A Sociedade de Risco
A Sociedade de Risco
A Sociedade de Risco
Being at risk is the way of being and ruling in the world pf modernity; being at global risk is the human
condition at the beginning of the 21st century. Ulrich Beck, Living in the World Risk Society.
Conferncia proferida por Beck na London School of Economics, a 15 de Fevereiro de 2006.
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capaz de descrever a sociedade em que vivemos. Ele constitui tambm uma abordagem
metodolgica e pedaggica que nos permite orientar a existncia na sociedade actual.
Numa tentativa de delimitar o conceito, Beck afirma que
O risco pode ser definido como uma forma sistemtica de lidar com os perigos e as incertezas
produzidos e introduzidos pela prpria modernizao2.
Risk may be defined as a systematic way of dealing with hazards and insecurities induced and
introduced by modernization itself. Beck, Risk Society, p 21. O itlico do autor.
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A forma como o risco alterou as esferas da famlia, da individualizao das relaes humanas e do
trabalho so examinadas por Beck respectivamente por esta ordem nos captulos 4, 5 e 6 de Risk Society.
Posteriormennte, o autor ir consagrar anlises mais detalhadas a estas questes nas seguintes obras: The
Normal Chaos of Love (1995), The Brave New World of Work (2000) e Individualization:
Institutionalized Individualism and its Social and Political Consequences (2002).
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In that earlier period, the word risk had a note of bravery and adventure, not the threat of selfdestruction of all life on Earth. Beck, op.cit., p. 21.
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Mythen, op. cit., p. 14. Este autor afirma que a compreenso e percepo do risco varia com o tempo,
lugar, contexto cultural e nvel de informao que os indivduos possuem sobre o risco. Nessa medida, a
percepo e a construo do risco so construes de teor arbitrrio, sujeitas ao contexto cultural de cada
sociedade e da sua relao com o risco. Cf. tambm Beck, op. cit., p.34, que afirma que o risco, para ser
reconhecido como tal, tem que passar primeiro por um processo de reconhecimento social.
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Ver nota anterior.
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Jacques Theys, La Socit Vulnerable in La Socit Vulnerable valuer et Maitriser les Risques, pp.
3-36.
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Entre 1350 e 1750 Perodo dominado pelo medo de pestes, fome, secas, grandes
epidemias (por exemplo, a peste negra), incndios, inundaes e terramotos.
As catstrofes naturais so compreendidas como algo inevitvel e comportam uma
dimenso fatalista. A sua atribuio normalmente reside quase sempre em causas
sobrenaturais representadas aqui pelo temor que certos elementos naturais exercem
sobre o imaginrio humano - ou numa expresso da vontade divina.
Entre 1750 e 1950 Existe uma alterao na forma como so percepcionadas as
situaes de catstrofe, em grande medida devido a trs fenmenos: o fim das grandes
epidemias com o progresso dos cuidados de higiene e desenvolvimentos no saneamento
bsico das populaes, o Iluminismo como antropocentrizao da razo humana e
deslegitimao da origem divina de eventos catastrficos e o incio da Revoluo
Industrial que, submetendo a natureza ao domnio do homem, atenua o temor deste
perante as foras naturais.
Essencialmente, com a Revoluo Industrial, e com as primeiras ameaas de
degradao ambiental geradas pela interveno humana na fase tardia da Modernidade
Clssica sculo XIX -, que se comea a desenhar um novo panorama no domnio da
percepo e das causas do risco.
A actividade humana, alicerada no domnio do homem sobre os recursos
naturais, substitui gradualmente o elemento natural como causa da produo de riscos e
a percepo dos mesmos comea a excluir quase por completo o mbito divino para a
sua explicao. A ascenso do risco na sociedade contempornea ir alterar ainda mais
este cenrio.
A transio da sociedade industrial para a Sociedade de Risco introduz dois
dados fundamentais. Por um lado, a participao humana na produo de riscos
aumenta vertiginosamente atravs da proliferao de riscos ambientais, da
possibilidade de utilizao de armas qumicas e dos progressos desenvolvidos na
biotecnologia e na engenharia gentica.
Por outro, a natureza dos riscos assume um teor cada vez mais perigoso, torna-se
cada vez mais difcil de gerir e ameaa o planeta de um modo outrora considerado
impensvel10.
10
Secondly, the increasingly hazardous quality of risk is said to have generated apocalyptic
consequences for the planet. Mythen, op.cit, p.16.
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21
14
A este propsito recordamos uma das mais famosas citaes de Risk Society: [] poverty is
hierarchic, but smog is democratic. Cf. op.cit., p.36. O itlico do autor. Beck prima por defender uma
posio democrtica no que se refere forma como os riscos so distribudos. A sua posio acaba por ser
contestvel, por exemplo, no mbito das catstrofes ecolgicas, onde se verifica que so sempre os
escales mais baixos do tecido social a serem vtimas das piores consequncias. As classes mais
abastadas, por terem maior acesso a informao sobre os riscos, acabam por no estarem to expostas aos
mesmos.
15
Beck, op. cit., p.22.
16
Mythen, op. cit., p.27.
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Modern society has become a risk society in the sense that it is increasingly occupied with debating,
preventing and managing risks that it itself has produced. Beck, Living in the World Risk Society.
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At this stage of development, a discrete pool of knowledge exists about how to regulate both natural
and man-made risks. Mythen, op.cit., p.16.
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dado inteiramente novo que escapa lgica de previso e controle anterior: os riscos
actuais tm uma maior mobilidade que as suas representaes anteriores19.
Alm de uma maior mobilidade, os riscos produzidos pela ascenso da
tecnologia gentica, do poder nuclear e da depleo ambiental20 acarretam consigo
tambm as seguintes caractersticas:
Deslocalizao geogrfica As suas consequncias no esto limitadas a uma
determinada localizao ou espao geogrfico. Os riscos contemporneos no conhecem
fronteiras21 e ultrapassam, na maior parte dos casos, o mbito do Estado-nao,
acentuando a incapacidade deste para lutar sozinho contra as suas consequncias22.
Incalculabilidade As suas consequncias so imprevisveis e incalculveis e
os mecanismos de avaliao de risco que possumos actualmente s nos permitem
traduzir o risco sob a forma de probabilidade.
No compensabilidade Os possveis efeitos gerados pelos riscos rompem com
todos os esquemas de segurana e compensao criados pela Modernidade Clssica. A
dimenso que as suas consequncias podem atingir faz com que seja impossvel
determinar uma forma de compensao adequada.
Dimenso cumulativa no tempo O perodo de latncia dos riscos faz com que
as suas consequncias efectivas no possam ser determinadas de acordo com um
horizonte temporal estritamente definido23.
19
These socially produced risks are more mobile and more oblique than the preceding forms of danger.
Mythen, op.cit., p.18.
20
Segundo Beck, os trs cones primordiais da Sociedade de Risco. Cf. Mythen, op.cit., p.19.
21
Vinte anos depois, as nefastas consequncias de Chernobyl para a sade das populaes locais expostas
radiao nuclear ainda se fazem sentir a vrios nveis.
22
Hoje em dia possvel vermos isto em relao s potenciais causas das alteraes climticas. Os seus
efeitos ultrapassam largamente as fronteiras de qualquer Estado-nao e a sua mitigao s pode ser feita
no quadro de uma cooperao global. Veremos mais frente que o risco tambm uma possibilidade
para a criao de novas instituies polticas e condio indispensvel para uma cooperao forada
entre as diversas instituies responsveis pela sua gesto.
23
A este respeito, mais uma vez, as consequncias das alteraes climticas, bem como da radiao
nuclear, servem como exemplos claros do que acabmos de afirmar.
23
24
26
However, in the mid to late twentieth century the legitimacy of the calculus of risk becomes
threatened by the generation of unmanageable risks which began to outstrip prevailing methods of
calculation and liability. Mythen, op.cit., p.57.
27
[] the institutions involved and affected do not merely dispose of highly effective instruments and
strategies for normalizing industrial self-jeopardization. Beck, Ecological Politics in an Age of Risk, p.
58. A incapacidade das instituies polticas na abordagem conveniente gesto dos riscos o tema
principal desenvolvido pelo nosso autor nesta obra.
28
The history of the growing consciousness and social recognition of risks coincides with the history of
the demystification of the sciences. Beck, Risk Society, p.59. O itlico do autor.
29
Scientific rationality refers to dominant technical discourses utilised by scientific experts. Conversely,
social rationality stems from cultural evaluations convened through everyday lived experience. Mythen,
op. cit., p.56.
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The risk society is distinguished by an ongoing conflict of rationality of meaning between experts
following the guidelines of scientific rationality and lay public gazing through the lens of social
rationality. Mythen, op. cit., p.57.
31
Veja-se, a este respeito, Joan Martinez-Alier, Conflitos de distribuio ecolgica num contexto de
incerteza in Razo Tempo e Tecnologia Estudos em Homenagem a Hermnio Martins e Helena Mateus
Jernimo, A peritagem cientfica perante o risco e as incertezas in Anlise Social, vol. XLI (186). A
partir deste ponto seguimos as objeces que Martinez-Alier faz a Beck.
32
Martinez Alier, op.cit., p.412.
33
Martinez-Alier, op.cit., p. 414.
34
Martinez-Alier, op.cit., p. 414.
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Em relao a este facto, que tem suscitado as maiores objeces entre os seus
pares, estamos em crer que existe por parte do prprio Beck uma recusa em limitar o
seu entendimento da categoria de risco em favor do desenvolvimento do seu
pensamento sobre o mesmo.
Devemos mesmo aduzir que a forma como ele entende o conceito de risco tem
sofrido diversas flutuaes ao longo dos anos. Se, aquando da elaborao de Risk
Society, em 1986, a compreenso do conceito de risco se fazia sob uma perspectiva
realista, em World Risk Society, treze anos depois, a abordagem ao risco efectua-se j
nos moldes do construtivismo social40.
A polissemia do conceito de risco surge-nos ento como uma das caractersticas
mais peculiares do pensamento de Beck, mas tambm, contrariamente ao que se possa
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pensar, como uma das chaves que nos permite articular as linhas mestras do seu
pensamento e aceder s implicaes da Sociedade de Risco.
Segundo Mythen, uma tentativa de restringir as diversas acepes do risco seria
infrutfera porque iria apartar-nos da compreenso no s da tese, bem como do prprio
esprito da Sociedade de Risco41.
Chegados que estamos ao fim deste primeiro captulo, onde tramos um
panorama geral das caractersticas do risco bem como das questes mais importantes
que lhe esto associadas, altura de nos debruarmos mais de perto sobre as suas
origens. Recuemos ento ao que denominaremos como o projecto tecnocientfico da
Modernidade.
41
[] restricting our understanding of risk is contrary to the usage and the spirit of risk in risk
society thesis. Mythen, op.cit., p.15.
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