TEOLOGIA EM REVISTA I O Contexto Panorâmico do Segundo Testamento
ISSN 2764-7528
O CONTEXTO PANORÂMICO DO
SEGUNDO TESTAMENTO
LUCAS LIMA MARTINS FRIDMAN1
CHANDLER TIAGO S. SANT’ANA2
Resumo: O presente artigo, através de uma revisão bibliográfica, tem como objetivo mostrar
quais foram os principais aspectos contextuais do século I EC que impactaram a formação do
Segundo Testamento, também conhecido como Novo Testamento. O Segundo Testamento é um
relato histórico inspirado, cheio de informações sobre o berço do Protocristianismo, surgido a
partir do movimento messiânico de Yeshua, que, a despeito de estar envolvido em um contexto
histórico fluido, tornou-se uma das maiores religiões monoteístas do mundo nos séculos
seguintes. Entender qual era o contexto geográfico, histórico e social desse surgimento, de
forma panorâmica, é o objetivo principal dessa pesquisa, levando o leitor a compreender como
o imaginário da época era composto, causando assim uma reflexão sobre quais influências
podem ser sentidas no estudo do Protocristianismo.
Palavras-chave: Protocristianismo. Helenização. Judaísmo.
THE PANORAMIC CONTEXT OF THE SECOND TESTAMENT
Abstract: This article, through a bibliographical review, aims to show the main contextual
aspects of the 1st century CE. The Second Testament, also known as the New Testament, is an
inspired historical account filled with information about the birthplace of Proto-Christianity.
Such a religious conception arises from the Messianic movement of Yeshua, and despite being
involved in a fluid historical context, it becomes one of the greatest monotheistic religions in
the world in the following centuries. Understanding the geographic, historical and social
context of this emergence, in a panoramic way, is the main objective of this research, leading
Bacharel em Teologia (Seminário Latino-Americano de Teologia – IAP). Licenciado em Ciências Sociais (Faculdade
de Educação Paulistana). Mestrando em Teologia Histórica. Contato: lucaslmfridman@gmail.com.
2 Bacharel em Teologia (Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia – FADBA). Graduando em Estudos
Judaicos (Seminário Rabínico Latino-Americano Marshall T. Meyer). Contato: chandlertiagosantana@gmail.com.
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the reader to understand how the imagination of the time was composed, thus causing a
reflection on what influences can be felt in the study of Proto-Christianity.
Keywords: Proto-Christianity. Hellenization. Jewish.
1. Introdução
Ao estudarmos uma temática a fundo, não podemos olhar somente para o nosso objeto
de estudo, mas precisamos olhar para ele inserido em um contexto maior, que o circunda. Em
termos de interesse, nosso objeto de estudo aqui é o Segundo Testamento (também conhecido
como Novo Testamento), mas para conhecermos a fundo o texto e o que o autor quis transmitir,
precisamos entender qual era o contexto maior ao redor. É preciso entender como viviam, como
se alimentavam, como trabalhavam, como eram as construções e tudo isso nos ajudará a montar
um quebra-cabeça de uma época tão distante da atual, para que no estudo que fizermos, não
incorramos em anacronismos.
O povo de Israel demonstrou seu caráter etnográfico e cultural através da Bíblia, que
além de um documento histórico, é considerado por judeus e cristãos, como texto sagrado.
Lançando mão às bases de tais religiões compreendemos que o primeiro século, momento
importante para ambas as tradições, se fez muito confuso, visto estar envolto de uma série de
crises, políticas, religiosas e partidárias. Sendo assim, conhecer tais crises e fenômenos
geográficos, culturais e históricos, se torna imprescindível para um estudo sério. Assim, o
presente artigo pretende de uma forma geral e panorâmica, dar ao leitor um vislumbre dos mais
variados contextos existentes no período de surgimento do protocristianismo e desenrolar do
Segundo Testamento.
2. Contexto Geográfico
Segundo Bastos (2009), “a Palestina ou Terra Santa, ou Israel, como era chamada nos
tempos de Jesus, possuía uma extensão territorial relativamente pequena, sendo uma estreita
área situada entre a África, a Ásia e a Europa, funcionando como uma espécie de ponte entre
essas regiões” (BASTOS, 2009, p. 105 apud SILVA, 2006). Talvez essa seja uma das mais belas
estratégias divinas para seu povo, visto que Deus não só escolhera Israel como povo (Gênesis
12:1-3), mas também escolhera o que eles comeriam (Levítico 11), como eles se vestiriam
(Números 15: 37-38/ Deutero-nômio 22:12) e inclusive o lugar onde eles morariam
(Deuteronômio 11:10-12).
O interessante da escolha geográfica de Deus é que Israel está localizado no Oriente
Médio, logo pertence a uma confluência de continentes, eixo central que liga Europa, África e
Ásia. Quando o Eterno decidiu por esse lugar, escolheu propositalmente, para que Seu povo
fosse o “centro” do mundo (Jubileus 8:19). Assim, qualquer rota que passasse por esse eixo,
conheceria o Deus de Israel e levaria sua mensagem para os continentes ao redor, como consta
no livro de Ezequiel “Assim diz o Soberano, o SENHOR: Esta é Jerusalém, que pus no meio dos
povos, com nações ao seu redor.” (Ezequiel 5:5). Há outros motivos para a escolha da geográfica
de Deus, pode-se citar, dentre eles o que está relatado em Deuteronômio 11:10-12 quando o
Eterno diz:
A terra da qual vocês vão tomar posse não é como a terra do Egito, de onde vocês vieram
e onde plantavam as sementes e tinham que fazer a irrigação a pé, como numa horta.
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Mas a terra em que vocês, atravessando o Jordão, vão entrar para dela tomar posse, é
terra de montes e vales, que bebe chuva do céu. É uma terra da qual o SENHOR, o seu
Deus, cuida; os olhos do SENHOR, o seu Deus, estão continuamente sobre ela, do início
ao fim do ano (Deuteronômio 11:10-12).
O Senhor estava querendo ensinar ao Seu povo que eles deveriam depender
exclusivamente dEle para sobreviver e cumprir o propósito para o qual foram chamados. É
necessário destacar que ao anunciar como seria a terra para onde iriam, o Eterno realiza uma
comparação entre a terra do Egito e a forma com que eles plantavam e colhiam para sobreviver.
O sistema de irrigação egípcio, como relatado no texto acima, provia de desvio das águas do rio
Nilo e aproveitamento de suas enchentes que geravam limo na terra, deixando-a mais fértil
(ANDRADE, 2016). Eles desenvolveram um sistema de canais que usavam a água do Nilo
quando estava na época de cheia, criaram também umas espécies de bacias cercadas por diques
de madeira, que armazenavam a água excedente. Fato é que os egípcios muitas vezes
carregavam água em baldes ou mesmo com um sistema de bombeamento (JACOBUCCI, 2020).
Quando o Eterno propôs o local onde Seu povo se estabeleceria, propôs uma forma diferente de
subsistência, e no texto (Deuteronômio 11:10-12) Ele explica que a terra para onde eles iriam,
era terra que bebia água do céu e ainda ressalta que é uma terra que fica localizada entre montes
e vales. Por que essas informações são importantes? Observando a topografia de Israel é mais
fácil compreender o que Deus estava dizendo para eles.
É possível perceber, analisando um mapa topográfico, que a Terra de Israel é
extremamente desnivelada e que as regiões montanhosas e os vales se encontram facilmente.
O Mar da Galileia, aproximadamente a 230 metros abaixo do Mar Mediterrâneo e o Mar Morto,
cerca de 400 metros abaixo do Mar Mediterrâneo, se configuram como os pontos mais baixos
do planeta Terra (ANDRADE, 2016). O fato é que “as chuvas variam na Palestina (Israel)
segundo a região, quanto mais próximas do Mediterrâneo, mais chuvas as terras recebem, pois,
as montanhas atuam como uma barreira que detém os ventos úmidos do mar e as faz
descarregar sobre as ladeiras ocidentais” (OSEIAS, 2008; BIBLIA ANOTADA). Com isso, as
regiões da Galileia e arredores têm maior dificuldade em receber chuva e esse era o plano do
Eterno. Em Deuteronômio 11:13 e 14, Ele explica:
Portanto, se vocês obedecerem fielmente aos mandamentos que hoje lhes dou, amando
o Senhor, o seu Deus, e servindo-o de todo o coração e de toda a alma, então, no devido
tempo, enviarei chuva sobre a sua terra, chuva de outono e de primavera, para que
vocês recolham o seu cereal, e tenham vinho novo e azeite.
O Eterno estava ensinando que quem enviaria chuva do céu, no tempo certo seria Ele,
assim como quem cuidaria das lavouras, das plantações, dos cereais, da terra do povo e de tudo
que ali estivesse, era Ele. Não existe maior e mais linda promessa que essa feita pelo Senhor. Ele
não se preocupa apenas com uma parte, mas se preocupa com o todo.
Nos tempos de Jesus, “[...] a terra de Israel encontrava-se dividida em áreas menores,
sendo elas: Judéia, Samaria e Galileia, ao oeste; Ituréia, ao norte; Gualanítade, Batanéia,
Traconítide, Auranítide, Decápole e Peréia, ao leste; e Iduméia ao sul” (BASTOS, 2009 apud
SILVA, 2006). Como descreve Silva (2006):
Todo esse território era margeado pelo Mar Mediterrâneo, no extremo Oeste. Ao Leste
estava o Rio Jordão que desemboca no Mar Morto, ao sul, entrecortando toda região
havia uma cadeia de montanhas e montes com 600m de altura, sendo que os mais altos
estavam situados na Galileia e no Hermon.
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Cada detalhe da linda terra prometida era experimentado nos dias de Jesus, cada
montanha com suas belezas distintas, desde a planície costeira até o planalto transjordaniano,
cada detalhe demonstra a diversidade e complexidade planejada por Deus. Um país tão
pequeno, mas com tanto a oferecer, as planícies costeiras do mediterrâneo que cercam um mar
azul cristalino, que repousa os raios quentes refletidos pelo sol, a beleza da vegetação baixa, em
um verde pálido, misturado em tons pastéis, causados pelo vento oriental castigador.
Shephela, com seus longos campos, marcadas pelas ondas de vento nas plantações
douradas de trigo, em contraste com o azul anil que se espalhava pela imensidão do céu. O vale
de Jezreel conhecido por suas montanhas e vales verdes predominantes em sua extensão, “[...]
é delimitado ao sul pelos planaltos de Samaria e pelo monte Gilboa, ao norte pela Baixa Galileia,
ao oeste pela cordilheira do monte Carmelo e ao leste pelo vale do Jordão” (LAGES, 2012).
Assim, a topografia nos mostra que “[...] estando no norte do país, o vale é servido por chuvas
mais que o Negueve, ao sul, o que favorece a agricultura” (CAFETORAH, 2019; LAND OF THE
BIBLE, 2018; BÍBLIA ANOTADA,2020).
No fosso do Jordão, encontramos a paisagem mais conhecida do Segundo Testamento,
onde, por muitas vezes, Jesus caminhou, descansou e partilhou sua sabedoria: O mar da Galileia.
Apesar de ser conhecido como “mar”, esse é um pequeno território, uma pequena lagoa, que
recebe água principalmente do rio Jordão e que aflui para o Mar Morto. A beleza é incomparável
em sua pequena imensidão de 20 km de comprimento e 13 km de largura. Nesse lugar, muitas
vezes Jesus falou ao povo e encontrou alguns de seus discípulos, convocando-os ao lindo
ministério de pescadores de homens (Mt 4:19) (GARNIER, 1950; ANDRADE, 2016; ROPS, 2008).
Segundo Stegemann (2004), “a economia da Palestina, como a de todos os povos do
mediterrâneo, era preponderantemente agrária”. Mas, segundo o autor, muitas variáveis faziam
com que a população que vivia ao redor do Lago de Genesaré sofresse, especialmente as
comunidades não ribeirinhas. Um ponto positivo é que na Galileia chovia mais do que na Judeia,
mas, mesmo depois da “separação da região costeira e das cidades transjordânicas por Pompeu
(na metade do século 1 a.C.)”, o comércio judaico enfraqueceu-se, e a maior parte da
subsistência do povo era da pesca. Muitas histórias emocionantes aconteceram ao redor desse
lago: o sermão da Montanha, a história do endemoninhado de Gadara, e tantas outras lindas
histórias, tiveram esse pequeno lago como palco de seu desfecho (STEGEMANN, 2004).
Os Altos de Golã, com suas quedas d’água, seu ambiente mais frio, trazem a calma e o
refrigério para os dias quentes de Israel. Essa paisagem contrastada com Nahal Zeelim, o
deserto da Judeia, demonstram quão grandiosa é a variedade das cores e belezas daquele
pequeno país. Nahal Amud com suas densas florestas espalham o verde escuro pelo Norte de
Israel e trazem diversidade na flora do local.
O que falar de Jerusalém? Como escreveu o salmista: “Se eu de ti me esquecer ó
Jerusalém, que se resseque a minha mão direita” (Sl 137:5). A despeito de ser uma pequena
cidade, tinha um porte de nobreza tamanho, que impunha respeito a todos aqueles que por ali
passavam. Longe de dar um ar místico a essa descrição, é necessário dizer que a terra de
Jerusalém possui um clima diferente que gera saudade de uma pátria comum aos povos. Chegar
em Jerusalém era como chegar à presença de Deus, pois, ali no alto do Monte Moriá, em meio as
montanhas de clima ameno de Israel, o próprio Deus manifestara-se muitas vezes através do
shekinah e de sua presença corpórea. O comentário rabínico afirma: “Quem não viu a Jerusalém
jamais viu uma cidade realmente bela” (Tratado Sukkah, 51.6). Não existia melhor lugar para
se contemplar a linda Jerusalém, se não no alto do Monte das Oliveiras. Esse lugar foi marcado,
no primeiro século, pelo momento em que Jesus, contempla as fortalezas da mais bela cidade
do mundo e afirma: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram
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enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintinhos
debaixo das suas asas, mas vós não o aceitastes!” (Lc 13:34).
No meio dessa joia esculpida pelo tempo, através das próprias mãos do Eterno, estava o
templo. Exuberante em sua forma, com seu enorme pináculo e compartimentos, de onde se
podia ver toda a linda terra ao redor. Aquele templo possuía glória e honra maior que o primeiro
templo, destruído por Babilônia, pois, ali pisara Deus encarnado. O historiador Henri DanielRops (2008) se questiona: “Como os Israelitas poderiam deixar de amar sua terra?” e afirma:
O perfil das colinas em toda a parte é tão singular, puro e delicado que parece
desenhado por mão de artista; existe ali uma perfeição somente comparável à de
Atenas. Onde quer que seja, a relação dos planos, as distâncias remotas, imprimem uma
harmonia secreta sobre a mente e a fazem voltar-se para a eternidade. Sob o céu azul
profundo, as cores fulgem com extraordinária riqueza __ o vermelho da terra dos
vinhedos, o verde delicado das hortas, o ouro pálido da cevada madura, o amarelotostado do deserto; e sob o sol todas essas cores contrastantes se fundem num só brilho
quente, e na sombra nos tons violeta do bronze. E para tornar ainda mais evidente a
harmonia, aqui e ali grupos de ciprestes escuros se integram na paisagem; ou, de
repente, a superfície trêmula dos olivais ressalta em azul (ROPS, 2008 p. 15).
Essa era a paisagem por onde Jesus andava, onde se desenrolou as histórias e milagres
do Segundo Testamento e onde o ser humano caído teve a maior de suas experiências: em cima
do monte do calvário, o amor morreu, mas a boa notícia é que naquela mesma terra santa, Ele
ressuscitou nos garantindo a salvação.
3. Contexto Histórico do Segundo Testamento
Ao iniciarmos um estudo aprofundado sobre um tema, não podemos deixar de observar
perifericamente sobre ele. Ao redor do nosso objeto de estudo, sempre existirão pistas e
detalhes que nos ajudarão a montar o quebra-cabeça. Não é diferente quando o assunto é o
passado e, principalmente, ao se tratar de um passado bíblico. O contexto histórico pode nos
enriquecer na argumentação quanto à veracidade dos fatos levantados. Ao analisarmos o
último livro profético da Bíblia Hebraica, Malaquias, nos deparamos com o período histórico da
reconstrução de Jerusalém e a volta do cativeiro babilônico: “Esse livro foi escrito por volta do
ano 425 AEC., no mesmo período de Esdras” (SDABC, 2012 p. 1123), sendo esse o último relato
que temos antes dos evangelhos e da experiência emblemática do Messias. Fato é que temos
um período de aproximadamente de 400 anos sem nenhum relato bíblico para a
contextualização do Segundo Testamento. Por esse fato, nos aliamos à história afim de ter
respaldo para a compreensão do momento em que viveu Jesus. Ao montar o cenário é possível
compreender o quão instável foi a época em que Jesus nasceu, mas ao mesmo Paulo o denomina
como a plenitude dos tempos (Gl 4:4), visto que esse é o período em que as possibilidades de
crescimento e difusão do evangelho eram mais favorecedoras.
Arle Cairns, comenta que os romanos e gregos são esquecidos como agentes auxiliadores
desse processo, mas que contribuíram muito para a preparação religiosa na ocasião da vinda
de Cristo: “Os gregos e romanos ajudaram a levar o desenvolvimento histórico até o ponto em
que Cristo pudesse exercer o impacto máximo sobre a história de uma forma até então
impossível” (CAIRNS, 2008, p. 31). Em seu livro, Cairns (2008) enumera algumas razões pelas
quais o Império Romano e o pensamento grego contribuíram para a expansão do cristianismo,
sendo elas:
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1) A lei de Roma, com sua ênfase na dignidade do indivíduo, e no direito deste a justiça
e à cidadania romana, agrupava homens de diferentes raças a uma única organização política,
e isso facilitou a difusão de um evangelho que pregava a unidade de uma espécie pecadora,
carente de um Salvador;
2) A movimentação livre em torno do mediterrâneo teria sido difícil se Pompeu não
tivesse varrido os piratas do Mediterrâneo e os soldados romanos não mantivessem a paz nas
estradas da Ásia, África e Europa. Essa pacificação possibilitou as viagens missionárias dos
primeiros cristãos, levando a mensagem em todo o mundo conhecido;
3) Os romanos criaram um ótimo sistema de estradas que iam do marco áureo no fórum
a todas as regiões do império. Um estudo das viagens de Paulo mostra que ele se serviu muito
desse sistema viário para atingir os cetros estratégicos do Império;
4) O exército que promovia a paz das estradas e de todo império. Os soldados
trabalhavam por turnos e rodízio, e muitos deles converteram-se ao cristianismo e levaram o
evangelho às regiões para onde eram designados. É provável que o evangelho tenha chegado
precocemente na Grã-Bretanha dessa forma;
5) As conquistas romanas levaram muitos povos a perder a fé em seus deuses, uma vez
que eles não foram capazes de protegê-los dos romanos. Esse vácuo espiritual deveria ser
preenchido;
6) O evangelho para ser universal precisava de uma língua universal, para promover
impacto em todo mundo conhecido. O grego foi a herança linguística mais difundida nesses
séculos, assim como o inglês é hoje;
7) A filosofia preparou o caminho para a vinda de Jesus, destruindo a ideia politeísta das
religiões Greco-romanas até então existentes. Mas a filosofia não pôde suprir a necessidade
espiritual das pessoas, que precisavam ter uma experiência real com o divino;
8) A filosofia grega ainda chamando a atenção do povo para uma realidade que
transcendia o mundo temporal e visível em que viviam.
Em meio a todo esse cenário histórico, acontece o desenvolvimento dos evangelhos e da
vida no Segundo Testamento. Todas essas mudanças comportamentais e influências externas
sobre Israel geram uma difusão heterogênea do pensamento e afetam tanto religiosamente
quanto politicamente a terra e o povo, onde o Segundo Testamento seria desenvolvido.
4. Contexto Sociopolítico e Religioso
A influência sociopolítica e religiosa é facilmente evidenciada pela pluralidade do
pensamento judaico da época de Cristo. A disputa religiosa, política e econômica que havia sido
acionada por Antíoco IV e continuada sob os hasmoneus foi apenas exacerbada pela política
romana. Não constitui surpresa que a primeira resposta ao censo romano de 6 EC. tenha sido
uma rebelião local liderada pelo fundador do partido zelote, Judas, o Galileu. É contra esse pano
de fundo geral que devemos entender a divisão que surgiu no tempo dos hasmoneus entre um
partido sacerdotal, aristocrático, e um partido mais religiosamente exclusivo, devoto, popular:
os saduceus e os fariseus (WALKER, 2006, p. 24-25). Para melhor compreensão das
informações, descreveremos de forma sucinta como aconteceu.
Alexandre, o Grande teve uma carreira breve como rei, mas deixou marcas na história
que permanecem através dos séculos. Quando Alexandre morre em 323 AEC, suas conquistas
se estendiam por todo mediterrâneo; o rei dera início a uma revolução cultural na antiguidade
tanto no âmbito social quanto religioso (SCOTT, 2017; GUNDRY, 1985; TILLY, 2004). Skarsaune
(2004) bem salienta que Alexandre e seus sucessores, sabiamente, não tentaram suprimir as
divindades locais nem tampouco o culto a elas prestado. Com o passar do tempo, o resultado
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foi um alto grau de sincretismo religioso. As religiões orientais foram helenizadas, porém a
religião grega não ficou imune à influência das demais culturas.
No período grego, a cultura grega foi disseminada por meio das cidades Helênicas: as
pólis, que eram cidades espalhadas pelo império cujo um dos objetivos era disseminar a cultura
grega. Os gregos acreditavam que a vida nas pólis era a única referência dentro da qual seria
possível a vida humana. Os gregos tinham sua cultura em um padrão muito elevado; aqueles
que não haviam sido helenizados eram considerados bárbaros. Todo o judaísmo foi afetado pela
cultura grega em maior ou menor medida; tanto os judeus da diáspora quanto os de Jerusalém.
A helenização na diáspora foi um processo que ocorreu em todos os lugares sob o
domínio grego e até mesmo alcançou áreas sobre as quais a lança de Alexandre não se estendeu.
Portanto, é complexa a distinção feita entre os judeus na Palestina e os outros sob o domínio
grego; a maioria dos judeus no mundo se viu em um dos impérios gregos que se seguiram aos
quarenta anos de luta dos sucessores após a morte de Alexandre (GRABBE, 2000; BORGER,
2003; SKARSAUNE, 2004).
Na Babilônia, uma grande parte da população falava aramaico, e a influência helenística
era provavelmente menor do que em outros lugares, já que essa área foi tomada pelos partos
após menos de um século de domínio grego. Mas muitos judeus também viviam no Egito, na
Síria ou na Ásia Menor, geralmente em cidades de língua grega. Muitos perderam seus
conhecimentos de hebraico e aramaico como, por exemplo, Filo, que claramente conhece pouco
ou nenhum hebraico, certamente não o suficiente para usar a Bíblia no original. É por isso que
a Septuaginta (LXX) foi originalmente criada: para fornecer uma Bíblia. os judeus de fala grega
podiam entender (SCOTT, 2017; FISCHER, 2013; TILLY, 2004; ALVES, 2012). Mesmo aqueles
que mantiveram um conhecimento de hebraico e aramaico não teriam escapado da forte
influência de seu ambiente de fala grega. Esequias Soares (2009) observa que a LXX foi usada
na própria sinagoga o que diz muito.
Sabemos dos judeus na diáspora de vários tipos de fontes. Primeiro vem alguma
literatura dos judeus da diáspora, embora seja muitas vezes fragmentária. Em segundo lugar,
sabe-se da presença de comunidades judaicas em vários locais antigos por causa de inscrições,
por exemplo, de sinagogas. Apenas no Egito alguns documentos escritos em papiros
sobreviveram. Uma terceira fonte são as referências a comunidades judaicas em fontes
literárias, como Josefo e os escritores greco-romanos.
Os escritos dos judeus na diáspora nem sempre podem ser separados facilmente dos
judeus palestinos que escolheram escrever em grego. No entanto, é geralmente aceito que 2
Macabeus foi o epítome de uma obra maior escrita por um judeu da diáspora, Jasão de Cirene.
Filo de Alexandria deixou um material extremamente valioso, não apenas sobre a interpretação
judaica da Bíblia, mas também muitas referências passageiras à comunidade alexandrina.
Outros escritos, por falantes de grego, incluem a Sabedoria de Salomão, Oráculos Sibilinos 3-5,
Testamento de Abraão e 4 Macabeus. Alguns dos escritores judeus fragmentários em grego
foram escritos na diáspora, embora alguns deles fossem provavelmente escritos na própria
Palestina. A tradução de literatura de originais semíticos também parece ter se tornado um
grande esforço, provavelmente principalmente na diáspora, produzindo traduções gregas de
Ben Sira, 1 e 2 Enoque, Tobias, Testamentos dos Doze Patriarcas, Salmos de Salomão, sem
mencionar a Bíblia.
O que se encontra em toda essa literatura, a maior parte religiosa, é a adoção de
dispositivos literários e modos de comunicação gregos. Isso não significa que a religião em si
tenha sido comprometida, mas a maneira de expressar essa religião foi adaptada às
características retóricas e literárias do veículo em que foi transmitida, a saber, a literatura grega
(GRABBE, 2000).
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Enquanto na Palestina, assim como qualquer outro povo da região sírio-palestina, os
judeus da palestina foram influenciados pela helenização. Assim, pode-se dizer que, desde
algum tempo bem no início do período grego, “todo judaísmo deve realmente ser designado
‘judaísmo helenístico’ no sentido estrito”. A administração grega alcançou os níveis mais baixos
da sociedade, e o grego, a língua, era amplamente (embora não exclusivamente) a linguagem da
administração. Um conhecimento do grego era uma maneira de se elevar no mundo e alguns,
evidentemente, acharam outros aspectos do estilo de vida grego atrativos. Assim, com o passar
do tempo, a identidade grega mudou de ênfase na descendência étnica para uma de língua e
educação (GRABBE, 2000, p. 612). Alguém com um bom conhecimento da língua e uma
educação grega poderia atingir melhores posições sociais, mesmo que não nascesse grego. Hans
Borger (2003) destaca que Judá ficou livre da influência helênica, todavia ele deixou de
observar o que foi destacado acima. É evidente que o povo de Judá foi menos afetado que o da
diáspora, mas como salientado anteriormente não ficou totalmente ileso. O próprio Borger
(2003) reconhece que os soferim receberam grande influência do pensamento de Sócrates.
Encontra-se, então, uma situação complicada. Todos os judeus na Palestina entraram em
contato com a administração grega, enquanto muitos aprenderam um pouco de grego e alguns
aprenderam bem. Mas, além do modo de vida daqueles que eram cidadãos de uma cidade grega,
a influência grega era mais evidente nas áreas de literatura e arquitetura. A influência na
literatura poderia ser muito sutil, embora, como já foi notado, muitos escritos judaicos desse
período foram escritos ou traduzidos para o grego.
Neste contexto de helenização aparece uma das figuras mais antissemitas da história:
Antíoco IV (175–164 AEC.). Os judeus podiam praticar sua religião sem ser incomodados, mas
isso mudou com Antíoco IV, pois ele tenta uma investida contra o Egito, mas por temor de Roma
retrocede e no seu retorno se volta contra Jerusalém. Quando Antíoco IV obteve posse de
Jerusalém, muitos do partido oposto foram mortos; e quando ele havia saqueado uma grande
quantia, retornou a Antioquia (JOSEPHUS, 1996, 253).
Para apressar o andamento da helenização, Simeon bem Tobias depõem o sumo
sacerdote Onias III; colocando no seu lugar Jason. Um dos homens mais agressivos da ala
helenizadora. Este tinha o apoio de Antíoco IV. Com o trabalho e opressão desses homens em
172 AEC. Jerusalém é proclamada uma pólis. Em 168 AEC. Antíoco tentou eliminar o culto ao
Deus de Israel. O rei construiu um altar de ídolos no altar de Deus, ele matou um porco, e assim
ofereceu sacrifício, nem de acordo com a lei, nem com o culto religioso judaico daquele país.
Além de também os compelir a abandonar a adoração que pagaram a seu próprio Deus e a
adorar aqueles que ele considerava serem deuses; e os fez construir templos e erguer altares
ídolos em todas as cidades e aldeias e oferecer suínos sobre eles todos os dias (JOSEFO, 1996;
GUNDRY, 1985; SCOTT, 2017). Os rolos da Lei foram queimados e quem possuísse rolos da Torá
era morto. Mães que circuncidavam seus filhos eram assassinadas (1 Macabeus 1.44–64).
O antissemitismo era uma realidade vivida e intensa para os judeus da época. Aqueles
que contrariavam as atitudes do rei eram açoitados com varas. A(s) causa(s) desta tirania a
dúvida continuará a ser debatida por muito tempo sem uma solução clara, mas não há dúvida
de que o governo selêucida tentou proibir as práticas religiosas judaicas na Palestina (não está
claro que os judeus fora Judéia foram afetadas). Apenas a revolta dos Macabeus trouxe uma
revogação do decreto. Necessário também é salientar que alguns que estavam em Jerusalém
nesta época participaram do processo de helenização por livre vontade:
Por esses dias surgiram de Israel indivíduos ignóbeis que seduziram a muitos, dizendolhes: “Vamos! Aliemo-nos às nações que os cercam, pois, depois que delas nos
separamos, sobrevieram-nos muitos males”. Agradou-lhes tal arrazoado, e alguns de
entre o povo apressaram-se a ir ter com o rei, o qual lhes deu autorização para observar
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as práticas das nações [ou, dos gentios], conforme os usos delas. Construíram, pois, um
ginásio em Jerusalém, refizeram o seu prepúcio, renegaram a aliança santa para se
associarem aos pagãos e venderam-se para fazer o mal (1 Macabeus 1.11-15).
Muitos judeus permaneceram fiéis ao Deus de Israel praticando seu culto devidamente.
Os habitantes de Mondin que não haviam se submetido ao decreto do rei continuaram a
oferecer seus sacrifícios. O livro de 1 Macabeus registra o momento em que os emissários do
rei chegam até o velho sacerdote Matatias para que esse ofereça um sacríficio de acordo com
os requisitos do rei. Matatias se recusa, mas um judeu se atreveu a fazer o sacrifício. O velho
sacerdote tomado de ira derrubou o altar e assassinou o funcionário do rei que ordenava o
sacrifício (1 Macabeus 2. 17–28). Matatias, após este feito, convida todos os judeus tementes a
Deus a fugirem para as montanhas com ele. Se esconderam em cavernas com seus filhos e
esposas, mas quando os generais do rei souberam disso, tomaram todas as forças que tinham
na cidadela de Jerusalém e perseguiram os judeus no deserto; e, quando os alcançaram, em
primeiro lugar, esforçaram-se para persuadi-los a se arrependerem e a escolher o que mais lhe
servia de vantagem, sem colocá-los na necessidade de usá-los de acordo com a lei da guerra;
mas quando eles não obedeceram às suas convicções, mas continuaram a ter uma mentalidade
diferente, lutaram contra eles no dia de sábado e os queimaram como estavam nas cavernas,
sem resistência, e sem tanto quanto parando as entradas das cavernas. Eles evitavam se
defender naquele dia, porque não estavam dispostos a romper a honra que eles deviam ao
sábado, mesmo em tais aflições; porque a lei requeria que descansassem naquele dia
(JOSEPHUS, 1996, p. 260–276).
Havia cerca de três mil, com suas esposas e filhos, que foram sufocados e morreram
nessas cavernas; mas muitos dos que escaparam juntaram-se a Matatias e o nomearam para ser
seu governante (JOSEFO, 1996). Era o início da revolta Macabéia; Matatias sendo avançado em
idade faleceu pouco depois do início da revolta. Judas Macabeu, seu filho, se tornou o líder da
revolta. Judas expulsou seus inimigos da terra que transgrediram suas leis, e purificaram a terra
de todas as poluições que estavam nele. Em 164 AEC, o templo foi reconsagrado, data
posteriormente celebrada no feriado de Hanuká (festa das luzes), no estabelecimento de um
estado judaico parcialmente autônomo e reconhecido pelos sírios e, mais tarde, “em um estado
judeu independente, que perdurou até a conquista romana em 63 AEC” (SKARSAUNE, 2004, p.
17).
Skarsaune (2004, p. 17) faz um questionamento importante: “o que estava em jogo nessa
revolta?” A resposta parece óbvia: A insurreição dos Macabeus representava a autodefesa do
judaísmo contra a “helenização” forçada implementada por Antíoco IV. A revolta macabéia
tornou explícita a incompatibilidade entre judaísmo e helenismo” (BRUCE, 1988; GUNDRY,
1985; SATRAN, 2009; SKARSAUNE, 2004; STERN, 1996).
Oskar Skarsaune (2004, p. 27) destaca a importância da revolta macabéia acentuando
que se não fosse esta o judaísmo teria sido extinto. É no período dos Macabeus que surgem os
termos helenismo e judaísmo. Esses representavam dois estilos de vida diferentes. Com esse
contexto em mente não é difícil o leitor atento entender por que alguns Judeus conseguiram
incitar o povo contra Paulo tão rapidamente ao afirmarem que o apóstolo teria introduzido um
grego incircunciso no templo (At 21.28–29); sabendo do amor do povo pelo templo e de toda
história usaram a boa fé do povo para prejudicar Paulo.
Quando Paulo diz: “E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da
minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.” (Gl 1.14); ele queria
observar que era extremamente preocupado com a pureza de seu povo, ou seja, ele vivia de
acordo com a Torá e não queria ver o seu povo imerso no helenismo. James Dunn (2003, p. 401)
observa acertadamente:
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O “judaísmo” é apresentado como um ponto de união para a resistência aos sírios e para
um levantamento da identidade nacional como povo da aliança do Senhor. Dito de outra
forma, “judaísmo” foi cunhado como um título para o defender ao contrário do
helenismo” (2Mc 4,13). Em outras palavras, o termo “judaísmo” parece ter sido cunhado
como meio para dar enfoque à determinação dos patriotas. Não era, simplesmente,
descrição neutra da religião dos judeus, como poderíamos compreender hoje.
Esse contexto histórico permite ao pesquisador concluir que judaísmo no período do
Segundo Templo era um estilo de vida e não um dogmatismo. Não só Dunn (2003) percebeu
essa verdade como visto acima, mas também Skarsaune (2004). Após a morte de Judas
Macabeus, todos os ímpios e aqueles que transgrediram as leis de seus antepassados,
ressurgiram na Judéia, e cresceram sobre eles, e os afligiram de todos os lados. A fome também
ajudou a iniquidade deles e afligiu o país, até não poucos, que por falta de bens necessários, e
porque eles não foram capazes de suportar as misérias que tanto a fome quanto seus inimigos
trouxeram sobre o povo, abandonaram seu país e foram para os macedônios.
Josefo observa que nesta época Jônatas, irmão de Judas, passou a liderar o povo e um
exército judeu. Com Jônatas no comando foi possível expandir o território e conquistar a
independência. “Jônatas fez vários acordos e alianças com vários países, com Esparta e inclusive
com a potência da época, a República Romana, para que fosse reconhecida a situação de Israel
como nação livre perante o império selêucida (1996, 13.1:1–3. Jônatas prosseguiu com a
revolta, até que no ano de 153 AEC, ganha o cargo de sacerdote de Israel por decreto de
Alexandre Balas, rei selêucida”. Embora a família dos hasmoneus não fosse da linhagem de
Zadoque permaneceram sacerdotes até o período da ocupação romana em 63 AEC. (GUNDRY,
1985, p. 9–10; SCOTT, 2017, p. 86–87 SKARSAUNE, 2004, p. 42). A primeira vez em que grupos
como fariseus e saduceus são mencionados é no período em que Jônatas governava ao que
parece esses partidos já existiam anteriormente e provavelmente tiveram um papel no combate
ao helenismo (JOSEPHUS, 1996, 13:171–173; SALDARINI, 2001, p. 4; SCOTT, 2017, 87; BULL,
2009, p. 215).
João Hircano (134 – 104 AEC.) é um nome importante na dinastia hasmonéia, pois,
durante seu governo algumas controvérsias marcaram o judaísmo do Segundo Templo.
Controvérsias que talvez tenham dado origem a comunidade de Qumran; Hircano deu início a
uma política de conquista, usando mercenários helenistas, bem como soldados judeus. Anexou
áreas a leste do Jordão, a idumeus ao sul e as terras samaritanas até Citópolis (Bete-Seã), ao
norte. Os idumeus foram forçados a aceitar a circuncisão e a viver de acordo com a lei judaica.
Hircano destruiu o templo samaritano no monte Gerizim em 108 e, posteriormente, a cidade de
Samaria. Josefo (JOSEPHUS, 1996, 10: 284 – 298) inclui uma história na qual João Hircano deixa
de lado a lealdade aos fariseus e passa a ser leal aos saduceus. No início, Hircano favoreceu os
fariseus, mas os rejeitou para apoiar os saduceus. Sob a liderança de Jason os escribas foram
removidos de seus cargos, porém com a revolta de Judas Macabeus esses retomaram suas
funções e nesse período os chassidim ou Assideu reacenderam aos seus lugares de professores
da Lei (Torá) sob o nome de fariseus (MANSOOR, 1945; PUIG, 2006; SCHÜRER, 1985; VERMES,
1997).
Os fariseus queriam que a Lei fosse a norma do povo em todas as áreas da vida, isto é,
religiosa, ritual, econômica e social. Os fariseus criam tanto na lei escrita por Moisés como na
oral (Torá she – be’ alpé) que Moisés também teria recebido no Sinai (LENHARDT, 1997). O
governo hasmoneus sob a direção de João Hircano se tornara corrompido, assim como o
sacerdócio. Hircano precisava do voto do sinédrio para suas atividades políticas e como não
possuía o apoio dos fariseus devido sua má gestão, os destituiu colocando em seu lugar os
saduceus que concordavam com sua política - nesse contexto histórico é que, possivelmente,
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surgiu a comunidade de Qumran um grupo que se afastou da sociedade de então por conta das
corrupções religiosas e sociais (NICKELSBURG, 2011, p. 240–241).
No governo de Alexandra, os fariseus retomam o sinédrio e conseguem exercer um nível
de influência significativo e se tornaram inimigos da dinastia hamonéia, por esse motivo surge
a forte inimizade entre fariseus e saduceus. O maior líder fariseu da época, Simeon ben Shetach,
era irmão de Alexandra. Após a morte de Alexandra em 67 AEC irmãos Hircano II e Aristóbulo
lutavam pelo direito do trono quando em 63 AEC três delegações judias buscam a Pompeu,
general romano em Damasco. Duas das delegações reivindicavam a ajuda de Pompeu para
resolver o problema dos irmãos. A terceira delegação dizia representar o povo (BORGER, 2003;
BULL, 2009; SKARSAUNE, 2004; SCOTT, 2017). Josefo (1996) registra a queixa dessa terceira:
[...] Damasco; e lá foi que ele ouviu as causas dos judeus, e de seus governantes Hircano
e Aristóbulo, que estavam em diferença uns com os outros, como também da nação
contra os dois, que não desejavam estar sob governo real. porque a forma de governo
que receberam de seus antepassados era a de sujeição aos sacerdotes daquele Deus a
quem eles adoravam; e [eles reclamaram], que embora esses dois fossem a posteridade
dos sacerdotes, ainda assim eles procuraram mudar o governo de sua nação para outra
forma, a fim de escravizá-los (JOSEFO, 1996, 14:41-42).
No outono de 63 AEC, Pompeu tomou Jerusalém; sob o governo do Romano o povo
obteve paz por um período. Os Romanos respeitavam o judaísmo por sua antiguidade e
admiravam a religião judaica. Durante algum tempo o povo viveu em harmonia com os
Romanos, mas em 37 AEC, chega ao trono Herodes, o Grande.
Com o governo de Herodes a “lua de mel” entre judeus e Romanos acaba; Herodes foi um
dos maiores helenizantes do povo. Na estreia de seu governo houve a ordem a morte de
quarenta e cinco fariseus do sinédrio os acusando de sentimento pró-hasmoneus. O povo
também vivenciou, neste período, um avanço significativo na segurança pública e nas
construções. Herodes construiu cidades, aquedutos, pontes, estradas, teatros, ginásios entre
outros. Além de ampliar generosamente o templo de Jerusalém, porém em seu
desconhecimento da religião judaica colocou uma águia romana sobre os portões; seu
falecimento se deu em 4 AEC por uma doença no intestino (GUNDRY, 1985; BORGER, 2003;
SKARSAUNE, 2004; TILLY, 2004).
Estes séculos de guerras e debates deram a moldura ao judaísmo do Segundo Templo no
qual tanto a Jesus quanto os apóstolos viveram. A compreensão desse contexto pode ajudar o
leitor do Segundo Testamento a entender, por exemplo, porque os judeus do período de Jesus
não se relacionavam com os samaritanos, porque tinham tanta resistência aos gregos e sua
cultura ou porque fariseus e saduceus tinham um relacionamento tenso. Jesus de Nazaré estava
dentro deste contexto e como religioso se envolveu em debates religiosos que se formaram no
decorrer de séculos.
O judaísmo do Segundo Templo contava com a existência de mais de vinte cinco grupos
religiosos; nenhum deles tinha o monopólio e viviam em constante debate (BOYARIN, 1999;
SKARSAUNE, 2004; SALDARINI, 2001). Como os samaritanos já foram tratados de forma
significativa acima esta parte não os incluirá, mas reconhece sua importância na época de Jesus.
A seguir trataremos dos seguintes grupos Escribas, Fariseus, Saduceus e Essênios (ou
Zadoquitas):
1) Escribas: Quando a religião judaica enfrentou uma das maiores crises nos séculos VI
e IV AEC, houve a necessidade de se reinventar para sobreviver. Uma figura fundamental nesse
contexto foi Esdras, o sacerdote, escriba e estudioso (7:11). Ele é descrito na tradição como
aquele que reestabeleceu a religião judaica. No mundo antigo quase toda corte tinha seus
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escribas que eram, sobretudo, copistas. No entanto, os escribas em Israel, após Esdras,
passaram a ser vistos como mestres da Lei. Isso se deve ao fato de seu conhecimento sobre ela;
no processo de copiá-la os escribas se tornaram peritos. No início os escribas tinham um lugar
ao lado dos sacerdotes e com o tempo muitos se tornaram sacerdotes. Quando o sacerdócio se
deixou levar pelo helenismo os escribas adquiriram um lugar de destaque na vida do povo;
como conhecedores da lei a ensinavam para a população de forma que lhes era possível cumprir
na vida cotidiana. É comum imaginar que todos os escribas faziam parte de um grupo e tinham
em comum a mesma ideologia, porém não era assim. Havia escribas que eram fariseus (Lc 5.30;
Mc 2. 16) e outros que estavam alinhados com os sacerdotes (Mt 2.4; 20.18). É evidente que na
época de Jesus os escribas estavam afilhados a diversos partidos existentes. Alguns dos escribas
mais famosos foram Hillel e Shammai. Estes eram fariseus contemporâneos de Jesus de Nazaré
(SALDARINI, 2001; SCOTT, 2017).
2) Fariseus: Como visto anteriormente, são mencionados pela primeira vez no tempo em
que Jônatas governava, isto é, 152 AEC. Provavelmente surgiram um pouco antes, porém não é
possível afirmar seguramente o período exato. “Os fariseus eram um grupo leigo, heterogêneo
e piedoso. Falavam a língua do povo, identificavam-se com suas vicissitudes e aspirações”
(MIRANDA; MALCA, 2001; SCHÜRER, 1985). O Segundo Testamento registra alguns debates
entre Jesus e alguns fariseus, isso fez com que durante séculos cristãos tivessem a percepção
dos fariseus como hipócritas. O historiador George Knight (2016) bem observa que os cristãos
precisam rever seus conceitos sobre os fariseus pois não é possível delimitar a religião farisaica
com base unicamente no Segundo Testamento. Este não se propõe a fazer uma análise histórica
do farisaísmo, pelo contrário os escritores descrevem alguns debates entre Jesus e os fariseus.
Como em todas as religiões, comu-nidades e sociedades, nem todos os fariseus viviam
de acordo com seus elevados princípios, conforme relatos da Mishiná e do próprio Talmud
(MIRANDA; MALCA, 2001). O fato de Jesus debater e até chamar alguns fariseus de hipócritas
causa augirias em algumas pessoas; é necessário salientar que os fariseus debatiam entre si e
se autocriticavam. Algumas referências do Segundo Testamento os destacam como “hipócritas”
ou “descendentes” de víboras” (Mateus 3: 7; Lucas 18: 9 etc.) são aplicáveis para todo o grupo.
No entanto, os líderes estavam bem conscientes da presença do insincero entre seus números,
descritos pelos próprios fariseus no Talmud como “pontos doloridos” ou “Pragas do partido
farisaico” (b. SOTA 3: 4 e 22b). O Talmud registra ainda outras críticas de fariseus feitas a
fariseus de hipocrisia:
[C] há sete tipos de fariseus [p’rushim]: o vistoso [Fariseu], o altruísta [Fariseu], o guarda-livros
[fariseu], o lavrador [o fa-riseu], o [fariseu], o temente [fariseu]; amando [fariseu].
[D] O “vistoso [fariseu]” carrega suas boas ações no ombro [para mostrá-las].
[E] O “arrogante fariseu” diz: “Espera por mim. Eu estou [ocupado usando meu tempo] para
cumprir os mandamentos! [Eu não tenho tempo para você.]”
[F] O “contador [Fariseu]” paga cada dívida [isto é, pecado] executando um mandamento [boa
ação].
[G] O “fariseu” parcimonioso diz: “Do pouco que tenho, o que posso reservar para executar
mandamentos?”
[H] O “pagando [fariseu]” diz: “Diga-me que pecado cometi e executarei um man-damento para
compensá-lo”. [esses cinco tipos são modelos negativos, pomposos e ostensivos.]
[I] O temente [Fariseu] Jó. O “amoroso” [fariseu emula] Abraão. E ninguém é mais amado por
Deus do que o “amoroso” [fariseu que emula] Abraão.
[J] Abraão, nosso antepassado, transfor-mou até mesmo o desejo maligno [dentro dele] em bem.
Como está escrito: “E encontraste o seu coração (sugerindo mais de um) fiel diante de ti” (Ne
9: 8). [ambos os seus desejos de corações eram fiéis.]
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[K] disse R. Aha, “Ele fez um acordo [com seu desejo maligno para que ele pudesse controlá-lo.
Como diz: “E fiz com ele o pacto etc.” (J. BERAKOT, 9.5).
A crítica à hipocrisia não se restringe a Jesus, mas também parte dos próprios fariseus.
Assim, taxar todos os fariseus como hipócritas é um engano; os fariseus que foram advertidos
por Cristo e por outros fariseus não são a medida da religião farisaica, ou seja, não são a base
para descrever o farisaísmo. Brad Young (1995, p. 245-249) bem observa que o estereótipo
negativo dos fariseus construído ao decorrer da história faz com que os cristãos muitas vezes
interpretem o texto do Segundo Testamento de forma errônea. Acadêmicos, depois de tomar
conhecimento do farisaísmo como realmente ele era, tem chegado à conclusão de que o próprio
Cristo era um fariseu, um dos tementes a Deus, pois como Skarsaune (2004) observa os
característicos debates entre Jesus e fariseus têm uma característica intrafarisaica. O evangelho
de Mateus (23:3) indica que para Jesus a mensagem farisaica não era um problema; o problema
estava na hipocrisia de alguns fariseus. O farisaísmo era um partido complexo de muitas
opiniões e, portanto, poderia compreender as opiniões de Jesus (SKARSAUNE, 2004;
BRONSTEIN, 2003).
Os fariseus foram um grupo muito importante para o judaísmo do Segundo Templo, pois
eles mantiveram o judaísmo vivo após a destruição do templo em 70 EC. As várias seitas foram
desaparecendo com o tempo, mas o farisaísmo continuou e deu origem ao judaísmo rabínico
(MIRANDA; MALCA, 2001).
3) Saduceus: Os saduceus eram um importante grupo na época de Jesus, porém pouco
se sabe sobre este grupo. Como visto anteriormente, os saduceus nasceram no meio da grande
crise resultante do programa de helenização de Antíoco IV e da reação que protagonizou o
movimento dos chassidim. Os saduceus, por outro lado, pretendiam assimilar a herança dos
sadoquitas, ou seja, das famílias sacerdotais entre as quais era eleito o sumo-sacerdote. Os
saduceus cuidavam do serviço do templo. As crenças dos saduceus estavam em oposição a dos
fariseus até o tempo da destruição de Jerusalém em 70 EC. A principal diferença entre os
fariseus e os saduceus era em relação à Torá. A supremacia da Torá foi reconhecida por ambas
as partes. Contudo, os fariseus designaram para a Lei Oral um lugar de autoridade lado a lado
com a Torá escrita e determinada sua interpretação, enquanto os saduceus se recusavam a
aceitar qualquer preceito como ligação, a menos que fosse baseado diretamente na Torá. A luta
teológica entre as duas partes, foi na verdade, uma disputa entre dois conceitos de Deus. Os
saduceus procuraram trazer Deus para o homem. Seu Deus era antropomórfico e a adoração
oferecida a ele era como uma homenagem paga a um rei ou governante humano. Os fariseus,
por outro lado, procuraram elevar o homem a alturas divinas e aproximá-lo a um Deus
espiritual e transcendente. Os saduceus, portanto, rejeitaram o sobrenatural farisaico, alegando
que eles não tinham base na Torá. Os saduceus também negaram a doutrina da ressurreição do
corpo; historicamente, os saduceus ficaram sob a influência do Helenismo e depois estavam em
boa posição com os governantes romanos, embora impopular com as pessoas comuns, de quem
eles mantiveram-se distantes. A hierarquia dos saduceus teve sua fortaleza no Templo, e foi
apenas durante as duas últimas décadas de existência do Templo que os fariseus finalmente
ganharam controle. Desde que todo o poder e razão de ser dos saduceus estavam ligados ao
culto do Templo, o grupo deixou de existir após a destruição do Templo em 70 AEC. (MANSOOR,
1945; PUIG, 2006).
4) Essênios: Os Essênios são citados por Flavio Josefo, Filo de Alexandria entre outros;
geralmente, se identifica esse grupo com a comunidade de Qumran. É difícil determinar com
segurança que a comunidade de Qumran e os Essênios são o mesmo grupo por existirem
algumas dessemelhanças. Uma dessas dessemelhanças diz respeito ao celibatário; tem se
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defendido que os Essênios eram celibatários quando na verdade a arqueologia demonstrou que
a seita de Qumran não se abstinha do casamento, pelo menos não totalmente.
A erudita israelense Rachel Elior (2020), observa que os chamados Manuscritos do Mar
Morto têm características sacerdotais e de fato os portadores desses textos se identificavam
como “filhos de Zadoque”. Não há menção nos manuscritos aos supostos Essênios de Josefo.
Elior (2012) após mais de uma década de pesquisa concluiu que os manuscritos pertenciam aos
Zadoquitas. Esses parecem ser um grupo de sacerdotes que decepcionados com a política dos
governantes hamoneus decidiu ir para o deserto. Elior (2012) destaca:
Em contradição a essa luta sacerdotal demonstrada nos pergaminhos, nenhuma
identidade sacerdotal explícita é mencionada por Fílon, Plínio e Josefo, nenhuma
aliança é mencionada, nenhum assunto de calendário é discutido, nenhuma lei
sacerdotal referente ao Templo e os ritos dos sacrifícios são discutidos. relógios
sacerdotais e nenhuma liturgia angelical-sacerdotal são mencionados e Jerusalém, a
cidade escolhida de Deus, um tema central em muitos dos pergaminhos, não está
associada aos essênios. Em outras palavras, nenhum assunto que é atestado ricamente
nos Manuscritos do Mar Morto é descrito em qualquer relação significativa com os
essênios.
Para Steve Mason (2007), renomado especialista em Josefo, os Essênios seriam uma
criação literária do escritor. Mason (2007) argumenta que o texto mais longo sobre os supostos
Essênios está em Guerras Judaicas uma obra escrita no período Flaviano, já mencionado
anteriormente. Após a destruição, no ano 70 EC. os judeus estavam sendo humilhados pelos
romanos, eles não tinham nenhum crédito. Josefo ao escrever pinta os Essênios como um
modelo de sociedade judaica e os descreve com características gregas. Os Essênios de Josefo
são verdadeiros espartanos. O objetivo de Josefo ao fazer isso, segundo Mason (2007), é
reestabelecer a dignidade judaica entre os Romanos. Steve Mason (2016, 104) salienta que:
Em apoio a este tema Josefo frequentemente emprega uma linguagem espartana de
treinamento, disciplina, ordem, coragem, resistência, destreza viril e desprezo pela
morte; esta última aparecendo com mais frequência na guerra do que em qualquer
outro texto antigo conhecido. Passagem muito discutida de Josefo sobre os essênios,
“Legião” (2.119-61) tem a maior concentração de linguagem espartana em seu corpus.
Sua seção mais longa (e menos discutida) diz respeito ao desprezo pela morte: “Sorriem
em suas agonias e zombam de quem estava infligindo as torturas, eles costumavam
despedir alegremente de suas almas” (2.151–58). O tema continua na Guerra, enquanto
observamos pessoas comuns desnudando seus pescoços à espada, em vez de violar a lei
ancestral (2.174, 196). Vespasiano fica maravilhado com a coragem de um judeu
capturado que, segurando sob todo tipo de tortura, finalmente “encontrou a morte com
um sorriso” em uma cruz (3.320–21).
Assim, os Essênios de Josefo não são descritos como não tendo algum tipo de interesse
em questões sacerdotais, ao contrário dos Zadoquitas de Qumrã, que eram extremamente
preocupados com essas. Tais discrepâncias, no que tange ao conteúdo dos manuscritos e a
arqueológica, indicaram que a seita do Mar Morto não eram os supostos Essênios. Elior (2002)
põe em dúvida a existência de tal grupo e o estudo de Mason (2007) indica a mesma conclusão.
Portanto, não é estranho que não exista referência aos essênios na literatura rabínica, ou no
Segundo Testamento.
Dados arqueológicos datam o surgimento dos Zadoquitas por volta de 150 a 140 AEC,
período que corrobora com a sugestão vista de que a comunidade de Qumrã tenha surgido no
período de João Hircano. Essa comunidade era formada por sacerdotes Zadoquitas e leigos. O
Documento de Damasco descoberto na Geniza do Cairo e publicado em 1910 é uma obra
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fundamental para o conhecimento desta comunidade (VERMES, 1996; SKARSAUNE, 2004;
SCOTT, 2017; MANSOOR, 1945).
5) Zelotes: os Zelotes era o partido mais enérgico existente em Israel. Flávio Josefo os
identifica como a “quarta filosofia”, pois eles apoiavam a ação militar contra os Romanos como
resistência política e religiosa, com o objetivo de restaurar o estado independente de Israel.
Essa resistência fomenta a grande primeira guerra dos Judeus com os Romanos (66-73 EC), a
guerra dos Macabeus. Toda essa divergência sociopolítica e religiosa permeava o pensamento
judaico da época, gerando inúmeros conflitos de opinião e interesse. Nesse contexto, Jesus
aparece com uma mensagem de restauração espiritual e restauração da fé. A maior parte dos
judeus aguardavam uma restauração política, enquanto muitos outros já não sabiam mais o que
esperar, visto que a fé e o pensamento estavam distorcidos e segmentados.
5. Considerações Finais
O desenvolvimento histórico do Judaísmo do Segundo Templo como visto acima é de
suma importância para o período do Segundo Testamento, pois é nesse contexto histórico que
os debates se desenvolvem. Uma característica marcante do judaísmo eram os debates infindos;
diversos acadêmicos perceberam o caráter múltiplo do judaísmo. Na época de Jesus de Nazaré
existiam “judaísmos” e não “judaísmo”; não existia um judaísmo dogmático muito pelo
contrário, havia muitas visões diferentes sobre diversos temas. Como bem salientou Oskar
Skarsaune (2004, p. 100-101) o “judaísmo” era mais um estilo de vida do que uma religião
dogmática. Os principais grupos escribas, fariseus, saduceus, zelotes entre outros viviam em
constante debate e isso era natural para a época” E continua nos relembrando que “embora
existissem debates teológicos no período do Segundo Templo, a religião era mais ortopraxia
(comportamento e ações) do que ortodoxa (sã doutrina); essa característica é significativa para
o retrato “dos judaísmos”.
O estudante que desconhece esse contexto pode ser tentado a pensar que Jesus e seus
discípulos estavam rompendo com o judaísmo ao discordar de determinadas visões teológicas
da época. Fato é que isso não aconteceu, tanto Jesus quanto seus discípulos estavam envolvidos
em debates assim como a grande maioria dos judeus religiosos da época. Os especialistas em
Segundo Testamento Wilson Paroschi e James D. Dunn bem notaram isso ao destacar que a
igreja apostólica nunca pensou ser algo a parte do judaísmo; a igreja pensava estar vivendo o
clímax do judaísmo (PAROSCHI, 2011, p. 353; DUNN, 2009, p. 360–365). Por cinco décadas após
a ascensão de Jesus de Nazaré a igreja viveu como um grupo que compunha o judaísmo, foi só
após a destruição do templo e o início do judaísmo rabínico que a separação começou
(PAROSCHI, 2011, p. 360).
Essa separação foi gradativa e ganhou mais força em 135 d.C. com a revolta de Bar
Kokhba. Tal revolucionário alegava ser o messias, como os cristão não o apoiaram, a divisão
aumentou significativamente nessa época. No segundo século essa divisão havia ganhado uma
força singular e teve seu ápice no terceiro e quarto século. O cenário histórico do primeiro
século foi importante para o crescimento dos seguidores de Jesus; a multiplicidade de
judaísmos permitiu que esse novo grupo crescesse significativamente. O judaísmo era
respeitado no império Romano por sua antiguidade, embora existissem algumas desavenças,
como a liberdade de culto, diferente de outros grupos. Essa liberdade garantiu aos seguidores
de Jesus liberdade de expressão por algum tempo o que foi fundamental para as proporções
que esse grupo tomou. Judaísmo e Cristianismo parecem ser religiões irmãs; irmãs que estão
brigadas. Tanto o judaísmo rabínico quanto o Cristianismo têm suas origens no judaísmo do
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Segundo Templo. Nem as perseguições da Idade Média ou Luterana podem esconder essa
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