Educação para Os Media - Nelson Vieira
Educação para Os Media - Nelson Vieira
Educação para Os Media - Nelson Vieira
Nelson Vieira
- Investigador no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP)
do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)
Universidade Técnica de Lisboa (UTL)
- Mestrando em Sociologia no ISCSP / UTL
A educação para os media é um processo que começa cedo, desde logo em casa, a partir
do momento em que a criança é capaz de descodificar um som ou imagem. Ela continua no
quadro das suas experiências com os amigos, estende-se na escola em todas as disciplinas
e determina-se na idade adulta, no seu envolvimento pessoal e colectivo de cidadão.
Conceptualmente, podemos defini-la como as práticas de ensino que têm por objectivo o
desenvolvimento de certas competências ligadas à utilização dos media, à aquisição de uma
atitude crítica e reflectida perante os media para formar cidadãos equilibrados, capazes de
construir a sua própria opinião a partir das informações disponíveis. Graças a essa
educação, os cidadãos devem poder ter acesso à informação, analisá-la e identificar os
interesses subjacentes de ordem económica, política, social ou cultural. A educação para os
media consiste, pois, em ensinar os indivíduos a interpretar e a criar as mensagens, a
seleccionar os media mais apropriados para comunicar e, finalmente, a influir sobre a oferta
e o conteúdo dos media.
Tanto para os professores como para os alunos, existem imensas vantagens na integração
da educação para os media numa sala de aula. Antes de mais, no plano da motivação, a
criança e o adolescente desenvolvem e exercem o seu julgamento crítico e ético sobre os
temas que lhes fascinam e os media que fazem parte da sua vida quotidiana.
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No que diz respeito às atitudes, a educação para os media, ao desenvolver o espírito crítico,
conduz a comportamentos mais responsáveis e guia os jovens na construção de uma
opinião pessoal mais realista, positiva, aberta à diversidade das culturas e dos modelos.
Entre outros, os jovens tornam-se mais atentos às personagens das produções dos media e
exprimem o seu desacordo face aos estereótipos, colocam em perspectiva os factos
históricos por detrás da ficção, questionam-se sobre a credibilidade da informação,
compreendem os interesses financeiros por detrás dos conteúdos, tomam consciência da
influência da publicidade sobre o seu próprio consumo de produtos e prestam atenção à
actualidade e ao tratamento das notícias nos media.
Por outro lado, a educação para os media reconhece e utiliza os aspectos positivos e
criativos da cultura popular. Ela integra produções mediáticas e pensamento crítico -
descodificando, analisando, sintetizando e avaliando os media - para nos permitir melhor
navegar numa paisagem cada vez mais complexa, que inclui não apenas os media
tradicionais ou informáticos, mas também os produtos da cultura popular como os
brinquedos, as modas, os grandes centros comerciais ou os parques temáticos.
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indústrias pertencem a uma forte rede de corporações que influenciam o seu conteúdo e a
sua distribuição. As questões de propriedade e de controlo dos media são de uma grande
importância pelo facto de um número relativamente pequeno de indivíduos controlar o que
vemos, lemos ou escutamos nos media.
A investigação mostra que a educação para os media deveria começar o mais cedo
possível, mas os docentes do ensino primário dispõem ainda de muito poucos recursos e
quase nenhum apoio pedagógico neste domínio. Com o desaparecimento dos bibliotecários
e outros especialistas, inúmeros professores tornaram-se «generalistas especializados» em
muitos domínios, um dos quais a educação para os media. Não obstante, tal como os pais,
eles estão desejosos de ajudar os jovens a tornarem-se consumidores de media
responsáveis e estão abertos a novas ideias, competências e estratégias que lhes permitam
concretizar esse objectivo.
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Além disso, constata-se que a educação para os media parece resumir-se, em muitos
casos, à transmissão ao aluno de um universo de conhecimento sobre os media, quando a
sua missão fundamental não é tanto a de transmitir um saber específico sobre os media,
mas mais o de procurar transformar a relação do aluno com os media, com vista a favorecer
o desenvolvimento do seu espírito crítico. Com efeito, não é tanto em termos de aquisição
de conhecimentos sobre os media que os teóricos e os professores definiram a missão
fundamental do projecto educativo da educação para os media, mas mais em termos de
emergência do pensamento crítico. O facto de a educação para os media não ter ainda
conseguido dotar-se de bases teóricas autónomas, repercute-se, assim, directamente, sobre
os docentes.
A educação para os media oferece, aos que estão abertos à integração das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TIC), o quadro de reflexão teórico e as práticas pedagógicas
que podem permitir-lhes optimizar o potencial educativo dessas novas tecnologias.
A pressão a favor da integração das TIC vem também dos pais de todos os sectores da
sociedade, e não apenas da elite intelectual ou económica. São cada vez mais aqueles que
fazem pressão para que a escola proceda rapidamente às reformas que permitam melhor
preparar as crianças para integrarem-se, trabalharem e expandirem-se plenamente no novo
ambiente tecnológico e hiper-mediático que se constrói actualmente.
O meio cultural faz, também ele, pressão para que os jovens não sejam afastados da
educação do novo espaço cultural que se constrói através das novas redes de
comunicação.
A integração das TIC coloca, a nível conceptual, um novo desafio para a educação para os
media. Ela anuncia a passagem de um ensino centrado sobre a “mensagem mediática” para
um ensino centrado sobre a informação. A unidade de análise de base, a unidade de
referência fundamental no esforço do ensino sobre os media foi até hoje a da “mensagem
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mediática” - que se apresenta sobre a forma de texto, de imagem, de som ou de uma
combinação desses elementos - que analisamos e interrogamos, o que serve de ponto de
comparação para a realização pelo aluno de produções originais.
O conceito central que se impõe, doravante, como o vector unificador das diferentes
abordagens e modelos de educação para os media é o reconhecimento do carácter da “não-
transparência” das mensagens mediatizadas. Todo o ensino visa levar o aluno a tomar
consciência de que as mensagens dos media são “construções”. A “mensagem mediática”
é, portanto, a unidade de base do ensino sobre os media.
Assim, desde sempre, a educação para os media trabalha com materiais estruturados,
organizados na qualidade de “mensagens mediáticas” que se inscrevem num sistema de
produção, de difusão e de recepção bem organizada. É, aliás, porque elas se apresentam
como “construções” que podemos abordar a educação para os media como um fenómeno
de “desconstrução” e de exploração dessas construções que são vistas igualmente como
representações (ou fragmentos de representações) particulares do mundo.
As TIC introduzem, na sala de aula, elementos híbridos que são feitos ao mesmo tempo de
mensagens organizadas e estruturadas que podem aparentar-se às construções mediáticas
tradicionais, mas elas veiculam também um grande número de elementos não estruturados
(dados de todo o tipo, fragmentos de sons, de imagens, etc.) que se estruturam e se
organizam em função das utilizações feitas pelo utilizador. A educação para os “novos
media” deve, pois, instigar os alunos a explorar os seus próprios modos de selecção e de
ordenação da informação, mais do que se limitar apenas à análise das mensagens já
“mediaticamente estruturadas”. Deve igualmente incluir, na exploração das redes de
comunicação, diferentes tipos de informação que realcem esferas de actividade muito
variadas: pública, institucional, privada, comercial, artística, etc.
A integração das TIC na escola é uma ocasião única para a educação para os media
desenvolver um projecto educativo integrador que lhe permita reencontrar os objectivos
ambiciosos por ela fixados desde há muito tempo: favorecer uma melhor compreensão do
universo mediático, encorajar a aquisição de aptidões intelectuais de nível superior,
desenvolver o espírito crítico e a capacidade criativa do jovem, encorajando o
desenvolvimento de uma maior consciência social. As disparidades que se encontram
actualmente no acesso desigual às TIC colocam, com acuidade, a questão dos factores que
contribuem para o desenvolvimento do fenómeno da exclusão nas nossas sociedades. A
integração dessas tecnologias na sala de aula deverá, assim, dar a oportunidade ao aluno
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de tomar consciência e avaliar os desafios que o acesso ou a exclusão às novas formas de
comunicação entre os cidadãos colocam à sociedade.
2. Permite ter acesso na sala de aula a todo o planeta, tornando, assim, actuais e
pertinentes as matérias tradicionais como o Português, a História ou a Geografia. Presta-se
particularmente bem aos estudos interdisciplinares.
3. Encarna e reforça a nova pedagogia, que põe o acento no ensino centrado no aluno, o
reconhecimento de diversos tipos de inteligências e uma análise e uma gestão da
informação, mais do que a aquisição de conhecimentos passivos.
5. Encoraja os jovens para uma utilização criativa das ferramentas multimédia, a «aprender
praticando», preparando-os, assim, para o mercado de trabalho que exige cada vez mais o
saber utilizar meios de comunicação sofisticados.
6. Incita também os jovens, a quem muitas vezes censuramos pela sua apatia política, a
interessarem-se pelas grandes questões actuais. A educação para os media ajuda-os a
verem-se como cidadãos responsáveis capazes de contribuir para o debate público.
7. Ajuda-os igualmente a compreender como numa sociedade com uma grande diversidade
social, étnica e cultural, as representações dos media podem influenciar a nossa percepção
dos diferentes grupos sociais. A educação para os media aprofunda a sua compreensão de
noções como a diversidade, a identidade e a diferença.
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9. Ajuda as crianças a questionarem-se sobre as representações dos media e a distinguirem
entre a realidade e a ficção, ao comparar a violência nos media e a verdadeira violência, os
heróis do cinema e os heróis da vida real, os papéis e as expectativas realistas e os
modelos propostos pelos media.
...Português
As aulas de Português oferecem uma panóplia de ocasiões para integrar a educação para
os media: desconstrução de filmes e de emissões de televisão; adaptação cinematográfica
de uma novela ou de um pequeno romance; cenários ou narrativas; análise dos
preconceitos e estereótipos nas notícias televisivas, na Internet ou na imprensa escrita;
análise das representações dos diferentes grupos sociais nos media e avaliação do seu
rigor e da sua influência.
A educação para os media está naturalmente presente em tudo o que está relacionado com
a leitura, a escrita e as comunicações orais. Integra-se perfeitamente em temas do ensino
primário e secundário. Um projecto sobre a televisão, por exemplo, pode compreender uma
sondagem na sala de aula ou entrevistas sobre os hábitos e as preferências dos alunos,
uma análise da dinâmica familiar nas sitcoms, a produção de uma emissão de rádio escolar
ou ainda a análise da publicidade a brinquedos no contexto da publicidade junto dos jovens.
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... Desenvolvimento pessoal
Quer se trate da família, da sua própria imagem ou da resolução de conflitos, os media e a
cultura popular fornecem um quadro comum para discussão. Como é que a definição do que
é considerado «fixe» pelos publicitários se compara às qualidades que apreciamos em casa
dos nossos amigos na vida real? Que consequências teriam na vida real os actos de
agressão descritos no cinema? Os filmes, a televisão e a moda fazem a promoção da
desigualdade homem-mulher e reforçam os ideais de beleza inatingíveis?
...Mundialização
Vivemos hoje numa «aldeia global», mas as informações sobre esse mundo interconectado
e interdependente vêm, antes de tudo, dos grandes media ocidentais. As reportagens e as
imagens sensacionalistas sobre as catástrofes naturais, as crises e a guerra do petróleo
favorecem uma falsa percepção dos habitantes dos países em vias de desenvolvimento
como vítimas impotentes? No que é que os grandes media diferem das fontes de
informação de notícias alternativas? Estas últimas - na Internet, por exemplo - acabarão por
ter alguma influência na imprensa portuguesa? Com o crescimento da mundialização dos
media, que ideia fazem os países não-ocidentais da nossa sociedade?
...Cidadania
Uma análise das relações entre os media e a política contribui para uma tomada de
consciência pelos alunos do seu papel de cidadãos. Podemos incluir aqui as discussões
sobre a propaganda e o estilo mediático de certos políticos, a influência dos proprietários
dos media escritos ou televisivos sobre as notícias reportadas pelos seus jornais, ou a
orquestração da opinião pública por meio de grandes campanhas de relações públicas. Os
alunos podem igualmente analisar como o acesso democrático às tecnologias dos media
poderia favorecer a justiça social, o militantismo e os direitos da pessoa.
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dita do que à procura de informação, à boa maneira de a avaliar ou de a citar e ao
desenvolvimento de um pensamento crítico sobre as questões importantes, como a
identificação de preconceitos, o plágio ou as implicações culturais, económicas e pessoais
das novas tecnologias.
...Música
A música popular é um bom trampolim para analisar a influência dos media sobre os
conteúdos, comparar mensagens similares em géneros diferentes e avaliar a importância do
público (ouvinte) no grau de prazer experimentado ou na interpretação do texto.
...Artes gráficas
Os alunos têm necessidade de aceder a uma diversidade de competências extraídas da
análise dos media e dos seus produtos. A manipulação digital e os efeitos especiais
oferecem, assim, um novo campo criativo. Á medida que os jovens desenvolvem os seus
conhecimentos, devemos encorajá-los a discutir questões de respeito humano e de
propriedade intelectual associadas a essas novas técnicas. Em que circunstâncias, por
exemplo, as manipulações digitais são éticas?
Conclusão
A educação para os media é o processo que permite aos indivíduos adquirir uma visão
crítica dos media e compreender a natureza, as técnicas de produção e a influência dos
seus produtos e mensagens.
A educação para os media visa transformar o jovem, o adolescente, num espectador activo,
num explorador autónomo da comunicação mediática, um actor dessa comunicação.
Pretende, por outro lado, fazer com que esse jovem seja capaz de se apropriar de um
máximo de informações a partir de um qualquer tipo de documento mediático. Apropriar-se
quer dizer: reunir informação, triá-la, hierarquizá-la, exercer um olhar crítico. O processo
implica, portanto, competências de leitura, de descodificação, de análise, de perspectiva, de
expressão e de comunicação.
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A educação para os media - as suas técnicas de pensamento crítico, de comunicação
criativa e de competências informáticas e audiovisuais - é, assim, um elemento chave da
abordagem educativa no século XXI.
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