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Astronomia e Urbanismo na Comunidade Indígena

Este resumo apresentado em 2010, no Encontro da Rede Mato-grossense de Educação Ambiental buscou apresentar os primeiros estudos sobre a relação entre a visão do céu indígena e a morfologia construtiva da aldeia. As relações culturais, sociais e territoriais na cultura indígena estão enraizadas à terra, construindo a sua territorialidade. O que demostramos neste curto trabalho é existência de uma forte relação entre o caminho dos astros e a organização territorial de sua ocas e consequentemente de toda aldeia.

ASTRONOMIA E URBANISMO NA COMUNIDADE INDÍGENA Este trabalho apresenta como os diferentes saberes sobre o céu (astronomia) e sobre o espaço de convivência humana (arquitetura e urbanismo) estão intimamente relacionados dentro da comunidade indígena. Trabalharemos com o exemplo da etnia caiapó. O movimento dos astros é de suma importância para todos, mas os índios mantêm uma relação de proximidade e respeito aos aspectos da natureza, o nascer e pôr do sol, marcando o tempo e o desenho do espaço, as lendas ao redor das figuras existentes no céu que fazem parte da sua mitologia. A astronomia é considerada a ciência mais antiga da humanidade, encontram-se registros muito antigos de estudos do céu, entre os sumérios estes registros são de 3.500 a.C. contudo acredita-se que este conhecimento pode ser muito mais antigo. A astronomia nasce associada a dois eixos; um prático, e outro interpretativo de cunho místico. No primeiro ajuda a marcar a cronologia dos eventos, a época chuvosa, o clima frio, o bom momento da colheita, a orientação espacial nas viagens, etc. Em outro eixo é associada ao poder que os astros e seus movimentos supostamente possuem sobre o comportamento humano e os acontecimentos do cotidiano. Em todas as diferentes manifestações culturais pelo mundo existe a forte relação com os astros. Entendemos por cultura o que o pesquisador Alfred Kroeber esclarece: Devido esta crença mitológica do poder dos astros sobre a vida, em todas as culturas existem, lendas, causos e histórias relacionando os astros do céu e as atividade humanas, sendo assim, a atividade humana de ocupação do espaço para convivência em sociedade não escapa a este costume. Com o reconhecimento dos saberes que existem em diferentes culturas, sabemos hoje que existe uma etnografia do espaço, uma etnoastronomia, etnomatemática etc. O preocupante porém, é notar que a visão etnocêntrica do mundo, onde, o indivíduo acha que a sua forma de Página1 “Por cultura nós entendemos a soma total do que um indivíduo adquire da sua sociedade – aquelas crenças, costumes, normas artísticas, hábitos alimentares, e habilidades que chegam até ele não pela sua própria atividade criativa, mas como um legado do passado, transmitido por educação formal e não formal”. apreender e compreender a realidade que o cerca é superior a qualquer outra, ainda é predominante. Ao olhar para o céu e criar ou identificar símbolos para resolver seus problemas cotidianos, as pessoas estão exteriorizando um vasto universo cultural e imaginário. As constelações para quem as criou e seus grupos sociais são mais que um agrupamento de estrelas, são as representações simbólica de um conjunto de valores, crenças e costumes, a compressão destes chamamos de etnoastronomia, onde é possível perceber esta pluralidade cultural representada no céu. Etnoastronomia é a ciência que estuda, por intermédio dos costumes de um povo, os seus conhecimentos astronômicos (MOURÃO, 1995) Um ponto fundamental na compreensão do espaço e as relações que se criam com esta ocupação é o conceito de teritoraliedade, O professor Paul E. Little ao tratar do tema diz: Através destes dois conceitos, etnoastronomia e territorialidade, podemos identificar as diferentes relações que os povos mantém com o espaço ao seu redor, em vários níveis. O desenho da aldeia caiapó é um símbolo desta relação. O desenho possui, duas casas dos homens (nabi) em seu centro com as ocas ao redor. Um nabi esta no nascer do sol e outro ao por do sol, duas linhas (imaginárias) marcam o caminha do sol (m_t-pry) e da lua (m_turua-pry), respectivamente. A localização da nabi em relação ao Sol permite que os visitantes se orientem nesse espaço. Um caiapó que nunca esteve nesta aldeia pode se orientar e encontrar ali seus parentes. Porque sua casa em relação à nabi e ao caminho do Sol se localização na mesma disposição em relação aos pontos cardeis, em qualquer aldeia. Esta complexa relação entre o conhecimento dos astros e a ocupação do espaço esta em sua representação também, pois, para nos orientarmos em relação aos pontos cardeais e consequentemente ao nascer e por do sol, aprendemos na escola a colocar a colocar a mão direita para o leste (nascer do sol) e ficamos de frente para o norte, isso é, nos colocamos de frente para a estrela polar, ela indica a direção norte de forma perfeita no hemisfério norte, no hemisfério sul ela não pode ser vista. O céu celeste no hemisfério sul é diferente do céu celeste do hemisfério norte. Os caiapós fazem o contrário do que aprendemos na escola, eles colocam a mão esquerda em direção ao sol nascente e ficam de frente para o sul, eles ficam de frente para a constelação do cruzeiro do sul, altamente visível em nosso hemisfério, ou seja, eles se “SULeiam” e não se NORTEiam. Página2 “Defino a territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território” ou homeland” A NBR 6492 que trata sobre a representação dos projetos de arquitetura, traz em seus texto, dentre outras determinações, as de que: As plantas, cortes e fachadas devem conter: (...) b) indicação do norte; A indicação do norte existe para a compreensão de como a edificação e/ou conjunto de edificações se orienta em relação ao sol. Este é um conhecimento básico dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo e uma preocupação em qualquer projeto. Contudo a carga cultural de apontarmos para o norte e representarmos o norte reflete a perspectiva de quem olha para a estrela polar, em nosso caso de quem se apropria da cultura do hemisfério norte. Podemos identificar então que existe uma interligação entre espaço, tempo e cultura com o conhecimento construído sobre o Cosmo, e que estas interligações estão presentes na forma de convivência das pessoas, com seu espaço social e natural. Enfatiza-se, desta forma, a necessidade de se pensar o mundo numa perspectiva relativa ou plural, de forma a propiciar o respeito às diferenças. BIBLIOGRAFIA HALL, Edward. A Dimensão Oculta. São Paulo:Matins Fontes, 2005. LITTLE, Paul E. Territórios Sociais e Povos Tradicionais No Brasil: Por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia Territórios Sociais E Povos Tradicionais No Brasil: Por Uma Antropologia Da Territorialidade. Ed: Universidade De Brasília. Brasília, 2002. MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. 2a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 287. CAMPOS, Marcio D`Olne. A Cosmologia dos Caiapó. Scientific American Brasil Especial. Etnoastronomia, São Paulo, v. 14, p. 62-71, 2006. Página3 FARES,Érika Akel; MARTINS Karla Pessoa; ARAUJO Lidiane Maciel; FILHO Michel Sauma. O Universo das Sociedades numa Perspectiva Relativa: Exercícios de Etnoastronomia . Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia - RELEA, n. 1, p. 77-85, 2004