Este artigo discute a importância da alimentação e nutrição no contexto da atenção básica à saúde e da promoção da saúde. A Estratégia Saúde da Família e os Núcleos de Apoio à Estratégia Saúde da Família são cruciais para fortalecer a atenção básica e realizar ações de alimentação e nutrição. No entanto, existem desafios como a necessidade de equipes interdisciplinares maiores e melhor capacitadas para atender a demanda e implementar ações de forma ab
Este artigo discute a importância da alimentação e nutrição no contexto da atenção básica à saúde e da promoção da saúde. A Estratégia Saúde da Família e os Núcleos de Apoio à Estratégia Saúde da Família são cruciais para fortalecer a atenção básica e realizar ações de alimentação e nutrição. No entanto, existem desafios como a necessidade de equipes interdisciplinares maiores e melhor capacitadas para atender a demanda e implementar ações de forma ab
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Este artigo discute a importância da alimentação e nutrição no contexto da atenção básica à saúde e da promoção da saúde. A Estratégia Saúde da Família e os Núcleos de Apoio à Estratégia Saúde da Família são cruciais para fortalecer a atenção básica e realizar ações de alimentação e nutrição. No entanto, existem desafios como a necessidade de equipes interdisciplinares maiores e melhor capacitadas para atender a demanda e implementar ações de forma ab
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DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 487
ARTIGO DE REVISO / REVIEW ARTICLE
Alimentao e nutrio no contexto da ateno bsica e da promoo da sade: a importncia de um dilogo Feeding and nutrition in primary health care and health promotion: the importance of a dialogue Resumo A transio nutricional um dos maiores desafos para as polticas pblicas de sade, pois demanda um modelo de ateno pautado na integralidade e uma abordagem voltada promoo da sade, em especial na Ateno Bsica. A alimentao e a nutrio so requisitos bsicos para a promoo da sade e permitem alcanar o potencial de desenvolvimento humano. O objetivo deste artigo foi refetir sobre os campos da Alimentao e Nutrio no contexto da Ateno Bsica e da Promoo da Sade, por meio da metodologia descritivo-refexiva, reforando a necessidade de um dilogo entre essas reas, por meio da interlocuo entre seus desafos e potencialidades, para que sejam alcanados os princpios do Sistema nico de Sade. A anlise possibilitou perceber a importncia da Estratgia Sade da Famlia e dos Ncleos de Apoio Estratgia Sade da Famlia para a revitalizao da Ateno Bsica, e desta como local privilegiado para a realizao das aes de alimentao e nutrio e de promoo da sade. Essa relao apresenta potencialidades, mas tambm importantes desafos, como a necessidade de uma equipe interdisciplinar, para alm da conformao atual das equipes de sade da famlia, em nmero sufciente para atender a demanda e com qualifcao para desenvolver aes de alimentao e nutrio, visando os princpios da universalidade, integralidade e equidade e a resolutividade dos servios de sade. Palavras-chave: Alimentao. Nutrio em Sade Pblica. Ateno Primria Sade. Programa Sade da Famlia. Promoo da Sade. Viviane Rangel de Muros Pimentel 1 Maria Ftima de Sousa 2 Luciani Martins Ricardi 3 Edgar Merchan Hamann 2 1 Ncleo de Estudos de Sade Pblica - CEAM/ UnB. Universidade de Braslia. Braslia-DF, Brasil. 2 Departamento de Sade Coletiva, Faculdade de Cincias da Sade, Universidade de Braslia. Braslia-DF, Brasil. 3 Curso de Ps-graduao em Sade Coletiva, Universidade de Braslia. Braslia-DF, Brasil. Agente financiador: Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI). Nmero de processo: 2008NC000162. Correspondncia / Correspondence Luciani Martins Ricardi3 E-mail: luciani _ snp@hotmail.com DEMETRA: ALIMENTAO, NUTRIO & SADE DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 488 Introduo A transio nutricional, caracterizada pela coexistncia de defcincias nutricionais, que tm diminudo, e das doenas crnicas no transmissveis (DCNT), que tm aumentado, um dos maiores desafos para as polticas pblicas de sade atualmente, pois demanda um modelo de ateno sade pautado na integralidade e uma abordagem voltada promoo da sade. 1 Frente necessidade de novos arranjos dos servios, alm da reorganizao das aes de alimentao e nutrio desenvolvidas no sistema de sade, a Ateno Bsica (AB) e, em especial, a Estratgia Sade da Famlia (ESF), so espaos privilegiados para aes de incentivo e apoio a hbitos de vida saudveis, como aqueles relacionados prtica regular de atividade fsica e alimentao. 2,3 O acesso alimentao um direito humano que se constituiu no prprio direito vida, e a alimentao e a nutrio permitem alcanar o potencial de crescimento e de Abstract Nutritional transition is one of the major challenges for public health policies because it demands a health care model guided by integrality and health promotion, especially in Primary Health Care. Food and nutrition are the basic requirements for health promotion and they enable the achievement of the potential of human development. This paper aims to refect on the felds of food and nutrition in the context of Primary Care and Health Promotion, through descriptive and refective methodology, reinforcing the need for a dialogue between these areas, through the interlocution between its challenges and potentials, in order to attain the principles of the National Health System. The analysis made it possible to realize the importance of the Family Health Strategy and Family Health Strategy Support for the revitalization of Primary Care, and how this place is privileged for conducting food and nutrition and health promotion activities. This relationship has potential, but also important challenges such as the need for an interdisciplinary team, which goes beyond the present conformation of family health teams, in suffcient numbers to meet the demand of skills and the development of food and nutrition actions, aiming for the principles of universality, integrality and fairness and the resoluteness of health services. Key words: Feeding. Nutrition. Public Health. Primary Health Care. Family Health Program. Health Promotion. Alimentao e nutrio no contexto da ateno bsica e da promoo da sade DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 489 desenvolvimento humano com qualidade de vida e cidadania, conforme destaca a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN). 4 Esse tambm um eixo fundamental da Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS), a qual tambm traz a importncia do trabalho interdisciplinar e intersetorial, fundamentais na elevao da qualidade de vida da populao. 5 Alm disso, a poltica ressalta que o apoio ao desenvolvimento de estudos referentes ao impacto de aes voltadas alimentao na situao de sade tem sido fundamental para que se possa alcanar a promoo da sade. 6
Nesse sentido, a PNAN refora a necessidade de se manter atualizada uma agenda de prioridades de pesquisas em alimentao e nutrio, de interesse nacional e regional, pautada na agenda nacional de prioridades de pesquisa em sade, com vistas a subsidiar os processos de tomada de deciso. 4 Entretanto, persiste o desafo de desenvolver estudos e pesquisas que retratem as possibilidades de se trabalhar, de forma mais efcaz e abrangente, as aes de alimentao e nutrio nos servios de sade, principalmente no contexto da AB. Assim, o presente artigo tem como objetivo refetir sobre os campos da Alimentao e Nutrio no contexto da Ateno Bsica Sade e da Promoo da Sade, por meio da metodologia descritivo-refexiva baseada em pesquisa bibliogrfca,
reforando a necessidade de um dilogo entre essas reas, por meio da interlocuo entre seus desafos e potencialidades, para que sejam alcanados, de forma efcaz, os princpios do Sistema nico de Sade (SUS). A revitalizao da ateno bsica sade por meio da ESF e dos NASFs O histrico organizacional dos servios de sade orientados pela Ateno Bsica Sade, expresso ofcializada pelo governo brasileiro para o que, internacionalmente, se convencionou chamar de Ateno Primria Sade, foi marcado por sucessivas reconstrues, at sua consolidao como uma poltica de reforma, frente permanente crise dos sistemas de sade contemporneos. Desde a primeira metade do sculo XX, a AB vem, cada vez mais, exercendo papel fundamental na organizao das aes dos sistemas de sade de diversos pases, sendo confgurada como uma estratgia de reorientao do modelo assistencial. 7,8 Sustentada no princpio da integralidade e defnida como o primeiro nvel de ateno sade, responsvel pela articulao de aes de promoo da sade, preveno, tratamento e reabilitao de doenas e agravos, a AB tem sido compreendida como a porta de entrada preferencial ao sistema de sade e abordagem que alicera e determina o trabalho de todos os outros nveis. 9,10
Assim, demanda uma interveno ampla, para que se possa ter efeito positivo sobre a qualidade de vida da populao, o que refete a complexidade de sua atuao. 11
DEMETRA: ALIMENTAO, NUTRIO & SADE DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 490 No Brasil, a Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB), aprovada em 2006, em um contexto de descentralizao e controle social da gesto, e revisada em 2011, reforando o papel da AB na ordenao das Redes de Ateno Sade, tem a Estratgia Sade da Famlia (ESF) como estratgia prioritria de reorganizao. A ESF visa a expanso, qualifcao e consolidao do primeiro nvel da ateno, pois favorece uma reorientao do processo de trabalho, com maior potencial de aprofundar os princpios, diretrizes e fundamentos da AB e de ampliar a resolutividade e impacto na situao de sade das pessoas e coletividades, de acordo com os princpios da universalidade, integralidade, equidade e descentralizao, do SUS. 2
A implantao da ESF ocasionou um importante avano na AB brasileira. 12 Contudo, apesar de ter sido acelerada nos municpios de pequeno porte, tem sido lenta nos grandes centros urbanos, em parte devido s questes de maior complexidade, relacionadas concentrao demogrfca, ao grau elevado de excluso no acesso aos servios de sade, aos agravos de sade caractersticos das grandes cidades e metrpoles e desarticulao e m distribuio da oferta consolidada na rede assistencial. 13 Assim, a estruturao da rede de atendimento bsico ainda representa um enorme desafo nos dias de hoje. A ausncia de recursos humanos em sade com capacitao tcnica adequada e condies de trabalho atrativas constitui, ainda hoje, uma realidade na maioria dos municpios brasileiros, tornando-se grande obstculo ao bom desempenho da gesto. 9,14 Alm disso, no basta redimensionar a formao para as equipes de sade da famlia somente com maior nmero de cursos introdutrios ou horas de capacitao em treinamentos pontuais, mas redirecion-la para um processo de ensino-aprendizagem continuado, problematizado e mediado, com a colaborao de diferentes profssionais. 15 Visando apoiar e fortalecer a ESF na rede de servios, para a ampliao da abrangncia e do escopo das aes da AB, bem como sua resolutividade, o Ministrio da Sade criou, em 2008, o Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF). Constitudo por equipes compostas por profssionais de sade de diferentes reas de conhecimento, para atuarem em conjunto com os profssionais das equipes de sade da famlia, atravs do matriciamento, os NASFs atuam, de forma interdisciplinar e intersetorial, prioritariamente com aes de educao permanente, com foco no territrio sob sua responsabilidade. 16 O histrico organizacional e poltico das aes de alimentao e nutrio na ateno bsica e na promoo da sade Apesar da existncia de registros de aes governamentais brasileiras no campo da alimentao e nutrio j na dcada de 1930, houve maior fortalecimento do tema na agenda nacional a partir Alimentao e nutrio no contexto da ateno bsica e da promoo da sade DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 491 da dcada de 1970, com a criao do Instituto Nacional de Alimentao e Nutrio (INAN) e, em especial, aps a dcada de 1990, com a publicao de polticas e pesquisas na rea. A criao do INAN, em 1972, teve grande importncia, pois este tinha a fnalidade de assistir o governo na formulao da poltica nacional de alimentao e nutrio; elaborar, executar e avaliar o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio (PRONAN); e funcionar como rgo central das atividades deste campo de conhecimento. O instituto tambm era responsvel pela gesto do Programa de Nutrio em Sade e do Programa de Combate s Carncias Especfcas. A extino do INAN, em 1997, levou ao surgimento da Coordenao Geral da Poltica de Alimentao e Nutrio, atual Coordenao Geral de Alimentao e Nutrio, vinculada ao Ministrio da Sade e responsvel pela elaborao da Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN). 17 Na PNAN, aprovada em 1999, o Ministrio da Sade atestou seu compromisso, reconhecendo a alimentao e a nutrio como requisitos bsicos para a promoo e proteo da sade. A poltica tambm foi um marco para pesquisas no campo de nutrio cientfca, responsveis por infuenciar a mudana da concepo da relao entre alimentao e sade, 18 fortalecendo o reconhecimento da necessidade de investimentos na formulao, implementao e concretizao de polticas de promoo, proteo e recuperao da sade. 8 Em 2011, a PNAN foi reeditada com o propsito de melhorar as condies de alimentao, nutrio e sade, em busca da garantia da Segurana Alimentar e Nutricional da populao brasileira, consolidando-se como referncia aos novos desafos a serem enfrentados na rea, dentro do SUS. 4 Em articulao PNAB e PNAN, em 2006, foi elaborada a Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS), visando criao de mecanismos que reduzissem as situaes de vulnerabilidade, defendendo a equidade e incorporando a participao e o controle social na gesto das polticas pblicas. A PNPS trouxe, como eixos estratgicos, a promoo da alimentao saudvel com vistas promoo de aes relativas alimentao saudvel, realizao da intra e da intersetorialidade, implementao das aes de vigilncia alimentar e nutricional e reorientao dos servios de sade, com nfase na AB. 6 Outro marco importante, j em 2009, foi a publicao da Matriz de aes de alimentao e nutrio na Ateno Bsica de Sade, publicada no ano seguinte criao dos NASF. Veio com o objetivo de sistematizar e organizar as aes de alimentao e nutrio e do cuidado nutricional, para integrarem o rol de aes de sade desenvolvidas no mbito da AB, visando ao aperfeioamento da ao governamental, em especial no que tange s trs polticas: PNAN, PNAB e PNPS. 3 Atualmente, vrias aes, na rea de alimentao e nutrio vm sendo implementadas pelo governo brasileiro. Jaime et al. 19 destacam as aes de Vigilncia Alimentar e Nutricional, com o uso do Sistema de Vigilncia Alimentar e Nutricional; de Promoo da Sade e da Alimentao DEMETRA: ALIMENTAO, NUTRIO & SADE DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 492 Saudvel, com a implementao do Guia Alimentar para a Populao Brasileira, da Estratgia Nacional para a Alimentao Complementar Saudvel e do Programa Sade na Escola; e de controle e preveno da obesidade, doenas crnicas e defcincias de micronutrientes, com foco na anemia ferropriva e hipovitaminose A. Alimentao e nutrio na ateno bsica sade: potencialidades e desafos Na busca por um modelo de ateno integral sade da populao, fazem-se necessrias mudanas na organizao das prticas e dos servios, com transformaes dos saberes e do processo de trabalho. 20 Para isso, no se deve desvalorizar uma rea do conhecimento em detrimento de outra, mas o contrrio, partindo do pleno reconhecimento das especifcidades que cada rea possui, preciso pensar em aes conjuntas, integradas e inter-relacionadas de profssionais de diferentes reas, no intuito de superar a fragmentao do conhecimento ainda presente nos servios de sade oferecidos na AB. importante que o profssional assuma seu papel de agente promotor da sade, superando o paradigma de olhar a doena apresentada pelo usurio, e passando a contemplar o sujeito de forma plena, integral e contnua, associando saberes e prticas. 18 Nesse sentido, tem-se avanado com programas como o Pr-Sade e o PET-Sade, que propem reorientar a formao dos profssionais de sade, perpassando as reformas curriculares e possibilitando maior integrao ensino-servio. 21,22 crucial, tambm, para a garantia da integralidade da ateno, avaliar os problemas encontrados e prover os recursos necessrios, o que requer a integrao dos servios por meio de redes de ateno sade, sem precisar desrespeitar a interdependncia entre atores e organizaes, uma vez que nenhuma delas possui a totalidade dos recursos necessrios para a resoluo dos anseios e demandas de uma populao. 23 Assim, o acesso aos diferentes nveis de ateno sade deve ser universal, integral, contnuo e de qualidade, contribuindo para o desenvolvimento de relaes de vnculo e responsabilizao entre as equipes e os usurios. Tambm so importantes a valorizao dos profssionais e a avaliao e acompanhamento dos resultados, bem como o estmulo participao e controle social. 3
No contexto da nutrio, os perfs epidemiolgico e nutricional atuais tm composto um mosaico de agravos sade na populao brasileira, levando a um despertar dos especialistas e das autoridades governamentais frente necessidade de polticas que correspondam e supram as demandas advindas desse cenrio. 24 Diante disso, o desenvolvimento de aes de promoo das prticas alimentares saudveis na AB, em especial por meio da ESF, tem sido apontado como importante estratgia para enfrentar a nova realidade no campo da sade. 3,25,26
So notrios os avanos advindos dos esforos do Estado brasileiro, dentre os quais se destacam: a consolidao da PNAN; o aumento da oferta de aes de nutrio na AB, especialmente aps Alimentao e nutrio no contexto da ateno bsica e da promoo da sade DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 493 implantao do NASF; a incluso da temtica alimentar e nutricional cada vez mais presente em estudos e publicaes cientfcas; e o monitoramento das aes, por meio do Sistema de Vigilncia Alimentar e Nutricional. Porm, para que as aes de alimentao e nutrio ofertadas possam suprir a demanda existente nos servios de sade, ainda existem ns crticos importantes. Coutinho et al. 1 mencionam a necessidade de fortalecer a rede de nutrio no SUS, institucionalmente, nas trs esferas de governo, para que se possa implementar uma agenda nica de nutrio, focada na promoo da alimentao saudvel. Nesse sentido, ainda preciso avanar rumo consolidao, expanso e universalizao das aes propostas para a AB no Brasil, como no acompanhamento da Vigilncia Alimentar e Nutricional e do Programa Bolsa Famlia, no enfrentamento das defcincias de micronutrientes e na preveno e controle das doenas crnicas. 19
H dez anos, Assis et al. 5 destacaram que o objetivo de promover a sade, especialmente no Brasil, no seria alcanado sem que aes efetivas, na rea da vigilncia e da assistncia alimentar e nutricional, fossem implementadas de forma articulada a um sistema de vigilncia sade. Alm disso, os autores questionaram os possveis rumos que uma reforma da AB teriam, sem a integrao da nutrio e do nutricionista em sua prtica. Possivelmente, a ateno sade continuaria centrada na velha hegemonia do conhecimento mdico. Portanto, a refexo sobre a insero do nutricionista nas equipes da ESF se faz necessria. Geus et al. 27 enfatizam que essa insero fundamental para a promoo da sade da populao em todas as fases da vida, na abordagem dos aspectos de alimentao saudvel, segurana alimentar, cidadania e direito humano alimentao adequada. A ausncia do nutricionista na equipe confronta-se com o princpio da integralidade das aes de sade, j que este profssional quem possui formao acadmica para atuar na rea de alimentao e nutrio dentro das comunidades e a abordagem do tema perpassa as aes de promoo e recuperao da sade e preveno e tratamento de doenas. O profssional nutricionista ainda no faz parte das equipes bsicas de sade da famlia, porm pode exercer o matriciamento das aes de alimentao e nutrio nas equipes do NASF. 28 Esse matriciamento representa uma potencialidade, mas traz consigo o desafo da apropriao das aes de alimentao e nutrio por outros profssionais de sade, respeitando-se competncias e atribuies especfcas. Isso remete importncia da formao de profssionais aptos a colocar em prtica as aes propostas para a AB. 19 Entretanto, a implantao desses ncleos ainda se mostra incipiente, sendo necessrio fortalec-los e ampli-los para facilitar o atendimento s demandas mdico-sociais que, ainda hoje, fcam represadas na Unidade de Sade da Famlia. 15 De forma geral, cada NASF 1 deve realizar suas atividades vinculado a, no mnimo, oito e, no mximo, 15 equipes de Sade da Famlia. 2 Em 2012, de acordo com a Sala de Apoio Gesto Estratgia, do Ministrio da Sade, havia 1.929 NASFs em funcionamento. No ano anterior, havia 1.564 equipes, com implantao dos NASFs em apenas 1.330 municpios brasileiros. 29 DEMETRA: ALIMENTAO, NUTRIO & SADE DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 494 O nutricionista apenas um dos 20 profssionais do rol que podem compor os NASFs, sendo esta composio defnida pelos gestores municipais. 2 Essa fexibilidade na escolha dos profssionais visa permitir que as aes sejam planejadas de acordo com a realidade local, com base no territrio, constituindo, de fato, um planejamento ascendente. Isso representa uma grande potencialidade, sobretudo quando se consideram o modelo federativo brasileiro e a estruturao da rede de ateno sade, com a AB como ordenadora. Por outro lado, a condio de escolha tambm traz desafos que ainda devem ser superados, pois no garante que esse critrio de prioridade seja utilizado, podendo a escolha e a contratao dos profssionais serem utilizadas para outros interesses, como interesses polticos, e at mesmo como moeda de troca de favores. Tambm a promoo sade coloca-se como um desafo, no sentido de avanar na consolidao de um modelo intersetorial, com aes para alm do espao fsico das Unidades Bsicas de Sade. A promoo traz consigo uma nova lgica de enfrentamento no processo de sade-doena, considerando os determinantes sociais de sade, que englobam aspectos sociais, econmicos, culturais, tnico-raciais, psicolgicos e comportamentais. 30 A intersetorialidade uma das vertentes das aes de Alimentao e Nutrio na AB, com a integrao das aes dos diferentes setores presentes no territrio, em especial, Educao e Assistncia Social. Pode-se citar, como exemplo, o atendimento s famlias benefcirias do Programa Bolsa Famlia. 19 Como apontam Ferreira e Magalhes, 31 a proposta de promoo traz consigo novas exigncias em relao ao modelo de ateno e formao acadmica, com necessidade de romper a fragmentao tecnicista tradicional, e no que tange ao fortalecimento das parcerias e inovao das prticas alimentares voltadas construo da cidadania alimentar. Por fm, outra questo a ser superada diz respeito ao direcionamento das pesquisas relacionadas nutrio no mbito da AB no Brasil. A conduo de estudos que avaliem a prtica profssional, as percepes e a educao permanente de profssionais de sade da AB so de grande relevncia. Apesar da produo na rea ser crescente, os estudos relacionados avaliao de programas de alimentao e nutrio, no geral, no tratam do impacto, mas apenas de sua implementao. necessria ainda uma descentralizao das pesquisas, bem como uma abrangncia maior dos temas que envolvem a alimentao e nutrio na AB. 32
Consideraes fnais H dcadas, a sade deixou de ser vista apenas como a ausncia de doena e seu conceito se tornou mais amplo, senda considerada um recurso para a vida e no como o objetivo de viver. 33
Tambm passou a se pensar no bem-estar fsico, social e psicolgico. Dessa forma, no possvel pensar em AB e ESF sem pensar em aes de Promoo da Sade, pois se perderia seu papel primordial, de proposio de um novo modelo de ateno integral sade, e se reforaria aquele Alimentao e nutrio no contexto da ateno bsica e da promoo da sade DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 495 centrado na enfermidade. O processo de trabalho diferenciado da ESF, voltado ao contato com a realidade e criao de vnculo com a comunidade, favorece a qualidade de vida da populao e torna-se espao privilegiado para a realizao das aes de alimentao e nutrio, na perspectiva do Direito Humano Alimentao Adequada. Assim, as polticas de AB, alimentao e nutrio e promoo da sade relacionam-se de forma interdependente e precisam ser trabalhadas de forma articulada, para que se possa implementar uma agenda nica, voltada para a promoo de hbitos de vida saudveis, considerando-se os determinantes sociais da sade e a complexidade dos comportamentos humanos. Para isso, a presena de uma equipe multi e interdisciplinar, para alm da conformao atual das equipes de sade da famlia, centradas, muitas vezes, no mdico, essencial. Todos os profssionais devem ser promotores da sade e uma equipe ampliada na AB, com outros saberes com nutricionistas, profssionais de educao fsica, fonoaudilogos, psiclogos, pedagogos, comuniclogos e tantos outros traria grandes avanos rumo aos princpios da universalidade, da integralidade, da equidade e da resolutividade. E no basta somente ter os profssionais na rede, preciso que seja em nmero sufciente para atender a demanda e realizar as aes que o SUS se prope, o que se torna difcil com os profssionais inseridos apenas nas equipes do NASF, realizando prioritariamente o matriciamento, muitas vezes, de um nmero grande de equipes de sade da famlia. O matriciamento possui grande relevncia na AB, pois as aes de alimentao e nutrio e a promoo da alimentao saudvel devem ser transversais, como parte da rotina de trabalho dos profssionais da equipe de sade. Porm, aes mais especfcas so muito relevantes e importante que o contato dos usurios com o profssional nutricionista no se d apenas depois da instalao das patologias, pois, nesse caso, seria a continuidade de um modelo curativista, pautado na doena, e o papel do nutricionista como promotor da sade, diretamente, estaria em segundo plano ou, muitas vezes, nem acontecendo. O nutricionista tem importante papel para subsidiar a populao com informaes relativas Educao Alimentar e Nutricional. Porm, pensar uma alimentao saudvel vai alm das escolhas individuais. A alimentao infuenciada por questes relacionadas agricultura, educao, economia, aos hbitos familiares e comunitrios, religio e a muitos outros fatores, objetivos e subjetivos, conscientes e inconscientes. Enfm, refete os modos de andar a vida das pessoas e das comunidades. E, nesse aspecto, a presena do nutricionista na Ateno Bsica se faz bastante importante, pois esse o local mais prximo de onde as pessoas vivem e convivem. importante conhecer todo o contexto para que se possa agir, favorecendo-o. Para alm da carncia e da suplementao de um nutriente, por exemplo, preciso conhecer toda uma cadeia que est por trs, desde a produo dos alimentos at o acesso por parte da comunidade. Esse trabalho deve ser feito pelos profssionais da equipe de sade, e ter algum com uma formao especfca na rea de alimentao e nutrio pode enriquecer ainda mais o trabalho. DEMETRA: ALIMENTAO, NUTRIO & SADE DEMETRA; 2013; 8(3); 487-498 496 Alm disso, necessrio que o trabalho seja feito em conjunto com a comunidade, que esta tambm possa participar ativamente dos processos de construo, com seus saberes, suas tradies e seus hbitos, favorecendo a sustentabilidade das aes. H um movimento crescente para que os profssionais da Ateno Bsica conheam, de fato, a comunidade em que realizam seu trabalho e para que o Nutricionista realize aes alm do atendimento nutricional de forma individualizada, sendo um articulador com o mercado produtivo, com os movimentos sociais, com os diversos setores, atuante nas arenas polticas. Por fm, a formao e os processos de educao continuada e permanente dos profssionais de sade precisam ser repensados, e, no contexto da nutrio, imprescindvel e estratgica a qualifcao de gestores e trabalhadores de sade para implementao de polticas, programas e aes voltados ateno e vigilncia alimentar e nutricional, promoo da sade e da alimentao adequada e saudvel e segurana alimentar e nutricional, para que se possa enfrentar os agravos e problemas decorrentes do atual quadro social, epidemiolgico e nutricional brasileiro. Agradecimentos Ao Ncleo de Estudos de Sade Pblica, do Centro de Estudos Avanados Multidisciplinares, da Universidade de Braslia. Referncias 1. Coutinho JG, Gentil PC, Toral N. A desnutrio e obesidade no Brasil: o enfrentamento com base na agenda nica da nutrio. Cad Saude Publica. 2008;24(supl. 2):332-40. 2. Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Poltica Nacional de Ateno Bsica. Braslia: Ministrio da Sade; 2012. 3. Brasil. 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