Sobre Sujeito em Touraine
Sobre Sujeito em Touraine
Sobre Sujeito em Touraine
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O sujeito e o indivduo na
perspectiva de Alain Touraine
Marilia Verssimo Veronese
Doutora em Psicologia Social (Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul)
Professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos
mariliavero@yahoo.com.br
Resumo
Este artigo tem o intuito de discutir, a partir da perspectiva mais recente de Alain
Touraine, o desenvolvimento dos processos de subjetivao na contemporaneidade.
Busca-se compreender como as mudanas atuais na forma de perceber e estar no
mundo influenciam a constituio do sujeito. Para isto, analisamos de que maneira
o autor distingue os conceitos de indivduo e sujeito, assim como a importncia da
relao existente entre a subjetividade humana nas suas manifestaes singulares e os
movimentos sociais e lutas por emancipaes, travadas pelos diversos grupos e comunidades.
Palavras-chave: indivduo; sujeito; movimentos sociais.
Introduo
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Pr-Moderno
Moderno
Futuro (enfoque no destino;
linha ascendente, espiral e
linear)
Ps-Moderno
CONDUTAS
Passado (movimento
cclico de retorno)
RELAO COM O
TRANSCENDENTE
Religio
Crise da razo
Razo (desencanto do mundo) (reencantamento do mundo;
mltiplas razes)
CAMINHO DA
FELICIDADE
Mstico contemplativo
CONCEPO DE
ORDEM SOCIAL
Hierrquica
Princpio de igualdade
(que se transformou em
homogeneidade)
PRINCPIOS DE
VNCULAO
Afetividade
Funcionalidade
PRINCPIOS DE
LEGITIMIDADE DA
REALIDADE
Teologia
Metarrelato explicativo
Mltiplos relatos e realidades
(concepes estruturalistas
(relativizao das escalas de
como comunismo, capitalismo
valores e verdades)
etc)
RELAO MUNDO
PESSOA
Particular
Universal
Diferena (a multiplicidade
que torna todos iguais, todos
mltiplos)
Neoafetividade
(compartilhamento de coisas
comuns)
Relativista
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Contudo, Touraine, em contraposio a esse pensamento, aponta que somente atravs desse voltar-se
a si mesmo que a pessoa liberta-se das amarras que a
prendem. dessa perspectiva que o autor far a distino entre o sujeito e o indivduo. Para Touraine, o
indivduo, de maneira geral, aquele moldado pelos
padres sociais, uma figura que no passa de uma tela
em branco onde so depositados desejos, necessidades,
mundos imaginrios a serem consumidos. Em contraposio, o sujeito aquele que se revolta contra essa situao, o devir combatente, rebelde, que se volta para
si no intuito de buscar a nica verdade possvel: a sua.
Parece-nos que a aposta de Touraine em buscar
algo de resistncia na atitude de voltar-se a si mesmo
provm justamente de sua viso no fatalista da realidade social. Apostando que ao lado de toda fora
que aprisiona constitui-se uma fora de resistncia,
o autor busca a cartografia daquilo que considera o
mais original em cada ser, e, consequentemente, o
mais livre e potencialmente transformador da realidade social.
O indivduo e o sujeito
Para Touraine, o sujeito evoca a ideia de luta social, semelhante de conscincia de classe, contudo
enquanto esfera individual. O sujeito, portanto, configura-se como parte ntima de cada ser que possui
como movimento a resistncia, o confronto, o debate.
S nos tornamos plenamente sujeitos quando aceitamos como nosso ideal reconhecer-nos e fazer-nos
Soc. e Cult., Goinia, v. 14, n. 2, p. 419-426, jul./dez. 2011.
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reconhecer enquanto indivduos como seres individuados, que defendem e constroem sua singularidade, e dando, atravs de nossos atos de resistncia, um
sentido a nossa existncia. (Touraine, 2006, p. 123)
Sobre o individualismo contemporneo, podemos afirmar sua origem mais recente nos mecanismos especificamente modernos. Toda a base do pensamento moderno est definida segundo uma razo
progressista, segundo a capacidade de um ser cognitivo que consegue, de forma deslocada do contexto,
colocar a si mesmo como nico fim. Cogito ergo sum
seria a mxima moderna, a frase sntese da concepo de si que teve a modernidade como epistemologia
( Jovchelovitch, 2004).
Visto que raramente encontramos figuras que se
posicionam de maneira plena em seu aspecto sujeito, como se estabelece essa relao entre indivduo
e sujeito? Primeiramente importante apontar que
sempre, em menor ou maior grau, existe um sujeito
em cada indivduo, e a isto Touraine (2006, p. 121)
Portanto, a relao existente entre esses dois aspectos, sujeito e indivduo, apresenta-se como processo complexo de codependncia. Dessa forma, no
possvel pensar, ou mesmo teoricamente almejar,
uma sociedade de plenos sujeitos. Podemos dizer que
o indivduo representa uma plataforma de manifestao do sujeito, assim como o sujeito garante maior ou
menor espao de atuao do indivduo.
Existem ainda algumas questes a respeito do
sujeito que devemos levar em considerao. Primeiramente, o sujeito no se caracteriza como figura secularizada da alma, como presena de uma realidade sobre-humana, divina ou comunitria, mas sim
como a fora de reivindicao de direitos cada vez
mais concretos que protegem particularidades cultu-
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De momento, para este texto, ficam pendentes aprofundamentos referentes aos aspectos mais especficos a
respeito da influncia da cultura, concepo foucaultiana de poder e suas fundamentais distines entre as
sociedades disciplinares e as sociedades de controle. De
alguma forma, representam a transio dos modos de
controle de uma sociedade, em grande escala composta por indivduos, para uma outra formada por sujeitos
e indivduos, assim como as contribuies de Laclau
& Mouffe (1987) sobre os conceitos de subordinao e
opresso. Contudo, atingimos o que se propunha para
este trabalho ao explicitarmos as distines propostas
por Touraine a respeito do sujeito e do indivduo, bem
como o envolvimento de cada um em relao aos movimentos sociais.
Como podemos perceber, a partir da anlise contextual proposta no incio deste texto, Touraine d um
passo importante em busca de uma forma de anlise
social diferenciada, coerente com a transio paradigmtica de Santos (2000, 2006), e de outras tantas que
surgiram nas ltimas dcadas. Trata-se de tentativas de
aproximaes mais complexas a essa realidade multifacetada do sujeito e da relao indivduo-sociedade,
cerne das Cincias Sociais. Ao propor uma anlise social a partir da figura do sujeito, e no mais da histria como personagem principal, Touraine assume
uma postura relativista, eventualmente negando os
discursos universalizantes que enfatizaram as grandes
estruturas sociais. Ao mesmo tempo, ao caracterizar o
sujeito como combatente, crtico e poltico, tambm
se contrape postura por vezes vitimizada do indivduo moderno, que foi concebido como se estivesse
submetido a condies necessrias.
O sujeito, como vimos, surge a partir do interpelamento do indivduo por um fenmeno social que,
de alguma forma, encontra reverberaes em seu
consciente/inconsciente e, movido por um processo
de voltar-se a si mesmo em busca de referncias, acaba por engajar-se no processo de embate. A relao
entre sujeito e indivduo constitui-se como processo
de alternncia dinmica, onde por vezes o indivduo
caracteriza-se, atravs de seus direitos, como plataforma de manifestao do sujeito; por outras, o sujeito
quem emerge garantindo direitos peculiares para
esse indivduo que no se adequou mais aos discursos
totalizantes das instituies sociais vigentes.
Da mesma forma, percebemos como se mostra
importante o emergir desse sujeito para os NMS.
Melhor dizendo, como importante aos NMS colocarem-se de forma atenta em relao a esse sujeito
existente em cada indivduo, pois este que anima e
fortalece tal movimento.
Todos esses aspectos nos levariam a compreender
a postura de Touraine, assim como o emergir desse
sujeito, como uma concepo ps-moderna de perceber a realidade social. Contudo, seria interessante
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Referncias
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