ISSN: 2178-602X
Artigo Seção Temática
Volume 16, Número 3, set-dez de 2022
Submetido em: 23/05/2022
Aprovado em: 19/08/2022
Emancipações comunicativas, políticas e estéticas na
articulação de corporeidades negras em torno do
movimento secundarista1
Communicative, political and aesthetic emancipations in the
articulation of black corporeities around the secondary-school student
movement
Emancipaciones comunicativas, políticas y estéticas en la articulación
de las corporeidades negras en torno al movimiento estudiantil de
secundaria
Francine ALTHEMAN2
Ângela Cristina Salgueiro MARQUES3
Resumo
Este artigo é uma reflexão sobre as potencialidades estéticas dos arranjos
disposicionais que constituem as cenas de insurgência do movimento secundarista,
que ocupou as ruas e as escolas de São Paulo em 2015. A proposta envolve pensar sobre
a fabulação estética do movimento a partir das transformações de si das corporeidades
negras, por meio de suas narrativas e de suas produções artísticas. Essas reflexões
partem do diálogo entre Foucault, Rancière e Deleuze sobre a formação do sujeito
político nas resistências. O texto aposta em uma potencialidade da experiência estética
para a emancipação política do sujeito, bem como a potência de corporeidades negras
em processos comunicacionais de questionamento de imagens de controle. Ele aponta
ainda para a construção da cena insurgente por meio dos arranjos disposicionais que
ela provoca, atentando também para as vulnerabilidades e interseccionalidades dos
sujeitos envolvidos.
A realização deste trabalho contou com o apoio do CNPq e da Fapemig.
Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em
Comunicação na Contemporaneidade pela Faculdade Cásper Líbero. Professora do Curso de Jornalismo
da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). E-mail: franaltheman@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-1768-7617
3 Professora Associada do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas
Gerais. Doutora em Comunicação Social pela UFMG. Realizou pós-doutorado em Comunicação e em
Ciências Sociais na cidade de Grenoble (França). E-mail: angelasalgueiro@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-2253-0374
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Palavras-chave: Corporeidades negras, interseccionalidade, emancipação política,
transformação de si, arranjos disposicionais.
Abstract
The aim of this article is to reflect on the aesthetic potential of the dispositional
arrangements that constitute the insurgency scenes of the secondary school
movement, which occupied the streets and schools of São Paulo in 2015. The proposal
involves thinking about the aesthetic fabulation of the movement from the perspectives
of transformations of the black corporeities themselves, through their narratives and
their artistic productions. These reflections start from the dialogue between Foucault,
Rancière and Deleuze, on the formation of the political subject in the resistances. The
text bets on the potentiality of the aesthetic experience for the political emancipation
of the subject, as well as the power of black corporeities in communicational processes
of questioning control images. He also points to the construction of the insurgent scene
through the dispositional arrangements it causes, also paying attention to the
vulnerabilities and intersectionalities of the subjects involved.
Keywords: Black corporeities, intersectionality, political emancipation, selftransformation, dispositional arrangements.
Resumen
Este artículo es una reflexión sobre el potencial estético de los arreglos disposicionales
que constituyen las escenas de insurgencia del movimiento de la escuela secundaria,
que ocuparon las calles y escuelas de São Paulo en 2015. La propuesta implica pensar
la fabulación estética del movimiento a partir de las transformaciones de sí mismos de
las corporeidades negras, a través de sus narrativas y sus producciones artísticas. Estas
reflexiones parten del diálogo entre Foucault, Rancière y Deleuze sobre la formación
del sujeto político en las resistencias. El texto apuesta por la potencialidad de la
experiencia estética para la emancipación política del sujeto, así como por el poder de
las corporeidades negras en los procesos comunicacionales de cuestionamiento de las
imágenes de control. También apunta a la construcción de la escena insurgente a través
de los arreglos disposicionales que provoca, prestando atención también a las
vulnerabilidades y interseccionalidades de los sujetos involucrados.
Palabras clave: Corporeidades negras, interseccionalidad, emancipación política,
auto transformación, arreglos disposicionales.
Introdução
No final de 2015, estudantes do Estado de São Paulo iniciam um levante, que
traz
muitas
das
características
dos
chamados
movimentos
insurgentes:
horizontalidade, apartidarismo, inspiração no novo anarquismo, ocupação do espaço
público, que se transformam em espaços de trocas, resistência e experimentações, uso
criativo das redes sociais digitais, e um engajamento atrelado à subjetividade e à
transformação de si.
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O movimento foi promovido por estudantes do Ensino Médio que ocuparam
mais de 200 escolas no Estado de São Paulo contra o projeto de reorganização escolar
proposto pelo governo para ser implementado no ano seguinte. Como consequência
dessa medida, mais de 150 escolas seriam afetadas, com encerramento de turnos e
ciclos.4
A partir do anúncio da reorganização escolar, acontece uma sucessão de eventos
insurgentes, iniciando o rompimento dos estudantes com a constituição de poder do
governo e a auto-organização de um movimento. Estudantes foram às ruas em diversas
ocasiões para protestar contra a medida do governo estadual. Essa onda de protestos
teve, entre seus episódios, o fechamento de ruas em São Paulo, fomentado por
performances criativas dos alunos, que simulavam salas de aula nas principais vias e
empunhavam cartazes produzidos por eles mesmos, no calor do momento (CAMPOS;
MEDEIROS; RIBEIRO, 2016).
Esses processos estéticos e comunicativos que envolvem a resistência dos
secundaristas no Estado de São Paulo5 em 2015, promoveram transformações e
emancipações nos próprios sujeitos envolvidos, configurando-se como objeto de
análise deste trabalho6. Entendemos a emancipação a partir da maneira como Michel
Foucault (1994a) apresenta as experiências transformadoras como capazes de
alimentar práticas de liberdade, tais como o cuidado de si, dos outros e as reinvenções
A proposta de “reorganização do ensino”, feita pelo então governador Geraldo Alckmin e pelo então
secretário de estado da educação Ferman Voorwald, pretendia fechar 94 escolas (que seriam
disponibilizadas para outras funções na área da educação) e transferir mais de 300 mil alunos da rede
pública, sob o argumento de que era necessária uma separação em ciclos únicos (Fundamentais I e II e
Médio) para “melhorar o desempenho”. Entre os meses de outubro e dezembro de 2015, a mobilização
dos estudantes contou com 213 escolas públicas ocupadas e diversos protestos nas ruas e avenidas de
São Paulo (TAVOLARI et al., 2018).
4
É importante lembrar que o movimento dos secundaristas aconteceu em vários Estados brasileiros,
especialmente entre 2015 e 2016. Mas as manifestações e ocupações paulistas foram as primeiras a
acontecer neste cenário dos mais novos movimentos sociais, e desencadeou as demais ocupações pelo
Brasil.
5
Os estudantes conquistaram o apoio público de diversos segmentos da sociedade civil e, no dia 3 de
dezembro de 2015, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo entraram com
uma ação civil pública na Justiça pedindo a suspensão da reorganização escolar. As entidades afirmaram
que a ação foi a última medida adotada após diversas tentativas de diálogo com o governo. No dia 4 de
dezembro, o governador Geraldo Alckmin se viu obrigado a revogar o decreto da reestruturação, e o
secretário da Educação, Herman Voorwald, pediu para deixar o cargo. Fundamental para essa conquista
foi o reconhecimento judicial da legitimidade da ocupação de escolas, bem como a construção de uma
densa rede de apoio às escolas ocupadas.
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da forma de vida que nos sustenta7. Ao apostar que as técnicas de si poderiam fraturar
os dispositivos de controle das vidas e dos corpos, Foucault sugere que os modos como
agimos sobre nós mesmos abrem uma possibilidade reflexiva para pensarmos sobre
quem somos e como queremos ser: eles “preparam o indivíduo para enfrentar a
realidade desse mundo de agora, servindo-se de um conjunto de práticas por meio das
quais ele pode construir um princípio de ação permanente” (FOUCAULT, 1994a, p.
800). De acordo com Margaret Rago (2013), o interesse de Foucault seria pelas
possibilidades de “invenção de novos modos de existência, construídos a partir de
outras relações de si para consigo e para com o outro, capazes de escapar às tecnologias
do dispositivo biopolítico de controle individual e coletivo” (RAGO, 2013, p. 42). Para
essa autora, investir nas práticas de liberdade implica tornar-se sujeito pelo trabalho
de reinvenção da própria subjetividade possibilitada pela experiência.
A potencialidade da emancipação que resulta desse processo não é apenas
pontual e efêmera8, mas desafia a violência do poder institucional para mostrar como
as resistências podem investir em táticas de refazimento, sobrevivências e constelações
interacionais outras.
A proposta, portanto, é refletir sobre empoderamento dos jovens envolvidos no
movimento associado às subjetivações e transformações de si, por meio das estéticas
do corpo, especialmente do corpo negro. É importante reforçar que se entende aqui o
corpo negro não somente como uma potência insurgente, estética e dissensual, mas
também como potência comunicativa. Isso posto, para essa análise, apostamos na
configuração de arranjos disposicionais (BRAGA, 2018; 2020), a partir do conceito de
dispositivo de Foucault ([1976], 2017; [1977], 1994c; [1977], 2003), como
potencialidade estética dos movimentos de resistência. Assim, tomamos o conceito de
As técnicas de si “permitem que os indivíduos façam, através de seus próprios meios ou com a ajuda
de outros, um certo número de operações em seus corpos e almas, pensamentos, condutas e modos de
ser, com o objetivo de transformarem a si mesmos para alcançar felicidade, pureza, sabedoria, perfeição
ou imortalidade” (FOUCAULT, 1994a, p. 786).
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É importante destacar que, em abril e maio de 2016, o estado de São Paulo viveu um novo ciclo de
ocupações, em torno da merenda escolar nas escolas técnicas estaduais (ETECs), no Centro Paula Souza
(responsável pela administração das ETECs) e na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em
meados de 2016, o movimento dos estudantes paulistas alcançou muitas conquistas. No entanto, sofreu
simultaneamente um incremento brusco da repressão, inclusive por meio do uso da violência policial e
prisão de estudantes, que foram acusados de danos ao patrimônio. (TAVOLARI et al., 2018). Alguns
documentários foram produzidos a partir das ocupações de 2015 e 2016, como: "Acabou A Paz, Isto Aqui
Vai Virar O Chile” (2016); "Escolas em Luta" (2017) e "Espero tua (Re)volta" (2018). Também foi
produzida uma peça de teatro, “Quando quebra, queima” (2018), protagonizada por estudantes que
vivenciaram as ocupações em São Paulo.
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construção de cenas proposto por Jacques Rancière (2018) em associação com os
aportes foucaultianos para pensar experiências estéticas como uma aposta teóricometodológica. Para articular esses conceitos, também recorremos a Gilles Deleuze
(1996; 2016), que desenvolve o conceito de dispositivo de Foucault.
Com relação a discussão sobre raça e racismo, devemos considerar que a maioria
dos estudantes que ocuparam as escolas era negra, oriunda da periferia de São Paulo.
Durante todo o processo de ocupação, a mídia tradicional fez circular imagens que
evidenciavam o controle sobre as narrativas estigmatizantes que eram produzidas para
desmobilizar, silenciar e culpabilizar os próprios secundaristas pelo cenário de
injustiça sobre o qual tentavam atuar. O entrecruzamento entre raça, classe, gênero e
sexualidade produz um complexo sistema de dominação que não deriva de uma soma
ou sobreposição de diferentes experiências de opressão. A interseccionalidade aponta
para uma justaposição ideologicamente organizada de violências, na qual estigmas são
utilizados para dificultar a construção da autonomia política, o acesso a direitos e a
busca por reconhecimento. Desse modo, trazemos para o debate os trabalhos de
Patrícia Hill Collins (2019), Achille Mbembe (2018a, 2018b), Angela Davis (2017),
Sílvio Almeida (2019) e Joice Berth (2019). Vamos costurar essas histórias com os
aportes teóricos já apontados.
Empoderamento de jovens do levante secundarista
Na insurgência secundarista, questões ligadas ao racismo e ao empoderamento
das estudantes negras e dos estudantes negros foram intensamente colocadas em
discussão, como que se chocando com o poder manifestado pelo discurso. Segundo
dados coletados por Corsino e Zan (2017, 2020), os secundaristas que ocuparam as
escolas em São Paulo eram, em sua maioria, oriundos da periferia, de poder econômico
baixo, afinal estudavam em escolas públicas, e muitos deles eram negros. A partir de
dados da PNAD 2004-2014 (Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar) e do IBGE
2019 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os autores apontam que, no
período de 2015 a 2019, foi possível verificar um crescimento do acesso à educação
pela população negra, ainda que muito inferior àquele da população branca. Nesse
mesmo período, a conclusão do Ensino Médio entre os jovens de 20 a 22 anos havia
aumentado entre negros (58,1%), mas ainda se mantinha inferior à da população
branca (76,8%) nessa mesma faixa etária. No processo de ocupação das escolas
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públicas de São Paulo em 2015, os autores retomam dados da Secretaria Estadual
de Educação dessa capital que apontam o protagonismo de alunos e alunas negras
nas escolas, associando-o a pesquisas qualitativas que mostram forte consciência
do retrocesso em relação às políticas públicas implementadas pelo governo federal
destinadas ao combate à desigualdade racial (CORSINO; ZAN, 2020).
Não podemos desconsiderar o processo político oriundo do Estado que está
implícito nessa questão da reorganização escolar, que envolve o modo de ver a escola
pública, que é majoritariamente composta por alunos provenientes da periferia e
negros ou pardos. Mbembe (2018a) vai chamar de necropolítica as várias formas de
destruir uma cultura, colocando um terror de morte real. O Estado, segundo Berenice
Bento (2018), atua como um agente fundamental na distribuição desigual de
reconhecimento às vidas consideradas dignas de proteção. No sentido biopolítico de
uma governamentalidade de controle (FOUCAULT, [1977], 2003; 2014), o Estado
segue um projeto de mercantilização da educação a longo prazo, encaixando os
secundaristas em um projeto disciplinar, que dificulta as discussões políticas e as
subjetivações. O que Bento nos revela, contudo, é que está em processo um conjunto
de técnicas de governabilidade que entrelaça a necropolítica e a biopolítica, de maneira
“a produzir interruptamente zonas de morte” (BENTO, 2018, p. 3). Quando
consideramos as condições históricas de enraizamento do racismo no Brasil, fica clara
a cultura política baseada na necrobiopolítica, cuja base é eliminação constante das
vidas consideradas “matáveis”:
O necrobiopoder unifica um campo de estudos que tem apontado atos
contínuos do Estado contra populações que devem desaparecer e, ao
mesmo tempo, políticas de cuidado da vida. Dessa forma, proponho
nomear de necrobiopoder um conjunto de técnicas de promoção da
vida e da morte a partir de atributos que qualificam e distribuem os
corpos em uma hierarquia que retira deles a possibilidade de
reconhecimento como humano e que, portanto, devem ser eliminados
e outros que devem viver. (BENTO, 2018, p. 7)
Cabe refletir sobre as questões que envolvem o racismo estrutural nesse
contexto e as transformações das corporeidades negras que foram tematizadas pelos
secundaristas. A partir das reflexões de Paulo Freire (1987) e outros autores, Joice
Berth (2019) discute a estética da corporeidade negra costurando com a concepção de
empoderamento. Para a autora, a estética tem sido um elemento importante de
dominação dos grupos oprimidos, pois
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[...] uma vez que se criam padrões estéticos pautados pela
hierarquização das raças ou do gênero, concomitantemente criamos
dois grupos: o que é aceito e o que não é aceito e, portanto, deve ser
excluído para garantir a prevalência do que é socialmente desejado
(BERTH, 2019, p. 113).
Berth (2019) reforça que o cabelo para os negros, sobretudo os jovens, é um
importante elemento estético de autoafirmação, pois os preconceitos e estereótipos em
torno da estética negra perpassam por essa solidificação do senso comum que
ridiculariza o cabelo afro. Mas o cabelo não é o único elemento da corporeidade negra
que é objeto de injúrias racistas. Os rostos negros, nariz e boca principalmente,
também sofrem com o escárnio do ambiente social. Para a autora, os veículos de
comunicação e mesmo as artes em geral reforçam os estereótipos que potencializam o
preconceito contra a estética da corporeidade negra. Assim, para a população negra é
um trabalho difícil, de ressignificação, para se libertar das estratégias de
desqualificação da estética negra, configurando um trabalho de resistência e
construção da autonomia.
O enfrentamento às imagens de controle configura, segundo Patrícia Hill Collins
(2019), um gesto de resistência contra um dispositivo de controle e classificação, uma
vez as “imagens de controle são traçadas para fazer com que o racismo, o sexismo, a
pobreza e outras formas de injustiça social pareçam naturais, normais e inevitáveis na
vida cotidiana” (COLLINS, 2019, p. 136). Dinâmicas e em constante reconfiguração, as
imagens de controle enfatizam, por exemplo, padrões de beleza hegemônicos,
estigmatizando corpos que não se encaixam nas regras hierárquicas e desprezando
outras concepções de beleza. Elas alimentam opressões interseccionais que,
entrecruzadas, produzem e amplificam desigualdades, sobretudo quando investem em
oposições binárias que objetificam pessoas negras, impedindo-as de definirem suas
experiências, identidades e escolhas (BUENO, 2020).
Os jovens secundaristas, por meio de performances e de expressões artísticas,
buscaram romper, em certa medida, com esse sistema de dominação, desencadeando
processos de transformação e de emancipação dos sujeitos envolvidos no movimento
de resistência. A insurgência secundarista foi além de um movimento que
desestabilizou as estruturas de poder do Estado e suas manifestações de
necrobiopoder, para ser também um movimento que fomentou processos subjetivos
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mais profundos, especialmente nos jovens negros e periféricos de São Paulo. Segundo
Bento (2018, p. 4), o Estado brasileiro não assume a máxima foucaultiana do “fazer
viver, deixar morrer”, pois ele não abandona certas pessoas à morte: há uma constante
produção de políticas de morte, destinadas a “fazer viver, com técnicas planejadas e
sistemáticas”. De certa forma, a reorganização escolar em São Paulo permitiu a chance
de tornar mais evidentes essas técnicas, e de elaborar táticas capazes de tematizá-las e
fraturá-las.
Essa situação de insurgência expõe uma série de relações interseccionais que
desafiam a naturalização de opressões. A interseccionalidade atua e se configura
através da práxis crítica, da reflexividade e das conexões entre sujeitos
interdependentes. Entendida como espaço de relacionalidade e interdependência
(COLLINS, 2019), auxilia a tematizar como vulnerabilidades, assimetrias e injustiças
podem ser caracterizadas como uma matriz complexa na qual se tensionam linhas de
continuidade e de descontinuidade, estratégias necrobiopolíticas e gestos biopotentes,
sujeição e subjetivação. De acordo com Collins e Bilge (2021), muitas formas de
ativismo estudantil se baseiam nas estruturas interseccionais e as autoras defendem
que a interseccionalidade deve ser pensada como estratégia analítica em estudos de
raça, classe e gênero.
Para compreender essas transformações que envolveram o movimento,
especialmente no que se refere ao empoderamento dos jovens negros, buscamos
reconstruir as cenas de insurgência das corporeidades negras, por meio das narrativas
dos próprios estudantes, que fomentam arranjos disposicionais como processos de
comunicação. Em diálogo com Butler (2018), acreditamos que aparição performativa
dos corpos sobre uma cena pública vai demarcar territórios, exposições,
vulnerabilidades, alianças e afetos, associando ética, estética e política. Segundo ela,
corpos se arriscam a aparecer não apenas para falar e para agir, mas também para
sofrer e comover, para engajar outros corpos, para negociar e questionar a injustiça e
a desumanização retira quase todas as possibilidades de sobrevivência.
Aqui, também nos aproximamos de Achile Mbembe (2021) quando afirma que
a política se estabelece como uma “questão de disposição adequada de materiais e
corpos, de trabalho com, contra, sobre, por cima e através de elementos” (MBEMBE,
2021, p. 12).
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“Corporeidade”, neste caso, não se refere apenas ao que há de maciço
no corpo e em tudo o que objetivamente o compõe [...]. A corporeidade
também se refere ao modo como o corpo é objeto de percepção, ou seja,
como é criado e recriado pelo olhar, pela sociedade, pela tecnologia,
pela economia ou pelo poder; o modo como se posiciona em relação a
tudo o que o cerca ou que se move e cria um mundo ao seu redor
(MBEMBE, 2021, p. 12)
A produção de corporeidades tematiza a (in)visibilidade e (i)legibilidade de
sujeitos e grupos, as assimetrias na regulação do espaço e dos modos de suas
experiências e experimentações. A biopotência dos corpos e corporeidades coletivas se
expressa nas interlocuções e articulações nas quais se inscrevem o gesto, a palavra e a
enunciação do sujeito falante, e na qual esse próprio sujeito se constitui de maneira
performática, poética e argumentativa a partir da conexão e desconexão entre os
múltiplos nomes e modos de narração de si que o definem. Por isso, o foco que
evidenciamos neste artigo recai sobre as maneiras como corporeidades inventam as
coordenadas de sua exposição e formas de vida, contrariando expectativas,
promovendo fraturas, desestabilizando sentidos e alterando os arranjos que articulam
os sujeitos em suas lutas e demandas.
Os arranjos como dispositivos comunicacionais
Para refletir sobre as cenas de insurgência do movimento secundarista,
partimos do pressuposto de que uma cena polêmica, no sentido utilizado por Rancière
(2009, 2018), é composta de dois movimentos: uma fabulação dos atores que
“aparecem” e se fazem ver e ouvir; e uma montagem operada por aquele que relata as
singularidades que tornam a cena única, mas ao mesmo tempo conectada a vários
eventos e processos mais amplos. Compreendemos que a reconstrução da cena envolve
uma descrição do acontecimento capaz de articular diferentes cenas, evidenciando
teias discursivas que vão se entrelaçando, justapondo documentos, produções
artísticas e narrativas usados para essa fabulação, aproximando as narrativas dos
secundaristas, os conceitos e a reflexão das pesquisadoras.
Acreditamos ser possível vislumbrar um entrelaçamento entre as cenas e os
dispositivos foucaultianos, que também fazem parte do pensamento de Rancière sobre
as hierarquias que estruturam uma ordem social consensual. Rancière (2018)
concorda com Foucault quando este afirma que as vozes dos “homens (sic) infames” se
chocam contra o poder, atraem sua ira e, justamente por isso, produzem cenas de
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tematização e nomeação de injustiças, nas quais pratica-se a sublevação, ou seja, “a
recusa do estatuto de sujeito no qual nos encontramos.” (FOUCAULT, 2019, p. 35). É
através dos gestos de interrupção e recusa que a cena promove outras possibilidades
de arranjos e articulações entre temporalidades, corporeidades e espacialidades, de
modo a alterar a dinâmica do aparecer dos sujeitos e dos acontecimentos,
reorganizando o campo do visível, do legível e do pensável.
No pensamento de Foucault ([1977], 2003), o conceito de dispositivo não se
restringe aos mecanismos de controle e sujeição. Ele ressalta que existe um sistema de
relações nos dispositivos, incluindo aquelas que escapam às relações de poder, como
as resistências e suas criações fabulativas. A partir da leitura da entrevista que Foucault
concedeu à Revista Ornicar, em 1977, e da leitura que Deleuze (1996, 2016) e Braga
(2018, 2020) fazem do dispositivo foucaultiano, foi possível estruturar o conceito de
forma a compreender melhor sua contribuição para a reconstrução das cenas como
processos estéticos comunicacionais.
Na entrevista supracitada, Foucault ([1977], 1994c) deixa claro que o dispositivo
tem uma função estratégica para o enfrentamento de uma urgência. Os elementos do
dispositivo são um conjunto heterogêneo de proposições (discursos, instituições, leis,
decisões, enunciados etc.), tanto o que é dito quanto o que é não dito. “O dispositivo é,
propriamente, o sistema de relações que se pode estabelecer entre esses elementos”
(FOUCAULT, [1977] 1994c, p. 299).
Relendo Foucault, Braga (2018, 2020) afirma que o dispositivo faz parte de
elaborações e tentativas de arranjos que se organizam entre os sujeitos e outros
componentes e que respondem a uma urgência de forma estratégica. Braga também
advoga que é possível trabalhar com os conceitos de macro e microdispositivos, além
dos conceitos de arranjos e dispositivos interacionais. “Há uma grande diversidade de
microdispositivos,
que
se
referem,
em
composições
variadas,
àqueles
macroagenciamentos de ordem comunicacional” (BRAGA, 2018, p. 89).
Em uma abordagem próxima a essa, Deleuze argumenta que o dispositivo é
“composto de linhas de natureza diferente [...] que seguem direções, traçam processos
sempre em desequilíbrio e ora se aproximam, ora se distanciam umas das outras”
(DELEUZE, 2016, p. 359). A partir dessas pistas, acreditamos ser possível dizer que
arranjos disposicionais produzem cenas nas quais o dissenso opera outros
agenciamentos de visibilidade e temporalidade, no sentido de configurar um aparecer
político dos corpos e de suas demandas que os erga e os sustente em suas insurgências
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(RANCIÈRE, 2018). Por meio de tentativas de enquadrar, montar e distribuir
discursos, sujeitos, objetos, espaços e tempos, a prática de elaboração da cena revisa
constantemente a forma assumida por esses arranjos, tensionados entre o controle e a
autonomia dos sujeitos que nela figuram. Aqui, entendemos a autonomia como uma
forma de fortalecimento emancipatório através da construção de articulações com
outros indivíduos e grupos, “cada qual com seu conjunto distinto de experiências e
pensamento [...] alimentando diálogos que investigam como a dominação se mantém
e se transforma” (COLLINS, 2019, p. 87).
Assim, a construção de cenas também pode figurar como uma possibilidade de
desemaranhar as linhas que compõem os dispositivos da insurgência secundarista e
que promovem essas potencialidades estéticas da corporeidade negra que levam às
linhas de subjetivação e, por sua vez, podem formular novos dispositivos.
Processos comunicativos e estéticos das corporeidades negras
O percurso metodológico que nos orientou na produção deste artigo consistiu
em recuperar relatos e depoimentos dos jovens secundaristas que atuaram nas
ocupações de 2015 e 2016 em São Paulo a partir da decupagem e transcrição dos
enunciados que integram os seguintes documentários: “Acabou A Paz, Isto Aqui Vai
Virar O Chile” (2016); “LUTE como uma menina!” (2016), "Escolas em Luta" (2017) e
"Espero tua (Re)volta" (2018). Por ocasião da apresentação da peça de teatro, “Quando
quebra, queima” (2018), protagonizada por estudantes que vivenciaram as ocupações
em São Paulo, registramos por escrito algumas das falas e testemunhos das
personagens. Além disso, trazemos para essa rede de relatos, alguns dos poemas que
integram a obra “Perifatividade nas escolas, a poética dos direitos humanos” (2016).
Fontes documentais como jornais, revistas e reportagens também foram utilizados,
sobretudo quando traziam depoimentos dos secundaristas acerca de suas experiências.
Os processos comunicativos e estéticos que atravessaram o movimento
secundarista, principalmente relacionados ao feminismo negro e ao racismo, podem
ser considerados arranjos disposicionais em cenas dissensuais, em uma articulação
entre as perspectivas de Braga (2018, 2020) e Rancière (2018), que geram
microdispositivos políticos orientadores de linhas de subjetivação por meio da
redefinição de espacialidades, temporalidades e corporeidades. É possível mostrar um
pouco desse processo emancipatório pelo olhar da estudante Marcela de Jesus, que
participou das ocupações e tinha 16 anos na época. Marcela, negra e moradora da
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região da cracolândia em São Paulo, conta que sua vida mudou radicalmente depois do
movimento secundarista, não somente sua vida em sociedade, mas também sua visão
de si mesma, como mulher negra. Ela foi uma das protagonistas do documentário
“Espero tua (Re)volta” (2018), de Elisa Kapai, que mostra a movimentação dos
secundaristas na Jornada de Junho de 2013 e nas ocupações de 2015. Ela conta no
documentário que passou por uma transição interior, que refletiu em sua aparência, a
partir das discussões sobre feminismo dentro do movimento secundarista. Ao mesmo
tempo, Marcela nomeia as estratégias necrobiopolíticas que amplificam as condições
de vulnerabilidade da população negra:
Sou a primeira da minha família a terminar o ensino médio. Fui
criada no centro de São Paulo numa condição em que muitas vezes
tínhamos que escolher entre comer ou morar, e como comer é mais
importante, muitas vezes fomos despejados. [...] O Brasil não quer
negros e pobres na universidade. A formação do ensino fundamental
e médio é precária por isso mesmo. As pessoas não têm emprego e
precisam fazer seu ‘corre’ vendendo coisas no trem, mas agora vão
colocar a polícia militar dentro dos trens para reprimir isso! São
ações propositais para manter os pobres longe de tudo (Marcela de
Jesus, E. E. João Kopke) 9.
No documentário supracitado, Marcela produz um relato de si conta que sua
transformação passou pela descoberta de si mesma como uma menina negra, o que
levou a uma transformação de sua aparência física. É comum que questões físicas,
como cabelo e rosto, sejam questões complexas no movimento negro (COLLINS,
2019). O cabelo, por exemplo, é um dispositivo de empoderamento importante, tendo
em vista que muitos negros passam pelo processo conhecido como transição capilar:
não gostam de seu cabelo, alvo de “brincadeiras” preconceituosas e xingamentos, mas,
ao se transformarem, costumam abandonar as tentativas de mudar o cabelo.
Obviamente, a manifestação desse desejo repentino de ser branco se dá
pelo aprisionamento elencado pela rejeição de si mesmo e de sua
aparência negra em detrimento da brancura que lhe parece ser a única
portadora de dignidade (BERTH, 2019, p. 133).
DONATTO, Mauro. Como o engajamento social transformou a vida de uma secundarista que lutou por
educação.
Diário do Centro do Mundo (on-line), 28 fev. 2019. Disponível em:
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-o-engajamento-social-transformou-a-vida-deuma-secundarista-que-lutou-por-educacao-por-mauro-donato/. Acesso em: 22 set. 2021.
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Durante o movimento secundarista, com 16 anos, Marcela já começou o
processo de transição capilar e nunca mais usou técnicas de alisamento em seu cabelo.
Hoje, as únicas químicas que penetram em seu cabelo são as tintas que a deixam com
os cabelos coloridos de vez em quando. Marcela afirma que compreendeu que não
precisava viver de acordo com os padrões impostos por uma cultura que enaltece a
branquitude e que ela se sentia mais empoderada sendo ela mesma. Esse relato
evidencia a ocupação e ressignificação das escolas produziram um território no qual
[...] o conhecimento construído do ‘eu’ emerge da luta para substituir
as imagens de controle pelo conhecimento autodefinido, considerado
pessoalmente importante, um conhecimento muitas vezes essencial
para a sobrevivência das mulheres negras (COLLINS, 2019, p. 184).
Ainda que a estudante ressalte as barreiras que existem na escola para fazer esse
tipo de discussão sobre sexualidade, beleza e feminismo, debates acerca do racismo
estrutural foram organizados durante as ocupações de modo a questionar o papel
disciplinador e excludente da institucionalidade escolar.
Fizemos [secundaristas] questão de dar mais voz para aquilo que a
sociedade cala, as mulheres sempre foram caladas. A população
LGBT também e a gente dá mais voz. Para os negros também. Eu
tento fazer a desconstrução no dia a dia, mas na minha escola acho
que eu desisti, porque as pessoas olham pra mim e falam: ‘nossa, tudo
pra você é machismo’, ‘ah, lá vem a feminista’. É difícil desconstruir
essas pessoas. Elas são ignorantes, entra por um ouvido e sai pelo
outro. Não prestam atenção em nada do que você fala (Marcela de
Jesus, E. E. João Kopke).
As discussões sobre racismo estrutural também foram importantes durante o
movimento secundarista, tendo em vista que muitas meninas e meninos negras e
negros também passaram por um processo de transformação de si. Tal transformação,
segundo Foucault (1994a; 1994b), implica a criação de técnicas e práticas de liberdade
destinadas a ampliar as possibilidades de invenção de condutas capazes de redefinir e
alterar o campo de ação possível, tanto para si como para os outros, em uma dinâmica
de autoconstituição existencial, relacional, estética e política.
Achille Mbembe (2018b) afirma que a formação das identidades africanas
contemporâneas passa por um processo de recusa do brutalismo da colonização e da
cultura liberal, que não consideravam todos os sujeitos como iguais e não faria com
que os indivíduos colonizados fossem reconhecidos como seres humanos. Desse ciclo
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histórico, pode-se dizer que nasceu o racismo estrutural. De forma semelhante, o
filósofo Sílvio Almeida (2019) afirma que o racismo é sempre estrutural, porque não se
pode limitar o olhar apenas para os aspectos superficiais que produzem o racismo. Ele
é um processo histórico que, junto com o racismo institucional, atuam para manter
uma hegemonia do grupo racial dominante nas instituições públicas que detêm o
poder.
Para romper com esse ciclo, Mbembe (2018b) compreende que é necessário
produzir uma crítica da razão negra, que seria uma forma de controlar o discurso para
que o sistema de relações de poder mantenha a dicotomia brancos e negros, e que estes
sejam assujeitados pelo sistema. A formação de um discurso que imprime uma
interdição ao povo negro e coloca-os em uma condição subalterna, muitas vezes como
não sujeito.
Angela Davis (2017) reforça que essas questões sobre racismo devem passar pela
educação e pela arte. Para a autora, a escassez de aspectos da cultura negra nas escolas
e nas artes faz com que os sujeitos ignorem as questões sobre política racial, o que
alimenta ainda mais o racismo. A secundarista Marcela Reis, negra, reforça essa
consideração, ao mencionar que eles só aprendem na escola a história contada pelo
ponto de vista europeu.
Eu sonho com uma escola colorida, cheia de grafite, onde os alunos
possam sentar em roda, ou do jeito que eles quiserem, do jeito que eles
aprenderem melhor. Eu sonho com uma escola onde as salas de aula
sejam menos lotadas. Uma escola onde as meninas possam ir vestidas
do jeito que elas querem. Uma escola que fale da cultura negra, que
eu não ouvi, só ouço falar dos portugueses (Marcela Reis, E. E.
Godofredo Furtado)10.
Os meninos negros da ocupação também elaboraram corporeidades potentes
durante o movimento e promoveram uma transformação de si mesmos importante.
Quando eu entrei na ocupação eu era careca, sem barba, eu tinha um
pouco de vergonha do meu cabelo... e depois que eu saí de lá, eu me
aceitei mais, como homem negro (André Dias, estudante).
LUTE como uma menina! Direção de Flávio Colombini e Beatriz Alonso. São Paulo, 2016. 77 min.
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=8OCUMGHm2oA&t=1157s&list=PLx6HesqJ7yTiTGMQ8YBFce84NV9OQjwm&index=4. Acesso em: 22 set. 2021.
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No sentido de a gente não ter vergonha e não precisar mais esconder
quem a gente é! (Ícaro Pio, E. E. Fernão, fala enquanto aponta o seu
cabelo de homem negro, descolorido)11.
Ícaro Pio, negro e homossexual, foi aluno da Escola Estadual Fernão Dias
durante a ocupação de 2015, quando tinha 16 anos. Ele relata que, antes das ocupações,
ele tinha vergonha de mostrar seus cabelos, por isso raspava a cabeça, e tinha vergonha
de quem ele era. O movimento deu a ele uma oportunidade para investir em um
processo de emancipação para assumir seus cabelos e sua sexualidade, permitindo um
“cuidado de si” que implica a consideração progressiva do próprio corpo12, as
possibilidades de ressignificação da experiência vivida, sem desconsiderar relações de
poder. A consideração da singularidade das experiências vividas, corporificadas e
narradas dão a ver que projetos identitários combinam condições específicas e comuns,
investimento pessoal e contribuições oriundas das relações intersubjetivas, revelando
contingências
entre
as
determinações
institucionais
e
as
diferentes
interseccionalidades e formas de deslocamento que fissuram e rearticulam tais
determinações sem eliminá-las (MBEMBE, 2021; COLLINS, BILGE, 2021).
Emancipação política pelas experiências estéticas
Existe uma experiência estética, uma espécie de modalidade do regime estético,
que se funda nas cenas de dissenso da insurgência secundarista. Produzidas no
momento das disputas políticas, nas manifestações e ocupações, as experiências
estéticas insurgentes também acontecem em outras camadas do movimento, em
processos de produção sensíveis individuais, que levam à emancipação e à
subjetivação.
Uma dessas experiências foi a produção de poesias pelos estudantes durante as
ocupações. Eles produziram esses poemas não somente para expor a luta em si, mas
também para mostrar quem são e de onde vieram, para demarcar a negritude que
carregam consigo. Vejamos uma das poesias13 produzidas naquele período:
11 QUANDO Quebra Queima. Direção de Emiliano Goyeneche. Trip TV, reportagem, 5 min, 2018.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3-Rk5lg0dKE. Acesso em 22 set. 2021.
12 Para Mbembe (2021), corpo é o que as relações concretas e o ambiente social permitem que seja, mas
ganha existência também à luz dos projetos e formas de atuação dos indivíduos (em relações de
engajamento com os outros).
13 Poesias publicadas em: PERIFATIVIDADE, Coletivo. Perifatividade nas escolas, a poética dos direitos
humanos. São Paulo: Coletivo Perifatividade, 2016.
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Viver como estudante
Viver como estudante,
Ser tratado como desinformado,
Mas a briga é de cachorro grande
E não queremos ser ditados.
Na luta nós entramos,
Garanto, não somos covardes
Todos juntos lutaremos
Pois já cansamos de ficar no aguarde!
Cada vez mais nós aumentamos
Estamos para todos os lados
Somos todos secundaristas
Mas não aceitamos ser secundários.
Não finja não nos ver,
Isso não é utopia
Queremos educação de qualidade
Nesta classista democracia!
(Jhon, E. E. Raul Fonseca)
Rancière (1996) nos fala sobre a dimensão estética da política, que transforma
a percepção que temos da distribuição desigual de espaços, palavras e temporalidades
entre os sujeitos. Ela diz respeito a uma ruptura com um tipo de ordem sensível que se
pretende natural e que define que pode ou não tomar parte nas atividades coletivas,
ancorando corpos a lugares e identidades impostos. A estética da política promove uma
fratura em um sistema de identidades constituídas, inventa novos modos de
experimentar outras formas de enunciação e de existência (MARQUES, 2010). Os
poemas escancaram problemas que permeiam não somente as ocupações, mas
realidades que vigoram muito antes do movimento insurgir: a realidade dos alunos de
escolas públicas, das meninas, do negro.
Patrícia Hill Collins (2019), ao falar do blues como expressão artística utilizada
como forma de permitir às mulheres negras construírem suas próprias narrativas,
destaca o papel da música como refúgio e refazimento no seio de territórios de afeto
que abrigam comunidades políticas de práticas de liberdade e cuidados de si e dos
outros.
As músicas podem ser vistas como poesia, como expressão de mulheres
negras comuns rearticulada pelas tradições orais negras. [...] Os blues
cantados por muitas intérpretes negras desafiam as imagens de
controle definidas externamente e usadas para justificar a objetificação
das mulheres negras como o Outro (COLLINS, 2019, p. 194)
Collins e Bilge (2021) também compreendem a poesia como um espaço de
crítica à pobreza, ao racismo, à violência e aos problemas sociais que esses jovens
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enfrentam cotidianamente. Segundo as autoras, a interseccionalidade também é uma
forma de contestação e isso é feito por meio de uma afirmação ousada da política
identitária coletiva, muitas vezes por meio da poesia. “A poesia da palavra falada
constitui um lugar importante em que o conteúdo das narrativas identitárias juvenis
reflete uma injeção da narrativa da interseccionalidade de múltiplas identidades”
(COLLINS e BILGE, 2021, p. 195).
Além da poesia, do encontro desses estudantes nasce também outra forma de
experiência estética: a ColetivA Ocupação, um grupo de ex-secundaristas das
ocupações de 2015 que resolveu fazer da arte o seu processo de emancipação. Esse
grupo criou e passou a encenar a peça “Quando Quebra Queima”, que estreou no dia 5
de maio de 2018, na Casa do Povo, em São Paulo. Durante a peça, os estudantes
recontam a história do movimento e narram as suas próprias dificuldades, conquistas
e as relações que se fortaleceram durante as ocupações.
Assim como as poesias, a elaboração da peça de teatro se configurou como
oportunidade singular para o “cuidado de si”, evidenciando como os modos a partir
dos quais agimos sobre nós mesmos abrem uma possibilidade reflexiva para
pensarmos sobre quem somos e como queremos ser. “Precisamos promover novas
formas de subjetividade, recusando o tipo de individualidade que nos foi imposto
durante vários séculos” (FOUCAULT, 2014, p. 128).
Salientamos que o cuidado de si aparece como uma intensificação das relações
sociais: não se trata de renunciar ao mundo e aos outros, mas de modular
diferentemente a relação com os outros pelo cuidado de si. Isso implica um trabalho
constante e crítico de redefinição de quem somos diante da recusa das identidades que
nos são socialmente impostas. Além disso, a criação de práticas e técnicas de si não são
inventadas pelos sujeitos, mas “são esquemas que eles encontram em sua cultura e que
lhes são propostos, sugeridos, impostos por sua cultura, sua sociedade e seu grupo
social” (FOUCAULT, 1994b, p. 719). O cuidado de si é sempre também um cuidado
com os outros, pois promovem práticas afetivas, de solidariedade, de amizade e de
cuidado.
A forma excessiva de linguagem, como proposto por Rancière (2016), está
aberta a todos e qualquer um pode tomar parte no processo político e ao mesmo tempo
estético de construção dessa resistência. Tomar a palavra e articular um relato – que é
ao mesmo tempo individual e coletiva – são técnicas narrativas de si muito potentes
em vários momentos da peça. Quando os estudantes-atores contam a sua própria
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história, por exemplo, eles se sentam com a plateia e mostram fotos deles mesmos na
época da ocupação, destacando suas experiências. Vejamos um desses relatos, de um
menino negro que passou por um processo de transformação de si:
Este sou eu antes das ocupações [mostra sua foto]. É muito louco a
gente rever a nossa história, rever as nossas fotos, rever as nossas
imagens, rever o nosso jeito de ser. Eu lembro que eu tirei essa foto eu
tava na quadra da minha escola, e meu cabelo aqui estava muito
pequeno, porque meus pais não deixavam meu cabelo crescer, porque
quem é preto e pobre sabe o quanto que pra pais pretos é realmente
duro ver um filho deixar o cabelo crespo crescer, porque isso significa
não ser aceito em vaga de trabalho e significa não ser aceito dentro
da escola. Dentro das ocupações eu comecei a entender que não tinha
problema nenhum deixar o meu cabelo crescer, porque na verdade
isso significava respeitar minha família, respeitar os meus traços e
que não é natural desnaturalizar o nosso cabelo pra agradar um
sistema que não tá nem aí pra gente preta e pra gente como a gente.
Então me ver aqui e me vendo hoje, deixando o cabelo do jeito que eu
quero, levando minha vida do jeito que eu quero, do jeito que eu sonho,
significa que jovens pretos também têm sonhos e que a gente também
merece sonhar (Abraão Santos, durante a peça).
As narrativas de si durante a peça escancaram a questão do racismo,
especialmente ligadas ao cabelo afro, que representa, para eles, um símbolo de seu
empoderamento como homem preto e mulher preta. Abraão reforça essa questão no
final de sua narrativa, entendendo que muitas pessoas ignoram a importância do
cabelo, da transição capilar, para a comunidade negra. O preconceito também é
reforçado por causa do cabelo. Como Abraão conta, usar cabelo raspado, para os
homens, é aceitável, mas deixar o cabelo crescer, o famoso “black power”, é
considerado impróprio.
Esse é, sem dúvida, um dos momentos mais emocionantes e transformadores
da peça. É um processo de “relatar a si mesmo” (BUTLER, 2015) em que está envolvida
a emancipação de cada um, uma construção de subjetividade, um processo de deviroutro, já que eles não são mais os mesmos de antes das ocupações. O relato é também
uma ação de autotransformação, autorreflexão e autocriação, que reconfigura os
sentidos discursivos de quem fala. Também estabelece relações com outros sujeitos
que vivenciaram aquela mesma narrativa ou acontecimento parecido, dividindo
ansiedades, desejos e inseguranças.
Aqui fica claro como a construção social do racismo pode se dar a partir da
imposição de imagens “negativas da condição de mulher negra promovidas pelos
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brancos, sustentando práticas sociais discriminatórias” (COLLINS, 2019, p. 45). Para
Collins, mulheres negras desenvolvem processos de autodefinição para reformular o
lugar ocupado pelos saberes e experiências de matriz africana em suas trajetórias de
modo a lutar contra imagens de controle centradas no “aparato conceitual do grupo
dominante, pondo em xeque concepções de feminilidade do tipo ‘boneca Barbie’,
pressupostas nas experiências de mulheres brancas de classe média” (COLLINS, 2019,
p. 71).
Os padrões dominantes de beleza – em particular a cor da pele, as
características faciais e a textura do cabelo – são um exemplo específico
de como as imagens de controle depreciam as afro-americanas. [...] No
pensamento binário que sustenta as opressões interseccionais, as loiras
magras e de olhos azuis não poderiam ser consideradas bonitas sem o
Outro – as mulheres negras com características tipicamente africanas:
pele escura, nariz largo, lábios carnudos e cabelo crespo. [...]
Independentemente da realidade subjetiva de qualquer mulher, esse é
o sistema de ideias com o qual ela se depara (COLLINS, 2019, p. 166167).
No lugar de discursos de causalidade e de apagamento das sutilezas e texturas
das experiências, é vital apostar na escolha de outro enquadramento para “ler” os
enunciados imagéticos, para abrir intervalos narrativos que permitam duas ações
simultâneas: criar uma narrativa intervalar e através dos intervalos, permitir aos
espectadores uma outra forma de legibilidade do tempo e do comum (COLLINS, 2019).
O palco do teatro, ainda que se defina no enredamento de arranjos institucionais
de poder, pode atuar como espaço seguro de apropriação e transformação, colocando
em xeque as imagens que acentuam a matriz de dominação.
Imagens que controlam a existência feminina e negra, que atribuem
submissão, animalização, agressividade e uso, são contestadas de
forma potente, demandando por um renascimento da mulher, do seu
corpo e da sua alma negra. Performances e produtos artísticos
contemporâneos, portanto, se reúnem para compor um grande ritual
de decolonialidade, propondo o enterro do olhar alheio, branco e
masculino sobre as narrativas da mulher negra. (CARRERA;
MEIRINHO, 2020, p. 77)
Nos espaços seguros resultantes dos arranjos produzidos nas ocupações, na
elaboração de poemas, relatos e na peça de teatro, imagens de controle foram
questionadas e rasuradas: ao oferecerem condições de escuta, partilha, cuidado e afeto,
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esses espaços contribuem para “o empoderamento das mulheres negras por meio da
autodefinição, ajudando-as a resistir à ideologia dominante” (COLLINS, 2019, p. 185).
A persistência de mulheres negras em definirem suas próprias
narrativas é um exercício de validação do empoderamento dessas
mulheres, um poder que está inscrito na retomada da sua humanidade.
Desafiar as imagens de controle e construir noções de feminilidade que
são próprias englobam um aspecto central da busca por autodefinição,
processo que ocorre preponderantemente nos espaços seguros
(BUENO, 2020, p. 142)
A tarefa de assegurar as articulações, as redes de solidariedade e amizade, por
exemplo, foi importante matéria de produção do comum para os secundaristas: houve
um trabalho paciente de tessitura constante dos laços, de uma coletividade partilhada,
mas também de sabedoria, que consistiu em aproveitar-se dessas articulações para
alterar a situação de vulnerabilidade em que se encontravam, permitindo a
sobrevivência e a emergência de transformações.
Considerações finais
Nas ações e gestos insurgentes elaborados pelos secundaristas através de
poemas, cartazes, peça de teatro e relatos de si, a palavra não pode ser controlada: ela
vai para lugares que não deveria ir, incluindo as mãos/olhos daqueles que não
deveriam manejá-la. O jogo da palavra desierarquizada mostra que o poder nela
contido pode ser retomado e desviado por qualquer um (MARQUES; PRADO, 2018).
As palavras carregam uma potência política para alterar as relações entre a ordem dos
corpos e a ordem das palavras: é quando aqueles que foram tornados inaudíveis pela
distribuição socialmente autorizada de papéis efetivamente comunicam suas
demandas que a hierarquia social é alterada e novos meios de fazer, ser e dizer
aparecem.
Ao contar a sua história e de seus colegas, o jovem negro impõe a si mesmo uma
ressignificação do passado pessoal e coletivo, vendo-o de uma outra perspectiva.
Narrar a própria história em territórios afetivamente construídos e protegidos é,
segundo Winnie Bueno (2020), afirmar a agência e a autonomia que alimentam o
processo de autodefinição e empoderamento político de mulheres e homens negras e
negros.
A experiência estética das corporeidades negras é muito potente no movimento
em 2015. Tendo em vista que a maioria dos estudantes que ocuparam as escolas eram
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negros, moradores de periferia, a tensão presente nas discussões sobre racismo
permeia todo o movimento (CORSINO; ZAN, 2017, 2020). Entretanto, não podemos
nos esquecer que essa experiência de redefinição das coordenadas das experiências de
jovens negras e negros se faz em constante tensionamento com uma prática de gestão
necrobiopolítica que não são vistos como interlocutores, que não se afirmam como
sujeitos produtores de enunciados, de saberes ou de arte, sendo ainda muito difícil
atribuir a seus corpos e suas corporeidades qualquer qualidade que produza um campo
de intersecção com os sujeitos reconhecidos como legitimados (BENTO, 2018).
Ao analisar a experiência estética do cinema negro, Barros e Freitas (2018) nos
mostram que “os regimes de visibilidade (e de invisibilidade) e de percepção só podem
ser compreendidos a partir dos seus contextos históricos, sociais, raciais e culturais”
(p. 106). Assim, não podemos deixar de pensar nas duas Marcelas, cujos depoimentos
foram vistos acima, como mulheres negras periféricas; assim como não podemos
deixar de lado que André, Ícaro e Abraão são negros, o que muda suas perspectivas e
narrativas pessoais. Na cultura brasileira sabemos que tais condições criam
invisibilidades preponderantes na formação desses sujeitos. “E quanto o outro não é
visto como sujeito, como um ser humano, todos se coisificam e perdem a condição
humana” (BARROS; FREITAS, 2018, p. 100).
As falas de ambas as Marcelas, de Ícaro, de André e de Abraão mostram que a
partilha do sensível esconde também uma forma de (in)visibilizar parte importante das
corporeidades negras presentes no movimento. Achille Mbembe (2018b) defende que
o racismo tem um lugar proeminente na racionalidade própria do biopoder. Dessa
forma, o controle dos corpos e de sua aparição no espaço público é uma das formas de
manter uma certa ordem e soberania.
Um rosto humano autêntico é convocado a aparecer. O trabalho do
racismo consiste em relegá-lo ao segundo plano ou cobri-lo com um
véu. No lugar desse rosto, faz-se emergir das profundezas da
imaginação um rosto de fantasia, um simulacro de rosto e uma silhueta
que, desse modo, tomam o lugar de um corpo e um rosto humanos. O
racismo consiste, pois, em substituir aquilo que é por algo diferente,
uma realidade diferente (MBEMBE, 2018b, p. 69).
Não é só a substituição dos rostos e das corporeidades negras que está em jogo
nessas cenas, mas também o uso da linguagem, da palavra, da imagem como afirma
Mbembe.
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[...] a palavra nem sempre representa a coisa; o verdadeiro e o falso
tornam-se indissociáveis e a significação do signo não é
necessariamente a mais adequada à coisa significada. Não foi só o signo
que substituiu a coisa. Muitas vezes, a palavra ou a imagem têm pouco
a dizer sobre o mundo objetivo. O mundo das palavras e dos signos
autonomizou-se a tal ponto que não se tornou apenas uma tela para a
apreensão do sujeito, de sua vida e das condições de sua produção, mas
uma força em si, capaz de se libertar de qualquer vínculo com a
realidade. A razão disso pode ser atribuída em grande medida à lei da
raça (MBEMBE, 2018b, p. 32).
As experiências aqui reconstruídas podem ser vistas como possibilidade de
emancipação dos grupos marginalizados, como propõe Rancière (2016), ao associar a
emancipação ao aparecer político dos corpos e anseios, alterando a disposição dos
arranjos que os tornam visíveis e reconhecíveis. A biopotência despertada pela
insurgência é uma forma de reenquadramento de sentidos que levam a novos
processos de existir, de questionar e subverter a partilha do sensível. São os devires em
revolução.
Referências
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BARROS, Laan Mendes de; FREITAS, Kênia. Experiência estética, alteridade e fabulação no
cinema negro. Revista Eco-Pós, v. 21, nº 3, p. 97-121, 2018.
BENTO, Berenice. Necrobiopoder: Quem pode habitar o Estado-nação?. Cadernos Pagu
(UNICAMP), v. 1, p. 1-16, 2018.
BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BRAGA, José Luiz. Interagindo com Foucault – os arranjos disposicionais e a Comunicação.
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BRAGA, José Luiz. Uma conversa sobre dispositivos. Belo Horizonte, MG:
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BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Belo Horizonte, MG:
Autêntica Editora, 2015.
BUTLER, Judith. Corpos em Aliança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
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https://doi.org/10.25091/S01013300201800020007.
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