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Direito Processual Previdenciário - José Antonio Savaris

DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO JOSÉ ANTONIO SAVARIS DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO 9ª EDIÇÃO Revista, Ampliada e Atualizada Curitiba – 2021 Rua Itupava, 118 – Alto da Rua XV, CEP 80045-140 Curitiba – Paraná Fone: (41) 3075.3238 • Email: alteridade@alteridade.com.br www.alteridade.com.br Conselho Editorial Carlos Luiz Strapazzon Claudia Rosane Roesler Daniela Cademartori Fabiano Hartmann Peixoto Guido Aguila Gra S265 Savaris, José Antonio Direito processual previdenciário / José Antonio Savaris – 9. ed. rev. atual. ampl. – Cu Catalogação: Mª Isabel Schiavon Kinasz Capa: Jonny M. Prochnow Diagramação: Know-how Desenvolvimento Editorial Revisão: Lígia Alves JOSÉ ANTONIO SAVARIS Juiz Federal da 3ª Turma Recursal do Paraná (TRF4). Doutor em Direito da Seguridade Social (USP). Mestre em Direito Econômico e Social (PUC-PR). Coordenador e Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário da ESMAFE-PR. Membro da TNU (2009-2011). Presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social – ABDSS. AGRADECIMENTOS Sou profundamente grato à Rafaela por haver me instigado a produzir esta obra. Agradeço ao Prof. Dr. Marcus Orione, pela minha condução no universo teórico-acadêmico e por desestabilizar algumas de minhas firmes convicções. Sua aproximada orientação e amizade têm sido, para mim, um presente a cada dia. Ao meu amigo Dr. Paulo Márcio Cruz, pelos conselhos de anos, pela amizade de sempre. Ao meu amigo Danilo Pereira Junior, pelo companheirismo e pelos ricos debates. À Profª. Érica Correia, pelo grande apoio nesta minha condição de estrangeiro em São Paulo. À minha amiga Giselle de Amaro e França, pelo pronto-socorro emprestado durante o período deste intenso trabalho. Ao Ludovico e à Laura, pelo muito amor com que me amam. Ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pela honra do afastamento para a realização do Curso de Doutorado em Direito da Seguridade Social do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da USP. Com este trabalho, concluído no período de afastamento da jurisdição, procuro responder a um dos objetivos do programa de aperfeiçoamento dos magistrados daquele Tribunal: a divulgação da investigação acadêmica voltada para o interesse da jurisdição. À Fátima Beghetto, pela revisão, de novo. À Maria Emília, Afonso e Sandra do Espírito Santo, servidores da Justiça Federal do Paraná, pela gentileza costumeira e por todo o apoio na pesquisa para este trabalho. À Bárbara Hanauer, pela valiosa ajuda na pesquisa doutrinária. Às advogadas e professoras Cleci Dartora (e Neri) e Melissa Folmann (e Gustavo). Cleci foi a primeira presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, responsável maior pelo respeito e reconhecimento granjeado pela entidade em nosso País. Melissa é a atual presidente e, tal como Cleci, doa-se a uma causa que é maior do que poderia imaginar. Neri e Gustavo são os homens fortes. Não fossem os encontros de crescimento, simpósios e congressos, certamente eu teria deixado de buscar em águas mais profundas algo que realmente valesse a pena compartilhar. O capítulo em que busco caracterizar o direito processual previdenciário e boa parte do capítulo sobre a prova previdenciária brotaram de composição de palestras que proferi em eventos do IBDP nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba. Aos magistrados e servidores da Justiça Federal, particularmente aos que atuam na jurisdição previdenciária. Só nós sabemos o tamanho de nosso desafio e que glórias guardam nossa missão. Aos meus alunos de pós-graduação em Direito Previdenciário, por me darem grande ganho como juiz e como estudioso da matéria. Durante nossos encontros, o juiz tornou-se realmente permeável e o professor, muito enriquecido pelos novos argumentos e confrontações. Finalmente. Ao único que é digno de honra e de adoração. Todas as coisas foram feitas por Ele e para a glória Dele. Àquele cujo profeta diz: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Isaías, 55:6). PREFÁCIO Honrou-me o autor com o convite para fazer o prefácio de sua mais recente obra. Passo a fazê-lo. Vivemos um momento de reconstrução de paradigmas, pelo menos é o que vem sendo constantemente professado no mundo moderno. A instabilidade dos objetos, a relatividade dos vínculos nas relações entre os homens, as novas categorias nas ciências sociais, as constantes descobertas na informática, as preocupações... Sem fôlego, poderíamos continuar de forma indefinida a arrolar todas as características e, trôpegos, sermos tragados pela fúria desta nova era. Restam, no meio disto tudo, seres que se dizem humanos. Alguns tantos aparentemente incluídos neste processo avassalador. Outros, a maioria, dele total e certamente alijados (aqui não há qualquer reticência típica da pós-modernidade): alheios ao teórico destas discussões, embora vitimados pela ocorrência de seus fenômenos mais sofisticados. Seres que não podem ser alçados à categoria de humanos. Quase humanos. Semi-humanos. Desumanizados. Por outro lado, este processo de desumanização atinge também seres viventes em países ricos ou em castas abastadas de países pobres, em que, sendo conformados por relações cibernéticas, engendradas em “sites” de relacionamento, estariam sendo concebidos por cientistas como construtores de uma raça pós-humana. Seres póshumanos. O processo de reinserção na humanidade destes seres inumanos (oprimidos semi-humanos e opressores póshumanos) passa por uma profunda revisão dos padrões discutidos para vários destes pós-estéreis novos paradigmas. Em síntese, gostaria de sentenciar com uma certeza nada típica da pós-modernidade: há necessidade de sermos humanos. É de se estranhar que uma obra que discute o processo previdenciário possa esconder, no campo específico de sua atuação, uma das tantas chaves para responder a um tal mistério. A obra que prefacio contém uma resposta simples para tanta complexidade. E a simplicidade, parece-nos, urge. Primeiro, já de início o autor se coloca a analisar a importância do método na construção das ciências. A ciência do direito (e ela existe, concluímos depois de muito estudar a questão), em suas constantes manifestações, deve-se debater com a questão metodológica. Aliás, em nossas aulas de pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, temo-nos deparado enormemente com a questão. Percebemos, inclusive, que muitas das lucubrações do autor surgem exatamente desta angústia comum a nós e aos nossos orientandos de pós-graduação no sentido da análise da questão metodológica. Após intensas discussões sobre o positivismo, nos deparamos com o questionamento sobre a neutralidade dos agentes que analisam e mesmo operam a ciência jurídica. Desta lição o autor extrai a linha condutora de seu trabalho, para evitar que os excessos do positivismo não forneçam ainda mais elementos para construção de seres semi e pós-humanos. Baseado nesta linha, o autor passa a analisar situações cotidianas, fazendo com que a conclusão seja sempre no sentido da devolução aos homens do que lhes é próprio: a sua humanidade. A humanidade reconstruída, a partir de linhas metodológicas, no caso do direito, por aquele que é o instrumento mais comum de sua efetivação: o processo. Ora, o processo que, por si só, pode vir a ser instrumento de desumanização, de desconsideração das necessidades do homem escondido atrás de cada relação jurídico-processual. As soluções colocadas na práxis do processo podem, ou não, ser redentoras: quem o utiliza é que faz as opções. A natureza previdenciária das relações processuais analisadas pelo autor altera a forma de maneira substancial. Na pós-modernidade é como se houvesse uma nova morfologia, com novos conceitos, mesmo que dentro de uma categoria que não é inteiramente nova. No entanto, mais do que mero espaço estético, que redundaria em injustiças aparentes, legitimadas pelo procedimento, o processo é tratado, na obra, como um sítio ético. Isto é, o homem como centro das preocupações também das investidas procedimentais, sob o pálio sempre efetivo do devido processo legal. Uma das chaves do mistério é entregue pelo autor aos leitores. Daqui por diante que estes abram todas as portas necessárias à construção de uma humanidade melhor... Ou simplesmente para a construção do que nunca teria verdadeiramente existido: a humanidade. O autor somente teve condições de responder a tão complexa pergunta, algumas vezes de forma densa e outras de modo simples (como efetivamente devem ser respondidas as grandes perguntas), por ser intensamente-humano. Um ser inumano não poderia ter-se entregue a esta missão com tanta intensidade e felicidade nas soluções. As respostas se encontram não essencialmente na investigação metodológica realizada e fruto de estudo sério e consistente que José Antonio Savaris vem realizando no seu doutoramento. As respostas não se encontram apenas no fato de o autor ser magistrado dos mais sérios e respeitados. As respostas não se encontram apenas no fato de se tratar de um magistrado estudioso – o que certamente distingue qualquer juiz e o fornece a exata dimensão das dificuldades a que a magistratura tem sido submetida atualmente de forma bastante concertada. As respostas repousam certamente no coração do homem que escreveu esta obra, pois conhece, com rara exatidão, que “ainda que eu falasse a língua dos anjos... sem o amor eu nada seria”. E, sem amor ao próximo, não se constrói a justiça imanente ao direito. Marcus Orione Gonçalves Correia Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo NOTA À 9ª EDIÇÃO Esta nova edição é apresentada aos leitores em um momento histórico muito sensível. O Brasil e boa parte do mundo, há mais de um ano, se veem imersos em profunda crise de dimensões sanitária, social, econômica, política e, por consequência, jurídica. Em quase todos os lugares do planeta, a pandemia da Covid-19 exigiu o distanciamento social, como forma preventiva a um intenso aceleramento do número de casos infecciosos. Por sua vez, o distanciamento social, com restrições à liberdade de circulação, de associação e de empresa, trouxe consigo consequências econômicas desastrosas e insegurança de toda ordem. As instituições públicas também foram profundamente impactadas. Na área previdenciária, tivemos a suspensão dos serviços públicos que demandavam atendimento presencial e até mesmo os serviços essenciais a cargo dos médicos peritos federais*. Por outro lado, a Resolução/CNJ 313, de 19.03.2020, determinou a suspensão do atendimento presencial de partes, advogados e interessados no âmbito do Poder Judiciário. Esse novo e muito desafiador cenário, somando-se às alterações da legislação previdenciária, ao advento do Decreto 10.410/2020, que modificou substancialmente o Regulamento da Previdência Social, e aos novos precedentes vinculantes dos tribunais superiores que, a um só tempo, respondem questões fundamentais e abrem espaço para novos problemas práticos e inimaginadas controvérsias hermenêuticas, tornaram obrigatória uma ampla revisão desta obra. A elaboração desta 9ª edição foi, como das anteriores, uma tarefa de inefável realização pessoal, mediante os trabalhos de pesquisa, estudo, aprendizagem, atualização e escrita, com o objetivo de compartilhar o que temos e o que, penso, devemos realizar no universo do acesso à justiça no âmbito processual previdenciário. Foi com imensa satisfação que empreguei, em uma espécie de duplo isolamento, mais horas de trabalho para a produção desta nova edição do que tudo o que foi dedicado para a elaboração do livro em si, lançado em 22 de abril de 2008, na cidade de Salvador, durante simpósio do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP. Entrego esta obra com o pensamento em tanta gente querida que nos deixou e nos tantos milhares que estão sofrendo apertos de diversas ordens por força da crise das crises. Socorre-nos, contudo, a firme expectativa que não se pode murchar. “Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos.” 2 Coríntios 4:8,9 Campo Mourão, no coração do meu Paraná, Março de 2021. O autor * A suspensão do atendimento presencial pelo INSS se deu por força da Portaria 8.024, de 19.03.2020 (DO 20.03.2020), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho − SEPRT do Ministério da Economia, que dispôs sobre o atendimento dos segurados e beneficiários do INSS durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19). NOTA À 8ª EDIÇÃO A escrita de nova edição deste trabalho é um grande desafio. O mister exige aplicado monitoramento do trato doutrinário e jurisprudencial sobre os problemas jurídicos que já foram descritos nas edições anteriores, bem como um olhar rigoroso e crítico às inovações normativas que afetam o nosso objeto de estudo. Por outro lado, a atualização de uma obra pode demandar sua própria ampliação, o que é consequência da identificação de novas problemáticas e da necessária análise destas a partir das premissas da teoria processual previdenciária. Mesmo a base teórica do esforço doutrinário aqui materializado é submetida, a todo tempo, ao teste da falseabilidade (Karl Popper), da consistência e da coerência. A revisão, portanto, vai além dos ajustes de linguagem, que se mostram sempre presentes com vistas ao aprimoramento do texto. Seria surpreendente se declinássemos aqui os pontos todos que foram pensados como bom objeto para uma reescrita. Alguns cederam; outros não. O fato é que o desafio da nova edição seria insuperável não fosse a inestimável colaboração de alguns queridos interlocutores, como o estimado Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sérgio Luiz Kukina e os amigos Ângela Fernandes, Melissa Folmann, André Bittencourt, Adriano Mauss, Serau Junior, Alexandre Triches, Diego Schuster, Paulo Vaz e, de modo único, a Flavia, minha interlocutora sobre todos os temas, a cada dia. Muitos outros colegas e alunos me agregaram sobremaneira com questionamentos que se converteram em reflexões, sendo que algumas destas já puderam ganhar expressão neste livro. Encaminho este texto à publicação com a compreensão de que, diante dos constrangimentos de tempo e das minhas próprias limitações, alcancei precisamente o possível. Agradecendo imensamente aos meus leitores, manifesto, em arremate, meu desejo de que esta obra responda com dignidade às expectativas quanto à sua valia. José Antonio Savaris Março/2019 NOTA À 7ª EDIÇÃO Ao tempo em que finalizo a escrita para mais uma nova edição desta obra, renova-me a convicção de que apenas a compreensão relativa às exigências de normatividade específica do direito processual previdenciário poderá permitir construções jurisprudenciais que guardem coerência com o sistema normativo e com a realidade em que vivemos. Ora, na medida em que as decisões jurídicas tratam do mundo real, fazendo-o no contexto de todo o corpo do sistema de direito normativo, elas devem fazer sentido no mundo e devem também fazer sentido no contexto do sistema jurídico**. Em importante texto onde sustenta a fundamentalidade do direito à Previdência Social, Marcus Orione expressa essencialmente essa conhecida ideia de MacCormick: A teoria do direito constitucional, já se reconhece, tem um pouco de ciência da realidade e outra tanto de ciência normativa. Não se pode, no entanto, deixar que os elementos de ciência da realidade tomem conta por completo da interpretação constitucional, sob pena de o aspecto normativo ser relegado a segundo plano. Da mesma forma, para que a Constituição tenha força normativa não basta uma interpretação meramente literal. Na realidade, já dizia Konrad Hesse, a força normativa da Constituição decorre da confluência dos dois fatores (realidade/norma) que a informam***. A premissa central do direito processual previdenciário relaciona-se à possibilidade de flexibilização dos institutos do processo civil clássico quando sondados para solucionar problemas dos direitos sociais previdenciários, o que se pretende seja operado com amparo no direito fundamental ao processo justo. Sem essa sensibilidade, seguiremos com uma compreensão processual errante, que desconsidera a importância do bem da vida que se encontra em discussão em um processo judicial previdenciário, e que prestigia a forma em vez do justo trato a um direito humano e fundamental. Esta nova edição se encontra atualizada em relação a todas as frentes que se propõe encarar. Dela, porém, foi extraído o texto relacionado às noções de direito material previdenciário, as quais conformavam os dois últimos capítulos das anteriores edições. O objetivo da supressão foi evitar que resultasse por demais extensa uma obra voltada ao direito processual previdenciário, em razão de estudos que podem ser encontrados em vários manuais e cursos de direito previdenciário, alguns de extrema qualidade literária. Janeiro de 2018 O autor ** MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 131. *** CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais. In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (coord.). Direito previdenciário e Constituição. São Paulo: LTr, 2004. p. 25-43 (p. 38). NOTA À 6ª EDIÇÃO O conhecimento traz consigo a perplexidade da limitação. A expansão dos horizontes desperta, no agente do saber, a realização intelectual, a invulgar sensação de pertencimento civilizatório e de certa cumplicidade com a tradição. A pesquisa é um componente essencial à construção do saber. É uma desafiadora aventura que requer fôlego, propõe escaladas surpreendentes e descortina vistas antes não imaginadas. Não é possível a volta. São irresistíveis seus encantos. Mais uma edição da obra Direito Processual Previdenciário, portanto. É, afinal, o desejo de saber, expandir e compartilhar, que constitui o fundamento desse trabalho. O estudo se encontra atualizado, de acordo com as inovações operadas na legislação previdenciária, com o Novo Código de Processo Civil e com a mais recente jurisprudência previdenciária e processual previdenciária. O espírito de pesquisa motivou a ampliação do conteúdo do texto, aprofundando o esforço em relação às prerrogativas processuais da Fazenda Pública, já no contexto da nova legislação processual civil, e ampliando o espaço para as noções fundamentais do direito material previdenciário. Deixo aqui o convite para essa nova caminhada e também meu agradecimento a todos os amigos pelo companheirismo nesta aventura que a vida nos tem proporcionado. Por fim, deixo aqui, em letras grandes, minha gratidão àquele que nos concede o maravilhoso dom da vida. Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas (Paulo aos Romanos). Fevereiro de 2016 O autor NOTA À 5ª EDIÇÃO A prática parece falar mais de perto, mas a teoria permite ver mais longe. Era essa a nossa convicção, já anunciada na primeira edição de Direito Processual Previdenciário, publicada originariamente em abril de 2008. Com tal pensamento, projetava-se um estudo que fosse além da análise das questões oferecidas pela prática processual previdenciária. Buscava-se, com reconhecida ousadia, fundamentar teoricamente a necessidade, elementar para nós, de que as questões da prática processual previdenciária devem e merecem ser tratadas a partir de uma perspectiva distinta daquela fundada no direito processual civil clássico. Em um tiro: alguns institutos do direito processual civil comum não passam pelo filtro constitucional que assegura o direito à adequada tutela jurisdicional previdenciária. Não basta assegurar-se a judicialização das políticas públicas de proteção social. É imprescindível, desde uma perspectiva constitucional, que ela se dê de maneira justa ou adequada. Ao longo dos anos de 2012 e 2013, desenvolvemos alguns temas importantes para esse empreendimento teórico. Eles foram objeto de estudo crítico em disciplina específica no curso de mestrado da Univali. Já uma nova edição não poderia ser publicada, senão com as reflexões que emprestariam mais firme sustentação à tese exposta na primeira parte da obra. A segunda parte, relativa aos temas centrais do Direito Processual Previdenciário, encontra-se ampliada e, por evidente, atualizada. Por fim, a seção dedicada à habilitação para a prática previdenciária encontra-se com importante conteúdo relativo às noções elementares do direito material previdenciário, acompanhado de análise de 80 casos práticos, com revisão jurisprudencial e nossa análise crítica. NOTA À 4ª EDIÇÃO A decisão pela realização de mais uma nova edição da presente obra se deve à circunstância de que à cada dia presenciamos novas respostas judiciais aos problemas de natureza previdenciária e processual previdenciária. Para servir como fiel instrumento de suporte ao estudo e ao cotidiano dos operadores jurídicos são necessárias a revisão e a atualização das referências jurisprudenciais. A publicação que a Juruá Editora ora oferece à comunidade jurídica passou também por nova revisão de texto e de suas referências bibliográficas. Por outro lado, procurei suprimir do texto argumentos de natureza filosófica que, sem embargo de sua consistência, não se revelavam indispensáveis para a afirmação do marco teórico processual previdenciário. O estudo sobre o utilitarismo judicial na aplicação do direito previdenciário foi, de resto, realizado com mais profundidade em minha tese de doutoramento. Reporto-me ao texto “Uma teoria da decisão judicial da Previdência Social: contributo para superação da prática utilitarista”. Outro ponto que foi extraído do texto relaciona-se às noções de direito material previdenciário, as quais conformavam o então Capítulo 12 das anteriores edições. O objetivo da supressão foi evitar que resultasse por demais extensa uma obra voltada ao direito processual previdenciário, em razão de estudos que podem ser encontrados em vários manuais e cursos de direito previdenciário, alguns de extrema qualidade literária. Uma vez mais agradeço o apoio da amiga Mariana Gonçalves, sem o qual dificilmente teríamos concluído o presente trabalho. Fevereiro de 2012 NOTA À 3ª EDIÇÃO O progresso da jurisprudência previdenciária e a cada vez mais sentida necessidade de uma disciplina sistemática do direito processual previdenciário levaram-me a uma nova revisão e atualização do texto original. Por essa mesma razão, elevei o número de casos estudados na última parte do livro. Na primeira edição foram analisados 44 problemas pela técnica de estudo de casos. A atual edição alcança 68 casos, entre ações previdenciárias de concessão, revisão ou restabelecimento. Estimulado por alguns contrapontos, procurei dar mais visibilidade às premissas que, em meu ver, sustentam a autonomia do direito processual previdenciário. Foi também inevitável a ampliação no que toca à estrutura do trabalho. Importantes temas passaram a ganhar na obra o destaque devido, tais como: Interesse de agir nas ações previdenciárias de restabelecimento, revisão ou anulatória de benefício; direito a aposentadoria por invalidez nos casos em que é possível a recuperação da capacidade mediante tratamento cirúrgico; data de início do benefício quando os requisitos legais são cumpridos após o requerimento administrativo; a identificação da data de início da incapacidade laboral e os efeitos financeiros dos benefícios previdenciários por incapacidade. Mais uma vez agradeço o apoio dos colegas Mariana Amélia Flauzino Gonçalves, pelo auxílio na pesquisa jurisprudencial, e Stewon Stankiewicz, pela revisão do texto sobre cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários. Fevereiro de 2011 NOTA À 2ª EDIÇÃO Alterei substancialmente alguns capítulos para a publicação desta segunda edição. Além da necessária atualização jurisprudencial, desenvolvi alguns outros temas que são considerados nucleares para o processo judicial previdenciário. Animado por diversos colegas, elevei o número de casos estudados na última parte do livro, bem como tratei de modo mais extenso as noções fundamentais de direito previdenciário material, de modo a melhor amparar o leitor quando do estudo dos problemas que consubstanciam a última parte do livro. Agradeço, em especial, o apoio dos colegas Mariana e Stewon, servidores da Justiça Federal que me auxiliaram na pesquisa jurisprudencial, na elaboração de novos casos e com o diálogo necessário para uma mais madura proposição. Agosto de 2009 Nota do Autor Honrado pela Juruá Editora com a edição de Direito Processual Previdenciário, tenho oportunidade de compartilhar algumas de minhas reflexões e angústias sobre a dinâmica do Direito da Seguridade Social. Aliás, é muito gratificante reconhecer que parte delas me acompanha desde o ano de 1996, quando ingressei na magistratura federal e assumi jurisdição em vara especializada em matéria previdenciária na cidade de Curitiba. Como tantos, não havia sequer tido notícia desta disciplina na Faculdade de Direito. É lamentável que desde a criação do primeiro curso de Direito do Brasil, em 11.08.1827, com a constituição da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, as grades curriculares país afora não levem o Direito Previdenciário a sério e desconsiderem por completo a existência do Direito Processual Previdenciário. Com esse erro de alvo, deixam de oferecer aos seus alunos cogitações essenciais para todo aquele que habita no Brasil das injustiças sociais. Seus alunos são os futuros magistrados, membros do Ministério Público, advogados e todos os demais operadores do Direito. Eventualmente conhecerão o direito previdenciário pela sua prática cotidiana, como eu mesmo fiz. Aproximar-se-ão dele pelo tato. O problema é quando o operador do Direito Previdenciário imagina que, ao fim e ao cabo, o tato seja tudo o que merece esta disciplina. A fundamentalidade do direito à Previdência Social, a construção de sua tradição histórica em face da fome, seus avanços, seus retrocessos, as revoluções sociais e as lutas de classe que lhe imprimem a densidade de direito humano universal passam a ser vistos como dados laterais. Não é por acaso que a principiologia dos Direitos Sociais e, sobretudo do Direito da Seguridade Social, é amesquinhada a um senso de que o que é justo e o que é correto em Direito Previdenciário revolve-se em um movimento pendular orientado pelo maior ou menor grau de compaixão da pessoa em relação à situação do outro. A compaixão ignoraria os limites econômicos do sistema previdenciário, teria um quê de irresponsabilidade, imprudência, irracionalidade, vulgarização. Ela seria o oposto da prudência, do zelo pela coisa pública, pelo sistema que é de todos, pela seriedade que não se deixa levar pela emoção que poderia ser gerada pela dor do outro. O Direito Previdenciário não depende disso, porém. É claro que há emoção na sua aplicação. Ela é própria do gênero humano e um fator negligenciado na análise das escolhas judiciais. É empobrecido o pensamento de que todo processo de tomada de decisões judiciais é puramente racional. É tremendamente equivocado o raciocínio segundo o qual “penso, logo existo”. Mas para além da emoção, a aplicação judicial do Direito Previdenciário parte de estrutura própria, uma principiologia que, sendo um pouco de todos os demais ramos do saber, é particularmente sua. Consegui perceber isso com um pouco mais de tempo na jurisdição previdenciária e com dedicado estudo da matéria. Não me envergonho de dizer, porém, que a profundidade e a largueza dos fundamentos do Direito Processual Previdenciário são ainda objeto de minha investigação. Não apresento aqui a obra dos meus sonhos. Talvez eu nunca tenha publicado a obra dos meus sonhos. Meu esforço foi sistematizar o que há de construído e o que há de lacunoso na disciplina processual previdenciária. Antes disso, destacadamente na primeira parte deste livro, meu objetivo foi estabelecer um método para se compreender o que há de construído e o que há de lacunoso no material com que (e em que) trabalha o operador do Direito, destacadamente o juiz. Somente após estabelecer alguns pressupostos teóricos à compreensão do Direito Processual Previdenciário é que me percebi devidamente explicado para tratar de temas nucleares dessa disciplina. A segunda parte deste trabalho é a preferida nos operadores do Direito, especialmente de meus alunos dos cursos de especialização em Direito Previdenciário. A prática parece falar mais de perto, mas a teoria permite ver mais longe. A terceira parte deste livro é produto de cursos de capacitação desenvolvidos no âmbito da Seção Judiciária do Paraná, destinado aos servidores, estagiários e outros colaboradores da Justiça, como professores e alunos de núcleos de prática jurídica que auxiliam no encaminhamento das ações judiciais no âmbito dos Juizados Especiais Federais. A busca da síntese do essencial para a prática previdenciária norteou a parte final desta obra. Aparentemente descolada das duas partes precedentes, a reunião de seus temas aos das duas primeiras partes tem um propósito muito especial: reafirmar desde logo ao iniciante nas letras previdenciárias que há uma maneira própria de se compreender o direito à segurança social, assegurando-lhe mais que há um terreno próprio a ser explorado. E embora muito tenha de ser explorado, sabemos de onde partir. José Antonio Savaris Sumário Siglas e abreviaturas Parte I – MARCO TEÓRICO DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO I – A TÍTULO DE INTRODUÇÃO Capítulo 1 – A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA I – Dois níveis de judicialização de políticas públicas. o objeto da jurisdição como critério I.I – A judicialização de políticas públicas de primeiro nível. A discricionariedade no jogo político-jurídico I.II – A judicialização de políticas públicas de segundo nível. A legalidade no jogo administrativo II – Desconcertos de categorias do processo civil comum nas demandas individuais de seguridade social III – Teste de idoneidade das normas processuais para judicialização de políticas públicas IV – Por que uma proposta de relativa autonomia do direito processual previdenciário? V – Humanismo, constitucionalismo e processo 1.1 Premissas metodológicas 1.2 A Eficácia normativa dos princípios constitucionais 1.3 O direito fundamental à tutela jurisdicional adequada – ou o direito fundamental ao processo justo 1.4 Direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva e a judicialização das políticas públicas para a realização de direitos fundamentais de proteção social 1.5 Elementos caracterizadores do Processo Previdenciário – a natureza do objeto da lide 1.6 Elementos caracterizadores do Processo Previdenciário – os sujeitos do processo 1.7 Exigências de Normatividade Específica do Direito Processual Previdenciário 1.7.1 Interesse de agir em matéria previdenciária 1.7.2 A fungibilidade das ações previdenciárias e a relativização do princípio dispositivo 1.7.3 O problema da má delimitação da lide previdenciária 1.7.4 Como conciliar a definitividade da coisa julgada com a provisoriedade dos benefícios previdenciários por incapacidade? 1.8 Normas processuais previdenciárias expressas no sistema normativo 1.8.1 A Constituição da República e a competência delegada 1.8.2 A Constituição da República e créditos alimentares devidos pela Fazenda Pública 1.8.3 Considerações normativas sobre prova em direito previdenciário Capítulo 2 – PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO 2.1 Princípio da não preclusão ao direito previdenciário 2.1.1 Princípio da não preclusão e a imprescritibilidade do direito previdenciário 2.1.1.1 Imprescritibilidade, inalienabilidade e indisponibilidade 2.1.1.2 Imprescritibilidade do fundo do direito e o prazo decadencial do salário-maternidade (MP 871/2019) 2.1.1.2.1 Desistência e renúncia ao direito em que se funda a ação 2.1.2 Princípio da não preclusão e os limites da coisa julgada em matéria previdenciária 2.1.2.1 A coisa julgada secundum eventum probationis 2.1.2.2 Extinção do processo sem resolução do mérito nas hipóteses de falta ou insuficiência de prova 2.1.3 Princípio da não preclusão e verdade real 2.1.3.1 Positivismo filosófico, juízos de imparcialidade e a verdade no direito social 2.1.3.2 Verdade real e solução de equidade 2.1.3.3 O positivismo e a banalização do sofrimento humano 2.1.3.4 O processo voltado para a justiça e para o ser humano 2.1.3.5 Parcialidade positiva como caminho à verdade na aplicação do direito previdenciário 2.2 Princípio da imediatidade da tutela previdenciária 2.3 Princípio do acertamento da relação jurídica de proteção social 2.3.1 A concepção da função jurisdicional de controle da legalidade do ato administrativo 2.3.1.1 O problema do direito superveniente à tutela administrativa 2.3.2 A concepção da função jurisdicional de controle do ato administrativo a partir de uma perspectiva de efetividade processual 2.3.3 A concepção da função jurisdicional de acertamento da relação jurídica de proteção social 2.3.3.1 Alegações inéditas em juízo e o problema do interesse de agir 2.3.3.2 Alegações inéditas em juízo e o problema do termo inicial dos benefícios 2.3.3.3 Princípio da primazia do acertamento e sua relação com o princípio dispositivo 2.4 Princípio da proteção judicial contra lesão implícita (lesão por omissão) a direito Capítulo 3 – O PRIMADO DA EFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JUSTIÇA PREVIDENCIÁRIA DESTE INÍCIO DE SÉCULO 3.1 A Emenda Constitucional 19/98 e a eficiência da Administração Pública 3.1.1 Mas o que há de errado em a Administração Pública buscar a eficiência? 3.1.2 Afinal, o que há de errado em a Administração Pública buscar a eficiência econômica? 3.2 Sinais de crise na justiça previdenciária 3.2.1 Três fatores determinantes para a multiplicação das lides previdenciárias 3.2.1.1 A Administração Paralela 3.2.1.1.1 A Administração Paralela e a vedação do comportamento contraditório (ne venire contra factum proprium) 3.2.1.2 Ferramentas artesanais para julgamentos de massa 3.2.1.3 O hiato entre a postura administrativa e o direito aplicado judicialmente 3.2.2 Pontos críticos como desafios a um processo judicial efetivo 3.2.3 Uma aproximação dos pontos críticos 3.3 A preponderância da eficiência no processo judicial previdenciário 3.4 Processo previdenciário e eficiência gerencial 3.5 O desafio da tutela jurisdicional nas ações de benefícios por incapacidade nos Juizados Especiais Federais Parte II – TEMAS CENTRAIS DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO Capítulo 4 – PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO 4.1 Estado Democrático de Direito e Processo Administrativo 4.2 Âmbito de aplicação da Lei 9.784/99 4.3 Caracterização do Processo Administrativo Previdenciário 4.4 Distinção entre procedimento e processo 4.5 Procedimento e processo no campo previdenciário 4.6 Garantias processuais para o processo administrativo previdenciário 4.6.1 Garantias processuais constitucionais 4.6.2 Entre as garantias constitucionais e as normas da lei processual administrativa – a atuação conforme a Lei e o Direito 4.6.3 A Lei 9.784/99 e o processo administrativo previdenciário 4.6.4 Os critérios para condução do processo administrativo 4.6.5 Os direitos do administrado no processo administrativo 4.6.6 Os deveres do administrado no processo administrativo 4.6.7 Outras disposições relevantes para o processo administrativo previdenciário 4.6.7.1 Particularidades dos recursos no processo administrativo previdenciário 4.6.8 A Lei 13.726/2018 e a racionalização dos atos e procedimentos administrativos 4.7 A distância astronômica da realidade administrativa para com as imposições jurídicas de um processo previdenciário Capítulo 5 – O EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA PELA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA 5.1 LIMITES FORMAIS (limites quanto ao modo de se exercer a autotutela) 5.1.1 Limites temporais para o exercício da autotutela – a decadência do direito de revisão do ato administrativo de concessão de benefício previdenciário 5.1.2 Limites processuais – o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa 5.1.2.1 Devido processo legal, limite de alçada e desconsideração dos efeitos de prestação previdenciária em juízo 5.2 Limites materiais (limites quanto ao conteúdo da autotutela) 5.2.1 Proibição de aplicação de nova interpretação administrativa ou novos critérios para a verificação do direito ao benefício 5.2.2 Proibição de nova avaliação do conjunto probatório (nova valoração da prova), por força da coisa julgada administrativa 5.2.3 Remédio jurídico contra atuação administrativa que extrapola os limites formais ou materiais para o exercício da autotutela Capítulo 6 – ACESSO À JUSTIÇA E INTERESSE DE AGIR EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA 6.1 GRATUIDADE DA JUSTIÇA 6.1.1 Comprovação dos requisitos necessários à concessão da gratuidade da justiça 6.1.2 Gratuidade da justiça e sucumbência do beneficiário 6.2 Classificação das ações previdenciárias 6.2.1 Ação de concessão de benefício previdenciário 6.2.2 Ação de revisão de benefício previdenciário 6.2.2.1 Ação revisional de concessão 6.2.2.2 Ação revisional de reajustamento 6.2.3 Ação de restabelecimento de benefício previdenciário 6.2.4 Ação de manutenção de benefício previdenciário 6.2.5 Ação de anulação de benefício previdenciário 6.3 Interesse de agir em matéria previdenciária 6.3.1 Considerações doutrinárias 6.3.2 As diretrizes gerais formuladas pelo STF (RE 631.240) 6.3.2.1 Fórmula de transição 6.3.3 Interesse de agir em ações de concessão de benefício previdenciário 6.3.3.1 Alegação de fato não analisado formalmente na via administrativa 6.3.3.2 Alegação de nova patologia em juízo 6.3.3.3 Demora para ajuizamento da ação 6.3.3.4 Descumprimento de exigência administrativa e as normas introduzidas pelo Decreto 10.410/2020 6.3.3.4.1 Pressupostos de validade de exigência administrativa 6.3.3.5 Interesse de agir no caso de indeferimento da antecipação de auxílio-doença (Lei 13.982/2020) 6.3.3.5.1 Da indevida suspensão dos serviços públicos essenciais a cargo dos médicos peritos federais 6.3.3.5.2 Da situação de incerteza normativa, insegurança jurídica e urgência na obtenção de direito de subsistência 6.3.3.6 Silêncio administrativo e proteção judicial 6.3.3.6.1 Circularidade ou esquiva institucional: a postura convencional da tutela jurídica contra o “não ato” 6.3.3.6.2 O silêncio administrativo negativo e a prioridade da tutela dos direitos 6.3.4 Interesse processual superveniente 6.3.5 Indeferimento presumido e dispensa de requerimento administrativo 6.3.5.1 O ajuizamento direto da ação de concessão de pensão provisória por morte presumida 6.3.6 Recusa de entrada de requerimento e excessiva demora do processo administrativo 6.3.7 Interesse de agir e o dever estatal de conceder a prestação mais vantajosa 6.3.8 Interesse de agir nas ações previdenciárias de restabelecimento de benefício 6.3.8.1 Interesse de agir nas ações de restabelecimento e a necessidade do pedido de prorrogação do auxílio por incapacidade temporária 6.3.8.2 Interesse de agir nas ações de restabelecimento de aposentadoria por incapacidade permanente quando o segurado se encontra em gozo de mensalidade de recuperação 6.3.9 Interesse de agir nas ações previdenciárias de revisão de benefício 6.3.9.1 Interesse de agir nas ações revisionais e reconhecimento administrativo do direito Capítulo 7 – REGIME PROBATÓRIO PREVIDENCIÁRIO 7.1 Considerações iniciais 7.1.1 Efeitos da revelia no processo previdenciário 7.2 Conceito e comprovação da condição de desempregado para efeitos de prorrogação do período de graça 7.3 Caracterização e comprovação da relação de dependência econômica 7.3.1 Presunção relativa de dependência econômica 7.3.2 Necessidade de comprovação da dependência econômica 7.4 Comprovação da união estável previdenciária 7.5 Comprovação da incapacidade para o trabalho 7.5.1 Perícias e decisões judiciais sem fundamentação suficiente 7.5.2 Ausência de prova pericial no processo judicial 7.5.3 Perícia médica indireta no período de distanciamento social (Covid-19) 7.6 Comprovação do agravamento da lesão ou progressividade da doença 7.7 Comprovação da data do início da incapacidade para o trabalho 7.8 Tratamento médico e condições sociais: aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária? 7.8.1 Recuperação da capacidade mediante tratamento cirúrgico 7.8.2 Comprovação da condição da pessoa com deficiência para fins de BPC 7.8.3 Comprovação da necessidade econômica do grupo familiar para fins de BPC 7.8.3.1 Subsidiariedade do dever assistencial do Estado (TNU) 7.9 Caracterização e comprovação de atividade especial 7.9.1 Sucessão de leis no tempo e o princípio tempus regit actum para caracterização e comprovação de atividade especial 7.9.2 Caracterização e comprovação de atividade especial em tempo anterior à vigência da Lei 8.213/91 7.9.3 Alterações promovidas após a vigência da Lei 8.213/91 e a possibilidade de se comprovar atividade especial por qualquer meio de prova 7.9.4 A regulamentação da atividade especial pelo Decreto 2.172/97 e a exclusão da atividade perigosa 7.9.5 A comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos e utilização de equipamento de proteção individual (EPI) 7.9.6 Comprovação de atividade especial no caso de incorreção do PPP ou do LTCAT 7.10 Comprovação do tempo de serviço ou contribuição 7.10.1 Particularidades do direito probatório em direito previdenciário – restrição do direito constitucional à prova 7.10.2 O universo particular da prática previdenciária como justificação para a exigência de prova material 7.10.3 Limites à exigência de prova material 7.10.4 Prova material na categorização das espécies probatórias 7.10.5 Prova material obtida do corpo humano e prova do trabalho rural do boia-fria 7.10.6 Comprovação do trabalho rural e exigência de prova material 7.10.7 Classificação das provas – sinopse 7.10.8 Prova material – eficácia probante e presunções 7.10.9 Abrandamento da exigência de prova material e rigor na análise dos fatos 7.10.10 Comprovação da atividade rural do segurado especial pelo CNIS Capítulo 8 – EFEITOS DAS DECISÕES DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 8.1 Notas doutrinárias sobre os limites subjetivos da coisa julgada 8.2 Eficácia probante da decisão trabalhista 8.3 Eficácia previdenciária das decisões trabalhistas. nosso posicionamento Capítulo 9 – ASPECTOS CONCERNENTES AOS VALORES PAGOS JUDICIALMENTE 9.1 Data de início dos benefícios concedidos judicialmente 9.1.1 Definição da data de início do benefício (DIB) independentemente do momento da comprovação dos respectivos fatos constitutivos 9.1.2 Termo inicial do benefício quando ausente o requerimento administrativo 9.1.3 Fato superveniente ao processo administrativo e a chamada “reafirmação da DER” 9.1.3.1 Fato superveniente à DER e o direito ao melhor benefício 9.1.3.1.1 Fato superveniente e direito ao melhor benefício no contexto do processo administrativo 9.1.3.1.2 Fato superveniente e direito ao melhor benefício após o encerramento do processo administrativo 9.1.3.2 Fato superveniente à DER e o termo inicial dos benefícios concedidos judicialmente 9.1.4 Data de início de benefício em face de habilitação judicial de novo dependente à pensão por morte 9.1.5 A identificação da data de início da incapacidade laboral (DII) e os efeitos financeiros dos benefícios previdenciários por incapacidade 9.1.5.1 O direito de recebimento do auxílio por incapacidade temporária pelo segurado que exerceu atividade remunerada embora incapaz 9.1.5.2 Termo inicial de benefício por incapacidade no caso de demanda anterior com sentença desfavorável transitada em julgado 9.1.6 Data de início do benefício (DIB) da aposentadoria especial concedida judicialmente 9.2 Correção monetária e juros de mora do crédito judicial previdenciário 9.2.1 Correção monetária e o Estatuto do Idoso 9.2.2 O crédito judicial previdenciário e a inconstitucionalidade da Lei 11.960/2009 9.2.3 Correção monetária, deflação e irredutibilidade do valor dos benefícios 9.2.4 Correção monetária dos valores pagos mediante requisições de pagamento 9.2.5 Juros moratórios sobre o crédito judicial previdenciário 9.2.5.1 Juros moratórios no caso de “reafirmação da DER judicial” 9.2.6 Incidência de juros de mora no período compreendido entre a data da conta de liquidação e a expedição de requisitório 9.3 Prescrição e decadência em matéria previdenciária 9.3.1 Prescrição contra menores absolutamente incapazes 9.3.2 Prescrição contra incapazes e o Estatuto da Pessoa com Deficiência 9.3.3 Prescrição contra ausentes 9.3.4 Prazo-limite para o requerimento administrativo a cessação da incapacidade 9.3.5 Termo inicial da pensão por morte ao filho menor de 16 anos de idade na vigência da MP 817/2019 9.3.6 Suspensão e interrupção do período de prescrição 9.3.7 “Decadência” do direito de rever o ato de concessão do benefício previdenciário1025 9.3.7.1 A incidência do prazo decadencial do direito de revisão dos benefícios concedidos anteriormente à vigência da MP 1.523-9/97 9.3.7.2 Natureza prescricional do prazo para revisão do ato de concessão de benefício previdenciário (Lei 8.213/91, art. 103, caput) 9.3.7.3 Inconstitucionalidade de prazo para cessação de lesão estatal a direito humano e fundamental 9.3.7.4 Interpretação restritiva do prazo decadencial para revisão de benefício 9.3.7.4.1 Ações ou direitos relacionados a circunstâncias supervenientes ao ato de concessão do benefício: revisão de reajustamento e desaposentação 9.3.7.4.2 Ações ou direitos relacionados a circunstâncias não analisadas expressamente quando da concessão do benefício 9.3.7.4.3 Ações relacionadas à efetivação do direito ao melhor benefício 9.3.7.4.4 Ações de revisão de benefício determinada por lei 9.3.7.4.5 Início do prazo decadencial no caso dos benefícios derivados (pensão por morte e aposentadoria por incapacidade permanente) 9.4 Devolução dos valores previdenciários recebidos de boa-fé 9.4.1 O princípio da irrepetibilidade dos alimentos 9.4.2 Contexto normativo anterior à vigência da MP 871/2019 9.4.2.1 Posicionamento do Supremo Tribunal Federal 9.4.2.2 Desnecessidade de devolução em caso de dupla conformidade entre sentença e acórdão (STJ) 9.4.3 Contexto normativo posterior à vigência da MP 871/2019 9.4.4 Pressupostos para a cobrança dos valores pagos indevidamente mediante execução fiscal 9.4.5 Repetição de valores originariamente indevidos ao beneficiário 9.5 Pagamento de valores não recebidos em vida pelo segurado 9.5.1 Concessão de pensão por morte no curso do processo judicial de aposentadoria 9.5.2 Legitimidade ad causam dos dependentes para recebimento de créditos não pagos ou não reconhecidos ao segurado 9.5.3 Ausência de legitimidade para renúncia post mortem. O caso da chamada “despensão” 9.6 Incidência de imposto de renda sobre os valores atrasados recebidos pelo beneficiário 9.7 Compensação do crédito judicial com valores pagos administrativamente 9.7.1 Compensação em termos globais ou por competência mensal? O (falso) problema da irrepetibilidade 9.7.2 Concessão superveniente de benefício mais vantajoso e o desfazimento do benefício concedido em juízo: o problema da preservação do crédito judicial 9.7.3 Inviabilidade da compensação do crédito principal com honorários advocatícios arbitrados nos embargos à execução Capítulo 10 – REGRAS PROCESSUAIS RELACIONADAS À FAZENDA PÚBLICA 10.1 Prerrogativas processuais da Fazenda Pública 10.2 Regime de pagamento de custas e despesas processuais 10.3 Honorários advocatícios nas ações previdenciárias 10.3.1 Honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença previdenciária 10.3.2 Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública no CPC/2015 10.3.3 Princípio da reparação integral e honorários indenizatórios 10.4 Dos prazos da fazenda pública 10.5 Da remessa necessária 10.6 Tutela provisória contra a fazenda pública 10.6.1 A urgência no processo judicial previdenciário 10.6.2 Tutelas de urgência em matéria de Seguridade Social 10.6.2.1 Irreversibilidade e definitividade das tutelas provisórias em matéria previdenciária 10.6.3 Cumprimento imediato das decisões judiciais previdenciárias 10.6.4 Eficácia das decisões judiciais previdenciárias 10.6.5 Poder coercitivo contra terceiros 10.7 Cumprimento de sentença que reconhece obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública 10.7.1 Limites de cognição no cumprimento de sentença previdenciária 10.7.2 Cumprimento definitivo da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa pela Fazenda Pública 10.7.3 Cumprimento da sentença na ausência de impugnação da execução 10.7.4 Cumprimento da sentença na ocorrência de impugnação parcial da execução 10.7.5 Cumprimento da sentença na pendência de recurso sem efeito suspensivo 10.7.6 Cumprimento definitivo de decisão parcial de mérito 10.7.7 Cumprimento provisório da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa pela Fazenda Pública 10.7.8 Execução invertida nas ações previdenciárias 10.7.9 Cumprimento da sentença como respeito à coisa julgada 10.7.10 Execução individual da ação coletiva contra a Fazenda Pública 10.7.11 Impugnação à execução 10.7.12 Cumprimento da decisão nos Juizados Especiais Federais 10.8 Requisições judiciais de pagamento e fracionamento da verba honorária 10.8.1 Regime de pagamento por precatório requisitório 10.8.2 Regime de pagamento por requisição judicial de pequeno valor (RPV) Capítulo 11 – COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA 11.1 Competência delegada à justiça estadual. Panorama posterior à EC 103/2019 11.1.1 Competência delegada e mandado de segurança 11.2 Competência para processamento de ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho – nossas críticas à orientação jurisprudencial 11.2.1 A importância capital do pedido inicial para a definição da competência 11.3 Competência para declaração de morte presumida 11.4 Competência dos juizados especiais federais cíveis 11.5 Particularidades dos juizados especiais federais 11.5.1 Princípios dos Juizados Especiais Federais Apêndice Referências SIGLAS E ABREVIATURAS AC Apelação Cível ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade Ag. Agravo AgRg Agravo Regimental AI Agravo de Instrumento AMS Apelação em Mandado de Segurança APELREEX Apelação em Reexame Necessário APS Agência da Previdência Social BPC Benefício de Prestação Continuada CadÚnico Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CAT Comunicação de Acidente de Trabalho CC Código Civil CDA Certidão de Dívida Ativa CDC Código de Defesa do Consumidor CEI Cadastro Específico do INSS CF Constituição da República Federativa do Brasil CID Código Internacional e Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CJF Conselho da Justiça Federal CLPS Consolidação das Leis da Previdência Social CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CND Certidão Negativa de Débito CNIS Cadastro Nacional de Informações Sociais CNJ Conselho Nacional de Justiça CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas CNPS Conselho Nacional de Previdência Social COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CP Código Penal CPC/1973 Código de Processo Civil de 1973 CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natu CPP Código de Processo Penal CRP Certificado de Regularidade Previdenciária CRPS Conselho de Recursos da Previdência Social CRSS Conselho de Recursos do Seguro Social CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CTN Código Tributário Nacional CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social DAT Data do Afastamento do Trabalho DATAPREV Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social DCB Data de Cessação do Benefício DDB Data do Despacho do Benefício DE Diário Oficial Eletrônico DER Data de Entrada do Requerimento DIB Data de Início do Benefício DIP Data de Início do Pagamento DJ Diário da Justiça DJe Diário da Justiça Eletrônico DJU Diário da Justiça da União DPR Data do Pedido de Revisão EC Emenda Constitucional ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EPC Equipamento de Proteção Coletiva EPI Equipamento de Proteção Individual FAP Fator Acidentário de Prevenção FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço GFIP Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social GPS Guia da Previdência Social HC Habeas Corpus HISCRE Histórico de Créditos IBGE Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGP-DI Índice Geral de Preços IN Instrução Normativa INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor INPS Instituto Nacional de Previdência Social INSS Instituto Nacional do Seguro Social IPC Índice de Preços ao Consumidor IR Imposto de Renda IRSM Índice de Reajuste do Salário Mínimo JA Justificação Administrativa JEFs Juizados Especiais Federais LBPS Lei de Benefícios da Previdência Social LC Lei Complementar LEF Lei de Execuções Fiscais LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LOAS Lei Orgânica da Assistência Social LOPS Lei Orgânica da Previdência Social LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário MEI Microempreendedor Individual MF Ministério da Fazenda MP Medida Provisória MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social MPS Ministério da Previdência Social MS Mandado de Segurança MTE Ministério do Trabalho e Emprego MTPS Ministério do Trabalho e Previdência Social NB Número de Benefício NCPC Novo Código de Processo Civil NIT Número de Identificação do Trabalhador NTEP Nexo Técnico Epidemiológico NTP/T Nexo Técnico Profissional ou do Trabalho OIT Organização Internacional do Trabalho ONU Organização das Nações Unidas ORTN Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional OTN Obrigações do Tesouro Nacional PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PBC Período Básico de Cálculo PCSS Plano de Custeio da Seguridade Social PEC Proposta de Emenda Constitucional PEDILEF Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal Pet Petição PIS Programa de Integração Social PPP Perfil Profissiográfico Previdenciário ProAfR Proposta de Afetação no Recurso Especial PUIL Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal RE Recurso Extraordinário REFIS Programa de Recuperação Fiscal REsp Recurso Especial RGPS Regime Geral da Previdência Social RMI Renda Mensal Inicial RPA Relação de Pagamentos Autorizados RPPS Regime Próprio de Previdência Social RPS Regulamento da Previdência Social RPV Requisição de Pequeno Valor SAT Seguro de Acidente do Trabalho SB Salário de Benefício SC Salário de Contribuição SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SIMPLES Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empres SINE Sistema Nacional de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SISBEN Sistema de Benefícios SM Salário-Mínimo STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça SUS Sistema Único de Saúde TJ Tribunal de Justiça TNU Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais TR Turma Recursal TRU Turma Regional de Uniformização UFIR Unidade Fiscal de Referência URP Unidade de Referência de Preços URV Unidade Real de Valor Tratados de economia [...] dão a impressão de que o papel dos legisladores e membros responsáveis do governo é encontrar e implementar um equilíbrio particularmente favorável para a comunidade. Exemplos do caos na física nos ensinam, contudo, que, em vez de levarem a um equilíbrio, certas situações dinâmicas ativam desenvolvimentos temporariamente caóticos e imprevisíveis. Os legisladores e governantes responsáveis devem, portanto, considerar a possibilidade de que suas decisões, que buscam produzir um equilíbrio melhor, poderão produzir, em vez disso, oscilações violentas e imprevistas, com efeitos possivelmente desastrosos. David Ruelle PARTE I MARCO TEÓRICO DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO I – A TÍTULO DE INTRODUÇÃO O tema do controle jurisdicional das políticas públicas¹ desafia estudos acadêmicos desde as mais variadas óticas, a começar pelo exame da própria sindicabilidade dos direitos sociais² e do papel do Judiciário em sua concretização, de acordo com a dogmática constitucional da efetividade e da eficácia vinculante dos direitos fundamentais³. Essas questões se relacionam à análise dos limites constitucionais do Poder Judiciário, desde uma perspectiva da separação e independência dos Poderes da República⁴, do fenômeno do ativismo judicial⁵, e de como se materializa a judicialização de direitos humanos e fundamentais no direito pátrio e no contexto da justiça internacional⁶. É também indispensável a investigação do debate contemporâneo, no seio da teoria constitucional, relativo à justificação normativa do controle de constitucionalidade e das categorias político-jurídicas que lhe são pertinentes, como judicial review, jurisdição constitucional e democracia⁷, sem que se subestimem as contribuições desde o terreno das teorias dos diálogos institucionais⁸. Por outro lado, a tensão que se percebe entre as exigências de proteção suficiente dos direitos fundamentais e do mínimo existencial, de uma parte, e as implicações orçamentárias e a chamada reserva do possível, de outra parte, abrem largo campo para pesquisas, ainda não adequadamente coberto⁹. Desde a perspectiva da metodologia judicial, ainda são poucos os estudos dedicados a analisar criticamente o modo de ser do processo de tomada de decisões pela cúpula do Poder Judiciário, em tema de direitos sociais. Quando se tem em mira o exame crítico da racionalidade das decisões judiciais mais importantes em tema de direitos sociais, impressionam o jogo da argumentação jurídica e o grau de pragmatismo e de consequencialismo econômico de extração utilitarista nelas encontrados¹⁰. Mesmo que tantos aspectos dessa temática ainda demandem um olhar acadêmico mais próximo, talvez a matéria relativa à necessidade da adequação de garantias judiciais para a determinação dos direitos fundamentais de Seguridade Social, objeto fundamental da presente seção, seja a mais precisada, destacadamente no contexto em que o problema dos direitos não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los¹¹. É como se a adequação das garantias judiciais não constituísse parte do leque de problemas de natureza constitucional, administrativa ou processual relacionados ao grande tema da judicialização das políticas públicas, e isso é ainda menos considerado quando a proteção do bem jurídico é buscada mediante ações individuais. É insuficiente, porém, reconhecer-se a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais que não são objeto de regulamentação pelas instâncias políticas. Algumas condições mínimas são exigidas para a efetiva justiciabilidade de qualquer direito, dentre as quais a existência de ações e remédios judiciais adequados ao tipo de violação de que se trate¹². É pouco assegurar-se o acesso formal ao Poder Judiciário para a tutela contra violação ou ameaça a direito, pois o princípio da proteção judicial, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição da República, ao expressar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consagra o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e adequada¹³. É necessário, com efeito, que as pessoas possam manejar um “recurso efetivo” contra atos ou omissões que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei¹⁴. Mais especificamente, “O direito de ação tem como corolário o direito às técnicas processuais adequadas à tutela das várias necessidades do direito material e da realidade social”¹⁵. O direito fundamental ao processo justo ou à tutela jurisdicional adequada, em tema dos direitos fundamentais sociais, enfrenta desafios de distintas ordens, mesmo porque a judicialização de políticas públicas é, em si, um fenômeno multiforme. E em função das diversas maneiras de lesão aos direitos sociais, não há uma única via jurisdicional, mas uma multiplicidade de vias para fazê-los efetivos¹⁶. Se a judicialização se expressa em um contexto de demandas individuais, torna-se fundamental a análise crítica da adequação das formas, conceitos, institutos e categorias do processo civil comum, idealizados para solução de conflitos entre particulares e para a proteção de direitos patrimoniais, quando destinados a regulamentar o processo dos direitos de Seguridade Social. A teoria do direito processual previdenciário, desenvolvida nesta Parte da obra, compartilha da perspectiva de que é necessário avaliar-se a adequação do Código de Processo Civil para a tutela dos direitos e se corrigir judicialmente a legislação, com o objetivo de se proteger adequadamente os direitos fundamentais processuais¹⁷. Com o objetivo de melhor pontuar que a necessidade de diretrizes processuais específicas para as ações individuais de Seguridade Social consubstancia proposição normativa inserida na temática da judicialização de políticas públicas e deve ser percebida como exigência do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, apresenta-se, preliminarmente, na parte inicial do Capítulo 1, uma classificação de níveis de judicialização de políticas públicas. Na sequência, ainda de modo preambular, procura-se demonstrar o descabimento de alguns relevantes institutos, categorias e técnicas do processo civil comum às ações individuais de Seguridade Social, pois sua aplicação acarreta importantes obstáculos para a judicialização de políticas públicas em nosso País¹⁸. A partir disso, reafirma-se específica diretriz normativa para as ações de Seguridade Social a partir de uma postura dogmática atenta às particularidades do direito material e das pessoas envolvidas nesses processos, bem como às exigências constitucionais de tutela efetiva desse direito fundamental: o teste da idoneidade da norma processual civil – e as exigências de sua nova conformação – para as ações de Seguridade Social. Com a parte inicial deste estudo, pretende-se pavimentar as discussões que envolvem a teoria do direito processual previdenciário, articuladas nos dois primeiros capítulos deste livro. 1 Em conhecido texto voltado eminentemente à conceituação jurídico-formal aplicável ao trabalho com políticas públicas, na perspectiva da funcionalidade do direito, assim entendidas as condições de atuação dos vários agentes, públicos e privados, envolvidos na concretização dos direitos sociais, Maria Paula Dallari Bucci define política pública como “o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados”. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva, 2006. p. 1-50 (p. 39). 2 ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. 2. ed. Madrid: Editorial Trota, 2004. p. 37-47 e 117-132; GERARDO PISARELLO. Vivienda para todos: un derecho en (des) construcción. El derecho a una vivienda digna y adecuada como derecho exigible, Icaria/Observatorio DESC, Barcelona 2003. p. 157-178; COURTIS, Christian. Critérios de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais: uma breve exploração. In: NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel (coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 (p. 487-513); SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A justiciabilidade dos direitos sociais: críticas e parâmetros. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (orgs.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009 (p. 515-551); CAMBI, Eduardo. Revisando o princípio da separação dos poderes para tutelar os direitos fundamentais sociais. In: CAMBI, Eduardo et al. (org.). Direitos fundamentais revisitados. Curitiba: Juruá, 2008 (p. 89-101); KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002 (parte do livro); PIOVESAN, Flavia. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas. In: CANOTILHO, J. J. et al. (coord.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010 (p. 53-69). 3 Sobre essa específica problemática, vale conferir: BERCOVICCI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 143-161; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais; FRANÇA, Giselle de Amaro e. O Poder Judiciário e as políticas públicas previdenciárias. São Paulo: LTr, 2011; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; MAIOR, Jorge Luiz Souto. O que é direito social? In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (org.). Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. v. 1, p. 13-40; SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributo para um balanço após vinte anos da Constituição Federal de 1988. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de et al. (coord.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009 (p. 479510); STRECK, Lenio Luiz. O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociais fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 169-214, p. 199; TAYLOR, Matthew. O Judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 2, p. 229-257, 2007. 4 A identificação de formas de atuação da Suprema Corte como legislador positivo e sua importância na tutela dos direitos fundamentais pode ser conferida em SEGADO, Francisco Fernández. El Tribunal Constitucional español como legislador positivo. Pensamiento Constitucional, año XV, n. 15, ISSN 1027-6769. Ainda sobre o tema, pode-se conferir: APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008; GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan; ENTERRIA, Eduardo Garcia de. Democracia, jueces y control de la administración. 4. ed. amp. Madrid: Civitas, 1998. 5 KMIEC, Keenan D. 2004. The origin and current meanings of “judicial activism”. 92 California Law Review, 1441-77; RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015; VALLE, Vanice Regina Lírio do (org.). Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal: Laboratório de Análise Jurisprudencial do STF. Curitiba: Juruá, 2009; TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Rev. Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 37-57, June 2012. http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1808-24322012000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 3 jan. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S180824322012000100002; CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de coisas inconstitucional. Salvador: JusPodivm, 2015. 6 SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política? In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional das políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 1-32; VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 39-85, nov. 2007; LANGFORD, Malcolm; KING, Jeff A. Committee on Economic, Social and Cultural Rights. Social Rights Jurisprudence Emerging Trends in International and Comparative Law, Cambridge: Cambridge University Press, p. 477-516, 2008; LANGFORD, Malcolm. The justiciability of social rights: from practice to theory. Social Rights Jurisprudence Emerging Trends in International and Comparative Law, Cambridge: Cambridge University Press, p. 3-45, 2008; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 7 TUSHNET, Mark. Taking the Constitution away from the Courts. Princeton: Princeton University Press, 1999; WALDRON, Jeremy. The core of the case against judicial review. Yale Law Journal, n. 115, 2006. p. 1346-1406; DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002; HÜBNER MENDES, Conrado. Direitos fundamentais, separação de Poderes e democracia. São Paulo: Saraiva, 2011; HÜBNER MENDES, Conrado. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008; BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: a função representativa e majoritária das Cortes Constitucionais. Revista Estudos Institucionais, v. 2, 2, 2016; GARGARELLA, Roberto. ¿Democracia deliberativa y judicialización de los derechos sociales?. Perfiles Latinoamericanos, Revista de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Sede México, n. 28, julio-diciembre, p. 9-32, 2006. 8 Parece ser ainda um tema carente da devida consideração o da complementariedade entre as perspectivas do diálogo e da primazia institucional como fator de legitimação democrática da revisão judicial. Merece destaque, nesse sentido, a proposição de que a interação deliberativa é condição de legitimidade da judicial review e apresenta maior probabilidade de alcançar boas respostas nos dilemas constitucionais ao longo do tempo (HÜBNER MENDES, Conrado. Direitos fundamentais, separação de Poderes e democracia). 9 Sobre o tema podem-se citar as contribuições de: SARLET, Ingo Wolfgang; SAAVEDRA, Giovani Agostini. Breves notas sobre a garantia do mínimo existencial e os limites materiais de atuação do legislador, com destaque para o caso da Alemanha. In: SAVARIS, José Antonio; STRAPAZZON, Carlos Luiz (org.). Direitos fundamentais da pessoa humana: um diálogo latino-americano. Curitiba: Alteridade Editora, 2012. p. 89-126; SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 11-53; ZAGREBELSKI, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna: II Mulino, 1988; SAVARIS, José Antonio; SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (org.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais. In: CANOTILHO, J. J. et al (coord.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 75109; OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008. p. 175-225. 10 Importante contribuição relativa à análise da racionalidade argumentativa de precedentes da Suprema Corte podem ser encontrada em: ROESLER, Claudia; HARTMANN, Fabiano; REIS, Isaac (org.). Retórica e argumentação jurídica: modelos em análise. Curitiba: Alteridade Editora, 2018. O caráter utilitarista das principais decisões da Suprema Corte em tema de direitos de previdência social foi o tema central dos seguintes trabalhos: SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da previdência social: contributo para superação da prática utilitarista. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011; SAVARIS. José Antonio. A aplicação judicial do direito da previdência social e a interpretação perversa do princípio constitucional da precedência do custeio: o argumento Alakazam. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 281-313, jul./dez. 2011; SOARES, Jair. Seguridade social e sustentabilidade: crítica ao argumento econômico na aplicação dos direitos sociais, Curitiba: Alteridade Editora, 2017; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves Correia. Interpretação dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e consciência de classe. In: CANOTILHO, J. J. et al. (coord.). Direitos fundamentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010 (p. 111-172). 11 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Campus: 1993. 12 ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. El umbral de la ciudadanía: el significado de los derechos sociales en el Estado social constitucional. Buenos Aires: Del Puerto, 2006. p. 80. 13 A doutrina da efetividade do processo como direito constitucional fundamental ganhou corpo ainda na década de setenta do século passado, sendo vários os trabalhos edificados sobre este fundamento, dentre os quais: GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: RT, 1973; GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: J. Bushatski, 1975; COSTA, Coqueijo. Singularidades na ação individual trabalhista. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, n. 2, v. 14, p. 113-122, dez. 1985; MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do Estado Constitucional. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 347, v. 54, p. 11-43, set. 2006; MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt. Prova, convicção e justificativa diante da tutela antecipatória. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 834, v. 94, p. 121-139, abr. 2005; MARINONI, Luiz Guilherme. Do processo civil clássico à noção de direito a tutela adequada ao direito material e à realidade social. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 824, v. 93, p. 34-60, jun. 2004; WATANABE, Kazuo (coord.). Juizado Especial de Pequenas Causas. São Paulo: RT, 1985; WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987; COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: Giappichelli, 2004; GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 305, v. 51, p. 61-99, mar. 2003; LEDESMA, Hector Faundez. El derecho a un juicio justo. Revista de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Políticas, Universidad Central de Venezuela, Caracas, n. 80, v. 36, p. 133-79, 1991; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A efetividade do processo e a reforma processual. Jurisprudência Brasileira: Cível e Comércio, Curitiba, n. 172, p. 63-70, 1994; DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, n. 2, v. 2, p. 7-45, jul./dez. 2001; SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Direito material e processo. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 321, p. 7-27, jul. 2004; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada: relativização: da coisa julgada material. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 33, v. 6, p. 5-28, jan./fev. 2005; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direito material, processo e tutela jurisdicional. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 101, v. 33, p. 45-78, mar. 2006; MELO, Gustavo de Medeiros. A tutela adequada na reforma constitucional de 2004. Revista de Processo, São Paulo, n. 124, v. 30, p. 76-110, jun. 2005. 14 Art. 25, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, de 22.11.1969). Ratificação: 25.09.1992; Promulgação no Brasil: Decreto 678, de 06.11.1992. 15 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 141. 16 ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. El umbral de la ciudadanía, p. 82. 17 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil, p. 71. 18 A inadequação do processo civil para direitos sociais apresenta causas históricas. No modelo do Estado Liberal e de Direito, contexto em que idealizado o processo civil comum, a preocupação era fundamentalmente a de oferecer garantias apenas aos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades – como a propriedade, liberdade e a segurança. De todo modo, mesmo no contexto do Estado Constitucional de Direito se percebe a inadequação de categorias processuais aos novos direitos, o que só faz transparecer a falta de sensibilidade do legislador para a necessária adequação do processo às particularidades do direito material social. CAPÍTULO 1 A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA I – DOIS NÍVEIS DE JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. O OBJETO DA JURISDIÇÃO COMO CRITÉRIO ¹⁹ Qualquer discussão relativa ao controle jurisdicional de políticas públicas pressupõe, como imperativo lógico, a análise do que se pode considerar como políticas públicas²⁰. Se a compreensão é a de que políticas públicas consubstanciam o principal mecanismo de ação estatal com vistas à realização dos direitos sociais, econômicos e culturais²¹, ou programas e ações do Poder Público destinados a atingir os objetivos fundamentais do Estado²², é correto afirmar que a temática da judicialização das políticas públicas corresponde a um problema político-jurídico, com todas as implicações da intervenção judicial nas escolhas políticas, econômicas e sociais realizadas pelos demais Poderes. Sem embargo, a intervenção judicial pode ocorrer apenas e tão somente na implementação ou execução final de política pública, de modo que não se encontrariam em discussão, em linha de princípio, as opções políticas do Parlamento ou da Administração Pública. É importante essa referência à dupla face da judicialização, que tem como critério o objeto da tutela jurisdicional – e, por conseguinte, os meios para sua prestação – para precisarmos que o âmbito da jurisdição que constitui objeto do presente estudo não é o da tutela por ações judiciais especiais, geralmente relacionadas à violação que afeta um grupo extenso de pessoas. Antes, a preocupação que se materializa neste trabalho tem como foco a tutela jurisdicional em ações individuais, geralmente fundadas sobre bases legais (direitos regulamentados por lei) e que são disciplinadas pelas regras do Código de Processo Civil ou da Lei dos Juizados Especiais Federais. E nessa dimensão da judicialização, partindo-se do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, pretende-se firmar a premissa de que as técnicas do direito processual civil, se não forem idôneas para a assegurar a devida judicialização dos direitos sociais de Seguridade Social, devem ser ajustadas, flexibilizadas, elastecidas ou relativizadas. I.I – A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE PRIMEIRO NÍVEL. A DISCRICIONARIEDADE NO JOGO POLÍTICO-JURÍDICO O primeiro nível de judicialização de políticas públicas pode ser caracterizado como judicialização de políticas públicas stricto sensu, pois nela se discute o mérito da política pública abrangentemente considerada, a discricionariedade parlamentar ou administrativa ou as escolhas políticas de alocação de recursos públicos para atendimento de políticas econômicas ou sociais mais diversas. Carrega, por isso, todo o conjunto de problemáticas específicas que se relacionam à efetivação judicial de direitos fundamentais sociais quando inexistente a necessária regulamentação legislativa²³. Nesse paradigma de judicialização, o direito a prestação que se pretende reconhecer judicialmente não se encontra no raio de política pública efetivamente implementada pelas instâncias políticas. Antes, o que se tem é a identificação de omissão, total ou parcial, administrativa ou legislativa, para a concretização de normas que asseguram direitos sociais de natureza prestacional e a definição judicial do nível de eficácia dessas normas constitucionais. A proteção judicial dos direitos sociais apresenta-se aqui como uma “profunda revisão da institucionalidade das políticas, em seu modo de organização e implementação, e no tipo de relação que se estabelece com os beneficiários”²⁴. Esse nível de judicialização chega a suscitar críticas por consubstanciar uma forma de ativismo judiciário, pois o órgão jurisdicional estaria a determinar a implementação efetiva de direito fundamental, sem considerar a índole programática da norma constitucional ou a necessidade de “providências integrativas de amplo espectro (que vão da formulação de políticas públicas adequadas à sua cabal execução, abrangente de medidas legislativas, administrativas – normativas e não normativas – e orçamentárias)”²⁵. Na judicialização de políticas públicas stricto sensu inexiste, portanto, regulamentação do direito ou definição dos critérios de elegibilidade, de modo que o bem jurídico não se encontra, em tese, disponibilizado por lei aos particulares. Não se pode falar, portanto, em cumprimento dos requisitos legais pelo suposto titular do direito²⁶. Segue daí que, nesse primeiro nível de judicialização, o instrumento processual em que se busca determinada proteção social pode fundar-se na ausência (omissão total) ou na inadequação (omissão parcial) de política pública. Nessa perspectiva, em linha de princípio, a intervenção judicial faz frente a omissões (total ou parcial) inconstitucionais que se imputam aos Poderes Públicos quanto à formulação e implementação das políticas públicas necessárias para a satisfação dos direitos fundamentais sociais. O grau de intervenção judicial nas políticas é, nesse modelo, mais intenso, geralmente materializado no bojo de mecanismos processuais próprios para emissão de provimentos judiciais com alcance mais genérico²⁷. Com efeito, a judicialização de primeiro nível é geralmente realizada em sede de ações coletivas ou outros instrumentos processuais especiais, pelos quais se busca tutelar direitos difusos ou individuais homogêneos que são lesados por omissões inconstitucionais dos Poderes Públicos²⁸. Se o direito social é violado, em tese, porque não se encontra no raio de políticas públicas ou porque inexiste norma regulamentadora a viabilizar seu exercício, a busca da tutela jurisdicional, em situações concretas, pode se realizar pelo mandado de injunção ou pelos instrumentos processuais construídos para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, como a ação civil pública. Também o controle do cumprimento e da realização das políticas públicas pode ocorrer pelas ações constitucionais de controle concentrado de constitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, sendo amplo o rol de legitimados para a sua propositura. Constituem relevantes temas, nesse contexto, (i) a catalogação das especiais ações de índole constitucional para a tutela dos direitos subjetivos, (ii) os mecanismos técnico-processuais das ações coletivas e a sua idoneidade para a tutela dos direitos fundamentais sociais, e (iii) seus efeitos, em termos práticos, para a coletividade interessada. Por outro lado, mesmo para o que se pode considerar como uma típica intervenção judicial em políticas públicas, em que se alcança a análise da obrigação de implementação de determinados direitos sociais, o cidadão pode se valer de ações individuais²⁹. De todo modo, essa espécie de judicialização, fundamentalmente relacionada ao controle jurisdicional da discricionaridade dos outros Poderes quanto às suas ações ou omissões relativas a políticas públicas, enseja problemas menos relacionados com a adequação dos procedimentos e mais conectados com o problema da eficácia e efetividade das normas de direitos sociais e com as implicações relativas à exigibilidade dos direitos sociais como direitos a prestações. Ainda que as decisões que definem políticas públicas sejam marcadas pela indivisibilidade, é plenamente possível o manejo de ação individual para a implementação ou para a correção de uma política pública que tenha efeitos coletivos³⁰, sendo muito comum, ademais, o acesso à justiça para obtenção de direito social, em uma situação concreta, fundado no texto constitucional, por meio de ações estritamente individuais, isto é, aquelas cujo resultado do processo aproveitará apenas ao seu autor³¹. I.II – A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGUNDO NÍVEL. A LEGALIDADE NO JOGO ADMINISTRATIVO O segundo nível de judicialização pode ser caracterizado como uma judicialização de políticas públicas lato sensu. Nesse paradigma de judicialização, o direito social reivindicado é objeto de política pública que se encontra implementada pelas instâncias políticas competentes. O sistema normativo, nesse contexto, já define os critérios de elegibilidade, de modo que o bem jurídico se encontra, em tese, disponibilizado para os particulares que atendam os requisitos legais. Sem embargo, o direito não é satisfeito pelos Poderes Públicos, ou porque se entende não haver comprovação de atendimento dos requisitos legais pelo interessado, ou pela ausência de condições fáticas para adimplir a obrigação jurídica. Segue daí que, nesse nível de judicialização, a ação em que se busca determinada proteção social pode fundar-se em três linhas argumentativas que não são autoexcludentes: (i) a efetiva existência de fatos não reconhecidos pela Administração Pública e que implicam o cumprimento dos requisitos legais: (ii) a ilegalidade de exigência administrativa amparada em ato normativo infralegal que extrapolaria o poder regulamentar, por veicular condições ou requisitos não previstos em lei no sentido formal e material; (iii) a inconstitucionalidade de critério ou elemento constitutivo do critério de elegibilidade estabelecido em lei, por incompatibilidade formal ou material com norma constitucional. Nessas três modalidades argumentativas de demanda judicial de proteção social, não se discute a política pública abrangentemente considerada, mas aspecto pontual de sua implementação que consubstancia errônea interpretação administrativa de fatos ou normas, nos dois primeiros casos, ou inconstitucionalidade do critério adotado pelo legislador, no caso derradeiro. Nessa perspectiva, em linha de princípio, não há omissão imputável aos Poderes Públicos quanto à formulação ou implementação das políticas públicas necessárias para a satisfação dos direitos fundamentais sociais. O que se tem é a violação de direito, em tese, por não cumprimento das regras, por parte da Administração, seja porque avaliou mal os fatos, seja porque editou norma mais restritiva que extrapola a lei, seja porque se amparou em norma legal que é incompatível com a Constituição. Nesse segundo nível de judicialização de políticas públicas, busca-se predominantemente assegurar a fiel realização de política pública já definida por lei e que já corresponde a medidas concretas, porque plenamente regulamentados os direitos sociais. Não se encontra em avaliação, nesse cenário, o exercício da discricionariedade administrativa ou suas escolhas relativas à alocação de recursos públicos e prioridades econômicas, políticas ou sociais. O grau de intervenção judicial nas políticas públicas é, aqui, mínimo, geralmente materializado em determinado caso concreto como resposta a um agir administrativo que, em tese, se encontra em desconformidade com a própria política pública definida pelos poderes democraticamente eleitos. E nem mesmo representa uma judicialização de políticas públicas em sentido estrito a excepcional (i) flexibilização de requisito legal, mediante a adoção de diretrizes hermenêuticas que têm como comum ponto de partida a dissociação ontológica entre texto e norma ou (ii) o afastamento de critério de elegibilidade pela via do controle difuso de constitucionalidade. Com efeito, antes de uma intervenção nas escolhas políticas, o que se tem nesses casos predominantemente é a interpretação das normas jurídicas que integram as políticas públicas e que concretizam os direitos fundamentais. Trata-se, com efeito, de interpretação do conjunto normativo e de sua aplicação, à luz de diretrizes hermenêuticas dos direitos fundamentais e das exigências metodológicas de constituição equitativa da norma para o caso concreto, o que implica ajustamento das normas, gerais e abstratas, às particularidades do problema jurídico em concreto. Desde que a violação a direito social ocorre mediante descumprimento administrativo das normas de Seguridade Social em desfavor de sujeito determinado, a judicialização se expressará, geralmente, por ações estritamente individuais que, em essência, buscam o afastamento de ato concreto dos Poderes Públicos responsáveis pela execução das políticas públicas³². II – DESCONCERTOS DE CATEGORIAS DO PROCESSO CIVIL COMUM NAS DEMANDAS INDIVIDUAIS DE SEGURIDADE SOCIAL Como se viu nas seções anteriores, a judicialização de políticas públicas, em qualquer de seus níveis, pode se realizar por demandas estritamente individuais. A proteção judicial do direito pressupõe, nesses casos, o manejo de instrumentos processuais que são orientados pelas normas do processo civil comum, merecendo análise, desde a perspectiva da garantia dos direitos, a adequação dos procedimentos às particularidades do direito material, enquanto pressuposto do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada. Uma questão particular que se apresenta com a justiciabilidade dos direitos sociais deriva do fato de que grande parte dos instrumentos processuais foi desenhada para conflitos entre indivíduos privados. Essa circunstância pode dificultar, em alguma medida, a adequada proteção judicial dos direitos sociais, “porque em muitos casos esse direitos têm dimensões e projeções coletivas, tema que constitui uma relativa novidade em matéria de procedimentos judiciais”³³. Com efeito, o processo civil é fortemente influenciado pela necessidade de proteção à propriedade, à liberdade e à segurança, direitos próprios do Estado Liberal. É pensado predominantemente para resolver problemas privados, de cunho eminentemente patrimonial³⁴. Como a “preocupação do direito se centrava na defesa da liberdade do cidadão diante do Estado, a uniformidade procedimental e as formas possuíam grande importância para o demandado”, o que se tinha era um “um processo civil insensível” à tutela de novas realidades³⁵, como as especificidades dos direitos fundamentais sociais e dos destinatários das políticas públicas que lhes correspondem. Esses problemas continuam ainda no contexto do Estado Constitucional de Direito³⁶. Desde a inadequação do instituto da coisa julgada, considerada como a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso (CPC, art. 502), vis à vis a não preclusão dos direitos fundamentais de Seguridade Social, enquanto elementos constitutivos do direito à vida e intimamente conectados com o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana³⁷. Também a rigidez dos princípios dispositivo (CPC, art. 2º) e da correlação da sentença ao pedido (CPC, art. 492) é desajustada aos processos de Seguridade Social. Importa reconhecer que a busca de um fazer estatal para a concretização de direito fundamental deve ser compreendida em um sentido amplo, considerando-se as consequências das omissões estatais na análise da posição jurídica mais favorável na via administrativa, a eficácia vinculante dos direitos fundamentais, a assimetria de forças entre as partes e mesmo a vinculação dos Poderes Públicos ao princípio da legalidade³⁸. Igualmente, pode-se apontar o descabimento, aos processos da Seguridade Social, da técnica processual da tutela de urgência de natureza antecipada, na parte que apresenta como pressuposto negativo o perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (CPC, art. 300, § 3º). Isso porque nas lides de Seguridade Social inegavelmente se encontra presente o perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão provisória, porque a parte é economicamente hipossuficiente e os valores, de natureza alimentar, são consumidos para sua manutenção. A exigência desse pressuposto negativo implicaria, em última análise, denegação de justiça, porque inviabilizaria a tutela de urgência nas ações de Seguridade Social³⁹. Por outro lado, a restituição ao status quo ante é inapropriada nos processos de Seguridade Social, pois a reversibilidade dos efeitos fáticos da decisão provisória pode implicar, por exemplo, a necessidade de devolução de valores previdenciários ou assistenciais de natureza alimentar, que se presumem consumidos, ou o dever de indenizar pela “indevida” utilização de fármacos⁴⁰. Como se pode observar, os direitos de Seguridade Social não podem ser tutelados de maneira adequada em um contexto de rigidez de conceitos processuais, sendo vital para as pessoas o manejo de “procedimentos adequados às necessidades das diferentes situações de direito substancial”⁴¹. É necessária, portanto, a elaboração de teste de idoneidade dos institutos, técnicas e categorias processuais, os quais, mercê da eficácia normativa do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, devem ser conciliados às particularidades dos direitos fundamentais de Seguridade Social e de seus destinatários, especialmente quando os bens jurídicos são tutelados em um contexto processual tradicional e não por ações especiais⁴². III – TESTE DE IDONEIDADE DAS NORMAS PROCESSUAIS PARA JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A existência de ações e técnicas processuais para a proteção dos direitos fundamentais sociais é pressuposto para a tutela desses direitos. Não se trata de garantir formalmente o acesso à justiça, mas de se disponibilizar mecanismos processuais hábeis a efetivamente proteger os direitos sociais contra as mais diversas formas de violação. Embora as ações especiais e coletivas constituam meios processuais apropriados para a judicialização de políticas públicas, porque idealizadas para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, elas não exaurem as possibilidades de acesso à justiça para a obtenção de direitos sociais como direito a prestações. É também cabível a propositura de ação individual para o aqui chamado controle de políticas públicas propriamente dito. Mais do que isso, as ações estritamente individuais são ainda o modo mais comum de tutela dos direitos em situações concretas, em manifestação do que foi anteriormente denominado judicialização de políticas públicas lato sensu. As ações individuais são regidas pelas normas do processo civil comum, e a sua aplicação acrítica pode implicar inadequação da tutela jurisdicional de controle de políticas públicas. Os institutos, técnicas e categorias processo civil comum podem ser insuficientes ou inadequadas à efetiva proteção dos direitos de Seguridade Social, porque historicamente presas aos valores das liberdades pessoais ou liberdades negativas, próprios do Estado Liberal. O ajustamento das normas processuais civis às particularidades do direito material da Seguridade Social e de seus destinatários não é apenas necessário, mas possível; devido. A eficácia normativa do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada impõe um teste de idoneidade das categorias do processo civil comum com vistas a uma eventual nova conformação, de modo a se assegurar a efetiva proteção dos direitos fundamentais sociais⁴³. É preciso reconhecer que o processo neutro em relação ao direito material “é incapaz de atender às necessidades de tutela reveladas pelos novos direitos e, assim, de viabilizar o cumprimento do dever estatal de tutela dos direitos, que constitui a essência do Estado contemporâneo”⁴⁴. Nesse contexto, a construção dogmática e judicial de técnicas processuais aderentes ao direito material torna-se indispensável à proteção do direito fundamental substancial e, igualmente, à proteção do direito fundamental processual de acesso à justiça. Não é novidade que a mudança de paradigma em relação ao desenho e à teoria constitucionais, com a transição do Estado Legislativo de Direito para o Estado Constitucional de Direito, permitiu assegurar-se a eficácia jurídica e social das normas (regras e princípios) constitucionais⁴⁵. Mais do que proteger os cidadãos contra violações do direito expresso em leis, alcança maior importância o Poder Judiciário na tutela dos direitos fundamentais, valendo-se de metodologia judicial específica que permite, de um lado, compreender esses direitos fundamentais como hábeis a outorgar pretensões subjetivas, e de outro lado, interpretar as normas jurídicas desde a ótica da proteção e efetivação desses direitos de elevada dignidade. A perspectiva assumida no presente texto se dá no sentido de que os direitos fundamentais, mercê da centralidade que ocupam no sistema normativo, devem ser objeto da mais efetiva proteção e realização. E essa tarefa se impõe não apenas aos Poderes democraticamente eleitos, mas igualmente ao Poder Judiciário, a quem incumbe zelar pelo respeito e pela efetivação da Lei Maior, seja por ação, seja por omissão dos órgãos, instituições e autoridades da República. Por essa razão, não apenas é possível como necessário que o juiz proceda à filtragem das normas processuais civis, tornando-a compatível com as particularidades das lides de Seguridade Social, em que uma pessoa presumivelmente hipossuficiente em termos econômicos e informacionais busca, em face de entidade estatal, a realização de direito fundamental social intimamente ligado às exigências de mínimo existencial e de dignidade da pessoa humana. É necessário anotar que as mais variadas controvérsias relacionadas ao tema da judicialização de políticas públicas têm como pano de fundo os limites de atuação do Poder Judiciário – ou os limites do que se convencionou chamar de ativismo judicial⁴⁶. Também aqui, perceba-se, a problemática concernente à atuação do juiz na tarefa de conciliação das normas processuais civis às demandas de Seguridade Social revela sua total pertinência ao grande tema da judicialização de políticas públicas, provocando reflexões quanto à hermenêutica dos direitos fundamentais e o papel do Poder Judiciário na sua efetiva proteção. IV – POR QUE UMA PROPOSTA DE RELATIVA AUTONOMIA DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO? Ante a exigência de máxima concretização e efetiva proteção dos direitos fundamentais, a sua tutela jurisdicional oferece diversas problemáticas de natureza política, jurídica, social e econômica, porque colocam o Poder Judiciário na rota de interferência nos demais Poderes. Conquanto a adequação dos mecanismos processuais seja exigência do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e garantia necessária para a efetiva proteção judicial dos direitos fundamentais sociais, esse é um tema ainda pouco explorado na temática de judicialização de políticas públicas. No contexto do Estado Constitucional, a proteção dos direitos fundamentais se encontra no centro dos deveres estatais, evidenciando-se a necessidade de uma nova postura dogmática, orientada a analisar criticamente o sistema jurídico e a justificar a necessidade de adaptação de institutos ou técnicas processuais às características particulares dos direitos sociais de Seguridade Social e de seus destinatários. Dada a força vinculante dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, a função jurisdicional deve ser identificada fundamentalmente como modalidade de proteção jurídica assegurada pelo Estado à efetiva realização desses direitos de superior dignidade. Se é correto afirmar que a judicialização de políticas públicas é geralmente associada ao manejo de ações constitucionais e outros meios processuais coletivos, também é certo reconhecer que as ações exclusivamente ‐ individuais constituem meio hábil de acesso à justiça, seja para revisão das políticas públicas abrangentemente consideradas (judicialização stricto sensu, conforme aqui proposto), seja para a revisão de ato administrativo (judicialização lato sensu, segundo o mesmo critério). As ações em que se discute o direito a um bem da vida previdenciário apresentam singular configuração, de modo que as normas e institutos do direito processual civil clássico, que são elaborados desde uma perspectiva privatística, podem conduzir esse específico campo de problemática a soluções jurisdicionais inadequadas. Nada obstante, a eficácia normativa do devido processo legal, de dignidade constitucional, estabelece uma condição de pertinência, segundo a qual as normas do processo civil comum somente serão aplicadas às causas previdenciárias se, quando e na medida em que superarem um filtro de adequação. Essa mesma norma constitucional é o fundamento para que sejam supridas as insuficiências normativas relativas à necessidade de disciplina específica para o processo previdenciário. A lide previdenciária apresenta singularidades que justificam, em certa medida, a condução do direito processual a partir de critérios outros que não os previstos pelo processo civil comum. Desenvolvemos nos dois primeiros capítulos deste livro um esforço para demonstrar a necessidade de reconhecimento e as diretrizes normativas específicas para as lides de proteção social. É certo que os fundamentos normativos do processo previdenciário se encontram nas disposições processuais civis – para além daquelas de dignidade constitucional, evidente. Para determinados problemas tipicamente previdenciários, porém, as normas do processo civil oferecem respostas insuficientes ou inadequadas, e isso porque não levam em conta a singularidade da lide previdenciária, subestimam as características dos sujeitos da relação processual e desconsideram as exigências particulares do direito material previdenciário, o qual detém a natureza de direito humano e fundamental. É preciso destacar que o objeto de nosso estudo é, em princípio, a problemática de proteção social concernente ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS, no âmbito judicial. É certo que muito do que é discutido nesta Parte poderá ter aplicabilidade em caminhos que não podemos hoje calcular. Quando nos referimos ao processo previdenciário, adotando como referente as características elementares da lide previdenciária, temos em consideração as causas em que se discute o direito a um bem previdenciário devido, em tese, pela Previdência Social, gerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS⁴⁷. Pelas semelhanças encontradas entre a lide previdenciária e a que versa sobre o direito ao benefício assistencial, pode-se dizer que estas últimas se encontram abrangidas pelo processo previdenciário. Por deter a mesma natureza – de direito humano e fundamental, com vistas à proteção da vida humana – que o direito à saúde, pode-se aceitar que as variações normativas aqui propostas sejam aplicáveis também aos litígios envolvendo este último direito social. Em maior ou menor grau, as diretrizes que informam nosso processo previdenciário podem ou devem servir de parâmetro para as causas em que se discute o direito previdenciário do servidor público em face de Regime Próprio de Previdência Social. As problemáticas aqui enfrentadas são, todavia, aquelas tipicamente vivenciadas na dinâmica da Previdência Social do RGPS e, de modo especial, no âmbito judicial. Nesse sentido, o presente trabalho propõe uma especialização. Mas, ao mesmo tempo, reconhece-se que os problemas previdenciários de natureza material ou processual não serão resolvidos unicamente a partir dos critérios que informam estes ramos do saber. Se por um lado a qualificação de um direito processual como próprio ao domínio previdenciário pode representar uma especialização, há necessidade de se registrar desde logo nosso pensamento de que o conhecimento esquadrinhado do direito previdenciário não se basta. Para melhor compreensão, é preciso reconhecer em outros ramos do saber suas potencialidades de nos levar ao conhecimento. O Direito, por si só, não encontra respostas para a solução de muitos dos conflitos sociais. A cada dia o operador jurídico se vê frente a questões que compreendem objetos transversais, pertencentes a distintos ramos do saber. Não se pode desconsiderar, portanto, a produção de conhecimento oferecida pela economia, pela psiquiatria, pela sociologia e filosofia. A tendência de redução do objeto do conhecimento a princípios exclusivos do Direito faz com que a justiça saia torta, dada a absoluta falta de possibilidade de compreensão do todo. O reducionismo conduz à superficialidade e este constitui um grande desafio ao operador jurídico e, por conseguinte, ao direito como instrumento de pacificação social. Não é por acaso que a presente obra buscará justificações no direito processual penal, no direito processual do trabalho, no direito administrativo e que tem como elemento nuclear o sistema constitucional. Mais do que isso, este livro é permeado pelo pensamento de que o próprio direito não nos basta. Para melhor compreensão do fenômeno jurídico, é indispensável o auxílio de outras áreas de conhecimento. A presente Parte, aliás, testemunha nosso pensamento, na medida em que nos socorremos fundamentalmente dos trabalhos sociológicos de Boaventura de Sousa Santos e Michael Löwy e da filosofia hermenêutica gadameriana. Este trabalho deve ser entendido, pois, como um esforço de sistematização de saber específico, mas sem que, para tanto, se renuncie ao significado das demais disciplinas jurídicas e de outros ramos do saber. V – HUMANISMO, CONSTITUCIONALISMO E PROCESSO Fundada na dignidade da pessoa humana, a Constituição assume como fundamentais diversos objetivos de que somente tem sentido falar a partir de uma perspectiva que visualize a fundamentalidade dos direitos sociais, que desde sua emergência constituem objeto de intensos debates ideológicos. Embora a Constituição da República consagre como princípios fundamentais da ordem social a justiça e o bem-estar sociais, a discussão acerca do que se considera uma sociedade justa consubstancia verdadeiro campo de batalha entre diversas perspectivas analíticas da teoria política normativa. Ainda que a perspectiva individual do que se considera justo não deva resultar esvaziamento judicial dos direitos fundamentais sociais, é extremamente importante para a efetivação da proteção social que ela seja percebida como justa, equitativa e eticamente aceitável⁴⁸. É necessário compreender a justiça social na perspectiva do princípio do Estado Social e reconhecer que toda política social tem como elemento constitutivo a justiça distributiva. Os direitos sociais de proteção prestam-se à igualdade, assegurando muito mais do que o suprimento das necessidades animais de subsistência⁴⁹. Para se realçar a importância do direito à segurança social não é raro o apelo ao argumento de que ela busca atender à “liberdade básica de sobreviver”, combatendo a subnutrição que pode afetar um universo de pessoas vulneráveis e prevenindo que elas passem a vida lutando contra uma doença evitável⁵⁰. Mas esse argumento corresponde apenas a uma parcela do escopo da proteção social. Para além disso, há uma pretensão de se reconhecer o respeito pela dignidade humana, conferindo-lhe os recursos necessários – dinheiro, serviços de saúde, reabilitação, reeducação – para sua proteção e integração comunitária. Há um propósito genuinamente constitucional em romper a lógica da dependência e da passividade da pessoa auxiliada pelos esforços sociais⁵¹. Para isso, é indispensável reconhecer na proteção social seu papel constitutivo de um desenvolvimento alcançado pela expansão de liberdades substantivas, as quais incluem capacidades elementares que irão contribuir para a capacidade geral de a pessoa viver com mais liberdade, objetivo primordial do desenvolvimento e seu principal meio⁵². Não é suficiente que esses direitos sejam previstos na Constituição e tampouco basta outorgar à pessoa vulnerável uma qualquer jurisdição social. É necessário prestar jurisdição com justiça, de modo vinculado à Constituição e à realização do direito fundamental de proteção social em toda a sua extensão. Para isso deve-se contextualizar as coisas, compreendendo-se o ser humano necessitado em seu acumulado déficit de bem-estar e a política social em seu objetivo constitucional de fazê-lo realmente independente. A crescente afirmação do Poder Judiciário na concretização dos direitos fundamentais sociais passa por um olhar crítico para o paradigma processual do modelo liberal-individualista. A percepção de que na contemporaneidade importa sobremaneira a efetiva realização dos direitos coloca em questão o dever de proteção dos direitos fundamentais mediante o exercício da função jurisdicional⁵³. Percebe-se, contudo, uma inteira diferença ao surgimento de novos ramos do direito, de direitos novos e inovadores, que são maltratados por uma concepção processual de teleologia civilista⁵⁴. Corolário dessa distorção, os problemas mais intrincados da tutela jurisdicional de proteção social culminam por encontrar soluções incongruentes que esvaziam, ainda que parcialmente, o conteúdo do direito material que se busca satisfazer. O presente esforço teórico é apoiado em uma concepção de que a supremacia da Constituição investe a ciência jurídica não apenas de uma função descritiva, senão crítica e construtiva em relação ao seu objeto: “[...] crítica em relação às antinomias e às lacunas da legislação vigente em relação aos imperativos constitucionais, e construtiva relativamente à introdução de técnicas de garantia que se exigem para superá-las”⁵⁵. O conceito de proteção social pode ser compreendido a partir da distinção entre dois grandes tipos de proteção: a proteção civil e a proteção social. A primeira garante as liberdades fundamentais e assegura os bens e as pessoas no contexto de um Estado de Direito. A última oferece cobertura contra os principais riscos suscetíveis de gerar uma degradação da situação dos indivíduos. A insegurança social consiste em o indivíduo estar à mercê de eventos que comprometem sua capacidade de assegurar, por si próprio, sua independência social. Com efeito, os chamados riscos sociais – como a doença, o acidente, o desemprego, a cessação de atividade em razão da idade, a miséria daquele que não pode mais trabalhar – colocam em questão o pertencimento social do indivíduo que somente pode tirar do seu salário os meios de subsistência⁵⁶. A vulnerabilidade dos indivíduos em face dos riscos sociais reclama a elaboração e implementação de políticas públicas de segurança social. Essas políticas públicas consubstanciam ações coordenadas de proteção dos indivíduos frente aos diferentes estados de necessidade, assegurando-lhes condições dignas de subsistência em meio a tais adversidades⁵⁷. Para o presente estudo, a noção de proteção social corresponde aos mecanismos institucionais que são articulados para reduzir e superar os riscos sociais, assegurando, de modo universal, segurança econômica contra as circunstâncias inevitáveis que afetam a subsistência e o bem-estar dos indivíduos e suas famílias. Essa noção aproxima-se, portanto, da principal política de proteção social consagrada constitucionalmente, a Seguridade Social (CF/88, art. 194)⁵⁸. Os direitos de proteção social – que, para os fins do presente trabalho, têm seu núcleo, portanto, nos direitos à saúde, à Assistência e à Previdência Social – constituem direitos fundamentais por excelência⁵⁹. A ideia de proteção social é intimamente vinculada aos princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e de justiça social. Enquanto política social, isto é, política pública voltada para a concretização de direito social, a Seguridade Social tem como elemento constitutivo a igualdade material, guardando potencialidade de propiciar subsistência digna com desenvolvimento humano e social. Mas esse constitucionalismo social não será jamais realizado se a segurança social se operar apenas de modo parcial e, portanto, insuficiente⁶⁰. Em razão da eficácia normativa do direito fundamental ao processo justo⁶¹ e da fundamentalidade dos direitos de proteção social, a legitimidade da função jurisdicional encontra-se vinculada à plena realização desses direitos fundamentais. Com efeito, “ou a Constituição vale como um todo, vinculando todos os poderes públicos, ou nada vale”, de modo que “não se pode conceber Constituição destituída da pretensão de efetivar-se. Esta pretensão deixa o intérprete comprometido, desde logo, com soluções interpretativas que resguardem a força normativa do comando constitucional”⁶². O âmbito da atuação jurisdicional é, talvez, onde mais significativamente repercute essa força especial dos direitos fundamentais, caracterizada, ‐ basicamente, pela combinação do caráter hierarquicamente superior das normas jusfundamentais, com a sua aplicabilidade imediata, que torna legítimas todas as soluções compatíveis com elas, independentemente de texto legal (infraconstitucional)⁶³. Pela eficácia normativa do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV) e, mais especificamente, do direito fundamental a uma ordem jurídica justa (CF/88, art. 5º, XXXV), exige-se que a jurisdição de proteção social, tanto quanto seja necessário à satisfação do direito material, se opere sem a adoção absolutamente vinculante dos institutos do processo civil clássico⁶⁴. É justamente a necessidade de alinhamento da função jurisdicional às particularidades da pretensão de direito material que justifica a afirmação de princípios processuais que, oferecendo coerência material às decisões judiciais, propicie resposta adequada às exigências do direito fundamental ao processo justo e se preste ademais como efetivo instrumento de tutela dos direitos fundamentais de proteção social. Em outras palavras, a incompletude ou inadequação da dogmática processual civil para a satisfação dos direitos fundamentais sociais constitui a premissa de que parte a proposta de relativa autonomia do direito processual de proteção social em relação ao direito processual civil clássico. Uma última nota introdutória a esta Parte do texto: mais do que exaurir as possibilidades de discussão sobre os inúmeros problemas processuais ligados à proteção social, a pretensão primeira foi de demonstrar a necessidade de os feitos previdenciários serem observados com um novo olhar, isto é, pela perspectiva do direito processual referido pelo direito material e pela perspectiva do método – que se pensa mais – adequado ao direito processual previdenciário. Nesse sentido, mais do que propor a solução de vários problemas, pretendeu-se municiar o leitor para que ativamente participe da tarefa permanente de construção do direito processual previdenciário. As propostas lançadas nesta Parte – e no restante do livro – devem ser percebidas como fruto de nossa atual compreensão sobre o tema. Ainda que em alguns momentos a argumentação sugira uma convicção inabalável, nada há aqui de invariável; felizmente, como veria François Jacob: Não é somente o interesse que leva os homens a se matarem. É também o dogmatismo. Nada há de tão perigoso quanto a certeza de ter razão. Nada causa tanta destruição quanto a obsessão de uma verdade considerada absoluta. Todos os crimes da história são consequências de algum fanatismo. Todos os massacres foram realizados por virtude, em nome da religião verdadeira, da política idônea, do nacionalismo legítimo, da ideologia justa; numa palavra, em nome do combate contra a verdade do outro, do combate contra Satã⁶⁵. 1.1 PREMISSAS METODOLÓGICAS A atuação jurisdicional não deve resignar-se à concepção metodológica que lhe impõe um papel insignificante no desenvolvimento do Direito e na afirmação de sua fundamentação ética. O problema fundamental da metodologia jurídica contemporânea é o de estabelecer critérios adequados para a aplicação do Direito no caso concreto e, nesta arena, é necessário considerar o pensamento de que o Direito não é (não é Direito) sem se manifestar na prática e como uma prática⁶⁶. Não se deve compreender o Direito como um sistema de normatividade jurídica, em uma perspectiva eminentemente teórica. A concepção normativista apresenta uma visão estritamente dogmática do Direito. Deixando de perceber a decisão judicial como uma atividade realizadora do Direito, pretende estabelecer, com exatidão e de uma vez por todas, o sentido ou o significado de todos os termos jurídicos de maneira que faça possível realizar um raciocínio tão estrito como aquele que tem lugar no modelo matemático⁶⁷. O normativismo busca “exprimir uma legalidade prescrita e [...] manifestar a verdade de uma dogmática simplesmente reprodutivo-conceitualista ou reprodutivo-analítica”⁶⁸. Se a norma jurídica goza da primazia em relação ao caso concreto, não interessam os resultados de sua aplicação no-mundo-em-que-vivemos. A superação do formalismo positivista deve-se dar, portanto, com a reabilitação metodológica do caso concreto – e suas exigências de justiça – na problemática da interpretação da norma. É necessário reconhecer que o ato judicial decisório não corresponde à mera aplicação da lei, mas à realização do Direito. E, de fato, as prescrições jurídicas não são interpretadas na realização do Direito senão por meio de uma dialética “entre a sua intencionalidade normativa e a realidade problemático-decidenda (os casos concretos decidendos) que inteiramente lhes recusa o ‘platonismo de regras’”, segundo o qual “as prescrições jurídicas são, por um lado, entidades autossignificantes ou contêm como um ‘em si’ a sua significação e, por outro lado, predeterminam a sua própria aplicação, no sentido de que a sua significação é critério único e decisivo da sua aplicação ou de que conhecer a significação é condição suficiente para essa aplicação”⁶⁹. Nessa dialética – entre intencionalidade normativa e realidade do caso concreto – é que “se traduz verdadeiramente a interpretação como momento daquela realização e em que as prescrições veem afinal constituída a sua significação e o seu sentido juridicamente decisivos”⁷⁰. Como fenômeno ético, o Direito terá sua compreensão determinada apenas diante do caso concreto, quando de sua final constituição. Por essa razão é que se fala de uma constituição equitativa da norma no caso concreto⁷¹. Na perspectiva assumida neste texto, o pensamento jurídico é chamado a resolver problemas práticos (pensamento jurídico como pensamento ‐ judicativo-decisório). Para tanto, deve colocar ênfase nas exigências de justiça do problema concreto e orientar-se por princípios normativos e seus fundamentos axiológicos (os valores que lhe justificam). A partir desse ponto de vista, logra-se perceber a largueza do direito fundamental a um processo justo, como manifestação da cláusula constitucional da proteção judicial (CF/88, art. 5º, XXV). Também é deste terreno que se poderá perceber a necessidade de se considerar a relativa autonomia do direito de proteção social em relação ao direito processual civil clássico. Anote-se por fim que, em função do elevado número de problemas processuais ligados às lides relativas ao Direito da Previdência Social, o presente trabalho opera um recorte epistemológico, emprestando ênfase à processualidade tipicamente previdenciária. Muito do que se sustentará, todavia, relativamente à necessidade de normatividade específica do direito previdenciário, guarda pertinência igualmente aos direitos ligados à Assistência Social e à Saúde. 1.2 A EFICÁCIA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS As normas de estatura constitucional gozam de superioridade jurídica, de maneira que nenhum ato jurídico pode subsistir se com ela for incompatível. Por força do princípio da supremacia da Constituição, as normas constitucionais situam-se no ápice do ordenamento jurídico e se prestam como fundamento de validade de todas as demais, e bem assim como diretriz a ser necessariamente observada por toda atividade estatal. Mais especificamente, dada a força vinculante dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, a função jurisdicional deve ser identificada fundamentalmente como modalidade de proteção jurídica assegurada pelo Estado à efetiva realização desses direitos de superior dignidade⁷². Corolário lógico da supremacia da Constituição é o princípio da efetividade das normas constitucionais. A prática jurídica consigna a elas atenção, já que dão tom ao agir do Poder Público e delineiam como devem se desenvolver as relações sociais. Por razões de política legislativa, algumas normas constitucionais carecem de concretização legislativa. Todavia, a inexistência de enunciados expressos decorrentes da interposição do legislador não autoriza a inobservância das normas constitucionais que originariamente já dispunham de efetividade normativa e, por isso, já asseguravam direitos cujo conteúdo é definido no caso concreto. É importante perceber que a “ideia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos”, de modo que todas as normas constitucionais, porque jurídicas, “tenham caráter imediato ou prospectivo, não são opiniões, meras aspirações ou plataforma política”⁷³. A circunstância de os princípios deterem estrutura lógica diversa das regras não retira a eficácia dessas normas, de modo que mesmo prescrições que mais se assemelham à mera expressão de valor são consideradas normas jurídicas e pretendem efetivar-se, pois, “ou a Constituição vale como um todo, vinculando todos os poderes públicos, ou nada vale”⁷⁴. Nessa linha de pensamento se encontra o consagrado ensinamento de que, “Dado que a Constituição pretende ver-se atualizada e uma vez que as possibilidades e os condicionamentos históricos dessa atualização modificam-se, será preciso, na solução dos problemas, ser dada preferência àqueles pontos de vista que, sob os respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de efeito ótima”⁷⁵. Especificamente em relação aos direitos fundamentais, releva anotar sua aplicabilidade imediata, disposta pelo art. 5º, § 1º, da Constituição da República, bem como a necessidade de sua efetivação em nosso Estado Constitucional de Direito. E, como o direito à proteção judicial encontra-se catalogado como fundamental⁷⁶, tal norma se reveste de eficácia vinculante e de aplicabilidade imediata. Sendo assim, em toda atuação jurisdicional e independentemente de qualquer disposição expressa de lei⁷⁷, deve o órgão jurisdicional emprestar “força de efeito ótima” a essa norma constitucional, tornando realidade o direito à proteção judicial, cujo conteúdo é analisado adiante. Afinal, “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição”⁷⁸. No âmbito da atuação jurisdicional é, com efeito, onde mais significativamente repercute essa força especial dos direitos fundamentais, caracterizada, basicamente, pela combinação do caráter hierarquicamente superior das normas jusfundamentais, com a sua aplicabilidade imediata, que torna legítimas todas as soluções compatíveis com elas, independentemente de previsão legal (infraconstitucional)⁷⁹. 1.3 O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA – OU O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO O direito a uma adequada tutela jurisdicional significa o “direito a um processo efetivo, próprio às peculiaridades de pretensão de direito material de que se diz titular aquele que busca a tutela jurisdicional”⁸⁰. Consoante o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, “a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em contrapartida à vedação da autotutela, a todos é garantido o direito de invocar a proteção jurisdicional, de monopólio estatal, o que equivale dizer que ninguém será impedido de pedir providências ao Judiciário com base em exigências formais ou econômicas. O princípio da proteção judicial, denominado também princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou de princípio do monopólio de jurisdição, é considerado, ao lado de vários direitos fundamentais assegurados a quem litiga em juízo, como desdobramento ou extensão do “devido processo legal”. CF/88 – Art. 5º [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Ao contrário do que uma rápida leitura possa sugerir, o conteúdo dessa garantia de acesso à justiça não se restringe a possibilitar o exercício do direito de ação e obtenção de resposta do Poder Judiciário. Com efeito, a doutrina processual há décadas vem expressando que o art. 5º, XXXV, da Constituição da República consagra um direito à adequada e efetiva tutela jurisdicional. Uma leitura mais moderna desse dispositivo oferece a concepção de que a referida norma constitucional, mais do que garantir o direito de ação, assegura um acesso efetivo à justiça. Com efeito, não teria cabimento entender [...] que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado como uma garantia fundamental de justiça⁸¹. Quando se tem em consideração a evolução da noção de acesso à justiça, percebe-se que a amplitude desse direito fundamental ainda está por ser inteiramente compreendida: A primeira onda desse movimento novo foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à justiça”, porque inclui os posicionamentos anteriores mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo⁸². Como se verifica, o direito de acesso, porque derivado do devido processo legal, implica exigências de uma justiça acessível aos carentes, ágil na proteção dos direitos individuais ou difusos, e eficaz para tornar realidade, no plano dos fatos, as composições que resultam da atividade jurisdicional. Há, de fato, a promessa e o dever estatal de celeridade nos processos administrativos e judiciais, o que se pode extrair, de modo claro, da norma contida no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”)⁸³. Segue daí a imposição constitucional de que o órgão jurisdicional promova um exercício de compatibilização, a todo tempo e em cada caso sob exame, das normas processuais com o direito fundamental de acesso à justiça, mais bem compreendido como o direito fundamental a uma tutela jurisdicional adequada e tempestiva. Afinal, é de se reconhecer que [...] no âmbito da atuação jurisdicional é, talvez, onde mais significativamente repercute essa força especial dos direitos fundamentais, caracterizada, basicamente, pela combinação do caráter hierarquicamente superior das normas jusfundamentais, com a sua aplicabilidade imediata, que torna legítimas todas as soluções compatíveis com elas, independentemente de texto legal (infraconstitucional)⁸⁴. Nessas condições é que o princípio da proteção judicial tem sua amplitude reconhecida para assegurar, em face do Poder Judiciário, o envolvimento de seus agentes no propósito de melhor distribuir justiça, renovando as palavras de Chiovenda de que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”⁸⁵. Esse postulado da “máxima coincidência possível”, na denominação de Barbosa Moreira, traduz-se “na necessidade de que o resultado do processo judicial corresponda, o máximo possível, à atuação espontânea do ordenamento jurídico”⁸⁶, aproximando-se, deste modo, ao efeito que manifestaria o cumprimento espontâneo da obrigação, pela parte considerada devedora. Além disso, a boa administração da justiça recomenda soluções que tornem efetivo o dispositivo constitucional inscrito no art. 5º, LXXVIII, que garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Assim, o princípio da proteção judicial (CF/88, art. 5º, XXXV e LXXVIII) se manifesta, no processo judicial, como exigência de aceleração, de instrumentalidade e de efetividade, nele se compreendendo a necessidade de se interpretar o sistema processual de modo que, a todo tempo, propiciem-se condições para uma resposta jurisdicional adequada às diferentes circunstâncias oferecidas pelo direito material e pelos dados do mundo. Cumpre afirmar que, em se emprestando eficácia ótima ao direito fundamental de tutela jurisdicional adequada, revelam-se admissíveis diversas providências tendentes a tornar concreta a aludida garantia constitucional, ainda que não previstas expressamente no sistema processual. É também na perspectiva do direito fundamental ao processo justo que se afirma que as normas e os institutos do direito processual civil clássico somente deverão reger uma lide previdenciária quando as consequências de sua aplicação sejam com ela compatíveis, isto é, quando não oferecerem resultados inaceitáveis ou desproporcionais, especialmente diante da natureza do bem da vida que se encontra em discussão (autêntico direito humano e fundamental intimamente conectado ao mínimo existencial e à dignidade humana). 1.4 DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA E EFETIVA E A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A REALIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO SOCIAL O reconhecimento da relativa autonomia do direito processual previdenciário em relação ao processo civil clássico emana, de um lado, da eficácia normativa e vinculante do direito fundamental ao processo justo e, de outro lado, da singularidade das ações em que o direito material que se busca satisfazer corresponde a uma prestação previdenciária. Mais especificamente, a lide previdenciária apresenta singular configuração e, por isso, deve orientar-se pela eficácia normativa do devido processo legal, o qual, mercê de sua dignidade constitucional, prevalece sobre as disposições processuais civis que ofereçam resposta inadequada ao processo previdenciário, tanto quanto pode suprir eventual ausência ou insuficiência de disciplina legal. O que se pretende com o reconhecimento de uma normatividade específica para o direito processual previdenciário é a realização práticojurisprudencial do ideal constitucional de um processo justo, isto é, um processo orientado por atuação jurisdicional que leve em conta as particularidades da lide que se apresenta à solução judicial. Ainda que o legislador ordinário desconsidere, ao menos em parte, a necessidade de disciplina específica para o processo previdenciário, o órgão jurisdicional competente, mercê da eficácia vinculante do direito fundamental ao processo justo e do feixe de normas jusfundamentais que derivam devido processo legal (dimensão substancial), guarda o dever de suprir a insuficiência ou de afastar a inadequação das normas do processo civil clássico nas lides previdenciárias. As características particulares do fenômeno previdenciário – que se estendem para o âmbito processual – exigem uma específica disciplina normativa. Não é, porém, a existência de um complexo de normas processuais bem ordenadas que evidencia o sistema processual previdenciário⁸⁷. Antes, são as questões específicas que emergem em uma lide tipicamente previdenciária que demonstram a insuficiência do processo civil clássico e apontam para a necessidade de uma normatização própria, fundada no direito constitucional ao processo justo. As singularidades da lide previdenciária, percebidas fundamentalmente nos sujeitos da relação processual e na natureza do objeto do litígio, evidenciam a inadequação de certas disposições do processo civil clássico para regramento da relação jurídica previdenciária em juízo. A fim de justificar certo desprendimento da normatividade engendrada no seio do processo civil comum, não se pretende realizar exame exaustivo de todas as particularidades processuais que atenderiam mais eficazmente o direito material previdenciário. Antes, o objetivo é o de perseguir na singularidade da lide previdenciária o tratamento constitucionalmente adequado e os novos parâmetros ou caminhos que nos conduzem a esse processo diferenciado. 1.5 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO – A NATUREZA DO OBJETO DA LIDE Entre as particularidades que conformam a singularidade da lide previdenciária encontra-se a fundamentalidade de um bem jurídico previdenciário, isto é, sua natureza alimentar correspondendo a um direito individual de relevância social fundamental. O direito material cuja satisfação se pretende no processo previdenciário é um bem de índole alimentar, um direito humano fundamental, um direito constitucional fundamental. Um bem jurídico previdenciário corresponde à ideia de uma prestação indispensável à manutenção do indivíduo que a persegue em juízo. Essa primeira noção é reconhecidamente basilar, mas extremamente importante: uma prestação previdenciária tem natureza alimentar; destina-se a prover recursos de subsistência digna para os beneficiários da Previdência Social que se encontrem nas contingências sociais definidas em lei; destina-se a suprir as necessidades primárias, vitais e presumivelmente urgentes do segurado e às de sua família, tais como alimentação, saúde, higiene, vestuário, transporte, moradia etc. O que está em jogo em uma ação previdenciária são valores sine qua non para a sobrevivência de modo decente. É o direito de não depender da misericórdia ou auxílio de outrem. O direito à Previdência Social é um direito humano fundamental. Não é vão lembrar que a proteção previdenciária corresponde a um direito intimamente ligado às noções de mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. Ao referir a existência de normas de proteção social em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é curial reconhecer que, nada obstante a diversidade de nações e de culturas, a preocupação com os estados de necessidade é ínsita à percepção de que a humanidade é o valor dos valores. A Seguridade Social, enquanto meio de tutela da vida humana em situações de risco de subsistência, é um instrumento de salvaguarda desse valor de singular importância. Em matéria de proteção social, antes da Constituição de 1988, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, e ratificada pelo Brasil na mesma data, já dispunha em seu art. XXV: 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias ora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. Todavia, a obrigatoriedade jurídica de observância dos direitos previstos na Declaração Universal de 1948 só se operou em 1966, com a elaboração do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais⁸⁸. Após a Constituição da República, o Brasil ratificou (24.01.1992) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que havia sido adotado pela ONU em 16.12.1966⁸⁹. Em seu art. 9º, é reconhecido o direito de toda pessoa à Previdência Social, inclusive ao seguro social⁹⁰. A expressão da dignidade humana não será aperfeiçoada sem um esquema de proteção social que propicie ao indivíduo a segurança de que, na hipótese de cessação da fonte primária de sua subsistência, contará com proteção social adequada. Quando discutimos em juízo o direito a um benefício previdenciário, não é demais recordar, estamos em face de uma sensível questão: o autor alega fazer jus a direito de elevada magnitude. Dizer-lhe que não detém o direito invocado é recusar-lhe o gozo de direito fundamental aos meios de subsistência em situação de adversidade. E esse direito não perde tal natureza ainda que as causas se multipliquem ou ainda que a máquina judiciária se encontre congestionada. O sofrimento humano não pode ser banalizado. O direito à proteção previdenciária é, com efeito, um direito constitucional fundamental. Sua fundamentalidade não decorre apenas de uma determinação topológica, pelo fato – importante, reconheça-se – de a Previdência Social estar expressa na Constituição da República como um direito social inscrito no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (CF/88, art. 6º). Em uma estrutura assentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) e com objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), de erradicação da pobreza e a marginalização, e de redução das desigualdades sociais e regionais (CF/88, art. 3º, III), parece lógico que um sistema de proteção social seja uma peça necessária. Pretende-se dizer com isso que não apenas a partir de uma perspectiva individual, senão igualmente a partir de uma perspectiva institucional, isto é, dos objetivos primeiros a que nossos arranjos institucionais devem necessariamente confluir, faz-se indispensável um sistema de Seguridade Social e, mais especificamente, um sistema previdenciário adequado. Aliás, emprestar consideração social ao trabalho (CF/88, art. 1º, IV) é entregar ao trabalhador recompensa em termos sociais, a devolutiva dos reflexos sociais de seu trabalho. Os efeitos constitucionais de bem-estar e justiça sociais passam por esse caminho (CF/88, art. 193). Certamente que a Seguridade Social se devota em primeiro lugar ao indivíduo. Mas não é só isso. Se o indivíduo é uma parte constitutiva do todo que é a sociedade e se esta é resultante da congregação de indivíduos, entre ambos se estabelece uma relação recíproca de dependência, de modo que o que atinge a sociedade atinge também o indivíduo e o que prejudica o indivíduo se reflete na sociedade. A partir dessa noção elementar, infere-se que a sociedade não poderá deixar de ser perturbada na sua integridade quando qualquer de seus membros sofrer o ataque de uma contingência que lhe ameace a subsistência. Na clássica lição de Armando de Oliveira Assis, “quando menos, o infortúnio dos indivíduos causará enfraquecimento na sociedade. Por isso, deve esta velar pela segurança de seus componentes e satisfazer às suas necessidades eventuais por duas razões: 1ª) como um gesto de autossobrevivência; 2ª) pelos deveres precípuos que lhe tocam”. Em outras palavras, “o perigo que ameaça o indivíduo se transfere para a sociedade, ou por outra, se ameaça uma das partes componentes do todo, fatalmente ameaçará a própria coletividade, o que faz com que as necessidades daí surgidas, além, e acima de serem apenas do indivíduo, se tornem igualmente necessidades da sociedade”⁹¹. O direito à Previdência Social é um direito constitucional fundamental e temos de reconhecer, assim, que a negação de tal direito em juízo pode conduzir a graves consequências humanas e sociais⁹². Eis a particularidade do bem da vida discutido em uma lide previdenciária: geralmente constituindo uma relação jurídica de trato sucessivo, ele é presumivelmente imprescindível para a subsistência digna do indivíduo. Destina-se à preservação da vida de um modo digno, sem destituições indevidas ou privações persistentes⁹³. Quanto a esse aspecto pode-se ponderar que também no direito do trabalho ou nas ações de alimentos o objeto da lide tem caráter alimentar. Diferentemente do direito trabalhista, porém, o bem jurídico previdenciário carrega a ideia de que o indivíduo tem necessidade imediata dos valores de subsistência, porque se encontra em tese cercado por contingência social prevista em lei. É certo que isso não se opera quando o autor da ação previdenciária se encontra no exercício de uma atividade que possa lhe garantir a subsistência e desenvolvimento. Na maior parte das vezes, porém, por razões alheias à sua vontade, o segurado ou dependente da Previdência Social e, especialmente, o pretendente ao benefício mínimo da Assistência Social (Lei 8.742/93, art. 20) encontram-se destituídos de recursos alimentícios e sem condições reais de desempenhar uma atividade remunerada (“vender sua força de trabalho”). De mais a mais, pela singularidade da relação trabalhista, as partes servem-se de um processo do trabalho específico. De outra parte, a ação de alimentos é edificada sobre institutos que lhes são próprios (Lei 5.478/68), tendo como nota marcante de eficácia a possibilidade de prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (CF/88, art. 5º, LXVII; CPC/1973, art. 733, § 1º; CPC/2015, art. 528, § 3º; Lei 5.478/68, art. 19). Distingue-se da lide previdenciária porque nesta, como se viu anteriormente, se encontra no polo passivo uma entidade pública e o conteúdo da demanda correspondente a um direito social fundamental. De qualquer sorte, mais do que caracterizar a lide previdenciária com exclusão de todas as demais, a natureza alimentar do benefício previdenciário, tanto quanto seu caráter de direito fundamental, é apenas um de seus elementos caracterizadores. Se não o discrimina de todos os demais ramos do direito, ao menos torna possível nos aproximarmos da singularidade previdenciária e de sua importância fundamental para o indivíduo, importância esta que, insista-se, não se dilui pela multiplicidade de litígios semelhantes. Mais do que isso, a identificação de tal natureza do direito material é também relevante quando parte da perspectiva de que o processo deve ser “bem aderente ao direito material”, ajustando-se “à peculiaridade e à exigência da pretensão material”⁹⁴. O que estamos sustentando, afinal, é a antiga e contundente ideia de que o “texto constitucional, em sua essência, assegura uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça”⁹⁵. 1.6 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO – OS SUJEITOS DO PROCESSO Os outros elementos que emprestam tipicidade à lide previdenciária encontram-se nos sujeitos da relação processual. Os três elementos que figuram na relação jurídica processual são o autor, titular do direito de ação, o réu, supostamente violador de um direito material, e o juiz. A relação jurídica processual previdenciária é caracterizada pelo desequilíbrio entre as partes. Nesse sentido, verifica-se, de um lado, uma presumível hipossuficiência econômica e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da Previdência Social. Mais do que, deve-se perceber uma suposta contingência que ameaça a sobrevivência digna dessa pessoa que pretende a prestação previdenciária. De outro lado, releva notar o caráter público do instituto de previdência que assume o polo passivo da demanda. Vejamos isso com mais vagar. O autor de uma ação previdenciária é presumivelmente hipossuficiente. Trata-se de uma hipossuficiência econômica e informacional, assim considerada a insuficiência de conhecimento acerca de sua situação jurídica, seus direitos e deveres. Em face da grande complexidade dos mecanismos de proteção e respectiva legislação, os indivíduos não se encontram em situação de tomar decisões de forma informada e responsável, tendo em conta as possíveis consequências⁹⁶. Outrossim, em um cenário em que o requerimento de benefícios é formulado por meio de canais de atendimento eletrônico (RPS, art. 176-A), sendo apenas excepcionalmente feito presencialmente nas agências da Previdência Social (RPS, art. 176-A, § 2º)⁹⁷, não apenas se tem espaço para produção de mais graves efeitos da hipossuficiência informacional – pela ausência de espaço para diálogo e pela omissão quanto ao dever de orientação pública – como também se observa maior dificuldade de acesso ao serviço público, pois exsurgem também aqui e agora os maléficos efeitos da hipossuficiência digital dos beneficiários da Assistência e Previdência Social⁹⁸. Sendo inegável que a pobreza é fator excludente também da sociedade tecnológica e de informação, é possível afirmar que a prestação de serviços pelos canais de atendimento eletrônico não constitui um meio de ampliação do serviço público à população mais carente, mas fator de restrição para o acesso, pelo beneficiário, à tutela do Poder Público⁹⁹. Por outro lado, uma vez que o particular se encontra em juízo buscando prestação de natureza alimentar, presume-se destituído de recursos para garantir sua subsistência. Essa presunção de vulnerabilidade é mais segura nas ações em que se buscam os chamados benefícios sensíveis, como auxílio por incapacidade temporária, aposentadoria por incapacidade permanente, pensão por morte e auxílio-reclusão¹⁰⁰. Na ação em que se pretende o benefício de prestação continuada da Assistência Social, a presunção de fragilidade econômica, salvo temeridade na demanda, não é passível de ser infirmada, visto que o próprio direito material é destinado apenas ao que necessita (CF/88, art. 203, caput) e não tem condições de prover sua subsistência ou tê-la provida por sua família (CF/88, art. 203, V). Como consequência dessa hipossuficiência, o autor terá mais dificuldades para contratação de advogado realmente especializado, menos recursos para se lançar à busca de elementos de prova que sustentem suas alegações, desconhecimento de relevantes informações que poderiam lhe credenciar ao recebimento de determinada prestação previdenciária. Também não é incomum a dificuldade de comunicação entre o indivíduo que pretende a prestação previdenciária e os operadores do direito. A linguagem do trabalhador rural e suas formas de expressão, por exemplo, precisam ser absorvidas com inteligência própria. Se o que se deseja ouvir é uma narrativa coerente, que atenda nosso ideário do que é um típico trabalho rural, então uma história de vida fracionada e que extrapole o padrão do trabalho contínuo em uma mesma localidade pode trazer aborrecimentos quando contada pelo que não fala a linguagem do direito ou a linguagem mais próxima e supostamente mais objetiva dos altos funcionários. Quanto mais simples a pessoa, menos conhecimento tem do que está se processando no âmbito administrativo. Também o advogado que patrocina sua causa pode não compreender exatamente os fatos que, por sua relevância, poderiam levar a demanda ao sucesso. Mas também pode ser que o autor não conte com defesa técnica, não seja assistido por advogado ou defensoria pública, como se pode operar no âmbito dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001, art. 10). Se a inovação legislativa amplia o acesso à justiça, nem por isso torna mais fácil a tarefa de compreensão das alegações do autor ou de comprovação dos fatos que fundamentam seu pedido. Ao contrário, é exatamente nestes casos que a hipossuficiência econômica e informacional do autor se apresenta com toda força em seu prejuízo. O réu das ações previdenciárias é o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, sempre¹⁰¹. Ainda que, por vezes, tenhamos formação litisconsorcial passiva, como no caso em que os efeitos da decisão atingirão a esfera jurídico-patrimonial de uma terceira pessoa, o órgão gestor da Previdência Social figurará no polo passivo da demanda¹⁰². Mesmo na ação em que se pretende o recebimento do benefício de prestação continuada da Assistência Social, a entidade previdenciária detém legitimidade passiva ad causam, pois é responsável pela operacionalização deste benefício, isto é, pela análise dos pedidos e fiscalização da persistência das condições que ensejaram a sua concessão. Se o autor da demanda é presumivelmente hipossuficiente, por sua vez o réu é uma entidade pública, o Estado em um sentido amplo. Se o primeiro não detém conhecimento pleno acerca de seus direitos, o último dispõe de todas as informações que poderiam conduzir à concessão da prestação previdenciária pretendida. Ademais, o processo judicial existe porque a Administração Previdenciária em tese violou o direito material do autor, indeferindo benefício – ou concedendo-lhe aquém do devido – na esfera administrativa. Com isso, os documentos que podem comprovar os fatos constitutivos do direito pretendido se encontram geralmente em poder do INSS, no processo administrativo¹⁰³. Ainda, o autor apresenta grandes dificuldades para calcular o valor do benefício que pretende, ao passo que a autarquia previdenciária dispõe de todos os elementos necessários à confecção dos cálculos mais complexos. Numa demanda em que há fracos e fortes, impõe-se uma atuação judicial tendente a equilibrar as desigualdades, mas isso não parece tão óbvio quando se está diante de uma entidade pública responsável pela gestão dos recursos da Previdência Social, em tempos de insegurança econômica, anúncios de crise orçamentária e sucessivas reformas previdenciárias¹⁰⁴. Nessa atmosfera, emerge um falso dilema: analisa-se a pretensão do autor, que se reportaria a um interesse individual, em face do interesse público na preservação do sistema previdenciário. Mas não há interesse social somente na economia de recursos previdenciários, mas fundamentalmente na sua devida aplicação. Ocorre que o enganoso discurso do déficit previdenciário, que se seguiu ao da crise fiscal do Estado no início dos anos noventa, pavimentou a aprovação de reformas previdenciárias restritivas de direito com vista à “eficiência econômica previdenciária”, objetivo inscrito na Emenda Constitucional 20/98 na forma de preservação de “equilíbrio financeiro e atuarial”. Toda essa agitação institucional exterioriza uma insegurança econômica e pode levar à inversão do polo fraco em uma relação processual previdenciária: não será mais o indivíduo hipossuficiente o carente de proteção e cuidado especial, antes o sistema previdenciário, cuja ruptura inviabilizará a proteção de todos. Foi exatamente isso que expressou, com todas as letras, o Ministro do STF Cezar Peluso quando do julgamento da ADI 3.104. Nesta ação, o STF não reconheceu o direito dos servidores públicos filiados a Regime Próprio de Previdência Social às regras transitórias estabelecidas pela EC 20/98 e que haviam sido mutiladas pela EC 41/2003. Embora ostensiva a afronta a valores como segurança jurídica, proteção da confiança do cidadão e boa-fé administrativa, Sua Excelência ponderou: Mas não é só o problema da segurança jurídica, o problema, também, é avaliar o custo e a viabilidade econômica de certas prestações estatais [...] Os problemas de providência e de gerenciamento do sistema “podem aniquilar os sistemas e pôr a perder os próprios direitos reconhecidamente adquiridos”. Vossa Excelência imagine uma situação de caos – não diria estar próxima ou longínqua, mas concebo hipoteticamente que ela possa um dia chegar –, em que fosse decretada a falência prática do sistema previdenciário, a ponto que o Estado já não pudesse responder pela aposentadoria daqueles que, há tanto tempo, dependem dela para sobreviver. Como fazemos? (ADI 3.104, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Plenário, j. 26.09.2007, DJ 09.11.2007). Ao lado da natureza singular do direito material que se busca satisfazer pelo processo previdenciário, constata-se, portanto, uma relação jurídica processual que a distingue das demais pelas características das partes. Em suma, no processo previdenciário, o autor da demanda presume-se hipossuficiente e destituído, total ou parcialmente, de meios necessários à sua subsistência. Esses recursos de natureza alimentar são pressupostos para o exercício da liberdade real do indivíduo e indispensáveis à afirmação de dignidade humana. Temos, portanto, alguém presumivelmente hipossuficiente na busca de um bem da vida de superior dignidade e com potencialidade para colocar um fim no seu estado de privação de bem-estar e destituição. No polo passivo da demanda, tem-se a entidade administradora do Regime Geral da Previdência Social, com os privilégios processuais da Fazenda Pública – exceção feita aos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001, art. 9º) – e com as dificuldades já notórias no que diz respeito ao atendimento de seus beneficiários na esfera administrativa e cumprimento das determinações judiciais. 1.7 EXIGÊNCIAS DE NORMATIVIDADE ESPECÍFICA DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO Os contornos da relação processual, juntamente com a natureza do direito material, emprestam à lide previdenciária um caráter único, com um feixe de problemas específicos que devem receber tratamento normativo diferenciado daquele proposto pelo processo civil clássico. Como referido anteriormente, para solução de algumas questões de direito previdenciário, o processo civil clássico é insuficiente ou inadequado. O que temos até o momento, todavia, é um regramento jurídico esparso dispondo sobre temas de processo previdenciário¹⁰⁵. Essa disciplina normativa geral atende apenas parcialmente às nuances da lide previdenciária, mas sua insuficiência tem levado a jurisprudência a definir alguns padrões para o desenvolvimento do processo previdenciário. Ainda assim, muito de decisivo para o direito processual previdenciário ainda não se questiona de modo sistematizado¹⁰⁶. Prende-se à essência do direito de proteção social o dever dos poderes públicos e da sociedade de provisão de recursos destinados a fazer cessar imediatamente as contingências sociais que ameaçam a subsistência humana. A lógica da preservação da vida em condições dignas contra situações especialmente adversas constitui o fundamento primeiro de um sistema de Previdência Social. Percebe-se aqui a íntima conexão do direito previdenciário com o direito fundamental à garantia do mínimo existencial e com as exigências constitucionais de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana. É justamente essa lógica de preservação da existência humana digna que, mercê do caráter vinculante dos direitos fundamentais, deve servir de diretriz para o legislador ordinário e para a definição e implementação de políticas públicas. Nesse sentido, a plena realização desses direitos de proteção social exige a elaboração das normas processuais adequadas à tipicidade da lide previdenciária e, ademais, a busca de soluções processuais, pelo juiz, para problemas decorrentes da insuficiência ou inadequação das normas e institutos do processo comum civil. Mais do que isso, o realçado valor de um direito fundamental que se reconhece como instrumento indispensável à sobrevivência digna da pessoa deve nos inspirar a rastrear, onde quer que se encontrem, insuficiências do processo civil clássico encobertas pela pretensão imperial de uma concepção individualista anacrônica. 1.7.1 Interesse de agir em matéria previdenciária As particularidades – e, por conseguinte, as exigências de disciplina específica – do processo previdenciário se revelam durante todos os estágios processuais. É possível invocar inicialmente a discussão acerca das condições da ação previdenciária. Uma questão processual tipicamente previdenciária diz respeito à necessidade de prévio requerimento ou indeferimento administrativo da pretensão de obtenção de um benefício da Seguridade Social. O tratamento geral acerca do interesse de agir como condição da ação (CPC/1973, arts. 3º e 267, VI; CPC/2015, arts. 17 e 485, VI) não responde satisfatoriamente às diversas questões oferecidas pelas ações previdenciárias. Na verdade, o que fundamentalmente caracteriza o interesse de agir não é o indeferimento administrativo, mas a ocorrência de lesão ou ameaça de lesão ao direito do particular, diretriz radicada na Constituição da República (CF/88, art. 5º, XXXV). Se essa proposição geral nos auxilia a responder a diversas indagações sobre o “interesse de agir em matéria previdenciária”, ainda assim a dinâmica do direito material nos interpelará com problemas mais específicos. Não cabe aqui analisar as diversas questões que o tema suscita ou expressar qual a orientação assumida pela jurisprudência, mas algo terá de ser dito para justificar o reclame de um tratamento normativo específico. Nas ações de concessão de uma prestação previdenciária, a lesão ou ameaça de lesão a direito se verifica, geralmente, com o indeferimento administrativo, o que evidentemente não se confunde com exaurimento da via administrativa (esgotamento dos recursos administrativos previstos na legislação). Mas na ação de revisão de benefício previdenciário a lesão pode ter ocorrido com os termos em que foi concedido o benefício, isto é, a Administração Previdenciária pode ter rejeitado parte de tempo de contribuição do segurado, adotado um salário de contribuição inferior, aplicado um índice de atualização dos salários de contribuição inferior ao que dispunha a legislação. Na ação de restabelecimento de benefício previdenciário a lesão consistiria na cessação ou no cancelamento indevido do benefício. Na ação de manutenção do benefício, a ameaça de um ilegal encerramento do benefício pode configurar o direito de ação. Por fim, na ação anulatória de benefício previdenciário, a lesão que caracteriza o interesse de agir advém da concessão administrativa da prestação a um beneficiário, a qual interfere negativamente na esfera jurídico-patrimonial de outrem, como, por exemplo, no caso de concessão de pensão por morte em favor da companheira, o que acarreta, à mãe do falecido segurado, a exclusão do direito ao mesmo benefício. Mas isso é apenas uma parte das questões. Há outros problemas mais específicos. Veja-se, por exemplo, a questão relacionada à existência ou não do interesse de agir quando é indeferido o benefício, mas o particular deduz, em juízo, matéria estranha àquela ventilada na via administrativa. É possível sustentarse, nesses casos, que jamais houve resistência à pretensão do segurado quanto a esses aspectos inéditos (fatos ou documentos “novos”), de modo que não haveria propriamente resistência à pretensão tal como apresentada judicialmente, não se podendo entender que se faz presente, em termos genuínos, um conflito de interesses que torne necessária a tutela jurisdicional. Como consequência, o autor pode ser reputado carecedor da ação¹⁰⁷. Poderíamos indagar ainda se, na exigência de prévio indeferimento administrativo, deve haver uma estrita correspondência entre o benefício requerido no âmbito administrativo e aquele pretendido judicialmente. Outrossim, pode-se questionar se é necessário o formal indeferimento administrativo ou é suficiente o indeferimento verbal. Também suscita problemas interpretativos a questão da ameaça de lesão nas ações de concessão, isto é, se é ou não exigido mesmo quando se pode presumir que o INSS indeferirá o benefício. Com essas questões e com outras que dizem respeito ao tema “interesse de agir em matéria previdenciária”, a doutrina e a jurisprudência do processo civil clássico nem cuidam em preocupar-se. São questões tipicamente previdenciárias, problemas previdenciários cuja solução pressupõe conhecimento específico sobre a dinâmica de concessão, manutenção e encerramento (cessação ou cancelamento) do benefício previdenciário. Como inexiste tratamento legislativo específico, cabe à doutrina processual previdenciária a tarefa de sistematizar dificuldades que são próprias da aplicação do direito previdenciário, auxiliando, de forma crítica, o trabalho da jurisprudência especializada. 1.7.2 A fungibilidade das ações previdenciárias e a relativização do princípio dispositivo Nosso trabalho segue um fio condutor muito claro: é preciso adotar soluções processuais adequadas à relação jurídica de proteção social, como resposta à força vinculante do princípio constitucional do devido processo legal e dos direitos fundamentais que se buscam satisfazer judicialmente. Dessa premissa deriva a necessidade de se compreender o pedido inicial de uma demanda previdenciária com certa flexibilidade. Pela relevância social da matéria, assim como pela importância do bem da vida previdenciário para a conformação do mínimo existencial, deve-se acertar judicialmente a relação jurídica de proteção social, outorgando-se a proteção previdenciária – mais eficaz ou mais vantajosa – a que o interessado faz jus¹⁰⁸. Em outras palavras, à semelhança do regime jurídico das ações possessórias (CPC/2015, art. 554; CPC/1973, art. 920), a propositura de uma ação previdenciária em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam atendidos. Essa fungibilidade das ações previdenciárias, que implica a flexibilização do princípio dispositivo e do princípio da adstrição da sentença (CPC/2015, art. 492; CPC/1973, art. 460), fenômeno típico do direito processual previdenciário, foi inicialmente percebida nas demandas que versam sobre benefício por incapacidade para o trabalho. A fungibilidade então era aceita, não tanto por força de uma consistência teórica a apontar para a necessidade de acertamento da relação jurídica de proteção social, mas pelo núcleo comum a conectar as pretensões dessa espécie de benefício. Esse ponto merece esclarecimento. Sabe-se que, para as hipóteses de redução ou perda da capacidade para o trabalho, o Regime Geral da Previdência Social oferece cobertura previdenciária específica: a) aposentadoria por incapacidade permanente, para o caso de incapacidade do segurado para o exercício de qualquer atividade remunerada, e sendo ele insuscetível de reabilitação – a chamada incapacidade total e permanente (Lei 8.213/91, art. 42); b) auxílio por incapacidade temporária, em caso de incapacidade do segurado, por mais de quinze dias consecutivos, para o exercício de seu trabalho ou de sua atividade habitual – a chamada incapacidade parcial e temporária (Lei 8.213/91, art. 59); c) auxílio-acidente, em caso de redução da capacidade para o trabalho habitual, decorrente da consolidação de sequelas ocasionadas por acidente de qualquer natureza – a chamada redução da capacidade para o trabalho (Lei 8.213/91, art. 86). De outra parte, a Assistência Social assegura benefício de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência que não possa prover seu sustento nem de tê-lo provido por sua família (Lei 8.742/93, art. 20). Como há um ponto comum a ligar o requisito específico¹⁰⁹ desses quatro benefícios da Seguridade Social – a redução ou inexistência de capacidade para o trabalho ou obstáculos à plena participação social ligados à deficiência (LOAS) –, tem-se admitido uma espécie de fungibilidade dos pedidos que buscam sua concessão. Isso tem dois efeitos importantes. O primeiro refere-se à correspondência entre o requerimento administrativo e a petição inicial, à luz da condicionante de prévio indeferimento administrativo. O segundo relaciona-se à correspondência entre a pretensão deduzida na petição inicial e a sentença, à luz do princípio da adstrição ou congruência da sentença. Em relação à condicionante de prévio indeferimento administrativo, entendese que o indeferimento administrativo de uma dessas prestações em razão de “perícia médica contrária” pode abrir espaço para ajuizamento de qualquer das ações que busque benefício da Seguridade Social por incapacidade. O raciocínio empregado aqui é o de que se o INSS indeferiu o auxílio-doença porque não reconheceu a incapacidade para o trabalho, com maior razão indeferiria os pedidos de aposentadoria por incapacidade permanente ou de benefício de prestação continuada da Assistência Social. Se indeferiu o requerimento administrativo de aposentadoria por incapacidade permanente por ausência de incapacidade laboral, também indeferiria o benefício assistencial¹¹⁰. No que diz respeito à correspondência da decisão judicial aos termos do pedido, a fungibilidade das ações por incapacidade encontraram força no princípio juria novit curia para reconhecer a legitimidade da sentença que concede benefício por incapacidade distinto do que pleiteado pelo autor da demanda, fundada na prova técnica superveniente e outros meios de prova. Isto é, a decisão que concede aposentadoria por incapacidade permanente quando o autor pleiteou auxílio por incapacidade temporária ou auxílioacidente não consubstancia sentença ultra petita ou extra petita. Tampouco violaria o princípio da adstrição da sentença a concessão de auxílio por incapacidade temporária quando pleiteada aposentadoria por incapacidade permanente na petição inicial¹¹¹. Note-se que, a rigor, não se encontra autorização para tal proceder no Código de Processo Civil. Ali, ao contrário, prevê-se que “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado” (CPC/1973, art. 460; CPC/2015, art. 492)¹¹². Para o que pode ser percebido como uma saída de conveniência, algumas decisões acomodavam a outorga de bem distinto daquele pleiteado na inicial fundamentando-se na regra do art. 462 do CPC/1973¹¹³. O problema é que o benefício distinto pode ter sua concessão determinada por sentença ainda que a circunstância identificada no laudo pericial preexista ao ajuizamento da ação, de modo que o processo civil clássico é claramente adaptado para atender à especificidade de uma demanda previdenciária. De outro lado, essa aplicação diferenciada das normas processuais em matéria previdenciária ensejou a formação de jurisprudência própria sobre o tema, e isso não apenas para os processos que versam sobre benefício por incapacidade: 1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo Segurado. 2. Na ausência de fundamento relevante que infirme as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag 1232820/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 26.10.2010, DJe 22.11.2010)¹¹⁴. Mais recentemente, a TNU expressou esse mesmo entendimento, ao fixar a tese do Tema 217 nos seguintes termos: Em relação ao benefício assistencial e aos benefícios por incapacidade, é possível conhecer de um deles em juízo, ainda que não seja o especificamente requerido na via administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais, observando-se o contraditório e o disposto no artigo 9º e 10 do CPC (PEDILEF 0002358-97.2015.4.01.3507/GO, Rel. Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, j. 21.08.2020, DJ 27.08.2020). O que se percebe, em tal proceder, é a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária, como resposta à exigência do princípio constitucional do devido processo legal. Por esta via hermenêutica é que se nota a correção do entendimento consagrado na decisão cuja ementa se transcreve abaixo: Previdenciário. Recurso especial. Deferido benefício assistencial em vez de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. Decisão extra petita. Não ocorrência. Juros de mora. Recurso provido. 1. Cuidando-se de matéria previdenciária, o pleito contido na peça inaugural deve ser analisado com certa flexibilidade. In casu, postulada na inicial a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos requisitos e concede ao autor o benefício assistencial de prestação continuada. 2. Os juros moratórios, em se tratando de benefício previdenciário, devem ser fixados à razão de 1% (um por cento) ao mês em face de sua natureza alimentar, a partir da citação, conforme o disposto no art. 3º do Dec.-lei 2.322/87. 3. Recurso especial provido (REsp 847.587/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 07.10.2008, DJe 01.12.2008 – negrito nosso). De importantes derivações percebe-se, nesse sentido, a premissa de que, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de alto alcance social da lei previdenciária, “Não pode o magistrado, se reconhecer devido o benefício, deixar de concedê-lo ao fundamento de não ser explícito o pedido”¹¹⁵. Com efeito, a premissa de que “o juiz deve aplicar o direito incidente sobre a situação fática constatada”¹¹⁶ nos leva muito além do que mera fungibilidade das ações previdenciárias por incapacidade para o trabalho, prestando-se como mais genérica diretriz, no sentido de que o que realmente importa em uma lide previdenciária é outorgar ao indivíduo a proteção previdenciária a que efetivamente faz jus¹¹⁷. Em suma, tal como bem demonstrado pelo eminente Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, em voto condutor do julgamento do Tema 995 (Reafirmação da DER judicial), é firme a orientação jurisprudencial dessa Corte de Justiça, no sentido da possibilidade de ser flexibilizado o pedido, na interpretação sistêmica direcionada à proteção do risco vivido pelo autor, no âmbito do direito previdenciário, não se entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial¹¹⁸. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça apresenta firme compreensão no sentido de que, “diante da relevância social e alimentar dos benefícios previdenciários, pode o julgador conceder benefício diverso ao pleiteado na inicial, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto”¹¹⁹. Nessa mesma linha de orientação, encontra-se o seguinte posicionamento: Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do Direito previdenciário, e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de uma aposentadoria diversa da pedida, uma vez preenchidos pela segurada os requisitos legais relativos à aposentadoria deferida (TRF4, AC 000245746.2011.404.9999, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Guilherme Pinho Machado, DE 23.08.2012)¹²⁰. Segundo pensamos, uma vez respeitados o contraditório e a ampla defesa, e desde que a medida não implique tumulto processual com inversões e dilações processuais excessivas, deve o juiz conceder à parte o benefício previdenciário a que faz jus, observada a norma da proteção social mais efetiva (direito ao melhor benefício). E isso deve ser reconhecido de ofício e em qualquer grau de jurisdição¹²¹. É preciso reconhecer, com efeito, que, em uma ação previdenciária, “o magistrado deve analisar a questão com menos formalismo, em razão de estar lidando com tutela específica de pessoa hipossuficiente e em face da natureza alimentar da demanda”¹²². Em outras palavras, “as demandas que envolvem verbas alimentares não deverão ser interpretadas como uma relação de Direito Civil ou Direito Administrativo no rigor dos termos, mas sim como fórmula ou tutela ao hipossuficiente, ao carecido, ao excluído”¹²³. É importante observar que a orientação jurisprudencial que reconhece a possibilidade de concessão de benefício previdenciário distinto daquele postulado na petição inicial acaba expressando, implicitamente, que, para fins de caracterização de interesse de agir, não se exige uma perfeita correspondência entre o pedido pleiteado na via administrativa e aquele que se pretende obter em juízo. Nessa perspectiva, O fato de a espécie de aposentadoria vindicada na via administrativa (aposentadoria da pessoa com deficiência) ser diferente daquela postulada na via judicial (aposentadoria por tempo de contribuição) não leva à ausência de interesse de agir do demandante, especialmente face ao princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários¹²⁴. Essa proposta teórica para amparar esta forma de aplicação do direito previdenciário está ancorada na teoria do acertamento da relação jurídica da proteção social (item 2.3.3.3, infra). Em essência, a teoria do acertamento expressa que as ações em que se busca proteção social não objetivam o estrito controle da legalidade do ato administrativo, mas a outorga da proteção devida, mediante o reconhecimento da existência do direito fundamental e a concessão da prestação previdenciária, nos estritos termos em que a pessoa faz jus. O fundamento da teoria do acertamento corrobora, nesse sentido, a proposição de que a lide previdenciária apresenta singular configuração e, por isso, deve orientar-se pela eficácia normativa do direito fundamental ao processo justo (CF/88, art. 5, XXXV), o qual, mercê de sua dignidade constitucional, prevalece sobre as disposições processuais civis que ofereçam resposta inadequada ao processo previdenciário, tanto quanto pode suprir eventual ausência ou insuficiência de disciplina legal¹²⁵. 1.7.3 O problema da má delimitação da lide previdenciária A atuação administrativa na análise de requerimentos de benefícios previdenciários é marcada por uma postura que se distancia dos princípios constitucionais que devem informar sua relação com o particular que busca a proteção previdenciária. Para nos restringirmos a três exemplos corriqueiros, a Administração Previdenciária, por meio de ações de todos conhecidas, contraria (i) o direito constitucional de petição aos órgãos públicos (quando se recusa a formalizar o requerimento administrativo do potencial beneficiário), (ii) o dever também constitucional de motivar adequadamente as decisões indeferitórias de benefício, e (iii) o dever de agir de acordo com os princípios constitucionais da Administração Pública, como os da boa-fé, moralidade e eficiência (no sentido de bem atender o cidadão e de tê-lo como referência para sua atuação). Quando analisarmos a processualidade no âmbito administrativo da Previdência Social (Capítulo 4), discutiremos os constrangimentos jurídicos impostos à Administração Pública na relação que mantém com os indivíduos que a ela acorrem buscando a satisfação de um direito fundamental de caráter alimentar. Pretende-se destacar, neste momento em que são analisadas as particularidades da lide previdenciária, que, não raras vezes, as ações em que se discute o direito a uma prestação previdenciária apresentam grave problema de falta de delimitação do real conteúdo do conflito de interesses estabelecido entre a entidade previdenciária e a pessoa que pretende um benefício previdenciário. O autor da demanda não tem conhecimento preciso acerca da resposta administrativa. Embora receba a carta de indeferimento, ela não expressa o que de fato foi admitido pelo instituto de Previdência e o que foi desconsiderado. Como consequência disso, não raro se busca em juízo o reconhecimento de todas as circunstâncias de fato que constituem o direito pretendido, mesmo daquelas porventura acolhidas pela autarquia previdenciária. Por outro lado, alguns fatos não são administrativamente considerados pelo simples motivo de não terem sido objeto de análise. Tomemos o exemplo de um indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição¹²⁶. Se o INSS alcança a conclusão de que ainda que fosse reconhecido o exercício de determinado tempo de atividade em condições especiais, o segurado não completaria o tempo de contribuição exigido para a concessão de aposentadoria, o instituto de seguro social pode simplesmente deixar de examinar a natureza da atividade exercida, isto é, se ela é especial ou não. Com isso, não apenas se têm sérias dificuldades para se perceber se houve ou não o reconhecimento de tal circunstância de interesse do segurado, mas também para se conhecer o motivo pelo suposto não reconhecimento. Mais do que representar um vício na fundamentação da decisão indeferitória, isso traduz um problema de publicidade de todo processo administrativo. Em uma ação de concessão de benefício, o Judiciário se lançará na análise do direito ao benefício. Mas o autor da demanda não sabe exatamente o que deve ser comprovado em juízo, a fim de superar a recusa administrativa. O que pretende é a concessão do benefício, mediante o reconhecimento de todas as circunstâncias de fato necessárias para tal fim. De seu lado, a peça contestatória se destina essencialmente a negar o direito do autor em receber a aposentadoria, sustentando a legitimidade do ato administrativo indeferitório. Com este propósito, acaba deixando de reconhecer um direito do autor que seria eventualmente admitido pelo corpo técnico da Administração Previdenciária. O que se verifica, pois, é uma lide muito mal delimitada. A carta de indeferimento que comunica falta de tempo de contribuição como razão da negativa de concessão não diz muito. Não se tem conhecimento perfeito do que foi admitido na esfera administrativa e do que não foi, isto é, não se sabe ao certo quais são os pontos de fato e de direito controvertidos entre as partes. E, ainda que a controvérsia fática se defina no curso do processo – em alguns casos impondo a conclusão, após a impugnação do fato pela contestação e a produção de provas, de que o autor não tem interesse de agir no particular, porque a questão havia sido reconhecida pela entidade pública no âmbito administrativo –, a controvérsia sobre os efeitos jurídicos do fato pode permanecer nebulosa. É que se não é possível conhecer a razão da rejeição administrativa de uma circunstância específica, o juiz parece ter de assumir atribuição da Administração, simplesmente confrontando a pretensão do autor com a realidade dos fatos e a prova técnica produzida. Se essa questão, porém, não foi sequer analisada no âmbito administrativo, o juiz terá de examiná-la de maneira originária, embora fosse possível que a Administração admitisse o fato e suas consequências, caso houvesse se desincumbido do dever de bem analisar a pretensão de tutela previdenciária. O que foi dito a partir do exemplo do reconhecimento do tempo de atividade especial para aposentadoria por tempo de contribuição poderia ser referido sobre qualquer circunstância de fato que não chega a ser analisada pelo instituto previdenciário porque, ainda que fosse reconhecida em favor do requerente, não levaria à concessão da prestação previdenciária. E, como consequência dessa forma de solucionar o processo administrativo, o Judiciário deixa de revisar o ato administrativo indeferitório quanto à legitimidade das decisões que o informam, para, mais do que isso, se lançar ao conhecimento de várias questões que não foram objeto de exame pela Administração Previdenciária ou foram rejeitadas sem fundamentação específica. A relação entre os processos administrativo e judicial oferece elementos para uma reflexão sobre a dinâmica de concessão de benefício previdenciário a partir da perspectiva da definição da lide previdenciária. Essa reflexão tem outra dimensão além daquela exposta a partir do exemplo de que nos valemos acima: Que conflito de interesses deve ser deduzido perante o Judiciário quando o INSS, por exemplo, indefere o benefício previdenciário de pensão por morte sob o fundamento de insuficiência de prova material a apontar para a dependência econômica? Poderia o Judiciário reconhecer como ilegal a exigência administrativa, determinando o prosseguimento (reabertura) do processo administrativo sem o óbice da prova material?¹²⁷ Ou deverá examinar, como geralmente o faz, o direito do indivíduo à pensão por morte, a partir do exame das provas materiais e testemunhais da condição de dependente, e a existência da qualidade de segurado – que sequer foi objeto de consideração pelo INSS? Coloquemos agora um exemplo em que a Administração Previdenciária indefere pedido de aposentadoria por idade rural sob o pressuposto de insuficiência de prova material, deixando de realizar justificação administrativa (Lei 8.213/91, art. 108)¹²⁸. É imperioso que o juiz, assim provocado, decida o direito do autor ao referido benefício, mediante exame das provas apresentadas pelas partes e das que serão produzidas em juízo? Diversamente, percebendo como uma questão meramente de forma a disposta pelo INSS, pode o juiz apenas analisar o óbice “insuficiência de prova material” e, em considerando ilegal a exigência administrativa, determinar a reabertura do processo administrativo para seu regular prosseguimento até final decisão (com realização de justificação administrativa, inclusive, se esta for considerada necessária pelo agente concessor)? O que se pretende colocar em discussão são os termos em que o ato administrativo deve se submeter ao reexame judicial. Nossa preocupação se torna mais clara quando o requerimento administrativo é indeferido sumariamente. Vamos supor que a entidade previdenciária indefira formalmente um requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição sob o entendimento de insuficiência de prova material em relação a um determinado tempo de serviço rural de que se pretendia valer o segurado na forma do art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91¹²⁹. Ela não realiza justificação administrativa; não informa ao segurado quais documentos ele poderia apresentar para atender à condicionante de prova material. Além disso, deixa de examinar se determinado tempo de atividade deveria ser reconhecido como de natureza especial, para fins de conversão em comum com o acréscimo correspondente, por entender que, ainda que assim fosse considerado, o segurado não completaria o tempo de contribuição mínimo. Esse indeferimento administrativo comumente abre espaço para ação de concessão de benefício previdenciário. Nela, o juiz deverá examinar a pretensão de averbação do tempo de serviço rural, examinando as provas juntadas na esfera administrativa, os documentos apresentados ao longo do processo judicial, realizar audiência para inquirição de testemunhas, resolver a questão alusiva à atividade especial, com a produção de prova pericial se for o caso e, finalmente, decidir pela concessão ou não do benefício, quantificando o valor da prestação e a importância dos atrasados. Muito provavelmente haverá recurso por parte da entidade previdenciária. Após o trânsito em julgado e feitura de novos cálculos, expedição de requisição de pagamento (precatório requisitório ou requisição de pequeno valor). Mas é possível sustentar, por outro lado, que o processo administrativo não se desenvolveu validamente. Primeiro, porque a Administração não fundamentou adequadamente sua decisão, pois sequer examinou a questão da atividade especial, quanto menos motivou a desconsideração. Segundo, porque não agiu de acordo com os princípios da boa-fé, eficiência e moralidade públicas, visto que não informou ao segurado acerca do que deveria apresentar em termos de prova material. Finalmente, porque não realizou a justificação administrativa, este verdadeiro direito do segurado de produzir prova oral no processo administrativo previdenciário, nos termos do art. 108 da Lei 8.213/91. Esse entendimento pode nos guiar à solução distinta. Nesse sentido, o juiz poderia reconhecer a nulidade do processo administrativo e determinar sua reabertura para, observados esses constrangimentos jurídicos, aquele tivesse válido desenvolvimento e decisão final em prazo razoável. É possível até que o óbice da “insuficiência da prova material” seja afastado pela decisão judicial, que imporá ao INSS, assim, que repute superada a questão. O problema somente demandaria atuação judicial de concessão de benefício se, após análise por regular processo administrativo, houvesse decisão indeferitória. Todavia, quando realizada a justificação administrativa, a produção de prova testemunhal no processo judicial corresponde a exigência do direito fundamental à produção de prova, ao passo que seu indeferimento, um indevido cerceamento de defesa¹³⁰. Essa é, pois, a outra dimensão da reflexão sobre a dinâmica de concessão de benefício previdenciário a partir da perspectiva da definição da lide previdenciária. A objeção às últimas proposições poderia partir do argumento de que, na existência de um indeferimento administrativo de concessão de benefício, não importando como se desenvolveu o processo, abre-se ao autor o direito de impugnar o ato administrativo em juízo, pleiteando a concessão do que lhe fora negado. Será mesmo? Esta objeção se sustentaria na hipótese em que o pretendente ao benefício de auxílio por incapacidade temporária teve indeferida esta prestação porque não compareceu à perícia médica da qual foi regularmente notificado? Ainda que se note uma mudança de tom no exemplo, já que aqui se poderia questionar o interesse de agir da parte e não a nulidade do processo administrativo (conferir item 6.2.1, infra), o fato é que o indeferimento da prestação previdenciária pode não implicar necessariamente a dedução de conflito de interesses em juízo com vistas à concessão do benefício. Voltaremos a este tema no Capítulo 4 desta obra, quando se dará o exame dos constrangimentos jurídicos à atuação administrativa na análise de requerimento de concessão de benefício previdenciário. Também ali procuraremos demonstrar como é possível a racionalização das atividades judiciais a partir da concepção do processo judicial previdenciário como instrumento de correção da atividade administrativa e não apenas como meio de concessão de benefício previdenciário. Se a ilegalidade decorre de um modelo estrutural de atuação administrativa, uma verdadeira prevenção de litígios, aliás, poderá ser obtida pela tutela dos direitos previdenciários pela via da ação civil pública. É preciso reafirmar, assim, que muito tem de ser construído para que tenhamos um processo adequado ao fenômeno previdenciário e que, para tanto, em alguns momentos, é necessário distanciar-se das técnicas afeiçoadas ao processo civil clássico. 1.7.4 Como conciliar a definitividade da coisa julgada com a provisoriedade dos benefícios previdenciários por incapacidade? Os benefícios previdenciários por incapacidade (aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária) são precários; sua manutenção está adstrita à persistência da incapacidade para o trabalho. Da mesma forma, o benefício de prestação continuada deve ser pago enquanto perdurarem as condições que justificaram sua concessão. Por isso os titulares dessas prestações devem submeter-se a exames médicos periódicos, sob pena de suspensão do benefício. De outro lado, a coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso (CPC/2015, art. 502; CPC/1973, art. 467). A sentença tem força de lei nos limites da lide e das questões expressamente decididas (CPC/2015, art. 503; CPC/1973, art. 468). Em tendo o benefício por incapacidade essa natureza provisória, ganharia fundamentos de definitividade por força da coisa julgada judicial? Certamente que não. O juiz previdenciário concede o benefício nos termos em que ele é devido por lei, isto é, concede definitivamente um benefício provisório. Formula-se outra hipótese: Em tendo o benefício por incapacidade essa natureza provisória, poderia o INSS, a qualquer tempo, rever unilateralmente a decisão judicial, fazendo cessar o benefício por incapacidade, caso identifique a recuperação da capacidade – procedimento que chegou a ser alcunhado de “rescisória administrativa”¹³¹? Segundo o processo civil clássico, “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo [...] se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença” (CPC/1973, art. 471, I; CPC/2015, art. 505, I). Diante dos dispositivos acima transcritos, uma vez concedido o benefício por ordem judicial, não seria dado ao INSS suspender ou cessar unilateralmente a prestação previdenciária. Mas aqui se apresenta mais uma faceta da singularidade da lide previdenciária. Seria inviável a aplicação da regra processual acima referida no âmbito dos Juizados Especiais Federais em feitos previdenciários, pois um determinado ofício jurisdicional ficaria sob a guarda perene de um benefício previdenciário de natureza temporária e com a atribuição constante e crescente de realização de sucessivos exames periciais, que oneram os cofres públicos, por um lado ou por outro. É de se reconhecer que a forma não pode maltratar a realidade dos fatos. De outra parte, a entidade previdenciária teria cerceado o seu direito-dever de realizar perícias médicas, promover a reabilitação profissional que se revela possível e adequada e, em sendo o caso, propiciar a alta médica para que o segurado, em havendo recuperado a capacidade laboral, retorne às suas atividades habituais. Para solução deste problema poderia ser invocada a regra específica de natureza processual previdenciária inscrita no art. 71 da Lei 8.212/91, in verbis: Art. 71. O INSS deverá rever os benefícios, inclusive os concedidos por acidente de trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar a persistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causa para sua concessão. Parágrafo único. Será cabível a concessão de liminar nas ações rescisórias e revisional, para suspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso de fraude ou erro material comprovado. Mas o fato é que a regra contida no parágrafo único acima transcrito parece atribuir o poder de cessação do benefício ao Judiciário, em sede de ação revisional da coisa julgada. O advento da Lei 13.457/2017 mudou esse panorama, contudo, pois as novas disposições que acrescentou à Lei 8.213/91 convergem no sentido de impor à ordem judicial de concessão do auxílio por incapacidade temporária que tome em conta a natureza provisória desse benefício. No atual regime jurídico, sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio por incapacidade temporária, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício¹³². Na ausência de fixação do prazo estimado para a duração do benefício, este cessará após o prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio por incapacidade temporária, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS¹³³. Ainda com o advento da Lei 13.457/2017, estabeleceu-se que o titular de benefício por incapacidade laboral, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria (Lei 8.213/91, art. 43, § 4º; art. 60, § 10). Não é nossa preocupação trazer nesta seção respostas para essa intrincada questão. A importância do que se articulou acima é percebida no propósito imediato de demonstrar a existência de um campo específico para normatização processual previdenciária, pelas particularidades dos problemas que uma ação previdenciária desperta. A existência de regras processuais previdenciárias esparsas apenas corrobora a necessidade de tratamento sistematizado e específico para o domínio previdenciário. É o que passamos a demonstrar. 1.8 NORMAS PROCESSUAIS PREVIDENCIÁRIAS EXPRESSAS NO SISTEMA NORMATIVO 1.8.1 A Constituição da República e a competência delegada No plano constitucional, pode-se citar como regra processual tipicamente previdenciária a que dispõe a competência delegada da justiça estadual para processar e analisar os feitos previdenciários, nos termos do art. 109, §§ 3º e 4º, da Constituição da República: § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103, de 2019.) § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. A maior amplitude de acesso à justiça para os potenciais beneficiários da Previdência Social é um exemplo característico de sensibilidade do constituinte aos termos particulares da lide previdenciária, especialmente a presumível hipossuficiência do autor da demanda, a natureza alimentar da verba em discussão e a capilaridade representativa da Administração Previdenciária. 1.8.2 A Constituição da República e créditos alimentares devidos pela Fazenda Pública Outra norma constitucional que destaca tratamento para as ações previdenciárias é a que caracteriza como débitos de natureza alimentícia aqueles decorrentes de benefícios previdenciários, em virtude de sentença transitada em julgado (CF/88, art. 100, § 1º, com redação emprestada pela EC 62, de 09.12.2009). Os créditos previdenciários, porque de natureza alimentícia, são pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto os previstos no § 2º do mesmo artigo, e foram os primeiros a não se sujeitarem ao regime de precatórios, nas hipóteses de obrigação de pequeno valor. A Lei 10.099, de 19.12.2000, foi o primeiro ato legislativo a regulamentar o disposto no art. 100, § 3º, da Constituição da República. Ela atribuiu nova redação ao art. 128 da Lei 8.213/91 e quantificou, em R$ 5.180,25, o valor máximo de obtenção de créditos previdenciários ou créditos decorrentes do benefício assistencial para recebimento independentemente de expedição de precatório. Com a edição da Lei 10.259/2001, as obrigações definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório por toda Fazenda Pública Federal, passaram a ter como limite a importância estabelecida para competência do Juizado Especial Federal Cível, de 60 salários mínimos (Lei 10.259/2001, art. 17, § 1º, c/c art. 3º, caput). A relevância dos créditos alimentares de pequeno valor para a subsistência do indivíduo fez afrouxar a lógica de controle e planejamento orçamentário que repousa na base da sistemática de precatórios requisitórios. É interessante notar que, antes da flexibilização constitucional da exigência de precatórios requisitórios, o art. 128 da Lei 8.213/91 previa, em sua redação original, que as demandas judiciais que tivessem por objeto as questões por ela reguladas, de valor não superior a determinado patamar, obedeceriam ao rito sumaríssimo, e seriam isentas de custas e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do CPC/1973 (regime dos precatórios). Ocorre que, no julgamento da ADI 1252, o STF lançou decisão com lamentáveis efeitos para os beneficiários da Previdência Social, reconhecendo a inconstitucionalidade da expressão “e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil”. Segundo o entendimento da Suprema Corte, a regra inscrita no art. 100 da Constituição da República [...] proíbe a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais, tendo em vista a observação de preferência. Por isso a dispensa de precatório, considerando-se o valor do débito, distanciase do tratamento uniforme que a Constituição objetivou conferir à satisfação dos débitos da Fazenda (ADI 1.252, Rel. Min. Maurício Correia, Plenário, j. 28.05.1997, DJ 24.10.1997). De outra parte, o art. 130 da Lei 8.213/91 previa: Art. 130. Os recursos interpostos pela Previdência Social, em processos que envolvem prestações desta Lei, serão recebidos exclusivamente no efeito devolutivo, cumprindo-se, desde logo, a decisão ou sentença, através de processo suplementar ou carta de sentença. Parágrafo único. Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada. Esse dispositivo progressista, embora afinado com o conteúdo da lide previdenciária, também foi declarado inconstitucional pelo STF na ADI 675 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06.10.1994, DJ 20.06.1997), com voto de desempate da presidência, sob entendimento que o cumprimento “desde logo” implicaria afronta ao regime de precatório requisitório disposto no art. 100 da Constituição Federal. Quanto à irrepetibilidade dos valores recebidos pelo segurado, prevaleceu a orientação extremamente questionável de que a exoneração da restituição dos valores implicaria “subversão da hierarquia judiciária, estabelecida na Constituição do Brasil”, pois a decisão do juiz de primeiro grau supostamente prevaleceria sobre a do segundo grau de jurisdição (excerto do voto do Min. Octávio Gallotti). Por muito que se possa criticar o conteúdo das decisões acima referidas, a discussão nos serve para demonstrar a existência de um complexo de questões tipicamente previdenciárias e a necessidade presente de normas e técnicas processuais especialmente destinadas a melhor acomodar as diversas manifestações da relação jurídica processual previdenciária. 1.8.3 Considerações normativas sobre prova em direito previdenciário Também no direito previdenciário o postulado do devido processo legal assegura aos litigantes, como pressuposto de defesa e exercício do contraditório, o direito constitucional à produção da prova lícita. É um direito fundamental que somente pode ser restringido por lei e na medida em que essa restrição seja proporcional. A regra é que as circunstâncias fáticas de interesse dos beneficiários podem ser comprovadas por qualquer meio de prova. Mas, para comprovação do tempo de serviço ou contribuição, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, não pode ser utilizada exclusivamente a prova testemunhal, excepcionadas as hipóteses de caso fortuito ou força maior; in verbis: Art. 55. [...] § 3º A comprovação do tempo de serviço para fins do disposto nesta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no Regulamento ¹³⁴. Mais recentemente, a Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, acrescentou o § 5º ao art. 16 da Lei 8.213/91, estendendo a exigência de prova material para a comprovação de união estável e dependência econômica: Art. 16. [...] § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. A análise dessa regra de prova é feita no item 7.10 deste livro. O que pretendemos demonstrar, por ora, é que a tipicidade da relação mantida entre a Previdência Social e seus potenciais beneficiários conduz a uma disciplina específica em matéria probatória. Ela se justifica, em princípio, nas diminutas possibilidades de a entidade previdenciária apresentar contraprova, pois raramente ela reunirá elementos de prova destinados a infirmar o fato alegado pelo segurado ou dependente. Daí que, administrativamente ou em juízo, a autoridade chamada a decidir se limitará, mais das vezes, em verificar a consistência da prova apresentada pelo segurado, estando exposta a condutas oportunistas. Como a prova material apresenta traços de contemporaneidade e de espontaneidade, na medida em que é produzida independentemente do interesse em influenciar o resultado de uma decisão, a condicionante de prova material aparenta ser destinada a inibir um comportamento ilegítimo tanto do beneficiário como do agente administrativo responsável pela concessão do benefício. Estamos diante de uma regra processual voltada, em princípio, para as peculiaridades da relação jurídica previdenciária. Por outro lado, o direito previdenciário ainda se ressente enormemente de normatização em matéria probatória voltada especificamente para a dinâmica de constituição dessa relação jurídica. A falta de disciplina legal específica tem deixado à jurisprudência a tarefa de sedimentação de regras de capital importância para o direito previdenciário, como é o caso dos efeitos previdenciários das decisões trabalhistas. Questiona-se: A decisão trabalhista que reconhece vínculo empregatício do segurado faz prova plena perante a Previdência Social? A resposta será negativa se considerados os limites subjetivos da coisa julgada (CPC/2015, art. 506; CPC/1973, art. 472). Mas essa resposta será no sentido contrário uma vez reconhecido que sobre as verbas trabalhistas reconhecidas – que pressupõem reconhecimento da prestação de serviço – incide contribuição social para a Seguridade Social. Mas uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Como um fato pode ser considerado solidamente existente para fins de custeio da Seguridade Social e, ao mesmo tempo, ser tão precário e movediço quando se trata de reconhecer o tempo de contribuição para fins de benefícios previdenciários? Como agravar o segurado que, segundo a decisão trabalhista, já foi prejudicado antes pelo empregador? Por outro lado, como evitar que a justiça do trabalho sirva a um descaminho previdenciário, mero atalho à exigência de prova material? Eis um tema processual tipicamente previdenciário e que, por isso, reclama solução à luz de um arranjo normativo próprio. Voltaremos a este tema no Capítulo 8 deste trabalho. 19 A classificação aqui apresentada foi proposta originariamente no artigo “Judicialização de políticas públicas e o ajustamento das normas processuais civis às demandas individuais de seguridade social”, publicado na REI – Revista Estudos Institucionais, v. 5, p. 1168-1184, 2019. 20 Conforme aponta Eduardo Appio, “essa indagação deveria se constituir no pórtico de qualquer debate jurídico sobre o tema, na medida em que a atividade judicial de revisão do conteúdo das políticas públicas deve ser estudada, com o objetivo de se evitar o transporte, puro e simples, das teorias que embasam a revisão judicial dos atos administrativos para o interior de um sistema político, o sistema Constitucional” (APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil, p. 133). 21 BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos direitos fundamentais pela Administração Pública brasileira contemporânea, Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 204. 22 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 164, p. 9-28, 2008 (p. 26). 23 O pano de fundo deste nível de judicialização conecta temas como o exercício atípico da função legislativa positiva pelo Poder Judiciário, o princípio da separação dos poderes, o controle jurisdicional da discricionariedade em favor do poder Legislativo ou da Administração, incluindo-se alocações orçamentárias etc. 24 ABRAMOVICH, Victor. El rol de la justicia en la articulación de políticas y derechos sociales. In: ABRAMOVICH, Victor; PAUTASSI, Laura. La revisión judicial de las políticas sociales: estudio de casos. Buenos Aires: Del Puerto, 2009. p. 1-89 (p. 10) (tradução livre). 25 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial, p. 185. Para este autor, seria conceituado o ativismo judicial como “o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar”, podendo representar a invasão, pelo Poder Judiciário, do espaço de conformação normativa do Poder Legislativo (p. 129). 26 Estar-se-ia em discussão, por exemplo, a implementação de direitos sociais veiculados por norma de eficácia limitada. 27 Em sua tarefa de caracterização dogmática do ativismo judicial, Elival da Silva Ramos realiza uma espécie de gradação do controle judiciário dos atos do Poder Público em matéria constitucional, com o objetivo de se avaliar o caráter ativista ou não de determinada decisão judicial. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial, p. 113. 28 De fato, “As ações coletivas, como mecanismo de processamento de demandas coletivas e massificadas, a partir das class actions norteamericanas, são o meio, por excelência, de solução de conflitos envolvendo os direitos sistematizados em políticas públicas” (BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito, p. 1-50; p. 31). 29 De fato, não se pode perder de vista “que o sujeito inserido na coletividade carente de certa política pública poderá requerer a tutela da sua parcela subjetiva daquele direito coletivo, por intermédio de uma demanda individual, que trará somente a ele a proteção requerida” (ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 309-331, p. 327). 30 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário, p. 25. 31 Nesse sentido: “Essas ações estritamente individuais têm sido utilizadas com frequência na prática forense, sobretudo em questões envolvendo direito à saúde, como as demandas que visam à obtenção de determinado medicamento às custas do Estado ou a realização de exames ou procedimento cirúrgico não disponibilizado pelo SUS” (ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de políticas públicas mediante ações coletivas e individuais, p. 328). 32 A judicialização de segundo nível é geralmente realizada por meio de ações estritamente individuais, embora também o cenário seja marcado pelo manejo de ações coletivas que buscam afastar ilegalidades administrativas pontuais que são identificadas no estágio de implementação da política pública correlata. 33 ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. El umbral de la ciudadanía, p. 81. 34 Mais particularmente: “No modelo antigo, a Constituição era compreendida, essencialmente, como um documento político, cujas normas não eram aplicáveis diretamente, ficando na dependência de desenvolvimento pelo legislador ou pelo administrador. Tampouco existia o controle de constitucionalidade das leis pelo Judiciário – ou, onde existia, era tímido e pouco relevante. Nesse ambiente, vigorava a centralidade da lei e a supremacia do parlamento. No Estado constitucional de direito, a Constituição passa a valer como norma jurídica. A partir daí, ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado. Nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal entendida a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte na interpretação final e vinculante das normas constitucionais” (BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto). 35 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil, p. 31. 36 O fio condutor do presente trabalho é a problematização da pertinência dos institutos e categorias jurídicas do processo civil na judicialização de políticas públicas de Seguridade Social levada a efeito mediante demandas estritamente individuais. Isso não significa que outro importante campo de debates esteja fora de nossa percepção. Por evidente, o direito a uma tutela jurisdicional adequada não será plenamente atendido, nem mesmo com a perfeita adequação das normas processuais ao direito material da Seguridade Social, se constrangimentos outros que não normativos culminem por provocar miserável tratamento às garantias constitucionais processuais, que não raro se manifesta em (i) uma postura defensiva no acesso à justiça relacionada à primazia da forma e dos conceitos, (ii) audiências realizadas sob o signo do cronômetro, (iii) perícias médico-periciais arbitrárias, (iv) decisões judiciais insuficientemente fundamentadas, (v) processos deficientemente instruídos etc. Essas questões todas, embora relevantíssimas, extrapolam o objeto deste artigo. 37 Em outros trabalhos dissertamos sobre a necessidade de se limitar o alcance da coisa julgada em matéria previdenciária, para se evitar situações de decisões judiciais injustas que impliquem destituição perpétua de recursos materiais para a subsistência da pessoa que logra demonstrar, em momento posterior, o fato constitutivo do direito fundamental à subsistência pela Previdência Social (SAVARIS, José Antonio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, v. 1, p. 65-86, 2011; SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 8. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 97-106). A partir de semelhante via argumentativa, a Corte Especial do STJ culminou por expressar, de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia, que a falta de prova material do trabalho rural deve conduzir à extinção do processo sem julgamento do mérito, de modo a viabilizar a propositura de nova demanda judicial para a discussão do direito previdenciário (REsp 1.352.721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015, DJe 28.04.2016). 38 Sobre esse tema específico, veja-se o item 2.3, infra (Princípio do acertamento da relação jurídica de proteção social). 39 A tutela de urgência em matéria de Seguridade Social é indispensável para a jurisdição assegurar a adequada proteção desses direitos fundamentais, pois constitui técnica processual idônea para evitar o prolongamento da situação antijurídica que priva o titular do direito violado de recursos materiais necessários à sua subsistência. Com efeito, “Como técnica processual inerente à conformação do processo justo e, muito especialmente, do direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva, a técnica antecipatória é essencial para realização ou acautelamento dos direitos” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 823). 40 A irreversibilidade e definitividade dos efeitos fáticos das tutelas provisórias em matéria previdenciária foi objeto de nossa proposição e se relaciona com o princípio da irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé. Sobre esse tema, veja-se o item 10.6.2.1, infra. 41 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil, p. 31. 42 Nosso estudo ou teste de idoneidade das normas processuais civis para com as causas previdenciárias é elaborado fundamentalmente nos dois primeiros capítulos deste livro. Sobre esse ponto, veja-se ainda: MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do Estado Constitucional; MARINONI, Luiz Guilherme. Do processo civil clássico à noção de direito a tutela adequada ao direito material e à realidade social; MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à adequada tutela jurisdicional. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 633, 2001 (SAVARIS, José Antonio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo). 43 “O direito fundamental de ação é a linha que costura a relação entre as tutelas prometidas pelo direito material e as técnicas processuais. A falta de adequação entre as técnicas processuais e as tutelas dos direitos põe o direito fundamental da ação em perigo, pois coloca em risco a obtenção da tutela efetiva do direito mediante o exercício da ação” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil, p. 126). 44 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil, p. 129. 45 A alteração da concepção do que se tem por norma jurídica, no pósSegunda Guerra Mundial, que passa a ser compreendida como gênero, de que são espécies regras e princípios, traz consigo a questão da normatividade dos princípios, seu alto grau de generalidade e a necessidade de sua concretização por via interpretativa, o que pavimenta a racionalidade jurídica do ativismo judicial: “decisões fundamentadas substancialmente em princípios, afastando ou negando a aplicabilidade de regras específicas para a fatispécie” (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política). 46 A origem do termo “ativismo judicial” é atribuída ao historiador norteamericano Arthur Schlesinger Jr., que, no artigo “The Supreme Court: 1947”, publicado na popular Revista Fortune, lançou análise crítica à orientação dos juízes da Suprema Corte dos EUA daquele ano, tendo alguns por ativistas (“Judicial Activists’) e outros por autorrestritivos (“Champions of Self-Restraint”), que mantinham fundamentalmente uma disputa intelectual quanto à função da Suprema Corte em uma democracia e, de modo particular, no sistema de governo estadunidense (KMIEC, Keenan D. 2004. The origin and current meanings of “judicial activism”, 1441-77). O ativismo judicial estaria relacionado à substituição da vontade do legislador pela dos juízes, sob entendimento de que o Judiciário deve atuar ativamente na promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos vulneráveis. Essa expansão do Poder Judiciário, evidentemente, jamais seguiu isenta de críticas. 47 O INSS é uma autarquia federal instituída com fundamento no disposto no art. 17 da Lei 8.029, de 12.04.1990. Sendo criado pelo Decreto 99.350, de 27.06.1990, tem sua estrutura regimental atualmente disciplinada pelo Decreto 7.556, de 24.08.2011. 48 PARIJS, Philippe Van. Refonder la solidarité. Paris: Les Éditions du Cerf, 1999. p. 13. 49 É sempre importante tomar em conta que as necessidades humanas não se limitam à alimentação e higiene, o que era sempre lembrado por Marx, em toda sua eloquência. “Torna-se evidente que a economia política considera o proletário, ou seja, aquele vive, sem capital ou renda, apenas do trabalho e de um trabalho unilateral, abstrato, como simples trabalhador. Por consequência, pode sugerir a tese de que ele, assim como um cavalo, deve receber somente o que precisa para ser capaz de trabalhar. A economia política não se ocupa dele no seu tempo livre como homem, mas deixa este aspecto para o direito penal, os médicos, a religião, as tabelas estatísticas, a política e o funcionário de manicômio” (MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 72). 50 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 29. 51 WALZER, Michael. Esferas da justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 124. 52 Capacidades elementares como “ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc.” (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 55-57). 53 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004. p. 25. 54 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: Thompson IOB, 2005. p. 109. 55 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 46. O autor está aqui fazendo referência – e aderindo, no particular – ao pensamento garantista de Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 94). 56 CASTELL, Robert. L’insecurité sociale: qu’est-ce qu’être protege? Paris: La République des Idées et Seuil, 2003. p. 5. A abordagem do conceito de proteção social a partir das dicotomias insegurança civil/ insegurança social e proteção civil/proteção social serve a demonstrar, desde logo, o modo distinto como se tutelam os direitos ligados às liberdades fundamentais – e à propriedade – em relação aos direitos de proteção social. Sobre outro modo de se conceber a articulação da proteção humana integral, veja-se: GONZÁLEZ, Juan Carlos Cortés. Derecho de la protección social. Bogotá: Legis, 2009. p. 2-5. Sobre os inescapáveis efeitos de insegurança social advinda da Revolução Industrial, veja-se: POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época, tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. 14. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000; BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: ed. 34, 2010. 57 Em seu segundo relatório ao governo britânico de 1944, Beveridge definia a segurança social como o “conjunto de medidas adotadas pelo Estado para proteger os cidadãos contra aqueles riscos que se concretizam individualmente que jamais deixarão de configurar-se, por melhor que seja a situação do conjunto da sociedade em que vivam” (BEVERIDGE, Willian Henry. Full employment in a free society. London: George Allen and Unwin, 1944. p. 11). 58 Além dessa vertente de proteção social, objeto central deste estudo, é de se reconhecer como proteção social a consistente na atribuição de proteções e de direitos à própria condição de trabalhador – proteções do direito do trabalho (CASTELL, Robert. L’insecurité sociale: qu’est-ce qu’être protege?, p. 31-32). 59 Sobre a fundamentalidade dos direitos de proteção social, veja-se: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 55 e ss.; ROCHA, Daniel Machado. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 110 e ss.; SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Seguridade social como direito fundamental material. Curitiba: Juruá, 2009. p. 161 e ss.; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais, p. 25-43. 60 Em outro trabalho expressamos que o princípio da adequada proteção social abrange as noções de imediatidade, suficiência e especificidade da proteção social (SAVARIS, José Antonio. O princípio constitucional da adequada proteção previdenciária: um novo horizonte de segurança social ao segurado aposentado. Revista de Doutrina do TRF 4ª Região, v. 22, p. 88103, 2008). 61 Sobre o direito ao processo justo como direito humano e fundamental absoluto, veja-se o importante estudo de Luiz Petit Guerra (GUERRA, Luiz Alberto Petit. Estudios sobre el debido proceso: una visión global: argumentaciones como derecho fundamental y humano. Caracas: Ediciones Paredes, 2011). Para uma visão crítica da prática jurídica e acadêmica do devido processo, veja-se: NAVAS, Julio Alberto Tarazona; PÉREZ, Jairo Henrique Herrera. Crisis política, jurídica, social y académica del debido proceso. Santa Fe de Bogota: Jurídica Nacional, 2010. 62 MORO, Sergio Fernando. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 23. Nesse sentido a lapidar formulação de Konrad Hesse: “Dado que a Constituição pretende ver-se atualizada e uma vez que as possibilidades e os condicionamentos históricos dessa atualização modificam-se, será preciso, na solução dos problemas, ser dada preferência àqueles pontos de vista que, sob os respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de efeito ótima” (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 68). 63 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999. p. 52. 64 A partir desse pensamento, sustentamos que a lide previdenciária (modalidade de lide de proteção social) apresenta singular configuração e, por isso, deve orientar-se pela eficácia normativa do devido processo legal, o qual, mercê de sua dignidade constitucional, prevalece sobre as disposições processuais civis que ofereçam resposta inadequada ao processo previdenciário, tanto quanto pode suprir eventual ausência ou insuficiência de disciplina legal específica. 65 François Jacob, Lejeu des possibles, Fayard, 1981, p. 12. Apud JAPIASSU, Hilton. As paixões das ciências: estudos de história das ciências. São Paulo: Letras & Letras, 1991. p. 10. 66 NEVES, Antonio Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra. 1993. p. 25. 67 ORTEGA, Manuel Segura. La racionalidad jurídica. Madrid: Tecnos, 1998. p. 75. 68 É importante a identificação, levada a efeito por Castanheira Neves, das diversas concepções de Direito que poderiam ser compreendidas nesta atitude teorética: “postularam esta atitude concepções do direito de pensamentos jurídicos tão diferentes como o jusnaturalismo (um certo jusnaturalismo, o jusnacionalismo normativista), o positivismo jurídico (o positivismo do normativismo legalista e o positivismo analítico-linguístico) e o realismo jurídico (o realismo sociológico originário de Ehrlich, os realismos escandinavo e americano ou legal realism)” (NEVES, Antonio Castanheira. Metodologia jurídica, p. 50). A escola da exegese, que dominou o pensamento jurídico durante boa parte do século XIX, é provavelmente a corrente doutrinária que encarnou de um modo mais fiel o espírito desta concepção mecânica da função judicial (ORTEGA, Manuel Segura. La racionalidad jurídica, p. 75). 69 NEVES, Antonio Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação jurídica – I. Coimbra: Coimbra, 2003. p. 185. 70 NEVES, Antonio Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação jurídica – I, p. 185. Em outras palavras, “a realização concreta do direito não se confunde com a mera aplicação de normas pressupostas, embora possa ter nessas normas os seus imediatos critérios” (NEVES, Antonio Castanheira. Metodologia jurídica, p. 17). 71 São diversas e de imensa relevância as implicações dessas postulações metodológicas. A partir delas foram lançadas as raízes de nossa teoria da decisão judicial da Previdência Social (SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da previdência social). 72 É necessário reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos como vínculos funcionais que condicionam a validade jurídica da inteira atividade do Estado (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Tradução de Ana Paula Zomer Sica et al. São Paulo: RT, 2006. p. 833). 73 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 235. Também nesse sentido, Gomes Canotilho: “Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição. Mais do que isso: a eventual mediação de instância legiferante na concretização das normas programáticas não significa a dependência deste tipo de normas da interpositio do legislador; é a positividade das normasfim e normas-tarefa (normas programáticas) que justifica a necessidade da intervenção dos órgãos legiferantes” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 2. ed. Lisboa: Almedina, 1998. p. 152). 74 MORO, Sérgio Fernando. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais, p. 23. 75 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 68. 76 Extraído da norma contida no art. 5º, XXXV, da Constituição da República: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 77 Ou ainda que exista disposição contrária, em face da superioridade jurídica da norma constitucional. Isto é, se determinada norma infraconstitucional culmina por esvaziar o conteúdo essencial do direito fundamental ao processo justo em um caso concreto, ela deve ser afastada, de modo a aperfeiçoar-se a proteção constitucional aos direitos fundamentais. 78 MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais e interpretação constitucional. Revista TRF 4ª Região, p. 29. 79 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 52. 80 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à adequada tutela jurisdicional, p. 244. 81 MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999. p. 218. 82 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 31. 83 De fato, “o Estado, monopolizador do poder jurisdicional, deve impulsionar sua atividade com mecanismos processuais adequados a impedir – tanto quanto possível – a ocorrência de vitórias de Pirro. Em outras palavras: o dever imposto ao indivíduo de submeter-se obrigatoriamente à jurisdição estatal não pode representar um castigo. Pelo contrário: deve ter como contrapartida necessária o dever do Estado de garantir a utilidade da sentença, a aptidão dela de garantir, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela” (ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 64). 84 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 52. 85 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1, p. 67. 86 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 55. 87 As normas processuais previdenciárias encontradas textualmente na Constituição e em disposições legais – como adiante se verá –, antes de fundamentarem a existência desta específica disciplina processual, prestamse apenas a explicitar que a singularidade da lide previdenciária reclama normatização distinta daquela oferecida pelo direito processual civil comum. 88 Como ensina Flávia Piovesan, o chamado processo de “juridicização” da Declaração começou ainda em 1949 e foi concluído apenas em 1966. Os referidos pactos internacionais “passavam a incorporar, com maior precisão e detalhamento, os direitos constantes da Declaração Universal, sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes” (PIOVESAN, Flávia. A proteção dos direitos sociais nos planos interno e internacional. In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha Correia (coord.). Direito previdenciário constitucional. São Paulo: LTr, 2004. p. 17). 89 Aprovação: Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991; Ratificação: 24.01.1992; Entrada em vigor: 24.04.1992; Promulgação: Decreto 591, de 06.07.1992. 90 Em nosso “Traços elementares do sistema constitucional da seguridade Social” (SAVARIS, José Antonio. In: ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de especialização em direito previdenciário. Curitiba: Juruá, 2005. v. 1), tivemos oportunidade de analisar os tratados internacionais de direitos humanos em matéria de Seguridade Social, destacando algumas normas de proteção social que foram internalizadas e se encontram dotadas de plena eficácia. 91 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de “risco social”. Revista de Direito Social, v. 14, p. 149-173 (p. 157), 2004. O escrito foi publicado de forma inédita na Revista dos Industriários, n. 18, p. 24-37, dez. 1950. 92 Uma vez mais, sobre a fundamentalidade dos direitos de proteção social, veja-se: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 55 e ss.; ROCHA, Daniel Machado. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro, p. 110 e ss.; SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Seguridade social como direito fundamental material, p. 161 e ss.; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais, p. 25-43. 93 Embora se possa perceber essa singularidade do direito material previdenciário cuja satisfação se persegue em judicialmente, é necessário esclarecer que o argumento da particularidade da lide previdenciária parte da premissa de que seus componentes subjetivos (as partes) e objetivo (objeto da ação, o bem da vida discutido em juízo), analisados em seu conjunto, tipificam uma espécie singular de litígio judicial a justificar tratamento normativo que lhe seja aderente, isto é, a reclamar uma normatização processual previdenciária. 94 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 17. 95 GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação, p. 158; WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 21. 96 Por isso o processo administrativo previdenciário não se desenvolve (ou não deve desenvolver-se) em uma dimensão onde o segurando litiga contra a Administração, deduzindo pretensão, alegando todos os fatos de seu interesse etc. Antes, deve ser compreendido como uma relação de cooperação, um concerto em que Administração deve, em diálogo com o segurado, conhecer a sua realidade, esclarecer-lhe seus direitos e outorgarlhe a devida proteção social, isto é, a mais eficaz proteção social a que faz jus. Perceba-se, nessa perspectiva, quão impróprio é falar-se em uma necessária e estrita correlação entre as demandas administrativa e judicial. 97 RPS, art. 176-A, com a redação dada pelo Decreto 10.410/2020. “O requerimento de benefícios e de serviços administrados pelo INSS será formulado por meio de canais de atendimento eletrônico, observados os procedimentos previstos em ato do INSS. § 1º O requerimento formulado será processado em meio eletrônico em todas as fases do processo administrativo, ressalvados os atos que exijam a presença do requerente. § 2º Excepcionalmente, caso o requerente não disponha de meios adequados para apresentação da solicitação pelos canais de atendimento eletrônico, o requerimento e o agendamento de serviços poderão ser feitos presencialmente nas Agências da Previdência Social”. 98 Pode ser caracterizada a hipossuficiência digital, nesse sentido, como a condição da pessoa que suporta barreiras ou dificuldades de diversas ordens para acesso ou uso de produtos relacionados à comunicação eletrônica, os quais se materializam pela rede mundial de comunicação via computadores (internet), por soluções multidispositivos para acesso a serviços (aplicativos) ou por outros meios de interação remota. 99 Essa afirmação parece ser corroborada pela previsão normativa segundo a qual “O INSS poderá firmar acordo de cooperação técnica com entes públicos e demais entidades para fins de geração e recebimento de requerimentos de benefícios”. Dito de outro modo, o acesso direto do particular ao serviço público, mediante atendimento presencial, parece ser história de uma página virada. Trata-se de verdadeira confissão de insuficiência do serviço público essencial para a população mais carente e desinformada, o que não deixa de retratar os maléficos impactos do contínuo enfraquecimento da Administração Pública com escolhas políticas – de que é exemplo o teto de gastos imposto pela EC 15/2016 – que lhe trazem escassez de recursos pessoais e materiais, expondo-a, ademais, à prática de ilegalidades que se encontram na raiz de um impressionante volume de judicialização. 100 Alguns ensaios de classificação dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social podem ser conferidos em nossos trabalhos: Benefícios programáveis do Regime Geral da Previdência Social – Aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade. In: ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de especialização em direito previdenciário. Curitiba, Juruá, 2006. v. 2, p. 103-193; O princípio constitucional da adequada proteção previdenciária: um novo horizonte de segurança social ao segurado aposentado. Revista de Previdência Social, LTr, n. 326, p. 5-16, jan. 2008. 101 O INSS é uma autarquia federal instituída com fundamento no disposto no art. 17 da Lei 8.029, de 12.04.1990. Sendo criado pelo Decreto 99.350, de 27.06.1990, tem sua estrutura regimental atualmente disciplinada pelo Decreto 7.556, de 24.08.2011. Por força da Lei 13.341/2016, o INSS foi transferido à estrutura organizacional do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. 102 Isso é muito comum nos casos em que se discute judicialmente o direito à pensão por morte e já há dependente habilitado em gozo do benefício. Como a procedência do pedido de concessão do benefício implicará – de acordo com as regras do art. 16, § 1º, e do art. 77, caput e § 1º, ambos da Lei 8.213/91 – a divisão da pensão por morte em partes iguais ou mesmo a cessação do benefício do dependente anteriormente habilitado, é imperioso que o titular do benefício participe da relação processual, porque os efeitos da sentença podem alcançar sua esfera jurídico-patrimonial. Afinal, ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV). Se não fosse assim, o dependente em gozo de benefício poderia ver suprimida sua fonte de sustento, da noite para o dia, sem possibilidade de defesa ou de planejar seguramente sua vida. 103 Duas ressalvas quanto a essa asserção. Ela não se aplica na hipótese do ajuizamento direto da demanda judicial, isto é, sem o prévio indeferimento administrativo. Também é possível que documentos que não instruíram o processo administrativo sejam apresentados pelo autor diretamente em Juízo. Mais adiante falaremos sobre os possíveis efeitos processuais destas duas circunstâncias. 104 Também e talvez especialmente no campo da Previdência Social, servenos o pensamento de Georges Gusdorf: “Os senhores especialistas formulam, numa linguagem técnica, enfeitada de termos bárbaros e de equações matemáticas, uma solução de compromisso que restabelece, por certo tempo, lá onde havia uma ameaça de ruptura”. Assim, “depositamos nossa confiança nos experts, muito embora nossa confiança neles mil vezes tenha sido decepcionada” (JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976). 105 E algumas normas lhe dizem respeito apenas indiretamente, como a inserta no art. 1.211-A do CPC, com a redação acrescentada pela Lei 12.008, de 29.07.2009, que dispõe que “Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias”. Também assim o art. 1.211-C do CPC, com a redação acrescentada pela Lei 12.008, de 29.07.2009, ao dispor que “Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, em união estável”. 106 A referência é feita em relação a temas dos mais caros e que não conseguem, no entanto, sensibilizar a doutrina ou jurisprudência previdenciária, como, por exemplo, a coisa julgada previdenciária e o princípio dispositivo no processo previdenciário em face dos apelos à verdade real. 107 Sobre esse problema específico, adiantando que guardamos linha de raciocínio divergente da que foi acima explorada, veja-se o item 2.3.3.1, infra. 108 Sobre a teoria do acertamento e sua relação com o princípio dispositivo, veja-se o item 2.3.3.3, infra. 109 Em outro trabalho propusemos a classificação dos requisitos da proteção previdenciária entre específicos e genéricos. Os requisitos genéricos são aqueles exigidos de modo geral para a concessão de uma prestação previdenciária: qualidade de segurado e carência. Tais requisitos não dizem respeito a determinado benefício, sendo, em regra, exigidos para que se realize a proteção previdenciária. Afirmamos que eles são exigidos “em regra”, pois a qualidade de segurado é dispensada para a concessão de aposentadoria por idade, tempo de contribuição e especial, ao passo que a concessão alguns benefícios dispensa prazo de carência, como no caso da pensão por morte e dos benefícios por incapacidade quando decorrentes de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho e doenças graves de tratamento particularizado. De outra parte, o requisito específico corresponde à contingência social protegida, o risco social que reclama cobertura previdenciária específica, como no caso da reclusão em relação ao auxílio-reclusão, o parto ou adoção de criança de até oito anos de idade para o salário-maternidade etc. (Requisitos genéricos da proteção previdenciária (qualidade de segurado e carência. In: TAVARES, Marcelo Leonardo (coord.). Direito previdenciário em foco. Rio de Janeiro: Impetus, 2005). 110 As duas turmas que compõem a 3ª Seção do TRF da 4ª Região, especializada em matéria previdenciária, orientam exatamente nesse sentido, senão vejamos: “A jurisprudência tem consagrado a fungibilidade entre os benefícios previdenciários de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e, mesmo, benefício assistencial de prestação continuada ao deficiente, haja vista todos possuírem, como requisito comum, a redução ou supressão da capacidade laboral” (TRF4, AC 5001971-65.2010.404.7006, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 20.01.2012). Nesse mesmo sentido: “Não merece prosperar a alegação do INSS de que a sentença é extra petita, uma vez que inexiste violação do princípio da demanda previsto nos artigos 128 e 460 do CPC. Isto porque, conforme julgados do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a relevância social e alimentar dos benefícios de previdência e assistência social, predomina a fungibilidade das ações por incapacidade, em observância ao princípio juria novit curia, incidente com maior força nos pleitos previdenciários, os quais são julgados pro misero” (TRF2, APELREEX 581661, Processo: 201051018013196/RJ, Segunda Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto, Data Decisão: 22.05.2013, E-DJF2R, Data: 05.06.2013). 111 Nesse sentido: “O princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o juiz conceda espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos. Prevalece a flexibilização do rigor científico por uma questão de política judiciária: considerando que se trata de processo de massa, como são as causas previdenciárias, não seria razoável obrigar o segurado a ajuizar nova ação para obter a concessão de outra espécie de benefício previdenciário cujos requisitos tenham ficado demonstrados durante a instrução processual. 4. O núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade. O auxílio-acidente, assim como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, constitui espécie de benefício previdenciário por incapacidade. A aferição dos pressupostos legais para concessão de auxílio-acidente em processo no qual o autor pede auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não afronta o princípio da congruência entre pedido e sentença, previsto nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. Em face da relevância social da matéria, é lícito ao juiz adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à adequada espécie de benefício previdenciário” (PEDILEF 05037710720084058201, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Rogério Moreira Alves, DJ 06.09.2012, Data da Decisão: 16.08.2012). Igualmente nesse sentido: TRF4, AC 00008928120104049999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 16.04.2010). Também nesse sentido: TRF2, AC 412796, Segunda Turma Especializada, Rel. Des. Fed. André Fontes, j. 23.02.2011, E-DJF2R 02.03.2011; TRF4, AC 0006409-11.2008.404.7001, Sexta Turma, Relª. Vivian Josete Pantaleão Caminha, DE 27.09.2011; TRF3, AC 1661693/SP, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, j. 18.10.2011, TRF3 CJ1: 26.10.2011. 112 CPC/2015, art. 492: “É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. 113 Segundo o qual: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”. A regra encontra-se reproduzida no art. 493 do CPC/2015: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”. 114 Também nesse sentido, a título ilustrativo: “Previdenciário. Agravo regimental no recurso especial. Deferido auxílio-doença em vez de aposentadoria por invalidez. Decisão extra petita. Não ocorrência. Agravo improvido. 1. A sentença, restabelecida pela decisão em sede de recurso especial, bem decidiu a espécie, quando, reconhecendo o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de auxílio-doença, deferiu-o ao segurado, não obstante ter ele requerido aposentadoria por invalidez. 2. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 868.911/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 16.10.2008, DJe 17.11.2008). 115 AREsp 75.980/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 05.03.2012. 116 STJ, AgRg no AREsp 155.067/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22.05.2012, DJe 26.06.2012. 117 Também nesse sentido mais amplo de desvinculação da sentença ao pedido: “É firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de lide previdenciária, pode o juiz enquadrar a hipótese fática no dispositivo legal pertinente à concessão do benefício cabível, sem que isso importe em julgamento extra petita, tendo em vista a relevância da questão social” (STJ, AgRg no REsp 1282928/RS, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 09.10.2012, DJE 17.10.2012). Sobre o tema, veja-se o item 2.3.3.3, sobre a relação entre o princípio dispositivo e a teoria do acertamento da relação jurídica de proteção social. 118 REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019, excerto do voto do relator (página 13). 119 AgInt no AREsp 1292976/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 18.09.2018, DJe 24.09.2018. Nesse sentido: “É firme o posicionamento do STJ de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a análise do pedido contido na petição inicial, não se entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial. REsp 1499784/RS, minha relatoria, Segunda Turma, DJe 11/02/2015, AgRg no REsp 1247847/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 25/06/2015, AgRg no REsp 1.367.825/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29/4/2013 e AgRg no REsp 861.680/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 17/11/2008” (REsp 1545518/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 01.09.2015, DJe 11.11.2015). Nesse mesmo sentido: REsp 1499784/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 03.02.2015, DJe 11.02.2015; AgRg no AREsp 574.838/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 23.10.2014, DJe 30.10.2014; AREsp 1.385.316/SP, Rel. Min. Sergio Kukina, j. 19.11.2018, DJe 22.11.2018. AgRg no REsp 1305049/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 03.05.2012, DJe 08.05.2012. 120 No mesmo sentido, a título ilustrativo: “Não é extra petita a sentença que concede aposentadoria por idade híbrida quando pleiteada aposentadoria por idade rural” (TRF4, AC 0006519-95.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, j. 28.01.2015, DE 10.02.2015). 121 Remanesce a discussão relativa à possibilidade de, em sede de cumprimento de sentença, implantar-se benefício diverso do que foi requerido no processo de conhecimento. Segundo precedente do TRF4, “Ainda que vigore no Direito Previdenciário o princípio da fungibilidade dos pedidos – segundo o qual não se considera extra petita o julgamento que defere à parte autora a concessão de benefício diferente daquele originalmente requerido, desde que preenchidas as condições estabelecidas pela legislação para tal concessão – tal somente se mostra aplicável em sede de processo de conhecimento, sob pena de ofensa à coisa julgada” (TRF4, Ag. 0000669-79.2015.404.0000, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, DE 27.05.2015). 122 AgRg no REsp 1454491/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 16.06.2015, DJe 05.08.2015. 123 Por essa razão, “o pleito contido na peça inaugural, mormente quando se trata de benefício com caráter previdenciário, deve ser analisado com certa flexibilidade. Desta forma, postulada na inicial a concessão de benefício em determinados termos, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos requisitos e concede ao autor todos os consectários devidos daquela postulação, não incorrendo, dessa maneira, em julgamento extra ou ultra petita” (AgRg no AREsp 414.975/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 14.02.2017, DJe 24.02.2017). 124 TRF4, AC 5002038-91.2018.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 19.11.2020. 125 Por essa razão, não concordamos com o pensamento de que não se pode agravar a situação da Fazenda Pública em sede de remessa oficial também em matéria previdenciária, como expressa a Súmula 45 do STJ. Nesse sentido, com nossas reservas críticas, já decidiu o STJ, a título ilustrativo: “A prestação jurisdicional a ser entregue, em sede de reexame necessário, limita-se à análise quanto à correção ou não da sentença contrária aos entes públicos enumerados, motivo pelo qual não se revela possível substituir o benefício previdenciário reconhecido pelo juiz de primeiro grau por outro mais vantajoso ao segurado, em detrimento do interesse coletivo” (STJ, REsp 1379494/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 06.06.2013, DJe 12.06.2013). 126 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. 127 A argumentação está lançada desde a primeira edição deste trabalho. Deve-se registrar, contudo, que desde a vigência da Medida Provisória 871/2019, que emprestou redação ao art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, “As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento” (redação dada pela Lei 13.846/2019). 128 Nos termos do art. 142 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, “A justificação administrativa constitui recurso utilizado para suprir a falta ou insuficiência de documento ou produzir prova de fato ou circunstância de interesse dos beneficiários, perante a Previdência Social”. Se a Administração considera insuficientes os elementos probatórios para a comprovação de determinada circunstância de interesse de seus beneficiários, como tempo de contribuição, união estável, dependência econômica etc., ela deve, com vistas a suprir a carência de prova, instaurar a justificação administrativa no curso do processo administrativo correspondente (RPS, art. 142, § 2º). Para tanto, deve orientar o interessado a requerer o processamento desse recurso, pois, nos termos do art. 145 do RPS, “Para o processamento de justificação administrativa, o interessado deverá apresentar requerimento expondo, clara e minuciosamente, os pontos que pretende justificar, indicando testemunhas idôneas, em número não inferior a três nem superior a seis, cujos depoimentos possam levar à convicção da veracidade do que se pretende comprovar”. 129 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. 130 Nesse sentido decidiu o TRF4, em sede de IRDR: “PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 17. LABOR RURAL. COMPROVAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROVA TESTEMUNHAL EM JUÍZO. Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário” (TRF4 5045418-62.2016.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, j. aos autos em 13.12.2018). 131 ROCHA, Daniel Machado. Benefícios previstos pelo Regime Geral em face da incapacidade laboral. In: TAVARES, Marcelo Leonardo (coord.). Direito previdenciário em foco. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. 132 Lei 8.213/91, art. 60, § 8º, com a redação dada pela Lei 13.457/2017. 133 Lei 8.213/91, art. 60, § 9º, com a redação dada pela Lei 13.457/2017. Não poderá ser fixado prazo estimado para manutenção do benefício de auxílio-doença concedido em favor de segurado considerado insuscetível de recuperação para sua atividade habitual. Nesse caso, o segurado deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade e o benefício será mantido até que aquele seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por incapacidade permanente – antiga aposentadoria por invalidez (Lei 8.213/91, art. 62 e parágrafo único, com a redação dada pela Lei 13.457/2017). 134 A redação atual foi veiculada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que acrescentou ao texto anterior a exigência de que a prova material seja “contemporânea dos fatos” que se pretende comprovar. A contemporaneidade, porém, é um dado próprio da prova material, pois consubstancia um vestígio do acontecimento, nascendo, portanto, contemporaneamente ao fato. A expressa referência à necessidade de contemporaneidade pode ser entendida como desnecessária, portanto. Se, porém, a pretensão foi a de se colocar em xeque a orientação jurisprudencial que reputa atendida a exigência de prova material mesmo quando ela se relaciona a apenas parte do período objeto de comprovação (v.g., Súmula 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório), então a nova disposição legal é inadequada, pois reconduziria ao pensamento da necessidade de um documento por ano de atividade ou orientações restritivas do gênero. CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO Quais são os princípios que devem nortear, de modo específico, os processos que materializam a judicialização de política pública de proteção social? Se a pretensão é a de que o processo previdenciário se destaque do processo civil clássico para consubstanciar um instrumento mais efetivo de satisfação do direito material, não basta apontar as insuficiências deste último. É preciso expressar o que deve seguir do processo civil clássico, como deve seguir e o que deve ceder passo à realidade previdenciária, como exigência do devido processo legal e do direito também constitucional à adequada tutela jurisdicional. O presente capítulo oferece, nesse sentido, diretrizes específicas para os processos que têm como objeto o direito de proteção social. Para tanto, é importante resgatarmos as quatro características que conformam a singularidade previdenciária: • a fundamentalidade de um bem jurídico previdenciário, isto é, sua natureza alimentar correspondendo a um direito de relevância social fundamental; • a presumível hipossuficiência econômica e informacional da pessoa que reivindica uma prestação da Previdência Social; • uma suposta contingência que ameaça a sobrevivência digna da pessoa que pretende a prestação previdenciária; • o caráter público do instituto de Previdência que assume o polo passivo da demanda. Com essas características em mente, pode-se iniciar investigação sobre os princípios que devem reger o processo previdenciário. É importante ter em consideração, nesse sentido e antes de tudo, que todo o interesse social que fundamenta a organização de um sistema solidário de proteção social desdobra-se na exigência de que, administrativamente ou em juízo, se realize a mais adequada cobertura previdenciária. Não há aqui o mero interesse em uma solução que formalmente ofereça pacificação social. Mais do que isso, percebe-se que as situações de indevida ausência de proteção são especialmente maléficas. Em outras palavras, quando o indivíduo não recebe provimento jurisdicional que determine a concessão de benefício a que, na verdade, faz jus, persiste indevidamente a situação de ameaça à subsistência e à dignidade da pessoa humana, com as implicações sociais decorrentes¹³⁵. O sistema do processo civil brasileiro é norteado por um conjunto de princípios que lhe emprestam sustentação lógica e unidade axiológiconormativa. Em um sentido mais amplo, o sistema processual é regido pelos princípios gerais do processo, como o devido processo legal, a igualdade entre as partes, o juiz natural, o contraditório e a ampla defesa, publicidade, motivação dos atos jurisdicionais, economia processual, instrumentalidade processual, razoável duração do processo etc. Esses princípios – que podem ser percebidos como irradiações normativas do devido processo legal – certamente encontrarão ampla aplicabilidade no processo previdenciário. Sem embargo, alguns princípios ou institutos considerados estruturantes de nosso sistema processual civil – pois justificam seu desenho normativo e moldam a compreensão de sua dinâmica – não passam pelo filtro da adequação e, por tal razão, têm sua aplicação mitigada na seara processual previdenciária. Aqui encontraremos, por exemplo, o princípio dispositivo, o princípio da adstrição da sentença e o princípio da estabilidade da demanda. O presente capítulo consubstancia um ensaio – que se reconhece em construção – acerca dos princípios que devem reger, de modo específico, o processo previdenciário. Não se deve abrir mão, todavia, de todo arcabouço normativo que, igualmente derivando do sobreprincípio do devido processo legal, destina-se a disciplinar o direito processual civil clássico e não colide com as exigências de especificidade do direito processual previdenciário. Insista-se: a irradiação normativa do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV) – e de um de seus principais desdobramentos, o direito a uma ordem jurídica justa (CF/88, art. 5º, XXXV) – não apenas exige a condução do processo previdenciário sem a adoção absolutamente vinculante do sistema processual civil clássico como leva à conclusão de que, em determinados casos, não é alcançada uma resposta jurisdicional constitucionalmente adequada a partir exclusivamente deste complexo de normas infraconstitucionais processuais. Com essas ponderações introdutórias, permite-se avançar para a análise de algumas técnicas normativas consideradas adequadas à realização das exigências do direito fundamental ao processo justo e de efetivação dos direitos fundamentais de proteção social. Uma última nota se faz necessária. A abordagem dos princípios processuais previdenciários realizada neste trabalho, mercê da novidade que representa ainda nesta quadra histórica, será feita mediante contextualização de problemas concretos e incursão em temas da seara filosófica. 2.1 PRINCÍPIO DA NÃO PRECLUSÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO Como sustentado anteriormente, direito à Previdência Social consubstancia autêntico direito humano e fundamental, pois a prestação de recursos sociais indispensáveis à subsistência da pessoa deriva do próprio direito de proteção à existência humana digna. Os direitos humanos e fundamentais assim ligados ao mínimo existencial não se submetem ao regime de preclusão, podendo ser satisfeitos a qualquer tempo, desde que demonstrada a sua existência. Seria um contrassenso instituir-se um sistema de proteção social ao necessitado, com vistas a proteger-lhe contra estados de necessidade e, ao mesmo tempo, por razões de natureza formal, recusar-lhe a satisfação de tal direito fundamental quando necessita e efetivamente faz jus aos recursos indispensáveis à sua manutenção. Essa argumentação apresenta três derivações importantes: a) o direito a um bem previdenciário não preclui pelo seu não exercício a tempo, isto é, o direito à proteção previdenciária é imprescritível; b) o direito a um bem previdenciário não é fulminado, de modo indistinto, pelo instituto da coisa julgada; c) no direito processual previdenciário deve-se admitir a apresentação de novas provas, ainda quando vencida a fase instrutória. 2.1.1 Princípio da não preclusão e a imprescritibilidade do direito previdenciário Em tema de proteção social, o regime de preclusão temporal pode conduzir a pessoa a uma condição de destituição perpétua de recursos necessários para sua subsistência, entregando-a à própria sorte mesmo quando seja inegável que faz jus a determinada forma de proteção social. O decurso do tempo não legitima a violação de nenhum dos direitos humanos e fundamentais, os quais devem ser respeitados em sua integralidade. A norma jurídica infraconstitucional que, em caso de violação estatal do direito à Previdência Social, estipula limite de prazo para o requerimento de tutela jurisdicional tendente a determinar a cessação da violação desses direitos humanos, a um só tempo: a) malfere o direito ao mínimo existencial de que se reveste o direito fundamental à Previdência Social; b) implica denegação de justiça. Pela primeira via, o decurso do tempo separará a pessoa da proteção social a que, em tese, faz jus, de modo que o instituto da prescrição do fundo do direito, nesta seara, pode iludir o direito fundamental à Previdência Social (CF/88, art. 6º, caput) e, por consequência, o princípio fundamental da dignidade humana (CF/88, art. 1º, III). Pela segunda via, a prescrição do fundo do direito revela-se violadora do direito constitucional de acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV) e do direito a um remédio jurídico eficaz que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, consagrado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 25, item “1” do Pacto de San José da Costa Rica), ato normativo de estatura supralegal¹³⁶. Nessas condições, afigura-se inconstitucional a norma jurídica que chancela, pelo decurso tempo, a violação do direito humano e fundamental à Previdência Social, impondo prazo para a proteção judicial contra ato estatal que o tenha negado, integral ou parcialmente. É inconstitucional, por essas razões, a regra contida no art. 103, caput, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela MP 1.523-9, de 28.06.1997, quando estipula prazo decadencial (prescrição do fundo do direito, mais propriamente) para a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, porque implica, em suas consequências, a irreversibilidade do ato estatal que viola direito intimamente ligado ao mínimo existencial e à dignidade humana¹³⁷. O Supremo Tribunal Federal, todavia, decidiu de modo contrário ao entendimento aqui sustentado (RE 626.489, Rel. Luís Roberto Barroso, j. 16.10.2013)¹³⁸. Sem embargo, pensamos que diversas são as hipóteses em que não incidirá o prazo decadencial para as ações de revisão de benefício previdenciário, tal como analisado mais adiante (item 9.3.7.4, infra). 2.1.1.1 Imprescritibilidade, inalienabilidade e indisponibilidade Outra característica elementar dos direitos humanos e fundamentais nos auxilia a justificar o princípio da não preclusão ao direito previdenciário: a sua inalienabilidade. O direito humano e fundamental à Previdência Social é inalienável, assim como a dignidade da pessoa humana e a garantia do mínimo existencial. A inalienabilidade do direito previdenciário quer significar que o direito fundamental à proteção social não pode ser separado definitivamente da esfera jurídico-patrimonial de seu titular. Ele não pode ser alienado pelo seu titular ou expropriado pelo Estado ou por terceiros. Trata-se de direito indisponível, no sentido de que não se pode transferir e, ademais, não se pode renunciar¹³⁹. É razoável entender que a natureza alimentar dos direitos previdenciários – e sua relação com o direito à vida – faze-os hospedar a característica da indisponibilidade e, por conseguinte, da irrenunciabilidade¹⁴⁰. É de se compreender, por outro lado, que a circunstância de uma prestação previdenciária apresentar conteúdo econômico-patrimonial conduz à conclusão de que a indisponibilidade dos direitos previdenciários é relativa, e não absoluta. O direito fundamental social à Previdência Social (o direito fundamental em si) é indisponível, mas não o exercício do direito que conduz ao recebimento de expressão econômica verificada em uma prestação previdenciária. Com efeito, se o direito fundamental à Previdência Social é inalienável, imprescritível e irrenunciável, o bem jurídico previdenciário específico (v.g., pensão por morte ou aposentadoria) é de natureza relativamente indisponível, em face de sua expressão econômico-patrimonial. Nesse sentido, observe-se, o caráter irrenunciável do direito não impede a renúncia ao seu exercício, o que se pode dar, na seara previdenciária, por exemplo, pela omissão no requerimento de determinado benefício. O espaço de disponibilidade de um direito previdenciário refere-se à faculdade de decisão, pelo seu titular, dos termos em que será exercido. Essa faculdade de decisão é de duas ordens: a) quanto ao tempo, isto é, o titular do direito é que definirá (i) se e (ii) quando postulará o benefício. Enquanto não formalizado o requerimento do benefício, caracteriza-se o não exercício do direito correspondente¹⁴¹; b) quanto ao modo, isto é, ao titular do direito compete definir, desde que devidamente orientado, qual a melhor proteção social a que faz jus. Para tanto, a melhor defesa do direito de proteção social pode ocorrer mediante: b.1) composição amigável da lide, abrindo-se mão (dispondo) de parcela do direito a que em tese pudesse fazer jus¹⁴²; b.2) desistência da aposentadoria com objetivo de receber maior grau de proteção previdenciária, como no caso da desaposentação¹⁴³; b.3) renúncia ou desistência à determinada prestação previdenciária, com vistas a receber benefício mais vantajoso que não pode receber de modo acumulado. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que a pessoa com deficiência abre mão de direito à sua cota de pensão por morte, para que possa receber a proteção assistencial, que se mostra mais vantajosa¹⁴⁴; b.4) a suspensão do gozo de determinado benefício com o objetivo idêntico ao item anterior (receber benefício mais vantajoso que não pode receber de modo acumulado). Em todos esses casos, o indivíduo pode abdicar do gozo de uma prestação previdenciária, objetivando alcançar uma posição jurídica de proteção social mais vantajosa. Não pode renunciar, porém, de modo geral e irretratável, ao direito de receber determinada proteção previdenciária, a qual, uma vez cumpridos os pressupostos legais, incorpora-se definitivamente ao seu patrimônio jurídico. A noção de imprescritibilidade do direito fundamental previdenciário também deve ser considerada em seus devidos termos: imprescritível é o fundo do direito e não a totalidade dos créditos que porventura poderiam ter sido recebidos pelo beneficiário¹⁴⁵. Essa proposição apresenta duas derivações. Em primeiro lugar, admite-se a chamada prescrição de trato sucessivo, isto é, a prescrição incidente sobre as prestações mensais vencidas, que é de cinco anos a contar da data em que deveriam ter sido pagas¹⁴⁶. A extinção do direito às prestações previdenciárias vencidas não é mero produto de sanção imposta ao titular, por sua inércia, ou simples exigência de segurança jurídica. Retomando-se a compreensão de que a razão de ser de um sistema previdenciário está em oferecer meios indispensáveis a seus beneficiários, na ocorrência de determinadas contingências sociais, há espaço para a presunção de que o não exercício do direito, em certa medida, manifesta a inexistência de necessidade. Por essas razões, a imprescritibilidade do benefício previdenciário não protege esse direito fundamental contra a perda de prestações mensais decorrentes do não exercício oportuno da pretensão que nasceu com a violação do direito¹⁴⁷. Em segundo lugar, não é a prescrição que impede o recebimento de parcelas mensais posteriores à aquisição do direito, mas anteriores ao marco legal a partir do qual o benefício se torna devido. As parcelas mensais correspondentes a período anterior ao termo inicial do benefício (DIB), definido nos termos da lei, não são alcançadas pela prescrição; elas simplesmente não se tornaram devidas porque o direito não foi exercido, mediante formalização do correspondente requerimento do administrativo. E o não exercício de direito, aqui, distingue-se também do fenômeno decadencial, o qual significa extinção de um direito potestativo pelo decurso do prazo. O texto do art. 71-D da Lei 8.213/91, com a redação dada pela MP 871/2019, contém, nesse sentido, imprecisão terminológica, pois a decadência apenas encontra lugar para o exercício de direito cuja satisfação independe da prestação de outrem¹⁴⁸. Ilustremos. Nos termos do art. 60 da Lei 8.213/91, “O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz”. Se, por exemplo, um contribuinte individual formaliza requerimento de auxílio por incapacidade temporária após um ano da data do início da incapacidade, ele receberá o benefício apenas a partir da data do requerimento administrativo. As parcelas anteriores ao requerimento, relativamente ao período em que o segurado já se encontrava incapaz não poderão ser exigidas; não porque sobre elas incidiu a prescrição, mas porque nunca se tornaram devidas, pois o auxílio por incapacidade temporária somente é devido ao contribuinte individual desde a data do requerimento administrativo. Para que se fale em prescrição, é preciso que o órgão previdenciário já tivesse o dever de pagar o benefício. Mais propriamente, é necessário (1) ocorrer a violação ao direito (com um indeferimento administrativo, por exemplo), para (2) nascer ao titular a pretensão, para apenas então (3) falarse na extinção daquele direito, pela ocorrência da prescrição (Código Civil, art. 189). Com efeito, não se confunde com a prescrição a impossibilidade de recebimento de prestações mensais posteriores à aquisição do direito, que não se tornaram devidas em razão do não exercício do direito, mediante a formalização do requerimento administrativo, nas hipóteses em que a lei define este momento como o marco temporal do termo inicial de um benefício previdenciário. Dessa forma, a imprescritibilidade do benefício previdenciário não protege esse direito fundamental contra a perda de prestações mensais decorrentes do não exercício oportuno do direito, que se dá mediante formulação de requerimento administrativo. 2.1.1.2 Imprescritibilidade do fundo do direito e o prazo decadencial do salário-maternidade (MP 871/2019) A Medida Provisória 871/2019 incluiu o art. 71-D na Lei 8.213/91, com a seguinte redação: O direito ao salário-maternidade decairá se não for requerido em até cento e oitenta dias da ocorrência do parto ou da adoção, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento¹⁴⁹. Embora esse dispositivo da MP 871/2019 não tenha sido convertido em lei, revela-se assaz interessante a questão teórica por ele oferecida, relacionada que está à perda do direito ao salário-maternidade pelo seu não requerimento oportuno. Particularmente, a MP 871/2019 buscou introduzir prazo especial para o exercício do direito ao salário-maternidade pelo seu titular, sob pena de caducidade. Cabe indagar, portanto, se uma disposição assim violaria a imprescritibilidade do fundo do direito previdenciário. Nossa resposta a essa questão parte da última premissa lançada na seção anterior: a imprescritibilidade do benefício previdenciário não protege esse direito fundamental contra a perda de prestações mensais decorrentes do não exercício oportuno do direito, que se dá mediante formulação de requerimento administrativo. Nesse sentido, embora evidentemente se tratasse de um regime normativo mais restritivo, a disciplina do salário-maternidade introduzida pela Medida Provisória 871/2019, segundo pensamos, não violava a imprescritibilidade do fundo do direito. Embora essa disposição normativa aparentemente colida com a característica de imprescritibilidade do fundo do direito previdenciário, o que se tem, na verdade, é uma disciplina legal, já existente em relação aos demais benefícios, no sentido de que o exercício oportuno do direito é condição para o recebimento das prestações que se fariam devidas pelo cumprimento dos requisitos legais para sua concessão. Voltemos ao exemplo do auxílio por incapacidade temporária pleiteado pelo contribuinte individual, esboçado logo acima. Cogitemos que o trabalhador se encontrou incapaz para a sua atividade habitual no período de 01.04.2018 a 31.10.2018, mas apenas requereu o benefício em 02.01.2019. Nessas balizas, o pedido será indeferido e não haverá pagamento das prestações mensais relativas ao período de incapacidade pregressa. O que se pode concluir é que, embora o direito existisse, o segurado não receberá o benefício em relação ao período de 01.04.2018 a 31.10.2018 (incapacidade pregressa) porque não requereu o benefício oportunamente. Em suma, também aqui o exercício do direito foi trancado pelo decurso do tempo. A preclusão ao gozo do benefício previdenciário pelo seu não exercício em tempo oportuno, ilustrada pelo exemplo que oferecemos acima, corresponde, mutatis mutandis, à perda do direito que a MP 971/2019 impunha ao beneficiário do salário-maternidade. Seria justificável a incidência do aludido prazo decadencial ao direito de salário-maternidade? Entendemos que sim. Historicamente, a função capital da Previdência Social é a de proteger seus segurados e dependentes na ocorrência de eventos que lhe são adversos, amparando-os em situação de necessidade. De modo mais específico, a garantia constitucional ao salário-maternidade corresponde à “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias” (CF/88, art. 7º, XVIII)¹⁵⁰. De outro lado, naquilo que se pode perceber como uma conquista civilizatória, a legislação previdenciária passou a reconhecer a prestação previdenciária não apenas como um cuidado devido à gestante, mas igualmente o atendimento a uma sensível necessidade do nascituro e também da criança, no caso de adoção¹⁵¹. A convivência familiar igualmente passou a ser valorizada socialmente¹⁵². Esse contexto todo demonstra, por vários ângulos, aquilo que se pode intuir sem maiores dificuldades: a razão de ser da proteção previdenciária é a de oferecer resposta adequada e oportuna às contingências sociais suportadas por seus beneficiários. A concessão do salário-maternidade se justifica fundamentalmente quando é contemporânea à contingência social que visa cobrir (parto ou adoção). É nesse momento que se faz mais necessário o benefício. É para esse período que se garante afastamento do trabalho, sem prejuízo do salário. É também quando a Previdência Social se substitui ao rendimento do trabalho para permitir aos segurados a convivência familiar, bem como a proteção devida à gestante e ao infante. Diante disso, o natural e o razoável é que o benefício seja requerido pouco antes ou logo depois do parto ou da adoção, de modo que, em nosso pensar, não se afiguraria uma exigência legislativa desproporcional condicionar-se o pagamento de prestações pretéritas relativas ao salário-maternidade a um determinado prazo. Perfeitamente aplicável a essa problemática, portanto, o princípio do direito alimentar in praeteritum non vivitur. A título meramente acadêmico, pode-se sustentar que, passado o prazo eventualmente determinado em lei, o não exercício do direito levará à sua caducidade, impossibilitando o recebimento das parcelas que oportunamente poderiam ter sido exigidas, mas não o foram – semelhantemente ao que ocorre no caso de auxílio por incapacidade temporária que chamamos à ilustração linhas acima. Atualmente a questão se resume, porém, a um debate eminentemente teórico, pois a medida provisória não foi convertida em lei, no particular. 2.1.1.2.1 Desistência e renúncia ao direito em que se funda a ação Em razão do que foi articulado na seção anterior, consideramos inaplicável, em matéria previdenciária, a regra processual que impõe ao réu condicionar a desistência da ação à renúncia ao direito sobre qual se funda a ação (CPC/2015, art. 485, § 4º, c/c Lei 9.469/97, art. 3º¹⁵³). E, por essas mesmas razões, guarda-se reserva ao entendimento do STJ, firmado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia, que faz empregar essa norma (concordância com a desistência desde que haja renúncia ao direito) no domínio processual previdenciário: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. NÃO CONSENTIMENTO DO RÉU. ART. 3º DA LEI 9.469/97. LEGITIMIDADE. 1. Segundo a dicção do art. 267, § 4º, do CPC, após o oferecimento da resposta, é defeso ao autor desistir da ação sem o consentimento do réu. Essa regra impositiva decorre da bilateralidade formada no processo, assistindo igualmente ao réu o direito de solucionar o conflito. Entretanto, a discordância da parte ré quanto à desistência postulada deverá ser fundamentada, visto que a mera oposição sem qualquer justificativa plausível importa inaceitável abuso de direito. 2. No caso em exame, o ente público recorrente condicionou sua anuência ao pedido de desistência à renúncia expressa do autor sobre o direito em que se funda a ação, com base no art. 3º da Lei 9.469/97. 3. A existência dessa imposição legal, por si só, é justificativa suficiente para o posicionamento do recorrente de concordância condicional com o pedido de desistência da parte adversária, obstando a sua homologação. 4. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, após o oferecimento da contestação, não pode o autor desistir da ação, sem o consentimento do réu (art. 267, § 4º, do CPC), sendo que é legítima a oposição à desistência com fundamento no art. 3º da Lei 9.469/97, razão pela qual, nesse caso, a desistência é condicionada à renúncia expressa ao direito sobre o qual se funda a ação. 5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/08 (REsp 1267995/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 27.06.2012, DJe 03.08.2012). De todo modo, havendo sido firmada tese sobre o tema, a necessária salvaguarda dos direitos fundamentais exige a peculiar compreensão a respeito do alcance dessa renúncia judicial na seara previdenciária. Segundo pensamos, sendo indisponível e irrenunciável o direito fundamental, apenas pode ser admitida a renúncia ao direito em que se funda a ação em termos mais restritivos, isto é, aos termos da pretensão inicial formulada, que se relaciona a uma determinada DER (data da entrada do requerimento). Isso não significa, em absoluto, a possibilidade de renúncia definitiva e para sempre ao benefício previdenciário pretendido ou à discussão das questões de fato ou de direito que amparam a demanda. Nessa perspectiva, seria admissível a renúncia a uma expressão patrimonial determinada do direito, mas não o acesso ao direito fundamental, em si. 2.1.2 Princípio da não preclusão e os limites da coisa julgada em matéria previdenciária O instituto da coisa julgada encontra-se fundamentado na necessidade de que, em determinada medida, as decisões judiciais apresentem-se como definitivas. É essencial manifestação do Estado de Direito que as relações jurídicas sejam regidas de modo a assegurar às pessoas condições de planejarem suas vidas com razoável grau de previsibilidade e confiança na ordem jurídica. A proteção da segurança jurídica, por consequência, é um dos pilares do Estado de Direito. A incerteza das relações jurídicas constitui inequívoco foco de inquietude social e com ela germinam proposições que colocam em xeque a legitimidade do poder estatal. Compreende-se, assim, a importância de que os litígios individuais e coletivos sejam prevenidos ou, em tempo razoável, encontrem seu ponto final. A solução dos conflitos realiza-se, via de regra, com a intervenção do Poder Judiciário e seria absolutamente indesejável que, após a proclamação de quem tem razão, fosse o conflito a qualquer tempo reaberto e o Estado novamente chamado a dizer o Direito. Que crédito teria uma tal decisão judicial? Que eficácia deteria a ordem jurídica e de que legitimidade gozariam as instituições públicas chamadas a assegurá-la? Que ordem afinal prevaleceria senão a desordem orientada pelo mais forte? Não é objetivo deste estudo reafirmar o que se encontra muito bem elaborado em tantos estudos processual-constitucionais: a capital importância da coisa julgada e os seus fundamentos axiológicos. Reconhecer o papel fundamental da coisa julgada não conduz, todavia, à ideia de que a decisão judicial contra a qual não cabe mais recurso seja imutável independentemente das nulidades processuais que concorreram para sua formação ou do inequívoco error in judicando que manifesta. Nesse sentido, não é absoluta a eficácia da coisa julgada, como demonstram as exceções previstas na legislação processual civil (CPC/2015, art. 966; CPC/1973, art. 485) e a sólida doutrina da relativização da coisa julgada: Não há uma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável. Nesta perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui-se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado redondo. A irrecorribilidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional¹⁵⁴. Embora diversas particularidades pudessem fomentar análise da coisa julgada em matéria previdenciária, o plano deste estudo é enviesado a oferecer resposta à inaceitável situação de se denegar proteção social a quem dela necessita e a ela faz jus, mas que, por razões das mais diversas, não logrou comprovar o fato constitutivo do seu direito¹⁵⁵. Não se trata aqui, portanto, de discorrer sobre o que se resolveria a partir da perspectiva do processo civil clássico. Se, a título ilustrativo, o pedido de concessão de benefício de auxílio por incapacidade temporária foi julgado improcedente porque não foi constatada incapacidade para o exercício da atividade habitual do segurado no primeiro processo, nada obsta seja o pedido renovado, desde que tenham sido modificadas as circunstâncias de fato. Na hipótese de alteração da causa de pedir, a repetição do pedido não encontra obstáculo na coisa julgada. E isso já prescrevem as disposições do direito processual civil comum. Veja-se, nesse sentido, a título ilustrativo: [...] é possível a propositura de nova ação pleiteando o mesmo benefício, desde que fundada em causa de pedir diversa, decorrente de eventual agravamento do estado de saúde da parte, com o surgimento de novas enfermidades¹⁵⁶. [...] Postulando o segurado a concessão de benefício por incapacidade, calcado no agravamento do seu quadro de saúde e tendo por base requerimento administrativo diverso, situação fática esta diversa da analisada em anterior ação, transitada em julgado, não há que se falar em identidade de pedidos e de causa de pedir, não se caracterizando a ofensa à coisa julgada¹⁵⁷. Da mesma forma, se é negada judicialmente a concessão de aposentadoria espontânea (por tempo de contribuição, idade ou especial), nada impede seja o pedido renovado, uma vez suscitada a ocorrência de novos fatos, por exemplo, o superveniente cumprimento do período de carência ou do requisito específico exigido para a concessão da prestação reivindicada. Ainda nesta linha de pensamento, é seguro afirmar a possibilidade de reprodução de pedido judicial de concessão de benefício anteriormente denegado com fundamento em alteração do sistema normativo. Até aqui a solução seria encontrada dentro das raias do direito processual civil comum, em matéria previdenciária. 2.1.2.1 A coisa julgada secundum eventum probationis Quando nos referimos às exigências de normatividade própria do direito processual previdenciário, propusemos que a lógica da preservação da vida do hipossuficiente que se encontra em situações adversas deve inspirar o legislador na elaboração de normas processuais previdenciárias e, bem assim, orientar o juiz na busca de soluções para questões abertas pela insuficiência do processo comum civil. Eis um caminho próprio para o direito processual previdenciário. Enquanto o processo civil se mostra exuberante no que conquista de mais elevada segurança com o instituto da coisa julgada, o direito processual previdenciário é guiado por um princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal. Não é adequado que se sepulte, de uma vez por todas, o direito de receber proteção social em função da certeza assegurada pela coisa julgada, quando a pessoa, na realidade, faz jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente. Tal como no direito penal se admite a revisão criminal para beneficiar o réu quando, por exemplo, são descobertas novas provas que o favoreçam¹⁵⁸, o processo previdenciário pauta-se pelo comprometimento, a todo tempo, com o valor que se encontra em seu fundamento: a proteção social do indivíduo vulnerável, essa essencial dimensão de liberdade real e dignidade humana. Em relação a este valor, é de se reconhecer, a segurança contraposta deve ser superada como um interesse menor. É preciso reconhecer: Tão digna quanto a liberdade física é a liberdade que Roosevelt denominou “liberdade das privações”. Daí falar-se em liberdade real, que só pode ser exercida pela pessoa com recursos mínimos para sobreviver, planejar sua vida e dela fazer algo valioso. Se a liberdade física, traduzida no direito de ir e vir, é vista como uma inegociável expressão da dignidade humana, da mesma forma a liberdade real, em oposição à liberdade formal, deve ser pensada como um direito inalienável do ser humano, o direito de ir e vir, e viver. De que liberdade se fala afinal quando o indivíduo é cercado pela destituição, subnutrição e apenas com esforço extraordinário consegue “vender sua força de trabalho” para prover seu sustento imediato? A segurança social atua justamente aí, como instrumento de combate à marginalização e à pobreza. No clássico ensaio de Isaiah Berlin sobre os dois conceitos de liberdade (dicotomia entre liberdade negativa e liberdade positiva), a liberdade negativa se apresenta quando alguém é livre da interferência de qualquer pessoa em suas atividades. A liberdade nessa perspectiva individualista e bastante questionada do homem é que fundamentou “Todo apelo em favor de liberdades civis e de direitos individuais, todo protesto contra a exploração e a humilhação, contra o abuso da autoridade ou a hipnose em massa dos costumes ou a propaganda organizada”¹⁵⁹. De outra forma, o sentido “positivo” da palavra “liberdade” se origina no indivíduo ser seu próprio amo e senhor, com possibilidade de agir ou capacidade para verdadeiramente realizar algo. As duas formas de liberdade se complementam quando se considera que o indivíduo não pode realmente exercer as liberdades individuais (propriedade, expressão, circulação) sem que as condições para seu exercício sejam criadas. A liberdade “positiva” não é “uma liberdade de”, mas “uma liberdade para”¹⁶⁰. A segurança social atua também aqui, como baluarte de nossa civilização para a inserção moral do indivíduo na sociedade. Conduzindo assim o pensamento, pretende-se sustentar que o direito individual fundamental à segurança social é de fato indispensável para o exercício das liberdades individuais negativas e nada deve em importância ao direito fundamental da liberdade física. Por essa razão, não será adequadamente servido pela exclusiva movimentação do modelo do processo civil clássico. A coisa julgada não deve, ademais, significar uma técnica formidável de se ocultar a fome e a insegurança social para debaixo do tapete da forma processual, em nome da segurança jurídica. Tudo o que acontece, afinal, seria “apenas processual, mesmo que seus efeitos sejam desastrosos para a vida real”¹⁶¹. A fundamentação para a aceitação do que acima foi proposto não se dá apenas pelas três primeiras características da “singularidade previdenciária” antes levantadas (relevância do bem da vida para a afirmação da dignidade humana e hipossuficiência econômica e informacional da parte que se presume destituída de recursos para sua subsistência). Também o caráter público do instituto de Previdência que assume o polo passivo da demanda é relevante, pois não haverá o sentimento de eterna ameaça de renovação de um litígio ou de revisão de uma sentença¹⁶². Não há insegurança em se discutir novamente uma questão previdenciária à luz de novas provas, como inexiste insegurança na possibilidade de se rever uma sentença criminal em benefício do réu. Observe-se, de outro lado, que, Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável” (RE 363889, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 02.06.2011, DJe 15.12.2011). 2. No caso, a improcedência do pedido na ação primeva de investigação de paternidade não decorreu da exclusão do vínculo genético por prova pericial, mas sim por insuficiência de elementos para o reconhecimento ou a exclusão da paternidade, motivo pelo qual a condição de pai não foi cabalmente descartada naquele feito (AgRg no REsp 1215172/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 05.03.2013, DJe 11.03.2013). Em outras palavras, Não implica ofensa à coisa julgada material o ajuizamento de nova ação para investigar a paternidade mediante a utilização de exame de DNA, nas hipóteses em que a ação anterior teve o pedido julgado improcedente por falta ou insuficiência de provas, sem que tenha sido excluída a possibilidade de existência de vínculo genético [...] Precedentes deste Tribunal e do STF (RE 363.889/DF) (STJ, REsp 1223610/RS; Relª. Minª. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 07.03.2013). Mutatis mutandis, o que justifica a possibilidade de limitação dos efeitos da coisa julgada em matéria previdenciária é justamente a natureza do direito que se encontra em jogo, isto é, a fundamentalidade do bem da vida para o indivíduo e sua elevada relevância para a sociedade. Mais ainda: não se pode esquecer que o indivíduo agravado com a sentença de não proteção se presume hipossuficiente (em termos econômicos e informacionais) e sofrendo ameaça de subsistência pela ausência de recursos sociais. Seria minimamente adequada a sentença que impõe ao indivíduo a privação perpétua de cobertura previdenciária a que, na realidade, faz jus? Em nome do quê, exatamente? De outro lado, a entidade pública chamada a conceder a prestação previdenciária tão somente operará na melhor aplicação do princípio da legalidade, entregando ao indivíduo o que, ao fim e ao cabo, lhe era mesmo devido por lei. Essa proposta decorrente do princípio da não preclusão do direito previdenciário, note-se, parte da perspectiva de que não é adequado considerar-se o sistema processual como um modelo ideal, como se a porção reservada ao estudioso fosse descobrir os princípios que informam o sistema, os princípios que influem para que ele seja assim, tal como se apresenta. Mais do que entender uma suposta lógica ideal do sistema, deve o investigador sondar eventuais imperfeições e, no quanto discernir as contradições do modelo jurídico com normas constitucionais fundamentais, propor-se a aperfeiçoá-lo em sua expressão instrumental à justiça e à pacificação social. Note-se que os novos elementos de prova não necessitam ser supervenientes ao trânsito em julgado da decisão proferida na demanda anterior. A jurisprudência do STJ tem expressado, nesse sentido, que “Ainda que o documento apresentado seja anterior à ação originária, esta Corte, nos casos de trabalhadores rurais, tem adotado solução pro misero para admitir sua análise, como novo, na rescisória” (AR 2.338/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, j. 24.04.2013, DJe 08.05.2013). O conceito de documento novo – ou elementos probatórios novos, mais propriamente – deve ser compreendido em uma perspectiva ampla, levandose em conta a necessidade da proteção social e dos inaceitáveis efeitos práticos que emanam de uma decisão denegatória de benefício previdenciário para a pessoa que dele necessita. O sentido amplo que se pode atribuir à interlocução “documento novo” – ou elemento probatório novo – presta-se, com igual justiça, a todos os casos em que novos elementos de prova se revelam hábeis a demonstrar a injustiça da decisão denegatória passada em julgado. Seria mesmo desproporcional impor ao indivíduo agravado com a sentença de não proteção e que se presume hipossuficiente em termos econômicos e informacionais sofrer perpetuamente os efeitos deletérios da decisão denegatória, cuja injustiça resta manifesta. A lógica da preservação da vida nos conduz ao princípio processual da não preclusão do direito previdenciário que, por sua vez, reclama concretização dos princípios do devido processo legal e do direito a uma ordem jurídica justa na condução do processo como corolário da garantia plena de acesso à justiça, afastando os efeitos plenos da coisa julgada. Seria até possível resignar-se diante da concretização do devido processo legal na forma adotada pelo processo civil clássico, concluindo pela eficácia imutável da coisa julgada, como o faz acriticamente a orientação dominante. Mas não é viável desconsiderar que tal perspectiva desaguará em um sem-número de decisões injustas que consubstanciam o que se tem por “privação perpétua” de bem-estar, com seus maléficos efeitos sociais. A tese da “coisa julgada previdenciária segundo a prova dos autos” parece, nesse sentido, uma feliz aproximação do sistema normativo processual à realidade do direito material. Na jurisprudência, encontra-se um conjunto de precedentes que se ajustam ao que sustentamos acima. Confira-se, a título ilustrativo: A parte autora apresentou acervo probatório bastante robusto e baseou seu pedido em novo requerimento administrativo, motivo pelo qual não há de prevalecer a preliminar arguida, devendo ser observada coisa julgada secundum eventum probationis no Direito Previdenciário (TRF5, AC579143/AL, Rel. Rogério Fialho Moreira, j. 14.04.2015). Considerando o caráter social que permeia o Direito Previdenciário, a coisa julgada opera secundum eventum litis ou secundum eventum probationis, permitindo a renovação do pedido, ante novas circunstâncias ou novas provas (TRF1, AC 0011988-13.2014.4.01.9199/GO, Rel. João Luiz de Sousa, DJ 08.06.2015). Da mesma forma, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a TNU já teve ocasião de decidir que, em primeiro lugar, está a regra constitucional da proteção previdenciária, permitindo, em determinadas hipóteses, “a desconsideração da eficácia plena da coisa julgada, como no caso dos autos, ante a apresentação de novas provas pela autora” e a existência de novo requerimento administrativo (PEDILEF: 0031861-11.2011.4.03.6301, Rel. Juiz Federal João Batista Lazzari, j. 12.05.2015)¹⁶³. Em suma, o princípio da não preclusão se prende à exigência da coisa julgada secundum eventum probationis em matéria previdenciária. Essa tese se afigura dentro de uma perspectiva peculiar de segurança jurídica que consubstancia justa aderência do sistema normativo processual à especificidade do direito material e à força normativa do direito fundamental ao processo justo¹⁶⁴. E essa compreensão aparentemente está sendo acolhida pela jurisprudência pátria. 2.1.2.2 Extinção do processo sem resolução do mérito nas hipóteses de falta ou insuficiência de prova Enquanto o direito processual civil clássico aponta para o fechamento preponderantemente indiscutível da coisa julgada, o direito processual previdenciário busca apoiar-se no princípio constitucional do devido processo legal, com as cores específicas da não preclusão do direito previdenciário¹⁶⁵. É importante destacar que a jurisprudência pátria tem mostrado significativa evolução quanto às exigências constitucionais de um tratamento normativo diferenciado para o direito processual previdenciário, orientando-se “no sentido de possibilidade de flexibilizar os institutos de direito processual, em demanda na qual a pretensão gira em torno do direito a benefício previdenciário, com vistas a atender os ditames constitucionais e sociais inerentes à Previdência Social, os quais primam pela proteção do segurado”¹⁶⁶. O princípio da não preclusão do direito à Previdência Social com a consequente desconsideração da eficácia plena da coisa julgada foi objeto de louvável posicionamento assumido pela 5ª Turma do TRF da 4ª Região, ainda no ano de 2002: O princípio de prova material é pré-condição para a própria admissibilidade da lide. Trata-se de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento (CPC, art. 283 c.c. 295, VI). Consequentemente, sem ele, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, I). E assim deve ser, porque o direito previdenciário não admite a preclusão do direito ao benefício, por falta de provas: sempre será possível, renovadas estas, sua concessão. Portanto, não cabe, na esfera judicial, solução diversa, certo que o Direito Processual deve ser enfocado, sempre, como meio de para a realização do direito material (TRF4, Quinta Turma, AC 2001.04.01.075054-3, Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 18.09.2002). Com base nesse entendimento, a 5ª Turma vinha entendendo que, nos casos em que o segurado não prova as alegações, deve o feito ser extinto sem julgamento de mérito. Tem-se admitido a propositura de nova demanda ainda que uma outra, anteriormente proposta, tenha sido julgada improcedente, adotando-se, desse modo, em tema de Direito Previdenciário, a coisa julgada secundum eventum probationis (TRF4, Quinta Turma, AC 2001.70.01.002343-0, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 21.05.2003). Mas, se o juiz se lança à tarefa de valoração da prova, não estaria ele examinando o mérito para, depois de concluir pela ausência ou insuficiência de prova material, extinguir o feito sem o julgamento do mérito? Parece-nos um tanto rigoroso afirmar, na linha do primeiro precedente acima transcrito, que “o princípio de prova material é pré-condição para a própria admissibilidade da lide” ou que se trata de “de documento essencial, que deve instruir a petição inicial, pena de indeferimento”. Ao analisar a suficiência de prova material, impõe-se a extinção do processo com o julgamento do mérito. Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da existência humana, à ideia de não preclusão do direito previdenciário. Seria correto sustentar, porém, que a impropriedade técnica (extinção sem o mérito após valoração da prova) impulsionada pelo zelo progressista (ou liberalidade?) do magistrado é que definirá a possibilidade de nova discussão da causa? Não deverá ser considerada a decisão como extintiva do mérito, em sua substância? E quando outro órgão jurisdicional, em casos idênticos, delibera adotar a ortodoxia do processo civil clássico e extingue o feito com exame do mérito? Por um detalhe meramente formal do dispositivo da sentença, não importa o mais, define-se a sorte do indivíduo? Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão “nesses termos” ou “por agora”. É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito por ausência de prova material: primeiro, a possibilidade de existirem provas favoráveis ao autor que não constam nos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade. É isso o que não expressa a decisão extintiva sem o mérito: não há preclusão do direito previdenciário e, por consequência, a causa previdenciária é julgada em seu mérito segundo as provas dos autos (secundum eventum probationis), independentemente de o feito ter sido extinto com ou sem resolução do mérito. Nada obstante, importante decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia, firmou a seguinte tese: A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa (REsp 1.352.721-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015, DJe 28.04.2016). Com base nesse entendimento, deve ser extinto sem julgamento do mérito o processo previdenciário em que a decisão judicial não reconhece o direito ao benefício em razão da ausência ou insuficiência de prova material, pressuposto para a comprovação do tempo de serviço. Reconheça-se que o problema específico objeto do julgamento acima aludido consistiu em recusa do direito à aposentadoria rural por idade por ausência de prova material. A ratio decidendi do julgado, contudo, presta-se a qualquer hipótese em que é rejeitada a pretensão de proteção previdenciária ao argumento de ausência ou insuficiência de prova material, como se pode verificar do seguinte excerto da própria ementa: 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social [...]¹⁶⁷. Essa orientação jurisprudencial parece reafirmar a lógica assumida em julgamento da 3ª Seção do mesmo Tribunal Superior, proferido ainda no ano de 2010. Embora a decisão ali produzida não tenha alcançado os termos por nós propostos, por intermédio de suas exatas premissas, ela culminou por denegar o direito ao benefício previdenciário, mas resguardou a possibilidade de novo ajuizamento da demanda: Dessa forma, não tendo o requerido produzido nos autos prova da sua condição de desempregado, merece reforma o acórdão recorrido que afastou a perda da qualidade de segurado e julgou procedente o pedido; sem prejuízo, contudo, da promoção de outra ação em que se enseje a produção de prova adequada (STJ, Terceira Seção, Pet 7.115, unânime, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10.03.2010, DJ 06.04.2010). É possível afirmar a esta altura que, desde uma perspectiva constitucional, o órgão jurisdicional chamado a solucionar o litígio judicial tem o poder/dever de oferecer adequada resposta às exigências de normatividade própria do direito processual previdenciário, reconhecendo como uma de suas manifestações, a eficácia relativa da coisa julgada previdenciária. A coisa julgada previdenciária, seja pelo entendimento da coisa julgada secundum eventum probationis, seja pela flexibilização dos termos de extinção do processo por falta ou insuficiência de prova, permite nova discussão da matéria ligada à concessão ou revisão de determinado benefício previdenciário quando a pretensão foi originariamente recusada por insuficiência de provas. Isto porque o direito fundamental à Previdência Social é orientado pelo princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão de índole formal. 2.1.3 Princípio da não preclusão e verdade real O reconhecimento dos limites constitucionais à coisa julgada em matéria previdenciária pode constituir grande avanço naquilo que se desprende do processo civil clássico e se aproxima, por imposição constitucional, do direito material previdenciário. Mas não deve implicar, por outro lado, justificação para uma inconsequente aceleração processual. Se anteriormente sustentamos que a “liberdade de privações” nada deve em termos de importância à liberdade física e se invocamos o paradigma do direito processual penal para demonstrar a inadequação da coisa julgada civil em matéria previdenciária, este é o momento para se colocar em dúvida o domínio da verdade formal no direito processual previdenciário. Diante da singularidade da lide previdenciária¹⁶⁸, o princípio dispositivo não deve conduzir à imagem do juiz equidistante das partes, aguardando iniciativa destas quanto à afirmação dos fatos constitutivos do direito e respectiva comprovação. Se há algo de recorrente na afirmação de que no processo civil moderno o juiz não é um mero espectador do processo, mas deve participar ativamente na instrução da causa, com mais razão o juiz previdenciário deve valer-se de seus poderes instrutórios para se aproximar da verdade real (CPC/1973, art. 130; CPC/2015, art. 370). A solução da causa poderá não atender toda expectativa social em ver assegurada a efetividade integral do direito se a instrução do feito for abandonada às partes. Mais especificamente, o interesse social em uma adequada cobertura previdenciária fica ameaçado se é o autor da demanda, presumivelmente hipossuficiente, que deve oferecer as provas que confortam suas razões de fato. Atente-se ademais que não deve ser plena a disponibilidade emanada do princípio dispositivo se o bem previdenciário é relativamente indisponível¹⁶⁹. A busca pela verdade real nos processos previdenciários não consiste em uma liberalidade do juiz. Ele deve valer-se de seus poderes instrutórios para encontrar algo que se aproxime da verdade dos fatos. Isso não significa dizer que se exigirá do juiz a imaginação de todas as possibilidades que se encontrariam abertas ao autor, mas que lhe será demandada uma postura ativa, inconformada com aparentes contradições e voltada primordialmente para a solução do problema de vida que carrega um feito previdenciário (e não para o encerramento do processo). O brocardo “o que não está nos autos não está no mundo não deveria mais estar no mundo”. A atuação do magistrado na busca da verdade real não agride o princípio da imparcialidade judicial, pois o resultado obtido servirá a melhor instrução da causa e à mais qualificada prestação de jurisdição (com o que deve atender aos interesses de ambas as partes). Perceba-se, nesse sentido, a importância da construção jurisprudencial a que abaixo fazemos referência: [...] Entendendo o magistrado serem necessárias novas provas, pode este requisitá-las de ofício, ou mesmo determinar que a parte autora as produza, porquanto assim determina o art. 130 do Código de Processo Civil. 3. “O direito à prova é componente inafastável do princípio do contraditório e do direito de defesa. O problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo do ônus (CPC, art. 333). Necessário examiná-lo do ponto de vista da garantia constitucional ao instrumento adequado à solução das controvérsias, dotado de efetividade suficiente para assegurar ao titular de um interesse juridicamente protegido em sede material a tutela jurisdicional” (Bedaque, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, pp. 26-27). 4. A complementação do conjunto probatório, corolário do poder do juiz de averiguar os fatos, sobre o qual as partes não podem dispor, visa, por meio da busca pela verdade real, à formação de um juízo de livre convicção motivado, atendendo, assim, ao interesse público de efetividade da Justiça, cujo escopo é o alcance da verdadeira paz social, que se eleva sobre os interesses individuais das partes. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (TRF4, APELREEX 0008850-21.2010.404.9999, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 07.03.2012). De outro lado, a entidade previdenciária que figura no polo passivo guarda como missão fundamental a melhor gestão possível da Previdência Social. Seu objetivo institucional primeiro é o de propiciar o que temos chamado de adequada proteção previdenciária, indeferindo benefícios indevidos e concedendo o que deve ser concedido de acordo com a lei. Quanto menos inverta as coisas, mais eficientemente demonstrará atendimento aos princípios referidos no art. 37, caput, da Constituição da República. Nesses termos, uma participação mais ativa do juiz na busca de provas vai ao encontro do interesse maior também da autarquia previdenciária, que não deve abandonar sua finalidade institucional para em juízo, equivocadamente, jogar-se em uma defesa surda de atos administrativos que, por vezes, se revelam flagrantemente ilegítimos. Mesmo que o princípio a ser seguido na dinâmica da relação processual seja o da promoção de equilíbrio econômico e de informações entre as partes, não se afigura quebra da imparcialidade quando o juiz busca informações sociais dos segurados junto a bancos de dados do instituto de Previdência (CNIS, por exemplo) a que tem acesso, pois também aí o resultado será o aperfeiçoamento da atividade jurisdicional¹⁷⁰. Estamos em condições de justificar a passagem do tema da coisa julgada previdenciária (segundo a prova estabelecida nos autos) ao da verdade real, para desde logo afirmar que melhor é que se busque a verdade real do que se tenha de valer da coisa julgada previdenciária (secundum eventum probationis). Também é melhor o processo conduzido com segurança – manifestando cognição digna de ser chamada plena e exauriente – e célere quanto possível, do que o processo que celeremente chega ao final para não julgar o mérito por falta de prova material. Se a primazia fosse atribuída à coisa julgada previdenciária em relação à verdade real, teríamos os ingredientes necessários para uma aproximação caótica do processo judicial previdenciário às linhas do processo administrativo conduzido pela entidade previdenciária, onde se sucedem indefinidamente os requerimentos de concessão de benefício que são encaminhados sem qualquer respeito às formas constitucionais processuais. Um ponto conectado com o princípio da verdade real, pode-se dizer, é o que se relaciona com o tempo oportuno para apresentação de provas no processo previdenciário. É importante reconhecer, antes de tudo, que se encontra pacificado na jurisprudência do STJ o “entendimento no sentido de ser admissível a apresentação de prova documental na fase recursal, desde que não caracterizada a má-fé e observado o contraditório” (AgRg 200500015022, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 22.08.2005, DJ 22.08.2005)¹⁷¹. Se tal amplitude do direito de defesa é assegurada no âmbito do processo civil clássico, quanto mais deve ser assegurada a apresentação de documentos na fase recursal em um processo previdenciário, em razão da dignidade constitucional fundamental do direito material que se busca satisfazer. Observe-se que se o STJ vem ampliando o conceito de “documento novo”, para o efeito de admiti-lo como hábil a rescindir decisões denegatórias de proteção previdenciária¹⁷², com muito mais razão se deve admitir, a qualquer tempo, a apresentação de documentos indicativos da existência ou não do direito previdenciário postulado judicialmente. Mais uma vez o que se tem, agora em relação ao momento oportuno para apresentação de provas, é a regência do princípio da não preclusão do direito previdenciário: não é adequada a imposição de preclusão temporal para o efeito de se inibir a apresentação de elementos probatórios – ou produção de outros – necessários à demonstração da existência do fato constitutivo do direito fundamental social em questão. 2.1.3.1 Positivismo filosófico, juízos de imparcialidade e a verdade no direito social A elaboração da sentença consubstancia o momento em que o juiz se expressa acerca das duas espécies de verdade que geralmente lhe são indagadas: a verdade sobre os fatos e a verdade sobre o direito. A primeira verdade decorre das questões de fato que são apresentadas em juízo. O juiz, no processo de formação de seu convencimento, qualificará os fatos que reputa existentes. A segunda verdade deriva da tarefa judicial de definição do direito aplicável ao caso concreto. É uma tarefa de qualificação jurídica dos fatos que foram considerados existentes. O pensamento positivista defende a neutralidade do agente no processo de descobrimento da verdade¹⁷³. O juiz positivista (em termos filosóficos) tenderá a guiar-se pela neutralidade no exame dos fatos e, de forma isenta e objetiva, definirá a verdade do direito para o caso dos autos. A neutralidade no exame dos fatos é confundida muitas vezes com a inércia do juiz no que toca à instrução probatória. A objetividade no processo de definição da dogmática jurídica, forjada na serenidade do castelo imaginário do juiz positivista, é comparável à pureza de comportamento dos estudiosos das ciências naturais. Qualquer das duas verdades (de fato ou de direito) parece corresponder à única possível, à única verdade aceitável. Só que o juiz positivista, para demonstrar que de modo neutro e objetivo chegou ao resultado verdadeiro, buscando evidenciar a verdade descoberta, encobre suas dúvidas em páginas de retórica sob o manto da certeza que lhe autoriza dizer “isto posto”. O juiz racionalista-positivista não busca apenas imitar o método próprio das ciências naturais, tais como a física e a biologia. Além de não interferir no processo de descobrimento da verdade, há nele uma pretensão que não é mais unânime nem mesmo nas ciências da natureza: a de ter a certeza das coisas, tocar a verdade, comprová-la de modo lógico de modo que esta verdade possa ser testada. O cientista da natureza se vale do método indutivo. Observa determinada particularidade de um fenômeno e, uma vez evidenciada sua repetição, do caso individual extrai uma regra generalizante. Descobrindo-se a verdade, há certeza de que os casos idênticos terão o mesmo resultado. Pelo método indutivo, a experiência geral é formada por um caso individual que confirma a legalidade ou lei geral, de modo que a confirmação nos autoriza a fazer previsões. Um dos pontos nucleares da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer é o de que o método das ciências da natureza é inadequado para o estudo dos fenômenos sociais¹⁷⁴. Além disso, a verdade absoluta, própria da geometria, não será encontrada no terreno da vida social. Temos que viver com isso: não teremos certeza das coisas que se passaram (qualificação dos fatos) e muito menos teremos certeza acerca da resposta verdadeira do ordenamento jurídico para o caso colocado sob apreciação judicial (qualificação do direito). Para esta proposição buscaremos conforto em Gadamer. A obra magna do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, publicada no ano de 1960 e traduzida para a língua portuguesa em 1997, insere-se no campo do problema da hermenêutica, servindo de resistência contra a pretensão de universalidade da metodologia científica. A pretensão gadameriana era a de rastrear por toda parte a experiência da verdade e legitimar filosoficamente a pretensão de verdade situada fora do âmbito da ciência moderna. Para tanto, fundou o pensamento de que essa legitimação somente pode ser alcançada pelo aprofundamento do fenômeno da compreensão¹⁷⁵. No que se dedica à história da filosofia hermenêutica, Gadamer orienta que a hermenêutica (teológica ou jurídica) não tinha tanto um caráter teóricocientífico, pois servia muito mais ao procedimento prático (do sacerdote ou juiz), de maneira que o problema da hermenêutica sempre ultrapassou os limites que lhe são impostos pelo raciocínio ou conceito metodológico da ciência moderna. Em sua origem, a compreensão e interpretação de textos não era um expediente reservado apenas à ciência e tampouco o fenômeno hermenêutico consistia em um problema de método. Embora se tratasse de buscar o conhecimento e a verdade, não havia o interesse em se construir um conhecimento seguro que satisfizesse os ideais metodológicos da ciência, daí que inexistia interesse por um método de compreensão que permitisse submeter os textos, como qualquer outro objeto de experiência, ao conhecimento científico. Para ele, a compreensão da tradição permite a compreensão não apenas de textos, mas a aquisição de discernimentos e verdades. O fenômeno da compreensão (i) impregna todas as referências humanas ao mundo, (ii) apresenta uma validade própria também no terreno da ciência e (iii) resiste à tentativa de ser transformado em método da ciência (à pretensão de universalidade da metodologia científica). Seria justamente assim que as ciências do espírito – como a história, a religião, o direito e a sociologia – se traduzem, para Gadamer, em modos de experiência nos quais se manifesta uma verdade que não pode ser verificada com os meios metodológicos da ciência moderna. Gadamer parte da experiência da verdade na arte para demonstrar que a verdade nas ciências do espírito não pode ser alcançada pela ciência moderna. A partir da justificação da verdade da arte, Gadamer busca um conceito de conhecimento e de verdade que corresponda ao todo de nossa experiência hermenêutica, especialmente no conjunto das ciências do espírito, onde “estamos às voltas com verdades que suplantam fundamentalmente o âmbito do conhecimento metodológico”¹⁷⁶. Tal como a experiência da arte, a experiência da tradição histórica vai fundamentalmente além do que nela se pode investigar, não pode ser classificada como verdadeira ou falsa no sentido determinado pela crítica histórica, e, pois, transmite sempre a verdade, da qual devemos tirar proveito. A hermenêutica não é um recurso metodológico para determinar a verdade que distingue as ciências do espírito, mas uma atividade que permite compreender as circunstâncias que fazem a verdade possível e o que as ciências do espírito são, na realidade. Outrossim, uma reflexão sobre o que é a verdade nas ciências do espírito não pode pretender, pela reflexão, subtrair-se à tradição, cuja vinculabilidade descobriu. Deverá, ao contrário, conscientizar-se de que sua própria compreensão e interpretação não são uma construção a partir de princípios, mas o aperfeiçoamento crítico de conceitos que lhe foram há muito legados. Deve, ainda, reconhecer que a conceitualidade em que se desenvolve o filosofar já sempre nos domina da mesma forma em que nos vemos determinados pela linguagem em que vivemos. É uma nova consciência crítica que a partir desses pressupostos colocará os costumes de linguagem e de pensamento que se formam para o indivíduo “na comunicação com o seu mundo circundante diante do fórum da tradição histórica, da qual todos nós fazemos parte”¹⁷⁷. Pelo método indutivo, como referimos anteriormente, a experiência geral é formada por um caso individual que confirma a legalidade ou lei geral, de modo que a confirmação nos autoriza a fazer previsões. Seria supostamente possível fazer previsões em qualquer situação no terreno da vida social, pois a utilização do referido método estaria isenta de todas as hipóteses metafísicas, sendo inteiramente independentemente de como se pensa a raiz dos fenômenos que se está observando. Gadamer observa, contudo, que mesmo no âmbito dos fenômenos da natureza não é possível alcançar esse objetivo da mesma maneira, chamando a exemplo as inseguras previsões da meteorologia, quando comparas com aquelas da física. Segundo ele, “o verdadeiro problema que as ciências filosóficas colocam ao pensamento é que não se consegue compreender corretamente a natureza das ciências do espírito, usando o padrão de conhecimento da legalidade”¹⁷⁸, visto que a experiência do universo sóciohistórico não se eleva ao nível de ciência pelo processo indutivo das ciências da natureza, pois ainda que em todo conhecimento histórico esteja incluído o emprego da experiência genérica no respectivo objeto da pesquisa, o conhecimento histórico não pretende tomar o fenômeno concreto como caso de uma regra geral a permitir a elaboração de previsões, mas, antes, compreender o próprio fenômeno na sua concreção singular e histórica. Assim, por mais que a experiência geral possa operar no conhecimento histórico (ou no conhecimento que Gadamer caracteriza como “ciências inexatas”), o objetivo deste, diferentemente da intenção das ciências da natureza, não é se chegar ao conhecimento de uma lei geral, mas compreender como pode acontecer que agora é assim. Gadamer irá acrescentar que a história é uma fonte de verdade muito distinta da razão teórica, e seu direito próprio “repousa no fato de as paixões humanas não poderem ser regidas pelas prescrições genéricas da razão”¹⁷⁹. No centro da hermenêutica filosófica gadameriana está a proposição de que o que se denomina método na ciência moderna “só se caracteriza como exemplar nas ciências da natureza”, pois “não existe nenhum método próprio para as ciências do espírito”¹⁸⁰. A verdade das ciências do espírito é alcançada sem o método das ciências da natureza, isto é, sem a neutralidade axiológica do sujeito na descoberta da verdade empiricamente demonstrável. Para a experiência da verdade nas ciências do espírito, é desprezível tudo que o racionalismo moderno empirista deseja e o que o positivismo filosófico prega. Nas ciências do espírito, chega-se à verdade pela compreensão, que implica interpretação dos fatos ou textos. O sujeito do conhecimento está lançado no mundo, restringido pelos seus preconceitos e pelos seus contornos sociais, culturais e ideológicos. O sujeito do conhecimento tem, assim, um determinado horizonte, que implica limitação imposta ao seu conhecimento. A compreensão vem pelo diálogo com o que se deseja conhecer, isto é, o sujeito se abre para ouvir o outro (o texto ou o fenômeno histórico, por exemplo), aceita a pretensão daquele em ser ouvido. Abrir-se para o outro é suspender os seus próprios preconceitos, reconhecer a força de sua tradição e a força da tradição do objeto de conhecimento; é ler o passado a partir de sua voz contextualizada na tradição, com as lentes do presente, em uma “fusão de horizontes”. Em outras palavras, o significado de um texto não é identificado apenas pelos fatos acerca do autor e seu contexto na tradição histórica, mas igualmente determinado pela situação histórica do intérprete. 2.1.3.2 Verdade real e solução de equidade Na perspectiva de Gadamer, podemos dizer que a compreensão é condição da verdade para o direito. Mas a verdade do direito ou a verdade do processo jamais será a verdade das ciências da natureza, a verdade a toda prova, a verdade que incute certeza no sujeito cognoscente. A verdade adequada ao direito corresponde a um saber que não satisfará as exigências de certeza. Não estamos a tratar de ciências exatas. É por isso que, na interpretação dos fatos ou na interpretação das normas no âmbito dos direitos sociais, a verdade a ser alcançada deve ser aquela que tenha o homem e sua contingência de destituição e de ameaça à sobrevivência como referência primeira. Uma verdade que não precisa ser universalizável ou posta à prova da generalização. Isso é importante para expressarmos nosso ponto de vista sobre o método e a verdade adequados ao direito previdenciário. O direito à concessão de um benefício da Seguridade Social não pode ser aferido a partir dos critérios milimétricos estabelecidos pela legislação previdenciária. O direito à proteção social para subsistência não se expressa de um modo matemático. Os problemas de sobrevivência que se apresentam em um processo previdenciário não serão adequadamente solucionados numa perspectiva positivista, no sentido de serem os requisitos postos à evidência do juiz. Mas parece, de fato, que “Somos educados para considerar o Direito, mesmo o direito processual, uma disciplina científica, no sentido moderno de ‘ciência’, cujo método deverá ser o indutivo, próprio das ciências experimentais, generalizantes, produtoras de regras, quando não uma ciência cuja epistemologia seja a mesma das matemáticas”¹⁸¹. A aplicação estrita das regras previdenciárias genéricas dispostas em lei e em atos infralegais pode ser admitida na esfera administrativa, pois os agentes administrativos, especialmente os que se encontram na frente de concessão da entidade previdenciária, não têm maior espaço para interpretação. Mas não deve ser assim no processo judicial previdenciário, onde temos a figura do juiz como o órgão jurisdicional chamado a examinar, na instância derradeira (judicial), o direito da pessoa a subsistir por intermédio da proteção social. O processo judicial previdenciário é o campo próprio para soluções de equidade, afastando-se do método cartesiano de reputar falso o que é apenas provável. Essas soluções de equidade são devidas na discussão dos fatos e na análise do direito. Na discussão dos fatos, inspira-nos o princípio in dubio pro misero¹⁸². No direito penal, o bem individual fundamental que está em jogo é o direito à liberdade; a existência de dúvida leva à absolvição do réu (in dubio pro reo). A comprovação cabal de autoria e materialidade do crime é condição para um juízo condenatório penal. Mas, ainda assim, a força do valor liberdade impõe, a qualquer tempo, a revisão criminal em favor do réu. No direito previdenciário, o bem individual fundamental que se busca tutelar e que inspira a construção de todo um sistema de proteção social é o direito à subsistência diante de uma contingência adversa com potencialidade de exclusão do indivíduo. É inadequado condicionar a outorga judicial desse direito fundamental a um juízo de certeza quanto ao preenchimento dos requisitos à sua concessão. Um juízo de equidade se faz necessário e pode conduzir à aplicação da solução pro misero, da mesma forma que o direito do trabalho comporta a solução in dubio pro operario. Mais do que isso, o valor fundamental do direito à Previdência Social reclama, tanto quanto o direito à liberdade, um exame a qualquer tempo, mesmo quando o interessado tenha sofrido juízo de improcedência por insuficiência de provas. Esse é um pensamento que também justifica o consagrado entendimento de que o fundo do direito previdenciário é imprescritível. O bem previdenciário não deve ser visto como um prêmio, uma vantagem ou mesmo uma benesse ao indivíduo, como o próprio nome parece simbolizar. Não há demérito algum estar em gozo de formal proteção social. Mas também não há glória nisso, senão em seu significado alimentar. Quando propugnamos a verdade real para o direito processual previdenciário, estamos nos referindo a um conhecimento que não se contenta com o que lhe propicia automaticamente a forma processual, mas busca compreender, mediante aproximação das realidades que cercam os fatos, o objeto que desafia interpretação. E o objeto que desafia o conhecimento do juiz é justamente o fato previdenciário constitutivo do direito do autor. A verdade real assim concebida representa muito mais do que a verdade a que se chega de forma indiferente e desinteressada (verdade formal). Mas não pode ser confundida com a verdade exata, própria das ciências naturais. A solução pro misero deve ser aplicada quando, em uma perspectiva formal, qualquer dos resultados dispostos pela sentença pareça razoável. Na dúvida, decide-se casuisticamente evitando-se o sacrifício de direito fundamental. Na análise do direito, tivemos oportunidade de referir: O senso a se buscar e a melhor interpretação de uma norma legal não está no diploma que a veicula ou na pobreza franciscana da literalidade do texto que a torna expressa. A legislação previdenciária não é um ordenamento solto ou destituído de raiz superior. Ao contrário, pelo superior valor que encerra, cada fagulha normativa da Seguridade Social somente pode ser interpretada mediante uma tarefa de apreciação constitucional e de um zelo constante com o arranjo fundamental de um sistema que, destinado a oferecer segurança como instrumento de Justiça Social, de erradicação da miséria e da marginalização, e de realização do princípio da dignidade da pessoa humana, não pode jamais fracassar¹⁸³. Isso ainda deve ser compreendido em uma perspectiva que não é refém da linguagem matemática para o direito. Os detalhes geométricos da legislação previdenciária podem levar a juízos de iniquidade, a situações em que se desconsidera todo o histórico de vida do trabalhador ou a necessidade real de proteção social. Pela ótica positivista, teremos de decidir, por exemplo, que o direito à pensão por morte de um menor absolutamente incapaz é de ser negado porque o óbito ocorreu no dia seguinte ao da perda da qualidade de segurado do falecido trabalhador. Também denegaremos a concessão de benefício por incapacidade quando o laudo técnico, revestido do mito da objetividade da atuação pericial, precisa a data do início da incapacidade para o momento imediatamente posterior à perda da qualidade de segurado. Igualmente recusaremos a concessão de pensão por morte ao dependente do segurado que faleceu um dia após a perda desta condição, ainda que ele tenha contribuído por 29 anos para a Seguridade Social. Uma solução de equidade comporta, no caso concreto, a flexibilização dos requisitos milimetricamente estabelecidos para a atuação da proteção previdenciária. Os pressupostos para a concessão de benefícios passam a ser vistos como diretrizes gerais, mas não totalitárias. Tais pressupostos se legitimam para diminuir o risco moral do sistema previdenciário, isto é, a fragilidade do sistema em face de ações oportunistas por parte de alguns de seus beneficiários. O que buscamos expressar com tais soluções de equidade com vista à concretização do bem fundamental remonta à antiga e ainda candente lição de Aristóteles: [...] a lei é sempre uma declaração geral; no entanto, existem casos que não podem ser abrangidos numa declaração geral. Por isso, em questões das quais seja necessário falar em termos gerais, mas não seja possível fazê-lo de forma correta, a lei leva em consideração a maioria dos casos, embora tenha consciência do erro que isso implica. [...] Assim sendo, quando a lei formula uma regra geral e depois disso surge um caso que é exceção à regra, é correto, ali onde o pronunciamento do legislador é imperfeito e errôneo por causa de seu poder absoluto, retificar o defeito, decidindo como o próprio legislador decidiria se estivesse presente na ocasião [...]. Essa é a natureza essencial do equitativo: é uma retificação da lei onde esta é imperfeita por causa de sua generalidade¹⁸⁴. E para o desespero do pensador positivista, que se gloria em uma ordem ideal e formalmente aperfeiçoada, Aristóteles decreta: “aquilo que em si é indefinido só pode ser medido por um padrão indefinido, como a régua de chumbo usada pelos construtores de Lesbos; assim como a régua não é rígida e pode ser moldada na forma da pedra, também se elabora um decreto especial que se ajuste às circunstâncias do caso”¹⁸⁵. Para Chaïm Perelman, “Essa regra vale em todos os casos em que a aplicação estrita da lei parece desarrazoada”. E é a partir dessa linha aristotélica de compreensão da equidade que Perelman questiona: “Mas que fazer se o próprio poder legislativo legisla de modo iníquo, se um Estado soberano se porta de modo criminoso? Seria razoável, nesse caso, continuar, apesar de tudo, a sustentar a doutrina do positivismo jurídico segundo a qual ‘a lei é a lei’, seja qual for seu conteúdo?”¹⁸⁶. Para o jusfilósofo polonês, os princípios gerais de direito, comuns a todos os povos civilizados, constituem regras que não podem ser ignoradas ou violadas em um Estado de Direito. Com fundamento nesses princípios é que se reconheceu em Nuremberg a contrariedade ao direito das leis nacionalsocialistas. Daí que, para Perelman, “em toda matéria, o inaceitável, o desarrazoado constitui um limite para qualquer formalismo em matéria de direito”¹⁸⁷. Aquilo que se possa cuidar ser uma criação do direito pelo sujeito do julgamento trata-se, em rigor, de uma interferência para seu aperfeiçoamento, por meio da atividade hermenêutica do juiz. O juízo de equidade, inspirado nos ideais constitucionais de concretização do direito fundamental e de promoção de justiça e bem-estar sociais, é essencialmente operado para o caso concreto, constituindo o desafio do aplicador do direito que não se resigna a contemplar o livre andar de causa de anulação do Poder Judiciário, isto é, “a redução da função jurisdicional à pura e mecânica aplicação da lei, numa posição de total servilismo do juiz frente ao legislador, segundo o ideal do Século das Luzes”¹⁸⁸. A solução de equidade com inspiração constitucional é peça fundamental para concretização do direito fundamental à subsistência pela proteção social e para tornar nossa realidade social menos injusta. Este é o ponto de vista de nosso trabalho¹⁸⁹. Diferentemente da verdade do saber das ciências da natureza, não deve haver no processo judicial previdenciário a busca pela universalização do caso individual como condição para o reconhecimento da verdade. A verdade do processo previdenciário é aquela alcançada especificamente para o caso concreto, no exercício de compreensão do agente chamado a decidir. Esse pensamento não ignora que as decisões têm consequências econômicas, mas não se deixa capturar pelo discurso economicista de que toda concessão de benefício da Seguridade Social é uma ameaça à sustentabilidade do orçamento da Seguridade Social. Por outro lado, esse pensamento tem a consciência de que o caso individual é resolvido nos seus precisos termos e, então, não cogita dos efeitos econômicos de eventual universalização daquela “correção da lei” inspirada pela Constituição¹⁹⁰. Aliás, também é consciente de que não conseguiria responder a uma exigência de previsão de tal ordem, a não ser de modo leviano. Tendo consciência da falácia do argumento de crise orçamentária da Previdência Social, deixa-lhe de lado para que retorne vazio a seus interlocutores, sejam eles mal ou bem-intencionados. Por fim, centra-se na circunstância fundamental oferecida pelo caso concreto de que a decisão individual repercute imediatamente na esfera vital da pessoa que pretende o recebimento de prestação previdenciária. De outra forma, a verdade dos fatos ou do direito não pode ser considerada como tal a partir dos critérios próprios do positivismo filosófico (exatidão, certeza, generalidade e previsibilidade). E aqui se percebe a desgraça do juiz positivista: no plano dos fatos ou do direito, exige certeza, tal como nas ciências da natureza; mas se mantém em uma postura conservadoramente passiva, satisfazendo-se com o método também próprio das ciências naturais, admitindo como solução a verdade de fato que o processo formalmente lhe oferece e a verdade de direito que já é professada. Nada há de ser acrescentado, tão perfeito o método. Nada há de ser modificado no objeto, pois ele é um dado perfeitamente ordenado, tal como as leis naturais. Este é o juiz positivista previdenciário: um sujeito que condiciona o direito a um resultado impraticável (juízo de certeza nas ciências humanas), a uma prova insofismável; avesso a emoções, repudia a dúvida e toda incerteza, as analogias, as presunções e tudo quanto seus olhos e sua realidade social não dominem. O princípio in dubio pro misero é fruto de uma tradição tão arcaica que sobre ela não se debruçou na academia e tampouco considerou em sua caminhada a magistratura. O grau de certeza que exige uma condenação criminal é a medida de certeza a que condicionará a concessão da sobrevivência. Insuficiente fosse a desgraça, esconde suas incertezas numa retórica que lhe distancia do humano que julga e lhe aproxima da imprudência. Eis a desgraça do pobre: ao longo de sua vida, depender de ser explorado por todos os meios em sua capacidade de trabalho e, quando lhe falta a força produtiva, errar no minado caminho positivista rumo ao direito de proteção social. 2.1.3.3 O positivismo e a banalização do sofrimento humano Se entendida como a neutralidade positivista, a imparcialidade representa um erro na própria condução do processo, especialmente quando lembramos que o outro a ser julgado pode ser vítima de sua impotência para dizer e provar o que é necessário. Com o erro na escolha do método, o resultado pode ser fatal em termos de consequências para a vida humana. Embora a destituição seja cruel e abominável, não é exatamente isso que importa numa perspectiva racional e positivista, desde que alcançado o resultado a partir do método exemplar das ciências físico-matemáticas. O juiz positivista não se importa com o resultado alcançado e, por isso, não sofre. Mas talvez a ausência de sofrimento do juiz seja somente eco da resignação social às adversidades de subsistência. O sofrimento atinge, isto sim, a pessoa que passa pelo processo de dessocialização progressivo e enfrenta o medo quanto à subsistência. Afinal, como observa Christophe Dejours, psiquiatra e psicanalista francês, especialista em psicologia do trabalho, “é sabido que esse processo leva à doença mental ou física, pois ataca os alicerces da identidade”¹⁹¹. A indiferença está se tornando a face de nosso tempo, pois “toda sociedade se transformou qualitativamente, deixando de ter as mesmas reações ao sofrimento, à adversidade e à injustiça”. Segundo Dejours, nenhum analista contesta a evolução das reações sociais: Evolução que se caracterizaria pela atenuação das reações de indignação, de cólera e de mobilização coletiva para a ação em prol da solidariedade e da justiça, ao mesmo tempo em que se desenvolveriam reações de reserva, de hesitação e de perplexidade, inclusive de franca indiferença, bem como de tolerância coletiva à inação e de resignação à injustiça e ao sofrimento alheio¹⁹². A “banalização do mal” que Dejours vê na sociedade contemporânea, na França, no final do século XX, corresponde à expressão “banalidade do mal”, empregada por Hannah Arendt, que tinha por referência o sistema nazista. Essa indiferença à dor do outro tem a ver com “a atribuição da adversidade do desemprego e da exclusão à causalidade do destino, à causalidade econômica ou à causalidade sistêmica”. É o “discurso economicista que atribui o infortúnio à causalidade do destino, não vendo responsabilidade nem injustiça na origem desse infortúnio”. Haveria uma dissociação entre adversidade e injustiça, sob o efeito da banalização do mal por aqueles que “não são vítimas da exclusão (ou não o são ainda) e que contribuem para excluir parcelas cada vez maiores da população, agravando-lhes a adversidade”¹⁹³. É interessante notar como [...] a adesão à causa economicista, que separa a adversidade da injustiça, não resultaria, como se costuma crer, da mera resignação ou da constatação de impotência diante de um processo que nos transcende, mas funciona também como uma defesa contra a consciência dolorosa da própria cumplicidade, da própria colaboração e da própria responsabilidade no agravamento da adversidade social¹⁹⁴. O problema é que a tradicional imparcialidade do juiz é intimamente conectada à perspectiva positivista de neutralidade, no processo de conhecimento, do sujeito em face do objeto. De acordo com esta visão de mundo, o resultado é o que é, custe o que custar, uma consequência inafastável do processo de investigação da verdade que teria contado com a isenção do sujeito. A neutralidade do sujeito garantiria a correção do resultado tanto quanto a neutralidade de um juiz “eunuco” asseguraria a justiça da sentença. 2.1.3.4 O processo voltado para a justiça e para o ser humano Sendo filhas da racionalidade moderna, as perspectivas metodológicas do positivismo apresentariam um caminho idôneo não apenas para o conhecimento da verdade no âmbito das ciências da natureza, mas igualmente para a construção de um modelo de objetividade isento de pressupostos valorativos que seria, a seu ver, próprio das ciências humanas, como a história, a sociologia e o direito. Em sua excelente tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, o juiz federal Artur César de Souza propõe uma nova leitura do princípio da (im)parcialidade do juiz em face do paradigma da “racionalidade do outro”, com o que chegou ao que denomina de “parcialidade positiva” do juiz como resposta às exigências de justiça do processo penal¹⁹⁵. Esse trabalho critica com contundência a visão meramente formalista, de vocação iluminista, correspondente aos postulados de neutralidade e imparcialidade do juiz. Em relação a premissas tão antigas quanto ilusórias, Artur Souza faz impregnar sua tese do pensamento que predomina atrás das cortinas do espetáculo processual: o juiz não é neutro e muito menos imparcial. O juiz não é neutro porque vinculado à sua visão de mundo, constrangido pelas suas concepções sociais, econômicas, culturais, psicológicas e ideológicas. Buscando a ruptura com a visão formalista do juiz neutro e imparcial, Artur Souza desenvolve, pela angulação humanística do processo penal, a figura do juiz positivamente parcial, que reconhece as diferenças sociais, econômicas e culturais das pessoas envolvidas na relação jurídica processual. O reconhecimento do outro no processo é fundamentado na concepção filosófica da racionalidade do outro, desenvolvida por Enrique Dussel¹⁹⁶ e Emmanuel Lévinas¹⁹⁷. O juiz deve libertar-se de sua “subjetividade egoística” para encontrar a exterioridade do outro que se apresenta transcendentalmente no processo, buscando introduzir na relação jurídica processual (penal) uma ética voltada à produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana. A incursão filosófica realizada na “parcialidade positiva” de Artur encontra terreno fértil no campo previdenciário. O “ativismo judicial probatório” como instrumento da paridade de armas é indispensável para a tutela do direito da segurança social: A busca incessante por um processo justo e équo não convive com o postulado de inércia ou apatia de qualquer sujeito da relação jurídica processual. O juiz, muitas vezes, na incansável perseguição a um processo justo e équo, depara-se com o total desequilíbrio das partes na relação jurídica processual, o que poderá causar sérios prejuízos ao princípio da igualdade de armas. É dever do órgão jurisdicional zelar pela igualdade de armas¹⁹⁸. A articulação da efetiva igualdade das partes – assegurada pelo juiz ao conferir igual chance de as partes dizerem e demonstrarem o que alegam – com a efetividade do contraditório manifesta a exigência de mecanismos “que possam compensar essa desigualdade congênita”, legitimando “maior atuação do órgão jurisdicional tanto no processo civil como no processo penal, uma vez que eventual atividade probatória ex officio não tem o condão, por si só, de ferir o direito fundamental ao juiz imparcial”¹⁹⁹. Ademais, como teremos oportunidade de destacar quando da proposição de uma nova leitura do princípio dispositivo no direito processual previdenciário (veja-se o item 2.3.3.3, infra), nenhuma das partes da relação jurídica processual “tem absoluta certeza sobre o resultado do meio de prova a ser realizado, muito menos o órgão jurisdicional possui essa certeza”²⁰⁰. O juiz de Montesquieu, porém, preso ao epíteto de “boca da lei”, apenas “diz”, não “faz”²⁰¹. 2.1.3.5 Parcialidade positiva como caminho à verdade na aplicação do direito previdenciário Ninguém mais do que o magistrado tem o discernimento dos elementos de prova que, no caso concreto, são aptos a lhe imprimir convicção acerca da existência dos fatos alegados pelo autor e cuja comprovação pode conduzilo à outorga da prestação previdenciária pretendida. Se ao final do processo o juiz tem a percepção de que se inclina a não reconhecer a ocorrência do fato constitutivo do direito sustentado na petição inicial, a rápida solução do litígio deixa de existir como anseio da parte autora, embora permaneça esta a sofrer os efeitos do tempo do processo por estar privada do bem de vida cuja satisfação persegue judicialmente. Se o processo previdenciário, justamente pela qualidade alimentar do direito em discussão, contemplava até então a primazia da celeridade, a constatação do possível naufrágio da pretensão previdenciária deve levar à desaceleração, abrindo-se espaço para a realização de diligências que poderão mudar a sorte processual do hipossuficiente. A presumível debilidade econômica do segurado ou dependente e, bem assim, a natureza relativamente indisponível do direito que se pretende fazer valer no processo previdenciário criam condições para a procura da verdade material, razão pela qual o juiz previdenciário não se encontrará limitado ao conjunto probatório carreado aos autos pelas partes e tampouco à matéria de fato por elas levantada (CPC/1973, art. 131). Como ensina Marcus Orione, na defesa dos direitos sociais, o juiz [...] deve atuar sabendo que, como cidadão, a sua participação pode, em diversos casos, provocar, ainda mais, o aumento dos excluídos do processo democrático. Dentro desse contexto, pede-se um juiz que, muitas das vezes, não conseguimos vislumbrar capaz de existir. A postura tradicional, do juiz não envolvido e passivo, como mero convidado de pedra do processo, não é mais tolerável²⁰². Note-se que, também sob a égide do CPC de 2015, “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito” (art. 370). Mais do que traduzir uma elogiável postura processual, a participação ativa do juiz no processo previdenciário significa a ruptura com um método que foi considerado exemplar para as ciências da natureza. Devemos lembrar, neste particular, que a observação neutra do resultado do experimento não é mais absoluta nem mesmo no âmbito das ciências naturais. O método positivista, tal como sustenta Michael Löwy, traduz a manifestação de ideologia conservadora tendente a manter a estabilidade da ordem social que, em nossa repulsiva realidade de extremas desigualdades e banalizada injustiça social, é tudo que não se deseja. Os objetivos constitucionais fundamentais de erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e defesa intransigente da dignidade da pessoa humana devem inspirar toda atuação judicial na aplicação dos direitos sociais e no âmbito da justiça previdenciária, mais especialmente. 2.2 PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE DA TUTELA PREVIDENCIÁRIA Quando Alfred Ruprecht considerou o princípio da imediatidade como um dos fundamentais valores da Seguridade Social, levava em consideração seu principal objetivo: remediar ou ajudar a superar situações que a serem produzidas por contingências sociais criam problemas ao indivíduo. Para que o socorro seja verdadeiramente efetivo é preciso que a ajuda se realize imediatamente, em tempo oportuno, pois do contrário perderia todo seu valor. Se a resposta não for imediata, a missão da Seguridade é cumprida de forma deficiente²⁰³. Sobre o direito constitucional a um processo célere, a lição de Marinoni que serviu para desmistificação do trânsito em julgado como condição para a satisfação antecipada dos efeitos da tutela jurisdicional em nosso direito processual não perde a importância, sendo renovada nestes termos: [...] não é preciso dizer que a demora do processo jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso à justiça. Sim, já que não tem sentido que o Estado proíba a justiça de mão própria, mas não confira ao cidadão um meio adequado e tempestivo para a solução de seus conflitos. Se o tempo do processo, por si só, configura um prejuízo à parte que tem razão, é certo que quanto mais demorado for o processo civil mais ele prejudicará alguns e interessará a outros. Seria ingenuidade inadmissível imaginar que a demora do processo não beneficia justamente aqueles que não têm interesse no cumprimento das normas legais²⁰⁴. Em função do direito material que se destina a tutelar, o processo previdenciário deve ser especialmente célere. Afinal, “determinadas situações, ou certos direitos, exigem uma resposta jurisdicional que confira imediatamente o bem da vida procurado pela parte”, de modo que “não há como não admitir, para esses casos, uma limitação do contraditório, concebendo-se um julgamento baseado em alegações e provas que sejam compatíveis com a urgência que legitima a tutela, pospondo-se a forma plena do contraditório”²⁰⁵. O processo previdenciário deve ser célere quanto possível, mas deve tardar tanto quanto necessário. Ao dizer que “o processo deve ser célere na medida do possível e tardar o necessário”, reafirma-se a ideia de que a demora necessária para mais aprofundada cognição das circunstâncias relativas ao problema de vida representado nos autos (busca da verdade real) é um componente indispensável a um processo previdenciário efetivo. Essa afirmação não se presta a comprometer a adoção de técnicas de realização antecipada do direito, ao contrário, justifica-as. A ênfase é no sentido de que a decisão judicial previdenciária tem um efeito singularmente maléfico quando, embora formalmente incensurável, afigura-se desviada da realidade. Mas a demora para a outorga do benefício prolonga uma condição altamente indesejável. Quando analisamos o direito constitucional a uma proteção social adequada, sustentamos que a atuação dos arranjos institucionais deve ser imediata, no sentido de que deve realizar o programa social de modo tão célere quanto possível²⁰⁶. Essa é uma condição inafastável para se minimizar o sofrimento do segurado ou do dependente que, necessitando e fazendo jus a uma prestação previdenciária, encontra-se destituído de recursos materiais para prover sua subsistência de modo digno (um estado de carência ou de privações irreversíveis). A ideia que deve presidir o processo judicial previdenciário é a de que os beneficiários não podem esperar. A exigência de proteção adequada ou integral hospeda a imposição de que a função jurisdicional se desenvolva de modo a assegurar o direito material em todo o seu significado e extensão. Para tanto, deve satisfazer o direito de proteção social de modo tão célere quanto possível, fazendo coincidir a cobertura social com o imediato momento em que surge a necessidade – e o respectivo direito²⁰⁷. Em outras palavras, é necessário que “o resultado do processo judicial corresponda, o máximo possível, à atuação espontânea do ordenamento jurídico”, aproximando-se, deste modo, do efeito que manifestaria a satisfação espontânea (imediata) do direito²⁰⁸. Segue daí a relevância em se adotar estratégias constitucionais para se alcançar um processo realmente efetivo, tal como exemplarmente o faz o Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando determina, com apoio nas normas do art. 475-I, e do art. 461 do CPC, o cumprimento imediato do acórdão quanto à obrigação de implantar o benefício²⁰⁹: Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo) (TRF4 – AC 2009.70.99.001200-6, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DE 07.07.2009). Em função da recente orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que devem ser devolvidos os valores recebidos por força de tutela provisória posteriormente revogada²¹⁰, pode-se até mesmo cogitar a inviabilidade de concessão de tutelas de urgência em matéria previdenciária. Isso porque a falta de condições de restituição por parte dos beneficiários da Previdência Social implicaria um perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão e, portanto, óbice legal à concessão da tutela provisória de urgência (CPC/2015, art. 300, § 3º). O raciocínio não se justifica, pois a restrição legal de concessão de tutelas de urgência que possam gerar efeitos irreversíveis não pode se impor ao direito fundamental de acesso justiça, quando compreendido desde uma perspectiva da proteção do mínimo existencial, que se materializada com o pagamento provisório de valores destinados à subsistência do beneficiário da Previdência Social. A irrestrita observância da norma que veda a concessão de tutela de urgência no caso de perigo de irreversibilidade implica, em matéria previdenciária, denegação de justiça e violação do direito fundamental a uma ordem jurídica justa, eficaz e tempestiva, pois restaria aos beneficiários da Previdência sofrerem o dano da ausência de condições de subsistência, gerado pelo retardamento na satisfação do direito alegado²¹¹. Voltaremos a este tema no Capítulo 10, quando analisarmos a concessão de tutela de urgência em matéria da Seguridade Social, na ótica própria de um direito material que exige especial urgência em sua satisfação. 2.3 PRINCÍPIO DO ACERTAMENTO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO SOCIAL De acordo com o princípio do acertamento da relação jurídica de proteção social, na tarefa de solução do problema concreto que lhe é apresentado, a função jurisdicional deve decidir sobre a existência do direito de proteção previdenciária reivindicado e, se for o caso, concedê-lo nos estritos termos a que o beneficiário faz jus²¹². Embora tal asserção pareça curial, o princípio do acertamento consubstancia elevada conquista em termos de efetivação dos direitos fundamentais de proteção social, devendo, por imperativos normativos adiante explicitados, prevalecer sobre a concepção que tradicionalmente orienta o exercício do controle jurisdicional dos atos administrativos: a concepção da função jurisdicional de controle da legalidade do ato administrativo. 2.3.1 A concepção da função jurisdicional de controle da legalidade do ato administrativo Há uma difundida concepção de função jurisdicional de que a tutela dos direitos subjetivos em face do Poder Público passa necessária e exclusivamente pelo controle da legalidade dos atos administrativos. De certo modo, essa tradicional maneira de visualizar a função jurisdicional deriva de uma percepção restritiva do judicial review²¹³. Ela pressupõe que a atuação judicial se opera tão somente em uma dimensão revisora na qual o reconhecimento do direito alegado é condicionado à invalidação do ato estatal que lhe é contraposto. Segundo esse entendimento, em se tratando de pretensão judicialmente deduzida contra o Poder Público, a satisfação do direito material reivindicado está condicionada ao reconhecimento da ilegitimidade do ato derivado da função administrativa²¹⁴. Desde esse ângulo, não apenas o controle jurisdicional se operaria, necessariamente, a partir da violação de direitos por abuso ou erro administrativo na aplicação da lei, mas a satisfação dos direitos do indivíduo seria produto ou consequência da invalidação do ato administrativo²¹⁵. Ora, a vinculação do direito à invalidação da ação administrativa apenas tem sentido – e isso é capital – em uma concepção de Estado de Direito exclusivamente preocupada com a liberdade jurídica, a qual “tinha uma orientação de bloqueio – interpretação de bloqueio – conforme princípios de legalidade e estrita legalidade como peças fundantes da constitucionalidade”²¹⁶. Esse pensamento acarreta elevado grau de irracionalidade jurídica quando aplicado à jurisdição de proteção social, pois a emergência do constitucionalismo social faz necessário superar a “hermenêutica de bloqueio para a hermenêutica de ‘legitimação de aspirações sociais’”²¹⁷. A concepção de função jurisdicional enquanto estrita revisão judicial da legalidade do ato administrativo reduz, de modo inaceitável, o dever jurisdicional de proteção e de realização dos direitos fundamentais sociais. A tutela dos direitos fundamentais, como se verá a seguir, exige mais da função jurisdicional do que o exame de submissão do ato administrativo à legalidade. Dada a força vinculante dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais, a função jurisdicional deve ser identificada fundamentalmente como modalidade de proteção jurídica assegurada pelo Estado à efetiva realização desses direitos de superior dignidade²¹⁸. 2.3.1.1 O problema do direito superveniente à tutela administrativa A inadequação da função jurisdicional restrita à revisão judicial da legalidade do ato administrativo pode ser observada mediante análise de problemas que diuturnamente são objeto da jurisdição de proteção social. Imagine-se hipótese em que a pessoa teve indeferido benefício previdenciário na esfera administrativa ao fundamento de ausência de incapacidade para o trabalho²¹⁹. Três anos depois, ela ingressa em juízo requerendo a concessão do benefício em questão com efeitos retroativos à data do requerimento administrativo, ao argumento de que desde então fazia jus à prestação previdenciária reivindicada²²⁰. A prova pericial aponta para a existência da incapacidade para o trabalho, mas nega que ao tempo do requerimento administrativo a parte se encontrava nessa condição, fixando a data do início da incapacidade para seis meses após a negativa da tutela administrativa (dois anos e meio antes do ajuizamento da ação judicial, portanto). Em uma tal situação, a concepção da função jurisdicional enquanto estrita revisão judicial da legalidade do ato administrativo recomendaria a rejeição do pedido de proteção previdenciária, ao fundamento de que o ato administrativo denegatório se revela juridicamente incensurável. Isso está a demonstrar que, se condicionada à ilegalidade do ato administrativo, a outorga judicial de proteção social oferece um resultado injusto, propiciando denegação de proteção social à pessoa necessitada, embora evidenciada a existência do direito. Essa concepção de função jurisdicional não oferece, portanto, resposta satisfatória à questão do direito de proteção social superveniente à tutela administrativa. Por conseguinte, não é adequada para assegurar o direito fundamental ao processo justo ou para a devida realização de direito fundamental social. 2.3.2 A concepção da função jurisdicional de controle do ato administrativo a partir de uma perspectiva de efetividade processual Se o insumo teórico adotado culmina por oferecer um resultado processual inaceitável, seja por iludir o direito fundamental à adequada prestação jurisdicional, seja por desconsiderar a eficácia vinculante do direito fundamental social, é necessário encontrar uma distinta base de partida que não deságue em uma incoerência de tal grau. Um caminho de fuga dessa irracionalidade pode ser identificado nas considerações feitas em nome de princípios como da economia e da instrumentalidade processual que culminam por reconhecer, ainda que parcialmente, a existência do direito à proteção social. Colocando ênfase sobre os resultados esperados de um processo judicial, essa perspectiva de teor pragmático considera a ação judicial, por ficção, um novo requerimento administrativo – ou, mais apropriadamente, uma nova postulação em face do Estado. Trata-se de perspectiva que, ainda se movendo no paradigma da revisão da legalidade do ato administrativo, distancia-se da concepção da função jurisdicional enquanto estrita revisão judicial da legalidade do ato administrativo, na medida em que reconhece a possibilidade de convivência entre a satisfação do direito e a legalidade do ato administrativo²²¹. Com esse artifício orientado às exigências de efetividade processual, já não mais se estaria a perquirir exclusivamente sobre a legalidade do ato administrativo que originariamente indeferiu o requerimento de benefício da Seguridade Social, viabilizando-se o reconhecimento de direito superveniente à tutela administrativa. Com isso torna-se possível a outorga de proteção judicial em juízo mesmo para os casos em que o ato administrativo de indeferimento é reputado legítimo. Essa saída de conveniência, contudo, não atende às exigências levantadas pela justiça de proteção social, pois, como se passa a demonstrar, ela não impede o sacrifício de parcela de direitos fundamentais, revelando-se inapta à sua efetivação, portanto. Com efeito, para o caso exposto anteriormente, o pensamento pragmático da função jurisdicional com vistas à sua efetividade recusaria tornar inócuo ou irracional o resultado da prestação jurisdicional, a ponto de negar a satisfação de direito fundamental social a quem inegavelmente dele faz jus. Mas, ao justificar o reconhecimento do direito fundamental social pela ficção da ação judicial como novo requerimento administrativo, esse caminho de fuga não logra realizar a proteção previdenciária em sua devida extensão, por uma singela razão: embora indique o reconhecimento do direito ao recebimento do benefício previdenciário, porque verificado o cumprimento dos requisitos para a proteção social pleiteada, fixa o termo inicial do benefício na data do ajuizamento da ação. Com efeito, levando em consideração a lógica de que os benefícios previdenciários são, em regra, devidos a partir do requerimento administrativo, o pensamento fundado na ficção da ação judicial como novo requerimento administrativo indicaria como solução adequada, assim, o acolhimento parcial do pedido inicial. O ajuizamento da ação seria considerado, nessa perspectiva, como novo requerimento administrativo e, portanto, um novo marco legal determinador do início da concessão do benefício. E essa lógica seria a mesma para todas as hipóteses em que o nascimento do direito de proteção social ocorrer entre o momento da resposta administrativa e o do ajuizamento da respectiva ação judicial. Anote-se, quanto ao tema, que o atual posicionamento da TNU é no sentido de que, se a incapacidade surgir posteriormente ao requerimento administrativo, o termo inicial do benefício por incapacidade concedido judicialmente deverá ser fixado na data da citação do INSS, quando colocado em mora quanto à cobertura dessa contingência social (PEDILEF 50030214920124047009, Rel. Juiz Federal Frederico Koehler, DOU 13.11.2015)²²². Isso implica desconsiderar, porém, a injusta privação de recursos materiais para subsistência em relação ao interregno compreendido entre o momento em que foram atendidos todos os pressupostos para a concessão do benefício e a data do ajuizamento da ação²²³. Esse vazio de proteção social, consistente na ausência de realização do direito à proteção em sua integral extensão, revela a incorreção desse pensamento pragmático. Essa concepção tem o mérito de oferecer alternativa às irracionalidades da função jurisdicional enquanto estrita revisão judicial da legalidade do ato administrativo, mas tampouco se presta como idôneo instrumento de concretização do direito a uma adequada tutela jurisdicional ou como princípio processual de efetivação dos direitos fundamentais sociais. Essa concepção pragmática parece conferir prioridade à necessidade de resultados úteis para o processo judicial (utilidade ou efetividade do processo judicial) e não à maximização dos direitos fundamentais. Inadequadamente, confere proeminência ao instrumento de realização do direito material (processo) e não ao direito material em si. É por isso que não tolera o formalismo radical que conduz à negativa judicial de proteção social à pessoa que comprovadamente faz jus. E é também por isso que, nada obstante, considera aceitável o sacrifício de parcelas constitutivas do todo que é um determinado direito de proteção social, banalizando, portanto, violações de direito fundamental. A constatada ineficácia processual para a satisfação dos direitos fundamentais sociais, tanto quanto a ausência de uma diretriz que resolva de modo congruente o problema do direito superveniente à tutela administrativa, já demonstra a importância da identificação de princípio processual que assegure o direito a um processo justo, atendendo à exigência de realização dos direitos fundamentais de proteção social²²⁴. 2.3.3 A concepção da função jurisdicional de acertamento da relação jurídica de proteção social A limitação da função jurisdicional à revisão da estrita legalidade do ato administrativo reduz a possibilidade de realização do direito à Seguridade Social, pois a precedência não é posta na avaliação da existência ou não do direito material reivindicado, mas na análise da correspondência do ato administrativo à legalidade. Tampouco a pragmática ficção da ação judicial como novo requerimento administrativo atende integralmente às exigências do direito fundamental ao processo justo em sua dimensão realizadora dos direitos fundamentais sociais, pois com ela não se compromete. A presente seção destina-se a demonstrar que a resposta processual adequada aos problemas da jurisdição de proteção social repousa fundamentalmente no princípio da primazia da função jurisdicional de acertamento da relação jurídica de proteção social doravante denominado princípio da primazia do acertamento. Assumindo a premissa de que as sentenças manifestam eficácias distintas onde uma delas se mostra preponderante, alcança-se o pensamento de que qualquer que seja a eficácia preponderante da decisão, sempre se encontrará um elemento declarativo que define a existência – ou não – da relação jurídica que atribui à parte o direito discutido²²⁵. Uma determinada carga de declaração é, com efeito, elemento constitutivo de toda sentença²²⁶. Esse componente declarativo corresponde ao que Chiovenda denominava accertamento e no qual o mestre italiano via a mais “elevada função” do processo²²⁷. Encontra-se na criação da certeza jurídica mediante o acertamento da relação jurídica de proteção social a primordial finalidade da função jurisdicional dos direitos fundamentais sociais – e não na revisão do controle da legalidade do ato administrativo. Por essa razão é que a função jurisdicional de acertamento ou definição da relação jurídica de proteção social tem prioridade ou precedência sobre a função jurisdicional enquanto revisão judicial da legalidade do ato administrativo. Correspondendo às exigências do direito fundamental à adequada tutela jurisdicional e constituindo idôneo instrumento de efetivação dos direitos fundamentais sociais, essa relação de precedência (do acertamento da relação jurídica sobre o controle da legalidade) revela-se como genuíno princípio processual das ações em que se busca proteção social. Segundo o princípio da primazia do acertamento, o que realmente importa é a definição da relação jurídica de proteção social. Para tanto, deve-se perquirir sobre a eventual existência de direito e determinar sua realização nos precisos termos a que a pessoa faz jus. Essa perspectiva não admite o sacrifício de direito de proteção social, daí porque considerar inaceitável sua mutilação mediante supressão de parcelas que o constituem. De acordo com a primazia do acertamento, é insustentável a recusa judicial de satisfação de direito fundamental ao argumento de que o ato administrativo indeferitório se encontra em consonância com a legalidade. Muito mais do que realizar o controle da legalidade do ato administrativo, o exercício da função jurisdicional deve comprometer-se com o acertamento da relação jurídica de proteção social e, por consequência, com a integral defesa, promoção e realização desses direitos fundamentais. Deve-se atentar que, na perspectiva da efetivação dos direitos fundamentais de proteção social, as duas modalidades de tutela (administrativa e jurisdicional) não são dicotomicamente antagônicas, mas se encontram num continuum voltado à mais efetiva proteção jurídica desses direitos pelos poderes públicos²²⁸. A ênfase colocada no dever institucional de satisfação dos direitos de proteção social pelas funções estatais conduz-nos a perceber a garantia de uma dupla instância de efetivação desses direitos. A primeira instância se encontra a cargo das funções legislativa e executiva (administrativa) que, para os específicos propósitos desse texto, se encontra na tutela administrativa (análise administrativa da existência do direito). A instância administrativa tem como marca a provisoriedade, passível que é de ser revisada ou substituída pela atividade jurisdicional, que corresponde à segunda instância de efetivação, de caráter supletivo e que traz como nota fundamental a definitividade²²⁹. Mediante o fundamento da vinculação institucional aos direitos fundamentais sociais, o princípio da primazia do acertamento propõe-se a oferecer resultados aderentes às exigências dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais no caso concreto. Percebe-se, assim, a necessidade de superação da concepção consoante a qual a satisfação judicial do direito fundamental à proteção social está condicionada à ilegalidade do ato administrativo. Constituem questão de menor importância os motivos pelos quais determinado direito não foi reconhecido na esfera administrativa²³⁰. Uma vez provocada a tutela administrativa, a recusa de proteção abre espaço para que se busque o acertamento mediante intervenção jurisdicional. Em juízo, identificada a existência de direito fundamental social, o princípio da primazia do acertamento impõe sua satisfação em toda amplidão, isto é, conduz à definição da relação jurídica de proteção social, mediante a outorga da prestação devida nos estritos termos a que a pessoa faz jus. Isso significa tratar com seriedade todas as parcelas constitutivas do direito fundamental que se encontra em discussão e, em última análise, significa levar a sério uma Constituição que consagra direitos sociais. A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a um momento posterior²³¹. Já é possível deduzir, assim, que o princípio da primazia do acertamento oferece ao problema anteriormente explorado a seguinte resposta: é devida a outorga da proteção social com efeitos retroativos ao momento em que foram aperfeiçoados os pressupostos legais para sua concessão (quando se instaurou o conteúdo obrigacional), ainda que esta circunstância tenha ocorrido posteriormente ao término da tutela administrativa. No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. Por outro lado, é menor o alcance dessa norma processual civil, pois faz referência a fatos supervenientes à propositura da ação – e não a fatos supervenientes ao encerramento da tutela administrativa (momento anterior). Justificada a aplicação do princípio da primazia do acertamento às questões ligadas ao direito superveniente à tutela administrativa, torna-se importante expressar, ainda quanto a essa temática, um importante desdobramento lógico: o poder/dever de acertamento da relação jurídica de proteção social levando-se em consideração fato superveniente à tutela administrativa – chamados à existência antes ou depois do ajuizamento da ação – tem espaço igualmente em relação a outras prestações da Seguridade Social, como as aposentadorias espontâneas (aposentadoria por idade, especial e por tempo de contribuição)²³². A única ressalva é a de que as aposentadorias espontâneas se orientam pelo princípio da proteção social mais efetiva em uma perspectiva de que é direito do segurado optar pelo benefício mais vantajoso. Compreendendo-se o direito à cobertura mais benéfica como elemento constitutivo da relação de proteção, conclui-se que deve o juiz garantir ao segurado a faculdade de entrar em gozo de benefício em um determinado marco temporal (quando nascido o direito), desde quando pode ser identificado o momento que atribui a prestação mais eficaz ou vantajosa. 2.3.3.1 Alegações inéditas em juízo e o problema do interesse de agir Demonstrou-se acima a insuficiência do paradigma da função jurisdicional de controle do ato administrativo – quer em sua versão radical, quer em sua versão pragmática – e de como se revela inaceitável essa concepção de função jurisdicional na medida em que constitui o insumo teórico de decisões judiciais sonegadoras de direitos fundamentais sociais. De outra parte, a formulação do princípio da primazia do acertamento foi justificada na força vinculante dos direitos fundamentais, do direito à tutela jurisdicional adequada, inclusive. Foi ainda demonstrado que a aplicação desse princípio leva à plena efetivação dos direitos de proteção social porque reverencia a especificidade da lide em que se discute a satisfação desses direitos, alcançando resultados compatíveis com a exigência de máxima proteção dos direitos fundamentais. Nesta seção pretende-se analisar outro problema da jurisdição de proteção social que apenas é adequadamente solucionado na perspectiva da função jurisdicional de acertamento da relação jurídica de proteção social – e não, definitivamente, na perspectiva da função jurisdicional de controle do ato administrativo. Resgatemos, antes, uma premissa fundamental: a função jurisdicional dos direitos fundamentais de proteção social não deve olhar com proeminência para o ato administrativo que se contrapõe ao direito pleiteado pelo particular. A ênfase não deve ser posta no controle do ato do Poder Público ou em como restou formalizada a tutela administrativa. Por uma questão de respeito aos direitos fundamentais, orientando-se por uma noção de justa medida de proteção social, as luzes devem ser direcionadas ao acertamento da relação jurídica, o que implica investigar o que realmente importa: se o direito social pretendido existe e qual sua real extensão. Suponha-se pretensão judicial de concessão de benefício de aposentadoria que foi indeferido sob fundamento de insuficiência de tempo de contribuição. O conjunto probatório, enriquecido com elementos de prova que não constavam do processo administrativo, aponta para o fato de que o direito existia ao tempo em que foi pleiteado administrativamente. Suponha-se ainda que os elementos de prova apresentados apenas em juízo prestam-se a comprovar circunstância fática (alguns anos de trabalho em condição de assalariado informal, por exemplo) que não teria sido ventilada na esfera administrativa. A ideia de que a função jurisdicional se restringe ao controle da legalidade do ato administrativo pode conduzir ao pensamento de que, em uma situação como a exposta acima, não se encontra presente o interesse de agir. Seu fundamento é o de que, a rigor, a Administração Previdenciária, quando da análise do requerimento administrativo, não recusou a contagem do tempo de contribuição alegado de modo inédito em juízo²³³. A concepção da função jurisdicional de estrito controle da legalidade do ato administrativo pode, com efeito, hospedar o raciocínio de que a impugnação judicial de um ato administrativo – para quem ainda concebe que o que se busca em juízo é a invalidação do ato administrativo e não a tutela de direito fundamental – somente encontra lugar quando restrita aos termos em que formalizada a pretensão na via administrativa. O acesso à justiça estaria condicionado à existência de uma correlação entre as questões de fato e de direito debatidas previamente na esfera administrativa e aquelas submetidas à revisão do Judiciário. Desde logo: a exigência de que todas as questões de fato sejam ventiladas e demonstradas na via administrativa, para que se tenha como satisfeita a condição de ação “interesse de agir”, despreza a assimetria informacional entre o INSS e os segurados ou dependentes que buscam a tutela administrativa, bem como o dever fundamental daquele, vinculado que está aos princípios constitucionais da legalidade, da publicidade, da eficiência e da moralidade (CF/88, art. 37, caput), em orientar seus beneficiários, participando ativamente do processo administrativo. O pensamento da limitação tutela jurisdicional previdenciária ao que foi estritamente analisado administrativamente estreita o campo de proteção judicial, chegando ao extremo de se oferecer uma antieconômica judicial review por tiras, pois somente seria admissível a análise judicial de fatos alegados e – ainda que insuficientemente – demonstrados na via administrativa. Essa concepção de “tutela jurisdicional fatiada” contrasta, ademais, com o ambiente social e histórico em que foram fundados os Juizados Especiais Federais, os quais se movem ou deveriam mover-se segundo uma tendência de expansão do acesso à justiça em relação ao desenho institucional anterior, e não o contrário. Na perspectiva da primazia do acertamento, como regra geral, desde que prestada a tutela administrativa e analisado o direito previdenciário reivindicado em juízo, abre-se espaço para a atuação jurisdicional de definição da relação jurídica de proteção social. Aqui, uma vez mais, invoca-se a relação de precedência do acertamento da relação jurídica sobre o estrito controle da legalidade. O que importa é definir a relação jurídica de proteção social e não investigar se uma determinada circunstância fática foi ou não apreciada originariamente pela Administração Pública. Os olhos devem voltar-se para a pessoa – presumivelmente destituída de recursos para subsistência – vis-à-vis o direito de proteção social que reivindica, de modo a afastar-se a crise de incerteza acerca da relação jurídica²³⁴. É necessário decidir a sorte de quem busca proteção social, antes de recusar a prestação jurisdicional ao argumento formalista de supressão da instância administrativa (argumento este que se presta, por vezes, como véu do propósito de desafogar a máquina judiciária)²³⁵. Embora o princípio da primazia do acertamento constitua fundamento suficiente para a superação do óbice processual de falta de interesse de agir, deve-se reconhecer que sua conexão com outros princípios processuais fortalecem a argumentação²³⁶. Nesse sentido, parece evidente sua vinculação com o direito de acesso à justiça, com a lógica da primazia da realidade sobre a forma e com os princípios da economia, instrumentalidade e efetividade processuais²³⁷. Com efeito, condicionar-se o acesso à justiça ao que restou formalizado no processo administrativo pode custar o alto preço de se ignorar uma realidade gritante e indesejada. Decisivamente, inexiste segurança de que o que restou formalizado no processo administrativo corresponde àquilo que realmente se passou em uma agência de atendimento da entidade previdenciária. Tampouco há certeza de que, em determinados casos, o segurado não chegou a afirmar uma determinada circunstância fática ou a apresentar determinado documento, o qual eventualmente pode ser sumariamente descartado e, por isso, sequer integrado aos autos do processo administrativo. Deve-se, porém, conferir primazia à realidade sobre a forma. Como resta formalizado o processo administrativo é uma coisa. O que se passa na realidade, de conhecimento notório, pode ser algo distinto. Ou não constitui objeto de conhecimento generalizado, por exemplo, a ainda presente recusa administrativa em formalizar requerimentos administrativos por suposta ausência de direito do segurado? Indaga-se, pois: como tomar como base para a rejeição sumária de direito fundamental um dado tão imperfeito como o processo administrativo que ainda temos? Como desconsiderar a inaceitável posição subalterna imposta ao cidadão pela máquina administrativa das mais autoritárias e burocráticas? Agora observe-se: o Plenário do Supremo Tribunal Federal²³⁸ expressou que, em se tratando de ações revisionais de benefício, a lesão a direito resta caracterizada com a concessão de uma prestação inferior à devida, de modo que não é necessário, como regra, um prévio requerimento administrativo de revisão. A possibilidade de postulação administrativa consiste em mera faculdade à disposição do interessado, “salvo se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração” (excerto do voto do Min. Relator Roberto Barroso, p. 11). Segundo o entendimento acima declinado, nas ações revisionais de RMI, de substituição formal²³⁹, o interesse de agir pressupõe o prévio requerimento administrativo (de revisão), pois elas são fundadas em matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. Em relação às ações de concessão de benefício, porém, inexiste a exigência de que toda matéria de fato seja ventilada e demonstrada na via administrativa, sob pena de o processo ser extinto sem o julgamento do mérito em relação às questões consideradas “inéditas”. Com efeito, no campo processual previdenciário, o indeferimento administrativo sempre foi considerado pressuposto necessário e suficiente à caracterização do interesse de agir, ressalvando hipóteses excepcionais que apontam para uma conduta censurável que, mediante omissão, não cumpre exigência administrativa necessária ao andamento do processo administrativo, como apresentação de documentos que estão ao seu alcance ou comparecimento ao ato da perícia médica²⁴⁰. Para essas ações, expressou o Supremo Tribunal Federal que o indeferimento administrativo é o elemento que caracteriza – suficientemente – o interesse de agir. Com efeito, em relação a esse grupo de ações (em que se pretende a obtenção original de uma vantagem), não se deve exigir a análise de todas as circunstâncias de fato alegadas pelo interessado, para apenas assim reputar-se caracterizado o interesse de agir. Essa exigência corresponde a um duplo equívoco manifesto. Primeiro, porque olvida que o processo administrativo de concessão de benefício não está estruturado de forma que o interessado deduza pretensão contra a Administração. O processo administrativo corresponde, antes, conforme temos insistido, à materialização do acesso à tutela administrativa, e não à expressão de um contencioso administrativo. Atente-se que, na perspectiva do “dever de alegação de todas as circunstâncias de fato favoráveis”, quanto menos orientação a Administração conferir aos seus segurados – e menos fatos apurar –, mais dificultoso torna a satisfação do direito material em juízo. Segundo, porque não é razoável exigir do segurado ou de seus dependentes que conheçam o complexo arranjo normativo previdenciário, discernindo seus direitos e o modo de buscá-los em face das instituições criadas para o fim de lhes orientar e proteger. Mais do que isso, a decisão do Supremo Tribunal Federal que supostamente seria o fundamento para o entendimento de que, nas ações de concessão, o interesse de agir pressupõe a análise de todas as questões de fato pelo INSS (no processo que culminou com o indeferimento administrativo), oferece, ela própria, diretriz contrária à da exigência de análise de todos os fatos na via administrativa. Deveras, a decisão tantas vezes citada definiu expressamente que “A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado”. Se assim é, não se deve perquirir sobre as alegações que foram feitas na esfera administrativa e, muito menos, se os documentos apresentados judicialmente já se encontravam no processo administrativo. Em igual sentido, o mesmo aresto externou o entendimento de que resta caracterizada ameaça ou lesão a direito quando verificada a excessiva demora para a apreciação do requerimento administrativo de concessão, isto é, quando excedido o prazo de 45 dias previsto no art. 41-A, § 5º, da Lei n. 8.213/91²⁴¹. Ora, se a lesão a direito pode configurar-se pela só demora na análise do requerimento, sem que a Administração chegue, portanto, a analisar o mérito do pedido ou a documentação apresentada pelo interessado, pode-se concluir, também por este ângulo, que se revela desproporcional a exigência de que todas as alegações deduzidas judicialmente tenham sido previamente levadas à apreciação da Administração²⁴². Em suma, parece-nos equivocada a proposição de que, nas ações de concessão, por derivação da interpretação do Supremo Tribunal Federal externada quando do julgamento do RE 631.240, o interesse de agir pressupõe uma revisão estrita do processo administrativo na via judicial. E é importante destacar que esse errôneo raciocínio não deixa de ser tributário do pensamento que percebe uma necessária correlação entre função jurisdicional de proteção social e a ideia do estrito controle da legalidade dos atos administrativos. É, porém, justamente contra essa suposta necessidade de correlação entre jurisdição de proteção social e controle da legalidade, que se volta a teoria do acertamento. 2.3.3.2 Alegações inéditas em juízo e o problema do termo inicial dos benefícios Coloca-se em análise a problemática concernente ao termo inicial de benefícios concedidos judicialmente a partir de elementos de prova não apresentados na esfera administrativa – o que poderia significar alegação de fato deduzida de modo inédito em juízo. Em relação ao caso objeto de consideração, a concepção da função jurisdicional de estrita revisão da legalidade do ato administrativo orientará que o ato administrativo que indeferiu a prestação previdenciária não pode ser considerado ilegal, uma vez que, diante do conjunto probatório, outra coisa não poderia fazer o agente público que não recusar a proteção social pelo não cumprimento dos requisitos legais²⁴³. De outro lado, a concepção da função jurisdicional de controle do ato administrativo a partir de uma perspectiva de efetividade processual sustentará que a não alegação de determinada circunstância fática na esfera administrativa – ou que a apresentação de documentos substanciais apenas em juízo – não prejudica o reconhecimento do direito à prestação previdenciária, mas o início do gozo será fixado na data do ajuizamento da ação e não na data do requerimento administrativo (dada a pressuposta legitimidade do ato indeferitório)²⁴⁴. Como, em última análise, é confundida a ocasião do nascimento do direito com o momento em que se considera comprovado o respectivo fato constitutivo, a saída pragmática da revisão da legalidade se enreda em uma aporia: não raro o fato constitutivo do direito é comprovado apenas durante a audiência de instrução e julgamento, ou mediante novos documentos juntados com o recurso, ou ainda após a realização de diligências determinadas pela instância recursal. Não é preciso muita imaginação para se projetar que, abertas assim tantas possibilidades temporais de comprovação do fato constitutivo do direito, a saída pragmática que busca salvar a utilidade do processo antes de consagrar respeito a direito fundamental revela sua inconsistência e se abre a um decisionismo que – qualquer coisa menos o correto – vincula a data de início da proteção social ao aleatório momento em que realizado o ajuizamento da ação, ou a citação (quando a entidade requerida teria ciência da pretensão escudada em novas circunstâncias), a audiência de instrução e julgamento, a sentença (como se o ato judicial constituísse o direito), a interposição de eventual recurso, ou ainda a sessão de julgamento da instância recursal²⁴⁵. Essa linha de pensamento constitui fruto irreflexivo da prática judicial, manifestando inegáveis sinais de arbítrio do Poder Judiciário, próprio de um modelo que se pode considerar autoritário²⁴⁶. Ora, uma coisa é o cumprimento de todos os requisitos em lei para a outorga da proteção social. Outra coisa, bastante distinta, é o momento em que o titular de um direito logra demonstrar sua existência. Na perspectiva da primazia do acertamento, inexiste sentido em se definir a existência do direito ou a medida em que é devida a proteção social a partir do modo como restou formalizado o processo administrativo que culminou com resposta insatisfatória ao cidadão. O que importa é a definição de relação jurídica de proteção social e, a partir dela, entregar à parte o bem da vida nos precisos termos a que faz jus²⁴⁷. Saber se a parte tem o direito e desde quando tem o direito é o alvo principal da função jurisdicional. É menos importante saber se o ato administrativo, ao fim e ao cabo, era legítimo. Como se desenrolou o processo administrativo ou que documentos dele constaram formalmente constituem questões laterais, de menor interesse. A resposta do princípio da primazia do acertamento à questão proposta não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em que o segurado faz jus, isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo. Nesse sentido se encontra estabelecida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar: [...] 2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais²⁴⁸. 2.3.3.3 Princípio da primazia do acertamento e sua relação com o princípio dispositivo O princípio dispositivo consagra a ideia de que a busca pela satisfação dos direitos materiais encontra-se na esfera de disponibilidade dos indivíduos. Em decorrência dessa noção fundamental e igualmente como consequência do princípio da imparcialidade judicial, em regra não se admite o funcionamento ex officio dos órgãos jurisdicionais. Assim é que nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando invocada pela parte (CPC/1973, art. 2º)²⁴⁹. Também como derivação do princípio dispositivo pode ser percebido o princípio da congruência ou adstrição da sentença ao pedido, segundo o qual o juiz deve decidir a lide nos termos em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas pelas partes (CPC/2015, arts. 141 e 492; CPC/1973, arts. 128 e 460). Que a jurisprudência trabalha com a relativização do princípio da adstrição da sentença em matéria de proteção social não cabem dúvidas²⁵⁰. A título ilustrativo, encontra-se atualmente sedimentado o pensamento de que não constitui julgamento extra ou ultra petita aquele que, em razão da incapacidade laboral comprovada, concede benefício da Seguridade Social distinto daquele pleiteado na petição inicial²⁵¹. Para além disso, a “relevância social da matéria” consubstancia o fundamento em função do qual “é lícito ao juiz, de ofício, adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à concessão de benefício previdenciário devido em razão de acidente de trabalho” (REsp 541.695)²⁵². De outra perspectiva, “O juiz, de acordo com os dados de que dispõe, pode enquadrar os requisitos do segurado a benefício diverso do pleiteado, com fundamento nos princípios ‘Mihi factum dabo tibi ius’ e ‘jura novit curia’” (AgRg no Ag. 1.065.602)²⁵³. Outra coisa não se tem aqui, senão a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica de proteção social, como resposta à força vinculante do princípio constitucional do devido processo legal e dos direitos fundamentais que se buscam satisfazer judicialmente. Perceba-se que o princípio da primazia do acertamento presta-se suficientemente como matriz teórica legitimadora desse posicionamento, mesmo porque a aplicação desse princípio conduzirá o magistrado a indagar sobre fatos não suscitados originariamente pelas partes e a assumir seus poderes de instrução com vistas à verdade real e à justa definição da proteção social para o caso²⁵⁴. Desde que as medidas destinadas à definição do direito devido não impliquem tumulto processual, nada impede seja realizado o acertamento da proteção social, mediante relativização do princípio da congruência da sentença – do princípio dispositivo, em última análise²⁵⁵. A essência do direito fundamental ao devido processo legal consubstancia a garantia de um processo que chegue ao fim em tempo razoável, respeite o contraditório e a ampla defesa, e culmine com uma decisão justa²⁵⁶. 2.4 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIAL CONTRA LESÃO IMPLÍCITA (LESÃO POR OMISSÃO) A DIREITO Em face da grande complexidade dos mecanismos de proteção e respectiva legislação, os indivíduos não se encontram em situação de tomar decisões de forma informada e responsável, tendo em conta as possíveis consequências. É preciso recordar, nesse sentido, que o processo administrativo previdenciário não se desenvolve em uma dimensão onde o segurando litiga contra a Administração, deduzindo pretensão, alegando todos os fatos de seu interesse etc. Antes, deve ser compreendido como uma relação de cooperação, um concerto em que Administração deve, em diálogo com o segurado, conhecer a sua realidade, esclarecer-lhe seus direitos e outorgar-lhe a devida proteção social, isto é, a mais eficaz proteção social a que faz jus. Perceba-se, nessa perspectiva, quão impróprio é falar-se em uma necessária e estrita correlação entre as demandas administrativa e judicial ²⁵⁷. Por essa razão, a Administração guarda o dever fundamental de prestar as informações necessárias para que o cidadão possa gozar da proteção social a que faz jus²⁵⁸. Há também um dever fundamental de conceder, como já assinalado, a devida proteção social ²⁵⁹. Eis um primeiro e fundamental dever da Administração Previdenciária no processamento e análise de um requerimento de concessão de benefício da Seguridade Social: Diante das informações elementares fornecidas pelo beneficiário, a Administração deve verificar todas as hipóteses possíveis de proteção social. O INSS deve testar todas as possibilidades jurídicas de cobertura da Seguridade Social²⁶⁰. O beneficiário traz o fato, as provas que lhe competem – devidamente orientado para tanto – e a Administração analisa seus possíveis efeitos em termos de proteção social. Mas com isso atende apenas em parte o dever administrativo de análise do requerimento administrativo. Há um segundo e não menos fundamental dever da Administração Previdenciária, que se subdivide em três momentos. Primeiro, a participação no relato dos fatos pelo pretendente ao benefício da Seguridade Social, colhendo informações e reunindo dados que podem ser relevantes para concessão de um benefício. Esse momento é muito importante, porque o segurado alegará, por exemplo, o cumprimento da idade para recebimento de um benefício, mas poderá não afirmar que trabalhou no exercício de atividade rural. O dependente alegará o óbito do segurado, mas provavelmente não informará a prestação de serviço informal por este na condição de empregado em tempo anterior ao óbito e isso pode lhe custar o direito à pensão por morte. O segurado buscará aposentadoria por tempo de contribuição, mas pode não ter conhecimento sobre a possibilidade de aproveitamento do tempo de serviço que desempenhou como empregado sem registro para incremento da renda mensal de seu benefício. A assimetria informacional entre os beneficiários da Seguridade Social e os agentes administrativos é de modo geral tão flagrante que a indiferença ou omissão na coleta de informações que podem ser relevantes para efeitos de benefícios parecem atentar contra os princípios constitucionais da moralidade, publicidade e eficiência (CF/88, art. 37). Lamentavelmente, contudo, não é incomum que segurados ou ex-segurados da Previdência Social, ao buscar administrativamente um benefício previdenciário de aposentadoria, obtenham como resposta a concessão de um benefício assistencial, porque tal foi o encaminhado oferecido pela Administração Previdenciária. Segundo, a participação na instrução do processo administrativo, emitindo carta de exigências e esclarecendo ao beneficiário que elementos de prova poderiam ser acrescentados aos que já foram apresentados. Se as dificuldades informacionais se iniciam a respeito do que pode ou deve ser alegado, quanto mais elas gravarão seus efeitos no que se relaciona às provas necessárias ao reconhecimento de seu direito. Também por essa razão, não se afigura correta a extinção do feito sem o julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, ao argumento de que o processo administrativo não apresenta elementos de prova mínimos para a comprovação do direito do beneficiário ²⁶¹. Terceiro, quando da análise do direito do beneficiário, a Administração tem o dever de buscar correspondê-lo à prestação mais vantajosa dentre todas as possíveis. A ela se impõe, mais especialmente, o dever de encaminhar processo de requerimento para o melhor benefício ao segurado, de modo que a concessão de um benefício menos vantajoso implica o indeferimento de outra prestação mais benéfica. Não deve percorrer o caminho mais curto para a solução do processo administrativo ou conceder, por exemplo, o que não depender de maior diligência probatória. Agora vejamos algumas das consequências desses deveres estatais. É evidente que, em face da presumida hipossuficiência dos segurados da Previdência Social e da notória dificuldade imposta ao leigo para o conhecimento de seus direitos previdenciários, a Administração deve lhe prestar o serviço social, esclarecendo “junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem de sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade” (Lei 8.213/91, art. 88). De outra parte, segundo tradicional entendimento da instância recursal administrativa, o ente previdenciário deve prestar o serviço social²⁶² e conceder o melhor benefício a que o segurado faz jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. Esse verdadeiro dever de orientação pública na prestação da tutela administrativa se encontra atualmente disposto no Enunciado 1, itens I e II, do Conselho de Recursos da Previdência Social: CRPS. Enunciado 1 – A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. I – Satisfeitos os requisitos para a concessão de mais de um tipo de benefício, o INSS oferecerá ao interessado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles. II – Preenchidos os requisitos para mais de uma espécie de benefício na Data de Entrada do Requerimento (DER) e em não tendo sido oferecido ao interessado o direito de opção pelo melhor benefício, este poderá solicitar revisão e alteração para espécie que lhe é mais vantajosa, cujos efeitos financeiros remontarão à DER do benefício concedido originariamente, observada a decadência e a prescrição quinquenal. [...] ²⁶³. Se assim se passam as coisas, pode-se concluir, por exemplo, que o deferimento de uma prestação assistencial implica, por esse mesmo ato concessivo, indeferimento de uma prestação previdenciária, de maneira que para todos os efeitos legais, a data do requerimento administrativo de um benefício assistencial (encaminhamento realizado pelo INSS) deve corresponder à data de início do benefício previdenciário buscado posteriormente em Juízo. Ainda a título ilustrativo, quando o INSS concede ou mantém um benefício de auxílio por incapacidade temporária, está indeferindo, em face de seu dever de conceder a prestação mais vantajosa, a aposentadoria por incapacidade permanente e, ainda mais certamente, o acréscimo de 25% devido ao segurado que necessita da assistência permanente de outra pessoa (Lei 8.213/91, art. 45, caput). Por essa mesma lógica, a concessão de uma aposentadoria proporcional por tempo de serviço implica o indeferimento da aposentadoria integral²⁶⁴. Bem assim a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral sem o reconhecimento de determinado tempo de contribuição implica a negativa deste direito ao segurado, abrindo espaço para a análise deste direito na via judicial. A partir dessas noções elementares, pode-se sustentar que, toda vez que a Administração Previdenciária deixa de orientar o segurado acerca de seus direitos e não avança para conhecer sua realidade, acarretando, com tal proceder, a ilusão do direito à devida proteção social (direito à mais eficaz proteção social), ela, ainda que de modo implícito, opera, por omissão, verdadeira lesão a direito. 135 Também é certo que o provimento de sobreproteção deve ser evitado, mas a consequência que ele propicia – estímulo ao comportamento oportunístico – não apresenta efeitos individuais e sociais dramáticos como a sentença de não proteção. Vale lembrar justamente aqui a percepção de John Rawls: “A desconfiança e o ressentimento corroem os vínculos da civilidade, e a suspeita e a hostilidade tentam os homens a agir de maneira que eles em circunstâncias diferentes evitariam” (RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maia Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 7). 136 Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 25: “Proteção judicial. 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”. 137 Embora nossa convicção seja a de que o prazo preclusivo de que trata o art. 103, caput, da Lei 8.213/91 seja prescricional de fundo do direito (ver item 9.3.7.2, infra), serão empregadas neste trabalho, indistintamente, as expressões “decadência” e “prescrição do fundo” do direito, até mesmo em função de a primeira (“decadência”) se encontrar expressamente no texto legal e nas principais decisões judiciais sobre a matéria (v.g., STF, RE 626.489, Rel. Luis Roberto Barroso, j. 16.10.2013). 138 O assunto será abordado com mais profundidade quando do exame do tema da prescrição e decadência em matéria previdenciária (item 9.3.7, infra). 139 É de se notar, nesse sentido, que “A renúncia somente poderá ter como objeto um aspecto do direito fundamental, ou seja, a abrangência da renúncia será apenas parcial, não podendo atingir o direito fundamental como um todo, cerceando o exercício de todas as possibilidades conferidas pela garantia jusfundamental” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 202). 140 “A disponibilidade é o primeiro pressuposto objetivo à renúncia e tem relação direta com a renunciabilidade a direito fundamental, uma vez que só se pode renunciar àquilo de que se dispõe” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental, p. 201). 141 O não exercício, contudo, não se confunde com a renúncia. Quanto ao ponto (não exercício do direito fundamental), “existe uma posição jusfundamental garantida que a ordem jurídica lhe permite exercer ou não exercer. É uma situação fática, de natureza – na maioria dos casos – não jurídica. Inocorre, portanto, a expressa manifestação da vontade do titular pela renúncia a esse direito, apenas um não exercer ou um não levar a efeito as possibilidades da posição jurídica jusfundamental” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental, p. 39). Nesses casos, o titular do direito decide, por motivos quaisquer, “não exercer as possibilidades que lhe são oferecidas pela previsão jusfundamental” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental, p. 200). 142 Essa transação relativa à satisfação de direito fundamental previdenciário é legítima, na medida em que o titular do direito busca beneficiar-se ou melhorar a sua condição com o ato renunciatório. 143 Ocorre a desistência de um direito fundamental quando “após o seu exercício, em qualquer forma, por parte do titular do direito, sempre tendo em mente alguma situação em que não se mostre mais vantajoso o exercício daquele direito que, nada obstante, permanece intacto podendo ser invocado em relações jurídicas futuras” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental, p. 39). 144 Essa renúncia pode-se dar mediante o que Gomes Canotilho denomina “reserva de revogação”. Como esclarece Adamy, a “‘reserva de revogação’ nada mais é do que a necessidade de que se mantenha aberta, a todo momento, a possibilidade de o titular do direito fundamental rever a sua renúncia e revogá-la, integral ou parcialmente, com a assunção de todas as posições jurídicas antes renunciadas” (ADAMY, Pedro Augustin. Renúncia a direito fundamental, p. 39). A renúncia, portanto, não pode se transformar em verdadeira perda do direito fundamental. Em relação a essa problemática (desistência de cota de pensão por morte para recebimento de benefício assistencial), a renúncia (abdicação do direito antes de seu exercício) ou desistência (ato superveniente ao exercício do direito) de receber as prestações correspondentes à pensão por morte configura adequado procedimento para resguardar posição jurídica previdenciária para o futuro. Isso porque, futuramente, em se tornando inviável a manutenção do benefício assistencial (pelo superveniente não cumprimento de seus requisitos legais), o sujeito pode reivindicar o exercício do direito à pensão por morte, com efeito ex nunc. 145 Sobre a imprescritibilidade do fundo do direito, veja-se o item 9.3, infra. Sobre a equivocada construção da Suprema Corte no sentido de não reconhecer a imprescritibilidade do fundo do direito, mas apenas uma “graduação pecuniária” nas ações revisionais, veja-se item 9.3.7.3, infra. 146 A prescrição quinquenal das parcelas vencidas é disposta atualmente pelo art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91. 147 A violação ao direito pode ocorrer, em tese, pelo ato administrativo de indeferimento, cessação, cancelamento ou de concessão – em condições inferiores a devida – de benefício previdenciário. 148 Sobre a distinção entre prescrição e decadência e seus efeitos em matéria previdenciária, veja-se item 9.3.7.2, infra. 149 Lei 8.213/91, art. 71-D, na redação dada pela Medida Provisória 871/2019. 150 Direito que é também garantido, de forma geral aos segurados do RGPS, pelo art. 201, II, da CF/88. 151 Desde a vigência da Lei 10.421/2002, assegurou-se o benefício também à segurada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança, sendo que a Lei 12.873/2013 estendeu o benefício ao segurado adotante, independentemente de gênero. 152 Nesse sentido: “Art. 71-C. A percepção do salário-maternidade, inclusive o previsto no art. 71-B, está condicionada ao afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão do benefício” (redação dada pela Lei 12.873/2013). . 153 CPC/2015, art. 485, § 4º: “Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”. Lei 9.469/97, art. 3º: “As autoridades indicadas no caput do art. 1º poderão concordar com o pedido de desistência da ação, nas causas de quaisquer valores, desde que o autor renuncie expressamente ao direito em que se funda a ação”. 154 DINAMARCO, Cândido. Relativizar a coisa julgada material, p. 6. 155 Para um amplo estudo sobre os problemas relacionados à coisa julgada em matéria previdenciária, veja-se: SCHUSTER, Diego; SAVARIS, José Antonio; VAZ, Paulo Afonso Brum. A garantia da coisa julgada no processo previdenciário: para além dos paradigmas que limitam a limitação a proteção social, Curitiba: Alteridade Editora, 2019. Em outro trabalho desenvolvemos este tema com mais profundidade (SAVARIS, José Antonio. Coisa julgada previdenciária como concretização do direito constitucional a um processo justo). 156 STJ, AgRg no AREsp 843.233/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 15.03.2016, DJe 17.03.2016. 157 TRF4, Ag. 0001148-72.2015.404.0000, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 03.06.2015. 158 CPP, art. 621: “A revisão dos processos findos será admitida: I (omissis); II (omissis); III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena”. Art. 622: “A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”. 159 BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade. Brasília: UnB, 1981. p. 140. 160 BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre a liberdade, p. 142. 161 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Direito material e processo, p. 14. 162 Efetivamente, se em uma segunda demanda se reconhece, de modo inequívoco, a injustiça da decisão anterior que denegou a proteção social por insuficiência de prova, os efeitos sociais de outorga da prestação previdenciária não poderiam ser melhores, seja pelo efetivo cumprimento do ideal constitucional de segurança social, seja porque o instituto de seguro social, ao fim e ao cabo, estaria a melhor cumprir o princípio da legalidade e, bem assim, sua finalidade institucional. A Administração Previdenciária estaria, ao final, outorgando uma proteção previdenciária nos estritos termos legais. Logo, inexiste insegurança em se rediscutir novamente uma pretensão previdenciária à luz de novas e decisivas provas, como inexiste insegurança na possibilidade de ser rever uma sentença criminal, quando a favor do réu. 163 No sentido contrário, mais recentemente: “PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. COISA JULGADA ‘SECUNDUM EVENTUS PROBATIONIS’ NO ÂMBITO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE BASE NORMATIVA, CONSTITUTICIONAL OU LEGAL. EXERCÍCIO DE VOLUNTARISMO JUDICIAL. JULGAMENTO POR EQUIDADE. POSSIBILIDADE, PORÉM NÃO A PARTIR DE FIXAÇÃO DE TESE A ORIENTAR, DE FORMA GENÉRICA, FUTUROS JULGADOS. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO” (PUIL n. 5000532-53.2014.4.04.7014/PR, Rel. p/ Acórdão Bianor Arruda Bezerra Neto, j. 18.09.2019). 164 Desde a primeira edição deste trabalho foi chamado a robustecer a tese da coisa julgada secundum eventum probationis o clássico desenvolvimento dado por Kazuo Watanabe à ideia dos planos da cognição (horizontal, vertical), especialmente importante para a compreensão da combinação das várias modalidades de cognição e para a concepção de processo com procedimentos diferenciados. Quanto ao procedimento de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis, Watanabe identifica sua pertinência quando se tem um “condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos probatórios suficientes”, isso em razão de técnica processual (para conceber procedimento simples e célere) ou “por motivo de política legislativa (evitar, quando em jogo interesse coletivo, a formação de coisa julgada material a recobrir juízo de certeza fundado em prova insuficiente e formado mais à base de regras de distribuição e ônus da prova” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 85-86). Entendíamos, então, que essa tese carregava o germe para que à lide previdenciária, mercê de sua singularidade, fosse aplicada a técnica de cognição plena e exauriente secundum eventum probationis quando não existisse “prova bastante para o desate tranquilo da controvérsia”, quando faltasse “suporte probatório suficiente para o convencimento” – ou quando houvesse “dúvida fundada” (Dec.-lei 3.365/41) ou “matéria de alta indagação” (CPC, art. 1.000, parágrafo único, III). Tal linha de argumentação, reconheça-se, não era a mais consistente para o fim a que chamada. Não se trata, em verdade, de um processo diferenciado pela espécie de cognição, mas de exigência de normatividade distinta daquela oferecida pela legislação infraconstitucional. O princípio da não preclusão do direito previdenciário, nesse sentido, afigura-se como suficiente a interpretar restritivamente a coisa julgada em matéria previdenciária, desde uma perspectiva da eficácia normativa do direito fundamental ao processo justo. 165 Certamente que não entra em discussão o emprego da noção de coisa julgada previdenciária quando a denegação de benefício se dá em sede de mandado de segurança que foi julgado improcedente em razão da impossibilidade, na estreita via mandamental, de produção ou de avaliação de prova de fato. Em casos tais, ainda que não se adote a visão sustentada neste trabalho, seria perfeitamente possível a discussão da causa na via ordinária, sem que se fale em violação da coisa julgada. 166 STJ, AgInt no AREsp 807.835/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 28.09.2017, DJe 17.10.2017. 167 REsp 1352721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015, DJe 28.04.2016 – Representativo da Controvérsia – Tema 629. 168 Isto é, o bem da vida fundamental que se encontra em discussão, a presumível hipossuficiência da parte autora, a suposta ocorrência de uma contingência social e a presença de entidade pública no polo passivo (itens 1.5 e 1.6, supra). 169 Sobre o caráter relativamente indisponível do bem jurídico previdenciário, veja-se o item 2.1.1.1, supra. 170 Sobre a imparcialidade de nossos dias, confira-se a importante contribuição de SOUZA, Artur César. A “parcialidade positiva” do juiz e o justo processo penal: nova leitura do princípio da (im)parcialidade do juiz em face do paradigma da “racionalidade do outro”. Mimeo. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2005. 171 Igualmente nesse sentido, a título ilustrativo: “[...] 1. Controverte-se nos autos a possibilidade de juntada, em fase recursal, de documentos que não ostentam condição de novos ou se refiram a fatos supervenientes. 2. O STJ possui entendimento de que a interpretação do art. 397 do CPC não deve ser feita restritivamente. Dessa forma, à exceção dos documentos indispensáveis à propositura da ação, a mencionada regra deve ser flexibilizada. 3. O grau de relevância do conteúdo dos documentos que se pretende juntar após a sentença do juízo de 1º grau influi na formação do convencimento do órgão julgador, relacionando-se ao mérito do pedido. Por essa razão, não pode ser utilizado para justificar, de forma autônoma e independente, a decisão a respeito de sua inclusão nos autos. 4. De todo modo, mantém-se obrigatória, após a juntada dos documentos nesse contexto, a observância ao princípio do contraditório [...]” (REsp 1070395/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 09.02.2010, DJe 27.09.2010). 172 AR 2.338/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, j. 24.04.2013, DJe 08.05.2013. 173 Tendo por foco as concepções positivistas no domínio das ciências sociais e, em particular, a doutrina da neutralidade axiológica do saber, Löwy registra as premissas que estruturam a filosofia positivista: a) a sociedade é regida por leis naturais que não variam segundo a vontade ou ação humanas, reinando uma harmonia natural na vida social; b) como consequência, a sociedade pode ser epistemologicamente assimilada pela natureza e ser estudada pelos mesmos métodos e processos empregados pelas ciências da natureza; c) as ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas as pré-noções e preconceitos (LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 17). 174 Hans-Georg Gadamer (1900-2002) nasceu em Marburgo, na Alemanha. Estudou filosofia em Breslau e Marburgo. Doutorou-se junto a Paul Natorp e posteriormente foi aluno de Martin Heidegger, quando se pós-doutorou, em 1928. Sua filosofia hermenêutica deriva em parte das ideias de Wilhelm Dilthey, Edmund Husserl e Martin Heidegger e influenciou grandemente a filosofia continental, estética e teológica. Sua obra de maior importância é Verdade e método, publicada no ano de 1960. 175 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 5. ed. Tradução de Flavio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 2003. 176 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I, p. 31. 177 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I, p. 33. 178 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I, p. 38. 179 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I, p. 60. 180 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I, p. 62. 181 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Direito material e processo, p. 8. 182 Esse princípio é amplamente aceito na jurisprudência pátria, como se verifica, a título ilustrativo: “PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA PREEXISTENTE. INCAPACIDADE A PARTIR DO LAUDO PERICIAL. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO. SÚMULA 7/STJ. AFASTAMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior segue entendimento de que a aplicação do princípio in dubio pro misero deve prevalecer diante de relevante valor social de proteção ao trabalhador segurado e ante as dificuldades de apresentação de provas em juízo. 2. A dúvida em laudo pericial quanto ao exato início da incapacidade laboral do segurado é questão substancial para aplicação do princípio suscitado em favor do segurado. 3. Afastada a alegada incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (AgInt no AgInt no AREsp 900.658/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 04.12.2018, DJe 10.12.2018). 183 SAVARIS, José Antonio. Traços elementares do sistema constitucional de seguridade social, p. 93-164. 184 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, parte V. In: MORRIS, Clarence (org.). Grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 16. 185 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 16. 186 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 436. 187 O desarrazoado “pode resultar do ridículo ou do inadequado, e não somente do iníquo ou do inequitativo”. PERELMAN, Chaïm. Ética e direito, p. 436. 188 Ovídio A. Baptista da Silva, Jurisdição e execução, 2. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 210. Apud WELTER, Belmiro Pedro. O racionalismo moderno e a inefetividade do processo civil. Revista dos Tribunais, ano 95, v. 853, p. 11-57 (p. 17), nov. 2006. 189 A perspectiva que impregna o presente trabalho também nos norteou na tarefa de investigação e materialização da tese de doutoramento apresentada no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de São Paulo – FDUSP, que teve por tema “Uma teoria da decisão judicial da Previdência Social: contributo para a superação da prática utilitarista”, publicada pela Editora Conceito (SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da previdência social). 190 Nada obstante, tanto mais geral o desajuste do sistema previdenciário em relação a suas finalidades sociais, mais geral tenderá a ser a correção judicial. Assim é que se consolidou o posicionamento enunciado da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, entendendo possível a concessão de aposentadoria especial para além dos casos previstos expressamente pelo ordenamento jurídico, bem como o entendimento de viabilidade de concessão de aposentadoria por idade independentemente da qualidade de segurado, orientação que se converteria posteriormente na Lei 10.666/2003. 191 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 19. 192 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social, p. 23. 193 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social, p. 20. 194 DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social, p. 21. 195 SOUZA, Artur César. A “parcialidade positiva” do juiz e o justo processo penal. 196 Especialmente nas obras: Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002; Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995; Método para uma filosofia da libertação: superação analítica da dialética hegeliana. São Paulo: Loyola, 1986. 197 Especialmente nos seguintes escritos: Da existência ao existente. Tradução de Paul Albert Simon. Campinas: Papirus, 1998; Ética e infinito. Lisboa: Edições 70, 1982; Humanismo do outro homem. Tradução de Pergentino S. Pivatto (coord.). Petrópolis: Vozes, 1993; Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1980; Transcendência e inteligibilidade. Lisboa: Edições 70, 1984. 198 SOUZA, Artur César. A “parcialidade positiva” do juiz e o justo processo penal, p. 138. 199 SOUZA, Artur César. A “parcialidade positiva” do juiz e o justo processo penal, p. 139. 200 SOUZA, Artur César. A “parcialidade positiva” do juiz e o justo processo penal, p. 139. 201 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Direito material e processo, p. 26. 202 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria e prática do poder de ação na defesa dos direitos sociais. São Paulo: LTr, 2002. p. 83. 203 RUPRECHT, Alfredo J. Derecho de la seguridad social. Buenos Aires: Zavalia, 1995. p. 81. 204 MARINONI, Luiz Guilherme. O custo e o tempo do processo civil brasileiro. Síntese, Porto Alegre, v. 37, p. 37-64, 2002. p. 38. 205 MARINONI, Luiz Guilherme. O custo e o tempo do processo civil brasileiro, p. 48. 206 SAVARIS, José Antonio. O princípio constitucional da adequada proteção previdenciária: um novo horizonte de segurança social ao segurado aposentado. Revista de Previdência Social. 207 Quando o indivíduo faz jus à proteção social em momento anterior ao ajuizamento da ação, a realização da cobertura social vinculada ao momento em que nasce o direito à proteção social somente é possível de modo retroativo. Quando o direito nasce no curso da demanda, pelo que se considera fato superveniente (cumprimento superveniente dos pressupostos legais à outorga da proteção social), a exigência de imediatidade pode ser atendida de modo aperfeiçoado (tanto quanto o é a outorga da proteção na via administrativa), pois então é possível fazer coincidir no tempo, o nascimento do direito e a sua satisfação. 208 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 55. 209 Os arts. 497 e 513 do Novo CPC disciplinam atualmente o cumprimento da sentença que reconhece a obrigação de fazer. 210 REsp 1401560/MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Primeira Seção, j. 12.02.2014, DJe 13.10.2015. Sobre o tema, veja-se o item 9.4.1 infra. 211 Sobre os temas da irreversibilidade recíproca e da definitividade dos efeitos das tutelas provisórias no campo processual previdenciário, veja-se os itens 10.6.1 e 10.6.2, infra. 212 Adiante-se, desde logo, mais precisamente: a função jurisdicional dos direitos fundamentais de proteção social não deve olhar com proeminência para o ato do Poder Público que se contrapõe ao direito pleiteado pelo particular ou para o modo como restou formalizada a tutela administrativa. Antes, por uma questão de respeito aos direitos fundamentais, a jurisdição de proteção social deve devotar-se ao acertamento da relação jurídica, o que implica investigar o que realmente importa: se o direito social pretendido existe e qual sua real extensão. Na perspectiva do acertamento, desde que prestada a tutela administrativa, abre-se espaço para a atuação jurisdicional de definição da relação jurídica de proteção social. 213 Fundada na supremacia da Constituição, a doutrina do judicial review legitimou o controle judicial de constitucionalidade dos atos governamentais, conferindo ao Judiciário o poder de invalidar os atos normativos ou com força de lei que contrariem o sentido da Constituição. 214 Nesse sentido: “Quando o Poder Judiciário, pela natureza da sua função, é chamado a resolver as situações contenciosas entre a Administração Pública e o indivíduo, tem lugar o controle jurisdicional das atividades administrativas. Os conflitos tomam, então, a forma de pleitos judiciais, estabelecendo-se o debate em torno da situação jurídica, de modo que seja possível esclarecer, definir e precisar com quem se acha a razão. Se com o Estado, negando direitos do administrado ou dele exigindo prestações, se com o próprio administrado, quando pede o reconhecimento de direitos, ou se revela insubmisso, alegando ilegalidade no procedimento administrativo” (FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 133) – destacamos. 215 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 7. ed., p. 135. 216 CAMPILONGO, Celso. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 45-46. É certo, por exemplo, que a defesa contra uma determinada penalidade administrativa pressupõe a invalidação do ato que lhe dá suporte, assim como a declaração de inexistência de relação jurídica tributária depende do reconhecimento da inconstitucionalidade ou ilegalidade da exação. 217 CAMPILONGO, Celso. Os desafios do Judiciário, p. 46. Nesse mesmo sentido o relevante aporte de Ferrajoli: “As garantias mais não são do que técnicas criadas pelo ordenamento para reduzir a divergência estrutural entre normatividade e efetividade, e, portanto, para realizar a máxima efetividade dos direitos fundamentais em coerência com a sua estatuição constitucional. Refletem por isso a diversa estrutura dos direitos fundamentais para cuja tutela ou satisfação são criadas: as garantias liberais, sendo destinadas a assegurar a tutela dos direitos de liberdade, consistem essencialmente em técnicas de invalidação ou de anulação dos atos (provvedimenti) proibidos que os violam; as garantias sociais, sendo destinadas a assegurar a tutela dos direitos sociais, consistem antes em técnicas de coerção e/ou de sanção contra a omissão das medidas que os satisfazem” (FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 100). 218 É necessário reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos como vínculos funcionais que condicionam a validade jurídica da inteira atividade do Estado (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal, 2. ed., p. 833). 219 Seria igualmente adequado à análise um problema ligado à concessão do benefício de prestação continuada da Assistência Social, disposto pela Lei 8.742/93. 220 Embora correndo o risco de simplificar demasiadamente a temática, para fins didáticos e especialmente para o desenvolvimento da argumentação, pode-se considerar que um benefício previdenciário é geralmente devido desde a data do requerimento administrativo. É certo que a legislação regente veicula diversas disposições sobre o início do gozo da cobertura previdenciária. Mas é igualmente correto afirmar que o sistema normativo consagra uma lógica subsidiária segundo a qual os benefícios são devidos, em regra, a partir do requerimento administrativo (v.g., Lei 8.213/91, arts. 43, 49 e 60). 221 Observe-se que a concepção da função jurisdicional enquanto revisão da legalidade do ato administrativo desdobra-se nas correntes da estrita revisão judicial da legalidade e do controle do ato administrativo a partir de uma perspectiva de efetividade processual. 222 De acordo com essa orientação, no caso de constituição de direito superveniente à DER, a fixação do termo inicial do benefício deve-se dar na data em que citado o INSS, pois, de maneira equivocada, tomou-se como base o entendimento do STJ, firmado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia (REsp 1369165/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 26.02.2014, DJe 07.03.2014) e que foi cristalizado na Súmula 576 daquele Tribunal Superior, que conta com o seguinte enunciado: “Ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida”. Trata-se de orientação que mereceu nossas reservas críticas no item 9.1.3.2, infra. 223 No caso objeto de consideração, perceba-se, a fórmula pragmática da ficção da ação judicial como novo requerimento administrativo conduziria à recusa de proteção social previdenciária pelo período de dois anos e meio (período compreendido entre a data do início da incapacidade, considerada judicialmente, e a data do ajuizamento da ação judicial). 224 Afinal, “A obrigação de compreender as normas processuais a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional, e, assim, considerando as várias necessidades de direito substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à proteção (ou à tutela) do direito material” (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 4. ed. São Paulo: RT, 2010. Curso de processo civil, v. 1, p. 119). 225 PONTES DE MIRANDA. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1972. t. I. § 26. p. 124. 226 Nas palavras de Chiovenda, “Essa reformulação se encontra (já o vimos) também nas sentenças que ordenam ao réu realizar uma prestação a favor do autor (sentenças de condenação). São, por consequência, também e antes de tudo, sentenças declaratórias [mero accertamento], nas quais a declaração judicial do direito exerce dupla função, a de criar a certeza jurídica e a de preparar a execução” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 260). 227 Esse elemento declarativo constitui o aspecto “mais requintado de puro instrumento de integração e especialização da vontade que é expressa na lei somente em forma geral e abstrata; de facilitação da vida social mediante a eliminação das dúvidas que embaraçam o desenvolvimento normal das relações jurídicas” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 260-261). 228 Ambas consubstanciam modalidades de garantias institucionais, isto é, mecanismos de tutela dos direitos que são confiados a instituições ou poderes públicos. As garantias institucionais podem ser distinguidas entre garantias políticas, confiadas aos poderes políticos, como o Parlamento e a Administração Pública, e as garantias jurisdicionais (ABRAMOVITCH, Victor; COURTIS, Christian. El umbral de la ciudadania, p. 66). A relação jurídica de proteção social tem na esfera administrativa uma primeira arena de tutela do direito fundamental, sempre sujeita ao acertamento judicial, que é de caráter definitivo. Esclareça-se que a antecedência da tutela administrativa aqui destacada para demonstrar as premissas em que se fundamenta a perspectiva do acertamento judicial de proteção social não se relaciona com a temática da justiciabilidade dos direitos sociais e a consequente possibilidade, que se assume de modo expresso, de se buscar judicialmente a realização de direitos sociais não disciplinados satisfatoriamente pelas instâncias políticas. 229 Aproxima-se dessa concepção a diferenciação entre garantias institucionais primárias, destinadas a especificar o conteúdo dos direitos, estabelecendo as obrigações e responsabilidades pertinentes (em geral a cargo dos poderes políticos), e as garantias institucionais secundárias (em geral as garantias jurisdicionais), destinadas a operar em caso de descumprimento de quem tinha a seu cargo o respeito, proteção ou satisfação do direito (ABRAMOVITCH, Victor; COURTIS, Christian. El umbral de la ciudadania, p. 66). 230 Com essa asserção não se pretende negar, em termos absolutos, a teoria dos motivos determinantes em matéria de Seguridade Social. O tema comporta interessante estudo que extrapolaria o objeto da presente investigação. O que se busca expressar, desde logo, é que em se tratando de direitos fundamentais sociais, a função jurisdicional deve voltar-se para a situação jurídica do interessado à proteção social vis-à-vis o direito que pretende. De todo modo, assume-se que em se tratando de direitos de proteção social, a perspectiva do acertamento não vincula o Poder Judiciário às razões que levaram a Administração Pública a recusar determinada pretensão. Assim é que, por exemplo, se administrativamente é negado o fornecimento de medicamento por não estar incluído na lista RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), a superação desse óbice em juízo não assegura, por si só, o acolhimento judicial da pretensão, pois outros pressupostos são exigidos na análise do direito em questão, como a necessidade, a eficácia da prescrição médica e a ausência de medicamento similar incluído em lista que produza idênticos resultados. 231 Guarda inteira pertinência, nesse contexto, a noção de instrumentalismo justo, segundo o qual “A instrumentalidade dá um passo para além da preocupação de dar efetividade às garantias processuais de acesso ao Judiciário. Vai interessar o próprio conteúdo material e substancial garantidos constitucionalmente ao cidadão. Só tem sentido um processo informal nas mãos de juristas preocupados com transformações radicais da sociedade. Pelo princípio da instrumentalidade, o sistema abre a porta do Estado para que, pela via do Poder Judiciário, o cidadão veja implementadas as conquistas sociais tais como previstas na Constituição” (PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52). 232 Exatamente nesse sentido: “1. O princípio processual previdenciário da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social sobre a estrita legalidade do ato administrativo orienta que a atividade jurisdicional destina-se primordialmente à definição da relação jurídica entre o particular e a Administração Previdenciária e, por tal razão, deve outorgar a proteção previdenciária nos termos em que a pessoa a ela faz jus, independentemente de como tenha se desenvolvido o processo administrativo correspondente. Em outras palavras, a análise judicial deve voltar-se, com prioridade, para a existência ou não do direito material reivindicado. 2. É possível o cômputo de tempo superveniente ao processo administrativo para a solução judicial [...]” (PEDILEF 0000474-53.2009.404.7195, Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal José Antonio Savaris, DE 09.09.2011). 233 Em última análise, a Administração Previdenciária não considerou e nem recusou considerar esse tempo de contribuição – e talvez reconhecesse a circunstância fática caso lhe fossem apresentados os documentos. Afinal, o indeferimento da aposentadoria se deu levando em conta as informações constantes no sistema próprio da entidade previdenciária e eventuais outros documentos apresentados pelo segurado. 234 O descompasso em tese entre o direito a que o segurado faz jus e o seu estado de fato, quando persistente após a prestação da tutela administrativa, caracteriza por si só a lesão de direto que justifica o acesso à justiça. Em outras palavras, “Quando ao direito a uma prestação deixa de corresponder o estado de fato, por não se haver satisfeito a prestação, diz-se lesado o direito” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 33). 235 Não será uma postura judicial comprometida com o direito fundamental à ação para realização de direito fundamental social que chamará à realidade o pesadelo em que o Judiciário se converte em verdadeiro “balcão do INSS”. É fundamentalmente a insuficiência na prestação da tutela administrativa que faz precipitar um volume extraordinário de demandas judiciais. Essa é uma questão estrutural que vitimiza os agentes públicos e segurados da Previdência Social. Trata-se de uma conveniente limitação estrutural, orientada pela lógica do custo-benefício. Essa lógica leva à redução de despesas sociais, mediante recusa de efetiva tutela institucional, quer pela falta de informações fundamentais para o exercício dos direitos de Previdência e Assistência Social, quer pela ausência de real espaço para contraditório e ampla defesa no que se chama “processo” administrativo, quer pelo reticente posicionamento institucional em relação às orientações pretorianas. 236 Com isso se presente demonstrar a maneira pela qual a primazia do acertamento se relaciona com outros princípios processuais, destacando também por esta ótica a sua pertinência ao sistema processual. 237 Importa, com efeito, tutelar o mais adequadamente possível o direito de proteção social, “fugindo-se do retardamento de ações cujo objeto tem tamanha relevância e urgência, e dando-se primazia, em última análise, aos direitos fundamentais que estão em jogo – direitos à saúde e à prestação jurisdicional célere” (TRF4, Ag. 5017198-30.2011. 404.0000). 238 RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014. 239 Sobre nossa classificação das ações de revisão de benefício previdenciário, veja-se o item 6.2.2, infra. 240 Nesse sentido, a título ilustrativo: “Não há carência de ação por ausência de prévio requerimento quando, à época do requerimento de concessão do benefício, não houve requerimento específico de contagem de tempo especial ou não foi aportada documentação comprobatória suficiente ao reconhecimento da atividade especial, dado o caráter de direito social da previdência social, o dever constitucional, por parte da autarquia previdenciária, de tornar efetivas as prestações previdenciárias aos beneficiários, o disposto no art. 54, combinado com o art. 49, ambos da Lei 8.213/91, e a obrigação do INSS de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários. 2. No caso concreto, porém, efetivamente falece ao autor interesse de agir – merecendo acolhida a preliminar de carência de ação suscitada pelo Instituto Previdenciário –, pois restou silente quando instado pela Autarquia para levar ao processo administrativo documentação que possibilitasse o exame de seu pedido, sendo certo que não constam daquele processo sequer cópias da CTPS do segurado com referência às suas atividades. No mesmo sentido, não foram anexados à petição inicial da ação originária quaisquer elementos documentais referentes ao trabalho do demandante. 3. A par disso, o ramo de atividade da empresa em questão não permite presumir que os trabalhadores lá empregados estivessem expostos a agentes nocivos, razão pela qual, diante da inexistência de pedido específico de verificação da especialidade por ocasião do requerimento do benefício e de documentação que a pudesse comprovar, é inviável exigir que o INSS previamente considerasse a possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades do segurado” (Ag. 0007785-10.2013.404.0000, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 21.03.2014). 241 Segundo pensamos, essa orientação da Suprema Corte não resta superada pelo acordo judicial firmado, no âmbito de ação civil pública, entre a União, o MPF, o Ministério da Cidadania, a DPU e o INSS, pois, em se tratando de direitos individuais homogêneos, os efeitos da coisa julgada não podem prejudicar “interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe” (Lei 8.078/90, art. 103, § 1º), até mesmo porque foi reconhecido seu efeito vinculante apenas sobre as ações coletivas já ajuizadas que tratem do mesmo objeto (itens 12.4 e 12.5 do acordo). No entanto, reconhecemos que provavelmente os prazos estabelecidos na aludida avença serão aplicados de modo geral, para demandas individuais, inclusive. Dito acordo, anote-se, foi homologado pelo STF no âmbito do RE 1.171.152, inicialmente por decisão do relator Min. Alexandre de Moraes, proferida em 08.12.2020, a qual restou referendada pelo Plenário (Sessão Virtual de 18.12.2020 a 5.2.2021). Nessa ACP, buscava-se a fixação do prazo máximo de 15 (quinze) dias para que o INSS realizasse as perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, a contar do requerimento do benefício. O Recurso Extraordinário chegou a ser incluído para julgamento em repercussão geral (Tema 1.066: “Possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo”). Sem embargo, por força desse acordo, o processo foi extinto (CPC, art. 487, III), acarretando a exclusão do recurso da sistemática de casos repetitivos. Note-se que a composição judicial estabeleceu prazos diferenciados, previstos de acordo com a espécie de benefício, e toma em consideração aspectos como a necessidade de cumprimento de exigências por parte do interessado. O prazo do aludido acordo é de 24 (vinte e quatro) meses, findo o qual será novamente avaliada a manutenção dos prazos nele definidos. A íntegra do Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC pode ser conferida no Apêndice deste livro. 242 De qualquer modo, não se pode exigir novo requerimento administrativo nas hipóteses em que se pretende o reconhecimento judicial do direito, mediante identificação de fato superveniente que influi o julgamento do mérito, pois nesses casos não se pode imputar ao particular qualquer omissão quanto à afirmação de fato ou a cumprimento de exigência administrativa. Observe-se que o STJ enfrentou, em sede declaratória, a questão do interesse de agir nas hipóteses de “Reafirmação da DER” judicial, destacando que não se trata de hipótese de propositura de ação judicial sem prévio requerimento administrativo: “o prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento” (EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020). 243 O argumento é falacioso, pois é ilegal o ato administrativo que indefere o requerimento de benefício previdenciário quando o beneficiário, na realidade, preenche todos os requisitos exigidos pela legislação previdenciária para sua concessão. De todo modo, talvez o mais formalista juiz revisor-fiscal de atos do Poder Público reconhecesse, nessas condições, o desacerto da solução judicial que recusa a concessão do benefício ao fundamento de que a comprovação do fato constitutivo do direito se deu apenas em juízo. 244 Nesse sentido: “A parte autora não apresentou administrativamente por ocasião do pedido de revisão de seu benefício [...] toda a documentação necessária ao reconhecimento da condição especial das atividades ora declaradas insalubres [...]. Destarte, não se pode considerar que a autarquia estivesse em mora anteriormente à data de sua citação nos presentes autos. II – Sendo assim, o termo inicial da revisão deverá ser a data da citação [...], a teor do disposto no art. 219 do Código de Processo Civil” (TRF3, AC 649246). 245 Perceba-se que a falta de princípio a orientar a definição dos termos em que é devida a proteção social pode levar ao equívoco de se pensar o ato decisório como constitutivo do direito: “O reconhecimento da incapacidade da autora para o labor somente se concretizou com a decisão agravada, de modo que os efeitos financeiros deveriam valer a contar da prolação desta. Todavia, com o fito de se evitar que o julgamento desbordasse dos limites da pretensão recursal, tornou-se imperativo o acolhimento da apelação do réu neste item, razão pela qual o termo inicial do benefício foi fixado a contar da data do laudo pericial” (TRF3, Décima Turma, Processo 2011.03.99.008361-1). 246 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, 2. ed., p. 44-46. 247 De outra perspectiva, mas no mesmo sentido, encontra-se a formulação chiovendiana de que “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 67). 248 Pet 9.582/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 26.08.2015, DJe 16.09.2015. 249 O Novo CPC expressa, em seu art. 2º, “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. 250 Sobre o tema, remetemos o leitor ao quanto escrevemos sobre a fungibilidade das ações previdenciárias e a relativização do princípio dispositivo, no item 1.7.2, supra. 251 Como há um núcleo a ligar o requisito específico dos benefícios de Seguridade Social por incapacidade, tem-se admitido uma espécie de fungibilidade dos pedidos que buscam sua concessão. Nesse sentido: “Em relação ao pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, não há óbice processual quanto ao seu enfrentamento, ademais quando se está diante de benefícios que possuem origem em evento de risco social comum, qual seja, a incapacitação para o trabalho decorrente de acidente, o qual pode gerar direito à concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente, sendo que a decisão que defere qualquer deles, independentemente de haver pedido expresso, não é extra petita” (TRF4, AC 00008928120104049999). 252 Nesse sentido: “[...] em razão do caráter social das demandas previdenciárias e acidentárias, pode o julgador conceder benefício diverso ao pedido na inicial se verificado o preenchimento das exigências necessárias para o seu recebimento” (STJ, CC 87.228). Ainda no mesmo sentido: “Cuidando-se de matéria previdenciária, o pleito contido na peça inaugural deve ser analisado com certa flexibilidade. In casu, postulada na inicial a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, incensurável a decisão judicial que reconhece o preenchimento dos requisitos e concede ao autor o benefício assistencial de prestação continuada” (REsp 847.587). 253 Com esses fundamentos, a relativização do princípio da adstrição da sentença em matéria de proteção social não se limita às hipóteses de concessão de benefícios por incapacidade. Com efeito, tal orientação jurisprudencial tem assegurado, por exemplo, a possibilidade de o juiz conceder o benefício em percentual maior do que o requerido na inicial (REsp 929.942). Para além disso, esse entendimento respalda a concessão de aposentadoria por tempo de serviço pela instância recursal quando a parte postulava revisão da renda mensal de aposentadoria por idade (REsp 1.019.569). Parte-se do pressuposto, em relação a este último caso, de que a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço seria mais benéfica do que a revisão da aposentadoria por idade. 254 Sobre a relação da busca da verdade real com o princípio da imparcialidade judicial, especialmente nas demandas de proteção social, veja-se os itens 2.1.3.1 e 2.1.3.2. 255 E isso é plenamente justificável: “O princípio da demanda e o dispositivo têm o seu inegável valor, mas não são suficientes, em si mesmos, para infirmar as tendências que advêm da ligação do sistema processual aos fins do Estado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 165). 256 Tem-se como justa a decisão judicial que, por um lado, realiza o Direito a partir de uma perspectiva dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais e que, por outro lado, revela-se em sintonia com a realidade dos fatos (verdade real) e com a realidade social. Na medida em que o saber ético depende do caso para alcançar uma constituição equitativa da norma para o problema concreto (exigências de justiça do caso), ainda a equidade consiste em componente indispensável à justiça das decisões judiciais. Em matéria de direitos sociais, essa proposição já era sondada quando se pensou a “solução de equidade com inspiração constitucional” como “peça fundamental para concretização do direito fundamental à subsistência pela proteção social e para tornar nossa realidade social menos injusta” (SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário, p. 50). 257 Sobre o processo de concessão de benefício previdenciário, veja-se o Capítulo 4. 258 Sobre o tema dos deveres fundamentais, os quais levantam exigências a que se deve vincular a atuação dos indivíduos e dos poderes públicos, vejase: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar Impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 155-166. Entre nós, veja-se: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 240-245; DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres fundamentais. In: LEITE, George Salomão et al. (coord.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 325-343. O direito fundamental à informação pública, associado ao dever fundamental de tornar a atividade estatal acessível ou transparente, sustenta-se no princípio do Estado Democrático de Direito e deriva dos princípios constitucionais administrativos da publicidade e da eficiência. O acesso às informações necessárias para o exercício dos direitos de proteção social constitui, a um só tempo, exigência dos princípios do respeito à pessoa – que se encontra em posição de inferioridade em relação ao Estado – e da boa-fé objetiva, que deve presidir toda relação entre a Administração Pública e o cidadão. 259 Anote-se que a circunstância de o segurado se encontrar assistido por advogado não retira da Administração o dever de orientá-lo e conceder-lhe o benefício mais vantajoso. É intuitivo que a representação por profissional não pode consubstanciar, a um só tempo, fator que desonere a Administração Pública de dever fundamental e instrumento de penalização do segurado. Em suma, a representação por advogado não pode consistir em variável que se transforme em penalização do segurado, mesmo porque, é justamente a burocracia e a ineficiência administrativas que levam o segurado a mediante ônus próprio, contratar representante para sua participação na via administrativa. 260 Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu a Suprema Corte, em emblemático precedente: “Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais” (RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator p/ o Acórdão Min. Marco Aurélio, j. 21.02.2013, DJ 23.08.2013). De acordo com esse precedente, assegurou-se o direito dos segurados terem deferidos ou revisados seus benefícios de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional (Informativo STF 695). 261 Sobre esse aspecto específico, veja-se o item 2.3.3.1, supra. 262 Esclarecendo “junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem de sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade” (Lei 8.213/91, art. 88). 263 DOU 12.11.2019, Edição 219, Seção 1, p. 320. Esse dever já era extraído do antigo Enunciado 5, do CRPS: “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”. 264 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. CAPÍTULO 3 O PRIMADO DA EFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JUSTIÇA PREVIDENCIÁRIA DESTE INÍCIO DE SÉCULO 3.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 19/98 E A EFICIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O tema da administração eficiente envolve a assimilação de técnicas do setor privado na gestão pública. O processo foi iniciado na década de oitenta do século passado na Inglaterra, e em nosso país foi homenageado com a Emenda Constitucional 19, de 04.06.1998 (Reforma Administrativa). Foi justamente esta emenda constitucional que positivou o postulado da eficiência, incluindo-o entre os princípios da Administração Pública (CF/88, art. 37). Embora se reconheça que o princípio constitucional da eficiência administrativa seja interpretado a partir de diferentes perspectivas, forjavase a concepção da reforma administrativa às ideias de economia, redução do aparelho do Estado, incorporação ao serviço público da prática da análise do custo-benefício, avaliação do desempenho do serviço público em termos de qualidade, quantidade e custo, e de Estado eficiente e suficiente. Em um contexto de reforma do aparelho do Estado orientada ao ajuste fiscal, à privatização e à abertura comercial, a reforma administrativa se tornou um tema central no Brasil em 1995. Pretensamente, ela consubstanciava condição, a um só tempo, da consolidação do ajuste fiscal do Estado brasileiro e da “existência no país de um serviço público moderno, profissional e eficiente, voltado para o atendimento das necessidades dos cidadãos”²⁶⁵. É preciso destacar que esse processo de reformas do Estado vai ao encontro das imponderáveis exigências neoliberais e de seus argumentos contra o Estado de Bem-Estar: a condição antieconômica do Estado, que retiraria do mercado os incentivos para investir e empreender; a improdutividade do Estado, provocada pelo rápido crescimento de burocracias e castas de funcionários públicos, concorrendo em recursos econômicos e humanos com a iniciativa privada; a ineficiência e a ineficácia do Estado, ligadas à não erradicação da pobreza, apesar dos recursos destinados ao seu combate; a negação da liberdade, decorrente, de um lado, da impossibilidade de escolha, pelos cidadãos, dos serviços que serão colocados ao seu dispor, e, de outro, da elevação progressiva dos impostos e da prática de atos confiscatórios que atentam contra a liberdade; a negação da iniciativa individual, que é produzida como consequência do superdimensionamento do tamanho do Estado e com a atuação, por este, em campo próprio de ação da iniciativa privada²⁶⁶. É significativo perceber como objetivos da reforma administrativa a facilitação do equilíbrio fiscal (mediante redução de custos) e a ideia de administração mais eficiente e moderna, voltada para o atendimento dos cidadãos. A reforma administrativa era percebida pelos agentes reformadores como uma necessária resposta à crise do Estado, definida como uma crise fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado e como uma crise da forma burocrática de administração. A Administração Pública brasileira se apresentava com alto custo e baixa qualidade²⁶⁷. Com a introdução de um perfil gerencial à Administração Pública, objetivava-se, dentre outras coisas, uma administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de autorreferida, e um controle por resultados, em vez do controle passo a passo dos processos administrativos²⁶⁸. Esperava-se como resultados da reforma um contributo para o equilíbrio das contas públicas e melhoria dos serviços públicos (com a assimilação da importância da contínua superação de metas de desempenho). Em relação aos servidores públicos, cabe destacar a intenção de “melhoria das condições de trabalho”, que seria buscada, inicialmente, pela flexibilização da estabilidade e pela introdução de mecanismos de avaliação. Isso porque as flexibilizações introduzidas propiciariam “a assimilação de novos métodos e técnicas de gestão, criando condições para substancial melhoria dos padrões gerenciais no serviço público, beneficiando os próprios servidores” (Exposição de Motivos Interministerial 49, de 18.08.1995)²⁶⁹. É importante para os propósitos desta seção a ideia de uma “façanha neoliberal” que se concretiza pela modificação do modelo de legitimação política do Estado²⁷⁰. Pressupondo que o Estado de Bem-Estar se encontra em crise, a ideologia neoliberal buscou e busca deslegitimar este modelo de Estado, por meio de propaganda simplificadora “do Estado incompetente, ineficiente, corrupto, letárgico, obeso e de um mercado austero, ágil, eficiente, probo, voltado para a qualidade total”. A ideologia é utilizada em um duplo sentido: “de um lado, legitima importantes itens da pauta neoliberal; de outro, ampliando enormemente o déficit de legitimação política do Estado, reduz seu custo, legitimando o modelo preconizado pelos neoliberais”. Segue daí que “o Estado que tudo prometia e pouco cumpria é deslegitimado para legitimar um Estado que tão pouco promete e, por isso, aparenta tudo cumprir”²⁷¹. A nova feição do Estado tem então uma distinta legitimação. Escorando-se nos pressupostos de “eficácia, agilidade e baixo custo”, e destinando-se especialmente a garantir a “sanidade do mercado, em especial, pela ordem e segurança das relações privadas”, “vai perdendo sua natureza política e social, em troca de critérios de avaliação estritamente econômicos. E estes passam, de forma crescente, a nortear o processo de recepção das demandas sociais na forma de tutela jurídico-políticas”²⁷². Nesse sentido, é valioso atentar que a reforma previdenciária introduzida pela Emenda Constitucional 20/98, que consagrou a adoção de critérios que preservem equilíbrio financeiro e atuarial no Regime Geral da Previdência Social (CF/88, art. 201, caput), consiste, discursos à parte, em uma devoção aos mesmos ideais que inspiravam a reforma de Estado: redução de despesas e alocação eficiente de recursos com vistas ao equilíbrio fiscal, e mais espaço para atuação para o setor privado. É de maior relevância também o fato de que a reforma do sistema de Previdência do servidor público, com a introdução do requisito da idade mínima para concessão e a extinção das garantias de integralidade e paridade dos proventos em relação aos servidores em atividade, seria buscada a partir do mesmo paradigma da eficiência e da redução dos custos da Administração Pública. Ela era considerada “fundamental, na medida em que é a condição para a definitiva superação da crise fiscal do Estado”²⁷³. Com a modificação do modelo de legitimação política do Estado, a estratégia neoliberal buscava reduzir “as possibilidades de inclusão de novas demandas incompatíveis com os interesses do mercado” e “afastar algumas tutelas jurídico-políticas, em especial as de caráter social e coletivo, para fora do mercado”²⁷⁴. É nesse contexto histórico-político e com tal aura progressista que foi moldado o ideal de eficiência inscrito na Constituição da República pela reforma administrativa. 3.1.1 Mas o que há de errado em a Administração Pública buscar a eficiência? Se entendermos por eficiência o dever de bem atender o cidadão, se compreendermos este valor juntamente com outros princípios constitucionais da Administração Pública, tais como os da moralidade, boa-fé, legalidade e impessoalidade, concluiremos que a prestação de serviço público eficiente – de qualidade e que tenha o cidadão como referência – é o que desde sempre se espera da Administração Pública. Se o desempenho institucional é avaliado pela transparência, ausência de entraves formais e relacionamento profissional dos servidores públicos em relação aos administrados, não há razão para levantarmos objeção – e tampouco haveria algo de muito novo quanto a este dever administrativo. Se eficiência é conformar a prática administrativa com os princípios jurídicos fundamentais que a regem, nunca antes se precisou tanto dela. Se a eficiência guarda, contudo, o significado de metas/resultados e de racionalização dos serviços públicos para o máximo de produtividade – noção oferecida por um dos enfoques do modelo toyotista de redução de custos e produção enxuta just in time; se a Administração Pública não se perde em formas como antes, mas também não avalia seus resultados a partir da qualidade dos serviços, senão pela performance quantitativa, persiste em ter a si como referência primária, não ainda o cidadão. 3.1.2 Afinal, o que há de errado em a Administração Pública buscar a eficiência econômica? Como princípio informador da atuação estatal, a eficiência reclamará um juízo fundado em considerações orientadas antes ao resultado do que ao merecimento ou à necessidade dos indivíduos²⁷⁵. Se os problemas começam quando vemos a eficiência da administração gerencial apenas pela perspectiva da racionalização dos serviços na busca de resultados, independentemente da satisfação do administrado quanto ao valor intrínseco da resposta administrativa, o que se poderia expressar acerca da adoção, pela máquina estatal, de um modelo de gestão que se espelha no gerenciamento próprio do mercado, buscando eficiência econômica? Quando se buscou incorporar a dimensão de eficiência na Administração Pública, é bom destacar, tinha-se em consideração que “o aparelho de Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte” (Exposição de Motivos Interministerial 49, de 18.08.1995). Buscava-se, de fato, “maior eficiência e racionalidade de custos”, visto que “o aumento da eficiência do aparelho do Estado é essencial para a superação definitiva da crise fiscal”. É por essa razão que se tornava necessária a “implantação de técnicas de gestão voltadas para a eficiência e o desempenho” (Exposição de Motivos 49/95). Também de eficiência econômica se tratava, portanto. Na alocação de recursos institucionais, o critério da eficiência é frequentemente justificado pelo argumento de que os ganhos alcançados por sua adoção habilitarão as autoridades a oferecer os bens escassos para aqueles que os reivindicam a partir de outros fundamentos²⁷⁶. Seria possível, nestes termos, uma extensão do sistema de segurança social pelos recursos extras gerados e canalizados de volta a esta política de proteção social. Argumenta-se que decisões secundárias na alocação de recursos podem ter uma influência favorável nas decisões principais que determinam a provisão. Como observa Jon Elster²⁷⁷, “Elas podem, mas não o farão necessariamente”. Afinal, o governo pode bem decidir usar os recursos extras em algum outro propósito. A primazia da eficiência econômica é inadequada aos propósitos da Administração Pública, pois guarda orientação à maximização das riquezas e a uma racionalização na alocação de recursos que tem como ponto de partida a redução de custos. Talvez seja melhor especificar essa proposição. Na prestação de serviços sociais e no relacionamento com os cidadãos, o referente estatal não deve ser a produção de riqueza, mas tal era o objetivo imediato da reforma do Estado brasileiro: consolidação do equilíbrio fiscal, mediante redução de custos, e geração de mais benefícios com os recursos disponíveis. A eficiência econômica é considerada, assim, um ideal permanente da Administração Pública, como instrumento colocado em função dos equilíbrios orçamentários. Como a ideia de eficiência se irradia em todos os espaços da Administração Pública, informando as políticas públicas e seu relacionamento com o administrado, poderemos ter como consequência um determinado arranjo institucional voltado para a maximização da saúde financeira de instituições e de agregados sociais, como PIB e bem-estar total²⁷⁸. Em outras palavras, e devotado à geração de excedentes e à adequação das políticas públicas a uma contingência crítica (crise orçamentária) que, em nosso país, aparentemente não cessa... O impacto de tal pensamento nas políticas de proteção social é o desmantelamento das manifestações de welfare state, uma política sistemática de retração da Previdência Social no plano institucional e, receia-se, uma postura mais austera ou rigorosa no que diz respeito à outorga de benefícios aos indivíduos. Tudo em nome dos esforços contra o – tão falacioso quanto propagado – déficit do orçamento da Seguridade Social e de uma zelosa gestão pública contra o desperdício e a má alocação dos – escassos – recursos. De um lado, tem-se a persistente redução do campo de proteção previdenciária sentida a partir da década de noventa do século passado. De outro lado, a eficiência da administração gerencial no campo do RGPS é identificada na deficiente estrutura administrativa – lógica da maximização da produtividade pela atuação dos agentes públicos. Quando, porém, a eficiência administrativa é lida com as lentes de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, o que se tem é a imposição de uma eficiência previdenciária. É isso o que buscam as reformas previdenciárias restritivas de direitos e as que promovem elevação de receitas: um sistema previdenciário eficiente, que maximize seus recursos e ademais gere excedentes. Mas na sua face oculta e mais dramática, a busca pela eficiência previdenciária se revela na dificuldade de acesso à tutela administrativa, na falta de mínima inclinação do órgão gestor à solução dos problemas dos administrados, no prematuro encerramento dos processos administrativos e na multiplicação de ilegais óbices à concessão de benefícios. Afinal, o que motiva os agentes previdenciários, senão a eficiência (econômica)? Eficiência econômica aplicada à Previdência Social significa obsessão por redução de custos, com desajustes sociais e graves consequências humanas. 3.2 SINAIS DE CRISE NA JUSTIÇA PREVIDENCIÁRIA Como não poderia deixar de ser, o paradigma da eficiência alcançaria a seara judiciária. É preciso que o Poder Judiciário seja eficiente, isto é, produza o máximo, em termos de soluções finais a litígios, com o mínimo de recursos materiais e pessoais, com vistas a assegurar objetivos fundamentais como a pacificação social e a segurança jurídica. Tal aspiração desaguou na promulgação da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, que promoveu uma reforma no sistema judiciário brasileiro e, dentre outras providências, criou o Conselho Nacional de Justiça e incluiu, no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da razoável duração do processo²⁷⁹. Certamente que a realidade das coisas não se altera pela só edição de disposições normativas. Persistem, como se sabe, as enormes dificuldades de a estrutura judiciária brasileira dar conta de seu mister constitucional, seja quanto ao tempo de duração dos processos, seja quanto ao aspecto qualitativo de suas decisões. Se permanente se fala das insuficiências do Poder Judiciário, em que termos seria possível referir-se, então, a uma crise de determinado campo da administração da justiça? Na verdade, com a referência à crise na justiça previdenciária não se pretende expressar que o processo previdenciário se destaca das demais manifestações de insuficiência de resposta jurisdicional. É evidente que os conhecidos problemas do Poder Judiciário não poupam a justiça previdenciária. O que se deseja consignar é que, em face das peculiaridades de um processo judicial previdenciário, é possível perceber questões críticas que lhe são específicas: a) o conteúdo da demanda se reporta a um bem da vida presumivelmente indispensável para a subsistência digna do indivíduo, o que carrega uma nota de urgência e eleva a importância de uma solução justa ao processo; b) a parte autora está supostamente destituída de valores necessários à sua manutenção, presumindo-se sua hipossuficiência, o que implica dificuldades para a efetiva participação processual e também acrescenta uma nota de urgência ao processo²⁸⁰. O direito constitucional a um processo justo se impõe com toda força em uma lide previdenciária, em face da relevância social e da natureza alimentar do bem da vida que se põe em discussão. O direito material em jogo é de uma magnitude tal que reclama acentuada urgência na elaboração da decisão judicial. Mas, como referimos alhures, a decisão judicial previdenciária tem um efeito singularmente maléfico quando, embora formalmente incensurável, afigura-se desviada da realidade. Essa singularidade marca as ações previdenciárias. Por algumas décadas o direito previdenciário foi percebido como uma disciplina de segunda linha no universo do direito público, longe de despertar atenção na academia e tampouco constituindo um campo atrativo aos profissionais do direito. Esse quadro foi parcialmente alterado por uma série de circunstâncias que se encontraram na história. De um lado, a promulgação da Constituição da República de 1988, com a universalização dos direitos de segurança social, a consagração do postulado da igualdade previdenciária entre as populações urbanas e rurais, um desenho progressista de Assistência Social e a adoção de um modelo exemplar de saúde pública, em termos internacionais. De outro lado, o avanço da doutrina constitucional de força normativa da Constituição e a emergência do primado da justiça processual, isto é, a afirmação do direito a uma ordem jurídica justa, deram impulso a iniciativas de diversos órgãos estatais que buscavam tornar efetivo o direito de acesso à Justiça para o cidadão comum. A especialização de varas federais em matéria previdenciária, com adoção de técnicas específicas de aceleração do processo, a criação de turmas previdenciárias em alguns tribunais regionais federais e o inimaginável processo de aparelhamento e interiorização da Justiça Federal tornariam possível aplacar os males da chaga maior da Justiça: sua excessiva morosidade. A sedimentação da jurisprudência em matéria previdenciária passou a se operar com mais rapidez a partir das luzes de diversos magistrados que passavam a se especializar em uma matéria frequentemente malquista. Conquanto firmes fossem as orientações pretorianas, a Administração Previdenciária persistia incorrigível, naufragando em um oceano de ilegalidades. O encontro dessas realidades em uma década de aceleração da procura judicial em várias jurisdições fez despertar grande interesse profissional pelo direito previdenciário, pois a probabilidade de sucesso da demanda previdenciária era elevada, a resposta jurisdicional passava a se dar em tempo razoável, a plena satisfação do direito material era certa e os riscos de sofrer real carga de sucumbência eram minimizados pela assistência judiciária. É nesta conjuntura que, pela Lei 10.259/2001, são criados e então instalados os Juizados Especiais Federais, uma engrenagem com notas de celeridade, simplicidade, gratuidade, um modelo de jurisdição que chegou a ser apregoado como a redenção da Justiça brasileira. Diante dessa interseção de trajetórias, não é surpreendente que estejamos presenciando uma explosão de demandas previdenciárias. Como consequência, em que pese toda sua singularidade, a ação previdenciária passa a ser conduzida em uma atmosfera de gerenciamento de processos em massa, no qual pode perder relevância o valor da verdade material em cada feito isoladamente considerado. É nesta atmosfera de eficiência gerencial que se sobressai a adoção de técnicas de aceleração de processo que, por vezes, imprimem celeridade em dissonância com o devido processo legal e inibem movimentação processual tendente a oferecer maior grau de segurança à decisão. O excesso de demandas previdenciárias apresentou pontos críticos à efetividade jurisdicional e constituiu campo propício para a eficiência gerencial. Esta, de sua vez, se por um lado tem o condão de racionalizar o trâmite processual e contribuir para a efetividade processual pela via da celeridade, ameaça essa mesma efetividade no que pode retirar do processo a segurança e o peso da verdade material, isso em ações em que se discute o direito fundamental à subsistência digna pela Seguridade Social. O que se tem, então, é a emergência de pontos críticos também em razão da eficiência de resultados na gestão de processos. Se o ponto crítico pelo excesso de processos desafia a tempestividade da distribuição jurisdicional, o ponto crítico pela adoção da eficiência gerencial tem potencialidade para distanciar a atividade jurisdicional da verdade dos fatos e de tudo que existe no mundo, mas não foi buscado, não veio e não está nos autos. É nesse contexto que se fala de crise na justiça previdenciária. Mas as coisas não precisam se passar deste modo. Em primeiro lugar, o volume de feitos não tem de alcançar números absurdos. Aliás, se, em certa medida, estes números parecem revelar a amplitude de acesso à justiça, não deixam de indicar, de um lado, o desajuste da Administração Previdenciária – um lamentável descompasso entre o agir administrativo e o ordenamento jurídico na forma compreendida e definida pelo Judiciário – e, de outro lado, a insuficiência das ferramentas processuais individuais para o exame da legitimidade da atuação pública na gestão da Previdência Social. De outro lado, se é recomendável a aplicação dos princípios da simplicidade, instrumentalidade e economia processuais na condução do processo judicial previdenciário no âmbito dos Juizados Especiais Federais, e se há espaço para a adoção de técnicas de aceleração de processo com o desiderato de promover a celeridade processual e a melhor administração da vara, isso não deve importar o sacrifício das garantias processuais decorrentes do devido processo legal e tampouco inibir a adoção de estratégias úteis para uma adequada instrução do feito²⁸¹. Esse aspecto ganhou realce com o advento da pandemia da Covid-19, que acarretou trágicos eventos históricos, com efeitos ainda não imagináveis sobre a vida e a condição de vida das pessoas. Esforços em todo o mundo se concentram para fazer frente a uma crise sanitária que já se apregoa ser a maior do século. Os olhos de todos, em qualquer parte, estão voltados para números de vítimas, prognósticos, mudanças de epicentro etc. A inquietação não se esgota nos desafios dos sistemas de saúde, contudo. Os efeitos sobre a economia já se deixam sentir e são de elevada monta em todo o mundo. Para endurecer esse quadro, a estratégia de prevenção, fundamental para o controle da epidemia, está cobrando quarentena ou isolamento social, o que implica flagelo para agentes econômicos dos mais diversos setores em quase todo o planeta. Nesse contexto social de alta complexidade e opacidade, também houve a suspensão de atendimento em agências do INSS e o cancelamento de audiências perícias judiciais presenciais, para o cumprimento do isolamento social recomendado pela OMS e autoridades de todos os entes da federação. Apesar das objeções do Conselho Federal de Medicina – CFM (Parecer CFM 003/2020), o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Resolução 317/2020, permitindo a realização de teleperícias, nos moldes em que disciplina, durante o período em que perdurar a pandemia do coronavírus. Também ganhou espaço no Poder Judiciário a produção de perícias indi‐ retas²⁸², isto é, o exame consistente em análise documental da condição de saúde dos segurados, o que fragiliza ainda mais as garantias processuais nas ações envolvendo benefício por incapacidade laboral, espécie de demandas judiciais que, como pontuamos no item 5.3, infra, se apresenta como verdadeiro desafio para a justiça previdenciária²⁸³. 3.2.1 Três fatores determinantes para a multiplicação das lides previdenciárias 3.2.1.1 A Administração Paralela Em primeiro lugar, o excesso de demandas previdenciárias decorre da péssima qualidade dos serviços prestados pelo INSS ao potencial beneficiário da Previdência ou Assistência Social. A imagem das longas filas, de leitos improvisados nas calçadas e de portas lacradas por frequentes estados de greve não largam nosso espírito. E, diga-se, se as longas filas são substituídas por indefinida espera nos serviços de agendamento, nem por isso o serviço ganha em qualidade. Mas isso não é nada comparado ao generalizado descaso do órgão gestor da Previdência Social com os direitos do indivíduo. Com efeito, a Administração Previdenciária adota um caminho paralelo àquele assegurado pelo feixe normativo emanado do devido processo legal e da legalidade e moralidade administrativas. Isso se observa facilmente, por exemplo: i) nas notórias recusas injustificadas de protocolo de requerimento administrativo, a despeito do direito constitucional de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV, “a”); ii) nos indeferimentos sumários e desmotivados, sem embargo da determinação constitucional de fundamentação das decisões (CF/88, art. 93, IX), norma esta reafirmada pelo art. 50 da Lei 9.784/99; iii) quando não informa aos segurados e dependentes acerca de seus direitos – para a insuficiência senão inexistência do serviço social de esclarecimento “junto aos beneficiários (de) seus direitos sociais e os meios de exercê-los” e de estabelecimento conjunto do processo de solução dos problemas que emergirem da relação dos beneficiários com a Previdência Social (Lei 8.213/91, art. 88); iv) na ausência de um desenvolvimento válido do processo administrativo, seja em razão da não realização de justificação administrativa quando a entidade reputa insuficiente a prova documental oferecida pelo segurado (Lei 8.213/91, art. 108)²⁸⁴, seja pela falta de espaço para este comprovar seu direito por meio de todas as provas admitidas em direito (Lei 9.784/99). Isso faz com que a situação do segurado em face da Previdência Social se transforme precocemente em um litígio previdenciário. A agravar esta condição, começa a se consolidar uma consciência de que a entidade previdenciária é apenas um obstáculo à obtenção de uma prestação da Seguridade Social (benefício previdenciário ou assistencial), pois é no Judiciário que o problema, acredita-se, será resolvido. Por vezes tudo o que o indivíduo almeja na esfera administrativa é um rápido indeferimento, de maneira a suprir a condicionante de ação consagrada pela jurisprudência (prévio indeferimento administrativo). Não são poucas as vezes em que, por exemplo, indefere-se um benefício de pensão por morte em razão da perda da qualidade de segurado pelo simples fato de que, de acordo com o cadastro de informações sociais do falecido trabalhador, a última contribuição se deu em tempo anterior ao período de graça (Lei 8.213/91, art. 15). Dentre outros aspectos que deveriam ser objeto de análise, não se indaga o motivo da cessação das contribuições, isto é, se o segurado deixou de contribuir porque se encontrava incapacitado (caso em que, se a data do início da incapacidade for anterior à perda da qualidade de segurado, ele faria jus a benefício por incapacidade e manteria sua condição de segurado, podendo abrir espaço para concessão da pensão por morte a seus dependentes). Tampouco se questiona a respeito de eventual prestação de serviço na condição de segurado empregado no período posterior à cessação das contribuições e que poderia implicar a caracterização da condição de segurado, ainda que sem o recolhimento por parte da empresa, por força da presunção do desconto disposta pelo art. 33, § 5º, da Lei 8.212/91. Os dependentes em regra não conhecem seus direitos, ao passo que o órgão concessor, mesmo detendo todas as informações necessárias que poderiam levar à concessão de um benefício previdenciário, sumária e desinteressadamente indefere a prestação. É deixado de lado um rudimento da moralidade administrativa, princípio constitucional tão distante da prática desta instituição social. De que eficiência falamos? O que foi dito acima em relação à pensão por morte se aplica a inúmeras outras situações e o que se pretende afirmar é que milhares de litígios previdenciários poderiam e deveriam ser prevenidos por uma atuação administrativa consentânea com o Estado de Direito. Impõe-se ao INSS uma ativa participação na instrução de um processo de benefício previdenciário, pois não há quem mais de perto conheça a complexa legislação previdenciária e os requisitos muitas vezes milimetricamente estabelecidos para o reconhecimento dos fatos constitutivos do direito do beneficiário, senão o agente concessor. É de se reconhecer que, longe do ambiente climatizado em que laboram os profissionais do direito, o “processo administrativo previdenciário” é conduzido como se a Administração prestasse um obséquio ao cidadão carente, ao arrepio dos mais comezinhos princípios constitucionais processuais, demonstração inequívoca de uma “administração paralela” – parafraseando Augustín Gordillo²⁸⁵ – e de uma relação de poder, e não de uma relação de iguais submetidos ao Estado Democrático de Direito. Quando a Administração Previdenciária põe termo a um processo administrativo, indeferindo benefício previdenciário sem propiciar ao segurado o pleno conhecimento acerca de seus direitos e de como deve proceder para resolver seus problemas com a Previdência Social (Lei 8.213/91, art. 88), quando não realiza justificação administrativa para confortar a prova documental apresentada pelo segurado (Lei 8.213/91, art. 108), quando não oferece espaço para exercício do contraditório e da ampla defesa no processo de concessão de benefício, contribui, com esse proceder ilegítimo, para a precária instrução do processo administrativo, para o adiamento da satisfação do direito material que se apresentou sob sua análise e, igualmente, para um aumento desnecessário e indevido de demandas judiciais previdenciárias. De que eficiência falamos, afinal? 3.2.1.1.1 A Administração Paralela e a vedação do comportamento contraditório (ne venire contra factum proprium) A falta de aderência da entidade previdenciária à lei e aos atos normativos a que está vinculada não se expressa apenas na instância administrativa, manifestando-se também nas demandas judiciais. E essa atitude do Poder Público pode caracterizar, em juízo, o exercício de comportamento contraditório à postura assumida publicamente ou a ato administrativo em concreto, de modo a incorrer na máxima ne venire contra factum proprium, que se encontra implícita nos arts. 187 e 422 do atual Código Civil²⁸⁶. A aplicação do ne venire contra factum proprium pressupõe, segundo Antonio do Passo Cabral, (1) A existência de dois atos sucessivos no tempo (o factum proprium e um segundo comportamento) praticados com identidade subjetiva do agente; (2) a incompatibilidade da segunda conduta com o comportamento anterior; (3) a verificação de uma legítima confiança na conservação da primeira conduta; e (4) a quebra da confiança pela contradição comportamental. O primeiro requisito é a adoção de dois comportamentos por um mesmo sujeito: o factum (primeiro comportamento), que é aquele que vai gerar confiança; e a segunda conduta, questionada por ser incompatível com a anterior. Além disso, é peremptório existir identidade subjetiva na prática de ambas as condutas: o agente que praticou o factum deve ser o mesmo a praticar o ato incompatível, e daí dizer-se que o segundo ato deve ser proprium²⁸⁷. A vedação do comportamento contraditório deriva da boa-fé objetiva, genuíno fundamento axiológico-normativo do direito substantivo civil e da processualística moderna (CPC, art. 5º)²⁸⁸, pelo qual todos os sujeitos processuais devem agir com lealdade e orientados pelo dever de cooperação²⁸⁹. Em trabalho específico sobre a proteção da confiança no Direito Previdenciário, Victor Souza anota que, “instituto de origem romana, também proveniente do direito privado, o venire também se aplica no direito público”, fazendo menção a vários precedentes jurisprudenciais²⁹⁰. E não haveria mesmo razão para que não fosse aplicado o ne venire nas relações da Administração Pública com o particular, sendo vedado aos dois sujeitos o comportamento contraditório. Isso provoca a vinculação do órgão previdenciário à legalidade, aos atos normativos e às práticas administrativas que neles se fundamentam, bem como aos atos praticados em concreto em relação a determinado sujeito. No contexto em que se proíbe o comportamento ímprobo, que visa colocar dificuldades para a outra parte e assim prejudicá-la, não é dado ao ente previdenciário vir contra um fato próprio, articulando em juízo razões que consubstanciam óbice à concessão judicial do benefício, mas que não são por ele consideradas, nem aplicadas, no processo administrativo. Em outras palavras, se o próprio INSS, na esfera administrativa, não considera determinada circunstância como impedimento à outorga da proteção previdenciária, reconhecendo direitos, é inadmissível que adote comportamento distinto e contraditório nos processos judiciais. Se fosse admissível uma tal postura surpreendente e contraditória, estaria ceifado pela raiz o princípio da igualdade, segundo o qual “todos são iguais perante a lei” (CF/88, art. 5º, caput). Ora, corolário elementar da igualdade, no campo previdenciário, é que os beneficiários não sejam tratados de modo distinto pelo Poder Público, para uns se estabelecendo condicionantes de acesso a direitos que não são exigidas de outros. Em suma, o INSS não pode exigir judicialmente aquilo que espontaneamente assegura na via administrativa, porque esse comportamento implicaria violação à igualdade, como já teve oportunidade de expressar o Superior Tribunal de Justiça, por meio de relevantes precedentes: [...] 3. A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático e não de regra previdenciária. 4. Com a alteração dada pelo Decreto n. 4.827/2003 ao Decreto n. 3.048/1999, a Previdência Social, na via administrativa, passou a converter os períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época pela regra da tabela definida no artigo 70 (art. 173 da Instrução Normativa n. 20/2007). 5. Descabe à autarquia utilizar da via judicial para impugnar orientação determinada em seu próprio regulamento, ao qual está vinculada. Nesse compasso, a Terceira Seção desta Corte já decidiu no sentido de dar tratamento isonômico às situações análogas, como na espécie (EREsp n. 412.351/RS). 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido²⁹¹ (grifou-se). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. LIMITE MÍNIMO. 1. Estabelecendo a autarquia previdenciária, em instrução normativa, que até 5/3/1997 o índice de ruído a ser considerado é 80 decibéis e após essa data 90 decibéis, não fazendo qualquer ressalva com relação aos períodos em que os decretos regulamentadores anteriores exigiram os 90 decibéis, judicialmente há de se dar a mesma solução administrativa, sob pena de tratar com desigualdade segurados que se encontram em situações idênticas. 2. Embargos de divergência rejeitados²⁹² (grifou-se). Por outro lado, esse exercício de comportamento contraditório leva o Poder Público a incorrer na máxima ne venire contra factum proprium (“ninguém pode vir contra seus próprios atos”), em violação à segurança jurídica e à boa-fé objetiva, e frustrando legítimas expectativas que são criadas a partir da lei e dos atos normativos, da postura assumida na prestação do serviço público e do comportamento adotado em concreto²⁹³. Segundo firme orientação do Superior Tribunal de Justiça, o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum proprium²⁹⁴. É inadmissível que, em determinada ação judicial, o Poder Público exija o que não demanda administrativamente em geral, pois tal constituiria uma atitude incoerente e abusiva de direito contra determinada pessoa. Na medida em que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta, por violação da boa-fé objetiva e, em particular, da legítima confiança de outrem na continuidade daquela postura, o comportamento contraditório, vedado pelo Direito, não é admitido no âmbito do processo judicial. Colhe-se, nesse sentido, valiosa orientação jurisprudencial: [...] 2. O princípio da boa-fé objetiva ecoa por todo o ordenamento jurídico, não se esgotando no campo do Direito Privado, no qual, originariamente, deita raízes. Dentre os seus subprincípios, registra-se o da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios)²⁹⁵. [...] Com efeito, mostra-se desarrazoado por parte da Administração Pública após a edição do ato conferindo aos servidores o não comparecimento ao trabalho em razão do ponto facultativo, a reposição dos dias 20, 23 e 26 de junho de 2014, revelando-se em comportamento contraditório (venire contra factum proprium), porquanto, a situação encontrava-se consolidada no tempo²⁹⁶. [...] 3. A Administração Pública fere os Princípios da Razoabilidade e da Boa-fé quando exige a desistência de todas as ações promovidas contra a União ao mesmo tempo em que estabelece exigências não previstas expressamente no Despacho Ministerial n. 312/2003, regulamentado pela Portaria n. 2.369/2003-DGP/DPF para a concessão do apostilamento. 4. “Nemo potest venire contra factum proprium”²⁹⁷. [...] Em decorrência do princípio da boa-fé, há a proibição do venire contra factum proprium, vedando-se qualquer comportamento contrário ao que era esperado por uma das partes em virtude de atitude anteriormente por ela praticada²⁹⁸. PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. PEDIDO RECONHECIDO PELA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. 1. Tendo a autarquia previdenciária reconhecido a procedência do pedido no curso do feito, revela-se inviável a rediscussão dos fundamentos da sentença em sede de reexame necessário, devendo ser prestigiada a preclusão lógica ocorrida na espécie, regra que, segundo a doutrina, tem como razão de ser o respeito ao princípio da confiança, que orienta a lealdade processual (proibição do venire contra factum proprium). 2. Remessa necessária não conhecida²⁹⁹. A atuação judicial da entidade previdenciária encontra-se vinculada, portanto, às suas orientações gerais, assim consideradas “as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público” (LINDB, art. 24, parágrafo único). É inadmissível, pois, que o órgão previdenciário levante condição ou óbices à concessão judicial de benefício, quando inexiste previsão administrativa para uma tal exigência e tampouco ela seja identificada em sua prática com os particulares em geral. É preciso questionar: age de acordo com a boa-fé a autarquia previdenciária quando resiste à pretensão de um segurado, em determinado processo judicial, invocando razões de direito que simplesmente não adota ou aplica administrativamente? A resposta nos parece negativa. Com efeito, o comportamento da autarquia previdenciária, fundado em condicionante que simplesmente não considera em sua atuação administrativa, encerra evidente contradição, violando-se a boa-fé objetiva desde a perspectiva do nemo potest venire contra factum proprium, pois, ao pretender inovar o Direito para o caso particular, contra determinado sujeito, o ente previdenciário está se voltando, em juízo, contra fato próprio – e de modo a contrariar também o princípio da impessoalidade administrativa (CF/88, art. 37). Uma linha de argumentação que seja contrária à boa-fé, por derivação, é incompatível com o exercício do direito de defesa, pois malfere o princípio da confiança, que orienta a lealdade processual. Com o comportamento contraditório, a parte culmina por quebrar o dever processual imposto a todos, segundo o qual “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé” (CPC, art. 5º). Por mais intuitivo que parece, é preciso apontar que a (re)presentação judicial do INSS, pretendendo restringir judicialmente, e de maneira indevida, direitos fundamentais dotados de eficácia vinculante, afigura-se como posicionamento contrário aos atos administrativos da própria entidade – e em desfavor de seus segurados. É natural e aceitável que a Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União, entenda que a orientação normativa ou determinada prática da autarquia federal não corresponda à melhor aplicação da lei ou de ato normativo. Todavia, o processo judicial existente para solucionar um caso concreto não constitui foro próprio para o deslinde de uma tal controvérsia. Na medida em que os pareceres da Advocacia-Geral da União vinculam ou podem vincular a Administração Pública Federal, nos termos do art. 40, § 1º, da Lei Complementar 73/93, eventual controvérsia interna quanto à aplicação de lei ou ato normativo deve ser solucionada após trâmite administrativo próprio e in abstracto, como aponta o art. 309 do Regulamento da Previdência Social, na redação dada pelo Decreto 10.410/2020³⁰⁰. Inadmissível é que a Administração Pública desrespeite as normas por ela própria editadas, procedendo com abuso do direito de defesa, mediante a criação artificial de problema jurídico que inexiste na seara administrativa, comportamento ilícito que inegavelmente contribui, ademais, para o acréscimo da massa processual que faz sofrer ainda mais o conjunto de órgãos jurisdicionais que compõem a estrutura recursal no âmbito do Poder Judiciário³⁰¹. Impõe-se, pois, a aplicação do ne venire contra factum proprium, para o efeito de se desconsiderar tese ou argumento que a entidade pública suscite em juízo quando consubstancie comportamento contraditório com seus atos normativos ou incompatível com as atividades que realiza rotineiramente. Cabe notar, outrossim, que a argumentação contraditória aos atos e práticas administrativas não é a única hipótese de violação da boa-fé objetiva a demandar a aplicação do ne venire contra factum proprium em desfavor da entidade previdenciária. Com efeito, a vinculação de responsabilidade perante o ato próprio decorrente da figura do ne venire contra factum proprium o alcança, por evidente, os atos administrativos em concreto que se relacionam com o mesmo sujeito interessado. Concebamos um caso em que o PPP é considerado regular pela perícia do INSS, que dá enquadramento especial à atividade exercida em determinados períodos de trabalho do segurado, deixando de considerar outros períodos unicamente em razão da utilização de EPI eficaz, o que leva a concluir que a informação sobre o nível de ruído foi considerada correta administrativamente. Em um caso assim, pode-se entender que é incabível, porque contraditória, a alegação do INSS, em juízo, de que é insuficiente a indicação, no PPP, da utilização de dosimetria, porque não indica expressamente a metodologia para aferição do ruído³⁰². Da mesma forma, se o INSS reconhece a atividade como especial para determinado período, não poderia alegar em juízo, para interregno subsequente, tratando-se do mesmo ambiente e condições de trabalho, que este último tempo não pode ser considerado como especial, ao argumento de ausência de efetiva exposição a agentes nocivos e de que o reconhecimento administrativo foi fruto de equívoco³⁰³. Nessa mesma perspectiva, seria inadmissível a alegação judicial de preexistência da incapacidade laboral em ação de restabelecimento de benefício, se o INSS gerou legítima expectativa em seu segurado, mediante sucessivas concessões de auxílio por incapacidade temporária, após várias perícias administrativas³⁰⁴. Também por força do ne venire contra factum proprium, entendeu-se que a entidade previdenciária não poderia objetar restabelecimento de benefício, ao fundamento de não preenchimento dos requisitos legais para sua concessão, se ele foi concedido mediante acordo judicial que ela mesmo propôs em demanda anterior³⁰⁵. Com o propósito de alargar a compreensão sobre o campo de aplicação do ne venire, colhe-se da jurisprudência outras situações que foram identificadas como caracterizadoras de comportamento contraditório da autarquia previdenciária: Caracteriza-se como manifesto comportamento contraditório da Administração lesivo à boa-fé as condutas de reconhecimento, após regular perícia médica, da aptidão da segurada para o exercício de sua atividade profissional e posteriormente, de pretensão à desconsideração deste fato, alegando-se que estas mesmas doenças (artrose e hipertensão) geraram incapacidade naquela mesma época da realização da perícia administrativa na qual a autora ainda não havia reingressado no RPPS. Incide à espécie o princípio de proibição de comportamento contraditório lesivo (“nemo potest venire contra factum proprium”) (TRF1, Primeira Turma, AC 000242733.2012.4.01.9199, Juiz Federal Wagner Mota Alves de Souza, e-DJF1 12.02.2016, p. 241). Reconhecida pelo INSS a qualidade de segurado do instituidor da pensão, não pode a autarquia conceder o benefício, mas negar o pagamento das parcelas atrasadas. 2. A mera alegação sem embasamento em provas de que a concessão do benefício se deu erroneamente, inexistindo, inclusive, o necessário procedimento administrativo revisional, consubstanciasse em vedado venire contra factum proprium, a retirar qualquer relevância do argumento defensivo (TRF1, Primeira Turma, AC 000104956.2006.4.01.3701, Juiz Federal Warney Paulo Nery Araujo (Conv.), e-DJF1 27.05.2016). Ainda que o autor tenha requerido somente aposentadoria especial, o INSS concedeu aposentadoria por tempo de contribuição retroagindo à data do requerimento. Dessa forma, age o INSS com ofensa ao postulado ne venire contra factum proprium ao alegar que a revisão não pode retroagir ao requerimento, se ele mesmo concedeu a aposentadoria desde a DER e os formulários pertinentes foram apresentados no processo administrativo (TRF1, 1ª Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais, AC 000559670.2005.4.01.3800, Juiz Federal Márcio Jose de Aguiar Barbosa, e-DJF1 02.12.2015). Não cabe em juízo qualquer questionamento feito pelo INSS acerca de períodos já enquadrados como tempos de serviço especiais no âmbito administrativo, pois na seara da relação jurídica processual também não se admite comportamento contraditório (venire contra factum proprium), sob pena de ofensa à boa-fé objetiva (TRF1, 1ª Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais, AC 0006091-59.2006.4.01.3807, Juiz Federal Murilo Fernandes de Almeida, e-DJF1 17.07.2018). 3. A insurgência do INSS caracteriza comportamento contraditório (venire contra factum proprium), porquanto o pedido de revisão do benefício foi acolhido na via administrativa, com base na decisão proferida na reclamatória trabalhista. 4. Os efeitos financeiros da revisão do benefício retroagem à data de início da pensão por morte, observando-se a prescrição quinquenal (TRF4 5002315-68.2014.4.04.7115, Rel. Osni Cardoso Filho, Quinta Turma, juntado aos autos em 25.03.2020). 2. Se o INSS indeferiu benefício de auxílio-doença à autora, negando validade à entrevista que realizou e aos documentos então apresentados quanto ao estado de saúde da segurada, não pode invocar tais elementos para justificar a não concessão do benefício de aposentadoria por idade rural sob a alegação de que a autora estaria incapacitada e, portanto, não teria trabalhado na lavoura. A tentativa incide na vedação do comportamento contraditório, expressa no brocardo nemo potest venire contra factum proprium, desdobramento do princípio da boa-fé. 3. Presentes os elementos comprobatórios, faz jus a requerente ao benefício de aposentadoria por idade rural (TRF4, AC 5040128-08.2017.4.04.9999, Rel. Taís Schilling Ferraz, Sexta Turma, juntado aos autos em 13.12.2017)³⁰⁶. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TEMPO RECONHECIDO ADMINISTRATIVAMENTE PELO INSS. DESCONSIDERAÇÃO INJUSTIFICADA POR OCASIÃO DE SEGUNDO REQUERIMENTO. PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. 1. O INSS pode anular seus atos administrativos, mas para tanto deve demonstrar que estavam eivados de vícios que os tornassem ilegais. Portanto, deve ser demonstrada a ilegalidade, o erro material ou a fraude no ato administrativo anterior e não simplesmente reconhecer o período em um processo administrativo e desconsiderá-lo em outro sem qualquer justificativa. 2. Os documentos juntados aos autos eletrônicos contêm as provas necessárias para o deslinde da questão, até porque a Autarquia Previdenciária já os considerou suficientes por ocasião do primeiro requerimento administrativo (TRF4, AC 500286095.2014.4.04.7000, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 13.06.2014). [...] o artigo 57, § 8º, da Lei 8.213/91, tem como finalidade proteger a saúde do trabalhador, vedando que o beneficiário de uma aposentadoria especial continue trabalhando num ambiente nocivo. Sendo assim, considerando que tal norma visa proteger o trabalhador, ela não pode ser utilizada para prejudicar aquele que se viu na contingência de continuar trabalhando pelo fato de o INSS ter indevidamente indeferido seu benefício. A par disso, negar ao segurado os valores correspondentes à aposentadoria especial do período em que ele, após o indevido indeferimento do benefício pelo INSS, continuou trabalhando em ambiente nocivo significa, a um só tempo, beneficiar o INSS por um equívoco seu – já que, nesse cenário, a autarquia deixaria de pagar valores a que o segurado fazia jus por ter indeferido indevidamente o requerido – e prejudicar duplamente o trabalhador – que se viu na contingência de continuar trabalhando em ambiente nocivo mesmo quando já tinha direito ao benefício que fora indevidamente indeferido pelo INSS – o que colide com os princípios da proporcionalidade e da boa-fé objetiva (venire contra factum proprium) ( TRF3, Sétima Turma, AC 0037498-28.2016.4.03.9999, Rel. Des. Federal Ines Virginia Prado Soares, DJe 20.11.2020). Como se pode verificar, o tema da boa-fé objetiva no direito previdenciário e processual previdenciário se apresenta como de singular relevância, com vistas a se prestigiar a segurança jurídica, a proteção da confiança e a lealdade processual. E a eticidade que precisa ser reabilitada nos processos judiciais constitui elemento crucial para a boa administração da justiça previdenciária. 3.2.1.2 Ferramentas artesanais para julgamentos de massa Não caberia neste espaço articular todas as razões jurídicas em favor da pertinência da ação civil pública em matéria previdenciária e da legitimidade ativa ad causam do Ministério Público e da Defensoria Pública da União na defesa desses relevantes interesses sociais. Quando está em discussão uma suposta ilegalidade administrativa de repercussão geral, como a ilegalidade de cálculo de renda mensal inicial, insuficiência de reajustamento das prestações previdenciárias, aplicação administrativa de critérios de prova inadequados, não parece nem um pouco racional condicionar a restauração do ordenamento jurídico em tese violado pela Administração Previdenciária ao ajuizamento de demandas individuais, quando uma única ação coletiva seria suficiente. Imagine-se o insondável volume de inútil trabalho a que tem sido o Judiciário chamado a realizar. Para ficar em três exemplos, poderíamos referir à multiplicação de ações revisionais em todo Brasil questionando a metodologia de reajustamento de benefícios da Previdência Social (ações que ficaram conhecidas como revisional da URV e revisional pelo IGP-DI) ou o direito à elevação da renda mensal em decorrência de lei posterior mais benéfica (revisional da pensão por morte). Quantas vigílias, quantos mutirões, quanta falsa expectativa gerada, quanta distração, na verdade. A impressão é a de que se economiza no pouco e se desperdiça no muito, tal como os fariseus – os religiosos especialistas da época – aos olhos de Jesus Cristo, pareciam “condutores cegos, coadores de mosquito e engolidores de camelos”³⁰⁷. O emprego da ação coletiva tem o efeito de corrigir a ilegalidade administrativa em seu nascedouro, com efeitos erga omnes³⁰⁸. Como consequência, pode prevenir a repetição de demandas individuais apoiadas em fundamento de direito desacolhido na ação proposta em defesa da coletividade dos beneficiários³⁰⁹. Embora a jurisprudência prevalecente no Superior Tribunal de Justiça fosse no sentido de que o Ministério Público não detém legitimidade ativa ad causam na defesa dos beneficiários do sistema de Seguridade Social³¹⁰, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de reconhecer a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para a defesa de direitos dos segurados em face da Previdência Social, porque considerados interesses e direitos individuais homogêneos de relevante natureza social³¹¹. Essa decisão funda-se no pensamento de que os interesses individuais homogêneos são espécies de interesses coletivos³¹². Posteriormente, prevaleceu no âmbito do STJ a compreensão de que “o Ministério Público detém legitimidade processual para propor ação civil pública que trate de matéria previdenciária, em face do relevante interesse social envolvido”³¹³. De outra parte, a legitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública decorre de expressa disposição legal, nos termos do art. 5º, II, da Lei 7.347/85, com a redação dada pela Lei 11.448/2007. Essa atribuição legal de legitimidade teve questionada a sua constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, que manifestou entendimento no sentido de reconhecer a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional na tutela dos direitos transindividuais (coletivos stricto sensu e difusos) dos necessitados³¹⁴. Uma vez que realmente se perceba a importância da ação civil pública para a proteção de direitos de coletividades – como dos potenciais beneficiários da Seguridade Social –, retiraremos da realidade um elemento intimamente ligado ao congestionamento da máquina judiciária. Mas isso talvez não represente nada de novo³¹⁵. A rejeição da possibilidade de manejo de ação coletiva pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública da União para a defesa de direitos da Seguridade Social parece coincidir com a obsessão pela redução de custos públicos e com um antigo modo de pensar segundo o qual toda ação tem de ser individualmente proveitosa ao operador do direito. Se o provimento jurisdicional pode não apenas fixar diretrizes para comportamento futuro da Administração Previdenciária, mas igualmente determinar a revisão de atos administrativos indeferitórios de benefícios, o modelo de demandas coletivas guarda a virtude de reparar a quebra do ordenamento jurídico pela Administração em favor de indivíduos que, de outra forma, não buscariam a satisfação do direito material violado em tese. É a chamada demanda suprimida, assim considerada a procura dos cidadãos que têm consciência de seus direitos, mas que se sentem impotentes para os reivindicar. Intimidam-se ante as autoridades judiciais que os esmagam com a linguagem esotérica, o racismo e o sexismo mais ou menos explícitos, a presença arrogante, os edifícios esmagadores, as labirínticas secretarias³¹⁶. 3.2.1.3 O hiato entre a postura administrativa e o direito aplicado judicialmente Há um enorme espaço para correção judicial das ações ou omissões administrativas no campo previdenciário. São inúmeros os casos em que, ainda que a jurisprudência se encontre remansosa em determinado tema, a Administração Previdenciária persiste em um comportamento gravoso ao potencial beneficiário da Seguridade Social. Como se sabe, a não inclinação administrativa aos critérios consagrados pelos tribunais cumpre o indesejado papel de separar o indivíduo, por tempo indeterminado e por vezes para sempre, da prestação de caráter alimentar que está a perseguir. De sua parte, a possibilidade de edição de súmulas vinculantes em matéria previdenciária ou em tema com ela relacionada não visita atualmente a imaginação de um previdenciarista. Com isso as respostas divergentes tendem a perseverar, embora acarretem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (CF/88, art. 103-A, § 1º). Na esfera judicial, a entidade previdenciária não raro aparenta assumir a vocação de retardar, o quanto possível, a satisfação do direito material buscada pelo indivíduo, muitas vezes deixando de lado, com evasivas diversas, a possibilidade de conciliação e, consequentemente, de uma grande e louvável – esta sim – redução de despesas³¹⁷. O problema da falta de acordos nos processos previdenciários, mormente nos Juizados Especiais Federais, passa pela ausência de uma cultura favorável à transação. Os efeitos negativos desta propensão ao exaurimento dos efeitos de um litígio são sentidos dramaticamente por aquele que, via de regra, tem menos voz à pergunta conciliatória. Percebe-se do cotidiano que ao procurador da autarquia federal não interessa entrar em acordo porque isto constitui postura discricionária com potencialidade de expô-lo à eventual supervisão do ato. Nutre-se a ideia de que sem uma pauta bem definida para transação, a exposição à auditagem representa um custo excessivo, um risco desproporcional se comparado aos efeitos da postura mecânica de exaurir toda possibilidade de recurso. Aliás, a lógica do mau pagador é ainda o paradigma da atuação do Poder Público em juízo. Também ao advogado da parte autora a ausência de acordo pode traduzir uma via de conveniência, por motivos óbvios: a contratação da verba honorária se dá, na maioria das vezes, sobre eventuais diferenças devidas pelo instituto do seguro social. Se o profissional consegue antever o sucesso da demanda como uma questão de tempo, pode não ser incentivado a conciliar, já que não se encontra sob o jugo da destituição. A cultura do litígio ainda é estimulada pela gratuidade da justiça e pela ausência de ônus sucumbenciais imediatos propiciada pela assistência judiciária – que nestes feitos é regra. Isso conduz a uma litigância abusiva com sua contribuição para a demora e congestionamento. Do outro ângulo do triângulo, o magistrado acaba por não criar um espaço ou ambiente processual para o acordo. A tentativa de conciliação pode ser vista como um ataque à celeridade. A elaboração da sentença pode ser mais rápida e menos desgastante que a atividade conciliatória. Por isso esta é desempenhada muitas vezes por conciliadores que não magistrados. Conciliadores que não oferecem nada à conciliação, conciliadores de nome, em uma cultura que prefere a forma ao conteúdo. Este panorama, contudo, parece estar sendo abalado em suas bases, a partir da criação, pelos juízes, de espaços próprios para conciliação, mediante combinação prévia com procuradores federais e convencimento dos efeitos benéficos dos acordos também junto aos defensores públicos e advogados privados. É um movimento que não pode ser desconsiderado, embora ainda diminuto. É o início de um longo e indispensável processo. 3.2.2 Pontos críticos como desafios a um processo judicial efetivo Em uma primeira visão, pode-se ter como crítico todo fator que coopere para o retardamento da prestação da tutela jurisdicional de uma vara. Nesta concepção, constituiriam pontos críticos os atos processuais cuja realização, pelas mais diversas causas, não se opera em um tempo razoável, bem como os atos processuais cuja prática, considerando-se o movimento global de processos de uma determinada vara, culmina por demandar a concentração de esforços de juízes e servidores, tendo como consequências a demora de sua realização e o prejuízo que causa no andamento dos demais processos (a digitalização de documentos no processo virtual que abrange matéria de fato, por exemplo). Estes últimos podem ser chamados de pontos críticos por repetição. Nesta perspectiva, podem ser citados como exemplos de pontos críticos nos Juizados Especiais Federais a elaboração de cálculos para viabilizar a prolação de sentença líquida (no sentido estrito, isto é, quando os valores devidos são expressos numericamente) e realização de audiências de conciliação, instrução e julgamento. No primeiro exemplo, a ideia de necessidade de conhecimento especializado para a realização de cálculos judiciais faz com que o andamento de determinado processo e daqueles que lhe seguem aguardem a prática do ato que geralmente está a cargo de um contador da subseção judiciária, de um contador lotado na vara do Juizado, ou de um servidor treinado especificamente para a feitura de cálculos e lotado na vara federal, com a consequente ausência, nesta última hipótese, da colaboração deste servidor para a efetivação de outros atos de secretaria ou gabinete. No segundo exemplo, o número de audiências de instrução tem transtornado a ideia de um processo célere em que são prestigiados valores como conciliação, oralidade e imediatidade, este último ligado ao princípio da identidade física do juiz, isto é, a norma segundo a qual o magistrado que preside a audiência de instrução é responsável pelo julgamento da causa. A insignificância do número de acordos nos Juizados Especiais Federais, reflexo da lógica do não comprometimento com o que é melhor para as partes e da procrastinação dos feitos, faz com que tenhamos pelo menos uma audiência de instrução para cada processo cuja causa envolva matéria de fato. Este desvio estrutural das pessoas estatais ou paraestatais demandadas judicialmente, fundado em uma suposta ausência de critérios para transigir, inibe ou impede a realização de acordos que poderiam colocar fim ao processo (antes da produção da prova pessoal, antes da prolação da sentença, ou mesmo antes da interposição de recurso e julgamento pela Turma Recursal), o que traria, de modo geral, satisfação às partes, economia aos cofres públicos (pois em caso de sucumbência em segunda instância, a entidade recorrente arcará com o pagamento de honorários advocatícios e pagará o valor total da condenação), encerramento antecipado do feito e destinação do tempo de serviço que lhe seria emprestado para os demais processos na vara ou na turma recursal. Mas não é adequado limitar-se a noção de pontos críticos aos atos que, pela dificuldade de sua realização ou pelo número de vezes que devem ser praticados em um determinado Juízo, dificultam o célere andamento dos processos que tramitam perante uma vara com competência de Juizado Especial Federal. Ao contrário, também devem ser consideradas como dificuldades impostas à efetiva prestação jurisdicional circunstâncias que levam à finalização do processo sem que se assegurem às partes as garantias emanadas do devido processo legal e que conduzem à solução da lide de modo divorciado da verdade real. Nesta segunda concepção de pontos críticos, verifica-se a existência de laudos médicos e autos de constatação que, sem embargo de eventuais inconsistências, servem de apoio à decisão da causa e, por vezes, sem que sobre tais elementos de prova tenham as partes oportunidade de se manifestar. Também a coleta de prova oral que não oferece senão dados genéricos, sem qualquer aprofundamento para as particularidades do caso concreto, torna-se obstáculo a um seguro julgamento sobre o direito do cidadão em face da entidade pública requerida. Sob esta última perspectiva, a celeridade não se confunde com a pressa em colocar fim ao processo, a ponto de provocar atropelamento de atos processuais com sacrifício da segurança e da verdade. Nunca é demais lembrar que a efetividade almejada pela sociedade e prometida pela Lei 10.259/2001 se encontra justamente em uma ponderação-chave do devido processo legal: equilíbrio entre os valores celeridade e segurança. Essa questão é levantada em outros momentos deste capítulo e destacada, de modo geral, em várias partes desta obra. O fato é que o excessivo volume de demandas judiciais com causa de pedir semelhantes, dirigidas contra uma mesma pessoa jurídica de direito público que é gestora do Regime Geral da Previdência Social, parece constituir um campo propício para a adoção de procedimentos uniformes e técnicas de aceleração do processo, o que se dá pelo encurtamento de etapas processuais, redução dos atos de secretaria e do tempo de análise por processo, delegação de atividades consideradas não privativas dos magistrados a servidores e a outros auxiliares da justiça, restrição da participação processual para o que se reputar necessário e otimização do tempo dos magistrados e servidores. A atividade criativa do juiz – administrador da vara – como resposta à exigência normativa de rápida solução do litígio parece não encontrar seu fim. 3.2.3 Uma aproximação dos pontos críticos Em trabalho realizado em um dos projetos do planejamento estratégico dos Juizados Especiais Federais no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reuniu-se riquíssimo material colhido junto aos magistrados que atuavam neste modelo de jurisdição no ano de 2006³¹⁸. Entre as informações constavam referências ao que foram considerados os principais embaraços à efetividade da prestação jurisdicional: i) ineficiência da Administração Pública, especialmente a previdenciária, ii) insuficiência de estrutura de vara federal de Juizado e iii) grande volume de distribuição de processos, causando problemas em determinadas etapas processuais, problemas estes generalizados e que se manifestam com maior ou menor intensidade a depender da localidade e da espécie de vara. Quanto à ineficiência da Administração Pública, especialmente a Previ‐ denciária, destacam-se os seguintes problemas: 1) demora da entidade previdenciária no cumprimento de determinações judiciais para apresentação de documentos necessários à instrução do processo ou à elaboração dos cálculos e retardo outrossim na implantação de benefícios determinada por tutela de urgência ou após o trânsito em julgado; 2) excesso de processos em função do instituto de Previdência Social não observar jurisprudência dos tribunais superiores, indeferindo benefícios em demasia; 3) falta de estrutura do INSS no que diz respeito à participação de procuradores em processos/audiências com reais poderes para transigir; 4) número diminuto de conciliações, em face da ausência de procurador habilitado na subseção judiciária e/ou cultura refratária à conciliação. No que diz respeito à insuficiência de estrutura da vara de Juizado Especial Federal, as principais dificuldades se revelam nos seguintes aspectos: 1) desproporcionalidade da relação número de processos por servidor, circunstância ainda tolerada pela equivocada ideia de que os processos que tramitam perante os Juizados Especiais Federais sempre são de simples solução; 2) falta de cargos e funções específicas para servidores nos Juizados Especiais Federais adjuntos; 3) eventual permanência de apenas um juiz federal em exercício na vara de Juizado; 4) existência de cargos vagos de servidores nas varas de Juizado Especial; 5) a falta de Juizado Especial Federal exclusivo em localidade com distribuição de processos elevada; 6) ausência de conhecimentos gerenciais de gestão de situações de crise. De outro ângulo, o excesso de processos implica, em algumas varas, congestionamento presente desde a etapa de análise da petição inicial até a etapa de conclusão para sentença. De modo geral, o volume de feitos previdenciários implica a realização de grande número de audiências de conciliação, instrução e julgamento, alongando a pauta de audiências e absorvendo significativo tempo de atividade de juízes e conciliadores. Igualmente é elevado o número de perícias médicas e este ato processual se dá com demora, especialmente nas subseções judiciárias do interior, em face do reduzido número de peritos. Ademais, pela falta de especialização dos profissionais, não raro os laudos são inconclusivos ou inconsistentes. Ocasionalmente se faz necessária a realização de mais de uma perícia. Outro conhecido ponto de estrangulamento dos processos se localiza na etapa de elaboração de cálculos judiciais³¹⁹. 3.3 A PREPONDERÂNCIA DA EFICIÊNCIA NO PROCESSO JUDICIAL PREVIDENCIÁRIO O Judiciário não foi infenso ao novo modelo de gestão pública. Conceitos como o de controle da qualidade e produtividade dos serviços judiciais e de racionalização dos recursos humanos somaram-se aos antigos apelos de acessibilidade à Justiça e tempestividade da resposta jurisdicional. Mais especificamente, o excesso de novas demandas previdenciárias apresentou novas dificuldades à efetividade jurisdicional, constituindo campo propício para a eficiência gerencial. Os efeitos do paradigma da eficiência encontram-se, contudo, além do ideal de boa administração judiciária. Eles já podem se fazer sentir nas técnicas de gerenciamento de vara, no método de condução dos processos judiciais e mesmo na adjudicação judicial. Por tal razão, uma das questões cruciais do processo previdenciário talvez seja a repercussão da busca pela eficiência na prática judicial e, portanto, na elaboração jurídica do Direito da Seguridade Social. Diferenciamos dois aspectos fundamentais da preponderância da eficiência no processo judicial previdenciário: o primeiro diz respeito ao método adotado para o processamento de demandas de massa, uma racionalidade inspirada no que chamamos aqui “eficiência gerencial” ou “eficiência quanto à forma”; o segundo se refere ao método utilizado na adjudicação judicial, um raciocínio judicial inspirado no que denominamos “eficiência na adjudicação”, “eficiência material” ou “eficiência quanto ao conteúdo”, e que geralmente se opera em duas etapas: • interpretação dos fatos ou qualificação dos fatos: o exame das questões de fato, a verificação pelo juiz da existência dos fatos constitutivos do direito reivindicado; • interpretação do direito ou definição da norma jurídica aplicável: o exame da questão de direito e aplicação da norma jurídica no caso concreto. A racionalidade econômica da maximização da eficiência, uma vez absorvida pela prática judicial previdenciária, pode ser extremamente prejudicial ao indivíduo que acorre ao Judiciário na busca de proteção social ou, mais especificamente, na busca de meios indispensáveis para sua manutenção decente. Esse prejuízo na satisfação de bem-estar se verificará pelos efeitos do agrupamento das duas formas de antes mencionadas: eficiência gerencial e eficiência material. O presente capítulo se dedica à análise dos efeitos da adoção da eficiência gerencial no processo previdenciário. A identificação do emprego da racionalidade econômica na adjudicação judicial constitui atual objeto de nossa investigação junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, no âmbito do Departamento do Direito do Trabalho e Seguridade Social. Embora o debate sobre a eficiência material fosse pertinente como elemento de análise crítica da justiça previdenciária, o tema não será discutido neste texto, a não ser para levantar desde logo a seguinte ideia: as decisões de natureza político-jurídica em matéria previdenciária são avaliadas primordialmente segundo as supostas consequências econômicas que possam engendrar³²⁰. Além disso, a correção dessas decisões é julgada segundo sua potencialidade para atentarem contra o “princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial” (CF/88, art. 201, caput, com redação emprestada pela EC 20/98), interpretado em seu sentido político-ideológico de maximização das riquezas ou eficiência econômica do sistema previdenciário. Em uma atmosfera de austeridade reafirmada cotidianamente e em um ambiente em que predomina o discurso de má índole de crise permanente da Seguridade Social, a eficiência material pode influir de modo marcante nas escolhas que os magistrados fazem nas principais decisões previdenciárias. Isso pode traduzir uma prática judicial que, pelo ângulo dos fatos ou pela perspectiva do direito, imponha maior rigor no exame do direito à Previdência Social. Voltemos ao tema principal do presente capítulo. 3.4 PROCESSO PREVIDENCIÁRIO E EFICIÊNCIA GERENCIAL Na perspectiva da condução do processo judicial, a eficiência ganha roupagem de uma racionalidade instrumental. Valores processuais como celeridade, economia e instrumentalidade somam-se aos valores administrativos de qualidade e produtividade, constituindo uma adequação de meios a fins que se coordena no paradigma da eficiência. Essa racionalidade do processo judicial previdenciário, especialmente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, aparece inicialmente como instrumento à satisfação do direito do jurisdicionado a um processo justo, noção esta mais enfaticamente compreendida como um processo célere, bem ao sabor da garantia constitucional da proteção judicial (CF/88, art. 5º, XXXV) e do direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (CF/88, art. 5º, LXXVIII). É uma defesa contra o estigma mais profundo do Judiciário, sua morosidade. De outra parte, o conteúdo de uma causa previdenciária reclama também uma certa prioridade na tramitação, um grau de efetividade compatível com a natureza urgente do bem da vida que se encontra em discussão, uma prestação geralmente destinada a satisfazer as necessidades mais elementares do potencial beneficiário. É importante a percepção de que o direito a uma adequada tutela jurisdicional significa, como aponta Marinoni, “direito a um processo efetivo, próprio às peculiaridades de pretensão de direito material de que se diz titular aquele que busca a tutela jurisdicional”³²¹. É preciso destacar, porém, que o interesse da parte em um processo efetivo – presumivelmente um indivíduo hipossuficiente na espera da solução judicial sobre seu direito a um bem da vida de índole alimentar – apenas coincide, em determinado momento, quanto ao resultado (celeridade) pretendido pelo método da eficiência gerencial. Muitas vezes, a celeridade é perseguida não apenas em nome do direito constitucional individual à razoável duração do processo ou pelo receio de dano de difícil reparação à parte que se encontra destituída de prestação alimentar indispensável a sua subsistência digna, mas igualmente em razão de postura gerencial empregada para racionalizar as tarefas judiciais com vistas ao resultado geral, em termos de celeridade no trâmite dos processos. A eficiência gerencial recomenda ótima alocação de recursos escassos (estrutura e pessoal) para promover ganhos a todos os que se encontram em juízo aguardando análise de seu direito e, com isso, elevar as atividades judiciais da vara a um patamar considerado aceitável, sob a perspectiva de indicadores de produtividade. Há aqui uma ideia de ganho geral que pode coincidir com o interesse da parte em obter uma resposta jurisdicional efetiva. Mas não coincidirá, necessariamente. A ideia da maximização das preferências de todos ou de medidas gerenciais úteis à coletividade dos processos trabalha perfeitamente com a possibilidade de que determinados indivíduos sejam sobrecarregados em juízo (apresentação de documentos em determinado estágio processual, pena de preclusão, p. ex.); tenham maior ônus para ingressarem com ação judicial (petição inicial deve ser instruída com complexos cálculos de atrasados ou cópia integral do processo administrativo, p. ex.); ou que alguns processos não passem por um escrutínio mais rigoroso (pela delegação de atividades do magistrado ou ausência de considerável interesse pela busca da verdade real, p. ex.). É inegável aqui a ideia de ganho na média, à custa do interesse individual. Com isso se apresenta claramente a face utilitarista da eficiência gerencial como técnica de gestão da vara. Se, como sustentamos, eficiência econômica aplicada à Previdência Social significa obsessão por redução de custos, com desajustes sociais e graves consequências humanas, a eficiência gerencial, de sua vez, pode conduzir à obsessão pelo encerramento do processo, relegando-se à segunda importância eventual distância entre o que foi decidido e o que realmente se passa no mundo. O tenebroso universo da estatística. Na mesma direção, princípios como o da instrumentalidade das formas passam a justificar a redução de etapas processuais consideradas supérfluas e, mais destacadamente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, um desapego extremo às formas processuais marcadas pelo Código de Processo Civil. Isso coincide apenas em parte com o direito do indivíduo a um processo efetivo e, também por vezes, apenas em parte se conforma com o princípio constitucional do devido processo legal. Aqui se faz necessária uma nota de especificação: se antes de perseguir a celeridade processual, a medida dita de aceleração devota-se primordialmente a uma gerência eficiente de processos, então ela deve ser vista como uma técnica de gestão de vara ou técnica de eficiência gerencial (redução de “tempo por processo”) e não propriamente como uma técnica de aceleração do processo (redução de “tempo do processo”)³²². Ela será legítima desde que não implique contrariedade ao devido processo legal, provocando, por exemplo, espera indefinida pela solução do litígio e dificuldade excessiva de participação processual ou de acesso à justiça. Também não deverá desviar a atenção do magistrado quanto à relevância de um exame percuciente a respeito dos fatos e direito que fundamentam o requerimento de socorro social. Deve-se questionar a esta altura: A que fim devem servir valores tais como simplicidade, instrumentalidade e celeridade processuais? Em que medida esses princípios da moderna processualística confluem em favor do indivíduo numa lide contra a Fazenda Pública? Até que ponto esses valores podem ser invocados como medidas necessárias a um bom gerenciamento da vara? Ou, antes, o que se deve considerar como uma boa administração judicial de processos? A essas perguntas não se poderá oferecer sequer uma resposta adequada se não recobrarmos a noção de que uma tutela jurisdicional efetiva não se reduz à ideia de um processo célere. Um processo efetivo emerge da necessária ponderação entre dois primordiais valores: segurança e celeridade. Pelo primeiro, a sentença tende a sair correta. Pelo segundo, a sentença tende a sair em tempo oportuno. Talvez essa dicotomia não seja tão absoluta e se dissolva no que se considera o direito a um processo sem dilações indevidas. A consideração excessiva à celeridade pode prejudicar a efetividade jurisdicional e a legitimidade do Poder Judiciário tanto quanto a demora excessiva na entrega da prestação jurisdicional. Isso ocorrerá quando o avanço processual se der em prejuízo do devido processo legal e suas irradiações de defesa, contraditório, igualdade entre as partes, participação ativa do magistrado na produção probatória etc. Para o que nos interessa mais de perto, é de se questionar se a adoção acrítica da lógica do princípio da eficiência na administração da justiça não implicará, pelo exercício gerencial da jurisdição, a modificação do modelo de legitimação política e social do Judiciário, isto é, a substituição de uma “legitimidade pelo conteúdo” por uma “legitimidade pelo tempo”. Mas o Judiciário terá considerado cumprido seu papel na pacificação social ao entregar a tutela jurisdicional em menor tempo, independentemente da consistência de suas decisões, ou da correspondência delas à realidade? Em se combatendo a morosidade com técnicas de aceleração (eficiência gerencial ou aceleração processual) em desprestígio à segurança, e supondose que estas efetivamente proporcionem um ganho no tempo médio de duração dos processos, tal atuação pode ser considerada em conformidade com a vontade do titular do poder? Quando em determinado processo a profundidade da cognição é sacrificada em nome da celeridade de procedimento, a falta de suporte probatório tende a ser revertida em desfavor do indivíduo carente que busca a tutela jurisdicional previdenciária, em razão da cultura positivista da certeza e em função da lógica da eficiência material. Quando não se dá um passo em direção à verdade material, antes se atropelam as garantias processuais em uma sucessão mecânica de atos processuais rumo à sentença, quando se olvida que o objetivo primordial da jurisdição é a pacificação social e não a sentença, a ideia de celeridade se sobrepõe à noção de efetividade ou justiça processual. Neste momento, a celeridade se livra da dinâmica da segurança, deixando de ser uma dimensão de um processo justo. Deixa, assim, de servir ao processo, devotando-se à racionalidade própria de seu “verdadeiro” senhor – a eficiência gerencial –, com objetivos alheios à boa solução da demanda e mesmo estranhos ao processo. Sob esta perspectiva, o curso de ações correto é aquele que impulsiona o processo a seu final com o menor custo em termos de tempo e de recursos humanos. Essa economia a qualquer preço maximiza, em princípio, os interesses de todos os demais que se encontram sob determinada jurisdição. Mas, de fato e na verdade, a poucos deles aproveita. Como certo se pode afirmar que a celeridade sob o signo da eficiência vale como instrumento de controle organizacional, não como valor essencial de um processo em que se discute o direito de alguém que se presume privado dos meios indispensáveis de manutenção digna. Em face dos diversos pontos críticos identificados no processo previdenciário no âmbito dos Juizados Especiais Federais, por meio de um esforço hercúleo, juízes previdenciários do TRF da 4ª Região experimentaram dezenas de medidas na busca da racionalização dos serviços das varas com vista à celeridade processual e realização de jurisdição efetiva. Citam-se as técnicas mais comuns de aceleração processual e de eficiência gerencial adotadas por alguns magistrados: a) edição de portarias para desenvolvimento do processo pela secretaria ou despachos únicos; b) qualificação de servidores para auxílio e agilização de cálculos; c) realização de audiências gravadas e presidida por conciliadores; d) realização de perícias médicas independentemente da intimação das partes para apresentação de quesitos; elaboração dos chamados “quesitos únicos” pelo juízo, empregados de acordo com a especificidade da questão; e) realização de perícias em juízo e em audiência; f) utilização de dados dos órgãos públicos, especialmente aos bancos de dados do INSS (SABI, CNIS, Plenus); g) determinação de realização de justificação administrativa para tomada de depoimentos pelo INSS, pesquisas de campo para verificação do exercício da atividade e eventual reconhecimento do direito pretendido em Juízo; h) determinação da realização de cálculos pelo INSS; i) controle periódico do tempo, decursos de prazo e adequação dos atos processuais; j) mutirão de audiências e de sentenças; k) intimação por telefone e pessoalmente em balcão, nos Juizados em que o processo ainda não era eletrônico; l) controle rigoroso dos prazos concedidos ao INSS; m) eliminação de atos processuais desnecessários e simplificação das rotinas; n) intimação para implantação de benefício diretamente à agência do INSS, sem passar pela Procuradoria; o) exigência de apresentação de cópia do processo administrativo já com a inicial, quando a parte tiver advogado; p) a adoção do sistema de “advocacia solidária”, para a pessoa carente sem advogado e que pretende interpor recurso; q) realização de audiências para conciliação após a sentença ou no âmbito da Turma Recursal³²³. O que se pretende com essas medidas de aceleração (de celeridade processual ou de gerenciamento de vara) é o cumprimento do ideal consagrado no direito constitucional à tutela jurisdicional adequada e reafirmado na Lei dos Juizados Especiais Federais: acesso à justiça e celeridade na resposta jurisdicional. Conjuntamente consideradas, elas consubstanciam poderoso suporte para uma atuação judicial digna de qualificar-se como efetiva. Para tanto, porém, deve-se ter em conta inicialmente que as técnicas de aceleração (de eficiência gerencial ou de aceleração do processo) não podem ser consideradas um fim em si mesmo. Elas devem ser adotadas apenas na medida em que, de fato, racionalize as atividades forenses (“tempo por processo”) ou traduzam economia processual (“tempo do processo”). O que tenha obtido bom resultado em determinada região e em determinado momento, pelas peculiaridades que se apresentavam, pode não proporcionar um estado melhor de coisas em outro lugar ou em outro tempo. As técnicas de aceleração processual devem continuamente ser questionadas quanto à sua eficácia. Da mesma forma, as medidas de gestão de vara não se legitimam intrinsecamente. Em segundo lugar, uma medida de aceleração (de eficiência gerencial ou de aceleração do processo) não deve ser adotada se desafia o devido processo legal em suas elementares exigências, como as de acesso à justiça, contraditório, ampla defesa, publicidade dos atos e decisões e fundamentação dos atos e decisões judiciais. Tome-se em conta o seguinte exemplo: Em ação em que se discute o direito de segurado a um benefício por incapacidade, o juiz determina a realização de perícia judicial, formulando quesitos bastante comuns à espécie do agravo de que a parte alega sofrer. É conveniente nestes casos, em face da natureza urgente e substitutiva de rendimentos da prestação previdenciária por incapacidade, a adoção de técnicas de aceleração do processo, seja no rito ordinário, seja no âmbito dos Juizados Especiais Federais. No rito ordinário, a realização da perícia judicial apenas após o período de contestação da autarquia previdenciária pode estender demasiadamente o período de destituição da parte autora, diminuindo-lhe as possibilidades de manutenção digna. Com a vinda aos autos do elemento de prova técnica, sendo o laudo médico consistente e categórico – o que não é tão comum de se verificar, anote-se –, o juiz tem diante de si uma prova geralmente decisiva para a sorte do autor no processo. Na hipótese de o perito judicial reconhecer a existência da incapacidade para o trabalho, é possível – devida, mesmo – a concessão da tutela de urgência. Aqui há segurança necessária para a formulação de um juízo provisório e a celeridade pulsa em cores vivas, pela probabilidade do direito do autor e sua privação de uma prestação urgente de ordem alimentar. Mas se o laudo médico apontar para a inexistência de incapacidade, os autos são encaminhados conclusos para sentença. O juiz, com apoio na prova técnica, julga improcedente o pedido. Indaga-se: Não era possível a abertura de prazo para a parte se manifestar sobre o elemento de prova que lhe foi desfavorável? Não era, aliás, imperiosa, por irradiação do direito constitucional de defesa e contraditório, a abertura de prazo, oportunizando a impugnação do parecer médico, juntada de novos documentos, requerimento de realização de nova perícia, produção de outras provas, tudo visando a melhor instrução da causa que define a sorte de um hipossuficiente frente a seu direito de receber uma prestação previdenciária? A resposta pode ser negativa, e isso lamentavelmente não é tão raro em um ambiente de eficiência gerencial: Ora alega-se que o rito dos Juizados não deve respeito às ultrapassadas formas do código de processo civil; ora afirma-se que a celeridade necessária aos Juizados Especiais Federais, destacadamente nos feitos previdenciários, impõe um procedimento especialmente célere. Concordo com as duas asserções, mas delas não se extrai a conclusão de que as partes não têm direito a se manifestar sobre os termos do parecer realizado pelo médico nomeado para atuar como perito judicial. Primeiramente porque a garantia do contraditório deve irradiar seus efeitos sobre todo processo. Aliás, é condição de processualidade. De outro lado, a celeridade, compreendida como um instrumento para o processo justo, deve ceder espaço à segurança quando a parte que está a sofrer os efeitos do tempo – presumivelmente sem recursos para prover sua manutenção digna – não obterá qualquer vantagem com uma celeridade surda à realidade processual. Com qual finalidade se precipitará a sentença, se quem tem a urgência em receber a prestação discutida nos autos só tem a perder com o imediato julgamento? É da essência do devido processo legal que as partes possam influenciar no julgamento da decisão, debatendo as questões de fato e de direito que circunscrevem o conflito deduzido em Juízo. Nas ações previdenciárias por incapacidade, por exemplo, é imperioso que as partes tenham oportunidade de se manifestar sobre o laudo médico pericial, via de regra o elemento de prova decisivo nesta espécie de feito. O debate sobre tal prova atende ao postulado do contraditório, visto que apenas se assegura a efetivação participação processual quando a parte tem oportunidade de demonstrar eventual inconsistência da prova técnica, elaborar quesitos complementares ou mesmo apresentar documentos que supervenientemente julgar necessários para a comprovação do fato constitutivo de seu direito à prestação da Seguridade Social. Em terceiro lugar, será inadequado o emprego de medida de gestão de vara ou técnica de celeridade processual se ela tem potencialidade para afastar o juiz da verdade real, o que oferece graves danos nos feitos em que se discute direito de uma pessoa economicamente hipossuficiente a benefício de natureza alimentar, em nome da produtividade e dos resultados eficientes. Já tivemos oportunidade de manifestar nosso ponto de vista quanto à ponderação necessária entre segurança e celeridade na condução de um processo previdenciário justo³²⁴. Se “as linhas da reforma do processo civil estão voltadas à minimização dos efeitos do princípio dispositivo, retomando a preocupação publicista pela descoberta da verdade e, por isso, preocupada em, por exemplo, superar a enumeração taxativa dos meios de prova, pela consagração do princípio da atipicidade; aumentar os poderes instrutórios exercitáveis de ofício pelo juiz; e abandonar os efeitos probatórios vinculantes inerentes ao sistema da prova legal”³²⁵, com mais razão no domínio previdenciário, o juiz não deve representar uma figura inerte diante do conflito de interesses³²⁶. Ninguém melhor do que o magistrado tem o discernimento dos elementos de prova que, no caso concreto, são aptos a lhe imprimir convicção acerca da existência dos fatos alegados pelo autor e cuja comprovação pode conduzilo à outorga da prestação previdenciária pretendida. Se ao final do processo o juiz tem a percepção de que se inclina a não reconhecer a ocorrência do fato constitutivo do direito sustentado na petição inicial, a rápida solução do litígio deixa de existir como anseio da parte autora, embora permaneça a sofrer os efeitos do tempo do processo por estar privada do bem de vida cuja satisfação persegue judicialmente. Se o processo previdenciário, justamente pela natureza do direito em discussão, contemplava até então a primazia da celeridade, a constatação do possível naufrágio da pretensão previdenciária deve levar à desaceleração, abrindo-se espaço para a realização de diligências que poderão mudar a sorte processual do hipossuficiente. Apregoa-se que os Juizados Especiais Federais são o resgate da credibilidade do Poder Judiciário, a possibilidade de se desconstruir o estigma de que a atividade deste poder é morosa e, por isso, ineficiente. Mais do que isso, reapresenta-se um conhecido desafio do Poder Judiciário Federal: o de distribuir Justiça ao hipossuficiente necessitado de recursos indispensáveis à sua manutenção. A missão agora atribuída ao Judiciário é tornar realidade tal expectativa, promovendo um processo efetivo. Do ângulo do processo justo, a celeridade perseguida pela processualística moderna não pode custar a efetividade do processo pelo prisma da segurança jurídica, mediante o desrespeito ao plexo de princípios constitucionais processuais que derivam do devido processo legal. É por tal razão que o anseio pela celeridade que nos guiou à edição da Lei 10.259/2001 não pode, pelas peculiaridades deste modelo de jurisdição, anular a ordem processual ou tornar como de menor valor o direito a uma efetiva participação processual, sob pena de se subverter o postulado de defesa que se prende instrumentalmente a um direito material insubstituível. A celeridade não deve ser tomada como açodamento na condução do processo rumo à sentença. A simplicidade do rito não retira a complexidade do direito em jogo. Ao magistrado previdenciário se apresenta o desafio de, na conciliação dos valores antagônicos “celeridade” e “segurança”, buscar o ponto ótimo de que lhe resultará um processo efetivo, isto é, tão célere quanto permita o direito de defesa, vislumbrando-se o processo como instrumento não apenas para justificar queima de etapas processuais, senão para relembrar que o processo serve ao direito material em discussão. O principal propósito do processo previdenciário é resolver a questão de vida trazida à análise judicial e, partindo-se sempre desta premissa, resolvêla de modo tão célere quanto possível. Para tanto, a busca é pelos caminhos de gestão de vara e pelas técnicas de aceleração processual, sem se anularem formas fundamentadas no imprescindível ao desenvolvimento válido de um processo que afeta direito fundamental à proteção social. É justamente porque experimentamos os avanços de um Estado Democrático que os princípios que derivam do due process of law não podem deixar de irradiar efeitos sobre qualquer “espaço de sombra”, mesmo que imperceptível como o forjado por uma celeridade inconstitucional, que começa a ser vista como derivada da supremacia do interesse público consistente no desafogamento da máquina judiciária, um superior interesse público que, se assentado na eficiência gerencial, pode retirar do processo suas reais possibilidades de servir ao direito material. Encerraremos esta parte de nosso trabalho consignando que a adoção de medidas de gestão que se fundamentam em uma eficiência gerencial desvinculada dos imperativos do devido processo pode trazer como consequência justamente a realidade que se pretende ver extraída do processo civil ordinário: a realidade de um processo excessivamente formal. Se as técnicas de aceleração de processo são empregadas ainda que, de fato, não racionalizem as atividades forenses (“tempo por processo”) ou traduzam economia processual (“tempo do processo”), se sua adoção desafia o devido processo legal em suas elementares exigências, como as de acesso à justiça, contraditório e ampla defesa, ou se têm potencialidade para retirar do juiz os meios necessários a uma cognição tão profunda quanto merece o direito fundamental em jogo, estaremos diante do que denominamos um formalismo ao avesso dos Juizados Especiais Federais. Isto é, no desejo intenso de se livrar das velhas formas do processo civil ordinário e na crença de que, nada obstante os efeitos dos fatores determinantes para a multiplicação das lides previdenciárias, a celeridade é especialmente possível nos Juizados Especiais, cortam-se etapas processuais, restringe-se a extensão ou profundidade da cognição, aplicam- se técnicas autorreferidas e, então, pelo caminho inverso, chega-se ao mesmo resultado do bom e velho processo civil: a forma pela forma. 3.5 O DESAFIO DA TUTELA JURISDICIONAL NAS AÇÕES DE BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS É preciso pensar o tema das ações previdenciárias por incapacidade no atual contexto em que se encontram. Só assim podemos discernir os “desafios de compreensão” postos à Justiça Previdenciária, que inegavelmente se encontra em crise, como sustentamos anteriormente. As ações previdenciárias relativas a benefícios por incapacidade são envoltas por dois grandes mitos. Mitos da perspectiva do Direito, mas que tocam a realidade com todas as suas maléficas consequências. Primeiro mito: as ações previdenciárias que tramitam nos Juizados Especiais Federais oferecem casos simples. De modo geral, é equivocado o discurso de que as ações previdenciárias que tramitam perante os Juizados Especiais Federais são simples ou de menor complexidade. Ora, desde que o legislador elegeu como critério de competência dos Juizados Cíveis o valor da causa, o que se tem é que as causas que são processadas perante o sistema dos Juizados Especiais são essencialmente as mesmas processadas perante a Justiça Federal comum. Os problemas são idênticos, a natureza das discussões são as mesmas. Sabemos: muda o valor da causa. Em termos previdenciários, muda a importância devida. Mas, o direito material é o mesmo e nada distingue, em sua substância, uma causa previdenciária, que deve ser processada pelos Juizados, daquela que é da competência da Justiça Federal comum. É equivocado afirmar, então, que as causas previdenciárias que tramitam nos Juizados Especiais Federais são de menor complexidade. Elas oferecem a mesma complexidade³²⁷. Apenas que são de menor repercussão econômica à Fazenda Pública. Retomemos o primeiro mito e prossigamos. Dentre as causas consideradas equivocadamente de menor complexidade, as ações previdenciárias por incapacidade são tidas como as mais simples. As mais simples dentre as simples. E por quê? Vamos ao segundo mito: porque oferecem quase uma questão mais médica do que jurídica. Porque nelas, pensa-se, a prova pericial resolve o assunto. É a prova decisiva, reconheça-se. É a prova crucial, não se nega. Mas, isso não significa dizer que as perícias digam tudo ou esgotem a problemática. Eis o segundo mito: as ações previdenciárias por incapacidade são mais simples porque a prova pericial é que decidirá a sorte do segurado. Se assim se passam as coisas, a questão fica mesmo simples. Basta ao magistrado comunicar o resultado do parecer pericial. Neste contexto, o parecer pericial teria mais conteúdo decisório do que probatório e a decisão judicial, de sua vez, mais um conteúdo reprodutivo-comunicativo do que propriamente decisório. E assim, justamente neste contexto, uma causa que efetivamente não é simples pode ter seu processamento realizado de forma simplificada, simplista, reducionista. O que permite essa racionalidade é também uma falsa ideia, qual seja, a de que a técnica médica permite alcançarem-se conclusões de modo objetivo e conclusões inquestionáveis. Como se o perito judicial não navegasse no mar das dúvidas e das subjetividades presentes em todo ato de conhecimento humano. Como se o perito judicial não carregasse consigo, em cada exame, sua visão de mundo, seu modo de encarar o trabalho, a incapacidade laboral, a finalidade da Previdência Social e até as consequências de suas decisões. Se assim for, o direito do segurado depende mais da loteria do perito “‐ sorteado” do que do órgão jurisdicional chamado a solucionar a lide. Essa loteria coloca em xeque a legitimidade social de todo o aparato judiciário. Como consequência dessas preconcepções equivocadas, a desilusão e a desesperança pela forma de processamento e com o resultado da tutela jurisdicional nesta espécie de demandas transformam-se em interrogação quanto à legitimidade social do Poder Judiciário. Nada obstante, é preciso reconhecer que as demandas previdenciárias por incapacidade se encontram em processo de superação dos desafios para sua compreensão. Estamos todos nós colhendo os frutos e sofrendo os efeitos de um processo de transição. Um processo de superação das incompreensões oferecidas por essa espécie de causa. Esse processo de superação encontra desafios de quatro naturezas, os quais gradativamente vêm sendo superados pela doutrina e pela jurisprudência previdenciária e processual previdenciária. Ordenados em uma sequência que permite seguir das incompreensões praticamente já desfeitas para aquelas que ainda se impõem mais fortemente, vislumbramos os seguintes desafios: (1) desafios de natureza conceitual; (2) desafios de natureza processual; (3) desafios de natureza instrutória, campo processual específico; (4) desafios de natureza decisória (aplicação do direito pelo órgão jurisdicional). Os desafios de natureza conceitual se afiguram com maior grau de compreensão já assimilada. Saber o significado da categoria jurídica “incapacidade para o trabalho” não é um detalhe. Esta categoria não se confunde com a debilidade (o fato de o segurado ser portador de uma patologia ou lesão), mas tampouco pode ser confundida com a impossibilidade total de o segurado exercer uma atividade laboral. Também a ideia de que, não apenas o corte médico-clínico do segurado, mas as condições sociais devem ser levadas em consideração para a verificação da incapacidade total (que rende ensejo à aposentadoria por incapacidade permanente) – ou mesmo para a verificação da condição de pessoa com deficiência – parece razoavelmente assimilada pela jurisprudência pátria. Ainda é preciso prosseguir no processo de superação das incompreensões no campo conceitual, contudo. Não raro se confundem os conceitos “incapacidade” e “impossibilidade”. Comumente o destinatário do Benefício Assistencial é examinado ainda a partir da perspectiva da sua capacidade laboral, quando a legislação atual expressa como critério a possibilidade de “plena participação social”. Os desafios de natureza processual também podem ser considerados como já superados pela práxis previdenciária. Entender que as ações previdenciárias são orientadas pelo princípio da fungibilidade, permitindo-se a atenuação do princípio da vinculação da sentença ao pedido é um ganho que não pode ser subestimado. A título ilustrativo, diz o STJ ser incensurável a decisão judicial que concede benefício assistencial quando a parte autora havia deduzido pretensão relacionada a benefício previdenciário por incapacidade. A questão, quanto ao tema, não é saber se o “juiz pode” conceder benefício diverso do que foi pretendido, mas se o “juiz deve” conceder o direito a que o segurado faz jus, ainda que não corresponda perfeitamente à pretensão orientada na petição inicial. A compreensão de acertamento da relação jurídica de proteção social no auxilia para a solução desse problema³²⁸. E também a aplicação dos princípios de economia e instrumentalidade processuais. De outra parte, a questão do termo inicial dos benefícios por incapacidade apresenta-se definida, pode-se dizer. O benefício é devido desde quando cumpridos os requisitos para sua concessão³²⁹. Há ainda, é verdade, uma dificuldade com a incapacidade superveniente à DER. O princípio é o mesmo, todavia. Uma vez mais a incidência do princípio do acertamento leva à conclusão de que o direito fundamental deve ser concedido em toda sua extensão, nem mais, nem menos. Um outro exemplo de progresso na compreensão da problemática específica oferecida pelas ações previdenciárias relaciona-se à tese consagrada no âmbito dos Juizados Especiais Federais de que o segurado fará jus a benefício por incapacidade mesmo em relação ao período que tenha trabalhado³³⁰. Passamos ao desafio de instrução processual ou de natureza instrutória. O processo de superação das incompreensões parece aqui encontrar sério obstáculo, ainda atualmente. Esse é um estágio efetivamente complicado. Os processos em que se discute um direito a benefício por incapacidade, por não serem necessariamente processos fáceis ou simples, requerem instrução processual adequada. Isso significa, em alguns casos, ir além de uma prova médico-pericial, que se pressupõe deva ser qualificada – o que nem sempre, contudo, corresponde à realidade. O juiz eventualmente deve desvincular-se do laudo pericial, seja porque os peritos, por vezes: a) confundem as categorias “incapacidade” e “impossibilidade”; b) fixam a data do início da incapacidade na data da realização da perícia, o que corresponde a uma ficção evidente; c) não levam em consideração as condições sociais do segurado mesmo quando reconhecem incapacidade parcial e definitiva; d) não trabalham com presunções jurídicas, ligadas a teoria da prova, como a da continuidade ou conservação do estado anterior³³¹. Para essa finalidade, outros achados médicos devem ser levados em consideração e, mais do que isso e especialmente, em alguns casos a prova oral pode mudar o rumo das coisas. O fato é que a eficácia da oralidade e da imediatidade não pode ser desprezada. Mas, a realização de audiência de instrução em um processo de benefício por incapacidade pode soar não razoável, porque, como se pode cogitar, “eles foram feitos para serem simples...”. E, prossegue-se o pensamento, “como são muitos os processos desta natureza, se não forem simples, a função jurisdicional pode restar comprometida...”. Em suma, em um contexto em que, supostamente, a prova pericial decide, a prova testemunhal é desnecessária. Em uma atmosfera de simplificação reducionista com vistas à celeridade, a prova oral seria um inconveniente, assim como eventual esclarecimento do perito judicial em audiência. Em um sistema judiciário orientado por metas exclusivamente quantitativas, quanto mais para os Juizados Especiais Federais que, pensa-se, processam causas menos complexas – dentre as quais as ações por incapacidade são concebidas, para sua desgraça, as mais simples – pode soar inconcebível que o cidadão tenha o seu dia na Corte. Isso tudo leva ao sacrifício quase que absoluto da oralidade nesses feitos. O rito, porque quase sempre simplificado em demasia, incute suspeita de que a causa poderia ou deveria ser mais bem analisada. Nesse contexto, eventual resultado contrário retroalimenta a suspeita e gera o sentimento de inadequação da tutela jurisdicional, quanto ao seu modo de ser. Mais grave do que tudo, a simplificação excessiva contribui efetivamente para o desacerto de algumas decisões, com o sacrifício de direito fundamental. Por fim, os desafios de natureza decisória também correspondem a um campo que ainda deve ser desbravado. Primeiro, pelos efeitos das incompreensões ligadas à instrução probatória. Segundo, porque, encontrando-se em jogo a saúde humana e necessidade de recursos de subsistência, não se deve exigir juízos de certeza, sendo suficiente a probabilidade. Terceiro, porque, por mais espantoso que possa parecer, o campo que poderia ser o mais fértil para juízos de equidade – nada mais, nada menos do que o campo do direito de proteção social da vida humana contra estados de necessidade –, o que se percebe ainda é predominância da perspectiva de uma proteção previdenciária condicionada ou adstrita ao rigoroso cumprimento dos requisitos legais. Os desafios de natureza decisória, evidentemente, não se esgotam nesses pontos. Mas são os que tocam de modo particular as ações de benefício previdenciário. Juízos de precaução para as situações de incerteza quanto à existência da incapacidade laboral. Juízos de equidade quando comprovado que os fatos não correspondem exatamente à moldura legal, mas a concessão do benefício é imperativo de justiça. Compreender-nos como partícipes desse processo de superação de incompreensões das ações por incapacidade – e não apenas como destinatários das ações judiciais ou como expectadores do atual estado de coisas – nos leva a entender que, se muito há que ser aprimorado na justiça previdenciária, muito já foi conquistado e não há razões para voltarmos atrás. Antes, a necessidade de aperfeiçoamento institucional tem de ser apontada, com a sincera expectativa de que o Estado Constitucional de Direito cumpra seu dever fundamental com os mais necessitados de nossa sociedade. Como partícipes, não podemos desacreditar de nós mesmos ou da nossa capacidade – dos diferentes atores processuais – de cooperar para que o processo de superação das incompreensões se desenvolva com a consolidação das conquistas e, finalmente, com a realização da garantia constitucional do direito fundamental ao processo justo também para as ações previdenciárias de benefícios por incapacidade para o trabalho. 265 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 269. 266 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e Estado contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001. p. 244. 267 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil, p. 270-271. 268 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil, p. 272. 269 Exposição de Motivos ao Presidente da República que acompanhou a proposta de Emenda Constitucional que trata da reforma administrativa, encaminhada pelo governo ao congresso nacional, em 23.08.1997. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/GESTAO/conteudo/publicacoes/ reforma_estado/Mudanca/motivos.htm. Acesso em: 7 fev. 2008. 270 GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. Apontamentos sobre alguns impactos do projeto neoliberal no processo de formação de tutelas jurídico-políticas. In: MARQUES NETO, Agostinho Ramalho et al. Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba: EDIBEJ, 1996. 271 GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. Apontamentos sobre alguns impactos do projeto neoliberal, p. 125. 272 GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. Apontamentos sobre alguns impactos do projeto neoliberal, p. 128-129. 273 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil, p. 289. 274 GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. Apontamentos sobre alguns impactos do projeto neoliberal, p. 126. 275 ELSTER, Jon. Local justice: how institutions allocate scarce goods and necessary burdens. New York: Russel Sage Foundation, 1992. p. 211. 276 ELSTER, Jon. Local justice, p. 97. 277 ELSTER, Jon. Local justice, p. 97. 278 ELSTER, Jon. Local justice, p. 97. 279 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 280 Por vezes, essa hipossuficiência econômica se manifestará na ausência de condições para contratação de advogado especializado, na insuficiência de recursos para providenciar a busca e apresentação de documentos necessários à comprovação do fato constitutivo do direito, na dificuldade de comunicação de sua situação de fato ao juiz e a seus auxiliares. O Capítulo 1 deste livro se dedica especialmente à caracterização da lide previdenciária. 281 A Constituição da República, em seu art. 5º, LIV, assegura que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; no art. 5º, LV, inscreveu-se a norma segundo a qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 282 O procedimento foi amplamente reconhecido no sistema dos Juizados Especiais Federais do TRF4, no contexto do distanciamento social imposto pela Covid-19. Nesse sentido, acolhendo a prova perícia indireta, também denominada nas decisões como “prova técnica simplificada”: RI 505532253.2019.4.04.7000, Segunda Turma Recursal do PR, Rel. Leonardo Castanho Mendes, j. 09.12.2020; RI 5001696-10.2020.4.04.7122, Terceira Turma Recursal do RS, Rel. Selmar Saraiva da Silva Filho, j. 15.12.2020; RI 5003636-40.2020.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Caio Roberto Souto de Moura, j. 07.12.2020; RI 5005662-11.2020.4.04.7112, Primeira Turma Recursal do RS, Rel. André de Souza Fischer, j. 07.12.2020; RI 5011178-46.2019.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Marina Vasques Duarte, j. 27.11.2020; RI 5014146-49.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. José Francisco Andreotti Spizzirri, j. 23.11.2020; RI 5014535-34.2019.4.04.7112, Terceira Turma Recursal do RS, Rel. Jacqueline Michels Bilhalva, j. 23.11.2020; RI 502134537.2019.4.04.7205, Segunda Turma Recursal de SC, Rel. Henrique Luiz Hartmann, j. 20.11.2020; RI 5028855-37.2019.4.04.7000, Quarta Turma Recursal do PR, Rel. Ivanise Correa Rodrigues Perotoni, j. 20.11.2020; RI 5006062-59.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. Daniel Machado da Rocha, j. 26.10.2020. 283 Sobre a perícia indireta e a teleperícia, na perspectiva da ética médica e da insuficiência da instrução probatório, veja-se: XAVIER, Flavia. Pressupostos ético-jurídicos da perícia médica nas ações de benefícios por incapacidade. In: SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de perícia judicial previdenciária. 4. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 111-147. 284 Nos termos do art. 142 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, com a redação do Decreto 10.410/2020: “A justificação administrativa constitui meio para suprir a falta ou a insuficiência de documento ou para produzir prova de fato ou circunstância de interesse dos beneficiários perante a previdência social. § 1º Não será admitida a justificação administrativa quando o fato a comprovar exigir registro público de casamento, de idade ou de óbito, ou de qualquer ato jurídico para o qual a lei prescreva forma especial. § 2º A justificação administrativa é parte do processo de atualização de dados do CNIS ou de reconhecimento de direitos, vedada a sua tramitação na condição de processo autônomo. § 3º Quando a concessão do benefício depender de documento ou de prova de ato ao qual o segurado não tenha acesso, exceto quanto a registro público ou início de prova material, a justificação administrativa será oportunizada, observado o disposto no art. 151. § 4º A prova material somente terá validade para a pessoa referida no documento, vedada a sua utilização por outras pessoas”. 285 GORDILLO, Augustín A. La administración paralela: el parasistema jurídico-administrativo. Madrid: Civitas, 1982. Nessa obra, publicada ainda durante a ditadura argentina (1976-1983), com invulgar liberdade e análise crítica da Administração Pública argentina, Gordillo aponta para a existência de um sistema administrativo paralelo, em um contexto em que há uma Constituição real ao lado da Constituição, valores constitucionais violados por normas inferiores, verificando-se um procedimento administrativo formal e outro distinto informal, um governo paralelo que funciona com instituições permanentes, que contam com regras formais e outras regras que são realmente aplicadas, levando a um quadro de desamparo do administrado frente a Administração. 286 Código Civil. Art. 187. “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Art. 422. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A vedação do comportamento contraditório se impõe a qualquer das partes, obviamente. Colhe-se a título exemplificativo: “A declaração de invalidade de todo o feito, por força de erro do autor, poderia vir a premiar o equívoco com a possibilidade de ajuizar nova demanda na Justiça Federal, obtendo, desta feita, laudo pericial favorável, razão pela qual se aplica a proibição do venire contra factum proprium” (REsp 1655051/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 25.04.2017, DJe 05.05.2017). A ênfase desta seção é colocada em termos de limites à atuação judicial da Administração Pública em razão do contexto em que se identifica na “Administração Paralela” uma das causas de crise da justiça previdenciária. 287 CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 132. 288 CPC, art. 5º. “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. 289 CPC, art. 6º “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. 290 SOUZA, Victor. Proteção e promoção da confiança no direito previdenciário. Curitiba: Alteridade Editora, 2018. p. 175. 291 REsp 1151363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, j. 23.03.2011, DJe 05.04.2011. 292 EREsp 412351/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Terceira Seção, j. 27.4.2005, DJ 23.5/2005. 293 A vedação do comportamento contraditório encontra como fundamento normativo a boa-fé objetiva. Essa relação é, ademais, intuitiva: “As relações sociais se baseiam na confiança legítima das pessoas e na regularidade do direito de cada um. A todos incumbe a obrigação de não iludir os outros, de sorte que, se por sua atividade violarem esta obrigação, deverão suportar as consequências de sua atitude” (RIZZARDO, Arnaldo. Teoria da aparência. Ajuris, v. 9, n. 24, mar. 1982. p. 222). 294 EDcl no REsp 1143216/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 09.08.2010, DJe 25.08.2010. 295 STJ, AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 205.322/CE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 14.03.2017, DJe 17.03.2017. 296 STJ, REsp 1.629.888, Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, DJe 21.02.2018. 297 STJ, ROMS 201303022015, Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, DJe 07.05.2015. 298 TRF4, AC 0019075-95.2013.4.04.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 10.01.2014. 299 TRF4 5004530-74.2019.4.04.7201, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 30.08.2019. 300 Do mesmo modo, os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, obrigam também os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas (Lei Complementar 73/1993, art. 42; Regimento Interno da Consultoria Jurídica/MPS, art. 69). 301 Esse comportamento contraditório materializa, por outro lado, um conjunto de ações que igualmente colidem com os diversos projetos interinstitucionais de diminuição da judicialização e do número de recursos judiciais, os quais são elegantemente apregoados, divulgados e publicados, mas que têm sua efetivação frustrada até aqui. 302 Trata-se de avaliar a coerência da argumentação deduzida em juízo com o que foi considerado pelo INSS no processo administrativo do mesmo interessado. Nesse sentido: AgInt no PUIL 5005560-81.2018.4.04.7007, Quarta Turma Recursal/PR, Rel. Luciane Merlin Clève Kravetz, j. 20.10.2020. 303 Nesse sentido: RI 5000624-33.2020.4.04.7010, Terceira Turma Recursal/PR, Rel. Flávia da Silva Xavier, j. 30.09.2020. 304 ED em RI 5000825-68.2019.4.04.7007, Quarta Turma Recursal/PR, Rel. Vilian Bollmann, j. 15.05.2020. Veja-se nesse mesmo sentido: “Verifica-se, desse modo, da análise do conjunto probatório, que a incapacidade é posterior ao ingresso da parte autora no RGPS, repisando-se, novamente, que o próprio INSS reconheceu o preenchimento de tal requisito, por mais de uma vez, não lhe sendo viável, agora, contradizer-se, de maneira a configurar, inclusive, eventual conduta de ‘venire contra factum proprium’, rechaçada pelo ordenamento jurídico” (TRF4, AC 500872346.2020.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 25.11.2020). 305 RI 5007343-87.2018.4.04.7111, Terceira Turma Recursal/RS, Rel. Susana Sbrogio Galia, j. 18.09.2019. 306 Nesse mesmo sentido: TRF4 5060822-95.2017.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Marina Vasques Duarte, juntado aos autos em 06.02.2018. 307 Novo Testamento. Evangelho segundo Mateus, capítulo 22, versículo 23. 308 Tal como ocorrido, por exemplo, com a inclusão do companheiro homoafetivo na condição de dependente do Regime Geral da Previdência Social (Instrução Normativa 118, art. 30, Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0) e com a edição do Decreto 4.827, de 03.09.2003, que deu nova redação ao art. 70 do Decreto 3.048/99, para o efeito de amoldar os critérios de comprovação de atividade especial ao entendimento jurisprudencial que harmonizara o conflito de leis no tempo sobre a matéria. 309 Nesse sentido, a eficácia da ação civil pública proporciona mais a elevada economia processual do que a técnica aportada pela Lei 11.277/2006, que introduziu o art. 285-A ao Código de Processo Civil, permitindo a dispensa de citação e a prolação imediata da sentença “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”. 310 Primeira Turma, REsp 931.198/RS, Rel. Min. José Delgado, j. 06.12.2007, DJ 01.02.2008, p. 1; Sexta Turma, AgRg no REsp 441.815/SC, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 20.03.2007, DJ 09.04.2007, p. 282; Sexta Turma, AgRg no REsp 414.737/PR, Rel. Min. Nilson Naves, j. 03.10.2006, DJ 30.10.2006, p. 423; Terceira Seção, EREsp 448.684/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 28.06.2006, DJ 02.08.2006, p. 228. Na Sexta Turma, REsp 395.904/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 13.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 365, foi reconhecida a legitimidade de parte do Ministério Público Federal, mas especialmente em razão de se buscar a proteção de interesse indisponível correspondente à igualdade de tratamento ao companheiro homoafetivo. 311 RE 472.489/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.11.2007, DJ 28.11.2007. O entendimento do STF culminou por levar o STJ a rever seu posicionamento, passando a reconhecer a legitimidade de parte do Ministério Público para o ajuizamento de demanda de natureza previdenciária (STJ, REsp 1.142.630/PR, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 07.12.2010). Em uma linha convergente, a 1ª Turma do STJ, também de modo recente, orientou no sentido de que “O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, ante a ratio essendi dos arts. 127, caput; e 129, II e III, da Constituição Federal de 1988; e arts. 74 e 75 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso)” (REsp 1.005.587, Rel. Min. Luiz Fux, j. 02.12.2010, DJ 14.12.2010). Nesse sentido, recentemente: STF, RE 441201, AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 22.02.2011, DJe 15.03.2011; STJ, AgRg no REsp 1213329/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 15.09.2011, DJe 10.10.2011. 312 RE 163231, Rel. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 26.02.1997, DJ 29.06.2001. 313 STJ, EDcl no AgRg no REsp 1064075/RS, Min, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, j. 02.04.2013, DJ-e 12.04.2013. 314 ADI 3943, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 07.05.2015, DJe 06.08.2015. Nesse mesmo sentido, mais recentemente, a Suprema Corte firmou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 607): “A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura da ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas”. O RE 733.433, processo que ensejou a tese, contou com ementa que ora se transcreve: “Direito Processual Civil e Constitucional. Ação civil pública. Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos. Interpretação do art. 134 da Constituição Federal. Discussão acerca da constitucionalidade do art. 5º, inciso II, da Lei n. 7.347/1985, com a redação dada pela Lei n. 11.448/07, e do art. 4º, incisos VII e VIII, da Lei Complementar n. 80/1994, com as modificações instituídas pela Lei Complementar n. 132/09. (...) Assentada a tese de que a Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública que vise a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas” (RE 733.433, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.11.2015, DJ-e 07.04.2016). Coopera para o enfrentamento adequado dos problemas previdenciários que atingem toda uma coletividade de pessoas a perspectiva que afirma a possibilidade de efeitos nacionais “erga omnes” das sentenças produzidas no âmbito de ação civil pública. Essa questão constitui objeto do RE 1.101.937 (Tema 1075 RG), havendo o STF firmado maioria para reconhecer tal possibilidade. O julgamento se encontra suspenso em razão de pedido de vista pelo Min. Gilmar Mendes na sessão de 04/03/2021. 315 Como já tem sinalizado o Supremo Tribunal Federal, por razões de política judiciária, “Tanto quanto possível, considerado o direito posto, deve ser estimulado o surgimento do macroprocesso, evitando-se a proliferação decorrente da atuação individual” (RE 441.318/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 25.10.2005, DJ 24.02.2006). 316 SANTOS, Boaventura de Sousa. A justiça em debate. Folha de S.Paulo, 17 set. 2007, A-3. 317 Com a edição da Lei 11.276/2006, que introduziu o § 1º ao art. 518 do CPC, foram criadas as chamadas súmulas impeditivas de recursos. Trata-se de um novo pressuposto negativo de admissibilidade da apelação, pelo qual “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. Se no rito ordinário deve ser observado o reexame necessário nas condições determinadas pelo art. 475, do CPC, nem por isso a nova medida legislativa deixará de irradiar efeitos sobre a atitude assumida pelo INSS em juízo, seja no âmbito dos Juizados Especiais Federais, seja nos feitos que tramitam no juízo comum quando a condenação não exceder a 60 salários mínimos, dada a inexistência, nestes espaços, de duplo grau de jurisdição obrigatório. 318 O planejamento estratégico nos Juizados Especiais Federais do TRF da 4ª Região foi implementado pelo Des. Edgard Antonio Lippmann Junior, então coordenador da Coordenadoria dos Juizados Especiais – Cojef do TRF da 4ª R. 319 Mas essas conhecidas barreiras ao processo efetivo não são tudo. No universo de um grande número de feitos, fatores menos conhecidos culminam por embaraçar o trâmite processual e, por consequência, dificultar a gestão de processos. Nesse sentido, a comunicação de atos processuais implicava, naquele ano de 2006, demasiada espera para cumprimento de cartas precatórias à Justiça Estadual para inquirição de testemunhas ou para realização de perícia técnica por engenheiro de segurança. Também a intimação das partes sem advogado na zona rural é sempre um desafio à criatividade dos agentes judiciais. Ao lado desses fatores foram referidas as dificuldades geradas pela má instrução da petição inicial, lides temerárias, má qualidade dos documentos digitalizados para o processo eletrônico, e pelo tempo expendido com atendimento telefônico e digitalização dos documentos nos casos em que a ação judicial é oferecida mediante redução a termo pelo Judiciário. 320 O trabalho referido desde a primeira edição dessa obra culminou com a tese de doutoramento recentemente publicada, onde se pode lançar uma análise crítica à jurisprudência previdenciária eficientista, da qual o Supremo Tribunal Federal constitui seu mais ilustre representante (SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da previdência social). 321 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à adequada tutela jurisdicional, p. 244. 322 Como exemplo da economia de “tempo por processo” poderíamos citar a exigência de cálculos das eventuais diferenças como condição para ajuizamento da ação, a instrução da inicial com cópia integral do processo administrativo, a comprovação cabal do endereço do autor da demanda para verificação da competência territorial, demonstração de atendimento médico como pressuposto para ajuizamento de ações que buscam a concessão de benefício por incapacidade. 323 Essas iniciativas foram adotadas igualmente em outras partes do Brasil, pelo compartilhamento de boas práticas de administração da justiça. 324 SAVARIS, José Antonio. Algumas reflexões sobre a prova material previdenciária. In: SAVARIS, José Antonio (coord.). Direito previdenciário em debate – Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2007. p. 53-79. 325 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 86. 326 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 86. 327 Sobre o tema da competência cível dos Juizados Especiais Federais, veja-se o item 11.4, infra. 328 Sobre a teoria do acertamento e a flexibilização do princípio da adstrição da sentença, veja-se o item 2.3.3.3, supra. 329 Sobre o termo inicial dos benefícios concedidos judicialmente, veja-se o item 9.1.1 e seguintes. 330 A respeito dessa específica problemática, veja-se o item 9.1.5.1, infra. 331 A respeito da presunção da continuidade do estado anterior, veja-se o item 7.10.5, infra. Parte II TEMAS CENTRAIS DO DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO “Abre a tua boca; julga retamente; e faze justiça aos pobres e aos necessitados.” Provérbios 31:9 Capítulo 4 PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO O processo administrativo previdenciário pode ser compreendido como forma de exteriorização da função administrativa previdenciária em que se assegura o exercício da cooperação e do contraditório, com vistas à preparação de um ato administrativo capaz de interferir na esfera jurídica do interessado. Na medida em que não pressupõe a existência de controvérsia entre partes para reconhecer a existência da processualidade, esse conceito destaca a noção de que o processo administrativo previdenciário não se desenvolve em uma dimensão onde o particular litiga contra a Administração, deduzindo pretensão específica, alegando todos os fatos de seu interesse e especificando as provas que pretende produzir. Antes, o processo deve ser compreendido como uma relação de cooperação, um concerto em que Administração (INSS) deve, em diálogo com o particular, conhecer a sua realidade, esclarecer-lhe seus direitos e outorgar-lhe a devida proteção social, isto é, a mais eficaz proteção social a que faz jus. É exigência de um Estado Democrático de Direito que a tomada de decisões administrativas seja disciplinada de modo a assegurar respeito aos direitos individuais e a consubstanciar limitação dos poderes dos administradores públicos. As normas de processo administrativo, neste contexto, revelam-se como instrumentos fundamentais de cidadania. A partir das garantias processuais consagradas constitucionalmente, o exercício da competência administrativa que afete a esfera jurídica patrimonial dos particulares não se pode dar sem observância aos postulados do devido processo legal, superado o paradigma de inexistência de processualidade para além do âmbito judicial. A Lei Geral do Processo Administrativo Federal, publicada no ano de 1999, marcou a extensão de diversas normas gerais e principiológicas para os mais diversos vértices do processo administrativo, fixando prazos, densificando princípios processuais constitucionais e estabelecendo condições adjetivas para a validade de atuações decisórias da Administração. No domínio da segurança social, recebe importância a identificação dos elementos caracterizadores de um verdadeiro processo administrativo previdenciário e, por consequência, o reconhecimento do impacto das normas processuais veiculadas na mencionada lei na seara previdenciária. De modo geral, fala-se em processo administrativo de concessão em um sentido amplo, sem atentar para os corolários de tal categorização. Não se percebem maiores preocupações em identificar os traços que realmente deveriam marcar a relação da Administração com o particular que a ela se dirige na busca de proteção social. Qualquer trabalho dedicado ao estudo do direito processual previdenciário deverá, porém, voltar sua atenção para o que se passa e para o que deveria se passar nessa relação administrativa. O presente capítulo busca justamente levantar as marcas de atuação dos princípios constitucionais processuais, da Lei do Processo Administrativo Federal e de outras disposições legais esparsas sobre o processo administrativo previdenciário, oferecendo ênfase a alguns dos aspectos com os quais se têm debatido os operadores do direito previdenciário. 4.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PROCESSO ADMINISTRATIVO Um Estado que se fundamenta na ordem constitucional assegura aos indivíduos uma série de direitos de índole humanitária que refletem, em maior ou menor grau, históricas e evolutivas conquistas de cidadania. Essas conquistas não foram reconhecidas a uma só vez, e isso porque mesmo a visualização dos direitos fundamentais depende do auxílio das disputas históricas, da luta de classes e das ameaças de ruptura com a ordem existente, do desenvolvimento de novas concepções de direito e de Justiça e da compenetração nas necessidades do indivíduo em suas dimensões física, psicológica e social. As ideias de defesa, devido processo legal e efetiva participação do cidadão nas decisões da Administração que lhe afetem a esfera jurídico-patrimonial se encontram como alicerces de qualquer ordem jurídica democrática. A noção de limite ao poder estatal, de não violação dos direitos atribuídos juridicamente e de segurança do direito fundamentaram as revoluções liberais, as quais, diga-se, levaram o indivíduo a meio caminho entre a opressão do monarca e a opressão do capital e do imperativo do gozo. No entanto, a amplitude do direito a um devido processo legal administrativo sempre foi interpretada sob linhas pré-delimitadas que traduziam dogmas que, em seu conteúdo, hospedavam a lógica do não direito. Como registra Sundfeld, durante bom tempo o processo disciplinar foi a base quase solitária das preocupações dos administrativistas com o assunto. A partir de 1966, com o surgimento do Código Tributário Nacional, o tema foi alavancado no campo tributário, ganhando fôlego com o contencioso administrativo fiscal (Decreto Federal 70.235, de 06.03.1972), as leis do Conselho de Contribuintes da União (Lei 8.451, de 23.12.1992) e do processo de consulta (Lei Federal 9.430/96). Também o Dec.-lei 200, de 1967, e o Dec.-lei 2.300, de 1986, proporcionaram espaço ao tema no seio doutrinário³³². A perspectiva restritiva com que se verificava a presença ou não de um processo sempre abriu caminho para comportamentos administrativos que significavam afronta aos princípios constitucionais processuais, notadamente o direito ao contraditório, à ampla defesa, à motivação das decisões e ao duplo grau de cognição. Lamentável que muito da dúvida existente sobre a processualidade no âmbito administrativo tenha cedido somente diante da franqueza declarada pela Constituição Federal no art. 5º, LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”), LV (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), e, com a Emenda 45/2004, LXXVIII (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”). A falta de forma era a regra dos atos administrativos que repercutiam no campo de interesses individuais. No âmbito da Administração Previdenciária, as suspeitas de fraudes sempre fundamentaram sumária suspensão de benefícios. O direito ao recurso, dotado de efeito meramente devolutivo, era compreendido como direito de defesa. Não é por acaso que o extinto Tribunal Federal de Recursos chegou a sumular o entendimento de que “a suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo” (Súmula 160/TFR). Dada a íntima ligação entre os valores recebidos e a subsistência do beneficiário, sempre se condicionou a realização da autotutela administrativa à observância das garantias constitucionais processuais emanadas da cláusula do “devido processo legal”, como contraditório e ampla defesa. Malgrado a constante reafirmação jurisprudencial de tais princípios, a autarquia previdenciária norteia-se por diretrizes inconstitucionais: a) instauração de “processo” de revisão para verificar a legalidade da concessão sem a ciência do titular do benefício previdenciário; b) produção de prova contra o interessado sem a sua participação; c) decisão de suspensão de benefícios sem prévia oportunidade de influência do beneficiário, contra a qual abre-se possibilidade de recurso desprovido de efeito suspensivo, apesar das disposições contidas em lei específica (Lei 10.666/2003); d) capciosa audiência do beneficiário, sem lhe cientificar expressamente das consequências de suas declarações e de que o “processo” pode culminar com o cancelamento de seu benefício; e) não esclarecimento de que o beneficiário pode se fazer assistir por advogado; f) concessão de benefício cujo reflexo diminui a cota a que tem direito o beneficiário já em gozo, sem participação deste no “processo”, hipótese comum nos casos de concessão de pensão por morte; g) nova avaliação da prova do pressuposto de fato à concessão do benefício pautada por nova interpretação administrativa. Mas o Estado Constitucional de Direito não somente garante a ordem legal a seus cidadãos como a ela se submete, de maneira que escudos emblemáticos como a supremacia do interesse público, a ampla discricionariedade administrativa, a rígida separação dos poderes e os atos-soberania não podem legitimar arbitrariedades. Se as prestações previdenciárias constituem direito constitucional fundamental, à luz dos princípios democráticos do Estado Constitucional de Direito, como ensina Canotilho, elas pressupõem “um procedimento juridicamente adequado para o desenvolvimento da atividade administrativa”. Segundo o constitucionalista português, deve ser assegurado um conjunto mínimo de direitos para garantia de um procedimento administrativo justo, como: [...] o direito de participação do particular nos procedimentos em que está interessado, a imparcialidade da administração, o princípio da informação, o princípio da fundamentação dos atos administrativos lesivos de posições jurídicas subjetivas, o princípio da conformação do procedimento segundo os direitos fundamentais, o princípio de boa-fé e o princípio do arquivo aberto³³³. A fundamental exigência de processo também decorre do pensamento de que, Sempre que o patrimônio jurídico e moral de alguém puder ser afetado por uma decisão administrativa deve a ele ser proporcionada a possibilidade de exercitar a ampla defesa, que só tem sentido em sua plenitude se for produzida previamente à decisão, para que possa ser conhecida e efetivamente considerada pela autoridade competente para decidir³³⁴. Mesmo após o advento da Constituição da República de 1988, muitas das deliberações administrativas prosseguiam afetando direitos dos particulares sem as garantias processuais. Talvez nisso se justifique a edição de uma Lei Geral do Processo Administrativo: a absorção dos princípios processuais como próprios do direito administrativo, tanto pela força constitucional, como pelas luzes doutrinária e jurisprudencial, não tinha sido suficiente para que essa concepção se tornasse lugar-comum no âmbito da burocracia leiga³³⁵. O advento da Lei 9.784, de 29.01.1999, traduz tardia sensibilidade do legislador aos reclames de segurança, liberdade e igualdade³³⁶. Para Ana Lúcia Amaral, a existência de legislação sobre procedimento administrativo tem o significado de “haver ‘jurisdizado’, segundo Miguel S. Maarienhoff, os trâmites perante a Administração Pública, pondo ordem nas gestões, dando garantia aos administrados em seu trato com a Administração Pública e submetendo a regras precisas e claras a atividade administrativa, uma vez que fixa limites a certos aspectos dessa atividade”³³⁷. Sendo inquestionável, pois, o contributo da Lei Geral do Processo Adminis‐ trativo Federal para o direito e para a democracia, cumpre, em nosso estudo de processo administrativo previdenciário, demarcar o âmbito de sua aplicação. 4.2 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99 A Constituição da República de 1988 atribuiu privativamente à União a competência legislativa sobre direito processual (art. 22, I) e concorrentemente entre a União e os Estados a regulação de procedimentos em matéria processual (art. 24, XI). Finalmente, aos Municípios foi conferida a competência para edição de legislação de seu interesse (art. 30, I) e suplementar às da União e dos Estados (art. 30, III). Na doutrina de James Marins, a expressão direito processual refere à “matéria jurídica relativa a processo enquanto amálgama das garantias fundamentais para a disciplina da solução pelo Estado dos conflitos de interesses”, ao passo que os procedimentos em matéria de processo constituem “o conjunto de regras aptas a promover a aplicação das garantias processuais, ou, por outro modo de dizer, o procedimento cuida da forma ou da estrutura através da qual serão exercidas as garantias do processo”³³⁸. As normas gerais de processo administrativo deverão ser observadas na atuação de qualquer órgão da Administração Pública Federal, pois o art. 1º da Lei 9.784/99 expressa que “Esta lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”. Em face do que dispõe a regra acima transcrita, pode-se concluir que as normas estabelecidas pela Lei 9.784/99 devem ter aplicabilidade no processo que define o direito do administrado a um bem jurídico previdenciário. Por outro lado, a aplicabilidade das normas básicas é subsidiária, na forma do art. 69 da Lei 9.784/99; in verbis: Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei. Segundo Caio Tácito, presidente da comissão constituída para elaboração do projeto de lei sobre normas gerais do procedimento administrativo, teve-se presente [...] que o sistema legal resguarda, quanto a matérias específicas, a observância de regimes especiais que regulam procedimentos próprios, como o tributário, licitatório ou disciplinar, a par do âmbito de competência de órgãos de controle econômico e financeiro. Por esse motivo, o projeto ressalvou a eficácia de leis especiais, com a aplicação subsidiária das normas gerais a serem editadas³³⁹. A Lei do Processo Administrativo buscou suprir necessidade denunciada já pela doutrina de Themístocles B. Cavalcanti, de serem reunidas, dentro de um sistema harmônico e uniforme de normas gerais, as regras às quais devam obediência os processos administrativos³⁴⁰. A lei geral procurou, como visto acima, dar forma essencial ao caos procedimental em que se encontrava submersa a Administração Pública, sem que tal regulação interferisse nos processos específicos em relação aos quais as respectivas peculiaridades já constituíram fonte material de edição legislativa própria. Exemplifiquemos a lógica da subsidiariedade para algo nosso, isto é, do direito previdenciário. Segundo a Lei 8.213/91 (art. 103-A), o prazo para a Previdência Social “anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. De outra forma, o art. 54 da Lei 9.874/99, de aplicação subsidiária, dispõe que “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. No âmbito da Administração Federal, à luz do art. 69 da Lei 9.784/99, é de prevalecer as normas dos processos específicos quando colidentes com as normas gerais da lei procedimental. Se, no entanto, as regras processuais específicas se revelarem contrárias aos princípios da Lei Geral do Processo Administrativo, elas devem ser afastadas por inconstitucionais porque, em última análise, serão incompatíveis com os princípios constitucionais processuais que se viram reafirmados na Lei 9.784/99. Nesse sentido, os princípios expressos neste diploma legal não traduzem senão densificação dos princípios constitucionais processuais. Se, por exemplo, não for observado o contraditório por uma lei específica de qualquer das esferas de poder ou de qualquer pessoa política constitucional, a norma correspondente será inconstitucional não porque a Lei do Processo Administrativo deve prevalecer, mas porque a Constituição impõe a mais perfeita obediência ao devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV), ao contraditório e à ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV). 4.3 CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO A partir de que instante as regras processuais passam a ser invocáveis pelo particular em face da Administração Pública? A resposta a tal indagação pressupõe análise do conteúdo do processo administrativo previdenciário, isto é, exame do que realmente determina que a sequência de atos administrativos no trato de um bem previdenciário siga a seu fim segundo o devido processo legal. Tendo como paradigma o direito tributário, James Marins entende que a lide tributária é o critério identificador do momento processual tributário, isto é, o momento em que deve haver processualidade no âmbito administrativo. De sua parte, a lide se forma não com o início da ação fiscal ou com a formalização da exigência tributária pelo lançamento, mas tão somente com a impugnação do contribuinte na esfera administrativa, formalizando a resistência à pretensão fiscal que, de resto, pode ser veiculada diretamente em juízo³⁴¹. É por essa razão que os princípios e garantias processuais não se aplicariam às diligências fiscalizatórias que antecedem o procedimento de lançamento, pois somente tutelam o contribuinte – e a própria Administração Tributária – uma vez instaurada a lide tributária. Eis algumas questões fundamentais para nós: A partir de que momento o beneficiário da Previdência Social pode invocar as garantias processuais em um processo de concessão de benefícios previdenciários? Ou seria o processo de concessão um mero procedimento, visto que a rigor não existe um conflito de interesses, senão a apreciação estatal do requerimento formulado pelo pretendente ao benefício? Se entendermos que o conteúdo do processo administrativo se inicia com o requerimento administrativo de um benefício previdenciário, teremos de admitir a existência de processo sem lide, porque porventura a Administração processará o requerimento até o final concessão do benefício sem que em qualquer momento exista uma controvérsia. De outra sorte, se entendermos estar diante de um procedimento – e não propriamente de um processo – este “procedimento administrativo” seria infenso às irrupções do devido processo legal, com os desdobramentos de ausência do direito à produção de provas ou a influenciar na tomada de decisão administrativa, que então seria retirado do beneficiário. Antes de manifestar nossa posição sobre o tema, é inevitável breve incursão sobre o tema da distinção entre procedimento e processo. 4.4 DISTINÇÃO ENTRE PROCEDIMENTO E PROCESSO Os critérios distintivos de procedimento e processo parecem não fugir do clássico ensinamento de Hely Lopes Meirelles, de que a noção de processo administrativo está associada à solução de controvérsia entre a Administração e os particulares. O procedimento seria o modo de realização do processo, o rito processual. Em suas palavras: “Não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como, por exemplo, os de licitação e concurso”³⁴². Lúcia Valle Figueiredo, valendo-se do pressuposto da controvérsia, afirma que o processo se caracteriza pela existência de litigantes ou acusados³⁴³. Sobre o tema, é importante destacar o trabalho de Odete Medauar que, após discorrer sobre os vários critérios levantados pela doutrina nacional e estrangeira para distinguir procedimento e processo, chama atenção para a processualidade administrativa encontrada em qualquer dos poderes estatais. No discernimento da professora paulista, “procedimento consiste na sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final”, expressando-se como processo “se for prevista também a cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório”³⁴⁴. Investigando os vários critérios para a diferenciação entre procedimento e processo, Medauar se refere, por exemplo, aos critérios da amplitude (processo seria mais amplo do que o procedimento), complexidade (processo seria mais complexo que o procedimento), interesse³⁴⁵ e o critério da lide³⁴⁶. É dotada de considerável importância para o nosso estudo a construção realizada por Benvenuti (1952), objeto de análise de Medauar. Procedimento seria fenômeno que se produz em todo exercício de uma função. Em seu aspecto objetivo representa a “manifestação sensível da função”. Em uma perspectiva subjetiva, isto é, “sob o aspecto do vínculo existente entre os sujeitos que dele participam”, procedimento é gênero de que são espécies procedimento em sentido e processo. Estaremos em face de um procedimento (em sentido estrito) quando há uma “sucessão de atos, realizados todos pelo mesmo sujeito a quem compete editar o ato final; mesmo sujeito significa um só órgão ou mais órgãos do mesmo sujeito”³⁴⁷. A atuação desses órgãos é norteada pelo interesse próprio do sujeito que edita o ato e só de forma reflexa pode implicar satisfação de sujeito que não é a Administração. Já o processo tem como elemento característico “a atuação de sujeitos diversos daquele a quem compete editar o ato”, havendo possibilidade de participação pelos próprios destinatários do ato que determina sua posição jurídica. Tem-se aqui, então, processo como colaboração do interessado. Há um interesse substancial dos destinatários do ato que abre a possibilidade de participação. Como anota Medauar, há um dado a mais, em Benvenuti, para caracterizar o processo: “nele um ou vários atos dos sujeitos encontram sua razão de ser ou seu limite em atos de outro sujeito [...]. Esta concepção do processo como modo de exercício de uma função pública, limitada, no seu exercício, por atos realizados no interesse do destinatário do ato final, revela o elemento essencial do instituto”³⁴⁸. Também nos é caro o critério do contraditório (Fazzalari): “o que diferencia é a estrutura dialética do procedimento”, a necessidade de uma “efetiva correspondência entre as várias posições” no processo, como os poderes, as faculdades, os deveres mediante os quais se realiza a colaboração. O contraditório preside as ideias de “simetria de posições subjetivas”, “possibilidade de interlocução não episódica”. As atividades dos interessados devem ser levadas em consideração pela Administração, “que não pode impedi-las, nem ignorá-las”³⁴⁹. Na perspectiva do direito tributário, conforme realça James Marins, o procedimento se verifica como caminho para consecução do ato de lançamento, nele também se verificando a fiscalização tributária e imposição de penalidades. Já o processo consistiria no meio de solução administrativa ou judicial dos conflitos fiscais (conflitos de interesses regularmente deduzidos perante órgão do Estado)³⁵⁰. Para Odete Medauar, a processualidade se verificaria na sucessão de “atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final”, com previsão de “cooperação de sujeitos, sob prisma contraditório”. A título de complementaridade, poderia ser utilizado o critério da complexidade, da controvérsia e o teleológico³⁵¹. 4.5 PROCEDIMENTO E PROCESSO NO CAMPO PREVIDENCIÁRIO Quanto ao processo administrativo previdenciário, certamente que o cancelamento de um benefício previdenciário, pelo exercício da autotutela administrativa, deve guardar respeito ao devido processo legal desde sua instauração, com imediata cientificação do titular ou representante. É o núcleo do princípio constitucional segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/88, art. 5º, LIV). O processo comumente chamado de “verificação da regularidade de concessão de benefício, isto é, o exercício da autotutela administrativa” pressupõe, assim, uma sequência de atos com conteúdo próprio de processo. Da mesma forma, o exame do direito do particular em receber um bem de natureza fundamental não poderia ser realizado pela Administração Previdenciária à revelia dos princípios que informam um processo propriamente dito. Tem todo sentido falar em cooperação do particular para a melhor verificação das circunstâncias e no direito do indivíduo interessado em influenciar o julgamento da autoridade administrativa. Seria impensável sustentar, por exemplo, que o segurado não deva ter direito a comprovar que faz jus a uma aposentadoria (embora isso lamentavelmente possa acontecer, na prática). Mas para que se tenha por configurado um processo já no momento do requerimento administrativo, o critério da controvérsia ou da lide não poderia conceituar o conteúdo do processo administrativo. Nosso pensamento é o de que o requerimento administrativo assegura ao beneficiário o direito de colaborar com o agente concessor na verificação de seu direito, visto que inúmeros casos não serão solucionados adequadamente a partir dos dados constantes no cadastro de informações da Previdência Social ou com as diligências que podem unilateralmente ser adotadas pelo agente administrativo. Sendo o particular o destinatário do ato administrativo a ser editado, deve ser assegurada sua colaboração na condição de principal interessado. O bem jurídico que afeta o particular é de natureza fundamental, ademais. Se não se faz necessária a manifestação processual em todas as cores no estágio inicial do processo (requerimento) – para quem entende o conteúdo do processo administrativo previdenciário conceituado a partir da lógica da controvérsia ou da lide –, deve haver um momento em que, após o requerimento, mas antes da primeira decisão administrativa sobre o direito do segurado, ele possa participar sob as luzes do devido processo legal, com as garantias processuais decorrentes. É necessário, pois, precisar o momento em que o chamado processo de concessão de benefícios deixaria de ser uma mera “sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo” (procedimento administrativo)³⁵², para se tornar uma verdadeira [...] forma de exteriorização da função administrativa (procedimento administrativo) qualificado pela participação dos interessados em contraditório, imposto diante da circunstância de se tratar de procedimentos celebrados em preparação a algum provimento (ato de poder imperativo por natureza e definição), capaz de interferir na esfera jurídica das pessoas (processo administrativo)³⁵³. A presente questão diz respeito à chamada “alomorfia procedimentoprocesso”³⁵⁴, isto é, a alteração da “natureza jurídica do atuar administrativo”, o momento que marca a passagem de procedimento para processo. Se é considerado como critério constitucional do processo administrativo a existência de uma lide (CF/88, art. 5º, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), apenas a insurgência formal do cidadão-beneficiário em face de ato administrativo que lhe pareça lesivo a seus interesses é que, formalizando a lide, daria início à etapa processual previdenciária no âmbito administrativo. Acontece que, em regra, no processo de concessão, a primeira oportunidade que tem o beneficiário da Previdência Social para se insurgir contra ato administrativo que lhe é lesivo é quando é cientificado do próprio indeferimento de seu requerimento de benefício. Aí as garantias processuais serviriam apenas para a fase recursal. Mas fosse assim, de nada elas valeriam, pois ao particular já se encontraria aberta a via judicial para impugnação do ato administrativo indeferitório e o chamado processo administrativo teria corrido sem qualquer observância ao devido processo legal. Seria um processo só de nome. Seguiria disso tudo uma tentativa de conciliar a exigência de lide como núcleo processual à dinâmica do direito previdenciário administrativo: identificar na “carta de exigências” da Administração Previdenciária o momento em que o beneficiário, entendendo sofrer lesão por uma exigência ilegal, formaliza sua insurgência, suscitando as razões de fato e de direito para acolhimento de seu requerimento independentemente do cumprimento integral da exigência que lhe foi formulada³⁵⁵. Nesse momento, formalizarse-ia o conflito, abrindo-se todo espaço para a processualidade nos requerimentos de concessão de benefício previdenciário. Todavia, a emissão da comunicação de exigências parece mais uma liberalidade da Administração do que um direito do segurado. De outra parte, a assimetria informacional entre a Administração Previdenciária e o indivíduo – fundada na presunção de que este não reúne condições de conhecer o emaranhado e, por vezes, ininteligível conjunto de normas previdenciárias legais e infralegais – torna excessivamente difícil a tarefa de manifestação de insurgência (quanto às questões de fato ou de direito) em relação à eventual “carta de exigências”. Esse é um marcante particularismo do direito previdenciário. Simplesmente não há, então, condições de se discernir na lide o conteúdo do processo administrativo previdenciário. O critério serviu muito bem ao direito processual tributário, mas não terá a mesma valia aqui, tal como não encontra espaço no processo penal, averbe-se³⁵⁶. Os fatos que possam traduzir relevância jurídico-previdenciária de alguma ordem devem ser extraídos do particular pela Administração. Os meios de comprovação destes fatos devem ser esclarecidos ao interessado, mediante uma comunicação de que deve ser vista antes como uma “carta de informações” do que uma “carta de exigências”. Estes são deveres fundamentais da Administração que se constituem da realidade para a norma e se estabelecem da norma para os fatos. Tais deveres, que se expresse bem, são exigidos pela realidade e impostos pela Constituição (CF/88, art. 37, caput) e por disposição legal específica (Lei 8.213/91, art. 88). O que não é admissível é que o “Estado-juiz-de-sua-própria-causa”³⁵⁷ e absoluto nas informações veja-se de início como um litigante no processo previdenciário, guiando-se pelo desprezo ao direito fundamental que lhe é requerido ou pela sonegação de informações cruciais ao potencial beneficiário. Como sinalizamos linhas acima, no âmbito do processo administrativo previdenciário o due process of law incorpora os princípios constitucionais administrativos de eficiência, moralidade e boa-fé. Estas são exigências do Estado de Direito. Cabe à Administração a elas render-se. De outro lado, para que não se chegue à conclusão absurda de que o direito do segurado a um bem fundamental pode ser decidido administrativamente sem que lhe seja assegurado o devido processo legal, necessário será assegurar ampla e ativa participação do interessado desde quando formalizado o requerimento administrativo. Uma nota também aqui sobre isso: o requerimento administrativo não deve ser compreendido como um ato racional de vontade unilateral do indivíduo na melhor defesa de seus interesses. À Administração é imposto o dever de conduzir o processo administrativo segundo o império da melhor proteção social possível desde seu início. Em sendo identificado um fato novo (compreendido aqui não necessariamente como fato superveniente ao requerimento, mas como um fato de que não se tinha conhecimento), durante o curso do processo, é necessária a adequação do processo, com a transformação do benefício objeto de análise. Como já deixamos transparecer, identificamos o fenômeno processual administrativo no campo previdenciário a partir dos critérios do interesse preponderantemente particular (sem que tal qualificação negue o interesse também social na adequada proteção previdenciária ao indivíduo), que reclama colaboração (Benvenuti) por parte do destinatário do ato, qualificada pelo exercício do contraditório (Fazzalari), aproximando-nos decisivamente da compreensão de Odete Medauar. Como consequência disso, reconhece-se o direito do particular ao devido processo legal (e as decorrentes garantias processuais constitucionais) desde o requerimento administrativo. Com o indeferimento administrativo deflagra-se uma controvérsia que abre ao particular dois caminhos: a interposição de recurso administrativo ou a invocação de tutela jurisdicional. Mas, para além do que foi dito, como se traduzem essas garantias no processo administrativo previdenciário? Quais as consequências de se reconhecer no processo de concessão um conteúdo próprio de processo? 4.6 GARANTIAS PROCESSUAIS PARA O PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO 4.6.1 Garantias processuais constitucionais Uma vez que o chamado processo administrativo previdenciário tenha verdadeiramente compreendido seu conteúdo processual, é pertinente invocar-se que sua condução se opere com respeito ao devido processo legal. Esse princípio constitucional é reconhecidamente um feixe de princípios constitucionais processuais que nele encontrariam fundamento, dentre os quais: a) o direito constitucional de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV, “a”), que assegura o direito de acesso à tutela administrativa³⁵⁸; b) princípios do contraditório e ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), dos quais decorrem o princípio da ampla instrução probatória e a regra de interdição da prova obtida ilicitamente (CF/88, art. 5º, LVI); c) princípio da motivação das decisões (CF/88, art. 93, IX); d) princípio da publicidade dos atos processuais administrativos (CF/88, art. 37, caput). De outra parte, os princípios constitucionais administrativos, destacadamente os da legalidade, eficiência, moralidade e publicidade (CF/88, art. 37), devem irradiar efeitos normativos na condução desse devido processo administrativo previdenciário³⁵⁹. A força normativa (HESSE) desses dois plexos de normas constitucionais foi objeto de discussão no item 1.2, supra, quando analisamos algumas notas doutrinárias sobre a efetividade das normas constitucionais e sua relação com a jurisdição previdenciária. O que foi dito sobre supremacia da Constituição e efetividade das normas constitucionais como seu desdobramento lógico igualmente encontram lugar aqui. Nada obstante, a atuação Administração Previdenciária tem manifestado vicissitudes quanto ao respeito de todos os princípios constitucionais acima referidos. Seus beneficiários encontram sérias dificuldades para formalizar requerimento de concessão de benefícios, raramente têm oportunidade de apresentar as provas que entendam convenientes, podem sofrer juízo de indeferimento com base em prova produzida unilateralmente e via de regra recebem a resposta administrativa desvinculada de uma motivação precisa quanto aos fatos e quanto ao direito. Não bastasse, o grau de prestação de informações assumido pela Administração é sofrível, um desalento para quem necessita e mira de fora o gigante e intimidador sistema. Pressupondo o sucesso do beneficiário no que alude ao desafio de formalizar requerimento administrativo junto ao instituto previdenciário, verifiquemos como a postura administrativa desafia os princípios constitucionais acima alinhados. A ausência ou insuficiência de motivação de ato administrativo vinculado cerceia o direito de defesa do particular, pois [...] a motivação constitui, inelutavelmente, uma condição indispensável para que possa ser exercida qualquer forma de controle sobre a Administração Pública, tanto pelo fato de que não se impugna o que não se conhece, como pelo indevido arbítrio que seria dado ao agente público para adotar qualquer medida sem dar satisfação aos administrados em geral e aos particularmente afetados por determinado ato³⁶⁰. No foro previdenciário, a falta de fundamentação repercute na impossibilidade de se atacar o mérito do ato administrativo. Não se sabe a razão do indeferimento e, por consequência, em relação ao processo judicial que lhe seguirá, não se sabe o que deve ser afirmado e comprovado para a cassação da decisão indeferitória. Também o cerceamento do direito de defesa do segurado ou dependente pode ser verificado, por exemplo, na hipótese de indeferimento verbal da juntada de documentos apresentados pelo requerente ou de não processamento de justificação administrativa ou de limitação do âmbito desta, com fundamento em diretrizes ou orientações infralegais³⁶¹. O processamento da justificação administrativa encontra-se dentro da garantia constitucional do direito à ampla defesa do beneficiário da Previdência Social, pois é compreendido no que se tem por meios pelos quais o beneficiário poderá fazer comprovação de fato de seu interesse. Em razão disso, a imotivada recusa de processamento de tal meio probatório ou a limitação de seu objeto, por ausência de prova material, traduz postura inconstitucional da Administração Previdenciária³⁶². Acrescente-se que os princípios do direito de defesa e do contraditório não se esgotam na atividade probatória. Como lembra Egon Bockamnn Moreira, concordando com Dinamarco e Grinover, o princípio do contraditório é [...] garantia de participação processual como pressuposto de validade de toda a atividade instrutória. Essa participação deve ser compreendida em sentido amplíssimo. Ou seja: a integralidade das manifestações processuais (verbais e escritas) oferecidas pelas partes integra o exercício do contraditório – quanto à possibilidade de sua apresentação, dever de intimação da parte adversa e necessidade de serem integralmente apreciadas³⁶³. O princípio da publicidade dos atos administrativos igualmente é contrariado quando o órgão previdenciário, por meio de seus agentes, lançase em diligências inquisitórias sem conhecimento ou participação do principal interessado, obtendo informações a partir de pessoas não identificadas. Não raro a prova colhida pelo agente administrativo se opera no sentido contrário aos interesses do requerente e, posteriormente, em juízo, o resultado da produção probatória se dê favoravelmente ao beneficiário. Em casos semelhantes à hipótese aqui ventilada, o TRF da 4ª Região assim decidiu: Para provar o exercício das atividades rurais, exige-se princípio de prova material (Súmula 149/STJ; Lei 8.213/91, arts. 55, § 3º, e 106). Se esta foi satisfatoriamente feita, descabe negar a concessão do benefício com base nas informações coletadas pela autarquia previdenciária na fase administrativa, em procedimento unilateral inquisitório, informações que não foram confirmadas pela prova judicializada (TRF4, 5ª Turma, AC 2001.70.03.002558-3, Rel. do Acórdão Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 26.02.2003). Não merecem relevância, no caso, as conclusões da pesquisa administrativa realizada pelo INSS, quando contrastadas à prova judicializada, porquanto produzidas unilateralmente e sem a observância do contraditório (TRF4, 5ª Turma, AC 2000.70.04.000694-5, Rel. do Acórdão Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 04.10.2006). Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, deve-se optar por estas últimas, porquanto produzidas com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório (TRF4, Quinta Turma, AC 2000.04.01.139452-3, Rel. Loraci Flores de Lima, DJ 07.11.2007). No processo administrativo previdenciário, se descontente com a prova pelo requerente inicialmente apresentada, a entidade previdenciária tem o dever – não apenas moral, mas igualmente jurídico – de instaurar processo de justificação administrativa, de realizar diligências (observado contraditório) para investigar a veracidade das afirmações, tem, enfim, o poder-dever de julgar-lhe a sorte de acordo com os elementos de prova apresentados ou solicitados inicialmente, confortados por prova pessoal e, se for o caso, emitir “carta de exigências” fundamentada, dando ciência ao interessado dos critérios administrativos empregados e das providências que podem ser adotadas com vista à concessão do benefício. O processo administrativo previdenciário destina-se à verificação do direito do beneficiário da Previdência Social e para sua satisfação não é suficiente requerer. Tem-se, pois, a prova como princípio de defesa, na expressão do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, que há quase quarenta anos alertava que “a posição do administrado é de absoluta inferioridade nas suas relações com a Administração: as formalidades especiais que se concedem ao administrado, quando o ato administrativo interfere com os seus direitos, não são mais que medidas protelatórias, até que o exame da legalidade venha a ser feito pela única jurisdição existente”³⁶⁴. 4.6.2 Entre as garantias constitucionais e as normas da lei processual administrativa – a atuação conforme a Lei e o Direito O art. 2º, parágrafo único, I, da Lei 9.784/99 dispõe que nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de “atuação conforme a lei e o Direito”. Tal referência traz desdobramentos cruciais nos valores e normas que devem informar o conteúdo das decisões proferidas no foro processual administrativo. Com efeito, a autoridade administrativa detentora de poder decisório nos processos administrativos não mais pode prender-se às instruções, circulares ou ordens de serviços infralegais, sem levantar os olhos para a obviedade da lei ou, na hipótese da inconstitucionalidade desta, de reafirmação do ordenamento jurídico a partir do postulado do primado da Constituição. É certo que a organização e a execução administrativa reclamam procedimentos uniformes e soluções coerentes com a finalidade buscada pela Administração e de acordo ainda com a interpretação emprestada pela cúpula, a partir de pareceres jurídicos. No entanto, quanto mais a estrutura administrativa permita, mais intensa deve ser a prática racional da atividade decisória administrativa. Nesse sentido, os órgãos administrativos, especialmente as Turmas de Recursos e o Conselho de Recursos do Seguro Social, devem reconhecer os termos em que as exigências da entidade gestora da Previdência Social se afastam dos critérios legais lidos a partir de lentes constitucionais. Como destaca James Marins, tendo como perspectiva o direito processual administrativo fiscal, [...] a busca pela justiça no âmbito do processo tributário é elemento de aproximação e harmonização entre a etapa administrativa e a judicial, cada qual com seu método próprio. [O princípio da justiça] precisa ser reafirmado para que o processo tributário que tenha lugar no seio da administração se torne vivamente jurídico, isto é, atenda mais claramente aos princípios inerentes ao convívio Estado/cidadão, calçado no Estado de Direito e, logo, na “ideia de Direito”³⁶⁵. Ainda no domínio tributário, salienta com propriedade Mary Elbe Gomes Queiroz Maia que “especialmente com relação à fase de julgamento do processo fiscal deverá prevalecer, sempre, o interesse substancial da justiça e não o interesse formal ou financeiro que domina a atividade tributária”³⁶⁶. 4.6.3 A Lei 9.784/99 e o processo administrativo previdenciário Pelo que foi expresso anteriormente, cuidamos estar autorizados a concluir que a normatividade irradiada pela Lei do Processo Administrativo Federal, da mesma forma que os princípios constitucionais processuais, deve encontrar destino na relação que a Administração Previdenciária mantém com o particular que dela se aproxima na pretensão de obter ou manter-se no gozo de um benefício previdenciário. A partir desse pensamento pode-se compreender a importância das disposições normativas veiculadas pela Lei 9.784/99 para o direito previdenciário, sendo relevante fazer menção de seus principais comandos. 4.6.4 Os critérios para condução do processo administrativo O art. 2º da Lei 9.784/99, após referir no caput os princípios que devem ser obedecidos pela Administração Pública em suas relações com os particulares (legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência), expressa, em seu parágrafo único, os critérios que devem ser observados nos processos administrativos³⁶⁷. 4.6.5 Os direitos do administrado no processo administrativo O art. 3º da Lei 9.784/99 expressa alguns direitos dos particulares no âmbito do processo administrativo, dentre os quais se destacam o de “ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações” (inc. I), “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas” (inc. II) e “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente” (inc. III). 4.6.6 Os deveres do administrado no processo administrativo De sua parte, o art. 4º da Lei do Processo Administrativo Federal ordena alguns deveres do administrado, podendo-se destacar o de “proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé” (inc. II), “não agir de modo temerário” (inc. III) e “prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos” (inc. IV). 4.6.7 Outras disposições relevantes para o processo administrativo previdenciário O direito ao contraditório e à ampla defesa é assegurado também pela regra segundo a qual “É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas” (Lei 9.784/99, art. 6º, parágrafo único). A referência à orientação ganha destacada importância no processo previdenciário, onde se presume a hipossuficiência informacional do beneficiário da Previdência Social. É uma exigência do princípio constitucional da eficiência e da moralidade e boa-fé administrativas (CF/88, art. 37). Quanto à instrução do processo, o art. 38, § 2º, da Lei 9.784/99 dispõe que “Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”. No que se refere ao ônus da prova, a lei de regência dispõe que “Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei” (art. 36). De outro lado, o art. 37 da Lei 9.784/99 expressa que, “Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias”. É de se observar que, em se tratando de processo administrativo, “as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias” (Lei 9.784/99, art. 29). Isso se dá porque “a diretriz primeira da atividade probatória no processo administrativo é a sua qualidade de ato espontâneo da Administração. A regra é a instalação e condução ex officio da instrução, sem que isso impeça o pleito dos interessados ou sua intimação acerca do andamento processual”³⁶⁸. Com efeito, porque o juízo administrativo, no dizer de James Marins, não se presta “unicamente a dar guarida aos desígnios arrecadatórios do Fisco”³⁶⁹, o princípio da verdade material deve sempre ser prestigiado, devendo a Administração amoldar-se à verdade material dos fatos. Em relação aos legitimados como interessados no processo administrativo, a lei fez constar “aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada” (Lei 9.784/99, art. 9º, II). Em processo de habilitação de dependente para fins de concessão de benefício, a pessoa que se encontra em gozo do benefício deve ser cientificada do início do processo que pode culminar com a diminuição da renda ou mesmo a perda de seu benefício, para que exerça seu direito de defesa e contraditório, sob pena de nulidade do processo de concessão. Decorrência do princípio da publicidade, o interessado deverá ser efetivamente comunicado da realização de diligências, nos termos do art. 26 da Lei 9.784/99; in verbis: “O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências”³⁷⁰. Por outro lado, “Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo” (art. 40). Por fim, a exigência constitucional de motivação das decisões administrativas é reafirmada nos seguintes termos pela Lei 9.784/99, em seu art. 50, inc. I e § 1º: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – Neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Quanto à possibilidade de reforma das decisões administrativas, dispõe o art. 56 da Lei 9.784/99 que “Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”. De outra parte, há previsão legal cuja aplicabilidade que guarda toda pertinência com os contornos da lide previdenciária (bem de vida fundamental, indivíduo hipossuficiente etc.). Trata-se da regra contida no art. 61, parágrafo único, da Lei 9.784/99; in verbis: “Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”. 4.6.7.1 Particularidades dos recursos no processo administrativo previdenciário As instâncias recursais administrativas são ligadas ao Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS³⁷¹, colegiado atualmente integrante da estrutura básica do Ministério da Economia e desvinculado do INSS, conforme Regulamento da Previdência Social, em seu art. 303³⁷². Isso significa dizer que, na relação processual recursal, o INSS assume a figura de parte e, assim, não pode deixar de dar efetivo cumprimento às decisões definitivas do CRPS (RPS, art. 308, § 2º)³⁷³. Em sua estrutura, o Conselho de Recursos da Previdência Social conta com: • 29 Juntas de Recursos, situadas nos estados da federação, com competência para julgar os recursos ordinários interpostos contra as decisões do INSS; • 4 Câmaras de Julgamento, sediadas em Brasília-DF, com competência para julgar os Recursos Especiais interpostos contra as decisões proferidas pelas Juntas de Recursos; • Conselho Pleno, com competência para: I – uniformizar, em tese, a jurisprudência administrativa previdenciária e assistencial, mediante emissão de Enunciados³⁷⁴; II – uniformizar, no caso concreto, as divergências jurisprudenciais entre as Juntas de Recursos nas matérias de sua alçada; ou, entre as Câmaras de julgamento, em sede de recurso especial, mediante a emissão de Resolução³⁷⁵; e III – decidir, no caso concreto, as Reclamações ao Conselho Pleno, mediante a emissão de Resolução³⁷⁶. Contra a decisão do INSS em matéria de benefícios previstos na legislação previdenciária ou de benefício assistencial de prestação continuada (Lei 8.742/93, art. 20), o interessado pode interpor recurso ordinário às Juntas de Recursos do CRPS, no prazo de 30 dias, contados da ciência da decisão, sendo idêntico o prazo para apresentação de contrarrazões (RPS, art. 305, § 1º). Nos termos do art. 305 do Regulamento da Previdência Social, com redação dada pelo Decreto 10.410/20, compete ao CRPS processar e julgar: I – os recursos das decisões proferidas pelo INSS nos processos de interesse de seus beneficiários; II – as contestações e os recursos relativos à atribuição, pelo Ministério da Economia, do FAP aos estabelecimentos das empresas; III – os recursos das decisões proferidas pelo INSS relacionados à comprovação de atividade rural de segurado especial de que trata o art. 19- D ou às demais informações relacionadas ao CNIS de que trata o art. 19; IV – os recursos das decisões relacionadas à compensação financeira de que trata a Lei n. 9.796, de 1999; e V – os recursos relacionados aos processos sobre irregularidades verificadas em procedimento de supervisão e de fiscalização nos regimes próprios de previdência social e aos processos sobre apuração de responsabilidade por infração às disposições da Lei n. 9.717, de 1998. Além de constituir uma instituição pública firmada no ideal constitucional de gestão democrática da Seguridade Social (CF/88, art. 194, VII), porque conta com representantes do Governo, das empresas e dos trabalhadores, o Conselho de Recursos da Previdência Social cumpre importante e estratégico papel no que se relaciona à efetiva proteção administrativa dos direitos previdenciários e à redução da judicialização, apresentando-se como real alternativa à cidadania e confiável via para solução dos problemas dos beneficiários da Previdência Social em concreto. Aplica-se ao sistema recursal do processo administrativo o Regimento Interno do CRSS (aprovado pela Portaria MDAS 116, de 20.03.2017), pois ainda não houve adequação à nova nomenclatura do colegiado recursal. Essa normativa expressa que “os prazos são contínuos e começam a correr a partir da ciência da parte, excluindo-se da contagem o dia do início e incluindo-se o do vencimento” (art. 26). Note-se que não cabe recurso contra a decisão que julga a eficácia de justificação administrativa, nos termos do art. 147 do RPS³⁷⁷. Da mesma forma, “não caberá recurso ao CRPS da decisão que determine o arquivamento do requerimento sem análise de mérito decorrente da não apresentação de documentação indispensável ao exame do requerimento” (RPS, art. art. 176, § 3º)³⁷⁸. Na hipótese de interposição de recurso ordinário, o INSS analisará novamente o processo e, em caso de reforma total da decisão (juízo de retratação), o recurso perderá seu objeto (RPS, art. 305, § 3º; IN 77/2015, art. 539, III³⁷⁹). Caso não reformada a decisão, o recurso será julgado pela Junta de Recursos, composta por representantes do Governo (INSS), dos trabalhadores, das empresas – estes por meio das respectivas entidades sindicais, nos termos do art. 8º, III, da CF/88. Na sessão de julgamento, é cabível a sustentação oral pelo interessado ou seu procurador. De outra parte, a propositura, pelo interessado, de ação judicial que tenha como objeto pedido idêntico ao veiculado no processo administrativo importa em renúncia tácita ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto (Lei 8.213/91, art. 126, § 3º; RPS, art. 307, com a redação dada pelo Decreto 10.410/2020). Contra a decisão de Junta de Recursos do CRPS que contrarie lei ou ato normativo federal (matéria de direito), é cabível a interposição de recurso especial pelo beneficiário a uma das Câmaras de Julgamento do CRPS, no prazo de 30 dias³⁸⁰. Se interposto tempestivamente, o recurso terá efeitos suspensivo e devolutivo (RPS, art. 308). Característica interessante do sistema recursal no âmbito administrativoprevidenciário é a possibilidade de as instâncias recursais do CRPS, de ofício ou a requerimento das partes, determinarem ao INSS a realização de diligências com vistas ao esclarecimento de dúvidas. Trata-se de poder- dever que segue ao encontro dos postulados da verdade real e da economia processual. Outra peculiaridade do sistema recursal no âmbito do processo administrativo previdenciário é a competência das Câmaras de Julgamento e Juntas de Recursos para procederem à revisão de ofício de suas decisões quando violarem literal disposição de lei ou decreto, divergirem dos Pareceres da Consultoria Jurídica do MDSA, aprovados pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Agrário, bem como, Súmulas e Pareceres do Advogado-Geral da União, ou ainda quando for constado vício insanável, tal como disposto no Regimento Interno do CRSS (Regimento Interno do CRSS, art. 59, § 1º)³⁸¹. Segundo pensamos, a competência das instâncias recursais do CRPS para revisão de suas próprias decisões somente se dará de modo legítimo se observadas as condicionantes constitucionais para o exercício da autotutela, as quais são objeto de estudo no Capítulo 5³⁸². Por fim, com respeito à interpretação e aplicação da lei ou ato normativo, o CRPS encontra-se vinculado aos pareceres da Advocacia-Geral da União³⁸³ e das Consultorias Jurídicas, desde que aprovados, estes últimos, pelo Ministro de Estado³⁸⁴. 4.6.8 A Lei 13.726/2018 e a racionalização dos atos e procedimentos administrativos Com o objetivo de desburocratizar os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, foi editada a Lei 13.726/2018. Algumas das novas normas têm imediata aplicabilidade e efeitos práticos no processo administrativo previdenciário, podendo agilizar o reconhecimento de direitos dos segurados, tais como a dispensa da exigência de: I) Reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento (Lei 13.726/2018, art. 3º, I); II) Autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade (Lei 13.726/2018, art. 3º, II) ³⁸⁵; III) Juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo (Lei 13.726/2018, art. 3º, III). São também reduzidas as exigências probatórias relativas a fato de interesse do particular, nos seguintes termos: • É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido (Lei 13.726/2018, art. 3º, § 1º). • Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa, ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis (Lei 13.726/2018, art. 3º, § 2º). • Os órgãos e entidades integrantes de Poder da União, de Estado, do Distrito Federal ou de Município não poderão, como regra, exigir do cidadão a apresentação de certidão ou documento expedido por outro órgão ou entidade do mesmo Poder (Lei 13.726/2018, art. 3º, § 3º)³⁸⁶. Também se estabeleceu a simplificação na comunicação entre a Administração Pública e os particulares. Isso porque, “ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico, devendo a circunstância ser registrada quando necessário”(Lei 13.726/2018, art. 6º). As novas medidas legislativas são salutares, mas os principais entraves ao reconhecimento de direitos de segurados e beneficiários no âmbito da Previdência Social persiste sendo: a) a insuficiência de recursos materiais e pessoais para fazer frente a uma demanda crescente; os processos administrativos se alongam em algumas partes do Brasil, incluindo-se aqui um desproporcional tempo de espera para realização de perícias médicas necessárias para concessão de benefícios por incapacidade laboral; b) a falta de informação aos interessados quanto aos direitos a que podem fazer jus e o que devem fazer para obtê-los (problema relacionado à insuficiência de recursos materiais e pessoais); c) a falta de diálogo, isto é, o sem número de circunstâncias de fato que deixam de ser apuradas na via administrativa porque não são afirmadas pelo interessado, pois este desconhece os efeitos jurídicos correspondentes, e não são objeto de provocação pelos agentes administrativos (problema relacionado à insuficiência de recursos materiais e pessoais); d) a falta de espaço para produção de provas que podem suprir a insuficiência documental; a justificação administrativa (Lei 8.213/91, art. 108) excepcionalmente é realizada (problema relacionado à insuficiência de recursos materiais e pessoais); e) o rigor na análise da análise de prova relacionada a fato de interesse dos segurados e dependentes; f) a falta de alinhamento do INSS às orientações jurisprudenciais pacíficas, obrigando os interessados a judicializarem questões sobre as quais inexiste dúvida de interpretação. Como se pode perceber, não é suficiente a alteração de algumas disposições legislativas, se o serviço público necessário para implementação de políticas sociais está comprometido quanto à sua capacidade institucional de fazer frente às demandas pela concessão de benefícios. O bom funcionamento da Administração Pública Previdenciária passa, como se pode verificar, por escolhas políticas de alocação de recursos orçamentários indispensáveis para tanto. Porém, a Emenda Constitucional 95, de 15.12.2016, instituiu regime fiscal, no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que deve rigorosamente observar limites para as despesas primárias em cada exercício, pelo período de vinte anos. Trata-se do chamado “teto dos gastos”. A designação de mais recursos orçamentários para a qualificação dos serviços públicos previdenciários é impensável, neste contexto. Seria ingenuidade esperar, assim, um efetivo aprimoramento da Adminis‐ tração ou melhor atendimento dos segurados na busca de direitos de subsistência, apenas pela simplificação de rotinas contida na Lei 13.726/2018. 4.7 A DISTÂNCIA ASTRONÔMICA DA REALIDADE ADMINISTRATIVA PARA COM AS IMPOSIÇÕES JURÍDICAS DE UM PROCESSO PREVIDENCIÁRIO Muitas vezes somos conduzidos em nossas ações por um excessivo pragmatismo. No processo previdenciário, prefere-se geralmente solucionar o problema imediato e agudo do beneficiário a trazer a Administração com seus desvios estruturais para as raias do Estado Democrático de Direito. Não importa que o processo administrativo se apresente como uma sequência de atos infensa ao Direito, desde que, ao fim e ao cabo, o indeferimento administrativo seja formalizado. Há uma cultura imprópria de que o Judiciário é o campo adequado para a obtenção da devida cobertura previdenciária. A entidade administrativa responsável pela gestão da Previdência Social é percebida muitas vezes como obstáculo à concessão da prestação previdenciária que se pretende. Não é por acaso que discutiremos no próximo capítulo a possibilidade jurídica do ajuizamento direto da ação previdenciária de concessão de benefício. Paradoxalmente, quando se necessita de segurança ou proteção social, o que se encontra é a via administrativa, algo nada mais incerto e angustiante. Por que então reforçar os mecanismos de sua existência, reclamando técnicas que parecem emprestar ao processo administrativo um valor imerecido? Por qual motivo se justificaria o ideal de trazer o processo administrativo para bem perto do que temos no processo judicial? Em primeiro lugar, a existência de um processo administrativo previdenciário consiste em uma conquista de cidadania traduzida em um direito fundamental. O processo é o direito fundamental de ter apreciado de modo devido o requerimento de proteção social (outro direito fundamental). Há um dever fundamental que se impõe à Administração Pública de bem conduzir o processo. Em segundo lugar, há uma função constitucionalmente atribuída ao Executivo para analisar originariamente os pleitos individuais de proteção previdenciária. Em seu clássico O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, Seabra Fagundes traz lições sobre alguns temas que atualmente são percebidos sem a visibilidade perfeita. Pelo exercício da função legislativa, a lei traz uma preceituação geral e abstrata (previsão de um benefício previdenciário, por exemplo). A acomodação da lei às situações individuais se dá por um “trabalho de individualização” que busca “concretizar a vontade nela expressa”. Isso se dá, “normal e primariamente” pelo exercício da função administrativa. É por isso que se pode definir a função administrativa “como aquela pela qual o Estado determina situações jurídicas individuais, concorre para sua formação, e pratica atos materiais”³⁸⁷. Quando se tem uma oposição ao cumprimento da regra jurídica, cria-se “um embaraço ao regular funcionamento do organismo estatal”. Este embaraço pode ocorrer por uma ação individual insubmissa (campo tributário, por exemplo) ou pelos próprios órgãos estatais (Legislativo e Executivo), na violação da ordem legal. É justamente então que se resolve a anormalidade, pela função jurisdicional, restaurando-se a legalidade. O exercício da função jurisdicional “pressupõe, assim, um conflito, uma controvérsia, ou um obstáculo em torno da realização do direito e visa a removê-lo pela definitiva e obrigatória interpretação da lei”³⁸⁸. Essa análise administrativa não pode ser apenas formal, sob pena de se outorgar ao Judiciário a atribuição de apreciar esses requerimentos. Sob esta ótica, o Judiciário deixaria sua função precípua de trancar situações litigiosas para se lançar à atividade de concessão de benefícios. Sutilmente o poder-dever de examinar uma controvérsia entre as partes é substituído pela tarefa de verificação do cumprimento dos requisitos pelo interessado. Um processo administrativo sem conteúdo constitucional de processo implica essa transferência de atribuições do Poder Executivo para o Poder Judiciário. O processo de concessão de benefício conduzido como se mero procedimento (específico) fosse traz o que traz: uma explosão de demandas judiciais com a necessidade crescente de aumento de estrutura do Poder Judiciário para fazer frente a um desafio aparentemente invencível. Em terceiro lugar, essa explosão de ações previdenciárias está a manifestar que o chamado processo administrativo está longe de responder às exigências de um devido processo. Isso não é tudo. Talvez essa quebra de devido processo no âmbito administrativo, aliás, guarde o germe para desviar o processo judicial previdenciário da pretensão constitucional de assegurar a todo cidadão um processo justo³⁸⁹. Desejar que a Administração Pública proceda de acordo com a lei e o Direito não é desejar muito. Se o desenvolvimento do chamado processo administrativo se dá ao arrepio do sistema constitucional processual, com a elaboração de decisão sem a necessária motivação, por exemplo, configura-se nulidade processual a desafiar intervenção jurisdicional específica que obrigue a Administração a examinar o requerimento do interessado segundo o império das garantias processuais. Ao Judiciário cumpriria, assim, afastar a nulidade processual, trazendo a Administração para o campo da Constituição e do respeito à cidadania. Somente após um devido processo legal administrativo que se coroa com uma decisão com fundamentação clara, precisa e congruente é que, a rigor, poderia o Judiciário exercer sua missão constitucional de aquilatar a legalidade da atuação administrativa quanto ao indeferimento do benefício. Nessa perspectiva, o direito que está a sofrer lesão é o que diz com o não recebimento da tutela administrativa, isto é, o direito à efetiva análise, pelo Poder Público, de pedido de benefício da Seguridade Social³⁹⁰. Se assim é, a tutela jurisdicional adequada e proporcional deveria ser dirigida a afastar a ilegalidade (nulidade administrativa) e não ao conhecimento originário do preenchimento, pelo particular, dos requisitos de fato e de direito necessários à concessão do benefício. O primeiro direito violado do indivíduo foi a quebra do devido processo legal. Com essa lesão, metaforizada no abandono do navio pelo direito processual fundamental, o direito à Previdência Social perdeu muito em suas possibilidades e naufragou. Para restaurar a legalidade, mesmo no âmbito de uma ação de concessão de benefício, é possível o reconhecimento da nulidade processual e a determinação da reabertura do processo administrativo para que, respeitadas as exigências do devido processo, a entidade previdenciária ofereça solução ao requerimento de benefício em prazo razoável, sem prejuízo da responsabilização do servidor pelo desempenho contrário ao Direito. Essa medida talvez não vá ao encontro do interesse imediato da parte que i) presumivelmente se encontra destituída de meios para subsistência; ii) foi agravada com o indeferimento administrativo que coroou um processo administrativo nulo; e iii) simplesmente não empresta fé em uma resposta administrativa favorável. Mas, na verdade, não há garantias de que judicialmente o conflito seja composto de modo mais adequado, especialmente em termos de tempo. Parece mesmo ser uma questão de credibilidade institucional. De outra parte, essa medida não é conveniente à Administração Pública, pois terá de cumprir suas atribuições tantas vezes quantas forem necessárias para fazê-lo de acordo com o Estado de Direito. O raciocínio não é este quando o processo administrativo disciplinar, sem que tenha respeitado o devido processo legal, impõe penalidade a servidor público? Não é exatamente este o raciocínio quando a Administração Previdenciária cancela um benefício de titularidade do segurado sem lhe assegurar o exercício do contraditório e ampla defesa? Por que razão, além daquela de natureza pragmática a que nos referimos anteriormente, não se busca impor ou restaurar a legitimidade do processo administrativo no que toca à concessão de benefícios, cujos vícios acarretam imensas consequências para o exercício da função jurisdicional? Consideremos uma hipótese: O INSS indefere um benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em que o segurado pretendia aproveitar determinado tempo de serviço rural exercido anteriormente a 24.07.1991 e computar o acréscimo decorrente da conversão do tempo de atividade especial em comum³⁹¹. Com esses aspectos reconhecidos, a aposentadoria seria devida. Apenas que o INSS, ignorando remansosa orientação pretoriana, não reconhece como prova material do trabalho rural do segurado os documentos apresentados em nome de seu genitor. Como procede então? Deixando de reconhecer a existência de prova material, a entidade previdenciária reputa não comprovado o tempo de serviço rural, deixando, por consequência, de buscar esclarecimento deste fato mediante prova pessoal (justificação administrativa). Dado que sem o cômputo do tempo rural o segurado não completaria os 35 anos de contribuição (ainda que fosse reconhecida a natureza especial da atividade), o INSS deixa de fazer a análise da especialidade da atividade alegada pelo segurado. Na perspectiva da exigência da processualidade no âmbito administrativo, percebe-se a vulneração dos mais elementares princípios constitucionais. Do ângulo também constitucional da obrigatoriedade do exercício da função administrativa, tem-se uma denegação de justiça administrativa. De um ponto de vista da eficiência e legalidade, verifica-se uma afronta a posicionamento jurisprudencial pacífico. O processo administrativo conduzido nestes termos é resolvido – ou poderia ser – em minutos. Ter-se-ia por cumprida a função administrativa? Há indignação de qualquer parte quanto a isso? O passo seguinte de nossa hipótese se opera no âmbito do Poder Judiciário. Porque a Administração recalcitra contra a interpretação da lei definitivamente oferecida pela jurisprudência – no sentido de que é viável a utilização de documentos em nome de terceiros para a satisfação da exigência de prova material – não fosse suficiente o desrespeito que expressa ao que é definido pelo Judiciário, impõe-lhe a atribuição de reafirmar o que sempre afirma – isto é, que reconhece a documentação antes mencionada como prova material – e ainda lhe obriga a produzir prova testemunhal, conhecer originariamente a questão concernente ao exercício de atividade especial (com produção de prova pericial ser for o caso), elaborar cálculos para a definição da renda mensal inicial e expedição de requisição de pagamentos. Imagine-se uma situação em que o modus operandi se espalha para outras espécies de benefícios em relação a diversas questões de direito e se multiplica aos milhares. Por tal razão se observa a adequação do provimento jurisdicional que busca corrigir o processo administrativo que culminou com o indeferimento do benefício pretendido pelo segurado, assinalando prazo certo para resposta administrativa precedida de um processo em conformidade com as exigências da Constituição. Mais adequado que isso, contudo, é reconhecer a relevância da ação civil pública em matéria previdenciária, enquanto instrumento de correção estrutural da atuação administrativa, tanto na perspectiva do direito material, como na perspectiva do direito processual. O controle jurisdicional da Administração Previdenciária pela via da ação civil pública pode significar, a um só tempo, a atribuição de verdadeira processualidade no campo administrativo e, quanto à avaliação do direito à cobertura previdenciária pelo INSS, aplicação de critérios consagrados pela jurisprudência em vez de superados ditames infralegais que não cansam em pretender, inconstitucionalmente, inovar a ordem jurídica³⁹². Enquanto não temos tempo para colocar o carro nos devidos trilhos, vivemos perdendo tempo. Desconsideramos os vícios estruturais e devotamos toda a nossa energia a um pragmatismo de varejo, uma postura comprometida com a solução do caso concreto, aceitando como um dado imponderável o excessivo número de litígios previdenciários, a baixa qualidade do serviço público orientado ao chamado processo administrativo previdenciário, e as reais ameaças à efetividade do processo judicial. Talvez opere aqui também uma sedução pela honrosa legitimidade do Poder Judiciário junto às vítimas da pobreza e da exploração limite do trabalho. Sobre isso, nossa preocupação quanto à legitimidade pela quantificação foi externada no capítulo precedente. 332 SUNDFELD, Carlos Ari. Processo e procedimento administrativo no Brasil. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). As leis de processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 22. 333 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003. p. 512-517. 334 FERRAZ, Sérgio et al. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 71. 335 SUNDFELD, Carlos Ari. Processo e procedimento administrativo no Brasil, p. 24. 336 Nos Estados Unidos, com o Federal Administration Procedure Act, assinado em 11.06.1946, segundo Franco Sobrinho, “tornou-se possível consolidar a melhor prática administrativa” (FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. A prova no processo administrativo. Revista de Direito Administrativo, n. 102, p. 11, 1970). 337 AMARAL, Ana Lúcia et al. Procedimento administrativo: proposta para uma codificação. Revista de Direito Público, n. 97. p. 186. 338 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. p. 117-118. 339 TÁCITO, Caio. Notas prévias ao anteprojeto de lei. RDA 205/349-357. 340 CAVALCANTI, Themístocles B. A unificação das normas do processo administrativo. Revista de Processo, n. 9-212. 341 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 98, síntese em representação gráfica. 342 Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 614. Apud MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, p. 153. 343 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 284. 344 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 40. 345 Consoante o critério do interesse, diferencia-se procedimento de processo de acordo com a relação encontrada entre o autor do ato e a pessoa cujo interesse se busca com sua prática satisfazer. Nesse sentido, o procedimento se desencadeia com vistas à satisfação do interesse do próprio autor do ato (Administração). Já o processo visa a um interesse que não é o do autor do ato final, mas ao interesse dos destinatários do ato (MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 31-32). 346 Segundo o critério da lide, o processo seria identificado pela existência de um conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro. Tal critério ficaria prejudicado, como observa Medauar, valendo-se de Dinamarco, quando se recorda a existência mesmo de processo judicial sem lide. Já o critério da controvérsia, sustentado por Hely Lopes Meirelles, parece avançar para o reconhecimento de processo no âmbito administrativo: no processo administrativo o litígio envolveria a Administração e o administrado ou o servidor; o procedimento, por sua vez, seria o modo de realização do processo, seu rito (MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 33-34). 347 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 37. 348 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 38. 349 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 39. 350 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 159. 351 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo, p. 4041. 352 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 358. 353 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 48. 354 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 172. 355 Reconheça-se mais uma vez, contudo, o presumido desconhecimento dos beneficiários da Previdência Social acerca de seus direitos. A Instrução Normativa 20/2007 dispõe em seu art. 460 e § 3º: “Art. 460. Conforme preceitua o art. 176 do RPS, aprovado pelo Decreto 3.048/99, a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, sendo obrigatória a protocolização de todos os pedidos administrativos, cabendo se for o caso, a emissão de carta de exigência ao requerente. [...] § 3º O pedido de benefício não poderá ter indeferimento de plano, sem emissão de carta de exigência, mesmo que assim requeira o interessado, uma vez que cabe ao Instituto zelar pela correta instrução do feito, justificando o ato administrativo de indeferimento”. 356 Como bem demonstrou Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (A lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Juruá, 1989). 357 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, 4. ed., p. 19. 358 Reafirmado pela extensão da prioridade na tramitação de procedimentos administrativos às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, pessoas portadoras de deficiência, física ou mental, e pessoas portadoras de doenças graves de tratamento particularizado (Lei 9.784/99, art. 69-A, com a redação acrescentada pela Lei 12.008, de 29.07.2009). 359 O clássico Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, de autoria de Romeu Felipe Bacellar Filho, constitui uma leitura indispensável sobre o tema. No Capítulo 5 desta obra são examinados os princípios constitucionais da Administração Pública aplicados ao processo administrativo disciplinar. 360 SILVA, Clarissa Sampaio. Limitações à invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 61-62. 361 A teor do art. 108, da Lei 8.213/91, “mediante justificação administrativa processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público”. 362 RPS, Art. 142. “A justificação administrativa constitui meio para suprir a falta ou a insuficiência de documento ou para produzir prova de fato ou circunstância de interesse dos beneficiários perante a previdência social. § 1º Não será admitida a justificação administrativa quando o fato a comprovar exigir registro público de casamento, de idade ou de óbito, ou de qualquer ato jurídico para o qual a lei prescreva forma especial. § 2º A justificação administrativa é parte do processo de atualização de dados do CNIS ou de reconhecimento de direitos, vedada a sua tramitação na condição de processo autônomo. § 3º Quando a concessão do benefício depender de documento ou de prova de ato ao qual o segurado não tenha acesso, exceto quanto a registro público ou início de prova material, a justificação administrativa será oportunizada, observado o disposto no art. 151. § 4º A prova material somente terá validade para a pessoa referida no documento, vedada a sua utilização por outras pessoas”. 363 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 87. 364 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. A prova no processo administrativo, p. 11. Daí a relevância da disciplina de prova estabelecida no art. 38 da Lei 9.784/99, reafirmadora do princípio da verdade material no processo administrativo enquanto permite produção de prova a qualquer tempo antes da tomada de decisão da autoridade competente: “Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada de decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo”. 365 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro, 2001, p. 124. 366 MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e controle. São Paulo: Dialética, 1999. p. 108. 367 “Lei 9.784/99, art. 2º, parágrafo único: I – atuação conforme a lei e o Direito; II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição; VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. 368 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo, p. 234. 369 James Marins, Controle judicial das decisões tributárias administrativas. Apud MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário, p. 81. 370 No mesmo sentido encontra-se a regra do art. 41: “Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização”. 371 O órgão recursal recuperou a antiga nomenclatura com a edição da Medida Provisória 870/2019 (art. 32, XXXI), após ter sido alterado para Conselho de Recursos do Seguro Social – CRSS, por força da Lei 13.341/2016 (art. 7º, parágrafo único, inciso I). 372 A Medida Provisória 696/2015 promoveu a fusão do Ministério do Trabalho e Emprego com o Ministério da Previdência Social, instituindo uma vez mais o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). Com a edição da Medida Provisória 726/2016, convertida na Lei 13.341/2016, o Ministério do Trabalho e Previdência Social foi transformado em Ministério do Trabalho. Já o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, que tinha passado a se chamar Conselho de Recursos do Seguro Social – CRSS, e transferido, assim como o INSS, ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (Lei 13.341/2016, art. 7º, parágrafo único, inciso I), recuperou sua antiga denominação com a Medida Provisória 810/2019, passando a integrar, tal como o INSS, a estrutura básica do Ministério da Economia. A redação atual do art. 303 do RPS foi emprestada pelo Decreto 10.410, de 30.06.2020. 373 Decreto 3.048/99, art. 308, § 2º: “É vedado ao INSS escusar-se de cumprir as diligências solicitadas pelo CRPS, bem como deixar de dar cumprimento às decisões definitivas daquele colegiado, reduzir ou ampliar o seu alcance ou executá-las de modo que contrarie ou prejudique seu evidente sentido”. 374 Os enunciados definem a interpretação sobre a matéria analisada e passam a vincular os membros do CRPS a partir de sua edição. 375 Os acórdãos e as resoluções têm efeitos jurídicos no caso concreto, podendo servir como paradigma para se postular a Uniformização de Jurisprudência perante a Câmara de Julgamento, nos termos do art. 63 do Regimento Interno. 376 MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Previdência, 2020. Acesso à Informação – Conselho de Recursos da Previdência Social. Disponível em: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/acesso-a-informacao/conselho-derecursos-da-previdencia-social. Acesso em 26 dez. 2020. 377 Decreto, 3.048/99, art. 147. “Não caberá recurso da decisão da autoridade competente do Instituto Nacional do Seguro Social que considerar eficaz ou ineficaz a justificação administrativa”. 378 Sobre a nova disciplina regulamentar sobre a carta de exigência administrativa, contida no art. 176 do RPS – e os ilegais efeitos quanto aos temas de interesse de agir e fixação de data de início de benefício, remetemos o leitor ao item 6.3.3.4, infra. 379 Em caso de reforma parcial da decisão, o recurso será encaminhado para a Junta de Recursos para prosseguimento em relação à matéria que permaneceu controversa (IN 77/2015, art. 539, II). 380 Também o INSS pode interpor recurso especial, observadas as hipóteses de cabimento arroladas taxativamente pelo art. 30, § 1º, do Regimento Interno do CRSS (Portaria MDAS 16/2017). Igualmente é cabível recurso especial pela empresa que busca impugnar o enquadramento do benefício previdenciário por incapacidade como acidentário em decorrência do nexo técnico epidemiológico, salvo na hipótese de convergência entre os pareceres emitidos pela Assessoria Técnico-Médica da Junta de Recursos e pelos Médicos Peritos do INSS. 381 Aqui a adequação nos coloca como paradigmas os pareceres da consultoria jurídica do Ministério da Economia, uma vez que o CRPS integra a estrutura básica dessa Pasta. 382 Portaria 116/2017, art. 59, § 2º: ”O Conselheiro relator ou, na sua falta, o designado para substituí-lo, deverá reduzir a termo as razões de seu convencimento, e determinar a intimação das partes do processo, com cópia do termo lavrado, para que se manifestem no prazo sucessivo de 30 (trinta) dias, antes de submeter o seu entendimento à apreciação da unidade julgadora”. 383 Nos termos do art. 40, § 1º, da Lei Complementar 73/93, como aponta o art. 309 do Regulamento da Previdência Social, na redação dada pelo Decreto 10.410/2020. 384 Lei Complementar 73/93, art. 42; Regimento Interno da Consultoria Jurídica/MPS, art. 69. 385 A Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015, em seu art. 677, VI e VII, já estabelecia a equiparação aos originais dos documentos autenticados por advogados públicos ou privados. 386 A legislação ressalvou a exigência de certidão de antecedentes criminais, informações sobre pessoa jurídica e outras expressamente previstas em lei (Lei 13.726/2018, art. 3º, § 3º, I a III). 387 FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 20. 388 FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 3. ed., p. 25. É preciso entender o que foi aqui referido na perspectiva do princípio processual previdenciário do acertamento da relação jurídica de proteção social, referido no item 2.3.3, supra. Segundo esse princípio, a função jurisdicional previdenciária deve devotar-se a outorgar essa proteção sempre quando reconhecida a existência do direito fundamental em questão, não sendo condicionada a satisfação desse direito à prova da ilegalidade do ato que encerrou a tutela administrativa que a antecedeu. 389 Essas questões foram abordadas no Capítulo 3, que teve por objeto principal a identificação dos aspectos críticos do processo judicial previdenciário e os desdobramentos da eficiência gerencial como método de condução do processo. 390 “CF/88 – Art. 5º. [...] XXXIV, ‘a’ são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. 391 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades, e vedou a conversão de tempo especial em comum para períodos posteriores à data de sua entrada em vigor. 392 Louva-se, assim, a evolução da jurisprudência do STJ, que passou a reconhecer a legitimidade de parte do Ministério Público para o ajuizamento de demanda de natureza previdenciária (REsp 1.142.630/PR, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 07.12.2010). CAPÍTULO 5 O EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA PELA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA Como continuidade ao capítulo sobre o processo administrativo previdenciário, passa-se a analisar o poder-dever que tem a Administração Pública, fundada no princípio constitucional da legalidade, de anular seus atos independentemente da tutela jurisdicional, mesmo que deles decorram efeitos favoráveis para os destinatários. Nos termos da Súmula 346 do Supremo Tribunal Federal, “A administração pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. De outra parte, a conhecida Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, enuncia que A Administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. A relevância do estudo sobre os limites ao exercício da autotutela pela Administração Previdenciária acentua-se com a plena eficácia do Programa Permanente de Revisão determinado pelo art. 69 da Lei 8.212/91, com a redação emprestada pela Lei 9.528/97 (“O Ministério da Previdência e Assistência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes”)³⁹³. Pretende-se, neste espaço, identificar os limites para o exercício da autotutela. Se é correto afirmar que é dado à Administração Previdenciária rever seus próprios atos, cancelando benefício concedido sem amparo legal, também é certo sustentar a existência de limites para o exercício do que a lei denomina “verificação da regularidade” da concessão do benefício previdenciário. Em outras palavras: “Há e sempre houve limites para a Administração rever atos de que decorram efeitos favoráveis para o particular, em especial aqueles referentes à concessão de benefício previdenciário” (TRF4, Ag. 0003248-68.2013.404.0000, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.09.2013). Os limites impostos à autotutela guardam fundamento constitucional. Sua razão de ser se encontra na segurança jurídica e estabilidade das relações. Esses limites constitucionais ao exercício da autotutela se manifestam de duas ordens: • A primeira ordem é de natureza formal. A autotutela não pode ser levada a efeito legitimamente sem atentar para os limites temporais ou se avançar sobre a esfera jurídico-patrimonial do beneficiário sem observar as exigências do devido processo legal, assegurando o exercício do contraditório e da ampla defesa. Percebe-se que, seja pelo ângulo do princípio constitucional da segurança jurídica, seja pelo prisma da cláusula do devido processo legal (dimensão processual), são de natureza constitucional os limites formais ao poder-dever de verificação da regularidade dos atos administrativos. • A segunda ordem é de natureza material. Os limites materiais são restrições de conteúdo impostas ao exercício da autotutela. Eles dizem respeito à matéria da revisão levada a efeito pela Administração, isto é, a causa em que se fundamenta o processo de anulação do ato de concessão de benefício previdenciário. A restrição aqui diz respeito a interdições ao exercício da autotutela quanto ao mérito do ato concessivo do benefício. Tanto quanto os limites formais, fundamentam-se nos princípios constitucionais da segurança jurídica e do devido processo legal (dimensão substancial). São limites constitucionais à autotutela, portanto. LIMITES CONSTITUCIONAIS À AUTOTUTELA LIMITES FORMAIS (limites quanto à forma da autotutela) Limites temporais – Prazo p Limites processuais – Devido processo legal, contraditório e ampla defesa. LIMITES MATERIAIS (limites quanto ao conteúdo da autotutela) Interdição de nova avaliação do conjunto probatório (nova valoração da prova). Interdição de aplicação de n 5.1 LIMITES FORMAIS (limites quanto ao modo de se exercer a autotutela) 5.1.1 Limites temporais para o exercício da autotutela – a decadência do direito de revisão do ato administrativo de concessão de benefício previdenciário A imposição de limite temporal ao direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário é exigência de status constitucional da segurança jurídica, valor fundamental de um Estado de Direito e que se encontra intimamente ligado com a dignidade da pessoa humana³⁹⁴. A fixação de prazo decadencial contra a Administração Pública para cancelamento de benefício previdenciário é disciplinada pela ideia primeira de que a má-fé não se convalesce pelo tempo, de maneira que, a qualquer tempo, a Administração Previdenciária pode rever o ato de concessão de um benefício previdenciário concedido mediante fraude ou má-fé. Realmente, Não há se falar em prazo prescricional quinquenal para o cancelamento das aposentadorias fraudulentas. Seu ato de concessão se encontra maculado, sendo nulo de pleno direito [...]. É dever do INSS cancelar os benefícios previdenciários, quando obtidos mediante fraude, na medida em que os atos ilegais são viciados e geram constante agravo ao erário (PEDILEF 2002.51.52.001008-0/RJ, Rel. Ricardo Mandarino, Turma Nacional de Uniformização, j. 27.03.2006)³⁹⁵. Uma segunda ideia aponta para a necessidade de limites temporais para o exercício da autotutela nas hipóteses em que o benefício é concedido sem amparo legal ou mediante erro administrativo, sem que, para tanto, tenha concorrido comportamento doloso do beneficiário. Em relação a este tema, Daniel Machado da Rocha desenvolveu excelente trabalho, fazendo minuciosa análise doutrinária e crítica jurisprudencial³⁹⁶. É interessante como Daniel Rocha, em sua investigação para definição do prazo decadencial em relação ao período anterior ao advento da Lei 8.213/91, ponderou que os precedentes do STJ que recusavam a aplicação do prazo quinquenal previsto no art. 207 da CLPS/84 (originado no art. 7º da Lei 6.309/75), na verdade diziam respeito a casos em que os benefícios haviam sido concedidos mediante fraude. Por isso se entendia inaplicável o art. 207 da CLPS/84 em face dos termos da Súmula 473 do STF. Prosseguindo em seu inventário jurisprudencial, o doutrinador identificou que os Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª e 5ª Regiões orientavam pela aplicação da regra acima referida. De outra parte, os Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 4ª Regiões decidiram no sentido inverso. Na realidade, como notou o autor, apenas o TRF da 4ª Região entendeu inaplicável a regra de decadência de cinco anos para o exercício da autotutela administrativa, ao fundamento de que o art. 207 da CLPS não teria sido recepcionado pela Constituição Federal em face do princípio da legalidade³⁹⁷. Mas o princípio da segurança jurídica, ponderado com o princípio da legalidade, tendo como pano de fundo um bem de natureza alimentar de titularidade de pessoa que se presume hipossuficiente e destituída de ideal capacidade produtiva, empresta legitimidade constitucional para a regra em comento³⁹⁸. Afinal, “A revisão administrativa dos benefícios previdenciários implica a dialética entre a constatação de ilegalidade no ato de concessão e as razões de segurança jurídica, proteção da confiança e devido processo legal” (TRF4, APELREEX 5002639-33.2010.404.7104, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Ezio Teixeira, DE 04.10.2013). Na mesma linha de Daniel Rocha, portanto, entendemos que o prazo quinquenal referido no art. 207 da CLPS/84 deve ser considerado mesmo após a Constituição de 1988 e ainda na vigência da Lei 8.213/91, a qual não aportou qualquer disposição específica sobre a questão. A partir da Lei 9.784/99, o prazo de decadência para revisão dos atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos particulares foi por este diploma legal disciplinado, o que se fez nos seguintes termos: Art. 54. O direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Com a edição da Medida Provisória 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839, de 05.02.2004, introduziu-se o art. 103-A na Lei 8.213/91, segundo o qual, in verbis: Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Em suma, para os benefícios concedidos em tempo anterior à publicação da Medida Provisória 138, de 19.11.2003, o prazo para a Administração revisar a regularidade de sua concessão é de cinco anos, salvo comprovada má-fé (art. 7º da Lei 6.309, de 15.12.1975, inscrito igualmente no art. 207 do Decreto 89.312/84; art. 54 da Lei 9.784/99). A partir da publicação da Medida Provisória 138, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A a Lei 8.213/91, o prazo é de dez anos, salvo comprovada máfé³⁹⁹. O que não parece razoável, quando se examina a questão dos limites temporais para o exercício da autotutela à luz dos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica das relações, é sustentar que, em relação ao período compreendido entre a Constituição da República e a Medida Provisória 138, não havia qualquer prazo para a Administração rever os atos por ela praticados e dos quais derivaram direitos para particulares. Mas esse é justamente o posicionamento do STJ – firmado de acordo com a sistemática de recurso repetitivo (REsp 1.114.938/AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 14.04.2010, DJe 02.08.2010) –, e isso não apenas no que toca à autotutela para verificação da regularidade de benefícios concedidos mediante fraude, mas para qualquer hipótese de benefícios concedidos irregularmente⁴⁰⁰. Segundo o STJ, o prazo decadencial de dez anos (Lei 8.213/91, art. 103-A), acrescentado pela Lei 10.839/2004, alcança os benefícios concedidos em data anterior à sua publicação. A partir dessa premissa, há duas situações: (a) para os benefícios concedidos anteriormente à Lei 9.784/99, o início do prazo decadencial se dá a partir de 01.02.1999, data de publicação da Lei 9.784/99; (b) para os benefícios concedidos após a vigência da Lei 9.784/99, o início do prazo decadencial se dá a partir da data de sua concessão⁴⁰¹. Nada obstante, mesmo que se parta da perspectiva de que em determinado período não havia limite temporal expressamente disposto para o exercício da autotutela administrativo-previdenciária, deve-se, ainda assim, levar em conta as exigências do princípio da segurança jurídica, até mesmo porque é necessário reconhecer que a defesa do segurado, em determinados casos, torna-se inviabilizada com o passar de décadas. Com efeito, o decurso do tempo pode justificar a preponderância do princípio da segurança jurídica, em face da necessidade de se salvaguardar situações nascidas de atos viciados – especificamente, a dependência de prestação de natureza alimentar que foi sendo cultivada e a cada dia consolidada. Por força do princípio da segurança jurídica, é necessário que o poder anulatório de atos de que derivem direitos de particulares seja sujeito a prazo razoável (STF, Mandado de Segurança 24.268-0/MG, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 05.02.2004, DJ 17.09.2004)⁴⁰². SINOPSE Prazo para verificação da regularidade Benefícios com (STJ – Recurso Repetitivo) DIB anterior a 31.01.1999 Prazo de 10 anos a contar de 01.02.1999⁴⁰³ DIB posterior a 01.02.1999 Prazo de 10 anos Cabe ainda destacar, quanto ao tema, o Enunciado 40 do Conselho de Recursos da Previdência Social, segundo o qual:403 A decadência prevista no art. 103-A da Lei n. 8.213/91 incide na revisão de acúmulo de auxílio suplementar com aposentadoria de qualquer natureza, salvo se comprovada a má-fé do(a) beneficiário(a), a contar da percepção do primeiro pagamento indevido, OBSERVADOS OS SEGUINTES PARÂMETROS: I – Para as acumulações ocorridas antes da publicação da Lei n. 9.784, o prazo será contado a partir de 01.02.1999 (Parecer MPS/CJ n. 3.509 de 26.04.2005, DOU de 28.04.2005). II – A má-fé deve ser comprovada, no caso concreto, assegurada a ampla defesa e o contraditório. Segundo pensamos, a regra de decadência contra a Administração Pública (Lei 8.213/91, art. 103-A) se relaciona a casos de concessão indevida. Por isso ela faz referência a cancelamento do benefício mediante anulação de ato administrativo. É necessário distinguir, porém, a situação de cancelamento de benefício concedido irregularmente com a cessação de benefício mediante a revogação de ato administrativo (ato de concessão), em virtude de circunstância de fato superveniente (v.g., concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, benefício não acumulável com o auxílio-acidente), que torna a sua manutenção indevida. Se o que está em discussão é a manutenção indevida de uma prestação previdenciária – e não a sua concessão –, a quebra da ilegalidade pode-se dar a qualquer tempo, não se incorporando ao patrimônio jurídico do beneficiário o direito ao recebimento vitalício de uma prestação previdenciária cuja manutenção é indevida⁴⁰⁴. 5.1.2 Limites processuais – o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa Como “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/88, art. 5º, LIV), entende-se com suficiente segurança que “A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em procedimento administrativo” (extinto TFR, Súmula 160). O que referimos na parte inicial deste capítulo sobre a exigência da processualidade administrativa ganha aqui toda a força, pois o beneficiário da Previdência Social se encontra diretamente ameaçado em sua esfera jurídico-patrimonial pela instauração do processo de verificação da regularidade da concessão de benefício de que é titular. E esse tema se encontra com sua importância renovada, diante das disposições contidas na Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. Aludida medida provisória chegou a autorizar a suspensão do benefício por suspeita de fraude em caso de impossibilidade de notificação do beneficiário para apresentação de defesa, mas o dispositivo legal, felizmente, não foi convertido em lei⁴⁰⁵. Por outro lado, estabeleceu-se que os recursos contra as decisões que determinam a suspensão ou o cancelamento do benefício não terão efeito suspensivo⁴⁰⁶. Porém, não importa quão evidente para o agente administrativo seja o suposto erro ou ilegalidade na concessão, “Existente situação jurídica constituída, a alteração pressupõe a observância do devido processo administrativo” (STF, AI 551685 AgRg, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 17.09.2013, DJ 11.10.2013). Impõe-se, portanto, em qualquer circunstância, o direito de ampla defesa e contraditório⁴⁰⁷. Sendo inaceitável a suspensão ou o cancelamento de benefício previdenciário sem que se tenha instaurado regular procedimento administrativo e assegurado o direito de defesa, não é possível concordar com precedente do STJ que considerou legítimo ato de cancelamento de benefício previdenciário porque amparado em elementos consistentes para infirmar o ato de concessão de benefício⁴⁰⁸. A essência do direito de defesa diz respeito às condicionantes de forma de invasão da esfera jurídicopatrimonial de quem quer que seja, sendo irrelevante, na perspectiva normativa, se os elementos de prova são prima facie considerados consistentes ou mesmo inquestionáveis. Um exemplo interessante é o que se refere ao cancelamento automático da aposentadoria por incapacidade permanente pelo exercício de atividade remunerada pelo segurado (Lei 8.213/91, art. 46). Ocorre que o fato jurídico que leva ao cancelamento do benefício deve ser comprovado no âmbito de um procedimento cercado pelas garantias processuais constitucionais (direito de defesa, contraditório etc.). É importante, em qualquer caso, que fique caracterizada a recuperação da capacidade laboral, visto que a ousadia do segurado em tentar se inserir socialmente pela via do mercado de trabalho não pode custar-lhe o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente⁴⁰⁹. No âmbito legislativo, o processo para verificação da regularidade do ato de concessão de benefícios era disposto pelo art. 11 da Lei 10.666/2003, o qual consideramos derrogado pela Lei 13.846/2019⁴¹⁰, que estabeleceu nova conformação legislativa ao programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados. Com efeito, a Lei 13.846/2019 emprestou nova redação ao art. 69 da Lei 8.212/91, conferindo prazos mais elásticos do que o anterior e distinguindo os segurados para fins de sua determinação, nos seguintes termos: Art. 69. O INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais. § 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser, no prazo de: I – 30 (trinta) dias, no caso de trabalhador urbano; II – 60 (sessenta) dias, no caso de trabalhador rural individual e avulso, agricultor familiar ou segurado especial. Também com o advento da Lei 13.846/2019, alterou-se a forma e as pessoas hábeis a receberem notificação para apresentar de defesa. Antes de sua vigência, apenas o beneficiário é que podia ser notificado, sendo que a comunicação se realizava pela via postal, somente (Lei 10.666/2003, art. 11, § 2º). Nos termos do art. 69, § 2º, da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, “o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para apresentar defesa”⁴¹¹, pelas seguintes formas: I – preferencialmente por rede bancária ou notificação por meio eletrônico, conforme previsto em regulamento; II – por via postal, por carta simples, considerado o endereço constante do cadastro do benefício, hipótese em que o aviso de recebimento será considerado prova suficiente da notificação; III – pessoalmente, quando entregue ao interessado em mãos; ou IV – por edital, nos casos de retorno com a não localização do segurado, referente à comunicação indicada no inciso II deste parágrafo⁴¹². Outrossim, estabelece a novel legislação que o benefício será suspenso no caso de não apresentação da defesa no prazo legal e quando a defesa considerada insuficiente ou improcedente pelo INSS⁴¹³. O referido dispositivo, contudo, parece contrariar o consagrado entendimento jurisprudencial de que a suspeita de fraude não autoriza desde logo a suspensão de benefício, senão após o curso de processo em que foi garantido o devido processo legal. Somente com a primeira decisão formal de cancelamento do benefício é que seria possível a suspensão do benefício previdenciário. Mas aqui é necessário aduzir uma ponderação: é possível, senão mesmo devida, a atribuição de efeito suspensivo a recurso interposto pelo beneficiário, mesmo contra a decisão proferida em razão de sua inércia⁴¹⁴. Da decisão que suspende o benefício caberá recurso com prazo de 30 (trinta) dias⁴¹⁵, sendo que a falta de recurso provocará o cancelamento do benefício⁴¹⁶. Por outro lado, a regra inserta no art. 69, § 9º, da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, dispõe que não terá efeito suspensivo o recurso contra decisão de suspensão ou de cancelamento do benefício. Desde uma perspectiva do direito de defesa, entendemos ainda aplicável e de todo recomendável a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei 9.784/99, segundo o qual, “Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”. De toda forma, o que não se coadunava com a consagrada orientação jurisprudencial no sentido de não se admitir a suspensão do benefício por suspeita de fraude era a disposição normativa, introduzida pela Medida Provisória 871/2019 – não convertida em lei –, que autorizava a “suspensão cautelar” do pagamento de benefícios nas hipóteses de suspeita de fraude ou irregularidade constatadas por meio de prova pré-constituída, quando não fosse possível a realização da notificação do beneficiário para apresentação de defesa⁴¹⁷. Cabe recordar, nesse sentido, que “é firme a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a suspensão de benefício previdenciário deve observar o contraditório e a ampla defesa, e só poderá ocorrer após o esgotamento da via administrativa”⁴¹⁸. 5.1.2.1 Devido processo legal, limite de alçada e desconsideração dos efeitos de prestação previdenciária em juízo Se o direito ao devido processo legal parece evidente como condição para a suspensão de benefício previdenciário, outros mecanismos formalmente consentâneos com a ordem constitucional processual podem revelar um proceder ilegítimo da Administração Previdenciária. Um corolário lógico do devido processo legal como limite do exercício da autotutela administrativa: se ninguém poderá ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo, é certo que não apenas se condiciona ao processo o cancelamento do benefício, mas igualmente a redução da sua renda mensal e a imposição do chamado “complemento negativo” (desconto de valores da prestação previdenciária em favor da Previdência Social)⁴¹⁹. E se o benefício for de valor mínimo, ainda assim será devido o desconto? Segundo o entendimento que deriva do princípio da suficiência do bem jurídico previdenciário, como manifestação da garantia de uma renda mínima necessária à subsistência digna do segurado ou dependente da Previdência Social, não seria possível o desconto para além do valor constitucionalmente assegurado como de valor mínimo (CF/88, art. 201, § 2º)⁴²⁰. É importante a observação de que eventuais descontos operados no valor da aposentadoria não podem prosseguir automaticamente com a conversão deste benefício em pensão por morte. Com o óbito do segurado, os valores que este devia ao INSS devem ser perseguidos junto ao espólio ou aos herdeiros, na forma da lei civil. O que não se afigura legítimo é que os débitos do de cujus sejam integralmente considerados como de responsabilidade do titular da pensão por morte, isto é, aquele que, segundo a legislação previdenciária, mantinha relação de dependência econômica para com o segurado (presumivelmente o mais hipossuficiente dos herdeiros). Um caso estrutural de vulneração ao devido processo legal pela Administração Previdenciária é o que corresponde ao procedimento ordenado pelo que se costumou denominar “limite de alçada”⁴²¹. Ele pode correr no processo de revisão instaurado por solicitação do segurado. Segundo esse procedimento (desencadeado nos processos de revisão de benefício solicitados pelo segurado ou dependente da Previdência Social), uma vez identificado o direito do beneficiário à elevação da renda mensal com recebimento de diferenças superiores ao “limite de alçada”, o processo deve ser encaminhado à supervisão ou auditagem para verificação da regularidade. O problema é que não se trata de verificação da regularidade do procedimento de revisão, mas da própria concessão do benefício cuja revisão foi pretendida pelo beneficiário. Trata-se de um proceder que atenta contra o princípio constitucional da boafé e contra a moralidade administrativa. Revela um propósito intimidatório, consubstanciando uma ameaça implícita ao beneficiário da Previdência Social que buscou a revisão administrativa de seu benefício e logrou posicionamento favorável, pelo menos em um primeiro momento. Em outras palavras, no bojo de um processo aberto por requerimento do beneficiário e que somente poderia conduzi-lo a uma posição jurídica mais vantajosa, a Administração Previdenciária, orientada por diretrizes infralegais, emenda a este processo um outro destinado a verificar a regularidade da própria concessão do benefício. Isso é muito mais grave que a violação do princípio do ne reformatio in pejus, porque o beneficiário pode ter cancelado seu benefício em processo que foi instaurado com propósito de aumentar sua renda mensal inicial. Este proceder parece transtornar o princípio do devido processo legal, revelando um resquício autoritário, de índole revanchista. O processo de verificação da regularidade instaurado pela Administração nessas condições merece censura. Mais do que isso, o procedimento que engata no pedido de revisão do beneficiário um processo de verificação da regularidade deve ser extirpado da normatização interna da entidade previdenciária. Há uma outra possibilidade menos usual que pode corresponder à violação do devido processo legal. Imagine-se uma ação de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária cessado administrativamente sob a motivação de recuperação da capacidade para o trabalho⁴²². Embora comprovada a persistência da incapacidade, o juiz tem fortes elementos de prova apontando no sentido de que o benefício originariamente não merecia ser concedido porque, por exemplo, o beneficiário não mantinha a qualidade de segurado ao tempo da incapacidade, ou porque a incapacidade era preexistente à filiação. É dado ao juiz, no bojo do processo de restabelecimento, conhecer de uma questão tal que não foi suscitada pelas partes? Ou, ainda que o INSS articule esta questão de fato, seria possível a negativa do restabelecimento com base em suposição de fato que consiste, na verdade, reconhecimento da ilegalidade da concessão do benefício cujo restabelecimento se pretende? Quando se parte do ponto de vista da necessidade de observância do devido processo legal, poderia se concluir, em princípio, pela impropriedade de se avançar contra a esfera jurídico-patrimonial do titular de uma prestação previdenciária. Mas a prática judicial pode partir de vários outros pontos de vista, como o do não enriquecimento sem causa, por exemplo. Segundo nossa atual compreensão sobre o tema, em uma ação de restabelecimento de benefício por incapacidade, a causa de pedir não se limita ao exame da legalidade do ato administrativo da cessação do benefício, isto é, se houve ou não, a recuperação da capacidade laboral por parte do segurado, mas ao direito do segurado a gozar da proteção social reivindicada. Desse modo, deve prevalecer o entendimento de que o processo de restabelecimento de benefício previdenciário comporta discussão acerca da regularidade da concessão originária deste mesmo benefício. Não se trata, perceba-se, de cancelamento do benefício, hipótese em que seria discutível a devolução dos valores recebidos indevidamente (com as condicionantes desenvolvidas no item 9.4, infra). Não se fala, com efeito, de invalidação do ato de concessão, hipótese em que seria dado ao administrado demonstrar que, ao tempo do requerimento administrativo, de fato fazia jus ao recebimento do benefício por incapacidade. E como a análise do cumprimento dos pressupostos legais para a concessão de benefício previdenciário é sempre realizada pelo Judiciário, encontra-se na esfera de seu poder-dever o exame de todos os pressupostos legais para o gozo (pela via da concessão, manutenção ou restabelecimento) da proteção previdenciária. Em suma, é possível a recusa judicial de restabelecimento do benefício quando se percebe injustificada a primeira concessão administrativa. Isso decorre do pensamento, reconhecidamente razoável, de que o juiz previdenciário, ao determinar o restabelecimento da prestação previdenciária, deve analisar não apenas o cumprimento do requisito específico (persistência da incapacidade), mas igualmente, o cumprimento dos requisitos genéricos (carência e qualidade de segurado) e o atendimento do pressuposto negativo (ausência de incapacidade preexistente). Se, nesta análise, qualquer dos requisitos não for cumprido pelo segurado, pode ser considerado inafastável o juízo denegatório do pedido de restabelecimento. Mudemos os fatos, mas não a problemática. Em pedido judicial de pensão por morte rural indeferida ao argumento de que não restou devidamente comprovada sua condição de companheiro da falecida aposentada. Na ação judicial, o autor oferece provas suficientes da união estável, mas deixa escapar que a falecida aposentada jamais trabalhou na lavoura. Diante do fato (suposição, na verdade) de que a falecida nunca trabalhou na lavoura, é devida a rejeição do pedido de pensão por morte ao fundamento de que o próprio benefício precedente (aposentadoria) havia sido ilegalmente concedido? Ao contrário, deve o juiz conceder o benefício ainda assim, deixando ao INSS a faculdade de exercer a autotutela, se dentro do prazo de decadência? A essas perguntas respondeu a Turma Nacional de Uniformização no sentido de que a desconsideração dos efeitos de aposentadoria em curso de demanda em que se pretende pensão por morte, sem que tal circunstância tenha sido levantada pelo INSS e sem que seja assegurado ao autor o devido processo legal (que exigiria, a começar, procedimento instaurado com essa finalidade), implica a nulidade da decisão judicial⁴²³. Essa é uma problemática tipicamente previdenciária e nos desafia a expressar se, e em que termos, pode ser restringido o devido processo legal em algumas de suas manifestações, de modo a prestigiar-se outros valores jurídicos de superior dignidade, como o princípio da legalidade, da boa-fé, do não enriquecimento ilícito etc. Uma questão mais singela de aplicação do devido processo legal na tutela dos interesses do beneficiário do RGPS diz respeito à nulidade do processo administrativo que culmina com decisão de concessão de benefício de pensão por morte ou auxílio-reclusão sem que dele tenha participado, com todas as credenciais do contraditório e ampla defesa, o dependente que já se encontra habilitado (em gozo da prestação previdenciária) e que será afetado pelo conteúdo da decisão. Nessas circunstâncias, a participação do dependente titular de benefício, em processo de habilitação requerido por terceiro, é decorrência do devido processo legal. Ele será legitimado a participar do processo, pois, recordese, são interessados no processo administrativo “aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada” (Lei 9.784/99, art. 9º, II). Estamos, como se pode notar, em face da mesma situação que torna necessária a formação litisconsorcial no processo judicial (CPC/2015, art. 114; CPC/1973, art. 47): a concessão de benefício a uma parte que tem como consequência a invasão da esfera jurídico-patrimonial de outra⁴²⁴. De outro lado, em regra não será necessária a participação, como interessado, do dependente em gozo de benefício em processo de habilitação de terceiro, quando se tratar de membro do mesmo grupo familiar (por exemplo, a companheira do segurado requer cota de pensão por morte de benefício gozado por sua filha menor). Nesses casos é forte a presunção de ausência de real invasão ao patrimônio jurídico da pensionista em gozo de benefício⁴²⁵. 5.2 LIMITES MATERIAIS (LIMITES QUANTO AO CONTEÚDO DA AUTOTUTELA) Mesmo que sejam respeitados os limites formais ao exercício da autotutela, não será legítimo o cancelamento do benefício previdenciário se a decisão administrativa anulatória se fundamentar em circunstâncias que não digam respeito à estrita legalidade do ato, a qual deve ser verificada segundo a legislação vigente ao tempo da concessão do benefício. Emanam igualmente do princípio da segurança jurídica – como desdobramento do princípio do Estado do Direito – as diretrizes materiais de constrangimento à atuação administrativa de verificação da regularidade do ato de concessão de benefício previdenciário. 5.2.1 Proibição de aplicação de nova interpretação administrativa ou novos critérios para a verificação do direito ao benefício Elementar corolário do princípio da segurança jurídica é o de que a nova lei não pode retroagir para atingir situações ou direitos constituídos no passado. Colhe-se do magistério de Gomes Canotilho, sobre o tema: Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos⁴²⁶. Fundamentada na segurança jurídica, a tendência de não revogação do ato administrativo implica a restrição das hipóteses de cancelamento de ato concessivo de benefício previdenciário aos fundamentos de ilegalidade ou erro da Administração. Nesse sentido, o princípio da irretroatividade das leis carrega em seu âmbito normativo a vedação de análise da regularidade da concessão do benefício previdenciário a partir de critérios interpretativos estabelecidos em tempo posterior ao ato de concessão. O cancelamento do ato de concessão do benefício previdenciário somente será legítimo se a verificação do cumprimento dos pressupostos legais para sua concessão se operar pelas lentes da legislação vigente ao tempo em que foram aperfeiçoados esses requisitos, sendo vedada a adoção de critérios interpretativos posteriores⁴²⁷. Segundo o art. 24 da LINDB, a validade de ato ou processo deve ser avaliada pela orientação geral da época em que produzido, não sendo aplicável orientação geral superveniente que declare inválida situações jurídicas plenamente constituídas⁴²⁸. A interdição ora comentada é objeto, ademais, de disposição legal expressa (Lei 9.784/99): Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação (grifo nosso) ⁴²⁹. 5.2.2 Proibição de nova avaliação do conjunto probatório (nova valoração da prova), por força da coisa julgada administrativa Referimos no tópico acima que não é autorizada a aplicação de novos critérios interpretativos para avaliação da regularidade do ato de concessão da prestação previdenciária. Expressamos agora que também em nome da segurança jurídica e da proteção da confiança e da boa-fé dos cidadãos, não é dado à Administração analisar a legitimidade do ato concessivo por meio de uma nova avaliação do conjunto probatório que consta no processo de concessão⁴³⁰. Alguns precedentes do TRF da 2ª Região bem demonstram a atualidade do tema e, igualmente, um dos caminhos pelos quais a Administração Previdenciária realiza, no exercício da autotutela, nova valoração das provas produzidas no processo de concessão: Mesmo que o cruzamento das informações administradas pelos vários sistemas governamentais, proporcionado pelo CNIS, faça com que este seja um instrumento importantíssimo para inibir fraudes na concessão de benefícios previdenciários, não pode, por si só, servir como base para o cancelamento do benefício previdenciário (TRF2, 2ª Turma Especial, AI 200351 015005986, Relª. Desª. Sandra Chalu Barbosa, DJ 31.01.2008). Embora tenha sido observado, no processo administrativo, o respeito à ampla defesa e ao contraditório, aplica-se, ao caso concreto, o entendimento jurisprudencial desta Primeira Turma Especializada no sentido de que: “... a suspensão do benefício previdenciário deve ser fundada em elementos consistentes para infirmar o ato concessório, sendo cotejada com outras fontes de informação sobre a irregularidade desses vínculos, inclusive diligências externas quando for o caso, para apurar os fatos sob suspeita, não bastando, para tal fim, as informações colhidas, exclusivamente, em bancos de dados, como o Sistema Único de Benefícios – DATAPREV e o Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS” (fl. 206). Precedentes da Primeira e Segunda Turmas Especializadas desta Corte (TRF2, 1ª Turma Especial, AMS 2003.51.01.5029218, Rel. Des. Abel Gomes, DJ 18.01.2008). Em suma, “Não havendo prova de legalidade, não é dado à Administração simplesmente reavaliar processo administrativo perfeito e acabado, voltando atrás quanto à sua manifestação favorável ao segurado, porquanto caracterizada em tal situação a denominada “coisa julgada administrativa” ou preclusão das vias de impugnação interna” (TRF4, AC 000920038.2012.404. 9999, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 20.08.2013). É importante destacar que a segurança jurídica também é vulnerada quando um elemento de prova não solicitado quando da concessão do benefício se torna, no juízo administrativo de verificação da regularidade, verdadeira conditio sine qua non para o reconhecimento da regularidade do ato concessivo⁴³¹. Deve-se atentar, por outro lado, que, em face da presunção de legitimidade dos atos administrativos, o ônus da prova da ilegalidade da concessão do benefício é da entidade pública que pretende o desfazimento do ato de que derivou direito a particular. Com efeito, “Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório, pois este se reveste de presunção de legitimidade” (TRF4, Ag. 0003248-68.2013.404.0000, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.09.2013). Postas estas premissas consagradas pela jurisprudência, vejamos como opera a Administração Previdenciária no exercício da autotutela. Destacando a contundente violação do devido processo legal referida anteriormente, quanto à verificação da regularidade em processo de revisão pleiteada pelo segurado (item 5.1.2.1, supra), valemo-nos de caso julgado pelo TRF da 4ª Região que esclarece o proceder administrativo e a orientação jurisprudencial. Mais especificamente, colhemos excerto de voto do Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle. A didática da exposição e a fundamentalidade do tema justificam a longa transcrição: O autor obteve benefício previdenciário decorrente de aposentadoria por tempo de serviço, com DIB em 15.03.1996. Em virtude de revisão de cálculos do benefício, solicitada pelo beneficiário em 25.09.1998, o INSS cancelou a revisão da sua aposentadoria, em virtude de uma nova valoração da prova apresentada pelo ora apelado. É cediço que a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de ilegalidade, pois deles não se originam direitos. É certo também que o juiz, encontrando nulidades no ato administrativo, mesmo que não arguidas, poderá decretá-las, bem assim que não corre prescrição à pretensão da nulidade. Ressalvados os casos de má-fé, aí incluídas, obviamente, as situações que envolvam fraude, a Administração, a despeito da ilegalidade do ato, terá o prazo de cinco anos para proceder à revisão, decorrido o qual será ele convalidado. Pode-se, então, estabelecer que a revisão administrativa é possível em caso de fraude ou má-fé, a qualquer tempo, e na hipótese de simples ilegalidade na concessão do benefício, quando o INSS terá o prazo de cinco anos para proceder à sua revisão. A mudança posterior de interpretação da legislação de regência não autoriza a revisão do ato administrativo, em respeito à coisa julgada administrativa, o mesmo ocorrendo com a nova valoração da prova (TRF4, 2ª Turma Suplementar, AC 1999.71.07.002095-4, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 19.10.2005). A proibição de cancelamento de benefício mediante nova valoração da prova não deve ser compreendida de modo extremo, contudo. É de se notar que Administração Previdenciária, em determinados casos, não terá qualquer condição de apurar uma fraude ou ilegalidade na concessão se não houver uma reavaliação dos fatos, das provas apresentadas e dos termos em que concedido o benefício. O que se está a vedar é um novo juízo de convencimento sobre as provas apresentadas, entendendo-se, por exemplo, insuficiente para a comprovação de determinado fato, um conjunto de provas então considerado satisfatório. Sem embargo, se um novo indício coloca em xeque a idoneidade da documentação apresentada ou do conteúdo da prova pessoal, abre-se espaço para a verificação de eventual fraude ou ilegalidade na concessão do benefício, sendo o ônus da prova da Administração Previdenciária. De todo modo, o INSS não poderá, por exemplo, cancelar o benefício ao argumento de que não lhe foram apresentados documentos que não foram exigidos quando da concessão e que não se encontram em poder do beneficiário. Também não poderá cancelar o benefício sob a justificativa de que teria sido concedido em desconformidade com seus critérios valorativos. Se o órgão concessor negligenciou determinada orientação interna, mas tal omissão não caracteriza inobservância de norma legal (lei no sentido formal e material), o erro administrativo deve ceder à segurança jurídica, porque inexiste ilegalidade na concessão. Vemos com reserva, portanto, o entendimento de que As decisões podem ser revistas pelo INSS, ainda que em face de nova avaliação do conjunto probatório, pois, nesses casos, há um reconhecimento, por parte da Administração, de que houve erro administrativo por parte de seus servidores na apreciação da prova, decidindo em desconformidade com os critérios valorativos da autarquia previdenciária⁴³². Imaginemos a hipótese em que o INSS concede pensão por morte à companheira, não exigindo prova material, entendendo suficiente o conteúdo da prova pessoal, em período anterior a 18.01.2019, data de vigência da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. Passados alguns anos, a Administração instaura processo para a verificação da regularidade da concessão, identificando a ausência de prova material, exigência contida no Regulamento da Previdência Social (art. 22, § 3º). Nesse caso, salvo a existência de elementos probatórios que coloquem em xeque a efetiva existência da união estável, o benefício não poderá ser revisto. Isso porque o erro administrativo (omissão na aplicação de critério valorativo administrativo) não implica violação da lei, já que, em tempo anterior à vigência da MP 871/2019, inexistia norma jurídica a dispor que a união estável fosse comprovada mediante início de prova material⁴³³, sendo vedada a aplicação retroativa de lei mais gravosa. Em atenção ao princípio da legalidade, a Administração pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais. Desse modo, apenas o erro administrativo que implique ilegalidade é que pode ensejar a revisão administrativa da concessão. Em outras palavras, apenas quando o vício torna o ato administrativo ilegal é que a Administração pode anulá-lo (STF, Súmula 473). Se, porém, o novo conjunto probatório permitir o afastamento dos elementos apresentados pelo beneficiário, autorizando a conclusão, estreme de dúvidas, no sentido da ilegalidade ou fraude na concessão, o benefício poderá ser revisto e cancelado, sem que se fale em violação da segurança jurídica. 5.2.3 Remédio jurídico contra atuação administrativa que extrapola os limites formais ou materiais para o exercício da autotutela Se o exercício da autotutela desafia qualquer das restrições constitucionais que lhe são impostas, o titular do direito material ameaçado ou lesado pela Administração Previdenciária não necessita discutir o mérito do ato administrativo. É desnecessária a discussão sobre matéria de fato, isto é, a demonstração do cumprimento dos pressupostos autorizadores da concessão do benefício. Se a má-fé tem de ser demonstrada pela entidade previdenciária e todas as demais circunstâncias dizem respeito a uma questão procedimental solucionável de modo apriorístico, o mandado de segurança pode constituir o remédio jurídico adequado e mais eficaz para a manutenção ou restabelecimento do benefício previdenciário. É que uma ação de restabelecimento de benefício previdenciário tende delongar por mais tempo para encontrar seu fechamento. Optando-se pela via mandamental, contudo, o exame do prazo decadencial de 120 dias para impetração do mandado de segurança é extremamente importante ⁴³⁴. Também é importante lembrar que o mandado de segurança não é sucedâneo de ação de cobrança, de modo que as parcelas devidas e não pagas em tempo anterior à impetração somente podem ser perseguidas pela via própria. Quanto ao tema, orienta-nos a doutrina do Supremo Tribunal Federal que “o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança” (Súmula 269). Por consequência, a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria” (Súmula 271). Por fim, fundado na Súmula 729 do Supremo Tribunal Federal (“A decisão na Ação Direta de Constitucionalidade 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária”), o Superior Tribunal de Justiça tem orientado que não se aplica às causas previdenciárias o art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009⁴³⁵, que veda a concessão de liminar que tenha por objeto a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza ⁴³⁶. 393 Esse texto foi reproduzido pelo art. 11, caput, da Lei 10.666/2003. A redação original do art. 69 já trazia a previsão de um programa de revisão com duração de dois anos. Este programa foi reintroduzido nos termos do art. 5º da Lei 9.032/95, com enfoque nos benefícios concedidos com base em tempo de exercício de atividade rural a partir da data de vigência da Lei 8.213/91. 394 Como expressa Ingo Sarlet, “a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (org.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 85-135, p. 94). 395 Nesse mesmo sentido: “A revisão de benefício supostamente concedido mediante fraude não está sujeita a prazo prescricional” (Turma Nacional de Uniformização, Incidente de Uniformização 200351520006020, Rel. Juiz Federal Pedro Pereira dos Santos, 25.04.2005, DJU 14.05.2007). 396 ROCHA, Daniel Machado. O princípio da segurança jurídica e a decadência do direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário. Revista da Ajufergs, Porto Alegre, n. 3, p. 157-180, 2007. 397 TRF4, EIAC 200104010147784/RS, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, Terceira Seção, publicado na RTRF-4ª 51/2004/301. 398 Valemo-nos do exemplo oferecido por Daniel Rocha para demonstrar a importância da segurança jurídica na disciplina da autotutela administrativa previdenciária: “Imagine-se a situação de um segurado que, em 1987, quando já contava com cinquenta anos de idade, requereu um benefício que acreditava que tinha direito. Muito tempo depois, realizando programas de auditoria, constata-se a existência de equívoco no procedimento administrativo e, em junho de 2004, o segurado é intimado para oferecer defesa. Comprovado o equívoco da administração previdenciária, seria razoável anular o ato administrativo de aposentadoria sem que tenha havido comprovação da má-fé do segurado? Observe-se que, nesse exemplo, o benefício foi pago por mais de 15 anos e o segurado já tem 65 anos e, portanto, a perspectiva de que ele possa retornar ao mercado de trabalho não é nada alentadora” (ROCHA, Daniel Machado. O princípio da segurança jurídica e a decadência do direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, p. 162). 399 Nesse sentido: “Somente no caso de prova de fraude (má-fé), a revisão pode ser operada a qualquer tempo, observado o devido processo legal” (TRF4, Sexta Turma, AC, Processo 2002.04.01. 030880-2, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 18.01.2006). “Tendo o benefício sido concedido há mais de quinze anos, não pode mais a Administração rever o ato concessivo, já que não há suspeita de fraude ou irregularidades” (TRF4, Terceira Seção, EIAC 1999.04.01.087899-0, Rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 26.06.2002). “A revisão de atos administrativos, mediante prévio processo contraditório, poderá ocorrer, em regra, dentro do prazo decadencial de 5 (cinco) anos. Havendo má-fé (fraude), a revisão pode ser operada a qualquer tempo, pois não ocorre a decadência” (TRF4, Quinta Turma, AC, Processo 2001.04.01.012452-8, Rel. Celso Kipper, DJ 06.07.2005). 400 Nesse sentido, a título ilustrativo: “PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. REVISÃO (ART. 103-A DA LEI 8.213/91). DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA JULGADA PELO PROCEDIMENTO DOS RECURSOS REPETITIVOS. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.114.938/AL, de relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de que, no tocante aos benefícios cuja concessão antecedeu à vigência da Lei 9.784/99, o prazo de que dispõe a Previdência Social para proceder à sua revisão, de dez anos, conforme previsto no art. 103-A da Lei 8.213/91, tem como termo inicial a data de 1º.02.1999. 2. No caso dos autos, embora o benefício da ora recorrida tenha sido concedido em 06.10.1975 (fl. 177, e-STJ), o prazo decadencial somente teve início em 1º.2.1999. Tendo o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em 26.11.2008 (fl. 177, e-STJ), evidente que não se consumou a decadência para revisão do ato administrativo. 3. Agravo Regimental não provido” (STJ, AgRg no REsp 1349163/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.10.2013, DJe 22.10.2013). 401 Note-se entendimento que, partindo da mesma premissa, parece melhor compreender a questão, pois antes da edição da Lei 9.784/99, havia, sim, diploma legal a estabelecer prazo para a verificação da regularidade do ato de concessão: “A Lei 6.309/75 previa em seu art. 7º que os processos de interesse de beneficiários não poderiam ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo. Para benefícios concedidos até 14.05.1992, quando revogada a Lei citada, decorrido esse prazo, inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo” (TRF4, APELREEX 5002639-33.2010.404.7104, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Ezio Teixeira, DE 04.10.2013). 402 Nesse mesmo sentido: STF, MS 22.357-0/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004, DJ 05.11.2004; STF, MS 24.448-8/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 27.09.2007, DJ 14.11.2007. Especificamente em relação aos benefícios previdenciários do RGPS: “Em toda situação na qual se aprecia ato de cancelamento de benefício previdenciário, (em especial para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei 6.309/75 e o advento da Lei 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do amparo, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio constitucional da segurança jurídica” (TRF4, APELREEX 0000385-97.2009.404.7108, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 19.04.2010). 403 “A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.1999). [...] Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/04, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários” (REsp 1114938/AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 14.04.2010, DJe 02.08.2010). 404 Que a indevida manutenção de benefícios regularmente concedidos não se submete à preclusão temporal, já o disse a TNU, recentemente: “INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELO INSS. PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DE PENSÃO POR MORTE A FILHO NÃO INVÁLIDO QUE ATINGIU OS 21 ANOS. ILEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONFERIR INTERPRETAÇÃO QUE ALBERGUE SITUAÇÃO DE ILEGALIDADE. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE INTERPRETAÇÃO. DECADÊNCIA INOCORRÍVEL. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. [...] o INSS tem o poder dever de cassar a qualquer tempo pensão por morte vigente, cujo filho pensionista saudável atingiu a maioridade (21 anos), pois inaplicável a decadência, via interpretação extensiva do art. 103-A da Lei n. 8.213/91 ao caso” (PEDILEF 50040008920134047101, Juiz Federal Douglas Camarinha Gonzales, j. 12.11.2014, DJ 21.11.2014). 405 Lei 8.212/91, art. 69, § 9º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019. 406 Lei 8.212/91, art. 69, § 9º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. 407 Nesse sentido: “A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário, não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em processo administrativo (Súmula 160/TFR)” (STJ, REsp 1997.00.53.7170/CE, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 15.03.1999); “Inexistindo demonstração de que a suspensão ou o cancelamento do benefício se fizeram preceder de regular processo administrativo, onde assegurada ampla defesa ao beneficiário, se faz presente o direito ao restabelecimento de pagamento do benefício, consoante o Enunciado 160 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos” (TRF1, Segunda Turma, AC 1997.38.00.043783-0, Rel. Des. Carlos Moreira Alves, DJ 04.03.2008); “Nas hipóteses em que ocorre suspeita de irregularidade na concessão de um determinado benefício previdenciário o Instituto Nacional do Seguro Social tem o dever, de dentro do regular procedimento administrativo, diligenciar com base em todos os meios de prova admitidos em direito para averiguar a veracidade dos dados apresentados e constando-se a existência de erros que maculem o benefício previdenciário concedido ele deve ser cancelado, sendo importante destacar que o poder de autotutela conferido a Administração Pública deve ser interpretado em consonância com os princípios da ampla defesa e do contraditório esculpidos constitucionalmente” (TRF2, Segunda Turma Especial, AC 2003.51.01.5005986, Relª. Juíza Sandra Chalu Barbosa, DJ 31.01.2008); “O ato administrativo de concessão do benefício previdenciário é vinculado, bem como dotado de presunção de legalidade e legitimidade até prova em contrário, apenas podendo ser invalidado por intermédio do regular processo administrativo ou judicial, obedecendo aos mandamentos constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV, LV, da CF), de modo a fornecer ao beneficiário a oportunidade de se manifestar quanto aos fatos que estão sendo apurados, sob pena do cometimento de conduta arbitrária por parte da autarquia federal” (TRF4, Quinta Turma, AC 2001.04.01.086983-2, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 29.06.2005). 408 Veja-se, nesse sentido: “1. A suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário concedido mediante fraude pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qual seja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. Precedentes desta Corte. 2. No presente caso, embora o INSS não tenha instaurado regular procedimento administrativo para a apuração das irregularidades, amparou-se em elementos consistentes para infirmar o ato concessório do benefício, quais sejam, as informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS que, por força do art. 29A da Lei 8.213/91, goza de presunção de veracidade, e pela realização de diligências. 3. Além disso, conforme consignado pelo magistrado de 1ª instância, a segurada, apesar de oportunizada a produção de provas em juízo, não logrou comprovar nos autos da presente ação ordinária os vínculos empregatícios questionados pela Autarquia Previdenciária, tendo se limitado a alegar a irregularidade formal do ato de suspensão do benefício. [...]” (STJ, AgRg no Ag. 1125987/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 22.06.2010, DJe 16.08.2010). 409 Em sentido contrário, vinculando o exercício de qualquer atividade remunerada ao cancelamento do benefício: “O benefício de aposentadoria por invalidez pressupõe a incapacidade laborativa total e permanente, sendo que o retorno ao exercício de qualquer atividade remunerada descaracteriza tal pressuposto, implicando o seu cancelamento, nos termos do art. 46 da Lei 8.213/91” (TRF4, Sexta Turma, AMS 2004.72.07.004221-4, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 29.06.2005). 410 Em seu § 1º, o dispositivo enunciava que, “Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias” Também a MP 871/2019, que em seu art. 24 emprestou nova redação ao art. 69 da Lei 8.212/91, estabelecendo nova conformação legislativa ao programa permanente de revisão da concessão e da manutenção administrados pelo INSS, havia estabelecido prazo de 10 dias para apresentação de defesa, provas ou documentos (Lei 8.212/91, art. 69, § 1º). O prazo era exíguo, especialmente quando se considera que ele consubstancia todo o tempo de que disporá o beneficiário (hipossuficiente em termos informacionais) para exercer o direito constitucional de defesa e contraditório. Talvez se pudesse questionar essa regra em face do princípio da proporcionalidade, afastando-se sua aplicação se no caso concreto se evidenciar cerceamento do direito de defesa, quase presumível. 411 Não atenderá às exigências do devido processo legal a comunicação para defesa enviada a eventual procurador do beneficiário que teve seu mandato outorgado para fins de representação em processo administrativo de concessão, pois não se pode compreender a validade da representação para além da finalidade do ato. 412 Lei 8.212/91, art. 69, § 2º, I a IV, com a redação dada pela Lei 13.846/2019. O § 2º do art. 11 da Lei 10.666/2003 prescrevia que “A notificação a que se refere o § 1º far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário”. 413 Lei 8.212/91, art. 69, § 4º, com a redação dada pela Lei 13.846/2019. 414 Nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei 9.784/99; in verbis: “Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”. 415 Lei 8.212/91, art. 69, § 5º, parte final, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. 416 Lei 8.212/91, art. 69, § 6º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019: art. 69, § 6º. “Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias após a suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, sem que o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador apresente recurso administrativo aos canais de atendimento do INSS ou a outros canais autorizados, o benefício será cessado”. 417 Lei 8.212/91, art. 69, § 9º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019. A previsão era a de que, se o benefício fosse suspenso cautelarmente, a apresentação de defesa levaria à sua automática reativação, com o pagamento devido, até a conclusão da análise pelo INSS (Lei 8.212/91, art. 69, § 10, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019 – disposição normativa não convertida em lei). 418 STJ, AgRg no AREsp 92.215/AL, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 21.05.2013, DJe 29.05.2013, negrito nosso. 419 “A suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qual seja assegurado ao beneficiário o direito à defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. O mesmo se aplica aos descontos efetuados sobre as parcelas dos proventos, no percentual de 30%, fundados no indevido recebimento de valores, cujo benefício foi anteriormente suspenso” (TRF4, Sexta Turma, REO 2003.71.12. 002054-8, Rel. José Paulo Baltazar Junior, DJ 13.04.2005). 420 Nesse sentido, v.g., TRF4, EIAC 1999.04.01.005654-0/PR, Relª. Virgínia Scheibe, DJU 18.07.2001. Sobre o tema da irrepetibilidade dos valores indevidos recebidos de boa-fé, remete-se o leitor ao item 9.4, infra. 421 De acordo com a Instrução Normativa 118, de 14.04.2005, a disciplina do “limite de alçada” se dava pelo art. 424 e ss. 422 Aliás, importante precisar os conceitos: encerramento do benefício é gênero de que são espécies a cessação e o cancelamento. A cessação é o término normal do benefício previdenciário, em virtude da alteração das circunstâncias de fato que justificaram sua concessão. O exemplo típico é o da cessação do auxílio por incapacidade temporária pela recuperação da capacidade laboral. De outro lado, o cancelamento é o encerramento anormal da prestação previdenciária que se realiza em virtude da verificação de que sua concessão foi indevida (ilegal ou por erro administrativo). 423 PEDILEF 2007.70.50.018281-1, Rel. Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello, j. 14.06.2011. 424 Nesse sentido encontra-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “[...] Reconhecimento de violação, por parte do julgado rescindendo, do instituto do litisconsórcio necessário, pela ausência de citação da autora Ruth Israel Lopes, que deveria integrar a lide no pólo passivo, tendo em vista a possibilidade de alteração de sua situação jurídica de dependente, com a redução do valor da pensão por ela recebida”. Precedentes: RE 100.411, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 26.10.1984; RE 91.246, Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ 18.12.1981 e RE 91.735, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 22.10.1982 [...] (STF, AO 851, Relª. Minª. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 22.03.2004, DJ 16.04.2004). Também nesse sentido: “Constatada a existência de outra companheira, por ocasião da execução de julgado em que reconhecido o direito à pensão por morte à apelada, para a qual já estava sendo pago o pensionamento, sem ter, todavia, participado da ação de conhecimento, resta flagrante seu prejuízo, uma vez que sofrerá diminuição do valor da pensão por morte que antes recebia, por força do julgado proferido e do qual não teve conhecimento. Anulados os atos processuais praticados após a contestação do INSS [...]” (TRF4, Quinta Turma, AC 2003.71.01. 001330-6, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, DJ 07.01.2008). 425 Nesse sentido: “1. Somente há que se falar em litisconsórcio ativo necessário em situações excepcionais, uma vez que ninguém pode ser compelido a comparecer nos autos como autor. 2. A hipótese sob análise não configura esta circunstância excepcional, pois a Lei 8.213/91 dispõe em seu art. 76 que a concessão de pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente. 3. Em face dos princípios da economia e finalística processual, impõe-se reconhecer que a anulação do feito, no estágio em que se encontra e após transcorrido grande lapso temporal, configuraria prejuízo inegavelmente maior às filhas do que a ausência delas na relação processual. Ao contrário, a decisão favorável obtida pela esposa do segurado beneficiará as suas descendentes, pois a pensão por morte se reverterá para o âmbito familiar de que fazem parte. 4. Recurso Especial provido” (STJ, REsp 956.136/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 14.08.2007, DJ 03.09.2007, p. 219). 426 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Lisboa: Almedina, 2002. p. 373 (grifamos). 427 Nesse sentido: “Mudança de critério que gerou novas exigências, por si só, não é suficiente para justificar o cancelamento do benefício previdenciário” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1057059/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 12.06.2012, DJe 28.06.2012). 428 LINDB, art. 24. “A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”. 429 O dispositivo legal acima transcrito tem sido aplicado pela jurisprudência previdenciária: “Em respeito ao ato jurídico perfeito e segurança jurídica é vedada nova interpretação dos fatos e valoração das provas, de forma diversa daquela inicialmente aceita com base em formulários e laudo pericial, quando do reconhecimento do tempo especial e concessão do benefício (Lei 9.784/99, art. 2º, XIII)” (TRF4, Quinta Turma, AMS 2004.70.00.025948-9, Rel. Luiz Antonio Bonat, DJ 23.10.2007). Em suma, “O cancelamento de benefício previdenciário fundado tão somente em nova valoração da prova e/ou mudança de critério interpretativo da norma, salvo comprovada fraude e má-fé, atenta contra o princípio da segurança das relações jurídicas e contra a coisa julgada administrativa. [...]” (TRF4, Quinta Turma, AC 2003. 04.01.0163762, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 25.06.2003). 430 Mais precisamente: “1. Há e sempre houve limites para a Administração rever atos de que decorram efeitos favoráveis para o particular, em especial aqueles referentes à concessão de benefício previdenciário. 2. O cancelamento de benefício previdenciário pressupõe devido processo legal, ampla defesa e contraditório. 3. A Administração não pode cancelar um benefício previdenciário com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado. 4. Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório, pois este se reveste de presunção de legitimidade” (TRF4, AC 5002107-46.2011.404.7000, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 09.09.2011). 431 Nesse sentido, a título ilustrativo: “O cancelamento de benefício previdenciário fundado tão somente em nova valoração da prova e/ou mudança de critério interpretativo da norma, salvo comprovada fraude e máfé, atenta contra o princípio da segurança das relações jurídicas e contra a coisa julgada administrativa” (TRF4, Ag. 0003536-16.2013.404.0000, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 09.08.2013); De igual modo: “Concedido um direito previdenciário e consolidado um direito adquirido não pode o benefício ser cassado por não ter o segurado apresentado documentos que não tem mais o dever de apresentar” (TRF2, AMS. 2000.02.01.0707148/RJ, Rel. Juiz Luiz Paulo S. Araújo Filho, DJ 22.01.2003). 432 TRF4, EINF 5023177-22.2011.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, DJe 14.11.2014. 433 Nesse sentido expressa a Súmula 63 da TNU: “A comprovação da união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material”. 434 Com efeito, “a suspensão de benefício previdenciário é ato único, de efeitos permanentes, que determina o início do prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança, incidindo o disposto no art. 18 da Lei 1.533/51” (STJ, REsp 200300175531/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 15.12.2003). Nesse mesmo sentido: “O ato administrativo que suspende o pagamento de benefício previdenciário é único e comissivo, muito embora seus efeitos se prolonguem no tempo. Não há que se falar em renovação da lesão quando a Administração Pública deixa pagar o benefício nos meses subsequentes, vez que a negativa é apenas um efeito decorrente do ato inicial” (TRF2, AMS 2000.02.01.0694336/RJ, Rel. Des. André Fontes, DJ 21.05.2002). É invocável, de todo modo, a tese de que “a interposição de recurso administrativo interrompe o prazo decadencial para a impetração do writ até o efetivo julgamento daquele” (TRF4, REO 9.604.584.529/PR, Rel. Juiz Nylson Paim, DJ 04.03.1998). 435 Lei 12.016/2019, art. 7º, § 2º. “Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”. 436 Nesse sentido: “É firme o entendimento desta Corte de que, nos termos da Súmula 729 do STF, a regra inserta no art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/09, não se aplica às causas que discutem verbas de natureza previdenciária, como as que envolvem proventos de aposentadoria de servidor” (AgRg no AREsp 459.964/RN, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 15.12.2016, DJe 03.02.2017). CAPÍTULO 6 ACESSO À JUSTIÇA E INTERESSE DE AGIR EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA A junção dos temas neste capítulo opera-se em razão de que o instituto do interesse processual em matéria previdenciária é melhor compreendido desde a perspectiva do direito de acesso à justiça e tendo em consideração as diversas espécies de ações previdenciárias. Ao analisar o problema do interesse de agir em matéria previdenciária, o Supremo Tribunal Federal desenvolveu seu entendimento a partir da noção de que o direito de acesso à justiça não é absoluto e que deve ser identificado a partir das diferentes ações previdenciárias⁴³⁷. Outro tema intimamente conectado com o acesso à justiça é o relativo à gratuidade da justiça. Por tal razão, o presente capítulo se inicia com o trato de alguns aspectos da gratuidade da justiça. Na sequência, propõe-se uma classificação das ações previdenciárias fundada na pretensão que se busca concretizar (ação de concessão, de ação de restabelecimento etc.)⁴³⁸. Ao final do capítulo, enfrentamos a problemática do interesse de agir previdenciário, em suas variantes. 6.1 GRATUIDADE DA JUSTIÇA A assistência judiciária gratuita consubstancia direito abrangido pela norma constitucional segundo a qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (CF/88, art. 5º, VXXIV). Dada a presumível hipossuficiência econômica dos beneficiários da Assistência e da Previdência Social, a efetivação judicial do direito de proteção social seria inalcançável, se não fosse a garantia de gratuidade da justiça, inicialmente disciplinada pela Lei 1.060, de 05.02.1950, e, atualmente, pelo Código de Processo Civil de 2015. A gratuidade judiciária compreende, dentre outros benefícios, a dispensa provisória do pagamento de taxas ou custas judiciais, despesas processuais, honorários de advogado e peritos, assim como dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório⁴³⁹. A jurisprudência do STJ firmou a orientação de que o benefício da gratuidade de justiça, conquanto possa ser requerido a qualquer tempo, tem efeitos ex nunc, ou seja, não retroage para alcançar encargos processuais anteriores⁴⁴⁰. Por tal razão, a posterior concessão da benesse não leva à restituição de valores pagos a título de custas e despesas processuais ou à desoneração de pagamento de valores a que a parte havia sido condenada anteriormente⁴⁴¹. A gratuidade da justiça consiste em um benefício de caráter provisório, pois a dispensa de pagamento pode ser revogada (CPC/2015, art. 100)⁴⁴². Além disso, quando a parte beneficiada for derrotada, ela deve ser condenada ao pagamento das verbas de sucumbência e, em havendo alteração de sua condição econômica no prazo de 5 (cinco) anos após o trânsito e julgado, ficará obrigada a pagar as verbas de sucumbência⁴⁴³. O caráter provisório da gratuidade de justiça chegou a ser concebido de maneira extremada. Isso porque, em que pese os benefícios da assistência judiciária compreendam todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias (Lei 1.060/50, art. 9º), a jurisprudência do STJ vinha exigindo a renovação do pedido de gratuidade, por meio de petição avulsa, quando da interposição de recurso especial, sob pena de se considerar o recurso deserto⁴⁴⁴. Posteriormente, contudo, a orientação de necessidade de renovação do pedido, quando do manejo do recurso, acabou sendo superada no âmbito do mesmo Tribunal Superior⁴⁴⁵. 6.1.1 Comprovação dos requisitos necessários à concessão da gratuidade da justiça Os benefícios da justiça gratuita são destinados à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios (CPC/2015, art. 98, caput)⁴⁴⁶. Trata-se de direito pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos (CPC/2015, art. 99, § 6º). O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso (CPC/2015, art. 99, caput)⁴⁴⁷. Quando a concessão de gratuidade da justiça se der em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento (CPC/2015, art. 99, § 7º). Para a obtenção do benefício de gratuidade da justiça, é bastante a declaração de insuficiência de recursos, a qual se presume verdadeira em relação às pessoas naturais (CPC/2015, art. 99, § 3º). A gratuidade da justiça não pode ser alargada a ponto de desvirtuar a própria finalidade do benefício, qual seja, a de possibilitar o acesso ao Poder Judiciário pelas pessoas necessitadas. De todo modo, o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver, nos autos, elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade. Ainda assim, antes de indeferir o pedido, deve determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos (CPC/2015, art. 99, § 2º). À luz da legislação pretérita (Lei 1.060/50), a então chamada declaração de “pobreza” firmava em favor do requerente a presunção iuris tantum de hipossuficiência, sendo possível ao magistrado, de todo modo, indeferir o pedido de justiça gratuita diante da presença de elementos que elidissem a presunção de pobreza⁴⁴⁸. Sem embargo, “é indevida a juntada da declaração de imposto de renda como condição para análise do pedido de assistência judiciária gratuita, constituindo ônus da parte contrária a comprovação da suficiência dos recursos”⁴⁴⁹. Cumpre notar que, por expressa disposição legal, “A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça” (CPC/2015, art. 99, § 4º). Nas causas previdenciárias, o pedido de assistência judiciária pode ser impugnado pelo INSS, o qual detém o ônus de demonstrar que a afirmação de insuficiência de recursos não corresponde à verdade, isto é, que o requerente tem plenas condições de arcar com as custas, honorários advocatícios e demais despesas processuais (CPC/2015, art. 100). Segundo a jurisprudência do STJ, para “o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida, no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente”, sendo imprescindível “fazer o cotejo das condições econômicofinanceiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e da família”. Justamente por essa razão, “o magistrado, ao analisar o pedido de gratuidade, nos termos do art. 5º da Lei 1.060/1950, perquirirá sobre as reais condições econômico-financeiras do requerente, podendo solicitar que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência”⁴⁵⁰. No âmbito do TRF da 4ª Região, ao tempo em que a Corte Especial reafirmou a premissa de que “Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida – art. 4º da Lei n. 1060/50”, especificou que “Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão”⁴⁵¹. Perceba-se que, nessa perspectiva, não se pode nem mesmo aplicar analogicamente o critério previsto para o direito processual do trabalho, contido no art. 790, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, com redação dada pela Lei 13.467/2017: Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. [...] § 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Isso porque a analogia é apenas possível nos casos de omissão da lei⁴⁵², o que não se verifica nesse problema jurídico, diante do tratamento específico dado pelo Código de Processo Civil⁴⁵³. Em suma, a afirmação de não estar em condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família cria presunção iuris tantum em favor do requerente. Essa presunção de veracidade atribuída por lei à declaração de pobreza somente pode ser elidida pela existência de elementos em concreto, não se prestando para essa finalidade, por ausência de previsão legal específica, critério genérico estabelecido pela legislação trabalhista. Subsiste, portanto, o entendimento de que, para fins de gratuidade da justiça nas ações previdenciárias, inexiste critério de presunção distinto daquele disposto em lei, qual seja, a declaração do interessado, alegando insuficiência de recursos⁴⁵⁴. Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação (CPC/2015, art. 101, caput)⁴⁵⁵. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que delibera sobre a gratuidade, a parte autora deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sob pena de extinção do processo sem o julgamento do mérito (CPC/2015, art. 102). 6.1.2 Gratuidade da justiça e sucumbência do beneficiário A concessão de justiça gratuita não livra a parte beneficiária, quando vencida, da condenação ao pagamento das custas e honorários advocatícios⁴⁵⁶. Desde a vigência da Lei 1.060/50, a disciplina da justiça gratuita prevê a suspensão da exigência dessa verba pelo prazo de 5 (cinco) anos. Se nesse período houver a alteração das condições socioeconômicas do beneficiário, as verbas de sucumbência podem ser executadas. Vencido o prazo legal sem a revogação do benefício, extingue-se a obrigação⁴⁵⁷. Atualmente, a norma encontra-se disposta no art. 99, § 3º, do CPC/2015⁴⁵⁸. O que se tem, portanto, é que o beneficiário da justiça gratuita, se vencido, deve ser condenado às verbas de sucumbência. No entanto, a exigibilidade dessas verbas fica suspensa pelo prazo de 5 (cinco) anos, desde que inexista alteração da situação econômico-financeira do beneficiário a justificar sua retomada. Apenas após esse prazo é que a obrigação se extingue. Sobre o tema, já decidiu o STF que a possibilidade de condenação do beneficiário de justiça gratuita ao pagamento das custas e honorários advocatícios não esvazia a norma constitucional que assegura a assistência judiciária: O beneficiário da justiça gratuita que sucumbe é condenado ao pagamento das custas, que, entretanto, só lhe serão exigidas, se até cinco anos contados da decisão final, puder satisfazê-las sem prejuízo do sustento próprio ou da família: incidência do art. 12 da L. 1.060/50, que não é incompatível com o art. 5º, LXXIV, da Constituição (RE 184841, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 21.03.1995, DJ 08.09.1995)⁴⁵⁹. Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que o art. 12 da Lei 1.060/50 foi recepcionado pela Constituição da República, não violando o art. 5º, LXXIV, da Constituição, que garante a assistência judiciária gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos⁴⁶⁰. Segundo o STF, portanto, não há incompatibilidade entre a possibilidade de cobrança de custas e dos honorários advocatícios, no caso de alteração da condição econômica do beneficiário, e a garantia constitucional da assistência gratuita, cuja finalidade é a de contemplar o acesso à justiça. Como o Novo CPC oferece tratamento normativo análogo em relação à possibilidade de condenação do beneficiário de justiça gratuita aos ônus de sucumbência (CPC/2015, art. 99, § 3º), a regra entra em vigor, pode-se dizer, já chancelada pela Suprema Corte. De outra parte, a jurisprudência do STJ não admite a compensação da verba honorária devida à Fazenda Pública, em razão do sucesso no processo de execução, com os honorários advocatícios fixados em favor do patrono da parte autora, no processo de conhecimento. Segundo a ratio decidendi de importante precedente da Primeira Seção, também é inviável a compensação dos honorários advocatícios determinados na sentença de embargos à execução com o crédito principal definido no processo de conhecimento, em face da natureza distinta dos créditos⁴⁶¹. De modo distinto, “O STJ firmou entendimento quanto à possibilidade de compensação dos honorários advocatícios, em caso de sucumbência recíproca, mesmo quando uma das partes seja beneficiária da assistência judiciária gratuita”⁴⁶². No contexto do Novo CPC, porém, é vedada a compensação dos honorários advocatícios também em caso de sucumbência parcial, nos termos do art. 85, § 14, in verbis: Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. Trata-se de reconhecimento do caráter autônomo e alimentar da verba honorária. Também em face do caráter autônomo da verba honorária, “o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade” (CPC/2015, art. 99, § 5º). 6.2 CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS A classificação que propomos leva em conta as ações judiciais mais frequentes em matéria previdenciária. Não houve propósito de exaurir as possibilidades. O objetivo em se propor uma classificação das ações judiciais é apenas para apresentar ao leitor a dinâmica judicial previdenciária de modo sistemático. Ela nos servirá particularmente para mais fácil compreensão das variantes do interesse de agir em matéria previdenciária. Categorizadas de acordo com a pretensão que orientam, são cinco as principais espécies de ações previdenciárias: ação de concessão, revisão, restabelecimento, manutenção e anulação de benefício previdenciário. 6.2.1 Ação de concessão de benefício previdenciário Por meio de ação de concessão de benefício previdenciário, a parte autora, afirmando-se segurado ou dependente do RGPS, busca a obtenção de determinada prestação (v.g. pensão por morte ou auxílio por incapacidade temporária), mediante o reconhecimento judicial da existência do direito não satisfeito administrativamente⁴⁶³. Nessa ação, pretende-se que seja determinada ao INSS a concessão do benefício, com efeitos desde a data em que ele se tornou devido⁴⁶⁴. A ação de concessão tem por objeto: a) uma obrigação de fazer orientada à concessão de tutela específica de implantação da prestação previdenciária (CPC/2015, art. 497; CPC/1973, art. 461); b) uma obrigação de pagar quantia certa (CPC/2015, art. 495; CPC/1973, art. 466), correspondente ao pagamento da importância que deixou de ser paga desde quando era devido o benefício, nos termos da legislação previdenciária. A ação de concessão pode ser veiculada por meio de ação ordinária perante uma vara comum, ação ajuizada perante o Juizado Especial Federal e mesmo mediante mandado de segurança, observadas as particularidades de cada qual⁴⁶⁵. 6.2.2 Ação de revisão de benefício previdenciário Por meio de uma ação revisional de benefício previdenciário, o interessado já é titular de um benefício previdenciário e busca alcançar posição jurídico-previdenciária mais vantajosa. As ações revisionais têm por objeto, igualmente, uma obrigação de fazer (revisão do benefício) e uma obrigação de pagar quantia certa (pagamento das diferenças devidas). É possível diferenciar dois grupos de ações revisionais: o primeiro corresponde às ações que buscam alterar os termos em que concedido o benefício; o segundo abrange as ações que buscam a alteração dos critérios de reajustamento do benefício, com fundamento em circunstância superveniente à sua concessão. 6.2.2.1 Ação revisional de concessão Na ação revisional de concessão, a pretensão diz respeito à alteração dos termos em que restou concedido o benefício previdenciário. Esse grupo de ações revisionais divide-se, por sua vez, em três espécies: a) Ação revisional de RMI: mediante a ação revisional de RMI, busca-se a elevação da renda mensal inicial (majoração do valor do benefício), mediante alteração de qualquer dos elementos que a determinam, como, por exemplo, o tempo de contribuição reconhecido pelo INSS, o valor dos salários de contribuição integrantes do período básico de cálculo, o índice de reajuste dos salários de contribuição etc. Quanto ao seu objeto, as ações revisionais de RMI dividem-se em duas subespécies: a.1) Ação revisional de RMI, de substituição real: a ação revisional busca o reconhecimento de fato jurídico não reconhecido administrativamente ou o afastamento do critério de cálculo empregado pela entidade previdenciária. Nesses casos, a pretensão de tutela jurisdicional funda-se, real e materialmente, na substituição da ação administrativa pela função jurisdicional. Essas revisionais pressupõem a substituição da decisão administrativa específica que não reconheceu determinados fatos (v.g., um período de tempo de trabalho rural ou a natureza especial de uma atividade) ou que aplicou critérios de cálculo em desacordo com a lei (v.g., adoção de índice de reajustamento de salário de contribuição sem amparo legal), culminando com a concessão do benefício com renda mensal inferior à devida. a.2) Ação revisional de RMI, de substituição formal: a ação busca a elevação da renda mensal inicial, fundando-se em circunstância de fato não ventilada ou analisada administrativamente. Em outras palavras, a pretensão das revisionais de substituição formal funda-se em circunstâncias de fato que, na realidade, não foram objeto de exame na esfera administrativa (v.g., um tempo trabalhado na informalidade e que foi objeto de reconhecimento em uma decisão trabalhista). Esse tipo de ação revisional pressupõe uma substituição apenas formal da ação administrativa pela disposição jurisdicional, já que, a rigor, inexistiu decisão administrativa quanto ao ponto específico. b) Ação revisional de DIB: é ação revisional em que se busca a retroação da data de início do benefício (DIB), para efeito de recebimento de valores anteriores à data em que a prestação passou a ser mantida pelo INSS. Notese que, mediante essa ação revisional, não se busca a majoração da renda mensal do benefício, mas a fixação de seu início em período anterior ao que estabelecido administrativamente, buscando o interessado o recebimento de valores pretéritos, devidos desde o marco temporal que pretende ver reconhecido. É o caso, por exemplo, da ação revisional de retroação da DIB de pensão por morte proposta por menor ou incapaz, ao argumento de que teria direito ao benefício desde a data do óbito, e não a partir da data do requerimento administrativo⁴⁶⁶. c) Ação de substituição de benefício ou retroação à DIB mais benéfica: a ação de substituição de benefício não constitui necessariamente uma revisão dos termos em que concedido o benefício originário. A ação de substituição configura revisão do ato de concessão do benefício apenas em um sentido impróprio, porque não implica propriamente a revisão do ato de concessão, senão o reconhecimento do direito do titular de uma prestação previdenciária a uma posição jurídica mais vantajosa do que alcançada administrativamente, mediante a concessão do benefício. Nessa espécie de ações, busca-se ajustar a proteção previdenciária às exigências do direito à proteção social mais eficaz, seja mediante a concessão de benefício mais vantajoso, seja mediante o reconhecimento de DIB anterior que assegura mais elevada renda mensal da prestação previdenciária⁴⁶⁷. Não há aqui, propriamente, a revisão do ato de concessão do benefício, mas a substituição do benefício por outro mais vantajoso. 6.2.2.2 Ação revisional de reajustamento De outro lado, verifica-se a ação revisional que busca a elevação da renda mensal do benefício, mediante a impugnação dos critérios de reajustamento do benefício previdenciário. É importante notar que a irresignação, nesses casos, não se dá em relação aos termos em que concedido o benefício, mas sim em razão da metodologia adotada pela Administração Previdenciária para preservar o valor real dos benefícios contrária à norma constitucional (CF/88, art. 201, § 4º) ou em face de interpretação administrativa da legislação específica⁴⁶⁸. Da mesma forma que a ação concessória, a ação revisional pode ser veiculada por meio de ação ordinária perante uma vara comum, ajuizada perante o Juizado Especial Federal ou pela impetração de mandado de segurança, observadas as particularidades de cada qual. 6.2.3 Ação de restabelecimento de benefício previdenciário Pela ação de restabelecimento busca-se, como o nome está a sugerir, a restauração dos efeitos da concessão de um benefício previdenciário, mediante a impugnação de ato administrativo invasivo da esfera jurídicopatrimonial do beneficiário, no que diz respeito a benefício de sua titularidade. O ato administrativo dito invasivo traduz-se na privação, ao beneficiário, de bem previdenciário de que se encontra em gozo. O ato administrativo objeto de impugnação pode corresponder ao encerramento de um benefício previdenciário, sua suspensão, ou ainda a redução de sua renda mensal. O encerramento de um benefício previdenciário pode ocorrer em razão de seu cancelamento ou de sua cessação. O ato de cancelamento se opera no exercício da autotutela administrativa, fundamentando-se na concessão irregular de um benefício previdenciário. É o término anormal da prestação previdenciária, com efeitos ex tunc, como no caso cancelamento de benefício concedido por erro da Administração Pública. O ato de cessação de benefício previdenciário consubstancia o término normal da prestação previdenciária, fundamentando-se na alteração das circunstâncias de fato que justificaram sua concessão. É o caso, por exemplo, da cessação do benefício de auxílio por incapacidade temporária, em razão da recuperação da capacidade laboral, ou da cessação da pensão por morte, em razão de o filho não inválido completar 21 anos de idade. A suspensão implica a interrupção dos pagamentos devidos a título de prestação previdenciária mantida pela Previdência Social. A suspensão geralmente ocorre no curso de um processo de verificação de regularidade de concessão de benefício, instaurado pelo INSS no exercício da autotutela administrativa. A redução da renda mensal do benefício decorre, tanto quanto o cancelamento, do exercício da autotutela administrativa, escorando-se também na irregularidade de concessão do benefício no que diz respeito à sua renda mensal inicial. Igualmente às espécies de ações anteriores, a ação de restabelecimento tem por objeto uma obrigação de fazer (reativação do benefício previdenciário) e uma obrigação de pagar quantia certa, correspondente ao pagamento dos valores que deixaram de ser pagos por efeito do ato administrativo invasivo da esfera jurídico-patrimonial do beneficiário. De outra parte, a ação de restabelecimento pode manifestar-se por meio de ação ordinária perante vara comum, ação ajuizada perante o Juizado Especial Federal e, quando não depender de instrução probatória para o reconhecimento da violação de direito líquido e certo, mediante o writ of mandamus. 6.2.4 Ação de manutenção de benefício previdenciário O manejo de ação de manutenção de benefício pode-se dar na iminência da prática de qualquer dos atos administrativos invasivos acima referidos (cancelamento, cessação, suspensão ou redução da renda mensal). Em havendo ameaça de que a Administração Pública realizará ato invasivo da esfera jurídico-patrimonial do beneficiário, no que diz respeito ao gozo de prestação previdenciária de sua titularidade, abre-se espaço para a ação preventiva de manutenção de benefício previdenciário. A ação de manutenção é apropriada no curso de processo de verificação da regularidade da concessão do benefício (autotutela administrativa). Uma vez comunicada exigência administrativa – que se entende ilegítima – cujo descumprimento levará à suspensão do benefício, torna-se viável o emprego da ação de manutenção pelo beneficiário, de maneira a tutelar preventivamente o bem jurídico previdenciário. Em casos tais, a tutela de urgência consubstancia a única forma efetiva para evitar-se a consumação da indevida lesão ao direito material do beneficiário. Se, no curso da ação de manutenção, o ato administrativo invasivo se aperfeiçoa em eficácia, o pedido de manutenção convola-se em pedido de restabelecimento, com todos os efeitos que lhe são próprios. Deve-se admitir aqui uma fungibilidade tal como a expressamente prevista para as ações possessórias (CPC/2015, art. 554)⁴⁶⁹. De outra parte, a ação de manutenção também é apropriada na hipótese de ameaça de cessação de benefício. Considere-se o caso de indeferimento de pedido de prorrogação de auxílio por incapacidade temporária pelo Perito Médico da Previdência Social. Tendo ciência de que seu benefício está na iminência de ser cessado, o segurado pode lançar mão de ação preventiva destinada a manter-se no gozo do benefício. É claro que deverá apresentar documentos hábeis a formar a convicção do juiz em sede de cognição sumária, com vista à obtenção de tutela urgente. A espera pela realização de perícia judicial inviabilizará o pedido de conservação, que fatalmente se transformará em pedido de restabelecimento. Outro caso propício para o manejo da ação de manutenção é o de titular de benefício de prestação continuada da Assistência Social que tem identificada pelo INSS a majoração da renda mensal familiar para além do limite legal. Na iminência da cessação do benefício a partir de critérios administrativos, os quais reconhecidamente são mais restritivos do que os adotados pela jurisprudência, é mais do que conveniente a adoção da ação de manutenção. A ação de manutenção de benefício, tendo por objeto obrigação de não fazer que se pretenda impor à entidade previdenciária (CPC/2015, art. 497; CPC/1973, art. 461), cumpre um papel decisivo na salvaguarda de interesses jurídicos de superior hierarquia em nossa Ordem Social. Quando se tem em consideração a singularidade da lide previdenciária, percebe-se de pronto a gravidade gerada pela lesão do direito a um bem fundamental. 6.2.5 Ação de anulação de benefício previdenciário A ação anulatória de benefício previdenciário tem como objeto a extinção do direito de outrem a um bem jurídico previdenciário, com efeitos ex tunc. Tipicamente, o autor da demanda apresenta interesse jurídico que pode assim ser traduzido: o gozo da prestação previdenciária por outra pessoa implica prejuízo jurídico ao autor da demanda. Trabalhemos com o exemplo corriqueiro da mãe do falecido segurado que se encontra alijada do direito à pensão por morte em razão de a companheira daquele haver sido habilitada como dependente. Para obter acesso à titularidade da pensão por morte, é indispensável que busque judicialmente a anulação do ato de concessão do benefício previdenciário de titularidade da companheira, mediante a prova de inexistência de união estável⁴⁷⁰. Há outro caso muito interessante. Cogite-se que a mãe do falecido segurado se encontra em gozo do benefício e, de súbito, vê cessada sua pensão por morte porque a companheira do falecido segurado habilitou-se e lhe foi reconhecido o direito ao benefício – o que traz como consequência a exclusão do direito à pensão por morte daquela. Ocorre que, em nosso exemplo, a então titular do benefício de pensão por morte não foi cientificada do processo administrativo que culminou com a concessão da pensão por morte à companheira (e que, por consequência, fez cessar seu direito à pensão por morte). Na medida em que a mãe foi privada de seu bem previdenciário sem o devido processo legal, o processo de concessão da pensão por morte em favor da companheira é nulo, podendo este vício ser reconhecido pela prestação de tutela jurisdicional invocada a partir da ação anulatória, com efeitos decorrentes ex tunc. Essas seriam as principais espécies de demandas em matéria previdenciária. Tal como referido anteriormente, elas não esgotam as hipóteses. Nesse sentido, seriam exemplos de outras modalidades de ações previdenciárias a ação declaratória de filiação à Previdência Social⁴⁷¹, a ação para averbação de tempo de contribuição, a ação que busca ordem judicial para que o INSS ofereça resposta a pedido administrativo em prazo razoável, a ação que busca, nos casos de indeferimento verbal, ordem judicial para que o INSS formalize requerimento administrativo em favor de beneficiário, a ação de expedição de certidão de tempo de contribuição etc. SINOPSE Principais ações previdenciárias 1. AÇÃO DE CONCESSÃO 2. AÇÃO DE REVISÃO (pretende-se a alteração da situação jurídica do beneficiário) Ação de revisão de RMI de substituição formal Ação de revisão de DIB 2.2 Ação de revisão de reajustamento 3. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO 4. AÇÃO DE MANUTENÇÃO 5. AÇÃO DE CANCELAMENTO 6. OUTRAS AÇÕES: ação declaratória de filiação à Previdência Social, ação para averbação de tempo de contrib 6.3 INTERESSE DE AGIR EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA 6.3.1 Considerações doutrinárias Tradicionalmente, a doutrina brasileira identifica o interesse de agir ou interesse processual no binômio necessidade-adequação (necessidadeutilidade), traduzido na “necessidade concreta da atividade jurisdicional e adequação de provimento e procedimento desejados”⁴⁷². Surge o interesse de agir, de um lado, com a ideia de necessidade de intervenção dos órgãos jurisdicionais para evitar o prejuízo que teria a parte sem a proposição da demanda. De outro lado, o interesse processual se orienta pela “necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto”⁴⁷³. Essa necessidade, importante destacar, encontra-se “naquela situação que nos faz procurar uma solução judicial, sob pena de, se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão, direito esse que afirmamos sermos titulares”⁴⁷⁴. É conhecida a lição de Moacyr Amaral Santos, de que “há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o interesse primário ou direito material pelos órgãos jurisdicionais”⁴⁷⁵. É, pois, da integração do binômio necessidade-adequação que depende a formação do interesse processual⁴⁷⁶. Um tema especialmente caro ao direito processual previdenciário é justamente o que corresponde ao direito de ação pela via do interesse de agir. Para que seja realizado judicialmente o direito material, ou melhor, para que o jurisdicionado tenha direito a uma sentença de mérito, além de deter legitimidade de parte e orientar pedido juridicamente possível, deverá atender em que termos a condição da ação relativa ao interesse processual? É adequada a exigência de um prévio indeferimento administrativo como condição de acesso à jurisdição previdenciária? No artigo “O requerimento administrativo e o controle judicial dos benefícios previdenciários”, o Juiz Federal Giovani Bigolin desenvolve estudo de leitura obrigatória sobre a relação condicional do processo administrativo em relação ao processo judicial. Partindo da noção de disponibilidade do bem previdenciário, o autor expressa a impossibilidade de outorga do benefício sem a manifestação de interesse de seu titular, pontificando a necessidade da prévia análise administrativa, em uma perspectiva constitucional, no princípio da separação dos poderes e, em uma perspectiva processual, no interesse de agir, compreendido na necessidade de intervenção jurisdicional para evitar que o autor sofra um dano (Chiovenda) e na “relação de utilidade entre a afirmada lesão de um direito e o provimento de tutela jurisdicional pedido” (Liebman)⁴⁷⁷. A garantia de tutela individual para satisfação do direito material previdenciário deve ser compreendida na perspectiva de que ele deve, inicialmente, ser apreciado pelo órgão gestor da Previdência Social. O normal da vida social é que as relações jurídicas se desenvolvam e que ordenamento jurídico seja cumprido independentemente de intervenção implacável do Poder Judiciário. Na busca de uma prestação da Seguridade Social, o ordinário é que o indivíduo interessado dirija sua pretensão inicialmente à entidade responsável por prestar-lhe a chamada tutela administrativa. Mesmo no domínio previdenciário, onde se percebe não raras manifestações de desconsideração das normas jurídicas pela Administração Previdenciária, a presunção ainda é no sentido de que os atos administrativos são praticados de acordo com a lei e os demais constrangimentos impostos pelas normas constitucionais e administrativas. Partindo dessa premissa, a atuação jurisdicional somente se justifica após o exercício da tutela administrativa. Há também aqui uma questão de divisão de atribuições entre os poderes republicanos. De um lado, o poder-dever da Administração em analisar originariamente uma pretensão individual a um benefício previdenciário. Especificamente para isso se instituiu uma autarquia federal, estruturando-a com condições de desempenhar essa importante finalidade social. De outro lado, o poder-dever do Judiciário em dizer o direito quando, nas mais variadas ordens, exista um conflito de interesses que não pode ser resolvido sem sua intervenção. A ideia de necessidade como condição de acesso à Justiça consubstancia o pensamento de complementaridade ou subsidiariedade da intervenção jurisdicional na imensurável engrenagem de relações sociais que devem ser travadas de acordo com o direito. A função jurisdicional é, ademais, caracterizada por ser exercida quando de uma situação contenciosa “no processo de realização do direito” e justamente com a finalidade de “trancamento dessa situação contenciosa”. Esta é a clássica lição de Seabra Fagundes: Mas o momento em que é chamada a intervir a função jurisdicional, o modo e a finalidade, por que interfere no processo realizador do direito, é que lhe dão os caracteres diferenciais. O seu exercício só tem lugar quando exista conflito a respeito da aplicação das normas de direito, tem por objetivo específico removê-lo, e alcança a sua finalidade pela fixação definitiva da exegese⁴⁷⁸. As regras jurídicas se destinam de maneira geral e abstrata a todos os indivíduos e uma nação está perto de fracassar em seus propósitos fundamentais quando o cumprimento espontâneo do ordenamento jurídico se torna a exceção e a violação dos direitos materiais é a regra. Ao ter de intervir em praticamente tudo para assegurar a boa-fé dos indivíduos e o adimplemento das normas jurídicas, o Judiciário não será poupado dos graves vícios sociais e culturais que dominam sua época. Antes, será profundamente afetado por eles. Será uma peça a mais na engrenagem de iniquidade social. A justiça sairá torta e a destempo. O que se pretende expressar é que há uma importante relação de complementaridade entre a tutela administrativa e a tutela jurisdicional. Por força de prerrogativa institucional, a primeira deve ser objeto de revisão da segunda e substituída apenas quando não outorgou a devida proteção social ao indivíduo. É preciso ressalvar dois aspectos, porém. Primeiro, em função da teoria do acertamento, por nós assumida e sustentada neste trabalho, a noção de revisão judicial aqui adotada se opera em um sentido amplo, não se confundindo com a perspectiva de revisão ou controle da estrita legalidade do ato administrativo. Segundo, não é necessário que se realize a efetiva lesão a direito para viabilizar a judicialização da controvérsia. Se a distribuição de jurisdição tempestiva corresponde a um direito fundamental, mais decisivamente se alcançará o ideal constitucional de proteção judicial se o direito, ameaçado de lesão, tiver assegurada sua realização antes de ser concretizada a atuação administrativa ilegítima. Afinal, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário assegura constitucionalmente a apreciação judicial “nos casos de lesão ou ameaça a direito” (CF/88, art. 5º, XXXV). 6.3.2 As diretrizes gerais formuladas pelo STF (RE 631.240) Antes de avançarmos em nosso estudo, é importante expressar que muitos dos problemas relacionados ao tema do interesse de agir em matéria previdenciária foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 631.240, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03.09.2014 (DJe 10.11.2014)⁴⁷⁹. Nesse julgamento, expressou a Suprema Corte, fundamentalmente, que o interesse de agir pressupõe a existência de lesão ou ameaça a direito e a necessidade de que a satisfação do direito material ocorra pelo Poder Judiciário. De outro lado, compreendeu o STF que a exigência ou não do prévio requerimento administrativo deve levar em conta o tipo de ação judicial, se de concessão, se de revisão, se de restabelecimento, ou se de manutenção de benefício previdenciário. A partir dessas diretrizes, compreendeu-se que o prévio requerimento de concessão é, como regra geral, pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário. Essa lógica vale igualmente “para pretensões de concessão original de outras vantagens jurídicas que, embora não constituam benefícios previdenciários, também dependem de uma postura ativa do interessado: é o caso, e.g., dos pedidos de averbação de tempo de serviço” (excerto do voto do Relator, p. 17). De forma geral, portanto, apenas se caracteriza o interesse de agir para as ações de concessão quando anteriormente formulado o requerimento administrativo. A lesão a direito, em tese, decorrerá: • da efetiva análise e indeferimento total ou parcial do pedido; ou • da excessiva demora em sua apreciação, isto é, quando excedido o prazo de 45 dias (Lei 8.213/91, art. 41-A, § 5º e RE 631.240)⁴⁸⁰. É de se notar, todavia, importante exceção, expressamente levantada no mesmo julgamento, em relação à orientação de exigência de prévio requerimento: “não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado” (excerto do voto do Relator, p. 20). Não se exige, de qualquer modo, o exaurimento da via administrativa, com a efetiva interposição de todos os recursos administrativos cabíveis. De modo distinto, a regra é a de dispensa do prévio requerimento administrativo para as ações que visam “ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.)” (excerto do voto do Relator, p. 19). No caso das ações revisionais, eventual lesão a direito se verifica no fato de a Administração ter concedido o benefício em quantia inferior à devida. Por essa razão, segundo a compreensão do STF, “precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo” (excerto do voto do Relator, p. 19). Uma vez postulado o benefício administrativamente, estará caracterizada a lesão a direito quando o INSS não conceder a prestação mais vantajosa a que o beneficiário faça jus. Portanto, concedida uma prestação inferior à devida, configura-se a lesão a direito, tornando desnecessário um prévio requerimento administrativo de revisão. De modo excepcional, deve-se exigir o prévio requerimento (de revisão) no caso das ações revisionais de RMI, de substituição formal⁴⁸¹, pois sua pretensão depende da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração por ocasião da concessão do benefício⁴⁸². Todavia, mesmo em relação a esse último caso⁴⁸³, deve-se atentar para a possibilidade de dispensa do prévio requerimento quando (i) o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado⁴⁸⁴ ou (ii) diante da excessiva demora administrativa ao pedido de revisão. Finalmente, ainda segundo a Suprema Corte, para as ações de manutenção ou de restabelecimento, em face da preexistência de outorga da proteção previdenciária, isto é, em função de o interessado já ter entrado em gozo de benefício, a cessação deste já caracterizaria, em tese, a lesão ou a ameaça a direito, não se fazendo necessário que o interessado novamente provoque o INSS para ingressar em juízo. 6.3.2.1 Fórmula de transição Interessante observar que, em face da oscilação da jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal adotou fórmula de transição para as ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240 e que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível. Por conta de uma situação de “precedentes representativos em todos os sentidos”, reputou-se melhor “[...] adotar uma solução mitigada, que, reconhecendo a procedência da tese recursal ora acolhida [do INSS], também torne possível o aproveitamento dos atos já praticados” (excerto do voto do Relator, p. 29). De acordo com a fórmula de transição, as ações ajuizadas anteriormente à conclusão do julgamento devem observar o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii): serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, o dobro do prazo legal (art. 41-A, § 5º, da Lei n. 8.213/1991), em razão do volume de casos acumulados. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente (e.g., não comparecimento a perícia ou a entrevista administrativa), extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. Em qualquer caso, a análise quanto à subsistência da necessidade do provimento jurisdicional deverá ser feita pelo juiz. Quanto à fórmula de transição oferecida pelo STF, devem ser considerados três importantes aspectos. O primeiro é que o procedimento por ela sugerido, de suspensão do processo – e não de extinção do processo – para que seja formulado o requerimento administrativo, em respeito ao princípio de economia processual, era já prática comum adotada por parcela da magistratura. Nada impede que esse procedimento continue a ser adotado, mesmo porque conta agora com a chancela da Suprema Corte, ainda que o fundamento principal para sua adoção tenha sido a oscilação jurisprudencial sobre o tema do interesse de agir. Em suma, para evitar-se um ambiente de esquiva institucional à pretensão de proteção social dos mais vulneráveis, esse antidemocrático jogo de portas fechadas ao cidadão, revela-se não apenas admissível, mas plenamente recomendável que, nas diversas hipóteses que caracterizam a ausência de interesse de agir, antes de extinguir o feito sem julgamento do mérito, seja oportunizado à parte que formule o requerimento administrativo que se pretendeu necessário, de modo que, diante da expressa negativa por parte da Administração Previdenciária, o processo judicial siga seu curso normal. Como a resposta administrativa deve-se dar em prazo razoável, essa salutar rotina não implicará tumulto processual e tampouco comprometerá a satisfação, pela unidade jurisdicional, das exigências e metas estabelecidas nos planos estratégicos para o Poder Judiciário. O segundo aspecto relacionado à fórmula de transição é o de que o entendimento de dispensa de prévio requerimento administrativo nas ações itinerantes dos Juizados Especiais Federais, lógica assumida na fórmula de transição, deve prevalecer mesmo para as ações ajuizadas posteriormente à decisão da Suprema Corte, sempre que o INSS não se faça presente nessa modalidade de justiça. Por fim, o terceiro aspecto diz respeito ao fato de que, ainda que ausente o prévio requerimento administrativo que se entende necessário a caracterizar o interesse de agir, em havendo o INSS impugnado a questão de fundo (o mérito da demanda), deve-se considerar resistida a pretensão e caracterizado o interesse de agir superveniente ao ajuizamento da demanda. Presume-se, ademais, também nesse caso, que o requerimento administrativo seria inócuo, contraproducente, um desperdício de recursos do interessado e também e especialmente da Administração Pública. 6.3.3 Interesse de agir em ações de concessão de benefício previdenciário A partir do ponto de vista assinalado no tópico anterior, revela-se, em princípio, correta a decisão judicial que, em ação de concessão de benefício previdenciário, extingue o processo sem julgamento do mérito, por carência de ação decorrente da falta de interesse processual (CPC/2015, arts. 17 e 485, VI; CPC/1973, arts. 3º e 267, VI), quando inexistente o indeferimento administrativo, pois não se justificaria a invocação da tutela jurisdicional sob a perspectiva da necessidade⁴⁸⁵. O Poder Judiciário não deve ser visto como um atalho à obtenção de prestação previdenciária que jamais foi analisada pela Administração Pública. Com efeito, embora o acesso à Justiça consubstancie direito fundamental, ele não corresponde a uma garantia absoluta, mas restrita às hipóteses em que existe lesão ou ameaça de lesão a direito (CF/88, art. 5º, XXXV). Na interpretação do princípio constitucional da proteção judiciária em face da exigência de prévio indeferimento do requerimento administrativo, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a alegação de ausência de justa causa para a recusa ao direito de ação acidentária, sob fundamento de que “inexiste ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, porquanto a falta de comunicação da doença ao segurador é condição imposta pela legislação infraconstitucional” (RE 174.186-4/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, j. 14.09.1999, DJ 29.10.1999)⁴⁸⁶. Posteriormente, contudo, ao reformar decisão oriunda da Turma Recursal de Osasco-SP, o Supremo Tribunal Federal assumiu a tese de que “Não há no texto constitucional norma que institua a necessidade de prévia negativa de pedido de concessão de benefício previdenciário no âmbito administrativo como condicionante ao pedido de provimento judicial”⁴⁸⁷. Sem embargo, quando do enfrentamento do tema pelo Plenário do STF, proferido de acordo com a sistemática de repercussão geral (RE 631.240), compreendeu-se que o prévio requerimento de concessão é, como regra geral, pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário⁴⁸⁸. De forma geral, portanto, apenas se caracteriza o interesse de agir para as ações de concessão quando anteriormente formulado o requerimento administrativo. Compreende-se, nessa perspectiva, que a lesão a direito, em tese, decorrerá: • da efetiva análise e indeferimento total ou parcial do pedido; ou • da excessiva demora em sua apreciação, isto é, quando excedido o prazo de 45 dias (Lei 8.213/91, art. 41-A, § 5º)⁴⁸⁹. Como anteriormente assinalado, porém, “não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado” (excerto do voto do Relator, p. 20). No âmbito do STJ, predominava o entendimento no sentido “da dispensa de prévio requerimento administrativo para o ingresso na via judicial que objetive a percepção de benefício previdenciário, afastando-se a alegação de ausência de interesse de agir”⁴⁹⁰. Era tradicional, com efeito, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é “desnecessária a prévia postulação administrativa para propositura de ação previdenciária”⁴⁹¹. A referência, então, era feita à Súmula 213 do extinto Tribunal Federal de Recursos. Esse enunciado sumular assegurava o acesso à jurisdição independentemente do exaurimento da via administrativa. Em outras palavras, exigia-se o indeferimento administrativo como fato caracterizador da resistência, por parte da Administração, à pretensão do segurado, mas não se condicionava o acesso à Justiça à interposição de todos os recursos administrativos previstos na legislação previdenciária⁴⁹². De qualquer sorte, a controvérsia a respeito desse tema no âmbito daquele Tribunal Superior foi solucionada quando do julgamento do REsp 1.369.834, Rel. Benedito Gonçalves, ocasião em que foi acolhida a orientação da Suprema Corte (RE 631.240)⁴⁹³. É importante fazermos uma observação sobre a perspectiva que condiciona a existência de interesse de agir à resistência à pretensão do interessado por parte do INSS. Segundo ela, é apenas com o indeferimento administrativo que se tem um conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida e que qualifica o segurado a deduzir sua pretensão em Juízo, invocando tutela jurisdicional e a intervenção do Poder Judiciário em uma questão que, sem esta, aquele conflito não encontraria solução. Sem embargo, em nosso modo de pensar, o que melhor caracteriza o interesse de agir em matéria previdenciária é que tem como pressuposto a existência de lesão ou ameaça de lesão a direito, mais do que a ideia de resistência à pretensão. Com efeito, a noção de resistência à pretensão, segundo nossa compreensão atual, não tem sentido quando se toma em conta que, no âmbito do processo administrativo, o segurado não formula pretensão específica contra a Administração Pública, para que esta lhe possa oferecer resistência. Mercê do dever fundamental de conceder a proteção social mais efetiva, a Administração deve orientar o segurado com vistas a satisfazer-lhe a melhor proteção. Nesse sentido, a existência de uma antecedente, específica e abrangente controvérsia entre o particular e a Administração, não configura, a rigor, condição de possibilidade do interesse de agir em matéria previdenciária. Explica-se: Por força do princípio da proteção judicial contra lesões implícitas (ou por omissão), toda vez que a Administração Previdenciária deixa de orientar o segurado acerca de seus direitos e não avança para conhecer sua realidade, acarretando com tal proceder a ilusão do direito à devida proteção social (direito à mais eficaz proteção social), ela, ainda que de modo implícito, opera, por omissão, verdadeira lesão a direito⁴⁹⁴. E isso é suficiente a caracterizar o interesse de agir, de modo a assegurar o acesso à justiça⁴⁹⁵. 6.3.3.1 Alegação de fato não analisado formalmente na via administrativa Guardamos o pensamento de que a atuação judicial somente se legitima quando existir, em tese, lesão ou ameaça a direito da pessoa que pretende o recebimento de uma prestação previdenciária. Nada obstante, na perspectiva do princípio da proteção judicial contra lesões implícitas, afigura-se um rigor excessivo e contrário à lógica própria do direito processual previdenciário a exigência de que, por ocasião do requerimento administrativo, o segurado alegue toda matéria de fato que, em tese, possa lhe servir à outorga do benefício previdenciário. Nessa linha de pensamento, a título ilustrativo, é desnecessário que a entidade previdenciária, em requerimento administrativo de concessão de aposentadoria voluntária, seja provocada especificamente em relação a todos os períodos de contribuição a que faça jus o segurado. O indeferimento administrativo de tal benefício franqueia ao segurado o acesso à Justiça, mesmo que a Administração Previdenciária, por exemplo, não tenha sido chamada a analisar determinado tempo de atividade urbana informal, ou tempo de atividade rural, ou tempo de atividade especial para fins de conversão em tempo comum⁴⁹⁶. Na perspectiva do processo previdenciário, presume-se o desconhecimento do segurado em relação a seus direitos e a forma de concretizá-los, reconhecendo-se, de outra parte, o dever de eficiência e de ampla participação da entidade seguradora no processo administrativo. Tudo isso, inspirado no significado central dos valores de subsistência para o segurado, em face do que o formalismo excessivo e as restrições desproporcionais de acesso à Justiça devem perder a força. O ponto que estamos a sustentar foi objeto de análise no item 2.3.3.1, supra, onde tratamos, desde a perspectiva da teoria do acertamento, sobre a desnecessidade de o interessado deduzir administrativamente todas as circunstâncias de fato que lhe possam ser favoráveis, para que tenha reconhecido seu interesse de agir. Ali tivemos condições de referir que esse entendimento é perfeitamente compatível com a decisão da Suprema Corte produzida no RE 631.240⁴⁹⁷. Essa perspectiva do problema evita, ademais, a impropriedade da consumação de uma formalista e antieconômica prestação de “tutela jurisdicional fatiada” ou de acesso a uma orientada a si mesmo “jurisdição por tiras”⁴⁹⁸. Por outro lado, se a Administração é obrigada a conceder a mais efetiva proteção previdenciária (benefício mais vantajoso) e se é notório que muitos dos direitos dos segurados não se encontram estampados em sua carteira profissional de trabalho ou no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, a ausência de efetiva participação do ente público no processo administrativo não pode, como regra, obstar o acesso à justiça. Da mesma forma, pode ser apreciado judicialmente o fato não analisado pela Administração, mesmo que correspondente a evento ocorrido após a data de entrada do requerimento (DER), desde que guarde relação direta com aspectos por ela recusados. A título ilustrativo, Negada pela Administração a conversão de tempo especial anterior a 10.07.2003, manifesto se apresenta o interesse processual, uma vez que mesmo que tivesse o segurado formulado novo requerimento em setembro de 2006, com utilização do tempo posterior, a pretensão seria indeferida. Não há razão, assim, para se negar a possibilidade de consideração do tempo posterior à DER, até porque o segurado, no período, não estava recebendo qualquer benefício. A pretensão resistida, decorrente da negativa administrativa, quanto ao tempo especial anterior ao lapso acima referido, por si só já justifica a procura da via judicial. Não teria sentido novo requerimento administrativo apenas para que também fosse negado o período posterior à DER (TRF4, AC 2006.70.08.001688-5, Turma Suplementar, Rel. p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 26.10.2009). A premissa geral que temos reconhecido na presente seção é, em suma, a seguinte: a ausência de apreciação de determinada circunstância fática, pela Administração Previdenciária, como regra, não constitui causa para se recusar a prestação da tutela jurisdicional à pessoa que busca a proteção social. Nada obstante, o Plenário do Supremo Tribunal Federal⁴⁹⁹ expressou que, “em se tratando de ações revisionais de benefício, as quais não dependem, como regra, do prévio requerimento administrativo de revisão, este pedido de revisão administrativa é necessário nas hipóteses em que a pretensão revisional depende da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração” (excerto do voto do Min. Relator Roberto Barroso, p. 11)⁵⁰⁰. Desse modo, deve-se compreender que, para a ação de concessão do benefício inicial, exige-se prévio requerimento administrativo, sendo desnecessário que o segurado alegue, perante a Administração Previdenciária, todas as circunstâncias de fato que lhe possam ser favoráveis. Já para a ação de revisão do benefício, não se exige o prévio requerimento, salvo se necessária a comprovação de matéria de fato ainda não levada a conhecimento da Administração. Sem embargo, também como regra geral, não se exige o prévio requerimento administrativo de concessão ou de revisão, se a posição do INSS for notória e reiteradamente contrária à postulação (manifestação do Min. Relator Roberto Barroso, p. 55). 6.3.3.2 Alegação de nova patologia em juízo É preciso reconhecer a existência de interesse de agir para ações de concessão ou restabelecimento de benefício por incapacidade ainda que a parte alegue, em juízo, patologia distinta daquela identificada na esfera administrativa e mesmo que a perícia judicial aponte que o início dessa patologia ocorreu em período posterior ao encerramento do processo administrativo. O fundamento para esse posicionamento encontra-se não apenas nas ideias de acesso à justiça, instrumentalidade do processo e a presumível necessidade e desconhecimento dos segurados da Previdência Social. Tratase de uma questão de primazia da realidade sobre a forma, isto é, a circunstância de uma determinada patologia não haver sido formalmente consignada pelo médico da Previdência Social não significa que ele não a tenha identificado ou que o segurado não tenha apresentado essa específica queixa. O que importa é definir a relação jurídica de proteção social e, nesse sentido, a existência de indeferimento administrativo ou de cessação de benefício é o quanto basta para que o juiz, de boa mente, responda ao pleito de tutela jurisdicional de inegável relevância social⁵⁰¹. Deve-se lembrar, nesse sentido, que a causa de pedir relaciona-se à incapacidade para o trabalho, sendo de menor importância a específica origem (doença ou lesão) da alegada situação incapacitante. Porém, isso não significa dizer que, uma vez tenha buscado um benefício previdenciário por incapacidade na via administrativa, o segurado não mais precise fazê-lo. Uma circunstância que se perceba absolutamente dissociada e superveniente ao anterior contexto administrativo não pode ser deduzida isoladamente de modo inédito em juízo, porque consubstancia elemento de uma nova relação jurídica de proteção, nada apresentando de continuum em relação à tutela administrativa anteriormente prestada. 6.3.3.3 Demora para ajuizamento da ação Tampouco é razoável exigir do segurado que o indeferimento administrativo seja relativamente contemporâneo à propositura da ação. É que, uma vez indeferido o pedido deduzido na esfera administrativa, abre-se espaço para a revisão judicial de tal ato administrativo. Se a tese da parte é no sentido de que, ao tempo do requerimento administrativo, já fazia jus à proteção previdenciária perseguida em juízo, soa arbitrária a exigência de que, para caracterizar interesse processual, o indeferimento administrativo seja relativamente recente⁵⁰². Com efeito, é necessário recordar que os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, por consequência, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como de índole jurídica. E, ainda que reconheça o problema como jurídico (violação de direitos), é necessário que a pessoa se disponha a ajuizar a ação. As estatísticas mostram que os indivíduos das classes mais baixas duvidam muito mais em acorrer aos tribunais mesmo quando reconhecem estar diante de um problema legal. É mesmo inegável que, quanto mais baixo é o estrato socioeconômico do cidadão, menos provável é que conheça um advogado ou que tenham amigos que conheçam advogados, e maior é a distância geográfica entre o lugar em que vive e a zona da cidade em que se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais⁵⁰³. 6.3.3.4 Descumprimento de exigência administrativa e as normas introduzidas pelo Decreto 10.410/2020 O tema da exigência administrativa para fins de instrução do processo administrativo de benefícios ganhou ainda mais importância com o advento do Decreto 10.410, de 30.06.2020, que alterou diversos dispositivos do Decreto 3.048/99, que aprovou o Regulamento da Previdência Social. Como regra geral, o indeferimento administrativo constitui elemento necessário e suficiente a caracterizar a necessidade de proteção judicial e, diante disso, o interesse de agir⁵⁰⁴. Todavia, mesmo a existência de um indeferimento administrativo de concessão de benefício pode ser insuficiente para atribuir ao particular o direito de ação, pois, tal como referimos anteriormente, é necessário que o indeferimento administrativo se opere após exame do mérito do pedido elaborado pelo indivíduo (veja-se item 1.7.3, supra). Em relação a esse ponto específico, é importante perquirir como se desenvolveu o processo administrativo antecedente à demanda judicial. Mais especialmente, importa saber se a Administração Pública teve efetivas condições de apreciar o pedido formulado ou se houve abandono voluntário do processo administrativo pelo interessado. A título ilustrativo, o segurado não deterá interesse de agir à ação de concessão de benefício por incapacidade laboral, se o benefício foi indeferido porque ele não compareceu à perícia médica da qual havia sido regularmente notificado ou se não compareceu para concluir exame médico pericial – uma vez solicitados esclarecimentos ao médico assistente⁵⁰⁵. Com esse exemplo, pode-se perceber que o indeferimento da prestação previdenciária pode não implicar necessariamente a dedução de conflito de interesses em juízo com vista à concessão do benefício. O indeferimento, em casos tais, ressente-se do chamado “despacho conclusivo”, pois a Administração Previdenciária apenas formalmente encerra o processo administrativo. O objeto específico desta seção consiste em analisar a relação entre o desatendimento de carta de exigência administrativa pelo interessado e o interesse de agir para a demanda judicial correspondente. Quando há falta de justificativa para o não cumprimento de exigências ou qualquer impugnação dos termos do ato administrativo que as formaliza; quando se verifica, em juízo, que as exigências descumpridas eram legítimas e necessárias para a análise do direito pretendido, é provocado nosso senso jurídico a buscar uma nova base para a caracterização do interesse de agir em matéria previdenciária que não o mero indeferimento administrativo. É que se o particular, no processo administrativo, simplesmente ignora os termos das exigências formalizadas pela entidade previdenciária, deixando de atendê-las, em termos práticos inviabiliza a análise de seu pedido e provoca, por omissão, o indeferimento administrativo. Como regra geral, nos casos em que o próprio pretendente ao benefício dá causa ao encerramento prematuro do processo administrativo, deixando de realizar ato necessário para a análise de concessão do benefício, não se configura materialmente a lesão a direito – ou mesmo a pretensão resistida. Nesses casos, não se pode sustentar a existência de interesse de agir para a propositura de ação judicial correspondente. Pode-se dizer que, nessa perspectiva, sinalizou o Supremo Tribunal Federal, quando definiu a tese relacionada ao interesse de agir em matéria previdenciária, como se pode verificar do voto do Rel. Min. Luís Roberto Barroso: “Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação” (negritou-se)⁵⁰⁶. Encontra-se também nessa linha orientação jurisprudencial no sentido de que Se, embora devidamente cientificado, o segurado deixa de cumprir a carta de exigência emitida pelo INSS, abstendo-se igualmente, no prazo estipulado, de justificar a ausência ou de requerer nova data para a apresentação dos documentos solicitados pelo órgão previdenciário, resta configurada sua inércia na persecução do benefício previdenciário na seara administrativa, inviabilizando o exame do mérito pela autarquia federal, impondo-se a extinção da ação ordinária, por ausência de interesse de agir⁵⁰⁷. De fato, como regra geral, se o interessado não atende a exigência administrativa que não se pode dizer ilegal ou desproporcional⁵⁰⁸ e é necessária para a apreciação de seu pedido, em essência o indeferimento administrativo não ocorreu porque a pretensão não foi analisada, em seu mérito, e indeferida. Dito de outro modo, inviabiliza a conclusão do processo administrativo a omissão deliberada do particular, quanto ao atendimento de solicitação legítima da Administração Pública, para prestação de informações, apresentação de documentos ou realização de providências necessárias à apreciação do pedido formulado. Nesses casos de abandono voluntário do processo administrativo, não se pode falar em lesão a direito do particular. Como consequência, inexiste necessidade de proteção judicial para a concessão do benefício pretendido, falecendo ao particular o interesse de agir para a ação correspondente, mesmo diante da comunicação administrativa de indeferimento⁵⁰⁹. O panorama retratado acima parece ter ficado mais claro com a edição do Decreto 10.410/2020. Esse ato normativo apresenta uma série de disposições relacionadas ao dever de apresentação, pelo interessado, da documentação necessária para a análise do pedido administrativo de concessão de benefício previdenciário. Torna-se indispensável, nesse contexto, a análise do art. 176 do RPS, em sua novel redação, que se encontra assim disposta: Art. 176. A apresentação de documentação incompleta não constitui, por si só, motivo para recusa do requerimento de benefício ou serviço, ainda que seja possível identificar previamente que o segurado não faça jus ao benefício ou serviço pretendido. (Redação dada pelo Decreto 10.410/2020) § 1º Na hipótese de que trata o caput, o INSS deverá proferir decisão administrativa, com ou sem análise de mérito, em todos os pedidos administrativos formulados, e, quando for o caso, emitirá carta de exigência prévia ao requerente. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 2º Encerrado o prazo para cumprimento da exigência sem que os documentos solicitados tenham sido apresentados pelo requerente, o INSS: (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) I – decidirá pelo reconhecimento do direito, caso haja elementos suficientes para subsidiar a sua decisão; ou (Incluído pelo Decreto 10.410/2020). II – decidirá pelo arquivamento do processo sem análise de mérito do requerimento, caso não haja elementos suficientes ao reconhecimento do direito nos termos do disposto no art. 40 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 3º Não caberá recurso ao CRPS da decisão que determine o arquivamento do requerimento sem análise de mérito decorrente da não apresentação de documentação indispensável ao exame do requerimento. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 4º Caso haja manifestação formal do segurado no sentido de não dispor de outras informações ou documentos úteis, diversos daqueles apresentados ou disponíveis ao INSS, será proferida a decisão administrativa com análise de mérito do requerimento. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 5º O arquivamento do processo não inviabilizará a apresentação de novo requerimento pelo interessado, que terá efeitos a partir da data de apresentação da nova solicitação. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 6º O reconhecimento do direito ao benefício com base em documento apresentado após a decisão administrativa proferida pelo INSS considerará como data de entrada do requerimento a data de apresentação do referido documento. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) § 7º O disposto neste artigo aplica-se aos pedidos de revisão e recursos fundamentados em documentos não apresentados no momento do requerimento administrativo e, quanto aos seus efeitos financeiros, aplica-se o disposto no § 4º do art. 347. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) A premissa de que parte o art. 176 do Regulamento da Previdência Social é a de que o requerimento de benefício não pode ser recusado, nem em razão de apresentação de documentação incompleta, nem quando seja possível identificar previamente que o segurado não faça jus ao benefício ou serviço pretendido (art. 176, caput)⁵¹⁰. A expressão do direito de acesso à tutela administrativa não consolida algo novo ou mesmo liberalidade do poder regulamentar, primeiro porque a Constituição Federal assegura o direito fundamental de petição perante a Administração Pública⁵¹¹, e depois porque a lei regente, de modo expresso, estabelece que “a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício” (Lei 8.213/91, art. 105). Por outro lado, o art. 176, § 1º, do RPS, além de reafirmar a lógica de que, diante de documentação incompleta, o INSS emitirá carta de exigência prévia ao requerente, agasalha, nos termos da IN 102/PRES/INSS, de 14.08.2019, uma tipificação das decisões administrativas, que podem ocorrer com ou sem análise de mérito⁵¹². A decisão administrativa sem análise do mérito se dará, essencialmente, nos casos de injustificado descumprimento da carta de exigência que torne impossível a análise e o reconhecimento do direito pretendido. Com efeito, de acordo com o art. 176, § 2º, do RPS, uma vez encerrado o prazo para cumprimento da exigência sem que os documentos solicitados tenham sido apresentados pelo particular, o INSS poderá oferecer dois encaminhamentos: • reconhecimento do direito, caso haja elementos suficientes para subsidiar a sua decisão; • arquivamento do processo sem análise de mérito do requerimento, caso não haja elementos suficientes ao reconhecimento do direito, nos termos do disposto no art. 40 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Conforme se pode verificar, essa alteração regulamentar significa a institucionalização, na seara previdenciária, de uma prática respaldada na Lei 9.784/99 (art. 40), qual seja, a de se considerar que a decisão de indeferimento se realiza sem avaliação do mérito nos casos em que a Administração Pública não consegue concluir a análise do processo por força de omissão imputável ao particular⁵¹³. Chama a atenção, porém, a previsão normativa de reconhecimento do direito, mesmo sem atendimento da exigência administrativa, caso haja elementos suficientes para subsidiar a sua decisão. Ora, se havia elementos suficientes para a concessão do benefício, a exigência era desde sempre desnecessária e, portanto, indevida. Outro aspecto interessante diz respeito à possibilidade de o particular obter decisão de mérito, sem cumprimento da carta de exigência. Quanto ao ponto, não lhe socorrerá eventual pretensão de recorrer na via administrativa, porque, de acordo com o art. 176, § 3º, “não caberá recurso ao CRPS da decisão que determine o arquivamento do requerimento sem análise de mérito decorrente da não apresentação de documentação indispensável ao exame do requerimento”. Para obtenção de decisão administrativa com mérito, independentemente do cumprimento da exigência, o particular deve manifestar-se no sentido de não dispor de outras informações ou documentos úteis, diversos daqueles apresentados ou disponíveis ao ente previdenciário (art. 176, § 4º). À luz do art. 176, § 4º, do RPS, uma questão que não tardará a surgir diz respeito à existência de interesse de agir nas hipóteses em que o interessado afirma “não dispor de outras informações ou documentos úteis”, obtém indeferimento com análise do mérito, mas propõe demanda judicial com novos elementos probatórios, os que constituíam objeto da carta de exigência, inclusive. Se os documentos apresentados em juízo são apenas e justamente aqueles que eram objeto da exigência administrativa e que o particular afirmou deles não dispor, parece inviável o reconhecimento de lesão a direito e da necessidade de proteção judicial para sua realização. O caminho adequado parece ser o de reabertura ou desarquivamento do processo administrativo, mesmo que tenha havido razão justificável para a não apresentação da documentação em tempo oportuno. De outro lado, não se revela razoável vedar-se a apresentação de documentos inéditos, isto é, documentos não apresentados na via administrativa, para a comprovação do fato constitutivo do direito que se pretende proteger judicialmente. Por consequência, não deve ser condicionado o acesso à justiça a uma perfeita correspondência entre os elementos probatórios que se encontram no processo administrativo àqueles que são apresentados na demanda judicial. Nesse sentido, basta lembrar que a lesão a direito, em tese, é suficiente para se caracterizar o direito constitucional de proteção judicial. Por essa razão, se outros dados ou documentos são apresentados apenas em juízo, não foram objeto de exigência administrativa, e se prestam a comprovar o fato constitutivo do direito, resta declarada a necessidade e a utilidade da via judicial. Por outro lado, inexiste razão para não se admitir a apresentação de novos documentos no processo judicial, especialmente em um contexto processual civil, que admite a juntada de documentos posteriormente à petição inicial ou à contestação (CPC, art. 435, parágrafo único), e em um ambiente processual previdenciário, que tem como possível a apresentação de novos documentos mesmo após a formação de coisa julgada⁵¹⁴. Um tal pensamento restritivo tornaria impraticável o acesso à justiça em matéria previdenciária e é facilmente desmentido pela lógica assumida pela Suprema Corte, ao tempo da fixação do Tema 350, no sentido de que a demora excessiva para análise administrativa, por si só, justifica o acesso à justiça. Nesse cenário em que a tarefa de identificação e de comprovação dos fatos constitutivos do direito são objeto exclusivo de cuidado jurisdicional, sem prévia análise administrativa, exigir o processo judicial seja espelho ou réplica probatória do processo administrativo soa tudo, menos efetividade de justiça. Note-se, por fim, que a vedação de apresentação de novos documentos não guarda pertinência com a racionalidade processual previdenciária, que assume a possibilidade de reconhecimento do fato superveniente para a concessão judicial do benefício indeferido na esfera administrativa, tanto quanto permite o reconhecimento de direito que sequer constou como pedido específico na petição inicial. Ora, se é admissível e devido o reconhecimento de fato superveniente, é imperioso aceitar que novos e inéditos elementos probatórios podem ser apresentados na esfera judicial; se é admissível e devido o reconhecimento de direito distinto do postulado na inicial, é possível que a outorga da prestação jurisdicional tome em conta fatos distintos daqueles apurados administrativamente, cuja comprovação demande elementos probatórios diversos. Agora miremos os problemas que advêm do arquivamento do processo de concessão de benefício. O estudo se aproxima das ilegalidades do novo regime regulamentar das exigências administrativas, como se pretende esclarecer. O art. 176, § 5º, do RPS estabelece que “O arquivamento do processo não inviabilizará a apresentação de novo requerimento pelo interessado, que terá efeitos a partir da data de apresentação da nova solicitação”⁵¹⁵. É desnecessária a primeira parte desse dispositivo; a parte final extrapola a lei. Que é possível a qualquer tempo um novo requerimento administrativo não seria necessário expressar. Trata-se de derivação do direito constitucional de petição, como antes assinalado, que em sede previdenciária foi disposto pelo art. 105 da Lei 8.213/91, o qual assegura que a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício. De outra parte, é inadmissível que um ato infralegal promova a alteração dos efeitos jurídicos de um requerimento administrativo e restrinja direitos dos particulares. Indiscutivelmente não é franqueado a um regulamento inovar a ordem jurídica. Logo, sem respaldo em lei no sentido estrito, não poderia esse ato normativo extinguir efeitos jurídicos de requerimento anteriormente formalizado, em razão de documentação incompleta. Ao pretender fazê-lo, opera em desconformidade com a lei, que simplesmente não veicula qualquer penalidade ao particular, quando este apresenta documentação incompleta ou desatende exigência administrativa. É correto que o art. 176, § 2º, II, ao dispor sobre o arquivamento do processo sem análise de mérito do requerimento, apoia-se no art. 40 da Lei 9.784/99, que prevê o arquivamento do processo no caso de não atendimento, pelo interessado, de solicitação de dados, atuações ou documentos necessários à apreciação de pedido. Ocorre que a lei jamais prescreve a supressão dos efeitos jurídicos do processo anterior, que foi encerrado sem avaliação de mérito. Essa previsão normativa de supressão de efeitos jurídicos de ato que se aperfeiçoou de acordo com a lei é fruto de criação ilegal do Regulamento. A segunda parte do art. 176, § 5º, do RPS veicula, pois, uma ilegalidade ostensiva. Mas não é a única. Com efeito, a inclinação à restrição de direitos previdenciários sem amparo legal prossegue mediante emprego de ficção jurídica, segundo a qual “O reconhecimento do direito ao benefício com base em documento apresentado após a decisão administrativa proferida pelo INSS considerará como data de entrada do requerimento a data de apresentação do referido documento” (art. 176, § 6º). Ora, a data da entrada do requerimento está diretamente vinculada ao termo inicial de concessão dos benefícios previdenciários e, por conseguinte, aos seus efeitos financeiros⁵¹⁶. Logo, a alteração, por ficção, da data da entrada do requerimento significa tentativa de restrição de direitos fundamentais por decreto. Isso deixa transparecer que o propósito regulamentar é o da supressão de efeitos financeiros que, nos termos da lei, são devidos aos beneficiários desde o requerimento administrativo, independentemente da apresentação de documentação necessária para o reconhecimento do direito pretendido. Nesse sentido, o § 7º do art. 176 prescreve que as normas relativas às exigências administrativas se aplicam aos pedidos de revisão e recursos fundamentados em documentos não apresentados no momento do requerimento administrativo, sendo que seus efeitos financeiros serão fixados na data do pedido de revisão ou do recurso (RPS, art. 347, § 4º). Ao emprestar novas consequências jurídicas para as decisões de arquivamento sem análise de mérito, o Regulamento busca inovar a ordem jurídica, tocando indevidamente a esfera jurídico-patrimonial dos particulares e eliminando efeitos financeiros de benefícios em absoluta contradição com o que assegura a legislação de regência. Em suma, a Lei 8.213/91 não prevê qualquer hipótese de extinção dos efeitos jurídicos do ato de requerimento administrativo, e assegura, em termos gerais, que os benefícios são devidos desde a formalização deste ato jurídico (DER), não tomando em consideração, para determinação dos efeitos financeiros dos benefícios, se foi ou não apresentada documentação necessária para a sua concessão⁵¹⁷. Por outro lado, a jurisprudência tem reiterado a compreensão de que, para fins de determinação do termo inicial de um benefício previdenciário, não é importante o momento em que se comprova o fato constitutivo do direito, mas se os pressupostos legais que autorizam sua concessão já se faziam presentes quando do requerimento administrativo: A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo--se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria (STJ, Primeira Seção, Pet 9.582/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26.08.2015, DJe 16.09.2015). Afiguram-se ilegais, portanto, as regras do Regulamento da Previdência Social contidas nos §§ 5º, segunda parte, 6º e 7º do art. 176, com a redação dada pelo Decreto 10.410/2020. 6.3.3.4.1 Pressupostos de validade de exigência administrativa Na seção anterior foram analisados os efeitos jurídicos decorrentes de uma carta de exigência administrativa e de seu eventual descumprimento por parte do interessado. Tomou-se como regra geral, nesse sentido, a premissa de que o descumprimento injustificado de uma exigência administrativa implica ausência de interesse de agir para a propositura da correspondente ação previdenciária. Criticaram-se, outrossim, as ilegais disposições do atual Regulamento da Previdência Social, que atribuem novas consequências jurídicas às decisões de arquivamento sem análise de mérito, restringindo indevidamente direitos previdenciários de seus beneficiários, em absoluta contradição com o que assegura a legislação de regência. Sem embargo, deve-se ter presente que uma exigência administrativa, para que obrigue o particular e gere os efeitos jurídicos que lhe são próprios, deve obedecer a certas condições de validade. É intuitivo, por exemplo, que é excessiva a exigência de apresentação de documentos que se encontram fora do alcance do particular. Dessa forma, é preciso reconhecer limites para a formulação de exigência administrativa nos processos de requerimentos de benefícios previdenciários. O propósito desta seção é justamente analisar os limites que devem ser observados para que se considere lícita a imposição administrativa formulada em processo de requerimento de benefício previdenciário. De nossa parte, quatro são os pressupostos para que se tenha como válida uma exigência administrativa. Em resumo, a exigência deve (i) ser legal, (ii) estar ao alcance do particular, (iii) ser necessária para a solução do processo administrativo e (iv) não buscar fatos ou dados que estejam registrados em documentos existentes na própria Administração. Cabe destacar, inicialmente, que será ilegal a exigência administrativa que demande a prestação de informações ou a apresentação de provas pelo interessado em desacordo com a lei. Seria ilegal, por exemplo, uma exigência que, em relação ao tempo em que a lei não condicionava a comprovação de união estável a um início de prova material contemporânea (período anterior à vigência da MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019), demandasse a apresentação de número mínimo de documentos, tal como estabelecia o art. 22, § 3º, do RPS, na redação emprestada pelo Decreto 3.668/2000. Por outro lado, será indevida, excessiva ou desproporcional a exigência administrativa que demande a apresentação de dados ou documentos de que não disponha o interessado ou que não se encontrem ao seu alcance. Imagine-se, nesse sentido, uma exigência administrativa emitida ao segurado que pretende comprovar determinado tempo de contribuição informal exercido na condição de empregado, para que apresente livro de registro de empregados da suposta empresa empregadora, cujas atividades se encontrem encerradas. Como a providência se encontra fora do alcance do particular, a exigência se revela desproporcional, excessiva. A exigência administrativa também será indevida quando as provas que ela visa carrear ao processo são impertinentes ou desnecessárias à instrução. Se por outros meios pode-se comprovar determinado fato ou se uma dada informação já se encontra no processo administrativo, é injustificável a providência ordenada, porque desnecessária; logo, desproporcional. De fato, importante critério norteador do processo administrativo é o que se relaciona à adequação entre meios e fins da atuação administrativa, pelo qual se veda “a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (Lei 9.784/99, art. 2º, VI). Por fim, em face do dever ex officio de instrução probatória, não é lícito exigir do particular a apresentação de fatos ou dados que estejam registrados em documentos existentes no próprio ente previdenciário ou em outro órgão da Administração Pública federal. Trata-se de elementar garantia processual administrativa, como se pode examinar: Lei 9.784/99, art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias. Em relação a esse particular aspecto, cumpre notar que o ônus do interessado, de comprovar os fatos constitutivos do direito ao benefício que pretende, não afasta o dever da Administração Pública de promover a instrução do requerimento com elementos necessários que constem da base de dados da Previdência Social ou de outro órgão federal. É importante lembrar, ademais, que deve haver comprovação de comunicação formal do particular para o cumprimento de exigência administrativa, nos termos do art. 26, § 3º, da Lei 9.784/99 (“A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado”) – negritou-se. Se não for constatado qualquer dos pressupostos de validade da exigência administrativa, deve-se considerar ilegal a obrigação, reputando-se configurada a lesão a direito do particular, de modo que se tornaria inadequada a imposição de qualquer consequência jurídica concernente ao abandono voluntário do processo administrativo. Sendo ilícita a exigência, o indeferimento administrativo caracteriza lesão a direito passível de proteção judicial, na forma do art. 5º, XXXV, da CF/88, tal como interpretado pelo STF, quando do julgamento do Tema 350, destacadamente quanto ao direito de acesso à justiça diante da demora excessiva da Administração. Em ambos os casos – demora excessiva da Administração e imposição de exigência ilegal –, registre-se, há lesão a direito do interessado sem uma decisão final conclusiva por parte do órgão previdenciário. Com efeito, inexistindo omissão deliberada por parte do interessado, o indeferimento pela ausência de atendimento a ilegal exigência administrativa não pode subsistir como uma questão meramente formal, materializando, antes, autêntica lesão a direito. Como consequência, deve-se concluir que a decisão administrativa indeferitória de mérito não é pressuposto para caracterização do interesse de agir nas hipóteses de imposição de exigência administrativa ilegal. 6.3.3.5 Interesse de agir no caso de indeferimento da antecipação de auxílio-doença (Lei 13.982/2020) No contexto do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20.03.2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), a Lei 13.982, de 02.04.2020, por meio de seu art. 4º, autorizou o INSS a antecipar, nas condições que estipulou, 1 (um) salário mínimo mensal para os requerentes do benefício de auxílio-doença⁵¹⁸. A presente seção é dedicada a analisar se há interesse de agir, para obtenção de auxílio por incapacidade temporária, quando é indeferida a antecipação de que trata a Lei 13.982/2020, por não cumprimento dos requisitos estabelecidos pela legislação, por exemplo, desconformidade do atestado médico às exigências normativas. De um lado, pode-se compreender que o indeferimento administrativo, nesses casos, ocorre em razão da não apresentação ou não conformação dos dados contidos no atestado médico com as exigências legais, condição necessária para o deferimento da antecipação do benefício, não cabendo ao Judiciário avaliar a efetiva existência de incapacidade laboral para fins de concessão de benefício por incapacidade laboral, uma vez que não houve análise técnica pelo INSS por meio de perícia administrativa. Como já foi destacado, a análise do direito de acesso à justiça em matéria previdenciária deve partir do que preconizou o Supremo Tribunal Federal quando da fixação do Tema 350⁵¹⁹. Como visto anteriormente, a premissa fundamental acolhida nesse julgamento foi a de que o pressuposto para a judicialização é a lesão ou ameaça a direito, nos termos do art. 5º, XXXV, da CF/88⁵²⁰. A questão que se põe em análise traduz um quadro de excepcionalidade, na qual o Poder Público não dá processamento a pedidos de benefício por incapacidade laboral, em razão da suspensão das atividades presenciais e, em particular, da atividade médico-pericial. 6.3.3.5.1 Da indevida suspensão dos serviços públicos essenciais a cargo dos médicos peritos federais A suspensão do atendimento presencial pelo INSS se deu nos termos da Portaria 8.024, de 19.03.2020 (DO 20.03.2020), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho − SEPRT do Ministério da Economia, que dispôs sobre o atendimento dos segurados e beneficiários do INSS durante o período de enfrentamento, da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19), estabelecendo que: Art. 1º Até 30 de abril de 2020, o atendimento aos segurados e beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) será prestado por meio dos canais de atendimento remoto. Parágrafo único. O prazo de que trata o caput poderá ser prorrogado, durante o período de enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19), de que trata a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, se necessário para a proteção da coletividade. Mais especificamente, a Portaria 412/PRES/INSS, de 20.03.2020 (DO 23.03.2020), dispôs sobre a manutenção de direitos dos segurados e beneficiários do INSS em razão das medidas restritivas no atendimento ao público para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19), expressando em seu art. 2º: Art. 2º Fica suspenso o atendimento presencial nas unidades do INSS até 30 de abril de 2020, permitida a prorrogação. § 1º Os requerimentos dos serviços previdenciários e assistenciais neste período deverão ser realizados exclusivamente por meio dos canais remotos. Antes disso, a Portaria 375, de 17.03.2020 (DO 18.05.2020), já havia suspendido o atendimento não programado nas unidades do Instituto Nacional do Seguro Social. Como se percebe, as Portarias 412/PRES/INSS, de 20.03.2020, e 8.024, de 19.03.2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho − SEPRT do Ministério da Economia, suspenderam o atendimento presencial nas Agências da Previdência Social, mas resguardaram a prestação de serviços necessários pelos canais remotos. Nesse contexto, a suspensão das atividades dos médicos peritos federais culminou por impedir o processamento e análise de processos em que se pretendida a concessão de benefício por incapacidade. Sem embargo, como remédio provisório, previu-se a concessão da antecipação de um salário mínimo de auxílio-doença, nos termos do art. 4º da Lei 13.982/2020. Quando o segurado busca o Poder Judiciário após o indeferimento da antecipação de que trata o art. 4º da Lei 13.982/2020, ele se encontra na seguinte contingência: a) teve indeferida a antecipação de um salário mínimo, por não ter atendido às exigências contidas na Portaria Conjunta 9.381, de 06.04.2020 (DOU 07.04.2020), que vigeu até 23.08.2020, quando foi revogada pela Portaria Conjunta 47, de 21.08.2020 (DOU 22.08.2020); b) no âmbito administrativo lhe restava a solicitação de novo exame, sem apresentação de atestado na forma exigida pelos atos normativos acima mencionados, sendo que a realização de perícia presencial somente ocorreria quando normalizado o regime de plantão reduzido de atendimento nas Agências da Previdência Social, nos termos da Portaria Conjunta SERPT/INSS n. 8.024, de 19.03.2020. Dito de outra maneira, no âmbito administrativo, restaria ao segurado, que alegadamente se encontrava em situação de urgência, em razão de incapacidade laboral e da falta de recursos para subsistência, aguardar o término do regime de plantão do INSS, com prazo indefinido à época do indeferimento administrativo, e que perduraria até 13.11.2020, ainda sem o retorno imediato das perícias médicas. Pode-se concluir, portanto, que restou configurada a solução de continuidade de serviço público essencial e tão relevante como é o de análise e concessão de benefício por incapacidade laboral. Essa situação culmina por violar uma das diretrizes que norteiam o serviço público: o princípio da continuidade⁵²¹. De fato, o Poder Público tem obrigação de garantir a prestação do serviço público necessário à realização de direitos relacionados ao mínimo vital. Em outras palavras, os serviços essenciais devem ser mantidos de modo a não ameaçar a própria subsistência de pessoas vulneráveis ou de lhes causar consequências dramáticas e danos irreparáveis. Pode-se afirmar que o problema jurídico em estudo retrata situação análoga à da interrupção dos serviços públicos em função de movimentos paredistas de servidores públicos. Para esses casos, aplica-se o entendimento de que “O exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos, não obstante se tratar de direito assegurado pela Constituição, não pode constituir obstáculo à continuidade do serviço público”⁵²². É correto afirmar que o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Decreto Legislativo 6, de 20.03.2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), enseja uma situação excepcional. Todavia, a essencialidade do serviço público reclamava uma tutela administrativa que não deixasse ao desamparo os segurados da Previdência Social cujos direitos careciam de perícia médica para sua realização. Nesse sentido, ainda que a antecipação do auxílio-doença prevista no art. 4º da Lei 13.982/2020 constituísse salutar iniciativa normativa, é forçoso reconhecer que ela não resolveu o grave problema sofrido pelos segurados; e isso por três razões: a) Ela lançava aqueles que não atendiam as exigências administrativas para a antecipação a uma situação angustiante, de absoluta incerteza, insegurança jurídica e de espera indefinida. b) A antecipação era concedida por períodos extremamente curtos, sujeitando os segurados, em um contexto de falta de informações, a novas iniciativas e à apresentação de outros elementos para sua prorrogação. c) O valor da antecipação, sempre em um salário mínimo, não correspondia ao valor que seria devido aos segurados que fariam jus a renda mensal em importância superior. Dessa forma, impunha-se a continuidade do serviço público essencial de perícia médica, a cargo dos hoje chamados médicos peritos federais. Pode-se argumentar que, por razões de proteção da saúde dos médicos servidores públicos e dos segurados da Previdência Social, não era recomendável a continuidade das perícias médicas. Todavia, pode-se perceber a incoerência dessa linha argumentativa. Ao mesmo tempo em que, por amor à saúde dos médicos peritos e também dos segurados, se encontravam suspensas as atividades médico-periciais nas agências da Previdência Social, condicionava-se o deferimento da antecipação à apresentação de atestados médicos que deveriam ser emitidos em conformidade com os aludidos atos normativos, documentos esses que, em sua maioria, somente poderiam ser fornecidos no âmbito do já sobrecarregado sistema público de saúde, demandando, por óbvio, o deslocamento físico dos segurados. Em outras palavras, para a materialização do documento-meio, isto é, do atestado médico contemporâneo em conformidade com os precisos termos das Portarias 9.381 e 47, ambas de 2020, não haveria cautela maior a ser dispensada, nem para a proteção da saúde dos segurados, nem para a proteção dos médicos da rede pública, aos quais, pode-se argumentar, seriam mesmo médicos e a exposição a agentes nocivos biológicos constitui fator indissociável do exercício de sua profissão. De modo distinto, seria inviável a realização de perícia médica administrativa, ato médico que constitui serviço público essencial, em homenagem ao inviolável direito de saúde desses mesmos segurados e dos médicos peritos federais. Acrescente-se, por fim, que o Decreto 10.282, de 20.03.2020, expressou que as medidas para enfrentamento da emergência de saúde, previstas pela Lei 13.979/2020, devem resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais, dentre os quais se encontram a “assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares” e a “assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade” (art. 3º, § 1º, I e II). Diante desse quadro fático e normativo, não se justificava a suspensão dos serviços públicos a cargos dos médicos peritos, para análise da capacidade laboral dos segurados da Previdência Social. Antes, deveria ter sido mantido à cidadania o processamento de requerimentos administrativos de benefícios urgentes, mediante prestação de serviços médicos essenciais, observados os protocolos clínicos necessários para a prevenção da Covid-19. 6.3.3.5.2 Da situação de incerteza normativa, insegurança jurídica e urgência na obtenção de direito de subsistência Para se analisar se é necessária e adequada – ou não – a medida judicial em face do indeferimento da antecipação do auxílio-doença, é preciso se colocar no lugar do segurado da Previdência Social. Eis o quadro então verificado: • encontra-se portador de uma patologia ou lesão que acredita lhe estar impedindo de exercer sua atividade habitual, comprometendo a obtenção de recursos para sua subsistência; • não logra atender às exigências administrativas para o recebimento da antecipação do auxílio-doença, no valor de um salário mínimo; • incerto quanto ao encaminhamento que possa adotar para ver seu direito de natureza urgente protegido oportunamente; • com dificuldades para receber atendimento ou orientação do INSS, os quais eram apenas realizados pelos canais remotos (Meu INSS e entidades parceiras e página da Previdência, pela internet, e Central 135, pelo telefone); • sem expectativa de prazo para a realização de perícia médica presencial pelo INSS; • inseguro e sem informações quanto aos efeitos financeiros do benefício que pretende receber; • sem uma orientação normativa que lhe pudesse dar conhecer a sua situação jurídica e o que fazer para ter concedido o benefício pretendido. Se dúvida ainda houver quanto à insegurança jurídica e à falta de acesso às informações necessárias para realização do direito material pretendido, por parte de pessoas simples, presumivelmente desconhecedoras de seus direitos e de como fazer valer esses direitos, basta reconhecermos as incertezas que os operadores jurídicos especializados na matéria previdenciária nutriam, quanto a esses mesmos problemas, naquele contexto histórico. Observe-se, a propósito, que somente com a edição da Portaria 932, de 14.09.2020, deu-se a disciplina do procedimento para os casos de indeferimento dos pedidos de antecipação, resguardando-se a DER para eventual concessão de auxílio-doença, nos termos de seu art. 8º, in verbis: Art. 8º Nos casos de indeferimento da antecipação, após a retomada do atendimento presencial pela perícia médica, o INSS notificará o segurado via MEU INSS, SMS e por Edital, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, realize o agendamento da perícia médica, com garantia da Data de Entrada do Requerimento – DER da primeira solicitação. § 1º Não sendo realizado o agendamento da perícia médica no prazo estipulado no caput, o requerimento administrativo será arquivado nos termos do art. 40 da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. § 2º Se o segurado realizar o agendamento da perícia médica, mas não comparecer ao ato pericial, o requerimento administrativo será arquivado nos termos do art. 40 da Lei n. 9.784, de 1999. § 3º Nos casos de indeferimento da antecipação, se a perícia médica presencial atestar a existência de incapacidade ao tempo do requerimento e desde que atendidos os demais requisitos do benefício, o segurado terá direito às diferenças desde o requerimento administrativo. Ainda assim, a forma de notificação dos segurados acima disposta (Meu INSS, SMS ou por edital), ocorrendo eventualmente meses após o indeferimento da antecipação, exigiria constante acompanhamento, o que soa desproporcional. Isso tudo evidencia que o acesso à justiça para concessão de benefício por incapacidade, diante do indeferimento administrativo da antecipação de que tratou o art. 4º da Lei 13.982/2020, não traduz uma indevida supressão da instância administrativa pelo segurado da Previdência Social que pudesse manifestar um ato de excesso de judicialização. Em razão do quanto exposto, impõe-se considerar que, no contexto de interrupção de serviço público essencial, ao segurado da Previdência Social não foi possível sequer formalizar pedido de concessão de benefício previdenciário de natureza urgente. Na melhor das hipóteses, tomando em conta a norma superveniente contida na Portaria 932, de 14.09.2020, configurava-se ali uma demora excessiva para a resposta administrativa a um segurado da Previdência Social, colocando em questão o silêncio administrativo em matéria previdenciária, tema objeto de tratamento na seção seguinte. 6.3.3.6 Silêncio administrativo e proteção judicial Talvez nunca estivesse tão presente entre nós o caráter urgente das prestações sociais de natureza alimentar. O ano de 2020, marcado pelo distanciamento social e pelos impactos todos gerados pela pandemia – Covid-19 –, declarou uma vez mais a premência por efetividade de uma determinada prestação social de subsistência. O caráter urgente da proteção social de subsistência era reconhecido a todo momento pela opinião pública e pelos mais diversos atores políticos, tendo em consideração os nefastos efeitos humanos e sociais causados pela demora para a operacionalização e pagamento do auxílio emergencial a seus destinatários legais⁵²³. Seria desnecessário dizer que também as prestações previdenciárias são revestidas de uma tal premência, não fosse a relativa indiferença com que é gerida ou encarada a atual e notória inércia ou demora sine die da Administração Pública para processamento e análise dos requerimentos que lhe são dirigidos⁵²⁴. É preciso, em razão dessa inaceitável passividade, reabilitar o caráter urgente de uma prestação previdenciária, encontrando soluções jurídicas para se fazer superar a aflitiva situação de milhões de segurados e dependentes que aguardam indefinidamente a conclusão dos processos administrativos de concessão e de revisão de benefícios junto ao ente previdenciário. Expressamos acima o pensamento de que, se eventual ilegalidade da Administração Pública pode alcançar uma generalidade de pessoas, é recomendável que ela seja corrigida mediante o emprego de uma tutela coletiva, de cunho inibitório, pois é contraproducente a adoção de ferramentas artesanais, em demandas individuais, para julgamento de verdadeiras causas de massa⁵²⁵. Nessa perspectiva, uma solução judicial possível para a excessiva e indevida demora administrativa para análise dos requerimentos de concessão de benefícios poderia alcançar a seara do problema fundamental que subjaz a essa absurda ineficiência dos serviços públicos previdenciários: a insuficiência de recursos pessoais e materiais, isto é, a falta de estrutura administrativa e de um corpo funcional suficientemente qualificado para fazer frente à demanda social. Ainda nessa ótica da correção institucional de forma abrangente, não seria desarrazoado identificar nesse contexto administrativo previdenciário caótico o que a Corte Constitucional colombiana denominou como um estado de coisas inconstitucional – ECI, entendido por Carlos A. Azevedo como um quadro de “omissões estatais, estruturais, que impliquem não apenas a falta de efetividade dos direitos fundamentais, mas um quadro de violação massiva desses direitos”⁵²⁶. Nesta seção, busca-se identificar possível solução para o problema do indivíduo que sofre, por omissão abusiva, violação estatal que lhe impede de gozar, em tempo oportuno, o direito previdenciário que requereu administrativamente. A inatividade formal do Poder Público⁵²⁷, deixando de conceder ou indeferir a pretensão do particular, no prazo legal, culmina por violar o direito constitucional de petição em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, “a”), bem como o direito fundamental ao devido processo legal no âmbito administrativo (CF, art. 5º, LIV e LV), que abrange o direito à duração razoável do processo administrativo (CF, art. 5º, LXXVIII)⁵²⁸. Trata-se, por fim, de inobservância, por parte do Poder Público, de seu dever de respeitar e garantir os direitos de Previdência Social, incorrendo, com a abusiva demora apurada nos processos administrativos, em violação dos direitos humanos, contrariando o art. 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos⁵²⁹ e seu Protocolo Adicional, que consagra, em seu art. 9º, o Direito Humano à Previdência Social⁵³⁰. Desde a perspectiva do direito administrativo, a ausência de resposta pelo Poder Público, no prazo legal, aos pleitos que lhe são dirigidos pelo particular, caracteriza o que se denomina silêncio administrativo. Com efeito, a concepção doutrinária predominante considera silêncio administrativo a “omissão da Administração quando lhe incumbe manifestação de caráter comissivo” ⁵³¹, isto é, a falta de pronunciamento da Administração “quando deve fazê-lo porque foi provocada por administrado que postula interesse próprio”⁵³². De acordo com esse pensamento, portanto, aperfeiçoa-se o silêncio administrativo com a inatividade formal da Administração Pública, que é caracterizada pelo descumprimento do prazo legal para a emissão de resposta às pretensões que lhe são dirigidas⁵³³. Diante dessa omissão ilegal e abusiva do Poder Público, dois caminhos de proteção judicial se abrem ao particular: o primeiro é o da proteção judicial para obtenção de resposta administrativa em prazo razoável; o segundo é o da proteção judicial para a obtenção do direito previdenciário que se considera indeferido diante do silêncio administrativo negativo. 6.3.3.6.1 Circularidade ou esquiva institucional: a postura convencional da tutela jurídica contra o “não ato” Diante da demora administrativa para a resposta aos requerimentos de concessão de benefício previdenciário, a primeira saída é a busca pela censura judicial da omissão, com a determinação para que seja dada resposta administrativa em prazo razoável. Essa orientação, pode-se dizer, representa uma postura mais tradicional da jurisprudência em matéria previdenciária⁵³⁴. Partindo implicitamente da premissa de que a ausência de resposta administrativa não produz qualquer efeito jurídico (indeferimento tácito ou concessão tácita), essa orientação busca chamar a Administração às raias da legalidade, determinando a finalização do processo administrativo. Por consequência, reserva-se o exercício da jurisdição previdenciária – de acolhimento ou rejeição do direito postulado – apenas para os casos de denegação expressa pelo órgão previdenciário. Trata-se de uma forma de aceleração do processo administrativo. Em situações de normalidade institucional, essa alternativa aparenta ser a mais adequada, pois se presta como ferramenta de controle em favor do órgão gestor da Previdência Social, em seu exercício da tutela administrativa. Se alguns poucos processos acabam por ter sua solução retardada, uma intervenção judicial episódica, aqui e acolá, culmina por alertar a instituição pública quanto alguns desajustes pontuais⁵³⁵. Em um contexto de colapso dos serviços públicos previdenciários, contudo, a ordem judicial para resolução do processo administrativo em tempo razoável nada mais significa do que fazer alguns segurados saltarem a frente de outros, de modo que a solução de qualquer um dentre os milhões de processos retidos ou atrasados poderia passar a depender de uma primeira ordem judicial de advertência para aceleramento do processo e cumprimento do dever de tutela administrativa. Presente a urgência dos direitos sociais de subsistência, é necessário evitar o que chamamos de um ambiente de esquiva institucional à pretensão de proteção social dos mais vulneráveis, esse antidemocrático jogo burocrático de portas fechadas ao cidadão⁵³⁶. 6.3.3.6.2 O silêncio administrativo negativo e a prioridade da tutela dos direitos Uma alternativa de proteção judicial ao problema da demora excessiva do Poder Público na análise dos requerimentos de concessão ou de revisão dos benefícios previdenciários é a de considerar a ausência de resposta no prazo legal como silêncio administrativo negativo, isto é, um indeferimento tácito, abrindo-se espaço para a busca judicial do direito previdenciário⁵³⁷. Notese que, neste caminho, diferentemente do primeiro, o órgão jurisdicional não se limita a determinar que a Administração se manifeste, mas supre a omissão estatal, pronunciando-se sobre a existência ou não do direito em si. A problematização do silêncio administrativo como instrumento idôneo – ou não – para habilitar o acesso à justiça em matéria previdenciária só existe porque não há norma legal a atribuir, à ausência de resposta, o efeito de um indeferimento tácito. Isso porque inexiste problema em se identificar as consequências jurídicas do “não ato” quando elas são expressamente previstas por lei. Se entendermos que, nos processos de concessão ou de revisão de benefício previdenciário, o silêncio administrativo tem natureza negativa, implicando o indeferimento tácito do requerimento formulado pelo particular, este terá garantido o acesso à justiça tal como se o seu pleito fosse expressamente rejeitado pela autarquia previdenciária. Logo, a mora administrativa, caracterizando o silêncio administrativo negativo, permitiria ao particular ingressar em juízo, sem que se pudesse falar em ausência de interesse processual. Em nosso modo de ver, é imprescindível proteger juridicamente o direito de caráter substantivo (direito previdenciário) que se encontra obstruído pela inércia administrativa que, como anteriormente sustentado, implica uma omissão estatal que impede o gozo efetivo de direito humano e fundamental que possui natureza urgente. Como consequência, deve-se permitir, nesses casos, o acesso à proteção judicial (garantia jurisdicional), que constitui outro direito humano e fundamental⁵³⁸. Devem ser tomados como aspecto importante da questão os danos de diferentes ordens que pode sofrer o segurado da Previdência Social em razão da demora indefinida do órgão previdenciário para decidir o requerimento administrativo. De todo modo, é importante advertir que a falta de conclusão administrativa implica, por consequência lógica, ausência de fundamentação para a denegatória administrativa – que é tácita. À míngua de melhor delimitação da controvérsia, em alguns casos não haverá certeza sobre o que seria outorgado ou reconhecido na instância administrativa, exigindo do particular, por cautela, a demonstração da existência de todos os elementos constitutivos do direito. No direito pátrio, não há qualquer norma a dispor sobre a necessidade da existência de um ato administrativo expresso, contrário aos interesses do particular, para que se possa iniciar uma demanda judicial. Ao contrário, ao definir os condicionamentos que sofre o direito constitucional de acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV⁵³⁹), o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Tema 350 (Prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário), dispôs que “A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise” (negrito nosso)⁵⁴⁰. Conforme se pode verificar do voto de lavra do Min. Roberto Barros, houve a compreensão de que “Eventual lesão a direito decorrerá, por exemplo, da efetiva análise e indeferimento total ou parcial do pedido, ou, ainda, da excessiva demora em sua apreciação (isto é, quando excedido o prazo de 45 dias previsto no art. 41-A, § 5º, da Lei n. 8.213/1991)” (Item 16, p. 6 do voto do Relator)⁵⁴¹. No mesmo sentido, colhe-se do voto do saudoso Min. Teori Zavascki que “A resistência pode se manifestar até mesmo pela demora na apreciação do pedido, ou, até, pela negativa de recebê-lo. O que não se admite é que sejam postulados diretamente em juízo benefícios previdenciários cuja concessão depende, necessariamente, da iniciativa do segurado” (Item 5, p. 3 deste voto). Também o Min. Gilmar Mendes expressou que do ponto de vista da dogmática constitucional, é possível que a proteção judicial efetiva mereça uma disciplina legal, desde que isso não represente um embaraço, uma coarctação do direito de entrar na Justiça. E isso ficou muito claro no voto de Sua Excelência. Toda vez que puder se interpretar a demora, a recalcitrância, como pretensão resistida [...] poder-se-á lançar mão da intervenção judicial (p. 4 deste voto). Em suma, a Suprema Corte, de acordo com a sistemática de repercussão geral, definiu que a ausência de resposta administrativa habilita o segurado a postular judicialmente o direito material previdenciário, indo ao encontro do que se argumenta nesta seção, no sentido da aplicação do instituto do silêncio administrativo no campo da Seguridade Social. A título de despretensiosa comparação, assinala-se que esse também é o entendimento da Corte Suprema de Justiça e da Nação argentina. Em análise desse preciso problema e em um contexto social, político e jurídico muito semelhante ao nosso, entendeu-se pela desnecessidade de um ato administrativo expresso, como condição para se acorrer à via jurisdicional. É que uma tal condição poderia dar à autoridade administrativa condições de impedir a propositura de demandas judiciais apenas mediante a não resolução dos requerimentos que lhe são dirigidos. Merece transcrição, nesse ponto, excerto da ementa desse importante precedente: El instituto del silencio administrativo nación para evitar excesos de la Administración pública que tiene la obligación de decidir en término las causas que se le plantean de modo que, frente la inactividad, el interesado cuenta con la facultad de recorrer la vía judicial como si hubiera recaído resolución expresa, aún que no exista, porque cabe descalificar pronunciamiento de la Cámara Federal de Seguridad Social que declaró, “in limine” no habilitada la instancia judicial por ausencia de resolución expresa de la Administración Nacional de Seguridad Social, violando derechos que cuenta con protección constitucional⁵⁴². Como arremate do que foi articulado nesta seção, pode-se expressar que, em face da inatividade formal do órgão previdenciário no contexto de requerimento administrativo de benefício, resta aperfeiçoado o silêncio administrativo negativo, expressando-se como um indeferimento tácito, hábil a permitir ao segurado, em desejando, o ingresso com a ação judicial correspondente. É necessário reconhecer, porém, que a orientação aqui defendida não é a ideal desde uma perspectiva da administração da justiça, visto que, em não havendo uma alteração no estado de coisas no campo políticoadministrativo, a tendência será de um incremento do número de demandas contra o já maior litigante do país (INSS). Todavia, como observou a Min. Cármen Lúcia em seu voto quando do julgamento do RE 631.240, “considerando que a possibilidade de acesso à justiça, com todos os problemas, as questões inclusive que são postas a nós no sentido de se precisar repensar o Poder Judiciário, mas há de se repensar a partir de estruturas e formas e não a partir daquilo que a parte, que muitas vezes é uma parte mais fraca, como bem dito pelo Ministro Marco Aurélio, haverá de sofrer na sua possibilidade de aceder (p. 2 deste voto). Dito de outro modo, não é aceitável que a burocracia estatal faça pouco dos direitos humanos e fundamentais, cuja gozo efetivo deve ser assegurado, residindo justamente aí a importância da proteção judicial. 6.3.4 Interesse processual superveniente Alcançamos um ponto de extrema importância: “[...] a contestação do INSS demonstrando contrariedade ao mérito da demanda, não apenas alegando a necessidade de exaurimento da via administrativa, faz surgir o interesse processual”⁵⁴³. De fato, “descabe se cogitar de falta de interesse de agir pela ausência de prévia postulação administrativa quando contestado o pedido”⁵⁴⁴. Se o INSS impugna o mérito da demanda, ainda que não houvesse interesse de agir quando do ajuizamento da causa, deflagra-se, diante do juiz, o litígio caracterizado pela resistência à pretensão elaborada na inicial, consubstanciando-se o chamado interesse de agir superveniente⁵⁴⁵. A necessidade da tutela jurisdicional, se antes ausente porque o requerimento administrativo não havia sido formalizado, configura-se de modo perfeito quando a entidade previdenciária resiste à pretensão deduzida pela parte autora. É preciso registrar que essa compreensão, de longa tradição no processo previdenciário e perfeitamente aceitável desde a perspectiva da teoria processual, não foi restringida pelo fato de o Supremo Tribunal Federal tê-la adotado como uma das disposições da ”fórmula de transição” oferecida quando do julgamento do RE 631.240⁵⁴⁶. Em outras palavras, não prejudica a tradicional compreensão doutrinária e processual sobre o interesse de agir superveniente o fato de a Corte Suprema ter expressado que a apresentação de contestação de mérito pelo INSS faria suprir eventual falta de requerimento administrativo nos processos judiciais que se encontravam em trâmite quando do julgamento do RE 631.240. Isso porque a utilidade e a necessidade da tutela jurisdicional constituem dado claro, fruto da resistência da entidade previdenciária à pretensão autoral. De fato, deve-se reconhecer que se desafia a lógica quando se remete o segurado à via crucis administrativa, quando em juízo o Poder Público já resiste à pretensão do segurado, expressando, em todas as cores, a necessidade da tutela jurisdicional para resolver controvérsia concreta. Com efeito, em havendo o INSS impugnado a questão de fundo (o mérito da demanda), deve-se considerar resistida a pretensão e caracterizado o interesse de agir superveniente ao ajuizamento da demanda. Presume-se, ademais, também nesse caso, que o requerimento administrativo seria ineficaz, contraproducente, um desperdício de recursos do interessado e também e especialmente da Administração Pública. Corrobora essa linha argumentativa o princípio da primazia da decisão de mérito, que se encontra no art. 4º do CPC (“As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”), devendo ser mitigada toda formalidade legal que busque justificativa em si mesma e não traduza garantia processual cuja violação cause gravame a qualquer das partes. 6.3.5 Indeferimento presumido e dispensa de requerimento administrativo Tudo o que se disse até agora foi em relação à ação de concessão de benefício previdenciário, isto é, à lesão, em tese, do direito material do indivíduo de receber uma prestação previdenciária. Importa discutir, ainda sobre o tema, o posicionamento jurisprudencial que reconhece interesse de agir nas hipóteses em que o segurado não formula requerimento administrativo, mas pode presumir seu indeferimento pelo INSS. De acordo com antigos precedentes do TRF4, é prescindível o prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que se pode presumir o indeferimento à pretensão do beneficiário por parte da entidade previdenciária: A falta de requerimento do segurado perante o órgão previdenciário implicaria ausência de uma das condições da ação, ou seja, o interesse de agir, a teor do art. 3º do CPC, exceto quando for público e notório de que o órgão previdenciário não atende às postulações dos segurados por divergência de interpretação de normas legais ou constitucionais (v.g., autoaplicabilidade dos arts. 201, 202 e 203 da CF/88); ou quando não cumpre, ex officio, as obrigações legais (reajustes e pagamentos de benefícios nas épocas próprias); ou negativa de processamento de pedido de benefício previdenciário formulado pelos trabalhadores informais (v.g., “boias-frias”) [...] (TRF4, Sexta Turma, Ag. 2005.04.01.017071-4, Rel. Décio José da Silva, DJ 20.07.2005). Em se tratando de hipótese que o INSS nega de forma sistemática a concessão do benefício, não há necessidade de comprovação do prévio requerimento administrativo [...] (TRF4, Quinta Turma, AC 2002.04.01.043230-6, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 01.10.2003)⁵⁴⁷. Segundo esse entendimento, se há forte presunção de que a entidade previdenciária indeferirá a prestação previdenciária objeto de apreciação judicial, é admissível o ajuizamento direto de pedido de concessão de benefício previdenciário, não se justificando a exigência do óbvio, isto é, da prova do indeferimento administrativo⁵⁴⁸. Como existem alguns pedidos a respeito dos quais se presume o indeferimento ilegítimo pela Administração Previdenciária, estaria justificado o acesso ao Judiciário com fundamento na ameaça de lesão ao direito do indivíduo. Por que, afinal de contas, submeter-se-ia o segurado às dificuldades próprias do processo administrativo (a começar por aquela referente ao protocolo do requerimento) se de antemão se sabe que o direito pretendido pelo indivíduo somente será satisfeito na via judicial? Em casos típicos de divórcio entre a solução administrativa e a jurisprudência consolidada de nossos tribunais, não se poderia então dispensar o prévio requerimento administrativo? Quando o conflito é uma questão de tempo (que corre em desfavor do hipossuficiente e em favor de uma Administração recalcitrante), isto é, quando é iminente a lesão ao direito, parece justificável, em termos processuais, o acesso à Justiça pelo beneficiário da Previdência Social. Note-se que igualmente o STJ chegou a adotar, como segundo fundamento para afastar a alegação de falta de interesse processual, a circunstância de que “é sabido que o INSS indefere benefício a trabalhador rural sem início de prova material, cujo reconhecimento ora se postula”⁵⁴⁹. E mais especificamente dispõe: A Segunda Turma desta Corte firmou o entendimento de que o interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizamse nas seguintes hipóteses: recusa de recebimento do requerimento; negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. Precedente específico: REsp 1.310.042/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15.05.2012, DJe 28.05.2012. 3. No caso concreto, o acórdão recorrido verificou estar-se diante de notória resistência da autarquia à concessão do benefício previdenciário, a revelar presente o interesse de agir do segurado (STJ, AgRg no REsp 1331251/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 16.04.2013, DJe 26.04.2013, grifamos). Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 631.240, expressou a orientação de que “não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado” (excerto do voto do Relator, p. 20). Nada obstante, lançamos duas ponderações. Primeiro, se o vício na prática administrativa não corresponde a uma ilegalidade isolada, como a resultante de maior rigor no exame de provas, mas um problema estrutural da Administração Previdenciária que afeta toda uma coletividade de pessoas que necessitam de cobertura previdenciária, é hora de considerarmos seriamente para que prestam as ações coletivas em matéria de alta relevância social como a previdenciária⁵⁵⁰. De outra parte, ainda quando se possa presumir o indeferimento pela autarquia previdenciária, é inegável que o processo administrativo guarda grande utilidade, na medida em que permitirá a delimitação da controvérsia existente às partes e eventualmente a redução dos pontos controvertidos, mediante reconhecimento de determinados fatos constitutivos do direito do autor. Isso não é um pequeno detalhe. No âmbito do processo judicial previdenciário, onde se revelam de redobrada importância os valores como o de celeridade, efetividade e economia processual, não há como suportar o custo pela atribuição ao magistrado de tarefa que lhe é estranha, isto é, quando a parte formula um pedido diretamente em Juízo, o magistrado deixa, a rigor, de oferecer solução a uma lide, transformando-se em agente que originariamente analisa o direito à proteção previdenciária, o que acarreta, em termos de tempo, um enorme custo para o processo. Como bem expôs a eminente magistrada Cláudia Cristina Cristofani: O ingresso administrativo reúne uma série de vantagens ao segurado e ao juízo (que não tem condições de se transformar em substituto administrativo do INSS para analisar em cada processo e de ofício um sem número de vínculos trabalhistas e atividades desenvolvidas, afora outros requisitos legais, tornando-se regra o ajuizamento direto de ação concessiva), tais como: a) permitir eventual deferimento da pretensão em tempo inferior ao da sentença judicial definitiva, sendo regra a oposição de recurso; b) se indeferido administrativamente o benefício, haver delimitação do objeto litigioso, passando a ser objeto de instrução e decisão judicial unicamente o ponto duvidoso, e não todos os requisitos do benefício, o que ocorreria por força da ausência dos efeitos materiais da revelia contra o INSS; c) assegurar a fixação da data de início de benefício (equivalente à data do requerimento administrativo); d) interromper a prescrição; e) administrativamente é possível, conforme a necessidade, tomar depoimento de testemunhas, bem como a investigação direta mediante solicitação de pesquisa, com maior flexibilidade do que a produção da prova judicial; f) possibilita que o segurado faça expressa opção para aposentadoria proporcional, caso não haja reconhecimento de todo o tempo de serviço/contribuição, com maior flexibilidade para programação da aposentadoria pelo segurado; g) o judiciário, com sua pouca estrutura, ficaria liberado para decidir os casos realmente litigiosos; h) não se estará negando o acesso ao judiciário, que a qualquer tempo poderá ser provocado (Seção Judiciária do Paraná, Boletim Eletrônico da Turma Recursal, n. 2, 2003). De qualquer sorte, se é forte a presunção de que o INSS indeferirá determinado benefício previdenciário, porque ostensivo o descompasso entre o proceder administrativo e consagrada orientação jurisprudencial, é possível o ajuizamento direto da ação de concessão de benefício previdenciário, hipótese em que a data da citação do INSS se substituirá à do requerimento administrativo para efeitos de fixação do termo inicial da concessão do benefício⁵⁵¹. 6.3.5.1 O ajuizamento direto da ação de concessão de pensão provisória por morte presumida Em relação à pensão provisória, prevista para a hipótese de morte presumida (Lei 8.213/91, art. 78), é absolutamente razoável o ajuizamento direto da ação de concessão, uma vez que a atribuição desse benefício é condicionada pela legislação previdenciária à declaração da morte presumida após seis meses de ausência do segurado. Sem a declaração judicial da morte presumida, o INSS certamente indeferirá o benefício, pelo que se percebe o interesse processual do dependente no ajuizamento direto da ação de concessão da pensão provisória. Cumpre destacar que é mais conveniente ao dependente o ajuizamento direto do pedido de concessão, mediante a declaração incidental da morte presumida do segurado, do que o ajuizamento do pedido de declaração de morte presumida para posterior requerimento administrativo da pensão provisória. Isso porque o pedido de declaração judicial de ausência pode demorar excessivamente, de modo que, se a formalização do requerimento administrativo de pensão provisória se der apenas após a declaração judicial de ausência, ela pode acarretar efeitos gravosos ao dependente⁵⁵². Em casos tais, o ajuizamento direto da ação de pensão provisória assegura ao dependente o gozo do benefício desde a data do ajuizamento desta demanda⁵⁵³. 6.3.6 Recusa de entrada de requerimento e excessiva demora do processo administrativo Devemos discutir neste momento dois obstáculos à obtenção da tutela administrativa. Frequentemente se alega que a recusa de protocolo de entrada de requerimento administrativo, por corresponder a um indeferimento verbal, supriria a condicionante de interesse de agir. Também comumente suscita-se que a desarrazoada demora administrativa na análise do direito do segurado abriria caminho para o ajuizamento da ação de concessão de benefício previdenciário. Deve-se enfrentar os dois problemas a partir da caracterização do pressuposto para a intervenção judicial: a lesão ou ameaça de lesão a direito. Colocada esta premissa, indaga-se: Em qualquer dos casos (recusa de protocolo ou demora de resposta) houve lesão a direito material? A resposta é afirmativa, derivando daí o direito de ação pela perspectiva do interesse de agir. Isso porque se faz necessária a intervenção judicial para fazer cessar a quebra do ordenamento jurídico ou violação do direito material. Mas interesse de agir na busca de qual pretensão, especificamente? A resposta a esta questão pressupõe a definição do direito material violado em tese pelo INSS. Qual é, pois, o direito violado em tese pela Administração Previdenciária? Encaminhemos nossas respostas. A omissão refletida na conduta de recusa de protocolo administrativo é inconstitucional, por contrariar a garantia contida no art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal. Além disso, a Lei 8.213/91, em seu art. 105, dispõe que mesmo “a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício”. Da mesma forma, uma greve dos servidores públicos desafia o direito constitucional à tutela administrativa e, em determinados casos, pode trazer consequências dramáticas. De outra parte, a omissão que se verifica na demora injustificada e desproporcional na análise do pleito administrativo de concessão do benefício configuraria inconstitucionalidade, pois, de igual modo, feriria o direito de petição, podendo-se verificar, nesta conduta omissiva, vulneração de princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, especialmente a eficiência e a moralidade (CF/88, art. 37, caput). Especificamente, o art. 41, § 6º, da Lei 8.213/91 (RPS, art. 174) fixa o prazo de 45 dias para a concessão de benefício quando a documentação necessária já foi apresentada pelo segurado⁵⁵⁴. Nos dois casos acima temos uma omissão ilegítima a violar o direito material do indivíduo em obter tutela administrativa relativa ao seu direito de receber um benefício previdenciário. Se o direito material supostamente violado pela Administração não é o de recebimento do benefício previdenciário pretendido pelo indivíduo, mas o recebimento de resposta administrativa à sua pretensão, a ação de concessão de benefício previdenciário não teria utilidade para reparar o ordenamento jurídico, fazendo cessar a violação do respectivo direito material⁵⁵⁵. A falta de interesse de agir se revelaria pela inadequação da via eleita no que diz respeito à sua utilidade para o interessado e para a restauração do ordenamento jurídico. Diante desses dois casos crônicos de ilegalidade administrativa, em nosso modo de compreender, não é dado ao indivíduo ajuizar ação para a concessão do benefício não apreciado pelo INSS (embora se encontre respeitável entendimento nesse sentido). Antes, abrir-se-ia ao interessado a ação competente para fazer cessar a violação do direito de receber tutela administrativa⁵⁵⁶. Segundo sustentamos, a ilegalidade administrativa de demora na apreciação do direito previdenciário do indivíduo gera o dever de o Estado indenizar o particular prejudicado pelo retardamento da resposta administrativa⁵⁵⁷. Desse modo, se o retardamento injustificado do exame do requerimento administrativo não seria causa suficiente para o ajuizamento direto da ação previdenciária, por outro lado é também correto afirmar que a prova da existência de circunstância justificadora do atraso constitui ônus imposto ao administrador competente. Uma vez ausente a justificação do descumprimento do dever legal que ensejou o retardamento, impõe-se a indenização do particular agravado com a excessiva demora administrativa. Sem embargo, o Supremo Tribunal Federal (RE 631.240) definiu que a lesão a direito pode decorrer da excessiva demora em sua apreciação, isto é, quando excedido o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias (Lei 8.213/91, art. 41-A, § 5º), circunstância que justifica o ajuizamento da ação de concessão independentemente da resposta administrativa. De outro lado, merece nosso acolhimento o entendimento de que, no caso de recusa de protocolo administrativo, deve ser avaliado o interesse processual não apenas segundo as condicionantes do sistema normativo, mas igualmente de acordo com as exigências de justiça que são manifestadas pelo caso concreto: Previdenciário e processual civil. Auxílio-reclusão. Exigência administrativa excessiva. Prévio requerimento administrativo. Interesse de menores. Caráter social da previdência. Peculiaridades. A circunstância de ter sido alegado óbice invencível na tentativa de protocolo do pedido em sede extrajudicial, aliada à condição de menores dos dependentes, bem como ao caráter social da Previdência, ensejam, dadas as peculiaridades da espécie, reformar sentença de extinção da ação sem julgamento do mérito a pressuposto de inexistência de prévio requerimento administrativo⁵⁵⁸. 6.3.7 Interesse de agir e o dever estatal de conceder a prestação mais vantajosa Com o que expressamos acima, analisamos apenas parte da problemática concernente ao interesse de agir nas ações de concessão de benefício previdenciário. Após as primeiras discussões e a apresentação de nosso pensamento sobre a condicionante de prévio indeferimento administrativo, surge outra questão fundamental: é necessária uma estrita correspondência entre o requerimento elaborado na esfera administrativa e o pedido deduzido judicialmente? Se, por exemplo, é pleiteado um benefício assistencial na esfera administrativa, é dado ao segurado demandar judicialmente na busca de um benefício da Previdência Social? Ou, ao contrário, o interesse de agir é verificado apenas nos casos em que a ação judicial orienta pedido específico de concessão do benefício indeferido pelo INSS na via administrativa? Informa-nos o cotidiano o quanto é comum, por exemplo, o indeferimento administrativo de auxílio por incapacidade temporária e o ajuizamento de ação com pedidos sucessivos ou alternativos de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio por incapacidade temporária, auxílioacidente e mesmo benefício de prestação continuada da Assistência Social. Nessas hipóteses geralmente se entende como cumprida a condicionante de prévio indeferimento administrativo. De modo distinto, serão encontradas maiores dificuldades quando, por exemplo, diante de um indeferimento administrativo de auxílio por incapacidade temporária, é deduzida pretensão de concessão de aposentadoria voluntária. O que demanda nossa investigação é o fundamento teórico para que as coisas sejam assim. Se não há necessidade de uma correspondência estrita entre os benefícios requeridos nas esferas administrativa e judicial, por que não se admite o ajuizamento de ação buscando aposentadoria voluntária quando for requerido um auxílio por incapacidade temporária na esfera administrativa? Do contrário, se há necessidade de correspondência entre as espécies de benefícios buscados nos âmbitos administrativo e judicial, por que então comumente se admite ajuizamento de ação que orienta pretensão a benefício distinto daquele pugnado junto à entidade previdenciária? Quando examinamos na primeira parte deste trabalho alguns dos problemas típicos da lide previdenciária, apontamos para o que denominamos fungibilidade das ações previdenciárias por incapacidade como justificativa para este relativo distanciamento entre o pedido formalizado administrativamente e aquele elaborado em juízo. E o que dissemos que justifica essa fungibilidade é um núcleo a ligar o requisito específico desses quatro benefícios da Seguridade Social. Há uma presunção de que, diante da alegação de incapacidade, por parte do interessado à proteção social, o INSS examinou as hipóteses possíveis de cobertura social em relação ao risco social “incapacidade para o trabalho”. É uma presunção que decorre, na realidade, do dever da Administração Pública em prestar a tutela administrativa, analisando os possíveis efeitos jurídicos previdenciários em face da informação de fato “incapacidade laboral”. Também opera uma presunção de que se o INSS indeferiu um auxílio por incapacidade temporária, com maior razão indeferiria uma aposentadoria por incapacidade permanente ou um benefício assistencial devido à pessoa com deficiência estar incapacitada para o trabalho, pois a concessão destas duas últimas prestações pressupõe uma incapacidade laboral de grau mais elevado. De outra parte, sustentamos anteriormente⁵⁵⁹ que, por força do princípio da proteção judicial das lesões implícitas, reputa-se lesado o direito do beneficiário quando a Administração Previdenciária, por ocasião do processamento e análise do requerimento de concessão de benefício da Seguridade Social, abstém-se de colher as informações necessárias e/ou deixa de conceder a proteção social mais efetiva. Cumpre aqui resgatar a noção de que a Administração Previdenciária deve prestar o serviço social⁵⁶⁰ e conceder o melhor benefício a que o segurado faz jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. Esse verdadeiro dever na prestação do serviço público se encontra atualmente disposto no Enunciado 1, itens I e II, do Conselho de Recursos da Previdência Social: CRPS. Enunciado 1 – A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. I – Satisfeitos os requisitos para a concessão de mais de um tipo de benefício, o INSS oferecerá ao interessado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles. II – Preenchidos os requisitos para mais de uma espécie de benefício na Data de Entrada do Requerimento (DER) e em não tendo sido oferecido ao interessado o direito de opção pelo melhor benefício, este poderá solicitar revisão e alteração para espécie que lhe é mais vantajosa, cujos efeitos financeiros remontarão à DER do benefício concedido originariamente, observada a decadência e a prescrição quinquenal. [...]⁵⁶¹. Com base nessa fundamentação, pode-se concluir que a concessão de uma prestação menos vantajosa implica, por omissão, a lesão a direito do segurado em receber o benefício mais protetivo. Assim, por exemplo, deferimento de uma prestação assistencial implica, por este mesmo ato concessivo, indeferimento de uma prestação previdenciária, de maneira que, para todos os efeitos legais, a data do requerimento administrativo de um benefício assistencial (encaminhamento realizado pelo INSS) deve corresponder à data de início do benefício previdenciário buscado posteriormente em Juízo⁵⁶². Com essas ponderações, esperamos ter respondido satisfatoriamente às questões abrangidas pela temática processual do prévio requerimento administrativo nas ações de concessão de benefício da Seguridade Social⁵⁶³. 6.3.8 Interesse de agir nas ações previdenciárias de restabelecimento de benefício A análise do interesse de agir nas ações de restabelecimento de benefício previdenciário parte da mesma premissa de que o acesso à justiça pressupõe lesão ou ameaça de lesão a direito⁵⁶⁴. A proteção ao direito pelo prisma preventivo assegura o manejo da ação de manutenção antes mesmo que se concretize o ato invasivo da esfera jurídicopatrimonial do beneficiário. Ela tem sua razão de ser numa contingência de ameaça ao direito, isto é, na probabilidade de que o benefício venha a ser atingido pelo ato administrativo invasivo, em qualquer de suas manifestações. A ação anulatória pressupõe que a manutenção do benefício previdenciário esteja afastando o autor da demanda, total ou parcialmente, de um bem jurídico previdenciário, acarretando-lhe prejuízo jurídico e, por consequência, interesse em afastar a lesão a seu pretenso direito. Nas ações de restabelecimento, o autor da demanda buscará a recuperação da posição jurídica que foi afetada pela Administração Previdenciária. A lesão, em tese, ao direito já foi consumada, com a comunicação da decisão administrativa de cessação, cancelamento ou de redução da renda mensal do benefício. Nada há que ser requerido administrativamente para viabilizar o ajuizamento da ação de restabelecimento, porque a necessidade e a utilidade do provimento jurisdicional estão caracterizadas. Como não se exige o exaurimento da instância administrativa, não é de se condicionar o acesso à jurisdição para a interposição de recurso administrativo. Se isso fosse exigido, estaríamos então separando o indivíduo que sofre os efeitos imediatos de um ato administrativo da possibilidade de buscar judicialmente a realização de seu direito material. Cumpre notar que a cessação do benefício previdenciário é causa suficiente para o ajuizamento da ação de restabelecimento⁵⁶⁵. Em tema de interesse de agir e em relação aos valores atrasados, é necessário tecer algumas considerações. Se, no âmbito de uma ação de restabelecimento de benefício previdenciário, identifica-se que o segurado se encontra efetivamente incapaz, apenas que não em decorrência da mesma entidade mórbida identificada quando da realização da perícia administrativa, o benefício previdenciário é de ser concedido uma vez cumpridos os requisitos genéricos de carência e qualidade de segurado. Se a perícia judicial registra que a data de início da incapacidade remonta ao tempo da cessação do benefício, o restabelecimento deve gerar efeitos desde então, ainda que a moléstia identificada pela perícia judicial seja distinta daquela reconhecida pelo INSS no curto espaço de tempo e modo em que se desenvolve o exame pelo corpo médico da entidade previdenciária. Se, de outra forma, a data de início da incapacidade decorrente de doença distinta daquela que levou à concessão do primeiro benefício por incapacidade for posterior à data da cessação, deve-se conceder judicialmente novo auxílio por incapacidade temporária, com data de início de benefício vinculada à data de início da incapacidade. É absolutamente dispensável, em casos tais, que o segurado reconhecidamente incapaz para o trabalho tenha de acorrer novamente à entidade previdenciária para formular requerimento de benefício por incapacidade. E isso não se trata de transformar o Poder Judiciário em uma instância administrativa previdenciária, mas de colocar em seus termos e limites o que se tem por forma processual⁵⁶⁶. Em ação judicial de restabelecimento de benefício previdenciário por incapacidade, a ausência de comprovação de que o segurado ainda se encontrava incapaz na data de cessação administrativa do benefício não implica ausência de interesse de agir ou inviabilidade de concessão de auxílio por incapacidade temporária. Em casos tais, a data de início de benefício deve ser vinculada à do início da incapacidade, tal como apresentada pelas provas encontradas nos autos. De outro modo, a circunstância de a causa da incapacidade residir em doença outra que não aquela expressamente identificada administrativamente não autoriza a extinção do feito sem julgamento do mérito por falta de interesse de agir ou a denegação de benefício de natureza alimentar e indispensável à sobrevivência digna do segurado hipossuficiente. Importa recordar que, nas ações de restabelecimento, a causa de pedir diz respeito à persistência da incapacidade para o trabalho após a cessação do benefício por incapacidade, afigurando-se desproporcional a exigência de que a doença ou lesão apontada como causa da incapacidade seja a mesma identificada e apontada pelo Perito Médico da Previdência Social. Por outro lado, é comum que a indicação do perito médico no âmbito administrativo se dê em relação a apenas uma entidade mórbida, o quanto se entendeu necessário para a concessão do benefício posteriormente cessado⁵⁶⁷. 6.3.8.1 Interesse de agir nas ações de restabelecimento e a necessidade do pedido de prorrogação do auxílio por incapacidade temporária No período de vigência da Lei 13.457/2017, para que se caracterize o interesse de agir nas ações de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, faz-se necessário que o segurado formule pedido de prorrogação desse benefício na esfera administrativa⁵⁶⁸? O procedimento comumente chamado de alta programada encontra-se atualmente disposto, no seio da normativa administrativa, pelo art. 304 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 77, de 21.01.2015, in verbis: Art. 304. O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado. § 1º Na análise médico-pericial deverá ser fixada a data do início da doença – DID e a data do início da incapacidade – DII, devendo a decisão ser fundamentada a partir de dados clínicos objetivos, exames complementares, comprovante de internação hospitalar, atestados de tratamento ambulatorial, entre outros elementos, conforme o caso, sendo que os critérios utilizados para fixação dessas datas deverão ficar consignados no relatório de conclusão do exame. § 2º Caso o prazo fixado para a recuperação da capacidade para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual se revele insuficiente, o segurado poderá: I – nos quinze dias que antecederem a DCB, solicitar a realização de nova perícia médica por meio de pedido de prorrogação – PP; II – após a DCB, solicitar pedido de reconsideração – PR, observado o disposto no § 3º do art. 303, até trinta dias depois do prazo fixado, cuja perícia poderá ser realizada pelo mesmo profissional responsável pela avaliação anterior; ou III – no prazo de trinta dias da ciência da decisão, interpor recurso à JRPS. Mediante a sistemática da alta programada, o médico perito do INSS, ao conceder o benefício de auxílio por incapacidade temporária, realiza estimativa do prazo para recuperação da capacidade de trabalho do segurado, fixando provisoriamente o período de manutenção desse benefício por incapacidade. Antes de expirar o prazo estimado para a recuperação, em entendendo o segurado que não se encontra em condições de retornar ao trabalho, pode formular pedido de prorrogação do benefício. Esse pedido implica a necessidade de realização de nova perícia médica pelo INSS, que poderá concluir de modo favorável ao segurado ou, ao contrário, indeferir o pedido de prorrogação. O que se pode concluir sobre a dinâmica de manutenção do auxílio por incapacidade temporária vis-à-vis a condicionante de interesse de agir processual, é que antes do indeferimento do pedido de prorrogação inexiste posição do INSS no sentido de fazer cessar o benefício. Somente com o indeferimento do pedido de prorrogação é que, a rigor, haveria um ato administrativo contrário aos interesses jurídicos do segurado. Por outro lado, considerando-se o dado real das dificuldades operacionais de tal pedido de prorrogação do benefício, com seguidas cessações de prestação previdenciária por incapacidade, revelava-se razoável reconhecer interesse processual na ação de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, mesmo que não formulado o pedido de prorrogação do benefício⁵⁶⁹. Ocorre que desde a instituição do procedimento da alta programada pelo Decreto 5.844, que deu nova redação ao art. 78 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, acrescentando-lhe os §§ 1º a 3º, a sistemática foi em muito aprimorada e teve difundida a compreensão de sua dinâmica entre os segurados do RGPS. Note-se, ademais, que a Resolução INSS/PRES n. 97/2010, com o objetivo de definir procedimentos relativos à manutenção do benefício de auxílio por incapacidade temporária, em cumprimento a sentença relativa à Ação Civil Pública n. 2005.33.00.020219-8, deliberou por: Art. 1º Estabelecer que no procedimento de concessão do benefício de auxílio-doença, inclusive aqueles decorrentes de acidente do trabalho, uma vez apresentado pelo segurado pedido de prorrogação, mantenha o pagamento do benefício até o julgamento do pedido após a realização de novo exame médico pericial. Essa providência, cabe ressaltar, eliminou uma das principais objeções ao procedimento em questão: a usual cessação de benefícios de auxílio por incapacidade temporária ainda quando os segurados, tempestivamente, formulavam o pedido de prorrogação. Não é demais acrescentar que, mais recentemente, a sistemática da alta programada, com o ônus do pedido de prorrogação pelo interessado, foi objeto das Medidas Provisórias 739/2016 e 767/2017 (convertida na Lei 13.457/2017), passando a ser empregada também no universo das concessões judiciais do benefício de auxílio por incapacidade temporária⁵⁷⁰. Portanto, em face da alteração dos contextos social e normativo que tocam o procedimento da alta programada, pensamos que o interesse de agir nas ações de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária pressupõe a formulação do pedido de prorrogação, exceto se demonstrada a sua desnecessidade ou justo impedimento por parte do segurado⁵⁷¹. É verdade que o Superior Tribunal de Justiça chegou a orientar que não é possível a cessação automática do benefício previdenciário de auxíliodoença, sem que haja prévia perícia médica que ateste a capacidade do segurado para o desempenho de atividade laborativa que lhe garanta a subsistência⁵⁷². Essa orientação jurisprudencial se formou, contudo, em um contexto normativo anterior à vigência da Lei 13.457/2017⁵⁷³. Em essência, caso o segurado não se sinta capaz para retornar ao trabalho, poderá requerer a prorrogação do benefício, da mesma forma que, em não se sentindo capaz anteriormente, formulou o requerimento de concessão do auxílio por incapacidade temporária. Em postulando a prorrogação, o benefício será mantido até que nova perícia médica eventualmente identifique a recuperação de sua capacidade laboral. Na eventualidade de um indeferimento do pedido de prorrogação do benefício, abre-se ao segurado a possibilidade de acorrer ao Poder Judiciário. A exigência de pedido de prorrogação como condição para se caracterizar o interesse de agir nas ações de restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária não se estende, porém, para a ação de concessão de auxílioacidente. Isso porque, de modo geral, é dever da Previdência Social, quando cessa o benefício de auxílio por incapacidade temporária, conceder, quando for o caso, o auxílio-acidente. Nesse sentido, quando da alta médica, deve o médico da Previdência Social encaminhar o segurado para a concessão desta última prestação previdenciária. Por essa razão, a sistemática de alta programada não impõe ao segurado o ônus de eventualmente requerer o benefício de auxílio-acidente. Ora, se este entendeu que havia recuperado a capacidade para o trabalho, de modo a considerar possível o retorno ao exercício de sua atividade habitual, razão não havia para que pleiteasse a prorrogação do auxílio por incapacidade temporária. Com efeito, não pode ser penalizado o segurado por eventual vicissitude no desenho institucional concernente à concessão do auxílio-acidente, em virtude da sistemática da alta programada. Portanto, se o segurado era titular de auxílio por incapacidade temporária, não será necessário o prévio requerimento administrativo de concessão de auxílio-acidente, pois se exige do INSS que, por ocasião da cessação daquele benefício, analise o direito e eventualmente conceda o automaticamente este último. Nesse contexto, a não concessão do auxílio-acidente quando da alta médica implica violação, em tese, a direito do segurado, o quanto é suficiente para a caracterização do interesse processual⁵⁷⁴. 6.3.8.2 Interesse de agir nas ações de restabelecimento de aposentadoria por incapacidade permanente quando o segurado se encontra em gozo de mensalidade de recuperação Nos termos do art. 47 da Lei 8.213/91, nem sempre a constatação de recuperação da capacidade laboral do aposentado por incapacidade permanente significa imediata cessação do benefício⁵⁷⁵. O fato de o segurado estar recebendo as chamadas mensalidades de recuperação significa que a aposentadoria por incapacidade permanente de sua titularidade se encontra ativa, podendo levar ao pensamento de que, nesses casos, não há interesse de agir para ação de restabelecimento do aludido benefício. Todavia, se a Administração Previdenciária, por meio de seu corpo médicopericial, verifica que o segurado em gozo de aposentadoria por incapacidade permanente se encontra com sua capacidade laboral recuperada, evidentemente que a cessação do benefício se operará ipso facto, ainda que o segurado faça jus às mensalidades de recuperação. Se é inevitável a cessação do benefício, em razão de ato administrativo que entende não mais presentes as condições que justificavam a concessão do benefício, resta caracterizado o fundado receio de cessação da aposentadoria por incapacidade permanente, a justificar o acesso à justiça com vistas à definição da relação jurídica de proteção social. Mesmo que o ato administrativo de comunicação da alta médica e que projeta a cessação do benefício para futuro certo não tenha ainda gerado todos os seus efeitos – com a cessação de pagamento de qualquer valor devido a título de aposentadoria por incapacidade permanente –, é inegável, justamente pela certeza da iminente cessação dos pagamentos, que se revela presente a ameaça, em tese, a direito, circunstância que é suficiente para que se assegure o direito fundamental de acesso à justiça, nos termos do art. 5º, XXXV, da CF/88: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. É de se lembrar que a orientação da Suprema Corte sobre o tema de interesse de agir em matéria previdenciária parte precisamente da norma constitucional acima transcrita, expressando que o direito de acesso à justiça não é absoluto, encontrando-se condicionado à lesão ou ameaça a direito (RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014). De outra parte, deve-se anotar que a legislação processual civil agasalha expressamente as chamadas ações preventivas atípicas (que não o interdito proibitório ou o mandado de segurança), mediante a outorga da tutela inibitória, isto é, aquela que se justifica pela só ocorrência do ilícito, dispensando-se a ocorrência do dano, circunstância que pode ou não ocorrer no futuro: CPC, Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo. Na problemática sob análise, porém, a ocorrência do dano – extinção dos pagamentos devidos a título de aposentadoria por incapacidade permanente – é certa e já determinada no tempo, o que torna ainda mais fácil a compreensão relativa à necessidade da tutela jurisdicional. É de se observar, outrossim, que a pretensão de restabelecimento, nesses casos, orienta-se essencialmente à manutenção da aposentadoria por incapacidade permanente, e não propriamente ao seu restabelecimento. Mas, não é o rótulo da demanda que deve ser considerado, destacadamente quando se logra perceber o que efetivamente pretende a parte. Deve-se recordar, com efeito, que “A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé” (art. 322, § 2º). Ainda sobre o tema, seguem três notas práticas. Se é possível que a tutela jurisdicional seja outorgada de forma imediata, a ponto de inibir o ilícito – em tese – contra direito fundamental, não se vislumbra razão para que se permita a cessação dos recursos do aposentado – com a extinção das mensalidades de recuperação – para que, então finalmente, possa ter seu direito analisado judicialmente. Deve-se recobrar aqui a importância do princípio processual previdenciário da imediatidade, segundo o qual é preciso que a proteção social de subsistência se realize imediatamente, em tempo oportuno, pois do contrário perderia todo seu valor⁵⁷⁶. Por outro lado, condicionar-se o acesso à justiça para o momento em que extinto o pagamento das mensalidades de recuperação implicaria inegável prejuízo ao aposentado. Isso porque a identificação da condição laboral deste no momento da alta médico-administrativa se dará com mais dificuldades pelo perito judicial, se o exame for relegado para tempo futuro. Ou não é clara a dificuldade da técnica médica em projetar para o passado o real estado da saúde dos segurados? De resto, a restrição de acesso à justiça não produziria qualquer resultado prático, pois não lograria inibir a judicialização do existente problema concreto, pois como é certa a cessação do benefício, praticamente inevitável será a propositura da demanda destinada a lhe fazer cessar os efeitos. Em suma, a comunicação da cessação da aposentadoria por incapacidade permanente é causa suficiente para justificar o acesso à justiça, mesmo no caso em que o segurado tenha direito às mensalidades de recuperação, de que trata o art. 47 da Lei 8.213/91. 6.3.9 Interesse de agir nas ações previdenciárias de revisão de benefício Nas ações de revisão de benefício previdenciário, não há necessidade, em regra, de prévio requerimento administrativo. Sustentamos tal pensamento mesmo em relação à “ação revisional de RMI de substituição formal” (em que se alega fato não deduzido na esfera administrativa⁵⁷⁷). Essa proposição é inseparável consequência do pensamento segundo o qual é juridicamente imposta à Administração Previdenciária a concessão ao segurado da prestação previdenciária mais vantajosa, mediante ativa e positiva participação no encaminhamento do pedido, na instrução do processo administrativo e no ato administrativo de concessão de benefício. Em havendo a concessão de benefício menos vantajoso, o segurado é lesado em seu direito de receber a cobertura previdenciária adequada. A conversão do benefício originariamente concedido naquele mais vantajoso se dará com efeitos ex tunc mesmo que os fatos constitutivos do direito à prestação mais favorável não tenham sido levados a conhecimento do INSS quando do requerimento administrativo. Essa é também uma decorrência da assimetria informacional que se reporta ao dever constitucional da Administração Pública, em suas relações com os particulares, agir com eficiência, moralidade e publicidade (CF/88, art. 37, caput)⁵⁷⁸. A premissa geral que temos reconhecido, em suma, é a seguinte: a ausência de apreciação de determinada circunstância fática, pela Administração Previdenciária, não constitui causa para se recusar a prestação da tutela jurisdicional à pessoa que busca a revisão de benefício previdenciário. É preciso reconhecer, contudo, que o Supremo Tribunal Federal decidiu que não se deve exigir, como regra geral, prévio requerimento administrativo de revisão de benefício, para o fim de se caracterizar o interesse de agir nas ações revisionais. Segundo a Suprema Corte, com efeito, quando o pedido de revisão de benefício depender da análise de matéria de fato, ainda não levada ao conhecimento da Administração, é necessário que a pretensão de revisão seja antes formulada perante o INSS. Segundo o entendimento acima declinado, nas demandas que classificamos como ações revisionais de RMI, de substituição formal⁵⁷⁹, o interesse de agir pressupõe o prévio requerimento administrativo (de revisão), pois elas são fundadas em matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração⁵⁸⁰. Sem embargo, também no contexto das ações revisionais de RMI, de substituição formal⁵⁸¹, deve-se atentar para a possibilidade de dispensa do prévio requerimento quando (i) o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado⁵⁸² ou (ii) diante da excessiva demora administrativa ao pedido de revisão. Por outro lado, pensamos caracterizar falta de interesse processual a ausência de requerimento administrativo de revisão de benefício previdenciário quando o autor deduz fato que tem sua existência definida supervenientemente à prestação da tutela administrativa. É o caso típico de reconhecimento, em sede de reclamatória trabalhista, de direito a adicional de horas extras, domingos e feriados, reflexos em férias*, etc. Em casos tais, com efeito, não é razoável imputar ao INSS a omissão pela não verificação de circunstância favorável ao segurado. Não se pode sequer afirmar que havia crise de incerteza na relação jurídica de proteção social, senão indiretamente – a crise de incerteza se dava na relação de trabalho, mais precisamente. De todo modo, não se logra perceber lesão, em tese, a direito do segurado, por meio do ato de concessão do benefício, quando a solução de reclamatória trabalhista que influencia a relação jurídica previdenciária é realizada apenas posteriormente à DER (data da entrada do requerimento). No sentido de se compreender a inexistência de interesse de agir na ação que busca a revisão de benefício, mediante consideração de direito reconhecido na Justiça do Trabalho, sem que se considere como uma variável o momento em que definida a ação trabalhista, colhe-se a seguinte orientação jurisprudencial: Embora não haja dúvida de que o êxito do segurado em reclamatória trabalhista, no que pertine ao reconhecimento de diferenças salariais, lhe atribui o direito de postular a revisão dos salários de contribuição componentes do período básico de cálculo do benefício, os quais, por consequência, acarretarão novo salário de benefício, tal pleito deve, primeiramente, ser formulado na esfera administrativa, pois a autarquia previdenciária, que na maior parte das vezes não participa da lide trabalhista, não tem como saber quais as parcelas efetivamente reconhecidas no Juízo trabalhista, ainda que receba, por consequência da procedência daquela demanda, as contribuições previdenciárias respectivas. Precedentes (TRF4, AC 5008147-92.2012.404.7102, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Gerson Godinho da Costa, DE 30.08.2013). 6.3.9.1 Interesse de agir nas ações revisionais e reconhecimento administrativo do direito Se quando da concessão do benefício previdenciário, a Administração operou lesão a direito do particular, concedendo a prestação em extensão menor do que o devido, reputa-se presente o interesse processual para a demanda revisional, ainda que se cogite possível o acolhimento da revisão administrativa para idêntico fim. E essa conclusão é alcançada não apenas pelo raciocínio técnico-processual do que se tem por interesse processual, mas porque se considerou constitucional – politicamente necessária – a garantia de intervenção jurisdicional nas hipóteses em que o próprio Estado age de modo lesivo. Há aqui uma ênfase no princípio da proteção judicial (CF/88, art. 5º, XXXV). A lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Em havendo lesão a direito, abre-se a via judicial para sua reparação, sob pena de denegação de justiça. Se o responsável pela lesão (Estado) reconhece a ilegalidade, pode ou mesmo deve corrigi-la. Se o fizer antes de ajuizada a demanda, com o pagamento dos valores devidos ao segurado, este carecerá da ação judicial de revisão. Se o fizer no curso da demanda, operar-se-á o que se tem por falta de interesse processual intercorrente, dado o inegável esvaziamento do objeto da demanda. Mas se o Estado apenas declara que operou ilegalmente e não adota nenhuma medida concreta à integral satisfação do direito material violado, o segurado detém direito de ação, podendo buscar judicialmente o bem da vida correspondente. Consideremos o caso da ação revisional em que, para os benefícios originários de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte concedidos após a edição da Lei 9.876, de 26.11.1999, se sustenta que a renda mensal inicial deve ser apurada conforme o art. 29, II, da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99 ⁵⁸³. O segurado da Previdência Social teve seu benefício concedido com ilegalidade e recebeu as prestações mensais a menor. Ocorre que o INSS reconheceu a ilegalidade e, a partir de 19.08.2009, data em que publicado o Decreto 6.939, que revogou o art. 32, § 20, do RPS (Decreto 3.048/99), passou a conceder de modo adequado os novos benefícios. Mais do que isso, a entidade previdenciária chegou a editar o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010, que determinava o reconhecimento do direito do segurado em caso de pedido administrativo de revisão de benefício. Pelo ato interno acima referido, o INSS acenou com a possibilidade de revisar – apenas – os benefícios cujos titulares provocassem a instância administrativa, submetendo-se aos seus condicionantes quanto ao tempo, modo e lugar. Pois bem. Esse Memorando-Circular faria evaporar o interesse processual? Absolutamente. Uma vez consumada a ilegalidade administrativa, abre-se espaço para intervenção jurisdicional. Não se deve inverter o postulado. O princípio é o de acesso à justiça, assegurando-se ao indivíduo que pleiteie a reparação de seu direito fora do âmbito administrativo. Nisto reside precisamente a ideia de EstadoJuiz. Afigura-se irrelevante, em termos de interesse de agir, a existência de ato normativo interno que expressa o reconhecimento do direito do segurado em caso de pedido administrativo de revisão de benefício. Isso apenas acrescentaria uma oportunidade ao segurado que teve lesado o seu direito pela Administração Previdenciária, mas não lhe encerra o acesso ao Poder Judiciário. Com o devido respeito de quem entende o contrário, seria impróprio que um ato interno do INSS, do qual o segurado – lesado em seu direito – sequer teve ciência formal, pudesse obstar a via judicial por falta de interesse processual, de modo a submetê-lo, uma vez mais, aos serviços públicos previdenciários de que pretende legitimamente desviar. Seria louvável se viesse a entidade previdenciária a reparar a ilegalidade de modo geral, independentemente do requerimento individual de revisão. Aliás, seria algo a se esperar, na perspectiva do princípio da moralidade administrativa. Isso ocorreu, em parte, em 05.09.2012, quando o INSS reconheceu, em sede de ação civil pública (Processo 0002320-59.2012.4.03.6183/SP, 2ª Vara Previdenciária de São Paulo), o direito dos segurados a obterem o recebimento dos atrasados não prescritos. Mediante acordo judicial, difere-se no tempo o pagamento das diferenças devidas, a depender da idade dos segurados, do valor das diferenças devidas e da circunstância do benefício estar ativo ou não. A título ilustrativo, as diferenças não superiores a R$ 6.000,00, relativas a benefício cessado ou suspenso, de segurado com até 45 anos de idade, tem o pagamento programado para abril de 2021. Mais uma vez somos interpelados com a questão da persistência do interesse processual para as demandas revisionais relacionadas à aplicação do art. 29, II, da Lei 8.213/91. Desta feita em face do acordo realizado pelo Ministério Público Federal, o INSS e o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical, em sede de ação civil pública. Ora, é ostensiva a ilegalidade do ato estatal a consubstanciar violação de direito humano e fundamental. É certo, outrossim, que a privação de recursos necessários à subsistência do segurado acarreta-lhe efeitos maléficos de natureza diversas, o que reclama a pronta cessação dos efeitos da ilegalidade administrativa. Por fim, o direito fundamental de acesso à justiça expressa-se, com todas as letras do texto constitucional, no sentido de que nem mesmo a lei poderá excluir do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de lesão a direito (CF/88, art. 5, XXXV), quanto menos um acordo judicial em demanda coletiva que se reputa desproporcional (alguns pagamentos programados para o ano de 2.022). Com todas as vênias, mais não é necessário acrescentar para se justificar a persistência do interesse processual. Não basta não negar que se deve. Apenas a integral satisfação do direito – ou o pagamento dos atrasados em tempo razoável a tornar dispensável o ajuizamento de demanda individual – poderia esvaziar a necessidade e utilidade do processo judicial cuja pretensão é de natureza urgente. De todo modo, ultrapassada a questão do prazo, remanesceria a necessidade de o pagamento administrativo corresponder à totalidade dos valores pretendidos pelos segurados e que lhe seriam assegurados judicialmente. 437 RE 631.240, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014. 438 Nosso estudo terá por paradigma as ações individuais. Com este método não se pretende, em hipótese alguma, furtar importância às ações coletivas de tutela dos beneficiários da Previdência Social, especialmente a ação civil pública provocada pelas entidades legitimadas. O manejo e acolhimento da ação coletiva traduzem a ideia de um remédio coletivo para males coletivos. No Capítulo 3 (item 3.2.1.2, supra) deste trabalho apontamos o subaproveitamento da ação civil pública em matéria previdenciária como um fator determinante para a multiplicação de lides repetitivas que contribuem para o momento crítico vivenciado pela justiça previdenciária deste início de século. A classificação das ações previdenciárias orientada pela sua pretensão, tendo como fundo as ações individuais, deve-se ao fato de que a análise assim feita atende o propósito de trabalhar a diversidade do que é identificado no cotidiano do Direito Processual Previdenciário. 439 Note-se que, mesmo quando a demanda for isenta de custas, como no caso de ação previdenciária que tramita perante o sistema dos Juizados Especiais Federais (Lei 9.099/95, art. 54), os feitos tramitam independentemente do recolhimento de custas e despesas processuais apenas na primeira instância. Uma vez interposto o recurso por meio de petição escrita, a parte recorrente dispõe de quarenta e oito horas para efetuar o preparo, sob pena de deserção, nos termos do art. 42, § 1º, da Lei 9.099/95. Contudo, o preparo é dispensado sempre que a parte recorrente for beneficiária da justiça gratuita (Lei 9.099/95, art. 54, parágrafo único) ou pessoa jurídica de direito público (CPC, art. 511, § 1º). 440 Nesse sentido, a título ilustrativo: “a concessão do benefício só produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido, ou que lhe sejam posteriores, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade”. (AgRg no Ag 979.812/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 21.10.2008, DJe 05.11.2008) 441 STJ, AgInt no AREsp 909.951/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 22.11.2016, DJe 01.12.2016. 442 A Lei 1.060/50, em seu art. 7º, previa a possibilidade de revogação em qualquer fase da lide: “A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão”. Já o art. 100 do CPC/2015 expressa: “Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso. Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de máfé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa”. 443 A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (CPC/2015, art. 99, § 2º), conforme escrevemos mais abaixo (item 6.1.2, infra). De outra parte, dispõe o art. 99, § 3º, do CPC/2015: “Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. Outrossim, “A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas” (CPC/2015, art. 99, § 4º). 444 Quanto à exigência de renovação do pedido de concessão de gratuidade de justiça, veja-se a orientação do STJ: “1.- Não é suficiente a alegação de que o autor dos Embargos de Divergência é beneficiário da justiça gratuita, para que seja isento o pagamento das custas processuais. O preparo deve ser feito no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção, sendo certo, outrossim, que na hipótese de o recorrente ser beneficiário da justiça gratuita, deve haver a renovação do pedido quando do manejo do recurso, uma vez que o deferimento anterior da benesse não alcança automaticamente as interposições posteriores. Precedente desta Corte (AgRg nos EAREsp 321.732/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 23.10.2013). 2.- O pedido ou a comprovação do direito a gratuidade de justiça deve ser feito no ato da interposição dos embargos de divergência, e não posteriormente (AgRg nos EREsp 1140406/RS, Corte Especial, Relator o Ministro Humberto Martins, DJe de 18.5.2012)” (EDcl no AgRg nos EAREsp 221.303/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Corte Especial, j. 19.03.2014, DJe 27.03.2014). Quanto à exigência de que o requerimento seja formulado em petição avulsa, veja-se, a título ilustrativo: “[...] o pedido do benefício da assistência judiciária gratuita, quando já em curso o processo, deve ser formulado por meio de petição avulsa e não nas razões do recurso especial, devendo ser processada em apenso aos autos principais, sendo que a falta de observância a este procedimento implica erro grosseiro, inviabilizando a apreciação do pedido” (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 445.431/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21.08.2014, DJe 26.08.2014). 445 Nesse sentido: “Uma vez concedida, a assistência judiciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos do art. 9º da Lei 1.060/50” (AgRg nos EAREsp 86.915/SP, Rel. Min. Raul Araújo, CE, j. 26.02.2015, DJe 04.03.2015). 446 A disciplina anterior exigia, para a concessão do benefício, a declaração de que a situação econômica do interessado não lhe permitisse pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (Lei 1.060/50, art. 2º, parágrafo único). 447 De acordo com o art. 4º da Lei 1.060/50, “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. Note-se, entretanto, que o benefício da gratuidade da justiça pode ser requerido em qualquer fase do processo de conhecimento, assim como no de execução de sentença. Todavia, a concessão do benefício de justiça gratuita não gera efeitos retroativos. Isso tem grande importância para fins de caracterizar-se eventual deserção do recurso. Segundo o STF, eventual “deferimento do benefício de gratuidade da justiça só produz efeitos futuros, assim, julgado deserto o recurso, de nada adiantaria a concessão posterior do benefício” (AI 744.487-AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 16.10.2009). Cabe ao recorrente, portanto, comprovar o preparo do recurso extraordinário ou demonstrar ser beneficiário da assistência judiciária gratuita no momento da interposição do recurso. Igualmente nesse sentido: “A alegação de dificuldade de arcar com as custas do processo sem prejuízo do próprio sustento deve ser feita oportunamente, e o recolhimento de custas só fica dispensado quando deferido pedido para tanto” (AgRg nos EREsp 1.112.143/RJ, Segunda Seção, Min. Sidnei Beneti, DJe 31.03.2011). 448 Nesse sentido: “Embora milite em favor do declarante a presunção acerca do estado de hipossuficiência, ao juiz não é defeso a análise do conjunto fático-probatório que circunda as alegações da parte. Assim, não estando caracterizado o estado de pobreza, poderá o magistrado afastar os benefícios conferidos pela Lei 1.060/50, se assim o entender” (AgRg no Ag 1307450/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 20.09.2011, DJe 26.09.2011). 449 TRF4, Ag. 2009.04.00.032897-5, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, j. 11.11.2009, DE 18.11.2009. 450 AgRg no AREsp 257.029/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.02.2013, DJe 15.02.2013. 451 TRF4, Incidente de Uniformização de Jurisprudência na Apelação Cível n. 5008804-40.2012.404.7100, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Néfi Cordeiro, j. 22.11.2012. 452 LINDB, art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 453 Nesse sentido: “PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. HIPOSSUFICIÊNCIA. ARTIGO 790, § 3º, DA CLT. 1. Não havendo elementos nos autos que apontem para situação de suficiência econômica da parte autora para arcar com as despesas processuais, especialmente levando em conta sua renda mensal, impõe-se o deferimento da gratuidade judiciária. 2. Considerando as regras gerais do Código de Processo Civil (art. 15) e o princípio da especialidade das disposições do processo trabalhista, inaplicável à questão sub judice o disposto no art. 790, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, alterada que foi pela Lei 13.467/2017” (TRF4, Ag. 5036502-97.2020.4.04.0000, Quinta Turma, Relator José Luis Luvizetto Terra, juntado aos autos em 28.10.2020). 454 E, por essa razão, não mais prevalece a orientação de que “o limite para concessão da assistência judiciária gratuita é de dez salários mínimos” (TRF4, Ag. 5017933-92.2013.404.0000, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Celso Kipper, j. 25.09.2013, DE 27.09.2013). 455 Interposto o agravo, o recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso. Se confirmada a denegação (ou a revogação) da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso (CPC/2015, art. 101, §§ 1º e 2º). 456 Já sob a vigência da Lei 1.060/50, era disposto que “Os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de assistência for vencedor na causa” (Lei 1.060/50, art. 11). Atualmente, o art. 99, § 2º, do CPC/2015, estabelece que “A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência”. 457 Nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50, a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficava obrigada a pagá-las, desde que pudesse fazêlo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Se dentro do prazo de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não pudesse satisfazer tal pagamento, a obrigação restava prescrita. 458 CPC/2015, art. 99, § 3º. “Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. 459 Nesse mesmo sentido: “Os beneficiários da justiça gratuita devem ser condenados aos ônus da sucumbência, com a ressalva de que essa condenação se faz nos termos do artigo 12 da Lei 1.060/50 que, como decidido por esta Corte no RE 184.841, foi recebido pela atual Constituição por não ser incompatível com o artigo 5º, LXXIV, da Constituição” (RE 514451 AgRg, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 11.12.2007, DJe 21.02.2008). 460 ARgRE 284729, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, j. 09.12.2015, DJe 10.05.2016. 461 REsp 1402616/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 10.12.2014, DJe 02.03.2015. 462 REsp 1522279/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 28.04.2015, DJe 30.06.2015. 463 Mesmo a conceituação da ação de concessão de benefício previdenciário, nas edições anteriores desse estudo, estava impregnada da concepção jurisdicional do controle da estrita legalidade do ato administrativo – e não da noção de acertamento da relação jurídica de proteção social. Entendíamos, então, que a obtenção do direito se dava mediante o reconhecimento da “invalidade do ato administrativo de indeferimento”. Já com a contribuição do acertamento, desprendemo-nos da anterior percepção para condicionar a satisfação do direito fundamental à verificação da sua existência, sendo de menor importância se o ato administrativo indeferitório se encontrava ou não em desacordo com a lei. Sobre o princípio do acertamento da relação jurídica de proteção social, veja-se o item 2.3.3, supra. 464 O termo inicial do benefício previdenciário rege-se pelas normas jurídicas que disciplinam especificamente a matéria. Assim, por exemplo, a pensão por morte concedida judicialmente será devida desde a data do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste (Lei 8.213/91, art. 74, I, com a redação dada pela Lei 13.183/2015), ou desde o requerimento administrativo, quando requerida após o prazo acima mencionado (Lei 8.213/91. art. 74, II). Mas, se o direito inexistia ao tempo do requerimento administrativo, a prestação previdenciária torna-se devida desde a data superveniente em que foram aperfeiçoados os pressupostos legais. Por exemplo, em uma ação judicial de concessão de auxílio-doença, a parte autora pretende que seja determinado ao INSS que implante o benefício, com efeitos desde a data do requerimento administrativo. Ocorre que, de acordo com o conjunto probatório, o magistrado entende que o início da incapacidade laboral se deu posteriormente à data do requerimento administrativo. Em casos tais – atendimento dos pressupostos legais para a concessão em data superveniente ao requerimento administrativo –, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que verificado o início da existência (nascimento) do direito. Supondo que o início da incapacidade tenha ocorrido entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da demanda, a data de início do benefício deve corresponder, precisamente, ao dia em que identificado o fato constitutivo do direito, isto é, à data do início da incapacidade. Sobre os efeitos financeiros dos benefícios concedidos judicialmente, veja-se o item 9.1, infra. 465 A ação concessória previdenciária tramitará perante os Juizados Especiais Federais, se o valor da causa se encontrar dentro do limite de 60 salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259/2001) e se a cidade em que domiciliado o pretendente ao benefício for sede da Justiça Federal. A ação de concessão poderá tramitar perante a Justiça Comum (Justiça Federal com Justiça Estadual no exercício de competência delegada de que trata o art. 109, § 3º da CF/88), se o valor da causa for superior a 60 salários mínimos e a parte autora não renunciar ao excedente ao limite máximo de competência dos Juizados Especiais Federais. Também poderá ser manejado o mandado de segurança para a obtenção de um benefício previdenciário, desde que não seja necessária dilação probatória para se demonstrar a violação de direito líquido e certo pela autoridade pública responsável pela concessão administrativa do benefício. Sobre competência em matéria previdenciária, veja-se o Capítulo 11, infra. 466 Nesse sentido: “Consoante jurisprudência predominante do STJ, comprovada a absoluta incapacidade do requerente, faz ele jus ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do óbito do instituidor da pensão” (REsp 1354689⁄PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 25.02.2014, DJe 11.03.2014). Deve-se atentar que a Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, emprestou nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, que passou a dispor que a pensão por morte será devida do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes. Sobre o direito do filho menor de dezesseis anos às prestações vencidas desde o óbito e o prazo limite para o requerimento administrativo, veja-se o item 9.3.1. 467 Encontram-se aqui as ações revisionais que colheram emblemático precedente da Suprema Corte: “Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais” (RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator para o Acórdão Min. Marco Aurélio, j. 21.02.2013, DJ 23.08.2013). De acordo com essa decisão, assegurou-se o direito de os segurados terem deferidos ou revisados seus benefícios de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional (Informativo STF 695). 468 É muito comum a verificação de ações de revisão de benefício previdenciário destituídas de verdadeira causa de pedir. Algumas delas consubstanciam antes uma irresignação geral no que diz respeito à renda mensal do benefício do que imputação de qualquer ilegalidade específica à Administração Previdenciária. Para feitos como tais, a sorte é bem disposta na forma do seguinte julgado: “Processual civil. Previdenciário. Revisão de benefício. Pretensão de manutenção do valor real. Inépcia. Ausência de substanciação. Indeferimento da inicial. A petição inicial deve indicar com clareza o pedido e a causa de pedir (teoria da substanciação), pena de indeferimento. – Diante de uma postulação que simplesmente pede a manutenção do valor real do benefício, a definição do pedido e de seus fundamentos, em rigor, fica a critério do juiz, o que se mostra inadmissível. – O recebimento da inicial pelo juiz não impede a reapreciação da questão posteriormente, por se tratar de matéria que pode ser conhecida de ofício em qualquer fase processual. – Processo extinto sem apreciação do mérito, prejudicado o apelo” (TRF4, Quinta Turma, AC 2003.04.01.016451-1, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 20.08.2003). 469 CPC/2015, art. 554. “A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados”. 470 Em casos tais, não é demais recordar, a ação deve ser dirigida em face do INSS e do titular do benefício previdenciário, em formação litisconsorcial passiva, como nos ilustra o seguinte precedente judicial: “A ação ordinária em que a companheira e o filho do ex-segurado, beneficiários da pensão por morte, postulam a nulidade do ato administrativo que reconheceu o direito à pensão à ex-esposa do de cujus deve ser ajuizada contra o INSS e contra esta. 2. Há de se ter em conta que o pedido mediato dos autores tem como objetivo anular um ato administrativo praticado pelo INSS, qual seja o de reconhecimento do direito à pensão por morte da exesposa do de cujus. 3. Considerando que os efeitos jurídico-patrimoniais da controvérsia postam em juízo atingem a Autarquia, a quem cabe efetuar o pagamento do benefício de pensão por morte aos beneficiários, tem-se, in casu, evidente litisconsórcio passivo necessário. 4. Se o Instituto Previdenciário não integrou a lide, nulo é o processo” (TRF4, Turma Suplementar, AC 2001. 04.01.013435-2, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 15.06.2007). 471 Já se encontra assente na jurisprudência que o litígio de cunho declaratório é meio hábil para a pretensão de reconhecimento de tempo de serviço, como já consolidou o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 242: “Cabe ação declaratória para reconhecimento de tempo de serviço para fins previdenciários”. 472 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 2. ed. São Paulo: RT, 1987. p. 299. 473 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de processo civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. I, p. 56. 474 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de processo civil, p. 57. 475 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 163. 476 BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 50. 477 BIGOLIN, Giovani. O requerimento administrativo e o controle judicial dos benefícios previdenciários. In: ROCHA, Daniel Machado (org.). Direito previdenciário e assistência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 49-72. 478 FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 3. ed., p. 26. 479 É preciso reconhecer, porém, que o Supremo Tribunal Federal não poderia mesmo esgotar o tema, prevendo solução para toda sorte de problemática oferecida pela práxis previdenciária. 480 Com ressalva de nosso pensamento, temos que o prazo para a resposta do INSS aos requerimentos administrativos deve ser agora compreendido à luz do acordo judicial firmado em 16.11.2020, no âmbito de ação civil pública, entre a União, o Ministério Público Federal – MPF, o Ministério da Cidadania, a Defensoria Pública da União – DPU e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. A avença foi homologada pelo STF no âmbito do RE 1.171.152, inicialmente por decisão do relator Min. Alexandre de Moraes, proferida em 08.12.2020, a qual restou referendada pelo Plenário (Sessão Virtual de 18.12.2020 a 5.2.2021). Nessa ACP, buscava-se a fixação judicial de prazo máximo de 15 (quinze) dias para que o INSS realizasse as perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, a contar do requerimento do benefício. O Recurso Extraordinário chegou a ser incluído para julgamento em repercussão geral (Tema 1.066: “Possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo”). Sem embargo, por força desse acordo, o processo foi extinto (CPC, art. 487, III), acarretando a exclusão do recurso, da sistemática da repercussão geral. Nossa ressalva decorre do entendimento de que, em se tratando de direitos individuais homogêneos, os efeitos da coisa julgada não podem prejudicar “interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe” (Lei 8.078/90, art. 103, § 1º), até mesmo porque foi reconhecido seu efeito vinculante apenas sobre as ações coletivas já ajuizadas que tratem do mesmo objeto (itens 12.4 e 12.5 do acordo). A íntegra do Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC pode ser conferida no Apêndice deste livro. 481 Sobre nossa classificação das ações de revisão de benefício previdenciário, veja-se o item 6.2.2, supra. 482 Como, por exemplo, no caso em que o segurado busca a majoração da renda mensal do benefício mediante o superveniente reconhecimento, operado pela justiça do trabalho, de que o segurado recebia remuneração não informada oportunamente pela empresa. 483 Isto é, no caso de exigência de prévio requerimento administrativo de revisão quando a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. 484 Relembre-se: “[...] não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado” (excerto do voto do Relator, p. 20). 485 Nesse sentido, a título ilustrativo: “A Terceira Seção desta Corte deixou assentada a necessidade do prévio requerimento na esfera administrativa, sob pena de se configurar a falta de interesse de agir da parte autora em postular a proteção jurisdicional nas hipóteses em que não há resistência da Autarquia Ré manifestada em contestação por meio do combate ao mérito da pretensão vestibular (EIAC n. 1999.72.05.007962-3/SC)” (TRF4, APELREEX 0013207-39.2013.404.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 04.10.2013). 486 Também nesse sentido: STF, Primeira Turma, RE 121.593-3, Rel. Min. Octávio Gallotti, j. 24.04.1990, DJ 18.05.1990; Segunda Turma, AGRAG 126.739, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 17.11.1992, DJ 18.12.1992. 487 STF, AgRRE 548.676, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 03.06.2008, DJe 19.06.2008. Também nesse sentido: “Não há previsão constitucional de esgotamento da via administrativa como condição da ação que objetiva o reconhecimento de direito previdenciário. Precedentes” (AgRRE 549.238, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 05.05.2009, DJe 04.06.2009). Interessa notar que nestes dois precedentes do Supremo Tribunal Federal a noção de exaurimento da via administrativa é confundida com a noção de mera provocação da via administrativa. De resto, o precedente invocado no AgRRE 549.238 é o RE 143.580-1, Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim, j. 01.12.1997, DJ 27.08.1999, em que se reconheceu o interesse de agir independentemente do prévio requerimento (e indeferimento) administrativo porque o INSS, na ação judicial, havia contestado o mérito da demanda. Entendia-se ali, portanto, que na hipótese em que o autor leva a questão diretamente a juízo e o réu, o Poder Público, a contesta, instaura-se o litígio. Ainda nesse sentido: STF, AgRRE 549055, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, j. 05.10.2010, DJe 10.12.2010. 488 Essa exigência de prévio requerimento administrativo vale igualmente “para pretensões de concessão original de outras vantagens jurídicas que, embora não constituam benefícios previdenciários, também dependem de uma postura ativa do interessado: é o caso, e.g., dos pedidos de averbação de tempo de serviço” (excerto do voto do Relator do RE 631.240, p. 17). 489 Tal como mencionamos alhures, temos que essa orientação da Suprema Corte não resta superada pelo acordo judicial firmado, no âmbito de ação civil pública, entre a União, o MPF, o Ministério da Cidadania, a DPU e o INSS, pois, em se tratando de direitos individuais homogêneos, os efeitos da coisa julgada não podem prejudicar “interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe” (Lei 8.078/90, art. 103, § 1º), até mesmo porque foi reconhecido seu efeito vinculante apenas sobre as ações coletivas já ajuizadas que tratem do mesmo objeto (itens 12.4 e 12.5 do acordo). No entanto, reconhecemos que, desde uma perspectiva pragmática, os prazos estabelecidos na aludida avença devem ser aplicados de modo geral, para as demandas individuais, inclusive. Dito acordo, anote-se, foi homologado pelo STF no âmbito do RE 1.171.152 (Sessão Virtual de 18.12.2020 a 5.2.2021). A íntegra do Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC pode ser conferida no Apêndice deste livro. 490 STJ, AgRg no AREsp 304.348/SE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. 28.05.2013, DJe 04.06.2013. No mesmo sentido: “Conforme a jurisprudência reiterada do STJ, é desnecessário o prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ação que vise a implementação ou revisão de benefício previdenciário” (STJ, AgRg no AREsp 119.366/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 18.04.2013, DJe 24.04.2013). Ainda nesse sentido: “É firme a compreensão da Terceira Seção no sentido da desnecessidade de prévio requerimento administrativo como condição para a propositura de ação que vise à concessão de benefício previdenciário. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ, AgRg no AREsp 41.465/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 11.09.2012, DJe 26.09.2012). Sem embargo, a Segunda Turma daquele Tribunal Superior compreende que “o interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizamse nas seguintes hipóteses: recusa de recebimento do requerimento; negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada” (AgRg no AREsp 283.743/AL, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 26.04.2013). 491 REsp 216.468/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 10.08.99, DJ 06.09.1999. 492 Sem embargo, também no sentido da desnecessidade do prévio requerimento administrativo, a título ilustrativo: STJ, AgRg no REsp 1150973/PR, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 20.09.2011, DJe 28.09.2011; STJ, AgRg no AREsp 14.602/PA, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 18.08.2011, DJe 31.08.2011; STJ, AgRg no REsp 1145184/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 21.06.2011, DJe 01.08.2011. 493 Confira-se a ementa: “PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR AO QUE DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE 631.240/MG, JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/09/2014). 2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC” (REsp 1369834/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 24.09.2014, DJe 02.12.2014). 494 Sobre o princípio do direito à proteção judicial contra lesões estatais por omissão, veja-se o item 2.4, supra. 495 Assume-se aqui, portanto, uma posição que se aproxima, mas que não coincide totalmente com o clássico ensinamento carneluttiano, que percebe na lide, enquanto pretensão resistida, o elemento caracterizador do interesse de agir. Nesse sentido é a jurisprudência do TRF da 4ª Região: “Tratando-se a declaração de tempo de serviço – in casu, de labor rural em regime de economia familiar – de direito subjetivo do segurado, necessário o prévio requerimento administrativo perante o Instituto Previdenciário, não se exigindo o esgotamento dessa via, nos termos da Súmula 213 do extinto Tribunal Federal de Recursos. Não tendo havido o protocolo na esfera administrativa, bem como tendo o INSS comparecido em Juízo apenas para arguir a preliminar de carência de ação, sem contestar o mérito, resta caracterizada a falta de interesse processual da parte autora, porquanto não configurada a pretensão resistida, autorizadora do ajuizamento da demanda. Hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito nos termos do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil” (TRF4, Segunda Turma Suplementar, AC 2002.04.01.037867-1, Rel. Otávio Roberto Pamplona, DJ 17.05.2006); “Há falta de interesse de agir se ajuizada a demanda sem prévio requerimento administrativo e se a autarquia previdenciária não resistir, em juízo, à pretensão deduzida na inicial” (TRF4, Sexta Turma, AC 2004.04.01.037314-1, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 01.06.2005). 496 Cumprindo notar que, de acordo com o art. 25, § 2º, da EC 103/2019, é possível a conversão de tempo especial em comum ao segurado do RGPS que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade especial cumprido até a data de sua entrada em vigor, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data. 497 Confira-se o que foi desenvolvido sobre o tema no item 2.3.3.1, supra. 498 Segundo a percepção ora criticada, somente seria admissível a análise judicial de fatos alegados e – ainda que insuficientemente – demonstrados na via administrativa. Assim, as circunstâncias de fato não ventiladas na esfera administrativa deveriam constituir objeto de novo requerimento administrativo para, apenas diante de um eventual novo indeferimento específico, constituir objeto válido de apreciação judicial. Segue daí a razão de percebermos esse modo de jurisdição pouco comprometido com o que realmente importa (processar e julgar a demanda que veicula pretensão do hipossuficiente relacionada a verbas de subsistência), como uma jurisdição fatiada ou em tiras. 499 RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014. 500 A essa espécie de ação revisional, que apresenta como causa de pedir uma circunstância de fato não ventilada na esfera administrativa quando da concessão do benefício, chamamos ação revisional de RMI, de substituição formal. Sobre nossa classificação das ações de revisão de benefício previdenciário, veja-se o item 6.2.2, supra. 501 Cabem aqui, mutatis mutandis, os argumentos expendidos relativos ao interesse processual nas ações de restabelecimento de benefício por incapacidade (veja-se o item 6.3.6, infra). 502 Nesse sentido tem orientado a Turma Nacional de Uniformização: “Se a jurisprudência dominante não exige o prévio requerimento administrativo para o fim de ajuizamento de ação previdenciária, não há razoabilidade em exigir, nos casos em que há o requerimento administrativo, especialmente quando de Benefício de Prestação Continuada, que o mesmo se renove por determinado período de tempo. 4. A exigência de renovação do requerimento administrativo, a cada dois anos, não possui qualquer base legal, além de ter natureza manifestamente restritiva do exercício de direito de ação pelo segurado ou interessado” (PEDILEF 05041086220094058200, Rel. Juiz Federal Paulo Ricardo Arena Filho, Data da decisão: 02.08.2011, DOU 21.10.2011, Seção 1). 503 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 49. 504 De acordo com o que decidiu o STF quando do julgamento do Tema 350, é desnecessário o indeferimento administrativo nas hipóteses em que (i) se pode desde logo presumir que o ente previdenciário indeferirá a pretensão do particular e (ii) quando há excessiva demora administrativa na apreciação do requerimento. Isso pode ser conferido no item 6.3.2, supra. Por outro lado, como foi tratado no item 2.3.3.1, o indeferimento administrativo pode ser considerado insuficiente para caracterizar o interesse de agir, sendo disso exemplo a compreensão de ausência de interesse processual nos casos em que o particular alega apenas em juízo circunstâncias fáticas que são consideradas necessárias para o reconhecimento do direito pretendido. Segundo se entende, a omissão do particular teria furtado da Administração a possibilidade de analisar o direito com domínio das circunstâncias fáticas relevantes. Deixamos no item 6.3.3.1 nossas críticas a esse pensamento que pode conduzir a um jogo de esquiva institucional à pretensão de proteção social dos mais vulneráveis, um antidemocrático jogo de portas fechadas ao cidadão necessitado. 505 Nesse sentido se encontra o Enunciado 166 do FONAJEF: “A conclusão do processo administrativo por não comparecimento injustificado à perícia ou à entrevista rural equivale à falta de requerimento administrativo” (Aprovado no XII FONAJEF). 506 RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014 – Repercussão Geral – Tema 350. 507 TRF4, AC 5005892-58.2017.4.04.7112, Quinta Turma, Rel. Gisele Lemke, juntado aos autos em 30.11.2018. Nesse mesmo sentido: Previdenciário. Ação previdenciária de aposentação. Preliminar de carência de ação. Em havendo a autarquia previdenciária diligenciado na exigência da documentação necessária para a comprovação do labor em atividade especial, e não cumprido o segurado com a determinação, somente vindo a fazê-lo quando do ingresso com ação judicial, não resta configurada a pretensão resistida a caracterizar o interesse de agir. Pretensão resistida não configurada porque não contestado o mérito da causa” (TRF4, Ag. 000431828.2010.404.0000, Quinta Turma, Rel. Hermes Siedler da Conceição Júnior, DE 31.05.2010). 508 No item 6.3.3.4.1, infra, analisamos os pressupostos de validade das exigências administrativas no processo previdenciário de benefício. 509 Isso não se confunde com a ausência de alegação de fato superveniente à DER que apenas é alegado ou reconhecido ex officio em processo judicial, nos termos do art. 493 do CPC. Nesses casos, não se pode imputar ao particular qualquer omissão, seja quanto à afirmação de fato (que somente ocorreria posteriormente à DER), seja quanto a cumprimento de carta de exigência para a comprovação de fato ainda inexistente ao tempo da DER. Observe-se que o STJ enfrentou, em sede declaratória, a questão do interesse de agir nas hipóteses de “reafirmação da DER” judicial, destacando que não se trata de hipótese de propositura de ação judicial sem prévio requerimento administrativo: “o prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento” (EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020). 510 Art. 176. A apresentação de documentação incompleta não constitui, por si só, motivo para recusa do requerimento de benefício ou serviço, ainda que seja possível identificar previamente que o segurado não faça jus ao benefício ou serviço pretendido. (Redação dada pelo Decreto 10.410/2020) 511 CF/88, art. 5º [...] XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. 512 Art. 176, § 1º. Na hipótese de que trata o caput, o INSS deverá proferir decisão administrativa, com ou sem análise de mérito, em todos os pedidos administrativos formulados, e, quando for o caso, emitirá carta de exigência prévia ao requerente. (Incluído pelo Decreto 10.410/2020) 513 Lei 9.784/99, art. 40. Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo. 514 Tal como foi decidido pelo STJ, quando do julgamento do REsp 1352721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015, DJe 28.04.2016 – Representativo de Controvérsia – Tema 629. 515 O art. 678, § 9º, da IN 77/2015, com a redação dada pela IN 102, de 14.08.2019, também expressa que: “O encerramento do processo sem análise do mérito, por desistência do pedido, não prejudica a apresentação de novo requerimento pelo interessado, que terá efeitos a partir da data da nova solicitação”. 516 Como se pode verificar dos arts. 43, § 1º; 49; 54; 57, § 2º; 60, § 1º; 74; e 80, todos da Lei n. 8.213/91. 517 Cabe a nota de que esse conjunto de alterações promovidas pelo Decreto 10.410/2020 integra o PL 6.160/2019, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. Em seu art. 4º, alterando o art. 105 e criando o art. 105-A, ambos da Lei 8.213/91, o projeto de lei propõe o seguinte: “Art. 4º A Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 105. [...] § 1º Na hipótese de o requerente não complementar o requerimento com os documentos necessários, quando solicitado pelo INSS, o processo será arquivado nos termos do regulamento. § 2º O arquivamento realizado nos termos do disposto no § 1º não prejudica a apresentação de novo requerimento pelo interessado, que produzirá efeitos a partir da data dessa nova solicitação. § 3º A concessão de benefício com base em documento apresentado após a decisão administrativa do INSS considerará como data de entrada do requerimento a data da apresentação superveniente do documento. § 4º O disposto neste artigo se aplica aos pedidos de revisão fundamentados em documentos não apresentados no momento do requerimento administrativo.” (NR) “Art. 105-A. A concessão ou a revisão de benefícios previdenciários por decisão judicial depende de prévio requerimento administrativo do interessado. Parágrafo único. Não se considera realizado o prévio requerimento administrativo quando não instruído com todos os documentos necessários à análise do pedido.” (NR) 518 Lei 13.982/2020, art. 4º. “Fica o INSS autorizado a antecipar 1 (um) salário mínimo mensal para os requerentes do benefício de auxílio-doença de que trata o art. 59 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, ou até a realização de perícia pela Perícia Médica Federal, o que ocorrer primeiro. Parágrafo único. A antecipação de que trata o caput estará condicionada: I – ao cumprimento da carência exigida para a concessão do benefício de auxílio-doença; II – à apresentação de atestado médico, cujos requisitos e forma de análise serão estabelecidos em ato conjunto da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS”. O Decreto n. 10.413, de 02.07.2020, prorrogou a autorização para concessão da antecipação até 31.12.2020. 519 Plenário, RE 631.240, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014. 520 Mais especificamente, em relação às ações de concessão de benefício previdenciário, exige-se, como regra, o prévio requerimento administrativo. Pode-se dispensar, de modo excepcional, a exigência dessa formalidade, quando de antemão se sabe, porque notório, que o INSS irá resistir à pretensão dos particulares. Além disso, a demora excessiva – caracterizada quando vencido o prazo de 45 dias previsto no art. 41-A, § 5º, da Lei n. 8.213/91 – para a análise do pedido administrativo implica lesão a direito do particular, autorizando o acesso à justiça. 521 De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da continuidade “é um subprincípio, ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa”. Segundo o mesmo professor, “a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 29). 522 TRF4, AC 5001255-51.2018.4.04.7008, Primeira Turma, Relator Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 12.06.2019. 523 O auxílio emergencial corresponde ao pagamento de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais, durante o período de 3 (três) meses, aos trabalhadores especificados no art. 2º da Lei 13.982, de 02.04.2020. Esse benefício foi prorrogado pelo período complementar de dois meses, nos termos do Decreto 10.410, de 30.06.2020. Posteriormente, foi editada a MP 1.000, de 02.09.2020, que instituiu o auxílio emergencial residual, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), sendo regulamentada pelo Decreto 10.488, de 16.09.2020. 524 Em 16.11.2020, firmou-se acordo judicial, no âmbito de ação civil pública, entre a União, o Ministério Público Federal – MPF, o Ministério da Cidadania, a Defensoria Pública da União – DPU e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. A avença foi homologada pelo STF no âmbito do RE 1.171.152, inicialmente por decisão do relator Min. Alexandre de Moraes, proferida em 08.12.2020, a qual restou referendada pelo Plenário (Sessão Virtual de 18.12.2020 a 5.2.2021). Nessa ACP, buscava-se a fixação judicial de prazo máximo de 15 (quinze) dias para que o INSS realizasse as perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, a contar do requerimento do benefício. O Recurso Extraordinário chegou a ser incluído para julgamento em repercussão geral (Tema 1.066: “Possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo”). Sem embargo, por força desse acordo, o processo foi extinto (CPC, art. 487, III), acarretando a exclusão do recurso, da sistemática da repercussão geral. Note-se que a composição judicial estabelece prazos diferenciados, previstos de acordo com a espécie de benefício e toma em consideração aspectos como a necessidade de cumprimento de exigências por parte do interessado. A íntegra do Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC pode ser conferida no Apêndice deste livro. 525 Veja-se item 3.2.1.2, supra. 526 CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de coisas inconstitucional, p. 58. A tese do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) já foi adotada no Brasil, pela Suprema Corte, quando do julgamento da ADPF n. 347, que tinha como objeto o sistema carcerário brasileiro, havendo o STF identificado na superpopulação carcerária e nas condições desumanas de custódia uma “violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional” (ADPF 347 MC, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 09.09.2015, DJe 19.02.2016). 527 A inatividade formal da Administração ocorre no contexto de um processo administrativo, com a mora da Administração em decidir expressamente o pleito de um particular. Já a inatividade material é caracterizada pela omissão quanto aos deveres que se inserem na competência de determinado órgão público, de que podem ser exemplos a falta do serviço de conservação de rodovias ou ausência do serviço de coleta de lixo. 528 Sobre o prazo para solução administrativa dos requerimentos previdenciários, o art. 49 da Lei 9.784/99 estabelece que a Administração Pública Federal tem o prazo de até 30 (trinta) dias, após a conclusão do processo administrativo para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. A Lei do Processo Administrativo Federal, porém, é de aplicação subsidiária, conforme dispõe seu art. 69. Por isso, o prazo a ser observado é aquele disposto pela legislação previdenciária, que dispõe: “O 1º (primeiro) pagamento de renda mensal do benefício será efetuado até 45 (quarenta e cinco) dias após a data da apresentação pelo segurado da documentação necessária a sua concessão” (Lei 8.213/91, art. 41-A, § 5º). 529 O Pacto de San Jose da Costa Rica foi ratificado pelo Brasil em 1992, sendo promulgado pelo Decreto 678, de 06.01.1992. 530 O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais “Protocolo de São Salvador” foi promulgado pelo Decreto 3.321, de 30.12.1999. Estabelece o art. 9º deste instrumento internacional, in verbis: “1. Toda pessoa tem direito à previdência social que a proteja das consequências da velhice e da incapacitação que a impossibilite, física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa. No caso de morte do beneficiário, as prestações da previdência social beneficiarão seus dependentes. 2. Quando se tratar de pessoas em atividade, o direito à previdência social abrangerá pelo menos o atendimento médico e o subsídio ou pensão em caso de acidentes de trabalho ou de doença profissional e, quando se tratar da mulher, licença remunerada para a gestante, antes e depois do parto”. 531 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 94. 532 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 395. 533 Uma visão mais restritiva de silêncio administrativo não se satisfaz com a inatividade formal da Administração ou com simples ausência de resposta do Poder Público no prazo legal, exigindo, para sua caracterização, a existência de previsão legal dos efeitos jurídicos da omissão administrativa. Desde essa concepção, tem-se o silêncio administrativo apenas quando a falta de decisão no prazo legal implica, por disposição lega, a concessão (silêncio administrativo positivo) ou o indeferimento (silêncio administrativo negativo) do pleito formulado pelo particular. Para Paulo Modesto, afiançando o que considera doutrina convencional, “A omissão converte-se em silêncio administrativo apenas quando é prevista expressamente em norma, com enunciação também de efeitos ope legis, substitutivos da decisão ou declaração omitida pela Administração. Em termos sintéticos: silêncio administrativo é a omissão qualificada a que norma jurídica atribui efeitos substitutivos da decisão expressa da Administração Pública” (MODESTO, Paulo. Silêncio administrativo positivo, negativo e translativo: a omissão estatal formal em tempos de crise. Revista Brasileira de Direito Público – RDP, Belo Horizonte: Fórum, ano 15, n. 57, abr./jun. 2017). 534 A título ilustrativo: TRF4, AC 5096271-13.2019.4.04.7100, Sexta Turma, Relator Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, juntado aos autos em 19.03.2020. 535 Ainda assim não deixa de ser problemática a opção pela tutela meramente processual contra a mora administrativa. Isso porque não pode o segurado ser obrigado a ingressar com um mandado de segurança a cada ato administrativo em que há lentidão. Soa desproporcional, por exemplo, que após uma primeira judicialização para aceleração do trâmite processual e obtenção da conclusão administrativa, tenha o segurado que buscar em juízo que o INSS não deixe de encaminhar o recurso administrativo à Junta de Recursos da Previdência Social e que esta analise o inconformismo em prazo razoável. A Administração como um todo tem o dever de observar a cláusula da duração razoável. E não se deve para exigir que o segurado, a cada omissão, impetre nova ação mandamental. 536 Esse ambiente de esquiva institucional à pretensão de proteção social dos mais vulneráveis, como fruto de um antidemocrático jogo de portas fechadas ao cidadão, já foi apontado acima, ainda quanto ao tema do interesse de agir em matéria previdenciária (item 6.3.2.1, supra). 537 A depender do efeito que se empreste à falta de decisão administrativa, pode-se compreender o silêncio administrativo como negativo ou positivo. Em outras palavras, a quebra do dever de decisão expressa pela Administração Pública nos processos instaurados por interesse de particulares poderá implicar, por ficção legal, um indeferimento (hipótese de silêncio negativo) ou um posicionamento concessório (hipótese de silêncio positivo). Exemplo de silêncio positivo pode ser encontrado na Lei 13.874/2019, produto de conversão da MP da Liberdade Econômica que, dentre outros pontos, em seu art. 3º, IX, estabeleceu que “São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País [...]”: “IX – ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei”. 538 Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 25, item 1: “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercícios de suas funções oficiais”. 539 Art. 5º, XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”. 540 RE 631.240, Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014. 541 Segundo pensamos, essa orientação da Suprema Corte não resta superada pelo acordo judicial firmado, no âmbito de ação civil pública, entre a União, o MPF, o Ministério da Cidadania, a DPU e o INSS (RE 1.171.152, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Sessão Virtual de 18.12.2020 a 5.2.2021), pois, em se tratando de direitos individuais homogêneos, os efeitos da coisa julgada não podem prejudicar “interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe” (Lei 8.078/90, art. 103, § 1º). Nesse sentido, foi reconhecido efeito vinculante do instrumento consensual apenas sobre as ações coletivas já ajuizadas que tratem do mesmo objeto (itens 12.4 e 12.5 do acordo). No entanto, reconhecemos que provavelmente, em um contexto de encaminhamentos pragmáticos, os prazos estabelecidos na aludida avença serão aplicados de modo geral, para demandas individuais, inclusive. A íntegra do Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC pode ser conferida no Apêndice deste livro. 542 Villareal, Clara B. contra Administración Nac. de la Seguridad Social, j. 15.11.2005, DJ 2005-3, 932. 543 REsp 129.639/RS, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, j. 18.11.1997, DJ 15.12.1997. 544 TRF4, AC 2003.04.01.002784-2, Rel. João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, DJ 16.11.2005. 545 Nesse sentido: Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200672950155442, Relª. Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, j. 16.02.2009, DJ 25.03.2009; PEDILEF 200772510074602, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Otávio Henrique Martins Port, j. 16.11.2009, DJ 24.05.2011. Igualmente nesse sentido: TRF2, APELREEX 438417, Processo: 1997.51.01.003257-2/RJ, Primeira Turma Especializada, Rel. Juiz Federal Convocado Marcello Ferreira De Souza Granado, j. 29.03.2011, E-DJF2R: 08.04.2011. Observe-se o emprego do mesmo raciocínio, mas com a peculiaridade de que se trata de ação mandamental: “Embora nos casos de mandado de segurança a autoridade impetrada não apresente contestação, limitando-se a prestar ‘informações’, sendo possível constatar manifesta resistência à pretensão vestibular, certa se faz a necessidade do provimento judicial para dirimir a lide posta, visto que, se a parte autora recorresse à via administrativa, teria sua pretensão negada” (TRF4, Quinta Turma, REOMS 2006.70.00.023796-0, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJ 16.08.2007). 546 Sobre o tratamento dispensado pela Suprema Corte para os processos que se encontravam em curso quando do julgamento do RE 631.240, chamado de fórmula de transição, veja-se o item 6.3.2.1, supra. 547 Nesse mesmo sentido, mais recentemente: “1. A Terceira Seção desta Corte deixou assentada a necessidade do prévio requerimento na esfera administrativa, sob pena de se configurar a falta de interesse de agir da parte autora em postular a proteção jurisdicional nas hipóteses em que não há resistência da Autarquia Ré manifestada em contestação por meio do combate ao mérito da pretensão vestibular. 2. Na hipótese em apreço, contudo, a parte autora pleiteia a concessão de benefício de aposentadoria por idade, na condição de boia-fria. Nessa situação é muito difícil a obtenção de início de prova material, pois a atividade é exercida na mais completa informalidade. Como o INSS não defere o benefício sem apresentação de prova documental abundante, e como o entendimento jurisprudencial predominante abranda a exigência de apresentação de início razoável de prova material nestes casos, não há como afirmar a inexistência de conflito de interesses – ante a fundada ameaça de resistência ao interesse material, apto a ensejar o interesse processual da parte autora [...]” (TRF4, AC 0001706-93.2010.404.9999, Sexta Turma, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 09.06.2010). Orientando-se pelo mesmo princípio da presunção da lide, porém com diferente solução: “Ausente comprovação de requerimento administrativo, e bem assim de caracterização de hipótese na qual evidenciado interesse processual presumido, impõe-se a extinção do feito sem resolução de mérito” (TRF4, AC 0007226-34.2010.404.9999, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Rogerio Favreto, DE 06.10.2011). 548 Em suma, a mencionada exigência “deve ser dispensada nos casos em que os pedidos são reiteradamente indeferidos pela autarquia previdenciária, e bem assim nas situações em que o réu contesta o mérito da demanda” (TRF4, AC 0017708-41.2010.404.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 22.09.2011). 549 STJ, AgRg no AREsp 304.348/SE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. 28.05.2013, DJe 04.06.2013. 550 A relevância do emprego de ação civil pública em matéria previdenciária é melhor discutida na seção em que se examina o que pode ser visto como problemas críticos do processo previdenciário (veja-se item 3.2.1.2, supra). 551 Mas, essa atuação judicial será mais adequada quando a matéria em discussão for apenas de direito, pois então não tende a haver qualquer embaraço processual pela falta de prévio requerimento e instrução no processo administrativo. 552 Nesse caso, o dependente teria a data de início de seu benefício fixada de acordo com a data do requerimento administrativo, o qual somente seria realizado após o tempo necessário para o trânsito em julgado da decisão judicial que declara a morte presumida. 553 Nesse sentido já orientou o STJ: “O art. 78 da Lei 8.213/91 dispõe que a concessão da pensão provisória pela morte presumida do segurado decorre tão somente da declaração emanada da autoridade judicial, depois do transcurso de 6 meses da ausência. Dispensa-se pedido administrativo para recebimento do benefício” (AgRg no REsp 1309733/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 02.08.2012, DJe 23.08.2012). 554 Nesse sentido: “A Administração Pública tem o dever de obediência aos princípios da legalidade e da eficiência, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, devendo ainda observar o postulado do devido processo legal estabelecido no inc. LV do art. 5º da Carta Política. Por outro lado, desde o advento da EC 45/04 são assegurados a todos pelo inc. LXXVIII do art. 5º a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. A prática de atos processuais administrativos e respectiva decisão em matéria previdenciária encontram limites nas disposições dos arts. 1º, 2º, 24, 48 e 49 da Lei 9.784/99, e 41, § 6º, da Lei 8.213/91. Deixando a Administração de se manifestar sobre pretensão do segurado, mesmo decorridos vários meses de sua apresentação, resta caracterizada ilegalidade, ainda que a inércia não decorra de voluntária omissão dos agentes públicos competentes, mas de problemas estruturais ou mesmo conjunturais da máquina estatal” (TRF4, Turma Suplementar, REOMS 2006.71.00.036792-3, Rel. Fernando Quadros da Silva, DJ 14.12.2007). 555 “O administrado tem direito à apreciação, em prazo razoável, de seu requerimento administrativo, de natureza previdenciária (CF/88, art. 5º, inc. LXXVIII; Lei 9.784/99, arts. 48 e 49)” (TRF4, Sexta Turma, REOMS 2007.71.00.000529-0, Rel. Marcelo de Nardi, DJ 31.10.2007). 556 Pode ser o caso de uma ação declaratória do direito de receber tutela administrativa com pedido de tutela urgente no sentido de determinar à autarquia previdenciária que, em prazo razoável, sob pena de multa e outras imposições que se apresentarem necessárias, ofereça resposta final ao requerimento de concessão de benefício previdenciário. 557 Nesse sentido se encontra consolidada a jurisprudência do STJ, como se verifica: “A demora injustificada da Administração Pública para apreciar pedido de aposentadoria, obrigando o servidor a continuar exercendo compulsoriamente suas funções, gera o dever de indenizar. Precedentes: REsp 687.947/MS – 2ª T. – Min. Castro Meira – DJ de 21.08.2006; REsp 688.081/MS – REsp 983.659/MS – 1ª T. – Min. José Delgado – DJ de 06.03.2008; REsp 952.705/MS – Min. Luiz Fux – DJ de 17.12.2008” (REsp 1.052.461/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.04.2009). 558 TRF4, AC 2009.71.00.022183-8, Rel. João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, DE 12.05.2010. 559 Sobre o princípio da proteção judicial das lesões implícitas, veja-se item 2.4, supra. 560 Esclarecendo “junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem de sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade” (Lei 8.213/91, art. 88). 561 DOU 12.11.2019, Edição 219, Seção 1, p. 320. Esse dever já era extraído do antigo Enunciado 5, do CRPS: “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”. 562 E como já antecipamos, quando o INSS concede ou mantém um benefício de auxílio por incapacidade temporária, está indeferindo, em face de seu dever de conceder a prestação mais vantajosa, a aposentadoria por incapacidade permanente e, ainda mais certamente, o acréscimo de 25% devido ao segurado que necessita da assistência permanente de outra pessoa (Lei 8.213/91, art. 45, caput). Por esta mesma lógica e a título ilustrativo, a concessão de uma aposentadoria proporcional por tempo de serviço implica o indeferimento da aposentadoria integral. Bem assim a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral sem o reconhecimento de determinado tempo de contribuição implica a negativa deste direito ao segurado, abrindo espaço para a discussão judicial desse direito. Lembre-se que o exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. 563 E o mesmo entendimento tem sido aplicado às ações que buscam averbação de tempo de contribuição ou expedição de certidão de tempo de contribuição, como se verifica, a título ilustrativo: “Previdenciário e processual civil. Averbação de tempo de serviço rural. Falta de interesse de agir. Ausência de requerimento administrativo. A falta de requerimento administrativo do segurado perante o órgão previdenciário, aliada à não impugnação do mérito deduzido na ação, implica a ausência de interesse de agir, uma das condições da ação e, como consequência a extinção do processo sem julgamento de mérito” (Segunda Turma Suplementar, AI 2001.72.05.003522-7, Relª. Juíza Luciane Amaral Corrêa Münch, DJU 07.12.2005). 564 Certamente esta premissa não tem aplicabilidade no caso da ação de justificação judicial, em face de seu caráter preparatório: “Previdenciário. Processo civil. Rurícola. Justificação judicial. Nulidade do julgado. Não se revela legítima a extinção do processo de justificação, por falta de interesse, ao fundamento de não ter sido previamente efetivado na via administrativa ou de que não produzirá qualquer ressonância prática junto ao INSS” (TRF4, Quinta Turma, AC 95.04.32404-5, Rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJ 27.08.1997). 565 Nesse sentido: “[...] em se tratando de hipótese de restabelecimento, o ato administrativo que acarretou no cancelamento do pagamento do benefício basta para configurar a pretensão resistida, e, assim, o interesse de agir” (TRF4, AC 0013244-66.2013.404.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 04.10.2013). 566 Nesse sentido: “Nas ações de restabelecimento, a causa de pedir diz respeito à persistência da incapacidade para o trabalho após a cessação do benefício por incapacidade, afigurando-se desproporcional a exigência de que a doença ou lesão apontada como causa da incapacidade seja a mesma identificada e apontada pelo perito médico do INSS” [...] (PEDILEF 0003121-38.2009.404.7254, Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, Rel. José Antonio Savaris, DE 07.04.2011). 567 Por essas razões não se pode concordar com o entendimento de que é “Necessário renovar previamente o requerimento administrativo quando se tratar-se de mal incapacitante que não tenha sido objeto de apreciação na perícia administrativa e não guardar conexão com a enfermidade que deu origem à concessão do anterior benefício previdenciário” (PEDILEF 2006.72.50.012939-0, Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, Relª. Luísa Hickel Gamba, DE 21.01.2009). 568 Essa questão se encontra submetida a julgamento no Tema 277 da TNU: “Saber, à vista do decidido no Tema 164/TNU, quais as consequências da ausência de pedido administrativo de prorrogação do auxílio-doença cessado por alta programada na postulação judicial de restabelecimento do benefício” (PEDILEF 0500255-75.2019.4.05.8303, Rel. Juíza Federal Polyana Falcão Brito). 569 Nesse sentido: “Esta Turma Nacional de Uniformização orienta no sentido da desnecessidade de prévio requerimento administrativo de prorrogação de auxílio-doença para o ajuizamento de ação de restabelecimento do benefício (v.g.: PEDILEF 2007.36.00.903787-0, Rel. Juiz Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, DJ 07.11.2008). 3. As dificuldades operacionais do pedido de prorrogação do benefício de auxílio-doença, com seguidas cessações de prestação previdenciária por incapacidade nada obstante formulados os pedidos de manutenção do benefício, tornam incensurável o entendimento já uniformizado por este Colegiado” (PEDILEF 200972640023779, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 14.06.2011, DJ 22.07.2011). Em última análise, “A cessação administrativa do auxíliodoença afigura-se suficiente para fazer eclodir o interesse de agir na hipótese vertente, pois a alta administrativa já equivale por si só e implicitamente à negativa da pretensão autoral à continuidade da percepção do benefício” (TRF4, AC 0001059-98.2010.404.9999, Sexta Turma, Rel. José Francisco Andreotti Spizzirri, DE 29.03.2010). 570 No atual regime jurídico do auxílio por incapacidade temporária, sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de benefício, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a sua duração (Lei 8.213/91, art. 60, § 8º, com a redação dada pela Lei 13.457/2017). Na ausência de fixação do prazo estimado para a duração do benefício, este cessará após o prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio por incapacidade temporária, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS (Lei 8.213/91, art. 60, § 9º, com a redação dada pela Lei 13.457/2017). 571 Em determinados casos, o médico da Previdência Social reconhece apenas uma incapacidade laboral pregressa e entende que o segurado já tem recuperada sua capacidade laboral na data da realização da perícia administrativa. Nesses casos, não haveria sentido em se requerer a prorrogação do benefício até uma nova perícia, pois o posicionamento técnico no INSS já foi contrário à manutenção do auxílio por incapacidade temporária. 572 Veja-se a título ilustrativo: “1. O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que não é possível o cancelamento automático do benefício auxílio-doença por intermédio do mecanismo da alta programada, sem que haja o prévio e devido procedimento administrativo perante o INSS. 2. No caso, o Tribunal a quo, ao manter sentença que concedeu ordem de segurança, para garantir a continuidade do recebimento do auxílio-doença, até a realização de perícia médica administrativa conclusiva a respeito da persistência ou não da invalidez para o trabalho, decidiu em sintonia com a jurisprudência do STJ que vem se firmando” (AgInt no AREsp 968.191/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 17,10.2017, DJe 20.10.2017). No mesmo sentido: “Esta Corte firmou entendimento no sentido da impossibilidade da alta médica programada para cancelamento automático do benefício previdenciário de auxílio-doença, sem que haja prévia perícia médica que ateste a capacidade do segurado para o desempenho de atividade laborativa que lhe garanta a subsistência, sob pena de ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório” (AgInt no REsp 1368692/SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 24.10.2017, DJe 10.11.2017). 573 Já na vigência da MP 767/2017, convertida na Lei 13.457/2017, a TNU reconheceu, ao fixar o Tema 164, que: “Por não vislumbrar ilegalidade na fixação de data estimada para a cessação do auxílio-doença, ou mesmo na convocação do segurado para nova avaliação da persistência das condições que levaram à concessão do benefício na via judicial, a Turma Nacional de Uniformização, por unanimidade, firmou as seguintes teses: a) os benefícios de auxílio-doença concedidos judicial ou administrativamente, sem Data de Cessação de Benefício (DCB), ainda que anteriormente à edição da MP n. 739/2016, podem ser objeto de revisão administrativa, na forma e prazos previstos em lei e demais normas que regulamentam a matéria, por meio de prévia convocação dos segurados pelo INSS, para avaliar se persistem os motivos de concessão do benefício; b) os benefícios concedidos, reativados ou prorrogados posteriormente à publicação da MP n. 767/2017, convertida na Lei n. 13.457/17, devem, nos termos da lei, ter a sua DCB fixada, sendo desnecessária, nesses casos, a realização de nova perícia para a cessação do benefício; c) em qualquer caso, o segurado poderá pedir a prorrogação do benefício, com garantia de pagamento até a realização da perícia médica” (PEDILEF 0500774-49.2016.4.05.8305, Rel. Juiz Federal Fernando Moreira Gonçalves, j. 19.04.2018, DJ 23.04.2018). 574 Nesse sentido: “PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE DE AGIR. REPERCUSSÃO GERAL (RE 631.240). 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 631.240/MG em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido de ser necessário, como regra geral, o requerimento administrativo antes do ajuizamento de ações de concessão de benefícios previdenciários. 2. Tratando-se de pedido de auxílio-acidente precedido de auxílio-doença, não se aplica a tese firmada no RE 631.240/MG. Isso porque a Autarquia Previdenciária, ao cancelar o auxílio-doença, tem obrigação de avaliar se as sequelas consolidadas, e que não são incapacitantes, geraram ou não redução da capacidade laborativa” (TRF4, AC 0012374-16.2016.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Jorge Antonio Maurique, DE 26.09.2017). 575 Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento: I – quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará: a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados; II – quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade: a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade; b) com redução de 50% (cinquenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses; c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente. 576 Sobre o princípio da imediatidade, veja-se o item 2.2, supra. 577 Nesse sentido: “Em se tratando de revisão de benefício previdenciário, configura-se a pretensão resistida no momento em que a Previdência Social quantifica o valor a ser pago, disto derivando o interesse para agir, não havendo, por isso, a necessidade de prévio requerimento administrativo” (TRF4, Ag. 0003382-95.2013.404.0000, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 04.10.2013). Sobre a classificação das ações judiciais previdenciárias, veja-se o item 6.2, supra. 578 Em sentido contrário, exigindo o prévio requerimento administrativo para ação revisional quando novo fato é apresentado pelo segurado, chegou a orientar a TNU: “Previdenciário. Revisão sobre questão de fato. Sentença que julga extinto o processo sem resolução de mérito. Ausência de prévio requerimento administrativo. Falta de interesse de agir caracterizada. 1. A exigência de prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária não é uma questão meramente processual, mas, sim, uma questão de direito material afeta à própria garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário. 2. No âmbito do microssistema dos Juizados, a solução é a mesma em relação à concessão de benefício previdenciário e em relação à revisão sobre questão de fato não examinada no ato de concessão de benefício previdenciário: exige-se prévio requerimento administrativo para a caracterização de interesse processual legítimo. 2.1 Isto justifica a extinção do processo sem resolução do mérito mediante indeferimento da inicial ou, se houver citação, após o decurso do prazo da contestação, se não houver a apresentação de contestação de mérito pelo INSS. 2.2 Isto não justifica a extinção do processo sem resolução do mérito se houver contestação de mérito pelo INSS. 3. Em se tratando de revisão exclusivamente sobre critério de cálculo relativo a ato de concessão de benefício previdenciário, não se exige prévio requerimento administrativo, sendo público e notório que o INSS não admite este tipo de revisão. 4. Caso em que não houve prévio requerimento administrativo de concessão de aposentadoria, mas houve contestação de mérito específica, caracterizandose a pretensão resistida. 5. Pedido improvido” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200481100056144, Relª. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 13.05.2010). 579 Sobre nossa classificação das ações de revisão de benefício previdenciário, veja-se o item 6.2.2, supra. 580 Sobre a exigência de prévia postulação administrativa para as ações judiciais fundadas em fatos não ventilados na esfera administrativa, veja-se ainda o item 2.3.3.1, supra. 581 Isto é, no contexto de exigência de prévio requerimento administrativo de revisão quando a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. 582 Relembre-se: “[...] não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado” (excerto do voto do Relator, p. 20). 583 Para os benefícios concedidos em tempo posterior à edição da Lei 9.876, de 26.11.1999, a forma de cálculo deve seguir o disposto pelo art. 3º da Lei 9.876, de 26.11.1999. Esse dispositivo legal determina a apuração do salário de benefício com base na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% (oitenta por cento) do período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário, nos casos de aposentadorias por idade e por tempo de contribuição (Lei 8.213/91, I, do art. 29) e sem a aplicação do referido fator, nos casos das aposentadorias por invalidez e especial, bem como dos auxílios-doença e acidente (Lei 8.213/91, II, do art. 29). A ilegalidade ocorreu nos benefícios acima mencionados cujo período básico de cálculo conta com menos de 144 contribuições, visto que o INSS adotava, na instância administrativa, o contido no art. 32, § 2º, do Decreto 3.048/99 (com a redação acrescentada pelo Decreto 3.265/99), dispositivo este eivado de ilegalidade, pois inovava o ordenamento jurídico ao definir forma de cálculo do salário de benefício diversa da estabelecida pelo art. 29, II, da Lei 8.213/91, alterado pela Lei 9.876/99. Mais especificamente, o INSS aplicava norma infralegal mais restritiva em relação à legislação ordinária, pois aos segurados que contavam com menos de 144 contribuições no período básico de cálculo, adotava a média aritmética simples de todos os salários de contribuição existentes desde jul./94 (para os já filiados ao RGPS antes da edição da Lei 9.876/99), deixando de fazer a média considerando os 80% (oitenta por cento) maiores salários de contribuição devidamente atualizados. CAPÍTULO 7 REGIME PROBATÓRIO PREVIDENCIÁRIO 7.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Medir a importância do direito à prova em matéria previdenciária pressupõe duas elementares observações. Primeira, o objeto de estudo hospeda a convergência de dois direitos constitucionais fundamentais: o direito processual de produzir prova lícita e o direito material à Previdência Social. Se o direito de produzir prova é irradiação do devido processo legal e por seu conteúdo intrínseco já manifesta superior dignidade, quando a prova se faz instrumento para a satisfação de um direito fundamental intimamente ligado à dignidade da pessoa humana ela se demonstra de importância singular. É um direito fundamental como meio de satisfação de um bem da vida também fundamental. A missão da prova não poderia ser então mais nobre. E a violação desse direito, por consequência, é algo extremamente gravoso. Na definição clássica de Colin e Capitant, “Provar é fazer que se conheça em justiça a verdade de uma alegação pela qual se afirma um fato do qual decorrem consequências jurídicas”⁵⁸⁴. Quando o bem de vida em discussão judicial corresponde a um bem fundamental, mais relevante se torna a disciplina do meio pelo qual se faz conhecer em juízo a verdade de um fato jurídico de efeitos previdenciários. Segunda observação: a atribuição de um direito previdenciário pressupõe laboriosa tarefa de exame de fatos, bastando referir que a imensa maioria das ações em que se pretende a concessão de uma prestação previdenciária veicula discussão de natureza fática: a incapacidade para o trabalho, a preexistência da incapacidade para o trabalho, o agravamento da lesão incapacitante, o tempo do início da incapacidade, sua persistência, sua cessação. A morte, a existência da qualidade de segurado ao tempo do óbito, a manutenção da qualidade de segurado pela incapacidade, a condição de desemprego para extensão do período de graça, o emprego informal. A dependência econômica dos genitores, a composição familiar, a união estável previdenciária, a invalidez do filho com mais de 21 anos. O tempo de contribuição, o efetivo exercício de uma atividade abrangida pela Previdência Social, o vínculo de emprego, a natureza da atividade, se especial ou comum, a condição de rurícola, a não contratação de mão de obra permanente, a extensão da área rural, o volume da comercialização da produção, espécie de produção, meio de transporte à área de cultivo. Ação previdenciária é então sinal de exame de prova. E a carga emocional de um processo previdenciário é manifesta, pois ele é impregnado de noções e apreensões que reclamam adequada instrução processual com vistas à satisfação do direito constitucional fundamental à segurança social. Recordemos a singularidade previdenciária. Ela diz respeito a características marcantes da lide previdenciária: o caráter alimentar do bem da vida em discussão destinado a prover o mínimo social ao carente e promover-lhe a dignidade. A lide previdenciária fala de proteção ao idoso e à pessoa com deficiência, igualdade previdenciária aos trabalhadores rurais. Ela se refere a atendimento de cidadãos que veem os serviços públicos apenas de uma forma caricata. O sistema de Seguridade Social é mobilizado para socorro a viúvas e menores desprotegidos, mulheres e homens sem acesso às mínimas manifestações de bem-estar. Se uma ação previdenciária é sinal de exame de prova, e se, de outra parte, é caracterizada pela hipossuficiência do autor da demanda, pela eventual ausência de advogado constituído e pela dignidade fundamental do direito em discussão, deve ser empreendedora a participação do magistrado na instrução do feito, como pressuposto para o pronunciamento de uma sentença justa. Quando se expressa que [...] as linhas da reforma do processo civil estão voltadas à minimização dos efeitos do princípio dispositivo, retomando a preocupação publicista pela descoberta da verdade e, por isso, preocupada em, por exemplo, superar a enumeração taxativa dos meios de prova, pela consagração do princípio da atipicidade; aumentar os poderes instrutórios exercitáveis de ofício pelo juiz; e abandonar os efeitos probatórios vinculantes inerentes ao sistema da prova legal, com mais razão no domínio previdenciário o juiz não deve ser indiferente ao processo de composição do conflito de interesses⁵⁸⁵. O presente capítulo é destinado à discussão das mais importantes questões relativas à comprovação de circunstâncias de fato de interesse do segurado ou do dependente. Antes de tudo, porém, desejamos ressaltar a possibilidade de a prova do fato constitutivo do direito previdenciário ser realizada não apenas em qualquer fase processual durante o primeiro grau de jurisdição, mas igualmente após a sentença, no âmbito da instância judicial revisora. A mais profunda cognição possível atende o postulado da verdade material no domínio processual previdenciário e, na perspectiva da coisa julgada previdenciária secundum eventum probationis, consubstancia técnica de economia processual, evitando ajuizamento de nova demanda judicial⁵⁸⁶. É certo que o tema probatório em matéria previdenciária, como nas demais áreas do direito, deve ser compreendido a partir dos direitos constitucionais ao contraditório, à ampla e à produção de prova lícita. Também é correto que a prova previdenciária é disciplinada pelo princípio geral de que “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (CPC/2015, art. 369). Mas são tantas as variantes relacionadas à lide previdenciária, e de modo tão específico, que um trabalho que tenha o processo previdenciário como objeto não poderia deixar de enfrentar algumas delas. Destacamos, na sequência, as questões nucleares do que se pode chamar regime probatório previdenciário. 7.1.1 Efeitos da revelia no processo previdenciário Talvez o primeiro ponto a se examinar quando se põe em análise o regime jurídico probatório em matéria previdenciária é a impossibilidade de imposição da pena de confissão ficta à Administração Previdenciária, em razão do disposto no art. 345, II, do CPC/2015 (CPC/1973, art. 320, II)⁵⁸⁷. Como a concessão de um benefício previdenciário não se encontra à livre disposição de quem quer que seja, a atribuição do referido direito depende do cumprimento dos requisitos dispostos no sistema jurídico. A relativa indisponibilidade dos direitos discutidos no processo não implica, por outro lado, a não decretação da revelia do instituto de seguros na hipótese de ausência de contestação no prazo legal. De fato, é devido mesmo contra a Fazenda Pública o efeito da revelia, segundo o qual “Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial” (CPC/2015, art. 346)⁵⁸⁸. É preciso reconhecer que a indisponibilidade afeta o direito previdenciário pela perspectiva de qualquer das partes: do indivíduo, porque o bem previdenciário é indisponível visto que indispensável à vida; do réu, porque o INSS não pode dispor do benefício, concedendo-o fora dos ditames da Lei e do Direito. Essa indisponibilidade do bem previdenciário é relativa, todavia. O que se inviabiliza ou proíbe é, para o segurado ou dependente, que renuncie expressamente o direito de receber – para o restante de sua vida – a cobertura previdenciária. Já para a Administração Previdenciária o que se veda é que, atentando contra o interesse público correspondente a uma adequada proteção previdenciária, desafie o cumprimento do princípio da legalidade, concedendo benefícios ilegalmente. Isso não significa dizer que não possam, beneficiários e Administração, cada qual na busca do mais perfeito cumprimento de seus respectivos interesses, transigir acerca do tempo e modo em que será satisfeito determinado direito previdenciário. Por essa razão, isto é, em face da relativa indisponibilidade do bem previdenciário, é inviável a imputação da pena de confissão ficta ao INSS (presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor), como desdobramento da decretação de revelia. Cumpre assinalar, ainda quanto a este aspecto processual, que é irrelevante o modelo de jurisdição previdenciária – se vara comum ou Juizado Especial Federal – em que se discute o bem da vida previdenciário. Importa, antes, a natureza do direito material em jogo e, mais precisamente, o interesse público a ele ligado⁵⁸⁹. 7.2 CONCEITO E COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO PARA EFEITOS DE PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA O segurado que deixar de contribuir para a Previdência Social manterá essa condição por doze meses, nos termos do art. 15, II, da Lei 8.213/91 (período de graça). Segundo a regra do art. 15, § 2º, da Lei 8.213/91, esse período será prorrogado por outros doze meses desde que comprovada a condição de desemprego⁵⁹⁰. A condição de desemprego pode ser assumida por qualquer segurado que não se encontre inserido no mercado de trabalho, seja como empregado, seja no exercício de qualquer das atividades sujeitas à filiação obrigatória da Previdência Social. Deve-se entender que “desemprego é a situação em que se encontra quem, encontrando-se apto para trabalhar, tem de permanecer ocioso e sem prestar seus serviços por causa alheia à sua vontade”⁵⁹¹. Nessa perspectiva, inexiste razão para se excluir do segurado contribuinte individual a norma que assegura a extensão do período de graça em razão do desemprego. Desde uma perspectiva hermenêutica, compreende-se que se a lei não restringe o benefício ao segurado empregado, não haveria razão para o intérprete fazê-lo, pois ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus⁵⁹². Por outro lado, o caráter de plena voluntariedade na manutenção do estado de “não trabalho” impede o reconhecimento da condição de desemprego para efeito da prorrogação do período de graça. Assim, “a prorrogação do período de graça prevista no parágrafo 2º do art. 15 da Lei n. 8.213/91 somente se aplica às hipóteses de desemprego involuntário”⁵⁹³. Isso não significa que, em relação aos segurados empregado e doméstico, a rescisão do contrato de trabalho não possa ocorrer por iniciativa do segurado e ainda assim ser invocada a prorrogação da qualidade de segurado em razão do desemprego. Dito de outra maneira, não se exige a involuntariedade do obreiro na cessação do vínculo laboral, mas na manutenção da condição de não trabalho. Em suma, a condição de desemprego pode ser mantida pelo segurado ainda que, por iniciativa própria, tenha rescindido o contrato de trabalho. É irrelevante, portanto, para fins de prorrogação do período de graça, o modo como se deu a rescisão do contrato de trabalho, cumprindo lembrar que não está em causa a avaliação da ocorrência de requisito legal para a concessão de seguro-desemprego, mas a circunstância de desemprego como fato hábil a prorrogar a qualidade de segurado, ainda que apenas ocorra no final da manutenção da qualidade de segurado disciplinada pelo art. 15, II, da Lei 8.213/91⁵⁹⁴. Passemos ao modo de comprovação da condição de desemprego. A despeito de a lei exigir a comprovação da condição de desemprego pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Previdência Social, o entendimento prevalecente é no sentido de que essa circunstância pode ser demonstrada por qualquer meio de prova. Sobre o tema, a Turma Nacional de Uniformização consolidou posicionamento no sentido de que “A ausência de registro em órgão do Ministério do Trabalho não impede a comprovação do desemprego por outros meios admitidos em Direito” (Súmula 27). Afastando-se da restritiva ideia extraída do texto legal (Lei 8.213/91, art. 15, § 2º), a jurisprudência chegou a firmar entendimento de que, não sendo necessário que a prova da situação de desemprego se realize estritamente pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho, a comprovação de que o segurado recebeu seguro-desemprego ou outra forma pode suprir a inexistência do competente registro perante o órgão do trabalho⁵⁹⁵. Mais especialmente, entendia-se que a carteira de trabalho profissional era suficiente para caracterizar a condição de desemprego involuntário (TRF3, Décima Turma, AC 2004.61.13.003423-5, Rel. Juiz David Diniz, DJ 27.02.2008), de maneira que a ausência de contrato de trabalho na CTPS faz presumir a situação de desemprego (TRF3, Décima Turma, AC 2005.61.13.001450-2, Rel. Des. Sérgio Nascimento, DJ 06.02.2008). No sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça vinha orientado que “é necessária a comprovação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social”⁵⁹⁶, não sendo suficiente “a falta de anotação da CTPS de novo contrato de trabalho”⁵⁹⁷. Todavia, essa Corte de Justiça alterou seu entendimento e, sobre o tema, firmou as seguintes teses: 1) não se deve exigir a comprovação de desemprego exclusivamente pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho; 2) a só falta de anotação em CTPS relativa a tempo posterior ao último contrato de trabalho, ou a só ausência de registros posteriores do segurado junto ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS –, não constitui prova cabal da condição de desemprego⁵⁹⁸. A comprovação da condição de desemprego pode-se operar por qualquer meio de prova, portanto. Nesse sentido, a título ilustrativo, a prova pessoal (prova testemunhal, depoimento pessoal ou mesmo declaração de terceiros) revela-se apta a confortar a presunção decorrente do registro na CTPS da data de saída do emprego, bem como da ausência de registros posteriores⁵⁹⁹. Cabe ainda agregar que a Turma Nacional de Uniformização, após a uniformização operada pelo Superior Tribunal de Justiça (Pet. 7115), orientou no sentido de que o recebimento do seguro-desemprego pelo segurado atende ao comando legal de registro da situação de desemprego no Ministério do Trabalho, constituindo prova plena de sua condição de desemprego, para efeito de extensão do período de graça disposta pelo art. 15, § 2º, da Lei 8.213/91 (PEDILEF 2005.63.01.313893-8/SP, Relª. Juíza Federal Rosana Noya, j. 05.05.2011)⁶⁰⁰. Por fim, cumpre anotar que, ainda segundo a TNU, o termo inicial para o cômputo do período de graça será a competência seguinte à da cessação das contribuições e não a seguinte à cessação da percepção de segurodesemprego. Isso porque, conquanto o seguro-desemprego detenha natureza previdenciária, sua concessão não tem o condão de suspender o início do cômputo do período de graça até quando da cessação de seu pagamento, não sendo aplicável a regra do art. 15, I, da Lei 8.213/91 em virtude do gozo dessa prestação previdenciária⁶⁰¹. 7.3 CARACTERIZAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA A caracterização da relação de dependência econômica para fins de atribuição da condição de dependente de segurado no âmbito do Regime Geral da Previdência Social não constitui tarefa das mais simples. Se vista como o efeito da assistência material eventual, por liberalidade, prestada pelo segurado em determinadas circunstâncias, a dependência econômica pode ser confundida com qualquer ação de solidariedade. Se, por outro lado, identificarmos a dependência econômica na destinação habitual, pelo segurado, de valores destinados ao incremento de bem-estar de determinada pessoa, a dependência econômica pode ser lida como uma relação que, acaso extinta, trará prejuízos em termos de bem-estar ou de utilidade ao destinatário daquele habitual auxílio, mas ainda aí não teremos uma ameaça à subsistência do beneficiário e, parece-me, aqui se encontra a nota distintiva da dependência econômica previdenciária: o auxílio constante, substancial para a manutenção digna do dependente, de maneira que sua abrupta cessação conduza a uma redução de nível de bem-estar a ponto de ameaçar a subsistência do dependente. Para a configuração da dependência econômica previdenciária, o auxílio deve ser considerado substancial, permanente e necessário a evitar desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (antigo Enunciado 13 do Conselho de Recursos da Previdência Social)⁶⁰². E isso não se confunde, evidentemente, com a dependência econômica exclusiva ou integral, em relação à qual o extinto Tribunal Federal de Recursos já orientava: “A mãe do segurado tem direito à pensão previdenciária, em caso de morte do filho, se provada a dependência econômica, mesmo não exclusiva” (Súmula 229). De fato, a dependência econômica não reclama que o dependente viva às expensas exclusivamente do segurado, mas que precise permanentemente de sua ajuda para sobreviver. A noção de dependência não se liga, pois, a uma melhor condição econômica, mas à carência de recursos para auxiliar no provimento adequado da alimentação, moradia, vestuário, educação, assistência médica, questões estas ligadas à subsistência digna, desenvolvimento humano e participação social do favorecido. Com efeito, como qualquer benefício previdenciário, a pensão por morte deve ser vista não apenas na perspectiva de providenciar a manutenção do beneficiário, mas igualmente na sua potencialidade para encaminhá-lo à autonomia e desenvolvimento pessoais. Vital para o ser humano não é apenas sobreviver, mas inserir-se socialmente. O que se busca prover não é apenas a subsistência do indivíduo, mas também seu desenvolvimento socioeconômico, como garantia de autorrespeito. 7.3.1 Presunção relativa de dependência econômica Nos termos do art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91, a dependência econômica é presumida para os dependentes que se encontram na classe prioritária, quais sejam: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (Lei 8.213/91, art. 16, I, com a redação dada pela Lei 13.146/2015)⁶⁰³. Pensamos que essa presunção não deve ser considerada absoluta, sendo possível a prova da inexistência da dependência econômica ao tempo do óbito do segurado, pois inexiste disposição normativa a expressar que não se admite prova em contrário a essa presunção⁶⁰⁴. Esse entendimento também se orienta a evitar situações de sobreproteção social, com a concessão de benefícios previdenciários a quem não se encontra em uma contingência social de ameaça à subsistência digna. A possibilidade de se infirmar a presunção de dependência econômica é mais comum em se tratando de filho maior inválido, especialmente quando a invalidez é posterior ao implemento da idade limite de 21 anos⁶⁰⁵. Conquanto seja sutil a diferença, é de se anotar que a possibilidade de se fazer prova da inexistência de dependência econômica (ônus do INSS) não se confunde com o ônus do particular em comprovar a relação de dependência⁶⁰⁶. O juízo declaratório da ausência de dependência econômica reclama prova insofismável de que a pessoa terá meios suficientes de prover sua subsistência e alcançar desenvolvimento socioeconômico. De modo distinto, o juízo declaratório da dependência econômica, pelas particularidades levantadas na primeira parte deste trabalho, satisfaz-se com a probabilidade de o indivíduo ter sua subsistência digna ameaçada pela ausência dos recursos antes providos pelo segurado. 7.3.2 Necessidade de comprovação da dependência econômica Se a dependência econômica é presumida para os dependentes que se encontram na classe prioritária, disposta no art. 16, I, da Lei 8.213/91, ela deve ser comprovada pelos demais. Assim, a concessão de pensão por morte ou auxílio-reclusão pressupõe a comprovação da dependência econômica, para os seguintes dependentes: • os pais do segurado (art. 16, II)⁶⁰⁷; • o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (art. 16, II); • o enteado e o menor tutelado, os quais são equiparados a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica (art. 16, § 4º); • o menor sob guarda, que tem reconhecida sua condição previdenciária pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça⁶⁰⁸. Na esfera administrativa, a comprovação de dependência econômica demanda a apresentação de prova documental, segundo o disposto no art. 22, § 3º, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99⁶⁰⁹. Contudo, até a vigência da Medida Provisória 871/2019 (18.01.2019), convertida na Lei 13.846/2019, inexistia norma jurídica de estatura legal a condicionar a comprovação de dependência econômica mediante início de prova material⁶¹⁰. Por essa razão, a dependência econômica, assim como a união estável, podia ser comprovada por qualquer meio probatório. A Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, alterou esse panorama, acrescentando § 5º ao art. 16 da Lei 8.213/91, pelo qual se estendeu a exigência de prova material à comprovação de união estável e dependência econômica⁶¹¹. Ocorre que o regime jurídico mais restritivo que disciplina a comprovação de união estável ou dependência econômica somente pode produzir efeitos para tempo e fatos posteriores à vigência da norma que o instituiu, sendo vedada a retroatividade da lei mais gravosa⁶¹². Por tal razão, em relação a fatos anteriores a 18.01.2019, persiste o entendimento de que “a prova de dependência econômica da mãe em relação ao filho falecido não é limitada pela lei, sendo suficiente, até mesmo, a prova puramente testemunhal, desde que idônea e lícita. Precedentes do STJ”⁶¹³. Era firme a jurisprudência, com efeito, no sentido de que “a legislação previdenciária não estabelece qualquer tipo de limitação ou restrição aos mecanismos de prova que podem ser manejados para a verificação da dependência econômica da mãe em relação ao filho falecido, podendo esta ser comprovada por provas testemunhais, ainda que inexista início de prova material”⁶¹⁴. Por outro lado, a dependência econômica dos genitores em relação ao filho não necessita ser exclusiva, porém a contribuição financeira deste deve ser substancial o bastante para a subsistência do núcleo familiar⁶¹⁵. 7.4 COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL PREVIDENCIÁRIA A comprovação de união estável com o segurado constitui pressuposto para a caracterização da condição de companheira(o) e, por conseguinte, para o reconhecimento da condição de dependente do Regime Geral da Previdência Social (Lei 8.213/91, art. 16, § 3º). O referencial constitucional para que se possa invocar a proteção estatal é a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar (CF/88, art. 226, § 3º). Hoje se reconhece, porém, que o conceito de união estável abrange a união homoafetiva para todos os efeitos civis⁶¹⁶. Desde a vigência da Lei 8.213/91, inexiste tempo mínimo para a caracterização da união estável previdenciária⁶¹⁷. Tampouco se deve exigir que o casal resida sob o mesmo teto. Faz-se necessária, contudo, uma relação duradoura, pública e contínua, onde os companheiros têm objetivo de constituir família (CC, art. 1.723)⁶¹⁸. Melhor especificar isso para evitar restrições indevidas: o que se faz necessário é a presença de elemento subjetivo voltado para a convivência de natureza pública e duradoura. O reconhecimento de união estável para caracterização da condição de dependente do RGPS, levado a efeito pelo juiz previdenciário, opera efeitos apenas nesta área do direito, razão pela qual preferimos qualificá-la como união estável previdenciária. No campo previdenciário, integra o rol dos dependentes o(a) companheiro(a) do mesmo sexo de segurado, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, na forma do inciso I do art. 16 da Lei n. 8.213, de 1991. O reconhecimento se dá para óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, data a partir da qual, a Lei 8.213/91 gerou seus efeitos protetivos, conforme disposto no art. 145 do mesmo diploma legal ⁶¹⁹. Por outro lado, é indevida a concessão de pensão por morte no caso de relações concomitantes, como entendeu o STF, em julgamento proferido de acordo com a sistemática de repercussão geral, ocasião em que foi fixada a seguinte tese: A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro⁶²⁰. Como deve ser comprovada a união estável? Da mesma forma como sucede em relação à dependência econômica, na via administrativa é exigida a apresentação de documentos para a comprovação da união estável – RPS, art. 22, § 3º⁶²¹. Mas, até a vigência da Medida Provisória 871/2019 (18.01.2019), convertida na Lei 13.846/2019, inexistia norma jurídica de estatura legal a condicionar a comprovação da união estável à apresentação de prova material. Como consequência, essa circunstância de fato podia ser comprovada por qualquer meio de prova, pois a norma regulamentar, não constituindo lei no sentido estrito (lei no sentido material e formal), não pode validamente restringir direitos ou impor obrigações⁶²². A Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, acrescentou os §§ 5º e 6º ao art. 16 da Lei 8.213/91, estendendo a exigência de prova material para a comprovação de união estável e dependência econômica, nos termos seguintes: § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Redação dada pela Lei 13.846/2019) § 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei 13.846/2019) Serau Junior identifica incompatibilidade material entre a novel exigência legal, que estaria a pressupor a formalização da união estável, e a Constituição da República. Para o professor paulista, a exigência de prova material para a comprovação da união estável – e dependência econômica – consubstancia cerceamento do amplo acesso à justiça e restrição indevida à ampla defesa, destacando que A aplicação das alterações no benefício de pensão por morte promovidas pela Medida Provisória 871/2019 à estrutura social brasileira, onde ainda são frequentes a constituição e manutenção de relações de conjugalidade pautadas por grande informalidade e fluidez é bastante inadequada⁶²³. Parece-nos problemático, contudo, defender a inconstitucionalidade material in abstracto do art. 16, §§ 5º e 6º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, a qual exclui a exigência de prova material para os casos fortuitos ou de força maior⁶²⁴. De outra parte, em face das razões que articulamos adiante, essa exigência não pode ser compreendida como uma espécie de proibição probatória, pela qual se veda ao juiz a análise dos fatos por provas diversas daquelas especificadas em lei. Questão das mais relevantes se relaciona à impossibilidade de se aplicar retroativamente a norma que estabelece novo condicionamento ou prérequisito para a comprovação de fato constitutivo de direito previdenciário. Segundo pensamos, o novo regime jurídico que disciplina a comprovação de união estável ou dependência econômica somente pode produzir efeitos para tempo e fatos posteriores à vigência da norma que o instituiu, sendo vedada a retroatividade da lei mais gravosa. É verdade que o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de afirmar que inexiste direito adquirido a regime probatório, mas esse entendimento foi firmado em um contexto de lei primeira que, regulamentando o direito previsto pelo art. 54 do ADCT, já dispunha a respeito de fatos ocorridos no passado, sendo que o meio de comprovação daqueles fatos por ela disposto foi alterado supervenientemente pela Lei 9.711/98⁶²⁵. É possível ainda levantar a objeção de que a norma que disciplina o meio de comprovação de determinado fato detém natureza processual, e, nessa perspectiva, a nova lei terá efeito imediato e geral, aplicando-se a todos os atos processuais supervenientes, mesmo que eles se relacionem a fatos jurídicos passados, ocorridos sob a égide da lei anterior. Assim, se apenas posteriormente à nova lei se pretende comprovar um fato, segue o raciocínio, a análise sobre a existência desse fato deve ocorrer sob o prisma do novo regime jurídico probatório. O tempus regit actum, em sua faceta processual, impõe a aplicação da lei vigente à época em que o ato processual foi praticado. Por ele se define que são válidos os atos processuais praticados de acordo com a lei vigente à época, impedindo-se a aplicação retroativa de novo procedimento ou nova regra processual. Isso tudo se relaciona com a segurança jurídica em solo processual e não toca o cerne da nossa questão. Para a questão relativa ao regime probatório de circunstância fática constitutiva de direito social, não é adequado estipular-se o meio probatório com base no momento que se realiza a fase instrutória de determinada demanda judicial. O equívoco desse pensamento é exposto quando imaginamos a hipótese de uma ação de concessão de pensão por morte, proposta em razão de indeferimento administrativo anterior à vigência da nova lei, em que a parte autora busca desincumbir-se do ônus probatório de comprovação do fato constitutivo do direito (união estável), mediante prova exclusivamente testemunhal, de acordo com a lei vigente e a jurisprudência pacífica existente ao tempo do óbito, cenário ainda válido ao tempo da propositura da ação. Indaga-se, pois: seria adequado, nesse caso, exigir-se comprovação material da circunstância fática que ocorreu anteriormente à nova lei e que chegou a embasar requerimento administrativo, também formulado ao amparo do regime probatório anterior? A resposta se afigura negativa, pois a aplicação imediata da nova lei implicaria contrariedade à segurança jurídica, surpreendendo a parte e lhe trazendo ônus probatório que não poderia jamais calcular. Logo, o tempus regit actum, enquanto princípio processual, para ser aplicado a todos os atos processuais supervenientes à nova norma, não oferece resposta adequada ao problema. Ainda quanto à natureza da norma contida no art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, é importante notar que sua constitucionalidade, desde o ângulo formal, apenas foi reconhecida quando do julgamento da ADI 6096, pois se entendeu que ela não possuía natureza de direito processual, havendo Advocacia-Geral da União expressado, em sua manifestação, que […] Os dispositivos em questão não são comandos voltados a informar a atuação do Poder Judiciário. Trata-se, na verdade, de normas cujos destinatários diretos são os servidores do INSS, que deverão observar se os processos administrativos estão instruídos com prova material contemporânea dos fatos, para fins de comprovação de tempo de serviço, de união estável e de dependência econômica⁶²⁶. A teor da sustentação elaborada pela AGU, seria um falso problema a exigência ou não de prova material para comprovação de união estável e dependência econômica em processos judiciais. Isso nos remete à ideia de que não pode ser por ela alegada, em suas manifestações em juízo, a inviabilidade de reconhecimento por órgão jurisdicional, de união estável ou dependência econômica sem prova material, sob pena de incorrer na máxima ne venire contra factum proprium⁶²⁷. Se o reconhecimento da constitucionalidade formal da exigência de início de prova material para a comprovação de união estável se fundamenta precisamente na natureza material dessa norma restritiva dos meios probatórios, por uma consequência lógica da interpretação formulada pelo Supremo Tribunal Federal, ela não pode condicionar a função jurisdicional, restringindo os meios de prova idôneos para formar a convicção do juiz no tempo do processo. Por outro lado, as provas legais devem ser vistas “com reservas”, pois, impondo proibição probatória, podem levar a uma “verdade artificial, obrigado o juiz a aceitar como verdadeiros, por determinação legal, fatos de cuja ocorrência não se convenceu”⁶²⁸. Com efeito, ao permitir, para certos fatos, apenas as provas especificamente previstas pela lei, a avaliação da prova por determinação legal dificulta a busca da verdade e favorece decisões arbitrárias, que se revelam desvinculadas de “critérios objetivos e racionais, capazes de assegurara a confiabilidade do resultado como o mais próximo possível da realidade”⁶²⁹. Também por esse motivo, o juiz não deve ser considerado proibido de investigar os fatos “união estável” e “dependência econômica” quando inexistir prova material contemporânea. De toda forma, seguimos em nossa análise – eventualmente uma especulação de índole meramente teórica – para a solução do aludido conflito de leis no tempo. Para tanto, buscamos auxílio em problema jurídico-previdenciário similar. Em razão da sucessão de diplomas legais que, desde o ano de 1995 (Lei 9.032/95), alteraram as regras para caracterização e comprovação da atividade especial, a jurisprudência pátria enfrentou problemas jurídicos suficientes, ao longo de vários anos, para assentar a orientação no sentido de que a caracterização e a comprovação de atividade especial são regidas pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço⁶³⁰. Veja-se, a título meramente ilustrativo: [...] 3. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 4. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica⁶³¹. Mutatis mutandis, o regime jurídico mais restritivo que disciplina a comprovação de união estável ou dependência econômica somente pode produzir efeitos para tempo e fatos posteriores à vigência da norma que o instituiu, sendo vedada a retroatividade da lei mais gravosa. No terreno dos direitos constitucionais sociais de subsistência, ganham ainda mais importância as exigências de segurança jurídica, como a proteção da confiança do cidadão e da boa-fé administrativa, sendo desproporcional, porque excessiva e surpreendente, a exigência de “prova material contemporânea” para o passado, quando a lei a dispensava e isso era reiteradamente declarado pela jurisprudência. Desse modo, se os fatos que constituem a união estável – ou dependência econômica – se desenvolveram em tempo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que passou a exigir apresentação de prova material contemporânea, eles podem ser comprovados por qualquer meio probatório, pois o princípio lex tempus regit actum impede a retroação da lei nova mais restritiva⁶³². Sem embargo, mesmo que se entenda pela aplicabilidade da restrição de meios probatórios à comprovação de fatos anteriores à vigência da lei que a instituiu, devem ser observadas as limitações constitucionais referentes ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e ao modo de comprová-los. Isso porque, na perspectiva do devido processo, seriam admitidas as restrições normativas, contidas em nova lei, que retiram a aptidão de um certo meio probatório, para a comprovação de fatos ocorridos anteriormente, desde que não anulem o ato jurídico perfeito e o direito adquirido aos meios probatórios admissíveis à época da aquisição do direito (incorporação do bem da vida, ou do direito ao seu exercício, na esfera de disponibilidade do titular)⁶³³. Se é correto afirmar que um ato administrativo de concessão de benefício previdenciário não pode ser invalidado com base em mudança posterior de orientação geral (LINDB, art. 24), também é verdadeira a afirmação de que a lei nova que disciplina meios probatórios “não pode prejudicar o ato jurídico perfeito e a produção da prova relativa a direito já adquirido sob o pálio da lei antiga (CF/art. 5º, XXXVI)”⁶³⁴. É preciso reconhecer, portanto, que em relação aos óbitos anteriores à vigência da MP 871/2019⁶³⁵, persiste o entendimento de que, “se a lei não impõe a necessidade de prova material para a comprovação tanto da convivência em união estável como da dependência econômica para fins previdenciários, não há por que vedar à companheira a possibilidade de provar sua condição mediante testemunhas, exclusivamente”⁶³⁶. Com mais razão, em relação aos óbitos anteriores à vigência da MP 871/2019⁶³⁷, persiste o entendimento de que, “se a lei não impõe a necessidade de prova material para a comprovação tanto da convivência em união estável como da dependência econômica para fins previdenciários, não há por que vedar à companheira a possibilidade de provar sua condição mediante testemunhas, exclusivamente”⁶³⁸. Nos termos da nova lei, a prova material deve corresponder a período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão. Isto é, os indícios materiais devem se relacionar ao período imediatamente anterior ao óbito ou à reclusão. Por outro lado, a novel legislação veicula exigência específica de apresentação de prova material que comprove união estável no mínimo por 2 (dois) anos antes do óbito do segurado, quando o companheiro pretender o recebimento de pensão por morte por período superior a 4 (quatro) meses⁶³⁹. Ocorre que essas condicionantes que tarifam validade de prova material para comprovação da união estável ou dependência econômica, que inexistem para a comprovação de tempo de contribuição (Lei 8.213/91, art. 55, § 3º), deverão receber abrandamento na análise do caso concreto, de modo a se prestigiar a realidade sobre a forma e o poder-dever do órgão jurisdicional de analisar o conjunto probatório como um todo. Para tanto, não é sequer necessário invocar os aportes da hermenêutica específica dos direitos sociais para lembrar que, “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (CPC, art. 8º). Outro ponto relevante diz respeito aos efeitos previdenciários da decisão proferida pela Justiça Estadual que reconhece ou nega a união estável para todos os efeitos civis. Uma eventual decisão favorável à companheira vincularia o INSS? Ou, de modo contrário, seria possível que ela fosse assim considerada para fins de sucessão, mas não para fins previdenciários? A questão aqui se aproxima daquela que será tratada no Capítulo 8 deste trabalho, alusiva aos efeitos das decisões judiciais da Justiça do Trabalho no Direito Previdenciário. Certamente que as reflexões lá externadas aproveitam, em boa medida, a discussão alusiva aos efeitos da decisão da Justiça Estadual acerca da existência da união estável. Por essa razão, talvez se possa concluir que a decisão proferida na Justiça Estadual não impede a discussão da matéria no bojo de ação previdenciária. Ela servirá, certamente, como um elemento de prova a ser considerado pelo juiz previdenciário. E, por vezes, tão bem instruído é o feito que tramitou perante a vara de família que a atividade de instrução no juízo previdenciária resta facilitada. É preciso reconhecer, contudo, a plausibilidade da tese de que o “juiz estadual tem competência jurisdicional para declarar a existência ou inexistência de relação jurídica de união estável”, sendo que “sua decisão, tal como ocorre quando reconhece uma relação de paternidade, produz efeitos naturais em relação a terceiros, inclusive em relação ao INSS”⁶⁴⁰. Nesse sentido se encontra a jurisprudência da 3ª Seção do TRF4: A sentença declaratória de existência ou inexistência de união estável, proferida pela Justiça Estadual, que é a justiça competente para esse reconhecimento, deve ser observada pelo Juízo Federal, quando do julgamento de ação visando à concessão de pensão por morte do(a) companheiro(a)⁶⁴¹. Sem embargo, o mesmo Tribunal Regional admite possa a Justiça Federal validamente julgar o direito à pensão por morte, mediante reconhecimento da união estável previdenciária, não se admitindo rescisão do julgado previdenciário no caso de superveniente decisão da Justiça Estadual no sentido contrário: 1. Não se caracteriza como prova nova o acórdão proferido pela Justiça Estadual posteriormente ao trânsito em julgado da ação previdenciária que julgou improcedente o pedido de pensão por morte ante a ausência de início de prova material suficiente da qualidade de companheira, porquanto o documento não existente quando da prolação da decisão rescindenda não é apto a desconstituir o julgado. 2. A legislação de regência é explícita ao reclamar, para fins rescindendos, que a existência do documento fosse ignorada à época do decisum ou, então, que sua utilização não tenha sido possível oportunamente, circunstâncias que, obviamente, evidenciam a necessidade de existência da prova ao tempo do processo em que se proferiu a sentença alvo de desconstituição. 3. É certo que abalizadas doutrina e jurisprudência, com acerto, flexibilizam o conceito de “prova nova”, especialmente em casos excepcionais de exame pericial de DNA produzido posteriormente à ação de investigação de paternidade. 4. O documento apresentado nesta ação rescisória – decisão oriunda da Justiça Estadual reconhecendo a união estável entre a autora e o ex-segurado – todavia, não merece esse temperamento, haja vista que não há preponderância ou hierarquia da sentença estadual sobre o que decidido na demanda federal previdenciária. 5. O fato de a decisão da Justiça Estadual ser posterior à proferida nesta seara não pode interferir na eficácia do que aqui foi julgado, ainda mais que o único interesse da demanda declaratória decidida naquele âmbito é previdenciário. Se assim fosse, bastaria ao pretendente de uma prestação do INSS, posteriormente ao insucesso na Justiça Federal, ingressar no Judiciário do Estado tentando comprovar a existência ou inexistência da união estável, como se fosse possível uma segunda tentativa de obter sucesso. 6. Bem delimitada a questão, se em demanda previdenciária perante a Justiça Federal a parte oportunamente fizesse juntar a decisão da Justiça Estadual no sentido da existência ou inexistência da união estável, esta decisão deveria ser respeitada. Não havendo, entretanto, tal decisão à época e decidido acerca da união estável pela Justiça Federal, eventual julgado posterior naquele âmbito não tem nenhum efeito nesta esfera. 7. Ação rescisória improcedente⁶⁴². Nessa perspectiva, quando se verificar controvérsia estabelecida na Justiça Estadual sobre a existência de união estável, revela-se prudente a suspensão do processo previdenciário, sem prejuízo das providências cautelares ou de urgência, pois a sentença de mérito passaria a depender do “julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente” (CPC, art. 313, V, “a”). 7.5 COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO É sempre importante destacar que a circunstância de fato que autoriza a concessão de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente é a existência de incapacidade para o trabalho, não sendo suficiente que o segurado seja portador de doença grave ou detenha condições sociais desfavoráveis. Por outro lado, não se pode olvidar que o conceito de incapacidade se relaciona com a prática da vida de determinada pessoa e não com um conceito exclusivamente clínico-biológico, em uma perspectiva abstrata⁶⁴³. No âmbito administrativo, a concessão de benefício por incapacidade, como regra, dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social (Lei 8.213/91, art. 42, § 1º). Em face da insuficiência de estrutura da entidade previdenciária para adequado atendimento aos segurados e dependentes do RGPS, ela poderá celebrar, sem ônus para os segurados e nos termos do regulamento, convênios, termos de execução descentralizada, termos de fomento ou de colaboração, contratos não onerosos ou acordos de cooperação técnica para realização de perícia médica, por delegação ou simples cooperação técnica, sob sua coordenação e supervisão, com órgãos e entidades públicos ou que integrem o Sistema Único de Saúde (SUS). As atividades e o atendimento poderão se dar de modo descentralizado apenas nos casos de impossibilidade de realização de perícia médica pelo órgão ou setor próprio competente, assim como de efetiva incapacidade física ou técnica de implementação das atividades e de atendimento adequado (Lei 8.213/91, art. 60, § 5º, com a redação dada pela Lei 13.135/2015). Nos processos judiciais em que se discute a existência ou a persistência da incapacidade para o trabalho, a prova pericial é o elemento probatório mais importante. De todo modo, não pode ser subestimada a eficácia probante dos demais achados médicos encontrados nos autos ou mesmo da prova pessoal. A prova pericial deve atender as exigências mínimas de fundamentação objetiva e de conclusão racional. Por outro lado, deve ser compreendida à luz da realidade de vida do segurado e em face de todo acervo probatório, tarefa acometida ao julgador. 7.5.1 Perícias e decisões judiciais sem fundamentação suficiente Nas ações de benefício por incapacidade para o trabalho, a prova pericial se torna, em regra, o elemento de prova decisivo. Todavia, para que consubstancie meio de prova idôneo para instrução de um feito previdenciário, a perícia médica deve revestir-se de mínimo conteúdo, de maneira que o processo judicial, sempre iluminado pelo sobreprincípio do devido processo legal, ofereça ampla possibilidade de discussão sobre os elementos que servirão de convencimento do magistrado. A perícia judicial deve corresponder ao que dela se espera: um aporte especializado que pressupõe um conhecimento técnico/científico específico que contribua no sentido de esclarecer algum ponto considerado imprescindível para a solução do processo judicial. Para que se preste ao nobre fim de sua existência, a perícia médica exige mais do que conhecimento técnico pleno e integrado da profissão. Sendo a atividade responsável pela produção da prova técnica em um processo judicial, não será digna deste nome a atividade que culmina com a produção de laudo médico-judicial que não logra decifrar a questão técnica, traduzindo-a fundamentadamente para as partes e para o magistrado. Com efeito, o médico perito nomeado pelo Juízo, nada obstante – formalmente – atue como perito de confiança em processo judicial, tem o dever inderrogável de prestar todos os esclarecimentos de forma racional, de molde a permitir real debate sobre a prova que é crucial para os processos previdenciários por incapacidade. O perito não é um senhor absoluto erigido acima de todos os postulados processo-constitucionais. Não pode ser tido tampouco como um ser mítico que acessa o impenetrável e revela a verdade oculta e que somente por ele pode ser obtida. A prova técnica, como qualquer outra etapa processual, não pode ser arbitrária e assim será toda vez que não se mostrar devidamente justificada ou, tanto quanto possível, fundamentada em dados técnicos objetivos ou que possam ser obtidos por sua experiência profissional (não se pretende excluir aqui, evidentemente, o elemento subjetivo do exame pericial). Não se exigirá do perito, qualquer que seja sua especialidade, que realize diagnóstico para prescrição do tratamento, faça prognóstico da evolução clínica, oriente ou acompanhe o periciando (o que seria ideal numa perspectiva de atendimento não fracionado à pessoa), mas é atribuição do perito determinar, com a necessária fundamentação, a aptidão laboral para fins do benefício por incapacidade. O laudo técnico pericial, reconhecidamente a mais relevante prova nas ações previdenciárias por incapacidade, deve conter, pelo menos: as queixas do periciando; a história ocupacional do trabalhador; a história clínica e exame clínico (registrando dados observados nos diversos aparelhos, órgãos e segmentos examinados, sinais, sintomas e resultados de testes realizados); os principais resultados e provas diagnósticas (registrar exames realizados com as respectivas datas e resultados); o provável diagnóstico (com referência à natureza e localização da lesão); o significado dos exames complementares em que apoiou suas convicções; as consequências do desempenho de atividade profissional à saúde do periciando. O Manual de Perícias Médicas do INSS talvez possa servir de guia para as perícias judiciais. É de se reconhecer que uma perícia médica que observe tais condicionantes não será realizada em tão curto período de tempo. Mas é justamente com essa prudência e zelo que se espera seja produzida uma prova de tão realçada importância nos feitos previdenciários. E é importante realçar que, ainda que seja assim, o magistrado deve resistir ao fetichismo por prova técnica. Não raro será possível enriquecer a instrução com outros elementos probatórios, como a prova pessoal. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão, porque respostas periciais categóricas, porém sem qualquer fundamentação, revestem um elemento autoritário que contribui para o que se chama decisionismo processual. Em face da ausência de referências fáticas determinadas, a solução judicial se traduziria em uma subjetividade desvinculada aos fatos, resultando mais de valorações e suspeitas subjetivas do que de circunstâncias de fato⁶⁴⁴. Por isso é extremamente importante que a parte apresente, conforme o caso, documentos médicos que possam contextualizar a suposta incapacidade para o trabalho: receitas, atestados, ficha de paciente, guias de internamento hospitalar, exames etc. Também o juiz pode requisitar documentos junto aos estabelecimentos hospitalares, uma vez demonstrada a dificuldade ou impossibilidade da parte em obtê-los. Não deve ser descartada a prova oral, pois pode apresentar aspectos da realidade que suplantam o exame técnico. Evidentemente que a testemunha não será inquirida quanto ao dado técnico “incapacidade”, mas em relação a fatos laterais que podem ser extremamente valiosos na formação do convencimento do juiz e até mesmo para eventual complementação da perícia. A apresentação de documentação médica é relevante, porque o juiz não se encontra vinculado às conclusões do perito judicial⁶⁴⁵. As conclusões do julgador podem afastar-se, por exemplo, quanto à existência da incapacidade, quanto à data de seu início, ou quanto à existência de incapacidade que justifique a concessão de benefício de prestação continuada da Assistência Social. Note-se que, a teor do art. 472 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 427), o juiz pode dispensar a prova pericial quando presentes pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. Isso é muito importante, se não para a decisão final acerca de um benefício por incapacidade, ao menos para a formação de convencimento em um juízo de cognição sumária, para fins de concessão de tutela de urgência. Por outro lado, a decisão judicial que deixa de reconhecer o direito à concessão de benefício previdenciário por incapacidade, para atender à exigência constitucional do dever de fundamentação (CF/88, art. 93, IX), deve ir além do que, genericamente, expressar o resultado da prova pericial. Com efeito, não atende ao dever de fundamentação a decisão judicial que consubstancia simples referência à resposta pericial a um dos quesitos que lhe foram formulados (se há ou não incapacidade para o trabalho). É preciso que se encontre na decisão judicial algo mais do que, por exemplo, se contempla na resposta contida na missiva administrativa que comunica o indeferimento da prestação previdenciária. É preciso encontrar na decisão judicial as razões pelas quais o juiz adere às conclusões do perito judicial. Por consequência, quando a sentença denegatória de proteção social não especifica a função habitual do segurado, o seu contexto social (idade, escolaridade, local de residência etc.), a patologia identificada pela prova técnica e pelos demais achados médicos, e tampouco arrisca pensar o segurado para além da sala em que é realizada a perícia judicial, culmina, a referida sentença, por carecer da necessária fundamentação. Quando a decisão judicial se limita a emitir referência à conclusão pericial quanto à ausência de incapacidade para o trabalho, reputar-se-á carente de fundamentação e, por conseguinte, nula, reclamando declaração de nulidade ex officio. De outra parte, o órgão jurisdicional pode e deve lançar mão das presunções jurídicas. Exemplifique-se: tendo em conta a natureza das patologias e o relativamente curto intervalo de tempo entre a cessação do benefício e a data de realização da perícia judicial, é possível emitir juízo de presunção de continuidade da situação incapacitante, pois “presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta”, ou, então, “só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio”⁶⁴⁶. Não havendo prova da recuperação da capacidade laboral, o ordinário de acontecer nessas circunstâncias (CPC/2015, art. 375; CPC/1973, art. 335) é que o segurado não tenha recuperado plenas condições de exercer sua atividade profissional nesse período, corroborando tal pensamento o fato de que, desde a concessão do benefício, jamais voltou a trabalhar. Não pode ser desconsiderado, por outro lado, que a cláusula do “devido processo legal” exige, em casos complexos, a nomeação de mais de um perito, o que é especificamente previsto pelo art. 475 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 431-B). Não é legítimo que um caso difícil tenha reduzida sua complexidade, mediante a realização de apenas uma perícia judicial, quando, na verdade, seria o caso de aplicação da regra acima referida. Isso é perfeitamente aplicável no âmbito dos Juizados Especiais Federais, visto que a celeridade idealizada para o rito não deve comprometer a formação de uma cognição adequada. Mas, se for entendido que a regra acima é incompatível com o rito dos Juizados Especiais, tem-se, por consequência, que o caso considerado complexo não pode ser processado e analisado por este modelo de jurisdição. Não é a forma em que está disposta a organização judiciária que determinará a complexidade da causa, mas é a natureza da causa em discussão que informa o procedimento pelo qual deve ser obtida a tutela jurisdicional adequada. É importante destacar que somente pode ser decretada a invalidade de laudo técnico pericial elaborado por profissional habilitado a realizar perícia médica quando se observa uma razão de natureza material, isto é, quando se verifica sua inconsistência, ambiguidade ou contradição. Um aspecto de ordem formal, por outro lado, não justifica a recusa do resultado pericial que intrinsecamente se revela idôneo à instrução processual, salvo nas hipóteses legais de impedimento ou suspeição. A pertinência da especialidade médica, em regra, não consiste em pressuposto de validade da prova pericial e, em alguns casos, tal exigência poderia traduzir o que se tem por “prova diabólica”, isto é, aquela que seria tão indispensável à comprovação do fato quanto de impossível realização. Isso porque, a depender das particularidades de cada local, a nomeação de médico especialista pode constituir uma exigência excessiva ou desproporcional. Por outro lado, o perito é profissional de confiança do magistrado quanto à capacidade técnica e idoneidade para a realização da perícia, e deve ser escolhido, por essa razão, mediante ampla discricionariedade do julgador⁶⁴⁷. Além disso, percebendo que não reúne condições para enfrentar as exigências de uma perícia judicial, o médico nomeado pode – ou deve – legitimamente declinar do encargo. Aliás, importa acrescentar que muitos especialistas não apresentam condições técnicas específicas exigidas para a realização da tarefa pericial, senão conhecimento próprio ao tratamento da doença/lesão, para o que se faz conveniente o cuidado especializado⁶⁴⁸. 7.5.2 Ausência de prova pericial no processo judicial Em decorrência da importância da prova médico-pericial para a solução das demandas judiciais de benefícios por incapacidade, a sua não realização inviabiliza o julgamento do mérito da causa. Por essa razão, não sendo realizada a perícia judicial para a verificação da existência do fato constitutivo do autor implica cerceamento de defesa. Por consequência, impõe-se a anulação da sentença que julga improcedente o pedido de proteção previdenciária, seja quando indeferida a produção de prova pericial, seja quando o autor deixa de comparecer, justificadamente, ao ato pericial⁶⁴⁹. De outro lado, se a não realização da perícia médica ocorrer por ausência injustificada do autor ao exame pericial, o processo deve ser extinto sem o julgamento do mérito. Isso porque a inviabilidade de desenvolvimento da fase instrutória não pode fulminar o direito do autor ao direito fundamental de proteção social. No âmbito dos Juizados Especiais Federais, há disposição legal expressa no sentido de que a ausência da parte autora a qualquer ato processual conduz à extinção do feito sem julgamento do mérito (Lei 9.099/95, art. 51, I) e essa regra é perfeitamente aplicável no caso de ausência injustificada da parte ao ato pericial. Igualmente na justiça comum é inadequado o julgamento do mérito da causa quando o autor falta à perícia judicial de modo injustificado. Para essa hipótese, deve-se considerar, se for o caso, a ocorrência de abandono da causa pelo autor, nos termos do art. 485, III, do CPC/2015 (CPC/1973, art. 267, III). 7.5.3 Perícia médica indireta no período de distanciamento social (Covid19) O estudo sobre os pressupostos de validade de um laudo médico-pericial em juízo revela-se ainda mais importante no contexto da pandemia da Covid-19, uma vez que o controle desse problema sanitário mundial passa pela adoção de medidas preventivas, como a quarentena, o isolamento social, o lockdown etc. Justamente nesse contexto houve a suspensão de atendimento em agências do INSS, o cancelamento de audiências e, em diversas regiões, o adiamento das perícias judiciais presenciais. Apesar das objeções do Conselho Federal de Medicina – CFM (Parecer CFM 003/2020), o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Resolução 317/2020, permitindo a realização de teleperícias, nos moldes em que disciplina, durante o período em que perdurar a pandemia do coronavírus⁶⁵⁰. Também ganhou espaço no Poder Judiciário a produção de perícias indiretas⁶⁵¹, isto é, o exame consistente em análise documental da condição de saúde dos segurados. Com efeito, a realização da perícia médica indireta – sem anamnese e sem exame clínico presencial do segurado – tem sido apontada como a única forma de se prestar jurisdição nas ações de benefício por incapacidade laboral, no período de distanciamento social: Em casos como o presente, no momento especialíssimo em que nos encontramos, exigir, de modo absoluto, a realização de perícia como condição imprescindível para que o segurado consiga comprovar o seu direito é o mesmo que lhe negar jurisdição, até mesmo porquanto temos certeza de que (ou seja, não há nenhuma dúvida com relação a isso), no período hodierno, o autor não conseguirá efetivar, de nenhuma forma, tal ato processual (precipuamente considerando que a própria Resolução n. 018 / 2020, da Presidência do E. TRF da 4ª Região – acertadamente e com toda a razão, para fins de contenção da Pandemia do Covid-19 –, não permite que tal intento seja alçado)⁶⁵². A impossibilidade temporária de realização de perícia presencial se deveu fundamentalmente ao fato de que, em várias localidades, o Poder Judiciário Federal disponibilizava, em seus espaços públicos, setor específico para a realização das perícias judiciais em matéria previdenciária e assistencial. Com a suspensão do atendimento presencial de partes, advogados e interessados, no âmbito do Poder Judiciário (que se iniciou com a Resolução/CNJ 313, de 19.03.2020), tornou-se de fato também inviável a realização dos atos médicos periciais, mesmo porque os prédios públicos se encontravam fechados. No entanto, em diversos lugares, as perícias seguiram sendo feitas presencialmente após o término do período de suspensão dos prazos processuais, nos consultórios dos médicos peritos ou em estruturas outras destacadas para essa finalidade. Nesses locais, o problema relativo à inviabilidade de realização de perícia presencial se deu por diminuto espaço de tempo, correspondente apenas ao período de suspensão dos prazos processuais. De todo modo, no sistema dos Juizados Especiais Federais do TRF4, predomina o entendimento de que a perícia indireta é preferível em relação à “tradicional”, enquanto manifesta um repensar do papel da perícia médica no processo previdenciário. Com efeito, a prova técnica simplificada, que consiste na resposta do médico aos questionamentos do juízo, com base na prova documental apresentada e análise do ato administrativo pericial já realizado, foi determinada com fundamento no art. 464, parágrafo 2º a 4º, do CPC, e com base na Nota Técnica e manifestação da Corregedoria do TRF4 presentes no processo SEI 0002555-96.2020.4.04.8000⁶⁵³. Da perspectiva dos constrangimentos éticos aos médicos peritos, entende-se que inexiste qualquer impedimento, diante de recomendação ProcuradoriaGeral da República para que o Conselho Federal de Medicina se abstenha de adotar quaisquer medidas contrárias à realização de perícias eletrônicas e virtuais durante o período de pandemia da Covid-19⁶⁵⁴. Outrossim, compreende-se que o CREMERS, provocado pela Procuradoria da República, acabou por concluir, em 09.06.2020, que a perícia indireta pode ser admitida em determinados casos, em especial quando se trate de situação de menor complexidade e quando o médico sinta-se habilitado a propor o parecer⁶⁵⁵. Por outro lado, sustenta-se que a prova técnica simplificada é compatível com o procedimento dos Juizados Especiais Federais⁶⁵⁶, sendo substitutiva de perícia, na forma do art. 464, § 2º, do CPC, como apontam as conclusões da Nota Técnica n. 04/2020 do Centro de Inteligência da Justiça Federal do Paraná⁶⁵⁷. O ponto fundamental é que, no “período absolutamente excepcional” em que “não há possibilidade de realização da perícia médica judicial tradicional, que é presencial, a curto e nem a médio prazo”, conclui-se que “além de juridicamente cabível em tese, a perícia judicial indireta como prova técnica simplificada se mostra socialmente adequada nesse período de absoluta anormalidade social”⁶⁵⁸. Argumenta-se, outrossim, que nesses casos o próprio perito judicial reconhece que reúne condições de produzir o elemento técnico de modo indireto, não indicando a necessidade de uma avaliação presencial⁶⁵⁹. Contudo, a afirmação pericial de suficiência da prova indireta e da validade do laudo médico pericial sem anamnese ou exame clínico do periciando caracteriza mero autorreconhecimento da validade da prova pericial. Tratase, efetivamente, de uma evidente tautologia que se revela insuficiente para emprestar validade a um laudo produzido em desconformidade com o conjunto de regras originadas do conhecimento científico reconhecido na área médica. Vale lembrar, nesse sentido, a noção elementar de que, para fazer uso de conhecimentos científicos, o perito tem de aplicar os métodos da sua ciência, respeitando as regras que os compõem. O perito, assim, não é simplesmente o revelador de uma opinião pessoal, mas do conhecimento mais provável, difundido e aceito na área do saber humano em que atua⁶⁶⁰. Segundo pensamos, a perícia médica indireta pode servir como ferramenta útil para a formação de um juízo de verossimilhança, que fundamenta tutelas processuais de urgência, mas não seria idônea nos casos em que se busca declarar judicialmente a existência ou não de incapacidade laboral atual, circunstância que constitui causa de pedir remota da maioria das ações que envolvem benefícios por incapacidade laboral. Uma questão introdutória diz respeito à função jurisdicional de proteção social ou, mais especificamente, o que se busca ou o que se espera de uma decisão judicial em matéria previdenciária. Conforme procuramos demonstrar quando tratamos da teoria do acertamento (item 2.3, supra), é equivocado o pensamento de que a outorga da prestação jurisdicional, em tema previdenciário, deve limitar-se à estrita revisão do ato administrativo, reduzindo o campo de análise judicial nas ações de benefício por incapacidade à consistência ou não do exame físico elaborado na perícia administrativa. O que se busca saber em uma ação previdenciária é se o segurado detém ou não o direito fundamental que afirma; se está ou não incapaz; se faz jus a determinado benefício por incapacidade e, caso positivo, desde quando e ainda por quanto tempo mais. É isso o que mais importa. Dessa forma, enquanto elemento probatório necessário a amparar um juízo de cognição exauriente, afigura-se insuficiente uma prova pericial que consubstancie mera releitura de documentos médicos apresentados pela parte autora. E enquanto elemento técnico que deve ser produzido de modo imparcial, a prova indireta, tomando como base o exame clínico realizado pela entidade previdenciária, trabalha na perspectiva do que foi por ele, uma das partes no processo, supostamente constatado. Ocorre que a prova técnica simplificada propriamente dita tem objetivo distinto da perícia judicial, destinando-se a solucionar ponto de menor complexidade que pode ser esclarecido em audiência, por especialista, “sobre ponto que demande especial conhecimento científico ou técnico” (art. 464, § 3º, do CPC). Nas ações previdenciárias por incapacidade laboral, a chamada prova técnica simplificada pode ser adotada apenas excepcionalmente, para conhecimento de pontos como as implicações ou o desenvolvimento de uma determinada patologia, que tipo de comprometimento geralmente produz, o conhecimento do curso das doenças, sua etiologia etc. Essa é a linha de pensamento de José Jozefran Berto Freire, Rosa Amélia Andrade Dantas e Eduardo Dantas, que em importante trabalho científico expressam: Nos trabalhos analisados, não encontramos referência a uma metodologia cientifica de forma geral ou específica, que embasaria a realização da prova técnica simplificada [...]. Neste caso da emissão de opinião por parte do perito médico, tal resposta pode ser dada apenas em casos cujas questões não se refiram a um indivíduo em particular, ou um ambiente em particular, que se refira a definição de dano corporal ou estabelecimento de nexo de causalidade⁶⁶¹. Por outro lado, o Conselho Federal de Medicina enfrentou especificamente essa problemática, expressando a ementa de seu parecer na forma seguinte: Em ações judiciais em que sejam objetos de apreciação pericial, a avaliação de capacidade, dano físico ou mental, nexo causal, definição de diagnostico ou prognóstico, é vedado ao médico a realização da perícia sem exame direto do periciando ou sua substituição por prova técnica simplificada (Conselho Federal De Medicina (CFM – Brasil). Parecer n. 10/2020. EMENTA [Online]. 2020. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/. Acesso em: 9 set. 2020). De todo modo, ainda que se tenha emprestado o título de “prova técnica simplificada” à modalidade de prova produzida sem exame clínico presencial ou a distância (CPC, art. 464, § 2º), é necessário reconhecer que o laudo assim produzido (sem exame clínico do segurado) corresponde ao que se considera uma perícia indireta, isto é, aquela que se opera sem realização de anamnese ou exame físico ou clínico. Nesses casos, a pessoa, objeto e destinatária fundamental do exame médico pericial, não se faz presente e não é examinada. Nas ações previdenciárias de benefício por incapacidade laboral, a atividade de avaliação do estado de saúde física ou mental, quando se dá sem a realização de anamnese e exame físico, padece de imprecisão na coleta dos dados fundamentais para a realização do laudo pericial, pois amparando-se apenas em documentos médicos, materializa método que, como se sabe, não é “predominante aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou” (CPC, art. 473, III), pelo simples fato de furtar-se à exigência mínima de uma perícia médica: o de expressar um ato entre duas pessoas, condição metodológica necessária para que se empreste credibilidade às informações periciais. É sabido, nesse sentido, que o Conselho Federal de Medicina manifesta-se contra a realização de perícias médicas sem exame físico ou clínico do periciando, estabelecendo, no parecer de n. 03/2020 que: a manifestação médica pericial acerca de modalidades de dano pessoal, capacidade e invalidez, só pode ser concluída após o exame pericial completo, ou seja, anamnese pericial, avaliação física presencial e análise de exames complementares⁶⁶². Esse posicionamento do CFM longe está de consubstanciar óbice de natureza meramente formal ou fruto de um querer corporativista, como até se poderia cogitar. Antes, as diretrizes do CFM se encontram fundadas em método consagrado no campo da medicina legal e perícias médicas, o qual é condição de possibilidade da fidedignidade da afirmação pericial. O que se tem, efetivamente, são condições ou critérios adotados pela técnica médica para que seja aceitável, em termos substanciais, o resultado do exame pericial, de modo a servir como meio de comprovação de um fato: O valor racional de uma prova está diretamente ligado no maior ou menor grau de aceitabilidade das informações ali contidas e que podem contribuir na avaliação do conflito como um insuprível meio de comprovação de um fato. Em suma: se as afirmações ali contidas podem ser acatadas como verdadeiras [...] a valoração de uma prova produzida ganha força a partir da razoabilidade e da aceitabilidade das informações prestadas, dos meios utilizados para firmar as conclusões e dos elementos que induzem a uma suficiente probabilidade⁶⁶³. Ainda que seja louvável o esforço institucional para viabilizar o trânsito de milhares de demandas previdenciárias represadas em período de distanciamento social, as conjunturas que dificultam ou mesmo temporariamente inviabilizam a produção da prova indispensável para uma adequada solução judicial não autorizam o órgão jurisdicional a impor método que torne possível o processamento dessas causas, contrariando os critérios científicos consagrados pela mesma área do saber cuja verdade pretende empregar para resolver o conflito judicial. Isso porque o respeito às técnicas médico-legais cientificamente reconhecidas e aceitas constitui pressuposto para um resultado pericial idôneo: Não há como ignorar o valor da prova técnica como o melhor caminho para se obter a verdade; afinal, sempre que houver dúvida, será sinal de que certamente a prova não foi feita. Para tanto, exige-se da prova técnica boa qualidade, e do perito, certa disciplina metodológica, na qual se levem em consideração três requisitos básicos: (a) utilização de técnicas médico-legais cientificamente reconhecidas e aceitas com a segurança capaz de executar um bom trabalho; (b) emprego de meios subsidiários necessários e adequados para cada caso, em que se tenha a contribuição irrecusável da tecnologia pertinente; (c) utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros atualizados e tecnicamente garantidos pela prática legispericial corrente⁶⁶⁴. Por essa razão, a falta de embasamento teórico da alternativa pericial produzida sob a forma de uma prova técnica simplificada, contrariando método amplamente aceito e defendido pelos especialistas na área, frustra a possibilidade de se definir consequentemente sobre a existência do direito previdenciário pretendido em determinado processo judicial. Haveria, afinal, algum sentido, na perspectiva do direito à adequada tutela jurisdicional, em se utilizar uma prova médico-pericial para fins de solução de demanda judicial, para proteção de direito fundamental, quando, na ótica da própria medicina legal e perícias médicas, área do saber em que o órgão jurisdicional busca apoio, aquela não goza de credibilidade? De outra perspectiva, diante da necessidade do órgão jurisdicional, para solução de uma demanda judicial, de resposta correta e verdadeira a partir de outra área de conhecimento (médica, no caso), soaria paradoxal que impusesse a essa mesma ciência um outro método para que fosse alcançada a almejada verdade. Ter-se-ia, nesse caminho, uma pragmática instrumentalização do estatuto epistemológico da ciência médica que, a um só tempo, dificulta, senão impede, que o aporte especializado se revele idôneo, e flerta com a inadequação do resultado substancial da prestação jurisdicional. O juiz pode, nos termos da lei, desvincular-se da conclusão a que chega o perito judicial (CPC, art. 479). Não lhe é dado, porém, impor ao perito judicial a adoção de método heterodoxo que seja tão rechaçado pelos especialistas da correspondente área de conhecimento. Como regra geral, portanto, é inviável se atestar atual existência, persistência ou estimativa de duração de incapacidade laboral sem a realização de exame físico ou clínico, pelo déficit de idoneidade na declaração do perito judicial que, sem análise do mais importante objeto de seu exame (o sujeito do direito) se contrapõe à perícia realizada na esfera administrativa, a qual foi produzida com exame clínico e não apenas com base em achados médicos⁶⁶⁵. Em suma, há uma metodologia científica para emitir determinada afirmação médico-pericial sobre a existência ou não de incapacidade laboral, a qual, em sendo negligenciada, como regra geral, torna inválida a conclusão pericial, enquanto meio probatório para subsidiar um juízo de cognição exauriente. E, nesse sentido, são insuficientes algumas expressões de técnica médica no processo de tomada de decisão pericial; é indispensável o ato médico concreto. Tampouco é suficiente o conhecimento das regras médicas; impõe-se saber se elas se aplicam ao caso particular e à história pessoal do segurado, que alega estar doente em grau tal que não consegue trabalhar. 7.6 COMPROVAÇÃO DO AGRAVAMENTO DA LESÃO OU PROGRESSIVIDADE DA DOENÇA Se, no momento da filiação – ou de reingresso – ao Regime Geral da Previdência Social, o segurado já era portador da doença ou da lesão que implicou sua incapacidade para o trabalho, não será devida a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão (Lei 8.213/91, art. 59, § 1º, e art. 42, § 2º). Isto é, nada impede que o segurado ingresse – ou reingresse – no RGPS já portador de alguma doença ou lesão e venha a requerer benefício por incapacidade em virtude desse mesmo problema, mas desde que tenha ocorrido progressão ou agravamento da doença ou da lesão⁶⁶⁶. A discussão é fundamentalmente uma questão de prova pericial, pois é o perito judicial que, em regra, definirá, em primeiro lugar, se o segurado realmente se encontra incapaz e, em sendo o caso, qual a data de início da incapacidade (DII). Não importa a data do início da doença (DID), mas a data do início da incapacidade (DII). Se a data do início da incapacidade for anterior ao ingresso na Previdência Social, o benefício por incapacidade (qualquer um dos dois) será indeferido. Se o perito, ao contrário, fixar a data de início da incapacidade para período posterior à filiação, não haverá impedimento para a concessão do benefício. É conveniente a transcrição e comentários sobre precedente do TRF da 4ª Região, cuja ementa bem ilustra este tema: Previdenciário. Auxílio-doença concessão. Incapacidade parcial e temporária. Prova pericial. Termo inicial. 1. Nas ações em que se objetiva benefício de auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Na hipótese de incapacidade parcial e temporária, sujeita à reversão por meio de tratamento cirúrgico, o benefício a ser concedido é o auxílio-doença. 3. Reconhecido o direito da autora ao benefício de auxílio-doença a contar da data da realização da perícia médica judicial, porquanto não foi possível ao perito fixar a data de início da incapacidade. 4. Existência de patologia congênita, preexistente, pois a filiação ao RGPS não é óbice à concessão de auxíliodoença se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença posterior àquela filiação. 5. Apelação e remessa oficial improvidas (TRF4, Quinta Turma, AC 2002.72.06.000666-6, Rel. Luiz Antonio Bonat, DJ 14.12.2007). É interessante notar que, mesmo na hipótese de doença congênita, é possível a concessão de benefício por incapacidade, desde que comprovado que a incapacidade ocorreu após a filiação, em virtude de agravamento ou progressão da doença⁶⁶⁷. No caso objeto de consideração, o perito judicial não conseguiu definir a data do início da incapacidade, isto é, ele reconheceu que o autor, ao tempo da realização do exame pericial, encontrava-se incapaz, mas não conseguiu precisar a data técnica (início da incapacidade). De outra parte, as demais provas que se encontravam nos autos demonstravam que o autor não se encontrava incapaz antes do ingresso no sistema. Que solução foi oferecida ao processo? Primeiro, se há evidências de que a data de início da incapacidade ocorreu após a filiação do segurado ao RGPS, fica demonstrado que o segurado não ingressou no RGPS já portador da incapacidade laboral, sendo devida a concessão do benefício. Por outro lado, como o perito judicial não fixou a data de início da incapacidade, o benefício foi considerado devido desde a data da realização do laudo pericial, quando se pôde atestar a incapacidade laboral do segurado. Em consequência disso, o benefício de auxílio por incapacidade temporária foi concedido. Mas a data de início do benefício (DIB) foi fixada na data da realização da perícia médica e não na data do requerimento administrativo. Fosse demonstrada a existência de incapacidade ao tempo do requerimento administrativo, mediante documentos médicos, como, por exemplo, receituários, atestados, exames complementares, guias de internamento, o benefício seria devido desde a data do requerimento administrativo (DER). Em outras palavras, o autor teria direito a receber o benefício de auxílio por incapacidade temporária e ainda as diferenças que não foram pagas pelo INSS desde a data do requerimento administrativo, nos termos dos arts. 43 e 60 da Lei 8.213/91. 7.7 COMPROVAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO A circunstância relativa à data de início da incapacidade (DII) é importante para a solução de diversos problemas previdenciários, tais como a verificação da existência da qualidade de segurado ao tempo do início da incapacidade (para fins de benefício de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente) ou ao tempo do óbito (prorrogaria a qualidade de segurado para fins de pensão por morte), a verificação do impedimento de concessão de benefício por incapacidade em razão de esta ser preexistente à filiação, a verificação da data em que é devida a conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente, a data devida para restabelecimento do benefício cessado administrativamente, entre outros. A identificação da data do início de incapacidade (DII) pressupõe um dado técnico que é difícil de precisar. Quando a incapacidade decorre de um acidente, essa tarefa é singela, mas quando se trata de doença insidiosa e de lenta progressão, a fixação da data técnica de início da incapacidade constitui um empreendimento dificílimo. Enganam-se as mentes que calculam que o perito judicial chegará à conclusão a respeito dessa circunstância de modo objetivo. Nesses casos, há muito de subjetividade e não raramente o médico perito acaba fixando a DII de acordo com a informação oferecida pela pessoa examinada. Quando o perito judicial fixa a data de início da incapacidade para o trabalho de acordo com a informação da pessoa examinada, é adequado o reconhecimento de tal circunstância na forma referida pela perícia, pois o acolhimento da informação do paciente se presume tenha ocorrido segundo a experiência técnico-profissional que se espera apresente um especialista. Em determinados casos é realmente exigir demais da prova técnica que fixe precisamente no tempo quando a pessoa deixou de ter condições para o trabalho e passou a ser considerada incapaz para os fins previdenciários (CPC/2015, art. 464, § 1º, III). Nota-se aí, uma vez mais, a importância de que a instrução seja adequada no feito previdenciário por incapacidade, até mesmo porque a data de início da incapacidade poderá não definir apenas o início do gozo do benefício, mas se o segurado, ao fim e ao cabo, faz jus à prestação pretendida. Por essa razão, as partes não devem descuidar de trazer a juízo todos os documentos médicos que possam auxiliar na formação de convencimento acerca dessa data técnica (atestados, receitas e prontuários médicos, exames complementares, documentos relativos a licenças para tratamento de saúde etc.). Também a prova testemunhal e o depoimento pessoal do requerente podem ter utilidade na identificação de uma data no tempo em que o segurado pôde ser considerado incapaz. É importante, por exemplo, não apenas a definição a respeito da persistência e grau de incapacidade (se parcial-temporária ou total-definitiva), mas a data em que porventura a incapacidade deixou de ser a que tipifica o auxílio por incapacidade temporária para ser aquela que justifica a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente. Quando se reconhece o direito à aposentadoria por incapacidade permanente, mas não existem elementos de prova que precisem a data em que a incapacidade laboral se tornou, por assim dizer, “total-definitiva”, geralmente a decisão judicial determinará o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária desde a data da cessação indevida e sua conversão em aposentadoria por incapacidade permanente desde a data da realização da perícia médica⁶⁶⁸. Se o perito judicial não conseguir precisar a data de início da incapacidade – para o que não se deve exigir, aliás, uma definição com apoio em dados que propiciem certeza absoluta –, tal data técnica (início da incapacidade) poderá ser definida pelo juiz, de acordo com o conjunto probatório. Em outras palavras, a falta de indicação pericial acerca do início da incapacidade não constrange o juiz a fixá-la na data da realização da perícia médica. Deve-se, antes, recordar que “o laudo pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, não sendo parâmetro para fixação de termo inicial de aquisição de direitos” (AgRg. no REsp 871.595/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 06.11.2008, DJe 24.11.2008)⁶⁶⁹. Nesse sentido é o atual entendimento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: Tanto para a verificação da existência do direito ao benefício por incapacidade quanto para a apreciação do tempo a partir do qual tal direito deve ser exercido (DIB), o julgador não está adstrito às informações do laudo pericial. Existentes outras provas nos autos diretamente relacionadas ao direito postulado (caso de atestados médicos, formulários de internações, comprovantes de licenças, exames realizados anteriormente pelo próprio órgão previdenciário, dentre outros), estas devem ser apreciadas e valoradas, podendo causar impressão suficiente no julgador de modo a resultar em convicção, parcial ou integralmente, divergente do exposto pelo médico perito (TNU, IUEF 2007.63.06.00.7601-0, Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, DJ em 08.01.2010)⁶⁷⁰. É importante a compreensão, ademais, que o estabelecimento da data de início da incapacidade na data da realização da perícia ou na data da juntada do laudo pericial “decorre de ficção aceita nas hipóteses de total impossibilidade de identificação, pelo menos aproximada, do período em que o periciando começou a sofrer da incapacidade”. Por essa razão, “Não é a mera omissão ou imprecisão do laudo que conduz à fixação da DIB na data da juntada do exame técnico aos autos, em especial quando dessa conclusão depende a configuração da qualidade de segurado” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200533007688525, Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, DJ 05.03.2010)⁶⁷¹. É de se reconhecer, portanto, que somente quando não for possível ao perito atestar a data do início da incapacidade e não houver outros elementos que permitam a retroação da data do início da incapacidade é que o magistrado pode fixá-la na data da perícia⁶⁷². Nas ações de restabelecimento é importante que o INSS apresente os documentos médicos que justificaram a concessão e a ulterior cessação do benefício, demonstrando ainda em que momento houve alteração das condições que renderam ensejo à concessão do benefício. Atente-se que se é reconhecida a existência de incapacidade laboral quando da concessão do benefício e posteriormente é demonstrada a incapacidade decorrente da mesma doença ou lesão, passa a ser importante nas ações de restabelecimento de benefício por incapacidade a lógica de presunção (acolhida no precedente acima referido) que é sustentada na teoria de Fitting (v. item 7.10.5, infra): “presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta”. Ou, então, “só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio”⁶⁷³. 7.8 TRATAMENTO MÉDICO E CONDIÇÕES SOCIAIS: APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE OU AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA? É importante distinguirmos com mais precisão os dos benefícios previdenciários por incapacidade laboral. Segundo a Lei 8.213/91, o benefício de auxílio-doença (atual auxílio por incapacidade temporária) é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, ficar incapacitado para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos (art. 59). Já a aposentadoria por incapacidade permanente, antiga aposentadoria por invalidez, é devida em razão da incapacidade permanente do segurado para o trabalho, que o deixa sem perspectiva de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência (art. 42). Inicialmente é necessário destacar que o que importa para a concessão de benefício previdenciário por incapacidade laboral é a comprovação de que o segurado não se encontra em condições de saúde para o exercício de sua atividade habitual, não sendo relevante se esta decorre da falta de tratamento adequado. Aliás, a falta de tratamento médico adequado traz a presunção de que as ações de saúde pública não se revelam eficazes, e não que o segurado busca persistir em um estado ofensivo à sua saúde para fins de obtenção de benefício previdenciário. O que tem relevância na seara previdenciária, nos termos do art. 101 da Lei 8.213/91, é a prova de recusa do segurado em se submeter a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos. Ausente a comprovação de recusa, por parte do segurado, de se submeter a tratamento médico gratuito, não há espaço para a suspensão do benefício e, quanto menos, para sua não concessão. Se o laudo pericial e as demais provas encontradas nos autos apontam que é possível a recuperação do segurado para o exercício de sua atividade habitual após a realização de tratamento médico, a cobertura previdenciária deve-se realizar por meio do benefício de auxílio por incapacidade temporária – antigo auxílio-doença – e não pela aposentadoria por incapacidade permanente – antiga aposentadoria por invalidez. Não justifica a concessão deste último benefício o argumento de que o segurado já se submete a tratamento médico por longo período e que a concessão do auxílio por incapacidade temporária pode propiciar uma indevida alta médica pela entidade previdenciária, impondo ao segurado a interrupção de seu tratamento médico. Da mesma forma, não prejudica o reconhecimento da inexistência de capacidade para o trabalho a suposição de que as limitações que afetam o segurado decorrem de sua idade avançada. É importante recordar, mais uma vez, que para fins de cobertura previdenciária não é importante a causa da incapacidade para o exercício de atividade profissional, mas a existência, no caso concreto, da contingência social prevista em lei para concessão de benefício, qual seja: a incapacidade para o exercício de atividade remunerada. Por outro lado, a ideia de uma incapacidade total e permanente como pressuposto da aposentadoria por incapacidade permanente deve ser entendida em seus devidos termos. A distinção que corresponde o antigo auxílio-doença à incapacidade parcial-temporária e a antiga aposentadoria por invalidez à incapacidade total-definitiva tem mais uma finalidade didática. Em primeiro lugar, se o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente é devido enquanto perdurar a incapacidade e se o titular deste benefício deve submeter-se ao serviço de reabilitação profissional, a definitividade da incapacidade não é, então, absoluta. Sempre será possível (devida, na verdade) a reabilitação profissional. Parece-nos um equívoco condicionar-se a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente aos casos em que o segurado é insuscetível de reabilitação, ainda que a interpretação literal do disposto no art. 42 da Lei 8.213/91 possa nos levar a tal pensamento. O que se exige é uma incapacidade mais estável do que aquela que autoriza a concessão do auxílio por incapacidade temporária, pois este benefício é devido no caso de incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos. A característica aqui é de uma incapacidade temporária e precária. Na antiga aposentadoria por invalidez, a incapacidade é para qualquer atividade e mais estável, ela deve ser permanente enquanto dure, com prognóstico médico de que não cesse. Por outro lado, a incapacidade para o trabalho não pode ser identificada apenas a partir de uma perspectiva médica, mas apurada também pela realidade social e pelas condições sociais do segurado⁶⁷⁴. Esse princípio de conformação médico-social da incapacidade para o trabalho deve informar o julgador na tarefa de identificação da incapacidade laboral e também em seu juízo quanto à proteção previdenciária devida em cada caso (se auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente). Não são raros os casos em que o segurado, embora portador de uma incapacidade funcionalmente parcial, encontra-se incapacitado para o exercício de qualquer atividade que possa lhe garantir subsistência. É o caso típico do trabalhador braçal, que desempenha suas atividades mediante intenso esforço físico. Uma vez que se encontre incapacitado para o exercício de atividades que demandem esforço físico acentuado, conte com idade relativamente avançada e não apresente formação social ou educacional para desempenho de função que dispense tal esforço físico, na verdade ele se encontra sem condições reais de autoprover-se. A baixa qualificação e a reduzida aptidão para atividades estranhas às credenciais apresentadas pelo trabalhador implicam ausência de condições para o desempenho de qualquer trabalho decente⁶⁷⁵. A análise da incapacidade para o trabalho deve levar em conta, assim, não apenas a limitação de saúde da pessoa, mas igualmente a limitação imposta pela sua história de vida e pelo seu universo social⁶⁷⁶. Por essa razão, ainda que o laudo pericial ateste se encontrar o segurado incapacitado de forma parcial e definitiva, devem ser consideradas “as condições pessoais do autor, ou seja, a sua idade, o baixo grau de instrução, a baixa qualificação profissional, acrescido do fato, constatado na perícia médica realizada nestes autos, de que se encontra o autor impossibilitado de exercer atividades que exijam grandes esforços físicos” para o efeito de “conceder a aposentadoria por invalidez” (TRF3, Sétima Turma, AC 2006.03.99.043436-9, Rel. Des. Leide Polo, j. 12.03.2007, DJ 13.04.2007)⁶⁷⁷. Deve-se ter em conta que todo o debate relativo à consideração das condições sociais do segurado para análise do direito à aposentadoria por incapacidade permanente pode ser conduzido em outros termos. Não se trata, a rigor, de se avaliar existência de incapacidade laboral a partir de elementos externos a essa categoria jurídico-previdenciária. Antes, a análise da incapacidade para o trabalho pressupõe a identificação das limitações físicas, mentais, orgânicas etc. vis-à-vis a real possibilidade de o segurado exercer atividade que lhe possa garantir a subsistência. Essa análise deve levar em consideração os recursos laborais residuais de que dispõe o segurado, apesar de sua incapacidade parcial e permanente. Que oportunidades restam, de fato, ao trabalhador, para que possa garantir sua subsistência mediante o exercício de atividade remunerada digna? É factível que o segurado possa exercer outra atividade – quando para o seu trabalho habitual se encontra permanentemente incapacitado? A resposta a essas indagações pressupõe análise de outras condições pessoais do segurado, como sua idade, grau de escolaridade, aptidões que logrou reunir ao longo da vida, o universo social a que pertence etc. Como consequência, as condições pessoais e sociais do segurado são elementos constitutivos do conceito de incapacidade laboral. No que diz respeito à possibilidade de concessão de benefício por incapacidade ao segurado facultativo, é de se destacar que, se é consistente o laudo médico pericial, deve ser concedida a aposentadoria por incapacidade permanente à segurada que se encontra incapaz para o exercício de qualquer atividade profissional e insuscetível de reabilitação, mesmo quando aquela se dedica, por exemplo, às atividades domésticas de dona de casa. Isso ocorre porque a proteção social pela via previdenciária não almeja apenas a provisão de meios de subsistência de caráter substitutivo aos rendimentos do segurado, mas também a alocação de recursos de feição acautelatória, na medida em que a incapacidade laboral retira do segurado facultativo a possibilidade de desempenhar uma atividade profissional, impondo-lhe, eventualmente, a contratação de outrem para a realização de suas atividades habituais. Por fim, inexiste qualquer vedação legal à concessão de benefícios por incapacidade aos segurados facultativos. 7.8.1 Recuperação da capacidade mediante tratamento cirúrgico Outra importante questão diz respeito à possibilidade de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente quando é possível a reversão da incapacidade laborativa mediante intervenção cirúrgica. Isto é, nas hipóteses em que exclusivamente o tratamento cirúrgico pode levar à recuperação da capacidade para o trabalho, deve-se ter a incapacidade como temporária e conferir a tutela previdenciária pelo auxílio por incapacidade temporária, ou deve-se considerá-la permanente e conceder a aposentadoria por incapacidade permanente? Essa questão, evidentemente, passa pela interpretação que se oferece ao art. 15 do Código Civil (“ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”) e ao art. 101 da Lei 8.213/91 (“o segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos”) (grifo nosso). Em nosso modo de ver, se a manutenção da aposentadoria por incapacidade permanente não for prejudicada pela recusa do segurado em se submeter a procedimento cirúrgico, também a conversão de auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente não poderia por tal circunstância ser afetada. No âmbito do TRF da 4ª Região, a orientação é justamente no sentido de que “O fato de o autor, porventura, vir a realizar cirurgia e, em consequência desta, recuperar-se, não constitui óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, já que tal benefício pode ser cancelado, conforme o disposto no art. 47 da LBPS” (TRF4, AC 2009.71.99.003738-8, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 15.09.2009)⁶⁷⁸. Ainda quanto ao tema, colhe-se significativo precedente da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, que firmou a tese de que, “sempre que a reversão da incapacidade depender unicamente de cirurgia, a incapacidade dela decorrente se afigurará permanente, e não meramente temporária, dando ensejo à concessão de aposentadoria por invalidez”⁶⁷⁹. Em face da relevância dos argumentos deduzidos pela ilustre magistrada relatora para o acórdão, transcrevemos parte do excerto de seu voto: Com efeito, tanto o tratamento cirúrgico quanto a transfusão de sangue consubstanciam medidas invasivas que atingem a integridade física do ser humano, e, portanto, afetam a dignidade da pessoa humana, não podendo, por isso, serem obrigatoriamente impostas aos cidadãos. Ademais, todo o tratamento cirúrgico envolve risco de vida, em maior ou menor grau, não se podendo exigir que o cidadão seja obrigatoriamente submetido a uma cirurgia, correndo risco de vida, para poder recuperar a capacidade laborativa. Portanto, ao, acertadamente e de forma conforme a Constituição Federal (art. 1º, inc. III), facultar, e não impor, o tratamento cirúrgico, a Lei 8.213/91 estabeleceu claramente o direito à obtenção de aposentadoria por invalidez quando a recuperação da incapacidade laborativa total depender única e exclusivamente de tratamento cirúrgico. [...] E também nesse sentido é a jurisprudência do STJ exatamente quanto à interpretação do disposto no art. 101 da Lei 8.213/91, embora naquela Corte aparentemente só haja precedentes em relação a indenização por acidente do trabalho e a auxílio-acidente. De qualquer forma, dada a pertinência da linha de raciocínio perfilhada nos precedentes do STJ relativos à facultatividade do tratamento cirúrgico, transcrevo, a seguir, alguns trechos representativos da jurisprudência daquele colegiado: “[...] Não há qualquer norma que obrigue a recorrente a se submeter a uma cirurgia. Aliás, nem poderia haver. Em primeiro lugar, porque qualquer procedimento cirúrgico, por mais simples que seja, sempre envolve riscos que a recorrente pode legitimamente optar por não correr, riscos esses que vão desde os procedimentos de anestesia, aos inerentes ao pós-operatório. Em segundo lugar, porque a integridade corporal é um direito da personalidade que não comporta limitação. Intervenções cirúrgicas não autorizadas pelo paciente somente podem ocorrer em situações de emergência, em defesa da vida (BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 5. ed. Atual. por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Forense, 2001. p. 81). Essa circunstância é de tal forma cediça, que a própria legislação relativa a benefícios acidentários (Lei 8.213/91), como bem observado pelo Min. Jorge Scartezzini no voto vista que proferiu no julgamento do supracitado REsp 209.538/MG, toma como pressuposto a impossibilidade de obrigar alguém a se submeter a procedimentos cirúrgicos [...]. Com essa norma, a legislação previdenciária visa a que todos aqueles que dependem financeiramente da Previdência Social em função de alguma incapacidade, temporária ou permanente, envidarão todos os seus esforços na mitigação dos prejuízos decorrentes dessa incapacidade, submetendo-se com rigor ao tratamento reputado adequado. Ou seja, a Previdência garante que seus prejuízos com a doença do segurado serão mitigados. Todavia, concomitantemente, garante que ninguém é obrigado a fazer cirurgia alguma” (grifei) (STJ, Terceira Turma, REsp 733.990/MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJU 21.02.2006). [...] deixo registrado que não pode o Judiciário obrigar o particular a submeter-se a qualquer procedimento cirúrgico, porquanto estaria violando vários princípios constitucionais, entre eles, o do direito à vida, à integridade física e o da legalidade (CF, art. 5º, caput e inc. II), já que seu deslinde não pode ser previsto com exatidão, uma vez que o mesmo pode ser um sucesso, como pode resultar no evento morte. Obviamente ao tratamento médico deve esta se curvar, senão estaríamos chancelando o enriquecimento sem causa de uma das partes litigantes, o que deve ser de plano combatido [...]. Parece-nos adequado, desse modo, o entendimento de que, “sempre que a reversão da incapacidade depender unicamente de cirurgia, a incapacidade dela decorrente se afigurará permanente, e não meramente temporária, dando ensejo à concessão de aposentadoria por invalidez”. O princípio que informa nossa resposta a este problema é o de que, em tema de recuperação, tratamento médico e reabilitação profissional, o tratamento cirúrgico jamais pode ser colocado, direta ou indiretamente, como instrumento de penalização do segurado. Em outras palavras, a recusa de submissão à cirurgia pelo segurado não será considerada para fins de manutenção (ou concessão) de benefício por incapacidade. 7.8.2 Comprovação da condição da pessoa com deficiência para fins de BPC Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, era considerada “pessoa portadora de deficiência” aquela que apresentava incapacidade para a “vida independente e para o trabalho”. Na aplicação desse dispositivo, a jurisprudência firmou-se no sentido de que a incapacidade para a “vida independente e para o trabalho” deveria ser compreendida como a impossibilidade de o indivíduo prover o próprio sustento, sendo desnecessária a demonstração de incapacidade para os atos do cotidiano (Súmula 29 da TNU). Também foi uniformizado pela jurisprudência ser dispensável a incapacidade permanente para efeito de concessão do benefício assistencial (Súmula 48 da TNU, redação originária). Evidentemente, esse entendimento pacificado não permitia a concessão de benefício assistencial àqueles indivíduos com uma incapacidade de alta transitoriedade, com breve prognóstico de recuperação, pois isso desvirtuaria sua natureza, equiparando-o, em termos práticos, à concessão de um auxílio por incapacidade temporária. Tanto assim é que foi dada uma nova redação a esse enunciado sumular: Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início sua caracterização (Súmula 48 da TNU, alterada na sessão de 21.11.2018). De qualquer sorte, tal como se pensava em relação à aposentadoria por incapacidade permanente, a análise da condição de pessoa com deficiência não poderia ocorrer apenas a partir de uma perspectiva médica. Era imperioso, desde sempre, levar-se em conta, para a definição da condição de pessoa com deficiência, as condições pessoais, familiares e sociais do pretendente ao benefício. O conceito de pessoa com deficiência do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93 foi alterado pela Lei 12.435 e, logo em seguida, pela Lei 12.470/2011. Desde a entrada em vigor dessa nova legislação, a deficiência para efeito de concessão do benefício assistencial passou a exigir o impedimento de longo prazo “de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”⁶⁸⁰. Foi disposto, outrossim, que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos (art. 20, § 10, da Lei 8.742/93, com redação atribuída pela Lei 12.470/2011). Houve, como se vê, importante alteração no panorama legislativo que implica mudança na conceituação de pessoa com deficiência. Enquanto na redação original do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93 exigia-se a incapacidade para o trabalho capaz de gerar o sustento do indivíduo, no conceito atual exige-se que o impedimento de longo prazo interfira na participação em sociedade do indivíduo. A incapacidade profissional não é mais o ponto central para a definição da deficiência. A nova legislação incorpora a entendimento jurisprudencial no sentido de que a transitoriedade do quadro não impede a concessão do benefício, apenas estabelece um marco de dois anos para efeito de reconhecimento do impedimento de longo prazo. Ressalve-se, porém, que o período de tempo acima referido não pode constituir um dado que prejudique absolutamente o gozo do benefício. Uma vez mais deve-se compreender as diretrizes numéricas constantes da legislação como tal, isto é, como uma diretriz, e não como um óbice matemático intransponível para a outorga da proteção social. Um dado importante e que vem sendo desconsiderado pela práxis judicial, sem qualquer justificativa, é o de que a avaliação da deficiência e do grau de impedimento deve ser é composta por avaliação médica e avaliação social, tal como se dá na instância administrativa⁶⁸¹. O que se tem sobre o tema, contudo, são perguntas equivocadas e soluções judiciais que são alcançadas mediante prova técnica inadequada. Busca-se saber se a pessoa se encontra incapaz para o trabalho (pressuposto fático de benefício distinto), valendo-se apenas de aporte médico – quando a lei determina que a condição de deficiência se realize mediante perícia interdisciplinar – como inquestionável resposta a um tal quesito equivocado. Como mencionamos alhures, a ausência de prova técnica necessária para a verificação da ocorrência do fato constitutivo do direito implica nulidade processual em face de cerceamento de defesa. Diante da atual legislação, com maior razão a avaliação da condição de pessoa com deficiência não deve ser limitada à análise das condições médico-biológicas do pretendente ao benefício. Antes, o conceito de pessoa com deficiência corresponde ao produto dos impedimentos pessoais em interação com as barreiras encontradas pelos fatores sociais, ambientais etc. 7.8.3 Comprovação da necessidade econômica do grupo familiar para fins de BPC A Assistência Social é “prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (CF/88, art. 203, caput). Dentre seus objetivos, destaca-se a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (CF/88, art. 203, V). A Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS) disciplina a concessão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). De acordo com a Lei 8.742/93, o benefício é devido ao idoso a partir de 65 anos de idade e à pessoa com deficiência, assim compreendida [...] aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2º). Na definição do critério de necessidade social (insuficiência de recursos familiares para prover a manutenção da pessoa idosa ou com deficiência), a legislação expressa que se considera “incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo” (art. 20, § 3º, da LOAS). No ano de 2020, em razão dos maléficos efeitos econômicos e sociais advindos da pandemia da Covid-19, esse critério econômico foi objeto de alterações normativas, de três ordens: a) primeiro, a Lei 13.981/2020 alterou o critério contido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, elevando-o para ½ salário mínimo, mas teve sua eficácia suspensa em razão de decisão monocrática proferida na ADPF 662⁶⁸²; b) segundo, a Lei 13.982/2020 novamente alterou o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, estabelecendo que o critério seria igual ou inferior a ¼ salário mínimo até 31.12.2020⁶⁸³, com possibilidade de elevação para até ½ salário mínimo, de acordo com as diretrizes que estabeleceu, ao incluir o art. 20-A na Lei 8.742/93⁶⁸⁴; c) terceiro, a Medida Provisória 1.023, de 31.12.2020, alterando uma vez mais o aludido dispositivo legal, tornou a estabelecer que a renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ do salário mínimo, tal como a norma contida na redação originária do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93⁶⁸⁵. Portanto, de acordo com o critério objetivo, a renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. Esse critério, porém, é insuficiente para a avaliação da real condição da família para prover a manutenção da pessoa idosa ou com deficiência – porque um universo de variáveis, além da renda bruta, interfere nessa condição – e, logo, é insuficiente para proteger o direito fundamental assistencial, conforme decidiu a Suprema Corte⁶⁸⁶. Sem embargo da declaração de inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, ela se deu sem pronúncia de nulidade, sendo ainda aplicável o critério declarado inconstitucional. Por outro lado, os critérios dispostos pelo art. 20-A da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 13.982/2020, tiveram como fundamento o reconhecimento do estado de emergência realizado pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20.03.2020, que teve efeitos até 31.12.2020. Da mesma forma, o art. 20-A da Lei 8.742/93 foi projetado pelo legislador para servir como uma pluralidade de critérios até 31.12.2020, quando entraria em vigor o inciso II, que fixava o limite de ½ salário mínimo, mas que culminou por ser vetado. O ponto de partida para a análise da suficiência de recursos familiares é, portanto, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo. Para esse cálculo, não devem concorrer os valores obtidos senão por pessoas que vivam sob a mesma residência que o pretendente ao benefício e se encontrem expressamente referidas no art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 – “[...] a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (redação emprestada pela Lei 12.435, de 06.07.2011)⁶⁸⁷. Tampouco deve ser considerado no cálculo da renda mensal familiar o benefício da Seguridade Social (previdenciário ou assistencial) de valor mínimo recebido por pessoa idosa ou com deficiência, porque se destina essencialmente a atender as necessidades elementares do beneficiário que se encontra na contingência de ausência ou insuficiência de recursos para prover, de modo digno, sua subsistência. Mais especificamente, o benefício assistencial (recebido pelo idoso ou por pessoa com deficiência) e o benefício previdenciário de valor mínimo recebido por segurado idoso ou inválido membro não deve ser considerado no cálculo da renda mensal familiar, por interpretação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso⁶⁸⁸. No âmbito do STJ, consolidou-se o entendimento no sentido de que Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso⁶⁸⁹. Com o julgamento do STF proferido no RE 580.963, que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, reconheceu-se a insuficiência da norma e, portanto, a possibilidade da exclusão dos valores mínimos previdenciários recebidos pelo idoso e, segundo pensamos, também os valores previdenciários ou assistenciais recebidos pela pessoa com deficiência. Note-se, a propósito dessa questão específica, a orientação do STF no sentido da “Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da Assistência Social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo”, o que implicava omissão parcial inconstitucional⁶⁹⁰. Por outro lado, no atual contexto normativo e na perspectiva da orientação jurisprudencial do STF, caso não atendido o critério econômico estabelecido por lei, torna-se necessária a adoção de outros critérios para verificação da necessidade do grupo familiar, sendo indevida a análise meramente matemática do critério econômico. Com efeito, o benefício deve ser concedido quando os autos demonstram que o grupo familiar não possui condições de prover a manutenção da pessoa idosa ou com deficiência, mesmo que não seja atendido o critério econômico disposto pelo art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. A jurisprudência é pacífica quanto à possibilidade de flexibilização do limite disposto pelo art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, havendo o Superior Tribunal de Justiça definido a questão, de acordo com a sistemática de recursos repetitivos: [...] 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar [...] (REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28.10.2009, DJe 20.11.2009). Relacionando-se ao tema, a Súmula 79 da TNU expressa que [...] Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal⁶⁹¹. Na avaliação da necessidade socioeconômica do grupo familiar, é inadequado que o juízo se forme exclusivamente com apoio em reproduções fotográficas, pois esse elemento probatório não diz tudo sobre as reais condições de a família prover o sustento digno da pessoa idosa ou com deficiência. A investigação da necessidade social pode, senão deve, levar em conta, dentre tantos outros fatores: a) as informações colhidas pela assistente social ou oficial de justiça sobre a condição de saúde das pessoas que compõem o grupo familiar, sua potencialidade para desempenhar atividade remunerada, suas condições de alimentação, segurança, conservação e higiene; b) os eventuais gastos extraordinários com medicamentos ou com deslocamentos para tratamento especial da pessoa com deficiência; c) a circunstância de um dos membros do grupo familiar ter minada sua possibilidade de trabalhar porque deve prestar cuidados à pessoa com deficiência ou idosa; d) a maior ou menor necessidade de auxílio de terceiros. Isso tudo para afirmar que, na avaliação da ocorrência do fato constitutivo do direito, não se justifica a orientação excludente, simplista e redutora da realidade que se observa na inclinação fetichista pelas reproduções fotográficas⁶⁹². De modo distinto, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, uma vez atendido o requisito legal de renda mensal familiar per capita inferior a ¼, é absoluta a presunção de cumprimento do critério econômico⁶⁹³. Em nosso modo de ver, talvez a pergunta (presunção absoluta ou relativa) seja equivocada. É que, uma vez atendidos os pressupostos legais para a concessão de benefício previdenciário ou assistencial, realiza-se o antecedente normativo, constituindo o direito correspondente. As regras de presunção e demais elementos probatórios são utilizados para análise da ocorrência do fato constitutivo do direito. Como a legislação estabelece que o atendimento ao critério objetivo implica a caracterização da insuficiência de recursos familiares para prover a manutenção da pessoa idosa ou com deficiência, reputa-se satisfeito o requisito legal, não mais havendo espaço lógico para juízos presuntivos. Por fim, uma nota importante quanto ao tema da comprovação da carência econômica do grupo familiar. Trata-se da comum referência ao critério econômico, estabelecido na lei para a concessão de benefício assistencial, como sendo um requisito de miserabilidade. Não é adequada, porém, a concepção de uma condicionante de miserabilidade para a concessão do benefício assistencial. As prestações da Assistência Social são devidas a quem delas necessitar, não merecendo espaço o pensamento de que suas ações são destinadas apenas às pessoas que se encontrem em faixa social de miséria. O benefício assistencial deve ser concedido, segundo a lei, ao idoso e à pessoa com deficiência cuja família não possa prover sua manutenção, mas isso não significa que o legislador limitou a atuação assistencial a um campo de pessoas que já se encontram em condição de miséria. A partir dessa premissa, ponderamos que o benefício assistencial deve ser concedido, ainda que o minusválido tradicionalmente tenha sido mantido por sua família e mesmo que suas condições de moradia proporcionem a imagem de que não se está diante de uma pessoa miserável ou extremamente pobre. A título de exemplo, podemos estar diante de um caso em que a idosa, ao tempo do requerimento do benefício, encontra-se sem rendas e vive só, mas em residência própria e que não se amolda ao paradigma da degradação. Não há dúvidas de que, segundo o pressuposto econômico, de per si restritivo, ela faz jus ao benefício de um salário mínimo mensal. A invocação de pretensos sinais de riquezas (casa própria, bem guarnecida por mobília e em bom estado de conservação), como razão de indeferimento do benefício, é indevida e parte de uma premissa sem fundamento constitucional, qual seja, a da associação do requisito econômico a um estado de miséria ou indigência do grupo familiar. A conduta do intérprete do direito social deve ser inspirada nos ideais de erradicação da pobreza, de solidariedade e da redução das desigualdades sociais, determinando o emprego de ações sociais não apenas no resgate daqueles se encontram à margem do círculo social de geração de riquezas, mas também em operações preventivas, de modo a impedir que o necessitado – desprovido de meios de subsistência – se desvie para a miséria, em atentado eventualmente irreversível contra sua dignidade⁶⁹⁴. 7.8.3.1 Subsidiariedade do dever assistencial do Estado (TNU) A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, quando do julgamento do Pedido de Uniformização 051739748.2012.4.05.8300 (23.02.2017), uniformizou o entendimento no sentido de que a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1.694 e 1.697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade. Segundo a compreensão desse respeitável órgão jurisdicional, ainda que a família da pessoa idosa ou com deficiência, considerada nos termos do art. 20, §§ 1º e 3º, da Lei 8.742/93, tenha renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, o benefício assistencial deve ser indeferido se houver parente em condições de prestar alimentos ao vulnerável destinatário da política assistencial. Mais especificamente, de acordo com a orientação da TNU, o dever estatal de prestar Assistência Social se dá subsidiariamente ao dever da família, de prestação de alimentos, de modo que apenas será devido o benefício assistencial, ainda quando cumpridos os requisitos legais, quando a família não possuir condições de prestar alimentos, na forma da lei civil. De nossa parte, embora essas proposições se afigurem intuitivamente corretas, elas encerram um non sequitor, pois do princípio da subsidiariedade que informa o dever público de prestar Assistência Social não se alcança, necessariamente, a conclusão de que o benefício assistencial deve ser indeferido ainda que seja cumprido o critério econômico, estabelecido em legislação específica, se for identificada a possibilidade de prestação de alimentos, na forma da legislação substantiva civil. No contexto do Estado Democrático de Direito, o direito fundamental a um benefício assistencial deve ser assegurado sempre que cumpridos os requisitos legais, não sendo dado ao Poder Executivo ou ao Poder Judiciário, a pretexto de interpretarem o comando legal, culminarem por restringir o direito fundamental, mediante autêntica criação de novas condições de elegibilidade. As condições ao gozo do benefício assistencial, nesse sentido, limitam-se aos requisitos taxativamente definidos no sistema normativo. Ora, é certo que que a proteção assistencial pelo Estado, mediante a concessão de benefício de prestação continuada, somente se fará no caso de insuficiência de recursos da família (responsabilidade subsidiária). Não é o que expressamente dispõe a Constituição, que seria garantido “um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (CF/88, art. 203, V)? O texto constitucional não poderia ser mais claro, dispondo que o benefício somente seria devido em face da insuficiência de recursos da família para a manutenção do idoso ou da pessoa com deficiência. Contudo, a Constituição não cuidou de estabelecer os critérios que definem o direito ao benefício, delegando essa tarefa ao legislador ordinário. De sua parte, a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93) definiu os requisitos de acesso à aludida prestação assistencial, levando em consideração o pressuposto constitucional segundo o qual somente seria devida a concessão do benefício quando a família não tiver condição de prover o sustento do idoso ou da pessoa com deficiência. Nessa tarefa, típica do domínio do poder legislativo, estabeleceu-se quem é o idoso (art. 20, caput) e quando se deve considerar alguém como pessoa com deficiência (art. 20, § 2º), para fins de concessão do benefício assistencial. Outrossim, definiu-se a conformação do grupo familiar para fins da política assistencial em questão, isto é, quais pessoas cuja renda mensal deve ser considerada na análise da carência do grupo familiar (art. 20, § 1º). Por fim, dispôs-se que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo” (art. 20, § 3º). Como se pode perceber, partindo do que se pode compreender como uma responsabilidade subsidiária do Estado em face do dever familiar, primeiro a Constituição e depois a lei estabeleceram os termos do dever familiar e do dever estatal no atendimento das necessidades elementares da pessoa idosa ou com deficiência. Nada de novo há, portanto, na argumentação da responsabilidade subsidiária do Estado na proteção assistencial, pois o lugar de cada ente (família e Estado) no dever de prestação de cuidados aos idosos e pessoas com deficiência carentes já fora delineado pela Constituição e detalhado pela legislação ordinária. De outro ângulo, uma vez aperfeiçoados os pressupostos legais, o Poder Público obriga-se a conceder o correspondente benefício, não sendo adequado invocar-se o princípio da responsabilidade subsidiária do Estado, para estabelecer que somente deve ser colocada em marcha a ação estatal de proteção quando insuficientes as possibilidades de amparo ao carente pela família em um sentido mais amplo do que estipula a legislação assistencial. Antes, o que se tem é uma obrigação constitucional inderrogável, dela não podendo se desonerar o Poder Público. A assunção do argumento da responsabilidade subsidiária do Estado na proteção assistencial não autoriza, portanto, a recusa do direito sob a justificativa de um existente dever geral que se impõe à família (CF/88, arts. 227, 229 e 230). Uma tal ilação, a de rejeição do direito em face de um dever geral da família de prestar alimentos, demandaria uma responsabilidade – ainda mais – subsidiária do que a definida pelo legislador, em sua tarefa de delimitação para exercício desse direito fundamental. Ora, desde uma perspectiva constitucional, o dever de assistência recíproca entre os componentes do núcleo familiar, encontrado no art. 229 da Constituição da República, não prejudica o dever de proteção estatal, e vice-versa. Esse inegável dever concorrente de amparo às pessoas idosas resta cristalinamente articulado no art. 230, também da Carta Magna: Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. O que cabe à família e o que cabe ao Estado, na tarefa de proteção assistencial, disciplina-o a lei, e não a vontade do intérprete. Com efeito, regido que está o sistema da Seguridade Social pelo princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços (CF/88, art. 194, III), cabe ao legislador estabelecer as hipóteses de específica cobertura social. Em relação ao benefício de prestação continuada da Assistência Social, como visto anteriormente, a Constituição remete à lei a disciplina específica para acesso à prestação de um salário mínimo que assegura (CF/88, art. 203, V). Por essa razão, atendidos os pressupostos legais que expressam as condições de acesso ao benefício em questão, não se deve excluir da proteção o idoso ou a pessoa com deficiência, ao argumento de que o dever de amparo é da família, compreendida como o conjunto de pessoas que possuem o dever de prestar alimentos, de acordo com a lei civil. Como antes assinalado, é certo que a família tem esse dever de amparo e mesmo a regra do art. 203, V, da CF/88 hospeda essa lógica. Mas o dever familiar não prejudica ou exclui o dever estatal de proteção assistencial institucionalmente desenhado, com obediência ao princípio da seletividade. Uma interpretação contrária, que perceba a imposição de um dever exclusivo aos diversos entes protetores (ou família, ou sociedade, ou Estado), não implica outra coisa senão a fragilização da posição jurídica e social dos idosos, justamente o que a norma constitucional pretende evitar. De outra parte, não se pode perder de perspectiva que a declaração de inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS, levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Reclamação 4.374 e do Recurso Extraordinário 567.985, partiu da premissa de que o critério normativo protegia insuficientemente o direito fundamental à Assistência Social. Isto é, esse critério da vulnerabilidade do grupo familiar teve sua inconstitucionalidade declarada porque considerado restritivo demais para a devida e necessária proteção do direito à prestação assistencial. Na medida em que não houve pronúncia de nulidade, o critério básico é ainda aquele disposto em lei (Lei 8.742/93, art. 20, § 3º). Mas, por força de uma interpretação constitucional tal como operada pela Suprema Corte, ele deve ser compreendido como insuficiente, pelo que se impõe ao magistrado um olhar atento para outros sinais que indiquem a insuficiência de recursos do grupo familiar da pessoa idosa ou com deficiência. Vê-se, portanto, que é impertinente a pauta da responsabilidade – ainda mais – subsidiária do Estado em tema de acesso ao benefício assistencial, porque vai além dos termos definidos pelo legislador, ao pretender lançar óbice ao gozo de direito fundamental expressamente disciplinado por lei. Sob outro prisma, o argumento malfere o princípio da igualdade, uma vez que a exigência não é formulada na via administrativa, o que propicia a concessão do benefício, pela entidade responsável, sem que se cogite eventual possibilidade parental de prestação de alimentos. Com efeito, a tese culmina por oferecer solução mais restritiva do que aquela própria oferecida no âmbito administrativo pelo INSS. Por outro lado, a solução proposta não oferece adequada resposta à problemática, pois parte da suposição geral de que o parente que aufere determinada renda mensal possui reais condições de prestar alimentos. Sabe-se, porém, que a renda mensal jamais pode ser tomada como critério único a demonstrar as condições socioeconômicas de uma pessoa ou de um grupo familiar. Nesse sentido, a mera identificação de ganho bruto mensal não autoriza a ilação da possibilidade de prestar alimentos. Condições peculiares do parente poderiam, afinal, demonstrar que a obrigação alimentar teria o condão de minorar o sustento de sua própria família. Não é demais suscitar, outrossim, que o argumento da obrigação estatal subsidiária na concessão de benefício assistencial, compreendida da forma proposta pela TNU, coloca em xeque a própria razão de ser dessa prestação, qual seja, a sua potencialidade de emancipar a pessoa vulnerável, conferindo-lhe recursos mínimos de igualdade material, os quais são indispensáveis para uma existência social condigna, com real autonomia. Trata-se, com efeito, de conquista social, expressamente assegurada na Constituição da República, a de que essa parcela da sociedade alcance o sabor da dignidade de não depender de quem quer que seja. Se o sistema normativo expressamente assegura determinado direito fundamental social a pessoas carentes – e aqui estamos a discutir direitos das pessoas mais carentes de nosso meio social –, não se justifica a adoção de argumento que percebe os vulneráveis como meros receptáculos de caridade alheia e como uns “para-sempre-dependentes”, ignorando sua dimensão constitucional-cidadã, a qual lhes empoderou de fortes direitos perante o Estado. Da perspectiva da metodologia jurídica, o argumento da responsabilidade – ainda mais – subsidiária traduz-se em genuína e não autorizada criação judicial de condicionante de acesso ao benefício assistencial. Inegavelmente atuando como legislador positivo, o Judiciário, em vez de proteger, restringiria o direito fundamental para além da acomodação operada pelo legislador. Não bastasse, essa restrição judicial ao direito fundamental subverte a interpretação evolutiva da Suprema Corte, materializada nos julgados antes referidos, consubstanciando-se, pois, em ostensiva interpretação inconstitucional. Dito de outra forma, o direito de proteção social deve ser reconhecido toda vez que o interessado cumprir os pressupostos legais para sua concessão. Mais especificamente, assim como o direito a um bem previdenciário deve ser outorgado sempre que cumpridos os pressupostos legais estabelecidos para a sua concessão, sem que se cogite perquirir sobre eventual dever e possibilidade de um parente prestar alimentos, também o direito a um bem de natureza assistencial não pode ser vetado em razão de a conformação familiar indicar a possibilidade, em tese, de a pessoa reclamar alimentos. Trata-se, um e outro, o bem previdenciário e o bem assistencial, de direito fundamental cujo gozo é regulado exclusivamente pela lei, no sentido formal e material, não podendo ser condicionado à inexistência de pessoa obrigada a suprir alimentos, na forma da lei civil. Insista-se: a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que disciplina o gozo do benefício de prestação continuada em seu art. 20, expressamente estabelece, em seu § 1º, a configuração de pessoas que corresponde ao conceito de família para fins de concessão do benefício. Por outro lado, dispõe, no § 3º, em que condições a família é considerada incapaz de prover a manutenção da pessoa idosa ou com deficiência. Nessas circunstâncias, para os efeitos de concessão dessa prestação, “a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (Lei 8.742/93, art. 20, § 1º). Se os recursos do que se considera família, para fins específicos de proteção assistencial, forem insuficientes para a manutenção do idoso ou da pessoa com deficiência, justifica-se a concessão do benefício de prestação continuada, sendo inadmissível a articulação do conceito de família, emanado da legislação civil, como se apenas este estivesse ancorado na responsabilidade subsidiária do Estado, para a rejeição do direito ao benefício assistencial. Em suma, o argumento da responsabilidade subsidiária do Estado na política assistencial, tal como acolhido no julgado antes referido, de um lado, está longe de consubstanciar algo de novo, e, de outro lado, não tem o pretendido efeito de impedir a concessão do benefício assistencial quando cumpridos os requisitos legais. 7.9 CARACTERIZAÇÃO E COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE ESPECIAL 7.9.1 Sucessão de leis no tempo e o princípio tempus regit actum para caracterização e comprovação de atividade especial A caracterização e a comprovação da natureza especial de determinada atividade seguem distintos critérios legais informados pela atividade e pela lei vigente ao tempo de seu exercício. É de alta relevância para o tema, portanto, o princípio tempus regit actum. Como exigência da segurança jurídica, da proteção da confiança do cidadão e da boa-fé administrativa, o princípio lex tempus regit actum impede a retroação da lei nova mais restritiva. Assim, por exemplo, na hipótese de uma alteração legislativa superveniente ao cumprimento dos requisitos para a obtenção do benefício, a lei a ser aplicável persiste sendo aquela vigente ao tempo do fato que lhe determinou a incidência (direito adquirido). Especificamente para a caracterização da atividade especial, verifica-se a forma do tempus regit actum no entendimento de que “pela lei vigente à época de sua prestação, qualifica-se o tempo de serviço do funcionário público, sem a aplicação retroativa de norma ulterior que nesse sentido não haja disposto” (STF, RE 174.150-3/RJ, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ 18.08.2000). Nesse mesmo sentido, a doutrina do Supremo Tribunal Federal esclarece que “O direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres pela servidora pública celetista, à época em que a legislação então vigente permitia tal benesse, incorporou-se ao seu patrimônio jurídico” (RE 382.352/SC, Relª. Minª. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 09.12.2003, DJ 06.02.2004). Independentemente da alteração legislativa quanto à caracterização ou aos meios de comprovação da atividade especial, nosso norte será a legislação vigente ao tempo da prestação do serviço. Ela nos informará se determinada atividade deve ou não ser considerada especial e também a forma de comprovação. Deve-se ressalvar, contudo, que em face da índole protetiva da aposentadoria especial, no que concerne à saúde do trabalhador, reclama-se a aplicação retroativa da lei mais benéfica que reconhece a natureza especial de uma atividade. Em razão disso, acertadamente já decidiu o STJ: É firme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido de ser possível, para fins de concessão de aposentadoria, o reconhecimento de atividade especial levada a efeito antes do advento da Lei 3.807/60 [ato normativo que originariamente previu a concessão de aposentadoria especial] (AgRg no REsp 1008380/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 28.06.2011, DJE 03.08.2011)⁶⁹⁵. Com efeito, o princípio tempus regit actum não pode ser aplicado de maneira absoluta, justamente em face da natureza protetiva da saúde do trabalhador verificada na legislação relativa à aposentadoria especial. Por tal razão, não se pode concordar com o entendimento do STJ relativo à intensidade da exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído, pois o critério mais protetivo deixou de ser aplicado retroativamente, em que pese o fato de critérios científicos apontarem que o meio ambiente laboral era nocivo também no período anterior à vigência da norma mais protetiva⁶⁹⁶. 7.9.2 Caracterização e comprovação de atividade especial em tempo anterior à vigência da Lei 8.213/91 Desde o art. 31 da Lei 3.080/60 é prevista a concessão de aposentadoria especial em caso de exercício de atividade insalubre, penosa ou perigosa, nos casos definidos em Decreto do Poder Executivo. Não entremos aqui na questão da exigência de idade mínima de 50 anos porque se encontra superada. Esse dispositivo legal foi regulamentado pelo Decreto 53.831/64, que indicou originariamente a lista das atividades e dos agentes nocivos que justificariam a concessão de aposentadoria especial. Posteriormente, a Lei 3.807/60 foi alterada pelas Leis 5.440-A/68 e 5.890/73. Esta última foi regulamentada pelo Decreto 83.080/79. O conceito legal de insalubridade e de periculosidade era aquele extraído da legislação trabalhista (CLT, arts. 189 e 193). Ao lado desses diplomas legais, havia outras disposições legais a reconhecer a natureza especial de determinada categoria profissional, como no caso da atividade de telefonista, reconhecida como penosa pela Lei 7.850/89, e dos eletricitários, reconhecida como perigosa (Lei 7.369/85 e Decreto 93.412/86). O entendimento jurisprudencial pacificou-se no sentido de que os Decretos 53.831/64 e 83.080/79 poderiam ser simultaneamente invocados para enquadramento da atividade especial, sem prejuízo do enunciado da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento”. Durante esse período era permitido o enquadramento da atividade especial pelo pertencimento da categoria especial ou pela exposição aos agentes nocivos previstos nas listas referidas pela legislação previdenciária, observada a Súmula 198 do extinto TFR. Em relação às atividades previstas nos decretos regulamentares, presumia-se a índole especial da atividade, sendo possível a comprovação por qualquer meio de prova, com exceção dos agentes nocivos que demandavam medição técnica, como no caso do agente nocivo ruído. Para estes sempre foi necessária a demonstração técnica de exposição da saúde do trabalhador acima dos limites de tolerância. Com respeito às atividades que não foram contempladas expressamente pela legislação, a prova da periculosidade, penosidade ou insalubridade deveria ser realizada por perícia judicial. 7.9.3 Alterações promovidas após a vigência da Lei 8.213/91 e a possibilidade de se comprovar atividade especial por qualquer meio de prova Essa forma de caracterização da natureza especial e a correspondente demonstração não foram alteradas, em relação às atividades desempenhadas no tempo de sua vigência, pela superveniência das leis que alterariam completamente esse panorama. Note-se, a propósito, que a Lei 8.213/91 não alterou os critérios de enquadramento, adotando provisoriamente a legislação em vigor em tempo anterior à sua edição, na forma da redação original de seu art. 152. Com efeito, consolidou-se a orientação de que até a edição da Lei 9.032/95, o enquadramento de determinada atividade como especial era realizado pela categoria profissional do trabalhador, especificadas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, havendo uma presunção legal de exposição a agentes nocivos⁶⁹⁷. A relação não era exaustiva, sendo possível a comprovação de que a atividade era insalubre, perigosa ou penosa, por meio de perícia judicial. Após a edição da Lei 9.032/95, que emprestou nova redação ao art. 57, § 3º, da Lei 8.213/91, exige-se a efetiva exposição da saúde ou integridade física do trabalhador a agentes nocivos, de modo habitual, não ocasional nem intermitente, não havendo exigência de laudo técnico senão para agentes cuja intensidade deve ser medida (ruído ou calor, por exemplo)⁶⁹⁸. É importante notar, antes de tudo, que as exigências de “trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais”, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. A exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades do trabalhador e integrada à sua rotina de trabalho. O que não se admite é que uma mera exposição eventual ou ocasional seja considerada apta a tornar determinada atividade como nociva à saúde humana⁶⁹⁹. Note-se que nem mesmo a Previdência Social exige, para a caracterização da atividade especial, uma exposição contínua ou ininterrupta aos agentes nocivos. Antes, caracteriza-se permanente o trabalho não ocasional nem intermitente no qual a exposição do segurado seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço⁷⁰⁰. Quando não se consegue produzir bem ou se prestar serviço sem que, ao menos em parte da jornada laboral, se imponha ao trabalhador a exposição a agentes nocivos, tem-se a permanência da exposição e, portanto, caracterizada a atividade como especial. Para as atividades exercidas anteriormente a 14.10.1996, a comprovação da especialidade se dá pelos antigos formulários de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais, os quais somente podem ser emitidos até 31.12.2003, ou pela apresentação do PPP, emitido a partir de 01.01.2004⁷⁰¹. Para as atividades exercidas entre 14.10.1996 e 31.12.2003, a comprovação da especialidade se dá pelos antigos formulários de reconhecimento de períodos laborados em condições especiais, os quais somente podem ser emitidos até 31 de dezembro de 2003, e LTCAT, ou pela apresentação do PPP, emitido a partir de 01.01.2004⁷⁰². Para as atividades exercidas a partir de 01.01.2004, a comprovação da especialidade se dá pela apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP⁷⁰³. Na medida em que o PPP é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT, a sua apresentação torna desnecessária a juntada deste, salvo se idoneamente impugnado⁷⁰⁴. Nada obstante às exigências legais para o enquadramento da atividade especial, pode ocorrer a comprovação da natureza especial da atividade por qualquer meio de prova. Na hipótese de a empresa empregadora não mais existir ou então recusar-se a entregar ao trabalhador a documentação necessária (formulário de declaração da atividade especial, laudo técnico ambiental ou PPP), a comprovação pode ser feita pelas anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e mediante prova pericial em estabelecimento similar⁷⁰⁵. Em alguns casos, nem mesmo a prova testemunhal deve ser desconsiderada para a comprovação de fatos que venham a confortar a alegação do trabalho em condições especiais. É impensável a recusa de reconhecimento à natureza especial porque a empresa se nega ou não mais é encontrada para declarar, em formulário próprio, as condições do trabalho do segurado. É uma questão de primazia da realidade sobre a forma. Também não é razoável a exigência de que os laudos técnicos sejam contemporâneos ao período da prestação de serviço⁷⁰⁶. O que se exige é a afirmação técnica que permita a conclusão no sentido de que, ao tempo do exercício da atividade, o segurado se encontrava exposto de modo habitual a agentes nocivos a sua saúde, sendo desimportante que a afirmação técnica não seja contemporânea ao desempenho da atividade profissional. É de se lembrar que a exigência de contemporaneidade da prova técnica, em alguns casos, simplesmente inviabilizaria a demonstração do exercício de atividade especial, pois limitaria sua possibilidade às hipóteses em que a empresa empregadora mantivesse, ao tempo do trabalho, a documentação técnica que apenas posteriormente passou a ser exigida por lei. 7.9.4 A regulamentação da atividade especial pelo Decreto 2.172/97 e a exclusão da atividade perigosa Com a Medida Provisória 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, foram revogados os Decretos 53.831/64 e 83.080/79, tornando necessária nova regulamentação da matéria, o que se deu com o Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto 2.172, de 05.03.1997. Desde a edição do Decreto 2.172/97, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos deve ser feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS⁷⁰⁷, emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, ou por perícia técnica. O referido ato normativo, tal como o atual Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, em seu Anexo IV, não trouxe previsão de enquadramento para atividades penosas e perigosas. A atual legislação parece ter circunscrito o âmbito de proteção especial às atividades insalubres, que exponham a saúde ou integridade física do trabalhador a agentes nocivos, químicos e biológicos acima dos limites de tolerância. Sem embargo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reafirmando a inteligência da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, consolidou o entendimento no sentido de que À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais⁷⁰⁸. Com base nessa premissa, compreendeu-se possível o enquadramento como especial do trabalho com exposição à eletricidade, mesmo que exercido após a vigência do Decreto 2.172/97 (06.03.1997). Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça compreende pela possibilidade do enquadramento, como especial, da atividade de vigilante, mesmo que exercida após a vigência do Decreto 2.172/97 (06.03.1997), em razão da exposição à periculosidade⁷⁰⁹, havendo firmado esse entendimento de acordo com o rito dos recursos repetitivos (Tema 1031), quando assegurou o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova, até 5 de março de 1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do segurado⁷¹⁰. 7.9.5 A comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos e utilização de equipamento de proteção individual (EPI) A partir da Lei 9.732/98, que emprestou nova redação ao art. 58 da Lei 8.213/91, tem-se a exigência de que o laudo técnico de condições ambientais observe os termos da legislação trabalhista e informe a respeito da utilização de equipamento de proteção individual⁷¹¹. A insalubridade previdenciária parece coincidir agora com a insalubridade trabalhista, ainda que a doutrina previdenciária possa ter uma leitura diferente daquela operada pela trabalhista. Mais precisamente, a partir da MP 1.729, publicada em 03.12.1998 (convertida na Lei 9.732/98), as disposições trabalhistas concernentes à caracterização de atividade ou operações insalubres (NR-15) – com os respectivos conceitos de “limites de tolerância”, “concentração”, “natureza” e “tempo de exposição ao agente” passam a influir na caracterização da natureza de uma atividade (se especial ou comum). Por consequência, a exigência de superação de nível de tolerância disposto na Norma Regulamentadora 15, como pressuposto caracterizador de atividade especial, apenas tem sentido para atividades desempenhadas a partir de 03.12.1998, quando essa disposição trabalhista foi internalizada no direito previdenciário. De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, quanto aos efeitos da utilização de equipamento de proteção individual, “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”⁷¹². De modo geral, portanto, comprovada a eficácia do EPI, no sentido de neutralizar a nocividade do ambiente de trabalho – ou de diminuí-la para níveis inferiores aos limites de tolerância –, não se caracteriza a atividade como especial. Ressalvou-se, porém, que, [...] na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Na mesma decisão, foi disposto pela Suprema Corte que: 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. Como se verifica, é possível a caracterização da natureza especial da atividade mesmo quanto a empresa informar, no PPP, que o Equipamento de Proteção Individual era fornecido e também eficaz para neutralizar os efeitos dos agentes nocivos. Essa disposição é fundamental, pois constitui razoável consenso entre os especialistas de segurança e medicina do trabalho a absoluta inviabilidade de o EPI propiciar efetiva neutralização da nocividade do ambiente laboral em relação a outros agentes (físicos, químicos ou biológicos) que não o ruído. Pode ser caracterizada a atividade especial, portanto, se restar demonstrada a ineficácia do Equipamento de Proteção Individual pelas mais diversas razões, como sua inadequação em face do agente nocivo que busca inibir, a ausência do certificado de aprovação, o transcurso do prazo de sua validade etc. E, segundo o Supremo Tribunal Federal, no caso de dúvida deve ser reconhecido o direito à aposentadoria especial. Mais recentemente, a própria Administração Previdenciária reconheceu a ineficácia de equipamentos de proteção individual: a) no caso de exposição a agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos (Memorando-Circular Conjunto n. 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015), tais como como asbesto (amianto) e benzeno⁷¹³; b) no caso de exposição a agentes biológicos (Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017). Em importante julgamento proferido em IRDR, o TRF4 decidiu que deve ser desconsiderado o uso de EPI, para fins de reconhecimento de atividade especial, nas hipóteses acima mencionadas (ruído, agentes cancerígenos e agentes biológicos), orientando igualmente que, “Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI”⁷¹⁴. De todo modo, revela-se indispensável a abertura de espaço processual para a discussão relativa à eficácia dos equipamentos de proteção individual e, como consequência, a adequada análise quanto à caracterização ou não da atividade especial. 7.9.6 Comprovação de atividade especial no caso de incorreção do PPP ou do LTCAT Uma questão particularmente complexa se relaciona à forma de comprovação do exercício de atividade especial, quando o segurado afirma no processo judicial que há incorreção no formulário⁷¹⁵ que foi emitido pela empresa, em atendimento ao art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91⁷¹⁶. É⁷¹⁶ muito comum que, diante do não reconhecimento da natureza especial da atividade pelo órgão previdenciário, o segurado busque sua caracterização em juízo, afirmando efetiva exposição a agentes nocivos em condições diversas daquelas que constam no formulário emitido pela empresa ou a ausência de emprego de tecnologia de proteção que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. A questão primeira que se coloca é relativa à possibilidade de se comprovar atividade especial em juízo mediante outros elementos probatórios, que não o formulário emitido pela empresa, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho (LTCAT). Se for compreendido que o PPP, emitido com base em LTCAT, consubstancia prova tarifada pela legislação previdenciária, afigurando-se como único meio hábil à comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos que ensejam o reconhecimento da atividade especial, seria inviável a comprovação desses fatos por outro meio probatório. Dito de outro modo, apenas seria possível o reconhecimento de uma atividade como especial se houvesse, por parte da empresa, a retificação das informações, de modo espontâneo ou por determinação da justiça trabalhista⁷¹⁷. Parece inevitável recusar essa hipótese, contudo, pois, em se tratando de um arranjo normativo destinado a proteger o trabalhador contra contingências sociais com potencialidade de lhe prejudicar a saúde, diminuir a capacidade produtiva e, portanto, ameaçar a sua condição de subsistir com dignidade, deve a realidade prevalecer sobre a forma. O que importa é saber se efetivamente ocorreu ou não o trabalho com exposição a agente agressivo em condições que extrapolam os limites de tolerância humana, circunstância que implica a necessidade de afastamento antecipado do trabalhador, com vistas a livrar-lhe dos maléficos efeitos de um labor nocivo à sua saúde. Nesse contexto, o formulário emitido pela empresa ou seu preposto não deve ser considerado meio indispensável para o reconhecimento da atividade especial. Observe-se que uma tal linha de pensamento culminaria por excluir a possibilidade de se reconhecer o tempo de trabalho permanente, com efetiva exposição do trabalhador a agentes prejudiciais à saúde, simplesmente porque o PPP não apresenta informações que caracterizem a especialidade do labor. Essa perspectiva improcede, sendo suficiente, para alcançarmos tal conclusão, que há hipóteses em que o próprio LTCAT, que supostamente empresta fundamento ao PPP, distintamente deste, oferece elementos que levam ao reconhecimento da atividade especial. Por outro lado, empresas há que, ao tempo do requerimento de aposentadoria, já não se encontram em atividade, e não poderiam ser demandas para retificar os termos do aludido formulário. Essas duas situações ilustram como o excesso de forma pode inviabilizar o reconhecimento de um direito fundamental, ainda que os fatos que lhe constituem se revelem evidentes, como no caso em que o LTCAT, contemporâneo ao exercício da atividade, oferece elementos que renderiam ensejo ao reconhecimento da atividade especial, em contrariedade ao PPP. Segundo pensamos, o art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91 não veicula comando voltado a informar a atuação do órgão jurisdicional, tendo como destinatários diretos os servidores da entidade previdenciária, que deverão observar se os processos administrativos estão instruídos com o modelo de formulário adequadamente preenchido, para fins de reconhecimento de atividade especial. No entanto, mesmo no processo administrativo, essa norma deve ser compreendida na perspectiva do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV)⁷¹⁸, de modo a se fazer respeitar a garantia de produção de prova na fase instrutória e antes da tomada da decisão administrativa (Lei 9.784/99, art. 38)⁷¹⁹. Em outras palavras, também no processo administrativo deve-se assegurar a produção de provas que sejam necessárias à comprovação do fato constitutivo do direito à aposentadoria especial, bem como deve ser feita a análise desse direito a partir de uma atividade instrutória mais abrangente, isto é, mediante juízo que vá além da mera análise do PPP⁷²⁰. Portanto, a exigência de apresentação de formulário emitido pela empresa, fundado em laudo técnico, não deve ser compreendida como uma prova legal, para que a especialidade do labor somente pudesse ser comprovada pelo meio expressamente previsto em lei, proibindo-se a investigação dos fatos a partir de provas diversas. Por outro lado, a regra do art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91 foi incorporada à legislação previdenciária pela Medida Provisória 1.729, de 02.12.1998, convertida na Lei 9.732, de 11.12.1998. Por essa razão, entender que o art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91 veicula norma de natureza processual civil, causando interferência no direito das provas regulado pelo Código de Processo Civil, implicaria reconhecer sua inconstitucionalidade formal, por violação ao art. 62, § 1º, “b”, da CF/88⁷²¹. Em uma interpretação conforme da aludida regra de prova, portanto, deve-se compreender que ela se encontra inserida no contexto do processo administrativo relacionado à concessão de benefício previdenciário, detendo natureza administrativo-previdenciária, de modo a não vincular o órgão jurisdicional em sua atividade decisória. Se a regra do art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91 não vincula o órgão jurisdicional chamado a responder um problema jurídico em concreto, revela-se aplicável, também nos casos em que se pretende comprovar a natureza especial da atividade, a regra processual de que As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz (CPC, art. 369). Dessa forma, diante de eventual incorreção do PPP, abrem-se ao segurado duas possibilidades: a) buscar, a qualquer tempo⁷²², a retificação do formulário, demandando contra o empregador junto à justiça trabalhista⁷²³, para fins de adequada instrução do processo administrativo previdenciário; b) em face de indeferimento administrativo, demonstrar em juízo a natureza especial da atividade exercida, por outros meios de prova. A primeira opção parece ser a mais simples, pois poderia prevenir um indeferimento administrativo e, por consequência, uma demanda judicial previdenciária. Sem embargo, em face da relativa inferioridade e do sentimento de insegurança do trabalhador em uma relação de emprego, não é plausível exigir-lhe que, na busca de seu interesse previdenciário, tenha antes que litigar contra seu empregador⁷²⁴. É que, se o segurado se encontra trabalhando na empresa que lhe forneceu o PPP em desacordo com a realidade, ele preferirá evitar a reclamatória trabalhista, por receio do que possa acontecer. Além disso, haveria o inconveniente relativo ao tempo geralmente demandado para a obtenção do provimento jurisdicional final na reclamatória trabalhista, com eventual produção de prova pericial, interposição de recursos etc. Por fim, se a empresa não mais se encontra ativa, a opção de retificação trabalhista do PPP, a rigor, inexiste. Em suma, o segurado pode litigar contra a empresa empregadora, na justiça trabalhista, para que esta emita o formulário corretamente, mas não deve ser obrigado a palmilhar essa via, pois lhe é facultado comprovar a efetiva exposição a agentes nocivos (fato constitutivo do direito à aposentadoria especial) por qualquer meio de prova, sendo possível, portanto, suprir insuficiência ou deficiência do PPP, que deve ser considerado apenas um elemento de prova⁷²⁵. Por isso, são muitas as demandas previdenciárias em que o autor busca o reconhecimento da atividade especial, sob a argumentação de que o formulário emitido pela empresa não corresponde à realidade, buscando comprovar esse fato mediante outros elementos probatórios. De outro lado, se é correto asseverar que a negativa administrativa de reconhecimento da especialidade autoriza o trabalhador a buscar a proteção judicial de seu direito, também é certo afirmar que, na demanda judicial, inexiste um automático direito à produção de prova pericial para comprovação da natureza especial da(s) atividade(s) exercida(s) no(s) período(s) pretendido(s). Dito de outra forma, a mera alegação da parte autora, de que exerceu atividade especial, de modo que o conteúdo do formulário emitido pela empresa se encontra em desconformidade com a realidade, é insuficiente para lhe garantir a produção de prova pericial, no âmbito do processo judicial previdenciário. Não seria justificável uma tal pretensão de produção de prova pericial, fundada eventualmente em mera especulação, pois os direitos constitucionais ao contraditório a à ampla defesa não amparam a realização de diligências probatórias destinadas à investigação de ocorrência de fato que se situa apenas no plano da cogitação do interessado, mas a produção de provas pertinentes para a elucidação de dúvida razoável sobre a efetiva existência do fato. Ainda que se reconheça a conexão do PPP com interesses tributários, trabalhistas e ambientais da empresa empregadora, esse formulário é emitido com base em laudo técnico ambiental do trabalho, firmado por engenheiro de segurança ou médico do trabalho, e não se pode presumir a incorreção ou a falsidade das informações nele constantes. A despeito disso, o autor da ação pode deduzir argumentação ou apresentar documentos que (a) infirmam o conteúdo do PPP ou do LTCAT, comprovando desde logo a especialidade, ou que (b) colocam em dúvida a correção das informações contidas nos documentos providenciados pela empresa empregadora, evidenciando a necessidade de realização da perícia judicial no ambiente de trabalho⁷²⁶ ou em empresa similar⁷²⁷. Portanto, nada obstante as informações do PPP e do LTCAT fornecidos pela empresa empregadora indiquem a natureza comum da atividade exercida pelo trabalhador, a existência de dúvida fundada sobre a natureza da atividade pode render ensejo à produção de prova pericial. Tome-se como exemplo, nesse sentido, a apresentação de LTCAT produzido para descrição das condições ambientais para trabalho em empresa similar, a prova pericial oriunda de ação trabalhista proposto por colega de trabalho, a oitiva de testemunhas, as regras de experiência (CPC, art. 375) etc. Em esforço para sistematizar critérios mais seguros para se identificar as condições em que é necessária a prova pericial para a comprovação da atividade especial, Diego Henrique Schuster arrola algumas situações que caracteriza como muito conhecidas: (a) o recebimento de adicionais de insalubridade ou periculosidade trabalhistas, quando coincidentes com a insalubridade e periculosidade previdenciária; (b) contradições entre laudos (muitas vezes produzidos por diferentes empresas ou técnicos) ou, ainda, o reconhecimento de agentes de risco num laudo atual, por contrariar a tendência de que as condições de trabalhado melhoram com o passar do tempo – dada a evolução das máquinas e equipamentos de proteção, ou seja, as novas tecnologias são capazes de melhor controlar os riscos industriais; (c) a variação nos níveis de ruído (quando não possível a aplicação dos picos de ruído), o (des)aparecimento de agentes nocivos, enfim, sem qualquer notícia de alteração nas atividades do segurado e, sobretudo, no meio ambiente do trabalho ou na sua organização; (d) o campo da “descrição das atividades” deixa entrever o manuseio, manipulação ou utilização de produtos químicos (empregados no processo produtivo) ou as atividades da empresa envolverem a produção de um material que tenha componentes químicos, sendo possível ao julgador valerse das regras de experiência comum (CPC, art. 375). Por exemplo, o contato com óleos, graxas e ruído parece inerente ao exercício das funções de mecânico atuante no conserto de automóveis. Isso vai ao encontro do senso comum; (e) existe a necessidade de implantação de dispositivos protetivos, bem assim o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (com indicação no próprio formulário PPP); (f) mais do que tentar legitimar um resultado que o autor se propõe a alcançar, evitando, num primeiro momento, uma perícia inútil, o laudo aplicado por analogia serve para, também, justificar a necessidade de prova pericial⁷²⁸. Deve-se reconhecer, contudo, juntamente com o mesmo autor, que não há como se estabelecer critérios gerais a priori para a realização de perícia judicial para comprovação de atividade especial. O caso concreto é que trará contornos específicos para a adequada instrução probatória e a solução do problema jurídico, dado que determinados elementos, em seu conjunto, para além de justificarem a dúvida e a utilidade da prova pericial, podem ser considerados como suficientes para a elucidação do ponto controvertido. Em detida análise sobre os problemas derivados do PPP, Adriane Bramante⁷²⁹ ensaia sistematização em que correlaciona a natureza do vício do formulário à providência instrutória adequada, de modo que: • o erro material, relativo aos aspectos formais do formulário, devem ser retificados pela empresa empregadora, antes mesmo de se formalizar o requerimento administrativo⁷³⁰; • a divergência entre o PPP e o ambiente laboral do segurado pode ser dirimida por inspeção administrativa no ambiente do trabalho⁷³¹ ou perícia judicial⁷³²; • no caso de PPP de empresa que encerrou suas atividades, a incorreção do PPP pode ser contrastada por outros meios de prova, tais como: a) prova emprestada; b) laudos de empresas extintas que se encontram em poder do INSS; c) laudos de empresas extintas que se encontram no sindicato da categoria do segurado; d) laudos obtidos no banco do TRF da 4ª Região, criado pela Resolução 7, de 07.02.2018; e) laudos da Fundacentro ou outros órgãos oficiais; f) prova por similaridade⁷³³. Nessa linha de orientação, entendendo desnecessária a exigência de prévia impugnação administrativa da eficácia do EPI, a TNU firmou a tese relativa ao Tema 213, a partir de substancioso voto do relator, Juiz Federal Fábio Souza, com o seguinte enunciado: I – A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz pode ser fundamentadamente desafiada pelo segurado perante a Justiça Federal, desde que exista impugnação específica do formulário na causa de pedir, onde tenham sido motivadamente alegados: (i.) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii.) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii.) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv.) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação; ou (v.) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI. II – Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial⁷³⁴. Em suma, a Justiça Federal detém competência para reconhecer fato jurídico que deriva da relação de trabalho, mas que possui efeitos previdenciários, abrindo-se ao segurado a possibilidade de buscar judicialmente o direito à aposentadoria especial, empregando todos os meios lícitos, desde que justificáveis, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido. Sem embargo, é importante reconhecer que o tema oferece problemática desafiadora à justiça previdenciária, seja quanto às dificuldades para a adequada instrução probatória, seja quanto à dimensão coletiva dessa controvérsia, em face de seu caráter reiterado, e os problemas inerentes à administração da justiça, globalmente considerados. Nesse contexto, uma atuação mais próxima dos sindicatos dos trabalhadores e das instituições que têm como atribuição fiscalizar o cumprimento das legislações trabalhista e tributária, como o Ministério do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, as entidades fazendárias etc., possibilitaria, em uma perspectiva preventiva, a adoção de medidas à efetiva segurança e proteção da saúde dos trabalhadores, bem como o enfrentamento de problema coletivo que se afigura como foco de alta litigiosidade individual, tal como se observa atualmente. Por fim e não menos importante, reitera-se aqui o pensamento de que o processo administrativo de concessão de aposentadoria especial não pode ser restringido a mera conferência de formulários emitidos pela empresa empregadora sobre a vida laboral do segurado. Antes, deve também nesse foro ser adequadamente instruído o processo, em homenagem ao contraditório e à ampla defesa, e mediante postura ativa e dialógica do órgão previdenciário, por força dos princípios constitucionais da eficiência e da legalidade. Uma questão particularmente complexa se relaciona à forma de comprovação do exercício de atividade especial, quando o segurado afirma no processo judicial que há incorreção no formulário⁷³⁵ que foi emitido pela empresa, em atendimento ao art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91⁷³⁶. 7.10 COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO OU CONTRIBUIÇÃO A relevante temática da prova em direito previdenciário talvez apresente seu ponto crucial na comprovação do tempo de serviço ou contribuição e, mais especificamente, na comprovação do desempenho de uma atividade remunerada abrangida pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS⁷³⁷. A existência de filiação à Previdência Social, requisito em princípio indispensável para obtenção de qualquer prestação previdenciária, e a consequente qualidade de segurado obrigatório, faz pressupor a comprovação do exercício de uma atividade profissional objeto do campo de aplicação da Previdência Social. A demonstração de tal fato, segundo a conhecida regra de prova contida no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), não pode ser feita mediante prova exclusivamente testemunhal, impondo-se a apresentação de um início de prova material, exceto nas hipóteses de caso fortuito ou força maior⁷³⁸. Nada obstante a importância do estudo da prova material para o direito previdenciário – especificamente para a comprovação do tempo de serviço ou contribuição –, percebe-se ainda hoje, vencidos mais de quarenta anos da instituição dessa condicionante pelo Dec.-lei 66/66, certa inconsistência quanto ao significado do que se tem por prova material, sua justificação e possibilidades⁷³⁹. 7.10.1 Particularidades do direito probatório em direito previdenciário – restrição do direito constitucional à prova Também no direito previdenciário o postulado do devido processo legal assegura aos litigantes, como pressuposto de defesa e exercício do contraditório, o direito constitucional à produção da prova lícita. É um direito fundamental que somente pode ser restringido por lei e na medida em que essa restrição seja proporcional. Como regra geral, as circunstâncias de interesse dos particulares podem ser comprovadas por qualquer meio de prova, caindo as linhas de exceção à comprovação do tempo de contribuição (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91) e, desde 18.01.2019, data de vigência da Medida Provisória 871/2019, à comprovação da união estável e dependência econômica⁷⁴⁰. Esses dispositivos legais vedam a comprovação de tais circunstância de fato mediante prova exclusivamente testemunhal, excepcionadas as hipóteses de caso fortuito ou força maior. O que se tem, na verdade, é uma colisão entre um bem coletivo constitucional (maior segurança na concessão de benefícios previdenciários) e um direito fundamental (direito fundamentação à produção de prova lícita), o que implica a restrição recíproca dos princípios que lhes estruturam. Mas a restrição de um direito fundamental, quando justificável para a realização de bem, valor, ou interesse constitucional contraposto, não pode ser admitida senão quando se evidencia que a medida adotada pelo legislador é indispensável para a salvaguarda do bem coletivo constitucional, adequada quanto aos meios para alcançar o objetivo indispensável que lhe emprestou fundamento e, ainda assim, quando se justifica a compressão do direito fundamental – meio necessário – em face do peso da conquista coletiva. Proporcionalidade é a obrigação de sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos; é fazer concordar os valores jurídicos e quando um tiver que preponderar sobre o outro, salvaguardar, ao máximo, aquele que restou mitigado⁷⁴¹. Portanto, para a verificação do grau de restrição admissível de um bem constitucional, assume importância capital o princípio da proporcionalidade⁷⁴², em suas três máximas ou princípios parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade no sentido estrito. Tal princípio se encontra na essência da técnica de ponderação de bens e na aferição da constitucionalidade de algumas leis restritivas. É, a proporcionalidade, um instrumento de verificação de inconstitucionalidade por excesso de poder legislativo. Assim sendo, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade formal da restrição fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade, isto é, deve-se “aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos”, procedendo-se “à censura sobre a adequação” e a “necessidade do ato legislativo”⁷⁴³. 7.10.2 O universo particular da prática previdenciária como justificação para a exigência de prova material Atuar no direito previdenciário é aplicar-se a um vastíssimo universo de presunções, possibilidades, conjecturas e construções que jamais se pode afirmar acabadas. Na análise administrativa de um pedido de benefício previdenciário, as possibilidades de contraprova são reduzidas, pois raramente serão indicadas testemunhas destinadas a infirmar o fato alegado pelo segurado. Daí que o órgão gestor da Previdência Social – de uma só vez parte e julgador – limitar-se-á, mais das vezes, em verificar a (in)consistência da prova apresentada pelo segurado. Sem se dedicar à busca de provas, exposta a manobras oportunistas e ainda com a possível responsabilização de seus servidores para o caso de concessão indevida, a Administração acaba lançando-se ao pecado do excesso de zelo, vulnera o ordenamento jurídico, levanta exigências ou condicionantes desproporcionais, ignora a jurisprudência mesmo em suas orientações mais seguras e se apresenta com exacerbado rigor na análise dos fatos constitutivos de um direito previdenciário. Pois, se a Administração exige o impraticável, legitimado cuida estar o indivíduo que auxilia seu próximo na luta pela realização de um direito indispensável à sobrevivência, ainda que com pequenas ou não tão pequenas inverdades. Como consequência de uma suposta aliança de particulares que se lançam contra a Administração Previdenciária, esta opera como uma “cidade sitiada”, de modo que a análise do direito passa por um crivo administrativo que, por vezes, não vê o evidente e enxerga o que não existe. Essas condições de fato marcam o atual momento da relação entre a Administração e o cidadão e deságuam no processo judicial previdenciário, em que a decisão solucionará o litígio sustentado por teses opostas que, a um só tempo, são causa e efeito da falta de cooperação entre o Estado e a sociedade⁷⁴⁴. Com esse pano de fundo, percebe-se a importância dos elementos de prova que são chamados à existência por circunstâncias alheias a determinado conflito judicial, elementos que “indicam o que indicam” pelo só fato de existirem. A exigência de prova material para a comprovação de tempo de contribuição, união estável e dependência econômica é fundada na necessidade de que o reconhecimento desses fatos relevantes para o direito previdenciário se opere com segurança e menor espaço para ações fraudulentas. Essa é a razão pela qual, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e do art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91 (com a redação dada pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019), a prova exclusivamente testemunhal não é admitida para a comprovação dessas circunstâncias de fato, salvo caso fortuito ou força maior. A necessidade de prova material é justificada pela circunstância de que a entidade previdenciária não reúne condições de apresentar testemunhas para infirmar a alegação dos segurados e, em relação a fatos distantes no tempo, tampouco conta com estrutura hábil para realizar diligências que contribuam para avaliação acerca da procedência dos fatos alegados pelos particulares. A prova testemunhal guarda sensível nota de precariedade⁷⁴⁵. Enquanto a prova material é vestígio de um fato, ação humana ou acontecimento – e, sendo vestígio, constitui um dado ou indício contemporâneo ao fato que se pretende demonstrar – a prova testemunhal é inapta para fixação de datas remotas. Se a prova material emana da ocorrência própria do fato que se pretende demonstrar (ou de um fato próximo a ele por meio de um juízo de presunção) e não tem vínculo com qualquer ação judicial, a prova testemunhal, de outra sorte, é produzida apenas porque há um litígio, isto é, porque existe interesse de uma das partes em influenciar futura decisão judicial. A prova documental – mais adiante veremos que nem toda prova documental consubstancia prova material – possui, “em princípio, maior credibilidade que a testemunhal”, mas “daí não se conclua, porém, pela imprestabilidade da prova testemunhal”⁷⁴⁶. A precisão laboratorial de datas, garantidas por idosas testemunhas em ações previdenciárias, que muitas vezes à sede do Juízo chegam juntamente com o autor, já não impressiona e nem sensibiliza, minando em alguns casos o fundamento de credibilidade da prova testemunhal, qual seja, a presunção de que as pessoas afirmam a verdade. Mas, de outro lado, também a prova documental tem apresentado vicissitudes no que toca à sua credibilidade. É o caso, por exemplo, na comprovação do tempo de serviço rural para aposentadoria por idade, mediante determinados documentos tais como notas fiscais, contratos de arrendamento e vários outros que se indicam uma condição divorciada do que ordinariamente ocorre, já que, reportando-se a uma época que em muito se distancia do esplendor da forma do trabalhador, isto é, referindo-se a um tempo em que o trabalhador já se encontra com idade avançada, sinalizam para uma produção elevada e, bem, assim, com um extraordinário volume de mercadorias comercializadas⁷⁴⁷. De todo modo, na delicada tarefa de apreciação de prova em direito previdenciário, a exigência de prova material para a comprovação de “circunstâncias-de-fato-chave” é, em princípio, justificada na segurança da resposta (administrativa ou judicial) à pretensão de gozo de benefício previdenciário. Observe-se que, desde a vigência da Medida Provisória 871/2019, que acrescentou o § 5º ao art. 16 da Lei 8.213/91, estendendo a exigência de prova material para a comprovação de união estável e dependência econômica, nenhum benefício previdenciário, que dependa de comprovação de circunstância de fato, será concedido com base exclusivamente em prova testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. As aposentadorias por idade (rural ou urbana) e por tempo de contribuição pressupõem comprovação de tempo de contribuição (trabalho urbano ou atividade rural). Os benefícios devidos aos dependentes (pensão por morte e auxílio-reclusão) poderão depender da comprovação da união estável ou dependência econômica. A comprovação dos fatos relacionados a esses benefícios exige início de prova material. De outro lado, os benefícios por incapacidade laboral (auxílio por incapacidade temporária, aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio-acidente) pressupõem exame médico pericial. Já o reconhecimento da especialidade de uma atividade se dá com base em informações da empresa fundadas em laudo técnico ambiental do trabalho. A exigência de prova material é considerada uma pedra de tropeço no caminho que liga o segurado à prestação previdenciária; um obstáculo à comprovação do direito que possui. Tendo sido questionada sua constitucionalidade em face do direito constitucional à produção de prova lícita, a disposição do art. 55, § 3º, da LBPS, vem sendo considerada legítima pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, por meio de vários precedentes, a Segunda Turma do STF orientou que a exigência de prova material para a comprovação do tempo de serviço “não vulnera os preceitos dos arts. 5º, incs. LV e LVI, 6º e 7º, inc. XXIV, da Constituição Federal”⁷⁴⁸. Por outro lado, quando do julgamento da ADI 2.555, o plenário do Excelso Tribunal dispôs que “o maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício”, justificando-se a exigência de prova material⁷⁴⁹. 7.10.3 Limites à exigência de prova material A legitimidade da restrição do direito fundamental à prova para a comprovação de tempo de contribuição enfrenta constrangimentos. Segundo os próprios termos da norma em exame, é admissível a prova exclusivamente testemunhal nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. Para além disso, é necessário ter em consideração a inviabilidade, em alguns casos, da comprovação do tempo de contribuição mediante início de prova material, seja pelo tempo decorrido desde o desempenho da atividade profissional, seja pelo caráter informal em que uma determinada atividade é exercida, ou mesmo pela falta de documentação relativa à união estável ou dependência econômica. Não estaria aqui o direito fundamental de produzir prova lícita sendo atingido em seu núcleo essencial? Em casos tais, seria ainda legítima a condicionante legal de prova material⁷⁵⁰? Talvez a ideia de força maior ou de excesso de restrição do direito fundamental à prova se encontre na jurisprudência que dispensava prova material, de modo excepcional, do trabalho rural pelo boia-fria⁷⁵¹, ou na que admite como prova material, para comprovação de tempo de serviço da empregada doméstica, a declaração de ex-empregadores. É inegável que em alguns casos – dada a distância no tempo ou a informalidade do exercício de uma atividade – a comprovação material do tempo de contribuição dependeria de uma “prova diabólica”, impossível de ser obtida⁷⁵². Nessa mesma linha de pensamento, a TNU orienta que “o início de prova material da condição de segurado não precisa estar contido necessariamente no período de carência, se complementado e ratificado com prova oral envolvendo o mencionado período”⁷⁵³. 7.10.4 Prova material na categorização das espécies probatórias Para se chegar ao conhecimento do que se tem por prova material é relevante uma noção primeira, ainda que incompleta, sobre a categorização das espécies probatórias. Com muita razão o gênio de Bentham escreveu que [...] não se pode escrever acerca do tema que nos ocupa, com esse método didático que avança pouco a pouco sem jamais antecipar-se. A falar de uma classe de prova, haverá necessidade de falar de outra classe que ainda não foi tratada, e de adiantar proposições cuja demonstração se verá mais tarde. É preciso, pois, apresentar aqui um quadro geral de todas as provas e definilas ou descrevê-las na medida em que façam falta para dar uma noção preliminar⁷⁵⁴. As mais prestigiadas classificações das espécies probatórias são aquelas oferecidas por Bentham e Malatesta. A elas nos reportaremos apenas enquanto necessárias para a aproximação de nosso objeto de estudo. Quanto ao sujeito da prova ou a fonte de informação, a prova será real ou pessoal. Prova real é a afirmação emanada de uma coisa que existe ou foi alterada por força do fato que se deseja comprovar, como, a título ilustrativo, a arma de um crime, os estilhaços de um vidro. Prova pessoal é aquela resultante da afirmação consciente de uma pessoa e destinada a fazer fé dos fatos afirmados, sendo o testemunho em juízo o exemplo típico. A doutrina registra que o sujeito da prova (a fonte de informação) não pode ser senão uma pessoa ou coisa. Malatesta expressa, nesse sentido, que “sempre que se fala de prova, ou se cogita de uma pessoa ou de uma coisa que afirma”, de modo que “a prova é afirmação de pessoa ou coisa, ou, em outros termos, é pessoal ou real”⁷⁵⁵. Em suma: Se o fato é afirmado por coisa, tem-se a prova real, ao passo que se é afirmação de pessoa, tem-se a prova pessoal. Na lição de Malatesta, “O sujeito da espécie de prova consistente nas impressões morais conscientemente manifestadas é a pessoa cujo espírito conserva aquelas impressões e as revela, sabendo. E a prova resultante da revelação consciente que faz a pessoa das impressões morais, que se conservaram em seu espírito, é a afirmação pessoal ou prova pessoal”⁷⁵⁶. A prova pessoal é, pois, aquela fornecida conscientemente por um ser humano, isto é, a fonte da prova provém de uma pessoa que afirma ou atesta a existência de um fato. Toda afirmação pessoal, consciente, destinada a fazer fé dos fatos afirmados é uma prova pessoal. Quanto à forma da prova ou quanto ao meio de manifestação, a prova pode ser testemunhal, documental e material. Pela prova testemunhal, a informação do conhecimento humano (prova pessoal) se transmite pelo seu testemunho em juízo. Mas, se a informação do conhecimento humano se transmitir por um documento e não diretamente ao juiz, teremos então uma prova documental⁷⁵⁷. Teremos uma prova material quando a afirmação da coisa se exterioriza nela própria, “pela materialidade de suas formas”⁷⁵⁸. Se o documento não se destina a fazer fé dos fatos afirmados por quem escreve, mas se apresenta como exteriorização de fato ou ação, é uma prova documental quanto à forma (meio de manifestação) e real/material quanto ao sujeito (fonte de informação). Também nos será útil a divisão das provas quanto à sua destinação, isto é, quanto à produção designada para fim judicial. A prova será casual se produzida sem a necessidade de comprovar um fato em juízo e préconstituída se produzida com a finalidade específica de influenciar futuro julgamento. Por fim, a prova será direta se tiver por objeto imediato o fato que se quer comprovar. Ela mesma se refere ao fato principal que se deseja comprovar. A prova indireta, de sua vez, indica a existência de um fato próximo àquele que se pretende comprovar, permitindo a conclusão da existência do fato principal por meio de um juízo de presunção, de maneira que evidenciada a existência de um fato, por um raciocínio de presunção, chega-se ao fato probando. 7.10.5 Prova material obtida do corpo humano e prova do trabalho rural do boia-fria Pela classificação das espécies de prova segundo a fonte de informação a prova é, então, ou de natureza pessoal (o fato é afirmado por uma pessoa) ou de natureza real (o fato é afirmado por uma coisa). Consoante o autorizado magistério de Malatesta, “do ponto de vista dos vestígios que um fato pode ter deixado atrás de si, existem, portanto, dois possíveis sujeitos de prova do próprio fato: uma coisa ou pessoa que atestam. E a prova, do ponto de vista do sujeito, divide-se, portanto, em duas espécies: afirmação de coisa ou prova real e afirmação de pessoa ou prova pessoal”⁷⁵⁹. Para a distinção das espécies probatórias quanto à fonte de informação, consoante prossegue o eminente doutrinador italiano, é dado fundamental a consciência da revelação do fato, pelo sujeito de prova: “A coisa produz afirmação apresentando inconscientemente à percepção de quem quer investigar, as modalidades reais que sofreu, relativas ao fato a ser verificado. A pessoa produz afirmação, revelando conscientemente as impressões psíquicas conservadas em seu espírito, relativamente ao fato a ser verificado”⁷⁶⁰. Particularmente em relação à prova material, a “afirmação do fato” chega ao magistrado não por uma pessoa, mas por uma coisa (um objeto qualquer ou um documento). A prova material se presta, então, a indicar a realização de fatos, a sugerir que ocorreu determinado evento. A prova material não é produzida para solução de um litígio judicial, mas advém de causa própria, como produto de um determinado fato realizado no passado. Quando a própria pessoa apresenta modificações corporais, “também não é mais que uma coisa”, de maneira que “o ferimento apresentado pela pessoa física não é mais que prova real, e isso é óbvio”⁷⁶¹. Mas é fundamental para nosso estudo específico a compreensão de que a pessoa pode também dar lugar à prova real sempre que sua manifestação não seja consciente ou quando tal manifestação não se apresente como destinada a fazer valer fé da verdade dos fatos por ela afirmados. De fato, “se as exteriorizações do espírito humano não são conscientes ou não se considerem como destinadas a fazer fé da verdade dos fatos por ela manifestados, não se tem prova pessoal, mas sim real”⁷⁶². É que, de um lado, “sem a consciência dos próprios atos, o espírito humano é considerado como coisa e não como pessoa”, daí afirmar o tratadista que [...] funcionando como prova do espírito interno, são provas reais, e não pessoais, não só a palidez, o tremor, o desmaio do acusado, e qualquer outro fato involuntário da pessoa, mas também são provas reais todos os fatos voluntários humanos que funcionam como prova para revelar o espírito interno, todos aqueles fatos que, embora conscientemente praticados como fatos, são, inconscientemente emitidos como revelações do espírito interno⁷⁶³. Assentadas essas premissas, pode-se concluir que os vestígios deixados no corpo humano pela ação do tempo, pela prática reiterada de atividades que exigem esforço físico e pela demasiada exposição a raios solares poderão servir como indício material da ocorrência de determinado fato ou da existência de determinada situação/condição. 7.10.6 Comprovação do trabalho rural e exigência de prova material É bem difundida a percepção de que os trabalhadores rurais, especialmente os boias-frias, têm sobremaneira dificultada a tarefa de atender à exigência de comprovação de tempo de serviço/contribuição mediante um início da prova material, dada as particularidades em que exercida a profissão. De todo modo, o enunciado da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário” (DJ 18.12.1995). Por outro lado, essa mesma Corte de Justiça, de acordo com a sistemática de recurso repetitivo, expressou que a aludida Súmula 149 se aplica igualmente aos trabalhadores rurais boias-frias: [...] Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boiasfrias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias- frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados⁷⁶⁴. Em suma, segundo orientação definitiva do STJ, exige-se prova material para comprovação de tempo de serviço ou contribuição, sendo que essa exigência alcança a atividade rural, incluindo-se a do trabalhador boia-fria, safrista, volante ou diarista. De todo modo, em face da “inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino”, é suficiente a prova material somente sobre parte do período objeto de comprovação, desde que complementada por consistente prova testemunhal. Conforme se pode depreender do precedente jurisprudencial cuja ementa se transcreveu acima, a orientação do STJ é no sentido de que “a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal”. Com efeito, uma vez que a prova material é sempre indiciária, necessitando, como regra, ser confortada por prova testemunhal, “para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício” (Súmula 14 da TNU). Nessa mesma perspectiva, definiu o Superior Tribunal de Justiça que “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório” (Súmula 577)⁷⁶⁵. De fato, o que é necessário é a comprovação do trabalho rural pelo período disposto pelos arts. 142 e 143 da Lei 8.213/91, o que não se confunde com demonstração material de trabalho rural em todos os anos do interregno comumente chamado período de carência⁷⁶⁶. Importante precedente do TRF4 assegura o direito de produção de prova testemunhal, ainda que já realizada justificação administrativa pelo INSS: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 17. LABOR RURAL. COMPROVAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROVA TESTEMUNHAL EM JUÍZO. Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário (TRF4 504541862.2016.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, j. aos autos em 13.12.2018). Também se encontra pacificado na jurisprudência que a prova material não precisa estar em nome da pessoa interessada na comprovação do trabalho rural, sendo admissível documentos em nome de outros componentes do grupo familiar. Trata-se da regra geral de aproveitamento dos documentos que indicam a atividade rural, de um componente do grupo familiar, para outros. Nesse sentido, de modo genérico, a título ilustrativo: “Nos termos da consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a qualificação do marido como trabalhador rural é extensível à esposa”⁷⁶⁷. Daí a correção dos termos dispostos pela Súmula 73 do E. TRF da 4ª Região: “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental”. Em igual direção, note-se, encontra-se a Súmula 06 da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs: “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola”. Todavia, consoante orientação firmada pelo STJ, “Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana”⁷⁶⁸. A regra, portanto, é a extensão da prova material para outros componentes do grupo familiar, pois comumente os documentos indicativos da profissão e da natureza da atividade estão apenas em nome de um dos seus membros; via de regra, em nome do proprietário, do produtor rural, do marido ou pai do interessado etc. Mas se esse trabalhador passa a exercer atividade de natureza urbana, não é logicamente possível que a prova materializada eu seu nome ainda se preste como indício do trabalho rural para período de tempo em que passa a ser distinta a sua realidade laboral. E se a prova material não mais serve nem mesmo para a pessoa indicada pelos documentos como trabalhadora rural, dificilmente será aproveitável a outrem. Tem-se, portanto, uma exceção de não aproveitamento dos documentos que indicam a atividade rural, de um componente do grupo familiar, para os demais. Observe-se, contudo, que a prova material do trabalho rural, nesses casos, ainda irradia efeitos e aproveita a terceiros para o tempo anterior ao que o membro do grupo familiar a que ela se refere passa a exercer atividade de natureza urbana. Por outro lado, os dados do caso concreto podem reclamar a desaplicação dessa exceção de não aproveitamento da prova material de trabalho rural em nome do componente do grupo familiar que passa a exercer atividade de outra natureza. É preciso ter em consideração, com efeito, que particularidades do caso concreto podem levar à necessidade de irradiação de efeitos da prova para além do momento da mudança de atividade da pessoa indicada pelos documentos como trabalhadora rural. Imagine-se, simplesmente, que os componentes do grupo familiar que permanecem na lavoura podem prosseguir utilizando o bloco de produtor rural que se encontra em nome do ex-rurícola ou permanecer explorando o imóvel rural que se encontra em nome deste. É razoável concluir-se que, nesses casos, é justificável a continuidade de aproveitamento da prova material para os trabalhadores que persistem exercendo atividade campesina. Portanto, em situações como essas, não deve ser aplicada a referida exceção de não aproveitamento, já que resta contextualizada a dinâmica própria do grupo familiar a apontar para a possibilidade lógica da continuidade de extensão da prova material. Por outro lado, o período compreendido entre documentos que indicam a profissão do segurado como sendo a de trabalhador rural conduz, em regra, à presunção da continuidade do estado anterior. Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual “presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta”. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que “só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio”⁷⁶⁹. Assim, por exemplo, se o segurado apresenta em juízo documentos indicativos do trabalho na lavoura referentes aos anos de 1965, 1969 e 1973, é possível a presunção de que no período entre 1965 a 1973 ele se encontrava exercendo atividade rural, aplicando-se o princípio da presunção de conservação do estado anterior, e com muito mais razão quando se lembra que o juiz, baseado em coisas ou atos que geralmente acontecem ou se realizam, delas pode tirar a verdade do caso sub judice (CPC/2015, art. 375; CPC/1973, art. 335)⁷⁷⁰. Mas se é correto dizer que a informalidade em que se desenvolve o trabalho rural diminui drasticamente as possibilidades de se comprovar a atividade por meio de prova documental, não menos acertado parece afirmar que a exigência de prova material, entendida como devida – nos termos da Súmula 149/STJ⁷⁷¹ – pode ser ela atendida mediante identificação de vestígios deixados no corpo humano pelo exercício de tais atividades, por exemplo, a calosidade das mãos, o enegrecer da pele pela exposição ao sol etc. Se a prova material do crime de lesões corporais é o laudo de exame de lesões corporais, a prova material do trabalho rural de anos pode ser aferida por sinais típicos, a serem identificados por prova técnica, se necessário. Na ausência de prova técnica a respeito (investigação técnica sobre a existência de indícios materiais tidos como típicos dos trabalhadores rurais), ao juiz é dado, segundo as regras de experiência tiradas do que ordinariamente acontece (CPC/2015, art. 375; CPC/1973, art. 335), identificar vestígios característicos apresentados pelos trabalhadores rurais, isto é, identificar a existência de prova material do exercício de atividade rural. É certo que isso será possível destacadamente nos casos em que não se deu a cessação do trabalho ou em que esta se tenha operado em passado recente. Por outro lado, se a afirmação de pessoa, embora consciente, não é destinada a fazer fé da verdade dos fatos por ela afirmados, não se tratará de prova pessoal, mas de prova real, cumprindo acrescentar, ainda com o mestre italiano, que “não se pode considerar como destinada a fazer fé da verdade dos fatos por ela afirmados, quando (a palavra consciente) se apresenta não como uma simples revelação do espírito interno, mas como uma forma de concretização da realidade”⁷⁷². Assim, a palavra consciente ou a informação prestada por uma pessoa constituirá prova real quando não se apresente como simples revelação destinada a fazer fé da verdade dos fatos, mas como uma ação externa e material que se exterioriza em forma de palavra fônica ou escrita. De modo distinto, o escrito que se destina a fazer fé da verdade de um fato guarda a natureza de uma prova pessoal, pois, seguindo mais uma vez o ensinamento de Malatesta: Existem formas de afirmação de pessoa, que se destacam materialmente da pessoa que afirma, ficando moralmente ligadas a ela: o escrito, como declaração consciente, encarna em si a afirmação de uma pessoa, mesmo depois de separado da pessoa física que afirma. Por isso, sempre que o escrito é uma manifestação consciente pessoal, destinada a fazer fé dos fatos nele afirmados, é sempre uma prova pessoal, mesmo que a pessoa física não compareça em juízo. O juiz, neste caso, por detrás da materialidade do escrito, verá sempre a pessoa moral do que afirma e sempre como consciente declaração da pessoa, o escrito terá força de prova em seu espírito⁷⁷³. É por essa razão que as declarações de prestação de serviço – firmadas, por exemplo, por ex-empregadores ou por dirigentes de sindicatos de trabalhadores rurais – não guardam a natureza de prova material, mas de prova pessoal⁷⁷⁴. Manifestando-se por meio dos documentos, as declarações destinadas a fazer fé de determinado fato, embora sejam classificadas como prova documental, não constituem prova material, mas pessoal⁷⁷⁵. Nos termos da regra contida no art. 219 do Código Civil de 2002 (CC/1916, art. 131) e igualmente no art. 408 do Novo Código de Processo Civil, “as declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário” (CPC/1973, art. 368). Mas, de acordo com o parágrafo único deste mesmo artigo: “Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua verdade o ônus de provar o fato”. Se a declaração se der por instrumento público, ainda assim não comprovará o fato afirmado, pois “O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença” (CPC/2015, art. 405; CPC/1973, art. 364). Ainda nesse sentido, expõe-se o pensamento de que uma certidão do cartório eleitoral dando conta da qualificação profissional do eleitor ou uma certidão de secretaria de educação municipal, informando a frequência a curso escolar, ao contrário do que se comumente pensa, consubstanciam prova pessoal, visto que o fato é afirmado documentalmente por uma pessoa. É certo que a certidão de um órgão público, como todo ato administrativo, goza de presunção de legitimidade. Mas a informação chega ao juiz por uma pessoa e não como vestígio de um fato histórico. A rigor, apenas o dado arquivado que se encontra materializado na repartição pública (livros de registro, históricos escolares, formulários de inscrição para obtenção de documento público), de que se valeu o servidor para a prestação de informação, é que apresenta a natureza de prova material. Se alguém afirma ao magistrado a existência de um fato com base em um vestígio material, esta afirmação de pessoa jamais pode ser tida como prova material, quanto menos quando não contemporânea à circunstância fática que se pretende demonstrar. De outra parte, “a fotografia do segurado no exercício de sua profissão, contemporânea ao período controverso, serve como início de prova material, suficiente à complementação de prova testemunhal” (TRF4 AC 2000.04. 01.057253-3, Rel. Des. Néfi Cordeiro, Sexta Turma, DJ 21.08.2002, grifo nosso). Isso porque “constitui início de prova material qualquer documento, inclusive fotografia, que evidencie a verossimilhança do trabalho do segurado no período postulado” (TRF4 AC 2000.04.01.088972-3/RS, Rel. Des. Rômulo Pizzolatti, Quinta Turma, DJ 21.08.2002, grifo nosso)⁷⁷⁶. Os registros fotográficos devem servir como início de prova material também para a comprovação de união estável ou dependência econômica, sendo sempre necessário recordar que a prova material é indiciária por definição, de modo que a prova testemunhal ainda ocupará relevante papel na formação do convencimento do órgão jurisdicional chamado a solucionar o problema concreto. Se o recurso à fotografia pode ser compreendido como certa dificuldade da pessoa em atender a condicionante de prova material, parece desproporcional a exigência de que seja acompanhada do respectivo negativo para que seja reconhecida como elemento material. A exigência dos negativos, além de não mais fazer sentido na era das câmeras digitais, dizia mais com a idoneidade ou autenticidade do documento do que propriamente com sua tipificação como prova material. De qualquer sorte, para que seja reconhecida como prova material, a fotografia deve ser interpretada ou traduzida por prova pessoal. Quando a prova testemunhal logra apontar o significado da imagem levada ao processo e isso ocorre de modo compatível com os esclarecimentos oferecidos pela parte autora, aperfeiçoa-se a eficácia indiciária da fotografia, isto é, compreende-se o que ela está a indicar. Em outras palavras, não guarda qualquer relevância para a formação do convencimento do juiz a existência de documentos fotográficos cuja pertinência ao fato que se pretende comprovar não é esclarecida ou confortada por prova pessoal. De todo modo, é sempre importante lembrar que a insuficiência de prova do exercício de atividade rural, para fins de concessão de aposentadoria por idade rural, importa na extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial⁷⁷⁷. 7.10.7 Classificação das provas – sinopse 1) Quanto à relação da prova com o fato principal a comprovar PROVAS DIRETAS Refere-se imediatamente ao fato principal. PROVAS INDIRETAS Refere-se a fato tão ligado ao principal que 2) Quanto à fonte de informação da prova PROVA PESSOAL Aquela fornecida por um ser humano; a prov PROVA REAL A afirmação do fato se deduz de uma coisa; 3) Quanto à forma de exteriorização da afirmação PROVA TESTEMUNHAL A informação do conhecimento humano (pro PROVA DOCUMENTAL Se é a informação do conhecimento humano PROVA MATERIAL A afirmação da coisa se exterioriza “pela ma 4) Quanto à produção designada para fim judicial PROVA CASUAL É produzida por causa própria desvinculada PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA Produzida com a finalidade específica de inf 7.10.8 Prova material – eficácia probante e presunções Se o “fundamento da credibilidade da prova pessoal encontra-se na presunção da veracidade das pessoas, isto é, na presunção de que as pessoas não se enganem e nem queiram enganar”, o “fundamento da credibilidade das provas reais é presunção da verdade das coisas, que se funda na crença de que as coisas sejam ordinariamente tais como parecem ser e não se encontrem falsificadas pela manobra maliciosa do ser humano”⁷⁷⁸. Como a prova real carrega maior carga de espontaneidade, porque, em princípio, retrata um acontecimento desvinculado de qualquer disputa judicial, o peso que se lhe confere é, de fato, distinto da prova pessoal⁷⁷⁹. Mas é necessário apontar que a prova material pode-se apresentar ao magistrado com diferentes graus de eficácia probante, sendo tanto mais forte a prova material quanto mais esteja próxima do fato que se pretenda comprovar. De início, cabe a ponderação de que a prova material não será jamais uma prova plena⁷⁸⁰. É sempre indiciária. Sempre indicará um fato mais ou menos próximo do fato principal que se deseja comprovar, reclamando um ou mais juízos de presunção⁷⁸¹. É que a prova material, sendo vestígio de um acontecimento, é sempre indireta e se apresenta ao juiz como indício de que determinado fato aconteceu. Sob esta perspectiva, é desarrazoada a asserção de que o documento em nome de outro membro do grupo familiar não se presta como prova material do exercício de atividade rural para outro. É evidente, por exemplo, que se há prova documental no sentido de que o cônjuge da pretendente ao benefício é qualificado como lavrador, muito provavelmente ele exercia tal profissão ao tempo da confecção do referido documento. Se muito provavelmente esta pessoa exercia atividade rural, pode-se presumir, segundo o que ordinariamente acontece, que a mulher também desempenhava atividade rural àquele tempo. Nessa perspectiva, não é importante se o trabalho rural do marido era realizado em regime de economia familiar ou na condição de trabalhador diarista, volante ou boia-fria. Isso porque a prova material da condição de lavrador do marido certamente indica a vocação rural não apenas deste, mas também de sua esposa⁷⁸². Podemos até admitir, para argumentar, que a eficácia probatória do documento não seja a mesma ou, em outras palavras, que o indício é mais frágil. Mas é inegável que o documento em nome do marido servirá também para indicar o desempenho de trabalho rural da esposa, seja ou não a atividade desempenhada em regime de economia familiar⁷⁸³. A prova material é indiciária – e não prova plena – porque ela demonstra a existência de um fato relativamente próximo daquele que se deseja ter por comprovado em juízo⁷⁸⁴. Tomemos um exemplo: na comprovação do exercício de atividade rural, é muito comum a adoção de documentos emitidos ao tempo do exercício da atividade que qualifiquem o segurado como lavrador. Esses documentos não provam a condição de lavrador, mas sugerem o fato, trazem a presunção de sua ocorrência, presunção esta que será confortada ou robustecida por outros meios de prova (inspeção judicial ou prova testemunhal, por exemplo). Tanto mais forte será a presunção quanto mais próxima a prova material estiver da afirmação do fato que se deseja evidenciar. Da mesma forma, a prova material que indica o fato apenas mediante diversos juízos de possibilidades é frágil e seu peso na formação do convencimento decresce na medida em que, do fato que afirma àquele que se deseja comprovar, vão se abrindo diversas possibilidades de presunção diante do magistrado. Vamos prosseguir ilustrando. É forte a presunção de que o segurado que se identificou como lavrador ao tempo de seu alistamento militar efetivamente estivesse, naquele período de tempo, desempenhando atividades rurais. Há a possibilidade de ter um equívoco ou falsidade na declaração da atividade profissional, mas se presume o ordinário e então essa prova material é forte. Será frágil a prova material destinada a demonstrar o exercício de atividade rural que apenas demonstra que o genitor do suposto trabalhador rural foi proprietário de imóvel rural, pois deste fato comprovado (propriedade de imóvel rural pelo pai) ao que se deseja comprovar (exercício da atividade rural pelo filho) segue um rol de possibilidades: o filho não foi criado com o pai; o pai era proprietário rural, mas residia no meio urbano; o pai residia no meio rural, mas o filho no meio urbano; o pai e o filho residiam no meio rural, mas não dependiam apenas da exploração do imóvel; o pai e o filho residiam no meio rural, mas o filho não auxiliava o pai na lavoura, porque estudava ou porque havia contratação de empregado; o filho auxiliava o pai, mas havia ainda assim contratação de mão de obra permanente; o filho auxiliava o pai na lavoura, em regime de economia familiar; o filho residiu com o pai até determinada idade e depois migrou para a cidade etc. Quanto maior a diversidade de possibilidades, menor é o espaço para presunção da ocorrência do fato que se deseja comprovar em juízo, pois este consiste em apenas uma dentre tantas hipóteses fáticas que podem estar representadas por este indício ou vestígio que é a prova material. É no conjunto de elementos materiais, analisado a partir das luzes do que ordinariamente acontece, que as hipóteses extraordinárias ou absurdas se calam, abrindo espaço para que a presunção de um determinado fato possa ser elaborada sem leviandade. Note-se que possibilitaria o exercício de presunção de exploração da atividade rural pelo segurado e sua família a apresentação de documentos, em nome de seus genitores e irmãos, apontando para a sua condição de lavrador, algo, enfim, que permita ao magistrado perceber, em um contexto histórico distante no tempo, a vocação rural da família. Costumeiramente, a pessoa o que pretende reconhecimento de tempo de serviço rural colaciona aos autos, dependendo do caso, evidentemente, documentos em nome próprio, como dispensa de serviço militar, título de eleitor, histórico escolar, devendo ser pelo menos apontada, pelo interessado, eventual impossibilidade de obtenção de tais documentos. A falta da prova material para um longo lapso temporal faz com que o sucesso da demanda, quanto à comprovação do tempo de serviço rural, dependa sobremaneira da prova testemunhal, com as deficiências que esta implica especialmente em face do longo tempo percorrido desde a data da realização do fato que se pretende comprovar⁷⁸⁵. Da mesma forma, ainda a título ilustrativo, se o segurado se apresentou como lavrador quando de seu alistamento militar, muito provavelmente desenvolvia esta atividade naquele determinado período. Chega-se a este pensamento por um juízo de presunção, pelo que ordinariamente acontece. Isto é, o ordinário ou o que se pode presumir é que a pessoa de fato informa a sua profissão quando lhe é indagada acerca desta circunstância. Por um outro juízo de presunção, ainda elaborado de acordo com o que ordinariamente acontece, pode-se afirmar que o exercício de tal atividade não se iniciou no dia em que a pessoa especificou sua qualificação profissional. E aí outros raciocínios lógicos, inspirados por regras de experiência, autorizam a presunção de que a atividade campesina era exercida pelo menos a partir dos 12 anos de idade, como tem fixado a jurisprudência. Não que não possa ser considerado o trabalho anterior, mas se convencionou, de modo razoável a nosso ver, que a partir dos 12 anos de idade o trabalho do menor pode ser considerado significativo. Para que se transite seguramente pelo caminho das presunções a que nos referimos acima, é importante a existência de outros elementos materiais. Ocorre que, por ironia das coisas desse mundo, quanto mais recursos tem uma pessoa, em regra mais farto será o conjunto probatório para a demonstração da atividade rural. Isso ocorre por algumas razões: a) o pai será um proprietário rural e então a prova do título sobre o imóvel já servirá como indício da atividade rural do filho, pelo que ordinariamente acontece (os filhos ajudarem o pai em regime de economia familiar); b) pelas condições econômicas ao tempo da demanda judicial, o interessado detém mais condições de se deslocar na busca de elementos probatórios materiais; c) pelas condições econômicas pode contratar um profissional para providenciar a documentação necessária, até mesmo um advogado. De modo distinto, quanto mais carente o ex-rurícola, mais dificilmente fará prova do exercício da atividade rural, como nos casos em que a família do autor não era proprietária de imóvel rural, nem arrendatária, nem parceira etc. Mas a circunstância do segurado ter sido boia-fria e hoje exercer determinada profissão que não exija maior qualificação técnica ou formação educacional nos leva a pensar que o seu pedido de aposentadoria talvez não apresente um acervo probatório como poderia ou deveria. Mas isso pode ser levado em conta quando do julgamento, bem medindo o grau de rigor que se deve emitir na formação do convencimento do magistrado. Pretendemos dizer com isso que mesmo um parco acervo de prova material pode-se prestar como lastro à comprovação de tempo de serviço ou contribuição, quando se conclui que em casos similares também será observada a dificuldade para apresentação de documentos comprobatórios (na verdade, indicativos) do exercício da atividade. Isso porque a prova testemunhal, como referido alhures, não pode ser desprezada. Uma coisa é dizer que se exige um início de prova material para a comprovação do tempo de serviço e que é vedada a produção de prova exclusivamente testemunhal. Outra, bastante distinta, é simplesmente se ignorar a prova testemunhal ou dedicar-se à tarefa do garimpo das pequenas contradições. Se a prova testemunhal é idônea, de conteúdo uniforme, produzida em juízo sob o crivo do contraditório e não foi impugnada pela entidade previdenciária sob qualquer perspectiva, não pode simplesmente ser descartada, sob pena de cerceamento de defesa, pena de violação do devido processo legal. É que se o teor da prova testemunhal já não vale nada, porque em outros feitos algumas testemunhas titubeiam, defendem o segurado contra o inimigo imaginário Estado ou mesmo faltam com a verdade, então, a rigor, a produção de prova testemunhal é simples forma, é um ato burocrático despido de real finalidade, é uma perda de tempo para todos, para as testemunhas, inclusive. Para o segurado, uma falsa expectativa. Para o juiz, um faz-de-conta. O desprezo injustificado da prova testemunhal implica denegação do direito de produzir prova lícita; representa, ainda, a adoção de uma espécie de “ditadura das provas”, segundo a qual se empresta peso unicamente aos documentos e na medida de sua existência, relegando para o último plano o que quer que possam dizer as pessoas e por mais que estas tenham sido avaliadas positivamente pelo magistrado na formação de seu livre convencimento. Opera-se, com isso, uma inversão do postulado, presumindo-se a má-fé das pessoas. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização vem orientando que “o início de prova material da condição de segurado não precisa estar contido necessariamente no período de carência, se complementado e ratificado com prova oral envolvendo o mencionado período” (Processo 2007.70.95.006091-1, Relª. Juíza Federal Rosana Noya Weibel Kaufmann, j. 28.05.2009)⁷⁸⁶. Não se deve esquecer, por outro lado, a importância da participação do magistrado prolator da decisão na produção de prova testemunhal, pois no “contato pessoal com as partes e testemunhas, o juiz pode conhecer as características que compõem a verdade, que muitas vezes se manifestaram na fisionomia, no tom da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções, na simplicidade da inocência e no embaraço da má-fé”⁷⁸⁷. 7.10.9 Abrandamento da exigência de prova material e rigor na análise dos fatos Na sensível disciplina do direito previdenciário, a comprovação de tempo de serviço (contribuição) é um ponto nuclear e depende, por disposição legal, da existência de um início de prova material, salvo na ocorrência de caso fortuito ou de força maior. Também a união estável e a dependência econômica representam categorias jusprevidenciárias importantes para a concessão dos benefícios de pensão por morte ou auxílio-reclusão. De maneira proposital, o presente capítulo centrou sua atenção à temática da prova material, pretendendo ligá-la, a todo tempo, à práxis previdenciária. Quanto mais conhecemos da realidade, quanto mais experiência se adquire acerca do que é ordinário acontecer, mais podemos presumir – nos termos do art. 375 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 335). Quando a realidade do outro é distante do gabinete do órgão judicial chamado a decidir e se revela, na sua maior intensidade, como uma foto ilustrada na mente do intérprete, como um conto ligeiro; quando se sabe pouco e tampouco se procura conhecer, aí então a experiência encontra sérios limites e, por consequência, todas as presunções que dela se poderiam extrair. Com muito se presume pouco e a certeza oferecida pelos documentos, e só ela, e somente quando ela neles existir, é que moverá a pena ao reconhecimento de determinado fato. A prova material, ainda que ofereça apenas uma via para presunções, goza de alta credibilidade por sua natureza casual e por sua contemporaneidade e na justa medida em que se percebe que, de fato, originou-se espontaneamente (tão espontaneamente quanto um vestígio), de uma só vez ou aos poucos, mas sempre contemporaneamente (tão contemporaneamente quanto um vestígio) ao fato que afirma, ao fato cuja existência sugere. Por tal razão, a prova material, como qualquer elemento de prova, é um aliado da parte na comprovação do fato constitutivo de seu direito. Dizer que a comprovação de determinada circunstância fática prescinde de um início de prova material (por exemplo, a união estável ou a dependência econômica) não implica reconhecer que a tarefa da parte resta facilitada. Na verdade, a tarefa é uma e sempre a mesma: o convencimento do magistrado, esta é a tarefa. Exigência legal ou não, o que se trata é de levar aos autos elementos de prova hábeis a formar o convencimento do juiz e a demonstrar que a parte cumpre os requisitos para a obtenção da prestação previdenciária pretendida. E para essa tarefa, a prova material, por seu elevado quilate de credibilidade, isto é, pela segurança que costuma incutir, pela sua contemporaneidade, pela sua espontaneidade e pelo indício descomprometido que oferece, será sempre uma aliada na compreensão dos fatos, um instrumento de apoio de que vai se valer o magistrado para a decisão da causa. Por essa razão talvez não digam tudo os precedentes jurisprudenciais que excepcionalmente dispensavam a apresentação de prova material para a comprovação do tempo de contribuição do trabalhador rural boia-fria ou do empregado doméstico⁷⁸⁸. Isso porque o magistrado pode muito bem pautar-se de acordo com este entendimento jurisprudencial, mas decidir pela improcedência do pedido sob o fundamento de que não reputa caracterizado o exercício de atividade rural a partir da prova exclusivamente testemunhal ou diante do acervo probatório verificado nos autos. O que essa jurisprudência parece desejar referir⁷⁸⁹ é a necessidade de um abrandamento ou temperamento dessa exigência de prova material quando se está diante de um trabalhador rural ou de uma pessoa hipossuficiente⁷⁹⁰. Mais do que isso, essa jurisprudência parece sinalizar que o juiz não deve buscar a certeza do fato previdenciário, mas interpretar os fatos com espírito humanitário, abrindo espaço para aplicação do princípio in dubio pro misero em vez de uma prova matemática (insofismável) do fato constitutivo do direito previdenciário⁷⁹¹. De nada adianta o magistrado mitigar a exigência de prova material, mas persistir no exame da questão de fato (valoração da prova) com rigor, especialmente quando ela envolve direito de trabalhadores rurais e outras pessoas que exerceram suas atividades em conhecida situação de informalidade e em momento distante no tempo. 7.10.10 Comprovação da atividade rural do segurado especial pelo CNIS O segurado especial constitui figura originariamente idealizada pelo constituinte de 1988, que ao desenhar o sistema de financiamento da Seguridade Social, estabeleceu que o produtor rural⁷⁹², bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes⁷⁹³, contribuiriam para a Seguridade Social, mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção, fazendo jus a benefício nos termos da lei (CF/88, art. 195, § 8º). O segurado especial é, por lei, considerado segurado obrigatório do RGPS (Lei 8.213/91, art. 11, VII). Por força da disposição constitucional acima ventilada, ele possui um diferenciado regime contributivo, tal como foi disposto pelo art. 25 da Lei 8.212/91. De acordo com esta norma de custeio, o segurado especial é obrigado a contribuir com base em alíquota incidente sobre o resultado da comercialização – se houver comercialização da produção, por evidente –, sendo-lhe ainda facultado recolher contribuições na forma estabelecida para o segurado contribuinte individual (Lei 8.212/91, art. 25, I, II e § 1º). Da perspectiva da proteção previdenciária, a Lei 8.213/91, em seu art. 39, garante ao segurado especial o acesso a vários benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, mediante comprovação de determinado tempo de exercício de atividade rural⁷⁹⁴, Não se exige, para tanto, comprovação do recolhimento de contribuições. Com efeito, para a concessão dos benefícios do art. 39, I, da Lei 8.213/91, o que se demanda é a comprovação do exercício de atividade rural. É importante lembrar que mesmo diante da inexistência de comercialização da produção – e, por conseguinte, mesmo na ausência de recolhimento da contribuição previdenciária – é devida a concessão dos benefícios devidos ao segurado especial. Isso porque a concessão das aludidas prestações previdenciárias é condicionada unicamente à comprovação do “exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido” (Lei 8.213/91, art. 39). Sucede que, em face da possibilidade de o segurado especial fazer jus a benefícios independentemente da comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias ou ainda que jamais tenha promovido recolhimento de contribuições (imagine-se o caso muito comum de trabalho destinado à estrita subsistência do grupo familiar), a questão relativa ao cadastramento desses trabalhadores ganha maior relevo. Com efeito, por consistir em uma forma de identificação dos trabalhadores que se caracterizam como segurados especiais, os quais não possuem inscrição formal e tampouco são encontrados nos bancos de dados da Previdência Social, o cadastramento dos segurados especiais se afigura como importante ferramenta para controle da fidedignidade das informações declaradas em processo administrativo de concessão de benefício, tanto quanto para o diagnóstico, o planejamento e a formulação de políticas públicas para as populações rurais. Caracteriza-se como segurado especial a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, assuma a condição de ⁷⁹⁵: a) produtor – seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais –, explorando atividade: • agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais ⁷⁹⁶; • de seringueiro ou extrativista vegetal que façam dessas atividades o principal meio de vida ⁷⁹⁷; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, dos segurados acima mencionados, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. Mais precisamente, para serem considerados segurados especiais, esses componentes do grupo familiar do produtor ou do pescador artesanal “deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar” ⁷⁹⁸. A pretensão normativa de uma identificação nacional de segurados especiais não consubstancia algo novo, podendo ser verificada já em 1994, quando a Lei 8.870/94, dando nova redação ao art. 106 da Lei 8.213/91, passaria a exigir, para comprovação do exercício de atividade rural, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição (CIC) ⁷⁹⁹. De todo modo, a legislação ressalvava a possibilidade de comprovação da atividade rural nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, admitindo-se como prova material um rol de documentos enumerados nos incisos do art. 106 do mesmo diploma legal. A previsão específica de um cadastramento nacional de segurados especiais surgiu com o advento da Lei 11.718/2008, que acrescentou o art. 38-A à Lei 8.213/91, mas que não gerou impacto significativo quanto aos procedimentos para análise e reconhecimento da atividade rural ⁸⁰⁰. Já a Lei 13.134/2015 manteve a previsão do cadastro dos segurados especiais, mas revogou a parte do dispositivo normativo que dispensava a comprovação documental do trabalho rural, de modo que, em caso de divergência nas informações cadastrais, seria ainda exigível a comprovação da atividade. Esse diploma legal, acrescentando o art. 38-B à Lei 8.213/91, estabeleceu que o INSS utilizaria as informações do cadastro para comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial ⁸⁰¹. Atualmente, a previsão de cadastramento dos segurados especiais se encontra disciplinada pelos arts. 38-A e 38-B da Lei 8.213/91, que foram mais recentemente atualizados pela Lei 13.846/2019. Essa novel legislação dispôs que o Ministério da Economia manterá cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, observando-se, para tanto, as disposições relativas à inscrição do segurado especial no Regime Geral da Previdência Social – RGPS, que se encontram no art. 17, §§ 4º e 5º, da Lei 8.213/91 ⁸⁰². Para a consecução desse verdadeiro desafio de cadastramento de todos os segurados especiais em nosso País, o Ministério da Economia poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro ⁸⁰³. A atualização do cadastro persiste sendo anual, tal como estabelecido pela Lei 11.718/2008, mas agora há prazo fixado em lei para que seja realizada. Nos termos do § 4º do art. 38A, a atualização será feita até 30 de junho do ano subsequente. Decorrido o prazo de cinco anos, o segurado especial só poderá computar o período de trabalho rural, se houver efetuado, em época própria, o recolhimento na forma prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, que trata da contribuição previdenciária do segurado especial (art. 38-B, § 6º) ⁸⁰⁴. Consoante a Lei 13.846/2019, a partir do ano de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial deveria ocorrer, exclusivamente, a partir das informações cadastrais, como se pode verificar do que estabeleceu o art. 38-B, § 1º, da Lei 8.213/91: Art. 38-B. O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar. (Incluído pela Lei n. 13.134, de 2015) § 1º A partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.846, de 2019) Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial pode comprovar a atividade por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, na forma do regulamento, como se pode verificar: § 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento. É importante notar que o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/1999, ainda não disciplinou a comprovação do trabalho rural do segurado especial por meio da aludida autodeclaração, nem mesmo com a atualização geral que foi promovida pelo Decreto 10.410/2020 ⁸⁰⁵. Conforme o art. art. 38-B, § 2º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, previu-se que, para o período anterior a 01.01.2023, o segurado especial comprovaria o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, nos termos do disposto no art. 13 da Lei n. 12.188, de 11.01.2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento ⁸⁰⁶. Por outro lado, as dificuldades históricas para a conformação de um cadastro nacional de segurados especiais não passaram despercebida pelo constituinte derivado, havendo sido prorrogado o prazo então estabelecido pelo legislador (01.01.2023), na forma disposta pelo art. 25, § 1º, da EC 103/2019, como se verifica: Art. 25. (omissis) § 1º Para fins de comprovação de atividade rural exercida até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, o prazo de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 38-B da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, será prorrogado até a data em que o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) atingir a cobertura mínima de 50% (cinquenta por cento) dos trabalhadores de que trata o § 8º do art. 195 da Constituição Federal, apurada conforme quantitativo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Nesse contexto normativo, em 13.09.2019 foi editado o Ofício-Circular 46/DIRBEN/INSS, oferecendo orientações e novos procedimentos para análise da comprovação da atividade de segurado especial e computo dos períodos em benefícios para período anterior a 01.01.2023 ⁸⁰⁷. Segundo esse expediente, para a obtenção de qualquer benefício, a atividade na condição de segurado especial, independentemente do momento de sua realização, será comprovada por meio de autodeclaração ratificada pelo Pronater ou por bases governamentais ⁸⁰⁸. No caso de impossibilidade de ratificação do período constante na autodeclaração com as informações obtidas a partir do Pronater ou das bases governamentais, esta poderá ser feita a partir dos documentos previstos no art. 106 da Lei 8.213/91, na forma do art. 38-B, § 2º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019 ⁸⁰⁹. O mesmo expediente expõe que, desde 09.08.2017, “não é mais realizada a comprovação da atividade de SE por meio de entrevista rural, assim como não devem ser tomados depoimentos com parceiros, confrontantes, colaboradores, vizinhos ou outros”. São também disciplinados pelo Ofício-Circular 46 a forma de preenchimento da autodeclaração, o modo de ratificação e a eficácia temporal dos instrumentos ratificadores (base governamental ou documento previsto no art. 106 da Lei 8.213/91). Certamente que as informações cadastrais oferecem maior segurança jurídica, tanto para a Previdência Social como para os segurados, pois se trata, pode-se dizer, de uma validação da condição ou comprovação do trabalho rural contemporaneamente ao exercício da atividade. Isso evita que apenas no ocaso da vida produtiva do segurado, quando do requerimento administrativo de aposentadoria por idade, por exemplo, se defina se ele era ou não segurado especial. De qualquer sorte, a primazia da realidade sobre a forma impõe a percepção da possibilidade de se comprovar a condição de segurado especial e do trabalho rural por qualquer meio probatório, observada a exigência de prova material. Com efeito, ainda que o Ofício-Circular 46/DIRBEN/INSS vincule os procedimentos e atuações do INSS, não pode restringir os meios probatórios para a comprovação da atividade rural, pelo segurado, em juízo. Dado que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF/88, art. 5º, LV), o direito à produção de prova lícita deriva da garantia constitucional do devido processo legal, do direito constitucional à ampla defesa e igualmente do direito fundamental de acesso à justiça. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso (CPC, art. 442), sendo que as disposições normativas que estabelecem o sistema de cadastro dos segurados especiais no CNIS (Lei 8.213/91, arts. 38-A e 38B) não configuram hipótese legal de dispensa ou de vedação de produção dessa modalidade probatória, especialmente nos casos em que o ente previdenciário não reconhece o exercício da atividade rural como segurado especial. Observe-se, nesse sentido, o que já expressou o Superior Tribunal de Justiça quando se encontrava em vigor disposição normativa que impunha aos segurados especiais a apresentação de carteira de identificação: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. RAZOÁVEL PROVA MATERIAL E TESTEMUNHAL. CARTEIRA DE IDENTIFICAÇÃO E CONTRIBUIÇÃO. DESNECESSIDADE DE SUA APRESENTAÇÃO. 1. Decorrendo a filiação à Previdência Social do exercício de atividade remunerada, urbana ou rural, a apresentação da carteira de identificação e contribuição não é indispensável à obtenção da aposentadoria rural por idade. 2. Havendo, nos autos, razoável prova material da atividade agrícola, corroborada por testemunhas, não se pode negar a aposentadoria rural por idade. 3. Recurso não conhecido ⁸¹⁰ (negritou-se). Pode-se depreender, pois, que nem mesmo a regra segundo a qual a “comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro” (Lei 8.213/91, art. 38B, § 1º) poderia implicar a vedação à comprovação da atividade rural mediante “razoável prova material da atividade agrícola, corroborada por testemunhas”. Outrossim, a alteração das exigências para comprovação da atividade de segurado especial – ou eventual supressão de espaço probatório na via administrativa – não autorizaria a ilação de que não mais é necessária ou possível a produção de prova testemunhal no processo judicial de concessão de benefício previdenciário. Colhe-se, ao ensejo, significativo precedente do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, produzido em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, que assegura o direito à produção de prova testemunhal mesmo quando, no âmbito do INSS, houver sido realizada a justificação administrativa: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 17. LABOR RURAL. COMPROVAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROVA TESTEMUNHAL EM JUÍZO. Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário ⁸¹¹. No mesmo sentido já havia decidido o mesmo Tribunal Regional Federal: A partir do momento em que a parte autora optou por buscar judicialmente o reconhecimento de seu direito à benesse previdenciária, toda a discussão acerca da existência, ou não, do direito ao benefício transferiu-se para o âmbito judicial, no qual estão garantidos os princípios do contraditório e da ampla defesa. Despicienda, portanto, a produção de qualquer prova na via administrativa, já que esta poderá vir a ser repetida em juízo posteriormente ⁸¹². O indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal para, ato contínuo, negar o reconhecimento do período indicado em razão da fragilidade de prova oral produzida administrativamente – sem a observância de contraditório amplo – resulta em evidente cerceamento de defesa, pois obsta à parte a devida comprovação do direito postulado ⁸¹³. Dessa forma, se administrativamente não é reconhecido o trabalho rural a partir do cadastro de segurados especiais ou pela autodeclaração com a devida ratificação, deve ser garantido aos segurados o direito de ter produzida prova testemunhal segundo o crivo do contraditório. Mutatis mutandis, essa foi a orientação da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento da Pet 7115. Neste precedente, pode-se dizer, reafirmou-se uma premissa geral de que, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, as normas devem ser interpretadas de forma a proteger, não o dado cadastral (a forma), mas o segurado. Dessa forma, esse registro não deve ser considerado o único meio de prova da condição segurado especial (a substância), “especialmente considerando que, em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas”. Assim, o cadastro atualizado sempre poderá ser suprido quando for comprovada a condição de segurado especial por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal ⁸¹⁴. Deveras, se não é exigida a inscrição do segurado empregado, trabalhador avulso ou doméstico, como condição para acesso à proteção previdenciária, inexistiria razão para se impor essa exigência aos segurados especiais, destacadamente em função da informalidade com que é exercida a atividade rural e da hipossuficiência informacional dos trabalhadores do campo. De modo distinto, note-se, tem-se como justificável o tratamento normativo conferido aos contribuintes individuais e segurados facultativos, que condiciona o cômputo de carência à inscrição e pagamento da primeira contribuição sem atraso, para início do cômputo do período de carência (Lei 8.213/91, art. 27, II), já que a filiação se aperfeiçoa, para fins de proteção previdenciária desses segurados, com o recolhimento efetivo de contribuições. Já o segurado empregado, trabalhador avulso, empregado doméstico e segurado especial têm assegurado o acesso à proteção previdenciária pela só comprovação do trabalho, já que a contribuição previdenciária devida pelos primeiros tem como responsável tributário o tomador do serviço, ao passo que, em relação ao último, a concessão do benefício é condicionada à comprovação do trabalho rural, na forma do art. 39 da Lei 8.213/91. 584 A. Collin e H. Capitant, Cours élémentaire de droit civil français. 10. ed., por Julliot de La Morandière, n. 718. Apud PERELMAN, Chaïm. Ética e direito, p. 591. 585 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil, p. 86. 586 A possibilidade de produção de provas em segunda instância e sua relação com o princípio da não preclusão do direito previdenciário é tratada no item 2.1.3. 587 Art. 345. “A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 [presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor] se: II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis”. 588 Sob a égide do CPC/1973, dispunha o art. 322 que “contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação”. 589 No sentido de que, tratando-se de pessoa jurídica de direito público, cujos direitos são indisponíveis, a decretação da revelia não induz à produção do efeito de presunção da veracidade dos fatos alegados pelo autor pela ausência de contestação do réu: STJ, REsp 416.816/SP, Segunda Turma, Minª. Eliana Calmon, DJ 29.09.2003; REsp 281.483/RJ, Primeira Turma, Min. Milton Luiz Pereira, DJ 07.10.2002; EDREsp 13.851/SP, Segunda Turma, Min. Antonio Pádua Ribeiro, DJ 09.05.1994; REsp 32.200/SP, Sexta Turma, Min. Adhemar Maciel, DJ 21.02.1994. 590 Art. 15, § 2º. “Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. 591 OLEA, Manuel Alonso; Plaza, José Luis Tortuero. Instituciones de seguridad social. 17. ed. Madrid: Civitas, 2000. p. 197 – tradução livre. 592 Conforme sustenta Carlos Maximiliano, “Quando o texto menciona o gênero, presumem-se incluídas as espécies respectivas”, aplicando-se “a regra geral aos casos especiais, se a lei não determina evidentemente o contrário” MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 342. 593 PEDILEF 200972550043947, Turma Nacional de Uniformização, Relª. Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello, DOU 06.07.2012, Data da Decisão: 27.06.2012. 594 No sentido contrário: “PREVIDENCIÁRIO. PRORROGAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO. DESCABIMENTO NO CASO DO ÚLTIMO VÍNCULO TER CESSADO EM DECORRÊNCIA DE INICIATIVA DO EMPREGADO. RISCO DISPOSTO NO ART. 201, III, DA CF/88. TESE NO SENTIDO DE QUE ‘A PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA PREVISTA NO ART. 15, § 2º, DA LEI 8.213/91 SOMENTE SE APLICA NA HIPÓTESE COMPROVADA DE DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO, NÃO ABRANGENDO, PORTANTO, AS HIPÓTESES DE RESCISÃO POR JUSTA CAUSA E PEDIDO DE DEMISSÃO’. RECURSO DO INSS CONHECIDO E PROVIDO” (TNU, PEDILEF 500655234.2016.4.04.7000/PR, Rel. Juiz Federal Atanair Nasser Ribeiro Lopes, j. 18.09.2020). 595 Nesse sentido: TRF3, Nona Turma, AC 2004.03.99.005222-1, Rel. Juiz Marcus Orione, DJ 27.09.2007; TRF1, Segunda Turma, AC 2001.34.00.33411-7, Relª. Desª. Neuza Maria Alves da Silva, DJ 03.12.2007; TRF2, Segunda Turma Especial, AC 2000.02.01.017166-2, Rel. Juiz Marcelo Pereira da Silva, DJ 29.03.2007. 596 REsp 448.079/RN, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 06.09.2005, DJ 03.10.2005. 597 REsp 817.978/RN, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, j. 26.05.2004, DJ 02.08.2004. 598 Confira-se: “[...] diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, esse dispositivo deve ser interpretado de forma a proteger não o registro da situação de desemprego, mas o segurado desempregado que, por esse motivo, encontra-se impossibilitado de contribuir para a Previdência Social. 4. Dessa forma, esse registro não deve ser tido como o único meio de prova da condição de desempregado do segurado, especialmente considerando que, em âmbito judicial, prevalece o livre convencimento motivado do Juiz e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, o registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprido quando for comprovada tal situação por outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal [...]. 6. A ausência de anotação laboral na CTPS do requerido não é suficiente para comprovar a sua situação de desemprego, já que não afasta a possibilidade do exercício de atividade remunerada na informalidade [...]” (Pet 7.115, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 10.03.2010, DJ 06.04.2010). 599 Nesse sentido, mais recentemente: “A ausência de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá ser suprida quando for comprovada a situação de desemprego por outras provas constantes dos autos. Precedentes” (STJ, AgRg no REsp 1380048/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 06.08.2013, DJe 14.08.2013). 600 Por outro lado, entende a TNU que “a prova da situação de desemprego implica demonstrar não só a ausência de contração de novo vínculo de emprego, mas também a ausência de desempenho de quaisquer outras formas de atividade remunerada, como trabalho autônomo informal. É preciso ficar comprovado que o segurado não exerceu nenhuma atividade remunerada (nem mesmo atividade informal) após a cessação das contribuições” (PEDILEF 200871520008987, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 21.06.2013, p. 105-162, Data da Decisão: 12.06.2013). 601 Nesse sentido: PEDILEF 00011987420114019360, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, DOU 31.05.2013, Data da Decisão: 17.05.2013. 602 Atualmente, expressa o Enunciado 4 do CRPS, em seus itens I e II: “I – A dependência econômica pode ser parcial, devendo, no entanto, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente. II – O recebimento de ajuda econômica ou financeira, sob qualquer forma, ainda que superveniente, poderá caracterizar a dependência econômica parcial, observados os demais elementos de prova no caso concreto” (DOU 12.11.2019, Edição 219, Seção 1, p. 320). 603 A jurisprudência do STF tem orientado, mais recentemente, no sentido de se reconhecer também a condição de dependente do marido não inválido, mesmo para os óbitos anteriores à Constituição de 1988. Nesse sentido, citando jurisprudência: RE 831282 AgRg, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, j. 17.11.2015, DJe 30.11.2015. De todo modo, o Plenário do STF reconheceu repercussão geral na temática e se manifestará definitivamente sobre esse problema jurídico (AI 846973 RG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05.08.2011, DJe 15.09.2011 – Tema 457. O RE 659424 substituiu o paradigma de repercussão geral, em 21.10.2011). 604 Nesse sentido: “O § 4º do art. 16 da Lei 8.213/91 estabelece uma presunção relativa de dependência econômica das pessoas indicadas no inc. I do mesmo dispositivo, e, como tal, pode ser elidida por provas em sentido contrário” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1250619/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 06.12.2012, DJe 17.12.2012). 605 Nesse sentido: “A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que uma vez reconhecida a qualidade de dependente do filho maior inválido, presume-se relativamente a sua dependência econômica, sendo desnecessária a sua demonstração em juízo, sendo possível, todavia, infirmar a referida presunção. Precedentes” (AgInt no AREsp 1064422/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 17.08.2017, DJe 23.08.2017). No mesmo sentido: “3. A discussão posta nesta causa diz respeito ao alcance da presunção a que se refere o § 4º do art. 16 da Lei 8.213/91. Diz a norma que a dependência econômica do cônjuge, companheiro, filho menor de 21 anos ou maior inválido ou ainda que tenha deficiência intelectual ou mental em relação ao segurado instituidor da pensão é presumida. Essa presunção só pode ser a presunção simples, relativa, já que não qualificada pela lei. Não tendo caráter absoluto, é possível à parte contrária, no caso, o INSS, derrubar a mencionada presunção relativa da dependência econômica” (PEDILEF 05005189720114058300, Rel. Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, DOU 06.12.2013 – Representativo da Controvérsia – Tema 114). 606 Atente-se, porém, para precedente do STJ no sentido de que a titularidade de aposentadoria por incapacidade permanente de filho do segurado faz cessar a presunção legal de dependência econômica: “Nas hipóteses em que o filho inválido é titular de benefício de aposentadoria por invalidez, sendo o marco inicial anterior ao óbito da instituidora da pensão, a dependência econômica deve ser comprovada, porque a presunção desta acaba sendo afastada diante da percepção de renda própria” (STJ, AgRg no REsp 1.241.558/PR, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Des. Conv. do TJ/CE), Sexta Turma, j. 14.04.2011, DJe 06.06.2011). Também nesse sentido: “Consoante entendimento firmado pelo Tribunal a quo, não procede o pedido de pensão por morte formulado por filho maior inválido, pois constatada ausência de dependência econômica, diante do fato de ser segurado do INSS e receber aposentadoria por invalidez. 2. Rever esse entendimento, requererá necessariamente o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, vedado em sede de recurso especial a teor da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido [...]” (STJ, AgRg no REsp 1.369.296/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 16.04.2013, DJe 23.04.2013). 607 Nesse sentido, a título ilustrativo: “O STJ tem entendimento consolidado de que a dependência econômica da mãe do segurado falecido, para fins de percepção de pensão por morte, não é presumida, devendo ser demonstrada” (STJ, AgRg no REsp 1.360.758/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 28.05.2013, DJe 03.06.2013). Igualmente nesse sentido: “Além da relação de parentesco, é preciso que os pais comprovem a dependência econômica em relação ao filho, sendo certo que essa não é presumida, isto é, deverá ser corroborada, seja na via administrativa, seja perante o Poder Judiciário, ainda que apenas por meio de prova testemunhal” (STJ, REsp 1.082.631/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 19.03.2013, DJe 26.03.2013). 608 Sem embargo, a Emenda Constitucional 103/2019 parece ter fechado as portas para o menor sob guarda, em termos constitucionais, expressando, em seu art. 23, § 6º, que “Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica” (negritou-se). Por força do princípio tempus regit actum, essa disposição normativa se aplica apenas a casos de óbitos posteriores à sua vigência (13.11.2019). Sobre o direito do menor sob guarda em tempo posterior à vigência da Lei 9.528/97, a jurisprudência do STJ definiu que “O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária” (REsp 1411258, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 11.10.2017, DJe 21.02.2018 – Representativo de Controvérsia – Tema 732). 609 RPS, art. 22, § 3º. “Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, deverão ser apresentados, no mínimo, dois documentos, observado o disposto nos § 6º-A e § 8º do art. 16, e poderão ser aceitos, dentre outros:” (Redação dada pelo Decreto 10.410/2020). 610 Com efeito, nos termos da lei regente, a exigência de prova material se relacionava unicamente à comprovação do tempo de contribuição (Lei 8.213/91, art. 55, § 3º). 611 Lei 8.213/91, art. 16, § 5º. “As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento” (Redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019). 612 Para desenvolvimento da tese de aplicação do princípio tempus regit actum, de modo a se vedar a exigência de prova material para período anterior à vigência da MP 871/2019, veja-se o item 7.4, infra. 613 TRF4, EIAC 2001.04.01.015256-1, Rel. Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Terceira Seção, j. 16.02.2006, DJ 08.03.2006. 614 REsp 720.145/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, j. 12.04.2005, DJ 16.05.2005. Também nesse sentido: “A Terceira Seção deste Superior Tribunal, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, já consolidou entendimento no sentido de que não se exige início de prova material para comprovação da dependência econômica de mãe para com o filho, para fins de obtenção do benefício de pensão por morte” (AgRg no REsp 886.069/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 25.09.2008, DJ 03.11.2008). Ainda nesse sentido: “Consoante a jurisprudência do STJ e desta Corte, não há necessidade de apresentação de início de prova material da dependência econômica em relação ao segurado da Previdência Social, uma vez que o art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91 não estabeleceu tal exigência. Em razão disso, a dependência econômica poderá ser comprovada por meio da prova oral” (TRF4, EINF 0020259-52.2014.4.04.9999, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 29.05.2015). 615 Nesse sentido: “A dependência econômica dos genitores em relação ao filho não necessita ser exclusiva, porém a contribuição financeira deste deve ser substancial o bastante para a subsistência do núcleo familiar, e devidamente comprovada, não sendo mero auxílio financeiro o suficiente para caracterizar tal dependência” (PEDILEF 50449440520144047100, Rel. Juiz Federal Douglas Camarinha Gonzales, DOU 26.08.2016 – Representativo de Controvérsia – Tema 147). 616 ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 05.05.2011, DJe 13.10.2011. 617 Anote-se que, para o cônjuge ou companheiro, a cessação do direito à percepção da cota individual à pensão por morte levará em conta o tempo do casamento ou da união estável. Assim, por exemplo, se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) antes do óbito do segurado, a pensão cessará em 4 (quatro) meses (Lei 8.213/91, art. 77, § 2º, V, “b”, com a redação dada pela Lei 13.135/2015). 618 De acordo com o art. 16, § 6º, do RPS, “Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o disposto no § 1º do art. 1.723 da Lei n. 10.406, de 2002 – Código Civil, desde que comprovado o vínculo na forma estabelecida no § 3º do art. 22. (Redação dada pelo Decreto n. 10.410, de 2020)”. 619 A condição de dependente do companheiro ou da companheira do mesmo sexo foi assegurada pela Portaria MPS 513, de 09.12.2010, com efeitos retroativos a 05.04.1991. Sem embargo, por força da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública n. 2000.71.00.009347-0, desde 07.06.2000 era assegurada tal direito previdenciário, com a edição da Instrução Normativa 25. De todo modo, foi apenas em 09.12.2010, por meio da edição da Portaria MPS 513, que se tornou definitiva a norma jurídica imposta pela determinação judicial. Atualmente, o RPS reconhece como “companheira ou companheiro a pessoa que mantenha união estável com o segurado ou segurada” (art. 16, § 5º, com a redação dada pelo Decreto 10.410/2020), não mais condicionando a união estável àquela verificada entre homem e mulher. 620 RE 1045273, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, Sessão Virtual de 11.12.2020 a 18.12.2020 – Tema 529. A 1ª Turma do STF já havia decidido que “A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato”, de modo que “A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina” (RE 590.779, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.02.2009, DJ 27.03.009). No mesmo sentido, no âmbito do STJ: “Esta Corte Superior já pacificou o entendimento de que a existência de impedimento para o casamento disposto no art. 1.521 do Código Civil impede a constituição de união estável e, por consequência, afasta o direito ao recebimento de pensão por morte, salvo quando comprovada a separação de fato dos casados, o que, contudo, não configura a hipótese dos autos” (AgRg no REsp 1418167/CE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 24.03.2015, DJe 17.04.2015). 621 RPS, art. 22, § 3º. “Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, deverão ser apresentados, no mínimo, dois documentos, observado o disposto nos § 6º-A e § 8º do art. 16, e poderão ser aceitos, dentre outros:” (Redação dada pelo Decreto 10.410/2020). 622 O princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, refere-se à lei que hospede conteúdo genérico e abstrato (lei no sentido material) e que tenha sido editada após vencer o processo legislativo de que trata o art. 59 da Constituição Federal (lei no sentido formal). 623 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Minirreforma da previdência social: Medida Provisória 871/2019 – alterações legais, análise e crítica. Porto Alegre: Paixão, 2019. p. 68-70. 624 O Plenário do STF já chegou a reconhecer a constitucionalidade da exigência de prova material para a comprovação de tempo de serviço, ao argumento de que “O maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: REs n. 226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e 238.444, todos de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio” (ADI 2555, Rel. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 03.04.2003, DJ 02.05.2003). 625 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54 DO ADCT. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA AOS SERINGUEIROS RECRUTADOS OU QUE COLABORARAM NOS ESFORÇOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. ART. 21 DA LEI N. 9.711, DE 20.11.98, QUE MODIFICOU A REDAÇÃO DO ART. 3º DA LEI N. 7.986, DE 20.11.89. EXIGÊNCIA, PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL E VEDAÇÃO AO USO DA PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. A vedação à utilização da prova exclusivamente testemunhal e a exigência do início de prova material para o reconhecimento judicial da situação descrita no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei n. 7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: REs n. 226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e 238.444, todos de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio. Descabida a alegação de ofensa a direito adquirido. O art. 21 da Lei 9.711/98 alterou o regime jurídico probatório no processo de concessão do benefício citado, sendo pacífico o entendimento fixado por esta Corte de que não há direito adquirido a regime jurídico. Ação direta cujo pedido se julga improcedente” (ADI 2555, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 03.04.2003, DJ 02.05.2003). 626 Quando do julgamento da ADI 6096, a Suprema Corte rejeitou pedido de declaração de inconstitucionalidade formal do art. 24 da Lei 13.846/2019, equivalente ao art. 25 da MP 871/2019, na parte em que alterados os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e 115, da Lei 8.213/91. A alegação era a de que esse dispositivo legal seria inconstitucional por violar o art. 62, § 1º, da Constituição da República, o qual, a fim de preservar o equilíbrio entre os poderes, determinou a vedação à edição de medidas provisórias sobre matéria relativa ao direito processual civil ou a temas reservados à lei complementar. Entendeu-se, porém, que o art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, com a redação da MP 871/2019, tanto quanto o 55, § 3º, da Lei 8.213/91, constituem normas que “estão inseridas no contexto dos procedimentos administrativos relacionados à concessão de benefícios previdenciários, de maneira que possuem primordialmente natureza de direito administrativo e previdenciário. Portanto, não causam interferência no direito das provas regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil. O fato de o magistrado apreciar os dispositivos para o exercício da atividade decisória não transforma a sua natureza” (ADI 6096, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 13.10.2020, DJe 26.11.2020 – excerto do voto do relator, p. 23). 627 Sobre os limites ao exercício dos direitos das partes nos processos judiciais previdenciários, veja-se o item 2.1.1.1, supra: A Administração Paralela e a vedação do comportamento contraditório (ne venire contra factum proprium). 628 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. II, p. 126. 629 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, p. 126. 630 A sucessão de leis no tempo e o princípio tempus regit actum para caracterização e comprovação de atividade especial são objeto de tratamento no item 7.9.1, infra. 631 TRF4 5025873-51.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 18.09.2017. 632 A respeito da aplicação do tempus regit actum para solução de conflitos de normas de prova decorrentes de sucessão de leis no tempo, veja-se o item 7.9.1, infra. 633 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 340. 634 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal, p. 340. 635 Porque todo os fatos que ensejam a constituição do direito à pensão por morte são materializados, necessariamente, em tempo anterior ao óbito. 636 REsp 783.697/GO, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, j. 20.06.2006, DJ 09.10.2006. Nesse sentido: STJ, AgRg. no REsp 1184839/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 29.04.2010, DJe 31.05.2010. Ainda nesse sentido, a TNU editou a sua Súmula 63: “A comprovação da união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material”. 637 Porque todo os fatos que ensejam a constituição do direito à pensão por morte são materializados, necessariamente, em tempo anterior ao óbito. 638 REsp 783.697/GO, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, j. 20.06.2006, DJ 09.10.2006. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1184839/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 29.04.2010, DJe 31.05.2010. Ainda nesse sentido, a TNU editou a sua Súmula 63: “A comprovação da união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material”. 639 Cumpre observar que o recebimento de pensão por morte devida ao cônjuge ou companheiro por período superior a 4 (quatro) meses exige que o óbito ocorra (i) após vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais pelo falecido segurado e (ii) ao menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável, hipótese em que o período de manutenção do benefício será regulado pela idade do dependente à data do óbito do segurado, na forma do art. 77, § 2º, V, c, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.135/2015. 640 TRF4, AC 5009093-64.2017.4.04.7110, Sexta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 18.12.2020. 641 TRF4, EI 5022258-78.2012.4.04.7200, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Sebastião Ogê Muniz, juntado aos autos em 04.12.2020. 642 TRF4, ARS 5009603-38.2015.4.04.0000, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 11.09.2020. 643 Nesse sentido dois importantes precedentes da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região: “Ementa: Previdenciário. Benefício por incapacidade. Portador do vírus HIV. O puro diagnóstico de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS/SIDA é insuficiente para demonstrar a existência de incapacidade para o trabalho, justificadora do deferimento do benefício previdenciário respectivo. É a incapacidade que gera o direito ao benefício e não apenas a existência da doença ou a necessidade de tratamento médico. O benefício por incapacidade pode ser concedido ao segurado portador do vírus HIV, ainda que não esteja presente a incapacidade, se o laudo atestar que peculiaridades do caso concreto, como a evidência física da doença ou fatores pessoais, impossibilitem, na prática, o retorno ou a manutenção do segurado no mercado de trabalho” (PEDILEF 2008.72.55.000797-5, Rel. Ivori Luís da Silva Scheffer, DE 05.05.2009); “Ementa: Incidente de uniformização de jurisprudência. Direito previdenciário. Auxílio-doença. Aposentadoria por invalidez. Trabalhador rural portador de câncer de pele. 1. Ação ajuizada buscando a concessão de benefício previdenciário por incapacidade, sob fundamento de que o autor, segurado especial, é portador de câncer, o que foi julgado improcedente, considerando as conclusões do perito judicial. 2. A incapacidade para o trabalho, no entanto, não pode ser identificada apenas a partir da perspectiva médica, devendo ser consideradas as condições pessoais do segurado e o grau de restrição para o trabalho. 3. Incidente de uniformização de jurisprudência provido” (PEDILEF 2008.72.52.001669-0, Relª. Bianca Georgia Arenhart Munhoz da Cunha, DE 02.07.2009). 644 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, 2. ed., p. 36. 645 O Novo CPC expressa que o juiz apreciará a prova pericial e indicará na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito (CPC/2015, art. 480). Já prescrevia o art. 436 do CPC/1973 que “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo firmar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”. 646 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102. 647 Observe-se, porém, que o médico que atendeu a parte como paciente torna-se suspeito para atuar como perito judicial (TRF4, AC 001590875.2010.404.9999, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 16.12.2010). 648 No sentido contrário, reconhecendo a necessidade de especialização do médico-perito: “Se os males que o segurado alega que lhe afligem são de natureza neurológica, é imprescindível a realização de perícia por médico especialista, sob pena de cerceamento de defesa, não suprindo a exigência a produção de laudos por médicos não especializados” (TRF4, Ag. 001117993.2011.404.0000, Sexta Turma, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 10.10.2011). 649 Nesse sentido: “1. A realização de perícia judicial é imprescindível para a análise da condição laborativa do requerente a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade. 2. Há cerceamento de defesa quando a decisão recorrida conclui, sem a produção de perícia médica judicial, que a incapacidade é posterior à perda da qualidade de segurado [...]” (PEDILEF 200671950075237, Turma Nacional de Uniformização, Rel. para Acórdão Juiz Federal José Antonio Savaris, Data da Decisão: 11.10.2010, DOU 13.05.2011, Seção 1). 650 Sobre a perícia indireta e a teleperícia, na perspectiva da ética médica e da insuficiência da instrução probatório, veja-se: XAVIER, Flavia. Pressupostos ético-jurídicos da perícia médica nas ações de benefícios por incapacidade, p. 111-147. 651 O procedimento foi amplamente reconhecido no sistema dos Juizados Especiais Federais do TRF4, no contexto do distanciamento social imposto pela Covid-19. Nesse sentido, acolhendo a prova perícia indireta, também denominada nas decisões como “prova técnica simplificada”: RI 505532253.2019.4.04.7000, Segunda Turma Recursal do PR, Rel. Leonardo Castanho Mendes, j. 09.12.2020; RI 5001696-10.2020.4.04.7122, Terceira Turma Recursal do RS, Rel. Selmar Saraiva da Silva Filho, j. 15.12.2020; RI 5003636-40.2020.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Caio Roberto Souto de Moura, j. 07.12.2020; RI 5005662-11.2020.4.04.7112, Primeira Turma Recursal do RS, Rel. André de Souza Fischer, j. 07.12.2020; RI 5011178-46.2019.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Marina Vasques Duarte, j. 27.11.2020; RI 5014146-49.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. José Francisco Andreotti Spizzirri, j. 23.11.2020; RI 5014535-34.2019.4.04.7112, Terceira Turma Recursal do RS, Rel. Jacqueline Michels Bilhalva, j. 23.11.2020; RI 502134537.2019.4.04.7205, Segunda Turma Recursal de SC, Rel. Henrique Luiz Hartmann, j. 20.11.2020; RI 5028855-37.2019.4.04.7000, Quarta Turma Recursal do PR, Rel. Ivanise Correa Rodrigues Perotoni, j. 20.11.2020; RI 5006062-59.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. Daniel Machado da Rocha, j. 26.10.2020. 652 RI 5006062-59.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. Daniel Machado da Rocha, j. 26.10.2020. 653 RI 5021345-37.2019.4.04.7205, Segunda Turma Recursal de SC, Rel. Henrique Luiz Hartmann, j. 20.11.2020. 654 RI 5055322-53.2019.4.04.7000, Segunda Turma Recursal do PR, Rel. Leonardo Castanho Mendes, j. 09.12.2020. 655 Nesse sentido: RI 5003636-40.2020.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Caio Roberto Souto de Moura, j. 07.12.2020; RI 501117846.2019.4.04.7112, Quarta Turma Recursal do RS, Rel. Marina Vasques Duarte, j. 27.11.2020. 656 Nesse sentido: “Ainda, da análise da legislação atinente à realização da prova pericial no microssistema dos Juizados Especiais Federais, não se verifica qualquer vedação absoluta à utilização desta modalidade de prova, pois ‘todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes’ (art. 32 da Lei n. 9.099/95); outrossim, o Código de Processo Civil expressamente prevê que a realização da prova pericial pode se dar de forma simplificada, mediante a inquirição do expert sobre o ponto controvertido da causa, o qual poderá se valer de qualquer recurso tecnológico com o fim de esclarecê-lo (art. 464, §§ 2º a 4º). De resto, registro que orientações e recomendações dos conselhos de classe não vinculam o Poder Judiciário” (RI 5005662-11.2020.4.04.7112, Primeira Turma Recursal do RS, Rel. André de Souza Fischer, j. 07.12.2020). 657 RI 5014146-49.2019.4.04.7112, Segunda Turma Recursal do RS, Rel. José Francisco Andreotti Spizzirri, j. 23.11.2020. 658 Ademais, “mesmo após a realização de prova técnica simplificada é possível se constatar, no caso concreto, a necessidade de realização de perícia direta, presencial, dada à necessidade de exame físico e/ou mental da parte autora, se o especialista e/ou o julgador assim concluírem” (RI 5014535-34.2019.4.04.7112, Terceira Turma Recursal do RS, Rel. Jacqueline Michels Bilhalva, j. 23.11.2020). 659 RI 5028855-37.2019.4.04.7000, Quarta Turma Recursal do PR, Rel. Ivanise Correa Rodrigues Perotoni, j. 20.11.2020. 660 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, p. 242. 661 FREIRE, J. J. B.; DANTAS, R. A. A.; DANTAS, E. A prova técnica simplificada sob a ótica da medicina legal e perícias médicas. Persp Med Legal Perícia Med. 2020;5(3). https://dx.doi.org/10.47005/05030. 662 Conselho Federal de Medicina (CFM – Brasil). Parecer Consulta n. 03/2020. EMENTA. 2020. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/. Acesso em: 9 set. 2020. 663 FRANÇA, Genival Veloso. Medicina legal. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. p. 15. 664 FRANÇA, Genival Veloso. Medicina legal, p. 15. 665 O levantamento de algumas questões é inevitável: Como tomar decisão médica sobre a condição de saúde de uma pessoa que não foi examinada? Como tomar decisão judicial preferindo-se uma avaliação documental realizada pelo perito judicial em detrimento de perícia administrativa que cumpre mínimos pressupostos de validade de uma prova técnica, com a realização de anamnese e exame físico ou clínico? Como pode se entender respeitada a vida humana, a pessoa e sua dignidade por uma prática médicopericial que vê o indivíduo como fragmento de uma população ou de uma massa processual? Como o ente previdenciário estará persuadido a se sujeitar a uma decisão judicial amparada em exame documental quando ele próprio, cujos atos gozam de presunção de legalidade, realizou perícia médica com mais legitimidade procedimental e, portanto, com mais credibilidade que a judicial? 666 Como se pode perceber, a título ilustrativo: “havendo-se concluído que a incapacidade do autor precederia ao seu reingresso na Previdência Social, acertado o indeferimento de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, mesmo porque, no caso, não incide a ressalva da incapacidade decorrente de progressão ou agravamento da doença pré-existente, que, diferentemente, autorizaria o deferimento do benefício pleiteado” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200872550052245, Relª. Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, DJ 11.06.2010). 667 O precedente cuja ementa é a seguir transcrita bem ilustra a tese ora examinada: “Previdenciário. Auxílio-doença/aposentadoria por invalidez. Invalidez superveniente à filiação ao RGPS. Marco inicial. 1. A existência de patologia congênita, preexistente, pois, à filiação ao RGPS, não é óbice à concessão de aposentadoria por invalidez se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença posterior àquela filiação. 2. Comprovando-se que o autor, embora portador de sequelas de poliomielite desde a segunda semana de vida, trabalhou efetivamente nas lides rurais e que a incapacidade total e definitiva adveio após o desempenho desta atividade, deve ser-lhe concedido o benefício de aposentadoria por invalidez. 3. Tendo o conjunto probatório apontado a existência da incapacidade laboral desde a época do requerimento administrativo, o benefício é devido desde então” (TRF4, AC 2009.71.99.002255-5, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 06.04.2010). De outra parte, “Se a autora, apesar de apresentar retardo mental, sempre trabalhou na condição de boiafria, a inexistência de agravamento da doença que tenha vindo a gerar incapacidade superveniente ao início das atividades laborativas impede a concessão de benefício por incapacidade” (TRF4, AC 2009.70.99.0030550, Turma Suplementar, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 08.03.2010). 668 Nesse sentido: “[...] não se podendo precisar a que época remonta a definitividade do quadro incapacitante, a solução adequada é a concessão do auxílio-doença desde a data em que requerido administrativamente, ou o restabelecimento a contar da cessação, e sua conversão em aposentadoria por invalidez, a partir da realização da perícia judicial” (TRF4, Sexta Turma, AC 2007.71.99.007088-7, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 06.02.2008). 669 Nesse sentido encontra-se recente precedente da 3ª Seção do STJ, julgamento em que se firmou o pensamento de que “A manutenção do entendimento firmado no julgado embargado – termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo – desprestigia a justiça e estimula o enriquecimento ilícito do Instituto, que, simplesmente por contestar a ação, adia injustificadamente o pagamento de um benefício devido em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial” (EREsp 735.329/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, j. 13.04.2011, DJe 06.05.2011). 670 Também nesse sentido: “[...] a data de início da incapacidade corresponderá à data da realização da perícia apenas quando o juízo, diante de todas as provas produzidas, não puder fixá-la em outra data. Neste caso, a data de início da incapacidade não passará de uma ficção necessária ao julgamento da lide” (Processo 2009.36.00.70.2396-2, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 03.12.2010, DJ 13.11.2011). Com efeito, “A conclusão nele [laudo pericial] posta, dizendo com a data do início da incapacidade, pode ser afastada por outras provas carreadas aos autos, máxime dentre elas a indicação de outra, mais remota, por parte da autarquia ré” (TRF4, AC 0001115-42.2008.404.7012, Sexta Turma, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 13.05.2010). 671 Para fins de determinação do início da incapacidade, não é importante a data da juntada do laudo pericial aos autos, pois a demora para a materialização da prova técnica e sua apresentação em juízo não guardam nenhuma relação de pertinência com o fato probando. Sem embargo, o STJ chegou a orientar no sentido de que: “O termo inicial do benefício acidentário deve ser a data de juntada do laudo médico pericial em juízo, desde que ausentes a concessão prévia do auxílio-doença e o pleito administrativo” (Sexta Turma, EDcl. no REsp 228.676/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 28.06.2005, DJ 15.08.2005, p. 367). 672 Merece ainda referência significativo precedente da TNU, segundo o qual “quando a perícia judicial não conseguiu especificar a data de início da incapacidade (DII), e em se tratando de restabelecimento de auxílio-doença, em sendo a incapacidade atual decorrente da mesma doença ou lesão que justificou a concessão do benefício que se pretende restabelecer, presume-se a continuidade do estado incapacitante desde a data do cancelamento, que, sendo reputado indevido, corresponde ao termo inicial da condenação ou data de (re)início do benefício” (PEDILEF 200772570036836, Relª. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 11.06.2010). 673 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, p. 102. Veja-se, nesse sentido: “Fixada a data de início da incapacidade, a qual enseja o restabelecimento do auxílio-doença ou a conversão deste em aposentadoria por invalidez, e restando comprovado que a incapacidade decorre da mesma doença ou lesão que justificou a concessão de benefício anterior, o termo inicial do novo benefício por incapacidade é a data do indevido cancelamento daquele” (PEDILEF 200971500133872, Juiz Federal Alcides Saldanha Lima, TNU, DJ 31.08.2012); “Data de início do benefício (DIB) por incapacidade ou termo inicial da condenação. Em se tratando de restabelecimento de benefício por incapacidade e em sendo a incapacidade decorrente da mesma doença que justificou a concessão do benefício cancelado, há presunção de continuidade do estado incapacitante a ensejar a fixação da data de início do benefício (DIB) ou termo inicial da condenação desde a data do indevido cancelamento” (PEDILEF n. 2007.72.57.0036836/SC, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 11.06.2010). 674 Como bem aponta o seguinte precedente do STJ: “Na análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes” (AgRg no AREsp 196.053/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 25.09.2012, DJe 04.10.2012). 675 Nesse sentido: “Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado não fica vinculado à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos outros elementos que assim o convençam, como no presente caso” [...] “Em face das limitações impostas pela moléstia incapacitante, avançada idade e baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção da segurada no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo qual faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez” (STJ, AgRg no REsp 1000210/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 21.09.2010, DJe 18.10.2010). Nesse mesmo sentido: “A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de reconhecer que a concessão da aposentadoria por invalidez deve considerar não só os elementos previstos no art. 42 da Lei 8.213/91, bem como os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial só tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho” (STJ, AgRg no Ag 1370949/RJ, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, j. 05.05.2011, DJe 02.06.2011). No mesmo sentido se encontra a jurisprudência da TNU: “[...] uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez” (Súmula 47). 676 O entendimento da TNU é no sentido de “autorizar ao julgador, no processo de formação da sua convicção quanto à incapacidade laboral do segurado, somar às razões médicas considerações sobre as condições pessoais e sociais do segurado” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200770530040605, Rel. Juiz Federal Ronivon de Aragão, DJ 11.06.2010). Com efeito, “A interpretação sistemática da legislação permite a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez se, diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme o brocardo judex peritus peritorum, é o perito dos peritos, ainda que não exista incapacidade total para o trabalho do ponto de vista médico” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200783005052586, Relª. Juíza Federal Maria Divina Vitória, DJU 02.02.2009). 677 Nesse sentido: “Não se pode apreciar a incapacidade sem levar em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto, sem avaliar se, em função da idade da parte, do seu grau de instrução, do contexto socioeconômico-cultural em que ela se encontra inserida, há perspectiva razoável de acesso ao mercado de trabalho” (TNU, j. 27.03.2009, Rel. Juiz Federal Élio Wanderley Siqueira Filho). Ainda nesse sentido: TRF2, Terceira Turma, AC 990205411-0, Rel. Des. Paulo Barata, j. 30.11.2004, DJ 17.12.2004; TRF4, Sexta Turma, AC 2007.71.99.007088-7, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 06.02.2008. 678 Nesse mesmo sentido: “Não sendo obrigatória a realização da cirurgia, aliado ao fato de que, no caso do autor, a reabilitação depende do sucesso da intervenção cirúrgica, entende-se que o segurado resta total e definitivamente incapaz para as suas atividades laborativas, devendo ser acolhido o seu pedido de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez” (TRF4, AC 0010765-71.2011.404.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 01.09.2011). O mesmo entendimento, acrescente-se, presta-se a definir o direito ao benefício de auxílio-acidente: “Comprovado nos autos que a obreira é portadora de tenossinovite incapacitante, estando inapta para a atividade que exerceu durante anos, não se pode afastar a natureza permanente das lesões pela simples alegação de reversibilidade da incapacidade, através de tratamentos médicos e cirúrgicos” (STJ, Quinta Turma, REsp 204.869, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 18.10.1999). Em caso que se pode dizer análogo, decidiu o STJ: “O direito à integridade física é fundamental, e procedimentos cirúrgicos não autorizados pelo paciente somente se admitem em casos graves e de extrema urgência. – Merece reforma o acórdão do Tribunal de origem que negou a reparação dos danos materiais sofridos pela recorrente em função do desenvolvimento de LER, meramente porque a lesão poderia ser revertida por cirurgia que ela recusa a autorizar. – Estabelecida a incapacidade para o exercício de determinado mister em função de LER, é devida pensão mensal pelo empregador responsável pelas condições de trabalho que favoreceram o desenvolvimento da doença, pensão essa que perdurará até a retomada da capacidade para o trabalho, utilizando-se como parâmetro para essa retomada o controle promovido pelo INSS. – Deve ser abatida da pensão mensal paga o valor auferido pela recorrente em função de novo trabalho remunerado que ela desenvolva. Tal fato, porém, deve ser comprovado pelo recorrido em ação própria. – Sendo o acidente do trabalho considerado ato ilícito, incidem juros na forma da Súmula 54/STJ. Determinada, outrossim, a constituição de garantia fidejussória ou fundo de capital (precedentes). Recurso conhecido e provido” (REsp 733.990, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 20.03.2006). 679 PEDILEF 2008.70.95. 002142-9, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relª. p/ Acórdão Luísa Hickel Gamba, DE 14.09.2009. 680 Redação atual do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com redação atribuída pela Lei 12.470/2011. 681 Lei 8.742/93, art. 20, § 6º: “A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS”. (Redação dada pela Lei 12.470, de 2011) 682 MC-ADPF 662, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03.04.2020, DJe 07.04.2020. 683 O projeto de lei previa critério de ½ salário mínimo a partir de 01.01.2021, mas foi vetado. 684 Lei 8.742/2003. “Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário mínimo. § 1º A ampliação de que trata o caput ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento, de acordo com os seguintes fatores, combinados entre si ou isoladamente: I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; III – as circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos e familiares que podem reduzir a funcionalidade e a plena participação social da pessoa com deficiência candidata ou do idoso; IV – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 exclusivamente com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (Suas), desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 2º O grau da deficiência e o nível de perda de autonomia, representado pela dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, de que tratam, respectivamente, os incisos I e II do § 1º deste artigo, serão aferidos, para a pessoa com deficiência, por meio de índices e instrumentos de avaliação funcional a serem desenvolvidos e adaptados para a realidade brasileira, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. § 3º As circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos de que trata o inciso III do § 1º deste artigo levarão em consideração, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei n. 13.146, de 2015, entre outros aspectos: I – o grau de instrução e o nível educacional e cultural do candidato ao benefício; II – a acessibilidade e a adequação do local de residência à limitação funcional, as condições de moradia e habitabilidade, o saneamento básico e o entorno familiar e domiciliar; III – a existência e a disponibilidade de transporte público e de serviços públicos de saúde e de assistência social no local de residência do candidato ao benefício; IV – a dependência do candidato ao benefício em relação ao uso de tecnologias assistivas; e V – o número de pessoas que convivem com o candidato ao benefício e a coabitação com outro idoso ou pessoa com deficiência dependente de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, de que trata o inciso IV do § 1º deste artigo, será definido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, conforme critérios definidos em regulamento, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, nos termos do referido regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios”. 685 Como se verá adiante, foi reintroduzido idêntico critério ao que foi declarado inconstitucional pelo STF (Rcl 4374, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe 04.09.2013). 686 Rcl 4374, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.04.2013, DJ 04.09.2013. RE 567985, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe 03.10.2013 – Repercussão Geral – Tema 27. 687 Sobre esse ponto específico, veja-se o item 7.8.3.1, infra. 688 Lei n. 10.741/2003, art. 34, parágrafo único. “O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”. 689 Pet 7203/PE, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, j. 10.08.2011, DJe 11.10.2011. Mais recentemente, esse entendimento foi firmado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia, como se verifica: “Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, definese: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93” (REsp 1355052/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 25.02.2015, DJe 05.11.2015). 690 STF, RE 580963, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJ 14.11.2013. 691 No âmbito do TRF4, foi editado pela Corregedoria Regional o Provimento n. 43/2015 (DJe 17.11.2015), que alterou o art. 237 da Consolidação Normativa da Justiça Federal da 4ª Região, dispondo expressamente que, salvo exceções devidamente justificadas pelo Juiz do processo, não cabe aos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais a realização de avaliações socioeconômicas ou a elaboração de laudos de constatação com a mesma finalidade. 692 Para a finalidade de melhor avaliar a suficiência ou não de recursos familiares para a manutenção da pessoa vulnerável, podem ser observados os critérios do art. 20-A da Lei 8.742/93, na redação da Lei 13.982/2020. 693 Nesse sentido: “presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo” (REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28.10.2009, DJe 20.11.2009). Igualmente nesse sentido, em sede de IRDR: “PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. 1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais. 2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs. 3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 (‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’) gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade” (TRF4 5013036-79.2017.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, j. aos autos em 22.02.2018). 694 A exclusão da Assistência Social de uma parcela vulnerável da população sob o fundamento de que a família possui residência própria adequada conduz à lógica de que, em existindo tal bem, deve ser alienado até quanto baste para o sustendo do necessitado, para que então, desde que já não possua mais nada, tenha direito à prestação assistencial. Não se pode validamente obrigar alguém a se desfazer de um bem que integra mínimo existencial e a objeção a tanto se fundamenta justamente na preservação da dignidade da pessoa humana. 695 Nesse mesmo sentido: TNU, PEDILEF 200361840802987, Rel. Juiz Federal Vladimir Vitovsky, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 11.10.2011, DOU 18.11.2011; TRF4, APELREEX 1999.71.12.002215-1, Quinta Turma, Rel. Ezio Teixeira, DE 07.04.2011. Em sentido contrário, não reconhecendo a natureza especial de atividade exercida em tempo anterior à publicação da Lei 3.807/60: STJ, REsp 1205482/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, j. 23.11.2010, DJe 06.12.2010. 696 Confira-se o entendimento da Primeira Seção do STJ sobre o tema: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC. 2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral. 4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008” (REsp 1398260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14.05.2014, DJe 05.12.2014). 697 Destaque-se o entendimento de que “as atividades exercidas pelo segurado na lista de categorias expedida pelo Poder Executivo [...] gozam de presunção absoluta de exposição aos agentes nocivos” (STJ, AgRg no Ag 1156813/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 16.12.2010, DJe 14.02.2011). 698 Com efeito, “A exigência de exposição de forma habitual e permanente sob condições especiais somente foi trazida pela Lei 9.032/95” (STJ, REsp 977.400/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 09.10.2007, DJ 05.11.2007). Nesse sentido: “para fins de caracterização de tempo de serviço especial, aplica-se a lei vigente à época da prestação do trabalho, motivo pelo qual em relação ao tempo de serviço trabalhado antes de 29.04.1995, data da publicação da Lei 9.032/95, não se exigia o preenchimento do requisito da permanência, embora fosse exigível a demonstração da habitualidade e da intermitência”. Por essa razão, “Havendo exposição ao agente nocivo ruído acima do limite de tolerância ou a outros agentes nocivos, é possível o reconhecimento da especialidade, se comprovada que a exposição ocorreu de maneira habitual, ainda que não tenha ocorrido permanentemente” (PEDILEF 200872580025694, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz José Antonio Savaris, Data da Decisão: 13.09.2010, DOU 15.12.2010). 699 Nesse sentido: Para a caracterização da especialidade, não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, visto que habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma – que é protetiva – devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho (TRF4, AC 0001170-75.2008.404.7211, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 14.10.2011). 700 Instrução Normativa INSS/PRES 77/2015, art. 278, II. 701 Observando-se que, em se tratando de exposição aos agentes nocivos ruído ou calor, será necessária a apresentação do LTCAT, não sendo suficientes os antigos formulários. De modo distinto, a apresentação de PPP supre, como regra, a exigência de LTCAT. 702 Lembrando uma vez mais que a apresentação de PPP supre, como regra, a exigência de LTCAT. 703 Observando-se que, em se tratando de exposição aos agentes nocivos ruído ou calor, será necessária a apresentação do LTCAT, não sendo suficientes os antigos formulários. De modo distinto, a apresentação de PPP supre, como regra, a exigência de laudo técnico. 704 STJ, Pet 10.262/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 08.02.2017, DJe 16.02.2017. 705 Nesse sentido: “[...] Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do caráter eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção, no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica. 3. Em casos análogos, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à legalidade da prova emprestada, quando esta é produzida com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Recurso especial improvido” (REsp 1397415/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 12.11.2013, DJe 20.11.2013). Igualmente nesse sentido: “[...] 3. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, no sentido de que o emprego de EPI seria capaz de neutralizar o potencial lesivo dos agentes nocivos, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 4. É possível, em virtude da desconfiguração da original condição de trabalho da exempregadora, a realização de laudo pericial em empresa do mesmo ramo de atividade, com o exame de local com características similares ao daquele laborado pelo obreiro, a fim de apurar a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, para reconhecimento do direito à contagem de tempo especial de serviço” (REsp 1428183/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 25.02.2014, DJe 06.03.2014). Também nessa linha de compreensão: Súmula 106 do TRF4: “Quando impossível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor”. 706 Nesse sentido se encontra a Súmula 68 da TNU: “O laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. 707 Anteriormente eram os formulários SB-40, DISES BE 5.235, DSS 8.030 e DIRBEN 8.030; atualmente é o PPP – perfil profissiográfico previdenciário. 708 REsp 1306113/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14.11.2012, DJe 07.03.2013 – Representativo da Controvérsia – Tema 534. 709 REsp 1410057/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 30.11.2017, DJe 07.12.2017. 710 REsp 1831371/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 09.12.2020. 711 De todo modo, cabe notar que “O laudo pericial não contemporâneo, realizado por profissional especializado, consubstancia início razoável de prova material para comprovação das condições especiais de trabalho a que foi submetido o trabalhador” (PEDILEF 20077 1950041827, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, j. 24.11.2011, DOU 02.12.2011). 712 ARE 664335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04.12.2014, DJ 12.02.2015. 713 Considerando os estudos científicos da Agência Internacional para Investigação do Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS n. 9, de 07.10.2014, publicou a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos – LINACH, como referência para formulação de políticas públicas, classificando os agentes cancerígenos de acordo com os seguintes grupos: I – Grupo 1 – carcinogênicos para humanos; II – Grupo 2A – provavelmente carcinogênicos para humanos; e III – Grupo 2B – possivelmente carcinogênicos para humanos. Portanto, a partir da publicação da indicada portaria, em 08.10.2014, os agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos para humanos, previstos no Grupo 1, com registro no Chemical Abstracts Service – CAS, além dos agentes nocivos listados no Anexo IV ao Decreto n. 3.048/99, são considerados para fins de concessão de aposentadoria especial. 714 Pela relevância e alcance dessa decisão – não transitada em julgado, ainda –, transcreve-se a ementa: “PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta ‘S’ (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar – no movimento probatório processual – a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI – estudo técnicocientífico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI’s.” (TRF4 5054341-77.2016.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, j. aos autos em 11.12.2017). 715 Desde 01.01.2004, o documento exigido é o perfil profissiográfico previdenciário – PPP, formulário que contém o histórico laboral do trabalhador, elaborado de acordo com o modelo instituído pelo INSS. Sobre os documentos exigidos pelo INSS para a comprovação da atividade especial, veja-se o art. 258 da IN/INSS 77/2015. Nos termos do Enunciado 11 do CRPS: “O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é documento hábil à comprovação da efetiva exposição do segurado a todos os agentes nocivos, sendo dispensável o Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) para requerimentos feitos a partir de 1º/1/2004, inclusive abrangendo períodos anteriores a esta data. I – Poderá ser solicitado o LTCAT em caso de dúvidas ou divergências em relação às informações contidas no PPP ou no processo administrativo. II – O LTCAT ou as demonstrações ambientais substitutas extemporâneos que informem quaisquer alterações no meio ambiente do trabalho ao longo do tempo são aptos a comprovar o exercício de atividade especial, desde que a empresa informe expressamente que, ainda assim, havia efetiva exposição ao agente nocivo. III – Não se exigirá o LTCAT para períodos de atividades anteriores 14/10/96, data da publicação da Medida Provisória n. 1.523/96, facultandose ao segurado a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos por qualquer meio de prova em direito admitido, exceto em relação a ruído”. 716 Lei 8.213/91, art. 58, § 1º. “A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista”. Observe-se que compete à empresa elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento (art. 58, § 4º, da Lei 8.213/91). 717 Note-se que “A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento” (Lei 8.213/91, art. 58, § 4º). Por outro lado, “O trabalhador ou o seu preposto terá acesso às informações prestadas pela empresa sobre o seu perfil profissiográfico previdenciário e poderá, inclusive, solicitar a retificação de informações que estejam em desacordo com a realidade do ambiente de trabalho, conforme orientação estabelecida em ato do Ministro de Estado da Economia” (RPS, art. 68, § 10, com a redação do Decreto 10.410/2020). 718 CF/88, art. 5º, LV. “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 719 Lei 9.784/99. “Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo. § 1º Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão. § 2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”. 720 Um importante meio probatório para adequada instrução no âmbito administrativo é a inspeção no ambiente de trabalho do segurado, a cargo do médico perito federal, pela qual se pode verificar se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT ou se as informações contidas no LTCAT estão em concordância com o ambiente de trabalho, na forma da Resolução INSS/PRES n. 485, de 08.07.2015 (DOU 09.07.2015): “Art. 4º A inspeção no ambiente de trabalho terá por finalidade: [...] “V – verificar se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT utilizado como base para sua fundamentação, com fins à aposentadoria especial; VI – confirmar se as informações contidas LTCAT estão em concordância com o ambiente de trabalho inspecionado, com fins à aposentadoria especial. [...]”. 721 CF/88, art. 62. “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: [...] b) direito penal, processual penal e processual civil”. 722 De acordo com o art. 11, § 1º, da CLT, não se aplica às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social a prescrição quinquenal dos créditos resultantes das relações de trabalho ou o prazo decadencial para propositura da demanda trabalhista. 723 De acordo com a Súmula 736 do STF, “compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores” (DJ de 09.12.2003). Sobre a competência da justiça trabalhista para processamento e análise dessa específica natureza de demanda, veja-se, a título ilustrativo: “RECURSO DE REVISTA. 1. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. É imprescindível, para o reconhecimento da correta motivação do apelo, que a parte demonstre em que residiria o vício perpetrado na decisão recorrida, de modo a viabilizar o exame da nulidade. Recurso de revista não conhecido. 2. PREENCHIMENTO DA GUIA PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A produção de prova com o fito de apurar a existência de trabalho em reais condições de risco acentuado à saúde e integridade física do trabalhador, que envolve a obrigação de fazer do empregador concernente à entrega do formulário DSS-8030, corretamente preenchido, mormente para fazer prova no INSS, visando à obtenção da aposentadoria especial, por envolver relação de trabalho, é da competência desta Justiça Especializada. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (Recurso de Revista 1900-23.2009.5.15.0046, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 30.11.2011, Oitava Turma, DJ-e 02.12.2011). 724 A legislação previdenciária pode ser percebida como “bastante injusta”, quanto ao modo de comprovação dos agentes nocivos, colocando o trabalhador “numa situação desconfortável diante do empregador, principalmente quando ele ainda trabalha na empresa” (LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial: dissecando o PPP: de acordo com a EC n. 103/109. São Paulo: LuJur Editora, 2020. p. 130). 725 Nada impede que, nos casos em que se encontra em trâmite um processo trabalhista em que o segurado busca a retificação de formulário ou documento técnico, relativa à mesma atividade e período de trabalho objeto de demanda previdenciária, que esta seja suspensa pela convenção das partes ou pela compreensão de que, em certa medida, há uma importante relação entre a sentença previdenciária e o julgamento da causa trabalhista (CPC, art. 313, II, c/c V, “a”). 726 Nesse sentido: “Em casos em que a documentação acostada suscite dúvida, pode ser necessária a realização de perícia técnica para verificação da especialidade de todas as atividades desempenhadas pela parte autora, o que possibilitará a formação de um juízo seguro acerca da situação fática posta em causa” (TRF4, Ag. 5030710-02.2019.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 17.10.2019); E ainda: “[...] 5. Para a verificação da especialidade das atividades exercidas com exposição a agentes nocivos, leva-se em consideração, via de regra, o conteúdo da documentação técnica lavrada pela empresa (formulários, laudos e perfil profissiográfico previdenciário (PPP), por exemplo). Contudo, em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência de tal documentação é plausível não apenas a produção de laudo pericial em juízo, mas também a utilização de laudo técnico por similaridade. 6. Demonstrada a similaridade entre a empresa empregadora do autor e aquela em que foi produzido o laudo pericial, bem como a identidade das atividades, deve ser admitida como prova a perícia realizada em empresa similar” (TRF4, APELREEX 0009659-69.2014.4.04.9999, Quinta Turma, Rel. Osni Cardoso Filho, DE 07.12.2018). 727 Na forma da Súmula 106 do TRF4, “Quando impossível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor”. 728 SCHUSTER, Diego Henrique. Prova pericial: o sistema jurídico cobra critérios para seu (in)deferimento e não apenas a efetivação das garantias constitucionais. Blogschuster.Com. 2021. Disponível em: http://blogschuster.blogspot.com/2021/01/prova-pericial-o-sistema-juridicocobra.html?m=1. Acesso em: 27 jan. 2021. 729 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial, 129-137. 730 Nessa categoria de problema, são diversas as situações, sendo que, tal como observa a autora, algumas das questões podem ser solucionadas na Justiça do Trabalho: “Caso a empresa não esteja mais ativa, se o PPP tiver erro muito grosseiro, por exemplo, número da Carteira Profissional ou data de admissão, eles podem ser sanados com prova documental hábil a demonstrar a informação correta. Se o erro estiver relacionado com a atividade do trabalhador ou com o setor indicado, cujas informações constam no prontuário em poder da empresa, ela não pode simplesmente mudar o PPP, contrariando as informações que constam em seus arquivos” (LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial, p. 129-130). 731 Essa inspeção é realizada pelo médico perito federal e tem o objetivo de verificar se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT e se as informações contidas no LTCAT estão em concordância com o ambiente de trabalho (Resolução INSS/PRES n. 485, de 08.07.2015, art. 4º, V e VI). 732 Como observa a autora, porém, para o deferimento de produção de perícia judicial, “é imprescindível demonstrar a divergência ou a inconsistência do PPP”, de modo a “deixar em dúvida as informações indicadas no PPP” (LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial, p. 131-132). 733 Segundo a autora, para que seja possível a realização da prova por similaridade, é necessário: “buscar uma empresa do mesmo ramo de atividade e mesmo CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica). Geralmente uma concorrente; verificar o porte da empresa (pequeno, médio ou grande) e o número de máquinas existentes; conferir setor, função, e a atividade exercida pelo segurado; verificar se há nos seus arquivos ou no banco de laudos do TRF4 ou no INSS algum laudo de empresa similar” (LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial, p. 136). 734 TNU, PUIL n. 0004439-44.2010.4.03.6318/SP, Rel. Juiz Fábio Souza, j. 19.06.2020, DJ-e 25.06.2020. 735 Desde 01.01.2004, o documento exigido é o perfil profissiográfico previdenciário – PPP, formulário que contém o histórico laboral do trabalhador, elaborado de acordo com o modelo instituído pelo INSS. Sobre os documentos exigidos pelo INSS para a comprovação da atividade especial, veja-se o art. 258 da IN/INSS 77/2015. Nos termos do Enunciado 11 do CRPS: “O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é documento hábil à comprovação da efetiva exposição do segurado a todos os agentes nocivos, sendo dispensável o Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) para requerimentos feitos a partir de 1º/1/2004, inclusive abrangendo períodos anteriores a esta data. I – Poderá ser solicitado o LTCAT em caso de dúvidas ou divergências em relação às informações contidas no PPP ou no processo administrativo. II – O LTCAT ou as demonstrações ambientais substitutas extemporâneos que informem quaisquer alterações no meio ambiente do trabalho ao longo do tempo são aptos a comprovar o exercício de atividade especial, desde que a empresa informe expressamente que, ainda assim, havia efetiva exposição ao agente nocivo. III – Não se exigirá o LTCAT para períodos de atividades anteriores 14/10/96, data da publicação da Medida Provisória n. 1.523/96, facultandose ao segurado a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos por qualquer meio de prova em direito admitido, exceto em relação a ruído”. 736 Lei 8.213/91, art. 58, § 1º. “A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista”. Observe-se que compete à empresa elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento (art. 58, § 4º, da Lei n. 8.213/91). 737 “Indubitavelmente, a questão mais delicada no que concerne ao tempo de serviço diz respeito à sua prova” (ROCHA, D. M.; BALTAZAR JUNIOR, J. P. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 229). 738 Lei 8.213/91, art. 55, § 3º. “A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento” (redação dada pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019). 739 A questão ganhou relevância também em relação à comprovação de união estável ou dependência econômica, uma vez que desde a vigência da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que emprestou nova redação ao art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, a legislação previdenciária passou a estabelecer que “As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento”. 740 Art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. Como sustentamos no item 7.4, infra, o regime jurídico que disciplina a forma de comprovar determinado fato não pode retroagir para reger acontecimentos anteriores à data da sua vigência, em aplicação do princípio tempus regit actum. 741 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: GRAU, Eros Roberto et al. (org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 226-248 (p. 232-234). 742 Utiliza-se o termo proporcionalidade, do direito europeu continental, mas para os fins do presente trabalho poder-se-ia referir à razoabilidade, que teve sua origem no direito anglo-saxão, quando da compreensão, pela Suprema Corte norte-americana, da dimensão substantiva da cláusula do due process of law. Os elementos do princípio da proporcionalidade em sentido amplo coincidem substancialmente com os elementos do juízo da razoabilidade. O princípio da proporcionalidade, de indiscutível dignidade constitucional, decorreria do princípio da legalidade, do princípio do Estado do Direito, do devido processo legal, ou mesmo da norma contida no art. 5º, § 2º, da Constituição (SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens: teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 58). Paulo Bonavides, em aprofundado estudo sobre o tema, escreve que o princípio da proporcionalidade é direito positivo em nosso ordenamento constitucional, compreendido no art. 5º, § 2º, da Constituição, “o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 396). 743 Essa orientação, consagrada na doutrina do Tribunal Constitucional alemão e expressamente acolhida pelas constituições espanhola e portuguesa, permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da reserva legal proporcional, que “pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)” (MENDES, Gilmar Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras. Repertório IOB de Jurisprudência, Caderno 1, n. 14, p. 361-372 (p. 371-372), 2ª quinz./jul. 2000). O eminente constitucionalista expressa, no mesmo trabalho, o reconhecimento do princípio da proporcionalidade, como princípio autônomo que constitui dimensão específica do princípio do devido processo legal, analisando os julgamentos proferidos na Representação 1.077, de 28.03.1984, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 112:34, ADIn. 855, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 152/455, Suspensão de Segurança 1.320, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14.04.1999 (p. 364). 744 “[...] devido à distância que separa os direitos formalmente concedidos das práticas sociais que impunemente os violam; porque as vítimas de tais práticas, longe de se limitarem a chorar na exclusão, cada vez mais reclamam, individual e coletivamente, serem ouvidas e se organizam para resistir à impunidade” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A justiça em debate, A-3). 745 Exemplo claro disso é a persistente afirmação que busca relacionar fatos a datas remotas, o que é infactível por meio da prova pessoal, salvo situações excepcionais devidamente caracterizadas. 746 LOPES, J. B. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 112. Mais adiante, o presente trabalho oferece algumas considerações também sobre a eficácia possível da prova testemunhal. 747 Também algumas folhas de atendimento relativas a serviços de saúde estão sendo apresentadas em juízo como o único indício do exercício da atividade rural existente no período de carência. Algumas anotações acerca da qualificação dos interessados se dão de maneira não contemporânea, sendo evidente, em alguns casos, que o preenchimento do campo correspondente se deu posteriormente e por outra pessoa. Com a queda do grau de idoneidade de documentos tais, o magistrado certamente carregará esta fragilidade material para a formação de seu convencimento quanto ao fato constitutivo do direito pleiteado na inicial: o trabalho na condição de rurícola, isto é, o contínuo desempenho de atividade rural, como lavrador (empregado, diarista ou segurado especial). 748 Nesse sentido: “APOSENTADORIA – TEMPO DE SERVIÇO – PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL – INADMISSIBILIDADE COMO REGRA. A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei n. 8.213/91, o tempo de serviço há de ser revelado mediante início de prova documental, não sendo admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito, a exclusivamente testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos dos artigos 5º, incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal” (RE 226772, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, j. 15.08.2000, DJ 06.10.2000). Também nesse sentido: RE 236.759/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 27.04.2001. 749 Relatoria da Minª. Ellen Gracie, publicado no DJU de 02.05.2003. Se, porém, a justificação judicial foi ajuizada antes da alteração da redação do art. 3º da Lei n. 7.986/89, pela Lei n. 9.711/98, é inexigível, a apresentação de prova material (REsp 1657797/PA, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 28.03.2017, DJe 05.04.2017). 750 Certamente um tema afeto merece ser aprofundado, qual seja, o que trata das hipóteses que podem ser caracterizadas como caso fortuito ou de força maior e talvez nos tragam luzes à problemática. Poderia, afinal, o caráter rudimentar do exercício de determinada atividade caracterizar um impeditivo invencível para o cumprimento da regra de prova em estudo? Seria um caso de força maior a dificultar sobremaneira a obtenção de prova material a distância temporal entre a ocorrência do fato e o momento da produção da prova judicial? Também a notória informalidade, a não documentação proposital e imposta pelo contratante de serviços? 751 De todo modo, cabe lembrar que o STJ definiu que “Aplica-se a Súmula 149/STJ (‘A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário’) aos trabalhadores rurais denominados ‘boias-frias’, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material” (REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012). 752 Nesse sentido: “em se tratando de trabalhador rural ‘boia-fria’, a exigência de início de prova material para efeito de comprovação do exercício da atividade agrícola deve ser interpretada com temperamento, podendo, inclusive, ser dispensada em casos extremos, em razão da informalidade com que é exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições” (TRF4, Turma Suplementar, AC 2001.70.06.000386-3, Relª. Luciane Amaral Corrêa Münch, DJ 12.01.2007). Também nesse sentido: TRF4, Turma Suplementar, AC 2006.70.99.001600-0, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 22.01.2007; TRF4, Quinta Turma, AC 95.04.09407-4, Rel. Tadaaqui Hirose, DJ 25.11.1998. Também em relação à empregada doméstica a jurisprudência do E. TRF da 4ª Região tem atenuado a exigência de prova material, adotando uma solução ligeiramente distinta daquela, oferecida ao caso do trabalhador rural boia-fria. No caso da empregada doméstica, em vez de dispensar, excepcionalmente, a apresentação de prova material, a orientação é no sentido de que “Admite-se para a empregada doméstica a declaração feita pelos ex-empregadores como início de prova material, desde que complementada por prova testemunhal idônea, considerando-se as características de tal profissão, em que, via de regra, o vínculo laboral costuma se estabelecer sem maiores formalidades” (TRF4, Sexta Turma, AC 2002.04.01.006772-0, Rel. Vladimir Passos de Freitas, DJ 19.04.2006). Mas uma declaração não contemporânea é uma prova pessoal e não uma prova material, de modo que a solução, ao fim e ao cabo, é a mesma, qual seja: a dispensa de prova material para a comprovação do tempo de serviço ou contribuição. 753 Processo 2007.70.95.006091-1, Rel. Juíza Federal Rosana Noya Weibel Kaufmann, j. 28.05.2009. No item 7.10.6, infra, é referida a orientação jurisprudencial segundo a qual não é necessário que a prova material se refira a todo período laboral objeto de comprovação. 754 BENTHAM, J. Tratado de las pruebas judiciales. Granada: Comares, 2001. Tradução para o espanhol de Manuel Osorio Florit. p. 21. 755 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1996. v. I, p. 595. 756 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 595. 757 “O termo prova documental abrange os instrumentos e os documentos, públicos e particulares. Qualquer representação material que sirva para reconstituir e preservar através do tempo a representação de um pensamento, ordem, imagem situação, ideia, declaração de vontade etc., pode ser denominado documento. Os escritos que são celebrados, por oficial público no exercício de seu mister, na forma prevista pela lei, com o intuito de fazer prova solene de determinado ato jurídico, compondo, por assim dizer, a própria essência do negócio (CC 104; CC/16, art. 130), ou não, denominamse instrumento. Este é o constituído com a finalidade de servir de prova. O documento não é confeccionado para o fim de servir de prova, mas pode ser assim utilizado, casualmente” (NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. Atualizado até 7 de julho de 2003 por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery. 7. ed., rev. e ampl. São Paulo: RT, 2003). 758 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 596. 759 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 278. 760 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 278. 761 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 278. 762 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 281. 763 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 282. 764 REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012. 765 Nesse mesmo sentido: “2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil ‘a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso’. Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, ‘não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento’ (Súmula 149/STJ). 3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes. 4. A Lei de Benefícios, ao exigir um ‘início de prova material’, teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente. 5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967” (REsp 1348633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28.08.2013, DJe 05.12.2014 – Representativo da Controvérsia – Tema 638). 766 Com efeito, o STJ “considera que não há exigência legal de que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o período que se quer comprovar. Para tanto, basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória” (STJ, AgRg no REsp 1369185/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 18.06.2013, DJe 28.06.2013). 767 STJ, AgRg no Ag 1410501/GO, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 09.08.2011, DJe 29.08.2011. 768 REsp 1304479/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012. 769 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, p. 102. O mesmo pensamento pode ser invocado para se presumir, por exemplo, a persistência da incapacidade laboral nas ações de restabelecimento de benefício por incapacidade (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200772570036836, Relª. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 11.06.2010). 770 Sem prejuízo de se considerar este acervo probatório como início de prova material para a comprovação do exercício de atividade rural em relação ao período anterior a 1965. Nesse sentido, marcante decisão do STJ, proferida de acordo com o rito dos recursos repetitivos (CPC/2015, art. 1.036; CPC/1973, art. 543-C), orientou pela possibilidade de reconhecer período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como prova material, baseado em prova testemunhal, para contagem de tempo de serviço para efeitos previdenciário (REsp 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28.08.2013). 771 E, em relação ao boia-fria, a exigência de prova material foi considerada devida pelo REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012. 772 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 284. 773 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 287. 774 Isso não significa que esses documentos não guardem valor probatório. Ao contrário, sugerem certa ligação entre o trabalhador e o meio em que afirma haver exercido atividade remunerada. A declaração emanada dos sindicatos dos trabalhadores rurais há de propiciar, quando menos, uma ideia de liame ou acesso do trabalhador aos órgãos do meio rural. Todavia, cabe anotar que as declarações de sindicato de trabalhadores rurais não podem ser consideradas constitutivas dos direitos dos trabalhadores rurais, isto é, jamais pode, esse espécie de prova documental, ser compreendida como conditio sine a quo non para o reconhecimento do trabalho rural por parte do segurado. 775 Nesse sentido orienta a jurisprudência do STJ: “O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que somente pode ser reconhecida como início de prova material a declaração de sindicato dos trabalhadores rurais desde que devidamente homologada, seja pelo Ministério Público, seja pelo Instituto Nacional de Seguro Social (Precedentes de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça)” (Sexta Turma, AgRg REsp 729.247/CE, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 03.05.2005, DJ 23.05.2005). 776 Nesse sentido: “Acresce notar que as fotografias apresentadas podem ser consideradas como início razoável de prova material” (STJ, EDREsp 352292-ES, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 03.06.2002); “Declarações contemporâneas, às quais se juntou material fotográfico do exercício do trabalho, constituem, conjuntamente, razoável início de prova material” (STJ, REsp 147638/SP, Quinta Turma, Rel. Min. José Dantas, DJ 24.11.1997). 777 REsp 1352721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16.12.2015, DJe 28.04.2016 – Representativo da Controvérsia – Tema 629. 778 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, p. 289-290. 779 Mas até que ponto, de fato, os indícios materiais que vemos nos feitos previdenciários são produzidos por causa absolutamente independente do litígio judicial? Até que ponto as notas de comercialização de produtos agrícolas – por exemplo – existem como consequência inafastável da venda de mercadorias e não como constituição de prova para eventual problema previdenciário de ordem administrativa ou judicial? Será, de fato, uma prova casual e não pré-constituída a certidão de nascimento que qualifica como lavradora a genitora, futura pretendente do benefício de saláriomaternidade? Será realmente casual e espontânea a declaração da qualificação profissional do falecido em sua certidão de óbito, quando seguramente seu cônjuge pleiteará o benefício de pensão por morte? 780 O início de prova material, portanto, não significa prova cabal, mas algum “registro por escrito que possa estabelecer liame entre o universo fático e aquilo que expresso pela testemunhal” (TRF4, AC 2000.04.01.128896-6/RS, Rel. Juiz João Surreaux Chagas, DJU 25.07.2001). 781 A presunção nos leva a atribuir um predicado, qualidade ou condição como provavelmente referente a um indivíduo, não nos levando a perceber o fato ou a coisa como evidentemente certos. Esse raciocínio presuntivo liga um fato conhecido a um outro desconhecido, partindo-se da ideia do que é ordinário acontecer ou existir. 782 Nesse sentido, de modo genérico: “Nos termos da consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a qualificação do marido como trabalhador rural é extensível à esposa” (STJ, AgRg no Ag 1410501/GO, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 09.08.2011, DJe 29.08.2011). 783 Daí a correção dos termos dispostos pela Súmula 73 do E. TRF da 4ª Região: “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental” (DJ, Seção 2, de 02.02.2006). Em igual direção a Súmula 06 da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs: “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola”. Não prejudica à trabalhadora, portanto, a circunstância de eventual registro público lhe qualificar como doméstica ou do lar. 784 Ressalve-se que, em casos excepcionais, tão robusta é a prova material apresentada pelo ex-rurícola e, de outra parte, tão difícil a obtenção de prova testemunhal para confortá-la, que é viável o reconhecimento do fato previdenciário objeto de comprovação mediante o que se pode inferir exclusivamente da prova material. 785 De todo modo, importante considerar que “É prescindível que o início de prova material se refira a todo o período de carência exigido, desde que sua eficácia probatória seja ampliada por robusta prova testemunhal” (STJ, AgRg no Ag 1410501/GO, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 09.08.2011, DJe 29.08.2011). No mesmo sentido: STJ, AR 3.986/SP, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, j. 22.06.2011, DJe 01.08.2011. Igualmente nesse sentido: “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material, corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício” (Súmula 14/TNU). 786 Nesse sentido, mais recentemente: “Constitui entendimento dominante desta Turma Nacional que “documentos pessoais dotados de fé pública, como as certidões de nascimento, casamento e óbito, não necessitam ostentar a contemporaneidade com o período de carência do benefício previdenciário rural para serem aceitos como início de prova material, desde que o restante conjunto probatório permita a extensão de sua eficácia probatória por sobre aquele período (PEDILEF 200670950141890, Rel. Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna, DJ de 05.05.2010) [...]” (PEDILEF 200770520018172, Turma Nacional de Uniformização, Relª. Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, Data da Decisão: 05.05.2011, DOU 17.06.2011 Seção 1). 787 GOUVÊA, Ligia Maria Teixeira; WRONSKI, Ana Paula Volpato. O princípio da identidade física do juiz no processo do trabalho: revivendo um velho mote. Revista LTr, São Paulo, n. 65-07, p. 779, jul. 2001. 788 Lembre-se, nesse sentido, que “A Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493/PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, prevista no art. 543-C do CPC, consolidou entendimento de que a súmula 149 daquela Corte se aplica aos trabalhadores boias-frias, sendo inafastável a exigência de início de prova material, corroborada com prova testemunhal, para a comprovação de tempo de serviço” (TRF4, AC 0009713-06.2012.404.9999, Sexta Turma, Rel. Néfi Cordeiro, DE 07.03.2013). 789 E mesmo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que orienta a suficiência de um documento de registro público a indicar a condição de trabalhador rural a fim de se atender à exigência de prova material: “A jurisprudência da Egrégia Terceira Seção consolidou o entendimento que deu origem à Sum. 149 desta Corte, no sentido de que, para fins de obtenção de aposentadoria previdenciária por idade, deve o trabalhador rural provar sua atividade no campo por meio de, pelo menos, início razoável de prova documental, sendo suficientes as anotações do registro do casamento civil” (Sexta Turma, REsp 180.959/CE, Rel. Min. Vicente Leal, j. 08.09.1998, DJ 28.09.1998, p. 186). 790 Certamente, como expressou mais recentemente o STJ, com todas as letras, em precedente firmado de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia: “[...] 3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (‘A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário’) aos trabalhadores rurais denominados ‘boias-frias’, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. 4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os ‘boias-frias’, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados” (REsp 1321493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012, DJe 19.12.2012). 791 Nesse sentido: Previdenciário. Aposentadoria por idade. Julgamento antecipado. Extinção do feito por impossibilidade jurídica do pedido. Início de prova material. Apreciação da prova. Princípio da equidade. LICC 42, art. 5º. “1. O fundamento da extinção do processo – ausência de início de prova material – diz respeito ao mérito da ação. A possibilidade jurídica do pedido, como condição da ação deve ser entendida como a admissibilidade da pretensão declinada na inicial perante o ordenamento jurídico. 2. A extinção do processo sem possibilitar à parte autora a realização das provas requeridas na inicial, inviabiliza a pretensão, pois impede o prosseguimento da lide, com a apreciação do mérito. 3. No tocante à apreciação da prova, merece temperança a norma que arrola os documentos exigidos para a comprovação da atividade rural, cuja valoração vai depender das circunstâncias do caso concreto, atendido o princípio de equidade, contido no art. 5º da LICC 42. 4. Apelação provida para afastar a extinção do processo e determinar o prosseguimento do feito” (TRF4, AC 96.04.670018, Sexta Turma, Rel. Carlos Sobrinho, DJ 22.10.1997). 792 Não apenas o produtor, mas também o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal. 793 Desde a vigência da Lei 11.718/2008, o limite para contratação de mão de obra pelo segurado especial passou a ser disposto por um critério objetivo. Com efeito, o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador que preste serviço, em caráter eventual, sem relação de emprego, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho. A previsão normativa se encontra atualmente no art. 11, § 7º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 12.873/2013. De modo expresso o dispositivo estabelece, ainda, que não é computado no prazo de 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil o período de afastamento do segurado especial em decorrência da percepção de auxílio-doença. Isto é, o segurado especial, titular de benefício de auxílio-doença, pode contratar mão de obra sem que o período de gozo desse benefício seja computado no limite máximo de 120 (cento e vinte) dias por ano civil. 794 Sobre os benefícios a que tem acesso o segurado especial, contribuindo para a Seguridade sobre o produto da sua comercialização são definidos pelo art. 39 da Lei n. 8.213/91: “Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílioreclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílioacidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou II – dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social. Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício”. 795 A presente seção não se destina a analisar as diversas questões suscitadas ou problemas jurídicos relativos à tipificação da condição de segurado especial. Elas são várias e diuturnamente desafiam os órgãos administrativos e a jurisprudência pátria. 796 Por força do princípio tempus regit actum, a previsão normativa de limite de extensão da área objeto de exploração agropecuária, em 4 (quatro) módulos fiscais, somente é de ser considerada após a entrada em vigor da Lei n. 11.718/2008, em 23.06.2008, não se prestando como critério para tipificação do segurado especial em relação a período anterior. 797 Desde que o extrativismo se dê na forma da Lei n. 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Mais especificamente, exige-se que o sistema de exploração seja baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis (inciso XII do caput do art. 2º da Lei n. 9.985/2000). 798 Lei n. 8.213/91, art. 11, § 6º. 799 Antes disso, a Lei 8.861/94 já havia alterado o caput do art. 106 da Lei 8.213/91, inserindo a exigência da Carteira de Identificação e Contribuição no inciso VI desse artigo, que foi mantido, porém, apenas até a Lei 9.063/95, quando foi excluída essa identificação como um dos documentos hábeis a provar a atividade rural (BERWANGER, Jane Lúcia. Segurado especial: o conceito para além da sobrevivência individual, Curitiba: Juruá, 2013. p. 279). 800 A Lei 11.718/2008 determinou o desenvolvimento de um programa de cadastramento dos segurados especiais, com atualização anual das informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial. Para tanto, o extinto Ministério da Previdência Social podia firmar convênio com órgãos federais, estaduais ou do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com entidades de classe, em especial as respectivas confederações ou federações. As informações contidas nesse cadastro dispensariam apresentação dos documentos previstos no art. 106 da Lei 8.213/91, então exigidos para a comprovação do trabalho rural. 801 Em caso de divergência nas informações constantes do mencionado cadastro, o INSS poderia exigir a apresentação dos documentos previstos no art. 106 da Lei 8.213/91. 802 Lei 8.213/91, art. 17, § 4º. “A inscrição do segurado especial será feita de forma a vinculá-lo ao respectivo grupo familiar e conterá, além das informações pessoais, a identificação da propriedade em que desenvolve a atividade e a que título, se nela reside ou o Município onde reside e, quando for o caso, a identificação e inscrição da pessoa responsável pelo grupo familiar. § 5º. O segurado especial integrante de grupo familiar que não seja proprietário ou dono do imóvel rural em que desenvolve sua atividade deverá informar, no ato da inscrição, conforme o caso, o nome do parceiro ou meeiro outorgante, arrendador, comodante ou assemelhado”. 803 Art. 38-A da Lei 8.213/91, com a redação da MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. 804 Observe-se, porém, que: “Art. 38-B, § 3º. Até 1º de janeiro de 2025, o cadastro de que trata o art. 38-A poderá ser realizado, atualizado e corrigido, sem prejuízo do prazo de que trata o § 1º deste artigo e da regra permanente prevista nos §§ 4º e 5º do art. 38-A desta Lei”. 805 A MP 871/2019 estabelecia prazo ainda menor (de 1º de janeiro de 2020). 806 De qualquer modo, havendo divergência de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 da Lei 8.213/91 (art. 38-B, § 4º, com a redação dada pela Lei 13.846/2019). 807 Este Ofício-Circular disciplina o tema até quando da atualização da IN n. 77/PRES/INSS, de 2015. 808 Sendo que desde 18.01.2019, data de vigência da MP 871/2019, a declaração sindical, emitida por sindicado rural, não mais se constitui como documento a ser considerado para fins da comprovação da atividade rural. Para requerimentos protocolados até 17.01.2019, permanecem inalterados os procedimentos previstos na legislação previdenciária em vigor à época, incluindo o que se refere à homologação do tempo de serviço rural através de declaração sindical. Somente será permitida emissão posterior a esta data quando se tratar de retificação de documento existente no processo. 809 E também pelos documentos previstos nos incisos I, III e IV a XI do art. 47 e art. 54 ambos da IN 77/PRES/INSS, de 2015. 810 REsp 346.496/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 20.03.2003, DJ 06.10.2003. 811 TRF4 5045418-62.2016.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, j. aos autos em 13.12.2018. 812 TRF4, Ag. 5027702-27.2013.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, j. autos em 22.05.2014. 813 TRF4 5003631-45.2011.4.04.7108, Quinta Turma, Rel. Roger Raupp Rios, j. aos autos em 25.08.2016. 814 STJ, Pet 7.115, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 10.03.2010, DJ 06.04.2010. CAPÍTULO 8 EFEITOS DAS DECISÕES DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO Esse é um tema complexo, e desejamos confessar desde logo que não temos a oferecer uma solução apriorística. Mas, a partir da noção proposta no capítulo anterior de que uma determinada prova material pode ser frágil ou então de força elevada é possível começarmos a discussão de um dos temas mais relevantes em matéria processual previdenciária, este que diz respeito aos efeitos previdenciários das decisões proferidas na Justiça do Trabalho. É justamente a partir dessa noção que deve ser interpretada a Súmula 31 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, segundo a qual: “A anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários”. Se o registro do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS foi inscrito oportunamente, presume-se a veracidade dos seus termos, pois “goza da presunção de veracidade juris tantum, devendo a prova em contrário ser inequívoca, constituindo, desse modo, prova plena do serviço prestado nos períodos ali anotados” (TRF4, Sexta Turma, AC 2002.70.05.0092673, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 07.12.2007)⁸¹⁵. Segundo nosso entendimento, nas demais circunstâncias (segurado empregado com registro tardio ou contribuinte individual, por exemplo), o tempo de contribuição terá de ser demonstrado e, segundo a regra do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, é insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal. Mas, quando o registro tardio é determinado por decisão judicial trabalhista, a questão passa a consubstanciar umas das mais sensíveis do Direito Processual Previdenciário. Os argumentos a favor e contra a produção de efeitos previdenciários automáticos são bastante conhecidos. De um lado se afirma que a comprovação do fato “tempo de contribuição” para fins previdenciários exige início de prova material, enquanto a prestação de serviço pode ser reconhecida na Justiça do Trabalho sem esta condicionante de prova. Deveras, “A decisão definitiva referente a questões trabalhistas, de um modo geral, não opera efeitos perante a autarquia previdenciária, diante da qual se pleiteia direitos diversos, que encerram sistemática própria de avaliação e concessão”⁸¹⁶. Aliás, é possível o reconhecimento desse fato mediante autocomposição da lide pelas partes litigantes. A atribuição de efeitos automáticos para fins previdenciários possibilitaria a utilização da via trabalhista como desvio do mais elevado rigor na apreciação de prova previdenciária, isto é, um modo de não atender à exigência de prova material. Ademais, o reconhecimento de efeitos previdenciários automáticos às decisões trabalhistas abriria um espaço de grande dimensão para o mau uso da ação trabalhista. Em vez de deduzirem pretensões efetivamente da ordem trabalhista, essas ações trabalhistas guardariam desiderato previdenciário. Indaga-se, pois: um acordo sem maiores implicações na justiça trabalhista teria a mesma repercussão de uma anotação contemporânea na CTPS, ainda que não haja o recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes? Por fim, a coisa julgada trabalhista não pode favorecer nem prejudicar terceiros, de maneira que o INSS não estaria obrigado a reconhecer os efeitos da decisão trabalhista ou averbar tempo de contribuição ou salário de contribuição sem a prova exigida pela legislação previdenciária. Da mesma forma, o não reconhecimento do vínculo trabalhista ou do direito de diferenças salariais não inibiria o segurado de buscar a repercussão previdenciária devida, na esfera administrativa e posteriormente, se for caso de indeferimento, judicial. O precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja ementa se transcreve abaixo, bem demonstra as preocupações relacionadas com a eficácia probante das decisões trabalhistas: Evidenciado o objeto único de obtenção de efeitos perante a Previdência Social, a sentença prolatada em reclamatória trabalhista não é prova confiável, mormente se o reclamado, irmão do reclamante, reconheceu a procedência do pedido. Hipótese em que mesmo o entendimento mais liberal no sentido de que a sentença trabalhista é passível de ser utilizada como início de prova material, a ser complementada pela prova testemunhal, pode ser adotado, pois a sentença que julgou procedente a reclamatória trabalhista baseou-se tão somente no depoimento de três testemunhas, que são as mesmas ouvidas na ação de cunho previdenciário, o que gera fundadas dúvidas sobre a idoneidade dessa prova (TRF4, AC 2001.71.07.0023307/RS, Rel. Des. Fed. Antonio Albino Ramos de Oliveira, j. 25.06.2003)⁸¹⁷. Em linha jurisprudencial um pouco distinta, pode-se verificar um cuidado maior com a condição do empregado: A questão posta a debate restringe-se em saber se a sentença trabalhista constitui ou não início de prova material, pois as anotações na CTPS advieram por força desta sentença. Neste contexto, mesmo o Instituto não tendo integrado a lide trabalhista, impõe-se considerar o resultado do julgamento proferido em sede de Justiça Trabalhista, já que se trata de uma verdadeira decisão judicial, não importando cuidar-se de homologatória de acordo, conforme alegado pelo Instituto. Portanto, não se caracteriza a ofensa ao art. 472 do Código de Processo Civil. Ademais, se no bojo dos autos da reclamatória trabalhista, há elementos de comprovação, pode ser reconhecido o tempo de serviço. A jurisprudência desta Eg. Corte vem reiteradamente decidindo no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo apta a comprovar-se o tempo de serviço prescrito no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, desde que fundamentada em elementos que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados, ainda que o Instituto Previdenciário não tenha integrado a respectiva lide (AgRg. REsp 543.764/CE, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 02.02.2004). As anotações feitas na CTPS gozam de presunção juris tantum, consoante preconiza o Enunciado 12 do Tribunal Superior do Trabalho e da Súmula 225 do Supremo Tribunal Federal. O fato de o empregador ter descumprido a sua obrigação de proceder ao registro do empregado no prazo devido, o que foi feito extemporaneamente e por força de ordem judicial, não tem o condão de afastar a veracidade da inscrição. Consoante remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que fundada em elementos que demonstrem o labor exercido na função e os períodos alegados pelo trabalhador; tornando-se, dessa forma, apta a comprovar o tempo de serviço enunciado no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, ainda que a autarquia previdenciária não tenha integrado a respectiva lide. Precedentes (REsp 585.511/PB, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJ 05.04.2004)⁸¹⁸. Vejamos, pois, o outro lado da moeda. A Justiça do Trabalho executa de ofício as contribuições incidentes sobre as verbas próprias que se encontram inseridas na condenação (CF/88, art. 144, § 3º). Se há o reconhecimento do fato jurídico “prestação de serviço” para fins de custeio da Previdência Social, não deveria haver o reconhecimento para fins previdenciários, igualmente? Poderia um fato ser e não ser ao mesmo tempo? De outro lado, a comprovação de fraude processual caberia ao INSS. Não se trata de impor os efeitos da coisa julgada trabalhista ao INSS, mas impor o reconhecimento de um fato admitido pelo empregado e pelo empregador (por força de decisão judicial) e que, por sua presunção de boa-fé e veracidade, deve ser reconhecido por todos. De outra parte, se houver o recolhimento das contribuições previdenciárias pelo empregador, tanto melhor, mas o fato é que o empregado não pode ser prejudicado duas vezes; isto é, já teria sido subtraído em seus direitos trabalhistas e agora teria de suportar a recusa de seu direito previdenciário por uma questão tributária que simplesmente não lhe diz respeito (Lei 8.212/91, art. 30, I, “a” e “b”, c/c art. 33, § 5º). Por fim, os acordos trabalhistas são e devem ser estimulados. Não é razoável que a opção pela autocomposição, alcançada muitas vezes em razão da dependência do trabalhador em relação à verba alimentar pretendida, custe o significado previdenciário da prestação de serviço reconhecida. No arremate, o só fato da suposta existência de vínculo ocorrer entre familiares não pode conduzir ao pensamento de que o trabalhador está operando com fraude ou má-fé. 8.1 NOTAS DOUTRINÁRIAS SOBRE OS LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA A coisa julgada é uma qualidade da sentença e, para Liebman, na citação de Ovídio Baptista, “uma qualidade que aos efeitos se ajunta para torná-los imutáveis”⁸¹⁹. Como anota Marcos Destefenni “os limites subjetivos da coisa julgada referem-se à verificação daqueles que estão atingidos pela imutabilidade da coisa julgada, isto é, há necessidade de se identificar quem está proibido de voltar a discutir as questões que a sentença resolveu”⁸²⁰. José Maria Tesheiner entende por limites subjetivos da coisa julgada “a determinação das pessoas sujeitas à imutabilidade e indiscutibilidade da sentença que, nos termos do art. 467 do Código de Processo Civil, caracterizam a eficácia de coisa julgada material”⁸²¹. As discussões doutrinárias relacionadas aos limites subjetivos da coisa julgada e seus efeitos partem da teoria de Liebman – seja para a refutar ou para emprestar-lhe adesão. O gênio de Liebman criou a distinção entre a autoridade da coisa julgada e a eficácia da sentença, firmando o conceito de que a autoridade da coisa julgada é restrita às partes, porém a eficácia da sentença atinge também a terceiros. É justamente aí que começa a discussão sobre a eficácia da coisa julgada com relação a terceiros, assim definida pelo art. 506 do CPC/2015: Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros⁸²². Theodoro Júnior bem sintetiza a teoria de Liebman: [...] esclarece Liebman: a) a eficácia natural vale para todos (como ocorre com qualquer ato jurídico); mas b) a autoridade da coisa julgada atua apenas para as partes. Assim, um estranho pode rebelar-se contra aquilo que já foi julgado entre as partes e que se acha sob a autoridade de coisa julgada, em outro processo, desde que tenha sofrido prejuízo jurídico⁸²³. Esta é a linha de raciocínio seguida por Ovídio Araújo Baptista da Silva. Para o professor gaúcho, a sentença existe e vale com respeito a todos, mas enquanto é sentença entre as partes: “Todos, pois, são obrigados a reconhecer o julgado entre as partes; não podem, porém, ser prejudicados”⁸²⁴. Tal prejuízo não pode ser um mero prejuízo de fato; deve ser caracterizado como um prejuízo jurídico. De sua vez, Theodoro Júnior diferencia o prejuízo jurídico do prejuízo de fato, sendo aquele “a negação de um direito do terceiro, ou a restrição direta a ele”, e este, como exemplo, um “caso de diminuição do patrimônio do devedor comum”⁸²⁵. Talvez estejam aqui as circunstâncias em que a anotação de carteira profissional decorrente de uma decisão trabalhista possa impor-se ao INSS. Segundo Ovídio Baptista, a imutabilidade das sentenças é válida para as partes e todos os terceiros, mas, se a decisão proferida atinge a terceiros que possuem uma relação jurídica que tem um vínculo de prejudicialidade – dependência com a relação decidida, tal imutabilidade deixa de existir. Note-se, porém: a imutabilidade cede apenas para estes terceiros, detentores de uma relação jurídica dependente. Ou seja, o efeito declaratório somente é definitivo e imodificável para o terceiro enquanto ele esteja desinteressado em relação ao litígio que deu causa à sentença. A sentença decidida irradia os chamados efeitos reflexos perante a relação dependente, assim entendidos os efeitos que dão ensejo a diversas modalidades de intervenção na causa, por parte dos terceiros juridicamente interessados, em razão de vínculos de conexão ou acessoriedade da relação de que os terceiros participem, com a relação jurídica tema da sentença. Neste particular, Ovídio Baptista busca apoio na maestria de Pontes de Miranda, para o qual Pode haver (eventuais) efeitos reflexos, cuja previsão, de si só, justifique as intervenções dos assistentes, em casos de chamada à autoria, ou de oposição de terceiro. [...] Não se trata de efeitos da coisa julgada, nem da condenação, mas de efeitos da sentença, não anexados por lei, mas tornados inevitáveis, e.g., pela pretensão do terceiro que depende da existência da pretensão de alguma das partes. No fundo, a diferença entre os efeitos anexos e os reflexos – que chamaríamos conexos, se a palavra conexão não tivesse sentido mais técnico e menos comum – está em que a lei, quanto àqueles, intencionalmente os cria, ocorrendo certas circunstâncias relativas aos bens da vida, e, quanto a esses, é a vida que os cria, devido à entremistura das incidências das leis. A nexidade é comum àqueles e a esses: ali propositada; aqui ocasional (Tratado das ações, v. I, p. 220-221)⁸²⁶. Na visão de Ovídio Baptista, a eficácia natural da sentença, proposta por Liebman, é aquela imutabilidade advinda dos efeitos declaratórios da sentença, e que atinge os terceiros sem legitimação como terceiros de uma relação jurídica dependente, os chamados terceiros desinteressados. Liebman, na referência de Sérgio Gilberto Porto, diz que [...] certamente, muitos terceiros permanecem indiferentes em face da sentença que decidiu somente a relação que em concreto foi submetida ao exame do juiz; mas todos, sem distinção, se encontram potencialmente em pé de igualdade de sujeição a respeito dos efeitos da sentença, efeitos que se produzirão efetivamente para todos aqueles cuja posição jurídica tenha qualquer conexão com o objeto do processo, porque para todos contém a decisão a atuação da vontade da lei no caso concreto⁸²⁷. Já para Tesheiner, contrariamente do que pensa Liebman, inexiste uma eficácia natural da sentença. Para ele, os efeitos de uma sentença sobre outras relações jurídicas decorrem diretamente da lei, que somente serão produzidos enquanto a ordem jurídica “os tiver disposto”⁸²⁸. Aduz que os efeitos práticos da teoria de Liebman seriam a extensão da própria coisa julgada aos terceiros. A perspectiva de Tesheiner é mais próxima de nossa realidade do que poderia parecer: [...] o empresário A quer dar de presente a B uma aposentadoria, às custas do Instituto Nacional de Seguro Social. Poderia, simplesmente, assinar a carteira de trabalho de B, dando-o como empregado de sua empresa há vinte anos, mas o logro poderia ser descoberto pela fiscalização do INSS. Combinam, então, que B mova uma reclamatória trabalhista contra A, dizendo-se empregado sem carteira assinada. Em juízo, A finge resistir à pretensão do suposto empregado, mas, de fato, ajuda-o a vitoriar-se na ação. B consegue assim uma sentença que, declarando sua condição de empregado há 20 anos, o faz também segurado do INSS, com os direitos correspondentes. Antes de Liebman, o que se diria dessa hipótese? Simplesmente que a sentença não poderia ser oposta a terceiro, no caso, ao INSS: res inter alios acta. A instituição previdenciária negaria o benefício, forçando o pretenso segurado a ir a juízo, tendo o ônus de provar, em contraditório com o INSS, a efetiva prestação de trabalho à empresa de A, pelo tempo declarado. Como se responde depois de Liebman? Que é verdade que a sentença proferida na reclamatória trabalhista não tem autoridade de coisa julgada em face do INSS, que é terceiro, estranho à lide nela deduzida. Todavia, a sentença, como ato do Estado que é, tem uma eficácia natural que impõe o respeito de todos. O INSS tem de respeitar o julgado, mas porque não atingido pela autoridade da coisa julgada, pode alegar e provar o conluio. Negado o benefício, o segurado vai a juízo, mas não tem que provar nada. Apenas exibe a sentença que o declarou empregado. Se quiser fugir aos efeitos dessa sentença, terá o INSS que propor ação, alegando a colusão entre as partes. Ainda que não se exija ação rescisória (CPC, art. 485, III), sujeita a prazo decadencial por não submetido à autoridade da coisa julgada, sobre o Instituto recairá, segundo Liebman, o ônus de demonstrar a injustiça da decisão impugnada⁸²⁹. A preocupação de José Maria Tesheiner seria potencializada diante do entendimento adotado pelas duas turmas previdenciárias do TRF da 4ª Região que orientam que as anotações em CTPS, ainda que feitas tardiamente (independentemente de decisão trabalhista), gozam de presunção juris tantum de veracidade (TRF4, Sexta Turma, AC 2004.04.01.001460-8, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 11.04.2006; TRF4, Sexta Turma, AC 2007.72.99.002442-9, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 15.06.2007)⁸³⁰. Prossigamos. Sérgio Gilberto Porto entende, como Liebman, que existe uma eficácia natural da sentença que atinge a terceiros. Porém, é firme no sentido de que terceiros jamais poderão ser atingidos pela autoridade da coisa julgada, com base na garantia constitucional-processual presente no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal⁸³¹. No mesmo sentido pronuncia Destefenni, para quem “somente aquele que teve a necessária ciência da relação processual e dos atos processuais praticados, bem como teve oportunidade de participar e influir no julgamento da lide poderá ser atingido pela sentença”⁸³². Antonio Carlos de Araújo Cintra pensa ser essa a posição de Liebman, certificando que, embora a sentença, como todo ato estatal, tem eficácia em face de terceiros, a autoridade da coisa julgada material não é, a esses terceiros, oponível, já que sempre que possuírem interesse jurídico, poderão impugnar e repelir qualquer efeito danoso. Ou seja, toda a discussão centra-se em saber a quem é oponível à coisa julgada material e, mais especificamente, quando a coisa julgada é oponível a terceiros. Como visto, o art. 472 do CPC/1973 dispunha que “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”⁸³³. Segundo Liebman e, mais perto de nós, Ovídio Baptista, a autoridade da coisa julgada recai sobre as partes integrantes da relação processual. De modo distinto, a eficácia natural da sentença atinge a todos, inclusive aos terceiros indiferentes. De outra parte – e aqui há destacada importância para nós –, a eficácia reflexa da sentença atinge aos terceiros possuidores de relação jurídica dependente, que não integraram a lide processual, possibilitando-os a impugnação da sentença exarada, portanto inexistindo para eles a imutabilidade da sentença. Assim, a coisa julgada poderia ter uma expansão subjetiva de três formas: a) a lei estende a eficácia da coisa julgada ao terceiro, resolvendo a situação pelo litisconsórcio necessário; b) não ocorre intervenção necessária, criando assim a eficácia reflexa e possibilitando a rediscussão do julgado, desde que atinja outras relações com nexo de prejudicialidade-dependência; c) os demais casos, terceiros indiferentes, deverão suportar a eficácia natural da sentença. Nessas condições, a Administração Previdenciária, entendendo-se prejudicada pelos termos da sentença trabalhista, deveria impugnar seus efeitos reflexos pela via própria. Mas teria ela real interesse de agir, visto que, por força de norma constitucional, o mesmo fato constitui hipótese de incidência tributária alusiva às contribuições sociais que, de ofício, são buscadas pela Justiça do Trabalho? Esse pensamento doutrinário não segue seu caminho sem resistências. Destefenni preceitua que os chamados terceiros juridicamente interessados são atingidos reflexamente pela coisa julgada material. Mas reputa existentes casos nos quais o terceiro não foi parte da relação processual e a coisa julgada foi-lhes estendida em virtude da especial posição que ocupam na relação de direito material. Vejamos quais seriam esses casos: • os sucessores das partes podem ser atingidos, uma vez que recebem os direitos e a ação no estado em que se encontram; • os legitimados concorrentes para demandar: se a legitimidade é concorrente, basta que um promova a ação para que todos os demais sejam atingidos pela imutabilidade; • na hipótese de substituição processual (CPC/2015, art. 18, CPC/1973, art. 6º), a sentença de mérito pode produzir efeitos em relação ao substituído, que não foi parte no processo; • na hipótese de assistência simples (CPC/2015, art. 119; CPC/1973, art. 50), em que o assistente, mesmo não sendo parte no processo, sofrerá os efeitos da sentença, ficando impedido de rediscutir, em processo futuro, a “justiça da decisão”, salvo se alegar e comprovar a exceção de má gestão processual, nos termos do art. 123 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 55); • o assistente litisconsorcial (CPC/2015, art. 124; CPC/1973, art. 54) que, por ser também titular do direito material, sobre o qual formou a autoridade da coisa julgada, poderia ter sido litisconsorte unitário (facultativo) desde o início da relação processual, sendo, desta forma, atingido pela coisa julgada, tendo ou não participado do processo⁸³⁴. Para concluir seu raciocínio, Destefenni se vale da referência de Moacyr Amaral Santos, de que “a condição para que os terceiros sejam atingidos pela coisa julgada ‘é que sejam citados para a ação, em litisconsórcio necessário, todos os interessados diretos ou juridicamente interessados’”⁸³⁵. Deve-se observar, contudo, que não se trata de impor à entidade previdenciária a autoridade da coisa julgada, mas a eficácia natural pelo reconhecimento de um fato, eficácia esta que pode ser desconstituída se for identificado pelo terceiro um verdadeiro prejuízo jurídico. 8.2 EFICÁCIA PROBANTE DA DECISÃO TRABALHISTA Na perspectiva da eficácia probante da coisa julgada, a jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais tem decidido que “A anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários” (Turma Nacional de Uniformização, Súmula 31)⁸³⁶. De outro ponto de vista, o Superior Tribunal de Justiça, em uma linha de pensamento que não chegou a prevalecer, já orientou que A ordem judicial, irrecorrida, emanada da Justiça do Trabalho, inibindo o ajuizamento de execução na Justiça Comum Estadual, deve ser observada por todos, inclusive pelos demais ramos do Poder Judiciário; nenhum juiz ou tribunal podem desconsiderar decisões judiciais cuja reforma lhes está fora do alcance. Recurso especial conhecido e provido (REsp 300.086/RJ, 2001/0005259-2, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 09.12.2002). Atualmente, porém, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem acolhido posicionamento de que a decisão trabalhista apenas atenderá a exigência de prova material, para fins previdenciários, se “no bojo dos autos acham-se documentos que atendem o requisito do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213/91, não constituindo reexame de prova sua constatação, mas valoração de prova”⁸³⁷. Prevalece no STJ, com efeito, uma perspectiva mais restritiva do que a da Súmula 31 da TNU, quanto aos efeitos previdenciários das decisões trabalhistas que reconhecem vínculo laboral. Para que a sentença seja tomada como prova material, de acordo com o entendimento do STJ, exigese que elementos probatórios fundamentem a sentença que determina a anotação em CTPS de determinado período de prestação de serviço⁸³⁸: 1. A sentença trabalhista será admitida como início de prova material, apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária. Precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção. 2. No caso em apreço, não houve produção de qualquer espécie de prova nos autos da reclamatória trabalhista, tendo havido acordo entre as partes. 3. Embargos de divergência acolhidos⁸³⁹. É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material para a obtenção de benefício previdenciário, ainda que o INSS não tenha integrado a respectiva lide, desde que fundada em elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador⁸⁴⁰. O uso de sentença trabalhista homologatória de acordo como início de prova material somente é aceito por este Superior Tribunal quando referida decisão estiver fundamentada em elementos de prova⁸⁴¹. Ao tempo em que se apresenta menos permeável aos efeitos de acordos trabalhistas desvinculados de qualquer indício da existência do trabalho alegado, essa orientação jurisprudencial pode significar que a sentença trabalhista apenas serve como elemento de prova material se, no processo em que produzida, houver também prova material da atividade alegada. Ora, em casos tais, os elementos materiais do trabalho apresentados na justiça trabalhista seriam suficientes, eles mesmos, para o atendimento da exigência previdenciária de prova material contida no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91. Em assim sendo, se a sentença trabalhista vale ou não como prova material já seria um problema sem razão de ser. Note-se que os elementos de prova produzidos na reclamatória trabalhista não necessitam guardar correspondência ao que se tem por prova material – se fosse assim, eles mesmos atenderiam à exigência de início de prova material e a discussão sobre a índole probatória da sentença restaria esvaziada. Em nosso modo de ver, a variável “contemporaneidade” não pode deixar de ser considerada, conforme sustentamos mais adiante. De qualquer sorte, o tema da eficácia previdenciária das decisões trabalhistas que reconhecem vínculo de emprego constitui objeto de incidente de uniformização no âmbito do Superior Tribunal de Justiça⁸⁴². De outra parte, menor grau de dificuldade parece encontrar a sentença trabalhista no que diz respeito ao reconhecimento de diferenças salariais que seriam utilizadas, no domínio previdenciário, para fins de elevação do salário de contribuição que são considerados no cálculo da renda mensal inicial: O reconhecimento de verbas remuneratórias em reclamatória trabalhista autoriza o segurado a postular a revisão da renda mensal inicial, ainda que o INSS não tenha integrado a lide, devendo retroagir o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão à data da concessão do benefício (TRF4, Súmula 107). É verdade que a comprovação do efetivo valor do salário de contribuição, alcançado pelos valores pagos, devidos ou creditados ao segurado, não pressupõe apresentação de início de prova material⁸⁴³. E seria mesmo inviável a demonstração, mediante prova material, de que os valores devidos ou efetivamente pagos ao segurado seriam outros que não aqueles informados pela empresa empregadora à Fazenda. Nada obstante, a atribuição de caráter vinculante ou de efeitos previdenciários automáticos às decisões trabalhistas que reconhecem diferenças salariais, além de impor a terceiro (INSS) os efeitos da coisa julgada, parece retirar da justiça federal a competência para se pronunciar a respeito de fato genuinamente previdenciário (valor do salário de contribuição para fins de elevação da renda mensal do benefício). Por essa razão, a análise também dessa questão de fato (aumento do salário de contribuição para repercussão no cálculo da renda mensal) não prescinde do criterioso exame caso a caso. 8.3 EFICÁCIA PREVIDENCIÁRIA DAS DECISÕES TRABALHISTAS. NOSSO POSICIONAMENTO Se entendermos que a eficácia natural da sentença trabalhista, em qualquer caso, deve produzir efeitos automáticos na esfera previdenciária, estaremos permitindo que o sistema previdenciário siga com uma grande fragilidade em termos de risco moral. Ele estará exposto em demasia a condutas oportunistas e se não há razão para se presumir a má-fé das pessoas, também não podemos ignorar que muitas vezes elas agirão racionalmente (em termos econômicos), pautadas por uma orientação que maximize suas vantagens, especialmente quando ameaçadas por uma contingência social. Pelo final do raciocínio anterior iniciamos a exposição de sua antítese. Se a pessoa se encontra ameaçada por uma contingência social, a recusa do reconhecimento do tempo de contribuição que é, por lei, considerado existente para fins tributários na Justiça do Trabalho, parece constituir um excesso de zelo com gravosas consequências para o segurado. Talvez por isso, ao fim e ao cabo, seja correta a jurisprudência previdenciária quando vislumbra na anotação em CTPS decorrente de decisão trabalhista transitada em julgado um início de prova material, algo indeterminado assim. De um lado, não se franqueia o sistema aos caronistas da Previdência Social. Por outro, permite ao segurado que demonstre o tempo de contribuição, mediante a anotação tardia em CTPS e prova testemunhal. Mas o grau de credibilidade dessa prova material forjada por ordem trabalhista nos será dito pela individualidade do caso concreto, para o que se propõe o que segue. Quando não se encontra qualquer vestígio da atividade supostamente desempenhada pelo segurado e a ação trabalhista é ajuizada vários anos após o suposto exercício da atividade, o reconhecimento de tempo de serviço a rigor implicaria o reconhecimento de filiação sem prova material, pois a sentença trabalhista, em casos tais, declara o vínculo empregatício com apoio exclusivamente em prova testemunhal ou apenas em razão do acordo judicial. Quando não há qualquer sinal material do exercício de determinada atividade e a reclamatória trabalhista não guarda a nota de contemporaneidade em relação à suposta prestação de serviço, pode-se até admitir que as anotações em CTPS são um indício material do trabalho alegado, mas a prova material – e isso parece evidente – é extremamente frágil, fazendo a solução da controvérsia depender acentuadamente do incerto ou errático produto da prova testemunhal, justamente o que buscou inibir a regra inserta no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91. É que, nada obstante as anotações em CTPS decorrente de decisão trabalhista possam, em princípio, atender à exigência do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, quando se verifica que a sentença que fundamentou a anotação tardia se operou por via de acordo judicial, que a reclamatória trabalhista foi ajuizada longos anos após a suposta prestação de serviço e sem qualquer documento ou prova material, não pode o acordo judicial servir como tal dado de prova a ponto de servir, efetivamente, como início material sério do exercício de determinada atividade. O que se exige, de qualquer forma, é vestígio material contemporâneo do exercício de determinada atividade, bem como uma prova pessoal tanto mais satisfatória e detalhista quanto mais frágeis forem os elementos materiais⁸⁴⁴. Aliás, essa noção de contemporaneidade da prova material não apenas se prende ao grau de eficácia probatória de determinada prova, mas, a rigor, define se a prova é ou não material. E é nesse sentido que deve ser entendida a Súmula 34 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (“para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar”). Com efeito, a prova material também é distinguida por ser contemporânea ao fato que se deseja comprovar. Temos tanto afirmado que a materialidade do tempo de serviço é um vestígio ou sinal deixado por um acontecimento ou uma ação humana que parece mesmo lógico afirmar, a partir desse pressuposto (prova material é vestígio), que a genuína prova material deve ser contemporânea ao fato probando, pois ela é desdobramento, é manifestação material desse fato⁸⁴⁵. Assim, a natureza e a eficácia de um elemento probatório não se desprendem da noção de contemporaneidade. Quanto mais a prova for contemporânea ao fato que se pretende demonstrar, mais destacada se verificará a natureza de prova material e, por consequência, maior será a possibilidade de um juízo de presunção a partir dos indícios que aponta. Assim é que a anotação em CTPS decorrente de sentença homologatória de acordo trabalhista terá um peso muito maior quando a ação trabalhista for ajuizada a tempo de buscar, de fato, diferenças trabalhistas. Por ser relativamente contemporânea ao fato “prestação de serviço”, a ação trabalhista se revelará, então, como um desdobramento do fato probando, um sinal de que houve a relação de trabalho e que, por sua contemporaneidade, gera a presunção de que sua existência se deu por causa própria, desvinculada de motivações previdenciárias e idônea, assim, para valer-se de seu fundamento de credibilidade. 815 Também nesse sentido: “As anotações constantes da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS gozam de presunção juris tantum de veracidade (Enunciado 12 do Egrégio TST), indicando o tempo de serviço, a filiação à Previdência Social e a existência do vínculo empregatício, até prova inequívoca em contrário” (TRF4, Sexta Turma, AC 2006.71.10.007049-3, Rel. Sebastião Ogê Muniz, DJ 14.12.2007); “Estando registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social o contrato de trabalho da parte autora, tem presunção de veracidade (Enunciado 12 do Egrégio TST)” (TRF4, Quinta Turma, AC 1999.71.00.024919-1, Rel. Luiz Antonio Bonat, DJ 09.03.2007). 816 TRF4, Rel. Des. Nylson Paim de Abreu, Terceira Seção, AC 1999.04.01.016011-1, DJ 01.12.1999. 817 Ainda nesse sentido: “A decisão proferida na Justiça do Trabalho reconhecendo tempo de serviço de ex-empregado, bem como a anotação em CTPS dela decorrente, não têm valor como prova material se a reclamatória é ajuizada muito após a cessação do pacto laboral, quando a prescrição já alcançara os direitos trabalhistas, e sem produção de provas, visando, exclusivamente, produzir efeitos perante o INSS” (TRF4, Sexta Turma, AC 2001.04.01.066662-3, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 17.01.2007). A orientação é a mesma da 3ª Seção do TRF da 4ª Região: “É viável o reconhecimento do vínculo laboral de sentença proferida em sede de reclamatória trabalhista, malgrado o INSS não tenha participado da contenda laboral, desde que, naquele feito, se verifiquem elementos suficientes que afastem a possibilidade de sua propositura meramente para fins previdenciários, dentre os quais se destaca a contemporaneidade do ajuizamento, a ausência de acordo entre empregado e empregador, a confecção de prova pericial e a não prescrição das verbas indenizatórias” (TRF, Terceira Seção, Quarta Região, Embargos Infringentes em AC 95.04.13032-1/RS, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJU 01.03.2006). “A sentença trabalhista não vincula o INSS na contagem de tempo de serviço como segurado, já que diversas as partes e os objetos das lides. Ausente sequer início de prova documental, resta não reconhecer a controvertida atividade vinculada ao regime previdenciário” (TRF4, AC 2001.71.00.001759-8/RS, Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, j. 10.06.2003). 818 Nesse mesmo sentido: Agravo regimental no agravo de instrumento. Prova emprestada. Reclamatória trabalhista. Prova material existente. Possibilidade. – Havendo, como no caso, provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material. – Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 1057741/ES, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 02.04.2009, DJe 27.04.2009). Agravo regimental. Previdenciário. Recurso especial. Aposentadoria por tempo de serviço. Reclamatória trabalhista. Prova material. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte é de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo hábil para a determinação do tempo de serviço enunciado no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, desde que fundada em elementos que evidenciem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, ainda que o INSS não tenha integrado a respectiva lide. 2. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1058268/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 28.08.2008, DJe 06.10.2008). 819 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995. p. 98. 820 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 280. 821 TESHEINER, José Maria. Autoridade e eficácia da sentença: crítica à teoria de Liebman. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, (3): 16-47, set./out. 1999, p. 16. 822 Na mesma linha expressava o art. 472 do CPC/1973: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”. 823 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. p. 500. 824 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada, p. 95. 825 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, p. 500-501. 826 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada, p. 111-112. 827 PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Forense, 2000. v. 6, p. 213. 828 TESHEINER, José Maria. Autoridade e eficácia da sentença: crítica à teoria de Liebman, p. 16. 829 TESHEINER, José Maria. Autoridade e eficácia da sentença, p. 16. 830 Em sentido contrário: “Não configura prova documental de tempo de serviço, a tardia anotação em CTPS, sem os respectivos recolhimentos previstos em lei” (TRF3, AC 95.03.100746-1, Quinta Turma, Rel. Des. Higino Cinacchi, j. 16.09.2002, DJ 06.12.2002). Reconhecendo a anotação tardia em CTPS como início razoável de prova material do exercício de atividade rural: TRF4, AC 95.04.601154, Quinta Turma, Rel. Des. Álvaro Eduardo Junqueira, j. 25.06.1998, DJ 05.08.1998. 831 PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 216-217. 832 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil, p. 431. 833 Essencialmente a mesma redação se encontra no art. 506 do CPC/2015: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. 834 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil, p. 431-432. 835 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil, p. 432. 836 Mais especificamente, “A sentença homologatória de acordo trabalhista constitui início de prova material do tempo de serviço, devendo a sua eficácia probante ser aferida em cada caso” (PEDILEF 200870950000918, Turma Nacional de Uniformização, Rel. para Acórdão Juiz Federal José Antonio Savaris, 02.12.2010, DOU 23.09.2011). 837 STJ, AC 282.549 /RS, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 12.03.2001. 838 Nesse sentido: “Esta Corte Superior de Justiça registra precedentes no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que fundada em provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária. Inexistindo prova testemunhal ou documental a corroborar o tempo de serviço anotado na CTPS do segurado, seja na esfera trabalhista, seja na esfera ordinária, tal anotação na CTPS, porque fundada, em última análise, em declaração extemporânea prestada por empregador, não se constitui em início de prova material” (REsp 478.327/AL, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 10.03.2003). 839 STJ, EREsp 616.242/RN, Relª. Minª. Laurita Vaz, Terceira Seção, j. 28.09.2005, DJ 24.10.2005. 840 AgRg no AREsp 359.425/PE, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 23.06.2015, DJe 05.08.2015. 841 AgInt no REsp 1411870/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 05.09.2017, DJe 11.09.2017. 842 PUIL 293, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 19.04.2017. 843 Essa exigência de prova material, lembre-se, circunscrevia-se à comprovação de tempo de contribuição, por expressa disposição legal (Lei 8.213/91, art. 55, § 3º). Posteriormente, o art. 16, § 5º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, estendeu a exigência de prova material para a comprovação de união estável e dependência econômica. 844 Temos de reconhecer, contudo, que o recolhimento das contribuições previdenciárias nestas condições afasta a ideia de cautela que preside nosso pensamento quanto às condutas oportunísticas. 845 Nesse sentido: “Este o entendimento prevalente na 3ª Seção do STJ quanto às declarações de ex-empregador sobre o exercício de atividade laboral, que igualmente, pode ser aplicado à espécie, no sentido de que, não guardando as declarações contemporaneidade com o fato declarado, não podem ser aceitas como prova material, equiparando-se a um mero testemunho escrito” (TRF4, Segunda Turma Suplementar, AC 2000.71.07.006466-4, Relª. do Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch, DJ 22.02.2006). CAPÍTULO 9 ASPECTOS CONCERNENTES AOS VALORES PAGOS JUDICIALMENTE 9.1 DATA DE INÍCIO DOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS JUDICIALMENTE O pagamento de valores previdenciários na via judicial está intimamente ligado ao reconhecimento da data de início de benefício e, por essa razão, o tema referente à data de início dos benefícios previdenciários concedidos em juízo constitui questão de crescente interesse em matéria processual previdenciária⁸⁴⁶. A existência de disciplina específica na Lei 8.213/91 não livra o operador jurídico das dificuldades oferecidas pela rica prática judicial previdenciária. Este capítulo busca propor alguns critérios para a aplicação desta relevante questão do direito previdenciário. Procuraremos enfrentar esse problema a partir de um exemplo extraído de um caso concreto e muito experimentado em nossas aulas de Direito Processual Previdenciário. Mais do que isso, o exemplo retrata discussão das mais contundentes na seara processual previdenciária, qual seja, aquela relativa ao que passou a se denominar “modulação da data de início do benefício”. Expomos o caso: Adonai requereu em 20.07.2013 pensão por morte de seu marido (ocorrida em março do mesmo ano), a qual foi in Vamos centrar a atenção para o tema que agora é nosso objeto de estudo: a data de início do benefício (DIB) concedido judicialmente⁸⁴⁷. Uma vez reconhecida a qualidade de segurado ao tempo do óbito, especialmente pela prova material confortada pela prova testemunhal, indaga-se por qual data deve ser fixado o início de benefício. 1) Deve a DIB ser fixada na data do óbito? 2) Tendo em conta que o benefício foi requerido após o prazo de que trata o art. 74, I, da Lei 8.213/91, deve a DIB ser fixada quando do primeiro requerimento administrativo (1ª DER)? 3) Dado que não havia documentos suficientes para atender à exigência de prova material no primeiro requerimento, deveria a pensão ter seu início fixado na data do segundo requerimento administrativo (2ª DER)? 4) Ou, se a prova da qualidade de segurado, com inquirição de testemunhas, inclusive, somente se operou em juízo, a DIB deve ser fixada na data do ajuizamento da ação? 5) Se a rigor o direito ao benefício foi realmente identificado apenas quando produzida a prova testemunhal, na audiência de instrução e julgamento, a DIB deve ser fixada na data da sentença, como pretende o INSS? À pergunta principal, objeto de estudo desta seção, pretende-se responder nos termos abaixo. A regra correspondente à data de início de benefício (DIB) é definida pela Lei 8.213/91, de modo expresso. A título exemplificativo, as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial são regidas pelo art. 49 da Lei 8.213/91: elas serão devidas ao segurado empregado, inclusive o doméstico, i) a partir da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até noventa dias depois dela, ou ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do empregado ou quando for requerida após o prazo de noventa dias. Para os demais segurados, a aposentadoria será devida sempre a partir da data da entrada do requerimento ⁸⁴⁸. A data de início da pensão por morte é disposta pelo art. 74 da Lei 8.213/91, segundo o qual esse benefício será devido ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar: • do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes⁸⁴⁹; • do requerimento administrativo, quando requerido após os prazos acima mencionados⁸⁵⁰; • da decisão judicial, no caso de morte presumida⁸⁵¹. Já a aposentadoria por incapacidade permanente – antiga aposentadoria por invalidez – e o auxílio por incapacidade temporária – antigo auxílio-doença – seguem, respectivamente, a regra dos arts. 43 e 60, ambos da Lei 8.213/91. Esse é um aspecto aparentemente trivial, mas de extrema importância: a legislação previdenciária expressamente disciplina a data de início dos benefícios⁸⁵² e, acrescente-se, esse dado é essencial, como foi ressaltado pela Suprema Corte, quando da análise dos efeitos financeiros da aposentadoria especial concedida em juízo (Tema 709). Note-se, a título de introdução para as questões que serão debatidas neste Capítulo, a mui oportuna argumentação colhida do substancioso voto do Relator Min. Dias Toffoli: A Lei n. 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto [...]. Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei n. 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federal ignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz [...]. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a tal pleito, ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador, legitima e validamente expressa (p. 41-42 do acórdão)⁸⁵³. De toda forma, o tema relativo ao termo inicial dos benefícios concedidos judicialmente é relevante para o direito processual previdenciário por três razões. Primeira, a existência de tese – minoritária – consoante a qual o termo inicial do benefício concedido judicialmente deve ser fixado na data do ajuizamento da ação, se o segurado apresenta apenas judicialmente os documentos essenciais ao sucesso de sua pretensão. Segunda, a definição da data de início do benefício nas hipóteses em que não foi formulado prévio requerimento administrativo pelo beneficiário. Terceira, as dificuldades de compreensão do tema nas hipóteses em que se reconhece o direito ao benefício com apoio em fato constitutivo superveniente à data da entrada do requerimento administrativo – DER⁸⁵⁴. A título ilustrativo, tenha-se em conta o desafio para se identificar corretamente a data de início da incapacidade (DII) para os benefícios previdenciários por incapacidade laboral. Isso faz com que, não raro, a incapacidade seja considerada um fato superveniente ao requerimento administrativo. É comum, por exemplo, que os peritos judiciais fixem a data de início da incapacidade na data da realização da perícia, o que não passa de uma ficção. Ocorre que essa particularidade de um fato superveniente ao requerimento administrativo (v.g., início da incapacidade) caracterizar o direito ao benefício faz surgir problemática relacionada à fixação da sua data de início, como se verá adiante⁸⁵⁵. 9.1.1 Definição da data de início do benefício (DIB) independentemente do momento da comprovação dos respectivos fatos constitutivos O pensamento por nós sustentado é no sentido de que é simplesmente irrelevante, para fins de determinação da data de início do benefício e pagamento das diferenças previdenciárias decorrentes, o momento em que o hipossuficiente econômico e informacional conseguiu demonstrar em juízo que faz jus à prestação de natureza alimentar previdenciária⁸⁵⁶. É de se lembrar que a única possibilidade – inscrita em norma jurídica válida – para a subtração de valores reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre da prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único). Segundo a teoria da norma, uma vez aperfeiçoados todos os critérios da hipótese de incidência previdenciária, desencadeia-se o juízo lógico que determina o dever jurídico do INSS conceder a prestação previdenciária. A questão da comprovação dos fatos que constituem o antecedente normativo constitui matéria estranha à disciplina da relação jurídica de benefícios e não inibem os efeitos imediatos da realização, no plano dos fatos, dos requisitos dispostos na hipótese normativa. Ora, se o segurado cumpria todos os requisitos para a obtenção de benefício reputado indispensável para sua subsistência e formulou o requerimento administrativo, opera-se o que se tem por exercício de um direito adquirido⁸⁵⁷. Uma coisa é o cumprimento de todos os requisitos em lei para a obtenção do benefício. Outra coisa, bastante distinta, é o momento em que o titular de um direito existente logra demonstrar sua existência. Temos referido que é indevido condicionar-se o nascimento de um direito e seus efeitos (já incorporado ao patrimônio e à personalidade de seu titular) ao momento em que se tem por comprovados os fatos que lhe constituem. As razões que amparam este entendimento são elementares: • primeiro, não há qualquer norma jurídica, em qualquer seara de ordenamento posto sob às luzes de um Estado de Direito, a condicionar os efeitos de um direito adquirido ao momento de sua comprovação; a regra contida no art. 41, § 6º, da Lei 8.213/91, por versar sobre a data de início do pagamento e não data de início do benefício, não guarda qualquer pertinência com a questão; • segundo, seria o caso de enriquecimento ilícito do devedor, que teria todo estímulo para embaraçar a comprovação do fato que lhe impõe o dever de pagar, possibilitando-se a violação de tradicional princípio do direito civil, segundo o qual ninguém pode valer-se da própria torpeza; • terceiro, restaria fulminado o instituto do direito adquirido, pois, se somente nasce o direito com a comprovação cabal de sua existência, então nada se adquiriu. Nesse sentido: “Tendo restado comprovado que ao tempo da reiteração do primeiro requerimento administrativo o segurado já havia preenchido os requisitos para a concessão da aposentadoria integral por tempo de serviço, deve ser este o marco inicial do benefício, sob pena de violação ao direito adquirido, constitucionalmente garantido” (REsp 976.483/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 09.10.2007, DJ 05.11.2007)⁸⁵⁸; • quarto, inexiste raiz hermenêutica que permita a construção de um mecanismo de acertamento de relação jurídica que tenha por dado fundamental o momento em que o magistrado tem por comprovado determinado fato; • quinto, estaria criada uma penalização pela inércia na comprovação dos fatos constitutivos de um direito sem qualquer amparo legal. No domínio do Direito da Seguridade Social, tal pensamento causa ainda mais perplexidade, pois a lide previdenciária se refere a pessoas presumivelmente hipossuficientes (vide item 1.6, supra), e a valores que lhes foram indevidamente subtraídos de sua esfera jurídico-patrimonial pelo órgão gestor da Previdência Social, isto é, de parcelas que eram destinadas à subsistência do segurado e que não perderam esta natureza apenas porque não foram oportunamente pagas. Na interpretação do direito social ganham realce (i) o plexo de valores destinados à implementação da dignidade da pessoa humana em todas as suas manifestações e (ii) as exigências de concretização das normas constitucionais e de iluminação hermenêutica a partir dos princípios fundamentais; ganham destaque, igualmente, valores como Justiça (social), equidade (LICC, art. 5º) e respeito ao ser humano, como valor fonte. Se o que aprendemos é que o juiz deve ter em conta, na atividade interpretativa, a finalidade social para qual foi produzida determinada norma, não é adequado realizar um “positivismo às avessas”, aplicando um direito inexistente contra o hipossuficiente ou operando uma interpretação contra legem (já que há norma expressa, que assumiu determinado valor e disciplinou expressamente o fato (data de início do benefício). Mas, afinal, o que seriam esses “documentos necessários/suficientes” para a concessão do benefício, uma vez que o legislador ordinário não os consagra de modo objetivo? Seriam os “documentos necessários” aqueles exigidos pelo INSS ou então aqueles assim entendidos pelo juiz singular ou pela instância recursal? Seriam necessários aqueles documentos segundo a perspectiva do STJ? Os documentos tidos por suficientes para a demonstração de determinado correspondem a uma noção subjetiva, impossível de ser a priori satisfeita. De fato, quando “novos documentos” são apresentados judicialmente, podese até presumir que a Administração Previdenciária deles não tomou conhecimento. Mas não é sequer possível, segundo se constata da prática administrativa, atestar que os chamados “novos documentos” não foram apresentados ao INSS⁸⁵⁹; isso porque, tal como analisamos no Capítulo 4 deste trabalho, o processo administrativo previdenciário é conduzido como se a Administração prestasse um obséquio ao cidadão carente, ao arrepio dos mais comezinhos princípios constitucionais processuais. Aqui cabe a novamente observação de que o princípio constitucional da eficiência, em uma boa interpretação, deveria conduzir aos agentes administrativos a orientarem o segurado da Previdência Social para a facilitação de acesso a direito fundamental destinado a garantir-lhe a subsistência; também seria esta a função do serviço social (Lei 8.213/91, art. 88, caput). Ademais, não se pode afirmar que com os novos documentos o INSS concederia de pronto o benefício. Então não merece prevalecer essa noção de que os novos documentos apresentados em Juízo implicam a limitação da data de início do benefício. Tal pode ser até desejo ideológico do intérprete, mas não é o que prescreve a legislação previdenciária, tendo como fundamento constitucional – e isso é importante – o direito adquirido. Nesse sentido é indispensável a referência ao magistério de Marcus Orione, renomado professor e magistrado federal paulista, rogando vênia para a longa transcrição: Tem-se uma outra situação muito corriqueira, que é a análise do pagamento de atrasados em matéria de benefício previdenciário (quando se está discutindo judicialmente esses valores). Estes são corriqueiramente analisados sob a perspectiva da dívida de valor, como se eles não fossem mais créditos de natureza alimentar. Na verdade, a grande discussão que se coloca aqui é a seguinte: eles são créditos alimentares? Esses valores que foram ficando atrasados dentro de uma cobrança previdenciária (de uma ação de natureza previdenciária) se tratam de dívida de valor ou alimentar? Essa é uma pergunta importante, porque, caso se chegue à conclusão de que eles têm natureza alimentar, toda a lógica da execução vai ser uma, caso se conclua o contrário, a lógica vai ser outra. Hoje em dia, parte-se de uma presunção que chega a ser absurda: se o sujeito conseguiu sobreviver durante esse período todo, o crédito não tem natureza alimentar (isto é, o valor que foi acumulado não teria cunho alimentar). No entanto, quantas vezes a pessoa, para sobreviver durante esse período, teve que fazer empréstimos, reduzir a sua alimentação, comprar remédios, submetendo-se a restrições, que são restrições ligadas à própria essência do ser humano? Portanto, esses valores, uma vez recuperados em momento futuro, ainda que acumulados, continuam a ter natureza alimentar, porque vão resgatar a deficiência nutricional que essa pessoa teve durante esse período. Irão ser usados para pagar aqueles que, num momento de dificuldade, a socorreram [...]. Portanto, a verba não tem natureza indenizatória. Na verdade, ela tem uma única natureza: serve ao resgate daquela humanidade que lhe foi suprimida durante um período. Portanto, continua a ter natureza alimentar nesse sentido de sobrevivência, de subsistência. Não é riqueza acumulada, tendo sido valor, denegado, muitas vezes, por falta de adequada diligência [...]. Ele é direito de personalidade e não direito patrimonial⁸⁶⁰. A atuação do aplicador do direito deve-se dar no sentido de obstar qualquer atentado ao direito de personalidade (Código Civil, art. 12), razão pela qual deve ser fixada como data de início do benefício a da entrada do requerimento administrativo, nos termos do art. 49, II, da Lei 8.213/91, ainda que o titular de tal prestação tenha logrado evidenciar seu direito apenas em Juízo. Nesse sentido orienta a Súmula 33 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício”. Costumeiramente, porém, suscita-se o argumento de que, se o processo administrativo foi mal instruído, isto é, sem os elementos de prova material capazes de convencer o servidor público responsável pela decisão concessória, o indeferimento administrativo não se afiguraria ilegal, porque outra não poderia ser a solução ao pedido administrativo que não o indeferimento. Se bem andou o agente administrativo ao indeferir o benefício porque os elementos de prova não permitiam a concessão do benefício, prossegue o argumento, o ato administrativo indeferitório não seria ilegal. Como consequência disso, o juiz que determina a concessão da aposentadoria ou pensão, em verificando que o indeferimento foi “legal” (diante da insuficiente documentação oferecida pelo segurado), deve atrelar a data de início do benefício à data do ajuizamento da ação. Cuidamos que esse argumento é falacioso, pois é ilegal o ato administrativo que indefere o requerimento de benefício previdenciário quando o beneficiário, na realidade, preenche todos os requisitos exigidos pela legislação previdenciária. Como visto anteriormente, na perspectiva da teoria do acertamento, o que importa na jurisdição de proteção social é a definição do direito do segurado vis-à-vis às exigências jurídicas para sua concessão⁸⁶¹. A satisfação do direito fundamental à proteção social em toda sua extensão não pressupõe a comprovação da ilegalidade do ato administrativo que se lhe contrapõe. Sem embargo, mesmo que navegássemos, como anteriormente o fizemos, no paradigma do controle jurisdicional da legalidade dos atos administrativos, ainda assim seria preciso notar que, para a censura judicial, por ilegalidade, do ato administrativo indeferitório, é irrelevante se a valoração da prova se deu adequadamente pelo agente administrativo. Não é isso que está em discussão. Não é importante se no processo administrativo havia ou não prova suficiente para o reconhecimento do fato constitutivo do direito a não ser, evidentemente, no sentido de que tanto mais cedo se demonstre o fato, mais cedo o beneficiário entra em efetivo gozo da prestação previdenciária pretendida. O que importa é saber se já havia o direito ao benefício previdenciário, isto é, se todas as condições para sua concessão haviam sido implementadas quando do requerimento administrativo. Em sendo a resposta positiva, o benefício é devido desde a data da entrada do requerimento⁸⁶². É inaceitável, do ponto de vista jurídico, o sacrifício de parcela de direito fundamental de uma pessoa em razão de ela – que se presume desconhecedora do complexo arranjo normativo previdenciário – não ter conseguido reunir a documentação necessária para a demonstração de seu direito. Do ponto de vista moral, o entendimento também não merece prevalecer, porque parece estar fundamentado em uma lógica de maximização de bemestar com os recursos disponíveis, isto é, uma lógica que dispensa apenas o necessário à subsistência da pessoa interessada, buscando resguardar as potencialidades financeiras e atuariais da Previdência Social para a melhor utilização da coletividade. É o que chamamos de eficiência material (veja-se item 3.4, supra), que se orienta pela lógica de maximização de recursos previdenciários – o máximo de cobertura formal com o mínimo comprometimento das fontes de custeio, com vistas à eficiência econômica do sistema previdenciário. Em análise do tema dos efeitos financeiros de revisão judicial de benefício previdenciário, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região vinha orientando que, se o segurado houver levado ao conhecimento da autarquia os fatos geradores de seu direito, o INSS terá obrigação de pagar diferenças decorrentes da revisão desde a DER (data de entrada do requerimento de concessão), sendo dispensável a comprovação do fato constitutivo na esfera administrativa (PEDILEF 2007.71.95.018176-5, Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, Relª. Luciane Merlin Clève Kravetz, DE 21.01.2009). Se tal entendimento consubstanciava avanço no que faz desvincular os efeitos financeiros do benefício previdenciário da ocasião de comprovação do fato constitutivo do respectivo direito, ainda impunha ao segurado hipossuficiente em termos informacionais o dever de formalmente comprovar que levou ao conhecimento da Administração Previdenciária o fato que alega na ação revisional⁸⁶³. Quando se parte, porém, da perspectiva de que a Administração tem o dever de propiciar plenitude de informações ao segurado, materializando no processo administrativo que bem se desincumbiu desse mister, percebe-se que a omissão administrativa – sonegação de informações – ou o desinteresse do Poder Público na história de vida do segurado, não pode acarretar-lhe o prêmio de retardo dos efeitos financeiros da concessão ou revisão do benefício previdenciário. De outra parte, deve-se sempre presumir que o segurado ou dependente da Previdência Social não detém conhecimento que lhe permita qualificar como juridicamente relevante um determinado fato relacionado ao seu trabalho, especialmente quando não é especificamente indagado a respeito pelo servidor público⁸⁶⁴. Em consequência, não podem ser postergados os reflexos financeiros do benefício para o momento em que o particular afirma a existência de determinado fato jurídico com efeitos previdenciários, na esfera administrativa ou judicial. Em sintonia com os fundamentos ora articulados se encontra a jurisprudência do STJ: Comprovado o exercício de atividade rural, tem o segurado direito à revisão de seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde o requerimento administrativo, pouco importando se, naquela ocasião, o feito foi instruído adequadamente, ou mesmo se continha, ou não, pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural. No entanto, é relevante o fato de àquela época, já ter incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito ao cômputo a maior do tempo de serviço, nos termos em que fora comprovado posteriormente em juízo (STJ, AgRg no REsp 1128983/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 26 06 2012, DJe 07 08 2012). [...] 1. Segundo o art. 49, II, da Lei 8.213/91, que trata dos benefícios previdenciários, a data do início da aposentadoria por idade será o momento de entrada do requerimento administrativo. 2. A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que, tendo o segurado implementado todos os requisitos legais no momento do requerimento administrativo, esse deve ser o termo inicial do benefício, independente da questão reconhecida na via judicial ser ou não idêntica àquela aventada na seara administrativa. Precedentes. [...] (AgRg no REsp 1213107/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 20.09.2011, DJe 30.09.2011)⁸⁶⁵. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou essa mesma tese por meio de sua Primeira Seção, senão vejamos: PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL: DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PROVIDO. 1. O art. 57, § 2º., da Lei 8.213/91 confere à aposentadoria especial o mesmo tratamento dado para a fixação do termo inicial da aposentadoria por idade, qual seja, a data de entrada do requerimento administrativo para todos os segurados, exceto o empregado. 2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais. 4. Incidente de uniformização provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada (Pet 9.582/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 26.08.2015, DJe 16.09.2015). Igualmente no sentido aqui sustentado persiste o entendimento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, como se verifica, a título ilustrativo, da ementa que abaixo se transcreve: Pedido de Uniformização Nacional. Direito Previdenciário. Revisão de benefício. Efeitos financeiros. Cumprimento dos requisitos quando do requerimento administrativo. Alegação original em juízo. Disposição legal expressa. Inteligência da súmula 33 da turma nacional de uniformização. 1. Na dicção da Súmula 33 da TNU, “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço nada data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício”. 2. Em Incidentes de Uniformização Nacional recentemente julgados, reafirmou-se a noção de que a tarefa de fixação da data de início do benefício – DIB (no caso de concessão de benefício) ou a majoração da renda mensal inicial – RMI (no caso de revisão de benefício) deve ser orientada pela identificação da data em que foram aperfeiçoados todos os pressupostos legais para a outorga da prestação previdenciária nos termos em que judicialmente reconhecida. Neste sentido, a título ilustrativo, as decisões colhidas nos Incidentes de Uniformização 2004.72.95.02. 0109- 0 (DJ 23.03.2010) e 2007.72.55.00.2223-6 (DJ 09.08.2010), ambos de minha relatoria. 3. A assunção de tal linha de entendimento em todas as suas consequências impõe reconhecer que, para efeito da fixação dos efeitos temporais da determinação judicial de concessão ou de revisão de benefício previdenciário, é também irrelevante que o requerimento administrativo contenha, de modo formal, a específica pretensão que, posteriormente, foi reconhecida em Juízo. 4. É desimportante que o processo administrativo contenha indícios de que uma específica pretensão do beneficiário (por exemplo, cômputo de tempo rural, reconhecimento da natureza especial da atividade, reconhecimento de tempo de serviço urbano informal) tenha sido deduzida perante a Administração Previdenciária. 5. Interpretação distinta que condicionasse a eficácia de proteção social à formalização de requerimento administrativo com todas as variantes fáticas significaria, a um só tempo, exigir da pessoa que se presume hipossuficiente em termos de informações o conhecimento dos efeitos jurídicos de circunstâncias fáticas que lhe dizem respeito, e a criação, pela via judicial, de norma jurídica restritiva de direitos sociais, na contramão da regra hermenêutica fundamental segundo a qual as normas previdenciárias devem ser interpretadas favoravelmente às pessoas para as quais o sistema previdenciário foi instituído. 6. É altamente conveniente à Administração Previdenciária socorrer-se, em Juízo, da prova cabal de sua ineficiência e de inaceitável inadimplência na prestação do devido serviço social a seus filiados (Lei 8.213/91, art. 88), buscando convolar ilegal omissão de ativa participação no processo administrativo em locupletamento sem causa, à custa justamente do desconhecimento de seus filiados. Neste sentido, acrescente-se, tanto mais enriqueceria a Administração quanto mais simples e desconhecedor de seus direitos fosse o indivíduo. 7. Os efeitos da proteção social determinada judicialmente (fixação da DIB ou da nova RMI do benefício) vinculam-se à data do requerimento administrativo, ainda que o processo administrativo não indique que uma específica circunstância fática foi alegada pelo leigo pretendente ao benefício. 8. Pedido de Uniformização conhecido e provido (PEDILEF 200872550057206, Turma Nacional de Uniformização, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal José Antonio Savaris, Data da Decisão: 18.03.2011, DOU 29.04.2011) ⁸⁶⁶. Na medida em que o Supremo Tribunal Federal não reconheceu repercussão geral na temática⁸⁶⁷, pode-se dizer com relativa segurança que, de acordo com a jurisprudência pátria, o benefício concedido judicialmente é devido desde a data do requerimento administrativo, ainda que a circunstância de fato em que fundado o direito seja apurada e/ou comprovada apenas em juízo. 9.1.2 Termo inicial do benefício quando ausente o requerimento administrativo Segundo jurisprudência do STJ, quando inexistente o requerimento administrativo de concessão do benefício⁸⁶⁸ e não sendo o caso de extinção do processo sem o julgamento do mérito, o termo inicial da aposentadoria por incapacidade permanente – antiga aposentadoria por invalidez – deve ser fixado na data da citação do INSS: A citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa (REsp 1369165/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 26.02.2014, DJe 07.03.2014). Esse entendimento culminou por ser objeto da Súmula 576 do mesmo Tribunal Superior: Ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida. Quanto ao alcance dessa orientação, deve-se notar que, embora nos precedentes que embasaram o entendimento sumulado estivesse em causa o termo inicial aposentadoria por invalidez, pode-se dizer que sua ratio decidendi se presta a orientar, de modo geral, a concessão judicial dos demais benefícios, quando ausente o prévio requerimento administrativo de concessão. Por essa razão, o STJ também definiu que, “Na ausência de prévia interpelação da autarquia previdenciária federal, a implementação da aposentadoria por idade rural deve ser feita a partir da citação válida do INSS”⁸⁶⁹. Nesse último precedente (REsp 1450119), o voto condutor, de lavra do Min. Benedito Gonçalves, registrou que a jurisprudência do STJ já afirmou ser devido o benefício na data da citação válida da Administração Previdenciária, quando ausente o requerimento administrativo, nas seguintes hipóteses: • auxílio-acidente não precedido de auxílio-doença (v.g., EREsp 735.329/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe de 06.05.2011); • benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93 (v.g., AgRg no AREsp 475.906/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 24.04.2014); • pensão especial de ex-combatente (v.g., AgRg no REsp 1.388.849/PE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.11.2013); • pensão por morte de servidor público federal ou pelo RGPS (óbito posterior à Lei n. 9.528/97), respectivamente (REsp 872.173/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 07.02.2008; e REsp 543.737/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 17.05.2004). Pensamos que a orientação assumida pelo Superior Tribunal de Justiça parte de equivocado pressuposto, na medida em que correlaciona o termo inicial de benefício previdenciário ao momento em que processualmente se caracteriza a mora. Veja-se que, no âmbito administrativo, não importa nem mesmo o momento em que o INSS considera formalizado o requerimento administrativo, com o comparecimento do interessado e apresentação de documentos. O termo inicial do benefício será orientado pelo momento do agendamento (Instrução Normativa 77/2015, art. 669), de modo que a eventual lentidão do processamento não lhe trará prejuízos quanto aos efeitos financeiros do benefício. Por essa lógica inegavelmente razoável, tem-se como suficiente uma ação inicial do interessado ou um primeiro movimento que manifeste sua pretensão, para que se demarque a data de início do benefício. A adoção dessa diretriz em juízo deveria prestigiar o entendimento de que, ausente o requerimento administrativo de concessão, o termo inicial do benefício deve corresponder, em regra, à data do ajuizamento da ação, primeiro movimento formal do interessado, que não deveria ser penalizado pela demora judicial para a citação do réu. Com efeito, a constituição em mora pela citação válida produz outros efeitos de natureza processual e, em matéria previdenciária, marca o início da aplicação dos juros moratórios, no caso de eventual condenação. Uma coisa, porém, é o termo inicial do benefício previdenciário, sempre ligado à formalização da pretensão por parte do interessado⁸⁷⁰; outra é o momento a partir do qual se caracteriza a mora do INSS, que deve servir como marco inicial da fluência dos juros moratórios. Note-se, a propósito, que essa foi a solução oferecida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da questão relativa ao interesse de agir em matéria previdenciária, para as ações que tinham sido ajuizadas sem prévio requerimento administrativo em tempo anterior a esse julgamento (fórmula de transição). Com efeito, assinalou a Suprema Corte que se deveria “levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento administrativo, para todos os efeitos legais” (RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014). De todo modo, não são abrangidos por essa orientação jurisprudencial os benefícios devidos a menores e incapazes, pois estes gozam de proteção normativa específica, de modo que não podem ser afetados negativamente pelo retardo do requerimento administrativo. Assim, por exemplo, uma pensão por morte concedida judicialmente aos filhos menores de dezesseis anos terá seu termo inicial fixado na data do óbito, haja requerimento administrativo ou não⁸⁷¹, ao menos para óbitos anteriores à vigência da Medida Provisória 871/2019⁸⁷². 9.1.3 Fato superveniente ao processo administrativo e a chamada “reafirmação da DER” A “reafirmação da DER” constitui técnica do processo administrativo de concessão de benefício previdenciário que determina o reconhecimento, pelo servidor do INSS, de fatos supervenientes à data do requerimento administrativo que possam ensejar o cumprimento dos requisitos estabelecidos para a concessão do benefício. Quando o segurado, ao tempo da entrada do requerimento administrativo, não cumpre os requisitos legais para a concessão do benefício e, contudo, logra atendê-los no curso desse mesmo processo administrativo, a Administração Previdenciária reconhece o fato superveniente para fins da imediata concessão do benefício em questão, fixando a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais. Para tanto, o INSS aproveita (reafirma) o mesmo requerimento administrativo para concessão do benefício (DER). Esse reconhecimento de fato superveniente no curso do processo administrativo constitui procedimento já tradicional no âmbito administrativo, sendo atualmente disposto pela Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21.01.2015, em seu art. 690: Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito⁸⁷³. De acordo com a orientação interpretativa do Conselho de Recursos da Previdência Social, “Implementados os requisitos para o reconhecimento do direito em momento posterior ao requerimento administrativo, poderá ser reafirmada a DER até a data do cumprimento da decisão do CRPS” (Enunciado 1, item III), sendo que, “Retornando os autos ao INSS, cabe ao interessado a opção pela reafirmação da DER mediante expressa concordância, aplicando-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado”. De todo louvável a técnica processual administrativa da reafirmação da DER, porque a um só tempo homenageia os princípios da máxima utilidade, economia e instrumentalidade do processo. De outra parte, reconhece que a parte pretendente ao benefício se presume desconhecedora do complexo arranjo normativo previdenciário e especialmente desconhecedora dos critérios que serão utilizados pela Administração para a análise de seu pedido de proteção previdenciária. Logo, o interessado jamais teria condições de identificar o preciso momento em que, na ótica do julgador administrativo, atenderia as exigências legais para a concessão do benefício. Teria ele que requerer um benefício a cada mês, para não ser prejudicado por aquilo que poderia ser reputado como inércia. A exigência evidentemente soaria absurda. Também no curso do processo judicial – e à luz dos mesmos valores de natureza constitucional-processual – deve ser observado o fato superveniente que possa influenciar a relação jurídica colocada em discussão, nos termos do art. 493 do CPC/2015 (“Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”)⁸⁷⁴. A lógica da imediata proteção previdenciária e de não se exigir o absurdo ou desproporcional conduzem à conclusão de que os fatos ocorridos após o requerimento administrativo e que influenciam na caracterização do direito do beneficiário devem ser reconhecidos ao longo do processo judicial, com a geração de efeitos a partir do momento em que chamados à existência⁸⁷⁵. Anote-se que a alegação de fato superveniente ou seu reconhecimento ex officio em processo judicial, por óbvio, não decorre de omissão imputável ao particular quando do requerimento administrativo, pois não poderia afirmar fato ainda inexistente e tampouco poderia adotar qualquer providência para submetê-lo à análise do INSS. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema do interesse de agir nas hipóteses de “reafirmação da DER” judicial, destacando que não se trata de hipótese de propositura de ação judicial sem prévio requerimento administrativo: o prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento⁸⁷⁶. Não seria mesmo razoável exigir do segurado que, após o indeferimento administrativo, formulasse novo requerimento a cada mês – a cada recolhimento mensal de contribuição previdenciária – com vistas a atender suposta necessidade de o fato novo superveniente ser analisado previamente pelo ente previdenciário, em terreno administrativo. Com respeito à possibilidade de cômputo do tempo de contribuição posteriormente ao término do processo administrativo, pensamos que os dados do mundo fenomênico pedem passagem para serem considerados quando da solução de um problema previdenciário em juízo. A realidade das coisas deve ser prestigiada. O que se tem é que a carreira contributiva do trabalhador não termina com a formalização do requerimento administrativo de uma aposentadoria espontânea, ao contrário: impõe-se o seguimento das jornadas laborais com urgência em caso de indeferimento pela Administração. Nesse sentido, o tempo de contribuição vertido posteriormente ao ajuizamento pode levar à superveniente constituição do direito ao benefício previdenciário nas hipóteses em que a contagem do tempo de contribuição realizado apenas até a DER, somado ao período reconhecido judicialmente, não totalizaria o período exigido em lei. Com efeito, se o fato superveniente à propositura da ação é constitutivo do direito (fato constitutivo superveniente), deve ser tomado em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Guardávamos reservas críticas, portanto, ao entendimento anteriormente assumido pelo TRF4 no sentido de que a reafirmação da DER somente era possível mediante o cômputo de tempo de contribuição contado até a data do ajuizamento da demanda⁸⁷⁷. Nossas reservas emergiam justamente da circunstância de que, na perspectiva da teoria do acertamento da relação jurídica de proteção social, também os fatos supervenientes ao ajuizamento da demanda devem ser considerados para a verificação do direito previdenciário devido ao segurado. Para além disso, a data de início do benefício – e os reflexos financeiros correspondentes – devem ser fixados quando implementadas as condições exigidas para a concessão do benefício, observada a norma que atribui o direito à proteção social mais efetiva, isto é, ao benefício mais protetivo ou vantajoso. Por outro lado, é inerente à ideia de superveniência que os fatos ocorram posteriormente à propositura da demanda e ainda assim devam ser considerados quando do julgamento da lide (CPC, art. 493). Mais recentemente, o TRF4 reviu seu posicionamento para o efeito de admitir o cômputo do tempo superveniente ao ajuizamento da demanda, até quando da solução da demanda pela segunda instância: INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. A 3ª Seção desta Corte tem admitido a reafirmação da DER, prevista pela Instrução Normativa n. 77/2015 do INSS e ratificada pela IN n. 85, de 18/02/2016, também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo, admitindo-se cômputo do tempo de contribuição inclusive quanto ao período posterior ao ajuizamento da ação, desde que observado o contraditório, e até a data do julgamento da apelação ou remessa necessária⁸⁷⁸. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça prestigiou-se o entendimento de que, para a análise judicial do direito ao benefício e definição da relação jurídica de proteção social, deve ser reconhecido o fato superveniente ao término do processo administrativo, ainda que ele ocorra posteriormente à propositura da ação⁸⁷⁹, como se pode depreender da decisão alcançada pela 1ª Seção daquela Corte de Justiça, firmada de acordo com o rito dos recursos especiais repetitivos: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir. 2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual. 3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário. 4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. 5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. 6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER [...] (REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019). Com esse julgamento, firmou-se o Tema 995 do STJ, com a seguinte redação: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. Quanto ao momento final para o fato jurídico influenciar o julgamento do mérito, o Superior Tribunal de Justiça possui orientação de que os fatos novos devem ser considerados até quando do último pronunciamento do Tribunal competente ao julgar a lide: O fato superveniente a que se refere o art. 462, do CPC, pode surgir até o último pronunciamento de mérito, inclusive em embargos de declaração, obstando a ocorrência da omissão. Precedentes do STJ: REsp n. 434.797/MS, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 10/02/2003, p. 221; REsp 734598/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 01/07/2005, p. 442; REsp 325024/SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 01.04.2002 (REsp 1071891/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 18.11.2010, DJe 30.11.2010)⁸⁸⁰. Predomina, com efeito, o entendimento de que, “nas instâncias ordinárias, o fato novo constitutivo, modificativo ou extintivo do direito que influa no julgamento da lide pode ser alegado na via de embargos de declaração, devendo ser considerado pelo Tribunal a quo”⁸⁸¹. Segundo pensamos, se não é notório o fato superveniente, ele deve ser alegado pelas partes, ainda que em sede recursal, podendo seu conhecimento ser requerido pela parte mesmo que por meio de contrarrazões. Os embargos declaratórios, nesse sentido, podem ser manejados para o reconhecimento de fato superveniente, mas desde que este tenha ocorrido após o julgamento do recurso. Isto é, se o juiz não toma em consideração o fato novo, de ofício, e este jamais foi alegado pelas partes, o acórdão não carece de integração. O entendimento do STJ, porém, parece albergar a possibilidade de reconhecimento do fato previdenciário superveniente mesmo em sede declaratória: No tocante ao momento processual em que se deverá reafirmar a DER, cumpre esclarecer que essa tarefa é dada às instâncias ordinárias, as quais deverão com presteza possibilitar ao segurado que comprove o preenchimento dos requisitos para concessão do benefício. No âmbito dos tribunais, a reafirmação da DER deve ocorrer preferencialmente no julgamento do recurso de apelação e excepcionalmente no âmbito dos embargos de declaração. Aliás, no caso concreto, a reafirmação da DER somente ocorreu nos embargos de declaração, porque o Tribunal a quo não admitiu o fenômeno⁸⁸². É importante notar, por outro lado, que o fato superveniente, para que seja considerado como existente, pode depender de dilação probatória. Em matéria previdenciária, é simples a constatação, por exemplo, do fato “tempo de contribuição superveniente”, mediante a verificação da continuidade do recolhimento de contribuições previdenciárias, quando formalmente registradas (CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais). Há hipóteses, porém, como no caso de reconhecimento do superveniente trabalho em condições especiais, que o reconhecimento do fato pode depender de diligências probatórias. Ao postulante cabe dar ciência do fato superveniente constitutivo ao julgador, que deve levá-lo em conta, ainda que sua existência dependa de dilação probatória. Embora haja discussão, como visto acima, relativa ao limite temporal para que o fato possa ser considerado superveniente e influenciar no julgamento do processo judicial, por imperativo lógico inexiste espaço para o reconhecimento de fato superveniente após a outorga da prestação jurisdicional, com o trânsito em julgado da decisão que definiu a relação jurídica de proteção social (concedendo o benefício ou determinando a averbação de tempo de contribuição). O procedimento visa dar efetividade aos processos administrativo ou judicial, os quais devem ser solucionados com a consideração devida ao fato superveniente e à posição jurídico-previdenciária do segurado existente quando da decisão (administrativa ou judicial). O que se tem, pois, é que o fato superveniente, seja ele reconhecido de ofício, seja ele afirmado pela parte, tem de ser considerado no curso do processo judicial para que possa integrar a decisão e se impor às partes, porque revestido de coisa julgada. Se o fato superveniente (ao processo administrativo ou à propositura da ação judicial), somente ocorre ou é alegado posteriormente à extinção definitiva do processo judicial, não é apto a influenciar a relação jurídica entre o segurado e a Previdência Social. Opera-se a coisa julgada, sem a consideração do fato superveniente, nesses casos. Por essa razão, inexiste espaço para a chamada reafirmação da DER em relação ao período posterior à solução de uma demanda judicial. Percebe-se, portanto, que é devido o reconhecimento de fato previdenciário superveniente, que influencia o julgamento do mérito, até quando do julgamento que define a relação jurídica de proteção social, mediante análise das circunstâncias fáticas (decisão de segunda instância). Confira-se, nesse sentido, excerto do voto do Eminente Relator: Entendo não ser possível a reafirmação da DER na fase de execução. É que efetivamente precisa-se da formação do título exetutivo (sic), para ser iniciada a fase de liquidação e execução. Destarte, há possibilidade de a prova do fato constitutivo do direito previdenciário ser realizada não apenas na fase instrutória no primeiro grau de jurisdição, mas após a sentença, no âmbito da instância revisora. O reconhecimento do fato superveniente ao processo administrativo, para fins de definição judicial da relação jurídica previdenciária, não apenas representa uma técnica de máximo aproveitamento processual, mas uma resposta ao caráter vinculante do direito fundamental previdenciário, que deve ser satisfeito na estrita medida de sua existência. Desde um ângulo da relação jurídica do segurado com a Previdência Social, a chamada “reafirmação da DER” em juízo presta-se como instrumento para fazer coincidir o início da proteção previdenciária ao momento da implementação dos requisitos legais, considerando-se o tempo anteriormente admitido pelo INSS, o período reconhecido judicialmente e as contribuições previdenciárias vertidas após o término do processo administrativo, no curso do processo judicial, inclusive. 9.1.3.1 Fato superveniente à DER e o direito ao melhor benefício Há um postulado geral que deve ser observado para a análise e concessão de benefícios previdenciários, seja na esfera administrativa, seja no âmbito judicial, e que foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento em que foi reconhecido o direito adquirido ao melhor benefício: O segurado tem direito ao recebimento do benefício mais vantajoso, verificadas todas as possibilidades de cálculo desde quando adquiriu o direito à aposentadoria até a efetiva concessão do benefício⁸⁸³. Para alcançar essa conclusão seria suficiente invocar os princípios constitucionais que informam a Administração, dentre eles os da legalidade, eficiência e moralidade pública. Esse conjunto de normas impõe ao ente previdenciário o dever de orientação pública ao segurado – que se presume hipossuficiente em termos informacionais – e, bem assim, lhe conceda o benefício mais vantajoso⁸⁸⁴. Por outro lado, a Lei de Benefícios expressamente assegura o direito à aposentadoria em condições mais vantajosas⁸⁸⁵. Outrossim, é tradicional no campo administrativo o enunciado do Conselho de Recursos da Previdência Social, segundo o qual “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido” (Enunciado 1). O direito constitucional ao melhor benefício se afigura, portanto, um verdadeiro pano de fundo na análise dos direitos previdenciários e sua não observância pela Administração Pública implica lesão a direito do particular, já havendo dito que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível também a Suprema Corte quando do julgamento do Tema 350⁸⁸⁶. A premissa de que a consideração do fato superveniente constitutivo do direito implica a fixação da data de início do benefício para o momento da implementação dos requisitos legais deve ser entendida, portanto, no sentido de que, em qualquer caso, deve ser assegurado o direito ao benefício mais vantajoso. O direito ao melhor benefício, enquanto derivação normativa do direito adquirido, demanda a verificação de todas as datas de exercício possíveis, desde o preenchimento dos requisitos legais para a sua concessão, de modo que o benefício corresponda à maior renda mensal inicial adquirida. Justamente porque o direito à melhor proteção previdenciária decorre de lei e, ademais, da garantia do direito adquirido, ele deve ser observado na fase de cumprimento de sentença, mesmo que a sentença nada tenha disposto sobre o ponto. Isso porque, cabe rememorar, o direito à posição jurídicoprevidenciária mais vantajosa constitui o pano de fundo de um processo administrativo de benefício ou de um processo judicial previdenciário. Dessa forma, em fase de cumprimento de sentença, em havendo silêncio a respeito desse ponto, o título executivo deve ser interpretado de acordo com a Constituição, no sentido de que não vetou a concessão do melhor benefício, seja mediante cálculos diversos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição mais vantajosa, seja para concessão de benefício distinto daquele pleiteado na petição inicial – e que lhe foi assegurado – expressa ou implicitamente – por decisão final⁸⁸⁷. O objetivo da presente seção, porém, é o de fazer notar que o direito ao benefício mais vantajoso deve ser observado, mesmo que seu termo inicial corresponda a período posterior ao momento da satisfação dos requisitos legais para a concessão do benefício e ainda que esse fato ocorra posteriormente à data da entrada do requerimento administrativo. Trata-se, em última análise, de esforço para demonstrar a perfeita conformidade entre a técnica processual da consideração do fato superveniente que influi na análise do direito previdenciário (reafirmação da DER) e o direito ao benefício mais vantajoso. 9.1.3.1.1 Fato superveniente e direito ao melhor benefício no contexto do processo administrativo Esse postulado que assegura ao interessado o direito ao melhor benefício se impõe nos casos em que os requisitos para a concessão do benefício em condições mais vantajosas são atendidos no curso do processo administrativo. Se, após a instauração do processo administrativo de concessão do benefício, tem-se a superveniência de um fato que influencia na relação jurídica previdenciária, ele deve ser reconhecido, sob pena de não se conferir adequada tutela administrativa. Como consequência, se ocorrente no curso do processo administrativo, deverá ser reconhecido o fato superveniente que influencia a relação jurídica – de que é exemplo o aumento do tempo de contribuição em decorrência da continuidade do recolhimento das contribuições previdenciárias –, tanto para efeito de concessão de benefício, quando esse fato corresponda à implementação dos requisitos legais para tanto, quanto para efeito de concessão de benefício mais vantajoso, quando o fato corresponda ao atendimento dos requisitos legais para posição jurídica mais vantajosa. Em suma, a lógica da reafirmação da DER, isto é, a racionalidade processual que expressamente permite o reconhecimento do fato superveniente na instância administrativa, é perfeitamente compatível com o reconhecimento administrativo do direito constitucional ao melhor benefício, quando este é constituído supervenientemente à DER ou ao momento em que implementados, pelo particular, os pressupostos legais para a concessão de benefício em condições consideradas menos vantajosas. Note-se que o dever administrativo de reconhecer o fato superveniente para fins de concessão do benefício se encontra também na Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21.01.2015, em seu art. 690⁸⁸⁸, ao passo que o dever de conceder o benefício mais vantajoso se encontra no art. 687⁸⁸⁹ do mesmo ato normativo. Além disso, o Regulamento da Previdência Social, atualizado pelo Decreto 10.410/2020, impõe de maneira expressa esse proceder à autarquia previdenciária na análise dos direitos previdenciários no processo administrativo: RPS (Decreto 3.048/99), art. 176-D. “Se, na data de entrada do requerimento do benefício, o segurado não satisfizer os requisitos para o reconhecimento do direito, mas implementá-los em momento posterior, antes da decisão do INSS, o requerimento poderá ser reafirmado para a data em que satisfizer os requisitos, que será fixada como início do benefício, exigindo-se, para tanto, a concordância formal do interessado, admitida a sua manifestação de vontade por meio eletrônico”⁸⁹⁰. RPS (Decreto 3.048/99), art. 176-E. Caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito. Para a melhor compreensão dos direitos do particular junto à Administração Pública Previdenciária, deve-se considerar, portanto, a plena conformidade entre o fato superveniente constitutivo de direito no processo administrativo e o direito constitucional ao benefício mais vantajoso. Também isso é reconhecido pelo Conselho de Recursos da Previdência Social, em seu Enunciado 1, Item IV: “Retornando os autos ao INSS, cabe ao interessado a opção pela reafirmação da DER mediante expressa concordância, aplicando-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado”. Cogite-se o caso em que, encerrado o processo administrativo, constata-se que, quando da data da entrada do requerimento administrativo (DER), o segurado cumpria todos os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Contudo, dado que o segurado prosseguiu recolhendo contribuições previdenciárias no curso do processo administrativo (após a DER), ele reuniu tempo de contribuição e idade cuja soma lhe permitiria ter seu benefício calculado sem a incidência do fator previdenciário, nos termos do art. 29-C da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.183/2015, o que resulta em uma renda mensal inicial mais benéfica⁸⁹¹. Em casos tais, deve o INSS facultar ao segurado receber seu benefício com a DER reafirmada para a data em que implementados os requisitos para a concessão do benefício mais vantajoso. Se não é dada essa opção ao segurado e lhe é concedido o benefício menos vantajoso, ainda que se fixando a data de início deste benefício na DER, o segurado poderá postular a revisão do benefício, que terá a DIB fixada na data em que implementadas as condições para a concessão do benefício mais vantajoso, compensando-se os valores recebidos com os créditos a que faz jus o beneficiário. Soa intuitivo dizer, nesse sentido, que os efeitos financeiros do benefício concedido na via administrativa com base em fato superveniente são devidos desde o momento em que constituído o direito que foi ou que deveria ser reconhecido. Por fim, observa-se que o pensamento de que o segurado estaria a se valer de contribuições posteriores à DIB de sua aposentadoria para receber outra mais vantajosa poderia levar à equivocada ideia de que o caso corresponde a hipótese de desaposentação, tese revisional rechaçada pela Suprema Corte⁸⁹². Não se confunde com desaposentação, porém, uma revisão assim fundada no direito constitucional ao melhor benefício, mesmo que o fato superveniente constitutivo desse direito mais vantajoso se realize posteriormente à DER ou à data em que fixada a DIB do benefício – menos vantajoso – que foi concedido administrativamente. No entanto, para que se trate de fato superveniente no contexto do processo administrativo e não caracterize desaposentação, ele deve ocorrer ainda ao tempo em que o processo administrativo se encontre em curso ou, pelo menos, em tempo anterior ao aperfeiçoamento da outorga da proteção previdenciária, com a concessão do benefício e o primeiro recebimento dos valores correspondentes. 9.1.3.1.2 Fato superveniente e direito ao melhor benefício após o encerramento do processo administrativo Uma vez se aperfeiçoando a concessão do benefício pela Administração Pública, com o levantamento pelo segurado dos valores dele decorrentes, já não é mais possível considerar-se qualquer fato superveniente – como a continuidade do recolhimento das contribuições previdenciárias – para conformação de um eventual direito mais vantajoso. O que se tem, em casos tais, é um ato jurídico perfeito cujo desfazimento para fins de concessão de benefício mais vantajoso carece de respaldo legal, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal, quando recusou a tese da desaposentação. Sem embargo, se o benefício previdenciário culminou por ser indeferido administrativamente, abre-se espaço para o reconhecimento judicial do direito, que pode ao final ser compreendido como já devido ao tempo da DER ou apenas constituído supervenientemente a esse marco temporal. Independentemente de se concluir judicialmente que o segurado já havia cumprido todos os requisitos para a concessão do benefício na DER, é devido o reconhecimento do fato superveniente que enseje a concessão de benefício mais vantajoso, examinadas todas as possibilidades que o conformem. Para tanto, deve tomar-se em consideração, como fato superveniente que modifica a relação jurídica previdenciária, constitui o direito ao benefício mais vantajoso e influi no julgamento do mérito, o fato ou conjunto de fatos jurídicos que ocorreram no período compreendido entre a DER e o momento final para ser reconhecido como tal, nos termos do art. 493 do CPC e na forma compreendida pelo STJ quando do julgamento do Tema 995⁸⁹³. Em suma, se não houver o reconhecimento do direito na via administrativa, torna-se devida, no contexto do processo judicial, a análise das alternativas do segurado, tendo em conta o direito constitucional ao melhor benefício e a possibilidade de se computar eventual fato superveniente à DER, ainda que o segurado já fizesse jus ao benefício quando do requerimento administrativo, nos termos da tutela jurisdicional. Por outro lado, os efeitos financeiros do benefício concedido judicialmente com base em fato superveniente à DER são devidos desde o momento em que foi constituído o direito ao final reconhecido no processo judicial – podendo ser o mais vantajoso, se for o caso –, sendo irrelevante se esse direito restou formado no curso do processo administrativo, no período compreendido entre o final do processo administrativo e a propositura da demanda, ou no curso do processo judicial. Desse modo, sempre presente o direito constitucional ao melhor benefício, nos casos em que se reconhece o fato superveniente, vincula-se o termo inicial do benefício concedido judicialmente, e seus consequentes reflexos financeiros, ao momento em que foram implementadas as condições legais que produzem esse mesmo direito. 9.1.3.2 Fato superveniente à DER e o termo inicial dos benefícios concedidos judicialmente Consoante vimos anteriormente, a formulação do princípio da primazia do acertamento sobre a revisão da legalidade do ato administrativo é justificada na força vinculante dos direitos fundamentais, do direito à tutela jurisdicional adequada, inclusive. Foi demonstrado, outrossim, que a aplicação desse princípio processual previdenciário leva à plena efetivação dos direitos de proteção social porque reverencia a especificidade da lide em que se discute a satisfação desses direitos, alcançando resultados compatíveis com a exigência de máxima proteção dos direitos fundamentais⁸⁹⁴. Mercê de seu caráter vinculante, os direitos fundamentais sociais devem ser protegidos e satisfeitos em toda a extensão que lhes assegura a lei. E uma das exigências da teoria do acertamento é justamente a de que o direito fundamental de subsistência seja realizado em toda sua extensão, nem mais, nem menos. A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a um momento posterior⁸⁹⁵. Dessa forma, uma vez formulado o requerimento administrativo, a definição da data de início do benefício se orienta pelo momento em que consideradas implementadas todas as condições para a sua concessão. Ocorre que a diretriz normativa fundamental, de que na tarefa de acertamento da relação jurídica de proteção social, o órgão jurisdicional deve proteger o direito previdenciário na justa medida de sua existência, foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Tema 995: A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito (excerto do voto do Rel. Ministro Mauro Campbell – REsp 1727069/SP, grifou-se). No que diz respeito à tutela jurisdicional do direito previdenciário superveniente à propositura da demanda, duas são as consequências que derivam da função jurisdicional de acertamento. A primeira delas diz com a necessidade de serem reconhecidos os efeitos jurídicos do fato constitutivo de direito previdenciário que é superveniente à DER e mesmo superveniente à propositura da demanda judicial. Isso porque não se satisfaz a jurisdição previdenciária com uma estrita revisão da legalidade do ato indeferitório que foi produzido na via administrativa. Para tanto, na solução de demanda judicial previdenciária, deve-se reconhecer também os fatos supervenientes à propositura da ação, nos termos do art. 493 do CPC. Nessas hipóteses, é óbvio ululante que os efeitos financeiros, vinculados que são ao momento da constituição do direito pelo fato superveniente, ocorrido no curso do processo judicial, não são devidos em tempo anterior ao ajuizamento da demanda. Efetivamente, colhem-se de excerto da ementa dos Embargos Declaratórios no Resp. 1.727.069 que: Conforme delimitado no acórdão embargado, quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos⁸⁹⁶. A segunda consequência que deriva da função jurisdicional de acertamento, quanto à tutela jurisdicional do direito previdenciário superveniente, é a de que, respeitada a exigência de requerimento administrativo prévio (RE 631.240, Tema 350 do STF), os efeitos financeiros são devidos a partir do momento em que nasce ou se constitui o direito previdenciário. Para que não se incorra em equívoco na aplicação do que orienta o STJ de acordo com a sistemática de casos repetitivos, deve-se considerar que a disposição antes transcrita está relacionada ao fato de que no Tema 995 do STJ se reconheceu a possibilidade de o órgão jurisdicional tomar em conta o fato constitutivo previdenciário “mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015”. Nada obstante, igualmente por força da fundamentação adotada no aludido decisum, se o fato constitutivo do direito ocorre supervenientemente à DER e anteriormente à propositura da demanda judicial, o termo inicial do benefício e, por conseguinte, os efeitos financeiros correspondentes, devem ser fixados quando se forma ou se constitui o direito – e não em um outro momento, futuro, aleatório e incerto, relacionado, por exemplo, à data da citação. Confira-se, a propósito, excerto da decisão proferida nos segundos embargos declaratórios: Outrossim, o vício da contradição ao se observar a Teoria do Acertamento no tópico que garante efeitos pretéritos ao nascimento do direito também não ocorre. A Teoria foi observada por ser um dos fundamentos adotados no acórdão embargado, para se garantir o direito a partir de seu nascimento, isto é, a partir do preenchimento dos requisitos do benefício⁸⁹⁷ (grifou-se). E ainda de forma mais clara: A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais (excerto do voto do Rel. Ministro. Mauro Campbell – REsp 1727069/SP). Como se depreende do texto acima transcrito, a reafirmação da DER, por definição, implica o reconhecimento de fato superveniente à DER e a fixação da data de início do benefício para o momento em que são aperfeiçoados os pressupostos legais para a sua concessão⁸⁹⁸. Em suma, também nos casos de benefício concedido judicialmente mediante reconhecimento de fato superveniente, os efeitos financeiros devem ser fixados na data do implemento das condições legais, sem supressão de parcelas de conteúdo patrimonial do direito fundamental previdenciário. Anote-se que a existência de valores pretéritos como objeto da condenação pode render ensejo ao dever de pagamento dos honorários advocatícios, pois, de acordo com o entendimento do STJ, independentemente do grau de jurisdição, se a entidade previdenciária reconhecer o pedido diante da verificação do fato superveniente que influi no julgamento do mérito, não é cabível sua condenação ao pagamento da verba honorária⁸⁹⁹. Com essa compreensão, o Superior Tribunal de Justiça eventualmente conduzirá a uma alteração da jurisprudência, sobre o tema, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, de perfil mais restritivo. Com efeito, a TNU prestigia a orientação de que, se o cumprimento dos requisitos para concessão do benefício ocorrer entre a DER e a data da propositura da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado apenas quando da citação do INSS. De acordo com essa perspectiva, firma-se a premissa de que, se a incapacidade laboral surgir supervenientemente ao requerimento administrativo, o termo inicial do benefício por incapacidade concedido judicialmente deverá ser fixado na data da citação do INSS, quando colocado em mora quanto à cobertura dessa contingência social (PEDILEF 50030214920124047009, Rel. Juiz Federal Frederico Koehler, DOU 13.11.2015). Essa premissa da “DIB na citação” no caso de direito superveniente à DER toma como fundamento a impossibilidade de se retroagir a DIB à DER quando ao tempo do requerimento administrativo não são atendidos os pressupostos legais para a concessão do benefício, de modo que seria necessário um novo requerimento administrativo. Outrossim, por se constituir o direito previdenciário supervenientemente à DER, toma-se de empréstimo a orientação do STJ de que nos casos em que não há requerimento administrativo no INSS, o termo inicial da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida⁹⁰⁰. Ainda de acordo com a linha de pensamento acolhida pela TNU, “quando o segurado preencher os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria posteriormente à DER e antes da data do ajuizamento da ação, o termo inicial dos retroativos (DIB) deve ser a data da citação da autarquia previdenciária” (PUIL 5024211-57.2015.4.04.7108, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal Sergio de Abreu Brito, j. 25.10.2017). A linha de argumentação assumida nesse julgamento, que logrou apertada maioria (6 votos contra 4), parte da tese de que se o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria ocorrer entre a DER e a data do ajuizamento da ação, o indeferimento do benefício na via administrativa não será ilegal. Por outro lado, é possível que a ação judicial faça as vezes de um novo requerimento administrativo. E como é na citação que o INSS toma ciência do aludido pedido, este último ato deve ser adotado para a fixação da DIB. Essa segunda uniformização da “DIB na citação”, operada pela TNU, seria também motivada desde uma perspectiva lógico-jurídica, para o efeito de torná-la compatível com o entendimento anteriormente produzido quando da análise da incapacidade laboral superveniente à DER. Essa orientação da TNU é equivocada já por invocar, para hipóteses de direito superveniente ao requerimento administrativo, entendimento do STJ voltado a dirimir casos de inexistência de requerimento administrativo. São problemas jurídicos distintos e isso não é apenas um pormenor. Ora, o requerimento administrativo é antecedente lógico da reafirmação da DER, pois se encontra em jogo, na chamada reafirmação, a análise de um fato que é superveniente à DER. O que se tem, nesses casos, portanto, é um problema relacionado a direito superveniente à DER que reclama, para sua solução, emprego de metodologia judicial que faça sentido para uma jurisdição de direitos fundamentais prestacionais⁹⁰¹. Precisamente aqui é importante indagar: qual teria sido a base teórica adotada pela TNU para resolver tão importante questão relativa ao direito superveniente? E por que também em razão disso se revelam equivocadas as suas decisões que fixam na citação os efeitos financeiros do direito superveniente à DER? Na última decisão da TNU aqui comentada (PUIL 502421157.2015.4.04.7108), articulou-se com a (i) ausência de ilegalidade do ato administrativo de indeferimento do benefício no caso de constituição superveniente do direito, (ii) a inexistência de novo requerimento após o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício e, por fim, (iii) a ficção de a ação judicial fazer as vezes de um novo requerimento administrativo. Com essa linha metodológica, a TNU materializa caso exemplar do que chamamos concepção de função jurisdicional enquanto revisão da legalidade do ato administrativo a partir de uma perspectiva de efetividade processual⁹⁰², o que apontamos como um – inadequado – caminho de fuga da irracionalidade que se pode gerar pela aplicação, na seara previdenciária, do que denominamos concepção da função jurisdicional de estrita revisão judicial da legalidade. Ora, a teoria do acertamento da relação jurídica de proteção social tem como premissa fundamental, justamente, a primazia do acertamento sobre a revisão da legalidade do ato administrativo. A partir dela, procurou-se demonstrar o equívoco de se aplicar, no direito processual previdenciário, a difundida concepção de função jurisdicional, segundo a qual a tutela dos direitos subjetivos em face do Poder Público passa necessária e exclusivamente pelo controle da legalidade dos atos administrativos. Por ela, como antes se justificou, a função jurisdicional deve decidir sobre a existência do direito de proteção previdenciária reivindicado e concedê-lo nos estritos termos a que o beneficiário faz jus⁹⁰³. Desde a perspectiva da teoria do acertamento, revela-se, pois, equivocada a orientação acolhida pela TNU, porque acarreta indevido sacrifício de parcelas patrimoniais de direitos previdenciários, revelando-se inapta à sua efetivação⁹⁰⁴. Do prisma da realidade fática, tampouco seria razoável exigir do segurado que, após o indeferimento administrativo, formulasse novo requerimento a cada fato superveniente à DER – a cada mês ou a cada recolhimento mensal de contribuição previdenciária, por exemplo –, com o desiderato de prover a conservação e ressalva de seu direito, de modo a assegurar o recebimento da prestação previdenciária, com os efeitos financeiros fixados na data em que, ao final do processo judicial, será considerada como aquela em que foram preenchidos os requisitos legais⁹⁰⁵. Como se pode verificar, a fixação do termo inicial do benefício na citação, nos casos em que o direito é constituído posteriormente à DER e antes da propositura da ação, impõe aos beneficiários da Previdência Social, ou ônus anormais, ou perdas excessivas. Ainda que fosse aplicável esse entendimento da TNU, faz-se necessário ressalvar as hipóteses em que, mediante inversão do rito processual, nas ações de benefício por incapacidade laboral, primeiramente se realiza a perícia judicial, para tão somente depois se proceder à citação do órgão previdenciário. Com efeito, quando a citação do INSS ocorre posteriormente à prova pericial – procedimento que é comumente adotado na práxis da jurisdição previdenciária como meio para melhor assegurar o direito de defesa do réu e fomentar a solução de litígios pela via conciliatória –, é incabível a adoção da citação como marca para se definir a DIB. O pensamento que fixa o termo inicial do benefício na data da citação parte da premissa de que, no caso de incapacidade superveniente à DER, deve-se exigir nova cientificação do INSS quanto à pretensão do segurado, o que se efetiva, ainda segundo essa perspectiva, no ato citatório. Ocorre que, uma vez proposta a demanda judicial, resta formalizada a iniciativa do segurado para a obtenção do benefício em face da entidade previdenciária, não podendo aquele ser penalizado, com a DIB sendo fixada na citação, nos casos em que se inverte o procedimento, mediante antecipação da perícia para apenas posteriormente realizar-se a citação do réu. Note-se que, não raro, especialmente no período de distanciamento social pela pandemia da Covid-19, a parte autora aguarda até meses pela realização de perícia médica, para somente depois se operar a citação da parte ré. Como consequência desse procedimento que escapa do raio de providências do interessado, a citação, considerada como marco que define o termo inicial do benefício, é indefinidamente postergada e, por consequência, também adiado indeterminadamente o termo inicial do benefício. É inadequado, no entanto, que a técnica processual adotada pelo órgão jurisdicional para melhor defesa da parte ré ou para racionalizar a sequência de atos judiciais culmine, em determinados casos, por sacrificar meses de direito a benefício previdenciário. Mais recentemente, essa incoerência foi detectada pela própria TNU, quando foi decidido que não poderia subsistir o entendimento de “DIB na citação”, nos casos de incapacidade superveniente à DER, quando o laudo pericial antecede o ato citatório. Nada obstante, a alternativa encontrada pelo órgão uniformizador foi a de que, nesses casos, “a DIB deve corresponder à data daquele elemento de prova técnica”⁹⁰⁶. Segundo pensamos, porém, esse ajuste de rumo apenas faz trocar um marco temporal aleatório (data da citação), por outro (data da perícia), os quais fogem do poder de ação do segurado e lançam a DIB de seu benefício para tempo futuro indeterminado. Isso apenas demonstra o beco sem saída em que se mete uma tese inconsistente em termos teóricos, que reluta em efetivar a máxima coincidência possível⁹⁰⁷ em terreno processual previdenciário e, dessa forma, realizar o direito material na justa medida de sua existência. De nossa parte, uma vez admitida a perspectiva assumida pela TNU (DIB na citação no caso de incapacidade superveniente à DER), o que se admite por amor ao argumento, é preciso ressalvar que nos casos em que a citação do INSS é relegada por ordem judicial, com vistas à antecipação da prova pericial, o marco temporal definidor da DIB deve retroagir à propositura da demanda, ocasião em que a parte autora formaliza o requerimento judicial para concessão do benefício. Nada obstante, tendo em conta os motivos determinantes do Tema 995 do STJ e a expressão desta Corte no sentido de que, nos casos de reafirmação da DER, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que o direito é constituído, é necessário reconhecer que a orientação da TNU sobre o tema dos efeitos financeiros do direito previdenciário superveniente à DER, antes inconsistente, tornou-se agora insustentável. Em suma, na hipótese de “reafirmação da DER” judicial, o termo inicial do benefício previdenciário deve ser fixado na data em que aperfeiçoados os pressupostos legais para a sua concessão, sendo desde então devidos os efeitos financeiros decorrentes. 9.1.4 Data de início de benefício em face de habilitação judicial de novo dependente à pensão por morte O tema dos efeitos financeiros de nova habilitação de dependente por ordem judicial, antes carente de um tratamento normativo específico, foi objeto de regulação pela Lei 13.846/2019. Nas hipóteses em que o benefício de pensão por morte é concedido administrativamente a novo dependente do falecido segurado, a data de início da referida prestação é fixada quando de sua habilitação, nos termos do art. 76, caput, da Lei 8.213/91: Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição e habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirão efeitos a contar da data da inscrição ou habilitação. Segundo essa disposição normativa, a habilitação tardia apenas produz efeitos para o futuro, sem prejudicar os direitos já reconhecidos e as prestações mensais que já foram pagas aos dependentes que se habilitaram anteriormente. E essa lógica, segundo orientação jurisprudencial que parece predominar no STJ, aplica-se também ao caso de pensionista incapaz, de modo que, se já houver o pagamento da pensão em sua integralidade para outros dependentes, a habilitação do incapaz apenas produzirá efeitos ex nunc, isto é, a partir do seu requerimento administrativo⁹⁰⁸. Quando a habilitação de novo dependente se dá por ordem judicial, emerge questão de difícil solução concernente aos efeitos financeiros do reconhecimento do direito à pensão por morte e que até a edição da Lei 13.846/2019 não contava com disciplina legal específica. Se for atribuído o direito de pensão por morte ao novo dependente, com efeitos retroativos ao requerimento administrativo (nova habilitação), surge o problema: deve o INSS, que vinha mantendo o benefício, em sua integralidade, para os dependentes já habilitados, pagar também a cota devida ao novo dependente, com efeitos retroativos à DER (nova habilitação)? Devem, em vez disso, os dependentes anteriormente habilitados restituir as importâncias que receberam a maior desde a habilitação tardia do novo dependente – por força do reconhecimento de direito retroativo ao novo dependente? Analisemos essa questão, primeiramente, à luz da legislação anterior à vigência da Lei 13.846/2019. Segundo pensamos, na medida em que os dependentes anteriormente em gozo da pensão por morte vinham recebendo a sua quota-parte de modo legítimo, dado que não se efetivou a habilitação requerida na esfera administrativa, não se vislumbra razão para que a eles seja imposto o dever de restituição dos valores que, a partir dos termos da decisão judicial, consubstanciariam parcela maior acaso fosse levada a efeito a habilitação no âmbito administrativo⁹⁰⁹. Nesse mesmo sentido, o que se observa não é uma situação de sobreproteção previdenciária ou um recebimento indevido, para que se pudesse falar no dever de devolução, de resto já inadequado em razão da natureza alimentar das prestações recebidas. Por outro lado, não é de se condicionar os efeitos da habilitação apenas para o momento em que reconhecido o direito à pensão por morte do novo dependente em juízo, sendo perfeitamente aplicável o dispositivo legal acima transcrito, para o efeito de reconhecer o direito do novo dependente ao recebimento de sua cota-parte a partir do requerimento administrativo. Nestas condições, conquanto se reconheça o interesse público de se evitar pagamento de benefício em duplicidade, o que resta é o dever da Administração Previdenciária em promover a proteção social nos termos definidos na legislação regente, visto que o próprio sistema previdenciário, voltado à cobertura de riscos de subsistência, possibilita a atuação previdenciária para a garantia da subsistência digna do dependente do segurado do RGPS, o que pode implicar uma adequada proteção concomitante para indivíduos diferentes⁹¹⁰. Ademais, a própria Administração Previdenciária, quando indefere benefício posteriormente concedido na via judicial, propicia a situação que leva à concretização de cobertura previdenciária concomitante para mais de um dependente. Cumpre notar que, nesses casos, o indeferimento administrativo é reconhecido como ilegal pelos termos da decisão judicial – porque negou benefício, nada obstante que o interessado a ele fizesse jus. Mais do que isso, o processo administrativo também é desencadeado de modo ilegítimo pelo INSS, uma vez que deixa de fazer participar os dependentes já habilitados no processo iniciado pelo novo interessado e não participa ativamente da instrução processual, com realização de justificação administrativa e orientação do novo dependente, – que se presume hipossuficiente em termos econômicos e informacionais – acerca de seus direitos e de como proceder para satisfazê-los⁹¹¹. Mais recentemente, a Lei 13.846/2019 alterou o art. 74 da Lei 8.213/91, acrescentando-lhe os §§ 3º a 6º, nos seguintes termos: Art. 74. (omissis) § 3º Ajuizada a ação judicial para reconhecimento da condição de dependente, este poderá requerer a sua habilitação provisória ao benefício de pensão por morte, exclusivamente para fins de rateio dos valores com outros dependentes, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da respectiva ação, ressalvada a existência de decisão judicial em contrário. § 4º Nas ações em que o INSS for parte, este poderá proceder de ofício à habilitação excepcional da referida pensão, apenas para efeitos de rateio, descontando-se os valores referentes a esta habilitação das demais cotas, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da respectiva ação, ressalvada a existência de decisão judicial em contrário. § 5º Julgada improcedente a ação prevista no § 3º ou § 4º deste artigo, o valor retido será corrigido pelos índices legais de reajustamento e será pago de forma proporcional aos demais dependentes, de acordo com as suas cotas e o tempo de duração de seus benefícios. § 6º Em qualquer caso, fica assegurada ao INSS a cobrança dos valores indevidamente pagos em função de nova habilitação. O propósito da inovação normativa é claro: criar mecanismos para que o INSS não se veja na contingência de pagar prestações de pensão por morte em valores superiores aos devidos. De fato, como a decisão judicial pode implicar condenação ao pagamento retroativo de valores a dependente cuja habilitação foi indeferida administrativamente, essas diferenças se somariam ao pagamento do benefício já realizado em favor dos demais dependentes. A novel disposição não se afigura capaz de solucionar o problema, porém. De um lado, dispõe agora o § 3º do art. 74 da Lei 8.213/91 que o dependente que busca o reconhecimento judicial de seu direito à pensão por morte tem a faculdade de requerer a sua habilitação provisória, com vistas ao rateio dos valores com outros dependentes. Ocorre que a lei atribui ao dependente um direito subjetivo (facultas agendi) a requerer a habilitação provisória, sem cominar qualquer sanção pelo seu não exercício. Desse modo, a falta de habilitação provisória à pensão por morte não prejudica o reconhecimento judicial do direito, com efeitos retroativos ao requerimento administrativo que foi indeferido. Outrossim, o exercício desse direito de postulação de habilitação provisória não teria o condão, por si só, de fazer suspender ou cessar o regular pagamento, aos dependentes já habilitados, que deriva de ato jurídico perfeito que outorga a seu titular a garantia do devido processo legal. Por outro lado, o § 4º do art. 74 da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 13.846/2019, estabelece que nas ações de pensão por morte em que o INSS for parte, “este poderá proceder de ofício à habilitação excepcional da referida pensão, apenas para efeitos de rateio, descontando-se os valores referentes a esta habilitação das demais cotas”. Dito de outro modo, a lei está a conceder uma prerrogativa ao ente previdenciário para que, em havendo indeferido pedido de pensão por morte à determinada pessoa, proceda à habilitação de ofício dessa mesma pessoa, no caso de ajuizamento da ação contra si para a concessão da pensão. Como a nova habilitação se dá apenas para fins de rateio, não haverá pagamento dessa “nova cota” da pensão por morte, mas os valores correspondentes a ela serão descontados dos dependentes já habilitados. Mais precisamente, somente haverá pagamento relativo à “nova cota” antes do término do processo, se houver decisão judicial determinando essa obrigação. A regra inserta no art. 74, § 4º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, atribui ao órgão previdenciário a faculdade de suspender o pagamento de benefício de pensão por morte a dependente legalmente habilitado, permitindo-lhe, portanto, desconsiderar ato jurídico perfeito e interferir no direito de propriedade de pensionista, com o efeito de suprimir parte de seu benefício, claramente malferindo a garantia individual de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/88, art. 5º, LIV). É inconstitucional, portanto, a regra que autoriza o ente administrativo, na hipótese de ser demandado judicialmente por outrem, a alterar ou suspender os efeitos de ato jurídico perfeito, de que deriva direito de particular, o qual goza, anote-se ainda, como ato administrativo, da presunção de legitimidade. Ora, se nem mesmo uma grave suspeita de fraude pode ensejar, de plano, a suspensão de um benefício previdenciário, porque “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF/88, art. 5º, LV), soaria desproporcional aquiescer com a suspensão de parte integrante de benefício de natureza alimentar, pelo só fato de alguém buscar em juízo provimento que tem como consequência prática o rateio da pensão por morte. É importante notar que os problemas jurídicos decorrentes de nova habilitação judicial ocorrem apenas após o trâmite de processo administrativo que culmina com o indeferimento de concessão de nova cota de pensão. É justamente no bojo do processo administrativo que deve a autarquia previdenciária, por força dos princípios constitucionais da legalidade e da eficiência, bem instruir o feito de nova habilitação, com a participação dos dependentes já em gozo de benefício, na forma do art. 3º, II, da Lei 9.784/99. Afinal, uma atuação mais zelosa da entidade previdenciária pode, com efeito, reduzir a sua exposição a erros e ilegalidades. De todo modo, a suspensão do pagamento de valores relativos às cotas antigas, tanto quanto o próprio pagamento provisório a título de “nova cota”, pode ser determinado por um órgão jurisdicional, mediante concessão de tutela provisória. É inconstitucional, então, a sistemática de gestão de efeitos financeiros de nova habilitação judicial introduzida pela Lei 13.846/2019, ao permitir a suspensão de benefício – pelo mesmo ente que concedeu esse benefício e que ilegalmente recusou a nova habilitação, forçando a judicialização – sem assegurar qualquer defesa ao titular do direito protegido pelo ato jurídico perfeito. Por fim, em razão do que foi articulado acima, não se pode considerar como indevido qualquer pagamento realizado aos dependentes em tempo anterior à decisão judicial que reconhece a habilitação tardia, pois eram os únicos até então validamente habilitados ao recebimento da pensão por morte. Por isso, apenas a comprovação de irregularidade na concessão do benefício aos dependentes primeiros, mediante dolo ou fraude dos beneficiários, é que poderia ensejar a aplicação do art. 74, § 6º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/2019 (“Em qualquer caso, fica assegurada ao INSS a cobrança dos valores indevidamente pagos em função de nova habilitação”). 9.1.5 A identificação da data de início da incapacidade laboral (DII) e os efeitos financeiros dos benefícios previdenciários por incapacidade Partindo das mesmas premissas alinhavadas no tópico anterior, teremos de concluir que as prestações previdenciárias por incapacidade – e bem assim o benefício de prestação continuada da Assistência Social – serão devidas, em regra, desde a data da entrada do requerimento administrativo (DER), quando demonstrado que nesse momento o beneficiário já cumpria todos os requisitos para a concessão do benefício⁹¹². Mas, há casos em que não se consegue identificar que a incapacidade laboral já existia ao tempo do requerimento administrativo. Isso ocorre quando o conjunto probatório (prova pericial e demais elementos probatórios, como atestados e exames médicos) não permite o reconhecimento de tal circunstância de fato (DII na DER)⁹¹³. Não raro, o médico perito, sob a argumentação de que não há elementos objetivos a apontar para a existência da incapacidade por ocasião do requerimento administrativo, fixa a data do início da incapacidade (DII) em momento posterior à data da entrada do requerimento (DER) – seja em período compreendido entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação, seja na própria data da realização da perícia. Em casos tais, e quando não é possível ao magistrado desvincular-se das conclusões a que chegou o médico perito, no sentido de não identificar a presença de incapacidade quando do requerimento administrativo, a DII termina por ser reconhecida em momento posterior à DER⁹¹⁴. Ora, se inexiste comprovação de que o segurado fazia jus ao benefício por incapacidade ao tempo do requerimento administrativo, deve-se procurar um novo marco temporal para a fixação da data de início do benefício (DIB). Pois bem. Nos casos em que a data do início da incapacidade ocorre no período compreendido entre o indeferimento administrativo e o ajuizamento da demanda, o benefício deve ser concedido a partir da data do início da incapacidade, tal como propugnamos com a teoria do acertamento⁹¹⁵. Sem embargo, a atual orientação da TNU é no sentido de que, se a incapacidade surgir posteriormente ao requerimento administrativo, o termo inicial do benefício por incapacidade concedido judicialmente deverá ser fixado na data da citação do INSS, quando esta autarquia é colocada em mora (PEDILEF 50030214920124047009, Rel. Juiz Federal Frederico Koehler, DOU 13.11.2015)⁹¹⁶. Ora, se a função da jurisdição de proteção social consiste em outorgar a devida realização do direito fundamental, o benefício previdenciário tem de ser concedido a partir do momento em que o segurado a ele faz jus. Se não se logra comprovar que a incapacidade se fazia presente quando do requerimento administrativo – ou quando da cessação do benefício, no caso de restabelecimento –, e o conjunto probatório aponta que a incapacidade é superveniente ao requerimento administrativo – ou superveniente à cessação –, a data de início do benefício (DIB) deve atrelar-se à data do início da incapacidade (DII), por força da eficácia vinculante dos direitos fundamentais, salvo quando for possível identificar que a incapacidade reconhecida em juízo decorre de patologia ou lesão que comprovadamente inexistia quando da tutela administrativa. Com efeito, apenas quando se constata que o pleito judicial se ampara em circunstância absolutamente desvinculada do requerimento administrativo (v.g., um acidente superveniente ao requerimento administrativo que enseja incapacidade laboral e que, na verdade, abre espaço para um novo requerimento administrativo), é que se torna devida a fixação da data de início do benefício (DIB) quando do ajuizamento da ação. Observe-se: não estamos sustentando que deve ser considerado inexistente o requerimento administrativo e, portanto, fixada a DIB no ajuizamento da ação, se a patologia que motiva a ação judicial não houver sido alegada na via administrativa. O que se pretende expressar é que, uma vez evidenciado que a causa do pleito de incapacidade se encontra absolutamente desvinculada, porque superveniente, daquela que ensejou a anterior tutela administrativa, hipótese em que um novo requerimento seria exigível, a data de início do benefício deve ser fixada na data do ajuizamento da ação. Em casos tais, quando se reputa inexistente o requerimento administrativo, deve ser considerado como marco inicial do benefício a data de ajuizamento da ação, primeira manifestação formal da pretensão do beneficiário, e não a data da citação do INSS, momento em que esta entidade é colocada em mora⁹¹⁷. 9.1.5.1 O direito de recebimento do auxílio por incapacidade temporária pelo segurado que exerceu atividade remunerada embora incapaz Inicialmente é de se lembrar que o fato de o segurado estar trabalhando não significa que não esteja incapacitado no sentido previdenciário. Uma coisa é a impossibilidade de exercer uma atividade profissional, o que exige uma situação de saúde crítica; outra, bastante distinta, é a incapacidade previdenciária, que longe está de exigir uma total impossibilidade de desempenho de uma dada atividade remunerada. Por isso, reafirme-se: o só fato de o segurado trabalhar não leva à conclusão de que não esteja incapacitado para o trabalho e de que, por essa razão, não faz jus à prestação previdenciária por incapacidade. A prova técnica, confortada por outros elementos probatórios, é que formará o convencimento do magistrado a respeito. Como é possível o segurado exercer uma atividade abrangida pelo RGPS embora se encontre, de fato, incapaz para o trabalho, não é raro o advento de uma situação específica: (1) o segurado sofre o indeferimento de um benefício por incapacidade – ou sofre a cessação do benefício de que era titular –, (2) continua ou retorna a exercer uma atividade remunerada – em caráter formal ou informal – e (3) futuramente tem reconhecido em processo judicial que se encontrava incapaz mesmo no tempo em que exerceu a referida atividade remunerada. A título ilustrativo, consideremos o caso em que o segurado sofre a cessação de seu benefício por incapacidade em dezembro de 2008, havendo regressado ao trabalhou no período de março a setembro de 2009 (porque premido pela necessidade ou porque ameaçado pelo empregador com uma eventual demissão sem justa causa). Posteriormente, em ação de restabelecimento do auxílio-doença, o conjunto de provas, destacadamente o laudo pericial, aponta que jamais houve a recuperação da capacidade para trabalho do referido segurado, de modo que a cessação do benefício é considerada indevida. Segue a questão: quais os efeitos financeiros devidos na referida ação de restabelecimento? Podem ser formuladas três hipóteses para a solução da problemática: • Ainda que o segurado tenha trabalhado no período em que foi considerado incapaz e ainda que tenha recebido remuneração correspondente, é devido o pagamento do auxílio por incapacidade temporária desde a cessação, pois o benefício era devido. • O segurado não faz jus ao auxílio por incapacidade temporária no período em que trabalhou, porque o benefício é substitutivo da remuneração e ele encontrou meios de subsistência pelo desempenho de atividade remunerada. • Devem ser descontados os valores recebidos pelo segurado como salário ou remuneração pelo exercício de sua atividade profissional quando do cálculo das diferenças devidas pelo INSS na ação de restabelecimento. Uma vez que o segurado fazia jus ao benefício por incapacidade, de acordo com o que aponta o conjunto probatório, a circunstância de ter sido obrigado a encontrar recursos materiais necessários à sua subsistência e à de sua família não pode implicar a exoneração da entidade previdenciária do dever de conceder o benefício, com efeitos próprios, a quem realmente fazia jus a ele. Encontrando-se na premência de prover sua manutenção, o segurado que se lança ao trabalho, ainda que com o agravamento de seu quadro de saúde e ainda que considerado incapaz em termos previdenciários, não deve ser penalizado com o não recebimento de benefício a que tinha direito, premiando-se a ilegalidade da Administração Pública com o enriquecimento sem causa advindo do não pagamento de benefício previdenciário embora aperfeiçoados os pressupostos legais autorizadores de sua concessão. Não deve servir de preocupação a circunstância de que, mediante tal linha de raciocínio, se permita uma suposta acumulação indevida entre a remuneração do trabalhador e os valores que receberá a título de auxílio por incapacidade temporária, por derivarem, as referidas verbas, de fatos geradores distintos: • o trabalhador tem o direito de receber a remuneração pelo trabalho e a empresa tem o dever de remunerá-lo, na medida em que configurada a prestação de serviço; • o trabalhador/segurado tem o direito de receber os valores referentes ao auxílio por incapacidade temporária por estarem preenchidos todos os requisitos legais que condicionam a concessão desse benefício, o que corresponde ao dever jurídico e moral do INSS em pagar as diferenças originadas pela indevida cessação. Mais do que isso, pode-se mesmo cogitar no direito do segurado à indenização pela circunstância de ter-se visto na contingência de, ainda que incapacitado e fazendo jus a benefício previdenciário, ver-se forçado a trabalhar na busca de meios de subsistência com a possibilidade real de agravamento de sua condição de saúde. É nesse sentido que se encontra o atual entendimento da TNU: Embora não se possa receber, concomitantemente, salário e benefício, o trabalho exercido pelo segurado no período em que estava incapaz decorre da necessidade de sobrevivência, com inegável sacrifício da saúde do obreiro e possibilidade de agravamento do estado mórbido. 2. O benefício por incapacidade deve ser concedido desde o indevido cancelamento, sob pena de o Judiciário recompensar a falta de eficiência do INSS na hipótese dos autos, pois, inegavelmente, o benefício foi negado erroneamente pela perícia médica da Autarquia. 3. Incidente conhecido e provido (PEDILEF 200872520041361, Rel. Juiz Federal Antônio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, j. 17.03.2011, DOU 13.05.2011)⁹¹⁸. Também nesta linha de orientação, mutatis mutandis, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça: [...] A demora injustificada da Administração Pública para apreciar pedido de aposentadoria, obrigando o servidor a continuar exercendo compulsoriamente suas funções, gera o dever de indenizar. Precedentes: REsp 687.947/MS, 2ª T., Min. Castro Meira, DJ de 21.08.2006; REsp 688.081/MS, REsp 983.659/MS, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 06.03.2008; REsp 952.705/MS, Min. Luiz Fux, DJ de 17.12.2008 [...] (REsp 1.052.461/MS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.04.2009). Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou esse problema específico, de acordo com o rito de recursos repetitivos (Tema 1.013 – REsp 1.786.590), assegurando o recebimento do auxílio por incapacidade temporária nos termos seguintes: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PAGAMENTO DE PARCELAS PRETÉRITAS DO BENEFÍCIO COINCIDENTES COM PERÍODO EM QUE HOUVE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA. TEMA 1.013. I – Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença. II – A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.786.590/SP, sob o rito dos recursos repetitivos, firmou a tese, correspondente ao Tema 1.013, no sentido de que no período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente. III – Agravo em recurso especial conhecido para negar provimento ao recurso especial (AREsp 1281010/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27.10.2020, DJe 17.11.2020). 9.1.5.2 Termo inicial de benefício por incapacidade no caso de demanda anterior com sentença desfavorável transitada em julgado Nas ações judiciais de benefício por incapacidade laboral, o fato constitutivo do direito geralmente sofre alterações ao longo do tempo. Bem por isso, o auxílio por incapacidade temporária, mesmo na via judicial, é concedido temporariamente, submetendo o interessado, de modo geral, a um pedido de prorrogação do benefício (Lei 8.213/91, art. 60, § 8º). Nessa espécie de ações previdenciárias, a coisa julgada se opera rebus sic stantibus, de modo que, na hipótese de modificação do estado de coisas que justificaram a decisão judicial passado em julgado, inaugura-se entre as partes uma nova relação jurídica. É essa abertura à alteração na relação jurídica material entre a Administração e o particular que faz com que as ações judiciais que culminam com a concessão do benefício não impeçam o INSS de recusar o pedido de prorrogação e, assim, cesse o benefício concedido judicialmente. E eventual alteração na relação jurídica material também permite ao segurado que formule novo requerimento administrativo. Com o agravamento das condições de saúde do segurado, caracteriza-se alteração dos fatos, eventualmente hábil a ensejar a concessão do benefício na esfera administrativa, mediante novo requerimento, ou na seara judicial, caso a nova pretensão seja indeferida pelo ente previdenciário. A modificação dos fatos implica alteração da causa de pedir e, por consequência, deve-se compreender que a existência da anterior demanda judicial, mesmo que solucionada por sentença passada em julgado, não prejudica a propositura de uma nova ação. Deve-se lembrar, ainda, que a relação de prejudicialidade definitiva por efeito de uma anterior demanda judicial somente ocorre pela via da coisa julgada ou da litispendência⁹¹⁹. Nesse contexto, deve-se indagar sobre o termo inicial do auxílio por incapacidade temporária concedido em uma segunda demanda judicial quando o primeiro processo terminou com sentença que rejeitou a concessão do mesmo benefício. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há precedente oriundo da Corte Especial no sentido de que o benefício concedido no segundo processo judicial não poderia ter sua DIB fixada para momento anterior àquele em que se deu o trânsito em julgado da sentença anterior. Confira-se a ementa desse aresto: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AÇÃO ANTERIOR JULGADA IMPROCEDENTE. ALTERAÇÃO DO SUPORTE FÁTICO. AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DA INCAPACIDADE EM MOMENTO ANTERIOR AO TRÂNSITO EM JULGADO DA PRIMEIRA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA PARCIAL. 1. Em casos de benefício por incapacidade, uma sentença de improcedência não implica a impossibilidade de nova ação previdenciária sobre o mesmo tema, desde que haja modificação do suporte fático, seja pela superveniência de nova doença incapacitante, seja pelo agravamento da doença anterior. 2. Nesses casos, comprovada na nova demanda a incapacidade, seu termo inicial não pode retroagir, em princípio, à data anterior ao trânsito em julgado da primeira ação, sob pena de violação à coisa julgada parcial⁹²⁰ (negritou-se). Sem embargo da plausibilidade dessa compreensão, pensamos que, em não se tratando de litispendência ou coisa julgada, a nova demanda deve seguir seu curso normal, uma vez que não fazem coisa julgada, nem “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”, nem “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença” (CPC, art. 504, I e II). Desse modo, não haveria razões processuais para se fixar a DIB do benefício concedido na segunda demanda judicial apenas após a data em que tenha transitado em julgado a sentença produzida no primeiro feito, que constitui um momento aleatório e que não se relaciona, em absoluto, com a data de alteração no estado de saúde do segurado, a superveniência da incapacidade laboral ou o direito ao aludido benefício. A propósito, essa linha de compreensão, que fixa como norte para alteração da relação jurídica a data do trânsito em julgado da sentença proferida no primeiro processo, se aplicada contra o INSS, teria o condão de lhe impedir de cessar o benefício antes do trânsito em julgado, ainda que em tempo anterior tenha identificado a recuperação da capacidade laboral. Ocorre que, mais recentemente, a 3ª Seção do TRF4 também visitou esse problema jurídico e assentou o entendimento de que: [...] 3. O acórdão rescindendo, ao reconhecer o direito à retroação do benefício desde a data do cancelamento administrativo, não ofende a coisa julgada, uma vez que a sentença proferida na segunda demanda não examinou a mesma relação jurídica continuativa, mas uma nova relação jurídica, fundada em fato constitutivo inédito do mesmo direito ao benefício previdenciário⁹²¹. Esse encaminhamento se afigura mais fiel à realidade fática identificada no segundo processo – pois não condiciona o fato do início da incapacidade para momento aleatório (após o trânsito em julgado) –, tanto quanto ao sistema processual civil – pois faz escapar da coisa julgada a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença primeira. A solução desse problema jurídico não prescinde, porém, das percucientes observações externadas em aresto de relatoria do eminente Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, quando do julgamento da Apelação Cível 5004699-72.2020.4.04.9999, realizado em 05.06.2020, que se transcrevem abaixo: Com efeito, se o agravamento de doença ou outra enfermidade têm sido considerados como uma causa de pedir diversa a dar ensejo, portanto, a uma nova demanda, não se pode comunicar as ações ao ponto de limitar o efeito financeiro da segunda, julgada procedente, ao trânsito em julgado da primeira que foi julgada improcedente. Tal entendimento da Seção congela a capacidade reconhecida na data do laudo que lastreia o juízo de improcedência (capacidade laboral do segurado). Contudo, o trânsito em julgado ocorre, não raro, anos depois, dependendo dos recursos e da pauta do tribunal. Do laudo até o trânsito em julgado, o segurado não pode ter agravado o seu quadro? Não há base fática (princípio da realidade) para não se reconhecer que no dia seguinte ao da primeira perícia, o autor cardíaco possa ter um infarto (agravamento), mas desgraçadamente não poderá ter sua incapacidade reconhecida porque ainda não transitou em julgado a sentença da ação julgada improcedente. Seria razoável entender-se que o trânsito em julgado incide até onde se reconheceu a capacidade (momento da perícia). Dali para frente, não se tem mais certeza de nada, sendo odioso mesmo recorrer-se a uma ficção que pode ter efeitos catastróficos ao segurado, tal como permanecer sem renda de subsistência por um lapso de tempo variável, até o trânsito em julgado, pois poderá haver recurso da Autarquia. Portanto, entendo que a vedação de retroatividade do juízo de incapacidade deve ser da data da perícia para trás. O trânsito em julgado, que constitui a coisa julgada material, não opera efeitos para o fim de obstar que se constate o agravamento da doença desde o laudo que não reconheceu a incapacidade, porquanto faticamente isso pode ocorrer. [...] Ademais, o que se abriga sobre o manto da coisa julgada é o que se submete ao contraditório e à ampla defesa. Tudo o que acontece depois da fase probatória pode ser reconhecido como fato superveniente inclusive, e é suscetível de ser tranquilamente conhecido pelo juiz ou pelo tribunal, segundo as regras do CPC. Mas se não for, não fica obstado de subsidiar nova demanda sem qualquer limitação de efeitos. Parece adequado que o “fato capacidade”, parâmetro para a fixação da data do início do benefício, discutido e convolado na sentença, persista imutável até a data da perícia. Dali para trás é defeso ao judiciário rejulgar. Do contrário estar-se-ia violando a coisa julgada. Todavia, esta imutabilidade não pode ir além da data da perícia e muito menos até a data do trânsito em julgado da sentença/acórdão de improcedência do pedido. Não teria base fática a coisa julgada depois da perícia. Quero com esses argumentos dizer que não se pode congelar a incapacidade, ou deixá-la refém do tempo processual⁹²². Portanto, em sendo superadas as questões relacionadas à litispendência ou à coisa julgada, deve-se reconhecer a existência do direito ao benefício pretendido no segundo processo (P2), se neste se identifica que o segurado se encontra incapaz para o trabalho. De outra parte, se o conjunto probatório estabelecido no segundo processo (P2) aponta que o segurado se tornou incapaz (DII) ainda quando estava em curso a demanda anterior (P1), ele fará jus ao auxílio por incapacidade temporária com termo inicial (DIB) fixado na data do primeiro requerimento administrativo (DER) formalizado após a perícia judicial produzida no processo primeiro (P1)⁹²³. 9.1.6 Data de início do benefício (DIB) da aposentadoria especial concedida judicialmente O art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, proíbe que o titular de aposentadoria especial persista exercendo ou retorne ao exercício de atividade ofensiva à saúde, estabelecendo que “Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei” ⁹²⁴. Assim, após a efetiva concessão da aposentadoria especial, verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, será cessado o pagamento do benefício⁹²⁵. Dito de outro modo, não é admitido o pagamento da aposentadoria especial concomitantemente ao exercício da atividade com exposição a agentes nocivos ou em condições que caracterizem a atividade como especial. Sem embargo, a circunstância de o segurado continuar a exercer atividade especial no curso de ação de concessão de aposentadoria especial não pode implicar a postergação da data de início do benefício para o momento futuro em que houver a efetiva cessação da atividade ofensiva à saúde. É que a data de início da aposentadoria especial é orientada pela regra do art. art. 57, § 2º, c/c art. 49, ambos da Lei 8.213/91. De modo geral ou subsidiário, a aposentadoria especial é devida desde a data de requerimento do benefício⁹²⁶. Se o benefício é concedido judicialmente, prossegue prevalecendo a regra geral, desde que os requisitos para a concessão do benefício já houvessem sido cumpridos quando do requerimento administrativo. Não se compreende na regra do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, que a data do início do benefício da aposentadoria especial, quando concedida judicialmente, deve coincidir com a data do afastamento do trabalho em condições especiais, ao argumento de que o recebimento de parcelas atrasadas a título de aposentadoria especial seria incompatível com o exercício da atividade especial ocorrido no passado. Constituiria mesmo uma penalização ao trabalhador o fato de prosseguir trabalhando em condições ofensivas a saúde em razão de um injustificado indeferimento de benefício pelo INSS e, justamente por essa circunstância, ver-se privado do gozo do benefício em relação ao tempo em que trabalhou até a efetiva implantação da aposentadoria especial. É de se notar que a razão de ser dessa regra é estimular o afastamento do trabalhador que se encontra em gozo da aposentadoria especial, do exercício de atividade ofensiva à sua saúde. Somente a proteção à saúde do trabalhador é que justificaria, em princípio, a suspensão do benefício. Nesse sentido, apenas do trabalhador que pôde optar pelo trabalho em desfavor do benefício é que seria justificada a não proteção previdenciária. Nas hipóteses em que o segurado se submete por ainda mais tempo ao trabalho especial, justamente pela tardia concessão do benefício, não há justificativa para se condicionar o início dos efeitos financeiros da aposentadoria especial concedida judicialmente ao efetivo afastamento da atividade nociva. Por essas razões, o início dos efeitos financeiros da aposentadoria especial deve ser fixado na data da entrada do requerimento administrativo (se então cumpridos os requisitos legais), independentemente do desligamento da empresa empregadora ou afastamento das atividades especiais⁹²⁷. Sobre esse tema específico, ao afirmar a constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91 (RE 791.961-PR – Tema 709), o Supremo Tribunal Federal também fixou como tese de repercussão geral a premissa de que “nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros”⁹²⁸. Note-se, a respeito, desse ponto específico, a feliz observação colhida do substancioso voto do Ministro Relator Dias Toffoli: A Lei n. 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º – quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios – significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo. Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei n. 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federal ignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz, e determine a aplicação, em seu lugar, do art. 57, § 8º, do mesmo diploma legislativo, o qual se destina, aliás, a cuidar de situações distintas: as daquelas hipóteses em que o trabalhador permanece ou retorna à atividade especial. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a tal pleito, ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador, legitima e validamente expressa (p. 41-42 do acórdão)⁹²⁹. Em suma, o termo inicial da aposentadoria especial concedida em juízo é aquele disposto em lei. Nada obstante, verificada a continuidade ou o retorno ao trabalho nocivo após a implantação do benefício, o benefício previdenciário deve ser cessado, como se pode depreender de outro excerto do voto do Relator: Isso registrado, vislumbro como mais acertado, quanto a esse tema específico, que, nas hipóteses em que o indivíduo solicita a aposentadoria e continua a exercer o labor especial, a data de início do benefício deva ser a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão. Entendendo ser essa uma compreensão que bem harmoniza a segurança jurídica, o direito do segurado e o conteúdo do art. 57, § 8º, da Lei n. 8.213/91 (p. 43 do acórdão)⁹³⁰. Em conclusão, dada a palavra final pela Suprema Corte, de acordo com a sistemática de repercussão geral (Tema 709, item II), o termo inicial da aposentadoria especial concedida em juízo será fixado na data da entrada do requerimento administrativo – DER, nos termos do art. art. 57, § 2º, da Lei 8.213/91, mesmo nos casos de não afastamento do trabalhador das atividades nocivas à saúde para a concessão da aposentadoria após esse marco temporal. 9.2 CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DO CRÉDITO JUDICIAL PREVIDENCIÁRIO O princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios da Seguridade Social (CF/88, art. 194, IV) hospeda a exigência de que as prestações previdenciárias pagas em atraso sejam devidamente atualizadas, de maneira a evitar a corrosão do poder de compra dos benefícios pelos efeitos maléficos do fenômeno inflacionário. De outra parte, os valores devidos aos beneficiários da Previdência Social, por sua natureza alimentar, consubstanciam dívida de valor, sujeitando-se à atualização monetária a partir do momento em que a prestação se tornou devida⁹³¹. É importante lembrar que932 A correção monetária nunca foi nem constitui penalidade, não representa multa ou coisa que o valha e nada mais é do que a mera atualização do débito, constituindo o próprio débito e não multas, penalidades ou acréscimos a ele. Não atualizar a dívida administrativamente paga representa locupletamento ilícito (TRF, Segunda Turma, AC 174878/RJ, Rel. Des. Fed. Castro Aguiar, DJU 23.10.2001). Por outro lado, os índices de atualização monetária para pagamento de diferenças previdenciárias decorrentes de ordem judicial são definidos a partir de normas que fixam a correção monetária de modo geral ou, especificamente, o reajustamento dos benefícios previdenciários ou os valores previdenciários pagos em atraso. Até a competência relativa a dezembro de 2003, inexiste expressiva controvérsia quanto aos indexadores aplicáveis, que seguem a seguinte disposição: ORTN De outubro de 1964 a fevereiro de 1986 (Lei 4.357/64); OTN De março de 1986 a janeiro de 1989 (Decreto-lei 2.284/86); BTN De fevereiro de 1989 a fevereiro de 1991 (Lei 7.730/89 e Lei 7.777/89, de 02-89 a 02-91); É de se d INPC De março de 1991 a dezembro de 1992 (Lei 8.213/91, art. 41, § 6º), também utilizado para reajustam IRSM De janeiro de 1993 a fevereiro de 1994 (Lei 8.542/92, art. 9º, § 2º), também utilizado para reajustam URV De março de 1994 a junho de 1994 (Lei 8.880/94, art. 20, § 5º); IPC-r De julho de 1994 a junho de 1995 (Lei 8.880/94, art. 20, § 6º), também utilizado para reajustamento d INPC De julho de 1995 a abril de 1996 (MP 1.053/95), também utilizado para reajustamento dos benefício IGP-DI A partir de maio de 1996 a março de 2006 (Lei 9.711/98, art. 10 – MP 1.488-17/96); INPC A partir de 1º de abril de 2006 (MP 316, de 11.08.2006, convertida na Lei 11.430, de 26.12.2006). 9.2.1 Correção monetária e o Estatuto do Idoso A partir de janeiro de 2004, em razão do disposto no art. 31⁹³³ da Lei 10.741, de 01.10.2003, ao menos três são as interpretações possíveis quanto ao fator de atualização dos créditos judiciais previdenciários. De um lado, entende-se que os créditos judiciais devem ser atualizados pelos índices que reajustam os benefícios previdenciários, nos termos do art. 31 da Lei 10.741/2003, acima transcrito, não mais sendo adequada sua correção monetária pelo IGP-DI. De outro lado, sustenta-se que desde a publicação da MP 167, de 19.02.2004, convertida na Lei 10.887/2004, que acrescentou o art. 29-B à Lei 8.213/91, o INPC substitui o IGP-DI para a atualização do crédito judicial previdenciário. Por este entendimento, apenas com a edição do ato normativo acima referido é que se compreende existente um índice utilizado para o reajustamento dos benefícios previdenciários com aferição mensal, tal como referido pelo art. 31 da Lei 10.741/2003⁹³⁴. De todo modo, segundo o entendimento adotado pelo STJ, o art. 31 da Lei 10.741/2003 tornou-se aplicável a partir da vigência da disciplina disposta pela Lei 11.430, de 26.12.2006, fruto de conversão da MP 316/2006. De acordo com essa linha de pensamento, o reajustamento dos benefícios previdenciários não era indexado – não era fixado um índice específico para o referido reajustamento – até a Lei 11.430/2006 e, portanto, o critério do Estatuto do Idoso, embora vigente, era impraticável por não haver um indexador mensal. Com a Lei 11.430/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei 8.213/91⁹³⁵, o reajustamento previdenciário voltou a ser indexado pelo INPC, a partir de 01.04.2006 (art. 4º)⁹³⁶. E o INPC segue sendo o índice de correção monetária dos créditos previdenciários mesmo após o advento da Lei 11.960/2009, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, como demonstramos a seguir. 9.2.2 O crédito judicial previdenciário e a inconstitucionalidade da Lei 11.960/2009 A partir de julho de 2009, outra via hermenêutica se abriu com a edição da Lei 11.960, de 29.06.2009 que, em seu art. 5º, dispôs: Art. 5º Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Com a alteração na sistemática de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora nas condenações impostas à Fazenda Pública, vislumbra-se uma aparente antinomia normativa entre o disposto no art. 5º da Lei 11.960/2009 e o art. 31 da Lei 10.741/2003. Abre-se, pois, espaço para discussão sobre a efetiva aplicabilidade dessa nova metodologia ao crédito judicial previdenciário. Sobre o tema poder-se-ia alegar que a norma contida no art. 31 da Lei 10.741/2003 dispõe especificamente sobre a atualização monetária do crédito previdenciário, razão pela qual, sendo especial, deveria prevalecer sobre a metodologia do art. 5º da Lei 11.960/2009, de caráter geral. Aliás, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – o Dec.-lei 4.657, de setembro de 1942 – prevê expressamente que uma legislação nova, quando estabelece normas gerais, não revoga nem modifica uma lei específica anterior (LICC, art. 2º, § 2º). Contra essa interpretação opera o argumento de que a nova metodologia deve prevalecer porque se entende revogada tacitamente a regra contida no art. 31 do Estatuto do Idoso pela lei mais nova que carrega uma particular (específica) forma de atualização monetária e de incidência de juros para as condenações da Fazenda Pública de qualquer natureza. A partir da nova lei, o crédito judicial previdenciário passaria a ser atualizado e remunerado de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à Caderneta de Poupança⁹³⁷. Sem embargo, deve-se considerar inconstitucional e, portanto, inaplicável a regra contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, porque os índices de remuneração da poupança são imprestáveis para refletir a variação do poder aquisitivo da moeda, tal como já decidiu o STF ainda em 1992: A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda (STF, ADI 493, Rel. Min. Moreira Alves, j. 25.06.1992, DJ 04.09.1992). O reconhecimento da inconstitucionalidade da alteração dos critérios para atualização monetária e juros moratórios dos créditos previdenciários dever-se-ia dar, com maior razão, em face oferecida pelo STF, quando do julgamento das ADIs 4357 e 4425. Por ocasião desse julgamento, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 5º da Lei 11.960/2009 (ADI 4425, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14.03.2013, DJ 19.12.2013)⁹³⁸. Todavia, aquilo que parecia claro e cristalino ganhou em obscuridade. Isso porque o STF, sob entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade da TR nas ADIs 4357 e 4425 alcançava apenas sua aplicação para atualização dos créditos inscritos em precatórios, reconheceu repercussão geral (RE 870.947, Rel. Min. Luiz Fux j. 16.04.2015, DJe 27.04.2015) para análise da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública (no período anterior ao da inscrição do débito em precatório). Antes do reconhecimento da repercussão geral relativa aos juros de mora e correção monetária de condenação da Fazenda Pública (Tema 810 – RE 870.947), a Suprema Corte havia decidido questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425, emprestando efeitos prospectivos à declaração da inconstitucionalidade, e considerando válido o índice básico da caderneta de poupança (TR) para a correção dos precatórios, até a data do aludido julgamento (25.03.2015). A demora para o julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal teve o nefasto efeito de impedir o trânsito em julgado em dezenas de milhares de processos, inviabilizando o cumprimento do julgado e a satisfação integral dos valores devidos pela Fazenda Pública. Reconhecida a inconstitucionalidade da Lei 11.960/2009, os créditos previdenciários pagos judicialmente deveriam ser atualizados, desde quando se tornaram devidos, pelos mesmos índices utilizados para o reajustamento dos benefícios previdenciários (sistemática anterior à vigência da Lei 11.960/2009). Todavia, quando do julgamento do RE 870.947, o Supremo Tribunal Federal decidiu (Repercussão Geral – Tema 810) que a TR é inconstitucional como critério de correção monetária e que os valores devidos pela Fazenda Pública deveriam ser atualizados pelo IPCA-E: [...] 2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. 3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal [...] 4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços. 5. Recurso extraordinário parcialmente provido⁹³⁹. Diante de tal decisão, foram opostos embargos declaratórios por entidades e entes federativos estaduais que, ao argumento de que a aplicação imediata do acórdão traria grave dano ao erário, buscavam a modulação de efeitos da inconstitucionalidade da TR como fator de correção monetária, nos termos do art. 927, § 3º, do CPC⁹⁴⁰. Sucede que todos os embargos declaratórios foram rejeitados, por decisão que, em essência, expressou o entendimento de que [...] Prolongar a incidência da TR como critério de correção monetária para o período entre 2009 e 2015 é incongruente com o assentado pela CORTE no julgamento de mérito deste RE 870.947 e das ADIs 4357 e 4425, pois virtualmente esvazia o efeito prático desses pronunciamentos para um universo expressivo de destinatários da norma. [...] As razões de segurança jurídica e interesse social que se pretende prestigiar pela modulação de efeitos, na espécie, são inteiramente relacionadas ao interesse fiscal das Fazendas Públicas devedoras, o que não é suficiente para atribuir efeitos a uma norma inconstitucional⁹⁴¹. Dessa forma, foi preservada a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009, de modo que a TR não pode ser considerada como índice de correção monetária de crédito previdenciário para qualquer período. Resta identificar, a essa altura, qual o índice que deve ser chamado a corrigir os créditos previdenciários não inscritos em precatório: IPCA-e ou INPC? A questão é levantada diante da sinalização da Suprema Corte, contida no voto do relator Min. Luiz Fux, de que o IPCA-e se encontrava no Manual de Cálculos da Justiça Federal, era generalizadamente aplicado pelos órgãos jurisdicionais do Poder Judiciário Federal e, por uma questão de coerência, deveria ser aplicado não apenas na fase executiva – que cobre o lapso temporal entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento –, como também na fase de conhecimento com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Outrossim, o caso concreto, envolvendo direito a benefício assistencial, foi resolvido pelo STF com a determinação de que a correção monetária deveria ser feita pelo IPCA-e. Contudo, a tese do Tema 810 (RE 870947) foi firmada sem esse particularismo, como se verifica de seu enunciado: 1. O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 com a redação dada pela Lei n. 11.960/09; 2. O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Por outro lado, não se pode afirmar que a definição de determinado índice – IPCA-e, no caso – constituiria parte dos motivos determinantes da decisão proferida no RE 870947. Ocorre que, diante dos termos dessa importante decisão da Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.495.146, de acordo com o rito de recursos repetitivos (Tema 905), cuidou de definir o índice adequado de correção monetária e sistemática de juros moratórios para diversas espécies de créditos contra a Fazenda Pública, orientando que, para os créditos previdenciários, deveria ser aplicado o INPC, na forma do art. 41-A da Lei 8.213/91: As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91⁹⁴². Nesse contexto, afastada a TR como critério de correção monetária por força da declaração de sua inconstitucionalidade pela Suprema Corte, a correção monetária das condenações impostas à Fazenda Pública em matéria previdenciária deve utilizar o INPC, por expressa disposição legal (art. 41A da Lei 8.213/91), nos termos decididos pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 905). Quanto aos juros moratórios, como visto acima, a Lei 11.960/2009 não foi declarada inconstitucional, exceto para causas de natureza tributária. Nesse sentido, já a partir de decisão proferida pelo STJ, também firmada em sede de recurso repetitivo (Tema 529), compreendia-se que a declaração de inconstitucionalidade não alcançava a disposição normativa ligada aos juros moratórios aplicáveis às condenações da Fazenda Pública. Por essa razão, desde a vigência da Lei 11.960/2009, “os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para a qual prevalecerão as regras específicas”⁹⁴³. Quanto aos juros moratórios, a metodologia introduzida pela Lei 11.960/2009 somente pode ser empregada a partir de julho de 2009, respeitando-se a antiga sistemática de juros até a competência imediatamente anterior. Isso significa que para os débitos previdenciários buscados em processos judiciais em andamento, a atualização monetária deve-se dar por índices oficiais e juros de 1% ao mês a contar da citação⁹⁴⁴ até a competência jun./2009, quando, a título de juros moratórios, passariam a incidir a taxa remuneratória e os juros aplicados à caderneta de poupança. Se ainda inexistente o processo judicial, a atualização monetária dever ser realizada pelos índices que reajustam os benefícios previdenciários (INPC) e os juros moratórios devem ser fixados de acordo com a taxa remuneratória e juros aplicados à caderneta de poupança. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, em se tratando de juros de mora, deve ser aplicada a legislação em vigor nas épocas de incidências próprias, mesmo aos processos pendentes. Confira-se: Juros de mora. Débito trabalhista. Regência. Coisa julgada. Dec.lei 2.322/87. Os juros da mora são regidos pela legislação em vigor nas épocas de incidências próprias. A aplicação imediata da legislação aos processos pendentes não se confunde com a retroativa e pressupõe a fase de conhecimento. Os efeitos ocorrem a partir da respectiva vigência, sendo que o trânsito em julgado de sentença prolatada à luz da legislação pretérita obstaculiza totalmente a observância da lei nova. Decisão em sentido contrário conflita com a garantia constitucional relativa ao direito adquirido e à coisa julgada, ensejando o conhecimento do extraordinário e acolhida do pedido nele formulado. Precedente: Recurso Extraordinário 135.193/RJ, Pleno, RTJ 147, p. 673 a 680 (RE 142.104, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, j. 26.10.1998, DJ 05.02.1999)⁹⁴⁵. 9.2.3 Correção monetária, deflação e irredutibilidade do valor dos benefícios Discussão recorrente na jurisprudência é a que diz respeito à legitimidade da adoção de índice negativo de correção monetária para as competências em relação às quais se identifica deflação. De um lado, sustenta-se que a não aplicação de percentuais negativos implicaria a efetuação de aumento real de benefício sem amparo em lei. Outrossim, “os deflatores incidem sobre atualização de parcela de benefício devido cujos efeitos em série acabam compensando inflação e deflação resultando saldo inflacionário positivo sem, consequentemente, redução nominal do benefício” (TRF4, AC 2007.71.11.002264-5/RS, Rel. Juiz Artur César de Souza, DJ 31.03.2009)⁹⁴⁶. Mas a ponderação entre a norma de interdição de diminuição do valor nominal – como irradiação do direito adquirido – e a (suposta) atribuição de ganho real ao valor do benefício previdenciário, pela perspectiva que busca emprestar a maior eficácia possível a direito fundamental de natureza alimentar assegurado à pessoa presumivelmente hipossuficiente, conduz-nos à opção que melhor garante a efetivação do direito social, até mesmo como instrumento de consecução dos objetivos republicanos (CF/88, art. 3º). Desse modo, o índice negativo deve ser substituído por fator de correção igual a “0” (zero). O apoio dessa proposição deriva do princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios da Seguridade Social e da ideia de que a correção monetária não pode ser utilizada como justificativa para diminuir o capital objeto de uma dada relação jurídica, mas apenas, para manter estável o valor de uma prestação em face da variação da moeda. São três as premissas que suportam esse entendimento: 1ª) “A correção monetária visa a evitar a corrosão do poder aquisitivo da moeda, em virtude de processo inflacionário”; 2ª) “No procedimento de atualização, o valor da dívida ganha nova expressão nominal, a cada mês que se passa, o qual deve ser preservado de um mês para o outro”; 3ª) “Nesse contexto, em face do princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios, indevida é a redução desse valor nominal na hipótese de deflação no índice aplicado, devendo ser utilizado, nesse caso, indexador igual a zero no período, preservando-se, assim, o valor do benefício do mês imediatamente anterior” (AC 2007.71.00.029168-6/RS, Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva, DJ 16.12.2008)⁹⁴⁷. Tal pensamento convergia com a orientação anteriormente assumida pelo STJ sobre o tema⁹⁴⁸. Todavia, a questão foi examinada pela Corte Especial desse Tribunal Superior e aquela orientação foi revista, passando-se a definir que os índices negativos devem, sim, ser levados em consideração no cálculo dos créditos judiciais: PROCESSUAL CIVIL E ECONÔMICO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE DETERMINOU CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M. ÍNDICES DE DEFLAÇÃO. APLICABILIDADE, PRESERVANDO-SE O VALOR NOMINAL DA OBRIGAÇÃO. 1. A correção monetária nada mais é do que um mecanismo de manutenção do poder aquisitivo da moeda, não devendo representar, consequentemente, por si só, nem um plus nem um minus em sua substância. Corrigir o valor nominal da obrigação representa, portanto, manter, no tempo, o seu poder de compra original, alterado pelas oscilações inflacionárias positivas e negativas ocorridas no período. Atualizar a obrigação levando em conta apenas oscilações positivas importaria distorcer a realidade econômica produzindo um resultado que não representa a simples manutenção do primitivo poder aquisitivo, mas um indevido acréscimo no valor real. Nessa linha, estabelece o Manual de Orientação de Procedimento de Cálculos aprovado pelo Conselho da Justiça Federal que, não havendo decisão judicial em contrário, “os índices negativos de correção monetária (deflação) serão considerados no cálculo de atualização”, com a ressalva de que, se, no cálculo final, “a atualização implicar redução do principal, deve prevalecer o valor nominal”. 2. Recurso especial provido (STJ, REsp 1.265.580/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, j. 21.03.2012, DJe 18.04.2012)⁹⁴⁹. Essa orientação do STJ consubstancia a última palavra sobre o tema, dado que a jurisprudência do STF “firmou-se no sentido de que o tema atinente aos critérios de atualização monetária do débito judicial é de índole infraconstitucional. Eventual violação ao texto constitucional se daria de forma meramente reflexa, circunstância que torna inviável o recurso extraordinário”⁹⁵⁰. 9.2.4 Correção monetária dos valores pagos mediante requisições de pagamento A correção monetária dos precatórios requisitórios deve ser feita mediante o emprego dos índices destinados a atualizar o crédito judicial previdenciário, pelo menos até o exercício de 2001. A partir do exercício de 2002 o índice de atualização monetária dos valores devidos durante a tramitação dos precatórios é controverso na jurisprudência. Segundo a orientação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, essa atualização monetária deve-se dar com base nos índices de variação do IPCA-E⁹⁵¹. As mesmas regras devem ser observadas para a atualização monetária dos valores pagos mediante Requisição de Pequeno Valor – RPV⁹⁵². De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo não ser o IPCA-E índice apropriado à correção monetária dos débitos estatais de natureza alimentar, mesmo no prazo de tramitação do precatório, sob entendimento de que as Leis de Diretrizes Orçamentárias fazem referência apenas ao § 1º do art. 100 da Constituição Federal⁹⁵³, o qual, por sua vez, não disporia sobre débitos de natureza alimentar (v.g., AgRg. no REsp 709.193/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, j. 07.03.2006, DJ 17.04.2006). Mas, na medida em que o § 5º do art. 100 da Constituição da República determina a inclusão no orçamento de verba necessária ao pagamento dos débitos inscritos em precatório, não faz distinção acerca da natureza jurídica dos valores requisitados (se alimentar ou não), deve-se compreender que ela abrange, tanto os de cunho alimentar, como aqueles não alimentares⁹⁵⁴. Saliente-se que, com o final do prazo de tramitação do precatório, cessa a incidência do IPCA-E⁹⁵⁵. Posteriormente, contudo, o STJ reviu o seu posicionamento e passou a expressar que os débitos previdenciários atualizados deverão ser “convertidos, na data do cálculo da requisição de pagamento, em UFIR, a partir de janeiro de 1992, e, após sua extinção, no IPCA-E” (AgRg no REsp 620.969/SP, Rel. Celso Limongi (Des. Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, j. 17.12.2009, DJ 22.02.2010)⁹⁵⁶. Observe-se que, em tendo sido declarada a inconstitucionalidade parcial do art. 100, § 12, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009 (ADI 4425, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14.03.2013, DJ 19.12.2013), especificamente em relação à expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, a atualização monetária dos valores previdenciários após o cálculo para a requisição do pagamento continua sendo orientada pelo IPCA-E. 9.2.5 Juros moratórios sobre o crédito judicial previdenciário De modo geral, a incidência de juros moratórios nas ações relativas a benefícios previdenciários deve-se dar a partir da citação da entidade previdenciária, nos termos do art. 219 do CPC/1973 (CPC/2015, art. 240)⁹⁵⁷. Nesse sentido, dispõe a Súmula 204 do STJ: “Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da citação válida”. Também assim a Súmula 03 do TRF da 4ª Região: “Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das prestações previdenciárias vencidas”. De outro lado, uma vez que se busca remediar a mora relativa à dívida de natureza alimentar, a incidência dos juros de mora se dá à razão de 1% (um por cento) ao mês, consoante entendimento do STJ construído mediante interpretação analógica do art. 3º do Dec.-Lei 2.322/87⁹⁵⁸. Esse entendimento jurisprudencial restou reafirmado pela regra contida no art. 406 do Código Civil⁹⁵⁹ – o qual remete à aplicação do § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional⁹⁶⁰. Com a vigência da Lei 11.960, de 29.06.2009 (DOU 30.06.2009), “os juros moratórios serão equivalentes aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança, exceto quando a dívida ostentar natureza tributária, para a qual prevalecerão as regras específicas”⁹⁶¹. Isso porque a declaração de inconstitucionalidade operada na ADI 4.425⁹⁶² relaciona-se a critério de correção monetária, não alcançando a disposição normativa ligada aos juros moratórios aplicáveis às condenações da Fazenda Pública⁹⁶³. De todo modo, se o trânsito em julgado da decisão exequenda ocorreu após junho de 2009, os juros moratórios serão aplicados de acordo com o que foi definido no título judicial. Se, de modo distinto, o trânsito em julgado ocorreu antes de julho de 2009, aplica-se a legislação superveniente aos créditos que surgiram do título judicial, de modo que, a partir dessa competência, incidem os juros na forma definida pela Lei 11.960/2009 (juros aplicados às cadernetas de poupança, de forma não capitalizada). A aplicação de juros moratórios pode ser feita originariamente pela instância recursal, mesmo em sede de reexame necessário, sem que isso constitua reformatio in pejus. Outrossim, “Ante o silêncio do julgado exequendo no tocante à taxa de juros moratórios, fixados a partir da citação, é de ser suprida ex officio a referida lacuna” (TRF4, AC 2003.04.01.034687-0, Sexta Turma, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DE 04.12.2008). 9.2.5.1 Juros moratórios no caso de “reafirmação da DER judicial” A regra geral que fixa na citação o dies a quo para a fluência dos juros moratórios nas ações previdenciárias (CPC, art. 240) comporta exceção nos casos em que há reconhecimento de fato superveniente à propositura da ação hábil a fazer nascer, no curso do processo, o direito pretendido, influindo no julgamento do mérito (CPC/2015, art. 493; CPC/1973, art. 462). Em se tratando de reconhecimento de direito com base em fato superveniente ao ajuizamento da demanda (CPC/2015, art. 493; CPC/1973, art. 462), não se pode considerar que havia mora da autarquia previdenciária desde a citação. Em casos tais, o direito apenas surge no curso do processo e a Administração é colocada em mora somente após a sua intimação da decisão que reconhece o direito do particular. Antes desse momento, a parte autora não detinha direito ao benefício e, por consequência, não há como se considerar que a autarquia estava em mora. Nesse sentido, pode-se dizer, orientou o STJ, quando do julgamento Embargos Declaratórios no Recurso Especial n. 1727063–SP (Tema 995 – “reafirmação da DER judicial”: Quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso da reafirmação da DER, conforme delimitado no acórdão embargado, o direito é reconhecido no curso do processo, não havendo que se falar em parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação. Por outro lado, no caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório⁹⁶⁴. Deve-se ter em conta que, mediante a decisão acima referida, o STJ estava a aclarar o modo como deve incidir os juros moratórios quando o fato constitutivo previdenciário é superveniente à propositura da ação. E entendeu, de modo adequado em nossa perspectiva, que apenas haveria mora do INSS, nesses casos, na hipótese de não cumprimento da determinação de implantação do benefício pela entidade previdenciária em 45 (quarenta e cinco) dias, incidindo juros moratórios apenas a partir de então⁹⁶⁵. Sem embargo, se o fato constitutivo do direito reconhecido judicialmente for superveniente à data da entrada do requerimento administrativo, mas anterior ao ajuizamento da ação, os juros moratórios devem seguir a regra geral, com sua fixação na data da citação, nos termos do art. 240 do Código Civil⁹⁶⁶. 9.2.6 Incidência de juros de mora no período compreendido entre a data da conta de liquidação e a expedição de requisitório Quando a Fazenda Pública é condenada em processo judicial para pagamento de quantia certa, a satisfação dos valores por ela devidos ocorre por meio de uma requisição de pagamento. Há duas espécies de requisições judiciais de pagamento: a) precatório; b) requisição de pequeno valor (RPV)⁹⁶⁷. O precatório é a espécie de requisição de pagamento para valores totais acima de 60 salários mínimos por credor (CF/88, art. 100, caput), ao passo que a requisição de pequeno valor (RPV) limita-se a esse patamar (CF/88, art. 100, § 3º, c/c Lei 10.259/2001, arts. 3º e 17, § 1º)⁹⁶⁸. Quanto aos juros de mora decorrentes da condenação judicial e incidentes sobre o valor do principal, o entendimento predominante no âmbito do STJ é no sentido da não incidência dos juros moratórios no precatório complementar pago no interregno entre o dia 1º de julho do ano antecedente (data da inscrição no orçamento das entidades de direito público) e o final do exercício do ano seguinte⁹⁶⁹. Sobre o tema, o STF chegou a editar a Súmula Vinculante 17, segundo a qual, “durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”. O excerto da ementa abaixo transcrita articula o tema de forma sistemática, como se vê: a) os juros são devidos, no percentual determinado no título exequendo, até a data-limite para apresentação dos precatórios no Tribunal (1º de julho), ou, no caso de RPV, até a data de sua autuação na Corte, desde que o débito seja pago no prazo constitucional (31 de dezembro do ano subsequente ao da inscrição no orçamento, no caso de precatório, ou até sessenta dias após a autuação, no caso de RPV); b) não sendo o valor devido pago no interregno dado pela Carta Maior, recomeçam a incidir os juros no mesmo percentual até o efetivo pagamento (TRF4, EINF 2006.72.12.000343-8, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 19.12.2008)⁹⁷⁰. Portanto, na hipótese de expedição de requisição complementar para pagamento de saldo remanescente não pago na forma correta no primeiro requisitório, é novamente devida a incidência dos juros moratórios⁹⁷¹. A premissa geral a ser observada, assim, é a de que não são devidos juros de mora, mas apenas correção monetária, no período compreendido entre 1º de julho seguinte à apresentação do precatório judiciário e a data do pagamento dos valores devidos, se realizado até o final do exercício seguinte (prazo constitucionalmente estabelecido). Embora a requisição de pequeno valor (RPV) não se submeta à ordem cronológica de apresentação dos precatórios (CF/88, art. 100, § 3º), “inexiste diferenciação ontológica no que concerne à incidência de juros de mora, por ostentarem a mesma natureza jurídica de modalidade de pagamento de condenações suportadas pela Fazenda Pública”⁹⁷². Por essa razão, se não houver atraso na satisfação dos débitos, não há mora da Fazenda Pública, sendo também inviável o pagamento de juros moratórios decorrentes da tramitação de requisição de pequeno valor (RPV). Sem embargo, remanescia a questão relativa à incidência de juros de mora projetados para o período compreendido entre a data de elaboração do cálculo judicial e a da inscrição da requisição de pagamento (precatório ou RPV). Especificamente sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça definiu, de acordo com a sistemática de recursos repetitivos, que não são devidos juros de mora no período compreendido entre a data da elaboração da conta de liquidação e o efetivo pagamento de precatório judicial ou requisição de pequeno valor, desde que satisfeito o débito no prazo constitucional para seu pagamento (REsp 1143677/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. 02.12.2009, DJe 04.02.2010). É certo que o STJ se ancorou, nesse julgamento, em precedentes do STF no sentido de que não são devidos juros de mora entre a data da conta de liquidação da sentença e a do efetivo pagamento⁹⁷³. Nada obstante, o STF culminou por reconhecer repercussão geral ao tema (RE 579431 QO, Rel. Min. Presidente, j. 13.03.2008, DJe 24.10.2008), havendo definido, mais recentemente, que “incidem juros de mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório”⁹⁷⁴. No âmbito da Justiça Federal, a Resolução/CJF 458/2017, com a redação dada pela Resolução/CJF 610/2020, estabelece em seu art. 7º, § 1º, que: Art. 7º, § 1º – Incidem os juros da mora nos precatórios e RPVs não tributários no período compreendido entre a data-base informada pelo juízo da execução e a da requisição ou do precatório, assim entendido o mês de autuação no tribunal para RPVs e 1º de julho para precatórios, excetuadas as reinclusões previstas no art. 3º da Lei n. 13.463, de 6 de julho de 2017⁹⁷⁵. 9.3 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA O decurso do tempo pode acarretar determinados efeitos sobre a relação jurídica. Na seara previdenciária, os institutos da prescrição e decadência se encontram profundamente relacionados à dimensão temporal de satisfação de direito que não foi reconhecido originariamente na esfera administrativa. Por força da decadência, opera-se a extinção do direito, que não poderá mais ser reclamado administrativa ou judicialmente. Já a prescrição relaciona-se com as diferenças que podem ser exigidas no caso de eventual acolhimento do pedido de concessão, revisão ou restabelecimento de um benefício previdenciário. A decadência e a prescrição constituem matéria de ordem pública, podendo ser reconhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição⁹⁷⁶. No atual momento, o arranjo legislativo e sua aplicação judicial oferecem relativa tranquilidade sobre o que realmente importa a respeito desse tema. Sabe-se que o direito a um benefício previdenciário em si é imprescritível, isto é, o fundo do direito a determinado benefício é imprescritível. Não ocorre a preclusão do direito à proteção previdenciária. E a prescrição é, em regra, quinquenal. Em face da profusão de regras a disciplinar o fenômeno prescricional, porém, é importante buscar orientação no critério da especialidade para a melhor compreensão dos institutos em matéria previdenciária. Em tema de benefícios previdenciários do Regime Geral da Previdência Social, as normas fundamentais que disciplinam decadência e prescrição são as do art. 103, caput, e parágrafo único, da Lei 8.213/91⁹⁷⁷. Respeitadas essas regras dispostas em legislação específica, buscaremos no Decreto 20.910/32 diversas disposições relativas à prescrição, circunstâncias impeditivas e suspensivas do prazo prescricional, especialmente. A especialidade aqui é menor, mas ainda presente, porque se disciplina a prescrição contra a Fazenda Pública. Por fim, encontraremos no Código Civil, o mais geral dos grupos normativos, diretrizes necessárias para a solução dos problemas relacionados ao prazo prescricional em matéria previdenciária, tais como a tipificação dos incapazes, contra os quais não corre o prazo prescricional. O primeiro marco normativo a ser considerado em nosso estudo é o Decreto 20.910, de 06.01.1932, que, em seu art. 1º, estatui: Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Deve-se destacar que as disposições do Decreto 20.910/32 não foram revogadas pelo Código Civil de 2002. O Superior Tribunal de Justiça, a propósito do tema, teve oportunidade de afirmar, segundo a sistemática de recursos repetitivos, que a prescrição para as ações indenizatórias fundadas na responsabilidade civil do Estado submete-se ao prazo prescricional (Decreto 20.910/32, art. 1º), e não ao prazo trienal (CC, art. 206, § 3º, V, do CC)⁹⁷⁸. Por outro lado, esse mesmo ato normativo dispõe, em seu art. 3º, que: “Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos a prescrição atingirá progressivamente as prestações, à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto”. A partir da leitura desta norma jurídica, passou a consolidar-se o entendimento de que, em relação às prestações de trato sucessivo, não incidiria a prescrição sobre o fundo do direito, mas apenas sobre as parcelas devidas que progressivamente eram alcançadas pelo prazo prescricional. Tendo como objeto de exame o direito de servidor público, o então Ministro do STF Moreira Alves expressou: Fundo de direito é a expressão utilizada para significar o direito de ser funcionário (situação jurídica fundamental) ou o direito a modificações que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviços de natureza especial⁹⁷⁹. A situação jurídica fundamental em direito previdenciário é, evidentemente, o direito ao benefício previdenciário integralmente considerado. De sua parte, o direito a perceber as diferenças devidas que decorrem de uma situação jurídica fundamental (direito ao benefício) “renasce cada vez” em que o direito é devido, conforme a periodicidade de seu pagamento, e, “por isso, se restringe às prestações vencidas há mais de cinco anos, nos exatos termos do art. 3º do Decreto 20.910/32”⁹⁸⁰. Nas obrigações previdenciárias, por se traduzirem em obrigações de trato sucessivo, o direito aos valores devidos se renova de tempo em tempo, pois o prazo prescricional renasce a cada vez que se torna exigível a prestação seguinte. De outra parte, as disposições do Dec. 20.910/32 devem ser aplicadas às autarquias, por força do art. 2º do Dec.-lei 4.597, de 19.08.1942. É assim que se compreende a regra inserta no art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91, segundo a qual “Prescreve em 5 anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”⁹⁸¹. Também esta é a doutrina enunciada na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça: “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”. Surge daí o pensamento corrente de que o beneficiário pode requerer a proteção previdenciária a qualquer tempo, tendo o direito de receber, em princípio, as diferenças relativas aos últimos cinco anos: as parcelas anteriores estariam fulminadas pela prescrição, observadas as ressalvas legais. Atualmente, tanto a decadência como a prescrição podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, nos termos do art. 487, II, do CPC/2015⁹⁸². Em se tratando o benefício previdenciário de um direito fundamental com dimensão patrimonial (que se expressa com o pagamento de determinados valores), não era possível o reconhecimento de ofício da prescrição em tempo anterior à vigência da Lei 11.280/2006 (17.05.2006), ainda que no âmbito da remessa oficial⁹⁸³. Com efeito, a possibilidade de decretação de ofício da prescrição previdenciária se deu apenas com a vigência da Lei 11.280/2006, que deu nova redação ao art. 219, § 5º, do CPC/1973, dispositivo legal que passou a expressar que “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”⁹⁸⁴. Segundo o STJ, tem-se aqui uma norma de natureza processual, sendo imediata a sua aplicação nos processos em curso, inclusive”⁹⁸⁵. Quando a prescrição previdenciária não podia ser decretada de ofício pelo juiz, sua ocorrência devia ser suscitada pelo INSS, em contestação, apelação ou contrarrazões⁹⁸⁶. Naquele contexto normativo, ainda que a prescrição constituísse matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, ela devia ser alegada pela parte antes do julgamento em segundo instância. Como consequência, não era possível levantar questão referente à prescrição por meio de embargos de declaração, tendo em vista sua natureza integrativa⁹⁸⁷. De qualquer forma, a prescrição somente pode ser reconhecida em sede de recurso especial caso a matéria tenha sido devidamente prequestionada⁹⁸⁸. Após o trânsito em julgado da sentença que se encontra em fase de cumprimento, eventual ausência de manifestação sobre matéria de ordem pública somente pode ser arguida pela via da ação rescisória, sendo inviável seu questionamento mediante impugnação ao cumprimento de sentença⁹⁸⁹. Porém, se o tema da prescrição não foi analisado pelo acórdão ou alegado em qualquer fase processual, não é cabível ação rescisória para o seu reconhecimento, por força da preclusão consumativa e por não ser permitido o manejo da ação rescisória como sucedâneo recursal⁹⁹⁰. 9.3.1 Prescrição contra menores absolutamente incapazes Segundo o art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91, Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil (grifamos). No mesmo sentido, expressava o art. 79 da Lei 8.213/91 que “Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei”. Essa disposição foi revogada pela Medida Provisória 871/2019, por meio de seu art. 38, I, “d”. Todavia, a não incidência da prescrição contra direito dos menores, incapazes e ausentes se encontra ainda assegurada pela legislação previdenciária, nos termos do art. 103, parágrafo único, parte final, da Lei 8.213/91. Por outro lado, nos termos da lei substantiva civil, não corre prescrição ou decadência contra os incapazes⁹⁹¹. Segundo pensamos, a revogação do art. 79 da Lei 8.213/91 não altera essa disciplina normativa, pois permanecem em vigor as disposições do Código Civil, por seu caráter de norma geral, que determinam a não incidência de prescrição ou decadência em desfavor dos incapazes. Por essa razão e à míngua de norma especial a dispor no sentido contrário, os incapazes prosseguem protegidos contra a prescrição e decadência em matéria previdenciária. Uma importante questão introdutória relaciona-se com o alcance da remissão feita pela legislação previdenciária à lei civil. Segundo nossa compreensão, o legislador previdenciário pretendeu determinar que fosse observada a disciplina oferecida pelo Código Civil quanto às causas que impedem ou suspendem a prescrição em razão da absoluta incapacidade da pessoa. Por isso faz menção aos menores, incapazes e ausentes. Eram estes que compunham o rol dos absolutamente incapazes no antigo Código Civil. E contra eles não corre a prescrição. Desde uma perspectiva hermenêutica, porém, a representação teleológica do legislador não é o que mais importa. Deve-se buscar no texto o ponto de partida de nossa compreensão, e não na vontade do legislador. Pergunta-se, pois: a legislação previdenciária, ao tratar da prescrição, remetendo sua disciplina à lei civil (“na forma do Código Civil”), determina seja buscado neste ato normativo apenas o conceito de “menores, incapazes e ausentes” ou também a disciplina relativa à fluência ou não do prazo prescricional para essas figuras deve ser buscada na lei civil? Segundo nosso entendimento, a legislação previdenciária não determina que seja tomado de empréstimo da lei civil apenas os conceitos de menoridade, incapacidade e ausência, mas também a disciplina específica de impedimento ou suspensão do prazo prescricional conferida aos menores, incapazes e ausentes. Temos condições, assim, de assentar uma premissa que nos será bastante útil para precisarmos o alcance da norma previdenciária que impede o curso do prazo prescricional: deve-se ressalvar o direito previdenciário dos menores, incapazes e ausentes, na forma disposta pela lei civil. Por outro lado, precisar quem são os pensionistas menores, incapazes e ausentes também nos auxiliará na tarefa de compreensão do alcance da norma contida no art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91. Alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça aparentam expressar que a menoridade previdenciária é aquela que antecede a capacidade plena, nos termos do art. 5º do Código Civil: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Segundo esse entendimento, “A expressão ‘pensionista menor’, de que trata o art. 79 da Lei n. 8.213, de 1990, identifica uma situação que só desaparece aos dezoito anos de idade, nos termos do art. 5º do Código Civil”⁹⁹². Guardamos ressalvas em relação a essa linha de orientação, pois, como antecipamos, deve ser adotada a disciplina do Código Civil, quanto às causas de impedimento e suspensão do prazo prescricional conferido aos menores, incapazes e ausentes. Se o Código Civil expressa que não corre o prazo prescricional apenas contra os absolutamente incapazes (CC, art. 198, I, c/c art. 3º, contrario sensu), tem-se que passa a fluir o prazo prescricional contra o pensionista menor desde quando ele completa 16 anos de idade. 9.3.2 Prescrição contra incapazes e o Estatuto da Pessoa com Deficiência O conceito de incapacidade civil sofreu profunda alteração com o advento da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), importante marco normativo de proteção das pessoas com deficiência, o qual foi editado por força da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto 6.949, de 25.08.2009. Antes da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência (03.01.2016), o Código Civil dispunha sobre os incapazes em seus arts. 3º e 4º, fazendo-o da forma seguinte: Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Com a vigência da Lei 13.146/2015, ganha espaço um paradigma de incapacidade orientado à dignidade e à inclusão das pessoas com deficiência, segundo o qual “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa” (art. 6º). Essa alteração de paradigma implicou a revogação de vários dispositivos do Código Civil, os incisos do art. 3º, dentre eles. Com isso, deixam de ser considerados absolutamente incapazes, desde 03.01.2016, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, assim como os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. O art. 3º do Código Civil, na redação dada pela Lei 13.146/2015, expressa que “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. Em suma, não mais existe, no direito brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Já o art. 4º do Código Civil, também com a redação dada pela Lei 13.146/2015, passou a dispor: Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. Como se pode perceber, não mais existe presunção de relativa incapacidade para os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e para os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, mas que possam exprimir a sua vontade. Para os fins de nosso estudo, é importante notar que, segundo o Código Civil, não corre a prescrição apenas em relação aos absolutamente incapazes, sendo possível sua fluência para os relativamente incapazes (CC, art. 198, inciso I c/c art. 3º, contrario sensu). De acordo com a disciplina do Código Civil, portanto, desde a vigência da Lei 13.146/2015, não correrá a prescrição apenas e tão somente em relação aos menores de 16 (dezesseis) anos (absolutamente incapazes)⁹⁹³. O tema merece um outro olhar, porém. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encontra-se importante precedente no sentido de que, mesmo após o advento da Lei 13.146/2015, as pessoas com deficiência mental que não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil persistem sendo considerados incapazes quanto à manutenção e indisponibilidade (imprescritibilidade) dos seus direitos. Por essa razão, se for comprovado que a parte autora não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil, deve ser rigorosamente protegida pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicada pela fluência de prazo prescricional ou decadencial. Confira-se excerto desse significativo precedente: 2. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 (“Estatuto da Pessoa com Deficiência”), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, uma interpretação constitucional do texto do Estatuto deve colocar a salvo de qualquer prejudicialidade o portador de deficiência psíquica ou intelectual que, de fato, não disponha de discernimento, sob pena de ferir de morte o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais. 3. Sob pena de inconstitucionalidade, o “Estatuto da Pessoa com Deficiência” deve ser lido sistemicamente enquanto norma protetiva⁹⁹⁴. Neste precedente, o substancioso voto do Relator Des. Paulo Afonso Brum Vaz se vale de valioso aporte doutrinário do Juiz Federal Bruno Henrique Silva Santos, que aponta o paradoxo da lei que veio para beneficiar, recolocando a pessoa com deficiência em condições igualdade e integração, mas que culminou por prejudicar a pessoa com deficiência mental no que concerne à imprescritibilidade dos seus direitos: Atualmente, não figurando mais essas pessoas desprovidas de discernimento no rol dos absolutamente incapazes, o prazo prescricional fluiria normalmente em seu desfavor, ainda que estiverem submetidas a um regime de curatela ou de tomada de decisão apoiada (e certamente estarão ou deveriam estar, haja vista as restrições mentais impostas). Em síntese, esses indivíduos ver-se-iam em uma situação mais gravosa, porquanto, mesmo com a interferência alheia na formação ou exteriorização de sua vontade, não estariam protegidos contra a prescrição, ao contrário do que ocorria anteriormente⁹⁹⁵. Todavia, consoante destaca o mesmo doutrinador, não se pode permitir que normas jurídicas que surgiram para a proteção do direito das pessoas com deficiência venham agravar a sua situação, deixando-as em um estado (ainda maior) de vulnerabilidade. Nesse sentido, a própria Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu art. 4º, item 4, proíbe que suas disposições reduzam a esfera de proteção das pessoas com deficiência: Art. 4º [...] 4. Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais possam estar contidas na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não haverá nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em conformidade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau (negritamos). Por essa razão, há inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, do art. 114 da Lei n. 13.146/2015: V) a supressão da garantia do impedimento ou da suspensão da prescrição em favor daqueles que não possuem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil é incompatível com a Constituição (art. 5º, § 3º, da Constituição c/c art. 4.4 da Convenção de que se trata). É importante deixar claro que a inconstitucionalidade não reside na regra que atribuiu capacidade civil plena a todas as pessoas com deficiência, ainda que, em razão dela, não tenham discernimento para a prática de atos da vida civil. O que é acometido de inconstitucionalidade, por desrespeito ao art. 4.4 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, é a supressão da norma que assegurava que contra essas pessoas desprovidas de capacidade cognitiva não correria prazo prescricional. Não se pode, desta maneira, taxar de plenamente inconstitucional o art. 114 da Lei n. 13.146/2015, que alterou os arts. 3º e 4º do Código Civil, mas deve-se reconhecer uma inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da norma que, em decorrência dele, suprime a garantia das pessoas com deficiência contra o fluxo do prazo prescricional. Consequência de tudo isso é que, mesmo após a alteração do art. 3º do Código Civil, não corre prazo prescricional contra as pessoas com deficiência que, por essa razão, não tenham o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. Pode-se sustentar, portanto, que, se a parte autora não possuir discernimento para a prática dos atos da vida civil, não pode ser prejudicada pela fluência de prazo prescricional ou decadencial. 9.3.3 Prescrição contra ausentes Resta-nos analisar a proteção dos ausentes contra o prazo prescricional. Segundo o art. 22 do Código Civil, ausente é a pessoa que desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia, desde que não tenha deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens. Tendo em conta a necessidade de proteção ao patrimônio do ausente, a lei busca tutelar seus interesses, mediante a nomeação de um curador (CC, arts. 22 a 25). Para viabilizar o direito de seus sucessores, a declaração de ausência permite a abertura de sucessão, inicialmente provisória (CC, arts. 26 a 39). Ocorre que, na vigência do Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), os ausentes constavam no rol dos absolutamente incapazes (art. 5º, IV), razão pela qual, contra eles, não corria a prescrição, em face da regra do art. 169, I, do mesmo diploma legal. Com a vigência do Novo Código Civil (Lei 10.406/2002), os ausentes não mais são considerados incapazes, de modo que, em função da nova “forma do Código Civil” (nova disciplina legal), contra eles corre normalmente a prescrição⁹⁹⁶. 9.3.4 Prazo-limite para o requerimento administrativo a cessação da incapacidade Anteriormente à vigência da MP 817, de 18.01.2019, a orientação administrativa era no sentido de que, para fazer jus às prestações vencidas desde a data do óbito do segurado, ele deveria formular o requerimento administrativo no prazo de 30 dias após a data em que completar 16 anos de idade⁹⁹⁷. Também podemos encontrar precedentes judiciais no mesmo sentido, como se pode verificar, a título ilustrativo: [...] 2. Não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes, consoante as previsões legais insculpidas nos arts. 169, inciso I, e 5º, inciso I, ambos do Código Civil de 1916, e do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os arts. 79 e 103, parágrafo único da Lei de Benefícios. Precedentes desta Corte. 3. Todavia, ao completarem 16 anos de idade, os absolutamente incapazes passam a ser considerados relativamente incapazes, momento a partir do qual o prazo de trinta dias a que alude o inciso I do art. 74 da Lei n. 8.213/91 começa a fluir. Portanto, farão jus ao benefício de pensão, desde a data do óbito, se o tiverem requerido no prazo de até trinta dias depois de completarem 16 anos de idade (TRF4, APELREEX 500211516.2013.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Paim da Silva, DJe 21.11.2014). Tratar-se-ia de dar aplicabilidade à regra contida no art. 74, I, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.183/2015, verbis: Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I – do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste⁹⁹⁸; Segundo essa linha de entendimento, se o menor incapaz não requeresse a pensão por morte no – então – prazo de noventa dias depois de completar 16 anos de idade, o benefício será devido somente a partir da data do requerimento administrativo, não mais havendo direito a prestações anteriores, que eram vencidas desde o óbito. Os efeitos práticos de tal raciocínio jurídico podiam ser compreendidos da seguinte forma: em face da acentuada proteção que o sistema jurídico oferece aos menores absolutamente incapazes, a data de início da pensão por morte era fixada na data do óbito e contra eles não corre a prescrição. No entanto, para assegurar o recebimento de todos os valores devidos desde o óbito do segurado, o dependente menor impúbere devia requerer o benefício de pensão por morte em até 90 dias após alcançar 16 anos de idade. Vencido o prazo nonagesimal, o direito a todas as prestações vencidas se extinguiria de uma vez só, sob entendimento de que, em não mais detendo a condição de incapaz, a data de início do benefício passaria a ser disciplinada pela regra do art. 74, I, da Lei 8.213/91, acima transcrita⁹⁹⁹. Em face do equívoco em que incide tal raciocínio, qual seja, o de ter-se a disciplina do prazo prescricional a partir de regra definidora da data de início do benefício, torna-se preciso analisar esses dois aspectos da problemática: o termo inicial do benefício de pensão por morte e o início do prazo prescricional para recebimento dos valores devidos desde óbito. O primeiro ponto a se definir diz respeito à fixação do termo inicial do benefício de pensão por morte devido ao dependente que, ao tempo do óbito, detinha a condição de menor incapaz. Com relação a esse aspecto, em contexto normativo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, revela-se adequado o entendimento de que, em sendo inadmissível que o decurso do tempo afete negativamente direito previdenciário do pensionista menor pela inércia em seu exercício, é inaplicável o prazo de 90 dias, disposto pela regra inserta no art. 74, I, da Lei 8.213/91, para a fixação do termo inicial da pensão por morte, quando o dependente for menor. Dessa forma, a lógica que fundamentava as regras dos arts. 79 (revogado pela MP 871/2019) e 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91, segundo a qual não corre o prazo prescricional contra o pensionista menor, deve ser assumida também para a fixação da data de início do benefício de pensão por morte. Trata-se de interpretação sistemática firmada na premissa acima expressa de que o menor não pode de ser prejudicado pelo não exercício de direito previdenciário em tempo oportuno. Nesse sentido, encontra-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça: [...] A jurisprudência prevalente do STJ é no sentido de que comprovada a absoluta incapacidade do requerente à pensão por morte, faz ele jus ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do óbito do instituidor da pensão, ainda que não postulado administrativamente no prazo de trinta dias, uma vez que não se sujeita aos prazos prescricionais (AgRg no REsp 1420928/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 14.10.2014, DJe 20.10.2014). Nesse mesmo sentido, temos que o sistema jurídico previdenciário não guardaria racionalidade se, com vistas a proteger o menor absolutamente incapaz contra os efeitos jurídicos do tempo, impedisse o curso do prazo prescricional, mas, ao mesmo tempo, de modo implícito permitisse que a pensão fosse devida apenas desde o requerimento administrativo (DIB na DER), se não postulada no prazo de 90 dias a contar do óbito do instituidor. Isso significaria a imposição, ao absolutamente incapaz, de progressiva supressão de parcelas de seu benefício, pelo mero transcurso do tempo, sem expressa disposição legal¹⁰⁰⁰. Dessa forma, no contexto normativo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, a data de início de pensão por morte devida ao dependente que, ao tempo do óbito do segurado, era menor absolutamente incapaz, deve ser fixada na data do óbito, independentemente do momento em que formulado o requerimento administrativo. Definido o termo inicial do benefício de pensão por morte do menor absolutamente incapaz, podemos analisar, agora, o efeito do instituto da prescrição sobre as prestações vencidas. Observe-se, antes de tudo, que a regra relativa ao prazo para a formulação do requerimento administrativo (Lei 8.213/91, art. 74, I), relacionada à fixação da data de início do benefício, não compreende, em seu programa normativo (Friedrich Müller), os dados linguísticos relacionados ao fenômeno prescricional. De acordo com a legislação previdenciária, são imprescritíveis as prestações devidas aos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil (Lei 8.213/91, arts. 79 e 103, parágrafo único). Tem-se, portanto, que a condição de menor incapaz consubstancia causa impeditiva do curso do prazo prescricional. Em outras palavras, como forma de proteger os interesses da pessoa, em razão de seu status individual, o prazo prescricional somente começa a fluir depois que ultrapassada a circunstância que impedia o seu curso. Em se tratando de prestações previdenciárias vencidas, o início do prazo prescricional, para o menor, se dá quando ultrapassada a causa impeditiva, isto é, com a perda da condição de absoluta incapacidade civil. Note-se, quanto ao particular, que a legislação previdenciária, ao excepcionar o curso do prazo prescricional para menores, incapazes e ausentes (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único), remete sua disciplina à regra prescricional geral, estabelecida no Código Civil, a qual permite o início do curso do prazo prescricional para os relativamente incapazes (CC, art. 198, inciso I c/c art. 3º, contrario sensu). Por conseguinte, a prescrição das prestações pretéritas – devidas desde a data do óbito, tal como sustentado anteriormente –, se dá apenas após o transcurso do lustro, cuja contagem se inicia quando o pensionista completa 16 anos de idade (Lei 8.213/91, arts. 79 e 103, parágrafo único, c/c CC, art. 198, I, c/c art. 3º)¹⁰⁰¹. Em resumo, o dependente que, ao tempo do óbito do instituidor da pensão, detinha a condição de menor absolutamente incapaz, tem o prazo de cinco anos, contados a partir de quando completa dezesseis anos de idade, para requerer os valores que lhe são devidos desde a data do óbito. A fulminação de todos os direitos pretéritos devidos ao menor, pelo transcurso do prazo de 90 (noventa) dias a contar da data em que ela completa 16 anos de idade, além de buscar solucionar o problema da perda do direito pelo decurso de tempo mediante regra estranha ao fenômeno prescricional, acaba por fazer regular a data de início do benefício com desrespeito ao princípio tempus regit actum¹⁰⁰². Nessa perspectiva, a data de início do benefício não mais seria regulada pelas condições vigentes ao tempo do óbito, mas dependeria de circunstância futura e incerta: o momento em que se dá o requerimento administrativo, se antes ou depois de decorrido o prazo de 90 dias após o cumprimento de 16 anos de idade pelo dependente. Nesse sentido parece se encontrar a orientação do STJ, que vem prestigiando o entendimento abaixo: [...] Em sendo assim, não correndo a prescrição contra o absolutamente incapaz, o implemento dos 16 anos não torna automaticamente prescritas parcelas não reclamadas há mais de 5 anos, apenas faz iniciar a fluência do prazo quinquenal, que se esgota aos 21 anos, quando, então, todas as parcelas não reclamadas há mais de 5 anos contadas dos 16 anos é que se tornam inexigíveis. Em que pese a ação ter sido ajuizada em 09/03/2014, aqui não se está a discutir o direito da autora em perceber o benefício, porque este foi concedido pelo INSS, e sim a DIB do benefício, em face da idade em que foi requerido administrativamente. Portanto, sendo a DER de 24/08/2013, quando a autora ainda tinha 20 anos de idade, ela possui direito de concessão do benefício de pensão por morte, desde a data do óbito de sua genitora (29/08/1992) até completar 21 anos de idade (29/08/2013), descontadas as parcelas já pagas administrativamente pela autarquia previdenciária¹⁰⁰³. Por fim, soaria desproporcional tutelar de modo prioritário os interesses do menor por todo o tempo até quando alcança a maioridade e, de súbito, isto é, em 90 dias, tudo ceifar-lhe ao argumento de que operou com inércia. 9.3.5 Termo inicial da pensão por morte ao filho menor de 16 anos de idade na vigência da MP 817/2019 Como foi exposto na seção anterior, a vinculação do termo inicial da pensão por morte devida ao menor de 16 anos à data do óbito decorre de uma interpretação sistemática do sistema normativo. Por um lado, a legislação previdenciária estabelece que não incide prescrição contra menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único, parte final¹⁰⁰⁴). Por outro lado, de acordo com o art. 198, I, c/c art. 208, ambos do Código Civil, não corre prescrição ou decadência contra os incapazes¹⁰⁰⁵. Nesse contexto, a falta de disciplina normativa específica para a data de início da pensão por morte aos menores incapazes levava à compreensão de que a eles não se aplicava a regra geral, estabelecida no art. 74, I, da Lei 8.213/91, que condiciona o recebimento do benefício com efeitos desde o óbito ao requerimento administrativo no prazo que estipula. A partir da premissa de que não corre prescrição ou decadência contra menores absolutamente incapazes, concluía-se, à míngua de disposição legal em sentido contrário, que o benefício de pensão por morte é devido a esses dependentes desde o óbito, independentemente do tempo em que requerido o benefício. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ passou a expressar que, na medida em que não incide prescrição contra menores absolutamente incapazes, a pensão por morte a eles é devida desde o óbito, independentemente do momento do requerimento administrativo. Vale conferir: O Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que não corre a prescrição contra incapazes, resultando na conclusão de que são devidas as parcelas a partir da data do falecimento do instituidor da pensão, independentemente do momento em que formulado o requerimento administrativo ou de quando ocorreu a citação judicial válida¹⁰⁰⁶. 3. Verifica-se, assim, que o entendimento do acórdão recorrido a respeito da controvérsia está em dissonância com a atual jurisprudência do STJ, pois não corre a prescrição contra o menor, nos casos de concessão de benefício previdenciário. REsp 1.656.825. Ministro Benedito Gonçalves. Data da Publicação 15/9/2017; REsp 1.257.059/RS. Ministro Mauro Campbell Marques. segunda turma. DJe 8/5/2012; REsp 1.513.977/CE, Rel. Min. Herman Benjamim, Segunda Turma, DJe 05/08/2015 e REsp 1.626.354. Ministro Sérgio Kukina. Data da publicação: 23/11/2016. 4. Recurso Especial a que se dá provimento, para fixar o termo inicial do benefício do recorrente na data do óbito do instituidor do benefício¹⁰⁰⁷. Deve-se anotar aqui, porém, a ressalva feita a esse posicionamento pela mesma Corte de Justiça: a Segunda Turma do STJ iniciou um realinhamento da jurisprudência do STJ no sentido de que o dependente incapaz que não pleiteia a pensão por morte no prazo de trinta dias a contar da data do óbito do segurado (art. 74 da Lei 8.213/91) não tem direito ao recebimento do referido benefício a partir da data do falecimento do instituidor, considerando que outros dependentes, integrantes do mesmo núcleo familiar, já recebiam o benefício, evitando-se a dupla condenação da autarquia previdenciária¹⁰⁰⁸ (grifamos). Em outro precedente muitas vezes citado, a habilitação tardia do menor incapaz também ensejou a fixação do termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo. Nesse julgamento, embora o benefício viesse sendo recebido pela irmã da autora, os argumentos fundamentais para a fixação do termo inicial na data do requerimento foram a disciplina normativa específica para os casos de habilitação tardia e o indevido prejuízo que seria suportado pelo INSS¹⁰⁰⁹. Segundo pensamos, em relação ao período anterior à MP 871/2019, o termo inicial da pensão por morte devida ao menor incapaz deve ser fixado na data do óbito do segurado, porque nos termos do art. 103, parágrafo único, c/c art. 79, ambos da Lei 8.213/91, contra os menores absolutamente incapazes não corre prescrição (extinção do direito de parcelas mensais, em razão do decurso do prazo legal sem a propositura da ação judicial para fazer cessar a violação do direito) ou decadência (que, na legislação previdenciária, é compreendida como a extinção do fundo do direito em si, em razão do decurso do prazo legal sem a propositura da ação judicial para fazer cessar a violação do direito). Todavia, se ao tempo da habilitação do menor incapaz, outros dependentes – integrantes ou não do mesmo grupo familiar – já se encontrarem em gozo da pensão por morte, não poderá haver novo pagamento de benefício em relação às competências mensais em que consta a realização de pagamento integral pelo INSS, sob pena de haver indevido bis in idem. É justamente com a finalidade de se evitar a repetição do dever administrativo sobre o mesmo que, nos termos do art. 76 da Lei 8.213/91, qualquer habilitação posterior à concessão da pensão por morte só produzirá efeito a contar da data de sua realização. O pagamento do benefício devido, feito a quem de direito, implica a quitação da dívida e extinção do dever jurídico da autarquia previdenciária, quanto à respectiva prestação mensal¹⁰¹⁰. Ocorre que a Medida Provisória 871/2019 alterou esse panorama normativo e, de modo expresso, atribuindo nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, estabeleceu que a pensão por morte ao filho menor de dezesseis anos de idade será devida desde a data do óbito apenas quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito¹⁰¹¹. A inovação legislativa traz, portanto, uma exceção à regra geral segundo a qual o transcurso de tempo não afeta negativamente a esfera jurídicopatrimonial dos menores incapazes em tema previdenciário. No atual contexto, se é correto afirmar que não incide prescrição ou decadência contra incapazes, é igualmente adequado sustentar que a data de início do benefício de pensão por morte, que desde a vigência da Medida Provisória 871/2019 é disciplinada por regra específica, passa a ser regida pelo momento em que requerido o benefício na esfera administrativa, nos termos do art. 74, I, da Lei 8.213/91. Como foi articulado na seção anterior, há uma diferença ontológica entre o instituto da prescrição e a categoria jurídico-previdenciária da data de início do benefício. Por conseguinte, não se pode alegar a existência de uma antinomia quanto aos efeitos do transcurso do tempo sobre os direitos dos menores absolutamente incapazes: o que se tem são tratamentos normativos específicos para realidades jurídicas distintas. Na percepção de Serau Junior, é inconstitucional a regra que estipula prazo especial para que o menor incapaz receba a pensão por morte com efeitos retroativos ao óbito, porque estaria a violar a regra contida no art. 227, § 3º, II, da CF/88, e aponta: Mais do que o aspecto normativo, verifica-se que se trata de alteração bastante injusta, desproporcional e irrazoável, pois apanha em momento extremamente delicado (óbito) os dependentes mais vulneráveis (filhos menores), reduzindo-lhes o montante que receberão. Nessas situações, não é raro que, diante dos percalços naturais impostos pela alteração de vida trazidos pela perda do ente querido e provedor da família, desajustes aconteçam e se demore a pôr em ordem a vida, com a provável demora em requerer administrativamente o benefício de pensão por morte¹⁰¹². Ainda que compartilhando da mesma visão do mestre paulista em relação à insensibilidade do “legislador”, pela imposição de prazo especial em meio ao luto e desorganização familiar, é de se reconhecer que a inovação normativa causa mais perplexidade porque toca garantia – de pessoa absolutamente incapaz – que se encontra enraizada na tradição jusprevidenciária. De fato, a possibilidade de requerer a qualquer tempo a pensão por morte – com efeitos retroativos ao óbito – guardava mais relação com a condição subjetiva do titular do direito (absoluta incapacidade do menor) e menos com as condições objetivas próprias da contingência social objeto de proteção, inegavelmente sensibilizadoras. Sem embargo, é importante notar que o dever da Administração Previdenciária surge, a rigor, com a formalização do requerimento administrativo. Note-se que, em situação que se pode ter como similar, o termo inicial da obrigação alimentar em favor do incapaz também é definido pelo momento em que formalizada a pretensão, não retroagindo os alimentos para além do momento em que postulados, pois de instrumento de subsistência se trata¹⁰¹³. Dessa forma, desde a vigência da Medida Provisória 871/2019, o termo inicial da pensão por morte devida ao menor absolutamente incapaz será regulada pelo momento em que requerido o benefício. Isto é, o benefício será devido aos filhos menores de dezesseis anos desde o óbito, quando requerido em até cento e oitenta dias após o óbito, nos precisos termos do art. 74, I, da Lei 8.213/91, em sua atual redação. Nada obstante tudo o que foi exposto, no caso de óbitos anteriores à vigência da Medida Provisória 871/2019, por força do princípio tempus regit actum, a pensão por morte devida aos menores absolutamente incapazes será sempre paga desde a data do óbito, uma vez que que o benefício deve ser concedido consoante os termos da legislação vigente ao tempo do óbito. De acordo com a jurisprudência do STJ “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado” (Súmula 340). À luz desse enunciado sumular, pode-se sustentar que o termo inicial da pensão por morte, quando o óbito ocorreu em tempo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, é regido pela legislação então em vigor, a qual não condicionava a qualquer prazo o pagamento da pensão aos menores absolutamente incapazes¹⁰¹⁴. Com efeito, em razão da distinção ontológica entre os prazos extintivos de direitos (prescrição e decadência) e o prazo especial que disciplina o termo inicial de benefício, é inaplicável, para a definição de data de início da pensão por morte, a jurisprudência de que a decadência se aplica aos benefícios concedidos anteriormente à vigência da lei nova mais restritiva¹⁰¹⁵. Portanto, com o advento da Medida Provisória 871/2019, a pensão por morte é devida aos filhos menores de dezesseis anos de idade a contar da data do óbito, se requerida em até cento e oitenta dias após o óbito. Porém, se o óbito for anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, a pensão por morte aos menores absolutamente incapazes será paga desde este marco temporal, independentemente da data do requerimento administrativo, não sendo aplicável a norma superveniente mais restritiva. 9.3.6 Suspensão e interrupção do período de prescrição Ainda sobre o tema da prescrição parece-nos importante reafirmar a regra contida no art. 4º do Decreto 20.910/32, perfeitamente aplicável à matéria previdenciária: Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. Segundo a norma do dispositivo acima transcrito, não há o curso de prescrição durante a tramitação do processo administrativo que objetiva especificamente a concessão ou a revisão buscada posteriormente em juízo. Isso significa que não se suspende apenas o lapso prescricional em relação à matéria que comporta a prescrição do fundo do direito, pois “a demora do reconhecimento da dívida a suspende, conforme o art. 4º do Decreto 20.910/32” (STF, Pleno, ACO 381-4/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09.08.1991)¹⁰¹⁶. Deve ser observado, contudo, se não ocorre qualquer das excludentes de suspensão da prescrição, previstas no art. 5º do Decreto 20.910/32, in verbis: Art. 5º Não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito a ação ou reclamação. Em suma, o beneficiário não pode ser prejudicado pela ilegalidade da demora administrativa na análise de seu direito. Cogitar o contrário significaria prestigiar o enriquecimento ilícito e atribuir razão a quem pretende valer-se de sua torpeza para benefício próprio. De outra parte, é necessário considerar a importância da interrupção da prescrição. Ela se opera com a citação válida, em processo que, por qualquer motivo, não tenha sido anulado, e pode ocorrer por apenas uma única vez (Dec. 20.910, arts. 7º e 8º; Dec.-lei 4.597/42, art. 3º). Durante o curso do processo judicial, não corre a prescrição, que, note-se, já havia sido interrompida com a citação válida. O curso do prazo prescricional se reinicia após o trânsito em julgado, pela metade do prazo, nos termos do art. 9º do Decreto 20.910/32 (“a prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”¹⁰¹⁷). Com efeito, o reinício da contagem prescricional se dá a partir do trânsito em julgado: “o prazo prescricional interrompido pela citação válida somente reinicia o seu curso após o trânsito em julgado do processo extinto sem julgamento do mérito” (Edcl. no REsp 511.121/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 03.05.2005, DJ 30.05.2005). Vale notar que qualquer ato do devedor que implique reconhecimento do direito material constitui causa de interrupção da prescrição¹⁰¹⁸. Parece-nos interessante a linha jurisprudencial assumida pelo Egrégio TRF da 4ª Região, no sentido de reconhecer na citação válida em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, causa idônea a operar a interrupção da prescrição, como se pode verificar das ementas a seguir transcritas: A citação válida, realizada nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, é causa de interrupção do prazo prescricional, considerando-se que, em tal momento, a autarquia tomou conhecimento da suposta violação ao direito dos segurados, por meio da defesa promovida pelo substituto processual (TRF4, Turma Suplementar, AC 2006.71.00.020585-6, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 23.11.2007). Não tem a Ação Civil Pública o condão de obstar o ajuizamento de ações individuais. O marco inicial da interrupção da prescrição retroage à data do ajuizamento da precedente Ação Civil Pública, na qual o INSS foi validamente citado (TRF4, Sexta Turma, AC 2006.72.09.000925-0, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 30.08.2007). O que confere nota de singularidade a este entendimento é o fato de a inércia do titular do direito ser suprida pela iniciativa do ente que move a ação civil pública. Veja-se: não causa estranheza o fato de a citação válida, operada em processo extinto sem resolução, constituir meio hábil para interromper a prescrição, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC (AgRg. no REsp 439.052/RJ, Terceira Turma, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 04.11.2002). A novidade está na circunstância de se reconhecer a citação válida em processo movido pelo Ministério Público em relação ao qual o segurado não tomou qualquer providência no sentido de ajuizar a execução provisória da sentença. Já para o STJ, “o ato do segurado de ajuizar a execução provisória da sentença prolatada nos autos da ação civil pública, embora com posterior reconhecimento em instância especial da ilegitimidade ativa do Ministério Público, caracteriza indiscutível quebra da inércia do interessado, nos termos do art. 617 do CPC” (REsp 750.443/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 19.03.2009, DJe 13.04.2009). Isso porque “O que releva notar, em tema de prescrição, é se o procedimento adotado pelo titular do direito subjetivo denota, de modo inequívoco e efetivo, a cessação da inércia em relação ao seu exercício. Em outras palavras, se a ação proposta, de modo direto ou virtual, visa a defesa do direito material sujeito à prescrição” (REsp 23.751/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 08.03.1993)¹⁰¹⁹. Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ determinou a afetação dos Recursos Especiais 1.761.874, 1.766.533 e 1.751.667 para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.005), para solucionar controvérsia relativa à fixação do termo inicial da prescrição quinquenal, para recebimento de parcelas de benefício previdenciário reconhecidas judicialmente, em ação individual ajuizada para a adequação da renda mensal aos tetos fixados pelas Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003, cujo pedido coincide com aquele formulado em ação civil pública. Na hipótese de ação rescisória, o marco a ser considerado para a interrupção da prescrição para fins de contagem do prazo quinquenal das parcelas vencidas é a citação válida da ação previdenciária original e não aquela realizada em sede de ação rescisória. De fato, se pela ação rescisória o processo originário não é anulado, mas, sim, desconstituída a decisão nele prolatada, o marco interruptivo da prescrição das parcelas vencidas deve ser a citação válida da ação original¹⁰²⁰. De qualquer sorte, os efeitos da interrupção retroagem à data de ajuizamento da demanda, nos termos do art. 802, parágrafo único, do CPC/2015 (CPC/1973, art. 219, § 1º). Outro relevante ponto a se considerar diz respeito aos efeitos gerados pela edição de atos normativos reconhecedores de direitos dos beneficiários do Regime Geral da Previdência Social. Quanto a esse aspecto, o STJ chegou a orientar que o prazo prescricional quinquenal, em ação proposta para pleitear a correção monetária de valores pagos administrativamente, de acordo com a Portaria MPAS 714, de 10.12.1993, tem como termo inicial a data de publicação desse ato administrativo¹⁰²¹. Da mesma forma poderia ser considerado ato interruptivo da suspensão a Medida Provisória 201/2004, convertida na Lei 10.999, de 15.12.2004, que autorizou a revisão de benefícios previdenciários concedidos com data posterior a fevereiro de 1994 e o pagamento dos valores atrasados, mediante termo de acordo em condições que especificava, pode servir de marco de interrupção da prescrição¹⁰²². É que, nos termos do art. 172, V, do antigo Código Civil (novo Código Civil, art. 202, VI), a prescrição interrompe-se “por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor”. Isso poderia significar que, para os processos de revisão de benefícios – referentes ao tema em análise – ajuizados até dois anos e meio após a publicação da Lei 10.999/2004 – a prescrição, nesses casos, voltaria a correr pela metade¹⁰²³. Todavia, a bem posta fundamentação contida no voto condutor do julgamento do REsp 1670907/RS¹⁰²⁴ nos leva a reconsiderar o que já propusemos em edições anteriores deste trabalho. E o aspecto fundamental da aludida decisão parece ser o que tipifica a Medida Provisória 201/2004 como uma autorização para revisão de benefícios mediante adesão ao termo de acordo por parte dos interessados, sobre o problema jurídico relacionado ao IRSM do mês de fevereiro de 1994. Embora a autorização para celebração de acordos apenas se tenha realizado em razão de posicionamento pacífico da jurisprudência acerca da efetiva lesão a direito dos beneficiários da Previdência Social, é preciso reconhecer que a Medida Provisória 201/2004 não consubstancia, a rigor, reconhecimento de direito, como se pode colher de excerto do substancioso do voto do relator Min. Herman Benjamin, que se transcreve a seguir: Conclui-se, portanto, que foi criada a possibilidade, temporalmente limitada (até 31 de outubro de 2005), de firmar um acordo por meio do qual – através de concessões mútuas, tais como o pagamento parcelado, em benefício do ente público, e a revisão imediata do benefício, a bem do beneficiário – buscou-se, de forma expressa, trazer economia para os cofres públicos e aliviar a carga do Judiciário. Não houve reconhecimento de erro, mas análise da jurisprudência acerca da matéria. Não se trata, pois, de mero reconhecimento do direito dos segurados, de modo que surge um novo prazo decadencial a partir da publicação da Medida Provisória 201/2004. Trata-se de formulação de política conciliatória, não contenciosa, visando a resolver problema que afeta inúmeros beneficiários da Previdência Social, com a preocupação de não onerar demasiadamente os cofres públicos e o Poder Judiciário. Utilizar medida que visa a pôr fim de modo mais célere a conflito de interesses como marco inicial para renovação do prazo decadencial é distorcer a essência do ato e tolher indevidamente iniciativas dos Poderes Executivo e Legislativo para encurtar a resolução dos conflitos multitudinários e desafogar o Judiciário. Dessa forma, a edição da Medida Provisória 201/2004, posteriormente convertida na Lei 10.999/2004, não deve ser considerada causa suspensiva da prescrição, por não materializar reconhecimento de direito pelo devedor. Cabe observar que, mais recentemente, a TNU firmou tese no sentido de que apenas com o trânsito em julgado da decisão trabalhista se pode verificar a violação a direito, o que faz nascer a pretensão para o titular, de acordo com a teoria da actio nata: Na pretensão ao recebimento de diferenças decorrentes de revisão de renda mensal inicial em virtude de verbas salariais reconhecidas em reclamação trabalhista, a prescrição quinquenal deve ser contada retroativamente da data do ajuizamento da ação previdenciária, não fluindo no período de tramitação da ação trabalhista, enquanto não definitivamente reconhecido o direito e não homologados os cálculos de liquidação (TNU, Tema 200, PEDILEF 5002165-21.2017.4.04.7103/RS, Rel. p/Acórdão Juíza Federal Susana Sbrogio Galia, j. 09.12.2020). É preciso notar, porém, que a demanda trabalhista apenas surge em razão de anterior lesão, em tese, a direito laboral. O nascimento da pretensão e a possibilidade do exercício do direito da ação competente para satisfazê-la se dão com a violação, em tese, ao direito trabalhista, sendo este o marco temporal do prazo prescricional. Por outro lado, independentemente do momento em que ocorreu o fato lesivo, em tese, ao direito laboral – que traz reflexos no direito previdenciário do trabalhador – e abstraindo-se as diversas questões relacionadas à reclamatória trabalhista (momento da sua propositura, solução jurisdicional alcançada, momento do trânsito em julgado da decisão), a lesão, em tese, ao direito previdenciário, pela Administração, ocorre quando do indeferimento – ou da concessão a menor – do benefício previdenciário. Com a formalização do ato administrativo contrário ao interesse do segurado, verifica-se a lesão, em tese, a direito e a possibilidade de manejo da ação competente, ainda que o problema concreto não tenha sido solucionado pela justiça laboral. Deve-se ter em conta que o fato jurídico-trabalhista – e que caracteriza a lesão, em tese, a direito laboral – que sustenta a ação trabalhista, por também constituir um fato-jurídico-previdenciário, pode ensejar a competente ação previdenciária, caso sua existência seja desconsiderada pelo INSS, independentemente dos contornos de uma eventual reclamatória trabalhista. Dessa forma, distintamente do que preconizou a TNU (Tema 200), pensamos que a pretensão previdenciária nasce ainda que não seja verificada a violação a direito pela justiça trabalhista, sendo hábil, a permitir a fluência do prazo prescricional, a lesão, em tese, a direito previdenciário, caracterizada pelo não reconhecimento de determinado fato quando do ato administrativo de indeferimento – ou de concessão a menor – do benefício previdenciário. 9.3.7 “Decadência” do direito de rever o ato de concessão do benefício previdenciário ¹⁰²⁵ Em matéria previdenciária, o instituto da prescrição era orientado pelo princípio da não preclusão do fundo do direito. Prescreviam-se as parcelas anteriores ao quinquênio que antecedia o ajuizamento da demanda, mas não se prejudicava a pretensão de recebimento integral da proteção social. Vejase, nesse sentido, o que dispunha o art. 57 da Lei 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS): Não prescreverá o direito ao benefício, mas prescreverão as prestações respectivas não reclamadas no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data em que forem devidas. O instituto da decadência – ou prescrição de fundo do direito, como veremos adiante – foi introduzido em matéria previdenciária pela Medida Provisória 1.523-9, de 27.06.1997, renumerada posteriormente para MP 1.596-14 e, então, convertida na Lei 9.528, de 10.12.1997. O dispositivo estabelecia o prazo de 10 anos para a extinção de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício. Com a Lei 9.711, de 20.11.1998, o prazo decadencial foi reduzido para cinco anos. Posteriormente, com a edição da Medida Provisória 138, convertida na Lei 10.839/2004, o art. 103, caput, da Lei 8.213/91 passou a dispor: Art. 103. É de 10 anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. O que se tem, portanto, desde 28.06.1997, data de vigência da Medida Provisória 1.523-9/97, é a configuração do instituto da decadência no direito previdenciário. Com efeito, após quase meio século de uma legislação previdenciária que não admitia a prescrição do fundo do direito, sobreveio, no curso de um processo de reformas restritivas de direito, a Medida Provisória 1.523-9/97. A inovação normativa emergiu no ponto ótimo das reformas legislativas neoliberais e deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/91, estabelecendo que a revisão do ato de concessão de um benefício previdenciário estaria, a partir de então, limitada ao prazo decadencial de 10 (dez) anos¹⁰²⁶. Mais recentemente, a Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, culminou por alterar uma vez mais o caput do art. 103 da Lei 8.213/91, passando a dispor que a decadência de dez anos alcança todo ato administrativo que afete negativamente a esfera jurídico-patrimonial do particular, como o que indefere a concessão de um benefício previdenciário¹⁰²⁷. Sem embargo, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019, que dava nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/91, sob o entendimento de que: O núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário. Este Supremo Tribunal Federal, no RE 626.489, de relatoria do i. Min. Roberto Barroso, admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito¹⁰²⁸. 9.3.7.1 A incidência do prazo decadencial do direito de revisão dos benefícios concedidos anteriormente à vigência da MP 1.523-9/97 Sobre os efeitos temporais dessa norma preclusiva, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça orientou que ela é aplicável não apenas aos benefícios posteriores à sua edição, mas igualmente àqueles concedidos em tempo anterior. Confira-se a ementa desse significativo precedente: PREVIDÊNCIA SOCIAL. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. PRAZO. ART. 103 DA LEI 8.213/91. BENEFÍCIOS ANTERIORES. DIREITO INTERTEMPORAL. 1. Até o advento da MP 1.523-9/97 (convertida na Lei 9.528/97), não havia previsão normativa de prazo de decadência do direito ou da ação de revisão do ato concessivo de benefício previdenciário. Todavia, com a nova redação, dada pela referida Medida Provisória, ao art. 103 da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social), ficou estabelecido que “É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”. 2. Essa disposição normativa não pode ter eficácia retroativa para incidir sobre o tempo transcorrido antes de sua vigência. Assim, relativamente aos benefícios anteriormente concedidos, o termo inicial do prazo de decadência do direito ou da ação visando à sua revisão tem como termo inicial a data em que entrou em vigor a norma fixando o referido prazo decenal (28.06.1997). Precedentes da Corte Especial em situação análoga (v.g.: MS 9.112/DF Minª. Eliana Calmon, DJ 14.11.2005; MS 9.115, Min. César Rocha (DJ de 07.08.2006, MS 11123, Min. Gilson Dipp, DJ de 05.02.2007, MS 9092, Min. Paulo Gallotti, DJ de 06.09.2006, MS (AgRg) 9034, Min. Félix Fischer, DL 28.08.2006). 3. Recurso especial provido (REsp 1303988/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, j. 14.03.2012, DJe 21.03.2012). Esse entendimento foi reafirmado quando de julgamento proferido pelo STJ segundo a sistemática de representativo de controvérsia¹⁰²⁹. Nesse mesmo precedente foi decidido que “O suporte de incidência do prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/91 é o direito de revisão dos benefícios, e não o direito ao benefício previdenciário”, pois “O direito ao benefício está incorporado ao patrimônio jurídico, não sendo possível que lei posterior imponha sua modificação ou extinção”. Na visão do STJ, portanto, o prazo para revisão do ato de concessão dos benefícios concedidos em tempo anterior à MP 1.523-9/97, de dez anos, começa a ter curso em 28.06.1997, quando entrou em vigor esse ato normativo¹⁰³⁰. Chamado a se manifestar sobre este ponto, o Supremo Tribunal Federal igualmente expressou que o prazo preclusivo alcançaria também os benefícios concedidos anteriormente à vigência da MP 1.523-9/97, sem que isso importasse em retroatividade vedada pela Constituição (já que à disposição normativa não se emprestaria eficácia retroativa, para o efeito de fazê-la incidir sobre o tempo transcorrido antes de sua vigência)¹⁰³¹. Diferentemente do STJ, porém, a Suprema Corte fixou em 1º.08.1997 o termo inicial para o curso do prazo de 10 anos para revisão do ato de concessão dos benefícios concedidos em tempo anterior à vigência da MP 1.523-9/97¹⁰³². 9.3.7.2 Natureza prescricional do prazo para revisão do ato de concessão de benefício previdenciário (Lei 8.213/91, art. 103, caput) Conquanto a legislação de regência enuncie que todo direito ou ação para revisão do ato de concessão de benefício previdenciário submete-se ao prazo decadencial de 10 anos, é preciso reconhecer que tal prazo, na verdade, reveste-se de natureza prescricional – e, não, decadencial. Segundo o consagrado estudo de Agnelo Amorim Filho, os prazos decadenciais referem-se aos direitos potestativos, os quais se caracterizam pela qualidade de sujeição de outrem ao seu exercício pelo titular. São considerados direitos independentes de prestação por parte de outrem, caracterizando-se, ademais, por serem insuscetíveis de lesão ou violação¹⁰³³. Já os prazos prescricionais relacionam-se com a noção de proteção judicial decorrente da violação de direitos. O não cumprimento espontâneo de determinada prestação implica a violação ou lesão a direito, fazendo nascer a pretensão de satisfação judicial do direito violado e, de modo correlato, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação judicial correspondente. É nessa ação que se buscará a submissão do sujeito passivo a cumprir a prestação objeto da relação jurídica. Isso se dá mediante a condenação judicial do sujeito passivo a uma obrigação (de dar, fazer, deixar de fazer ou pagar quantia certa). Nessa perspectiva, ainda que o legislador tenha adotado o vocábulo “decadência” (Lei 8.213/91, art. 103, caput), deve-se compreender que, em se tratando de lesão a direito que não se satisfaz senão pelo cumprimento da prestação pelo devedor, o prazo para revisão de ato de concessão de benefício previdenciário consubstancia autêntico prazo prescricional. Isso se torna relevante na medida em que as normas de suspensão e interrupção do prazo prescricional, anteriormente examinadas, são aplicáveis aos casos de revisão do ato de concessão do benefício previdenciário. De qualquer modo, para fins de análise do prazo extintivo de que trata o art. 103, caput, da Lei 8.213/91, são empregadas nesta seção, indistintamente, as expressões “decadência” e “prescrição do fundo” do direito, em função de a primeira (“decadência”) se encontrar expressamente no texto legal (Lei 8.213/91, art. 103, caput) e nas principais decisões judiciais sobre o tema (v.g., STF, RE 626.489, Rel. Luís Roberto Barroso, j. 16.10.2013, DJ 23.09.2014). 9.3.7.3 Inconstitucionalidade de prazo para cessação de lesão estatal a direito humano e fundamental Como já mencionado, o art. 103, caput, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, estendeu o campo de incidência da regra decadencial em matéria previdenciária, passando a dispor, verbis: Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado: (i) do primeiro dia do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; (ii) do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo. Esse conjunto normativo afigura-se francamente contrário à Constituição da República, porém. O direito à Previdência Social consubstancia autêntico direito humano e fundamental, pois a prestação de recursos sociais indispensáveis à subsistência da pessoa deriva do próprio direito de proteção à existência humana digna. Com efeito, o objetivo fundamental de um bem previdenciário é a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do trabalhador e de sua família. A íntima conexão do direito à Previdência Social com a exigência de vida humana digna torna manifesta sua natureza de direito humano e fundamental, pois esse direito é condição de possibilidade da dignidade da pessoa humana. Por esse motivo, esses “direitos-meios-indispensáveis à subsistência digna” encontram-se regidos por um diferenciado regime de proteção jurídica. São os direitos humanos previdenciários invioláveis, inalienáveis e imprescritíveis. Isso significa que não se admite a violação desses direitos, razão pela qual lhes é assegurada efetiva proteção judicial. Os direitos humanos e fundamentais não se submetem ao regime de preclusão temporal, não sendo adequado considerar extinto o direito pelo seu não exercício em tempo que se julga oportuno. Os direitos humanos e fundamentais são imprescritíveis, no sentido de que a qualquer tempo é possível fazer cessar a violação desses direitos¹⁰³⁴. Em tema de proteção social, o regime de preclusão temporal pode conduzir a pessoa a uma condição de destituição perpétua de recursos necessários para sua subsistência, entregando-a à própria sorte mesmo quando seja inegável que faz jus a determinada forma de proteção social. O decurso do tempo não legitima a violação de nenhum dos direitos humanos e fundamentais, os quais devem ser respeitados em sua integralidade. A norma jurídica infraconstitucional que, em caso de violação estatal do direito à Previdência Social, estipula limite de prazo para o requerimento de tutela jurisdicional tendente a determinar a cessação da violação desses direitos humanos, a um só tempo: a) malfere o direito ao mínimo existencial de que se reveste o direito fundamental à Previdência Social; b) implica denegação de justiça. Pela primeira via, o decurso do tempo separará a pessoa da proteção social a que, em tese, faz jus, de modo que o instituto da prescrição do fundo do direito, nesta seara, pode iludir o direito fundamental à Previdência Social (CF/88, art. 6º, caput) e, por consequência, o princípio fundamental da dignidade humana (CF/88, art. 1º, III). Pela segunda via, a prescrição do fundo do direito revela-se violadora do direito constitucional de acesso à justiça (CF/88, art. XXXV) e do direito a um remédio jurídico eficaz que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, consagrado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 25, item 1 do Pacto de San José da Costa Rica), ato normativo de estatura supralegal. Nessas condições, afigura-se inconstitucional a norma jurídica que chancela, pelo decurso do tempo, a violação do direito humano e fundamental à Previdência Social, impondo prazo para a proteção judicial contra ato estatal que o tenha negado, integral ou parcialmente. Por essas razões, em nosso modo de ver, era inconstitucional a regra contida no art. 103, caput, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela MP 1.523-9, de 28.06.1997, quando estipulava prazo decadencial (prescrição do fundo direito, mais propriamente) para a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário, porque implicava, em suas consequências, a irreversibilidade do ato estatal que viola direito intimamente ligado ao mínimo existencial e à dignidade humana. Por outro lado, é ainda mais clara a incompatibilidade do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, com a redação emprestada pela Medida Provisória 871/2019, de 18.01.2019, pois ao estender o campo de aplicação da decadência em matéria previdenciária, para fazer alcançar qualquer ato administrativo desfavorável ao particular, a nova norma desafia a interpretação oferecida pela Suprema Corte quando do julgamento do RE 626.489¹⁰³⁵. Com efeito, pronunciando-se sobre a legitimidade da norma contida no art. 103, caput, da Lei 8.213/91, em tempo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, o Supremo Tribunal Federal expressou que o prazo decadencial convive harmonicamente com a Constituição, apenas quanto às ações de revisão de benefício. A Suprema Corte, examinando a problemática, prestigiou o pensamento de que “Cabe distinguir, porém, entre o direito ao benefício previdenciário em si considerado – isto é, o denominado fundo do direito, que tem caráter fundamental – e a graduação pecuniária das prestações” (excerto do voto do Relator). Na visão do Min. Luís Roberto Barroso, relator do processo, a legislação teria resguardado o fundo do direito previdenciário, pois “o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário”. Nesse sentido é que seriam “perfeitamente aplicáveis as Súmulas 443/STF¹⁰³⁶ e 85/STJ¹⁰³⁷, na medida em que registram a imprescritibilidade do fundo de direito do benefício não requerido”. É, portanto, inconstitucional o novo tratamento normativo, na parte que estende a aplicação da decadência para os atos de indeferimento, cessação ou cancelamento, porque desafia a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 626.489. Poder-se-ia objetar à alegação de inconstitucionalidade que, sem embargo do transcurso do interregno decadencial, o fundo do direito não seria fulminado, visto que o segurado poderia renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo, segue o raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que derivariam do direito afetado pelo indeferimento é que seria extinto pela decadência. De fato, aparentemente, seria possível conciliar o entendimento da Suprema Corte, de não extinção do fundo do direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão sobre os limites do alcance da nova regra decadencial. Ocorre que a argumentação não se presta a salvar a “nova decadência” do vício de inconstitucionalidade, porque um novo requerimento administrativo de concessão não asseguraria, para todo e qualquer caso, o recebimento do benefício, em face das alterações das condições de fato que constituem requisitos legais para a sua concessão. Isso fica ainda mais claro no caso dos atos de cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, dado que o restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer hipótese, em termos definitivos. Como se percebe, portanto, é flagrantemente inconstitucional a regra decadencial introduzida pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, porque tem como consequência impedir o exercício, a qualquer tempo, do direito fundamental ao benefício previdenciário. Justamente em relação a esse ponto, quando do julgamento da ADI 6096, a Suprema Corte culminou por reafirmar o entendimento de que não é admissível a incidência de prazo decadencial contra atos administrativos que signifiquem a recusa de proteção previdenciária, como o indeferimento ou cancelamento. Na medida em que se tratava de entendimento já externado pelo Supremo Tribunal Federal quando da fixação da tese de repercussão geral (Tema 313 – RE 626.489), a declaração de inconstitucionalidade da regra que fazia incidir a decadência para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação, foi surpreendente apenas quanto ao apertado quórum do julgamento (seis votos a cinco). O núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário. Este Supremo Tribunal Federal, no RE 626.489, de relatoria do i. Min. Roberto Barroso, admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito. 7. No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção¹⁰³⁸. Sem embargo, quanto à decadência do direito de revisão do ato de concessão do benefício, o Supremo Tribunal Federal, no mesmo precedente, entendeu que se o fundo do direito se encontra assegurado contra o decurso do tempo, a – mera – graduação pecuniária das prestações poderia ser objeto de preclusão temporal: Com base nesse raciocínio, não verifico inconstitucionalidade na criação, por lei, de prazo de decadência razoável para o questionamento de benefícios já reconhecidos. Essa limitação incide sobre o aspecto patrimonial das prestações. Não há nada de revolucionário na medida em questão. É legítimo que o Estado-legislador, ao fazer a ponderação entre os valores da justiça e da segurança jurídica, procure impedir que situações geradoras de instabilidade social e litígios possam se eternizar. Especificamente na matéria aqui versada, não é desejável que o ato administrativo de concessão de um benefício previdenciário possa ficar indefinidamente sujeito à discussão, prejudicando a previsibilidade do sistema como um todo. Ocorre que aquilo que restou denominado na decisão em comento como “graduação pecuniária das prestações” ou “aspecto patrimonial das prestações” corresponde a valores que consubstanciam parcelas integrantes do direito fundamental cuja satisfação integral foi sonegada pela atividade estatal responsável. A partir das ponderações acima lançadas, pode-se concluir que o equívoco fundamental da decisão da Suprema Corte foi reconhecer que a fundamentalidade do direito ao benefício previdenciário justifica a imprescritibilidade do fundo do direito ao gozo do benefício, ao tempo em que banaliza a preclusão temporal (que denomina “decadência”) para a satisfação de parte integrante desse direito, que logicamente detém a mesma natureza e que, por evidente, compõe o fundo do direito. É uma ostensiva contradictio in terminis expressar que o – pretensamente sagrado – fundo do direito pode ser exigido a qualquer tempo e, ao mesmo tempo, sustentar que a legislação pode, legitimamente, fazer o decurso do tempo prejudicar irremediavelmente a satisfação de parte conformadora desse direito. O que se tem é que o fundo do direito à Previdência Social é afetado em sua essência quando parte que lhe consubstancia (a parcela do benefício previdenciário que foi indevidamente sonegada no âmbito administrativo) é insuscetível de ser satisfeita judicialmente, pelo transcurso do prazo decadencial (de fundo do direito, como sustentamos acima). O que se assegura, nessa perspectiva, é a forma de “fundo do direito” e não seu conteúdo. Ora, a chamada “graduação pecuniária das prestações”, compreendida como de natureza não fundamental pelo STF (raciocínio a contrario sensu), está intimamente ligada com a essência do bem previdenciário, com a suficiência da proteção social e, em última análise, com a real possibilidade de a proteção previdenciária cumprir sua finalidade constitucional de assegurar ao indivíduo as condições necessárias à condução de sua vida conforme a dignidade humana, mediante a provisão de recursos indispensáveis à sua manutenção¹⁰³⁹. O “aspecto patrimonial das prestações”, nesse sentido, é a verdadeira essência da proteção previdenciária, jamais um dado lateral, destituído de fundamentalidade. Com a orientação oferecida pelo STF, embora seja negada a premissa no voto do relator Min. Luís Roberto Barroso, a jurisdição brasileira, pela voz de sua última instância, admitiu que o direito humano e fundamental à Previdência Social está submetido ao regime de prescrição do fundo do direito. Admitiu, a Suprema Corte, retórica à parte, que a violação estatal de direito humano e fundamental, ainda que se encontre umbilicalmente ligado ao mínimo existencial e à dignidade humana, é afetado pelo decurso do tempo. Admitiu, a Suprema Corte, ainda, que parcela previdenciária integrante do mínimo indispensável à subsistência não poderá ser tutelada judicialmente, se transcorrido o prazo de dez anos. Admitiu, a Suprema Corte, finalmente, que a violação estatal dos direitos humanos previdenciários pode irradiar efeitos para toda a vida de aposentados e pensionistas, os quais carregam, como estigma, a desinformação, e como sina, a falta de efetiva proteção de seus direitos. Porque a jurisdição interna subestimou, desconsiderou e não assegurou tutela efetiva aos direitos humanos previdenciários, abre-se espaço para a busca da proteção internacional desses direitos. Nesse contexto, é possível que o Estado Brasileiro seja mesmo responsabilizado internacionalmente pela violação, a um só tempo, (a) do direito ao mínimo existencial, materializado apenas pela integral proteção dos direitos previdenciários e (b) do direito de acesso à justiça para proteção de direitos humanos. Não se pretende, em absoluto, seja o direito humano previdenciário considerado irrestringível. Pretende-se, antes, seja reconhecido que apenas o respeito integral a determinado bem previdenciário assegura condições mínimas de existência digna aos cidadãos mais vulneráveis, o que pressupõe inexistência de prazo decadencial, tanto para a concessão inicial do benefício previdenciário, quanto para a obtenção integral do direito previdenciário, mediante proteção judicial para revisão de benefício. Como visto na parte primeira desta obra, o beneficiário da Previdência Social não se presume apenas carente, mas hipossuficiente em termos informacionais. É presumível, portanto, que a falta de conhecimento sobre seus direitos o fizera calar em seu prejuízo por dez anos. A perda do direito de chamar à legalidade um ato administrativo de concessão – ou melhor, a perda do direito de chamar à correção a proteção social oferecida administrativamente – não se confunde com a perda do direito de se cobrar um título de crédito ou executar um contrato. Nestes institutos, encontram-se, em regra, desde logo bem definidas as obrigações do devedor e os direitos do credor. A lesão ao direito é ostensiva, e o prazo decadencial, de fato, surge como resposta à ideia de estabilidade das relações, de segurança jurídica e de não socorrer aquele que optou pela inércia. Mas, em uma relação previdenciária os direitos não são desde logo discerníveis pelo beneficiário e, o que também é importante, há uma presunção de legitimidade do ato administrativo concessório que pode incutir um certo contentamento por parte do beneficiário, especialmente do mais carente. Pode-se dizer que, em regra, tanto mais simples a pessoa, mais fé empresta às ações do Estado. E, nesta esteira, por mais tempo gozará de um benefício de caráter alimentar em expressão menor do que a que tem direito até que, segundo o entendimento da incidência do prazo decadencial de modo absoluto, não mais possa corrigir a ilegalidade do Estado, vendo-se obrigado a subsistir quando se encontra mais vulnerável – idade avançada – e a sofrer, mês a mês, os efeitos de uma ilegalidade estatal. Essa percepção do prazo preclusivo do art. 103 da Lei 8.213/91 evidencia a desproporcionalidade da regra que proíbe a correção do ato administrativo concessivo de benefício após ultrapassado o decênio legal. Uma perspectiva constitucional que conjugue os princípios administrativos de moralidade, legalidade e eficiência – de relevância acentuada quando a relação da Administração se dá com pessoas vulneráveis e desprovidas de informações necessárias para buscarem a satisfação de direito que lhes assegure a subsistência digna – com os objetivos de igualdade e justiça social enobreceriam a discussão. Desse modo, é preciso dizer mais do que o Direito não socorre aos que dormem, brocardo que é aplicável em matéria previdenciária apenas com a devida parcimônia. É necessário ir além da discussão sobre a real natureza do prazo estabelecido no caput do art. 103 da Lei 8.213/91 (se decadencial ou prescricional). É importante fugir da falácia de que é justo que se imponha prazo fatal e absoluto para a revisão de benefício previdenciário porque o beneficiário, por já se encontrar em gozo de benefício, apresenta recursos suficientes para sua subsistência. Como se a parcela do benefício que ilegalmente lhe é furtada anos a fio pela Administração Pública não detivesse igualmente a natureza de essencialidade para subsistência. É preciso destacar que a conveniência econômica da aplicação cega do prazo decadencial não pode jamais justificar a extinção do direito ao recebimento integral de verba alimentar por pessoa dependente da Previdência Social. Não se pode jamais olvidar que a realidade administrativa é a de ineficiência na prestação do serviço público ao segurado ou dependente do RGPS, pois o serviço social inexiste, e o processo administrativo com participação interessada do agente público – exigência de boa-fé – é ainda uma miragem distante. E o Estado que já se valia da ineficiência para alcançar a ilegalidade – pagando benefícios a menor – agora alcança emprestar ares de irreversibilidade aos efeitos das ilegalidades que se espalham por todo País com modos de expressão os mais diversos, mas tendo como alvo as mesmas vítimas de sempre. Nosso posicionamento, portanto, é no sentido de que a decadência é inconstitucional para o exercício de qualquer direito em matéria previdenciária (concessão, revisão ou restabelecimento). De acordo com a orientação da Suprema Corte, porém, é compatível com a Constituição a regra de decadência do direito de rever o ato de concessão do benefício (para ações de revisão), mas não para o exercício do direito em si (para as ações de concessão). Nesse sentido, é contrário à Constituição o art. 103, caput, da Lei 8.213/91, na redação emprestada pela Medida Provisória 871/2019, na parte que dispõe que a decadência se aplica também aos atos de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário. 9.3.7.4 Interpretação restritiva do prazo decadencial para revisão de benefício A norma contida no art. 103, caput, da Lei 8.213/91, dispondo sobre extinção de direito pela decadência, não pode ser interpretada extensivamente¹⁰⁴⁰. Se a legislação previdenciária prevê que é de dez anos o prazo para revisão do ato de concessão do benefício, algumas circunstâncias não se encontram abrangidas por essa regra preclusiva de direito. Nesse sentido, convém expressar, desde logo, na esteira do que foi suscitado na seção anterior, que é inconstitucional a interpretação de que o prazo de decadência corresponde a uma regra geral de preclusão que incide sobre qualquer pretensão relacionada à impugnação de ilegalidade administrativa no campo previdenciário. Em outras palavras, nem toda inércia por mais de dez anos enseja a incidência do prazo decadencial previdenciário; nem toda ilegalidade administrativa previdenciária é insuscetível de censura após o prazo decenal. Como doutrina Daniel Machado da Rocha, Admitir a aplicação da decadência em tais casos representaria ampliar o alcance de preceito excepcional – em um ramo do direito que não conhecia o instituto da prescrição de fundo de direito – contrariando o espírito hermenêutico que emerge dos princípios específicos que pavimentam o ordenamento jurídico previdenciário¹⁰⁴¹. A presente seção se destina, nessa perspectiva, a investigar algumas hipóteses de não incidência do prazo decadencial, cumprindo reafirmar, pelas razões articuladas na última seção, a inexistência de prazo decadencial para os casos de reconhecimento do direito à obtenção do benefício previdenciário. Caso corriqueiro é aquele em que o falecido se encontrava em gozo de benefício assistencial e seus dependentes buscam, mais de dez anos após o direito à pensão por morte, sob a alegação de que aquele fazia jus, na realidade, a benefício de natureza previdenciária (aposentadoria, por exemplo). A tese, como se verifica, é a de que deveria ter sido concedido ao falecido um benefício de natureza previdenciária (passível de conversão em pensão por morte) e não o assistencial (personalíssimo e não suscetível de conversão). Eis o ponto fundamental: o reconhecimento de que o falecido tinha direito adquirido a um benefício previdenciário já quando lhe foi concedido benefício assistencial, pressuposto para a concessão da pensão por morte, não implica propriamente revisão do ato de concessão, mas o reconhecimento tardio dos efeitos do direito adquirido ao benefício mais vantajoso. Ademais, pela própria natureza do benefício assistencial, o ato de concessão não se submete à revisão que busca a elevação da renda mensal, na medida em que o direito é assegurado sempre no valor de um salário mínimo (CF/88, art. 203, V). Por fim, a regra do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, destina-se a disciplinar os benefícios concedidos no âmbito do Regime Geral da Previdência Social, não se estendendo para outros campos do direito administrativo de proteção social. Também sob essa perspectiva, não espelhava o mais adequado entendimento sobre a matéria o que se encontrava na Súmula 64 da TNU (“O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos”), porque estendia o prazo decadencial para as hipóteses de indeferimento de benefício previdenciário e, não bastasse, para outro campo da Seguridade Social (assistencial). De todo modo, como antes mencionado, o Supremo Tribunal Federal (RE 626.489) fez ruir as estruturas do pensamento que entende operar a decadência do direito relacionado ao ato de indeferimento de benefício, porque se estaria a tocar, nestes casos, a imprescritibilidade do fundo do direito a um benefício previdenciário. Em face da decisão do STF sobre o tema, restou cancelada a Súmula 64 da TNU (DOU 24.06.2015), sendo editada a Súmula 81, segundo a qual “Não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão”. A inteligência desse mesmo precedente se presta à fundamentação da inconstitucionalidade, por outro lado, da regra do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019¹⁰⁴². 9.3.7.4.1 Ações ou direitos relacionados a circunstâncias supervenientes ao ato de concessão do benefício: revisão de reajustamento e desaposentação As ações revisionais que apresentam, como causa de pedir remota, circunstância de fato superveniente ao ato de concessão do benefício, não veiculam, a rigor, pretensão de revisão do ato de concessão do benefício. Por essa razão, a qualquer tempo podem ser revistos os reajustamentos periódicos inferiores ao devido e que, em tese, lesam direito de beneficiário. Justamente por esse motivo, não se submete ao prazo decenal de prescrição do fundo do direito (“decadência”) a pretensão revisional de elevação de renda mensal de benefício, mediante adequação aos novos limites máximos do salário de contribuição estabelecidos pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003¹⁰⁴³. Não se trata, no caso, de revisão do ato de concessão do benefício, mas de alteração do regime jurídico de sua fruição¹⁰⁴⁴. Nesse sentido, a título ilustrativo: [...] 2. A teor do entendimento consignado pelo STF e no STJ, em se tratando de direito oriundo de legislação superveniente ao ato de concessão de aposentadoria, não há falar em decadência. 3. No caso, a aplicação dos novos tetos surgiu somente com as EC’s 20/98 e 41/03, motivo pelo qual se revela de rigor o afastamento da decadência (REsp 1420036/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 28.04.2015, DJe 14.05.2015)¹⁰⁴⁵. Ainda de acordo com essa mesma premissa (não incidência do prazo de decadência quando a ação revisional se fundamenta em circunstância superveniente ao ato de concessão do benefício), as ações relacionadas à pretensão de desaposentação¹⁰⁴⁶ escapavam da regra decadencial (prescrição do fundo do direito, mais propriamente)¹⁰⁴⁷. Nessa perspectiva, também se pode dizer que não se opera a decadência quando o segurado pretende o reconhecimento do direito ao adicional de 25% (Lei 8.213/91, art. 45), devido no caso de necessidade de assistência permanente de outra pessoa, quando essa situação já se verificava no momento da concessão da aposentadoria por incapacidade permanente. Confira-se, nesse sentido: Não se tratando de pedido de revisão de benefício, mas de postulação de concessão do adicional de 25%, previsto em lei, ou seja, de direito a incremento no benefício, não há que se falar em decadência ou prescrição de fundo de direito. III. Demonstrada a necessidade de auxílio de terceiros, deve ser concedido o adicional de 25% previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91¹⁰⁴⁸. De qualquer modo, deve-se observar que se a necessidade de assistência permanente de outra pessoa ocorre supervenientemente à concessão do benefício, não há o menor espaço para se cogitar em fluência do prazo decadencial e isso por duas razões: 1) porque se trata de fato superveniente à concessão do benefício, não abrangido pelo ato de concessão; 2) porque o INSS tem o dever de conceder, de ofício, o acréscimo no benefício que se encontra em manutenção. 9.3.7.4.2 Ações ou direitos relacionados a circunstâncias não analisadas expressamente quando da concessão do benefício Se na análise do requerimento administrativo de concessão do benefício, a Administração expressamente recusa específica pretensão (v.g., determinado período de tempo de atividade rural), lesando a direito do cidadão, o prazo para ação de revisão é de prescrição de fundo do direito. Mas se não há recusa expressa, trata-se de prescrição de trato sucessivo, incidindo a Súmula 85 do STJ: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação (STJ, Súmula 85). Esse era o entendimento do TRF da 4ª Região, ainda que laborando na perspectiva de que o prazo é de natureza decadencial: A decadência prevista no art. 103 da Lei 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração (TRF4, EINF 0000851-73.2009.404.7211, Terceira Seção, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 14.12.2011)¹⁰⁴⁹. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça vem oferecendo orientação no sentido de que, em matéria previdenciária, “quando não se tiver negado o próprio direito reclamado, não há falar em decadência”. No caso específico enfrentado pelo STJ, o INSS não havia indeferido o reconhecimento do tempo de serviço exercido em condições especiais, uma vez que não chegou a haver discussão a respeito desse pleito. Mais especificamente, expressou-se que “o prazo decadencial não poderia alcançar questões que não foram aventadas quando do deferimento do benefício e que não foram objeto de apreciação pela Administração. Por conseguinte, aplica-se apenas o prazo prescricional, e não o decadencial”¹⁰⁵⁰. A partir dessa decisão, também outras oriundas da Segunda Turma do STJ culminaram por firmar essa mesma orientação. Com efeito, buscando dar mais acuidade ao alcance dos julgados proferidos pela Primeira Seção daquele Tribunal Superior (REsp 1.309.529/PR e REsp 1.326.114/SC), a Segunda Turma do STJ já expressou que “O prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração”. Desse modo, [...] não tendo sido discutida certa questão jurídica quando da concessão do benefício, não ocorre decadência para essa questão. Efetivamente, o prazo decadencial não pode alcançar questões que não foram aventadas quando do deferimento do benefício e que não foram objeto de apreciação pela Administração¹⁰⁵¹. A partir dessa linha jurisprudencial, é possível compreender que [...] por ato de concessão deve ser entendida toda matéria relativa aos requisitos e critérios de cálculo do benefício submetida ao INSS no requerimento do benefício, do que pode resultar o deferimento ou indeferimento do pleito. No presente caso, a pretensão veiculada consiste na revisão da renda mensal inicial do benefício em razão de tempo rural não computado, tema não apreciado pela Administração. Por isso não há falar em decadência¹⁰⁵². Também se encontra nesse sentido a orientação da Primeira Turma do STJ: É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a decadência prevista no artigo 103 da Lei 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício¹⁰⁵³. Igualmente nessa direção dispõe a Súmula 81 da TNU: Não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão. A questão que se deve responder é se esse entendimento jurisprudencial se vale de hipótese excepcional que justifica a não aplicação da decisão do STF produzida quando do julgamento do RE 626.489 ou se, contrariamente, incorre em indevida desconsideração da decisão proferida pela Suprema Corte. Indaga-se, pois, se é correto dizer que os argumentos deduzidos pelo Supremo Tribunal Federal não alcançariam as ações revisionais que se amparam em questão de fato não analisado na via administrativa. Nada obstante todas as nossas reservas críticas à decisão da Suprema Corte, produzida no RE 626.489 (Tema 313), a ratio decidendi dessa decisão alcança igualmente os casos de revisão fundada em fatos não recusados expressamente pelo INSS¹⁰⁵⁴. É que a norma jurídica inscrita no art. 103, caput, da Lei 8.213/91, compreendida na criticável perspectiva da decisão da Suprema Corte, que reconheceu a sua constitucionalidade, não deixa espaço para o distinguishing pretendido. Quanto ao ponto, embora fosse plausível a tese de que a Suprema Corte, quando do julgamento do Tema 313 – RE 626.489, teria procedido à análise estrita da constitucionalidade da decadência em direito previdenciário, cabendo ao STJ a definição do alcance do instituto, em interpretação da legislação infraconstitucional, o fato é que, ao fim e ao cabo, não prevaleceu a tese de que a decadência não alcançava as ações revisionais fundadas em questão de fato não recusada expressamente pelo INSS quando da concessão do benefício. Em análise dessa questão de acordo com o rito dos recursos repetitivos, o STJ entendeu que ostenta natureza decadencial o prazo do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, não lhe sendo aplicáveis as bases jurídicas da prescrição, como o princípio da actio nata, de modo que não é necessária a afronta ao direito de modo explícito para que se inicie o prazo decadencial. Prevaleceu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim, a orientação de que o prazo decadencial deve ser aplicado mesmo às questões não tratadas no ato de administrativo de análise do benefício previdenciário, sendo assim fixado o Tema 975: Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário¹⁰⁵⁵. Sem embargo do que restou decidido no Tema 975, o Superior Tribunal de Justiça não fechou as portas, de uma vez por todas, às ações revisionais fundadas em reclamatória trabalhista que tenham decisão passado em julgado em momento posterior à concessão do benefício. Segundo se compreende do voto do relator Min. Herman Benjamin, ainda pode ser tratado de modo específico o problema da incidência do prazo decadencial nas ações revisionais fundadas em “questões que se aperfeiçoaram ou consolidaram em momento posterior à concessão do benefício”, de que é principal caso representativo o reconhecimento judicial de tempo de serviço em ação trabalhista (p. 19). Nesse sentido, consta do voto condutor a possibilidade de, em se adaptando o disposto no § 2º do art. 103-A da Lei 8.213/91 para os casos de decadência contra beneficiário da Previdência Social, entender-se que a propositura da ação trabalhista constitui uma iniciativa ou medida de exercício do direito de revisão, hábil a fazer escapar a ação revisional da decadência: Dessarte, o ajuizamento de ação trabalhista que repercuta no benefício previdenciário poderia ser interpretado como exercício do direito de revisão, em tese. De qualquer sorte, o presente julgamento não impede o STJ de enfrentar futuramente a controvérsia sobre a repercussão da ação judicial trabalhista na contagem do prazo decadencial mencionado no art. 103 da Lei 8.213/1991, em razão do que se propõe essa ressalva (p. 20 – negrito no original). Dito de outro modo, consoante se extrai do voto do relator Min. Herman Benjamin, ainda será decidido pelo STJ se o prazo decadencial abrange as ações revisionais fundadas em circunstância de fato que constitua objeto de ação trabalhista que influencie a renda mensal de benefício previdenciário. De nossa parte, diante do que decidiram a Suprema Corte (Tema 313) e o Superior Tribunal de Justiça (Tema 975), inexiste razão para se subtrair, da incidência do prazo decadencial, as ações revisionais fundadas em decisão da justiça do trabalho. Efetivamente, para que possa influir no cálculo da renda mensal de um benefício, o fato jurídico trabalhista/previdenciário deve ter acontecido anteriormente à data de início do benefício previdenciário. Por imperativo lógico, então, o fato que se toma como causa de pedir da demanda trabalhista é anterior ao termo inicial do benefício previdenciário que se pretende revisar. Ora, se o fato que ampara a demanda trabalhista – que pode impactar a relação jurídica previdenciária – é anterior à concessão do benefício que se pretende revisar, evidencia-se a possibilidade de ajuizamento da ação revisional previdenciária independentemente do momento em que produzida a decisão trabalhista, a qual, note-se, não vincula em termos absolutos, nem o ente administrativo, nem o órgão jurisdicional previdenciário¹⁰⁵⁶. Nesse sentido, a decisão trabalhista não constitui um fato novo que se possa dizer superveniente à concessão do benefício, mas um ato que dá solução a problema jurídico que é preexistente à outorga da proteção previdenciária. Por outro lado, na medida em que a demanda trabalhista não constitui pressuposto para o ajuizamento de ação revisional previdenciária, esta prescinde de uma decisão trabalhista que defina sobre a existência de fatos jurídicos – que possam acarretar efeitos – previdenciários. Em suma, a decisão trabalhista não constitui fato superveniente à concessão do benefício; eventualmente reconhece o fato jurídico trabalhista/previdenciário que constitui a verdadeira causa de pedir revisional. Não é elemento indispensável à propositura da ação revisional. E tampouco vincula o juízo previdenciário. Reconheça-se que as decisões trabalhistas proferidas em causas mais complexas de diferenças salariais tendem a ser acolhidas pelo juiz previdenciário, em suas conclusões e efeitos. E é plausível a tese de que apenas com o trânsito em julgado da decisão trabalhista se pode verificar a violação a direito, como decidiu a TNU quando do julgamento do Tema 200 (PEDILEF 500216521.2017.4.04.7103/RS, Rel. p/Acórdão Juíza Federal Susana Sbrogio Galia, j. 09.12.2020). De qualquer sorte, o princípio da actio nata, segundo pensamos, não se configura apenas com decisão judicial definitiva que reconheça a violação a direito. E mesmo assim, interferiria na prescrição, como entendeu a TNMU, e não na contagem do prazo decadencial. Mas a justiça federal é competente – e autônoma – para o processamento e a análise de causas entre o segurado e a Previdência Social, ainda que a causa de pedir remota de ação revisional corresponda a fatos jurídicos que influam ou conformem concomitantemente uma relação jurídica laboral¹⁰⁵⁷. Sem embargo, ainda que se entenda conveniente ou importante que a solução da demanda revisional previdenciária se opere com base em decisão definitiva proferida em reclamatória trabalhista, nada impede que a ação de revisão, uma vez proposta, seja suspensa, na forma prevista em lei: CPC, art. 313. Suspende-se o processo: [...] V – quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente; Cuidamos inexistir razão suficiente, portanto, para se excluir, da incidência do prazo decadencial, as demandas revisionais previdenciárias fundadas em decisão trabalhista. Ademais, considerados os argumentos jurídicos que se pode levantar contra a incidência do prazo decadencial em matéria previdenciária – e que foram explorados acima¹⁰⁵⁸ –, as motivações articuladas para se afastar a incidência do prazo decadencial nas hipóteses de revisões fundadas em decisão trabalhista são os que menos sensibilizam e os que mais dificilmente ensejariam um distinguishing. É razoável afirmar, em arremate, que o atual contexto da problemática relacionada ao tema da decadência gera imensa perplexidade, pois embora já se tenha transcorrido o prazo de mais de vinte anos desde a inovação normativa que introduziu esse instituto no direito previdenciário (MP 1.5239/97), ainda não se obteve interpretação definitiva sobre o seu alcance. O quadro de insegurança jurídica persiste e esse cenário de incerteza é agravado pelo que se identifica como um movimento pendular da orientação pretoriana sobre o tema, que provocou e ainda provoca multiplicação de recursos pelas partes, inútil movimentação da máquina judiciária e infindável espera pelos idosos – aposentados e pensionistas. 9.3.7.4.3 Ações relacionadas à efetivação do direito ao melhor benefício A tese da inocorrência do prazo decadencial, nas hipóteses em que o ato de concessão não recusa expressamente uma circunstância favorável ao segurado, tem perfeita aplicação nos casos de violação, por omissão, do direito à posição previdenciária mais benéfica – direito ao melhor benefício. Caso típico de ação de concessão do melhor benefício é aquele em que o segurado busca proteção social mais efetiva, mediante retroação do período básico de cálculo para momento anterior à data do requerimento administrativo, quando os pressupostos para sua concessão já se encontravam aperfeiçoados. É importante destacar, quanto a esse problema, que a ação que busca a retroação da data de início do benefício não impugna os critérios de cálculo ou as demais circunstâncias analisadas pelo INSS. Não se trata, a rigor, de revisão do ato de concessão do benefício. Antes, o que se pretende é o reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício incorporado anteriormente à DER (data de entrada do requerimento administrativo), com cálculo de nova renda mensal, sendo que apenas os efeitos financeiros – do benefício mais vantajoso – coincidem com a data do requerimento administrativo do benefício de que é titular o segurado¹⁰⁵⁹. Quanto a esse particular aspecto da ação que busca o reconhecimento do direito ao melhor benefício, “O STJ firmou a compreensão de que incide o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/1991 para a revisão do ato de concessão de benefícios para a obtenção de valor mais vantajoso em decorrência da retroação da data de início do benefício (DIB)”¹⁰⁶⁰. Com efeito, o tema foi recentemente analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a sistemática de casos repetitivos, firmando-se a tese de que o prazo decadencial de que trata o art. 103 da Lei 8.213/91 extingue o direito de majorar a renda mensal inicial mediante a pretensão de obtenção do direito ao melhor benefício¹⁰⁶¹. 9.3.7.4.4 Ações de revisão de benefício determinada por lei Há casos em que a revisão de benefício é estabelecida pela própria legislação previdenciária, como, por exemplo, a conhecida regra do art. 58 do ADCT, que determinou a revisão dos benefícios mantidos pela Previdência Social quando da promulgação da Constituição da República de 1988. Também a Lei 8.213/91 expressamente determinou, em seus arts. 144¹⁰⁶² e 145¹⁰⁶³, a revisão de benefícios concedidos após a promulgação da Constituição de 1988, mas em tempo anterior à edição da Lei 8.213/91, buscando ajustá-los à nova disciplina. Nosso pensamento é no sentido de que, em todas as hipóteses em que a revisão é determinada por lei, o interessado pode buscar o respeito e o atendimento do comando legal a qualquer tempo, submetendo-se apenas ao prazo prescricional. Mais especificamente, se a revisão disposta em lei se relaciona com o ato de concessão do benefício, a omissão estatal ofende direitos que se fundam na Constituição, de modo que a inadimplência à norma jurídica cogente desafia ação judicial de cumprimento da revisão determinada por lei, demanda esta que não se sujeita ao prazo decadencial, previsto no art. 103, caput, da Lei 8.213/91. É importante notar que, em face do caráter cogente e vinculante das normas protetivas dos direitos fundamentais, a omissão estatal, frustrando a satisfação do direito previdenciário, abre espaço para a proteção judicial correspondente, consistente na realização do comportamento estatal disposto em lei. Essa tutela não se confunde com a que se busca em uma típica ação revisional, na qual a iniciativa do interessado é condição para a revisão do ato de concessão do benefício. Na revisão fundada em expressa determinação legal, há um dever de agir, de parte da Administração Previdenciária, que prescinde de qualquer iniciativa do beneficiário, não sendo adequado concluir que o direito é passível de ser extinto porque o INSS deixou de cumprir encargo jurídico que sobre ele incide em caráter vinculante. E o direito de ver implementada a revisão determinada por lei não pode ser extinto porque inexiste disposição legal a estabelecer essa específica hipótese de extinção do direito pelo transcurso do tempo. Em casos tais, a pretexto de se censurar a inércia do particular, estar-se-ia prestigiando a inércia estatal que é descumpridora da lei e violadora de direito fundamental. Segundo pensamento que sustentamos em edições anteriores deste trabalho, a Lei 10.999/2004 autorizava a revisão dos benefícios previdenciários concedidos com data de início posterior a fevereiro de 1994, recalculandose o salário de benefício original, mediante a inclusão, no fator de correção dos salários de contribuição anteriores a março de 1994. E por consistir em ordem de revisão de benefício decorrente de lei, não incidiria o prazo decadencial, conforme fundamentação acima. Esse entendimento chegou a ser acolhido em significativo precedente da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL. INCLUSÃO DO IRMS DE FEVEREIRO DE 1994. DIREITO À REVISÃO RECONHECIDO NA LEI 10.999/2004. NÃO CONFIGURAÇÃO DA DECADÊNCIA NA HIPÓTESE DE REVISÃO PREVISTA EM LEI. ATO OMISSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. No período compreendido em janeiro/1993 e fevereiro/1994, os salários de contribuição foram corrigidos pela variação do IRSM para fins de apuração do valor do salário de benefício. 2. Em março de 1994, com a entrada do Plano Real, o índice de atualização passou a ser a URV, a teor do que dispôs a Lei 8.880/1994. Ocorre que no momento de conversão dos salários de benefício em URV não se aplicou a inflação verificada no mês de fevereiro de 1994, que alcançou o índice de 39,67%. 3. Reconhecendo tal situação, em 2004, foi editada MP 201/2004, posteriormente convertida na Lei 10.999/2004, garantindo a inclusão do percentual de 39,67% (correspondente à variação do IRSM de fevereiro de 1994) na atualização monetária dos salários de contribuição anteriores a março de 1994 que integrem o PBC. 4. A revisão dos benefícios previdenciários concedidos com data de início posterior a fevereiro de 1994, nos termos acima expostos, deve ser realizada, como se verifica, por força de expressa disposição legal, impondo um comportamento positivo à Administração Pública, quanto à revisão do ato administrativo com vistas a atender esse direito fundamental. 5. Nesse contexto, a ação revisional em tela não busca propriamente o reconhecimento da ilegalidade do ato de concessão do benefício, mas, antes, fazer atuar a lei reconhecedora da violação do direito previdenciário e da necessária revisão do ato administrativo. 6. Não se cuida de típica ação revisional que teria como condição a iniciativa do interessado, e, sim, de revisão reconhecida em expressa determinação legal, não sendo admissível atribuir a inércia ao particular, quando a omissão é da Administração. 7. Forçoso destacar que a Autarquia Previdenciária em sua IN 45/2010, reconhecia expressamente que as revisões determinadas em dispositivos legais, ainda que decorridos mais de 10 anos da data em que deveriam ter sido pagas, deveriam ser processadas, observando-se somente a prescrição quinquenal. 8. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento (REsp 1612127/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 06.04.2017, DJe 03.05.2017). Em suma, segundo sustentamos, não dever incidir o prazo decadencial de que trata o art. 103, caput, da Lei 8.213/91, nas hipóteses em que a revisão do benefício previdenciário é expressamente determinada por disposição legal, de que seria exemplo a revisão de que trata a Lei 10.999/2004, pois nesses casos não se pode atribuir inércia ao credor, visto que a revisão deveria ocorrer por força de lei¹⁰⁶⁴. Se não há inércia imputável ao credor, é desprovido de sentido falar-se em decadência¹⁰⁶⁵. Sem embargo, novamente considerando o tema, parece-nos mais claro que a Medida Provisória 201/2004, convertida na Lei 10.999/2004, embora tenha reconhecido a situação de que o direito postulado pelos beneficiários havia sido acolhido pela jurisprudência pátria – o que se depreende da sua exposição de motivos –, não reconheceu formalmente o direito de todos os beneficiários e tampouco determinou a revisão em termos gerais. Precisamente, o que se teve foi uma autorização legal para a revisão dos benefícios mediante assinatura de Termo de Acordo ou de Transação Judicial. Como se depreende da bem posta fundamentação contida no voto condutor do julgamento do REsp 1670907/RS¹⁰⁶⁶, a Medida Provisória 201/2004 deve ser caracterizada como ato normativo que veicula autorização para revisão de benefícios mediante adesão ao termo de acordo ou transação judicial por parte dos interessados. Embora a autorização para celebração de acordos apenas se tenha realizado em razão de posicionamento pacífico da jurisprudência acerca da efetiva lesão a direito dos beneficiários da Previdência Social, é preciso reconhecer que a Medida Provisória 201/2004 não consubstancia, a rigor, reconhecimento de direito, como se pode colher de excerto do substancioso do voto do relator Min. Herman Benjamin, que se transcreve a seguir: Conclui-se, portanto, que foi criada a possibilidade, temporalmente limitada (até 31 de outubro de 2005), de firmar um acordo por meio do qual — através de concessões mútuas, tais como o pagamento parcelado, em benefício do ente público, e a revisão imediata do benefício, a bem do beneficiário — buscou-se, de forma expressa, trazer economia para os cofres públicos e aliviar a carga do Judiciário. Não houve reconhecimento de erro, mas análise da jurisprudência acerca da matéria. Não se trata, pois, de mero reconhecimento do direito dos segurados, de modo que surge um novo prazo decadencial a partir da publicação da Medida Provisória 201/2004. Trata-se de formulação de política conciliatória, não contenciosa, visando a resolver problema que afeta inúmeros beneficiários da Previdência Social, com a preocupação de não onerar demasiadamente os cofres públicos e o Poder Judiciário. Utilizar medida que visa a pôr fim de modo mais célere a conflito de interesses como marco inicial para renovação do prazo decadencial é distorcer a essência do ato e tolher indevidamente iniciativas dos Poderes Executivo e Legislativo para encurtar a resolução dos conflitos multitudinários e desafogar o Judiciário. 9.3.7.4.5 Início do prazo decadencial no caso dos benefícios derivados (pensão por morte e aposentadoria por incapacidade permanente) Benefícios derivados são aqueles que decorrem de outro, em face da superveniência de uma determinada contingência social. Correspondem esses benefícios a um desdobramento de anterior, chamado benefício precedente, antecedente ou originário. Assim é que, por exemplo, a pensão por morte, em decorrendo de uma aposentadoria por idade, será considerada um benefício derivado deste. Da mesma forma, a aposentadoria por incapacidade permanente, se não concedida diretamente, será derivada de auxílio por incapacidade temporária. Pergunta-se, pois: quando a ilegalidade que gera efeitos no benefício derivado (v.g.., pensão por morte) já se encontrava no ato de concessão do benefício precedente (v.g., aposentadoria por idade), o prazo decadencial para a revisão do benefício derivado deve orientar-se pela data de recebimento do benefício precedente ou, diferentemente, pela data de recebimento do próprio benefício que se pretende revisar? Em nosso entender, se a regra restritiva não admite interpretação extensiva, o prazo decadencial deve iniciar-se a partir recebimento do benefício que se pretende revisar (benefício derivado), ainda que o vício que ensejou reflexos no cálculo já estivesse presente no ato de concessão do benefício precedente. Esse pensamento serve, tanto para a pensão por morte, quanto para a aposentadoria por incapacidade permanente. Trata-se, nessas hipóteses, de revisão de benefício derivado, mas autônomo. Não há relação de pertinência do benefício derivado com os termos do prazo decadencial estabelecidos para revisão do benefício originário. A legislação estabelece prazo decenal de decadência para a revisão do benefício concedido, não importando se a causa de pedir pressupõe a correção do cálculo de benefício antecedente. E esse é um ponto importante: não se busca a revisão do benefício antecedente, mas a correção dos termos em que este foi concedido, exclusivamente pela repercussão que acarreta no benefício derivado. A correção do benefício precedente, em si, não gera efeitos financeiros. A questão do início do prazo decadencial para os benefícios derivados é ainda mais clara no caso da pensão por morte, em que o interessado não poderia ter agido anteriormente com vistas a alcançar a posição jurídica que está a reivindicar com a revisão do benefício derivado. Com efeito, era impossível ao pensionista, por ausência de legitimidade ad causam, buscar a revisão do benefício de titularidade do instituidor da pensão antes do óbito. Sem embargo, prevaleceu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o prazo decadencial para a revisão de pensão por morte teria seu dies a quo disciplinado pela data de concessão do benefício originário (aposentadoria de titularidade do falecido)¹⁰⁶⁷. Em tempo anterior ao julgamento do EREsp 1.605.554/PR, a 2ª Turma do STJ orientava no sentido de que o termo inicial do prazo decadencial corresponde à data de concessão desse benefício previdenciário derivado, por força do princípio actio nata (v.g., AgRg no REsp 1462100/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 27.10.2015, DJe 09.11.2015)¹⁰⁶⁸. De modo distinto, a 1ª Turma do mesmo tribunal superior guardava a compreensão de que o início do prazo decadencial para revisão de benefício deve ser contado da concessão do benefício originário pago ao segurado em vida, e não do benefício derivado pensão por morte. O raciocínio se operava no sentido de que [...] se para o segurado titular do benefício originário (aposentadoria), para fins de revisão da renda mensal inicial (RMI), já havia transcorrido o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, não seria razoável admitir que, para a titular do benefício derivado (pensão), houvesse a reabertura daquele mesmo prazo. Com efeito, incontroverso também que, embora o pedido seja de revisão da pensão por morte, o que pretende a parte autora, na verdade, é revisar a renda mensal inicial da aposentadoria ensejadora da pensão, o que geraria, por óbvio, reflexos financeiros no benefício derivado. Nesse contexto, então, se algum equívoco administrativo houve, isso ocorreu por ocasião da concessão da pretérita aposentadoria, cuja titularidade era do segurado falecido (marido da requerente), o qual não se desincumbiu, a tempo o modo, de provocar a revisão de seu próprio benefício¹⁰⁶⁹. Como foi antecipado, o entendimento que prevaleceu na 1ª Seção do STJ foi no sentido de que o prazo decadencial para ação revisional de pensão por morte, mediante revisão da renda mensal inicial da aposentadoria que a originou, regula-se pela data de concessão deste benefício, de modo que, se já operada decadência decenal do direito à revisão da renda mensal inicial da pretérita aposentadoria, não será mais viável a revisão da pensão por morte. Confira-se excerto da ementa do aludido julgado: VIII. Distinção, pois, deve ser feita entre o direito de ação – vinculado ao prazo prescricional para exercê-lo – e o direito material em si, que pode, se não exercido em certo prazo, ser atingido pela decadência, que, na forma do art. 207 do Código Civil, salvo expressa disposição legal em contrário – que, para o caso dos autos, inexiste –, não está sujeita às normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. IX. O acórdão ora embargado deve prevalecer, pois o direito ao melhor benefício está sujeito à decadência, ao passo que o princípio da actio nata não incide, no caso dos autos, porquanto diz respeito ao direito de ação, e, nessa medida, está interligado ao prazo prescricional. O prazo decadencial, por sua vez, refere-se ao direito material, que, como dispõe a lei, não se suspende, nem se interrompe. X. Na espécie, a ação foi ajuizada em 12/09/2011, objetivando rever a pensão por morte, deferida em 01/11/2008, mediante revisão da renda mensal inicial da aposentadoria que a originou, concedida ao de cujus, pelo INSS, em 02/07/91. Concedido o benefício da aposentadoria ao instituidor da pensão em 02/07/91, anteriormente à vigência da Medida Provisória 1.523-9, de 27/06/97, adota-se, como termo a quo do prazo decadencial, o dia 28/06/97. Ajuizada a presente ação em 12/09/2011, incide, por força do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, a decadência decenal do direito à revisão da renda mensal inicial da pretérita aposentadoria, ainda que haja repercussão financeira na pensão por morte dela derivada. XI. Embargos de Divergência em Recurso Especial desprovidos (EREsp 1605554/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. p/ Acórdão Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, j. 27.02.2019, DJe 02.08.2019). Essa respeitável decisão se estriba em duas premissas fundamentais: • Primeira, o prazo decadencial não admite interrupção ou suspensão, na forma do art. 207 do Código Civil. A admitir-se o reinício ou reabertura do prazo para revisão da pensão por morte, segue o raciocínio, indiretamente estaria a incidir um marco interruptivo sobre prazo decadencial. • Segunda, se já transcorrido o prazo decadencial para a revisão de aposentadoria, torna-se insuscetível a sua revisão para que, por esse meio, haja repercussão financeira na pensão por morte dela derivada. De nossa parte, as teses que se contrapunham e que cristalizavam a divergência de entendimento parecem não ter tocado no cerne da questão, qual seja, o fato de que, na ação de revisão da pensão por morte, não se busca propriamente a revisão do benefício originário¹⁰⁷⁰. Com efeito, em uma ação de revisão de pensão por morte não está em jogo, nem a elevação da renda mensal inicial da aposentadoria, nem o recebimento de valores atrasados que deixaram de ser pagos ao falecido. Decisivamente, a revisão desse benefício não é mais possível, por incidência do prazo decadencial, de sorte que as ilegalidades praticadas pela Administração Previdenciária contra o patrimônio jurídico-alimentar do falecido segurado se chancelaram com o passar do tempo, como entendeu o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Tema 313 (RE 626.489). Não é disso que se trata. A imutabilidade da relação jurídica estabelecida entre o ente previdenciário e o falecido segurado é indiscutível, reconheçase, apesar de nossas reservas críticas ao posicionamento da Suprema Corte¹⁰⁷¹. O que se tem, a rigor, é a identificação de um vício jurídico ocorrido há mais de dez anos que, dentre seus efeitos, produziu a redução do valor da renda mensal inicial da aposentadoria e, por consequência, afetou negativamente posição jurídica do pensionista. Em outras palavras, a ilegalidade em tese que culminou com a concessão de benefício aquém do que era devido ao falecido consubstancia tão somente um “fato jurídico” cujo reconhecimento irradiará efeitos no cálculo da renda mensal inicial da pensão por morte. Ocorre que não é importante, para fins de determinação do prazo decadencial de que trata o art. 103, caput, da Lei 8.213/91, a data em que ocorrida a circunstância fática que constitui a causa de pedir remota da ação revisional. Imagine-se, a título ilustrativo, uma ação revisional de aposentadoria concedida no ano de 2020 que se funda em determinado período de atividade remunerada exercida informalmente pelo segurado, na condição de empregado urbano, na década de 1970. É necessário reconhecer que, nesse caso, o fato jurídico cujo reconhecimento eventualmente ensejará aumento da renda mensal da aposentadoria ocorreu 50 (cinquenta) anos antes da ação revisional. Porém, isso não é – e tampouco o deve ser – tomado em consideração para análise da decadência para ação revisional de benefício, que é disciplinada, por textual e expressa disposição legal, pelo “dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação” (Lei 8.213/91, art. 103, I). Dessa forma, se não se busca efeito financeiro decorrente da aposentadoria originária em si, não se está diante de hipótese de ação revisional do benefício originário, de modo que a natureza de prazo decadencial da regra do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, e suas implicações de inadmissão de marcos interruptivos, conformam um falso problema. Isso porque, insista-se, não se busca a revisão do benefício originário, para que se pudesse falar em interrupção ou reabertura de prazo para sua revisão¹⁰⁷². Ainda nessa perspectiva, a invocação do princípio actio nata apenas manifesta o caráter ulterior do nascimento da pretensão do pensionista e a impossibilidade de exercício anterior da ação revisional. Afinal, não se pode revisar o que ainda não existe. E tampouco seria razoável admitir-se a extinção de direito ainda não nascido. Se considerarmos verdadeira a afirmação de que a data em que ocorrido o fato jurídico que materializa a causa de pedir remota da ação revisional previdenciária não é variável a ser tomada em conta para fins de incidência do prazo de decadência, deve-se reconhecer como impertinente a correlação desse prazo extintivo de direito ao momento em que ocorrido determinado fato jurídico, seja este um acontecimento relacionado ao falecido segurado (v.g., determinado tempo de atividade urbana ou rural não reconhecido ou não analisado pelo INSS), seja relacionado a uma ilegalidade administrativa cometida quando da concessão do benefício originário. Nesse contexto e em face da distinção ontológica dos prazos relativos a benefícios distintos, revela-se, afinal, estranho à problemática o tema relativo à impossibilidade de interrupção do prazo decadencial, um dos pontos fundamentais do julgamento proferido no EREsp 1605554/PR. Para que não percamos o fio condutor de nossas discussões sobre o instituto da decadência no direito previdenciário, registre-se que o pano de fundo dessa discussão também é o “estigma da desinformação”, de um lado, e a violação de direito humano e fundamental, de outro lado¹⁰⁷³. Esses aspectos fundamentais dos direitos sociais também devem prestar-se como elementos para adequada hermenêutica jurídica da Seguridade Social, somando-se àquela de não se interpretar extensivamente uma regra excepcional e restritiva, tal como foi comentado acima. Efetivamente, quanto à premissa hermenêutica de que não se deve interpretar extensivamente as regras excepcionais ou que restringem a proteção de direitos humanos e fundamentais, deve-se lembrar ainda uma vez que o marco temporal inicial para a incidência do prazo decadencial, segundo a lei regente (Lei 8.213/91, art. 103, caput, inciso I), é a data da concessão – data do pagamento da primeira prestação, a rigor – do benefício que se pretende revisar, e não e benefício distinto, de titularidade de outrem, ainda que na concessão deste tenha se materializado o fato jurídico que acarreta efeitos na renda mensal inicial do benefício revisando. 9.4 DEVOLUÇÃO DOS VALORES PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS DE BOA-FÉ Se o destinatário da proteção previdenciária busca judicialmente obter recursos para sua digna sobrevivência, pode-se concluir que sua pretensão não exige apenas celeridade processual, mas a articulação de provimentos judiciais provisórios que respondam à sua situação de necessidade urgente. A concessão de tutelas provisórias nas ações previdenciárias é, em certa medida, pressuposto para a realização de dois direitos fundamentais: (i) o direito fundamental à Previdência Social, com a obtenção de recursos materiais para as necessidades mais urgentes ou primárias do indivíduo que se presume hipossuficiente em contingência social adversa; (ii) o direito fundamental de acesso à justiça efetiva, que deve abranger técnicas processuais idôneas para evitar situações de perecimento, dano irreparável ou de difícil reparação, com vistas a garantir o direito fundamental previdenciário. A concessão de tutelas provisórias de urgência demanda, todavia, para além do perigo de dano, a probabilidade do direito que se pretende realizar (CPC, art. 300). Esse pressuposto da probabilidade do direito implica a condição excepcional da revogabilidade do benefício concedido provisoriamente pela decisão judicial. Pressupõe-se que o direito seja confirmado por decisão final e, apenas excepcionalmente, revogado. Tendo em consideração os contornos especiais da lide previdenciária, emerge a tese de que a hipótese excepcional de revogação do benefício previdenciário concedido por força de decisão judicial não pode implicar a repetição dos valores pagos, em virtude do caráter alimentar da verba, desde que presente a boa-fé¹⁰⁷⁴. De um lado, o bem de caráter alimentar indispensável à subsistência digna do beneficiário se presume consumido para a subsistência. De outra parte, o gozo provisório da prestação previdenciária se operou por ordem judicial diante da probabilidade do direito (no caso de tutela provisória posteriormente revogada) ou da própria declaração judicial do direito (no caso de sentença posteriormente rescindida). 9.4.1 O princípio da irrepetibilidade dos alimentos O princípio da irrepetibilidade dos alimentos encontra-se sedimentado pela tradição doutrinária e jurisprudencial, de modo que o alimentante não pode reivindicar, para si, os valores que pagou ao alimentando quando posteriormente verificado o caráter indevido da prestação¹⁰⁷⁵. É certo que parcela da doutrina sustenta a possibilidade de relativização do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, admitindo sua devolução ou compensação, destacadamente – mas não exclusivamente – nas hipóteses de recebimento mediante dolo ou fraude¹⁰⁷⁶. Endossando o pensamento doutrinário dominante sobre o tema, Maria Berenice Dias reafirma o princípio da irrepetibilidade da verba alimentar, formulando expressão sempre citada: Em sede de alimentos há dogmas que ninguém questiona. Talvez um dos mais salientes seja o princípio da irrepetibilidade. Como os alimentos servem para garantir a vida e se destinam à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio¹⁰⁷⁷. A natureza alimentar da verba traz como consequência o consumo dos alimentos para satisfação das necessidades mais primárias da pessoa hipossuficiente. E como os alimentos foram consumidos, não há como restituí-los. Não é só isso, porém. A verba alimentar, para além de seu cunho patrimonial e seu objetivo de garantir a subsistência do beneficiário, satisfazendo suas mais elementares necessidades, assume uma importante dimensão imaterial, de construção da personalidade do seu destinatário: A prestação de natureza alimentar justifica-se em primeira e última análise à promoção de valores inerentes à pessoa humana, pois permite o livre desenvolvimento das potencialidades do alimentando, que terá acesso ou ao menos deverá ter, por meio dela, ao conteúdo que preenche a ideia de mínimo existencial¹⁰⁷⁸. Especificamente no campo da Seguridade Social, o caráter imaterial da verba alimentar, que ressignifica a expressão pecuniária de um benefício previdenciário ou assistencial, fortalece vínculos de solidariedade, permitindo-nos perceber que o interesse público não se esgota na dimensão material e pecuniária da proteção social. Por essa razão, eventual repetição implicaria a banalização das necessidades humanas e sociais que são supridas com a satisfação do direito fundamental. Em outras palavras, esse viés de ordem existencial parece justificar a irrepetibilidade dos alimentos que, uma vez prestados, não poderão ser postulados pelo que os prestou indevidamente: [...] no conflito de interesses que surge do pagamento indevido de verba de natureza alimentar, deve ser considerado mais relevante o do accipiens, diante da natureza existencial que o recheia, quando comparado com o do solvens e do caráter patrimonial que a verba representa para ele¹⁰⁷⁹. Nessa perspectiva, portanto, não se compensa dívida de natureza econômica com dívida de natureza existencial¹⁰⁸⁰, devendo a tutela patrimonial ceder espaço em homenagem à proteção de valores imateriais¹⁰⁸¹. Por outro lado, o caráter irrepetível dos alimentos desaconselha que o indivíduo fique mais pobre por ter sido beneficiário de alimentos, não sendo possível, em face das exigências de solidariedade social e de dignidade da pessoa humana, agravar-se a penúria do alimentado¹⁰⁸². Ocorre que toda a tradição civilista foi construída em um contexto de inexistência de regra que determinasse a devolução dos alimentos indevidamente recebidos. Cabe indagar, portanto, se na seara previdenciária, em que a obrigação é expressamente determinada por lei, devem ser repetidas as verbas de caráter alimentar que são pagas provisoriamente por ordem judicial posteriormente alterada. Até o advento da Medida Provisória 871, de 18.01.2019, não era clara a necessidade de devolução dos valores previdenciários recebidos por força de decisão judicial posteriormente reformada ou anulada. Toda discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema tinha em consideração, fundamentalmente, dois pontos: a) a reversão de uma decisão judicial provisória implica o retorno ao status quo ante, o que implica, no caso de pagamento de valores, a necessidade de sua restituição; b) o art. 115, II, da Lei 8.213/91, em sua redação original, expressava que podiam ser descontados dos benefícios o pagamento além do devido. Atualmente, o art. 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação que lhe conferiu a Medida Provisória 871/2019, estabelece que podem ser descontados dos benefícios o “pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento”. A novel disposição veicula detalhadamente as mais diversas hipóteses que ensejam a devolução dos valores que foram recebidos indevidamente pelo beneficiário e busca, com isso, superar toda uma construção jurisprudencial que reafirma a irrepetibilidade da verba alimentar recebida de boa-fé. Essa problemática será analisada, em nosso estudo, tendo em consideração os dois contextos normativos. De maneira introdutória, cabe antecipar que o Supremo Tribunal Federal não reconheceu repercussão geral no tema da necessidade – ou não – de devolução dos valores previdenciários recebidos por força de (i) de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social¹⁰⁸³ ou (ii) tutela antecipada posteriormente revogada¹⁰⁸⁴. Por essa razão, caberá ao Superior Tribunal de Justiça solucionar definitivamente esse problema jurídico, pois a esta alta Corte de Justiça compete dar a última palavra na interpretação da legislação infraconstitucional. 9.4.2 Contexto normativo anterior à vigência da MP 871/2019 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era tranquila no sentido da desnecessidade de devolução dos valores recebidos de boa-fé em virtude de decisão judicial¹⁰⁸⁵, fazendo incidir o princípio da irrepetibilidade dos alimentos¹⁰⁸⁶. A¹⁰⁸⁶ irrepetibilidade era orientada, na verdade, pelo binômio “verba alimentar/boa-fé do beneficiário”, pouco importando se os valores haviam sido pagos na esfera administrativa ou judicial. Ocorre que no ano de 2013 constatou-se alteração da jurisprudência do STJ no que se relaciona especificamente ao dever de devolução dos valores previdenciários recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Por meio de julgamento da Primeira Seção, dispôs-se no sentido da obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Cumpre transcrever a ementa desse importante precedente, porque bem demonstra as razões que fundamentaram a guinada jurisprudencial do STJ sobre o tema: 1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada. 2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada. 3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 09.05.2005. 4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu. 5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a “legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio” (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 09.09.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.04.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.09.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.08.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Relª. Minª. Alderita Ramos de Oliveira (Desª. Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.04.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.08.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.03.2011.6. 6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: “quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público” (REsp 1.244.182/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012). 7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária. 8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio. 9. Segundo o art. 3º da LINDB, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC). 10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras. 11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/91). 12. Recurso Especial provido (REsp 1384418/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 12.06.2013, DJe 30.08.2013). Em data de 12.02.2014, a Primeira Seção do STJ reiterou esse entendimento por ocasião do julgamento proferido segundo a sistemática de recurso repetitivo (Tema Repetitivo 692), restando assim ementada a decisão: PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei n. 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei n. 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e provido (REsp 1401560/MT, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Primeira Seção, j. 12.02.2014, DJe 13.10.2015). Guardamos reservas críticas ao entendimento acima declinado. A irrepetibilidade dos valores previdenciários recebidos indevidamente decorre de um dado objetivo importantíssimo, qual seja, a natureza existencial-alimentar do benefício destinado a prover meios indispensáveis de manutenção aos segurados e dependentes da Previdência Social. Essas pessoas se encontravam, em tese, em uma contingência social que reclamava urgente outorga da proteção previdenciária. Indaga-se, pois: em que medida seria adequado cogitar-se em devolução de recursos que, concedidos pelo Estado-Juiz, se presumem exauridos para a proteção da vida humana contra o estado de necessidade? Isto é, que sentido há falar-se de devolução de quantias transferidas para se assegurar o mínimo existencial? Uma tal ordem de devolução, com todo respeito, desconsidera a tipicidade das verbas previdenciárias, bem como sua relevante implicação social. Impor-se a um necessitado a devolução do que consumiu para sua subsistência, ao argumento de que a ordem judicial (estatal) provisória se mostrava desacertada, como posteriormente restou compreendido, parece desafiar a realidade das coisas e a exigência de mínimo conteúdo ético que deve sustentar um Estado Constitucional de Direito. O elegante pensamento acolhido pelo julgado em exame tampouco não considera a boa-fé subjetiva do cidadão. Expressa que importante é aferir se está presente a boa-fé objetiva, consistente, segundo se argumenta, na “legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio”. E de acordo com o diagrama da boa-fé objetiva, a Primeira Seção do STJ vinha entendendo serem irrepetíveis apenas os valores previdenciários pagos pela Administração Pública ou por decisão judicial passada em julgado¹⁰⁸⁷. É preciso apontar, contudo, que em se tratando de pagamento de valores de caráter alimentar, pagos a título provisório, também rege o princípio da irrepetibilidade. Os alimentos são irrepetíveis. Presumem-se consumidos para o sustento do beneficiário. E essa é a orientação da Segunda Seção do STJ, quando expressa a irrepetibilidade dos alimentos¹⁰⁸⁸. O princípio da irrepetibilidade da verba alimentar comporta exceção, contudo: devem ser devolvidos os valores, ainda que de natureza alimentar, se recebidos de má-fé. Alcança-se, assim, a diretriz fundamental de que a verba alimentar, recebida de boa-fé, é irrepetível. Diante desse pensamento, percebe-se que a escolha do STJ para condicionar a irrepetibilidade à boa-fé objetiva (e não à boa-fé subjetiva) não oferece justificação suficiente para o discrímen. Por que não mais a boa-fé subjetiva, como tradicionalmente se entendeu? Uma escolha definitivamente orientada às consequências econômicas. Segue-se a essa escolha uma outra, igualmente arbitrária, qual seja, a que estipula que somente se pode falar em boa-fé objetiva quando se trata de ato estatal de caráter definitivo. Mas, não violaria a boa-fé objetiva do hipossuficiente a revogação da tutela, com o condão de até mesmo impor a devolução dos valores já recebidos e gastos para a subsistência própria e da família? É preciso recuperar o sentido das coisas. A Previdência Social tem como finalidade prover meios indispensáveis de manutenção a seus segurados e dependentes. Em juízo, diante de uma situação de urgência e de elementos que evidenciam a probabilidade do direito, deve ser concedida a tutela provisória (CPC/2015, art. 300), isto é, deve-se assegurar o pagamento provisório de parcelas mensais relativas a um benefício previdenciário¹⁰⁸⁹. Concedida a tutela provisória de urgência com o pagamento provisório de valores de natureza alimentar, os recursos são utilizados pelo beneficiário para que possa fazer frente às suas necessidades mais primárias. Posteriormente, a tutela provisória é excepcionalmente revogada¹⁰⁹⁰, o que em si mesmo já significa a frustração da expectativa do particular na estabilidade das decisões judiciais. Como expressa o STJ, a tutela de urgência é provisória, de modo que a sua revogação, com a cessação do benefício que o particular vinha recebendo, não implica violação da boa-fé objetiva. Não há, com efeito, legítima expectativa em se prosseguir recebendo um benefício que vem sendo pago em caráter precário. Isso não significa dizer, contudo, que seja possível impor-se a devolução dos valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé e já consumidos para a manutenção do segurado e sua prole. Ao contrário do que sustentado na decisão em comento, porém, a boa-fé objetiva não pressupõe a definitividade do ato estatal de que deriva direito a particulares. A boa-fé objetiva, intimamente ligada ao valor superior da segurança jurídica, exige a proteção de confiança do cidadão nos atos estatais e a preservação de suas expectativas legitimamente fundadas. Ou não detém, o cidadão, justa expectativa de que decisão judicial que lhe assegura recursos necessários à subsistência seja mantida porque, devidamente fundamentada, reconheceu a “verossimilhança da alegação” diante da “existência de prova inequívoca” (CPC/1973, art. 273)¹⁰⁹¹? Ora, se não há legítima expectativa em se prosseguir recebendo os valores previdenciários por força da tutela provisória, inegavelmente há, por outro lado, legítima expectativa do particular em não ser traído, na confiança que deposita no Poder Judiciário, a ponto de se ver obrigado a devolver valores de natureza alimentar que não poderia provisionar, já que recebidos para sua subsistência, por força de determinação judicial. O que se pode concluir, diante do exposto, é que a decisão do STJ, que determina a devolução dos valores recebidos por força da decisão firmada em sede de tutela antecipada posteriormente revogada (REsp 1384418/SC), dentro da margem de discricionariedade que se cuidava existir, optou por prestigiar o Erário, isto é, a reposição dos valores ao Erário, orientando-se pelas consequências econômicas. Diante de tal escolha, buscou socorro em um restritivo conceito de boa-fé, retirou das tutelas provisórias de urgência sua significação de solução provável da causa e, equivocadamente, igualou os direitos previdenciários, ligados ao mínimo existencial, aos demais bens da vida que se discutem judicialmente¹⁰⁹². Em 14.11.2018, porém, o mesmo órgão colegiado acolheu Questão de Ordem levantada pelo Relator Min. Og Fernandes no âmbito dos Recursos Especiais 1.734.685, 1.734.627, 1.734.641, 1.734.647, 1.734.656 e 1.734.698, que submetia a tese firmada a processo de revisão. 9.4.2.1 Posicionamento do Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal não reconheceu repercussão geral ao tema concernente ao dever de devolução dos valores pagos a título de benefício previdenciário, em razão de antecipação de tutela posteriormente revogada, sob o entendimento de que “O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de reconhecimento do requisito constitucional da repercussão geral”¹⁰⁹³. Sem embargo, quanto à devolução de valores recebidos por força de decisão judicial, a Suprema Corte já orientou, de modo expresso: A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido (STF, AI 829661 AgRg, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 18.06.2013, DJ 07.08.2013). Nessa mesma linha, foi publicado, em 14.05.2012, acórdão da Primeira Turma do STF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que negou provimento a Agravo Regimental, interposto pelo INSS, contra decisão proferida no Agravo de Instrumento 850.620-RS, ao argumento de que o enfrentamento do tema implicaria interpretação de norma infraconstitucional¹⁰⁹⁴. Mais do que isso, porém, essa decisão se reporta ao julgamento unânime, pelo Plenário do STF, da Reclamação 6944-DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, que entendeu que a não aplicação do dispositivo contido no art. 115, II, da Lei 8.213/91, não violaria a Súmula Vinculante 10 do STF (Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte). Nas palavras da Ministra Relatora, “a simples ausência de aplicação de uma dada norma ao caso sob exame não caracteriza, tão somente por si, violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, é possível que dada norma não sirva para desate do quadro submetido ao crivo jurisdicional pura e simplesmente porque não há subsunção”. No caso em questão, como esclareceu a Ministra Relatora, a decisão recorrida não havia afastado o art. 115, II, da Lei 8.213/91, com base em norma constitucional. Nessa mesma Reclamação 6944-DF, a Ministra Cármen Lúcia expressou que, já em outro julgamento do Plenário do STF (MS 26085, DJ 18.04.2008), foi decidido que “os valores recebidos indevidamente devem ser restituídos ao Poder Público somente quando demonstrada a má-fé da parte beneficiária”. Mais recentemente, quando do julgamento dos aclaratórios no RE 791691 (Tema 709), foi reiterada, no voto do relator Min. Dias Toffoli, a premissa da “irrepetibilidade dos valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé, sobretudo quando vinham sendo depositados por força de ordem judicial” ¹⁰⁹⁵, sendo também citados os seguintes precedentes: Agravo interno em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União (TCU). Suspensão de pagamento de parcela decorrente de plano econômico. Devolução dos valores percebidos até o julgamento do writ. Descabimento. Agravo não provido. 1. A Suprema Corte já firmou o entendimento de que as verbas recebidas, até o julgamento do writ, em decorrência de planos econômicos – cujo pagamento teve sua ilegalidade reconhecida pela Corte de Contas em ato chancelado pelo STF – não são passíveis de devolução, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Precedentes. 2. Agravo não provido¹⁰⁹⁶. AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento¹⁰⁹⁷. EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento¹⁰⁹⁸. 9.4.2.2 Desnecessidade de devolução em caso de dupla conformidade entre sentença e acórdão (STJ) Deve-se ainda observar, sobre o tema, a orientação da Corte Especial do STJ no sentido de que A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância (EREsp 1086154/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 20.11.2013, DJe 19.03.2014). Assim, em havendo, no processo judicial, repetição de decisões em um mesmo sentido, como sentença e acórdão que reconhecem determinado benefício previdenciário, gera-se uma legítima expectativa de titularidade do direito, sendo suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada. Em outras palavras, quando a tutela antecipada é concedida no bojo de um processo em que a sentença de concessão é confirmada pelo acórdão que julga o recurso contra ela interposto, eventual cassação da tutela provisória por força de ulterior julgamento (recurso especial, recurso extraordinário, incidente de uniformização nos Juizados Especiais Federais etc.) não enseja a devolução das importâncias recebidas por força da decisão judicial provisória. 9.4.3 Contexto normativo posterior à vigência da MP 871/2019 A recuperação de valores previdenciários pagos indevidamente ocupou importante espaço nas disposições da Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, que alterou substancialmente o art. 115 da Lei 8.213/91. Em primeiro lugar, especificou-se que pode ser descontada do valor dos benefícios a importância que foi indevidamente paga, na via administrativa ou judicial, de natureza previdenciária ou assistencial. Com efeito, o art. 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação da Lei 13.846/2019, dispõe que: Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. Em segundo lugar, a Lei 13.846/2019 expressou que os valores pagos indevidamente, na via administrativa ou judicial, de natureza previdenciária ou assistencial, serão objeto de constituição de crédito pelo INSS e inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal, para execução judicial. É o que determina o art. 115, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação da Lei 13.846/2019: § 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto na Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. Em terceiro lugar, dispôs-se que o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, também será objeto de inscrição em dívida ativa, em conjunto ou separadamente com o beneficiário, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização: § 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização. O procedimento administrativo de identificação e responsabilização do terceiro beneficiado será disciplinado em regulamento, nos termos da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99) e do art. 27 do Decreto-Lei 4.657/42, com a redação dada pela Lei 13.655/2018¹⁰⁹⁹. Como se pode perceber, houve um destacado recrudescimento normativo com vistas à recuperação dos valores previdenciários pagos de modo indevido, especialmente quando o benefício é concedido em razão de fraude, dolo ou coação¹¹⁰⁰. A legislação atualmente expressa a possibilidade de desconto do benefício ou inscrição em dívida ativa de valores relativos a pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial. Entendemos, nada obstante, que a exigência de restituição não se faz devida no campo previdenciário. A natureza alimentícia dos benefícios previdenciários foi declarada pela Constituição da República¹¹⁰¹. E, de fato, se o papel socioeconômico do benefício previdenciário é o de satisfação, como substituto do salário, de um universo de necessidades pessoais e essenciais do indivíduo e de sua família, resta caracterizada sua natureza alimentar, a qual deve responder por um conjunto razoável de garantias especiais que a ordem jurídica defere à parcela¹¹⁰². A identificação das necessidades elementares dos indivíduos como destino dos salários e, na ausência deles, de um benefício da Seguridade Social, é suficiente para se compreender a natureza alimentar da verba previdenciária ou assistencial: [...] os benefícios são valores devidos pela previdência aos segurados, ou seus dependentes, que por algum infortúnio encontram-se impedidos de perceberem, através de seu próprio labor, verbas salariais necessárias para a sua própria subsistência. Trata-se, portanto, de benefício de natureza alimentar, advindo de um seguro compulsório realizado pelos obreiros para usufruto em momento de incapacidade ou ausência do trabalhador¹¹⁰³. Os fundamentos que conformaram toda tradição civilista no sentido da irrepetibilidade dos alimentos se aplicam, por consequência, aos pagamentos provisórios de benefícios previdenciários. Diferentemente do que ocorre no campo do direito alimentar, porém, a repetição do indébito é, na seara previdenciária, expressamente determinada por lei, nos termos do art. 115, II, da Lei 8.213/91. Esse dispositivo normativo, contudo, deve ser interpretado de acordo com a Constituição. Os direitos fundamentais, ao tempo em que se apresentam como parâmetros hermenêuticos hábeis a balizar a mediação das regras e princípios infraconstitucionais quando da realização do direito, se apresentam de forma a vedar a adoção de comportamentos que atentem impedir a realização de seus fins¹¹⁰⁴. A autorização para a repetição do indébito, nesse contexto, atentaria contra o direito fundamental à segurança social, elemento constitutivo do direito à vida, violando, portanto, a dignidade da pessoa humana, princípio fundante de todo sistema constitucional. Se o Poder Público promoveu o pagamento de valores necessários à subsistência do beneficiário, pessoa presumivelmente fragilizada e sem recursos materiais para fazer frente às suas necessidades mais primárias, apenas a comprovação de sua má-fé poderia justificar – em termos morais e jurídicos – a exigência de restituição, no caso de posterior invalidação do ato jurídico concessivo. Também é desproporcional – e viola, portanto, o devido processo legal substancial – a determinação de devolução de valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé, pagos por determinação de autoridade estatal, e que se presume terem sido consumidos. É justamente em função da natureza alimentar do benefício previdenciário, este genuíno direito humano e fundamental, que os valores recebidos de boafé são insuscetíveis de devolução, pois se presumem gastos para a manutenção do beneficiário. Decisivamente não é proporcional a exigência de devolução de valores relativos a prestação social consubstanciada em verba alimentar para pessoa hipossuficiente, que se presume ter sido exaurida para a manutenção da subsistência. Trata-se de exigência excessiva em desfavor de pessoa que se presume já se encontra necessitada e em condição de inferioridade social. Especificamente em relação aos benefícios pagos em razão de ordem judicial, deve-se compreender que, em tema de direitos sociais de Seguridade Social, a decisão que concede provisoriamente um benefício previdenciário jamais pode implicar “recebimento indevido”. Afinal, o segurado recebe a prestação previdenciária alimentar por força de decisão judicial, proferida a partir de pressupostos específicos, passível de impugnação recursal, e no contexto do devido processo legal. Por outro lado, partindo das noções fundamentais que exigem uma processualidade específica para o direito previdenciário, expostas na Parte I deste trabalho, entende-se que uma decisão judicial provisória que determina o pagamento de valores mensais correspondentes a um benefício previdenciário outorga ao credor, de modo provisório, um direito alimentar definitivo e, portanto, irreversível quanto ao período de sua manutenção¹¹⁰⁵. Nesse sentido, provisória é a decisão judicial, e não os termos em que concedido o benefício previdenciário, que se deve entender como definitivamente prestado, em suas expressões patrimonial e imaterial. O especial regime jurídico de proteção aos direitos humanos e fundamentais nos leva a entender que a provisoriedade de uma decisão estatal implica a possibilidade de ela ter seus efeitos cessados, mas apenas para o futuro. Desde uma perspectiva do direito fundamental ao processo justo e équo, é igualmente inconstitucional a norma que determina a devolução de valores alimentares recebidos por ordem judicial, pois viola a segurança jurídica e, particularmente, a boa-fé objetiva no processo judicial, justamente em desfavor da parte que, em razão de circunstâncias sociais, econômicas e culturais, apresenta-se inferiorizada na relação jurídica processual. Com a restituição de valores previdenciários, mesmo que judicialmente recebidos de boa-fé, tem-se que, à insegurança social suportada pelo segurado, se somaria uma gritante insegurança jurídica, tamanho o caráter instável, movediço e traiçoeiro de que se revestiria o sistema judiciário, objetivamente considerado. Conclui-se, portanto, mediante técnica de interpretação conforme a Constituição, que também os alimentos previdenciários recebidos de boa-fé são irrepetíveis. E o advento da Medida Provisória Lei 13.876/2019 não altera ou infirma os fundamentos dessa premissa. Nesse contexto, é importante notar que se o tema – do dever de restituição dos valores previdenciários recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada – for debatido com fundamento eminente constitucional, envolvendo especialmente a violação à proporcionalidade, à segurança jurídica e à dignidade da pessoa humana, sua apreciação é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. Com efeito, é inviável a discussão acerca de suposta ofensa a norma constitucional, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial ou de incidente de uniformização de jurisprudência nos Juizados Especiais. 9.4.4 Pressupostos para a cobrança dos valores pagos indevidamente mediante execução fiscal No contexto de necessidade de devolução dos valores previdenciários recebidos indevidamente por força de tutela antecipada posteriormente revogada, ganha importância o tema concernente aos limites para a devolução desses valores. Pode-se estipular, por exemplo, um patamar mínimo que deve ser assegurado ao beneficiário que sofre descontos. Nesse sentido, a título ilustrativo, já decidiu o Egrégio TRF4: De acordo com a orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do art. 201, § 2º, da Constituição Federal¹¹⁰⁶. É importante notar, por outro lado, que a própria decisão proferida no REsp 1384418/SC expressamente dispôs a necessidade de sentença transitada em julgado declarar o dever de repetição, com a liquidação da importância devida. Somente assim é que “o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção do mesmo segurado até a satisfação do crédito”. Mais recentemente, chegou o STJ a sinalizar que o normativo contido no inciso II do artigo 115 da Lei 8.213/91 “não autoriza o INSS a descontar, na via administrativa, valores concedidos a título de tutela antecipada, posteriormente cassada com a improcedência do pedido”. Isso porque, “Nas demandas judicializadas, tem o INSS os meios inerentes ao controle dos atos judiciais que por ele devem ser manejados a tempo e modo”¹¹⁰⁷. Por fim, cabe a observação de que o STJ, em julgado proferido de acordo com a sistemática de recurso repetitivo, decidiu que “À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da responsabilidade civil”¹¹⁰⁸. Em suma, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de era inadequada a via da execução fiscal como forma de cobrança dos valores pagos indevidamente ou a maior a título de benefício previdenciário, sendo necessário o ajuizamento de ação própria para formação do título executivo. Ocorre que, supervenientemente a essa importante decisão pretoriana, foi editada a Medida Provisória 780/2017¹¹⁰⁹, convertida na Lei 13.494/2017, que acrescentou o art. 115, § 3º, à Lei 8.213/91, autorizando expressamente a inscrição em dívida ativa do indébito, para fins de execução fiscal: Art. 115, § 3º – Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em razão de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, hipótese em que se aplica o disposto na Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. Mais recentemente, o art. 115, § 3º, da Lei 8.213/91, recebeu nova redação pela Medida Provisória 871/2019¹¹¹⁰, convertida na Lei 13.846/2019, passando a expressar que também o indébito decorrente de decisão judicial ensejará a inscrição em dívida ativa: § 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto na Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. Mais do que isso, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, também será objeto de inscrição em dívida ativa, em conjunto ou separadamente com o beneficiário, de acordo com o art. 115, § 4º, da Lei 8.213/91, com a redação da Lei 13.846/2019, in verbis: § 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização¹¹¹¹. Dessarte, desde 22.05.2017 (MP 780/2017), não mais subsiste o óbice jurisprudencial, de ausência de suporte legal para a inscrição em dívida ativa dos créditos constituídos pelo INSS, em razão de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido. Da mesma maneira, a partir de 18.01.2019 (MP 871/2019), autorizou-se a inscrição na hipótese de créditos advindos de cessação do benefício por revogação de decisão judicial. Ainda assim, há duas condicionantes para que seja legítima a execução fiscal. Primeiramente, a liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa pressupõe regular processo administrativo em que se assegure ao particular o direito ao contraditório e ampla defesa, nos termos da Lei 9.784/99¹¹¹². Por outro lado, a previsão legal para a inscrição em dívida ativa dos débitos relativos a valores previdenciários indevidamente recebidos não pode ser aplicada retroativamente, para o efeito de convalidar as CDAs emitidas em tempo anterior à vigência da Medida Provisória 780/2017¹¹¹³. E tampouco é viável considerar-se a disciplina jurídica introduzida pela Medida Provisória 780/2017, convertida na Lei 13.494/2017, como fato novo a influenciar no julgamento dos processos em curso, pois a Certidão de Dívida Ativa emitida anteriormente à vigência da aludida medida provisória resulta de vício insanável, consistente no seu incorreto fundamento legal, o que implica ausência de requisito previsto em lei. Com efeito, de acordo com o art. 2º, § 5º, II, da Lei 6.830/80, o Termo de Inscrição de Dívida Ativa deve conter, dentre outros requisitos, “a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida”. Se o título executivo judicial é carecedor de higidez, por ostentar fundamentação legal incompatível, a superveniente autorização legal para inscrição em dívida ativa não tem o condão de emendar automaticamente o título, emprestandolhe validade. Restaria à Fazenda Pública, assim, a prerrogativa de substituição da Certidão de Dívida Ativa, nos termos do art. 2º, § 8º, da Lei de Execuções Fiscais. Segundo cuidamos, porém, nem essa providência teria o condão de sanar o apontado vício. Sobre os limites para a substituição de CDA, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 392, cujo enunciado expressa que “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. A linha de compreensão que subjaz a esse enunciado sumular é a de que o vício – consistente em erro formal ou pequenas inexatidões – pode ser afastado por emenda ou substituição do título que venha suprir a omissão ou equívoco relativo aos requisitos do termo de inscrição da dívida ativa. Todavia, a prerrogativa de substituição ou emenda da CDA não pode ser exercida com a finalidade de corrigir erros ou vícios do processo administrativo em que se funda a Certidão¹¹¹⁴. Se o próprio processo administrativo foi instaurado para consolidação de créditos de forma ilegal, porque apoiado em impróprio substrato jurídico, e nesses termos definiu o horizonte de defesa do administrado, a substituição da CDA, nessas hipóteses, significaria muito mais do que uma forma de correção de defeito formal. Com efeito, a alteração da CDA, para que nela passe a constar o fundamento legal que permite a própria inscrição em dívida ativa do crédito fiscal, traz como consequência uma inovação que caracteriza a absoluta falta de vinculação do título ao processo administrativo que, de modo ilegal, fundamentou o lançamento. Sua convalidação significaria, outrossim, inaceitável surpresa ao administrado, em contrariedade ao contraditório e à ampla defesa¹¹¹⁵. Nesse sentido já decidiu a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o rito dos recursos repetitivos, colhendo a seguinte expressão doutrinária: [...] 2. É que: “Quando haja equívocos no próprio lançamento ou na inscrição em dívida, fazendo-se necessária alteração de fundamento legal ou do sujeito passivo, nova apuração do tributo com aferição de base de cálculo por outros critérios, imputação de pagamento anterior à inscrição etc., será indispensável que o próprio lançamento seja revisado, se ainda viável em face do prazo decadencial, oportunizando-se ao contribuinte o direito à impugnação, e que seja revisada a inscrição, de modo que não se viabilizará a correção do vício apenas na certidão de dívida. A certidão é um espelho da inscrição que, por sua vez, reproduz os termos do lançamento. Não é possível corrigir, na certidão, vícios do lançamento e/ou da inscrição. Nestes casos, será inviável simplesmente substituir-se a CDA” (Leandro Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka, in “Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência”, Livraria do Advogado, 5ª ed., Porto Alegre, 2009, p. 205). [...] Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008¹¹¹⁶ (negritou-se). Ainda nessa mesma direção, uma vez mais de acordo com a sistemática de recursos repetitivos: Deveras, é certo que a Fazenda Pública pode substituir ou emendar a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos (artigo 2º, § 8º, da Lei 6.830/80), quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada, entre outras, a modificação do sujeito passivo da execução (Súmula 392/STJ) ou da norma legal que, por equívoco, tenha servido de fundamento ao lançamento tributário (Precedente do STJ submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 1.045.472/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25.11.2009, DJe 18.12.2009)¹¹¹⁷ (negritou-se). Por consequência, deve ser extinta, por carecer de justo título, a execução fiscal que envolve débito decorrente da indevida percepção de benefício previdenciário, com fundamento em Certidão de Dívida Ativa emitida anteriormente à vigência da MP 780/2017. De todo modo, foi afetado ao rito dos recursos repetitivos, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, o REsp 1.860-018/RJ, que versa sobre a possibilidade de aplicação da Medida Provisória 780/2017, que foi convertida na Lei 13.494/2017, às execuções fiscais ajuizadas anteriormente à sua vigência¹¹¹⁸. Por outro lado, na medida em que o Supremo Tribunal Federal expressou que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil¹¹¹⁹, torna-se importante observar os limites temporais impostos à Fazenda Pública para reaver o prejuízo material ao erário. O Superior Tribunal de Justiça já definiu, de acordo com o rito dos recursos repetitivos, que é quinquenal o prazo de prescrição nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, afastando, assim, a aplicação do Código Civil, tendo em vista a natureza de direito público da controvérsia e a prevalência da lei especial¹¹²⁰. Outrossim, prevaleceu no STJ a compreensão de que, por isonomia, à pretensão ressarcitória da entidade previdenciária se aplica o regime jurídico que disciplina a prescrição dos particulares contra a Fazenda Pública¹¹²¹. Desse modo, essa demanda ressarcitória se regula pelo prazo prescricional de 5 (cinco) anos¹¹²². Observe-se, porém, que “a natureza ressarcitória de tal demanda afasta a aplicação do regime jurídico-legal previdenciário”, de maneira que o próprio fundo do direito é fulminado com o transcurso do prazo quinquenal¹¹²³. Ainda que esse posicionamento jurisprudencial do STJ tenha tomado por base as ações regressivas de que trata o art. 120 da Lei 8.213/91¹¹²⁴, ele é perfeitamente aplicável às hipóteses de ação ressarcitória ao erário decorrente de pagamento indevido de valores a título de benefício previdenciário, que caracteriza modalidade de ação ressarcitória por ilícito civil – porque praticado em desacordo com a norma jurídica e em prejuízo ao ente previdenciário. Dessa forma, prescrevem em 5 (cinco) anos as ações que objetivam o ressarcimento ao erário de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, a contar da data de pagamento da primeira parcela. Sem embargo, a essa orientação jurisprudencial do STJ demanda ajuste para que seja aplicável no caso de benefícios pagos indevidamente por força de tutela antecipada posteriormente revogada. Com efeito, o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata, segundo o qual o prazo apenas se conta a partir da data em que o credor pode postular judicialmente a satisfação do direito. Tendo isso em consideração, deve-se considerar que, no caso de pagamento indevido de valores previdenciários, por força tutela antecipada posteriormente revogada, somente será possível ao INSS exigir a restituição dos valores considerados indevidos após o trânsito em julgado da decisão que os tome como tal. Nessas hipóteses em que a caracterização de indébito apenas se consolida com uma decisão judicial final, a ausência de coisa julgada constitui condição que impede o exercício do direito de ação pela entidade previdenciária. Por outro lado, a inscrição em dívida ativa é causa suspensiva da prescrição, por até 180 (cento e oitenta) dias, na forma do art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80¹¹²⁵. 9.4.5 Repetição de valores originariamente indevidos ao beneficiário Problema interessante emerge da seguinte situação: em um primeiro momento, o segurado da Previdência Social recebe valores indevidos, mas de boa-fé. Na sequência, quando do pagamento das prestações mensais, o INSS leva a efeito o desconto (complemento negativo), com o objetivo de repetir integralmente os valores que pagara indevidamente. Todavia, tal como visto acima, a verba era irrepetível, porque detinha natureza alimentar e havia sido recebida de boa-fé. Em face disso, o segurado ajuíza demanda, buscando o reembolso desses valores – valores que lhe eram originariamente indevidos, mas que foram indevidamente descontados pelo INSS. Nesse contexto, poder-se-ia cogitar da inexistência de direito do segurado à devolução, pois ele estaria a buscar valores que, ao fim e ao cabo, lhe eram mesmo indevidos. Sem embargo, se nada é devido ao INSS, dada à natureza alimentar da verba e à presença de boa-fé do particular, inexiste qualquer relação jurídica a autorizar que entidade previdenciária promova, pelas próprias mãos, a cobrança de valores que não lhe são devidos. A rigor, o que busca o segurado, em casos tais, não é recuperar valores que lhe eram indevidos (fato relativo à problemática estranha à relação jurídica), mas parcelas que integram benefício de sua titularidade e que foram indevidamente expropriadas. Em outras palavras, a consideração do ato de desconto como ato ilegal reclama a reparação do direito do particular em todas as consequências, isto é, evitando-se novos descontos, de um lado, e impondo-se a devolução do que foi indevidamente descontado, de outro. 9.5 PAGAMENTO DE VALORES NÃO RECEBIDOS EM VIDA PELO SEGURADO Segundo a regra inserta no art. 112 da Lei 8.213/91, “o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento”. Se o dependente é que recebia cuidados imediatos do segurado, pelos valores que este recebia em vida, é adequado que, habilitado à pensão por morte, ele – e não os sucessores prioritariamente – faça jus aos valores não recebidos em vida pelo segurado¹¹²⁶. Na falta de dependentes, os sucessores terão acesso às verbas não recebidas pelo segurado, mas independentemente de inventário ou arrolamento, com o que se pretende facilitar a satisfação do direito material¹¹²⁷. A regra do art. 112 da Lei 8.213/91 não se limita a disciplinar o acesso a valores previdenciários não pagos ao falecido segurado apenas no âmbito administrativo, contudo. Em nosso compreender, pode-se inferir do disposto no art. 112 da Lei 8.213/91 que o dependente habilitado à pensão por morte – e na ausência deste o sucessor na forma da lei civil – detém legitimidade ativa ad causam para: a) dar prosseguimento a processo judicial inicialmente movido pelo falecido segurado; b) postular judicialmente, de modo originário, valores devidos ao falecido segurado em razão de não concessão do benefício ou de concessão de benefício a menor, objeto de exame no item 9.5.2, abaixo¹¹²⁸. No âmbito do STJ, é tradicional a jurisprudência no sentido de que a aplicabilidade do art. 112 da Lei 8.213/91 não se restringe ao âmbito administrativo, de modo que os dependentes do segurado – e na ausência destes os sucessores na forma da lei civil – detêm legitimidade processual para pleitear em juízo valores não recebidos em vida pelo de cujus, independentemente de inventário ou arrolamento de bens¹¹²⁹. Como consequência, ocorrendo o óbito do segurado no curso do processo judicial, a substituição de parte não se realiza de acordo com o disposto no art. 110 do CPC/2015¹¹³⁰, sendo legítima a substituição de parte pelos dependentes habilitados à pensão por morte e, na ausência deles, os sucessores na forma da lei civil, independentemente da abertura de sucessão. 9.5.1 Concessão de pensão por morte no curso do processo judicial de aposentadoria O fato superveniente é considerado pela legislação processual civil uma exceção ao princípio da estabilidade da demanda. Nos termos do art. 493 do CPC/2015, Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir¹¹³¹. A ideia central é a de que “A sentença deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional, devendo o Juiz levar em consideração o fato superveniente”¹¹³². Ora, o princípio da estabilidade da demanda já é relativizado a partir da compreensão de que, em face do relevante interesse social presentes nas causas previdenciárias, é direito da parte receber o benefício a que faz jus, ainda que outra prestação tenha sido postulada na petição inicial¹¹³³. Dessa forma, se o fato superveniente for o óbito do segurado, a lide passa a se apresentar com outra configuração, sendo direito do dependente, admitida esta condição, a conversão imediata da aposentadoria a que faria jus o segurado em pensão por morte. Interessante questão, efetivamente, diz respeito à possibilidade de se conceder o benefício de pensão por morte no curso do processo judicial em que se pleiteia a concessão de aposentadoria. Sobre o tema, já decidiu o TRF da 4ª Região: [...] o dependente com direito a pensão por morte tem legitimidade para postular ou para dar continuidade, a processo de aposentadoria, em razão do óbito do segurado. O pedido de conversão da aposentadoria em pensão em virtude da superveniência do óbito do segurado é possível, mesmo após o saneamento do processo, desde que observados o contraditório e a ampla defesa no curso processual, pois não há alteração substancial do pedido a justificar a oposição do impedimento constante no art. 264, parágrafo único do CPC, já que a pensão é consequência legal da aposentadoria (TRF4, Ag. 0016715-85.2011.404.0000, Quinta Turma, Relª. Vivian Josete Pantaleão Caminha, DE 30.11.2012)¹¹³⁴. Também o STJ já teve oportunidade de decidir que é possível, mesmo em fase de cumprimento de sentença, a conversão, em pensão por morte, de aposentadoria especial reconhecida em favor de segurado que faleceu após a prolação da sentença de procedência: [...] 1. O STJ tem entendimento consolidado de que, em matéria previdenciária, deve flexibilizar-se a análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os requisitos legais do benefício deferido. 2. Reconhecido o direito à aposentadoria especial ao segurado do INSS, que vem a falecer no curso do processo, mostra-se viável a conversão do benefício em pensão por morte, a ser paga a dependente do de cujus, na fase de cumprimento de sentença. Assim, não está caracterizada a violação dos artigos 128 e 468 do CPC (REsp 1426034/AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 05.06.2014, DJe 11.06.2014)¹¹³⁵. A solução oferecida no aludido julgado do STJ tem o mérito de materializar a relação jurídica de proteção social de modo retrospectivo, propiciando resultado equivalente ao cumprimento espontâneo do ordenamento jurídico, tal como se o INSS houvesse concedido o benefício oportunamente. Por isso, projeta ao passado uma automática conversão da aposentadoria em pensão por morte, satisfazendo em sua integralidade o direito fundamental previdenciário. Com efeito, quando o segurado falece no curso do processo judicial em que buscava a concessão de aposentadoria, pode ser inócua a formulação de requerimento administrativo de pensão por morte, especialmente nos casos em que o falecido não mais detinha a qualidade de segurado. Ocorre que, se o dependente requerer a pensão por morte apenas após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu ao falecido o direito à aposentadoria, receberá esse benefício somente a partir da data do requerimento, nos termos do art. 74, I, da Lei 8.213/91¹¹³⁶. Por consequência, ficará privado da pensão por morte em relação ao período compreendido entre o óbito do segurado e o requerimento administrativo. De todo modo, ad cautelam, concomitantemente à habilitação no processo judicial, o dependente deve formular requerimento administrativo de pensão por morte, com vistas a excluir qualquer controvérsia quanto ao direito de receber os valores retroativamente à DER, na hipótese de êxito na demanda em que o instituidor da pensão pleiteava aposentadoria. Por outro lado, se controvérsia há sobre a efetiva condição de dependente que busca habilitação, não há espaço para, diante do óbito do segurado, operar-se a automática conversão da aposentadoria a que este faria jus em pensão por morte em favor do pretendente ao benefício, para que, por ocasião do cumprimento de sentença, receba os atrasados de um e de outro benefício. 9.5.2 Legitimidade ad causam dos dependentes para recebimento de créditos não pagos ou não reconhecidos ao segurado Já está bem sedimentada na jurisprudência a compreensão de que a regra do art. 112 da Lei 8.2131/91 abrange também a substituição de parte nos processos judiciais, seja quanto à preferência dos dependentes em relação aos sucessores na forma da lei civil, seja quanto à dispensa de inventário ou arrolamento. Isto é, independentemente da abertura da sucessão, os dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, os sucessores na forma da lei civil, podem receber valores já reconhecidos administrativamente ou prosseguir na demanda judicial de concessão ou de revisão de benefício previdenciário, em substituição ao falecido segurado. É o que se depreende de significativo precedente do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa se transcreve, em razão da sistematização do conteúdo que logra oferecer: [...] III – A controvérsia refere-se à interpretação do art. 112 da Lei n. 8.213/91 no caso de óbito do segurado no curso da execução, o qual, segundo a Autarquia previdenciária, teria aplicação apenas na via administrativa e estaria em testilha com o art. 1.060, I, do Código de Processo Civil de 1973, de modo que não seria suficiente a habilitação da viúva, mas de todos os herdeiros necessários. IV – Sobre o tema, esta Corte firmou orientação segundo a qual: a) a aplicação do artigo 112 da Lei 8.213/1991 não se restringe à Administração Pública, sendo aplicável também no âmbito judicial; b) sobrevindo o falecimento do autor no curso do processo, seus dependentes previdenciários poderão habilitar-se para receber os valores devidos; c) os dependentes habilitados à pensão por morte detêm preferência em relação aos demais sucessores do de cujus; e d) os dependentes previdenciários (e na falta deles os sucessores do falecido) têm legitimidade processual para pleitear valores não recebidos em vida pelo de cujus, independentemente de inventário ou arrolamento de bens. V – Prevalência do art. 112 da Lei n. 8.213/1991 sobre o art. 1.060, I, do Código de Processo Civil de 1973, em observância ao princípio da especialidade. [...] (REsp 1650339/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 16.10.2018, DJe 12.11.2018) Dúvidas remanescem, contudo, no que concerne à possibilidade de os dependentes ou sucessores buscarem em juízo o reconhecimento de créditos ou valores que não foram reconhecidos administrativamente e tampouco constituíram objeto de propositura de ação judicial pelo falecido. Sobre essa questão, o Superior Tribunal de Justiça afetou o Tema 1.057, para julgamento dos paradigmas REsp 1.856.967, REsp 1.856.968 e REsp 1.856.969, de acordo com o rito dos recursos repetitivos. Mais precisamente, a questão submetida a julgamento é a seguinte: Discute-se a possibilidade do reconhecimento da legitimidade ativa ad causam de pensionistas e sucessores para, em ordem de preferência, propor, em nome próprio, à falta de requerimento do segurado em vida, ação revisional da aposentadoria do de cujus, com o objetivo de redefinir a renda mensal da pensão por morte – quando existente –, e, por conseguinte, receber, além das diferenças resultantes do recálculo do eventual pensionamento, os valores devidos e não pagos pela Administração ao instituidor quando vivo, referentes à readequação do benefício originário, a teor do disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991¹¹³⁷. A questão centra-se em saber se, com fundamento no art. 112 da Lei 8.213/91, os dependentes habilitados à pensão por morte – ou, na ausência deles, os sucessores na forma da lei civil – detêm legitimidade ativa ad causam para buscar, em nome próprio, valores alegadamente devidos ao falecido, que não foram reconhecidos pelo ente previdenciário e tampouco postulados judicialmente pelo segurado em vida. Para a solução desse problema jurídico, deve-se considerar alguns importantes aspectos do bem da vida previdenciário, enquanto direito personalíssimo. Com efeito, na medida em que os direitos personalíssimos são irrenunciáveis, indisponíveis e intransmissíveis, deve-se considerar, em terreno previdenciário, que apenas o titular do direito, em tese, pode requerer administrativamente o benefício que entende fazer jus. Outrossim, o direito ao benefício em si é insuscetível de cessão e se extingue com a morte de seu titular, não sendo devida, pois, qualquer verba pela entidade previdenciária, correspondente a competências mensais posteriores ao óbito. Nada obstante, isso não significa dizer que os créditos advindos desse direito personalíssimo não sejam transmissíveis e tanto é assim que apenas se admite a sucessão processual em razão do caráter transmissível dos créditos previdenciários em litígio¹¹³⁸. Os créditos decorrentes de benefício previdenciário que não foram pagos oportuna e regularmente ao falecido, constituam ou não coisa litigiosa, integram o patrimônio deste, na forma do art. 91 do Código Civil: “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. Como conclusão, não são extintos os créditos previdenciários com o óbito do titular do direito, pois integram o seu patrimônio. E são a quem de direito transmissíveis, ditos créditos, por não se confundirem com o direito ao benefício em si, apenas este de caráter personalíssimo. Dessa forma, na perspectiva do débito administrativo, pouco importa se o credor moveu ação judicial em vida ou se os créditos previdenciários serão demandados apenas após o seu óbito. Quando o segurado em vida propõe demanda judicial contra o ente previdenciário, deve seguir o feito para a satisfação do crédito correspondente, com a sucessão processual, no caso de óbito, obedecendose o art. 112 da Lei 8.213/91. Da mesma forma, porque transmissíveis, os créditos podem ser originariamente postulados em juízo por quem de direito, a saber: os dependentes habilitados à pensão por morte ou, na ausência deles, os sucessores na forma da lei civil. Com efeito, compreende-se que a regra inserta no ar. 112 da Lei 8.213/91 estabelece, de um lado, o direito de preferência na sucessão de créditos de natureza previdenciária e, de outro lado, a possibilidade de recebimento dos haveres independentemente de inventário ou arrolamento. E essas normas devem ser observadas: (i) na via administrativa, quando reconhecido o direito pela autarquia federal e não efetuado o pagamento em tempo anterior ao óbito do beneficiário; (ii) nos processos judiciais, quando o benefício tenha sido postulado pelo segurado em vida; (iii) por imperativo lógico, nos casos em que o benefício foi indeferido na via administrativa e o segurado não promoveu a ação judicial. Observe-se, nesse sentido, que a legislação previdenciária não oferece margem a distinções, sendo irrelevante, para incidência da norma contida no art. 112 da Lei 8.213/91, se o instituidor da pensão por morte ingressou ou não com ação judicial para recebimento dos créditos previdenciários – que, como visto, são transmissíveis. É preciso rememorar que a ausência de discrímen legal e a finalidade protetiva da norma estão na base argumentativa da construção pretoriana de que o art. 112 da Lei 8.213/91 deve ser aplicado também no âmbito judicial, como se pode conferir: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO. SUCESSORES LEGÍTIMOS DE EX-TITULAR. VALORES NÃO RECEBIDOS PELO DE CUJUS. PODER JUDICIÁRIO. DISPENSA DE INVENTÁRIO/ARROLAMENTO. APLICABILIDADE DO ART. 112 DA LEI 8.213/91. DIREITO MATERIAL. NÃO CONSIDERAÇÃO. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO. TERCEIRA SEÇÃO. SÚMULA 213/TFR. PRINCIPIOLOGIA. PROTEÇÃO AO SEGURADO. RESTRIÇÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I – O cerne da controvérsia diz respeito à exigência de os sucessores do extitular do benefício solicitarem o benefício previdenciário, no âmbito judiciário, somente após prévia realização de inventário ou arrolamento ou se existe possibilidade de pleitear valores independentemente destes. II – Conforme é consabido, assim preceitua o artigo 112 da Lei 8.213, verbis: “O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento.” Este artigo encontra-se disposto na Seção VIII, sob o título Das Disposições Diversas Relativas às Prestações. Neste contexto, a interpretação deste artigo deve ser no sentido da desnecessidade de realizarse inventário ou arrolamento para os sucessores indicados pela Lei Civil, nos termos do mencionado artigo. III – No âmbito do Poder Judiciário, não há como se proceder a uma restrição em prejuízo ao beneficiário que não existe na Lei. Da leitura do referido artigo, constata-se não haver exigência de se produzir um longo inventário ou arrolamento, mesmo porque, na maioria das vezes, não haverá bens a inventariar. IV – In casu, não há que se cogitar de direito material. Se a interpretação caminhasse no entendimento de, sendo direito material, limitar-se, tão somente, sua aplicabilidade ao âmbito administrativo, o beneficiário teria, de muitas vezes, sentir-se obrigado a exaurir a via administrativa a fim de evitar um processo mais longo e demorado de inventário ou arrolamento, onde o único bem a ser considerado seria um módico benefício previdenciário. V – Quanto ao tema, já decidiram as Turmas da 3ª Seção, segundo a orientação da Súmula 213, do extinto Tribunal Federal de Recursos, do seguinte teor: “O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária.” VI – Ademais, a principiologia do Direito Previdenciário pretende beneficiar o segurado desde que não haja restrição legal. No caso específico, o artigo 112 da Lei 8.213/91 não se resume ao âmbito administrativo. Portanto, se não há restrição legal, não deve o intérprete fazê-lo. VII – Não se pode exigir dos possíveis sucessores a abertura de inventário ou arrolamento de bens, pois tal interpretação traz prejuízos aos sucessores do ex-segurado já que, repita-se, têm eles de se submeter a um longo e demorado processo de inventário ou arrolamento para, ao final, receber tão somente um módico benefício previdenciário. VIII – Recurso especial conhecido, mas desprovido (REsp 496.030/PB, Rel. Min. Felix Fischer, Rel. p/ Acórdão Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, j. 18.12.2003, DJ 19.04.2004 – negritou-se). Dito de outro modo, os efeitos patrimoniais da relação jurídica que o segurado mantinha com o instituto previdenciário ou, mais especificamente, os valores que não foram reconhecidos administrativamente, conquanto devidos ao falecido – o que pressupõe lesão, em tese, a direito do falecido segurado – podem ser buscados judicialmente, na forma do art. 112 da Lei 8.213/91, porque constitui direito que efetivamente se transmite aos sucessores, como se verifica: Aqui cumpre fazer uma distinção entre as diferenças não recebidas em vida em razão de ser titular de aposentadoria por tempo de serviço, das prestações futuras em razão da revisão da RMI desta. O direito a continuar recebendo o benefício é personalíssimo ou inerente à figura do segurado inventariado, portanto, extingue-se na medida que o sucessor não é a continuação da pessoa do antecessor. Já no caso da relação jurídica de ser credor da previdência em razão de débito passado que o referido ente teria com o finado, tal direito é transmitido, integralmente, aos herdeiros junto com o direito de propor a respectiva ação para assegurar a satisfação de tal pretensão¹¹³⁹. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a definição da questão acerca da legitimidade ativa ad causam para ajuizamento de ação buscando créditos previdenciários devidos ao falecido segurado é oferecida pelo art. 112 da Lei 8.213/91: É assente no STJ que o titular de pensão por morte possui legitimidade para pleitear, em nome próprio, o direito alheio concernente à revisão do benefício previdenciário recebido pelo segurado instituidor da pensão, conforme art. 112 da Lei 8.213/1991 (AgInt no REsp 1648317/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.09.2017, DJe 13.09.2017)¹¹⁴⁰. Na forma do art. 112 da Lei 8.213/91, os sucessores de ex-titular – falecido – de benefício previdenciário detêm legitimidade processual para, em nome próprio e por meio de ação própria, pleitear em juízo os valores não recebidos em vida pelo de cujus, independentemente de habilitação em inventário ou arrolamento de bens. 3. Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no REsp 1260414/CE, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 19.03.2013, DJe 26.03.2013)¹¹⁴¹. De outra parte, as duas Turmas de competência especializada em matéria previdenciária no âmbito do TRF da 4ª Região igualmente conferem ao art. 112 da Lei 8.213/91 âmbito normativo mais extenso do que uma mera autorização para recebimento de valores no âmbito administrativo. De fato, reconhece-se no dispositivo acima transcrito a atribuição de legitimidade de parte para os dependentes perseguirem créditos que o falecido detinha na condição de beneficiário da Previdência Social¹¹⁴². É relevante destacar que a jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, percebe a outorga de normatividade específica para o direito processual previdenciário, senão vejamos: 1. O art. 112 da Lei 8.213/91 torna suficiente, para que os habilitandos em função do falecimento de segurado da Previdência sejam considerados parte legítima a propor ação ou dar-lhe prosseguimento em sucessão ao de cujus, o fato de serem dependentes deste habilitados à pensão por morte ou, não os havendo, o fato de serem seus sucessores segundo a Lei Civil, independentemente de inventário ou arrolamento. 2. A observância das regras gerais do CPC a propósito da legitimação ativa dos dependentes ou da habilitação de todos os sucessores nos autos acaba por inviabilizar o direito de ação para essas pessoas, especialmente quando há filhos maiores, que devem ser localizados e trazidos aos autos por meio de procuração e comprovação da filiação. Tal resultaria em indevido prestigiamento das normas instrumentais, em detrimento da efetiva realização do direito substancial, especialmente quando há norma especial de processo previdenciário que autoriza solução adequada a torná-lo efetivo. Precedentes do STJ. 3. Perfeitamente cabível o deferimento da habilitação à viúva do segurado, habilitada à pensão por morte, sem a inclusão, no polo ativo do feito, dos demais sucessores do demandante segundo a Lei Civil (TRF4, Quinta Turma, AC 2006.71.11.003655-0, Rel. Celso Kipper, DJ 13.08.2007)¹¹⁴³. Como consequência desse pensamento, “As diferenças pecuniárias resultantes de revisão do benefício de aposentadoria não devem ser consideradas integrantes de espólio, uma vez que se constituem passivo referente à relação jurídica contributiva, específica, de natureza previdenciária, continuada e de caráter alimentar” (Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200772950085031, Rel. Juiz Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, DJU 16.01.2009). Em suma, nos termos do art. 112 da Lei 8.213/91, os dependentes habilitados à pensão por morte – ou, na ausência deles, os sucessores na forma da lei civil – detêm legitimidade ativa ad causam para propor ação ou dar-lhe prosseguimento em sucessão ao de cujus, para a satisfação de créditos que não foram honrados oportunamente pelo ente previdenciário¹¹⁴⁴. 9.5.3 Ausência de legitimidade para renúncia post mortem. O caso da chamada “despensão” A despeito de tudo quanto foi exposto, é de se expressar que não deve ser admitida a postulação que implique renúncia do benefício de aposentadoria do falecido, para cômputo de tempo de contribuição superveniente à concessão deste benefício e revisão da sua renda mensal, com reflexos na pensão por morte. O procedimento, conhecido como “despensão”, encontra óbice na circunstância de a renúncia implicar ato personalíssimo e não admitir sua realização post mortem. Nesse sentido, transcreve-se precedente que retrata justamente o pensamento sustentado neste trabalho: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DESAPOSENTAÇÃO. TITULAR DE PENSÃO POR MORTE. RENÚNCIA À APOSENTADORIA DO INSTITUIDOR. DIREITO PERSONALÍSSIMO. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. Não se confunde o direito ao benefício com o direito a valores que o segurado deveria ter recebido em vida, caso a Administração tivesse agido corretamente diante de situação concreta colocada à sua apreciação. Dessa forma, havendo indeferimento indevido, cancelamento indevido, ou mesmo pagamento a menor de benefício, a obrigação assume natureza puramente econômica, logo transmissível. 2. Não é possível ao dependente, contudo, postular alegado direito decorrente de renúncia do benefício que era titulado pelo segurado falecido, para concessão de novo benefício em data posterior à DER, com reflexos na renda da pensão, se tal providência não foi requerida em vida pelo interessado. Tanto a renúncia, em razão da própria natureza intrínseca da manifestação de vontade, como também a pretensão de concessão de novo benefício, ostentam clara natureza personalíssima (TRF4, AC 5009600-36.2014.404.7205, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 04.11.2014, DJ 10.11.2014). Também nesse sentido se firmou a jurisprudência do STJ: O STJ firmou o entendimento de que os sucessores não têm legitimidade para requerer direito personalíssimo, não exercido pelo instituidor da pensão (renúncia e concessão de outro benefício), o que difere da possibilidade de os herdeiros pleitearem diferenças pecuniárias de benefício já concedido em vida ao instituidor da pensão (art. 112 da Lei 8.213/91). Precedente: REsp 1515929/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 26/05/2015 (REsp 1803998/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 20.08.2019, DJe 13.09.2019)¹¹⁴⁵. Pelos aspectos levantados nesta Seção, pode-se perceber que a regra do art. 112 da Lei 8.213/91 autoriza os dependentes e, na ausência deles, os sucessores na forma da lei civil, a buscarem administrativa ou judicialmente, em nome próprio, valores não recebidos em vida pelo segurado. Por isso, podem dar prosseguimento a processo ou propor nova demanda, na busca de créditos não recebidos ou não reconhecidos ao falecido segurado. Todavia, não é viável a renúncia da aposentadoria para, mediante a concessão de nova aposentadoria mais vantajosa, obter-se a majoração da renda mensal da pensão por morte. 9.6 INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS VALORES ATRASADOS RECEBIDOS PELO BENEFICIÁRIO Nos casos em que o beneficiário recebe valores atrasados de prestação previdenciária por ordem judicial, emerge questão relativa à forma de incidência tributária do imposto de renda sobre tais proventos. Ocorre que o Fisco exige o crédito tributário mediante incidência única do imposto de renda sobre o valor total recebido de atrasados, e não mês a mês como normalmente ocorreria se o beneficiário tivesse recebido os valores corretos e em tempo oportuno. Em tal hipótese, a cumulação dos valores – que deveriam ter sido pagos mensalmente aos beneficiários – frequentemente leva a uma indevida imposição tributária, visto que, se o benefício fosse pago mensalmente, a alíquota do imposto de renda seria menor ou mesmo não haveria incidência do tributo, caso os valores se situassem na faixa de isenção. Em outros termos: teríamos uma indevida discriminação tributária entre o contribuinte que recebeu benefícios previdenciários com atraso, de forma acumulada, e aquele que os recebeu na época própria suas prestações. Hoje se encontra pacificado na jurisprudência que a incidência do imposto de renda sobre valores atrasados do INSS deve se basear na renda mensal do contribuinte, em regime de competência, e não em regime de caixa. Com efeito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, de acordo com a sistemática de repercussão geral, que “A percepção cumulativa de valores há de ser considerada, para efeito de fixação de alíquotas, presentes, individualmente, os exercícios envolvidos” (RE 614406, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 23.10.2014, DJe 27.11.2014). Também o Superior Tribunal de Justiça definiu: Sobre a forma de cálculo do Imposto de Renda incidente sobre benefícios recebidos acumuladamente em cumprimento de decisão judicial, a Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.118.429/SP (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 14.05.2010), de acordo com o regime de que trata o art. 543-C do CPC, fez consignar o seguinte entendimento, na ementa do respectivo acórdão: “O Imposto de Renda incidente sobre os benefícios pagos acumuladamente deve ser calculado de acordo com as tabelas e alíquotas vigentes à época em que os valores deveriam ter sido adimplidos, observando a renda auferida mês a mês pelo segurado. Não é legítima a cobrança de IR com parâmetro no montante global pago extemporaneamente” (STJ, REsp 1197898/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 24.08.2010, DJ 30.09.2010)¹¹⁴⁶. Da mesma forma, no âmbito dos Juizados Especiais Federais é pacífico o entendimento de que a ilegalidade administrativa reconhecida pelo Judiciário não pode impor ao contribuinte uma situação tributária mais gravosa, porque em nenhum momento o ganho dos atrasados implica acréscimo patrimonial distinto daquele que seria forjado mês a mês e que submete a regime tributário mais benéfico. Nesse sentido: 1 – “O imposto de renda não incide sobre os valores pagos de uma só vez pelo INSS, quando o reajuste do benefício determinado na sentença condenatória não resultar em valor mensal maior que o limite legal fixado para isenção do referido imposto” (REsp 617.081/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 29.05.2006). 2 – Na hipótese, o reconhecimento judicial de que a autarquia previdenciária aplicou índices diversos daqueles estabelecidos legalmente implicou o reajuste do benefício, cujo valor mensal não ultrapassou o limite de isenção do imposto de renda. Assim, não há que falar em incidência da exação sobre os valores pagos de forma cumulativa, pois quando considerados mês a mês, ou seja, no momento em que eram devidos, não há imposto a ser pago. 3 – Incidente de uniformização conhecido e provido (TNU, PEDILEF 200672950053712, Rel. Juiz Federal Pedro Pereira dos Santos, j. 17.12.2007, DJU 06.02.2008)¹¹⁴⁷. Sendo recomendável a não retenção ilegal do imposto de renda na fonte pelo INSS – a fim de se evitar o solve et repete –, é possível que o juiz do processo previdenciário em que resultou a condenação de pagamento dos valores atrasados, provocado pela parte autora, defina o regime de tributação incidente sobre as diferenças. A prática assim definida não encontrará óbice junto à Fazenda Nacional, visto que a sistemática de tributação pretendida pelo segurado vai ao encontro do Ato Declaratório 42 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, segundo o qual “Ações judiciais que visem obter a declaração de que, no cálculo do imposto de renda incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente, devem ser levadas em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, devendo o cálculo ser mensal e não global” (DOU 13.05.2009). Por tal razão, não mais constitui matéria de controvérsia na esfera judicial. 9.7 COMPENSAÇÃO DO CRÉDITO JUDICIAL COM VALORES PAGOS ADMINISTRATIVAMENTE Algo muito comum em uma demanda previdenciária é a verificação de que, no curso da ação judicial, o INSS acaba concedendo ao beneficiário, na esfera administrativa, prestação previdenciária não acumulável com aquela que se garantiu na via judicial. Imaginemos a seguinte hipótese. O segurado formula requerimento administrativo de concessão de benefício por incapacidade laboral e ele é indeferido pelo INSS. Diante disso, o segurado busca em juízo a concessão da proteção previdenciária indeferida administrativamente. Ocorre que, durante o trâmite do processo judicial em que se busca a concessão de benefício por incapacidade, o segurado formula novo requerimento administrativo e acaba recebendo, por determinado tempo, o benefício de auxílio por incapacidade temporária com termo inicial fixado desde a data de entrada do segundo requerimento administrativo. Supondo que o benefício concedido judicialmente seja devido desde o primeiro requerimento administrativo, porque desde então o segurado cumpria os pressupostos legais para sua concessão, quando do cálculo das diferenças obtidas com o resultado da ação judicial, surge a necessidade de serem compensados os valores pagos administrativamente¹¹⁴⁸. Deveras, se ao tempo da realização do cálculo das diferenças devidas, verifica-se que, em relação a parte do período, o segurado acabou recebendo administrativamente valores a título de um benefício que não pode ser acumulado com aquele concedido judicialmente, essa verba paga pelo INSS deverá ser compensada, gerando reflexos sobre os juros de mora, inclusive. Isso porque é vedado ao segurado, por exemplo, receber o auxílio por incapacidade temporária de forma acumulada com aposentadoria em relação a uma mesma competência. Com efeito, Considerando a condenação em sua parte principal, mesmo que o título executivo não preveja o abatimento, sobre o montante devido na condenação, dos valores recebidos a título de outros benefícios inacumuláveis, tem-se que tal desconto deve ser considerado para fins de execução dos valores em atraso do segurado, sob pena de o Judiciário chancelar enriquecimento sem causa deste, o que seria totalmente despropositado (TRF4, AC 504041511.2012.404.7100, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Isabel Pezzi Klein, DJe 14.08.2014). 9.7.1 Compensação em termos globais ou por competência mensal? O (falso) problema da irrepetibilidade O procedimento de compensação, todavia, pode não se limitar a um mero encontro de contas entre o que deve ser satisfeito judicialmente e o que já foi pago pelo INSS no âmbito administrativo. Nesse sentido encontra-se orientação pretoriana expressando que a compensação deve ser realizada por competência, e não entre o total dos valores devidos com aqueles já pagos. Como consequência disso, nas competências em que a importância paga administrativamente é superior àquela a ser paga na via judicial, o valor a ser compensado, para esta específica competência, será igual a zero. Isso por força da irrepetibilidade das verbas alimentares que eram devidas e foram pagas administrativamente ao segurado, que as recebeu de boa-fé. Nessa perspectiva, Eventuais valores pagos a maior na via administrativa devem ser compensados com as quantias a serem pagas na via judicial por outro benefício inacumulável com aquele, compensação esta que deve ser limitada, em cada competência, ao valor devido em face do benefício deferido pelo título executivo. Assim, evita-se a devolução de valores que o segurado recebeu de boa-fé, o que é vedado segundo entendimento desta Corte, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei n. 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/99 (TRF4, AC 5040415-11.2012.404.7100, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Isabel Pezzi Klein, DJe 14.08.2014). De nossa parte, cuidamos que a compensação, levada a seus devidos termos como forma de se evitar o enriquecimento sem causa, deve realizar-se entre as grandezas totais e não entre valores por competência. Para o cálculo da importância devida quando do cumprimento de sentença, deve-se descontar os valores “antecipados na via administrativa”, perspectiva a partir da qual se percebe que a repetição dos valores – pelo credor – em relação a dada competência consubstancia mera ficção, visto que, feitas todas as contas, restará parte do crédito judicial a ser satisfeito. O problema da restituição de valores pelo credor judicial não se configura como uma realidade, portanto, e acaba abrindo espaço justamente para o que se pretende evitar com a compensação: que a parte receba, sem causa, além do que realmente faz jus. Sem embargo, se o encontro de contas global apontar que a parte recebeu administrativamente valores a maior do que aqueles assegurados pela decisão judicial – e que seriam objeto de execução –, não se cogita em devolução de valores pelo credor judicial. Nesse caso, teríamos duas boas razões para se vedar os efeitos negativos da compensação global. Primeiro, ela pode conduzir a parte autora a uma situação jurídica menos favorável, apesar de esta ter sido vencedora da demanda, o que não se revela admissível na perspectiva do devido processo legal. Segundo, não seria possível a devolução, em face da natureza irrepetível dos valores pagos administrativamente de boa-fé. Mais recentemente, no contexto de incidente de resolução de demandas repetitivas, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região firmou tese no sentido de que deve-se dar, por competência mensal, o desconto de valores recebidos a título de benefícios inacumuláveis, quando o direito à percepção de um deles transita em julgado após o auferimento do outro, gerando crédito de proventos em atraso (TRF4, Terceira Seção, Rel. Jorge Antônio Maurique, juntado aos autos em 28.05.2018). A aludida decisão restou assim ementada: 1. Constando-se – em execução de sentença – que o exequente recebeu administrativamente outro benefício inacumulável, os valores respectivos devem ser abatidos dos valores devidos a título de aposentadoria prevista no julgado, em razão do art. 124 da Lei 8.213/91. 2. A compensação de valores deve ocorrer por competência e, nas competências em que o valor recebido administrativamente for superior àquele devido em razão do julgado, o abatimento só pode ser realizado até o valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado. Os valores recebidos a maior não podem ser deduzidos na memória de cálculo, evitando-se, desta forma, a execução invertida ou a restituição indevida de valores, haja vista o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado. Para fins didáticos, resgatemos o exemplo anteriormente dado, contextualizando o entendimento acima declinado. Segurado do RGPS requer administrativamente aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) em 04/2014, que foi indeferida. Ingressa em juízo, buscando a concessão desse benefício, com efeitos retroativos à data do requerimento administrativo (DER), porque naquele momento já cumpria todos os requisitos legais. Sobrevém decisão judicial passado em julgado, que reconhece o direito pretendido, fixando a data de início do benefício (DIB) na data do requerimento administrativo (DER). Ocorre que, supervenientemente à propositura da ação, o INSS, por força de requerimento administrativo (DER 08/2017), concedeu ao segurado benefício de auxílio-doença (AD com DIB = DER 08/2017) até 02/2019. Quando da quantificação do crédito objeto da execução, deve haver uma compensação entre os valores pagos pelo INSS no período compreendido entre 08/2017 e 02/2019, com os haveres assegurados judicialmente, pois os benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e auxílio-doença não podem ser recebidos de forma acumulada (Lei 8.213/91, art. 124, I). O entendimento do TRF4, como se verifica, é no sentido de que o desconto deve-se dar por competência (encontro de crédito e débito por competência mensal), e não de forma global (encontro geral entre crédito e débito, considerando-se todas as competências mensais). Isso significa dizer que se o crédito judicial, relativo a determinada competência mensal (05/2018) é de R$ 1.400,00 e o valor pago pelo INSS foi de R$ 1.900,00, deve-se reduzir, do montante devido ao segurado, a importância de R$ 1.400,00, porque não poderia a compensação, em uma determinada competência, acarretar um débito ao segurado. Pode-se perceber, mediante esse exemplo, que somente seria assegurado o abatimento integral dos valores pagos administrativamente pelo INSS se o desconto ocorresse em termos globais, isto é, compensando-se o total do crédito judicial do segurado com o total dos valores pagos pelo INSS no âmbito administrativo (compensação em termos globais). De modo distinto, a compensação pode não ocorrer de modo adequado. Com efeito, na medida em que, em determinadas competências mensais, o desconto do benefício inacumulável pago administrativamente pode não ser integral – e isso se dá quando o crédito judicial for inferior em uma dada competência –, ao cabo das contas, parcelas do benefício inacumulável, que deixariam de ser consideradas no cálculo de compensação com o crédito judicial, acabam, nessas competências, sendo pagas de forma acumulada1149. 9.7.2 Concessão superveniente de benefício mais vantajoso e o desfazimento do benefício concedido em juízo: o problema da preservação do crédito judicial Passemos à questão do desfazimento do benefício assegurado em juízo por força de benefício mais vantajoso concedido administrativamente. Imagine-se a seguinte hipótese. O segurado da Previdência Social requer benefício de aposentadoria por tempo de contribuição na esfera administrativa, mas ele é indeferido. O segurado ingressa judicialmente com ação de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mas prossegue trabalhando e contribuindo à Previdência Social. No curso do processo judicial, passam-se os anos e o segurado requer uma segunda vez o benefício na esfera administrativa, o qual é agora deferido pelo INSS. Paralelamente, o segurado vence a ação judicial, em que se determina a concessão da aposentadoria pleiteada, fixando-se o termo inicial do benefício na data do primeiro requerimento administrativo, com os reflexos financeiros correspondentes. Ao fim do processo judicial, quando o segurado já se encontra aposentado, percebe-se que o benefício concedido administrativamente é mais vantajoso. Surge, então, o dilema. Seria mais conveniente receber o benefício concedido em juízo, desde o primeiro requerimento administrativo até quando de sua efetiva implantação, descontando-se os valores recebidos pelo segurado por força do benefício concedido administrativamente (mais vantajoso)? Diferentemente, melhor seria renunciar às diferenças devidas desde o primeiro requerimento administrativo para permanecer na titularidade do benefício mais vantajoso, concedido posteriormente na via administrativa? Segundo orientação jurisprudencial então predominante, as opções não seriam absolutamente excludentes, isto é, a escolha de uma alternativa não implicaria, necessariamente, total renúncia à outra. Registre-se, desde logo, contudo, que o tema constitui objeto de controvérsia no REsp 1767789/PR e no REsp 1803154/RS, afetados para julgamento de acordo com o rito dos recursos repetitivos¹¹⁵⁰. Com efeito, o segurado que entrou em gozo de benefício mais vantajoso concedido na via administrativa no curso do processo judicial, pode permanecer em gozo deste benefício e, sem prejuízo, receber as diferenças devidas por força do benefício concedido judicialmente, menos vantajoso. Em outras palavras, o segurado tem o direito de receber, por força da decisão judicial, as diferenças devidas desde o primeiro requerimento, com juros e correção monetária. Mas, essas diferenças seriam devidas até a data em que concedido o benefício mais vantajoso na via administrativa, o qual teria seu gozo assegurado “para a frente”. A tese da possibilidade de manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa, foi firmada ainda no ano de 2011 no seio do TRF4¹¹⁵¹. Para melhor compreensão da argumentação adotada, transcreve-se a ementa de significativo precedente da Seção especializada em matéria previdenciária daquela Corte Regional: EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE NO CURSO DA AÇÃO, MAIS VANTAJOSO, E EXECUÇÃO DAS PARCELAS ATRASADAS DO BENEFÍCIO POSTULADO EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. 1. É possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa. 2. Não se trata de aplicação do disposto no art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios (“O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”), pois este incide sobre situação diversa da dos autos, qual seja a do aposentado que permanecer em atividade, referindo-se esta, por óbvio, ao trabalho desempenhado após a data em que foi concedida a aposentadoria. In casu, tendo sido concedida judicialmente a aposentadoria pleiteada, e ainda que seu termo inicial tenha sido fixado em data anterior, o trabalho ocorrente após tal termo inicial não foi desempenhado após a data concessiva da aposentadoria. Assim, há de se diferenciar a atividade exercida após a concessão da aposentadoria (hipótese de incidência da norma supramencionada) daquela exercida antes de tal concessão (situação dos autos), ainda que posteriormente à data inicial da aposentadoria, fixada, de forma retroativa, no julgamento. No primeiro caso, tem-se trabalho voluntário, opcional, após a concessão da aposentadoria; no segundo, o trabalho é obrigatório para a obtenção do indispensável sustento, justamente em razão da não concessão da aposentadoria. 3. Tivesse a autarquia previdenciária concedido a aposentadoria na época devida, não faria jus o segurado a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício da atividade posterior. No entanto, não foi o que ocorreu: o INSS não concedeu a devida aposentadoria na época própria, obrigando o segurado, além de movimentar o Poder Judiciário para reconhecer seu direito, a continuar trabalhando por vários anos para buscar o indispensável sustento, quando este já deveria estar sendo assegurado pela autarquia previdenciária. 4. Ora, em casos tais, a situação fática existente por ocasião do julgamento costuma ser diferente da que se apresentava à época do requerimento administrativo ou do ajuizamento da ação: o tempo trabalhado após tais marcos pode, em conjunto com tempo de serviço/contribuição incontroverso, vir a ser suficiente – independentemente do tempo de serviço/contribuição pleiteado judicialmente – à obtenção de aposentadoria na esfera administrativa, no curso do processo. A concessão judicial de outra aposentadoria, com diferente termo inicial traz por consequência a necessidade de disciplinar o direito da parte autora de forma dinâmica, com consideração das múltiplas variáveis. Neste passo, determinar que a parte autora, simplesmente, opte por uma ou outra aposentadoria, ademais de não encontrar apoio na legislação (o art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, repita-se, trata de hipótese diversa), implicará a consagração de uma injustiça para com o segurado, pois, das duas, uma: (a) se optar pela aposentadoria concedida judicialmente, o tempo de serviço desempenhado posteriormente ao requerimento administrativo (ou ajuizamento da ação) não lhe valerá para aumentar a renda mensal, isso apesar de o exercício da atividade não ter sido propriamente voluntário, mas obrigado pelas circunstâncias ou, mais especificamente, obrigado pela atuação da autarquia previdenciária desgarrada da melhor interpretação das normas legais; (b) se optar pelo benefício que, após novos anos de labuta, lhe foi deferido administrativamente, de nada lhe terá valido a presente ação, a jurisdição terá sido inútil, o Judiciário seria desprestigiado e, mais que isso, a verdadeira paz social, no caso concreto, não seria alcançada. 5. Por tudo isso, as possibilidades de opção do segurado devem ser ampliadas: assegura-se-lhe a percepção dos atrasados decorrentes do benefício deferido judicialmente (com isso prestigiando a aplicação correta do Direito ao caso concreto e justificando a movimentação do aparato judiciário) e possibilitase-lhe, ademais, a opção pelo benefício deferido administrativamente (com isso prestigiando o esforço adicional desempenhado pelo segurado, consistente na prorrogação forçada de sua atividade laboral). A não ser assim, ter-se-ia o prestigiamento de solução incompatível com os princípios que norteiam a administração pública, pois a autarquia previdenciária seria beneficiada apesar do ilegal ato administrativo de indeferimento do benefício na época oportuna. 6. Precedente desta Terceira Seção (EIAC no AI n. 2008.71.05.001644-4, voto-desempate, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper, DE de 07-02-2011). 7. Embargos infringentes improvidos (TRF4, EINF 2009.04.00.038899-6, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, DE 16.03.2011)¹¹⁵². Esse entendimento jurisprudencial, apenas que também apoiado na tese da desaposentação¹¹⁵³, foi inicialmente prestigiado pelo STJ, senão vejamos: Reconhecido o direito de opção pelo benefício mais vantajoso concedido administrativamente, no curso da ação judicial em que se reconheceu benefício menos vantajoso, sendo desnecessária a devolução de valores decorrentes do benefício renunciado, afigura-se legítimo o direito de execução dos valores compreendidos entre o termo inicial fixado em juízo para concessão do benefício e a data de entrada do requerimento administrativo¹¹⁵⁴. Sem embargo, não se pode dizer que a tese é, atualmente, pacífica no âmbito dessa alta Corte de Justiça. Isso porque, após a definição do STF a respeito da inexistência do direito à desaposentação, a 2ª Turma do STJ tem expressado alteração de seu entendimento, passando a perceber que a pretensão de recebimento conjunto de valores atrasados por força de decisão via judicial, em relação a um requerimento administrativo mais antigo, com a manutenção de benefício concedido mais recentemente na via administrativa, equipara-se, essencialmente, a uma pretensão de desfazimento de aposentadoria para o passado até quando do recebimento de outro, mais vantajoso (desaposentação). Com efeito, em recente decisão, a 2ª Turma do STJ concluiu que “a concessão e manutenção da aposentadoria determinada judicialmente apenas no tocante a período retroativo e a posterior concessão e manutenção da aposentadoria administrativa no tocante ao período presente configura evidente caso de desaposentação”. Confira-se a ementa do aludido julgado: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NOVEL ENTENDIMENTO DO STF. 1. Cuida-se de inconformismo contra acórdão do Tribunal de origem que reconheceu que “é viável a execução das parcelas vencidas, relativas a benefício deferido judicialmente, limitadas à data da implantação do benefício concedido administrativamente no curso da ação, sem prejuízo da manutenção deste”. 2. A concessão e manutenção da aposentadoria determinada judicialmente apenas no tocante a período retroativo e a posterior concessão e manutenção da aposentadoria administrativa no tocante ao período presente configura evidente caso de desaposentação. 3. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.334.488/SC, processado nos moldes do art. 543-C do CPC, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, havia consolidado o entendimento de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis, razão pela qual admitem desistência por seus titulares, destacando-se a desnecessidade de devolução dos valores recebidos para a concessão de nova aposentadoria. 4. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 661.256/SC, fixou a tese de repercussão geral de que, “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91”. 5. Recurso Especial provido (STJ, REsp 1.734.609/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 12.06.2018, DJe 23.11.2018). Nosso primeiro pensamento quanto ao tema era no sentido de que a questão não se confundia com a pretensão de desaposentação, pura e simplesmente. Isso porque, em face da necessidade de se disciplinar o direito da parte autora de forma dinâmica, advinda do indeferimento administrativo, de um lado, e da demora para a solução judicial, de outro, entendíamos que as suas possibilidades de opção deveriam ser ampliadas. Com efeito, diante do indeferimento administrativo, o segurado apenas obtém a definição de sua posição jurídico-previdenciária após todo o transcurso do processo judicial, obrigando-se a continuar laborando enquanto não logra a realização de seu direito em juízo. Melhor analisando a problemática, contudo, identificamos que eventual dano sofrido pelo segurado, em razão da não concessão oportuna de sua aposentadoria no âmbito administrativo, deve ser indenizado pela via própria, e não mediante procedimento que implica, em termos retroativos, concessão de benefício, com pagamento de parcelas mensais devidas, e sua posterior extinção em razão da concessão de outro, inacumulável, mais vantajoso. De qualquer forma, dois aspectos devem ser observados: a) o encaminhamento disposto pela sentença que se busca cumprir deve ser fielmente atendido, por força da coisa julgada. Isto é, tem de ser respeitada a solução oferecida pela sentença ao problema relativo à concessão administrativa de aposentadoria superveniente ao indeferimento do benefício que se discute judicialmente; b) é resguardado ao segurado o direito de rever a aposentadoria superveniente à propositura da ação, que foi concedida administrativamente, mediante a consideração do direito reconhecido em juízo – quanto a fatos anteriores a essa concessão. Isto é, o segurado poderá rever a aposentadoria concedida administrativamente, fundando-se nos fatos reconhecidos em juízo e que já deveriam ter sido observados pela Administração Pública, quando do primeiro requerimento administrativo¹¹⁵⁵. Resta aguardar a última palavra jurisprudencial, que será dada pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1767789/PR e do REsp 1803154/RS, recursos afetados para julgamento de acordo com o rito dos recursos repetitivos¹¹⁵⁶. 9.7.3 Inviabilidade da compensação do crédito principal com honorários advocatícios arbitrados nos embargos à execução Coloca-se em análise a possibilidade de compensação dos honorários advocatícios de sucumbência fixados nos embargos à execução, em favor da Fazenda Pública, com o crédito principal objeto de execução, definido em favor da parte autora. Em outras palavras, seria possível abater do valor devido à parte autora, reconhecido no processo de conhecimento, a verba honorária a que foi condenado em razão do acolhimento dos embargos de devedor, opostos pelo INSS? Na hipótese de a parte credora ser beneficiária de justiça gratuita, a questão se torna singela, porque restará suspensa a execução dos honorários advocatícios a que foi condenada, mesmo que a sentença proferida nos embargos do devedor não o determine expressamente, pois a suspensão decorre de disposição legal específica ¹¹⁵⁷. É de se notar, quanto a esse aspecto, que a concessão da justiça gratuita alcança todos as fases do processo, salvo se concedida em menor extensão, de modo que não se fazia necessária, nem mesmo na vigência do CPC/1973, uma nova concessão do benefício para o processo de execução. Se do beneficiário da gratuidade da justiça não pode ser exigida a obrigação decorrente da sucumbência no processo de execução, porque suspensa, percebe-se que é inviável a compensação do crédito da parte autora com os honorários a que foi condenada nos embargos do devedor. Nesses casos, a execução deve seguir em relação ao valor total da condenação, não havendo espaço para compensação ¹¹⁵⁸. Embora não esteja suspensa a exigibilidade dos honorários advocatícios quando a parte credora não é beneficiária de justiça gratuita, revela-se igualmente infundada a compensação, porque se trata de créditos de natureza diversa ¹¹⁵⁹. Com efeito, conforme orienta o Superior Tribunal de Justiça, “os honorários devidos ao Advogado têm natureza alimentícia, já a verba honorária devida ao INSS tem natureza de crédito público, não havendo como ser admitida a compensação nessas circunstâncias” ¹¹⁶⁰. Sobre o caráter alimentar dos honorários advocatícios oriundos da condenação, especialmente para fins de prioridade no pagamento de precatórios requisitórios, enuncia a Súmula Vinculante 47 do Supremo Tribunal Federal: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza ¹¹⁶¹. Trata-se de crédito próprio, de natureza alimentar, do profissional da advocacia e, portanto, inviável a compensação da verba honorária dos embargos à execução com o próprio montante da dívida exequenda ¹¹⁶². 846 Dedicamos algumas considerações a este tema em dois de nossos trabalhos: Algumas reflexões sobre a data de início das aposentadorias voluntárias do RGPS concedidas judicialmente. Revista de Previdência Social, n. 318, p. 422-427, maio 2007; Benefícios programáveis do Regime Geral da Previdência Social – aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade, p. 103-193. 847 As questões de mérito são facilmente solucionadas a partir das noções articuladas nos dois capítulos precedentes, cumprindo realçar que a ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias pelo trabalho do segurado empregado não prejudica o reconhecimento de sua filiação para todos os fins previdenciários. Na terceira parte deste livro procuramos enfatizar esta lógica, seja quando expusemos as noções fundamentais do direito previdenciário, seja quando da análise da casuística (Estudo de Caso “05”, especialmente). 848 Essa regra é referência para a aposentadoria por tempo de contribuição (Lei 8.213/91, art. 54) e igualmente para a aposentadoria especial (Lei 8.213/91, art. 57, § 2º). 849 Lei 8.213/91, art. 74, I, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. 850 Lei 8.213/91, art. 74, II, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. 851 Lei 8.213/91, art. 74, III, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019. Até a vigência da Lei 9.528/97, a pensão por morte era devida desde a data do óbito, em qualquer caso. Esse diploma legal, que emprestou redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, passou a dispor que a pensão por morte seria devida desde a data do óbito apenas se requerida no prazo de 30 dias depois deste. Já a Lei 13.183/2015 deu nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, expressando que a pensão será devida desde o óbito, se requerida até 90 dias depois deste. Sobre o direito do filho menor de dezesseis anos às prestações vencidas desde o óbito e o prazo limite para o requerimento administrativo, veja-se o item 9.3.1.1. 852 Deve-se lembrar que nas hipóteses de agendamento (pessoal ou eletrônico) para requerimento de benefício previdenciário, a data de início do benefício deve retroagir à data do agendamento, que passa a ser considerada a data do requerimento administrativo. Nesse sentido é a expressa orientação normativa na esfera administrativa (Instrução Normativa 77/2015, art. 669). 853 STF, RE 791.961-PR, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 29.5.2020 a 5.6.2020, DJe 19.08.2020. 854 Especificamente sobre o tema relativo aos efeitos financeiros dos benefícios concedidos judicialmente mediante reconhecimento de fato superveniente à DER, veja-se o item 9.1.3.2, infra. 855 Sobre a identificação da data de início da incapacidade laboral (DII) e os efeitos financeiros dos benefícios previdenciários por incapacidade, veja-se o item 9.1.5, infra. 856 Pode-se adiantar, desde logo, que a linha de nosso pensamento se encontra na base da orientação jurisprudencial assumida pelo Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar da ementa de precedente da Primeira Seção, competente para o processamento e análise de causas de natureza previdenciária: ‘[...] 2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais. 4. Incidente de uniformização provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada” (Pet 9.582/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 26.08.2015, DJe 16.09.2015). 857 Direito adquirido compreendido como aquele “que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem lei nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica, pois há direito concreto, ou seja, direito subjetivo e não direito potencial ou abstrato”(DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 189). 858 No mesmo sentido, mais recentemente: “A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria” (Pet 9.582/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 26.08.2015, DJe 16.09.2015). 859 O servidor do INSS, responsável pelo atendimento, pode carrear aos autos do feito administrativo apenas aquilo que reputou conveniente, desprezando-se, por exemplo, documentos que não se reportem diretamente ao interessado no recebimento do benefício, já que não teria em consideração de todo modo. 860 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Interpretação do direito da segurança social. In: ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de especialização em direito previdenciário. Curitiba: Juruá, 2005. p. 266-267. 861 Sobre o princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, veja-se o item 2.3.3, supra. 862 Deve-se observar, de todo modo, a regra específica para o segurado empregado que tem como referência a data do desligamento do emprego, quando o benefício é requerido em até noventa dias após a extinção do contrato de trabalho. 863 Todavia, em evolução de sua jurisprudência, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região firmou o entendimento de que a concessão ou revisão de benefício previdenciário será sempre assegurada com efeitos financeiros desde a data do requerimento administrativo se desde então eram preenchidos os requisitos legais que autorizavam a concessão (PEDILEF 2008.72.63.000893-5, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 13.12.2010). Também nesse sentido: “A alteração dos salários de contribuição determinada na sentença trabalhista deve ser observada no cálculo do benefício, com efeitos financeiros desde a data do início do benefício. 2. O segurado não pode ser penalizado em razão de o empregador não ter recolhido corretamente as contribuições previdenciárias, tampouco pelo fato de o INSS ter falhado na fiscalização da regularidade das exações” (TRF4, AC 2007.71.12.001021-4, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 17.05.2010). 864 No preciso sentido do que acima foi sustentado: “Quanto ao marco inicial da inativação, os efeitos financeiros devem, em regra, retroagir à data de entrada do requerimento do benefício (ressalvada eventual prescrição quinquenal), independentemente de, à época, ter havido requerimento específico nesse sentido ou de ter sido aportada documentação comprobatória suficiente ao reconhecimento da atividade especial, tendo em vista o caráter de direito social da previdência social, o dever constitucional, por parte da autarquia previdenciária, de tornar efetivas as prestações previdenciárias aos beneficiários, o disposto no art. 54, combinado com o art. 49, ambos da Lei 8.213/91, e a obrigação do INSS de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm direito, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários” (TRF4, APELREEX 5000796-90.2011.404.7009, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Celso Kipper, DE 27.09.2013). 865 Igualmente nesse sentido: “A data do início do benefício de aposentadoria por tempo de serviço é a da entrada do requerimento administrativo (art. 49, II da Lei 8.213/91). O direito não se confunde com a prova do direito. Se, ao requerer o benefício, o segurado já havia cumprido os requisitos necessários à sua inativação, o que estava era exercendo um direito de que já era titular. A comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido, não traz prejuízo algum à Previdência, nem confere ao segurado nenhuma vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico (TRF4, APELREEX 5014229-28.2010.404.7000, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, DE 27.09.2013)”. Ainda nesse sentido: “Os efeitos financeiros da revisão devem retroagir à data da concessão do benefício, tendo em vista que o deferimento de verbas trabalhistas representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado” (TRF4, APELREEX 500505682.2012.404.7202, Sexta Turma, Relª. p/ Acórdão Luciane Merlin Clève Kravetz, DE 27.09.2013). No sentido contrário: “O início da prova material apenas configurou-se a partir da ultimação da audiência de instrução e julgamento, logo, o entendimento do Juízo recorrido que fixou a data do início do benefício a partir da sentença, mostra-se em consonância com a legislação previdenciária” (TRF5, Processo: 00017152320134059999, AC557897/SE, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, j. 27.06.2013, DJE 04.07.2013). 866 Também nesse sentido, ainda a título ilustrativo: TNU, PEDILEF 200840007128794, Relª. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, DOU 20.09.2013; TNU, PEDILEF 50027485220124047015, Relª. Juíza Federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, DOU 16.08.2013. 867 Confira-se: “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. JUIZADOS ESPECIAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO (ART. 97 DA CF/88). ALEGAÇÃO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EFEITOS FINANCEIROS RETROATIVOS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. O princípio da reserva de plenário não se aplica no âmbito dos juizados de pequenas causas (art. 24, X, da Constituição Federal) e dos juizados especiais em geral (art. 98, I, da CF/88), que, pela configuração atribuída pelo legislador, não funcionam, na esfera recursal, sob o regime de plenário ou de órgão especial. 2. A manifesta improcedência da alegação de ofensa ao art. 97 da Carta Magna pela Turma Recursal de Juizados Especiais demonstra a ausência da repercussão geral da matéria, ensejando a incidência do art. 543-A do CPC. 3. É de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à legitimidade da retroação dos efeitos financeiros da revisão de benefício previdenciário, nas hipóteses em que o segurado preencheu, na data de entrada do requerimento administrativo, os requisitos para a concessão de prestação mais vantajosa. 4. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/03/2009). 5. Ausência de repercussão geral das questões suscitadas, nos termos do art. 543-A do CPC” (ARE 868457 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 16.04.2015, DJe 27.04.2015). 868 Sobre o interesse de agir em matéria previdenciária, especialmente nas ações judiciais de concessão de benefício previdenciário, veja-se o item 6.3.3, supra. 869 REsp 1450119/MT, Rel. p/ Acórdão Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 08.10.2014, DJe 01.07.2015. 870 Lembre-se que a legislação previdenciária, de modo subsidiário, mas geral, designa o requerimento administrativo como o termo inicial dos benefícios previdenciários. A título ilustrativo, veja-se o art. 49 da Lei 8.213/91. 871 Nesse sentido, a título ilustrativo: “A jurisprudência prevalente do STJ é no sentido de que comprovada a absoluta incapacidade do requerente à pensão por morte, faz ele jus ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do óbito do instituidor da pensão, ainda que não postulado administrativamente no prazo de trinta dias, uma vez que não se sujeita aos prazos prescricionais” (AgRg no REsp 1420928/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 14.10.2014, DJe 20.10.2014). 872 Nos termos do art. 74, I, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, a pensão por morte será devida a contar do óbito, “quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes”. Sobre o direito do filho menor de dezesseis anos às prestações vencidas desde o óbito e o prazo limite para o requerimento administrativo, veja-se o item 9.3.1. 873 Mais recentemente, o Regulamento da Previdência Social passou a incorporar a técnica processual administrativa da reafirmação da DER, nos termos de seu art. 176-D, com a redação dada pelo Decreto 10.410/2020: “Art. 176-D. Se, na data de entrada do requerimento do benefício, o segurado não satisfizer os requisitos para o reconhecimento do direito, mas implementá-los em momento posterior, antes da decisão do INSS, o requerimento poderá ser reafirmado para a data em que satisfizer os requisitos, que será fixada como início do benefício, exigindo-se, para tanto, a concordância formal do interessado, admitida a sua manifestação de vontade por meio eletrônico”. 874 Essencialmente essa era a disposição do art. 462 do CPC/1973 (“Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”). 875 A problemática do direito superveniente ao processo administrativo deve ser encarara a partir da teoria do acertamento. Sobre o princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, veja-se o item 2.3.3, supra. 876 EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020. 877 TRF4, AC 5013232-11.2011.404.7000, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Paulo Paim da Silva, DE 21.11.2013. 878 TRF4, AC 5007975-25.2013.4.04.7003, Quinta Turma, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 18.04.2017. 879 Já no ano de 2015 se firmara a orientação de que “o fato superveniente contido no artigo 462 do CPC deve ser considerado no momento do julgamento a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica” (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 621.179/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 5/2/2015). 3. Especificamente no que se refere ao cômputo de tempo de contribuição no curso da demanda, a Primeira Turma do STJ, ao apreciar situação semelhante à hipótese dos autos, concluiu ser possível a consideração de contribuições posteriores ao requerimento administrativo e ao ajuizamento da ação, reafirmando a DER para a data de implemento das contribuições necessárias à concessão do benefício. No mesmo sentido: REsp 1.640.903/PR, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 15.2.2017. 4. Recurso Especial provido para determinar o retorno dos autos à origem para que sejam contabilizadas as contribuições realizadas até o momento da entrega da prestação jurisdicional” (REsp 1640310/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 07.03.2017, DJe 27.04.2017). 880 Também nesse sentido, a título ilustrativo: REsp 1569811/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 16.02.2016, DJe 24.02.2016; REsp 1245063/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 08.11.2011, DJe 17.11.2011; REsp 704.637/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 17.03.2011, DJe 22.03.2011; REsp 702.923/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 09.08.2005, DJ 05.09.2005; REsp 1189908/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, j. 20.05.2010, DJe 26.05.2010. 881 REsp 734598/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, j. 19.05.2005, DJ 01.07.2005. 882 Embargos opostos pela parte autora (EDcl no REsp 1727063/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020). 883 “Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito adquirido, na voz abalizada da relatora – ministra Ellen Gracie –, subscritas pela maioria” (RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 21.02.2013, DJe 26.08.2013 – Repercussão Geral – Tema 334). 884 Esse dever fundamental de informação foi analisado quando tratamos do princípio da proteção judicial conta lesão implícita, no item 2.4, supra. 885 Lei 8.213/91, art. 122. “Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade”. 886 RE 631240, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 03.09.2014, DJe 10.11.2014 – Repercussão Geral – Tema 350. 887 Assim, por exemplo, o fato de a decisão judicial haver condenado o INSS à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição não impede que, em fase de cumprimento de sentença, seja considerado que, de modo superveniente à propositura da demanda, o segurado cumpriu os requisitos legais para concessão de aposentadoria especial, mais vantajosa, cujo gozo lhe deve ser assegurado. Anote-se, ainda, que o exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. 888 Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito. 889 Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido. 890 Cumpre notar que deve ser considerado o fato superveniente que ocorra enquanto pendente recurso no âmbito administrativo, segundo o Enunciado 1, item III, do CRPS: “Implementados os requisitos para o reconhecimento do direito em momento posterior ao requerimento administrativo, poderá ser reafirmada a DER até a data do cumprimento da decisão do CRPS”. 891 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. Essa mesma emenda constitucional alterou os critérios de cálculos dos benefícios, na forma de seu art. 26, excluindo-se o fator previdenciário para as aposentadorias devidas aos segurados em geral, salvo na hipótese de concessão de benefício de acordo com a regra de transição inscrita no seu art. 17. 892 Confira-se: “2. A Constituição de 1988 desenhou um sistema previdenciário de teor solidário e distributivo. inexistindo inconstitucionalidade na aludida norma do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91, a qual veda aos aposentados que permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o recebimento de qualquer prestação adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional. 3. Fixada a seguinte tese de repercussão geral no RE n. 661.256/SC: “[n]o âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei n. 8213/91” (RE 661256, Rel. Min. Roberto Barroso, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27.10.2016, DJe 28.09.2017 – Repercussão Geral – Tema 503). 893 Nesse julgamento se definiu que é possível reconhecer o fato superveniente à DER “[...] mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015 [...]” (REsp 1727063/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019 – Representativo de Controvérsia – Tema 995). 894 Sobre o princípio do acertamento, veja-se item 2.3, supra. 895 Sobre a importância da teoria do acertamento para a definição do direito previdenciário superveniente ao requerimento administrativo, veja-se o item 2.3.3, supra. 896 EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020. 897 EDcl nos EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 26.08.2020, DJe 04.09.2020. 898 Nesse mesmo sentido, já se encontram precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como se pode verificar, a título meramente exemplificativo: “No acórdão embargado do Tema 995 ficou expresso o seguinte: ‘fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário’. Logo, analisando sistematicamente os acórdãos, conclui-se que a DIB deve ser a do preenchimento dos requisitos para concessão do benefício, conquanto reconhecido o direito somente no acórdão que julgar o pedido de reafirmação da DER, razão porque os atrasados são devidos desde então. Quando o julgado repetitivo fala ‘sem atrasados’ ou ‘sem pagamento de valores pretéritos’ remete à inexistência de parcelas vencidas antes da DER reafirmada, as quais, obviamente, são indevidas” (TRF4, AC 500179087.2012.4.04.7008, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 16.09.2020, excerto do voto do Relator). 899 REsp 1727063/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019. Sobre a disciplina dos honorários advocatícios nas ações previdenciárias em que se reconhece fato superveniente (reafirmação da DER), veja-se o tem 10.3, infra. 900 Nesse sentido: REsp 1369165/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 26.02.2014, DJe 07.03.2014. Também nesse sentido se encontra a Súmula 576 do STJ: “Ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida”. Ressalve-se, desde logo, que o STJ havia definido esse entendimento (DIB na citação) para os casos de inexistência de requerimento administrativo, e não para as hipóteses de direito superveniente ao requerimento administrativo, situações distintas. 901 Observe-se que o STJ enfrentou, em sede declaratória, a questão do interesse de agir nas hipóteses de “reafirmação da DER” judicial, destacando que não se trata de hipótese de propositura de ação judicial sem prévio requerimento administrativo: “o prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento” (EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020). E não se pode mesmo exigir novo requerimento administrativo nas hipóteses em que se pretende o reconhecimento judicial do direito, mediante identificação de fato superveniente à DER que influi o julgamento do mérito, pois se pressupõe formulado o requerimento administrativo anteriormente à propositura da ação e não se pode imputar ao particular qualquer omissão, seja quanto à afirmação de fato (que somente ocorreria posteriormente à DER), seja quanto a cumprimento de carta de exigência para a comprovação de fato inexistente ao tempo da DER. 902 Sobre essa concepção da função jurisdicional previdenciária e as críticas que lhe foram dirigidas neste livro, veja-se item 2.3.2, supra. 903 Sobre o princípio do acertamento da relação jurídica da proteção social, veja-se item 2.3, supra. 904 Todos esses pontos foram exaustivamente trabalhados no item 2.3, supra. 905 Não seria razoável exigir do segurado e constituiria, uma tal providência de requerimento mensal, fator para congestionar irremediavelmente as estruturas administrativas. 906 “FIXAÇÃO DA DIB NA DATA DA CITAÇÃO VÁLIDA, SALVO QUANDO ESTA SE CONCRETIZA APÓS A ELABORAÇÃO DO LAUDO PERICIAL, QUANDO DEVE PREVALECER A DATA DESSA PROVA TÉCNICA. [...] Obviamente, se a citação válida ocorreu em data posterior à do Laudo Pericial, a DIB deve corresponder a esta, caso contrário o segurado, a parte mais frágil na relação litigiosa, experimentaria prejuízo decorrente de procedimento adotado no âmbito do Juízo processante do pedido autoral. [...] A tese firmada é no sentido de que, apontada no laudo pericial produzido no curso da instrução processual invalidez em data posterior àquela em que se deu o requerimento administrativo ou não indicada pelo perito a data de início da invalidez do segurado, a Data do Início do Benefício por Invalidez deve corresponder ao dia da citação válida da Autarquia Previdenciária, salvo quando o Laudo Pericial antecede o ato citatório, hipótese em que a DIB deve corresponder à data daquele elemento de prova técnica” (TNU, PEDILEF 201351510292440, Juiz Federal Rui Costa Gonçalves, DOU 13.09.2016). 907 Esse postulado da “máxima coincidência possível”, na denominação de Barbosa Moreira, traduz-se “na necessidade de que o resultado do processo judicial corresponda, o máximo possível, à atuação espontânea do ordenamento jurídico” (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 55). 908 Nesse sentido: “A concessão do benefício para momento anterior à habilitação do autor, na forma pugnada na exordial, acarretaria, além da inobservância dos arts. 74 e 76 da Lei 8.213/91, inevitável prejuízo à autarquia previdenciária, que seria condenada a pagar duplamente o valor da pensão” (REsp 1513977/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.06.2015, DJe 05.08.2015). No mesmo sentido: REsp 1377720/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 25.06.2013, DJe 05.08.2013. Em sentido diverso, entendendo que não poderá haver retroação dos efeitos da concessão do benefício ao incapaz apenas se a pensão foi destinada inicialmente a outro membro do mesmo grupo familiar, e reconhecendo o direito a parcelas desde o óbito porque a demora do pedido se deu “tão somente em razão da necessidade do reconhecimento em juízo da união estável entre os genitores do recorrente e da paternidade”: REsp 1354689⁄PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 25.02.2014, DJe 11.03.2014. Sobre o termo inicial da pensão por morte ao filho menor de dezesseis anos de idade, veja-se item 9.3.5, infra. 909 Nesse sentido: “Ao prever a produção de efeitos a contar da habilitação do novo dependente, o dispositivo mencionado resguarda o primeiro titular, que recebe integralmente o benefício, até a inclusão do outro, sem que tal situação configure enriquecimento ilícito. Nesse passo, a Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social autoriza a concessão da pensão por morte, independente da habilitação de todos os dependentes, sem determinar qualquer reserva de valores, para salvaguarda de cota do beneficiário tardiamente habilitado ou, no caso dos autos, de beneficiária que teve a concessão do benefício postergado, em virtude da necessidade de análise recursal quanto à existência de seu direito” (TRF3, Sétima Turma, AMS 0000072-06.2007.4.03.6116, Rel. Des. Federal Fausto de Sanctis, j. 28.01.2013, e-DJF3 Judicial 1 Data: 06.02.2013). Nesse mesmo sentido: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REFLEXOS DA HABILITAÇÃO TARDIA DE CODEPENDENTES. ART. 76 DA LEI 8.213, DE 1991. Na dicção do art. 76 da Lei 8.213, de 1991, “A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação. Logo, não tem a administração previdenciária o direito de cobrar, do pensionista que se habilita em primeiro lugar, os valores relativos à quota-parte do pensionista que se habilita tardiamente, relativamente ao período compreendido entre a data de início da pensão daquele e a data de início da pensão deste” (TRF4, APELREEX 5010328-48.2012.404.7108, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Sebastião Ogê Muniz, DE 01.07.2013). 910 Nesse sentido: “Havendo dependente que já vinha recebendo a pensão, a concessão do benefício para novo dependente ocorrerá a partir da habilitação (requerimento administrativo ou do ajuizamento da ação na falta desse). Art. 76, caput, da Lei 8.213/91” (TRF4, AC 001523145.2010.404.9999, Quinta Turma, Rel. Guilherme Pinho Machado, DE 10.02.2011). 911 Observe-se, contudo, que, se o dependente habilitado judicialmente já recebia e administrava a pensão dos filhos do falecido segurado, inexiste direito ao recebimento de parcelas atrasadas (TRF4, AC 000458017.2011.404.9999, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 10.06.2011). 912 Nesse sentido: Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, Súmula 22: “Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial”. Igualmente nesse sentido: “Embargos infringentes. Processo civil. Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Termo a quo. Demonstração da incapacidade laborativa. 1. A jurisprudência prevê que a data do termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez deve ser a do laudo pericial que comprova as alegações do segurado apenas quando, nessa perícia, for impossível determinar, com precisão, a data de início da incapacidade laborativa. Contudo, quando se tiver certeza de que a data do início da incapacidade é anterior à elaboração do próprio laudo, então esse será o termo a quo do benefício. 2. Embargos infringentes desprovidos” (TRF4, 3ª Seção, EIAC 2000.72.00.003662-1, Rel. Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 02.07.2003). 913 Sobre a comprovação da data do início da incapacidade, veja-se item 7.7, supra. 914 Para nossa perplexidade, é comum o médico perito fixar a data de início de incapacidade (DII) na data da realização da perícia, sendo nestes termos acolhida a afirmação pelo magistrado. Em nosso modo de ver, este raciocínio apenas terá lógica quando o juiz não reunir condições de definir, com razoável segurança, que a incapacidade se iniciou em algum outro momento entre o requerimento administrativo e a realização da perícia médica. Afinal, não será uma mera ficção pericial a fixação da DII na data da realização da perícia? Com efeito, “a data de início da incapacidade corresponderá à data da realização da perícia apenas quando o juízo, diante de todas as provas produzidas, não puder fixá-la em outra data. Neste caso, a data de início da incapacidade não passará de uma ficção necessária ao julgamento da lide” (3TR/PR, Processo 2009.36.00.70.2396-2, Rel. Juiz Federal José Antonio Savaris, j. 03.12.2010, DJ 13.11.2011). 915 Sobre a teoria do acertamento e suas diretrizes normativas que propugnam a coincidência entre a data de início do benefício e o momento em que implementadas as condições legais para sua concessão, veja-se o item 2.3.3, supra. 916 Ressalve-se, por óbvio, que se a data do início da incapacidade é fixada no curso da ação judicial, a data do início do benefício (DIB) deverá ser fixada na data do início da incapacidade (DII). 917 Sobre esse ponto específico, remetemos o leitor à nossa crítica do posicionamento do STJ (item 9.1.2, supra), segundo o qual a data da citação deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa (REsp 1369165/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 26.02.2014, DJe 07.03.2014). 918 Também nesse sentido: “No processo 2009.72.54.006451-6, julgado representativo, ficou decidido em sessão anterior que ‘é possível o recebimento de salário e de benefício por incapacidade de forma cumulativa, num mesmo período, quando o segurado encontrava-se comprovadamente incapaz para o trabalho, posto que, em tal hipótese, o segurado trabalhou por necessidade de manter sua subsistência’“ (PEDILEF 00019946520094047254, Turma Nacional de Uniformização, Relª. Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello, DOU 03.08.2012, Data da Decisão: 27.06.2012). Igualmente nesse sentido: TRF4, AC 000970478.2011.404.9999, Sexta Turma, Relª. Vivian Josete Pantaleão Caminha, DE 14.10.2011. 919 Segundo o art. 337, § 1º, do CPC/2015, “verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”, sendo que “uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido” (CPC, art. 337, § 2º). 920 TRF4, Ação Rescisória n. 0004231-96.2015404.0000 Corte Especial, Des. Federal Celso Kipper, DE 25.03.2019, DJ-e 26.03.2019. 921 TRF4, Cumprimento de Sentença Contra Fazenda Pública n. 500059413.2019.4.04.0000, 3ª Seção, Des. Federal Osni Cardoso Filho, juntado aos autos em 31.07.2019. 922 TRF4, AC 5004699-72.2020.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 05.06.2020. 923 Conforme estabelece o art. 60, caput e § 1º, da Lei 8.213/91): “O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. § 1º Quando requerido por segurado afastado da atividade por mais de 30 (trinta) dias, o auxílio-doença será devido a contar da data da entrada do requerimento”. 924 O TRF da 4ª Região chegou a declarar a inconstitucionalidade da regra contida no art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, sob entendimento de que ela afrontava o princípio constitucional que assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF/88, art. 5º, XIII) (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 24.05.2012). Todavia, o Supremo Tribunal Federal culminou por reconhecer a constitucionalidade da mencionada disposição normativa, quando do julgamento do RE 791.961-PR (Tema 709), firmando a seguinte tese de repercussão geral: “(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão” (STF, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 29.5.2020 a 5.6.2020, DJe 19.08.2020, com julgamento dos embargos declaratórios na Sessão Virtual de 12.2.2021 a 23.2.2021). 925 De acordo com a tese firmada no Tema 709, “efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão”, cumprindo notar que, de acordo com a decisão proferida nos aclaratórios, a Suprema Corte definiu que a expressão “efetivada” não alcança os casos em que a ordem de concessão de aposentadoria especial se dê em sede de tutela provisória. Outrossim, a definição dos efeitos jurídicos decorrentes da continuidade ou do retorno ao labor nocivo pelo segurado em gozo de aposentadoria especial, como sendo o de suspensão do benefício, com a cessação do pagamento enquanto perdurar a concomitância do trabalho especial, foi levada a efeito pelo STF, quando do julgamento dos ED no RE 791.691, Rel. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 11.02.2021 a 23.02.2021. 926 Lei 8.213/91, art. 57, § 2º: “A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49”. Lei 8.213/91, art. 49: “A aposentadoria por idade será devida: I – ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir: a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea “a”; II – para os demais segurados, da data da entrada do requerimento”. 927 Mutatis mutandis, seria aplicável aqui o entendimento que chegou a ser sumulado pela TNU, segundo o qual “É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou” (Súmula 72 da TNU). 928 STF, Plenário, RE 791.961-PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 29.5 a 5.6.2020, DJe 19.08.2020. 929 Na mesma decisão, o Min. Alexandre de Moraes assim deixou assentado sobre o tema: “Dessa forma, sendo certo o direito do segurado à aposentadoria especial, a legislação é clara ao estipular a data do requerimento como termo inicial do benefício, não havendo espaço, portanto, para conclusão diversa. No mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a uniformização da legislação infraconstitucional, na Pet 9582, de relatoria do Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgada pela 1ª Seção daquela Corte” (p. 17). 930 Em sede de embargos declaratórios, foi esclarecido que o retorno à atividade especial ensejará a cessação do pagamento do benefício, de modo que a prestação previdenciária fica suspensa. Não ocorrerá a cessação ou cancelamento do benefício em si, portanto. (ED no RE 791.691, Rel. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 11.02.2021 a 23.02.2021). 931 Nesse sentido, as Súmulas (do STJ) 43 (Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo) e 148 (Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei 6.899/81, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal). Colam-se, a título ilustrativo, os seguintes precedentes a respeito de tema que não mais encerra discussão jurisprudencial: “Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, face ao caráter alimentar dos benefícios previdenciários, a correção monetária deve incidir desde o momento em que era devida a prestação, sendo o IGP-DI o índice aplicável. Aplicação concomitante das Súmulas 43 e 148 daquela Egrégia Corte” (TRF4ª, AC 200204010153995, Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva, DJ 14.01.2004); “A correção monetária deve ser calculada na forma prevista na Lei 6.899/81, incidindo a partir da data em que deveria ter sido paga cada parcela, nos termos das Súmulas 43 e 148 do STJ, pelos índices oficiais” (TRF4ª, AC 199971010006680-RS, Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, DJ 18.11.2003). 932 Nesse sentido: Súmula 41 do TRF da 1ª Região: “Os índices integrais de correção monetária, incluídos os expurgos inflacionários, a serem aplicados na execução de sentença condenatória de pagamento de benefícios previdenciários, vencimentos, salários, proventos, soldos e pensões, ainda que nela não haja previsão expressa, são de 42,72% em janeiro de 1989, 10,14% em fevereiro de 1989, 84,32% em março de 1990, 44,80% em abril de 1990, 7,87% em maio de 1990 e 21,87% em fevereiro de 1991”. Súmula 32 do TRF da 4ª Região: “No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo à correção monetária de janeiro de 1989”. Súmula 37 do TRF da 4ª Região: “Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991”. 933 Art. 31. “O pagamento de parcelas relativas a benefícios, efetuado com atraso por responsabilidade da Previdência Social, será atualizado pelo mesmo índice utilizado para os reajustamentos dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, verificado no período compreendido entre o mês que deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento.” 934 Este entendimento corresponde ao Enunciado 7 da Turma Recursal de Santa Catarina. 935 Art. 41-A: “O valor dos benefícios em manutenção será reajustado, anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE” (Redação emprestada pela Lei 11.430/2006). 936 Nesse sentido: “1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, a partir da entrada em vigor da Lei 11.430/06, que acrescentou o art. 41-A à Lei 8.213/91, aplica-se o INPC para reajuste de benefício previdenciário” (EDcl no AgRg no REsp 1146478/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 23.10.2012, DJe 31.10.2012). Com efeito, “1. A partir da entrada em vigor da Lei 11.430/06, que acrescentou o art. 41-A à Lei 8.213/91 e fixou o INPC como índice de reajuste dos benefícios, deve esse índice ser também aplicado para a correção monetária das parcelas pagas em atraso, nos termos do art. 31 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Precedentes desta Corte. 2. Agravo Regimental desprovido” (STJ, AgRg no REsp 1133328/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 15.12.2009, DJe 22.02.2010). 937 A aplicação imediata da Lei 11.960/2009 não resulta em retroação do ato normativo, mas tão somente na sua aplicação imediata a situações pendentes, o que é perfeitamente possível. É que a “lei não dispõe só para o futuro, dispõe também quanto ao presente. Automaticamente atinge situações que se verifiquem no momento de sua entrada em vigor [...]. Uma coisa é a aplicação imediata, outra a aplicação retroactiva. Entrando em vigor, a lei atinge imediatamente as situações que defronta” (ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. Uma perspectiva lusobrasileira. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1993). 938 Confira-se, da ementa, o que nos interessa de perto: “5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período) [...]. 7. O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra”. 939 RE 870.947, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 20.09.2017, DJe 20.11.2017. 940 Esses recursos foram recebidos com efeito suspensivo (Rel. Min. Luiz Fux, j. 24.09.2018). Segundo o Ministro Relator Luiz Fux, a plausibilidade dos embargos declaratórios sinalizava que “a imediata aplicação do decisum embargado pelas instâncias a quo, antes da apreciação por esta Suprema Corte do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida, pode realmente dar ensejo à realização de pagamento de consideráveis valores, em tese, a maior pela Fazenda Pública, ocasionando grave prejuízo às já combalidas finanças públicas”. 941 RE 870947 ED, Rel. p/ Acórdão: Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. 03.10.2019, DJe 03.02.2020. 942 REsp 1495146/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 22.02.2018, DJe 02.03.2018 – Tema 905. 943 REsp 1270439/PR, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 26.06.2013, DJe 02.08.2013. 944 Conforme a fundamentação referente à imposição de juros moratórios articulada abaixo. 945 Nesse sentido, mais recentemente: “O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a norma do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, modificada pela Medida Provisória 2.180-35/2001, tem aplicação imediata” (STF, AI 771555 AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 19.10.2010, DJ 17.11.2010). Nesse mesmo sentido se encontra a atual jurisprudência do STJ, assim firmada desde o julgamento no EREsp 1.207.197/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 02.08.2011. 946 Nesse sentido, mais precisamente: “Portanto, dado que a função precípua da atualização monetária é a reposição do valor da moeda que foi corroído pelo aumento dos preços, necessariamente, a redução destes, mesmo que durante um breve intervalo de tempo, deve ser considerada no cômputo da variação mensurada em um interregno maior, intervalo cuja trajetória dos preços foi ascendente, a fim de que se obtenha, efetivamente, a inflação resultante. Ora, computar apenas os percentuais positivos de um índice mensurador de inflação, utilizado para fins de correção monetária do débito judicial, significaria repor o valor da moeda em patamar superior à variação dos preços ocorrida em um determinado lapso temporal, o que implicaria enriquecimento injustificado do credor em razão do pagamento a maior do devedor. Essa não é a função do instituto legal da correção monetária que, na fórmula lapidar, é um minus que se evita e não um plus que se agrega” (TRF4, Ag. 2008.04.00. 015003-3, Terceira Turma, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, DE 27.06.2008). 947 Porém, “De acordo com o entendimento que prevaleceu na 3ª Seção do TRF4, computar apenas os valores positivos de um determinado índice de inflação, afastando os valores negativos, significaria repor o valor nominal da moeda em patamar superior à própria inflação no interregno considerado, isto é, importaria em pagamento a maior pelo devedor, gerando enriquecimento sem causa do credor” (TRF4, Ag. 000160920.2010.404.0000, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 19.04.2010). 948 “[...] 1. A correção monetária tem a função de recompor o valor originário da moeda, a fim de manter o seu poder aquisitivo, eventualmente corroído pelo processo inflacionário. Dessa forma, se o valor nominal do débito judicialmente apurado diminuísse, por força do aludido processo inflacionário, além de desvirtuar a razão do instituto da correção monetária, produziria prejuízo ao credor, que receberia menos do que o devido no momento da liquidação da dívida. 2. Além disso, considerando a garantia constitucional de irredutibilidade do valor dos benefícios (CF, art. 194, parágrafo único, IV) e o fim social das normas previdenciárias, não há como se admitir a redução do valor nominal do benefício previdenciário pago em atraso, motivo pelo qual o índice negativo de correção para os períodos em que ocorre deflação deve ser substituído pelo fator de correção igual a zero, a fim de manter o valor do benefício da competência anterior (período mensal). [...]” (STJ, REsp 1.144.656/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26.10.2010, DJ 16.11.2010). Também nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.242.584/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 19.05.2011, DJe 08.06.2011. 949 Nesse sentido, especificamente em relação à matéria previdenciária: STJ, AgRg nos EREsp 1252558/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 13.03.2013, DJe 21.03.2013. STJ, AgRg no AgRg no REsp 1282428/RS, Relª. Minª. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 19.02.2013, DJe 28.02.2013 (PEDILEF 50287443420114047000, Turma Nacional de Uniformização, Relª. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo, DOU 26.04.2013, Data da Decisão 17.04.2013). 950 STF, ARE 780170 AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 26.11.2013, DJ 09.12.2013. 951 Nesse sentido: TRF4, EINF 2006.72.12.000343-8, 3ª Seção, Rel. Celso Kipper, DE 19.12.2008. Esse entendimento está fundamentado nas Leis de Diretrizes Orçamentárias para os anos de 2002 a 2008 – Lei 10.266/2001 (LDO/2002), art. 23, § 6º; Lei 10.524/2002 (LDO/2003), art. 25, § 4º; Lei 10.707/2003 (LDO/2004), art. 23, § 4º; Lei 10.934/2004 (LDO/2005), art. 25, § 4º; Lei 11.178/2005 (LDO/2006), art. 26, § 4º; Lei 11.439/2006 (LDO/2007), art. 27, § 5º; Lei 11.514/2007 (LDO/2008), art. 31, § 6º. 952 Com efeito: “No tocante à correção monetária dos valores pagos via RPV, aplicam-se as mesmas regras de atualização dos montantes adimplidos por meio de precatórios: antes da autuação da requisição no Tribunal e, sendo o caso, após o curso do prazo de sessenta dias para o pagamento pelo Ente Público, incide o indexador fixado no decisum exequendo ou, na hipótese de omissão, o IGP-DI; já durante os sessenta dias referidos, corrigem-se as quantias devidas com base na variação do IPCA-E, por aplicação analógica dos dispositivos das LDOs acerca da atualização dos precatórios, haja vista que o desiderato de tais normas é a organização das dívidas estatais, independentemente da sua forma de pagamento” (excerto do voto do Relator). 953 CF/88, art. 100, § 5º: “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.” (redação dada pela EC 62/2009) 954 Ademais, “Interpretação em outro sentido resultaria na conclusão de que, sendo alimentar o débito, não haveria a obrigatoriedade da inclusão, no orçamento público, de numerário bastante ao adimplemento da quantia consignada no precatório, o que contradiz o entendimento do Supremo Tribunal Federal, consagrado na Súmula 655, in verbis: ‘A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentálos da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza’. Da mesma forma que o caput do art. 100 da CF/88, o seu parágrafo primeiro, embora não disponha expressamente sobre débitos alimentares, decerto a eles se aplica. Ainda que assim não fosse, cumpre consignar que as próprias LDOs para os anos de 2007 e 2008, conquanto citem unicamente o § 1º do art. 100 da Carta Magna, estendem, expressamente, nos dispositivos antes mencionados, a aplicação do IPCA-E aos créditos de natureza previdenciária, verbis: ‘A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 1º do art. 100 da Constituição, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, e das parcelas resultantes da aplicação do art. 78 do ADCT, observará, no exercício de 2007/2008, a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – Especial – Nacional (IPCA – E), divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística” (TRF4, EINF 2006.72.12.000343-8, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 19.12.2008, excerto do voto do relator). 955 Em outras palavras, o IPCA-E é aplicável apenas “no período compreendido entre a data-limite para apresentação do precatório na Corte e o efetivo pagamento do débito”, quando voltam a incidir os índices de correção monetária definidos no título judicial ou, se omisso este, os índices que atualizam os débitos previdenciários (TRF4, EINF 2006.72.12. 0003438, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 19.12.2008). 956 Mais precisamente, “A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência nos REsp 754.864/SP e 823.870/SP, ambos da relatoria do em. Min. Arnaldo Esteves Lima e publicados na Imprensa Oficial em 21.08.2008, pacificou a matéria, no sentido de reconhecer que, a partir da elaboração da conta de liquidação, devem prevalecer, como critérios de atualização monetária, a UFIR e o IPCA-E” (STJ, EREsp 1057651/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, j. 10.03.2010, DJ 22.03.2010). Tal entendimento foi reafirmado no REsp Representativo de Controvérsia 1.102.484/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 20.05.2009. 957 CPC, art. 219: “A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”. Já o Novo CPC, em seu art. 240, dispõe: “A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. De outro lado, o que torna prevento o juízo é o registro ou a distribuição da petição inicial (CPC/2015, art. 59). 958 EREsp 207992, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 3ª Seção, DJU 04.02.2002. Nesse sentido, a Súmula 75 do TRF da 4ª Região: “Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação”. Dispõe o art. 3º do Dec.-Lei 2.322/87: “Sobre a correção monetária dos créditos trabalhistas, de que trata o Dec.-lei 75, de 21.11.1966, e legislação posterior, incidirão juros, à taxa de 1% (um por cento) ao mês, capitalizados mensalmente”. 959 CC, art. 406: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. 960 CTN, art. 161, § 1º: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês”. 961 REsp 1270439/PR, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 26.06.2013, DJe 02.08.2013. 962 ADI 4425, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14.03.2013, DJ 19.12.2013. 963 Nesse sentido, reportando-se ao significativo precedente do STJ, a título ilustrativo: TRF4, AC 5012692-71.2013.404.7200, Quinta Turma, Relª. Carla Evelise Justino Hendges, DE 28.01.2014; TRF4 503497483.2011.404.7100, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Alcides Vettorazzi, DE 23.01.2014. 964 Embargos declaratórios opostos pelo INSS (EDcl no REsp 1727069/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 19.05.2020, DJe 21.05.2020). 965 Seria possível levantar objeções à tese, reconheça-se. Suscitamos as seguintes questões: O INSS poderia legitimamente alegar desconhecimento do fato superveniente relativo à continuidade das contribuições previdenciárias pelo segurado, já que tem acesso a todos os sistemas de dados com as informações sociais correspondentes? Em determinados casos, portanto, não teria o INSS ciência da constituição do direito no curso do processo judicial? Não teria, nessas condições, por força do princípio constitucional da legalidade, o dever de conceder o benefício na data em que cumpridos todos os requisitos legais para sua obtenção? E se o INSS deixa de conceder o benefício nesses termos, não incorreria em ilegalidade, abrindo-se espaço para incidência do art. 398 do Código Civil? – (CC, art. 398 – “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”). Contudo, segundo pensamos, as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados não fazem prova plena do fato superveniente. Ditas informações gozam de presunção iuris tantum, pois, nos termos do art. 29-A, § 5º, da Lei 8.213/91, “Havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo incluído no CNIS e inexistência de informações sobre remunerações e contribuições, o INSS exigirá a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação, sob pena de exclusão do período”. Por outro lado, como não mais se trata de processo ou tutela administrativa, diante do fato da litigiosidade da coisa decorrente da citação (CPC, art. 240), apenas uma ordem judicial que reconheça o fato superveniente como tal e determine a concessão do benefício teria aptidão para constituir o INSS em mora. 966 Nesse sentido: TRF4, ARS 5032015-84.2020.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 17.12.2020. 967 Sobre as requisições judiciais de pagamento e as suas espécies, veja-se o item 10.8, infra. 968 Lei 10.259/2001, art. 17, § 1º: “Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput)”. Art. 3º: “Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”. 969 Nesse sentido, a título ilustrativo: STJ, REsp 642.896, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJU 01.02.2005; STJ, AgRg no Ag. 540.760/SF, Relª. Minª. Denise Arruda, Primeira Turma, DJU 30.08.2004. 970 Essa interpretação é feita à luz do entendimento consagrado do STF, no sentido de que é indevido o curso de juros de mora durante o prazo constitucional para o pagamento do precatório: “1. Precatório judicial: atualização da conta de liquidação: juros moratórios: exclusão: CF, art. 100, § 1º. Firmou-se o entendimento do Supremo Tribunal, a partir da decisão plenária do RE 298.616-SP (Gilmar Mendes, 31.10.2002, Inf. STF 288), de não serem devidos os juros moratórios no período compreendido entre a data de expedição do precatório e a do efetivo pagamento, se realizado dentro do prazo constitucionalmente estipulado. 2. Agravo regimental: necessidade de impugnação dos fundamentos da decisão agravada” (RE AgRg 486.593-9/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 14.11.2006, DJ 15.12.2006). 971 E ainda sobre a requisição complementar, cumpre anotar interessante posicionamento do TRF da 4ª Região: “Sendo o valor do saldo remanescente nada mais do que uma porção daquele que deveria ter sido efetivamente pago já no primeiro precatório expedido, em caso desse tipo de requisição, não se afigura justo ou razoável que a parte credora tenha que aguardar mais uma vez o trâmite do precatório, quando o valor integral do débito já deveria ter sido incluído no primeiro pagamento, razão pela qual se mostra possível a expedição de RPV complementar, ainda que o pagamento original tenha sido feito por nos termos do art. 100 da CF” (TRF4, EINF 2006.72.12.000343-8, 3ª Seção, Rel. Celso Kipper, DE 19.12.2008). 972 STF, AI 618.770 AgRg, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 12.02.2008, DJe 07.03.2008. 973 Nesse sentido, a título ilustrativo: AgRg RE 565046, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 18.03.2008, DJe 18.04.2008. 974 RE 579.431, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 19.04.2017, DJe 30.06.2017. 975 Também se expressou que “Haverá incidência de juros de mora quando o pagamento ocorrer após o final do exercício seguinte à expedição no que se refere a precatórios e após o prazo previsto na Lei n. 10.259/2001 para RPVs” (Resolução/CJF 458/2017, com a redação dada pela Resolução/CJF 610/2020, art. 7º, § 3º). 976 Embora houvesse disputas doutrinárias a respeito da natureza pública ou privada do instituto da prescrição, a legislação acabou por estabelecer a possibilidade de seu reconhecimento de ofício pelo juiz. E, de fato, “a prescrição é instituto umbilicalmente relacionado à segurança jurídica e à paz social. Por mais que individualmente, em cada situação concreta, os interesses das partes litigantes – na quase totalidade dos casos, um credor e um devedor – sejam, em um primeiro momento, os únicos afetados diretamente pelo reconhecimento ou não da prescrição, em uma visão macroscópica a estabilidade das relações jurídicas interessa a toda a coletividade, transfigurando-se em matéria de ordem pública” (SANTOS, Bruno Henrique Silva. Prescrição e decadência em direito previdenciário. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 32). 977 “Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado: I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo (Redação dada pela Medida Provisória 871/2019). Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”. 978 Com a seguinte fundamentação: “O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. [...] A previsão contida no art. 10 do Decreto 20.910/32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico” (REsp 1251993/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 12.12.2012, DJe 19.12.2012). 979 Excerto de voto proferido no julgamento do RE 110.419/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ 22.09.1989. 980 Também aqui é transcrito excerto do voto acima referido, de autoria do Ministro do STF Moreira Alves. 981 Cabe notar a orientação predominante do STJ no sentido de que “A expressão ‘pensionista menor’, de que trata o art. 79 da Lei n. 8.213, de 1990, identifica uma situação que só desaparece aos dezoito anos de idade, nos termos do art. 5º do Código Civil” (REsp 1405909/AL, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, j. 22.05.2014, DJe 09.09.2014). Segundo o art. 5º do Código Civil, “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. No mesmo sentido: REsp 1513977/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.06.2015, DJe 05.08.2015). 982 Por outro lado, o art. 332, § 5º, do CPC/2015, dispõe que “o juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição”. 983 Nesse sentido: “Com o advento da Lei 11.280, de 16.2.2006, com vigência a partir de 17.5.2006, que acrescentou o § 5º ao art. 219 do CPC, o juiz poderá decretar de ofício a prescrição” (REsp 1681184/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 21.09.2017, DJe 09.10.2017). Também nesse sentido: REsp 832.258/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 03.08.2006, DJ 15.08.2006. A Lei 11.280/2006 revogou o art. 194 do Código Civil, que vedava ao juiz reconhecê-la de ofício, salvo em favor de pessoa absolutamente incapaz. 984 Na redação original deste dispositivo do CPC de 1973, estava disposto que, “Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”. 985 Nesse sentido: REsp 1681184/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 21.09.2017, DJe 09.10.2017; AgRg no AREsp 229.636/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 18.12.2012, DJe 05.02.2013; REsp 814.696/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, j. 28.03.2006, DJ 10.042006; REsp 1060388/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 18.11.2008, DJe 26.11.2008. No sentido de que a Lei 11.280/2006 não teve efeitos retroativos, de modo que inviável o reconhecimento de ofício da prescrição em processos iniciados em data anterior ao seu advento, em razão da natureza mista (material x processual) da norma: TRF4, AR 0035307-17.2010.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 13.07.2011. 986 Nesse sentido, os embargos de declaração não se prestam à apreciação de matéria nova, não veiculada anteriormente, dado que a prescrição era matéria que deveria ter sido invocada durante os graus de jurisdição ordinária. 987 STJ, AR 4.163/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, j. 11.12.2013, DJe 15.09.2014; AgRg no REsp 860.990/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 03.10.2006, DJ 06.11.2006. 988 Com efeito, “Ainda que se trate de matéria de ordem pública, não se pode analisar nessa via especial a prescrição arguida pelo agravante, uma vez que não houve prévio” (AgRg nos EREsp 1275750/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 17.10.2012, DJe 01.02.2013). 989 Nesse sentido: REsp 1681184/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 21.09.2017, DJe 09.10.2017. 990 Afinal, “não se pode, obviamente, desconstituir um ponto inexistente no acórdão rescindendo” (AgRg no AREsp 414.975/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 14.02.2017, DJe 24.02.2017). Também nesse sentido: STJ, AR 4.163/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, j. 11.12.2013, DJe 15.09.2014; TRF4, AR 5012057-59.2013.404.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Roger Raupp Rios, j. aos autos em 01.07.2016. 991 Art. 198, I, c/c art. 208, ambos do Código Civil. 992 REsp 1405909/AL, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, j. 22.05.2014, DJe 09.09.2014. No mesmo sentido: REsp 1513977/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.06.2015, DJe 05.08.2015; REsp 1479948/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 22.09.2016, DJe 17.10.2016; REsp 1783456/SC, Rel. Min. Sergio Kukina, Primeira Turma, j. 13.02.2019, DJe 15.02.2019. 993 Contudo, nos termos da legislação previdenciária, tal como interpretada pelo STJ em precedentes anteriormente referido, o direito dos menores de 18 (dezoito) está a salvo da prescrição. Esta teria o início de seu curso com a cessação da menoridade. 994 TRF4, AC 5002546-30.2016.4.04.7211, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 08.10.2018. 995 SANTOS, Bruno Henrique Silva. Prescrição e decadência contra as pessoas com deficiência após a promulgação da Lei n. 13.146/15: uma análise constitucional. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50234/prescricao-e-decadencia-contra-aspessoas-com-deficiencia-apos-a-promulgacao-da-lei-n-13-146-15-umaanalise-constitucional. Acesso em: 23 nov. 2016. 996 O início do prazo prescricional, para os ausentes, se dá apenas a partir da vigência do Novo Código Civil (11.01.2003). 997 Essa é a orientação do INSS, como se depreende do art. 364, II, “a”, 2, da Instrução Normativa 77/2015. Segundo esse dispositivo, a pensão por morte será devida desde a data do óbito, quando requerida pelo dependente menor até dezesseis anos, até trinta dias após completar essa idade (o prazo de 30 dias relaciona-se com a disciplina anterior à vigência da Lei 13.183/2015). 998 Até a vigência da Lei 9.528/97, a pensão por morte era devida desde a data do óbito, em qualquer caso. Esse diploma legal, que emprestou redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, passou a dispor que a pensão por morte seria devida desde a data do óbito apenas se requerida no prazo de 30 dias depois deste. Já a Lei 13.183/2015 deu nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, expressando que a pensão será devida desde o óbito, se requerida até 90 dias depois deste. A Medida Provisória 871/2019 alterou profundamente o quadro normativo. De acordo com o art. 74, I, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, a pensão por morte será devida a contar “do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes” (grifamos). 999 Ressalve-se que o posicionamento do STJ, tal como visto na seção anterior, é no sentido de que somente se inicia o curso do prazo prescricional com a cessação da menoridade, isto é, quando o pensionista completa 18 anos de idade. O problema do prazo para requerer o benefício e receber os valores desde o óbito persiste, porém, sendo indiferente à idade que se entenda correta para dar início ao prazo prescricional. 1000 Essa problemática, atente-se, foi alterada com o advento da Medida Provisória 871/2019, que de modo expresso estabeleceu que a pensão por morte é devida ao filho menor de dezesseis anos de idade a contar da data do óbito apenas se requerido o benefício no prazo de cento e oitenta dias a contar do óbito do segurado (Lei 8.213/91, art. 74, I, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019). 1001 Note-se, um vez mais, que o entendimento do STJ é no sentido de que o prazo prescricional para o pensionista menor apenas se inicia quando ele completa 18 anos de idade, conforme visto no tópico anterior. 1002 Lembrando que essa problemática se relaciona ao contexto normativo anterior à vigência da Medida Provisória 871/2019, que deu nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91. Sobre o regime jurídico introduzido por esse ato normativo, veja-se o item seguinte, 9.3.5. 1003 REsp 1669468/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 27.06.2017, DJe 30.06.2017. 1004 Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único. “Prescreve em 5 anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”. 1005 Código Civil, art. 198. “Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que o art. 3º”; Código Civil, art. 208. “Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I”. 1006 REsp 1770679/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 13.12.2018, DJe 19.12.2018. 1007 REsp 1697648/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 21.11.2017, DJe 19.12.2017. 1008 AgInt no REsp 1590218/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 02.06.2016, DJe 08.06.2016. 1009 REsp 1377720/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 25.06.2013, DJe 05.08.2013. Em sentido diverso, entendendo que não poderá haver retroação dos efeitos da concessão do benefício ao incapaz apenas se a pensão foi destinada inicialmente a outro membro do mesmo grupo familiar, e reconhecendo o direito a parcelas desde o óbito porque a demora do pedido se deu “tão somente em razão da necessidade do reconhecimento em juízo da união estável entre os genitores do recorrente e da paternidade”: REsp 1354689⁄PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 25.02.2014, DJe 11.03.2014. 1010 Note-se que não se encontra em discussão a hipótese em que, já existindo dependente em gozo de pensão por morte, o INSS indefere nova habilitação e é condenado judicialmente a conceder o benefício retroativamente em favor do novo dependente. Nessas situações, o pagamento realizado pelo INSS não vale, porque também devia parte do benefício ao dependente cujo pedido de pensão indeferiu. Como a entidade previdenciária operou com ilegalidade e deu causa à demora para a segunda habilitação, pagando integralmente o benefício ao dependente então habilitado, não se opera, nesses casos, a quitação. Quem pagou mal, deve pagar duas vezes. Sobre este caso específico (termo inicial da pensão por morte em face de habilitação judicial de novo dependente), veja-se item 9.1.4, supra. 1011 Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I – do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes; (redação dada pela Medida Provisória 871/2019). 1012 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Minirreforma da previdência social, p. 80. 1013 Lei 5.478/68 (dispõe sobre a ação de alimentos), art. 13, § 2º: “Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação”. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1392986/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 17.10.2013, DJe 28.10.2013; STJ, REsp 40.436/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, j. 13.06.1994, DJ 01.08.1994. 1014 No mesmo sentido: “No caso em tela, o óbito do segurado se deu em 1992, anteriormente à modificação do art. 74 da Lei n. 8.213/91, instituída pela Lei n. 9.528/97, razão pela qual aplicável, in casu, a redação original daquele dispositivo, consoante constou da decisão agravada” (AgRg no REsp 279.133/SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, j. 17.11.2005, DJ 05.12.2005). 1015 A incidência do prazo decadencial do direito de revisão dos benefícios concedidos anteriormente à vigência da MP 1.523-9/97 foi tratada no item 9.3.7.1, infra. 1016 Nesse sentido: “Não há o curso de prescrição durante a apuração e estudo da dívida, na repartição competente, provocados via requerimento do credor – art. 4º do Dec. 20.910/32, de 06.01.1932” (STF, Pleno, DJ 09.08.1991, LEX 154/5) (TRF4, Quinta Turma, AC 95.04.57766-0, Relª. Cláudia Cristina Cristofani, DJ 01.07.1998). Também nesse sentido outros precedentes deste Tribunal, v.g. Quinta Turma, AC 2001.04.01.039300-0, Rel. Des. Celso Kipper, DJ 03.11.2005; Quinta Turma, AC 2001.70.04.000659-7, Rel. Des. Victor Luiz dos Santos Laus, DJ 23.03.2005. 1017 Nesse mesmo sentido dispõe o art. 202, VI, do Código Civil. De todo modo, importante observar que “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo” (STF, Súmula 383). 1018 Nesse sentido: “O ato administrativo que, voluntariamente, revisa o valor da renda mensal de pensão por morte, acarreta a interrupção da prescrição, no que tange às diferenças pretéritas, decorrentes da revisão” (TRF4, Sexta Turma, AC 2006.71.08.009412-6, Rel. Sebastião Ogê Muniz, DJ 30.08.2007). 1019 Também nesse sentido: Turma nacional de uniformização. Previdenciário. Prescrição quinquenal. Inocorrência. Interrupção da prescrição pela citação válida do INSS em ação civil pública. Pedido de uniformização provido. 1. Atendidos os pressupostos processuais, merece conhecimento o presente Pedido de Uniformização, cujo cerne é a aplicação da prescrição na espécie – ação de cobrança de diferenças devidas a título de revisão de benefício previdenciário (correção dos 24 salários de contribuição, anteriores aos 12 últimos, pela variação OTN/ORTN) – considerando-se a interrupção havida por força da citação do INSS na ação civil pública 2001.71.00.038536-8, ainda não transitada em julgado. 2. Uma vez interrompida a prescrição decorrente de citação na ação civil pública, o prazo somente volta a correr a contar do seu trânsito em julgado, ficando suspenso durante o curso do processo. Precedentes do STJ (EDcl no REsp 511.121/MG e REsp 657.993/SP). 3. No caso dos autos não há de se falar em prescrição de quaisquer parcelas cobradas pela parte autora, que correspondem, nos termos de sua inicial, às diferenças da especificada revisão do benefício vencidas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação civil pública. Isso porque à época do ajuizamento da presente ação (abril/2006), não havendo que se falar em trânsito em julgado da ação civil pública 2001.71.00.038536-8, ainda estava suspenso o transcurso do prazo extintivo. 4. Pedido de Uniformização provido (TNU, PEDILEF 2006.71.57.00.0820-2, Rel. Juiz Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, j. 10.05.2010). 1020 Nesse sentido: “Processual civil. Recurso especial. Ação rescisória. Violação a dispositivos constitucionais. Não cabimento de recurso especial. Interrupção da prescrição. Citação válida. Processo originário. Exegese do art. 219, § 1º, do CPC. 1. A insurgência referente à suposta violação aos arts. 5º, XXXV, LIV e LV e 93, IX, da Constituição Federal, envolve matéria estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial, que está precisamente delineado no art. 105, III, da Constituição Federal. 2. Não tendo sido anulado ou considerado inexistente o processo original, objeto de ação rescisória, deve se ter como interrompida a prescrição a partir do ajuizamento da ação originária, visto que os efeitos da citação retroagem à data da propositura. 3. O Código de Processo Civil disciplina as hipóteses de interrupção da prescrição e determina como marco interruptivo a citação válida, retroagindo seus efeitos à data da propositura da ação. Ainda que a ação rescisória seja uma ação autônoma de impugnação que visa desconstituir a coisa julgada, não está desvinculada dos atos do processo originário, o qual não deixou de existir. Destarte, considerar como marco interruptivo a data da propositura da rescisória é uma exegese que penaliza o recorrente que fora infligido com julgado contrário a literal disposição de lei. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido” (REsp 1119349/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 08.09.2009, DJe 23.09.2009). 1021 Nesse sentido: “Com a edição da Portaria 714/MPAS, de 09.12.93, que reconheceu o pagamento das diferenças de meio para um salário mínimo do art. 201, 5º e 6º, da CF/88, de forma atualizada monetariamente, surgiu o direito do segurado de reclamar, em Juízo, o não pagamento de qualquer parcela de correção monetária” (REsp 392.795/PB, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 24.06.2002). 1022 Em razão do ato de reconhecimento do direito dos segurados e dependentes à revisão da renda mensal do benefício, mediante a inclusão, no fator de correção dos salários de contribuição anteriores a março de 1994, do percentual de 39,67%, referente ao Índice de Reajuste do Salário Mínimo – IRSM, do mês de fevereiro de 1994. 1023 Recorde-se que poderiam ser exigidas as diferenças encontradas a partir de 15.12.1999, isto é, as correspondentes aos cinco anos anteriores à edição da referida lei até a data do ajuizamento da ação, podendo chegar a 7 anos e meio de diferenças, a depender da data do ajuizamento da revisional. Em suma, as ações revisionais ajuizadas no período compreendido entre 16.12.2004 e 15.05.2007 poderiam propiciar diferenças correspondentes a período superior ao prazo de cinco anos estabelecido pela Lei 8.213/91, em seu art. 103, mesmo não se tratando de direito de incapaz. 1024 Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 13.08.2019, DJe 06.11.2019. 1025 Embora nossa convicção seja a de que o prazo preclusivo de que trata o art. 103, caput, da Lei 8.213/91 seja prescricional de fundo do direito (ver item 9.3.7.2, infra), são empregadas neste trabalho, indistintamente, as expressões “decadência” e “prescrição do fundo” do direito, até mesmo em função de a primeira (“decadência”) se encontrar expressamente no texto legal e nas principais decisões judiciais sobre a matéria (v.g., STF, RE 626.489, Rel. Luis Roberto Barroso, j. 16.10.2013). 1026 No artigo “O processo de reformas da previdência social brasileira como política de retração sistemática do welfare state” publicado na Revista de Previdência Social, São Paulo: LTr, n. 328, p. 197-215, mar. 2008, examinamos o processo de reformas previdenciárias realizadas a partir da década de 1990 e sua pertinência a uma política de retração sistemática do welfare state, isto é, uma persistente política de governo que coordena esforços para cortes de programas sociais com vistas à redução do déficit fiscal – promoção de eficiência econômica orçamentária. 1027 Lei 8.213/91, art. 103. “O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado: I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo”. (Redação dada pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019). 1028 ADI 6096, Rel. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 13.10.2020, DJe 26.11.2020. 1029 REsp 1326114/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 28.11.2012, DJe 13.05.2013. 1030 Sobre o tema, uma tese comumente levantada era a de que o período de decadência – ou prescrição do fundo do direito – para revisão do ato de concessão do benefício previdenciário devia ser disciplinado pela legislação vigente ao tempo da concessão do benefício, de modo que não seria aplicável a nova legislação em relação às prestações concedidas em tempo anterior à introdução do fenômeno decadencial em matéria previdenciária. E nesse sentido se encontrava consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Esta Corte já firmou o entendimento de que o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória 1.523-9, de 27.06.1997, convertida na Lei 9.528/97, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor. 2. Na hipótese dos autos, o benefício foi concedido antes da vigência da inovação mencionada e, portanto, não há falar em decadência do direito de revisão, mas, tão somente, da prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio antecedente à propositura da ação. 3. Agravo regimental improvido” (AgRg no Ag. 846.849/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 12.02.2008, DJe 03.03.2008). 1031 RE 626.489, Plenário, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 16.10.2013, DJ 23.09.2014. 1032 Na redação que a MP 1.523-9/97 emprestou ao art. 103 da Lei 8.213/91, o prazo de dez anos tem seu início “a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”. Nessas condições, “tendo em vista que a Medida Provisória foi publicada e entrou em vigor em 28.06.1997, a primeira prestação superveniente do benefício foi paga em julho de 1997. Nesse cenário, o termo inicial da prescrição é o dia 1º de agosto daquele mesmo ano” (excerto do voto do Relator). 1033 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 193, p. 30-49, jan.-mar. 1961. 1034 Parece elementar que a violação a um direito humano não seja chancelada pelo decurso do tempo, hipótese em que se estaria a admitir a alienação do direito em relação a seu titular. É intuitivo que, a qualquer tempo, possa ser invocada a tutela judicial para se fazer cessar a violação estatal de um direito humano. 1035 RE 626.489, Plenário, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 16.10.2013, DJe 23.09.2014. 1036 Súmula 443/STF: “a prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta”. 1037 Súmula 85/STJ: “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”. 1038 ADI 6096, Rel. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 13.10.2020, DJe 26.11.2020. 1039 Note-se que um conjunto de disposições constitucionais é tomado para assegurar a suficiência da cobertura previdenciária, como nos casos da garantia do valor mínimo para os benefícios que substituem o rendimento do trabalhador ou o salário de contribuição, da correção monetária de todos os salários de contribuição considerados no cálculo do benefício, e da incidência de contribuições previdenciárias sobre os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios. Essas duas últimas regras, averbese, impedem a fixação de uma renda mensal tão baixa que transforme os benefícios em prestações básicas, desvinculadas da remuneração dos segurados. Interessa observar que o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de reconhecer na garantia de valor mínimo de um benefício previdenciário a finalidade de assegurar a satisfação das necessidades vitais básicas do cidadão e de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social, ex vi, do inc. IV do art. 7º, da Constituição da República. Em outras palavras, a garantia do salário mínimo ao trabalhador procura evitar o aviltamento de sua condição socioeconômica (RE-AgRg 215527/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 27.09.2002). Com esse pensamento está a se reconhecer o direito a uma proteção suficiente – ou proteção adequada por suficiência. 1040 Nesse sentido: “A interpretação a ser dada ao instituto da decadência previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213⁄91 deve ser restritiva, haja vista que as hipóteses de decadência decorrem de lei ou de ato convencional inexistentes na espécie” (REsp 1.348.301⁄SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 27.11.2013, DJe 24.03.2014). Ainda nesse sentido: “As disposições alusivas à perda de direito pela prescrição ou decadência devem ser interpretadas restritivamente, não comportando interpretação extensiva, nem analogia” (REsp 799.744⁄DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 25.09.2006, DJ 09.10.2006. “A disposição legal acerca do prazo decadencial não pode ser ampliada pelo intérprete para emprestar ao termo “revisão do ato de concessão de benefício” entendimento diferente do que lhe é dado pelo art. 103 da Lei 8.213/91. O texto do aludido dispositivo é muito claro e não deixa dúvida quanto às hipóteses de incidência do prazo decadencial” (AgRg no REsp 1261041/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 17.12.2013, DJe 19.12.2013). 1041 ROCHA, Daniel Machado da. A prescrição e a decadência nos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. In: SAVARIS, José Antonio (coord.). Direito previdenciário: problemas e jurisprudência. Curitiba: Alteridade Editora, 2014. p. 393-419 (p. 418). 1042 Sobre isso escrevemos no item 9.3.7.3, supra. 1043 A pretensão em questão foi acolhida pela jurisprudência na forma da decisão do STF proferida quando do julgamento do RE 564.354. 1044 Confira-se, nesse sentido, acórdão que acolheu ação rescisória que buscava desconstituir anterior julgado que havia aplicado inadequadamente a regra de decadência para esses casos: “1. De acordo com o preceituado no art. 485, V, do CPC, é cabível a rescisão de decisão quando violar literal disposição de lei, considerando-se ocorrida esta hipótese no momento em que o magistrado, ao decidir a controvérsia, não observa regra expressa que seria aplicável ao caso concreto. 2. O prazo extintivo de todo e qualquer direito previsto no art. 103, caput, da Lei 8213/91 (redação dada pela MP 1.523-9, de 27.06.97, convertida na Lei n. 9528, de 10.12.97, alterada pela MP n. 1.663-15, de 22.10.98, que por sua vez foi transformada na Lei n. 9711 de 20.11.98), somente se aplica à revisão de ato de concessão do benefício previdenciário. 3. Constatada violação ao artigo 103, caput, da Lei n. 8.213/91, na medida em que não incide a decadência ou a prescrição de fundo do direito sobre a aplicação dos tetos previstos nas Ecos 20/98 e 41/03” (TRF4, AR 0000628-20.2012.404.0000, Terceira Seção, Rel. Roger Raupp Rios, j. 03.11.2014, DE 11.11.2014). 1045 No mesmo sentido, a título ilustrativo: “PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. TETOS. EMENDAS CONSTITUCIONAIS 20/98 E 41/2003. DECADÊNCIA. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA. 1. É pacífico o entendimento deste Tribunal no sentido de que o disposto no art. 103 da Lei 8213/91 não se aplica à revisão de benefício com base nos valores dos tetos estabelecidos pela Emendas 20/98 e 41/03, que não cuida de alteração do ato de concessão do benefício, mas de readequação do valor da prestação a partir da entrada em vigor dos novos tetos. 2. Toda vez que for alterado o teto dos benefícios da Previdência Social, este novo limitador deve ser aplicado sobre o mesmo salário de benefício apurado por ocasião da concessão, reajustado (até a data da vigência do novo limitador) pelos índices aplicáveis aos benefícios previdenciários, a fim de se determinar, mediante aplicação do coeficiente de cálculo, a nova renda mensal que passará a perceber o segurado. 3. Entendimento que também se aplica aos benefícios concedidos antes da vigência da Constituição Federal de 1988, época em que a legislação previdenciária também estabelecia tetos a serem respeitados, no caso o menor e o maior valor teto, aplicáveis ao valor do salário de benefício (arts. 21 e 23 da CLPS/84, arts. 26 e 28 da CLPS/76 e art. 23 da LOPS)” (TRF4 5033652-75.2017.4.04.0000, 3ª S. Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique, j. 27.10.2017). 1046 A tese da “desaposentação” foi recusada pelo STF quando do julgamento do RE 661.256 (Rel. Min. Roberto Barroso, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27.10.2016, DJe 28.09.2017 – Repercussão Geral – Tema 503). 1047 Nesse sentido decidiu o STJ, de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia (REsp 1348301/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 27.11.2013, DJe 24.03.2014). 1048 TRF4, AC 0015183-18.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, DJe 19.12.2013. 1049 Igualmente nesse sentido: “1. A decadência prevista no artigo 103 da Lei 8.213/91 não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo que apreciou o pedido de concessão do benefício. Isso pelo simples fato de que, como o prazo decadencial limita a possibilidade de controle de legalidade do ato administrativo, não pode atingir aquilo que não foi objeto de apreciação pela Administração. 2. Anulada a sentença, deverão os autos retornar para prosseguimento da instrução” (TRF4, AC 0021055- 14.2012.404.9999, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 05.11.2013, DE 19.11.2013). 1050 AgRg no REsp 1407710/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 08.05.2014, DJe 22.05.2014. 1051 EDcl no AgRg no REsp 1431642/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 25.11.2014, DJe 02.12.2014. 1052 REsp 1429312/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21.05.2015, DJe 28.05.2015. 1053 AgInt no AgRg no REsp 1399836/SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 02.05.2017, DJe 12.05.2017. 1054 Com efeito, a orientação de constitucionalidade da decadência do direito à revisão de benefício pelo STF, fundamentada nos princípios da segurança jurídica e da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, aplicar-se-ia perfeitamente aos casos de ações revisionais fundadas em fatos não ventilados na esfera administrativa. 1055 REsp 1648336/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 11.12.2019, DJe 04.08.2020 – Tema 975. 1056 Sobre os efeitos das decisões da justiça do trabalho no direito previdenciário, veja-se o Capítulo 8, infra. 1057 O provimento jurisdicional, nesses casos, limita-se à seara previdenciária, averbe-se. 1058 Sobre nosso entendimento de inconstitucionalidade de prazo para cessação de lesão estatal a direito humano e fundamental, veja-se o item 9.3.7.3, supra. 1059 Em nossa classificação, a pretensão de obtenção de do direito ao melhor benefício corresponde à ação de substituição de benefício ou retroação à DIB (simulada) mais benéfica. Sobre o tema, veja-se o item 6.2.2, supra. 1060 REsp 1640865/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 16.02.2017, DJe 07.03.2017. 1061 REsp 1631021/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 13.02.2019 – Tema 966. 1062 Art. 144: “Até 1º de junho de 1992, todos os benefícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social, entre 5 de outubro de 1988 e 5 de abril de 1991, devem ter sua renda mensal inicial recalculada e reajustada, de acordo com as regras estabelecidas nesta Lei. Parágrafo único. A renda mensal recalculada de acordo com o disposto no caput deste artigo, substituirá para todos os efeitos a que prevalecia até então, não sendo devido, entretanto, o pagamento de quaisquer diferenças decorrentes da aplicação deste artigo referentes às competências de outubro de 1988 a maio de 1992”. 1063 Art. 145: “Os efeitos desta Lei retroagirão a 5 de abril de 1991, devendo os benefícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social a partir de então, terem, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, suas rendas mensais iniciais recalculadas e atualizadas de acordo com as regras estabelecidas nesta Lei”. 1064 Nesse sentido dispunha o art. 438 da Instrução Normativa 45/2010: “Não se aplicam às revisões de reajustamento e às estabelecidas em dispositivo legal, os prazos de decadência de que tratam os arts. 103 e 103A da Lei 8.213/91”. Já a Instrução Normativa 77/2015 suprimiu essa possibilidade, passando a dispor que “Não se aplicam às revisões de reajustamento os prazos de decadência de que tratam os arts. 103 e 103-A da Lei 8.213/91” (art. 565). 1065 Não se trata, nessas hipóteses, de renúncia à decadência, mas de não incidência desse prazo extintivo de direito, já que a revisão de benefício deve ocorrer por força de lei. 1066 Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 13.08.2019, DJe 06.11.2019. 1067 EREsp 1605554/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. p/ Acórdão Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, j. 27.02.2019, DJe 02.08.2019. 1068 Nesse sentido também se encontrava: “O início do prazo decadencial se deu após o deferimento da pensão por morte, em decorrência do princípio da actio nata, tendo em vista que apenas com o óbito do segurado adveio a legitimidade da parte recorrida para o pedido de revisão, já que, por óbvio, esta não era titular do benefício originário, direito personalíssimo” (REsp 1.529.562/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 20.08.2015, DJe 11.9.2015). E ainda, no mesmo sentido: “É entendimento assente na Segunda Turma deste Superior Tribunal de que o início do prazo decadencial para revisão do valor do benefício originário da pensão por morte se dá após o deferimento desta, em decorrência do princípio da actio nata, tendo em vista que apenas com o óbito do instituidor adveio a legitimidade da pensionista para o pedido de revisão, já que, por óbvio, não era titular do benefício originário de seu marido, direito personalíssimo” (REsp 1675120/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 03.08.2017, DJe 09.08.2017). 1069 O texto objeto de transcrição corresponde a excerto de decisão do Min. Sergio Kukina, proferida no REsp n. 1.605.554/PR, que originou os Embargos de Divergência que seriam julgados pela 1ª Seção do STJ. Ainda nessa linha de compreensão: REsp 1.643.274/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 13/9/2017; AgInt no REsp 1643190/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 19.10.2017; AREsp 193.798/BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 3/8/2012; AgInt no REsp 1.581.850/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 09.12.2016. 1070 No âmbito dos Juizados Especiais Federais, a TNU apresentava compreensão de que, tratando-se de benefícios diversos, um derivado e outro originário com repercussão no cálculo daquele, os prazos deveriam ser apurados de forma autônoma (PEDILEF n. 2008.50.51.001325-4, Rel. Juiz Adel Américo Dias de Oliveira, j. 27.06.2012. Em razão do posicionamento assumido pelo STJ, foi alterada a orientação do colegiado uniformizador quando do julgamento do PUIL n. 5056680-63.2013.4.04.7000/PR, Rel. Juiz Guilherme Bollorini Pereira, j. 27.05.2019). 1071 Sobre a orientação do Supremo Tribunal Federal firmada quando do julgamento do RE 626.489 e as críticas contra ela levantadas nesse trabalho, veja-se o item 9.3.7.4, supra. Veja-se ainda o item 2.1.1, sobre o princípio da não preclusão e a imprescritibilidade do direito previdenciário. 1072 Tanto é assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça decidirá, quando do julgamento do Tema 1.057, sobre a legitimidade ativa ad causam dos dependentes e sucessores para postular revisão da aposentadoria do falecido, buscando os créditos correspondentes. Eis o objeto de controvérsia do Tema 1.057 do STJ: “Possibilidade do reconhecimento da legitimidade ativa ad causam de pensionistas e sucessores para, em ordem de preferência, propor, em nome próprio, à falta de requerimento do segurado em vida, ação revisional da aposentadoria do de cujus, com o objetivo de redefinir a renda mensal da pensão por morte – quando existente – e, por conseguinte, receber, além das diferenças resultantes do recálculo do eventual pensionamento, os valores devidos e não pagos pela administração ao instituidor quando vivo, referentes à readequação do benefício originário, a teor do disposto no art. 112 da Lei 8.213/1991” (ProAfR no Recurso Especial n. 1.856.967-ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, Sessão Virtual de 17.06.2020 a 23.06.2020). 1073 A desinformação como estigma do operariado foi apontada, magistralmente, pelo Min. Humberto Gomes de Barros, quando do julgamento do Recurso Especial 13.392-0/PE, pela Primeira Turma do STJ, em 17.03.1993 (DJ 26.04.1993). 1074 A outra solução possível seria a liquidação dos haveres no próprio processo em que concedida a tutela de urgência. Nesse sentido: “Havendo no ordenamento jurídico expressa previsão de execução, nos próprios autos, de parcelas recebidas em antecipação de tutela jurisdicional posteriormente cassada, plenamente possível o ajuizamento da execução correspondente. Inteligência dos artigos 273, § 3º, e 588, incs. III e IV, do Código de Processo Civil” (TRF, Nona Turma, Terceira Região, AC 97.03.069511-6, Relª. Desª. Marisa Santos, j. 13.09.2004, DJ 05.11.2004). 1075 Nesse sentido, o STJ recentemente editou sua Súmula 621: “Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”. Isto é, por força da irrepetibilidade, eventual revogação – ou redução – do valor dos alimentos provisórios não autoriza a compensação ou a devolução das importâncias antecipadas que posteriormente foram consideradas indevidas. Na doutrina civilista, predomina o entendimento no sentido de não se admitir a repetição dos alimentos (v.g., CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 8. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 106-107; GOMES, Orlando. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 408. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5. p. 566-577). 1076 Esse ângulo da questão foi muito bem tratado em: CHIAVASSA, Tércio. Tutelas de urgência cassadas: a recomposição do dano. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 265-272. Tratando do que considera “o mito da irrepetibilidade dos alimentos prestados”, o autor traz ampla referência doutrinária sobre o tema, sustentando, no contexto do direito de família, que mesmo na ausência de regra material específica a impor a devolução por parte do alimentando, o dever de devolução se fundamenta em regra processual que determina a indenização ao alimentante ou o retorno ao status quo ante, no caso de revogação da medida judicial que determinou o pagamento dos alimentos provisórios. Afinal, “aquele que se aproveitou de uma tutela de urgência e que tenha causado dano ao seu adversário deverá repará-lo. É o risco desse jogo. E o Estado deverá ser atuante para alcançar tal desiderato, mantendo assim a neutralidade que cabe ao processo perante as relações sociais” (p. 272). 1077 DIAS, Maria Berenice. Dois pesos e duas medidas para preservar a ética: irrepetibilidade e retroatividade do encargo alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1393, 25 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9790. Acesso em: 8 fev. 2019. 1078 CATALAN, Marcos; CERUTTI, Eliza. Alimentos, irrepetibilidade e enriquecimento sem causa: uma proposta de convergência de figuras aparentemente excludentes. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 419, p. 31-54, 2012. p. 32-33. 1079 CATALAN, Marcos; CERUTTI, Eliza. Alimentos, irrepetibilidade e enriquecimento sem causa, p. 32-33. 1080 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 347. 1081 CATALAN, Marcos; CERUTTI, Eliza. Alimentos, irrepetibilidade e enriquecimento sem causa, p. 33. 1082 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Pensão alimentícia e colação: uma conciliação entre irrepetibilidade dos alimentos, a solidariedade familiar e o direito sucessório. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, jun./2015 (Texto para Discussão n. 177). p. 11. Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em: 24 jun. 2015. 1083 STF, AI 841473 RG, Rel. Min. Ministro Presidente, j. 16.06.2011, DJe 01.09.2011 – Repercussão Geral – Tema 425. 1084 STF, ARE 722421 RG, Rel. Ministro Presidente, j. 19.03.2015, DJe 30.03.2015 – Repercussão Geral – Tema 799. 1085 Como se verifica: “A Terceira Seção desta Corte, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário. Aplica-se, in casu, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos” (Quinta Turma, REsp 771.993/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 03.10.2006, DJ 23.10.2006, p. 351). Mais recentemente, no mesmo sentido: AgRg no Ag 1421204/RN, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 27.09.2011, DJe 04.10.2011; STJ, AgRg no AREsp 22.854/PR, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Des. Convocado do TJ/RS), Sexta Turma, j. 20.10.2011, DJe 09.11.2011; STJ, AgRg no Ag 1249809/RS, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, j. 17.03.2011, DJe 04.04.2011. 1086 Nesse sentido, a título ilustrativo: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, as importâncias relativas a benefício previdenciário, recebidas em decorrência de decisão judicial posteriormente rescindida, não são passíveis de restituição, haja vista a boa-fé do segurado no seu recebimento. 4. Ação rescisória julgada procedente em parte” (STJ, AR 4.287/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, j. 12.06.2013, DJe 25.06.2013). 1087 Nesse sentido se encontrava a orientação das duas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ: “2. A jurisprudência pacífica do STJ é no sentido da impossibilidade de devolução, em razão do caráter alimentar aliado à percepção de boa-fé dos valores percebidos por beneficiário da Previdência Social, por erro da Administração, aplicando ao caso o princípio da irrepetibilidade dos alimentos” (REsp 1666526/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.05.2017, DJe 16.06.2017); “1. Esta Corte tem o entendimento de que, em face da hipossuficiência do segurado e da natureza alimentar do benefício, e tendo a importância sido recebida de boa-fé por ele, mostra-se inviável impor ao beneficiário a restituição das diferenças recebidas. [...]” (AgInt no REsp 1441615/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 09.08.2016, DJe 24.08.2016). Mais recentemente, porém, o STJ conferiu mais precisão a seu entendimento, expressando ser possível, em determinados casos, a cobrança de valores recebidos indevidamente pelo segurado, em decorrência de erro da Administração: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo, material ou operacional, não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de 30% do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove a sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido” (REsp 1381734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 10.03.2021 – Tema 979). De todo modo, foram modulados os efeitos da decisão, para que a tese seja aplicável apenas nas demandas propostas em primeira instância após a publicação do aludido acórdão. 1088 Nesse sentido, a título ilustrativo: “1. Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas (2ª Seção, EREsp 1.118.119/RJ). 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (AgRg nos EREsp 1256881/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 25.11.2015, DJe 03.12.2015). No mesmo sentido: REsp 1318844/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 07.03.2013, DJe 13.03.2013. Mais recentemente foi editada a Súmula 621 do STJ: “Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”. 1089 No sistema dos Juizados Especiais Federais, lembre-se, a tutela de urgência pode ser concedida de ofício (Lei 10.259/2001, art. 4º). 1090 Na maioria das vezes, a revogação não se dá porque outros elementos probatórios alteram substancialmente o conjunto probatório, mas por uma diferente compreensão de outro órgão jurisdicional a respeito do mesmo problema concreto. 1091 Da mesma forma, a tutela de urgência, disposta no art. 300 do CPC/2015, exige evidenciação da probabilidade do direito. 1092 Revelava-se incensurável, portanto, a súmula 51 da TNU: “Os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da boa-fé no seu recebimento”. Sem embargo, esse enunciado sumular culminou por ser revogado em decorrência da orientação do STJ, que foi reafirmada recentemente quando de julgamento de recurso oriundo do sistema dos Juizados Especiais Federais: “Outrossim, insta salientar que, para efeitos de necessidade de restituição dos valores indevidamente recebidos por força de medida de urgência posteriormente revogada, não há qualquer distinção entre os benefícios implantados em virtude de requerimento formulado pela parte, de tutela concedida ex officio, alegação que foi expressamente enfrentada e dirimida no julgamento dos embargos de declaração acima mencionados. Portanto, verifica-se que o entendimento adotado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, fundado no enunciado 51 de sua súmula de jurisprudência dominante ‘os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da boa-fé no seu recebimento’ contraria frontalmente a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 692 dos recursos repetitivos ‘a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos’” (STJ, Pet 10.996, Min. Mauro Campbell Marques, j. 12.06.2017, DJe 26.06.2017). 1093 ARE 722421 RG, Rel. Ministro Presidente, j. 19.03.2015, DJe 30.03.2015 – Repercussão Geral – Tema 799. 1094 Essa decisão da Primeira Turma se encontra no mesmo sentido de outros precedentes (v.g., AI 808263 AgRg, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 30.08.2011, DJe 16.09.2011; AI 791673 AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 19.10.2010, DJe 17.11.2010). Mais recentemente, encontra-se o seguinte precedente: “1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei n. 8.213/1991. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE 734242 AgRg, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 04.08.2015, DJe 08.09.2015). 1095 ED no RE 791.691, Rel. Min. Dias Toffoli, Sessão Virtual de 11.02.2021 a 23.02.2021. 1096 MS 33472 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j. 25.08.2017, DJe 18.09.2017. 1097 MS 26125 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 02.09.2016, DJe 26.09.2016. 1098 ARE 734242 AgR, Rel. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 04.08.2015, DJe 08.09. 2015. 1099 Lei 8.213/91, art. 115, § 5º, com a redação dada pela Lei 13.846/2019: De acordo com o art. 27 do Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): “A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. § 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos”. 1100 A Medida Provisória 871/2019 trazia ainda mais duas disposições, as quais não foram convertidas em lei, porém. De um lado, estabelecia que a alienação ou a oneração de bens ou rendas, ou o início de um desses processos, por beneficiário ou responsabilizado inscrito em dívida ativa, seria presumida fraudulenta (Lei 8.213/91, art. 115, § 6º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019). De outro lado, veiculava nova exceção à cláusula de impenhorabilidade do bem de família, disposta pela Lei 8.009/90. Nos termos do art. 3º, VIII, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, a impenhorabilidade não seria mais oponível à “cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos”. 1101 CF/88, art. 100, § 1º. “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”. 1102 Essa argumentação foi realizada, originariamente, para caracterizar a natureza alimentar dos salários (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 708). 1103 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira; NUNES, Flávio Filgueiras. A irrepetibilidade dos benefícios previdenciários em razão da reversão da tutela antecipada. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, n. 18, p. 7280, dez./jan. 2014 (p. 73-74). 1104 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 30, p. 97-124, abr./jun. 1999. p. 117-118. 1105 Sobre a irreversibilidade e definitividade do pagamento de benefício concedido por força de tutela provisória em matéria previdenciária, veja-se o item 10.6.2.1, infra. 1106 TRF4, APELREEX 5000246-07.2011.404.7200, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 18.09.2013. 1107 REsp 1338912/SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 23.05.2017, DJe 29.05.2017. 1108 REsp 1350804/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 12.06.2013, DJe 28.06.2013. A inadequação da via da execução fiscal, segundo o STJ, residia no fato de que o débito relativo a valores percebidos indevidamente a título de benefício previdenciário não se amoldaria ao conceito de dívida ativa, tributária ou não tributária, nos termos do art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/64, e arts. 2º e 3º da Lei n. 6.830/80, pois inexistia previsão legal específica em tal sentido. 1109 A Medida Provisória 780, de 19.05.2017, foi publicada e entrou em vigor em 22.05.2017. 1110 A Medida Provisória 871, de 18.01.2019, foi publicada e entrou em vigor em 18.01.2019. 1111 Consoante antes registramos, o procedimento administrativo de identificação e responsabilização do terceiro beneficiado será disciplinado em regulamento, nos termos da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99) e do art. 27 do Decreto-Lei 4.657/42, com a redação dada pela Lei 13.655/2018 (Lei 8.213/91, art. 115, § 5º, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019). 1112 Nesse sentido: “A ausência de notificação do devedor para acompanhar o procedimento administrativo e oferecer defesa é vício que nulifica a certidão da dívida ativa, sob pena de cerceamento de defesa. 3. No caso dos autos não houve notificação efetiva do devedor. A mera intimação para efetuar o pagamento do débito, ou mesmo, o edital de notificação extrajudicial para pagamento de anuidades publicado em jornais não devem ser confundidos com notificação para acompanhamento da fase administrativa de inscrição em dívida ativa” (TRF4, AC 500238243.2017.4.04.7207, Segunda Turma, Rel. Andrei Pitten Velloso, juntado aos autos em 30.08.2018). 1113 É o que dispõe o art. 6º da LINDB: “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. O ato administrativo de inscrição em dívida ativa é, portanto, regido pela lei vigente ao tempo da sua realização. Por outro lado, é possível a aplicação analógica do art. 144 do CTN, in verbis: “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”. 1114 EREsp 823.011/RS, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 14.02.2007, DJ 05.03.2007. 1115 Por isso se entende que “A substituição da CDA a partir da invocação de novo fundamento legal para a cobrança da dívida implica a realização de novo lançamento, oportunizando-se ao contribuinte o oferecimento de impugnação pela via administrativa. Precedentes desta Corte e do STJ” (TRF4, AC 5000206-89.2016.4.04.7219, Primeira Turma, Rel. Francisco Donizete Gomes, juntado aos autos em 28.08.2020). 1116 REsp 1045472/BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 25.11.2009, DJe 18.12.2009. 1117 REsp 1045472/BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 25.11.2009, DJe 18.12.2009. 1118 ProAfR no REsp 1860018/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 15.09.2020, DJe 22.09.2020. Determinou-se, ademais, a suspensão do julgamento de todos os processos envolvendo a matéria (art. 1.037, II, do CPC/2015). O Tema 1.064 do STJ tem como objeto a “possibilidade de inscrição em dívida ativa para a cobrança dos valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário: verificação da aplicação dos §§ 3º e 4º, do art. 115, da Lei n. 8.213/91 aos processos em curso”. 1119 RE 669.069, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03.02.2016, DJ-e 28.04.2016 – Tema 666. 1120 REsp 1251993/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 12.12.2012, DJe 19.12.2012. 1121 Por exigência da igualdade, compreende-se que deve haver um paralelo entre o prazo de que dispõe o particular para demandar a Administração, com o período que teria esta contra aquele. 1122 REsp 1.499.511/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 23.6.2015, DJe 5.8.2015; REsp 1825103/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 12.11.2019, DJe 22.11.2019. 1123 AgRg no REsp 1.365.905/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 20.11.2014, DJe 25.11.2014. Entendeu-se incabível, portanto, a tese do INSS no sentido de que o lapso prescricional não atingiria o fundo de direito, mas apenas as prestações anteriores ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação ressarcitória, por isonomia ao art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91. 1124 Art. 120. “A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de: I – negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; II – violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006”. 1125 Lei 6.830/80, art. 2º, § 3º. “A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”. 1126 Com efeito, “A ideia de preferência estabelecida no art. 112 da Lei 8.213/91 parte do princípio de que os valores a que o de cujus faria jus reverteriam para a sua subsistência e a de seus dependentes, o que implica não perderem este caráter após o óbito. Logo, esses valores devem reverter em favor dos dependentes como forma de preservar o princípio da necessidade à subsistência” (TRF4, Ag. 0013066-78.2012.404.0000, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, DE 05.11.2013). 1127 Mas, a regra pode gerar algumas perplexidades que conduzem à reflexão sobre sua adequação, como no caso em que os valores não recebidos em vida pelo segurado são pagos ao ex-cônjuge divorciado, mas não aos filhos que contam com mais de 21 anos de idade e, embora sucessores na forma da lei civil, não detêm a condição de dependente ao tempo do óbito. 1128 Com mais razão, os dependentes detêm legitimidade ativa ad causam para postularem judicialmente, de modo originário, revisão de pensão por morte de sua titularidade, mediante reconhecimento de que a aposentadoria de que o falecido era titular era paga em valores inferiores ao devido. Notese que, nesses casos, sequer se pretende a revisão propriamente dita da aposentadoria, com o pagamento das diferenças decorrentes. Nesse sentido: “Dessa forma, o “cônjuge pensionista é parte legítima para pleitear em juízo eventuais diferenças no benefício recebido, ainda que a correção dos valores incida na RMI do benefício originário do de cujus”. Isso porque, “Pensionista que busca em juízo diferenças no benefício já em manutenção, ao qual tem direito, pleiteia em nome próprio direito próprio, não havendo que se cogitar de ofensa ao art. 6º do CPC” (REsp 246498/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, j. 11.09.2001, DJ 15.10.2001). 1129 EREsp 466.985/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, Terceira Seção, j. 23.06.2004, DJ 02.08.2004. Nesse mesmo sentido, mais recentemente: “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS PARA O RECEBIMENTOS DOS VALORES NÃO PAGOS EM VIDA AO SEGURADO. ARTIGO 112 DA LEI 8.213/1991. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A aplicação do artigo 112 da Lei 8.213/1991 não se restringe à Administração Pública, sendo aplicável também no âmbito judicial. Precedentes. 2. O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus sucessores na forma da lei civil, na falta de dependentes habilitados à pensão por morte. Inteligência do artigo 112 da Lei n. 8.213/1991. 3. Recurso especial não provido” (REsp 1596774/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21.03.2017, DJe 27.03.2017). 1130 CPC/2015, art. 110. “Ocorrendo a morte de qualquer das partes, darse-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º”. O CPC/1973 já dispunha, em seu art. 43: “Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 265”. 1131 O art. 462 do CPC/1973 veiculava texto essencialmente idêntico. 1132 REsp 53.765/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, j. 04.05.2000, DJ 21.08.2000. 1133 Sobre a possibilidade de concessão de benefício distinto daquele postulado na petição inicial, sem que se viole o princípio da vinculação da sentença ao pedido, veja-se os itens 1.7.2 e 2.3.3.3, supra. 1134 Nesse mesmo sentido, contextualizando a disputa jurisprudencial sobre o tema: “Comprovados os requisitos para a aposentadoria por invalidez e sobrevindo o óbito da parte autora no curso do processo, possível a conversão desse benefício em pensão por morte, não caracterizando julgamento ultra ou extra petita, por ser este benefício consequência daquele” (TRF4, EINF 2005.70.11.000646-0, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, DE 14.12.2011). Nada obstante, se é a própria condição de dependente objeto de controvérsia, como ocorre, por exemplo, nos casos em que a Administração Previdenciária não reconhece a união estável da companheira ou a dependência econômica da mãe, o processo pode ser suspenso a requerimento da parte até que seja definida a condição de dependente em ação própria. 1135 No mesmo sentido: “Comprovados os requisitos para a aposentadoria por invalidez e sobrevindo o óbito da parte autora no curso do processo, possível a conversão desse benefício em pensão por morte, não caracterizando julgamento ultra petita, por ser este benefício consequência daquele” (REsp 1108079/PR, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 11.10.2011, DJe 03.11.2011). 1136 Nos termos da legislação previdenciária, o termo inicial da pensão por morte do menor incapaz é devida desde o óbito, independentemente da data do requerimento administrativo, até a vigência da Medida Provisória 871/2019, que emprestou nova redação ao art. 74, I, da Lei 8.213/91, passando a estabelecer o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data do óbito do segurado, para que o menor incapaz receba a pensão por morte com efeitos retroativos ao óbito. Ultrapassado esse prazo especial, o benefício será devido desde a data do requerimento administrativo. Sobre o termo inicial da pensão por morte ao filho menor de dezesseis anos de idade na vigência da MP 871/2019, veja-se o item 9.3.5, supra. 1137 ProAfR no REsp 1856967/ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, j. 23.06.2020, DJe 29.06.2020. 1138 Observe-se que o art. 313, II, do CPC, condiciona a sucessão processual à transmissibilidade do direito em litígio. Note-se, outrossim, que os créditos previdenciários podem ser cedidos a terceiro. Nesse sentido, a título meramente ilustrativo: “Conforme analisado na decisão liminar, de acordo com a orientação jurisprudencial, ‘após do advento da Emenda Constitucional 62/2009, que incluiu ao artigo 100 da Constituição os §§ 13 e 14, inexiste vedação à cessão de créditos de precatório, ainda que originado de ação previdenciária’” (TRF4, Ag. 5043766-05.2019.4.04.0000, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Sebastião Ogê Muniz, juntado aos autos em 19.02.2020). Ainda nesse sentido: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS. JURISPRUDÊNCIA DA 3ª SEÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Segundo entendimento atual das Turmas da 3ª Seção desta Corte, dando interpretação ao § 13 do art. 100, da Constituição, é válido o instrumento de cessão de créditos previdenciários, a despeito do disposto no art. 114 da Lei 8.213/91, que não teria subsistido à EC 62/2009. 2. Admitida a habilitação do cessionário dos créditos previdenciários nos autos do processo em que expedido o precatório em favor do segurado” (TRF4, Ag. 503899751.2019.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 06.05.2020). 1139 TRF4, AC 0007920-66.2011.404.9999, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DE 09.12.2011 (excerto do voto do Relator). 1140 Sem embargo, sob entendimento de que o direito à concessão de aposentadoria é personalíssimo – que se extingue com o falecimento do titular –, o STJ já decidiu que a esposa do falecido segurado não detém legitimidade ativa ad causam para postular em juízo o recebimento de valores devidos e não recebidos pelo de cujus, quando este não buscou em vida a concessão da aposentadoria por invalidez na via administrativa ou judicial (STJ, AgRg no REsp 1107690/SC, Relª. Minª. Alderita Ramos de Oliveira (Desª. Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, j. 04.06.2013, DJe 13.06.2013). 1141 No mesmo sentido: ”[...] 2. ‘O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento’ (Lei 8.213/91, art. 112). 3. Em sendo certo, para a administração pública, a titularidade do direito subjetivo adquirido mortis causa e a sua representação, no caso de pluralidade, tem incidência o art. 112 da Lei 8.213/91, que dispensa a abertura de inventário, nomeação de inventariante ou alvará judicial de autorização (REsp 461.107/PB, da minha relatoria – DJ 10.02.2003)” (Sexta Turma, REsp 546.497/CE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 15.12.2003). Ainda nesse sentido: “Recurso especial. Previdenciário. Art. 112 da Lei 8.213/91. Legitimidade de herdeiro para ajuizar ação para percepção de valores não recebidos em vida pelo segurado falecido. Inventário ou arrolamento. Desnecessidade. Prescreve o mencionado art. 112 da Lei 8.213/91, ad litteram: “O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento”. Como se observa, poderão os valores devidos e não pagos ao segurado falecido ser percebidos pelos seus dependentes ou sucessores, desde que, evidentemente, provada essa condição, independentemente de inventário ou arrolamento. A letra da lei é clara e, a bem da verdade, apenas ratifica regra que já estava consagrada no regime previdenciário anterior (reproduzida no art. 212 do Decreto 83.080/79). Em suma, o artigo consagra verdadeira exclusão do ingresso dos valores no espólio e introduz regra procedimental e processual específica que afasta a competência do Juízo de Sucessões, conferindo legitimação ativa ao herdeiro ou dependente para, em nome próprio e em ação própria, postular o pagamento das parcelas. De lado outro, a tese de que o mencionado artigo somente teria aplicação em sede administrativa não parece, salvo melhor juízo, procedente. Recurso desprovido” (Quinta Turma, REsp 603.246/AL, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 16.05.2005). 1142 Confira-se precedente da Sexta Turma do TRF da Quarta Região: “1. Em face da autorização prevista no art. 112 da Lei de Benefícios, os dependentes do segurado devem ser admitidos à propositura da ação e à habilitação nos autos, independentemente de inventário ou arrolamento. 2. Hipótese em que, tendo o falecido deixado esposa e cinco filhos, todos atualmente maiores de idade, cabe à viúva ocupar o pólo ativo da execução [...]” (TRF4, Sexta Turma, Ag. 2006.04.00.003336-6, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 13.11.2007). E, mais recentemente: “A dependente habilitada à pensão por morte detém legitimidade para postular valores da aposentadoria requerida em vida pelo segurado e indeferida na via administrativa” (TRF4, Sexta Turma, AC 2006.72.01.052205-8, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 12.05.2010). Nesse mesmo sentido: “Os dependentes ou sucessores de extitular de benefício previdenciário têm legitimidade processual para pleitear valores não recebidos em vida pelo de cujus, independentemente de inventário ou arrolamento de bens. Precedentes do STJ” (STJ, AgRg no REsp 1197447/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.10.2010, DJe 02.02.2011). 1143 Nesse mesmo sentido: TRF3, Oitava Turma, AI 2006.03.00.087797-9, Relª. Juíza Terezinha Cazerta, DJ 24.10.2007; TRF3, Sétima Turma, AI 2000.03.00.024106-2, Relª. Juíza Eva Regina, DJ 05.07.2007. Interessante decisão judicial reconhece, de outro ângulo, que “O espólio da pensionista da dependente habilitada à pensão por morte, tem legitimidade ativa para propor ação em nome próprio a fim de pleitear determinada forma de reajuste da aposentadoria por tempo de serviço pertencente ao segurado finado, com reflexos da pensão da mãe falecida, visto que tal direito integrase ao patrimônio do morto e transfere-se aos sucessores, por seu caráter econômico e não personalíssimo”. No caso específico, foi alcançado este entendimento a partir de “Inteligência do art. 112 da Lei 8.213/91 em consonância com os princípios da solidariedade, proteção social dos riscos e moralidade, sob pena do enriquecimento injustificado da Autarquia Previdenciária” (TRF4, AC 2005.71.00.028942-7, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJ 06.05.2010). 1144 Impõe-se ressalvar que a regra do art. 112 da Lei 8.213/91 é inaplicável para a busca de valores não recebidos em vida pelo de cujus a título de benefício assistencial (LOAS), uma vez que essa norma disciplina apenas o recebimento das verbas de natureza previdenciária. Além disso, é difícil cogitar-se em efetiva dependência econômica (em termos previdenciários) de familiares em relação ao idoso ou à pessoa com deficiência que não tinha condições de prover a sua manutenção, senão pela intervenção da Assistência Social. Isso não significa dizer que os valores não recebidos em vida por aquele que tinha o direito ao benefício assistencial, em face do caráter personalíssimo da prestação assistencial, não devam ser pagos aos herdeiros do de cujus. Uma coisa é se dizer que o benefício é personalíssimo – e que, em razão disso, não pode ser convertido em pensão por morte. Outra, bastante distinta, é dizer que tais valores, embora devidos, jamais integram o patrimônio jurídico de seu titular, a ponto de não serem transmissíveis a seus herdeiros, o que seria inaceitável. Nesse sentido: “A Turma Nacional de Uniformização já assentou que ‘a despeito do caráter personalíssimo do benefício assistencial, há que se reconhecer a possibilidade de pagamento dos atrasados aos sucessores do demandante falecido no curso do processo’ porquanto ‘não se poderia premiar o Estado por uma conduta duplamente censurável: I) por não haver concedido o benefício a quem dele necessitava; e II) por não haver julgado o processo a tempo de propiciar o pagamento dos atrasados ao cidadão inválido (PEDILEF 2006.38.00.748812-7 – Relª. Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira – DJU de 30.01.2009) [...]’” (PEDILEF 200738007142934, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna, 13.09.2010, DOU 20.01.2011). Também nesse sentido: TRF4, AC 2009.71.99.003665-7, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 16.06.2011. 1145 Nesse mesmo sentido: “[...] I. Na forma da pacífica jurisprudência do STJ, por se tratar de direito patrimonial disponível, o segurado pode renunciar à sua aposentadoria, com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, sendo certo, ainda, que tal renúncia não implica a devolução de valores percebidos (REsp 1.334.488/SC, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC). II. Contudo, faz-se necessário destacar que o aludido direito é personalíssimo do segurado aposentado, pois não se trata de mera revisão do benefício de aposentadoria, mas sim, de renúncia, para que novo e posterior benefício, mais vantajoso, seja-lhe concedido. Dessa forma, os sucessores não têm legitimidade para pleitear direito personalíssimo, não exercido pelo instituidor da pensão (renúncia e concessão de outro benefício), o que difere da possibilidade de os herdeiros pleitearem diferenças pecuniárias de benefício já concedido em vida ao instituidor da pensão (art. 112 da Lei 8.213/91)” (AgRg no AREsp 436.056/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 03.03.2015, DJe 10.03.2015). 1146 Também vale a pena transcrever a ementa seguinte, pelos fundamentos aportados: “Tributário. Ação revisional de benefício previdenciário. Valor mensal do benefício isento de imposto de renda. Parcelas atrasadas recebidas acumuladamente. Não tributação. 1. O pagamento decorrente de ato ilegal da Administração não constitui fato gerador de tributo. 2. O imposto de renda não incide sobre os valores pagos de uma só vez pela autarquia previdenciária, quando o reajuste do benefício determinado na sentença condenatória não resultar em valor mensal maior que o limite legal fixado para isenção do referido imposto. 3. A hipótese in foco versa proventos de aposentadoria recebidos incorretamente e não rendimentos acumulados, por isso que, à luz da tipicidade estrita, inerente ao direito tributário, impõe-se o acolhimento da pretensão autoral. 4. O Direito Tributário admite, na aplicação da lei, o recurso à equidade, que é a justiça no caso concreto. Ora, se os proventos, mesmos revistos, não são tributáveis no mês em que implementados, também não devem sê-lo quando acumulados pelo pagamento a menor pela entidade pública. Ocorrendo o equívoco da Administração, o resultado judicial da ação não pode servir de base à incidência, sob pena de sancionar-se o contribuinte por ato do fisco, violando os princípios da Legalidade e da Isonomia, mercê de chancelar o enriquecimento sem causa da Administração. 5. O aposentado não pode ser apenado pela desídia da autarquia, que negligenciou-se em aplicar os índices legais de reajuste do benefício. Nessas hipóteses, a revisão judicial tem natureza de indenização pelo que o aposentado isento, deixou de receber mês a mês. 6. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 1069718/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 23.04.2009, DJe 25.05.2009). 1147 Também nesse sentido: “Tributário. Imposto de renda. Verbas recebidas acumuladamente em razão de revisão de renda mensal de benefício previdenciário. Incidência pelo regime de competência. 1. Na hipótese de recebimento acumulado de prestações de benefício previdenciário, em decorrência de revisão administrativa ou judicial da renda mensal do benefício, descabe a incidência de imposto de renda sobre o total do montante recebido (regime de caixa). 2. O imposto de renda deve ser apurado de acordo com os meses a que se referem as parcelas percebidas, adicionados os demais rendimentos tributáveis recebidos no mês (regime de competência). 3. Incidente de uniformização desprovido. Uniformização no mesmo sentido da TNU” (PEDILEF 2007.70.51.005592-5, Turma Regional de Uniformização da Quarta Região, Relª. Luísa Hickel Gamba, DE 12.05.2009). 1148 Ilustremos novamente a questão. O segurado do RGPS requer administrativamente aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) em 04/2014, que foi indeferida. Ingressa em juízo, buscando a concessão desse benefício, com efeitos retroativos à data do requerimento administrativo (DER), porque naquele momento já cumpria todos os requisitos legais. Sobrevém decisão judicial passado em julgado, que reconhece o direito pretendido, fixando a data de início do benefício (DIB) na data do requerimento administrativo (DER). Ocorre que, supervenientemente à propositura da ação, o INSS, por força de requerimento administrativo (DER 08/2017), concedeu ao segurado auxílio-doença (DIB = DER 08/2017) até 02/2019. Quando da quantificação do crédito objeto da execução, deve haver uma compensação entre os valores pagos no período de 08/2017 a 02/2019 pelo INSS, com os haveres assegurados judicialmente. 1149 Neste sentido se encontra definido o Tema 195 da TNU: “No cálculo das parcelas atrasadas do benefício concedido judicialmente, devem ser compensados todos os valores recebidos em período concomitante em razão de benefício inacumulável, sendo que a compensação deve se dar pelo total dos valores recebidos, não se podendo gerar saldo negativo para o segurado” (PEDILEF 5068010-43.2016.4.04.7100/RS, Relatora Juíza Federal Isadora Segalla Afanasieff). 1150 ProAfR no REsp 1767789/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 04.06.2019, DJe 21.06.2019 – Tema 1.018, que tem como questão: “Possibilidade de, em fase de Cumprimento de Sentença, o segurado do Regime Geral de Previdência Social receber parcelas pretéritas de aposentadoria concedida judicialmente até a data inicial de aposentadoria concedida administrativamente pelo INSS enquanto pendente a mesma ação judicial, com implantação administrativa definitiva dessa última por ser mais vantajosa, sob o enfoque do artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/1991”. 1151 Para fins didáticos, ilustremos novamente: o segurado do RGPS requer administrativamente aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) em 07/2010, que foi indeferida. Ingressa em juízo, buscando a concessão desse benefício, com efeitos retroativos à data do requerimento administrativo (DER), porque naquele momento já cumpria todos os requisitos legais. Sobrevém decisão judicial passado em julgado, que reconhece o direito pretendido, fixando a data de início do benefício (DIB) na data do requerimento administrativo (DER). Ocorre que, supervenientemente à propositura da ação, o INSS, por força de novo requerimento administrativo (DER 04/2014), concedeu ao segurado aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) mais vantajosa do que aquela assegurada judicialmente, que tinha efeitos desde 07/2010. O entendimento jurisprudencial atualmente predominante é no sentido de que o segurado pode receber os valores atrasados na forma do título judicial até a competência em que concedido o benefício (DIB) na esfera administrativa e permanecer em gozo deste a partir de então, se mais vantajoso do que o concedido judicialmente. 1152 Igualmente nesse sentido, a título exemplificativo: “1. A Terceira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento dos Embargos Infringentes no Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.038899-6/RS, pacificou o entendimento de que é possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa. 2. Hipótese em que deve ser permitido à agravante continuar recebendo o benefício mais vantajoso deferido administrativamente (pensão por morte) sem necessidade de renunciar ao montante devido a título de parcelas atrasadas referentes à aposentadoria por tempo de contribuição concedida na via judicial, até a implantação administrativa (TRF4, Ag. 5008184-17.2014.404.0000, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJe 04.07.2014). No mesmo sentido: 1. Na esteira de diversos precedentes deste Regional, mostra-se possível, de regra, a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa” (TRF4, AC 500075188.2013.404.7212, Sexta Turma, Rel. p/ Acórdão Celso Kipper, DJe 26.06.2014). 1153 Com efeito, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, quando asseguram a execução dos atrasados desde o primeiro requerimento administrativo até a competência em que o segurado entra em gozo do benefício mais vantajoso, concedido administrativamente, parecem buscar apoio – e sem que seja necessário – na tese da desaposentação, pois partem da ideia da disponibilidade do benefício, do direito ao benefício mais vantajoso e da desnecessidade de devolução dos valores recebidos administrativamente. 1154 REsp 1397815/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 18.09.2014, DJe 24.09.2014. Nesse mesmo sentido: AgInt no REsp 1640516/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 15.08.2017, DJe 25.09.2017; REsp 1650683/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 09.03.2017, DJe 20.04.2017. Também nesse sentido se encontra a jurisprudência da TNU: “A aposentadoria por tempo de contribuição é direito patrimonial disponível e sendo preterida no curso da ação por benefício mais vantajoso na via administrativa, os efeitos da opção surgem a partir da data de início do segundo benefício, resguardando-se ao segurando o direito de obter os atrasados daquela aposentadoria entre as datas de início dos dois benefícios” (TNU, PEDILEF 5014009-25.2013.4.04.7000, Rel. Juiz Federal Wilson Witzel, j. 21.10.2015). 1155 Os efeitos financeiros dessa revisão necessariamente retroagirão à data da concessão da aposentadoria concedida administrativamente – que se pretende revisar. Sobre o problema da data de início do benefício (DIB) independentemente do momento da comprovação dos respectivos fatos constitutivos, veja-se o item 9.1.1, supra. 1156 ProAfR no REsp 1767789/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 04.06.2019, DJe 21.06.2019 – Tema 1.018, que tem como questão: “Possibilidade de, em fase de Cumprimento de Sentença, o segurado do Regime Geral de Previdência Social receber parcelas pretéritas de aposentadoria concedida judicialmente até a data inicial de aposentadoria concedida administrativamente pelo INSS enquanto pendente a mesma ação judicial, com implantação administrativa definitiva dessa última por ser mais vantajosa, sob o enfoque do artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/1991”. 1157 O Novo CPC expressa, em seu art. 98, § 3º, que, “Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. 1158 Destaque-se que “Não altera a situação econômica do exequente embargado, para efeito da cessação da assistência judiciária gratuita, o fato de receber, via precatório ou RPV, o valor da condenação imposta pelo julgado, porque o respectivo montante representa a percepção acumulada do que o INSS deveria ter-lhe pago mensalmente ao longo dos anos, e não o fez, levando o segurado ao Poder Judiciário para ver reconhecido seu direito ao benefício” (TRF4, AC 0009785-22.2014.404.9999, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DE 10.09.2014). 1159 Nesse sentido: “EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA UNIÃO NA AÇÃO PRINCIPAL. COMPENSAÇÃO INVIÁVEL. CRÉDITOS DE NATUREZA DIVERSA. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, é inviável a compensação da verba honorária devida nos embargos à execução com os valores do crédito principal, reconhecidos como devidos no processo de conhecimento. 2. É indevida a compensação dos honorários sucumbenciais fixados em embargos à execução com o montante do crédito exequendo, uma vez que se trata de créditos de natureza diversa” (TRF4 5015023-92.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJe 18.09.2013). 1160 REsp 1402616/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 10.12.2014, DJe 02.03.2015. 1161 É importante observar que, por ocasião da sessão plenária de aprovação da Súmula Vinculante 47 (27.05.2015), destacou-se que a natureza alimentícia e a possibilidade do fracionamento da execução eram reconhecidas, pelo Plenário da Suprema Corte, exclusivamente para pagamento em separado dos honorários advocatícios decorrentes da condenação. A orientação não abrange, portanto, os honorários contratuais. O texto da súmula não corresponde fielmente, portanto, ao conteúdo do que foi efetivamente decidido pela Suprema Corte. Por tal razão, deve-se reafirmar que apenas os honorários advocatícios incluídos na condenação – e não os contratuais, destacados do montante principal – consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. 1162 TRF4, AC 5034502-48.2012.404.7100, Quinta Turma, Rel. p/ Acórdão Luiz Antonio Bonat, DJe 02.12.2015. CAPÍTULO 10 REGRAS PROCESSUAIS RELACIONADAS À FAZENDA PÚBLICA 10.1 Prerrogativas processuais da Fazenda Pública A expressão Fazenda Pública diz respeito à área da Administração dedicada à gestão do Erário Público ou gestão das finanças públicas. A raiz etimológica do termo Fazenda encontra-se no latim, significando “coisas que devem ser feitas”, mas a tradição portuguesa associa o termo à ideia de Tesouro Público. Considerando-se que o Erário é tocado pelos efeitos patrimoniais de uma demanda judicial que envolve o Estado, a expressão Fazenda Pública indica a presença de uma pessoa jurídica de direito público em juízo, podendo ser, na estrutura administrativa, integrante da Administração Direta ou Indireta¹¹⁶³. Como as empresas públicas e sociedades de economia mista, embora integrantes da Administração Indireta, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, sujeitam-se ao regime geral das pessoas jurídicas de direito privado, ficando excluídas do regime jurídico processual da Fazenda Pública. A presença de uma pessoa jurídica de direito público em determinada ação judicial caracteriza a Fazenda Pública em juízo, ainda que a demanda não seja relativa à matéria estritamente fiscal ou financeira. Por essa razão, as ações judiciais relativas às prestações do Regime Geral da Previdência Social, ao contarem com a presença do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que detém a natureza de autarquia federal¹¹⁶⁴, submetem-se ao regime jurídico processual das causas da Fazenda Pública. Fundando-se na relevância do interesse público, esse especial regime jurídico consiste em um conjunto de regras que estabelecem posições processuais à Fazenda Pública, conferindo-lhe um especial tratamento e conformando o que se tem por suas prerrogativas processuais. Esse tratamento diferenciado à Fazenda Pública em juízo pode ser percebido na sistemática de pagamento de custas processuais, no instituto da remessa necessária, nos limites às tutelas provisórias, no modo peculiar como se opera a execução que lhe é contrária etc.¹¹⁶⁵. As prerrogativas processuais da Fazenda Pública serão objeto do estudo abaixo, o qual foi desenvolvido desde uma perspectiva que reconhece maior interesse aos aspectos que marcam uma ação judicial previdenciária. 10.2 Regime de pagamento de custas e despesas processuais Nos termos do art. 91 do CPC/2015, as despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública serão pagas ao final pelo vencido¹¹⁶⁶. O CPC expressa, contudo, uma exceção à regra que posterga o custeio das despesas pela Fazenda Pública: as perícias requeridas por ela, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova (CPC/2015, art. 91, § 1 o)¹¹⁶⁷. Com a nova disciplina legal, reconhece-se o dever da Fazenda Pública em adiantar a verba pericial por ela requerida, mas condiciona-se o pagamento à existência de previsão orçamentária. Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público (CPC/2015, art. 91, § 2º). A rigor, como não será impedida a realização da perícia judicial em razão da falta de antecipação dos honorários periciais pela Fazenda Pública, o depósito prévio é, na prática, uma faculdade. É importante notar que a norma do art. 91 do CPC/2015 não estabelece uma isenção à Fazenda Pública, mas a dispensa de prévio depósito de custas e despesas processuais, que serão pagas ao final pela parte vencida. Assim, a Fazenda Pública deverá pagar, ao final, se vencida, as custas eventualmente adiantadas e os honorários advocatícios. Por outro lado, a Lei 9.289, de 04.07.1996, estabelece isenção de custas na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, em favor da União, dos Estados, dos Municípios, dos Territórios Federais, do Distrito Federal e das respectivas autarquias e fundações. Portanto, o INSS é isento de custas nos feitos que tramitam perante a Justiça Federal¹¹⁶⁸. Todavia, consoante a Súmula 178 do STJ, “O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual”¹¹⁶⁹. Como a isenção é apenas no âmbito federal, a entidade previdenciária deverá firmar convênio com os Estados-Membros, com vistas a serem editadas leis estaduais de isenção das custas do processo, em razão de sua competência legislativa para a matéria¹¹⁷⁰. Segundo o STJ, a isenção do pagamento de custas processuais deve ser entendida como isenção de encargos e ônus decorrentes do processo, abrangendo as despesas com porte de remessa e de retorno dos autos¹¹⁷¹. Embora a Fazenda Pública seja isenta do pagamento de custas processuais perante a Justiça Federal, não está desobrigada de ressarcir “aquelas custas que o particular, como autor, antecipou no início do processo no qual foi vencedor, em homenagem ao princípio da sucumbência processual”¹¹⁷². Trata-se, nesse caso, de restituição das custas antecipadas pela parte autora no curso da demanda em que, ao final, obteve êxito. Em suma, nas ações previdenciárias que tramitam perante a Justiça Federal, o INSS é isento de custas. Essa isenção não alcança as causas que tramitam perante a Justiça Estadual (STJ, Súmula 178). Quando for vencido, o INSS deverá reembolsar a parte autora que eventualmente tenha antecipado as custas, mesmo se isento. Essa antecipação de custas não ocorrerá no caso de beneficiário de justiça gratuita, em razão da isenção legal (Lei 9.289, art. 4º, II), ou se a causa tramitar perante dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001, art. 1º, c/c Lei 9.099/95, art. 54). Logo, não haverá o que ser devolvido nessas hipóteses. Merecem destaque, outrossim, as normas do Novo CPC que permitem à Fazenda Pública e ao beneficiário de justiça gratuita que paguem, apenas ao final, a multa imposta em razão de: • interposição de agravo interno considerado manifestamente inadmissível¹¹⁷³ (CPC/2015, art. 1.021, § 5º); • reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios (art. 1.026, § 3º). Apenas em relação à Fazenda Pública e ao beneficiário de gratuidade de justiça é que a interposição de qualquer outro recurso, nessas hipóteses, deixa de ser condicionada ao depósito prévio do valor da multa. Na mesma linha de sentido, não são exigidos da Fazenda Pública o depósito prévio e multa em ação rescisória¹¹⁷⁴, sendo que o Novo CPC estendeu essa prerrogativa processual ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça (CPC/2015, art. 968, § 1º)¹¹⁷⁵. 10.3 Honorários advocatícios nas ações previdenciárias O CPC/1973 estabelecia que, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço¹¹⁷⁶. É importante a observação de que, no contexto do CPC de 1973, “vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC”¹¹⁷⁷. Já o atual Código de Processo Civil, em seu art. 85, § 3º, veicula parâmetros específicos para aplicação de percentuais na fixação dos honorários nas causas em que a Fazenda Pública for parte, estabelecendo o mínimo de um e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido¹¹⁷⁸. A aplicação dos percentuais deve ser feita desde logo, quando for líquida a sentença. Sendo ilíquida, a definição do percentual ocorrerá quando da liquidação do julgado¹¹⁷⁹. Como forma de desestímulo ao recurso, pela parte vencida, e meio de remuneração do trabalho adicional realizado pelo advogado em grau recursal, o tribunal deverá majorar os honorários fixados pela sentença, tomando em consideração os mesmos critérios que informam a fixação da verba honorária e observado o limite de 20% (vinte por cento)¹¹⁸⁰. Deve-se notar que, de acordo com a Corte Especial do STJ, somente será devida a majoração da verba honorária sucumbencial quando o recurso não for conhecido integralmente ou for desprovido: É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso¹¹⁸¹. Particularmente no âmbito previdenciário, a 1ª Seção do STJ afetou, para julgamento de acordo com o rito de recursos repetitivos, a questão relativa à possibilidade de majoração dos honorários advocatícios quando o acórdão atende parcialmente à pretensão recursal do INSS, mas apenas em relação aos consectários da condenação (juros moratórios e correção monetária)¹¹⁸². Com efeito, nos casos em que é mínima a sucumbência da parte autora e, eventualmente, os consectários da condenação são corrigidos de ofício, pelo tribunal, afigura-se justificável a majoração dos honorários, dada a substancial sucumbência do órgão previdenciário, que se vê, mesmo com a aludida correção, condenado à concessão ou à revisão de benefício, tal como postulado pelo beneficiário e disposto pela sentença. Os honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública nas causas previdenciárias receberam tratamento jurisprudencial específico. De acordo com a Súmula 111 do STJ, modificada pela Terceira Seção quando da sessão de julgamento de 27.09.2006, “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”¹¹⁸³ (DJ 04.10.2006). A tese de que as prestações a serem consideradas na fixação dos honorários advocatícios são aquelas devidas até o momento da prolação da sentença, parte da premissa de que, “se assim não for, cria-se um conflito de interesses inevitável entre o advogado, para quem a protelação do fim da causa, tornase vantajosa, e a parte, cujo interesse, normalmente, é pela mais rápida solução do litígio”¹¹⁸⁴. Com todo respeito, não se pode concordar com os termos em que atualmente disposta a Súmula 111 do STJ. A possibilidade de conflito de interesses não poderia ensejar a interpretação restritiva da norma processual civil, a ponto de se cristalizar um enunciado que supostamente teria a função de inibir motivação para a prática de patrocínio infiel, crime no qual o advogado trai o seu dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado. A razão invocada pelo STJ, se procedente, deveria ser estendida às causas de outras naturezas que igualmente veiculam pretensão de recebimento de prestações sucessivas no tempo, tais como a ação de alimentos, pagamento de alugueres etc. Com efeito, se ao tempo do início da execução, há ainda parcelas vencidas e não pagas, elas apenas podem ser consideradas vencidas, jamais vincendas. Elas definitivamente integram o que se tem por total da condenação e, por essa razão, devem gerar efeitos também em relação à verba honorária. É de se observar, de todo modo, que se a sentença é de improcedência, a jurisprudência considerada, como vencidas, as prestações devidas até a data do acórdão que reconhece o direito. Com efeito, sendo improcedente o pedido, não se pode cogitar, na interposição do necessário e exitoso recurso, a existência de conflito de interesse entre a parte autora e o patrono da causa. Nesse sentido se encontra a Súmula 76 do TRF da 4ª Região: Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência (TRF4, Súmula 76). Diante dessa orientação pretoriana, pode-se dizer que, no âmbito da Justiça Comum, será mais vantajoso ao advogado um juízo restritivo-denegatório em primeira instância, dado que, nesses casos, a base de cálculo da verba honorária se estenderá até a data do julgado do Tribunal. Justamente o contrário se passa no sistema dos Juizados Especiais Federais, no qual um juízo restritivo-denegatório, em primeira instância, fulmina a possibilidade de condenação da Fazenda Pública na verba honorária. No âmbito dos Juizados Especiais, como regra, inexiste condenação à verba honorária em primeira instância. Os honorários, fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação, ou, em não havendo condenação, do valor corrigido da causa, somente são devidos quando o recorrente for vencido. Eis a redação do art. 55 da Lei 9.099/95, aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais¹¹⁸⁵: Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Particularmente no processo previdenciário, discute-se em que termos é devida a condenação aos honorários sucumbenciais quando a concessão judicial do benefício se dá mediante reconhecimento de fato superveniente nos termos do art. 493 do CPC¹¹⁸⁶. Quando do julgamento do REsp 1727069/SP, a Primeira Seção do STJ definiu que é devido o reconhecimento do fato previdenciário superveniente que pode influir no julgamento do mérito (reafirmação da DER judicial)¹¹⁸⁷. Em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, o STJ decidiu não ser cabível a sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido judicial à luz do fato novo¹¹⁸⁸. De acordo com o entendimento do STJ, independentemente do grau de jurisdição, se a entidade previdenciária reconhecer o pedido diante da verificação do fato superveniente que influi no julgamento do mérito, não é cabível sua condenação ao pagamento da verba honorária. Observe-se que não é suficiente que a entidade previdenciária reconheça como existente o fato novo alegado pela parte ou apontado de ofício pelo órgão jurisdicional. O instituto somente estará livre da condenação ao pagamento da verba honorária se “reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo”¹¹⁸⁹, o que foi também ressaltado pela Min. Assusete Magalhães, que em seu voto-vista, ao acompanhar o relator, expressou: Penso que a fixação dos honorários advocatícios deve levar em conta o que dispõe o art. 90 do CPC/2015, podendo, porém, no julgamento do caso concreto, pela via ordinária, ser afastada a condenação do INSS ao pagamento dessa verba, considerando que o reconhecimento do direito, pelo INSS, decorreu de fato superveniente. Tendo como orientação o princípio da causalidade, deve responder pelos ônus sucumbenciais aquele que dá causa à instauração da demanda, sendo geralmente assim considerado o vencido. Quando a estabilidade da demanda é relativizada pelo reconhecimento de fato superveniente constitutivo do direito previdenciário pretendido (CPC, art. 493), percebe-se que eventual concessão do benefício se dará a partir de base fática (causa de pedir remota) distinta daquela posta quando da propositura da demanda, de modo que a própria identificação vencidovencedor pode ser alterada. Parece justificável, dessarte, abrir-se à entidade previdenciária a possibilidade de, diante de um novo quadro fático, reconhecer a procedência do pedido, evitando-se dar causa à continuidade da demanda. Nada obstante, em seu art. 90, § 4º, o CPC dispõe que, “Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”. De todo modo, não havendo reconhecimento integral do direito a partir da nova base fática, dando o INSS causa à continuidade do processo, os honorários sucumbenciais são devidos nos mesmos termos das demais causas previdenciárias, também por força do princípio da causalidade. Questão relevante diz respeito à aplicabilidade, nas causas previdenciárias, Súmula 421 do STJ, segundo a qual “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”, porque a Defensoria Pública da União não pertence à Autarquia Previdenciária¹¹⁹⁰. O Supremo Tribunal Federal chegou a expressar, quando do julgamento da Ação Rescisória n. 1937, a possibilidade de condenação da União em honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União, ainda que integre o mesmo ente público, diante de sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária¹¹⁹¹. De todo modo, a Suprema Corte reconheceu repercussão geral em recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 134, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, se a proibição de recebimento de honorários advocatícios pela Defensoria Pública, quando represente litigante vencedor em demanda ajuizada contra o ente ao qual é vinculada, viola a sua autonomia funcional, administrativa e institucional¹¹⁹². Em arremate à presente seção, cabe notar que se a sentença transitada em julgado for omissa em relação à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, não se admitia o ajuizamento de ação própria, pelo advogado vitorioso, para cobrança dos honorários omitidos, sob pena de violação da coisa julgada. Com efeito, na dicção da Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”. Contudo, o CPC/2015 passou a autoriza expressamente a demanda em ação própria para a quantificação dos honorários advocatícios, no caso de a decisão passada em julgado ser omissa quanto ao ponto: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] § 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança. Por essa razão, restou superado o entendimento sumulado que impedia o advogado vitorioso de cobrar os honorários omitidos. 10.3.1 Honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença previdenciária O tema dos honorários advocatícios sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública recebe tratamento normativo específico. Atualmente, devem incidir honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença desde que (a) seja total ou parcialmente rejeitada a impugnação eventualmente oferecida pelo INSS ou (b) quando o valor objeto de cumprimento de sentença, na justiça comum, for inferior a 60 salários mínimos¹¹⁹³. Com efeito, nos termos do art. 85, § 1º c/c § 7º, do CPC/2015: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. [...] § 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada (negritou-se). Desse dispositivo normativo se depreende a incidência dos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença previdenciária desde que seja total ou parcialmente rejeitada a impugnação eventualmente oposta pelo INSS. Por essa razão, se a pretensão de cumprimento da sentença não tiver sido impugnada, não haverá espaço para incidência de honorários advocatícios, salvo se o valor objeto do crédito for inferior a 60 salários mínimos (não sujeito a expedição de precatório)¹¹⁹⁴. O histórico do tratamento normativo e análise jurisprudencial do tema nos auxilia na tarefa de justificação do que foi acima lançado. Na vigência do CPC de 1973, o art. 20, § 4º, assegurava honorários advocatícios, mediante apreciação equitativa do juiz, nas execuções fundadas em título judicial ou extrajudicial, embargadas ou não. Inexistia disciplina normativa específica para o caso de execuções contra a Fazenda Pública. Na hipótese de serem opostos embargos à execução e fossem eles julgados improcedentes, dava-se nova fixação de verba honorária, devida pela parte vencida¹¹⁹⁵. Especificamente em relação às execuções movidas contra a Fazenda Pública, a Medida Provisória 2.180-35/2001 veiculou o art. 1º-D à Lei 9.494/97, que dispõe: Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas¹¹⁹⁶. Na análise da constitucionalidade dessa norma, o Supremo Tribunal Federal conferiu-lhe interpretação conforme, reconhecendo sua compatibilidade com a Constituição, desde que excluído seu alcance para “os casos de pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, objeto do § 3º do art. 100 da Constituição”¹¹⁹⁷. Se a execução de título judicial contra a Fazenda Pública for de valor superior ao limite para expedição de requisição de pequeno valor (60 salários mínimos no caso da Fazenda Pública Federal), sabe-se, o pagamento da quantia devida se dará de acordo com a sistemática dos precatórios requisitórios¹¹⁹⁸. Neste caso, apenas haverá condenação da Fazenda em honorários se forem opostos embargos à execução e a parte embargante for vencida (total ou parcialmente). Não havendo oposição dos embargos pela Fazenda, não haverá fixação de verba honorária, porque, segundo o STF, Na medida em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Pública à “apresentação dos precatórios” e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito¹¹⁹⁹. Se o processo tramitar perante os Juizados Especiais Federais, não haverá lugar para a fase de execução de sentença. O que se tem, a rigor, é o cumprimento da sentença, por ordem do juiz (Lei 10.259/2001, art. 17). Em razão da inexistência de ação executiva nos Juizados Especiais Federais, não serão devidos honorários advocatícios quando do cumprimento do julgado, independentemente do regime de pagamento – se mediante precatório requisitório ou requisição de pequeno valor. De modo distinto, se a demanda tramitar perante a justiça comum (não Juizado Especial) e o valor executado se encontrar dentro do limite para expedição de requisição de pequeno valor (RPV), serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública, mesmo que a execução não tenha sido embargada¹²⁰⁰. Na perspectiva do art. 85, § 1º, do CPC, os honorários advocatícios são devidos no caso de requisição de pequeno valor mesmo que haja o pagamento, pela Fazenda Pública, no prazo legal de 60 dias, uma vez que “os critérios para fixação (ou não) de novos honorários advocatícios, relativos à fase de cumprimento/execução do julgado, não guardam qualquer relação com o prazo de pagamento da RPV”¹²⁰¹. Outrossim, ainda que o valor do crédito seja superior a 60 (sessenta) salários mínimos, a renúncia ao excedente, para o efeito de limitar a execução ao patamar correspondente à obrigação de pequeno valor, enseja a fixação de honorários advocatícios, ainda que não embargada a execução. Porém, a renúncia superveniente à propositura da execução, para fins de expedição de RPV, não permite a fixação de honorários no caso de execução não embargada. Esse é a orientação do STF¹²⁰², tal como restou acolhida pelo STJ¹²⁰³. Quanto à fixação da verba honorária em razão da renúncia para fins de expedição de RPV, é necessário destacar que, se ela é feita após a propositura da demanda executiva, afigura-se razoável o indeferimento de verba honorária, já que a demanda se iniciou com vistas à expedição de precatório requisitório, sendo indevida a verba honorária na execução não embargada, de importância superior ao que se considera de pequeno valor. Todavia, se a sentença condenatória consagra crédito em importância superior ao patamar correspondente às obrigações de pequeno valor, mas a parte credora, quando do ajuizamento da demanda, renuncia ao excedente, buscando desde sempre que a satisfação do crédito se dê mediante RPV, são devidos os honorários advocatícios, nos precisos termos da decisão do STF que conferiu interpretação conforme à regra do art. 1 º-D da Lei 9.494/97, na redação emprestada pela Medida Provisória 2.180-35/2001. Afinal, segundo a Suprema Corte, são devidos os honorários advocatícios nas execuções de pequeno valor, ainda que não embargada¹²⁰⁴. Por tal razão, percebe-se certa incoerência na linha de pensamento mais recentemente assumida pelo STF, ao não permitir a fixação de verba honorária quando a renúncia ao excedente se dá após o trânsito em julgado da decisão condenatória de valor superior¹²⁰⁵. Ora, o que importa é que o crédito executado seja de pequeno valor, causa suficiente à fixação da verba honorária. Não é importante que o crédito assegurado no título judicial seja superior ao limite do que se considera obrigação de pequeno valor. É que, ao reconhecer a constitucionalidade do art. 1 º-D da Lei 9.494/97, o STF ofereceu-lhe interpretação conforme (RE 420.816), expressando que a execução de créditos de pequeno valor, ainda que não embargada, justificaria a fixação de honorários em desfavor da Fazenda Pública¹²⁰⁶. Nessa perspectiva, pouco importa se o valor da condenação é superior ao limite do que se considera de pequeno valor. O que deve ser levado em consideração é o valor objeto da execução. De todo modo, em nossa maneira de ver, padece de inconsistência a decisão do STF proferida no julgamento do RE 420.816, quando entende devida a fixação de honorários apenas nos casos de execução de pequeno valor – mesmo que não embargada. Não parece sustentável o argumento que justificaria o discrímen entre as execuções submetidas ao regime de precatório e aquelas que culminam com a expedição de requisição de pequeno valor. A mencionada decisão expressa que é indevida a fixação de honorários nas execuções não embargadas submetidas à sistemática de precatório requisitório porque se trata de um regime obrigatório de execução. Não haveria causalidade, isto é, a Fazenda não daria causa à execução, pois não pode adimplir o julgado, senão mediante o rito do art. 730 do CPC (CPC/2015, art. 535), combinado com o art. 100 da Constituição. Na voz da Suprema Corte, “é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito”¹²⁰⁷. Ocorre que, diferentemente da premissa em que se ancorou a decisão em comento, também a satisfação dos créditos judiciais de pequeno valor, quando não submetida ao sistema dos Juizados Especiais, sujeita-se ao rito do art. 730 do CPC (CPC/2015, art. 535), sendo inviável o pagamento do valor devido pela Fazenda Pública, senão após a propositura da execução. Ora, a toda evidência, também aqui não haveria causalidade e, por conseguinte, a se acolher o fundamento levantado pelo STF para reconhecer a legitimidade da exclusão da verba honorária, seria indevida a condenação da Fazenda Pública em qualquer caso de execução não embargada. Em suma, assim estaria disciplinado o tema dos honorários advocatícios na execução não embargada contra a Fazenda Pública: 1. Conforme entendimento pacificado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, afeiçoado ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 420.816/RS, que declarou, incidentalmente, a constitucionalidade do art. 1º-D da Lei 9.494/97, há três situações distintas acerca da fixação de honorários em execução movidas contra a Fazenda Pública: a) são devidos honorários advocatícios nas execuções ajuizadas antes da publicação da Medida Provisória n. 2.180/35; b) não são devidos honorários para as execuções não embargadas e ajuizadas após a publicação da referida norma, nos casos em que o pagamento venha a ser efetuado por meio de precatório, ou seja, em que o valor da condenação seja superior ao equivalente a 60 salários mínimos; e, c) são devidos honorários nas execuções, inclusive não embargadas, cujo pagamento se efetue por requisição de pequeno valor (valor até o equivalente a sessenta salários mínimos)¹²⁰⁸. Nada obstante, a jurisprudência do STJ vem identificando uma quarta situação: mesmo nas execuções movidas contra a Fazenda Pública, relativas a obrigação de pequeno valor, não serão devidos honorários advocatícios quando o INSS se antecipa à iniciativa da parte credora, apresentando cálculos e não oferecendo resistência à execução com base neles movida, procedimento comumente chamado de execução invertida¹²⁰⁹. A análise do tratamento específico conferido ao tema dos honorários advocatícios no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública nos leva à conclusão de não ser aplicável, para esses casos, a Súmula 519 do STJ, segundo a qual, “Na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios”¹²¹⁰. Ora, a não incidência de honorários sucumbenciais no caso de rejeição da impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos da Súmula 519 do STJ, parte do pressuposto de que já tenha havido anterior fixação de verba honorária para cumprimento da sentença. Como antes visto, desde a vigência da Medida Provisória 2.180-35/2001, isso não ocorre no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública em valor superior a 60 salários mínimos¹²¹¹. E se dúvida havia quanto à aplicação da Súmula 519 no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, a incidência de honorários de sucumbência no caso de rejeição da impugnação decorre de expressa disposição legal (CPC/2015, art. 85, § 7º). Último ponto a ser analisado na presente seção diz com a inviabilidade de compensação dos honorários advocatícios fixados no processo de conhecimento, onde logrou êxito a parte autora, com aqueles dispostos no processo de embargos à execução, onde o êxito foi da parte executada. Segundo entendimento da Primeira Seção do STJ, não é possível a compensação de verbas honorárias fixadas no processo de conhecimento com as fixadas no processo de embargos à execução, pois inexiste reciprocidade das obrigações ou bilateralidade de créditos, tal como preceituado pelo art. 368 do Código Civil. Mais precisamente, se o advogado é titular dos honorários advocatícios fixados no processo de conhecimento, enquanto o embargado é o devedor da verba honorária arbitrada em favor da Fazenda Pública nos embargos à execução, há evidente ausência de reciprocidade impede a compensação¹²¹². É de se notar, ademais, que o direito do advogado à verba honorária fixada no processo de conhecimento constitui parte do título exequendo, encontrando-se acobertado pela coisa julgada. Justamente em face do caráter autônomo da verba honorária e da eficácia preclusiva da coisa julgada, ficam preservados os honorários advocatícios no caso de concessão superveniente de benefício mais vantajoso e desfazimento do benefício concedido em juízo¹²¹³. Nesse contexto, a execução das parcelas devidas até a data de concessão do benefício concedido na esfera administrativa, alterando o valor que será objeto de pagamento na via judicial, traz uma implicação importante sobre os honorários advocatícios. De fato, com vistas à manutenção do benefício mais vantajoso, concedido administrativamente em tempo posterior à propositura da ação, a parte autora pode renunciar à execução de parte dos valores a que teria direito na via judicial. Indaga-se: se é diminuído o valor da execução, base de cálculo da verba honorária, os honorários advocatícios devem ser negativamente afetados? A resposta é negativa, segundo posicionamento do TRF4: A renúncia do credor em executar o julgado que condenou o INSS a conceder-lhe aposentadoria, em face da opção por benefício mais vantajoso concedido na via administrativa, no curso do processo, não atinge a execução dos honorários advocatícios, em respeito à coisa julgada, verba que pertence ao advogado por disposição legal (art. 23 da Lei n. 8.906/94), devendo ser calculada a verba através de simulação de cálculo, no qual o percentual dos honorários incide sobre as parcelas de crédito devidas ao credor se executasse o julgado¹²¹⁴. 1. A base de cálculo dos honorários advocatícios deve corresponder a totalidade dos valores devidos até a data da sentença, por força da Súmula 111 do E. STJ. 2. Em relação à verba honorária em demandas previdenciárias, tendo sido fixada pelo título executivo em percentual sobre o valor da condenação, tem-se que o “valor da condenação” para esse fim deve representar todo o proveito econômico obtido pelo autor com a demanda, independentemente de ter havido pagamentos de outra origem na via administrativa, numa relação extraprocessual entre o INSS e o segurado 3. Agravo de instrumento desprovido¹²¹⁵. Por outro lado, permite-se a compensação dos honorários advocatícios fixados na execução com os arbitrados nos embargos à execução, ainda que a parte seja beneficiária da assistência judiciária gratuita. A compreensão é no sentido de que se trata da definição dos honorários advocatícios fixados no início da execução, os quais podem ser cumulados ou compensados com a verba de sucumbência disposta em sede de embargos do devedor¹²¹⁶. 10.3.2 Honorários advocatícios contra a Fazenda Pública no CPC/2015 Analisadas as principais diretrizes normativas relativas aos honorários advocatícios em matéria previdenciária, torna-se imprescindível pontuar as alterações promovidas na temática pelo CPC/2015. Fundamentalmente, os honorários advocatícios contra a Fazenda Pública, na vigência do CPC/1973, seriam fixados consoante apreciação equitativa do juiz, tomando-se em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa, e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 4º). Sobre essa disposição normativa, raramente se fugiu da compreensão de que, nas causas previdenciárias, os honorários advocatícios deviam ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluída sua incidência sobre as parcelas vincendas. Sob a égide do novo Código de Processo Civil, são iguais os critérios de que deve partir a fixação da verba honorária: o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (CPC/2015, art. 85, § 3º). Todavia, especificamente nas causas em que a Fazenda Pública for parte, o Novo CPC determina a observação dos seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários mínimos¹²¹⁷; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários mínimos até 2.000 (dois mil) salários mínimos; III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários mínimos até 20.000 (vinte mil) salários mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários mínimos. Interessante notar que esses percentuais somente serão aplicados na fase de conhecimento quando for líquida a sentença. Caso contrário, a definição do percentual deve ocorrer quando liquidado o julgado (CPC/2015, art. 85, § 4º, I e II). E se não houver condenação principal ou não for possível mensurar o proveito econômico obtido, o valor da causa é que será a base para a condenação em honorários (CPC/2015, art. 85, § 4º, I e II). Há outro ponto importante, relacionado à ideia de se desestimular a interposição de recursos. Segundo o CPC/2015, ao julgar o recurso, o tribunal majorará os honorários fixados em sentença, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, ainda de acordo com os critérios acima expostos (os subjetivos, relativos à intensidade do trabalho, e os objetivos, correspondentes aos percentuais). De todo modo, é vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os limites percentuais estabelecidos para a fase de conhecimento. Espera-se que, diante de um novo contexto normativo, seja possível superar a fase em que a determinação dos honorários advocatícios, em tema previdenciário, é operada de modo mecânico, insensível às particularidades do labor do patrono da causa em concreto, surda às exigências de apreciação equitativa, e arbitrária quanto ao marco final da sua base de incidência. De outro lado, em observância ao entendimento da Suprema Corte, o legislador não alterou a sistemática de condenação em honorários na execução contra a Fazenda Pública¹²¹⁸. Com efeito, o CPC/2015, por um lado, reafirma a orientação jurisprudencial de que não são devidos honorários na fase de cumprimento da sentença que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada (CPC/2015, art. 85, § 7º). Por outro lado, a nova lei não retira a possibilidade de fixação de honorários de advogado para os casos de cumprimento de sentença de obrigação de pequeno valor, ainda que não oferecida impugnação¹²¹⁹. Sem embargo, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a apresentação espontânea dos cálculos, com o reconhecimento da dívida – procedimento que passou a se chamar de execução invertida –, afasta a condenação em honorários advocatícios no cumprimento de sentença não embargada, mesmo que nos casos de obrigação de pequeno valor¹²²⁰. Cabe analisar, ainda, a distribuição dos honorários advocatícios no caso de sucumbência parcial. No contexto do CPC de 1973, para o caso de sucumbência recíproca, prevaleceu a orientação da Súmula 306 do STJ, que, partindo da premissa de compatibilidade entre a noção de direito autônomo do advogado aos honorários (Lei 8.906/94, art. 23) e a regra de compensação dos honorários advocatícios (CPC/1973, art. 21), expressa: Súmula 306. Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte. Quando do julgamento do REsp 963.528/PR, proferido de acordo com a sistemática de recursos repetitivos, o STJ reiterou os termos da Súmula 306, expressando o entendimento de que o Estatuto da OAB (art. 23) não revogou a norma do art. 21 do CPC/1973. Segundo se sustenta, em havendo sucumbência recíproca e saldo em favor de uma das partes, restaria assegurado o direito autônomo do advogado de executar o saldo da verba advocatícia¹²²¹. A questão é que, inegavelmente, o STJ aplicava de modo muito restritivo a norma que atribui ao advogado o direito autônomo à verba honorária. Com efeito, se os honorários são de titularidade do advogado e se o devedor da verba honorária é a parte adversa, não seria viável a compensação determinada pelo art. 21 do CPC/1973, porque os sujeitos das obrigações são distintos. O Novo CPC, contudo, parece não deixar margem a interpretação: CPC/2015, art. 85, § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. A nova disposição normativa colocou termo final à possibilidade de compensação da verba honorária no caso de sucumbência recíproca, sendo aplicável aos feitos em que ainda não tiveram sentença publicada. 10.3.3 Princípio da reparação integral e honorários indenizatórios O Código de Processo Civil de 2015 consagrou o princípio da reparação integral, impondo ao vencido o dever de pagar ao vencedor as despesas que este antecipou (CPC, art. 82, § 2º). Por outro lado, o art. 84 do mesmo estatuto legal dispõe que “As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”. Diante desse quadro normativo, seria razoável compreender que é exemplificativo o rol de despesas do art. 84 do CPC, razão pela qual o vencido deve também ser condenado a ressarcir ao vencedor os valores que suportou com a contratação do advogado que lhe patrocina a causa, destacadamente porque os arts. 22 e 23 da Lei 8.906/94 expressam que os honorários de sucumbência constituem verba autônoma do advogado. Nesse contexto, o vencedor da causa seria obrigado a suportar os valores com a contratação de advogado, o que não se coadunaria com o princípio da integral reparação, salvo se viável a indenização ao vencedor quanto aos honorários que teve de suportar para a realização judicial do direito violado pelo vencido. A ausência dos “honorários indenizatórios” entraria em colisão com a orientação da Suprema Corte, externada quando do julgamento do RE 384.866, na qual se declarou a inconstitucionalidade do art. 29-C da Lei 8.036/90, que estabelecia que nas ações do FGTS não seriam devidos honorários advocatícios. Note-se, à propósito, excerto do voto do Relator, Min. Marco Aurélio: Em face dessas premissas, forçoso é concluir que a ordem jurídica constitucional não agasalha, uma vez existente o direito, a diminuição patrimonial. Aquele compelido a ingressar em juízo não pode ter contra si, além da passagem do tempo sem que possa usufruir de imediato direito, a perda patrimonial, que estará configurada caso tenha de arcar com as despesas processuais, com ônus decorrente da contratação de advogado para lograr a prestação jurisdicional, a eficácia do direito integrada ao patrimônio. No campo da jurisdição e dos aspectos a ela ligados, dos ônus próprios, não pode o Estado dar com uma das mãos – viabilizando o acesso ao Poder Judiciário – e tirar com a outra. A garantia constitucional de acesso engloba, procedente o pleito, a preservação, na integralidade, do direito do autor¹²²². A integral reparação do vencedor da demanda implicaria, portanto, o direito a ser indenizado dos valores que expendeu com a contratação de seu advogado. No entanto, a atual compreensão do Superior Tribunal de Justiça, expressada por meio de sua Corte Especial, é no sentido de que a contratação de advogado para tutela judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material indenizável, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça. Por essa razão, Cabe ao perdedor da ação arcar com os honorários de advogado fixados pelo Juízo em decorrência da sucumbência (Código de Processo Civil de 1973, art. 20, e Novo Código de Processo Civil, art. 85), e não os honorários decorrentes de contratos firmados pela parte contrária e seu procurador, em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado¹²²³. Embora o precedente acima aludido tenha levado em consideração o regime jurídico do CPC de 1973, essa Corte de Justiça tem reafirmado a orientação na vigência do CPC/2015¹²²⁴. Em nosso modo de ver, a parte vencedora deve ser indenizada pelos valores que desembolsou para pagamento dos honorários advocatícios, pois sem que arcasse com esta despesa não lograria o acesso à justiça ou obter a realização de seu direito. A indenização, nesse sentido, poderia ser arbitrada pelo juízo, em importância que tomasse em consideração o trabalho realizado pelo advogado, o tempo exigido para o seu serviço e outras variáveis que servem como parâmetros de fixação dos honorários de sucumbência (CPC, art. 85, § 2º). 10.4 DOS PRAZOS DA FAZENDA PÚBLICA O art. 188 do CPC/1973 estabelecia que fosse computado “em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. O prazo diferenciado era observado em qualquer procedimento (ordinário, sumário, cautelar ou de execução). No sistema dos Juizados Especiais Federais, o art. 9º dispõe que ”Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias”¹²²⁵. O Novo CPC alterou significativamente essa prerrogativa processual da Fazenda Pública, dispondo, em seu art. 183, caput: Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal¹²²⁶. Como visto do dispositivo acima transcrito, inicia-se a contagem do prazo para a Fazenda Pública com a intimação pessoal, a qual “far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico” (CPC/2015, art. 183, § 1º). Todavia, não se aplica a contagem do prazo em dobro quando a lei estabelecer, expressamente, prazo próprio ao ente público (CPC/2015, art. 183, § 2º). Assim, por exemplo, o prazo da Fazenda Pública para impugnação à execução é, por específica disposição legal, de 30 (trinta) dias (CPC/2015, art. 535, caput). Esse prazo é próprio à Fazenda Pública e por isso, não pode ser computado em dobro¹²²⁷. Na sistemática anterior, a intimação já era feita pessoalmente ao Advogado da União, ao Procurador da Fazenda Nacional (LC 73/93, art. 38), ao Defensor Público (LC 80/94, art. 44, I) e ao Procurador Federal e ao Procurador do Banco Central do Brasil (Lei 10.910/2004, art. 17)¹²²⁸. Inicialmente, é de se notar que o cômputo diferenciado se relaciona aos prazos legais. São estes os que serão contados em dobro para a Fazenda Pública. Por outro lado, em se tratando de prazo judicial (CPC/2015, art. 218, § 1º)¹²²⁹, a contagem não pode ser feita de modo diferenciado, pois o juiz é quem fixa o prazo para a prática do ato, considerando a sua complexidade. No contexto da anterior disciplina normativa, já não se compreendia possível a interpretação extensiva dos prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. E com razão, pois a excepcionalidade do tratamento conferido à Fazenda Pública reclamava interpretação restritiva. Nessa perspectiva é que várias discussões sobre o âmbito de incidência do art. 188 do CPC/1973 foram analisadas pela jurisprudência¹²³⁰. Sem embargo, muitos dos problemas enfrentados pelos nossos tribunais, sob a égide do CPC de 1973, deverão ser revisitados à luz da disciplina oferecida pelo Novo CPC. É que esta, em vez de estabelecer prazos diferenciados exclusivamente para oferecimento de resposta e interposição de recursos, prevê o cômputo em dobro dos prazos processuais para todas as manifestações processuais da Fazenda Pública. A linha hermenêutica a ser adotada deve ser a mesma, contudo, evitando-se interpretação extensiva. Pela relevância do tema, deve-se destacar que não se conta de modo diferenciado o prazo para ajuizamento de ação rescisória, assim como para oposição de embargos do devedor pela Fazenda Pública. É que, nesses casos, não se está diante de um prazo para interposição de recurso ou oferecimento de resposta à petição inicial, para que fosse possível o cômputo diferenciado sob a égide do CPC/1973. E tampouco se está diante de manifestação processual (no bojo de um processo já existente) para que seja aplicável o art. 183 do CPC/2015. Em relação aos embargos à execução, era considerada nítida a sua natureza de ação, a qual era proposta pelo devedor contra o credor. A execução contra a Fazenda Pública observava a sistemática prevista nos arts. 730 e 731 do CPC/1973, sendo concedido o prazo de 30 (trinta) dias para oposição de embargos do devedor¹²³¹. No contexto do Novo CPC, a mesma fundamentação presta-se a rejeitar a contagem do prazo em dobro para os embargos à execução fundada em título extrajudicial (CPC/2015, art. 910, caput). A Fazenda Pública é autora nessa demanda incidental. Da mesma forma, a impugnação ao cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia certa deve ser feita no prazo de 30 dias (CPC/2015, art. 535, caput), sem cômputo diferenciado, pois a lei está a estabelecer prazo próprio para o ente público. De outra parte, a ação rescisória deve ser ajuizada no prazo de 2 (dois) a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (CPC/1973, art. 495; CPC/2015, art. 975). Sem sucesso, duas medidas provisórias (MP 1.577, de 11.06.1997, e MP 1.703-18, de 27.10.1998) foram editadas com o propósito de majorar o prazo para ajuizamento de ação rescisória pela Fazenda Púbica. Na ADI 1.753, o STF concedeu liminar para suspender a vigência do art. 4º da MP 1.577, a qual foi posteriormente considerada prejudicada. Já na ADI 1.910 (MC), o STF suspendeu a vigência da MP 1.703-18, na parte que duplicava o prazo para o ajuizamento de ação rescisória pela Fazenda Pública, prestigiando a isonomia, a efetividade processual e considerando desproporcional a duplicação do prazo. Pela consistência da argumentação, vale a transcrição parcial da sua ementa: [...] 2. Plausibilidade, ademais, da impugnação da utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade dos atos nele praticados, em particular, de sentença coberta pela coisa julgada. 3. A igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, tem sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso na parte em que a nova medida provisória insiste, quanto ao prazo de decadência da ação rescisória, no favorecimento unilateral das entidades estatais, aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a consequência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo. 4. No caminho da efetivação do due process of law – que tem particular relevo na construção sempre inacabada do Estado de direito democrático – a tendência há de ser a da gradativa superação dos privilégios processuais do Estado, à custa da melhoria de suas instituições de defesa em juízo, e nunca a da ampliação deles ou a da criação de outros, como – é preciso dizê-lo – se tem observado neste decênio no Brasil (ADI 1910 MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 22.04.2004, DJ 27.02.2004). Segundo pensamos, não há cômputo diferenciado para oferecimento de contestação pela Fazenda Pública em sede de ação rescisória, porque o prazo é designado pelo relator, nunca inferior a 15 (quinze) dias e nem superior a 30 (trinta), nos termos do art. 970 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 491). A especialidade da regra impede a aplicação do art. 183 do CPC/2015¹²³². De modo distinto, à míngua de dispositivo legal específico no sentido contrário, aplica-se a prerrogativa processual do prazo diferenciado à Fazenda Pública no processo de mandado de segurança. Por essa razão, a título ilustrativo, deve ser contado em dobro o prazo para interposição de apelação contra sentença proferida em mandado de segurança (Lei 12.016/2009) e, em sendo o mandado de segurança impetrado diretamente no tribunal, para interposição do recurso extraordinário e/ou especial (CF/88, arts. 102, III e 105, III). 10.5 DA REMESSA NECESSÁRIA Por força da remessa necessária, a sentença apenas produz efeitos após sua confirmação pelo tribunal. Atualmente, o instituto é disciplinado pelo art. 496 do Novo CPC e presta-se, fundamentalmente, como mecanismo de proteção do interesse público compreendido na perspectiva dos interesses da Fazenda Pública¹²³³. Nas hipóteses dispostas por lei, o juiz deve ordenar a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deve o presidente do tribunal avocá-los. Sem o reexame pelo tribunal, a sentença submetida à remessa necessária não transita em julgado, mesmo quando decorrido o prazo para interposição do recurso competente. No contexto do CPC de 1973, estava sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença que anulava casamento, aquela contrária à União, Estado e Município, bem como a sentença que julgasse improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 475)¹²³⁴. Na redação originária do CPC de 1973, não havia previsão para reexame necessário das sentenças proferidas contra as autarquias federais, razão pela qual as sentenças produzidas em desfavor do INSS não estavam sujeitas ao duplo grau. Foi com a edição da Lei 9.469, de 10.07.1997, que se estendeu às autarquias e fundações públicas a prerrogativa do art. 475 do CPC/1973. As sentenças previdenciárias desfavoráveis ao INSS, publicadas a partir da vigência dessa nova disciplina legal, passariam a comportar remessa necessária. No âmbito dos Juizados Especiais Federais, foi expressamente excluída a remessa necessária (art. 13 da Lei 10.259, de 12.07.2001). Não havia mesmo justificativa para se manter o reexame necessário nos processos que envolvem litígios de menor repercussão econômica à Fazenda e que adotam rito célere, informal e simplificado. Nesse contexto, a mais ampla igualdade entre as partes deve prevalecer sobre a noção de primazia do interesse público, que o instituto da remessa necessária visa resguardar. Com a edição da Lei 10.352, de 26.12.2001, uma nova e importante alteração foi introduzida na sistemática de remessa necessária. De um lado, restringiu-se o duplo grau de jurisdição à sentença “proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público”, assim como à “que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI)” (CPC/1973, art. 475, I e II). De outro lado, foram criadas duas hipóteses de não aplicação da remessa necessária: • quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor (CPC/1973, art. 475, § 2º). • quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. De outro lado, a Medida Provisória 2180-35, de 24.08.2001, dispensou a remessa necessária no caso das sentenças proferidas contra a União, suas autarquias e fundações públicas, quando a respeito da controvérsia o Advogado-Geral da União ou outro órgão administrativo competente houver editado súmula ou instrução normativa determinando a não interposição de recurso voluntário (art. 12). A limitação da remessa necessária aos casos de condenação superior a 60 (sessenta) salários mínimos visou dar às causas de menor valor que tramitam na justiça comum o mesmo tratamento conferido àquelas dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001, art. 13). De acordo com a Súmula 490 do STJ, “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a 60 salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”. Por essa razão, em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o INSS só escapariam ao duplo grau obrigatório se a condenação fosse de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos. Isso significa dizer, primeiramente, que era considerado “obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público” (grifamos)¹²³⁵. Mais do que isso, a exceção legal à remessa necessária, tal como anteriormente era compreendido pelo STJ, não alcançava as sentenças insuscetíveis de produzir condenação de valor certo ou de definir o valor certo do objeto litigioso, como as que determinam averbação de tempo de contribuição. Observe-se, nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ART. 475 DO CPC, COM A REDAÇÃO DA LEI 10.352/01. 1. Nos termos do art. 475, § 2º, do CPC, a sentença não está sujeita a reexame necessário quando “a condenação, ou o direito o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos”. Considera-se “valor certo”, para esse efeito, o que decorre de uma sentença líquida, tal como prevê o art. 459 e seu parágrafo, combinado com o art. 286 do CPC. 2. Os pressupostos normativos para a dispensa do reexame têm natureza estritamente econômica e são aferidos, não pelos elementos da demanda (petição inicial ou valor da causa), e sim pelos que decorrem da sentença que a julga. 3. A norma do art. 475, § 2º, é incompatível com sentenças sobre relações litigiosas sem natureza econômica, com sentenças declaratórias e com sentenças constitutivas ou desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenação de valor certo ou de definir o valor certo do objeto litigioso. 4. No caso, a ação tem por objeto a averbação de tempo de serviço de atividade rural para fins de aposentadoria, sendo que a sentença não contém “condenação” e nem define o valor do objeto litigioso. 5. Embargos de divergência providos (EREsp 600.596/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, j. 04.11.2009, DJe 23.11.2009). Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, à luz do CPC de 2015, procedeu a uma releitura desse problema jurídico, como se pode conferir de importante precedente cuja ementa é parcialmente transcrita abaixo: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. CPC/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA. [...] 3. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor da Autarquia Previdenciária após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015. 4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 5. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/15, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). 6. A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional – ao tempo em que desafoga as pautas dos Tribunais – quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. 7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. 8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. 9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos, cifra que no ano de 2016, época da propositura da presente ação, superava R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais). [...] (REsp 1735097/RS, Rel. Min. Gurgel De Faria, Primeira Turma, j. 08.10.2019, DJe 11.10.2019)¹²³⁶. A nova orientação merece aplausos. Segundo pensamos, o Código de Processo Civil de 2015 emprestou uma verdadeira revolução no instituto da remessa necessária, podendo-se afirmar que, em matéria previdenciária, muito dificilmente estaremos diante de uma hipótese de duplo grau obrigatório¹²³⁷. É verdade que as espécies de sentenças que comportam remessa necessária prosseguem sendo as mesmas no âmbito do atual CPC¹²³⁸. Todavia, os casos de exclusão de incidência da remessa necessária confluem para uma importante mudança de paradigma. Com efeito, não haverá duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (CPC/2015, art. 496, § 3º, I). Isso reduz significativamente as hipóteses de remessa necessária em tema previdenciário, pois neste campo do direito raramente uma condenação supera o patamar de 1.000 (mil) salários mínimos¹²³⁹. Além disso, segundo o art. 496, § 4º, do CPC, não se aplica a determinação de remessa necessária quando a sentença estiver fundada em: I – súmula de tribunal superior; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. O propósito da alteração normativa é muito claro: conferir celeridade e efetividade processual, diminuindo-se o volume de demandas nos tribunais e restringindo-se as hipóteses de remessa necessária apenas às demandas de grande valor. A novel sistemática, ao praticamente extinguir a remessa necessária em tema previdenciário, exigirá ainda mais zelo da advocacia pública para a proteção do Erário. Doravante, ela deverá interpor recurso nas hipóteses em que entender adequado, mas não apenas isso. A ausência de reexame necessário traz outra consequência importante, qual seja, o recurso das pessoas jurídicas de direito público apenas será conhecido nos limites em que interposto. Em outras palavras, capítulos da sentença não atacados direta e expressamente pela Fazenda Pública não são devolvidos ao conhecimento da instância recursal. Tal como ocorre com os litigantes particulares, às pessoas jurídicas de direito público incumbe o ônus processual de delimitar adequadamente a insurgência, a fim de que a instância recursal atenda à pretensão de reforma ou invalidação da decisão recorrida. Além disso, o recorrente deve desincumbir-se do ônus de impugnação específica, apontando clara e fundamentadamente as razões da insurgência, sob pena de ser considerado inadmissível o recurso¹²⁴⁰. Em nosso modo de ver, desde uma perspectiva sistemática e teleológica, deve ser revisto o entendimento do STJ quanto à necessidade de remessa necessária quando a sentença for ilíquida. Se de antemão é possível identificar que a condenação não superará o elevado patamar de 1.000 (mil) salários mínimos, somente um exagerado apego à forma, contrário ao espírito da nova legislação, justificaria a compreensão de que a sentença, nessas condições, se sujeita à remessa necessária. Com efeito, de acordo com o Novo CPC, invertendo-se a lógica, a remessa necessária passou a ser a exceção. Com efeito, sendo possível a projeção de que o valor máximo a ser executado não ultrapassará o patamar de 1.000 (mil) salários mínimos, torna-se devido o juízo de não conhecimento da remessa necessária. Por outro lado, ainda no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sedimentouse a compreensão de que a sentença cujo cumprimento depende apenas de cálculos aritméticos deve ser considerada líquida, consoante se pode depreender: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 490/STJ. SENTENÇA LÍQUIDA. REEXAME NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. 1. Inicialmente, constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado, manifestando-se de forma clara sobre a liquidez da sentença, sendo desnecessário o reexame necessário por envolver valor manifestamente inferior a 60 salários mínimos. 2. Na hipótese dos autos, não se aplica o disposto na Súmula 490/STJ, visto que se trata de caso no qual a sentença é líquida, como delimitado pelo Sodalício a quo. 3. Com efeito, extrai-se do acórdão vergastado que o entendimento da Corte de origem está em consonância com o entendimento do STJ de que é líquida a sentença que contém em si todos os elementos que permitem definir a quantidade de bens da vida a serem prestados, dependendo apenas de cálculos aritméticos apurados mediante critérios constantes do próprio título ou de fontes oficiais públicas e objetivamente conhecidas. 4. Outrossim, a Primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.336.026/PE, analisado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, registrou que, com a vigência da Lei 10.444/2002, a qual incluiu o § 1º ao art. 604 do CPC/1973, o acertamento do valor da condenação carente de simples cálculos aritméticos perdeu a natureza de liquidação. 5. Recurso Especial não provido (REsp 1794774/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 21.03.2019, DJe 30.05.2019). Dessa forma, pode-se dizer que, sob a égide do CPC de 2015, não se revela mais aplicável a Súmula 490 do STJ em matéria processual previdenciária, de modo que a remessa necessária deverá ser observada apenas quando se puder identificar que se faz presente um caso excepcional, de valor de condenação excedente a 1.000 (mil salários mínimos). 10.6 TUTELA PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA O Código de Processo Civil de 2015 ampliou as possibilidades de satisfação do direito pretendido pelo autor antes do trânsito em julgado da sentença. Buscando melhor distribuir os efeitos do tempo sobre a esfera jurídica dos litigantes, são criadas novas hipóteses para a concessão da chamada tutela provisória, o que se revela muito importante na jurisdição previdenciária, objeto de estudo no presente capítulo. São duas as espécies de tutela provisória: a tutela de urgência, que pode ser cautelar ou antecipada, e a tutela de evidência. A tutela provisória de urgência, quer em sua modalidade antecipada, quer em sua variante cautelar, pressupõe a probabilidade do direito. Além disso, exige a comprovação do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (CPC/2015, art. 294 c/c art. 300). A tutela de urgência compreende, portanto, a noção de tutela antecipada do CPC de 1973, de modo geral aplicada às causas previdenciárias, especialmente nas ações de concessão e de restabelecimento de benefício. Uma importante inovação está na possibilidade de requerer-se a tutela antecipada em caráter antecedente ao processo, podendo significar a desnecessidade de uma decisão de mérito¹²⁴¹. A petição inicial, nesses casos, pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (CPC/2015, art. 303, caput). Indeferida a tutela antecipada, o processo deve ser extinto sem o mérito¹²⁴². Se concedida, o autor deverá aditar a petição inicial¹²⁴³, sob pena de extinção sem resolução do mérito. Uma vez concedida a tutela antecipada antecedente e não interposto o respectivo recurso, a decisão se torna estável (CPC/2015, art. 304), sendo o processo extinto. Nesse caso, a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não alterada por superveniente decisão de mérito proferida em demanda proposta por qualquer das partes com o intuito de rever ou impugnar a tutela antecipada estabilizada¹²⁴⁴. Já a tutela provisória de evidência representa maior novidade, porque consiste na satisfação provisória de direito, independentemente da comprovação do perigo de dano ou de risco ou resultado útil do processo. Antes, tem como pressupostos a evidência do direito ou o abuso do direito de defesa da parte (CPC/2015, art. 311, I, II e IV). Para as causas previdenciárias, são três as possibilidades de concessão de tutela de evidência: • quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (CPC/2015, art. 311, I); • quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (CPC/2015, art. 311, II); • quando a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (CPC/2015, art. 311, IV). Pode-se cogitar que a tutela de evidência não será de muita utilidade para a proteção dos direitos previdenciários, dado que a tutela provisória, nesse campo do direito, encontra forte fundamento na urgência – de recebimento de verbas alimentares – para a concessão da tutela provisória. Todavia, se a necessidade alimentar da parte – e a urgência, por conseguinte – não é identificada com facilidade, como nos casos de revisão de benefício ou de concessão de aposentadoria voluntária em favor de pessoa jovem e/ou formalmente empregada, a tutela de evidência pode significar a única forma possível de tutela provisória. A tutela de evidência significa, portanto, modalidade de tutela provisória que pode revelar-se extremamente importante para o processo previdenciário, assim como já o é a tutela de urgência. 10.6.1 A urgência no processo judicial previdenciário O princípio constitucional da imediatidade tem a ver com a própria finalidade da segurança social: remediar ou ajudar a superar situações que ao serem produzidas por contingências sociais criam problemas ao indivíduo. Para que o socorro seja verdadeiramente efetivo, é preciso que a ajuda se realize em tempo oportuno, pois do contrário perderia muito do seu valor. Se a resposta não for imediata, a missão da Seguridade será cumprida de forma deficiente¹²⁴⁵. A urgência no recebimento dos valores correspondentes a um benefício da Seguridade Social se presume pela própria natureza (alimentar) e finalidade desse benefício, qual seja, a de prover – de modo eficiente e imediato – recursos para suprimento das necessidades elementares da pessoa. O problema não se verifica apenas na – de per se – danosa situação de incerteza jurídica pela demora na resposta estatal (administrativa ou judicial). A questão crucial aqui diz respeito à irreversível privação de bem-estar que se agrava com o passar do tempo. Por outro lado, as eventualidades mais propensas a produzir uma contingência de risco de subsistência ao segurado e a seus familiares são, em regra, aquelas imprevisíveis, como a morte, a incapacidade para o trabalho, o desemprego involuntário etc. Em casos tais, a urgência na prestação da tutela administrativa ou jurisdicional é acentuada. O mesmo se passa com a aposentadoria por idade. Aqui cabe um esclarecimento: em que pese o implemento do requisito etário não produzir, por si só, efeitos danosos na vida e nos rendimentos do segurado, e muito embora se reconheça a grande diversidade das condições de vida dos segurados que alcançam a idade legal para a inativação, impõe-se, em relação a este benefício, o mesmo especial cuidado que se deve dispensar aos benefícios destinados à imediata substituição da fonte de subsistência, por ao menos duas razões de ordem sociológica: a) a reduzida expectativa de sobrevida do idoso ao se aposentar; b) a dificuldade em o idoso se encontrar ocupando posto formal no mercado de trabalho quando do alcance da idade legal; em outras palavras, a concessão do benefício, embora programável, estará propiciando talvez mais do que uma imediata substituição de rendimentos¹²⁴⁶. Todos esses dados do direito material têm de ser assimilados pela técnica processual que se pretenda efetiva. A presumida necessidade de recebimento de verba alimentar, implicando o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, deve orientar a condução do processo efetivo não apenas na dimensão da razoável duração do processo (CPC/2015, art. 139; CPC/1973, art. 125), mas especialmente na adoção de técnicas e tutelas de urgência. O beneficiário da Previdência Social é tipicamente um credor que não pode esperar. É comum o discernimento de que as tutelas de urgência teriam pertinência nas ações de concessão de benefícios que realmente se prestam a substituir o rendimento do trabalho do segurado, destacadamente quando este se encontra sem outra fonte de renda a garantir sua subsistência. Para tanto, são levados em conta alguns critérios, como a idade, a condição de desemprego, o reduzido valor da remuneração, a necessidade dos valores para despesas extraordinárias etc. Da mesma forma, a concessão de tutela de urgência é apropriada aos casos dos benefícios devidos aos dependentes, visto que é pressuposto da caracterização da condição de dependente a relação de dependência econômica que mantinha em relação ao segurado falecido ou recluso. Também nas ações de restabelecimento (e de manutenção) se afigura maior sensibilidade na avaliação dos pressupostos determinadores da tutela de urgência. Quando está a se tratar de ação revisional de benefício previdenciário, a tendência se inverte. A tutela de urgência somente é concedida em casos excepcionais. Com respeito a esta questão, pretende-se referir que, independentemente da espécie da ação previdenciária, a comprovação do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é o que importa. Essa é uma questão de fato que, evidentemente, pode ser identificada também em uma ação revisional, ainda que a parte se encontre em gozo de benefício¹²⁴⁷. Basta que seja suficientemente demonstrada a situação de urgência que demanda a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. Em suma, o só fato de se tratar de ação revisional não deve prejudicar a concessão da tutela de urgência¹²⁴⁸. De modo genérico, temos referido à tutela de urgência para expressar a medida judicial de cunho antecipatório dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida pelo autor da demanda. Nossa opção tem o propósito de abranger as diversas espécies de provimento de urgência que importam em matéria processual previdenciária. A expressão abrange, por um lado, a medida cautelar de que trata o art. 4º da Lei 10.259/2001, que pode ser concedida pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes, para evitar dano de difícil reparação. Por outro lado, a expressão compreende a medida de antecipação da tutela prevista no art. 300 do CPC (CPC/1973, art. 273), que é condicionada à probabilidade da existência do direito, à urgência caracterizada no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e à reversibilidade do provimento antecipado. 10.6.2 Tutelas de urgência em matéria de Seguridade Social Nos feitos envolvendo concessão de benefícios da Seguridade Social, a proteção deve operar imediatamente e amparar de pronto a pessoa agravada por uma contingência social, de maneira a lhe suprir a mais básica das necessidades, ou o direito que lhe foi sonegado poder ser transformado em cifras e espalhado entre seus sucessores. Segundo a lição de Marinoni: A tutela antecipatória constitui o grande sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimento. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor¹²⁴⁹. Se o benefício é de natureza alimentar e de caráter urgente, as tutelas de urgência perderão sua aura de excepcionalidade no processo previdenciário. Excepcional deverá ser o indeferimento do pedido do carente que comprova, inequivocamente, fazer jus à prestação da Seguridade Social. Por outro lado, é de se observar que a lei não delimita o momento de concessão de tutela de urgência, o que se reveste de lógica na medida em que a situação de perigo e demais requisitos podem configurar-se antes da citação ou mesmo quando o processo esteja na sua fase recursal. Nesse sentido, é dado ao juiz, por exemplo, mesmo após a publicação da sentença e antes da remessa dos autos ao tribunal ou turma recursal, conhecer de pedido de tutela de urgência, desde que supervenientemente verificada situação de urgência a indicar que a espera pela apreciação da instância superior acarretará dano irreparável ao autor que já teve reconhecido seu direito pela sentença. O princípio da invariabilidade da sentença (CPC/2015, art. 494; CPC/1973, art. 463) não exclui do juiz de primeiro grau a prestação de jurisdição sobre questões que emergem em momento posterior à publicação da sentença e cuja solução não implica alteração do teor da sentença. Se a tutela de urgência não pode ser suprimida onde necessária para evitar um prejuízo irreparável, é devida sua concessão. Se a demora para que a apreciação do requerimento de antecipação se opere pelo órgão ad quem pode comprometer a efetividade dessa tutela, impõe-se, com apoio no direito fundamental à proteção judicial adequada, a concessão de tutela pelo juiz de primeiro grau se os autos ainda não tiverem sido remetidos à instância revisora. Segundo pensamos, também é possível a concessão de tutela de urgência em processo de execução contra a Fazenda Pública. Certamente que a Constituição, em seu art. 100, dispõe que o pagamento devido pela Fazenda Federal, em virtude de sentença judicial, far-se-á na ordem cronológica de apresentação de precatórios. Porém, o relevante interesse público e a norma burocrático-orçamentária acima referida não podem sobrepujar, no caso concreto, os direitos fundamentais à vida e à segurança (CF/88, art. 5º, caput), quando estes demandarem, por exemplo, provisões mínimas para a aquisição de alimentos, vestuário, transporte, remédios não fornecidos pelo sistema de saúde ou para o custeio de procedimentos cirúrgicos urgentes¹²⁵⁰. 10.6.2.1 Irreversibilidade e definitividade das tutelas provisórias em matéria previdenciária Antes de ingressar no tema da irreversibilidade fática dos efeitos da tutela provisória em matéria previdenciária, talvez seja prudente lembrar que a concessão de tutelas provisórias, quando pouco, requer evidência da probabilidade do direito (CPC, art. 300, caput)¹²⁵¹. Em razão da existência de diretrizes normativas específicas para o processo previdenciário, as quais decorrem das exigências de tratamento particularizado advindas do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, duas são as premissas de que parte este estudo para tratar a problemática da vedação de irreversibilidade dos efeitos da decisão que concede tutela de urgência em uma ação previdenciária¹²⁵². Fixemos desde logo essas premissas. Primeira, a possibilidade de concessão de tutelas provisórias com efeitos irreversíveis, como exigência do direito fundamental ao acesso à justiça, compreendido na perspectiva do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada. Segunda, a definitividade dos efeitos das decisões judiciais provisórias que determinam o pagamento de valores previdenciários. Com efeito, a irreversibilidade fática do provimento de urgência ou a impossibilidade de prestar caução idônea pelo autor da demanda não podem inibir a concretização de uma jurisdição voltada para o direito constitucional a uma ordem jurídica justa. Não se pode perder de mira a garantia constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraída de apreciação pelo Poder Judiciário (CF/88, art. 5º, XXXV). Para tanto, como ensina Cândido Rangel Dinamarco, É preciso romper preconceitos e encarar o processo como algo que seja realmente capaz de “alterar o mundo”, ou seja, de conduzir as pessoas à “ordem jurídica justa”. A maior aproximação do processo ao direito, que é uma vigorosa tendência metodológica hoje, exige que o processo seja posto a serviço do homem, com o instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço de sua técnica¹²⁵³. Vale aqui transcrever a conhecida lição de Marinoni a respeito do modo como o então novel instituto de tutela antecipatória deveria ser percebido pelos aplicadores do Direito: É preciso, portanto, que os operadores do Direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há razão para timidez no uso da técnica antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado. É necessário que o magistrado compreenda que não pode haver efetividade, em muitas hipóteses, sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão¹²⁵⁴. No mesmo sentido é a doutrina de Ovídio Baptista: Uma vez instaurado o litígio judicial, tanto o agir do magistrado, concedendo algum benefício a quem o postula, quanto sua omissão, ao recusá-lo, serão feitos dano ou a vantagem da outra parte. A recusa de uma liminar é uma concessão de uma vantagem, às vezes decisiva, do demandado. A neutralidade judicial é mais do que uma quimera; é uma impossibilidade lógica e prática¹²⁵⁵. Mas a concessão de provimentos de urgência enfrenta, como observou o mesmo doutrinador em outro texto, a barreira da necessidade dos juízos de certeza: A provisoriedade é um terrível incômodo para a doutrina. Esta é uma situação curiosa e significativa, enquanto reflete a angústia do Iluminismo em fazer com que o Direito domasse o azar inerente à vida humana, tornando-a segura, para permitir a construção do mundo industrial¹²⁵⁶. A concessão de tutela de urgência em matéria de Seguridade Social desafia alguns conhecidos obstáculos, mas muitos deles já se encontram superados por atento trabalho doutrinário e jurisprudencial. A concessão de tutela antecipada voltada especificamente contra a Fazenda Pública era um deles. Com a edição da Lei 8.437/92, vedou-se a concessão de liminar contra atos do Poder Público “no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal” (art. 1º)¹²⁵⁷. De outro lado, a Lei 9.494/97 estendeu a aplicação deste dispositivo à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do CPC de 1973. Na Ação Direta de Constitucionalidade 4, o Supremo Tribunal Federal, de forma liminar, reconheceu a constitucionalidade da referida norma. O Supremo Tribunal ressalvou expressamente, todavia, a possibilidade de concessão de tutela previdenciária em matéria previdenciária, editando a Súmula 729 que conta com o seguinte enunciado: “A decisão na ação direta de constitucionalidade 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária”¹²⁵⁸. Também a previsão de reexame necessário às sentenças proferidas em desfavor da Fazenda Pública (CPC/1973, art. 475; CPC/2015, art. 496) era suscitada como óbice à tutela antecipatória que realizasse o direito material antes da reapreciação da decisão judicial pelo órgão revisor. Na realidade, porém, o art. 475 do CPC “diz respeito apenas à impossibilidade da sentença transitar em julgado sem a reapreciação do Tribunal, o que não impede a decisão de produzir os efeitos dela decorrentes ou de vir a ser executada provisoriamente”¹²⁵⁹. De resto, a Lei 10.352/2002, ao acrescentar, no art. 520 do Código de Processo Civil, o inc. VII, afastou o efeito suspensivo da sentença que confirma a antecipação dos efeitos da tutela (CPC/2015, art. 1.012, V), sem que isso implicasse prejuízo ao reexame necessário. É certo que a subordinação do trânsito em julgado da sentença ao duplo grau de jurisdição – prerrogativa processual que se tornou exceção sob a égide do Novo CPC –, não prejudica, em eficácia, o direito constitucional ao processo efetivo, que é atendido no caso concreto mediante concessão de tutela de urgência. Mas, se de fato se operasse a suposta contraposição de normas jurídicas, imperiosa seria a prevalência da norma destinada a propiciar a realização antecipada de direito material necessário à subsistência do autor da demanda, presumivelmente hipossuficiente. É neste paradigma de processo justo como efetivo instrumento do direito material previdenciário que devem ser analisados a exigência de caução e o pressuposto negativo da irreversibilidade do provimento¹²⁶⁰. A propósito do pressuposto negativo da irreversibilidade (CPC, art. 300, § 3º)¹²⁶¹, cumpre transcrever significativo precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando orientou que “O benefício alimentar, na proteção da subsistência e da vida, deve prevalecer sobre a genérica alegação de dano ao erário público mesmo ante eventual risco de irreversibilidade – ainda maior ao particular, que precisa de verba para sua sobrevivência”¹²⁶². Deveras, o perigo da impossibilidade de retorno ao estado anterior deve ser compreendido a partir dos princípios constitucionais que se encontram em jogo na tutela de urgência da Seguridade Social¹²⁶³. É possível o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, ainda que venha a acarretar uma irreversibilidade fática no estado de coisas, a depender “do grau da verossimilhança da alegação do autor e, sobretudo, da dignidade do bem jurídico discutido e, ainda, da reversibilidade ou não dos efeitos advenientes da lesão que está a malferir o direito do autor”¹²⁶⁴. No contexto do processo judicial em que se busca a obtenção de verbas alimentares destinadas a pessoa hipossuficiente¹²⁶⁵, a concessão da tutela antecipada acarreta a problemática da irreversibilidade recíproca, em face do perigo de dano para ambos os polos da demanda: se indeferida a medida de urgência, as consequências para o autor são irreversíveis, em face da privação de recursos para subsistência; se deferida a tutela provisória, a irreversibilidade das consequências alcançam o INSS, que não poderá buscar a restituição de verba alimentar¹²⁶⁶. Em casos tais, “a irreversibilidade da medida deve ser mensurada objetivando a proteção do interesse daquele cujo o valor jurídico do bem a ser sacrificado é maior quando comparado ao outro bem a ser sacrificado”¹²⁶⁷. A irreversibilidade recíproca, geralmente presente nas ações previdenciárias, constitui exceção à regra da impossibilidade de concessão da tutela de urgência antecipatória capaz de produzir efeitos irreversíveis. Isso porque o risco de irreversibilidade é mais grave caso não haja o pagamento provisório dos valores previdenciários em favor do hipossuficiente, pois afetaria pretensão material de satisfação de necessidades básicas, relacionadas ao direito fundamental à vida com dignidade, de pessoa que não está em condições supri-las por si mesma. Enquanto pressuposto negativo para a concessão de tutela provisória, a irreversibilidade deve ser mitigada no processo previdenciário, pois a exigência de caução ou o condicionamento, da concessão, ao retorno ao status quo ante, implicaria denegação de justiça, pois restariam inviabilizados os provimentos de urgência no campo processual previdenciário. Por conseguinte, restaria violado o direito fundamental ao processo justo ou à tutela jurisdicional adequada. Em outras palavras, o direito de acesso à justiça, compreendido na perspectiva do direito fundamental ao processo justo, conduz à necessidade de flexibilização da vedação de irreversibilidade fática, enquanto requisito negativo para concessão de tutelas provisórias, pois ainda que a concessão da tutela seja de caráter irreversível, a urgência nesses casos é substancial, inexistindo outro meio de se proteger o hipossuficiente. Por outro lado, a irreversibilidade do pagamento de direitos previdenciá‐ rios, além de não prejudicar a concessão judicial de tutela provisória, significa a definitiva incorporação das verbas alimentares ao patrimônio jurídico do beneficiário, razão pela qual não podem ser exigidas em devolução, pois sua repetição é indevida nesta seara dos direitos sociais. A decisão judicial que concede tutela provisória de pagamento de valores previdenciários é reversível, podendo ser modificada ou até mesmo revogada. Mas se for identificada a nota da irreversibilidade nos efeitos satisfativos da pretensão que foram antecipados, é forçosa a conclusão no sentido de que a tutela provisória se caracteriza, nesse caso, pela definitivização eficacial¹²⁶⁸. Outrossim, deve ser considerado definitivo o estado de coisas gerado por essa decisão provisória, porque correspondente à satisfação de direito fundamental intimamente relacionado à dignidade humana e ao mínimo existencial1269. A medida concessiva de tutela provisória previdenciária produz, portanto, efeitos fáticos irreversíveis, quanto aos valores antecipados. E essa irreversibilidade apresenta duas dimensões. Por um lado, os efeitos fáticos da decisão que concede tutela provisória em matéria previdenciária são irreversíveis porque o retorno ao estado de coisas anterior não é materialmente possível, por força da presunção do consumo da verba de natureza alimentar e da ausência de condições reais do autor para repetir. Por outro lado, esses efeitos fáticos são irreversíveis porque o ‐ restabelecimento da situação anterior não é juridicamente devido, pois a exigência de devolução das prestações previdenciárias de natureza alimentar que correspondem a direito fundamental de pessoa vulnerável, além de configurar imposição desproporcional, encontraria óbice no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito constitucional ao mínimo existencial, constituindo, ademais, o pretenso dever retroativo, autêntica armadilha processual e odioso retrocesso social¹²⁷⁰. Com efeito, como observa Ingo Sarlet, sobre ensinamento de Gomes Cano‐ tilho e Vital Moreira, a proibição de retrocesso “pode ser considerada uma das consequências da perspectiva jurídico-subjetiva dos direitos fundamentais sociais na sua dimensão prestacional, que, neste contexto, assumem a condição de verdadeiros direitos de defesa contra medidas de cunho retrocessivo, que tenham por objeto a sua destruição ou redução”¹²⁷¹. Consoante doutrina o mesmo constitucionalista, a problemática da proibição de retrocesso guarda íntima relação com a segurança jurídica e esta se encontra umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana: Com efeito, a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas¹²⁷². Ocorre que o retrocesso social não se materializa apenas de modo coletivo ou por meio de alteração normativa que venha restringir o gozo ou exercício dos direitos fundamentais. A respeito do tema do retrocesso social ou da regressão em matéria de direitos sociais, destaca Christian Courtis que há duas noções de retrocesso. Pode-se ter uma regressão de resultados ou uma regressão normativa. Na primeira, tem-se uma piora dos direitos sociais em relação a um ponto de partida temporalmente anterior eleito como parâmetro, por uma política pública desenvolvida pelo Estado. Quando, porém, é aplicada a normas jurídicas, a noção de regressividade se refere à extensão dos direitos concedidos por uma norma; trata-se de um sentido normativo, não empírico, do retrocesso¹²⁷³. Se é admissível a revogação de uma decisão judicial que provisoriamente satisfazia um direito fundamental previdenciário, mediante pagamento de prestações mensais, é inaceitável que essa revogação opere efeitos para o passado, a ponto de impor a devolução dos valores de natureza alimentar que foram pagos à parte vulnerável, causando um indevido retrocesso social. E isso por duas razões. Em primeiro lugar, caracteriza-se o retrocesso social porque a exigência de devolução anularia os efeitos correspondentes à satisfação de bem jurídico fundamental plenamente exercido em sua dimensão prestacional. Por outro lado, a cobrança do indébito, em si mesma potencial causa de abalo à integridade moral do hipossuficiente, levá-lo-ia, acaso consumada, a uma condição ainda mais gravosa do que aquela em que se encontrava anteriormente à propositura da demanda¹²⁷⁴. É de se lembrar que o grupo de pessoas que usualmente é favorecida por tutelas de urgência em tema previdenciário – pessoas com deficiência, com idade avançada, menores impúberes, trabalhadores incapacitados para o exercício de sua atividade profissional etc. – é também quase sempre beneficiário da gratuidade da justiça. Soaria irracional, nesse sentido, que o sistema processual cercasse de garantias essas pessoas mais vulneráveis quando beneficiárias da gratuidade da justiça, a ponto de fazê-las praticamente imunes à cobrança das verbas de sucumbência, e exigisse, delas mesmas, a devolução de valores pagos por força de tutela provisória posteriormente revogada, que se expressam em patamares muito superiores. Por essas razões, pensamos que também em tema processual previdenciário se aplica a proposição segundo a qual “o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprimindo-os ou reduzindo seu montante”¹²⁷⁵. 10.6.3 Cumprimento imediato das decisões judiciais previdenciárias Como visto anteriormente (item 6.2.1, supra), a sentença que concede um benefício previdenciário compõe-se, em regra, de uma determinação para implantar o referido benefício – obrigação de fazer orientada à concessão de tutela específica de implantação da prestação previdenciária (CPC/2015, art. 497; CPC/1973, art. 461)¹²⁷⁶ – e de uma condenação ao pagamento das parcelas atrasadas – obrigação de pagar quantia certa (CPC/2015, art. 495; CPC/1973, art. 466), correspondente ao pagamento dos valores que não foram pagos desde quando era devido o benefício, nos termos da legislação previdenciária. No que alude à obrigação de fazer – determinação de implantação do benefício –, a sentença manifesta sua natureza mandamental e, em razão disso, deve ser cumprida de modo imediato e independentemente da instauração de um processo de execução. Atento à necessidade de efetividade da prestação jurisdicional previdenciária, a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Questão de Ordem na Ap. Cív. 2002.71.00.050349-7/RS (Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. 10.09.2007, DJ 02.10.2007), decidiu pela adoção do cumprimento imediato de suas decisões, em relação à parte que determina a obrigação de fazer correspondente à implantação do benefício. A decisão foi emblemática porque, apoiando-se no dever de prestação de tutela específica mediante provimentos judiciais mandamentais e executivos lato sensu no procedimento comum ordinário (CPC, art. 461), introduziu no universo processual previdenciário o direito do beneficiário do RGPS ou da Assistência Social de ter seu benefício implantado independentemente do trânsito em julgado da sentença ou de qualquer requerimento da parte, ainda que não cumpridos os pressupostos autorizadores para a concessão da tutela antecipada (CPC/2015, art. 300; CPC/1973, art. 273). Como bem articula o eminente relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, [...] em se considerando o direito previdenciário como direito fundamental de conotação social, e tendo em vista que o legislador capacitou o Judiciário de um instrumento extremamente inovador e eficaz para dar maior efetividade à prestação jurisdicional, não se justifica que referido meio não venha sendo utilizado para tal fim (excerto do voto do relator). A novel orientação jurisprudencial é lançada com apoio em sólidos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais. Um dos pressupostos de que parte a louvável decisão é a natureza preponderantemente mandamental e executiva lato sensu de uma sentença concessiva de benefício previdenciário ou assistencial: A natureza jurídica da sentença que concede benefício previdenciário é híbrida, mas preponderam as eficácias mandamental e executiva lato sensu em relação à obrigação de fazer da autarquia previdenciária, pois o objeto da ação é a concessão do benefício, sendo que a existência de valores retroativamente devidos – e que gerarão a execução em seus moldes formais – é mera consequência do não adimplemento da obrigação de fazer no momento oportuno. Sendo assim, nada impede que se utilize o instituto da tutela específica nestes processos, no que tange à ordem para que seja o benefício instituído e pago a partir da confirmação do direito alegado (excerto do voto do relator). Sobre a efetividade processual por meio da tutela específica, registra o culto jurista que A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio, pois, para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma consequência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário (excerto do voto do relator). A concessão da tutela específica para imediata implantação do benefício previdenciário ou assistencial deve, ademais, ser concedida de ofício pelo julgador, não consistindo em uma faculdade, “mas sim um imperativo legal ao qual o juiz deve obedecer sempre que julgar procedente uma ação que tenha por objeto uma obrigação de fazer/não fazer” (excerto do voto do relator)¹²⁷⁷. Dessa forma, a ordem de implantação de benefício previdenciário [...] subordina-se tão somente ao pressuposto do acolhimento da súplica veiculada na ação, sendo dispensável a provocação da parte interessada, cabendo ao julgador, no bojo do provimento jurisdicional, determinar a implantação da medida. Avançando em tal raciocínio, se assim não procedeu o juízo monocrático, entendo que cabe ao juízo recursal conceder a tutela específica de ofício sempre que confirmar sentença de procedência ou reformar sentença de improcedência para deferir o benefício pleiteado (excerto do voto do relator). Como consequência da concessão de tutela específica, o INSS obriga-se a implantar o benefício logo após a publicação do acórdão, independentemente da interposição de eventual recurso, [...] evitando a sistemática atual, na qual, apesar dos recursos especial e extraordinário não possuírem efeito suspensivo, o segurado termina por ficar vinculado ao trânsito em julgado do decisum para executar também a parte da decisão que lhe concedeu o direito ao benefício (mandamental e autoexecutável, conforme já se expôs) (excerto do voto do relator). É importante destacar que o raciocínio judicial deduzido na decisão em exame se aplica sem reservas no âmbito dos Juizados Especiais Federais, uma vez que o recurso contra sentença produz, em regra, apenas efeito devolutivo, nos termos do art. 43 da Lei 9.099/95¹²⁷⁸, aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais por força do art. 3º da Lei 10.259/2001. Mas, ainda que o eventual recurso deva ser recebido nos efeitos devolutivos e suspensivos (regra estabelecida pelo art. 520¸ caput, do CPC), é necessário destacar o reconhecimento da possibilidade do cumprimento imediato da decisão, na porção que determina o cumprimento de tutela específica: Uma vez consignado que a tutela específica é inerente à sentença que julga procedente o pedido em relação à obrigação de fazer, importa aqui também mencionar os efeitos da apelação sobre tal determinação. Existem dois pontos a abordar neste tópico: o primeiro seria o sofisma de que a sentença sujeita a recurso não produz efeitos; o segundo seria a pouca utilização do recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo. Conquanto toda sentença sujeita a recurso se apresente como transitória, tal fato não lhe retira, no dizer de Chiovenda, o caráter de definitividade (Princípios de Direito Processual Civil, vol. II, p. 464). Permanece sua aptidão para produzir efeitos, eis que eficácia e imutabilidade não se confundem. Ademais, em se levando em consideração que a eficácia preponderante da sentença que defere o pedido de concessão de benefício é mandamental, então, em relação a esta eficácia, poder-se-ia entender que a apelação não produz efeito suspensivo, nos mesmos moldes do mandado de segurança. A este respeito, o Des. Federal Paulo Afonso, no artigo já mencionado¹²⁷⁹, cita o hoje Des. Federal Rômulo Pizzolatti, que assim observou em palestra proferida em 23.04.1999: “quando preponderante, a eficácia mandamental da sentença também não pode ser suspensa pela interposição da apelação. Por quê? Porque como a sentença mandamental não tem efeitos regressivos ou retroativos, justamente porque opera no plano dos fatos, e estes dificilmente podem ser revertidos, seria totalmente contrário à efetividade da tutela jurisdicional aguardar o trânsito em julgado da sentença para o seu cumprimento”. Outra hipótese a ser considerada para que a tutela específica não perca sua eficácia em razão da interposição de apelação seria o recebimento do recurso apenas no seu efeito devolutivo (entendendo-se as hipóteses previstas no art. 520 como meramente exemplificativo), desde que o juiz o fizesse de modo justificado. De todo modo, o óbice que se colocaria quanto à eficácia da decisão que concede a tutela específica sequer se evidenciaria neste Tribunal, porquanto eventual recurso contra o acórdão que venha a concedê-la teria efeito apenas devolutivo (art. 475-I, § 1º, segunda parte) (excerto do voto do relator). O importante entendimento que se encontra consolidado no seio do TRF da 4ª Região rompe com a aparente problemática de concessão de tutela específica na sentença previdenciária, problemática gerada pela circunstância de a ação previdenciária gerar valores a receber. Mas, de fato, “o recebimento dos valores atrasados é pedido subjacente ao pedido de concessão e decorre deste” (excerto do voto do relator). 10.6.4 Eficácia das decisões judiciais previdenciárias Os temas relativos às tutelas de urgência e ao cumprimento imediato das decisões se vinculam de modo decisivo ao tema da eficácia das decisões judiciais. Se a concessão de tutela de urgência e a ordem de cumprimento imediato consubstanciam parte do processo de concretização do direito fundamental à proteção judicial efetiva, a realização definitiva desse valor constitucional somente se aperfeiçoa quando a ordem judicial é cumprida pelo réu. É por essa razão que analisamos algumas questões alusivas à eficácia das decisões judiciais ao tempo em que nos convencemos do alto grau de relevância das tutelas de urgência em matéria da Seguridade Social. O direito à adequada prestação jurisdicional se enlaça, como visto anteriormente (veja-se item 1.3, supra), ao princípio constitucional da proteção judicial, direito fundamental cuja efetividade tende a ser incrementada, seguindo o curso de moderna corrente doutrinária constitucional. O bom exercício da função jurisdicional reclama pulso. De nada auxiliaria todo esforço à rápida solução do litígio, mediante adoção de princípios como o da instrumentalidade, celeridade e economia processual, não dispusesse o juiz de meios idôneos a impor o acatamento de suas decisões. A imposição de multa diária, prevista no art. 537 do CPC/2015 especialmente para convencer o réu, sob ameaça, a adimplir a determinação do juiz, constitui um instrumento a serviço da concretização do direito fundamental à tutela efetiva. Também assim as demais medidas dispostas no rol exemplificativo do art. 536, § 1º¹²⁸⁰. Evidentemente que os dispositivos processuais acima referidos consistem em norma tendente a realizar o princípio da proteção judicial. Manifestam a coercibilidade da função jurisdicional e consubstanciam efetivo mecanismo de realização do direito material cuja satisfação depende do adimplemento do devedor. De fato, as referidas medidas coercitivas mostram-se concretizadoras do direito fundamental a uma tutela jurisdicional tempestiva. Consistem em instrumento dado ao juiz para, sob ameaça, levar o devedor a adimplir as obrigações contidas em decisão judicial. Neste momento, não pode o juiz se distanciar da realidade dos autos, devendo dispor das medidas coercitivas tanto quanto demande a satisfação do direito subjetivo cuja proteção ensejou o acesso ao Poder Judiciário. Como aponta Cândido Dinamarco, essas multas pecuniárias, destinadas a obter a submissão do réu ao preceito judicial de fazer ou abster-se¹²⁸¹, em virtude da equivalência funcional à execução, recebeu da doutrina a denominação de execução indireta¹²⁸². Na exemplar didática de Marcelo Guerra, [...] a diferença fundamental entre a execução indireta e a direta consiste em que nessa última as medidas empregadas pelo juiz realizam, elas mesmas, a tutela executiva (vale dizer, a satisfação coativa do credor), enquanto na execução indireta a tutela realiza-se sempre com o cumprimento pelo próprio devedor da obrigação, embora induzido pela imposição de medidas coercitivas¹²⁸³. As medidas coercitivas, ainda na ótica do culto mestre cearense, consistem num agravamento das consequências normais do inadimplemento e “tendem a pressionar a vontade do devedor, induzindo-o a cumprir, ele mesmo, sua obrigação. Daí denominar-se execução indireta a satisfação coativa do direito do credor, pelo comportamento do próprio devedor, induzido por medidas coercitivas”¹²⁸⁴. Impende registrar que a multa diária prevista na lei processual civil como medida ou meio coercitivo não tem finalidade sancionatória ou reparatória¹²⁸⁵, legitimando-se na estrita medida em que se mostra passível de influenciar o comportamento do devedor. De outra parte, como o rol de medidas catalogadas no dispositivo em questão é exemplificativo e, quanto mais, na medida em que o direito fundamental à tutela efetiva implica atuação jurisdicional comprometida com a tempestiva realização do direito material (“máxima coincidência possível”, veja-se item 1.3, supra), impõe-se ao juiz que, de ofício ou a requerimento da parte, determine as medidas necessárias para a satisfação do direito. Em regra, a “medida necessária” não deve ser determinada de forma apriorística. É certo, porém, que, no processo previdenciário, o comportamento do devedor é conhecido pelo magistrado. De outra parte, os contornos da lide gravitam em torno dos mesmos elementos (direito de natureza alimentar pretendido por uma pessoa presumivelmente hipossuficiente). Nada obstante, a decisão sobre as medidas necessárias ao adimplemento da ordem judicial emergirá da criteriosa análise do juiz em face do caso concreto (CF/88, art. 93, IX). Deverá o magistrado guardar respeito à proporcionalidade, não sacrificando desnecessariamente nenhuma posição jurídica do devedor (CPC/2015, art. 805). Em contrapartida não poderá manter-se indiferente à renitência do devedor ou insensível à prorrogada insatisfação do credor. Neste exato momento de ponderação, dará concretude ao direito fundamental de acesso a uma ordem jurídica justa ou então sonegando valor de tal magnitude, enclausurado no descompromisso positivista da ausência de previsão legal. Como adverte Juarez Freitas, “nada há na Lei Maior que não deva repercutir na totalidade do sistema jurídico e, de conseguinte, na vida real”¹²⁸⁶. Outrossim, cabe a nota de que a Súmula 410 do STJ (“A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”) não se aplica às decisões judiciais apenas cominam para o caso de descumprimento¹²⁸⁷. A cominação de multa nas decisões que veiculam obrigação de fazer, para além de encontrar expresso respaldo em lei, apenas gera gravame à parte que deixa de cumprir a decisão judicial. E dessa lógica processual não pode se furtar a Fazenda Pública. É preciso observar, por outro lado, a orientação que parece prevalecer no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a redução do valor das astreintes nas hipóteses em que a sua fixação ensejar multa de valor muito superior ao discutido na ação judicial em que foi imposta, a fim de evitar possível enriquecimento sem causa, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade¹²⁸⁸. A mutabilidade da multa fixada para cumprimento de obrigação de fazer não deve causar estranheza. O que soa problemática é a redução do quantum devido a título de multa que se fez devido em razão do não cumprimento oportuno da decisão judicial, mesmo após a formação da coisa julgada. Concorda-se que o valor da “multa cominatória pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, até mesmo de ofício, quando irrisório ou exorbitante”¹²⁸⁹. Contudo, a redução do valor acumulado para o que possa se considerar razoável, quando da sua execução pelo credor, exclusivamente ancorada no argumento da necessidade de se evitar enriquecimento sem causa deste, parece premiar a conduta de recalcitrância do devedor em cumprir a decisão judicial, que não recorreu ou que foi vencido em seu recurso contra a ordem cominatória, e que simplesmente deixou de cumprir a decisão judicial. Sem embargo, a postura desatenta ou omissiva do credor quanto ao cumprimento da obrigação de fazer, seu olhar posto mais para o resultado acumulado da multa no futuro, do que para a satisfação do julgado no presente, de modo a concorrer para a não satisfação da medida judicial, pode ensejar a redução de uma penalidade que jamais cumpriu sua finalidade. Imagine-se hipótese de processo em que há ordem judicial contida em sentença que determina, em termos provisórios, a imediata concessão de benefício de aposentadoria, sob pena de multa diária. Em havendo o INSS interposto o competente recurso contra a sentença, porém deixando de cumprir a tutela provisória no prazo que foi assinalado, inicia-se o período de incidência da multa. Suponha-se, ainda, que durante todo o trâmite do processo em segunda instância, com eventual sobrestamento do feito diante de ordem de tribunal superior, até o retorno dos autos à primeira instância para o cumprimento da sentença – quanto à condenação em pagar quantia certa relativa às parcelas pretéritas -, jamais foi atendida a ordem judicial e tampouco o juízo provocado pelo credor para que advertisse o réu quanto ao descumprimento, eventualmente pleiteando a majoração da multa. Em casos tais, teria a multa cumprido a sua finalidade de persuadir o devedor a honrar os termos da ordem judicial? Pode-se afirmar que houve um descumprimento deliberado e reiterado da decisão judicial, ou, antes, um lapso do réu em seu atendimento? Durante o trâmite do recurso, o réu porventura se sentiu pressionado pela astreinte ou o autor expressou sua indignação com o descaso e reafirmou sua urgência na satisfação da tutela provisória, provocando o órgão jurisdicional nesse sentido? Desse modo, específicas circunstâncias processuais podem justificar o abrandamento ou mesmo a supressão da penalidade. Transcreve-se, nesse sentido, excerto de ementa de importante precedente do STJ, em que restou assentada a possibilidade de redução ou supressão das astreintes, mesmo após o trânsito em julgado: In casu, o Tribunal a quo concluiu, à luz das provas dos autos, pela “impropriedade da cobrança de astreintes no caso sub examem, ante a notória desvirtuação da sua finalidade, na medida em que, malgrado descumprida a ordem judicial, não houve qualquer consequência danosa para o demandante, subsistindo apenas um aspecto compensatório sem que hajam (sic) evidentes prejuízos”, mormente considerando que “a Recorrida não ficou sem praticar suas atividades comerciais, que foram salvaguardadas pelas decisões judiciais proferidas, que, inclusive, autorizaram a impressão e emissão de notas fiscais com inscrição local de Vitória”. O Tribunal de origem ressaltou, ainda, que, “se compararmos a renda gerada pela atividade comercial com a pretendida a título de multa judicial, veremos que esta é mais vultosa que aquela”. Nesse contexto, entendeu que “revela-se incabível que a fixação de astreintes ocasione o enriquecimento sem causa do beneficiado, porquanto não se presta à reparar qualquer dano sofrido, pelo contrário, visa apenas assegurar o cumprimento da ordem judicial”¹²⁹⁰. 10.6.5 Poder coercitivo contra terceiros Enquanto instrumento de realização de direito fundamental, uma medida coercitiva deve ser empregada até o ponto em que se verificar a eficácia de sua cominação. Se positiva, colherá o cumprimento da obrigação pelo devedor. Caso contrário, longe de se prestar à sanção do devedor ou de reparação ao credor, deve ceder a outra que, ante a circunstância concreta, se revele naquele momento mais adequada. O juiz que determina o cumprimento de obrigação de fazer (ou de não fazer) deve buscar emprestar eficácia à sua decisão, elevando a multa diária, modificando a espécie de medida coercitiva ou mesmo fazê-la alcançar terceiros, tanto quanto exija a realização do direito material¹²⁹¹. A propósito do objeto deste tópico, cumpre salientar que ao contrário do que se possa calcular, diversas são as hipóteses em que o efetivo acatamento da ordem judicial passa pela adesão da vontade de terceiro. É o que se verifica, destacadamente, quando a determinação é dirigida à pessoa jurídica, quanto mais quando esta se revela destituída de grau positivo de patrimônio, sendo certo que, em hipóteses tais, a mera cominação de multa diária à instituição devedora poderá não exercer qualquer influência na vontade de seu titular. Isso porque, tal como observa Marcelo Guerra, uma medida coercitiva, “como instrumento de pressão psicológica, requer que seja exercida contra uma vontade, enquanto fenômeno psíquico. Daí que, imposta contra pessoas jurídicas, as medidas coercitivas tendem a ser eficazes apenas naquela hipótese em que possa, dada a estrutura peculiar de cada pessoa jurídica, atingir também uma vontade humana”¹²⁹². Também quando imposta contra o Poder Público, a multa diária tem-se mostrado inoperante. A advertência é do mesmo doutrinador: Ora, em se tratando de pessoa jurídica de direito público percebe-se logo que é muito remota a possibilidade de uma medida coercitiva como a multa diária exercer uma efetiva pressão psicológica sobre a vontade do exato agente administrativo responsável pelo cumprimento da decisão judicial. Daí a inoperância dessa medida quando utilizada contra tais pessoas jurídicas, sobretudo de direito público. Isso porque, incidindo sobre a própria pessoa jurídica é o seu patrimônio que será imediatamente atingido pela medida, cabendo ao Poder Público propor ação regressiva contra o agente que deu causa à incidência concreta da multa para obter dele o ressarcimento¹²⁹³. Alguns precedentes do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região que pareciam manifestar discernimento quanto à peculiaridade de imposição da multa diária contra o Poder Público, culminavam, paradoxalmente, por retirar qualquer peso do que se chama medida coercitiva. De fato, expressando consciência de que as consequências da insubmissão do agente administrativo restam por penalizar apenas o erário público e, por conseguinte, toda a comunidade, ao contrário de promover a responsabilização pessoal do responsável pelo dano ao erário, esvaziavam de conteúdo a medida coercitiva, reduzindo ao insignificante o valor da multa diária¹²⁹⁴. Em caso de permanência de insatisfação do direito substancial pelo devedor, nada obsta que os instrumentos de convencimento se voltem contra o terceiro que detém poderes para dar cumprimento à decisão que se busca executar. Afinal, definido o direito e expressada a recusa de satisfação, a decisão que impõe medida coercitiva – eficaz e proporcional – se eleva em legitimação, já que passa a compreender toda importância do valor constitucional de tutela efetiva. Nesse sentido, é devida a cominação de multa ou o emprego de qualquer outro mecanismo coercitivo contra o terceiro responsável pelo cumprimento da obrigação a ser satisfeita. De fato, se a obtenção da “tutela específica ou do resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação” depende diretamente da ação ou omissão de terceiro, a aplicação da multa contra este estaria abrangida pela indeterminação do art. 461, § 5º, do CPC/1973 (CPC/2015, art. 536, § 1º). Além disso, apenas os provimentos jurisdicionais finais é que se limitam às partes no processo, de maneira que se o resultado prático é impedido pela ação ou omissão de terceiros, deve o juiz contra eles adotar medida de força. Outrossim, os arts. 339 e 341, ambos do CPC (CPC/2015, arts. 378 e 380), servem de amparo legal a tais providências, se deste fundamento dependesse a concretização do direito fundamental ao processo efetivo¹²⁹⁵. É adequada a medida cominatória contra o agente administrativo responsável pelo cumprimento de ato ou pela abstenção de fato determinados, pelo juiz, ao Poder Público, dado que se tal medida coercitiva for dirigida exclusivamente contra a pessoa jurídica correspondente, apenas o erário público seria penalizado, desafiando a racionalidade da função jurisdicional. De outro lado, se a lei, enquanto expressão da soberania popular, não pode afastar o direito subjetivo da proteção jurisdicional, quanto menos o ilícito comportamento de indivíduo estranho à causa pode esvaziar a eficácia deste direito fundamental. Se o exercício da função jurisdicional constitui manifestação de soberania estatal, não se concebe razão que legitime atuação obstacularizadora por parte de terceiro. A adoção das técnicas de coerção em relação ao agente administrativo responsável pelo cumprimento da obrigação atende as exigências do direito à efetiva proteção judicial. Além disso, referido agente deve ser responsabilizado pessoalmente por eventual dano sofrido pelo erário, na forma do art. 5º da Lei 8.429/92: Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano. Em arremate, cumpre asseverar que a imposição de multa diária contra terceiro deve ocorrer no mesmo processo, por mera intimação, dando-se a ele o direito de, no prazo assinalado para o cumprimento da ordem obrigacional, apresentar defesa ou pugnar reconsideração. A jurisdição é manifestação de soberania e eventual óbice à realização de suas determinações deve ser objeto de censura e prontamente afastado, tenha sido ele levantado pela parte ou decorra de comportamento atribuído a terceiro estranho ao processo. Este tema é muito caro ao Direito Processual Previdenciário, pois, lamentavelmente, a demora do INSS no cumprimento das ordens judiciais ainda é algo comum. Esse inadimplemento consubstancia um dos pontos de congestionamento do processo previdenciário e não deve contar com a permissividade do julgador. A recalcitrância no cumprimento das decisões chega ao extremo do processo judicial, em alguns casos, alcançar seu termo final, com sentença transitada em julgado e pagamento das diferenças devidas mediante Requisição de Pequeno Valor, enquanto a entidade previdenciária não deu cumprimento à decisão antecipatória de tutela concedida muito anteriormente. Essa questão é realmente de singular importância no processo previdenciário: • O réu que se recusa a dar cumprimento às determinações judiciais é nada menos que a Administração Pública, envolta que está, no plano da forma, a uma constelação de plásticos princípios constitucionais. Deveria, por isso mesmo, assumir atitude processual exemplar. O que ocorre é justamente o contrário, por causas diversas, algumas compreensíveis, mas todas absolutamente estranhas ao processo e ao direito da parte em receber tutela jurisdicional adequada. • O autor é presumivelmente hipossuficiente e se encontra em uma condição de necessidade reconhecida por decisão judicial. • O objeto da prestação, como tantas vezes referido, é um bem jurídico fundamental de natureza alimentar e, por isso, indispensável para a subsistência digna do hipossuficiente. • O direito fundamental a um processo justo pressupõe efetividade não apenas no que alude ao cumprimento das etapas processuais, mas igual e decisivamente no que se refere à satisfação do direito material previdenciário. O desafio é colocado nestes termos e deve ser enfrentado a partir do arsenal de instrumentos constitucionais de que dispõe o Judiciário na manifestação de soberania estatal, mediante o exercício da função jurisdicional. A entidade previdenciária, esta é a regra, assume desde o início um comportamento tendente a retardar, o quanto possível, a satisfação do direito material buscado em juízo. Nesse intento não merece contar com o prestígio do Judiciário, pois traduz transgressão com potencialidade para frustrar, a um só golpe, todo propósito no arranjo institucional destinado a, de um lado, proteger o cidadão quando cercado de uma contingência social adversa (sistema de Seguridade Social) e, de outro, assegurar ao indivíduo o direito fundamental à proteção judicial efetiva. 10.7 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE RECONHECE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA PELA FAZENDA PÚBLICA Em que pese o Novo CPC tenha oferecido tratamento normativo diferenciado à fase de cumprimento da sentença, a depender da modalidade da obrigação a ser cumprida (pagar quantia certa, fazer ou não fazer, ou entregar coisa), há disposições gerais aplicáveis ao cumprimento de decisões independentemente da espécie obrigacional. Tal como se verifica em outras seções do Novo Código de Processo Civil, as disposições relacionadas ao cumprimento da sentença apresentam um tanto de consolidação das alterações antes empreendidas, um tanto de disciplina das interrogações com que a práxis interpelava a doutrina e a jurisprudência, e um tanto de inovação. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença dar-se-á a requerimento do exequente. Não figurando a Fazenda Pública como devedora, o devedor será intimado na pessoa do advogado constituído nos autos, via imprensa oficial (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), para pagar o débito no prazo de 15 dias, acrescido de custas, se houver (CPC/2015, art. 523, caput)¹²⁹⁶. Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (CPC/2015, art. 523, § 1º)¹²⁹⁷. Além disso, não ocorrendo o pagamento voluntário de modo tempestivo, a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos precisos termos do art. 517 do Novo CPC. De qualquer sorte, se não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação (CPC/2015, art. 523, § 3º)¹²⁹⁸. Já o cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública submete-se à disciplina absolutamente distinta. O modo de execução contra a Fazenda Pública consiste, efetivamente, em uma das suas mais marcantes prerrogativas processuais, sendo uma importante premissa a de que ela não se encontra em mora após o trânsito em julgado da sentença. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública se dá por iniciativa do credor¹²⁹⁹. O exequente deve apresentar demonstrativo discriminado e atualizado do crédito na forma do art. 534 do CPC/2015. A ideia fundamental é a de que o exequente demonstre a evolução de seu cálculo e sua adstrição à sentença objeto de cumprimento¹³⁰⁰. Para que o credor previdenciário possa apresentar o demonstrativo do crédito, incumbe ao INSS fornecer os elementos necessários à respectiva elaboração, tais como os salários de contribuição que devem ser considerados no cálculo da renda mensal do benefício, o valor da renda mensal que considera devido, eventuais pagamentos administrativos para serem abatidos na memória de cálculo etc. Por outro lado, é razoável que o INSS, como forma de auxiliar na aceleração da prestação jurisdicional e de desonerar as despesas para os segurados hipossuficientes, acabe por fornecer os próprios cálculos. O procedimento vai ao encontro da norma, segundo a qual “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (CPC/2015, art. 6º)¹³⁰¹. A grande distinção do cumprimento da sentença contra a Fazenda Pública começa aqui, porém. Enquanto os devedores em geral são intimados para cumprir a sentença, a Fazenda Pública é intimada para impugnar a execução. Segundo o art. 535 do CPC/2015, a Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 dias e nos próprios autos, impugnar a execução¹³⁰². Nos termos do art. 535, § 3º, do CPC/2015, não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada, será expedida a requisição de pagamento¹³⁰³. Não se deve desconsiderar, contudo, a possibilidade de o juiz, em verificando que o valor apontado no demonstrativo aparentemente excede os limites da condenação, diante do cálculo da contadoria e ouvidas as partes, determinar o prosseguimento da execução pelo valor correto¹³⁰⁴. A sistemática de pagamento por intermédio da requisição de pagamento submete-se ao disposto no art. 100 da Constituição da República, que estabelece que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão mediante precatórios requisitórios (CF/88, art. 100, caput), salvo os pagamentos de obrigações de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º). 10.7.1 Limites de cognição no cumprimento de sentença previdenciária Uma questão típica do processo judicial previdenciário se relaciona aos limites do conteúdo da liquidação ou cumprimento da sentença. Imaginemos situação em que, transitada em julgado a sentença que determina a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição¹³⁰⁵, com a condenação de parcelas vencidas desde o requerimento administrativo, a parte credora alega, em sede de cumprimento de sentença, que os salários de contribuição a serem utilizados no cálculo da renda mensal inicial do benefício não são aqueles constantes do CNIS, pois não correspondem à realidade, já que a efetiva remuneração do segurado era maior, tal como identificado em reclamatória trabalhista. A pergunta que se faz, diante dessa pretensão da parte credora, é se a fase de cumprimento de sentença pode abranger análise de fatos que não foram apurados no processo, ou se restaria ao credor o recebimento da aposentadoria nos termos constantes do CNIS, de modo que o ajuizamento da ação revisional seria indispensável para essa discussão específica. A análise dos problemas relacionados aos limites de cognição no cumprimento de sentença parte de uma premissa geral no sentido de que a sentença define o an debeatur (existência da dívida), enquanto que na fase de liquidação ou cumprimento de sentença se apura o quantum debeatur (quanto é devido). Mais especificamente, tem-se que apenas o que foi objeto da sentença condenatória pode ser exigido quando de seu cumprimento. Dado que a liquidação deverá se ater aos termos e limites estabelecidos na sentença, as parcelas não contempladas no título executivo não podem, em princípio, ser objeto de satisfação. Em suma, os termos da condenação não podem ser alterados na fase de cumprimento, pois o magistrado está adstrito à imutabilidade da coisa julgada (CF/88, art. 5º, XXXVI) e ao conteúdo do título executivo. Por isso, “na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou” (CPC, art. 509, § 4º). Certamente que o título executivo que fundamenta a execução ou cumprimento da sentença previdenciária pode ser complementado por informações que se fazem necessárias ao cálculo da renda mensal inicial. Todavia, não podem ser objeto de discussão na fase de cumprimento as questões controvertidas que não foram abarcadas pela sentença e que não são indispensáveis para o seu fiel cumprimento. Com mais razão, não podem ser objeto do cumprimento de sentença os fatos que, além de não terem sido suscitados no curso do processo, são dispensáveis para o cumprimento da sentença e, ademais, demandam profunda instrução probatória. Deve-se ter em consideração que a fase de cumprimento de sentença sofreria desvirtuamento de sua finalidade se passasse a compreender problemas jurídicos distintos que, embora relacionados com o bem da vida discutido na fase de conhecimento, deveriam ter sido suscitados na fase de conhecimento ou podem ser deduzidos em posterior demanda autônoma. Ainda que se tome em conta a necessária flexibilização dos institutos do processo civil para dar melhor encaminhamento aos problemas que emergem de uma lide previdenciária, com vistas a se assegurar o direito fundamental ao processo justo, a abertura de toda uma discussão sobre novas circunstâncias fáticas, que é desnecessária para o fiel cumprimento da sentença, para além de impor ao executado uma condição não determinada em sentença, implicaria o retardamento indevido à realização do direito material – concessão do benefício e pagamento de atrasados. Dessa forma, é inviável, por exemplo, a inclusão de tempo de contribuição com o objetivo de majorar a renda mensal inicial, se período não foi discutido na fase de conhecimento, sendo imperiosa a observância dos limites objetivos da coisa julgada¹³⁰⁶. Sem embargo, dizer que o cadastro administrativo, como regra geral, é o ponto de partida para o cálculo da renda mensal inicial, não significa expressar que a parte exequente deva sempre se submeter, na fase de liquidação, aos critérios adotados pelo INSS, para o cálculo da renda mensal inicial e dos valores atrasados, ou que a execução jamais levará em conta dados que não foram contemplados no processo. Nesse sentido, os registros na CTPS, oportunamente lançados, devem prevalecer sobre as informações constantes do CNIS, seja porque gozam de presunção de veracidade, seja porque constituem fonte dos dados deste cadastro, seja finalmente por força da aplicação do princípio in dubio pro misero¹³⁰⁷. Da mesma forma, devem prevalecer os salários de contribuição cuja existência foi comprovada, ainda que não constantes do CNIS¹³⁰⁸. Por outro lado, mesmo que não se encontre definido pela sentença, deve-se autorizar, na fase de cumprimento, o desconto dos valores pagos na via administrativa em período concomitante, para se evitar o pagamento em duplicidade e o enriquecimento sem causa do segurado¹³⁰⁹. Também é preciso destacar que a vinculação que se pretende, em fase do cumprimento de sentença, se dá em relação ao que restou decidido na sentença, a qual deve ser cumprida nos termos da lei – e não nos termos do entendimento da parte executada (INSS). Por essa razão, havendo discrepância entre os critérios adotados pelo INSS e a legislação previdenciária – considerada no sentido amplo, a ponto de serem compreendidas como tal as finais orientações jurisprudenciais sobre determinados temas –, deve-se solucionar a controvérsia mediante aplicação da lei – no sentido amplo. Assim, por exemplo, para os casos em que o período básico de cálculo do benefício abrange a competência 02/1994, a correção monetária dos salários de contribuição deve-se dar a partir do IRSM, ainda que este não fosse o índice adotado pela Administração Previdenciária, seja porque a jurisprudência é pacífica quanto ao tema, seja em razão de a própria legislação haver reconhecido esse direito (Lei 10.999/2004). Da mesma forma, quando for o caso, o cálculo da renda mensal inicial deverá reconhecer o direito ao benefício mais vantajoso, na forma disposta pelo Supremo Tribunal Federal¹³¹⁰. 10.7.2 Cumprimento definitivo da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa pela Fazenda Pública A disciplina oferecida pelo Novo CPC ao cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa decorre de sistemática já prevista na vigência do CPC de 1973. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença dar-se-á a requerimento do exequente. O pressuposto fundamental para o cumprimento definitivo de sentença contra a Fazenda Pública, com a expedição de precatório requisitório, inclusive, é a existência de trânsito em julgado da decisão que se busca executar. É verdade que a redação original do art. 100, § 1º, da Constituição da República, não trazia exigência expressa do trânsito em julgado, sendo possível, à época, a execução provisória com a expedição de precatório, inclusive¹³¹¹. Todavia, com o advento da Emenda Constitucional 30/2000, tornou-se indispensável o trânsito em julgado da decisão judicial para a expedição de precatórios¹³¹². Chegou-se até mesmo à conclusão do incabimento da execução provisória contra a Fazenda Pública. Sem embargo, mais recentemente a Suprema Corte fixou o Tema 28 de repercussão geral, no sentido de que Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial transitada em julgado observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor¹³¹³. A Emenda 62/2009, que estabelece a atual redação do § 1º do art. 100 da Constituição Federal¹³¹⁴, manteve a exigência de trânsito em julgado da sentença para a expedição de precatório, o que não prejudica a execução provisória, portanto. Há quatro modalidades de cumprimento definitivo de sentença contra a Fazenda Pública. Todas, por evidente, pressupondo o trânsito em julgado da decisão exequenda. As primeiras três variantes se fundam em sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa, ao passo que a última se funda na decisão interlocutória que, julgando parcialmente o mérito, reconhece a mesma espécie de obrigação. 10.7.3 Cumprimento da sentença na ausência de impugnação da execução A primeira modalidade de cumprimento definitivo constitui a via mais simples de satisfação da obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública. Ela se dá quando inexiste pendência de julgamento de embargos à execução (CPC/1973, art. 741) ou de impugnação à execução (CPC/2015, art. 535), seja porque não houve resistência aos termos da execução, seja porque foram esgotados os meios de impugnação à decisão que definiu o valor objeto de cumprimento da sentença, nos termos do art. 535, § 5º, do CPC/2015. Nessa variante, requerido o cumprimento da sentença (CPC/2015, art. 534) e não havendo impugnação pela Fazenda Pública (CPC/2015, art. 535) – ou não havendo mais espaço para impugnação da execução –, a fase executiva prossegue com a expedição de precatório requisitório ou de requisição de pequeno valor, conforme o caso (CPC/2015, art. 535, § 3º, I e II). 10.7.4 Cumprimento da sentença na ocorrência de impugnação parcial da execução A segunda modalidade corresponde ao cumprimento definitivo de parte da sentença transitada em julgado. Nesse modelo, diante da impugnação parcial da Fazenda Pública ao pedido de cumprimento da sentença, a fase executiva prossegue em relação à parte incontroversa, com expedição de precatório requisitório ou requisição de pequeno valor, conforme o caso (CPC/2015, art. 535, § 3º, I e II, c/c § 4º)¹³¹⁵. A suspensão integral do cumprimento definitivo da sentença somente ocorre, portanto, se a Fazenda Pública impugnar totalmente o requerimento do exequente¹³¹⁶. Se houver impugnação apenas parcial, a parte não questionada pela executada será, desde logo, objeto de cumprimento (CPC/2015, art. 535, § 4º). Diante da existência de trânsito em julgado da decisão exequenda, não é provisório, mas definitivo, o cumprimento de parte da sentença transitada em julgado. Não há óbice à expedição de requisição de pagamento de parcela incontroversa, pois além da certidão de trânsito em julgado da decisão exequenda, tem-se também a certidão de ausência de qualquer impugnação aos valores requisitados, os quais consistem na parte dos cálculos que é incontroversa¹³¹⁷. Sem embargo, a vedação constitucional de fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução (CF/88, art. 100, § 8º) pode ser concebida como impedimento à expedição de precatório parcial ou de RPV parcial. Se não é possível o fracionamento, seria vedada uma primeira expedição de requisição de pagamento, relativa à parte do crédito e, posteriormente, uma segunda, referente aos valores remanescentes. O crédito não seria pago de forma única, nesses casos. Por essas razões, não seria aplicável às execuções contra a Fazenda Pública, de modo a autorizar a expedição de precatório, o disposto no art. 739, § 2º, do CPC/1973¹³¹⁸, assim como não ensejaria a imediata expedição de precatório a regra do art. 535, § 4º, do CPC/2015¹³¹⁹. Ocorre que mesmo na vigência do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça já orientava no sentido da possibilidade de se executar definitivamente a sentença, em relação à parcela incontroversa, com a consequente expedição de precatório, mesmo na pendência de solução definitiva dos embargos da Fazenda Pública. O trânsito em julgado exigido pela Constituição diria respeito, segundo o STJ, à sentença do processo de conhecimento. De outra parte, o fracionamento vedado pela Constituição corresponderia exclusivamente à possibilidade de a parte credora manobrar para se valer, concomitantemente, de requisição de pequeno valor e de precatório requisitório. Veja-se nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS PARCIAIS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA PARTE INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE. 1. Em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, fundada em sentença transitada em julgado, a propositura de embargos parciais não impede o seu prosseguimento, com a expedição de precatório (ou, se for o caso, de requisição de pequeno valor), relativamente à parte não embargada, como prevê o art. 739, § 2º, do CPC. Tratando-se de parcela incontroversa, tanto na fase cognitiva, quanto na fase executória, está atendido, em relação a ela, o requisito do trânsito em julgado previsto nos §§ 1º e 3º do art. 100 da CF. 2. Não se aplica à hipótese a vedação constitucional de expedição de precatório complementar, estabelecida no § 4º, do art. 100, da CF (EC n. 37/2002). A interpretação literal desse dispositivo – de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar –, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o § 3º, do mesmo art. 100, da CF. 3. Embargos de divergência a que se nega provimento (EREsp 551.991/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, j. 22.02.2006, DJ 20.03.2006)¹³²⁰. A orientação do STJ parece convergir com a disciplina do Novo CPC, na parte em que este, expressamente, determina o cumprimento, desde logo, da parte não impugnada pela executada (CPC/2015, art. 535, § 4º). De fato, é razoável extrair-se desse comando legal a possibilidade de expedição de requisição de pagamento relativa à parcela incontroversa da execução. Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal ofereceu definitiva solução à problemática do fracionamento da execução com expedição de precatório para pagamento de parte incontroversa da condenação, fixando a seguinte tese de repercussão geral (Tema 28): Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial transitada em julgado observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor¹³²¹. Nesse mesmo sentido decidiu a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR n. 18), havendo sido fixada a seguinte tese: É legalmente admitido o imediato cumprimento definitivo de parcela transitada em julgado, tanto na hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito (§§ 2º e 3º do art. 356 do CPC), como de recurso parcial da Fazenda Pública, e o prosseguimento, com expedição de RPV ou precatório, na hipótese de impugnação parcial no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de quantia certa (art. 523 e §§ 3º e 4º do art. 535 do CPC), respeitada a remessa oficial, nas hipóteses em que necessária, nas ações em que é condenada a Fazenda Pública na Justiça Federal, nos Juizados Especiais Federais e na competência federal delegada¹³²² (grifou-se). 10.7.5 Cumprimento da sentença na pendência de recurso sem efeito suspensivo A terceira modalidade de cumprimento definitivo de sentença é aquela que segue com pendência de recurso (agravo de instrumento) contra a decisão que rejeita a impugnação da Fazenda Pública. Nesse tipo de execução, é oferecida impugnação pela Fazenda Pública, mas sua arguição é rejeitada por sentença atacada por agravo de instrumento. Se recusada a impugnação e ausente atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pela Fazenda Pública, deve seguir o procedimento de cumprimento da sentença¹³²³. É preciso reconhecer que é duvidosa a existência do direito à expedição de requisição de pagamento nessa terceira modalidade de cumprimento definitivo de sentença. É possível sustentar-se, com efeito, que a expedição de requisição de pagamento somente é viável quando não mais cabe recurso contra a decisão que, rejeitando a impugnação da Fazenda Pública, determina, em caráter definitivo, o quantum debeatur. Desse ponto de vista, exige-se certeza quanto aos valores requisitados, mesmo porque é obrigatória a oportuna inclusão, no orçamento das entidades de direito público, da verba necessária ao pagamento dos débitos inscritos nos precatórios (CF/88, art. 100, § 5º). Eventual redução do valor devido por decisão do tribunal revelaria uma desnecessária indisponibilidade de recursos públicos, em favor da aceleração processual para eventual recebimento do crédito pela parte exequente. Assim, a expedição de precatório exigiria efetiva definição dos valores devidos pela Fazenda Pública, pois, na pendência de recurso contra a decisão que rejeita total ou parcialmente a impugnação da executada, é possível a alteração do montante efetivamente devido e que deve ser objeto de cumprimento. O trânsito em julgado exigido para a expedição de precatórios, nesse sentido, seria também o relativo à decisão que rejeita a impugnação, definição análoga à obtida com o trânsito em julgado da sentença que, na vigência do CPC/1973, julgava improcedentes os embargos à execução. Logo, seria inviável a expedição de precatório provisório, isto é, condicionado à confirmação da decisão proferida em sede de impugnação¹³²⁴. Em nosso modo de ver, não há impedimento à expedição de requisição de pagamento na pendência de recurso contra a decisão que rejeita, total ou parcialmente, a arguição da executada. É de se reconhecer que a expedição de precatório provisório, em todos os casos de pendência de recurso da Fazenda Pública, pode causar séria lesão à ordem pública, em razão da desnecessária indisponibilidade de recursos públicos que eventualmente acarreta. Por outro lado, também resulta desproporcional a suspensão da execução nas hipóteses em que a arguição da executada é manifestamente inadmissível. A título ilustrativo, imagine-se hipótese em que a Fazenda Pública alega excesso de execução, mas deixa de declarar de imediato o valor que entende correto, o que conduz ao não conhecimento da arguição, na forma do art. 535, § 2º, do CPC/2015. Imagine-se, ainda, que diante da decisão de não conhecimento da arguição da executada, seja interposto agravo de instrumento, fundado, contudo, em razões genéricas. Parece-nos que, nessa hipótese, não seria adequado suspender-se a execução, em função da interposição de recurso da executada contra decisão que não conheceu da impugnação¹³²⁵. A possibilidade de expedição de precatório na pendência de recurso da Fazenda Pública – contra decisão que rejeita a impugnação à execução – deve tomar em consideração, portanto, a relevância da argumentação da recorrente ou, em outras palavras, a probabilidade do direito¹³²⁶. Trata-se de juízo a ser exercido pela instância recursal competente para a análise do agravo de instrumento, e externado mediante atribuição ou não de efeito suspensivo ao recurso pelo relator, na forma do art. 1.019, I, do CPC/2015. Em suma, deve ser expedido o precatório nas hipóteses em que é rejeitada a arguição da executada e inexiste recurso dotado de efeito suspensivo. De todo modo, a fim de se evitar dano irreparável à Fazenda Pública, o precatório requisitório deve ser bloqueado. Com essa providência, evita-se o recebimento de valores que constituem objeto de controvérsia. O desbloqueio somente deve ocorrer após a solução definitiva da questão, isto é, quando não mais cabível qualquer recurso pela Fazenda Pública. 10.7.6 Cumprimento definitivo de decisão parcial de mérito A última modalidade de cumprimento definitivo de sentença corresponde àquela cujo título executivo detém a natureza de decisão interlocutória – que soluciona definitivamente parte do mérito da causa. Trata-se do cumprimento definitivo de decisão sobre parcela incontroversa, que julga parcialmente o mérito contra a Fazenda Pública. O CPC de 2015 considera título executivo judicial as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (art. 515, I)¹³²⁷, expressando que decisões outras, que não exclusivamente a sentença, podem ostentar a natureza de título executivo judicial. Por outro lado, poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida a decisão que proferir o julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356, § 1º)¹³²⁸, previsto para as hipóteses em que o pedido é incontroverso ou está em condições de imediato julgamento, por não haver necessidade de produção de outras provas (art. 356, I e II)¹³²⁹. De modo expresso, o CPC/2015 estabelece que a decisão que julgar parcialmente o mérito pode ser, desde logo, liquidada e cumprida (art. 356, § 4º)¹³³⁰, sendo que, se houver trânsito em julgado, a execução será definitiva (art. 356, §§ 2º e 3º)¹³³¹. É de se notar, no mesmo sentido, que o cumprimento definitivo da sentença se presta, tanto para os casos de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, como de decisão sobre parcela incontroversa (art. 523, caput)¹³³². Como compreender o julgamento parcial do mérito enquanto instrumento para o cumprimento definitivo de sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública? Essa questão constitui mais um dos importantes desafios impostos à jurisprudência, na tarefa de interpretação e aplicação da novel legislação. Segundo pensamos, na esteira do que foi sustentado anteriormente, é plenamente possível, também contra a Fazenda Pública, o cumprimento definitivo de parcela incontroversa, fundada em decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito. Para além do quanto foi articulado nos itens 10.7.3 e 10.7.4, supra, que também pode ser útil à discussão relativa ao cumprimento da decisão que julga parcialmente o mérito contra a Fazenda Pública, é importante destacar que não há dispositivo legal que exclua a Fazenda Pública da aplicação ou dos efeitos do conjunto normativo que disciplina o julgamento parcial do mérito¹³³³. Trata-se de decisão interlocutória transitada em julgado – de caráter definitivo, portanto – que impõe à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, constituindo, de pleno direito, título executivo judicial apto a fundamentar o pedido de cumprimento definitivo de sentença até ulteriores termos. Da perspectiva do direito fundamental à razoável duração do processo, a possibilidade de cumprimento parcial da sentença de mérito se revela assaz importante, especialmente no contexto de incremento de hipóteses de suspensão de processo, em razão de julgamento de casos repetitivos (recursos especial e extraordinário repetitivos e incidentes de resolução de demandas repetitivas). Tome-se como exemplo o considerável dano sofrido por milhares de segurados pela excessiva demora para o desfecho de processos em que já haviam obtido o reconhecimento do direito que buscavam, em razão do tempo levado pelo Supremo Tribunal Federal para que houvesse a definição dos critérios de correção monetária e juros moratórios. Nesses casos, não foi viável a satisfação dos haveres incontroversos, com o pagamento parcial (sem correção monetária ou juros moratórios) das verbas alimentares inegavelmente urgentes e inquestionavelmente devidas, porque a sistemática do CPC/1973 exigia o trânsito em julgado da sentença globalmente considerada. Também é possível a adoção dessa técnica diferenciada, em primeira ou segunda instância, para a averbação de tempo de contribuição ou emissão de certidão de tempo de contribuição, com respeito a períodos sobre os quais inexiste controvérsia, o que até pode conduzir a uma situação de concessão administrativa superveniente à propositura da ação. E não será óbice ao cumprimento da decisão parcial do mérito o fato de o processo judicial se encontrar suspenso em razão de trâmite de recursos em casos repetitivos (repercussão geral, representativo de controvérsia ou incidente de resolução de demandas repetitivas). Como se pode verificar, a técnica do cumprimento definitivo da decisão que julga parcialmente o mérito, impondo à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, pode constituir-se em uma importante ferramenta para a outorga tempestiva da tutela jurisdicional em matéria previdenciária. Nesse sentido decidiu a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR n. 18), havendo sido fixada a seguinte tese: É legalmente admitido o imediato cumprimento definitivo de parcela transitada em julgado, tanto na hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito (§§ 2º e 3º do art. 356 do CPC), como de recurso parcial da Fazenda Pública, e o prosseguimento, com expedição de RPV ou precatório, na hipótese de impugnação parcial no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de quantia certa (art. 523 e §§ 3º e 4º do art. 535 do CPC), respeitada a remessa oficial, nas hipóteses em que necessária, nas ações em que é condenada a Fazenda Pública na Justiça Federal, nos Juizados Especiais Federais e na competência federal delegada¹³³⁴ (grifou-se). 10.7.7 Cumprimento provisório da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa pela Fazenda Pública De acordo com o art. 520 do CPC/2015, o cumprimento provisório é aquele que se dá sem o trânsito em julgado da sentença. Em relação aos devedores em geral, a impugnação da sentença por recurso desprovido de efeito suspensivo abre espaço para a prática antecipada dos atos executivos, mediante o cumprimento provisório da sentença. O cumprimento provisório de sentença é realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, embora, justamente em face da possibilidade de alteração ou anulação da sentença objeto de cumprimento provisório, seja estabelecido um regime jurídico específico¹³³⁵. Tanto quanto o cumprimento definitivo da sentença, o cumprimento provisório pressupõe iniciativa do credor. Na superveniência de decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, as partes devem ser restituídas ao status quo ante, e eventuais danos suportados pelo executado serão liquidados nos mesmos autos (CPC/2015, art. 520, II). Se a modificação ou anulação da sentença (ou tutela provisória) for apenas parcial, somente nesta parte perderá eficácia a execução (CPC/2015, art. 520, III). Em relação aos devedores em geral, a prestação de caução idônea e suficiente, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos, é exigida para o levantamento de depósito em dinheiro e para a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado (CPC/2015, art. 520, IV). Orientando-se pela segurança jurídica e efetividade, o Novo CPC dispõe que, uma vez alienado o domínio ou realizada a transferência da posse, a restituição ao estado anterior não implicará o desfazimento desses atos, de modo que os prejuízos causados ao executado abrirão espaço para a devida reparação (CPC/2015, art. 520, IV, § 4º), até mesmo em razão da prestação de caução. O CPC/2015 expressamente assegura a possibilidade de defesa por parte do executado, que se dará mediante impugnação de que trata o art. 525 do CPC/2015, nos termos do art. 520, IV, § 1º, do mesmo diploma legal. Já os contornos de execução indireta encontrados na imposição de multa e de honorários, próprios do cumprimento definitivo da sentença (CPC/2015, art. 523, § 1º), não eram admitidos, por ausência de previsão legal¹³³⁶. Com o Novo CPC, esses mecanismos de persuasão se encontram também no cumprimento provisório de sentença¹³³⁷. Salutar também é a disposição que prevê que se o devedor tempestivamente depositar o valor, com a finalidade de isentar-se da multa, o ato não será havido como incompatível com o recurso por ele interposto (CPC/2015, art. 523, IV, § 3º)¹³³⁸. Dito isso sobre o cumprimento provisório de sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa, impõe-se indagar se, e em que medida, é aplicável à Fazenda Pública essa forma de execução, que se inicia sem o trânsito em julgado da decisão exequenda. Com a exigência constitucional de trânsito em julgado das sentenças judiciárias objeto de cumprimento por precatórios¹³³⁹, chegou-se a compreender que não mais seria possível a execução provisória contra a Fazenda Pública¹³⁴⁰. Porém, o entendimento não subsistiu, sendo atualmente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do Tema 28 de repercussão geral: Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial transitada em julgado observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor¹³⁴¹. No entanto, o que se veda é a apresentação de precatório sem a comprovação do trânsito em julgado da decisão exequenda. Isso não significa dizer que está impedida a execução provisória contra a Fazenda Pública¹³⁴². De outro lado, a única disposição legal que veda a execução provisória contra a Fazenda Pública encontra-se no art. 2º-B da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela MP 2.180-35, de 24.08.2001, in verbis: Art. 2º-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado (negritamos). É possível, portanto, o início do cumprimento provisório da sentença previdenciária que reconhece o dever da Fazenda Pública de pagar quantia certa. Embora não possa seguir a ponto de se expedir requisição de pagamento, o procedimento se presta à antecipação da fase executiva no que toca exclusivamente à definição da quantia objeto de cumprimento, a ser encontrada nos termos do julgado proferido na fase de conhecimento. Trata-se, mais propriamente, de uma “liquidação provisória, ou seja, apuração do quantum devido caso as decisões judiciais até então proferidas em sede de processo de conhecimento venham a se tornar imutáveis por conta do trânsito em julgado”¹³⁴³. Aplica-se à Fazenda Pública, portanto, a regra do art. 520 do Novo CPC, que estabelece o cumprimento provisório de sentença, mesmo porque nenhum dano será suportado pela executada. Uma vez requerido o cumprimento provisório de sentença, deve a Fazenda Pública ser intimada para, querendo, apresentar impugnação no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 535 do CPC/2015, podendo seguir, o procedimento, até final decisão sobre o quantum devido à parte credora. O trânsito em julgado da decisão exequenda, se esta não for modificada, permitirá a imediata expedição de requisição de pagamento. Certamente que, também quanto à Fazenda Pública, na superveniência de decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, as partes devem ser restituídas ao status quo ante (CPC/2015, art. 520, II). Mas, se a modificação ou anulação da sentença for apenas parcial, somente nesta parte perderá eficácia a execução (CPC/2015, art. 520, III). 10.7.8 Execução invertida nas ações previdenciárias Convencionou-se chamar de execução invertida o procedimento, adotado nas execuções contra a Fazenda Pública, que se aproxima de um cumprimento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa. De acordo com a prática denominada execução invertida, após o trânsito em julgado da sentença que determina o pagamento de quantia certa, o juiz intima a Fazenda Pública para, em determinado prazo, apresentar os valores que entende devidos. Na sequência, a parte autora é intimada para se manifestar sobre a conta. Com a concordância, segue o procedimento com a expedição de requisição de pequeno valor. Mais propriamente do que inversão da execução ou inversão da iniciativa da execução, o que se tem é a antecipação da entidade pública à iniciativa da parte credora, e, nesse agir, nos limites constitucionais para a satisfação dos créditos judiciais pela Fazenda Pública, inicia espontaneamente o cumprimento do julgado. O procedimento tem sua importância no contexto em que o credor previdenciário se presume hipossuficiente em termos econômicos e informacionais, comumente enfrentando dificuldades para apresentar os cálculos que devem instruir o pedido de cumprimento da sentença. De uma certa forma, a chamada execução invertida acaba desonerando os serviços judiciários de contadoria, especialmente nos casos em que há a anuência da parte autora, quando a fase executiva se aperfeiçoa sem impugnação. Na vigência do CPC de 1973, o rito tornava dispensável a citação da Fazenda Pública, nos termos do art. 730 daquele diploma legal. Sob a égide do novo CPC, a fase executiva pode igualmente iniciar-se com a apresentação dos cálculos pela Fazenda Pública. E isso é perfeitamente possível no sistema dos Juizados Especiais Federais. Porém, se é correto afirmar que a chamada execução invertida retira do credor, o ônus de apresentação dos cálculos que integram o pedido de cumprimento da sentença, também é certo afirmar que não lhe confere paridade de armas. Ainda vítima da hipossuficiência econômica e informacional, o credor previdenciário não terá melhor condição de analisar os cálculos apresentados pelo INSS e eventualmente impugná-los. De todo modo, em face da presunção de legitimidade dos atos administrativos, guarda-se a expectativa de que a conta apresentada pela entidade pública seja elaborada de acordo com o princípio da legalidade e, mais particularmente, com observância aos termos da coisa julgada. É preciso reconhecer, outrossim, que a chamada execução invertida objetiva também a economia de recursos à Fazenda Pública, na medida em que, mediante essa providência antecipada à iniciativa da execução, ela pretende ver-se livre da condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. Lembre-se que, segundo o Supremo Tribunal Federal, são devidos honorários de advogado no caso de execução contra a Fazenda Pública, ainda que não embargada, quando relativa a pagamento de obrigação a ser satisfeita mediante RPV¹³⁴⁴. Uma vez que a execução invertida é entendida como cumprimento espontâneo da obrigação, por tornar desnecessária a iniciativa da parte credora para o início da fase executiva, a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a apresentação espontânea dos cálculos, com o reconhecimento da dívida, afasta a condenação em honorários advocatícios¹³⁴⁵. De acordo com essa orientação jurisprudencial, não é aplicável, na execução invertida, o entendimento firmado pelo STF, de que são devidos os honorários advocatícios na execução não embargada contra a Fazenda Pública, nas hipóteses de obrigação de pequeno valor (RE 420.816/PR). Antes, somente serão devidos os honorários advocatícios quando o próprio credor der início à execução¹³⁴⁶. Como a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios decorre do princípio da causalidade, se o cumprimento da sentença se dá de modo espontâneo pelo devedor, não há razão de ser para essa condenação, pois, nesses casos, revela-se desnecessária qualquer ação por parte do credor. Sem embargo, em que pese o respeitável entendimento externado pelo STJ, a mera apresentação dos valores que o órgão previdenciário reputa devidos, no contexto do que se convencionou chamar “execução invertida”, não pode ser confundida com o cumprimento espontâneo da sentença, para o efeito de livrar o ente público do pagamento de honorários advocatícios, em face da necessidade de o cumprimento da sentença se dar no contexto do contraditório, identificando-se aí a causa suficiente a ensejar dita condenação, o que fica ainda mais claro nas hipóteses em que o credor toma a inciativa de buscar a satisfação do julgado. 10.7.9 Cumprimento da sentença como respeito à coisa julgada O pedido de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, antiga execução por quantia certa, deve-se limitar estritamente aos termos consagrados na decisão exequenda. O fiel cumprimento da sentença judicial é, antes de tudo, exigência da coisa julgada (CPC/1973, art. 469; CPC/2015, art. 502). No atual contexto histórico, é muito comum, por exemplo, o exequente deduzir pretensão de receber valores atualizados sem a observância dos critérios estabelecidos pela Lei 11.960/2009, especialmente em face da decisão do STF nas ADIs 4357 e 4425, quando foi declarada a inconstitucionalidade da TR para atualização dos precatórios requisitórios. Todavia, é forçoso reconhecer que, se a questão atinente aos critérios de correção monetária e juros moratórios não foi suscitada pela parte autora em momento algum ao longo da fase de conhecimento, sendo definida pela sentença a observância da Lei 11.960/2009, é inviável o acolhimento de outros critérios de atualização e juros em sede de execução de sentença, sob pena de se incorrer em violação da coisa julgada e excesso de execução¹³⁴⁷. Também por força da coisa julgada, já se decidiu que o credor não tem o direito a buscar, em sede de execução da sentença, “outro tipo de aposentadoria que não aquela estabelecida nos limites da coisa julgada, que lhe assegurou, inclusive, o pagamento dos atrasados nos exatos termos em que proferida”¹³⁴⁸. Veja-se outro exemplo de inviabilidade de execução de sentença por desconsideração da coisa julgada: [...] 3. Na hipótese dos autos, a violação à coisa julgada é ainda mais grave. Da análise dos autos, observa-se que o segurado pretende promover dupla afronta à coisa julgada. Uma, porque pretende afrontar o termo inicial fixado no título executivo. Outra, porque tal questão já havia sido rechaçada por ocasião da elaboração dos cálculos, tendo o INSS apresentado embargos à execução, os quais foram acolhidos para determinar a observância do termo inicial firmado no título executivo, consoante se infere da sentença que os julgou e do acórdão da apelação interposta, já transitado. 4. A toda evidência, a pretensão do segurado é eternizar a demanda para que seja acolhida sua pretensão de receber valores além daqueles que estão abarcados pelo comando sentencial transitado em julgado, o que não se admite¹³⁴⁹. Sem embargo do que foi exposto quanto à necessária adstrição do conteúdo da execução aos termos da sentença, é de se notar que o segurado detém o direito a ter calculado o benefício concedido judicialmente pelos critérios estabelecidos pela legislação. E isso deve ser observado, ainda que não sejam os critérios adotados pelo INSS na via administrativa ou pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução/CJF 267/2013), desde que consagrados pela jurisprudência ou reconhecidos por ato normativo superveniente, e se a decisão exequenda não houver disposto no sentido contrário. A título ilustrativo, é direito do segurado que o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte decorrente de aposentadoria por invalidez sejam calculados em conformidade com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99. Isso porque, em sede de ação civil pública, com eficácia para todo território nacional, foi realizado acordo pelo INSS para a revisão de todos os benefícios concedidos em desacordo com a disposição acima referida. Da mesma forma, em sendo o caso, os benefícios deverão ser calculados levando-se em consideração o IRSM, para correção monetária dos salários de contribuição relativos à competência fevereiro de 1994, mesmo que a decisão objeto de execução não detalhe a forma de cálculo. Isso porque, embora não seja esse o critério originariamente adotado pelo INSS, a lesão ao direito do segurado é manifesta e foi expressamente reconhecida pela Lei 10.999/2004¹³⁵⁰. Ainda como forma de exemplificar o raciocínio, deverá ser observada, no cálculo do benefício concedido judicialmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na sistemática de repercussão geral¹³⁵¹, que determina a aplicação imediata do art. 14 da EC 20/98 e do art. 5º da EC 41/2003 aos benefícios previdenciários limitados a teto do RGPS estabelecido antes da vigência dessas normas, de modo a que passem a observar o novo teto constitucional¹³⁵². De modo distinto, em sede de cumprimento de sentença, não são viáveis discussões que demandem “análise mais acurada, pois amplamente controvertida, havendo necessidade de completa dilação probatória, de modo que deve ser buscada pelas vias ordinárias”¹³⁵³. 10.7.10 Execução individual da ação coletiva contra a Fazenda Pública Tema recorrentemente enfrentado pela jurisprudência é o que diz com a possibilidade de se executar individualmente a sentença produzida em ação coletiva contra a Fazenda Pública, permitindo-se ao exequente o recebimento por meio de requisição de pequeno valor (RPV). O suposto óbice à execução individual com o efeito de se expedir a requisição de pequeno valor residiria na norma contida no art. 100, § 8º, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009, segundo a qual “É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total” ao que se considera obrigação de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 8º). Como se pode verificar, a norma acima transcrita está a vedar uma espécie de manipulação da forma de satisfação do crédito pelo exequente contra a Fazenda Pública, de modo que pudesse obter os valores que lhe são devidos fracionadamente, burlando-se a sistemática dos precatórios, que lhe seria própria. O Supremo Tribunal Federal analisou a questão de acordo com a sistemática de repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que a execução individual de sentença coletiva não viola a regra constitucional que veda o fracionamento do valor da execução para que, em vez de precatórios, o pagamento seja realizado por RPV¹³⁵⁴. Trata-se, na verdade, da mesma ratio decidendi assumida pela Suprema Corte quando enfrentou o problema da possibilidade de execução individual, para fins de expedição de RPV, no caso de litisconsórcio facultativo. A execução promovida deve considerar cada litigante autonomamente, sem importar em fracionamento, pois cada um receberá o que lhe é devido segundo a sentença proferida: O Plenário da Corte, no exame do RE n. 568.645/SP-RG, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, concluiu que a individualização dos créditos dos litisconsortes facultativos, a fim de permitir a expedição de ofício requisitório de pequeno valor, não implica a ocorrência de violação do disposto no art. 100, § 8º, da Constituição Federal, nem caracteriza fracionamento do valor devido a cada um dos beneficiários. 2. Essa orientação se aplica também aos casos de execução individual de sentença transitada em julgado proferida em ação coletiva (AgRg ARE 904863 AgRg, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j. 10.11.2015, DJ. 14.12.2015). O disposto no art. 100, § 8º, da Constituição Federal, não constitui óbice, portanto, à promoção de execução individual de sentença transitada em julgado proferida em ação coletiva, circunstância que não caracteriza fracionamento do valor devido a cada um dos beneficiários titulares do direito. Quanto ao início da fluência do prazo prescricional da execução singular de sentença coletiva, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.388.000/PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese de que “o prazo prescricional para a execução individual é contado do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a providência de que trata o art. 94 da Lei n. 8.078/90”¹³⁵⁵. Com essa orientação, entendeu-se que é desnecessária, para fins de fazer iniciar a fluência do prazo prescricional, a publicação de editais, para promover a ciência dos beneficiários, quanto ao conteúdo favorável da decisão, nos termos do o art. 94 do CDC¹³⁵⁶. Na medida em que a Súmula 150 do STF expressa que o prazo prescricional da execução é o mesmo da ação de conhecimento¹³⁵⁷, conclui-se que prescreve em 5 (cinco) anos a execução individual da sentença coletiva, a contar do trânsito em julgado desta. 10.7.11 Impugnação à execução A fase de cumprimento da sentença, prevista também para a sentença que impõe o pagamento de quantia certa desde a Lei 12.232/2005, configura uma significativa evolução em relação à sistemática anterior. Desde então, não mais se fala que a sentença põe termo ao processo. O processo passa a contar inicialmente com uma fase cognitiva e tem prosseguimento com a fase de cumprimento de sentença. Esta não mais coloca termo final ao processo. Tampouco persiste espaço para a citação do executado em um novo processo. Enfim, as sentenças passam a ser cumpridas, independentemente da propositura de nova ação, e isso também contra a Fazenda Pública¹³⁵⁸. O Novo Código de Processo Civil encerra as possibilidades de embargos do devedor na fase de cumprimento da sentença. O meio de defesa do executado passa a ser, necessariamente, a impugnação à petição de cumprimento da sentença. Na vigência do CPC/1973, a defesa da Fazenda Pública contra execução fundada em título judicial se dava mediante embargos, nos termos do art. 741. Os embargos só poderiam versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; II – inexigibilidade do título; III – ilegitimidade das partes; IV – cumulação indevida de execuções; V – excesso de execução; VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença; Vll – incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz. Segundo a regra do art. 475-L, § 2º, do CPC/1973, “Quando o executado alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”. Sobre o particular, importante decisão do STJ, proferida de acordo com a sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese de que “é indispensável apontar, na petição de impugnação ao cumprimento de sentença, a parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos do credor, sob pena de rejeição liminar da petição, não se admitindo emenda à inicial”¹³⁵⁹. Todavia, segundo o mesmo julgado, a exigência não se aplica aos embargos à execução contra a Fazenda Pública, “tendo em vista o princípio da indisponibilidade do interesse público, que impede o julgamento por presunção em desfavor dos entes públicos” e também porque a norma não foi reproduzida no art. 741 do CPC/1973, que trata dos embargos à execução contra a Fazenda Pública. Sem embargo, o Novo CPC dispõe expressamente, em relação à impugnação à execução movida contra a Fazenda Pública, que, “Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição” (CPC/2015, art. 535, § 2º). Dessa forma, também em relação à Fazenda Pública, a petição de impugnação ao cumprimento de sentença deve apontar a parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos do credor, sob pena de não conhecimento da arguição. Passemos à análise da execução da chamada “sentença inconstitucional”. O parágrafo único do art. 741 do CPC/1973 enunciava ser inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. Quando o título judicial objeto da execução encontra-se amparado em sentença transitada em julgado que adotou posicionamento constitucional rechaçado pelo STF, proferido em controle concentrado ou difuso, diz-se que há execução de “sentença inconstitucional”, sendo inexigível o título. Sobre o alcance desse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal expressou que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente¹³⁶⁰. A reforma ou rescisão da sentença produzida anteriormente à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, nessa perspectiva, deve ocorrer pela interposição do recurso próprio ou, se for o caso, pela propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC/1973 (CPC/2015, art. 966, V), observado o respectivo prazo decadencial (CPC/1973, art. 495; CPC/2015, art. 975)¹³⁶¹. De acordo com o STF, o efeito vinculante do julgado, a partir da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial, se impõe em relação a supervenientes atos administrativos e decisões judiciais, não aos pretéritos. Logo, a eficácia executiva do julgado do STF não atinge decisões judiciais anteriores a essa publicação, ainda que formada com fundamento em norma posteriormente declarada inconstitucional. Em suma, de acordo com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, afirmado como tese de repercussão geral, a inexigibilidade do título judicial, em razão de “inconstitucionalidade da sentença”, somente ocorre se a decisão exequenda for posterior à publicação do acórdão do STF que expressou compreensão que lhe é contrária¹³⁶². Com efeito, se a sentença exequenda é anterior à publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal que lhe teve como incompatível com a Constituição, o título judicial é exigível, salvo se quebrada a coisa julgada por força de ação rescisória, cujo prazo é contado, sob a égide do CPC/1973, do trânsito em julgado da sentença exequenda (CPC/1973, art. 495). Inviável, nesse caso, a oposição de embargos de devedor fundados na inexigibilidade do título em razão da incompatibilidade da sentença em relação ao entendimento da Suprema Corte. Segundo o art. 535 do CPC/2015, a Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir fundamentalmente as mesmas matérias que viabilizavam a oposição dos embargos do devedor¹³⁶³. Igualmente, no contexto do Novo CPC, [...] considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso (CPC/2015, art. 535, § 5º). O Novo CPC ainda expressa que a decisão do Supremo Tribunal Federal, hábil a tornar inexequível o título ou inexigível a obrigação, deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda (CPC/2015, art. 535, § 7º). Se o acórdão da Suprema Corte for proferido posteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda, o título será exequível, tornandose necessário o ajuizamento da ação rescisória para sua desconstituição. Neste caso, o prazo para a ação rescisória será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (CPC/2015, art. 535, § 7º)¹³⁶⁴. Também surge com a novel legislação processual significativa inovação quanto ao prazo para ajuizamento da ação rescisória da sentença inconstitucional. De acordo com o art. 535, § 8º, do CPC/2015, se a decisão do Supremo Tribunal Federal for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida da Suprema Corte. 10.7.12 Cumprimento da decisão nos Juizados Especiais Federais O sistema dos Juizados Especiais Federais foi o primeiro a estabelecer, em relação às obrigações de pequeno valor em geral, a sistemática de cumprimento da sentença que reconhece o dever da Fazenda Pública Federal de pagar quantia certa. Até a vigência da Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, a satisfação dos créditos judiciais em face da Fazenda Pública pressupunha, como regra, a instauração do processo de execução, com a citação da executada para oposição de embargos no prazo trinta dias (art. 730 do CPC/1973, c/c art. 1º-B, da Lei 9.494/97, com redação dada pela MP 2.180-35, de 24.08.2001). Era preciso uma sistemática de cumprimento da obrigação de pagar quantia certa que fosse compatível com os princípios processuais de simplicidade, informalidade e celeridade, tão caros ao modelo dos Juizados Especiais Federais. Em face da natureza alimentar do crédito previdenciário e da hipossuficiência econômica e informacional dos beneficiários da Previdência Social, tornava-se ainda mais importante a adoção de um regime simplificado de cumprimento de sentença contra o INSS. Justamente em razão dessas particularidades, já a Lei 8.213/91 estabelecia, em seu art. 128, que para as demandas judiciais que tivessem por objeto as questões por ela reguladas e cujo valor não superasse determinada importância, obedeceriam ao rito sumaríssimo, seriam isentas de pagamento de custas e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do CPC/1973¹³⁶⁵. Com a edição da Lei 9.032, de 28.04.1995, deu-se nova redação ao art. 128 da Lei 8.213/91, dispondo-se que as demandas previdenciárias do RGPS deveriam ser “quitadas imediatamente”. A ideia fundamental, desde 24.07.1991, data da edição da Lei 8.213, era livrar as demandas previdenciárias de pequeno valor da via crucis da execução em face da Fazenda Pública prevista pelo CPC/1973, com suas marcas de necessidade de processo autônomo e de expedição de precatório requisitório, em face das nefastas consequências que o regime processual então vigente trazia aos mais carentes. Todavia, quando do julgamento da ADI 1252, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil”, forçando a observância de processo de execução, mais complexo e moroso, mesmo para as causas previdenciárias de pequeno valor¹³⁶⁶. Com o advento da EC 20, de 16.12.1998, estabeleceu-se constitucionalmente uma segunda modalidade de requisição judicial de pagamento, que passaria a ser adotada para os casos de obrigações de pequeno valor (requisições de pequeno valor – RPV). Essa reforma constitucional abriu espaço para que o legislador ordinário novamente voltasse seus olhos às causas previdenciárias. Nesse sentido, a Lei 10.099, de 19.12.2000, deu nova redação ao art. 128 da Lei 8.213/91, que retomando anterior objetivo, dispôs que as causas previdenciárias fundadas nesse diploma legal seriam “quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório”. Porém, é somente com a Lei 10.259, de 12.07.2001, que se generaliza o procedimento de cumprimento de sentença que reconhece obrigação de pagar quantia certa em face da Fazenda Pública. Nos termos do art. 16 da Lei 10.259/2001, o cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, será efetuado mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa. A ideia é a de que a sentença seja líquida, tornando-se possível seu imediato cumprimento, sem qualquer necessidade de prorrogação. É certo que, em vários casos, será preciso a realização de cálculo, cujos critérios se encontram na sentença¹³⁶⁷. É necessário, nessas hipóteses, que se abra espaço para manifestação das partes, mas é irrecorrível a decisão judicial que define o quantum debeatur e determina a expedição de requisição de pagamento¹³⁶⁸. De outra parte, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório. Além disso, foi a Lei 10.259/2001 que, em seu art. 17, regulamentou o disposto no art. 100, § 3º, da CF/88, dispondo que as obrigações de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, teriam como limite o mesmo valor estabelecido para a competência do Juizado Especial Federal Cível, isto é, 60 (sessenta) salários mínimos, nos termos do art. 3º, caput, do mesmo diploma legal. Se o valor devido superar o limite para expedição de RPV, o pagamento farse-á, por meio do precatório, sendo facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório (Lei 10.259, art. 17, § 4º). A exigência de renúncia ao excedente, para que o credor possa valer-se da sistemática de RPV, significa ser vedado o fracionamento do valor da execução. Com efeito, não é possível que o pagamento se faça, em parte, por RPV, e, em parte, mediante expedição do precatório complementar ou suplementar do valor pago (Lei 10.259, art. 17, § 3º). Essa disciplina normativa reproduz a vedação constitucional de fracionamento da execução, como forma de se inibir o intento de verdadeira antecipação de parte do valor devido pela via da RPV, o que consistiria em fraude à ordem cronológica do pagamento dos precatórios (CF/88, art. 100, § 8º). Em caso de descumprimento da decisão judicial, o juiz determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão (Lei 10.259, art. 17, § 2º), providência autorizada pelo art. 100, § 6º, da CF/88. 10.8 REQUISIÇÕES JUDICIAIS DE PAGAMENTO E FRACIONAMENTO DA VERBA HONORÁRIA O cumprimento da obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, é disciplinado pela Carta Magna, que estabelece o regime constitucional dos precatórios¹³⁶⁹. Por essa razão, diferentemente do que se passa em relação aos devedores em geral, a Fazenda Pública não é intimada para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias (CPC/2015, art. 523, caput), mas sim para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução (CPC/2015, art. 535, caput). Também por esse motivo, não se cogita de pagamento voluntário pela Fazenda Pública ou do acréscimo de multa e de honorários advocatícios, previstos para o caso de inadimplência (CPC/2015, art. 523, § 1º). Da mesma forma, não há espaço para a expedição de mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação (CPC/2015, art. 523, § 3º), mesmo porque os bens públicos são inalienáveis e impenhoráveis. A execução aparelhada contra a Fazenda Pública submete-se, pois, à sistemática das requisições judiciais de pagamento (precatório requisitório ou requisição de pequeno valor), nos termos do art. 100 da CF/88. No âmbito da legislação infraconstitucional, as disposições dos arts. 730 e 731 do CPC de 1973 estabeleciam as normas de execução contra a Fazenda Pública, com observância ao regime dos precatórios judiciais. Atualmente, os arts. 534 e 535 do CPC/2015 disciplinam o cumprimento definitivo de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, culminando com a expedição de precatório requisitório ou requisição de pequeno valor, conforme o caso. Trata-se de sistemática que, a um só tempo, respeita a necessidade de previsão orçamentária por parte das entidades de direito público, quanto às despesas que deve honrar no prazo constitucional, e prestigia o princípio da igualdade, consagrando o critério da ordem cronológica dos pagamentos. Segundo a Constituição, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem cronológica de apresentação dos precatórios (CF/88, art. 100, caput), salvo os pagamentos de obrigações de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º)¹³⁷⁰. Por consequência, o cumprimento definitivo de sentença contra o INSS, pessoa jurídica de direito público, autarquia federal, submete-se ao rito do art. 730 do CPC/1973 – art. 534 do CPC/2015¹³⁷¹, com a expedição da competente requisição judicial de pagamento. Importante tema diz com a possibilidade de execução de sentença judicial e expedição de requisição de pagamento de modo autônomo, pelo patrono da causa. De acordo com o art. 23 da Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB, “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”. Sobre o caráter autônomo e alimentar da verba honorária decorrente de condenação da Fazenda Pública, especialmente para fins de prioridade no pagamento de precatórios requisitórios, enuncia a Súmula Vinculante 47 do Supremo Tribunal Federal: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. É importante observar que, por ocasião da sessão plenária de aprovação da Súmula Vinculante 47 (27.05.2015), destacou-se que a natureza alimentícia e a possibilidade do fracionamento da execução eram reconhecidas, pelo Plenário da Suprema Corte, exclusivamente para pagamento em separado dos honorários advocatícios decorrentes da condenação. A rigor, a anterior orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal não abrangeria os honorários contratuais, razão pela qual o texto da aludida súmula não corresponde fielmente ao conteúdo do que foi efetivamente decidido pela Suprema Corte. Quanto aos honorários sucumbenciais, reconheça-se, já havia decidido o Supremo Tribunal Federal, de acordo com a sistemática de repercussão geral, pelo seu caráter autônomo e alimentar, permitindo-se a expedição de requisição de pequeno valor ainda que o crédito principal seguisse a sistemática de precatório requisitório. Entendeu-se, legítimo, portanto, o fracionamento da execução contra a Fazenda Pública. O impedimento, segundo se compreendeu, é o de repartição da execução para fraudar o pagamento por precatório¹³⁷². É importante notar, quanto à discussão, que o art. 85, § 14, do CPC de 2015 estabelece que “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. Por tal razão, deve-se entender que os honorários advocatícios incluídos na condenação – e não os contratuais, destacados do montante principal – sempre consubstanciam verba de natureza alimentar passível de fracionamento, para fins de execução autônoma e expedição de precatório ou requisição de pequeno valor. Em relação aos honorários contratuais, o que se tem é uma convenção entre particulares que não pode ser oposta à Fazenda Pública, de modo a definir qual espécie de requisição de pagamento deve ser expedida em favor da parte e do advogado¹³⁷³. Sem embargo, ainda não há orientação final do STF sobre a possibilidade de expedição de requisição de pequeno valor para satisfação de honorários contratuais, destacados do valor principal, mesmo quando o pagamento deste último se realize por meio de precatório¹³⁷⁴. É resguardado, de todo modo, que, “Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou” (Lei 8.906/94, art. 22, § 4º). De acordo com o nosso entendimento, ainda que se requisite de maneira destacada o valor dos honorários contratuais, se a importância total devida pela Fazenda Pública ao autor (antes do destaque dos honorários contratuais) for superior ao limite para pagamento via RPV, os honorários contratuais, assim como o valor restante do crédito do autor, devem seguir o regime constitucional do precatório. Dispondo sobre os procedimentos administrativos no âmbito da Justiça Federal, o Conselho da Justiça Federal – CJF determina que os honorários advocatícios sucumbenciais “não devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor, sendo expedida requisição própria”¹³⁷⁵. De modo distinto, “Os honorários contratuais devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação da espécie da requisição (precatório ou requisição de pequeno valor)”¹³⁷⁶. A normativa do CJF permite o destaque de honorários advocatícios contratuais em precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs)¹³⁷⁷. De todo modo, havendo destaque de honorários contratuais, os valores do credor originário e do advogado deverão ser solicitados na mesma requisição, em campo próprio, ou por outro meio que permita a vinculação¹³⁷⁸. Como conclusão, de acordo com as normas do CJF, com a qual concordamos, os valores do credor originário e dos honorários contratuais do advogado deverão ser solicitados na mesma requisição de pagamento. Já os honorários de sucumbência não se vinculam à sistemática de pagamento do crédito principal. Ademais, em se tratando de RPV em que houve renúncia, para fins de determinação do meio requisitório (se precatório ou RPV), o valor devido ao beneficiário somado aos honorários contratuais não pode ultrapassar o valor máximo estipulado para tal espécie de requisição¹³⁷⁹. 10.8.1 Regime de pagamento por precatório requisitório Os precatórios requisitórios constituem modalidade de requisição judicial de pagamento devido pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial, cuja importância se encontra acima do patamar do que a legislação considera como de pequeno valor. No âmbito federal, atualmente, a Lei 10.259/2001 define como, de pequeno valor, as obrigações limitadas a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 17, § 1º, c/c art. 3º, caput). Os pagamentos dos precatórios judiciários far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. Trata-se de um importantíssimo componente republicano: A exigência constitucional de expedição do precatório, com a consequente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação daquele instrumento de requisição judicial de pagamento, tinha (e ainda tem) por finalidade impedir favorecimentos pessoais indevidos e frustrar injustas perseguições ditadas por razões de caráter políticoadministrativo. A regra inscrita no art. 100 da CF – cuja gênese reside, em seus aspectos essenciais, na Constituição de 1934 (art. 182) – tinha por objetivo precípuo viabilizar, na concreção de seu alcance normativo, a submissão incondicional do poder público ao dever de respeitar o princípio que conferia preferência jurídica a quem dispusesse de precedência cronológica (“prior in tempore, potior in jure”) (AP 503, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 20.5.2010, DJE de 01.2.2013). O descumprimento da ordem cronológica pode acarretar a grave sanção de sequestro de verbas públicas para pagamento da quantia devida em favor credor preterido de seu direito de precedência. Desde a EC 62/2009, também a “não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito” pode ensejar essa medida de natureza executiva, destinada a apreender a quantia devida e entregar ao credor. Com efeito, a requerimento do credor, cabe ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar o sequestro da quantia respectiva. Fora das hipóteses constitucionalmente previstas – preterição da ordem cronológica e, mais recentemente (EC 62/2009), não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito –, é vedado o sequestro de recursos públicos para a satisfação de crédito judicial, tal como se pode compreender da decisão proferida pelo STF quando do julgamento da ADI 1662 (Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 30.08.2001, DJ 19.09.2003). É de se notar que a apresentação dos precatórios judiciários deve ser feita até 1º de julho para a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, e realização do pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (CF/88, art. 100, § 5º)¹³⁸⁰. Embora o critério geral seja o da “ordem cronológica de apresentação de precatórios”, a própria Constituição, desde a promulgação da EC 62, de 09.12.2009, determinou que se dê com absoluta preferência o pagamento dos débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei (CF/88, art. 100, § 2º, com a redação dada pela EC 62/2009)¹³⁸¹. Importante observar que a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 100, § 2º, da Constituição Federal, na redação dada pela EC 62/2009, quanto ao balizamento temporal fixado para a aplicação da preferência no que concerne aos idosos, de modo que a prioridade deve ser conferida também àqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos, não apenas no momento da expedição do precatório, mas também posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento¹³⁸². Posteriormente, foi promulgada a Emenda Constitucional 94/2016, que emprestou a nova redação ao § 2º do art. 100 da CF/88, in verbis: Art. 100, § 2º. Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. Como se verifica, além do ajustamento constitucional à decisão da Suprema Corte proferida quando do julgamento da ADI 4425, foram incluídos como beneficiários de créditos superpreferenciais as pessoas com deficiência e os titulares de créditos por sucessão hereditária. Nos termos do art. 100, § 2º, da CF/88, a preferência absoluta, também chamada “superpreferência”, é assegurada até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei como obrigação de pequeno valor, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório, observado o regime de preferência do crédito alimentar. A primeira regulamentação desse dispositivo foi realizada pela Resolução 303, de 18.12.2019, do Conselho Nacional de Justiça, ato normativo que previu a possibilidade de expedição de requisição pagamento do crédito superpreferencial, como exceção ao regime de precatórios, nos seguintes termos: Art. 9º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, sejam idosos, portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais, até a monta equivalente ao triplo fixado em lei como obrigação de pequeno valor, admitido o fracionamento do valor da execução para essa finalidade. [...] § 3º Deferido o pedido, o juízo da execução expedirá a requisição judicial de pagamento, distinta de precatório, necessária à integral liquidação da parcela superpreferencial, limitada ao valor apontado no caput deste artigo. [...] § 7º Adquirindo o credor a condição de beneficiário depois de expedido o ofício precatório, ou no caso de expedição sem o prévio pagamento na origem, o benefício da superpreferência será requerido ao juízo da execução, que observará o disposto nesta Seção e comunicará ao presidente do tribunal sobre a apresentação do pedido e seu eventual deferimento, solicitando a dedução do valor fracionado¹³⁸³. Essas disposições normativas começariam a produzir efeitos em 01.01.2021, nos termos do art. 86 da mesma Resolução. No âmbito da Justiça Federal, a disciplina do pagamento superpreferencial é feita pelo Conselho da Justiça Federal, nos termos da Resolução/CJF 458, de 04.10.2017, do Conselho da Justiça Federal, com a redação da Resolução/CJF 610, de 10.11.2020. De acordo com o art. 14 da Resolução/CJF 458/2017, em se tratando de Requisição de Pagamento Superpreferencial expedida contra a Fazenda Pública Federal, o limite para pagamento com preferência absoluta importa em 180 (cento e oitenta) salários mínimos e será paga no prazo máximo de 60 (sessenta) dias¹³⁸⁴. Apresentada a solicitação ao juízo da execução, devidamente instruída com a prova da idade, da moléstia grave ou da deficiência do beneficiário (art. 14, § 1º), será intimada a parte devedora, para que se manifeste no prazo de 5 (cinco) dias (art. 14, § 2º). Deferido o pedido, o juízo da execução expedirá a Requisição de Pagamento Superpreferencial Orçamentária, no ofício requisitório, da espécie precatório, informando, em campo próprio, que há parcela superpreferencial deferida, para encaminhamento ao tribunal (art. 14, § 3º)¹³⁸⁵. Se, após atualização e cômputo de juros, o valor do crédito devido for inferior ao limite de 180 (cento e oitenta) salários mínimos, a requisição será integralmente autuada como Requisição de Pagamento Superpreferencial (art. 14, § 3º, II). De modo distinto, caso o valor do crédito seja superior a este limite, a requisição será autuada em dois processos distintos no tribunal, uma Requisição de Pagamento Superpreferencial, limitada ao máximo fixado no caput, e um precatório alimentar, que conterá o valor restante, a ser pago na ordem cronológica de sua apresentação no regime de precatórios (art. 14, § 3º, III)¹³⁸⁶. Ocorre que, em 18.12.2020, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão de lavra da Min. Rosa Weber, deferiu medida cautelar na ADI 6.556/DF, para suspender os efeitos do art. 9º, §§ 3º e 7º, da Resolução 303/2019 do CNJ, que permitiam a requisição direta de pagamento, da parcela preferencial do crédito de natureza alimentar de idosos, portadores de doença grave e pessoas com deficiência. Após breve retrospectiva das principais decisões da Suprema Corte sobre o regime de pagamento dos débitos de natureza alimentar da Fazenda Pública, a Min. Rosa Weber expressou que, de acordo com a sua compreensão inicial, a Resolução 303/2019 não guardaria “consonância literal com o disciplinamento constitucional do pagamento de créditos superpreferenciais de natureza alimentícia por meio de precatórios, nem com a jurisprudência até o momento firmada nesta Casa”¹³⁸⁷. Após a publicação dessa decisão, o CJF editou a Resolução 691, em 12.01.2021, suspendendo a eficácia do art. 14 e do § 2º do art. 19-A, ambos da Resolução/CJF 458/2017. Analisemos os beneficiários do crédito superpreferencial. Os arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C do CPC/1973, com a redação dada pela Lei 12.008, de 29.07.2009, já conferiam prioridade de tramitação aos processos em que seja parte ou interveniente pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou que seja portadora de doença grave¹³⁸⁸. Segundo o art. 1.048, I, do Novo CPC, “terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais” em que figure como parte ou interessado “pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/1988, com a redação dada pela Lei n. 11.052, de 29 de dezembro de 2004”¹³⁸⁹. No âmbito da Justiça Federal, a Resolução/CJF 458/2017, com a redação pela Resolução/CJF 610, de 10.11.2020, assim define, em seu art. 16, os destinatários da superpreferência: I – idoso, o exequente ou beneficiário que conte com sessenta anos de idade ou mais, antes ou após a expedição do ofício precatório requisitório; II – portador de doença grave, o beneficiário acometido de moléstia indicada no inciso XIV do art. 6º da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pela Lei n. 11.052, de 29 de dezembro de 2004, ou portador de doença considerada grave a partir de conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo; e III – pessoa com deficiência, o beneficiário assim definido pela Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. O regime de preferência do crédito alimentar consiste, atualmente, na segunda ordem de preferência ao pagamento de precatórios judiciais: Art. 100, § 1º. “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo” (CF/88, art. 100, § 1º, com a redação dada pela EC 62/2009 – grifamos). O regime diferenciado para os precatórios de créditos de natureza alimentar surgiu com o advento da Constituição de 1988 (art. 100, caput, em sua redação original), sendo historicamente a primeira exceção à ordem cronológica de pagamento dos precatórios¹³⁹⁰. Observadas essas exceções especialmente importantes às causas previdenciárias, a primeira levando em consideração uma conjugação de aspectos ligados à pessoa do credor e à natureza alimentar do crédito, a segunda tomando em conta apenas o dado objetivo, ligado à natureza alimentar do crédito, segue-se a regra geral da ordem cronológica. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, é legítima a expedição de ordem de sequestro de verbas públicas, na ocorrência de quebra na ordem cronológica de pagamento de precatório, pela preterição de precatório de natureza alimentar em relação a precatório não alimentar: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO FINANCEIRO. PRECATÓRIOS. NATUREZA ALIMENTAR. PREVALÊNCIA ABSOLUTA. ART. 78 DO ADCT. SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. PRETERIÇÃO. ORDEM CRONOLÓGICA. 1. Fixação de tese jurídica ao Tema 521 da sistemática da repercussão geral: “É legítima a expedição de ordem de sequestro de verbas públicas, por conta da ordem cronológica de pagamento de precatórios, na hipótese de crédito de natureza alimentar mais antigo ser preterido em favor de parcela de precatório de natureza não alimentar mais moderno, mesmo quando este integrar o regime do art. 78 do ADCT.” 2. O artigo 100 da Constituição da República traduz-se em um dos mais expressivos postulados realizadores do princípio da igualdade, pois busca conferir, na concreção do seu alcance, efetividade à exigência constitucional de tratamento isonômico dos credores do Estado. Precedente: ADI-MC 584, de relatoria do Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 22.05.1992. 3. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento iterativo no sentido de que a ordem cronológica é o critério constitucional para a satisfação dos débitos do Poder Público reconhecidos em juízo. 4. Concebe-se o relacionamento entre o regime de pagamento especial de débitos judiciais da Fazenda Pública, de acordo com a natureza do crédito, alimentar ou não, com prevalência absoluta do primeiro em relação ao último. Precedente: ADI 47, de relatoria do Ministro Octávio Gallotti, DJe 13.06.1997. Súmula 655 do STF. 5. O único caso de autorização do sequestro de verbas públicas, previsto no art. 100 da Constituição da República e aplicável aos precatórios de caráter alimentar, consiste na hipótese de burla ao direito de precedência do credor. Precedente: ADI 1.662, de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, DJ 19.09.2003. 6. O pagamento parcelado de débitos antigos, nos termos do art. 78 do ADCT, não infirma a prevalência dos créditos de natureza alimentar sobre os demais, desde que respeitada a ordem cronológica. A regra permanece hígida, mesmo diante da excepcionalidade conjectural pressuposta pelo dispositivo precitado. Precedente: RE 132.031, de relatoria do Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 19.04.1996. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE 612707, Rel. Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. 15.05.2020, DJe 08.09.2020)¹³⁹¹. Por outro lado, a Constituição Federal não veda toda e qualquer expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, mas aqueles que implicam burla à vedação de fracionamento do valor da execução, quando se objetiva, mediante requisição de pequeno valor, satisfação de crédito superior ao limite do que se considera “obrigação de pequeno valor” (CF/88, art. 100, § 8º)¹³⁹². É de se notar que os pagamentos de complementação de débitos da Fazenda Pública, decorrentes de decisões judiciais, devem ser objeto de novo precatório. Assim é que, por exemplo, o pagamento parcial, realizado por força de execução de parcela incontroversa, deve ser complementado, exigindo-se, porém, expedição de precatório complementar¹³⁹³. 10.8.2 Regime de pagamento por requisição judicial de pequeno valor (RPV) A requisição judicial de pequeno valor constitui espécie de requisição de pagamento devido pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial, cuja importância se encontra dentro do limite estabelecido em lei como de pequeno valor. Como visto acima, os débitos de natureza alimentícia, em virtude de sentença transitada em julgado, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre os de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou sejam portadores de doença grave (CF/88, art. 100, §§ 1º e 2º – ADI 4425). Assim, os débitos previdenciários não se submetem à ordem cronológica de pagamento dos precatórios, porque considerados de natureza alimentar (CF/88, art. 100, § 1º). De outra parte, não se aplica o regime constitucional dos precatórios aos pagamentos de obrigações da Fazenda Pública definidas em leis como de pequeno valor, em virtude de sentença judicial transitada em julgado (CF/88, art. 100, § 3º). Foi com a Emenda Constitucional 20/98 que, originariamente, previu-se a possibilidade constitucional de dispensa de precatório requisitório aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor ¹³⁹⁴. De seu lado, a Emenda Constitucional 37/2002 acrescentou o art. 87 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelecendo que, para fins de dispensa de precatório, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, são considerados de pequeno valor os débitos que tenham valor igual ou inferior a: I – quarenta salários mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II – trinta salários mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. A atual disciplina do tema se encontra nos §§ 3º e 4º do art. 100 da Constituição da República, com a redação dada pela EC 62/2009: Art. 100. (omissis). § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. § 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. O primeiro diploma legal que regulamentou o disposto no art. 100, § 3º, da Constituição da República, foi a Lei 10.099, de 19.12.2000, definindo obrigações de pequeno valor especificamente para a Previdência Social ¹³⁹⁵. Com a edição da Lei 10.259/2001, as obrigações de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório no âmbito da Fazenda Federal, passaram a ter como limite a importância correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos, nos termos dos arts. 17, § 1º, c/c art. 3º, caput, ambos da Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais). Em suma, são consideradas obrigações de pequeno valor, para a Fazenda Federal, os débitos ou obrigações que tenham valor igual ou inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. De outra parte, enquanto não for disciplinado o tema pelos demais entes da federação, são considerados de pequeno valor os débitos ou obrigações que tenham valor igual ou inferior a quarenta salários mínimos, para a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, e de trinta salários mínimos, para a Fazenda dos Municípios. De todo modo, a Constituição estabelece um critério mínimo para a definição de obrigação de pequeno valor, qual seja, o montante igual ao valor do maior benefício do Regime Geral da Previdência Social (limite máximo do benefício de prestação continuada do Regime Geral da Previdência Social). Para que a satisfação do crédito contra a Fazenda Pública Federal se dê mediante requisição de pequeno valor (RPV), é necessário que o montante a ser requisitado não supere o valor definido em lei como de pequeno valor – correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos. Se o valor da execução for superior ao limite de 60 (sessenta) salários mínimos, a parte exequente pode renunciar à parte excedente, de modo a optar pelo pagamento dentro do limite, mediante requisição de pequeno valor (RPV). Por expressa disposição constitucional, “É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total” ao que se considera obrigação de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 8º). Isso significa que é proibido o fracionamento da execução pecuniária contra a Fazenda Pública, com o objetivo de se obter o cumprimento integral do valor objeto do crédito, mediante expedição de mais de uma requisição de pagamento, burlando-se a sistemática de precatório requisitório. É vedado fracionar para fazer enquadrar o valor do crédito, ou parte dele, na sistemática abreviada da requisição de pequeno valor. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado de acordo com o rito de repercussão geral, a vedação de fracionamento da execução contra a Fazenda Pública também impede que parte do crédito seja pago pela Administração Previdenciária diretamente ao beneficiário, sob a forma de complemento positivo, e parte seja obtida por requisição de pequeno valor – RPV ¹³⁹⁶. Tampouco é possível, de acordo com o STF, o fracionamento de precatório em execução de sentença, com o objetivo de se obter o pagamento das custas processuais por meio de requisição de pequeno valor (RPV) ¹³⁹⁷. De modo distinto, ainda segundo o STF, os honorários advocatícios constituem verba autônoma de natureza alimentar, não se confundindo com o débito principal, sendo possível seu pagamento mediante RPV, sem que isso constitua violação à vedação constitucional de fracionamento de execução para fraudar o pagamento por precatório (CF/88, art. 100, § 8º)¹³⁹⁸. Nessa mesma linha de orientação, já havia decidido o STJ, de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia ¹³⁹⁹. Tema importante, destacadamente em período de inflação elevada, relaciona-se à incidência de correção monetária no interregno compreendido entre a data de elaboração do cálculo da requisição de pequeno valor – RPV e seu efetivo pagamento. De acordo com a regra contida no art. 100, § 12, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009, está expressamente assegurada a atualização de valores de requisitórios (precatório requisitório e requisição de pequeno valor), após sua expedição, até o efetivo pagamento. Remanescia a dúvida, entretanto, quanto à incidência da correção monetária no período compreendido entre a data de elaboração da conta e a data de expedição da requisição de pequeno valor. Se ocorrer a depreciação do valor da moeda entre a data da elaboração dos cálculos pertinentes e o efetivo pagamento dos valores requisitados por RPV, a parte credora receberá quantia efetivamente menor do que a devida, enquanto a Fazenda Pública terá um enriquecimento sem causa. A norma constitucional antes referida (CF/88, art. 100, § 12) tratou de assegurar a recomposição do poder de compra da moeda no período compreendido entre a expedição da RPV e o efetivo pagamento da obrigação. Nada dispôs em relação ao período anterior. É perfeitamente compreensível, porém, que a norma parte da premissa de que o valor requisitado se encontra devidamente atualizado. Revela-se devida a correção monetária do crédito, portanto, desde a data da elaboração dos cálculos até a expedição da requisição, sendo que, a partir desse momento, até o efetivo pagamento, a correção monetária é determinada por expressa disposição constitucional. Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal de acordo com a sistemática de repercussão geral: É devida correção monetária no período compreendido entre a data de elaboração do cálculo da requisição de pequeno valor – RPV e sua expedição para pagamento (ARE 638195, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. 29.05.2013, DJe 13.12.2013). Em suma, também em relação à requisição de pequeno valor, é devida a correção monetária entre a data da última conta do valor devido e a do efetivo pagamento. 1163 Lembremos que, em sendo a prestação de serviços públicos realizada pelo próprio Estado e seus órgãos, diz-se Administração Direta, ao passo que, se há descentralização de serviços públicos, mediante criação de uma pessoa jurídica (de direito público, como no caso de uma autarquia, ou de direito privado, como no caso de uma sociedade de economia mista), tem-se Administração Indireta. A organização da Administração Pública obedece ao delineamento disposto pelo Decreto-Lei 200/67, que foi recepcionado pela Constituição. Segundo o art. 4º desse diploma legal, a Administração Federal compreende: “I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Emprêsas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) fundações públicas”. 1164 O INSS foi instituído com fundamento no disposto no art. 17 da Lei 8.029, 12.04.90. Sendo criado pelo Decreto 99.350, de 27.06.1990, tem sua estrutura regimental atualmente disciplinada pelo Decreto 7.556, de 24.08.2011. 1165 Sensível aos apelos dos Erário, à noção de indisponibilidade do interesse público e às particularidades da Fazenda Pública, a jurisprudência eventualmente alarga o campo de suas prerrogativas processuais. Veja-se, a título ilustrativo: “Sendo a intimação da Fazenda Nacional, por expressa previsão legal, pessoal mediante remessa dos autos (a qual será o termo inicial do prazo recursal), tem-se que, nos agravos de instrumento opostos pelo ente público, o termo de abertura de vista e remessa dos autos é suficiente para a demonstração da tempestividade do recurso, podendo, assim, substituir a certidão de intimação da decisão agravada” (REsp 1376656/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, j. 17.12.2014, DJe 02.02.2015). Com esse entendimento, a Corte Especial do STJ abrandou a exigência contida no art. 525, I, do CPC/1973, que exigia a instrução da petição de agravo de instrumento com a certidão de intimação da decisão agravada. Parece ir nessa direção a regra do art. 1.017, I, do CPC/2015, que exige a “certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade”. 1166 CPC/2015, art. 91. “As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido”. O disposto pelo Novo CPC praticamente repete o art. 27 do CPC/1973, apenas acrescentando-lhe ao rol a Defensoria Pública. 1167 Nesse sentido, pode-se dizer, vinha compreendendo o STJ: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência de depósito prévio dos honorários do perito” (Súmula 232). 1168 Não bastasse a isenção conferida ao INSS para as causas que tramitam no foro federal, é importante lembrar que são isentas de custas, no primeiro grau de jurisdição, as ações que tramitam no sistema dos Juizados Especiais Federais, aplicando-se subsidiariamente o art. 54 da Lei 9.099/95: “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas”. 1169 Nesse mesmo sentido, a Súmula 20 do TRF4: “O art. 8º, parágrafo 1º, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais, quando demandado na Justiça Estadual”. 1170 A título ilustrativo, no Estado do Rio Grande do Sul, foi editada a Lei 13.471/2010, que dispensava o INSS do pagamento de custas e despesas processuais. Referida lei teve declarada sua inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70038755864, Órgão Especial, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, j. 03.10.2011), na parte em que dispensava as pessoas jurídicas de direito público do pagamento das despesas processuais – como as relacionadas a correio, publicação de editais, condução dos oficiais de justiça –, além das custas. Mais recentemente, o mesmo Tribunal, em sede de incidente de inconstitucionalidade (Autos 7004334053, Órgão Especial, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Eduardo Uhlein, j. 04.06.2012), concluiu pela inconstitucionalidade da Lei Estadual 13.471/2010. O entendimento no âmbito do TRF4 é no sentido de que não há vinculação à decisão do TJRS em incidente de inconstitucionalidade. Por isso, mantém-se o reconhecimento do direito do INSS à isenção das custas, nos termos da Lei 13.471/2010 (TRF4, APELREEX 002165564.2014.404.9999, Quinta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, DE 26.11.2015). 1171 Nesse sentido: AgRg no REsp 1510532/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 12.05.2015, DJe 18.05.2015. Sem embargo, é importante diferenciar as custas estatais, cuja natureza jurídica é a de taxa judiciária, das despesas necessárias para cumprimento dos atos processuais, como as devidas ao oficial de justiça, ao leiloeiro e ao depositário. Essas despesas exigem depósito prévio, apesar da isenção legal para o pagamento de custas nas execuções fiscais (Lei 6.830/80, art. 39). Por essa razão, ainda que a execução fiscal tenha sido ajuizada na Justiça Federal, cabe à Fazenda Pública Federal adiantar as despesas com o transporte/condução/deslocamento dos oficiais de justiça necessárias ao cumprimento da carta precatória de penhora e avaliação de bens (processada na Justiça Estadual) (REsp 1144687/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 12.05.2010, DJe 21.05.2010). No entanto, “quanto às custas efetivamente estatais, goza a Fazenda Pública Federal de isenção, ainda que a execução fiscal tenha sido promovida perante a Justiça Estadual, devendo, apenas quando vencida, ressarcir as despesas que tiverem sido antecipadas pelo particular. 3. Precedentes: REsp 1267201/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.11.2011; e REsp 1264787/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 8.9.2011” (AgRg no RMS 34.838/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 13.11.2012, DJe 21.11.2012). 1172 REsp 48.617/RJ, Rel. p/ Acórdão Min. Vicente Leal, Sexta Turma, j. 16.04.1999, DJ 03.05.1999. 1173 CPC/2015, art. 1021, § 4º. “Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”. 1174 Nos termos como já assegurava o art. 24-A da Lei 9.028, de 12.04.1995, introduzido pela MP 2.180-35, de 24.08.2001. 1175 Dispensa-se, assim, em relação à Fazenda Pública, o depósito da “importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente”, exigido pelo art. 968, II, do CPC/2015. 1176 Dispõe o art. 20, § 4º, do CPC: “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior”. Já o § 3º, do art. 20, do CPC, prescreve: “§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. 1177 AgRg nos EREsp 698.743/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 26.04.2006, DJ 22.05.2006. E, de fato, tal como se retira da ementa do aludido julgado, “a conjugação com o art. 20, § 3º é servil para a aferição equitativa do juiz, consoante às alíneas a, b e c do dispositivo legal. [...] Pretendesse a lei que se aplicasse à Fazenda Pública a norma do § 3º do art. 20 do CPC, não haveria razão para a lex specialis consubstanciada no § 4º do mesmo dispositivo”. Também nesse sentido: “EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RPV. 1. Quando do julgamento do RE 420.816, o STF deu ‘interpretação conforme a Constituição’ ao art. 1º- D da Lei n. 9.494/97, na redação dada pela MP n. 2.180-35, segundo o qual ‘não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas’, excepcionando as execuções realizadas por RPVRequisição de Pequeno Valor. 2. Vencida a fazenda Pública, a regra para a fixação dos honorários está estipulada no § 4º do art. 20 do CPC e refere-se tão somente às alíneas do § 3º, e não aos limites percentuais nele contidos” (TRF4, Ag. 5009080-94.2013.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, DJe 08.08.2013). 1178 CPC, art. 85, § 3º. “Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários mínimos; II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários mínimos até 2.000 (dois mil) salários mínimos; III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários mínimos até 20.000 (vinte mil) salários mínimos; IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos; V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários mínimos”. De acordo com o art. 85, § 4º, IV, “será considerado o salário mínimo vigente quando prolatada a sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação”. 1179 CPC, art. 85, § 4º, I e II. Por fim, “não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa” (CPC, art. 85, § 4º, III). 1180 CPC, art. 85, § 11. “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”. 1181 AgInt nos EAREsp 762.075/MT, Rel. Min. Felix Fischer, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 19.12.2018, DJe 07.03.2019. 1182 ProAfR no REsp 1864633/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 18.08.2020, DJe 26.08.2020. 1183 A redação originária do mesmo enunciado dispunha que “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vincendas” (DJ 13.10.1994). Ocorre que a Súmula 111, em sua redação originária, dava margem a divergências interpretativas mesmo no âmbito do STJ. A Quinta Turma ora decidia que se devem considerar como prestações vencidas aquelas devidas até o momento da prolação da sentença (REsp 172.171/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, j. 20.08.1998, DJ 14.09.1998), ora as devidas até quando do trânsito em julgado da decisão condenatória (REsp 136.032/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, j. 28.04.1998, DJ 25.05.1998). No seio da Sexta Turma, adotou-se entendimento de que as prestações devidas são aquelas devidas até a data da elaboração da conta de liquidação (REsp 112.027/SP, Rel. Min. Vicente Leal, Sexta Turma, j. 04.03.1997, DJ 07.04.1997), mas também se prestigiava o entendimento de que o trânsito em julgado da sentença condenatória seria o termo final para o cômputo das prestações vencidas (REsp 180.330/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, j. 06.10.1998, DJ 09.11.1998). 1184 EREsp 187.766/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Terceira Seção, j. 24.05.2000, DJ 19.06.2000. Ainda de acordo com esse entendimento: “Tomando-se o marco final das prestações vencidas com o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma situação inusitada, na qual a morosidade no término do processo reverte em maiores ganhos ao patrocinador do segurado”. Também com a fundamentação relacionada à necessidade de se evitar conflito de interesses entre parte-autora e patrono (EREsp 198.260/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Terceira Seção, j. 13.10.1999, DJ 16.11.1999). 1185 Os Juizados Especiais Federais são disciplinados especificamente pela Lei 10.259/2001, sendo-lhes aplicáveis, subsidiariamente, as disposições da Lei 9.099/95 e do Código Processual Civil, naquilo que não forem, com aquela, incompatíveis. 1186 CPC, art. 493. “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”. 1187 Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019. 1188 Na expressão do que consta da ementa do mesmo julgado: “5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo”. 1189 REsp 1727063/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.10.2019, DJe 02.12.2019. 1190 Como se observa da fundamentação de significativo precedente, cuja ementa se transcreve: “PREVIDENCIÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. DESCABIMENTO NO CASO CONCRETO. 1. São devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública mesmo atuando contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública, a partir da edição da Lei Complementar n. 132/2009, objetivando o fortalecimento e autonomia administrativa e financeira da Entidade, bem como o aparelhamento e capacitação de seus membros e servidores por meio das verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação. 2. Os precedentes contrários do Superior Tribunal de Justiça estão baseados na tese da confusão, ou seja, de que a Defensoria Pública é parte do Estado e com ele se confunde. Todavia, a Defensoria Pública da União não pertence à Autarquia Previdenciária, tratando-se de pessoas jurídicas distintas, com personalidade, patrimônio e receita própria, de modo que não há confusão possível entre as Instituições. 3. Como a Instituição possui personalidade jurídica própria e pode executar suas verbas sucumbenciais, pressupõe-se o direito de percepção dos honorários por ocasião da atuação judicial vitoriosa. 4. Entendimento no sentido contrário ensejaria a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, inciso XXI, da Lei Complementar n. 80/1994, alterado pela Lei Complementar n. 132/2009, em vista da expressa previsão da execução e recebimento das verbas sucumbenciais decorrentes da atuação da Defensoria Pública” (TRF4, APELREEX 5054967-78.2012.404.7100, Quinta Turma, Relator p/Acórdão Rogerio Favreto, DJe 07.08.2015). 1191 Confira-se a ementa: “Agravo Regimental em Ação Rescisória. 2. Administrativo. Extensão a servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos militares. 3. Juizado Especial Federal. Cabimento de ação rescisória. Preclusão. Competência e disciplina previstas constitucionalmente. Aplicação analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade. Rejeição. 4. Matéria com repercussão geral reconhecida e decidida após o julgamento da decisão rescindenda. Súmula 343 STF. Inaplicabilidade. Inovação em sede recursal. Descabimento. 5. Juros moratórios. Matéria não arguida, em sede de recurso extraordinário, no processo de origem rescindido. Limites do Juízo rescisório. 6. Honorários em favor da Defensoria Pública da União. Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade após EC 80/2014. 7. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo a que se nega provimento. 8. Majoração dos honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC). 9. Agravo interno manifestamente improcedente em votação unânime. Multa do art. 1.021, § 4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da causa” (AR 1937 AgRg, Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 30.06.2017, DJe 09.08.2017). 1192 RE 1.140.005. Rel. Min. Roberto Barroso, j. 04.08.2018, DJ-e 10.08.2018, Acórdão de Repercussão Geral – Tema 1002. 1193 Desde logo se reconhece que essas premissas não são inquestionáveis. Veja-se, por exemplo, em sentido contrário: “[...] 2. Independentemente de tal circunstância (que justificaria, por si, a rejeição à pretensão recursal) ressalto que o fundamento relativo à aplicação da Súmula n. 519 do Superior Tribunal de Justiça prevalece (‘Na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios’)” (TRF4, Ag. 5023310-39.2016.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, j. autos em 01.08.2016). 1194 Nesse caso incidirá a regra geral, contida no art. 85, § 1º, do CPC/2015, que expressa serem devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença. Note-se, nesse sentido, que a ressalva de não incidência, que se encontra no § 7º do mesmo artigo, diz respeito apenas ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório. Dessa forma, incidirá honorários advocatícios no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que não enseje expedição de precatório (requisição de pequeno valor). 1195 Cabe notar que se os embargos forem julgados improcedentes, a nova condenação do executado-embargante será somada àquela fixada quando do despacho da petição inicial da ação de execução. Segundo orientação do STJ, porém, o total das duas verbas de sucumbência não podia ser superior ao patamar de 20% (vinte por cento) estabelecido no art. 20, § 3º, do CPC. Confira-se, a título ilustrativo: “1. Os embargos à execução constituem verdadeira ação de conhecimento que objetiva a desconstituição do título executivo. Destarte, em se tratando de ação autônoma, não há falar em substituição dos honorários advocatícios fixados na execução de sentença por aqueles arbitrados nos embargos à execução, por serem tais honorários independentes e cumulativos. 2. Incabível condicionar a fixação da verba honorária no processo de execução à não oposição de embargos; contudo, essa interpretação não obsta a hipótese de haver arbitramento de um valor único que abranja as duas condenações, observado o limite máximo de 20% (art. 20, § 3º, do CPC) na soma das duas verbas. 3. Agravo regimental não provido” (AgRg nos EREsp 1268611/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 14.11.2012, DJe 23.11.2012). 1196 A norma somente se aplica às execuções movidas após a vigência da MP 2.180-35, de 24.08.2001. 1197 RE 420.816, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 27.04.2007. O importante precedente conta com a seguinte ementa: “Execução, contra a Fazenda Pública, não embargada: honorários advocatícios indevidos na execução por quantia certa (CPC, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, caput e § 3º). Embargos de declaração: ausência de contradição a sanar no acórdão embargado: rejeição. 1. Na medida em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Publica à ‘apresentação dos precatórios’ e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito. 2. O mesmo, no entanto, não ocorre relativamente à execução de quantias definidas em lei como de pequeno valor, em relação às quais o § 3º expressamente afasta a disciplina do caput do art. 100 da Constituição”. 1198 A respeito do tema relativo às requisições judiciais de pagamento, veja-se o item 10.8, infra. 1199 RE 420.816, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 27.04.2007. 1200 Como o interesse imediato do nosso estudo são as causas previdenciárias no âmbito do Regime Geral da Previdência Social, cabe a nota de que serão considerados de pequeno valor, os pagamentos de obrigações da Fazenda Pública Federal de valor igual ou inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, nos termos do art. 17, § 1º c/c art. 3º da Lei 10.259/2001. 1201 TRF4, Ag. 5039231-33.2019.4.04.0000, Turma Regional Suplementar de SC, Rel. Celso Kipper, juntado aos autos em 11.03.2020. No sentido contrário: TJSC, IRDR 4: “Cabe fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, se esta não cumprir a requisição de pequeno valor no prazo de 2 meses previsto no art. 535, § 3º, II do CPC/15, inclusive no caso de RPV antecipada da parte incontroversa”. 1202 A título ilustrativo: RE 649274 AgRg-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 04.12.2012, DJe 31.01.2013. 1203 No âmbito do STJ, o entendimento foi firmado de acordo com a sistemática de recursos repetitivos (CPC, art. 543-C). Colhe-se da ementa desse relevante precedente: “[...] O STJ realinhou sua jurisprudência à posição do STF no julgamento do REsp 1.298.986/RS (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5.12.2013). 4. A renúncia ao valor excedente ao previsto no art. 87 do ADCT, manifestada após a propositura da demanda executiva, não autoriza o arbitramento dos honorários, porquanto, à luz do princípio da causalidade, a Fazenda Pública não provocou a instauração da Execução, uma vez que se revelava inicialmente impositiva a observância do art. 730 CPC, segundo a sistemática do pagamento de precatórios. Como não foram opostos Embargos à Execução, tem, portanto, plena aplicação o art. 1º-D da Lei 9.494/1997” (REsp 1406296/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 26.02.2014, DJe 19.03.2014). 1204 RE 420.816, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 27.04.2007. 1205 RE 649274 AgRg-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 04.12.2012, DJe 31.01.2013. 1206 Ressalve-se que, segundo o STJ, não se aplica o entendimento da Suprema Corte nas hipóteses de execução invertida. Veja-se, a título ilustrativo: “Não cabe a fixação de verba honorária quando o executado apresenta os cálculos do benefício para, no caso de concordância do credor, expedir-se a correspondente requisição de pequeno valor” (AgRg no AREsp 641.596/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 17.03.2015, DJe 23.03.2015). Sobre o tema específico, veja-se o item 10.6.6, infra. 1207 RE 420816 ED, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 20.04.2007. 1208 TRF4, Ag. 5021807-17.2015.404.0000, Sexta Turma, Rel. Osni Cardoso Filho, DJe 21.10.2015. 1209 Nesse sentido, a título ilustrativo: “Não cabe a fixação de verba honorária quando o executado apresenta os cálculos do benefício para, no caso de concordância do credor, expedir-se a correspondente requisição de pequeno valor” (AgRg no AREsp 641.596/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 17.03.2015, DJe 23.03.2015). Sobre a chamada execução invertida, veja-se o item 10.7.7, infra. 1210 O STJ já tinha decidido nessa direção, de acordo com a sistemática de recursos repetitivos: “1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do ‘cumpra-se’ (REsp n. 940.274/MS). 1.2. Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. 1.3. Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, serão arbitrados honorários em benefício do executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC. [...]” (REsp 1134186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 01.08.2011, DJe 21.10.2011). 1211 De acordo com a interpretação conforme que lhe conferiu o STF, quando do julgamento do RE 420.816 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 27.04.2007). 1212 “Além disso, a natureza jurídica das verbas devidas são distintas: os honorários devidos ao Advogado têm natureza alimentícia, já a verba honorária devida ao INSS tem natureza de crédito público, não havendo como ser admitida a compensação nessas circunstâncias. 5. Assim, não há possibilidade de se fazer o encontro de contas entre credores que não são recíprocos com créditos de natureza claramente distinta e também sem que ocorra sucumbência recíproca” (REsp 1402616/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, j. 10.12.2014, DJe 02.03.2015). Nesse sentido já decidira a Terceira Seção do TRF4: EINF n. 0000570-27.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator p/ acórdão Des. Federal Rogério Favreto, por maioria, DE 25.10.2011. 1213 Sobre essa específica problemática, veja-se o item 9.7.2, supra. 1214 TRF4, AC 5049187-98.2014.404.7000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJe 09.10.2015. 1215 TRF4, Ag. 5071564-09.2017.4.04.0000, Quinta Turma, Rel. Luiz Carlos Canalli, DJe 26.03.2018. 1216 Nesse sentido, a título meramente ilustrativo: AgRg no AREsp 534.462/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 13.10.2015, DJe 27.10.2015. 1217 Será considerado o salário mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação (CPC/2015, art. 85, § 4º, IV). 1218 RE 420.816, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJ 27.04.2007. Nesse julgamento, o STF conferiu interpretação conforme à regra do art. 1º-D da Lei 9.494/97, na redação emprestada pela Medida Provisória 2.180-35/2001, reconhecendo sua compatibilidade com a Constituição desde que excluído seu alcance para “os casos de pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, objeto do § 3º do artigo 100 da Constituição”. O STF entendeu indevida, assim, a condenação em verba honorária na execução não embargada contra a Fazenda Pública, porque, em face do regime constitucional de precatórios, ela não pode ser considerada em mora ou causadora da execução, a qual deve dar-se por iniciativa do credor e seguir até final expedição de precatório. De modo distinto, entendeu a Suprema Corte que eram devidos os honorários advocatícios no caso de execução judicial de pequeno valor, pois ali haveria espaço para o cumprimento espontâneo por parte da Fazenda Pública. 1219 Persistem vigentes, portanto, as súmulas 517 e 519 do STJ: Súmula n. 517: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada”; Súmula n. 519: “Na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios”. 1220 Nesse sentido: “1. É certo que este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de ser cabível a fixação de verba honorária nas execuções contra a Fazenda Pública, ainda que não embargadas, cujo pagamento da obrigação é feito mediante requisição de pequeno valor – RPV. 2. Entretanto, a jurisprudência desta Corte ressalvou que, nos casos de ‘execução invertida’, a apresentação espontânea dos cálculos, com o reconhecimento da dívida, afasta a condenação em honorários advocatícios. [...]” (AgRg no AREsp 630.235/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 19.05.2015, DJe 05.06.2015). Ainda nesse sentido: “Não cabe a fixação de verba honorária quando o executado apresenta os cálculos do benefício para, no caso de concordância do credor, expedir-se a correspondente requisição de pequeno valor” (AgRg no AREsp 641.596/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 17.03.2015, DJe 23.03.2015). Também nesse sentido: AREsp 1397249/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 03.09.2019, DJe 11.10.2019. 1221 REsp 963.528/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. 02.12.2009, DJe 04.02.2010. 1222 RE 384.866, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 29.06.2012, DJe 23.08.2012. 1223 EREsp 1507864/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, j. 20.04.2016, DJe 11.05.2016. 1224 STJ, AgInt no REsp 1675580/MA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 28.11.2017, DJe 04.12.2017; STJ, AgRg no AREsp 800.991/SP, Rel. Mini. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 20.10.2016, DJe 22.11.2016. No mesmo sentido: TRF4, AC 5012842-90.2015.4.04.7003, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. 06.02.2019; TRF4, APELRE 5009073-40.2016.404.7003, Quarta Turma, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, j. 05.04.2017. 1225 A regra foi reproduzida pelo art. 7º da Lei 12.153, de 22.12.2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. 1226 O mesmo tratamento se destina ao Ministério Público (CPC/2015, art 180) e à Defensoria Pública (CPC/2015, art. 186). 1227 É de se notar, aliás, que o prazo para impugnação da Fazenda Pública à execução é o dobro daquele estabelecido para os devedores em geral, que é de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 523 do CPC/1973. 1228 Há, ainda, na Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6830/80), dispositivo que prevê o direito à intimação pessoal dos representantes judiciais da Fazenda Pública (art. 25, caput), especificamente para os processos executivos fiscais. 1229 CPC/2015, art. 218. “Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei. § 1º Quando a lei for omissa, o juiz determinará os prazos em consideração à complexidade do ato. § 2º (omissis) § 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte. § 4º (omissis)”. 1230 Leonardo Carneiro Cunha desenvolve estudo minuncioso sobre a orientação jurisprudencial relativa à aplicabilidade dos prazos diferenciados à Fazenda Pública, expressando alguns casos em que não se fazia aplicável o disposto no art. 188 do CPC/1973, tais como: a) para a entrega dos originais das petições apresentadas por meio eletrônico ou facsímile; b) depósito do rol de testemunhas; c) indicação de assistente técnico e formulação de quesitos para perícia; d) juntada de cópia do agravo de instrumento para fins de retratação (art. 526 do CPC/1973); e) manifestações nas ações diretas de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade; f) oferecimento de resposta pela Fazenda Pública no procedimento sumário; g) apresentação de contrarrazões à apelação prevista no art. 285-A do CPC (caso de sentença de improcedência sem citação do réu); h) apresentação de contrarrazões a recurso; i) interposição de recurso adesivo; interposição de agravo contra a decisão do Presidente do Tribunal que nega a suspensão da execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes (Lei 8.437/92, art. 4º, § 3º); oferecimento de resposta pela Fazenda Pública nas ações rescisórias (CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014. p. 49-73). 1231 Embora o texto do art. 730 do CPC estabeleça o prazo de 10 (dez) dias para a oposição de embargos, o art. 1º-B da Lei 9.494/97, com a redação dada pela MP 2.180/2001, alterou o prazo para 30 (trinta) dias. Já o Novo CPC estabelece o prazo de 30 (trinta) dias, tanto para a Fazenda Pública opor embargos à execução fundada em título extrajudicial (art. 910, caput), quanto para impugnar a execução relativa ao cumprimento da sentença que a condena a pagar quantia certa (art. 535). 1232 Reconheça-se, porém, a existência de decisões do STJ que assinalavam, ao tempo do CPC/1973, que o prazo para resposta da Fazenda Pública deveria ser contado de modo diferenciado, aplicando-se a regra do art. 188 do CPC/1973. Nesse sentido, a título ilustrativo: “[...] 1. A regra do artigo 188 do Código de Processo Civil, referente à dilação de prazos processuais, é aplicável ao prazo de resposta para a ação rescisória. 2. Precedentes do STF e do STJ [...]” (REsp 363.780/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 27.08.2002, DJ 02.12.2002). 1233 Além da disciplina conferida pelo Novo CPC, a remessa necessária é prevista em diversos outros diplomas legais. Cite-se, a título ilustrativo, a Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), pela qual deve ser observada a remessa necessária quando a sentença concluir pela carência ou pela improcedência da ação (art. 19). Também a Lei do Mandado de Segurança (Lei 1.533/51 e, mais recentemente, a Lei 12.016/2009) prevê o reexame necessário da sentença que concede o mandado de segurança. Da mesma forma, sujeita-se ao duplo grau de jurisdição a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação coletiva proposta na defesa das pessoas com deficiência (Lei 7.853/89). 1234 Segundo o STJ, “A sentença que julga os embargos à execução de título judicial opostos pela Fazenda Pública não está sujeita ao reexame necessário (art. 475, II, do CPC), tendo em vista que a remessa ex officio, in casu, é devida apenas em processo cognitivo, não sendo aplicável em sede de execução de sentença, por prevalecer a disposição contida no art. 520, V, do CPC. Precedentes da Corte Especial” (AgRg no Ag 808.057/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 27.02.2007, DJ 02.04.2007). 1235 REsp 1101727/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, j. 04.11.2009, DJe 03.12.2009, julgamento proferido de acordo com a sistemática de recurso repetitivo. 1236 No mesmo sentido: “[...] A referida conclusão encontra sintonia na jurisprudência firmada pelo STJ, segundo a qual ‘a orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa o duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos’ (REsp 1.735.097/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 11/10/2019). Ainda, no mesmo sentido: REsp 1.844.937/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 22/11/2019 e AgInt no REsp 1.852.972/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 1º/7/2020” (AgInt no REsp 1864360/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 23.11.2020, DJe 27.11.2020) – grifou-se. 1237 A nova sistemática de remessa necessária é aplicável às sentenças publicadas a partir da entrada em vigor do Novo CPC, em 17.03.2015. 1238 CPC/2015, art. 496. “Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal”. 1239 Observe-se que permanece a previsão legal específica de remessa necessária no caso de sentença concessiva de mandado de segurança. 1240 O Novo CPC expressamente prevê, quanto ao ponto, que incumbe ao relator não conhecer de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (CPC/2015, art. 932, III). 1241 O procedimento da tutela antecipada antecedente está previsto nos arts. 303 e 304 do CPC/2015. 1242 CPC/2015, art. 303, § 6º. “Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito”. 1243 CPC/2015, art. 303, § 1º, I. “O autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”. 1244 Para tanto, qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial de revisão ou impugnação da tutela concedida (CPC/2015, art. 304, § 4º). Embora a decisão de concessão não faça coisa julgada, o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (CPC/2015, art. 304, §§ 5º e 6º). 1245 RUPRECHT, Alfredo J. Derecho de la seguridad social, p. 81. 1246 É tão improvável que o segurado idoso se encontre trabalhando ao tempo do cumprimento do requisito etário que a jurisprudência avançou para reconhecer-lhe o direito de se aposentar ainda que ao atingir a idade legal não mais detenha a qualidade de segurado. A concessão de aposentadoria por idade independentemente da qualidade de segurado encontra previsão no art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/2003, dispositivo reproduzido pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2001, art. 30). 1247 Nesse casos, o segurado, supostamente, está recebendo o benefício em valor mensal inferior ao que faria jus e, por essa razão, inferior ao que seria necessário para sua subsistência digna. 1248 Sem embargo, chama-se atenção, aqui uma vez mais, para a importância que a tutela de evidência pode encontrar nas causas previdenciárias, em razão da argumentação deduzida pouco acima. 1249 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 23. 1250 É de se notar, quanto a essa proposição, que a vedação de sequestro de verbas públicas para pagamento de créditos judiciais, extraída da ADI 1662 (Rel. Min. Maurício Corrêa, Primeira Turma, j. 11.09.1997, DJ 20.03.1998), não tomou em conta a influência do direito fundamental à saúde e à vida na formação das normas que regem a sistemática de pagamento dos precatórios, o que pode abrir espaço para a dispensa de precatório em casos urgentes (Rcl 3982, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. 19.11.2007, DJ 14.12.2007). 1251 Isso porque tutela da evidência demanda, pode-se dizer, requisitos que conferem grau ainda maior de segurança quanto à existência do direito postulado judicial, a ponto de sua concessão ser devida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 311). 1252 CPC/2015, art. 300, § 3º. “A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. 1253 DINARMACO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 297. 1254 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela, p. 23-24. 1255 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2000. v. 3, p. 108. 1256 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Direito material e processo, p. 14. 1257 Era o típico caso das ações em que se buscavam vantagens ou diferenças decorrentes da relação estatutária dos servidores públicos junto a Administração Pública: “O E. Supremo Tribunal Federal, em consonância com o entendimento majoritário das Cortes Federais, não identifica obstáculos à concessão da tutela antecipada, contra a Fazenda Pública, fora dos casos de aumento de vencimentos ou de vantagens de funcionários públicos” (TRF3, Ag. 2001.03.00.017575-6/MS, Juiz Fed. Santoro Facchini, DJU 02.05.2002). 1258 E, “Na esteira da compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, esta Corte adotou entendimento segundo o qual não existe vedação legal à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas causas de natureza previdenciária” (AgRg nos EDcl. no REsp 1057202/ES, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Des. Conv. do TJ/CE), Sexta Turma, j. 03.08.2010, DJ 23.08.2010). 1259 TRF3, AC 2007.03.99.019233-0, Rel. Juiz Nelson Bernardes, Nona Turma, DJ 13.03.2008. 1260 De fato, “Cuidando-se de crédito de natureza alimentar é desnecessária a caução” (STJ, REsp 658.528/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 06.10.2005). 1261 Diz-se que se trata de um pressuposto processual negativo porque, de acordo com o art. 300, § 3º, do CPC, a irreversibilidade deve estar ausente na situação concreta, para que possa ser concedida a tutela de urgência. 1262 AI 2004.04.01.039022-9/PR, Rel. Juiz José Paulo Baltazar Junior, Sexta Turma, j. 30.03.2005, DJ 13.04.2005. 1263 Nestas condições, “[...] a mera possibilidade de irreversibilidade do provimento, puramente econômico, não é óbice à antecipação dos efeitos da tutela em matéria previdenciária ou assistencial sempre que a efetiva proteção dos direitos à vida, à saúde, à previdência ou à assistência social não puder ser realizada sem a providência antecipatória” (TRF4, AC 2005. 70.00.024907-5/PR, Rel. Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DJ 11.01.2008). 1264 PIMENTEL, Alexandre Freire; ANDRADE, Camila Terezinha Arruda. Ontologia processual e a superação do óbice da irreversibilidade para a concessão de medidas antecipatórias por meio do princípio da proporcionalidade no CPC-2015. In: COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus; GOUVEIA, Roberto. Grandes temas do Novo CPC. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 6: tutela provisória. p. 149-166 (p. 153). 1265 É importante considerar, com efeito, que as pessoas que geralmente têm em seu favor a concessão de tutela provisória para pagamento de valores previdenciários referem-se a grupos considerados menos favorecidos, como pessoas com deficiência, idade avançada, menores impúberes, trabalhadores que se encontram sem condições de trabalhar por motivo de incapacidade laboral etc. 1266 A irreversibilidade recíproca é considerada por Pimentel e Andrade como o meio de superação do pressuposto negativo ao deferimento. PIMENTEL, Alexandre Freire; ANDRADE, Camila Terezinha Arruda. Ontologia processual, p. 159. 1267 SOTTILI, Jovana. A tutela antecipada de alimentos e suas implicações práticas. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, n. 22, p. 128141, jan./fev. 2018. (p. 129). 1268 PIMENTEL, Alexandre Freire; ANDRADE, Camila Terezinha Arruda. Ontologia processual, p. 150. 1269 A TNU reconhece também a irreversibilidade da condição de segurado mantida em razão do gozo de benefício, mesmo quando concedido mediante tutela provisória: Tema 245: “A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé” (PEDILEF 000840541.2016.4.01.3802/MG, relator Juiz Federal Fábio de Souza Silva). 1270 Sobre a irrepetibilidade dos valores previdenciários recebidos de boa-fé, veja-se o item 9.4, supra. 1271 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 458. 1272 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais, 12. ed., p. 452. 1273 COURTIS, Christian. La prohibición de regresividad en materia de derechos sociales; apuntes introductorios. In: COURTIS, Christian (compil). Ni un paso atrás: la prohibición de regresividad en materia de derechos sociales. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006. p. 3-52 (p. 3-7). 1274 Com efeito, se antes do processo judicial, o segurado se encontrava em uma condição de ausência de recursos para subsistência pela ocorrência de um risco socialmente protegido, após o término do processo – e em razão de ato estatal regressivo – ele permaneceria nesse estado de necessidade de recursos materiais para sobrevivência, ao qual se somaria ainda a condição de devedor do Estado, por importância correspondente à proteção social que anteriormente lhe foi outorgada. 1275 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 391. Como expressa o autor na mesma passagem, é claro que se deve excepcionar os casos patológicos, “com pagamentos feitos com evidente erro quanto à pessoa”. A exceção, na seara processual previdenciária, alcançaria os pagamentos feitos mediante dolo ou fraude da parte beneficiada com a decisão judicial concessiva da tutela provisória. 1276 CPC/2015, art. 497. “Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. 1277 Também nesse sentido, conforme articulado na referida decisão: “Previdência social. Benefício de amparo social. Incapacidade comprovada. Comprovação de que a parte autora não conta com rendimentos ou outros meios de prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Matéria preliminar rejeitada e apelação do INSS improvida. [...] Na hipótese de ação que também tem por escopo a obrigação de fazer, se procedente o pleito, é cabível a outorga de tutela específica que assegure o resultado concreto equiparável ao adimplemento, com fundamento no art. 461 do Código de Processo Civil. De outro ângulo, para a eficiente prestação da tutela jurisdicional, a aplicação do dispositivo legal em tela independe de requerimento. O benefício de prestação continuada, ou assistência social, tem o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover à própria subsistência ou tê-la provida por suas respectivas famílias. Impossível à parte autora, diante da situação concreta, ter vida digna ou, consoante assevera a Constituição Federal, ter respeitada a sua cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito. Matéria preliminar rejeitada e apelação do INSS improvida” (TRF/3ª Região, AC 2003.03.99.0321537/SP, Oitava Turma, Relª. Juíza Vera Jucovski, DJU 22.10.2004). 1278 “Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz darlhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte”. 1279 O texto refere-se ao artigo “Execução contra a Fazenda Pública”, publicado na Revista Síntese Trabalhista, n. 129/2000, de autoria do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. 1280 “Art. 536, § 1º. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial”.”Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito”. 1281 A ausência de referência não exclui a possibilidade de se utilizar da medida coercitiva pecuniária nos casos de obrigação de dar coisa certa ou pagar quantia certa, aspecto sustentado com maestria por Marcelo Lima Guerra (Execução indireta, p. 186-188). 1282 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 106. 1283 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. 1284 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, p. 28. Sem embargo, o autor cearense acrescenta que não se pode deixar de considerar como execução forçada a tutela executiva obtida mediante execução indireta. 1285 Sem embargo, como ressalta Marinoni, “Se a multa não atinge os seus escopos, não levando o demandado a adimplir a ordem do juiz, converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai sobre o réu inadimplente. Neste momento, é certo, acaba por assumir a mera feição de sanção pecuniária; entretanto, tal feição, assumida pela multa justamente quando ela não cumpre os seus objetivos, é acidental em relação à sua verdadeira função e natureza” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 106). 1286 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição, p. 226. 1287 Nesse sentido: “A fixação de astreintes para o caso de a autarquia previdenciária não cumprir com a obrigação de fazer, qual seja a de implantar o benefício em decorrência do título judicial, não configura presunção de resistência às ordens judiciais por parte da autarquia previdenciária, funcionando como meio coercitivo, de natureza inibitória e caráter pedagógico, incidindo a multa tão somente se houver descumprimento sem motivo justificado” (TRF4, Ag. 503331807.2018.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 07.12.2018). 1288 AgInt no AREsp 1661221/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 28.09.2020, DJe 20.10.2020. 1289 AgInt nos EDcl no REsp 1348674/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 07.11.2019, DJe 03.12.2019. 1290 Sobre a possibilidade de redução das astreintes: “Na forma da jurisprudência desta Corte, ‘a determinação de multa diária como meio de garantir o cumprimento da decisão judicial tem nítida feição liminar, o que permite ao magistrado, no uso de sua discricionariedade, aferir sua oportunidade e razoabilidade, majorando-a, reduzindo-a ou até mesmo suprimindo-a’ (STJ, REsp 1.685.400/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 16/10/2017). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.186.960 / MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 05/04/2016; AgRg no REsp 1.035.001 / MA, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 16/04/2015; AgRg no AREsp 408.030 / RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 24/02/2014. IV. [...]. V. Agravo interno improvido” (AgInt no REsp 1515846, Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 08.03.2018). 1291 Nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni (Tutela específica) e Marcelo Lima Guerra (Execução indireta). As mesmas considerações se prestam à efetivação de decisão judicial antecipatória de tutela. 1292 GUERRA, Marcelo Lima. Execução contra o poder público. Revista de Processo, n. 100. p. 76. 1293 GUERRA, Marcelo Lima. Execução contra o poder público, p. 76. 1294 Várias são as decisões reduzindo o valor da multa diária para R$ 25,00 (vinte e cinco reais), em caso de descumprimento de ordem judicial de concessão de benefício previdenciário (AI 2001.04.01.074819-6/PR, Rel. Des. Fed. Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJ 16.10.2001; AC 1999.71.00.032737-2/RS, Rel. Des. Dirceu de Almeida Soares, DJ 15.08.2001, entre outras). Por outro lado, tem orientado recentemente este mesmo Tribunal: “As astreintes têm função essencialmente coercitiva (e não sancionatória pelo descumprimento da decisão judicial), razão pela qual, não gozam de autonomia, mas guardam íntima ligação com o bem da vida cuja prestação, considerada devida em cognição sumária ou exauriente, visam a garantir. 3. Havendo atraso no cumprimento da obrigação, deve ser mantida a condenação do INSS ao pagamento das astreintes previamente impostas pelo julgador a quo” (TRF4, Quinta Turma, AMS 2005.71.00.010504-3, Rel. Celso Kipper, DJ 30.04.2007). 1295 Marcelo Guerra segue sua argumentação expressando hipóteses em que o ordenamento jurídico processual expressamente acolhe a sujeição de terceiros ao poder jurisdicional: “[...] o poder conferido ao juiz de ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportem inconvenientemente (CPC, art. 445, I); o poder de ordenar a exibição e aprender documentos e coisas em poder de terceiros (CPC, art. 358 et seq.); o poder de conduzir coercitivamente testemunha que se recusa a comparecer para depor (CPC, art. 412)” (Execução contra o poder público. Revista de Processo, n. 100, p. 77). Acrescentaria a este rol o poder de imposição de multa ao perito que deixa de cumprir o encargo que lhe foi assinado (CPC, art. 424, II); a responsabilização da testemunha pelas despesas do adiamento da audiência em razão de seu não comparecimento (CPC, art. 412, parte final) e, ainda nessas hipóteses, a possibilidade de imposição de multa (no processo penal, CPP, art. 219). Conquanto tais providências se configurem mais como pena, bem demonstram a extensão dos poderes do juiz em relação a terceiros que concorrem para o atraso ou impedimento da prestação jurisdicional. 1296 No entanto, quando o devedor for representado pela defensoria pública ou não tiver procurador constituído nos autos, sua intimação será por aviso de recebimento (CPC/2015, art. 513, § 2º, II). Da mesma forma, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos, se o requerimento de cumprimento da sentença for formulado após um ano do trânsito em julgado (CPC/2015, art. 513, § 4º). Buscando-se evitar que o devedor, ocultando-se, furte-se da intimação para cumprimento da sentença, o Novo CPC prevê que, se o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, considerar-se-á realizada a intimação, fluindo o prazo, nesta última hipótese, a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço (CPC/2015, art. 513, § 3º). Com a providência, lograse impedir a solução de continuidade da fase de cumprimento da sentença, o que frustraria o objetivo fundamental de prestação jurisdicional efetiva. 1297 Em relação à sistemática anterior, a nova legislação expressamente prevê a incidência de honorários sobre o débito e, nesse sentido, confirma a orientação jurisprudencial firmada sob a égide do CPC de 1973. 1298 A inovação legislativa é orientada pelo pensamento de que a efetividade processual pressupõe mecanismos que, de um lado, simplifiquem o caminho para satisfação do bem da vida assegurado pela sentença e, de outro lado, prestem-se como desestímulo à inadimplência e às manobras diversas para tornar ilusória a vitória obtida no processo de conhecimento. Cabe notar, outrossim, o propósito de se evitar, quanto possível, o retardamento da satisfação do julgado por uma postura desinteressada do credor, quanto à prática dos atos que lhe são, por lei, atribuídos. 1299 CPC/2015, art. 513, § 1º. “O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, far-se-á a requerimento do exequente”. Entendemos que permanece válida, na vigência do Novo CPC, a Súmula 150 do STF (“Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”). Conquanto não se cogite propriamente de inércia na propositura da ação de execução, até porque se trata de prosseguimento do mesmo processo, agora em sua fase executiva, a inércia da parte credora, após o trânsito em julgado da sentença exequenda, não parece poder escapar da prescrição intercorrente. 1300 O demonstrativo do crédito, que pode ser percebido, na prática, como requerimento para o cumprimento da sentença, deve conter: I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente; II – o índice de correção monetária adotado; III – os juros aplicados e as respectivas taxas; IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados; V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso; VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados (CPC/2015, art. 534 e incisos). 1301 Nesse sentido, a título ilustrativo, já se decidia no contexto do CPC/1973: “Em face das peculiaridades das execuções de sentença contra o INSS, o que, por vezes, torna trabalhosa a confecção da memória de cálculo, o juiz deve interpretar com prudência o art. 604 do CPC, não atribuindo apenas ao segurado-credor, via de regra pessoa pobre, o ônus de lançar a memória de cálculo para execução” (TRF4, AC 0009065-94.2010.404.9999, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DE 08.09.2011). 1302 Uma vez que a execução será realizada em fase distinta, mas no mesmo processo, fica dispensada a citação. Por isso é que o Novo CPC expressa que a Fazenda Pública será intimada, e não citada. 1303 Art. 535, § 3º. “Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada: I – expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição Federal; II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente” (grifamos). 1304 A providência é expressamente disposta no art. 524, § 1º, do CPC/2015, relativa ao cumprimento de sentença de pagar quantia certa pelos devedores em geral. 1305 O exemplo chamado a ilustrar a problemática relaciona-se a direitos devidos de acordo com a legislação anterior à promulgação da EC 103/2019, que extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, em qualquer de suas modalidades. 1306 TRF4, Ag. 5017825-24.2017.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Artur César de Souza, j. 22.05.2018. 1307 TRF4, Ag. 5026687-52.2015.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Artur César De Souza, j. 17.10.2017. 1308 TRF4, Ag. 5063504-47.2017.4.04.0000, Quinta Turma, Rel. Luiz Carlos Canalli, j. 26.03.2018. 1309 Sobre a compensação dos créditos previdenciários com valores pagos administrativamente, sugere-se conferir os itens 9.7.1 e 9.7.2, supra. 1310 RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 21.02.2013, DJe 26.08.2013. 1311 AgRg-ED RE 272625, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, j. 11.12.2001, DJ 01.03.2002. 1312 CF/88, art 100. [...] § 1º: “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente” (redação dada pela EC 30/2000, grifamos). 1313 Confira-se a ementa dessa importante decisão: “EXECUÇÃO – TÍTULO JUDICIAL – PARTE AUTÔNOMA PRECLUSÃO – POSSIBILIDADE. Possível é a execução parcial do título judicial no que revela parte autônoma transitada em julgado na via da recorribilidade” (RE 1205530, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 08.06.2020, DJe 01.07.2020). 1314 CF/88, art. 100. (omissis). “§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo” (grifamos). 1315 Somente não prosseguirá a execução com a expedição de requisição de pagamento se o relator atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento da Fazenda Pública, na forma do art. 1.019 do CPC/2015. 1316 CPC/2015, art. 535, § 2º. “Quando se alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à executada declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição”. É de se notar, quanto a esse aspecto, que o Novo CPC expressamente veda à Fazenda Pública que lance mão da impugnação genérica de excesso de execução, a qual se revela procrastinatória e inibidora do curso executivo. 1317 A sequência do procedimento independe do tipo de requisição de pagamento, se precatório requisitório ou requisição de pequeno valor (RPV). 1318 CPC/1973, art. 739, § 2º: “Quando os embargos forem parciais, a execução prosseguirá quanto à parte não embargada”. 1319 CPC/2015, art. 535, § 4º. “Tratando-se de impugnação parcial, a parte não questionada pela executada será, desde logo, objeto de cumprimento”. 1320 O tema já havia sido objeto de julgamento pela Corte Especial do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO MOVIDA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS PARCIAIS. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO SOBRE A PARCELA IN‐ CONTROVERSA. POSSIBILIDADE. ART. 739, § 2º DO CPC. JURISPRUDÊNCIA REITERADA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Em exame embargos de divergência apresentados com o objetivo de impugnar acórdão segundo o qual é possível a expedição de precatório referente à parte incontroversa da dívida, ainda que a executada seja a Fazenda Pública. 2. A consolidada jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça expressa o entendimento de que, segundo o estabelecido no art. 739, § 2º, do CPC, é possível a expedição de precatório sobre a parcela incontroversa da dívida (posto que não embargada), mesmo na hipótese de a União (Fazenda Pública) ocupar o polo passivo na ação de execução. Precedentes. 3. Embargos de divergência rejeitados” (EREsp 721.791/RS, Rel. p/ Acórdão Min. José Delgado, Corte Especial, j. 19.12.2005, DJ 23.04.2007). 1321 Confira-se a ementa dessa importante decisão: “EXECUÇÃO – TÍTULO JUDICIAL – PARTE AUTÔNOMA PRECLUSÃO – POSSIBILIDADE. Possível é a execução parcial do título judicial no que revela parte autônoma transitada em julgado na via da recorribilidade” (RE 1205530, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 08.06.2020, DJe 01.07.2020). 1322 TRF4 5048697-22.2017.4.04.0000, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 29.10.2019. 1323 Também nessa modalidade, diante da existência de trânsito em julgado da decisão exequenda, é definitivo, e não provisório, o cumprimento da sentença. 1324 Na vigência do CPC/1973, não era diminuta a controvérsia sobre o tema e talvez persistam as discussões na vigência do Novo CPC, até que o Supremo Tribunal Federal sobre ele se manifeste. O entendimento contrário à possibilidade de expedição de precatório ancorava-se na falta de decisão definitiva nos embargos à execução. O trânsito em julgado a que se refere a Constituição incluiria, nessa perspectiva, a sentença que julgava os embargos da Fazenda Pública, tornando inquestionável a importância devida e que deveria constituir objeto do precatório. Seria necessário, assim, o trânsito em julgado da sentença condenatória, proferida no processo de conhecimento, e da sentença que julgava os embargos de execução opostos pela Fazenda Pública. 1325 Essa linha de argumentação vale para todos os casos de arguições de defesa manifestamente improcedentes. 1326 O perigo de dano ao Erário é presumido, nessas hipóteses. 1327 CPC/2015, art. 515. “São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”. 1328 CPC/2015, art. 356, § 1º. “A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida”. 1329 CPC/2015, art. 356. “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355”. Na dicção do art. 355 do CPC/2015, o julgamento antecipado do mérito deve-se dar quando: “Art. 355 (omissis); I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349”. Uma vez que a presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor, enquanto efeito da revelia (CPC/2015, art. 344), não é produzido quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis (CPC/2015, art. 345, II), o julgamento parcial de mérito somente será possível, contra a Fazenda Pública, nos casos de pedido ou parcela dele incontroversa, e julgamento antecipado do mérito quando desnecessária a produção de outras provas. 1330 CPC/2015, art. 356, § 4º. “A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz”. 1331 CPC/2015, art. 356, § 2º. “A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto. § 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva”. 1332 “Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver”. 1333 Na medida em que é passível de impugnação por agravo de instrumento a decisão que resolve em definitivo, um ou alguns dos capítulos de mérito, (art. 356, § 5º, e art. 1.012, II), apenas a atribuição de efeito suspensivo pelo relator (art. 1.019, I) poderia impedir o início da fase executiva. Na pendência de recurso contra a decisão que julga parcialmente o mérito, torna-se possível o cumprimento provisório, o qual se limita aos atos destinados a quantificar o valor que será objeto de expedição de precatório, como se esclarece abaixo. De todo modo, até mesmo o cumprimento provisório de sentença contra a Fazenda Pública constitui tema controvertido. 1334 TRF4 5048697-22.2017.4.04.0000, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 29.10.2019. 1335 Esse regime jurídico, ínsito à provisoriedade do título, já se encontrava essencialmente estruturado pelo CPC de 1973, destacadamente a partir da Lei 12.232/2005, que lhe fez incluir o art. 475-O. 1336 Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: “É incabível cominação de multa em execução provisória de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa” (REsp 267.540/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, j. 21.11.2006, DJ 12.03.2007). No mesmo sentido, o mesmo Tribunal Superior firmou a tese de que “Não são cabíveis honorários advocatícios em sede de execução provisória (art. 475-O do CPC), pois o devedor ainda não tem a obrigação de cumprir voluntariamente o título executivo (Recurso Especial repetitivo n. 1.291.736/PR)” (EDcl no AREsp 202.252/PR, Rel. Min. João Otávio De Noronha, Terceira Turma, j. 25.11.2014, DJe 12.12.2014). 1337 CPC/2015, art. 520, IV, § 2º. “A multa e os honorários a que se refere o § 1º do art. 523 são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa”. 1338 Cabe notar que essas disposições relativas ao cumprimento provisório da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, aplicam-se, no que couber, ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa (CPC/2015, art. 523, IV, § 4º). 1339 A exigência surge com o advento da EC 30/2000, que deu nova redação ao § 1º do art. 100 da Constituição da República. 1340 Nesse sentido: “[...] 1. A EC 30/00, ao inserir no § 1º do art. 100 da CF/88 a obrigação de só ser inserido no orçamento o pagamento de débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, extinguiu a possibilidade de execução provisória. 2. Releitura dos arts. 730 e 731 do CPC, para não se admitir, contra a Fazenda Pública, execução provisória. [...]” (REsp 447.406/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 20.02.2003, DJ 12.05.2003). 1341 Confira-se a ementa dessa importante decisão: “EXECUÇÃO – TÍTULO JUDICIAL – PARTE AUTÔNOMA PRECLUSÃO – POSSIBILIDADE. Possível é a execução parcial do título judicial no que revela parte autônoma transitada em julgado na via da recorribilidade” (RE 1205530, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 08.06.2020, DJe 01.07.2020). 1342 Nesse sentido, a título ilustrativo: “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. AJUIZAMENTO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/2000. POSSIBILIDADE. 1. A Emenda Constitucional n. 30 deu nova redação ao § 1º do art. 100 da Constituição para estabelecer, como pressuposto da expedição de precatório ou da requisição do pagamento de débito de pequeno valor de responsabilidade da Fazenda Pública, o trânsito em julgado da respectiva sentença. 2. Há de se entender que, após a Emenda 30, limitou-se o âmbito dos atos executivos, mas não foi inteiramente extinta a execução provisória. Nada impede que se promova, na pendência de recurso com efeito apenas devolutivo, a liquidação da sentença, e que a execução (provisória) seja processada até a fase dos embargos (CPC, art. 730, primeira parte) ficando suspensa, daí em diante, até o trânsito em julgado do título executivo, se os embargos não forem opostos, ou forem rejeitados. 3. Em relação às execuções provisórias iniciadas antes da edição da Emenda 30, não há a exigência do trânsito em julgado como condição para expedição de precatório. Precedentes do STF e do STJ” (REsp 331.460/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, j. 07.08.2003, DJ 17.11.2003). 1343 TRF4, Ag. 0006028-44.2014.404.0000, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 21.01.2015. 1344 RE 420816, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 21.03.2007, DJe 27.04.2007. Esse importante precedente orientou que, de modo distinto, não são devidos honorários de advogado na execução não embargada contra a Fazenda Pública, quando sujeita ao regime constitucional dos precatórios: “Na media (sic) em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Publica à ‘apresentação dos precatórios’ e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito”. 1345 Nesse sentido: “É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual não cabe a fixação de honorários advocatícios na hipótese em que o devedor apresenta os cálculos para expedição da correspondente requisição de pequeno valor, caso o credor concorde com o valor apresentado, o que se denomina execução invertida” (REsp 1675990/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.09.2017, DJe 09.10.2017). Ainda nesse sentido: “1. É certo que este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de ser cabível a fixação de verba honorária nas execuções contra a Fazenda Pública, ainda que não embargadas, cujo pagamento da obrigação é feito mediante requisição de pequeno valor – RPV. 2. Entretanto, a jurisprudência desta Corte ressalvou que, nos casos de ‘execução invertida’, a apresentação espontânea dos cálculos, com o reconhecimento da dívida, afasta a condenação em honorários advocatícios. [...]” (AgRg no AREsp 630.235/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 19.05.2015, DJe 05.06.2015). Ainda nesse sentido: AgRg no AREsp 641.596/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 17.03.2015, DJe 23.03.2015. No sentido contrário: “A apresentação espontânea dos cálculos de liquidação pela Fazenda Pública, sem a concordância da parte credora, não representa pronto pagamento da dívida pelo executado e não o isenta de arcar com os honorários advocatícios correspondentes à fase executória” (STJ, REsp 1714065/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 12.12.2017, DJe 15.12.2017). 1346 Como bem esclarece a seguinte ementa: “[...] 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 420.816/PR, fixou compreensão no sentido de serem devidos honorários advocatícios na hipótese de execução sujeita a Requisição de Pequeno Valor (RPV). 3. Todavia o caso dos autos, possui peculiaridades, que afastam a aplicação desse precedente à hipótese. 4. Na ‘execução invertida’ a Fazenda Pública condenada em obrigação de pagar quantia certa, mediante RPV, ao invés de aguardar a fase executiva do débito já reconhecido, antecipa-se ao credor cumprindo espontaneamente a obrigação apresentado os cálculos da quantia devida. 5. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a condenação em honorários advocatícios se pauta pelo princípio da causalidade, ou seja, somente aquele que deu causa à demanda ou ao incidente processual é quem deve arcar com as despesas deles decorrentes. 6. Dessa forma, a Fazenda Pública cumprindo espontaneamente a obrigação de pagar quantia certa, com a concordância do credor acerca do valor apresentado, não há que se falar em fixação de honorários advocatícios, na medida que não houve novo esforço laboral. 7. O direito aos honorários advocatícios na execução decorre da necessidade de remuneração do causídico que atua de forma diligente no sentido de propor a execução com a finalidade de obrigar o ente público a cumprir a obrigação firmada no processo de conhecimento. Assim sendo, somente no caso de o credor der início a execução (com o pedido de citação da Fazenda Pública para opor embargos à execução) é que será cabível a condenação em honorários, hipótese na qual aplica-se o entendimento firmado pelo STF no RE 420.816/PR. 8. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 1536555/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 23.06.2015, DJe 30.06.2015). 1347 Pela mesma razão, “Título judicial que contemplou índice de correção monetária diverso daquele previsto na Lei n. 11.960/2009, prolatado já na vigência deste diploma legal, deve ser executado fielmente, sob pena de ofensa à coisa julgada (art. 467 do CPC), não sendo os embargos do devedor momento oportuno para a rediscussão do julgado” (TRF4, AC 508241127.2014.404.7000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJe 20.11.2015). No mesmo sentido: “Determinando o título exequendo a aplicação do IGP-DI como índice de correção monetária, tem-se por afastada a incidência dos critérios definidos pela Lei 11.960/2009, sob pena de ofensa à coisa julgada” (TRF4, AC 5085351-53.2014.404.7100, Quinta Turma, Rel. Luiz Antonio Bonat, DJe 02.12.2015). 1348 TRF4, AC 5000131-78.2014.404.7200, Quinta Turma, Rel. Rogerio Favreto, DJe 17.11.2015. 1349 EDcl no REsp 1515452/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 07.05.2015, DJe 13.05.2015. 1350 Nesse sentido: “Decorrendo de lei a aplicação do IRSM de fevereiro/94 (39,67%) na atualização dos salários de contribuição componentes do período básico de cálculo da RMI, sua incidência acontecerá independentemente de previsão expressa no título judicial’ (TRF4, AC 5006754-78.2011.404.7002, Sexta Turma, Rel. Luciane Merlin Clève Kravetz, DJ-e 04.12.2013). 1351 RE 564.354, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 08.09.2010, DJe 15.02.2011. 1352 Veja-se, a título ilustrativo: “APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. RMI. APLICAÇÃO DO ÍNDICE LEGAL ADEQUADO.NOVO TETO ESTABELECIDO PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS N. 20/1998 E 41/2003. APLICABILIDADE AOS BENEFÍCIOS EM MANUTENÇÃO. 1. Consoante entendimento da Terceira Seção do TRF da 4ª Região (Embargos Infringentes em AC n. 2002.70.00.066558-6, Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 17/01/2008), é cabível a aplicação do IRSM de fevereiro de 1994 na atualização dos salários de contribuição para fins de cálculo da renda mensal inicial, ainda que não conste determinação expressa nesse sentido no título judicial. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 564354, tendo como relatora a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, entendeu, por ampla maioria de votos ‘que só após a definição do valor do benefício é que se aplica o limitador (teto). Ele não faz parte do cálculo do benefício a ser pago. Assim, se esse limite for alterado, ele é aplicado ao valor inicialmente calculado’. Considerou o Supremo, portanto, nos dizeres do Ministro Gilmar Mendes, que “o teto é exterior ao cálculo do benefício”. Em outras palavras, o teto, segundo tal interpretação, tem por função apenas limitar o valor do benefício previdenciário no momento de seu pagamento, não impedindo que o valor eventualmente glosado em virtude de sua incidência venha a ser, total ou parcialmente, considerado por ocasião de um aumento real do valor do teto, o que ocorreu por intermédio das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03” (TRF4, AC 5002730-18.2013.404.7008, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, DJe 10.10.2014). 1353 TRF4, AC 0024142-07.2014.404.9999, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 25.06.2015. Nesse caso, decidiu-se que seria “indevida a consideração de outros salários de contribuição do PBC no cálculo de liquidação do benefício, até porque a revisão almejada na lide originária se restringiu ao reconhecimento e averbação de tempo de serviço rural, para consequentemente revisar a aposentadoria por tempo de contribuição, não havendo qualquer deliberação acerca de eventual revisão dos salários de contribuição, ou ainda da maneira como estes salários devem compor o cálculo da RMI”. 1354 ARE 925754, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. 18.12.2015. 1355 REsp 1388000/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, j. 26.08.2015, DJe 12.04.2016 – Tema 877. 1356 CDC, art. 94. “Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor”. 1357 STF, Súmula 150: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. 1358 Cabe notar que a sistemática de cumprimento da sentença para pagamento de quantia certa já se encontrava prevista na Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais (Art. 16. “O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo”). 1359 REsp 1387248/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, j. 07.05.2014, DJe 19.05.2014. 1360 RE 730.462, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. 28.05.2015, DJe 09.09.2015. 1361 Ressalvou-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. 1362 No caso objeto de julgamento pela Suprema Corte, “mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão”. No mesmo sentido, já se entendia que “[...] o parágrafo único do art. 741 do CPC somente tem incidência nas execuções em que a sentença exequenda é posterior à decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato em sentido contrário àquele considerado no julgado em execução” (TRF4, Ag. 0002060-06.2014.404.0000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DE 09.07.2014). 1363 São elas: I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II – ilegitimidade de parte; III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença. 1364 Observe-se, ainda, de acordo com o Novo CPC, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica (CPC/2015, art. 535, § 6º). 1365 A previsão de observância do rito sumaríssimo foi suprimida com a edição da Lei 8.620, de 05.01.1993. 1366 Segundo o entendimento da Suprema Corte, a regra inscrita no art. 100 da Constituição da República “[...] proíbe a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais, tendo em vista a observação de preferência. Por isso a dispensa de precatório, considerando-se o valor do débito, distancia-se do tratamento uniforme que a Constituição objetivou conferir à satisfação dos débitos da Fazenda” (STF, Plenário, Rel. Min. Maurício Correia, j. 28.05.1997, DJ 24.10.1997). 1367 Já os elementos e informações outras para a confecção dos cálculos devem ser fornecidos pelo INSS ou acessados diretamente pelos servidores responsáveis pela conta judicial. 1368 Em caso de violação da coisa julgada, mediante manifesto desrespeito aos termos do julgado que se busca dar cumprimento, pode ser manejado o mandado de segurança, remédio em tese cabível contra ato judicial insuscetível de recurso (Lei 12.016/2009, art. 5º, II). 1369 O regime constitucional dos precatórios judiciários consubstancia tradicional prerrogativa processual do Poder Público, encontrando sua origem na Constituição Federal de 1934. 1370 O Supremo Tribunal Federal já expressou que “O sistema de precatório instituído pela CF não exclui o pagamento realizado pela Fazenda Pública decorrente de descumprimento de sentença de natureza mandamental. Incabível no caso, portanto, o bloqueio de renda pública” (AI 589.584AgRg, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.8.2010, Segunda Turma, DJE de 24.9.2010). 1371 Não é determinante para o reconhecimento dos privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública a natureza dos valores objeto de execução, mas a natureza jurídica da entidade. O STF teve oportunidade de expressar que “A questão suscitada neste recurso versa sobre a forma da execução das decisões que condenam a Paranaprevidência, pessoa jurídica de direito privado e prestadora de serviço social autônomo em cooperação governamental, a pagar quantia em dinheiro. Discute-se qual rito deve ser observado: se o rito do art. 475-J ou o rito do art. 730, ambos do CPC, à luz do art. 100 da CF. Esta Corte possui jurisprudência firmada no sentido de que as entidades paraestatais que possuem personalidade de pessoa jurídica de direito privado não fazem jus aos privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública” (AI 841.548-RG, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, j. 9.6.2011, Plenário, DJE 31.8.2011). 1372 RE 564132, Rel. p/ Acórdão: Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 30.10.2014, DJe 10.02.2015. Também o STJ dispôs no sentido de que o fracionamento vedado pela norma constitucional toma por base a titularidade do crédito, de modo que um mesmo credor não pode ter seu crédito satisfeito por RPV e precatório, simultaneamente, nada impedindo, todavia, que dois ou mais credores, incluídos no polo ativo da mesma execução, possam receber seus créditos por sistemas distintos (RPV ou precatório) (REsp 1347736/RS, Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 09.10.2013, DJe 15.04.2014). 1373 Dessa forma, a verba honorária relativa a crédito principal que não ostente natureza alimentar (crédito tributário, por exemplo), não assumirá a natureza alimentar para fins de fracionamento e pagamento prioritário devido aos débitos alimentares. 1374 No sentido da ampla compreensão da Súmula Vinculante 47 do STF: “Viola a Súmula Vinculante 47 decisão que exclui do seu âmbito de incidência os honorários advocatícios contratuais” (Rcl 26259, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.05.2017, DJe 01.06.2017). Também nesse sentido: RE 1179263, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.2018, DJe 19.12.2018. No sentido de se interpretar estritamente a Súmula Vinculante 47 do STF: “[...] não há entendimento iterativo do STF a respeito da expedição autônoma de requisitório para o pagamento de honorários contratuais, os quais consubstanciam crédito do profissional da advocacia decorrente de negócio jurídico firmado entre particulares” (Rcl 26243, Rel. Min. Edson Fachin, j. 30.03.2017, DJe 03.04.2017). Também no sentido contrário à extensão da Súmula Vinculante 47 para incluir honorários contratuais: RE 1145001, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.08.2018, DJe 04.09.2018. 1375 Resolução/CJF 458/2017, art. 18, § 1º, com a redação dada pela Resolução/CJF 670, de 10.11.2020. 1376 Resolução/CJF 458/2017, art. 18, § 2º, com a redação dada pela Resolução/CJF 670, de 10.11.2020. 1377 Nos termos do art. 18-A da Resolução/CJF 458/2017, na redação dada pela Resolução/CJF 610, de 10.11.2020: “Caso o advogado pretenda destacar do montante da condenação o que lhe couber por força de honorários contratuais, na forma disciplinada pelo art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, deverá juntar aos autos o respectivo contrato, antes da elaboração da requisição de pagamento”. Possibilita-se, assim, o pagamento da parcela do advogado diretamente a este, “por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte”, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/94. 1378 Art. 18-B da Resolução/CJF 458/2017, na redação dada pela Resolução/CJF 610, de 10.11.2020. Também se previu a possibilidade de que os valores devidos pelo exequente a título de honorários sucumbenciais ao advogado público (CPC, art. 85, § 19) sejam destacados de seu crédito. O procedimento, porém, deve ser autorizado, na requisição de pagamento, em campo que permita a correta identificação da cessão de crédito (art. 18-C). Também no sentido de que os honorários contratuais não podem ser objeto de RPV autônoma: “Não se pode admitir a inclusão de honorários contratuais na RPV, destacada da execução principal, tendo em vista que essa permissão se aplica apenas à execução da verba sucumbencial” (AgInt no AREsp 1639245/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21.09.2020, DJe 24.09.2020). 1379 Art. 18, § 3º, da Resolução CJF 458/2017, na redação dada pela Resolução/CJF 610, de 10.11.2020. 1380 Assegura-se, portanto, a plena correção monetária dos créditos inscritos em precatório, dado que a conta judicial é atualizada, uma primeira vez, quando da expedição da requisição de pagamento e, por fim, até a data do efetivo pagamento. 1381 Segundo explana o Min. Luiz Fux, “Ao assim proceder, na realidade a Emenda ora em análise atendeu a um reclamo social que já vinha encontrando eco no cenário jurídico, inclusive na jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, e que se baseava em um juízo sobre os efeitos particularmente gravosos do tempo e da constância da inadimplência sobre determinadas classes de credores, de expectativa de vida mais reduzida quando comparada com os demais” (ADI 4425, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14.03.2013, DJe 18.12.2013, excerto do voto vista, p. 17). 1382 ADI 4425, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14.03.2013, DJe 18.12.2013. 1383 A Resolução CNJ 303/2019 substituiu a Resolução CNJ 115/2010, que assim disciplinava o tema em estudo: “Art. 10. O pagamento preferencial previsto no § 2º do art. 100 da CF será efetuado por credor e não importará em ordem de pagamento imediato, mas apenas em ordem de preferência”. 1384 Art. 14, caput, e § 4º, da Resolução 458/2017, com a redação dada pela Resolução/CJF 610/2020. O prazo para pagamento se orienta pelo disposto no art. 17 da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2011, no art. 13, inciso I, da Lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009 e no art. 535, § 3º, II, do CPC. 1385 Se o credor adquirir a condição de beneficiário superpreferencial depois de expedido o ofício requisitório, ou no caso de expedição sem o prévio deferimento na origem, o benefício da superpreferência será requerido ao juízo da execução, que expedirá novo ofício requisitório contendo a parcela superpreferencial e, após, solicitará ao presidente do tribunal a retificação do valor do precatório anteriormente expedido, antes do seu depósito (art. 14, § 6º, da Resolução/CJF 458/2017, com a redação da Resolução/CJF 610/2020). 1386 Sem embargo, o art. 14, § 5º, da Resolução/CJF 458/2017 com a redação da Resolução/CJF 610/2020, expressa que “É defeso novo pagamento da parcela superpreferencial, ainda que por fundamento diverso, mesmo que surgido posteriormente”. Nesse sentido: “[...] 2. Contudo, a preferência autorizada pela Constituição não pode ser reconhecida duas vezes em um mesmo precatório, porquanto, por via oblíqua, implicaria a extrapolação do limite previsto na norma constitucional. Aliás, o próprio § 2º do art. 100 da CF/1988 revela que, após o fracionamento para fins de preferência, eventual saldo remanescente deverá ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. Portanto, as hipóteses autorizadoras da preferência (idade, doença grave ou deficiência) devem ser consideradas, isoladamente, a cada precatório, ainda que tenha como destinatário um mesmo credor” (AgInt no RMS 61.014/RO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 20.04.2020, DJe 24.04.2020). 1387 MC-ADI 6556, Rel. Min. Rosa Weber, j. 18.12.2020, DJe 08.01.2020. 1388 É de se lembrar que a prioridade de tramitação nos processos judiciais ao idoso, com 60 (sessenta) anos ou mais, é assegurada pelo art. 71 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). A pessoa com deficiência tem direito à mesma prioridade, nos termos do art. Art. 9º, VII, da Lei 13.146/20015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 1389 A disposição legislativa referida pelo CPC/2015 elenca as doenças graves que isentam de imposto de renda. 1390 Em face da dúvida então gerada quanto à exclusão dos créditos alimentares, do regime de precatórios, o que tornaria devido o imediato pagamento pela Fazenda Pública, expressou o STF que os créditos alimentares estão submetidos a uma ordem cronológica preferencial para satisfação dos respectivos precatórios, em sequenciamento paralelo à ordem cronológica dos demais credores da Fazenda Pública (ADI 47, Rel. Min. Octávio Galotti, Plenário, j. 22.10.1992, DJ 13.06.1997). Nesse sentido dispõe a Súmula 655 do STF: “A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”. Acrescente-se que o STF, a despeito de sua Súmula 621 (“A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza”, reconheceu repercussão geral na matéria relativa à possibilidade de a cessão de direito creditório alterar a natureza alimentar do precatório (RE 631537, RG, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2010, DJe 19.04.2011). 1391 No âmbito da Justiça Federal, a Resolução/CJF 458/2017, com a redação da Resolução/CJF 610/2020, estabelece, em seu art. 3º, § 3º, que “Desatendido o prazo fixado no parágrafo anterior, o juiz da execução determinará de ofício o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão, dispensada a audiência da entidade devedora”. 1392 Nesse sentido: “A interpretação literal desse dispositivo – de considerar simplesmente proibida, em qualquer circunstância, a expedição de precatório complementar ou suplementar –, levaria a uma de duas conclusões, ambas absurdas: ou a de que estariam anistiadas de pagamento todas e quaisquer parcelas ou resíduos de dívidas objeto da condenação judicial não incluídas no precatório original; ou a de que o pagamento de tais resíduos ou parcelas seria feito imediatamente, sem expedição de precatório, qualquer que fosse o seu valor. Assim, a proibição contida no citado dispositivo deve ter seus limites fixados por interpretação teleológica, de conformidade, aliás, com a expressa finalidade para que foi editado: a de evitar que, na mesma execução, haja a utilização simultânea de dois sistemas de satisfação do credor exequente: o do precatório para uma parte da dívida e o do pagamento imediato (sem expedição de precatório) para outra parte, fraudando, assim, o § 3º, do mesmo art. 100, da CF” (EREsp 551.991/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, j. 22.02.2006, DJ 20.03.2006). 1393 Sem embargo, a expedição de precatório complementar não pressupõe nova citação da Fazenda Pública (STF, AI 646081 AgRg, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 26.11.2013, DJe 06.05.2014). 1394 Posteriormente, a EC 30, de 13.09.2000, dispôs que, para fins de expedição de requisição de pequeno valor, poderia haver distinção dos valores, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. 1395 A Lei 10.099/2000 deu nova redação ao art. 128 da Lei 8.213/91, estabelecendo, para fins de dispensa de precatório, o valor máximo (R$ 5.180,25) para satisfação de créditos previdenciários (RGPS) ou relativos ao benefício assistencial. 1396 ARE 723307, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 09.08.2014. 1397 RE 592619, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 08.09.2010, DJe 16.11.2010. 1398 RE 564132, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 30.10.2014, DJe 10.02.2015. De acordo com o voto da Ministra Relatora, a finalidade da vedação de fracionamento é a de “evitar que o exequente se valha simultaneamente, mediante o fracionamento, repartição ou quebra do valor da dívida, de dois sistemas de satisfação de crédito: o do precatório para uma parte dela e o do pagamento imediato [sem expedição de precatório] para outra. Daí que a regra constitucional apenas se aplica a situações nas quais o crédito seja atribuído a um mesmo titular. E isso de sorte que, a verba honorária não se confundindo com o principal, o preceito não se aplica quando o titular do crédito decorrente de honorários pleiteie o seu recebimento. Ele não sendo titular de dois créditos não incide, no caso, o disposto no artigo 100, § 4º, da Constituição do Brasil” (p. 9). 1399 REsp 1347736/RS, Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 09.10.2013, DJe 15.04.2014. CAPÍTULO 11 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA A teor do art. 109, I, da Constituição Federal, a Justiça Federal é competente para processar e analisar as ações em que for parte, dentre outras pessoas jurídicas de direito público, as autarquias federais¹⁴⁰⁰. Na medida em que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, réu de todas as causas previdenciárias, se trata de uma autarquia federal, as competências para o processamento e julgamento das ações previdenciárias é, em regra, da Justiça Federal. 11.1 COMPETÊNCIA DELEGADA À JUSTIÇA ESTADUAL. PANORAMA POSTERIOR À EC 103/2019 Sensível à presumível dificuldade de deslocamento do segurado da Previdência Social para acesso à justiça e comparecimento a atos processuais, o constituinte originário previu a possibilidade de aquele valerse da interiorização alcançada pela Justiça Estadual. O art. 109, § 3º, da Constituição, em sua redação originária, estabelecia a chamada competência delegada da Justiça Estadual comum para julgamento de causas previdenciárias¹⁴⁰¹. Com o advento da Emenda Constitucional 103/2019 e a relativa alteração do panorama institucional, destacadamente com a interiorização da Justiça Federal, esse dispositivo foi alterado para remeter ao legislador ordinário a definição das hipóteses de delegação de competência, como se pode verificar: Art. 109, § 3º – Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal¹⁴⁰². Em sendo o caso de delegação da competência, o recurso cabível será sempre para o TRF na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (CF/88, art. 109, § 4º), cabendo notar que “A competência prevista no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, da Justiça comum, pressupõe inexistência de Vara Federal na Comarca do domicílio do segurado” (RE 860508, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 10.03.2021, Sessão Virtual de 26.2.2021 a 5.3.2021 - Tema 820). Uma nota preliminar é importante. Os processos de competência delegada que tramitam perante a Justiça Estadual estão excluídos da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, disciplinados pela Lei 12.153/2009, ainda que o valor da causa seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. É que, de um lado, de acordo com os arts. 2º e 5º da 12.153/2009, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é absoluta para processamento e análise de causas cíveis movidas contra os entes políticos que especifica (Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios) e as pessoas jurídicas de direito público a eles relacionadas. Nessa perspectiva, a simples presença da autarquia federal na lide implicaria a ausência de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. De outro lado, no caso de competência delegada, o recurso contra sentença deve ser dirigido ao tribunal regional federal (CF/88, art. 109, § 4º), enquanto o julgamento de recursos nos processos que tramitam perante os Juizados Especiais se realiza por turmas de juízes de primeiro grau (CF/88, art. 98, inciso I, parte final, c/c Lei 12.153/2009, art. 17). Nesses termos, tem-se uma impossibilidade lógica como óbice ao processamento dos feitos de competência delegada nos Juizados Especiais da Fazenda Pública¹⁴⁰³. Mesmo antes da promulgação do novo critério constitucional, a Lei 13.876, de 20.09.2019, alterou o art. 15, III, da Lei 5.010/66, para estabelecer que somente será possível o processamento e análise das causas previdenciárias na Justiça Estadual quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal¹⁴⁰⁴. A nova redação do art. 15 da Lei 13.876/2019 entrou em vigor em 1º de janeiro de 2020, quando já promulgada e em plena vigência a Emenda Constitucional 103, publicada em 13.11.2019. Se é correto afirmar que havia incompatibilidade material entre o novo critério legal e a norma contida no art. 109, § 3º, da CF/88, em sua redação original, também é certo dizer que a nova disposição legal não padece de qualquer mácula de inconstitucionalidade, pois quando do início de sua vigência, já se encontrava em pleno vigor o dispositivo constitucional que delegava ao legislador a possibilidade de autorizar e definir os termos em que pode ocorrer a competência delegada. A regulamentação da nova disposição normativa foi realizada pela Reso‐ lução 603, de 12.11.2019, do Conselho da Justiça Federal. Buscando estabelecer critérios uniformes para a apuração da competência, este ato normativo previu, em seu art. 2º, § 1º, que a distância de 70 quilômetros entre as comarcas estaduais e o Município sede da vara federal seria contada do centro urbano do Município sede da comarca estadual ao centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, em nada interferindo o efetivo domicílio do autor¹⁴⁰⁵. A mesma Resolução CJF 603/2019, em seu art. 3º, estabeleceu prazo para que os Tribunais Regionais Federais publicassem lista das comarcas com competência federal delegada¹⁴⁰⁶. Por fim, referido ato normativo vedou a redistribuição à justiça federal dos feitos já em trâmite, nos termos seguintes: Art. 4º As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original, e pelo art. 43 do Código de Processo Civil. Na medida em que, a despeito da regulamentação do Conselho da Justiça Federal, não cessaram encaminhamentos da Justiça Estadual para redistribuição dos processos previdenciários à Justiça Federal, em sede de Conflito de Competência o Superior Tribunal de Justiça deferiu liminar para determinar a imediata suspensão, em todo o território nacional, de qualquer ato destinado a redistribuição de processos pela Justiça Estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal, até o julgamento definitivo do presente Incidente de Assunção de Competência no Conflito de Competência¹⁴⁰⁷. Posteriormente, foi submetida questão de ordem no Conflito de Competência 170051 ao referendo da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, para instauração de incidente de assunção de competência, havendo a Seção acolhido a proposta de admissão do incidente e de manutenção da suspensão de redistribuição, com a seguinte delimitação da tese controvertida: Efeitos da Lei n. 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada¹⁴⁰⁸. Dessa forma, a construção doutrinária e a orientação jurisprudencial relativa às opções do segurado para propositura de ação perante a Previdência Social devem ser compreendidas no contexto desse novo cenário normativo. Na observação de Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, “A competência do órgão estadual investido da delegação federal é ditada pelo critério territorial, sendo, por conseguinte, relativa”¹⁴⁰⁹. Por essa razão e bem assim porque estaríamos diante de foros concorrentes, assiste ao segurado o direito de optar pelo ajuizamento da ação previdenciária no foro estadual de seu domicílio ou no do juízo federal¹⁴¹⁰. Este é o entendimento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como se observa da edição da Súmula 689: “O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-membro”¹⁴¹¹. A partir da mesma diretriz, a Súmula 24 do TRF da 3ª Região dispõe: “É facultado aos segurados ou beneficiário da Previdência Social ajuizar ação na Justiça Estadual de seu domicílio, sempre que esse não for sede de Vara da Justiça Federal”. De outra parte, a Súmula 20 do TRF da 3ª Região reafirma o princípio: “A regra do § 3º do art. 109 da Constituição Federal abrange não só os segurados e beneficiários da Previdência Social, como também aqueles que pretendem ver declarada tal condição”. Também o TRF da 4ª Região consagrou este entendimento por intermédio da Súmula 8: “Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal”¹⁴¹². Com o advento dos Juizados Especiais Federais – e uma vez mais advertindo-se que a construção jurisprudencial se refere a período anterior à vigência da EC 103/2019 –, tem-se que Nos termos do art. 109, § 3º, da Constituição Federal c.c. o art. 20 da Lei 10.259/01, quando não houver Vara Federal na comarca da parte autora, é faculdade do segurado o ajuizamento da ação no Juizado Especial Federal mais próximo de sua comarca, ou na própria comarca quando competirá à Justiça Estadual seu julgamento, mormente por se tratar de causa de natureza previdenciária¹⁴¹³. Sem embargo, é de se observar que: O ajuizamento de ação previdenciária na Justiça Estadual, por configurar exceção à regra prevista no art. 109, inc. I, da CF, somente pode ocorrer dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos pelo § 3º da norma em referência, estando autorizada a propositura da demanda apenas no foro de domicílio do segurado e não em qualquer outro de sua eleição¹⁴¹⁴. Em análise da hipótese de instalação posterior de vara federal, Aluísio Mendes expressa: A ulterior instalação de vara federal na comarca faz cessar, de imediato, a delegação da competência federal à Justiça Estadual, segundo tem entendido o Superior Tribunal de Justiça. O raciocínio de fundo é idêntico ao que motivou a inclusão do Enunciado 10 na Súmula de Uniformização de Jurisprudência do STJ: “Instalada a Junta de Conciliação e Julgamento, cessa a competência do Juiz de Direito em matéria trabalhista, inclusive para execução das sentenças por ele proferidas”¹⁴¹⁵. Por outro lado, é de se concordar com o entendimento do STJ, segundo o qual afigura-se legítimo o exercício da competência delegada para o julgamento de pedido de indenização por danos morais quando manejado de modo cumulativo com pedido de natureza previdenciária, pois o pleito indenizatório seria decorrente do pedido principal e a ele estaria diretamente relacionado¹⁴¹⁶. De qualquer sorte, [...] a criação de um Juizado Especial Federal Avançado no Juízo de Direito da Comarca em que instalado faz com que remanesça a competência delegada apenas no que se refere às causas de valor superior à alçada dos Juizados Especiais Federais (TRF4, Ag. 0033872-08.2010.404.0000, Rel. João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, DE 22.03.2011)¹⁴¹⁷. Ainda quanto à matéria objeto de estudo, é importante anotar que “Não é possível a aplicação do rito estabelecido na Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais) aos processos que tramitam na Justiça Estadual em razão da delegação de competência”¹⁴¹⁸. Outro ponto de interesse relativo à competência delegada surge com a criação das Unidades Avançadas de Atendimento da Justiça Federal em diversas cidades do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. As Unidades Avançadas constituem modalidade de justiça itinerante em que são processadas e julgadas as causas previdenciárias de qualquer valor, ajuizadas por segurados residentes e domiciliados nos municípios abrangidos pela respectiva competência territorial¹⁴¹⁹. É importante destacar que a Unidade Avançada não se confunde com Vara Federal, que apenas pode ser criada por lei. Como consequência dessa sua natureza jurídica, permanece a faculdade de os segurados ajuizarem ações na Justiça Estadual nos municípios abrangidos pela Unidade Avançada que não a sediem, com fundamento no art. 109, § 3º, da Constituição Federal (competência delegada)¹⁴²⁰. Outrossim, em face do caráter itinerante, logo precário, das Unidades Avançadas, as ações ajuizadas até o dia anterior à sua instalação devem permanecer tramitando na Justiça Estadual, não sendo caso de redistribuição. Por outro lado, na Comarca em que sediada a Unidade Avançada – não para os demais municípios por ela abrangidos –, cessa “a delegação para as ações previdenciárias de qualquer valor, e bem assim para as demais ações que forem discriminadas no ato normativo que dispuser especificamente sobre a nova UAA”¹⁴²¹. Pela didática com que expõe o tema, transcreve-se a seguinte ementa: Agravo de Instrumento. Previdenciário. Competência Delegada. Unidade Avançada de Atendimento da Justiça Federal. 1. Quando o segurado reside em um dos municípios abrangidos pela jurisdição da unidade Avançada de Atendimento da Justiça Federal, não vinculados à Comarca onde instalada a unidade federal, não se pode falar em cessação da competência delegada, nem mesmo para os processos novos, já que, nos termos previstos na Constituição, deve ser assegurado ao beneficiário da Previdência Social o direito de ajuizar a ação previdenciária onde mantém domicílio. 2. Quando se trata, porém, de segurado que reside na própria Comarca em que instalada a UAA, não se cogita de competência delegada do juízo estadual para os processos novos. Apenas os antigos é que permanecem em tramitação nas varas estaduais de origem. 3. Não há escolha entre ajuizar na Justiça Federal ou na Justiça Estadual quando o município mantém atendimento da Justiça Federal. 4. Tendo sido a ação ajuizada quando já instalada unidade Avançada de Atendimento da Justiça Federal no município de domicílio do autor, não se pode falar em competência delegada da Justiça Estadual¹⁴²². 11.1.1 Competência delegada e mandado de segurança A competência para o processamento e julgamento das ações de mandado de segurança, segundo anterior orientação jurisprudencial, seguia uma lógica distinta, a saber: a sede funcional da autoridade impetrada¹⁴²³. Isso significava a não aceitação da competência delegada no caso desse remédio constitucional. O entendimento era o de que, por se tratar de competência constitucionalmente definida em razão da pessoa e da hierarquia funcional da autoridade coatora (CF/88, art. 109, VIII), não haveria espaço à competência delegada na hipótese de mandado de segurança, mesmo em matéria previdenciária. Todavia, houve alteração jurisprudencial sobre o tema. De um lado, o Supremo Tribunal Federal passou a entender que a previsão que permite o ajuizamento de ações contra a União no foro federal de domicílio do autor é aplicável também ao rito especial do mandado de segurança¹⁴²⁴. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça realinhou sua jurisprudência com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, firmando entendimento no sentido de que deve prevalecer a autorização para impetração no domicílio da parte autora do mandado de segurança¹⁴²⁵. Dessa forma, é possível o ajuizamento da ação mandamental no domicílio do impetrante, em face de não haver restrição na regra inserta do § 2º do art. 109 da CF/88. De outra parte, é do Tribunal de Justiça estadual a competência para análise de recurso interposto contra decisão de Juiz de Direito proferida em sede de mandado de segurança contra autoridade pública federal. Esse entendimento é aplicável mesmo no caso de mandado de segurança previdenciário, pois o Juiz de Direito, em casos tais, não atua investido na jurisdição federal delegada, hipótese em que os recursos deveriam dirigir-se ao Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (CF/88, art. 109, § 4º). Com efeito, “Se o juiz estadual, mesmo não estando no exercício de competência federal delegada, sentencia em mandado de segurança, onde se discute matéria previdenciária, o recurso deve ser apreciado pelo Tribunal de Justiça, pois só a este cabe reformar o decisum, de sorte a ensejar o julgamento do writ pela Justiça Competente, no caso a Federal” (CC 5.875/SP, Terceira Seção, Rel. Min. William Patterson, DJ 24.03.1997)¹⁴²⁶. 11.2 COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO DE AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO – NOSSAS CRÍTICAS À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Como visto anteriormente, a Constituição expressamente exclui da competência da Justiça Federal as causas relativas a acidente de trabalho (CF/88, art. 109, I). A Súmula 501 do Supremo Tribunal Federal retrata perfeitamente a norma jurídica ora referida: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista” (Súmula 501). Em igual sentido é a Súmula 15 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho”. Interessa observar como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em sua evolução, passa a orientar que são consideradas causas de acidente de trabalho aquelas em que se busca a concessão ou mesmo a revisão de uma prestação previdenciária decorrente de acidente de trabalho. Dessa forma, se o benefício previdenciário que se pretende obter ou ter revisado é decorrente de um acidente do trabalho, a competência para o processamento e análise da causa é da Justiça Estadual: As ações acidentárias têm como foro competente a Justiça comum, a teor do disposto no art. 109, I da Constituição Federal, que as excluiu da competência da Justiça Federal, razão pela qual ação que versa sobre reajuste de benefício acidentário é da competência da Justiça estadual¹⁴²⁷. Procura-se encontrar na aproximação do julgador aos fatos a razão para a exclusão da competência da Justiça Federal, na forma do precedente cuja ementa é transcrita abaixo: Previdenciário. Competência. Conflito negativo. Revisão de benefício de índole acidentária. Art. 109, I, e § 3º, da Constituição. Verbetes Sumulares 501/STF e 15/STJ. 1. O objetivo da regra do art. 109, I, da Constituição é aproximar o julgador dos fatos inerentes à matéria que lhe está sendo submetida a julgamento. 2. As ações propostas contra a autarquia previdenciária objetivando a concessão e revisão de benefícios de índole acidentária são de competência da Justiça Estadual. Precedentes. Verbetes sumulares 501/STF e 15/STJ. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Acidentes do Trabalho de Porto Alegre/RS, o suscitante¹⁴²⁸. É muito comum confundir-se a competência para julgamento de ação previdenciária ajuizada contra o INSS em que se pretende prestação (previdenciária) decorrente de acidente do trabalho – ou, como se refere mais comumente, ação acidentária que visa benefício previdenciário – com a ação ajuizada pelo trabalhador contra o tomador do serviço em que aquele pretende a indenização por danos morais e patrimoniais, decorrentes de acidente de trabalho. Segundo firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na primeira hipótese (ação previdenciária decorrente de acidente de trabalho) a competência é da Justiça Estadual Comum (v.g., Primeira Turma, ARRE 478.472/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 26.04.2007, DJ 01.06.2007). Quanto à última hipótese (ação indenizatória contra empregador), o Supremo Tribunal Federal definiu que, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, a competência para seu julgamento é da Justiça Trabalhista, com fundamento no art. 114 e inc. VI, da Constituição da República, na redação emprestada pela EC 45/2004¹⁴²⁹. Não obstante, a leitura da competência da Justiça Federal deve levar em conta dois dados fundamentais. Inicialmente, se não está em causa a caracterização da ocorrência de acidente de trabalho ou a responsabilização pela ocorrência deste, não se está diante de ação acidentária, não se está em face de uma causa de acidente de trabalho. Tal pensamento parece encontrar guarida em precedente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que disparou orientação de que compete à Justiça Federal processar e julgar ações em que se discute a acumulação de benefícios de natureza previdenciária e acidentária: Acumulação de proventos de aposentadoria com auxílio suplementar. Recurso julgado por turma recursal do Juizado Especial Federal previdenciário. Matéria que não se insere na ressalva contemplada pelo art. 109, I, da CF. Questão que envolve apenas acidente de trabalho. Competência da Justiça Federal. RE improvido. I – Tratando-se de matéria de interesse do INSS, qual seja, a possibilidade ou não de acumulação de proventos da aposentadoria com o auxílio suplementar, a matéria refoge à competência da Justiça comum. II – Questão que não se enquadra na ressalva do art. 109, I, da CF, visto que não cuida exclusivamente de acidente do trabalho. III – Reconhecida a competência da Justiça Federal para julgar o feito. IV – Recurso extraordinário improvido (RE 461.005/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08.04.2008, DJ 09.05.2008)¹⁴³⁰. A fundamentação expendida pelo eminente Ministro Relator assimila que a ação em discussão não tinha como causa “acidente ocorrido no exercício de atividade laboral, para cujo exame seria competente a Justiça comum”, mas “os pedidos formulados pelo segurado de restabelecimento de benefício suspenso, bem como a acumulação desse benefício com a aposentadoria, ambos pagos pela autarquia federal recorrente”, não se tratando, portanto, “de questão que decorre exclusivamente de acidente do trabalho”¹⁴³¹. Nada obstante, é preciso reconhecer a jurisprudência do STF foi reafirmada, de acordo com a sistemática de repercussão geral, no sentido de que “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas relativas ao restabelecimento de benefícios previdenciários decorrentes de acidentes de trabalho” (STF, RE 638483 RG, Rel. Min. Presidente, j. 09.06.2011, DJe 31.08.2011). Ocorre que, se o magistrado, no que se refere ao direito discutido, soluciona a lide sem adentrar no mérito da existência ou dos corolários da caracterização do acidente de trabalho, estará ele diante de outra causa, mas não acidentária. Nesta linha de pensamento, a concessão de benefício de auxílio por incapacidade temporária atrelada aos pressupostos legais, passa de largo da questão atinente ao acidente de trabalho: perquire-se sobre a qualidade de segurado do falecido e os demais requisitos estabelecidos pela legislação previdenciária. Em relação ao pedido inicial, o acidente de trabalho é, em casos tais, apenas uma causa remota da incapacidade laboral, não interferindo na natureza exclusivamente previdenciária da ação em que se pretende a proteção social correspondente. Se esse argumento já bastaria para a releitura da norma inscrita no art. 109, I, da Constituição Federal, apresenta-se agora uma razão de ordem pragmática. A criação dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001), manifestação de certo zelo estatal com a tarefa de prestação de tutela jurisdicional efetiva, sinaliza a tendência moderna do direito processual: desprendimento da forma e do apego à letra das condicionantes processuais, rumando à efetividade do processo, com nítido realce para os processos que versam sobre direitos intimamente ligados com a sobrevivência do homem, verdadeiros direitos sine qua non para a dignidade da pessoa humana. Esse aspecto conduz a uma interpretação da competência jurisdicional que melhor se compagine com a efetividade do processo e com a distribuição do bem previdenciário em jogo. Não que não se deva homenagem à estrutura de competência ou que estejamos diante de mais uma nova verdade. Apenas que, no atual momento que vivenciamos, a interpretação que afasta a possibilidade de célere solução da causa pelo JEF especializado e lança a causa à espera indefinida do rito ordinário da Justiça Estadual deve ser empregada com redobrado cuidado, de modo que, na existência de dúvida sobre a competência, não pode deixar de se levar em conta a atual estrutura do Poder Judiciário, a forma como disposta e o modo como, de maneira mais adequada, será tratada a causa que versa sobre direito alimentar. Afinal, em matéria previdenciária, o essencial é cobrir riscos de subsistência. Tal motivação, porque pragmática, pode ser percebida como uma distorção no – supostamente ideal – sistema constitucional de repartição de competência jurisdicional. Para superar tal ideia, recorremos à história. De acordo com a Lei 5.316, de 14.09.1967, que regulou o monopólio do seguro de acidentes do trabalho pela Previdência Social, os juízes federais teriam competência para julgar os dissídios decorrentes da aplicação das normas por ela introduzidas (art. 16, caput). Antes disso, o Ato Institucional 2, de 27.10.1965 – que após a Revolução de 1964 alterou a Constituição de 1946 e restaurou os Juízes Federais –, bem como o art. 10 da Lei 5.010, de 30.05.1966 – que organizou a Justiça Federal de primeira instância –, ao disporem sobre a competência dos Juízes Federais, haviam dela expressamente excluído o conhecimento das causas de falência e de acidente de trabalho. A Constituição de 1967, em vigor desde o dia 15.03.1967, ao mesmo tempo em que suprimiu a ressalva de competência para julgamento das causas acidentárias pela Justiça Federal¹⁴³², expressou que “os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça Ordinária” (CF/67, art. 134, § 2º). Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Conflito de Jurisdição 3.893-Guanabara (DJ 13.03.1968), decidiu pela inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 5.316/67, embora fosse exegeticamente viável, tal como referiu o eminente Ministro Relator Aliomar Baleeiro, o reconhecimento da constitucionalidade da referida regra de competência, se fosse considerado apenas o conteúdo do texto constitucional¹⁴³³. Em que pese fosse possível reconhecer a constitucionalidade do referido dispositivo legal e ainda que expressamente referida na decisão a presunção de sua legitimidade, o STF manifestou entendimento de que o art. 16 da Lei 5.316/67 era inconstitucional, por meio de considerações de natureza eminentemente pragmática. Nesta linha de argumentação, o Ministro Relator Aliomar Baleeiro expressou que a finalidade da norma contida no art. 134, § 2º, da Constituição de 1967, não poderia ser a de “congestionar imediatamente” os juízes federais com o excessivo volume de causas relativas a acidentes de trabalho na Guanabara, São Paulo e outros Estados industrializados. Após incorporar a clássica proposição do realista norte-americano Oliver Wendell Holmes “The life of the Law has not been logic; it has been experience”, Aliomar Baleeiro deixou expresso em seu voto: O amor à simetria constitucional levaria à conclusão de que a “Justiça Ordinária”, no caso, deveria ser a dos juízes federais. A ratio juris, gritante na emenda do Senador G. Marinho, o fundo pragmático que ela trouxe da experiência, e a própria ambiguidade do texto conduzem-me à convicção de que melhor é a construção que cabe à Justiça Estadual o processo e o julgamento das causas de acidentes do trabalho intentadas contra autarquias e empresas federais. Com essa fundamentação, o Supremo Tribunal Federal reafirmava a orientação contida na Súmula 235 (“É competente para a ação de acidente do trabalho a justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora”), a qual, segundo o Ministro Prado Kelly, “consulta aos interesses dos acidentados e aos do serviço judiciário”. Diante da realidade social brasileira da década de 60, é de se concordar com o Ministro Eloy da Rocha, quanto ao que fez constar em seu voto: [...] a centralização das ações nas Capitais dos Estados e na Capital Federal, quando se generaliza o seguro obrigatório nas instituições de previdência social, que abrangem considerável parte dos trabalhadores brasileiros, e quando crescem os riscos de acidente com a industrialização das atividades nacionais, conduzirá a uma situação calamitosa, quer para as vítimas de acidente, quer para os serviços judiciários. O eg. Tribunal Federal de Recursos, que julga questões administrativas, cada vez mais numerosas e complexas, deverá apreciar, ainda, os recursos oriundos de todo o país, nas ações de acidentes do trabalho. Este precedente de rico conteúdo – que somente pode ser compreendido em sua historicidade – foi seguido dos Conflitos de Jurisdição CJ 4760, CJ 4925 e CJ 4882, desaguando na edição da ainda prestigiada Súmula 501 do STF, antes referida¹⁴³⁴. A mesma disposição de abertura ao mundo real na solução de problemas jurídicos nos conduziria, atualmente, à alteração de um entendimento jurisprudencial que apenas guardava sentido em face da realidade social de seu tempo. A sensibilidade à urgência necessária ao processo que envolve uma pessoa hipossuficiente na busca de benefício para subsistência (independentemente de a circunstância da contingência social resultar ou não de um acidente de trabalho) e o novo elemento constitucional na estrutura do Poder Judiciário (Juizados Especiais Federais) constituem razões jurídicas suficientes para se colocar termo a uma irracional repartição de competência jurisdicional. Ou não é sabido por muitos o estrondoso processo de interiorização da Justiça Federal, a facilitação de acesso à Justiça, a especialização e o invejável aparelhamento manifestados pelos Juizados Especiais Federais? Por que justamente as vítimas do infortúnio do trabalho apresentariam demandas impróprias aos Juizados Especiais Federais, quando o bem jurídico perseguido é exatamente o mesmo, a natureza da causa é uma só (previdenciária) e a rotina processual é simplesmente idêntica? Reconhecer tudo isso em uma decisão processual previdenciária não significa afinal grande avanço, quando se percebe que há mais de cinquenta anos o Supremo Tribunal Federal demonstrava preocupação com a situação calamitosa das vítimas de acidente de trabalho e interpretava as normas constitucionais a partir de lentes que desnudavam a realidade – e o valor – da existência humana e o caráter instrumental das normas de competência. Malgrado o que foi acima articulado, quando se cuidava estar pacificada a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, este último Tribunal, a partir de alguns precedentes ainda do ano de 2004, passou a encontrar na pensão por morte decorrente de acidente de trabalho uma nota distintiva a lhe fazer atrair a competência da Justiça Federal: Conflito negativo de competência entre juízo estadual e juízo federal. Revisão de pensão por morte decorrente de acidente do trabalho. Natureza previdenciária do benefício. Não incidência das Súmulas 15/STJ e 501/STF. Competência do Juízo Federal. I. Na esteira dos precedentes desta Corte, a pensão por morte é benefício eminentemente previdenciário, independentemente das circunstâncias que cercaram o falecimento do segurado. II. Portanto, ainda que a morte decorra de acidente do trabalho, a pensão possui origem unicamente na condição que o cônjuge tinha de dependente do de cujus, mas não no motivo do falecimento, constituindo-se, portanto, em benefício previdenciário, e não acidentário. Precedentes. III. Competência da Justiça Federal¹⁴³⁵. É importante observar que esta linha jurisprudencial não distingue a circunstância do benefício de pensão por morte ter sido precedido ou não de um benefício previdenciário (de aposentadoria por invalidez ou auxíliodoença acidentário), abrindo espaço para compreensão de que o direito à pensão por morte que decorre do óbito do trabalhador em serviço será julgado pela Justiça Federal¹⁴³⁶. Em sentido contrário, o STF expressou que a competência para processamento e análise de direito ao benefício previdenciário de pensão por morte decorrente de acidente de trabalho é da Justiça Comum Estadual (AgRg. AI 722.821, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 20.10.2009, DJ 27.11.2009)¹⁴³⁷, no que foi seguido pelo STJ¹⁴³⁸. É até possível reconhecer-se na pensão por morte uma nota distintiva hábil a lhe caracterizar como um benefício essencialmente previdenciário, na forma sustentada pela anterior linha jurisprudencial do STJ. Nosso pensamento, porém, é de que os demais benefícios previdenciários devidos por incapacidade decorrente de acidente do trabalho são, em última análise, igualmente bens jurídicos de natureza previdenciária¹⁴³⁹. É perfeitamente possível, portanto, que o juiz federal analise essa causa previdenciária sem que necessite adentrar no mérito da questão “existência ou não de acidente de trabalho” e quanto menos impondo ônus de qualquer tipo ao empregador. É justamente isso que se tem quando o juiz federal reconhece tempo de contribuição exercido na condição de segurado empregado para fins previdenciários, sem que isso implique invasão da competência da Justiça do Trabalho. Da mesma forma isso ocorre quando o juiz federal é chamado a reconhecer a união estável (para fins previdenciários)¹⁴⁴⁰ ou a morte presumida do segurado para fins previdenciários. A este último tema passamos a nos dedicar, não sem antes sublinhar que, “em se tratando de ação previdenciária, em que se busca resguardar direito alimentar, deve-se facilitar o acesso dos hipossuficientes à Justiça, objetivo que ressai claro da regra inscrita nos parágrafos do art. 109 da Constituição”¹⁴⁴¹. Nada obstante, deve-se reconhecer que a jurisprudência do STF e do STJ cristalizou-se no sentido de que é da Justiça Estadual Comum a competência para o processamento e análise das causas relativas a acidente do trabalho, quer se trate de concessão de benefício previdenciário, quer se refira à sua revisão ou restabelecimento. Mais recentemente, a PEC 6/2019, que consubstanciou a Reforma da Previdência que culminou com a promulgação da EC 103/2019, veiculava dispositivo que suprimia a exclusão, da competência da Justiça Federal, das causas acidentárias contra entes federais¹⁴⁴². No entanto, aludido dispositivo não foi aprovado. Por fim, cabe notar a discussão relativa à competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para processar e julgar as causas previdenciárias decorrentes de acidente do trabalho movidas contra o INSS, desde que o valor da causa se encontre limitado a 60 (sessenta) salários mínimos. Esse tema consiste em questão afetada para julgamento pelo STJ de acordo com o rito dos recursos repetitivos: “PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE AFETAÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. RITO DO ART. 1.036, § 5º, DO CPC/2015. AÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. ATUAÇÃO DO INSS COMO PARTE. JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. COMPETÊNCIA. 1. Delimitação da controvérsia, para fins de afetação da matéria ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do CPC/2015: ‘Saber se os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para o julgamento de ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte’. 2. Recurso Especial afetado ao rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (ProAfR no REsp 1859931/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 12.05.2020, DJe 01.06.2020). De acordo com o que pensamos, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é absoluta e definida nos termos da Lei 12.153/2009, não podendo neles figurar, como parte, pessoas jurídicas de direito público que não foram expressamente incluídas por lei, como se verifica dos arts. 2º e 5º desse diploma legal: Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. [...] Art. 5º Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública: I – [...]; II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas. 11.2.1 A importância capital do pedido inicial para a definição da competência Sem embargo do que acima foi articulado, especialmente quanto à forma pacífica em que se expressa a jurisprudência sobre o tema em comento, é primordial a observação de que a competência é definida pelo pedido inicial, de modo que, se ele não veicula pretensão de natureza acidentária, a competência será da Justiça Federal. Para melhor expressar esse pensamento, pedimos vênia para transcrever parte da ementa de importante precedente da Primeira Seção do STJ: 1. A definição da competência para a causa se estabelece levando em consideração os termos da demanda (e não a sua procedência ou improcedência, ou a legitimidade ou não das partes, ou qualquer outro juízo a respeito da própria demanda). O juízo sobre competência é, portanto, lógica e necessariamente, anterior a qualquer outro juízo sobre a causa. Sobre ela quem vai decidir é o juiz considerado competente (e não o Tribunal que aprecia o conflito). Não fosse assim, haveria uma indevida inversão na ordem natural das coisas: primeiro se julgaria (ou pré-julgaria) a causa e depois, dependendo desse julgamento, definir-se-ia o juiz competente (que, portanto, receberia uma causa já julgada, ou, pelo menos, pré-julgada). Precedentes: [...] 2. No caso, a autora ajuizou, em face do INSS, pedidos para concessão de benefícios previdenciários (e não de natureza acidentária). Nos termos como proposta, a causa é da competência da Justiça Federal. 3. Conflito conhecido e declarada a competência da Justiça Federal, a suscitada¹⁴⁴³. Cabe a referência de que foi identificado, pelo aresto cuja ementa acima se transcreveu, que a autora havia requerido benefício espécie “31”, que corresponde ao “Auxílio-doença previdenciário (LOPS)”, que era diverso do benefício correspondente ao “Auxílio-doença por acidente do trabalho”, cujo código é “91”. Consignou-se, ainda, que “a demanda, tal como posta na petição inicial, não tem causa de pedir fundada na ocorrência de acidente de trabalho. Assim, incide, na hipótese, a regra geral de competência da Justiça Federal constante da primeira parte do art. 109, I, da CF/88” (excerto do voto do relator). A partir dessa linha de argumentação, pode-se concluir que toda vez que o pedido inicial – de concessão, revisão ou restabelecimento – se relacionar à prestação classificada como de natureza previdenciária – não acidentária, isto é, não decorrente de acidente do trabalho –, a competência será da Justiça Federal. 11.3 COMPETÊNCIA PARA DECLARAÇÃO DE MORTE PRESUMIDA O instituto da morte presumida encontra previsão no art. 78 da Lei 8.213/91, possibilitando que o dependente requeira o benefício de pensão por morte, no caso de morte presumida do segurado, a qual deverá ser declarada judicialmente: Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória, na forma desta Subseção. § 1º Mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo. § 2º Verificado o reaparecimento do segurado, o pagamento da pensão cessará imediatamente, desobrigados os dependentes da reposição dos valores recebidos, salvo má-fé. Quando requerida com objetivo único e exclusivo de obtenção de benefício previdenciário junto ao INSS, a declaração de morte presumida constitui matéria de competência da Justiça Federal, não se confundindo com a declaração de ausência, prevista nos arts. 22 a 39 do Código Civil e 1.159 a 1.169 do Código de Processo Civil. A jurisprudência do STJ tem apontado justamente nesta direção: Tendo o pedido de reconhecimento de morte presumida o único propósito de percepção de pensão por morte (ex vi do art. 78 da Lei 8.213/91), cabe à Justiça Federal o processamento e julgamento da lide. Precedentes: CC 121.033/MG, Rel. Min. Raul Araújo, Data da Publicação 03.08.2012; CC 112.937/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, Data da Publicação 03.12.2010 (STJ, CC 130.296/PI, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 23.10.2013, DJe 29.10.2013)¹⁴⁴⁴. É importante perceber que o juiz federal, nestes casos, analisa o direito do dependente à prestação previdenciária, não invadindo competência da Justiça Estadual¹⁴⁴⁵. É ainda relevante anotar, quanto à matéria, precedente do STJ no sentido de que a ação de declaração de morte presumida foge à competência dos Juizados Especiais Federais: Declaração de ausência. Objetivo. Benefício previdenciário. Procedimento. Citação editalícia. Competência. Vara Federal. Compete à Justiça Federal, e não a Juizado Especial Federal, processar e julgar a ação de declaração de ausência com a finalidade de percepção de benefício previdenciário, uma vez que é necessária a citação editalícia, imprescindível no caso concreto. O rito estabelecido no art. 18, § 2º, da Lei 9.099/95, aplicável ao Juizado Especial, conforme o art. 1º da Lei 10.259/01, não admite a citação editalícia¹⁴⁴⁶. Em que pese o entendimento alcançado pelo STJ, parece-nos que o procedimento para a declaração de ausência para fins previdenciários não necessita seguir aquele, previsto para a declaração de ausência para todos os efeitos da lei civil. O segurado ausente não necessita sequer constar no polo passivo da demanda, de modo que, em última análise, mesmo a realização da citação editalícia (para convocação pública) ficaria a cargo da discricionariedade do juiz previdenciário, como elemento de prova. E, ainda que se considerasse a citação por edital como procedimento essencial (o que se dá na declaração de ausência para todos os efeitos da lei civil), nada obsta que ela se realize nos Juizados Especiais Federais, para atendimento de diligência reputada necessária pelo juiz competente. Justamente a partir dessa discussão avançamos ao tema da competência dos Juizados Especiais Federais. 11.4 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS CÍVEIS A Constituição da República autorizou a União a criar Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal com competência “para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”¹⁴⁴⁷. Com o advento da Lei 10.259/2001, as ações previdenciárias podem ser processadas perante a justiça estadual por competência delegada, a vara federal comum, ou perante os Juizados Especiais Federais. No que diz respeito às ações previdenciárias, cabe destacar que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta e em razão do valor da causa: Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. (omissis) § 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput. § 3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta. As causas previdenciárias de valor até sessenta salários mínimos serão de competência dos Juizados Especiais Federais, portanto¹⁴⁴⁸. Nos termos em que dispostas as regras de competência, o ajuizamento de demanda perante o Juizado Especial Federal não é uma faculdade do jurisdicionado, mas uma imposição legal. Sua competência é absoluta¹⁴⁴⁹. Sem embargo, se a comarca em que reside o segurado não for sede de vara do juízo federal, o segurado poderá optar por ajuizar a ação previdenciária perante o juízo estadual, no exercício da competência delegada, no juízo federal com jurisdição sobre o seu domicílio ou, ainda, perante vara federal da capital do Estado-Membro¹⁴⁵⁰. Por isso, ainda que se trate de competência concorrente, não cabe ao juízo estadual, no qual foi aforada a ação previdenciária pelo segurado, declinar para a Vara do Juizado Especial Federal mais próximo onde este reside, porquanto o indivíduo já exerceu o seu direito de opção, contido na norma do § 3º do art. 109 da CF/88¹⁴⁵¹. As causas previdenciárias geralmente se destinam à satisfação de benefícios previdenciários de prestação continuada, correspondendo, portanto, a prestações de trato sucessivo. Para fins de definição de competência, a determinação do valor da causa nas demandas que veiculam prestação de trato sucessivo deve levar em consideração não apenas as prestações vencidas, mas igualmente 12 prestações vincendas (Lei 10.259/2001, art. 3º, § 2º)¹⁴⁵². Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que devem ser consideradas as prestações vencidas e vincendas: “Do exame conjugado da Lei 10.259/2001 com o art. 260 do CPC, havendo parcelas vincendas, tal valor deve ser somado às vencidas para os fins da respectiva alçada. Conflito conhecido, declarando-se a competência da Justiça Federal” (STJ, CC 46.732/MS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 14.03.2005, p. 191)¹⁴⁵³. Embora a competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis seja absoluta e orientada pelo valor da causa, é preciso recordar que o autor pode renunciar os valores excedentes ao limite de competência (parcela do direito perseguido em juízo), quando optar pelo trâmite de sua causa perante os Juizados Especiais Federais. A renúncia deverá ser expressa, não sendo legítima a presunção de que o autor, sem fazer menção expressa, tenha renunciado o quanto necessário para fazer incidir a competência dos Juizados Especiais Federais¹⁴⁵⁴. Em alguns casos, o argumento da renúncia tácita pode revelar-se extremamente gravoso ao autor¹⁴⁵⁵. Em importante precedente firmado em IRDF, o TRF4 estabeleceu os contextos de renúncia para que fins de definição de competência dos Juizados Especiais Federais¹⁴⁵⁶. Nesse precedente, inicialmente se dispôs que, quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á, para a determinação do valor da causa, o valor de umas e outras, sendo que o valor das prestações vincendas igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, igual à soma das prestações¹⁴⁵⁷. Na sequência, assentou-se a possibilidade de renúncia, desde que expressa, ao valor que exceder o limite de competência estabelecido no artigo 3º da Lei 10.259/2001, para optar pelo rito dos Juizados Especiais Federais. Três foram as teses jurídicas firmadas: a) No âmbito dos Juizados Especiais Federais há duas possibilidades de renúncia: (i) uma inicial, considerando a repercussão econômica da demanda que se inaugura, para efeito de definição da competência; (ii) outra, na fase de cumprimento da decisão condenatória, para que o credor, se assim desejar, receba seu crédito mediante requisição de pequeno valor. b) Havendo discussão sobre relação de trato sucessivo no âmbito dos Juizados Especiais Federais, devem ser observadas as seguintes diretrizes para a apuração de valor da causa, e, logo, para a definição da competência, inclusive mediante renúncia: (i) quando a causa versar apenas sobre prestações vincendas e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, considera-se para a apuração de seu valor o montante representado por uma anuidade; (ii) quando a causa versar sobre prestações vencidas e vincendas, e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, considera-se para a apuração do seu valor o montante representado pela soma das parcelas vencidas com uma anuidade das parcelas vincendas; (iii) obtido o valor da causa nos termos antes especificados, a renúncia para efeito de opção pelo rito previsto na Lei 10.259/2001 incide sobre o montante total apurado, consideradas, assim, parcelas vencidas e vincendas. c) Quando da liquidação da condenação, havendo prestações vencidas e vincendas, e tendo o autor renunciado ao excedente a sessenta salários mínimos para litigar nos Juizados Especiais Federais, o montante representado pelo que foi objeto do ato inicial de renúncia (desde o termo inicial das parcelas vencidas até o termo final da anuidade então vincenda) deverá ser apurado considerando-se sessenta salários mínimos vigentes à data do ajuizamento, admitida a partir deste marco, no que toca a este montante, apenas a incidência de juros e atualização monetária. A acumulação de novas parcelas a este montante inicialmente definido somente se dará em relação às prestações que se vencerem a partir de um ano a contar da data do ajuizamento, incidindo juros e atualização monetária a partir dos respectivos vencimentos. A sistemática a ser observada para o pagamento (§ 3º do artigo 17 da Lei 10.259), de todo modo, considerará o valor total do crédito (soma do montante apurado com base na renúncia inicial com o montante apurado com base nas parcelas acumuladas a partir de doze meses contados do ajuizamento). Esse posicionamento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça que, de acordo com o rito dos recursos repetitivos, definiu o Tema Repetitivo 1.030, preconizando que Ao autor que deseje litigar no âmbito de Juizado Especial Federal Cível, é lícito renunciar, de modo expresso e para fins de atribuição de valor à causa, ao montante que exceda os 60 (sessenta) salários mínimos previstos no art. 3º, caput, da Lei 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, as prestações vincendas (REsp 1807665/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 28.10.2020, DJe 26.11.2020)¹⁴⁵⁸. Por outro lado, “a atribuição do valor da causa feita pelo autor nem sempre é norte seguro para determinação da competência, seja pelo risco, sempre presente, de que se queira burlar regra de competência absoluta, seja pela possibilidade de simples erro de indicação”. Por tal razão, “compete ao juiz federal que inicialmente recebe a demanda verificar se o benefício econômico pretendido pelo autor é compatível com o valor dado à causa, antes de declinar de sua competência”¹⁴⁵⁹. Mais particularmente, pensamos que é dado ao juiz proceder à readequação do valor da causa quando identificar que o pedido inicial é manifestamente incabível e que integra a pretensão com o nítido propósito de fazer a causa escapar da competência dos JEFs. Nesse sentido: Incumbe ao magistrado verificar se o benefício econômico pretendido pelo autor é compatível com o valor da causa. Sendo assim, para a fixação da competência do Juizado Especial Federal Previdenciário, o juiz deve levar em conta o real conteúdo econômico da demanda, e não o valor aleatório atribuído à causa pelo autor. [...] A apresentação de pedido juridicamente impossível constitui, no caso, um subterfúgio para subtrair, indevidamente, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais em razão do valor da causa¹⁴⁶⁰. Porém, não se confunde com essa prática, a possibilidade, absoluta e expressamente agasalhada pelo sistema jurídico, de o autor renunciar aos valores que excederem o limite de sua competência. Essa renúncia ao excedente, tem-se entendido, é definitiva e irretratável, especialmente quando já desenvolvida a relação processual e realizada a instrução¹⁴⁶¹. A competência dos Juizados Especiais Federais encontra-se, assim, vinculada à ideia de conteúdo econômico, abrangendo causas cuja natureza não responde à ideia de menor complexidade, desde que sejam de menor repercussão econômica à Fazenda Pública. Paradoxalmente, se o indivíduo pode manipular a competência absoluta, renunciando valores que excedem ao limite de 60 salários mínimos, não lhe é atribuída a faculdade de ter examinada sua causa de intrínseca complexidade pela vara federal comum, ao argumento de que o valor da causa não ultrapassa aquele limite¹⁴⁶². Sobre o tema, o TRF da 4ª Região entendia, na análise de conflitos de competência, que “O valor da causa é o critério definidor da competência dos Juizados Especiais Federais, não havendo restrição quanto a sua complexidade, exceto as hipóteses previstas no § 1º do art. 3º da Lei 10.259/01”¹⁴⁶³. Ocorre que o STJ havia consolidado jurisprudência no sentido de que a ele competia “o julgamento de conflito de competência estabelecido entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal da mesma Seção Judiciária”¹⁴⁶⁴. E mais recentemente, acrescente-se, esta Corte Superior parecia ter indicado a possibilidade de reconhecer a competência da Justiça Federal comum para processamento de feitos com valor da causa inferior a 60 salários mínimos, mas que hospedam questões de fato complexas¹⁴⁶⁵. O Supremo Tribunal Federal, porém, teve oportunidade de decidir que “A competência STJ para julgar conflitos dessa natureza circunscreve-se àqueles em que estão envolvidos tribunais distintos ou juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art. 105, I, ‘d’)”. Já ao respectivo Tribunal Regional Federal compete dirimir os conflitos de competência entre juízes de primeira instância a ele vinculados, tal como aqueles que integram os Juizados Especiais¹⁴⁶⁶. Por outro lado, a Suprema Corte deixou de conhecer diversos recursos extraordinários que, mediante o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 10.259/2001, buscavam discutir a incompetência dos Juizados Especiais Federais para o processamento e análise de demandas que se revelavam complexas, nada obstante apresentassem valor da causa inferior ao limite legal¹⁴⁶⁷. Sem embargo, o mesmo Supremo Tribunal Federal, de modo um tanto contraditório, apresenta precedente no sentido de que se as balizas objetivas do conflito de interesses revelam a complexidade da demanda, os Juizados Especiais se tornam incompetentes para o seu processamento e análise¹⁴⁶⁸. Predominou, então, o entendimento, em relação ao qual guardamos reserva, de que o valor da causa é o único critério balizador para a definição de competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis, cumprindo notar que o valor da alçada é de sessenta salários mínimos calculados na data da propositura da ação¹⁴⁶⁹. Em última análise, identifica-se um considerável distanciamento entre o desenho constitucional da competência cível dos Juizados Especiais Federais e a concretização dessa norma pelo legislador e pelos tribunais, senão vejamos. O art. 98, I, da CF/88, autorizou a criação de Juizados Especiais pela União para o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade. Ora, a ideia de complexidade está relacionada àquilo que é de difícil compreensão, confuso ou complicado. Uma demanda judicial pode ser de média ou alta complexidade desde uma perspectiva fático-probatória ou mesmo quanto à tese jurídica em controvérsia. Também pode ser considerada a complexidade do próprio provimento jurisdicional almejado¹⁴⁷⁰. Ocorre que, diferentemente do que foi estabelecido pela Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, a delimitação da competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis, levada a efeito pela Lei 10.259/2001, é absoluta e não faz qualquer referência ao critério da menor complexidade¹⁴⁷¹. Por fim, da jurisprudência se colhe a compreensão de que, para fins de determinação da competência dos Juizados Especiais Federais, pouco importa se a matéria objeto do conflito instaurado se apresenta com grande ou pequena complexidade probatória¹⁴⁷². O que se tem, portanto, é que o critério constitucional da “menor complexidade” foi simplesmente deixado de lado pelas instâncias legislativa e judiciária, como se de uma recomendação desprovida de eficácia normativa se tratasse. E sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já deixou de reconhecer repercussão geral¹⁴⁷³. Ora, o critério do valor da causa, disposto no art. 3º da Lei 10.259/2001, não deveria ser o único a orientar a fixação da competência. A estrutura dos Juizados Especiais Federais foi edificada sobre uma lógica constitucional de julgamento de causas de menor complexidade (CF/88, art. 98). O que se tem, na realidade, porém, é o processamento, nos Juizados Especiais Federais, de demandas previdenciárias de elevada complexidade, a solução de controvérsias sobre direitos fundamentais e a definição relativa a bens jurídicos de elevado valor projetado no tempo (prestações sucessivas), mediante procedimento oral e sumaríssimo. Com efeito, se a competência dos Juizados Especiais Federais é definida exclusivamente pelo critério do valor da causa, tem-se a inconveniência de submeter a tramitação de causas previdenciárias complexas ao rito extremamente célere e simplificado daquele modelo de jurisdição. Por isso, como expressamos alhures, diferentemente do que se possa imaginar, as ações que tramitam nos Juizados Especiais Federais não são mais simples do que aquelas de competência da Justiça Federal comum. O rito processual é mais simples, mas não o conteúdo da demanda. É usual, a propósito desse particular, a percepção de que algumas causas previdenciárias “não cabem” ou “não deveriam caber” nos Juizados Especiais Federais, pois versam sobre um bem fundamental e apresentam, para o ágil rito, desafios como a necessidade de realização de inspeção judicial, realização de perícia judicial complexa, de formação litisconsorcial passiva em que um dos réus é domiciliado fora do domicílio do autor, cálculos judiciais complexos etc. Isso tudo em um universo em que não há previsão legal para desconstituição dos julgados pela via rescisória, como se as supostas singeleza e pequenez das causas dos Juizados Especiais Federais não tivessem potencialidade para ferir de morte o direito fundamental à Previdência Social, muitas vezes examinado às pressas e solucionado a partir de um resignado fatalismo. Sem embargo, [...] isso não significa aceitar que o resultado da prestação jurisdicional, só porque emanado dos juizados especiais, será sempre inalterável, por mais injusto, iníquo ou ridículo que se evidencie. É importante reconhecer, então, que mesmo diante da regra expressa de proibição da ação rescisória, o regime de estabilidade das sentenças dos Juizados Especiais Federais não é absoluto. Há hipóteses em que o defeito da prestação jurisdicional é de tal modo contrário ao Direito que a revisão do julgado é imposição em um Estado de Direito, que consagra o direito fundamental a uma ordem jurídica justa (CF/88, art. 5º, XXV). Isso implica reconhecer que a sólida doutrina da relativização da coisa julgada pelo órgão jurisdicional encontra espaço também em sede dos Juizados Especiais Federais¹⁴⁷⁴. Essas circunstâncias, contudo, apenas reafirmam a necessidade de o Direito Processual Previdenciário se impor e de encontrar seus próprios caminhos. Fundamentado na essência da cláusula do devido processo legal, o processo previdenciário está a exigir maior zelo na apuração da prova na perspectiva de uma ativa participação do juiz no processo de cognição (e não na perspectiva de um maior rigor na análise do conjunto probatório), com vista à verdade material. Mais do que isso, o Direito Processual Previdenciário manifesta exigência constitucional de um modo de ser próprio da coisa julgada para as causas previdenciárias, pensamento que segue fortalecido a partir do mecanismo de definição de competência dos Juizados Especiais Federais. 11.5 PARTICULARIDADES DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Instituído pela Lei 10.259, de 12.07.2001, o sistema dos Juizados Especiais Federais representa estratégia destinada à ampliação do acesso à justiça e à simplificação das formas processuais, com o objetivo de se assegurar uma prestação jurisdicional mais efetiva no que se relaciona às ações movidas contra a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. A ideia central era a de estender aos feitos de menor complexidade de competência da Justiça Federal, o modelo de jurisdição acessível e mais informal já experimentado no âmbito da Justiça Estadual, nos termos da Lei 9.099, de 26.09.1995¹⁴⁷⁵. Conquanto inexista referência específica na Lei 10.259/2001, as normas do processo civil ordinário também são aplicáveis nos Juizados Especiais Federais, sempre que houver uma lacuna legal a ser superada (aplicação subsidiária). O que não se aplica aos Juizados Especiais são as normas do direito processual civil que manifestam um proceder formalista, diferentemente daquelas hábeis a oferecer adequada solução normativa às lacunas encontradas nas Leis 10.259/2001 e 9.099/95¹⁴⁷⁶. Porque fundamentados na ideia de efetivo acesso à Justiça e em razão de serem orientados, como se verá abaixo, pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e consensualidade, dentre outros, os Juizados Especiais Federais adotaram técnicas processuais afinadas com o objetivo de efetividade da prestação jurisdicional, dentre as quais se destacam: a) o acesso ao Juizado Especial, em primeiro grau de jurisdição, independentemente do pagamento de custas, taxas ou despesas (Lei 10.259/2001, art. 1º, c/c Lei 9.099/95, art. 54); b) o direito de a parte comparecer pessoalmente aos Juizados, deduzindo sua pretensão mesmo oralmente, independentemente de assistência de advogado (Lei 10.259/2001, art. 1º, c/c Lei 9.099/95, art. 9º); c) a possibilidade de as partes designarem, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não (Lei 10.259/2001, art. 10); d) a possibilidade de concessão de medida cautelar (tutela de urgência), ainda que de ofício, para evitar dano de difícil reparação (Lei 10.259/2001, art. 4º); e) a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, excetuando-se o recurso contra decisão que examina a tutela de urgência (Lei 10.259/2001, art. 5º); f) a inexistência de prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, observada a exigência de a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias (Lei 10.259/2001, art. 9º); g) O dever de a entidade pública ré fornecer ao Juizado a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação (Lei 10.259/2001, art. 11); h) a inexistência de reexame necessário (Lei 10.259/2001, art. 13); i) a simplificação da fase da satisfação do julgado, na qual: a) a decisão transitada em julgado que imponha obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será cumprida mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa (Lei 10.259/2001, art. 16); b) tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório requisitório, exceto quando o valor da execução ultrapassar sessenta salários mínimos (Lei 10.259/2001, art. 17). Ainda assim, neste último caso, é facultado à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório (Lei 10.259/2001, art. 17, § 4º); j) O dever judicial de aplicação do direito de forma justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências de bem comum (Lei 10.259/2001, art. 1º c/c Lei 9.099/95, art. 6º); k) A possibilidade de o julgamento de segunda instância se operar mediante fundamentação por referência à decisão de primeiro grau, isto é, a possibilidade de adoção dos fundamentos do ato impugnado como razão de decidir (Lei 10.259/2001, art. 1º, c/c Lei 9.099/95, art. 46). Assim disposta a estrutura normativa dos Juizados Especiais Federais, não tardou para que estes emprestassem um novo perfil à Justiça Federal, com o crescente acesso de pessoas que acorrem ao Poder Judiciário buscando satisfazer direitos que, de um lado, podem ser percebidos como de menor expressão econômica, mas que, sob outra perspectiva, apresentam-se como fundamentais para o exercício da cidadania e da vida digna em sociedade, como é o caso das prestações de Seguridade Social. 11.5.1 Princípios dos Juizados Especiais Federais Um modelo de jurisdição que se idealiza acessível, justo e eficiente para processamento e análise de causas de menor expressão econômica, com a particularidade de relacionarem interesse da Fazenda Pública Federal, deve ser orientado por princípios que convirjam para a realização do objetivo fundamental de efetivo acesso à Justiça. O sistema dos Juizados Especiais da Justiça Federal foi criado à imagem e semelhança do sistema dos Juizados Especiais Estaduais, com a particularidade ligada ao fato de figurarem, no polo passivo da demanda, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. Por essa razão, os princípios que orientam os Juizados Especiais Estaduais devem ser observados para a condução e julgamento dos processos no âmbito dos Juizados Especiais Federais ¹⁴⁷⁷. De modo expresso, a Lei 9.099/95 enuncia que o processo de competência dos Juizados Especiais “orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2º). Esses critérios orientadores, iluminados a todo tempo pelo devido processo legal, podem ser considerados verdadeiros princípios ou diretrizes fundamentais de um sistema de jurisdição mais acessível e efetivo e, sem dúvida, guardam pertinência com a Lei 10.259/2001 ¹⁴⁷⁸. Isso requer uma outra mentalidade ou um outro espírito de todos os atores processuais ligados aos feitos que tramitam perante os Juizados Especiais Federais. É insuficiente garantir acesso à jurisdição e fazer o processo chegar ao seu final tão cedo quanto possível. Não se trata de maximizar os resultados quantitativos da prestação jurisdicional na Justiça Federal. Se fosse assim, estaríamos diante de uma miragem, de uma ilusão de justiça. É preciso reconhecer a eficácia normativa de todos e de cada um dos princípios que se encontram na fundação da estrutura dos Juizados Especiais Federais. A economia processual e a celeridade são dois dos importantes princípios dos Juizados Especiais Federais. Por esses princípios, deve-se evitar, tanto quanto possível, dilações probatórias indevidas, a adoção de formalidades processuais que, despidas de utilidade, apenas concorrem para o retardo da prestação jurisdicional. A ideia de economia processual exige, ademais, a maximização dos resultados dos atos processuais e do processo em seu conjunto. Em outras palavras, busca-se o aproveitamento ao máximo do processo, com vistas à real solução da controvérsia deduzida em juízo. Os princípios da simplicidade e da informalidade processual, ancorados na ideia de instrumentalidade do processo, encontram-se intimamente conectados às noções de economia e simplicidade processuais. O processo não é um fim em si mesmo. Tampouco a forma é o que realmente importa. Se esse tem sido o pano de fundo das reformas processuais ligadas à Justiça Comum, com mais razão essas premissas devem ser afirmadas no sistema dos Juizados Especiais. Não há razão, porém, para se buscar nas noções de celeridade, economia processual e simplicidade, justificativa para um processo precário em seu conteúdo, deficientemente instruído, orientado para chegar ao seu final ainda que mediante sacrifício de garantias processuais fundamentais, ainda que distante da realidade dos fatos. Justiça simples não significa justiça imperfeita ou que desconsidere a importância da jurisdição de direitos fundamentais a ela confiada. Nesse sentido, o princípio da simplicidade somente deve fundamentar passos processuais que busquem a justiça da decisão, jamais sua deficiência. O princípio da oralidade relaciona-se, de um lado, com os princípios da imediatidade, da identidade física do juiz, da concentração, da irrecorribilidade das interlocutórias, do livre convencimento do juiz, e da bilateralidade da audiência. Nessa perspectiva, a oralidade é densamente aplicável no ato de audiência, em que a verbalização de ideias se faz mais presente. De outro lado, longe de significar a dispensabilidade da forma escrita, o princípio da oralidade encontra-se como fundamento de algumas regras específicas, tais como: a) possibilidade de constituição de advogado oralmente (Lei 9.099/95, art. 8º, § 3º); b) gravação dos atos processuais que não sejam considerados essenciais, com a dispensa da degravação da prova oral colhida em audiência (Lei 9.099/95, art. 13, § 3º e art. 36); c) possibilidade de peticionamento inicial oral para redução a termo apenas do núcleo central (Lei 9.099/95, art. 14, caput e § 3º); d) interposição oral dos embargos de declaração (Lei 9.099/95, art. 49). Outro importante princípio dos Juizados Especiais Federais é o da consensualidade. Segundo ele, a composição da lide pressupõe real espaço para a conciliação entre as partes. Isso requer, evidentemente, uma nova mentalidade dos atores processuais ligados às ações movidas contra a Fazenda Pública. Dos advogados que defendem os interesses da Fazenda Pública, exige-se a compreensão de que o interesse público não se confunde com o interesse do erário. Para tanto, devem abandonar a tradicional postura de se buscar retardar, o quanto possível, a satisfação do direito material buscado pelo particular. Dos advogados privados, espera-se a inclinação para a conciliação, mesmo quando se pode antever o sucesso da tese que sustentam. Ao magistrado, recomenda-se a criação de espaços próprios para conciliação, mediante ajuste prévio com advogados públicos e convencimento dos efeitos benéficos dos acordos também junto aos advogados privados. Conecta-se ao princípio da consensualidade a ideia de minimização das arenas ou pontos de conflito. Nessa perspectiva, o sistema dos Juizados Especiais busca promover o objetivo de eficiência processual, combinando amplo acesso à Justiça e solução de litígios com a mínima intervenção jurisdicional – e, por consequência, com menor dispêndio de recursos pessoais e materiais: Os Juizados Especiais seriam, neste sentido, o produto de tensão existente entre os interesses de ampliação do acesso à Justiça e de desafogamento da máquina judiciária. Com eles, ao mesmo tempo em que se tem decisivamente assegurado o acesso ao Poder Judiciário para solução de “causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo” (CF/88, art. 98, I), não se oferece qualquer repercussão no âmbito dos tribunais, em termos de recursos. Há, assim, o propósito em resolver tais causas no primeiro grau, mesmo porque a previsão constitucional é a de que o julgamento de recursos se realize por “turmas de juízes de primeiro grau” (CF/88, art. 98, I). Há, para além disso, o ideal de que o processo chegue ao fim sem que a solução judicial tenha que efetivamente passar por uma sentença que enfrente o mérito propriamente dito¹⁴⁷⁹. Verdadeiro princípio do sistema dos Juizados Especiais, não raro desconsiderado ou menosprezado, é o de julgamento por equidade. Julgar de modo equânime pressupõe a fuga da subsunção ou da lógica formal na aplicação judicial do direito, mediante a consideração das exigências de justiça do caso concreto. As decisões não podem ser fruto de raciocínio mecânico. Os problemas concretos não podem ser simplificados e vistos todos como um padrão que estão a reclamar idêntico tratamento normativo, pois a equidade, enquanto ajustamento da diretriz geral às particularidades do caso concreto, constitui componente indispensável da própria racionalidade do Direito. 1400 Art. 109. “Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. 1401 Art. 109. “[...] § 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual” (redação originária que restou alterada pela EC 103/2019, como adiante se mostrará). De sua parte, o § 4º do mesmo dispositivo dispõe que, “Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição de primeiro grau”. 1402 Diante da proposta de alteração das regras de competência delegada em matéria previdenciária levada a efeito pela PEC 006/2019, que culminou com a promulgação da EC 103/2019, parece razoável supor que se materializou a percepção de um novo contexto da Justiça Federal, seu processo de interiorização e as necessidades correlatas ao efetivo acesso à justiça. Cabe notar que a PEC 006/2019 estabelecia uma regra provisória, em seu art. 44: “Art. 44. Até que seja publicada a lei a que se refere o § 3º do art. 109 da Constituição, poderão ser processadas e julgadas na justiça estadual as causas previdenciárias, acidentárias ou não, ajuizadas pelos segurados ou por seus dependentes, de competência da Justiça Federal, quando a comarca de domicílio do segurado distar mais de cem quilômetros da sede de vara do juízo federal”. Todavia, antes da promulgação da EC 103/2019, já havia sido editada a Lei 13.876/2019, que disciplinou a matéria, tornando-se sem objeto a aludida regra provisória, que culminou por não ser aprovada. 1403 Nessa mesma linha de compreensão, foi analisado problema relativo à (in) competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para processar e julgar as causas previdenciárias decorrentes de acidente do trabalho movidas contra o órgão previdenciário. Com efeito, em recurso especial afetado para julgamento de acordo com o rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 1.036, § 5º), o Superior Tribunal de Justiça assentou a tese no sentido de que, independentemente do valor da causa, a atuação do INSS como parte exclui a competência dos Juizados Especiais, definindo o Tema 1.053 nos seguintes termos: “Os Juizados Especiais da Fazenda Pública não têm competência para o julgamento de ações decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte” (REsp 1859931/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.03.2021). Como efeito dessa tese jurídica, o STJ deu provimento ao Recurso Especial, determinando o retorno do processo ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso, para que seja ali realizado o julgamento do recurso interposto. 1404 Confira-se: Lei 5.010/66, com a redação da Lei 13.876/2019: “Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual: [...] III – as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal; [...] § 1º Sem prejuízo do disposto no art. 42 desta Lei e no parágrafo único do art. 237 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), poderão os Juízes e os auxiliares da Justiça Federal praticar atos e diligências processuais no território de qualquer Município abrangido pela seção, subseção ou circunscrição da respectiva Vara Federal. § 2º Caberá ao respectivo Tribunal Regional Federal indicar as Comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III do caput deste artigo.” (NR) 1405 E, nesse sentido, a apuração da distância “deverá considerar a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou em outra ferramenta de medição de distâncias disponível” (art. 2º, § 2º). 1406 Quanto à forma de publicação e disponibilização das aludidas listas, assim foi especificado: “Art. 3º, § 1 º. As listas das comarcas previstas no caput deste artigo deverão ser disponibilizadas nas páginas da internet dos respectivos tribunais, além de ser enviadas ao Conselho da Justiça Federal para divulgação em sua página própria, às seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, às Procuradorias Regionais Federais, às Procuradorias Regionais do Ministério Público Federal, às Corregedorias dos Tribunais de Justiça, à Defensoria Pública Federal, ao Instituto Nacional do Seguro Social, sem prejuízo de outros órgãos ou entidades que tenham interesse na matéria. § 2º. As Comarcas estaduais que deixarem de possuir competência delegada federal e os respectivos Tribunais Regionais deverão afixar em local de acesso aos advogados e ao público informação sobre a localização da vara federal competente para processamento das ações de que trata esta Resolução”. 1407 CC 170.051-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17.12.2019, DJe 18.12.2019. 1408 QO no CC 170.051/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 26.08.2020, DJe 25.09.2020. 1409 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça Federal. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006. p. 138. 1410 Todavia, “Em razão do próprio regramento constitucional e infraconstitucional, não há competência federal delegada no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, nem o Juízo Estadual, investido de competência federal delegada (Constituição Federal, art. 109, § 3º), pode aplicar, em matéria previdenciária, o rito de competência do Juizado Especial Federal, diante da vedação expressa contida no art. 20 da Lei 10.259/01” (STJ, REsp 661.482/PB, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, j. 05.02.2009, DJ 30.03.2009). Nesse sentido: TRF4, Ag. 0003510-86.2011.404.0000, Sexta Turma, Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 26.05.2011. 1411 Mais especificamente: “No caso de ação previdenciária movida contra o INSS, o Supremo Tribunal Federal sufragou o entendimento, adotado também por esta Corte, de ser concorrente a competência do Juízo Estadual do domicílio do autor, do Juízo Federal com jurisdição sobre o seu domicílio e do Juízo Federal da capital do Estado-membro, devendo prevalecer a opção exercida pelo segurado (STF, Tribunal Pleno, RE 293.246/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 02-04-2004; Súmula 689 do STF; Súmula 08 do TRF da 4.ª Região)” (TRF4, Ag. 0004464-64.2013.404.0000, Sexta Turma, Rel. Celso Kipper, DE 18.09.2013). No mesmo sentido: TRF4, CC 0002701-28.2013.404.0000, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 16.09.2013. 1412 No mesmo sentido: “Constitucional e processual. Competência da Justiça Federal. Ação de natureza previdenciária. Segurado domiciliado no interior do Estado. A norma prevista no art. 109, § 3º, da CF não atribui competência absoluta à Justiça Estadual para julgamento das causas ali mencionadas, mas, apenas, competência territorial, por delegação constitucional. Ajuizada a causa na Justiça Federal, na capital, por escolha do segurado, e não tendo sido excepcionado o juízo, prorrogou-se a competência da Justiça Federal” (TRF5, Ag. 90.05.01083/PB, Rel. Juiz Ridalvo Costa, DJ II, 18.01.1991, p. 545). “Conflito de competência. Competência territorial relativa. Declinação de ofício. Impossibilidade. Prorrogação. 1. No caso de ação previdenciária movida contra o INSS, é concorrente a competência do Juízo Estadual do domicílio do autor, do Juízo Federal com jurisdição sobre o seu domicílio e do Juízo Federal da capital do Estado-membro, devendo prevalecer a opção exercida pelo segurado. 2. Sendo relativa a competência territorial, não pode dela o Juízo declinar de ofício, porquanto a questão fica ao alvitre privado das partes e se prorroga caso ausente exceção de incompetência veiculada pela parte ré. Arts. 112 e 114 do CPC, Súm. 33 do STJ e jurisprudência desta Corte” (TRF4, CC 2009.04.00. 042394-7, Terceira Seção, Rel. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, DJ 26.02.2010). 1413 TRF4, Ag. 0003797-78.2013.404.0000, Sexta Turma, Rel. João Batista Pinto Silveira, DE 29.08.2013. 1414 Trata-se, segundo se compreende, “de competência absoluta, atribuída pela Constituição Federal, que deve ser reconhecida de ofício pelo juiz” (TRF4, APELREEX 0010716-59.2013.404.9999, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.09.2013). Com efeito, “Diferentemente do que ocorre nos casos de competência territorial, não há falar, no caso dos autos, em competência relativa do Juízo Estadual do domicílio da parte autora, mas, sim, em competência absoluta deste em relação aos demais Juízos Estaduais (uma vez que o requerente optou por não propor a ação no Juízo Federal), decorrente da norma constitucional que prevê a delegação. [...]” (TRF4, CC 0003504-11.2013.404.0000, Terceira Seção, Rel. Celso Kipper, DE 08.08.2013). 1415 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça Federal. 1416 CC 111.447/SP, Rel. Celso Limongi (Des. Convocado do TJ/SP), Terceira Seção, j. 23.06.2010, DJ 02.08.2010. 1417 Interessante posicionamento do TRF4 diz com a existência de Juizado Especial Federal Avançado no local de domicílio do segurado: “A criação de um JEFA em determinada localidade afasta, para as ações ajuizadas após a criação do JEFA, a competência delegada da Justiça Estadual para o processo e julgamento de todas as causas previdenciárias da Comarca respectiva que sejam de competência dos Juizados Especiais Federais” (TRF4, CC 0019611-38.2010.404.0000, Terceira Seção, Rel. Hermes Siedler da Conceição Júnior, DE 10.01.2011). 1418 Isso porque “[...] A Constituição Federal, no art. 109, § 3º, delegou a competência federal somente para a Justiça Estadual Comum, nas causas previdenciárias, e investiu os Tribunais Regionais Federais no controle decorrente da delegação, concedendo-lhes a competência para o julgamento dos respectivos recursos. 3. Assim, a adoção do rito dos Juizados Especiais Federais nas ações propostas perante o juiz de direito investido por delegação em competência federal criaria até mesmo um problema de impugnação recursal, uma vez que os procedimentos são distintos”. Por tais razões, em se tratando de competência delegada, deve a ação ser processada e julgada no Juízo Estadual, sob o rito ordinário (TRF4, Ag. 000426457.2013.404.0000, Quinta Turma, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.09.2013). 1419 As Unidades Avançadas de Atendimento são criadas por Resolução do Tribunal Regional Federal. 1420 Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA FEDERAL DELEGADA. CRIAÇÃO DE UNIDADE AVANÇADA DE ATENDIMENTO. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA. 1. As ações previdenciárias contra o INSS podem ser movidas no foro do domicílio do segurado ou beneficiário, caso a comarca não seja sede de vara federal. 2. A criação de Unidade Avançada de Atendimento da Justiça Federal, pela Resolução n. 85-2013 deste Tribunal não modifica a competência das ações previdenciárias em tramitação na Justiça Estadual, visto que a implantação da UAA não se confunde com a criação de Vara Federal” (TRF4 502554780.2015.404.0000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, DJe 30.10.2015). 1421 Isso porque, consoante se argumenta, “o exercício de jurisdição federal delegada só se justifica se o órgão jurisdicional que detém a competência não se fizer presente na sede da Comarca” (TRF4, Ag. 000496462.2015.404.0000, Quinta Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, DE 02.12.2015). 1422 TRF4, Ag. 0003984-18.2015.404.0000, Quinta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, DE 25.11.2015. 1423 Nesse sentido: “Compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade previdenciária, ainda que localizada em comarca do interior” (Súmula 216 do extinto TFR). Nesse mesmo sentido: “A competência para processar e julgar mandando de segurança decorre da categoria da autoridade coatora de sua sede funcional, e não da natureza do ato impugnado ou da matéria ventilada no writ, consoante assente na jurisprudência da egrégia Primeira Seção deste sodalício” (Precedentes: CC 47.219/AM, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ de 03.04.2006 e CC 38.008/PR, Relª. Minª. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJ de 01.02.2006) (CC 48.490/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 09.04.2008, DJ 19.05.2008, p. 1). 1424 Veja-se, nesse sentido: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 2. Agravo regimental improvido” (RE 509442 AgRg, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 03.08.2010, DJe 20.08.2010). 1425 Confira-se: “II – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda, ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal (STF, RE 627.709/DF, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 30/10/2014). III – Optando o autor por impetrar o mandamus no seu domicílio e não naqueles outros previstos no § 2º do art. 109 da Constituição Federal, não compete ao magistrado limitar a aplicação do próprio texto constitucional, por ser legítima a opção da parte autora, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja no Distrito Federal [...]” (STJ, Primeira Seção, AgInt no CC 148.082/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 13.12.2017, DJe 19.12.2017). Também nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. FORO DO DOMICÍLIO DO IMPETRANTE. OPÇÃO. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL. Tendo em vista o entendimento do STF, o STJ reviu seu posicionamento anterior e, visando facilitar o acesso ao Poder Judiciário, estabeleceu que as causas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser ajuizadas perante os juízos indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal. Caberá, portanto, à parte impetrante escolher o foro em que irá impetrar o mandado de segurança, podendo fazê-lo no foro de seu domicílio, ainda que este não coincida com o domicílio funcional da autoridade coatora” (TRF4 5024704-13.2018.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. José Antonio Savaris, j. aos autos 03.08.2018). 1426 Também nesse sentido: CC 31.437/MG, Relª. Minª. Laurita Vaz, Terceira Seção, j. 26.02.2003, DJ 31.03.2003, p. 146. 1427 STF, RE 204.204/SP, Rel. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 05.05.2001. No mesmo sentido: “Competência. Reajuste de benefício oriundo de acidente de trabalho. Justiça comum. – Ao julgar o RE 176.532, o Plenário desta Corte reafirmou o entendimento de ambas as Turmas (assim, no RE 169.632 – 1ª T. e no AGRAG 154.938 – 2ª T.) no sentido de que a competência para julgar causa relativa a reajuste de benefício oriundo de acidente de trabalho é da Justiça Comum, porquanto, se essa Justiça é competente para julgar as causas de acidente de trabalho por força do disposto na parte final do inc. I do art. 109 da Constituição, será ela igualmente competente para julgar o pedido de reajuste desse benefício que é objeto de causa que não deixa de ser relativa a acidente dessa natureza, até porque o acessório segue a sorte do principal. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 351.528/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 31.10.2002). 1428 Terceira Seção, CC 89.174/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 12.12.2007, DJ 01.02.2008. 1429 STF, Plenário, CC 7.204/MG, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.06.2005, DJ 02.12.2005. 1430 Exatamente nesse sentido: “De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, compete à Justiça Federal julgar os processos que dizem respeito à possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria com auxílio-suplementar ou auxílio-acidente, ainda que decorrente de acidente de trabalho, eis que não estão contemplados pela exceção contida no inc. I do art. 109 da CF” (TRF4, AC 2009.71.99.005635-8, Turma Suplementar, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 17.12.2009). 1431 Na sequência de sua fundamentação, o Min. Rel. Ricardo Lewandowski ressalta que “a temática analisada nestes autos difere do caso tratado no RE 205.886/SP, Rel. Min. Moreira Alves, no qual estava em causa somente a concessão de benefício acidentário”. 1432 Constituição Federal de 1967. “Art. 119. Aos Juízes Federais compete processar e julgar, em primeira instância: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou opoente, exceto, as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral, à Militar ou a do Trabalho, conforme determinação legal”. 1433 Isso porque após a Constituição de 1967 não havia mais a ressalva constitucional de competência dos juízes federais para julgamento das causas acidentárias, tornando-se perfeitamente possível a compreensão de que a atribuição de competência acidentária à justiça ordinária poderia significar Justiça Federal ou Justiça Estadual, conforme a competência ratione personae. Seriam de competência da Justiça Federal, segundo este entendimento, as causas acidentárias em que fosse interessada a União “por si ou suas instrumentalidades de serviço público” (STF, CJ 3893). 1434 Confira-se: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista” (STF, Súmula 501). 1435 STJ, Terceira Seção, CC 89.282/RS, Relª. Minª. Jane Silva (Desª. conv. do TJMG), j. 26.09.2007, DJ 18.10.2007. Nesse sentido: “Compete à Justiça Federal o julgamento de ação proposta contra o INSS, em que se busca, com fundamento na Lei 8.213/91, o reconhecimento de direito previdenciário decorrente de acidente de trabalho, aplicando-se a regra geral contida no art. 109, I, da CF” (CC 45321/SP, Segunda Seção, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 27.10.2004, DJ 17.12.2004). E, mais recentemente: “A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do CC 62.531/RJ, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJU de 26.03.2007, afastou a incidência da Súmula 15/STJ e consignou o entendimento de que nos conflitos nos quais se discute a concessão ou a revisão de benefício de pensão por morte, decorrente ou não do falecimento do segurado em razão de acidente de trabalho, a competência para o processamento e julgamento do feito é da Justiça Federal, ressalvando-se apenas casos de competência delegada, prevista no art. 109, § 3º da Constituição da República” (AgRg no CC 106.431/SP, Rel. Celso Limongi (Des. Convocado do TJ/SP), Terceira Seção, j. 28.04.2010, DJ 04.05.2010). Ainda nesse sentido, mais recentemente: STJ, AgRg no CC 112.710/MS, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, j. 28.09.2011, DJe 07.10.2011. 1436 Diferentemente, percebe-se a realização dessa distinção quando do julgamento do CC 62.111/SC (Terceira Seção, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 14.03.2007, DJ 26.03.2007, p. 200): “Trata-se de revisão de pensão por morte de beneficiário que percebia aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de trabalho. Assim, são diversas as origens dos dois benefícios”. 1437 E mais recentemente o STF ratificou esse posicionamento (STF, AI 722821 AgRg, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 20.10.2009, DJ 27.11.2009). 1438 Nesse sentido: “Compete à Justiça comum dos Estados apreciar e julgar as ações acidentárias, que são aquelas propostas pelo segurado contra o Instituto Nacional do Seguro Social, visando ao benefício, aos serviços previdenciários e respectivas revisões correspondentes ao acidente do trabalho. Incidência da Súmula 501 do STF e da Súmula 15 do STJ” (STJ, AgRg no CC 122.703/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 22.05.2013, DJe 05.06.2013). 1439 É de se reconhecer, nada obstante, que se revela firma a orientação do STF sobre o tema (RE 638483, Rel. Min. Presidente, j. 09.06.2011, DJ 31.08.2011). 1440 De modo distinto, quando o reconhecimento da união estável é para os efeitos civis, falece competência ao juiz federal (previdenciário): “O reconhecimento de união estável, para todos os efeitos legais, é matéria de caráter civil. A utilização da respectiva sentença junto a órgãos públicos não afeta a competência. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do foro do domicílio da autora” (CC 51.173/PA, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Segunda Seção, j. 13.12.2006, DJ 08.03.2007). 1441 Trata-se de excerto de voto do Min. Arnaldo Esteves Lima, proferido no Conflito de Competência 93.303-SP, j. 08.10.2008. 1442 De acordo com o art. 1º da PEC 006/2019, o art. 109, I, da CF/88, passaria a contar com a seguinte redação: “Art. 109 [...]. I – as causas em que a União, a entidade autárquica ou a empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, exceto as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. 1443 CC 121.013/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, j. 28.03.2012, DJe 03.04.2012. Também nesse sentido: “PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PEDIDO DE CONCESSÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SÚMULAS 15/STJ E 501/STF. CAUSA DE PEDIR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Nos termos da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, é competência da Justiça Estadual processar e julgar ação relativa a acidente de trabalho, estando abrangida nesse contexto tanto a lide que tem por objeto a concessão de benefício em razão de acidente de trabalho como também as relações daí decorrentes (restabelecimento, reajuste, cumulação), uma vez que o art. 109, I, da Constituição Federal não fez nenhuma ressalva a este respeito. 2. Nas ações que objetivam a concessão de benefício em decorrência de acidente de trabalho, a competência será determinada com base no pedido e causa de pedir. Precedentes do STJ. 3. No caso dos autos, conforme se extrai da Petição Inicial, o pedido da presente ação é a concessão de benefício acidentário, tendo como causa de pedir a exposição ao agente nocivo ruído. Logo, a competência para processar e julgar a presente demanda é da Justiça estadual. Precedentes do STJ. 4. Assim, caso o órgão julgador afaste a configuração do nexo causal, a hipótese é de improcedência do pleito de obtenção do benefício acidentário, e não de remessa à Justiça Federal. Nessa hipótese, caso entenda devido, pode a parte autora intentar nova ação no juízo competente para obter benefício não acidentário, posto que diversos o pedido e a causa de pedir. 5. Conflito de Competência conhecido para declarar competente para processar o feito a Justiça Estadual” (CC 152.002/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 22.11.2017, DJe 19.12.2017). 1444 Nesse sentido: “O reconhecimento da morte presumida do segurado, com vistas à percepção de benefício previdenciário (Lei 8.213/91, art. 78), não se confunde com a declaração de ausência prevista nos Códigos Civil e de Processo Civil, razão pela qual compete à Justiça Federal processar e julgar a ação” (Sexta Turma, REsp 256.547/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22.08.2000, DJ 11.09.2000, p. 303). Ainda nesse sentido: “Tendo em vista que os apelantes pugnam pela declaração de ausência com o objetivo de receber pensão por morte do INSS, deve ser reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar a lide” (TRF2, AC, Apelação Cível 584389, Segunda Turma Especializada, Rel. Des. Federal Messod Azulay Neto, Data Decisão: 26.06.2013, E-DJF2R, Data: 08.07.2013). Também nesse sentido: “Pertence à Justiça Estadual a competência para o julgamento e processamento de ação objetivando apenas a declaração de ausência, para o fim de pleitear posteriormente pensão por morte perante o INSS” (TRF4 5024603-49.2013.404.0000, Terceira Seção, Rel. p/ Acórdão Rogerio Favreto, DE 09.12.2013). 1445 Tal como sucede quando o juiz previdenciário reconhece união estável para a caracterização da condição de dependente ou existência de vínculo de emprego para a comprovação de tempo de contribuição ou qualidade de segurado (hipótese última em que poderia ser cogitada a competência da Justiça do Trabalho). 1446 STJ, CC 93.523, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, Segunda Seção, DJ 27.08.2008. 1447 CF/88, art. 98, caput e parágrafo primeiro, com a redação emprestada pela EC 45/2004. 1448 Todavia, uma vez verificada a necessidade de citação de um dos litigantes por meio de edital, o feito deve ser redistribuído a uma Vara Federal, uma vez que o procedimento da citação por edital não se coaduna com a tramitação dos feitos nos Juizados Especiais Federais, a teor do disposto no art. 18, § 2º, da Lei 9.099/95 e art. 1º, da Lei 10.259/2001. Nesse sentido: TRF4 5017642-19.2018.4.04.0000, Terceira Seção, Rel. João Batista Pinto Silveira, j. aos autos em 31.07.2018. 1449 Nesse sentido: “[...] 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmouse no sentido de que a competência atribuída aos Juizados Especiais Federais é absoluta, consoante o art. 3º, § 3º, da Lei n. 10.259/2001, a ser determinada em conformidade com o valor da causa. 2. No caso, concluiu a Corte regional, a partir dos elementos de prova constantes dos autos, que deve ser reconhecida a competência do Juízo Federal Comum para o processamento da demanda, pois a cumulação dos pedidos formulados na origem atribuiu à causa valor superior ao teto legal fixado para a competência dos Juizados Especiais Federais à época do ajuizamento da ação. Nesse contexto, a inversão do julgado exigiria, inequivocamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, o que é inviável, na via eleita, nos termos do enunciado sumular n. 7/STJ. 3. Recurso especial não conhecido” (REsp 1707486/PB, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 03.04.2018, DJe 09.04.2018). 1450 Na inteligência da Súmula 689 do STF: “O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o Juízo Federal do seu domicílio ou nas Varas Federais da capital do Estado-membro”. 1451 TRF4, Quinta Turma, Ag. 2004.04.01.012246-6, Rel. Otávio Roberto Pamplona, DJ 15.09.2004. Dispõe o art. 20 da Lei 10.259/2001: “Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei 9.099, de 26.09.1995”. 1452 O Novo CPC alterou ligeiramente a disciplina do valor da causa: “Art. 292, § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerarse-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações” (grifou-se). De todo modo, a legislação especial dos Juizados Especiais Federais refere-se a doze prestações vincendas, critério que deve prosseguir sendo o parâmetro de competência dos Juizados Especiais Federais. 1453 Nesse mesmo sentido: “Na hipótese de o pedido englobar prestações vencidas e vincendas, há neste Superior Tribunal entendimento segundo o qual incide a regra do art. 260 do Código de Processo Civil, que interpretado conjuntamente com o mencionado art. 3º, § 2º, da Lei 10.259/2001, estabelece a soma da prestações vencidas mais doze parcelas vincendas, para a fixação do conteúdo econômico da demanda e, consequentemente, a determinação da competência do juizado especial federal” (CC 91.470/SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Terceira Seção, j. 13.8.2008, DJe 26.8.2008). 1454 Nesse sentido orienta a TNU que “Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal, para fins de competência” (Súmula 17). 1455 Quanto ao tema, cabe observar entendimento da TNU no sentido de que “Não se aplica subsidiariamente no âmbito dos juizados especiais federais o art. 39 da Lei n. 9.099/95, segundo o qual a sentença condenatória é ineficaz na parte que exceder a alçada”. “Afinal, o art. 17, § 4º, da Lei 10.259/01 admite a possibilidade de execução de valor superior a 60 salários mínimos no Juizado Especial Federal, desde que requisitado o pagamento por precatório. A questão está pacificada na Súmula 17 da TNU: “Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal, para fins de competência”. A parcela do crédito excedente ao limite de 60 salários mínimos só não poderia ser cobrada se o autor houvesse manifestado renúncia expressa. Incidente improvido nesta parte” (PEDILEF 200471500085030, Turma Nacional de Uniformização, Rel. Juiz Federal Herculano Martins Nacif, DOU 03.05.2013). A título ilustrativo, isso significa ser inadmissível que, por ocasião do cumprimento da sentença, em se verificando que o proveito econômico da parte autora era superior ao limite de sessenta salários mínimos ao tempo da propositura da ação, o valor excedente seja considerado objeto de renúncia tácita. Ao contrário, por força da coisa julgada e por não ser aplicável ao sistema dos Juizados Especiais Federais a regra contida no art. 39 da Lei 9.099/95, a integralidade dos valores devidos deve ser satisfeita. 1456 TRF4 5033207-91.2016.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. aos autos em 04.05.2017. 1457 Nos termos dos arts. 291 e 292 do CPC/2015. 1458 Nesse sentido já havia decidido o STJ: “Se o autor da ação renunciou expressamente o que excede a sessenta salários, competente o Juizado Especial Federal para o feito” (CC 86.398/RJ, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Terceira Seção, j. 13.2.2008, DJ 22.2.2008). 1459 STJ, CC 90.300/BA, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, j. 14.11.2007, DJ 26.11.2007. Uma vez assumida a competência dos Juizados Especiais Federais e transitada em julgado sentença condenatória que impõe obrigação de pagar quantia superior ao limite de competência dos Juizados, não é dado ao magistrado considerar tacitamente renunciada a importância que excedia o limite de 60 salários mínimos. Nesse sentido: “Após o trânsito em julgado, a limitação do valor do título executivo ao limite de 60 (sessenta) salários mínimos quando do ajuizamento da ação, por via transversa, não apenas reconhece a possibilidade de renúncia tácita no Juizado Especial Federal, como também impõe ao beneficiário de título executivo judicial a própria obrigatoriedade de renúncia ao excedente ao limite de competência, independentemente de qualquer renúncia expressa neste sentido, o que é incabível, por afrontar o enunciado da Súmula 17 desta Turma Nacional e a garantia constitucional da coisa julgada” (TNU, PEDILEF 200770950152490, Relª. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 13.05.2010). 1460 TRF4 5032100-46.2015.404.0000, Terceira Seção, Rel. p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, DJe 30.10.2015. 1461 Nesse sentido, a título ilustrativo: “PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. RENÚNCIA AO MONTANTE EXCEDENTE. POSSIBILIDADE. RETRATAÇÃO OU REVOGAÇÃO DA RENÚNCIA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. DESCABIMENTO. 1. Consoante entendimento da Seção Previdenciária desta Corte, havendo renúncia expressa ao montante excedente a 60 salários mínimos a demanda deve ser julgada pelo respectivo Juizado Especial Federal. 2. A renúncia traz consigo os atributos da definitividade, unilateralidade e irretratabilidade, e os efeitos jurídicos dela decorrentes só podem ser questionados se comprovado vício de consentimento, sob pena de subversão à norma de fixação de competência (absoluta) dos Juizados Especiais Federais. 3. Havendo expressa e válida renúncia ao montante excedente a 60 salários mínimos, e existindo decisão transitada em julgado da Turma Recursal, ratificando a competência dos Juizados Especiais, mostra-se incabível o pleito superveniente de revogação da renúncia, especialmente após o trânsito em julgado e já na fase de liquidação” (TRF4 5029205-83.2013.404.0000, Terceira Seção, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, DJe 04.12.2015). 1462 Neste último caso, a única maneira de exercer a faculdade pela jurisdição federal comum seria, para algumas hipóteses, a inércia do indivíduo na proposição da demanda. Com a demora para a propositura da ação, o valor da causa aumentaria e a competência passaria a ser da Justiça Comum, assim que ultrapassado o patamar de 60 (sessenta) salários mínimos. 1463 TRF4, Terceira Seção, CC 2005.04.01.031147-4, Rel. Otávio Roberto Pamplona, DJ 16.11.2005. 1464 STJ, CC 56.913/BA, Terceira Seção, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 12.12.2007, DJ 01.02.2008. 1465 Veja-se, nesse sentido: “Ademais, versando a ação sobre revisão de contrato firmado sob o pálio do SFH, por intermédio da qual a parte autora objetiva, entre outros pedidos, o recálculo da prestação inicial para a exclusão do CES e a revisão das prestações mensais, bem como do saldo devedor, para a aplicação do Plano de Equivalência Salarial Pleno, afigurase complexa a ação proposta, mormente por estar sujeita à produção de prova pericial” (STJ, Primeira Seção, CC 87.865/PR, Rel. Min. José Delgado, j. 10.10.2007, DJ 29.10.2007). No sentido contrário: “1. O valor dado à causa pelo autor fixa a competência absoluta dos Juizados Especiais. 2. O Juizado Especial Federal Cível é absolutamente competente para processar e julgar causas afetas à Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos (Lei 10.259/01, art. 3º, caput e § 3º). 3. Recurso especial conhecido e provido parcialmente” (STJ, REsp 1184565/RJ, Relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 15.06.2010, DJ 22.06.2010). 1466 STF, RE 590.409, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 26.08.2009, DJ. 29.10.2009. Em virtude disso, o STJ modificou seu posicionamento, deixando de conhecer dos conflitos de competência entre Juízo Especial Federal e Juízo Federal da mesma Seção Judiciária (v.g. EDCL no AgRg no CC 101.436/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 25.08.2010, DJ 15.09.2010; CC 109.504/ES, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 28.04.2010, DJ 10.09.2010). 1467 Nesse sentido, a título ilustrativo: “Recurso. Extraordinário. Inadmissibilidade. Juizado Especial Federal. Competência. Juízo sobre a complexidade da causa. Necessidade de reexame do conjunto fático. Inviabilidade. Óbice da súmula 279. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte” (RE 603926 AgRg, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 14/08/2012, DJe 27/08/2012). Também nesse sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUIZADOS ESPECIAIS. COMPETÊNCIA. COMPLEXIDADE DA MATÉRIA. REPERCUSSÃO GERAL NÃO RECONHECIDA (AI 768.339-RG, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI). AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Esta Corte, ao julgar o AI 768.339-RG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, não reconheceu a repercussão geral do tema debatido no presente recurso. Esse entendimento foi reiterado no julgamento do ARE 640.671-RG, rel. Min. Presidente. Agravo regimental desprovido” (AI 765081 AgRg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. 26.06.2012, DJe 10.08.2012). 1468 Confira-se: “COMPETÊNCIA – JUIZADOS ESPECIAIS – CAUSAS CÍVEIS. A excludente da competência dos juizados especiais – complexidade da controvérsia (artigo 98 da Constituição Federal) – há de ser sopesada em face das causas de pedir constantes da inicial, observandose, em passo seguinte, a defesa apresentada pela parte acionada. COMPETÊNCIA – AÇÃO INDENIZATÓRIA – FUMO – DEPENDÊNCIA – TRATAMENTO. Ante as balizas objetivas do conflito de interesses, a direcionarem a indagação técnico-pericial, surge complexidade a afastar a competência dos juizados especiais” (RE 537427, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14.04.2011, DJe 16.08.2011). 1469 Desse modo, “Se, quando da execução, o título ostentar montante superior, em decorrência de encargos posteriores ao ajuizamento (correção monetária, juros e ônus da sucumbência), tal circunstância não alterará a competência para a execução nem implicará a renúncia aos acessórios e consectários da obrigação reconhecida pelo título” (STJ, AgRg no AREsp 352.561/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 17.09.2013, DJe 26.09.2013). 1470 Como no caso das ações de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa, que se encontram dentro das exceções legais à competência dos Juizados Especiais Federais, nos termos do art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei 10.259/2001. 1471 A competência do Juizado Especial Cível é disposta pelo art. 3º da Lei 9.099/95 (art. 3º, caput: “O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:”). Já a competência do Juizado Especial Federal Cível é disposta pelo art. 3º da Lei 10.259/2001 (art. 3º, caput: “Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”). 1472 Nesse sentido: “A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, nas ações de fornecimento de medicamentos cujo valor seja inferior ao limite de sessenta salários mínimos previsto no art. 3º da Lei n. 10.259/2001, aliado à circunstância de a demanda não se encontrar no rol das exceções a essa regra, deve ser reconhecida a competência do Juizado Especial, sendo desinfluente o grau de complexidade da demanda ou o fato de ser necessária a realização de perícia técnica” (AgRg no REsp 1214479/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 17.10.2013, DJe 06.11.2013). Ainda nesse sentido: “Diferentemente do que ocorre no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, admite-se, em sede de Juizado Especial Federal, a produção de prova pericial, fato que demonstra a viabilidade de que questões de maior complexidade sejam discutidas nos feitos de que trata a Lei 10.259/01” (AgRg no CC 95.890/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, j. 10.09.2008, DJe 29.09.2008). 1473 Confira-se: “Não apresenta repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto a competência dos juizados especiais, face à alegação de ser necessária a produção de prova complexa para o deslinde da controvérsia submetida ao Poder Judiciário, versa sobre tema infraconstitucional” (ARE 640671 RG, Rel. Min. Presidente, j. 05. 08.2011, DJe 06.09.2011). 1474 XAVIER, Flavia; SAVARIS, José Antonio. Recursos cíveis nos Juizados Especiais Federais. Curitiba: Juruá, 2010. p. 343. O texto em referência sustenta a possibilidade de quebra (flexibilização) da coisa julgada no âmbito dos Juizados Especiais Federais. 1475 Justamente por essa razão, são aplicáveis aos Juizados Especiais Federais, de modo subsidiário, as normas da Lei dos Juizados Especiais Estaduais, como se pode verificar: “São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995” (Lei 10.259/2001, art. 1º). 1476 Nesse sentido: “Se a informalidade/simplicidade dos Juizados Especiais Federais permite a adoção de medidas procedimentais inominadas que consubstanciem técnicas de racionalização/aceleração de processo, com maior razão as estratégias de instrumentalidade processual institucionalizadas podem e devem ser empregadas nesse sistema processual, tanto quanto contribuam para a materialização dos valores que inspiraram este novo modelo de jurisdição” (XAVIER, Flavia da Silva; SAVARIS, José Antonio. Manual dos recursos nos Juizados Especiais Federais. 5. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2015. p. 44). 1477 Sem embargo, uma vez que no processo civil contemporâneo inexiste espaço para diretrizes que orientem no sentido contrário ao ideal de efetividade de acesso à Justiça, é preciso reconhecer que, em maior ou menor grau, os princípios informadores dos Juizados Especiais são aplicáveis nos processos que tramitam perante a Justiça Comum. Da mesma forma, os princípios do Direito Processual são igualmente aplicáveis aos processos que tramitam perante os Juizados Especiais naquilo que não confrontarem com o espírito deste modelo especial de jurisdição. 1478 O princípio constitucional do devido processo legal (CF/88, art. 5º, XXXIV) deve ser compreendido como norma superior de que emanam os diversos princípios constitucionais processuais, como o direito ao contraditório e à ampla de defesa, o direito à produção de prova lícita, a decisões fundamentadas, à publicidade processual, ao juiz natural, dentre outros. 1479 XAVIER, Flavia da Silva; SAVARIS, José Antonio. Manual dos recursos nos Juizados Especiais Federais, p. 74-75. APÊNDICE Termo de Acordo no Recurso Extraordinário 1.171.152/SC ¹⁴⁸⁰ (Relator Ministro Alexandre Moraes) “A UNIÃO, neste ato representada pelo Advogado-Geral da União, nos termos da competência fixada pelo art. 40, III e VI da Lei Complementar n. 73/1993 e art. 1º, da Lei n. 9.469/1997 e pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF, pelo Procurador-Geral da República, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, em especial as consubstanciadas nos arts. 127 e 129 da Constituição da República, nos arts. 50 e 6º da Lei Complementar n. 75/1993 e na Resolução do CNMP n. 179/2017, o MINISTÉRIO DA CIDADANIA, representado pelo Secretário Executivo do Ministério da Cidadania, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – DPU, representada pelo Defensor Público-Geral Federal em exercício, nos termos da competência estabelecida pela Lei Complementar n. 80/1994, o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, representado por seu Presidente e pelo Procurador-Geral Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, em especial consubstanciadas no art. 131 da Constituição da República, na Lei Complementar n. 73/1993, e disposto no art. 2º da Lei n. 9.469/1997: CONSIDERANDO que, nos autos do RE 1.171.152/SC (Tema de Repercussão Geral n. 1066), foi deferido o pedido de suspensão do processo por 90 (noventa) dias para que, as partes iniciem tratativas para autocomposição da lide, em tema relacionado à possibilidade de o Poder Judiciário: (a) estabelecer prazo para o INSS realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (b) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo; CONSIDERANDO a existência de diversas Ações Civis Públicas (1002597-82.2018.4.013700, da 13ª Vara Federal de São Luiz/MA; 1000422-90.2019.4.01.3600, da 3ª Vara Federal Cível de Mato Grosso; 502137706.2019.402.5101, da 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro; 5029390-91.2019.402.5101, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro; 1021150-73.2019.401.3400, da 2ª Vara Federal do Distrito Federal; 1006661-98.2019.401.3701, da 2ª Vara Federal de Imperatriz/MA; 0802083-54.2019.405.8102, da 16ª Vara Federal de Fortaleza/CE; 502729968.2017.404.7100, da 17ª Vara Federal de Curitiba/PR; 1002682-71.2019.401.4302, da Vara Federal Cível e Criminal de Gurupi/TO; 0824660-32.2019.405.8100, da 2ª Vara Federal de Fortaleza/CE; 500060040.2020.403.6102, da 5ª Vara Federal de Ribeiro Preto/SP) em que o autor da ação requer comando jurisdicional semelhante àquele da ação objeto do presente acordo, com o objetivo de determinar ao INSS a análise e conclusão dos processos administrativos em determinado prazo, sendo proferidas decisões judiciais de conteúdo e abrangência territorial diversos (nacional e regional); CONSIDERANDO que as atividades desempenhadas pelo INSS e pela União (Secretaria Especial de Previdência e Trabalho), na proteção social do segurado, dependente e beneficiário da assistência social, são de relevante interesse público e coletivo, cuja demora na conclusão da análise dos processos administrativos agrava a situação de vulnerabilidade econômica e social do público-alvo da política de proteção previdenciária e assistencial; CONSIDERANDO a inexistência, no ordenamento jurídico, de prazo legal peremptório para a conclusão da análise dos processos administrativos em que se discute a presença do direito subjetivo do segurado e beneficiário às prestações previdenciárias e assistenciais administradas pelo INSS; CONSIDERANDO o disposto no § 5º, do art. 41-A da Lei 8.213 1991, segundo o qual “o primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão”, momento a partir do qual o INSS realiza a correção monetária do valor devido, caso reconhecido o direito ao benefício, sendo, portanto, prazo de início de pagamento após conclusão do processo administrativo, conforme definido pelo STJ (AgInt.REsp 18185779 SE); CONSIDERANDO que, no julgamento proferido no RE 631.240 MG, em 03.09.2014, em que se discutiu a exigência do prévio requerimento administrativo, o STF determinou a suspensão das ações individuais que já estavam em tramitação sem prévio requerimento administrativo e o encaminhamento pelo INSS para análise conclusão em 90 dias; CONSIDERANDO que, segundo o art. 49 da Lei 9.784 1999, “concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada”; CONSIDERANDO que, nos casos em que o segurado não apresenta os documentos necessários à análise conclusiva do pedido de benefício, lhe é assegurado um prazo adicional de 30 (trinta) dias para a apresentação de documentos complementares (art. 678 da Instrução Normativa INSS 77 2015); CONSIDERANDO a implementação do INSS Digital, com plataforma eletrônica de requerimento de benefício por canais remotos em período integral, proporcionando aos cidadãos o direito de petição de forma irrestrita, ocasionando, em consequência, elevado aumento de requerimentos administrativos e a impossibilidade de antever o número de requerimentos e serviços que serão postulados; CONSIDERANDO que, embora o INSS já possibilite a concessão automática de benefícios, diante da carência das informações imprescindíveis para a concessão do benefício, inclusive a instrução administrativa com formalização de diligências, é necessária a análise individualizada por servidor em 80% dos requerimentos protocolados; CONSIDERANDO o grande volume do estoque de processos administrativos submetidos à análise do INSS, seja em razão da redução do quadro de pessoal da autarquia, seja em decorrência da necessária adequação dos sistemas corporativos da Previdência Social para o cumprimento das novas regras de elegibilidade e cálculo dos benefícios previdenciários, previstos na Emenda Constitucional n. 103/2019; CONSIDERANDO a publicação da Medida Provisória n. 922, de 28 de fevereiro de 2020, autorizando, diante da necessidade temporária de excepcional interesse público, a contratação, por tempo determinado, de aposentado pelo Regime Próprio de Previdência Social da União, de que trata o art. 40 da Constituição, e militares inativos das Forças Armadas, autorizado pelo art. 18 da Lei n. 13.954, de 16 de dezembro de 2019, e pelo Decreto n. 10.210, de 23 de janeiro de 2020, possibilitando fazer frente à análise de requerimentos de benefícios represados; CONSIDERANDO a ausência de padronização dos prazos impostos ao INSS, por meio de decisões judiciais, com a fixação, por alguns juízes, de prazos ínfimos, e o elevado número de demandas judiciais que aguardam cumprimento, inclusive com imposição de multa em face do INSS, em razão da demora; CONSIDERANDO o elevado número de ações civis públicas envolvendo benefício de prestação continuada da assistência social, com objetos e decisões divergentes, o que dificulta a análise dos requerimentos e impõe ao INSS a adoção de critérios diferenciados para concessão do benefício, conforme a localidade onde a ação judicial foi interposta, causando prejuízo aos beneficiários desta política pública (pessoas com deficiência e idosos), pela dificuldade de conclusão administrativa, diante da ausência de padronização de critérios e gestão deste benefício; CONSIDERANDO que em decorrência do regime de plantão reduzido nas Agências da Previdência Social, estabelecido pela Portaria Conjunta SEPRT/INSS n. 8.024, de 19 de março de 2020, como medida preventiva para o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da pandemia do Coronavírus (COVID-19), o atendimento presencial pela Perícia Médica Federal esteve suspenso até o dia 11 de setembro, sendo retomado de forma gradual e segura a partir do dia 14 de setembro e ainda não sendo possível prever o tempo necessário para sua completa normalização; CONSIDERANDO que a Portaria Conjunta SEPRT INSS n. 8.024, de 19 de março de 2020, estabeleceu o regime de plantão reduzido nas Agências da Previdência Social e suspendeu a realização da perícia presencial, como medida preventiva para o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da pandemia do Coronavírus (COVID-19), o que acarretará, quando do retorno da atividade pericial, acúmulo de perícias a serem realizadas, cujo cenário, no momento da realização do acordo, é imprevisível; CONSIDERANDO que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (§§ 2º e 3º, art. 30 do CPC); CONSIDERANDO que, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes, plenamente capazes, estipular mudanças no procedimento, para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo (art. 190 do CPC); CONSIDERANDO que a autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo (§ 2º e incisos II e III, art. 515 do CPC); CONSIDERANDO a necessidade de se estabelecer prazo razoável para a conclusão dos processos administrativos de reconhecimento inicial de direitos previdenciários e assistenciais, operacionalizados pelo INSS, de modo a tornar efetiva a proteção social dos cidadãos, nas situações em que estão acometidos das contingências sociais, previstas nos arts. 201 e 203 da Constituição Federal; RESOLVEM FIRMAR o presente ACORDO JUDICIAL, sujeito aos procedimentos previstos na Lei 9.469/1997 e respectiva regulamentação, assim como à homologação judicial, para alcançar condição de validade, conforme cláusulas a seguir dispostas: CLÁUSULA PRIMEIRA 1. O INSS compromete-se a concluir o processo administrativo de reconhecimento inicial de direitos previdenciários e assistenciais, operacionalizados pelo órgão, nos prazos máximos a seguir fixados, de acordo com a espécie e o grau de complexidade do benefício: ESPÉCIE PRAZO PAR Benefício assistencial à pessoa com deficiência 90 dias Benefício assistencial ao idoso 90 dias Aposentadorias, salvo por invalidez 90 dias Aposentadoria por invalidez comum e acidentária (aposentadoria por incapacidade permanente) 45 dias Salário-maternidade 30 dias Pensão por morte 60 dias Auxílio-reclusão 60 dias Auxílio-doença comum e por acidente do trabalho (auxílio temporário por incapacidade) 45 dias Auxílio-acidente 60 dias CLÁUSULA SEGUNDA 2.1. O início do prazo estabelecido na Cláusula Primeira ocorrerá após o encerramento da instrução do requerimento administrativo. 2.2. Para os fins deste acordo, considera-se encerrada a instrução do requerimento administrativo a partir da data: I – da realização da perícia médica e avaliação social, quando necessária, para a concessão inicial dos benefícios de: a) prestação continuada da assistência social à pessoa com deficiência; b) prestação continuada da assistência social ao idoso; c) aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), acidentária ou comum; d) auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária), acidentário ou comum; e) auxílio-acidente; e f) pensão por morte, nos casos de dependente inválido. II – do requerimento para a concessão inicial dos demais benefícios, observada a Cláusula Quinta. CLÁUSULA TERCEIRA 3.1. A União compromete-se a promover a realização da perícia médica necessária à instrução e análise do processo administrativo de reconhecimento inicial de direitos previdenciários e assistenciais operacionalizados pelo INSS, no prazo máximo de até 45 (quarenta e cinco) dias após o seu agendamento. 3.1.1. O prazo de realização da perícia médica será ampliado para 90 (noventa) dias, nas unidades da Perícia Médica Federal classificadas como de difícil provimento, para as quais se exige o deslocamento de servidores de outras unidades para o auxílio no atendimento. 3.1.1.1. A Subsecretaria da Perícia Médica Federal (SPMF) divulgará trimestralmente as unidades que estejam com limitação operacional de atendimento, não podendo superar o percentual de 10% das unidades em nível nacional. CLÁUSULA QUARTA 4.1. A realização da avaliação social, nos benefícios previdenciários e assistenciais, em que a aferição da deficiência for requisito à concessão do benefício, dar-se-á no prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias após agendamento. 4.1.1. O prazo de realização da avaliação social será ampliado para 90 (noventa) dias nas unidades classificadas como de difícil provimento, exigindo o deslocamento de servidores de outras unidades para auxiliar no atendimento. 4.1.1.1. O INSS divulgará trimestralmente as unidades que estejam com limitação operacional de atendimento, não podendo superar o percentual de 10% das unidades em nível nacional. CLÁUSULA QUINTA 5.1. Verificando-se que o interessado não apresentou a documentação necessária para a conclusão da análise do pedido de benefício, o INSS promoverá o envio de comunicação de exigências, de que trata o art. 678 da IN INSS n. 77/2015, suspendendo-se a contagem do prazo estabelecido na Cláusula Primeira, cujo reinício ocorrerá após o encerramento do lapso temporal fixado para apresentação dos documentos solicitados ou com a apresentação dos documentos, o que ocorrer primeiro, garantindo-se o prazo restante de, no mínimo, 30 (trinta) dias. 5.1.1. A comunicação para o cumprimento de exigência deve ocorrer pelo menos de duas formas diversas e concomitantes viabilizando a efetiva ciência pelo requerente da documentação a ser apresentada. 5.2. Exaurido o prazo estabelecido para a apresentação da documentação complementar prevista no item 5.1, sem que o requerente tenha apresentado qualquer manifestação, e quando não for possível a análise ao benefício por ausência de informações, o INSS arquivará o processo (art. 40 da Lei n. 9.784/1999). CLÁUSULA SEXTA 6.1. Os prazos para análise e conclusão dos processos administrativos operacionalizados pelo INSS, fixados nas Cláusulas Primeira à Quinta, serão aplicáveis após 6 (seis) meses da homologação do presente acordo judicial para que a Autarquia e a Subsecretaria de Perícia Médica Federal (SPMF) construam os fluxos operacionais que viabilizem o cumprimento dos prazos neste instrumento. 6.2. Os prazos para a realização da perícia médica, referidos na Cláusula Terceira, e para a realização da avaliação social, referidos na Cláusula Quarta, permanecerão suspensos enquanto perdurar os efeitos das medidas adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da pandemia do Coronavírus (COVID-19), que impeçam o pleno retorno da atividade pericial e de avaliação social. 6.2.1. Os prazos para realização da perícia médica, referidos na Cláusula Terceira, serão exigidos quando, após o pleno retorno da atividade pericial referida no item 6.2, os indicadores de tempo de espera para realização da perícia retornarem ao patamar médio identificado e registrado no momento em que a Repercussão Geral do tema n. 1.066 foi reconhecida no RE 1.171.152/SC, conforme anexo I. 6.2.2. A Subsecretaria da Perícia Médica Federal (SPMF) apresentará, 30 (trinta) dias após o pleno retorno da atividade pericial, ao Comitê Executivo de que trata a Cláusula Décima Primeira, o cronograma para o atingimento da meta citada no item 6.2.1. 6.2.3. O INSS apresentará ao Comitê Executivo de que trata a Cláusula Décima Primeira, 30 (trinta) dias após o pleno retorno da atividade de avaliação social, referida no item 6.2, o cronograma para início da contagem dos prazos para a realização da avaliação social referidos na Cláusula Quarta. CLÁUSULA SÉTIMA 7. Em relação ao cumprimento das determinações judiciais, recomendam-se os seguintes prazos, contados a partir da efetiva e regular intimação: ESPÉCIE Implantações em tutelas de urgência Benefícios por incapacidade Benefícios assistenciais Benefícios de aposentadorias, pensões e outros auxílios Ações revisionais, emissão de Certidão de Tempo de Contribuição (CTC), averbação de tempo, emissão de boleto Juntada de documentos de instrução (processos administrativos e outras informações, as quais o Judiciário não tenh CLÁUSULA OITAVA 8.1. Para cumprimento dos prazos referentes à operacionalização do benefício assistencial de prestação continuada será padronizada a aferição do comprometimento da renda, em decorrência das ações civis públicas em execução. 8.1.1. Serão deduzidos da renda mensal bruta familiar exclusivamente os gastos com tratamentos de saúde, inclusive médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência requerente, não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (SUAS), desde que de natureza contínua e comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. 8.1.2. O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos do idoso ou da pessoa com deficiência requerente, de que trata o item 8.1.1, será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades. 8.1.3. É facultada ao interessado a possibilidade de comprovação de que os gastos efetivos do idoso ou da pessoa com deficiência requerente ultrapassou os valores médios utilizados conforme o 8.1.2, caso em que deverá apresentar os recibos de cada um dos 12 (doze) meses anteriores ao requerimento ou em número igual ao tempo de vida do requerente caso a idade seja inferior a um ano. 8.2. Os prazos para operacionalização do benefício assistencial à pessoa com deficiência e do benefício assistencial ao idoso de que trata a Cláusula Primeira não se aplicarão no caso de superveniência de decisão judicial em ação coletiva que descaracterize a padronização da avaliação da renda de que trata o item 8.1. CLÁUSULA NONA 9. Os prazos previstos no presente acordo poderão ser suspensos, de forma parcial ou total, havendo situações de força maior ou caso fortuito, como greves, pandemias, situações de calamidade pública, que alterem o fluxo regular de trabalho e impeçam o INSS de cumpri-los. CLÁUSULA DÉCIMA 10.1. O descumprimento do presente Acordo acarreta a obrigação do INSS de analisar o requerimento administrativo, no prazo de 10 dias, por meio da Central Unificada de Cumprimento Emergencial de Prazos. 10.2. Sobre os pagamentos em atraso decorrente do deferimento do benefício incidirão juros moratórios e correção monetária. 10.3. Os juros moratórias, previstos no item 10.2, incidirão a partir do encerramento do prazo estabelecido no item 10.1. 10.4. Os juros de mora são aqueles aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei n. 9.494/97) e a correção monetária observará o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), previsto no art. 41-A, caput e § 5º, da Lei n. 8.213/91. CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA 11.1. O acompanhamento do presente Acordo será feito por meio de um Comitê Executivo, que funcionará junto ao Instituto Nacional do Seguro Social e será composto pelos seguintes membros: I – um representante titular, indicado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, que coordenará; II – um representante titular e um suplente, indicado pelo Ministério Público Federal; III – um representante titular e um suplente, indicado pela Defensoria Pública da União; IV – um representante titular e um suplente, indicado pela Secretaria de Previdência; V – um representante titular e um suplente, indicado pela Advocacia-Geral da União. 11.2. O Comitê Executivo estabelecerá mecanismos de avaliação dos indicadores de atendimento, apresentados pelo INSS, e, pautado pelo diálogo interinstitucional, poderá propor medidas de prevenção e busca de soluções, quando houver risco de descumprimento das cláusulas acordadas. 11.3. Cabe, ainda, ao Comitê Executivo deliberar sobre a aplicação ou não das sanções previstas na Cláusula Décima, à luz dos princípios da boa-fé, da transparência, de demonstração de boa gestão pública e, quando for o caso, da reserva do possível. 11.4. As sanções previstas na Cláusula Décima não serão aplicadas quando restar demonstrada a impossibilidade contextuai intransponível para o cumprimento dos prazos pactuados, cabendo ao Comitê Executivo deliberar sobre a alteração, ainda que temporariamente, dos prazos pactuados e propor medidas que possibilitem o retorno ao cumprimento do que foi pactuado originariamente. CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA 12.1. O presente acordo será submetido à homologação judicial nos autos do RE 1.171.152/SC (Tema 1066), no prazo de 5 (cinco) dias após a assinatura. 12.2. O acordo celebrado põe fim ao processo com resolução de mérito, na forma do art. 487, inciso III, do Código de Processo Civil, produzindo coisa julgada, com efeitos nacionais, com fulcro no art. 503 do Código de Processo Civil e no art. 16 da Lei n. 7.347/1985 c/c o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor. 12.3. A homologação do presente acordo tem efeito vinculante sobre as ações coletivas já ajuizadas que tratem do mesmo objeto do termo ora acordado no RE no 1.171.152 SC, causa-piloto do Tema de Repercussão Geral n. 1.066 do Supremo Tribunal Federal, em estrita observância aos termos do art. 927, inciso III, do Código de Processo Civil. 12.4. Em relação às ações civis públicas ou mandados de segurança coletivo que já tenham transitado em julgado, que tratem da mesma matéria objeto do presente Acordo, a sua homologação judicial caracterizará superveniente modificação no estado de fato e de direito, para os fins do art. 505, inciso I, do Código de Processo Civil, limitando, assim, os efeitos dos respectivos títulos judiciais à data da homologação judicial do presente ajuste. 12.5. Após a homologação judicial, os elementos meritórios tratados no presente acordo vinculam todos os acordantes, somente cabendo pedido de revisão se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, conforme determina o art. 505, inciso I, do Código de Processo Civil. 12.6. O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União emitirão orientações aos seus membros, dandolhes ciência quanto ao conteúdo do presente Acordo, de modo a tomá-lo instrumento de efetiva prevenção de litígios. CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA 14.1. Os prazos fixados na Cláusula Primeira não se aplicam à fase recursal administrativa. 14.2. Caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir acerca de conflitos interpretativos e controvérsias relativas ao presente acordo. 14.3. Fixa-se o prazo do presente acordo em 24 (vinte e quatro) meses, findo o qual será novamente avaliada a manutenção dos prazos definidos no presente instrumento. 14.4. A eventual ausência de homologação do acordo não implicará em reconhecimento do pedido. 14.5. Por estarem em comum acordo, as partes, firmam o presente termo em três vias, de igual teor e forma. Brasília, 16 de novembro de 2020.” 1480 Disponível no site do Ministério Público Federal: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/termo-de-acordono-re-1171152. Acesso em: 10 fev. 2021. REFERÊNCIAS ABRAMOVITCH, Victor; COURTIS, Christian. El rol de la justicia en la articulación de políticas y derechos sociales. In: ABRAMOVICH, Victor; PAUTASSI, Laura. 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