1) O artista Farnese de Andrade criava objetos a partir de materiais encontrados, como objetos descartados e partes do corpo humano, para explorar temas como a desumanização e a condição humana.
2) Suas obras sobre Hiroshima usavam bonecos e bebês de plástico queimados para representar os horrores do bombardeio atômico e questionar a guerra.
3) Apesar de ter enfrentado dificuldades pessoais como depressão e solidão, Farnese continuou produz
1) O artista Farnese de Andrade criava objetos a partir de materiais encontrados, como objetos descartados e partes do corpo humano, para explorar temas como a desumanização e a condição humana.
2) Suas obras sobre Hiroshima usavam bonecos e bebês de plástico queimados para representar os horrores do bombardeio atômico e questionar a guerra.
3) Apesar de ter enfrentado dificuldades pessoais como depressão e solidão, Farnese continuou produz
1) O artista Farnese de Andrade criava objetos a partir de materiais encontrados, como objetos descartados e partes do corpo humano, para explorar temas como a desumanização e a condição humana.
2) Suas obras sobre Hiroshima usavam bonecos e bebês de plástico queimados para representar os horrores do bombardeio atômico e questionar a guerra.
3) Apesar de ter enfrentado dificuldades pessoais como depressão e solidão, Farnese continuou produz
1) O artista Farnese de Andrade criava objetos a partir de materiais encontrados, como objetos descartados e partes do corpo humano, para explorar temas como a desumanização e a condição humana.
2) Suas obras sobre Hiroshima usavam bonecos e bebês de plástico queimados para representar os horrores do bombardeio atômico e questionar a guerra.
3) Apesar de ter enfrentado dificuldades pessoais como depressão e solidão, Farnese continuou produz
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FARNESE: a alegria difcil
Andr Luiz de Arajo 1
No texto Hbitos Estranhos, Charles Cosac diz que [...] na obra de Farnese de Andrade, em que a narrativa autobiogrfica predomina, o exerccio ocorre numa rea voltil, frgil e arenosa [...] 2 . Nesse sentido, iniciaremos apresentando algumas informaes sobre o artista, que julgamos necessrias, como chave de entendimento para suas obras.
Farnese de Andrade nasceu em Araguari, interior de Minas Gerais, em 1926. No completou o secundrio. Aos dezenove anos, matricula-se na Escola do Parque, Belo Horizonte, tendo como professor de desenho Alberto da Veiga Guignard, um dos maiores expoentes da pintura brasileira do sculo XX. Trs anos depois, muda-se com a famlia para o Rio de J aneiro e comea a trabalhar como ilustrador para publicaes como O cruzeiro, Manchete e Correio da manh. Amigo e admirador de artistas do grupo neoconcreto, como Ivan Serpa e Almir Mavigner, Farnese passa intencionalmente ao largo do movimento. Opta por prosseguir sua pesquisa individual, rejeitando a idia de uma arte explicitamente terica. Nessa poca, conhece o crtico J ayme Maurcio, de quem recebe ajuda e orientao. Em 1964 realiza seu primeiro, A grande alegria. Em 1965, retoma o desenho, criando duas sries: Erticos e Obsessivos. De 1952 a 1964, o artista participa diversas vezes do Salo Nacional de Arte Moderna e da Bienal de So Paulo. Em 1968, juntamente com Lygia Clark e Anna Letycia, representa o Brasil na Bienal de Veneza. De 1969 a 1975, passa a viver em Barcelona graas ao prmio viagem concedido pelo XIX Salo Nacional de Arte Moderna. A primeira exposio de objetos, montagens e desenhos ocorre em 1966, na carioca Petite Galerie, de Franco Terra Nova. A partir dessa data, Farnese divide seu tempo entre os desenhos e a criao dos objetos, estes configuram a sua grande descoberta. Dedicou os ltimos anos de vida produo obsessiva desses objetos, ora ao desenho, por prazer, ora pintura, por necessidade. Embora tenha exposto em Belo Horizonte poucos meses antes de sua morte, Farnese vivia quase em clausura, interrompida esporadicamente por exposies que se alternavam entre a Galeria Anna Maria Niemeyer e a Galeria So Paulo. Em 1970, Olvio Tavares de Arajo realiza, com singular virtuosismo o curta-metragem Farnese, primeiro registro srio sobre o artista. 3
Na arte contempornea, a subjetividade do artista compe a criao, que levada dimenso do sensvel transformada em potica pensante, assim sendo material vital para construo de sua obra. No caso de Farnese, podemos registrar sua infncia marcada pela morte dos irmos, pelas suas crises de tuberculose, pelo seu horror a crianas, pela sua herana mineira, pela sua homossexualidade, pelas suas depresses, pela sua solido e
1 Mestrando em Histria Social pela PUC-SP. Bolsista CNPq. E-mail: andreharaj@gmail.com. 2 COSAC, C. Farnese: Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005. p. 15. 3 Texto do catlogo de apresentao da exposio Farnese Objetos do curador Charles Cosac. 2 pelos conflitos com seus pais. O curador Charles Cosac escreve que [...] ele dizia que os nove meses de gestao eram o hotel mais caro do mundo, e que se pagava pelo resto da vida. Dizia tambm que o momento que mais sofreu foi quando viu o pai morto no caixo. 4
Para Suely Rolnik, o artista contemporneo vai alm no s dos materiais tradicionalmente elaborados pela arte, mas tambm de seus procedimentos (escultura, pintura, desenho, gravura etc.). Ele toma a liberdade de explorar os materiais mais variados que compem o mundo e de inventar o mtodo apropriado para cada tipo de explorao 5 . Ele lana a subjetividade na obra. A tcnica de colagem dos objetos desenvolvida pelo artista entendida nessa pesquisa como uma arqueologia do presente, ou seja, a obra feita de material orgnico capturado do mar, de objetos encontrados no lixo, de dejetos produzidos pela sociedade de consumo e, posteriormente, aprisionados em caixas de vidros e atomizados em polister (resina). Para o crtico de arte Frederico Morais, com esses objetos mo, Farnese exercita sua memria, exorciza fantasmas, extravasa sentimentos, viabiliza sonhos, concretiza obsesses, revela recalques e represses. Denominado por Frederico Morais como artista da corrente arqueolgica da arte contempornea, ou seja, da arqueologia existencial, sua matria prima essencial o tempo. O tempo que se revela nas matrias erodidas e carcomidas 6 . nas escavaes que o arquelogo se realiza, na descoberta da histria enterrada que se constri o sentido da vida. E o homem encontrado pelo artista est decomposto. o anuncio do puro desmanche da figura humana, da natureza e da vida. A figura humana representada na obra de Farnese em forma de boneca 7 remete-nos ao dualismo entre o que orgnico e o que morto. A construo perturbadora do artista faz pensarmos o homem como mercadoria contempornea (coisa, mercadoria e ser). Nas obras O anjo de Hiroshima [1968-1978]; Hiroshima [1966-1972]; Hiroshima [1970], o material usado para compor as assemblages so bonequinhos e bebs de plstico incinerados, boneca de porcelana, ovo de madeira, caixa de madeira, tampo de vidro, resina, placa de alumnio e oratrio. Sabemos que o bombardeio na cidade de Hiroshima no J apo ocorreu na manh do dia 6 de agosto de 1945. O Enola Gay, um avio-bombardeio B-29 especialmente adaptado pelos americanos, levava em seu interior uma bomba de
4 COSAC, C. Farnese: Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005. p. 21-23. 5 ROLNIK, S. Subjetividade em obra: Lygia Clark, artista contempornea. Revista Projeto Histria, So Paulo, n. 25, 2002. p. 45. 6 MORAES, F. Farnese de Andrade: transparncias, opacidades. Revista do MAM, So Paulo, n. 2, dez. 1999. p. 17. 7 As bonecas eram usadas pelos surrealistas Andr Masson, Salvador Dali, Hans Bellmer e Man Ray para denunciar a desumanizao e para propor novas formas anatmicas do corpo. Em suas obras, o corpo era apresentado fragmentado, dilacerado e era considerado artificial. Adaptado de: MORAES, Eliane R. O corpo impossvel. So Paulo: Iluminuras, 2002. p. 66-67. 3 urnio, batizada com o nome aparentemente inocente de Little Boy. Para os habitantes de Hiroshima era como se subitamente tivesse chegado a hora do J uzo Final. As pessoas que se encontravam nessa rea foram instantaneamente incineradas pelo calor de milhares de graus Celsius 8 . Mais qual interesse de Farnese em resgatar, dcadas depois, esse fato histrico e transform-lo em obra? Provavelmente o mesmo interesse que o pintor Siron Franco teve no retomar a tragdia radioativa que assolou Goinia, o vazamento do Csio-137. Em 1987, Siron Franco produziu uma srie de trabalhos que problematizavam as dimenses da catstrofe que se abatera sobre a cidade e principalmente sobre o bairro onde vivera sua juventude. Assim, acreditamos que, na obra de Farnese, a figura humana seja sua maior preocupao. A dimenso levada por Farnese chega a ser universal. Depois da Segunda Guerra, continuaria a Guerra Fria no mundo e as ditaduras na Amrica Latina. Esse estado de Exceo, essa atmosfera opressiva reverberou em Farnese, revelando o grande desencanto com a humanidade. Esses conflitos obrigariam o artista a remapear os sentidos. Isso significa que o poder de criao do artista se deslocaria do campo da representao para o campo da realidade. Farnese sentiria a necessidade de lembrar atravs da sua potica do estranhamento o ser sobrevivente. No mesmo ano da criao das assemblages, 1968, Farnese pinta a srie Fecundao, composta por quatro quadros, essa srie trata das etapas biolgicas da procriao humana: o ato sexual (homem e mulher); a fecundao (esperma e vulo); o embrio e o feto humano. Essa fase do artista revela-nos um otimismo para com o futuro da humanidade. Em seu texto A grande alegria, escrito em 1976, Farnese mostrava-se preocupado com a sobrevivncia. Falava-se da temida hecatombe atmica. Ele dizia:
Por que, aos que sobrevivem, ser necessariamente degenerescente essa mutao? Por que no evolutiva? Um fio de esperana para quem no cr em sistemas polticos para melhorar a humanidade. O que tem de se aperfeioar em primeiro lugar o homem. Estamos a para testemunhar a existncia das ditaduras de direita ou de esquerda, caso da sovitica, e nos desenganarmos com seus equvocos, com sua violncia, com a absoluta falta de respeito ao direito do ser humano poder ser o que deseja, pensar como quer, e proclamar bem alto isso. 9
Quando Clarice Lispector declarou, em seu livro A paixo segundo G.H., para seus possveis leitores que a personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difcil, mas chamada alegria, compreensvel entender historicamente as palavras de Benjamin, que j em 1933 havia diagnosticado com preciso essa pobreza de experincia da vida moderna.
8 Adaptado de: DIAS J R, J . A.; ROUBICEK, R. O brilho de mil sis. So Paulo: tica, 1994. (Col. Histria em Movimento). p. 45-47. 9 COSAC, C. Farnese Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005. p. 185. 4 A matria-prima da experincia em Lispector d-se na linguagem, nesse caso, no significado da palavra alegria e seu valor literrio explodido em nossa contemporaneidade. Como se a dor, a solido, a transformao fossem capazes de exorcizar os fantasmas de cada um. Textos em mutao, as narrativas de Lispector sublinharam a precariedade e o nomadismo da conscincia e da existncia, entre as aleluias e as agonias do ser. Cumplicidade de espritos movidos pela inquietude da modernidade, temos os tormentos da vida postos nas obras de Clarice Lispector e Farnese de Andrade como elementos fundamentais da alegria contempornea. Em entrevista ao jornal Ultima Hora, de 2 de maio de 1976, Farnese declarou que o ato de criao era um exerccio de grande alegria. Para ele, a alegria estava em juntar, em montar e em formar um objetivo. A criao era um ato egosta. Quando trabalhava, trabalhava para si. Se afetasse as pessoas, mal ou bem, isso para ele era secundrio. O crtico e historiador da arte Rodrigo Naves, no texto A grande tristeza, busca no antagonismo o sentido de alegria para o artista, no entanto, em Farnese, essa relao necessariamente paradoxal. No sentido benjaminiano 10 , sua obra remete-nos a pensar numa nova forma de misria que surge com esse desenvolvimento de tcnica de justaposio, nessa colagem de tempos, sobrepondo-se ao homem contemporneo. Em Farnese, a potica do estrahamento fica entre a morbidez e a sobrevivncia. Na reflexo de Rodrigo Naves,
Farnese praticamente s recorria s coisas velhas, marcadas pelo uso ou pelo tempo. Ou ento a artefatos rudimentares, objetos e imagens toscos: gamelas, ex-votos, oratrios populares. Eram objetos que o contato prolongado com os homens havia coberto de afeto e arredondado as arestas. Ou ento cujas formas pouco elaboradas remetiam diretamente s mos pouco hbeis mas fervorosas que os realizavam. As caractersticas altamente pessoais das peas com que o artista trabalhava acabavam por se transmitir s obras que o criava. E os arranjos, deslocamentos e montagens a que os submetia pareciam converter esse aspecto pessoal dos elementos que entravam em suas obras em ndices de algo ainda mais pessoal biogrfico, digamos. Porque sua interveno sobre eles conduzia obteno de construes singulares a partir de componentes j altamente individualizados. 11
Em 1966, o crtico de arte J ayme Maurcio 12 chamava-o de J oseph Cornell brasileiro, no entanto, Farnese estava alm do seu tempo e no foi compreendido pelos seus pares. Como disse Tadeu Chiarelli, Farnese poderia muito bem ser alinhado aos jovens artistas surgidos no final dos anos de 1980 e 1990. Chiarelli ainda acrescenta, [...] somente em produes como aquelas do ltimo J os Leonilson, de Rosngela Renn, Nazareth
10 BENJ AMIN, W. Experincia e pobreza. In: ______. Obras escolhidas: magia e tcnica, arte e poltica. So Paulo: Brasiliense, 1996. p. 115. 11 NAVES, R. Farnese de Andrade. So Paulo: CosacNaify, 2002. p. 12. 12 MAURCIO, J . Desafios aos artistas: a esttica da caixa. Correio da Manh, Rio de J aneiro, 10 Nov. 1996. 5 Pacheco, Rosana Monnerat, Elias Muradi, Sandra Cinto, Iolanda Gollo Mazzotti e tantos outros, notam-se os mesmos elementos narrativos que enformaram as obras de Farnese de Andrade: represso de todos os matizes, dor, solido, castrao. 13
No fim de 1973, Farnese volta da Europa. Doze dias depois de ter chegado, cai numa depresso psquica inexplicvel. Diz o artista [...] s quem sofreu essa doena sabe a diferena entre ela e uma simples fossa existencial. de uma violncia atroz, talvez o primeiro passo para a esquizofrenia. 14
O transtorno bipolar de Farnese permitiu que sua obra comunicasse simultaneamente com o so e com insano, transitasse na superfcie e na profundidade do ser e do nada, como algo pleno. Assim como no mito grego em que Ariadne atravs de um fio conduz o caminho de Teseu pelo labirinto do Minotauro, as obras de Farnese levam-nos obscuridade humana para sentirmo-nos mais humanos.
13 CHIARELLI, T. Farnese de Andrade no MAM. Revista do MAM, So Paulo, n. 2, dez. 1999. p. 8. 14 ANDRADE,F. A grande alegria. In: COSAC, C. Farnese: Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005. p. 185. 6 Referncias bibliogrficas
ANDRADE, F. A grande alegria. In: COSAC, C. Farnese: Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005.
BENJ AMIN, W. Obras escolhidas: Magia e tcnica, arte e poltica. So Paulo: Brasiliense, 1994.
CHIARELLI, T. Farnese de Andrade no MAM. Revista do MAM, So Paulo, n. 2, dez. 1999.
COSAC, C. Farnese: Objetos. So Paulo: CosacNaify, 2005.
DIAS J R, J . A.; ROUBICEK, R. O brilho de mil sis. So Paulo: tica, 1994. (Col. Histria em Movimento).
LISPECTOR, C. A paixo segundo G.H. Rio de J aneiro: Rocco, 1998.
MAURCIO, J . Desafios aos artistas: a esttica da caixa. Correio da Manh, Rio de J aneiro, 10 nov. 1996.
MORAES, E. R. O corpo impossvel. So Paulo: Iluminuras, 2002.
MORAES, F. Farnese de Andrade: transparncias, opacidades. Revista do MAM, So Paulo, n. 2, dez. 1999.
NAVES, R. Farnese de Andrade. So Paulo: CosacNaify, 2002.
ROLNIK, S. Subjetividade em obra: Lygia Clark, artista contempornea. In: Revista Projeto Histria, So Paulo, n. 25, 2002.