Abreucr,+Demetra+13-1 Por 02.+28663 Rita
Abreucr,+Demetra+13-1 Por 02.+28663 Rita
Abreucr,+Demetra+13-1 Por 02.+28663 Rita
DOI: 10.12957/demetra.2018.28663
Abstract
Nutritional care contributes to the individual being an agent
of his food choices, aware of the benefits of healthy eating. It
should be guided by documents such as the Marco de Referência
de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas [Food
and Nutrition Education Framework for Public Policies]. This article
aims to reflect on nutritional care, discussing relevant concepts
such as food and nutrition education, the determinants of dietary
pattern, counseling, and how the Framework can contribute with
this process. The main interface points between this document
and nutritional care are the need to understand the interactions
and meanings that determine feeding behavior, and care should
not focus only on biological aspects of nutrition. Emphasis is
placed on the professional’s proper posture as an educator, which
favors the opening of dialogue and contributes to empowerment,
promotion of self-care and generation of autonomy concerning
eating behavior. Considering the complexity of food choices,
instruments that collaborate with counseling and food and
nutrition education can significantly contribute to democratic
access to healthy food.
Introdução
De acordo com a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN),1 a Educação Alimentar e
Nutricional (EAN) compõe o elenco de estratégias fundamentais para a promoção da alimentação
adequada e saudável, sendo fundamental no processo de atendimento nutricional. E, apesar do
progresso histórico nas ações no campo da EAN, constatou-se a necessidade de ampliar a discussão
sobre as possibilidades, limites e modos como é realizada nos diversos ambientes e contextos.
Assim, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome coordenou e publicou o Marco
de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas,2 documento norteador
que tem como objetivo promover um campo comum de reflexão e orientação da prática.
Na Epidemiologia das Doenças Crônicas, a alimentação é considerada importante fator
etiológico modificável e uma das principais causas da obesidade.3 Estratégias que envolvam a
alimentação como forma de promoção de saúde são imprescindíveis para a efetividade de políticas
para a vida saudável4,5 e devem ser pautadas na prática da educação alimentar e nutricional (EAN),
viabilizadas pelo atendimento nutricional.
O atendimento nutricional pode ser definido como o ato de prestar assistência em relação à
alimentação e nutrição de um indivíduo, grupo ou população. Tem como meta viabilizar condutas
que venham promover um padrão alimentar que contribua com a qualidade de vida e que atenda
às necessidades e recomendações nutricionais.
A demanda para o atendimento nutricional tem crescido nos últimos anos e ocupa importante
papel na promoção de saúde, prevenção e tratamento de doenças. A busca por uma alimentação
saudável tem levado a população a procurar por aconselhamento, a fim de rever seus hábitos
alimentares e selecionar os alimentos consumidos.
É importante destacar que a educação alimentar e nutricional deve considerar as diversas
dimensões da alimentação e elementos que compõem o comportamento alimentar. Muito se
conhece sobre os aspectos que são relevantes e determinam o consumo, mas pouco se utiliza no
processo de atendimento. Hábitos são influenciados por determinantes complexos e dinâmicos
que interagem, e a alimentação deve ser entendida não apenas pela contribuição biológica, mas
pelo conjunto das necessidades biopsicossociais que pode representar.
Assim, este artigo se propõe a refletir sobre o atendimento nutricional, apresentando e
discutindo conceitos e pontos de intersecção sobre os temas de Educação Alimentar e Nutricional
apresentados no Marco de referência,2 bem como os determinantes de consumo e os processos de
aconselhamento nutricional nas quais se processam as ações do atendimento nutricional.
fato de que nutricionistas não vinham desenvolvendo as práticas de forma suficientemente acessíveis
às demandas da sociedade, sendo, portanto, indicada a abertura de ação para outros profissionais.
Sobre a formação dos profissionais da área da saúde, apontam-se desafios a serem superados,
uma vez que são insuficientes os métodos de ensino relacionados à educação alimentar e nutricional
(EAN) e observa-se pouca articulação entre o estudo da Ética, Filosofia, Sociologia e Antropologia
e os aspectos biológicos da Alimentação e Nutrição. Além disso, há predominância da abordagem
biomédica e de estruturas curriculares que não vislumbram que a abordagem de EAN aconteça
de forma transversal entre os componentes curriculares.2
Alguns desses desafios foram apontados por Boog11 na formação do nutricionista, que destacou
predomínio do estudo das ciências biológicas e desvalorização das ciências humanas. Segundo
Navolar et al.,12 a ciência da Nutrição, por estar inserida no modelo “biologicista” e com foco
na doença e no risco, apresenta práticas interventivas restritivas que transformam a EAN em
prescrições de alimentos e suplementos, desarticulando a abordagem do contexto social do sujeito
com suas crenças e história.
Para Santos,13 a abordagem dos aspectos culturais da alimentação presente no Marco é
extremamente relevante, pois permite um “alargamento das formas de ver e pensar a tríade do
comer, alimentar e nutrir e como elas dialogam com as dimensões forjadas pela biomedicina, eixo
central da Ciência da Nutrição desde seu nascimento” (p. 597).
Uma análise de publicações referentes a ações em Educação Alimentar e Nutricional (EAN)
reconhece que há avanços na busca da integralidade do sujeito na sua dimensão biopsicosocial,
com importante contribuição da Psicologia em contraponto ao modelo biomédico vigente. No
entanto, ainda predomina a abordagem fragmentada entre os conhecimentos da área biomédica
e das ciências humanas comportamentais, com abordagens pautadas em informações dietéticas,
nutrientes e grupos alimentares.9,10
Frente a esses desafios, o Marco2 apresenta uma agenda pública voltada para a formação
profissional, estudos e pesquisas na qual se destacam as ações para extensão, que valorizem a
articulação entre saberes populares, comunidades tradicionais e conhecimento técnico-científico.
Nesse contexto, a nova versão do Guia Alimentar para a População Brasileira14 foi elaborada, tendo
em vista o atendimento aos princípios e diretrizes estabelecidos pelo Marco, configurando-se como
instrumento para apoiar ações de educação alimentar e nutricional.
A publicação do Marco2 é um importante passo para direcionar reflexões sobre EAN nos
diversos setores da sociedade e campos de ação. No entanto, apresenta-se como um documento
inacabado e em contínuo processo de construção, uma vez que haverá desdobramentos próprios
que, a partir das novas experiências, aprendizados, princípios e saberes, poderão ser incorporados
na prática do atendimento nutricional.
Na prática, pouco se questiona e se identifica sobre os fatores que influenciam nas escolhas
alimentares representadas pelas interações e significados que compõem o comportamento e o
sistema alimentar na sua integralidade. Esse evento foi observado no estudo de Cervato-Mancuso
et al.10 Os autores relataram que, dentre os estudos de intervenção educativa analisados, a maioria
remetia aos indicadores quantitativos, especialmente sobre consumo alimentar e verificação
antropométrica, ficando em segundo plano as questões comportamentais.
Além da anamnese, faz parte do processo de atendimento nutricional o aconselhamento
dietético, definido por Rodrigues et al.26 como
[...] uma abordagem de educação nutricional, efetuada por meio do diálogo entre o cliente portador de
uma história de vida - que procura ajuda para solucionar problemas de alimentação - e o nutricionista,
preparado para analisar o problema alimentar no contexto biopsicossociocultural da pessoa, que a
auxiliará a explicitar os conflitos que permeiam o problema, a fim de buscar soluções que permitam
integrar as experiências de criação de estratégias para o enfrentamento dos problemas alimentares
na vida cotidiana, buscando um estado de harmonia compatível com a saúde (p. 127).
Embora o Marco2 faça referência ao “uso de recursos educacionais” e que seja sabida a
importância da escolha de materiais adequados e estratégias educativas adaptadas segundo recursos
físicos e humanos, o documento não infere sobre materiais ou recursos didáticos que possam ser
utilizados nos processos educativos.
Para Santos,13 o Marco traz à tona a necessidade de reflexão sobre como pensar na formação
de profissionais que possam atuar em práticas educativas que acontecem em um mundo real no
qual os eventos não podem ser controlados, tais como os experimentos laboratoriais. O desafio é
construir indicadores quantitativos e qualitativos pertinentes ao campo que envolve a educação,
exigindo dos pesquisadores a “disposição de lidar com o ineditismo da experiência humana e
estar implicados com sua prática de pesquisa” (p. 599).
No processo de aconselhamento, é preciso assumir o desafio de exercer o papel de educador,
contemplando a preocupação com as representações sobre o comer e a comida, a busca de autonomia
e a aplicação de abordagens problematizadoras, além da abertura de diálogo e construção coletiva
de uma proposta dietética na qual o indivíduo seja o agente de sua transformação e permita a
adoção de comportamentos que contribuam para a sua saúde.9,11,13
Considerações finais
A Educação Alimentar e Nutricional se apresenta como uma das estratégias fundamentais para a
prevenção e controle dos problemas alimentares e nutricionais contemporâneos, sendo fundamental
no processo de atendimento nutricional. No entanto, o atendimento e o aconselhamento dietético
são práticas complexas e desafiadoras que exigem extrapolar a dimensão da informação correta e
ampliar sua ação para o contexto biológico, psicológico, social e cultural do indivíduo. A riqueza
dessa prática está em promover mudanças no pensar, no sentir e no agir.
Nesse contexto, o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas2
vem propiciar maior reflexão sobre a importância do atendimento nutricional na promoção da
saúde da população brasileira e, segundo o documento, “a promoção da alimentação adequada e
saudável é a expressão da cidadania e fator protetor da vida” (p. 36).
É preciso reduzir o hiato que existe entre as informações disponíveis sobre alimentação e o
estado de saúde e nutrição da população. Se, por um lado, as informações sobre alimentação
saudável têm sido amplamente divulgadas, por outro, a epidemia da obesidade e de outras
doenças crônicas vem apresentando progressivo aumento em todas as idades. Tal descompasso
induz ao questionamento de como estratégias de prevenção vêm sendo aplicadas e quais favorecem
efetivamente a incorporação de novos hábitos alimentares. Dentre as estratégias reconhecidas,
o aconselhamento dietético vem sendo apontado como uma prática eficaz e fundamental para a
adoção de atitudes voltadas para o cuidado que o indivíduo tem com si próprio.
Porém, para uma análise mais efetiva da aplicação dos princípios do Marco no atendimento
nutricional, é necessário ampliar a publicação de estudos que adotem descrição metodológica
que apresentem os elementos suficientes para a compreensão e interpretação de todo o percurso
educativo, incluindo agentes, estratégias educativas, sistemas de avaliação e observação dos aspectos
comportamentais.
Uma orientação bem planejada e individualizada deve permitir que o indivíduo seja agente
de suas escolhas, consciente dos benefícios de hábitos saudáveis e, gradativamente, tenha uma
alimentação que permita promover a saúde e reduzir o risco de doenças.
O atendimento nutricional implica compromisso e deve ser fornecido de forma presencial,
continuada, sistematizada e documentada, com a participação ativa do indivíduo, para obtermelhor
qualidade de vida. Espera-se que o Marco venha a ser um instrumento que contribua com o objetivo
de garantir o acesso à alimentação saudável.
Colaboradores
Macedo IC e Aquino RC realizaram em conjunto a redação do texto e a revisão crítica final.
Conflito de interesses: as autoras declaram não haver conflitos de interesses.
Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da
Saúde; 2012.
2. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação
alimentar e nutricional para políticas públicas. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
3. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneve: WHO;
2003. WHO technical report series, 916.
4. Cotta RMM, Reis RS, Batista KCS, Dias G, Alfenas RC, Castro FAF. Hábitos e práticas alimentares
de hipertensos e diabéticos: repensando o cuidado a partir da atenção primária. Rev Nutr. 2009;
22(6):823-835.
5. Vieira CM, Cordeiro SN, Magdaleno Júnior R, Turato ER. Significados da dieta e mudanças de
hábitos para portadores de doenças metabólicas crônicas: uma revisão. Cienc Saúde Colet. 2011;
16(7):3161-3168.
6. Brasil. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Princípios e diretrizes de uma
Política de Segurança Alimentar. Brasília: CONSEA; 2004.
7. Schneider OMF, Neves AS. Conversas sobre formar fazer a nutrição: as vivências e percursos da
Liga de Segurança Alimentar e Nutricional. Interface. 2014; 18(4S):187-194.
8. Santos LA. Educação nutricional no contexto de promoção de práticas alimentares saudáveis. Rev
Nutr. 2005; 18(5):681-692.
9. Santos LA. O fazer educação alimentar e nutricional: algumas contribuições para reflexão. Cienc
Saúde Colet. 2012; 17(2):453-462.
10. Cervato-Mancuso AM, Vincha KRR, Santiago DA. Educação Alimentar e Nutricional como prática
de intervenção: reflexão e possibilidades de fortalecimento. Physis 2016; 26(1):225-249.
11. Boog MCF. Educação nutricional: passado, presente e futuro. Rev Nutr.1997; 10(1):5-19.
12. Navolar TS, Tesser CDS, Azevedo E. Contribuições para a construção da nutrição complementar
integrada. Interface – Comunic Saúde Educ. 2012; 16(41):515-527.
13. Santos LA. Avanços e desdobramentos do marco de referência da educação alimentar e nutricional
para as políticas públicas no âmbito da universidade e para os aspectos culturais da alimentação. Rev
Nutr. 2013; 26(5):595-600.
14. Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da
Saúde; 2014.
15. Garcia RWD. Representation on food intake and its implications in nutritional investigations:
qualitative study with subjects submitted to dietary prescriptions. Rev Nutr. 2004; 17(1):15-28.
16. Poulain JP, Proença RPC. O espaço social alimentar: um instrumento para o estudo dos modelos
alimentares. Rev Nutr. 2003; 19(3):245-256.
17. Poulain JP. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Florianópolis:
Editora UFSC; 2004.
18. Quaioti TC, Almeida SS. Determinantes psicobiológicos do comportamento alimentar: uma ênfase
em fatores ambientais que contribuem para a obesidade. Psicol USP 2006; 17(4):193-211.
19. Rossi A, Moreira EAM, Rauen MS. Determinantes do comportamento alimentar: uma revisão com
enfoque na família. Rev Nutr. 2008; 21(6):739-748.
20. Viana V, Santos PL, Guimarães MJ. Comportamento e hábitos alimentares em crianças e jovens:
uma revisão da literatura. Psicol Saúde e Doenças 2008; 9(2):209-231.
21. Fonseca BF, Souza TSN, Frozi DS, Pereira RA. Modernidade alimentar e consumo de alimentos:
contribuições sócio-antropológicas para a pesquisa em nutrição. Cienc Saude Colet. 2011;
16(9):3853-3862.
22. Jamori MM, Proença RPC, Calvo MCM. Determinantes de escolha alimentar. Rev Nutr. 2008;
21(1):63-73.
23. Brasil. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução CFN 380, de 28 de dezembro de 2005. Dispõe
sobre a definição das áreas de atuação do nutricionista e suas atribuições, estabelece parâmetros
numéricos de referência, por área de atuação, e dá outras providências. Diário Oficial da União 10
jan. 2006; 1(7):66-71. Retificada Diário Oficial da União 10 ago. 2006; 1(153):52.
24. Aquino RC, Philippi ST. Nutrição clínica: estudos de casos comentados. Barueri: Manole; 2009.
25. Guimarães AF, Galante AP. Anamnese nutricional e inquéritos dietéticos. In: Rossi L, Caruso L,
Galante AP. Avaliação nutricional: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.
26. Rodrigues EM, Soares FPTP, Boog MCF. Resgate do conceito de aconselhamento no contexto do
atendimento nutricional. Rev Nutr. 2005; 18(1):119-128.
27. Freire P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra; 1996.
28. Figueiras SL, Deslandes SF. Avaliação das ações de aconselhamento: análise de uma perspectiva de
prevenção centrada na pessoa. Cad Saúde Pública 1999; 15(Sup. 2):121-131.
29. Sales CMB, Figlie NB. Revisão de literatura sobre a aplicação da entrevista motivacional breve em
usuários nocivos e dependentes de álcool. Psicol Estud. 2009; 14(2):333-340.
30. Toral N. Estágios de mudança de comportamento e sua relação com o consumo alimentar de
adolescentes [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública; 2006.
31. Castro IRR, Souza TSN, Maldonado LA, Caniné ES, Rotenberg S, Gugelmin SA. A culinária na
promoção da alimentação saudável: delineamento e experimentação de método educativo dirigido a
adolescentes e profissionais das redes de saúde e de educação. Rev Nutr. 2007; 20(6):571-588.