.
O enunciado da hipótese levantada pode ser discorrido da seguinte forma,
os entes organizacionais modelados pela instituição policial militar não estão em curso
de mau funcionamento. Eles têm reagido sistemicamente às mudanças estruturais,
devido à incompatibilidade dos modelos mentais recursivamente adotados pelos seus
membros e a suposta demanda social.
A reação inicial é de resistência, devido à robustez do sistema; em
paulatina e cumulativa, pressão social, o sistema se reorganiza, gerando novos
processos de adaptabilidade, com o mínimo de perda de identidade organizacional.
Funções concorrentes de resistência e resiliência que confere ao metassistema
institucional a capacidade de se perdurar, mesmo impondo ao meio social uma
projeção/ação em desalinhamento com os declarados anseios públicos. É preciso
notar que, os modelos mentais que dão suporte a esse aparente desalinhamento,
possuem reverberação na própria sociedade em correlação a uma pressão social
subjacente, legitimadora do uso da força.
A professora Ivone Ferreira Costa (2005), da Universidade Federal da
Bahia, realizou uma pesquisa como tese de doutoramento em Sociologia Econômica e
das Organizações (pela Universidade Técnica de Lisboa), na qual sonda a imagem da
atividade policial entre moradores e policiais que atuam no bairro de Liberdade, na
capital baiana, Salvador. Dos resultados e análises do trabalho de Costa (2005),
vamos nos servir em algumas oportunidades a frente. Agora, cabe trazer uma
assertiva teórica sobre o papel da polícia. Ivone Costa (2005) alega existirem três
papéis: atribuído, transferido e desejado.
Segundo a autora (COSTA, 2005), o papel atribuído é “de natureza
jurídico-política expressa historicamente” na sucessão de diplomas legislativos. O
papel transferido é aquele “deliberadamente permitido pela sociedade que transfere a
outrem o poder do exercício policial e o poder de Polícia”, nesse caso “a sociedade
permite que o poder legal/formal das organizações policiais seja exercido sem
questionamentos”. O ponto crítico dessa transferência está no fato que se trata de “um
conjunto de ações não muito claras nem precisas”, em corroboração ao dito sobre a
atividade policial por David Bayley (2002) e Dominique Monjardet (2003).
Sobre o caso brasileiro, trago novamente a lista dos três tipos de
“bandidos” que poderiam ser diretamente culpabilizados pelos números de mortes de
uma guerra não declarada: poderosos (aliciadores), policiais (corruptos) e pobres
(criminosos). Quando se fala do papel transferido, no contexto de cada um que faz a
transferência, cabe salientar que se esse grupo é considerado por larga parcela da
população como os vitoriosos, os espertos, “aqueles que se deram bem”, então temos
sérios problemas sobre o que esperar de nossas instituições (DAMATTA, 1997;
OLIVEIRA, 2002).
Quanto ao papel desejado, Costa (2005) sinaliza que está “presente em
nosso inconsciente” e faz um questionamento instigador: será que esse papel sombrio
que dizemos querer eliminar, não é na verdade “desejado” por nós? “Será que o que
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se deseja é uma Polícia violenta, que tenha e demonstre força física e que responda
ao medo social da morte ou de outros aspectos do inconsciente?” (COSTA, 2005).
Segundo a pesquisa de opinião realizada pelo DataFolha encomendada
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, inserida no 10º Anuário do FBSP,
podemos apurar um pouco sobre a expectativa dos brasileiros em relação à violência
a à atuação de suas polícias:
População reconhece as difculdades enfrentadas pelos
policiais:
64% da população brasileira acredita que os policiais são
caçados pelo crime e
63% acham que os policiais não têm boas condições de
trabalho.
Polícia é efciente, porém, muito violenta:
50% afirmam que a PM é eficiente em garantir a segurança
da população,
Mas 59% têm medo de ser vítima de violência da Polícia
Militar.
Entre matar e morrer:
76% dos brasileiros têm medo de morrer assassinados, não
obstante,
57% da população acredita que “Bandido bom é bandido
morto”.
A Figura 4 apresenta uma representação gráfica (de complexidade
reduzida) da dinâmica conflituosa entre modelos mentais internos ao contexto
institucional-organizacional, como pode ser visto pelo antagonismo das forças
representadas pelos elementos (c) e (d). Parte desses modelos mentais é formada por
um conjunto instigador da (a) resistência às mudanças (c - modelos mentais
socialmente divergentes) e outra parcela é alinhada à pressão social (d - modelos
mentais socialmente convergentes). Pressão social (b) é aquela principalmente
proveniente de formadores de opinião esclarecidos de certas subjacências das
relações de poder. Por resistência (de uma forma geral) às mudanças (elemento a da
Figura 4), incluem-se tanto (1) a resistência (propriamente dita) fruto direto da robustez
organizacional como (2) a capacidade resiliente, de voltar ao estado anterior, com
poucas alterações efetivas, após abalos causados por pressões externas.
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Figura 4 – Diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às demandas sociais
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Portanto, sustento que o papel inconsciente “desejado” nos termos de
Ivone Costa (2005), muito bem apropriados e cultuados internamente nas corporações
policiais militares, que encontram ecos de concordância na sociedade é a principal
força de resistência ao papel da polícia imaginado pelos “formadores de opinião
esclarecidos”, que tem seu pensamento muito bem refletido nas seguintes proposições
de Ivone Costa (2005): “E, afinal, qual seria realmente o seu papel [da polícia]?
Copartícipe da manutenção da ordem social, dos direitos plenos do cidadão,
protegendo-o, com respeito e confiança, enfim, com alteridade? Seria, sobretudo, um
papel que contribuiria na construção da ordem social democrática de plenos direitos?”.
O papel de copartícipe da ordem social democrática é o sonho dos
formadores de opinião, que infelizmente baseado na minha experiência nativa, posso
dizer que não tem potencial suficiente para influenciar mudanças profundas no
psiquismo institucional. A polícia que demonstra a força física é, em fim, a
consubstanciação de um estado pré-ordenado no inconsciente coletivo.
Fruto dessa dinâmica conflituosa de práticas e intensões ocorre um
movimento organizacional de mudanças, entretanto de cunho mantenedor, que em
último grau é um esforço por sobrevivência, que pode ser confundido, justamente por
essa classe de “formadores de opinião esclarecidos” com um processo de
autosabotagem. Isso devido ao fato de não compartilharem os mesmos valores mais
intrínsecos da condição de ser um nativo dessa cultura institucional.
Mudar e manter-se como é parece paradoxal. A mudança supostamente
acarretaria reorganização. Mas em um sistema autorreferenciado, o equilíbrio é
alcançado não com a inanição, ou ausência de movimento. Trata-se de equilíbrio
dinâmico, homeostase, o corpo em ininterruptos processos metabólicos, renovandose, constituindo-se por novo material orgânico sem, contudo, perder a configuração
original (MORGAN, 2002; MATURANA e VARELA, 1997).
Alguns estudos sob a égide da Ecologia Humana (LAWRENCE, 1993) tem
apontado a teoria sociológica de Anthony Giddens (2003) como uma das mais
apropriadas para uma integração à visão sistêmica. Para nossa pesquisa, em
particular, a noção de homeostase, utilizada por Giddens (2003), oportuna uma luz
inicial para a compreensão da resistência/resiliência institucional. Para Giddens (2003)
a noção de homeostase é o pilar de um dos dois padrões para processos reprodução
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sociocultural40. O primeiro padrão de reprodução é pautado por (1) circuitos de
autorreferência (com indefinidos loops, dando voltas e mais voltas, gastando energia,
mudando as pessoas envolvidas, mas sempre preservando o mesmo padrão
organizativo) o segundo, privilegia a capacidade reflexiva dos agentes, ocorrendo por
(2) uma estratégia intencional para a mudança ou manutenção (onde a estrutura é
alterada e o padrão de múltiplas relações ciclado) (GIDDENS, 2003):
A reprodução do sistema homeostático na sociedade humana pode
ser vista como envolvendo a operação de laços causais, em que uma
gama de consequências impremeditadas da ação realimenta-se para
reconstituir as circunstâncias originadoras. Mas em muitos contextos
da vida social ocorrem processos de "filtragem de informação
seletiva", pelos quais atores estrategicamente colocados procuram
reflexivamente regular as condições globais de reprodução do
sistema, seja para manter as coisas como estão, seja para mudá-las
(GIDDENS, 2003).
Graças a esta capacidade reflexiva, que os agentes de sistemas
sociais podem mudar os quadros organizacionais (GIDDENS, 2003). Desde já,
algo deve ficar muito bem explícito: sustento a viabilidade de mudança institucional da
polícia militar, o que passo a discorrer até as seções conclusivas, é sobre o complexo
conjunto de fatores que faz com que movimentos de mudança, nesse contexto
institucional específico, sejam mais difíceis. Os tais “atores estrategicamente
colocados” estão sutilmente e até inconscientemente trabalhando para a perpetuação
do padrão organizativo das relações internas e externas da PM.
Se não acreditasse na mudança, não haveria sentido para o esforço dessa
pesquisa. A questão é: quais chaves profundas suportam a inalteração dos padrões
organizativos e, evidentemente, seriam as mesmas chaves que desarmadas,
provocariam mudanças em cadeia. Portanto, não se deve ser suscitado o tom
desesperançoso ou fatalista, até que se possa compreender os entremeios dessa rede
complexa de imagens mentais convertidas em elementos simbólicos. A abordagem
escolhida a partir de um aporte teórico sistêmico, que privilegia a interpretação dos
fatos mentais profundos pelo prisma arquetípico, pode aparentar, em um primeiro
momento, não haver chance de mudança, mas é o mesmo aporte, numa síntese
integrativa, que nos levará a conhecer janelas de oportunidade para operar as
mudanças necessárias.
Portanto, espera-se que seja observado o termo “capacidade reflexiva”, ou
seja, supõe-se que existe um agente exercitando faculdade habilitadora a ponderar e
escolher “destino diferente”, daquele relegado pelas estruturas/processos instituídos.
Sobre “destino” diferente, devo destacar que mesmo podendo perceber o
processo evolutivo biológico contíguo a uma ontologia cultural da espécie, no qual há
uma tendência de supormos um determinismo biológico, existe um espaço de
manobra para efetuar mudanças. Sem a “capacidade reflexiva”, colhida (neste caso)
da teoria de Giddens (2003), a jaula de ferro de Weber ([1917] 2004) seria
40
Deveria parecer impróprio usar Giddens (2003) para fazer a analogia com sistemas sociais, pois ele declara ser
contra esse tipo de associação, mas ele mesmo utiliza a noção de homeostase.
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intransponível, não haveria um “mundo como pode vir a ser” como nos afirma Milton
Santos (2001). O Mesmo Milton Santos (2001) deixa claro que é devido à dinâmica de
centros frouxos, que ainda existe a chance de sermos quem desejamos ser, porque
pelo contrário já teríamos nos tornado plenos robôs programados e alienados, como
Zizek (apud MARQUES, 2012) sugere já ter ocorrido. É justamente sobre o como
ativar essa capacidade mesmo contra a influência de forças gregárias da mente
coletiva, que vou abordar paulatinamente neste trabalho, começando pelo aporte
teórico sobre a existência dessas forças, a identificação dos elementos determinantes
da resistência institucional específica da Polícia Militar e possíveis formas de
neutralizar sua potência de manutenção do status quo.
Há algo de peculiar nas instituições policiais que, a priori, permitem-se
discutir o modelo adotado, mas em última instância resistem, como se cuidassem por
um senso de autopreservação (MUNIZ et al., 1997). Tal processo psicodinâmico é
inconsciente e sutil, mas com desdobramento muito contundente no cotidiano de
instituições, notoriamente as totalizantes (GOFFMAN, 1988).
Segundo Dominique Monjardet (2003), “a análise da cultura profissional
dos policiais é o ‘calcanhar-de-aquiles’ de toda pesquisa sobre a polícia”. Para
Monjardet (2003), toda vez que as análises sobre os dados coletados em pesquisas
sobre a polícia demonstrassem uma incoerência, como “que parece escapar à lógica
organizacional”, a cultura profissional seria aludida como princípio explicativo de tais
condutas incongruentes. Monjardet (2003) confessa que o pesquisador das ciências
sociais imbuído de tal tipo em empreendimento, acaba se deparando com “uma
‘variável’ imprevista, ou subestimada no protocolo de pesquisa”.
Esta peculiaridade, essa tal “variável imprevista”, traz à tona um traço
marcante de resistência e um padrão de interferência aparentemente incoerente,
abordada anteriormente como o “calcanhar-de-aquiles” das investigações sociais
sobre a polícia, assim denominada por Monjardet (2003), refletem um mundo profundo
de motivações não reveladas, não apenas dos sujeitos, bem como da coletividade.
Segundo Giddens (2003), estes motivos inconscientes não estão vinculados
diretamente a ações do cotidiano, mas traçam panoramas gerais, como linhas
orientadoras do comportamento, vindas em alguns casos pouco frequentes
irromperem as barreiras da racionalidade lógica e conduzirem “atos falhos” nos termos
de Freud (apud GIDDENS, 2003).
Embora atores competentes possam quase sempre informar
discursivamente sobre suas intenções ao – e razões para – atuar do
modo que atuam, podem não fazer necessariamente o mesmo no
tocante a seus motivos. A motivação inconsciente é uma
característica significativa da conduta humana (GIDDENS, 2003).
Em “Resistências e dificuldades de um programa de policiamento
comunitário” pesquisadoras como Jacqueline Muniz e Leonarda Musumeci e outras,
orientam um projeto piloto, no final da década de 1990, muito antes das UPPs, para
um serviço destacado de patrulha comunitária na unidade da Polícia Militar,
responsável pelo policiamento de uma área nobre do Rio de Janeiro. Acompanhe o
trecho final do artigo fruto dessa pesquisa:
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Nesse clima, não é de estranhar que a desativação do projeto tenha
sido saudada dentro do 19º BPM como vitória dos ‘verdadeiros
policiais’, dos ‘machos’, contra aquela espécie de ‘brincadeira de
menina’ que o policiamento comunitário representava para os
defensores da cultura policial tradicional (MUNIZ et al., 1997).
Assim sendo, tendo chegado ao insucesso, inúmeras empreitadas que
objetivavam tornar a relação desse corpo organizacional institucionalizado melhor
adaptado às novas demandas sociais, restou aprofundar-se ainda mais no entremeio
simbólico dos modelos mentais que rege a atuação e que lastreia a percepção dos
membros da polícia militar.
Inócuo são as empreitadas que se impregnam do sentimento de
admiração, pavor e reprovação moral apenas pela existência de tais modelos. Pois
são elementos sombrios do inconsciente organizacional. Eles existem 41, oferecem
certa dificuldade para serem verificados pelos instrumentos científicos e, sem juízo de
valores precipitados, são motivo de honra42 e prestígio para alguns e vergonha e
frustração para outros, entre os próprios membros das organizações do uso da força
(militares e/ou policiais) (MUNIZ et al., 1997; MUNIZ, 1999).
Disposição textual
Para alcançar os objetivos desta pesquisa teórica perpassamos por dois
momentos bem definidos: um de exploração básica e um de explicação aplicada.
Cada momento desses ficou registrado como uma parte específica. Além dessas duas
partes nucleares, uma introduz contextualizando como se deu a pesquisa, sendo
equivalente ao quadro metodológico e outra parte que sintetiza os achados das duas
partes nucleares e gera uma síntese que acaba por definir um perfil institucional da
Polícia Militar dentro dos critérios definidos.
Portanto, com o objetivo de responder o problema suscitado, ao fim dessa
dissertação como resultado da pesquisa, propus-me a apresentar um quadro com
os principais elementos da Ecologia Profunda própria do modelo institucional da
Polícia Militar Brasileira, geradores de resistência e resiliência às mudanças
organizacionais exigidas por pressão social. Tal resultado pode ser constatado na
Parte IV, onde se trata da Síntese Integrativa e Visão Prospectiva, tanto quando
abordo uma tipologia arquetípica dos perfis policiais idealmente construídos no meio
institucional, que é o tema de todo o Capítulo 8: “Tipologia guerreira no contexto
policial militar”, tanto quando abordo uma sondagem sobre a “chave guerreira”, ou
seja, a dinâmica simbólico-imagética de regência de alguns tipos policiais sobre os
demais. Justamente no Capítulo 9 (Desmobilizando a Chave Guerreira), denuncio o
processo hegemônico de regência ideológica intrainstitucional e abro discussão de
como “desativá-la” ou como denomino, desmobilizar.
No capítulo: “‘Um sujeito homem’: Orgulho, preconceito e relativização” de sua tese de doutorado, a professora
Jacqueline Muniz constata esses modelos mentais durante uma pesquisa participante entre policiais militares
cariocas. Um dos modelos que ela destaca é o caráter sexista da cop culture (cultura policial), na PMERJ e em todo
mundo, apoiando-se na literatura internacional sobre o tema (MUNIZ, 1999).
42 Fato observado por MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO (2008) depois de ouvirem 1.120 policiais da PMERJ: “Essa
convicção, apesar de não ser verbalizada por todos os seus membros, foi encontrada em muitos policiais que
entrevistamos, tanto oficiais quanto praças, que manifestam autoconfiança e orgulho de sua profissão”.
41
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E para chegar a esse objetivo final, alguns entremeios precisaram ser
alcançados como resultados específicos, entre eles estão (1) ofertar contribuição
conceitual de abordagem ecológica para o estudo organizacional, como se vê no
Capítulo 4. (2) Modelar uma representação conceitual da evolução histórica das
matrizes institucionais da polícia militar, como pode ser visto no Capítulo 6. (3) E
descrever por analogias, as principais relações ecológicas profundas das
organizações estruturadas pelo modelo policial militar, como pode ser visto no
Capítulo 7.
Portanto os capítulos 8 e 9 concretizam o objetivo geral da pesquisa e os
capítulos 4, 6 e 7 trazem os resultados que concretizam os objetivos específicos.
Recapitulemos a disposição textual, por quanto, admito ser uma produção
extensa e permeada de muitas conexões, que exigirão atenção e atitude de
disponibilidade para compreender primeiro a natureza das instituições como
elementos ecológicos, para depois passar a ter uma consciência sobre a natureza da
Polícia Militar. Para isso a dissertação que reflete os caminhos e os resultados da
pesquisa está estruturada além da Introdução e Conclusão em 10 capítulos divididos
em 4 partes, quais são:
Parte I
-
Eu e a Polícia Militar: caminhos da pesquisa;
Parte II
-
Exploração Básica: Ecologia Profunda e Organizações;
Parte III
-
História e Ecologia da Polícia Militar e
Parte IV -
Síntese Integrativa e Visão Prospectiva.
A Parte I é aquela que contextualiza a pesquisa, denomina-se “Eu e a
Polícia Militar: caminhos da pesquisa” e divide-se em dois capítulos. O Capítulo 1:
“Percurso Metodológico” trata de alguns parâmetros do percurso da pesquisa, o
contexto da propositura do trabalho, a seleção da abordagem teórica, uma definição
mais enfática do objeto e uma discussão teórica das metodologias de interpretação e
instrumentos de apreensão da realidade. Essa discussão se fez necessária devido o
fato do desenho da pesquisa ter requerido um leque de metodologias e instrumentos
que possuem uma adesão e uso insipiente nas pesquisas do tema abordado, a saber,
a autoetnografia, a etnografia digital, o mapeamento filogenético aplicado à análise
institucional e a imaginização como uma aplicação peculiar da imaginação ativa ao
estilo de Jung por Gareth Morgan para o estudo organizacional.
O Capítulo 2: “Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um
policial”, por sua vez, encarna a principal metodologia de abordagem da realidade
psicossocial pesquisada e instrumento de apreensão que valida a experiência do autor
como policial militar, para ser o meio de captar o sentido profundo da vivência de ser
um nativo da dada instituição. Esse meio é a autoetnografia, sob qual a base teórica
que suporta seu uso é discutida no capítulo anterior. No Capítulo 2 é permitida ao
autor uma construção mais próxima da biográfica para que dela surjam os dramas
pessoais e os elementos formativos dos contextos coletivos institucionais a partir dos
quais é possível inferir as causas dos problemas motivador da pesquisa.
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Findada essa primeira parte, partimos para a construção teórica geral, que
pode ser aplicada, em empreitadas futuras, para a compreensão sistêmica de outras
instituições e/ou organizações. Trata-se da Parte II: “Exploração Básica: Ecologia
Profunda e Organizações”, composta por dois capítulos. Sobre esta parte e seus
capítulos cabe uma nota, não obstante esta parte do trabalho ter uma pretensão de
discutir fundamentos teóricos e construir uma proposição de abordagem
organizacional ecológica profunda, ela traz inserções de contextualização sobre o
quanto esses conhecimentos podem elucidar o caso específico da Polícia Militar.
Assim o fazemos, para que toda revisão literária e produção primária de cunho teórica
não fique dissociada do objeto primaz da pesquisa, ou seja, um direcionamento para a
resolução da problemática institucional levantada.
O primeiro capítulo da Parte II denomina-se “Ecosofia: Sabedoria
Ecológica” e é o Capítulo 3 da dissertação, ele corresponde a maior parcela da
Matriz Teórica de suporte do presente trabalho. É fruto de uma revisão bibliográfica
extensa e múltipla em campos do conhecimento, que também envolve inúmeras
audições de material audiovisual. Tudo para lastrear um estudo interdisciplinar.
Estabelecemos três quadros teóricos de referência: um articulador, um
integrador e um temático. A articulação cabe à Visão Sistêmica Unificada
específica do físico austríaco Fritjof Capra. Essa abordagem de Capra nos serve de
suporte e constitui-se em um compêndio que aponta para quais outros autores
contribuem para uma visão de sistemas sociais como organismos vivos, visão que não
foi possível ser apreendida em um único campo do saber. Essa construção vai beber
em fontes como Física Quântica, Psicologia Analítica, Psicanálise, Psicologia Integral,
Teoria da Estruturação (teoria sociológica), Biologia Evolutiva e Cognitiva, Teoria dos
sistemas sociais (teoria jurídico-comunicacional), Teoria da Ação e Imagética aplicada
a Estudos Organizacionais.
Esse multiparadgmatismo articulado em uma abordagem sistêmica é
justamente a caracterização de um estudo interdisciplinar de Ecologia Humana,
portanto, infundindo o trabalho com a forma peculiar de associar toda essa
potencialidade da espécie humana como estratégias de adaptação do processo
evolutivo. A integração dos saberes em um senso de conexidade parte das múltiplas
ecologias que formam a Ecologia Humana Integral: Ecologia Social, Mental,
Profunda e do Ser (do corpo, da alma e do espírito). Como elas suscitam saberes
de cosmovisões diferentes e saberes transcientíficos, há importante contribuição do
taoísmo chinês e do hermetismo egípcio. Outras influências filosóficas e religiosas
emergem ao longo do texto em outros capítulos, tais como cristianismo gnóstico,
alquimia, hinduísmo, neoconfuncionismo, sufismo islâmico, estoicismo pré-socrático,
espiritualismo universal e ufológico, enredos mitológicos tais como o yorubá, o grecoromano e o judaico cabalístico.
O quadro de referência temático é formado por produção específica
sobre Segurança Pública e a Polícia Militar Brasileira e está difuso, sobretudo,
sustentando as seções introdutórias dos capítulos da próxima parte com maior
destaque para ao Capítulo 7: “História da Polícia Militar”, mas encontram ressonância
nos diversos trechos que é preciso contextualizar a discussão teórica com o quadro
geral da segurança pública brasileira ou específico das características institucionais da
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Polícia Militar. No Capítulo 3, reservamos uma seção para apresentar as fontes desse
quadro e registrar onde elas foram utilizadas no restante da dissertação.
O capítulo subsequente é o quarto da dissertação, no qual se concentram
os resultados da elaboração teórica básica e o suporte teórico imediato para essa
elaboração. Denominado de (Capítulo 4) “Ecologia Mental Organizacional”, propõe
um esquema de Ser Organizacional composto pelo detalhamento de sua constituição,
da dinâmica psíquica coletiva e de sua reprodução quanto um organismo social.
Fechando o capítulo há uma breve discussão sobre a característica de resistência
institucional a mudanças como uma herança do mal civilizatório geral, o que se
constitui uma forma peculiar de explicar uma das ecologias das ideias danosas como
queira Guattari (1990) ou Bateson (1972).
Chegando ao momento de descrever os resultados da fase de explicação
aplicada ao problema, começa-se a Parte III que se refere à “História e Ecologia da
Polícia Militar”. Para demonstrar um pouco da trajetória dessa etapa da pesquisa,
fazemos no Capítulo 5 uma “Arqueologia Simbólica da Polícia Militar” aplicando o
método de hermenêutica de padrão junguiano aos símbolos gráficos e heráldicos
utilizados pelas polícias militares estaduais e a distrital no Brasil. Como resultado
desse capítulo, percebe-se a potência oculta dos símbolos compartilhados pelas
corporações, destacam-se três deles: o emblema e a insígnia institucional, além da
estrela de cinco pontas. Da diferença do suporte necessário para a compreensão do
emblema e da insígnia, dispõe-se a rumar a um caminho histórico e outro imagético
para revelar relações ecológicas profundas.
É no Capítulo 6: “História da Polícia Militar: genealogia das matrizes
institucionais”, que as polícias militares são vistas tal como ficou estabelecido no
Capítulo 4, espécies organizacionais de um tronco filogenético institucional, portanto,
buscam-se as instituições do passado que serviram de matriz para a atual constituição
das corporações. Fizemos uma genealogia, começando com os primórdios da atuação
policial e prosseguimos com as matrizes específicas do modelo brasileiro: a
Gendarmaria Nacional francesa, a Guarda Nacional Republicana portuguesa e a
Polícia Militar do Exército norte-americano, além de outras instituições sociais típicas
do contexto português colonizador. Neste capítulo, revelamos ainda modelos mentais
associados a representações sociais e históricas, que agem como ordenadores do
comportamento organizacional, como vestígios da memória institucional, tais como o
capitão-do-mato, o feitor ausente, o soldado romano, o guerreiro tribal africano, os
quadrilheiros entre outros. Ao fim apresentamos um diagrama que demonstra a
influência dessas matrizes ao longo do tempo no desenvolvimento da identidade
institucional da PM e a esse diagrama denominamos de mapeamento filogenético.
Tendo vasculhado a constituição histórica da instituição, em seguida, como
que se pudesse por a pessoa organizacional no divã, fizemos uma análise das
manifestações do inconsciente dela, analogias que ilustram seu lado sombrio e sua
anima-animus. O Capítulo 7: “Ecologia Profunda da Polícia Militar” é composto
com trechos que “imaginização” da instituição através de recursos metafóricos, cada
seção dá espaço para uma expressão específica desse tipo: a luta ideológica interna
como uma disputa de elementos de gênero (masculino e feminino); corporações
policiais como espécies potencialmente invasoras de um ecossistema alheio, como
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indutores de verticalidades; a elaboração de um pequeno ensaio que define uma casta
“bioantroplógica” dos guerreiros; o exercício da atividade policial como um sacerdócio
servil que cumpre um rito sacrificial; o trabalho policial como remanescência da
atividade de caça das comunidades humanas primitivas e as organizações policiais
(de força-vigor) como espaços de culto a deuses guerreiros. Com o desdobramento
deste capítulo, mais modelos mentais e arquétipos fundantes da polícia militar são
revelados.
Como já havíamos dito, na Parte IV – Síntese Integrativa e Visão
Prospectiva, fazemos a entrega do resultado que consubstancia o objetivo geral da
pesquisa. No Capítulo 8: “Tipologia guerreira no contexto policial militar”,
estabelecemos uma tipologia arquetípica do espírito guerreiro que influencia a
atividade policial, com claras inspirações na fundamentação mitológica e em um
alinhamento com as funções psicológicas do equipamento psíquico, segundo Carl
Gustav Jung. Fazemos, portanto, uma classificação, inspirada no taoísmo, que
contempla as quatro funções psíquicas: Sentimento, Sensação, Intuição e
Pensamento e estabelecendo os quatro tipos policiais: pai-zeloso, herói, aventureiro
e guerreiro.
Ao longo do Capítulo 9: “Desmobilizando a chave guerreira”,
discorremos sobre a hegemonia ideológica de dois tipos em suas expressões
sombrias: o guerreiro-caveira e o aventureiro-caçador. Narro a minha experiência de
adaptação e busca por alinhamento aos perfis modelares hegemônicos. Exponho
como esses perfis ideológicos disputam a primazia na regência dos destinos
institucionais, tal qual uma disputa homossocial de padrões de masculinidades
(CONNELL, 1995; COLLINSON e HEARN, 2005). Esclareço sobre a tendência
negativamente entrópica de uma queda moral, para a qual aludimos a Phillip Zimbardo
(2008) e usamos o conceito de Efeito Lúcifer. Voltamos ao método de arqueologia
simbólica e vasculhamos os símbolos empregados pelas unidades policiais militares
especializadas em Choque, Operações Especiais e Patrulhamento Tático Móvel, com
um substancial destaque para esse último nicho.
Com os tipos policiais arquétipos guerreiros do Capítulo 8 e a discussão do
Capítulo 9, sobre a “chave guerreira” e a lógica necessária para desativá-la; chegamos
a hora de olhar para o futuro e antever os destinos possíveis para a Polícia Militar.
Justamente no Capítulo 10: “Extinção ou reformulação institucional?”, traçamos
um cronograma de ações sugeridas para implantar mudanças que desbanquem a
hegemonia ideológica interna. Não obstante, propor mudanças, discorremos sobre
circunstâncias e peculiaridades entre as diferentes corporações estaduais, que
ensejariam mais que mudança, a própria extinção da PM. É no entremeio desse
debate, que temas atuais sobre a mudança institucional são tratados, tais como
desmilitarização, unificação, federalização, municipalização, desconstitucionalização.
O Capítulo 10 está para a dissertação como uma conclusão técnica, que
apresenta sugestões de melhoria e de aplicação dos resultados e a seção
denominada de “Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro”, configura-se uma
conclusão de caráter filosófico-espiritual, o qual o drama institucional da sede dos
guerreiros, de âmbito nacional – como é o caso das polícias militares – é
contextualizado com a crise civilizatória geral.
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PARTE I
EU E A POLÍCIA MILITAR: CAMINHOS DA PESQUISA
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CAPÍTULO 1 | PERCURSO METODOLÓGICO
Natuteza da pesquisa
Este trabalho trata-se de uma pesquisa teórica, que tem por objetivo,
esclarecer melhor as relações entre os elementos sutis de um dado sistema. A forma
geral de abordagem é qualitativa.
Método de abordagem
O método da perspectiva de apreensão da realidade é o pensamento
sistêmico, conjugado com as referências de enfoque linear-analítico adequado ao
estudo das partes, relações ou subsistemas integrantes.
Portanto, uma abordagem holística, numa visão sistêmica unificada43
das dimensões do ser/saber humano. Quanto aos métodos de procedimentos, adotouse uma composição mista, por influência da própria composição do mosaico teórico de
Fritjof Capra, e pela necessidade de filtros específicos para a observação das relações
lineares em particular, como nos esclarece Chew (1964), Mariotti (2000) e Morin
(2008).
Cientes de que o pensamento sistêmico corresponde a uma forma de
compreender uma dada parcela de relações da realidade e que outra inevitavelmente
é preciso um prisma analítico próprio para compreender um sistema ou contexto
delimitado (MARIOTTI, 2000). Segundo Mariotti (2000), “o racional vem do emocional,
não o contrário, [...] mas isso não quer dizer que devamos deixar de ser racionais”.
Apenas que “precisamos aprender a harmonizar razão e emoção, pensamento linear e
pensamento sistêmico” (MARIOTTI, 2000). É por esse motivo que apesar desse
trabalho sediar-se no terreno do pensamento sistêmico com as articulações próprias
da Ecologia Humana, não dispensa o uso de partículas de corpos teóricos de análise
linear.
Para Humberto Mariotti, “não se pode desenvolver uma compreensão
satisfatória da cidadania e do desenvolvimento sustentado com base apenas no
pensamento linear”, porque:
Os argumentos racionais são úteis para iniciar conversações. Mas se
eles insistem em permanecer lineares (ou seja, excludentes, binários,
apegados ao “ou/ou”), isso significa que querem manter-se como os
únicos “verdadeiros”, isto é, que não respeitam a diversidade. E esta,
como sabemos, é uma das bases da cidadania (MARIOTTI, 2000).
Mariotti (2000) continua dizendo que é por isso que “não se pode
desenvolver uma compreensão satisfatória da cidadania e do desenvolvimento
sustentado com base apenas no pensamento linear” e, portanto, “o pensamento
sistêmico, quando isolado, é também insuficiente para as mesmas finalidades”.
43
Por não existir um corpo único de subsídios para formulações em pensamento sistêmico, adotou-se aquele que
respalda a interpretação e sistemas sociais como sistemas vivos, o quadro de referência constituído por Fritjof
Capra em suas obras de física nuclear, tradição filosófica e ecologia.
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Descrição sumária do objeto
O sistema estudado é a instituição policial militar brasileira, como
metassistema social humano, que vem a ser corporificado mediante a adesão dos
modelos mentais institucionais por dadas organizações humanas, a priori, as polícias
militares estaduais brasileiras, bem como, em níveis de envolvimento institucional
diferentes: os corpos de bombeiro, as guardas municipais e o setor de segurança
privada no país. A ênfase é pautada na dimensão mental (cognitiva), onde os
elementos investigados são os modelos mentais (ou imagens) que esses sistemas,
compartilham entre si com o metassistema modelar institucional.
Atributos específicos observados do objeto
A questão instigadora está na não adequação da funcionalidade do
sistema com a demanda social declarada. O parâmetro mensurável da inadequação é
o caráter letal e lesivo da instituição perante o corpo social e os próprios membros do
corpo organizacional. Portanto, prontificou-se em debruçar-se nos motivos geradores
de robustez e resiliência, numa perspectiva socioecológica.
Fases da pesquisa e metodologias específicas
A pesquisa se desdobra em duas fases:
(1) A primeira, de natureza básica de objetivo exploratório abrange o
tema das instituições humanas, reprodução cultural, bem como seleciona o aporte
necessário para desenvolver a fase seguinte da pesquisa sob a visão do pensamento
sistêmico. O procedimento técnico empregado é notoriamente a pesquisa bibliográfica.
(2) A segunda fase da pesquisa, tem natureza aplicada de objetivo
explicativo referente ao tema sistema de segurança pública brasileiro e os corpos
militarizados de polícia do sistema luso-brasileiro de manutenção da ordem. Os
procedimentos técnicos empregados para tais fins foram:
Pesquisa bibliográfica tanto de publicações acadêmicas como da
imprensa escrita;
Etnografia Digital (ciberetnografia) como “biblioteca de pessoas”
para perscrutar alguns artefatos da cultura do subgrupo social
estudado: logomarcas, brasões, insígnias, trajes, sítios oficiais das
organizações institucionalizadas. Bem como representações sociais
internas e externas à instituição sobre imagem projetada e
autoimagem percebida por meio de produções ficcionais (como
filmes, livros e séries de TV), por produções autobiográficas e o
destaque das falas de policiais (guardas e familiares) em artigos e
relatórios de diagnósticos de autoria de acadêmicos brasileiros,
além de matérias jornalísticas;
Autoetnografia por memórias de seguidas observações
participantes assistemáticas, tendo sido a integração com o grupo
estudado ocorrida de forma natural; recaptuladas por um processo
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de simulação de vozes: do etnógrafo e do etnografado, registrado
no formato de entrevista escrita, sendo aproveitado na redação final
os trechos pertinentes à compreensão e ilustração dos pontos
abordados;
Pesquisa documental: produção legislativa e fontes estatísticas;
as principais fontes foram: a Câmara dos Deputados, o Senado
Federal, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o
Exército Brasileiro (pela Inspetoria Geral das Polícias Militares IGPM) de onde partiu-se para os sites institucionais de cada
Corporação estadual e a distrital de polícia militar; o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), órgãos das Nações Unidas e a União Americana
de Liberdades Civis (ACLU);
Circunscrição disciplinar
Na compreensão de Nicolescu (1999), nosso trabalho se trata de uma
investida interdisciplinar que tem como ponto de partida a Teoria Organizacional, é a
transversalidade do tema que opera a sobreposição dos campos de saber e que exige
a troca de conceitos e metodologias, tendendo nossa modelização a uma postura
transdisciplinar.
Iarozinski Neto e Leite (2010) esclarecem que na abordagem [da
interdisciplinaridade “há uma interação participativa de um grupo de disciplinas
conexas, cujas relações são definidas a partir de um nível hierárquico superior,
ocupado por uma delas” (JANTSCH; BIANCHETTI, 1999 apud IAROZINSKI NETO E
LEITE, 2010). O objetivo é a “transferência de métodos de uma disciplina para outra”
(NICOLESCU, 2005 apud IAROZINSKI NETO E LEITE, 2010).
Resultados esperados
O desfecho geral da pesquisa, no entrecruzamento entre a exploração
básica e a explicação aplicada, no momento de produção do conhecimento,
empenhou-se em “esclarecer melhor as relações entre os elementos”, através da
produção múltipla e consecutiva de modelos de desenho sistêmico e/ou simbólico na
formação de uma síntese.
Melhor fica explanado, ao elencar os procedimentos específicos para a
formação da síntese e seus modelos conceituais específicos, fazendo-o em correlação
aos objetivos declarados da pesquisa. Começa-se pelos empreendimentos em prol de
chegar até os objetivos específicos para conclusos, alcançar o objetivo geral:
Objetivo específico (a): Ofertar contribuição conceitual de abordagem
ecológica para o estudo organizacional.
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Métodos de produção modelo conceitual: Modelagem conceitual própria
para apresentar a constituição da pessoa organizacional e dinâmica de reprodução
institucional.
Objetivo específico (b): Modelar uma representação conceitual da
evolução histórica das matrizes institucionais da polícia militar;
Métodos de produção de síntese/modelo conceitual: Mapeamento
Filogenético aplicado à análise histórica institucional, conforme o modelo inicial
proposto tal como proposto no tópico “Mapeamento filogenético e Análise histórica
institucional” deste mesmo capítulo.
Objetivo específico (c): Descrever por analogias, as principais relações
ecológicas profundas das organizações estruturadas pelo modelo policial militar.
Métodos de produção de síntese/modelo conceitual: "Imaginin.i.zation"
("Imaginização"): uma espiral de múltiplas alegorias, contendo simbolizações, que
circulam em redundâncias amplificadoras do valor simbólico, até culminar em revelar o
dominante inconsciente, do qual o conjunto simbólico são expressões cognoscíveis
(DURAND [1964] 1995; MORGAN, 2002).
Trata-se, portanto, do processamento simbólico arquetípico, com seus
recursos processuais disponíveis (amplificação simbólica, imaginação ativa,
hermenêutica construtiva) que importa realizar associação, comparação e síntese.
Neste caso, o conjunto método/técnicas do paradigma junguiano está à serviço de
uma peculiar análise institucional, ao modus de racionalização/intuição de Gareth
Morgan para o ambiente-função-entidade organização humana (sistema
sociohumano), como coletivo que concomitantemente empresta conteúdo para o outro
"interno" das pessoas membros e impõe padrões normativos na figura do Outro
"externo".
Detalhes teórico-metodológicos
Para entender o caminho percorrido neste trabalho, a natureza da
pesquisa e as estratégias empregadas, discorrer-se-á sobre os seguintes pontos:
Alguns parâmetros do percurso: natureza geral da pesquisa
teórica; o uso de metáforas e o uso da modelagem conceitual.
Contexto da propositura da pesquisa: as condições, eventos e
questionamentos que antecederam a delimitação dos parâmetros
desta pesquisa.
Definição do objeto: delimitação do sistema de contexto, o
subsistema de enfoque, a característica sistêmica.
As metodologias e instrumentos: primeiramente, resgatou-se os
objetivos do trabalho, para definir as metodologias de abordagem e
de interpretação elencadas para cada um. Além dos instrumentos
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pertinentes ao acesso aos dados, bem como os procedimentos de
produção de síntese. Logo mais, prossegue-se com explicações
com mais inteireza sobre: imaginização, mapeamento filogenético,
autoetnografia e etnografia digital.
A figura abaixo (Figura 5) é um diagrama representativo que resume as
principais características desta pesquisa, o transcurso das fases em correlação aos
desdobramentos necessários a partir da pergunta-problema.
Figura 5 – Diagrama representativo do percurso metodológico
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Portanto para esta pesquisa, “apresentar um quadro com os principais
elementos da Ecologia Profunda própria do modelo institucional da Polícia Militar
Brasileira”, como objetivo geral, trata-se de sondar por aproximações quais modelos
mentais geram resistência de forma geral (tanto resistência direta como forte
resiliência) às mudanças organizacionais exigidas pela pressão social declarada.
A figura abaixo (Figura 6) representa graficamente o que viria a ser um
quadro dos modelos mentais, onde há grafado uma interrogação estão blocos
retangulares, onde no interior de cada devem, ao fim esta pesquisa está designações
de “complexos-arquétipos” específicos do ethos policial militar. Aqueles à esquerda
são os modelos mentais socialmente divergentes que mais contribuem para a
resistência institucional.
Ao meio do quadro da Figura 6, devem ficar aqueles que ocasionalmente
corroboram para resistência institucional, ora para mudança em alinhamento à
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demanda social declarada. À direita, inscrevem-se os modelos mentais que forem
identificados tanto na análise institucional histórica ou pela prospecção das imagens
arquetípicas como aqueles que cooperam para a mudança salutar das organizações
policiais militares em direção à estrutura e aos processos mais consentâneos aos
princípios ecológicos.
Figura 6 – Representação gráfica do quadro de modelos mentais, meta do objetivo geral.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Uma pesquisa; duas trajetórias: uma histórica e uma ecológica profunda;
dois níveis de interesse: a polícia militar brasileira e uma ecologia das organizações,
tendo como aspectos e contexto: as instituições e a sociedade.
Uma investigação envolvida em um multiparadigmatismo peculiar da
Ecologia Humana, buscando novas respostas, para perguntas recorrentes nas
problematizações do sistema de Segurança Pública.
Alguns parâmetros do percurso
Natureza geral da pesquisa: teórica
Por pesquisa teórica entende-se “é aquela que monta e desvenda quadros
teóricos de referência” (DEMO, 1985). Portanto, trata-se de um empreendimento
científico dedicado “a reconstruir teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo
em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000). Ainda
segundo Pedro Demo (2000), a pesquisa teórica, não é menos relevante para o
avanço da ciência, por não propor imediata intervenção na realidade, na verdade, o
papel da pesquisa teórica é determinante para a criação contextual de condições
favoráveis para intervenções futuras.
Para essa empreitada o pesquisador teórico deve ter “conhecimento
criativo” dos autores do quadro teórico de referência original, com o qual irá dialogar e
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isso é feito pelo “domínio da bibliografia fundamental”. Tal acervo informacional do
campo de conhecimento pode ser aceito, rejeitado e com ele dialogar criticamente.
O domínio dos autores pode ajudar muito a criatividade do cientista,
porque através deles chega a saber o que dá certo, o que não deu
certo, o que poderia dar certo, e assim por diante [...] O bom teórico
não é tanto quem acumulou erudição teórica, leu muito e sabe citar,
mas principalmente quem tem visão crítica da produção científica,
com vistas a produzir em si uma personalidade própria (DEMO,1985)
[grifo nosso].
Segundo Lakatos e Marconi (2003), “a teoria indica lacunas no
conhecimento”, lacunas que podem ser entendidas como “fatos e relações até então
insatisfatoriamente explicados”, isso quando não forem áreas do saber inexploradas.
O uso das metáforas
A delimitação se deu mediante a capacidade do instrumento metodológico
de apreender parcelas cognoscíveis do Real com confiabilidade suficiente para se
enquadrar como uma pesquisa científica. Neste caso o que justifica selecionar um
fragmento ou subsistema (de fragmentos) mediante o uso de entidades mediadoras, a
saber, as alegorias e símbolos, contidos nas metáforas.
De antemão, fica registrado que é próprio da natureza do objeto que fora
pesquisado oferecer dificuldades de ser capturado e tratado. Imbuindo essa pesquisa
de um encargo adicional de servir de fator de contribuição para o desenho conceitual
de um transcurso teórico-metodológico que contemple a realização daquilo que mais
se aproximaria de uma análise socioambiental de organizações institucionalizadas,
com enfoque na dimensão mental (BATESON, 1972; [1979] 1986); denominada de
dimensão cognitiva na visão sistêmica, pela influência da Escola de Santiago e suas
decorrências (PRIGOGINE apud CAPRA, [1988] 1995; 2005; LUHMANN, [1997] 2006;
MATURANA e VARELA, [1984] 1995).
Entre vários autores que foram referenciados neste trabalho e que tem sua
forma própria de explanar sobre esses elementos de cunho universal, temático
(MOSCOVICI, 2003), contextual (GOSWAMI, 2005) e de tipo primordial (JUNG, 2000),
deixo-me explicar pelas próprias palavras de Gregory Bateson, mediante diálogo
mantido com Fritjof Capra44 ([1988] 1995). Para mim o ponto culminante da
interlocução de Bateson é “Sim, metáforas. É assim que se sustenta todo esse tecido
de interligações mentais. A metáfora está no âmago do estar vivo”.
[...] estávamos sentados num terraço de Esalen, e Bateson falava
sobre lógica. “A lógica é um instrumento muito elegante”, disse ele, “e
fizemos bom uso dela nesses últimos dois mil anos. O problema é
44
Foi dada preferência à extração do trecho na íntegra do diálogo registrado por Capra (1995) com Bateson, devido
o quanto revelador é a linguagem coloquial e simples para explicar fenômenos complexos e talvez avalisar o fato
que um padrão referencial primordial como as metáforas pode sim ser o veículo da “comunicação intrapsíquica
inconsciente” e por desdobramento o mesmo padrão compor as interconexões de tudo aquilo que pode
“aprender”. E que seria esse: tudo aquilo que pode aprender? Maturana e Varela (1995) alegam ter essa
competência todos os organismos biológicos, desde os unicelulares e Argyris e Shön (1978) defendem a mesma
capacidade para as organizações sociais, assim como pode ser depreendido de Luhmann (2006).
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que quando a aplicamos aos caranguejos e às tartarugas, às
borboletas e à formação do hábito...“ Sua voz foi se extinguindo, e
depois de uma pausa ele acrescentou, contemplando o oceano:
“Bem, para todas essas coisas lindas”, e olhou diretamente para mim,
“a lógica simplesmente não serve”.
“Como assim?”
“Não serve”, prosseguiu ele animado, “porque não é a lógica que
torna coeso todo o tecido das coisas vivas. Perceba, quando criamos
encadeamentos causais circulares, como sempre acontece no mundo
vivo, o uso da lógica nos faz deparar com paradoxos. Veja o caso do
termostato, um dispositivo sensorial simples, não?” Olhou para mim,
querendo saber se eu o estava acompanhando, e, vendo que sim,
prosseguiu.
“Se está ligado, está desligado; e se está desligado, está ligado. Se
sim, então não; se não, então sim.”
Ficou quieto então para que eu ponderasse sobre o que dissera. Sua
última frase me lembrava os paradoxos clássicos da lógica
aristotélica — e isso era evidentemente o que ele pretendia.
Arrisquei, portanto, um salto. “Você quer dizer que os termostatos
mentem?”
Os olhos de Bateson reluziram: “Sim-não-sim-não-sim-não. Veja que
o equivalente cibernético da lógica é a oscilação”.
E calou-se de novo. Nesse instante, percebi algo subitamente, e
estabeleci uma conexão com algo que despertara meu interesse há
muito tempo. Fiquei bastante excitado, e disse com um sorriso
provocador:
“Heráclito sabia disso!”
“Heráclito sabia disso”, repetiu Bateson, respondendo ao meu sorriso
com o seu.
“E também Lao-tse”, prossegui.
“Certamente; e também aquelas árvores ali. A lógica não serve para
elas.” “O que elas usam então?”
“Metáforas.”
”Metáforas?”
“Sim, metáforas. É assim que se sustenta todo esse tecido de
interligações mentais. A metáfora está no âmago do estar vivo.”
CAPRA, [1988] 1995, p. 62
Segundo Capra ([1988] 1995), o pensamento de Bateson era notavelmente
único porque era amplo e alcançava uma generalidade de fenômenos, justamente
numa época marcada “pela fragmentação” e “especialização”, “Bateson desafiou os
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pressupostos básicos e os métodos das várias ciências ao buscar os padrões que se
articulam por trás dos padrões e os processos subjacentes às estruturas” (CAPRA,
[1988] 1995). Para Bateson (apud CAPRA, [1988] 1995), “a relação deveria ser a
base para toda definição e sua meta principal seria a de descobrir os princípios de
organização em todos os fenômenos que observava”, Fritjof Capra lembra
saudosamente que para Gregory Bateson o conjunto desses princípios demarca “o
padrão que une” tudo.
Apesar de inferir por constructos teóricos científicos, filosóficos e
transcientíficos a existência/ocorrência desses padrões, a metodologia apropriada
para sua captura não nos parece muito fácil.
Em tópico posterior, vamos abordar uma das metodologias instrumentais
desta pesquisa, a “imaginização” como proposta aplicada à Teoria Organizacional.
Porquanto, ao fazer essa proposta de aplicação, Gareth Morgan (2002) nos informa
que “[...] aplicada deste modo, a metáfora torna-se um instrumento - eu diria até, um
instrumento primário - para criar e compreender o que reconhecemos como
organização e administração”. Por esta linha, percebe-se a forte influência da
Linguística Cognitiva no trabalho de Morgan (2002) e, portanto, assim como indica
Fritjof Capra (1995), torna-se indispensável aludir ao psicoterapeuta e filósofo George
Lakoff, hoje da Universidade da Califórnia, em Berkeley e ao filósofo Mark Johnson, da
Universidade do Oregon, mediante a obra “Metáforas da Vida Cotidiana” (2002).
Morgan (2002) introduz a questão tal qual fazem os filósofos norteamericanos Lakoff e
Johnson (2002): “não sei se você já pensou sobre isto, mas o próprio conceito de
organização é uma metáfora”.
Os estudos de Lakoff e Johnson (2002) sondam a natureza dos sistemas
conceituais humanos, em temas de profunda relevância para base de nossa dinâmica
interacional formativa dos grupos, ou seja, de nossa vida social. Metáforas são por
eles (LAKOFF E JOHNSON, 2002), acertadamente, vistas como um aspecto formal da
linguagem, esse atributo não é desconsiderado. A figura de linguagem metafórica, na
verdade, evidencia-se porque significante e significado ficam intermediados por várias
camadas de correlação, deixando claro o uso análogo, a comparação ilustrativa.
Contudo, “na vida cotidiana” tudo o que usamos para nos expressar são metáforas
corporificadas, estruturando todo tipo de conceito a partir de outros conceitos mais
básicos e concretos. Tudo isso, como ressalta Capra (1995), baseado a partir do
corpo. Mente e corpo nisso não estão separados, a dinâmica mental sustenta-se no
ponto de inferência corporal para aludir a tudo. Algo é quente quando é mais
interessante. O futuro está à frente e o passado para trás. Aquilo que lidera, encabeça.
E assim, seguem outros exemplos cotidianos.
São essas correlações entre Capra (1995), Lakoff e Johnson (2002),
Morgan (2002), Bateson (1972) e Maturana e Varela (1995) que nos asseguram as
pontes interdisciplinares de coesão entre Ecologia, Biologia, Teoria Organizacional,
Linguística e Filosofia. E assim como Bateson faria, “ligamos os pontos” e um sistema
social (LUHMANN, 2006) tal como uma organização, tem sua biologia e sua ecologia
profunda, incluindo a mental. Não se trata de metáfora da estrutura complexa das
línguas humanas, usadas na arte poética, quando dizemos “a natureza da Polícia
Militar”, “sua biologia e sua ecologia”, são as metáforas que lidam com temas
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universais assim como nos esclarece Serge Moscovici ([2000] 2003), ao aludir a uma
categoria de representações sociais primordiais que antecedem as historicamente
construídas e são recorrentes em todas as sociedades em tempos diversos: “themata”,
entendido por Moscovici (e VIGNAUX, 200345 apud AMARAL e ALVES, 2013) como
“princípio organizador”, “máxima” ou “ideia central”, “ideia universal”.
Contexto da propositura do trabalho
A frustração dos acadêmicos
Em suma, neste tópico serão apresentadas a indagações e trabalhos que
antecederam a esta pesquisa, os quais justificam a não adoção da abordagem
convencional para tratar do tema de Segurança Pública. Destacadamente, tratam-se
de investidas anteriores de acadêmicos conceituados do contexto brasileiro que não
tiveram êxito nas ações reestruturantes. Como bem ficará demonstrado, o insucesso,
não se deu por falta de empenho, mas porque estavam diante da expressão social
“sofisticada” de um conjunto de fortes impulsos sorrateiros da psique coletiva, no
oceano simbólico que envolve o todo social.
Ao longo de pouco mais de uma década de serviço em uma instituição
policial de caráter militar, conjugado com uma formação em Administração, uma
dúvida surgiu em meio a tentativas frustradas de readequação de procedimentos
funcionais: mesmo diante de alternativas patentemente mais eficientes, socialmente
mais legítimas e moralmente mais plausíveis; por que são rejeitadas pela instituição?
No transcurso do amadurecimento dessa percepção empírica, em meio a
relatos de investidas algumas parcialmente exitosas e outras frustradas realizadas por
acadêmicos (ARAÚJO e GIRÃO, 2013; SOARES, 2000; MUNIZ, 1999; MUNIZ et al.,
1997; RATTON, 2016; ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001), entre tantos outros
atores sociais, com objetivos de insuflar mudanças no corpo institucional policial
militar, um simples relato, em especial, configurou-se como pedra de alicerce para o
inicio deste trabalho. Isso se deu porque, o referido relato é de cunho etnográfico, teve
como informantes sujeitos da base hierárquica de um dos “espécimes” organizacionais
do modelo institucional em tela, a saber, a Polícia Militar de Pernambuco; e a breve
análise dos discursos feita no ensaio, está aliada a uma leitura pertinente dos
processos de poder intracorpore.
O “simples relato” trata-se de uma iniciativa coordenada pelo Gabinete
Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), organização não governamental,
que realizou várias investidas de educação em Direitos Humanos feitas em instituições
policias do Nordeste. O resultado publicado foi um livro com relatos de pesquisa,
ensaios e artigos, intitulado: “Polícia e Democracia: desafios à educação em Direitos
Humanos” pela editora Bagaço de Recife, no ano de 2002. O ensaio etnográfico, em
particular, a que se tem feito referência é o de autoria do professor Adriano Oliveira, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), “Um estudo etnográfico da instituição
Polícia Militar”. Adriano Oliveira, no segundo semestre de 2000, presenciou e lecionou
45
As pesquisadoras Amaral e Alves (2013), da PUC-MG, aludem a MOSCOVICI, Serge; VIGNAUX, Georges. O conceito
de themata. In: MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 4. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 2003.
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aulas em diversos cursos no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças
(CFAP) da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE). Naquela ocasião o professor
Adriano propôs algumas ações que esboçavam um plano de mudança, a partir das
constatações que teve, ouvindo os próprios policiais.
Para efeitos didático-explicativos, sintetizaremos em nove proposições: (1)
Construção de uma teoria genética da Instituição Policial Militar. (2) Não confiar
totalmente que a classe detentora do poder interno seja sincera em prol da mudança.
(3) O modelo policial militar teve mais de vinte anos para demonstrar sua eficácia na
diminuição da criminalidade e contrariamente, permite inclusive o aumento. (4) O
modelo não é racional, nem democrático. (5) Não adianta discutir a “aparência” da
instituição. (6) Existem duas polícias, dentro de uma nominal: a dos oficiais e das
praças, sendo apontadas tensões originadas da prática social “arbitrária” por parte dos
oficiais. (7) “Autorizados” a atuar livremente apenas no estrato social mais baixo, não
atuam de forma contumaz contra uma série de “crimes dos ricos”. (8) Uma mudança
das polícias, passa necessariamente por uma mudança na sociedade. (9) É urgente a
necessidade de “mergulhar” na instituição, ouvir a “totalidade” dos componentes e
construir outro modelo (OLIVEIRA, 2002).
Destaca-se o “urgentemente” do nono item, tendo em vista que isso foi
escrito há mais de quinze anos46. Na época, em que se teve contato com o referido
texto, o mais impressionante foi perceber que Adriano acertava irrefutavelmente nas
celeumas mais acirradas do meio institucional policial militar, simplesmente porque ele
depreendia isso da escuta ativa dos atores institucionais, nesse contexto,
protagonistas. Desde então, temos perseguido o objetivo da “construção de uma teoria
genética” institucional, justamente para não se enganar com a aparência das regiões
superficiais da estrutura (OLIVEIRA, 2002; LIMA e LIMA, 2013).
Mas como se constrói tal coisa: uma teoria genética de uma
instituição? Obviamente o termo foi utilizado como figura de linguagem, uma
metáfora que remete a um resgate histórico, que compreende que há origens da forma
institucional e que perpassam por dinâmicas de reprodução cultural. Portanto,
tecnicamente temos uma impropriedade observada ano uso do termo “genético”.
Suas conclusões naquela dada oportunidade, já chamavam a atenção,
pois que seus demais pares da Academia, envolvidos em empreendimentos
reformuladores das arcaicas tecnoburocracias policiais, pareciam não se dá conta da
extraordinária força de resistência da organização-estrutural dessas instituições.
Portanto, logo a frustração de tanto esforço empreendido sem resultados
substanciais surgiria. Segundo Argyris e Shön (1978) isso se dá, quando as
organizações institucionalizadas não aprendem efetivamente, apenas se reformatam
plasticamente47. Observa-se, por exemplo, esse sentimento de frustração nas palavras
da professora Glaucíria Mota Brasil, da Universidade Estadual do Ceará, que em diário
da imprensa cearense, comenta os resultados de cinco anos do programa de
46
Esta dissertação está sendo escrita em 2017, a experiência do professor Adriano Oliveira ocorreu em 2000, ele
escreveu o ensaio entre 2000 e 2002.
47 Aprendizagem de circuito simples e de circuito duplo. Ou ainda, mudança transacional e transformacional,
segundo Burke e Litwin, em “A causal model organizational performance and change”, publicado no Journal of
Management em 1922 (apud BEURON, 2012).
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proximidade da Polícia Militar daquele Estado, denominado de Ronda do Quarteirão:
“Como pesquisadora não me espanta o fracasso do 'Ronda', mas me frustra, como
cidadã principalmente, o fato deste ter se tornado 'o mais do mesmo' na política
estadual de segurança pública” (ARAÚJO e GIRÃO, 2013).
Mas ela não está sozinha, o então professor Luiz Eduardo Soares da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, relata em seu diário de bordo (“Meu casaco
de General: 500 dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro”, 2000), os fatos
ocorridos no período que ocupou cargos no secretariado de Segurança Pública
fluminense. As propostas de mudança da equipe do acadêmico, agora engajado
politicamente, contraditoriamente precisaram ser barradas pelo próprio governador,
porque estavam tendo os resultados esperados, tudo isso num intrincado jogo de
apoio eleitoral e dos interesses dos “profissionais” da área que têm ganhado a
margem do sistema, justamente com o insucesso das políticas públicas de segurança
(SOARES, 2000).
Mais recentemente o professor José Luis Ratton, também da UFPE,
manifestou-se em órgão da imprensa regional. Mentor do Plano Pacto pela Vida,
aderido pelo Governo do Estado, que capacitou o sistema de justiça criminal estadual
de ferramentas do novo gerencialismo na gestão pública, sobretudo com o uso do
painel de indicadores, a análise de causa e efeito, a responsabilização territorial, a
integração das forças operativas em territórios comuns e a contratualização de metas
e consequente pagamento de bonificação dos profissionais que atingissem tais metas.
Entretanto, as palavras de Ratton (2016) foram: “infelizmente, o Pacto pela Vida
morreu” e continua “O Pacto construiu um mecanismo de governança, que hoje está
perdido”.
As ilustrações dos casos de Soares (2000) e Ratton (2016) dizem respeito
ao sistema de segurança pública completo, mas nossa atenção, aqui, recai
especificamente sobre a polícia miliar. O professor Adriano, em uma dessas tantas
investidas tentadas em meio aos policiais militares, ouve, depura e conclui: “o
problema é mais complexo do que aquisição de arma e viatura. As bases institucionais
do atual modelo policial não são questionadas internamente” (OLIVEIRA, 2002). É um
tabu institucional. Melhora-se aqui, retoca-se ali, sem mexer nos fundamentos.
Segundo a professora Ruth Vasconcelos (2007), da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), é preciso se distanciar das “interpretações simplistas e reducionistas” que
produzem respostas do mesmo caráter “a um problema tão complexo e de tão grave
magnitude”.
A professora Jaqueline Muniz (1999), que fez parte da citada equipe do
professor Luiz Eduardo Soares, no Rio de Janeiro, efetuou uma pesquisa etnográfica
entre membros da polícia fluminense, suas análises são preciosas, entretanto, há uma
tendência de enaltecer o modelo anglo-americano de polícia ostensiva civil em
detrimento do modelo francês de gendarmarias. As gendarmarias são corpos
militarizados de polícia originariamente rurais ou de guarda pessoal do soberano,
devido a sua efetividade na restauração de rupturas da ordem social, uma vez usadas
contingencialmente para essa finalidade, foram recorrentemente usadas no trato
urbano cotidiano.
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Muitos elementos que precisam ser melhor estudados, mostram certa
tendência desses corpos militarizados de polícia serem eles mesmos provocadores de
violência. Mas circunstâncias envolvendo a morte de brasileiros, supostamente não
criminosos, pela polícia inglesa e a australiana, incentivaram este proponente da
pesquisa, a ir mais fundo, nos motivos profundos dessa letalidade, que não estão
contidos pelo formato estético da instituição policial.
E essa tendência é corroborada por recentes trabalhos que seguem a
direção de explicar os problemas da Segurança Pública, a partir das questões relativas
ao indivíduo e pela aplicação da Sociologia Clínica e Psicologia Social e não mais
somente pelas variáveis estruturais (ROCHA, 2008).
A minha frustração
Olha, passei anos relutando em ser um policial, um guerreiro, porque eu
achava os métodos de trabalho dos policiais militares eram contrários àquilo
que eu tinha como meus princípios norteadores. Busquei as propostas de uma
polícia mais humana, dos 10 anos de polícia de rua (já que foram 14 no total,
sendo 3 de formação e 1 em atividades apenas administrativas), – dos 10 – eu
passei 8 anos estudando, lendo, especializando-me e agindo como multiplicador
da filosofia de polícia comunitária. Até que percebi, que era mais uma linha
midiática, que uma linha transformadora. A apropriação dos termos e das ideias
era plástica. Nenhum comando ou chefia queria verdadeiramente uma mudança
de base.
Quando comecei a ver isso, simplesmente me entreguei por vez, àquilo
que aos poucos já me tomava e eu tanto resistia. Em uma linguagem, não
apropriada para uma pesquisa científica (e digo isso, porque sei que meu
depoimento, tem essa primeira intenção de servir como suporte para o estudo
do profundo psico-cultural da instituição) – mesmo em uma linguagem não
convencional – a forma mais direta para descrever essa situação seria: o resto
de resistência consciente ao “espírito da polícia militar” eu declinei e permiti-me
ser possuído por ele (ou por eles, ou por ela) de forma tão integrada que parecia
ser da minha natureza ter sido aquilo sempre.
É nesse momento que você entende o que vem a ser vocação. É um
chamado, não audível, mas intuído feito (na minha forma de dizer) pelo espírito
da atividade, chamado o qual você só pode responder por meio de uma
ambientação concreta que conduza na mesma direção, por isso lhe torna
inevitável acabar parando em uma das manifestações organizacionais que
“invocam” os mesmos espíritos.
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Definição do objeto
O aporte teórico da Ecologia Profunda compartilha a ênfase do estudo
entre (1) as pessoas membros das organizações e as (2) organizações como ente vivo
com (3) as imagens da dimensão mental (cognitiva) dos sistemas sociohumanos,
perfazendo três categorias de agentes autônomos, respectivamente da biosfera,
sociosfera e noosfera.
Essas três categorias aplicadas à Polícia Militar ficam da seguinte forma:
(1) Pessoas: policiais militares (Biosfera/Sociosfera);
(2) Oraganizações: polícias militares estaduais e a distrital no Brasil
(Sociosfera);
Instituição: Polícia Militar Brasileira (Sociosfera/Noosfera);
(3) Expressões idelógicas: que regem a instituição policial militar:
modelos mentais e arquétipos (Noosfera);
O Quadro 1 faz a correlação desse níveis de análise, a categoria utilizada
para tanto, o tipo de abordagem e a dimensão ecológica (do ser) em que os elementos
tais categorias são a espécie em análise. Cabe ressaltar, portanto, que na abordagem
ecológica profunda e na socioecológica (peculiar a este trabalho) o indíviduo humano
não é a espécie em estudo, mas sim os sistemas sociais humanos e os complexos
ideológicos respectivamente.
Quadro 1 – Dimensões ecológicas: relação com o indivíduo humano
Dimensão
ecológica
Abordagem
Relação com o indivíduo humano
Categoria principal de análise
(O indivíduo/a espécie)
Noosfera
Ecológica
profunda
Mente humana como o ambiente/habitat.
As ideias
Os espíritos
Sociosfera
Sócioecológica
Biosfera
Ecológica
Ambiental
Indivíduo humano como membro das
organizações.
Organismo acoplado pelo domínio
linguístico. Uma partícula do sistema.
Organismo autônomo com capacidade
volitiva
Sistemas sociais humanos:
organizações e instituições
O indivíduo da espécie
homo sapiens
Elaborado pelo Autor baseado nos seguintes autores/obras: (1) MORIN, Edgar. “El Método IV: Las ideas – su hábitat,
su vida, sus costumbres, su organización”, 1991. (2) TOFFLER, Alvin. “La terceira ola”, 1980. (3) VERNADSKY,
Vladimir I. “La Biosfera”, 1997. (4) CHARDIN, Pierre T. de. “O fenómeno humano”, 1970.
Definição do objeto: as expressões idelógicas que regem a instituição
policial militar (modelos mentais e arquétipos), com ênfase nas que geram resistências
às mudanças exigidas às organizações que compartilham os elementos institucionais
da Polícia Militar.
Através da autoetnografia, que se explica logo a seguir, no próximo tópico,
parte-se do “Eu” do autor/etnógrafo/etnografado para perpassar pelo “Eles” dos
policiais militares até alcançar o “Nós” da(s) sociedade(s) humana(s). Mas apesar de
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ser uma produção textual que contém diretamente o ponto de vista do autor (ex-nativo
do grupo estudado), indiretamente os discursos recursivos dos policiais militares e
suas representações sociais e uma breve (muito breve mesmo, o suficiente apenas
para dar suporte às análises pretendidas) revisão da história evolutiva da espécie
humana e seus arranjos sociais, a categoria estudada, sob a qual esse autor põe a
lupa do investigador é a instituição policial militar.
Não é a organização Polícia Militar de Alagoas, ou de Pernambuco ou a do
Rio de Janeiro, é a instituição Polícia Militar Brasileira que serve como modelo regente
(estrutural e cultural) dessas organizações citadas, suas demais congêneres e tantas
outras que estão embrincadas na mesma rede de símbolos compartilhados, práticas
comissionadas e de um mesmo conjunto do registro imaginário que orienta o
comportamento e as experiências de vida e trabalho. Na dimensão profunda da
instituição, vasculhamos as imagens mentais que determinam a visão de mundo e
outras dinâmicas inconscientes dos integrantes.
As metodologias, instrumentos e seus subsídios teóricos
Cada uma das metodologias tem um debate sobre subsídios teóricos, que
numa organização ortodoxa de trabalho científico deveriam compor um capítulo
específico de revisão bibliográfica cada. Escolhemos aglutinar uma breve discussão
teórica sobre a sustentação do uso daquela dada metodologia mais a forma como foi
aplicada neste trabalho e em que trechos é possível ver seu uso de forma mais
enfatizada.
Essa adaptação é consequência do multiparadgmatismo advindo do
estudo interdisciplinar com abordagem sitêmica proposto pela Ecologia Humana, ou
seja, para cada partícula específica a ser analisada, toma-se por empréstimo os
instrumentos de disciplinas diferentes. Devolvendo à disciplina origem redefinições
teórico-metodológicas e para a disciplina que se serve, uma prospecção do
conhecimento que não seria capaz pelas suas próprias ferramentas.
Neste tópico abordaremos quatro metodologias chave para este estudo,
que carecem de esclaecimetos sobre seu uso:
Autoetnografia;
Etnografia Digital;
Mapeamento filogenético e análise histórica institucional e
Imaginização.
Autoetnografia
Este é o momento que explico o uso, ocasional dentro do trabalho, dessa
linguagem coloquial, em primeira pessoa. Mais à frente, irei expor sobre o foco de
projeção na realidade para este estudo interdisciplinar: a mente humana. Trabalhos
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em Ecologia Humana podem sustentar foco na sociedade ou na natureza, além das
pessoas, agentes volitivos dotados de reflexividade. Com a articulação complementar
do aporte em Ecologia Humana, o foco foi deliberadamente voltado para uma
dimensão específica das pessoas. Falar do mundo psíquico do membro de um grupo
social e as inter-relações com os elementos coletivamente compartilhados exige que
se transmita uma carga de subjetividade, não apreciada pela tradição científica
“objetiva”.
Com o envolvimento e a intimidade do pesquisador com seus
sujeitos, em ambos os casos, questões críticas de observação,
epistemologia e de procedimentos de pesquisa científica "objetiva"
são levantados (HANAYO, 1979).
E “como um antropólogo conduz e escreve etnografias de seu próprio
povo”, já era uma indagação de David Hayano, da Universidade do Estado da
Califórnia, em 1979. Quando Hanayo escreve “Auto-etnografia: Paradigmas,
Problemas e Perspectivas”, o termo ainda não tinha nem sido sistematizado. Mas a
prática de outros cientistas sociais realizarem “pesquisa intensiva de observação
participante em configurações naturais de campo” já estava largamente difundida.
Talvez os critérios de estranhamento e distanciamento do objeto estudado fizessem
sentido na tradicional etnografia do colonizador. Nesta lógica, que já tem sido
ultrapassada, o homem intelectual dotado de capacidades excepcionalmente eruditas
podia entender melhor as relações socioculturais subjacentes que o próprio nativo
partícipe direto de tais relações.
“Os antropólogos de grupos minoritários e estrangeiros estão sendo
treinados em maior número do que nunca, e muitos deles têm clara prioridade para
fazer etnografia em seus territórios domésticos”, esta é a opinião de Hanayo fazendo
alusão a Fahim (1977 apud HANAYO, 1979). Hanayo (1979) comenta que já fora a
época que “o trabalho de campo em uma sociedade não ocidental” era um prérequisito para a legitimidade do etnólogo, fato este que ocorria nas escolas de
antropologia britânicas e americanas tradicionais, o que era praticamente “um rito
profissional de passagem”.
Mas há evidências recentes de uma mudança de em direção à
autoetnografia entre pesquisadores novos e veteranos. Existem
vários motivos importantes para este desenvolvimento. [...] Primeiro, é
óbvio que o trabalho de campo não pode mais ser tratado sob a égide
de simpáticas autoridades coloniais (HANAYO, 1979, grifo nosso).
Assim como denomina Hanayo (1979), as “simpáticas autoridades
coloniais” não podem mais fazer estudos de “pequenos grupos tribais isolados como
se estivessem separados de outras pessoas ou da economia mundial ou ainda das
forças políticas”, pois teria ficado praticamente impossível pelo desaparecimento ou
incorporação de povos tribais em sistemas urbanos e camponeses. Hanayo (1979)
elenca, também como motivo para tendência em direção a essas etnografias auto
interpretativas, a explosão da criação de cursos e departamentos de Estudos Étnicos
nos países em desenvolvimento, no chamado Eixo Sul, “gerou a necessidade de
cientistas sociais minoritários examinarem primeiro seus próprios povos e
comunidades”.
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Segundo David Hanayo (1979), um terceiro motivo para o maior uso de
narrativas pessoais etnográficas tem um motivo peculiar, a própria dinâmica da
produção científica, a escolha pela Antropologia Urbana como forma de pré-produção
por parte de estudantes de Ciências Sociais ainda em formação ou em disputa por
vagas em cursos de pós-graduação, quando ainda não se tem acesso às verbas de
custeio, dificultando o “trabalho de campo antropológico no exterior” e incentivando o
trabalho de campo “em seus próprios quintais”.
Seguindo as pistas do texto de Reed-Danahay (1997), pode-se perscrutar
o significado do termo em si: autoetnografia, que pode ser desmembrado em: “auto”“etno”-“grafia”. A partícula “auto” pode ser entendida como prefixo que provém do
grego autós e remete a ideia de si mesmo ou por si próprio. Ainda pode-se invocar o
termo autóctone do grego autókhthon que quer dizer aquele que é natural do território
onde vive, ou seja, um nativo. Já a partícula “etno”, vem da ideia de etnia, do termo
grego éthnos, que exprime a ideia de grupo de pessoas que vive em conjunto, povo.
Por fim, a partícula “grafia”, sugere um estudo que foi relatado de forma escrita,
significando por origem do termo em si, apenas escrita. Portanto, autoetnografia é o
resultado escrito de um estudo sobre um grupo de pessoas feito por um membro do
próprio grupo.
Desde David Hanayo em 1979 até hoje (2017), muitos outros acadêmicos
se apropriaram do termo e se inteiraram dos “problemas de metodologia e da teoria
associadas a esta abordagem”, bem como discutiram “se a antropologia pode se
beneficiar desses exercícios” (HANAYO, 1979). Partindo agora para outras
contribuições importantes, começa-se destacando o “Handbook of Autoehnography”
(2013), editado por Stacy Holman Jones, Tony Adams e Carolyn Ellis. Para servir de
orientação na análise dos 34 capítulos que compõe a obra, usa-se a resenha de Pedro
Motta e Nelson Barros, publicada em 2015, no Caderno de Saúde Pública.
A autoetnografia, que em linhas gerais tem como objetivo requalificar
a relação entre objeto e observador, ressaltando a importância desta
interação e da experiência pessoal do pesquisador como forma de
construção do conhecimento [...] propõe a pesquisa social numa
prática ainda menos alienadora, em que o pesquisador não precisa
suprimir sua subjetividade (MOTTA e BARROS, 2015).
Analisando a Handbook de Ellis et al. (2013), Motta e Barros (2015)
lembram que “a pesquisa social na maior parte das Ciências Sociais busca a
impessoalidade, já a autoetnografia emerge para estudar a experiência pessoal”.
Segundo Barbara Tedlock (apud Ellis et al., 2013), "escrever e atuar de forma a se
permitir vulnerável do que provém do coração, ainda que com precisão analítica"
permite que os autoetnógrafos "saiam de uma descrição sem alma e plana dos
mundos sociais" para uma "pesquisa sensível e evocativa que incentiva e sustente o
desenvolvimento pessoa e a promoção da social justiça".
Tony Adams (2015) persegue ainda mais essa natureza viva e pulsante, já
que, segundo ele, a autoetnografia consegue mostrar “as pessoas no processo de
descobrir o que fazer, como viver e o significado de suas lutas”:
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A vida social é bagunçada, incerta e emocional. Se nosso desejo é de
pesquisar a vida social, devemos adotar um método de pesquisa que,
no melhor de sua capacidade, reconheça e acomode a confusão e o
caos, a incerteza e a emoção (ADAMS, 2015).
Ainda segundo a análise de Motta e Barros (2015) das seções introdutórias
do Handbook de Ellis et al. (2013), existem aspectos da vivência de uma determinada
cultura que “não podem ser acessados na pesquisa convencional” e sendo assim, a
autoetnografia, representando a experiência pessoal no contexto das relações sociais,
torna-se um método que “procura revelar o conhecimento de dentro do fenômeno”.
Para Ellis et al. (2013 apud MOTTA e BARROS, 2015) existem cinco
chaves para a construção da autoetnografia:
(1) Visibilidade para o si: “é o eu do pesquisador se tornando visível
no processo, este eu não é separado do ambiente, ele só existe na
relação com o outro, é, portanto, o eu conectado com o seu
entorno”;
(2) Forte reflexividade: “representa a consciência de si e a
reciprocidade entre o pesquisador e os outros membros do grupo, o
que conduz a uma introspecção guiada pelo desejo de entender
ambos”;
(3) Engajamento: “a autoetnografia clama pelo engajamento pessoal
como meio para entender e comunicar uma visão crítica da
realidade” ao contrário da “pesquisa positivista que assume a
necessidade de separação e objetividade”;
(4) Vulnerabilidade: trata-se de um texto “evocativo, emocionalmente
tocante”, o que acarreta “algumas vulnerabilidades ao explorar a
fraqueza, força, e ambivalências do pesquisador” e
(5) Rejeição de conclusões: tudo transcorre como “relacional,
processual e mutável”, evitando “fechamento das concepções de si
e da sociedade”.
Motta e Barros (2015) observam que Jones, Adams e Ellis (2013)
identificam quatro formas de produzir textualmente uma autoetnografia: (1)
imaginativo-criativa; (2) confessional emotiva; (3) realista-descritiva e (5) analíticointerpretativa. Sendo, portanto, o estilo de produção analítico-interpretativo, aquele
selecionado para esta pesquisa, pois “é uma abordagem acadêmica típica comum na
pesquisa em ciências sociais, que tende a suportar a análise e a interpretação
sociocultural” (ELLIS et al., 2013 apud MOTTA e BARROS, 2015).
Portanto, tive que me perguntar “como escrever uma autoetnografia que
estabeleça a conexão do ‘pessoal com o cultural’ e que consiga, por essa ponte
de acesso, ir até o profundo do cultural, tocando-lhe e revelando um mundo que
está além de mim? E que tanto precisa ser compreendido para que se gerem
soluções ao acirrado problema da violência e criminalidade”. E a resposta veio da
revisão teórica sobre o uso dessa metodologia para a investigação social e alguns
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exemplos dessa escrita sobre “si mesmo” e seu grupo, sua tribo, sua comunidade.
Mas a mim se destacou (bem, como me emocionou) as reflexões da professora Elaine
Jenks (2005) da West Chester University:
Eu abordo esse tópico como uma mãe que está criando uma criança
com deficiência visual e como etnógrafa de comunicação
interpessoal. Porque eu estou incluindo minhas próprias experiências
nesta pesquisa, meu trabalho pode ser rotulado como
autoetnográfico. A autoetnografia, no entanto, é mais do que escrever
na primeira pessoa ou até mesmo escrever sobre a própria vida.
Espera-se que os autoetnógrafos liguem "o pessoal ao cultural"
(Bochner e Ellis 1996, 24). O objetivo da autoetnografia é tocar "um
mundo além do Self do autor” (Bochner and Ellis 1996, 24) (JENKS,
2005)48.
A autoetnografia traz uma informação, que não pode ser suportada pela
difusão científica ortodoxa, a emotividade. Esse componente é crucial na formação do
conhecimento, a mesma informação associada a uma emoção diferente gera outro
conhecimento. Espelhamo-nos em Elaine Jenks (2005) porque, não obstante sendo
mãe, devidamente instruída dos objetivos da etnografia analítica partindo de si
mesma, para alcançar o grupo; ela narra e analisa, ou seja, ela toma a voz do
etnografado e do etnógrafo, ao falar do seu drama e dos demais pais que conhece que
têm filhos cegos. Faço jus também indicar, a leitura em língua portuguesa de outro
brilhante trabalho, que encarna o real espírito de uma análise autoetnográfica, trata-se
de fruto do Mestrado em Cultura e Sociedade da UFBA, Viviane Vergueiro (2016)49, a
medida que ela narra suas memórias, faz uma construção muito bem fundamentada
da condição do sujeito que não ver alinhamento entre o sexo biológico que porta
corporaemaente e a identidade de gênero a que é afeto.
Parafraseando, portanto, aquela mãe e cientista social norte-americana
(JENKS, 2005), posso dizer que eu relato sobre a atividade policial como um
profissional da área de segurança pública, que atuou especificamente 14 anos em
uma organização que tem a instituição em análise como modelo. Aos 18 anos de
idade prestei vestibular conjugado da UFAL, optando pelo Curso de Formação de
Oficiais (CFO) da Polícia Militar de Alagoas, ingressando no inicio do ano 2001, como
cadete. Em 2015, já era capitão e saía para assumir cargo efetivo na Segurança
Universitária Federal da Universidade Federal de Alagoas. Como etnógrafo, eu
descrevo e interpreto a cultura institucional a partir das minhas experiências. E como
ecólogo humano, que tem a princípio o campo do comportamento organizacional como
ponto de partida (devido a formação superior de base), eu analiso os dados obtidos
com o relato autobiográfico e a interpretação etnográfica para constituir um modelo
teórico explicativo do sistema mental/humano complexo que suporta esse mecanismo
48
Trecho original em língua inglesa: I approach this topic as a mom who is raising a child with a visual impairment
and as an ethnographer of interpersonal communication. Because I’m including my own experiences in this
research, my work can be labeled autoethnographic. Autoethnography, however, is more than writing in the first
person or even just writing about one’s own life. Autoethnographers are expected to connect “the personal to the
cultural” (Bochner and Ellis 1996, 24). The goal of autoethnography is to touch “a world beyond the self of the
writer” (Bochner and Ellis 1996, 24) (JENKS, 2005).
49 VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise
autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação] Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação
em Cultura e Sociedade. Salvador: UFBA, 2016.
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específico da adaptação humana para a vida social, a saber, o sistema de
autoproteção comunitária.
O empoderamento do “eu” pode ser percebido ao longo de todo o corpo
desta dissertação, por vezes em respeito as múltiplas vozes do mesmo “eu”:
etnógrafo, etnografado, observador objetivo, sujeito participante, usamos o termo
“nós”. A análise que se origina da percepção autoetnográgica conduz as discussões
em todo o trabalho, mas a produção textual em si, aos moldes de uma escrita
autobiográfica, só é percebida em alguns pontos específicos desta dissertação, a
saber:
Na Introdução;
Em “A minha frustração”, no “Contexto da propositura do trabalho”
do Capítulo 1;
No Capítulo 2 (Experiência Nativa: relatos sobre a polícia por um
policial);
No contexto introdutório do Capítulo 5 (Arqueologia Simbólica da
Polícia Militar)
Em “Eu: um oficial aventureito-sonhador tornando-se um caçador”
do Capítulo 9 e
Em “‘Causos’ de polícia e o efeito de queda moral”, do Capítulo 9.
Etnografia digital
O que se convencionou denominar há algum tempo de Etnografia Digital,
teve suas bases metodológicas revisadas e pode ser conhecida por Etnografia Online,
Ciberetnografia (TELI et al.), Netnografia (KOZINETS, 2011; NOVELI, 2010), ou ainda
Etnografia Virtual (DOMÍNGUEZ FIGAREDO et al., 2007). Esta metodologia,
denominada por Robert Kozinets (2011) como netnografia, é definida por ele como
“uma forma especializada de etnografia que utiliza comunicações mediadas por
computador como fonte de dados para chegar à compreensão e à representação
etnográfica de um fenômeno cultural na Internet” (KOZINETS, 2011).
“O que se observa no conteúdo da Internet é artefato material da
sociedade de pessoas e numa reflexividade incomum são parte expressivas dessas
mesmas pessoas”, afirmam Maurizio Teli, Francesco Pisanu e David Hakken (2007),
quando advogam pela Internet como uma “biblioteca de pessoas”. Mas como assim?
“Pessoas as produzem, pessoas são alteradas” pelos discursos que manifestam:
portanto, sendo (re)produzidas pela sua própria obra (TELI et al., 2007). Por essa
abordagem as pessoas não são apenas pessoas biológicas, são compostas pelas
suas parcelas discursivas que reverberam suas próprias produções e as dos grupos a
que estão vinculadas. Nesse caso não apenas acompanhando a ideia de Teli et al.
(2007), mas as de Pierre Lévy (2003), e os prognósticos de Yuval Harari (2016) e
Edgar Morin (2000), podemos falar na metáfora da “biblioteca de pessoas” e nesse
caso, pessoas devem ser entendidas por ciborgues: “uma simbiose entre humanos e
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discursos” (TELI et al., 2007). Por isso cabe-nos justificar a metodologia de coleta de
material digital na Internet, apresentando a citação que nos inspirou:
Nessa esteira epistemológica e ontológica, percorrer as páginas, os
vídeos, perfis de redes sociais e outros conteúdos da Internet, é como
pesquisar numa biblioteca onde nas prateleiras estão pessoas
ciborgues e vestígios de suas ações (TELI et al., 2007).
No caso peculiar da abordagem teórica selecionada, as organizações
estão sendo analisadas como organismos vivos e com personalidade, portanto, não
buscamos apenas os vestígios materiais e discursos das pessoas-humanas, mas os
das pessoas organizacionais, que são também pessoas ciborgues, sustentadas pelos
discursos das pessoas-humanas e tem em si, como parte constituiva essas mesmas
pessoas produtoras dos discursos.
Outro assunto foi relevante na escolha de como aplicar a metodologia: a
questão ética sobre o caráter público ou privado das informações. Marcio Noveli
(2010) ao discutir sobre o tema da questão ética que envolve a coleta e uso do
material obtido pela “netnografia”, explica-nos que “no que tange à questão de domínio
público versus domínio privado”, há questionamentos referentes à “possibilidade de
utilização dos dados da Internet como dados públicos”. Noveli alude a Garcia et al.
(2009 apud NOVELI, 2010), para esclarecer que “internet não é um ‘espaço’ físico, e
que a questão de domínio está ligada à acessibilidade da informação. Se a informação
é acessível, então seria pública”.
Para Estalella e Ardèvol (2007) os dilemas éticos nem sempre tem uma
solução única, mas o guia geral para a investigação etnográfica na Internet é a
seguinte diferenciação: (a) as pessoas com quem se mantém contato direto, através
de chat, email etc, pede-se consentimento informado (b) para análise de páginas, sites
e perfis públicos de onde se colhe uma ou outra informação, considera-se de acesso
realmente público, equiparando-se a uma pesquisa documental na imprensa, por
exemplo.
Reconhecendo a visão exposta, neste trabalho resguardamo-nos,
preferindo a fontes institucionais, sítios online realmente de caráter público, tais como
entidades representativas. Uma possível lacuna para captar a subjetividade da
experiência nativa, é suprida pela autoetnografia.
Admitamos que possam ser feitas dois tipos de etnografia online e que
utilizamos a primeira neste trabalho: (1) uma da atividade online de grupos “reais” e (2)
outra especificamente de grupos online. Nossa instrumentação de investigação
utilizou-se da etnografia de parte das interações de um determinado grupo “real”,
nessa prospecção a atenção recaiu, além de discursos diretos de pessoas, à coleta de
vestígios iconográficos.
Portanto, o trabalho de Etnografia Digital desenvolvido nesta pesquisa
serviu aos propósitos de uma “arqueologia simbólica”. Como pode ser observado em
aplicação ao longo de todo o Capítulo 5, quando símbolos heráldicos foram coletados
de sites institucionais.
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A ênfase em discursos diretos pode ser vista com maior enfoque em três
trechos: “A dor do funeral militar: a polícia que mata, também morre” do Capítulo 2;
“‘Adrenalina no sangue’: resistência à perda de capital simbólico acumulado” do
Capítulo 7 e “Polícia Militar como modelo mental-institucional hegemônico” do Capítulo
2. Em cada um desses trechos falas de policiais, familiares, acadêmicos e guardas
municipais extraídos de trabalhos etnográficos já publicados ou matérias jornalísticas
enriquecem o etendimento sobre o mundo institucional da Polícia Militar.
Mapeamento filogenético e Análise histórica institucional
Para propor um mapeamento correlato ao filogenético, sentimos uma forte
influência da diagramação de mapeamento genético-espaço-temporal, denominado de
filogeográfico (MARTINS E DOMINGUES, 2011), utilizado na pesquisa que detectou
os caminhos da disseminação do vírus da Zika no Brasil e no mundo, recentemente
publicado na Revista Nature50 (FARIA et al., 2017). É certo que os instrumentos
desenvolvidos nesta pesquisa estão muito aquém, da moderna tecnologia de
sequenciamento genético-molecular, contudo, alguns resultados são correlatos. Por
exemplo, o fato de poder observar uma fase de disseminação oculta e dispersões
inesperas.
O conceito é de um estudo de processos históricos responsáveis pela
distribuição geográfica de indivíduos, explicando a formação e características dos
indivíduos das populações atuais (AVISE, 2000). Nesse sentido, que nosso
mapeamento quando ampliado e detalhado nas reproduções institucionais mais
recentes (últimos 200 anos) nos remetem diretamente a quatro ambientes geográficos:
França, Portugal, Brasil e Estados Unidos. Quando o mapeamento é alargado para
abranger um maior lapso temporal, tal qual começamos no Paleolítico (há 2,5 milhões
de anos), mesmo antes do surgimento do homo sapiens, aí temos uma diversidade
sem par de conexões sócio-espaciais. Essas explicações ficam mais bem
compeendidas se observado o Apêndice D (Mapeamento filogenético da instituição
policial militar) e a análise do mapeamento feita no tópico “Teoria ‘genética’ da Polícia
Militar: história e ecologia profunda” no Capítulo 9.
A necessidade de construir tal tipo de ferramenta especificamente para
sondar a origem das idiossincrasias da instituição policial militar partiu da proposta de
Adriano Oliveira (2002), por “uma teoria genética da instituição”. A primeira referência,
para a possibilidade de aplicação de uma ferramenta de evolução genética ao
ambiente sócio-organizacional, partiu dos estudos seminais de Hannan e Freeman
(2005) sobre ecologia populacional das organizações51, nos quais se desloca para a
organização (empresa, órgão público etc.) a categoria de análise correlata a
“indivíduo”. O agente humano, antes visto como indivíduo fica para fins de
interpretação, como uma unidade autônoma que se acopla em grupos no interior
dessa organização, ou seja, tal como células. O foco passa para a dinâmica de
organizações similares, tratadas como populações. No trabalho de Hannan e Freeman
50
FARIA, N. R. et al. Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the Americas. Nature, num.
546, pp. 406–410, 2017.
51 Originalmente publicado na The American Journal of Sociology, em 1977 e republicado em português pela Revista
de Administração de Empresas, em 2005.
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há clara distinção entre a abordagem que visa estudar o processo de seleção natural
(ambiente incidindo sobre a população de organismos) e o processo de adaptabilidade
(organismos que se mantém ao longo do tempo, desde que consigam encontrar novas
estratégias para superar os desafios ambientais); distinguindo entre a competição por
recursos (2005) e a aprendizagem organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978).
Figura 7 – Filogeografia do vírus Zika em comparação com o Mapeamento “filogenético”
institucional: em comparação
(1) Filogeografia do vírus Zika
(2) Mapeamento “filogenético” da Polícia Militar:
história e ecologia profunda
Fonte: (1) Reproduzido de FARIA, N. R. et al., “Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the
Americas”, 2017 (Nature, num. 546, pp. 406–410). (2) Elaborado pelo autor com inspiração do elemento (1), tal como
pode ser observado no Capítulo 9 e no Apêndice D.
O nível de análise estabelecido sobre a instituição como “tronco
filogenético”, família de um grupo de espécies de nicho-função equivalente, deve-se a
uma inferência da intersecção entre o trabalho inaugural de Hannan e Freeman (2005)
e a teoria neo-institucionalista, a partir da obra seminal de Dimaggio e Powell (1991).
Imaginização
“Imaginizar” consiste em um exercício de imaginação ativa orientada por
metáforas, assim como sugere Gareth Morgan (2002), para aplicação pela Teoria
Organizacional. Constituindo uma alternativa às abordagens sociológicas no campo da
Administração. Trata-se de uma abordagem interpretativa específica da realidade das
organizações por um aporte de uma Teoria Imagética própria, que em muito bebe da
psicosociolinguística52 exercitada por George Lakoff e Mark Johnson (2002). Proposta
na obra “Imagens da Organização” do teórico organizacional britânico, erradicado no
Canadá, Gareth Morgan e desenvolvido por outros estudiosos da área de Simbolismo
Organizacional.
Portanto, por meio de matáforas, as organizações são vistas como se
replicassem o funcionamento e a estrutura de uma máquina, ou de um organismo, ou
do cérebro e da mente, uma de uma dinâmica cultural, bem como de hologramas ou
52
Liguística Cognitiva
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da disputa política etc. Estabalecendo paradigmas que orientam a atitude e o
comportamento dos membros daquela organização. Para Morgan (2002), ver a
organização como uma máquina é típico do inicio dos estudos organizacionais do
século XX, com as inovações industriais em Taylor e Fayol. A visão sobre a
organização pode ser híbrida ou sobreposta, por exemplo, Fayol também via alguns
aspectos de organismos vivos dentro das empresas. James Lawley (2007) lembra que
Gareth Morgan (2002) diz que um dos problemas mais básicos da administração
moderna é a maneira mecânica de pensar. E esta maneira está tão enraizada na
nossa concepção do dia a dia das organizações que muitas vezes é difícil se
organizarem de outra maneira qualquer. Neste trabalho, estamos levantando a
questão que organizações de força-vigor como a polícia e os exércitos possuem
outros princípios institucionais (GIDDENS, 2003), que nem seriam associados à
metáfora da máquina, mas a metáforas próprias da expressão corpórea da caça e
guerra.
Portanto, imagens mentais agem como modeladoras da realidade. Tomase a liberdade de exercitar um desafio intelectual proposto por Morgan (2002), quando
alegou ser vantajoso o uso sobreposto de múltiplas visões metafóricas sobre o
fenômeno organizacional, da vida associativa humana.
Vantajoso, desde que feito com as cautelas necessárias, principalmente
para evitar o efeito da “distorção” excludente. Segundo Morgan (2002), “ao abordar a
mesma situação de maneiras diferentes, as metáforas ampliam a visão” e como um
efeito em cascata, uma metáfora conduz a outra, “criando um mosaico de pontos de
vista concorrentes e complementares”. Para Gareth Morgan (2002), “a metáfora dános a oportunidade de alargar nosso pensamento e aprofundar nosso entendimento” e
por isso “ver as coisas de maneiras novas e agir” consequentemente de maneiras
novas também.
James Lawley (2007) informa que Gareth Morgan (2002) procura fazer três
coisas em sua obra “Imagens da Organização”: (1) Mostrar que muitas das ideias
convencionais sobre organização e administração são baseadas num pequeno
número de imagens e metáforas tomadas como certas. (2) Explorar algumas
metáforas alternativas para criar novas maneiras de pensar sobre organização. (3)
Mostrar como usar as metáforas para analisar e diagnosticar problemas e melhorar a
administração e design das organizações (LAWLEY, 2007).
Morgan ilustra suas ideias explorando oito metáforas arquetípicas da
organização: máquinas, organismos, inteligências, culturas, sistemas políticos, prisões
físicas, fluxo e transformação, instrumentos de dominação. Para Gareth Morgan
(2002) o modelo imagético influencia o comportamento dos agentes, tornando o
modelo factível a medida que é tomado como verdade. Esse entendimento não é
próximo da “profecia autorrealizável” de Robert Merton (1970), quando ele diz “a
profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um
novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne
verdadeira”. Em relação às metáforas organizacionais e os modelos cognitivos
institucionais, não poderíamos chamar de definição falsa, mas autoimposta, como
visão espelhar de si mesmo. Ou seja, prognósticos que, ao se tornarem um conjunto
de crenças, provocam a sua própria concretização.
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James Lawley (2007) lembra-nos que em “Imagens da Organização”,
Morgan escreveu quase que inteiramente do ponto de vista do “consultor treinado”, já
na obra “Imaginization”, entretanto ele reconhece que as pessoas dentro da
organização podem descrever suas próprias metáforas e criar novas.
[BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo e PILATI, Ronaldo. Validação de
uma medida de percepção de imagens organizacionais]
Portanto, com o suporte da autoetnografia busquei quais imagens estavam
em minhas memórias e que podiam relativamente apontar para imagens
compartilhadas pelo grupo, para diluir essa relatividade complementei a indicação de
imagens válidas para a interpretação da dinâmica policial militar por meio da etnografia
digital (aliado à arqueologia simbólica) e a análise institucional histórica que vasculha
como aquela partícula imagética (“meme”) possa ter sido herdada na sucessão
dialética dos diferentes desenhos organizacionais dentro de uma mesma linhagem
institucional.
Portanto, por exemplo, quando informo aqui que ao assistir um filme eu
reconheço atitudes e comportamentos típicos da Polícia Militar em cenas que
remonatam ao exército romano, não fico apenas na percepção individual. Nas minhas
próprias memórias, resgato momentos em que o outro, mas ainda sim, policial também
me trouxe essa correlação. E não satisfetito com isso, a simbologia é contrastada para
ver se há resquícios de tal influência.
Por fim, a análise histórica nos confirma um possível “trajeto” espaçotempral percorrido para que aquele conjunto ideológico possa ter sido recepcionado
pela Polícia Militar, tornando-a “herdeira” de algum atributo do exército romano. Sobre
esse exemplo, em particular, sugiro a leitura do tópico “Expressão mitraica de culto do
exército romano”, do Capítulo 9. E neste caso o trajeto, perpassa pelo Exército
Português, as forças militares organizadas da Europa continental, sobretudo, do Sacro
Império Romano-Germânico e sua vertente francesa; bem como, do Exército dos
Estados Unidos, como pode ser visto ao longo do Capítulo 6 (História da Polícia
Militar: genealogia das matrizes institucionais) e no tópico “Teoria “genética” da Polícia
Militar: história e ecologia profunda”, do Capítulo 9. Nesse “microscópio” ou acervo
imagético-simbólico ficam juntos, para elencar: a expressão “força e honra”; a
formação de tropas de controle de distúrbio civil; os valores de coesão “fraterna” do
mitraísmo; o uso da águia nos símbols heráldicos entre outros.
Segundo Willy McCourt (1997), do Instituto de Política e Gestão de
Desenvolvimento da Universidade de Manchester, Reino Unido, numa crítica à
abordagem de Morgan, ainda sim diz que o pensamento metafórico é
epistemologigamente válido para dar sentido às organizações, embora isso não
dispense o uso das abordagens tradicionais da Teoria Organizacional. Considerando,
portanto, que o pensamento metafórico desta peculiar abordagem está circunscrito ao
campo do Desenvolvimento Organizacional (OD) e os estudos sobre mudanças
organizacionais (MCCOURT, 1997).
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Gosto o jeito que você se despe dos costumes,
o jeito que assume que o negócio é se arriscar.
Eu tinha prometido não ceder à compulsão,
mas é uma agressão dizer pra um bicho não caçar. [...]
O bom é que depois, o final, é a
pequena morte lenta de nós dois.
Pitty e Martin
(Trecho da Música “Pequena Morte”)
CAPÍTULO 2 | EXPERIÊNCIA NATIVA: RELATOS SOBRE A
POLÍCIA POR UM POLICIAL
A polícia e os policiais militares
A Polícia Militar é um modelo de órgão público brasileiro, da Administração
Pública Direta, replicado nos 26 Estados e no Distrito Federal. Instituída por
ordenamento constitucional, compõe o leque de órgãos responsáveis pela segurança
pública, previsto no art. 144 da Constituição Federal de 1988, no que tange ao dever
do Estado. Tais órgãos formam um sistema composto por três em nível federal (polícia
federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal) e três em nível estadual
(polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares). Apesar de que
revisão interpretativa sobre o dispositivo faça-nos entender que o corpo de bombeiros
comporia outro sistema de serviço público.
Ao se falar em polícias militares, antes de considera-las uma a uma como
organização, e atribuir a ela (a PM) um papel modelar de órgão, pode-se dizer que tem
sua parcela de estrutura organizacional regida por alguns poucos dispositivos da
Constituição o inciso IV do caput do artigo 144 e os parágrafos 5º e 6º desse mesmo
artigo, além de algumas normativas que veremos a seguir. A parcela deste modelo
constituído de características institucionais historicamente adquiridas e desenvolvidas,
não tratada pela lei, será vista no Capítulo 6 desta dissertação. O que é preciso
antecipar, seria apenas destacar que a Polícia Militar Brasileira é uma instituição que
foi sendo moldada com o tempo, em análise comparativa internacional, trata-se de
uma gendarmaria que foi fortemente influenciada pela tradição militar lusitana e pela
forma de fazer polícia, das polícias militares das forças armadas.
Por ser aquele um dispositivo constitucional, isso significa que os Estados
e o DF não podem constituir uma PM, eles têm que tê-la, bem como não podem criar
outros órgãos que não sejam aqueles três: (PM, PC e CBM). A Constituição, em seu
artigo 21, inciso XIV, reza ainda que a PM do DF seja custeada e ordenada
legislativamente pela União, cabendo a gestão administrativa de todas as PMs aos
governadores estaduais e distrital, segundo o §6º do artigo 144.
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A missão da PM: entre força militar estadual e polícia ostensiva
A missão precípua das polícias militares é de serem polícia ostensiva e
promoverem a preservação da ordem pública. Em termos do Direito Administrativo,
isso abrange mais funções que o contexto restrito da segurança pública, cabendo
ainda à PM, para assegurar a ordem, tratar da salubridade e tranquilidade pública.
Sobre sua exclusividade no policiamento ostensivo, há interpretações diferentes.
Quando no texto constitucional, se quer demonstrar explicitamente essa prerrogativa,
o termo apropriado é citado como ocorre no inciso IV, do §1º, em relação à Polícia
Federal: “IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.
Neste caso, há outro órgão que também é polícia judiciária: as polícias civis estaduais
e do DF, portanto, realmente ali cabe um enunciado diferenciando suas competências.
Ao certo que dispositivos infraconstitucionais determinam a incumbência exclusiva no
policiamento ostensivo por parte da PM, o que na prática não ocorre, devido à
atuação, sobretudo, das Guardas Municipais, que tem sua criação facultada aos
municípios mediante o §8º do artigo 144. A exclusividade também não é plena devido
o uso da segurança privada e orgânica em instituições públicas e empresas privadas
de grande circulação de pessoas como cidades universitárias, hospitais e centros de
comércio (shopping center)53; além do patrulhamento da PRF e o policiamento
ostensivo das polícias militares das Forças Armadas ficar sobreposto à circunscrição
da PM.
Os corpos de bombeiros militares que tem incumbência em atividades de
defesa civil podem ou não estar atrelados às estruturas organizacionais das polícias
militares, paulatinamente os CBMs do Brasil foram se desvinculando organicamente,
restando apenas essa comunhão em São Paulo, já que foi recentemente executada no
Rio Grande do Sul54 e na Bahia55.
Todo esse efetivo militar: das polícias e corpo de bombeiros, ainda que
estadual ou distrital, são por força do §7º do artigo 144 da CF88, força auxiliar e
reserva do Exército Brasileiro. A polícia militar é, portanto, uma força militar estadual,
para todos os efeitos, atuando em circunstâncias normais como força policial,
ressalvadas as competências da União. As polícias militares são instituições militares
fundamentadas pela hierarquia e disciplina. As PMs são comandadas por um oficial de
carreira do último posto de suas hierarquias: um coronel56. Outra possibilidade, muito
usada no passado, que tem sido evitada pelos governadores dos Estados é a
indicação de um oficial superior ou general do Exército para o comando de suas PMs.
Segundo o Decreto Lei n.º 667/1969, em seu art. 8º, a hierarquia nas
Polícias Militares é composta de Oficiais, Praças Especiais e Praças de Polícia,
53
Nisso está a polêmica, poderiam as PMs atuar nas vias de trânsito das Universidades e de locais como Shopping
Center? Bem, o que nos parece é que nada impede isso, como também nada impede que a PM faça policiamento
concorrente das rodovias federais. A outra pergunta seria: ela pode, mas convém que faça?
54 FREITAS, Caetanno. "Piratini cria CNPJ e oficializa separação do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar". Zero
Hora. Publicado em 01 jul. 2016. Disponível em <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/07/piratini-criacnpj-e-oficializa-separacao-do-corpo-de-bombeiros-da-brigada-militar-6296046.html>.
55 G1. "Sancionada lei que desvincula Corpo de Bombeiros da Polícia Militar na BA". Publicado em 11 nov. 2014.
Disponível em <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/11/sancionada-lei-que-desvincula-corpo-de-bombeirosda-policia-militar-na-ba.html>.
56 Comumente chamado de coronel “fechado” para diferenciar do penúltimo posto denominado de tenentecoronel. No dia a dia, os dois são chamados de coronel
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perfazendo 13 níveis (excluindo o de aluno oficial), uma verticalização muito
acentuada típica da estrutura militar, o que traz compatibilidade no seu emprego em
situações como força reserva, mas traz consequências negativas para a política de
remuneração por parte dos governos estaduais. Os Estatutos das Corporações,
postos em vigor por leis estaduais, definem outros aspectos dessa hierarquia, mas em
suma são compostos pelos seguintes níveis (postos e graduações):
a) Oficiais de Polícia:
Oficiais superiores: Coronel, Tenente-Coronel e Major;
Oficiais intermediários: Capitão;
Oficiais subalternos: 1º Tenente e 2º Tenente;
b) Praças Especiais de Polícia:
Aspirante-a-Oficial;
Aluno oficial ou Cadete (Curso de Formação de Oficiais);
c) Praças de Polícia:
Graduados: Subtenente; 1º Sargento; 2º Sargento e 3º
Sargento;
Cabo;
Soldado.
Coordenação das polícias militares: Defesa ou Interior
Forças militares estaduais atuando nas funções policiais administrativas,
essa é a natureza de emprego das PMs. Funções essas que se constituem as iniciais
de um ciclo completo de polícia: prevenção, manutenção, investigação e repressão.
No entanto, sua manutenção tem um caráter muito repressivo, julgando na prática que
sua atividade de prender, disciplinar já lhe deva imbuir do poder de punir dos desvios
sociais. Sua prevenção é falha, por se basear majoritariamente na atividade de
patrulhamento ostensivo, deixando de realizar outras atividades concernentes ao
leque maior a que se refere ser uma polícia ostensiva.
Configuram um dos poucos redutos em que a autonomia prevista pelo
pacto federativo se faz valer. Muito da padronização entre as polícias militares é fruto
do desejo de seus próprios integrantes e isso se dá na dimensão dos aspectos
institucionais dos quais discorreremos posteriormente. Mas quando se fala em
padronização formal, elas têm aquilo que precisam seguir do ordenamento vinculado
ao Exército e as diretrizes formuladas pelo Ministério da Justiça (MJ) são oficialmente
bem aceitas, mas na prática algumas são obstaculizadas.
Cabe destacar que quando se trata de uma força militar de uso doméstico
a dupla ou ambígua subordinação não é exclusividade do Brasil. Em Portugal e França
as suas “polícias militarizadas”, tem duplo vínculo com o Ministério da Defesa e com o
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do Interior. Em Chile e Itália suas gendarmarias nacionais57 estão vinculadas ao
ministério que trata da guerra e na Espanha ao dos assuntos do “Interior”. No âmbito
do governo federal essa coordenação do “Interior” fica a cargo da Secretaria Nacional
de Segurança Pública do MJ, sob a qual estão subordinadas as polícias federal e
rodoviária federal. Mediante a Senasp, o governo federal também mantém a Força
Nacional de Segurança Pública, que se trata juridicamente de um programa de
cooperação, do qual os Estados participam caso firmem acordo bilateral, no qual
disponibilizam parte dos efetivos policiais militares, para formar um contingente apto à
intervenção naquela dada Unidade da Federação com falência circunstancial em sua
segurança.
Já nos Estados e no DF, essa coordenação da Polícia Militar junto aos
demais órgãos de segurança tais como: Polícia Civil, Polícia Científica (ou perícia
oficial), o próprio Corpo de Bombeiros e outras estruturas e projetos que podem incluir
o sistema penitenciário, o departamento de trânsito e os assuntos ligados à
inteligência, estatística e promoção de direitos humanos – a coordenação de todos
eles – fica a cargo das Secretarias estaduais de Segurança Pública (ou Defesa
Social).
O restante do que está previsto de como deve atuar e como deve ser
estruturada internamente as polícias militares, tais como alguns dispositivos de
controle sobre efetivo, treinamento e armamento estão elencados no Decreto-Lei n.º
667, de 2 de julho de 1969 e suas posteriores revisões. Tais normativas legais são os
dispositivos onde se faz sentir o controle do Exército sobre as polícias militares.
Devido o contexto em que foram postas em vigor, são passíveis ou não de recepção
pela nova ordem constitucional, contudo nenhum dispositivo foi arguido para avaliação
do STF, ou seja, sem nenhum outro diploma legal que o revogue, esse decreto-lei tem
equivalência a uma lei ordinária em vigor.
Segundo o Decreto-Lei n.º 667 a Inspetoria-Geral das Polícias Militares
(IGPM) do Exército Brasileiro 58 incumbe-se dos estudos, da coleta e registro de dados
bem como do assessoramento referente ao controle e coordenação, no nível federal.
O texto deste decreto-lei, ainda diz que as polícias militares foram instituídas “para a
manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no
Distrito Federal”, competindo a ela:
Executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares
das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado
pela autoridade competente;
Atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais
ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação
da ordem;
Atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem,
precedendo o eventual emprego das Forças Armadas e
57
Em Itália, o fato de se ter uma instituição nacional, não impede que haja um rateamento regional e/ou local de
autoridade (política) sobre a força policial, assim como ocorre no Canadá.
58 Hoje, sob a estrutura interna do Coter (Comando de Operações Terrestres).
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Atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal
em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave
perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção.
O perfil do contingente policial militar
Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (PIBE), de 2014,
realizado pelo IBGE, o efetivo geral das polícias militares somava 425.248, em todo o
Brasil, dos quais 383.410 eram homens e 41.838 eram de mulheres, ou seja, 90% do
sexo masculino, conforme pode ser visto no gráfico abaixo:
Gráfico 1 – Proporção de homens e mulheres no contingente nacional da PM
Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE.
A razão do contingente de policiais militares em relação à população
brasileira é equivalente a um policial militar para cada 473 brasileiros, conforme a
estimativa populacional que havia sido preparada para julho 2013. Mas essa presença
policial não percebida igualmente no país, enquanto no Maranhão existia um policial
militar para cada 881 habitantes; no Distrito Federal, a razão era de 1:194.
A Corporação de maior efetivo é a da PMESP (Polícia Militar do Estado de
São Paulo), já que nele somam-se também os números dos bombeiros militares
paulistas, perfazendo um total de 89.478 integrantes. Os maiores efetivos em
sequencia, depois do paulista são o fluminense, o mineiro e o baiano,
respectivamente: PMERJ (46.135), PMMG (42.115) e PMBA (31.039). As polícias
militares com menor efetivo são a do Acre e de Roraima: PMAC (2.712) e PMRR
(1.669). Os números dos efetivos acompanham os resultados da PIBE-2014 do IBGE.
Em tudo, o policial militar, antes de outra natureza é um militar. O policial
militar “de rua”, envolto em atividades operacionais é um militar em emprego
ininterrupto de uma atividade policial. Depois dessas naturezas, aí sim ele é um
servidor público, um cidadão e uma pessoa, exatamente nessa ordem, não por força
totalmente de lei, nem por cultura institucional apenas, na verdade, por ambas.
A Constituição Federal em seu artigo 42 (dispositivo concernente aos
militares estaduais) dispõe que “os membros das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são
militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, sendo a eles aplicados
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parte das prerrogativas e obstruções feitas aos militares federais 59. Vejamos algumas,
mediante o artigo 142 (dispositivo concernente aos militares federais):
Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares;
O militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego
público civil permanente será transferido para a reserva;
Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;
O militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a
partidos políticos;
Entre os direitos trabalhistas, cabem apenas aos militares, incluindo
os estaduais e distritais, no Brasil: décimo terceiro salário, férias
remunerada, salário-família, licença à gestante, licença-paternidade
e assistência gratuita aos filhos em creches e pré-escolas. Os
demais direitos comuns aos demais trabalhadores lhes são
vedados, tais como: repouso semanal garantido, jornada de
trabalho definida, fundo de garantia, seguro-desemprego, horas
extras, adicional noturno, de periculosidade ou de insalubridade.
Gráfico 2 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação
Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE. Estão
com o números apresentados as oito maiores corporações e as cinco menores.
CF88: “Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com
base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º Aplicam-se aos
militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do
art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do
art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores”.
59
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Tabela 1 – Efetivos das polícias militares por Unidade da Federação.
Unidade da Federação
Acre
Alagoas
Amapá
Amazonas
Bahia
Ceará
Distrito Federal
Espírito Santo
Goiás
Maranhão
Mato Grosso
PMAC
PMAL
PMAP
PMAM
PMBA
PMCE
PMDF
PMES
PMGO
PMMA
PMMT
Mato Grosso do Sul
PMMS
Minas Gerais
Pará
Paraíba
Paraná
Pernambuco
Piauí
Rio de Janeiro
Rio Grande do Norte
Rio Grande do Sul
Rondônia
Roraima
Santa Catarina
São Paulo
Sergipe
Tocantins
PMMG
PMPA
PMPB
PMPR
PMPE
PMPI
PMERJ
PMRN
BMRS
PMRO
PMRR
PMSC
PMESP
PMSE
PMTO
Efetivo Policial Militar
2.712
7.135
3.700
9.050
31.039
15.926
14.345
8.491
11.950
7.709
6.579
5.255
42.115
15.943
9.263
17.465
19.348
5.335
46.135
8.926
20.405
5.200
1.669
11.560
89.478
4.660
3.855
Elaborado pelo Autor com dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais, de 2014, realizado pelo IBGE.
Segundo a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais
Militares e Bombeiros Militares (ANERMB), que apresenta a tabela do piso salarial
bruto das Polícias Militares em 2015, a média salarial (calculado pelo autor) é de R$
3.484,00, ou seja, de 1.110,00 dólares. O menor salário era o da Bahia, R$ 2.498,00 e
o maior o de Brasília (que tem subsídio do governo federal), R$ 7.190,00. Os policiais
militares passaram a empreender várias lutas de cunho trabalhistas, algo que antes da
sucessão de greves de 1997, nunca tinha sido visto entre eles. Daí por diante houve
uma ruptura da lógica de subordinação e remuneração, que tende a se fortalecer cada
vez mais.
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Participação social e a Segurança privada
Segundo o caput do artigo 144, toda a sociedade brasileira tem direito a
essa mesma segurança pública, bem como seria auto-responsável, contudo, o que
observamos na prática é que a atividade é bastante monopolizada pelo Estado. A
proporção de pessoas reservistas do Exército é baixa, o porte de arma legal foi vetado
quase que completamente. No Brasil, as circunstâncias citadas anteriormente são
ditas como o comum, sem perceberem que isso posiciona suas polícias como entes
sociopolíticos dos quais a sociedade menos favorecida depende quase que totalmente
para a resolução de seus conflitos mais simples. Iniciativas de justiça reparadora tem
sido implementadas, ficando fora do alcance da maioria. Os conselhos comunitários
de segurança foram bastante estimulados em algumas Unidades da Federação, mas
devido a essa cultura, antes citada, eles acabam por definharem se não forem
tutelados pela própria polícia.
Porém a parcela mais favorecida da sociedade sustenta um nicho de
mercado de segurança privada que traduzida em números significa 520 mil vigilantes
ativos, segundo dados do Departamento de Polícia Federal (Coordenação Geral de
Controle de Segurança Privada), número atualizado em outubro de 2013. Mas
segurança privada não é realizada apenas com vigilantes, ao todo o setor emprega
algo próximo a 620 mil trabalhadores, segundo dados da Federação Nacional de
Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) mostram que o
faturamento do setor, em 2015, chegou a R$ 50 bilhões. O emprego institucional,
corporativo e pela classe alta seria razoável, mas o exagerado emprego da segurança
privada por parte inclusive pela classe média demonstram uma certa descredibilidade
no sistema público de segurança. Para nós, falar da segurança privada se faz
necessário nesta pesquisa, porque acreditamos que o envolvimento dos padrões
institucionais da polícia militar seja preponderante sobre a formação e a identidade
profissional do vigilante.
Figura 8 – Fotografias do Autor fardado atuando como policial.
a) Pelopes – Pelotão de Operações
Especiais
b) Copes – Companhia de
Operações Policiais Especiais de
Sertão
c) Pelopes – Pelotão de Operações
Especiais em uma abordagem na
Caatinga
Fonte: Imagens de acervo pessoal do Autor. a) 2015. b) 2014. c) 2013.
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A polícia e eu
Como e por que eu ingressei na Polícia Militar?
Sou filho de militar da Marinha, meu pai sentou praça como aprendiz de
marinheiro em Olinda em 1966 e durante minha infância era sargento e vi ele ir para
reserva como suboficial. Admirava as histórias dele, pelos portos do mundo. Tentei
exame para o Colégio Naval, fiz provas na mesma Escola em Olinda, essa que foi
minha primeira viagem com meu pai, ele estava mais ansioso que eu. Isso deve ter me
impactado muito, mais ainda ao decepcioná-lo por não ter passado. Apesar de seguir
o que parecia minha vocação natural, o mundo da TI, computação e informática; eu
permanecia ‘antenado’ nas oportunidades de concurso para a área militar, tentei
Exército ainda. Queria ser militar. Nunca havia me passado pela mente ser policial.
Mas em dado momento eu e alguns amigos do CEFET, antiga Escola Técnica
decidimos: ‘vamos seguir carreira universitária na área de Computação’.
Quando repassei isso ao meu pai e que de quebra demandaria que eu
ficasse um tempo sem trabalhar (eu trabalhava desde os 14 anos, isso aí eu já tinha
17), ele foi categórico: somente sustentaria se fosse Medicina. Não vi opção, no ano
que foquei o Vestibular da UFAL, em 2000, abandonei a ideia de Ciências da
Computação e optei pelo CFO. Mas o que era CFO? Curso de Formação de Oficiais,
que nem eu, nem meu pai sabíamos ao certo.... (risos) Depois eu iria descobrir a
furada que me meti (mais risos). E posso lhe dizer a sensação sobre essa “furada”
essa decepção para com o CFO é bastante difundida entre os oficiais egressos das
Academias de Polícia Militar. Bem, estudei que nem um condenado, mas continuei
com minha vida sedentária, era área de Humanas do Vestibular da Copeve/Ufal.
Passei em sexto lugar das doze vagas masculinas e 3 femininas.
Poxa, nem lembrava mais disso, quando eu entrei na PM, ainda eram
divididos os quadros para homens e mulheres. Chamávamo-las de PFem... em alguns
momentos isso era em tom pejorativo mesmo. Quem mudou essa realidade foi minha
primeira professora da área de Direito, nossa coordenadora de disciplina (cargo que
se chama comandante do corpo de alunos), a então capitã Clara, que foi a primeira
coronel da Polícia Militar de Alagoas, ela e mais outras oficiais que lutaram, fizeram
pressão política de bastidores (lobby) e conseguiram alterar a lei de promoção e o
Estatuto, meus parabéns para essas guerreiras. Mas voltemos pra pergunta original.
Foi assim que entrei na PM. Sim, ia me esquecendo, eu e mais três (hoje, meus
amigos de fé e de luta) perdemos no teste físico. Bem, foi uma loucura na época,
sabe. Passar num concurso muito concorrido e ficar no meio do caminho.
Acionamos a Justiça e entramos por força de liminar, por impetração de
um mandado de segurança. Depois ouve um ‘zum-zum’ sobre irregularidades, mas
prefiro acreditar que foi mais devido a nossa deficiência no treinamento físico e a
dificuldade burocrática da Corporação. A Corporação tem esse traço interessante, ela
possui em seus quadros pessoas altamente qualificadas, por exemplo, na época
tinham policiais com formação jurídica para elaborar um edital no nível de preparo de
um procurador do Estado, mas na hora de chocar o trabalho desse especialista, com
as vontades e falta de capacidade técnica de outros, mais os traços próprios da cultura
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organizacional, o resultado são peças, projetos, programas atrapalhados sem uma
definição de diretrizes de escopo.
Por que eu realmente ingressei na Polícia Militar (sendo mais objetivo)?
Na época, por que parecia um bom emprego, salário razoável; promessa
de rápida independência dos meus pais, sem que tivesse que cursar uma faculdade
toda na dependência deles; havia a percepção que ao entrar na vida da corporação,
propriamente dita, faríamos isso no nível de comando.
Particularmente, eu via na Academia Militar um ambiente de
desenvolvimento polivalente, meu teste vocacional feito naquele ano de preparo para
o ingresso, acusou uma potencialidade múltipla de competências. Eu disse, bem é lá
que vou desenvolver o físico e o intelectual, que vou estudar tanto humanidades como
tecnologia, tudo vai ser conduzido por um condão filosófico-moral pertinente àquilo
que projeto de mim mesmo. Para quem entra pensando esse tipo de coisa: a
Academia Militar (pode suprir algumas expectativas), mas de a Academia de Polícia
Militar é sem nenhuma reserva ao significado da palavra: uma tremenda fraude. Mas
você entra ingenuamente pensando essas coisas.
Hoje, creio que ingressei por alcançar o capital simbólico de expressões da
masculinidade que me faltavam. Ou que achava que me faltava. Quando me tornei
homem, autônomo o suficiente, sem precisar da Polícia Militar para tal, eu
simplesmente pedi o divórcio!
Alguns amigos meus ainda estão por lá, como quem permanecem anos
em um casamento mal sucedido, no qual o parceiro não tem mais alegrias, nem gosto
de estar naquela relação, cumprem-se as obrigações assim que se pode, dá as costas
para não querer nem papo. Mas nas aparições públicas, o dito casamento falido, é
motivo de status.
Tarefa ingrata, desprezada e perigosa
Abordei a visita e o estudo realizado no Brasil, por Jean-Claude Chesnais
(1999) na Introdução, retomo entre várias considerações dele, quero destacar as que
se remetem diretamente ao sistema de justiça criminal de qual (segundo certa
abordagem) fazem parte as polícias e ele começa com “a polícia, a justiça e o sistema
penitenciário não são respeitados” e já revela uma das causas “os salários e os meios
são insuficientes, daí a facilidade com que os funcionários são corrompidos”
(CHESNAIS, 1999).
Um membro da polícia militar tem um salário da ordem de apenas
600 dólares60 por mês para uma tarefa ingrata, desprezada e
60
Essa era a média em 1999, segundo a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e
Bombeiros Militares (ANERMB), que apresenta a tabela do piso salarial bruto das Polícias Militares em 2015, a
média salarial (calculado pelo autor) é de R$ 3.484,00, ou seja, de 1.110,00 dólares. O menor salário era o da Bahia,
R$ 2,498,00 e o maior o de Brasília (que tem subsídio do governo federal), R$ 7.190,00. Desde a vinda de JeanClaude Chesnais naquele primeiro momento de estudos, até hoje, os policiais empreenderam várias lutas de cunho
trabalhistas, algo que antes da sucessão de greves de 1997, nunca tinha sido visto entre eles. Daí por diante houve
uma ruptura da lógica de subordinação e remuneração, que tende a se fortalecer cada vez mais.
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perigosa cujas consequências são uma alta taxa de suicídios 61 e
de abandono da profissão. Muitos policiais têm um segundo emprego,
nas horas livres; alguns desenvolvem a prática de achacar ou se
deixam corromper pelos traficantes. A sorte da polícia civil também
não é melhor. (CHESNAIS, 1999). [grifo nosso]
“Tarefa ingrata, desprezada e perigosa” (CHESNAIS, 1999), sentíamos
isso com muita vivacidade a cada plantão, a cada vez que éramos punidos por fazer
aquilo para o qual havíamos sido treinados; a cada vez que os operadores do direito
morno ou frio descartavam o valor de nossas ações “quentes” e saiam destrinchandoas com os critérios frígidos da lei. Por Direito frio refiro-me àquele em que se analisam
fatos jurídicos da esfera criminal, sentados comodamente em gabinetes refrigerados.
Por morno, algo como os delegados e os escrivães e agentes de polícia civil, que
estão à parte do processo ruidoso, dinâmico das ruas, mas ainda sentem as
consequências de tudo que lá acontece pouco tempo depois.
Ao contrário desses, nós estávamos lá, em meio a acidentes de trânsito
chegando ao local antes mesmo das equipes de regaste, se realizássemos o socorro
indevidamente certamente seríamos processados pelas sequelas à vítima, se nos
omitíssemos, erámos passíveis do mesmo destino; sentíamos compelidos a chegar no
foco dos problemas o quanto antes fosse possível. Sofri dois acidentes de trânsito, em
rodovias do Sertão, embarcado em viatura. Um sem gravidade, o outro fiquei inerte,
apenas ouvindo os demais integrantes: “mexe no tenente, que ele parece que morreu”.
A viatura havia colidido com um animal na pista, o chassi empenou. Anos depois, em
outra unidade especializada, a melhor viatura que tínhamos era essa mesma viatura
que devia ter sido inutilizada. Empurrávamos viatura que “baixava” (quebrava), ali
mesmo na rua, mas não parávamos, até que realmente não tivesse nenhuma
condição ou quando o corpo mesmo, exaurido, nos exigia a parar.
Quando o policial despachante, depois de receber uma notícia de crime,
vinha nos dizer: “ligaram dizendo, que quatro homens armados, entraram numa casa
do sítio procurando pelo dinheiro da venda de uma rês62 e bateram no proprietário. E,
olha, dava para ouvir o choro das mulheres, tenente, eles foram embora, dizendo ‘se
não tava como o filho, [o dinheiro] tava com o pai’”. Tínhamos que saber o que nos
esperava: “quantas armas?”, “quanto tempo faz?”, se eu não perguntasse, alguém o
faria. Dessa vez a resposta foi: “tava todo mundo muito nervoso, mas tinha uma ‘12’ 63
e um revólver, de certeza, tava acontecendo ainda”. Largávamos refeição, armávamos e saíamos (sempre era assim, parece que ficávamos esperando essa hora de
Jornalista Fernanda da Escóssia BBC Brasil, relatando sobre o livro “Por que os policiais se matam?” fruto do
“estudo, com coautoria de cinco psicólogos da Polícia Militar e de pesquisadores da UERJ de diferentes áreas,
investiga fatores que levam ao suicídio de policiais...” [Diagnóstico e prevenção do comportamento suicida na
polícia militar do Estado do Rio de Janeiro] “a pesquisa traz números e relatos dramáticos do suicídio de policiais,
investigando seus possíveis fatores – diretamente associados a problemas como falta de reconhecimento
profissional, maus-tratos e quadros depressivos. Outra queixa frequente é a transferência, para a família, de
relações violentas comuns no quartel [...] de 1995 a 2009 foram notificados 58 casos de suicídio de policiais
militares no Rio, mais 36 tentativas de suicídio. Dos 58 óbitos por suicídio de PMs da ativa, três aconteceram em
serviço e 55 nos dias de folga. Foram em média três suicídios a cada ano. O número de mortes por suicídio na folga
foi 18 vezes maior do que em serviço” (ESCÓSSIA, Fernanda. “Por que os policiais se matam: pesquisa traz números
e relatos de suicídios de PMs”, 2016).
62 Um animal do gado bovino: uma vaca ou um boi.
63 Espingarda calibre 12
61
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‘morfar’, de se transformar em heróis vigilantes). Gandola, cinto de guarnição com
coldre de perna, colete balístico com sua capa tática, pistola, carabina, revólver de
backup, cobertura64. Prontos, embarcávamos na viatura, sirene e “giroflex”65 ligados
para cortar o trecho urbano, depois preferíamos ser confundidos com qualquer outro
veículo. O sítio não era longe, pensei: “soubemos da ocorrência ainda em andamento,
vamos frustrar o crime”. Infelizmente, por poucos minutos, o “velho” (o pai que os
criminosos se referenciaram, um homem de 70 anos) havia sido morto com um golpe
de porrete na cabeça. Nenhum daqueles equipamentos, toda aquela disposição e o
corpo estava estendido no galpão, ao lado da casa. Sua esposa gritava: “mataram
fulano, ai meu Deus!”.
Pequeno desentendimento entre a guarnição, sobre a viabilidade de entrar
na caatinga, os que insistiam para que entrássemos de imediato, como eu (talvez por
inexperiência), dizíamos: “bora, gente... fazer feio na frente deles não, se os caras
estão aí, a gente alcança!”. Os que pediam cautela o faziam lembrando: “calma,
tenente, se eles tiverem aí dentro, eles estarão nos vendo e a gente vai ‘tá’ no breu,
eles vão acertar a gente como alvo fácil”. Resolvido o impasse, formação em coluna,
para incursão em campo aberto, fuzil à frente, retaguarda em atenção. Tínhamos que
evitar fazer barulho e emitir brilho. Vasculhamos pelo menos, dez outras propriedades
vizinhas, informando o que havia ocorrido, acalmando as mulheres que, porventura,
ficam amedrontadas. Os moradores da localidade rural disseram-nos que esse era o
terceiro roubo na região. Não sabíamos, garanto se eu soubesse, teríamos feito ronda
ali.
Saldo: um senhor morto. A missão agora era registrar a ocorrência,
esperar o IML, que só poderia ser acionado pela Polícia Civil. Cadê os agentes? Muito
tempo depois chegaram. O delegado? Era melhor nem pensar em esperá-lo. O IML
também não veio, o jeito foi autorizar por o corpo em uma D-20 e levar para a ‘pedra’
do hospital66. Obriguei-me a ouvir consternado, o filho do homem morto dizer: “vocês
demoraram, se tivessem chegado antes meu pai tava vivo”. Ocorrência finalizada oito
horas depois do chamado, dormir, descansar? Negativo, um homem havia sido preso
após espancar a esposa, numa cidade a 50 km, mas o efetivo local tinha esgotado o
combustível deles nas diligências. Nova missão: ir buscar o preso e trazer para a única
delegacia de plantão da região, desafio: como trazer a vítima? No dia seguinte, o
comandante me chama para explicar que ocorrências vêm e vão, mas que eu tivesse
mais cuidado com a viatura, “para quê aquela correria pela cidade?”, além de uma
autoridade política ter reclamado que quase tínhamos colidido com o carro dele, a
nossa viatura voltou avariada de passar rápido em um lajedo 67. Como disse o cientista
social francês Jean-Claude Chesnais: “tarefa ingrata, desprezada e perigosa” (1999).
64
Gandola: camisa externa (blusão); cinto de guarnição: que envolve a cintura, carrega alguns utensílios, principal
sinal de que está em prontidão; coldre de perna: associando ao cinto, mantém a arma de menor porte atada à coxa
do policial; capa tática: que envolve a placa de proteção balística, carrega vários utensílios, simbolicamente
assemelhasse à armadura romana; carabina: arma de maior porte, cano longo, calibre igual ou próximo das armas
de menor porte, com precisão para maior distância; backup: arma de reserva caso as demais falhem.
65 As luzes, em vermelho e azul, acima da viatura.
66 D20: tipo de veículo pick-up; pedra: necrotério do hospital que serve como local de acomodação em substituição
ao recolhimento direto no local de crime pelo IML em cidades pequenas.
67 Formação rochosa lapidada encravada no solo.
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Em determinado momento Jean-Claude Chesnais (1999) afirma que ao
percorrer o Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte), mesmo em
lugares tão diferentes ele pôde encontrar, nos meios policiais, profissionais “notáveis,
desinteressados, dedicados à causa pública e com um aguçado senso do dever de
proteger a sociedade, ainda que ao custo da própria vida”. E que apesar dessa
abnegação era possível testemunhar “o desconforto, a insegurança, a miséria e a
extrema precariedade das condições em que trabalham” (CHESNAIS, 1999).
Sem o totem não tem tabu
Certa vez um policial me disse: “a gente sempre vai tá errado, a gente
impede o povo de fazer o que eles querem”, ele simplesmente disse algo que já havia
sido discutido por muito tempo na civilização, e atualizado nos círculos intelectuais do
final do século XIX e no restante do XX (FREUD, 2014). Ele estava falando do malestar na civilização (FREUD, 2014). Quem não quer ser livre e satisfazer plenamente
todos os seus desejos? (VASCONCELOS, 2007) Deu vontade de ouvir uma música?
Que ouça. Deu vontade de fazer isso bebendo? Bem, que mal pode ter nisso, é você
quem vai ingerir a substância psicotrópica, vai relaxar, dançar. Mas e se a vontade for
de fazer isso em meio à praça pública, num bairro residencial? Tudo bem, ouve-se
baixinho. Mas baixo não tem graça. Você não está sozinho, acompanham você outros
amigos. Tem um deles que gosta de tudo isso, mas quando pega no volante, vem uma
lembrança sobre o quanto era bom jogar videogame, como era eletrizante assistir na
TV, um grande prêmio de Fórmula 1. E ele deixando o grupo que se diverte na praça,
vai para a avenida principal da cidade, dar “cavalo de pau”.
A questão da estória ilustrativa é que, enquanto você está em meio à praça
ouvindo música alta, constituindo-se uma diversão, há outros tantos simplesmente
querendo dormir, porque são idosos adoentados, crianças de colo e homens e
mulheres que no outro dia vão acordar cedo e trabalhar; você, por algum motivo,
estará de folga, ou talvez não trabalhe. “Mas dos males o menor”, formalmente falando
ao acionar a guarnição da polícia para esse tipo de situação, no Brasil, talvez a
guarnição peça para reduzir o volume, por um certo tipo de cortesia. Mas sendo
reincidente, ou você sendo desrespeitoso para com os policiais, eles vão apreender o
equipamento de som e lhe conduzir a uma delegacia. Irá ser gerado um termo 68 (em
alguns Estados, a própria Polícia Militar irá lavrar o termo), no qual você assume que
irá comparecer diante de um juiz, certo tempo depois e você terá o processo suspenso
como forma de lhe dar uma primeira chance ou se condenado pagará algumas cestas
básicas a serem doadas para uma instituição de caridade. Até aí, posso dizer que “não
há um mal, que não traga um bem”.
A questão, realmente gravosa, é que seu amigo, estando embriagado, em
meio às manobras arriscadas em alta velocidade, perdeu o controle, atingiu uma
criança que estava no portão de caso, logo após se despedir de seu pai, que acabara
de sair para trabalhar. Os policiais que estavam no atendimento da sua ocorrência,
digo naquela que você provocou , são os primeiros a chegarem ao local do acidente.
Acidente? Crime! Há uma multidão, e já estão com o motorista cercado caído no chão,
o qual já havia sido golpeado por alguns dos presentes.
68
Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), segundo a Lei Federal n.º 9.099/95.
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Vamos falar de liberdade: você tem o direito de fazer uma comemoração
com som alto; o pai da criança tinha o direito de ter dormido bem para trabalhar sem a
perturbação provocada por você; a criança morta tinha o direito de viver. E o policial
vai “ter o direito” de cortar o fio da fonte de energia do seu equipamento de som? Isso
seria um abuso, não? A multidão tem o direito de lixar o motorista assassino, bem... é
o desejo que eles têm, por que deveria ser impedido? Será que o policial vai “ter o
direito” de espancar seu amigo, quando ele vê a criança morta e lembrar o quanto ela
se parece com o filho dele (do policial). Seu amigo embriagado ainda vai colocar o
dedo na cara do policial e dizer: “olha, soldadinho de merda, você não sabe quem é
meu pai? É bom se preparar porque vocês vão...”. Eu diria que essa ilustração é
surreal.
Mas alguém vai falar baixinho no seu ouvido: “tá bom tenente, se não o
senhor vai matar o cara e o pessoal da delegacia não vai receber a ocorrência com ele
assim”. O policial gerencia a situação: uma outra equipe fica velando pelo corpo
esperando perícia e IML; o motorista é conduzido à um posto rodoviário distante que
tenha bafômetro69, ele se recusa a fazer o teste; por fim, a ocorrência é entregue na
delegacia, onde já estão os familiares do preso, que por surpresa do policial são
amigos do delegado.
Resultado, você nem pagou as cestas básicas, seu amigo que matou a
criança foi considerado inimputável, sabe-se lá como. E o policial respondeu a um
processo administrativo e ficou em prisão disciplinar por oito dias no quartel e perdeu a
festa de aniversário do filho dele, que tanto se parecia com a criança morta. Eu prefiro
dizer, que não se passou de uma ilustração, baseado em fatos reais transcorrido em
um lugar distante.
Depois de “imaginar” uma situação como essa, eu passei a entender o
velho jargão: “perto, a polícia incomoda, longe ela faz falta”: e quem o diga, se não
você e o seu amigo. Para impedir a farra perturbadora os policiais são um incomodo.
Para livrar o culpado do lixamento os policiais são heróis, uns “estraga-prazeres” para
a multidão. Ruth Vasconcelos (2007) diz “é preciso colocar o desafio de pensar quais
os meios que a humanidade dispõe para ‘inibir a agressividade que se lhe impõe 70’”.
Porque ela é parte importante do superego social, sem ela os fatores do inconsciente
coletivo e pessoal estão livres para impulsionar as pessoas a fazerem o que quiserem
para satisfazer seus desejos. Mas seus desejos podem não ser compatíveis como os
meus e certamente isso provocará uma reação em cadeia, por que o de ninguém será
totalmente compatível como do de mais nenhum outro. A barbárie se instala e a pedra
de salvação é matar o culpado. Tirando os pais e o delegado amigo da família, muitos
ali ficariam muito satisfeitos em saber que o motorista embriagado infanticida foi morto
ali mesmo sumariamente (GIRARD, 1998; FOUCAULT, 2003). Tenho que admitir,
apesar de não sucumbir a essa ideia, ela parece ter uma certa lógica, a lógica animal,
quiçá um passo a frente do animalesco: a lógica do “olho por olho, dente por dente”.
Mas o motorista não é morto, ora, porque somos superiores a esse instinto
animal, viabilizamos a criação de um “estatuto legal para o qual todos – exceto os
incapazes de ingressar na comunidade – contribuíram com o sacrifício de seus
69
70
Equipamento que mede o índice de alcoolemia a partir de uma amostra do (“hálito”) do ar expirado dos pulmões.
Freud, 1997 apud Vasconcelos, 2007.
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instintos que não deixa ninguém – novamente com a mesma exceção – à mercê da
força bruta” (FREUD, 1997 apud VASCONCELOS, 2007). Por isso, impede-se o
lixamento público e entrega o culpado ao sistema judiciário. Eles sim como
verdadeiros sacerdotes podem executar o sacrífico que lava nossas almas.
Uma análise mais aprimorada sobre a falência a imagem do pai
disciplinador é feita no tópico: “Re-militarização como proposta transitória” do Capítulo
10, no qual se retoma a discussão em Sociologia Clínica freudiana sobre violência por
Ruth Vasconcelos (2007).
Subsídios para um exercício de uma Saúde Coletiva
Por em pauta as relações ecológicas das organizações policiais que tem
como modelo institucional, o da Polícia Militar Brasileira, sobretudo, com o enfoque da
Ecologia Profunda está à guisa de tratar da saúde, destacadamente a saúde mental,
de 420 mil profissionais e suas famílias no país.
Se o que está diante da percepção do pesquisador é um modelo que
determina uma “eficiência” institucional, como um aperfeiçoamento da divisão racional
do trabalho, constituindo uma burocracia (não totalmente encaixada na classificação
de Weber) com alguns pontos positivos que merecem ser mantidos e replicados
poder-se-ia tratar do tema pelo guidão da eficiência administrativa ou da arquitetura
institucional jurídico-legislativa e assim operar-se-ia uma reengenharia de processos e
estrutura.
Entretanto, esse mesmo modelo conduz a ação institucional para a
perpetração de males sociais, sendo utilizado como instrumento de perpetuação de
uma ordem exploratória tanto do profissional a ela diretamente vinculado como das
comunidades nas quais intervém; então, está diante de um agente ecológico que
precisa ser sarado, curado ou ajustado em seu nível mental.
As duas correntes de mudança não são excludentes, podem ser
empregadas em conjunto, ou seja, podem-se propor mudanças estruturais por meio de
alterações na legislação, pode-se propor uma mudança funcional por meio do estudo e
aplicação de novas formas de fazer a atividade cotidiana, mas alego que, sobretudo,
deve-se sanear a mente organizacional e consequentemente a relação psíquica entre
sujeito e organização.
Preciso esclarecer que por sujeito ecológico estou me referindo ao mesmo
tempo aos sujeitos policiais militares, bem como à pessoa organizacional, que é
decorrência do aporte teórico selecionado, o qual aborda os sistemas sociais humanos
como seres portadores das características de autopreservação indenitária e
constitutiva por meio de trocas ininterruptas com o meio externo, ou seja, seres vivos.
Portanto, organizações são tão vivas como os seus membros e se assim são, não se
altera a base estrutural-funcional de pessoas orquestrando apenas reengenharia,
reprogramação ou baixando um decreto. Sendo organizações, seres vivos, se estão
com alguma disfunção, é preciso tratá-las terapeuticamente.
Página | 86
Tratemos por ora, da saúde dos membros da PM, das pessoas a ela
vinculada. Maria Cecília Minayo, Edinilsa Souza e Patricia Constantino (2008)
chegaram a algumas conclusões depois de ouvirem 1.120 policiais em 17 unidades da
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), em 2005, em pesquisa da
Fiocruz, “Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais
militares do Rio de Janeiro”:
O trabalho mal remunerado, sem reconhecimento e sem perspectivas
de crescimento profissional leva ao baixo desempenho no
cumprimento das tarefas, o que se reflete na insatisfação da
população. Esse subconjunto de temas aferidos negativamente e
referidos nos últimos parágrafos traz como consequência um
sentimento de frustração muito forte, que tem impacto sobre a
saúde física e emocional dos policiais [grifo nosso] (MINAYO,
SOUZA e CONSTANTINO, 2008).
Geralmente trabalhos que tem como alvo a cultura organizacional (a
subcultura) dos agentes aplicadores da lei tem uma intenção de certa intervenção que
resulte à instituição uma difusão de mentalidade, que corresponderia a dizer 71:
“Corporação, entenda a sociedade que você serve, torne-se solícita aos movimentos
sociais”. Esta investigação teórico e autoetnográfica vem por certo fazer a percepção
de resposta, que seria bem ilustrada dessa forma: “Sociedade, sobretudo, formadores
de opinião, enxerguem as pessoas que estão aqui dentro da Corporação, estamos
submetidos a certas condições e nossas livres intenções não se coadunam com o mal
perpetrado por quem quer que esteja nos usando”.
A dor do funeral militar: a polícia que mata, também morre
Há necessidade de sensibilidade humana para olhar por outro prisma, este
trabalho usou justamente a abordagem de elaboração autoetnográfica como forma de
suscitar esse valor que as letras frias decepam. Mas observadores externos podem
sim, desempenhar este mesmo papel, como na matéria jornalística de Maria Martín,
do jornal El País – Brasil. Em abril de 2017, Martin escreve, sob o título: “No Rio, a
polícia que mais mata é também a que mais morre” (MARTÍN, 2017). A matéria é
ilustrada por uma foto da Agência Globo, onde se vê um policial militar fardado do Rio
de Janeiro, de joelhos, com um fuzil na bandoleira, cruzado, apoiado na perna
elevada. O PM, com insígnia de soldado, chora a morte do colega, em sepultamento
no gramado do cemitério Jardim da Saudade, na zona Oeste do Rio (MARTÍN, 2017).
Juntamente com ele, há “duas fileiras de policiais militares [que]
prestavam continência, com os olhos chorosos, diante de mais um caixão” (MARTÍN,
2017), o caixão do policial militar Fernando Santos, de 25 anos. A reportagem de
Maria Martín (2017) começa com a uma narrativa impressionante do episódio da morte
de outro policial militar carioca, o cabo Pedro Araújo, que, portanto, me cabe
reproduzir na íntegra:
71
Usa-se da linguagem ilustrativa de um diálogo informal, como recurso didático, as expressões do conteúdo
utilizadas tem por base a experiência nativa do proponente desta pesquisa.
Página | 87
Chovia no Rio e Pedro Araújo acabava de ser abatido com um
disparo na cabeça. Havia atendido um caso de violência doméstica e
ia registrar a ocorrência quando cruzou com um bonde de criminosos
armados numa região supostamente pacificada. Iniciou-se um tiroteio
e Pedro, de 39 anos, foi atingido. Fardado e ainda agarrado ao seu
fuzil dava para ver o cabo respirar agonizante. Estava sozinho,
deitado de barriga para cima, num chão molhado e sujo. Ninguém o
socorria. Pelo contrário. Um vídeo de quase dois minutos72 mostra
como um grupo de moradores, assim como uma dezena de
motoristas que passa pelo local, olham com indiferença seu corpo.
Ele não parece ser alguém resgatável, mas sim um “cana fudidão”
com “o maior buracão” na testa, como dizem durante a gravação. A
única pessoa que se aproxima de Pedro é um rapaz de blusa listrada
para roubar sua arma. “Agarra o meiota!”, grita a turma se referindo
ao fuzil automático leve 7.62 mm usado pelo PM. “São 20.000
[reais]!” (MARTÍN, 2017).
A morte de Pedro ocorreu em 28 mar. 2017, na Avenida dos Democráticos,
no bairro de Irajá. Maria Martín (2017) expõe um justificante para a indiferença da
população, quanto à morte de policiais militares no Rio: “[...] ele foi visto por esses
moradores como mais um membro da polícia que mais mata no Brasil”. Realmente, no
mesmo dia do sepultamento do outro policial, Fernando Santos, foi divulgado “que dois
PMs foram flagrados executando dois bandidos rendidos no chão, após um confronto
que também acabou com a vida de uma menina de 13 anos numa escola” (MARTÍN,
2017).
Na descrição da foto da matéria de Maria Martín (2017), quem também
chora a morte do policial Fernando Santos, é o policial Jefferson Cruz que também era
seu amigo de infância, entre gritos de desespero dos familiares, ele denuncia:
Foi um ato heroico, mas eu perdi um irmão por uma profissão ingrata,
que não dá condições aos policiais. Não tem armamento, não tem
colete, não tem assistência social para a família. Ficamos a mercê da
marginalidade, melhor armada que nossos policiais (Fala do policial
Jefferson Cruz, da PMERJ apud MARTÍN, 2017).
“Fernando foi morto um dia antes ao tentar impedir um assalto, no bairro
do Recreio. Levou um tiro no peito” e morreu (MARTÍN, 2017). Enquanto eu escrevia
essa dissertação, dois amigos e outros três colegas de trabalho meu perderam a vida,
em serviço pela Polícia Militar de Alagoas ou em decorrência dos anos de trabalho e
estilo de vida. Um deles, valente combatente do “raio”, como chamam o Batalhão de
Radiopatrulha (BPRp) da capital alagoana, o então capitão (major post mortem73)
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=RqZn7h8biyQ>. Vídeo no Site Youtube, com 1’44’’ de
duração, sob o título “POLICIAL MORTO: Jovem marginal rouba fuzil de PM baleado no Rio de Janeiro”, com a
descrição “Publicado em 31 de mar de 2017. PM morto com fuzil roubado: Vídeo mostra garoto roubando arma
fuzil 762 de policial baleado no chão. Policial foi morto com tiro na cabeça nesta terça-feira (28) na Avenida dos
Democráticos, Irajá.”
73 Na maioria dos estatutos da classe policial militar, a morte em serviço resulta em promoção póstuma, para fins de
percepção de pensão à família do “morto em combate”.
72
Página | 88
Rodrigo Rodrigues, meu ex-cunhado, morto em serviço74, a quem devo o fato de ter
me reaproximado das orientações de mestre Ieshua. Eu pude ver em redes sociais as
falas de sua viúva, com um filho recém-nascido do casal, a fala dela não se difere em
nada daquela que Maria Martín (2017) registra de Fabiana da Cunha, 44 anos, viúva
do policial militar da PMERJ, Thiago Machado Costa, de 31 anos:
Eu não tenho mais chão, nosso casamento era um conto de fadas.
Ele era importante para as pessoas que o conheciam, era um bom
policial, um homem honesto, mas hoje não é mais que um número. E
isso para quê?, questiona a viúva (Fala de Fabiana da Cunha viúva
do PM Thiago Costa, do Rio apud MARTÍN, 2017).
Thiago Costa, segundo apurou Martín (2017), “era campeão de kickboxing
e liderava um projeto social para crianças, foi um dos 121 policiais militares na ativa
assassinados em 2016 [no Rio], segundo números do Instituto de Segurança Pública”.
Conforme sua esposa explica, Thiago havia presenciado a morte de um amigo em
serviço, ele “ajudou a socorrer um amigo baleado, um ano antes de morrer”. Martín
(2017) registra que Fabiana relata tudo isso em prantos e não posso negar, eu li e
transcrevo isso chorando quase compulsivamente:
[Thiago um ano antes de morrer] Ele arrastou e conseguiu tirar o
amigo do alto do morro e levá-lo para o hospital, mas não resistiu.
Thiago tinha a farda cheia de sangue, chorava igual criança e foi
obrigado, mesmo assim, a cumprir seu horário até o final [grifo
nosso] (MARTÍN, 2017).
Ser obrigado a continuar o plantão, mesmo depois da perda de um amigo,
essa é uma característica tipicamente da cultura institucional da Polícia Militar. Nesses
momentos, todos que são guerreiros fardados dessa luta urbana, pensamos o que
estamos fazendo ali e em prol do que ou de quem lutamos que possa valer a pena
morrer e ser tratado com tanta indiferença. Mas posso atestar, que apesar do
posicionamento seco das esferas institucionais, existem muita solidariedade e
companheirismo nas redes de relações informais entre os policiais militares brasileiros.
Nem todos os contextos geográficos do país são como o Rio de Janeiro,
há cenários menos acirrados, nem todos os policiais reagem da mesma forma, mas
todos mais cedo ou mais tarde, aprendem que precisam se distanciar, no mínimo,
psicologicamente desse mundo frio e obscuro, para poder ter uma vida familiar ou uma
dinâmica social externa. Mas é quase impossível para os policiais militares falar de
outra coisa que não seja a coletânea de disposições da convivência em caserna
quando mesmo em folga, estão em momentos de entretenimento.
Thiago Costa, como eu, pensou além desse distanciamento superficial, ele
planejava o afastamento orgânico: “[...] lamenta [a viúva] todos os dias que a decisão
do marido de mudar de profissão chegasse tarde demais. ‘Ele começou a dizer que
queria sair da PM no dia em que ajudou a socorrer um amigo baleado, um ano antes
de morrer. Dizia que estava com medo de acontecer a mesma coisa com ele.
GOMES, Thiago. “Capitão da Polícia Militar é assassinado com tiro em ocorrência no Santa Amélia”. Jornal Gazeta
de
Alagoas,
seção
Polícia,
em
09
abr.
2016.
Disponível
em
<http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia.php?c=7580>.
74
Página | 89
Começou a estudar para outros concursos, queria ser bombeiro” (MARTÍN, 2017).
Infelizmente o medo dele se tornou realidade em abril de 2016, no mesmo bairro do
Fonseca, na cidade de Niterói, onde eu fui criado na primeira infância 75. Fabiana da
Cunha, espera até hoje a resposta de Thiago Costa, no aplicativo de mensagem
instantânea “Whatsapp”, pelo qual conversavam, antes da chamada no rádio da
viatura sobre um roubo de veículo.
Uma nota relevante desse intento de afastamento orgânico é que uma
viúva com certeza teria dito ao marido, se soubesse que ele ia morrer, que deixasse a
profissão de qualquer jeito. Mas antes de saber disso, os próprios familiares e amigos
mais próximos, são os primeiros a desincentivar a saída, a perda da segurança do
cargo público conquistado pelo concurso é algo impensável ainda hoje para as classes
médias do tradicional pensamento brasileiro. Eu vivenciei isso e sei muito bem como o
policial é visto como um desertor renegado, por escolher uma melhor qualidade de
vida longe das trincheiras dessa guerra urbana.
Mas assim como Fabiana não receberá mais aquela mensagem, assim
também Klarita Omena não receberá as mensagens de Rodrigo Rodrigues, que
segundo um companheiro de farda, era “de boa índole, casado e deixa um filho de oito
meses” (GOMES, 2016). Segundo o jornalista Thiago Gomes (2016), do jornal Gazeta
de Alagoas, “O capitão Rodrigo Moreira Rodrigues, de 32 anos, que estava na
supervisão do dia do BPRp [...] foi morto a tiros, no fim da noite desse sábado (09)
[abr. 2016]”. O fato teria ocorrido, “durante uma ocorrência no bairro de Santa Amélia,
na parte alta de Maceió”.
[...] A viatura comandada pelo oficial foi recebida à bala por um
homem que estava dentro de uma residência. Um dos tiros acertou o
militar na região do pescoço [...] a guarnição tentava localizar
suspeitos de ter roubado um aparelho celular. O equipamento possui
rastreador e os policiais conseguiram achar o imóvel pelo
monitoramento. Na casa, o capitão Rodrigues chamou o dono pelo
muro e, quando foi recebido, levou o tiro (GOMES, 2016).
É impossível ficar de pé, sem se abalar ao som do toque fúnebre da
corneta, em funerais com honras militares, sendo você um policial, em um funeral de
um amigo ou colega de farda. Homens perfilados, fardados, com toda a simbologia da
força, neles revestida, pelas insígnias, emblemas e armas, segurando o choro, que
não se controla e irrompe em lágrimas, até que um deles desaba e grita. Essa cena
típica que marca o clima emocional desse tipo de evento, não foi diferente na tarde do
domingo, dia 10 abr. 2016, no cemitério Parque das Flores, em Maceió, no funeral do
capitão da PM Rodrigo Rodrigues, bem como, em seu velório no Palácio dos Martírios,
antiga sede histórica do governo de Alagoas.
Na ocasião, algumas autoridades se manifestaram publicamente. O
tenente-coronel Jairison Correia de Melo, comandante imediato do capitão falecido,
afirmou que Rodrigues era “um orgulho, exemplo para os companheiros de farda. Ele
era um homem valente, corajoso. Que Deus receba esse guerreiro no céu” e adiantou
75
ALMEIDA, Marcelo. Policial campeão leva tiro na cabeça. Jornal O Fluminense, seção Cidades, 06 abr. 2016.
Disponível em <http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/pm-%C3%A9-baleado-na-cabe%C3%A7a-durantepersegui%C3%A7%C3%A3o-no-fonseca>.
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a informação de que Batalhão da Radiopatrulha iria receber o nome do oficial morto,
em forma de homenagem. O então comandante-geral da Polícia Militar de Alagoas,
coronel Marcos Sampaio, declarou: “capitão Rodrigues nos deixa como herói. Ele foi
um herói da Polícia Militar porque sempre cumpriu seu papel com excelência”. O então
O secretário de Segurança Pública de Alagoas, coronel Lima Júnior, que pode ser
visto ao lado do caixão na foto do enterro, “também esteve presente e ressaltou o
tamanho da perda, para a família e para a corporação” (G1-AL, 2016). O fato
sensibilizou inclusive, o governador do Estado, Renan Filho, que declarou luto oficial
de três dias, sua assessoria divulgou nota com seguinte teor: “Rodrigo era um policial
exemplar, dedicado em sua função, estava servindo na Radiopatrulha [...] Em nome do
povo alagoano, agradeço a ele pela contribuição ao Estado e pelo grande
desempenho em proteger e levar paz a sociedade” (G1-AL, 2016).
Se estudantes de Ciências Sociais, por todo o país, como constatei in loco,
no Rio, em Minas Gerais, em Alagoas e em Pernambuco conduzidos parcialmente
inclusive por seus mestres docentes, sustentam discursos generalistas e
invisibilizadores de pessoas, tais como: “A PM mata!”, “policiais são assassinos”. Se
eles podem sustentar esse tipo discurso ao ponto de constituir um pressuposto
cristalizado, é preciso argumentar, que esses mesmos policiais também morrem, se
matam (pelo suicídio) e adoecem (cronicamente), levando consigo a estrutura de suas
famílias.
Polícia Militar como modelo mental-institucional hegemônico
Os modelos mentais que regem o comportamento dos policiais militares
como corporação estão diretamente ligados em como eles lidam com as relações
diárias que mantém com o seio das comunidades por eles assistidas e inclusive com
os demais profissionais das instituições do sistema político, justiça criminal e
segurança pública.
Modelos mentais-institucionais hegemônicos76, ou seja, entre tantos que
podem servir para direcionar a ação de um determinado espectro da vida social,
refere-se àqueles que são recursivamente selecionados como o modelo principal, o de
maior sucesso no processo de reprodução cultural, esses tais influenciam o todo
social, bem como os sistemas sociais específicos, determinando um conjunto padrão
de práticas e estética.
Sem dúvida, esse é o caso da Polícia Militar no Brasil, seus valores e
práticas recorrentes direta ou indiretamente moldam a construção dos modelos
institucionais das Guardas Municipais; dos grupos de elite das demais organizações
policiais, mesmo as de caráter civil; dos agentes penitenciários e na formação e
atuação da segurança privada no país. Está, portanto, falando de um nicho social que
transcende as agências estaduais policiais militares. Pode-se chegar ao ponto de
dizer, que um jovem brasileiro, sempre residente aqui, não conhece outra forma de ser
aplicador da lei que não seja a forma policial militar ou de alguma derivação dela.
76
Refere-se de certa forma ao componente ideológico da superestrutura de Gramsci (1982; 2001).
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Para ilustrar esse potencial modelar, analisemos brevemente dois
trabalhos etnográficos em comparação: um com guardas municipais da cidade de
Porto Alegre e outro com policiais militares de uma unidade do Rio de Janeiro. Em
2007, um grupo de pesquisadores sob a coordenação de Tatiana Baierle e Álvaro
Merlo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, adentraram no espaço
institucional da Guarda Municipal de Porto Alegre para estudar as relações entre
saúde mental e trabalho, sob o prisma da Psicodinâmica do Trabalho de Christophe
Dejours (apud BAIERLE e MERLO, 2008). Entre, tantos elementos suscitados,
destacam-se aqui aqueles que de certa forma podem apontar para a adoção pela
Guarda Municipal de modelos mentais-institucionais das polícias, sobretudo, da PM.
Perguntado a um guarda o que ele gostava no seu trabalho, ele respondeu:
A adrenalina! Adrenalina, a espera, nunca se sabe o que vai dar. A
inconstância do dia, um dia nunca é igual ao outro (BAIERLE e
MERLO, 2008).
Verifique a similaridade da resposta dada por um soldado da Polícia Militar
do Rio de Janeiro, na pesquisa etnográfica de Jacqueline Muniz (1999):
A grande coisa de trabalhar na rua é que você não precisa ir para a
guerra ou para a selva para ter aventuras. Você tem muita adrenalina,
muita excitação e ainda sai do trabalho e volta para a família (MUNIZ,
1999).
Baierle e Merlo (2008) fazem nota sobre a sensação de risco, perigo que
os guardas municipais sentem em atuação nas ruas da capital gaúcha:
O risco existe e é real no cotidiano de trabalho. Por ser guarda
municipal, isso não significa que enfrente situações mais fáceis ou
menos perigosas do que a polícia. A morte em serviço é uma
probabilidade (BAIERLE e MERLO, 2008).
Tal nota guarda grande similaridade com o trecho da Canção do Policial
Militar, prospectado por Muniz (1999) em sua pesquisa junto a PMERJ:
Aqui nós todos aprendemos a viver demonstrando valor, pois o nosso
ideal é algo que nem todos podem entender na luta contra o mal! Ser
Policial é, sobretudo, uma razão de ser. É enfrentar a morte, mostrarse um forte no que acontecer (MUNIZ, 1999).
Para a equipe de pesquisadores da UFRGS, um dos guardas municipais
relatou: “Tem que ter um psicológico forte para aguentar. Nós estamos preparados
para o quê? Para esta ação, sermos assaltados, de tentar evitar se der, mas somos a
primeira barreira”. Baierle e Merlo (2008) apontam que padrões de comportamento
típico dos policiais podem ser encontrados entre os guardas, um deles são inclusive as
escolhas pelos mesmos processos de escape ao estresse:
Os maiores problemas de saúde são o alcoolismo e a drogadição. É
um sintoma que se reproduz a partir do modelo das polícias. [...] a
reflexão do papel da guarda municipal hoje na sociedade e pensar
um caminho que pudesse levar à construção de uma guarda cidadã,
Página | 92
que se diferencie das polícias por ter identidade própria. Identidade
que ainda está por ser construída [grifo nosso] (BAIERLE E MERLO,
2008).
Portanto, tendo em vista esse caráter de modelo hegemônico do ethos da
Polícia Militar, para toda a área de segurança no Brasil, sustento que no caso do
guarda municipal, do vigilante da segurança privada, bem como para o recém-ingresso
nas fileiras da própria milícia estadual, lhes é praticamente impossível não ceder à
potência de atração dos elementos inconscientes de guerra, caça, adrenalina do
modelo institucional da PM.
E que a via de mudança institucional, como ação estratégica reflexiva, nos
termos de Giddens (2003) só é possível na proposta de Jung (2000) em trazer à luz da
consciência cada vez mais, parcelas do conteúdo sombrio e oculto, para que sabedor
aí sim das linhas de controle do teatro de marionetes (RIBEIRO, 2017), os membros
internos ou os interventores externos possam se dar conta sobre a capacidade
sedutora-controladora desses aspectos, anteriormente desconhecidos, mas nem por
isso, não ativos.
Contribuição Científica
Ao delinear uma pesquisa com as características que ora se podem
observar, há uma humilde intenção de contribuir para a melhor definição do campo
das Ciências Policiais e do tema transversal da Segurança Pública, que tendo em vista
a gama de material produzido, vai se constituindo paulatinamente em um campo
autônomo do saber.
Espera-se que alguns resultados possam ser de grande valia na formação
dos profissionais e no debate acadêmico dessa área, que não é insipiente, ao
contrário é prolífica, apenas não tem as convencionais delimitações de campo
científico, bem como lhe faltam visão integrada, pois se já nasce multidisciplinar, não
pode alcançar respostas aos complexos fenômenos humanos sem que tenha um eixo
articulador para lidar com tantas questões referentes a áreas fronteiriças do
conhecimento científico. Nesse sentido, não uso da modéstia em dizer que almejo ter
o presente trabalho, um dia, usado como referência nas Academias de Polícia Militar e
nos cursos de Segurança Pública de Instituições de Ensino Superior civis.
Se essa é a intenção em relação às Ciências Policiais, não muito diferente
é em relação à Ecologia Humana. Pretende-se criar um marco simplório do uso da
projeção nas relações profundas como condutor os estudos interdisciplinares da
relação homem – ambiente total. A espécie observada neste estudo é em primeira via
o homo sapiens; mas com o devido aporte teórico de suporte, pretende-se estabelecer
outras duas categorias de análise das interações ecológicas: (1) a primeira, é para o
intercâmbio Ecologia e Teoria Organizacional, criando futuras possibilidades para
análises institucionais e a categoria em si é a organização como um organismo e a
instituição como um tronco filogenético. (2) A segunda categoria são os espíritos, os
seres viventes da noosfera, a tentativa de sua apreensão marca um entrecruzamento
da “Ecologia Organizacional” do intercâmbio anterior com a Psicologia Analítica e
metodologias de hermenêutica com abrangência transcientífica (de outras
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epistemologias: filosofia, teologia e cosmovisões peculiares de subgrupos sociais)
para refletir as preocupações da Ecologia Profunda.
Relevância ecológica da sondagem pelo espírito guerreiro
E em um ecossistema que englobe sistemas humanos77, se as relações
entre as parcelas populacionais (comunidades, estratos, classes ou sociedades)
pretendem manter relações de cooperação, então os agentes ecológicos dos diversos
segmentos precisam num processo dialógico conhecerem mais sobre as condições de
interação dos partícipes.
É muito preocupante que a ausência dessa fala de resposta dos
integrantes das corporações policiais constitua-se numa lacuna, preenchida por
humanistas que inadvertidamente desprezam a humanidade desses indivíduos
aliciados pela estrutura sociopolítica e estabeleçam debates que englobem esses
profissionais, tratados em alguns aspectos como cidadãos de segunda classe 78, dentro
de um conjunto totalizante denominado Corporação.
Sem um franco debate hoje, sobre essas interações no seio das
sociedades pós-industriais, não se terá subsídios suficiente para compreender o nichofunção dos agentes, que no futuro, tratarão do comportamento desviante (os lapsos de
violência, que certamente continuarão a ocorrer, mesmo que em menor frequência e
amplitude) e que terão as condições predeterminantes para desempenharem papéis
que exijam um desprendimento de suas pretensões individuais, um vigor corporalpsicológico para enfrentamentos ainda necessários.
É essa gente que em u-topias possíveis, nos termos de Edgar Morin
(2000), estarão encarregados de funções de integração e coesão social. Esse aspecto
de pedagogo social desempenhado pelos aplicadores da lei, tão reiterado por Ricardo
Balestreri (1998), já se pode ver em algumas sociedades de caráter mais coletivistas
ou as que obtiveram maiores patamares de paz social. São esses profissionais que
terão que conduzir por dentro da dinâmica de suas próprias instituições, o
desaceleramento num declínio planejado, segundo Howard. T. ODUM e E. C. ODUM
(2012), até a praticamente extinção das máquinas bélicas.
77
Neste término da era geológica Holoceno, conhecida como Antropoceno, os sistemas terrestres da biosfera não
possuem mais parcelas livres da influência da espécie humana, o que nos asseguraria dizer que não existe mais
natureza intocada e, portanto, todos os ecossistemas terrestres englobam em si sistemas humanos ou interações
com os mesmos.
78 Militares estaduais tem na atual ordem jurídica, situação sui generis, para qual faço uso das palavras do então
presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, Sérgio Antonio Berni de Brum, para explicar: “Há
uma linha divisória entre os servidores civis e militares, ocorrida com o advento da nova ordem constitucional,
consolidada no art. 42, que reservou capítulo separado aos militares, conferindo-lhes, em diversos tópicos, direitos
e obrigações peculiares, em contraste com os funcionários civis. Como cidadãos, podem ser presos, sem ser em
flagrante delito e por ordem escrita de autoridade judiciária competente (art. 5º, inciso LXI, da Constituição
Federal), em atividade, não podem estar filiados a partidos políticos (artigos 42, § 3º, e 142, § 3º, inciso V, da
Constituição Federal) e têm limitações para se candidatarem a cargos eletivos (artigos 14, § 8º, 42, § 3º, e 142, § 3º,
inciso V, da Constituição Federal). Como trabalhadores e funcionários públicos, são-lhes proibidas a greve e a
sindicalização (artigos 42, § 3º, e 142, § 3º, inciso IV, da Constituição Federal)”. Acrescentando que alguns direitos
elencados no artigo 7º da Constituição, como universais a todos os trabalhadores brasileiros, são negados aos
militares: adicional noturno, hora extra, indenizações, fundo de garantia, jornada de trabalho pré-estabelecida,
folga semanal entre outros. Por questões de alocação de pessoal, é praticamente inviável que todos os policiais
militares possam exercer seu direito ao voto, nas atuais condições vedadoras de voto em trânsito.
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Ou ainda, como diz Leonardo Boff, no “ecozóico” as relações se alteram,
uma reintegração dos papéis humanos em suas próprias sociedades com a rede de
interações ecológicas de Gaia, resultará em mudanças notáveis do formato desses
papéis, novas formas de ser professor, novas formas de ser um empreendedor, novas
formas de ser pai, de ser mãe, novas formas de ser um cuidador social, de ser um
agente zelador pela paz social. Esses dois últimos papéis provavelmente se apliquem
ao que hoje chamamos de polícia. Afinal, na era moderna “las policias de la ordem e
del rey”, surgiram como agente civilizador, mas com viés de controlador higiênico.
Estamos, de fato numa encruzilhada antropológica, nossas condições de
desenvolvimento tecnológico, deixaram a civilização planetária na sempre iminência
de autodestruição (CAPRA, 2005). Urge conhecer os aspectos do espírito dos
guerreiros79 e compreender as relações ecológicas profundas dos mesmos, afinal mal
interpretados e não conscientizados da marcha civilizacional em rumo, eles podem
constituir-se em algozes e instrumento de enrijecimento do sistema de domínio. Essas
organizações ainda preservam características de um desenho bélico 80. Algumas
dessas características fundamentais que representam o âmago do caráter viril
(caçador-guerreiro, lutador, agente de resistência), serão necessárias para a
constituição de novas sociedades com ímpeto da autogestão.
Mas a preponderância da lógica bélica, sobretudo, nas mãos do monopólio
de uso do Estado, geram aberrações, tais como a manutenção de instrumentos
ineficientes à custa de toda a sociedade. Se essa gente está hoje nessas
organizações policiais, essa mesma gente tem em si aspectos relevantes para a
construção do novo social do futuro81 (CAPRA, 2005), apesar de estarem, hoje,
arregimentadas por estruturas que institucionalizadas, não permitem a renovação em
tempo hábil dos modelos mentais, como também não permitem a livre expressão
79
Espírito guerreiro além dos exércitos: Uma confusão comumente disseminada entre os formadores de opinião, a
elite intelectual, é que o órgão público, agência estatal estruturado por um desenho do direito administrativo possa
ser confundido com a casta guerreira por si só. Esses órgãos constituem-se em um espaço para a expressão de
determinadas competências humanas (habilidades e atitudes) que não seriam possíveis de serem praticadas com o
mesmo status social, recompensa financeira e prerrogativas legais em comparação a outros espaços sociais. Sendo,
portanto, os exércitos e as polícias um espaço comum e preferencial, mas não único, entre esses homens e
mulheres. Essa casta e seus participantes por afinidade temática (levando em consideração o vínculo de janela nãolocal, de sincronicidade, segundo Jung) não estão reclusos apenas nessas agências estatais, inspiram-se nos
modelos institucionais delas para desempenhar seus papéis nos mais variados segmentos de atuação, tais como a
caça; o esporte; a exploração científica de campo: em selvas, pólos antárticos e árticos, no fundo dos mares, no
espaço sideral; militância por causas ambientais e sociais; a militância política e o engajamento mais acirrado em
partidos políticos; os grupos armados de resistência política; os grupos fundamentalistas de guerra santa etc. Por
vezes essa casta ascende ao poder central, impondo hegemonia dos seus modelos mentais, através das instituições
que lhes favorecem por afinidade simbólica; quando não estão submetidos a uma lógica de domínio, poucas vezes
em parcimônia com as outras castas dirigentes: a de sábios e de comerciantes. Essa forma de interpretar a “luta de
classes” por uma visão de origem védica-indiana pode ser compreendida pela obra do professor David Priestland,
em “Uma nova história do poder: Comerciante, guerreiro, sábio”, versão brasileira do ano de 2014.
80 Movimentos ecológicos mundo a fora usam a seguinte assertiva: “It’s a planet, not an empire! (Isso é um planeta,
não um império!).
81 Essa citação de Fritjof Capra (2005) deve esclarecer esse ponto de vista que aglutina em um mesmo pensar:
sociedades do futuro, suas instituições e integração com os sistemas ecológicos da Terra: “Os princípios sobre os
quais se erguerão as nossas futuras instituições sociais terão de ser coerentes com os princípios de organização que
a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida. Para tanto, é essencial que se desenvolva uma estrutura
conceitual-unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais”.
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deles como cidadãos plenos82. Ou seja, há entre eles um conjunto de sujeitos aptos e
prontos para uma renovação substancial.
Quando falo do espírito guerreiro, ou seja, a auto afirmação extrovertida
como um elemento necessário para o desenvolvimento humano, estou me referindo
ao quanto nos identificamos com a luta indígena contra a dominação estrangeira. Por
exemplo, posso dizer que frente a um projeto de nação imperialista como a dos incas
ou a dos espanhóis83, era legítimo que os povos indígenas se sublevassem e isso só é
possível pelo espírito guerreiro. A relevância de compreender os entremeios da
relação que se mantém com essas forças elementares, se dá porque elas são cruciais
na sobrevivência legítima, como igualmente é fonte da energia expansionista dos
impérios. Uma mãe para defender seus filhos, se inspira nesses arquétipos que
evocam força, resistência e senso de defesa e proteção. Esses mesmos elementos
foram cruciais para construir o conceito do tipo Mãe Guerreira. Assim como uma
pessoa acometida de uma doença grave ou uma incapacidade permanente na
locomoção ou nos sentidos, não tem outro caminho para se reerguer se não tiver força
e determinação. Mesmo um artista fotográfico, um cientista, ou um alpinista para
enfrentar perigos como desbravadores, seja no Himalaia 84, no Saara ou na Antártida 85,
Situação ilustrativa em uma pesquisa feita entre policiais militares: “Por exemplo, no caso dos grupos focais de
soldados e cabos, muitos demonstravam medo de dizer o que pensavam sobre os temas sugeridos, o que nos
sugere fechamento e censura interna na instituição” (MINAYO, SOUZA e CONSTANTINO, 2008).
83 Espírito de dominação: “A justificação lógica de tamanha expansão dos Incas era semelhante à dos espanhóis:
através da dominação fortalecer e enriquecer o Império e, se possível, levar a civilização aos povos que viviam na
barbárie. A conquista espanhola nos Andes Centrais, foi beneficiada pela estrutura civilizatória existente,
comportamento bélico quase nulo dos nativos e confrontamento de visões do cosmos distintos. A julgar pelo modo
como os Incas incorporaram uma extensão tão vasta de território, estão muito próximos das estratégias utilizadas
pelos conquistadores espanhóis. Os Incas utilizaram as estruturas existentes para dominar as diversas tribos locais,
pois quando chegaram aos Andes, a estrutura base de convivência recíproca, o Ayllu, já era uma realidade. Esta foi
utilizada e adaptada para amalgamar o que se tornaria um Império, através do sistema redistributivo. Da mesma
forma os espanhóis usuram a estrutura social e infra-estrutura existente para sedimentar as bases do que viria ser a
colônia, através da Mita, igualmente utilizada e adaptada pra transformar-se em Encomienda. A civilização Inca não
foi uma teocracia do regadio, antes uma sociedade com intrincada rede de valores e prioridades e, assim como a
Espanha, o Império Inca estava estruturado por domínios regionais que respondiam a um soberano” trecho das
conclusões de ROBERTO, Limia Fernandes, “O Império Inca e a economia da América Pré-Colombiana”, 2010.
84 Senso de sobrevivência no alpinismo: Trecho do artigo de crítica cinematográfica de Luís Francisco, site
Publico.pt, intitulado “Situações-limite A única regra é sobreviver”, de 27 fev. 2011: “Em situações-limite, de risco
de vida imediato, as pessoas transformam-se e fazem coisas que não julgaríamos possíveis. À boleia do filme 127
Horas, sobre o alpinista que amputou o próprio braço para se salvar, eis uma viagem pelos mecanismos da mente
que nos permitem sobreviver. E exemplos dramáticos dessa pulsão instintiva, com as montanhas por cenário. Como
é que alguém, cons-cientemente, amputa o seu próprio braço? Que estranhos mecanismos mentais e fisiológicos
nos transformam, perante situações-limite, em máquinas de sobreviver? A questão, desconfortável mas fascinante,
é novamente posta em cima da mesa pela história do alpinista norte-americano Aron Ralston, o homem que, em
2003, se viu perante uma escolha impossível: preso por uma pedra durante uma descida em rappel, ou cortava o
seu próprio braço ou morria à sede”. Disponível em < https://www.publico.pt/sup-publica/jornal/situacoeslimite-aunica-regra-e-sobreviver-21350825>.
85 Jornalista, fotógrafo e cientistas na Antártida - Trecho do editorial da Folha de São Paulo, de 22 mar. 2009,
intitulado “No coração da Antártida: nes plus ultra!”: “Os desbravadores da Antártida usavam essa frase ("não mais
além", em latim) sempre que avançavam o máximo, aonde ninguém havia estado antes. O colunista da Folha
Marcelo Leite e o repórter fotográfico Toni Pires, podem repeti-la com orgulho: em dezembro último, tornaram-se
os primeiros jornalistas brasileiros a pisar o interior do continente gelado[...] a dupla passou 14 dias nos montes
Patriot, sem banho, dormindo em barracas, para acompanhar com exclusividade o trabalho dos pesquisadores da
Expedição Deserto de Cristal - a primeira missão científica brasileira no interior da Antártida [...] a expedição é um
dos pontos altos da participação brasileira no Quarto Ano Polar Internacional, um esforço de pesquisas que se
encerra neste mês e envolveu cerca de 5.000 cientistas de 60 países, destinado a entender as relações das regiões
polares com o clima”. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/antartida/inde22032009.htm>.
82
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precisam de uma boa dose de espírito guerreiro para desenvolver suas atividades que
não são diretamente vinculadas à guerra.
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PARTE II
EXPLORAÇÃO BÁSICA: ECOLOGIA HUMANA INTEGRAL E
ORGANIZAÇÕES
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Não é sinal de saúde estar bem
adaptado a uma sociedade doente
Jiddu Krishnamurti
CAPÍTULO 3 | ECOSOFIA: SABEDORIA ECOLÓGICA
As três realidades de mundo
Usando a visão sobre as três realidades de mundo de Milton Santos
(2001), pretendo neste tópico introdutório do capítulo apresentar qual é a composição
do aporte teórico selecionado para esta pesquisa. Segundo Milton Santos (2001)
estarmos aprisionados em apenas dois dos três mundos da realidade social humana.
No livro “Por outra globalização”, Milton Santos (2001) descreve e explana sobre três
realidades para a sociedade humana: (1) o mundo como nos dizem que é, (2) o
mundo como ele realmente é e (3) o mundo alternativo como ele pode vir a ser. E
seria, portanto, por este aprisionamento (aos dois primeiros), que certas questões
tragam estranheza ou incapacidade para fazer uso da imaginação e compor
mentalmente um quadro de outras possibilidades. Para superar essa estranheza, e
desvelar véus que escondem fatos sobre a realidade social e organizacional que
precisamos antes de mais nada, nos apropriar de um farto aporte teórico para
começarmos a esmiuçar as relações profundas da instituição em estudo.
Esse farto aporte começa por uma tal “sabedoria ecológica” que liga os
pontos, que visualiza as conexões ocultas, o que gera a necessidade de fazer este
trabalho sediado na forma de estudos interdisciplinares inspirados pela Ecologia
Humana pós-moderna. É do incômodo causado pela inadequação entre “o mundo
como nos dizem que é” e as práticas de arbitrariedade violenta da Polícia Militar que
lançam as bases da problemática que instiga a pesquisa e nisso temos suporte
disciplinar na Ciência Política e no Direito.
Está sob o auspício da Ecologia Humana, pelo menos pelo corpo de
produção literário majoritário, submete o intento à abordagem sistêmica. Dentro das
inúmeras versões dessa abordagem, aquela que melhor embasa o principal insight
vinculado à aposta intelectual deste trabalho, ou seja, de que organizações são seres
vivos e podem ser vistos como pessoas portadoras de identidade, – aquela que
melhor embasa – é a perspectiva unificada dos campos de domínio humano de Fritjof
Capra, o que fez seu conjunto de estudos ser selecionado como articulador
interdisciplinar científicas. Sendo, portanto, uma versão da abordagem sistêmica,
Capra procura explanar sobre os domínios do saber humano, fora do seu campo
específico, a Física, através de autores ou escolas de pensamento que se propuseram
a serem influenciadas pela Teoria Geral de Sistemas, pela Cibernética e pela Física
Quântica.
Em suma, Capra aponta para a Escola de Santiago, com Maturana e
Varela para o domínio Biológico. Para Giddens e Habermas em relação ao domínio
Social, dos quais selecionamos a Teoria da Estruturação de Giddens, como o aporte
principal para o domínio do socius. Capra aponta para Jung, Wilber entre outros para o
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domínio psicológico, nossa escolha recaí majoritariamente sobre a Psicologia Analítica
junguiana, pois em seu corpo há possibilidades de tratar de temas com os princípios
quânticos e do substrato coletivo sutil não consciente. Capra alude a Gareth Morgan e
a Peter Senge nos estudos organizacionais, do domínio social aplicado, dos quais nos
nutrimos com as “imagens das organizações” e a “aprendizagem organizacional”,
sendo que este último tópico, damos destaque a abordagem de Chris Argyris em sua
Teoria da Ação. Capra classifica Marx, Freud e Darwin como proposições híbridas que
foram capturadas pelo Pensamento Cartesiano, mas que contém algumas indicações
para dinâmicas sistêmicas.
Em termos disciplinares essa abordagem múltipla, ou unificada como quer
chamar Fritjof Capra, recorre a diversos campos científicos, a saber, Biologia
(Ecologia, Biologia Evolutiva, Biologia Cognitiva, Biologia Cultural), Sociologia,
Psicologia (Psicanálise, Psicologia Analítica, Psicologia Transpessoal e Psicologia
Integral), Teoria Organizacional (Comportamento Organizacional) e Antropologia.
Depois dos estudos feitos para compor este trabalho, reconheço
diferentemente de Capra, o caráter integral das obras de Marx, Freud e Darwin,
contudo, a interpretação posterior dada à obra desses autores ficou restrita aos
parâmetros legitimadores da ciência convencional. Incluo nesse mesmo caso, Max
Weber, a quem pude observar como um árduo crítico à burocracia, apesar dele tentar
desenhar uma versão ideal a qual em sua visão trazia menos riscos ao processo de
esvaziamento do espírito humano.
Sobre Freud e Marx, devo dizer que são ocasionalmente abordados de
forma direta e que nosso diálogo é incipiente com o conjunto de suas obras, creio que
futuramente, para que nossas propostas possam ser adequadamente compreendidas
será preciso que este trabalho seja revisitado por pessoas que dominem a
interpretação das abordagens freudiana e marxiana. Mas a influência desses dois
mestres podem ser observadas; no caso de Freud, pelas colocações de Will Goya,
Juracy Marques, Túlio Vianna e Ruth Vasconcelos.
Também preciso admitir que a carência de usar sabiamente os conceitos
de outros três autores, pode infligir este trabalho de certa lacuna, a saber, Habermas e
Darwin, bem como, os acadêmicos brasileiros podem sentir falta de um maior diálogo
com Bourdieu86.
Tanto Guattari, Boff como Capra, atentam para que é preciso um aporte
mais sólido, com características de ousadia frente ao atual status quo e justamente
para desvelar como “o mundo como ele realmente é” que aludimos (não tão
aprofundado como deveríamos) à Teoria Crítica ou autores por ela fortemente
impactados: Mészáros, Althusser, Gramsci, Bourdieu e Foucault. Sustentado por
essas inserções, incluído nesse rol o próprio Guattari, Boff e Milton Santos, que
sabemos que a Marx se faz presente, mesmo que indiretamente.
86
Neste sentido, faço alusão a uma outra possibilidade teórico-metodológica, que não fica muito distante da
presente proposta, trata-se da Hermeneutica de Profundidade de John Thompson, baseada em Habermas e
Bourdieu. Fruto de uma pesquisa sobre o desarmamento VERONESE, Marília V. e GUARESCHI, Pedrinho A.
apresentam uma discussão sobre o trabalho de Thompson, em “Hermenêutica de Profundidade na pesquisa social”,
Ciências Sociais Unisinos, num. 42, vol. 2, pp. 85-93, maio/ago de 2006.
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Para desvendar um possível fator disfuncional mais antigo que as bases
modernas e medievais, fizemos uso da teoria da violência mimética Rene Girard, que
é um entrecruzamento entre Antropologia e Psicanálise. Para esboçar um desenho
institucional possível da polícia do futuro num “mundo alternativo como ele pode vir
a ser”, precisei de visões prospectivas aguçadas dos processos complexos de
transformação da Terra e da rede de consciência humana que circunda o planeta.
Ecologia Humana: visão integrada, atitude integradora
Pessoas “biológicas” não possuem capacidade reflexiva até que possam
produzir discursos, baseado num sistema simbólico, denominado linguagem. Assim
equipadas podem pensar de forma ordenada (significado/significante) e expressar a
ideia (significado) por um elemento que ao ser repetidamente utilizado possa se referir
àquela mesma ideia por pessoas diferentes (significante). Numa reação em cadeia, a
pessoa que era vista apenas como um animal, agora é um animal pensante
(JABLONKA e LAMB, 2010; VIANNA, 2006). Os pensamentos ordenados pelos
discursos construídos por sobre a linguagem qualificam esse animal em algo mais que
ele não era antes, ou seja, ele passa a ser um animal-discursivo.
Ele em si é formado agora pelo componente biológico e o ideológico. O
que vamos examinar nesta pesquisa é a área de fronteira dessas duas naturezas. Por
exemplo, o comportamento social é um atributo também de outras espécies animais
como as baleias, as abelhas e os chimpanzés. Deve existir ainda em nós, humanosprimatas “inteligentes” (Homo sapiens), parte desse comportamento induzido pelos
fatores biológicos (WRANGHAM E PETERSON, 1998; NEVES e RAPCHAN, 2017). E
como eles se compatibilizam ou são neutralizados pelo componente ideológico é a
nossa indagação. Propomo-nos a entender um pouco de quanto de nossas instituições
sociais refletem nossa herança primata (FREUD, 1996) e quais são nossas reais
possibilidades de nos distanciarmos dela (JUNG, 1959, WILBER, 1983).
Em meio aos estudos que conectam essas dimensões: biológico e
ideológico (psicológico e cultural) além do quanto podemos deixar de ser presos aos
instintos, também precisamos saber o quanto podemos mudar a configuração inicial
da ordenação primitiva do pensamento. Essa configuração inicial nos ajudou a sair do
estado pré-consciente, mas ameaça retardar muito nossa evolução.
Para uma gama de temas sondados em seus pormenores por disciplinas
científicas tão distintas o quadro de referência precisaria ser multidisciplinar e permitir
a aplicação de temas transversais: a evolução-reprodução de instituições humanas e a
problemática dos esforços estatais pela segurança pública, em um contexto
idiossincrático como o brasileiro. De acordo com o tamanho do desafio e as
características peculiares desses entrecruzamentos múltiplos exigidos, restou “sediar”
o empreendimento nas bases da Ecologia Humana. Mas em qual delas? Porque com
esse mesmo intuito de compreender o homem natural e o sociocultural vários campos
do saber desenvolveram-se como subespecialidades, a saber, alguns, Antropologia
Ecológica, Sociobiologia (BEGOSSI, 1993), Saúde Coletiva (ÁVILA-PIRES, 2010),
Ecologia Urbana, Geografia Humana (LAWRENCE, 2014), Psicanálise (MARQUES,
2017) etc.
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Desenvolvimento da Ecologia Humana como campo de estudos científicos
Durante o processo evolutivo, as espécies sofreram graduais adaptações
em seu próprio corpo. Porém a espécie humana desenvolveu soluções culturais para
aperfeiçoar esta adaptação ao meio circundante. Estudar essas relações homemambiente foi o objeto adstrito deste campo científico multidisciplinar que se formou
concorrentemente, em várias linhas de frente, e veio a se convencionar denominar de
Ecologia Humana.
As discussões da Ecologia Humana já se situaram, sobretudo, entre as
ciências sociais e as naturais: em uma intersecção, mais enfática, da Antropologia e
da Biologia, bem como em outros campos, escolas e teorias que rumaram focando na
relação “homem” x “natureza”. Hoje, as pesquisas desenvolvidas por ecólogos
humanos tem se envolvido com diversos campos dos saberes humanos, inclusive em
saberes geralmente não contemplados pela ciência, denominada de “convencional”. A
esse movimento fragmentado, que ocorreu concorrentemente em ritmos diferentes,
nas diversas disciplinas científicas, Dieter Steiner e Markus Nauser (1993) chamam de
a parte tradicional da Ecologia Humana; já a “este novo tipo de Ecologia Humana [que]
se empenha por uma integração na forma de vínculos interdisciplinares e conexões
trans-científicas”, Steiner e Nauser (1993) dizem ser “resposta à crise ecológica
planetária”.
Os diversos autores da área têm elencado as diversas origens
disciplinares dessas contribuições, no entanto, alguns objetos e campos de Ciências
fazem com maior propriedade o ponto de contato multidisciplinar com a Ecologia
Humana (BEGOSSI, 1993; LAWRENCE, 1993; 2014; MILLER et al., 2003; PIRES e
CRAVEIRO, 2014). Alpina Begossi (1993) elenca Ecologia de Sistemas, Ecologia
Evolutiva, Ecologia Cultural (Antropologia Ecológica), Etnobiologia, Modelos de
Subsistência, Sociobiologia, Modelos de Transmissão Cultural, Ecologia Aplicada,
Ecologia Social, Psicologia Ambiental, Bioecologia.
Julia Miller entre outros como Richard Lerner (2003), citam a raiz da
ecologia humana norte-americana “comunitária”: a Economia Doméstica; enquanto,
Iva Pires e João Craveiro (2014), bem como Roderick Lawrence (2014) e Juracy
Marques (2014) apontam a origem norte-americana do tema, na esfera estritamente
acadêmica, na Ecologia aplica à Sociologia, sobretudo, urbana da Escola de Chicago.
O mesmo ecólogo humano e psicanalista brasileiro Juracy Marques 87 (2017),
professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) em um trabalho mais recente,
aponta para uma possível abertura do campo da Ecologia Humana nos trabalhos
pioneiros de Freud.
Lawrence (2014) explana sobre as contribuições da História Natural,
Economia e Economia Ecológica, Epidemiologia, Psicologia, Sociologia (Escola de
Chicago), Antropologia Social e Cultural, Arquitetura e Urbanismo, além da Teoria de
Sistemas, sobretudo como pilar de método de abordagem e interpretativo.
87
Ativista em prol dos direitos de comunidades tradicionais do Nordeste Brasileiro e da preservação de suas
identidades culturais: pescadores, indígenas e afro-brasileiros. <http://juracymarques.com.br>. Presidente da
Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (SABEH) a época da elaboração desta pesquisa. <http://sabeh.org.br/>.
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Segundo Roderick J. Lawrence (2014), em uma revisão de seu artigo
original, “What is human ecology?” de 2005, ele fala de um “dialogue between
disciplines”, elencando em quais disciplinas científicas e profissões, podem-se
observar os estudos sobre relações homem-ambiente e que formam a gama de
origens possíveis de contribuições para Ecologia Humana: antropologia, arqueologia,
arquitetura, biologia, demografia, epidemiologia, ecologia geral, geografia, direito,
medicina, ciência política, psicologia, sociologia e teoria dos sistemas.
Lawrence (2014), porém, argumenta que as interpretações feitas nos
estudos oriundos de tais contribuições “rarely adopt a holistic framework that includes
the contributions from both the social and natural sciences” [raramente adotam um
quadro holístico que inclua as contribuições das ciências sociais e naturais]
(LAWRENCE, 2014).
O que revela, para este autor, uma demanda poucas vezes satisfeita de
realizar uma real integração entre o que viria a ser “meio-ambiente total”, bem como, a
dissolução do conflito entre homem versus natureza, fatores culturais versus
biológicos. Vê-se nisso, dificuldade severa de romper com categorias estabelecidas de
pensamento. Para Lawrence (2014) fazer interpretações parciais, que desprezem a
totalidade das relações humanas e não consigam captar a influência mútua entre
pessoas e ambiente, é consequência recursiva de uma tradição científica.
[…] essas interpretações parciais refletem e reforçam tradições de
longa data nessas e outras disciplinas que separam as pessoas do
seu ambiente imediato ou consideram o meio ambiente como se não
fossem afetadas por atividades humanas (LAWRENCE, 2014)88.
Formada a partir de um paradigma moderno (século XIX), a Ecologia
Humana, teve alguns dos seus primeiros trabalhos voltados para as comunidades
tradicionais em correlações com o comportamento social de outras espécies animais.
Agora os atuais entrelaçamentos entre as complexas sociedades contemporâneas e
as questões ambientais e seus efeitos no ser humano como indivíduo e como coletivo
da espécie, que tem dirigido as pesquisas em um rompimento de paradigma levando a
um circuito pós-moderno de debates, compreendendo o decisivo momento do
desenvolvimento civilizacional (DIETER STEINER E MARKUS NAUSER, 1993;
SOUSA SANTOS, 1998).
A adaptação cultural para perpetuação da espécie humana sofreu de
cristalização gerando práticas e simbolizações contraproducentes, que ao longo do
tempo tornaram-se disfuncionais. Essas disfunções acarretam em pressões de toda
espécie no meio biótico e abiótico e rompem estruturas simbólicas que alinhavam a
experiência vivencial aos princípios do funcionamento adequado (BOFF, 2012). A
emergência de tratar esses pontos se vincula a própria viabilidade da permanência da
espécie no planeta (CAPRA, 2006a; MARGULIS e LOVELOCK, 2002).
Os grandes temas de reflexão planetária invariavelmente envolvem a
relação homem-ambiente: segurança alimentar, suprimento de água potável, geração
Tradução livre de trecho original em língua inglesa: “[...] these partial interpretations reflect and reinforce longstanding traditions in these and other disciplines that either separate people from their immediate environment or
consider the environment as if unaffected by human activities” (LAWRENCE, 2014).
88
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de energia, ressignificação de conteúdo da educação para promoção de consciência
crítica, afirmação positiva de minorias como preservação da diversidade humana,
resgate e aprofundamento em saberes sobre a natureza aplicados à saúde humana,
reformulação de modos de produção mais eficientes e menos danosos que sustentem
a demanda populacional e viabilize a vivência das novas gerações, bem como, a
reformulação da organização social, jurídica e política que integre a humanidade à
rede de inter-relações gerais do sistema planetário terrestre (MILLER et al., 2003;
CESARIO, 2004; ODUM, 1983).
Para as organizações inseridas no seio social, qual o proveito de entender
os fatores dessas complexas questões humanas? O conhecimento advindo dessa
busca por compreender o modo de viver humano subsidia o suporte para que
instituições, empresas e o Estado possam conduzir-se em meio as diversidades e
adversidades do campo cultural, com as diversas nuances do comportamento
humano, e do campo ambiental, onde tramitam as atuais discussões sobre natureza,
conservação e sustentabilidade. O que se precisa saber para exercer essa
responsabilidade para com as pessoas, do público interno e externo, e para com o
meio ambiente, constitui a Gestão Socioambiental89, como competência empresarial
ou subsídio teórico da formulação de políticas públicas.
A formação do ecólogo humano
Um ecólogo humano atual traz uma bagagem de sua formação original,
que tão diversa pode ser, assim como diversas foram as ciências e disciplinas que
desembocaram no trato das relações homem-ambiente. Munido desse cerne inicial de
saber, enriquecido pela apropriação de conceitos mais peculiares da Ecologia, como
desdobramento da Teoria Geral de Sistemas na Biologia e sua correlata aplicação ao
próprio do espaço-relaciomento humano, esse estudioso, discorre dos problemas
sociais atuais e dos efeitos antrópicos na natureza, por vezes já observados por outros
campos do saber, mas que por sua vez, serão tratados em seu todo.
O que diferencia, portanto, um biólogo, um pedagogo, um antropólogo, um
sociólogo, um filósofo, um jurista, um engenheiro, um médico que seja também
ecólogo humano de um que não seja, está muito mais relacionado com a linguagem e
com a proposta de não apenas buscar a verdade, mas trazer respostas
solucionadoras para reformar justamente componentes atitudinais ou axiológicos do
composto de processos adaptativos humanos.
Essa atitude manifestada na investigação científica levará o ecólogo
humano a transpor os limites de sua formação especialista, em busca das respostas:
Precisará [o ecólogo humano] ser um especialista bastante
competente para descobrir que a sua especialidade não lhe fornece
todas as respostas e para sentir a angustiante necessidade de outras
respostas que só lhe poderão dar as disciplinas adjacentes. A
insatisfação estimulante resultará de um conhecimento mínimo
No tópico “Responsabilidade Social e Contrato psicológico”, do próximo capítulo (cap. 3) é possível ver um
desdobramento do tema gestão socioambiental e responsabilidade social para como o público interno das
organizações.
89
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acerca das disciplinas vizinhas, e do maior numero possível de
disciplinas (MACHADO, 1984 apud BOMFIM, 2016).
Em resumo, traçar uma imagem holística do problema. Quando
abordar um problema particular, deve iniciar sua análise do ponto de
vista de seu conhecimento profissional de origem. Mas precisa
ultrapassar as barreiras e limitações de seu campo de conhecimento
original para chegar a um quadro da situação em toda sua
complexidade. Para isso precisa aprender os métodos e paradigmas
dos campos distintos do conhecimento. Não se espera que se torne
um sociólogo, um economista, um biólogo e um matemático ao
mesmo tempo, mas precisa aprender o essencial para ser capaz de
avaliar as diferentes facetas e implicações do problema (ÁVILAPIRES, 2010).
Portanto, é possível uma formação superior inicial em Ecologia Humana,
seja com núcleo biológico ou das ciências sociais, contemplando interdisciplinarmente
o outro bojo de saberes e tratando dos temas cruciais de forma transversal. Na
verdade, tratar hoje de uma ecologia humana, necessariamente é suscitar um
exercício, inclusive pedagógico, de forma transdisciplinar, ou seja, esforçando-se para
romper com os espaços estanque das ciências excessivamente delimitadas (ÁVILAPIRES, 2010).
Universidade Nova de Lisboa, Portugal
No Guia do Curso (2017-2018) de Mestrado em Ecologia Humana e
Problemas Sociais Contemporâneos da Universidade Nova de Lisboa 90, identificou-se
uma competência esperada de ser desenvolvida no estudante do curso, pela cadeira
de Ecologia Humana Aplicada, que para os propósitos firmados nesta pesquisa,
chamou a atenção e bem define o nosso desafio: “autonomia e capacidade para
investigar sobre determinado tema articulando a perspectiva ecológica com as outras
ciências sociais”.
Compreendendo as novas exigências do mundo actual e a
necessidade de implementar um desenvolvimento sustentável, o
curso fomenta o conhecimento numa área interdisciplinar que
promove o diálogo entre várias formações disciplinares e percursos
profissionais. Proporciona o aprofundar do conhecimento e
compreensão dos conceitos, fontes e meios de recolha e estruturação
de informação e ferramentas de análise transdisciplinar da Ecologia
Humana, designadamente nas dimensões territorial, ambiental,
socioeconómica e sociodemográfica.
Esta formação científica permitirá a capacitação aos profissionais
envolvidos em contextos de reflexão e de intervenção
(nomeadamente no ensino, na saúde, no urbanismo, na acção social,
entre outros) da escala local à nacional para um mais sustentado
apoio a tomadas de decisão. Contribui igualmente para o
desenvolvimento de uma nova consciência de cidadania, abrindo
90
Guia do Curso 2017/2018, curso ofertado no contexto do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da UNL, que tem como coordenadora a professora Iva Pires. Disponível em <
http://ecologiahumanafcsh.weebly.com/uploads/1/6/2/3/16236920/guiacursomeh-17-18.pdf >
Página | 106
espaço para uma integração com vários ramos do saber científico e
tecnológico necessários em sociedades em constante transformação
sócio-ecológica (Departamento de Sociologia, Universidade Nova de
Lisboa, 2017).
Universidade de Alberta, Canadá
No encarte do Relatório de Atividades 2015-201691, do Departamento de
Ecologia Humana da Universidade de Alberta, no Canadá, há uma expressão que faz
uso da polissemia do termo design na língua inglesa: “Human Ecologists: Generalists
by Design. Experts in Connecting the Dots” [Ecólogos Humanos: generalistas por
desenho, especialistas em conectar os pontos]. Ao dizer generalista por design, podese entender pelo contexto que segue no texto de apresentação, que se trata de
generalistas por concepção, formados assim em uma multiplicidade de saberes como
próprio fundamento do projeto do curso. Pelo desenho da proposta da área de
Ecologia Humana, esse profissional é generalista, mas há uma coisa que ele sabe
fazer muito bem: conectar os pontos, encontrar os padrões de interconexão, porque
desenvolve em si uma sensibilidade para fluir mentalmente com a dança,
aparentemente caótica dos problemas complexos.
No mesmo encarte, da Universidade de Alberta, diz “os ecologistas
discutiram os benefícios relativos da generalização versus a especialização de
espécies de plantas por décadas [...] os generalistas são favorecidos em ambientes
flutuantes”, usando tal analogia segue comparando com a formação de generalistas,
ecólogos humanos, “certamente, parece que, com mudanças rápidas de tecnologia,
globalização, conflitos globais emergentes e mudanças climáticas, é necessário
navegar a incerteza”. Há uma referência sobre a importância de especialistas para
profundidade de alguns temas peculiares, sobretudo, à medicina, à engenharia e ao
direito, mas por outro lado o generalista tem suas vantagens:
No entanto, ter uma visão ampla e uma capacidade de "conectar os
pontos", e para poder sintetizar e integrar ideias, também são
atributos extremamente valiosos. Os generalistas tendem a ser
empáticos, pois podem imaginar o mundo sob diferentes
perspectivas. Esta habilidade pode ser útil para destruir a natureza
dos problemas complexos. Além disso, complementa o pensamento
dos especialistas, desafiando-os a reformular os problemas.
(Department of Human Ecology, University of Alberta, 2016)92.
[tradução livre]
Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica
Baseado na experiência de dez anos “lecionando um curso sobre Rumos
da Ecologia Humana no Programa Internacional de Mestrado em Ecologia Humana na
Universidade Livre de Bruxelas (VUB), Bélgica”, Fernando Ávila-Pires (2010)
91
Department of Human Ecology, University of Alberta. Disponível em < http://www.hecol.ualberta.ca/>
Trecho original em língua inglesa: However, having a broad vision and an ability to “connect the dots,” and to be
able to synthesize and integrate ideas, are also extremely valuable attributes. Generalists tend to be empathic as
they can imagine the world from different perspectives. Further, it complements specialists’ thinking, by challenging
them to reframe problems.
92
Página | 107
apresenta a discussão sobre interdisciplinaridade e a formação de “especialistas de
mente aberta” (MALDAGUE, 1977 apud ÁVILA-PIRES, 2010).
Minha tarefa principal [era] é de mostrar como abordar problemas
razoavelmente complexos no campo da ecologia humana,
envolvendo aspectos ou dimensões biológicas, socioculturais, éticas,
econômicas e políticas. Para atingir meu objetivo, os estudantes
precisão ultrapassar as limitações da abordagem unidisciplinar ou
uniprofissional à solução de problemas (ÁVILA-PIRES, 2010).
Corroborando com a frase utilizada pelo Departamento de Ecologia
Humana da Universidade de Alberta: “Human Ecologists: Generalists by Design.
Experts in Connecting the Dots”, Ávila-Pires (2010) em referência a frase de
Greehalgh (2001) destaca que “descobrir como as coisas se interconectam é
geralmente mais importante do que conhecer as peças”.
Segundo Ávila-Pires (2010), baseados em uma “taxonomia simplista e
reducionista” a dos currículos tradicionais, as disciplinas visam à aquisição de fatos,
em perspectivas unidimensionais. Trata-se de dissecar a realidade em pequenas
proposições sem “compreender as inter-relações entre as partes”, e, portanto, ÁvilaPires (2010) discorre como o ecólogo humano pode superar essa limitação imposta
pelo próprio desenho funcional das ciências disciplinares:
Para atingir tal objetivo é necessário abandonar a trilha batida em
direção à especialização para se adquirir novas maneiras de
compreender o mundo, juntamente com a capacidade de dominar
conceitos e métodos das diferentes áreas do conhecimento. (ÁVILAPIRES, 2010).
“Esse profissional de ecologia humana”, prossegue Ávila-Pires (2010),
“estará capacitado a traçar uma imagem compósita” de inúmeros elementos e
sistemas que integram o cenário analisado a ele infligem influência. Para Ávila-Pires
(2010), o mosaico bem ajustado, que habilitaria o ecólogo humano a uma reflexão
sistêmica, seria composto “do ambiente natural, dos padrões climáticos, da estrutura
da biota, da complexidade das comunidades humanas e das subcomunidades
envolvidas, sua estrutura social, instituições, padrões culturais, antecedentes
históricos, imperativos econômicos e limitações de caráter político” (ÁVILA-PIRES,
2010).
Resolvendo a dicotomia “homem” x “natureza”
Segundo Steiner e Nauser (1993), “o triângulo ecológico humano, pessoasociedade-ambiente, desempenham um papel metafórico constitutivo” (Figura 9) para
todos os esforços interpretativos da área de Ecologia Humana e que a questão da
interdisciplinaridade, sobre qual assento o estudo irá primar: as ciências sociais,
humanas ou tecnológicas, dependerá de qual o "local de integração" adequado nesse
triângulo ecológico: pessoa, sociedade ou meio ambiente? Steiner e Nauser (1993)
apresentam os argumentos que sustentam a melhor adequação do esforço
interdisciplinar partir das ciências humanas. Se forem as ciências sociais o vértice
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selecionado é a sociedade, se forem as ciências do comportamento o vértice
selecionado é a pessoa.
Sendo a projeção do problema a ser estudado feito por sobre a pessoa,
então “ao observar os estados mentais dos seres humanos, percebemos que parte de
seu eu e consciência são produtos de processos sociais, outras partes das relações
passadas com o meio ambiente” (STEINER e NAUSER, 1993). “Mas deve ser claro
que, para estabelecer uma estrutura integrativa, não pode significar desenvolver uma
teoria global, porque isso significaria tentar o impossível” (STEINER e NAUSER,
1993).
Em outras palavras, podemos argumentar pela possibilidade de
projetar o problema no canto da "pessoa". Na verdade, ao observar
os estados mentais dos seres humanos, percebemos que parte de
seu eu e consciência são produtos de processos sociais, outras
partes das relações passadas com o meio ambiente (STEINER e
NAUSER, 1993)93. [grifo nosso]
Steiner e Nauser (1993) lembram que “as ações dos indivíduos humanos
são o intermediário entre as premissas socioculturais e as condições ambientais”.
Portanto, não havendo influências causais diretas de uma sociedade em seu ambiente
natural, toda a ação antrópica na natureza é feita diretamente pela ação das pessoas.
Essa ação humana pode está “dentro da lógica falsa de um [determinado] sistema
social”.
Figura 9 – Triângulo ecológico humano (Natureza-Pessoa-Sociedade)
Fonte: Elaborado pelo Autor baseado em STEINER e NAUSER, “Human ecology: fragments of anti-fragmentary views
of the world” (1993).
Duarte (2017), aludindo a Pinheiro (1997), explica que cabe à Psicologia
como disciplina integrar os esforços de dissolução da crise ambiental, “pois não
existem problemas ambientais e sim humano-ambientais”. “Não se pode pensar
em ecologia sem uma atitude relacional e interdisciplinar”, considerando que é da
própria natureza da concepção ecológica, interpretar e compreender a coexistência e
a rede de relações e diversos níveis entre os seres vivos (DUARTE, 2017).
Baseado na análise de Bruhn (1974 apud LAWRENCE, 1993), sobre o uso
de analogias mal transplantadas das ciências naturais, para o uso das ciências
93
Texto original em língua inglesa: In other words, we can argue for the possibility of projecting the problem on to
the corner of ‘person’. Indeed, by just looking at the mental states of human beings, we realize that part of their self
and consciousness are products of social processes, other parts of past relations to the environment (STEINER e
NAUSER, 1993).
Página | 109
sociais, Roderick J. Lawrence alerta para a impropriedade de modelos de análise e
interpretação que percebem como insumos a terem seu fluxo estudado, apenas
materiais e energia, desprezando insumos tipicamente socioculturais intangíveis de
difícil mensuração, tais como saberes, comunicação e outros de valor simbólico: “o
termo "ambiente" foi interpretado e estudado de forma restritiva [...] enquanto que
muitos constituintes inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio ambiente têm sido
ignorados” (LAWRENCE, 1993).
Por exemplo, muitas análises ambientais e econômicas das cidades
frequentemente adotaram uma analogia biológica ao tratar os
assentamentos humanos como metabolismos e examinando fluxos
de energia e materiais à custa de outros processos sociais,
especialmente conhecimento humano, comunicação e informação.
Consequentemente o termo "ambiente" foi interpretado e estudado de
forma restritiva, de acordo com conceitos e métodos acadêmicos que
muitas vezes enfatizam os produtos e processos humanos, enquanto
que muitos constituintes inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio
ambiente têm sido ignorados.
A este respeito, a teoria da estruturação apresentada por Giddens
não desafia explicitamente o status quo, mas fornece pistas
inexploradas para desenvolvimentos futuros (LAWRENCE, 1993)94.
Tais analogias, também acarretaram uma visão restritiva quanto o que
viria a ser “ambiente”. Quando se tem uma visão adstrita aos parâmetros físicos,
ambiente é o meio da matéria, composta de elementos inorgânicos e biológicos. Ao
passo, que dentro dessas analogias mal transplantas, o ambiente que rodeia os
agrupamentos sociais humanos, são outras metaestruturas intangíveis, de mesmo
caráter normativo. Por exemplo, uma organização tem por ambiente a sociedade em
que está inserida. Faltando, portanto, para as interpretações sociais
“pseudoteológicas” integrar à atividade humana da dimensão sociocultural a processos
biofísicos da Terra (LAWRENCE, 1993).
O status científico da Ecologia Humana: disciplina, paradigma, nova ciência?
Qual a natureza da Ecologia Humana? Qual o seu real status científico? A
“Ecologia Humana é um paradigma científico ou um outro tipo de Ciência emergente?
(BOMFIM, 2016)”.
Como bem ponderou Luciano Sergio Bomfim95 (2016), professor da
Universidade Estadual da Bahia (UNEB), prospectando das obras de Paulo Machado
(1984), Ronaldo Alvim (2012), Manuel Cesário (2004) e Juracy Marques (2012), a
94
Tradução livre: For example, many environmental and economic analyses of cities have frequently adopted a
biological analogy by treating human settlements as metabolisms, and by examining flows of energy and materials
at the expense of other social processes, especially human knowledge, communication and information.
Consequently, the term ‘environment’ has been interpreted and studied restrictively, according to academic
concepts and methods that often emphasize human products and processes, whereas many inorganic, biological
and symbolic constituents of the environment have commonly been overlooked. In this respect, the theory of
structuration presented by Giddens does not explicitly challenge the status quo, yet it does provide unexplored cues
for future developments (LAWRENCE, 1993).
95 Professor Luciano é um exemplo da formação estimulada por esse aspecto integrador da Ecologia Humana: ele é
geógrafo, bacharel em Direito, filósofo, pedagogo e pensador da escola crítica marxiana.
Página | 110
Ecologia Humana se assinala como "instrumento de reflexão para a mudança de
paradigma em prol da vida" (ALVIM, 2012), é "ciência e arte" (CESARIO, 2004), ou
seja, saber/experimentar e saber/fazer-poético. Bem como, também é “um novo nível
de pensamento” (MACHADO, 1984 apud BOMFIM, 2016), ou uma religiãocompromisso à que se possa converter (MARQUES, 2012).
Para Marques (2012), o estabelecimento formal do status científico da
Ecologia Humana, passa a ser uma questão de segundo plano, desde “que dê conta
do fenômeno humano em sua complexidade” e instrua a alma humana às
possibilidades de insurgência contra as vorazes “estruturas homogeneizantes”
(MARQUES, 2012 apud BOMFIM, 2016). Assim como para Alvim (2012), a Ecologia
Humana como estudo, que se torna instrumento, “tenta resgatar, transformar e
revigorar valores esquecidos ou anulados pelo atual processo de desenvolvimento
aplicado pela cultura de consumo e acumulação de bens”.
Segundo Cesário (2004), “como disciplina aplicada”, a Ecologia Humana
“procura identificar as forças que melhoram o desenvolvimento humano, atualizam o
potencial humano”. Ao ouvir isso, penso numa expansão das características latentes
do ser humano livre (emancipado das amarras, mas conectado com o todo). Cesário
(2004) segue mostrando as consequências no plano pragmático desse
desenvolvimento, que aperfeiçoa “o funcionamento humano e melhorando a qualidade
de vida das pessoas” (CESARIO, 2004). Para Bomfim (2016), Manuel Cesário
alcança, inclusive, uma dimensão a mais da Ecologia Humana, a descreve como “um
caminho de autotransformação, de despertar sensibilidades, de adocicar a afetividade,
de alimentar o coração”.
Inspirado nesse painel bem desenvolvido por BOMFIM (2016), aliado às
reflexões de Boff (2012; 2013), Chardin (1970), Rumi, Jesus (apud PAGOLA, 2011) e
De Paula (2005), posso oferecer um conceito, que opera para mim como imagem de
acesso para essa dinâmica existencial, a qual o meio acadêmico vem chamando de
Ecologia Humana.
Para este autor, a Ecologia Humana é uma atitude, que pode permear
toda e qualquer atividade humana, direcionada para a expansão da consciência.
Em cada dimensão da existência humana, essa atitude se manifesta de formas
diferentes, em busca dos meios que proporcionem tal expansão.
Quando a Ecologia Humana se torna a motivação da investigação
científica, ela de imediato, leva esse método epistêmico há uma correlata expansão de
seus limites, em termos de objetos, procedimentos e capacidade interpretativa.
Portanto, é uma manifestação plausível com a natureza dessa atitude o alargamento
das bases de funcionamento e de interesse das ciências. Chegando ao ponto de, após
uma bateria de produções, debates e reformulações, a ciência ganhar tais novas
propriedades e capacidades, - de - não se parecer mais com a ciência que era antes.
Nisso está a função de paradigma emergente.
Isso de certa forma fundamenta nossa intenção de demonstrar que aquilo
que a ciência chama de Ecologia Humana, é na verdade uma versão mais recente, da
integralização dos saberes, caminho que foi percorrido por inúmeros pensadores do
passado, da Grécia Antiga ao mundo Árabe-Islâmico e que Fritjof Capra (2007)
Página | 111
demonstra bem essa atitude cosmopolita específica nos estudos sobre o fenômeno
humano na figura de Leonardo Da Vinci e Juracy Marques (2017) em Sigmund Freud.
E como atitude inevitável para aqueles que se aprofundam no estudo da nova Física.
Mas essas são as consequências da influência dessa atitude de
desenvolvimento-evolução, que a Ecologia Humana como dinâmica existencial inflige
para com a ciência. Porque em outros campos da atividade humana, a Ecologia
Humana pode gerar outras surpreendentes transformações. A força de base dessa
dinâmica é, como foi muito bem identificada por Machado (1984 apud BOMFIM, 2016),
Maturana e Dávila (2009) e Chalita (2003), o Amor.
Bomfim (2016) justamente extrai de Paulo Machado (1984), o mais
relevante pré-requisito para a pesquisa em Ecologia Humana: “é amar o gênero
humano, compenetrar-se da responsabilidade social da ciência, sentir a necessidade
de ser útil”. Em uma entrevista concedida à Cecília Reis, em julho de 2012, Ximena
Dávila e Humberto Maturana (2012), são questionados sobre o amor como
fundamento biológico e qual a visão científica possível para o amor, fiz a escolha de
trazer as respostas em citação direta, na íntegra:
(Cecilia Reis) – O que significa colocar o amor como um fundamento
biológico do ser humano?
(Humberto Maturana) – O ser humano não vive só. A história da
humanidade mostra que o amor está sempre associado à
sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe não acolhe o
bebê, ele perece. É o acolhimento que permite a existência. Numa de
suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo.
Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem
num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há aquelas que
encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós
precisamos de um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo
acolhedor é o amor.
(Cecilia Reis) – Como a senhora, uma cientista, pode definir o amor?
(Ximena Dávila) – Esse não é um fenômeno eventual, mas uma
condição básica e cotidiana que define as relações entre os
humanos. Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma
incondicional e não se exige ou se espera nada como recompensa.
Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente.
Em vez de oferecer instruções do que e como fazer, amar é respeitar
o espaço do outro para que ele exista em plenitude (MATURANA e
DÁVILA, 2012).
Essa insuperável força, o Amor, não tem nenhum constrangimento de
operar uma transição paradigmática e desaprovar edifícios do saber, obsoletos e
esperar pacientemente, contudo, insistentemente alertando, que seus moradores
deixem serenamente, a construção que logo se tornará escombros.
Página | 112
Ecologia Humana: definição do conceito
Pode-se dizer, desde que seja de forma dialógica, que a Ecologia
Humana é uma atitude, que se instancia na ação do investigador científico, como
um estudo proposto circunstancialmente em prol da melhoria da vida humana.
Devido à natureza do fenômeno humano, inevitavelmente, esse investigador,
devidamente capacitado para operar abordagens e instrumentos da complexidade,
sistêmicos e, ainda quando necessários, analíticos – esse investigador – agora
levando a alcunha de ecólogo humano, levará a cabo um estudo interdisciplinar,
quando não, transdisciplinar ou transcientífico. Ao ponto, de devolver às disciplinas
que fez uso, novos conceitos, metodologias e interpretações, suscitando novos
paradigmas.
Portanto, como natureza dos estudos interdisciplinares de um ecólogo
humano, ao fim deste trabalho, espero está ofertando uma contribuição de novos
elementos para a abordagem ecológica em organizações, sobretudo, as
institucionalizadas e para novas interpretações das problemáticas envoltas do tema de
segurança pública e a atividade policial.
Portanto, Ecologia Humana, na Ciência, é atitude que motiva estudos
sobre o ser humano, os quais geram novos paradigmas. Ou seja, dialogicamente,
é atitude, pode vir a ser estudo e torna-se novo paradigma.
Para Roderick J. Lawrence (1993) vale começar a construir a definição do
que venha a ser Ecologia Humana, lembrando que até pouco tempo, e talvez ainda
seja, o termo era caracterizado por “confusão e falta de consenso”. Diferentes status
tem sido atribuído à ecologia humana, que “tem sido proposta como uma ciência, uma
disciplina, uma filosofia, um ponto de vista e uma abordagem para estudar dado
problema” (BRUHN, 1974 apud LAWRENCE, 1993).
Apesar de indefinição inicialmente registrada por Lawrence (1993), ele
mesmo esclarece o que venha a ser Ecologia Humana, por meio de uma expressão
tridimensional integradora dos elementos (1) “bio”, (2) “físico” e (3)
“psicossocioculturais” como mediadores que regulam os ecossistemas “naturais e
humanos”:
A Ecologia Humana é uma interpretação holística e integrativa desses
processos, produtos, ordens e fatores mediadores que regulam os
ecossistemas naturais e humanos em todas as escalas da superfície
terrestre e da atmosfera. Isso implica um modelo (quadro) sistêmico
para a análise e compreensão de três lógicas e as inter-relações
entre seus constituintes usando uma perspectiva temporal. Essas três
lógicas são: 1. Uma bio-lógica, ou as ordens de organismos
biológicos. 2. Uma eco-lógica, ou a ordem dos constituintes
inorgânicos (por exemplo, água, ar, solo e sol). 3. Uma lógica
humana, ou a ordenação de fatores humanos culturais, sociais e
individuais (LAWRENCE, 1993)96. [Tradução livre]
Trecho original em língua inglesa: “Human ecology is an holistic, integrative interpretation of those processes,
products, orders and mediating factors that regulate natural and human ecosystems at all scales of the earth’s
96
Página | 113
Portanto para Lawrence, Ecologia Humana, trata-se de “an holistic,
integrative interpretation” [uma interpretação holística e integrativa]. Este autor vai
além, convalido ainda que seja integradora, ela não só impulsiona a ver a íntegra,
como ao se deparar com a dissociação promove a integração. Toda essa
transcientificidade pode resultar em uma aparente perda da objetividade. Mas cria
intersubjetividade suficiente para sujeito e objeto do estudo se integrar, trazendo à
Ciência o ganho de voltar a ver de forma humanizada, e não mecânica. Já para a
experiência vivencial das comunidades humanas, essa outra Ecologia Humana
científica traz uma série de conhecimentos que ao serem assimilados melhoram as
condições de vida.
As ecologias humanas desenvolvidas, no ambiente acadêmico, são
diversas e compartilham traços subjetivos do contexto de sua produção. Segundo as
palavras de Luciano Bomfim, “se há uma especificidade na Ecologia Humana
produzida no Brasil, ela reside no humanismo romântico, por vezes, espiritualista”. Ele
prossegue, ponderando, “sem qualquer fragilização do escopo teórico das produções
cientificas aqui elaboradas” (BOMFIM, 2016).
Apesar de encontrar amparo, nas ponderações de Bonfim (2016), nossa
definição sobre a Ecologia Humana como: “uma atitude, que pode permear toda e
qualquer atividade humana, direcionada para a expansão da consciência”; carece de
uma circunscrição nos limites da ciência. Portanto, para que possamos ter um
conceito, que oriente nosso trabalho como inscrito no campo ou imbuído da missão
investigativa ecológica humana, selecionou-se duas definições: a primeira, de Paulo
Machado (1984 apud Bomfim 2016), que nos diz o que e como fazer, enquanto, a
segunda definição de Manoel Cesário (2004) nos diz sobre quais temas e aspectos
preferenciais devemos nos concentrar:
(…) a Ecologia Humana como o estudo interdisciplinar das
interações entre o homem e o meio ambiente, estudo realizado
sob inspiração sistêmica e com objetivos prospectivos. Estudo
realizável por qualquer disciplina com interação de disciplinas
adjacentes. Ecologia Humana não é uma disciplina isolada, não é
uma profissão. É simplesmente um nível superior de pensamento,
utilizando metodologia sistêmica (MACHADO, 1984 apud Bomfim
2016). [grifo nosso]
O estudo da interação dos seres humanos e do ambiente completo,
esses estudos são direcionados principalmente para (1) as
circunstâncias naturais das sociedades humanas, (2) as tradições, a
organização social e a tecnologia que são elementos básicos
dessas sociedades e (3) as estratégias que são úteis para uma
sobrevivência e desenvolvimento (CESARIO, 2004). [grifo nosso]
Portanto, o conceito operativo de Ecologia Humana, circunscrito na
episteme científica (das ciências sociais e naturais) e útil para nosso presente
trabalho, compreende alguns aspectos depreendidos das citações anteriores de
surface and atmosphere. It implies a systemic framework for the analysis and comprehension of three logics and the
interrelations between their constituents using a temporal perspective. These three logics are: 1. A bio-logic, or the
orders of biological organisms. 2. An eco-logic, or the order of inorganic constituents (e.g. water, air, soil and sun). 3.
A human-logic, or the ordering of cultural, societal and individual human factors” (LAWRENCE, 1993) .
Página | 114
Machado (1984 apud Bomfim 2016) e Cesário (2004). Cabe relembrar qual foi o
objetivo e a que pergunta central que procurávamos responder:
Problema: Por que as polícias, mesmo em patente desajuste com os
anseios sociais, não muda? Objetivo: Apresentar um quadro com os principais
elementos profundos do modelo institucional da Polícia Militar Brasileira, geradores de
resistência às mudanças organizacionais exigidas por pressão social. Portanto para
alcançar esse esclarecimento nosso trabalho transcorreu, com os seguintes aspectos:
Natureza do trabalho: Estudo interdisciplinar, “estudo realizável
por qualquer disciplina com interação de disciplinas adjacentes”
(MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016).
Natureza geral do objeto: interações entre o homem e o meio
ambiente, compreendendo como ambiente completo: (1) o natural
externo, (2) o constitutivo interno do homem e (3) o construído pelo
homem (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016; CESARIO, 2004).
Ordens eco-logic, bio-logic e human-logic (LAWRENCE, 1993).
Fatores inorgânicos, biológicos e simbólicos do meio ambiente
(LAWRENCE, 1993).
Objetivo do estudo: “objetivos prospectivos” (MACHADO, 1984
apud Bomfim 2016). Abordagem dos vários cenários possíveis
(prováveis e desejáveis) do futuro.
Método e metodologias: inspiração sistêmica, utilizando
metodologia sistêmica (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016).
“Análise institucional” (GIDDENS, 2003).
Delimitação da dimensão apreendida no objeto: as tradições, a
organização social (CESARIO, 2004). “Propriedades institucionais”
(GIDDENS, 2003).
Tem dois outros aspectos que impregnaram a pesquisa, mas estão
ausentes nas citadas definições, mas sabemos está presente na obra de Machado
(1984 apud Bomfim 2016) e Cesário (2004), a saber, (1) um fundamento éticoespiritual, provedor de sentido de humanidade e (2) uma percepção que nas
mentalidades estão introjetadas barreiras para o alinhamento funcional das
organizações sociais humanas para com os processos biofísicos do planeta. Esses
dois aspectos compuseram o âmago de nossa proposta, portanto, a Ecologia Humana,
mediada pela visão sistêmica, articula os saberes interdisciplinares. Mas falta
explanar, quais partículas, quais relações fazem a liga, que integra. E é uma sabedoria
que leva a aprofundar os questionamentos: “A essência da ecologia profunda é fazer
indagações. O adjetivo ‘profundo’ realça o fato de que perguntamos por que e como,
quando os outros não o fazem” (NAES, 1988 apud UNGER, 2000).
Ecologia Profunda: desvendando a mente organizacional
Apresentando o campo multidisciplinar formado pelo conjunto dos esforços
científicos em Ecologia Humana, definimos através de uma citação de Paulo Machado
Página | 115
(1984 apud Bomfim 2016), a natureza de nosso trabalho: um “estudo interdisciplinar
das interações entre o homem e o meio ambiente [...] sob inspiração sistêmica e com
objetivos prospectivos” (MACHADO, 1984 apud Bomfim 2016). Ressaltando a noção
de ambiente total: natural físico externo ao homem, natural psíquico interno ao homem
e construído tangível e intangível do meio social e tecnológico.
Quem disse que as polícias militares não funcionam bem?
O foco desse estudo interdisciplinar recaiu sobre os fatores que operam
resistência à mudança organizacional, no caso das polícias militares brasileiras
persistirem em um modelo que afronta a demanda social. Aí está uma questão crucial:
partimos do pressuposto que as polícia militares não funcionam bem. Mas quem disse
que elas não funcionam bem? Em termos de eficiência organizacional, talvez
tenhamos que admitir que a “máquina policial brasileira” funciona muitíssimo bem. Se
seus pressupostos internos, que servem, mesmo que ocultamente, para a definição de
todas as diretrizes operacionais apontam como funcionalidade um empreendimento de
guerra e o objetivo é a eliminação do inimigo, portanto, a Polícia Militar Brasileira é um
modelo institucional digno inclusive de exportação massiva.
Ajudá-la a funcionar “melhor” pode ser, na verdade, uma falácia que
resultaria em permitir sua maior adaptabilidade no meio social, sem que por fim, a
instituição tivesse seus pontos “sombrios” saneados ou integrados. O professor
Adriano Oliveira (2002), fez uma observação pertinente ao dizer que “o modelo policial
militar teve [tempo suficiente] para demonstrar sua eficácia na diminuição da
criminalidade e contrariamente, permite inclusive o aumento [...] o modelo não é
racional, nem democrático [...] não adianta discutir a “aparência” da instituição”.
Sou muito sincero em dizer, que pouco me importa (não, quer dizer,
que não me importo de forma alguma, apenas me importo pouco com isto) –
pouco me importa – uma mudança da arquitetura institucional-organizacional,
com foco estrutural, numa nítida intenção de constituir um instrumento públicoestatal melhor preparado para o contexto democrático. Vejo nisso, um
aperfeiçoamento dos métodos de vigilância, tornando mais funcional um dos
tripés do “diplomacia-exército-polícia” de Foucault, contribuindo para a maior
amplitude do raio de alcance do panóptipo sócio-político. Apesar, de admitir que
esta fase de requerer mudança estrutural jurídica-administrativa é necessária,
para o fomentação de um ambiente psíquico pessoal e coletivo propício para
aquilo que realmente me importo.
E com o que realmente me importo? Com o desastre existencial que a
adesão aos modelos mentais difundidos pelo ambiente institucional tem feito nas
mentalidades das pessoas envolvidas: “policiais maltratados, mal pagos, se sentindo
desrespeitados, não funcionando bem” (SOARES, 2013) e os familiares desses
policiais que sofrem esses efeitos juntos; moradores de territórios subalternos e
pessoas, com potencialidade de reabilitação social, caçadas e encarceradas como
animais.
Por isso que além das linhas orientadoras de um estudo enquadrado em
Ecologia Humana, há essa necessidade de buscar guarida, envolvimento e inspiração
Página | 116
na sabedoria ecológica profunda: por um fundamento ético-espiritual e suporte
intelectivo suficiente para determinar se a dinâmica organizacional-institucional está
compatível com os processos biofísicos do planeta Terra.
Por exemplo, a ecologia como ciência não pergunta que tipo de
sociedade seria a mais adequada para manter um ecossistema
específico - esta é considera uma pergunta para a ciência política, ou
para a ética, ou a teoria de valores (NAESS, 1988 apud UNGER,
2000).
Usemos as palavras de Arne Naess (1988 apud UNGER, 2000),
parafraseando-o e contextualizado as circunstâncias deste estudo: qual ciência vai
perguntar que tipo de instituições seria melhor para manter-nos ajustados aos
princípios ecológicos? Que tipo de agência humana serve aos propósitos de prestar
segurança comunitária e coesão social, segundo os padrões dos processos biofísicos
da Terra?
A agência humana, de fins coletivos, que tem um propósito nominal
correlato a esse, indagado anteriormente, é a polícia e seu corpo. A polícia nos termos
de Foucault (2003) e em uma das acepções de Brodeur (1984) são as normas de
ordenamento social (as polícias propriamente ditas), instrumentalizadas como agência
pública estatal (o seu corpo operacional), profissionalizada e especializada, a polícia
moderna, nos termos de Bayley (2002). Mas que tipo de questões podem conectar um
estudo sobre esse ordenamento jurídico ou esse órgão público, típico da ordem
urbana e a relação homem-natureza, ou o que faz pensar em apontar que possa haver
considerações de ordem ecológica quanto ao funcionamento da polícia?
Tecido íntegro que contém diversidade: multicolorido sem costura
Para Nancy Unger (2000), com passagens articuladas de Naess (1982),
Devall e Sessions (1985) e Spretnak (1986), a essa abordagem de ordem filosófica
(ética) e espiritual, que vai às últimas consequências da capacidade de perceber
padrões de inter-relações em sistemas complexos, como é o caso da ecologia, diz-se
que é mais profunda (ecologia profunda) e que desenvolve um tratado de sabedoria
(ecosofia). Múltiplas são as fontes que complementam a episteme estritamente
científica experimental, nessa abordagem, mas de todas vem uma intuição:
[...] característica essencial à ecologia profunda é a percepção da
unidade fundamental da vida na qual os seres humanos não são nem
"sujeitos" separados de um real reduzido à categoria de objeto, nem a
medida de todas as coisas, mas, integrados num universo que é
compreendido como “seamless multileveled creative event97” para
usar a expressão do físico Brian Swimme (UNGER, 2000).
O universo é um todo coerente, um evento criativo multicolorido sem
costura (SWIMME E BERRY, 1992).
Portanto, retomando a reflexão de “qual ciência vai perguntar que tipo de
instituições seria melhor para manter-nos ajustados aos princípios ecológicos?”. Por
97
Tradução livre: Evento criativo como um tecido com várias cores sem emendas.
Página | 117
via de regra, ciência nenhuma faria articulação desde o nível fundamental
(subatômico) da matéria, perpassando os processos biológicos, contemplando a
organização social e perscrutando as dimensões do simbólico e do imaginário da
pisque humana (individual e coletiva), bem como atingindo todo o “paradigma invisível”
(MARQUES, 2016). Contudo, todas as disciplinas, que forem necessárias, sendo
articuladas por uma visão sistêmica, já nos empodera de uma atitude propícia para
começar a fazer as indagações. Mas para propósitos tão enriquecedores ao
desenvolvimento humano, “não nos limitamos a uma abordagem científica; temos a
obrigação de verbalizar uma visão abrangente” (NAESS, 1982 apud UNGER, 2000).
Incluindo desde logo, a filosofia e trazendo a reboque muitas outras tradições, que
dentro do paradigma analítico (cartesiano-positivista), são vistas como não
convalidadoras da “verdade”.
“Na ecologia profunda, perguntamos se a presente sociedade preenche as
necessidades humanas básicas como amor e segurança e acesso à natureza”
(NAES, 1982 apud UNGER, 2000). Em seu livro “Deep Ecology, Living as if Nature
Mattered”, Devall e Sessions acrescentam “a ecologia profunda é um processo sempre
mais aprofundado de questionamento de nós mesmos, da visão de mundo que é
dominante em nossa cultura do sentido e da verdade de nossa realidade”.
O termo “ecologia profunda” [deep ecology] visa também distinguir o que
foi chamado de “ambientalismo superficial” [shallow enviromentalism] ou literalmente
de ecologia “rasa”. (UNGER, 2000; CAPRA, 1996). Como nos explica Nacy Unger
(2000), o ambientalismo superficial está “voltado para um controle mais eficiente do
meio ambiente em benefício do status quo”; já a perspectiva profunda, “reconhece que
o equilíbrio ecológico exigirá mudanças de fundo com implicações para as estruturas
sociais, as expressões culturais, a saúde, a espiritualidade” (UNGER, 2000).
A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência
fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto
indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos
processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos
dependentes desses processos) (CAPRA, 1996). [grifo nosso]
É oportuno fazer alusão a esse trecho de Fritjof Capra (1996): “estamos
todos encaixados nos processos cíclicos da natureza” e salientar que este trabalho foi
todo profundamente influenciado pela noção de que a aproximação de um momento
de transição planetária ou nos termos de Howard T. e Elisabeth Odum (2012), de Jung
(2012b), de De Paula (2003a; 2003b), de Harari (2015; 2016), de Fonseca (2017) ou
ainda nos termos “proféticos” de Milton Santos (2001) estão inevitavelmente
entrelaçados com ciclos de grandes proporções em termos de amplitude de sua
influência e para explicações sobre tal ponto em questão, deixamos para mais a frente
acompanhar o tema conduzido pela visão de Renè Guénon ([1927] 1977).
O físico austríaco, Fritjof Capra (1996), ressalta que “ecologia profunda
não separa seres humanos — ou qualquer outra coisa — do meio ambiente natural”.
Desde já, queremos incluir na categoria “qualquer outra coisa”, como já foi discutido no
tópico sobre o ternário da Ecologia Humana (natureza-homem-sociedade), os
sistemas sociais. Mais adiante, faremos a difícil tarefa de integrar a dimensão
nooética, a esse “qualquer coisa”. Sendo assim, é através da ecologia profunda, que
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num mesmo estudo podemos integrar a visão da matéria, da sua organização macro e
microscópica, a emergência da vida, os desdobramentos da evolução, a produção
cultural e “as coisas do espírito” para usar o termo de Morin (1991).
Em relação a essa dificuldade de integração, Steiner e Nauser (1993)
aludem a Naess (1989 apud STEINER e NAUSER, 1993), para esclarecer que essa
separação tem origem no próprio isolamento psíquico-simbólico operado na mente
humana. A pessoa não se sente parte do todo, portanto, as relações do ambiente, são
externas e não lhe dizem respeito totalmente. Para solucionar isso, Naess (1989 apud
STEINER e NAUSER, 1993) sustenta que precisamos nos ver integrados em um “EU
Maior”, uma consciência expandida sobre uma personalidade coletiva. Steiner e
Nauser (1993) ainda prosseguem, refletindo que semelhante postura pode ser
aplicada à identidade social e as relações sociais.
Ainda um passo adiante, pode-se dizer que a crise ecológica pode
ser entendida como um caso de identidades pessoais inadequadas
ou insuficientes: elas não incluem essas relações externas como
partes constitutivas. Para superar o problema que precisamos no
sentido de Naess (1989) para o “Eu maior” (em oposição a um “eu
pequeno”) dentro do qual essas relações se tornam internas.
Presumivelmente, um ponto semelhante poderia ser feito em
relação à identidade social e às relações sociais (STEINER e
NAUSER, 1993)98. [grifo nosso – tradução livre]
Ciência com Filosofia e Espiritualidade
Mas falar de espírito e espiritualidade, não deve trazer choques aos
condicionantes do pensamento analítico, deve-se primeiro compreender ao que se
denomina espiritualidade na perspectiva da ecologia profunda: “quando a concepção
de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem
uma sensação de pertinência [pertencimento], de conexidade, com o cosmos como
um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais
profunda” (CAPRA, 1996).
Chegando a essa conclusão, Capra (1996) nos remete ao fato, assim
como Unger (2000) também o faz, de que “não é, pois, de se surpreender o fato de
que a nova visão emergente da realidade baseada na percepção ecológica profunda é
consistente com a chamada filosofia perene das tradições espirituais”.
[...] a ideia de que uma ética ecológica efetiva pressupõe uma
cosmologia e mesmo uma ontologia que nos devolva a experiência
de um universo pleno de sentido - o que significa re-espiritualização
e um re-encantamento de nossa visão de mundo (UNGER, 2000).
98
Tradução livre de texto original em língua inglesa: Going yet a step further one might say that the ecological
crisis can be understood as a case of inappropriate or insufficient personal identities: they do not include those
external relations as constitutive parts. To overcome the problem we need in the sense of Naess (1989) a larger Self
(as opposed to a small self) within which those relations become internal. Presumably a similar point could be made
with regard to social identity and social relations (STEINER e NAUSER, 1993).
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Nancy Unger (2000) não só comenta a ocorrência da proximidade da
perspectiva ecológica profunda com “a filosofia perene das tradições espirituais”, como
elenca, os fundamentos de fontes diversas da Ecologia Profunda:
feminismo, e particularmente o ecofeminismo, com todo seu
questionamento do paradigma patriarcal e a ênfase que dá à
necessidade de unir a transformação das estruturas sociais à
transformação pessoal;
as comunidades de povos tradicionais (povos tribais),
principalmente indígenas cujas tradições são um exemplo de
afinamento com as leis da Natureza;
o taoísmo e budismo, entre outras razões por seus ensinamentos
sobre desapego e o respeito a todos os seres e ao ritmo da vida,
grandes místicos cristãos como São Francisco de Assis e
Hildegard de Bingen que experienciam a sacralidade na Natureza
como parte intregrante do cristianismo, bem como Mestre Eckhart.
a nova física e suas contribuições revolucionárias para a
superação do modelo mecanicista do universo e a religação entre
ciência e o sagrado;
Ainda segundo Unger (2000), “a tradição do pensamento através dos
séculos percebeu a filosofia como sabedoria que permite ao ser humano uma
compreensão autêntica de sua humanidade e de seu lugar no Cosmos”.
Devido à escolha pela autoetnografia como um dos instrumentos de coleta
de dados da realidade (ainda que intersubjetiva) e como abordagem geral para a
elaboração textual deste trabalho, é pertinente que eu seja sincero quanto às minhas
fontes, mesmo que isso venha a descumprir uma dica valiosa de Albert Einstein: “o
segredo da criatividade é: saber como esconder suas fontes”. Nesse caso, é uma
questão ética, devido o uso da autoetnografia, deixar o leitor ciente de quais
sentimentos, emoções e circunstâncias influenciam a visão de mundo do
autoetnógrafo, para que ele possa ter seu trabalho julgado dentro dos parâmetros de
seu contexto biográfico específico.
As principais influências transcientíficas que atuaram na minha visão para
elaboração deste trabalho foram:
Espiritualismo universal, sobretudo as versões oriundas do
espiritismo kardecista confluentes com os estudos sobre o
fenômeno ufológico, tendo como principais expoentes brasileiros;
Física quântica e os desdobramentos de suas reflexões filosóficas
e a comunhão com a metafísica;
Sufismo islâmico;
Cristianismo gnóstico;
Página | 120
Cristianismo protestante, pentecostal de expressões místicas e
aquele que tem se reaproximado das bases culturais judaicas, pela
confluência com o judaísmo messiânico;
Teologia da libertação e abordagens histórico-culturais das
narrativas evangélicas cristãs;
Cabala judaica;
Mitologia suméria-acadiana, babilônica-persa, semita-hebraica,
hindu-védica, greco-romana e yorubá-afrobrasileira;
Novas formulações de preceitos filosóficos pré-socráticos, como
os estoicos e Heráclito. E as deliberações de Spinoza e Giovano
Bruno.
Ecologia profunda versus ecologia rasa
Na produção acadêmica brasileira, uma contribuição citada
recorrentemente é a de José Roberto Goldim (1999), da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), a primeira definição que ele traz é a de Potter (1998) sobre
bioética, numa forte correlação com os princípios da ecosofia:
Bioética como nova ciência ética que combina humildade,
responsabilidade e uma competência interdisciplinar, intercultural e
que potencializa o senso de humanidade (POTTER, 1998 apud
GOLDIM, 1999).
Outra importante contribuição de Goldim (1999) é a tabela, que está
reproduzida abaixo (Tabela X) em que faz a diferença entre os aspectos da visão de
mundo dominante e a Ecologia Profunda proposta por Arne Naess (1973).
Tabela 2 - Aspectos da visão de mundo dominante e a Ecologia Profunda
Visão de mundo dominante
Ecologia Profunda
Domínio da Natureza
Harmonia com a Natureza
Ambiente natural como recurso
para os seres humanos
Toda a Natureza tem valor intrínseco
Seres humanos são superiores
aos demais seres vivos
Igualdade entre as diferentes espécies
Crescimento econômico e material como
base para o crescimento humano
Objetivos materiais a serviço de objetivos
maiores de auto realização
Crença em amplas reservas de recursos
Planeta tem recursos limitados
Progresso e soluções baseados em alta
tecnologia
Tecnologia apropriada e ciência não
dominante
Reproduzida de GOLDIM (1999), <https://www.ufrgs.br/bioetica/ecoprof.htm>.
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Princípios ecológicos aplicados aos sistemas sociais humanos
A aplicação desses princípios às estruturas sociais reforça uma
concepção qualitativa da vida e realça valores como a simplicidade, o
desenvolvimento autossustentado (ou seja, empreendimentos que se
sustentam no tempo porque respeitam os ciclos e a dignidade da
natureza e dos homens), a não-violência (baseado no respeito pela
vida) (UNGER, 2000).
É crucial, para o entendimento dos valores e motivações que conduzem
este trabalho, que essa passagem de Nancy Unger (2000), seja revisitada com a
mente e o coração diversas vezes. Porque é exatamente o que fizemos e o que vamos
demonstrar nas próximas páginas, a necessidade da “aplicação desses princípios às
estruturas sociais” e no caso da polícia, as noções de “[respeito] [a]os ciclos e a
dignidade da natureza e dos homens”, bem como a “não-violência”, num exercício
profundo de respeito à vida, em todas as suas manifestações é um condão filosófico
que resgata a missão de protetor e defensor, que invariavelmente está como projeção
arquetípico em todo aquele que se predispõe à atividade de força-vigor.
Mas nossas ações conscientes podem ter múltiplas motivações
inconscientes. E quando a predominância é do arquétipo da caça sangrenta, da guerra
mortífera e do vingador, por meio da carnificina 99, esses princípios, anteriormente
citados, são desbancados no “palco principal das emoções” (CURY, 2008), por outros
que conduzem ao espírito de morte100.
“Os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições
sociais” – sustenta Fritjof Capra (2005) – “terão de ser coerentes com os princípios de
organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida”. Selecionar as
instituições pelos seus aspectos de coerência funcional com a dinâmica do meio em
que se encontram, continua sendo tão simplesmente, a continuidade da atuação das
mesmas forças que operaram na evolução biológica.
Mais adiante estarão identificados os princípios ecológicos de organização
social, para que se possa refletir o que viria a ser uma instituição de força-vigor
coerente com os mesmos princípios que orientam as dinâmicas e vida na Terra. É
preciso certa cautela, na transposição-tradução de dinâmicas essencialmente físicoquímicas para sistemas sociais. “Para tanto, é essencial que se desenvolva uma
estrutura conceitual-unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais.”
(CAPRA, 1995).
99
Pode-se ver na tríade caçador-guerreiro-mensageiro, divindades do panteão yorubá, os três são emanações de
Oxalá: os dois irmãos por reprodução acasalada com uma deusa: Oxóssi (caçador) e Ogum (guerreiro); e Exu
(mensageiro), emanação essencial neutra do pai celeste. Perceba que não há aí julgamento de bom e mau, mas em
determinadas circunstâncias podemos ver a irradiação energética desses orixás invertida produzindo, no caso de
Ogum, rompantes de fúria contra seus próprios adoradores, ou no caso de Exu, que pode se tornar instrumento da
justiça-vingadora de Oxalá. Outros panteões podem reproduzir tal dinâmica: no greco-romano, Artemísia (Diana), a
mulher-maravilha da Marvel, pode ser tomada por desprezo à humanidade e passar a ser “caçadora sangrenta”.
Bem como, o guerreiro por excelência, Ares (Marte) pode inspirar uma luta pela sobrevivência de seu povo, como
em os 300 de Esparta, contra as tropas de elite persa, ou pode depreender uma Carnificina (deusa menor que
acompanha Ares).
100 Ou são conduzidos por ele em ação recursiva/cíclica para fazer jus ao impulso de morte de Freud.
Página | 122
O desencontro entre ciências da ordem natural e da ordem social ainda é a
regra e difundido como dogma acadêmico. A forma de pensar moderna dissecou
muitos elementos e alcançou um poder de análise que foi capaz de trazer
compreensão linear pormenorizada de inúmeros fatos. Contudo, a síntese tem sido,
bastante prejudicada, pela dicotomia de opostos que surgem da categorização linear
da realidade (CAPRA, 2005).
Ecologia Mental de Boff: necessidade de sarar a mente humana
Se a emergência do problema está tão alarmante aos olhos de todos, o
que tem impedido, portanto, que as organizações sociais mudem? Os construtos
sociais e culturais são nossas criações, eles têm o padrão de funcionamento que nós
imprimimos neles, para a sociedade mudar, nós precisamos mudar
concomitantemente, em ação reflexiva. Discorreremos abaixo da reflexão de Leonardo
Boff (2012) sobre Ecologia Mental, que está inscrita no contexto da profundidade da
interconectividade geral, contudo, estamos a dar ênfase ao ambiente intrapsíquico
humano.
“Certos equívocos de como lidar com a natureza e com seus congêneres,
os outros humanos, parte de dentro” do próprio ser humano (BOFF, 2012). Apesar de
parabenizarmos os esforços depreendidos para estudar as estruturas dos corpos
policiais, em especial os militarizados, o que nos proporciona conhecimentos de
alternativas viáveis de organização administrativa e jurídica – apesar, disso –
enfatizamos que não há outro fator mais preponderante que a mentalidade dos
policiais (militares), a ser considerado no êxito de empreendimentos de mudança.
Em certa ocasião, para explicar as pretensões desta pesquisa, precisei
esclarecer da seguinte forma: “há propostas de mudança estrutural da polícia militar,
no Brasil: municipalização, unificação, nacionalização, desconstitucionalização e
extinção, depois dessa última a que mais me impressiona é a desmilitarização. E o
que me impressiona é a forma como pensam em fazer. Aprovar uma Emenda
Constitucional e pronto, a partir da publicação em Diário Oficial, a polícia vai mudar.
Bem, não creio que seja, tão simplista. Mudar o status jurídico, desmilitarizando a
polícia pode ser feito assim mesmo, mas quem vai desmilitarizar a cabeça dos
policiais?”.
Segundo Boff (2012), “ecologia mental tem a vê com a mente e o que está
dentro dela [...] remover as barreiras mentais, para remontar, colocar outras placas de
orientação”. E por que essas barreiras precisam ser removidas? Porque geram
desequilíbrio entre o ser e o ambiente circundante (relação ecológica). Barreiras que
impedem o livre fluxo da energia psíquica, estancando-a, ou operando esforço
desproporcional em algum segmento da vida em detrimento de outros.
De dentro do próprio ser humano surgem mazelas, atitudes e
motivações desalinhadas com o equilíbrio do todo que o envolve. O
todo que o envolve é o ambiente, a dinâmica da relação de um ser
com o ambiente é ecológica (BOFF, 2012).
Portanto, “a ecologia mental, chamada também de ecologia profunda,
sustenta que as causas do déficit da Terra não se encontram apenas no tipo de
Página | 123
sociedade que atualmente temos” (BOFF, 2012). As causas encontram-se também na
“cabeça” dos agentes volitivos dos sistemas sociais humanos. As tais barreiras, ou
modos específicos de pensar determinada temática ou percepção de uma das
dimensões da vida, podem ser reflexos dos tempos modernos: do capitalismo, do
cartesianismo, da era da informação, da midiatização, mas também podem ter origens
em outras fases do transcurso evolutivo da espécie humana, quando nossas
sociedades eram mais jovens ou até mesmo quando ainda não éramos o homo
sapiens na configuração atual. E quanto mais antigos esse modelos mentais são, mais
arraigados e ocultos à nossa reflexão consciente eles estão.
[...] não se encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente
temos. Mas também no tipo de mentalidade que vigora, cujas raízes
alcançam épocas anteriores à nossa história moderna, incluindo a
profundidade da vida psíquica humana consciente e
inconsciente, pessoal e arquetípica (BOFF, 2012) [grifo nosso].
Considerando que Leonardo Boff (2012) alude a “profundidade da vida
psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica”, não teremos como
continuar fazendo uso de sua reflexão sobre “ecologia mental”, sem antes começar a
esclarecer a relação entre “consciente e inconsciente”, o que venha a ser “arquétipo” e
porque Boff está o contrapondo à instância pessoal. E para os devidos
esclarecimentos nesse sentido, deve-se introduzir a contribuição da Psicologia
Analítica, começando, portanto, pelo seu fundador o médico psiquiatra, austríaco, Carl
Gustav Jung, contemporâneo e compatriota de Alfred Adler (fundador da Psicologia
Individual) e de Sigmund Freud (fundador da Psicanálise), deste último tendo sido por
um tempo correspondente e aluno.
Durante 3 anos, entre 1959 a 1962, a rede de TV britânica BBC, produziu
um programa de entrevistas, intitulado de “Face to face” [Cara a cara]. O programa,
apresentado pelo ex-político norte-americano John Freeman, em um dos episódios foi
até Zurique entrevistar o médico psiquiatra Carl Gustav Jung 101. Freeman pergunta ao
professor Jung (em 1959), se ele seria capaz de predizer uma terceira guerra mundial,
levando em conta que, no passado, antes de 1939, ele foi capaz de prever a
aproximação de um grande evento bélico, interpretando dados clínicos de pacientes
alemães, a saber, seus sonhos.
Jung (1959) começa explicando que as circunstâncias eram outras, que
ninguém falava de guerra, então todo o sinal de um evento como esse, destacava-se
como expressão espontânea do inconsciente. Mas naquela época da entrevista
(1959), todos estavam falando dessa possibilidade, cheios de medo e apreensão,
portanto interpretar seus sonhos, no sentido de prever tal coisa era muito difícil. Jung
termina a resposta dizendo que, apesar de não poder prever, com mínima precisão,
uma possível guerra: “uma coisa é certa; uma grande mudança de nossa atitude
psicológica é iminente. Isso é certeza” (JUNG, 1959). Freeman, rapidamente indaga
pelo porque disso e Jung responde, com o trecho abaixo, que nos serve de formidável
paralelo com Boff (2012):
101
JUNG, Carl G. Face to face interviews Carl Gustav Jung: depoimento. [Audiovisual]. Entrevista concedida a John
Freeman, da BBC, em 22 de out. de 1959. Programa produzido por Hugh Burnett. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=G2vGvPF1GME>.
Página | 124
Porque precisamos de mais, precisamos de mais psicologia. Nós
precisamos de um entendimento maior da natureza humana, porque
o único perigo real existente é o próprio homem. Ele é o grande
perigo, e lamentavelmente não temos consciência disso. Não
sabemos nada sobre o homem, sabemos muito pouco. Sua psique
deveria ser estudada, pois somos a origem de todo o mal
vindouro (JUNG, 1959). [grifo nosso]
Há em nós instintos de violência, vontade de dominação,
arquétipos sombrios que nos afastam da benevolência em relação
à vida e à natureza. Aí dentro da mente humana se iniciam os
mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra (BOFF,
2012). [grifo nosso]
Se Boff (2012) e Jung (1959) estiverem certos, a humanidade com seus
construtos materiais e simbólicos estão envoltos em dinâmicas não tão esclarecidas,
sobre as quais não possuem controle e provavelmente são a origem do desequilíbrio
social para com as condições de suporte à perpetuação duradoura no orbe terrestre.
Quais aspectos não compreendemos dos processos naturais? E desses aspectos,
quais precisaríamos incorporar em nossa experiência coletiva para garantirmos a
nossa sobrevivência como espécie? Há na natureza, processos de autodestruição
descompensados? E por que mesmo tomando ciência dessas implicações, insistimos
em prosseguir obstinadamente em direção ao ocaso? Não guiamos nossas próprias
ações?
Muitos questionamentos demandam bastante reflexão. Contextualizando
ao primeiro nível de interesse de nossa pesquisa, que diz respeito ao futuro de um
dado modelo de instituição humana, a saber, a Polícia Militar Brasileira, por que seus
membros estariam tão empenhados em permanecer atuando de tal forma que lhes
conduzirão a serem estorvo social? Algo que é preferível não existir, pela clara
desproporção entre custo e benefício. Isso de forma alguma parece racional, há
alguma força conduzindo esse processo, que impeça que seja visto esse irremediável
paradoxo?
O segundo nível de interesse desta pesquisa, em decorrência de
explicações sobre a dinâmica resistente/resiliente da Polícia Militar, nos conduz para
uma investigação sobre as instituições humanas de forma geral. E nesse contexto é
relevante mostrar o que Freud (1996) denomina de “o interesse da psicanálise do
ponto de vista da história da civilização”, também observado por Ortega (2011). Já
dizia ele (Freud) em 1913, que “o modo de pensar psicanalítico atua como um novo
instrumento de pesquisa” e “aplicação de suas hipóteses à psicologia social torna
possível tanto o levantamento de novos problemas como a visão dos antigos sob nova
luz e nos capacita a contribuir para a sua solução” (FREUD, 1996). É essa nova luz
sob a problemática das instituições sociais promotoras de segurança pública que se
busca, na psicanálise102, para elaborar um esboço propositivo de primeiras
providências em rumo a uma solução possível.
102
Psicanálise aqui está sendo usada para referir não apenas a escola freudiana, mas toda a Psicologia de
compreensão insigh, nos termos de Wilber, incluindo portanto abordagens como a de Jung.
Página | 125
E é justamente o uso da Psicologia “profunda”, que nos possibilitou no
transcurso da pesquisa, alcançar certos níveis do “papel desejado” da atividade
policial, nos termos usados por Ivone Costa (2005), quando essa alega, existir um
papel proveniente de imagens inconscientes que dão suporte a atuação regida por
elementos sombrios, divergentes ao papel formal declaradamente de persecução do
bem social. Para Freud (1996), “Uma aplicação semelhante de seus pontos de vista
[ou seja, da psicanálise], suas hipóteses e suas descobertas permitiu à psicanálise
lançar luz sobre as origens de nossas grandes instituições culturais”, ele cita como
exemplo a religião, a moralidade, a justiça e a filosofia. Em nosso caso particular, está
se sondando uma congruência entre Justiça, Política e Guerra.
Portanto, para Freud (1996), a psicanálise é uma das alternativas para
compreensão (insight) mais penetrante, substitutiva de uma “psicologia demasiado
superficial” e isso é inferido justamente do bem sucedido uso desse novo modo de
pensar (1913) no exame das “primitivas situações psicológicas que poderiam fornecer
o motivo para criações” como essas, de instituições sociais. Tanto porque, “a
psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas de
indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única
fonte dinâmica para ambas” (FREUD, 1996).
Ecologia dos espíritos-ideias: deuses-fatores (Boff, Jung, Morin e Marques)
Segundo Jung (2000) estar nesse limiar é recorrente na história da
humanidade: “seja ela primitiva ou não, a humanidade encontra-se sempre no limiar
das ações que ela mesma faz, mas não controla”. E para ilustrar seu pensamento,
Jung (2000) comenta justamente sobre a vontade declarada de todos em alcançar a
paz, mas em paradoxal atitude, o mundo inteiro se prepara para a guerra. Para
explicar, o que nos leva a um caminho, aparentemente não pensado por nós, Jung
(2000) lança mão do termo “fator”, palavra que de sua origem latina, pode significar,
criador, agente, autor, causador, “aquele que faz ou executa uma coisa”103.
A humanidade nada pode contra a humanidade e os deuses, como
sempre, lhe indicam os caminhos do destino. Chamamos hoje os
deuses de "fatores", palavra que provém defacere, fazer. Os que
fazem ficam por detrás dos cenários do teatro do mundo. Tanto no
grande, como no pequeno (JUNG, 2000).
Por detrás entenderemos as dinâmicas inconscientes, “os bastidores”. Por
grande teatro os contextos coletivos e por pequeno, os pessoais. E nisso, para
mantermos conexão com a reflexão de Boff (2013), queremos enfatizar o fato de ele
demarcar a existência de uma “ecologia externa” e uma “ecologia interna”. E desde já
acentuar que para Boff (2013), o saneamento da ecologia interna tem insuperável
potencial curativo de todo o restante. Essa compreensão nos é muito cara, pois
mantivemos uma aposta intelectual, através, da hipótese testada, de que tanto como
uma pessoa pode ser “psicologicamente” curada, uma organização também pode,
justamente compreendendo as chaves de organização dos seus processos ocultos, ou
seja, a compreensão sobre a “alma” e o “espírito” organizacional, o que é limitado ao
103
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa <https://www.priberam.pt/dlpo/fator>
Página | 126
“eu racional”. Justamente essas são “categorias incômodas às ciências” (MARQUES,
2012), pois fazem parte do “paradigma invisível da ciência” (MARQUES, 2016). Ao
sistema de interações entre os elementos “invisíveis” da cultura organizacional,
estamos chamando de relações ecológicas profundas.
Parafraseando Jung ([1919] 2000 apud MARQUES, 2012) e usando a
interpretação de Juracy Marques (2012), a “alma organizacional” são “complexos
autônomos” do inconsciente da pessoa organizacional104. Mais adiante, discorreremos
sobre os níveis de visibilidade dos elementos da cultura organizacional, portanto, por
inconsciente do ente organização, estamos nos referindo ao núcleo dessa dada
cultura, que é inacessível de forma clara para os próprios membros da organização.
Por pessoa organizacional, compreendemos uma forma indenitária própria, num
exercício imagético, de ver as organizações como organismos e, portanto, possuidores
de uma base corpórea, tanto quanto um espírito. Contudo, apenas para admitir
conceitualmente tal proposição, demanda uma argumentação com sua sustentação
teórica própria, algo que será apresentado ainda neste capítulo. Mas de antemão, já
fazemos alusão a Maturana e Varela (1995), que estão circunscritos pelo mesmo
entrelaçamento paradigmático dos autores selecionados e até agora expostos nesta
dissertação.
Organismos e sociedades pertencem a uma mesma classe de
metassistemas, membros formados pela agregação de unidades
autônomas, tanto celulares como metacelulares (MATURANA e
VARELA, 1995).
Esse conceito, que dá equivalência à natureza formativa de sistemas
sociais e organismos biológicos será recorrentemente utilizado nos demais trechos
deste texto, oportunidade que se oferecerá uma melhor explicação. Por ora, devemos
por consequência esquemática, expor que por “espírito institucional” estamos a fazer
referência àqueles “complexos autônomos do inconsciente” (JUNG, 1996)
compartilhados por pessoas organizacionais de um mesmo contexto institucional. Para
ilustrar, poderíamos dizer que a Polícia Militar de Alagoas ou a de Pernambuco possui
a sua alma e que existe um espírito das Polícias Militares. Mas esse conceito é fluído
e usa a noção fractal, ou de operador hologramático. Portanto, é possível existir
metassistemas concêntricos com sistemas e subsistemas, o que acarretaria dizer, que
o panteão regente das polícias militares, compartilha “falange” de espíritos de outros
contextos institucionais tais como o patriarcado, o exército, o guerreiro e o caçador
tribal. Ou ainda, que a alma de uma da unidade local de polícia militar, “age” inspirada
pelo espírito geral da instituição. Outra formulação ainda é possível, referente a
organizações que mesmo fora do contexto institucional stricto sensu, podem
compartilhar alguns traços constitutivos, como é o caso das guardas municipais em
relação ao espírito das polícias militares.
104
Cabe salientar, que nem Jung, nem Marques, estão nessa ocasião da citação se referindo ao coletivo, ou se
podem fazê-lo, não é especificamente a organização, como sistema social, estamos fazendo uma decorrência lógica
do dito de Freud, que cabe repetir: “a psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações
psíquicas de indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única fonte dinâmica
para ambas” (FREUD, 1996). Para chegar a postular uma “mente organizacional” é preciso confluência dos saberes a
serem expostos de Gareth Morgan, Nicolas Luhmann, Fritjof Capra e Humberto Maturana.
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Se eu tiver que ser chamado de louco por isso, não me sentirei
incomodado, considerando que “louco é aquele que vê o invisível. Nossa cultura só
nos autoriza a ver o visível” (MARQUES, 2016). Neste momento, faço uso da
prerrogativa que o procedimento instrumental da autoetnografia me concede e
invocarei memórias da minha experiência nativa, como membro de uma dada “tribo
urbana” (ou melhor, tribo moderna, a tal casta dos guerreiros), numa conjugação dos
saberes de Maffesoli ([1988] 2004) e Priestland (2014). Na Polícia Militar, eu vi esse
espírito, pude senti-lo de perto. Na verdade, são vários, sob a regência de alguns
dominantes e o serviço de outros subalternos105. Quando digo ver ou sentir, estou me
referindo à sensação psíquica, através de imagens mentais, para as quais eu teria
muita dificuldade de exprimir em linguagem (simbólica). Mas posso relatar as
circunstâncias e o contexto dos fatos ensejadores dessas “visões” do invisível, para
que, mesmo em uma aproximação falha, possa ser compreendido o mínimo do poder
de influência desses complexos inconscientes na dinâmica institucional 106.
Em algum momento do passado humano, a religião disse que era
pecado falar em ciência. Para alguns flancos das ciências, tornou-se
pecado falar nos fractais de Deus, dentre os quais a alma, o espírito e
a psique. Jung pondera, em sua conferência científica sobre o espírito
e alma, que o “eu”, a consciência, não dá conta de uma totalidade
humana (MARQUES, 2012).
Retornamos à triangulação: Boff (2012; 2013), Jung (2000), acrescentando
Morin (2000), constatando que “nós somos objetos de fatores” (JUNG, 2000), algo que
não parece muito reconfortável, saber que de alguma forma, somos controlados por
metaestruturas ou dinâmicas ocultas. Para nos ajudar na construção dessa “ideia”,
aludimos a Edgar Morin (2000) para compreendermos melhor que “deuses” são esses.
No ano de 2000, mais precisamente em dezembro, Morin concede entrevista 107 ao
Programa Roda Vida, da TV Cultura, oportunidade essa em que lhe é pedido que
explicasse uma frase sua: “a simplicidade é a barbárie do pensamento e a
complexidade é a civilização das ideias” (da obra “Ciência com consciência”). Ele
começa primeiro falando das duas naturezas das quais podem ser “as ideias”.
Em primeiro lugar, devemos ter uma concepção complexa das ideias.
Consideramos as ideias instrumentos conceituais para conhecer o
mundo. Isto é verdade. Temos ideias que são usadas por nosso
conhecimento. Mas é preciso ver também que existem ideias,
grandes ideias que, alimentadas por nossos espíritos e pelos de
uma comunidade, adquirem uma força autônoma e se
autonomizam relativamente. É claro que se autonomizam na
medida... relativamente, como eu disse, pois as alimentamos com a
fé. É como os deuses (MORIN, 2000). [grifo nosso]
Antes de prosseguir, apenas peço que seja guardado, para futura
invocação o trecho grifado, da citação acima de Edgar Morin (2000), “grandes ideias
105
Disputa entendida como equivalente pela luta homossocial de ideologias hegemônicas do que viria a ser o
“macho” reprodutor viril do topo da cadeia trófica inter e intra gênero e espécie, baseado no pensamento de
Kimmel (1998) e Connell (1995), esta última é decorrência de Gramsci (1982).
106 Essas narrativas estão no Capítulo 2 e no Capítulo 9.
107
Entrevista concedida ao Programa Roda Vida, em 18 dez. 2000. Disponível em <
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/49/entrevistados/edgar_morin_2000.htm>.
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que, alimentadas por nossos espíritos e pelos de uma comunidade, adquirem uma
força autônoma”, esse é um conceito muito próximo, do que venha a ser egrégora (em
grego) ou abjuran (em sânscrito). Mas voltemos, ainda, à definição primária sobre
essas ideias ou fatores. Ao encontro dessa concepção, está o que Jung (2000) diz
sobre sermos nossos próprios senhores no palco da consciência. Nesse ambiente
psíquico, as ideias “são usadas por nosso conhecimento” como “instrumentos
conceituais” (MORIN, 2000). Mas na “profundidade da vida psíquica humana” (BOFF,
2012), “então as ideias adquirem um poder sobre nós” (MORIN, 2000).
Mas se ultrapassarmos o pórtico da sombra, percebemos
aterrorizados que somos objetos de fatores. Saber isso é
decididamente desagradável, pois nada decepciona mais do que a
descoberta de nossa insuficiência. É até mesmo um motivo de pânico
primitivo porque significa questionar a supremacia da consciência em
que acreditamos e a qual protegemos medrosamente, pois na
realidade ela é o segredo do sucesso humano (JUNG, 2000, p. 33).
Portanto, para Jung (2000, p. 33), na dimensão do consciente somos
“donos de si mesmos”, mas ultrapassando “o pórtico da sombra”, o primeiro nível do
inconsciente para ele, entramos em um contexto em que não mais temos o controle, lá
não pensamos, os pensamentos é que pensam sobre nós.
Edgar Morin (2000) prossegue no raciocínio dele, em meio à resposta
naquela entrevista, comparando nossa relação com as nossas próprias “grandes
ideias”, com aquela entre um religioso-adorador e os seus deuses. “Os deuses para
um religioso [...] existe, fala com ele, lhe pede coisas. Espera dele favores. As ideias
[também] existem, já que podemos morrer por uma ideia, matar por uma ideia, viver
por uma ideia” (MORIN, 2000). Mas o que construiríamos sem ideias? Portanto,
desejamos não ser esmagados por essas que tomam o cenário e nos impõe scripts,
mas antes, precisamos trabalhar em conjunto com elas para proveito comum. Morin
(2000) cita o exemplo do espírito da tecnologia e das consequências do seu sempre
constante avanço. O que seriam os homo sapiens (faber) sem tecnologia, sem
ferramenta, sem esse prolongamento do seu corpo e de sua mente que se
materializam em objetos fabricados de suporte a melhores condições de vida? Mas
essa mesma tecnologia, sendo ela a razão em si mesma, ganhando vida e poder
sobre nós, impondo-se, sem que possamos lhe definir limites e/ou sentido salutar à
experiência da vida – essa mesma tecnologia – converte-se em algoz do ser humano,
de suas sociedades e do ambiente natural terrestre.
“Os espíritos humanos criaram a tecnologia. E hoje é ela que nos ameaça
e que, em muitos casos, provém de nós” (MORIN, 2000). Leonardo Boff (2012) explica
que “os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra”, expressam-se
através de uma categoria, a saber, “a nossa cultura antropocêntrica” (BOFF, 2012).
Portanto, a tecnologia não é má em si, mas se operada pela categoria do
antropocentrismo é capaz de gerar a “negação do valor intrínseco de cada ser,
dominação da Terra, depredação de seus recursos” (BOFF, 2013108). Segundo Boff
108
BOFF, Leonardo. A força curativa da ecologia interior. Jornal Correio Popular, coluna Opinião. Campinas-SP: 05
nov. 2013. Disponível em <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/11/blogs/leonardo_boff/116986-a-forcacurativa-da-ecologia-interior.html>
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(2012; 2013), o atual estado da Terra, que é patológico, é reflexo da e se repercute na
psique humana e tem como núcleo ordenador “falsas premissas éticas e espirituais”.
Em seu livro “A Ecologia da Alma”, Juracy Marques (2012), faz um
apanhado sobre as considerações de Jung sobre o conceito de alma e espírito e
constata também que existe um conjunto de “falsas premissas éticas e espirituais”,
assim como fez Boff (2013), que impõe uma negação sumária sobre tudo aquilo que
“se acha em condições de dar uma expressão vital para todas aquelas virtualidades
psíquicas” (JUNG, [1919] 2000 apud MARQUES, 2012), mas que se encontram fora
do alcance do ambiente controlado da consciência.
Esse é mais um dos pontos cruciais de nossa pesquisa, o porquê de focar
na ecologia mental ou profunda de um modelo institucional em operação em
organizações humanas, surge das linhas tecidas nesse debate sobre o poder que
esses elementos/dinâmicas têm sobre nós, quer sejam chamados de “ideias” (MORIN,
2012), “contextos” (GOSWAMI, 2005, p. 51), “fatores” (JUNG, 2000, p. 33), “almas” ou
“espíritos” (MARQUES, 2012).
Predominância de um tipo de relação ecológica: competição versus cooperação
Masculinidade. Domínio. Subjugamento.
Dialogar com as grandes ideias: porque precisamos do masculino.
A banalização dessas abordagens nas ciências está aliada ao
reelaborado processo de dominação sobre as pessoas e sobre o
mundo, pois, atinge, sobremaneira, grupos humanos culturalmente
diferenciados, cujas existências remetem a este lugar dos “semalmas” para os dominadores, e de um Planeta como recurso
alimentar ao voraz mundo maquínicomoderno. Dessa lógica extrai-se:
só é protegido e intocável quem tem alma. Se alguns sub-humanos e
a Terra, não têm almas, não os decifre, devore-os (MARQUES,
2012).
Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda;
é, de fato, sua característica definidora central. Enquanto que o velho
paradigma está baseado em valores antropocêntricos (centralizados
no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada em valores
ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que
reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres
vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às
outras numa rede de interdependências. Quando essa percepção
ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana,
emerge um sistema de ética radicalmente novo (CAPRA, 1996).
Segundo Steiner e Nauser (1993), deve-se está atento para efeitos não
intencionais dos complexos sociais-psíquicos e que “modelos conscientizados”, nos
termos de Rappaport (1979 apud STEINER e NAUSER, 1993) não são prisões
mentais-sociais eternas, que graças a capacidade “reflexiva” da agência humana,
pode-se promover a mudança de modelos mentais.
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Física Quântica: as excentricidades de uma realidade
paradoxal
Suposta objetividade e concretude do mundo físico
O professor de História da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yuval
Noah Harari, em seu livro “Sapiens: Uma breve História da Humanidade” (2015),
expõe um jogo de efeitos de um contexto “objetivo”, no qual “rios, árvores e leões”
existem “objetivamente”, diferentemente de coisas como “deuses, nações e
corporações” que são entidades imaginadas e não passam de “produtos de nossa fértil
imaginação”.
Destaco duas questões: Primeiro, o fato de que coisas imaginadas, ou
seja, ideias não existem mais “objetivamente” do que seres humanos. Isso porque
“objetivamente” é na verdade algo muito relativo. Não é preciso lembrar que seres
humanos são constituídos de órgãos e tecidos, que por sua vez são formados por
células, feitas de uma combinação especial de moléculas, que não deixam de ser
átomos e esses formados por partículas e subpartículas, até que se chegue numa
constituição que basicamente é energia vibratória (CAPRA, 2006b; COUTO, 2017).
Não passamos de um “imenso campo energético” devidamente estruturado que se
sustém e se replica mediante uma base informacional, tipo a que se encontra em
nosso DNA (FREITAS, 2010a; GOSWAMI, 2005). Digamos que o DNA, seja um
pedacinho desse holograma (MORIN, 2008) que contém a base informacional de um
certo leque de possibilidades de estruturas do campo energético da vida,
paulatinamente experimentadas durante muitas replicações anteriores (CAPRA,
2006b; COUTO, 2017).
Em “The Silent Pulse” (1978), o norte-americano George Leonard, que fora
piloto do Exército, mestre em Aikido e atua como psicólogo, faz uma ilustração muito
esclarecedora, ele descreve uma simulação de tentar ampliar a visão sobre as fibras
de um tecido qualquer por um microscópio eletrônico:
À medida que nos aproximamos do núcleo, ele também começa a se
dissolver. Também ele nada mais é do que um campo oscilatório,
ondas rítmicas. Dentro do núcleo há outros campos organizados:
prótons, nêutrons, e partículas ainda menores. Assim que nos
aproximamos de uma partícula dessas, ela se desfaz em oscilações
rítmicas [...] Do que, então, é feito o corpo? De vazio e ritmo. No
âmago do corpo, no cerne mesmo do mundo, não há solidez de
matéria. Só existe a dança109. (LEONARD, 1978)
Na sede de uma discussão sobre fundamentos ecológicos profundos,
quero retomar a defesa pela necessidade da transcientificidade quando se trata de
temas de integralização dos domínios do saber humano. A filosofia, a religião (e a
espiritualidade) e as artes comumente precedem a ciência em inúmeros debates sobre
109
A dança de Shiva, da estátua em homenagem a obra de Fritjof Capra na porta d entrada do CERN; a dança dos
átomos contida na poesia sufi de Rumi.
Página | 131
aspectos da vida humana. Por isso, cabe a ciência, por seus métodos e instrumentos
próprios conferir e incorporar cautelosamente, sem, no entanto, excluir ou ignorar
propositalmente, assertivas provenientes de outras epistemologias.
Nessa esteira do não exclusivismo, sobre a dança dos átomos, eu não
poderia deixar de fazer referência ao poeta persa do sufismo islâmico, Mowlana
Jalaluddin, nascido na porção mais ao leste da Pérsia, no século XIII 110, onde hoje fica
o Afeganistão, mais conhecido no mundo ocidental como Rumi (“o romano”) alcunha
incorporada ao seu nome, porque mesmo sendo persa, viveu uma boa parte de sua
vida no império Bizantino, na atual Anatólia turca. Rumi tem “uma sede metafísica pela
unidade” (TEIXEIRA, 2003). Ele enxerga as profundezas da realidade dinâmica,
flexível, constantemente mutável, que abrange a tudo e a todos:
Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.
Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,
As almas, loucas de êxtase dançam.
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,
Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança
Retornando a discussão iniciada pela leitura feita a Harari (2015), tal
realidade constitutiva da matéria, como campos de ondas vibratórias, não é muito
diferente daquela que se observa das ideias. Neurofuncionalmente tais pensamentos
são blocos de informações que trafegam no cérebro por micro impulsos elétricoiônicos (sinais eletroquímicos111) das inúmeras sinapses entre nossos neurônios.
Ecologicamente falando (refiro-me a noção de mente ecológica de Bateson), tais
ideias são informações trocadas por meio de campos energéticos-vibratórios (som,
luz, sensação de calor112) que ao passo que são ininterruptamente trocadas entre os
seres, também constituídos por tais “campos energéticos”, “existem” exteriormente aos
110
Vale ressaltar que o poema que fala da dança dos átomos é do século XIII.
Creio que não será preciso, novamente, descrever a constituição última dessas partículas e energia que formam
o processo neurofisiológico do pensamento (quanto processo sediado no cérebro, em uma dada perspectiva
materialista); essas partículas e energia são tão campos energéticos-vibratórios quanto as demais realidades
“materiais”.
112 É preciso destacar que um ser troca fluídos ou contato físico isso também é uma ação comunicacional, não no
nível de linguagem, mas fluídos também são campos energéticos-vibratórios que são absorvidos e seu padrões são
decodificados, bem como o contato físico é a influência (confluência) da “superfície” dos campos energéticos que
constituem os organismos da relação.
111
Página | 132
indivíduos. Ou melhor, profundamente no interior, mas já fora deles nesses “loucos”
paradoxos da Física Quântica.
Segundo, que devido às implicações dos princípios observados no mundo
de tais subpartículas, a Física Quântica tem que sustentar que o ritmo compassivo, em
um único sentido de sucessão de fatos, correspondente ao tempo cronológico tal
como o percebemos é apenas uma forma específica do “leitor óptico-mental” do nosso
equipamento de “DVD ou Blue-Ray” da realidade percorrer o “disco cósmico” do
Universo. Mas o disco e a informação contida nele, já estão lá, todo ele. Quando
tivermos em si mesmos o “upgrade”, a atualização do aplicativo específico da leitura
da realidade, poderemos dar um replay, ou avançar a cena perturbadora, assim como
podemos fazer na diferença entre a programação da TV transmitida em canais abertos
comuns de rádio frequência (VHF e UHF) e a programação interativa acessada pelos
modernos aparelhos que usam a conexão com Internet113. Digamos que a
programação já estava ali produzida, aliás é justamente o que ocorre, os produtores
deixam suas séries e filmes prontos com antecedência. Mas no primeiro caso, eles
são transmitidos paulatinamente em sequencia esparsa. No segundo caso, você pode
assistir o último capítulo primeiro, pode dar um pause ou avançar uma parte já vista no
site de notícias sobre programação de TV.
Portanto dizer que algo é efeito de uma causa específica é um ponto de
vista que depende de sua capacidade de leitura do “disco cósmico” universal, se você
pudesse assistir no ritmo ao contrário, em slow motion (câmera lenta), você perceberia
que o efeito pode ser, na verdade, a causa, invertendo os papéis da cadeia de
implicações (CAPRA, 2006b, p. 223). Nesse caso, o que denominemos de efeito da
imaginação coletiva, ou seja, esses tais seres imagéticos tais como “deuses, nações e
corporações” (HARARI, 2015) podem ser, na realidade, a causa dos “rios, árvores e
leões” e seres humanos existirem. E para num perder muito tempo inventando termos
mirabolantes, mesmo com o legado não muito auspicioso que o uso do termo pode
conferir, faço-me valer daquele amplamente usado para designar tais “causas”
“primeiras”: espíritos.
Caso seja desconcertante ler e compreender o termo espírito, por algum
tipo de dogma anti-realidade não-sensasorial, basta a cada vez que lê-lo, substituir
mentalmente por algo como, campos energéticos-vibratórios que influenciam os
demais campos, num espectro de frequência não passível de ser percebida pelos seus
apenas cinco sentidos, mas que consegue induzir tal influência, porque os outros
campos-estruturas possuem uma parte agregada nessa mesma faixa de frequência.
Ou pode pensar, “ah, são os produtores ocultos da Netflix 114 cósmica”. E aí sim o
113
Veja a nota abaixo sobre Netflix.
Netflix é uma empresa norte-americana, com sede em Los Gatos, na Califórnia. Fundada em 1997, atuava no
serviço de entrega de DVDs pelo correios, até que adotou a transferência de dados de áudio e vídeo pela Internet,
chamado de streaming, no qual não há o download completo dos arquivos, mas uma transmissão assíncrona, na
qual se tem acesso enquanto está conectado a fonte de programação. Hoje a empresa atua, portanto, como
provedora global de filmes e séries de televisão, com mais de 90 milhões de assinantes atuando em mais de 190
países. Em relação ao uso o termo no texto, vale salientar o slogan da empresa, no Brasil: “Com a Netflix, você tem
o controle”.
114
Página | 133
termo produtores fica bem ajustado ao usado por Jung (2000, p. 33), para chegar bem
perto dessa mesma noção: fazedores, ou fatores115.
Uma questão de reflexão, por decorrência não apenas dessa passagem
analisada de Harari (2015), mas do contexto geral do livro “Sapiens”, pode ser posta
da seguinte maneira: organizações, como o caso da empresa francesa Pegeout citado
por ele, existem de fato, como algum tipo de entidade pré-consciente ou não passam
de mitos compartilhados? Nossa opinião, muito bem inspirada de Edgar Morin (2008),
é que as duas visões são verdadeiras e é exatamente por isso que nossa investigação
ainda tomará dois rumos um histórico, vasculhando a reprodução das formas e
conteúdos e um ecológico profundo (imagético e psicanalítico), sondando os
significados.
Taoísmo e Hermetismo: natureza sutil, movimento e
complementariedade dos opostos
O Tao: o caminho, o caminhante e o ato de caminhar
Mestre Wu Jyh Cherng, fundador da Sociedade Taoísta do Brasil, cita um
verso do Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude), do capítulo 24: “Quem
respira apressado não dura. Quem alarga os passos não caminha” (Lao Tse, [± séc. III
a.C.]). Agora “imaginemos nós e um trilhão de pessoas respirando com ansiedade”,
diz Cherng (2012), que prossegue perguntando: “como seria a energia do planeta?”.
Para o mestre taoísta sino-brasileiro, “isso traz os desastres naturais como a alteração
do clima, do vento, das tempestades, na Terra” (CHERNG, 2012). Segundo Wu Jyh
Cherng (2012) a respiração está correlacionada com o controle das emoções, com a
possibilidade de gerar longevidade ou rupturas do tipo stress moderno, “a alteração
emocional altera imediatamente a respiração. A grande alteração emocional coletiva
altera a respiração da humanidade” (CHERNG, 2012).
Nessa visão peculiar de uma ecologia profunda inspirada no taoísmo, o
ponto de equilíbrio é a busca incessante para que o “caminho seja constante”, ou seja,
duradouro ou eterno. Segundo mestre Cherng (2012) os versos anteriores de Lao Tse,
“falam da naturalidade”, justamente porque “todas as coisas têm um tempo próprio
para acontecerem. Ao darmos um passo maior do que podemos dar, nos cansamos e
não podemos caminhar mais”. E ele prossegue falando de “uma grande crise na Terra”
gerada pela “cultura moderna”:
Também essas palavras dizem que a cultura moderna é uma cultura
de “alargar passos”. Nós consumimos muito rapidamente. Existe uma
grande crise na Terra em função do que o ser humano dá um passo
maior que a natureza. Ou seja, o homem deixa de se integrar à
natureza, com o céu, com a terra, com a floresta e com outros seres,
por que tende a dar passos maiores, consumir mais do que pode
oferecer (CHERNG, 2012).
115
Em determinado ponto, ainda precisará fazer a diferença entre arquétipos junguianos historicamente herdados
e as características imersas em realidades não-locais mais típicas dos arquétipos transpessoais citados por Ken
Wilber.
Página | 134
Portanto, para Cherng (2012), a Terra até pode ser considerada rica, como
ela realmente é. “Mas por mais rica que seja, esse consumo exagerado, esses
grandes passos, acabam cansando a terra, cansando o mundo”. O Taoísmo é uma
tradição religiosa, de origem chinesa, que foi codificada como tradição filosófica a
partir do século IV a.C., em suma, propõe-se levar o homem ao retorno de um estado
de consciência e vida plena, portanto, levá-lo ao Tao. O termo Tao, literalmente quer
dizer “O Caminho”116, numa interpretação filosófica-espiritual: “Tao é, ao mesmo
tempo, o caminho, o caminhante e o ato de caminhar. Filosoficamente, pode ser
interpretado como o Absoluto” (Sociedade Taoísta do Brasil, 2012). Tecnicamente, no
sentido estrito desta pesquisa, a concepção de conexidade e pertencimento mútuo
entre objeto e observador é a razão da imprescindibilidade da abordagem ecológica
profunda, para a análise institucional.
“O outro não é o outro. Ele e eu somos apenas um”, disse Mêncio,
transliteração para o português do nome do filósofo chinês, seguidor de Confúcio,
conhecido como Mestre Meng (Meng Tzŭ, Mèngzǐ), que viveu no final do século IV
a.C., em uma época de guerra civil na China. Ele prossegue dizendo: “o indivíduo
existe, mas não é passível de ser isolado. Cada consciência está continuamente em
relação sensível com as outras, salvo quando se enrijece”. O enrijecimento a que se
refere Mêncio, é para nós o mesmo mal que assola o Ocidente e seu aprofundamento
da divisão “racional” do trabalho. Para nossa compreensão, o enrijecimento da teoria
confucionista é o princípio do mal na civilização. Segundo, Mestre Meng: “a realidade
do mundo é a sua profunda unidade. Ser humano é promover essa dimensão
transpessoal própria da existência; ser desumano é romper com ela”. Portanto, o
globalitarismo (SANTOS, 2001) que arrasta consigo uma noção materialista e analítica
em excesso é alijador de consciências é essencialmente desumano.
Sociologia quântica
Dois autores, a saber, Chew (1964; apud CAPRA, 2006b) e Giddens
(2003) nos mostraram essa relação de existência paradoxal que entrelaçam sujeito e
objeto, sendo, portanto, cada sistema ao mesmo tempo: (1) um elemento de outro
sistema maior, (2) ser composto por elementos tal como ele e, ainda, (3) não ser
elemento, mas ser uma relação entre elementos. Nisso guardamos para posterior
explicação, (1) como instituições se “solidificam” e tornam-se organizações
institucionalizadas; (2) como organizações “liquefeitas” se transmutam, envolvem-se
umas nas outras, uma participando da dinâmica da outra; e (3) como “gaseificadas”
podem não mais possuir um corpo organizacional, tendo sido formalmente dissolvida
no passado, hoje continuam vivas como características institucionais que ordenam e
ligam as organizações ainda atuantes.
Fritjof Capra (2005; 2006b) conduzido por ideias como a de Geoffrey Chew
(1964; apud CAPRA, 2006b) – democracia nuclear e o bootstrap de hádrions – e de
pensadores taoístas e neoconfuncionistas chega a apontar justamente a noção da
“estrutura-ação” do sociólogo britânico Anthony Giddens, pela sua fluidade de ter uma
estrutura virtual que é instanciada a cada estabelecimento de relação entre os
116
Curiosamente é termo pelo qual, algumas esparsas fontes históricas alegam, era chamado o grupo sectário
judaico criado a partir dos discípulos de Jesus, a igreja cristã primitiva.
Página | 135
agentes, tal como ocorre no uso da língua nos estudos de Ferdinand de Saussure.
Giddens (PETERS, 2011), como outros sociólogos do século XX, elaborou um corpo
teórico unificado, com fins de dissolver as divergências entre estruturalismo e
funcionalismo. Um sistema composto por (1) elementos estruturais virtuais, (2)
agentes de toda sorte de “natureza” com capacidade volitiva e (3) incontáveis formas
de relacionamento entre estruturas e agentes (GIDDENS, 2003).
Quando digo agentes volitivos isso é válido para a teoria sociológica de
Giddens (2003), mas em relação a “toda sorte de natureza”, trata-se de uma
interpretação minha baseada na Biologia Cognitiva da Escola de Santiago,
compreendendo sistemas sociais como agentes, com certo grau de “vontade” própria.
Princípios Herméticos
Hermes Trismegisto teria sido um sábio legislador, filósofo e sacerdote
egípcio que viveu na região de Ninus por volta de 1.330 a.C. (ou talvez antes mesmo
desse período). Segundo seus admiradores dos tempos atuais, este deus-sacerdote
teria vivido “no antigo Egito, quando a atual raça humana estava em sua infância.
Contemporâneo de Abraão e se for verdadeira a lenda, instrutor deste venerável
sábio”117. Assim sendo, isso posicionaria Hermes Trismegisto como sendo
Melquisedeque, rei de Salém, segundo a tradição judaica.
O que nos vale nessa empresa, é tomar por empréstimo os princípios
herméticos (Tabela X), tendo em vista, sua indubitável similaridade com o que tem
sido considerado descobertas inovadoras da ciência moderna e contemporânea.
Espero que fique pacificado o fato de que se está sob inspiração do que vimos na
tradução intercultural de preceitos da filosofia oriental para o entendimento do
estudioso e do homem comum do Ocidente. Vimos isso em Fritjof Capra e o Tao da
Física ([1975], 1996), bem como Jung (1959; 2000; 2012), as mandalas e tantos
outros conceitos. Nossa expectativa é que raízes primitivas guardem saberes sobre a
organização e a postura guerreira, defensora, protetiva, vigorosa tipicamente
observada em meio aos militares e aos policiais. E que muito provavelmente, se nossa
civilização ocidental-globalitarista-capitalista não tem encontrado em si mesma os
meios para equalização de certos distúrbios, outras sociedades, ainda vivas ou do
passado nos revelarão, a partir do estudo sobre elas e elementos de suas culturas,
como reificar instituições que tem cada vez mais, prestado desserviços (GUÉNON,
[1927] 1977).
Tabela 3 – Princípios herméticos
Princípios
O Princípio de
Mentalismo
O Princípio de
Correspondência
Enunciados
O Todo é Mente, O Universo é Mental. A criação divina se dá mentalmente e
fazemos todos parte d'uma mente universal.
O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como
o que está em cima. Existe relação entre a mente universal e nossa própria
Extraído do livro “O Caibalion” (Kybalion), que supostamente conteria lições de Hermes Trismegisto recompilado
em 1908, provavelmente por William Walker Atkinson e parceiros.
117
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mente humana.
O Princípio de
Vibração
Nada está parado, tudo se movimenta, tudo vibra.
O Princípio de
Polaridade
Tudo é Duplo; tudo tem Polos; tudo tem seu Oposto; o Igual e o Desigual são a
mesma coisa; os Opostos são idênticos em Natureza, mas diferentes em Graus;
extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os Paradoxos
podem ser reconciliados.
O Princípio de
Ritmo
Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés; tudo sobe e desce, tudo se
manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a
medida do movimento à esquerda, o ritmo é a compensação.
O Princípio de
Causa e Efeito
Toda Causa tem seu Efeito, todo Efeito tem sua Causa; tudo acontece de
acordo com a Lei; O acaso é simplesmente o nome dado a uma Lei
desconhecida; há muitos Planos de Causalidade, porém nada escapa à Lei.
O Princípio de
Gênero
O Gênero está em tudo; tudo tem seu princípio masculino e o seu princípio
feminino; o Gênero se manifesta em todos os planos da existência.
Fonte: Extraído do livro “O Caibalion” (Kybalion), que supostamente conteria lições de Hermes Trismegisto recompilado
em 1908, provavelmente por William Walker Atkinson e parceiros.
Ecologia Social: derrubando premissas do status quo
Para Fritjof Capra (1995), apesar “da percepção ecológica profunda [...]
fornecer a base filosófica e espiritual ideal para um estilo de vida ecológico e para o
ativismo ambientalista”, é preciso ter ciência de que os quadros próprios dos
fenômenos sociais e, sobretudo, aqueles envolvidos numa crise estrutural com
processos de domínio e homogeneização dissimulados demandam filtros
interpretativos próprios. Ecologia Profunda suscita um “encantamento” pelo humano
livre, mas é preciso o sagaz olhar crítico, pois como afirma Capra (1995): “[a ecologia
profunda], no entanto, não nos diz muito a respeito das características e dos padrões
culturais de organização social que produziram a atual crise ecológica. É esse o foco
da ecologia social”.
Mas o que caracteriza o diferencial do estudo da Ecologia Social?
Segundo Capra (1995), “o reconhecimento [da] natureza fundamentalmente
antiecológica de muitas de nossas estruturas sociais e econômicas” e para demarcar o
que “condena” nossas instituições como antiecológica, Fritjof Capra alude à também
austríaca, radicada nos Estados Unidos, Riane Eisler (1989118 apud CAPRA, 1996).
Segundo Eisler (1989) nossas estruturas sociais estão arraigadas naquilo que chamou
de "sistema do dominador" de organização social. Conforme a leitura de Capra à obra
de Eisler (1989 apud CAPRA, 1996), “o patriarcado, o imperialismo, o capitalismo e o
racismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica”.
Para este autor, estamos falando do padrão de desenvolvimento
civilizacional adotado por um conjunto de sociedades, o qual pode ser masculino ou
feminino e de forma sobreposta, ainda pode ser jovem ou maduro (DE PAULA [1987],
2005). As expressões masculino ou feminino, aqui expostas estão correlacionadas
com o que no taoísmo, chama-se “yin” ou “yang”. Luiz de Paula (2005) em seus
ensinamentos de cunho espiritualista distingue esses dois padrões com termos, sem
uma correlação etimológica compatível com as línguas modernas, algo aparentemente
118
The Chalice and The Blade: Our History, Our Future. New York: Harper & Row, 1989
Página | 137
inspirado no sânscrito, denomina-os de “Sudi-Vaens” (impérios pautados nos
princípios masculinos, marcados pelo patriarcado – yang) e “Rama-Maens”
(sociedades em rede pautadas em princípios femininos, marcadas pelo matriarcado –
yin)119. Apesar dos ensinamentos de De Paula (2005) terem um tom quase quimérico,
sua interpretação sobre os padrões de desenvolvimento civilizacional corresponde ao
alegado por autores como Riane Eisler (1989) e Fritjof Capra (1996).
Por isso destaco não ter sido desproposital a referência aos princípios
herméticos, em destaque para o da polaridade e do gênero essencial. Segundo a
equipe editorial associada a Atkinson (1908), “os opostos são idênticos em natureza,
mas diferentes em graus”, bem como “tudo tem seu princípio masculino e o seu
princípio feminino”, inclusive se manifestando em padrões diferentes de
desenvolvimento civilizacional. Fritjof Capra (1996), por sua vez, denomina esses
padrões respectivamente de “auto afirmativo” e “integrativo” (masculino essencial e
feminino essencial) e ainda faz referência ao conceito de autopoiesis: pois “essas duas
tendências — a auto afirmativa e a integrativa — são, ambas, aspectos essenciais de
todos os sistemas vivos” (CAPRA, 1996).
[Explicar autoafirmação e integração] pelos conceitos tao.
Segundo Capra (1996) “dentre as diferentes escolas de Ecologia Social, há
vários grupos marxistas e anarquistas”, prossegue explicando que cada grupo utiliza
seu respectivo arcabouço conceitual “para analisar diferentes padrões de dominação
social”. O que por ora fazemos aqui é conciliar a capacidade de sondagem da Teoria
Crítica e a visão prospectiva da Ecologia Humana para denunciar e desvelar aspectos
obscuros do sistema regente.
A teoria social quântica
Alguns ao lerem esse tópico, podem se perguntar: qual conexão pode
existir entre a Teoria Quântica da Física Moderna e a redefinição de conceitos na
aplicação da estruturação e funcionamento das instituições sócio-políticas? Como
pode princípios quânticos como o da incerteza [descrever outros], afetarem nossa
forma de conceber policiamento, ou outra atividade social humana da organização
política? Como Física Quântica possa vir a influenciar a Segurança Pública? Para
responder de forma minimamente satisfatória, devo recorrer primeiramente às
implicações sociais que Geoffrey Chew inferiu da “democracia nuclear”, referindo-se a
condição paritária como as partículas subatômicas se relacionam, não havendo os
vetores de verticalização hierárquica, mas mantendo uma coerente auto-organização
mantida por si-mesmas.
Mas para um entendimento mais próximo do nosso objeto de pesquisa,
recorro ao professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Túlio Lima Vianna que tem uma intensa atividade acadêmica, convenientemente ao
nosso objetivo, no trato de questões sobre a reformulação do aparelho policial
119 “[...] Aviz é um planeta-sede de um gigantesco império do tipo Sudi-Vaens, sociedades extraordinárias, como que
perfeitas, fundadas nos princípios do masculino (Yang), ao contrário do tipo Rama-Maens, pautados nos princípios
do feminino (Yin), sociedades matriarcais, e que não se organizam em impérios e não fazem guerras de conquista,
por exemplo, e que são, embora sob outros valores, igualmente perfeitas” (DE PAULA [1987], 2005).
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brasileiro. Façamos uma sucinta avaliação das decorrências do que ele discorre em
“Teoria quântica do direito: o direito como instrumento de dominação e resistência”, de
2008. Primeiramente quero destacar os autores citados por Lima Vianna (2008), para
de certa forma demonstrar a necessidade desses autores em nossa presente obra:
FREUD (1996 apud LIMA VIANNA, 2008); FOUCAULT (2000; 2003 apud LIMA
VIANNA, 2008); CAPRA (1999 apud LIMA VIANNA, 2008).
A conclusão de LIMA VIANNA (2008) nos remete inequivocamente às falas
de Roberto Freire, não existe ação neutra nos campos especialista do saber, “não há
mais uma verdade determinada a ser descoberta pelo cientista, mas uma provável a
ser criada a partir do seu olhar”. Ou seja, como muito bem Lima Vianna (2008)
correlacionou com o pensamento de Foucault (2003 apud LIMA VIANNA, 2008), “as
condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou um obstáculo para o
sujeito do conhecimento, mas aquilo através do que se formam os sujeitos de
conhecimento e, por conseguinte, as relações de verdade”. É sob a visão de mundo
que rege o padrão mental do ator social que a dita realidade é construída, com uma
das possibilidades vivenciais. “Surge, assim, uma relação de saber-poder, pela qual o
cientista se funde com seu objeto de estudo, pois, para conhecê-lo, necessariamente
precisa modificá-lo”, isso afirma Lima Vianna (2008), porque “o conhecimento não se
limita a descrever a realidade, mas inevitavelmente a altera”.
Mas não usemos a dogmática visão do cientista, formalmente falando,
como o promulgador da verdade, cada ator social é o “cientista” que observa os fatos,
pensa sobre ele, interfere na organização interna (In-Forma) dos elementos envolvidos
alterando o fato que em uma relação dialógica, é reflexo dos pensamentos e emoções
do observador, seja ele, um acadêmico ou outro ator social qualquer que tem relação
com o contexto em si. Portanto, as pessoas nos diversos campos da atividade humana
não estão “descobrindo” a verdade sobre as coisas, estão criando-a. Neste ponto
trago um trecho da fala de Lima Vianna (2008):
De forma semelhante, o olhar do historiador definirá as “verdades”
históricas. Não mais “a história da humanidade”, mas histórias diversas contadas sob
a perspectiva de múltiplos historiadores que, ao narrá-las, modificam o próprio
passado. Os economistas, por sua vez, ao observarem o mercado, enunciarão
“verdades” que interferirão nos índices das bolsas de valores. Enfim, os juristas, ao
interpretarem o direito, criarão novos “direitos” (LIMA VIANNA, 2008).
Portanto, os operadores do Direito tanto na vertente jurisdicional como os
do específico subsistema de Segurança Pública da Justiça Criminal, em um exercício
coletivo, estão, juntamente com toda a Sociedade, gerando ininterruptamente a força
mental que sustém as verdades sob a forma como concebemos e concordamos em
sermos controlados e/ou organizados, em termos de coesão social. No caso particular,
da atividade policial, há inúmeras possibilidades de como ela pode se manifestar,
sustento com essa visão quântica, que os atores sociais envolvidos com os processos
da ação de policiar, internamente ou externamente às organizações
institucionalizadas, estão optando por uma razão de consenso e lógica da teoria dos
jogadores, uma dessas possibilidades, que se configura a nossa forma peculiar de
fazer polícia. Mas por que a entidade coletiva, denominada de sociedade brasileira,
Página | 139
escolhe ininterruptamente o padrão institucional, que por ora, temos exposto como
desalinhado com a demanda social geral?
Introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos
Sou obrigado pela força dos argumentos a concordar com o professor
Túlio Vianna (2008) sobre a maleabilidade ideológica dos instrumentos sociais, eles
são modelados em sua finalidade a depender da atitude/ação volitiva, só que coletiva,
dos atores envolvidos. O que preciso discordar é da visão dicotômica entre uma
verdade dos opressores e outra dos oprimidos, uma tese com uma única antítese
posta, que equivocadamente está denominada de “dual”, exprimiria, na visão de Lima
Vianna (2008), que o direito pode ser, a escolha de quem o manipula, “instrumento de
dominação e de resistência; de manutenção do status quo e de inclusão social; de
segurança jurídica e de justiça distributiva”. Essa é uma visão restrita dicotômica de
opostos, o fato da escolha deliberada por um modo instrumental torná-lo a realidade
vivencial, não significa que somente existe um outro modo diametralmente oposto de
reificação. Há aqui uma incongruência com o próprio texto de Nietzsche, que é aludido
oportunamente por Lima Vianna (2008). Se o Direito e a estrutura sócio-política for
utilizada como instrumento da lógica do oprimido, ela levará por decorrência das
reflexões de Freud, em uma ação institucionalizada da vingança, depondo os
opressores de hoje, e substituindo-os pelos oprimidos, que serão logo a seguir novos
opressores.
É bem verdade, o que está posto por Lima Vianna (2008) que o ator social
estrategicamente posicionado (recorro a Giddens para essa tal ação estratégica), que
são os agentes com prerrogativa do uso dos discursos na visão foucaultinana, podem
optar, fazer escolha por um dado modo instrumental. O autor faz uma reflexão focada
na ação jurisdicional daquele que atua como a pessoa encarnada da face Juiz do
Estado. Segundo Lima Vianna (2008), “a Teoria Quântica do Direito desvela o caráter
político de todas as decisões judiciais [...] e a interpretação da norma jurídica deixa de
ser mera elucidação de significado, transformando-se em verdadeira produção de
significado normativo”. E esse caráter político faz com que suas ações, portanto,
políticas “ora tutelam os interesses de manutenção do status quo, ora os interesses de
redução da tensão de poder entre opressores e oprimidos” (LIMA VIANNA, 2008).
Estou admitindo juntamente com o professor Túlio Vianna da UFMG, que
as instituições sócio-políticas podem ser manipuladas e usadas como instrumento de
uma dada mentalidade, construída coletivamente, conduzida por atores estratégicos e
reproduzida de tal forma que dificulte (quase a vedar) as possibilidades de mudança;
mas estou, ao passo, discordando que se possa vencer isso por uma tal mentalidade
oposta dos “oprimidos”, como em algum momento Leonardo Boff possa vir a se
expressar semelhantemente a Vianna, mas a ambos me posiciono, contrário, ouvindo
a voz de Félix Guattari (1990, p. 15): “não se trata mais - como nos períodos anteriores
de luta de classe ou de defesa da ‘pátria do socialismo’ - de fazer funcionar uma
ideologia de maneira unívoca”.
Félix Guattari (1990) nos remete a um pensamento assentado na
Sabedoria Ecológica: “[...] é concebível em compensação que a nova referência
ecosófica indique linhas de recomposição das práxis humanas nos mais variados
Página | 140
domínios”. Usando palavras do próprio Guattari (1990), passo a esclarecer qual o
problema “quântico” da internalização do sentimento do oprimido: “a maior dificuldade,
aqui, reside no fato de que os sindicatos e os partidos, que lutam em princípio para
defender os interesses dos trabalhadores e dos oprimidos, reproduzem em seu seio os
mesmos modelos patogênicos que, em suas fileiras, entravam toda liberdade de
expressão e de inovação” (GUATTARI, 1990).
Não é muito fácil, para quem vem de uma tradição de pensamento
materialista, abandonar a “ação humana”, como a alavanca crucial do ponto de
mudança civilizacional, e adotar um condão que se aponta para outro paradigma de
percepção do mundo: o padrão mental. O que colapsa a função de onda é a
observação feita por uma consciência que “imagina” (modela mentalmente a imagem)
daquilo que espera ver; nesse caso pode-se lutar indefinidamente para alterar a
condição do oprimido, se na mente (pessoal/coletiva) dos que lutam estiver
impregnada a noção de opressão, tal qual se está concebendo, materializará mais
cedo ou mais tarde o tipo correspondente de relação: opressão. Como lutar pelo
oprimido, sem gerar opressão? Abandonando a concepção sobre opressão. Não
pensando sobre si mesmo, nem como opressor, nem como oprimido, mas segundo
Guattari (1990), “um dos problemas-chave de análise que a ecologia social e a
ecologia mental deveriam encarar é a introjeção do poder repressivo por parte dos
oprimidos”.
É crucial demarcar, que apesar de usarmos Guattari (1990) para redefinir o
fluxo da luta contra a opressão, o desvelamento sobre o nome da causa engenhosa
ainda permanece a mesma e desse sentido a Ecologia Social não pode se eximir: “A
ecologia social deverá trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os
níveis do socius”, o autor prossegue enfatizando que “ela [Ecologia Social] jamais
deverá perder de vista que o poder capitalista se deslocou, se desterritorializou, ao
mesmo tempo em extensão - ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social,
econômica e cultural do planeta - e em ‘intenção’ - infiltrando-se no seio dos mais
inconscientes estratos subjetivos” (GUATTARI, 1990).
Um fenômeno impulsionado pelo ardil engenho do caráter de
autoafirmação, para usar os termos de Capra (1995), – caráter esse – do próprio
complexo dos sistemas socioculturais humanos, tomando dos humanos a capacidade
plena de exercer reflexividade. O “capital” instanciando aqui nesse caráter auto
afirmativo, não é uma entidade metafísica, mas é um “meme egoísta” estabelecido no
padrão mental coletivo, no formato de sentido de “sobrevivência a todo custo” e de
“usufruto na forma de exploração dos recursos e pessoas ao seu redor”. Em relação a
isso, abordaremos mais adiante a noção de que existe uma dada ecologia dos
modelos mentais em desajuste, para o qual aludimos ao acirramento do processo que
organiza de forma racional o trabalho e alcança níveis sufocantes ao espírito humano,
que deveria ser livre.
[romper o mimetismo da violência]
Página | 141
Ecologia Humana Integral
Associando a noção da “ecologia das ideias” de Edgar Morin (1991) e as
reflexões de Juracy Marques (2016), pode-se concluir que “os ecossistemas espirituais
também atuam no mundo físico dos humanos” (MARQUES, 2016). Por Leonardo Boff
(2012) e Jung (2000), estamos dizendo que tais “ecossistemas espirituais” atuam
mediante a “manipulação” dos elementos imaginários e consequentemente os
simbólicos. E, portanto, uma “Ecologia Humana Integral”, segundo Marques (2016),
“não deve partilhar da fragmentação desses mundos (físico e espiritual)”.
A diferença entre Ecologia Mental e Profunda, portanto, é sutil,
primeiramente estamos considerando que Leonardo Boff (2012), as definem como a
mesma coisa; segundo, estamos nos referindo a um alinhamento entre a ecologia da
mente de Bateson (1972) como sendo a Mente e a Natureza uma entidade de interrelações só. Ou seja, acompanhando tanto Amit Goswami (2005) como Baruch de
Spinozza ([1677] 2009) e dizendo que Deus (a mente universal) e a Natureza (o
Universo) são na verdade a mesma supraentidade e que sob a “premissa metafísica
de que é a consciência, e não a matéria, a base de toda existência” (GOSWAMI, 2005
apud MARQUES, 2016).
Em “Ecologia do Espírito”, Marques (2016) decorre do pensamento de
Goswami (2005) que “sabendo não ser possível abordar essa dimensão com os
paradigmas clássicos das ciências, sugere um novo paradigma científico para a
natureza da realidade”. Juracy Marques (2016) cita, então, que tipo de ciência
Goswami (2005) está propondo: “uma ciência baseada na primazia da consciência”. A
essa transcendência do mundo material, causando deslocamento do foco das
ciências, adotemos a definição de “paradigma invisível da ciência” proposto por
Marques (2016).
À integração entre as dimensões do saber humano, que na realidade do
cosmos não são em nada separadas, chamemos de emergência por uma nova
Ecologia Humana que possa abarcar não apenas às dimensões física, biológica, social
e cultural, mas possa também unir isso à mente humana e à mente universal. Nesse
ponto, talvez estejamos fazendo uso do termo Ecologia Humana, numa perspectiva
mais ampla que comumente é utilizada e nisso esteja de certa forma incluído o antigo
desejo de uma ciência humana total como ocorreu com a Antropologia. Contudo, como
explicamos anteriormente, não se trata da constituição de um novo campo ou
disciplina, essa “nova” ecologia humana (que é a mesma, apenas está cada vez mais
alargando as fronteiras para integrar saberes) é instanciação do intento de “explicar o
inexplicável” como nos afirma Marques (2016) ser o “combustível da ciência”. Para
instanciar esse intento, realizam-se estudos interdisciplinares, já que não estamos
prontos, quanto homens da razão moderna, a sermos transdisciplinares em plenitude.
Dimensões ecológicas
Quadro 2 – Dimensões ecológicas nas perspectivas pessoais e coletiva.
Perspectiva Pessoal
Platão1
Marques2
Perspectiva Coletiva
Guattari3
Boff4
Jung5
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Soma
Corpo
Anima
Alma
Noos
Espírito
Meio Ambiente
Relações Sociais
Ecologia Ambiental
Ecologia Social
Intersubjetividade
Humana
Ecologia Mental
-
Ecologia Integral
Consciente Coletivo
Consciente Pessoal
Inconsciente Pessoal
Inconsciente Coletivo6
Arquétipo de Si-Mesmo
Elaborado pelo Autor com uso das seguintes fontes: (1) Platão. “X”, Ano. (2) MARQUES, Juracy. “Ecologia da Alma”,
(2012). (3) GUATTARI, Félix. “As três ecologias”, (1990). Para Guatarri compreendem o mundo da “psique”, do “socius”
e do “ambiente”. (4) BOFF, Leonardo. “Uma cosmovisão ecológica: a narrativa atual”, (1995). (5) JUNG, Carl G.,
“Fundamentos de Psicologia Analítica”. (1996). (6) É importante notar que para Jung, é necessário uma representação
esférica, já que o Inconsciente Coletivo revelam um processo de acumulação do acervo evolucional anímico biológico.
Quadro 3 – Dimensões ecológicas: esferas* concêntricas da relação humanidade x ambiente
Dimensões ecológicas
Noosfera1, 3, 4
Infosfera2, 6
Sociosfera
Psicosfera
2
Tecnosfera2, 5
2, 5
Biosfera2, 3, 4
Atmosfera2, 3, 4
Hidrosfera3, 4
Litosfera3, 4
Elaborado pelo Autor baseado nos seguintes autores/obras: (1) MORIN, Edgar. “El Método IV: Las ideas – su hábitat,
su vida, sus costumbres, su organización”, 1991. (2) TOFFLER, Alvin. “La terceira ola”, 1980. (3) VERNADSKY,
Vladimir I. “La Biosfera”, 1997. (4) CHARDIN, Pierre T. de. “O fenómeno humano”, 1970. (5) SANTOS, Milton. “A
Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, 2012. (6) FLORIDI, Luciano. “Philosophy and Computing: An
Introduction”, 1999. (*) Segundo Milton Santos (2012), trata-se de “contextos alargados”, que “passam a cobrir
praticamente toda a superfície da Terra”.
Triângulo ecológico humano integral
Portanto, usamos a Figura 10, acima, para representar o triângulo
ecológico humano integral. Na seção anterior, apresentamos o triângulo de projeção
para os estudos em Ecologia Humana, segundo Steiner e Nauser (1993), como pode
ser visto na Figura Y120. No triângulo ecológico humano, os vértices são NaturezaPessoa-Sociedade, Steiner e Nauser (1993) já nos alertam que não existe ação direta
entre sociedade e natureza, ela é sempre mediada pela pessoa humana. Na proposta
interpretativa sobre a ecologia dos elementos profundos, que guiou esta pesquisa, não
abandona os efeitos intelectivos do uso do triângulo ecológico humano, mas ressalta
outras relações por ele não demonstradas.
120
Figura 9: triângulo ecológico humano, na página 109.
Página | 143
Figura 10 – Triângulo ecológico humano integral (Natureza-Espírito-Pessoa)
Fonte: Elaborado pelo Autor baseado no aporte teórico da Ecologia Humana Integral: bioecologia, ecologia
profunda/mental e ecologia social.
Portanto, usamos a Figura 10, acima, para representar o triângulo
ecológico humano integral. Na seção anterior, apresentamos o triângulo de projeção
para os estudos em Ecologia Humana, segundo Steiner e Nauser (1993), como pode
ser visto na Figura 9121. No triângulo ecológico humano, os vértices são NaturezaPessoa-Sociedade, Steiner e Nauser (1993) já nos alertam que não existe ação direta
entre sociedade e natureza, ela é sempre mediada pela pessoa humana. Na proposta
interpretativa sobre a ecologia dos elementos profundos, que guiou esta pesquisa, não
abandona os efeitos intelectivos do uso do triângulo ecológico humano, mas ressalta
outras relações por ele não demonstradas.
O triângulo de projeção para os estudos em Ecologia Humana Integral tem
como vértices Natureza-Espírito-Pessoa, contudo Natureza não é um elemento
apartado dos demais, na verdade, o diagrama da Figura X, tem o termo “natureza”
grafado em letras maiores, justamente porque, trata-se de referência a todo o campo
de relações, para uma delimitação didática, digamos que seja todo o campo de
relações existenciais possíveis com alguns pontos de contato com realidades
essenciais. Sendo assim, Espírito e Pessoa também fazem parte da Natureza. As
relações estão representadas por linhas, com setas demonstrando o direcionamento
possível de influência entre um ente e outro. A cor cinza representa relações ou
elementos de natureza sutil ou virtual. Quase a totalidade de relações é dialógica, em
nosso diagrama, que não pretende ser o mapa exato dessas relações, a relação de
influência dos espíritos para com as pessoas, por meio dos modelos mentais é de via
única.
Para que as pessoas possam exercer sua capacidade volitiva perante os
espíritos, elas não podem modificá-los, mas podem mudar seu vínculo a modelos
mentais. Alterando o conjunto de modelos mentais a que se associa, naturalmente
passa-se a se vincular a outros espíritos. Em nossa representação diagramática,
Sociedade é um ente virtual, ainda como no triângulo ecológico humano, da Figura Y,
o acoplamento social em si não interfere na Natureza, mas as pessoas diretamente
fazem-no, neste caso, orientadas pelos discursos dos modelos mentais
predominantes.
121
Figura Y: triângulo ecológico humano, na página XX.
Página | 144
Passa-se denominar, por ora, de abordagem ecológica essa visão
específica do design funcional das organizações por parâmetros típicos dos sistemas
vivos e/ou de suporte à vida na biosfera (CAPRA, 2005; ALIGLERI, 2011). Fritjof
Capra (2005) diz “minha aplicação da abordagem sistêmica ao domínio social abarca
em si, tacitamente, o mundo material”, ele segue admitindo que “isso não é usual,
pois, tradicionalmente, os cientistas sociais nunca se interessaram pelo mundo da
matéria”. Capra (2005) avalia que “nossas disciplinas acadêmicas organizaram-se de
tal modo que as ciências naturais lidam com as estruturas materiais, ao passo que as
ciências sociais tratam das estruturas sociais, as quais são compreendidas
essencialmente como conjuntos de regras de comportamento”.
Essa divisão rigorosa vem se desenvolvendo para uma ruptura e
entrelaçamento de conteúdos e metodologias. Para Carpa (2005) “o principal desafio
deste novo século [...] será a construção de comunidades ecologicamente
sustentáveis, organizadas de tal modo que suas tecnologias e instituições sociais [...]
não prejudiquem a capacidade intrínseca da natureza de sustentar a vida”. E esse
desafio será dos cientistas sociais, dos cientistas da natureza e de todas as pessoas.
Página | 145
CAPÍTULO 4 | ECOLOGIA MENTAL ORGANIZACIONAL
Biologia das Organizações
Níveis de vida: bios, psique e zoe
Eu não poderia considerar minha proposição minimamente coerente sem
referir-me a tradições antigas, se vou, ao fim, dizer que o excessivo racionalismo é
causador de um mal dissociativo. Portanto, sou obrigado a perceber a Grécia Antiga
como um belo florescer da razão, que se aprofundou em uma captura de nosso
sentido maior de existência, alijando-nos. Sem Logos é caos, mas só Logos é atrofia.
Hoje se faz necessário um resgate de Mythos, sem novamente ser unicamente guiado
por esse princípio. É preciso como diz Nietzche, ser apolíneo e dionisíaco em
proporções salutares.
Acompanhando Rene Guénon ([1927] 1977), Heráclito (apud CAPRA,
[1988] 1995) e Lao Tse (1999), não poderia deixar de vasculhar ideias sobre uma
sabedoria que é perene porque admite a fluidez e mutabilidade constante de tudo. Não
despropositalmente que Baruch de Spinoza e Giordano Bruno estão presentes como
inspiração neste trabalho, tanto pelo hilozoísmo (hyle-zoe) como pelo panpsiquismo.
Ou seja, assim como nos adverte Foucault em debate com Noam Chosnky: os
conceitos mudam, nossa forma de validar o conhecimento muda e, por exemplo, como
dizer o que é vivo? Houve tempos que filósofos consideravam tudo o que existe
portador de vida e feito de mente (ou consciência).
A raiz grega bios (βίος – modo de vida, curso da vida), não é a plenitude
sobre o conceito de vida; assim como eros (ερως), não é do amor. E assim como
ainda existe filos () e ágape (αγάπη) como formas mais abrangentes ou de diferentes
dimensões de amar; assim há psique (Ψυχή – a vida da alma, alma vivente, homem
interior) e zoe (ζωή – vida plena, luz vivificante). Zoe encarna a imanência da vida do
Todo, de Theos ou do Tao. A hipótese Gaia não pode apenas vislumbrar bios para
dizer que o planeta é vivo, ela o faz porque o orbe possui zoe, que pode suportar a
dimensão de vida bios, da psique, como muitas outras, que nos parecem mistério,
simplesmente pela nossa incapacidade de compreendê-las.
Nossa atenção a esse ternário, ao qual já tratamos em “Ecologia Humana
Integral” do Capítulo 3, será retomado mais adiante, tendo em vista que uma das
partículas de integração teórica que nos servimos é a Ecologia do Ser de Juracy
Marques (2012; 2015; 2016), ecólogo humano brasileiro, e dela depreendemos a
ecologia do ser organizacional. Em momento oportuno, sondaremos a dinâmica
organizacional tanto na sociosfera (onde se materialzia o corpo organizacional), na
psicosfera (onde se dão as dinâmicas da mente organizacional), bem como a noosfera
(onde os espíritos institucionais impõem sua influência e regência sobre os sitemas
sociais humanos). Em suma, neste capítulo ao discorrer sobre a constituição das
organizações, articuladas por suas instituições, depreenderemos que tal como seres
cencientes e conscientes, essas também possuem corpo, alma e espírito, mesmo que
isso sejam tão somente formas didáticas de descrever os fenômenos organizacionais.
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Feito aí um preâmbulo filosófico, histórico na defesa de uma dada
epistemologia abrangente e a princípio conflituosa com a ciência iluminista, mas
necessário para que eu possa dizer sem temer ser imprudente: as organizações,
como sistemas sociais humanos, são seres vivos e possuem uma dinâmica
psíquica própria. Cabe-nos demonstrar, ao menos especulativamente, a validade
desse pressuposto e caso consiga transpor a especulação simplória, passar a tecer
uma reformulação conceitual sobre os processos e estrutura organizacional a partir
dos postulados desta abordagem, que para ciência tradicional é excêntrica, para
contextos de admissibilidade do holismo e da complexidade, é potencialmente
elucidativa.
Uma biologia da Polícia Militar: conceito razoável?
Segundo Maturana e Varela (1995), existe a possibilidade de
transformações nas dinâmicas internas e nos demais processos de relacionamentos
entre as unidades autônomas de um dado metassistema, que façam o conjunto se
deslocar para um nível maior ou menor de autonomia “volitiva” das unidades. Os
pesquisadores e professores referências daquilo que viria a ser chamado da Escola de
Santiago (do Chile), esclarecem que sendo da mesma classe (organismos e
sociedades), a distinção aparente percebida por um observador é meramente fruto da
diferença operacional e não que sejam sistemas de natureza verdadeiramente
distintas. Organismos são metassistemas com unidades de menor autonomia: células.
Sistemas sociais humanos são os que da classe de metassistemas os que têm suas
unidades quase “independentes”: organismos multicelulares complexos com
consciência desperta (homo sapiens). Em níveis intermediários estão sociedades de
insetos, por exemplo (MATURANA e VARELA, 1995).
Organismos e sociedades pertencem a uma mesma classe de
metassistemas, membros formados pela agregação de unidades
autônomas, tanto celulares como metacelulares (MATURANA e
VARELA, 1995).
Maturana e Varela (1995) falam de um desvirtuamento de sistemas sociais
humanos pelo intensivo uso de “mecanismos coercitivos de estabilização”, casos em
que os sujeitos perdem sua autonomia e ficam despersonalizados, trata-se de um
sistema social humano desvirtuado. Seguindo este raciocínio, pelo qual Maturana e
Varela (1995) comparam a sociedade grega da cidade-Estado de Esparta como um
exemplar de sistema social humano desvirtuado, faz-se alusão às “instituições
totalizantes” de Erving Goffman (1988), para o qual os exemplos primários de sua
pesquisa foram: manicômios, prisões e conventos. Mas em sua obra outras
instituições sociais humanas são definidas como “totais”, Goffman (1988) classificamnas em cinco tipos, em um deles estão as instituições militares.
Em dado momento, refletindo sobre esse aspecto de abarcar todas as
experiências do sujeito por parte das instituições totais, incluindo a “mortificação do
self”, assim como define Erving Goffman (1988) e explicando isso a outros policiais,
para falar sobre nossas próprias aflições, concluí que “a PM não quer apenas seu
suor, ela quer seu sangue e sua alma. Ela quer te dizer como você deve pensar e
como deve agir até mesmo fora do serviço”.
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Tal análise é feita sob o espectro da abordagem sistêmica, suscitando
aproximações da perspectiva sobre sistemas vivos biológicos para sistemas “vivos”
sociais (MATURANA e VARELA, 1995; CAPRA, 1996; 2005; 2006a; 2006b). Sistema
esse que quando incorporado por estruturas de domínio, como tem sido
historicamente o caráter do Estado, são transmutados em sistemas de repressão e
dissuasão com o, pretensamente legítimo, uso da força física ou a ameaça efetiva de
seu uso (FOUCAULT, 2008; BRODER, 1984). Portanto, o tema segurança pública e
os corpos militarizados de polícia típicos do sistema luso-brasileiro de manutenção da
ordem (COTTA, 2012; BRETAS, 1997; SAPORI, 2007; MUNIZ, 1999) são tratados
transversalmente a um aporte teórico ecológico multidisciplinar (MATURANA e
VARELA, 1995; CAPRA, 1996; 2005; 2006a; 2006b; JABLONKA e LAMB, 2010;
HANNAN e FREEMAN, 2005) aplicado a instituições sociais humanas (GIDDENS,
2003; LUHMANN, 2006; SHEIN 2007; ARGYRIS e SHÖN, 1978; MORGAN, 2002;
FOUCAULT, 2008; 1986; 2003; RAMOS, 1989).
Em um contexto que proteger seja a razão de ser da entidade afeta ao uso
da força-vigor, do desbravamento e da rápida articulação para a assistência das
pessoas e/ou das comunidades, a “polícia” (para usar um termo moderno de
compreensão acessível) é um sistema de autoproteção comunitária. Para o ambiente
a polícia é a membrana da comunidade, tendo em consideração que “as membranas
são os fundamentos da identidade celular” (CAPRA, 2005, LYNN, 2001). Membrana
que circunda a comunidade-célula externamente e envolve as organelas internas
numa estrutura contínua, que as diferenciam do restante do meio celular (CAPRA,
2005, LYNN, 2001). No ambiente de um metassistema de unidades comunitárias (uma
sociedade complexa), a polícia é o sistema imunológico. Esse primeiro contexto é uma
prospectiva do ambiente saudável, que poderá se estabelecer. Essa é a sã biologia do
sistema social (vivo) que em outro contexto, relativamente degenerado, dá cabimento
ao surgimento da polícia pública-estatal.
Nesta perspectiva, é necessário uma “atitude mental” que possibilite
questionar a até então irrefutável composição essencial do poder político pela
“coerção e subordinação [...] em toda a parte e em todo tempo”, viabilizando a
modelização de um panorama onde o “não-poder” estabeleça relações horizontais e
por consequência as estruturas sócio-políticas sejam eminentemente de autogestão
(CLASTRES, 1979). Pierre Clastres (1979) propõe para tanto o estudo das sociedades
fora do paradigma de crescimento/desenvolvimento do Ocidente, por reiterado erro
etnológico, chamadas de arcaicas ou primitivas, onde não há presença do Estado,
como, por exemplo, as nações tupi-guarani do Brasil e Paraguai entre outras
(CLASTRES, 1979). Essa questão de um equívoco etnológico, difundido para o
mainstream das ciências sociais, também é abordada por Juracy Marques (2012).
Entretanto, em um processo histórico de domínio (COSTA, 2005), os
agentes volitivos dos sistemas sociais humanos (GIDDENS, 2003), ganham
simbolicamente um conjunto de indumentária que suscita imagens mentais muito
distintas, quebra-se a "democracia nuclear" (CHEW, 1964), criam-se as classes (os
estamentos, as castas desalinhadas de seus propósitos) e nem todos os sujeitos são
pessoas, alguns são mais patrícios que outros, formando uma massa de indivíduos
parcialmente ou totalmente despersonalizados (MARQUES, 2012; DAMATTA, 1997).
Marques (2012) aborda essa relação como de “humanos” e “anti-humanos” e fazendo
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uso das reflexões de Boventura de Sousa Santos (2010 apud MARQUES, 2012),
afirma que a modernidade apenas se mantém como ela é, pela existência de uma subhumanidade. Nesse sentido, governam-se mentes, para controlar corpos (FOUCAULT,
2008). A polícia desse contexto está desvirtuada, tal qual está o meio social, numa
profunda crise estrutural de percurso (MÉSZARÓS, 2011), quiçá mesmo seja um
desvio fundante (GIRARD, 1998).
Dentro da perspectiva de uma biologia das organizações, essa
subumanidade é gerada por artimanhas culturais de estabelecimento das relações de
poder, gerando uma divisão artificial da espécie humana, criando nela uma
diferenciação ao ponto de podermos analisar as relações entre o grupo das pessoas e
o grupo dos indivíduos (DAMATTA, 1997) como relações interespecíficas que tendem
a de caráter negativo, como predatório ou parasita. É nisso, que a visão ecosófica,
como diz Guattari (1990), nos serve para uma ecodemocracia, assentada na
“irmandade” entre todos os seres humanos e não-humanos, com essa consciência, as
relações tendem a focar as de caráter positivo, como a cooperação.
No contexto mais restrito dos estudos organizacionais, pode-se citar a
diferenciação marcante entre corpo gerencial (administrativo) e o corpo operacional na
Teoria Clássica da Administração. Apesar de Taylor ([1911]; 2004) demonstrar em
seus escritos uma, quase febril, preocupação com o alívio das tensões entre patrões e
empregados, parece-nos que a visão paramilitar de Fayol (CHIAVENATO, 2000)
superou nesse aspecto ideal integrativo a de Taylor (2004), aproveitando dele a
eficiência da “máquina operacional”. Tanto quanto as relações interpessoais dentro
das organizações e suas dinâmicas de funcionamento refletem o padrão das relações
de poder da sociedade, mais não como um todo.
Os troncos institucionais podem carregar de forma mais acentuada uma
faixa do espectro dos modelos mentais a eles inerentes, tornando a organização um
espelho não da sociedade completa, mas de um determinado conjunto ideológico
preponderante, ou porque não denominar de hegemônico, já que a melhor explanação
sobre esse fenômeno é de Antonio Gramsci (1982; 2001). Portanto, uma organização
institucionalizada como o Congresso Nacional, que tem raízes na instituição
Parlamento inglês e nas Assembleias romanas, até remontar o Conselho de Anciões
tribais, tem sua natureza constitutiva, na reprodução de pressupostos, que
estabelecem sua força mental coletiva.
Numa análise institucional, tal como sugere Anttony Giddens (2003), há de
se verificar a confluência de características institucionais fundamentais, como o do
pátrio poder (EISLER apud CAPRA) no caso do Congresso Nacional e por conclusão,
não há de esperar que uma dinâmica institucional como essa venha a naturalizar ou
naturalizar-se com pressupostos estranhos, tais como as de relações horizontais de
resistência do “grupo dos indivíduos”. Uma sociedade como a brasileira composta por
51% de mulheres, não terá logicamente a mesma representatividade numérica no
Congresso, que não passa de 10% de parlamentares mulheres. Isso ocorrerá
semelhantemente com outros fatores de distinção como etnia, atividade profissional de
origem, faixa etária etc.
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Onde quero chegar com essa explicação sobre caráter preponderante da
natureza constitutiva das organizações, a depender de seu tronco institucional? Que a
Polícia Militar faz parte de um arranjo híbrido que aponta para a conexão com certas
instituições históricas irremediavelmente espelhares de uma parcela das
representações sociais possíveis. E que no caso da PM, ela reflete justamente
características mais sagazes do tronco militar milenar e político-burocrático
bicentenário, que chamamos nesta pesquisa de características dos elementos sociais
do masculino agressivo.
Aqui se abriga nossa metáfora sobre o câncer e não estamos falando da
Polícia Militar como ente adoecido num ambiente são (SONTAG, 1984; REICH, 2009).
Estamos falando de uma estrutura social/mental que se sobressaí como mais
agressiva na sua expansão de metástase isso porque, esse composto institucional
tinha para bons propósitos (bons, no sentido de úteis ou éticos) características
destacáveis de arrojo e vitalidade (SONTAG, 1984; REICH, 2009; GRIVICICH, 2007;
ALBERTS, 2009). O caráter canceroso não partiu desse subsistema em particular,
mas encontrou nele condições mais propícias para se alastrar, como uma leucemia.
Acompanhando a "genealogia" do sistema terrestre, e/ou dos sistemas
vivos, observa-se que a preponderância de tomada do espaço por um ente "vitorioso"
ou mais bem adaptado é comum e sua metaestrutura de acoplamento desenvolve
uma camada circundante, uma sobreposta a outra ao planeta Terra (LYNN, 2001).
Nisso temos a biosfera, a sociosfera e a noosfera, para citar os exemplos mais
pertinentes ao nosso estudo em tela (CHARDIN, 1970; VERNADSKY, 1997; MORIN,
1991).
Tomando
isso,
como
pressuposto
do
padrão
natural
de
crescimento/povoamento do orbe-casa (nave-oikos) entendemos que as populações
dos seres-elementos da noosfera tendem a um isomorfismo, ou seja, sendo a
noosfera o ambiente das ideologias, um dado padrão de governo mental tende a ser
preponderante, fiador de um “pensamento único” (SANTOS, 2001).
Estando a base geral do pensamento regente desalinhado com seu corpo
hospedeiro, age esse como um ente devastador ou invasor, tal qual um câncer ou um
vírus. Para tal reflexão, considera-se o padrão de desenvolvimento/crescimento
Ocidental (capitalismo-cartesianismo) como o dito pensamento regente (CAPRA,
2005; 2006a) e Gaia (o planeta Terra e sua rede de relações) como o corpo
hospedeiro (MARGULIS e LOVELOCK, 2002).
Nesse ponto, é muito importante que um esclarecimento válido para essa
perspectiva geral, bem como, da institucional estudada. O que é visto como um
elemento díspare, com características de parasita, é o bloco ideológico que inspira as
ações contraproducentes, no longo prazo, e não a espécie humana em si. E como
sempre pondera muito enfaticamente, o Dr. Juracy Marques, as experiências de
sucesso apontadas por Elionor Ostrom, sob o título de “o governo dos comuns” é
prova digna de defesa ativista para indicar a preponderância do fator cooperação entre
os humanos, quando alinhados aos princípios biofísicos (ecológicos) e espirituais
(profundos) da Terra.
Se assim nos referimos ao conjunto social, também o é no estudo sobre a
instituição policial militar, não são os policiais, que devem ser encarados como
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inimigos sociais, mas a mentalidade hegemônica, que disputa espaços com outras
mentalidades vigorantes, porém preteridas como subalternas (KIMMEL, 1998;
CONNELL, 1995). Essa noção de um jogo no palco político institucional por conflito de
esxpressões de masculinidades foi mais bem trtado no Capítulo 8.
A concepção de modelo mental regente do comportamento humano e
certa disputa desses modelos é trabalhada mediante o aporte dos estudos sobre
homens e suas diversas masculinidades mediante o crivo de Michael Kimmel (1998),
Robert Connell (1995), Botton (2007), Fry (1982) além de Jeff Hearn e Davis Collinson
(2005).
Enquanto o ideal hegemônico estava sendo criado, ele foi criado em
um contexto de oposição a “outros” cuja masculinidade era assim
problematizada e desvalorizada. O hegemônico e o subalterno
surgiram em uma interação mútua, mas desigual em uma ordem
social e econômica dividida em gêneros (KIMMEL, 1998).
Essa disputa se dá pelo uso recursivo dos símbolos linguísticos por parte
dos sujeitos, criando uma hierarquia entre o modelo hegemônico e modelos
alternativos que se organizam em inúmeras camadas até a identificação de modelos
antagônicos, que alicerçam a identidade do modelo hegemônico como contraposto
(KIMMEL, 1998; CONNELL, 1995).
A ressalva que faço ao aporte teórico do tema trata-se do fato de que
sempre é apresentado enfaticamente, que “as masculinidades são socialmente
construídas”, ou seja, descartando qualquer tipo propriedade essencial eterna ou
biológica (KIMMEL, 1998). Essa ênfase, e declaração de pressuposto, também
encontrada no aporte sociológico e da teoria crítica utilizado na análise de outros
quadros temáticos, ao longo deste trabalho, não são vista como constrangimento ao
seu uso, devido à conciliação de dicotomias propostas pela visão sistêmica.
Em prol de compreender a verdadeira natureza das organizações policiais
militares “imaginizou-as122” como organismos vivos (MORGAN, 2002), que por serem
metassistemas de organismos autônomos refletem o padrão organizativo dessas
unidades em seu conjunto estrutural. Instituições sociais humanas refletem a forma
humana de constituição, nisso se estabeleceu a metáfora da “pessoa organizacional”.
Considerando uma analogia propícia para o entendimento do objetivo de
tal empreitada, recorre-se ao ternário (Simbólico-Imaginário-Real) dos registros
psicológicos de Lacan (apud CLAVURIER, 2013), bastante utilizados por Zizek para
explicar as relações sociais e suas ideologias (padrões organizativos e conteúdos
ideais). E para uma triangulação, que contemple os estudos organizacionais, recorrese subsidiariamente à proposição do psicólogo organizacional Edgar Schein (2007), na
qual a cultura organizacional tem três níveis: (1) Artefatos (portanto, palpáveis,
diretamente observáveis), (2) Normas e Valores (percebidos apenas pelos membros
da organização) e (3) Pressupostos (verdades incontestáveis, motivos inconscientes).
Temos, portanto, a recursiva decomposição, apenas didática, de um todo inseparável,
em três camadas, níveis ou dimensões constitutivas.
122
Imaginizar – Vide tópico “Imaginização” do Capítulo 1, com referência direta a Gareth Morgam (2002).
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Para Morgan (2002), assim como um iceberg, a parte visível da cultura
organizacional trata-se da menor parte da imensa pedra de gelo, ainda conforme
Hofstede (1991), comparando a uma cebola, nas camadas superficiais estão os
elementos da cultura organizacional que ocultam o núcleo, onde estão os princípios
basilares que dão a razão de ser do grupo social. Shein (2007), Morgan (2002) e
Hofstede (1991), fizeram a alusão a múltiplas camadas em aplicação ao estudo da
cultura organizacional em uma abordagem de grupo. Em aludir ao ternário de Lacan,
faço um paralelo didático entre as dimensões do ser e do grupo (como ente
transpessoal).
Para Shein (2007 apud CHIAVENATO, 2009), o terceiro nível, mais
profundo é “o coração da cultura de uma organização”. Pressupostos envolvem as
crenças consideradas “tabus”, ou seja, verdades incontestáveis. Aquilo que os
membros acreditam ser a base de significado da realidade, influenciando no que
sentem e pensam. Os elementos dessa camada estão além da consciência, são
elementos invisíveis e de difícil identificação.
Retornando a Lacan (apud CLAVURIER, 2013), sendo, portanto, inviável
capturar sistematicamente as expressões do Real, intento através da autoetnografia,
alcançar as imagens psíquicas, socialmente compartilhadas, pelo grupo estudado, que
possam ser traduzidas em uma descrição simbólica a partir de elementos análogos
conhecidos pela comunidade acadêmica e pelo público em geral.
Organizações institucionalizadas se tornam reduto de grupos geneticamente
assemelhados
O objetivo deste trabalho é conhecer, ainda que superficialmente, algumas
das características dos “espíritos” dos guerreiros e em particular, a associação
peculiar destes que regem a polícia militar brasileira. Oportuno é esclarecer que por
“espírito” adotei o conceito de Edgar Morin (1991), ou seja, ideias autônomas que
possuem vida própria e se estabelecem nas mentes humanas como se essas fossem
seu habitat ou seus hospedeiros, concepção similar a de Teilhard de Chardin (1970).
As ideias são dotadas de vida própria porque dispõem, como os
vírus, em um meio (cultural/cerebral) favorável, da capacidade de
autonutrição e de autorreprodução. (MORIN, 1991)
[...] os memes devem ser considerados como estruturas vivas, não
apenas metafórica, mas tecnicamente. Quando você planta um meme
fértil em minha mente, você literalmente parasita meu cérebro,
transformando-o num veículo para a propagação do meme,
exatamente como um vírus pode parasitar o mecanismo genético de
uma célula hospedeira. (HUMPHREY apud DAWKINS, 2007)
Por associação peculiar, quero me referir à mesma noção de que as ideias
são transmitidas em blocos, tal como propõe Dawkins (2007) com os agrupamentos de
memes, Jung (2000) com o panteão de arquétipos e Giddens (2003) com a
constelação de instituições. Uma comunidade de ideias pode ser equiparada a um
paradigma, que para Morin (2008): “são princípios ocultos que governam a nossa
visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência”.
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Por guerreiros, entendo um nicho da ecologia própria dos humanos, que
nos diversos contextos sociais podem se apresentar por feições especializadas ou
combinadas com outros nichos, ou seja, numa perspectiva funcionalista, dentro da
divisão natural das atividades humanas em grupo, existe um conjunto de atividades ou
atuações sociais que estão vinculadas a um percurso histórico de padrão de
comportamento, instituições e imagens mentais que ordenam tais scripts (JABLONKA
e LAMB, 2010). Numa perspectiva evolutiva, eu as chamaria por casta
"bioantropológica" de guerreiros.
Entre as atividades sociais que guardam vínculo por um tronco
“filogenético” direto a sua mais provável raiz, a saber, a atividade de caça do modo de
subsistência de caça-(re)coleta do homo sapiens, herdada dos primatas, estão nas
expressões ainda existentes na contemporaneidade: os policiais, os militares, os
militantes, os guerrilheiros, os esportistas combativos, os bombeiros entre outros.
Este entendimento que carrega uma perspectiva mais abrangente sobre
um grupo de nicho-função social tem aporte em uma fundamentação teórica de David
Priestland, em “Uma nova história do poder: comerciante, guerreiro, sábio” (2014) e de
percepções fruto da observação deste autor como nativo do grupo de policiais
militares de um determinado estado brasileiro.
Enclausuramento operacional: a chave guerreira
Para Maturana e Varela (1995), “os organismos, como sistemas
metacelulares, possuem clausura operacional graças ao acoplamento estrutural das
células que os compõem”. Para os pesquisadores chilenos todo o processo evolutivo é
envolvido de aprendizagem, para eles seres unicelulares aprendem, nessa esteira
Argyris e Shön (1978) aplicaram conceitos similares e dizem que todas as
organizações pode ser aprendentes. Tanto Argyris e Shön (1978) como Maturana e
Varela (1995) dirão que sistemas sociais humanos “também possuem clausura
operacional que se dá no acoplamento estrutural de componentes”, porém para eles a
situação ganha novos desdobramentos, quando se trata dos humanos modernos.
Maturana e Varela (1995) explicam que “a identidade dos sistemas sociais
humanos depende, portanto, da conservação da adaptação dos seres humanos não
só como organismos, no sentido geral, mas também como componentes dos domínios
lingüísticos que constituem”. Os humanos não bastam ter predisposição genética para
uma dada atividade, eles precisam reconhecer os sistemas sociais onde essas
predisposições são exercidas como “unidades para seus componentes no domínio da
linguagem” (MATURANA E VARELA, 1995).
Conforme Maturana e Varela (1995), “é uma história em que se selecionou
a plasticidade comportamental ontogênica que possibilita os domínios lingüísticos e
em que a conservação da adaptação do ser humano como organismo exige que opere
em tais domínios e conserve tal plasticidade”.
A recorrente reativação de uma predisposição neurofisiológica de base
filogenética induzida pelas interações com o ambiente e, portanto, inclui-se o
“hambiente” social é o que chamamos de aspecto biológico da “chave guerreira”. Ou
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seja, a estrutura neurofisiológica necessária para operacionalizar as funções que
suportam o comportamento de guerra e caça, estão previamente selecionados pela
grande linha sucessória, em que tal comportamento foi exigido como requisito para
melhor êxito e sobrevivência da espécie (JABLONKA e LAMB, 2010).
E mesmo que um ser humano moderno, não apresente o dito
comportamento espontaneamente em toda sua plenitude, se em contato com os
elementos simbólicos cabíveis, terá a composição e o arranjo interno do sistema
nervoso cerebral reconformado com base no projeto já guardado em seu acervo
genético, para tornar-se um guerreiro (FERRARI, 2001; JABLONKA e LAMB, 2010).
Uma vez o processo de ontogenia da neuroplasticidade ativado, para sua reversão
será necessário exposição a estímulos tão intensos e duradouros quanto aqueles que
desencadearam o processo.
O conjunto de símbolos capazes de suscitar a reação, recorrente em uma
linha geracional, de trazer à tona características antes adormecidas e/ou latentes são
nessa perspectiva o aspecto arquetípico da “chave guerreira” (JUNG, 2000;
CHEVALIER e GHEERBRANT, 1986).
É um processo de mão dupla, as instituições, como acervo da reprodução
cultural trazem em si a simbologia guerreira. Os corpos dos indivíduos trazem a
memória genética de quando ser guerreiro era questão de sobrevivência e por isso a
seleção natural os privilegiou como descendência mais ampla numericamente
(JABLONKA e LAMB, 2010). Lógico que ser guerreiro no campo simbólico remonta a
noções como vigor, honra, subjugamento, domínio etc. No campo biológico, isso se
traduz por características que bem poderiam ser aproveitados por outras funções
sociais, tais como maior capacidade de resposta a estímulos que exigem pronta
resposta corporal, capacidade de melhor oxigenação, músculos mais aptos à resposta
ao medo etc.
O ambiente fomentou e esculpiu nos hominídeos a necessidade de luta e
caça, por meio de circunstâncias insalubres, escassez de alimentos, concorrência com
primatas e com outros hominídeos (NEVES e RAPCHAN, 2017; WRANGHAM e
PETERSON, 1998). A seleção natural deu a eles maiores probabilidades de
sobreviver e a seleção sexual os privilegiou para a perpetuação da prole (JABLONKA
e LAMB, 2010). As sociedades humanas organizaram em seu acoplamento linguístico,
no nível da linguagem: histórias, mitos e expressões que defendiam, incentivavam e
agrupavam os “guerreiros” (HARARI, 2015). As instituições humanas levam em si o
acervo daquilo que é preciso para ser um guerreiro, tudo aquilo que não foi
incorporado ao acervo genético. Portanto, esses dois blocos do mesmo ser, o corpo
celular e o espírito inanimado se atraem de tal forma para criar os componentes
subjacentes: o corpo orgânico coeso, a alma sociojurídica e a reativação do agir
concreto do espírito numinoso.
O rompimento se dá com a grande mutabilidade do “hambiente” cultural
prole (JABLONKA e LAMB, 2010; MARQUES, 2017). O ambiente impacta nos
humanos e os humanos reconstroem o ambiente, mas no plano cultural isso se dá tão
rápido, em poucas gerações ou na mesma geração, que o corpo humano não
acompanha todas as adaptações (JABLONKA e LAMB, 2010; HARARI, 2015; 2016).
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Portanto, uma civilização dócil, autocontrolada por institutos civilizatórios tem que ser
capaz de lidar com uma massa de indivíduos ainda propensos à caça e à guerra
(ZALUAR e LEAL, 2001).
Especificamente sobre o processo de descobrir-se previamente um
guerreiro em potencial e ser em seguida lapidado para se tornar um policial militar, é
oportuno a citação de Ferrari et al. (2001):
Do mesmo modo que o comportamento altera a probabilidade de
outros comportamentos123 a atividade neural altera a probabilidade
das funções neurais. Uma das evidências para este fato é que tanto
as situações de mera exposição à estimulação ambiental quanto às
situações de treinamento sistemático em aprendizagem resultam em
alterações no comportamento e nos circuitos neurais124. Ou seja,
subjacentes aos processos comportamentais de aprendizagem e de
memória encontram-se as alterações funcionais e morfológicas que
ocorrem no sistema nervoso e que caracterizam a plasticidade
neural125.
Desse
modo,
verifica-se
que
os
processos
comportamentais e os processos de plasticidade neural possuem
relações mais estreitas e complexas do que se supôs durante muito
tempo (FERRARI, 2001).
Essa noção de base evolutiva e biológica, transposta para a dimensão
cultural, não é um conceito inédito, ele é correlato ao uso do termo ethos pelos gregos
como a natureza comportamental de um determinado grupo. Não despropositalmente
este trabalho é denominado de “A Natureza da Polícia Militar”. Neste sentido, pode-se
correlacionar ao uso conceitual do termo ethos guerreiro por Nobert Elias (1997 apud
ZALUAR e LEAL, 2001), que o fez para se referir a uma predisposição
psicossociocultural à guerra entre os alemães. As pesquisadoras, na época, da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro demonstram no seu animus pela pesquisa
sobre criminalidade e violência e os processos de institucionalização, justamente
aquilo que denomino de “exercício de Saúde Coletiva” ou de Medicina Social.
Os números da violência brasileira são endêmicos126, e o que as
instituições que lidam diretamente com o problema precisam operar é uma “cura
social”. Retornando ao conceito de ethos guerreiro, o qual é apontado por
Albuquerque e Machado (2001), como o responsável pelo “currículo da selva” da
formação policial militar, deixo que Alba Zaluar e Maria Leal (2001) façam a devida
interpretação da formulação original de Elias (1997 apud ZALUAR e LEAL, 2001):
Norbert Elias usou o conceito de habitus antes de Bourdieu para se
referir a práticas internalizadas através de longos processos de
socialização variáveis segundo a época e a classe social. Disso
decorrem desenvolvimentos variáveis e divergentes, o que fornece
um sinal positivo à domesticação interior ou ao autocontrole, bem
como maior precisão para o conceito de violência. Dentre os habitus
que descreve, o etos guerreiro é aquele que designa os
123
(Catania, 1999)
(Rosenzweig, 1996)
125 (Cuello, 1997)
126 Apresentados no tópico “Letalidade da Polícia Militar e os números da violência nacional” da Introdução.
124
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comportamentos que estimulam a alegria e a liberdade de competir
para vencer o adversário, destruí-lo fisicamente, e o prazer de infligir
dor física e moral ao vencido. Este etos teria sido ultrapassado no
processo civilizador ocorrido em algumas sociedades ocidentais por
vários processos inclusive o do monopólio legítimo da violência pelo
Estado (ZALUAR e LEAL, 2001).
Zaluar e Leal (2001), lembram que esse processo civilizador,
especificamente referente a evolução no controle do imupulso psicossocial da
agressividade pode sofrer retrocessos. E nesse caso, Zaluar e Leal (2001) colocam
com forças antagônicas dois tipos de orgulho, um que resulta na não submissão “a
nenhum compromisso exterior ou poder superior, típico do etos guerreiro” ou um outro
que advém “do autocontrole, próprio da sociedade civilizada”. Para fazer uma ponte
com as expressões mitológicas, eu identificaria nisso um conflito entre o orgulho de
Ares e o orgulho de Atena.
É em Marques (2012) que encontramos algumas discussões chaves para
fechar ou alcançar patamares ainda não vistos. A eficiente abordagem congruente
entre a visão ecológica profunda e a teoria crítica (ŽIŽEK, 2012 apud MARQUES,
2012), remete-nos a discussões sobre a ontologia do Ser e a necessidade de uma
mudança da postura humana, quanto ao padrão civilizacional estabelecido. Mediante
ainda Juracy Marques (2012; 2017), que sem nenhuma restrição, por preconcepção
alijadora (pré-conceito), ou por inquietação quanto ao uso das palavras sem um maior
entendimento de suas múltiplas significações – devido a essa liberdade alcançada por
meio da postura de escuta a outras cosmovisões – que posso declarar, este trabalho
trata-se de uma modelização teórica, em busca dos efeitos contra evolutivos ou antimorfogênicos causados pelo “espírito da polícia militar” em desfavor do alinhamento
entre os propósitos das organizações congêneres (daquelas que adotam o modelo
institucional policial militar) e as razões sociais difusas que legitimam (simbolicamente)
a manutenção (material) de tais agências estatais.
Instituições como troncos filogenéticos
O neo-institucionalismo seria o caminho apontado como o natural para um
estudo dessa natureza, apesar da abordagem rumar para uma perspectiva
socioecológica, as concepções sobre instituições humanas neste trabalho estão
alinhadas à escola neo-insitucionalista da Sociologia (HALL e TAYLOR, [1996] 2003).
Como da distinção entre adaptabilidade e seleção natural (competição e
aprendizagem), selecionamos a primeira dentro do paradigma de uma ecologia das
popoulações de organizações, naturalmente perdemos, em parte, a influência do neoinsitucionalismo econômico ou denominado de “escolhas racionais” por otimização e
melhor eficiência. Isso se desdobra numa Ecologia Humana que não pode apenas
vislumbrar o “forrageamento ótimo”, o agentes não são puramente racionais e
interpretam o ambiente por um prisma de valores e crenças que por vezes lhes
indicam um caminho até mesmo da extinção ou colapso de suas estruturas sociais.
Sobre isso, aludimos a Dimaggio e Powell (1991 apud HALL e TAYLOR, 2003),
quando nos informam que “as instituições exercem influência sobre o comportamento
não simplesmente ao especificarem o que se deve fazer, mas também o que se pode
imaginar fazer num [dado] contexto”.
Página | 156
Partindo do pressuposto, que em uma “dimensão cognitiva do impacto das
instituições”, essas “influenciam o comportamento ao fornecer esquemas, categorias e
modelos cognitivos que são indispensáveis à ação”. Os modelos cognitivos, chamados
recorrentemente neste trabalho de modelos mentais, ofertados pelas instituições
desde antes o nascimento do indivíduo, ditam as bases para “interpretar o mundo e o
comportamento dos outros atores”. Quando você pensa que uma criança terá contato
com uma instiuição apenas na idade escolar, está se esquecendo da própria família
como instituição, da carga que cada membro da família carrega de outras instituições
e reproduzem à criança: patriarcalismo, o matrimônio, a religião. Estaria nisso se
esquecendo também das instituições que se interpenetram para alcançar a criança
antes mesmo dos 3 anos de idade: mercado de brinquedos, da mídia, do
enterternimento, a medicina pediátrica etc.
Portanto, fica distinguido que ao falar da Polícia Militar de determinado
Estado, como Unidade da Federação, essa espécime organizacional em particular é
uma organização institucionalizada e não uma instituição, essa últuma é para nós
atributos mais recorrentes que fundam as primeiras.
Por instituição, adotamos duas posições as quais se harmonizam. Primeira
posição é aquela que W. Richard Scott e John W. Meyer (1994 apud HALL e TAYLOR,
2003), da Stanford University, nos apresentam e pode ser sintetizada que
diferentemente da visão nativa da Ciência Política, além de incluir “as regras,
procedimentos ou normas formais”, também, compreende-se instituições como sendo
“os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem
‘padrões de significação’ que guiam a ação humana”.
A segunda posição trata-se das definições da base da Teoria da
Esruturação de Anthony Giddens (2003), “a estruturação de instituições pode ser
entendida em função de como acontece para que as atividades sociais se alonguem
através de grandes extensões de espaço-tempo”. Em termos de uma análise histórica
sobre a atividade de polícia, David Bayley (2002), deixa claro como essa atividade se
perdura nos mais variados enclaves geográficos, nas mais diferentes épocas da
história, com peculiaridades distintas, mas que nos permitem minimamente
correlacionar com a forma como a atividade é exercida atualmente no mundo
Ocidental.
Quando Giddens (2003) diz que a estrutura social é uma “ordem virtual” de
relações transformadoras significa que os sistemas sociais, como práticas sociais
reproduzidas, não tem em si “estruturas”. Na verdade, elas exibem “propriedades
estruturais”, propriedades “mais profundamente embutidas” podem ser chamadas de
princípios estruturais. As estruturas “sólidas” podem ser um recurso mnemônico que
aponta uma dada organização institucionalizada do presente a título de referência para
os agentes humanos envolvidos. Mas fundamentalmente, instituições são, antes das
organizações, “aquelas práticas que possuem a maior extensão espaço-temporal”,
dentro das totalidades sociais reproduzíveis.
Portanto, a estrutura virtual social são conjuntos de simbolizações e
práticas recursivamente manifestadas pelos agentes do dado sistema social
abrangente. A Polícia Militar é uma organização institucionalizada constituída em si
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por propriedades estruturais que a diferenciam, por exemplo, da polícia portuguesa,
britânica ou da Civil brasileira. Alguns princípios estruturais logo deixam bem claro o
desenvolvimento em um tronco de reproduções diferenciado entre a PM e a Polícia
Civil brasileira e a britânica. Contudo, no âmago desses princípios estruturais de todas
elas há instituições tão antigas quanto pode ser a atividade de controle e coesão social
que as equiparam. Portanto, Giddens (2003) deixa o conceito de instituições o mais
próximo possível de expressões comportamentais de um arquétipo junguiano (JUNG,
2000).
Essa discussão para nossa compreensão multidimensional do Ser, oriundo
da Ecologia do Ser de Juracy Marques (2016; 2017) é pacificada pela adoção da
noção de que o ser consciente ou senciente tem múltiplos e simultâneos registros,
geralmente explanado como ternário, como o fazem Lacan (apud CLAVURIER, 2013),
Boff (2012), Guattari (1990) e Platão. Quando isso é associado a um quaternário,
como também faz Boff (2012) e Jung (2012a), a quarta dimensão é da integralização.
Partindo da Biologia das Organizações e alcançando a Mente
Organizacional, concluímos juntamente com Edgar Shein, por uma identidade
organizacional. O registro da dinâmica multidimensional da organização (sistema
social humano) segundo Shein, pode ser visto como as camadas de um “iceberg”. No
nível emerso, estão práticas e símbolos tangíveis ou visíveis, mesmo ao agente
externo. Nos níveis submersos, estão normas de cunho oficiosas, costumes e hábitos
dos membros nativos, já de difícil acesso ao observador externo e no mais profundo
dessa “estrutura-estruturante”, estão pressupostos básicos que determinam, inclusive
a forma de ver o mundo dos membros nativos, para os quais nem todo o processo é
consciente.
Partindo do campo dos estudos sobre cultura organizacional circunscritos
na Teoria Organizacional, seria comum procurar no segmento aparente da instituição
elementos de caracterização indenitária do grupo e da estrutura sociotécnica.
Entretanto, esse é a reiterada ponta do iceberg que fica exposta, emersa no oceano.
Essa matáfora pode ser melhor compreendida na Figura 11 e no Quadro 4. No
profundo do complexo cultural, no sutil do inconsciente coletivo há determinados tipos
de elementos que quanto menos se tem consciência deles, mais eles possuem
potência para dirigir o comportamento (CHIAVENATO, 2000; JUNG, 2000; SHEIN,
2007).
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Figura 11 – Metáfora do “iceberg” difundido por Chiavenato1 baseado na teoria de modelo de
cultura organizacional de Shein2 e seus níveis da cultura organizacional
Elaborado pelo Autor baseado nas seguintes fontes: (1) CHIAVENATO, Idalberto. “Recursos Humanos: O capital
humano das organizações”, (2009). (2) SCHEIN, Edgar H. “Guia de sobrevivência da Cultura Corporativa”, (2007).
Etimologicamente, como forma híbrida entre línguas nórdicasescandinavas e anglo-saxãs, o termo iceberg127, significa montanha (berg) de gelo
(ice). Trata-se de um bloco de água doce, que ao se desprender de geleiras ou
plataformas de gelo continentais vagueia nas águas dos mares ártico e antártico.
Devido à diferença entre a densidade da água doce e a água salgada do mar esse
imensos blocos flutuam, apresentando 10% de seu volume acima da linha da
superfície do oceano. Portanto, 90% do iceberg, ou seja, 6/7 da sua altura ficam
submersos, oculto aos olhos dos navegantes, o que historicamente constitui-se em
uma armadilha para a navegação. Desse fato, costuma-se dizer: “essa é apenas a
ponta do iceberg”, para referir-se a situações em que aquilo que está aparente não
passa de uma amostra do todo, ainda mais complexo, que se encontra às escondidas.
Segundo Chiavenato (2009), à semelhança de um iceberg (Figura 11),
assim podem ser entendidas as múltiplas camadas da cultura organizacional.
Chiavenato (2009) sintetiza as concepções de vários autores, falando de duas
camadas: aspectos formais e abertos e aspectos informais e ocultos. Mas essa visão
de camadas aplicados à cultura organizacional fica mais bem esclarecida pelo
psicólogo social Edgar Shein (2007), que apresenta em seu modelo três níveis:
Artefatos (nível superficial), Normas e Valores (nível intermediário) e Pressupostos
(nível profundo). A disposição dessas camadas pode ser mais bem compreendida pela
interpretação da Figura 11 e o detalhamento quanto definição e visibilidade observase no Quadro 4.
127
Iceberg. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica, 2017. Web, 2017. Disponível em:
<http://escola.britannica.com.br/article/481548/iceberg>. Acessado em 10 jan. 2017. ICEBERG. In: WIKIPÉDIA, a
enciclopédia
livre.
Flórida-EUA:
Wikimedia
Foundation,
2017.
Disponível
em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Iceberg>. Acessado em: 10 jan. 2017.
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Quadro 4 – Níveis da Cultura Organizacional segundo a teoria de Shein: definições e visibilidade
Nível
Artefatos
Normas e
Valores
Pressupostos
Definição
É o primeiro e mais visível nível da cultura de uma
organização. Exemplo de elementos: missão, slogans, as
instalações da empresa, mobília, fardamento, jargão.
Os valores podem ser estudados através de entrevistas
com trabalhadores, a fim de captar as atitudes deles.
Membros de uma organização são aptos para
reconhecer seus valores razoavelmente de maneira fácil.
Essas normas (regras não escritas) são associadas com
valores.
Coração da cultura de uma organização. Envolvem as
crenças consideradas “tabus”. Verdades incontestáveis:
aquilo que os membros acreditam ser a realidade,
influenciando no que sentem e pensam. Estão além da
consciência e são elementos invisíveis e dificilmente
identificados.
Para o
observador
externo
Para o
membro
interno
Visível
Visível
Oculto
Visível
Oculto
Oculto
Elaborado pelo Autor com uso das seguintes fontes: (1) CHIAVENATO, Idalberto. “Recursos Humanos: O capital
humano das organizações”, (2009). (2) SCHEIN, Edgar H. “Guia de sobrevivência da Cultura Corporativa”, (2007).
Sistemas sociais humanos: organismos vivos
Nossa proposta caracteriza-se como uma análise socioambiental, em que
a organização estudada, ela mesma é um ser vivo. Executar uma análise
socioambiental, desse tipo, de uma dada organização requer antes de tudo,
reconhecer a própria natureza das organizações sociais humanas que são mais uma
das expressões da complexa fenomenologia do ser humano. Os aspectos da dita
natureza aqui destacado é que esses sistemas são dinâmicos; em constante
retroalimentação; articulam processos em dimensões corpóreas e em dimensões sutis;
evoluem por meio de uma espécie de aprendizado coletivo, que se utiliza do acervo
das experiências individuais; em certo estágio ganham relativa autonomia, não sendo
possível controlar os resultados de seu metabolismo, mas de induzir alterações, que
são processadas pelo próprio sistema, em alguns casos com desdobramentos a
revelia de seus gestores (ARGYRIS e SHÖN, 1978; CAPRA, 2006a; LUHMANN, 2006;
SCHEIN, 2007).
Há, portanto uma exigência por uma visão sistêmica e uma postura
transdisciplinar, toda vez que o fato/objeto pesquisado seja um aspecto do fenômeno
humano. Não é preciso maiores indícios, para se começar a testar aplicações no trato
com as organizações sociais humanas, que as contemple como um resquício, um
reflexo ou um autêntico fenômeno inerente aos sistemas vivos (CAPRA, 2005). Com o
atual contexto do avançado processo de organização racional do trabalho, as
sociedades humanas estão invariavelmente institucionalizadas. As sociedades, que
também são complexos de organizações, tornaram-se o ecossistema de diversas
organizações humanas. Nas sociedades contemporâneas, pós-industriais, não há
praticamente nenhuma atividade social humana, que não esteja sob a tutela, regência
ou suporte de uma organização. Nascemos em organizações; somos educados por
elas; exercemos o labor em várias delas, durante a vida; alimentamo-nos e temos
entretenimento mediante organizações e ao morrermos, dependemos dos serviços de
algumas delas (ETZIONI, 1967; DRUCKER, 1997; RAMOS, 1989; CHIAVENATO,
2000; WEBER, 2006).
Página | 160
Portanto, esse envolvimento com todas as áreas da atividade humana e
um grande número de sociedades e indivíduos, fez com que na história evolutiva das
organizações, elas ganhassem cada vez mais complexidade interna e uma forte
interação interdependente com as demais. É dessa complexidade que se quer falar,
por enquanto. Os sistemas intrincados, de padrões não lineares, envolvendo inúmeras
variáveis e interagindo com uma grande quantidade de agentes volitivos por vezes
apresentam anomalias, em relação à funcionalidade esperada (GIDDENS, 2003;
CAPRA, 2005).
Necessidade de sarar sistemas sociais disfuncionais
A correção de tais sistemas não parece ser mais possível por
procedimentos que os percebem de forma estática. Não se alteram sistemas
complexos, autônomos, em pleno funcionamento (anômalo ou não) mediante decreto
ou projetos de engenharia 128. Propor uma gestão dos recursos, processos e pessoas
inerentes a responsabilidade social e a consciência ambiental (de uma dada gestão
socioambiental) não pode intentar um regresso à “ambição do pensamento simples,
que era controlar e dominar o real”, assim como nos diz Edgar Morin (2008).
Tratando-se de sistemas em equiparação com sistemas vivos, sendo
reflexivos da natureza de seus agentes operativos: os humanos; então, o mais
apropriado é que assim como uma saúde integrativa pretende, as organizações
sociais humanas precisam ter seu equilíbrio restaurado e os processos de conserto e
manutenção, passam a se assemelhar a processos de cura, terapia e cirurgia. Não se
trata de ser “caridoso”, mas inteligente o suficiente, para reconhecer a complexidade
inerente a tais fenômenos; “trata-se de exercer a um pensamento capaz de tratar o
real, de dialogar e de negociar com ele” (MORIN, 2008). Apenas o fato das
organizações envolverem seres humanos, independentemente de reconhecer nelas
mesmas as características da emergência da vida, já seria o bastante para que o trato
com as organizações requeresse tal sensibilidade.
Nessa linha de pensamento, fica claro que as relações sociais e todas as
demais estabelecidas entre as pessoas no interior das organizações, ou mesmo
estando fora delas, sendo por uma delas influenciado é inequivocamente um
fenômeno humano. E por si só, sendo um fenômeno humano não se pode dissecar ou
desconsiderar a interação entre as múltiplas dimensões do ser. Segundo, Jean Piaget:
“Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e
mentais em seus meios”. O que conduz a constatar que um desenho apropriado de
uma ferramenta conceitual de interpretação de organizações sociais humanas, assim
como o é uma análise socioambiental, precisa incorporar no seu traçado uma visão
sistêmica aliada a uma postura transdisciplinar (PIAGET apud MARIOTTI 2000).
128
Ressalta-se que as Ciências Jurídicas e a Engenharia da Produção são áreas profícuas em conhecimentos
relevantes no trato com organizações sociais, ao citar “decretos e projetos de engenharia”, não se quer afastar tais
áreas do cabedal necessário para reordenar os sistemas sociais. Na verdade, quer apenas humanizar tais processos,
que ainda se revestem de concepções mecanicistas ou burocráticas em demasia.
Página | 161
Simbolismo Organizacional
Nesta pesquisa, ao tomar o desafio de “imaginizar” as organizações do
modelo institucional policial militar, aplicando, portanto, a Teoria Imagética de Gareth
Morgan (2002) está procurando respostas mais efetivas para problemáticas, tais
como, porque os subgrupos sociais organizados seguem rumos em aparente
desalinhamento daquilo que se espera deles, do ponto de vista social mais amplo e
ainda assim, o grupo encontra justificantes profundas e arraigadas o bastante para dar
suporte a perpetuação de práticas que certamente lhes levarão à obsolescência.
Estes sujeitos devem está tão permeados por uma rede de interações e
uma camada de introjeções simbólicas coletivamente compartilhadas que não podem
ver ou perceber, além daquilo lhe é (auto)imposto pela cultura organizacional
(MORGAN, 2002; SHEIN, 2007). Esse mundo simbólico sempre esteve em franca
interferência e interdependência com as demais dimensões das organizações. Mas
segundo Carrieri e Saraiva (2007), o investimento em conhecer o simbolismo torna-se
essencial para as organizações, devido “um contexto que se afirma cada vez mais
pautado pela descontinuidade” compelindo as essas mesmas organizações “repensar
as estratégias e as práticas de atuação”.
Justamente é o que se exige da polícia, em tempos de mudanças. As
polícias do modelo luso-brasileiro de manutenção da ordem e da lei (COTTA, 2012)
ficam ainda mais submetidas a pressões, pois guardam em si, profundos e arcaicos
traços de um respeito honroso, quase sagrado a uma outrora, ordem vigente, hoje
explicitamente (contra)ordem em antifluxo do que vem a ser a emergência de sistemas
sociopolíticos democráticos.
Para Carrieri e Saraiva (2007) desvendar o simbolismo organizacional é
“compreender melhor como as organizações reagem à realidade que se lhes
apresenta”. Nesta perspectiva, não se admira o primeiro ânimo de refutar tais tipos de
imersão nas organizações, assim porque estaríamos a principio falando de
construções subjetivas dos seus membros, mas ao adentrar com maior acuidade,
estaríamos falando da construção “subjetiva” de um coletivo. A refutação tem suas
motivações que devem ser ponderadas, neste tipo de pesquisa. Quais instrumentos
poderão garantir uma leitura adequada de imagens tão nebulosas?
Ao certo, o que podemos dizer por ora, que esse é um “prisma pouco (ou
quase nada) explorado habitualmente” para analisar as organizações. Isso pode ser
compreendido pelo que nos informa Carrieri e Saraiva (2007): “ao considerar o que
está além da racionalidade propriamente dita, o simbolismo se habilita como sendo a
porta para o ingresso no mundo do não-racional, do não-quantitativo, e do não-lógico
nas organizações”.
Responsabilidade social e contrato psicológico
Nosso trabalho de certa forma se enquadra nos estudos sobre
responsabilidade social com o público interno em organizações públicas. Segundo
Antônio Pereira (2008), os trabalhadores ou servidores de uma organização são
considerados stakeholders primários com os quais as relações mantidas dependem
Página | 162
diretamente para o alcance dos objetivos organizacionais. Pereira (2008) nos informa
que “o estabelecimento de regras organizacionais não implica necessariamente que
determinada organização seja ética”. Portanto, a efetiva indução da perspectiva ética
organizacional, depende dos entremeios das relações informais, isso porque os
códigos escritos, por si só podem se esvaziar, “podem também perder a perspectiva
de autonomia e liberdade e converter-se em uma ferramenta legalista, fechada em si
mesma” (PEREIRA, 2008).
Na problemática levantada sobre as polícias militares, recorremos ao tema
da responsabilidade social para fazer referência ao fato de que sem o cuidado para
com os policiais, como pessoas dignas de respeito, inviabilizados ficam os esforços de
ver a polícia como uma organização promotora e protetora de direitos das pessoas
assistidas pelo seu serviço. Estamos considerando que policiais desrespeitados
podem tender a não respeitar a população, como deveriam (SOARES, 2013).
Segundo Cheibub e Locke (1997 apud PEREIRA, 2008), uma organização
“socialmente responsável, do ponto de vista interno [...] assegura uma atmosfera de
justiça nas relações de trabalho, trata seus trabalhadores como pessoas morais,
dignas de respeito e consideração e pagam salários que permitam condições de vida
razoáveis”. Não apenas remuneração, mas desenvolve outras ações tais como
“investimentos no bem-estar dos empregados e seus dependentes, respeito aos
direitos trabalhistas, preservação da privacidade pessoal”, Pereira segue elencando os
itens destacados por Coelho (2004 apud PEREIRA, 2008), “liberdade de expressão
em defesa de seus direitos, programas de remuneração e participação nos resultados,
assistência médica, social, odontológica, alimentar e de transporte”.
Não desejo ser impertinente, mas para qualquer um que leia essa listagem
de ações que a gestão organizacional precisa tomar para garantir respeito aos seus
integrantes e também conheça a realidade das polícias militares poderá não apenas
lamentar, como até mesmo rir e ter a certeza que não quis suscitar um verdadeiro
debate, mas que quis apenas ser irônico. Cabe registrar que muitos desses itens são
inerentes à estrutura militar de assistência humana, mas que estão sucateadas em
boa parte das corporações estaduais.
Por decorrência do exposto por Niklas Luhmann (2006) sobre ações
comunicacionais e a natureza autopoiética dos sistemas sociais e, ainda, por
decorrência do que nos diz as pesquisadoras da Universidade de Santa Cruz do Sul,
Elizabeth Moreira e Mônica Pons (2008), a sociedade, vista como o ambiente externo
à organização, terá contato sobre a verdade das relações organizacionais e dela fará
uma imagem, no sentido de representação social, sobretudo, por aquilo que o público
interno projeta para o exterior em seus encontros com os demais stakeholders. Em
nossa aplicação à atividade policial, os encontros que fortalecem as imagens que se
tem da polícia, são justamente os atendimentos ao usuário-cidadão.
Tendo em vista o que acabamos de expor sobre responsabilidade social
para com o público interno e os efeitos da correlata “irresponsabilidade” traduzida por
desrespeito é que recorremos ao conceito de contrato de psicológico para acessar,
mesmo na relação negativa, quais desdobramentos orientam as relações entre
policiais e a polícia. O primeiro a usar o conceito, foi o teórico organizacional norte-
Página | 163
americano, hoje professor da Harvard Business School, Cris Argyris que explica “não
podemos entender a dinâmica psicológica se olharmos apenas as motivações do
indivíduo ou as condições ou práticas organizacionais”, segue concluindo que ambas
(motivações individuais e práticas organizacionais) “interagem de forma complexa”,
exigindo, portanto, “que desenvolvamos teorias e abordagens de pesquisa que
possam lidar com sistemas e fenômenos interdependentes” (ARGYRIS, 1964 apud
SHEIN, 2015).
Argyris (1964 apud SHEIN, 2015) define que “em última análise, a relação
entre o indivíduo e a organização é interativa, desenvolvendo-se através da influência
mútua e da negociação mútua para estabelecer um contrato psicológico viável”. Tal
contrato é pactuado com aquilo que o membro (funcionário) espera da organização
(empresa) e o vice-versa, incluindo itens além dos formalmente contratuados na
relação jurídica (SHEIN, 2015). Para Amitai Etzioni, os contratos psicológicos firmados
entre organizações e funcionários refletirá a três formas como a sociedade tem para
envolver pessoas em projetos coletivos: punindo, incentivando ou permitindo, bem
como o conteúdo e formas de fazê-las.
Apesar da PM ter um déficit quanto à empregabilidade quando se trata de
responsabilidade social e, portanto, ser devedora na exigência por uma prestação de
serviço devidamente compensada por cuidados dispensados ao “funcionário”. Devo
destacar a forte capacidade da Polícia Militar em envolver moralmente seus
integrantes, fazendo-os preocupados com os valores institucionais. Uma capacidade,
portanto, de constituir uma comunidade que se identificam como irmãos-companheiros
“leais e comprometidos”, mesma capacidade observada por Edgar Shein (2015) como
benéfica para a empresa. Agora e se concluíssemos que, realmente os policiais
militares estão absorvidos e compenetrados em um amplo projeto “comunitário”
próprio, mas que os valores desse empreendimento estão desalinhados com parte dos
anseios sociais?
Nesse lapso entre responsabilidade social interna objetiva e o contrato
psicológico subjetivo, posso afirmar que na Polícia Militar, aqueles que se dispõe a
prestar um serviço e ser recompensado por isso, nos restritos parâmetros legais e
morais da missão precípua da organização, estarão fadados a uma frustação cabal
pelo rompimento do contrato psicológico. Enquanto, aqueles que astutamente
aprendem a ganhar com o capital subjetivo (simbólico e emocional) inerente à
atividade policial sentem tão fidelizados que encarnam, em seus discursos e ações,
uma defesa apaixonada pela dinâmica viciada da corporação.
Ou seja, os policiais que se fiam apenas pelas vias institucionais acabam
se sentindo decepcionados e aqueles que trilham carreiras baseadas em jogatinas e
subterfúgios são altamente fidelizados.
Pessoa Organizacional
Para podermos falar em uma pessoa organizacional e admitir a existência
de processos psicológicos do ente organização, com uma delimitação indenitária
Página | 164
própria, seria preciso dizer que organizações são (como) pessoas e, portanto,
possuem uma base corpórea, tanto quanto um espírito. Isso não parece muito
ortodoxo, contudo, a noção de mente concreta ou encarnada (LAKOF e JOHNSON,
2002 apud CAPRA, 2005) sustentadas por construções teóricas tais como a de
Gregory Bateson (1972; [1979] 1986), também não são ortodoxas.
Os processos aos quais costumamos chamar de mente humana não
ocorrem exclusivamente no interior do organismo, nem muito menos apenas no
cérebro. Os processos que conferem individualidade, sim; mas o processo geral de
mentalidade, ocorre, sobretudo, na interação com o ambiente. Aprender, por exemplo,
é uma faculdade não originalmente típica dos humanos, um organismo unicelular já o
faria, baseado em dinâmicas envolvendo moléculas e íons. O uso da linguagem
simbólica é um refinamento dessa faculdade (MATURAMA e VARELA, 1995; CAPRA,
2005).
Recapitulando, os pressupostos que possamos admitir da Biologia
Cognitiva (MATURAMA e VARELA, 1995): “organismos e sociedades pertencem a
uma mesma classe de metassistemas”, a diferença é que organismos são redes
complexas de acoplamentos de células e as sociedades, de organismos. Portanto, são
formados pela agregação de unidades com maior ou menor autonomia (MATURAMA e
VARELA, 1995).
Jakob von Uexküll, biólogo e filósofo germano-esloveno, na obra
“Theoretische Biologie” [Biologia Teórica] de 1928, esclarece que vê...
[...] um organismo mais [como] um ser ativo que seleciona e modifica
seu ambiente de tal forma que, de fato, cria seu próprio ambiente de
acordo com suas necessidades. Na medida em que esse processo se
baseia no uso de um "modelo interno", temos aqui o início de um
conceito que se torna particularmente útil em um contexto envolvendo
seres humanos como organismos (UEXKÜLL, 1928 apud STEINER e
NAUSER, 1993).
Portanto, pelo princípio (ou operador) “hologramático” (MORIN, 1997),
pode-se dizer que dentro do todo há as partes, dentro do organismo há células; bem
como, também é verdade que nas partes de certa forma está o todo, dentro das
células está a informação geral sobre a base constitutiva do organismo (na cadeia de
ácido desoxirribonucleico, ou DNA). Portanto, o provérbio que diz “dentro da semente
existe uma árvore” está correto, neste ponto de vista. Dentro de uma célula há
“hologramaticamente” um organismo todo. Dentro de um organismo há um registro de
como deve se desenvolver seu agrupamento, em coletivo ordenado, para não dizer
em uma ordem superior. Sociedades são agrupamentos de organismos, por inferência
lógica, dentro dos organismos se encontram a lógica de organização de sociedades.
Para que se possa compreender melhor essa relação espelho do
holograma, achei oportuno trazer duas citações, uma de Edgar Morin (1997) e outra
que alude a ele, mas de Humberto Mariotti (2007):
Um holograma é uma imagem em que cada ponto contém a quase
totalidade da informação sobre o objeto representado [...] o princípio
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hologramático significa que não apenas a parte está num todo, mas
que o todo está inscrito, de certa maneira, na parte (MORIN, 1997).
O pensamento cartesiano-binário nos leva a ver tudo sempre em
separado e a achar natural a divisão e a separação, mesmo quando
há evidências que apontam para o contrário. Ver as coisas separadas
revela apenas a limitação dos nossos meios de percepção. Mas isso
não significa que elas estejam desligadas. No mundo natural existe
afastamento, mas não desligamento. Como diz Morin, o indivíduo é o
ponto do holograma que contém a totalidade da sociedade e da
espécie, mas mesmo assim continua singular e não pode ser
reduzido essa totalidade (MARIOTTI, 2007).
Compreendendo, portanto que “a parte está num todo, mas que o todo
está inscrito, de certa maneira, na parte” (MORIN, 1997) e depreendendo de Uexküll
(1928) é que se pode dizer que a organização social é um princípio inerente aos
organismos que a compõe. Nossa socioeconomia reflete aspectos internos do nosso
ser (a característica holográfica ou fractal). Nisso pode-se relembrar o interesse da
psicanálise pela história e da evolução das instituições humanas, como Freud destaca
na compilação “Totem e Tabu e outros trabalhos”. Assim como ocorrem processos da
pisque humana (individual), assim ocorrem numa instância coletiva.
Existe um desajuste, em algum ponto da evolução sócio-biológica humana
que faz refletir no processo civilizatório, um modelo com bases competitivas, em que o
usufruto de um benefício em uma ponta, significa necessariamente o desalojamento
ou preterimento de um desafortunado na outra ponta (DE PAULA, 2005; SILVA, 2014).
Esse “desenvolvimento” demonstra de forma amplificada/concreta uma esclerose na
lógica interna profunda do sociocultural. Um grave acidente de percurso (talvez no
parricídio e consequente fratricídio generalizado causado pela capitulação do ente
totêmico) (GIRARD, 1998) ou uma profunda crise estrutural (MÉSZÁROS, 2011).
Mas assim como de uma mesma semente da imagem do todo, como no
caso ilustrativo de irmãos gêmeos, podem desenvolver fenótipos diferentes,
dependendo das condições a que as crianças são expostas. Assim também podemos
dizer que dentro da humanidade existe um outro sistema econômico social possível,
que ora se encontra latente. Sendo gestado, em dores de parto, tem marcado a atual
encruzilhada antropológica (DE PAULA, 2005).
Parece oportuno, usar o ensejo deste desencadeamento que fala do
operador hologramático e trazer a baila uma reflexão de Humberto Mariotti (2007)
sobre como princípios “fundantes” podem sustentar o crescimento de uma
organização e como perdê-los de vista, criar desintegração social:
Na cultura das organizações, os princípios básicos elaborados pelos
fundadores (as chamadas crenças ou certezas fundamentais)
sustentam e motivam corporações transnacionais de muitos milhares
de funcionários e um número muitas vezes maior de acionistas e
outros participantes. A missão e a visão de futuro são formas de
reforçar as ligações entre as pessoas. Ligações geram confiança e o
sentimento de pertencer a uma totalidade. Pensar de modo
fragmentador produz medo e desconfiança. No primeiro caso, o
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resultado é solidariedade, finalidade, sentido. No segundo caso, gerase a competição predatória, o “cada um por si”, o “salve-se quem
puder” (MARIOTTI, 2007).
Admitindo, por um momento que seja, o aspecto holográfico do Universo e
aliando a esta linha de raciocínio o fato de que as sociedades humanas são sistemas
autogeridos e autossustentados por uma dinâmica de fluxo de informação (LUHMANN,
2006), baseado sobre a capacidade humana de expressão pela linguagem, –
admitindo o entrecruzamento do entendimento sobre esses dois aspectos – resta
evidenciar que a linguagem é um refinamento do domínio linguístico, uma aquisição
evolutiva de espécies animais superiores na dinâmica de acoplamento entre
organismos (MATURANA e VARELA, 1995).
A linguagem metafórica além de ser um recurso heurístico, possui fortes
características arraigadas mesmo na estrutura mental. Não sendo apenas uma figura
da linguagem, mas estando a linguagem baseada por sobre ela, assim como se verá
mais adiante, neste trabalho, por meio do conceito de “mente encarnada” prospectado
da obra de Fritjof Capra (2005), ao comentar sobre as observações feitas por
Maturana e Varela (1995; apud CAPRA, 2005), bem como Lakoff e Johnson (apud
CAPRA, 2005).
Essa mesma linguagem, por mais sofisticação que acumule, tem por base,
termos referenciais orientados pela constituição corpórea. A essa característica basilar
da linguagem, mente encarnada (CAPRA, 2005). Está aqui a discorrer das
consequências naturais desse processo auto mimético (de imitação de si mesmo),
mas quando a razão humana pretende a partir dela conhecer o mundo, temos nesse
processo auto mimético, uma ancoragem, um circuito delimitador, que oferece
limitações ao alcance da compreensão universal, nisso cabe evidenciar a natureza dos
“ídolos da tribo e da caverna”129 de Francis Bacon (1620).
As raízes etimológicas das palavras remontam a estados e posições
correlacionadas a si mesmo. Portanto, um sistema que tenha se constituído por sobre
a linguagem humana, irá por princípios holográficos ou fractais, organizar-se de tal
forma que tenda a mimetizar o funcionamento do organismo humano. Jung (2000)
trata do assunto da seguinte maneira: “As formas que usamos para outorgar sentido
são categorias históricas que remontam às brumas da Antiguidade” e prossegue mais
adiante dizendo, “para dar sentido servimo-nos de certas matrizes linguísticas que, por
sua vez, derivam de imagens primordiais”. Essas imagens primordiais são as imagens
gravadas pelo arquivamento da impressão das próprias experiências psíquicas da
espécie humana, sobretudo, das noções de diferenciação entre o “eu” e o que não sou
“eu”: o ambiente e o outro.
Basta ver o tráfego de pessoas, veículos, insumos e comunicação dentro
de uma grande metrópole. Há múltiplos centros especializados que irradiam
instruções, processam insumos e jogam nas redes de distribuição bastante
capilarizadas. Assim como a corrente sanguínea, o sistema linfático, os impulsos
percorrendo tanto o sistema nervoso central e como os periféricos autônomos; assim é
Ídolos da obra Novum Organum (1620) de Francis Bacon – para uma melhor compreensão sobre essas
implantações mentais perniciosas ao intelecto humano.
129
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o tráfego urbano, o sistema de telecomunicações, a distribuição de energia elétrica, a
dinâmica dos centros de abastecimento de alimentos, a rede de água e esgoto.
O crescimento das cidades de alguma forma refletem os estágios do
desenvolvimento embrionário-fetal, que em um plano ainda mais ao fundo, reflete os
estágios do desenvolvimento evolutivo da espécie. Lembrando que cidades seriam
uma das representações corpóreas do ente social total que mimetizaria o organismo
humano, que é constituído por outras dimensões, a saber, a psicológica e a espiritual
por exemplo. Portanto, esse exercício criativo metafórico não pode ir além disso, se
não pontuarmos essas duas questões: o reflexo do desenvolvimento embrionário-fetalevolutivo e que o ser humano é integralmente biopsicossocial.
Isso são considerações, que primeiramente nos faz admitir que existem
estágios de desenvolvimento diferentes, uma pequena cidade, ainda por falta de
aglutinação de recursos suficientes não tem uma dinâmica que reflita a complexidade
de um primata, mas já apresenta aspectos similares a um simples organismo
multicelular. Expressões ainda mais simples como uma aldeia de um único clã familiar,
pode mimetizar o comportamento de uma única célula.
A segunda consideração, é que o ente social total estando hipoteticamente
mimetizando o organismo humano, o padrão de estruturação arquitetônico e urbano
são dimensões corpóreo-biológica. A mimetização intuitiva abarcaria também
dimensões tais como a mental-psicológica. Assim como temos um humano crescendo
desde sua fase neonatal, infantil, juvenil, madura e senil; assim teríamos sociedades
humanas jovens, que refletiriam imageticamente o comportamento dos nossos
adolescentes e crianças, bem como civilizações inteiras que após acumularem um
grande capital ontológico, seriam consideradas maduras.
Alcançar esse contexto do estágio evolutivo não seria, portanto,
exclusividade da espécie animal homo sapiens. Qualquer outra espécie que
alcançasse o despertamento da consciência lógico-filosófica, em pouco tempo,
acoplados por algum tipo de linguagem, manifestaria o mesmo padrão evolutivo.
Chegar à consciência difusa, em seguida, à consciência esclarecida e, por fim, à
autoconsciência, são atributos hologramáticos do Universo e emergências comuns à
vida. Faz necessária uma ressalva ao termo: “por fim”, um fim relativo e transitório,
pois as evidências demonstram que após a autoconsciência, ainda viriam estágios
elevados da ecoconsciência130 e da cosmoconsciência131.
De nós humanos, será manifestada uma suprassociedade desperta com o
signo do primata-hominídeo132. Mas o próprio planeta Terra, no grande jogo
Ecoconsciência – Terceira Ecologia de Gadotti. Ecologia Profunda.
Cosmoconsciência – “Condição ou percepção interior da consciência do Cosmos, da vida e da ordem do
Universo; exultação intelectual e ética impossível de descrever, quando a consciência sente a presença viva do
Universo e se torna um com ele, em uma unidade indivisível” (VIEIRA, 1999).
132 Pode parecer inoportuno, cientificamente falando, mas creio que convém relembrar que algumas tradições
míticas-religiosas realmente apontam para a presença de seres advindos de outros lugares do espaço sideral, que
aparentemente parecem ser humanos, mas simbiotizados com estruturas genéticas de outros animais. Isso pode
ser inferido de mitos relacionados aos primeiros governantes sumérios, aos deuses egípcios, aos deuses babilônicos,
figuras mitológicas como os ciclopes ou centauros, os deuses serpentes hindus, os dragões e expressões
majestáticas místicas como: “Leão da tribo de Judá”. Vale ressaltar que num futuro longínquo, olhar para o relato
histórico e ver que um dia o novo ser humano, o tal “homo deus”, foi tão simbiotizado com primatas, lembrando os
130
131
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probabilístico do “acaso” poderia ter gestado um “projeto” evolutivo de seres
autoconscientes baseados corporalmente nos primatas-símeos, ou nos dinossauros
bípedes, ou nos cetáceos. É importante compreender também, que essa emergência
independente do tronco evolutivo e se nele ocorre, a primazia de uma espécie, não é
fator de exclusividade, pode ocorrer concorrentemente, assim como coexistiu Homo
sapiens (homem sábio) e Homo neanderthalensis (homem de neandertal).
Um planeta como a Terra ou um sistema estelar-planetário como o Solar,
poderiam se houvessem as condições ecológicas necessárias, ou seja, de suporte a
vida, sediarem como um hábitat, para outras tantas populações de espécies
“irracionais”, duas ou mais com a propriedade da consciência desperta. Foram e ainda
são candidatos elegíveis a ser esse hospedeiro da simbiose corpo-espírito
civilizacional: a Igreja, o Estado, o Mercado e a Internet. Sem contar que há evidências
de que o Planeta Terra, ele mesmo já seja algo muito próximo do que possamos
chamar de um ente “vivo”.
O equipamento psíquico organizacional
Em meio às pesquisas, por fundamentação necessária para a empreitada
deste trabalho, ficou claro que não é possível compreender com mais profundidade os
sistemas sociais humanos, sem entender a dimensão psíquica dos fenômenos
associados (CAPRA, 2005). Na verdade, a organização social, por meio dessas
mesmas pesquisas, demonstrou-se ser uma manifestação do psiquismo coletivo
(FREUD, 1996). A dimensão psicológica, portanto, é uma camada preponderante de
condução dos sistemas sociais: sociedades, comunidades, organizações etc. E entre
tantas correntes da abordagem comportamental, uma série de autores aponta para os
conceitos da Psicologia Analítica como um dos satisfatoriamente bem sucedidos para
expressar a visão sistêmica e alcançar a explicação integrada dos fatos da relação
homem-ambiente (CAPRA, 2006b; BOFF, 2012).
Tratar da mente organizacional por força imagética é abordar a
organização e sua estrutura, função e relações como um “cérebro” ou como uma
“prisão mental”, na perspectiva de metáforas, que determinam a dinâmica
organizacional, segundo Gareth Morgan (2002). Laffitte (2002) lembra que Morgan
(1996 apud LAFFITTE, 2002), em “Imagens da Organização”, enfoca a ideia de um
inconsciente organizacional, “através da teoria freudiana e cita também Jung”. Ainda
para Laffitte (2002), “uma forma metafórica que merece maior atenção é a de entender
a organização como uma grande mente, um aparelho psíquico”. E assim como a
mente humana possui “áreas claras e áreas sombrias, repressões e defesas,
condicionamentos e traumas, repertórios comportamentais e medos, ansiedades e
desejos, entre outras coisas”, assim também a mente organizacional possui, porque
em última instância a organização é formada por mentes humanas (LAFFITTE, 2002).
Portanto, o inconsciente organizacional é a "campo", "área", "espaço" ou
contexto "não conhecido dentro de um organismo, seja humano ou organizacional"
(LAFFITTE, 2002). E se está a se falar de tal coisa, "imediatamente se está dirigindo a
símeos irá causar tanta estranheza quanto aquela que os símeos do filme Planeta dos Macacos tem ao pensarem
que humanos podiam um dia ter sido uma raça evoluída.
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atenção à ideia de uma mente organizacional, pois o inconsciente solto não existe"
(LAFFITTE, 2002). Laffitte ainda ressalta que é preciso conhecer bem os conceitos
que possibilitam ter uma noção da dinâmica do inconsciente, no estudo da psique
humana, para que se possa transpor esses conceitos para psique organizacional.
Ecologia das ideias danosas
Emergência da coesão social e refundação de instituições
A Sociedade brasileira, assim como as civilizações humanas coexistentes,
em franco processo de planificação, precisam urgentemente repensar em suas
condições de coesão.
Na visão metafórica de organismos biológicos, considerando seus
princípios estruturais e funcionais. O aspecto de segurança, sobretudo desempenhado
pelo sistema membranoso, é a preservação da identidade perante o todo ambiental,
tanto quanto a integridade das estruturas, para preservação da funcionalidade
satisfatória. Contraproducente, é o modelo social de segurança até hoje executado,
ele é antropofágico, ou seja, canibal. Ele é forte, irresoluto, de tal forma
demasiadamente, que é capaz de impor uma desenfreada lógica assassina contra
quem devia proteger. O sistema imunológico social tornou-se canceroso ou
autoimune.
É necessário repensar a base do porque fazemos o que fazemos, para
alcançarmos um nível tal de reflexão que sustente uma nova forma de fazer, sem
perder de vez as características que nos capacitam a gerar coesão.
Coesão social é a chave acima de ordem pública. Diz-se acima, talvez seja
mais pertinente dizer: mais abrangente e quiçá em substituição, mesmo. A ordem que
nos foi legada historicamente nos processos coloniais, a saber, genocídio, extermínio
físico e cultural, migração compulsória em massa e escravização - essa ordem - serve
à imposição viril do corpo do rei.
Policiar nunca foi um problema em si, até que o pensamento racionalizador
dos séculos XVIII e XIX, sobretudo o estruturador das “novas” funções inerentes ao
Estado-Nação, construíram quase que simultaneamente em um processo de mimética
generalizada um padrão de organização paramilitar burocrático. Este padrão de
agência estatal arrancou da Sociedade suas capacidades difusas de autorregulação e
a concentrou numa monopolização do usufruto da prerrogativa viril coletiva,
emblemática do corpo do rei (BAYLEY, 2006; ROLIM, 2006).
Com os três pólos de produção e disseminação de sistemas de
pensamento e inovações tecnológicas do Oriente: Índia, China e Japão; histórico
circunstancialmente desarticulados para gerar um modelo de bases próprias, aliado ao
típico soterramento das experiências das sociedades tradicionais (chamadas de
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primitivas pelo etnocentrismo europeu), restou ao mundo, o rápido contágio de uma
prática policialesca do processo colonial.
Apesar de ser necessário pontuar que a noção do fato como um problema
apenas é possível claramente hoje, porque na “belle époque”, a modernização,
baseada numa profissionalização do aparato policial era visto como um dos aspectos
da evolução civilizacional (ROLIM, 2006).
Sem pretensões utópicas messiânicas, mas por emergência da
encruzilhada antropológica a que chegamos no inicio do século XXI, a nossa
sobrevivência como espécie, como coletivo global, não disponibiliza tempo para
ajustamentos, para salvar instituições da sua extinção. Condenamo-las, ou nos
condenaremos. Se instituições como o Estado precisam de refundação, o que dizer de
aparatos a ele simbiotizados, como as polícias.
Talvez tenha chegado a hora – ou passado dela – em que essa civilização
“globalitarista”, liberal burguesa, deixe de acreditar que seus valores pretensamente
universais sejam necessariamente compartilhados por toda a aldeia planetária.
Trazendo a baila, uma consciência, que melhor somos como um mercado árabe, ou
uma feira nordestina, do que um único clube de cavalheiros ingleses, isso se é que
realmente podemos conviver, como pretensamente dizemos que podemos, com a
diversidade humana (RORTY, 1997; SANTOS, 2001).
Portanto, os modelos institucionais do processo civilizatório ocidental, não
se constituem as etapas finais, muito menos, nas mais avançadas. Nessa inexorável
marcha evolutiva, um ou outro modelo podem ser desprezados ou aglutinados a
outros. É certo que rumam a uma gradual planificação, como pretende Darcy Ribeiro
(1987) aludindo à Marx. E é, justamente Ribeiro (1987), que ao referir-se a Alexis de
Tocqueville, que nos previne sobre o ritmo dessa marcha está vinculado as futuras
sucessões de ambientes de autoritarismo e liberdades.
Ao requerem o título de Estado Democrático de Direito ao atual momento
histórico brasileiro, estamos falando de experiência de liberdades, quer sejam as de
inspiração de Montesquieu ou as de Rousseau, como bem nos explica Bobbio (2000):
ou a liberal ou a democrática. Tratando-se da liberal, invoca-se a Rorty (1997), que em
réplica a Clifford Geertz, faz uso tanto da força de convencimento dos agentes da
justiça como dos agentes do amor. Ele tanto alude a John Rawls, para lembrar que o
ideal liberal ocidental gerou uma emergência da noção de justiça, e a sua categoria de
justiça processual fez emergir princípios de tolerância. Bem como, Rorty (1997)
acessa Lévi-Strauss para explicar que a exclusividade cultural é “uma condição
necessária e própria da determinação do si próprio”.
Mas se preferir a noção de liberdade autorregulada, em um compromisso
firmado espontaneamente com seus próximos de Rousseau, então estamos falando
nada mais nada menos, do que o alargamento da democracia, como bem nos fala o
próprio Bobbio, ou então, Boaventura de Sousa Santos (2009).
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Resistência à “apoptose social”
Constrangida é a ciência que pretende compreender a saúde e a vida, a
partir de um contexto corpóreo-ambiental doente. Inúmeras elucubrações para
emprestar sentido a um sistema patológico.
Estudando a constituição e o funcionamento de um organismo, a partir de
um prolongado processo neoplasmático com a perda da memória sobre o estímulo
inicial, gera a falsa sensação de que essa seja a condição natural e desejável. Para as
mentalidades envolvidas de forma duradoura na condição psicoambiental cancerosa,
não há poesia no cair das folhas do outono. O esforço é descontroladamente voltado
para a autopreservação e perpetuação de si, independentemente dos efeitos
sistêmicos totais que isso possa ocasionar (ALBERTS, 2009).
Mentalidades, assim envolvidas, preferem uma profusão de “caranguejos”
circulando pelos caminhos do cosmos, deixando sua marca existencial onde quer que
possam. Insensatamente, desprovidos de nobreza e incapazes de elegância, não se
permitem entregar aos novos tempos, passar o bastão ou servir de base de nutrientes
constitutivos para outros seres, outras condições de existência. Falta-lhes um bom
senso para orquestrar uma saída encenada, “um declínio próspero”, nos termos do
casal Howard Thomas e Elisabeth Odum (2012); ou uma reciclagem das
organizações, nos termos de Hazel Henderson (1978).
Façamos os devidos esclarecimentos, para que não se torne abusivo, o
uso da figura de linguagem metafórica. Apesar de que é preciso de antemão expor
que a linguagem metafórica além de ser um recurso heurístico, possui fortes
características arraigadas mesmo na estrutura mental. Não sendo apenas uma figura
da linguagem, mas estando a linguagem baseada por sobre ela, assim como se verá
mais adiante, neste trabalho, por meio do conceito de “mente encarnada” prospectado
da obra de Fritjof Capra (2005), ao comentar sobre as observações feitas por
Maturana e Varela (1995; apud CAPRA, 2005), bem como Lakoff e Johnson (apud
CAPRA, 2005).
Voltemos, então, a não inadvertida metáfora com a ideia de estrutura viva,
contudo doente, usada neste para sistemas sociohumanos, que para tanto tomam por
empréstimo termos, designações e conceitos da Medicina e da Biologia. Fala-se de
“folhas que caem no Outono”, porque remete ao termo apoptose, que em sua origem
grega, significa queda, deposição, desaparecimento, negação. No domínio da Biologia
Celular, é o termo utilizado para designar certo tipo de morte programada, que tem por
finalidade, em condições normais, manter a estabilidade geral do organismo
(ALBERTS, 2009).
Tal autoproclamação de merecedora da morte individual em prol da vida
do coletivo, não ocorre por parte da célula cancerosa. Constituindo “eticamente” um
embaraço e fisiologicamente um inchaço, um crescimento anômalo de tecido. Até aí
de menor dano ao sistema geral, comumente designado como benigno. Diz-se
maligno, quando dá vazão a uma disseminação, por transferência de parte desse
material danificado, vindo a constituir uma nova colônia com as mesmas propriedades
anômalas. Maligno ou benigno constitui-se os dois casos em uma neoplasia
decorrente de um evento anômalo, que seja conversão do tipo celular (metaplasia) ou
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a maturação defeituosa (displasia). Já a disseminação denomina-se metástase,
etimologicamente, o que em grego significa mudança de lugar. Por isso se fala em
“caranguejos”, pois a origem da palavra portuguesa câncer vem do nome desse
crustáceo em latim, que é homólogo. Visto o processo de metástase, percebe-se que
ocorre na aparência justamente desses crustáceos com suas patas e pinças
(ALBERTS, 2009).
Dando continuidade a argumentação primeira, está ao certo, falando de
um funcionamento anômalo nos sistemas sociohumanos. Aqui se faz pedido de
permissão, para que a aparente redundância em dizer “socio” + “humano”, seja
perdoada, até que se possa esclarecer sobre as diferentes condições de acoplagem
entre organismos, podendo gerar: “sociedades” humanas baseadas na linguagem
simbólica ou grupamentos com características societárias, mediante mecanismos
“mais elementares”, realizados por outros organismos vivos, o que permitiria falar, nos
termos por vezes contravertidos da Sociobiologia, em sociedade das abelhas,
sociedade dos símeos ou sociedade dos cetáceos (MATURANA e VARELA, 1995;
DAWKINS, 2007).
Deixa-se para posteriores maiores esclarecimentos, abstendo-se,
temporariamente, de discussões epistemológicas, e retornando “ao fio da meada”.
Portanto, relutar em permanecer vivo e se multiplicando, apesar de está doente, é
justamente uma das condições mais características dos tumores malignos, assim
como esclarece Grivicich et al. (2007): “A expansão clonal de uma célula transformada
depende de um descontrole da sua capacidade proliferativa e de uma crescente
incapacidade de morrer por apoptose”.
Durante o processo evolutivo, as espécies sofreram graduais adaptações
em seu próprio corpo. Porém a espécie humana desenvolveu soluções culturais para
aperfeiçoar esta adaptação ao meio circundante (MORAN, 1994; BROWN e
KORMONDY, 2002). A adaptação cultural da espécie humana sofreu, em alguns
aspectos, do mal de cristalização gerando práticas e simbolizações
contraproducentes, que ao longo do tempo tornaram-se disfuncionais (MERTON,
1970). A persistência de características de uma adaptação é um padrão próprio da
emergência da vida (dos sistemas vivos), bem como, a contingência evolutiva
(MATURANA e VARELA, 1995).
Um processo recursivo de manutenção e transformação. São ciclos de
prolongados períodos de manutenção com alterações paulatinas e incrementais, com
súbitas erupções geradoras de intensas perturbações, que fomentam uma
transformação de ruptura, os gregos viam nisso a ação de Caos e Cosmos, os hindus,
de Vishnu e Shiva (CAPRA, 2006a). Porém, sua imutabilidade, mesmo diante de sua
fatal contrariedade com o meio, traduz-se pela capacidade reflexiva sustentar
processos de reprodução, manutenção e transformação contrários a homeostase.
Pertinentemente, manifesta-se por ora, que apesar de um alinhamento
preponderante à Teoria da Estruturação do sociólogo britânico Anthony Giddens, em
alguns tópicos por uma preferencial aproximação a reflexões de outras fontes, ocorre
uma ligeira ou transitória discordância. Ao exemplo da passagem anterior, que em
muito lembra textos de funcionalistas, na esteira das regras do método sociológico de
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Durkheim (PETERS, 2011). Contudo, espera-se que seja observado o termo
“capacidade reflexiva”, ou seja, supõe-se que existe um agente exercitando faculdade
habilitadora a ponderar e escolher “destino diferente” 133, daquele relegado pelas
estruturas/processos instituídos.
É nesse sentido, que anteriormente foi comentado sobre “elucubrações”,
ou seja, noites a fio em intermináveis debates sobre a primazia do subjetivismo ou do
objetivismo como ponto central das interpretações a serem realizadas pelas Ciências
Sociais. “Inúmeras elucubrações para emprestar sentido a um sistema patológico”:
porque tanto debate na teoria social que tange a condição inócua? Porque estão de
um ponto de observação da realidade humana, que é anacrônico. As estruturas
sociais humanas, entre elas algumas mais, outras menos, enrijeceram, ficaram
incompatíveis com “as exigências ecológicas”, nos termos de Guerreiro Ramos (1989).
São folhas que insistem em não cair, mesmo com a chegada do Outono; são células
cancerosas que não indicam a si mesmas para a morte por apoptose. Esse
enrijecimento gera a tal “jaula de ferro” weberiana (WEBER, ([1917] 2004)).
Então estudá-las a partir das condições atuais realmente lhe faz ter dúvida
sobre o equilíbrio entre estrutura e ação. Entre o poderio do “exopoder”, das estruturas
externas que se impõe verticalmente aos indivíduos e a capacidade desses indivíduos
superarem o mero comportamento programado para realmente agirem, exercendo o
“endopoder”134 (RAMOS, 1989).
Assim sendo, decorrências postuladas de tais elucubrações tenderam a
extremar certas dimensões, ora mais pelas estruturas externas, ora mais pela
capacidade volitiva dos agentes. De dentro de um prisma trincado, observando o
mundo estando o próprio observador em um ambiente doentio, a condição vista como
comum não pode ser percebida, pelo que ela realmente é: não natural.
De forma mais contundente, está sendo tecida aqui, uma abertura para um
diálogo, que percorrerá toda esta pesquisa, demonstrando o papel metafórico como
elemento modelar da ação humana (MORGAN, 2002; ARGYRIS e SHÖN, 1978;
JUNG, 2000). Nesse ínterim, demonstrar-se-á, que a escolha pela metáfora do
organismo vivo aplicado a sistemas sociohumanos, na escala de organizações (e
instituições) ou sociedades, não ocorre inadvertidamente (MATURANA e VARELA,
1995; CAPRA, 2005). Bem como, restará sustentado que modelos falhos podem gerar
uma profusão de estruturas com estados de saúde que vão desde uma ligeira
dissintonia com o meio circundante e os agentes participantes; até uma condição
aniquilante e aviltante do espírito humano (RAMOS, 1989).
Destino diferente – esse ponto torna-se relevante, pois ao tornar o processo evolutivo biológico contíguo a uma
ontologia cultural da espécie, há uma tendência de supormos um determinismo biológico. Sem a “capacidade
reflexiva”, colhida (neste caso) da teoria de Giddens (2003), a jaula de ferro de Weber ([1917] 2004) seria
intransponível, não haveria um “mundo como pode ser: uma outra globalização” como nos afirma Milton Santos
(2001). Foucault deixa claro que é devido à dinâmica de centros frouxos, que ainda existe a chance de sermos quem
somos. É dessa capacidade reflexiva que iremos abordar, mesmo no caso antagônico, quando as estações e eras
compelem o todo sócio natural numa direção, e certos setores resistem em se proliferar e perpetuar na contramão
do fluxo.
134 Exopoder e Endopoder – são termos cunhados neste trabalho, apesar da referência no corpo do texto sugerirem
ser constructos de Guerreiro Ramos. Mas é de certo que a noção do esvaziamento da capacidade volitiva dos
agentes é uma das marcas do tratado sobre uma Sociologia das Organizações de Ramos (1989) abordando o
anacronismo da lógica econométrica.
133
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Portanto, suspendamos temporariamente os debates sobre a condição
cancerosa que uma estrutura social humana possa chegar a ter e todas as
implicações ontológicas da construção de um saber como este, as questões
epistemológicas que lastreiam uma coerência lógica para se chegar a tal afirmação e
inclusive os dilemas de ordem axiológica decorrentes da admissão de tal fato. Por ora,
antes mesmo de uma mais consistente introdução, deixe-se que se prossiga em uma
seção de “para inicio de conversa”, sobre o ponto de partida e contexto da propositura
desta pesquisa.
Ainda na esteira de opiniões prospectivas, alude-se à futuróloga britânica,
Hazel Henderson, num trecho bastante pertinente, utilizado também por Fritjof Capra
(2005):
Assim como a decomposição das folhas do ano passado fornece o
húmus para o novo crescimento na primavera seguinte, algumas
instituições devem declinar e desintegrar-se para que seus
componentes de capital, terra e talentos humanos possam ser usados
para criar novas organizações (HENDERSON apud CAPRA, 2005).
O crescimento indiferenciado tende a caminhar de mãos dadas com a
fragmentação, a confusão e o colapso geral da comunicação. Os
mesmos fenômenos são característicos do câncer em nível celular,
sendo o termo "crescimento canceroso" muito apropriado para o
crescimento excessivo de nossas cidades, tecnologias e instituições
sociais (CAPRA, 2005).
Segunda a historiadora e psicopedagoga Maria Vaz de Lima 135 (2015), no
processo de estagnação institucional, as verdades se enrijecem e não há a decência
de permitir ser renovado.
135
Maria Vaz de Lima é mais conhecida como Marina Silva ambientalista e política brasileira, tendo disputado a
presidência da República.
Página | 175
PARTE III
EXPLICAÇÃO APLICADA: HISTÓRIA E ECOLOGIA DA POLÍCIA
MILITAR
Página | 176
CAPÍTULO 5 | ARQUEOLOGIA SIMBÓLICA DA POLÍCIA
MILITAR
Em determinado momento, me veio à intuição de que posicionamentos
coletivos como os da Polícia Militar Brasileira, compelindo seus membros a uma
planificação paulatina de atitudes mentais e ações comportamentais, tão fortes,
irresolutos e claramente obstinados, precisam de um suporte de conteúdos ocultos de
muita potência. Como que uma voz, provavelmente a de Jung ou Gilbert Duran
(DURAN, [1964] 1995), eu ouvi a orientação: “investigue os artefatos simbólicos”.
Foucault fez uma arqueologia dos discursos, em meio aos relatos médicos e
inquisitoriais da Igreja e autoridades jurisdicionais e políticas. Propomo-nos a uma
arqueologia dos símbolos, começar pelos artefatos visíveis da cultura organizacional
para em um exercício de hermenêutica possamos ver o quanto isso reflete os padrões
institucionais herdados historicamente e quanto disso está articulando a organização
em seu nível mais sutil.
Não posso negar que estava a procura de relações não declaradas, pois
da persona organizacional, ou seja, a imagem projetada para nós, membros da
Corporação e para a sociedade, através do discurso predominante contendo
justificativas honoríficas da árdua e enaltecida missão de proteger a sociedade não me
convencia; existia claramente um efeito de sombra, aspectos ocultos, não formalmente
revelados, que para nós, membros, era possível perceber como algo que ordenava
nossas relações diárias, mas não era satisfatoriamente explicado.
Se os discursos não exprimiam essa verdade, então os símbolos como
recursos dos discursos internos, antigos e propositalmente ocultos iriam dizer, era
como eu pensava. Quando falo de “conteúdos ocultos de muita potência”, refiro-me a
uma conexão com múltiplos desdobramentos de expressões elementares com
virtudes: Beleza, Força, Amor, Justiça, Vida etc. Para explicar, o que eu esperava
encontrar, preciso demonstrar quais outras instituições ou atividades humanas
possuem esta ligação numinosa.
Tomemos como primeiro exemplo a logomarca do Conselho Federal de
Medicina do Brasil, que “é um órgão que possui atribuições constitucionais de
fiscalização e normatização da prática médica” (CFM, 2010)136. Na logomarca (Figura
12), recentemente refeita, há no centro de uma esfera na cor verde: o bastão (ou
bordão) de Asclépio (Esculápio)137, o deus da cura, patrono da Medicina (BULFINCH,
2002).
136
Disponível em <https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20671&Itemid=23>.
Acessado em 10 mai. 2017. Seção: “Sobre o CFM”, “A Instituição”, publicado em 22 jul. 2010.
137 Referências a deuses da mitologia grega acompanham entre parênteses de seu correlato no panteão romano,
quando a correlação não é exata, é feita uma observação explicativa.
Página | 177
Figura 12 – Logomarca do Conselho Federal de Medicina (Brasil)
Fonte: Site do Conselho Federal de Medicina. Disponível em <https://portal.cfm.org.br>
O referido bastão, que por vezes é confundido com o caduceu de Hermes
(Mercúrio), o deus do comércio, da destreza e da inventividade, era o mensageiro dos
deuses (BULFINCH, 2002), contudo, a caduceu dado a Hermes por Apolo (o deus sol)
também é uma nítida referência ao controle ou reajuste das forças vitais (FRANCHINI
E SEGANFREDO, 2007). O bastão representaria o centro de sustentação corpórea do
ser humano e a serpente a energia que a circunda, essa noção suscintamente
explanada é correlata ao conceito hindu (adotado também pelo yoga e pelo budismo)
de Kundalini. Essa mesma forma espiralada pode ser observada nas cadeias de ácido
desoxirribonucleico (sigla em inglês: DNA), que contêm as instruções genéticas que
coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e pelo efeito
de espelhamento de sua combinação é possível “gerar a vida” (ALBERTS, 2009). Na
Figura 12 é possível verificar a comparação com a forma dessas estruturas: a) bastão
de Asclépio, b) as cadeias de DNA e c) o “caduceu de Hermes” projetado no corpo,
com Kundalini138 fluindo pelos pontos vitais (chakras139)
Percebamos, portanto, que a simples imagem inserida que está na Figura
12, da logomarga de um órgão de regulação médica, carrega uma gama de
significados decorrentes e importam diretamente na relevância da atividade humana
vinculada, bem como exprimem potência, que pode ser convertida em poder, refletindo
inclusive nas relações sociais e naturais (Figura 13). Esse é um símbolo que se liga a
Vida e a capacidade curativa, mas quem detém o poder sobre a vida, impõe restrições
à morte. Ora, quem detém o poder da morte, provavelmente imporá restrições à vida.
A serpente de Kundalini que sobe sobre o eixo central do caduceu é dupla. E a
elevação do estado de consciência depende do equilíbrio dessas forças.
Como diria Jung, “não existe qualquer realidade sem oposição”, o que é
um ensinamento muito próximo do pensamento de Heráclito. Mas esse também é um
dos princípios atribuídos a essa personalidade divinizada, incluída no panteão de
deuses gregos, como Hermes. Parece-nos válido, sondar um pouco sobre o
conhecimento hermético, tendo em vista, que Jung assim denomina, por algumas
vezes, o seu método de buscar o sentido não revelado: hermenêutica.
138 Kundaliní é um fenômeno bioelétrico, dito ser uma corrente elétrica que fica concentrada na base da coluna. O
símbolo do caduceu é considerado como uma antiga representação simbólica da fisiologia da Kundalini. É entendida
como um poder espiritual adormecido no osso sacro (cócix) que só pode ser despertado por uma alma realizada de
alto nível. Depois do despertar a Kundalini atravessa seis chakras que estão acima. São eles: swadisthana, manipura,
anahata, vishuddhi, ajna e Sahasrara (Wikipedia.org).
139 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: Do sânscrito: roda ou círculo. Cada um dos centros de energia
distribuídos pelo corpo, no budismo e no hinduísmo. <https://www.priberam.pt/dlpo/chacra>.
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Figura 13 – Cura, equilíbrio e poder criativo: bastião de Asclépio e outras representações.
b)
a)
c)
Fonte: Imagens do Site Pixbay, sob licença Creative Commons (CC0 1.0 Universal) Sem Direito de Autor nem Direitos
Conexos: a) Bastião de Asclépio em baixo relevo em ruínas romanas. Foto de Manfred Antranias Zimmer, em 12 de
Maio de 2014. Disponível em <https://pixabay.com/pt/alívio-símbolo-haste-snake-342555/> b) Sequência de DNA. Arte
gráfica de Arek Socha. Disponível em <https://pixabay.com/pt/dna-string-biologia-3d-1811955/> c) Caduceu –
Kundalini e chakras.
E é baseado nesse método, que vamos dar delineamento a nossa
arqueologia simbólica. E o que pode vasculhar dos vários mitos correlatos a essa
figura, Hermes Trismegisto apresentamos na seção “Princípios Herméticos” do
Capítulo 3.
Símbolos da Polícia Militar Brasileira
Sigamos, portanto, no exercício hermenêutico aplicado ao objeto de nosso
estudo, a saber, a instituição policial militar brasileira. Partirei daquilo que eu sentia,
próximo a mim, impondo-se a mim. Quando eu vestia a farda, o fato de ter o brasão da
Polícia Militar de Alagoas bordado na posição esquerda do peito, por sobre o coração
(Figura 14.b) e tê-lo também na cobertura, sendo um gorro, uma boina ou um
quepe140 (Figura 14.a), na altura da testa, bem no centro, me incomodava devido o
seguinte pensamento: “se está nesses locais posicionados, então devem ser
importante o suficiente para mim, por que estarão, simbolicamente, governando
meu intelecto e minha emoção”. Esse sentimento me conduziu a usar a
hermenêutica, para trazer à consciência um pouco mais do conteúdo inconsciente
dele.
Quepe – Cobertura militar para fardamentos de passeio (para uso em momentos de licença ou serviço
administrativo), ou ainda para fardamentos de gala (festivos). Os policiais norte-americanos usam no cotidiano
operacional do patrulheiro. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: “Boné de topo cilíndrico ou circular rígido,
usado por militares de alguns países”.
140
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Examinemos o Brasão da Polícia Militar de Alagoas (Figura 13.b), ele
possui elementos que são do Brasão de Armas do Estado de Alagoas, a saber, o
suporte com o coimo de cana-de-açúcar e o ramo de algodão; na parte superior, as
três tainhas, que representam as maiores lagoas do Estado: Mundaú, Manguaba e de
Jequiá. Outros três elementos, são alusivos diretamente à Polícia Militar: o emblema
central, as pistolas cruzadas (ou garruchas) e a sigla: “P”-“M”. Foquemos nos dois
primeiros.
Figura 14 – Símbolos da polícia militar: quepe de oficial superior e o Brasão da Polícia
Militar de Alagoas.
a) Quepe de oficial superior
b) Brasão da Polícia Militar de Alagoas
Fonte: Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). a) Quepe de oficial superior, do
Estado de Santa Catarina, extraído do site institucional do Comando de Policiamento Militar Rodoviário. Disponível em
<http://www.pmrv.sc.gov.br/jsp/institucional/ex-comandantes.jsp>. b) Brasão da Polícia Militar de Alagoas. Imagem do
Site Wikimedia Commons.
O emblema das Polícias Militares do Brasil
O emblema das Polícias Militares do Brasil (Figura 15.a) foi uma
criação para-institucional, convencionada na primeira Convenção Nacional das
Polícias Militares, no Clube dos Oficiais da antiga Força Pública de São Paulo, em
1957. Costuma-se dizer que tal símbolo está em desuso, para evitar a associação com
o período de exceção da ditadura civil-militar das décadas de 60 a 80 no país. Porém
uma análise um pouco mais aguçada vai perceber que se trata de um motivo simbólico
ainda em franco uso entre as polícias militares brasileiras.
Encontramos algumas informações sobre a descrição dos elementos do
emblema, no sítio institucional da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), que
introduz da seguinte forma: “os símbolos da Polícia Militar do Distrito Federal
funcionam como identificadores da presença da Corporação junto à sociedade,
cumprindo o papel preventivo e ostensivo de segurança pública, ao mesmo tempo que
simbolizam o respeito pela história e tradições” (PMDF, 2013)141. Sobre o emblema
das Polícias Militares diz ser “um símbolo representativo das polícias militares em todo
o Brasil, desde a década de 50 do século XX” (PMDF, 2013), trata-se de dois círculos
concêntricos, no centro do menor (Figura 15.a), preenchido pela cor vermelha, há
uma grande estrela “gironda” de cinco pontas, na cor dourada, este círculo possui uma
Site oficial da Polícia Militar do Distrito Federal, seção “Manual de Identidade Visual”, publicado em 29 mai.
2013.
Disponível
em
<http://www.pmdf.df.gov.br/site/index.php/component/content/article/34institucional/sobre-a-pmdf/simbolos/75-identidade-visual>
141
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borda na cor prata. O círculo maior, preenchido na cor vermelha, também com uma
borda prata, tem em seu interior, ao redor do círculo menor, 26 estrelas de cinco
pontas, pequenas, na cor prata, “[...] finalizando o conjunto que simboliza a segurança
e proteção exercida pelas polícias militares em todas as Unidades Federativas do
Brasil” (PMDF, 2013).
Tendo em vista, o destaque dado a estrela central do emblema, usemos o
mesmo “significado sintético” dos símbolos das Polícias Militares do Brasil do sítio
institucional da PMDF (2013):
[A estrela de cinco pontas...] É um controverso elemento heráldico
que possui variados significados. Já foi utilizada por Leonardo da
Vinci para simbolizar o homem e por algumas pessoas como símbolo
religioso. Na heráldica militar, a estrela de cinco pontas gironda
simboliza o comando e a liderança plena, isto é, sem divisões ou
partições, simbolizam também os estabelecimentos de ensino
segundo a heráldica portuguesa (PMDF, 2013),
Figura 15 – Emblema e Insígnia da Polícia Militar Brasileira.
a) Emblema das polícias militares brasileiras
b) Insígnia das polícias militares brasileiras
Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons, produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º
9.610/1998). a) Emblema das Polícias Militares do Brasil. (Imagem originalmente extraída do site da Polícia Miliar do
Paraná) b) Insígnia das Polícias Miliares do Brasil.
Jean Chevalier e Alain Gheerbrant ([1969] 1986) ensina-nos como um
acervo incomensurável de significações e interpretações já foram atribuídos aos
símbolos, fazendo-nos concluir que não há como “nomearmos com novo nome” aquilo
que se já é conhecido há tanto tempo. O que significa uma estrela? E se tiver cinco
pontas? Que atitude mental reflete cruzar “em aspas” duas armas? Que potência está
sendo invocada na circunscrição de um elemento? Convencer-nos-íamos pela
descrição formal feita por novos “produtores” dessas expressões? Mediante o
exercício de Etnografia Digital, visitei muitos sítios (locais virtuais na Internet) oficiais
das Corporações estudadas observando muitas descrições heráldicas e outras mais
simples sobre seus próprios símbolos usados.
A atitude de “dar novo nome”, de atribuir novo significado, pareceu-me
uma tentativa de projetar uma autoimagem institucional proveitosa. Mas o símbolo vai
falar por si mesmo, apesar de ter em si a agregação do valor atribuído, ele ainda
carregará de forma numinosa o efeito transcendente que remeterá primeiramente a
“las ideas-fuerza, grabadas desde la antigüedad en la piedra y la madera, cantadas y
dichas en el mito con inspirada gracia, y escenificadas en el drama perpetuo de la
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naturaleza y la vida142” (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Segundo
Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986), depois de nos levar às ideias primordiais, os
símbolos ainda podem nos remeter a outro momento, ou melhor, a um não-momento:
operando “em nós um retorno, uma realocação no atemporal antes do tempo”.
Que valor daremos, pois, ao símbolo? Com que novo nome
nomearemos, hoje, o que já se sabe? [...] O símbolo não é uma
maneira mais poética ou elegante de dizer algo já conhecido, apesar
de ser isso também. O símbolo é o fundamento de tudo quanto
existe. É a ideia em seu sentido originário, o arquétipo ou forma
primeira que vincula o existir com o Ser. O símbolo e seu
desenvolvimento na forma de mito são outra história, outra fantasia
se assim quiser chamar, mas tem a virtude de nos aproximar da fonte
imutável oculta de onde toda a luz e palavra provém (CHEVALIER e
GHEERBRANT, [1969] 1986)143.
Estrela: centro místico
Ciente da capacidade transcendente do símbolo, usei o “Dictionnaire des
symboles” [Dicionário de símbolos] de Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986).
Comecemos avaliando as descrições para o significado da estrela. Para os autores,
estrela sempre remete à sua capacidade luminosa, de ser fonte de luz, lançando novo
conhecimento sobre as trevas, é especialmente usada para representar o conflito
entre as forças espirituais e materiais, portanto, faróis a iluminar a noite do
inconsciente (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986)144.
“La estrella llameante de la masonería ha salido manifiestamente del
pentagrama pitagórico” [A estrela flamejante da maçonaria é herança direta do
pentagrama pitagórico] (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986). Esta estrela
flamejante de cinco pontas é o símbolo da manifestação central da luz, do centro
místico, do foco de um universo (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986).
Chevalier e Gheerbrant ([1969] 1986) ainda lembram algumas
representações emblemáticas de estrelas: a estrela de Davi (ou selo de Salomão), a
estrela de Belém (o evento cósmico que marcou o nascimento de Cristo), a estrela
D’Alva (representando o planeta Vênus). Em latim, o termo luxfero (lúcifer) tonou-se
signo para representar esta estrela, em correspondência a passagens diferentes da
Bíblia Vulgata (a versão “vulgar”, corrente em latim da Igreja Católica, compilada por
São Jerônimo). O termo é utilizado para uma referência profética sobre o rei
Nabuconodosor, da Babilônia, no livro do profeta Isaías (capítulo 14, versículo 12):
142
Tradução livre: [...] as ideias-chave, registradas desde a antiguidade em pedra e madeira, cantadas e faladas no
mito graciosamente [espontaneamente] inspirados, e encenadas no drama perpétuo da natureza e da vida
(CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986).
143 Tradução livre: ¿Qué valor daremos, pues, al símbolo? ¿Con qué nombre nuevo nombraremos hoy lo ya sabido?
[...] El símbolo no es una manera más poética o hermosa de decir cosas ya sabidas, aunque también sea eso. El
símbolo es el fundamento de todo cuanto es. Es la idea en su sentido originarío, el arquetipo o forma primigenia que
vincula el existir con el Ser. [...] El símbolo y su desarrollo en forma de mito son otra historia, otra fantasía si se
quiere, pero que tiene la virtud de acercarnos a la inmutable fuente oscura de donde surge toda luz y toda palavra
(CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986).
144 “Su carácter celeste las presenta también como símbolos del espíritu y, en particular, del conflicto entre las
fuerzas espirituales, o de la luz, y las fuerzas materiales, o de las tinieblas. Traspasan la obscuridad, son también
faros proyectados sobre la noche de lo inconsciente” (CHEVALIER e GHEERBRANT, [1969] 1986).
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“Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que
debilitavas as nações!” (Versão Almeida Corrigida Fiel - VACF). Tradicionalmente no
mundo cristão (o que não ocorre no mundo judaico), esta passagem se refere a um
ser celestial, um anjo, que havia provocado uma rebelião contra Deus. Denotando,
portanto, que antes da queda esse anjo “portava a luz”. É interessante notar, que no
texto bíblico também se fala, que “sua cauda levou após si a terça parte das estrelas
do céu, e lançou-as sobre a terra” (Apocalipse 12:4, VACF). A interpretação comum a
esta última passagem vincula as “estrelas do céu” a seres angelicais, que se
converteram em demônios.
Portanto, estrelas podem deixar de brilhar. Aquilo que porta a luz do
conhecimento ou da vida em si, em um estado sutil, pode deixar de conduzir tais
virtudes para se precipitar na escuridão, no denso, no material. Na mesma cosmovisão
cristã tradicional, Jesus, o Cristo, quando transmuta seu corpo em um estado
“glorioso”, passa a referir-se a si mesmo como estrela da manhã: “Eu, Jesus, enviei o
meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de
Davi, a resplandecente estrela da manhã” (Apocalipse 22:16, VACF). Na tradução
latina Vulgata, São Jerônimo, traduz o termo “resplandecente estrela da manhã” por
lúcifer, ou seja, aquele outro ser celestial, antropomorfizado a um dragão (no contexto
desse mesmo texto), portara a luz, mas não portava mais. Enquanto, isso o Cristo, que
havia sido humano, agora sim era o primeiro exemplar de um que conseguiu ascender
e ser em si-mesmo a luz para o mundo.
Percebam como esse enredo mitológico se enquadra ao contexto de nossa
explanação sobre a estrela, elemento que destacamos do emblema institucional das
polícias militares. Retome-se a explicação dada à estrela do emblema, no sítio da
PMDF: “[...] é um controverso elemento heráldico que possui variados significados
[...]”. Realmente apenas por uma extração sucinta no Dicionário de Símbolos de
Chevalier e Gheerbrant (1986) e de um estudo sumário dos textos bíblicos já se
obteve uma enorme correlação. As estrelas não poderiam exercer menor influência ao
imaginário humano, segundo Geoffrey Blainey (2008), em seu livro “Uma breve
história do Mundo”, o firmamento resplandecente com as constelações foi o fenômeno
mais fascinante para toda a humanidade até a disseminação da luz artificial, há pouco
mais de 150 anos.
A estrela “[...] já foi utilizada por Leonardo da Vinci para simbolizar o
homem e por algumas pessoas como símbolo religioso [...]” (PMDF, 2013). Neste
sentido, voltemos ao significado maçônico da estrela flamejante de cinco pontas,
segundo Chevalier e Gheerbrant (1986), a estrela pode ser a parcela da essência
divina que está no coração do iniciado, bem como pode representar o próprio homem
em sua integridade material e imaterial, assim como se encontra no desenho do
“Homem vitruviano” concebido pelo arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio e
registrada na obra “Architectura Libri Decem” (Dez Livros sobre a Arquitetura). Como a
representação gráfica do século I a.C. foi perdida, a descrição “arquitetônica” do corpo
humano, perfazendo um modelo em “proporções áureas” tem sido retratada por
artistas da Renascença até hoje, a mais conhecida é a de Leonardo da Vinci (Figura
16.a), mas também se pode elencar as de Francesco di Giorgio (Figura 16.c),
Albrecht Dürer e Robert Fludd (Figura 16.b).
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Figura 16 – Homem Vitruviano: em diversas representações.
a) Leonardo da Vinci
b) Robert Fludd
c) Francesco di Giorgio
Fonte: a) Elaborado pelo autor a parir da montagem da representação do homem vitruviano Leonardo da Vinci e uma
estrela de cinco pontas (pentagrama). Imagem do Site Pixbay, sob licença Creative Commons (CC0 1.0 Universal)
Sem Direito de Autor nem Direitos Conexos. b) Representação do homem vitruviano por Robert Fludd, fotografia da
capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617, captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do Site
Wikimedia Commons. c) Representação do homem vitruviano de Francesco di Giorgio Martini (homme de Vitruve).
Imagem do Site Wikimedia Commons.
Estrela: poder político e poderio militar
Assim como percorri a hermenêutica da simbologia envolta à atividade
médica, estou apresentando, paulatinamente como foi possível perceber que a
atividade policial, autoridade política do uso da força, também possui “suporte de
conteúdos ocultos de muita potência”. Perceba como polícia e política tem o mesmo
radical de origem grega, referente ao poder central governante da cidade-Estado, ou
"pólis". Perceba, também que para a cultura védica-hindu, o Senhor Krishna, ele
mesmo dividiu a humanidade em diferentes nichos naturais de atuação social, o que
viemos a conhecer historicamente como castas. A casta guerreira, ou kshatriyas (do
sânscrito) é a mesma dos militares e dos governantes.
Sobre essa equivalência de dupla função, convém abordar David
Priestland (2014) sobre o espírito guerreiro:
Na maioria das sociedades pré-modernas, a aristocracia guerreira era
a casta dominante. Esperava-se dos governantes que combinassem
duas funções intimamente ligadas: o guerreiro heroico, em busca da
fama, e o “pai do povo”. E, embora esse grupo tenha diminuído no
Ocidente, ainda podemos ver o que resta dele em um conjunto de
valores associados a governantes do tipo “homem forte”, de Vladimir
Putin na Rússia a Saddam Hussein no Iraque. Ele até sobrevive, em
forma muito reduzida, na família real britânica: a rainha é
supostamente a matriarca da nação, enquanto seus descendentes
homens, vestidos com uniformes militares, partem em seus modernos
cavalos de guerra (helicópteros) para postos avançados longínquos
(as ilhas Falkland, ou Malvinas) (PRIESTLAND, 2014).
E a estrela central na heráldica pode justamente significar essa
transferência/confluência de poder. Segundo a Constituição Federal do Brasil, de
1988, no inciso XIII do artigo 84: “[...] compete privativamente ao Presidente da
República exercer o comando supremo das Forças Armadas [...]”. Fato este que não
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difere muito em outras nações. A indumentária de gala dos príncipes europeus, ainda
é de oficiais militares (Figura 17.b), assim como, por toda parte nos países em que o
governo foi instaurado pela revolução popular, o líder arvora-se do simbolismo militar e
a estrela possui um papel importante nesse processo simbólico (Figura 17.c).
Figura 17 – Relação entre estrela, poder político e militar.
a) Brasão de Armas do Brasil
b) Príncipes Williams e Harry do
Reino Unido
c) Che Guevara em fardamento
paramilitar e a bandeira cubana
Fonte: a) Brasão de Armas do Brasil. Disponível em <http://www2.planalto.gov.br/acervo/simbolosnacionais/brasao/brasao-da-republica>. b) Príncipes Williams (à esquerda) e Harry (à direita) do Reino Unido, a
caminho da Abadia de Westminster, em traje de gala militar, no casamento de Williams, irmão mais velho, em abril de
2011. Foto do Blog do iG Gente. Disponível em <especiais.ig.com.br>. c) Che Guevara em selo postal da Federação
Russa de 2009, em comemoração aos 50 anos da Revolução Cubana. De acordo com o artigo 1259 do código civil
russo, este trabalho não é um objeto de direito autoral. Imagem do Site Wikimedia Commons.
No conjunto de figuras acima, podemos observar a dita relação entre
estrela, poder político e poderio militar. Da direita para esquerda, na Figura 17.c está
retratado o médico argentino Ernesto Guevara de la Serna, que viria a ser mais
conhecido como Che Guevara, guerrilheiro e um dos idealistas da Revolução Cubana,
em meados do século XX, vindo exercer altos cargos no governo do país. A imagem é
a reprodução de um selo comemorativo (em 2009) da Rússia em alusão aos 50 anos
daquela revolução, Che está trajando um fardamento paramilitar, com uma boina na
qual há uma estrela de cinco pontas na fronte, numa correspondência espelhar com
outra estrela que está na bandeira cubana.
Na Figura 17.b, é possível ver na foto os irmãos e príncipes herdeiros do
trono do Reino Unido, Williams e Harry, a caminho da Abadia (catedral anglicana) de
Westminster, para a celebração do casamento do mais velho, Williams, em 29 abr.
2009. Os dois estão em trajes militares de gala, o noivo está com uma farda da
Guarda Irlandesa e ostenta nos ombros, uma platina com as insígnias de tenentecoronel, que são formadas por estrelas e gemadas (esplendor dourado) e no quepe
uma estrela radiosa de oito pontas.
Portanto, pelo pouco até agora visto, estrela pode ser fonte de luz, origem
de sabedoria, símbolo de poder político e militar, anjo e demônio, anúncio de evento
marcante, pode ser o próprio homem como ser divinizado e a luta entre o espiritual e o
material.
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A insígnia das Polícias Militares do Brasil
A insígnia das Polícias Militares do Brasil (Figura 15.b) é de uso
comum pelo mundo (a exemplo do Brasil: Figura 18.b), por apropriação do símbolo
usado pelo Exército norte-americano (Figura 18.a), que mantém uma fração de polícia
militar em seus desdobramentos de infantaria, com o objetivo de manter a ordem e
promover a segurança das tropas. Quando está na zona de combate, esta unidade de
polícia militar acumula outras atribuições, tais como patrulhas motorizadas ou a pé,
operações de força de resposta, controle de danos de área, reconhecimento de rotas,
operações de busca e escoltas de comboio e pessoal. São as tropas também
utilizadas no controle da população civil de territórios ocupados.
O símbolo das garruchas cruzadas, como é conhecido no Brasil, são, na
verdade, pistolas históricas de fabricação norte-americana que remontam a época da
Guerra Civil145. O modelo de pistolas de qual a insígnia é ícone146, trata-se da primeira
pistola de uso militar fabricada por um arsenal dos Estados Unidos, onde hoje fica o
Estado de Virgínia Ocidental. As pistolas de marca Harper’s Ferry, modelo ano 1806,
calibre .54, eram fabricadas sempre em dupla, idênticas, com ambas tendo o mesmo
número de série, concebida para o uso de oficiais montados a cavalo. As pistolas
podem ser vistas na foto de réplicas conforme a Figura 18.c. Seu funcionamento era
de um disparo apenas, chamado de pederneira, ou seja, o acionamento era feito com
um cão externo, no qual tinha uma pedra de sílex na ponta, que ao gerar atrito numa
peça metálica, chamada fuzil, provocava a faísca e aí sim detonava a pólvora 147.
Considerada “the most graceful and handsome of all United States martial flintlock
pistols” [A mais elegante e formosa de todas as pistolas pederneiras de uso militar dos
Estados Unidos]148.
O símbolo foi adotado em 1923, por ordem do Chefe do Estado Maior, à
época, o General John J. Pershing, como a quarta insígnia histórica do Corpo de
Polícia Militar do Exército. Anteriormente, já haviam sido escolhidos dois cassetetes
cruzados, duas maças cruzadas (cassetetes da era medieval) e duas pistolas
automáticas Colt .45 M1911 cruzadas. Nos três casos anteriores, o uso das imagens
foi abolido porque traziam confusão com elementos que não denotavam bem a
natureza da missão da polícia militar149.
Na Figura 18.a, a insígnia pode ser observada acima do escudo do brasão
da Military Police Corps of U.S. Army. Na Figura 18.b ela, a insígnia das PMs, compõe
como emblema interno, o brasão do primeiro e histórico batalhão de Polícia do
Exército da força terrestre militar brasileira, cujo incorporou uma fração de idêntica
função policial das tropas que lutou na Itália, na Segunda Guerra Mundial. E
realmente, no mesmo brasão do 1º BPE, pode-se ver como emblema interno, o brasão
da Força Expedicionária Brasileira (“a cobra fumando charuto”). A Figura 18.c é uma
réplica das “garruchas cruzadas” (pistolas Harper’s Ferry 1806), que são ofertadas, em
um costume peculiar dos membros-amigos de unidade de polícia militar do exército
145
Kinard, Jeff (2004). Pistols: An Illustrated History of Their Impact. ABC-CLIO. pp. 47–49. ISBN 978-1-85109-470-7.
Brown, Jerold E. (2001). Historical Dictionary of the U.S. Army. Greenwood Publishing Group. p. 317
147 How Flintlock Guns work by Marshall Brain. http://science.howstuffworks.com/flintlock.htm
148 The Guns of Harpers Ferry. Por Stuart E. Brown, Jr. Genealogical Publishing Com, 2009.
149 Brown, Jerold E. (2001). Historical Dictionary of the U.S. Army. Greenwood Publishing Group. p. 317
146
Página | 186
norte-americano como homenagem a combatentes que prestaram bons serviços,
foram promovidos ou foram transferidos para a reserva (situação semelhante a ser
“aposentado”). Placas como esta, que carregam as réplicas trazem escritas “from
troop for troop” [da tropa para a tropa].
Figura 18 – Insígnia de Polícia Militar: pistolas (“garruchas”) cruzadas.
a) Brasão da Military Police
Corps of U.S. Army
b) Brasão do 1º Batalhão de
Polícia do Exército (Brasil)
c) Fotografia de duas pistolas Harper’s
Ferry 1806 cruzadas
Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons. a) Brasão da Military Police Corps of U.S. Army. United States Army
Institute of Heraldry (http://www.tioh.hqda.pentagon.mil). b) Brasão do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Brasil),
sediado no Rio de Janeiro. Considerado batalhão histórico, alojou parte das tropas da Força Expedicionária Brasileira,
depois do retorno da Itália. c) Duas pistolas cruzadas, marca Harper’s Ferry, modelo 1806, calibre .54, de pederneira,
fabricadas no Arsenal do Exército dos EUA. Presente em homenagem ao graduado John G. Smith, membro da 787ª
Companhia do 14º Batalhão de Polícia Militar do Exército norte-americano.
Heráldica, arqueologia e etnografia digital
Voltemos agora para um trabalho minuncioso de averiguação dos
simbolismo utilizado pelas corporações militares estaduais, para tanto, observemos
novamente a Figura 17150 em seu item a), que traz um elemento relevante para o
contexto desta pesquisa, trata-se do brasão de armas do Brasil e pode-se notar que
dele, o emblema das polícias militares teve clara inspiração no selo (escudo redondo)
que está no centro das Armas Nacionais. A mesma relação pode ser observada no
brasão do Exército Brasileiro. No símbolo da República, o selo possui o Cruzeiro do
Sul ao centro, no emblema das milícias estaduais há uma estrela central e em ambos
há a representação dos estados como estrelas menores ao redor. Esse emblema está
em 08 (oito) brasões das Corporações estaduais e distrital (Alagoas, Bahia, Distrito
Federal, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Tocantins), além de está em várias
manifestações das organizações, como banners, páginas na Internet, em marcas de
associações de membros (que funcionam como sindicatos despolitizados). Destaca-se
a presença desse emblema nas logomarcas das polícias paulista e mato-grossense,
conforme Tabela 4. Todas estas contabilizações podem ser acompanhadas pela
Tabela 3.
A mesma espada do brasão nacional, que está em riste (ou em pala), em
posição vertical ao centro do escudo pode ser vista em quatro brasões das
Corporações estaduais (a brigada gaúcha e as polícias militares da Bahia, do Amapá e
do Pará). É a mesma espada do brasão da Força Área Brasileira. Já a estrela de cinco
pontas que dá suporte ao escudo central no brasão de armas do Brasil, pode ser visto
em 17 brasões de polícias militares, conforme a Tabela 4, em algumas ela é a
150
Figura 17 em seu item a), “Relação entre estrela, poder político e militar”, página 185.
Página | 187
gironda, como a do brasão nacional, em outras a flamejante maçônica, como a dos
pitagóricos.
O esplendor dourado, como foi descrito na indumentária dos príncipes
britânicos, também é percebido no brasão das armas nacionais e em quatro brasões
de polícias (Paraná, Bahia, Roraima e Distrito Federal). Na mesma correlação,
também pode ser vista a estrela de oito pontas no brasão da Corporação de Rondônia
e, de forma etilizada, no novo brasão da coirmã paraibana. Os detalhes de cada
brasão podem ser vistos na Tabela 4.
Portanto, como o caminho da pesquisa percorre os significados ocultos,
sobretudo, do emblema, da insígnia institucional e da estrela foi preciso contabilizar o
quanto esses elementos eram realmente relevantes na maior parte das polícias
militares do Brasil. Nas Tabelas 4, 5 e 6; foi classificada e contabilizada, a frequência
da ocorrência dos elementos mais destacáveis nos brasões das corporações, a saber,
o emblema institucional, a estrela de cinco pontas, a insígnia institucional, a espada
em riste, outras armas, a águia, outros animais, o elmo e a efígie de Tiradentes.
Devido à necessidade de seguir rumo a explicações que se detenham
mais em relação ao universo mental das polícias militares, privilegiando os nossos
elementos relacionais selecionados: o emblema, a insígnia e a estrela – devido a isso
– não tive tempo de debruçar-me nos demais elementos, mas acredito que possam
revelar outro número sem par de questões inconscientes. O emblema, a insígnia e a
estrela estão presentes em 8 (30%), 14 (52%) e 17 (63%) brasões respectivamente,
de 27 (100%) corporações.
Página | 188
Tabela 4 – Brasões das Corporações estaduais e distrital e a correspondência com elementos
simbólicos/heráldicos
Correspondência
(elementos presentes)
Brasões das Corporações (Estaduais e Distrital)
Emblema e insígnia
institucional
PMAL
PMBA
PMPI
PMTO
PMDF
PMGO
PMMA
PMPE
PMRO
PMAC
PMAP
PMPA
PMRN
PMSC4
PMAM
PMMT1
PMMS
PMPB2
PMERJ
PMRR
PMSE
PMCE
PMESP5
PMES
PMMG
PMPR
BMRS3
Apenas o emblema
institucional
A insígnia institucional e a
estrela de cinco pontas
Apenas a insígnia
institucional
Presença menos expressiva
da estrela de cinco pontas
Efígie de Tiradentes
Outras armas
Outros animais
Fonte: (1) A Polícia Militar do Mato Grosso em seu cotidiano utiliza uma marca gráfica, que ostenta o emblema
institucional (http://www.pm.mt.gov.br/simbolos-da-policia-militar). (2) Recente reformulação do Manual de Identidade
Visual (Dez. 2016). (3) “B” a força pública gaúcha se chama Brigada Militar. (4) Em seu cotidiano, a Polícia Militar de
Santa Catarina é reconhecida por uma logomarca mais atual. (5) O brasão é histórico, a imagem de uso corrente é a
logomarca. Mas o brasão possui elementos de armas e o soldado e Guarda Civil tem uma estrela na fronte.
Página | 189
Tabela 5 – Logomarcas utilizadas em substituto ao brasão da Corporação
Corporação
Correspondência entre os brasões das
corporações e o emblema e a insígnia
institucional policial militar
Logomarca
Polícia Militar do Mato Grasso
(PMMT)
Apenas o emblema institucional
Polícia Militar de Santa
Catarina (PMSC)
Emblema institucional parcial,
com a presença central da estrela
de cinco pontas. O Círculo base
são duas faixa curvas que
simulam um movimento giratório,
nas cores do Estado. Fazendo um
yin-yang.
Polícia Militar do Estado de
São Paulo (PMESP)
Apenas o emblema institucional
Fonte:
PMMT
(http://www.pm.mt.gov.br/simbolos-da-policia-militar).
(https://www.instagram.com/policiamilitarsp_oficial/).
PMSC
(www.pm.sc.gov.br).
PMESP
Tabela 6 – Frequência de uso de elementos em brasões das Corporações
PMAL
x
PMAP
PMBA
x
x
x
x
PMCE
PMDF
x
x
x
x
x
PMES
x
PMGO
x
x
PMMA
x
x
x
PMMT
x
x
x
PMMS
x
x
x
x
PMMG
x
PMPA
x
PMPB
x
x
x
x
PMPR
x
PMPE
x
x
PMPI
x
x
PMERJ
x
x
PMRN
x
BMRS
x
PMRO
Tiradentes
x
Elmo
x
PMAM
Outros
Animais
x
Águia
x
x
Outras armas
x
Espada
Vertical
Insígnia
PMAC
Estrela
Corporação
Emblema
Elementos
x
x
x
x
x
Página | 190
PMRR
x
PMSC
x
PMESP
x
PMSE
x
PMTO
x
Logo da PMMT
x
Logo da PMSC
x
x
x
x
x
Tiradentes
5
Elmo
10
17
17
4
6
2
Total
Fonte: Elaborado pelo Autor baseado em Etnografia Digital (Sites Institucionais)
Outros
Animais
Águia
Outras armas
Espada
Vertical
x
Insígnia
x
Estrela de
5 pontas
Corporação
x
x
Emblema
Logo da PMESP
x
x
3
2
Pouco sobre o emblema já foi explanado, sobre a estrela também, cabe
algumas considerações sobre a insígnia das polícias militares que é um elemento em
mais franco uso que os outros dois.
Dois caminhos diferentes: ecológico profundo e histórico
Ao término dessas investigações preliminares, fica estabelecido os motivos
que levaram a pesquisa para dois rumos diferentes: um imagético, vinculado ao
emblema e a estrela e outro histórico, vinculado à insígnia. Isso porque, enquanto o
emblema nos encaminha para uma interpretação diretamente numinosa, apontando
para forças primordiais e atemporais; a insígnia traça uma herança institucional por
construção histórica.
Esse tal rumo imagético, trata do vínculo direto entre as práticas
desenvolvidas atualmente pela polícia militar e as representações simbólicas por ela
ostentadas. Tais representações levam a imagens mentais regentes. De acordo com
nossa sistematização da Ecologia Mental Organizacional, essas imagens são
referenciadas a partir de esquemas compostos que servem de estruturas de
ancoragem na psicodinâmica institucional. São essas estruturas de ancoragem,
denominadas aqui de modelos mentais que são herdados pela reprodução cultural. A
herança cultural, que opera no plano da linguagem, traz consigo as representações
simbólicas numinosas, como artefatos culturais, atualizados e ressignificados.
A tal arqueologia simbólica é o exercício de sondar esses artefatos, em
estudo comparado, encontrar similaridades, validando os estudos da linha de
reprodução histórica. A dinâmica complexa de convivência entre as imagens mentais
regentes, que agem como ideias autônomas, ou “espíritos”, instala uma ecologia
própria de uma tal cadeia trófica151 que induz movimentos das organizações e das
pessoas membros delas. Estabelecendo uma ecologia profunda institucional.
151
Cadeia alimentar: onde no nível superior de predadores estão os espíritos; no nível intermediário, as instituições
e organizações, na condição de entes gregários e no nível inferior as pessoas (ou as mentes humanas) como pasto
(fauna cultivável) que alimenta a cadeia. O que impulsiona o mover na realidade existencial autoconsciente é o
Página | 191
O outro rumo da pesquisa, denominado de histórico trata-se de uma
análise do processo de constituição institucional, mediante o continuum do processo
civilizatório.
Figura 19 – Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael.
a) Adão e Eva
b) Polícia Militar (invertida)
c) Lilith e Samael
Fonte: Imagens do Site Wikimedia Commons, b) Emblema das polícias militares brasileiras (invertido verticalmente).
Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998).
trabalho operado pelos corpos humanos. Outra visão que reúne aspectos da visão de Luhmann e versões místicas
do tema, a mente humana é a terra agricultável e os espíritos são o plantio: joio ou trigo.
Página | 192
CAPÍTULO 6 | HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR: GENEALOGIA
DAS MATRIZES INSTITUCIONAIS
Professor, hoje aposentado, Antonio Carlos Palhares Moreira Reis, da
UFPE, dá o tom inicial de nossas discussões sobre as matrizes institucionais, como já
explicamos nos trechos que esclarecem nossos fundamentos teórico-metodológicos
sobre análise histórica institucional, usamos um quadro de múltiplas composições que
privilegiam para essa questão ensinamentos de Giddens (2003), Scott e Mayer (1994),
Dimaggio e Powell (1991). Mas não descartamos uma combinação com alguns
aspectos da visão de reprodução institucional advinda da Ciência Política. Justamente
fruto do seu curso de Ciência Política, Reis esclarece um pouco sobre a passagem da
sociedade natural para a civil-política em sua obra “O poder político e seus
elementos”, edição do ano 2000.
Para Reis (2000), “a vida do homem em sociedade existe desde tanto
tempo que não é possível a um ser humano (salvo hipóteses demasiado raras) viver
fora da vida social. O homem só existe coexistindo com seus semelhantes”. Reis
prossegue dizendo que “a partir do momento em que os antigos primatas conheceram
o sistema de comunicação por símbolos” houve a compreensão daquilo que consistia
em um bem ou um mal não apenas para si mesmo, mas para a unidade social.
“Conseguiram distinguir entre o certo e o errado, passou a existir na sociedade
humana o que pode ser chamado de realidade dupla:” (1) a lógica social: um sistema
normativo abrangendo o que deveria ser e (2) e a lógica natural: uma ordem real de
coisas que compreende o que realmente é152.
Este sistema normativo é um dos fatores determinantes da ordem real,
pelo fato de gerar o sentimento de que os padrões culturais adquiridos com a
convivência, com a coexistência, devem ser obedecidos, mesmo quando em oposição
a determinados padrões individuais ou tendências biológicas e psicológicas, surgindo
então os meios de controle social.
O legado herdado pela polícia “profissionalizada” do Brasil é um típico caso
do “morto se apoderando do vivo”, para usar a fórmula jurídica do Direito Civil francês,
na mesma proposta de Pierre Bourdieu ([1989] 2011), quando reflete sobre a história
que se desenvolve acondicionada ao passado. Para tanto Bourdieu, lembra Marx ao
referir-se a expressão: “quando a herança se apropriou do herdeiro, o herdeiro pode
apropriar-se da herança”.
As formas institucionais – e para aqui, mais valem as formas reais, aquelas
vivenciadas, do que as formas arquitetadas em regulamentos – não são como são,
porque foram concebidas racionalmente, como que mecanicamente, de um consultor
estrangeiro distanciado e sem paixões por quaisquer características anteriores. Tais
formas ganham corpo, pouco a pouco, fruto lapidado pelo tempo. Pelos fatos que se
sucedem e geram uma forma de ser e de pensar, das quais dificilmente os novos
152
No tópico sobre o Efeito Lúcifer do Capítulo 9, há um apanhado sobre um carta de Freud a Einstein que mostra
bem a relação entre o direito (como lógica social) e a violência como instinto (como lógica natural).
Página | 193
atores, mesmo os de vanguarda que sofrem de um estranhamento e uma aversão às
formas tradicionais, conseguirão se desvencilhar (BOURDIEU, [1989] 2011).
Genealogia da polícia
Figura 20 – Genealogia da Polícia (Militar).
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”,
2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha
cronológica: contagem a partir de 2017 d.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012.
Tabela 7 – Genealogia da Polícia Militar Brasileira
Cronologia
Evento
2,5 milhões de
anos
Modo de subsistência
de coleta-caça
200 mil anos
Homo Sapiens
10 mil anos
Revolução Verde
Absorção dos elementos da caça/guerra
Descrição
Inicio da Idade da Pedra Lascada (Paleolítico)
Surgimento do Homo sapiens, a atual espécie humana.
Inicio da transição do modo de subsistência da caça-coleta para
a agricultura. Considera-se a formação dos Estados assim que
há sedentarização da população devido à agricultura e a
posterior invenção da escrita.
Formação dos primeiros Estados, na forma de reinos. Invenção
da escrita e do dinheiro.
5 mil anos
Burocracias estatais
4,25 mil anos
Primeiro império
Império Acádio de Sargão
Exércitos formais
Organização dos exércitos da Suméria e do Antigo Egito.
Célebre representação da Batalha de Kadesh (1296 a.C.)
travada entre o Egito (Ramsés II) e o Império Hitita.
Organização estratégica do exército
e o sistema de prefeituras na China.
Tratados de estratégia de guerra na China Antiga e
desenvolvimento do sistema de prefeituras nos reinos de Chu e
Jin, o prefeitos como funcionários do governo, respondiam pela
autoridade civil de sua localidade, realizando investigação
criminal em algumas vezes.
Exército romano usado
como polícia na Capital
Na gestão do imperador Augusto César, são criadas as cohortes
vigilum, uma estrutura militarizada ligada aos magistrados da
cidade, desempenhavam as funções de bombeiros e guardas
noturnos. Augusto ainda lançou mão de mais uma unidade
militar, não vinculada ao Exército, mas ao prefeito urbano, as
cohortes urbanas. O objetivo era dispor de uma força antidistúrbios sem depender da Guarda Pretoriana;
Polícia Moderna
(1791) Convencionou-se demarcar a formação da polícia
moderna pela criação da Gendarmaria Nacional francesa a partir
da Maréchaussée do Antigo Regime. Essa instituição mais
antiga é aquela da qual faziam parte os mosqueteiros do rei de
França.
2,5 mil anos
2 mil anos
226 anos
Sistema luso-brasileiro privilegia o modelo militarizado de polícia
208 anos
Vinda da Família Real Portuguesa
(1809) Dom João VI cria a Divisão Militar da Guarda Real de
Polícia do Rio de Janeiro de forma espelhar à congênere de
Lisboa (e do Porto), demonstrando mais uma vez a predileção
Página | 194
aos formato de corpos militarizados de policia do sistema lusobrasileiro.
74 anos
Força Expedicionária Brasileira
Reforço dos elementos da caça/guerra
46 anos
32 anos
3 anos
Ditadura Militar
(1943) Participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o
Exército Brasileiro absorve uma estrutura de infantaria: polícia
militar, mediante o treinamento e uso de uma tropa pioneira
formada, sobretudo, por Guardas Civis de São Paulo.
(1969) AI-5 e última reestruturação da Polícia Militar durante da
Ditadura Militar. Conferida parte das prerrogativas da função
legislativa ao Executivo, o Decreto-lei n.º 667 torna exclusivo à
PM a atividade de policiamento ostensivo. Extinguiram-se as
guardas civis e unificando os efetivos às forças públicas que
passam a se denominar polícias militares, nomenclatura já em
uso na época em alguns Estados. A estrutura e as funções
atribuídas à Polícia Militar passaram a ser similares à fração da
Polícia do Exército.
Constituição de 1988
(1988) A nova Constituição do Brasil mantém a estrutura em
atividade na Ditadura Militar, inclusive o duplo vínculo ao
governo estadual e ao Exército, não torna explícito a
exclusividade do policiamento ostensivo, mas não prever outra
força para tal incumbência.
Estatuto Geral das
Guardas Municipais
(2014) Lei n.º 13.022 estabelece os parâmetros orgânicos das
guarda civis municipais, referindo-se a elas como “instituições
de caráter civil, uniformizadas e armadas”. Para este autor,
apesar de ainda existirem as organizações policiais militares
propriamente ditas, a reprodução da instituição policial militar já
ocorreu mediante o compartilhamento de valores e pressupostos
profundos para com as GCM’s.
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) HARARI, Yuval N, “Sapiens: uma breve história da humanidade”,
2015. (2) BAYLEY, David H, “Padrões de Policiamento: Uma análise internacional comparativa”, [1985] 2002. Linha
cronológica: contagem a partir de 2017 d.C. (3) COTTA, Francis Albert, “Matrizes do sistema policial brasileiro”, 2012.
(4) BLAINEY, Geoffrey, “Uma breve história do mundo”, 2004.
Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira
Referir-se às matrizes do sistema de segurança pública brasileiro e mais
especificamente à sua instituição mais emblemática: a Polícia Militar (PM) é como
fazer uma análise de quais outras instituições em outros contextos geo-históricos a PM
herdou determinados traços marcantes de sua estrutura organizativa e dos modelos
mentais que regem seu funcionamento e o comportamento de seus integrantes.
No livro “Matrizes do sistema policial brasileiro” o professor da UFMG,
Francis Albert Cotta, faz um primoroso trabalho de pesquisa documental em acervos
no Brasil e em Portugal e chega à conclusão de que o sistema de segurança pública
adotado no Brasil, desenvolvido paralelamente em Portugal, não pode ser estritamente
classificado nem como sendo do modelo de gendarmarias francesas nem como o de
blue corps britânico. Na verdade, constitui-se um sistema próprio onde religiosidade,
patrimonialismo e militarismo são componentes fundamentais (COTTA, 2012).
Quantos anos tem a Polícia Militar?
Uma pergunta difícil de responder153, antes de saber se está fazendo
referência à organização pública estadual e qual delas, porque são 26 mais a distrital.
Ou se está perguntando sobre a instituição “policial militar” e aí temos duas linhas
genealógicas divergentes e ainda sim é preciso saber, o que se quer saber é sobre a
instituição peculiar da atualidade brasileira ou do tipo de unidade chamado
genericamente de polícia militar, como preboste das forças armadas?
153
Uma pergunta difícil de responder que me custou cinco anos de leituras e reflexões, forçosamente ler em francês
e inglês e agora respondo em cinco parágrafos.
Página | 195
Para os defensores da PM bicentenária, é ponderativo citar que contando
de hoje (2017), são 48 anos de Polícia Militar reestruturada pela Ditadura Militar e são
32 anos dessa mesma PM coexistindo no regime da nova Constituição de 1988. Faço
o mesmo tipo de ponderação aos aguerridos denunciantes dos frutos do autoritarismo
de nossos períodos de exceção, em nossa visão de reprodução institucional por um
prisma socioecológico, a PM é uma espécie híbrida, proveniente do cruzamento de
outras duas espécies e mesmo assim gerou uma prole ideológica muito fértil. As duas
espécies que se cruzaram foram a Força Pública e a Guarda Civl (estadual), uma fruto
da linha institucional da Guarda Real de Polícia (portanto, da autoridade central) e
outra das Guardas Municipais Permanentes154 e das Guardas Cívicas (portanto, do
sistema local/regional) (COTTA, 2012; KRISCKKE, 2014). Uma militar especializada,
realmente como um exército provincial a outra militar de segunda linha que com as
reformulações se tornou de status civil e estética militar (WANDERLEY ROCHA, 2014;
BARBOSA SILVA, 2015).
É preciso ponderar a força indutora modelar por admiração (como o fazem
defensores da PM bicentenária), ou por entender o quão difícil possa ser alterar essa
base mental, que o componente correspondente à Força Pública e Guarda Civil tem
na PM. Esse componente pode contar com 208 até 226 anos de existência,
dependendo se o marco é a criação da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro
(1809), formata tal como a de Lisboa, ou se é a criação da Gendarmaria francesa, em
1791 (da qual a GRP de Lisboa se inspirou). Se tomarmos em consideração a
referência honrosa à criação da matriz direta da Polícia Militar de Minas Gerais, em
1775, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, temos o marco tomado por oficial
que determina a criação da corporação estadual mais antiga, com 242 anos, sendo
mais antiga que o próprio marco de fundação da polícia moderna (1791) (COTTA,
2012).
É preciso ser mais específico: quantos anos tem a organização policial
militar tal qual ela é hoje, jurídico e administrativamente, recepcionda sem ressalvas
pela Constituição de 1988: 48 anos. Para se perguntar quantos anos tem a instituição
policial militar, é preciso delimitar mais. Como órgão totalmente bancado pelo Estado e
não como tropa de exército em função secundária ou como empreendimento militar
privado com outorga estatal, ou seja, realmente como um corpo de polícia nos termos
modernos, apenas em sua trajetória no Brasil, então teriam 208 anos. Se fosse a
mesma indagação no mundo, seriam 226 anos. Mas se a pergunta for quantos anos
tem o uso de instituição militar em funções policiais, voltamos ao mesmo delimitador:
onde? No Brasil, remonta à chegada dos donatários das capitanias hereditárias, algo
aproximadamente com 480 anos. E deve coincidir com as primeiras outorgas reais a
nobres portugueses como administradores e promotores da justiça em nome de seu
soberano nas terras de além-mar. Muito provavelmente, o primeiro a fazer uso dessas
prerrogativas tenha sido Martim Afonso de Sousa, donatário da Capitania de São
Vicente futuro governador do pretorado portugês na Índia. Se for a mesma questão no
mundo, quando instituições militares foram usadas nas funções policiais? Então,
teríamos que dizer, entre o Império da Acádia, o Antigo Egito e os reinos Chineses,
154
Quando se fala em municipal, é preciso entender que províncias como a de Alagoas que hoje tem 102
municípios, no período regencial e imperial, não tinha mais que 10, o que assemelha a noção do que hoje se
pretende com Guardas Metrolopitanas ou consórcios de guardas municipais.
Página | 196
algo em torno de 2 mil e 500 anos a 4 mil anos, um uso como esse um pouco mais
sistematizado remontaria ao Império Romano, com um pouco mais que 2 mil anos.
Uma polícia dos militares, a qual no mundo todo é conhecida por Polícia
Militar, ou seja, um destacamento da força militar, servindo diretamente ao poder
central (o monarca ou o comandante supremo das forças armadas) para disciplinar as
tropas, na função denominada de preboste, como é o caso da Guarda Nacional
portuguesa e da Gendarmaria Nacional francesa, remontaria aos “Imortais” do Império
Persa (séc. IV a. C.), bem como à Guarda Pretoriana em Roma (séc. I a.C.)155. Mas
em termos modernos, seria a antecessora da Gendarmaria francesa, o Marechalato (la
Maréchaussée), tropas destacadas de boa reputação que acompanhavam o marechal
de campo, servindo-lhe em missões diretas, prendendo os militares baderneiros,
chegando ao ponto de extravasar seu contexto institucional promovendo a segurança
pública dos rincões rurais e das estradas, bem como, no final do Antigo Regime
absolutista francês, aplicando a justiça militar e comum. Algo semelhante ocorria com
os generais chineses, que quando no governo civil temporário de território ocupado,
promoviam a segurança local com parte de suas forças militares, bem como mantinha
um grupo de espiões instalados nos países estrangeiros (TZU, [séc. IV a.C.] 2006).
Como diria Foucault (2008), a diplomacia (espiã) tem ligações institucionais com os
exércitos.
A Guarda Pretoriana talvez fosse mais bem equiparada a la Maison
militaire du Roi (a Casa Militar Real) da qual se trata da instituição de onde surgiram
os mosqueteiros, que também foi absorvida pela Gendarmaria Nacional, após a queda
da Bastilha. “La Maison militaire du Roi” promovia a segurança pessoal do rei e de
sua corte. Essa missão mais específica de proteção do soberano é a origem histórica
das secretarias estaduais e do ministério que cuida de tais assuntos junto ao chefe do
poder executivo: Gabinetes Militares, Casa Militar ou Secretaria de Segurança
Instititucional. Note que essa função de “casa militar” é desempenhada pelas Polícias
Militares no Brasil, em cada Estado e no Distrito Federal.
Corpos militarizados de polícia versus polícias de trato civil
Numa redução proposital da classificação de Jean-Paul Brodeur, proposta
em “The policing web”, 2010, podemos distinguir dois tipos básicos de constituição de
agências estatais de segurança interna que tem suas atividades desenvolvidas em
meio à sociedade (em meio ao tecido social): (1) os corpos militarizados de polícia e
(2) as polícias de trato civil.
O primeiro tipo são os corpos militarizados de polícia frutos direto do uso
desenho funcional das Forças Armadas no trato da ordem social interna dos Estadosnação. O segundo tipo são as polícias de trato civil podendo elas serem, ou não
esteticamente semelhantes aos corpos militares. O tipo de corpo militarizado de polícia
tem como instituição modelar a gendarmaria francesa, já o modelo da polícia urbana
inglesa é tipicamente a referência de uma polícia de trato civil (MUNIZ, 1999;
MARCINEIRO, 2009). Isso não significa que o sistema de segurança francês só seja
155
Tropas de elite de proteção do soberano e quem se confiava missões paralelas ao do exército formal.
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composto por gendarmaria, nem que os de aplicação na comunidade britânica não
tenham forças de reserva de cunho militarista (MONET, 2001).
A diferenciação básica, para fins de análise das relações ecológicas por
ora proposta, está na capacidade de envolver-se com o tecido social considerando-se
como pertencente a ele ou como uma categoria sistêmica externa que desempenha
uma atividade de vigilância e controle. Ou seja, a condição de sua relação com o todo
social, se dá pela preponderância de vias de verticalidade ou horizontalidade
(SANTOS, 2001). Dessa diferenciação básica decorrem outras características
comuns, quanto à estrutura administrativa, estética, status jurídico, traços da cultura
organizacional, que acabam por se repetir como padrão.
O formato dos corpos militarizados de polícia refletem normalmente a
ordem metropolitana sobre o cotidiano político da colônia (ou província). Isso porque,
numa lógica citadina, o uso da máquina bélica contra seus próprios citadinos fere
alguns princípios do pretenso contrato social firmado entre Estado e Sociedade Civil.
Na verdade, a Sociedade Civil, em um jogo de sedução-indução-imposição, só se
permite ser controlada por meio de um algoz que minimamente lhe respeite como
portador de direitos básicos. Essa perspectiva específica será tratada sob uma
imagem metafórica no tópico “Corporações policiais como espécies exóticas
introduzidas com potencial caráter invasor” no Capítulo 7.
Tipologia dos corpos militarizados de polícia
Em um exercício sumário de classificação, pretendo delimitar a tipologias
funcionais das agências policiais, com ênfase nas militarizadas:
polícia militar: Este é o termo utilizado no mundo todo para
designar a corporação que exerce o poder de polícia no âmbito das
forças armadas, para os brasileiros ficaria mais fácil entender se for
dito: “a polícia dos militares”. No Brasil, quem exerce essa função
são três estruturas internas de cada uma das três forças armadas:
Companhia de Polícia do Batalhão Naval, na Marinha do Barsil;
Polícia do Exército, no Exército Brasileiro e a Polícia da
Aeronáutica, na Força Aérea Brasileira.
gendarmaria: É uma força militar incubida de executar as funções
de polícia no âmbito da população civil; ocasionalmente, em
cenário de guerra no estrangeiro, podem atuar como preboste ou
polícia militar no âmbito das forças armadas, ou ainda, servi-lhes de
tropas de reserva.
preboste: termo que foi transliterado do francês, mas sua origem
remonta ao termo latino: præpositus, ou seja, preposto. Alguém que
por outorga, cabe-lhe zelar e aplicar dsisciplina em nome da
autoridade outorgante. Nos exércitos, cabe ao preboste a correição
e disciplina das tropas. O termo pode designar o chefe do serviço
de preboste ou o corpo de militares ao seu serviço, nisso podem-se
usar os policiais militares.
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Instituições modelares
De forma sucinta, correndo o risco de perda da multiplicidade de
elementos constitutivos, por uma simplificação de um quadro amplo de matrizes,
porém destacando aquelas que marcadamente definem um maior número de
elementos predominantes do modelo institucional, pode-se elencá-las (as matrizes)
em uma lista, com seis instituições modelares. (a) Três são organizações
institucionalizadas estrangeiras, (b) outras três são sistemas de múltiplos atores e
funções-nicho (encargos de atuação social) que com a cristalização histórica
compuseram instituições sociais típicas do contexto social português colonizador. O
Quando 5 é uma representação resumida dessa classificação.
Da primeira classificação (a), incluem-se (1) a Gendermarie Nationale
(Gendarmaria Nacional francesa) (COTTA, 2012), (2) o Corpo de Guarda de Polícia da
Corte de Lisboa (o que viria a se tornar a Guarda Nacional Republicana portuguesa GNR) (COTTA, 2012) e (3) a Military Police of U.S. Army (a Polícia Militar do Exército
norte-americano).
No segundo grupo (b) constam modelos oriundos do sistema de suporte à
Justiça das Ordenações Filipinas e Manuelinas do império português (contextualizado
no fim da Idade Média e ao longo da Idade Moderna na porção lusitana da península
Ibérica e suas colônias), o que se dá pelas (4) Ordenanças e Milícias (uma forma de
emprego doméstico das tropas do exército português ou a formação de frações de
segunda linha, ou seja, forças militares ou milicianas de reserva) e (5) pelos
Quadrilheiros (homens incumbidos de prestar um serviço de autoridade delegada,
semelhante aos Sherifs ingleses) (BAYLEY, 2002; COTTA, 2012). (6) Também se
pode elencar a forte influência cultural da atuação dos “novos” portugueses já
nascidos em Colônias, que constituíam uma nova classe da hierarquia social, a qual
pode ser denominada de “autoridade mestiça” (NONATA SILVA, 2009), que definem a
posição do “homem branco pobre e livre”, dos alforriados, dos nascidos livres, dos
indígenas e dos bastardos, dentro do sistema escravocrata, englobando figuras como
o jagunço, o feitor da plantation e o capitão-do-mato (BALDO, 1980; LÍBANO
SOARES, 1999; JESUS, 2007).
Cabe para usar uma linguagem didática, compor uma lista mais objetiva
ainda:
1) a Gendarmaria Nacional francesa;
2) a Guarda Nacional Republicana portuguesa;
3) a Polícia Militar do Exército norte-americano;
4) as Ordenanças e Milícias;
5) os Quadrilheiros e
6) a “autoridade mestiça”.
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Para esclarecer sobre o receio a uma simplificação extremada, é oportuno
correlacionar essas seis instituições modelares com outras influências organizacionais
e culturais, bem como veículos sócio-culturais de transmissão “genética” e
“epigenética”, numa dada reprodução cultural do padrão sistêmico (membros,
unidades, estrutura, padrão de organização, processos e cultura) de tais instituições
(Quadro 5).
Quadro 5 – Matrizes institucionais a Polícia Militar Brasileira
Herança direta de organizações institucionalizadas
Guarda Nacional
Polícia Militar do
Gendarmaria Nacional
Republicana
Exército nortefrancesa
portuguesa
americano
Maréchaussée
La Maison militaire du
roi de France
(Mousquetaires)
Exército Romano
Exército Português
(EP)
Guarda Civil do Estado
de São Paulo (GCSP)
Polícia de Segurança
Pública (PSP)
Guarda Real da Polícia
de Lisboa
(GRP de Lisboa)
Divisão Militar da
Guarda Real de Polícia
da Corte
Força Expedicionária
Brasileira
(FEB)
Sécurité nationale
Polícia do Exército
Brasileiro
(PE) (EB)
-
(GRP do Rio de
Janeiro)
Cohortes vigilum
(Força policial e de
defesa civil de Roma)
Guarda Civil Estadual
Força Pública
Provincial/Estadual
Instituições sociais típicas do contexto luso-brasileiro
Tropas militares de segunda
Controle local/municipal
Autoridade mestiça
linha
Ordenanças e Milícias
Quadrilheiros e Sherifs ingleses
Capitão-do-mato
Guarda Nacional
Jagunço e Feitor ausente
Entradas e Bandeiras
Intendência de Polícia
Homem pobre livre e branco
Juiz de Paz
Guerreiro tribal africano
Elaborado pelo Autor.
Figura 21 – Brasão da Guarda Nacional Republicana portuguesa
Fonte: Site oficial da GNR (http://www.gnr.pt)
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A matriz da Guarda Nacional Republicana portuguesa (a
Guarda Real da Polícia de Lisboa)
Portanto, dizer que a Guarda Nacional Republicana portuguesa é uma
instituição modelar para as polícias militares brasileiras, por exemplo, é dizer
indiretamente que além da atual GNR que atua na jurisdição nacional da
contemporânea República Portuguesa, é dizer também que essa matriz (e aí está o
sentido mais apropriado para dizer que a GNR é uma instituição modelar, que em
nosso caso, empresta a denominação para uma matriz mais ampla) é composta por
diversas outras influências originárias, a saber, a Guarda Real da Polícia de Lisboa
(GRP de Lisboa), criada em 1801, na regência do futuro rei D. João VI, enquanto
ainda era príncipe regente de Portugal. A empreitada de constituir a GRP de Lisboa foi
encabeçada pelo magistrado português, Pina Manique, seguindo o modelo da
Gendarmaria francesa, para tanto devia ser “formada pelos melhores soldados,
escolhidos em todo o Exército, não só entre os mais robustos, firmes, solteiros, e até
30 anos de idade […] mas também de boa morigeração e conduta” (COTTA, 2012).
Portanto, assim como Cotta (2012) foi perspicaz para pontuar, apenas pela
circunstância de formação da GRP de Lisboa pode-se perceber a influência indireta:
da organização modelar francesa do período que sucedeu a Revolução de 1789; das
organizações que viriam a se institucionalizar, que seguiram a evolução histórica
administrativa da atual GNR portuguesa, a saber, suas antecessoras, a GRP de
Lisboa, a GRP do Porto e as posteriores Guardas Municipais de ambos os distritos; a
Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, já após a transferência da Corte
para o Rio de Janeiro (GRP do Rio de Janeiro); sendo do Exército Português, a origem
de um recrutamento de homens já treinados, então a herança da ordem militar
portuguesa foi direta nessa formação dos corpos militarizados de polícia, tanto em
Portugal como no Brasil e pouco menos evidente em Moçambique e Angola (COTTA,
2012).
No Brasil, com a vinda da família real portuguesa, tornando o Rio de
Janeiro a nova sede da Corte, foi criada em 1809, no mesmo formato que a GRP de
Lisboa a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, ou simplesmente Guarda
Real da Polícia (GRP), no Rio de Janeiro, antecessora organizacional/administrativa
direta das atuais polícias militares do Rio de Janeiro (PMERJ) e do Distrito Federal
(PMDF). Institucionalmente, a Guarda Real da Polícia do Rio de Janeiro é o modelo
referencial, historicamente mais destacado, de todas as demais polícias militares do
Brasil (COTTA, 2012).
O formato sui generis da Polícia Militar Brasileira
A Polícia Militar Brasileira não tendo acompanhado as mesmas
transformações as que foram compelidas por pressão histórico-social ocorridas para
com suas instituições modelares estrangeiras, a saber, a Guarda Nacional
Republicana (GNR) portuguesa e a Gendarmaria Nacional francesa – a PM no Brasil –
distanciou-se de suas matrizes institucionais e de alguma forma as forças atuantes
dos períodos de exceção (o Estado Novo de Getúlio Vargas e a ditadura civil-militar,
em seu acirramento desde 1969 até o fim da década de 70) conseguiram enxertar,
Página | 201
numa árvore institucional já constituída, traços estranhos que em nenhum outro
sistema de segurança pública doméstico é possível observar. O modelo institucional, o
status e competência conferido pela lei às polícias militares estaduais do Brasil é sem
igual no restante do mundo (BRODEUR, 2010).
Apesar de David Bayley em sua obra seminal, “Padrões de Policiamento:
Uma análise internacional comparativa” (2002), afirmar que é inerente a uma
observação geral das polícias pelo mundo, uma multiplicidade de formas e
organizações peculiares aos contextos locais e/ou nacionais, o fato de considerar a
principal força de segurança doméstica ostensiva do Brasil um gênero sem par, no
transcurso desta pesquisa, apoia-se, sobretudo, na tentativa de classificar as agências
policiais em determinadas categorias por Jean-Paul Brodeur (2010). Justamente
segundo o sociólogo canadense, depois de elaborar um quadro com categorias de
polícias ao redor do mundo, a polícia militar do Brasil está numa categoria à parte, de
policiamento fardado paramilitar (BRODEUR, 2010).
Esse formato sui generis da Polícia Militar Brasileira, combina traços
históricos do sistema escravocrata, onde justamente ele mais perdurou nas Américas
e a confluência do padrão organizativo tribal das parcelas populacionais subjugadas
(mas que formavam justamente a linha operacional das forças de segurança, numa
hibridização denominada de ‘autoridade mestiça’) (NONATA SILVA, 2009). Os traços
próprios das matrizes, sejam elas francesas ou portuguesas, já conferiam aspectos de
uma marca fortemente preservadora da autoridade central. E com tudo isso que já
estava na tal árvore “filogenética” das polícias militares do Brasil, surge os ensaios de
laboratório social e administrativo dos governos paraditatoriais. Ou seja, ao olhar a
Polícia Militar, não é a GNR ou a Gendarmaria que se pode perceber a princípio, mas
algo muito mais próximo da Polícia do Exército (PE), o que somente no Brasil se
chama assim, porque em todo o mundo isso é a Military Police, a polícia militar das
forças armadas.
A matriz da Military Police do Exército norte-americano
Em meio a matriz denominada por Polícia Militar do Exército norteamericano ainda é preciso fazer referência à Guarda Civil do Estado de São Paulo
(GCSP) origem do pequeno grupamento que atuou incorporado à Miltary Police of
U.S. Army (Polícia Militar do Exército dos Estados Unidos) na Segunda Guerra
Mundial. Essa partícula da Força Expedicionária Brasileira (FEB), formada por
soldados originalmente guardas civis e por oficias que não apresentavam
discordâncias ao governo Vargas, tornou-se o embrião da Polícia do Exército (PE)
brasileiro, pelo processo de emulação (OJEDA, 2015; PIMENTEL, 2012; CARVALHO,
2009; BRASIL, 1966). Segundo Marcos Piffer (2014), emulação é um processo
intencional de imitação de práticas e técnicas, consideradas mais bem sucedidas, por
parte de Estados estrangeiros. No caso específico, tratam-se de estratégias militares.
Entre outros processos de mudança em forças militares, tais como adaptação e
inovação, a emulação é típica de países em desenvolvimento, pois ela se faz valer da
Página | 202
expertise já consagrada no cenário global (FARREL e TERRIFF, 2002 apud PIFFER
2014)156.
Então a PM de certa forma carrega o vigor e a sede de incursão peculiar
da FEB, da Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial, que atuou
quase exclusivamente na Itália (e na coalizão de forças aéreas), bem como sua
aptidão de envolvimento humano (BRASIL, 1966; FRÖHLICH, 2015). A FEB na
missão de solo, ainda que precariamente e sem representar de fato a estrutura do
Exército Brasileiro formal e permanente (considerando que não eram tropas de
primeira linha, mas um contingente de voluntariados recém-recrutados), demonstrou
empenho destacável no cenário de operações (OJEDA, 2015; PIMENTEL, 2012;
CARVALHO, 2009). O que se chama aqui de destacável, pouco tem haver com
organização, disciplina e estratégia; esse destaque cabe à capacidade dos indivíduos
em se adaptar às adversidades e apresentarem certo desprendimento que pode ser
caracterizado por coragem (BRASIL, 1966; PIMENTEL, 2012). A tropa brasileira
também se destacou por outra característica secundária, a rápida “integração” com as
comunidades locais italianas (FRÖHLICH, 2015).
Esse é o formato da polícia militar do Exército norte-americano, uma força
de elite, especializada, que faz o papel de preboste, típico também das Gendarmarias.
O que por sinal no Brasil, as polícias militares estaduais não fazem. Esse papel é o de
disciplinador do corpo do pessoal das forças armadas, ou seja, a polícia que trata dos
atos criminosos e indisciplinares dos militares. Mas como a polícia militar no Brasil
ainda guarda o status de tropa de segunda linha, reserva do Exército, um ente que
figurativamente quase não seria profissionalizado ou estaria atuando por investidura
temporária, assim como eram as Ordenanças e Milícias ou os quadrilheiros do sistema
medieval/moderno português – devido a isso – a função de preboste não lhe cabe, por
um posicionamento inferior às forças armadas e descentralizadas nas “províncias”, lhe
desqualificando para ser verdadeiramente o que designa seu nome: polícia
administrativa militar, a não ser para com seu próprio pessoal.
As garruchas cruzadas denunciam esse vínculo simbólico de modelo
institucional para com a polícia militar do Exército norte-americano. Marca visual
inicialmente elaborada nos idos da Guerra Civil norte-americana, primeiramente
formado por bastões cruzados, até a apropriação definitiva das “garruchas”: pistolas
Harper’s Ferry 1806, conforme histórico desenvolvido no capítulo anterior157.
Figura 22 – Brasão, insígnia e distintivo da Military Police of U.S. Army
156
FARRELL, T.; TERRIFF, T. (EDS.). The Sources of Military Change: Culture, Politics, Technology. Boulder, CO: Lynne
Rienner Publishers, 2002.
157 Capítulo 5, tópico “A insígnia das Polícias Militares do Brasil”.
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Fonte: United States Army Institute of Heraldry (http://www.tioh.hqda.pentagon.mil)
Mas, ser preboste, não é a única função dessa unidade de elite, a ela cabe
a missão de estabilização de territórios ocupados, no trato da população civil
estrangeira “invadida” e nesse aspecto a Polícia Militar Brasileira guarda mais
semelhanças para com a Polícia do Exército. Uma polícia de controle da população
civil do território ocupado, a qual não se pretende aniquilar e, portanto, precisa levar
estabilização em termos de autoridade e segurança, além de reestabelecer os
sistemas de suporte às comunidades e centros urbanos, tais como agricultura,
educação, saúde e construção de equipamentos públicos de primeira relevância como
as escolas, hospitais, pontes e distribuição de água e energia.
Um exemplo desse tipo de atuação são as esparsas mais persistentes
forças que permanecem bastante tempo depois da guerra propriamente dita, como foi
no caso do Afeganistão e do Iraque. Em alguns casos, pelo perigo gerado na
aquisição de recursos bélicos de forças da resistência nativa, as unidades de elite
anfíbia ou de biomas diferentes (como fuzileiros ou especialistas em deserto e selva)
são designados em conjunto e em paralelo a tal atuação de polícia de controle da
população civil.
Figura 23 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em atividade
operacional
a) Polícia Militar do exército
norte-americano (Iraque)
b) Fuzileiros Navais barsileiros
no Haiti
c) Policiais do Rio em
favelas
Fonte: a) Site Common Dreams, disponível em <https://www.commondreams.org/> b) Site Zona Militar – Misiones de
Paz. Disponível em <https://www.zona-militar.com>. c) Imagem: Marco Antônio Cavalcanti/UOL, disponível
<https://noticias.uol.com.br/album/2013/01/19/osso-duro-de-roer-veja-imagens-dos-35-anos-do-bope-a-elite-da-pm-dorio.htm#fotoNav=8>
Tal fato pode de alguma forma ser observada na proximidade de
treinamento entre e o emprego complementar dos fuzileiros navais e a polícia militar
nas comunidades (favelas) do Rio de Janeiro, onde apesar de uma tropa regular de
cobertura ou de investidura “azul-clara” faz o controle rotineiro, forças como o Bope
atuando cirurgicamente. O que não pode deixar der percebido, mesmo que como
resquício ou espelho distante, na atuação da unidade especializada em Caatinga da
Polícia Militar de Pernambuco nas cidades de maior porte do Interior. Por sinal em
Pernambuco, depois da falência das primeiras versões do “Pacto pela Vida”, a
ampliação das forças escpecializadas em combate direto à criminalidade suburbana
tem sido um marca característica da polícia de segurança estadual, tanto com a
criação do BEPI, o Batalhão Especial de Policiamento do Interior (sucessor da
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CIOSAC, Companhia Independente de Operações na Caatinga), como da criação de
uma versão do BOPE na capital.
No que se trata ao Rio de Janiero, nesse sentido, dizer polícia de
pacificação é um eufemismo por parte da autoridade político-militar ocupante. E de
forma alguma o uso da cor azul-clara, seja no exemplo da ONU (e o uso dos
“comandos” e demais forças de elite no Haiti pelos brasileiros é uma boa prova disso)
ou da polícia fluminense vai destituir o caráter colonialista de tal tipo de ação que se
firma materialmente pelo uso, contraditório, do fuzil de grosso calibre.
O que, nem sempre é admitido pelos teóricos/ativistas humanistas é que
uma vez a autoridade estrangeira tendo desmantelado a estrutura de suporte da
sociedade na qual houve a intervenção severa, essas unidades de estabilização são
em alguns casos a única “salvação” para o total desabastecimento e deterioração
social. Sem as forças de incursão do Estado dominante, as comunidades ficam
entregues aos despautérios dos focos de violência que gravitam e permeiam o cenário
do “pós-guerra”, são forças paramilitares que surgem espontaneamente para defender
interesses tribais e de atividades econômicas de especulação da ausência de
autoridade formal. Esses tais focos “organizados” em facções, partidos, gangues,
milícias etc – essas organizações informais – podem ser simpáticas às comunidades
nas quais se proliferam principalmente as que são por elas considerados seu berço,
seu ninho. Mas também, podem ser hostis e utilizar de métodos no trato social que
não ficam longe das mesmas atrocidades que por vezes são creditadas às forças de
incursão invasora da autoridade estrangeira 158.
Missões jesuítas de paz
Essa característica de incursão, faz das polícias militares brasileiras forças
paramilitares empregadas num constante esquema de Operations Other Than War
(OOTW – “operações além da guerra”) ou de PeaceKeeping Operations (PKO –
“operações de manutenção da paz”) (PROENÇA Jr., 2002). Posso adiantar que não é
saudável para nenhuma pessoa ser alocada nas fileiras de uma tropa em guerra
ininterrupta por 30 ou 25 anos159. Como também, não é sustentável
administrativamente e simbolicamente para uma organização está em esquema de
guerra permanente. É certo que para sustentar tal disfunção, é preciso manter
processos e suporte mental-profundo compativelmente disfuncionais.
Figura 24 – Representações de tropas de incursão em controle populacional em interação
com crianças
158
Esse debate retorna, quando demonstramos nítidas evidências que a orquestração de novos rumos da ordem
mundial tem feito com que países antes fomentadores de liberdades civis, tem presenciado a “invasão” bélica
dentro de seus próprios territórios como demonstram: Slovaj Zizek (2017) e União Americana de Liberdades Civis
(ACLU), como pode ser visto no tópico “Expressão mitraica de culto do exército romano”, no Capítulo 9.
159 Tempo de serviço ativo exigido na maioria dos Estatutos das polícias militares estaduais: 30 anos para homens e
25 anos para mulheres.
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a) Polícia Militar do exército
norte-americano (Afeganistão)
b) Militar do Exército
Brasileiro no Haiti
c) Policial militar do
Rio de janiero
Fonte: a) Site Common Dreams, disponível em <https://www.commondreams.org/> b) Site institucional do Exército
Brasileiro c) Imagem: Divulgação da Ascom do Bope, disponível <https://noticias.uol.com.br>
Quando o lado mais aguerrido da PM é temporariamente suplantado pelos
projetos de cunho “comunitários”, de certa forma é possível perceber a Polícia Militar
como o substitutivo do elemento jesuítico na ocupação territorial portuguesa na faixa
americana, correspondente ao atual Brasil (destacadamente as terras paulistas e
amazônicas), Sacramento argentino160 e o Uruguai. Essa comparação pode parecer
exdrúxula a princípio, mas vale salientar, que a pesar da estética missionária, de
cunho humanista, a Ordem Jesuíta é uma ordem militar, com juramento de sangue
para preservação dos interesses papais. Leiamos uma passagem do historiador
português, João Lúcio de Azevedo, do século XIX:
Em 1659, Vieira consegue reduzir as tribus de Marajó. O feito é
extraordinário e quase milagroso. O que não tinha alcançado a
força das armas, obtem-o a doçura do evangelizador, a fama
repercutida de suas virtudes, a sublime confiança com que vai metterse entre os cannibais: tal Anchieta entre os tamoyos (AZEVEDO,
1999).
É nisso que temos algumas ressalvas com a forma e a pretensão de
desenvolver polícia comunitária, porque como demonstratremos no Capítulo 10
(Extinção ou Reformulação Institucional?), as polícias de trato civil ordeiro são mais
propensas a servirem de aparelho ideológico reprodutor mais bem sucedido ao
domínio de elites dirigentes do que a polícia “militar” agressiva. E creio que muitos já
devem ter, nesse mesmo sentido, desmascarado a intenção sagaz por trás da
pacificação de favelas cariocas161162. A terminologia jesuítica ou da ONU é a mesma:
“ir em missão de paz” e de alguma forma vemos se reproduzir o “entre a cruz e a
espada”, agora como entre o azul celeste e a pomba da paz e os fuzis e blindados.
160
TV Escola. Terra sem males (1º Episódio). [Audiovisual] Duração 50min. Documentário brasileiro, ano 2015.
Disponível em <http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/terra-sem-males--versao-completa>.
161 “Na Providência, não temos hospitais, mas temos 200 policiais efetivos. Para mim isso não muda nada, já que o
Bope e o Choque continuam subindo. Não há tiroteio quando a polícia não entra. Qual avanço que a comunidade
teve com a UPP? Pode ter permitido entrar alguns serviços, como TV a cabo e bancos, mas não houve avanço
social”. Relato de morador à jornalista Gabriela Mattos, para Jornal O Dia, em 26 abr. 2017, sob o título: “Sete anos
de pacificação: moradores relatam aumento de confrontos na Providência”, disponível em <
http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-04-26/sete-anos-de-pacificacao-moradores-relatam-aumento-deconfrontos-na-providencia.html>.
162 PELLEGRINI, Marcelo. “UPP não acabou com o tráfico, só trouxe falsa sensação de segurança". Carta Capital,
edição 858. Publicado em 16 jul. 2015. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/revista/858/espremidosentre-dois-senhores-6954.html>.
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Cabe destacar a opinião de Victor Leonardi (1996), que falando das missões religiosas
no Brasil, nos serve de recomendação a fugir de generizações sobre as atitudes
individuais em meio aos movimentos do coletivo.
Posso atestar em relação a Polícia Militar, que mesmo os projetos
humanísticos sendo macrocontextualmente arranjos dominadores, inócuos num
sentido amplo à razão que se dizem prestar; em cada interação pontual há indivíduos
realmente bem intecionados, fazendo o que podem para que a realidade possa ser
utopicamente alterada:
Apesar dessas vozes discordantes, em geral o parecer dos
historiadores é severo quando se trata de analisar a atuação da Igreja
nos países coloniais. A meu ver, no que diz respeito ao Brasil, a
crítica à atuação dos missionários não pode ser feita de maneira
genérica. Cada ordem religiosa teve uma história específica na
América Portuguesa. E dentro de cada ordem, houve de tudo, nos
vários momentos históricos, de homens venais até santos
(LEONARDI, 1996).
Ainda na comparação (não desavisada) entre os projetos humanísticos de
polícia e a atividade de incursão mundial dos jesuítas é preciso compreender as
facetas do ardil jogo de introdução de espécies exóticas/invasoras que permanecem
muito tempo em latência, quando finalmente simbiotizadas pelo sistema social
hospedeiro, elas já tem inoculado o veneno da verticalidade metropolitana 163.
Autoridade mestiça
Feitor ausente e o capitão-do-mato
Inúmeros autores alegam continuidade e persistência de padrões de
conduta policial. “A existência e a persistência desses tipos de práticas, apenas,
tendem a levar a Política de Segurança Pública e todas as suas inovações a 'lugar
nenhum'” (CRUZ, 2012). “A violência policial de hoje tem suas especificidades, mas
traz em si elementos de outras épocas”. (ROCHA, 2013: 87). Alexandre Rocha
(2013), ainda destaca o fato desse contexto paradoxal, ser perpetuado dentro do
Estado Democrático de Direito: “nada disso é novo. O paradoxo é a ordem
democrática com-portar ações autoritárias por longo tempo”.
O governo é diariamente conivente com os abusos cometidos para com os
pobres dos territórios subalternos, mas quando se vê ameaçado, derruba a culpa
sobre os ombros do “feitor-policial”.
Parece claro que para inocentar seus escravos, que têm valor como
mercadoria e não convém paralisar com uma condenação, o
fazendeiro faz recair a culpa sobre o homem livre, que nenhuma
relevância tem para seus interesses (FRANCO apud BALDO, 1980:
50-51).
Ver tópico “Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas com potencial caráter invasor” do
Capítulo 7.
163
Página | 207
No contexto contemporâneo, o “escravo” necessário, é o eleitor. Quem é o
policial, nessa não tão inadvertida comparação com o período pré-republicano
brasileiro? Para Leila Mezan Algranti (1988 apud LÍBANO SOARES, 1999: 127), tratase do substituto do feitor da clássica plantation rural, devido à “ausência da autoridade
senhorial direta”. E se para o cenário dos cres-centes centros urbanos do século XIX,
aceita-se o policial como a imagem de um feitor, outrora presente nos latifúndios,
pode-se então buscar em Emília Costa (1966 apud BALDO, 1980), que tipo de relação
esse agente do Estado, não adaptado a sua missão pública, mas ainda afeto aos
interesses privados dos mais abastados da sociedade (LÍBANO SOARES, 1999), tem
com o escravo:
Rude e ignorante [o feitor], odiado, muitas vêzes viciado pelo
conceito, que o cativeiro generalizara, da inferioridade racial do
negro, o feitor tinha os escravos à sua mercê. Se magnânimo,
aplicava moderadamente as penas. Se desumano e grosseiro, dava
vazão à sua brutalidade, espancando-os em excesso, castigando
pelo simples prazer de comtemplar o sofrimento alheio (EMÍLIA
COSTA,1966 apud BALDO, 1980).
Portanto não cabe ao feitor libertar os escravos. Feitor é feitor, quando se
propõe a causas abolicionistas, deixou de ser feitor e aproveita-se de sua antiga
posição para articular as fugas. Mas se ainda permanece feitor, como é o caso do
policial frente os territórios subalternos, na condição de instrumento de controle
populacional, ele ainda pode tratar os “escravos”, digo os controlados, de forma
piedosa ou cruel, “magnânimo” ou “desumano e grosseiro” como diz Emília Costa
(1966 apud BALDO, 1980) sobre o feitor e aqui se faz uso de analogia ao policial.
Diferentemente do que a tradição corporativista quer fazer acreditar, as
polícias militares estaduais do Brasil com a dupla função ( -1- manutenção da ordem
pública e -2- policiamento ostensivo, notoriamente o urbano de trato da população
civil) que desempenham hoje, nas atuais configurações organizacionais, não são de
forma alguma centenárias. Não passam de um ensaio – até hoje mal sucedido – do
laboratório do último regime de exceção. E, portanto, está próximo de completar cinco
décadas contando desde 1969 e três décadas, contando de 1988 (MUNIZ, 2001 apud
CRUZ, 2012). Se elas possuem algo de centenário, é um ente fantasmagórico que a
rodeia. Ou então, se preferir outra metáfora, um espírito de sua antecessora e
genitora, a força pública provincial-estadual e toda a gama de matrizes institucionais
decorrentes disso.
A polícia arregimentada das classes inferiores e que desenvolve
ações para suprir interesses privados e negocia a vida e outros
valores sem nenhum tipo de escrúpulo é ainda o capitão-do-mato
fechando negócio com senhores proprietários de negros-fujões
(GOULART, 1971 apud BALDO, 1980).
Esses escravos, fora das cercas de seus donos estão desajustados do
contexto social. Não possuem um projeto de vida autônomo e não se coadunam com o
ritmo produtivo fora da exploração da qual fogem. Por onde passam deixam um rastro
de lesões ao tecido da ordem social, pois sem o paternalismo dos seus senhores, não
tem outra forma de satisfazer suas necessidades básicas, se não criando “arruaças”.
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São essas desordens, que tornam imperioso para as classes dominantes que não
importa quem sejam os agentes da lei, mas que deem cabo desta situação que se
alastra pelo território.
Figura 25 – Capitão-do-mato: O caçador de recompensas
procurando por escravos fugitivos
Fonte: Imagem do Site Wikimedia. Capitão do mato. 1823.
Ilustração de Johann Moritz Rugendas (domínio público)
Ou seja, não só o capitão-do-mato de ofício embrenha-se nos rincões do
interior para capturar os escravos foragidos, bem como todo aquele que é investido da
missão de mantenedor da ordem, deve buscá-los. E a isso eram incumbidos
concorrentemente com os mercenários-particulares, os comissários de polícia
cariocas, os membros das ordenanças e milícias, os da Guarda Nacional, dos Corpos
de Polícia provinciais e até mesmo o componentes do Exército regular, o de 1ª linha
(BALDO, 1980). Muitos provimentos regionais lhes concediam receber a paga,
chamada de tomadia, diretamente dos “bons homens”, que tiveram seu patrimônio
recuperado.
Essa polícia ainda existe e recebe uma gentil gratificação por um veículo
recuperado. Ou ainda, uma rês das dez recuperadas, depois de uma exaustiva ação
em prol de localizar a parte do gado subtraído durante a noite. Essa polícia tem no
meio dela, pessoas rudes, indesejadas pelo convívio social comum, mas são
requisitadas, por causa de suas habilidades não encontradas em outros, para
executarem os bons préstimos. Mas não apenas os “bons homens” os financiam.
“Ganham de todos os lados”, parafraseando José Alípio Goulart (1971 apud BALDO,
1980), quando falava do capitão-do-mato. Ganham inclusive não apenas das versões
contemporâneas dos senhores de engenho e cafezais, mas também dos “pretos e
pardos”, obtendo resgate do traficante sequestrado.
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Ganha de todos os lados: ganha do dono do negro a tomadia; do
"padrinho" do negro ganha a propina. E, de outros protetores do
prófugo — a esposa, a amante, a mãe — vem-lhe as escondidas a
gorgeta, para que afrouxe a caçada renitente (GOULART, 1971 apud
BALDO, 1980).
A polícia que mata os opositores, enquanto leva às últimas consequências,
sessões que tem o dever cívico como condutor ideológico dissimulador de uma
verdadeira sede sádica de sangue, como condutor de prazer psicológico, - a polícia
que mata - é a ponta executora na rua do sistema de torturas capitaneado pelo DOICODI e pelo DOPS. Numa queda moral, assim como Zimbardo (2008) explica o Efeito
Lúcifer observado em sua experiência de prisão simulada na Universidade de
Stanford, em 1971, quando jovens voluntários incorporam o papel de carcereiros de
outros jovens, deixando que aflorassem condutas degradantes e alguns chegassem
ao colapso emocional em apenas seis dias.
A lógica civilizadora ocidental aponta para a violência, como barbárie
desmedida, mas nas “dimensões não verbais, simbólicas e inconscientes” (SOARES,
2008) como traços culturais e formação de um imaginário coletivo, a violência pode ser
um fenômeno convencionalmente legitimado. Rocha (2013) apresenta dados como:
47,5% dos brasileiros são favoráveis à tortura para obtenção de provas e conclui “a
arbitrariedade policial não é um aspecto isolado, mas é parte de um sistema”, que
alcança a todos, e apela ao combate da criminalidade como guerra, fator este que
temos denominado de “pressão social subjacente – legitimadora do uso da força”,
coadunando-se a Oliveira (2002), quando diz que uma mudança da polícia,
perpassaria necessariamente por uma mudança da sociedade.
Não se trata de legitimar atentados graves por meio de um certo
determinismo social, não é “desculpologia”, parafraseando Philip Zimbardo (2008).
Mas “reformas dificilmente serão realizadas se desconsiderarem os policiais [...]”
(ROCHA, 2013), o que se tem entre os jovens ingressos nos corpos militarizados de
polícia, no Brasil, são inúmeros cativos de um proceder estranho, que por mais
acostumados estejam com ele, lhes doí a alma, desesperados, sem esperança,
perguntam-se: “onde estamos? Que proceder é esse? É o que falo, é o que sei fazer.
Mas não é o que realmente desejaria fazer, nem é o que eu sei ser o certo a fazer”.
Se para Gramsci (apud SILVA, 2003) e Alba Zaluar e Maria Leal (2001),
cooptado pela classe dominante, o Estado "educador" busca construir legitimidade não
apenas pelo uso da força: ele lança mão de outros artifícios de cunho ideológicos,
como a escola e a manipulação do discurso público, como aquele veiculado na mídia.
Mas conforme Silva (2003), se pelo simbolismo paulatinamente aceito, os aparelhos
estatais pretendem “domesticar” as classes “de cima”, já para a massa escrava e para
os pobres livres o Estado (Brasileiro) agia como sisudo pedagogo, com métodos
severos que tinha (e tem) como agente de disciplina a força policial (SILVA, 2003).
Esse “feitor-policial” ou então pedagogo mais severo, não pode ter direitos
de trabalhador reconhecidos, pois as mesmas classes dominantes que cooptaram o
poder regional, não admitem arcar com maiores despesas das forças policiais, pois
acreditam que parte daquilo que é realizado deva ser feito por liturgia, aos moldes
daqueles que estavam na incumbência do serviço público das pólis gregas (SILVA,
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2003). A cultura militar acentua essa discrepância, soldados e comandantes realmente
tem em si incutido o dever por missão, são sacerdotes de um ofício, que mesmo sem
a remuneração pecuniária imediata, devem cumprir. Legitimando sutilmente certas
condutas libertinas do corpo policial, que precisa encontrar por meios próprios o
retorno de seu empenho nas fileiras da corporação.
No Rio de Janeiro e no interior de muitos Estados brasileiros isso é
patente. Os salários dos policiais no Rio de Janeiro, são ínfimos frente o perigo que
representa ser policial num cenário de guerra civil não-declarada. Isso compele os
profissionais a buscarem outros meios de sobreviver ou de aumentar o patamar
socioeconômico de suas famílias.
Eu mesmo vi, no interior do Nordeste, a realidade de abandono do EstadoMetrópole com os rincões do território, nos agrestes e sertões, a fração policial local
depende materialmente dos bons préstimos de empresários, de fazendeiros e de
autoridades políticas. No caso específico do Interior, insatisfatoriamente suportado
pelo poder central da Capital, vemos nisso a continuidade do sistema orquestrado no
período regencial, com a criação dos Corpos de Guarda Permanente ou da Guarda
Nacional ou da Guarda Cívica, assim como muito bem nos apresenta Raymundo
Faoro (2001), do uso dos contingentes locais de polícia como força particular de
atuação dos “coronéis”.
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A massa é feita pra saciar,
a fome dos que a sabem modelar.
Regurgitado pra lá e pra cá.
Bota fermento nessa massa, deixa fermentar.
Que a regra de ouro se faça.
Massa sem adubo não há.
A massa é feita pra saciar.
A fome dos que a sabem modelar.
Pitty
(Trecho da música “Massa”)
CAPÍTULO 7 | ECOLOGIA PROFUNDA DA POLÍCIA MILITAR
Por uma Sociologia Profunda
Hermenêutica hindu-cristã das instituições masculinas e femininas
Neste tópico, inspirado, sobretudo, na obra “Aion: o estudo sobre o
simbolismo do Si-Mesmo” de Jung (2012a), foi realizado um exercício de
hermenêutica com alguns fragmentos da mitologia e de aspectos místicos do
hinduísmo e do cristianismo. A intenção é evidente: conhecer aspectos da relação
entre as potências masculinas e femininas. Trata-se por fim de um preâmbulo
pertinente a alguma “sociologia profunda” das instituições humanas, que usarei para
analisar o caráter predominantemente masculino, agressor ou moderado, das polícias
modernas.
Cabe ainda menção a algumas outras fontes que contribuíram seja
fundamentalmente ou por inserções posteriores. Fundamentalmente este tópico
combina as considerações de Jung (2012a) e as correlaciona com mensagens de
cunho espiritualista, preponderantemente as de Pamela Kribbe 164 (2004) e Luiz de
Paula165 (1987) e Deepak Chopra (2015). Houve muitas inserções posteriores por
meio das reflexões do filósofo clínico, Will Eduardo Goya166 (2014), do Instituto Packter
de Goiânia, em sua crítica à obra “Mal na civilização” de Freud ([1930] 2011), mais
especificamente aos fundamentos externos, fazendo entrecruzamento com Friedrich
Nietzsche e Hannah Arendt.
Matrimônio místico: o atrator civilizacional e o corpo social
Sobre esta dinâmica da relação entre o masculino e o feminino, é
pertinente um exercício de hermenêutica para sondar o conteúdo místico (profundo e
164
KRIBBE, Pamela. Energia Masculina e Feminina, por Jeshua. Canalização do Mestre Ieshua, feita por Pamela
Kribbe, em 12 dez. 2004, em Tilburg, Holanda. Série de Cura. Disponível em <https://rayviolet2.blogspot.com.br
/2014/12/a-serie-de-cura-energia-masculina-e.html>.
165 DE PAULA, Luiz Gonzaga Scortecci (Ben Daijih). Revelações extraterrestres: a história da humanidade e do
planeta Terra. [On-line]. Escrito inicialmente em 25 mar. 1987, revisado em 06 jun. 2005. Disponível em
<http://www.amasofia.org.br/web/DOCUMENTOS/01-revel-ets-dez-2007.htm>
166 GOYA, Will E. Mal estar na civilização de Freud: fundamentos externos. [Audiovisual] 41min28seg. Café Filosófico
com Will Goya. Palestra proferida em 16 mar. 2014 em Goiânia-GO. Disponível em
<https://youtu.be/noSSb8eVbTc>.
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transcendente) de um enunciado da doutrina cristã, no sentido primitivo do
desenvolvimento desse ramo religioso, ou seja, em suas raízes judaicas messiânicas
numa franca tradução intercultural para o mundo greco-romano, no primeiro século de
nossa Era (a de peixes). Comecemos falando de uma figura controvertida, e um dos
principais executores da tal tradução intercultural, fala-se do judeu por genealogia,
cidadão romano por condição jurídica e grego por apropriação cultural: Sha'ul (Saulo
em hebraico), que viria a se chamar em grego: Παῦλος (Paulos) (RENAN, 2003;
ROHDEN, 1941).
Paulo foi um proeminente difusor da fé dissidente e sectária do judaísmo,
que viria a ser o embrião do cristianismo. É atribuída a ele a autoria de cartas enviadas
a comunidades de tal novo segmento religioso pelas províncias asiáticas e gregas do
Império Romano. Uma em particular, dirigida à comunidade da cidade de Éfeso, a
segunda maior cidade do mundo na época, capital da província da Jônia. Nesta carta,
aos efésios da comunidade cristã primitiva, Paulo faz recomendações sobre o
adequado comportamento em grupo a ser seguido (RENAN, 2003; ROHDEN, 1941).
Como norma social, de ditame cultural, o texto é particularmente para o
olhar contemporâneo, um tanto ofensivo e inspirador de condutas de ódio. Creio que
essa interpretação está infundida de uma dose, justificável, de propensão a refutar
imediatamente qualquer inspiração machista, misógina ou homofóbica. Contudo, a
mensagem por si só, conduzida pela metáfora que Paulo fez entre uma certa
associação mística entre Cristo e a Eclésia (Igreja), pode transcender às condições
morais e levar a uma reflexão profunda. Baseio-me em alguns escritos de Deepak
Chopra (2015) para o exercício de novas interpretações do cristianismo.
O trecho será reproduzido logo abaixo, mas é preciso que se evite, nesse
primeiro momento, um juízo de valor que se estabeleça apenas nas formas externas
das acepções dos termos usados:
Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;
Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a
cabeça da igreja, sendo ele próprio o [restaurador] do corpo.
De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim
também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a
igreja, e a si mesmo se entregou por ela.
(Bíblia, Efésios 5:22-25)
Complexo de Paulo versus o Arquétipo do Cristo Integral
Os termos da análise psicológica de Paulo por Jung (1959 apud MACHON,
2016), coaduna-se parcialmente com algumas expressões de Humberto Rohden
(1941): "no centro da vida de Paulo está Cristo – ontem como inimigo, hoje como
amigo; a princípio, alvo de ódio; depois, objeto de amor e glorificação". No centro da
vida do ente civilizacional está o seu cristo, uma emanação integrada do Todo. Um
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atrator diferente pode privilegiar certas características do que a outras, sendo,
portanto, um catalisador de reações que desencadearão na formação de uma
civilização com aspectos diferentes. O mesmo se aplica aos demais grupos sociais de
menor abrangência, como o caso das instituições e organizações. No centro da vida
da instituição policial militar está seu cristo integrado, mas na periferia da dinâmica
psíquica, modelos institucionais podem apontar ora mais para o lado luminoso, ora
para o lado sombrio; ora mais para aspectos femininos, ora para aspectos masculinos.
Houve uma visão que foi predominante no processo de evolução
civilizacional, que corresponde ao patriarcado. A tentativa de um outsider-insider
cosmopolita como Paulo de “ouvir a voz de cristo”, mas permanecer ainda influenciado
por outras matrizes das expressões humanas será aqui denominado de Complexo de
Paulo, é uma tentativa ainda enviesada de uma postura de respeito à diversidade.
Mas tanto a postura recente de acompanhar o soerguimento do elemento
feminino coletivo, bem como esses ensaios de integração ainda viciados, como os de
Paulo, são regidos, ambos, pelo Arquétipo de Cristo Intregral, que neste caso não
pode referenciar historicamente apenas à figura de rabino Ieshua, mas do casal Jesus
e Maria Madalena.
Assim como se pode ver nisto a relação, por vezes apontada pela Cabala
entre Javé e Shekinah (o deus hebreu do Antigo Testamento e o Espírito Santo, como
força feminina); para os que não possam captar o sentido transcendente, por não
poderem cogitar num matrimônio entre Jesus e Madalena, devem supor um tipo de
relação de amor puro como a do irmão sol e a irmã lua: São Francisco de Assis e
Santa Clara. Por isso a relação maridos-esposas (andrasin-gynaikes) pode ser mal
compreendida, na primeira leitura, pois o uso corrente dos termos das posições
inerentes ao casamento ainda denotam dominação de um sobre o outro.
Contudo, vale ressaltar que Paulo, à época, ao contrário do que estou
comentando no século XXI, lá no século I, suas ideias eram radicalmente
transformadoras. Talvez seja difícil para um militante humanitário admitir hoje, mas os
ideais paulinos, apesar de não serem tão profundamente reorganizadores sociais
como os de rabi Ieshua, mas já davam um significativo avanço na derrubada de
cadeias do preconceito e forjavam ambientes para diminuir o impacto da acepção de
pessoas. O próprio Paulo167 e um discípulo seu168, conhecido como Lucas, médico que
acabou atuando como biógrafo-historiador, relatam uma passagem que para defender
o direito de novos convertidos, de origem grega e romana, de não serem obrigados a
adotar as normas restritivas do judaísmo clássico, Paulo entra em uma disputa
acirrada com os apóstolos Pedro e Tiago (esse último, supostamente parente
consanguíneo – irmão – de rabi Ieshua). O episódio seria conhecido como “incidente
Carta de Paulo aos gálatas: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe francamente, porque era
censurável. Pois, antes de chegarem alguns homens da parte de Tiago, ele comia com os pagãos convertidos. Mas,
quando aqueles vieram, retraiu-se e separou-se destes, temendo os circuncidados. Os demais judeus convertidos
seguiram-lhe a atitude equívoca, de maneira que mesmo Barnabé foi levado por eles a essa dissimulação. Quando vi
que o seu procedimento não era segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, em presença de todos: Se tu, que
és judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como
os judeus?” (Bíblia Versão Católica, Gálatas 2:11-14).
168 Livro dos Atos dos apóstolos, capítulo 15.
167
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em Antioquia”, pois o primeiro entrave entre Paulo e Pedro teria acontecido nessa
cidade, o que teria acarretado a reunião do primeiro concílio, o de Jerusalém.
Espero que minha comparação não seja mal interpretada, mas assim
como alguém hoje alheio às preocupações sobre a igreja cristã primitiva, perceberá
esse relato anterior, de uma disputa interna de um dado segmento religioso sectário
do judaísmo, como mais uma banalidade e que muito provavelmente não passam
todos os envolvidos de figuras retrogradas de um mundo culturalmente isolado.
Da mesma forma como essa pessoa, não é capaz de perceber que o
mínimo de abertura (na época, foi o máximo) promovida pela insistência de Paulo, foi
o que proporcionou a integração posterior da fé sectária judaica aos ditames culturais
greco-romanos, viabilizando o desenvolvimento do cristianismo; essa pessoa não será
capaz também de compreender que dentro do mundo guerreiro, existem acaloradas
discussões e posicionamentos diametralmente opostos e que por mais que para uma
sociedade liberal-democrática, todos ali não passem de retrógrados e truculentos neoespartanos, é justamente no seio deles, que se trava a batalha pela hegemonia de
uma corrente liberal como a de Paulo contra uma corrente restritiva como era a de
Tiago.
Como diria Friedrich Nietzsche, mestres não se debatem em tais questões.
Isso seria, portanto, típico da mente de um povo escravo. Não vejo como infrutífero, a
análise contraposta entre Paulo e Jesus, há algo de muito importante, ou diria mesmo,
nefasto na forma como o pensamento de Cristo foi absorvido pelo mundo grecoromano. Chego ao ponto de está dizendo, que quem difundiu o pensamento de
Sócrates foram os seus assassinos simbólicos e da mesma forma ocorreu com Jesus.
E nesse quesito não falo eu, mas deixo que sejam formadas as devidas opiniões a
respeito por meio de Sigmund Freud, o próprio Friedrich Nietzsche, Renè Girard e o
líder cristão Dong Yu Lan169.
Imaginemos como seria uma expansão cristã, com um âmago restritivo.
Provavelmente não teria tido tantas adesões espontâneas, mas ao ser imposto, seria
ainda mais aniquiladora da diversidade cultural de inúmeras localidades onde se
estabeleceu ao longo de dois milênios. Sustento que a ideologia guerreira, não será
superada nesta fase da evolução civilizacional, mas uma versão mais branda precisa
urgentemente ser fomentada, no próprio seio dos guerreiros. Isso porque, dada as
características deles e sua natural tendência ao poder, a hegemonia de uma ideologia
guerreira, de ímpeto mais agressivo, certamente suplantaria os mecanismos de defesa
da sociedade livre e usurparia o poder central, tornando entes como o Estado, em um
Estado guerreiro. Um Estado guerreiro é notoriamente militarmente imperialista e/ou
policial. Nisso estejamos talvez replicando a preocupação gramsciana com o
centralismo estatal, por exemplo, aquele aplicado por Lenin (GRAMSCI, 1982; 2001).
169
Dong Yu Lan é considerado um dissidente entre dissidentes, ele lidera uma porção de um grupo cristão,
sobretudo na América do Sul, que originalmente surgiram da perseguição do regime comunista aos cristãos na
China. Esse grupo se deslocou para os Estados Unidos e posteriormente a célula implantada no Brasil liderou um
afastamento. No geral, esse grupo, como um todo, são de dissidentes entre os cristãos, que pregam uma libertação
das amarras legalistas das igrejas tradicionais. Palestra proferida em 08 set. 2007, no Centro de Aperfeiçoamento
para a Propagação do Evangelho (CEAPE), no município de Sumaré-SP, Brasil. A referida mensagem tratava de uma
diferenciação entre um suposto ministério tradicional, liderado por Pedro (ao qual eu incluo Tiago); um ministério
judicial, liderado por Paulo e um ministério orgânico liderado por João, o evangelista.
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Relação dialógica entre morte pela vida e vida pela não-morte
Outra dificuldade em captar o sentido que o Complexo de Paulo não
consegue fazer em totalidade do Arquétipo de Cristo Integral, trata-se de um óbice que
não raras vezes também nos afeta fortemente: estamos há tanto tempo regidos por
diretrizes de institucionalismo do poder externo (exopoder), tanto nas formas de
patriarcado como de matriarcado, que não sabemos (mais), nem conseguimos
imaginar como se dão relações verdadeiramente horizontais, de auto-organização, por
introspecção de valores e não por imposição de força. E nesse sentido, o patriarcado,
ainda é mais intransigente que o matriarcado.
Essa incapacidade por condicionamento recursivo de exercer uma
imaginação fora do padrão milenar, faz com que, ao falar em polícia, organização
humana do exercício da força-vigor, só se conceba atividade de cunho repressivo e
controlador. Já que esse é o intuito policial último de sociedades de civilizações de
padrão de desenvolvimento masculino (DE PAULA, 2003a; 2003b). Os corpos
militarizados de polícia em contextos de guerra ou discrepâncias sociais acirradas
deixa isso mais patente, já as polícias de trato civil, do modelo inglês, as “blue corps”
[corporações de farda azul-marinho], tentam dissimular esse caráter agressivo e
sombrio. Mas no fim de uma avaliação minuciosa, compreender-se-á que no contexto
social de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino, não há conciliação
entre uma intenção de ser plenamente comunitária e ser “eficiente”. Por que ser
eficiente em patriarcados é notoriamente dominar. Tais sociedades têm internalidades
do tipo escravo, súdito ou cidadão. Segundo Osho (2014): “o mundo não quer que os
homens sejam seres humanos, quer, sim, é que sejam máquinas eficientes. Quanto
mais eficiente o homem for, mais respeitável e mais honrado ele será”.
Não é fácil explicar, hoje, para um fiel defensor do sistema pós-iluminista,
que a internalidade do tipo cidadão, ainda está longe de ser uma manifestação de
igualdade, ela tem em si, o germe de Utopia 170 e patentemente significa que em algum
aspecto há quem não seja cidadão daquela determinada (cidade) Estado. A ampliação
do termo para uma cidadania planetária é adequado, pois toma rumo para a noção
filial, ou seja, de filhos da Mãe Terra. O passo seguinte seria reconhecer, que somos
os filhos mais novos do planeta e que vários outros “irmãos” já estão aí há mais tempo
(BOFF, 2012; MARQUES, 2012) ou como preferir primatas e hominídeos de “irmãos” e
os demais de “primos”, nos termos de Harari (2015). Algo semelhante a São Francisco
de Assis, chamando um pássaro em sua janela ou ao astro Sol de irmão, ou ainda à
Lua de irmã (BOFF, 2012).
Sociedades de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino
adotam o medo, como chave mestra de sua organização. As de padrão de
desenvolvimento feminino, com organização interna fluída (endopoder), tem no amor,
seu combustível propulsor, ou sua fonte nutricional (DE PAULA, 2003a; 2003b).
Portanto, chamaremos para efeitos didáticos de sociedades de internalidades filial ou
discipular. Encaixando no conceito de civilização matrística de Maturana e Dávila
170
O termo germe de Utopia fica melhor esclarecido no tópico conclusivo: Mensagem do verdadeiro espírito
guerreiro.
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(2009; 2012) experiências híbridas entre o aspecto externo do matriarcado e de
internalidades como a filial ou a discipular.
Por isso que não é fácil para uma pessoa com forte herança cultural
patriarcal/matriarcal entender o verdadeiro valor do amor, fora de suas relações
afetivas próximas. O mundo coisificado da pós-modernidade, com seres hedonistas,
no culto extremado a Dionísio (Baco) – versões contemporâneas de “lendas urbanas”
e a cultura cinematológica, relata o caráter hedonista do arcanjo Gabriel 171, além do
endossar tal caráter ao arcanjo Samael – esse culto – faz com que não se possa ver o
amor filho de Afrodite Urânia (amor puro - ágape), apenas sentindo o amor de Afrodite
Pandemos (sensualidade e compulsão - eros) (BULFINCH, 2002).
Nem um dos dois amores é bom ou mau, são expressões da essência ou
da existência, precisa-se de equilíbrio. Sem eros não há gana, paixão, ímpeto de
vencer as adversidades típicas do meio físico; sem ágape não se pode ter contato
profundo com o outro, sem usá-lo como objeto, não se supera os vícios. O Cristo
quando desce faz a função dionisíaca ou de Prometeu, mas precisa voltar a subir,
para não ficar preso na malha ilusória (matrix) de Maia. Portanto, é preciso ter paixão
para empreender a aventura de desbravar, de expandir-se, dar contributo; como é
preciso amar para voltar-se satisfatoriamente para a fonte coletiva, e receber o
contributo. Estamos nas entrelinhas do segredo fundador da dinâmica da
generosidade do “dar, receber e retribuir” de Marcel Mauss (2003).
As narrativas evangélicas dizem que rabi Ieshua, repetiu a regra de ouro,
que já constava nos livros da época de Moisés (em Levíticos 19:18172), que é
selecionada a dedo pelo rabi Hillel173: “não faças aos outros aquilo que não gostarias
que te fizessem a ti. Essa é toda a Torá, o resto é o comentário; agora ide e aprendei”.
No Extremo Oriente, essa regra de ouro é citada pelo filósofo chinês, Mêncio, 400
anos antes de Ieshua: “Para todo homem, existe alguma coisa que ele não pode
suportar que aconteça com os outros. Que este sentimento do insuportável seja
estendido ao que ele consegue suportar, então teremos o sentimento de humanidade”.
Porém, rabi Ieshua, em certo momento, antes de sua crucificação, diz que
ainda há uma expressão maior de amor174. A lição máxima do amor, para Ieshua seria:
“ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”
(Bíblia ACRF, João 15:13); ou seja, ser capaz de doar sua vida por quem se ama. E
nesse sentido, cabe a interpretação tanto do sacrifício de morte, que é doar sua morte
para dar vida, o caso exemplar é o martírio; ou do sacrifício de vida, que é doar sua
vida para que alguém não morra, o caso exemplar é a abnegação total para cuidar de
Cultura cinematológica: Série de TV, “Sobrenatural”, produção canadense, quinta temporada de 2009. Filme
“Gabriel - A Vingança de um Anjo”, produção australiana de 2007. Perceba a correlação: Gabriel é o anjo
mensageiro (Samael era o que transitava com a luz), Eros (Mercúrio) é o mensageiro dos deuses, assim como Ensu
(Exu) é o mensageiro de Oxalá. Ou seja, eles no céu são puros ou neutros, eles na terra são caprichosos e
obstinados.
172 Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu
sou o Senhor (Levítico 19:18).
173 Hilel, o Ancião, (em hebraico: ;הללc. 60 a.C. - c. 9) é o nome pelo qual é conhecido um célebre líder cabalista,
que viveu durante o reinado de Herodes, o Grande na época do Segundo Templo. Estudioso respeitado em seu
tempo, Hilel é associado a diversos ensinamentos da Mishná e do Talmud, tendo fundado uma escola (Beit Hilel)
para ensino de mestres (Wikipedia.org).
174 Will Goya (2014) se refere a essa expressão como o martírio.
171
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um parente com doença terminal, em coma ou em quadro de permanente
dependência.
É baseado na diferença entre essas duas vertentes, que numa
aproximação da tradição cristã e a védica-hindu, não se saberia dizer se o “espírito”
que animou a missão do rabino Ieshua (Jesus) está associado aos arquétipos
representados pelas figuras mitológicas de Shiva ou de Vishnu. O sacrifício de morte é
tipicamente uma postura de Shiva175, que chegou a propor a eugenia coletiva
voluntária (deixar-se morrer) para que houvesse fim na reprodução da falha no “dna
cósmico” dos seres viventes (FREITAS, 2010a). Sacrificar-se em vida, na sua porção
individual, para a manutenção da vida do todo, é uma postura associada à Vishnu.
Essas considerações são relevantes para este estudo porque, é na
condução de atos dialógicos de morte pela vida e vida pela não-morte que se encontra
o equilíbrio. Para quem ver no sistema de pensamento védico-hindu um sistema
politeísta, não compreende que Shiva e Vishnu são manifestação da deidade total. Ou
seja, na deidade integral, criação, manutenção e destruição são fases de um mesmo
movimento cíclico e nenhuma delas é boa ou má por si só. No cristianismo, com a
presença de um deus único, por síntese numinosa gerou-se um dito comum baseado
em suas escrituras sagradas, principalmente entre os seguidores do protestantismo:
“Deus é amor, mas também é justiça”. Em palavras mais correlacionadas com a
dinâmica parental esse dito cristão seria: “Deus é mãe, mas também é pai”. Isso
relaciona-se à integração masculino e feminino essenciais.
Instituições humanas que carregam a tipificação masculina precisam ser
contrapostas a alguma que carregue a tipificação feminina. O sistema de justiça
criminal, por exemplo, tem que equilibrar essas posturas de justiça e punição,
educadoras e vingativas, de controle e liberdade de tal forma que as corporações uma
equilibrem as outras. Ou em um melhor cenário, esses princípios estejam equilibrados
dentro do próprio sistema organizacional, de cada tribunal, e de cada presídio, de cada
delegacia ou quartel.
Eu sustento que apesar de “as polícias” serem um instrumento útil para a
configuração social moderna, elas precisam dosar a medida entre a função
pedagógica social (BALESTRERI, 1998)176 e o ímpeto vingativo. Creio que é uma
ilusão insatisfatória a disseminação da expectativa generalizada na supressão
plena do ímpeto vingativo. As próximas linhas são decorrências baseadas nas
reflexões de Goya (2014), sobre essa expectativa ideal, mas na prática inócua, o
processo civilizatório ocidental (hoje, globalizante) é extremamente deficitário por
175
Essa é uma interpretação peculiar de Rogério de Almeida Freitas (2010a) de textos védicos.
Função pedagógica da polícia é registrada por Ricardo Balestreri em “Direitos Humanos: Coisa de Polícia”, 1998,
quando ele discorre sobre o policial: pedagogo da cidadania, na página 8 da edição da Paster Editora. “Há, assim,
uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de suporte público, antecede as próprias
especificidades de sua especialidade. Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar
o agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado unicamente aos pais,
professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol pedagógico também outras
profissões irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo. O
policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legitimo educador. Essa
dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função policial, quando conscientemente explicitada
através de comportamentos e atitudes.”
176
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promover um ideal não realizável (FREUD, [1930] 2011), por ora177. E nisso tanto a
ética judaico-cristã, como a utopia democrática são fomentadoras do mal-estar. É
preciso reconhecer os impulsos mais sombrios da humanidade e trabalhá-los e não
negá-los. Afinal esse ímpeto agressor, que sublimado é vigor vitalizante, ganha
conotação de Justiça, nos termos de Hannah Arendt (2007), quando adequadamente
equilibrado com a função pedagógica. Nisso precisamos avançar mais na atividade de
sublimação, nos termos de Freud ([1930] 2011), para cada vez mais desviarmos o
ímpeto vingativo para constructos culturais menos ameaçadores de nossa própria
base de suporte à vida terrestre.
Nos termos junguianos, podemos dizer que assim como a sombra social
que se integra ao ego coletivo, para rumar em direção a uma individuação da mente
social. E a meta conclusiva da individuação é alcançar uma integração inspirada no
Self pleno, no arquétipo do Si-Mesmo, na partícula divina central de nosso
equipamento psíquico. Para Jung, tanto cristo na figura mítica de Jesus (o Cristo) ou
na de Krisnha (o Ser Supremo) são exemplos de ápice da individuação e quando
usados como referência de um corpo social como um todo, Cristo se torna o Self-meta
do processo coletivo. E tenho fortes suportes da literatura tanto de Jung, como até
mesmo de Freud, para sustentar que os processos psíquicos pessoais podem ser
vistos no coletivo, como propõe a Psicologia Social, a Sociologia Clínica e as
Psicologias Transpessoais e Integrativas, no aporte de Ken Wilber.
Figura 26 – Composição de elementos masculinos e femininos.
a) Cristo e o hexagrama
b) Tao (yin yang)
c) Chakras
Fonte: a) Vital de igreja na Alemanha, representando uma estrela de Davi, hexagrama com a imagem de cristo do
centro. Foto de Hans Braxmeier, em 20 set. 2014. Imagem do Site Pixabay. Disponível em
<https://pixabay.com/pt/janela-de-cristo-janela-vitrais-699872/>. b) Tao (Yin Yang). Imagem do Site Pixabay. Disponível
em <https://pixabay.com/pt/taijitsu-yin-yang-bola-touro-161352/>. c) Os sete chakras: chakra de polarização neutra
(coroa), chakras superiores (masculinos) e chakras inferiores (femininos). Imagem do Site Wikimedia Commons.
Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Chacra#/media/File:Czakry.png>.
Tradução intercultural e transcendente do matrimônio místico
Para uma melhor compreensão da mensagem e articularmos os subsídios
necessários para fazer a tradução intercultural para nossa época, capturando
elementos transcendentes, torna-se prudente que utilizemos o texto (menos
corrompido pelo tempo) em grego, na versão “recebida” pela ortodoxia da igreja cristã.
Segue fragmento do Textus Recptus, do Novo Testamento versão grega comum,
Carta de Paulo aos efésios, capítulo 5, os versos do 22 ao 25:
177
Por ora, significa, nesse atual estágio evolutivo da civilização, sob fundamento do pensamento de Ken Wilber, o
qual afirma que haverá sim no futuro o estágio adequado para tal tipo de desenvolvimento civilizacional
amadurecido.
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22 – Ai gynaikes tois idiois andrasin ypotassesthe os to kyrio.
23 – Oti o anir estin kefali tis gynaikos os kai o christos kefali tis
ekklisias kai aftos estin sotir tou somatos.
24 - All osper i ekklisia ypotassetai to christo outos kai ai gynaikes tois
idiois andrasin en panti.
25 – Oi andres agapate tas gynaikas eafton kathos kai o christos
igapisen tin ekklisian kai eafton paredoken yper aftis.
(Textus Recptus, Efésios 5, 22:25)
Depois de articular tais subsídios para a compreensão, minimamente,
transcendente, segue enfim uma versão do texto em discussão mais coerente para
nosso padrão cultural atual e oportuno em relação ao nosso momento de “Civilização
em transição” (JUNG, 2012b)178, ou como prefiro me referir, à encruzilhada
antropológica:
(22) Sujeitos com personalidade infundida pela essência
feminina mantenham-se na posição ligada aos mistérios da vida, do corpo
e da terra e deixem que os sujeitos com personalidade infundida pela
essência masculina estejam envoltos dos assuntos do céu, da mente e do
além-vida. Assim como a Terra, mesmo grandiosa, está abrangida por
sistemas de ordem cósmica maiores. (23) Porque, assim como os pontos
transfísicos masculinos estão acima e os femininos abaixo, assim
também o atrator civilizacional conduz acima o corpo social, sendo o
atrator o agente de restauração e integração do corpo. (24) Portanto,
assim como é salutar que o corpo social se permita ser infundido pelo
atrator civilizacional, assim também nas relações internas do corpo
social, os sujeitos femininos permitam-se ser conduzidos pelos sujeitos
masculinos. E dentro da dinâmica bioenergética de cada ser, que a mente
consciente não obstrua o papel integrador do espírito, antes, permita-se
vivenciar as conexões inferiores pelo prisma feminino e as conexões
superiores pelo prisma masculino. (25) Mas nisso, não se deva ver julgo
opressor do masculino sobre o feminino, porque o masculino deve se
doar ao feminino, amando-o, assim como as pessoas de proeminência
históricas e figuras míticas que se permitiram ser infundidas pelo atrator
civilizacional integrador doaram-se pelo corpo social, abandonando-se
para que de suas partes simbólicas, o corpo fosse nutrido.
Cuidado/sedução – proteção/imposição
Posicionar-se abaixo é uma atitude passiva de contexto masculino. Para
quem ler a tradução em línguas modernas, com termos como “submeter-se” e
“sujeitar-se”, crer a concepção assim colocada como ultrajante. Mas é preciso ter uma
178
O mundo esotérico atual denomina de “transição planetária” que corresponde na cultura cristã ao apocalipse.
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cosmovisão ampla (amplitude essa que duvidamos que Paulo tivesse até certo
momento, a interpretação literal das demais passagens textuais associadas mostram
que o apóstolo estava muito comprometido pela herança cultural patriarcal israelita) –
precisa uma cosmovisão ampla – para compreender que o equilíbrio ecológico sutil ou
material precisam contrapor fractalmente em todos os níveis à polarização espontânea
da existência.
No caso dessa mensagem de Paulo, à medida que se pede ao feminino
uma atitude passiva de contexto masculino, pede-se ao elemento masculino uma
atitude ativa do contexto feminino, que é doar-se em amor. O feminino já se projeta
naturalmente pelo amor, o excesso disso torna-se sedução, se quer buscar o equilíbrio
precisa além de sua naturalidade, esforçar-se contra a entropia e esperar a proteção
do masculino. O masculino já se projeta espontaneamente pelo vigor, o excesso desse
tipo de atitude gera uma espécie equivocada de força: a imposição. Se a meta é
alcançar a homeostase, o masculino precisa assumir sua natureza de vigor, mas
empreendendo esforços para usar essa disposição de luta em prol da manutenção do
amor, na forma protetiva.
Aquilo que está infundido de feminilidade quando está em amor: cuida, dá
assistência e carinho; quando se desvirtua, seduz ardilosamente para controlar
internamente. Entretanto, aquilo que está infundido de masculinidade quando guiado
pelo amor: protege, defende; quando sofre desvirtuamento, impõe dominando para
controlar externamente.
Subsídios de uma “sociologia profunda”
Portanto, para o feminino sujeitar-se a um a masculino obstinado no
controle é uma franca decepção, pois o feminino tem armas suficientes para se
contrapor às intenções impositivas do masculino e sua atitude solícita lhe coloca em
perigo frente ao um masculino desrespeitoso. Este debate de hermenêutica hinducristã é, na verdade para nós, uma precedência necessária para um exercício de uma
“sociologia profunda”. É possível ver claramente nessa alusão de um masculino
desrespeitoso fazendo autofagia do feminino, em relações “ecológicas” entre
instituições humanas.
Modelo anglo-saxão de polícia: masculino moderado
Sustento que a polícia moderna de padrão “civilizado”, de trato civil, próprio
para contextos de liberalismo político e democracias indiretas com institutos para certo
exercício de responsabilidade direta, sejam um modelo preponderantemente guiado
pela atitude masculina, menos agressora, mas ainda não voltada para a proteção
irrestrita do feminino. Esse modelo é o anlgo-saxão, e sua maior referência é o inglês
e por isso versões desse modelo com algumas diferenças contextuais e históricas
foram adotados nos Estados Unidos, na Índia, na Austrália e é o modelo para as
organizações de trato civil que concorrem com outras militarizadas em contextos de
atuação mista, como por exemplo: Espanha, Portugal (com a Polícia de Segurança
Pública, PSP) e a própria França (com a Securitê).
Página | 221
Modelo de corpos militarizados de polícia: masculino agressor em
mudança
Sustento ainda que os corpos de polícia militarizados tendem a uma
postura masculina agressora, com características de indutor severo de verticalidades
(SANTOS, 2001; 2012), tratando em alguns casos, em nome da lei e da ordem179, a
população civil nacional como inimigos, já que para esses corpos de polícia a
diferenciação entre população civil estrangeira de território ocupado e inimigos
militares é crítica. Esses NÃO são modelos de polícia habitualmente usados para a
segurança interna dos países, esse é o modelo que teve como umas de suas
materializações o uso do exército romano no policiamento interno das províncias
conquistadas. Fato esse, do uso do exército internamente, radicalmente rejeitado na
Inglaterra, no inicio da Idade Moderna.
A Polícia Militar Brasileira é um exemplar desse modelo que não tem sido
solícito a mudanças que ensejariam uma melhor adaptação ao contexto social, com
nítido soerguimento do caráter feminino. Esse modelo de polícia, na verdade, é para
uso de unidades destacadas de infantaria que acompanham seus exércitos
promovendo a segurança da tropa, impondo disciplina interna e eventualmente usado
nas funções de policiamento da população inimiga estrangeira, bem como na custódia
do inimigo militar rendido ou capturado. Hoje, a organização exemplar mais notória
desse tipo é a polícia militar do exército norte-americano, usado nas invasões
(“ocupações/libertações”) do Afeganistão, Iraque, Panamá e Vietnã.
Outras organizações tem certa influência do modelo acima citado, ou seja,
a mesma raiz das gendarmarias, que remonta a essa alusão ao exército romano. Mas,
contudo, as gendarmarias contemporâneas têm acompanhado mudanças de seus
contextos sociais circundantes e empreendido esforços para uma projeção social de
sua imagem menos ofensiva, mesmo que internamente guardem o espírito de orgulho
em serem militares, ou militarizados. Pode-se citar nesse rol: a Gendarmaria Nacional
francesa, a Guarda Nacional Republicana portuguesa, os Carabineros de Chile, os
Carabinieri da Itália e a Guarda Civil espanhola.
Recentemente a organização que passou por uma mudança acentuada de
projeção social de sua imagem foi a Polícia Nacional de Colômbia e para tanto, a
redução dos números da criminalidade e da violência policial falam por si só. Contudo,
isso não significa que o espírito militar da polícia colombiana foi abatido, talvez, ao
contrário tenha sido levemente restaurado. Em Chile, os carbineros chegam a ser
citados pela população civil urbana e até mesmo por minorias nativas indígenas como
a instituição mais respeitada do país.
São informações que nos fazem paulatinamente entender que algum item
de caráter profundo (institucional-organizacional-social) está com sérios problemas no
Brasil. Mais gritante, seria comentar que desse modelo de gendarmaria surgiu a
versão mais comunitária ocidental de polícia relatada na literatura sociológica do tema:
a Real Polícia Montada do Canadá. Polícia essa que é apontada como a mais
Em algum momento é possível fazer um contraposto entre o “pela lei e pela grei” (grei = povo) da Guarda
Nacional Republicana portuguesa e o “pela garantia da lei e da ordem” como resquício da política de segurança
nacional que autoriza o uso do exército em território pátrio no Brasil.
179
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integrada ao contexto social de base, despontando juntamente com a Polícia Nacional
Japonesa, que em seu caso, parece ser um exemplar de polícia anglo-saxã, infundida
de um caráter viril-honrado que remonta aos tempos dos samurai180.
O caráter viril-honrado japonês
As reflexões de Freud ([1930] 2011) remetem ao inextricável caráter
agressivo do ser humano, violência inata da qual não se poderia desenredar.
Abordaremos, quando oportuno, uma conclusão preliminar sobre a impossibilidade de
“desmobilizar a chave guerreira” repentinamente no âmbito sócio-psicológico, portanto,
apontamos para uma fase transitória de atenuação da original atitude violenta dos
guerreiros por uma filosofia (sabedoria) de serenidade. E o Bushido181, “o caminho do
guerreiro”, ética samurai do Japão feudal é o pilar histórico que sustenta os pontos de
diferença da polícia japonesa de suas correlatas ocidentais. Quando Freud (2011), diz
que entre as válvulas de escape da violência nata do ser humano, podem ser o
trabalho intelectual e a arte, vemos muito bem acertada do bushido, as influências
budistas e confucionistas, tornando “o caminho do guerreiro” (bushi): “o caminho da
espada, mas também o da pena” (KEPLER, 2014). O bushi deve dominar tanto a arte
da guerra quanto das letras, devendo apreciar ambas as artes (KEPLER, 2014).
Deixamos aqui indicações182 de outras leituras pertinentes que podem
ajudar a esclarecer sobre o caráter viril-honrado do samurai: Kaline Cavalheiro (2010)
faz uma releitura das narrativas do herói nacional Miyamoto Musashi, do século XVI, a
partir de folhetins “nacionalistas” da década de 30 do século XX; Any Ortega (2011)
faz uma análise metapsicológica sobre o psiquismo coletivo japonês, mediante uma
adaptação da abordagem freudiana para “realidades culturais distintas da ocidental”
para pensar “especificidades no que tange à estruturação do sujeito e da família” por
outro prisma (ORTEGA, 2011), nisso ela recolhe suas impressões de Sasaki, discípulo
e tradutor de Lacan, que muito se interessava pelo Japão.
Adson Kepler (2014), delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, faz
uma alusão sobre a aplicabilidade do código de honra samurai (bushido) à realidade
da atividade policial brasileira e aponta as sete virtudes inspiradas por esse código:
“Justiça (na acepção oriental), Coragem, Compaixão, Polidez, Sinceridade, Honra e
Lealdade” como “uma solução para essa crise de valores, [na sociedade] inclusive nas
Palavras em japonês, não flexionam para o plural. Interessante à correspondência sobre certo “código de honra”
que transmuta a agressividade em algo até certo ponto benéfico: “Portanto, embora não se trate de uma guerra, é
preciso que o homem seja um guerreiro. É assim que, no Japão, o mundo todo do samurai, o guerreiro, veio da
meditação, e todos os tipos de artes marciais se tornaram caminhos para a paz interior. A esgrima se tornou uma
das melhores formas de meditação no Japão [...]Parece estranho, mas o Japão fez muitas coisas realmente
estranhas. Do hábito de beber chá até a prática da esgrima, tudo foi transformado em meditação.” (OSHO, 2014).
181 Em japonês: Bushi = guerreiro; Do = caminho; “o caminho do guerreiro”.
182 No corpo do texto fizemos constar a indicação de três textos, respectivamente de Kaline Cavalheiro (2010), Any
Ortega (2011) e Adson Kepler (2014). Mas deixamos aqui em nota, mais duas indicações: (1) Daniel Delfino (2004),
com uma ótima análise sob o prisma da Teoria Crítica, sobretudo inspirado em Mészáros, sobre o filme “O último
samurai” que mostra a transição do Japão feudal para o industrial-moderno, no século XIX. E mostra como o
capitalismo corroeu a (2) “alma japonesa”, pois é assim que o já falecido diplomata japonês, que atuou na então
Liga das Nações, Inazo Nitobé, define o Bushido, em “Bushido, the Soul of Japan”, 1908. (1) DELFINO, Daniel M. “O
Último Samurai” e o golpe quase perfeito. [On-line] Espaço Socialista. 23 jan. 2004. Disponível em
<http://espacosocialista.org/portal/?p=72>. (2) NITOBÉ, Inazo. Bushido, the Soul of Japan. 13a. Ed. 1908.
Originalmente publicado em 1904. Versão eletrônica do Project Gutenberg, disponível em
<http://www.gutenberg.org/files/12096/12096-0.txt>. Publicada em abr. 2004.
180
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polícias e na Segurança Pública”, “inserindo-os em sua cultura, o que inclui a cultura
organizacional que pode e deve ser transformada pela inteligência organizacional das
instituições policiais” (KEPLER, 2014). Nisso apontamos a importação do método
Koban para implementar polícia comunitária no Brasil, uma cópia estética, sem
contudo, fomentar a aquisição da base filosófica profunda que sustenta a atividade
policial no Japão. E considerando as diferenças do contexto social nipo-brasileiro, não
podemos deixar de esperar uma adaptação aos traços viris-honrados típicos de nossa
herança cultural, mais à frente abordaremos como referência o código de honra
sertanejo por Luitgarde Cavalvante (2007).
Agressividade: potencialidade latente em qualquer modelo de polícia
É importante salientar, que essas observações quanto às características
de integração masculino-feminino, não eximem a atividade policial, em nenhum lugar
ou época de atitudes típicas do exercício da força-vigor, inclusive mesmo
organizações consideradas menos arbitrárias ou violentas também demonstram em
ocasiões determinadas certo grau de impositividade agressora.
Destaco como exemplo o modelo anglo-saxão de inspiração inglesa que
tem sérias dificuldades para tratar com equidade acentuadas diferenças sociais e/ou
raciais, basta citar três casos: (1) do Departamento de Polícia de Baltimore, no Estado
norte-americano de Maryland, na costa Oeste; (2) da organização policial utilizada
para assegurar o regime do apartheid na África do Sul e (3) da reação da polícia
britânica ao evento denominado de Lodon Riots, em 2011, que foram tumultos
generalizados nos países do Reino Unido, tendo por incitação inicial uma revolta
popular na capital, Londres, devido a morte de um homem (Mark Duggan, negro, 29
anos) considerado suspeito pelas autoridades, mas inocente pela população.
A espera do masculino maduro
Retornando ao exercício de hermenêutica mítica-mística, no esquema
proposto pela metáfora mística do matrimônio entre Cristo (o noivo) e a Igreja (a
noiva), o equilíbrio em forma de harmonia só é mantido porque os dois pólos, os
cônjuges, cometem um erro capital para os contextos de desconfiança generalizada:
eles abandonam-se um no outro. Esse gesto de entrega suprema só se torna possível
em contextos de confiança mútua.
Por isso, na nossa analogia, que redireciona tais reflexões às instituições
sociais dos grupamentos humanos, as ideias principais necessárias para obtenção da
“paz social” é o amor e a confiança. A desconfiança é típica do processo transitório de
adolescência. A entrega natural e espontânea é da infância. A civilização humana está
no caminho do amadurecimento, onde se espera uma re-entrega consentida e
precavida. A atual conjuntura exige, para um soerguimento de uma civilização
equilibrada, o franco amadurecimento do papel masculino, que deve deixar de ter
prazer infantil e egocêntrico em ser algoz das constituições femininas.
Neste sentido, quando se diz que é preciso desmobilizar a chave guerreira,
está fazendo referência à necessidade de aplacar o ímpeto dominador do masculino
em suas expressões coletivas e individuais. Os elementos femininos estão prontos
para seu soerguimento. Quando se diz elementos, refere-se a expressões humanas
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coletivas e individuais: sociedades, tribos, grupos, partidos, redes ideológicas,
organizações, instituições, grupos, famílias e pessoas.
Portanto, elementos femininos que saíram de seu estado de apatia e
desesperança e que estão agora aptos a desenvolver um importante papel nos rumos
civilizacionais, são grupos étnicos minoritários, pessoas anteriormente invisibilizadas;
pessoas com deficiência física, mas não espiritual; complexos institucionais e suas
organizações que tem por função típica expressões de feminilidade como a escola e a
saúde; tribos urbanas de outsiders, que compõe um quadro de alternativas sociais
naturalizadas e manifestações individuais de caráter feminino.
Elementos femininos sociais constituem um quadro predominante do
Terceiro Setor e de uma parcela do Estado e minoritariamente do Mercado e uma rede
paralela aos sistemas especialistas (campos profissionais especializados)
comprometidos com a mudança das bases sociais, em prol de um pleno e integral
bem-estar social.
O elemento feminino, no atual ante momento de transição, está esperando
a manifestação de um elemento masculino maduro, sensível à causa da integração,
adequadamente adaptado à necessidade de proteger o feminino e não de oprimi-lo.
Existem vários contextos da ação humana de masculinidade, mas a que este estudo
focaliza é a expressão guerreira. Entre os elementos coletivos masculinos de
expressão guerreira que precisam reconfigurar-se para tornarem-se esse masculino
maduro não-impositivo, estão os desbravadores, os inventores e os protetores. Ainda
no atual estado de conflito, pela resistência a capitulação do masculino agressivo,
esses elementos não podem ser vistos como desbravadores, inventores e protetores.
Eles são ainda percebidos como exércitos, ciência em prol da morte e da destruição e
corpos de polícia e controle.
De uma forma geral os elementos masculinos constituem um quadro
predominante do Estado e do Mercado, ocasionalmente estão imbuídos de atividades
de cunho fortemente militante-guerrilheira do Terceiro Setor e toda rede de sistemas
especialistas (campos profissionais especializados) imbuídos pela manutenção do
status quo e cooptados pelo mercado (o que numa visão um tanto impregnada de
juízo de valores, pode-se denominar de a Ciência do Mal).
O complexo de Paulo, da civilização Ocidental, admite a existência de
senhores e escravos, da iniquidade entre os gêneros, da diferenciação entre etnias, da
preponderância de genealogias segundo os laços parentais biológicos, mas com
moderação. O complexo de Paulo aceita as discrepâncias de um contexto
excessivamente masculino, redirecionando para uma amortização do ímpeto
dominador. Este foi um instrumento psíquico coletivo necessário, para preparar o solo
para outra melhor semeadura.
Percebe-se, por inferência do que se tem levantado, que este particular
momento histórico, tem se apresentado como a hora da manifestação mais integrada
ao arquétipo de Cristo (integral sem sombras), porque em cristo, essas discrepâncias
não são toleradas, pelo bem da integridade social antiga. Passam a não haver mais
nem senhores, nem escravos; passa haver equidade entre os gêneros, equilíbrio entre
instituições femininas e masculinas, respeito das pessoas que carregam
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preponderantemente expressões masculinas pelas as que carregam as de cunho
feminino, harmonia entre as manifestações internas de masculinidade e feminilidade.
Em cristo, não há raças superiores ou inferiores.
Apesar de termos explicado, acompanhando do raciocínio de Jung (1959
apud MACHON, 2016), que o Complexo de Paulo obstrui parcialmente a manifestação
plena do Arquétipo de Cristo Integral, há, no entanto, momentos que essa
manifestação plena irrompe e toma a consciência dos “paulos” de nossa civilização
Ocidental e cristo pode falar por eles, como fez com Paulo, em outras passagens de
sua vida, mais particularmente neste trecho da carta à comunidade cristã primitiva da
Galácia (na atual Anatólia turca): “[...] já não há judeu nem grego, nem escravo nem
livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Bíblia Versão
Católica, Carta de Paulo aos gálatas 3:28).
Quem é Paulo antes da “conversão” à Cristo? Um perseguidor
fundamentalista religioso que ordenou a prisão e consentiu na morte de homens,
mulheres e crianças “piedosas” e desfavorecidas. Segundo o romance, de um
importante escritor espírita brasileiro, Chico Xavier183 ([1942] 2014), ele teria inclusive
abdicado de seu relacionamento amoroso, com sua noiva, e mandado executar o
irmão dela, seu cunhado Estevão, considerado o primeiro mártir cristão, tudo por
suposta traição a ideologia-fé considerada normal para um judeu daquela época.
Paulo, ainda nominado de Saulo, derramou sangue, matando a carne, na
vã tentativa de impedir que uma "epidemia" ideológica se alastrasse (CROSSAN e
REED, 2007). Mas como uma ideologia cunhada no quintal das cidades mais pobres
da longínqua província da Palestina pôde se tornar potencialmente ameaçadora ao
império Romano? Num terreno sedento por novidades, a "boa nova" (evangelho) de
uma esperança de vida melhor se alastrou como um vírus que acabou por corroer a
estrutura religiosa ortodoxa e sociopolítica tanto da Palestina em primeira instância,
como de Roma em segunda instância (SILVA e MENDES, 2006). Logicamente o
sistema do status quo foi astuto o suficiente, digno de uma análise ao estilo de
Bauman, para aprender a tática de alastramento e combatê-la por intermédio de suas
próprias características, assim como se faz uma vacina ou um soro antídoto. E mesmo
com esses contratempos a governamentalidade prossegue seu rumo totalizante
(FOUCAULT, 1986; 2008).
Paulo era um sacerdote intelectual que matava em nome de seu deus e
que subitamente, na aparência exterior, mas paulatinamente no seu interior, segundo
Jung (1959 apud MACHON, 2016); torna-se um soldado que guerreia sem armas, pelo
discurso, apoiado numa perspectiva tão diferente do mesmo deus, que nos parece ser
ou outro deus ou outro Paulo. E não se trata nem de uma coisa, nem de outra. Tratase em nossa visão de que o "giroscópio"184 manteve-se apontado para o mesmo centro
numinoso do sistema mental geral, enquanto a plataforma ambiental se movia, exigiu-
183
XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. [Contribuição: Emmanuel] Rio de Janeiro: FEB, 2014. Título original
em língua portuguesa, 1942.
184 Giroscópio é um dispositivo utilizado na navegação marítima, na aviação e na atividade aeroespacial, é
basicamente uma combinação de um rotor suspenso por um suporte formado por dois círculos articulados, que
através do princípio de inércia, produz o efeito de demonstrar o desvio da plataforma em que se encontra em
relação a um ponto fixo no espaço, ou seja, tem a propriedade de manter-se apontando para o mesmo ponto.
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se reconformação interna para sustentar a manutenção identitária do sistema em
particular. A associação da noção de giroscópio e o centro psíquico de um sistema
social humano será mais bem desenvolvida no tópico subsequente “Giroscópio da
alternância entre os pares de arquétipos”, deste mesmo capítulo. O que nos importa,
por ora é salientar que se trata, do mesmo homem, do mesmo deus, do mesmo tipo de
causa, com o mesmo vigor fervoroso, sutilmente reorientada na ânima interna de
significado do que seria fazer o bem ou o mal.
Tal movimento e reconformação ocorreu no plano pessoal de Saulo/Paulo;
tal dinâmica ocorreu entre o Cristianismo primitivo e o Império Romano (CROSSAN e
REED, 2007; GIOVANNI COSTA, 1923); tal reconformação é o que se quer da Polícia
Militar quando se deseja que uma máquina de controlar e matar perfeitamente
ajustada aos propósitos do sistema de status quo, seja sabotada e/ou reorientada. O
resultado não será, ao certo, a vitória nem do proponente, nem do oponente; mas a
constituição de uma amálgama, numa clara disputa não de classes, mas de
complexos ideológicos. E tal amálgama, não deve ser vista como fruto de um fatídico
encontro único, mas de um processo paulatino e cumulativo de múltiplos encontros
sucessivos, como nos explica Peter Burke185 sobre hibridismo cultural (2008 apud
BRITO DE SOUZA, 2009).
Em que essa análise feita sobre o comportamento de Paulo e o contexto
do cristianismo primitivo podem contribuir para a compreensão de uma mudança
institucional? Trata-se de uma metáfora, o comportamento opressor de Saulo traduz o
egocentrismo masculino; a nova conduta de Paulo traduz o sociocentrismo feminino.
O que houve, portanto, numa perspectiva ecológica profunda, que
justifique essa contextualização com uma trama entre elementos masculinos e
femininos sociais? Houve, portanto, um transbordo de energia vital psíquica, como
uma variante social da bioenergia de Reich (2009), que compeliu que o sistema, que
na verdade é fluído, passasse ao movimento interno em antifluxo tornando o que era
guiado antes por princípios masculinos, agora ainda apontando para o mesmo centro
estivesse guiado por princípios femininos. Fato esse que contemplamos pelos
exemplos ilustrativos anteriores ocorrerem na dimensão pessoal e institucional. Essa é
a reforma esperada em uma instituição como a Polícia Militar, tão profunda que
aparente ser uma refundação, contudo sem sua extinção de fato.
Mas também vimos que antes que o sistema abarcador, do tipo masculino
dominador, como o é o império Romano, tivesse que sucumbir inteiramente a uma
lógica reversa, ele concede uma anistia na luta ideológica e incorpora seu oponente
promissor.
Devemos trazer à tona, que pelo até agora debatido ao longo do trabalho,
a reorientação institucional de um elemento sociopolítico do contexto brasileiro não
seria um movimento isolado. Essa transição entre um cenário de contexto masculino
para um feminino trata-se de um movimento percebido como necessidade advinda de
uma encruzilhada antropológica geral, sobre a qual voltaremos a discutir na conclusão
filosófico-espiritual deste trabalho em “Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro”.
185
BURKE, Peter. Hibridismo cultural. [Trad.: Leila Souza Mendes]. São Leopoldo-RS: Editora UNISINOS, 2008.
Página | 227
Sobre essa dinâmica de fluxo da variante social da bioenergia,
acreditamos que o dilema do novo paradigma tão sustentado por Fritjof Capra (2006a)
guarda o aviso sobre quão traumático pode ser essa transição no nível civilizacional.
Um novo padrão civilizacional tem sido exigido por fatores ambientais. Só como um
exemplo: o ente vivo (MARGULIS e LOVELOCK, 2002) que suporta essa humanidade,
o planeta Terra, está em convulsões de parto por esse e outros motivos combinados,
como também nos queira dizer Guénon ([1927] 1977), Boff (2013) e Jung (2012b).
E por retroalimentação esse processo se dá em via dupla. O planeta
influenciando a humanidade e vice-versa. E nos parece sensato supor que a
confluência de dois ou mais términos ou recomeços de grandes ciclos cósmicos (reais)
como, por exemplo, a precessão planetária (OLIVEIRA FILHO e SARAIVA, 2016) e a
entrada em um novo quadrante da órbita do sistema solar ao redor do núcleo da
galáxia186 poderiam ter forte impacto na ativação do antifluxo ao qual nos referimos.
Existem processos reais e não metafóricos poderiam está suscitando a necessidade
de mudança de polarização biofísica e consequentemente psicossocial dos padrões
civilizacionais humanos na Terra. A constatação do alinhamento da ocorrência de tais
eventos com conjunturas históricas precisaria de uma análise pormenorizada.
Entre outros, processos podemos citar alguns pelos quais o planeta ou
nossos antepassados hominídeos já haveriam passado, mas não teríamos registros
fidedignos das consequências, nem muito menos parâmetros para prever totalmente
as consequências em uma sociedade moderna tão dependente de tecnologia
eletrônica. A lista de mudanças, ciclos e indutores se avolumam entre a dinâmica do
campo magnético planetário e inversão do pólos (ALLAN COX, 1973; COE, 1995),
explosões solares e consequentes tempestades magnéticas (ECHER, 2006), os
movimentos do magma plasmático (ALLAN COX, 1973), comportamento climático
interglacial (RIOS, 2011), os decisivos momentos de extinção em massa (MACHADO
et al. 2006), o esgotamento da capacidade de sustentação nutricional de grandes
populações de mamíferos superiores, sobretudo, as de humanos (FAO, 2016; EIU,
2017) e os testes de armas nucleares (BORDNER et al., 2016).
Esse conjunto de fatores combinados com a própria dinâmica não-linear e
complexa da estrutura social humana (sociosfera e tecnosfera) e suas confluências no
plano sutil (infosfera e psicosfera) (GUATTARI, 1990; FLORIDI, 1999;) tem exercido
pressão para que o sistema social humano abarcador, ou seja, a civilização planetária
(SANTOS, 2001) converta seu padrão interno de domínio imperial para convivência
mais harmônica e menos conflituosa (CAPRA, 2006a; H. ODUM e E. ODUM, 2012).
Sustento que os guerreiros também são assim. O centro numinoso de
integração do mundo particular deles aponta para uma atitude altruísta e de total
beneplácito ao restante da sociedade, mas seu estado bruto e ainda ligado a impulsos
animistas, fazê-los qualquer um deles, desde o mais agressivo ao mais moderado,
186
Apesar de não haver nenhuma evidência científica contundente de uma passagem para um novo
posicionamento dentro da órbita ao redor do centro galáctico, a suposição de uma mudança como essa e a
magnitude dos efeitos é que é considerada nessa referência. Até antes do estudo da USP liderado por Lépine et al.
(2017), acreditava-se que mais cedo ou mais tarde o sistema solar local poderia em sua órbita ao redor da galáxia,
transitar por regiões de grande convulsão de atividades cósmicas. LÉPINE, Jacques R. D. et al. The Dynamical Origin
of the Local Arm and the Sun's Trapped Orbit. The Astrophysical Journal, Volume 843, Issue 1, article id. 48, jul. de
2017.
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urrar gritos de guerra, tais como o “Força e Honra” mitráico-romano ou os tradicionais
“Brasil!”, “Sertão!”, “Selva!”, “Caveira!” ou o “Missão dada, missão cumprida!” típicos da
formação militar. Portanto, para observadores externos, todos não passam de
ameaçadores homens de guerra, mas entre eles há alguns que por vezes deixam
“brilhar” a luz do Arquétipo do Si-Mesmo integral civilizacional, são nessas dadas
oportunidades rompantes que sentenças como “polícia amiga” ou “polícia cidadã”
realmente fazem sentido.
Sobre algumas últimas considerações baseadas na analogia ao caso de
Paulo de Tarso, deixamos para o tópico sobre “A reconversão do guerreiro” no
Capítulo 9. Por fim neste tópico, destaca-se o termo que foi utilizado no inicio: “para
compreender que o equilíbrio ecológico sutil ou material precisa contrapor
fractalmente em todos os níveis à polarização espontânea da existência”. Justamente
pelo princípio do operador hologramático, ou característica fractal da realidade, que se
a civilização está em transição, as instituições precisam mudar e as pessoas também.
E o processo inverso, também é verdadeiro, justamente porque as pessoas estão
mudando, é que as instituições precisam mudar e, por conseguinte, a civilização
transita para outro estado evolutivo. Algumas pessoas e instituições podem despontar
como “pedras no caminho”, como resistentes em morrer para dar espaço para outras
pessoas ou instituições mais consentâneas com a nova fase.
A formulação conjugada com essa ideia e a análise institucional feita no
exercício de uma sociologia profunda da polícia esclarece-nos que a configuração
atual da polícia militar tem posicionada a si mesma como uma partícula social
resistente a essa mudança necessária, causando sérias consequências à estrutura
sutil da sociedade brasileira.
Corporações policiais como espécies exóticas introduzidas
com potencial caráter invasor
Para compreender a aplicação da metáfora selecionada, é preciso
entender as definições usadas, neste caso sobre a introdução de espécies estranhas
àquele ecossistema específico (ou seja, espécie alienígena ou exótica), deve-se
recorrer às definições empregadas pela Convenção Internacional sobre Diversidade
Biológica187 (CDB) em textos denominados de decisões, esses aí deliberados em
Conferência das Partes (Conference Of the Parties - COP), dos quais Ziller e Zalba
(2007) e LEÃO et al. (2011) fizeram um extrato de algumas definições.
O primeiro termo que se faz necessário definir o conceito, para o uso
adequado nesta metáfora é o de espécie exótica ou alienígena que se contrapõe a
espécie endógena ou nativa. Para o CDB Decisão VI/23, que trata especificamente
sobre “alien species that threaten ecosystems, habitats or species188”:
"Espécies exóticas" referem-se a uma espécie, subespécie ou táxon
inferior, introduzido fora da sua distribuição natural passada ou
presente; Inclui quaisquer partes, gametas, sementes, ovos ou
187
188
Convention on Biological Diversity, estabelecida na EcoRio 92 (https://www.cbd.int/)
Espécies exóticas que ameaçam ecossistemas, habitats ou espécies. [Tradução livre]
Página | 229
propágulos dessas espécies que possam sobreviver e,
subsequentemente, reproduzir (CDB Decisão VI/23). [Tradução livre]
Segundo Ziller e Zalba (2007), “sempre houve na história evolutiva do
planeta o trânsito de espécies entre distintos pontos geográficos e entre ambientes”,
porém antes da interferência humana o ritmo desse fluxo era menos intenso. Sem a
ação humana esse trânsito natural se dá por agentes dispersores naturais: animais
polinizadores, hospedeiros de microorganismos, ventos, águas correntes etc. A ação
antropogênica de fazer a introdução de uma espécie em um ecossistema estranho ao
seu de origem pode ocorrer tanto intencional como não intencionalmente. O homem
escolhe fazer uma introdução deliberada “por diversas razões que tangem fins sociais,
econômicos e até ambientais” (LEÃO et al., 2011). Ainda segundo Leão et al. (2011),
essas razões vão desde fins estéticos paisagísticos e de ornamentação, bem como
“para uso na agropecuária, como alternativa de renda e subsistência para populações
de baixa renda, para controle biológico de pragas”, além de outras razões.
Depois da introdução pela ação humana, a espécie “estranha” passará por
um desafio de viabilidade no novo ambiente. Esse processo de uma espécie exótica
em um novo habitat passar a ter sucesso reprodutivo, com uma descendência viável
com nítidas probabilidades de sobrevivência continuada, dá-se o nome de
“estabelecimento” (CDB Decisão VI/23). A espécie introduzida pode enfrentar durante
anos os desafios para se estabelecer, sempre correndo o risco de não progredir com a
permanência naquele novo hábitat. Mas depois de vencer as primeiras barreiras e
constituir uma população em número suficiente e espalhada pelo terreno, a espécie
alienígena, já adaptada em estratégias adequadas para propagação, pode superar os
limites que lhe eram impostos, sair vitoriosa na rivalidade, no ciclo de algumas
gerações, com espécies concorrentes de seu nicho, tomando características
impertinentes ao conjunto da comunidade local. Esse processo em que a nova espécie
introduzida, passa a protagonizar um desiquilíbrio é conhecido por invasão (ZILLER E
ZALBA, 2007; e LEÃO et al., 2011).
Já a partir deste ponto, propõe-se que a cada detalhamento sobre o
comportamento invasivo da espécie introduzida no ambiente estranho ao seu de
origem, faça-se uma reflexão e passe a vislumbrar que tal panorama pode ocorrer
similarmente com o desenho de instituições trazidas como experiências de sociedades
diferentes. Análises contextuais como essa, em que a dinâmica das organizações e
instituições, tem as organizações humanas como categoria no nível de indivíduo
inseridas em um dado ecossistema social é um desdobramento do trabalho seminal de
Hannan e Freeman (2005).
Portanto, uma "espécie exótica invasora" é aquela “cuja introdução e/ou
disseminação ameaçam a diversidade biológica” (CDB Decisão VI/23). Sabe-se hoje
que espécies exóticas invasoras são “consideradas como a segunda causa de perda
de biodiversidade em todo o mundo” (ZILLER E ZALBA, 2007). E um fator que torna o
problema mais agravado é justamente o desconhecimento sobre ele, não sendo
tratado com a devida importância. Segundo Ziller e Zalba (2007), essa dificuldade
reconhecer o risco iminente está em compreender “que a invasão é um processo
dinâmico e crescente, não um fato estável”.
Página | 230
E mesmo quando a introdução de uma nova espécie alcança o objetivo
econômico pretendido sem que ela cause diretamente danos ao seu novo habitat, ela
“pode levar à introdução acidental de outras espécies a ela associadas, como é o caso
de parasitas associados aos peixes introduzidos em atividades de piscicultura” (LEÃO
et al., 2011). Nisso se diz que instituições podem carregar em si modelos mentais
“parasitas”, são esses que até então estão em harmonia com o hospedeiro que os
carregam. Mas no novo ambiente, pessoas e organizações podem ser afetadas pela
influência de valores e práticas dirigidas pela ação de tais modelos de pensamento
estranhos.
É dessa noção primária, que se pretende chegar ao “transportam as
verticalidades” que Milton Santos (2012) alude sobre o papel concentrador e
simultaneamente dispersor da dinâmica das redes de atores sociais. Pois ao referir-se,
aqui, à dinâmica de introdução e estabelecimento de espécies estranhas àquele dado
ambiente e um possível comportamento de rivalidade perante as espécies nativas, não
está se falando de outra coisa, que não seja a delicada costura da rede trófica e as
diversas cadeias alimentares intercambiantes que a compõe. Ambos os contextos são
redes de agentes interdependentes com papéis sociais/ecológicos distintos. O primeiro
“alerta” ou destaque que se quer fazer com esse uso de figura imagética, é que assim
como a espécie estranha pode firmar entrelaçamentos na rede local e dela passar a
fazer parte, como um processo de integração; a espécie social exótica também pode
nisso, introduzir “regras e normas egoísticas e utilitárias do ponto de vista dos atores
hegemônicos”, constituindo-se a base de um processo desfacelador das marcas de
diferenciação entre as espécies (SANTOS, 2012).
Sutilmente a nova espécie traz consigo novos comportamentos, um acervo
“genético” (memético) distinto, que no seu processo de estabelecimento constitui-se
como contribuição à diversidade do dado ecossistema. Mas progressivamente, quando
esse cabedal de padrões funcionais passa a subsidiar a sua dominância no espaço
social, o que antes era acervo em prol da diversidade, torna-se veículo da gradativa
extinção de outras espécies (SANTOS, 2012; LEÃO et al., 2011; DAWKINS, 2007).
Portanto, a espécie exótica introduzida pode ou não se tornar invasora, na
verdade, com ela pode ocorrer três situações, conforme Ziller e Zalba (2007): (1) não
sobreviver, (2) estabelecer-se e persistir apenas no foco local (3) ou se tornar
invasora. A não sobrevivência é algo típico da transposição espontânea dos limites
naturais, mas quando se trata de uma introdução dirigida, a atividade humana se
empenha em cuidar e facilitar para que a nova espécie progrida. O que significa que
boa parte as espécies invasoras são fruto direto do trabalho humano.
Na metáfora para com as organizações humanas, recorre-se a Hannan e
Freeman (2005), para demonstrar como uma nova espécie de nicho em sobreposição
a uma espécie nativa acirra o processo competitivo e define o sucesso reprodutivo
final apenas para uma delas:
As formas organizacionais, aparentemente, não conseguem florescer
em certas circunstâncias ambientais porque outras formas competem
com essas pelos recursos essenciais. Somente se os recursos que
sustentam as organizações são finitos e as populações têm uma
capacidade de expansão ilimitada, a competição deve acontecer.
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[...]
Se duas populações de organizações mantidas por recursos
ambientais idênticos diferem em alguma característica organizacional,
aquela população com característica menos ajustada às
contingências do ambiente tenderá a ser eliminada. O equilíbrio
estável irá conter, então, somente uma população que poderá ser
considerada isomórfica ao ambiente (HANNAN e FREEMAN, 2005).
Uma espécie que é deliberadamente escolhida para ornamentação e
desenvolvimento rural e econômico, assim o é porque tem qualidades de superação
de barreiras naturais. Entre as características elencadas por Ziller e Zalba (2007),
estão:
1. Fácil reprodução;
2. Crescimento rápido;
3. Vigor competitivo;
4. Flexibilidade para adaptação a diversos ambientes;
5. Período juvenil curto;
6. Produção de descendência abundante;
7. Capacidade de dominância e
8. Boa capacidade de dispersão.
Esses são os vetores que agem positivamente para o estabelecimento da
nova espécie e fazem com que “persistam apenas no foco local” (ZILLER E ZALBA,
2007), mas o sucesso em “melhor” desempenhar seu papel, faz prevalecer sobre as
demais espécies. Segundo Santos (2012), o mesmo se dá para com empresas
disputando o mercado, vindo a serem tais vetores de sucesso uma força
desorganizadora “para muitas atividades preexistentes no lugar de seu impacto”.
Kshatriyas: a casta guerreira
Bagdavah-gita em uma perspectiva sociológica
Tendo em vista que a tradição védica é uma das mais antigas que possui
uma compilação escrita, pode-se creditar a ela no mínimo certa influência sobre
alguns traços da cultura que foi carregada, sobretudo, pelos comerciantes árabes, ao
Oriente Médio e ao Ocidente. O mosaico cultural hindu clássico e a reforma budista,
esta última em menor proporção, provavelmente preencheram as lacunas da
construção da amálgama entre a leitura cristã tardia, a filosofia grega e os elementos
da sociedade romana. Entre as muitas contribuições da cultura indiana nativa original
e a “suposta” cultura invasora indo-ariana, torna-se oportuno destacar o desenho de
engenharia social, denominado de vastas, ou melhor, conhecido como sistema de
Página | 232
castas (SWAMI e ACHARYA, 2003; ANTONOV, 2016; GUÉNON, 1977;
PRIESTLAND, 2014). [referência histórica dos vedas e sua influência na cultura
ocidental]
Na interpretação do cenário social, feita pelo pós-iluminismo, os
estamentos refletem notoriamente a concepção da luta de classes, com a sucessiva
ascensão dos segmentos como instituidor de uma nova ordem. [Estados Gerais
Franceses]. Essa visão tripartite, que oportunamente pelo desencadeamento histórico
registrado, desconsidera os servos e os párias, vem ratificar a abordagem
interpretativa da História, feita pelo professor de Oxford, David Priestland189 (2014),
que vê a história do poder através de períodos alternados da predominância de uma
das três castas de elites, que correspondem aos três Estados Gerais. As classes
seriam (1) os sábios: burocratas e líderes religiosos; (2) os guerreiros: aristocratas e
militares; e (3) os comerciantes.
Se você acompanhar o desenvolvimento da civilização védica até a hindu
moderna, você verá que a percepção de Marx baseado em Hegel estava correta: ao
longo das gerações, a dinâmica social se define pelos conflitos entre as classes e o
caráter hegemônico é determinado por qual ideologia de qual classe predomina
naquele dado momento histórico (PRIESTLAND, 2014). Isso pode ser depreendido do
conflito entre brâmanes e xátrias, segundo Renè Guénon ([1927] 1977), que considera
o "progresso", na verdade um gradativo alijamento, no qual o corpo social vai deixando
de ser conduzido pela cabeça apropriada para ser dirigido pelas classes servis.
E de certa forma é verdade que esse alijamento pode ser percebido, por
exemplo: a era dominada pela classe de comerciantes, vaishyas, que carregam o
signo do vento, ou seja, da circulação que arrasta, se perpetrada por homens
desalmados é predadora, sua orquestração social transmuta arte, dons, talentos e
vocações em meros instrumentos a sua disposição, desfazendo o elo entre caráter
indenitário e o exercício das competências humanas (SENNET, 2009). Porém ainda
mais conflituosa é a subversão dos operários, shudras, marcada pelo sangue da ira.
Assim como nos revela Jung (2000), o arquétipo que carrega o signo da terra costuma
desencadear laços de sangue.
A melhor situação seriam elementos de elite: brahmanas e kshatriyas,
possuindo sensibilidade e correção de caráter suficiente para eles mesmos,
promoverem essa liberalização social. E de classe dominante passassem a classe
dirigente e chegassem ao ápice, como indicado por Jesus: tornarem-se lideranças
servidoras.
Aliás, por mencionar Jesus, deve-se constar que há um tipo de movimento,
que não toma o poder, mas deixa sequelas na estrutura social por séculos ou
décadas. Esse movimento parte dos dálits, dos párias, dos marginalizados e arrasta
as parcelas campesinas mais simples, de vida humilde. Não necessariamente as
lideranças de aglutinamento simbólico são dálits, na verdade, esse tipo de movimento
189
Considerei de suma importância, por ora, registrar que a noção de bionaturalidade do nicho-função social teve
como inspiração as palavras de Krishna, no “Canto do Senhor”; antes mesmo de ter tomado conhecimento do
brilhante trabalho do professor Priestland. Somente depois, através do professor, pude perceber que já havia todo
um legado de análise crítica feita por sobre o mesmo conceito.
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costuma ser encabeçado por um “messias”, nascido em berço de ouro, ou de herança
nobre, mas que em dado momento é inspirado pelo senso de fazer justiça aos dálits.
Tal movimento que se repete ciclicamente pelo globo tende a uma
aspiração que pode ser resumida em: deixem-nos apenas viver, façam cada um a sua
parte com o melhor de si e reconheçam a cada um de nós como seres humanos,
semelhantes em comum união. Jesus, Bhuda e Krishna nasceram em castas
kshatriyas, de origem real, logo manifestaram um comportamento brâmane (sábio) e
passaram a conviver com dálits. Moshe (Moisés) era descendente consanguíneo de
um chefe-sacerdote semita nômade, criado como príncipe da casa real do Egito, tornase genro de um chefe-sacerdote beduíno190. Mhatma Ghandi era de casta brâmane, foi
educado como um aristocrata britânico e nos primeiros anos na África do Sul, atuando
como advogado passou a defender causas de “dálits”.
Mas ora, o que poderia conter no sistema de castas de pertinente sobre
um debate de reforma institucional? Até porque, no imaginário coletivo ocidental, este
sistema somente teria aspectos negativos. Cabe apresentar uma interpretação de
Armatya Sen (2000), sobre a Índia contemporânea, dos séculos XX e XXI, não para
enaltecer em uma promoção do capitalismo, mas como ele mesmo indica, para afirmar
que a democracia, vista como uma manifestação política das liberdades humanas
permitiu que elementos de castas subalternas pudessem fluir dentro da sociedade
indiana e oxigenassem aquilo que já estava necrosando. O que se pretende esboçar
neste cluster específico e estender o debate, aponta para uma “reforma”, que leva
esse nome apenas pela nossa limitada capacidade de fluxo no tecido espaço-tempo.
Na verdade, tratar-se-ia de recolocar “as cousas” (apenas para lembrar do
linguajar de Camões) em seus devidos lugares. Nesta pesquisa em particular, focada
em certa atividade profissional, a saber, das forças de segurança ou agências policiais
(em inglês, denominadas como: Public Safety and Homeland Security) – nesse
particular meio – estar-se-ia, portanto, tecendo uma raiz histórica-genealógica,
concomitantemente com um mapeamento arquetípico daquilo que se pode chamar de
vocação vaishnava kshatriya191 (guerreiro-mantenedor).
A vocação vaishnava kshatriya: o guerreiro-mantenedor
Shivaya kshatriya (guerreiro-destruidor)
Vaishnava kshatriya (guerreiro-mantenedor)
Bramah kshatriya (guerreiro-sábio): estrategista, estratego, general,
político
Não seria, portanto, coincidência que o termo militar em suas variantes de
ação e substantivação seja utilizado por todo o grupo (aparentemente dissociado),
190
Inclusive essa relação entre Moisés, Zéfora (sua esposa), Jetro (seu sogro) e Miriam (sua irmã e sacerdotisa de
culto anímico) é citado por Jung, explicando as relações necessárias para o estabelecimento integral do arquétipo
do Si-Mesmo.
191 Neologismo em sânscrito: como um aprendiz muito primário de um idioma como o sânscrito, é de extrema
ousadia de minha parte, cunhar novos termos. Peço desculpas pelos prováveis erros disso advindos. Por isso, logo
que eles ocorrem seguem os termos correspondentes em minha língua materna, o português.
Página | 234
quando da latinização do fenômeno: o verbo, militar e os substantivos, militante e
militância.
O primeiro véu que dificulta a visão sobre uma vocação guerreiromantenedor está no falso pudor iluminista-burguês que pretende dissociar o elemento
guerreiro das funções de estabilização social. Fazendo que não possa ser
compreendido como se alcança a paz, por simbolismos de guerra. Na verdade, esse
falso moralismo é uma divulgação para as massas, as quais se quer docilizar os
corpos, numa verdadeira: “psicobiopolítica” (apropriando-se e fazendo novo uso do
termo de Foucault). A classe comerciante, vaishyas, tem dificuldades em conter o
ímpeto guerreiro, não sendo para ela possível manter o predomínio social, se não
conseguir imprimir confusão ou a desvirilização da casta dos xátrias. Não obstante, os
vaishyas, ou para nossa visão ocidental, os capitalistas bem sabem da necessidade
do vigor guerreiro quando se trata de controlar as classes subalternas e os párias.
O segundo véu está relacionado à existência de tal coisa denominada
vocação. Predisposição ontogenética ampla, o que inclui inclusive a base filogenética
como pré-história própria do indivíduo. O terceiro véu, que age como escama para o
senso comum, mas há muito tempo tem sido astutamente observado por estadistas ou
estrategistas é a simbiose ou relação de fluxo-continuidade entre Guerra e Paz, ou
melhor, Guerra e Política. Ou guerra e “mundo”. O general prussiano Carl von
Clausewitz disse que a guerra é a continuação da política por outros meios. Michel
Foucault inverteu a sentença e gerou política é a continuação da guerra, para tanto, o
marco fundador da sociedade passa a ser a guerra civil.
Corroborando para a ideia de violência fundadora de Renè Girard, não
sabendo precisar se esse marco coincide com a fundação da sociedade civil, tal como
nos ensina Rousseau, deixando para trás uma sociedade dita natural, ou selvagem.
Esse laço entre indivíduos que articula e integra seria, portanto, firmado no sangue
das mortes da guerra civil. Assim sendo, a política é um cenário onde os vencedores
mantém uma disputa perpétua pelo espólio de guerra, ou seja, os corpos, almas e
mentes de cada pessoa, o destino das gerações futuras, a condução do trabalho, o
usufruto e distribuição dos frutos desse trabalho e a prerrogativa da definição da posse
de bens.
Ontogênese institucional
A polícia é uma instituição de substrato do grupo institucional-modelar
kshatriya (xátria, guerreira), contudo, tem funções peculiares que lhe dão uma feição
híbrida de defensora e cuidadora social. Trata-se de uma instituição guerreiramantenedora, que nem por isso será formada apenas por guerreiros. A casta hindu
guerreira está sob o signo do fogo, sua atividade tem o ímpeto yang, assim se pode
dizer ao procurar similaridades dos conceitos hindus com os taoístas. Em muitas
culturas a divindade de regência da guerra é correlacionada ao fogo, aos vulcões e é
um ferreiro que atua na mineração e trabalha os metais (confusão entre Hefesto e
Ares). Portanto, o fogo guerreiro tem três aplicações no manuseio do metal:
destruição, purificação e modelagem.
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A instituição guerreira-destruidora tem os exércitos como unidade-célula e
serve para expelir fogo ao meio externo e garantir a sobrevivência do organismo social
contra as ameaças do meio circundante e em casos de desorganização crítica, um
recurso de auto-destruição com remanescentes programados. [ethos guerreiro]
A instituição guerreira-mantenedora tem as forças de segurança interna
como unidade-célula, serve-se do o fogo purificador, que remove do metal as
impurezas encrustadas no seio social. Mas sua atividade pode ser desempenhada de
forma difusa por membros que inspirados pelos valores guerreiros, ou seja, reservas
de força do exército, conduzam suas atividades sociais comuns com autoridade
disciplinadora, quer seja o gestor político secular local, o juiz, o oficial de cobrança
fiscal, o professor diretor da escola, o chefe secundário da casa religiosa. É
justamente o caráter discricionário do magistrado romano, que também porta arma;
tanto quanto, o sheriff inglês.
A instituição guerreira-estrategista usa o fogo devidamente controlado para
modelar, continuamente dando forma ao organismo social, na relação ambiente dos
indivíduos organizacionais entre seus demais membros da população institucional
formada por organizações similares, é sempre necessário o uso de contrapesos, pois
a instituição guerreira-estrategista e seus membros melhor adaptados a essa funçãonicho são sagazes e irresolutamente levados à busca pela vitória na sucessão de
jogos sociais pela condução e imposição de seu conteúdo ou forma peculiar a todo o
restante do organismo social. A unidade-célula desse tipo institucional para nosso
modelo político contemporâneo seriam os partidos políticos. Mas ao longo da história e
dentro do conjunto social há outras instituições que carregam o aspecto guerreiroestrategista como essência: reinos, facções, algumas sociedades secretas, o estado e
suas partículas ou dimensões de governo, tais como os poderes e suas casas sedes,
no formato moderno-contemporâneo: Senado, Parlamento, Tribunais, corpos
diplomáticos.
Ao final das contas são todos kshatriyas, podendo membros e unidades
migrarem de espaço-nicho social, bem como esses dois já citados e/ou organizações
inteiras podem apoiar as atividades de seus similares institucionais, vindo até a
substituí-los nas circunstâncias de falência funcional. Os valores e a estrutura, ou seja,
os pontos em comum de forma e conteúdo entre os diversos elementos individuais ou
organizacionais de um determinado estamento, constituí pontos de interconexão que
convergem e articulam a unidade institucional, ou seja, do modelo mental de
funcionamento de toda a função-nicho. Essa abordagem irá sem dúvida soar familiar
aos que conhecem o tema Ecologia das Organizações, no entrecruzamento entre
saberes da Ecologia Humana, Bioecologia e Teoria Organizacional.
Essa abordagem biossocial (ou sociobiológica), de alguma forma aponta
para a existência de células-tronco da cultura, ou seja, aglomerados de memes que
sustentam não apenas uma reprodução de uma recorrente ideia simples, mas todo um
sistema de base sócio linguístico. Por exemplo, com a célula-tronco cultural guerreira,
devidamente modeladas e/ou recombinadas com o “código genético” (base memética)
de outras faixas institucionais, é possível apropriadamente estruturar uma organização
de guerra convencional (como um exército ou um corpo de mercenários), de
espionagem (como as agências de inteligência), de suporte à justiça criminal (a polícia
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investigativa), de segurança urbana (como os corpos de polícia comuns), de instrução
juvenil (como os escoteiros), de ordenamento urbano (serviço de controle de trânsito),
de militância social (tais como os movimentos campesinos pela reforma agrária ou
como organizações não-governamentais ambientalistas), de guerrilha de resistência
(como as FARC colombianas), de atividade criminosa (como as máfias japonesa,
russa ou italiana, os cárteis de narcotráfico ou as facções criminosas-partidárias do
sistema penitenciário brasileiro) ou de guerra santa (como os grupos denominados
pelo Ocidente: de organizações terroristas islâmicas, ou mesmo como foi concebido a
Ordem dos Jesuítas na Contra Reforma Católica ou dos Cavaleiros Templários nas
Cruzadas).
Todas essas espécies de organizações são em sua essência kshatriyas
(guerreiras), seus membros operacionais de primeira linha até os escalões anteriores
as chefias superiores são majoritariamente de “guerreiros”. Membros de suporte e/ou
que não sejam da linha principal de carreira podem ser de outra vocação, predispostos
ou adaptados a outra função-nicho. As atividades das chefias superiores dessas
organizações costumam exigir dos ocupantes que tenham ao longo do percurso e
aprimoramento nas atividades exclusivistas, acumulado conhecimentos, habilidades e
atitudes generalista, próprias do conjunto geral da comunidade institucional, que não
apenas sua organização; bem como certo grau de compreensão sobre o
funcionamento do todo social que sua instituição modelar se relaciona
recorrentemente (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000).
Essa é uma visão muito aproximada daquilo que Robert Katz, delineou em
“Skills of an Effective Administrator”, publicado pela Harvard Business Review, em
1955, alçado a um clássico da Teoria Organizacional, tópico inicial obrigatório dos
compiladores de obras de introdução à Teoria Geral da Administração. As habilidades
inerentes à atividade de conduzir processos e pessoas são, segundo Katz, de três
tipos: técnicas, humanas e conceituais. Da primeira para última, tem-se da mais
específica para a mais geral. De certa forma, está aqui sendo feita a proposta de
inusitada correspondência, das habilidades pessoais desenvolvidas ao longo da
carreira profissional para com o predomínio das características mais marcantes da
própria cultura organizacional. Ou seja, não somente os indivíduos, mas a organização
a qual eles estão vinculados tem para com o restante do ambiente social uma
identidade institucional que corresponde a um desses três “estágios” de
aprimoramento (CHIAVENATO, 2000).
Assim se pode dizer que uma instituição guerreira-destruidora, terá um
maior número de membros com essa mesma propensão, bem como estarão
submetidos a ritos, compartilharão mitos e ostentarão e cultuarão símbolos que
reforcem essa característica. O que não deixa de exigir para um equilíbrio
organizacional que ela possua em seus quadros membros com propensão diferente
que ainda guerreiros, sejam mantenedores ou estrategistas (jogadores). A
organização ainda pode ter membros que não sejam guerreiros. Por exemplo, os
setores de comunicação e logística exigem que despontem indivíduos essencialmente
vaishyas (comerciantes), mas que tendam à guerra, ou a situações críticas e de
emergência. Essa tendência pode ser nata ou adquirida pela primeira educação
(sobretudo a familiar/escolar) ou por adaptação através do processo de formação do
profissional (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000).
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Nas altas chefias de uma instituição guerreira-destruidora, ter sido um
soldado sanguinário, pode não ser uma boa credencial, um feito ou outro dessa
natureza pode lhe conferir a experiência e a legitimidade para ocupar o posto de
comando, mas nesse nível o primordial é que seja também um político, um professor,
um sábio inspirador, um administrador, um comunicador, funções inerentes a outros
grupos de funções-nicho (KATZ, 1955; CHIAVENATO, 2000).
Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal
Espera-se fazer jus, aqui, ao mérito do padre católico Jaime Carlos Patias,
tendo em vista que por meio de seus artigos, sobretudo o “O sagrado e o profano: do
rito religioso ao espetáculo midiático” (PATIAS, 2009), ter servido a este de introdução
aos estudos dos autores mais relevantes sobre o sagrado, rito, mito e sua relação com
a violência e o espetáculo no contexto arcaico, clássico e contemporâneo. Então na
metáfora, aqui denominada de rito sacrificial, usou-se de conceitos de autores como o
romeno Mircéa Eliade (2001), por ora já referenciado; Claude Rivière (apud PATIAS,
2009); o antropólogo, Aldo Natele Terrin (apud PATIAS, 2009); o próprio David Émile
Durkheim, com “As formas elementares da vida religiosa”, (obra original de 1912) e de
sobremaneira, pelo desenvolvimento dos conceitos de violência fundadora, bode
expiatório, desejo mimético e a consequente escalada da violência pela rivalidade
mimética de Renè Girard (1998).
Nas próximas linhas, o sangue será referido como capaz de carregar
simbolicamente poder, magia e refugo, na forma de impureza. Ele é vida, mas também
é morte. Fluindo no interior é vida, jorrando de dentro para fora é prenúncio de morte,
contudo, sendo espargido ou derramado, mesmo que proceda da morte de algo, para
os outros traz vida. Essa característica ambígua também é vista na expressão de
violência e força por Michel Foucault (2003). Um caráter que desestrutura e em
seguida estrutura.
Numa era em que a ordem se liquefaz e os mais densos sentidos se
desfazem, como não ficar enebreado por uma atuação, que permite acesso às classes
subalternas, reveste-se com o manto do sacerdócio, encarna o mito do herói e no
mercado das trocas simbólicas lhe aufere lucro, obtendo um valor-capital cada vez
mais restrito (GIRARD, 1998; MUNIZ, 1999; BOURDIEU, 2007).
Lida-se com o sangue, um dos materiais mais impactantes e efetivos no
processo de transferência simbólica de poder. A civilidade transmutou instituições para
operarem com o sangue mediado por instrumentos, com luvas cirúrgicas para que os
agentes manipuladores não se contaminassem. Então o mais alto clero do sistema
penal, usa a caneta, a pensar na tinta como sendo o próprio sangue. Ao policial
também é imposto o uso de instrumento inibidor do contato direto, mas o poder
atrativo, quase que mágico, desempenhado pelo sangue, compele-no a tocar, nem
que seja uma vez, ou poucas vezes, ou apenas no discurso de uma possível vez, para
sentir-se ilusoriamente imortal (GIRARD, 1998).
Alguns, não mais alcançados pelos laços do superego coletivo,
autoafirmados em um resultado de engradecimento do ego, que agora se apossa de
símbolos antes guardados e refutados no id, - esses alguns – não somente tocam,
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mas bebem o sangue da vítima sacrificial, o qual está infundido de altas cargas de
adrenalina, extremamente viciante, fará com que esses justiceiros em um descontrole
não se submetam à sacralidade do rito expiatório, profanando-o e não mais servindo
para impedir a propagação da violência comum, sendo eles mesmos os algozes de um
virulento movimento vingador sem sentido social legítimo (GIRARD, 1998; FREUD,
1996).
Os detentores da caneta com tinta de sangue: a alta classe do sacerdócio
das diversas manifestações decorrentes do liberalismo-iluminista, em um discurso
digno de serenos conselhos de anciães, não propõe o fim do uso da violência, sem a
qual não exerce o domínio. O sistema por eles engendrado articula engenhosamente
paz e guerra, interna e externamente aos limites de seu território dominado.
Ressignificam elementos, tais como a violência fundadora, para avançar no propósito
de tornar o arbítrio explorador cada vez mais invisível ao explorado, o que
paulatinamente faz ser impensável a contestação que realmente toque na estrutura e,
porventura, venha a ela abalar. Afinal, segundo Foucault (2008), o modelo
engenhosamente arquitetado para governar mentes e arrastar com isso a força
produtiva do corpo, usa o tripé polícia, exército e diplomacia.
Considerando que as “técnicas de polícia”, descritas por Foucault (2008)
não dizem respeito apenas às atuais agências policiais de segurança, mas a todo o
“bom” propósito de civilidade das polícias do século XVIII e XIX, isso abrange o
sistema penal, jurisdicional e administrativo ordenador e fiscalizatório. Esse sistema,
portanto, exige dos antigos verdugos, a substituição da patente opressão pelos jogos
de conflitos e tensões, em pseudoevolução moral, para que atuem como classe
sacerdotal servil. Os policiais, então, continuam em rito, preparando as vítimas de
expiação, mas agora desautorizados a degolá-las, devem entregá-las ao “brando e
sapiente” sistema judiciário. Assim pode-se associar a governamentalidade da teoria
foucaultiana como um desenvolvimento das estruturas primitivas de ordenação
coletiva de Girard (1998), que explica sobre a substituição, que entregou à Justiça o
poder de expiação em lugar ao sistema sacrificial primitivo.
Antes de continuar sobre esta base conceitual explicativa que não
inadvertidamente correlaciona pensamentos filosóficos e sociológicos de correntes
francesas aparentemente díspares (Foucault e Girard), é preciso esclarecer
especificamente o uso do conceito de “jogos de conflitos e tensões” e as decorrências
disso, para o papel de verdugo, ou de sacerdote servil desempenhado pelo policial.
Afinal de contas, o lendário popular (na paixão de Cristo) não se esquece de afirmar
que justamente são os “soldados” na função de auxiliares da autoridade políticajurisdicional, que aplicam a pena legitimamente prolatada e podem fazê-lo de forma
sensata ou sádica. O Ocidente tem a imagem do deus-inocente torturado e
escarnecido pelos soldados romanos antes da crucificação de Cristo, ou seja, se
existe uma alta casta de magistrados que operam o sistema penal em substituição ao
rito sacrificial religioso, existe também uma casta de sacerdotes servis que operam
diariamente pequenos julgamentos e aplicações de “penas” sumárias que “mantenham
a ordem”.
Um dos momentos que me ascendeu a luz vermelha de alerta, sobre
quem eu estava me tornando e a que tipo de coisas eu estava cedendo meus
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princípios, foi quando ao assistir Paixão de Cristo de Mel Gibson, eu
simplesmente ri, dei gargalhadas e fiquei muito entusiasmado com a cena de
tortura de Jesus pelos soldados romanos. Eu estava exultando, dizendo: “toma
safado, para aprender a ter respeito pela autoridade”. Até que tive que parar e
me dar conta de que eu estava falando do “Filho de Deus” e que ali ele
representava todo aquele que lutava pela alteração do status de injustiça social.
Baixei a cabeça e comecei a chorar. “Meu Deus, que tipo de monstro estou me
tornando?”. E assim eu descobri que se você não é um torturador, um
sanguinolento, um ladrão ou um carniceiro, de tanto se envolver em situações
da manutenção da ordem que por si só é “assassina” e injusta, você não terá
escapatória, mais cedo ou mais tarde, você também será um assassino ou um
cúmplice.
Apesar do conceito de “jogos de conflitos e tensões” referir-se melhor aos
espetáculos tal como as antigas disputas de gladiadores ou a contemporânea saga
futebolística; ele vem aludir a todo o engenho midiático que transforma pequenas
realidades vividas na janela local em organizadores simbólicos, capazes de modular,
impondo um dado ritmo ao “pensar” coletivo. Ou seja, se não há guerra, que se mostre
uma, ao menos na favela (no aglomerado, na grota, no gueto, no Oriente Médio, onde
quer que seja), para que se possa perceber como se uma guerra estivesse vivendo.
Se não há espetáculos públicos de suplício, assim como nos relata Foucault (2003),
onde levar a família para um “emocionante” piquenique no fim da tarde? A resposta
talvez esteja no sucesso da mídia sensacionalista, outrora cunhada nas páginas
policiais dos jornais, hoje melhor representada pela grande audiência dos programas
televisivos do mesmo tema ou o número de visualizações dos sites especializados na
Web.
Mídia essa que se alimenta justamente das pequenas realidades vividas
na janela local e as serve aos inconscientes pessoais para que em sua digestão
possam encontrar os nutrientes necessários para uma “doentia”, mas mais que
necessária expiação e autopurificação. O tal sensacionalismo, consegue em poucos
minutos trazer à luz, o comum obscuro de alguém, em uma sequencia de tragédias,
antes de quem sabe lá, para se tornar minha e sua, ao ponto, de sentir que a qualquer
instante pela porta de casa adentrará um estuprador, um ladrão, um assassino ou que
se possa ser atingido por uma “bala perdida”.
Há uma produção involuntária de uma série bioquímica, cria-se uma
condição favorável para que janelas entre o inconsciente e o consciente se formem, e
“fatores” no sentido arquétipo de Jung (2000) e “contextos” como diz Goswani (2005)
possam manifestar alguns de seus aspectos. Gerando um clima permanente de
tensão, uma massa amedrontada, mas não o suficiente para incapacitá-la de produzir,
só o necessário para que abdique de sua prerrogativa de autogoverno, por patente
impotência em promover autosegurança e docilmente submeta-se a, ou até mesmo
implore, o “acalentar” do pulso forte de seus pastores, príncipes e sábios.
Essa liderança simbólica, essas castas ou estamentos, que melhor operam
os instrumentos do sistema formam um sacerdócio, assim como nos diz Benjamin
(2015). Tendo por arquétipos regentes, ou divindades cultuadas, Marte (deus grecoromano da guerra e da carnificina) ou Mamon (deus semita da ganância e
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personificação do “dinheiro”), eles formam o Sacerdócio do Mal. A expressão “mal”
nesse sentido, em nada deve ser associada a um julgamento moral subjetivo, trata-se
apenas de uma constatação de que esse sacerdócio, culto e religião essencial do
sangue e da posse (do ter, do capital) são estruturas simbólicas que compelem a
construção de uma realidade desarmônica ao “espírito” humano em seu estado livre (o
que se assemelha a noção de emancipado, mas não assim tratado, já que é
impossível está fora da teia da vida numa concepção ecológica profunda). Portanto,
para os que compõem o dito “sacerdócio do mal”, nada existe de maléfico em sua
conduta, há sim uma defesa pela persistência/sobrevivência de um sistema simbólico.
Retornando aos jogos de “jogos de conflitos e tensões”, pode-se perguntar:
quer melhor forma de domínio que essa? O dominado pede desesperadamente que o
dominador o possua. Nunca foi tão fácil para um assediador deflorar uma virgem. Nem
Vlad, nos contos de Drácula da Transilvânia, poderia orquestrar uma sedução a suas
presas como essa. Mas quem nessa circunstância toma o lugar de Vlad, quem são a
classe de vampiros, que secretamente se alimentam do sangue e do suor-labor das
multidões? Assim como Drácula, eles são brandos e sapientes. Em seus círculos de
irmandade e confrarias, a alta classe do sacerdócio do Estado-Capital, assinam
tratados de repúdio a patente opressão e carnificina. Mas são os promotores dos jogos
de conflitos e tensões, que simbolicamente e/ou materialmente sanguinolizam as
massas e por isso há de se falar em pseudo evolução moral. Eles estão de toga, terno,
paletó, vestimentas indumentárias que servem quase que como um avental e aí se
tem um dos instrumentos inibidores do contato direto com o sangue.
Pobre policial (será que pobre mesmo?) só queria “servir e proteger”.
Alguém precisa ser o algoz, quem vai puxar o gatilho e se sujar de sangue no lugar
dos civilizados irmãos da confraria.
Voltando agora a dinâmica ritual da violência fundadora tal como nos diz
Renè Girard (1998), pode-se afirmar que não há dúvidas que o sistema previamente
ordenado, em tais bases, irá desautorizar o morticínio e fazer dos próprios algozes,
novas vítimas sacrificais, ad hoc et pro tempore, justificando tal fato, sobretudo, pela
transmissão feita aos policiais, da impureza das vítimas imoladas, por meio do sangue
que delas, eles beberam.
“Adrenalina no sangue”: resistência à perda de capital
simbólico acumulado
Na Introdução, foi utilizado o termo sabotagem. Entre tantos regentes do
comportamento que já foram citados e ainda serão esclarecidos, este do caçadorguerreiro é significativamente mais decisivo, como motivação da tal sabotagem
institucional. Naquela etapa do texto, problematizou-se da seguinte maneira: Por que
alternativas socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis são rejeitadas
pela instituição? E assim como foi feita na Introdução, deve-se novamente perguntar:
para quem essas alternativas são mais legítimas, mais eficientes?
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A abordagem sociológica convencional do tema de alguma forma parece
não dar conta de desvelar vivências experimentadas na profundidade da cultura
institucional. Os profissionais de segurança pública supostamente cometem
“sabotagem” aos projetos reformuladores, com um empenho notoriamente mais
resistente a outros processos de mudança organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978;
MUNIZ, 1999; SOARES, 2000; OLIVEIRA, 2002; VASCONCELOS, 2007; ROCHA,
2008; LIMA e LIMA, 2013; RATTON, 2016).
Comportamento social sem consciência a real motivação interna
Desde já, deve-se esclarecer que não há juízo negativo de valor em
relação a essa dinâmica, chamada de sabotagem. Assim como explica Freud,
algumas de nossas reações, que externamente se apresentam como lapsos, falhas,
mero equívocos ou até incidentes ocasionais são, na verdade, expressões de nossos
desejos reprimidos, que são atentados por convenções sociais que nem ao menos
permitem a manifesta insatisfação verbal. Freud usa algumas ilustrações para
demonstrar que as parapraxias, ou atos falhos, apontam se observadas
cuidadosamente para uma intenção sutil, não consciente (FREUD, 1996). Agora
chegou o momento de esclarecermos mais um pouco a citação a Giddens (2003) feita
no tópico de Justificativa no contexto introdutório desta dissertação: “a motivação
inconsciente é uma característica significativa da conduta humana”.
Portanto, uma pessoa que esquece algo ou um nome, pode ter oculto o
desprazer que o objeto em referência impõe. Entrar no ônibus errado, sentir vontade
de ir ao banheiro pouco antes de uma viagem, ou ficar “se batendo” para achar o
bilhete de passagem, pode ser mais do que efetiva desorganização, pode está envolta
da vontade de não seguir viagem (FREUD, 1996). Trata-se de aparentemente de uma
sabotagem do inconsciente para com a capacidade volitiva consciente. Portanto, não
há porque ter surpresa em discursos operados simbolicamente pela linguagem que
queiram dar uma explicação plausível para esses atos não desejáveis, para aquilo
que, na verdade, é uma manifestação do desejo não perceptível conscientemente pelo
próprio agente volitivo. Entremos primeiramente no contexto do ânimo do jovem tribal
guerreiro, para que possamos reutilizar essa partícula do pensamento de Freud
(1996).
Polícia: mercado de troca de capital simbólico
O insucesso, dos projetos institucionais de reformulação192, esconde uma
percepção silenciosa de que elementos viris, que obtiveram um ganho no mercado de
itens simbólicos, não pretendem abrir mão, daqueles amuletos totêmicos ou talismãs
abstratos que os fazem ser alguém, que os liberta da infeliz sensação de ser um
qualquer na multidão. Esses itens simbólicos valem mais que dinheiro. Esse
entendimento sobre um capital simbólico oriundo de outras fontes de poder social, que
192
Projetos institucionais: a perspectiva do uso do estudo comportamental quanto à administração de
organizações (gestão de empresas) pode ser vista com melhor precisão no tópico 1.2. Organizações como Prisão
Mental, do Capítulo 1, onde Gareth Morgan (2002) faz uso de metáforas para esclarecer como questões de fundo
inconscientes da dimensão psicológica dos membros da empresa podem afetar o andamento dos negócios.
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não a material-econômica, rementem instantaneamente a prismas teóricos como os de
Pierre Bourdieu (1986) e Michael Mann (2005).
Essas outras fontes, auferem honra, glória, status social. Essas vantagens
podem ter seu lado pejorativo, mas há ganhos que são incontestavelmente “bons”,
pelo menos pelo contexto moral das sociedades contemporâneas. Esse é o caso da
satisfação de dever cumprido, o ser necessário e poder servir (FREUD, 1996;
BOURDIEU, 1986, 2007; MANN, 2005).
Qual projeto de reestruturação institucional, visando uma otimização
gerencial ou um pretenso avanço moral, vai convencer complexos de consciências
individuais (com seus conscientes psicológicos e seus elementos inconscientes,
difusos e autônomos), que perder todo esse capital simbólico é, ao fim, vantajoso
(BOURDIEU, 1986; KOTTER, 1997; JUNG, 2000; BERGUE, 2010; MORGAN, 2002).
Se fazer isso para com indivíduos é tão improvável, o que dizer de conquistar a
adesão (in)“voluntária” de (in)conscientes coletivos em prol de uma empreitada que vai
corroer os elementos que lhes fazem ser o que são? O resultado é rejeição, mesmo
que seja silenciosa e simulando cooperação.
Sob o signo de Marte
Paulatinamente deseja-se desvelar essa característica arraigada, que aos
olhos de quem não conhece tal realidade pareça a princípio um paradoxo. Porque
realmente a cooperação, a disposição para operar a mudança institucional parece
sincera. Contudo a rejeição a tais intentos ocorre, mesmo sem que os indivíduos
tomem plena consciência dos processos subjacentes. Para esse desejo de desvelar,
oportunamente cita-se o trabalho realizado pelos professores da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Carlos de Albuquerque e Eduardo Machado, intitulado “Sob o signo
de Marte: modernização, ensino e ritos da instituição policial militar”, que em 1999,
entrevistaram 27 alunos do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar daquele
Estado.
Segundo Albuquerque e Machado (2001), a presença dos acadêmicos
fazia parte de esforços por um novo programa de formação de oficiais, não obstante
os depoimentos davam conta, entre outros fatos, de uma atividade denominada
Jornada de Instrução Militar (JIM). Essa atividade consistia em uma experiência de
campo, conjugada uma marcha, um acampamento e jogos de instrução militar 193,
durante seis dias numa porção de Mata Atlântica, próximo à cidade de Salvador.
Mediante as falas dos próprios participantes-entrevistados foi possível perceber que tal
atividade se tratava de um “rito iniciático feroz”, reforçador da identidade selvática,
numa absorção do imaginário típico do Exército. Uma identidade tecida sob atos de
“Longe do recinto acadêmico, alojados em barracas, experimentam situações de frustração extremas. Similar aos
treinamentos tradicionais, que conjugam, a um só tempo, técnicas de sobrevivência na selva com velhos
ensinamentos antiguerrilha, a JIM se processa num ritmo estressante, baseado em táticas que estimulam a
ansiedade e o medo, produzindo um estado psicológico de absoluta alerta emocional. Para criar esta atmosfera, o
grupo de aprendizes é dividido em dois subgrupos tornados rivais, dentro da perspectiva conhecida como
mentalidade do inimigo, estabelecendo um confronto bélico contínuo entre eles” (ALBUQUERQUE e MACHADO,
2001).
193
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violência e submissão do outro e que as marcas ficavam gravadas nos corpos 194
(ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
O dilema para o qual esse breve relato serve de ilustração, é o paradoxo
entre uma pressão social por mudança institucional, a aparente disposição formal em
colaborar com tal projeto e a dissimulada e informal atividade de resistência. Para
efeito de tal ilustração, cita-se Albuquerque e Machado (2001), quando problematizam
o efeito daquela tal identidade selvátiva tecida sob violência: “para esta identidade da
selva emergir ela deve se opor a outra identidade”. Essa outra identidade é o “novo
perfil policial” que “o novo currículo tenta, em vão, sustentar entre as grades de
disciplinas”. Os professores baianos parecem até mesmo se admirar com essa atitude
paradoxal:
Foi a própria Corporação que contratou especialistas para a
elaboração de um novo currículo, capaz de dar conta de uma nova
fisionomia policial. Paradoxalmente, ela sustenta e celebra ritos que
são formas de enfraquecer e boicotar essa mudança
(ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
Entre os alunos entrevistados, apesar da baixa faixa etária e de estarem
no segundo ano de curso, existem aguçadas análises sobre seus próprios
instrutores195. Mas o que chama a atenção, para fins dessa ilustração,
indubitavelmente é o sentimento de ambivalência196 produzido nos alunos, submetidos
ao rito-instrução e inclusive no ato dos pesquisadores em admitir que, talvez, a
atividade de campo guarde algumas necessárias características desejáveis:
Os conteúdos vividos na JIM tanto podem opor-se aos propostos no
currículo oficial como, algumas vezes, podem complementá-los. [...]
Complementam porque qualificam e aprofundam traços dessa
imagem, reforçando aspectos desejados que o currículo novo não
equaciona. [...] Em outros termos, a JIM é um meio de desautorizar a
emergência do traço modernizador na cena acadêmica, constituindose numa espécie de currículo rival, disposto a fagocitar o novo e
corroer a implementação de modalidades renovadas de formação
policial (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
“Levando em conta que a transmissão de certos códigos identitários se realiza mediante a provocação da dor
física (Clastres, 1990), a JIM também busca inscrever seus conteúdos nos corpos dos iniciados. O ciclo de exercícios
inclui, portanto, a aquisição de uma marca corpórea que deixe registrada a fúria do rito, conforme Santiago (21
anos): ‘muitos aqui na sala, agora, estão usando agasalho e não é porque está frio, mas é que conseguiram uma
lesão na JIM e escondem a marca’” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
195 Segundo o aluno (aspirante com são chamados na Bahia) Denilson de 23 anos os instrutores: “apresentam pouca
maturidade psicológica para uma experiência de fortes dimensões emocionais [...] revelam falta de habilidade...
demonstram isso com abusos e arbitrariedades, se vingam ali de rixas antigas”. Carolina de 21 anos alega sentir
“decepção com instrutores pela utilização do traquejo” o que denotou “pouco ou nenhum profissionalismo para
uma missão daquela”. Para Raul (22 anos) ao assim agirem os instrutores “revelam-se arbitrários, são a cara PM
mascarada, a verdadeira PM injusta”.
196 “Indagados se a JIM poderia ser um fator de aumento de eficácia policial, o grupo se dividiu entre, por um lado,
os que concordam em parte e, por outro, os que discordam totalmente disso. Para os que concordam parcialmente
com o treinamento da selva, a principal vantagem deste é que os precipita numa realidade mais próxima da que vão
encontrar. Esse é o caso de Joseval (22 anos): ‘Acho que os instrutores da JIM sacam que a gente sai da academia
super despreparados e eles querem dar uma pitada de realidade na simulação da JIM’” (ALBUQUERQUE e
MACHADO, 2001).
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A oposição entre o ambiente das salas de aula na Academia de Polícia e o
de mata da Jornada Militar de Instrução parece conduzir a uma oposição entre o
espaço do pensar de ateniense e o campo de treinamento espartano. O que faria o
título do artigo de Albuquerque e Machado (2001), “sob o signo de Marte”, ganhar
algum tipo de significado arquetípico. Considerando que Palas Atena era a deusa
grega da sabedoria, da justiça e da estratégia militar, representava de alguma forma o
avanço civilizacional, ela era protetora da cidade que levava o mesmo nome. Já por
Ares, o deus da guerra do mundo grego, os espartanos tinham uma predileção, ao
ponto de acorrentá-lo para que o “espírito da guerra” não os deixasse. A forma latina
de Ares, mesmo que em alguns aspectos diferente, é Marte.
Também buscando conciliar os dois currículos, o oficial-explícito e o
implícito-da-selva, a aspirante Olívia (22 anos) pondera que “a
eficácia policial não pode ser atingida exclusivamente nem por um,
nem por outro: nem pelas aulas que se arrastam chatas demais no
Bonfim [Academia], nem pela correria e humilhação da JIM”
(ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
Continua-se, nessa jornada, que pretende responder a indagação: Por que
alternativas socialmente mais legítimas e moralmente mais plausíveis são rejeitadas
pela instituição? Conforme Albuquerque e Machado (2001) as polícias estão em uma
encruzilhada, dois caminhos: (1) reproduzirem práticas condenadas e ineficientes ou
(2) se democratizarem e profissionalizarem 197. Eles concluem dizendo que os policiais
deverão “perder o medo” de deixar de ser quem são (como são). Então em oposto, o
que até então tem ocorrido seja um “medo de perder” algo, de deixar de ser.
E nesse condão devo deixar aqui registrado a ocorrência de duas atitudes
mentais, uma correlacionada a ingenuidade do herói e formação de mártires e outra
correspondente ao ardil guerreiro-estrategista, numa dada guerra política, que sabe
muito bem onde está pisando. Entre as duas atitudes, ainda há espaço para posições
intermediárias.
Em defesa do seu capital (simbólico)
E como os julgar condenáveis, os que estão lutando apenas pelo direito de
serem “homens” e de poder jogar suas lutas de gladiadores diárias, quando ao ler
Richard Sennett (2009) você se depara com uma multidão de identidades corroídas,
dessignificadas, que outrora podiam se orgulhar de seu nicho-função social. Sennett
(2009) explora exemplos como o de padeiros gregos imigrantes nos Estados Unidos,
que tinham uma inserção social definida. Podiam ser pobres, podiam sofrer inúmeras
agúrias na vida, mas eram padeiros. O que dizer da geração de seus filhos, que não
tinham identidade profissional, operários sem nome, os que ainda estavam nos setor
de panificação, não eram padeiros, eram operadores de automação da produção
alimentar, apertando botões em painéis sem que isso emprestasse sentido para suas
vidas (SENNETT, 2009).
197
Como não há nenhuma receita pronta para isso, o caminho é a reinvenção da cultura policial com todas as
incertezas que isso implica, em especial, a incerteza de que o caminho é feito, como diria o poeta, pelos próprios
caminhantes no seu andar, no caso os policiais militares e civis (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001).
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Se a nova geração soubesse que se “profissionalizar” e ser mais
“eficiente”, levaria à cabo um projeto de corrosão de suas identidades “étnicas”, de
nicho-função social, não seria legítimo ou não seria natural esperar que resistissem a
isso? Albuquerque e Machado (2001) propõe que os policiais percam o medo e
permitam-se a uma mudança, mas quem irá garantir a esses sujeitos, que eles
ganharão mais (no contexto social amplo) em ter menos (no contexto individual
psicossocial)?
Em relação à atitude estrategista ardil, cabe um pequeno destaque para
uma pontuação de Adriano Oliveira (2002) da UFPE, quando se fala da incoerente
“autosabotagem”: “ao contrário, os que fazem a cúpula das Polícias Militares da
maioria dos Estados estão cientes de seu espaço e não admitem ceder ao objetivo de
reformular a instituição Polícia Militar”. Fato este corroborado pelo registro da realidade
demonstrada pelos truncados jogos de poder observado no ensaio autobiográfico do
antropólogo Luiz Eduardo Soares, “Meu casaco de General: 500 dias no front da
Segurança Pública do Rio de Janeiro” (2000), na gestão do governador Antony
Garotinho.
Durante milhares de milênios198 (e isso não é superlativo estético) o jovem
do sexo masculino deixava de ser um adolescente, uma criança para ser alguém de
valor, quando podia desbravar os territórios além das circunvizinhaças e caçar. Montar
emboscada, sentir adrenalina no sangue, ter êxito e regressar em glória. Quantas
vezes ele como criança, viu a alegria dos outros homens da tribo em seus triunfos
cotidianos. Sua carne ficava quente, depois do esforço físico empreendido, o sangue
do animal abatido ainda estava quente e quente, também eram as pernas do maior
número de mulheres que se atraiam por ele. Esse era o contexto de caça, não muito
diferente era o contexto da guerra primitiva (WRANGHAM E PETERSON, 1998). E
sobre a guerra primitiva, nos é oportuna a citação de Wrangham e Peterson (1998)
sobre a dinâmica de rivalidade entre as comunidades ianomâmis, por se tratarem de
uma sociedade que preservou traços arcaicos da condição social humana:
Os ianomâmis afirmam que a guerra entre aldeias não se
desencadeia por causa de recursos naturais. Ela pode ser deflagrada
por algo tão teórico como uma suspeita de feitiçaria [...] ou ciúmes
sexuais ou suspeita de adultério. Os ianomâmis dizem que, na
maioria das vezes, acontece por causa de mulheres. [...] Os ataques
podem parecer uma atividade inútil, porém, como os heróis militares
pelo mundo afora, os unokais ianomâmis são homenageados por
suas sociedades e, por fim, premiados (apud WRANGHAM E
PETERSON, 1998).
Especificamente sobre “como os heróis militares pelo mundo afora [...] são
homenageados por suas sociedades”, é oportuno trazer uma inserção de um trecho de
Osho (2014): “[...] quem nunca viu nos generais várias listras coloridas presas ao
uniforme? Que tipo de estupidez é essa? Aquelas listras continuam aumentando à
medida que o general mata e destrói a si mesmo. Qualquer um pode ter todas aquelas
198
Uma herança comportamental-cultural tão arraigada que esse elemento memético pode ser comparado a um
regente arquétipo do inconsciente.
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cores em suas camisas. Aparentemente, não há nenhuma lei que possa impedir de têlas, mas quem usá-las vai parecer simplesmente tolo. Aqueles generais, eles não
parecem tolos? São respeitados e grandes heróis. E o que foi que fizeram?
Assassinaram muitas pessoas do próprio país e de vários outros países. E esses
assassinos ainda são recompensados.”
Jovem policial ainda é o guerreiro tribal em busca da caça
Em que outro contexto das grandes metrópoles, um jovem como qualquer
um de hoje em dia, que tem essa história de gerações inscrita no seu acervo de
hereditariedade genética, cultural e inconsciente vai ter acesso a essas experiências
de satisfação pessoal dentro das relações de grupo nas dinâmicas sociais
contemporâneas? Qual instituição vai lhe dar essa oportunidade de ser guerreiro 199?
Afinal, é o que todo indivíduo viril200 deveria buscar ser, ao menos, esse foi um dos
pressupostos culturais comuns que se sustentou por milhares de anos entre os da
nossa espécie (WRANGHAM E PETERSON, 1998; JABLONKA e LAMB, 2010;
MUNIZ, 1999).
Portanto, não se trata de sabotagem, do ponto de vista da casta
guerreira . Traz-se aqui uma correlação feita a música: "Pequena Morte", do rock
brasileiro, como recurso heurístico. Composta por Martin e Pitty, que também a
interpreta diz: "[...] Eu tinha prometido não ceder à compulsão, mas é uma agressão
dizer pra um bicho não caçar [...]". Justamente, dessa forma, assim como roubar ou
ferir é uma agressão, para um guerreiro, ser persuadido a não caçar é uma agressão a
sua razão de ser, ou seja, aquele que assim o tenta está de alguma forma tentando
roubar dele ou matá-lo. Sabotadores (ou aliciadores, enganadores) são os gentis
homens do saber e da ética que veem lhes tirar algo que é seu, até onde sabem, são
eles os legítimos possuidores das honrarias, por mérito. Nada pode ser tão valoroso
que ser digno de ir à guerra.
201
Colocar o colete, atar o cinto de guarnição e o coldre de perna. Ajeitar a
cobertura seja ela um gorro (boné) ou, preferencialmente, uma boina ao estilo francês,
assim como a boina preta, por sobre os olhos de Capitão Nascimento. Aquela
criança202 via isso na aldeia, os homens de verdade pintando seus rostos e fazendo
199
Qual instituição? Apesar de o texto encaminhar para uma resposta evidente, espera-se que no conjunto da
leitura deste cluster sobre o guerreiro-caçador e o próximo sobre a casta guerreira, fique sobressaltada a relação de
fundo existente não apenas nas forças de segurança do Estado, mas que outras atividades humanas da intricada
rede dos ecossistemas sócio-simbólicos também carregam os mesmos pressupostos de virilidade, luta, competição,
defesa territorial, conquista e expansionismo ideológico dirigido, por vezes maior outras com menor caráter
impositivo, a saber, a política, a guerra santa e a militância de causa.
200 Jovem do sexo masculino e indivíduo viril: na primeira referência, como se tratava realmente do transcurso préhistórico, não houve a necessidade dos novos pudores em não manifestar sexismo. Mas na segunda referência,
tratando-se dos contextos das atuais grandes cidades, indivíduo viril, não é correlação direta a homem ou pessoa do
sexo masculino. É, neste caso, homem ou mulher que porte em si predisposição de uma polaridade bioenergética
masculina. Para entender os termos aqui utilizados na diferenciação entre sexo biológico, orientação sexual entre
outras, vide o tópico 5.3.1. Um breve glossário particular para sexualidade abrangente, na página XX.
201 Casta: o termo ganhará melhores contornos no tópico 6.3. Kshatriyas: a casta guerreira, deste mesmo capítulo.
202 Nota pessoal: D'Artagnan. Não consigo deixar de fazer aqui registro sobre o meu primeiro herói, de qual fui fã.
Diz minha mãe, que aos 3 ou 4 anos de idade eu ficava de frente a TV, gritando: “D'Artagnan!”, o quarto
mosqueteiro.
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danças rituais para “vampirizar psiquicamente” o inimigo e ela (a criança que assistia)
não podia ir, mas um dia iria. (WRANGHAM E PETERSON, 1998; MUNIZ, 1999).
Anteriormente fornecemos um sucinto exemplo sobre parapraxias,
prospectado da obra de Freud (1996). Agora, encaixa-se o sentido disso, o próprio
Freud nos esclarece que apesar das patologias psiquiátricas mais graves serem a
fonte natural de informação e motivadora dos estudados psicanalíticos, são nos atos
falhos das pessoas “normais” que se pode perceber a similaridade difusa dos
mecanismos psíquicos com os que se processam nos casos das patologias. Portanto,
um jovem ingresso na instituição policial e/ou militar pode ter um discurso de posição
contrária às práticas da atividade vistas como injustas, incoerentes ou ineficientes. O
que ele mesmo não tem consciência, é que ele justamente está ali, porque seu
complexo inconsciente lhe levou a buscar os meios necessários para “voltar” (num
contexto de memória evolutiva da espécie) a ter acesso ao meio que lhe confere a
satisfação desse impulso reprimido, o de ser guerreiro-aventureiro.
Ele pode esquecer essa vontade latente, mas se isso tiver adormecido em
seu inconsciente, esse dia pode chegar, ele pode ser lutador de MMA. Ele pode entrar
para o “movimento” e ser alguém respeitado entre os seus na favela. Mas ele também
pode se tornar um policial, um militar ou um vigilante particular, mesmo que alegue
outros motivos. Assim como qualquer um de nós muda, ao entrar num carro, ou
simplesmente ao por óculos escuros. De alguma forma a atitude interna se transforma
e isso é refletido no comportamento, no andar, no falar. Assim também é quando você
põe a armadura de guerreiro 203. Nada é criado, “não é que surja algo novo, o que
ocorre é o que já estava lá, saí 204”, como explica o professor Juracy Marques205. Não
surge algo novo, apenas ganha vida concreta ou ainda que fantasmática na
experiência consciente. Querer sentir-se assim é Real. Se eu não sei expressar isso
pela linguagem, opera o Imaginário, que me faz relembrar a sensação psicológica
direta correlacionada à imagem que se tem de dada situação-objeto. Quando criança
em ver o filme, ou o desenho animado, ou ao brincar com o boneco do super-herói,
uma imagem mental foi associada diretamente àquela experiência.
Se o jovem, ingresso no servidorismo público, não manifesta esse patente
desejo por adrenalina, aventura, virilidade (e até mesmo por sangue) – se ele não
manifesta – então se pode voltar a aludir Freud e apontar, que entre alguns desses
despretensiosos jovens ora civilizados, há uma parcela que no fundo desejam, aquilo
que com o discurso negam. O jovem pacato das cidades também pode fazer um
203
Em comparação com esse gesto, da situação normal pacata para a mais ofensiva, pronta para guerra ou
aventura, podemos citar: Clark Kent tirando o óculos de grau e pondo a capa para se tornar o superhomem. Rambo
que pinta o rosto, amarra uma fita na cabeça e se arma com uma metralhadora. Personagens de animes japoneses,
dos mais variados que vivem como pessoas comuns, mas em dado momento crítico precisam “morfar” usando um
artefato tecnológico ou mágico. Entre tantos outros exemplos.
204 Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra
pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o
homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos
testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não
contamina o homem. (Mateus 15:16-20).
205 Entrevista concedida como participação do programa “Falando Sério com Flávio Henrique”, de TV local de
Juazeiro-BA, em dezembro de 2015. "Quem você é quando ninguém está te olhando?", disponível em
<https://www.youtube.com/ watch?v=DzmXo_PZveo>
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concurso alegando dissimuladamente querer independência financeira, mas apenas
seu terapeuta poderia saber que, no fundo, ele estava à procura da adrenalina.
A professora Jaqueline Muniz (1999), fez parte da equipe do professor Luiz
Eduardo Soares, na secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no ousado
projeto de reformulação, intentado nos primeiros anos da gestão do governador
Antony Garotinho. Hoje professora da UFRJ, na época entre 1998 e 1999, efetuou
uma pesquisa etnográfica entre membros da polícia fluminense para composição de
sua tese de doutorado em Sociologia, intitulada: “Ser policial é, sobretudo, uma razão
de ser”.
Sobre as impressões que teve, nos onze meses em contato direto com os
policiais de rua, Jaqueline Muniz relata: “Uma coisa era imediatamente perceptível na
maioria dos PMs de ponta com os quais convivi – a pressa de ir para as ruas, o gosto
em vestir a farda e ir tomar conta do seu pedaço da cidade” (MUNIZ, 1999).
A grande coisa de trabalhar na rua é que você não precisa ir para a
guerra ou para a selva para ter aventuras. Você tem muita adrenalina,
muita excitação e ainda sai do trabalho e volta para a família. (Fala de
um soldado da PMERJ, com 5 anos de atuação, em entrevista à
professora Jaqueline Muniz, 1999, em “Ser policial é, sobretudo, uma
razão de ser”).
Ou ele se apropria desse capital simbólico, que tem o sangue como vetor,
ou ele estará condenado a transitar entre as camadas das masculinidades
subalternas206. Como nos apontam De Waal (apud MARQUES, 2017) e Wrangham e
Peterson (1998) o primata que não possui a hegemonia do bando, o macho subalterno
mais cedo ou mais tarde, sozinho ou em aliança com outros, ameçará debandar o
macho alfa. É da natureza darwiniana do macho, sempre que possível ser o primaz?
Não, necessariamente. Talvez seja uma propensão primata? Também não. Poderia o
homem-animal vivenciar outros padrões de organização social?
Giroscópio da alternância entre os pares de arquétipos
Jung (2000; 2012a), Freud([1920] 1996b), Paulo de Tarso (JUNG, 2012a),
Agostinho de Hipona (CONKE, 2014), Lao Tse (1999), Jesus (PAGOLA, 2011) e
Giorgio Agamben (2013 apud MARQUES, 2017) falam de um homem superior e um
inferior, na diferença entre a carne e o espírito, do consciente regido pelo ego e de um
mar abismal do inconsciente, falam todos de um homem cingido. De um animal
humano e um homem-animal (AGAMBEN, 2013 apud MARQUES, 2017). Nas
206
O segundo intuito é marcadamente o eixo desta pesquisa, sobretudo, quando se fala de masculinidades e
dominação em um jogo “homossocial” competitivo pela primazia da hierarquia simbólica institucional (KIMMEL,
1998). Na busca de entender, o que legitima simbolicamente quem tem a primazia de ocupar as posições de poder
e usá-lo para difundir, retroalimentando o sistema institucional com a carga axiológica de suas verdades – nesta
busca – parte-se para a fonte dos sentidos coletivamente compartilhados e que por sua primitividade, em relação
ao próprio processo institucionalizador, revela uma preexistência, quer se fale em essência humana e por isso o uso
do termo “anima”, na acepção junguiana, quer se fale em marcadores referenciais de aprendizagem evolutiva
orgânica, na acepção da Escola de Santiago (CAPRA, 2006; MATURANA e VARELA, 1997).
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próximas linhas será aprsentado o homem-policial no seu microcosmo e macrocosmo
mental, assim como nos sugere o emblema das polícias militares (Figura 19207).
Giroscópio e a estrela
Giroscópio208 é um dispositivo utilizado na navegação marítima, na aviação
e na atividade aeroespacial, é basicamente uma combinação de um rotor suspenso
por um suporte formado por dois círculos articulados (Figura 27.a), que através do
princípio de inércia, produz o efeito de demonstrar o desvio da plataforma em que se
encontra em relação a um ponto fixo no espaço, ou seja, tem a propriedade de
manter-se apontando para o mesmo ponto. Para essa analogia, o sentido que se está
procurando dar, é que os sistemas sociais em sua função de equilíbrio dinâmico,
pretendem se manter inalterados, com um perfil identitário próprio, por meio de
ininterruptos ajustes internos, considerando que o meio externo constantemente muda
e interfere no dado sistema por novos estímulos.
Figura 27 – Giroscópio
a) Giroscópio
b) Giroscópio humano
c) Homem vitruviano de Fludd
Fonte: a) Representação em animação 3D, do funcionamento de um giroscópio. Imagem do Site Wikimedia Commons.
b) Foto de criança experimentando o giroscópio humano. Imagem coletada na galeria de fotos do site institucional do
Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Disponível em
<http://www.pucrs.br/mct/visitenos/galeria/aniversario/>. c) Representação do homem vitruviano por Robert Fludd,
fotografia da capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617, captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do
Site Wikimedia Commons.
Na Figura 27.b, vê-se uma criança experimentando um giroscópio
humano, não muito diferente do usado no treinamento dos astronautas pela NASA. A
razão de expormos essa imagem no trabalho é para que se tenha uma ideia, de que
ao se falar da mente organizacional (LAFFITE, 2002) funcionando como um
giroscópio, deve-se lembrar que no esforço de se manter em ponto de equilíbrio a
pessoa organizacional (BOULARD e LANZA, 2007), rebate, gira, constrange, faz
reviravoltas com as pessoas humanas, membros das organizações, que estão
atreladas a elas. Trazer novamente a imagem do homem vitruviano, mas com
destaque a versão de Robert Fludd, como se vê na Figura 27.c, é para fazer um
Figura 19, “Emblemas de força e poder: PM, Adam-Chevah e Lilith-Samael”, página 192.
Acepção
formada
pelo
recolido
no
Dicionário
Priberam
de
<https://www.priberam.pt/dlpo/girosc%C3%B3pio> e Wikipédia.org.
207
208
Língua
Portuguesa
Página | 250
paralelo de simbolismo: os círculos concêntricos de sua gravura representam o
macrocosmos e microcosmos do ser humano.
No esoterismo, explicado por meio do Dicionário de Símbolos de Chevalier
e Gheerbrant (1986), cada estrela é um universo, cada pessoa é uma estrela, cada
luzeiro resplandecente é um pequeno deus não desperto. No emblema das polícias
militares, segundo a “heráldica militar, a estrela de cinco pontas gironda simboliza o
comando e a liderança plena, isto é, sem divisões ou partições” (PMDF, 2013). Ou
seja, o deus no centro do culto dos guerreiros é símbolo da autoridade suprema. A
correlação entre estrela e poder político e poderio militar já foi alvo de estudo de tópico
anterior, no Capítulo 5.
Falar em giroscópio em um estudo sobre o comportamento organizacional,
a partir da dinâmica da mente organizacional, está se tratando da fluidez que torna
possível intercalar períodos de regências diferentes, no aspecto dos elementos
predominantemente condutores do hardcore da cultura de determinado sistema social
humano (civilização, sociedade, instituição, organização ou grupo). Se uma civilização
apresenta aspectos que demonstram a regência de aspectos masculinos agressivos
na escolha de padrões estruturantes como o patriarcado, isso não significa que em
algum momento do passado, essa mesma civilização em um estado diferente de
evolução ou involução, tenha “experimentado” a regência de outros aspectos
possíveis, através do exercício do matriarcado, por exemplo, como expressão do
feminino sedutor-impositivo, bem como, outras expressões como a matrística, onde o
amor e o cuidado são marcantes, ou uma assembléia de pares representativos, típicas
do masculino amadurecido.
Portanto, o que se levanta com isso é que o mesmo ser na condição
existencial, muda-se, reorganiza-se e permanece se identificando como sendo o
mesmo ser, bem como projeta uma imagem externa que intenta demonstrar
continuidade. Depois de um certo tempo, você não é mais o mesmo arranjo de
moléculas, partes do seu corpo se reconstituem todos os dias. Assim como Heráclito,
filósofo pré-socrático grego, da cidade asiática de Éfeso, dizia: “O homem que volta ao
mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”.
E poderiam me dizer por que se esforçar por um conserto, por uma nova
ordem de coisas? Como pode alguém que reconhece a lei do eterno retorno redita
modernamente por Nietzsche, ser otimista em prol de mudanças? Ora isso é simples,
ourabórus pode morder sua calda infinitamente, mas nem ela, nem sua calda são as
mesmas depois de um ciclo. É bem verdade, que seguimos em eras cíclicas, mas a
cada ciclo damos um salto a regiões dimensionais mais concêntricas ou mais
tangenciais como se em uma espiral ou em um vórtice estivéssimos. Esta
consideração, é de suma importância para possa ser visto aquilo que já era observado
mas com um novo conceito estruturante-estruturador. Isso é quebra de paradigma, e
para tecermos reflexões sobre a biologia das organizações e sobre a dinâmica
psíquica sutil-coletiva da instituição é preciso ter esse senso de avanço do conceito
estruturante-estruturador do pensamento como aquele necessário para acompanhar a
evolução que se ver na figura abaixo:
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Figura 28 – Sistema Solar por visões diferentes
a) Visão geocêntrica
b) Visão heliocêntrica
c) Visão helicoidal
Fonte: Simulações 3D computadorizadas retiradas da Internet, com fins meramente ilustrativos.
Estando, portanto, transitoriamente circunscritos em um contexto
civilizacional masculino que se alterou e se tornou rompantemente agressivo
dissimulado, é natural que as alternativas apontadas para a solução dos problemas da
base biológica-cultural, marquem-se por uma tendência em esperar maior
sensibilidade, uma feminilização geral dos processos e estruturas. Deixo que
Leonardo Boff, que faz alusão ao discípulo de Gilbert Duran, Michel Maffesoli, nos
esclareça um pouco mais sobre a questão:
[...] Essa mutualidade Terra-Humanidade é melhor assegurada se
articularmos a razão intelectual, instrumental-analítica, com a razão
sensível e cordial. Damo-nos conta, mais e mais, de que somos seres
impregnados de afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser
afetados. Tal dimensão possui uma história de milhões de anos,
desde quando surgiu a vida há 3,8 bilhões de anos. Dela nascem as
paixões, os sonhos e as utopias que movem os seres humanos para
a ação. Esta dimensão, também chamada de inteligência emocional,
foi recalcada na modernidade em nome de uma pretensa objetividade
da análise racional. Hoje sabemos que todos os conceitos, ideias e
visões do mundo vêm impregnados de afeto e de sensibilidade 209
(BOFF, 2014).
Esse recalque do qual fala Maffesoli é justamente a cruzada iconoclasta da
modernidade apontada por Duran ([1964] 1995). Note que, enquanto eu usei termos
que se referem a uma masculinização ou feminilização, Leonardo Boff utiliza termos
como “razão intelectual”, ou “razão sensível”. Portanto está se costurando uma
correlação entre o padrão de funcionamento organizacional e as funções psicológicas
segundo Jung. O trecho “[...] somos seres impregnados de afeto e de capacidade de
sentir, de afetar e de ser afetados [...]” de Boff (2014), em muito de coaduna com o
que já expus sobre o elemento do amor, no tópico sobre a dimensão profunda da
Ecologia Humana, quando citei o casal Maturana e Dávila (2009; 2012)210.
Essa assepsia, em prol de uma objetividade não garante nosso futuro
como espécie, bem como deixar-se guiar inteiramente pela emoção pode-nos fazer
cair em sérios conflitos irronconciláveis. Para compreender a dose do balanço
O último trecho da citação de Boff é uma paráfrase de Michel Maffesoli em “Elogio da razão sensível” (1998).
Referência ao texto do tópico “O status científico da Ecologia Humana: disciplina, paradigma, nova ciência?”, do
Capítulo 3.
209
210
Página | 252
necessário faço uso de um trecho da entrevista de Edgar Morin ao programa Roda
Viva (2000):
Você sabe que não há pensamento racional sem emoção. Até
mesmo o matemático tem paixão pela matemática, ou seja, não
podemos pensar... A razão fria são unicamente os computadores.
Eles é que têm a razão fria. Não têm sentimentos, nem vida. Se os
deixássemos governar a humanidade seria um perigo. Portanto,
somos seres capazes de emoções e de loucuras também. E, no
fundo, a dificuldade da vida é navegar, não é? (MORIN, 2000).
Morin (2000) conclui esse fragmento de reflexão dizendo: “Nunca perder a
racionalidade, mas, também, nunca perder o sentimento, sobretudo o amor”. Nas
próximas linhas, na verdade, nas próximas páginas, iremos demonstrar o quanto de
infusão de racionalidade objetiva e capacidade sensível têm a mente organizacional
da Polícia Militar, ou por analogia, qualquer que seja uma instituição guerreira. O
quanto o movimento de “profissionalização” (BAYLEY, [1985] 2002) da polícia
higienista que marca a fundação da polícia moderna escode um ardil mecanismo que
diz suplantar a emoção cega, mas desumaniza as relações e confere ainda mais
poder ao processo de governamentalidade, de controle populacional (FOUCAULT,
2008).
E ainda, pretendemos demonstrar, que para fugir dessa mecanização do
humano, como bem nos revela Max Weber ([1917] 2004), acabamos caindo de volta
nas ações intempestivas do emocional e no dilema: como reificar aquilo que é próprio
nosso, do ser humano? A paradoxal e interdependente constituição por impulsos de
vida e morte (FREUD, [1920] 1996b). Esta trama paradoxal será resgatada no tópico
“Colocar o mundo de cabeça para cima”, do Capítulo 9.
Organizações de força-vigor como espaços de culto
Andityas Matos prefaciou o livro de Francis Cotta (2012), falando sobre
como o estado de exceção, como um golpe de estado não é um momento anacrônico,
é na verdade, a razão de ser do Estado. Mas como pode algo está acima das próprias
normas que o regem? Apenas se estivéssimos falando de um deus, de algo sagrado,
aí sim, sua nova vontade por si só já se constituiria a legítima norma a ser seguida. Na
esteira do que aludiríamos se fosse o caso à Rene Girard (1998) e a Miceas Eliade
(2001); Matos (apud COTTA, 2012), prefere Giorgio Agamben (2007) com a noção de
“homo sacer”. Por essa noção, ao aplicarmos em relação à dinâmica da polícia militar,
entenderemos que para esperar um comportamento divergente daquele compelido
pelos “deuses guerreiros”, seria necessário esperar uma profanação deliberada por
parte dos integrantes. Uma profanação aos estatutos até então considerados
sagrados.
Profanar é, nesse sentido, como remete o termo na acepção latina original,
“devolver as coisas ao uso comum”. Segundo Matos (apud COTTA, 2012) em alusão à
Carl Schmitt (2005): “todos os principais conceitos da teoria do Estado não passam de
constructos teológicos secularizados”, porque o “Estado ainda se envolve com as
sedas e os ostentórios do poder religioso”.
Página | 253
Solarte Rodríguez (2015) diz ainda que a obra de Girard (1998) mostra que
todas as culturas e suas instituições contêm violência e, neste sentido, são sacrificiais,
retornando à discussão do tópico anterior “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal”.
Segundo o filósofo e teólogo colombiano Mario Roberto Solarte Rodríguez (20015): “a
contemporaneidade se orgulha de ser um mundo que deixou Deus para trás em seu
próprio entendimento, e acusa a crença religiosa de ser a origem do fanatismo e da
intolerância”. Porém, assim como nos informa Carl Schmitt (2005 apud COTTA, 2012),
com apoio de Duran ([1964] 1995) e Guénon ([1927] 1977), “este mundo afastado de
Deus não deixou de ser religioso 211”, e pela visão girardiana com bases em Freud, não
deixou de ser sacrificial. Solarte Rodríguez (2015) continua dizendo, “as duas grandes
instituições da contemporaneidade são o Estado de Direito e o Livre Mercado. As duas
têm sua origem em tremendas formas de violência, sejam as revoluções liberais, ou os
processos de apropriação e concentração da riqueza efetuados pelos grandes centros
de comércio e, finalmente, a indústria ao redor do mundo” (SOLARTE RODRÍGUEZ,
2015).
Portanto, nessa visão em que o aparato social moderno, o Estado
(GIRARD, 1998; ELIADE, 2001; BENJAMIN, 2015), para citar como um dos exemplos
possíveis, não deixou de ser essencialmente religioso, carrega em si formas rituais e
objetos tangíveis e saberes intangíveis que servem de ponto de contato entre uma
realidade vivencial e um plano ideal. Esses pontos de contato fazem a devida
ancoragem entre o Real e o Imaginário-Simbólico212 que é cognoscível ao consciente
(CLAVURIER, 2013). Parece não ser possível suprimir as expressões religiosas da
experiência humana (LACAN apud MARQUES, 2016). O que acarreta, em dizer que
contextos, ditos profissionais e/ou formais, a parte dos sistemas religiosos, acabam
por se constituir em "terreiros" ou "templos" de manifestação de cultos dissimulados.
Nesse sentido, propõe-se um olhar para com as agências humanas que
operam a força-vigor como razão precípua, ou como dizem por tradição weberiana
(BRODEUR, 1984), as intuições que mantém o monopólio do uso da força ou a
ameaça de usá-la - um olhar para elas - tal qual sejam palcos propícios para o culto a
expressões do acervo ontológico humano, que personalizem a guerra, o fogo, a caça,
a busca pela justiça e o heroísmo. Poderíamos permanecer apenas com esses
termos, se estivéssemos discorrendo sobre escolas de pensamento de caráter
transcendentes. Mas estamos falando da experiência comum em organizações
humanas, onde os agentes precisam focar maior parte da sua vida em atividades de
suporte à sobrevivência sociobiológica (sobretudo biológicas, na base da pirâmide das
necessidades de Maslow (apud CHIAVENATO, 2009): demandas fisiológicas, além
das de segurança). Portanto, esses conceitos distantes, abstratos não tem aspecto
vivo, consistente, não podem falar, não expressam sentimentos, são etéreos, não
podem ser adorados, precisam de nomes e forma minimamente humana, de
preferência suprahumana.
Por isso, exércitos e polícias, milícias e guardas, guerrilhas e partidos com
militância ativa, são as igrejas propícias ao culto a entidades como Ares (deus grego
da guerra, patrono de Esparta e fundador de Tebas), Atena (a deusa grega da
211
212
Carl Schmitt (2005 apud COTTA, 2012)
Ternário dito por Lacan: R-S-I (Real-Imaginário-Simbólico).
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sabedoria, que incluí a estratégia militar, patrona de Atenas e da civilização ocidental),
São Miguel Arcanjo (o chefe das milícias celestes), Ogum (o Senhor das guerras e do
fogo), Oxóssi (o deus caçador), Krishna (Ser Supremo encarnado, como conselheiro
de guerra para o príncipe Arjuna), Yavé (Adonai YHWH Tzevaot, como Senhor dos
Exércitos), Mitra (deus persa zodiacal taurino, quem inspira o voto de "força e honra"
do Exército Romano) entre outros. O culto também pode recair sobre personalidades
do passado que exprimam as mesmas qualidades, em suas formas lendárias ou
míticas: São Jorge (oficial da cavalaria romana, padroeiro de vários países e
exércitos), Rei Leônidas (dos 300 de Esparta), Che Guevara (um dos líderes da
Revolução Cubana), Rei Arthur (oficial romano libertador da Bretanha), Rei Davi
(sanguinário, responsável pela expansão israelita), Simon Bolívar.
Pai-guerreiro e o casal original
Pai-guerreiro que horas pode ser bastante zeloso, mas também pode ser
bastante furioso. Citamos anteriormente, Ogum e Ares, mas eles têm pais, ainda mais
potentes que eles, encenando enredos míticos de maiores proporções. Destarte ainda
falaremos dos deuses-filhos guerreiros. Agora nos cabe comentar sobre Javé, que
como Zeus e Oxalá, são para nós os pais-guerreiros das mitologias hebraica, grega e
yorubá. Oxalá é mais lembrado em sua fase anciã, como Oxalufã, mas não se pode
esquecer que como jovem portava uma espada (o idá) sob o epíteto de Oxaguiã.
O movimento javelista tornou Javé um deus patriarcal monolítico, mas as
expressões femininas são perceptíveis: em algumas passagens dos textos sagrados,
ele é comparado a uma mãe, sobretudo, quando usa da misericórdia. Bem como,
existem correntes cabalísticas, que vão apontar para Shekinah como sua contraparte
feminina, em outras ocasiões Shekinah estaria tutelando a empreitada ousada de
Lilith. Não se pode esquecer das referências cabalísticas e gnósticas ao Aba e à Ima,
ou seja, ao Pai e à Mãe primordial. Nisso pretendo aludir a uma questão muito bem
colocada por Leonardo Boff (1997), quando esclarece que no mito da criação judaicocristão, Deus faz consórcio com Adamá, a mãe Terra, para poder gerar filhos
“adâmicos”.
Quaternário alquímico e Psicologia Analítica
As antigas tradições, não estão carentes do espírito integral das coisas. É
o desenvolvimento Ocidental (o qual se inicia, na verdade, no Oriente Médio) que em
algum momento rompe com a estrutura que sustentava o equilíbrio do passado e faz o
caráter “masculino agressor” sobressair-se. Comecemos por uma base que é
rechaçada, na pós-modernidade, por ser misógina, as reedições abraamicas, como o
cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Para nos socorrer, nessa empreitada tomarei
por empréstimo reflexões de Carl Gustav Jung (2012a) sobre a alquimia e a cabala.
Jung (2012a) discorre sobre um tal quartenário, que indica a
integralização, ou melhor, em seu vocábulo da Psicologia Analítica: a individuação do
ser. Quartenário esse que usa das personagens: Moisés, Zéfora, Jetro e Miriam.
Jetro, o sogro de Moisés, apesar de não ser hebreu, era um sacerdote
beduíno midianita, e provavelmente prestava culto a Javé, nesse contexto cultural
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havia manifestações do feminino, personificado em nossa ilustração em Zéfora, a
esposa estrangeira de Moisés. A irmã de Moisés, Miriam, que possui a mesma raiz do
nome de Maria, mãe de Jesus, também era uma ministradora de ritos sagrados, ao
menos ela conduzia manifestação de cânticos, danças e preces, algo que pode ser
indicado como sincretismo entre os costumes tribais semitas, cananeus e os
adquiridos no Egito, portanto era uma sacerdotiza. Esses quatro personagens do
judaísmo, são usados pela alquimia para representar o quaternário de dois casais, que
simbolizam os matrimônios entre primos cruzados, segundo Jung (2012a) fato esse
que é tido como estrutura e processo fundamental das relações parentais entre povos
primitivos tribais, conforme os estudos de Lévi-Strauss (1976).
Portanto, espero que não seja visto tais comentários sobre esoterismo
judaico e alquímico como não correlato ao nosso estudo em tela. O que pretendo
demonstrar, que assim como Jung, apontou, não há como nos eximirmos da estrutura
básica do equipamento psíquico humano, encontraremos sempre os aspectos
masculinos e femininos tanto quanto os sombrios e os luminosos. Cabe aqui
referência à filosofia taoísta (CHERNG, 2012; WILHELM, 2006), porque
necessariamente teremos um ser humano inferior e um ser humano superior e
qualquer um desses dois terá sua porção de masculinidade e feminilidade.
Justamente, na percepção dos matrimônios entre primos cruzados, que vamos usar
quaternários de três mitologias: hebraica (segundo a interpretação cabalística), a
greco-romana e a yorubá.
Com os casais Adão-Eva (Adam-Chevah) e Lilith-Samael, pretendo expor
as relações herméticas de dualismo-oposição de aspectos: masculinos e femininos,
sombrios e o luminosos, bem como do ser superior e ser inferior. Com o quaternário
greco-romano e yorubá formado por irmãos filhos do Deus-pai guerreiro,
respectivamente, Zeus e Oxalá, intento nesse caso apresentar apenas o perfil de
masculinidades guerreiras, e desde logo devo esclarecer, que isso não impede de
forma alguma a presença de deusas no quaternário. Portanto, na ilustração analógica
greco-romana, o quaternário é composto por Atena (Minerva), Artemis (Diana), Ares
(Marte) e Eros (Cupido) [A-A-A-E]. Já o quaternário yorubá é formado por Oxum,
Oxóssi, Ogum e Exu [O-O-O-E].
Para que as explanações sejam inteligíveis, preciso me conter no ímpeto
de uma imaginação de fluxo circular e por vezes caótica, tentarei ser linear e
sistemático, num tema que vai no profundo das relações ecológicas, que tem início no
espaço interno do ser humano e se expressa com vigor e voracidade no mundo
externo. Outro destaque ponderativo, trata-se do fato de que muitas das questões a
serem tratadas daqui por diante são da ordem da fé ritual de muitas pessoas e deixo
claro que de forma alguma, aqueles pontos que contradizem os dogmas por tempos já
estabelecidos, não têm a intenção de ofender ou minimamente escarnecer qualquer
que sejam as visões de mundo, por mais que estejam usando lentes de fabulações,
ainda não totalmente explicadas.
Comecemos pelo quaternário, a ser explorado a partir do emblema das
polícias militares, o da mitologia hebraica, que dará o ritmo do restante do trabalho. A
analogia do giroscópio faz o emblema das polícias militares girar, ao ponto de o eixo
de condução da atividade mental do sujeito privilegiar duas das funções psicológicas
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segundo Jung (1976): o Pensamento e a Sensação. Este jogo entre microcosmos e
macrocosmos, entre uma porção “terrena” e outra “celestial”, dentro de cada ser
humano, ou seja, “animalesca” e “divina”, pode ser visto na Figura 29.a,
Figura 29 – Emblemas de força e poder humano e suprahumano
a) Giroscópio do emblema
b) Selo Lilith-Samael
c) Homem Vitruviano de Da Vinci
d) Selo Adam-Eve
Fonte: a) Emblema das polícias militares brasileiras (invertido verticalmente) com setas que indicam o giro dos selo
circular. Produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998). Imagem do Site Wikimedia
Commons. b) O selo de Lilith-Samael comparado ao emblema das polícias militares invertido. c) Selo extraído dos
manuscritos de Leonardo da Vinci, representando o Homem Vitruviano. d) Selo de Adão-Eva.
Quem quer que tenha desenvolvido esse emblema, consciente ou
inconscientemente, traçou as linhas de um importante símbolo de força humana e
supra-humana: uma estrela de cinco pontas inserida em dois círculos concêntricos.
Foi, portanto, desenhada a mandala (Figura 30) dos elementos sutis da instituição. É,
aos nossos olhos, uma patente manifestação da mente organizacional e do
inconsciente institucional.
Figura 30 – Mandala institucional: correlação com PM e o homem vitruviano
a) Equipamento psíquico de Jung
b) Emblema da PM
c) Homem vitruviano de Fludd
Fonte: a) Elaborado pelo autor com subsídios de JUNG, Carl G, “Fundamentos de Psicologia Analítica”, 1996. b)
Imagem do Site Wikimedia Commons, produção autoral vinculada ao governo brasileiro (Lei Federal n.º 9.610/1998).
Emblema das Polícias Militares do Brasil. (Imagem originalmente extraída do site da Polícia Miliar do Paraná). c)
Representação do homem vitruviano por Robert Fludd, fotografia da capa do livro “Utriusque cosmi Historia", de 1617,
captada por Heinz-Josef Lücking em 2012. Imagem do Site Wikimedia Commons.
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No Capítulo 5, introduzimos o exercício de sondagem dos símbolos
institucionais, demonstrando como podem está ocultas referências de grande força
indutora em símbolos de outros nichos sociais, naquela oportunidade esboçamos o
inicio de um trabaho de arqueologia simbólica da Medicina. Agora, portanto, estamos
evidenciando que não despropositalmente as organizações de força-vigor também
carregam uma simbologia tão enriquecida de significados de força como a Medicina ou
o Direito.
Relação estrela e círculo
Aí está o que carrega na fronte e sobre o coração do guerreiro. O “Eu”
interior da instituição guerreira está contida nas duas camadas representadas pelos
círculos. Esse centro representativo que não extrapola, por si só, tais limites, mas
emana força e transfere-na para os elementos menores e tangentes, representados
pelas pequenas estrelas no número das corporações existentes. Antes de prosseguir,
creio ser salutar apresentar três considerações baseadas na observação da próxima
figura (Figura Z).
Figura 31 – Relação estrela e círculo
a) Estrela suporta o círculo
b) Estrela extrapola o círculo
c) O círculo gira
Fonte: a) Brasão de Armas do Brasil. Disponível em <http://www2.planalto.gov.br/acervo/simbolosnacionais/brasao/brasao-da-republica>. b) Logomarca da Fraternal Order of Police (FPO), <http://www.fop.net/>. c)
Logomarca da Polícia Militar de Santa Catarina, <http://www.pm.sc.gov.br/>.
A Figura 31 (relação estrela e círculo), acima, traz a oportunidade de
obsevar situações diferentes da dinâmica simbólica entre o círculo e a estrela. Em
31.a, no Brasão de Armas do Brasil, a estrela central de cinco pontas é
consideravelmente maior que o círculo e serve-lhe de suporte, neste caso, “deus” é
maior que o firmamento, obra sua. Em 31.b está o símbolo emblemático da Ordem
Fraternal das Polícias (Fraternal Order of Police - FOP) norte-americanas uma
organização não-governamental e também não sindical, que congrega 325.000
filiados, todos policiais de alguma força de aplicação da lei nos Estados Unidos. O
brasão da FOP é caracterizado pelo extrapolamento da estrela central ao círculo que
deveria contê-la, há uma mensagem implícita sobre o papel sobreposto dos oficiais de
polícia, como agentes sociais em outros campos de atuação lhes conferindo a
prerrogativa de influenciar destinos políticos, por exemplo.
Em 31.c, a logomarca da Polícia Militar de Santa Catarina, o efeito do
giroscópio está muito bem representado pelas caudas que circundam externamente o
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conjunto central formado por uma estrela em um círculo. Neste caso o efeito natural de
engessamento institucional, está harmonizado pela previsão deliberada da
necessidade de alternar entre força e meios pacíficos, ou seja, intervenção do tipo
yang e yin. Em nenhum dos três casos da Figura 31, acreditamos ter sido
desproposital a relação círculo e estrela descrita.
Fontes para narrativas míticas
Antes de inciar a narrativa mítica, vale salientar que cada conjunto
mitológico traz inúmeras variações e, portanto, é muito difícil estabelecer uma
conformidade geral com os autores. Preferimos elencá-los aqui antecipadamente e
contemplar o resultado como uma síntese de suas informações aplicadas aos
objetivos desta pesquisa:
Expressão mitológica judaica: (1) LARAIA, Roque, “Jardim do
Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (3)
PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na
atualidade”, 2008. (4) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976.
Expressão mitológica greco-romana: (1) BULFINCH, Thomas,
“O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de
deuses e herói”, 2002. (2) FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO,
Carmen, “As 100 melhores histórias da mitologia: deuses, heróis,
monstros e guerras da tradição greco-romana”, 2007. (3) FREUD,
Sigmund. “As pulsões e seus destinos”, 2014.
Expressão mitológica yorubá: (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos
Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua
diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3)
BARRETTI FILHO, Aulo, “O ‘Sagrado’ e o Duvidoso na Etnografia:
Os Clérigos Nativos Yorùbá e o Òrìṣàísmo”, 2012.
Expressão mitológica védica-hindu: (1) ANTONOV, Vladimir,
“Bhagavad-gita: com comentários”, 2016. (2) FREITAS, Rogério A,
“O Drama Cósmico de Javé”, 2012.
Fonte para Cristianismo, Gnosticismo e Alquimia: (1) JUNG,
Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976.
Referência geral: Wikipédia, a Enciclopédia livre, ferramenta online, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço:
Disponível em <https://pt.wikipedia.org>.
Mito fundador hebraico
A cultura judaica, hoje cosmopolita desde o princípio era uma cultura tribal
com várias reminiscências acadianas, sumérias e beduínas; com o tempo e com as
migrações, diásporas e exílios carregou em si um capital cultural significativo do Egito
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e da Babilônia, até sua corrente ortodoxa se refugiar gravitando o poder monárquico
da Roma fragmentada e aglutinada com os invasores bárbaros, enquanto sua corrente
dissidente mais proeminente (o cristianismo) fazer simbiose com a Roma oficial.
Portanto, despois dessas mutações o mito fundador hebreu semita ficou muito distante
da força explicativa daquele formato reverberado pelo cristianismo ou o judaísmo
oficial.
As origens, ou então a gênese, remontam a um contexto de uma suposta
criação não da Terra em si, que já estava ali, mas uma segunda reordenação, pois
esse mundo já criado estava informe e vazio, depois de uma estruturação baseada em
sucessivas separações213: a luz das trevas, a terra das águas, constitui-se um núcleo
de povoamento em um jardim. Quem tenha escrito o mito de alguma forma conhecia a
ordem da evolução, começou pelos elementos inanimados, passando pelos seres
vivos mais simples até os mais complexos e acertadamente colocou o ser humano
como uma das últimas épecies a surgirem. O mito é surpreendentemente esclarecedor
inclusive do ponto de vista da Psicologia Evolutiva, existe um episódio, considerado
um incidente grave. O ser humano antes em harmonia com o ambiente descobre em si
uma potencialidade reflexiva de julgar as coisas, como boas ou más e isso lhe provoca
uma separação do jardim, onde antes eram apenas prazeres.
O mito fundador hebreu fala de um ser que é um espécime de uma classe
de seres, pois a entidade criadora chamava-se Elohim Yhwh. Em hebraico clássico “el”
é deus no masculino, “eloá” é deusa no feminino e elohim o plural multigênero:
“deuses e deusas”. Ou seja, dos elohim ele é o “Yau”. O texto começa por uma
expressão com difícil concordância devido o posicionamento dos termos, mas os
termos são: “Princípio”, “Criar” (do nada), “Deuses e Deusas”, “Céus” e “Terra”. A
versão cristã e judaica ortodoxa traduz por “No princípio, criou Deus os céus e a terra”.
Há correntes esotéricas do judaísmo que traduzem por “O Princípio criou os deuses,
as deusas, os céus e a terra”.
Entre a Deídade e o deus criador
Perceba como essa última versão é mais próxima da base antropológica
comum dos diversos mitos fundadores: um elemento primordial despersonificado, a
ação de fazer as coisas tomarem existência; portanto, também há um não-existir, a
multiplicidade de seres divinos e a divisão entre céu, que são muitos (tendo inclusive
alguns que não se conhece) e a terra.
Existindo, portanto, um ente não personificado elementar, anterior a um
deus que viria a ocupar a posição soberana. Assim como ocorre com as gerações de
deuses-reis (macho alfas) que ascendem e depois são destronados por seus filhos,
geralmente o mais novo, na mitologia grega: Urano, Cronos e Zeus. Esse tal
“princípio” estaria mais próximo do Tao oriental ou do Caos grego que é “pai” de Gaia,
e essa mãe de Urano, por concepção indepentende. As tradições abraamicas mais
modernas como o Islamismo, precisariam distinguir um Alá menor e outro Alá todo
abrangente, algo que de certa forma metafórica o sufismo faz. O cristianismo gnóstico
213
Como fazia uma divindade grega, não um deus, mas um daemon, chamado de Anteros. A antítese dele era um
olimpiano seu irmão Eros e nem por isso as duas formas de agir não são consideradas Amor.
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os diferencia, e apontam esse “criador” menor como um ser com falhas. O
espiritualismo universal os diferencia pelos termos Deídade e deuses.
Na expressão yorubá (africana-nigeriana), um é Olodumaré, o Senhor do
Òrun, por isso “Olorum”, mas como ele é despersonificado, uma força elementar, não
recebe culto direto, a expessão de culto é direcionada a Obalatá, o primeiro orixá,
portanto, Orixànlá (conhecido como Oxalá), da classe funfun, entre os orixás. Perceba
nisso a questão de uma classe hieraquica primordial participante da criação assim
como são os elohim judaicos, até hoje a tradução cristã não diz: “ele criou”, ainda está
lá mesmo após inúmeras traduções e corruptelas: “façamos os elementos do mundo”,
na primeira pessoa do plural.
Cabenos registrar que a genealogia de cada panteão foi esboçada em
diagramas e estão dispostos no Apêndice C (genealogia dos panteões mitológicos),
onde se pode ter uma noção da parentalidade dos “deuses”.
Esse nós oculto é atribuído pelo cristianismo católico e protestante à
Santíssima Trindade. E a explicação na que se baseia na Santíssima Trindade é muito
semelhante a mesma que diferencia Brahma que compõe a Trimurti com Shiva e
Vishnu, do Brahman essencial origem de tudo, substância masculina neutra. É bom
ressaltar que ao fim de um dia do Brahma védico-hindu (aprox. 4,3 bilhões de anos)
ele dorme e toda a criação é consumida pelo fogo, não muito diferente do fato que
depois de uma semana do Yavé semita ele descansa, o que gera o Sabat, o sábado
santo, o dia do descanso.
O Éden e os seres físico-espirituais da classe adâmica
Yhwh se lê “Yau” e transliteramos por Yavé ou Javé, se esse Ser usasse
seus dois princípios ele fecundaria um ser espiritual, como a infinidade de “anjos” que
já existiam. Ele usa apenas sua parcela masculina para fecundar a Adamá, a terra.
Portanto, Yavé cria dois seres físico-espirituais da classe adâmica um masculino e
outro feminino (Adão e Lilith), ambos criados a partir da Terra (que em tudo é mais
água), terra e água, é barro. Uma tremenda forma poética de dizer do que somos
feitos. Adam vem de Adamá, assim como Humano vem de humus. O homem é filho da
Terra femina fecundada por um agir "espiritual" masculino. Assim como Gaia da
mitologia grega é fecundada por titãs e deuses.
O casal Adam e Lilith do mito fundador vive nesse “paraíso”, até que em
dada ocasião a mulher passou a se queixar, cobrando para si uma posição que fosse
igual ao do homem e mesmo durante a relação sexual, pediu (exigiu) para ficar por
cima, assim como o homem também fazia. Adam recusou-se, alegou que a ordem
natural seria aquela. Rebelando-se daquela intransigência, aos seus olhos, Lilith se
ausenta do jardim do Éden e parte numa jornada solitária. Parece-nos que Yavé, vive
um drama recorrente de ver seus filhos envolvidos sucessivamente em incidentes de
rebelião contra uma ordem anteriormente posta, que lhes parece injusta. Aquela
partida para campos longínquos de Lilith, assemelhava-se ao que já ocorrera com um
dos seres que não era da classe adâmica, um ser angelical.
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O filho do Pai
A parte do mito que se segue é pré-fundante, pelo menos em realção ao
planeta Terra. Ele era um dos anjos antigos, daqueles em maior poder, ou seja, um
arcanjo. Seu nome era Samael (“Sam”, veneno; “El”, Deus: “o veneno de Deus”). Mas
ele tinha um título: Portador da Luz, o primeiro entre os seres viventes. Portanto, um
príncipe, Lucífer. Em meio às muitas atividades de Yavé, esse elohim pergunta a seu
filho, como quem antever algo a acontecer: “ocorre algo contigo? Você está diferente.”
Justamente, o filho de “Yau”, esse “Sam” estava experimentando em seu interior uma
convulsão de ordem estrutural mental, dúvidas corroíam sua harmonia.
É inegável a semelhança de um certo episódio entre Zeus e Dioniso, Javé
e Samael. Ambos os pais queriam que seu filho fosse o herdeiro e sucessor, a
primeira “versão” de seus filhos é a perfeita indicação de substituto. A diferença está
nas idades Dioniso é um dos caçulas e Samael é o primigênito, assim como Ogum (e
relativamente Ares) é o mais velho. Ambos, Dioniso e Samael tem uma segunda
versão e em ambos o trauma do acidente entre a primeira versão e a decadência da
segunda versão, dão origem ou são causadas pelo surgimento dos seres da classe
adâmica. Os titãs a serviço de Hera comem Zagreu, a primeira versão de Dioniso,
dilacerados pela ira de Zeus as partes dos corpos dos titãs seminam Gaia e geram os
humanos, nisso a parte divina de Dioniso vai junto.
Algumas versões contam que antevendo a ruína dos seres apenas
espirituais, Javé criou seres híbridos e os posicionou como centro de um governo
futuro, mas Samael se negou a paulatinamente os orientar para que se tornassem os
regentes, decidindo ele mesmo ser o regente. Mas em ambos de uma forma ou de
outra eles transmitem conhecimentos “secretos” aos homens de constituição híbrida. A
segunda versão de Dioniso mesmo é o único “semi-deus”, nascido de uma mortal que
ascende ao Olimpo como um deus em plenitude. Na teologia cristã, um ser adâmico,
denominado de segundo Adão ou Cristo, nascido de uma mortal, ascende aos céus
depois ter sido ressuscitado. Detalhe, Dioniso eleva sua mãe logo depois à condição
de deusa; no catolicismo romano ou ortodoxo grego, o mesmo ocorre com Nossa
Senhora.
Não utilizamos Dioniso como um membro do quaternário, mas como um
fiel da balança, influenciando seus irmãos numa reificação interior em contraposição
de Apolo, que age como irradiador de uma ação positiva auto afirmativa. O elemento
que compõe o quaternário na expressão greco-romana que nos serve como o
emulador de força vital é Eros. E com Eros novamente temos duas versões, em uma
ele é filho de Afrodite e Ares, um Erote, neto de Zeus. Ele é visto como um deus, mas
seus irmãos Erotes: Anteros, Photos e Hímeros, como daemons. Esse é o Eros
menor. Eros maior é um primordial, gerado de forma assexuada de Caos. Portanto,
seu “irmão”, na verdade, seu clone diferenciado. Caos é na mitologia grega, de difícil
explicação, por ser a mais velha das formas de consciência divina.
Já Thanatus é essencialmente um primordial de terceira geração. Portanto,
não se deve pô-lo submetido a Hades, senhor do submundo e irmão de Zeus.
Thanatus é filho do próprio espírito do submundo, Érebo em algumas versões, em
outras é filho sem pai de Nix (a noite, a escuridão) que é filha do Caos primordial.
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Figura 32 – Eros e Thanatus
a) Eros e Psique
b) Thanatus
c) Amor celeste e Amor terreno
Fonte: a) Psiquê resgatada por Eros (1895) do artista William-Adolphe Bouguereau. b) Representação moderna de
Thanatos. c) Amor Sagrado versus Amor Profano (1602-1603). Galleria Nazionale d'arte Anticadi Palazzo Barberini em
Roma, do pintor italiano Giovanni Baglione (1566-1643).
Duplas de força de atração
Assim como na mitologia greco-romana, onde propomos deuses-irmãos que
jogam como forças de atração divergentes: Apolo e Dioniso. Na expressão yorubá, vamos
usar a dupla de irmãos e casal (incestuoso): Xangô e Oyá, como focos de atração
respectivamente da Justiça e da Vingança, portanto cada expressão de um tipo policial, os
quais veremos mais adiante, será identificado com uma qualidade de um dos quatros
orixás do quaternário, se a qualidade tiver fundamento com o orixá Xangô, será o polo
voltado à justiça, se tiver fundamentos com Oyá, será o polo voltado à vingança, para os
que tiverem interesse antecipado, pode ser observado o resultado na Figura Z, do próximo
Capítulo.
Oyá, mais conhecida pelos filhos da diáspora radicados no Brasil, por Iansã,
que na verdade é um título. Senhora dos ventos da tempestade, esposa de Xangô, seu
irmão. Ela é valente, tem um temperamento forte, guerreira e independente e é associada
a sensualidade, dos Orixás femininos.
Xangô é irmão de Ogum (e de Exu), orixá masculino da justiça, dos raios, do
trovão e do fogo. Apesar de ser viril e atrevido, violento e justiceiro, castiga os mentirosos,
os ladrões e os malfeitores, estamos utilizando suas qualidades de justo governante.
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Tabela 8 – Duplas de força de atração
Cosmovisão
Greco
romana
Cristã
Yorubá
Nuance
Integrador
Entrecruzamento Nietzche e Jung
Dionisíaco
Apolíneo
Psicanálise segundo Freud
Eros
Thanatus
Discurso de Sócrates por Platão
Eros
Caos
Natureza messiânica
Cristo
Anticristo
Relação de manipulação
do axé de Exu
Bara Exu
Exu Elegbá
Idade do Orixá
Ancião/Prudência
Jovem/Vingança
Gênero e Qualidade
Xangô (Alufan ou Airá)
Oyá (Onira)
Chesed
Geburat
Rei no trono que
sabiamente julga
Rei que vai
à guerra
Entrecruzamento de Jung e a Cabala
Misericórdia
Justiça
Mito fundador judaico
Samael como Lucífer,
antes da queda
Samael como Saitã,
depois da queda
Sephirot da Árvore da Vida
da Cabala
Judaica
Dissociador
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios em (1) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. (2) FREUD, Sigmund. “As
pulsões e seus destinos”, 2014. (3) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos,
orikis e sua diáspora”, 2011. (4) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (5) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta online, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>. (1) LARAIA,
Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (6) LAITMAN, Michael, “O Zohar”, 2012. (7) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva:
imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008.
Essa relação é vista por Jung e Nietzche como apolínea-dionisíaca; Jung
alerta para esse ciclo que corresponde ao trabalho de contrapeso de Shiva e Vishnu na
cosmovisão védica-hindu, está corrompido no cristiasnismo e, portanto, há uma
necessidade implítica pelo Anticristo, que age tal qual Anteros e Eros. Freud prefere o mito
de Eros menor, o Erote (Cupido), mas o contrapõe a um filho titânico: Thanatus. A tabela
acima (Tabela 8) apresenta outros pares de contrapostos que integram e dissociam.
Do Éden ao exílio
Retornando a saga de Lilith, com Samel já exilado na Terra, Lilith segue
até o Mar Vermelho onde habitava o arcanjo, que outrora fora lúcifer e outros anjos
que com a queda e os desígnios de Javé, agora eram demônios. Lilith se torna a
esposa de Samael, mas copula com um grande número de outros demônios, gerando
uma prole farta. Adão sofre com essa desilusão amorosa, ele lamenta muito a perda
de sua companheira. Se no mito grego de Eros, é Psique que morre de amor, no Éden
semita é Adam que chega a desfalecer de depressão. Javé provoca um desses
desfalecimentos e executa uma operação de “manipulação genética” e da
consusbtância de Adão gera outro ser feminino. O ser adâmico teria sido dividido
gerando "almas" gêmeas, cada uma levando uma porção de força vital. Chevah (Eva)
é gerada a partir do material genético de Adam.
Antes dessa operação, Javé tenta trazer Lilith de volta, manda uma
comitiva de anjos seus buscá-la, mas essa se recusa a acompanhá-los; então Javé
prolata uma sentença de provocar a morte de muitos de seus filhos diariamente; ela,
por sua vez, determina-se a matar quantos filhos de humanos possa fazer, é nesse
ponto que Lilith, não mais é considerada um ser adâmico, mas um demônio tal quais
aqueles com quem tem relações. Mas independente dos incidentes, parece que as
coisas iam bem com o novo casal de humanos do Éden. Até que o casal das
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“profundezas” Samael e Lilith armam um plano e cada um deles de forma ardilosa
copula com os humanos do Éden, em pares de opostos.
Figura 33 – Quaternário hebreu (judaico-cabalístico)
a) Adam
a) Chevah
b) Lilith
c) Samael
Fonte: a) Pintura a óleo sobre tela: "Lilith", de 1887 do pintor John Collier (1850-1934) no Atkinson Art Galelery, Reino
Unido. b) Pintura a óleo sobre tela: "Adão e Eva", de 1507 do pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528) no Museu do
Prado, Madri, Espanha. c) Representação moderna de Samael.
Das cópulas entre os casais “naturais” nascem: Mamon (filho de Samael e
Lilith) e Abel (filho de Adam e Chevah). Das cópulas cruzadas, em semelhança ao
adultério, nascem: Caim (filho de Samael e Chevah) e Asmodeus (filho de Adam e
Lilith). A cópula cruzada havia sido proibida por Javé, porque de alguma forma isso
deixava o impulso de co-criadores a livre vontade dos adâmicos ou estaria relacionado
com algum tipo de declínio da pureza da linhagem. Para nós esse relato tem um valor
de analogia do processo da dinâmica psicológica primitiva.
No Capítulo 8, ao definir a tipologia guerreira, associaremos cada um dos
quatro personagens do mito fundante judaico com uma função psicológica, segundo
Jung (1976) e justamente os quatro filhos deles são as expressões híbridas, ficando
assim:
Os pais: Adam (Sentimento); Chevah (Sensação); Lilith (Intuição) e
Samael (Pensamento) (Figura 43214 no próximo capítulo).
Os filhos: Abel (Sentimento-Sensação); Asmodeus (Sentimento-Intuição);
Mamon (Intuição-Pensamento) e Caim (Pensamento-Sesação) (A filiação no mito
judaico pode ser vista na Figura 34, logo abaixo).
É preceiso perceber que na correspondência mitológica greco-romana, não
trabalhamos com o posicionamento puro em cima de uma função, os “deuses
guerreiros” indicam as linhas duplas dos filhos do mito judaico. Portanto, podemos
Figura 43, “Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão mitológica hebraica e as
funções psicológicas”, Página 290
214
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antecipar que, associado à função híbrida de Abel está Atena; de Asmodeus está
Artêmis (ou Artemísia); de Mamon está Eros (com uma ação de morte e não de vida) e
de Caim está Ares. Não devemos nos prolongar, por ora, mas em uma ulterior análise,
é válido revisitar ainda no mito fundante o fato que Caim mata seu irmão Abel, depois
de ser sucessivamente escarnecido por este último, devido a um jogo de ciúmes pela
natureza de proximidade que Abel mantinha com seu avô Javé.
Antes de prosseguir é preciso fazer anoto, uma das coisas que tenho
notado na redescoberta do mito da primeira esposa de Adão, é um certo entusiasmo
pela postura feminista de Lilith. Contudo, sempre pondero, pedindo cautela em relação
à visão emancipadora da Lilith cabalística-judaica, que como a Hera greco-romana,
personificam o lado sombrio feminino e extremamente passional-mortífero. Livrar-se
da escuridão do masculino agressor e entregar-se nos braços do feminino passionalmortífero, não parece um passo evolutivo muito inteligente a se fazer. Creio que ser
“possuído” totalmente pelo animus ou a anima civilizacional, ou no caso, de um
sistema social menos abrangente, como é o caso de uma organização
institucionalizada, não deve ter bons resultados, assim como um paciente psiquiátrico
que desenvolva tal anulação do consciente normal para a regência e dominância do
animus-anima fica bastante perturbado. Algumas evidências de uma influência
arquetípica de Lilith sobre à atividade policial ou militar foi tecida sumariamente no
Capítulo 9, no tópico “Herança de um possível período matriarcal anterior”.
Figura 34 – Filhos do Quaternário judaico-cabalístico
Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN,
Michael, “O Zohar”, 2012. (3) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008.
Expressão mitológica greco-romana
O quaternário de deuses guerreiros montado através do panteão grecoromano, serve-se de três irmãos filhos de Zeus e um neto que ao mesmo tempo é seu
antecessor primordial, Eros, como explanamos no tópico “o filho do Pai”.
Palas Atena, é a deusa da sabedoria, da justiça, da civilização e da
estratégia militar. Uma grande guerreira, patrona da cidade grega de Atenas. Em
Roma era cultuada como Minerva. Filha de Zeus, senhor do Olimpo com sua primeira
esposa a ocêanide Mêtis, a deusa da saúde, proteção, astúcia, prudência e virtudes.
Mas que é enganada por Zeus, e ao se transformar em uma gota do oceano de onde
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ela era originária, seu marido a ingere. Mas Atena já estava no ventre de Mêtis e por
isso Atena “nasce” da cabeça de seu pai.
Ártemis ou Artemísia é a deusa da vida selvagem e da caça e
posteriormente é associada à lua e à magia, assim como ocorre com o orixá Oxóssi. É
irmã gêmea de Apolo, ambos filhos de Zeus com a deusa Leto. Leto é da linhagem de
Urano e Gaia, mas não filha dos titãs Cronos e Reia como Zeus, é filha de Céos e
Febe. Ou seja, enquanto a linhagem de Zeus está mais próxima do sangue e da terra,
a de Leto está ligado à profecia, à beleza e à inteligência, justamente o auspício dos
gêmeos. Ela porta sempre uma aljava com suas flechas. O culto romano a identifica
como Diana, uma deusa virgem.
Ares é filho de Zeus com sua irmã e última esposa Hera, ele é identificado
como o deus da sede de sangue, que não necessariamente organiza uma guerra
inteligente, mas é dado mais à Carnificina, que uma deusa auxiliar dele. Cultuado em
Esparta. Em Roma, seu culto é sincretizado com de um deus estrusco da guerra e da
agricultura e passa ser chamado de Marte. Junto com Afrodite, esposa que ele tomou
por adultério de seu irmão deficiente Hefesto, tem filhos, o mais relevante é Eros, o
Cupido romano.
Figura 35 – Quaternário greco-romano
a) Atena
(Minerva)
b) Artemísia
(Diana)
c) Ares
(Marte)
d) Eros
(Cupido)
Fonte: Wikimedia Commons <https://commons.wikimedia.org>. a) Escultura de Atena em Viena, Áustria. b) Diana de
Versalhes, no Museu do Louvre. É uma cópia romana de uma estátua original grega de Leocares. c) Escultura de Ares,
cópia romana do original grego. Vila Adriana, em Tivoli. d) Escultura de Eros, em Londres.
Expressão mitológica yorubá
Precisamos discordar de Barret i Filho (2012), quando diz que “a teologia
yorùbá sobre Olódùmarè é completamente diferente de todos os conceitos existentes
na teologia atual”. Esta afirmação está correta se considerar apenas a face exotérica
da visão muçulmana, cristã e judaica. A questão está muito mais na transparência da
cosmovisão yorubá, que permite que qualquer um nela enculturado possa ter acesso a
fundamentos da espontaneidade da natureza humana. Enquanto que as versões
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hegemônicas monoteístas têm o “segredo” dessa natureza em arcanos ocultos e neste
caso se recorremos ao sufismo, para o islamismo, ao gnosticismo, para o cristianismo
e a cabala, para o judaísmo, algo imanente como olodumaré surge tão abrangente
como o vácuo quântico da Física Moderna.
Como já demonstramos o monoteísmo por si só, apenas pode ter base,
mesmo no judaísmo, no cristianismo ou no islamismo se for desconsiderado os
“irmãos” elohim de Javé e tomarmos ele como o único deus soberano no centro de
sua própria criação. Ou então se um cristão, judeu ou mulçumano enxergar em sua
interlocução com seu deus, um direcionamento ao princípio elementar de tudo,
portanto não a uma divindade e sim à Deídade. O que nos parece que em sucessivas
ações deliberadas pelas gerações um movimento exclusivista corrompeu o sentido.
Talvez uma má interpretação do movimento orquestrado por Aquenaton no Egito
Antigo. Ou talvez iniciado por um grupo de israelitas, que ao se autoafirmarem
simbolicamente contra o domínio babilônico e persa “construíram” artificialmente um
deus único.
O quarternário, dentro da cosmovisão africana-nigeriana, selecionado foi
Oxum, Oxóssi, Ogum e Exu. Há ponto de contato entre a expressão mitológoca
yorubá e a greco-romana, mas não são totalmente alinháveis. No caso, dos orixás é
de suma importância que compreendamos de forma a vislumbrar as qualidades que
tem fundamentos uns com os outros, ou seja, certos traços de personalidade que se
consubstanciam como figuras próprias. Isso garante, por exemplo, que não se
confunda a doce Mamãe Oxum com a Oxum Opará. Essa última tem fundamentos
com Oyá, assim sendo representaria para nós a Mãe-Guerreira.
Oxum, orixá feminino da fertilidade, amor, beleza e regente das águas
doces, filha de Oxalá e Iemanjá. Comumente retratada como “Mamãe”, aqui estamos
falando das suas qualidades guerreiras, portanto, suas qualidades mais novas e
agitadas, representadas com o longo vestido amarelo cor de ouro ou cobre, não com o
típico espelho, mas com o abebé (o leque) e o alfanje (adaga/espada). Foi consorte de
seus irmãos: Xangô, Oxóssi e Ogum.
Oxóssi, irmão de Ogum e Oxum, filho de Oxalá e Iemanjá, orixá masculino
da caça, carrega o ofá (arco e flecha), regente das florestas e das matas. Também é
feiticeiro, porque na ida para a caçada, trazia as plantas medicinais e o conhecimento
da cura. Oxóssi e Oxum foram cônjuges.
Ogum, irmão de Oxóssi e Oxum, filho de Iemanjá, algumas versões
apontam seu pai como Obatalá outras como Oduduá, orixá masculino da guerra,
senhor do ferro, da guerra, da agricultura e da tecnologia. Retratado às vezes como o
único sobrevivente, do castigo de Olodumaré aos duzentos orixás que foram
fulminados, coube a Ogum liderar os quatrocentos restantes (de alguma forma nos faz
lembrar o castigo que exilou Samael e a terça parte das “estrelas” do céu). É poderoso
e triunfal, mas também exibe a raiva e destrutividade do guerreiro cuja força e
violência pode virar contra a comunidade que a ele serve. Ogum foi esposo de Oxum e
de Oyá.
Exu, orixá da comunicação, do movimento e da sexualidade. É o
mensageiro entre o Òrun (os mundos espirituais) e o Aiyê (o mundo material). Muito
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volátil, age tanto para o bem como para o mal. De caráter irascível, Exu se satisfaz em
provocar disputas e trazer calamidades para as pessoas que estão em falta com ele. É
astucioso, vaidoso, culto e dono de grande sabedoria, grande conhecedor da natureza
humana.
O conjunto de mitologemas (orikis) sobre o orixá Exu faz-nos crer que sua
qualidade, encarnada como ancestral mais reverenciada é a que era irmão mais novo de
Ogum. E nesse caso Ogum é civilizador como Apolo e Exu é reificador dos mistérios como
Dioniso. Mas o orixá Exu, no sentido amplo sustenta todos os outros. Há aqui de alguma
forma a mesma situação de Eros (um de segunda geração dos deuses olímpicos) e um
que é a essência viva de todas as coisas. O Exu “terreno”, que encarnou e depois
encantou o Ser é irmão mais novo de Ogum e teria salvado Xangô de ser fulminado por
seu pai Oxalá. Já o Exu “celeste”, nunca desceu do Orun propriamente dito, ele é quem
anima os demais orixás como força essencial de vida. Para esse Exu “terreno” cabe
melhor chama-lo de Exu Elegbá ao “celestial” de Bará Exu.
Figura 36 – Quaternário yorubá.
a) Oxum
b) Oxóssi
c) Ogum
d) Exu
Fonte: Ensaio fotográfico de James C. Lewis, da N3K Photo Studios, Atlanta, Estados Unidos.
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Figura 37 – Orixás de atração do grupo Justiça e Vingança.
a) Xangô
b) Oyá
Fonte: Ensaio fotográfico de James C. Lewis, da N3K Photo Studios, Atlanta, Estados Unidos.
Centro numinoso e as expressões fracionadas
O objetivo principal dessa longa associação mitológica está centrado no
fato que nas três cosmovisões selecionadas existe uma origem primordial neutra, ou
masculina neutra começando a se diferenciar do mar primordial feminino. Nisso
queremos deixar evidente que a sabedoria dos milênios inserida astutamente no, ou
espontaneamente emergida do mito, implica que a existência e a evolução da
civilização dependem inevitavelmente de um impulso de “morte”, ou melhor, de
diferenciação, de separação de dissociação do Todo. Deixa-se a conexão com a
plenitude da energia do Todo, para poder se manifestar em aglo diferenciável do
restante.
Chamamos isso de primeira atividade que seria do masculino essencial e
estamos dizendo que civilizações humanas que tenham mais desse caráter masculino,
aplicam mais da dissociação, ou seja, da dominação para se preservarem íntegras e
coesas. Portanto, o espírito guerreiro é essencial para isso, mas não há um único
espírito guerreiro. A uma única fonte como nos quer dizer Jung com seu Arquétipo de
Si-Mesmo, mas há uma infinidade de arquétipos menores derivados dele que
privilegiam certas qualidades do centro numinoso. Portanto Oxóssi não é menor
guerreiro que Ogum, especializa-se em habilidade diferentes. Atena é justiça, mas
vence guerras mesmo contra seu irmão Ares ou seu tio Poseidon. Que tanto Eros
primordial como Bara Exu sustentam tudo, mas um ser derivado que “abra a cabeça” e
se conecte com Ele, pode não ser um exemplo do “bom mocinho”.
Enganam-se quem ver na atividade de Adam, apenas boa vontade e
esquecem-se alguns que cronologicamente Samael, passou muito mais tempo sendo
o príncipe portador da luz que um renegado. Portanto, a sabedoria do giroscópio é que
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se deve girar sempre, permanecer muito tempo sem ser capaz de mudar seu interior,
aprisiona a ânima do sistema.
A mente organizacional de cada uma das 27 Corporações policiais
militares do Brasil ressoa e induz a práticas e atitudes recursivas que tendem mais ou
menos a um determinado espectro de modelos mentais ligados a um determindado
atributo do Pai-Mãe Guerreiro. E por isso perguntamos: a instituição como um todo,
elegeu, numa paulatina construção histórica, um grupo específico de arquétipos?
Quais são? A instituição está presa, portanto, nisso pelo reforço da operação de
sucesso? É o que veremos no próximo capítulo, traçando a tipologia dos deuses, ou
melhor, dos complexos-ideológicos hegemônicos da Polícia Militar e correlacionando
com as matrizes históricas vasculhadas do Capítulo 6.
De antemão, mediante a análise intersubjetiva da autoetnografia
desenvolvida em alguns pontos deste trabalho, da vasculha pela etnografia digital e
uma prelimar análise dos resultados de José Zacharias (1994), posso indicar uma
tendência a um enclausuramento da dinâmica profunda da cultura organizacional no
eixo das linhas duplas de Mamon-Caim-Abel ou Eros-Ares-Atena, encabeçados pelo
elemento central. Ou seja, uma predominância do perfil Racional-Sensorial, que em
tudo se guia mais pelo Pensamento e a Sensação. Aliado a uma profunda corruptela
da Intuição que devia servir a saúde institucional, mediante insights criativos, é usado
para a caçada oportunista.
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PARTE IV
SÍNTESE INTEGRATIVA E VISÃO PROSPECTIVA
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CAPÍTULO 8 | TIPOLOGIA GUERREIRA NO CONTEXTO
POLICIAL MILITAR
“A violência policial pode ser compreendida através dos estilos de
masculinidade comuns na Polícia Militar”, afirma o professor Jonas Henrique de
Oliveira da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com formação acadêmica em
Ciências Sociais (Antropologia) pela UFRJ, seus estudos focavam o contexto
fluminense, que despontam como o reflexo de nível crítico das questões de Segurança
Pública no país. Essa frase de J. Oliveira é uma extração do artigo: “O corpo como
significado ou o significado do corpo: poder, violência e masculinidade na polícia
militar”, publicado em 2010 pela Revista Vivência.
Artigo, no qual, J. Oliveira (2010) prossegue explicando, que estudar os
estilos de masculinidade, forma uma base de interpretação de certos valores dos
policiais militares, tal qual a violência, tendo em vista, que está “profundamente
arraigado”. A visão de J. Oliveira, sobre este tópico em particular, corrobora com
nosso ponto de vista ecológico organizacional215, esses valores e as características
institucionais reproduzíveis decorrentes deles, não são uma elaboração exclusiva da
Polícia Militar, como “organismo” ela extraí esses elementos do ambiente social: “não
pretendo afirmar que esse valor é formulado na Polícia Militar enquanto instituição,
mas acredito que a Polícia Militar é uma instituição que reforça os valores masculinos
disponíveis” (OLIVEIRA, 2010).
Portanto os “estilos de masculinidade comuns” de J. Oliveira (2010), para
nós se tornam perfis que englobam uma vertente específica de mentalidade e práxis
decorrente dela, nesse sentido, precisamos fazer o que no mundo real não existe:
classificação delimitada e para tal empreendimento escolhemos a noção de tipologias
ideias weberiana e a forma junguiana procedimental de fazê-la. Sobre essa
contraditória posição, em que sabemos não existir de fato tal tipologia, mas a usamos
como recurso didático, deixo que Jung (2000) fale em defesa de seus arquétipos:
“Pelo que eu saiba, até hoje não foram feitas outras propostas. A crítica contentou-se
em afirmar que tais arquétipos não existem. E não existem mesmo assim como não
existe na natureza um sistema botânico! Mas será que por isso vamos negar a
existência de famílias de plantas naturais?”. E abandonar sumariamente a proposta de
classificá-las?
Em resumo, o que pretendemos neste capítulo é estabelecer um quadro
de um quaternário216 de tipologias arquetípicas do espírito guerreiro que influencia a
atividade policial. O quaternário tem claras inspirações na fundamentação mitológica
como propõe Jung, bem como no alinhamento de cada elemento do quaternário a uma
das funções psicológicas do equipamento psíquico também segundo Jung. Ou seja,
215
A abordagem ecológica é uma interpretação nossa, a de J. Oliveira (2010) tem outros aportes teóricos.
A escolha de quaternário e não ternário ou uma classificação dual está no exposto por Jung em “Aion” sobre o
quaternário está correlacionado com a integralidade do arquétipo de Si-Mesmo, já que pretendemos na superação
das diferentes “masculinidades” alcançar o espírito integral dos guerreiros.
216
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vamos fazer um entrecruzamento entre as funções de Pensamento, Sensação,
Intuição e Sentimento com os quaternários dos panteões já expostos anteriormente:
hebreu (Adão, Eva, Lilith e Samael); greco-romano (Atenas, Artemis, Ares e Eros) e
yorubá (Oxum, Oxóssi, Ogum e Exu). Lembrando que assim como Jung, tanto em sua
tipologia psicológica, como na suposta regência mística sobrenatural das visões
religiosas citadas, tais divindidades ou funções psicológicas operam especificamente
sob o auspício de um elemento natural, seja pela concepção ocidental (Ar, Água, Terra
e Fogo), ou pela oriental (Fogo, Terra, Metal, Água e Madeira).
Em nossa visão, esses arquétipos são de exercício de masculinidades,
mas não exclusivas de homens, pois estamos nos referindo a expressão de “autoafirmação” (CAPRA, 1996) do sistema vivo autônomo (seja a pessoa ou a
organização) em relação ao ambiente e aos seus pares. Existe uma porção de
feminilidade nesses arquétipos, ou seja, da expressão de “integração”, e é justamente
o jogo de proporção entre as nuances que provocam a diferenciação. O bojo marcante
das diferenciações é classificado em tipos, que são de cunho ideal, a saber: (1) o paizeloso, (2) o herói, (3) o aventureiro e (4) o guerreiro. Na prática, tanto as pessoas,
como as organizações são híbridas com uma tendência preponderante.
Figura 38 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros e suas expressões híbridas.
Fonte: Elaborada pelo Autor.
Nicho-função de força-vigor como exercício de masculinidades
Nicho é um termo da ecologia tradicional (biológica) que congrega em um
conceito a noção de território e posição na cadeia alimentar (trófica). Quando utilizo o
termo “nicho-função” refiro-me às relações do organismo de determinada espécie na
dinâmica funcional da cadeia trófica. “Força-vigor”, portanto é uma posição/função de
elementos humanos na dinâmica interna da espécie, ou seja, em relações
intraespecíficas. Essa posição/função exercita, sobretudo, os aspectos corporais
autoafirmativos. Essa é uma forma conceitual própria de abarcar uma “família” de
atividades laborais e políticas no seio das comunidades humanas que compartilham
dos mesmos fundamentos de motivação, simbolização etc. Em contextos de
Página | 274
masculinidades hegemônicas, a ordem social naturalmente se dá pelo exercício da
ação vigorosa com dispêndio da força. Acreditamos que essa decorrência natural dá o
tom das atividades dos militares, policiais, seguranças, vigilantes, carcereiros,
guerrilheiros, militantes, terroristas e em certa parte aos bombeiros, esportistas,
lutadores entre outros. Esses tais formam, portanto, em nossa visão que conjuga
Ecologia Humana e tradição védica-hindu, a casta “bioantrolpógica” dos guerreiros.
Figura 39 – Representação esquemática da teoria de gênero de Sandra do Bem.
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of
sex typing”, 1981.
Cabe ressaltar que nossa noção de atividade ou mentalidade, compondo
uma personalidade, infundidos de masculinidade e feminilidade essenciais acompanha
em boa parte a teoria do esquema de gênero da psicóloga norte-americana Sandra
Ruth Lipsitz Bem, atualmente da Universidade de Cornell (Nova York). Sandra Bem
constrói uma esquematização em que as variáveis masculinidade e feminilidade
possam se combinar em um plano bidimensional, portanto, fugindo da noção
dicotômica, na qual, a presença de masculinidade implica na ausência de feminilidade.
No esquema de Sandra Bem (1981), como pode ser observado na Figura 39, um
indivíduo através do instrumento metodológico introduzido por ela mesma, o Inventário
de Papéis Sexuais de Bem, pode ser identificado como: (1) feminino (alta feminilidade
e baixa masculinidade); (2) masculino (baixa feminilidade e alta masculinidade); (3)
andrógino (alta feminilidade e alta masculinidade) e (4) indiferenciado (baixa
feminilidade e baixa masculinidade). Portanto, não como graus diferentes da mesma
variável, mas variáveis independentes correlacionadas, como se vê na Figura 40.
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Figura 40 – Representação gráfica de masculinidade e feminilidade como variáveis
independentes.
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of
sex typing”, 1981.
Sexualidade institucional
Segundo Geert Hofstede (2011), “estudos anteriores da psicóloga
americana Sandra Bem (1974) mostraram que [...] a masculinidade e a feminilidade
deveriam novamente ser tratadas como aspectos distintos e não como pólos
opostos217”. Cabe-nos referenciar algumas reflexões da obra do psicólogo holandês,
Geert Hostede, com aplicações nos estudos organizacionais. Hofstede inicialmente
influenciado pelo trabalho antropológico culturalista do norteamericano Clyde
Kluckhohn; ambos definiram uma abordagem psicossocial em que há uma análise da
escala de valores dos sujeitos em determinada dimensões, o que ao término traça o
perfil de um grupo.
Enquanto Clyde Kluckhohn (1951) e colaboradores218 fazem uma análise
etnográfica de cinco comunidades norteamericans Geert Hofstede (2011) faz nas
décadas de 60 e 70, uma análise das diferenças culturais dos diversos países, tendo
como base os funcionários de uma mesma corporação transnacional, a IBM.
O estudo de Clyde Kluckhohn (1951) é realizado no Sudoeste
norteamericano entre os povos nativos Zuni e Navajo, os adeptos do movimento dos
mórmons, populações hispano-americanas e os considerados autênticos texanos. A
escala de valores da etnovisão de cada segmento populacional é formada pelas
seguintes dimensões-variáveis: orientação com relação à natureza humana inata (boa
ou má), orientação homem-natureza-sobrenatural (harmonia ou dominação),
orientação em relação ao tempo (foco no passado-tradição, presente-prazer ou futuroposteridade), orientação com relação à atividade (ser ou ter), orientação entre as
relações humanas (hierárquica, coletiva-igualitária ou individualista).
Geert Hofstede (2011) utiliza uma escala que considera outras quatro
dimensões: distância de poder; aversão à incerteza; individualismo versus coletivismo;
Tradução livre: “the terms masculinity and femininity have also been used for describing values at the individual
level. Earlier studies by U.S. psychologist Sandra Bem (1974) showed already that in this case masculinity and
femininity should again rather be treated as separate aspects than as opposite poles”.
218 Entre os colaboradores: o antropólogo cultural norteamericano Evon Zartman Vogt e a esposa de Clyde
Kluckhohn: Florence Rockwood Kluckhohn.
217
Página | 276
masculinidade versus feminilidade e após estudar com mais acuidade as sociedades
asiáticas Hofstede (2011) inclui a dimensão denominada de orientação de curto prazo
versus longo prazo. Perceba que esse espectro de valores em dimensões específicas
acabam por compor um perfil da indentidade pessoal, organizacional, institucional,
nacional, étnica ou civilizacional. Adotei em particular, nesta pesquisa, uma
abordagem ampla em termos de diferentes dimensões humanas, mas praticamente
sobre o mesmo espectro de valores: a sexualidade do sistema social e suas
implicações quanto à percepção dos valores de outros espectros.
E por sexualidade do sistema social estamos nos referindo a orientação à
competitividade e a imposição da força como masculinidade e a orientação ao cuidado
e a cooperação como feminilidade. Segundo Hofstede, baseado em sua pesquisa na
IBM, “a masculinidade versus o oposto, a feminilidade, novamente como uma
característica social e não como uma característica individual, refere-se à distribuição
de valores entre os gêneros”. Sendo uma das questões fundamentais para qualquer
sociedade, segundo Hofstede (2011), que definiu como “o pólo assertivo tem sido
chamado de ‘masculino’ e o pólo modesto e atencioso ‘feminino’”.
Confirmando nosso entendimento de que numa conjuntura de base
masculina, como é caso do patriarcalismo ou das organizações força-vigor, é o jogo de
quanto de feminilidade há nos elementos masculinos que determinam o composto
diferencial entre os grupos; Hofstede (2011) alcança resultados, tais como “os valores
das mulheres diferem menos entre as sociedades do que os valores masculinos”. Nas
culturas nacionais de orientação feminina: as mulheres têm os mesmos valores
modestos e carinhosos que os homens; nas culturas nacionais de orientação
masculina: as mulheres são um pouco mais assertivas e competitivas, mas não tanto
quanto os homens. Na tabela abaixo, reproduziu-se a visão sobre os valores desse
escpectro como as dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas.
Tabela 9 – As dez diferenças entre sociedades masculinas e femininas
Feminilidade
Masculinidade
Diferenciação mínima do papel emocional
e social entre os gêneros.
Homens e mulheres devem
ser modestos e cuidadosos.
Equilíbrio entre família e trabalho
O trabalho prevalece sobre a família.
Tanto os pais como as mães lidam com fatos e
sentimentos.
Máxima diferenciação do papel emocional
e social entre os gêneros.
Os homens devem ser e as mulheres podem ser
assertivas e ambiciosas.
Simpatia pela fraca admiração pelo forte.
Os pais lidam com fatos, mães com sentimentos.
As meninas choram, os meninos não.
Os meninos devem lutar,
mas não é conveniente que as meninas lutem.
As mães decidem sobre o número de crianças.
Os pais decidem sobre o tamanho da família.
Muitas mulheres em posições políticas eleitas.
Poucas mulheres em cargos políticos eleitos.
A religião se concentra em seres humanos.
A religião se concentra nas figuras divinas.
Liberdade sobre sexualidade;
Atitudes morais quanto à sexualidade;
O sexo é uma maneira de se relacionar.
o sexo é uma maneira de se realizar.
Fonte: Reproduzido de HOFSTEDE, Geert; “Dimensionalizing Cultures: The Hofstede Model in Context”, 2011.
Meninos e meninas podem chorar,
mas nem um nem outro devem lutar;
Um ponto marcante para Hofstede (2011) é que nas culturas masculinas,
muitas vezes há um tabu em torno dessa dimensão, que por ora estamos
denominando de sexualidade institucional. A pura e simples existência de tabu, já
demonstra o quão relevante essa dimensão de orientação de vida pode influenciar as
pessoas envolvidas. Para Hofstede (2011), “os tabus são baseados em valores
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profundamente
enraizados
[...]
este
tabu
mostra
que
a
dimensão
masculinidade/feminilidade, em algumas sociedades, toca valores básicos e muitas
vezes inconscientes, muito doloroso para ser explicitamente discutidos”, quanto mais
alterados.
Portanto, para que possamos entender melhor como esse entendimento
de Hofstede (2011) e indiretamente de Kluckhohn (1951) foram aplicados aos nossos
estudos sobre a Polícia Militar e a tipologia guerreira, façamos uma distinção entre as
diferentes formas de se vincular mentalmente à instituição, consciente ou
inconscientemente, se fará por dois pólos: um em que a prevalência é de valores
como a agressividade, a busca por dinheiro e bens materiais e a competitividade e
outro que se refere ao grau em que as pessoas valorizam os relacionamentos e
mostram sensibilidade e preocupação com o bem estar dos outros. Mais adiante isso
poderá ficar claro com a distinção entre: guerreiro-feminino (protetor) e guerreiroindiferenciado ou (justiça) versus o guerreiro-andrógino (caçador) e o guerreiromasculino (vingança).
Os guerreiros escalonados segundo a teoria do esquema do gênero
Quando definimos o exercício laboral das atividades de força-vigor como
manifestações de masculinidades, estamos correlacionando esse grupo-família de
funções sociais, inclusive o próprio perfil institucional, como mais consentâneo à
correlação com os elementos masculinos ou andróginos. É importante frisar que
dimensões como orientação sexual e sexo biológico são nessa elaboração conceitual
tipológica interdependentes com certo grau de autonomia, quase que independentes.
Mas de certo, que estamos falando de sexualidade composta ampla, ou seja, que
articula características como atitude mental voltada para o interior ou para o exterior
(introversão ou extroversão); pré-disposição à regência por funções racionais ou
irracionais, bem como ao maior desenvolvimento da inteligência lógica-racional ou
emocional.
Tendo em vista essa percepção de exercício de masculinidades,
esperamos que o termo guerreiro seja tão logo correlacionado com uma atividade de
contextos de alta masculinidade. Ao dizer guerreiro, já estamos carregando isso com a
noção auto afirmação ou princípio yang. Porém, o quadro é tão complexo o quanto
mais se queira aprofundar nas nuances, delimitamos uma sobreposição em três
camadas:
(1) Primeira camada: Toda a casta de guerreiros é uma manifestação de
alta masculinidade;
(2) Segunda camada: Dentro da própria casta de guerreiros, definimos
quatro tipos que remetem a virtudes/instintos correlacionados com a
nuance do mínimo de feminilidade que ainda possuem os guerreiros,
ficando o esquema da segunda camada da seguinte forma:
a. Guerreiro-feminino ou guerreiro-protetor;
b. Guerreiro-indiferenciado ou guerreiro-justiça;
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c. Guerreiro-andrógino ou guerreiro-caçador e
d. Guerreiro-masculino ou guerreiro-vingança.
(3) Terceira camada: Cada tipo guerreiro possui uma expressão mais ou
menos extrovertida, sob a qual discorreremos mais adiante, mas que já
foram introduzidos pela Figura 38.
Na Figura 41, é possível observar as duas primeiras camadas onde
contextos de alta feminilidade correspondem aos perfis feminino e andrógino da teoria
do esquema de gênero de Bem (1981) e os contextos de alta masculinidade aos perfis
andrógino e masculino dessa mesma teoria. Logo, a atividade de ordenação social
corporal-direta, desempenhada pela polícia no patriarcado, é um exercício de nichofunção de força-vigor. A mesma atividade de ordenação do corpo social realizado pelo
contato pessoal direto (diferente da atividade legislativa e jurisdicional), em contextos
de alta feminilidade podem ser parcialmente ou integralmente parte da função de
proteção-cuidado.
Figura 41 – Guerreiros dos contextos de alta masculinidade: representação esquemática
da correlação entre o exercício da força-vigor e a teoria de gênero de Sandra do Bem.
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) Bem, Sandra Lipsitz, “Gender schema theory: A cognitive account of
sex typing”, 1981.
Percorrendo todo estre trabalho é possível perceber referências a esses
dois princípios essenciais masculinos e femininos. Cabe-nos compilar uma
representação que congregue cada um desses pares de opostos complementares,
como se vê na tabela a seguir (Tabela 9):
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Tabela 10 – Comparação entre as terminologias utilizadas para identificar as forças essenciais dos
opostos complementares
Autor/Tradição/Escola
Princípio Feminino
Princípio Masculino
Terminologia proposta
Integrativo
Auto afirmativo
Concepção autopoética
Intercâmbio com o
meio
Enclausuramento
operativo
C
Concepção darwinista
Cooperação
Competição
D
Sentido original
Negação
Afirmação
Termo atual
Yin
Yang
A
B
E
Fritjof Capra1
Taoísmo2
F
Tradução
Sombrio
Luminoso
G
Tipologia policial de Mccold e Wachtel3
Serviço
Autoridade
H
Entrecruzamento Nietzche e Jung4
Dionisíaco
Apolíneo
I
Princípio da complementariedade
de Niels Bohr1, 5
Onda
Partícula
J
Jung4
Introversão
Extroversão
Altruísmo*
Egoísmo
Eros
Tânatos
K
Atitude psicológica
L
Freud6
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios em (1) CAPRA, Fritjof, “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica
dos sistemas vivos”, 1996. (2) WILHELM, Richard, “I Ching : o livro das mutações”, 2006. Wilhelm traduz para o alemão
um escrito milenar chinês, que tanto guarda aspectos filosóficos como esotéricos na forma da função oracular. O autortradutor explica que yin e yang, não são conceitos primitivos do tempo original da compilação do I Ching. (3) MCCOLD,
Paul and WACHTEL, Bem, “Police officer orientation and resistance to implementation of community policing”, 1996. (4)
JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, 1976. (5) LIMA VIANNA, Túlio, “Teoria quântica do direito: o direito como
instrumento de dominação e resistência”, 2008. (6) FREUD, Sigmund. “As pulsões e seus destinos”, 2014.
A abordagem de análise e interpretação tipológica
Tipologia policial clássica
Não posso deixar de fazer anoto que uma finalização do estudo do
universo psicossocial dos policiais e da polícia, em uma elaboração tipológica dos
perfis dos agentes e/ou das agências, não é uma novidade e é um termo comum de
muitos trabalhos do campo multidisciplinar das Ciências Policiais ou da Sociologia da
Polícia. Cabe-nos citar duas sínteses que coletaram a produção sobre tipologia
policial:
(a) a elaborada pelo professor da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-MG), Dr. Almir Oliveira Jr., na oportunidade de sua tese de
doutorado em Sociologia e Política, intitulado “Cultura de polícia: cultura e atitudes
ocupacionais entre policiais militares em Belo Horizonte”, de 2007 defendida na
UFMG.
Orientado pelo célebre, na temática de segurança pública, o professor
Cláudio Chaves Beato Filho (UFMG), Almir Oliveira Jr. realiza uma análise de um
recorte da pesquisa que aplicou questionários a 1/6 das 6 mil praças da Polícia Militar
de Minas Gerais e a quase a totalidade dos 322 oficiais da Corporação (números da
época). Em uma segunda fase foram entrevistados e escutados grupos focais de
policiais militares que integram o policiamento comunitário. A análise estatística
evidenciou as relações entre variáveis que demarcam a diferença comportamental e a
visão social dos policiais de perfil: Law Officer e Peace Officer, tipologia de Egon
Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr., 2007).
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(b) E a (síntese) produzida por Stephen M. Cox (2007), professor da
Central Connecticut State University, pelo verbete: “Styles of policing” na “The
Encyclopedia of Police Science” [A Enciclopédia das Ciências Policiais]. A síntese
sobre os perfis são frutos das pesquisas219 de Stephen Cox, o que nos Estados Unidos
chama-se de “influence of neighborhood characteristics or context” [influência do
contexto ou características do bairro], o que em suma, poderia provocar por parte dos
policiais o uso maior da força ou serem mais propensos a prisões quando em bairros
desfavorecidos. A pesquisa do Cox (1992 apud COX, 2007) evidencia que não apenas
o contexto do bairro condiciona como se dará o encontro entre polícia e comunidade,
mas também o perfil pessoal e o institucional a que estão vinculados os agentes da lei.
Como veem o mundo e a que espectro de atitudes estão propensos a
terem e sua relação com o clima típico de sua unidade departamental, condiciona o
comportamento do policial na atividade operacional. Tanto Cox (2007) como Oliveira
Jr. (2007) fazem um apanhado com duas dimensões, (I) a institucional da polícia e (II)
a pessoal do policial:
(I.1) Perfis Institucionais de Wilson220: classificação do estilo do
departamento, ou seja, que reflete os aspectos da cultura organizacional, pelo trabalho
de James Q. Wilson (1968 apud COX, 2007; apud OLIVEIRA Jr., 2007):
a) watchman (guardião): o modelo de percepção do policial do perfil
guardião (ou sentinela, ou observador);
b) service (prestador de serviços) e
c) legalistic (legalista).
(II.1) Perfis pessoais de Bittner221:
a) Law Officer (policial em nome da lei): Segundo Oliveria Jr.
(2007), traduzindo e interpretando Egon Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr.,
2007), o policial de cunho legalista, pensaria da seguinte forma: “[combato] a
criminalidade, agindo de forma repressiva em relação a comportamentos
desviantes, fazendo uso da lei e autoridade que lhe é conferida para manter a
ordem”.
b) Peace Officer (policial apaziguador): “o trabalho [do peace
officer] envolve agir de forma preventiva, evitando conflitos e apaziguando
ânimos nas situações de tensão que venha a enfrentar” (OLIVEIRA Jr., 2007).
219
COX, Stephen. M., and J. Frank. 1992. The influence of neighborhood context and method of entry on individual
styles of policing. American Journal of Police 11:1-22.
220 WILSON, James Q. 1968. Varieties of police behavior. Cambridge, MA: Harvard University Press. Citado por
Oliverira Jr. (2007) e Cox (2007).
221 BITTNER, Egon. The functions of the police in modern society. Washington: National Institute of Mental Health,
1970
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(II.2) Perfis pessoais alinhados por Cox: Stephen Cox (2007) lança mão
de um alinhamento de três propostas de tipologias diferentes: (a) a de William Muir 222
(1977 apud COX, 2007); (b) a de John Broderick 223 (1977 apud COX, 2007) e (c) a de
Michel Brown224 (1981 apud COX, 2007).
Tipologia policial arquetípica
A principal referência disciplinar científica deste capítulo é a Teoria dos
Tipos Psicológicos junguianos, considerada o contributo mais referenciado da
Psicologia Analítica. A proposta aqui exposta tem pontos de conexão com aquela feita
pelo terapeuta junguiano José Jorge de Morais Zacharias, professor da Universidade
Cidade de São Paulo (UNICID) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUCMG), sobretudo, de sua tese de doutorado: “Tipos psicológicos junguianos e
escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”,
apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), em 1994.
No trabalho, que para nossa proposta específica destaca-se como seminal,
Zacharias (1994) busca um tipo psicológico predominante entre 333 policiais miliares
como amostra representativa do perfil entre os integrantes da Polícia Militar do Estado
de São Paulo (PMESP). José Zacharias (1994) não apenas encontra alguns tipos
predominantes, como identifica um tipo ideal (como perfil idealizado pelos próprios
policiais como modelo desejado em um exercício de pesquisa por autoimagem) e a
ausência de tipos, que em seu ponto de vista seriam importantes elementos de
contrapeso e alavancadores de outro espectro de comportamento organizacional.
Tanto o trabalho de Zacharias (1994) como a pesquisa de Elvina Maciel
Lessa, de 2002, intitulada: “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho:
estudo com tipos psicológicos de Jung” (tese de doutorado apresentada na UFRJ) –
tanto um como o outro – deixam claro a validade e relevância do uso a teoria dos tipos
psicológicos para a gestão de competências, como contribuição que a obra de Jung e
seus discípulos podem trazer para a área organizacional. As considerações de Lessa
(2002) são nossa principal referência de condução teórica, por sintetizar num
apanhado revisional das contribuições diretas do próprio Jung, além das de MarieLouise von Franz (1990 apud LESSA, 2002), de Nise da Silveira (1968 apud LESSA,
2002) e de Isabel Briggs Myers e Peter Myers (1997 apud LESSA, 2002).
Tipologia policial arquetípica guerreira
Os termos “integrativo” e “auto afirmativo” são usados por Fritjof Capra
(1996) e já foram tratados neste trabalho225 e remontam aos aspectos de opostos
complementares, que por vezes entram em conflito, advindos de concepções do
ecofeminismo (e ecomarxismo), de tradições filosóficas como o taoísmo, como o pré-
222
MUIR, William. 1977. Police: Streetcorner politicians. Chicago: University of Chicago Press.
BRODERICK, John. 1977. Police in a time of change. Prospect Heights, IL: Waveland Press.
224 BROWN, Michael. 1981. Working the street: Police discretion and the dilemmas of New York: Russell Sage.
225 No tópico “Predominância de um tipo de relação ecológica: competição versus cooperação” em “Ecologia
Mental” do Capítulo 3 e no mesmo capítulo em “Ecologia Social”, explicou-se sobre o padrão de desenvolvimento
civilizacional yin e yang por preceitos taoístas e com entrecruzamento com o ecofeminismo.
223
Página | 282
socrático Heráclito, do hermetismo egipício, bem como do princípio quântico da
complementariedade de Niels Bohr226.
Na analogia com complementariedade quântica de Niels Bohr, os aspectos
de opostos complementares que aplicamos à realidade social, pode-se dizer que a
auto afirmação é agir como a matéria e diferenciar-se do restante numa
individualidade; já integração é torna-se fluído como onda, tendendo a ser um com o
coletivo. Está se falando da porção de masculino e feminino essenciais que compõe o
dado sistema, como os sistemas aqui são organismos vivos, pessoas humanas e
pessoas organizacionais, então há de se falar em masculinidades e feminilidades. Por
se tratar do nicho-função do exercício da força-vigor em uma civilização de padrão
“patriarcal”, os tipos policiais propostos, são vistos como experiências mentais e de
práxis de masculinidades, sendo em menor ou maior grau, infundidas de doses de
feminilidade. Esse jogo de proporções de influência dos fatores de auto afirmação e
integração, podem ser observados nas Tabelas 10 e 11.
Usando algumas reflexões que soam como paráfrase de Capra (1996),
Eisler (1989) e Maturana e Dávila (2009; 2012) pode-se tecer algumas ilustrações
exemplificativas sobre o que diferencia os tipos policiais propostos. Na Tabela 11, a
coluna “mentalidade” se refere ao modo de pensar daquele indivíduo e a coluna
“práxis” o padrão de ação desempenhada para alcançar os fins pensados.
Uma mentalidade integrativa tende às necessidades do coletivo, uso da
intuição como apreensão da realidade e julga por sentimento, fala-se em inteligência
emocional. Agir por bases integrativas é cooperar, na certeza que perdas individuais
serão recompensadas com o ganho coletivo. É contentar-se com menos, desde que
tenha qualidade. A integração por vezes, levada às últimas consequências pode ter o
resultado de neutralizar a individualidade e mal expressada pode gerar circunstâncias
de acomodação, mesmo frente a riscos iminentes.
Já um pensamento auto afirmativo, analisa, disseca, racionaliza. Tende ao
individualismo e procura o melhor ganho para si, frente à incapacidade de confiar nos
outros elementos autônomos que o cercam. Agir por auto afirmação, é competir, por
vezes por esporte, superando seu próprio limites, que se pensava ter; mas em outras
leva à dominação, à exploração do “outro”, que para a visão auto afirmativa, não sou
“eu” e, portanto, pode ser subjugado. Busca-se sempre a métrica da maior quantidade
possível.
226
Na analogia com complementariedade de Niels Bohr, a auto afirmação é agir como a matéria e diferenciar-se do
restante numa individualidade; já integração é torna-se fluído como onda, tendendo a ser um com o coletivo.
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Tabela 11 – Tipologia policial arquetípica guerreira quanto ao caráter integrativo e auto afirmativo
Tipo policial
Pai-zeloso
Contexto sócio organizacional: Auto afirmativo
Mentalidade
Práxis
Integrativa
Integrativa
Herói
Integrativa
Auto afirmativa
Aventureiro
Auto afirmativa
Integrativa
Guerreiro
Auto afirmativa
Auto afirmativa
Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de CAPRA, Fritjof. “A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos
sistemas vivos”,1996.
Orientação taoísta para a tipificação
Entre aquelas pessoas que se sentem consciente ou inconscientemente
atraídos pelas funções-nicho de força-vigor, aglutinamo-nas em um conjunto
denominado de casta “bioantorpológica” de guerreiros e por um gradiente da diferente
combinação entre o modo de processamento mental e de prática vivencial do
masculino ou do feminino essencial, inspirado pelo I-Ching (WILHELM, 2006),
estipulou-se quatro tipos psicológicos, que se vinculam em proporções diferentes às
diversas metáforas anteriormente identificadas nesta pesquisa (As ditas metáforas
estão elencada na Tabela 12, com a denominação de modelos mentais).
Na figura 42, observa-se um diagrama, que pressupõe uma derivação a
partir do símbolo da unicidade, o Tai Ji. O símbolo taoísta está em uma posição de
giro, na qual fica mais próxima das decorrências, o lado auto afirmativo, em cor clara,
do masculino essencial, ou yang. Isso demonstra que os tipos escritos na parte inferior
da figura são as manifestações em contexto de preponderância auto afirmativa, ou
seja, em uma era de espíritos civilizacionais da imposição e institucionalização, por
exemplo, o patriarcado. Se o contexto geral fosse preponderantemente yin os tipos,
que não caberiam mais ser chamados de policiais, seriam de uma vertente do cuidado
e da proteção social. Do monograma Yin (- -), representando a concepção de
Integração, segundo Fritjof Capra (1996), surgem dois bigramas: Dai Yin [Grande Yin],
formado por duas linhas seccionadas e o Xiao Yang [Pequeno Yang], formado por
uma linha seccionada acima e uma linha contínua abaixo.
Nos bigramas compostos, há uma linha acima e outra abaixo, uma ligada
ao céu e outra a terra, uma ao mental e outra à ação real. Portanto, estamos definindo
que aquele que pensa e age de forma feminina, não obstante seja um guerreiro, tem o
instinto maternal aguerrido em si, estamos denominando-o de “pai zeloso”. Aquele
guerreiro que pensa de forma feminina, mas age pelo modus operandi do masculino, é
o “herói”, que é afeto à luta, às armas, valoriza as expressões corporais de vitalidade,
mas o faz pela causa da justiça (“integrativa”).
Ainda descrevendo a Figura 42, é possível observar que do monograma
Yang (─), grafado por uma linha contínua, representando a Auto afirmação, como
vetor masculino, decorre o Xiao Yin [Pequeno Yin], formado por uma linha contínua
acima e uma linha seccionada abaixo, que alude em nossa tipologia dos guerreiros, ao
arquétipo do “aventureiro”, figura de mentalidade masculina, quem melhor se relaciona
com os guerreiros aguerridos, pois entendem-nos, são movidos pelo entusiasmo da
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novidade, da busca, da caçada. Ainda do monograma Yang, surge o bigrama,
composto por duas linhas contínuas, Dai Yang [Grande Yang], o qual estamos
correlacionando com o arquétipo do “guerreiro” propriamente dito, ou seja, do caráter
yang de força-vigor enfatizado em suas próprias características, esse é o elemento,
que não se conforma com a pacificidade, ele precisa de luta parar viver, digo, para
emprestar significado à sua vida, mais do que qualquer outro entre a casta dos
guerreiros.
Figura 42 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com os bigramas
taoístas
Fonte: Elaborada pelo Autor.
Orientação junguiana para tipificação
Para uma concepção junguiana, os quatro tipos base de guerreiros aqui
propostos, atuam na dinâmica psíquica institucional como arquétipos; já os modelos
mentais identificados nas metáforas e elementos prospectados do estudo das relações
ecológicas profundas e da análise institucional histórica atuam como complexos, tendo
como base um equipamento psíquico nos moldes da Psicologia Analítica
(JUNG,1996). Um complexo pode apontar para mais de um arquétipo, tendo um
preponderante, ou seja, regente (função primária) e outros corregentes (função
secundária). Na Tabela 11 podem ser observadas as relações entre arquétipos e
complexos.
Cabe salientar que não se trata de uma análise do perfil psicológico dos
integrantes, mas da personalidade institucional, que se instancia com nuances
diferentes nas organizações da mesma família de nicho-função (bombeiros, as
diferentes agências policiais, forças armadas, polícia penitenciária e função carcerária
etc). Ou seja, um observador atento à proposta feita neste trabalho, sentirá falta de
perfis introvertidos, por quanto, toda a atividade de força-vigor é extrovertida. Talvez
essa seja a diferença crucial entre o relatório de Zacharias (1994) e o presente
trabalho, estamos classificando os tipos ideais, aqueles em que a atividade funcional
se projeta e não os perfis em si das pessoas. Isso significa dizer, que pessoas que não
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possuem enquadramento de seu perfil pessoal com um daqueles reproduzidos e
nutridos pela dinâmica institucional, certamente no processo de socialização serão
forçosamente obrigados a desenvolver novas aptidões ou sofrer reversos de
frustração.
Tabela 12 – Relação tipo policial e modelos mentais (arquétipos e complexos)
Tipos policiais
Pai-zeloso
Herói
Aventureiro
Guerreiro
Expressão Luminosa
Piedoso
Justo
Sonhador
Patriota
Expressão Sombria
Mãe-guerreira
Justiceiro
Caçador de
Recompensa
Caveira
Pedagogo social
Mestre
Professor
Tutor
Feitor
Arcanjo Miguel
São Jorge
Xerife
Jagunço
Salvador
Ateniense
Capitão-do-mato
Pirata
Bucaneiro
Corsário
Bandeirante
Gladiador
Mercenário
Anjo da morte
Soldado
Espartano
Romano
Arquétipos
Modelos mentais
Complexos
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Antecipação sobre o uso de teste psicotécnico, vocacional e
elaboração de perfil profissiográfico
Creio que a essa altura já seja patente, que um dos pontos de nossa
proposta de mudanças institucionais concentre-se no processo de recrutamento e
seleção, bem como desenvolvimento da carreira dos integrantes de acordo com uma
gestão de competências devidamente alinhada com o atual perfil institucional e com o
perfil funcional desejado para o futuro (LESSA, 2002). Um momento crucial nessa
gestão de competências é o teste psicotécnico no ato do ingresso subsidiado por um
perfil profissiográfico adequado, anteriormente elaborado.
Visando uma futura adequação de nossa proposta dos perfis institucionais
com um instrumento capaz de identificar as preferências e constituições pessoais,
fizemos o possível para que a formatação dos tais perfis ideais fossem compatíveis
com a linguagem empregada pela classificação tipológica de Myers-Briggs (CASADO,
1993; LESSA, 2002), para tanto nos apoiamos na interpretação e quadro síntese
elaborado pela professora Tânia Casado, da Universidade de São Paulo (USP),
primeiramente por seu trabalho de dissertação, intitulado “Tipos Psicológicos e Estilos
de Comportamento Motivacional: o diálogo entre Jung e Fromm”, de 1993, orientado
por uma das pioneiras em Psicologia Organizacional no Brasil, a professora Cecília
Whitaker Bergamini.
Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana
Conforme pode ser observado na Tabela 12, foram dispostos os tipos
policiais em colunas e internamente a elas divididas cada uma em duas, que são as
expressões luminosas e sombrias. Cabe registrar, que os termos estão invertidos, por
quanto, aqui luminosas são as que têm uma base yin e as sombrias as que se
baseiam no principio yang, quando na concepção chinesa (oriental) convencional se
dá ao contrário. Isso ocorre por já estarmos vivenciando por muito tempo um excesso
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de masculinidade essencial no padrão civilizatório, acarretando algumas disfunções
socioculturais que tem necessitado de uma feminilização (ou queira chamar-se de
integração) como processo de compensação.
Nas Tabelas 11 e 13, é possível observar os quatro tipos policiais base,
como arquétipos guerreiros e suas expressões hibridas ou constitutivas com ponto de
contato com os tipos adjacentes. Para cada tipo policial definiu-se seu perfil
composto: sentimental, perceptivo, intuitivo ou reflexivo (todos extrovertidos); definiuse também a dimensão preponderante da dinâmica psíquica: racional ou irracional,
ou seja, de julgamento ou apreensão de fatos e realidade; bem como, as funções
psicológicas superior e a inferior (dominante e oposta), pois são as mesmas das
duas expressões de cada tipo. Para cada expressão, registrou-se, conforme na
Tabela 13, o nível de extroversão, numa escala de 1 a 8; considerando os níveis 1 e
2, como levemente extrovertido; os níveis 3, 4, 5 e 6 como moderadamente
extrovertido e os níveis 7 e 8 como altamente extrovertido. Cada expressão tem
também os registros de sua função secundária (auxiliar) e terceária que juntamente
com nível de extroversão as diferenciam de sua contraparte, correspondente no
mesmo tipo policial.
Tabela 13 – Correspondência dos tipos policiais com a classificação junguiana
Dimensões da
classificação
junguiana1, 2
Expressão
Luminosa
Expressão
Sombria
Perfil composto
Tipos Policiais
(1) Pai-zeloso
Piedoso
Mãe
Guerreira
Sentimental
Extrovertido
(2) Herói
Justo
Justiceiro
Perceptivo
Extrovertido
(3) Aventureiro
Sonhador
Caçador
Intuitivo
Extrovertido
(4) Guerreiro
Patriota
Caveira
Reflexivo
Extrovertido
Atitude/Disposição
Geral (Extroversão)
Levemente
extrovertido
Moderadamente
extrovertido
Levemente
extrovertido
Moderadamente
extrovertido
Moderadamente
extrovertido
Altamente
extrovertido
Moderadamente
extrovertido
Altamente
extrovertido
Nível de extroversão
(de 1 a 4)
Nível 1
Nível 5
Nível 2
Nível 6
Nível 3
Nível 7
Nível 4
Nível 8
Dimensão
preponderante
Racional
Irracional
Irracional
Racional
Função Dominante
Julgamento:
Sentimento
Apreensão:
Sensação
Apreensão:
Intuição
Julgamento:
Pensamento
Função Auxiliar
(Secundária)
Apreensão:
Intuição
Apreensão:
Sensação
Julgamento:
Sentimento
Julgamento:
Pensamento
Julgamento:
Sentimento
Julgamento:
Pensamento
Apreensão:
Intuição
Apreensão:
Sensação
Função Terceária
Apreensão:
Sensação
Apreensão:
Intuição
Julgamento:
Pensamento
Julgamento:
Sentimento
Julgamento:
Pensamento
Julgamento:
Sentimento
Apreensão:
Sensação
Apreensão:
Intuição
Função Inferior
Correspondência
Myers-Briggs3
Julgamento:
Pensamento
Apreensão:
Intuição
Apreensão:
Sensação
Julgamento:
Sentimento
ENFJ
ESFJ
ESFP
ESTP
ENFP
ENTP
ENTJ
ESTJ
Diplomata
Idealista
Guardião
Explorador
Artesão
Explorador
Artesão
Diplomata
Idealista
Analista
Analista
Guardião
Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (1) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (2) LESSA, Elvina Maciel.
“Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. (3) CASADO, Tania, “Tipos
Psicológicos e Estilos de Comportamento Motivacional: o diálogo entre Jung e Fromm”, 1993.
Interpretando os dados da Tabela 13, para cada tipo policial, podemos
tecer algumas considerações:
(1) O tipo pai-zeloso, tem o perfil composto de Sentimental Extrovertido,
sua (a) expressão menos extrovertida, é a relativamente mais próxima da introversão
do quadro total proposto: o piedoso (extroversão nível 1) e (b) a expressão mãe
guerreira como sua face mais aguerrida (nível 5 de extroversão). O tipo como um todo
tem o Sentimento como função psíquica dominante, ou seja, são racionais.
Considerando os valores pessoais como peso de julgamento. Em termos de função
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auxiliar, que é praticamente toda consciente, o piedoso especializa-se na apreensão
intuitiva e a mãe guerreira na apreensão perceptiva, auferindo a essas duas
expressões a correspondência com classificação Myers-Briggs (CASADO, 1993),
respectivamente nos tipos ENFJ (Extrovertido, função principal sentimento, função
auxiliar intuição, função menos preferida pensamento) e ESFJ (Extrovertido, função
principal sentimento, função auxiliar sensação, função menos utilizada pensamento).
(2) o herói, pode ser referenciado como o tipo Perceptivo Extrovertido.
Possui duas expressões: (a) o justo, como a face mais próxima do pai-zeloso e (b) o
justiceiro, que de alguma forma combina traços do guerreiro. Respectivamente essas
expressões tem nível de extroversão 2 (levemente extrovertido) e 6 (moderadamente
extrovertido). A função dominante é a sensação, que o liga de sobremaneira aos
sentidos e as relações corporais, o que privilegia neles o fato de apreender
informações do exterior colocando a tomada de decisão como função auxiliar, que no
caso do justo ocorre mais pelos valores pessoais e no do justiceiro pela lógica
racional. Na escala Myers-Briggs (CASADO, 1993), o justo se caracteriza como ESFP
(Extrovertido, função principal sensação, função auxiliar sentimento, função menos
utilizada intuição) e o justiceiro como ESTP (Extrovertido, função principal sensação,
função auxiliar pensamento, função menos utilizada intuição).
(3) o aventureiro, possui a composição de perfil Intuitivo Extrovertido,
porque sua função psíquica mais desenvolvida é a intuição, ou seja, “o ouvir a voz
interior”, o “sexto sentido”, portanto é mais propenso a perceber padrões de conexão
do que julgar fatos. Sua expressão mais infundida de feminilidade é um idealista,
denominado por aqui de sonhador (com nível 3 de extroversão); já sua expressão
mais aguerrida disposta à atividade física é o caçador, pois é altamente extrovertido,
em nível 7. Isso se dá porque, apesar de serem intuitivos, o sonhador conta com o
auxílio da função de sentimento e o caçador com a dinâmica lógico-reflexiva. Portanto,
segundo Casado (1993), podem ser classificados na escala Myers-Briggs como ENFP
(Extrovertido, função principal intuição, função auxiliar sentimento, função menos
utilizada sensação) para o sonhador e ENTP (Extrovertido, função principal intuição,
função auxiliar pensamento, função menos utilizada sensação) para o caçador.
(4) o guerreiro, é tipo policial que mais incorpora o padrão viril de soldado
ou lutador pronto para o combate, seu perfil geral é o de Reflexivo Extrovertido. Ele
não ouve muito, pensa um pouco sobre como fazer e simplesmente faz. Sua
expressão menos aguerrida é o patriota que ainda tem uma causa para lutar, já a
expressão caveira, não precisa de causa, apenas o sangue já lhe é motivo suficiente.
As duas expressões tem o fluxo de sua psique voltado para o mundo exterior, em
níveis 6 e 8 de extroversão. Ambos têm a função do pensamento como a mais
desenvolvida, portanto julgam mais do que percebem, mas quando ainda param para
ouvir o mínimo que seja, o patriota o faz pela intuição e o caveira pela sensação
corporal. Se fossem classificados conforme a tipologia Myers-Briggs (CASADO, 1993),
seriam identificados da seguinte forma: o patriota como ENTJ (Extrovertido, função
principal pensamento, função auxiliar intuição, função menos utilizada sentimento) e o
caveira como ESTJ (Extrovertido, função principal pensamento, função auxiliar
sensação, função menos utilizada sentimento).
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Correspondência com a classificação Myers-Briggs
No livro Tipos Psicológicos, Jung ([1960], 1976) define oito tipos
psicológicos a partir da atitude geral e da função principal. A psicóloga norte-ameriana
Katharine Cook Briggs e sua filha Isabel Briggs Myers, também psicóloga, criaram um
sistema de definição da personalidade, conhecido pela sigla MBTI (de Myers-Briggs
Type Indicator [Indicador Tioplógicos de Myers-Briggs]), pelo qual é possível mensurar
as preferências individuais com relação a cada um dos quatro aspectos ou tipos de
personalidade. Os quatro aspectos, portanto, podem ser definidos como:
Atitude ou Disposição: identificadas
extroversão e “I” para introversão;
pelas
letras
“E”
para
Percepção: a forma como apreendem o mundo pela “N” intuição
(iNtuition) ou pela “S” sensibilidade (Sensing);
Julgamento: a forma como racionaliza ou esquadrinha o mundo
pelo “T” pensamento (Thinking) ou pelo “F” sentimento (Feeling);
Tática: a forma como se relaciona com o exterior numa orientação
de dominá-lo ou de se adaptar a ele, ou seja, de “J” julgameno
(Judgment) ou “P” percepção (Perception).
Portanto, a classificação Myers-Briggs alcança 16 tipos psicológicos
definindo além da função principal, a função auxiliar a as demais funções (terceária e
inferior) por decorrência. Agora façamos um sucinto extrato do perfil das pessoas
classificados pelo sistema Myers-Briggs e sua correlação com os tipos policiais aqui
propostos.
Pai-zeloso como Sentimental Extrovertido
O tipo geral sentimental extrovertido que abrange os tipos particulares
ENFJ e ESFJ, no contexto geral da população costuma ser tipos femininos (RAMOS,
2005) o que pode acarretar numa nítida diferenciação intrainstitucional entre o tipo
Guerreiro que é Reflexivo (Racional) Extrovertido.
Uma pessoa sentimental extrovertida, costuma ter “sua atenção voltada
para as pessoas que lhe rodeiam, pois valorizam muito o contato humano. Geralmente
são amistosas, cheias de tato e capazes de entrar em sintonia com os outros”
(CASADO, 1993). Tânia Casado (1993) explica que as pessoas desse tipo “mostram a
tendência a idealizar excessivamente as pessoas, causas ou instituições que
admiram, pois concentram sua atenção nos aspectos mais positivos dela”.
Segundo Ramos (2005), o “valoriza a harmonia nas relações
interpessoais”, já que ele sempre “aprecia o contato humano, é amigável, simpático,
gosta de conversar, quase sempre é capaz de exprimir o comportamento apropriado
ao que cada momento exige”. E isso, segundo Casado (1993) é alcançado por que
“conseguem manter a fé de que de algum modo é possível chegar a uma conclusão
harmoniosa”, mesmo que sejam “confrontados com opiniões conflitantes”.
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Luís Ramos (2005) ainda nos fornece algumas outras pistas sobre o
comportamento sentimental extrovertido: “seus valores pessoais coincidem com os
valores sociais geralmente aceitos”, sendo que ele “raramente desvia dos valores que
lhe são inculcados desde a infância”; “sofre com manifestações de indiferença de
pessoas” próximas ou estranhas.
Sobre o Piedoso que encarna o tipo ENFJ, pode-se dizer de forma
particular que “seu interesse maior é enxergar as possibilidades que estão além
daquilo que está presente, é óbvio ou conhecido”. A intuição aguça sua curiosidade
por idéias novas, sua visão do futuro e sua capacidade de penetrar além do
conhecido. São geralmente pessoas que se interessam pela leitura e pela teoria. É
provável que expressem bem suas idéias, mas usem esta facilidade para se
expressarem principalmente quando têm que falar em público e não tanto ao escrever.
Aliás, pensam melhor quando estão falando com outras pessoas do que sozinhos.
Guerra e Paz: visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos
Numa perspectiva sobre guerra e paz, o pai-zeloso eventualmente luta,
em último caso, a guerra para ele é um mal necessário, que deve ser evitado, não
consegue ver muito sentido nela e só passa a fazer parte de uma, porque “sua prole”
está ameaçada. O herói é preparado na arte da guerra, ou em outras habilidades,
como a esportiva, facilmente convertidas em instrumentação para a guerra, prefere a
vida sem guerras, mas não consegue entender como ficar inerte frente a injustiças. O
aventureiro não tem afeição pela instrumentação de guerra por si só, passa a ter
contato com ela, porque ela é seu passaporte para a mobilidade, para gerar
adrenalina. O guerreiro vive para guerra, ele gera guerra se for necessário, para
poder ter luta, conflito. Os rituais de demonstração de perda ou vitória consensual
como uma rendição ou armistício, não são suficiente para ele, para ele o motivo da
luta deve ir até as últimas consequências.
Esses tipos não são pessoas em si, são estados mentais que deles
decorrem uma prática, um comportamento padrão. Portanto, quando um agente do
exercício da força-vigor é regido pelo pai-zeloso/herói, ele estará levando a cabo,
princípios como as estratégias militares do general chinês Sun Tzu, tais como: se
possível derrote sem combate direto; se ela for indispensável, que seja rápida, com
menor número de perdas em ambos os lados. Quando a regência cabe ao espírito
guerreiro aguerrido e/ou aventureiro, “o aniquilamento total do inimigo” independente
de alguns danos a si mesmo é o objetivo final da guerra e segundo Clausewitz ([1832]
1984), o meio para tal propósito é o uso da “força física”, já que a guerra foge aos
limites normais da política em tempo de paz, onde a “força moral” tem eficácia.
Usemos trechos iniciais dos tratados de guerra de ambos os autores: Sun
Tzu, com “A arte da guerra”, escrito no século IV a.C. e o “Da Guerra” de Carl von
Clausewitz, general prussiano do século XIX. Não que seja correto, assim distinguir,
mas tentemos ver no primeiro a visão oriental clássica e no segundo a ocidental
moderna. Comecemos por um trecho do capítulo “da arte de vencer sem
desembainhar a espada” do general chinês:
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Deves almejar como aquilo que há de mais perfeito, conservar intatos
os domínios dos inimigos. [...] Só deves destruí-Ias [as cidades
inimigas] em caso de extrema necessidade. Se um general age
assim, sua conduta ombreará com a dos mais virtuosos personagens.
(TZU, [± 400 a.C.] 2006).
Em um trecho logo a seguir Sun Tzu (2006), diz “repito: a melhor política
guerreira é tomar um Estado intato”, ou seja, uma atitude sábia, “uma política inferior”,
seria, portanto, arruinar o Estado inimigo. “É preferível aprisionar a destruir o exército
inimigo; é melhor tomar um batalhão intato do que fulminá-Io” (TZU, 2006). Já
Clausewitz ([1832] 1984), em seu primeiro capítulo, explicando “o que é a guerra”,
inicia introduzindo da seguinte forma: “Não devo começar apresentando uma definição
pedante e literária de guerra, mas sim ir direto ao cerne da questão, ao duelo” e segue
até chegar a definir que...
A guerra é, portanto, um ato de força para obrigar o nosso inimigo a
fazer a nossa vontade [...] para atingir aquele propósito devemos
fazer com que o inimigo fique impotente e este é, em tese, o
verdadeiro intuito da guerra. Este intuito toma o lugar do propósito,
descartando-o como algo que na realidade não é parte da guerra
propriamente dita (CLAUSEWITZ, [1832] 1984).
Portanto, para o general prussiano, o intuito de como fazer para alcançar o
propósito, ou seja, tornar o inimigo impotente, subjugá-lo por si só, passa ser o fim em
lugar de fazê-lo cumprir nossa vontade. Apesar de soarem como definições
semelhantes, isso significaria dizer: mesmo imobilizado, se estiver ainda expressando
certa resistência simbólica, deve ser ultrajado até ficar realmente entregue. Carl von
Clausewitz (1984) ainda pondera sobre o pernicioso sofisma, segunda sua visão, que
pode por os negócios da guerra em risco: “as pessoas de bom coração podem pensar,
evidentemente, que existe alguma maneira criativa para desarmar ou derrotar o
inimigo sem que haja muito derramamento de sangue”, ele conclui dizendo que dessa
forma “podem imaginar que este é o verdadeiro propósito da arte da guerra”, mas
segundo ele, essas pessoas estão enganadas.
E posso dizer, que os policiais regidos por essa atitude mental (os de base
yang em um contexto yang: guerreiro e aventureiro), também assim consideram os
atos de diálogo com o “inimigo”, como claras manifestações de fraqueza. Enquanto,
um elemento masculino maduro (de base yin em um contexto yang: pai-zeloso e
herói), primeiramente não vê o oponente transitório como “inimigo”, mas como um
irmão rebelado, um filho desorientado e segundo, o tal diálogo, é nesta visão, tomado
por sabedoria. Mas sejam, os perfis de base integrativa ou auto afirmativa, todos do
exercício da força-vigor são guerreiros; perceba como mesmo a prudência do tratado
chinês, ainda sim, admite a existência da guerra. E nisso, destaca-se que apesar de
apresentar os tipos pela base geral, os dois tipos intermediários: o herói e o
aventureiro tem noções diferentes de seu adjacente de extremo. Para ilustrar,
podemos dizer que para o herói, o diálogo ou o armistício é uma alternativa viável,
desde que o oponente não tenha como reagi no futuro. Já para o aventureiro, trata-se
de uma alternativa imposta, apenas viável se ele ganhar alguma vantagem e se já tiver
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alcançado prazer suficiente na adrenalina da caçada ou do combate (tema resumido
na Tabela 14, no item d).
Na Tabela 14 (itens a, b, c), os pontos até aqui abordados estão
categorizados por tipo policial, sendo possível apreender a forma como cada tipo trata
assuntos referentes a conflitos, à guerra. Vejamos como cada tipo ver seu oponente, o
(1) pai-zeloso o percebe como filho desorientado, o qual tenta reeducar e em último
caso prende um deles ou se omite na punição do assassino de um filho morto em
combate por elemento regido por outro tipo. Para o pai-zeloso o propósito da guerra é
a reorganização social, levando a justiça a seus próprios territórios em conflito.
Tabela 14 – Visão peculiar dos tipos policiais sobre conflitos
Visão sobre o tema
Tema
Base Integrativa
Base Auto afirmativa
Pai-zeloso
Herói
Aventureiro
Guerreiro
(a) Como ver o oponente
Filho desorientado
Irmão rebelado
Presa da caçada
Inimigo perpétuo
(b) Destino do oponente
Busca reeducar seus
filhos, em último caso
prende um deles ou se
omite na punição do
assassino de um filho
morto em combate.
Mata alguns poucos no
combate, prende os
revoltosos e aceita o
rendimento de alguns
Libera algumas presas,
por vezes em
negociação pecuniária
e sacrifica uma como
exemplo intimidador
Mata todos
Aceita a prisão de
alguns, apenas durante
o julgamento
(c) Objetivo da guerra
Reorganização social,
levar a justiça a seus
próprios territórios em
conflito
Salvar outros territórios
da injustiça
Usurfruir da emoção da
luta
Aniquilamento total do
inimigo
(d) O que pensa sobre
diálogo e armistício
Uma questão de
sabedoria, fim que
deve ser sempre
desejado.
Uma alternativa viável,
desde que o oponente
não tenha como reagi
no futuro.
Uma alternativa
imposta, apenas viável
se ganhar alguma
vantagem e se já tiver
alcançado prazer
suficiente na adrenalina
Uma fraqueza,
inconcebível até que o
rendimento seja uma
patente expressão de
derrota e humilhação
do inimigo
(e) Reação a prêmios
materiais
Dispensa
veementemente
Aceita como medalha e
depois doa ao uso
comum
Aceita como trófeu e
depois vende-o ou
consome em benefício
próprio
Arranca-o do inimigo
derrotado, é seu
espólio de guerra
(f) Visão territorialista
Não tende a expansão,
tende ao alcance de
todos os rincões não
explorados de seu
próprio território
Missionário, funda
núcleos em prol das
missões e depois os
integra em rede
Colonização de
entrepostos
Expansão imperial,
anexação territorial
Fonte: Elaborado pelo Autor.
(2) Para o herói, o oponente é assemelhado a um irmão que se rebelou
aos estatutos do “pai”, poderá ser que em combate mate alguns desses oponentes,
mas seu objetivo é que mudem de desígnio e se rendam, aos muitos revoltosos, mas
não mortos, cabe-lhes a prisão, tudo isso porque pretende salvar os seus e outros
territórios de toda injustiça. (3) Como presas de uma caçada, são vistos os oponentes
pelo tipo aventureiro, enquanto o tipo anterior espera o rendimento, esse libera a
maioria das presas, depois de concluída a tarefa. Podendo auferir algum ganho ou
vantagem na liberação, isso lhe parece salutar. Na verdade, seu envolvimento se dá
em tudo, para usufruir da emoção da luta ou da caçada. Quando os ganhos são
baixos, é preciso demonstrar força para os possíveis “colaboradores” se sentirem
compelidos a dar a paga, para tanto se mata uma das presas, em sacrifício.
(4) O guerreiro tem o oponente, que para os demais é uma condição
temporária, como inimigos perpétuos, se possível mataria a todos, já que seu objetivo
com a guerra é aniquilamento total do inimigo. Ele aceita prisões em dois casos,
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quando se trata de evitar a morte de um par seu, ou quando é preciso submeter-se ao
rito do julgamento.
Outros dois pontos abordados nesse tópico e que estão dispostos na
Tabela 14, é (e) a reação do tipo policial a prêmios, vantagens ou algum tipo de
reconhecimento adicional pelo trabalho executado e seus resultados, quando de
interesse coletivo/social, bem como (f) a visão que cada tipo tem sobre posse ou uso
de território.
Pelo que até aqui foi explanado (e), irá parecer evidente que os de base
auto afirmativa são territorialistas, mas na verdade, todos os guerreiros são
territorialistas, pois são reminiscências do modo caçador de sobrevivência de grupos
humanos primitivos. Porém alguns são mais suscetíveis à dinâmica nômade, alguns
são mais expansionistas que os outros. O tipo (1) pai-zeloso não tende a expansão,
tende ao alcance de todos os rincões não explorados de seu próprio território, o (2)
herói tem espírito missionário, funda núcleos em prol das missões e depois os integra
em rede. O (3) aventureiro também é mais livre ele funda entrepostos numa
colonização dispersa; já o (4) guerreiro é bastante expansionista, de forma a constituir
impérios mediante a anexação territorial.
Sobre premiação material (f), podemos dizer que entre os quatro tipos, um
dispensa, dois deles aceitam (sendo um por consideração e o outro para ganho
próprio) e o último tipo arranca o prêmio se não lhe for dado. Portanto o (1) pai-zeloso
costuma dispensar veementemente os prêmios. O (2) herói aceita-os como medalha e
depois doa ao uso comum. O (3) aventureiro aceita como trófeu e depois vende-o ou
consome em benefício próprio e o (4) guerreiro arranca-o do inimigo derrotado, pois
acredita que é seu espólio de guerra merecido pelo esforço.
Deuses guerreiros: correspondência mitológica dos tipos policiais
No capítulo 7, sobre a Ecologia Profunda da Polícia Militar, reservamos um
tópico para discorrer sobre organizações de força-vigor como espaços de culto e logo
em seguida descrevemos quaternários de figuras mitológicas de heranças culturais
diferentes. Naquele momento, pareceu-nos um exercício antropológico e da ciência
das religiões despretensioso e talvez descabido para com o tema específico de uma
mudança institucional das polícias militares brasileiras. Agora se faz a hora oportuna
de demonstrar o quanto aquelas figuras mitológicas carregam carga simbólica
suficiente para esclarecer sobre o espírito guerreiro.
Realizamos um entrecruzamento entre as manifestações mitológicas de
cunho guerreiro da tradição cultural-religiosa greco-romana e yorubá, bem como com
figuras do mito fundador da tradição judaica. Comecemos pelas quatro figuras da
expressão mitológica hebraica correlacionadas com as quatro funções psicológicas da
teoria junguiana. Essa correlação pode ser observada na Figura 43 e na coluna
correspondente da Tabela 15 assim encontramos:
Base Integrativa (yin)
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Adam (Adão) correlacionado à função Sentimento e, portanto, ao
tipo policial arquétipo Pai-zeloso, com uma expressão materna, o
Piedoso e uma expressão paterna, a Mãe-Guerreira;
Chevah (Eva) correlacionada à função Sensação e, portanto, ao
tipo policial arquétipo Herói, com uma expressão materna, o Justo
e uma expressão paterna, o Justiceiro;
Base Auto afirmativa (yang)
Lilith correlacionada à função Intuição e, portanto, ao tipo policial
arquétipo Aventureiro, com uma expressão materna, o Sonhador e
uma expressão paterna, o Caçador e
Samael correlacionado à função Pensamento e, portanto, ao tipo
policial arquétipo Guerreiro, com uma expressão materna, o
Patriota e uma expressão paterna, o Caveira.
Cabe ressaltar que o gênero do termo que denomina o tipo ou a expressão
não estão condicionados ao nível de extroversão ou a proporção de masculinidade e
feminilidade. Por exemplo, apesar do termo “Mãe-Guerreira” ser de gênero feminino,
ele aponta para uma expressão mais extrovertida do tipo Pai-zeloso. Já o tipo Paizeloso, como um todo, é o tipo mais infundido de não-extroversão (introversão) e
feminilidade, apesar do termo de gênero masculino.
Figura 43 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão
mitológica hebraica e as funções psicológicas.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Depois de correlacionar com as funções psicológicas, agora precisamos
encaixar isso com os elementos naturais na visão alquímica, pitagórica ou druida
(Água, Terra, Ar e Fogo). Para tanto faço uso de alguns trechos da obra “Anatomia da
Psique: o simbolismo alquímico na psicoterapia” do psiquiatra norte-americano Edward
Edinger ([1985] 1990).
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Segundo Edinger ([1985] 1990) em seu estudo sobre as imagens
alquímicas como reveladoras da dinâmica psíquica, a "ideia de uma substância única
original não tem fonte empírica no mundo exterior". Apesar de termos demonstrado
algumas imagens que conduzem a uma perspectiva sobre a unicidade do vácuo
quântico, admitamos, por ora, que pelos meios experimentais para definir a
diferenciação entre o macroambiente e o microambiente e até mesmo um
nanoambiente, deve-se concluir que "exteriormente, o mundo é sem dúvida uma
multiplicidade" (EDINGER, 1990).
Nossa noção de "atrator civilizacional" e de integração entre as nuances
diferentes do quaternário de arquétipos e suas expressões sombrias e luminosas,
parte do princípio que tal "substância única original", pelo menos no tocante aos fatos
psíquicos, seja uma premissa verdadeira. E assim sendo, apontam para um ponto
central integral, para o qual acompanhamos a denominação de Jung, de Arquétipo de
Si-Mesmo.
Portanto, tanto nós como indivíduos, como um sistema social (na
perspectiva de ser também um organismo vivo com sua mente "pessoal-coletiva")
precisamos rumar em um processo "evolutivo-involutivo" de diferenciar-se ou libertarse dos arquétipos que nos regem (ou que nos aprisionam) através do esforço de um
deles de forma destacada, o Ego, com o olhar atento para o conteúdo complexo e
completo do Si-Mesmo. Ou seja, a "libertação" da prisão imposta pelos arquétipos se
dá pelo esforço de um deles, aquele pelo qual nos identificamos: o Ego, que deve se
diferenciar dos demais, justamente pelo enriquecimento do conjunto do todo deles, é
isso que denominamos, aqui, de integração. O movimento do Ego em destacar-se é
auto afirmativo, o movimento do Ego em enriquecer-se pelo conteúdo do Si-Mesmo é
integrativo.
Numa interpretação pelo prisma de nossa proposta tipológica, a Polícia
Militar definida como uma organização guerreira (organismo com predisposição à
atitude predatória) está sob a regência e corregência de nuances de aspectos
guerreiros diferentes. Um ego institucional "aprisionado" em apenas uma dessas
nuances, provoca um verdadeiro comportamento anômalo. Levantamos, a priori, como
hipótese que a expressão hegemônica aprisionadora são os tipos guerreiro-caveira e o
aventureiro-caçador.
Quanto mais tempo a instituição reproduz seus aspectos nas organizações
congêneres, mais imutáveis (ou de difícil transformação) esses conteúdos e padrões
de ligação ficam. "Os aspectos fixos e desenvolvidos da personalidade não permitem
mudanças. São sólidos, estabelecidos" (EDINGER, 1990) e acreditam invariavelmente
que representam o melhor estado do que podiam ser e por isso não precisam de
alterações, precisam de auto afirmação, enfatizando o que já são.
Edinger (1990) chega a citar Jesus, em referência ao "nascer de novo",
"tornar-se criança" ou "odres novos para vinho novo" como atitude predisposta a
permitir-se a uma transformação interna, ou seja, aprender tudo de novo. Não é sem
vínculo com essa tecitura, que a imagem da criança é por Jung identificada como um
dos símbolos do Si-Mesmo. A criança é a matéria prima do adulto, a "prima materia"
alquímica é citada por Edinger (1990) como uma "fantasia filosófica" quando aplicada
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ao mundo da matéria, mas quando aplicado ao mundo interior da psique, o arquétipo
central do Si-Mesmo é a substância original e constitutiva do mundo psicológico.
Nessa tal "fantasia filosófica[-alquímica]", “a primeira matéria passara por
um processo de diferenciação por meio do qual fora decomposta nos quatro
elementos: terra, ar, fogo e água" (EDINGER, 1990). Segundo Edinger (1990),
"pensava-se que os quatro elementos" combinados em proporções diferentes
formavam os objetos do mundo físico. "Impôs-se à prima materia, por assim dizer,
uma estrutura quádrupla, uma cruz, que apresenta os quatro elementos, dois grupos
de contrários: terra-ar e fogo-água", explica Edward Edinger (1990), que prossegue
resolvendo o dilema ao esclarecer que não se trata de um enquadramento conceitual
aceitável ao mundo físico e a Química moderna (sucessora da Alquimia) nos diz isso
com a centena de elementos químicos.
Mas para Edinger (1990), ao qual nós acompanhamos em seu raciocínio,
essa diferenciação da matéria primordial é sem dúvida, uma base conceitual aplicável
à realidade da psique, pois "essa imagem [da diferenciação quádrupla] corresponde à
criação do ego a partir do inconsciente indiferenciado mediante o processo de
discriminação das quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição". A
divisão quádrupla de elementos, a cruz, as funções psicológicas, e ainda uma
referência à base de princípios taoístas, podem ser observados na Figura 44.
Figura 44 – Correspondência da base alquímica (elementos) e taoísta (princípios) com as
funções psicológicas.
Fonte: Elaborado pelo Autor, baseado em
A Figura 45 traz a representação da amálgama das informações tanto da
Figura 43 como da Figura 44. Justamente na Figura 43, ficam sobrepostos os
enquadramentos e correspondências: dos quatro tipos policiais arquetípicos com as
quatro funções psicológicas, os quatro elementos naturais, bem como a demonstração
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de quais são de base yin, quais são de base yang e o posicionamento correto das
funções de julgamento (racionais) e as de apreensão sensorial (irracionais).
Mas na Figura 45, traz uma possível representação de fator de
desiquilíbrio ou incongruência do contexto de base yang (auto afirmativo). Trata-se de
um deslocamento da função Intuição que se liga ao elemento Ar e da função
Pensamento que se liga ao elemento Fogo. É uma forma ilustrativa de designar que
no interim da função social de força-vigor, a guerra e a caça atuam como elementos
de “enclausuramento operacional”. Implicando em um vetor de entropia que reafirma
vertentes de impulsos, ao invés de compensá-los. Ou seja, um posicionamento correto
deveria ter Intuição ligado ao Fogo, esse fogo passa a ser etéreo e não um fogo de
magma terrestre, o fogo sutil age como purificador, o fogo comum é destruidor. Está
regido pela função Pensamento associado ao Fogo, reafirma a característica de
vingança de Samael. Em texto posterior farei correlação ao “Efeito Lúcifer” abordado
pelo psicólogo Phillip Zimbardo, tal noção também pode ser associada à predisposição
ao mal, citado por Freud em Mal na civilização ou por Thomas Hobbes em Leviatã.
Figura 45 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão
mitológica hebraica, as funções psicológicas, os elementos naturais e a representação
da inversão do giroscópio institucional.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
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Tabela 15 – Correspondência mitológica dos tipos policiais
Tipo policial
Pai-zeloso
Herói
Aventureiro
Guerreiro
Expressões
Correspondência com sistemas mitológicos
Regente/Corregente
Elemento
natural
Hebraica1
Greco-romana2
Yorubá3,4
Piedoso
Adam/Ima
(Adão materno)
Atenas/Atermis
(Minerva/Diana)
Oyá/Xangô
(Filha de Iemanjá)
Água,
Lago
Mãe Guerreira
Adam/Abba
(Adão paterno)
Atenas/Ares
(Minerva/Marte)
Oyá/Oyá
(Filha de Iemanjá)
Água,
Tempestade
Justo
Chevah/Ima
(Eva materna)
Ares/Atenas
(Marte/Minerva)
Ogum/Xangô
(Filho de Iemanjá)
Terra
Metal
Justiceiro
Chevah/Abba
(Eva paterna)
Ares/Eros
(Marte/Cupido)
Ogum/Oyá
(Filho de Iemanjá)
Fauna
Madeira
Sonhador
Lilith/Ima
(Lilith materna)
Artemis/Atenas
(Diana/Minerva)
Oxóssi/Xangô
(Filha de Oxalá)
Ar
Vento
Caçador
Lilith/Abba
(Lilith paterna)
Artemis/Eros
(Diana/Cupido)
Oxóssi/Oyá
(Filha de Oxalá)
Flora
Madeira
Patriota
Samael/Ima
(Samael materno)
Eros/Artemis
(Cupido/Diana)
Exu/Xangô
(Filho de Oxalá)
Terra
Metal
Caveira
Samael/Abba
(Samael paterno)
Eros/Ares
(Cupido/Marte)
Exu/Oyá
(Filho de Oxalá)
Fogo
Metal
Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (2) BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da
fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (3) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de
seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (4) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (5) JUNG, Carl G. “Tipos
Psicológicos”, 1976.
Correspondência dos tipos policiais com a mitologia greco-romana e
yorubá
Figura 46 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão
mitológica greco-romana.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
A não equivalência entre o sistema mitológico greco-romano e o yorubá
não nos permite um alinhamento conclusivo, mas conseguimos trazer uma
aproximação satisfatória. Os elementos essenciais casaram, o alinhamento mais
surpreendente, em nossa opinião, é o de Oxóssi e Artemísia. A expressão mitológica
yorubá é a que melhor manifesta a característica humana ambígua das figuras
Página | 298
enaltecidas. Não é fácil explicar, nos outros sistemas que existem dois Ares ou duas
Eva(s), mas na cosmovisão de origem africana-nigeriana, podemos perfeitamente
dizer que um é Ogum com fundamentos com Xangô e outro é ele com Oyá. Apesar de
acreditarmos não termos respeitado as idades desses dois irmãos, em tudo o que
lemos em orikis Ogum é sempre mais velho, mas há passagens que demonstram uma
maior sobriedade de Xangô, quando os dois já maduros.
Na figura abaixo (Figura 47), apresentamos uma representação do efeito
da influência de Xangô e Oyá como co-regentes, ou algo próximo a um “[ad]”+“juntó”.
As expressões que estão sob influência direta de Xangô, são as versões mais
consensuais daquele tipo policial, aquelas que essa influência é mais abundante de
Oyá, é o mesmo tipo policial em sua versão mais aguerrida, furiosa.
Figura 47 – Tipos policiais arquetípicos guerreiros correlacionados com a expressão
mitológica yorubá.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
É realmente muito interessante que tenhamos construído os tipos policiais
sobre as funções psicológicas segundo Jung (1976), porque na cosmovisão yourubá,
ou na afro-brasileira (candomblé e ubanda) existam também as regências principais
(de frente), auxiliar (“juntó”) e de direita e de esquerda. Em nossa aplicação peculiar, a
corregência de Xangô e Oyá não impedem as confluências entre os membros do
quaternário, assim como também ocorreu no sistema greco-romano.
Página | 299
Figura 48 – Efeito da influência Xangô (Justiça) e Oyá (Vingança).
Fonte: Elaborado pelo Autor com subsídios de (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através
de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3) JUNG, Carl G. “Tipos
Psicológicos”, 1976.
Página | 300
As pessoas dormem tranquilamente à
noite porque existem homens brutos dispostos
a praticar violência em seu nome.
George Orwell227
CAPÍTULO 9 | DESMOBILIZANDO A CHAVE GUERREIRA
Voltando a aludir a Leonardo Boff (2012), posso dizer que, para um
patente agente do novo padrão civilizacional escolher a vida em preterição à morte, é
algo sensato, óbvio e que não há dúvidas sobre a primazia da primeira sobre a última,
fato este, que para os guerreiros, não é tão simples assim.
A desmobilização da chave guerreira (DE PAULA [1987], 2005) não será
um processo fácil, terá inúmeros percalços, o "deus", digo a ideologia autônoma que
governa a casta guerreira não cederá espaço com parcimônia. O masculino agressivo
cairá, fazendo o máximo de estrago possível que lhe estiver ao alcance. Portanto,
cabe aos agentes do novo padrão civilizacional, prepararem-se para uma luta de altos
e baixos, de conquistas e retrocessos. A principal arma do masculino agressivo é um
tipo de honra desvirtuada, onde convalida ações intermediárias injustas em nome de
um objetivo final. Quando os agentes do novo padrão civilizacional cedem aos intentos
de "acirrar" o embate, passando a usar meios e se deixarem ser estimulados pelos
mesmos princípios de guerra física dos remanescentes do masculino agressivo,
justamente aquilo que estava sendo combatido, tomará o palco como vitorioso.
Através da minha experiência entre os subgrupos mais conectados com o
masculino agressivo da polícia militar, posso afirmar categoricamente, o poder de
persuasão em convencer um herói-justo a se tornar um pretenso herói, agora
justiceiro, possui uma força de atração em alguns casos aparentemente insuperável. A
diferenciação entre o herói-justiceiro e os sujeitos regidos pela predominância de tipos
como o guerreiro-patriota e o guerreiro-caveira é tênue. Portanto, a qualquer momento
um guerreiro da "luz". (luz no sentido de está se direcionando ao arquétipo do simesmo integrado), pode sucumbir pelos caprichos da forma egocêntrica típica da
busca pela satisfação dos prazeres envoltos ao sangue, a adrenalina e o desejo de
vencer a qualquer custo.
Poderia dizer que, nessa "guerra", quem vence, na verdade, perde. Para
realmente ganhar, tem que perder. Perder a impulsividade de ser o primeiro, de ser o
que mais tem, de ser o melhor em detrimento dos outros. Tem que perder a ilusão de
que haja algum tipo de vantagem em vencer por meio da destruição do outro. Agora,
você vá até um guerreiro estatal-urbano (um policial) e diga a ele que, ele tem a
prerrogativa de matar, mas ele vence, quando não a usa. Diga a ele que socialmente
tolera-se sua impostação, de peito estufado, voz altiva, olhar penetrante e ameaçador,
para suplantar a intenção desviante de alguma pessoa, mas é até aí que se tolera; o
que passa disso entra num estado de círculo vicioso, que por algum tempo vai "servir"
aos propósitos de controle populacional, mas em um dado momento, a recursividade
dessas práticas irá aprisionar o próprio policial em uma forma degradante de atuar e
227
Epígrafe do livro Violência: Seis reflexões laterais de Slavoj Žižek.
Página | 301
experimentar a vida. Pouco a pouco, ele se tornará intolerante com pequenos desvios,
cometidos inclusive por seus familiares e amigos. E desvio, em certo momento, não
será mais aquilo que está coletivamente em desacordo, será aquilo que desagrada
pessoalmente o guerreiro.
Eu: um oficial aventureito-sonhador tornando-se um caçador
Eu sou extremamente intuitivo, em tudo faço elaborações complexas
baseada na visão do todo, em menor proporção eu tendo a julgar, quando o faço
ocorre pela escala de valores internos, sou duas vezes mais extrovertido, realizandome nas atividades para o outro, mas possuo uma reserva de tempo e energia
dedicada para o desenvolvimento interno. Em tudo sou cauteloso, aguardando o
momento mais oportuno para decidir, ou até mesmo deixando-o passar. Assim posso
me classificar a partir da descrição da tipologia Myers-Briggs elaborada por Tânia
Casado (1993) e pelo formulário de teste de perfil psicológico da empresa britânica
NERIS ANALYTICS228. Para atuar como policial militar, esse perfil me fez voltar para o
tipo policial Aventureiro e naturalmente manifestar a expressão Sonhador. Isso me
qualificava como uma peça rara na área administrativa e de apoio operacional, mas
para ser um bom policial de rua me faltava alguns requisitos.
Precisava ser mais assertivo, ponderar menos os efeitos de minhas
decisões e estando certo ou não, simplesmente agir. Precisei disciplinar minha função
de percepção sensorial, o que não era muito fácil devido o fato de ser a minha função
inferior (VON FRAN, [1971] 1990). Mas naquilo que eu não sentia diretamente, passei
a colher as informações pela reação das pessoas e para tanto meu desempenho
dependia, sobretudo, da confiança para com os integrantes da equipe. Com o tempo,
passei cada vez mais a liberar minha libido para o mundo exterior, isso causou
revoluções em minha vida pessoal, já que essa característica reprimida assegurava a
compassividade.
Não demorou muito, para eu ter gosto pela ideologia hegemônica, não
porque era “correta” ou acertada, muito pelo contrário, eu tinha conhecimento
suficiente para saber o quanto inócua era o conjunto de ações de caça “gato ao rato”,
mas o que era realmente relevante era ao fato da caçada ser simplesmente
emocionante. Aqui me vejo hoje, como quem estava deixando impulsos mais densos,
mais próximos da natureza animal aflorarem, estava passando por processos de
cunho dionisíaco, mas estava cada vez mais me tornando menos entusiasmado e
mais eufórico. Os eufóricos, por estarem embriagados, perdem a oportunidade de
crescimento interior no encontro das águas indomáveis do inconsciente e passam a
manifestar apenas a etapa sombria de Dioniso (JUNG, [1960] 1976).
A instituição carece de instrumentos simbólicos para suprir o
desenvolvimento dos integrantes de forma saudável. Ou ela desistimula quase que por
completo o ânimo do sujeito ou ela lhe compele para uma ação extremada e perigosa.
As expressões Piedoso, Justo e Sonhador respectivamente dos tipos policiais PaiZeloso, Herói e Aventureiro, não tem suporte para se desenvolverem e se alicerçarem
228
Teste de perfil psicológico
<https://www.16personalities.com/br>.
da
empresa
britânica
NERIS
ANALYTICS,
disponível
em
Página | 302
como compensação no seio institucional, eles são abertamente confrontados para que
se convertam em suas contrapartes de expressões mais sombrias e posteriormente
aceitem, pratiquem e divulguem cada vez mais a hegemonia do Guerreiro, sobretudo,
não seja obstáculo a “honrosa” epopeia dos Caveiras, sem os quais diz o discurso
dominante, não poderíamos ter força e assertividade na resolução de probelams de
grande vulto.
Hoje minha avaliação criteriosa sobre os fatos, sem paixões, aponta para a
indispensabilidade do vigor do guerreiro, mas também aponta que ele não precisa ser
o regente da ideologia hegemônica, deve ser uma reserva de forças a ser usada como
instrumento e não o contrário, usar os demais como seus súditos e cúmplices de jogos
sujos e sangrentos.
Justificando o foco na ideologia hegemônica atual
Este presente trabalho teve como objetivo a identificação do quadro de
modelos mentais, sobretudo, aqueles que geram a resistência às mudanças
institucionais, portanto, vou concentrar-me nos complexos-arquétipos que regem a
ideologia hegemônica em vigor, portanto, este capítulo nos conduz a entender a
atuação do guerreiro-caveira e do aventureiro-caçador.
Apesar de identificar também os modelos mentais e os processos
inerentes a eles, daqueles que são socialmente convergentes (pai-zeloso, aventureirosonhador e herói-justo), o destaque recaí sobre os socialmente divergentes. São as
chaves da dinâmica psíquica institucional que mantém fechadas as portas para
caminhos de alteração dos cenários até então impostos. Em um futuro trabalho,
pretendo traçar um possível esquema de estrutura, processos e conteúdo mental das
agências policiais da visão prospectiva alternativa, na qual a polícia é uma agência
humana de cuidado e proteção.
Por ora, devo focar, naquilo, que em suma, tem impedido os esforços de
mudança, o que pelo próprio volume de páginas, pode-se perceber já ser uma difícil
tarefa intelectual.
O Efeito Lúcifer
Em suma, este tópico irá abordar sobre o quanto predisposição ao bem e
ao mal social estão na mesma pessoa e na mesma instituição. E está
preponderantemente no exercício de uma gama ou outra de atitudes e
comportamentos é uma questão que por ora está ligada a se permitir ser influenciado
por fatores indutores ou ser influenciado por outro conjunto de indutores num nível não
consciente e, portanto, a revelia do agente volitivo.
Antes se seguir o curso da análise dos conceitos de Phillip Zimbardo,
considerados pela crítica acadêmica como situacionais em demasia (PONTES e
BRITO, 2014), devemos deixar claro nosso posicionamento em relação às
contradições suscitadas pelo conflito entre duas correntes dos estudos sociais. Esse
Página | 303
esclarecimento e definição de posição servirá para minimamente desbloquear o
entrave que alguns possam ter apenas em se prestar a considerar algo que venha da
corrente contrária de pensamento. Uma corrente, como nos informa Arthur Bezerra
(2011) é dos que enxergam “uma submissão dos bens e das práticas culturais aos
interesses das classes economicamente favorecidas” e a outra dos que proclamam “a
autonomia da cultura, cuja dimensão não poderia ser reduzida à estrutura social
externa”.
Arthur Bezerra (2011) aponta como representantes emblemáticos dessas
correntes: Pierre Bourdieu da primeira e Jeffrey Alexander da segunda. Creio que já
deva ter ficado claro, ao longo deste trabalho, que usei fontes de ambas as
correntes229. Que todo o cunho de enfoque psicológico e mítico veio a tratar
justamente dos processos autônomos que refletem na cultura humana. Esse enfoque
possibilitou que chegássemos às profundezas da dimensão sutil dos sistemas sociais
humanos, o que fizemos sem, no entanto, sermos iludidos pela não constatação de
uma instrumentalização desses saberes por classes dominantes, que agem como
donatárias dos recursos que corporificam a estrutura social.
Portanto, não deixamos de admitir a paulatina e orquestrada construção
histórica do concreto que se pode ver nas práticas humanas envolvidas na atividade
de polícia, desenvolvemos alguns desses aspectos no Capítulo 6 e bastante
analisadas no Capítulo 10. A prova disso é que importantes contribuições de Zizek,
Mèszáros, Althusser, Agabem, Benjamin e inclusive Milton Santos e Pierre Bourdieu
podem ser vistos ao longo do trabalho. Mas longe de enxergar na possibilidade de
discordar em parte de algumas referências ao panteão sociológico da academia
franco-brasileira, como blasfêmia, tivemos ao menos a curiosidade de ver por outros
prismas. Esses outros prismas não nos pareceram referências que devam ser
descartadas de antemão simplesmente por discordância ideológica-partidária.
Ou seja, aquilo que alguns tendem a refutar em Phillip Zimbardo, no
tocante a comportamento de grupo, sem ao menos conhecer melhor sua obra,
acabam por endossar quando o mesmo é dito por Zizek ou Adorno, pois ambos
bebem da mesma fonte: Gustave Le Bon, por vezes por intermédio de Sigmund Freud.
Há sim aspectos não possíveis de plena manipulação por classes sociais
favorecidas numa autêntica Sociologia do Mal, contudo conhecer minimamente a
dinâmica desses aspectos-processos pode lhes garantir a indução de massas
favoravelmente aos seus interesses. Mas é sobre esses aspectos autônomos, que são
ativados por condições ambientais e situacionais, que quero discorrer. Seja
diretamente por Le Bon ([1895] 1905) em “Psicologia das Multidões” ou por Freud
([1920] 2013) em “Psicologia das Massas e a Análise do Eu” ou ainda por sua “Carta a
Einstein” (1932).
O quadro geral que esse esboça, também pode ser apreendido de “Efeito
Lúcifer” de Zimbardo (2008), aludi a como pode um indivíduo, para o qual possamos
compreender seus instintos e formas de satisfazer suas necessidades pessoais pode
“pensar, sentir e agir de maneira inteiramente diferente daquela que seria esperada”
Tendo escrito inclusive um artigo próprio sobre a “Indispensabilidade da Teoria Crítica para a abordagem
socioecológica: desarticulando a ecologia das ideias danosas”.
229
Página | 304
quando está incluso num “grupo psicológico” (FREUD, 2013). Freud (2013) pergunta
pode o grupo ter “a capacidade de exercer influência tão decisiva sobre a vida mental
do indivíduo? E qual é a natureza da alteração mental que ele força no indivíduo?”.
Zimbardo (2008) explica o Efeito Lúcifer observado em sua experiência de
prisão simulada na Universidade de Stanford, em 1971 como análogo àquele
observado na prisão de Abu Ghraib, na ocupação do Iraque e relatado no livro
“Procedimento Operacional Padrão”, de Philip Gourevitch e Errol Morris (2008).
O experimento de aprisionamento da Universidade de Stanford foi um
marco no estudo psicológico das reações humanas ao cativeiro, em particular, nas
circunstâncias reais da vida na prisão. Foi conduzido em 1971, por uma equipe de
pesquisadores liderados por Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford. Voluntários
faziam os papéis de guardas e prisioneiros - e viviam em uma prisão "simulada".
Contudo, o experimento rapidamente ficou fora de controle e foi abortado.
Seria pertinente falar no horror visto em Abu Ghraib em qualquer tipo de
comparação com a atividade policial militar no Brasil? Creio que é preferível não
detalhar as cenas e espero que seja entendido o porque de não fazê-lo, mas peço que
se confie na palavra de um ex nativo, que tudo aquilo que se pode ver nas fotos da
prisão iraquiana poderia ser obtido se todos os passos das guarnições da PM fossem
registradas, em cada periferia desse país. E, portanto, parafraseio Jung (1959), para
quem encara o mal como uma fantasia, eu gostaria de dizer que eu vi o mal, ele é real
e quando ele se instala no psiquismo do grupo coeso, em cada olhar dos integrantes
pode-se ver uma chama negra e um flamejar encarnado.
O que nos informa esse antecedente experimental pouco ortodoxo de
Zimbardo (2008) e Milgram ([1973] 1983) que de certa forma endossam os textos de
Adorno (1982 apud CÉSAR DE OLIVEIRA, 2010), especificamente no tocante ao
nosso estudo sobre a Polícia Militar?
Para responder a essa pergunta, creio ser válido trazer um trecho do
psicanalista e ecólogo humano Juracy Marques (2017) sacabar de vez com essa
falaciosa pretensão utópica, de que a curto prazo, estejamos livres dos percalços
advindos dos fatos constatados tanto por Phillip Zimbardo (2008) como por Stanley
Milgram (1983), desde que acertadamente interpretados com o auxílio de Alexander
Haslam e Stephen Reicher230 (2012).
A Carta de Einstein a Freud: a violência institucional e a violência institual
O trecho de Marques (2017) é, na verdade, uma alusão a um evento
curioso da trajetória de Sigmund Freud que envolve Albert Einstein. Em julho de 1932,
como uma proposta da Liga das Nações (o embrião da ONU), Einstein envia a Freud
uma carta com o seguinte problema: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da
ameaça de guerra?”. Em setembro, vem a resposta de Freud, uma reflexão que
HASLAM, S. Alexander e REICHER, Stephen. D. Contesting the “Nature” Of Conformity: What Milgram and
Zimbardo's Studies Really Show. PLOS Biology, vol. 10, issue 11. Publicado em 20 nov. 2012. Disponível em
<http://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.1001426>.
230
Página | 305
acompanha a evolução humana. E aceita o desafio a partir do ponto de partida
definido por Einstein: a relação poder versus direito.
Quando Zimbardo (2008) diz que o mero exercício do poder é a maldade
em si, temos que considerar como endosso a Freud (1932): “O senhor [Einstein]
começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja
este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me substituir a
palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua ‘violência’”. Rene Girard (1998) inicia sua
teoria mimética, dizendo que o poder institucionalizado parte de uma violência a ser
contida por sua transmutação em sacrifício231. Portanto, a relação entre direito e
violência, parece-nos tal qual Reis (2000) nos fala de uma lógica social e uma lógica
natural. Existe uma lógica “artificial” que enseja a violência simbólica e física
instrumentalizada por trás da cortina da injustiça estruturante, denunciada pela Teoria
Crítica. Existe uma outra lógica, a natural que tem a violência por instinto e nela o
animal humano se regozija na tortura, no aniquilamento, no derramamento de sangue.
Na continuação da carta, Freud (1932) contextualiza muito bem o dilema
na esfera de atuação da Ecologia Humana: “é, pois, um princípio geral que os conflitos
de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se
passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir”. E
nesse sentido, durante este trabalho eu não perdi de vista as lições de Richard
Wrangham e Dale Peterson (1998) e de Walter Neves e Eliane Rapchan (2017), sobre
nossa herança primata232.
Mas esse é um “planeta simbólico” (MARGULIS, 2001) e o Homo sapiens
se tornou a única espécie representativa, por enquanto, dessa qualidade ambiental,
depois da extinção dos demais hominídeos. E, portanto, assim como faz Harari (2015),
Freud (1932) também diz, que além desse nível biológico-institual há outro no domínio
da linguagem: “No caso do homem, sem dúvida ocorrem também conflitos de opinião
que podem chegar a atingir as mais raras nuances da abstração e que parecem exigir
alguma outra técnica para sua solução”. Tais técnicas diferenciam a guerra primitiva
do esforço de guerra estratégico e até de sofisticados sistemas de perduração do
domínio de vencedores sobre vencidos em engenhosas ações sociopolíticas, nos
intercursos “aparentemente” de paz. Nesse ponto da carta de Freud a Einstein,
podemos ver juntos os pensamentos de Foucault (2008) e Clausewitz ([1832] 1884)233.
Para Freud (1932) “[...] matar um inimigo satisfazia uma inclinação
instintual” daqueles homens das sociedades primitivas. Mas contra esse impulso de
matar, vinha uma “reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de
serviços úteis, se fosse deixado vivo e num estado de intimidação”. É assim, portanto,
que Freud (1932) crer que “a violência do vencedor” passa a contentar-se “com
subjugar, em vez de matar, o vencido”.
231
Sobre a conversão da contenção da violência mimética ou imitadora no termos de Girard (1998), indica-se o
tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal” do Capítulo 7. Sobre essa passagem de sociedade natural para
sociedade política, proponho a releitura da introdução do Capítulo 6.
232 Tratamos do efeito espelhar de nossa herança evolutiva por sobre nossa organização social no tópico “Pessoa
Organizacional”, do Capítulo 4.
233 Tal qual Nota 23: Clausewitz e Foucault não podem ser esquecidos, no “a política é a continuação da guerra por
outros meios” e vice-versa.
Página | 306
Freud (1932) faz em algumas linhas uma ponderação que alude a
“conflitos de opinião” e interesses regidos, portanto, pelo direito, o qual para ele não de
deixa de ser violência, mas violência da maioria contra alguns, ou dos vencedores
sobre os vencidos. Freud (1932) chega a propor uma solução paradoxal, em que uma
grande guerra o suficiente para suplantar todos os opositores estabelecesse “o reino
ansiosamente desejado de paz perene”. Vejamos que tal concepção não ficou longe
das pretensões dos grandes Faraós, do Império Medo-Persa, de Alexandre Magno,
bem como do Reich alemão e está nas pretensões messiânicas. Tais ponderações
são muito pertinentes, mas fiquemos com a base biológica-psicológica por trás da
violência e da guerra, na carta de Freud a Einstein:
O senhor expressa surpresa ante o fato de ser tão fácil inflamar nos
homens o entusiasmo pela guerra, e insere a suspeita, de que neles
existe em atividade alguma coisa “um instinto de ódio e de
destruição” que coopera com os esforços dos mercadores da guerra.
Também nisto apenas posso exprimir meu inteiro acordo.
Acreditamos na existência de um instinto dessa natureza [...]
(FREUD, 1932)
Portanto, como havíamos iniciado a questão na Introdução desta
dissertação, havendo uma manifestação da violência que é de instinto, “de nada vale
tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens” (FREUD, 1932).
Esse tal “instinto destrutivo”, diz Freud (1932), “pudemos supor que esse
instinto está em atividade em toda criatura viva e procura levá-la ao aniquilamento”. E
qual é sua intenção última? “Reduzir a vida à condição original de matéria inanimada”
(FREUD, 1932). Tal instinto do mundo interior do organismo, manifesta-se direcionado
para o ambiente quando consegue o auxílio de algum “órgão especial”, seja a fala, as
mãos, a cauda, uma secreção etc. Segundo Freud (1932), “o organismo preserva sua
própria vida, por assim dizer, destruindo uma vida alheia”. O uma quatidade residual
de energia mortífera que ao invés de desembocar no exterior, é internalizada no
inconsciente. Sendo paradoxal ou não, sendo moralmente reprovável ou não, ao certo
é que quanto mais destruir o organismo de autopreserva. Quando “essas forças se
voltam para a destruição no mundo externo, o organismo se aliviará e o efeito deve ser
benéfico” (FREUD, 1932).
Como condenar em plenitude uma instituição como a Polícia Militar que
carrega em si esses impulsos? Ela carregando, livra o restante da população de fazêlo. Torna-se sozinha culpada por nossos pecados. É bem algo como a PM que nos
conscientiza sobre quem somos é partir de algo fora do controle, é com a PM que se
pode ter a noção que qualquer um de nós pode sair do controle. Saber que algo é mal
em contraste do bem, que nos deixa conscientes diferenciados da doce inocência da
integração à natureza: “Foi-nos até mesmo imputada a culpa pela heresia de atribuir a
origem da consciência a esse desvio da agressividade para dentro” (FREUD, 1932).
Assim como muitos criticam a abordagem de Zimbardo (2008) porque
parece dar cabimento a uma “desculpologia”, parece que Freud (1932) também estava
ciente deste revés como resultado de suas conclusões: “[...] isto serviria de justificação
biológica para todos os impulsos condenáveis e perigosos contra os quais lutamos
[...]”. Sendo que a possibilidade de desculpologia de Zimbardo (2008) recaí sobre as
Página | 307
instituições e a de Freud (1932) a uma predisposição genética. Mas ambos se
perguntam: porque certas pessoas não se alinham a isso, por mais que sejam
expostas aos indutores da violência? Zimbardo lembra que em sua experiência ele
estava emocionalmente envolvido e passou a “banalizar” os excessos praticados, foi
sua namorada, professora universitária e futura esposa que o parou; em Abuh Graib,
enquanto os solados estavam todos seduzidos pela euforia sanguinária das torturas,
um soldado desafiou o status institucional e denunciou o que estava ocorrendo. Se
tivermos que aludir aos eventos que disparam as reflexões de Adorno e Arendt,
enquanto alemães, austríacos e russos estavam dirigindo e colaborando com a
atividade genocida da Segunda Grande Guerra, haviam alemães que não podiam
deixar de fazer algo para salvar pessoas condenadas à morte.
Freud (1932) lembra a Einstein que enquanto esses dados a serem
violentos estão por aí, também há uns como eles que trocavam cartas naquela
oportunidade, que se esforçavam contra o cometimento de tais “atrocidades”.
Por que o senhor, eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão
violentamente contra a guerra? Por que não a aceitamos como mais
uma das muitas calamidades da vida? Afinal, parece ser coisa muito
natural, parece ter uma base biológica e ser dificilmente evitável na
prática (FREUD, 1932).
Segundo Freud (1932) poderíamos elencar nobres motivos do domínio
simbólico, onde temas como ética fazem sentido: “[...] reagimos à guerra dessa
maneira, porque toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque a guerra põe um
término a vidas plenas de esperanças”, ele prossegue, citando outros bons motivos
para que alguns de nós nos insurjamos contra a guerra, “porque conduz os homens
individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a
matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo
trabalho da humanidade” (FREUD, 1932). Esses motivos tem um forte impacto nas
consciências dos policiais militares que não foram totalmente capturados pela
ideologia hegemônica institucional. Mas em uma última análise, para o fundador da
psicanálise, tudo isso não passa de desculpas que encontramos para justificar nossa
propensão biológica para o estado de pacificidade, de mansidão, inscrito em nossos
genes que haveriam sido alterados depois de tanto tempo desprezando a luta
corpórea como essencial à vida (FREUD, 1932).
Freud (1932) fala de uma “evolução cultural” que estaria impactando
geração após geração na inibição ou desativação dos instintos biológicos de guerra,
da predisposição aos atos corporeamente atuantes em expressão autoafirmativa de
sobrevivência. Até então a evolução cultural teria permitido que ser predisposto à luta,
a vitória pelos músculos, não fosse maior vantagem que a capacidade de ser
cooperativo ou intelectualmente produtivo (FREUD, 1932). Mas um efeito colateral
seria tal qual o mesmo tipo de manifestação no reino animal, a domesticação
prolongada por milênios, fez do lobo, cachorros domésticos e de touros selvagens em
gado manso, que em tudo são dependentes de uma ordem do domesticador e que
expõe essas populações de espécies derivadas da perda do instinto selvagem à
predadores e até mesmo aos espécimes de seus próprios antecedentes que
Página | 308
coexistem com eles234. O homem ainda institivamente selvagem é nessa reflexão
absolutamente o lobo do próprio homem que se permite à domesticação civilizacional
(GOYA, 2014).
As modificações psíquicas que acompanham o processo de
civilização são notórias e inequívocas. Consistem num progressivo
deslocamento dos fins instintuais e numa limitação [...] sensações
que para os nossos ancestrais eram agradáveis, tornaram-se
indiferentes ou até mesmo intoleráveis para nós; há motivos
orgânicos para as modificações em nossos ideais éticos e estéticos.
(FREUD, 1932).
Para Freud (1932), “Dentre as características psicológicas da civilização,
duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que está
começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos
com todas as suas consequentes vantagens e perigos”. Particularmente, eu cheguei à
concepção da casta bioantropológica dos guerreiros, sem ter lido Freud, mas agora
diante do que esse mestre nos coloca, fica plausível supor que realmente exista
biologicamente uma parcela da população humana predisposta às atividades de
guerra e uma outra que introjetou os efeitos da “domesticação” e da sedentarização,
ou seja, do processo civilizatório.
Portanto, Freud (1932) que parece, assim como Jung (1959), um tanto
fatalista, dá-nos um alento: “tudo o que estimula o crescimento da civilização
trabalha simultaneamente contra a guerra”. Portanto, concluímos que não há
uma única chave guerreira; as chaves guerreiras formam uma herança
concorrentemente: biológica, comportamental e cultural. E para cada tipo de
chave precisamos de mecanismos diferentes de desmobilização.
Entropia sistêmica e a queda moral
É oportuno destacar que o mito sobre Samael e a terça parte dos anjos do
céu, bem como, o imaginário das lendas urbanas sustentado por uma cultura
cinematológica própria, que abordam comportamentos variantes de personalidades
mitológicas até então consideradas apenas luminosas, demonstram ao todo, de forma
muito apropriada que anjos e demônios não são espécies de seres diferentes. São os
mesmos seres, em estados diferentes de consciência ou de intenção, mudança
operada pela vontade própria do ser individualizado ou sob influência de outros.
O mito sobre a queda do arcanjo Samael e da “novela” do Jardim do Éden
tem nos oportunizado um rico recurso heurístico ao serviço de uma didática explicação
sobre processos mentais primordiais. Neste ponto, gostaríamos de pinçar, entre tantos
aspectos, um evento em particular, que no tópico “O filho do Pai” do Capítulo 7,
explicitado pela sentença, a qual recorremos novamente, transcrevendo-a:
234
Talvez esse processo esteja levando à extinção a raça humana, pois em mais de um sentido ele prejudica a
função sexual; povos incultos e camadas atrasadas da população já se multiplicam mais rapidamente do que as
camadas superiormente instruídas. Talvez se possa comparar o processo à domesticação de determinadas espécies
animais, e ele se acompanha , indubitavelmente, de modificações físicas; mas ainda não nos familiarizamos com a
idéia de que a evolução da civilização é um processo orgânico dessa ordem.
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“justamente, o filho de “Yau”, esse “Sam” estava experimentando em seu interior uma
convulsão de ordem estrutural mental, dúvidas corroíam sua harmonia”.
Portanto, diferente do que se possa imaginar, ao consentir em chamar
essa dinâmica caótica de Efeito Lúcifer, tal qual fez Phillip Zimbardo (2008), não estou
misticamente atribuindo a ocorrência dela na mente humana à influência dessa
entidade mítica. Estou apenas dizendo, que quem quer que tenha compilado o
mitologema desenhou narrativamente a circunstância pela qual todos nós que
sustentamos uma identidade psíquica consciente por meio de um complexo egoico,
tendemos a uma perda espontânea do foco mental, se não nos esforçarmos para
mantê-lo em uma devida ordenação (CURY, 2008).
Samael, portanto, não seria o causador de tal efeito, ele teria sido
mitologicamente o primeiro a que fora arrastado por essa desestruturação mental. E
toda a obscunridade, atribuída a sua personalidade caótica como Satã, é uma
representação enfática do tenebroso quadro ao qual qualquer um de nós pode chegar,
caso não possamos manter um esforço continuado pela regeneração e sanidade do
conjunto de nossa mente. Mas a necessidade de manter um esforço continuado
revelaria, ao certo, uma tendência à desordem. Um sistema que de alguma forma não
está hermeticamente fechado e, portanto, sofre entropia.
Figura 49 – Representação Gráfica do Efeito Lúcifer como ação entrópica de queda moral.
Fonte: Elaborado pelo Autor.
E nisso, reside nossa específica analogia aos policiais militares, com esse
panteão de regência angelical-demoníaca. O próprio policial pode ser ele mesmo em
dada circunstância um “demônio” social e em outra ocasião atuar como um “anjo”
protetor. O mesmo se dá com a instituição, como ente social vivo. Ora uma espécie
nativa ajustada ao meio circundante, ora uma espécie alienígena invasora.
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“Causos” de polícia e o efeito de queda moral
Em certa profundidade dessa queda moral, e nisso vem bem a acalhar
alusão ao "efeito Lúcifer" de Phillip Zimbardo (2008), o guerreiro tomará para si o
papel de juiz sumário de uma ilusória corte marcial no próprio campo de batalha e ele
mesmo aplicará a pena, pois a carga de bioenergia proveniente desse círculo vicioso
lhe insuflará o ego, estando inchado, ele se considerará o embaixador do deus a que
serve. O acúmulo ou dinâmica dessa bioenergia (psíquica) consegue inclusive romper
as barreiras do superego pessoal e coletivo, livre das amarras morais e sem a
maturidade para operar num ambiente onde não existe mais certo ou errado, o certo é
aquilo que lhe convier.
Nas lendas e causos da Polícia Militar de Alagoas, mais especificamente
no Sertão, existe duas histórias que me são muito caras como ilustração desse efeito
de queda moral. São muito próximos em localização geográfica e contexto, mas
diferem em pelo menos 50 anos. Em certo momento da caçada de coronel Lucena
Maranhão, na época provavelmente tenente ou capitão, ele deixou uma equipe na
responsabilidade de guarnecer a localidade, hoje cidade de Ouro Branco, na divisa
com o Estado de Pernambuco. Lucena, que estava pessoalmente comprometido no
percalço de Lampião, teve que administrar inúmeros conflitos de questões pessoais e
de intrigas internas do corpo miliciano e político. Mas, contam os relatos que uma das
situações que mais lhe desanimou a não mais está em campo, foi a forma brutal que
um desses membros da equipe que guarnecia Ouro Branco, matou e retalhou um
sujeito em praça pública, pelo simples motivo de não lhe ser favorável.
Figura 50 – Coronéis da força pública: Lucena Maranhão, Cavalcante e Nascimento.
a) Coronel Lucena Maranhão
(Busto de bronze)
b) Coronel Cavalcante
c) Coronel Nascimento
(Personagem de Wagner Moura)
Fonte: a) Busto de bronze, pintado, do coronel Lucena Maranhão, fixado no pátio do 7º BPM, na cidade de Santana do
Ipanema, Sertão de Alagoas. Imagem do acervo pessoal do Autor. b) Coletado no site Alagoas na Net, matéria
“Tribunal de Justiça anula julgamento que condenou Manoel Cavalcante”235, de 30 jan. 2013. Foto de Ailton Cruz do
jornal Gazeta de Alagoas, estilizada para despersonalizar a imagem. c) Personagem denominado de coronel
Nascimento, encenado pelo ator Wagner Moura, no filme “Tropa de Elite 2: Agora o inimigo é outro”. Coletado do blog
pessoal do ator <http://oficialwagnermoura.blogspot.com.br>.
Eu comandei a 2ª Companhia do 7º Batalhão sediada em Ouro
Branco. E toda vez que eu passava na praça, eu me lembrava disso, já que de
235
http://www.alagoasnanet.com.br/v3/tribunal-de-justica-anula-julgamento-que-condenou-manoel-cavalcante/
Página | 311
alguma forma, vestido da indumentária de miliciano, eu era um dos herdeiros
desse legado. E não foi apenas uma ou duas vezes, que eu mesmo me flagrei
dando os primeiros passos para essas atitudes arbitrárias, as quais
conscientemente em discurso eu combatia.
Para mim era muito difícil não fazer a comparação entre coronel
Lucena Maranhão e coronel Cavalcante. Todos os dias quando eu ia trabalhar o
busto de bronze do coronel Lucena Maranhão estava lá, no meio do pátio do 7º
Batalhão de Polícia Militar, em Santana do Ipanema. Na mente, expostas pelos
discursos ainda correntes dos policiais e da população estavam vivas, as
memórias sobre como o então capitão, e posteriormente major Cavalcante
atuava na região. Como comandante autônomo coronel Cavalcante atuou na
região do Litoral Norte, comandando o 6º Batalhão em Maragogi. No Sertão, em
Santana do Ipanema, ele não foi comandante como Lucena, mas sua influência
ultrapassava o poder formal da autoridade dos comandantes do 7º BPM, que
precisavam ter muita cautela e firmeza para exercer seu cargo sem sucumbir à
influência paralela e sem chocar-se frontalmente com ela. Coronel Lucena
Maranhão vivenciou a situação similar com os delegados de Penedo e de
Piranhas.
Lembrar-se de Santana do Ipanema, para mim suscita muitas
lembranças, praticamente aprendi a ser adulto naquela localidade do Sertão de
Alagoas, foi minha primeira residência fora da casa de meus pais, a primeira
moradia depois de casado, onde comecei a criar juntamente com minha exesposa, meus três filhos, de onde parti em certa madrugada aos 180km por hora,
pelas rodovias do Sertão, para chegar à Arapiraca, na tentativa de salvar a vida
do meu filho Gabriel, nascituro. Era justamente nas madrugadas, dos plantões,
nessas mesmas rodovias que, juntamente com a equipe de Operações Especiais
do 7º BPM (Pelopes), eu vinha das missões normalmente de Patrulhamento
Tático e de Supervisão de Área, e descendo a última curva da AL-130, no sentido
proveniente de Olho D’Água das Flores, chegando à Santana do Ipanema, que eu
via a cidade toda iluminada, eu sabia quase a totalidade da população estava
dormindo, descansando, guardada por quem? Nós nos sentíamos os guardiões
desse povo.
Figura 51 – Símbolos das frações operacionais em que o Autor atuou.
a) Brasão do Pelopes adotado no
Interior de Alagoas
b) Viatura utilizada pelo Pelopes no
Interior de Alagoas
c) Brasão do Pelopes do 9º BPM,
Delmiro Gouveia/AL
Fonte: Imagens de acervo pessoal. a) Bordado com o brasão do Pelopes, padrão do 3º BPM de Arapiraca, por vezes
replicado pelas outras Unidades, fixado na capa tática do colete balístico, por sobre o lado esquerdo do peito. b)
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Grafismo institucional da viatura, modelo Blazer, marca GM, usada pela Polícia Militar de Alagoas, alocada para os
Pelotões de Operações Especiais dos batalhões e companhias independentes do Interior. Na porta do motorista, lado
esquerdo, está grafada o brasão equivalente ao do BOPE alagoano. c) Brasão não oficial do Pelotão de Operações
Especiais do 9º BPM, de Delmiro Gouveia/AL, que passou muito tempo sendo uma das tropas especiais de Caatinga
de Alagoas.
E eu tinha a certeza, que por todo o Estado, meus contemporâneos de
Academia, estavam naquele momento em plantões de serviço semelhante ao meu.
Que por todo o país, sargentos e tenentes comandantes de guarnições sentiam o
mesmo que eu. Viviam as mesmas dificuldades e orgulho. Guardiães de um povo que
por vezes nos admira e em outras vezes não nos entende, num misto de necessidade
e rejeição, de fascínio e desprezo. Santana do Ipanema foi onde eu tive experiências
religiosas-espirituais. Foi onde sofri uma profunda depressão, sem saber qual
significado da minha vida. E posso confirmar veementemente, entre outros fatores
pessoais, os desdobramentos da escolha pela profissão policial foi decisivamente
marcante para o aprofundamento dessa noção de disparidade entre meus princípios
internos e os desvios necessários para se adaptar a vida policial militar. Por tudo o que
eu ouvi de meus colegas de farda, tenho convicção que muitos deles passaram por
situações criticamente decisivas em suas vidas, suscitadas pelos mesmos motivos.
Em certa oportunidade, sedento por preencher novamente minha vida de
um sentido profundo de conexão com o todo circundante, eu fui a um templo da fé
cristã protestante, escolhido em cima da hora, na posição de palestrante estava um
major da Polícia Militar, que até então eu não o conhecia, nem sabia que era policial.
Ele era um dos oficiais, que como eu naquela época, tinha sido um recém chegado no
batalhão. No caso dele, o batalhão de Maragogi, ele tinha sido oficial moderno fiel aos
propósitos do comando de coronel Cavalcante. No desbaratamento da gangue
fardada, ele escapou das acusações mais sérias, mas viveu um momento de profundo
ostracismo. Sua vida tinha perdido o sentido, até que se converteu de agente da
morte, para agente da vida. Até que se firmou no lado oposto da luta. Ele deixou de
ser perseguidor como Saulo de Tarso e passou a ser Paulo de Cristo. Ouvindo seu
testemunho, eu não consegui ficar de pé, literalmente me faltou forças e desabei
emocionalmente me entregando a possibilidade de novas formulações mentais.
Teve um fato que eu observei anos depois, nesse major, hoje tenentecoronel (finalmente ele chegou à mesma patente do seu antigo mentor, Cavalcante,
mas sem aprofundar-se na queda moral que inevitavelmente não é sustentável).
Ministro de uma denominação religiosa de grande vulto no Estado, chefe de seção do
Estado Maior, eu via nele, que apesar de ter se livrado do fundo poço, ele não largava
reminiscências incompatíveis a uma verdadeira agência da vida, que infelizmente a
Polícia Militar insiste em carregar. É, portanto, incompatível ser um agente do novo
padrão civilizacional, sem que se rejeitem alguns refugos do modelo patriarcal e do
instinto imperialista. Mas, tenho que destacar mais que isso, que simplesmente, não
cair no abismo da queda moral e poder levantar a cabeça novamente, é um passo
indescritível.
Dessas reflexões, tive que entender que cai aquele, que orgulhosamente
numa espiral decrescente se coaduna cada vez mais com as práticas obscuras, bem
como, aquele que luta para subir pelas paredes do poço de lama e sair dele, rejeitando
aquelas práticas, mas preso organicamente e inconscientemente, acaba satisfazendo-
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se por algumas dessas práticas. Aquele primeiro, caí sentindo prazer, ele nem sabe
que é uma queda. Na verdade, ele acredita, que está se tornando mais homem, mais
forte, aproximando-se da liberdade divina do juízo sobre os outros. Já o outro, sofrerá
porque suas forças conscientes serão inúteis para romper o círculo vicioso nutrido pelo
seu próprio querer interno oculto. E como não abraçou de vez a missão de forte algoz,
será preterido institucionalmente, como indivíduo útil, mas subalterno às pretensões da
ideologia hegemônica.
A hegemonia do guerreiro e do aventureiro
Continuando o uso do método de “arqueologia simbólica”, pretendo nesse
tópico, explanar sobre quem são, como atuam e qual a importância ecológica, até
então atribuída, dos trabalhadores da caça noturna. Para tanto, inserido no trabalho de
etnografia digital, coletou-se algumas imagens representativas de certo segmento de
atuação da Polícia Militar, da Guarda Municipal e da Segurança Privada no Brasil.
A Figura 53, uma das imagens a ser sondada, trata-se de uma guarnição
de ROTA da PMESP. A ROTA (Batalhão de Rondas Tobias Aguiar) é uma unidade de
Patrulhamento Tático Urbano, uma tropa de elite, não de missões especiais
esporádicas, mas de um diuturno e árduo trabalho de “limpeza” do submundo da
Grande São Paulo. As frações de Força Tática dos demais batalhões e das
companhias da Polícia Militar bandeirante 236 tem na ROTA sua inspiração, bem como,
as equipes de ROMU (Rondas Ostensivas Móveis – Municipais – Urbanas) de
diversas guardas municipais de grandes centros, sobretudo, do Sudeste e Sul do país.
A mesma indumentária e simbologia, do relâmpago, da águia, da caveira, das armas
cruzadas em substituição aos ossos, do braçal preto com letras douradas, a boina
inclinada e o patrulheiro projetado para fora da viatura, em atenção visual ao que
ocorre em via pública, conecta o imaginário compartilhado dos homens e mulheres
que compõe essas equipes, o que pude constatar in locu em Jundiaí-SP, São PauloSP, Niterói-RJ, Rio de Janeiro-RJ, Belo Horizonte-MG, Ouro Preto-MG, Juazeiro-BA,
Paulo Afonso-BA, Recife-PE, Caruaru-PE, Jaboatão dos Guararapes-PE, PetrolinaPE, Aracaju-SE, João Pessoa-PB, Campina Grande-PB, Natal-RN, Maceió-AL,
Arapiraca-AL, Delmiro Gouveia-AL e Santana do Ipanema-AL, bem como, pela
biblioteca digital que se constituí a Internet. E não vi isso apenas na Polícia Militar, vi
nos grupos de atividades especiais da Polícia Civil, da Polícia Rodoviária Federal, da
Guarda Municipal e de grupos de escolta armada e transporte de valores (carro-forte)
da Segurança Privada.
Note que essa primeira ilustração (Figura 53) foi coletada de redes sociais
específicas de policiais militares e vigilantes de segurança privada no Nordeste do
Brasil. Ela também pode ser acessada por uma pesquisa pública no acervo da
Internet, onde se podem ver variações que fazem alusão a outros grupos que não a
ROTA, como é o caso da mesma imagem representando a ROMU. Destaco,
particularmente, o fato de ter sido encontrada entre policiais de Alagoas e
Pernambuco237, lembrando que é uma representação de um grupo que atua em São
236
Badeirante = paulista.
O autor fez ou faz parte dos grupos virtuais de relacionamento, o que ainda continua caracterizando a
autoetnografia conciliada a uma etnografia digital.
237
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Paulo, o que demonstra como a rede informal de relações entre os policiais faz trocas
simbólicas de suporte indetitário. O outro fato, que cabe destaque, é que a mesma
imagem foi observada em grupos do contexto da Segurança Privada, constatando que
a ideologia regente da PM serve de base para a ordenação mental das atividades de
outros contextos organizacionais.
Equivalente à atuação da ROTA em São Paulo, é a função de PATAMO
(Patrulhamento Tático Móvel) de algumas unidades de Operações Especiais e/ou de
Choque, aliás a ROTA é um batalhão de choque na estrutura orgânica da PMESP.
Mas essa função propriamente dita, que tem na agilidade e versatilidade de se
embrenhar nos guetos e ruas das grandes metrópoles, usa o raio do relâmpago como
seu símbolo e absorve a missão das unidades de Rádiopatrulha (RP), como são
chamadas em Alagoas e Pernambuco, espalhadas pelo país. Ora como frações das
Unidades de Operações Especiais, ora vinculadas as de Choque, em outros casos
como Unidades Especializadas das regiões metropolitanas, ainda sob designações
como ROTAM, como ocorre em Amapá, Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso,
Minas Gerais, Pará e Tocantins (dos quais destaco a atuação da versão mineira), ou
ainda sob o acrônimo de RONE, nos casos do Piauí e Paraná. Na Figura 54.b),
mostra uma foto coletada no site institucional da Secretaria de Segurança Pública e
Administração Penitenciária do Estado do Paraná, nela está o brasão da equipe de
RONE, fração do BOPE paranaense, inserido no braçal preto de um componente que
porta a bandeira do Brasil em cerimônia militar.
Por isso, essa atividade será para nós definida como regida
duplamente pelo arquétipo guerreiro, sobretudo em seu aspecto caveira, e pelo
arquétipo aventureiro, em seu aspecto de caçador de recompensa. Sendo,
portanto, a adrenalina e a efêmera sensação de semi-deus a paga dada ao caçador.
Afinal de contas, a ROTA é historicamente sucessora do Batalhão de Caçadores que
leva o nome de um antigo presidente da província: Tobias Aguiar.
Atividade como a de Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de
Motocicletas) está mais afeta ao arquétipo aventureiro, o que é típico do que se
relaciona ao uso de motocicletas, da sensação de liberdade imaginada como um vôo e
por isso, trazem comumente as asas angelicais como emblema inserido em seus
símbolos, como pode ser observado na Figura 54.c. O outro lado desse espectro é a
regência mais restrita do espírito guerreiro-caveira. E as atividades de patrulhamento
ordinário do BOPE do Rio de Janeiro, podem ser um exemplo de uma certa adaptação
de uma infantaria leve, fazendo incursões no território “inimigo” parcialmente ocupado.
Pertencentes a simbologia própria, desse lado do espectro, está o uso do crânio e da
caveira (Figura 54.c), que em si, não denota apenas aspectos negativos, pode
significar uma maestria acima das acepções morais, uma certa sabedoria dos
senhores da vida e da morte.
O que podemos perceber é que o crânio sustentado por garruchas
cruzadas, ainda é uma expressão da aventura outside dos piratas, que usavam como
símbolo o crânio e um par de fêmures cruzados, dependendo da variação escolhida
pelo capitão corsário, os ossos cruzados poderiam está abaixo ou no centro do crânio,
assim como estão as garruchas cruzadas no tradicional símbolo de tropas de elite. Na
Figura 52.a, pode-se ver a versão da “Jolly Roger”, atribuída ao capitão Richard
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Worley, pirata que atuou na costa atlântica das colônias britânicas na América do
Norte, no inicio do século XVIII. Na Figura 52.b, eu elaborei uma montagem, que
sobrepõe o “Skull and Bones” [Caveira e Ossos] à bandeira do Reino Unido, em sua
configuração atual que se mantém desde 1801. Esta imagem intenta demonstrar que o
motivo inicial provável do uso dos ossos cruzados, está correlacionado com a
autorização dada pelo Rei Charles da Inglaterra a Sir Henry Morgan, a saquear e fazer
capturas de embarcações e localidades no além-mar, mediante os termos
estabelecidos em sua carta de corso, com o repasse de certa porcentagem dos
ganhos para a coroa inglesa. E, portanto, legalmente autorizado, exercia sua atividade
corsária sob sua bandeira nacional. Na “Union Jack”, ou seja, a bandeira do Reino
Unido, a cruz branca em forma de “X” com fundo azul é a Cruz de Santo André que
representa a Escócia é ela que provavelmente inspira o posicionamento dos ossos
cruzados. O que provavelmente ocorreu, foi que do corso à pirataria, propriamente
dita, a bandeira foi sendo adaptada. A intenção do uso emblemático da caveira era
amedrontar e de impor pavor a suas vítimas, antes mesmo do ataque.
Figura 52 – Simbologia bucaneira e corsária em relação à da Polícia Militar
a) “Jolly Roger” atribuída a
Richard Worley
b) Sobreposição da “Jolly Roger”
à “Union Jack” (1801)
c) Brasão distintivo do BOPE da
PMERJ
Fonte: a) Tradicional bandeira pirata, com elaboração e primeiro uso atribuída o capitão Richard Worley Imagem do
Site Wikimedia Commons. b) Arte gráfica produzida pelo Autor (com inspiração em imagens observadas na Internet),
através da montagem da sobreposição da bandeira do Reino Unido e o “Skull and Bones”, demonstrando a possível
inspiração do formato da bandeira corsária, o uso da bandeira nacional britânica é atribuído ao capitão corsário Henry
Morgan. c) Brasão distintivo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, o
brasão histórico com a estrutura heráldica adequada é outro, em que este é apenas um emblema.
E assim como os piratas no imaginário popular usavam navios fantasmas e
estavam envoltos por maldições, assim são as viaturas dos trabalhadores das trevas e
assim são suas vidas, que depois de conectadas a essa dinâmica, eximem-se de
autonomia, para compor o espírito coletivo da casta. Uma vez envolvido pelo trabalho
diuturno, sobretudo o das madrugadas, o policial militar (ou o guarda) com essa
incumbência “sombria” terá repercussões em sua vida pessoal.
Não devemos esquecer que essas são as consequências advindas da
fusão guerreiro-caveira e o caçador de recompensa, pois daquilo que ainda resta do
arquétipo do herói, tanto o justo como o justiceiro, provém a noção mitraica, oculta no
paralelo das forças bélicas conquistadoras de Roma, no brado de invocação a união
do corpo guerreiro: “Força e Honra”. Essa noção é aquela que diz, apesar de nossas
ações obscuras no limiar da ilegalidade, ainda somos heróis e nisso repetem com
orgulho frases atribuídas aos escravos-guerreiros (gladiadores) ansiosos por
liberdade: “Tempos de Glória”.
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Na verdade, o Estado sustenta espaços de exercício do anti-herói, por dois
motivos relevantes. Primeiro, os corsários são os únicos capazes de operar com
ousadia frente a ações de grupos “anti-civlização”: indígenas e piratas. Segundo, se
eles não forem absorvidos pelo Estado, serão pelo Mercado ou pelo “mercado negro”,
do tráfico e do contrabando, somando forças contra a ordem constituída. Em poucas
palavras é possível ver as “conexões ocultas”, porém persistentemente vivas, entre
bandeirantes, corsários, piratas, exército romano, gladiadores, militares, policiais e
guardas.
Nossas pesquisas também encontraram referências a duas ordens
militares-religiosas, de alguma forma a expansão marítima, o corso e a colonização
americana pelos ibéricos fazem ponto de contato com a Ordem Jesuíta e os
Cavaleiros Templários (CHILDRESS, David Hatcher; “Os Piratas e a Frota Templária
Perdida”). Esses dois focos de disseminação ideológica-simbólica estão no âmago da
manifestação mitráica bélica das escolas de segredo egípcias e babilônicas. De
alguma forma a polícia intendente britânica que tanto se almeja como modelar é a
consagração de um cavaleiro real dos ritos de fraternidade esotéricos. E a polícia
“militar” é sua versão mais beligerante, que se formou no âmago da disputa ibérica
entre mouros e cristãos, que age como cruzados e veio depois a encontrar uma base
de predisposição genética consistente de guerreiros ameríndios e africanos.
Paulatinamente, no transcurso desta pesquisa, vamos, portanto, montando
o quadro de modelos mentais institucionais que se ligam em diferente grau a
diferentes arquétipos primordiais do exercício da força-vigor.
Figura 53 – Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o caçador de
recompensa.
Fonte: Imagem coletada em trabalho de Etnografia Digital de redes sociais específicas de policiais militares e vigilantes
de segurança privada no Brasil. Representativa de uma guarnição de ROTA da PMESP.
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Antes de prosseguir nos desdobramentos sobre o que vem a ser os
trabalhadores das trevas, pretendo fazer uma descrição minuciosa da Figura 53, que
tem como legenda “Imaginário policial sob o arquétipo do guerreiro-caveira e o
caçador de recompensa”:
A imagem com um fundo escuro tem três elementos, surgem da
penumbra, com aspectos de pessoas, sendo esqueletos humanos. Estão numa
formação triangular, estando um deles destacado à frente dos demais, o qual tem no
ombro esquerdo às insígnias de primeiro sargento. Usam cobertura na cabeça, tipo
boina francesa de cor preta inclinada cobrindo parcialmente o olho esquerdo. Aquele à
frente usa um distintivo metálico, na fronte fixado à boina, na cor vermelha que
significa ser do círculo de praças graduadas (sargento ou subtenente), os demais, que
estão à retaguarda, distintivo na cor azul, ou seja, são soldados. Os três estão
vestidos com a farda da ROTA, unidade especializada em patrulhamento tático urbano
e choque leve motorizado, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, um blusão longo
azul-marinho. Aquele que é identificado, como sargento, portanto, comandante da
guarnição, tem por cima do peito, no lado esquerdo, por sobre o coração, um distintivo
com a logo da PMESP, cujo possui a estrela de cinco pontas. No braço direito, usa um
braçal preto, identificando que integra ao Batalhão Rondas Tobias Aguiar (ROTA). Nas
mãos carrega objetos emblemáticos: na direita, um par de algemas e na esquerda, um
caixão. Ele os oferece como quem diz: "A ROTA ou prende ou mata: bandido, escolha:
cadeia ou cemitério".
Quem elaborou essa arte gráfica na Figura 53 está dizendo que
"idealmente", no mundo "espiritual", ou seja, na dinâmica invisível das imagens
mentais profundas, uma guarnição de ROTA é isso: trabalhadores das trevas, que
cumprem seu dever dando aos mal feitores sua merecida recompensa.
Figura 54 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas.
a) Logo da ROTA da PMESP
b) Braçal do RONE da PMPR
c) Brasão da ROCAM usado no interior de
Alagoas
Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Logo da ROTA da PMESP, conferida a equivalência pelo site
Institucional da PMESP. b) Brasão da equipe de RONE, fração do BOPE paranaense, inserido no braçal preto de um
componente que porta a bandeira do Brasil em cerimônia militar. Imagem coletada no site da Secretaria de Segurança
Pública
e
Administração
Penitenciária
do
Estado
do
Paraná.
Disponível
em
<http://www.seguranca.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=16>. A imagem sofreu um destorcimento
para despersonalizar o sujeito nela contido. c) Brasão da ROCAM do 3º BPM da PMAL, sediado em Arapiraca e
replicado pelas demais Unidades do interior de Alagoas.
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A Figura 54, traz três elementos diferentes todos relacionados com o
simbolismo do patrulhamento tático e rondas ostensivas das polícias militares
estaduais, foram prospectados artefactos de Corporações de três Estados: a) São
Paulo; b) Paraná e c) Alagoas. Sobre cada um desses elementos já falamos um pouco
anteriormente: as asas da Rocam, o braçal preto com letras douradas, a caveira e a
estrela de cinco pontas. A Figura 54.a, é o logo da ROTA paulista, o brasão é outra
imagem que tem seu uso correlacionado com momentos cerimoniais e usa princípios
heráldicos portugueses. A vantagem do uso de uma logo, comum na PMESP é o fato
de não se abandonar a herança histórica e poder usar no cotidiano algo mais correlato
à atualidade. A logo da Figura 54.a é uma letra “R” estilizada, que se assemelha a
uma seta que aponta para uma estrela de cinco pontas. Demonstrando um
direcionamento que conscientemente pode usar o discurso, por uma busca pela honra,
dignidade e iluminação, mas inconscientemente também pode indicar busca pelo
estabelecimento do poder pela força. A logo da Rota é o elemento que identifica suas
viaturas.
Na Figura 54.b, que já fora parcialmente descrita anteriormente, há o
brasão da equipe de RONE do BOPE da PMPR, no qual se pode ver um escudo, no
seu interior centralizado uma espada em riste, no qual se apoia uma águia em posição
de caça, ela tem uma serpente ou áspide em suas garras. Serpente e águia
enfrentam-se no olhar. Do flanco direito (na heráldica é espelhado) superior desce um
raio, cruzando o escudo.
Para ilustrar um brasão de ROCAM, eu coletei aquele com o qual eu tinha
mais contato na minha atividade policial, o adotado pelo 3º BPM da PMAL, que está
sediado na cidade de Arapiraca/AL. Devido o fluxo entre oficiais de uma Unidade para
outra o símbolo foi levado para outras Unidades do Interior. A Figura 54.c trata-se de
um escudo, que está sobre uma espada em riste, na sua parte superior há o indicativo
de designação “ROCAM”, no centro um crânio/caveira que usa uma boina francesa
inclinada levemente sobre o olho esquerdo (lado espelhado). Da caveira erguem-se
duas asas de águia ou angelicais sobressaindo do escudo, igualmente sobressaindo,
porém mais abaixo da caveira, estão duas pistolas similares ao modelo PT100, da
Taurus, de calibre .40, apontados em efeito 3D para quem olha o brasão, no listel que
está tal como uma manicaca na altura da bainha da espada, tem grafado “3º BPM”.
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Figura 55 – Símbolos do patrulhamento tático e rondas ostensivas (2).
a) Brasão da ROTA da PMESP,
1º BPChoque
b) Braçal da ROMU da Guarda
Municipal de Santo André/SP
c) Símbolo distintivo da ROTA,
usado informalmente
Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Brasão da ROTA da PMESP, 1º BPChoque, conferida a equivalência
pelo site Institucional da PMESP. b) Braçal da ROMU da Guarda Municipal de Santo André/SP. Imagem coletada do
site institucional da Prefeitura Municipal de Santo André. Release da Ascom, de 23 jun. 2017, por Daniel Betega.
Disponível em <http://www2.santoandre.sp.gov.br/index.php/noticias/item/11368-operacao-delegada-municipal-reforcaseguranca-no-segundo-subdistrito>238 c) Símbolo distintivo da ROTA, usado informalmente por admiradores e
membros da unidade especial.
Figura 56 – Simbologia caveira em outras instituições
a) Brasão distintivo a ser bordado
no fardamento do COPE do
Sistema Prisional mineiro
b) Tatuagem de um concluinte do
curso de Operações Especiais do
Exército Brasileiro
c) Grafismo na viatura da Equipe
de ROMU da Guarda Municipal de
Jandira/SP
Fonte: a) Brasão do Comando de Operações Especiais da Secretaria de Estado de Administração Prisional (SEAP) de
Minas Gerais, coletado da página em Rede Social (Facebook 239) do grupamento e conferido pelo site institucional 240 b)
Imagem coletada em rede social, conta pública do Instagram, usuário Anjos na Polícia. c) Grafismo na viatura da
Equipe de ROMU da Guarda Municipal de Jandira/SP, coletado no site institucional da Prefeitura Municipal de
Jandira241. Trata-se de um escudo típico da heráldica portuguesa, todo preenchido por uma estampa quadriculada de
cor preta e branca, como um tabuleiro. No centro, um emblema circular negro, ao qual circunda uma corrente metálica,
internamente há um triângulo, um raio vermelho e uma caveira usando boina preta estilo francesa inclinada. No listel,
abaixo do emblema, mas ainda dentro do escudo, está a inscrição: “JANDIRA”. Acima do escudo, encontra-se a
inscrição: “ROMU”.
238
Mais informações sobre o cotidiano da ROMU de Guarda Municipal de Santo André pode ser vista em
<https://www.facebook.com/romusantoandre/>.
239
Disponível em <https://www.facebook.com/COPE-Comando-de-Opera%C3%A7%C3%B5es-Especiais-MG235069373312487/>.
240 Disponível em <http://www.seds.mg.gov.br/component/gmg/story/3195-pela-primeira-vez-o-cope-e-visitadopor-um-secretario-de-estado>
241
Disponível
em
<http://jandira.sp.gov.br/operacao-da-guarda-civil-municipal-resulta-em-autuacoes-eapreensoes/>.
Página | 320
Trabalhadores da luz e das trevas
Deixando a interpretação simbólica e retornando ao condão de reflexão,
faz-se importante salientar que por trevas não está se atribuindo características
malignas. Primeiramente, o uso trevas se dá pelo aspecto preponderantemente
noturno da atividade. Segundo, estou categoricamente me referindo, que um jovem de
classe média, que tem a capacidade de passar num concurso público e se submete a
esse tipo de atividade, como eu fiz, o faz por ignorância “espiritual”. Porque não tem
ideia do profundo abismo ético-moral em que está se embrenhando. Infelizmente, o
salário e a adrenalina, suplantam o valor de uma racionalidade-intuitiva superior.
Portanto, a segunda acepção do termo trevas está correlacionada com
desconhecimento sobre as implicações que a adesão a esse tipo de atividade
resultará ao longo prazo nas vidas dos policiais e de suas famílias.
Mais adiante, serei obrigado a expor, que esse trabalho de “limpeza
urbana”, infelizmente, por enquanto, no nosso momento crítico de transição
civilizacional, ainda precisa ser executado, pois não há instrumentos capazes de fazer
frente à investida, dos igualmente trabalhadores das trevas, não disciplinados pelo
Estado, mas excluídos pelo Mercado, que formam a rede de criminalidade contumaz.
É justamente, a partir desse conhecimento desvelado, que se pretende conceder a
oportunidade dos guerreiros de farda, que deixem de ser trabalhadores das trevas
para que se tornem, paulatinamente, trabalhadores da luz que sabiamente lidam com
as trevas.
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, alude ainda a uma outra
acepção da palavra Trevas, que na liturgia católica, é o período de três dias entre a
crucificação e a ressuscitação de Cristo. A doutrina cristã costuma apontar que nesse
período, Cristo desceu a mansão dos mortos, e nas “trevas” inferiores, ele efetuou
uma missão de resgate das almas condenadas, tomando o controle sobre a morte.
Ora, aquele que trabalha durante o período de escuridão, não pode ser chamado de
outra coisa que trabalhador das trevas. Mas o que faremos se esse tal Cristo retornar
vitorioso, com um corpo glorioso, convertido em ser de luz e agora venha a ser o cristo
da civilização.
Entendamos com cautela a analogia, se a civilização humana passou por
um período de trevas, ela tem apontado para uma transição restauradora, nem que
para tanto haja uma profunda ruptura. E se o âmago de conciliação da nova
organização planetária estiver pautado em diretrizes mais elevadas de convívio social,
permaneceremos lançando nas ruas de nossas cidades, guarnições de mentalidades
sombrias para combater o desvio social com práticas questionáveis? Certamente, que
uma nova fase histórica, de reconciliação com os princípios ecológicos profundos da
dinâmica do Universo, suscitará novas práticas de ordenação social. E o que é a
polícia? Senão um instrumento de um dos aspectos da ordem social.
Sede de sangue
É de suma importância, que não sejam feitas interpretações generalistas,
que invisibilizam os sujeitos. Luz e trevas são aspectos que estão ao mesmo tempo
nas pessoas e nas instituições. São ao mesmo tempo capazes de dar largos passos
nas duas direções e, portanto, o guerreiro das trevas de hoje, poderá ser o mais
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persistente guerreiro da luz do futuro. Mas alguns fatos não podem negar, que as
agências humanas envoltas do Simbólico e do Imaginário a que tenho aludido até
agora, neste trabalho, possuem uma tendência a ultrapassar a linha da moralidade
sem medir as consequências disso a si mesmos e à sociedade.
E é justamente para explanar sobre essa tendência, que selecionei um
caso de acusação de violência policial supostamente cometida pela ROTA. Ou seria
por alguns policiais da ROTA? Esse impasse entre responsabilidade institucional e
pessoal foi o que resultou na oferta de denúncia-crime por parte do Ministério Público
Estadual de São Paulo e consequente rejeição de denúncia por parte juiz de direito
competente para a análise do caso.
O caso242 específico refere-se a morte de dois jovens na região
metropolitana de São Paulo. Segundo os policiais, eles “perseguiram três suspeitos
em um carro na Avenida Felipe Pinel. Os homens teriam reagido e os PMs atiraram.
Dois suspeitos morreram. Na versão dos PMs, o tiroteio teria acontecido pouco antes
das 14h”. Mas o Ministério Público, alega que “Esses réus simularam uma perseguição
policial ao veículo que seria ocupado pelos ofendidos, quando, na verdade, as vítimas
sequer se conheciam. Uma delas (Hebert) foi levada de Osasco para ser executada
em Pirituba, a uma distância de 29,4 km entre os dois extremos. O ofendido Weberson
foi detido em outro local, porém desconhecido”.
A sede de matar deles é maior que qualquer coisa. Temos gente
muito boa na PM, mas esses não são. Eles fizeram uma montagem
do crime, forjaram os armamentos (Fala do pai de um jovem morto
pela ROTA em ARAÚJO, 2017) [grifo nosso].
Destaquei da citação acima: “sede de matar”, que representa a principal
característica ontológica da ecologia das ideias danosas entre os modelos mentais
institucionais da PM, além do “obter para si o que é condiserado do outro”. Lembro:
ecologia das ideias danosas! Existe uma ecologia mental saudável, pouco
reverberada, mas que diz respeito à maioria numérica dos policiais. Bom seria que
apenas a maioria numérica garantisse a hegemonia das ideiais saudáveis.
E destaquei, também: “temos gente muito boa na PM”, como parte da
fala do pai de uma suposta vítima de arbítrio policial, para demonstrar que da mesma
instituição, partem evidentes focos de manifestação de condutas diferentes.
Falácia entre bons e maus
Não se pode deixar enganar por falácias que “demonizam” pessoas ou
dadas instituições, “santificando” outras. É uma estupenda falácia dizer que policiais
militares são maus e promotores de justiça, magistrados ou médicos são bons.
Durante minha trajetória na PM de Alagoas eu vi de perto, policiais militares que eram
exemplos de retidão, enquanto tive que amargamente conviver com médicos que
242
ARAÚJO, Glauco. MP denuncia 14 policiais da Rota por morte de dois jovens em Pirituba. Publicado em 04 mai.
2017. Acessado em 20 jun. 2017. Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mp-denuncia-14-policiaisda-rota-por-homicidio-e-fraude-processual.ghtml>.
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disseram que não iriam salvar a vida de um marginal, na esdrúxula situação, em que
eu policial estava lutando pelo contrário. Eu ouvi abertamente de promotor de justiça
que ele queria ver sangue, bem como, pude ver descortinando o véu de idoneidade
com um juiz de direito com o qual eu tratava, quando soube que era um aliciador de
menores. Acompaho (especificamente) nesse quesito a opinião de Felipe Moura Brasil
(2017243):
A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as
instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança
pública à Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até
policiais influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não
são privativas da PM (MOURA BRASIL, 2017).
Se faço uma devassa no profundo institucional da Polícia Militar, o faço por
meio de minha própria experiência e deixo o registro como provável fonte de
inspiração para outros que estejam, como eu estive, desorientados e confusos sobre
sua atuação profissional. Não faço de outro contexto institucional, porque aí sim seria
leviandade intelectual minha, pois não conheço os entremeios desses “universos”
particulares. Mas posso afirmar com base no apanhado geral sobre instituições e
reprodução cultural do inicio dessa dissertação, que ao investigar, usando metodologia
próxima das que eu usei aqui, com certeza serão encontrados aspectos luminosos e
sombrios das demais instituições e campos profissionais, assim como demonstrou
Laffite (2002).
Afinal de contas, o padrão de desenvolvimento civilizacional masculino
infundiu em todos os aspectos da vida humana inúmeros fundamentos que tendem
hoje a um isomorfismo, o qual tem sido percebido na dinâmica da globalização
impositiva. Não há quem não tenha sido afetado de alguma forma por esse padrão.
Até o meio natural não humano tem sentido severamente as repercussões desse
processo. Portanto, dentre os entes sociais, por onde for posto o foco de observação,
serão percebidos traços desse padrão específico na Educação, na Ciência, na Cultura,
nos Transportes, na Indústria, na Justiça, na Política, na Saúde, na Religião, por todo
o lado dos sistemas sociais se verá esses aspectos.
Anteriormente comecei a esboçar uma arqueologia simbólica da atividade
médica, posso afirmar sem constrangimento que ao prosseguir aprofundando os
estudos, vai ser encontrado conexões do biofísico-social-espiritual, que sustentam
práticas e relações de poder há muito tempo replicadas e cristalizadas. Hoje como
membro da Segurança Institucional de uma Universidade pública, posso ver
claramente esses aspectos sombrios/ocultos em nível institucional no meio em que
atuo. Como já demonstrei, encontrar os aspectos específicos dos guerreiros entre aos
vinculados à Segurança Privada seria até uma constatação óbvia, os vigilantes
projetam a imagem dos policiais como se da mesma família fizessem parte. Mas o que
para mim foi surpresa, mas depois entendi que não deveria ser, é que o ímpeto de
guerra, do conflito, da posse pelo território está por toda parte entre os intelectuais
243
MOURA BRASI, Felipe. "O perigo e a falácia da desmilitarização da polícia". Blog Veja Publicado em 15 fev. 2017.
Acessado em 01 set. 2017. Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/o-perigo-e-a-falaciada-desmilitarizacao-da-policia/>.
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acadêmicos que disputam posições como se de feudos cuidassem244. E é nesse ponto
que percebo, o que Jung (2012a) dizia, sobre quanto mais um aspecto como esse é
negado, mais ele irrompe o limiar entre a inconsciência e a consciência com mais
força.
Peço realmente escusas, pela referência às disputas do meio acadêmico,
mas não o poderia deixar de fazer, porque este trabalho nasce justamente da
percepção da frustração desses em relação às suas investidas reformuladoras da
polícia245. E como estive do “lado de dentro”, como um verdadeiro nativo da referida
casta (tribo moderna), eu sou obrigado a esclarecer que um pesquisador de
Universidade que propõe: por que vocês não fazem assim? Precisa ele mesmo
perceber sua proposta, da forma como ele reage, quando dizemos, já que esse tema é
conectado por que não publica ou o desenvolve em conjunto com “Dr. Fulano de tal”?
Por que não aborda da seguinte forma e se afasta do paradigma corrente de sua
área? Porque irá perder credibilidade, legitimidade e espaços do exercício de poder.
Exatamente, esses são os mesmos motivos pelos quais um policial mesmo regido
pelos arquétipos do herói e do pai zeloso admite-se está sob a dinâmica hegemônica
do guerreiro e do aventureiro.
Dignidade acima de tudo
Indescritível sensação da caça. É impossível a um guerreiro (como casta
de forma geral, sendo ele predominantemente aventureiro, herói ou pai zeloso) não se
emocionar e ter o sangue aquecido com um vídeo institucional de um grupo como a
ROTA ou o BOPE, essas unidades modelares tem admiradores, não apenas por
adesão a um caráter sanguinário, mas por uma conexão ao espírito de corpo, à
fraternidade que se ver muito forte entre os guerreiros.
Devo explicar porque eu usei a Rota como ente emblemático da questão,
nas análises anteriores. Porque existem diferenças entres as corporações de cada
Estado. O policial fluminense, por exemplo, internalizou uma guerra constante e
relativizou alguns princípios axiológicos. Falar do Bope do Rio demandaria uma
profunda e detalhado acompanhamento de um processo avançado e já cristalizado de
distorção dos limites entre excessos e corruptela do vício motífero que arrecada verba.
O caso carioca é, portanto, um daqueles que nos indica a necessidade da extinção da
organização institucionalizada, como forma inegociável para uma mudança mais a
frente. O caso bandeirante, mineiro e o alagoano são exemplos da viabilidade de
operar não uma desmilitarização, mas uma remilitarização, ou um saneamento das
relações entre cultura e processos organizacionais no sentido de uso do arquétipo do
herói. O caso catarinense pode ainda ser utilizado como modelo transitório, enquanto
ele mesmo faz as mudanças necessárias a si mesmo.
244
Cabe destacar uma parcela que não foi citada diretamente: parte da classe média e média alta, detentora do
conhecimento sobre essas questões, que se sente compelida a fazer algo, mas seus colegas não podem lhe ajudar,
porque estão muito ocupados “obtendo para si, aquilo que é considerado do outro”, como projetos e bolsistas
fantasmas e lutas intermináveis por política interna institucional para saber quem controlará orçamentos
pomposos, ou ainda como farão uma carreira política vinculada a luta pelos pobres (e por si mesmos) ou como
farão para ganhar sem trabalhar muito.
245 Tópico “A frustração dos acadêmicos” em “Contexto da propositura do trabalho” do Capítulo 1.
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Sobre o tema elaboramos uma tabela (Tabela 16: espectro predominante
de algumas corporações policiais militares) que ilustra de forma muito reducionista e
que em nada deve ser considerada conclusiva, apenas demonstrativa de que temos
27 polícias militares e elas, apesar de compartilharem o mesmo núcleo arquetípico,
desenvolveram solucações diferentes em suas dinâmicas mentais (da cultura
organizacional) que as fazem se apresentar de forma diferente.
Tabela 16 – Espectro predominante de algumas Corporações policiais militares
Pai-zeloso
A
B
C
Herói
Aventureiro
Guerreiro
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ)
Polícia Militar de Alagoas (PMAL)
Polícia Militar de Pernambuco (PMPE)
Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)
Polícia Militar do Paraná (PMPR)
D
Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG)
E
Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC)
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Na tabela anterior (Tabela 16), as corporações do Grupo A, seriam aquelas
que a extinção organizacional seria inevitável para que se forme um ambiente propício
para as mudanças. O Grupo B são das organizações que podem ser reorientadas,
com muita dificuldade, mas o contexto cultural a que estão inseridos exigem uma
postura de demonstração de autoridade, influenciado por um passado de ordenação
social ao redor de figuras masculinas emblemáticas. O Grupo C são corporações que
precisam recuar em grandes centros, o trato diário deve irrefutavelmente ficar a cargo
de uma nova organização. São corporações que a maioria numérica de adeptos de
uma posição moderada pode suplantar o excesso da ideologia hegemônica. O Grupo
D e E são de corporações que podem ser utilizadas como modelo para as demais.
Mas isso não significa que essas também não precisem de mudanças profundas.
Nos cursos e formação da Polícia Militar, as canções e hinos são muito
presentes no nosso cotidiano, de alguma forma, constituem fonte dos valores que
incorporamos aos poucos. Por ter sido formado na Academia de Alagoas, tive que
decorar e entoar muitas vezes a Canção da PMAL, “Somos Soldados Leais”, da qual
trago abaixo um trecho246:
Alagoas de pé pela história, eis a tua Polícia sempar. Ela passa à
caminho da glória, sorridente e feliz a cantar [...] somos soldados
leais, da terra dos Marechais. (PIERRE LUZ apud PMAL, 2017).
[grifo nosso]
Com certeza, eles podem bradar: “Somos soldados leais!”, o que precisam
urgentemente fazer, é se questionar: soldados leais a quem? Ao Estado, aos
governantes, à Sociedade ou si mesmos? E se a resposta for a deus, tem que se
perguntar: a qual deles?
246
Canção Somos Soldados Leais. Letra de Pierre Luz e música de Antônio Gondim de Lima. Disponível em
<http://www.pm.al.gov.br/intra/downloads/hinos/leais.pdf>. Site da PMAL, coletado em 10 jun. 2017.
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Expressão mitraica de culto do exército romano
Nesta seção vamos articular um tema transversal sobre o
compartilhamento e parte do processo reprodutivo genealógico de instrumentos de
controle operados pela governamentalidade (FOUCAULT, 2008), que pode ser
comentado usando ilustrações reais dos “impérios” de Roma e dos Estados Unidos
(HARARI, 2015), bem como o Patronato Luso-Brasileiro (FAORO, 2001), como pode
ser visto na Figura 57 “Simbolismo mitraico e romano (2)”.
Figura 57 – Simbolismo mitraico e romano (2).
a) Distintivo da Polícia Militar do
Exército norte-americano
b) Brasão da PMPR
c) Vexilo (Estandarte) do Império
Romano
Fonte: a) Distintivo metálico da Military Police of U.S. Army, com a águia característica do poder norte-americano, com
referências emblemáticas, no centro do escudo a elementos romanos como fardamento e lança, inclusive ao “gorro” de
Mitra. Imagem do Site Wikimedia Commons, conferido com United States Army Institute of Heraldry
(http://www.tioh.hqda.pentagon.mil). b) Brasão institucional da Polícia Militar do Paraná, com a águia, que também está
no escudo da RONE. No centro do escudo há elementos como a araucária da vegetação local, bem como o sol
mitraico, equivalente ao das bandeiras argentina e uruguaia. Imagem do Site Wikimedia Commons. c) Estandarte
(espécie de bandeira pendurada verticalmente por uma haste), vexilo, do Império Romano, com a característica águia e
o acrônimo SPQR, o nome de oficial de Roma: Senatus Populusque Romanus. Imagem do Site Wikiwand. Disponível
em
<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/83/Vexilloid_of_the_Roman_Empire.svg/320pxVexilloid_of_the_Roman_Empire.svg.png?1499651870799>.
Na Figura 57 é possível ver três elementos heráldicos que fazem a
conexão simbólica do que nos propomos: Estados Unidos – Portugal/Brasil – Roma.
São imagens com traços semelhantes, mais marcante é um da águia como emblema
da parte superior. O primeiro é o 57.a) distintivo da Polícia Militar do Exército norteamericano; o segundo, 57.b) é o brasão da Polícia Militar do Paraná; e o terceiro,
57.c) Vexilo do Império Romano, usado como flâmula-estandarte nas incursões
militares. Entre o símbolo nortemamericano e o brasileiro, é notável a semelhança do
listel que trazem a mesma inscrição em idiomas diferentes: “polícia militar”; bem como,
é possível ver pequenos emblemas menores da simbologia mitráica, não obstante a
descrição heráldica oficial não os reconheça assim: o sol do brasão paranaense (que
também se vê nas bandeiras da Argentina e Uruguai) e o gorro no distintivo
americano.
“Força e Honra” era um cumprimento dos membros do Exército Romano.
Mais que “Ave César” que era uma referência ao império e um culto à personalidade,
"Força e Honra" era um termo de coesão, de chamada à fraterna amizade que só a
conhece aqueles que lutam e passam dores juntos. Desde já é interessante notar a
Figura 58, a similaridade entre os elementos (b) uma reconstituição de uma fração de
Página | 326
combate do exército romano e (c) a atividade de policiamento de choque em um
treinamento da Polícia Militar de Sergipe. Podemos alegar que é possível a
reprodução de algo tão similar, apenas como técnica objetivamente eficiente, mas
posso afirma categoricamente pela experiência nativa, que tais técnicas não vireram
desacompanhadas de resquícios das bases de significado profundas a que já eram
vinculadas na época.
Nos bastidores do Exército Romano, ocorria um culto a Mitra,
originalmente o ícone da sabedoria e da guerra para os persas, foi incorporado pelo
culto romano como representatividade de força, disciplina e destemor (SILVA e
MENDES, 2006). Na luta mítica contra o touro (Figura 58.a), nos mistérios mitraícos,
pretendia-se exercer autocontrole pelo desenvolvimento da perícia bélica aliada a um
tal discernimento, que lhe orientasse ao caminho da luz. É relevante notar a
semelhança da simbologia da estrela flamejante de cinco pontas, anteriormente
discutida247.
Figura 58 – Simbolismo mitraico e romano (1).
a) Imagem do deus Mitra no
Museu Britânico
b) Reconscituição de uma formação
com escudos de tropa do exército
romano
c) Treinamento em policiamento de
choque da PM de Sergipe
Fonte: a) Imagem do Site Wikimedia Commons. Estátua do deus persa, indiano e posteriormente incorporado ao culto
romano Mitra, como deus do Sol, em sua épica passagem da vitória sobre o touro. Fotografia da imagem exposta no
British
Museum.
b)
Imagem
coletada
no
site
Cultura
Mix.
Disponível
em
<http://www.culturamix.com/cultura/historia/curiosidades-sobre-o-exercito-romano/>. c) Coletada no site institucional da
PMSE.
Com esses aspectos de engajamento de uma evolução moral e espiritual,
mesmo que mediante o suor e o sangue, legiões desse tipo se tornam um corpo coeso
capaz de articular feitos de interesse às sociedades humanas. Cego é o guerreiro que,
destemido, honrado, que sacrificou tanto de sua vida pessoal pela causa, pelas armas,
pela corporação, em horas de treino e qualificação serve, sem nenhum tipo de
questionamento, a uma classe de parasitas, aristocráticos, ladrões que usurpam as
posições e os instrumentos de poder para beneficiar-se do trabalho e dos esforços da
coletividade (FAORO, 2001). Esse é, portanto, o ponto de vista daqueles guerreiros
que em algum momento da carreira tem a vendas retiradas, assim como o
personagem, coronel Nascimento, do ator Wagner Moura no filme brasileiro Tropa de
Elite 2.
247
Nos tópicos “Estrela: centro místico” e “Estrela: poder político e poderio militar” do Capítulo 5.
Página | 327
O rei Leônidas, o líder lendário dos 300 de Esparta, uma prefiguração viva
de Ares, percebeu isso, julgava ele que a classe política era covarde e ambiciosa. E
que nos momentos de maior necessidade não poderiam contar com ela para proteger
o corpo social. Não é segredo que essa beligerância que torna a força militar apta a
reestabelecer a ordem em momentos de convulsão, é demasiadamente enérgica para
simplesmente manter o ritmo de civilidade e urbanidade em tempos de paz.
E por isso sustento que corpos coesos que se assemelhem ao ritmo
espartano não devem ser lançados diuturnamente nas ruas, quando existirem, devem
ser forças reservas de pronto emprego e nisso nada se difere da política até então
implementada no emprego das unidades de SWAT (acrônimo em inglês para Special
Weapons And Tactics [Armas e Táticas Especiais]) das polícias norte-americanas. O
que para Cotta (2012), foi observado no sistema luso-brasileiro, desde a época de
Camões, bem como, cientistas sociais das epistemologias do Sul, tem avaliado na
América Latina, desde os meados do século passado, parece está sendo visto no seio
da cultura civilista norte-americana, um movimento gradativo de militarização dos
corpos policiais248.
Sustento ainda que, o espírito guerreiro possui uma noção ambiental de
domínio e extravasamento do seu contexto para o mundo circundante, ou seja, se não
há ambiente propício para desempenhar sua atividade inerente, a saber, a guerra,
cria-se uma ou um ambiente hostil suficiente para que possam usar suas tão
estimadas estratégias e símbolos de força viril. A “pax romana-americana” de um
império belicoso só se sustenta, na verdade, com a guerra. É esse tipo de “fenótipo
estendido” (DAWKINS, 2007), já que o militarismo está nos “genes da polícia”, que
pode surpreender organizações como a American Civil Liberties Union (ACLU [União
Americana de Liberdades Civis]) e obrigá-las a constatar que guerra um dia, mais
cedo ou mais tarde, adentra à ilha de Utopia, assim como entrou pelos “portões” de
Roma249:
Em todo o país, as equipes SWAT fortemente armadas estão
atacando as casas das pessoas no meio da noite, muitas vezes
apenas para procurar drogas. Devemos acrescentar que pessoas
morreram inutilmente durante essas invasões, que animais de
estimação foram carregados/enxotados e que as casas foram
destruídas/saqueadas.
Nossos bairros não são zona de guerra, e policiais não devem nos
tratar como inimigos em tempo de guerra. No entanto, a cada ano,
bilhões de dólares de equipamentos militares circulam do governo
federal para departamentos de polícia estaduais e locais. Os
departamentos usam essas armas de guerra no policiamento
cotidiano, especialmente para lutar contra numa guerra anti-drogas
AYUSO, Silvia. “Os Estados Unidos começam a questionar a militarização de sua polícia”. Jornal El País.
Washington
D.C.
Publicado
em
16
ago.
2014.
Disponível
em
<
https://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/15/internacional/1408135415_730417.html>.
249 O título do relatório da ACLU sobre a excessiva militarização das polícias norte-americanas é “A guerra chega em
casa”.
248
Página | 328
dispendiosa e mal sucedida, que tem atacado injustamente pessoas
negras (ACLU, 2014). [Tradução livre de texto original em inglês250]
Quando leio isso, não sei se estou lendo uma carta do intendente de
polícia do Rio de Janeiro repreendendo os excessos cometidos pelos soldados da
Guarda Real no inicio do século XIX (LÍBANO SOARES, 1999) ou se trata de uma
notícia da semana passada de um jornal de grande circulação de cidades como São
Paulo251 ou Bogotá, ou se realmente estão falando de blue corps norte-americanas. É
importante salientar, que não há polícia militar no trato de populações civis
formalmente falando em circunstâncias normais dos Estados Unidos, ao contrário do
Brasil e Colômbia, usados anteriormente como exemplos comparativos, que possuem
“gerdermarias”, o primeiro, uma força militar descentralizada muito peculiar, o
segundo, uma polícia nacional, para todos os efeitos militar. E mesmo num contexto
teoricamente civilista como o norte-americano, ACLU é obrigado a fazer uma
conclamação como a que se segue:
À medida que nosso novo relatório deixa claro, é hora de a polícia
americana lembrar que eles devem proteger e servir nossas
comunidades, não fazer guerra contra as pessoas que vivem nelas
(ACLU, 2014). [Tradução livre de texto original em inglês252]
Porém, quando a classe dos sábios príncipes-sacerdotes-juízes debandam
em uma degeneração acentuada, não há a quem recorrer, se não aos homens e
mulheres da força. Entre a força bélica espartana e a romana, tem-se aí uma diferença
de nuances entre Ares e Mitra-Minerva. Há perfis de guerreiros diferentes, que
apontam para arquétipos distintos.
O militar romano iniciado nos mistérios mitraicos, podia até bater no peito e
em seguida estender o braço em um “Ave César” em momentos formais com o público
geral, entretanto entre eles, o brado acompanhado do forte gesto de braço era a
invocação do: “Força e Honra!”. Gestos de braço acompanham esses tipos de brados,
da casta guerreira. Assim como Nobert Elias identificou o ethos guerreiro de forma
acentuada entre os alemães, que faziam a combinação semelhante com o “Herr
Hitler”.
Força e Honra! A primeira vez que ouvi essa frase foi no filme Gladiador 253,
que assim como Ben-Hur254 consegue atribuir um novo sentido àquele que fora
Texto original em inglês: “All across the country, heavily armed SWAT teams are raiding people’s homes in the
middle of the night, often just to search for drugs. It should enrage us that people have needlessly died during these
raids, that pets have been shot, and that homes have been ravaged. Our neighborhoods are not warzones, and
police officers should not be treating us like wartime enemies. Any yet, every year, billions of dollars’ worth of
military equipment flows from the federal government to state and local police departments. Departments use these
wartime weapons in everyday policing, especially to fight the wasteful and failed drug war, which has unfairly
targeted people of color”.
251 ARAÚJO, Glauco. MP denuncia 14 policiais da Rota por morte de dois jovens em Pirituba. G1 São Paulo.
Publicado em 04 mai. 2017. Acessado em 20 jun. 2017. Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mpdenuncia-14-policiais-da-rota-por-homicidio-e-fraude-processual.ghtml>.
252 Texto original em inglês: “As our new report makes clear, it’s time for American police to remember that they are
supposed to protect and serve our communities, not wage war on the people who live in them”.
253 Filme de coprodução anglo-americana, de 2000, estrelado por Russell Crowe, que interpreta o general Máximus,
que era leal ao imperador Marco Aurélio. Mas Máximus é traído quando o ambicioso filho do imperador, Cómodo,
mata seu pai e toma o trono. Reduzido a um escravo, Máximus ascende através das lutas de gladiadores para vingar
250
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perdido da República Romana, uma força de restauração dos ideais de liberdade,
igualdade e justiça entre os patrícios. O filme Gladiador usa músicas em hebraico
moderno com ritmos itálicos e celtas, Ben-Hur trata da recepção e amálgama da
cultura judaica e do sectarismo nazareno pelo seio da sociedade romana. Tudo isso
estava na minha mente, quando eu ouvi categoricamente, um oficial da PMESP
invocar o espírito guerreiro pela sentença: “Força e Honra”.
Estávamos, numa sala de aula da Academia de Polícia Militar do Barro
Branco, onde são formados os oficiais paulistas e de outras várias Corporações que
não tem Academias ou preferem fazer o intercâmbio. Ele invocou e saudou o outro
companheiro, como quem dizia: “estamos juntos, eles não nos entendem, mas nós
sabemos o nosso dever”. O oficial que saudava da forma mitraica era proveniente de
toda a honraria subjetiva de uma tropa de elite, ele estava em um momento de
ostracismo, pelo natural afastamento das ruas, imposto pelo comando, que faz isso,
quando ver perigo no comportamento de um de seus membros.
Desde então ouvi aquela saudação repetidas vezes e passei a usá-la. De
forma alguma fiquei consternado com isso. Ao contrário, éramos uma fraternidade,
que só agora eu dava conta, de que rompia os limites temporais, geográficos e
institucionais.
Teoria “genética” da Polícia Militar: história e ecologia
profunda
Finalmente alcançando o objetivo principal proposto no inicio desta
investigação, apresentaremos o quadro com os principais elementos ecológicos,
dando ênfase aos que geram resistência à demanda social por mudanças (Figura 59).
Foi feita uma proposta de representação gráfica para esse quadro, uma se encontra
na Introdução dessa dissertação, no tópico “Papéis atribuído, transferido e desejado
da polícia”, na Figura 4 (diagrama das forças internas pró e contra alinhamento às
demandas sociais) e a outra, sobre a qual redesenharemos a versão conclusiva,
incluindo, portanto, nossos resultados, pode ser revista no Capítulo 1 (Percuro
Metodológico), na Figura 7 (representação gráfica do quadro de modelos mentais,
meta do objetivo geral).
a morte de sua família e do antigo Imperador. De general a escravo, de escravo a gladiador, que mata o imperador
em desafio dentro da arena.
254 Livro de 1880 com várias versões para o cinema, uma de 1925, uma de 1959 e a última de 2016. Um nobre
hebreu, Judah Ben-Hur é falsamente acusado de tentativa de assassinato por seu amigo de infância e irmão adotivo
Mesalla, que agora serve aos romanos. Ele sobrevive anos como escravo sob o domínio Romano e busca vingança
contra seu irmão adotivo através de uma corrida de bigas enquanto tem sua vida mudada após uma série de
encontros com Jesus de Nazaré
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Figura 59 – Mapeamento dos principais elementos ecológicos profundos da Polícia Militar
Fonte: Elaborado pelo Autor
Os elementos ecológicos profundos foram denominamos de arquétipos,
que definem os tipos policiais, e de complexos, que coincidem com os modelos
mentais. Tendo em vista que, ao compor a genealogia da instituição encontramos as
raízes históricas de alguns desses elementos, construímos uma representação gráfica
que combina imagens mentais e herança institucional (Figura 59). Essa última
representação é uma versão preliminar que intenta satisfazer a proposta do professor
Adriano Oliveira (2002), de uma “teoria genética” da instituição policial militar, tal qual
foi explanado no tópico “A frustração dos acadêmicos”, no “Contexto da propositura do
trabalho” do Capítulo 1 (Percurso metodológico).
Os troncos de heranças “genéticas”
Na Figura 59 (representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar:
história e ecologia profunda), em sua base inferior, há um quadrilátero arredondado,
que representa a constituição da instituição policial militar que recebe dos troncos
verticais as heranças institucionais e arquetípicas. São dez troncos verticais, que
agrupam heranças correlatas, três delas (b – Patriarcalismo; c – Resquícios do modo
de subsistência da caça; j – Heroísmo) chegam à instituição por meio daquilo que o
policial traz de sua enculturação prévia ao ingresso numa das organizações sob a
influência institucional.
Tabela 17 – Troncos verticais filogenéticos
Identificação
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
Descrição
Heranças institucionais / antecedentes
Rito sacrificial e religiosidade
Sistema Judiciário; sacerdócio servil
Horda primitiva; pátrio poder; domínio masculino; violência
fundadora
Patriarcalismo
Resquícios do modo de
subsistência da caça
Sistema escravista
Heranças anacrônicas dos
regimes de exceção brasileiros
Caça; guerra primitiva; autoridade tribal
Colonialismo português; bandeiras; autoridade mestiça
Estado Novo da Era Vargas e Ditadura Militar
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do século XX
(f)
(f1)
(g)
Militarismo
Soldado religioso
Burocracia Estatal
(h)
Higienismo francês
(i)
Herança Corsária
(j)
Heroísmo
Fonte: Elaborado pelo Autor.
Exército formal em função policial; Corpos militarizados de
polícia; Gendarmaria; Guarda Real de Polícia de Lisboa e do
Rio; Força Pública
Cruzados; Quadrilheiros; Ordenanças; Guarda Regencial
Agricultura; Escrita; Sendentarização; Estado Moderno; Polícia
Moderna
Intendência de Polícia
Corso; pirata; mercenário
Herói; gladiador
Três troncos desembocam nas características institucionais (a – Rito
Sacrificial; e – Heranças anacrônicas dos regimes de exceção brasileiros do século
XX; f – Militarismo; g – Burocracia Estatal), são aquelas heranças que, muito
provavelmente, um cidadão sem contato direto com alguma agência policial, com o
servidorismo público, as forças armadas ou instituições do sistema de justiça criminal
não teria pleno conhecimento desses elementos históricos e imagéticos.
Um desses troncos (d – Sistema escravista) desemboca parte de suas
heranças no seio comum da sociedade brasileira e outra parte específica na atitude
interna da instituição. O tronco vertical (h) é o da Intendência de Polícia, que são
heranças típicas da razão de ser de polícia moderna, que influenciam em parte a
Polícia Militar, mas que são mais evidentes em outras agências policiais como a
Polícia Civil, a Polícia Científica e a Polícia Federal. É justamente o tronco (h) em sua
noção de assepsia social que intenta afastar os “bons propósitos de polícia” do tronco
militar. O último tronco vertical denominado herança Corsária, indentificado pela (i),
está correlacionado com o ímpeto mercenário do caçador de recompensas.
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Figura 60 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e
ecologia profunda
Elaborado pelo Autor.
Estamos supondo que as origens do tronco vertical (b – Patriarcalismo),
são as mais antigas, remontando a épocas anteriores ao surgimento da espécie Homo
sapiens. A noção sobre horda primitiva, considerada um dos mitos freudianos, é
originalmente uma ideia de Chales Darwin em "A descendência do Homem e Seleção
em relação ao Sexo", de 1871, sobre a qual discorremos suscintamente com subsídios
de Ruth Vasconcelos (2007) e Juracy Marques (2017) num tópico conclusivo do
próximo capítulo (cap. 10), denominado: “Re-militarização como proposta transitória”.
A partir dessa ideia de uma configuração específica dos bandos dos
primeiros hominídeos, formados por um macho alfa com exclusividade sobre a cópula
das fêmeas, que deveria ter expulsado os demais machos jovens e adultos, seus filhos
– a partir essa ideia – decorre-se o pátrio poder e o domínio masculino. Os filhos
formariam uma aliança e deporiam o pai abusivo, matando-o. Rene Girard (1998) tem
uma formulação diferente para o episódio de uma violência fundadora da sociedade
não mais natural e as instituições de ordenação social. Tal formulação é para nós as
heranças representadas pelo tronco vertical (a – Rito Sacrificial).
Acompanhamos o raciocínio da violência desencadeada pela inveja que
imita o desejo que o outro tem sobre algo ou alguém, tornando o objeto cobiçado
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valioso para muitos ao mesmo tempo, sem a possibilidade de compartilhá-lo, ele é
motivo de uma barbárie assassina desintegradora das comunidades e inviabilizando o
convívio social. Para selar uma repactuação de concordância, é feito o sacrifício de
uma vítima que carrega simbolicamente (ou verdadeiramente) a culpa pela desgraça.
De tempos em tempos o sacrifício é refeito, para Girard (1998), esse forma sacrificial
dá origem ao sistema judiciário, que oferece um “bode expiatório”. Alegamos que o
policial se tornou um sacerdote servil, nesse sistema, impedido formalmente de
realizar ele mesmo o sacrifício, em dadas oportunidades a magia decorrente do
sangue “purificador” o seduz. Mais detalhes sobre o desdobramento desses aspectos
para a atividade policial podem ser vistas no tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do
Mal” do Capítulo 7 (Ecologia Profunda da Polícia Militar).
Baseado no que for dito sobre os elementos e práticas “do Estado não
passa[rem] de constructos teológicos secularizados” (MATOS apud COTTA, 2012), no
tópico “Organizações de força-vigor como espaços de culto” do Capítulo 7,
demarcamos a influência dos fundamentos religiosos na formação da Burocracia
Estatal, tronco vertical (g), do qual falaremos depois.
O tronco vertical (c) corresponde aos resquícios do modo de subsistência
da caça, entre eles a luta primitiva e a autoridade tribal exercida por guerreiros senis.
Em nossa visão, a luta primitiva é absorvida pela estrutura social-estatal pelo
militarismo e a autoridade tribal, surgirá na genealogia da Polícia Militar, mediante sua
inserção pela reprodução de práticas originais tanto de ameríndios como de africanos
repatriados pela Diáspora Negra. Alguns alegam que esses traços foram esmaecidos
pelo padrão cultural branco-europeu, mas apenas a influência dos orikis (os
mitologemas dos orixás) (POLI, 2011) já é o suficiente para trazer uma carga atitudinal
sobre a atividade guerreira (de força-vigor). Alegamos que o comportamento da
autoridade mestiça (NONATA SILVA, 2009) fruto do uso de descendentes não
brancos como feitores e algozes dos escravos tem uma maior proporção da herança
cultural eurocêntrica, mas guarda reminiscências da cultura tribal.
A autoridade mestiça é um dos frutos do sistema escravista, representado
pelo tronco vertical (d), originado pela forma peculiar do colonialismo português no
além-mar. Entre os modelos mentais frutos das heranças desse tronco para a PM,
estão o capitão-do-mato (BALDO, 1980; LIMA e LIMA, 2013), o jagunço, o feitor
ausente da platantion (ALGRANTI,1988 apud LÍBANO SOARES, 1999), o homem
branco pobre livre (FRANCO apud BALDO, 1980), o bandeirante, o donatário. As
heranças desse tronco foram discutidas no tópico “Autoridade mestiça”, do Capítulo 6
(História da Polícia Militar: Genealogia das matrizes institucionais). É um tanto
descosertante para todo brasileiro, sobretudo, aquele que tem uma autoimagem do
nacional como pessoa descontraída e irreverente, lembrar que a herança do tronco
vertical (d) é aquela que remete às consequências de manutenção dos resultados
obtidos por um grande genocídio de indígenas ameríndios, de aproximadamente um
milhão de pessoas, e uma diáspora cruel e vil, de pelo menos 12 milhões de africanos.
Pulemos o tronco vertical (e) e passemos às considerações sobre o tronco
(g), que fala sobre as características herdadas pela Polícia Militar por fazer parte do
contexto da dinâmica burocrática estatal. Prosseguindo pela origem “sagrada” do
Estado, que é fruto da secularização de constructos religiosos, discorremos sobre sua
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formação histórica está baseada na sedentarização da população antes nômade
devido a caça e a coleta, agora estabelecidos em núcleos urbanos devido a revolução
agrícola. Aos poucos, essa instituição vai “atraindo” os centros ordenadores de poder
social, já tendo em si os recursos simbólicos da força religiosa e a posse dos recursos
de produção, passa a absorver os institntos de guerra primitiva por meio da
sistematização do militarismo.
O primeiro grande marco desse tronco remonta há invenção da escrita, o
segundo grande marco remonta a fundação do Estado Moderno na transição da Idade
Média para a Idade Moderna (a partir do século XV), em nossa representação isso
ocorre numa reinjeção dos aspectos religiosos na estrutura estatal que passa a está
acima de tudo (MATOS apud COTTA, 2012), controlando tudo e a todos, encontramos
nesse soerguimento do Estado, o aprofundamento das bases do biopoder e da
governamentalidade (FOUCAULT, 2008), que irão desembocar nas polícias como
ordenamento salutar dos súditos reais. Com entrincamento das funções estatais em
todos os aspectos da vida social, o poder policial recorre a estruturas especialistas em
controle e ordenamento, até que o direito de vingança é totalmente cooptado por esse
poder central. Nesse sentido o corpo de polícia armado se reveste da sacra aparência
higiênica e se torna subestrutura permanente do Estado.
Não que corpos armados com função policial não já tivessem sido usados,
mas seu uso sempre constituía um estado de exceção ou seu emprego se dava sobre
territórios ocupados ou a serem colonizados, discorremos sobre o tema parcialmnete
no capítulo 6, no tópico “A matriz da Military Police do Exército norte-americano” e no
tópico “Expressão mitraica de culto do exército romano”, logo anteriormente neste
mesmo capítulo. Esta dinâmica é representada no tronco vertical (f – Militarismo), não
obstante, o higienismo tende a constituir um corpo e uma normatização policial
civilista, de um caráter pseudo-permanente de paz, os corpos militarizados de polícia
são preferidamente utilizados na tradição francesa e luso-brasileira. Esse processo foi
tema recorrente na dissertação: visto no capítulo 6, quando do tópico "Corpos
militarizados de polícia versus polícias de trato civil" e sobre "a matriz da Guarda
Nacional Republicana portuguesa (a Guarda Real da Polícia de Lisboa)", um
preâmbulo sobre o tema havia sido exposto no tópico "Ser policial e ser militar são
condições contraditórias?" da Introdução. A abordagem ecológica profunda que
correlaciona os tipos de militarizados e de trato civil com níveis de masculinidade e
grau de moderação ou agressividade tem um trecho desenvolvido no tópico “Subsídios
de uma ‘sociologia profunda’” do Capítulo 7.
A influência direta do tronco vertical (f) alcança a Polícia Militar mediante o
espelhamento modelar da Gendarmaria Nacional (1791) e da Guarda Real de Polícia
tando a de Lisboa como a do Rio de Janeiro (1809). Cabe ressaltar que essas são as
apropriações da governamentalidade de polícia por sobre as estruturas de corpos
militarizados que já atuavam, tal é o caso da própria Gendarmaria Francesa que foi
uma “renomeação” de instituição do Antigo Regime absolutista, tal é também o caso
dos Regimentos de Dragões que são o antecessor imediato do corpo policial-militar
colonial a originar a Polícia Militar de Minas Gerais, para compreensão do contexto
mineiro é imprescindível a leitura de Matrizes do sistema policial brasileiro, de Francis
Albert Cotta (2012), obra na qual a linha de influência portuguesa fica bem esclarecida.
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Portanto, coube-nos destacar um tronco paralelo ao (f), ao qual
denominamos de (f1) e refere-se a herança feudal na descentralização do poder
político e a formação de pequenos exércitos. Acreditamos que é de um tronco
semelhante a esse que surge a atividade de “bons homens” de reputação ilibada com
outorga de seu suserano para atuarem como policiais, aplicadores da justiça primária
e agente de arrecadação fiscal. Esses homens não tinham salário, mas pagavam suas
despesas com a arrecadação, em Portugal isso gerou os “quadrilheiros” a serviço das
Câmaras municipais, na Inglaterra, isso gerou a função dos “sheriffs”.
O tronco (f1) guarda ainda uma curiosa relação da função dos cruzados,
assim como os direitos humanos podem hoje ser postos como um corpo de valores
universais que validam o uso da força pela ONU em favor do bem maior, os cruzados
faziam o mesmo em nome a cristandade. Essa comparação a qual desenvolvemos
parcialmente em “Missões jesuítas de paz” no Capítulo 6, foi apreendida da noção de
homem armado religioso da obra de Moreira (2013): “De soldado de cristo a promotor
de direitos humanos”, como fruto de estudo em Ciências da Religião na PUC-MG,
sobre a formação histórica da polícia militar mineira. Portanto, para mim, é entre o
tronco (f) e (f1) que está o lado da espada da ideologia expansionista “entre a cruz e a
espada”, que pelo prisma das necessidades instrumentais do padrão civilizacional
masculino pode ser visto como a glória do império ibérico e lusitano, como pelo prisma
das investidas anti-sistêmicas, o vetor de transmissão do germe de Utopia. Para a
visão socioecológica, nada mais é que a dupla capacidade de romper a resistência de
e inocular com sua herança cultural um sistema social hospedeiro com quem se
disputa recursos materiais e autoritativos.
No Brasil a ideia de um corpo militar de polícia formado a partir do exército
nacional ser uma artimanha do poder central versus o uso de pequenos corpos
milicianos sob o comando de autoridades locais estimulou a coexistência de
corporações durante os séculos XIX e XX até a Era Vargas. Esse prolongado jogo
entre força policial central e regional pode ser mais bem apreendido das obras de
BARBOSA SILVA (2003; 2015), bem como de alguns trechos de Os Donos do Poder,
de Raymundo Faoro (2001). Para a melhor compreensão da natureza do serviço dos
sheriffs recomendo como leitura inicial a obra seminal Padrões de Policiamento, de
David Bayley ([1985] 2002).
Algumas análises sobre a teoria “genética” da PM Brasileira
Herança de um possível período matriarcal anterior
Quando se fala de um possível período pré-histórico do qual ainda
teríamos resquícios do matriarcalismo, temos que levar isso como hipótese, sobre a
qual não me debrucei e ficou para estudos futuros. Nesse caso algumas sociedades
antigas teriam sido herdeiras de um matriarcalismo que fora antropofagocitado por
uma cultura patriarcal estrangeira dominante, o fruto amalgamado, como é típico do
processo de aglutinação imperial, traria fórmulas de reconciliação interna que beiram
ao esquecimento dos fatos (CAMPBELL, 1997255; GIBELLINI, 2002256). Minha hipótese
Campbell aponta para os estudos de Johann Jakob Bachofen, 1861 sobre o “direito de mãe”: “Mother Right: an
investigation of the religious and juridical character of matriarchy in the Ancient World”.
255
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é que seja pela linha histórica, ou pela arquetípica inconsciente, certas instituições
podem reconectarem-se com esse acervo primitivo. E de alguma forma esse seria o
caso da Polícia Militar.
Deixem-me explicar com calma, dentro do cotidiando da PM, a instituição é
sempre referida como uma “mãe”, quando ela é caracterizada como pessoa, que quer
ou deixa de querer algo em relação aos policiais, isso é tratado pela relação mãe e
filhos. A adesão tão irresoluta de certo segmento dos integrantes da Polícia Militar,
sendo de maioria masculina, ou de mulheres experessando com mais veemência suas
potencialidades masculinas, não há como não pensar na necessidade de um foco
central inconsciente de polarização feminina, tal qual nos sugere Jung (2012a), na
relação anima para homens e animus para mulheres. Neste caso, a mente
organizacional da Polícia Militar, teria um foco inconsciente profundo, sua anima que
compensa sua persona projetada externamente. A sustentação ecológica profunda
desse sistema institucional dependeria, portanto, da imagem de uma “deusa” perdida.
Correlacionamos isso a figura de Lilith e a da Mãe Guerreira na atividade de Oyá.
Figura 61 – Possível correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus
a) Vênus de
Willendorf
b) Vênus de Willendorf
esquadrinhada
c) Símbolo esotérico
da Deusa Mãe
Fonte: a) Museu de História Natural de Viena (http://www.nhm-wien.ac.at/). b) Elemento a) grafado apenas em seus
contornos esquadrinhado para demonstrar a proporcionalidade. c) Símbolo da Deusa Tríplice utilizado pelo
neopaganismo, trata-se das luas: nova (a donzela), cheia (a mãe) e a minguante (a anciã).
O que nos parece é que os irmãos que usurpam o controle da horda
primitiva, apesar de poderem agora se organizar institucionalmente a partir cada um
de um núcleo familiar com sua própria fêmea e prole cativa; eles ainda se juntam para
guerra e feitos exclusivamente masculinos, sob os auspícios da superfêmea que os
aninhou no longo período de dominação exclusiva do macho alfa. Nesse período, a
natureza sexual primata, foi convertida à comunidade como a dos insetos sociáveis,
na qual todos estavam submetidos por necessidade fisiológica e dependência
psicológica a uma única fêmea compartilhada por todos.
Em um estudo sobre o “catolicismo”, ou seja, a partícula universal da teologia do século XX, Rosino Gibellini
destrincha inúmeros movimentos com suas doutrinas próprias até chegar à Teologia Feminista, ou seja, as
fundamentações de cunho religioso-espirituais que enaltecem a figura da Deusa e dão sustentação profunda para a
a emanciapação da mulheres de hoje. Para tanto é preciso fazer uma retrospectiva do enredo histórico dessas
questões. Gibellini faz alusões a Carol Christ, Naomi Goldenberg, Heide Göttner-Abendroth, difusosras da Godness
Spirituarily (a Espiritualidade da Deusa); inclusive Mary Daly com (Gine)ecologia.
256
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Assim também um policial, sobretudo um militar, é compelido a ter sua vida
comum normatizada pelo patriarcalismo nas unidades familiares que deva chefiar,
entretanto, deve se dirigir ritualmente para a confraria dos guerreiros rememorirar as
sagas das aventuras de caça, longe do jugo do pai abusivo (macho alfa) ou do jugo do
matriarcado comum. Encontrando nas matas as mulheres expulsas sob o signo da lua
(GIBELLINI, 2002). Na ausência de mulheres, eles deviam ter prazer na própria
relação de amizade entre os homens, a qual poderia em certas condições ultrapassar
esse marco. São variações possíveis de mitologemas que em conjunto explicam a
força de coesão das confrarias de guerra masculinas.
Tenho fundamentadas evidências que a estrela pitagórica de cinco pontas
no alto dos quepes militares, possa ser uma ressonância tardia, mas sempre presente,
da Vênus, e tento apresentar uma preliminar desse estudo com a Figura 60 (Possível
correlação entre a estrela pitagórica e a Vênus ), acima. Cabe correlacionar com aquilo que
fora abordado em “Estrela: centro místico” subtópico inderido em “Símbolos da Polícia
Militar Brasileira” no Capítulo 5.
Análise Internacional comparada
Para podermos falar em análise comparada é salutar um exercício de
imaginação sobre a Figura 59 (representação gráfica da teoria “genética” da Polícia
Militar: história e ecologia profunda). Pensemos nos casos mais emblemáticos de
sistemas de segurança doméstica mundo a fora e, sobretudo, os países que mantêm
corpos militarizados de polícia como França e Portugal.
Olhando a citada figura, podemos, a grosso modo, arrancar-lhe troncos
verticais de heranças institucionais para demonstrar como outras polícias não
possuem o mesmo acervo arquetípico da Polícia Militar Brasileira. Por exemplo, as
polícias dos Estados Unidos não têm a ascendência direta do tronco vertival (f) nem
do (f1), a formação moderna a título de intendência civilista é mais forte, contudo,
diferente de sua metrópole a Grã Bretanha, a polícia dos Estados Unidos sofrerá
influência de um tronco específico do colonialismo britânico, que tem a presença do
sistema escravista, bem como a expansão para o Oeste, carrega em si uma irrupção
de práticas e valores de desbravamento que não se diferenciam muito do estilo
mercenário bandeirante paulista.
Outra ilustração imaginativa pode ser realizada com a Polícia Nacional do
Japão, não estou afirmando, mas supondo como uma hipótese para estudos futuros. A
polícia nipônica não teria os troncos verticais (i), (d) e (e), ou seja, os correspondentes
à atividade pirata, ao colonialismo europeu e aos regismes ditatoriais republicanos; os
troncos (f) e (f1) em tudo estariam mais amalgamados, o guerreiro feudal japonês era
essencialmente um homem religioso e a influência higienista civilista (tronco vertical h)
na formação do corpo moderno de polícia teria sido mais forte no Japão que em
Portugal, por lá ter encontrado ambiente propício para reverberação de uma atuação
mais técnica. Digamos que a Missão “Iwakura”, por volta de 1870, teria sido um
exercício de benchmarking bem sucedido da Era Meiji, trazendo para o Japão as
“melhores” experiências do Ocidente. Sabemos pela teoria crítica do próprio Ocidente,
que as melhores práticas para uma transição entre o mundo feudal e o uma sociedade
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industrial e a consolidação de um Estado-nação moderno requer certos instrumentos,
que na opinião deste autor, são indispensáveis no padrão civilizatório patriarcal. O
Brasil, na mesma época também estava sob a regência de um exemplar dos últimos
“déspotas esclarecidos” (se assim podemos chamá-los, já que o despotismo não eram
atributos seus), assim como o imperador Mutsuhito Meiji, Dom Pedro II também havia
feito modernizações no âmago estrutural da nação. Contudo, as proporções
continentais, a herança colonial-escravista e a diferença do aspecto de culto e
fidelidade à figura imperial eram em tudo muito diferentes. Trouxe essa breve
discussão sobre o Japão, porque seu modelo de polícia tem sido apontado como
formato de reificação de nossa atividade de prevenção. Devo, portanto, passar aos
contextos contemporâneos de onde vem nossas bases diretas da formação do corpo
policial: França e Portugal.
Pergunto-me: como Portugal e França tem forças policiais militares
(que se constituem forças reservas de guerra mesmo) e sua atuação em meio
urbano não causam os mesmos efeitos que a Polícia Militar Brasileira257?
Tomando por base a análise institucional histórica, é preciso perceber
algumas diferenças: primeiramente, França e Portugal possuem uma versão de
agência policial civil para a atuação específica em centros urbanos. Portanto, as suas
gendarmarias atuam como se sua missão precípua fosse guarnecer os rincões do
território, o que é menos incompatível com "voracidade" da máquina bélica.
Em relação às heranças institucionais e arquetípicas, Portugal, por
exemplo, não tem o tronco vertical do seu próprio colonialismo e, portanto, as relações
entre policiais e cidadãos não replicam a de feitor para com escravo. O que dar o tom
de diferenciação do modelo lusitano em relação ao francês, é que o sistema de
segurança doméstica de Portugal guarda em maior proporção as heranças do
soldado-religioso que é fruto medieval e em muito deve a Ordem de Cristo. Apesar da
nomemcltura, sugerir isso ao francês, já que “gens d’arme”, é a designação para
cavaleiros de uma nobreza subalterna que compunha os exércitos europeus
medievais.
Nem França, nem Portugal terão o indutor de reforço dos atributos
militares e específicos de expansão imperial aplicados contra seu próprio povo, porque
os seus períodos de exceção, no século XX, tiveram conotações diferentes. É, bem
certo, que o período Salazar empresta ao sistema lusitano sociopolítico algumas
características de centralização do poder, mas se comparados ao caso brasileiro,
diríamos, superficialmente, que corresponderia ao período Vargas. O Brasil, portanto,
teria um adicional nesse aspecto com a Ditadura Militar. O período de exceção francês
do século XX é a ocupação alemã e a reconstrução no pós-guerra com o general
Charles de Gaulle. É uma importante linha de pesquisa futura, entender porque os
governos Salazar e Charles de Gaulle não causaram a mesma indução de
arbitrariedade nas forças policiais militares de seus países, como ocorreu com Vargas
e o Regime iniciado em 64 (69).
257
Por ora teceremos uma consideração histórica circunstanciada, mas sobre linha de uma teoria sobre o fato cabe
resposta a essa pergunta, também no tópico “Nível de (in)tolerância às feições guerreiras” do próximo capítulo.
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Minhas pesquisas preliminares mostram que, o reforço de tal característica
no Brasil, deveu-se a influência das forças armadas norte-americanas (como tentamos
demonstrar neste trabalho e sua correlação com a FEB e a PE), bem como um perfil
de inspiração prussiana no âmago do oficialato do Exército Brasileiro fruto da ala
positivista do final do século XIX, que teria buscado inspiração na engenharia socialinstitucional alemã de Bismark. Ou seja, do que o Brasil se aproxima, no caso da
atuação policial, é o que a França do pós-guerra se afasta.
Por exemplo, a Alemanha atual tem as forças policiais condideradas
menos militarizadas do mundo, apesar de possuirem a típica formação romana
pretoriana de intervenção em convulsões sociais. O Japão tem uma reserva militar a
título apenas de autodefesa, e sua capacidade soberana de força depende dos
Estados Unidos. Essas duas "máquinas" vorazes foram suplantadas pela derrota na
Segunda Grande Guerra. É certo, que as forças militares japonesas que atuaram
como força policial de manutenção de ocupação na Coréia, no Sudeste Asiático e no
Pacífico não foram nenhum pouco corteses ao estilo da polícia-samurai que atua nas
ilhas nipônicas.
Portanto, percebe-se que as forças policiais brasieiras, quando guardam
semelhanças, ocultas aos primeiros olhares de análise, com a máquina
bismarkiana258, estão mantendo em si atributos que foram dispensados pelos
contextos nacionais de origem. O mesmo ocorre com a voracidade militarista e
escravista dos atributos de nossa polícia para com o desenvolvimento da Guarda
Nacional portuguesa e a Gendarmaria Nacional francesa. Do que eles se afastaram,
nós nos aproximamos. O que eles apenas aplicam em populações estrangeiras ou em
pequenos guetos, nós aplicamos contra nosso próprio povo. Sobre guetos, cabe
destacar que nem a força orgânica policial civilista norte-americana, nem a britânica
estão longe de serem arbitrárias, basta aplicá-las em contextos de desigualdade social
ou de subjugamento étnico: observam-se as revoltas contra a atuação policial nos
guetos afroamericanos e afrobritânicos, bem como o combate diário ao arranjo
criminoso para-estatal das gangues latino-americanas em cidades dos Estados
Unidos, ainda como é possível prever o estouro da violência, nos redutos islâmicos de
Londres, Paris e Marselha. Cabe fazer registro, que inclusive a polícia ocidental,
caracterizada como a mais comunitária, a Gendarmaria Real Canadense (Real Polícia
Montada do Canadá) teve denúncias de abuso, quando atuou na Guerra dos Boêres,
na África do Sul, no final do século XIX e desde então a sociedade canadense
rediscutiu o papel de sua força militar reserva.
O que nós nos acostumamos e por isso podemos exportar tal tecnologia
de controle populacional para o Haiti, Sudão, Timor Leste e Angola; eles certamente,
mais cedo ou mais tarde, também precisarão. É um tanto, exdrúxulo, mas se
acompanharmos as previsões de Zigmund Bauman e Milton Santos, tão provável
quanto possa nos parecer uma necessária extinção da PM, o modelo de gendarmaria
258
A máquina bismarkiana de controle populacional se for submetida ao mesmo tipo de análise institucional
histórica feita por nós, numa abordagem como se instituições fossem troncos genelógicos, certamente
encontraríamos influência direta da amálgama do espírito bélico romano e o dos “bárbaros”; e esses por sua vez,
teriam influência dos hunos/tártaros e chegaríamos, não apenas por essa linha ascendente, ao impulso primitivo de
caça e guerra.
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francesa, acaba surgindo com mais força como ocorreu no México em 2014 259,
também passa a ser provável a replicação dessas, no eixo do Norte que devem ter
panoramas de vitalidade socioeconômica decaídos e precisar lidar com a
desigualdade acentuada.
Chega-se a conclusão que não é apenas o fato de ser militar que provoca
tal indução. Quando discorremos sobre a visão da divisão "sagrada" do trabalho do
mundo védico-hindu (tópico: “Kshatriyas: a casta guerreira”, do capítulo 7),
ressaltamos que o próprio "Deus" que havia separado as castas, teria destinado a
casta guerreira para o comando político. Bem, o comando político-militar brasileiro não
teve a mesma desenvoltura que a de outros países, desde a proclamação da
República. Existe uma força oligárquica, antes agro-industrial, hoje cosmopolita, que
rege o Brasil não como classe dirigente, mas como classe donatária. E por alguns
motivos, por mim ainda não conhecidos, tanto a força militar burocrática como a paramilitar revolucionária não foram páreas para lhe fazer frente. Julgo não parecer tão
reacionário quando lembro que um determinado círculo do poder monárquico
maçônico e paramaçônico do século XIX no Brasil, alertou sobre esse fato, como foi
feito pelo próprio Dom Pedro II; o próprio Marechal Deodoro tinha consciência disso,
assim como alguns generais da década de 70 e começo da de 80 também alegaram
não ter forças contra esse poderio oculto. Pode-se presumir pela carta testamento de
Vargas que algo não muito diferente lhe levou ao sucídio, bem como atuais discursos
de dois ex-presidentes do Brasil, Fernando Collor e Lula, mostram em suas entrelinhas
a mesma questão problemática.
E aí está minha alusão ao alerta: não é muito inteligente livrar-se de Marte
e, ainda assim, ser capturado por Mamon. Marte é o deus da guerra romano, em
correlação ao Ares grego e Mamon é a figura mitológica hebreia, filho do arcanjo
Samael e da segunda esposa de Adão, Chevah (Eva) e é apontado como o demônio
da ganância e da ambição, portanto, do dinheiro.
259
RUBÍ, Mauricio. "Llegará equipo francés a asesorar creación de Gendarmería: La nueva embajadora de Francia en
México señaló que en las próximas semanas una misión gala iniciará una asesoría a México sobre la Gendarmería
Nacional". El Economista. Publicado em 14 fev. 2013. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em
<http://eleconomista.com.mx/sociedad/2013/02/14/francia-asesorara-mexico-sobre-gendarmeria-embajadora>.
El Economista. "Presentarán Gendarmería el 16 de septiembre: El inspector general de la Comisión Nacional de
Seguridad Pública de la Segob dijo que la Gendarmería estará compuesta de 8,500 miembros del Ejército y 1,500 de
la Marina". Publicado em 08 mai. 2013. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em
<http://eleconomista.com.mx/sociedad/2013/05/08/presentaran-gendarmeria-16-septiembre>.
MOLINA, Héctor e MONROY, Jorge. "Gendarmería, 'opción para seguridad interna': El especialista en seguridad
Alejandro Hope considera que la Gendarmería aún no ha cumplido el objetivo para el que fue pensada, que era ser
la institución que marcara la retirada de las Fuerzas Armadas de las tareas de seguridad pública". Publicado em 22
ago. 2017. Acessado em 02 set. 2017. Disponível em <http://eleconomista.com.mx/sociedad/2017/08/22/
gendarmeria-opcion-seguridad-interna>.
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Colocar o mundo de cabeça para cima
A reconversão do guerreiro
No Capítulo 7, ao desenvolver uma reflexão “Por uma Sociologia
Profunda”, fizemos um exercício de “Hermenêutica hindu-cristã das instituições
masculinas e femininas” e utilizamo-nos de uma análise sobre um tal “Complexo de
Paulo”, fortemente influenciado pela perspectiva da Natureza da Psique de Carl
Gustav Jung ([1945-1971] 2012c, §582). Agora retornemos ao tema, apenas para
ilustrar como ocorre a conversão a um “outro deus”. Ou seja, como é possível
vislumbrar a reorientação pessoal e, sobretudo, institucional para a regência de outros
elementos psíquicos associados ao centro de identidade egoico. Sejamos claros:
como um policial ou a polícia podem mesmo atraídos e fortemente orientados por um
complexo-ideológico serem convertidos a um novo comportamento, por consequência
de uma nova tomada de atitude interna.
Depois de falar sobre “ideias delirantes”, Jung (2012c) esclarece que essas
irrupções autônomas são possíveis porque “[...] a psique em si não é uma unidade
indivisível, mas um todo divisível e mais ou menos dividido”. E espero que o pouco
que discorremos sobre a mente organizacional no Capítulo 4, possa ter deixado as
bases necessárias para que façamos compreender o fato dessa estrutura psíquica, ser
correlata no plano pessoal, bem como no organizacional. Vejamos o que Jung (2012c,
§582) segue esclarecendo:
Embora as partes separadas estejam ligadas entre si, contudo, são
relativamente independentes, a tal ponto que certas partes da alma
jamais aparecem associadas ao eu, ou se lhe associam apenas
raramente (Jung, 2012c, §582).
A estas partes da alma Jung (2012c, §582) chamou de “complexos
autônomos” e sobre esta concepção fundou a teoria dos complexos da psique.
“Segundo esta teoria”, prossegue Jung (2012c), “o complexo do eu forma o centro
característico de nossa psique. Mas é apenas um dentre vários complexos”. Para nós
a aplicação organizacional de tal dinâmica, explica-se como se elementos orbitassem
o centro do sistema social humano, elementos que carregam em si partículas ou
porções de unidades replicadoras de simbolismo e imagens primordiais.
Numa perspectiva Biológica Evolutiva, poderíamos dizer “memes”
(DAWKINS, [1976] 2007) para se referir a subconstituição de tais elementos; para
continuar numa perspectiva da Psicologia Analítica, diríamos que cada um desses
elementos tem múltiplos e diferentes vínculos associativos a ideias primordiais. O que
se caracteriza muito bem pela relação Arquétipos-Complexos (JUNG, 1996). Uma
maior ou menor proporção de vínculos a um determinado grupo de ideias define a
orientação ideológica hegemônica do sistema social. Concepção essa que não difere
em muito da consolidação da hegemonia de Gramsci ([1949] 1982), de sobremaneira
da forma compreendia por Connell (1995). Esta forma específica de associação e
estabelecimento de uma regência preponderante foi por nós estipulada na arquitetura
do “Triângulo ecológico humano integral”, representado pela Figura 10, do Capítulo 3.
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Assim como um alinhamento cósmico precisa ser esperado com
parcimônia, assim “[...] sabemos por longa e variada experiência que uma
transformação tão fundamental exige um longo período de incubação”, informa-nos
Jung (2012c) sobre o quanto pode ser lento, gradual e silencioso os processos de
reordenação dos elementos psíquicos inconscientes. Para Henryk Machon (2016), que
faz uma releitura de Jung, pode-se “observar nitidamente essa fase de incubação
inconsciente na conversão de Paulo de Tarso”.
Quando ainda se chamava Saulo, ele era “inconsceintemente cristão
havia bastante tempo”, o que explicaria sua perseguição passional
aos cristãos, pois não queria aceitar, mas sim destruir o complexo de
Cristo que agia nele: “A visão de Cristo no caminho de Damasco
designa apenas o momento em que o complexo de Cristo
insconsciente se associou ao seu de Paulo” (MACHON, 2016).
Jung (2012c) é quem nos permite começar a ver as pistas sobre a
seriedade e complexidade do trabalho induzido de desmobilização da chave guerreira
(DE PAULA, [1987] 2005) pretendida para que haja uma permanente conversão
atitudinal e comportamental da polícia e dos policiais: “embora pareça que o momento
da conversão tenha sido absolutamente repentino [...] e só quando esta preparação
está completa”, ou seja, ao chegar o momento de amadurecimento do indivíduo para
minimamente suportar o “peso” da conversão, “é que a nova percepção irrompe com
violenta emoção” (JUNG, 2012c, §582).
Para o processo de conversão do guerreiro, o transcurso desta fase de
incubação e a possível reação fanática e passional também são situações que não
raras vezes ocorrem. Tanto na conversão do guerreiro moderado para o agressivo,
como do que mata e extorqui prazerosamente para uma postura mais sensata. Nos
cursos de formação e nos primeiros anos da carreira é possível ver novos integrantes
da Polícia Militar, sendo rebatedores ferrenhos das injustiças ali cometidas, eles na
verdade, não sabem, mas aquele jeito de ser também faz parte deles e lhes está
inconsciente sendo “constelado” ou ativado (JUNG, 2012c, §198) à medida que o
sujeito tem contato com os indutores externos, que agem como estímulos. Conforme
explicamos de forma comedida no Capítulo 4, por força da interpenetração do
comportamento selecionado como exitoso na herança genética geral da espécie,
dadas disposições estão no indivíduo humano invariavelmente e esse é o caso do
espírito guerreiro; que, portanto, precisa ser trazido à tona. Os treinamentos de
selva260, os traumas psicológicos nominados de adestramento (formação) e o uso e a
exposição continuados de simbologia associada261 são os indutores preferenciais, há
muito testados e reinventados pela dinâmica institucional.
Ao que parece, a conversão inversa, nunca foi uma chave funcional tão
relevante para a evolução civilizacional quanto à “fabricação de monstros” úteis.
Mesmo as sociedades modernas mantiveram as técnicas e tecnologias de conversão
de homens comuns em guerreiro para apropriadamente utilizá-los em seus
260 Como demonstrado no tópico “‘Adrenalina no sangue’: resistência à perda de capital simbólico acumulado” do
Capítulo 7.
261 Simbologia essa que é identificada preliminarmente em “Símbolos da Polícia Militar Brasileira” do Capítulo 5 e
depois discorrido sobre aquelas que agem como indutores mais severos em “A hegemonia do guerreiro e do
aventureiro” do Capítulo 9.
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instrumentos de controle e guerra. Tímidas tentativas foram orquestradas para
provocar essa reconversão, assim como demonstramos no tópico “A frustração dos
acadêmicos” no Capítulo 1. Tímidas porque não tiveram a ousadia, ou não puderam
ser autorizadas que fossem feitas, em um nível de tal intensidade e profundidade que
influísse na conexão inconsciente que os integrantes da Polícia Militar mantêm com os
conteúdos sutis da instituição.
Mas desde já usamos as palavras de Jung (2012c, §582), para especular,
que onde se vêem guerreiros fervorosamente lançados ao embate corpóreo e ao
exercício do “mal”, ali você também tem em potencial um ferrenho defensor da
humanidade. Segundo Jung (2012c), “[...] o fanatismo se encontra sempre naqueles
indivíduos que procuram reprimir uma dúvida secreta”. Nesse elemento masculino
agressor há nele um futuro potencial defensor dos elementos femininos sociais.
Porque o senso de maternidade está nele e contra esse senso que ele reluta, assim
como nos explica Jung sobre Paulo, assim podemos vislumbrar como seria para um
guerreiro aguerrido permitir-se perder sua autoafirmação e integrar-se a um senso
sociocêntrico ou ecocêntrico:
Por isto é que este complexo [o de Cristo] lhe aparecia sob a forma
de projeção, como não pertencendo a ele próprio. Ele não podia verse a si mesmo como cristão. Por isto ficou cego, em consequência de
sua resistência a Cristo e só pôde ser curado de novo por um cristão
(JUNG, 2012c, §582).
E assim como a cegueira psicógena é sempre uma recusa inconsciente a
ver (JUNG, 2012c), a exacerbação do discurso ou das práticas excludentes, para um
espécime da casta dos guerreiros, é um último esforço para evitar o inevitável
soerguimento dos elementos femininos em si mesmo (KRIBBE, 2004).
O discurso como arma ideológica
Segundo Bessa (2017), a arma do verdeiro guerreiro é uma espada, mas
essa espada não é de aço, é o discurso devidamente alinhado a uma expressão
mental superior, um Deus, ou seja, como dizem nos círculos teístas de adoração: um
louvor. E, portanto, “deus” está entronizado por “altos louvores” (BESSA, 2017). A
ideologia hegemônica, ou o deus social, mantém-se pela recursividade
operacionalmente enclausurada de discursos que lhe reafirmam suas características e
lhe confirmam a posição. E o que seriam, portanto, “altos louvores”?
Para nossa compreensão filosófica e psicológica profunda, seja pela visão
de Jung ou a de Nietzche (apud JUNG, [1960] 1976), trata-se analogicamente às
canções de Apolo ou às peças teatrais de Dioniso. Tais discursos com o código
devidamente orquestrado provocam reestruturação dos campos energético-vibratórios.
Isso explica desde a capacidade da antítese dialética operar mudanças
socioculturais; do encaixe compatível entre determinadas cadeias de aminoácidos
proporcionando a ação enzimática; tal como os "milagres" de cura, que não passam
de operações de reorganização bem sucedidas da inter-relação ideia-matéria
(BRADEN, 2008), ou seja, discursos na sua acepção mais profunda, superando
inclusive a noção de Foucault sobre o tema. Isso significa que ao “dar” espaço para o
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atrator trazer o espírito regente ao mundo socionatural, ocorrerão literalmente
modificações na natureza física provocada pelos elementos ideológicos. A realidade é
alterada pela mente. O verbo encarna e Logos se faz presente.
A oração, por exemplo, são discursos. A meditação, são discursos
sucessivos da intenção não-discursiva (BRADEN, 2008). E, portanto, não há nada de
excêntrico quando dizem por senso comum religioso, que uma oração é uma arma
(FREITAS, 2012).
Logicamente no palco das ações políticas, o discurso preponderante
precisa de reverberação factível. Para isso retomo a noção foucaultiana, a disputa é
pelo que se poderá dizer e por quem pode dizer ao ponto de ser ouvido como portador
da verdade (FOUCAULT, 1986). Falar em guerreiros do discurso está de certa forma
em concordância com a arma viável relatada por Harari (2015; 2016): a ação
discursiva, para que não sejamos obrigados a cumprir a sua profecia de tempos
obscuros, onde um “deus”, digo uma ideologia massivamente hegemônica, tome das
pessoas a faculdade de discursar e mantenha o texto único da verdade, o que para
Zigmund Bauman (apud VAZ DE LIMA, 2015) já estaria em curso, com uma implícita,
no entanto, enfática interdição à crítica ao status quo do Sistema Global, acelerando
cada vez mais para a formação sem escapatória do “pensamento único” em contraste
à “consciência universal”, tal qual nos alertou Milton Santos (2001). Ou seja,
aterrorizantemente a concretização da epifania do Admirável Mundo Novo de Aldous
Huxley ([1932], 1979). Repito, para deixar claro: o desmantelamento total do espírito
guerreiro é uma baixa considerável na luta contra o Sistema Global. Desarmar uma
instituição estatal como a Polícia Militar, pode ser uma boa jogada, mas perder o
espírito guerreiro seria fatídico para a causa humana contra a causa biônica.
Antes de voltarmos a participação da casta guerreira nisso, concluo esse
tópico com um trecho da música da cantora de rock, a baiana Pitty, que parafraseia o
título do livro de Huxley. Na música, há um breve rol de ações discursivas possíveis
contra essa estratégia do Sacerdócio do Mal262:
Pane no sistema, alguém me desconfigurou. ‘Aonde’ estão meus
olhos de robô? [...] E eu achando que tinha me libertado, mas lá vêm
eles novamente e eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema.
Pense, fale, compre, beba. Leia, vote, não se esqueça. Use, seja,
ouça, diga. Tenha, more, gaste e viva.
(Trecho da música “Admirável chip novo”, de Pitty).
Portanto, no meu modo peculiar de perceber o aludido drama, todos os
antereriormente citados, neste tópico: Bessa, Jung, Nietzche, Braden, Freitas,
Foucault, Harari, Bauman, Santos, Huxley e Pitty, são todos guerreiros do discurso e
tantos quantos como esses estão aprisionados em instituições totalizantes como a
Polícia Militar e precisam ser resgatados sem que percam o espírito guerreiro-justiça
ou guerreiro-proteção.
262
Quem constitui esse sacerdócio pode ser visto no tópico “Rito Sacrificial e Sacerdócio do Mal” no capítulo 7.
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A lógica dos deuses guerreiros
A consequência é trágica, essa ideologia hegemônica conseguirá fazer
com que todos a cultivem no terreno de suas mentes e corações como o único “deus”
a ser adorado.
Isso equivale à regulação total sobre manifestação externa de culto. O
sacrifício do esforço da manifestação externa de culto é direcionado à honra desse
“deus”. Lembrando que esse deus é uma expressão ideológica autônoma do centro
numinoso do inconsciente coletivo, portanto, a manifestação externa terá o caráter
coletivo e poderá ter ou não a adesão individual plena.
Individualmente poderá ocorrer a adesão por alinhamento pleno, onde o
caráter do “deus” coletivo reflete os desejos pulsionais do sujeito, ou poderá ocorrer
uma artificialidade (um artifício) para que a mente pessoal possa se sujeitar à
influência do “deus” coletivo, como uma obrigação ritual, não chegando a um
alinhamento, mas sempre o percebendo (intuitivamente) como um invasor.
Portanto, têm-se dentro de um sistema social, fiéis adoradores que
cumprirão tudo o que for proposto pela imagem coletiva regente, como se desejo
próprio seu fosse. E tem-se o outro grupo que se sujeitará, tendo em vista que a
imagem coletiva regente coopta o poder sobre os recursos do sistema (recursos
materiais e simbólicos), mas esses que se sujeitam a contra gosto impõe aos demais
limites para a plena “entronização” do “deus” hegemômico.
O verdadeiro guerreiro é invariavelmente um crente. O deus do guerreiro
patriarcal é um ser belicoso, que tanto cuida dos seus como pune os que se rebelam.
Para alguns dizer que o guerreiro aguerrido é o tipo regido pelo pensamento e,
portanto, reflexivo racional, não deixa claro como ele pode ser tão intransigente e
parecer não ter afeto ao conhecimento sublime.
Isso se dá porque ele, ou melhor, seu deus tem uma lógica própria. O
atrator civilizacional ou o espírito institucional estabelecem uma ordem interna pela
qual todos os fiéis seguem irresolutamente. Por isso, um guerreiro não se vê como
oposto à razão, ele está convicto que razão maior que a de seu deus não há. E
seguindo os preceitos da lei divina, eles estão sendo o mais lógico possível263.
O espírito guerreiro como salvação paradoxal
Quando discorri sobre a relevância ecológica desta pesquisa, no Capítulo
2, referi-me ao quanto essa gente que está hoje nas organizações de força-vigor pode
contribuir para a construção do novo social do futuro. Agora arremato aquela alusão,
estando convicto que o “espírito guerreiro” como manifestação da auto afirmação tem
um papel preponderante nas lutas, mesmo as que não se contaminam com o sangue
– nas lutas – discursivas. Ora, se esses guerreiros estiverem a serviço do Deus de
Spinoza (SPINOZA, [1677] 2009) ou o de Einstein (PONCZEK, 2009), o quão
integradores serão, mesmo em lutas auto afirmativas? Por quanto, o Deus aí
referenciado é a própria Natureza, digo o Universo.
263
Aplica-se a policiais, militares, militantes, traficantes, terroristas e guerrilheiros.
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Enquanto Nietzche (apud JUNG, 1976; apud GOYA, 2014) e Freud
([1930], 2011) acham inconcebível a regra de ouro do fazer ao outro aquilo que de
melhor faria a si mesmo, por ser diametralmente oposta a natureza instríseca do
homem, que é fundamentalmente egoísta. Estamos propondo aqui algo não tão difícil
para um koan zen-budista ou para o entendimento cabalístico. O homem como
elemento último da criação é infundido por um natural desejo auto afirmativo, sua
reconexão está no fato de se sentir o EU dele parte integrante de EU’s maiores, tais
como sua família, sua tribo, seu povo até chegar a noções como cidadania planetária
ou pequeno ser em comunhão com sua Mãe Terra. Voilà! Como que um passe de
mágica, o desejo egocêntrico é reorientado para, mesmo em seu impulso
individualista, exaurir-se em esforço pelo bem coletivo, porque julga ele está lutando
por si mesmo.
O mundo racionalista não pode compreender essa reificação, porque
sendo ele mesmo o próprio princípio de ruptura da integralidade, não consegue captar
o valor soterológico do pensamento antigo de reconciliação com o todo.
Acompanhando a reflexão de Leonardo Boff (1997), Maria Vaz de Lima (2015)
responde ao um jornalista, seu entrevistador que alegando o sentido do agnosticismo,
questiona-a sobre a obsolecência da religião.
A antiga aprendiz de Chico Mendes264 faz um defesa de fé e conclui que a
tradição espiritual-religiosa judaico-cristã nunca ficou obsoleta, mas foi mal
interpretada por muito tempo, ao gosto do desejo da opressão auto afirmativa, ou seja,
masculina em essência. Por quanto, se fala muito do “espírito de dominação”
suscitado na Torá (Antigo Testamento), pela passagem de Gênesis cap. 1, verso 28:
“Deus os abençoou: ‘frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a.
Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais
que se arrastam sobre a terra" (Versão Católica); mas não se segue coadunando tal
preceito com outro de igual ou maior relevância que diz “O Senhor Deus colocou o
homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo” (Nova Tradução
Internacional), em Gênesis 2: 15. Coadunar esses dois “mandamentos” divinos para
uma consciência de responsabilidade pela proteção e pelo cuidado como também nos
esclarece Haroldo Reimer (2009) com seus textos referentes à “Criação e Cuidado” ou
ainda a produção em Ciências das Religiões da UFPB, com Amelia Limeira e Maristela
de Andrade (2013) que abordam “Eco(teo)logia”, como uma “ética para preservação
ambiental”, não diferente de Cassiano da Silva e Kelly Nascimento (2015).
Trata-se de equilíbrio paradoxal, sendo o homem o mais auto afirmativo,
acertadamente orientado, torna-se o elemento mais intregrador que possoa existir. A
mesma decorrência paradoxal aplica-se ao guerreiro. Ninguém pode deter um
guerreiro fanático por seu deus, ou sua ideologia. Bem como, não poderá existir
melhor fanático do que aquele que inalienavelemente luta pelo Todo.
E é nesse sentido, que proponho não apenas para a instituição Polícia
Militar, mas para o processo civilizatório humano, o desafio de Ana Bessa (2017) de
“colocar o mundo de cabeça para cima”. Parafraseio-a em nítida alusão ao esquema
do giroscópio explanado no Capítulo 7, no qual o emblema da PM está representado
264
Chico Mendes: Seringueiro que se tornou ambientalista pela causa da salvar a Floresta Amazônica, assassinado a
mando de fazendeiros e madeireiros que tinham seus negócio afetados pelas campanhas do ativista.
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pelo selo do casal arquetípico Lilith e Samael, a estrela pitagórica de cinco pontas, ou
seja, o ser humano potencialmente divino, direcionando a energia de seu microcosmo
para o inferior, para o abismal, para o animalesco. E não passando o homem, na fase
atual de desenvolvimento global, nos termos de Ken Wilber (1987), de um animal que
pouco se distinguiu dos primatas, portanto, estar voltado para seu componente
animalesmo e reafirmando aquilo que já se é, não gera o equilíbrio do tipo paradoxal a
que se propõe.
Figura 62 – Colocar o mundo de cabeça para cima
Elaborado pelo Autor.
A geração de Caim
De forma alguma, é uma alusão preconceituosa àquilo que representam
tanto Lilith como Samael, assim como Jung (1976) nos lembra, a infusão irracional
dionisíaca é necessária para caputar a energia psíquica interior e oculta para nosso
desenvolvimento. Mas estando este homem (esta mulher) com os pés no chão,
compostos dos mesmos elementos químicos que o planeta Terra, não se pode
esperar sensatez e progresso se realçarmos em nós aquilo que já somos e do qual
precisamos nos distanciar, certamente em algum ponto sem a devida compensação,
estaremos em perigoso excesso.
Deixem-me usar a metáfora mitológica, ainda por um momento:
entronizamos Samael como o príncipe deste mundo. Esta é a geração filha de Caim,
ou seja, temos por pais Samael e Eva. Caim matou seu irmão, Abel, mesmo aquele
sendo mais novo, mas aquele era filho legítimo de sua mãe Eva com seu pai adotivo
Adão. Somos em tudo racionalistas, não nos importamos com o outro e só
percebemos o exterior pelos sentidos. Desencantamo-nos, portanto, dos ideiais
sublimes, bem como não conseguimos ver a conexão do todo. Adão está entristecido
e consternado, e Lilith está furiosa, já que essa precedência não é de um filho seu,
mas daquela que lhe substitiu no Éden e ainda assim encanta seu novo marido.
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Estou usando do mito para dizer que nossa civilização regida pelo
Pensamento e auxiliada pela Sensação, não consegue articular com harmonia a
valoração subjetiva das coisas, bem como sepultou a intuição feminina somatizando
suas manifestações negativas de reclames265. Estamos fundamentalmente cindidos,
não sendo capazes de fazer o bem a que nos propomos e fazendo abundantemente o
mal, que dizemos não querer fazer, como nos diz tanto Paulo de Tarso266, Agostinho
de Hipona267 e Sigmund Freud (apud VAZ DE LIMA, 2015; CONKE, 2014). E se nosso
mal civilizatório é paradoxal, por que a solução também não o seria?
Querer estar vivo sem dever nada à natureza, ou seja, a deus nenhum é o
mesmo que retirar o status de vida autopoética como ela é concebida. Portanto,
dizemos que é vivo o sistema que se mantém diferenciado constituindo suas partes
em uma ininterrupta troca com o ambiente. Apenas querer se autoafirmar não mantém
vida, bem como não ter diferenciação autoafirmativa não gera nada que não seja o
próprio ambiente. O impulso de morte de Freud (1996b) é em certa medida, na
verdade, um impulso de vida, de luta para ter a vida. Há ali uma necessidade de
autoafirmação, de ser alguém que não é o outro e não vai se permitir ser fagocitado
pelo sistema mais abrangente (ambiente). Muito impulso de vida, em excesso, traz a
morte, porque é do ambiente que provém o sustento de vida.
Tolo ou incauto do sistema vivo que queira se apartar do sistema mais
abrangente que lhe sustenta. Tolo do homem que queira viver livre DO ambiente. O
que ele pode almejar é viver livre NO ambiente. Usando um recurso mítico-poético,
mais uma vez, podemos abordar cosmovisões étnicas próprias, usemos a yorubá:
dizer que um homem (ou um deus) pode existir sem prestar satisfação a ninguém é
como não lembrar que Obatalá (Oxalá) é corcunda, por ter sido castigado, quando
orgulhosamente queria ser o deus-criador soberano e não prestou culto a Bara Exu
que já estava lá antes dele. Está ligado ao ensinamento rabínico-evangélico que diz
“longe de mim não há vida”, “o ramo precisa está ligado à videira”. E nisso podemos
dizer que o impulso à morte de Freud ([1920] 1996b), que é impulso de vida, e assim o
é paradoxal, tanto quanto dizer: “quem procurar sua vida a perderá, quem abdicar de
sua vida a ganhará”268.
Precisamos perder nossas vidas em favor do Todo. A questão que antes
do Todo integral, há sistemas mais abrangentes do que nós, que também possuem
certa dose de autoafirmação. A esses intermediários precisamos ter certa dose de
autoafirmação própria, sem culpa, porque se não o fizermos eles nos abarcarão. Hoje
os sistemas mais abrangentes de acinte autoafirmativo (egoísta) mais aguerrido e que
nos ameaçam, são nossas próprias criações (MORIN, 2000): os sistemas simbólicos
265
Aqui é traçado um sumário perfil da mente civilizacional como um ente, nos termos da Psicologia Analítica, que
tem a função Pensamento como a principal, a Sensação como a auxiliar, a Intuição como parcialmente consciente e
parcialmente inconsciente e o Sentimento como função inferior e menosprezada pela lógica dominante.
266 Paulo escreve à comunidade cristã primitiva da cidade de Roma: “Pois o que faço, não o entendo; porque o que
quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.
Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é,
na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois
não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço
eu, mas o pecado que habita em mim.” (Rm 7.15-20)
267 CONKE, Marcio S. A questão da memória em santo Agostinho e Freud. Perspectiva Filosófica, vol. 41, n. 1, pp. 3048, 2014.
268 As setenção citadas nesta explicação são atrabuídas ao “rabino” Jesus.
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(socioculturais) e ideológicos, que nos regem e constituem o conjunto social,
tecnológico e ideal (a sociosfera, a tecnosfera e a noosfera).
A Polícia Militar, nessa visão, é um sistema autopoético social muito auto
afirmativo, seus “deuses” internos creem poder ser fortes e inabaláveis sem a
necessidade da sociedade. Existe um sentimento incutido nos seus integrantes, de
uma epifania que beira a dizer: não somos nós que precisamos da sociedade, é ela
que nos deve. Pense agora em um leão, animal forte, considerado no imaginário: o rei
entre os outros animais. E se esse leão por mais forte que fosse, tendo um mínimo de
consciência rudimentar, sentisse que era mais que a própria savana, mais que todos
os rios, mais que todos os outros animais juntos. Assim é o homem globalizado pelo
Ocidente.
Pois, assim também parece ser o “espírito” da Polícia Militar, sua robustez
e adaptabilidade são impressionantes, duplamente empoderada de instrumentos
ideológicos auto afirmativos com certa dose de maneabilidade do caráter intregrativo
interno e de suas conexões com um ideal almejado e/ou temido pelos que estão de
fora. Esses instrumentos são o caráter burocrático estatal e o miliciano. Cada um
como a herança histórico-imagética do sistema de subsistência da agricultura e da
caça.
Em sua saga progressivamente mais autoafirmativa, sem se tornar sutil e
ardil como os demais equipamentos de Estado, certamente vai perdendo a cadeia de
suprimentos nutricionais provindas da sociedade, ou seja, a legitimidade social. O que
posso antever é que uma instituição burocrática-miliciana de controle populacional
tentando sobreviver a toda custa, apartando-se do seio social, certamente definhará.
Ora, quem ainda sustém essa estrutura, não são apenas os seus
integrantes e sua energia psíquica, são também os de espírito guerreiro espalhados
pela sociedade. Nesse caso, o oprimido se sente conectado ao opressor, porque ele
mesmo é um opressor em potencial e seu predador mais lhe fascina do que lhe
atemoriza269.
Em “Rito Sacrificial e Sacerdócio do Mal”, abordamos sobre o ardil encantamento aos vampiros. A presa se
apaixona pelo predador, assim como muitos agentes sociais vibram com o espetáculo da morte, nos termos
informados por Foucault (2003) em “Vigiar e Punir”. E por isso, desinformados sobre a conexões ocultas, em seu
íntimo incentivam que uma polícia, como a militar, faça aquilo que dela eles esperam: cace, mate, castigue, vingue.
269
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[...] leis e instituições,
por mais eficientes
e bem organizadas que sejam,
devem ser reformadas ou abolidas
se são injustas.
John Rawls
(Uma Teoria da Justiça, 1971270)
CAPÍTULO 10 | EXTINÇÃO OU REFORMULAÇÃO
INSTITUCIONAL?
No inicio do Capítulo 3, para introduzir a necessidade de um suporte
teórico vasto, usamos um trocadilho com as proposições de mundo de Milton Santos
(2001), de sua obra “Por outra globalização: do pensamento único à consciência
universal”. Agora retornamos ao mesmo uso como recurso heurístico e fio condutor de
uma reflexão sobre os destinos institucionais da PM. Afinal a PM tem jeito? É possível
torna-la menos mortífera? Caberia uma reformulação ou uma extinção? Será que ficou
claro, quando tratamos sobre a “chave guerreira”, que para a ideologia hegemônica
interna, não há nada de errado com a polícia, para um fiel do deus belicoso, na
verdade, carece endurecer mais os controles sociais para que se possa impor a paz,
ao estilo da pax romana (PAGOLA, 2011). Ou seja, “um pensamento único”
pretensamente bem intencionado num momento em que a “consciência universal” de
uma cidadania planetária (ou cósmica) ainda não está consolidada (SANTOS, 2001).
A polícia como dizem ser, como ela é e como ela pode vir a ser
Aqueles que esperam uma mudança institucional da polícia militar para
conformar-se aos parâmetros da democracia liberal, estão até hoje esperando que
espécies exóticas de ordenação social como é o caso da polícia militar brasileira (e por
visão ampliada, o caso das reminiscências sociais do patrimonialismo brasileiro)
planifiquem-se e assemelhem-se ao funcionamento das versões institucionais que dão
suporte à estrutura social “maquiada” dos centros globais metropolitanos,
minimamente palatáveis para serem toleradas pelas massas populacionais
controladas.
Portanto, encarnam parâmetros eurocêntricos como referência e
empreendem muitos esforços para que instituições como a PM possam ser parte do
mundo como ele pretensamente deveria ser. Para mim esses são os otimistas, que
vão defender ingenuamente projetos como os de polícia comunitária, sem que se
percebam o quão vexatório isso pode vir a ser às suas capacidades intelectuais por
não se dispuserem a ver o engenhoso e ardiloso esquema de alienação que opera em
proporções macro socioeconômicas. Se esse agente “ingênuo” estiver interno às
instituições, ele pode ser um regido pelos arquétipos do Pai-zeloso (nas expressões
270
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. [Trad.: Almiro Pisetta e lenita M. R. Esteves]. São Paulo: Martins Fontes,
1997. (Original: A teory of justice, 1971).
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Piedoso ou Mãe Guerreira271), do Herói (na expressão Justo) ou do Aventureiro (na
expressão Sonhador), que acreditando na propaganda de Estado e da pátria, prestase a sacrifícios, que a princípio podem parecer válidos, mas por fim são mortes (físicas
ou psicológicas) sem valor. Também se incluem nessa dinâmica, mas com alguns
lapsos de queda moral, os regidos pelos arquétipos do herói-justiceiro e o guerreiropatriota.
Há outros que ao se deparar com o mundo como realmente ele é, nos
bastidores da atuação social pública, ficam atônitos e seu padrão vibratório altera-se
para um estado de consciência de rebeldia constante, proporcionador de impulsos
revoltosos que criticam e desestabilizam tudo o que se possa ser orquestrado como
projeto coordenado com lideranças estabelecidas. Descobrir que temos sido tratados
como gado manobrado e explorado por muitos séculos, gera uma onda de
desconfiança que legitima inclusive a tomada do poder pela violência. Mas essa
tomada traz um “cavalo de Tróia”: o herdar o aparelho de controle da elite destituída,
que invariavelmente irá corromper as boas intenções iniciais dos movimentos de
revolta. Em relação à Polícia Militar, através de minha experiência vivencial, o que se
tem demonstrado é que, se o agente que desperta para essa perversa realidade é um
formador de opinião externo às corporações, ele não consegue mais articular saídas
viáveis com os membros não totalmente alienados, devido a um processo de
desconfiança mútua. E utilizo as reflexões de Eduardo Soares (2013) à incapacidade
do setor político e acadêmico comprometido com a alteração do status quo em
dialogar e fazer propostas consistentes de substituição da ponta de lança do aparelho
repressor estatal: a polícia.
Geralmente esse tipo de “colaborador externo” tem a ideia obstinada de
extinguir a Corporação, como se apenas isso pudesse desencadear o
desmantelamento do império de coisas. Alguns desses são para mim, os pessimistas,
que ao aludirem a uma filosofia humanista, na verdade, orquestram a demonização do
sujeito policial. O fim da Polícia Militar, como pessoa jurídica, não garante o fim da
perpetração dos males sociais advindos da existência desse tipo de mecanismo de
repressão. O mecanismo é ideológico e, portanto, sem mudanças profundas, o
sistema se reorganizaria para levantar uma outra organização, que ao passo que se
institucionalizasse, iria aos poucos ser “possuída” pelo espírito opressor272.
Se os agentes despertos para essa realidade são internos podem compor
três tipos de grupo: (1) infelizmente, eles podem adotar o cinismo e a hipocrisia como
meios de se preservar psicologicamente, fingindo que não sabem o que realmente
são, (2) bem como, podem se tornar servidores apáticos, que desistem da luta (contra
o crime, ou melhor, contras as classes subalternas) para escolherem posições de
comodidade, que não precisem lhes expor nem à guerra urbana, nem ao embate com
a ideologia hegemônica institucional. (3) Outro grupo é formado por salteadores e
271
Talvez seja necessário ao leitor retornar ao capítulo 8, para capturar melhor as nuances que diferenciam os tipos
policiais arquetípicos.
272 Esse fato ocorreu tal, qual estou dizendo, com a Força Nacional de Segurança Pública, que tem um dilema
interno entre mobilizar e capacitar os melhores policiais militares, a “instituição” acaba atraindo também os mais
propensos à violência e a engenharia normativa e comportamental para impor limites a esse impulso não tem sido
nada fácil. Como a Força Nacional utiliza o padrão de aliciamento mercenário implícito, então a força pecuniária dita
o que os policiais devem ou não fazer, isso já não ocorre com trabalhos “vocacionados” ou os de liturgia. Essa
organização que ascenderia em lugar da PM já está predestinada é a Guarda Municipal.
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facínoras travestidos de agentes públicos, irão entender como realmente as coisas
funcionam e vão se lançar ao campo, visto como um variado jogo de oportunidades de
se dar bem, de levar vantagem. Extorquem sem escrúpulos e matam sem piedade.
Nisso guarda um vínculo muito próximo: o aventureiro-caçador “de recompensa” e o
guerreiro-caveira.
Tenho uma consideração que busca guarida no trabalho de Zacharias 273
(1994), ou seja, sobre as implicações da existência de um tipo psicológico
predominante entre os policiais. Mas desde já, é salutar informar que admitindo a
ocorrência de tal preponderância e que ela recaí sobre um padrão racional e sensorial,
de sujeitos que pouco conseguem perceber o todo das relações e que não são ábeis
em ponderar os valores subjetivos. Um padrão retroalimentado pelas práticas e
discursos, que por sua vez, atraí o mesmo tipo de pessoas como ingressos. Pessoas
(e organizações) desse perfil ficam ainda mais fragilizadas perante disfuncionalidades
institucionais e falências estruturais, tendo em vista, que depositam suas crenças em
um conjunto de normas que se constitui sua lógica de análise da realidade.
Esses sujeitos propensos por “vocação” a serem mais aguerridos,
corpóeos, incisivos também tem pouca flexibilidade para suportar o fato de estarem
fazendo aquilo que lhes disseram que era o que deviam fazer e não serem
reconhecidos socialmente e pecuniariamente por isso. Estou levantando a questão de
que sendo eles, os policiais militares, de uma outra composição psicológica
preponderante sustentariam, por mais tempo, a persistência de mudar o padrão
interno para alcançar novos patamares, sendo lógicos-racionais aguerridos, guerreiros
“sanguíneos e coléricos” são mais propensos a dizer: “ao invés de mudar, vamos
acirrar mais as coisas, do nosso jeito”.
Nível de (in)tolerância às feições guerreiras
Afeição da atividade guerreira não vai de encontro à essência do
funcionamento da atividade de policiar ela é na verdade até necessária e uma
exigência mínima por sua presença em tais funções sociais. Pode-se compreender
melhor essa afirmativa, quando se diz que um perfil profissiográfico ideal dos agentes
policiais, por mais que possam ser mais bem enriquecidos com um saber consciente
sobre os dilemas sociais, sempre exigirá uma atitude um pouco mais enérgica,
comparada a outras atividades profissionais. Esse caráter enérgico é de cunho
essencialmente masculino e pode ser denominado como agressividade controlada274
ou vigor moderado275.
O que torna socialmente intolerável a aplicação das feições guerreiras no
trato da Ordem Social é o excesso das características masculinas desta atividade.
Desde que o guerreiro e as atividades de guerra e caça estejam orientadas por alguns
273
ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com
policiais militares da cidade de São Paulo. [Tese]. Instituto de Psicologia. São Paulo: USP, 1994.
274 Colheu-se na Internet os Mandamentos de Operações Especiais (ou do BOPE), como são conhecidos 11 traços do
perfil profissional exigido para os integrantes das unidades policiais (militares) de elite: 1- agressividade controlada;
2 - controle emocional; 3 - disciplina consciente; 4 - espírito de corpo; 5 - flexibilidade; 6 - honestidade; 7 - iniciativa;
8 - lealdade; 9 - liderança; 10 - perseverança; 11 - versatilidade.
275 Como exemplo, desse requisito de competência típica do policial, pede-se que se compare a diferença de atitude
exigida entre um médico clínico e um paramédico alocado nas atividades do serviço móvel de urgência e resgate.
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princípios essencialmente femininos podem ser direcionados saudavelmente para a
proteção e defesa dos agentes e estruturas sociais.
Por derivação dessa tolerância e intolerância a depender do excesso das
características viris de caça e guerra é que se pode afirmar que no atual estado
contextual da sociedade brasileira, e por analogia pode ser correlacionar com outras
sociedades contemporâneas, é admissível a presença de corpos militarizados de
polícia desde que sejam aplicados em menor razão numérica que as polícias de trato
social civil, sendo exigência que estas últimas sejam aquelas majoritariamente
lançadas no campo urbano, para que o sistema seja funcional e possa ser “palatável”,
suportável pela população cidadã(-servil).
No passado os vazios demográficos eram bastante consideráveis o que
fazia com que as forças de intervenção (incursão) agissem como mandatários da
ordem metropolitana em meio aos espaços do interior levando consigo a insígnia do
rei e do Estado. Em alguns sistemas nacionais de segurança pública, as gendarmarias
são forças de atuação lançadas no Interior do país ou em cidades de menor porte.
Com o intensivo processo de urbanização foi extremamente urgente que as polícias de
trato civil fossem majoritariamente a composição das forças de segurança interna
urbana (metropolitanas). Essa composição majoritária do formato de trato civil em
detrimento do de cunho militar não garante livrar-se do processo de totalização do
biopoder, na verdade, apenas o faz se tornar menos suscetível a focos de resistência
e subversão, considerando a tolerância a menor opressividade que o primeiro formato
tem em ralação às classes médias.
Entre as classes subalternas, a polícia estatal seja ela de trato civil ou um
corpo militarizado, provocam espontânea animosidade. Ao que parece, o pretenso
bom êxito das experiências de polícias de trato civil correspondem à sua atuação em
contextos de menor severidade da distância entre as elites e os bolsões de pobreza
(que em seus casos, são guetos segregados). Em uma conjuntura de desigualdade
acirrada, onde os bolsões possuem dezenas ou centenas de milhares de pessoas em
áreas contínuas ou fortemente conectadas, parece ser indispensável o uso da força
policial de caráter ostensivamente impositivo da ordem superior (OLIVEIRA, 2002).
Pare se ter um equilíbrio nessa equação ecológico-social, é necessário
que em um determinado espaço geográfico, o Estado não seja a organização social de
maior expressão, nem muito menos a única detentora do controle das relações
interpessoais e interorgnizacionais. Um dos princípios ecológicos de desenho
sistêmico saudável para sistemas sociais é, justamente, refletir o padrão de
organização da vida, ou seja, múltiplas conexões em rede, com multicentros de
inteligência coordenativa. Para esvaziar a proposição da estrutura vertical
centralizadora do Estado, é preciso que esse peso “pesado” seja contrabalançado com
outras forças ativas da sociedade. Enquanto, o padrão sócio-político primar pela
verticalidade, os instrumentos de coesão social, sobretudo, os de uso da força física
(como o são as polícias), terão inevitavelmente feições de estranhamento comunitário
e se constituirão como organismos invasores de imposição de uma ordem externa. A
questão é que caso o conjunto ideológico dominante aparelhado com os sistemas
sociais necessários para o domínio tiver o senso de relação predatória ele provoca um
massacre aos subarranjos sociais dominados.
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Inviabilidade de uma polícia comunitária estatal
Tendo em vista as bases sobre as quais estão a fundação das instituições
sociais (continuidade por outros meios da guerra civil) e, portanto, do próprio Estado
não há como se falar de uma polícia comunitária sendo esta uma implementação de
uma agência estatal de segurança, menos ainda quando essa agência ter por base
constituinte de seus modelos mentais, a subserviência da massa populacional perante
os dominantes e cooptadores do poder político central. Em tais condições, trata-se de
um paradoxo irreconciliável: a proposição de uma polícia comunitária estatal.
Nisso está a hipocrisia, a ingenuidade ou o brilhante sarcasmo de quem
começa um texto sobre polícia moderna, aludindo à Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789) em se Art. 12: “A garantia dos direitos do homem e do
cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por
todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada”.
Ou você tem uma polícia comunitária que utiliza instrumentos coletivos de
coesão social, e que seja uma ordem nascida do seio comunitário e dela faça parte
integralmente ou você tem uma agência estatal de segurança, nas dadas
circunstâncias do avanço da “governamentalidade”, por uso de facetas totalitárias
dissimuladas do “biopoder” (FOUCAULT, 2008). Trata-se de uma crítica, não tão
severa e não tão estranha, à possibilidade de coesão entre os modelos tradicionais de
segurança pública e a "polícia comunitária”. Tal contestação pode também ser
observada nos alertas feitos pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) Márcio Simeone (2010), que sem desacreditar o projeto da polícia
comunitária, ao falar sobre as questões de mobilização social, destaca os riscos do
movimento em direção ao novo modelo ser apenas um subterfúgio para maior controle
do Estado sobre a dinâmica sócio-política local e das populações dos territórios
subalternos.
Portanto um dito avanço da democratização, num panorama abrangente
de “democratizar a democracia” em que se trate da formação de uma polícia cidadã,
perpassa primeiramente que outros organismos sociais coletivos se sobreponham ao
Estado, retirando dele a primazia da ordem na ação social dentro de um determinado
contexto social-geográfico delimitado (SOUSA SANTOS, 2002; BOBBIO, 2010). É
nesse sentido, portanto, que se pode tecer uma hipótese de vislumbrar a corporação
policial, com as características de verticalidades impostas, como uma espécie exótica
invasora, no dado ecossistema social (comunitário).
A validade interna da proposta de filosofia de polícia comunitária
Usando ainda a abordagem de Milton Santos (2001), ainda é preciso
comentar sobre a situação alternativa, de um mundo como pode vir a ser. E nesse
cenário prospectivo em que está a polícia como uma organização ou uma agência
humana (não formalmente corporificada), que tem por razão de existência outro tipo
de coesão social, tratada pelo cuidado e proteção social.
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Nessa utopia possível, nos termos de Edgar Morin (2000), a polícia, ou
como quer que ela venha a ser chamada, estaria muito mais afeta a campos da
atuação social humana que hoje conhecemos como Saúde ou Educação. Nessa
versão humanizada e realmente representativa da organização comunitária em
autogestão, os “policiais” serão conhecidos como psicólogos ou assistentes sociais de
campo. Ainda será preciso, selecionar novos membros que possam ter suas
competências de força-vigor desenvolvidas, independente do sexo biológico. Não
seriam agentes da lei, mas pedagogos sociais que conhecem a lei, não a letra da lei,
mas a lei do respeito à dignidade humana com profundas bases filosófico-espirituais.
Não veríamos uma guarnição de guerreiros sendo despachada para
atender uma ocorrência de violência doméstica. Veríamos uma equipe de cuidadores
sociais indo por iniciativa própria a mais uma visita domiciliar a uma família que vem
sendo acompanhada. Uma equipe como essa ainda portaria armas, numa proporção
maior às de baixa letalidade, mas dariam preferência irresoluta a um uso escalonado
da força, que insistisse no diálogo ou na impostação verbal para resolução dos
conflitos.
Quem conhece a filosofia de polícia comunitária e as práticas de
policiamento inspirado nessa filosofia, sabem que o que estou propondo não é novo,
nem se difere muito das investidas de reformulação policial. A grande diferença, é que
estou sustentando duas questões: (1) a inviabilidade da polícia comunitária plena em
um contexto social vertical e de sérias desigualdades sociais, ao ponto de dizer que
uma polícia verdadeiramente comunitária não poderia ser estatal; (2) e para que essa
filosofia seja aceita como uma alternativa legítima de atuação pelos próprios policiais,
a ideologia hegemônica interna deve ser substancialmente alterada, bem como deve
ser acompanhada da mudança concomitante da visão e expectativa de resolução dos
conflitos sociais por parte da população assistida pela polícia. É preciso, portanto,
alterar a mente policial e a mente social sobre a polícia; sem alterar as bases
profundas das representações sociais, nos termos de Serge Moscovici (2003), não é
possível induzir a mudança reflexivamente, ficando presos ao processo homeostático,
segundo Giddens (2003).
O que é muito próximo de uma das sugestões de correção para o sistema
de segurança brasileiro, feita por Jean-Claude Chesnais (1999): “ela [a polícia] não
deve ser vista como parasita, mas como instância intermediária da república entre os
cidadãos, como defensora dos fracos contra os fortes, das pessoas honestas contra
os marginais”. Não há como mudar uma estrutura sócio-organizacional, desejar
comportamento diferente de um sistema autopoiético, se desse ambiente o organismo
continua se nutrindo dos mesmos elementos; sem alterar o padrão mental, não há
transformação da realidade. Segundo Chesnais (1999): “torna-se urgente restaurar a
imagem da função policial. Isso seria feito através de campanhas publicitárias mas,
também, de um esforço de revalorização das qualificações”, segundo o estudioso
francês, “a imagem a ser divulgada é a de uma polícia ‘cidadã’, a serviço do bem
público”.
Hoje, concordo com Chesnais (1999) sobre a necessidade de mudança da
imagem, mas creio sua proposta de como fazê-lo superficial e de lá (1999) para cá
(2017), seu conselho foi seguido por inúmeros governos estaduais e o nacional, ao
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contrário do esperado, foi inclusive vexatório o uso de denominações eufemistas. Eu,
portanto, falo de mudança da imagem não da persona organizacional (JUNG, 1996;
LAFFITE, 2002) (que é construída por ações comunicacionais) (LUHMANN, [1997]
2006), mas das imagens que operam no inconsciente da mente organizacional (na
dimensão psicológica profunda) e por isso recorremos a Moscovici (2003).
Pois retronando ao tema de uma “Sociologia Quântica”, abordada no
capítulo 3 e de certa forma desenvolvida na teoria imagética de Gareth Morgan (2002),
aquilo que se espera imageticamente é aquilo que se passa a ter na realidade. E
tenho sérios receios que o que a sociedade espera da polícia, no Brasil seja o “papel
desejado”, segundo Ivone Costa (2005), como foi apresentado na Introdução, no
tópico “Papéis atribuído, transferido e desejado da polícia”, em forma de pergunta,
agora a parafraseio e afirmo: “[...] o que se deseja é uma Polícia violenta, que tenha e
demonstre força física e que responda ao medo social da morte ou de outros aspectos
do inconsciente” e uso para sustentar isso o sucesso do filme Tropa de Elite 1, bem
como quantas vezes eu era assediado pela população, para que fizesse “justiça” e
sempre diziam: “se eu fosse policial, eu sabia o que fazer, mandava esses todos pro
inferno, matava pouco não, saía acabando com esses todos”. Ou ainda como fui
assediado inclusive por parentes ou amigos: “e aí dá pra tirar muito por fora 276?”,
“arranja aí um ferro pra mim no precinho277”.
Tipologia de agências policiais e os mundos de Milton Santos
Em tópico anterior, discorremos de uma tipologia reducionista que avaliava
o quanto de indução de verticalidade aquela agência policial provocava no seio social,
no tópico “Corpos militarizados de polícia versus polícias de trato civil” nas disposições
sobre as “Matrizes institucionais da Polícia Militar Brasileira” do capítulo 6.
Agora vamos aglutinar minha proposta reducionista de tipos de agências
policiais e a perspectiva de Milton Santos (2001):
A polícia (Tipo A) do mundo como ele pretensamente deveria ser:
agência estatal, com a prerrogativa do uso ou da ameaça de uso da
força física, ordeiras e urbanas, para a manutenção da ordem, aos
moldes das polícias europeias de trato civil (ou ainda canadense ou
japonesa);
A polícia (Tipo B) do mundo como ele realmente é: espaço de
exercício dos impulsos de força e vigor, aproveitados pelo sistema
político-econômico para servir de sentinelas que impedem a
sublevação das massas exploradas;
A polícia (Tipo C) do mundo como ele pode vir a ser: agência
humana, pública, porém não estatal movida pelo senso de proteção e
cuidado social.
O cronograma paulatino proposto como conclusão desta pesquisa, se dá
pela (1) conscientização do real papel institucional na atualidade, seguido do
276
277
“Por fora”: auferir ganhos mediante propina.
“Ferro”: arma de fogo, revólver geralmente, de procedência ignorada.
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compromisso dos agentes internos e externos “desiludidos” para, enquanto não
podem estabelecer modelos organizacionais da agência humana da proteção e
cuidado social (Tipo C), (2) possam desarmar as chaves profundas que impedem ao
menos a transmutação em polícias do modelo de trato civil ordeiro (Tipo A).
Esses agentes comprometidos precisam dissipar os modelos mentais que
condicionam a hegemonia ideológica interna. Não podem se acomodar com a
transitória aparência de pacificidade alcançada pela polícia do Tipo A, pois se trata
apenas de uma falseta programada pelo próprio sistema socioeconômico, devem sem
descanso projetar, vislumbrar, doar energia psíquica e agir ao encontro das polícias do
Tipo C.
Isso tudo está coadunado com a desaceleração energética proposta nas
produções de ecologia como as de Odum. Eu advirto que poderá não ter tempo para
consecução de um cronograma paulatino, que poderá ser interrompido por uma
ruptura do sistema de suporte à civilização planetária humana (no tocante ao estilo de
vida ocidental), não sendo impossível a ocorrência de um cataclisma.
Nesse caso da ruptura do sistema ou colapso em cadeia, toda a produção
discursiva dos agentes comprometidos servirá de base para a formação de novas
dinâmicas de coesão social, que por si só exiguem ou estirpem a função do Estado e,
por conseguinte, excluam a polícia como instrumento coletivamente válido de
autogestão. No meu ponto de vista, realçado pelas conclusões desta pesquisa, todos
os dois: Estado e polícia são heranças funestas da forma de “explorar” humanos. O
primeiro, ou seja, o Estado pode ter formatos de reconciliação integrativa, mas o
segundo, ou seja, a polícia deve-se alterar de tal forma, a não ser nem mais
reconhecida como tal.
Ainda como visão prospectiva existe uma chance sombria de surgir a
polícia (Tipo D) do mundo como não gostaríamos que ele pudesse vir a ser. Essa
polícia, não seria mais um instrumento de Estado, ela seria o Estado. Um Estado,
portanto, policial, total que controlaria tudo e a todos sem margem para sublevações
de qualquer ordem. Seria o alcance pleno do panóptipo foucaultinano e a realização
de uma das visões proféticas de Yuval Harari (2016) em “Homo Deus”. E por mais
contraditória que possa parecer, não são as polícias do Tipo B que tendem a esse
formato tenebroso, são as do Tipo A. As polícias como confaria dos guerreiros, tem
neles uma força atuante disposta a se sublevar à ordem dirigente econômica. As
polícias do tipo A, por serem regidas por espíritos institucionais menos aguerridos, são
susceptíveis a cooptação e subserviência ao fator dominante global, quando não
despertos para a realidade dos fatos.
Portanto, passarei a discorrer de propostas de gestão e ativismo que
componham um cronograma paulatino de transmutação das polícias do Tipo B para as
do Tipo A. Ou seja, das confrarias de guerreiros para as polícias de trato civil ordeiro.
Creio que no ambiente de estudos sobre polícia e segurança pública, a trajetória de
conversão institucional (com a extinção da Scotland Yard para a criação da New
Scontland Yard) seja um dos casos mais emblemáticos de proposições dessa
natureza (MUNIZ, 1999). Apresento, no entanto, algumas apostas intelectuais,
baseado no fato da discrepante diferença do contexto social brasileiro do século XXI
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ao britânico do final do século XIX. Bem como, tento antecipar armadilhas lançadas
pelo jogo da perpetuação e tomada da hegemonia ideológica institucional.
Primeiro ponto que precisamos deixar claro é que em essência, as polícias
dos Tipo A e B são as mesmas estruturas com pactuações diferentes em sua dinâmica
interna. Como ficou demonstrado, as polícias de confraria de guerreiros são, na
verdade, as mesmas polícias modernas, estatais, profissionalizadas e especializadas
que na sua trajetória institucional, tiveram os elementos simbólicos da guerra e da
caça reforçados. Portanto, transmutar de um tipo para outro se dá por uma questão de
reorientação mental. Não apenas a reorientação mental dos seus integrantes, mas,
sobretudo, a da mente organizacional.
Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre
O cronograma paulatino que nos propomos a definir é inspirado,
sobretudo, na noção de Howard e Elisabeth Odum (2012), de uma desacelarão
programada da dinâmica civilizacional para compatibilização de um período de baixo
uso de recursos energéticos, como também nos informa Maria Vaz de Lima (2015) e
Fritjof Capra (2006a) o qual chama esse tal período de “a Era do Sol”, numa referência
ao uso mais acentudado da energia solar como um mimetismo aos sistemas naturais
que dão suporte à vida na Terra. Há também nessa proposta inspiração da forma
como Rene Girard nos ensina a mitigar paulatinamente o impulso imitador e invejoso
que gera violência sistêmica e institucionalizada e isso o estudioso francês faz na obra
“Rematar Clausewitz - Além da Guerra”278.
As diretrizes de guimamento, um formato de proposta que devo explicar
detalhes em um trabalho futuro, é basicamente um conjunto de planos de ações
circunstanciais que tem por objetivo um estágio evolutivo civilizacional alterado. Na
aplicação atual, portanto, se refere a estágios evolutivos institucionais, a saber, da
Polícia Militar e que podem usar como demarcações a tipologia de agências policiais
(Tipos A, B, C e D) anteriormente descrita. O guiamento, ou condução do ente
sistêmico institucional pode ocorrer sob duas circinstâncias que determinam ritmos
diferentes: (A) Sequência Normal e (B) Sequência Reativa à Cataclisma. Em qualquer
uma das duas circunstâncias o guiamento é composto por três planos de ação: (1)
Plano
de
Contingência;
(2)
Plano
de
Transição;
(3)
Plano
de
Transmutação/Refundação.
Na Tabela X, é possível observar a sequencia das etapas do guiamento,
que pretende transmutar as instituições e consequentemente o estágio civilizacional,
ou usando um termo alemão recorrentemente referenciado para este fim, trata-se de
alterar o Zeitgeist279 [“espírito da época ou do tempo”].
Sinopse do livro: “Este livro propõe-se a ser uma investigação da Alemanha e das relações franco-alemãs nos
dois últimos séculos. A hipótese do livro é mimética - os homens se imitam uns aos outros, mais do que os animais,
e por isso tiveram de encontrar um meio de conter a similitude contagiosa, capaz de produzir o puro e simples
desaparecimento de sua sociedade. O trabalho apresenta-se como uma discussão da religião arcaica desde a
perspectiva da antropologia comparada”.
279 Termo cunhado pelo alemão Johann Gottfried Herder e popularizado pelo filósofo, também alemão, Friedrich
Hegel. Zeitgeist, como conceito filosófico, significa o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa
278
Página | 359
Das etapas descritas na Tabela 17, nossa proposta de final de pesquisa
contempla apenas os planos A1 e A2, ou seja, (A1) um plano de contingência das
anomalias do sistema atual e uma gestão dos impactos das primeiras ações e (A2) um
plano de transição programada. Sendo mais específico ao caso da Polícia Militar, irei,
nas próximas seções deste capítulo, propor um plano que estanque a sangria,
provocada pela letalidade do caráter da pessoa organizacional, seguido de ações que
possibilitem o desativamento das chaves que bloqueiam a mudança da regência
ideológica da instituição.
Tabela 18 – Diretrizes de guiamento para organizações de suporte à vida humana terrestre.
(A) Sequência Normal
(1) Plano de Contingência
(2) Plano de Transição
(3) Plano de Transmutação
Refundação
Objetivo
(A1) Contingência das anomalias
do sistema atual e gestão dos
impactos
(B) Sequência Reativa à
Cataclisma
(B1) Sustentação primária durante
eventos cataclísmicos
(A2) Transição programada
(B2) Transição não-programada
mediante eventos cataclísmicos
(A3) Transmutação mediante
transição programada
(B3) Refundação contingente póscataclisma
Estágio evolutivo institucional/civilizacional alterado
Elaborado pelo Autor inspirado em (1) ODUM, Howard T. e ODUM, Elisabeth C, “O declínio próspero: princípios e
políticas”, 2012.
Antes de continuarmos devo fazer um grave alerta: não se deve
desmobolizar o espírito guerreiro antes de conscientizar os integrantes das
instituições. Primeiro, porque desinformados dos objetivos, irão defender seu “deus”,
como se ele estivesse sofrente um ataque injusto. Segundo, na verdade, o espírito de
luta não é totalmente abatido, ele é redirecioando para outros fins. Terceiro, enquanto
estamos discutindo sobre os guerreiros aliciados pelo Estado, há ainda guerreiros
rejeitados pelo Mercado, ou melhor, cooptados pelo “mercado paralelo”. Existe uma
legião de guerreiros que são impedidos de consumar seus desígnios de lesão social
grave, pela contra ação dos guerreiros estatais. Esses cooptados pelo “mercado
parelelo” formam as redes de criminosos contumazes.
E por último, devo reevidenciar: a demobilização levará ao mitigamento do
ânimo de guerra e, portanto, o grupo-instituição estará mais susceptível a ser
cooptado parcimoniosamente por um projeto de governo suprainstitucional que sendo
guerreiro dissimuladamente “diplomático”, irá impor um domínio incontestável sem que
integrantes das organizações de força-vigor possam esboçar reação a essa
cooptação.
Nisso reside uma preocupação minha, ser livre de Marte (o deus da
guerra) e acabar sendo capurado por Mamon (o demônio semita da ganância e do
época. Quando foi cinhando o termo-conceito era uma forma de explicar outro conceito anterior a esse, em latim:
genius seculi, ou “espírito guardião do século”.
Página | 360
dinheiro), retirar desses sujeitos sua feição aguerrida de luta e deixá-los tão dóceis
que podem ser reapriosionados com facilidade por outras estrutras de exploração.
Para prosseguir preciso compor duas explanações: uma sobre a natureza
do processo de amotinamento contra o espírito regente institucional e outra sobre a
relação entre o Estado, o Mercado e os guerreiros pagos pelo Estado contra os
rejeitados pelo Mercado. Para por fim, propor um esboço de ações de gestão em prol
da mudança institucional.
A natureza do processo de amotinamento contra o espírito
regente institucional
Conforme defendemos no tópico “Triângulo ecológico humano integral” do
capítulo 3: “Para que as pessoas possam exercer sua capacidade volitiva perante os
espíritos, elas não podem modificá-los, mas podem mudar seu vínculo a modelos
mentais”. O espírito guerreiro viril é indestritível plea via do combate direto, até porque
ao usar “contra” ele suas mesmas estratégias, na verdade, estaria o cultuando,
alimentando-o.
Portanto, o policial militar ou qualquer outro integrante de uma organização
de força-vigor doente, deve saber que para induzir mudanças precisará se comportar
como se por uma conversão religiosa-espirtual tivesse passado. Deve saber que até
suas expectativas internas alimentarão ou não essa força sutil que mantém a
organização regida pela interface dos modelos mentais. Trata-se de um exercício de
culto. E o deus ao qual vai servir e sua fidelidade determinarão a progressiva mudança
institucional.
Em minha opinião, no caso atual da Polícia Militar e o contexto de guerra
não declarada vivenciado no Brasil, uma reorientação para um arquétipo de guerreiro
de masculinidade moderada já nos seria muito vantajoso, do que apostarmos no culto
irrefutável de um complexo ideológico demasiadamente solícito e pacífico. Nisso não
posso deixar de concordar com Friedrich Nietzsche (1985), sobre a fragilidade de
ideologias de extrema bondade, que não se codunam com a natureza humana.
Devemos ter mais paciência na adoção de metas supra-humanas, para não
everedarmos para um retrocesso consequente de uma natural compensação de
forças. Isso não impede que um grupo de pessoas, colaboradores internos e externos,
comece desde já a pensar na “polícia que a de vir” (MATOS apud COTTA, 2012),
assim como Giorgio Agabem (2007 apud COTTA, 2012) lembra existir uma “sociedade
e um direito que a de vir”.
Por isso, com a finalidade de provocar mudanças em instituições com
raízes tão profundas, existiria um palno ações de gestão e um “devocionário” para a
ação militante. Esse devocionário deve partir do âmago das expressões humanas dos
policiais que desejem a mudança ou, ainda não a desejando em seu interior
inconsciente, reconheçam a necessidade da mudança. Essas ações cotidianas
resumem-se em: pensar, falar e fazer de forma diferente.
Página | 361
Ativismo pessoal-coletivo ou (auto)(etno)transformação
Estou, em suma, propondo que a solução da discrepância atualmente
observada entre os propósitos públicos de manter uma organização, tal qual é a
polícia, e a estrutura-funcionalidade das organizações policiais, que operam a partir do
modelo institucional, polícia militar, no contexto brasileiro, possa ser alcançada por
meio da compreensão da psicodinâmica inerente aos processos mentais dos membros
de tais organizações e a consequente orientação/condução para uma
(auto)(etno)transformação.
Para propor a relevância de uma mudança "de dentro para fora" é preciso
primeiramente demonstrar a inviabilidade de conseguir uma satisfatória mudança
organizacional, alinhada ao anseio social mais amplo, por uma mudança subsidiada
apenas por percepções externas e por instrumentos de regulação formal, tais como
alteração das bases jurídicas.
Por (auto)(etno)transformação, quero conceber um processo de
aprendizagem organizacional (ARGYRIS e SHÖN, 1978), movido pelo adequado
estímulo para que os agentes volitivos, alcancem consciência da necessidade de
mudança e possam operar nas brechas do sistema estrutural recursivo (GIDDENS,
2003) que lhes impõe a adoção de um conjunto de símbolos e a pratica de ações, até
então inquestionáveis. “Auto” porque é realizado por si mesmo. “Etno” porque se trata
de um grupo, uma tribo, uma casta. A casta "bioantropológica" de guerreiros.
Transformação é a ação de mudar de forma.
O que um corpo institucional, como organismo, precisaria para alinhar-se
aos anseios sociais gerais, como ambiente, é romper fatores-chave da recursividade
homeostática (GIDDENS, 2003), ou seja, o enclausuramento operacional
(MATURANA e VARELA, 1995) e conduzir-se por uma progressiva adaptação
incremental. Mas, considerando o que pretendi demonstrar, como hipótese, é que a
polícia militar, especificamente, em seu quadro atual de estrutura e função, não tem o
lapso temporal necessário para mudanças paulatinas. Sua presença como indutor
irrevogável de verticalidades (SANTOS, 2001; 2012) indigna, e cria clamor público,
pois é percebida como instrumento menos tolerável à ordem civil de domínio e
controle social.
Faço como resultado do entrecruzamento da pesquisa teórica e a
interpretação autoetnográfica, uma descrição de “imagens” de uma biologia e ecologia
da Polícia Militar. Em uma dessas analogias, refiro-me a PM como uma espécie
exótica ardilosamente introduzida por uma ordem metropolitana com potencial caráter
invasor em relação ao ambiente social das comunidades subalternas, nesse
entendimento volta-se às bases da Ecologia Humana em sua versão própria da Escola
de Chicago, fazendo a correlação entre a dinâmica social-urbana e as relações
ecológicas. Mas pelo aporte teórico, chamado aqui de quadro de referência
articulador, não há relação ecológica apenas no aspecto físico, ou seja, na presença
física de uma viatura de polícia numa rua da periferia de uma dada cidade; há
também, numa dimensão mais profunda, apenas no fato de se sentir empático ou
antipático à ação policial noticiada na mídia ou nos comentários feitos entre os grupos
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de relações informais; ou ainda, no simples fato, como crianças representam os papéis
de polícia versus bandido em atividades lúdicas espontâneas.
Este trabalho debruçou-se na primeira etapa da dita solução a ser
proposta, a saber, a compreensão do universo simbólico profundo do modelo
institucional da Polícia Militar Brasileira. Ou seja, se é a (auto)(etno)transformação que
se busca, o primeira etapa é a conscientização. Por simbólico profundo estou a me
referenciar a figuras de linguagem que mais se aproximam a experiência psicológica
direta, revelando traços da percepção de imagens mentais. Portanto, trata-se de
descrever simbolizações explicativas das imagens que regem a experiência de ser um
profissional de segurança pública, especificamente em ser um policial militar no Brasil.
O binômio (simbolização + imagem mental) que fundamenta a práxis individual e
permite a operação do agente no modo “automático” dentro do sistema social,
proporcionando-lhe um conhecimento de senso comum, para si inteligível, pode ser
aproximado à noção de “representações sociais” de Moscovici (2003).
Considerando que a análise feita pela observação das manifestações
perceptíveis aos sentidos apenas nos trazem uma possível interpretação daquilo que o
observador quis conscientemente apresentar (GIDDENS, 2003, MAYO, 2004;
SCHEIN, 2007)280. Ou seja, reconheço o valor das coletas de discursos em pesquisas
empíricas, mas me proponho a começar por uma discursividade de produção
espontânea. O simbólico aparente nos surge nesta pesquisa com um importante ponto
de partida, por isso propomos uma arqueologia simbólica.
Portanto, quando se realiza a análise direta do discurso do agente,
membro do grupo social estudado provavelmente o pesquisador irá se deparar com
uma intencional simbolização preferida mediante a linguagem corrente do agente, em
formas explicativas das experiências psíquicas diretas, que só ele sentiu. Para essas
figuras de linguagem, se usarmos apenas a métrica de palavras, isso poderá
“dissimular”, ou melhor, dar um sentido plausível, a pulsões nem por ele mesmo bem
compreendidas ou conscientes. Ao ofertar um quadro de analogias que ressignifiquem
a experiência vivida pelo policial, dando-lhe outras alternativas explicativas sobre
aquilo que ele “já tinha certeza”, minha intenção é desvelar talvez a lógica própria das
thematas (temas universais e gerais), conjuntos de “pensamentos-ambientes”
relativamente autônomos e descolados da estrutura social (MOSCOVICI, 2003). Por
themata de Moscovici (2003), compreendo “fatores” no sentido arquétipo de Jung
(2000) e “contextos” como diz Goswami (2005).
Uso para melhor esclarecimento termos mais coloquiais, condizentes com
o espírito da autoetnografia. Só um policial honesto pode entender o drama de ser
honrado e ter seu ofício marcado por uma minoria numérica que possui hegemonia
ideológica interna na instituição por fatores ecológicos e psicanalíticos aqui estudados.
Há muito mais bons policiais do que a mídia acaba por nos passar, sou
testemunha disso, mas eles precisam de um choque de reflexão para serem eles
mesmos a barreira contra os maus policiais.
280
Para captura reais motivos inconscientes seria necessário surpreender o entrevistado em "atos falhos" sociais,
situações sem explicação lógica aparente.
Página | 363
Entre vários fatores para a proliferação desse câncer, está o fato que no
meio social há um grupo muito aguerrido de sujeitos também dados à guerra
sanguinária e à rapina. Gente que não se interessa por trabalhar, apenas usurpar o
que é do outro. Esse grupo ao que parece somente é combatido, ou seja, feito
equilíbrio ecológico a eles por meio dos pseudo-policiais, que na verdade são
criminosos fardados.
O que ocorre? Levando em conta o espírito institucional que tem uma
dinâmica de masculinidades, mesmo quando envolve mulheres; é mais "homem", mais
guerreiro: quem elimina, quem esfola, quem trucida. Vemos, portanto, nesse jogo os
policiais honrados se refugiando a trás dos birôs dos gabinetes e deixando o campo
limpo para os maus policiais atuare ao bel prazer nas ruas. Não é desproposital que
unidades que estariam prontas para serem reduto de heróis, usam simbologia
pirata281, assim como comprovamos no tópico “A hegemonia do guerreiro e do
aventureiro” do Capítulo 9.
Os bons policiais e os formadores de opinião podem dizer: “queremos que
os maus policiais sejam extirpados”, mas é preciso admitir que são os únicos ainda
capazes de reagir contra o crime apoiado pelos grandes caciques do tráfico de drogas,
de armas, de influência, de carga roubada e de pessoas. Caberia aos bons policiais,
aprenderem mais sobre a conjuntura social, os entremeios juridicos, tomarem gosto
por atividades corpóreas: arte marcial, condicionamento fisico; saber manusear uma
arma; quererem também serem guerreiros de verdade, mas guerreiros da "luz" e não
das "trevas"282. Nesse quadro projetado no futuro, bons policiais poderiam tomar as
rédeas da situação e inverter a imagem destroçada que a instituição tem perante a
sociedade, utilizando a dinâmica associada ao “Triângulo ecológico humano integral”,
conforme o tópico correlato do Capítulo 3.
Bons policiais devem sair do refúgio dos gabinetes e ir à rua, “combater um
bom combate283”, tomar a frente dos encontros cotidianos com o cidadão-usuário e
como um fiel novo convertido a uma nova prática “religiosa”, fazer cada gesto de seu
ofício como tributo a outro “deus”, que não seja o da guerra sanguinária. Cada
encontro com do cidadão-usário, deve ser para ele uma oportunidade de mostrar a
face de uma nova polícia e de um novo homem e de uma nova mulher que promove
justiça. Para isso é preciso repensar em justiça nos termos de John Rawls (1997) e a
justiça substitutiva da vingança de Girard (1998). Os maus policiais, talvez não
possam ser todos eles taxados de “maus” por si só, alguns são apenas prisioneiros da
dinâmica do rito sacrificial psicossocial e do sacerdócio servil, para usar referência à
metáfora organizacional da “prisão mental” de Gareth Morgan (2002), ao mito da
caverna de Platão e àquilo que vimos no tópico “Rito Sacrificial e o Sacerdócio do Mal”
do Capítulo 7.
Nós como sociedade que custeia o serviço público e dele é cliente,
podemos até tolerar alguns atos mais vigoros com os em média 2% da população que
são criminosos contumazes, mas não podemos tolerar que os mesmos policiais
281
O símbolo das unidades de operações especiais é uma nítica referência à caveria pirata e a atitude bucaneira.
Vide tópico “Trabalhadores da luz e das trevas” do Capítulo 9.
283 Fala de Paulo de Tarso
282
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atinjam como o mesmo ímpeto vingativo e agressivo os 98% da população que são de
pessoas honradas e de alguns criminosos eventuais.
Estado, Mercado e seus guerreiros
Em suma, como apostamos que aqueles guerreiros que estão em campo
de batalha, fardados e pagos pelo Estado têm o mesmo padrão de pefil psicológico de
base que aqueles outros aliciados pelo tráfico e pela vida criminosa contumaz,
podemos decorrer disso, que os mecanismos de sedução inconsciente são os
mesmos. A sede de sangue e o impulso pela aventura, ou o simples desejo de obter o
capital simbólico de masculinidade os farão gravitar as oportunidades para esse
exercício em nossas configurações sociais contemporâneas (ZALUAR, 2004).
Portanto, são as características internas em cada um deles, que
determinará se ingressarão voluntariamente nos jogos ou na guerra. As circunstâncias
externas (e não as psicológicas) é que determinarão em que lado estarão jogando, ou
sendo manipulados. Conforme nos diz Alba Zaluar (2004), “apenas pobreza e
desigualdade não explicam a presença de adolescentes na criminalidade”, ela
prossegue explicando que “se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens
pobres entrariam para o tráfico”.
Alba Zaluar (2004) comenta sobre uma pesquisa realizada na Cidade de
Deus, comunidade pobre e violenta do Rio de Janeiro, e diz: “concluímos que apenas
2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das
pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí”. E nisso,
posso dizer por experiência nativa observadora, que na Polícia Militar se dá o mesmo.
Numericamente os adeptos à corporeidade da violência são em menor número, mas
suas ideias, discursos e símbolos reverberam com tal intensidade, que nos fazem crer
ser a instituição em todo violenta.
Zaluar e Leal (2001) estavam interessadas na violência escolar e suas
consequencias para o desenvolvimento das crianças, consideraram a violência
intramuros, mas também as extramuros. E sobre aquela que ocorre no mundo físico
externo das escolas, mas é trazida dentro das consciências das crianças, elas
utilizaram o subsídio de Nobert Eilas em “Os alemães, a luta pelo poder e a evolução
do habitus nos séculos XIX e XX”, sobre o ethos guerreiro, uma propensão “natural” ao
uso da força até chegar ao cometimento da violência. Foi baseado na mesma noção
de Elias (1997 apud ZALUAR e LEAL, 2001) juntamente com o apreendido de Michel
Maffesoli ([1988] 2004) e de David Priestland (2014) que tecemos a noção de casta
bioantropológica dos guerreiros. Assim a tecemos para acompanhar a evolução e
transmissão histórica dos modelos mentais que chegam à Polícia Militar e seus
integrantes, mas como já havíamos discorrido anteriormente, engloba um conjunto
considerável de outros nichos sociais.
O alinhamento entre o contexto psicológico pessoal e o coletivo dos
espaços de exercício da força-vigor é o que induzirão o nível de comprometimento
com a “guerra” de marionetes em que os agentes se envolverão. Se mais alinhados,
Página | 365
serão sanguinários, independente se fardados ou considerados criminosos. Se
compelidos a uma autodefesa, ao um ganho pecuniário “justo” ou uma satisfação mais
cautelosa por aventura, serão moderados.
Conforme De Carvalho (1993) e Piketty (2012) podemos elaborar a figura
abaixo (Figura 62), denominando como “supracapitalismo” a entidade que representa
os anseios e as ações estratégicas da “sociedade de herdeiros”, controlando como
que por fora do sistema tanto Mercado como Estado, fazendo os adjetivos livre para o
primeiro e soberano para o segundo, parecerem nota honrosa que em nada são de
verdade. O Estado e o Mercado utilizados, portanto, como aparelhos de forma positiva
(ou seja, por ação deliberada) alicia, contrata, treina e remunera os guerreiros
fardados, é isso que representa as setas de linha contínua (policiais, militares e
seguranças privados). A relação representada pelas setas de linhas tracejadas é
estabelecida de forma negativa (por uma omissão deliberada), o Estado se ausenta de
prestar assistência a determiando “bolsão” de reservatório de servos excluídos e o
Mercado cuida de não absorvê-los, ou melhor, o faz em sua faceta paralela por meio
do tráfico, do crime organizado, da máfia, da pistolagem etc.
Figura 63 – Dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos exércitos de guerreiros
Elaborado pelo Autor.
Tratar desse tema numa visão socioecológica é admitir que existem aí
alguns entes ecológicos cada vez mais adaptados e superando-se na permanência no
topo da cadeia trófica ideológica. Essa massa de guerreiros moderados são em tudo,
os únicos capazes de articular uma reviravolta ou um contrabalanço necessário para a
não aniquilação da consciência dos governados por esse sistema.
Creio ser muito preocupante encontrar círculos de intelectuais que
decidam se verem refletidos em, ou tutelarem um dos grupos de guerreiros
sanguinários, o que mostra incapacidade de ver o todo, ou o desejo inconsciente de
está nas lutas, não o podendo, fazem-no simbolicamente no apoio.
O jogo está tal posto que a investida para a moderação em massa ou a
retirada artificial do caráter sanguinário de um dos dois lados do conflito preparado,
resulta na extrapolação da espécie rival, que busca exclusividade no mesmo nicho.
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Tendo a força oculta, do supracapitalismo, o controle dos mecanismos de uso das
massas guerreiras, uma campanha de enfraquecimento deliberada das forças
policiais, por exemplo, não resultaria em uma “sociedade” mais saneada ou livre da
violência estatal, provocaria a abundância da população guerreira criminosa, o que
legitimaria o uso de guerreiros fardados ainda mais aliciados simbolicamente pelo
Estado e Mercado.
Um projeto de reformulação policial deve simultaneamente alcançar as
mentes de guerreiros fardados e criminosos. Os únicos aptos a serem ouvidos com
legitimidade por eles, são os guerreiros no limiar entre a moderação e o instinto
sanguinário. Por isso fui muito explícito de que falo de uma mudança de dentro para
fora e que na expectativa de sucesso ao longo prazo, admito situações transitórias,
que ainda tolerem impulsos de agressividade controlada.
Figura 64 – Charge que apresenta a dinâmica do Estado e do Mercado na formação dos
exércitos de guerreiros
Arte elaborada pelo cartunista João da Silva.
Plano de ações de gestão para a mudança
Mas por que os policiais permanencem iludidos? Porque uns (1) estão
ocupados demais em sua brincadeira de criança de guerrear e caçar e (2) outros estão
demasiamaente enfraquecidos psiquicamente, frustrados por não admitirem se
satisfizer com a lógica do rito sacrificial e da adrenalina à custa do subjugamento
humano.
Aos primeiros (1), sua parcela mais acirrada, proponharíamos a vedação
de seu ingresso nas agências policiais, os menos acirrados precisam ser ocupados
com atividades cóproreas de sublimação da agressividade: tais como esporte, lutas,
arte marciais e serem a reserva “militar” para intervenção em convulsões sociais.
Aos frustrados (2), que são vistos jocosamente, como aqueles que “não
nasceram para serem policiais”, são na verdade, os policiais dos quais precisamos
para construir o futuro das instituições da força-vigor. Esses são os guerreiros, que
sabem manejar a espada, mas preferem a luta do discurso. Eles não precisam ser
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japoneses, para entender o bushido284. Eles já são moderados por natureza psíquica
interna.
Para fomentar as condições necessárias para que o agentes possam
desencadar a mudança pretendida propomos uma série de intervenções, as quais
discorremos suscintamente:
Recrutamento e seleção: teste vocacional, perfil profissiográfico, teste
psicotécnico alinhado com os parâmetros do tópico “Correspondência dos tipos
policiais com a classificação junguiana” do Capítulo 8. Portanto, dando preferência a
perfis de candidatos mais alinhados com o espectro Sentimento/Sensação e
Sentimento/Intuição. Desenhar um modelo de teste que posso verficar a aderência aos
e/ou atração pelos arquétipos vinculados aos tipos policais. Rejeitar definitivamente o
ingresso de guerreiros-caveiras, certo de que o efeito de queda moral espontâneo
suscitará o quantativo mínino de guerreiros-caveiras entre os demais.
O referido teste psicotécnico deve ter parte dele baseado em um
instrumento de avaliação psicométrico tal qual proposto por Borges-Andrade e Pilati
(2000), da UnB, para correlacionar o quanto o candidato e posteriormente, o recruta
(que também deve ser monitorado após a formação inicial) tem de alinhamento com
as metáforas (imagens) que definem para ele a identidade da organização. A outra
parte deve contemplar ferramenta associada ao MBTI (Myers-Briggs Type Indicator) e
ao QUATI (Questionário de Avaliação Tipológica) segundo propõe José Zacharias
(1994; 2003). Como parte de nossa colaboração, proponho o uso referencial dos tipos
policiais arquetípicos guerreiros, ofertados como sistema de interpretação nesta
pesquisa, devidamente correlacionados com os tipos policiais clássicos de Wilson
(1968 apud COX, 2007), de Egon Bittner (1970 apud OLIVEIRA Jr., 2007), de Mccold
e Wachtel285 (1996), de William Muir286 (1977 apud COX, 2007); de John Broderick287
(1977 apud COX, 2007) e de Michel Brown288 (1981 apud COX, 2007).
Quotas para ingresso e para alocação de policiais envolvidos com
determinadas atividades e simbologias. Fazemos uma aposta intelectual, não
completamente criteriosa, pois carece de dados experimentais. Mas se trata de uma
aposta intelectual intuitiva, que as quotas utilizem a proporção áurea: 4-3-2-1.
40% de policiais com aderência ao tipo “pai zeloso”;
30% de heróis;
20% de aventureiros e
10% de guerreiros.
284
Espírito sábio-guerreiro japonês que infunde como arquétipo dos samurais, por exemplo, entre outras
instituições nipônicas. Ver mais detalhes no subtópico: “O caráter viril-honrado japonês”, do tópico “Subsídios de
uma ‘sociologia profunda’” do capítulo 7.
285 MCCOLD, Paul and WACHTEL, Bem, “Police officer orientation and resistance to implementation of community
policing”, 1996.
286 MUIR, William. 1977. Police: Streetcorner politicians. Chicago: University of Chicago Press.
287 BRODERICK, John. 1977. Police in a time of change. Prospect Heights, IL: Waveland Press.
288 BROWN, Michael. 1981. Working the street: Police discretion and the dilemmas of New York: Russell Sage.
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Gestão da Informação e Imagem Corporativa. Desafiar com o contrauso
de outros símbolos. Identificados os símbolos utilizados tais como as expressões
sombrias de animais, crânios e ossos; deve-se gerenciar a imagem corporativa para
que oficialmente eles não sejam liberados para uso generalizado. Não recomendamos
a proibição sumária dos existentes, mas aconselhamos o estímulo da adoção de
símbolos contrapostos. Não se deve escolher simbologias descontextualizadas com o
exercício de força-vigor.
Deve-se sabiamente, permutar o símbolo de força mortífera pelo de força
moderada. Exemplos práticos: permuta programada do cão raivoso para o lobo, ou do
cão com o raio para apenas o raio. Pode parecer esdrúxulo, mas permutar do cão de
raça simbolicamente agressiva para um cão pastor. O uso de figurinhas humanistas,
flores, aves símbolo da paz são demasiadamente fora de propósito. Outros exemplos:
permutar da caveira para ave de rapina ou um felino da fauna nativa. Trocar punhal e
adaga por espada.
Gestão de Pessoas e Gestão por Competências. Deve-se pensar, se
possível na gradual eliminação dos integrantes e unidades regidos pelo arquétipo
guerreiro, na sua expressão extremada caveira. Bem como, é preciso criar situações
forçosas (treinamentos e estágios em campo) para desenvolver, nos “pai zelosos”
extremados, competências mais típicas de guerreiros, de uma forma geral.
Comissionamento temporário. Que pode atingir a carreira como um
todo. Ou a transferência para determinadas unidades, com data programada de saída.
Ou seja, para um membro da PM ser transferido para um batalhão como o Bope, a
Rota ou o Ciosac ele deveria ir, sabendo que em determinado tempo, por exemplo, 2
(dois) anos, sairá, retornando para sua unidade de origem, ou sendo aproveitado em
outras funções como treinamento de recrutas ou convivendo com outros contextos
institucionais.
Reconhecimento da carreira em segurança pública. Carreira
reconhecida sem o vínculo exclusivo com a instituição formadora. Permitir a troca de
talentos entre as organizações por portadores de certificado e experiência em
corporações diferentes. Salários, carreiras e planos de previdência são prisões.
Alargar os institutos de democracia interna. Como dizia um inteligente
comandante meu, na verdade meu último comandante, ele propôs uma grande
emenda ao estatuto, na verdade, era outro mais moderno, mais humano, sem perder
as bases de uma instituição regida por hierarquia e disciplina. Mas o principal ponto
que chamou a atenção de sua proposta era a lista tríplice para escolha do comandante
geral. Se não me engano uma das opções da lista era indicada por uma eleição geral
interna e uma das outras por votação entre o colegiado de Alto Comando, a última
vaga da lista pelo coronel mais antigo que não havia sido comandante ainda. A lista,
portanto, só podia ser composta por ocupantes do último posto da PM: coronel.
Atividades de compensação psicológica. Deve-se imbuir os policiais de
atividades que os façam focar a atenção psíquica para outrões padrões de
funcionalidade, que compensem o foco exigido pela atividade operacional de
policiamento: capelania; arte: dança, teatro; jornalismo, literatura e bloguesfera;
docência; artes marciais e defesa pessoal; esportes.
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Re-militarização como proposta transitória
Em dada oportunidade, apresentava uma revisão do artigo "Continuidade e
persistência de comportamentos sociais: as práticas repressivas do Estado brasileiro"
(LIMA E LIMA, 2013) em um evento do Núcleo de Estudos da Violência da UFAL.
Coordenando estavam, as professoras Ruth Vasconcelos e Elaine Pimentel, que como
eu, tínhamos participado de uma pesquisa sobre as condições de trabalho dos
policiais alagoanos, qualidade de vida e adoecimento psíquico 289. Foi quando eu que
comparava o caso Amarildo a casos de violência policial no século XIX pelas forças da
corte carioca (LÍBANO SOARES, 1999), fui interpelado sobre o que eu pensava para o
futuro da PM.
Primeiro eu disse, "olha, eu sei que as professoras já presenciaram nas
falas de grupos focais tanto aqui como no Ceará e sabem da ambiguidade que
prevalece entre os policiais, sobretudo, os militares". Respirei forte, porque não é fácil
para nós que tanto investimos energia na carreira dizer isso: "mas sou sincero em
dizer, eu amo ser policial, mas odeio a Polícia Militar". Amo a atividade que repugnei
por tanto tempo, aprendi a valorizar seus percalços, sair estando apaixonado por ela e
fui muito decepcionado pela instituição que me sugou e em muito pouco, fora a
remuneração, me assistiu quando preciso.
A desilusão está no choque de realidade e talvez, a instituição tenha sua
natureza própria bem (ou mal) adaptada ao meio social, são as pessoas como eu, que
não estão satisfeitos nem com esse tipo de adaptação, nem com um meio social
regido pela competição e padrão de domínio e subjugamento do outro. Eu entrei na
PM, por ela ser militar, meu pai era militar, os filmes e tudo o que eu tinha lido
apontavam para uma instituição de correição, promotora da justiça mesmo que com o
uso da força, que inspira seus membros ao melhor condicionamento físico e
aperfeiçoamento intelectual. E acreditei na utopia militar de uma máquina eficiente
com assistência humana: colégio, psicólogo, médicos, assistentes sociais, música,
esporte, cultura, vastas bibliotecas, centro de produção tecnológica, Mas a única coisa
de pretensamente militar que a PM tem é a disciplina distorcida, na qual a maioria dos
comandantes não dá nenhum exemplo que seja virtuoso. E excetuando algumas
políticas de alta gestão, como os casos paulista e mineiro, de uma forma geral, a
gestão organizacional das polícias militares é precária e, na verdade, desonram a
herança institucional da estratégia e logística militar.
Sabendo disso, conhecendo os entremeios da resistência às mudanças de
um sistema complexo-simbólico com as características da PM ao ser perguntado
afasto-me de proposições como desmilitarização e como eu disse, naquela
289 ASCOM - SEDS-AL. Secretaria da Defesa Social do Estado de Alagoas (Seds). Defesa Social inicia pesquisa de
qualidade de vida dos servidores. ASCOM, publicada em 06 fev. 2014. Acessado em 10 ago. 2017. Disponível em
<http://www.pm.al.gov.br/intra/index.php?option=com_content&view=article&id=5092:defesa-social-iniciapesquisa-de-qualidade-de-vida-dos-servidores&catid=7:destaques&Itemid=80>. / MARTTINA, Luana. "Pesquisa
mapeia condições de trabalho na segurança pública: Estudo, objetivo é subsidiar políticas de qualidade de vida".
Jornal Gazeta de Alagoas. Seção Cidades. Publicado em 06 jul. 2014. Acesso em 10 ago. 2017. Disponível em
<http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=247715>.
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oportunidade, do evento do NEV-AL, proponho a re-militarização da polícia em seu
componente profundo arquetípico que suscita a justiça, dignidade, polidez, equidade,
estratégia, uso da força moderada.
Ou seja, em termos mitológicos como é do gosto de Freud e de Jung,
substituir a regência de Ares pela de Atena. Ou seja, assim como Xangô tem uma
atuação civilizatória, Palas Atena (mesmo sendo guerreira) também tem. Nessa visão,
contemplamos a proporção de Tânatos e Eros como uma solução com mais ou menos
soluto dissipado no solvente. Eros está sempre presente, resta saber quanto de
Tanatos vai se aglutinar a isso. Assim sendo Eros se presta ao serviço se outras
vontades arquetípicas (aliás, ele é o mensageiro), assim como Bara Exu serve em
trabalhos aos mais diversos orixás, sustentando-os. Oxalá tem Exu, Oxum tem Exu,
Ogum tem Exu. Quem se auto sacrificará como Ogum, ao perceber que foi
excessivamente mortífero, matando seus próprios adoradores?
Força de vida indiferenciada é o primordial, sempre vai ter, quanto de
autoafirmação vai ter nisso, define a característica do ser e/ou do ambiente. Se não
tiver nada de auto afirmação, não tem consciência, não tem existência. Tudo ainda é o
ponto inicial antes do Big-Bang. A sociedade humana ainda não teria se diferenciado
da natureza e ainda estaria no paraíso-infernal de viver apenas os seus instintos.
Quando se auto afirma e quer algo que não seja o compelido pelo natural, isso é
suscitado por forças essenciais masculinas e por lógica masculina passa a ser regida
em parte para se manter existindo, se não se desintegrar.
Seria descabido de minha parte propor uma reorientação institucional
própria de contextos civilizacionais femininos, isso pode ser desastroso em contextos
masculinos. Ou seja, na lógica patriarcal não se pode simplesmente dispensar os
elementos de controle. “Em toda sociedade existe a militarização no seu sentido
amplo”, explica-nos Firmino (2015), atrelando esse caráter geral da civilização a sua
própria existência e manutenção: “porque ela determina a harmonia e a evolução
social dentro de padrões controladores para a sua própria sobrevivência”. Nesse ponto
vemos Slavoj Žižek (2015) se perguntando, deveríamos nos submeter a isso? Minha
resposta: no padrão de desenvolvimento civilizacional masculino, sim. E a
desmilitarização em seu sentido amplo, pode ser percebida como “o declínio da
metáfora paterna”, explicada por Ruth Vasconcelos (2007), aludindo a Freud,
justamente no tocante a crise civilizatória e o aumento da violência.
Sem o totem não há tabu, foi a paráfrase que utilizamos para nomear um
tópico do Capítulo 7, onde demonstramos que a polícia por si só é um elemento
simbólico de grande relevância na interdição social. Sentimo-nos mal com sua
presença, incomodados um tanto, porque ela é os olhos do pai disciplinador, mas toda
a estrutura sociopolítica carrega uma parcela do pátrio poder (VASCONCELOS, 2007),
contudo, a polícia tem nas mãos o instrumento direto de punição e a iniciativa de
flagrar “as peripécias” dos filhos sociais. E quando nos deparamos com uma instituição
sui generis como a PM (BRODEUR, 2010; KRISCHKE, 2014), que tem o hábito de
aplicar punições severas antes mesmo da aplicação de castigos educativos, sentimos
certo repúdio a algo que nos vêm como abjeto.
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Tolera-se a punição paterna, quando moderada e perceptível o objetivo
educador. É justificável a rejeição à obediência ao pai agressor que embriagado
insulta a mãe, usurpa dos filhos algo conseguido com o trabalho e abusa das filhas 290.
E quando nem mais se vê nele um pai, quem não se levantaria contra um irmão que
espelhasse esse comportamento do pai? Totem se refere a um animal sagrado que
remete a lembrança do pai da horda primitiva, um macho alfa que é morto por seus
filhos, pois não toleram mais sua impulsividade agressora, tal qual a história mítica de
Cronos, morto por Zeus, Poseidon e Hades (BULFINCH, 2002; FRANCHINI e
SEGANFREDO, 2007). Diz-se que as sociedades primitivas visitadas pelos primeiros
antropólogos-etnógrafos do século XIX, apresentavam um conjunto de práticas sociais
e religiosas que tinham por sagrado esse animal, que servia de consolo à culpa de se
ter matado o, na prática, pai abusivo, mas, em memória, um santo ao qual se devia
cultuar (GOYA, 2014; FREUD, 1996).
O que os irmãos assassinos estabelecem: para que não surjam novos
machos alfas abusivos? Estabelecem-se limites, uma interdição que impede que os
mais afoitos satisfaçam todos os seus desejos por sobre os outros. As regras que
limitam são os tabus. É bem verdade, que vivemos a época da quebra dos tabus,
dizemos que algumas dessas rupturas são necessárias, mas quanto? Porque sem
totem simbólico, não se mantém as normas e sem elas, voltamos à beira do precipício
do risco iminente da desintegração social.
Segundo Ruth Vasconcelos (2007), “nesta perspectiva, é importante
refletirmos sobre as implicações sociais do declínio da metáfora paterna, que se traduz
numa dinâmica social marcada pela crise de autoridade e pela insuficiência da
inscrição da lei no campo subjetivo”. Para Vasconcelos (2007) essa não introjeção da
lei no sujeito é “fator que obsta o reconhecimento das leis no campo social”. E assim
sendo, sem a lei do respeito (pelo medo de ser o próximo morto) inscrita em si, faz
com que “a constituição de uma sociabilidade pautada em direitos e deveres
reconhecidos como referenciais legítimos para todo e qualquer sujeito social” ficar
deveras prejudicada.
Se quisermos outra lógica que não a patriarcal, precisamos antes passar
por um período de moderação masculina. Se quiséssemos deixar o hábito mundial de
sermos carnívoros, teríamos que primeiro consumir toda carne em excesso, castrar
milhares de animais de rebanho, tornarmos onívoros, fazer tudo paulatino (VAZ DE
LIMA, 2015); existem culturas entranhadas a isso como o texano ou o gaúcho, tem
pessoas dependendo das redes de produção e distribuição da carne. Faço uso dessa
analogia, porque submeti nesta pesquisa à validação a hipótese do acirramento
belicoso ser resquício do modo de subsistência da caça.
Existem sujeitos atrelados à lógica do controle de padrão masculino. A
ruína de seu hábitat organizacional, não a matará, porque ainda terá o hábitat mental,
ao contrário, a tal lógica armará seus adeptos como quem luta pela sobrevivência
(MORGAN, 2002).
Posso afirmar categoricamente, se há consciência de está circunscrito em
uma civilização patriarcal, o caráter militar não deveria ser objeto de repulsivididade,
290
Eu vi o que policiais podem fazer desde o bem até o mal excessivo.
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ao contrário, ele deveria ser de certa forma enaltecido pela sua capacidade de
ordenação. Preciso esclarecer, porque falo de enaltecimento, militar é a forma pós
Revolução Agrícola de absorver os impulsos de caça e guerra primitiva. Aqueles
sujeitos dados ou compelidos por necessidade a acessarem o acervo arquetípico da
guerra, somente são detidos pelo que chamamos de militarismo. Agora se o sujeitoanalista, não se vê obrigado permanecer psiquicamente atrelado ao padrão de
domínio masculino e é dado a uma preferência em tudo mais propício ao sistema
matriarcal ou matrístico, o militarimo tal como é, senti-o abjeto, repugante. Os ligados
ao matriarcalismo, entedem até mesmo o domínio, desde que orquestrado por
mulheres; os ligados à cultura matrística invertem a ordem do poder da força, pela
introjeção subjetiva do amor.
Portanto, – posso afirmar categoricamente – que o militarismo no sentido
amplo, contextualizado no padrão masculino de civilização, não é em nada
repugnante. A guerra e o sangue em si, sempre causam comoção. Há muito do
militarismo que passa longe do sangue, há nele tal qual as artes marciais orientais um
desafio constante de autoequilíbrio e disciplina. Ao certo, aquilo que vemos tanto
causar polêmica sobre a Polícia Militar, é aquilo que não se vê (ou se vê muito menos)
em suas cogêneres lusitana, chilena, italiana e francesa291: as práticas do pai abusivo,
que não lida com filhos, mas com escravos. É a herança escravocrata e não a militar
que torna a PM tão letal. É o reforço do ímpeto imperial, expansionista e invasor, que a
PM adquiriu no contato com a forma de atuação da polícia militar do exército norteamericano. O indutor desse reforço dos componentes de caça, guerra e expansão
imperial, foi indubitavelmente os regimes de exceção do século XIX no Brasil: o Estado
Novo da Era Vargas e a Ditadura Militar, que correspondem juntos a 30 anos.
291
Quais são a côgeneres lusitana, chilena, italiana e francesa da PM? Respectivamente: Guarda Nacional
Republicana, Carabinero de Chile, Carabinieri e Gerndermaria Nacional.
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A negação da realidade que acontece hoje
em termos planetários, só pode ser vencida
através do Amor do Todo.
Hélio Couto
CONCULSÃO | MENSAGEM DO VERDADEIRO ESPÍRITO
GUERREIRO
Ecologia dos espíritos institucionais
Durante o percurso desta pesquisa, estive à procura do espírito da Polícia
Militar, identificou-se que os espíritos institucionais ou organizacionais são escolhidos
pelos agentes volitivos dos sistemas sociais humanos. As pessoas escolhem a quais
ideias dedicarão seus esforços físicos e mentais. Os espíritos, por sua vez, como
entidades autônomas, em uma dinâmica denominada da ecologia das ideias,
estabelecem ações estratégicas para “possuírem” mais mentes de pessoas que lhes
sustentarão como as ideologias predominantes.
Portanto, uma organização institucionalizada como é o caso das polícias
militares estaduais e distrital, ou qualquer outra organização que adere ao modelo
institucional policial militar, como é o caso das guardas municipais, não tem todas, um
espírito único. Bem como, nem todos os membros das organizações acompanham os
ditames da ideologia predominante internamente. Mas a ideologia 292 que sustenta por
mais tempo o posicionamento de príncipe entre as outras, manipula os recursos
alocativos e autoritativos293 (materiais e de poder) em prol da manutenção e expansão
da sua hegemonia. Tornando praticamente compulsório a adesão ou submissão a ela.
A ideologia predominante hoje na Polícia Militar, segundo a prospecção da
interpretação autoetnográfica é o de guerreiro em sua tonalidade “caveira”, ou seja,
uma adesão coletiva ao espírito do guerreiro-assassino como atrator do sistema
institucional e sua personificação imaginada como o modelo de policial honrado a ser
seguido. Caberia uma conversão coletiva ao “culto” de outro espírito. Numa transição
paulatina, mas não demasiadamente lenta, o arquétipo modelo temporário apropriado,
parece ser o de herói-justo. Minha prospecção sobre os direcionamentos da civilização
como um todo, parece apontar para novas formas de fazer polícia. Instituições que
cuidam e protegem, com uma incrível sensibilidade da condição humana, sem perder
o vigor nas ações rápidas, sagazes, mas não vorazes. No futuro, o arquétipo de
condução mental dos agentes sociais, que talvez nem mais se chamem policiais, será
o de pai-zeloso ou de mãe-guerreira.
Caso quiséssemos saber a mensagem do espírito do guerreiro-caveira,
bastaria ler as notícias da imprensa brasileira e dos números da guerra civil-urbana
não declarada do país, assim como isso surpreendeu Jean-Claude Chenais (1999).
Para ouvi-lo basta ir ao mundo obscuro das atividades só para homens das academias
de policia militar ou dos cursos de operações especiais (MUNIZ, 1999;
292
293
Ideologia e hegemonia termos de Gramsci (1982; 2001).
Os tipos de recursos segundo Giddens (2003).
Página | 374
ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001). Quando digo conversão, é porque a Academia
de Polícia Militar precisa permanecer, talvez mude naturalmente de denominação, mas
o mais importante é que precisa expressar o “desejo” de outra entidade ideológica, de
outro espírito. Nesse sentido, o texto que culmina esta pesquisa trata-se de uma
simulação do que o espírito guerreiro, melhor adaptado às novas exigências sociais
falaria para seus seguidores, ele é um híbrido integrado entre o herói-justo, o
aventureiro-sonhador, o pai-zeloso-piedoso e a mãe-guerreira, assim como o
arquétipo do si mesmo de Jung, ele integra luminosidade e sombra, masculino e
feminino e, portanto, é algo mais aproximado do cristo da estrutura sociohumana dos
guerreiros. Trate-se da mensagem do verdadeiro espírito guerreiro.
Deixa o espírito falar
É na Ecologia do Ser de Juracy Marques que compreendemos a
relevância nos estudos ecológicos humanos, das cosmovisões próprias nas quais se
baseiam as condutas coletivas e individuais de grupos humanos destacados, seja pela
etnia (indígenas, por exemplo), pela religião (candomblé, por exemplo) ou pela
atividade laboral integrada ao meio (pescadores, por exemplo). Portanto, policiais e
ainda mais os policiais militares tem uma matriz de interpretação da realidade própria.
Essa matriz revela o espírito dos policiais, ou o espírito da polícia. Então dizer que o
espírito de uma instituição pode falar, é reconhecer que essa cosmovisão própria tem
vida, para se exprimir o faz pelos seus adeptos. É também em Marques, que não há
constrangimentos em apontar como origem de um discurso, os próprios elementos
sutis, personificados, dessas cosmovisões próprias.
Então uma Ecologia Humana, verdadeiramente humana, teria que
reconhecer a fala de um orixá, o texto psicografado de um espírito desencarnado ou
as considerações de um pajé sobre o que lhes dizem os espíritos dos ancestrais.
Portanto, num exercício mais taxativo, nesse sentido, que a imaginação ativa de Jung
ou a simbólica de Duran (o que fiz, até agora, pelas analogias, tipologias e
mapeamentos mentais) – num exercício mais profundo que esse – disponho-me a
deixar que o verdadeiro espírito de uma polícia melhor adaptada ao futuro sustentável
da Terra, tome minha consciência e fale.
E se Isaac Newton nos confessa que suas leis da física têm inspirações
metafísicas na Cabala judaica; se Fritjof Capra ao avançar nos seus estudos de física,
precisa admitir que um senso mais profundo e significativo do cosmos já podia ser
visto nos antigos textos védico-hindu, budistas e taoístas. Se por meio do olhar ao que
sempre foi denominada tradição religiosa, Max Weber e Carl Jung puderam contribuir
enormemente para uma ciência social e humana mais madura; se Charles Darwin não
podia confessar publicamente, que muitos insights de intuição de seus estudos eram
proporcionados por diálogos com sua filha já falecida, o que confessou privativamente
a Alfred Russel Wallace, coautor da teoria da evolução.
Se todos esses contributos tiveram significativas influências de alterepistemologias. Porque eu teria que me constranger em dissimular as inspirações
deste trabalho. Portanto, deve-se dizer que o texto que se segue é baseado numa
canalização do Mestre Ieshua, feita por Pamela Kribbe, em 12 de dez. de 2004, em
Tilburg, Holanda. E corresponde a uma amálgama entre os resultados de nossa
Página | 375
pesquisa pelo inconsciente institucional específicos da expressão guerreira, que por
sua vez já tinham inspiração original em outros trabalhos de canalização de
espiritualistas brasileiros, tais como Luiz Gonzaga Scortecci de Paula (Ben Daijih),
Laércio Benedito Fonseca, Hélio Couto e Rogério de Almeida Freitas (Jan Val Ellam).
Mensagem do verdadeiro espírito guerreiro
Nunca diga a um guerreiro que ele não pode fazer o que ele tem que
fazer. Sobretudo, dizer que ele não pode, porque não consegue ou porque está
proibido, ou seja, desautorizado a fazê-lo. Ele irá certamente, pelo ditame das formas
induzidas pela sua natureza, contrapor-se a isso veementemente. O que se pode
fazer, quando o "que precisa ser feito" é de natureza danosa ao todo social é
redirecionar essa energia, eminentemente masculina essencial, para outro senso de
missão. Reconstrua-se, portanto, junto aos guerreiros que novas lutas precisam travar,
mas não lhes digam que não haverá mais lutas. Primeiramente, que isso não é
verdade, nem mesmo da Ilha de Utopia 294 havia cessado espaço para conflitos e
embates. Segundo, porque sem desafios um guerreiro não tem sentido de existir.
Talvez seja esse o termo proeminente para se compreender a questão:
desafios, e não guerras. Dizer aos guerreiros que guerra de sangue são prejudiciais a
todos, como se estivéssemos infligindo um mal injusto a nós mesmos, é isso que a
Ecologia Profunda aborda em seu âmago. E quando reunimos isso ao intento último
da Ecologia Social, integramos o mundo social com o natural, por meio de uma liga
que nos inspira a dizer como Spinoza, que não há sentido de sermos contra algo
(Ecologia Profunda) ou alguém (Ecologia Social), pois esse algo ou alguém somos nós
mesmos em um único Todo inseparável.
O germe de Utopia
Em Utopia sempre havia um mundo exterior não explorado de onde
poderia vir um perigo. Afinal de contas Utopia era o melhor lugar para se viver, mas
ainda era um império295. O soldado e, sobretudo, o oficial romano segue sem temor
porque crer na utopia de Roma296. Como dizem no meio militar, mesmo quando muitos
anos se passaram: "nada mudou". O soldado norte-americano ainda acredita na
mesma coisa. A questão é um germe interno, próprio do sistema verticalizado 297 não
maduro o suficiente para aplacar o ímpeto de domínio.
Este germe298 é disseminado nos territórios ocupados, seja no caso
histórico romano, ou na epopeia norte-americana que ainda está em curso, ou nas
294
Utopia lugar imaginário, uma ilha sede de uma República concebida por Thomas Morus (que foi diplomata,
filósofo inglês, chanceler do reino na época de Henrique VIII, santo da igreja Católica), em 1516, seu livro escrito em
latim: “De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia” [Sobre o Melhor Estado de uma República que
Existe na Nova Ilha Utopia]. O termo “utopia” passa a ideia de civilização ideal, imaginária, fantástica. A palavra foi
criada a partir do grego: "u" (prefixo de negação) e "tópos" (lugar), portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não
existe".
295 A série 3% de produção brasileira, do canal Netflix, mostra essa mesma realidade.
296 SILVA e MENDES, “Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural”, 2006.
297 Milton Santos aborda o mesmo aspecto de disseminação de verticalidades em livro, ano.
298 Para nós, esse germe é na verdade um “meme” nos termos de Richard Dawkin, que está no aspecto de ecologia
das ideias danosas de Bateson. Ele é danoso, não por ser mal em si mesmo, mas porque não está adaptado, não é
próprio da natureza da Terra e de seus filhos protetores (a “última” espécie: os humanos).
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outras duas ilhas da Utopia existentes na atualidade: o Reino Unido e Israel. Em todos
esses casos, a expansão utópica do império que leva sua herança de “felicidades e
liberdades”, sempre causa efeitos colaterais, destacadamente um sentido de injustiça
entre colônia e metrópole e uma enculturação de que essas colônias, quando
emancipadas vão criar suas próprias “colônias” de uso-fruto. Assim foi com o
desmoronamento do império colonial europeu por sobre a África no século XX. Assim
ainda é o mosaico cultural da própria Europa. Uma Espanha se projeta para o mundo
como uma nação só, mas é na verdade um domínio central de uma origem étnica
contra outras. Não escapam dessa realidade a Alemanha, a Itália, a Hungria, os
Países Baixos e o próprio Reino Unido.
E para não me acusarem que estou “demonizando” o Ocidente, é preciso
não deixar de fazer referência à expansão árabe-islâmica por sobre a África, o Oriente
Médio e o Sudeste Asiático; do até então ímpeto insaciável do império japonês; da
supremacia cultural ariana sobre a hindu e das distinções entre as etnias chinesas.
Talvez o caso mais acentuado do espírito guerreiro, com difícil desmobilização da
chave guerreira se dê nos filhos da Grande Mãe Rússia. A questão em tela, é que o
modelo policial predominante suscetível à corruptela extremada é ocidental.
Importante caso, que ilustra um pouco mais sobre essas dinâmicas de uma
“guerra de impérios” (ou “guerra dos tronos”299) é a construção da identidade do Timor
Leste. Para garantir sua integridade em diferenciação à Indonésia, foi preciso
emprestar-lhe instrumentos simbólicos de guerra e política, de Portugal e do Brasil. A
presença de policiais militares brasileiros300 (tanto estaduais, distritais e da Polícia do
Exército)301 e de membros da Guarda Nacional Republicana portuguesa302 atesta esse
fato. E a morte do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, no Iraque, em 2003, em
um atentado assumido pela Al Qaeda, alegando represália à independência do Timor
Leste é outra ilustração típica do padrão de relações estabelecidas entre os impérios
civilizacionais, mesmo quando se fala em instituições “pacificadoras”303. Ora, a missão
299
Guerra dos tronos: Aqui se faz referência a uma série norte-americana de TV de grande audiência, cuja primeira
temporada é de 2011, intitulada “Game of Thrones”, baseada numa adaptação da série de livros “As Crônicas de
Gelo e Fogo”, escrita pelo também norte-americano George R. R. Martin, publicado em 1996. Trono também é uma
referência ao termo cabalístico, utilizado pelo apóstolo Paulo em suas cartas (Epístola aos Colossenses 1:16), que
designa na tradição cristão medieval uma das hierarquias mais elevadas entre os anjos. Porém para o judaísmo isso
não é consenso, a palavra hebraica erelim que é traduzida para o grego como θρόνος [tronos], é geralmente melhor
aceita como equivalente à guerreiros ou heróis.
300 Em meio à polêmica do relatório quadrienal de 2012 do Conselho de Direitos Humanos da ONU ter uma
recomendação da Dinamarca sobre a extinção da PM, em matéria da ISTOÉ, o comandante da PM de Santa Catarina
e presidente do Conselho Nacional do Comando de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, afirma que: “O que a
Dinamarca sugeriu foram medidas para acabar com a violência extralegal praticada por grupos de extermínio",
argumenta o coronel Atair Derner Filho. Até porque seria incoerente já que “a ONU, inclusive, usa o serviço de
policiais militares brasileiros para treinar forças de segurança em países com instabilidade política, como Haiti e
Timor Leste”. ISTOÉ, “Brasil diz não à ideia da ONU de pôr fim à PM”. Publicado em 19 set. 2012. Acessado em 20
jun.
2017.
Disponível
em
<http://istoe.com.br/238978_BRASIL+DIZ+NAO+A+IDEIA+DA+ONU+DE+POR+
FIM+A+PM/>.
301 OLIVEIRA Jr., Almir e GÓES, Fernanda Lira. “A presença brasileira nas operações de paz das Nações Unidas”.
[Texto para Discussão n.º 1516]. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dez. 2010.
302 SALVADOR, Susana. “Cronologia da presença da GNR em Timor-Leste”. Agência Lusa. Publicado em 11 nov. 2012.
Disponível em < http://www.dn.pt/portugal/interior/cronologia-da-presenca-da-gnr-em-timorleste-2893861.html
>. Acessado em 10 jun. 2017.
303 Como pano de fundo desse padrão de relações, peço destaque para uma análise que constata a hegemonia de
figuras políticas e militares dos Estados Unidos, em uma sequencia de condecorações por parte da nova República
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de Sérgio Vieira 304 era justamente, coordenar como figura de autoridade transnacional
uma ocupação que foi praticamente imposta pelos Estados Unidos e Reino Unido sem
autorização do Conselho de Segurança da ONU305. E o que move essas relações?
Espírito de liberdade306, o ouro negro ou algum tesouro do saber tecnológico
babilônico ou sumério307?
Em última perspectiva, trata-se do Eu contra o Outro. Do homem contra a
natureza, do qual quer se separar e dominar. Quando é inconcebível tal separação. O
que pode está em curso é, uma diferenciação pela autoconsciência, a qual deve logo
em seguida se tornar uma responsabilidade consciente de proteção e cuidado308.
Para aqueles que se admirarem pela indicação das novas ilhas de Utopia,
devem considerar o fato da alta casta comerciante, de financista mundiais, de um
certo supracapitalismo309, serem os mesmos patrocinadores da paz e prosperidade do
moderno Estado de Israel, os quais tem suas bases operacionais em Londres e são os
mesmos que suportam a máquina de guerra estadunidense. E são os mercenários
selecionados em meio ao povo americano, com esse dinheiro, que trasvestidos de
militares regulares, vão aplicar procedimentos operacionais padrões (leia-se, práticas
de tortura310) no presídio de Abu Ghraib no Iraque.
Esse é o problema da atual Israel, não basta ser uma ilha próspera, se
ainda há, lá fora, um abismo de injustiças e medo. Não é sustentável construir um país
da liberdade, por sobre a exploração mundial da opressão pela riqueza de poucos. É
preciso abordar esse ponto delicado, porque a cosmovisão da capelania militar (e
policial) é baseada nos mesmos fundamentos da fé protestante anglo-americana e
semita. Estão esquecendo que o ente que encarna essa predileção de povo escolhido,
o Senhor dos Exércitos, em sua própria literatura histórico-religiosa, é considerado
justo o suficiente para não admitir tal discrepância, bem como em mais de um ponto
do drama de Javé, ele lembra que zela pelo destino não só do Israel, mas de todas as
nações e cada ser vivente. A epopeia de Camões é poeticamente empolgante, mas
por mais que se invoquem todos os deuses, não haverá paz, se os próprios deuses
Democrática do Timor-Leste, no Jornal da República (equivalente ao Diário Oficial), de 7 set. 2016. Disponível em <
http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2016/serie_1/SERIE_I_NO_35.pdf>.
304 GOUREVITCH, Philip e MORRIS, Errol. Procedimento Operacional Padrão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
305 BLIX, Hans. “Invasão do Iraque sem autorização da ONU foi um erro: Governo Bush ignorou normas
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306 O nome da operação militar de invasão orquestrada pela coalizão liderada Estados Unidos e Reino Unido e
apoiada pela Austrália e Polônia era “Operação Liberdade do Iraque”.
307 Especulações fazem referência à obsessão de Saddam Hussein, ex-presidente ditador iraquiano, em honrar e
buscar segredos da época de Nabuconodosor, rei da Babilônia. As especulações, dignas de teorias conspiratórias,
fazem associação da possibilidade de reconstruir ou reativar um Gerador de Vórtice Magnético, como portal
interdimensional, tal qual seria um dos propósitos do Projeto Motauk, da Força Área dos Estados Unidos no Estado
de Long Island. “A luta pela herança Extraterrestre da Babilônia (Iraque) e Pérsia (IRÃ)”. Publicado em 23 set. 2013.
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<https://jackzennectoux.wordpress.com/2013/09/23/a-luta-pela-heranca-extraterrestre-dababilonia-iraque-e-persia-ira/> baseado na tradução do texto de Michael E. Salla, Doutor em Filosofia da
Universidade de Queensland, Austrália, que especula sobre os artefatos tecnológicos dos antigos deuses
astronautas em “Iraq’s extraterrestrial heritage”. Publicado em mar. 2013. Disponível em
<http://www.bibliotecapleyades.net/exopolitica/esp_exopolitics_a_3.htm>.
308 Inspirado em Maria Vaz de Lima (2015) e em Reimer (2009) o tema bíblico: dominação versus cuidado foi
aborado no final do Capítulo 9, na seção “Colocar o mundo de cabeça para cima”.
309 (DE CARVALHO, 1993; 1996).
310 GOUREVITCH, Philip e MORRIS, Errol. Procedimento Operacional Padrão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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estão em guerra. O problema do espírito de desbravamento ultramarino dos Lusíadas
é o mesmo de todos os enredos de expansões imperiais, desde Alexandre, Genghis
Khan ou Nabuconodosor.
Mitologicamente isso se refere ao arcanjo Samael, mas tem conotação na
própria estrutura psíquica humana. Não se pode levar a paz, mesmo em forma de
ordem, se internamente não se vive essa paz ordenada. Vale a pena destacar que
Samael é correlacionado com a personagem mitológica que causou uma rebelião no
mundo ideal dos deuses, mesmo sendo anteriormente o portador da luz: Lúcifer. Mas
aqui nos vale a analogia com o mundo interior do ser humano. A luz quem trouxe foi a
consciência desperta por sobre a vasta escuridão da inconsciência. Essa mesma
grande conquista da emergência evolutiva da vida, tem hoje causado sérios
desajustes sociais, porque a consciência é conduzida por uma lente muito fina de
percepção, o ego. Ele precisa está integrado à vida pulsante da inconsciência. Mas
não pode se deixar ser totalmente possuído por um arquétipo isolado, nem se
desconectar de todos eles. Em Ecologia Profunda, diz-se que é a atitude centrada do
ego em si mesmo que causa os males civilizacionais.
O espírito do guerreiro aderido pela Polícia Militar Brasileira está
corrompido pelo germe de Utopia, adotado pela simples herança institucional direta da
Gendarmaria Francesa e do Exército Português, que aludem ambos ao exército
romano e esse último em certa parte ao contra furor lusitano à voracidade moura.
Reforçado sorrateiramente pela alocação das redes de base de uma sociedade
escravocrata. A cabeça branca é metropolitana, mas as mãos que chicoteiam são
pretas e pardas, porque reproduzem as desigualdades do velho sistema tribal.
Desigualdades do além-mar sejam do Porto ou de Ruanda.
Entre outras influências, cabe destacar a artificialidade da engenharia
institucional, tecida pelos dois regimes de exceção brasileiros do século XX: o Estado
Novo de Vargas e o regime militar, marcadamente de 1969 ao final da década de 70.
O composto institucional recebeu uma sobrecarga de espírito guerreiro corrompido,
com a adoção deslocada do pensamento vigente e dos procedimentos da polícia
militar de exército. Momento esse que a instituição brasileira, aprendeu muito bem,
dos norte-americanos, como se submete uma população estrangeira.
Apesar de que os brasileiros tem uma característica luso-ameríndia
peculiar, de aproximação e integração cultural com os estrangeiros, mas isso é feito
por uma apropriação seletiva que rediscuti e reencaixa os novos membros da confraria
em categorias condizentes com a estrutura vertical original. Portanto, não causa
admiração que o modelo brasileiro de atuação no Haiti, que tem por fundamentos
alguns dos mesmos da atuação nas favelas cariocas 311, revestido, aquele, pela
austeridade (como imagem projetada) do Exército Brasileiro – não admira, tal sistema
311
VALENTE, Júlia Leite. Unidades de Polícia Pacificadora: pacificação, território e militarização. [Dissertação] Rio de
Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015.
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– possa ser um dos escolhidos pela ONU para replicação312 em outras partes do globo
em operações de estabilização e manutenção da paz.
O português não se priva do contato humano direto como os demais
europeus, ele dorme com a preta, mas o filho dessa relação vai ser feitor da senzala e
não herdeiro. E a preta depois de servir certo tempo ao seu senhor, passará por
humilhações por parte da esposa, senhora da casa. Assim como todos os filhos de
Zeus, são guerreiros, mas nem todos são filhos de Hera, que os perseguem com
veemência. A Polícia Militar hoje é o filho de Hera, Ares (Marte), o deus da guerra, e
esse por sua vez ajudado esse por seu filho Eros, caçando os seus demais irmãos em
nome de sua mãe313.
A mancha de sangue, que só a sensibilidade ética humana pode ver no
globo terrestre por sobre o Brasil, é uma manifestação histérica, devidamente
dissimulada, do fratricídio generalizado, onde representantes do irmão mais velho
buscam a todo custo retomar a posição de domínio incontestável do pai primordial, a
figura totêmica de Freud, que em muito se assemelha a Zeus.
É por Raymundo Faoro que se percebe que não poderia ser diferente,
esses tais donos do poder constituíram um exemplar sistema socio-cultural, a ser
invejado em muitas partes do mundo. Pois que controlam, usurpam as riquezas e
possuem uma insuperável máquina de silenciamento das massas. Mas o controle de
Ares sobre os guerreiros desse sistema inescrupuloso persiste até que um de seus
irmãos tome a dianteira do processo: seja Dioníso (Baco), como figura que revela
segredos aos homens; ou, Atena (Minerva) e Artemisia (Diana) que reconfiguram a
força do guerreiro-estrategista-caçador para outros fins.
É como se nem Exu aguentasse mais ser sempre chamado para
orquestrar trabalhos à esquerda, ele mesmo como mensageiro de Oxalá e embaixador
de Oludumaré, ele cessa o apoio aos seus filhos, rejeita as ofertas e provoca mudança
de folha de inúmeros chefes de casa para trabalhos à direita. Sendo casa, portanto,
312 “ONU quer levar ao Congo experiência brasileira no Haiti”. BBC Brasil. Publicado em 25 abr. 2013. Disponível em
< http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/04/130424_general_rdc_lk >. “A experiência prévia à frente de
operações militares no Haiti fez o general de divisão brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz ser convidado pela
ONU para comandar sua maior missão de paz: a Monusco, na República Democrática do Congo [...] A ‘Brigada de
Intervenção’ foi estabelecida com uma ‘autorização especial’ da cúpula da ONU para adotar ‘qualquer medida
necessária’ para derrotar o M23 (Movimento 23 de Março), o FDLR (Forças Democráticas para Libertação de
Ruanda) e o LRA (Exército de Resistência do Senhor), e ao menos outros quatro grupos rebeldes locais e
internacionais que operam especialmente no leste do país. Na prática, isso significa que o Departamento de
Missões da Paz da ONU criou uma estrutura para possibilitar a realização de ofensivas militares mais robustas no
âmbito de uma missão de paz convencional, sem ferir a legislação e os princípios das Nações Unidas [...] Na época, o
general autorizou seus coronéis e subordinados a planejar e executar ações de força, que finalizaram o processo de
desmantelamento de grupos rebeldes e gangues que dominavam a favela de Citè Soleil – o último grande bastião
rebelde do país. Segundo militares ouvidos pela BBC Brasil, assim como seus antecessores, Santos Cruz sofreu
grande pressão de diplomatas da ONU para endurecer as ações no Haiti naquela ocasião. Porém, de acordo com
diplomatas do Itamaraty, ele teve versatilidade para balancear o uso da força – fazendo com que as operações em
Porto Príncipe atingissem seus objetivos sem descumprir a legislação internacional ou ferir direitos humanos” (BBC,
2013).
313 Hera, portanto, simboliza a anima feminina que centraliza a atividade inconsciente de uma instituição
dinamizada pela atividade masculina. A referência a Ares, a Eros e a caça são claras alusões aos tipos policiais
arquétipos o herói (aqui corrompido), o guerreiro e o aventureiro, para compreensão serve releitura do Capítulo 8.
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nessa analogia, não espaços patentemente de culto religioso, como terreiros ou
templos, mas as instituições sociais humanas.
O inimigo agora é outro
Portanto, nunca diga a um guerreiro que ele não pode fazer, diga a ele o
que realmente ele tem que fazer. Mostre-o que ele está, na verdade, obedecendo
cegamente a uma autoridade injusta. Porque lá na frente, ele precisará de muita
coragem. Em seu novo posicionamento contra as injustiças ele terá novos inimigos,
que até então eram seus companheiros, seus deuses-irmãos. Ele terá que entender,
que “o inimigo agora é outro314”.
Esse conflito interno de “casta” não é desproposital, há dois conjuntos de
subcastas: aquelas conduzidas por uma dinâmica bioenergética masculina agressora
e um conjunto predominantemente conduzido pelo masculino maduro. Os de
masculinidade agressora parecem, nos padrões patriarcais, serem os “mais homens”
ou os “homens de verdade”, mas são em última análise os elementos infantis, que
gostam e brincar de guerra e que estão desesperados pela iminência de seu fim. Os
de masculinidade madura foram até agora rejeitados e eles mesmos alimentavam o
desatino, porque para serem reconhecidos reproduziam as condutas de agressão.
Contudo, toda a parcela feminina desperta da sociedade não dará mais
suporte a esse desatino, os elementos femininos despertos estão conscientizando e
chamando à luta os elementos femininos ainda frágeis. Aos poucos as antigas vítimas
estão se autodeclarando, não mais dispostas a aceitar os vilipêndios praticados pelos
algozes. Cabe agora aos de masculinidade madura, moderada, assumirem a
predominância nas instituições de força-vigor (controle policial e militar) e as de forçapoder (política), banindo a mentalidade masculina agressora e lançando ao ostracismo
os sujeitos que persistirem na conduta antiga ou à extinção das instituições que não
cederem à onda de reformulação.
Lembrando que dizer elementos masculinos não excluem as mulheres,
nem se trata de confraria exclusiva de homens, masculino ou feminino aqui colocado,
não se trata de sexo biológico, porém é natural que mais homens se associem aos
padrões de masculinidade do que as mulheres315. Bem como, é importante destacar
que como se já se havia esclarecido, a casta guerreira engloba instituições de forçavigor e de força-poder, ou seja, “o guerreiro heroico e o pai da nação”, os milicianos e
os políticos.
“O inimigo agora é outro” é o subtítulo do filme brasileiro, de 2010, dirigido por José Padilha e estrelado por
Wagner Moura, baseado no livro brasileiro “Elite da Tropa 2”, de autoria do antropólogo Luiz Eduardo Soares, do
ex-policial do Bope, Rodrigo Pimentel, do ainda oficial da PMERJ, André Batista e de Cláudio Ferraz, publicado em
2010.
315 “O homem precisa de uma nova psicologia para entender a si mesmo”, diz Osho, e a compreensão básica que
precisa ser profundamente assimilada e experimentada é que “nenhum homem é apenas homem e que nenhuma
mulher é apenas mulher, e que cada homem é tanto homem quanto mulher, da mesma forma que cada mulher é
mulher e homem. Adão tem Eva nele, Eva tem Adão nela. Na verdade, ninguém é apenas Adão, assim como
ninguém é apenas Eva. Somos Adões e Evas. Este é um dos maiores conhecimentos já alcançados”. Porém, ao ser
condicionado a negar e a rejeitar suas qualidades femininas, o homem foi treinado para reprimir sua parte feminina
interior, o que se reflete na repressão do elemento feminino no mundo exterior. A menos que comece a descobrir
sua própria mulher interior, o homem estará preso a uma busca frustrante pelas qualidades femininas, que são
inerentes à sua natureza, do lado de fora, na mulher exterior. Ele precisa reintegrar sua parte feminina, de modo a
se tornar saudável e inteiro, ou seja, completo dentro de si mesmo (OSHO, [1997] 2014).
314
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Sentido profundo: princípio fractal
Guerreiros desolados ficam como Arjuna, no enredo mítico do BhagavadGita . Arjuna se ver paralisado, pois estava à frente de um grande exército perfilado
pronto para combater outro fortíssimo exército, mas os líderes no outro lado do campo
de batalha eram seus parentes e amigos. Foi preciso, para tradição védica-hindu, que
o próprio Ser Supremo (Krishna) viesse até Arjuna para dizê-lo, qual o sentido interior
da luta. É atribuído à luta, um novo sentido e como é da natureza inalienável dele (a
natureza do vigor), o guerreiro volta a se por de pé, pronto, profundamente motivado,
agora para combater o mal que está em si mesmo317.
316
Guerreiro! Você não pode combater o mal lá fora, antes de combater o mal
dentro de você. Roma, Estados Unidos, Rússia, China, França ou Inglaterra318 não
podem levar liberdade, nem igualdade para lugar nenhum sem antes serem elas
mesmas expressões vivas de liberdade e justiça. Brasil não pode negociar ou difundir
a paz sem que seja ele mesmo um celeiro da paz. Está simbolicamente vedado ao
homem terrestre deixar sua mãe Terra para explorar o espaço exterior, sem que limpe
a bagunça que tem feito por aqui, primeiro. Portanto, pelo princípio fractal ou
hologramático, se o indivíduo ou uma sociedade quer compartilhar algo, eles precisam
ter isso em abundância dentro de si mesmo319.
Conhece-te a ti mesmo e conhecereis a verdade320. A verdade que
dissipa as trevas sobre a ilusão de está separado do Todo. Apenas assim, será
promovida a liberdade das amarras, que não são cadeias no corpo, mas vendas
316
Texto religioso védico indiano, escrito em sânscrito, aproximadamente no século IV A.C., que surge como
inserção posterior da epopeia do Mahabharata. Bhagavad Gītā, literalmente, quer dizer “O Cântico do Senhor”, ou a
canção de Deus. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre seu dever, e recebe iluminação diretamente
do Senhor Krishna considerado a Suprema Personalidade de Deus, que o instrui na ciência da auto-realização. No
desenrolar da conversa são colocados pontos importantes da filosofia divina.
317 Osho (2014) diz “O maior guerreiro não tem nada a ver com a guerra. Não tem nada a ver com a luta contra os
outros. Tem algo a fazer dentro de si. E não se trata de uma luta, embora isso traga a vitória”.
318 Roma está patentemente representada pelo Vaticano e pelo ordenamento jurídico de quase todo o Ocidente. Os
outros países da lista (Estados Unidos, Rússia, China, França ou Inglaterra) são membros permanentes do Conselho
de Segurança da ONU. É importante notar, que a ONU consegue mostrar em seu funcionamento a dinâmica da
casta guerreira, no contexto de civilizações de padrão de desenvolvimento masculino, em termos de nações. Apesar
de a instância máxima deliberativa ser a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança no final expõe a autoridade dos
“príncipes”. Um problema de origem do sistema, é que a Terra como sustentáculo dessa civilização, é
predominantemente feminina. O que torna insustentável ao longo prazo, as estruturas e dinâmicas
demasiadamente masculinas. Já em relação à casta de comerciantes, seria necessário tecer comentários sobre a
ilusão de chefes de Estados e ministros de governos, estarem em Davos, discutindo o interesse de suas populações
assistidas, ou seriam, exploradas?
319 Nisso está o “mistério” da entronização do Arquétipo Civilizacional, que é o arquétipo primaz do Si-Mesmo de
um todo social.
320 Amálgama do antigo pensamento recitado pelo Sócrates platônico e Jesus Cristo joanino. A primeira sentença se
refere ao “Conhece-te a ti mesmo”, grafado no pátio do Templo em honra ao deus solar Apolo na cidade de Delfos
(Pausanias, Description of Greece, Paus. 10.24 <http://www.perseus.tufts.edu>). Bem como, algo muito semelhante
no templo de Luxor, no antigo Egito: “Homem, conhece a ti mesmo, assim conhecerá os deuses.” (Isha Schwaller De
Lubicz, Lucie Lamy, Her-Bak: Egyptian Initiate., Inner Traditions International, 1978). A segunda sentença é
“conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, dita por Jesus (João 8:32), enquanto debatia sobre a
legitimidade divina de sua mensagem atestada por uma certa união espiritual entre ele e Deus, ao qual chamava
Abba, “pai”. Os religiosos, inconformados com seus novos ensinamentos, trouxeram-lhe uma mulher adúltera (que
pode ser identificada como Maria Madalena ou Maria, irmão de Lázaro) para ser julgada e punida conforme a lei,
que previa apedrejamento. Jesus a absorve numa estratégia provocativa que compelia os acusadores à
autorreflexão sobre suas próprias falhas. Na continuidade, ele esclarece que o verdadeiro julgamento não se dá
pelo aspecto interior, mas pelo que se encontra dentro do ser humano.
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nos olhos da alma. Porque o Espírito é livre, mas não pode atuar
adequadamente sobre o corpo, com uma alma cega.
Nisso este trabalho encerra-se com o ternário: Espírito, Alma e Corpo.
Numa proposta da Ecologia do Ser Civilizacional, que fractalmente se espelha na
realidade das sociedades, instituições, tribos e organizações. Reconhecidos alguns
dos aspectos do espírito da Polícia Militar do Brasil, cabe agora reformular as
propostas de reorganização no contexto institucional próprio, alcançando
primeiramente o território onde habitam os espíritos: na mente humana. Ou seja,
revelar a todo o guerreiro 321, o ardiloso jogo pela predominância entre os espíritos,
pelo controle dos sistemas sociais humanos. Conscientizá-lo de como eles têm sido
usados na qualidade de alienados úteis 322 tanto do sistema como das inócuas
propostas antissistema, pois padecem do mesmo mal: o mimetismo da violência 323.
Para, somente assim, no caso da Polícia Militar, os próprios policiais operarem as
mudanças necessárias, impostas pelo “Ponto de Mutação324”, pela atual encruzilhada
civilizacional do Antropoceno325.
321
Militares, militantes, policiais, guerrilheiros etc.
Referência a “idiotas úteis” de Antonio Gramsci.
323 Conceito de Renè Girard, como elemento fundante da sociedade civil: violência mimética, ou competição gerada
pela ambição imitadora do desejo pelo mesmo objeto que outrem.
324 Nome do livro de Fritjof Capra (2006a), captado de um dos “oráculos” do livro chinês I-Ching, que aponta para
um tempo de mudanças estruturais. Este tema está correlacionado sobre está ou não no fim de um Kali Yuga
(GUENON, [1927] 1977), a última das quatro etapas que o mundo atravessa ciclicamente e estaria correlacionada
com uma degeneração generalizada.
325 Antropoceno é um termo recente (década de 1980) cunhado para designar a última etapa da era geológica do
Holoceno. Criado pelo biólogo Eugene F. Stoermer foi popularizada pelo químico vencedor do Prêmio Nobel, Paul
Crutzen. Esta última etapa geológica, estaria marcada pelas modificações no ambiente natural realizadas pela ação
humana,
por
isso
o
prefixo
“antropo”.
The
Encyclopedia
of
Earth:
Disponível
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<http://editors.eol.org/eoearth/wiki/Anthropocene>.
322
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RIBEIRO, Ernani N. Aula proferida em 07 de mar. 2017, no Centro Acadêmico de Vitória,
Universidade Federal de Pernambuco, Vitória de Santo Antão/PE.
Fonte de dados digital/jornalística
Subsídio teórico em entrevistas (escritas) e matérias jornalísticas
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Opinião. Campinas-SP. Publicado em 05 nov. 2013. Acessado em 10 mar. 2017. Disponível
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Fonte de dados em audiovisuais
Subsídio teórico em material audiovisual: entrevistas e palestras
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amasófica). [Audiovisual]. Duração 2h00min. Gravada em 13 jun. 2003, Curitiba-PR.
Parcialmente disponível em <https://www.youtube.com/watch? v=kHN6AJ174-g>.
FONSECA, Laércio Benedito. Afinal quem é Lúcifer? Gravada em 25 mar. 2017, Brasília-DF.
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=BHTJb9tzD8w>.
FREITAS, Rogério A. O Mistério da Deidade [Audiovisual]. Duração 1h35min. Palestra
proferida em 03 ago. 2012 em Vitória da Conquista, Bahia. Disponível em <https://www O
Drama Cósmico de Javé.youtube.com/watch?v=dVW7X2mRF4s>.
_____.. [Audiovisual]. Duração 1h45min. Palestra proferida em dez. 2010. Disponível em
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HARARI, Yuval N. Conheça um pouco de "Sapiens - Uma Breve História da Humanidade":
depoimento. [Audiovisual] Duração 35min. Programa Conversa com Bial. TV Globo. Entrevista
concedida a Pedro Bial em 21 jul. 2017, com cemntários de Stevens Rehen. Disponível em
<http://gshow.globo.com/programas/conversa-com-bial/episodio/2017/07/21/yuval-noah-hararianalisa-o-cenario-politico-mundial-com-pedro-bial.html#video-6025152>.
JUNG, Carl G. Face to face interviews Carl Gustav Jung: depoimento. [Audiovisual].
Entrevista concedida a John Freeman, da BBC, em 22 de out. de 1959, Zurique, Áustria.
Programa
produzido
por
Hugh
Burnett.
Disponível
em
<https://www.youtube.com/watch?v=G2vGvPF1GME>.
MORIN. Edgar. Entrevista concedida ao Programa Roda Vida, em 18 dez. 2000, São Paulo.
Disponível
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<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/
49/entrevistados/edgar_
morin_2000.htm>.
TV Escola. Terra sem males (1º Episódio). [Audiovisual] Duração 50min. Documentário
brasileiro, ano 2015.
VAZ DE LIMA, Maria O. M. S. Fluxo com Marina Silva: depoimento. [Audiovisual] Duração
1h15min em 4 partes. Entrevista concedida ao jornalista Bruno Torturra, no Programa Web
Fluxo, em 02 out. 2015, em Brasíla-DF. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=jfrFmdN5mc>.
ZIMABRDO, Phillip. TED: Como pessoas comuns se tornam monstros. [Audiovisual]
23min06seg. Evento ocorrido em fev. de 2008, audiovisual publicado em set. de 2008.
[Tradução de legendas para a língua portuguesa: Fábio Ceconello e Moreno Barros].
Transcrição e audiovisual disponíveis em <https://www.ted.com/talks/philip_zimbardo
_on_the_psychology_of_evil/transcript>.
_____. La pendiente resbaladiza de la maldad: depoimento. [Audiovisual] 32min35seg.
Entevista concedida a Eduard Punset, em 08 nov. 2009, Programa Redes (para la Ciencia) da
Radio y Televisión Española (RTVE). Publicado em 04 de abr. 2010. Audiovisual disponível em
<http://www.redesparalaciencia.com/2559/redes/2010/redes-54-la-pendiente-resbaladiza-de-lamaldad>.
Transcrição
disponível
em
<https://www.redesparalaciencia.com/
wpcontent/uploads/2010/04/entrev54.pdf>.
Textos religiosos
Escrituras sagradas ou tradicionais organizadas pelos tradutores ou comentadores
(BHAGAVAD-GITA) ANTONOV, Vladimir. Bhagavad-gita: com comentários. [Versão russa
traduzida para o português por Irene Pastana Batista]. 2016.
(BHAGAVAD-GITA) SWAMI, Srila Bhakti Aloka Paramadwaiti e ACHARYA, Sripad Atulananda.
O Bhagavad-gita: A Ciência Suprema. São Paulo: Serviço Editorial dos Vaishnavas Acharyas /
Instituto de Estudos Védicos, 2003.
(BÍBLIA) Bíblia Versão Católica.
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Alberto Corrêa Pinto. São Paulo : Pensamento, 2006.
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Comisión Nacional de Seguridad Pública de la Segob dijo que la Gendarmería estará
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interna': El especialista en seguridad Alejandro Hope considera que la Gendarmería aún no ha
cumplido el objetivo para el que fue pensada, que era ser la institución que marcara la retirada
de las Fuerzas Armadas de las tareas de seguridad pública". Publicado em 22 ago. 2017.
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gendarmeria-opcion-seguridad-interna>.
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(Jornal O Dia) MATTOS, Gabriela. Sete anos de pacificação: moradores relatam aumento
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(Jornal O Fluminense) ALMEIDA, Marcelo. Policial campeão leva tiro na cabeça. Seção
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(ISTOÉ) Brasil diz não à ideia da ONU de pôr fim à PM. Publicado em 19 set. 2012.
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Material específico sobre a Polícia Militar do Exército dos Estados Unidos
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The Guns of Harpers Ferry. Por Stuart E. Brown, Jr. Genealogical Publishing Com, 2009.
Página | 412
APÊNDICES
Página | 413
Apêndice A – Tabelas da composição tipológica representativa
da PMESP
Tabela 19 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado
por Zacharias (1994) – Grupo de 149 policiais com 3 anos de carreira.
ISTJ
ISFJ
INFJ
INTJ
Sensorial Introvertido
auxiliado pelo Pensamento
Sensorial Introvertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Introvertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Introvertido
auxiliado pelo Pensamento
65
03
01
01
43,63%
2,01%
0,67%
0,67%
ISTP
ISFP
INFP
INTP
Reflexivo Introvertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Introvertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Introvertido
auxiliado pela Intuição
Reflexivo Introvertido
auxiliado pela Intuição
19
04
0
01
12,75%
2,68%
-
0,67%
ESTP
ESFP
ENFP
ENTP
Sensorial Extrovertido
auxiliado pelo Pensamento
Sensorial Extrovertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Extrovertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Extrovertido
auxiliado pelo Pensamento
16
0
03
00
10,74%
-
2,01%
-
ESTJ
ESFJ
ENFJ
ENTJ
Reflexivo Extrovertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Extrovertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Extrovertido
auxiliado pela Intuição
Reflexivo Extrovertido
auxiliado pela Intuição
30
01
0
02
20,15%
0,67%
-
1,34%
Fonte: Transcrito de ZACHARIAS, José Jorge de Morais, “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma
investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, 1994. Amostra de 149 policiais com 3 anos de carreira.
Página | 414
Tabela 20 – Composição tipológica representativa da PMESP, segundo tipologia MBTI, aplicado
por Zacharias (1994) – Grupo de 184 policiais durante recrutamento/seleção.
ISTJ
ISFJ
INFJ
INTJ
Sensorial Introvertido
auxiliado pelo Pensamento
Sensorial Introvertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Introvertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Introvertido
auxiliado pelo Pensamento
58
08
0
05
31,53%
4,34%
-
2,71%
ISTP
ISFP
INFP
INTP
Reflexivo Introvertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Introvertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Introvertido
auxiliado pela Intuição
Reflexivo Introvertido
auxiliado pela Intuição
19
09
1
03
10,33%
4,90%
0,54%
1,63%
ESTP
ESFP
ENFP
ENTP
Sensorial Extrovertido
auxiliado pelo Pensamento
Sensorial Extrovertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Extrovertido
auxiliado pelo Sentimento
Intuitivo Extrovertido
auxiliado pelo Pensamento
14
01
0
04
7,61%
0,54%
-
2,17%
ESTJ
ESFJ
ENFJ
ENTJ
Reflexivo Extrovertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Extrovertido
auxiliado pela Sensação
Sentimental Extrovertido
auxiliado pela Intuição
Reflexivo Extrovertido
auxiliado pela Intuição
49
08
02
03
26,64%
4,35%
1,08%
1,62%
Fonte: Transcrito de ZACHARIAS, José Jorge de Morais, “Tipos psicológicos junguianos e escolha
profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, 1994. Amostra de 149
policiais com 3 anos de carreira.
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Apêndice B – Quadros resumo dos atributos dos tipos policiais
Quadro 6 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Pai-zeloso
Atributos do tipo policial
Tipo Policial
Valores dos atributos do tipo policial
Pai-zeloso
Correspondência taoísta1
Base Yin (Integrativa) – Grande Yin (- -)
Humanidade espiritual1,7
Polo Feminino do Homem Superior
Mentalidade2
Integrativa (-)
Práxis2
Integrativa (-)
Expressão Luminosa/Sombria
Piedoso
Mãe-guerreira
Sentimental Extrovertido
Levemente extrovertido
Nível 1
Racional
Julgamento: Sentimento
Apreensão: Intuição
Apreensão: Sensação
Julgamento: Pensamento
Sentimental Extrovertido
Moderadamente extrovertido
Nível 5
Racional
Julgamento: Sentimento
Apreensão: Sensação
Apreensão: Intuição
Julgamento: Pensamento
Água, Lago
Água, Tempestade
Regente/Corregente
Regente/Corregente
Adam-Ima (Adão materno)
Atenas/Atermis (Minerva/Diana)
Oyá/Oxóssi (Filha de Iemanjá)
Adam-Abba (Adão paterno)
Atenas/Ares (Minerva/Marte)
Oyá/Ogum (Filha de Iemanjá)
Peace Officer (policial apaziguador)
Service (prestador de serviços)
Law officer (policial em nome da lei)
Legalistic (legalista)
Justo
Sonhador
Patriota
Justiceiro
Caçador
Caveira
Função Psicológica3, 8
Perfil composto
Atitude/Disposição Geral (Extroversão)
Nível de extroversão (de 1 a 4)
Dimensão preponderante
Função Dominante
Função Auxiliar (Secundária)
Função Terceária
Função Inferior
Elementos1
Correspondência mitológica
Hebraica
Greco-Romana4
Yorubá9
Correspondência com outras tipologias
policiais
Segundo Egon Bittner5
Segundo Wilson6
Relação com os demais tipos policiais
Relação de Complementariedade (Parceira)
Relação Espelhar (Paralelismo)
Relação Conflituosa (Rivalidade)
Fonte: Elaborado pelo Autor, com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia
da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4)
BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud
OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8)
LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002. (9)
POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011.
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Quadro 7 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Herói
Atributos do tipo policial
Tipo Policial
Valores dos atributos do tipo policial
Herói
Correspondência taoísta1
Base Yin (Integrativa) – Pequeno Yang (- +)
Humanidade espiritual1,7
Polo Masculino do Homem Superior
Mentalidade2
Integrativa (-)
Auto afirmativa (+)
Práxis2
Expressão Luminosa/Sombria
Justo
Justiceiro
Perceptivo Extrovertido
Levemente extrovertido
Nível 2
Irracional
Apreensão: Sensação
Julgamento: Sentimento
Julgamento: Pensamento
Apreensão: Intuição
Perceptivo Extrovertido
Moderadamente extrovertido
Nível 6
Irracional
Apreensão: Sensação
Julgamento: Pensamento
Julgamento: Sentimento
Apreensão: Intuição
Terra, Metal
Fauna, Madeira
Regente/Corregente
Regente/Corregente
Chevah/Ima (Eva materna)
Ares/Atenas (Marte/Minerva)
Ogum/Oyá (Filho de Iemanjá)
Chevah/Abba (Eva paterna)
Ares/Eros (Marte/Cupido)
Ogum/Exu (Filho de Iemanjá)
Peace Officer (policial apaziguador)
Legalistic (legalista)
Law officer (policial em nome da lei)
Watchman (patrulheiro)
Função Psicológica3, 8
Perfil composto
Atitude/Disposição Geral (Extroversão)
Nível de extroversão (de 1 a 4)
Dimensão preponderante
Função Dominante
Função Auxiliar (Secundária)
Função Terceária
Função Inferior
Elementos1
Correspondência mitológica
Hebraica
Greco-Romana4
Yorubá
Correspondência com outras tipologias
policiais
Segundo Egon Bittner5
Segundo Wilson6
Relação com os demais tipos policiais
Relação de Complementariedade (Parceira)
Relação Espelhar (Paralelismo)
Relação Conflituosa (Rivalidade)
Piedoso
Patriota
Sonhador
Mãe Guerreira
Caveira
Caçador
Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia
da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4)
BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud
OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8)
LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002.
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Quadro 8 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro
Atributos do tipo policial
Tipo Policial
Valores dos atributos do tipo policial
Aventureiro
Correspondência taoísta1
Base Yang (Auto afirmativa) – Pequeno Yin (+ -)
Humanidade espiritual1,7
Polo Feminino do Homem Inferior
Mentalidade2
Auto afirmativa (+)
Integrativa (-)
Práxis2
Expressão Luminosa/Sombria
Sonhador
Caçador
Intuitivo Extrovertido
Moderadamente extrovertido
Nível 3
Irracional
Apreensão: Intuição
Julgamento: Sentimento
Julgamento: Pensamento
Apreensão: Sensação
Intuitivo Extrovertido
Altamente extrovertido
Nível 7
Irracional
Apreensão: Intuição
Julgamento: Pensamento
Julgamento: Sentimento
Apreensão: Sensação
Ar, Vento
Flora, Madeira
Regente/Corregente
Regente/Corregente
Lilith/Ima (Lilith materna)
Artemis/Atenas (Diana/Minerna)
Oxóssi/Oyá (Filha de Oxalá)
Lilith/Abba (Lilith paterna)
Artemis/Eros (Diana/Cupido)
Oxóssi/Exu (Filha de Oxalá)
Peace Officer (policial apaziguador)
Service (prestador de serviços)
Law officer (policial em nome lei)
Watchman (patrulheiro)
Patriota
Piedoso
Justo
Caveira
Mãe Guerreira
Justiceiro
Função Psicológica3, 8
Perfil composto
Atitude/Disposição Geral (Extroversão)
Nível de extroversão (de 1 a 4)
Dimensão preponderante
Função Dominante
Função Auxiliar (Secundária)
Função Terceária
Função Inferior
Elementos1
Correspondência mitológica
Hebraica
Greco-Romana4
Yorubá
Correspondência com outras tipologias
policiais
Segundo Egon Bittner5
Segundo Wilson6
Relação com os demais tipos policiais
Relação de Complementariedade (Parceira)
Relação Espelhar (Paralelismo)
Relação Conflituosa (Rivalidade)
Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia
da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4)
BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud
OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8)
LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002.
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Quadro 9 – Quadro resumo dos atributos do tipo policial Aventureiro
Atributos do tipo policial
Tipo Policial
Valores dos atributos do tipo policial
Aventureiro
Correspondência taoísta1
Base Yang (Auto afirmativa) – Pequeno Yin (+ -)
Humanidade espiritual1,7
Polo Feminino do Homem Inferior
Mentalidade2
Auto afirmativa (+)
Integrativa (-)
Práxis2
Expressão Luminosa/Sombria
Sonhador
Caçador
Intuitivo Extrovertido
Moderadamente extrovertido
Nível 3
Irracional
Apreensão: Intuição
Julgamento: Sentimento
Julgamento: Pensamento
Apreensão: Sensação
Intuitivo Extrovertido
Altamente extrovertido
Nível 7
Irracional
Apreensão: Intuição
Julgamento: Pensamento
Julgamento: Sentimento
Apreensão: Sensação
Ar, Vento
Flora, Madeira
Regente/Corregente
Regente/Corregente
Lilith/Ima (Lilith materna)
Artemis/Atenas (Diana/Minerna)
Oxóssi/Oyá (Filha de Oxalá)
Lilith/Abba (Lilith paterna)
Artemis/Eros (Diana/Cupido)
Oxóssi/Exu (Filha de Oxalá)
Peace Officer (policial apaziguador)
Service (prestador de serviços)
Law officer (policial em nome lei)
Watchman (patrulheiro)
Patriota
Piedoso
Justo
Caveira
Mãe Guerreira
Justiceiro
Função Psicológica3, 8
Perfil composto
Atitude/Disposição Geral (Extroversão)
Nível de extroversão (de 1 a 4)
Dimensão preponderante
Função Dominante
Função Auxiliar (Secundária)
Função Terceária
Função Inferior
Elementos1
Correspondência mitológica
Hebraica
Greco-Romana4
Yorubá
Correspondência com outras tipologias
policiais
Segundo Egon Bittner5
Segundo Wilson6
Relação com os demais tipos policiais
Relação de Complementariedade (Parceira)
Relação Espelhar (Paralelismo)
Relação Conflituosa (Rivalidade)
Fonte: Elaborado pelo Autor. Com subsídios de (1) WILHELM, Richard, “I-Ching: o livro das mutações”, 2006; (2) CAPRA, Fritjof. “A Teia
da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos”,1996. (3) JUNG, Carl G. “Tipos Psicológicos”, [1960] 1976; (4)
BULFINCH, Thomas. “O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (5) Bittner (1990 apud
OLIVEIRA Jr., 2007); (6) Wilson (1973 apud OLIVEIRA Jr., 2007); (7) LAITMAN, Michael. “O Zohar” (O livro do esplendor), 2012; (8)
LESSA, Elvina Maciel. “Cooperação e complementaridade em equipes de trabalho: estudo com tipos psicológicos de Jung”, 2002.
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Apêndice C – Genealogia dos panteões mitológicos
Figura 65 – Genealogia das divindades da mitologia greco-romana
Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) BULFINCH, Thomas, “O livro de ouro da mitologia: (a idade da
fábula) histórias de deuses e herói”, 2002. (2) FRANCHINI, A. S. e SEGANFREDO, Carmen, “As 100 melhores
histórias da mitologia: deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana”, 2007. (3) Wikipédia: a
Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço: Disponível em
<https://pt.wikipedia.org>.
Figura 66 – Genealogia dos seres da mitologia judaica-messiânica
Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) LARAIA, Roque, “Jardim do Éden revisitado”,1997. (2) LAITMAN,
Michael, “O Zohar”, 2012. (3) PIRES, Valeria F, “Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade”, 2008. (4)
Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet pelo endereço:
Disponível em <https://pt.wikipedia.org>.
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Figura 67 – Genealogia dos orixás da mitologia yorubá
Fonte: Elaborado pelo autor com subsídios de (1) POLI, Ivan S. “Antropologia dos Orixás: a civilização yorubá através
de seus mitos, orikis e sua diáspora”, 2011. (2) VERGER, Pierre F., “Orixás”, 2009. (3) JUNG, Carl G. “Tipos
Psicológicos”, 1976. (3) Wikipédia: a Enciclopédia livre, ferramenta on-line, acessível através do sítio na Web/Internet
pelo endereço: Disponível em <https://pt.wikipedia.org>.
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Apêndice D – Mapeamento filogenético da instituição policial
militar
Figura 68 – Representação gráfica da teoria “genética” da Polícia Militar: história e
ecologia profunda
Elaborado pelo Autor.
Página | 422