MIOLO Escuta Crianças Adolescentes 29-09-14
MIOLO Escuta Crianças Adolescentes 29-09-14
MIOLO Escuta Crianças Adolescentes 29-09-14
ADOLESCENTES EM SITUAO
DE VIOLNCIA SEXUAL
Aspectos Tericos e Metodolgicos
ESCUTA DE CRIANAS E
ADOLESCENTES EM SITUAO
DE VIOLNCIA SEXUAL
Aspectos Tericos e Metodolgicos
Guia para Capacitao em Depoimento Especial
de Crianas e Adolescentes
Organizadores:
Benedito Rodrigues dos Santos
Itamar Batista Gonalves
Maria Gorete O. M. Vasconcelos
Paola Barreiros Barbieri
Vanessa Nascimento Viana
Braslia-DF
2014
Reitor
Gilberto Gonalves Garcia
Coordenador
Paulo Henrique Alves Guimares
Editorao Eletrnica
Adriano da Silva Pereira
E74
Childhood Brasil
CONSELHO DELIBERATIVO
CONSELHO FISCAL
Presidente
Diretora-Executiva
Ana Maria Drummond
Diretor
Ricardo de Macedo Gaia
Gerente de Comunicao
Rodrigo Santini
Gerente de Operaes
Ana Flvia Gomes de S
Gerente de Programas
Itamar Batista Gonalves
Coordenadores de Programas
Anna Flora Werneck
Maria Gorete O. M. Vasconcelos
Assessora de Mobilizao de Recursos
Vanessa Teramoto Higa
Assessora de Operaes
Tatiana Larizzatti
Coordenador Administrativo Financeiro
Demtrio Jernimo da Silva Filho
Analistas de Programas
Leticia Born
Mnica Santos
Sumrio
Prefcio.................................................................................................................................................13
Apresentao. ......................................................................................................................................15
Introduo. ...........................................................................................................................................17
Captulo 2 ............................................................................................................... 43
Desenvolvimento infantil: a revelao da criana pela linguagem
Silvia Renata Magalhes Lordello
Captulo 3 ................................................................................................................ 57
O desenvolvimento infantil e o direito sexualidade e afetividade
Rita Ippolito
Prefcio
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Gary Stahl
Representante do UNICEF no Brasil
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Apresentao
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Introduo
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I Concepes de
infncia e de
adolescncia, de
desenvolvimento da
linguagem e sexual
Captulo 1
Por uma escuta da criana e do
adolescente social e culturalmente
contextualizada: concepes de infncia
e de adolescncia, universalidade de
direitos e respeito s diversidades
Benedito Rodrigues dos Santos
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Para Aris, a criana muito pequenina (abaixo dos sete anos de idade),
ainda muito frgil para se misturar vida dos adultos, no contava. Parte dessa
pouca importncia era atribuda aos altos ndices de mortalidade infantil, em uma
poca em que a sobrevivncia era pouco provvel. Assim que a criana ultrapassava
esse perodo de risco e a fase de maior solicitao me, ela se confundia com
os adultos. A dimenso temporal da infncia estava relacionada ao tempo em que
a criana dependia fisicamente dos cuidados dos adultos; enquanto o filhote de
homem no conseguia abastar-se. De criancinha pequena ela se transformava
imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude (ARIS,
1960, p. 10). Da por diante, sua socializao e a transmisso dos valores e dos
conhecimentos a ela, de modo mais geral,
no eram, portanto, nem asseguradas, nem controladas pela
famlia. A criana se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer
que durante sculos a educao foi garantida pela aprendizagem,
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Captulo 1 - Por uma escuta da criana e do adolescente social e culturalmente contextualizada: concepes de infncia e de adolescncia, universalidade de direitos e respeito s diversidades
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Captulo 1 - Por uma escuta da criana e do adolescente social e culturalmente contextualizada: concepes de infncia e de adolescncia, universalidade de direitos e respeito s diversidades
at por volta dos 19 ou dos 20 anos de idade. Dessa forma, a infncia se liga ao
tempo de estudar, e no ao de trabalhar, para se preparar para a vida de adulto e de
trabalhador. Vejamos com mais detalhes estas caractersticas da chamada infncia
moderna.
A complexidade e a especializao da vida moderna nas sociedades
industriais impactam a socializao de crianas de cinco maneiras:
1. A separao das esferas sociais de crianas e de adultos. Ocorre uma
apartao entre as esferas sociais de adultos e de crianas, embora continue
havendo conexes e mediaes entre esses dois mundos. Nas sociedades
do passado, a infncia era vista como uma etapa natural de uma progresso
que leva a criana a se tornar adulta. A noo de infncia se vinculava
primeira fase da vida da pessoa que, atualmente, designamos criancinhas
ou bebs. A partir dos seis ou dos sete anos, ela comeava a participar da
esfera social dos adultos (ARIS, 1986).
2. Prolongamento do tempo de infncia. O tempo de preparao das crianas
para a entrada na vida adulta prolongado, e o conceito de adolescncia
inventado no perodo de vida intermedirio entre a infncia e a juventude.
Os limites etrios anteriormente estabelecidos entre 5 e 7 anos foram
estendidos at os 18 ou os 19 anos, a partir dos quais passa-se para juventude
(ARIS, 1986).
3. A segmentao dos espaos de socializao. Nas sociedades da Era Medieval,
as crianas eram educadas na prpria famlia at os seis ou sete anos.
Depois disso, eram colocadas em uma espcie de sistema de aprendizagem:
elas eram enviadas casa de vizinhos, de amigos e de parentes para serem
educadas tanto por intermdio da convivncia, quanto do aprendizado de
um ofcio. Elas aprendiam pela observao direta com os adultos e no
apenas por instrues verbais ou por informaes conceituais, como em
nossas sociedades modernas. Esse sistema era pautado pela reciprocidade
e pela solidariedade social, de modo que os filhos de uma famlia sempre
eram educados por outras famlias e pela comunidade.
4. O lcus da socializao deixa os espaos da famlia e da comunidade.
Surgem, como novos espaos de socializao da criana e do adolescente,
a escola e o grupo de pares. A noo de infncia se vincula de tal maneira
condio de estudante que alguns autores chegam a afirmar que foi a escola
que construiu a viso moderna de infncia. Assim, o tempo de infncia
se vincula ao tempo de estudar e no ao de trabalhar. A preparao para
a vida adulta no se far mais como no sistema de aprendizagem antigo,
mas sim por meio da escola. Esta passa a assumir um lugar to importante
no desenvolvimento cognitivo das crianas que estudar e trabalhar so
atividades de difcil conciliao sem prejuzos mtuos.
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Captulo 1 - Por uma escuta da criana e do adolescente social e culturalmente contextualizada: concepes de infncia e de adolescncia, universalidade de direitos e respeito s diversidades
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As referncias de Veerman
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conceptions as applied in
judicial reasoning, 1917, 23
Yale Journal, 26, e Fundamental
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judicial reasoning, New Haven,
Conn., 1919, Yale University
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Cambridge, 1982, Cambridge
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v. 3; Kamba, Walter J. Legal
theory and Hohfelds Analysis
of a legal right. Judicial Theory
Review, December 1974.
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Uma breve anlise dessas normas legais demonstra mudana das concepes
de infncia e de adolescncia a elas subjacentes. Observando, genericamente, a
tradio dos sistemas legais da maioria das sociedades ocidentais modernas no que
se refere criana e ao adolescente, constata-se a importncia central de quatro
categorias: poder, responsabilidade, imunidade e incapacidade. O termo poder,
quando utilizado no sentido legal, indica algum que detenha os meios para mudar
o status legal de outra pessoa, e seu correlato a responsabilidade legal. A oposio
ao poder legal a incapacidade, no sentido de no ter poder. Assim, por exemplo,
as autoridades judicirias tm poder para suprimir ou para delimitar o direito
dos pais, destituindo-os do ptrio poder ou suspendendo-o temporariamente
e transferindo-o para a autoridade de bem-estar social. Os pais detm o poder
sobre os filhos at determinada idade e podem, inclusive, emancip-los segundo
condies e fins estipulados nos sistemas legais de cada pas.
O termo responsabilidade corresponde ao poder e est em oposio
imunidade. O responsvel legal por algum tem, sob sua jurisdio, uma pessoa
que sua dependente; portanto, essa pessoa est na posio de dependncia. Essa
dependncia pode ser acompanhada de imunidade total, de no responsabilidade
ou de incapacidade legal. Neste ltimo caso, as pessoas ou as instituies que
detm a tutela tm responsabilidade pela criao e pelos atos do indivduo menor,
ou ele pode perder a imunidade de maneira gradativa e ser responsabilizado
legalmente pelos seus atos (VEERMAN, 1992).4 Skolnick (1975, p. 38) afirma
que justamente a incompetncia, correspondente ao conceito de incapacidade
mencionado anteriormente, o trao caracterstico que distingue toda a infncia.
O sistema legal no somente reflete e codifica esta concepo de infncia, como
tambm molda a realidade social em que as crianas e adultos vivem suas
vidas dirias5. Ela acrescenta, ainda, a presuno de Goldstein (1974, p. 38) de
que as crianas so seres incompletos que no so inteiramente completos para
determinar e salvaguardar seus interesses. Dessa maneira, existem, por um lado,
restries legais para casar, para votar, para trabalhar, para comprar bebidas e para
firmar contratos. Por outro lado, h leis que obrigam as crianas e os adolescentes
a frequentarem a escola e a serem criadas e educadas por seus pais.
Se vrias sociedades ocidentais definem suas concepes de infncia
e de adolescncia com base no paradigma do adulto portanto, crianas e
adolescentes so seres incompletos ou incapazes, enquanto o adulto completo
e capaz, o que j um diferencial negativo para os primeiros , nos pases latinoamericanos, onde o conceito jurdico de menor de idade se transformou em um
conceito sociolgico a problemtica do menor, dos meninos e das meninas
de rua , as crianas e os adolescentes, sobretudo dos segmentos mais pobres,
foram revestidas de extrema inferioridade e estigmatizao, como caso do
Brasil (GRUNSPUN, 1985; VIOLANTE, 1982; QUEIROZ et al., 1987;
SCHNEIDER, 1987; FERREIRA, 1979).
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Por uma escuta que respeite o contexto cultural das vrias infncias
brasileiras
O leque das diversidades tratadas neste captulo deve ser ampliado para
incluir diferenas de regies e de territrios, de gnero, de orientao sexual e de
condio social, as quais no foram abordadas ou o foram apenas tangencialmente,
dado o escopo e a natureza deste captulo introdutrio. Dessa forma, antes de
proceder escuta de uma criana e ou de um adolescente vtima ou testemunha de
violncia sexual, os profissionais devem buscar compreender o universo simblico
presente no imaginrio dessa mesma criana e desse mesmo adolescente. Um
mesmo ato pode ser entendido por uma criana entre trs e sete anos diferentemente
do que para um ou uma adolescente. Esse mesmo ato pode ser compreendido
diferentemente por um menino e por uma menina, ou por uma criana de classe
mdia e outra das camadas populares, ou ainda entre uma criana urbana e outra
rural, ou ainda entre uma criana indgena e uma no indgena.
Nunca excessivo ressaltar o status da condio peculiar de ser em
desenvolvimento de nossas crianas e adolescentes. Como vimos, o conceito de
criana e de adolescente institudo pelo ECA no Brasil incorpora, na sua plenitude,
a doutrina da proteo integral, que constitui a base da Conveno sobre os Direitos
da Criana, cujo conceito foi inspirado na concepo da criana como sujeitos
de direito, em condio peculiar de desenvolvimento. Tal condio peculiar de
desenvolvimento desses sujeitos caracteriza-se por intrincados processos biolgicos,
psicoafetivos, cognitivos e sociais que exigem, do ambiente que os cerca, do ponto
de vista material e humano, uma srie de condies para o seu desenvolvimento.
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Captulo 1 - Por uma escuta da criana e do adolescente social e culturalmente contextualizada: concepes de infncia e de adolescncia, universalidade de direitos e respeito s diversidades
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Captulo 2
Desenvolvimento infantil: a revelao
da criana pela linguagem
Silvia Renata Magalhes Lordello
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Ainda no estgio pr-operatrio, h outro subestgio que vai dos quatro aos
sete anos e caracterizado pela maior complexidade de pensamentos, de imagens e
de progresses na capacidade de conceitualizar. A irreversibilidade caracterstica
tpica desse perodo, pois a criana no capaz de visualizar a situao original. A
lgica infantil baseada em critrios perceptivos, pois no h conduta conservativa.
O que significam irreversibilidade e ausncia de conservao? No campo
da linguagem, saber que a criana age por percepo e no por operao. Se
pensarmos em situaes do dia a dia, observamos que se algum oferece a uma
criana duas notas de dois reais em troca de uma nota de vinte reais, a criana aceita
a proposta acreditando que fez um grande negcio. Isso ocorre porque levada
pela percepo imediata e no pela conservao de valores. Por meio da percepo
centralizada em uma nica dimenso, a criana no consegue coordenar dois ou
mais atributos do problema.
A partir de sua entrada na escola, da descentrao (diminuio gradativa
do egocentrismo) e de sua passagem ao perodo operatrio concreto, a criana
supera esses parmetros ilusrios e refina a sua expresso verbal, apresentando
sofisticao dos argumentos, embora ainda de modo atrelado ao concreto. Por
exemplo, se observarmos comandos de livros didticos e outras metodologias
desta fase, perceberemos que a contextualizao fundamental. como se, para
estabelecer relaes, a criana precisasse se ancorar em materiais, em histrias, em
experincias; como se tivesse de visualizar a situao para poder agir. Nas situaes
de violncia, ela consegue, por meio do brinquedo, revelar uma situao abusiva
de forma metafrica, mas ainda necessitando deste recurso para contextualizar a
experincia. Exigir um discurso hipottico nesta fase seria complexo demais para
a criana.
A caracterstica da abstrao, que transparece no pensamento e no discurso
de forma muito elaborada, representa o pice do desenvolvimento cognitivo para
Piaget. Isso apenas ter lugar por volta dos 12 anos, quando se alcana o estgio
operatrio formal. Este estgio se caracteriza pela construo progressiva da
capacidade de hipotetizar, de generalizar, de extrair propriedades e regras sem
vincul-las experimentao. Os adolescentes j conseguem formar juzos de forma
complexa, fazendo combinaes de mltiplas variveis. Nesta etapa, comum
desenvolverem questionamentos e elaborarem teorias prprias, surpreendendo
seus familiares com crticas e com argumentos. A teoria de Piaget em relao
linguagem nos aponta alguns cuidados que devemos tomar na qualidade de
profissionais que esto em contato direto com o discurso infantil.
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ele indica o ponto de partida. O que real para uma criana traduzido em seu
discurso e em suas aes.
Se j conhecemos o nvel real do sujeito, podemos hipotetizar o que ele
capaz de fazer com ajuda, uma vez que, para Vygotsky, os papis do outro social e da
interao so indispensveis. Este nvel, o autor denomina nvel de desenvolvimento
potencial, ou seja, se a criana capaz de realizar tarefas com a interveno de
algum mais experiente que lhe d pistas, que demonstra, que imita a forma de
resolver um problema, ela estar demonstrando que capaz. Para Vygotsky, isto
mais indicativo do desenvolvimento mental da criana do que aquilo que ela j
realiza sozinha. Da a importncia de no subestimarmos a capacidade da criana e
do adolescente, mas de oferecermos a mediao necessria para que eles avancem
em nveis de desenvolvimento.
Isso revelador do valor da interao e das etapas posteriores do processo,
pois crianas de seis anos podem fazer, sozinhas, aquilo que, aos trs anos, faziam
apenas com ajuda e que, aos trs meses, nem com ajuda conseguiriam, como
andar de bicicleta, por exemplo. De acordo com Oliveira (1997), a concepo
vygotskyana de que o aprendizado desperta processos internos comprova a relao
entre desenvolvimento e ambiente sociocultural, deixando claro que o organismo
no se desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivduos de sua espcie.
Essa interveno transformadora do outro ter lugar em um conceito especfico que
Vygotsky formula para explicar a relao entre desenvolvimento e aprendizagem: a
zona de desenvolvimento proximal.
A distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que compreende o que
a criana j sabe ou j capaz de realizar sozinha, e o nvel de desenvolvimento
potencial, que percebe de forma prospectiva o que ela capaz de fazer com ajuda,
chamada de zona de desenvolvimento proximal. Este conceito corresponde rea
de atuao do outro social mais experiente para promover transformaes. No
possvel mensurar essa zona, pois ela dinmica, dialtica e difere de sujeito para
sujeito. Refere-se ao caminho que a pessoa percorrer para desenvolver funes
que esto em processo de amadurecimento e que se tornaro consolidadas. O que
a criana hoje faz com ajuda, amanh far de forma independente.
importante lembrar que cada fala, cada interveno vai atuar sobre o
processo de maneira pessoal e que no se pode mensurar como esto ocorrendo
as transformaes, pois cada qual relacionar, s prprias aprendizagens, vivncias
anteriores e particularidades dos processos de desenvolvimento psicolgico. Da
a importncia da preparao de profissionais para a escuta de crianas, pensando
que sua interveno, que sua pergunta, que seus questionamentos ou proposta
ldica podem promover mudanas, progressos e impactos no desenvolvimento
das crianas.
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Consideraes finais
O grande desafio que se impe aos profissionais atuantes na escuta de
crianas e de adolescentes conhecer o desenvolvimento infantil para compreender
as caractersticas da linguagem. Sabe-se que um vocabulrio erotizado e um relato
de experincias rico em detalhes que no deveriam fazer parte de seu universo
de vivncias so indicadores de aspectos de estimulao a serem investigados. A
internalizao de conceitos equivocados, a naturalizao da violncia ou do gesto
de abuso como cuidado, a manuteno dos pactos de segredo so consequncias
desastrosas ao desenvolvimento psicolgico da criana e do adolescente que
precisam ser combatidas, interrompidas e elaboradas emocionalmente.
Quanto mais tivermos acesso aos aspectos tericos e prticos que compem
o discurso infantil, mais condies teremos de prover uma atuao consciente no
campo da violao de direitos e de prevenir as sequelas psicolgicas decorrentes
das violncias a que so submetidas essas crianas e adolescentes. Encontrar quem
as escute e quem se interesse pela dinmica peculiar de seu universo pode ser um
recurso muito poderoso no enfrentamento de sua dor.
Referncias
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So Paulo: Scipione, 1997.
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______. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1989.
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Captulo 3
O desenvolvimento infantil e o direito
sexualidade e afetividade
Rita Ippolito
WHO, 1975.
A Sndrome da Criana
Maltratada foi assim chamada
pela primeira vez em1961pelo
pediatraHenry Kempe.
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importante esclarecer o
que significa falar de papel
ativo da criana. importante
afirmar que qualquer criana
vtima de abuso sexual
sempre uma vtima e nunca
um parceiro.
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Concluses
Tomar conhecimento do desenvolvimento fsico, intelectual, emocional
e sexual integral da criana fundamental para a anlise dos casos de abuso na
infncia. Escutar a criana com base nesse conhecimento permite ter-se mais
elementos sobre o fato, sobre os sentimentos que a criana manifesta, sobre seus
medos e sobre suas omisses. So aspectos norteadores para as medidas necessrias
ao cuidado e ao apoio de que a criana precisa.
Gostaramos de concluir com a leitura sobre o desenvolvimento infantil
por Winnicott (1963).Ele argumenta que,na primeira infncia, acrianae os
cuidados que recebe formam algo indissolvel.A forma como a criana existe
depende das curas que recebe e de se estas so adequadas ou no. O potencial da
criana no se transforma em realidade se no for associado a um ambiente externo
favorvel. De acordo comWinnicott, o cuidado satisfatrio comea comuma fase
de conteno chamada holding, na qualse designa tudo oque o ambientefornece.
Esse passo importante porquea base dacapacidade de se tornarum indivduo
autnomo a memriado tratamento recebido, armazenadopela criana.Se
ela receber os cuidados adequados, aumenta a sua confianano ambiente que a
rodeia. Caso contrrio,ela desenvolver uma personalidadedependenteou mesmo
patolgica. Essa uma mensagem muito importante para qualquer tipo de escuta
e de interlocuo com crianas que vivem situaes de violncia e de transtorno.
64
Referncias
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www.edusurfa.pt/piaget
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II Conceitos e
caracterizao da
violncia sexual
Captulo 4
O essencial invisvel aos olhos: impactos
da violncia sexual na subjetividade de
crianas e de adolescentes
Anna Flora Werneck
Itamar Batista Gonalves
Maria Gorete O. M. Vasconcelos
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
passagem que o homem faz de seu estado de natureza para a cultura, possibilitando
a exogamia. Neste sentido, o termo incesto designa relaes que so interditadas em
decorrncia de um vnculo parental, o qual varia de cultura para cultura. Na mesma
linha de pensamento, Cohen (2000) define o incesto e o abuso sexual intrafamiliar
da seguinte forma: incesto o abuso sexual intrafamiliar, com ou sem violncia
explcita, caracterizado pela estimulao sexual intencional por parte de um dos
membros do grupo que possui um vnculo pelo qual lhe proibido o matrimnio.
Abuso sexual qualquer relacionamento interpessoal no qual a sexualidade
veiculada sem o consentimento vlido de uma das pessoas envolvidas, implicando
em violncia psicolgica, social e/ou fsica.
Em suas pesquisas sobre incesto, Cohen (2000) contempla as dimenses
de sade mental e de justia presentes nas situaes de incesto e de abuso sexual.
Essa violncia sexual, alm de envolver aspectos da justia e da sade mental,
traz, em sua essncia, o contexto social, com fatores que podem contribuir para
a vulnerabilidade de crianas e de adolescentes. Sendo assim, o contexto social
tanto pode favorecer a ocorrncia do abuso sexual, como pode contribuir para a
sua preveno.
Considerando uma amplitude de aspectos relacionados s situaes de
violncia sexual contra crianas e adolescentes, Faleiros (2000), ao fazer uma
reviso dos conceitos que tratam do tema e considerando a afirmao de Gabel
(1997), que apresenta o abuso como uma ultrapassagem de limites ou transgresso,
argumenta que:
Em sntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma
situao de ultrapassagem (alm, excessiva) de limites: de
direitos humanos, legais, de poder, de papis, do nvel de
desenvolvimento da vtima, do que esta sabe e compreende, do
que o abusado pode consentir fazer e viver, de regras sociais e
familiares e de tabus. E as situaes de abuso infringem maustratos s vtimas (FALEIROS, 2000, p. 15).
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
mais saudveis que vo ajud-los a retomar sua vida escolar, familiar e at mesmo
profissional a fim de superar o ocorrido. Entretanto, h crianas e adolescentes e
at mesmo famlias inteiras que no conseguem superar o trauma deixado pela
experincia da violncia sexual; no conseguem estabelecer novos vnculos e
relaes mais saudveis. Estas crianas, estes adolescentes e suas famlias podem ser
dominados pela angstia paralisante e ter muita dificuldade em retomar suas vidas.
Por causa de consequncias to dissonantes e at mesmo antagnicas na
vivncia da experincia da violncia sexual que acreditamos ser muito importante
o bom acolhimento das vtimas aps a revelao da violncia sofrida. Acreditar na
criana ou no adolescente, acolh-los e encaminhar o caso para os servios e para
as pessoas preparadas para escut-los e ajud-los a simbolizar o ocorrido essencial
para a superao do trauma.
As pesquisas referentes temtica ainda so incipientes e demonstram
que existem vrias leituras. Contudo, existe uma tendncia a ressaltar os
impactos negativos provocados no desenvolvimento de crianas e de adolescentes
submetidos ao abuso e explorao sexual, pois, em ambas as situaes, est
presente a imposio da sexualidade adulta que invade o corpo e o psiquismo da
criana e do adolescente quando estes ainda no esto preparados ou amadurecidos
para tal vivncia. Segundo Gijseghem (apud GABEL, 1997, p. 64), professor da
Universidade de Montreal, quanto mais cedo ocorreu o incesto, maior o risco
de que as feridas sejam irreversveis, particularmente ao nvel da identidade. Ele
assevera que as sequelas apresentadas pelas crianas pr-pberes dificultam sua
evoluo psicoafetiva e sexual, afetando as identificaes.
Um estudo canadense de Ontrio (ROUYER, 1997, p. 62), envolvendo
125 crianas com menos de 6 anos de idade e que sofreram violncia sexual,
concluiu que 60% delas manifestavam reaes psicossomticas e desordens no
comportamento, tais como: pesadelos, medos, angstias. Outras 18% apresentaram
anomalias do comportamento sexual: masturbao excessiva, objetos introduzidos
na vagina e no nus, comportamento de seduo, de pedido de estimulao sexual
e conhecimento da sexualidade adulta inadaptado para a idade.
Um estudo francs, de V. Courtecuisse e sua equipe (ROUYER, 1997, p.
63), concluiu, no acolhimento de 30 adolescentes que sofreram violncia sexual, que
22 tentaram, uma vez, o suicdio. Foram constatados, nessas adolescentes, estados
depressivos, dificuldades no desenvolvimento escolar, fugas, anorexia, distrbios
sem substrato orgnico que causavam srios problemas fsicos e toxicomania.
A psicloga Liliane Deltaglia (1995), especializada em atendimento em
tribunais, analisou percias de adultos autores de abusos sexuais de crianas. Ela
concluiu que, mais do que o ato sexual imposto criana, a violncia da situao
de dominao que provoca as desordens de comportamento constatadas.
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
Isolamento social.
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Distrbios da personalidade.
Doenas sexualmente transmissveis.
Estgio infantil prolongado ou regredido.
Inadequao nas relaes sociais.
Perda da autoestima.
Pessimismo.
Retardo do desenvolvimento mental e emocional.
Sintomas de nervosismo.
Tendncia a fuga das atividades normais da infncia.
Altos nveis de ansiedade.
Autoflagelao.
Choro sem causa aparente.
Comportamento muito agressivo, aptico ou isolado.
Tentativas de suicdio.
Espancamento.
Contuses.
Fraturas.
Queimaduras.
Ferimentos com armas brancas.
Enforcamento.
Morte.
Leses genitais
Hematoma vulvar.
Rompimento da mucosa vulvar.
Laceraes clitoridianas.
Rompimento da uretra.
Sangramento genital.
Rompimento do hmen.
83
Edema vulvar.
Extensos rompimentos da musculatura vulvar perianal atingindo o esfncter
anal.
Irritao da mucosa vaginal.
Hemorragias.
Rompimento do fundo do saco vaginal.
Leses anais
Lacerao da mucosa anal.
Intenso sangramento.
Infeces.
Formao de abscessos perianais.
Rompimento do esfncter anal.
Rompimento da mucosa retal.
Doenas sexualmente transmissveis:
Gonorreia.
Sfilis.
Cancro mole.
Herpes genital.
Aids.
Concepes da Childhood para interveno nas situaes de violncia sexual
de crianas e de adolescentes
Desde 2005, a Childhood Brasil vem desenvolvendo uma metodologia
para a execuo dos projetos de fortalecimento das redes de ateno criana e ao
adolescente, com bons resultados e avaliao positiva. As experincias anteriores
nos projetos Refazendo Laos, Laos da Rede e Laos de Proteo possibilitaram a
estruturao do Programa Proteo em Redes e permitiram identificar os pontos
fortes e fracos dessa forma de interveno. Essa experincia acumulada favoreceu a
consolidao de uma metodologia de interveno ancorada em trs eixos:
a) O trabalho em Rede: considerado essencial ao enfrentamento, ateno e
preveno da violncia sexual contra crianas e adolescentes. A criana, o
adolescente e suas famlias que se encontram nessa situao tm o direito
de acesso s polticas pblicas: educao, sade, justia, assistncia social,
esporte, lazer entre outras.
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Captulo 4 - O essencial invisvel aos olhos: impactos da violncia sexual na subjetividade de crianas e de adolescentes
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Captulo 5
Crianas e adolescentes vtimas de
abuso sexual: a emergncia de sua
subjetividade jurdica no embate entre
modelos jurdicos de interveno e seus
direitos. Uma anlise crtica sob o crivo
histrico-comparativo luz do debate em
torno do depoimento especial
Eduardo Rezende Melo
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
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do adulto na qual tanto direitos, como deveres so assumidos porque se aceita que
crianas tm uma sexualidade que pode vir a ser explorada. Por conseguinte, uma
abordagem sobre o tema deve ser feita com base nas necessidades dessas crianas em
cada fase de seu desenvolvimento, assim como em sua necessidade de informao
apropriada e de suporte em cada estgio (ENNEW, 1986, p. 61-62). No entanto,
justamente porque a sexualidade de crianas deveria ser vista como distinta da
do adulto no apenas em razo das diferenas fsicas, mas tambm em razo das
diferenas de conhecimento e de entendimento das atividades sexuais e de suas
consequncias, emerge a necessidade de se falar em direitos a serem assegurados,
relativos no apenas proteo, mas adequada informao e ao suporte, por
conseguinte, em direitos sexuais (MELO, 2010, p. 43-60).
Em razo desse processo, houve uma crescente considerao da condio da
criana como vtima. Ora, podemos, ento, falar de uma primeira grande ordem de
direitos relacionada ao que se tem entendido como direito de reconhecimento, ou
seja, considerao da existncia, na sociedade, de grupos estigmatizados, tambm
frutos de determinantes institucionais e histricas, podendo no ter fundamentos
cientficos, racionais ou funcionais para a sociedade e sofrendo a usurpao ou a
negativa de bens materiais em razo dessa excluso. O reconhecimento consiste,
dessa forma, na afirmao e na valorizao positiva de certas identidades ou prticas,
afirmando-se como um direito e traduzindo-se em esforos pblicos, estatais e no
estatais que se pautem pelo respeito, inclusive, ou sobretudo, diferena (LOPES,
2003, p. 18-30).
O reconhecimento de que o abuso sexual implica o cometimento de um
crime e, portanto, de que a criana vtima determina seu direito a que haja uma
resposta penal ao ofensor, no se procurando, portanto, a preservao da famlia
a qualquer custo e, por conseguinte, a reduo da situao a uma mera questo
da vara da infncia e da juventude. Com isto, embora alguns setores vissem, no
modelo de bem-estar que enfatiza o entendimento mais que a culpa , uma
resposta mais produtiva e humana para o problema do abuso sexual, poderosos
argumentos passaram a ser levantados em favor da persecuo penal (MORGAN;
ZEDNER, 2003, p. 115), dando emergncia ao modelo judicial de interveno
(justice model).
O modelo judicial
O modelo judicial de interveno tem sua origem na Magna Carta e nas
declaraes de direitos, focando na proteo do indivduo dos abusos e do poder
arbitrrio e garantindo que apenas sanes baseadas em lei observncia do
princpio da legalidade estrita possam ser utilizadas contra o cidado, a quem
se assegura tambm um Judicirio independente, com regras processuais justas,
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Captulo 5 - Crianas e adolescentes vtimas de abuso sexual: a emergncia de sua subjetividade jurdica no embate entre modelos jurdicos de interveno e
seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
garantindo que as leis previstas para sua proteo sejam obedecidas. Trata-se de
um modelo, portanto, associado a operadores do direito, a advogados, a juzes
e a promotores de justia e cuja organizao voltada proteo dos direitos
individuais (KING, 1981, p. 105-106). Justamente por se basear em garantias de
direitos individuais, esse modelo judicial coloca em cena no apenas o modo de
resposta ao ofensor, mas tambm, e paulatinamente, a considerao dos direitos
de crianas e de adolescentes. Em relao ao ofensor, pauta-se por uma perspectiva
nitidamente garantista, voltada aos fundamentos do direito e do processo penal.
Conforme lio de Ferrajoli (1995), o direito e o processo penal tm por
objetivo precpuo a garantia da liberdade do cidado contra o arbtrio e a intromisso
inquisitiva, a defesa dos mais fracos com regras iguais para todos, o respeito
dignidade da pessoa humana e, em consequncia, tambm sua verdade perante a
maioria. Se o direito penal est baseado em garantias tanto relativas pena, como
tambm descrio de condutas como criminosas, o processo penal baseia-se na
garantia de uma jurisdicionalidade estrita, vale dizer, no modo como o juiz exerce
o juzo cognitivo para declarar algum responsvel por um delito.
H, com efeito, garantias orgnicas relativas formao do juiz, sua
colocao institucional em relao aos demais poderes do Estado e aos outros
sujeitos do processo (a acusao e a defesa), mas igualmente garantias processuais,
que dizem respeito formao do juzo e que esto fundamentalmente ligadas
coleta de provas, ao desenvolvimento da defesa e convico do rgo judicial.
Da que, fundamentalmente, procure-se uma vinculao intrnseca entre razo
e liberdade, o que torna o objetivo justificador do processo penal a garantia
das liberdades dos cidados por meio da garantia de verdade, no uma verdade
substancial, obtida a qualquer preo, mas graas ao seu carter cognoscitivo, ou seja,
passvel de verificao e de refutao, vale dizer, que se submeta ao princpio de
contradio. Isto quer dizer que todos os atos processuais equivalem a momentos
de um conflito entre verdades judiciais contrapostas, entre asseres que enunciam
ou sustentam hipteses acusatrias e asseres que as contradizem, confutando
com isto no apenas sua verdade, mas tambm a validade dos preceitos em que
se apoiam (FERRAJOLI, 1995, p. 543). Justamente porque consciente de um
impacto na liberdade dos indivduos, o modelo judicial explicita mais claramente o
teor e o controle sobre as medidas passveis de serem aplicadas, diferentemente do
modelo de bem-estar, que se apresentava como voltado proteo dos indivduos,
particularmente, de crianas e de adolescentes (KING, 1981, p. 132).
Em relao s crianas e aos adolescentes vtimas de abuso, a mudana
foi tampouco meramente ideolgica. Essa mudana de perspectiva, da proteo
punio, foi louvada por pesquisadores por sua importncia, inclusive simblica,
para crianas e adolescentes.Conforme Morgan e Zedner,
99
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
No
mesmo
sentido,
WASHBURNE, C. K. A
feminist analysis of child abuse
and neglect. In: FINKELHOR,
D. et al. The dark side of families:
current
family
violence
research. Thousand Oaks:
Sage Publications, 1983, p.
289/292.
101
2002, p. 70). Por isso, no basta a afirmao de que se sujeito de direitos. Precisase compreender de modo distinto como se reconhecer as competncias jurdicas
por meio da legitimao de participao social de crianas e de adolescentes e pelo
reconhecimento de suas competncias sociais.
Como aponta Mortier (2004), reconhecer competncia implica a verificao
de certas capacidades intelectuais e prticas intimamente relacionadas, em toda e
qualquer dimenso de direito, ao recebimento de informaes e sua adequada
transmisso a crianas e a adolescentes (art. 13 e 17 da Conveno). Implica, ainda,
um ambiente favorecedor do reconhecimento de competncias (MORTIER, 2004,
p. 85). Melhora-se a capacidade de exerccio de competncias aumentando ativos
pessoais de crianas e de adolescentes para lidar com o sistema ou fazendo com que
as escolhas dentro do sistema se tornem menos irreversveis. Isto se faz seja pela
diminuio de riscos com as escolhas pelo controle do ambiente no nvel coletivo,
aumentando-se a competncia individual para decidir (MORTIER, 2004, p. 85)4.
essa imposio de esforo ativo por parte de todo e qualquer adulto
para que a criana ou adolescente tenham condies de exercer essa competncia
intelectual e jurdica que dita o art. 12 da Conveno sobre os Direitos da Criana.
Se toda criana e adolescente tm garantido o direito expresso de seus juzos e
ao reconhecimento destes em todos os assuntos relacionados vida da criana e do
adolescente, incumbe, aos adultos, encontrar os critrios cognitivos e prticos que
lhes permitam se posicionarem.
Do direito participao ao reconhecimento da criana vtima como sujeito
de direito. A Conveno e o Protocolo Facultativo Conveno sobre a Venda
de Crianas, a Prostituio e a Pornografia Infantil
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Tais situaes so responsveis por uma das causas mais evidentes da cifra
negra do delito. A dependncia da vtima para a investigao no se expressa em
aes de cuidado, a despeito de ser este o objetivo primrio das instituies que
dela se ocupam, fazendo com que as vtimas adotem a atitude de no denunciar.
Para evitar essa consequncia, a doutrina indica a necessidade de reconhecer as
necessidades das vtimas, convertendo estas ltimas em protagonistas, possibilitando
sua participao no processo e, sobretudo, garantindo suas necessidades e
interesses. Para tanto, fundamental contar com programas de assistncia vtima
e com profissionais capacitados (NORDENSTAHL, 2008, p. 31-40). Para isto,
tem-se sugerido procedimentos mais cleres, reas de espera especiais, reduo das
formalidades, isenes de exigncia de corroborar provas em caso de testemunho
de crianas, uso de videocmeras para entrevistas iniciais e de circuito fechado
de TV para depoimentos separados e privados, proibio de acareao, apoio de
pessoas de suporte durante o depoimento e cortes especiais para casos de abuso
(GAL, 2011, p. 98).
Desse movimento que se consolida, resultou no apenas outro Protocolo,
o de Palermo, voltado preveno, represso e punio pelo trfico de pessoas,
em particular de mulheres e de crianas, mas tambm importante normativa
internacional, considerada soft law: as Diretrizes Justia em matrias envolvendo
crianas como vtimas e testemunhas, consolidada pela Resoluo n 20/2005 do
Conselho Econmico e Social das Naes Unidas. Essa normativa se estrutura
em torno de direitos reconhecidos a crianas e a adolescentes nessas condies
para evitar justamente a revitimizao secundria e garantir maior protagonismo
dessas vtimas (ECOSOC, 2005).
Verifica-se, ento, que ao reconhecimento da condio como vtima e,
por conseguinte, ao direito de persecuo penal dos responsveis, somam-se os
direitos voltados participao e representao para culminar com dois outros
grandes grupos de direitos. De um lado, os direitos voltados proteo contra os
sofrimentos no curso do processo. De outro, os direitos reabilitao e promoo
de seu desenvolvimento.
A aludida Resoluo bem o expressa ao enfocar, primeiramente, a condio
da criana vtima, reconhecendo-a capaz de fala e de testemunho, em uma
valorizao de seu protagonismo e, por conseguinte, a necessidade de respeitar-lhe
os seguintes direitos:
Direito a ser tratada com dignidade e com compaixo.
Direito a ser protegida de discriminao.
No entanto, justamente em decorrncia do direito participao, a
Resoluo tambm expressa claramente o segundo grupo de direitos:
Direito a ser informada.
Direito de ser ouvida e de expressar suas vises e opinies.
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
Recomendao 63, c, do
Comit de Direitos da Criana
ao Brasil por ocasio da
apresentao de seu relatrio.
Cf. UNICEF & OHCHR.
Compilacin de observaciones
finales del Comit de los
derechos del nio sobre pases
de Amrica Latina y el Caribe
(1993 -2004), p.112.
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seus direitos. Uma anlise crtica sob o crivo histrico-comparativo luz do debate em torno do depoimento especial
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111
Captulo 6
Polticas pblicas, rede de proteo e
os programas e servios voltados para
crianas e adolescentes em situao de
violncia sexual
Benedito Rodrigues dos Santos
Rita Ippolito
Maria de Lourdes Magalhes
114
Captulo 6 - Polticas pblicas, rede de proteo e os programas e servios voltados para crianas e adolescentes em situao de violncia sexual
115
Documento
elaborado
pelo governo federal em
parceria com a sociedade
civil, o PNEVSIJ norteia
as polticas pblicas nessa
rea (BRASIL, 2002b). O
Brasil foi um dos primeiros
pases do mundo a cumprir
a principal recomendao
feita pelo 1st World Congress
against Commercial Sexual
Exploitation of Children (I
Congresso Mundial contra a
Explorao Sexual Comercial
de Crianas), realizado em
Estocolmo, na Sucia, em
agosto de 1996 (UNICEF,
1996). O encontro para a
elaborao e a aprovao do
documento, realizado em
junho de 2000 em Natal
(RN), foi resultado de um
processo de articulao e de
mobilizao
protagonizado
pela sociedade civil, por
instituies governamentais
e
pela
cooperao
internacional. Ademais, foi
uma demonstrao da vontade
poltica do governo e da
sociedade civil no sentido de
operacionalizar o combate
violncia sexual, com
metodologias e estratgias
adequadas construdas sobre
a base do consenso entre as
duas partes. Participaram da
discusso e da elaborao do
PNEVSIJ representantes do
Legislativo, do Judicirio,
do Ministrio Pblico, de
rgos dos executivos federal,
estaduais
e
municipais,
de ONGs brasileiras e
internacionais, assim como
representantes
juvenis
e
integrantes dos conselhos
dos direitos da criana e
do adolescente e conselhos
tutelares. O encontro foi
um marco na histria da
mobilizao contra a explorao
e o abuso sexual de crianas
e de adolescentes. Depois
116
Captulo 6 - Polticas pblicas, rede de proteo e os programas e servios voltados para crianas e adolescentes em situao de violncia sexual
de apresentado, deliberado
e aprovado na Assembleia
Ordinria
do
Conanda
em 12 de julho de 2000, o
PNEVSIJ (BRASIL, 2002)
se tornou a diretriz nacional
para esse enfrentamento no
mbito das polticas pblicas
e sociais. Cabe destacar que
o documento tem como
referncia
fundamental
o ECA (BRASIL, 1990),
reafirmando os princpios
da proteo integral de
crianas e de adolescentes,
bem como sua condio
de sujeitos de direito e de
pessoas em desenvolvimento.
Outros princpios do ECA
(BRASIL, 1990) reforados
no PNEVSIJ (BRASIL, 2002)
so: participao/solidariedade;
mobilizao e articulao de
toda a sociedade organizada
e de setores governamentais;
gesto
paritria
efetivada
pelos conselhos de direitos,
assistncia, sade e educao;
descentralizao para que as
polticas sejam executadas nos
municpios; sustentabilidade
das
aes
focadas,
dimensionadas e oradas pelos
municpios; responsabilizao
dos rgos da sociedade
civil que tm a misso de
acompanhar e de monitorar a
execuo dessas polticas.
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BRASIL. Ministrio da Sade. Linha de cuidado para a ateno integral sade de crianas,
adolescentes e suas famlias em situao de violncias. Braslia, DF, 2010b. Disponvel em:
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Nacional de Enfrentamento da Violncia Sexual contra Crianas e Adolescentes. Braslia, DF,
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Unidas: Nova York, 1989. [UNITED NATIONS. Convention on the rights of
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OIT. Organizao Internacional do Trabalho. Colquio Nacional sobre Redes de Ateno
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OLIVEIRA, M. L. M. Ateno a mulheres, crianas e adolescentes em situao
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Curitiba. In: LIMA, C. A. (Coord.). Violncia faz mal sade. Braslia, DF: Ministrio
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SANTOS, B. R. O enfrentamento da explorao sexual infanto-juvenil. Goinia: Cnone
Editorial, 2007.
128
Captulo 7
A escola como o espao mais prximo
da revelao da violncia sexual e o
cuidado de crianas e de adolescentes
Rita Ippolito
Rosila Wille
Tu me dizes, eu esqueo.
Tu me ensinas, eu lembro.
Tu me envolves, eu aprendo.
Benjamim Franklin
Todos os dias, ele chega escola. Vai para a sala dos professores, conversa
com seus colegas, toma caf, abre o armrio, pega o material preparado para a aula
do dia. Toca o sinal, e chega a hora de ir para a sala de aula.
Ele sente profundo incmodo, mas no h sada. Mais uma vez, chega a
hora de encontrar aquele estudante sobre o qual ele tem a convico de que vem
sofrendo violncia sexual. Se pudesse, no daria aula mais nessa turma. No h
sada. Enfrentar a situao parece que ainda no o momento, mas quando ser?
Por que no toma a deciso de se aproximar e de dialogar sobre o que suspeita estar
afligindo o aluno h vrios meses? E as consequncias que adviro dessa deciso
de se aproximar? O pai nunca esteve na escola. A me apenas aparece quando
convocada pela direo a comparecer e a tomar conhecimento de alguma situao
especfica sobre o filho.
Chega sala de aula. Em meio ao burburinho da turma, olha para aquele
menino e o v tentando agarrar-se a algo ou a algum para conseguir sobreviver.
Seu desempenho nas disciplinas no dos piores, mas, se estivesse em condies
diferentes da que se encontra, poderia ser um dos melhores da turma.
131
hora de fazer alguma coisa. Contudo, mais uma vez, olha para o menino
e, mais uma vez, em meio a um profundo conflito interior, resolve deixar para
outro dia. Em casa, seus pensamentos sobre o menino ocupam suas reflexes e ele
se questiona como seria se j tivesse cumprido o seu dever: notificar o caso e buscar
ajuda para aquela criana que, com seu modo e com seu olhar triste e inquiridor,
vive a pedir socorro.
Sua omisso se sustenta no receio de, ao tomar uma atitude, comprometerse excessivamente e de vir a sofrer tambm, ou mesmo de colocar-se em risco e de
se tornar alvo de represlias. Escolhe seguir a rotina, e assim passam os dias. Aquele
professor daquela escola distante e agora tambm distante daquela criana tenta,
de todas as formas, amenizar seu desconforto e seguir mantendo o equilbrio no
cotidiano.
Situaes como essas acontecem em muitas das inmeras escolas espalhadas
pelo pas. Diante disso, ficamos nos perguntando como intervir para que dramas
dessa natureza, vividos por milhares de crianas e de adolescentes e os dilemas
vividos por muitos professores sejam transformados em aes concretas que
assegurem os direitos humanos previstos no Estatuto da Criana e do Adolescente
(ECA).
Por que a escola importante no enfrentamento da violncia sexual de
crianas e de adolescentes e por que precisa estar articulada a todas as aes
desenvolvidas pela rede de proteo social?
Para que possamos dimensionar o universo de que estamos tratando
quando falamos de escolas, o Censo Escolar 2012, realizado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP, 2012), do
Ministrio da Educao (MEC), aponta que existem 192.676 escolas de educao
bsica pblicas e privadas no Brasil. Nessas escolas, encontram-se 50.545.050 de
estudantes matriculados, dos quais 42.222.831 esto nas redes pblicas (83,5%) e
8.322.219, em escolas particulares (16,5%).
Segundo o Inep, em 2012, o nmero de matrculas na rede pblica de
educao bsica por dependncia administrativa foi distribudo da seguinte forma:
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Captulo 7 - A escola como o espao mais prximo da revelao da violncia sexual e o cuidado de crianas e de adolescentes
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Captulo 7 - A escola como o espao mais prximo da revelao da violncia sexual e o cuidado de crianas e de adolescentes
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da
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Captulo 7 - A escola como o espao mais prximo da revelao da violncia sexual e o cuidado de crianas e de adolescentes
Atribuies da escola
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Captulo 8
Ateno integral sade de crianas
e de adolescentes em situao de
violncia sexual, em linhas de cuidado
Ana Sudria de Lemos Serra
Llian Cherulli de Carvalho
Maria de Lourdes Magalhes
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
Atendimento
O incio da linha de cuidado depende da porta de entrada na rede de sade,
da gravidade do caso atendido e da competncia daquele nvel de ateno. Contudo,
qualquer que seja o local do primeiro contato, imprescindvel que os dispositivos
facilitadores da humanizao do atendimento nos servios sejam utilizados pelas
equipes que acolherem as vtimas e seus familiares:
i) Clnica ampliada: considera o atendimento de sade para alm da doena
ao compreender a complexidade dos sujeitos que utilizam os servios
de sade (BRASIL, 2009). Procura, ento, articular e incluir mltiplos
enfoques e disciplinas no atendimento. Embora os diagnsticos tendam a
descrever as doenas pelos sinais e pelos sintomas que so comuns maioria
das pessoas (o igual), fundamental apontar que esses sinais e sintomas,
em cada pessoa e somente nela , expressam-se de modo singular (o
diferente). A integrao do igual e do diferente facilitar a compreenso
de um processo de sade-doena, ampliando o objeto de trabalho e a
incluso de novos instrumentos para resultados mais eficientes. No caso
de violncias contra crianas e adolescentes necessrio abrir a roda para
integrar a famlia e a comunidade, incluindo a rede de proteo social e de
garantia de direitos.
ii) Equipe de referncia: constitui-se pela equipe de sade responsvel
por uma populao ou por um grupo de usurios com quem cria
vnculos especficos e por quem se responsabiliza pelo atendimento,
pelo encaminhamento ou pelo acompanhamento. Na ateno primria,
as equipes de referncia responsabilizam-se pela populao adstrita do
seu territrio. Nos servios de urgncia, as equipes de referncia se
responsabilizam por aqueles que procuram esses servios, cabendo a elas,
tambm, fazer ligao com as unidades internas do hospital, evitando que
as crianas e os adolescentes fiquem desassistidos no espao das unidades
hospitalares.
iii) Apoio matricial: so os dispositivos de facilitao do ordenamento das
redes nos territrios e de acompanhamento das crianas e dos adolescentes
vitimados nos percursos da ateno sade.
iv) Projeto Teraputico Singular (PTS): dispositivo que considera as
particularidades do indivduo e de sua famlia como elemento central
de um plano de atendimento mais adequado s demandas especficas.
Com base em hipteses diagnsticas biopsicossociais e na avaliao das
vulnerabilidades dos sujeitos, constroem-se metas a serem negociadas com
os usurios e sua famlia, se for o caso, perante o membro da equipe que
tiver o melhor vnculo. fundamental escolher uma pessoa da equipe
153
ESCUTA
QUALIFICADA
COLETA DE MATERIAL E/OU
REALIZAO DE EXAMES
ANAMNESE
NOTIFICAO COMPULSRIA DE
VIOLNCIA SEXUAL, DOMSTICA E
OUTRAS VIOLNCIAS
(Port. GM/MS N 104/2011)
COMUNICAO OBRIGATRIA
AO CONS. TUTELAR (art.13. ECA)
ACOMPANHAMENTO
LABORATORIAL
PARA CASOS DE
VIOLNCIA SEXUAL
CRNICA
PARA CASOS DE
VIOLNCIA SEXUAL
RECENTE
AVALIAO
DE RISCO
ANTICONCEPO DE
EMERGNCIA + PROFILAXIAS:
DST + HIV + TTANO + HEPATITES
ORIENTAES SOBRE OS
DIREITOS LEGAIS DA PACIENTE
CONFORME LEGISLAO EM VIGOR
INTERRUPO DE
GESTAO PREVISTA
EM LEI
ORIENTAES E INTERAES
MEDICAMENTOSAS, EFICCIA DA
ADMINISTRAO E EFEITOS
SECUNDRIOS DAS PROFILAXIAS
1
ALTA
HOSPITALAR
AGENDAMENTO PARA
ACOMPANHAMENTO
CLNICO E PSICOSSOCIAL
Fonte: OS AUTORES.
154
ACOMPANHAMENTO PR-NATAL
COM AVALIAO DE RISCOS
E VULNERABILIDADES
PROCEDIMENTOS CLNICOS
DIAGNSTICO E ADMINISTRATIVOS
Portaria GM/MS n 1.508/2005
ENCAMINHAMENTO
PARA A REDE DE APOIO
INTERSETORIAL
Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
A abordagem clnica
A elaborao de fluxos e de protocolos de ateno integral sade de
crianas, de adolescentes e de suas famlias, em situao de violncias, bem como
a abordagem pelo Projeto Teraputico Singular (PTS) imprescindvel para o
atendimento em todos os servios de sade, visando agilidade e resolutividade
na linha de cuidado. Nas competncias de qualquer nvel de ateno sade
inclusive e especialmente na ateno primria , as aes necessrias ao cuidado
devem ser realizadas agilmente. As vtimas adolescentes, crianas e seus familiares
devem ser informadas sobre os procedimentos clnicos e legais, em linguagem
clara e acessvel, para que seja assegurado o entendimento nessas situaes.
Por um lado, o referenciamento apenas deve ser feito quando as
possibilidades e as competncias de determinado nvel de ateno sade
estiverem esgotadas ou se os casos forem muito graves e exigirem atendimento
de urgncia e de emergncia. Nesses, imprescindvel que a regulao de vagas
esteja fortemente articulada na rede de sade do territrio, para que se cumpra a
prioridade de atendimento a que crianas e adolescentes tm direito.
Na abordagem clnica, por outro lado, preciso descartar, sempre, todas
as causas antes de afirmar que a criana ou o adolescente sofreram violncia.
Procedimentos de anamnese e exames clnicos, laboratoriais, psicolgicos bemfeitos podem oferecer informaes relevantes para essa concluso. Com todas as
crianas e adolescentes que chegam aos servios de sade devem ser feitas anamneses
cuidadosas, que no deixem de abordar, entre outras questes: a vida familiar, a
situao na escola, a vivncia social, o crescimento e o desenvolvimento pessoal,
a situao de sade em geral, as queixas mais recorrentes, os medos, as condutas
antissociais, as regresses comportamentais, se houver. Para adolescentes, devemse incluir informaes sobre a sexualidade, a atividade laboral ou de qualificao
profissional, o uso de lcool e de outras drogas e o projeto de vida. A anamnese
psicossocial feita por psiclogos e por assistentes sociais oferece mais elementos
para a anlise do caso.
Conhecer como e em que contextos pessoal, familiar, social e cultural
vivem a criana e o adolescente em situao de violncia facilita a identificao
dos determinantes que influem no processo de construo dessa violncia para o
conhecimento das situaes potenciais e daquelas vividas pela vtima.
157
Perfil da famlia: o quarto fator a ser avaliado a famlia, nuclear e expandida (irmos,
avs, tios e outros parentes que convivem com a vtima). A anlise da postura dos
familiares diante da agresso e do autor de violncia, assim como da qualidade das
relaes que mantm com a criana e o adolescente vo definir se podem ou no atuar
como protetores, evitar novas agresses e se garantem o tratamento e o acompanhamento
adequados da vtima.
Fonte: BRASIL, 2010a, p. 60.
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
GRAVIDEZ
Riscos
HIV/AIDS
Contato com
smen (oral, anal e
vaginal)
Cuidados
DST/no virais
Realizao de
aconselhamento
Intolerncia gstrica
Histrico alrgico
Escolha adequada do
medicamento
Dosagem a ser
administrada de acordo
com o peso
Solicitar e aconselhar
teste (anti-HIV)
Escolha da associao do
medicamento
Dosagem a ser
administrada
Intolerncia gstrica
Administrao (ideal em
24h ou at 72h)
Avaliar o esquema
vacinal da vtima (3
doses)
Avaliar a
exposio crnica/
repetio da
violncia
Realizar a
imunoprofilaxia
Interpretar os
marcadores
Escolha adequada do
mtodo
Dosagem a ser
administrada
Administrao (ideal
at 72h ou 5 dias aps
a violncia)
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Captulo 8 - Ateno integral sade de crianas e de adolescentes em situao de violncia sexual, em linhas de cuidado
165
Referncias
AYRES, R. C. V. et al. Acolhimento no PSF: humanizao e solidariedade. O
mundo da sade. So Paulo, v. 30, n. 2, p. 306-311, abr./jun. 2006. Disponvel em:
www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/35/acolhimento_psf.pdf. Acesso em: 1o.
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BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Poltica Nacional de
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Editora do MS, 2006b.
BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Poltica Nacional
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Braslia: Editora do MS, 2009.
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Linha de cuidado para a ateno integral sade de crianas, adolescentes e suas famlias
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Editora do MS, 2010a.
BRASIL. Ministrio da Sade. Departamento de Aes Programticas Estratgicas.
Diretrizes nacionais para ateno integral sade de adolescentes e jovens na promoo, proteo
e recuperao da sade. Braslia: Editora do MS, 2010b.
BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento
de Aes Programticas Estratgicas. Aspectos jurdicos do atendimento s vtimas de
violncia sexual: perguntas e respostas para profissionais de sade. 2. ed. atual. e
ampl. Braslia: Editora do MS, 2010c.
BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento
de Aes Programticas Estratgicas. Preveno e tratamento dos agravos resultantes
da violncia sexual contra mulheres e adolescentes: norma tcnica. 3. ed. atual. e ampl.
Braslia: Editora do MS, 2010d.
BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de
Aes Programticas Estratgicas. Ateno humanizada ao abortamento: norma tcnica.
2. ed. atual. e ampl. Braslia: Editora do MS, 2010e.
MAGALHES, M. L. Ateno integral sade de crianas em situao de violncias:
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MENDES, E. V. Reviso bibliogrfica sobre redes de ateno sade. Braslia: Ministrio
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166
Captulo 9
A ateno a crianas e a adolescentes
vtimas de violncia sexual nos Centros
de Referncia Especializados de
Assistncia Social (Creas)
Ana Paula Souza Romeu
ngela de Nazar Santana Elias
Edson Gonalves P. O. Silva
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Captulo 9 - A ateno a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual nos Centros de Referncia Especializados de Assistncia Social (Creas)
A Proteo Social Bsica, por sua vez, tem por atribuio a preveno de
situaes de risco e o fortalecimento de vnculos familiares e comunitrios. O
equipamento pblico responsvel pelo atendimento populao o Centro de
Referncia de Assistncia Social (Cras). Os servios, os programas, os projetos e
os benefcios so articulados pelo Cras em parceria com a rede socioassistencial
do territrio.
A Proteo Social Especial, por intermdio de medidas socioeducativas
ou medidas de proteo, tem por ateno potencializar a capacidade de proteo
da famlia e dos indivduos que vivenciam violaes de direitos por ocorrncia
de violncia fsica, psicolgica, sexual (abuso ou explorao) ou de negligncia.
O equipamento pblico responsvel por esse tipo de proteo o Centro de
Referncia Especializado de Assistncia Social (Creas).
Com a deliberao da VI Conferncia Nacional de Assistncia Social,
aprova-se a Resoluo CNAS n 109/2009 sobre a Tipificao dos Servios
Socioassistenciais, estabelecendo, assim, quais so os servios vinculados Proteo
Social Bsica e Proteo Social Especial de Mdia Complexidade e de Alta
Complexidade. Na perspectiva da universalizao do atendimento e da ampliao
das aes integradas e continuadas de assistncia social perante as famlias, o Servio
de Enfrentamento Violncia passa a ser uma das aes do Servio de Proteo e
Atendimento Especializado a Famlias e Indivduos (Paefi), no mbito da proteo
especial de mdia complexidade.
Interessa, neste captulo, focar justamente no Paefi, que hoje o servio
que atende s crianas e aos adolescentes vtimas de violncia. Para dar conta desse
desafio, trs Creas, localizados em Atibaia, em Santos e em So Paulo (Creas
Capela do Socorro Cedeca) foram entrevistados, alm do Projeto Camar, em
So Vicente, uma das referncias da rede privada no atendimento s crianas e
aos adolescentes vtimas de violncia. So servios com realidades e com prticas
diversas, reflexos do processo da consolidao da assistncia social como poltica
pblica e do momento de construo de parmetros mnimos de atendimento e
de trabalho em rede. Nosso objetivo no relatar cada experincia, mas apresentar
uma fotografia geral do atendimento e dos desafios apresentados pela prtica.
Creas/Paefi Servio de Proteo e de Atendimento Especializado a Famlias
e a Indivduos
A violncia sexual uma das formas de violao dos direitos humanos
fundamentais e deve ser foco de ateno de servios especializados e continuados.
Na Poltica de Assistncia Social, a unidade pblica responsvel pelo atendimento
de vtimas de violncia sexual o Creas, por meio do Paefi. O Creas uma
unidade pblica estatal, de prestao de servios especializados e continuados de
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Captulo 9 - A ateno a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual nos Centros de Referncia Especializados de Assistncia Social (Creas)
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dos canais de denncia, tais como o Disque 100 e a prpria comunidade, ou mesmo
pela procura espontnea do indivduo ou da famlia pelos rgos responsveis.
A tomada de conhecimento de uma situao de suspeita ou de confirmao
de violncia sexual pode desencadear, no processo de atendimento, uma ao
revitimizante da criana ou do adolescente e da famlia se no forem respeitadas
as devidas atribuies dos rgos que compem a rede de proteo social. Da a
importncia de se diferenciar o tipo de escuta de cada um dos espaos de revelao
e das portas de entrada para o atendimento. Os rgos especializados so as portas
de entrada responsveis pelo atendimento inicial de crianas e de adolescentes
vtimas de violncia. As possveis portas de entrada, dependendo da realidade e da
organizao de cada municpio, esto predominantemente na sade, na assistncia
social e na segurana pblica.
Na assistncia social, o Creas se configura como uma das portas de entrada
responsveis pelo atendimento da criana, do adolescente e de sua famlia. Cabe
ao Creas a realizao da escuta protetiva1, ou seja, uma escuta de acolhimento, de
orientao e de proteo. A delegacia a responsvel, juntamente com a justia, no
contexto da escuta especial, pela averiguao dos fatos. No cabe sade, aos Creas
e mesmo aos conselhos tutelares buscar a veracidade dos fatos. A criana e a famlia
devem ser acolhidas, atendidas e terem seus direitos garantidos.
Portanto, o Creas uma importante porta de entrada. Sua ao se pauta na
ateno especializada aos indivduos e s famlias, por meio de apoio e de orientao,
promovendo a melhoria nas condies sociais e psquicas destes no contexto de
violncia ou de outra situao de risco social associado.
Atendimento psicossocial a vtimas de violncia sexual de crianas e
adolescentes nos Centros de Referncia de Assistncia Social
Projeto de Aprimoramento
do
Atendimento
Interinstitucional de crianas
e de adolescentes vtimas
de violncia, especialmente
sexual, e de implementao
de mtodos protetivos e
especiais de escuta no Estado
de So Paulo (2010). Material
produzido por uma Comisso
Interinstitucional da Rede de
Proteo Social da Estado de
So Paulo, coordenado pelo
Doutor Eduardo de Rezende
Melo da CIJ.
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Consideraes finais
O atendimento psicossocial de crianas ou de adolescentes e de suas
respectivas famlias vtimas de violncia, de abuso e/ou de explorao sexual realizado
no Creas, por meio do Paefi, uma das aes que o poder pblico proporciona para
contribuir com o fortalecimento dessa mesma famlia e aprimorar sua capacidade
protetiva. No Creas, os usurios podem encontrar os profissionais e os mecanismos
necessrios para restaurar e para preservar a sua integridade, as condies de sua
autonomia e para prevenir a reincidncia da violao dos seus direitos.
No atendimento s vtimas de violncia sexual, tanto os profissionais, quanto
as crianas, os adolescentes e suas respectivas famlias constatam que a violncia
permeada por muitas outras indagaes. So situaes e questes presentes: a
sexualidade como um tabu; a naturalizao da violncia; os conflitos geracionais
e religiosos; o moralismo que considera a violncia sexual como a prioridade de
atendimento e desconsidera a impossibilidade de se diferenciarem os efeitos das
diversas formas de violncia; o silncio que permeia as relaes de parentesco e de
vizinhana, entre outras que merecem desdobramentos.
As diretrizes da Proteo Social Especial estabelecem que, no decorrer
do atendimento psicossocial, os usurios do servio do Paefi devem ser acolhidos
em condies que possibilitem: a promoo de sua dignidade; o favorecimento
da expresso e do dilogo com a equipe tcnica e com seus familiares; a liberdade
para expressarem suas necessidades e interesses; a reparao ou a minimizao dos
danos da violncia; a preservao de suas identidade e integridade; a orientao
com garantia da efetividade do atendimento. Condies, portanto, que garantam a
segurana de acolhida, de convvio ou de vivncia familiar, comunitria e social e
tambm de desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social.
O Creas tambm dever ser o articulador de campanhas e de iniciativas
de preveno violncia sexual a fim de reduzir as violaes dos direitos
socioassistenciais no territrio e de minimizar seus agravamentos e reincidncia.
A articulao da rede socioassistencial e o fortalecimento das polticas
setoriais so fundamentais para a superao das violaes de direitos com a incluso
dos indivduos e de suas famlias na educao, na sade, na qualificao profissional,
no lazer, na cultura, no esporte e em outras polticas. Essa intersetorialidade
contribuir para a identificao das situaes de violao e de violncia e para sua
superao de forma integrada visando melhoria da qualidade de vida.
Por fim, alguns desafios e dificuldades ainda esto presentes no
atendimento e exigem maior empenho dos gestores pblicos e dos tcnicos, como,
por exemplo, metodologias de interveno para o tratamento do agressor, registro
dos dados a fim de garantir o monitoramento e a avaliao da problemtica e do
atendimento, adoo de procedimentos padronizados nos Creas, articulao da
rede socioassistencial e da intersetorialidade.
179
Referncias
BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia:
Senado Federal, 1988.
BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Servio de Proteo Social a Crianas e
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REVISTA CREAS. Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social.
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180
V A notificao dos
casos de suspeita ou
de ocorrncias de
violncia sexual
Captulo 10
O percurso da notificao de suspeitas
ou de ocorrncias de violncia sexual
contra crianas e adolescentes no
Sistema de Garantia de Direitos (SGD)1
Benedito Rodrigues dos Santos
Rita Ippolito
Alm dessa, existem vrias razes pelas quais os profissionais das reas
de cuidado e de ateno a crianas e a adolescentes devem notificar os casos de
suspeita e as ocorrncias de violncia sexual. A mais importante a de que o ato de
notificar tais casos s autoridades responsveis pode contribuir para interromper o
ciclo da violncia sexual que, reiteradas vezes, vem sendo transmitido de gerao
para gerao. Em casos extremos, a deciso de no notificar pode acarretar srias
consequncias para a vida de crianas e de adolescentes.
Estudos demonstram que crianas e adolescentes que viveram situaes
de abuso e de explorao sexual podem desenvolver uma viso muito particular
do mundo e dos relacionamentos interpessoais. Podem apresentar sentimento
de culpa, baixa autoestima, problemas com a sexualidade e dificuldades para
construir relaes afetivas duradouras. Por tudo isso, quanto antes as vtimas de
abuso, de explorao sexual e de maus-tratos receberem apoio educacional, mdico
e psicolgico, maiores sero as chances de superarem a experincia negativa da
infncia e de terem uma vida adulta mais prazerosa e saudvel.
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Captulo 10 - O percurso da notificao de suspeitas ou de ocorrncias de violncia sexual contra crianas e adolescentes no Sistema de Garantia de Direitos (SGD)
O servio funciona diariamente, das 8h s 22h, inclusive aos fins de semana e feriados,
recebendo denncias annimas e garantindo o sigilo. As denncias tambm podem ser
feitas de todo o Brasil e do exterior pelo nmero telefnico pago 55 61 3212-8400. A partir
de 2008, o servio tambm passou a receber denncias encaminhadas para o endereo
eletrnico disquedenuncia@sedh.gov.br
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Captulo 10 - O percurso da notificao de suspeitas ou de ocorrncias de violncia sexual contra crianas e adolescentes no Sistema de Garantia de Direitos (SGD)
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Depois dessa fase, o processo volta ao juiz para a aplicao da sentena (fase
final) ou para encaminhamento ao julgamento, o que pode resultar em pena ou em
multa para o autor da violncia sexual.
A Justia da Infncia e Juventude o rgo encarregado de aplicar a lei para solucionar os
conflitos relacionados aos direitos de crianas e de adolescentes. O ECA faculta (e estimula)
a criao das chamadas varas especializadas e exclusivas para a infncia e a juventude. No
entanto, at o momento, existem poucas no Brasil. Naqueles municpios em que elas no
esto presentes, suas atribuies so acumuladas por um juiz de outra alada, conforme
dispuser a Lei de Organizao Judiciria.
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Captulo 10 - O percurso da notificao de suspeitas ou de ocorrncias de violncia sexual contra crianas e adolescentes no Sistema de Garantia de Direitos (SGD)
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VI A escuta da criana e
do adolescente pelos
conselhos tutelares
Captulo 11
Conselheiros tutelares e a escuta da
criana ou do adolescente vtimas de
violncia sexual
Rafael Madeira
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Costa (2004) ensina que esse direito de participao est assegurado pelo
art. 227, 7, que trata, especificamente, da proteo da criana e do adolescente.
Esse artigo foi regulamentado pela Lei n 8.069/90, criando o moderno sistema
de proteo que, como inovao, traz a participao da sociedade civil e da
comunidade na formulao, na fiscalizao e na execuo da poltica pblica. Neste
sentido, o 7 citado nos remete ao art. 204, em que as aes governamentais
seguiro duas exigncias: a descentralizao poltico-administrativa e a participao
popular. Assim, ao privilegiar espaos de participao paritria e de participao
da comunidade no mbito do Estado, a lei estabelece a corresponsabilidade dos
poderes pblicos e da sociedade civil na efetivao dos direitos fundamentais,
sociais e civis. (COSTA, 2004, p. 273). Essa afirmao do direito participao
na lei visa tambm a contemplar experincias anteriores CF e ao ECA, que no
estavam institucionalizadas e que careciam de poder de deciso.
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se tambm essa postura nos programas executados pela sade e pela assistncia
social, que vo para alm da ateno individual.
O Conselho Tutelar, como rgo administrativo de garantia dos direitos,
deve ter claras suas potencialidades e limitaes. Como citado acima, ele a
instncia prioritria no Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para o recebimento
de denncias ou de notificaes de violncia contra crianas e adolescentes,
estabelecendo uma enorme responsabilidade para sua organizao administrativa
no que tange definio de prioridades de atendimento e articulao com os
rgos que executaro suas medidas. Esse conselho apura fatos por meio de relatos6
que elucidam a suspeita de violncia sexual recebida. Nesse sentido, vale destacar
que o Conselho Tutelar no realiza investigao, muito menos percias tcnicas.
Seu papel se aperfeioa pelo desenvolvimento de trs habilidades: capacidade de
escuta, de comunicao e de busca e de repasse de informaes. Aliado a isso, o
Conselho Tutelar detm alguns elementos que configuram a situao de violncia,
mas no o todo, razo pela qual deve desenvolver outra importante habilidade: a de
se reconhecer incompleto, obrigado a se abrir ao mundo e aos outros procura de
explicao, de respostas a mltiplas perguntas (FREIRE, 2002, p. 153).
Com base nessa argumentao, podemos definir a escuta em situao de
violncia sexual pelo Conselho Tutelar como um dilogo elucidativo, que possibilita
no a verdade e a certeza, mas a fundamentao para a aplicao de medidas que
previnam ou que cessem a situao de violncia. A proposta de dilogo elucidativo
implica trs posturas ou atitudes do Conselho Tutelar:
1. Garantir a participao e o interesse superior da criana e do adolescente,
atendendo o reconhecimento legal dos princpios que regem a aplicao
das medidas, conforme o Pargrafo nico do art. 100 do ECA. No
entanto, estando o Conselho Tutelar inserido na proposta metodolgica
do Depoimento Especial, ele deve preservar os indivduos de constantes
escutas. No tendo sido a porta de entrada ou o espao de revelao,
neste momento deve reconhecer sua incompletude, neste caso especfico,
a incompletude institucional. Isto enseja outra postura ou atitude:
sistematizar relatos.
2. Por sistematizar relatos pode-se entender a diminuio da importncia do
Conselho Tutelar. Porm, exige, para alm das capacidades anteriormente
citadas, tambm aquelas de interlocuo, de articulao e de negociao.
Os relatos que elucidam os fatos e que permitiram a notificao e seus
desdobramentos esto dispersos entre vrios setores da rede de proteo
infncia. As medidas e os encaminhamentos do Conselho Tutelar tornamse mais qualificadas e abrangentes se bem fundamentadas.
3. A mediao intersetorial de proteo/protetiva se d em relao ao
fato concreto. Na perspectiva da formulao e da execuo da poltica
201
202
salincia ou no gosto do amigo da minha me, pois ele mexe nas minhas coisas e
fica sempre no meu quarto, que oferecem contedo para posteriores averiguaes,
orientaes e medidas.
O dilogo no deve ser invasivo, principalmente quando a pessoa no
demonstra querer falar sobre sua intimidade, nem indutor, pois pode acarretar
falsas ideias ou memrias em um indivduo que pode estar bastante fragilizado
emocionalmente. No entanto, o atendimento deve ser abrangente, possibilitando
avaliar a qualidade de vida em suas variadas dimenses: sade, liberdade, respeito,
dignidade, convivncia familiar e comunitria, educao, cultura, esporte, lazer e
trabalho. Os elementos positivos e negativos identificados, por essa anlise, podero
ser confirmadores ou no da suspeita de violncia.
Vale lembrar que o conselho deliberar pela apurao desses elementos,
que nortearo a aplicao de medidas de proteo e de medidas pertinentes aos
pais e aos demais responsveis. No cotidiano da violncia, a vtima colocada
como responsvel pelo que sofreu. O Conselho Tutelar deve ser o espao para a
quebra de preconceitos que inverte responsabilidades e que transforma as relaes
humanas em relaes sexualizadas.
Diante do Sistema de Garantia de Direitos
O Conselho Tutelar rgo estratgico no SGD no enfrentamento
violncia sexual e nos desdobramentos da situao aps sua revelao. Isso fica
evidente ao analisarmos o Plano Nacional de Enfrentamento Violncia Sexual
contra criana e adolescentes, que reserva, ao Conselho Tutelar, espao em trs
dos seus seis eixos operacionais. So eles: atendimento; defesa e responsabilizao
e preveno (FALEIROS, 2007). O rgo tambm atua na anlise de situao, na
mobilizao, na articulao e no protagonismo infantojuvenil.
O atendimento, que definimos anteriormente como dilogo elucidativo,
tem por objetivo atender, de forma especializada, as vtimas de violncia no mbito
do Conselho Tutelar articulador entre o momento do atendimento e a efetivao
da responsabilizao e da proteo da vtima , sendo determinante para assegurar
que as dimenses de defesa, de responsabilizao e de proteo sejam efetivadas.
Como bem preconiza o art. 13 do ECA, ao se estabelecer a notificao compulsria
de violncia ao Conselho Tutelar, este espao o local privilegiado para o primeiro
contato com a vtima e com sua famlia, garantindo a participao da criana e do
adolescente na perspectiva de objetivar os encaminhamentos necessrios. Quando
o Conselho Tutelar no realiza o primeiro contato (hospitais, centros de sade,
delegacias e escolas tambm so portas de entrada), ele tem o papel fundamental de
avaliar e de reivindicar a prioridade e o melhor atendimento vtima, sistematizando
relatos e realizando mediao intersetorial de proteo/protetiva.
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Apontamentos finais
Todos reconhecem a importncia da formulao e da aprovao do ECA e de
sua mais importante criao, o Conselho Tutelar, apesar de crticas dos defensores
dos cdigos de menores e da Doutrina da Situao Irregular. Essas crticas tornamse ameaadoras pela falta de priorizao oramentria de municpios e do Distrito
Federal com seus conselhos tutelares, pois as violaes de direitos se revelam na
retaguarda do SGD.
A realidade que, em grande parte dos municpios, os conselhos tutelares
no detm a estrutura necessria para um atendimento digno s vtimas de
violncia sexual, seja pela falta de salas que garantam conforto, privacidade e sigilo
das informaes, seja pela falta de capacitaes continuadas que trabalhem toda
a complexidade da violncia sexual, em especial as consequncias, no momento
do atendimento do conselho. O Sipia CT on-line, por sua vez, no um sistema
para resolver problemas estruturais, mas uma ferramenta para qualificar o trabalho
de atendimento dos conselhos. A organizao e os dados gerados pelo sistema
ajudariam muito o Conselho Tutelar a cumprir sua atribuio relegada a papel
secundrio de controle social do Estado. Para os conselhos tutelares cumprirem o
lema Esquecer permitir, lembrar combater, precisam do compromisso dos
conselheiros tutelares e da responsabilidade dos poderes executivos locais.
Referncias
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207
208
Captulo 12
A ateno criana e ao adolescente
nos rgos de investigao policial
(polcia e instituto de medicina legal)
Sandra Gomes Melo
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Captulo 12 - A ateno criana e ao adolescente nos rgos de investigao policial (polcia e instituto de medicina legal)
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de Estado-investigador, de Estado-acusador e de Estado-julgador e buscase, portanto, um sistema processual penal equilibrado e harmnico. Entretanto,
permitiu-se a outros rgos, como o Ministrio Pblico, no caso das aes civis, as
Casas Legislativas, no caso das Comisses Parlamentares de Inquritos, realizarem
atos de investigao.
No Brasil, diferentemente de outros pases, acabamos por adotar um
sistema misto, pois, polcia no cabe to somente os atos investigatrios, mas
tambm a emisso de um relatrio circunstanciado e o indiciamento de suspeitos
de autoria de crimes, inclusive suas prises em flagrante. Neste caso, verificam-se
duas prerrogativas da autoridade policial: a de investigar e a de dar incio formao
da culpa, isto , indiciar e tomar depoimentos por escrito, autuando todas as peas
que documentam a investigao. Isto, indubitavelmente, acaba por configurar, na
prtica, um status institucional, uma vez que poder ser incorporado a um processo
judicial, se encampado pelo Ministrio Pblico. Nesse sentido, considerando que
tal momento inteiramente inquisitorial, o inqurito policial brasileiro acaba por
ser nico, pois rene a qualidade da neutralidade que deve ter a investigao policial
e a possvel formao da culpa.
Ressalte-se que, salvo os crimes federais, assim definidos pela constituio
brasileira, os demais crimes so de atribuio das polcias estaduais, as quais,
salvo a do Distrito Federal, so organizadas e mantidas pelos estados. Suas
estrutura e funcionamento variam Brasil afora. fato que o Estado brasileiro tem
procurado, cada vez mais, assegurar, aos seus cidados, uma melhor qualidade
de vida, pautada especialmente por servios pblicos de melhor qualidade e de
respeitos dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, no tm sido diferentes
os trabalhos realizados pelas polcias brasileiras. Destacam-se, em algumas reas,
servios de combate a: crimes contra as mulheres, trfico de entorpecentes,
crimes contra o patrimnio pblico e, recentemente, crimes contra a criana e
o adolescente. Nesse diapaso, servios policiais especializados tm sido criados
em reconhecimento ao fato de que certos crimes tm suas especificidades, no
apenas em razo do fato em si, mas, principalmente, pela ateno diferenciada
que certas vtimas demandam. Esse o caso, sem dvida, das crianas e dos
adolescentes vtimas de violncia em geral, mas, principalmente, aqueles vtimas
de violncia sexual.
certo que a investigao policial precisa demonstrar a materialidade do fato
criminoso, ou seja, o direito protegido que foi violado e quem foi o seu responsvel,
ou seja, a autoria. Isso se d de forma emprica, por meio da escuta dos envolvidos,
quando o treinamento e a experincia do investigador so fundamentais, e de
forma tcnica, quando do levantamento e do trabalho das evidncias por meio das
tcnicas periciais, destacando-se os institutos de medicina legal. Porm, fato, as
impresses e o relato das vtimas so fundamentais, pois, em relao aos suspeitos
e s prprias testemunhas, so muito mais sujeitos a aes externas que podem
contaminar a investigao.
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Por isso, tem-se buscado alternativas profissionais para que tais vtimas possam
revelar a violncia sofrida, mas sempre com o propsito primeiro de proteo e de
reduo dos danos at ento sofridos. Quanto responsabilizao do agressor, esta
deve ser uma consequncia paralela do processo de proteo.
Muito tem se discutido sobre o modelo ideal de acolhimento, de proteo,
de responsabilizao, de acompanhamento e de preveno. Na nossa viso, nenhum
rgo jamais estar preparado para desempenhar, a contento, todas essas fases.
certo que cada um tem suas atribuies especficas, as quais devem ser preservadas,
mas preciso compreender ser plenamente possvel estabelecer um sistema
integrado de cooperao em que cada um cumpra suas tarefas, porm, abstendose de prticas que desrespeitem a proteo integral da criana e do adolescente,
como as reiteradas e inbeis escutas das vtimas e a demora nos encaminhamentos
de suas necessidades. Portanto, onde e como tais vtimas sero ouvidas algo
a ser amadurecido com base no sistema de que se dispe, mas certo que essas
vtimas no podem ser ouvidas nos mesmos moldes das inquiries comuns at
pela incompreenso da ilicitude e da reprovabilidade da conduta sofrida.
Para a investigao policial, quanto mais fidedigno o relato dos fatos pelas
vtimas, mais seguras sero as provas carreadas, e, consequentemente, seu bom
aproveitamento para a responsabilizao do autor. Isso no significa, contudo, que
a inquirio tenha de ser feita nos moldes da investigao comum. Muito pelo
contrrio, como j demonstramos anteriormente. Um protocolo de atendimento
precisa ser adotado pelos profissionais responsveis pelo atendimento quer
nas delegacias, quer nos institutos mdicos legais. Deve-se considerar, ainda, o
treinamento apropriado para a escuta especial que leve sempre em conta que o
recomendvel que as vtimas sejam questionadas sobre o fato o menor nmero
de vezes possvel e o modo como o judicirio local tratar tal prova. Da por
que, mais uma vez, a articulao com a rede de atendimento se faz imprescindvel.
Em nossa viso, tal protocolo de atendimento s vtimas poderia seguir alguns
direcionamentos:
a) Informao prvia sobre os fatos para subsidiar a entrevista.
b) Acolhimento da vtima para que ela se sinta segura e protegida; oportunidade
em que lhe seja explicado o que ser feito e com que finalidade.
c) Escuta livre, sem interrupes ou solicitaes de detalhes desnecessrios.
d) Ambiente da entrevista agradvel faixa etria da vtima, podendo se
utilizar alguns brinquedos, lpis de cor, papel, porm, sem exageros, para
evitar a distrao.
e) Entrevista a ss com a vtima, visando a minimizar a influncia externa e as
consequentes presses.
f) Incentivo ao relato espontneo, evitando-se insistir em determinados
assuntos.
g) Identificao de situaes de risco; oportunidade em que o profissional
dever desencadear providncias de proteo perante a rede de atendimento.
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Captulo 12 - A ateno criana e ao adolescente nos rgos de investigao policial (polcia e instituto de medicina legal)
Referncias
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223
224
Captulo 13
O papel da defensoria pblica no
atendimento extrajudicial e judicial
s crianas e aos adolescentes em
situaes de violncia sexual
Diego Vale de Medeiros
225
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Captulo 13 - O papel da defensoria pblica no atendimento extrajudicial e judicial s crianas e aos adolescentes em situaes de violncia sexual
227
A Recomendao n 33
do CNJ aconselha, aos
tribunais, a criao de servios
especializados para escuta de
crianas e de adolescentes
vtimas
ou
testemunhas
de violncia nos processos
judiciais.
Depoimento
Especial.
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Captulo 13 - O papel da defensoria pblica no atendimento extrajudicial e judicial s crianas e aos adolescentes em situaes de violncia sexual
Em relao ao tema em tela, os anos de 2010 e 2011 foram muito ricos nas
discusses entre defensores pblicos que atuam na defesa dos interesses e direitos
das crianas e dos adolescentes. Aps evento realizado pela Childhood Brasil no
ano de 2010, o Frum Nacional de Defensores Pblicos Coordenadores de Defesa
da Criana e do Adolescente reuniu-se em julho de 2011 em Belo Horizonte,
Minas Gerais. As seguintes propostas foram elaboradas:
I.
II.
III.
IV.
V.
229
VII.
VIII.
IX.
X.
XI.
Captulo 13 - O papel da defensoria pblica no atendimento extrajudicial e judicial s crianas e aos adolescentes em situaes de violncia sexual
231
AZAMBUJA, M. R. F. de.
Inquirio da criana vtima de
violncia sexual: proteo ou
violao de direitos? Porto
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2011, p. 168/169.
CONSELHO FEDERAL DE
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tico-polticas sobre a metodologia
depoimento sem dano (dsd) junto
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www.cfess.org.br/arquivos/
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p. 5/6.
Medidas cautelares da Lei n
9.271/96: produo antecipada
de provas e priso preventiva.
Boletim do IBCCrim, n. 42, jun.
1996, edio especial, p. 5.
232
Captulo 13 - O papel da defensoria pblica no atendimento extrajudicial e judicial s crianas e aos adolescentes em situaes de violncia sexual
Concluso
Nas situaes decorrentes de violncia sexual contra crianas e
adolescentes, torna-se imperiosa a readequao institucional em favor
das diretrizes de funcionamento do sistema de garantia e de atendimento
especializado, contribuindo para que os procedimentos extrajudiciais e os
processos judiciais sejam conduzidos priorizando sua proteo, e no os
colocando como mero objeto de produo de provas. Alm da preocupao
na persecuo probatria, o olhar de todo o sistema de garantia dos direitos
das crianas e dos adolescentes, incluindo o sistema de justia, deve prestigiar
a proteo e o cuidado s crianas, aos adolescentes e s suas famlias em um
cenrio de vulnerabilidade. A Defensoria Pblica, nos termos do art. n 227
da Constituio Federal recebe, nesse cenrio, o dever de garantir o direito
ao servio pblico de assistncia jurdica gratuita e integral com prioridade
absoluta.
Referncias
AZAMBUJA, M. R. F. de. Inquirio da criana vtima de violncia sexual: proteo ou
violao de direitos? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 168/169.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 julho de 1990. Dispe sobre o Estatuto da Criana e do
Adolescente e d outras providncias. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 17 set. 2013.
BRASIL. Lei Complementar n 132 de 2009. Altera dispositivos da Lei Complementar
n80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pblica da Unio, do Distrito
Federal e dos Territrios e prescreve normas gerais para sua organizao nos Estados, e da Lei
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Captulo 14
Casos com depoimentos de crianas e
de adolescentes vtimas e testemunhas
de violncia sexual O papel
institucional da advocacia: protocolo
tico de atuao
Roberto de Figueiredo Caldas
Raquel Pinto Coelho Perrota
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Captulo 14 - Casos com depoimentos de crianas e de adolescentes vtimas e testemunhas de violncia sexual: O papel institucional da advocacia: protocolo tico de atuao
Mtodo de tomada de
depoimento sem que os
depoentes notem que esto
sendo
observados
por
outras pessoas que no o
entrevistador. Consiste em
duas salas separadas por uma
viso de vidro em frente e
verso, contendo recurso de
udio e de vdeo para gravar os
depoimentos tomados.
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Captulo 14 - Casos com depoimentos de crianas e de adolescentes vtimas e testemunhas de violncia sexual: O papel institucional da advocacia: protocolo tico de atuao
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Captulo 14 - Casos com depoimentos de crianas e de adolescentes vtimas e testemunhas de violncia sexual: O papel institucional da advocacia: protocolo tico de atuao
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do efetivo acesso Justia seja respeitado. Utiliza-se dessa figura nos casos em
que, no havendo defensor pblico constitudo, o beneficiado no puder arcar
com as despesas que so subjacentes contratao de um advogado particular.
Por esse motivo, o defensor ad hoc nomeado, no havendo qualquer nus para
a pessoa assistida, o que no significa dizer que esse profissional desempenhar,
necessariamente, uma atividade pro bono.
Estabelece-se, assim, relao anloga laboral entre o advogado e o
Estado, de modo que, no obstante no se tratar de tema sem discusses, deve o
poder pblico arcar com as despesas dos honorrios devidos. Assim prev o art.
22 da Lei n 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que determina que a prestao
de servio profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorrios
(BRASIL, 1994, p. 7), fazendo jus a eles mesmo quando indicado a patrocinar
causa de juridicamente necessitado (art. 22, 1). Esses honorrios, continua o
dispositivo, devero ser fixados, via de regra, pelo prprio magistrado, segundo
tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.
Repise-se que todas essas formas de atuao do advogado devem ter
como limite e orientao o reconhecimento da condio peculiar de pessoa em
desenvolvimento da criana e do adolescente. Ao assim se pautar, o procurador
no deve olvidar, entretanto, os princpios constitucionais to caros a todos, como
o da defesa plena. Essencial, pois, a atuao do advogado, de modo a garantir a
observncia dos princpios constitucionais do contraditrio da ampla defesa em
todos os momentos em que a defesa tcnica tenha de ser observada, com as cautelas
de se estar lidando com pessoas em desenvolvimento.
Da atuao tica do advogado
sabido que o advogado, no exerccio de sua profisso, por vezes se
depara com causas e com teses jurdicas que afrontam as suas crenas sejam elas
de mbito pessoal, sejam de mbito jurdico. Neste caso, por ser livre o exerccio
de sua profisso (art. 7, I, do Estatuto da OAB Lei n 8.906/94) facultado, ao
advogado, patrocinar ou no a causa. Eis a primeira escolha do procurador.
A assuno da causa, como no caso de uma defesa criminal, pode ocorrer
sem que o advogado considere sua prpria opinio sobre a culpa do acusado, sendo
esse no apenas um dever do profissional, mas um direito seu (art. 21 do Cdigo de
tica e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil). Ao optar pela atuao no
feito, o advogado deve primar pela consecuo da justia, sem se olvidar do trato
cuidadoso e tico necessrio. Dele, no se espera conduta diversa. Nesses termos,
o art. 31 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil estabelece
que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que
contribua para o prestgio da classe e da advocacia [devendo] manter independncia
em qualquer circunstncia (BRASIL, 1994, p. 8).
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Captulo 14 - Casos com depoimentos de crianas e de adolescentes vtimas e testemunhas de violncia sexual: O papel institucional da advocacia: protocolo tico de atuao
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Captulo 14 - Casos com depoimentos de crianas e de adolescentes vtimas e testemunhas de violncia sexual: O papel institucional da advocacia: protocolo tico de atuao
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Captulo 15
O papel institucional do Ministrio
Pblico nos casos de violncia sexual
contra crianas e adolescentes:
protocolo tico de atuao
Flvia Raphael Mallmann
Na inquirio criana, a
atuao profissional no pode
e no deve ser diferente, ou
seja, os juzes, promotores
e advogados devem estar
preparados, emocionalmente,
para perguntar e ouvir
as
respostas
e
possuir
conhecimentos
adequados,
que vo alm do tcnicojurdico, para lidar com
essa dura e cruel realidade.
(DOBKE, 2011, p. 25).
247
criana,
especialmente
s crianas pequenas, que
aquilo que acontece durante
o abuso um segredo entre
a criana e a pessoa que
abusa. O segredo geralmente
reforado pela violncia,
ameaa de violncia ou castigo.
Algumas vezes encontramos
uma mistura de ameaas e
suborno, em que o ganho
secundrio dos subornos e um
tratamento especial mantm
o segredo que, no obstante,
basicamente fundado nas
ameaas (FURNISS, 1993, p.
30-31).
Monstros no se aproximam
de crianas; homens gentis,
sim (Ray Wyre, especialista
em
crimes
sexuais).
(SANDERSON, 2008, p.
xvii).
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Captulo 15 - O papel institucional do Ministrio Pblico nos casos de violncia sexual contra crianas e adolescentes: protocolo tico de atuao
Apesar de as crianas
realmente terem imaginao
frtil e serem capazes de
fantasiar muitas coisas, no
significa que fantasiem o abuso
sexual. A maioria das crianas
no possui conhecimento
nem
percepo
sexuais
suficientes para ter o que so,
em essncia, fantasias sexuais
adultas. A conseqncia dessa
concepo errnea faz com
que as pessoas no acreditem
na
criana,
ignorando,
portanto, a realidade do
abuso sexual. Essas crenas
tambm servem para deslocar
a responsabilidade do abuso
sexual do abusador para a
criana.
(SANDERSON,
2008, p. xxiii). Como um
resultado das ameaas de
violncia e ameaas de desastre
na famlia, as crianas mentem
mais frequentemente quando
negam ter ocorrido abuso
sexual do que quando acusam
falsamente
um
membro
da famlia de abuso sexual
(FURNISS, obra 1993, p. 31).
10
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Os
primeiros
estudos
especficos
sobre
as
FM
versavam
sobre
as
caractersticas
de
sugestionabilidade
da
memria,
ou
seja,
a
incorporao e a recordao
de informaes falsas, sejam
de origem interna ou externa,
que o indivduo lembra como
249
sendo
verdadeiras.
Essas
pesquisas sobre a sugesto da
memria foram conduzidas
por Alfred Binet (1900), na
Frana. Uma das importantes
contribuies
deste
pesquisador foi categorizar a
sugesto da memria em dois
tipos: autossugerida (isto ,
aquela que fruto dos processos
internos do indivduo) e
deliberadamente
sugerida
(isto , aquela que provm
do ambiente). As distores
mnemnicas
advindas
desses dois processos foram
posteriormente denominadas
de FM espontneas e sugeridas
(Loftus, Miller e Burns,
1978). (STEIN, 2010, p. 23).
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Mtodo
ingls:
circuito
fechado de televiso, de
gravao de videoimagem,
com comunicao sala da
assistncia.
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abuso. Deve-se reconhecer que o Brasil j avanou na proteo das crianas e dos
adolescentes vtimas de abuso sexual, com o estabelecido na normativa internacional,
com a recomendao do Conselho Nacional de Justia para que os tribunais adotem
o depoimento especial como forma de inquirio dessas crianas e adolescentes.
H, ainda, projeto de lei em tramitao no Congresso Nacional para utilizao
preferencial da sistemtica do depoimento especial onde houver salas instaladas para
esse fim. O princpio da vedao do retrocesso19 permite, ao membro do Ministrio
Pblico, manifestar-se de forma muito enftica no sentido de no concordar com a
ouvida da vtima de outro modo que no seja com a utilizao da metodologia do
depoimento especial, quando possvel utilizar-se desta.
Por fim, o limite do agir do Ministrio Pblico estar calcado na dignidade
da vtima em no ser inquirida quando desejar silenciar, em no prosseguir com as
perguntas quando for visvel seu desconforto em prosseguir ou quando demonstrar
ausncia de lembranas sobre o ocorrido, ou seja, quando, de qualquer modo, for
perceptvel maior sofrimento da vtima com o processo de apurao do abuso.
O abuso sexual, na maior parte das vezes, no deixa vestgios materiais,
no apurvel por percia (auto de exame de corpo de delito) e cometido ao
abrigo de olhares de testemunhas, sendo, portanto, a vtima quem detm melhores
informaes sobre o que ocorreu. Todavia, o respeito a essa vtima exige que se
possa, com base nos conhecimentos acima elencados, medir o quanto perquiri-la
em busca da verdade real e quando parar, para no revitimiz-la, mesmo utilizandose a melhor tcnica.
Poderamos, assim, de uma forma pragmtica, elencar os seguintes tpicos
a serem observados:
Zelar para que a vtima tenha assegurado o direito de ser ouvida em um
ambiente acolhedor, afastado da sala de audincias (depoimento especial),
sem se encontrar com o suposto autor do fato nas dependncias do foro.
Zelar para que a vtima seja orientada sobre a forma como o ato vai se
realizar.
Zelar para que a vtima seja entrevistada por profissional capacitado e com
a utilizao de tcnica de entrevista adequada.
Aguardar, durante o ato da audincia, que o tcnico consiga trabalhar com
a vtima pelo relato livre, suportando os eventuais silncios e manifestaes
emotivas dela.
19
princpio constitucional
implcito. Institudo direito
ou garantia, legislativa ou
administrativamente,
fica
vedada a sua posterior
supresso,
porquanto
se
incorpora
ao
patrimnio
jurdico da cidadania.
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Captulo 15 - O papel institucional do Ministrio Pblico nos casos de violncia sexual contra crianas e adolescentes: protocolo tico de atuao
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Captulo 16
A ateno criana e ao adolescente
no judicirio: prticas tradicionais em
cotejo com prticas no revitimizantes
(depoimento especial)
Jos Antnio Dalto Cezar
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Captulo 16 - A ateno criana e ao adolescente no judicirio: prticas tradicionais em cotejo com prticas no revitimizantes (depoimento especial)
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Dever, ainda, haver apoio tcnico qualificado para uso dos equipamentos
tecnolgicos instalados nas salas de audincia e de depoimento especial;
b) o ambiente dever ser adequado ao depoimento da criana e do adolescente,
assegurando-lhes segurana, privacidade, conforto e condies de
acolhimento.
II Os participantes de escuta judicial devero ser especificamente capacitados
para o emprego da tcnica do depoimento especial, usando os princpios
bsicos da entrevista cognitiva.
III - O acolhimento deve contemplar o esclarecimento, criana ou
ao adolescente, a respeito do motivo e do efeito de sua participao
no depoimento especial, com nfase sua condio de sujeito em
desenvolvimento e do consequente direito de proteo, preferencialmente,
com o emprego de cartilha previamente preparada para a finalidade.
IV Os servios tcnicos do sistema de justia devem estar aptos a promover
apoio, orientao e encaminhamento de assistncia sade fsica e emocional
da vtima ou testemunha e de seus familiares, quando necessrio, durante
e aps o procedimento judicial.
V Devem ser tomadas medidas de controle de tramitao processual que
promovam a garantia do princpio da atualidade, garantindo a diminuio
do tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audincia de
depoimento especial.
Tais orientaes apresentam-se como principais vantagens do depoimento
especial em cotejo com o depoimento tradicional de crianas e de adolescentes
vtimas e testemunhas no sistema processual nacional. Isso sem explicitar que o
espao fsico projetado para o acolhimento, a preparao especfica de profissionais
para esse delicado momento e um olhar do sistema de justia que se volte mais para
o exerccio de um direito so caractersticas que, sem dvida alguma, j qualificam,
positivamente, essa forma diferente de interveno, passando a ser questo
secundria a produo da prova. Alm dessas orientaes, esto as de:
I Registro rigoroso da entrevista.
II Documentao visual dos gestos e das expresses faciais que acompanham
os enunciados verbais da criana.
III Registro visual e verbal que pode ser revisto muito tempo depois por
outros profissionais.
IV Reduo do nmero de entrevistas por parte dos outros profissionais.
V Forma de capacitao contnua para os entrevistadores.
VI Ajuda efetiva para conseguir uma aceitao do acontecido por parte do
ofensor.
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crianas e a seus responsveis legais quando das intimaes (no Reino Unido, na
Argentina, em Porto Alegre-RS), todos singelos, de baixo custo, de fcil confeco
e que se constituem em importante instrumento de sensibilizao, para que os
depoimentos sejam realizados de forma tranquila e salutar.
Depoimento especial: a importncia da imagem e do som para a formao
da prova
Embora, nos dias de hoje, o processo judicial esteja se virtualizando, a
verdade que ainda em quase todas as mais de 2.700 comarcas brasileiras, a regra
que, prestado o depoimento, seja ele transferido para o papel, algumas vezes,
integralmente, outras vezes, apenas parcialmente, as declaraes so reduzidas a
termo pelo magistrado que presidiu audincia, ficando consignado e registrado
apenas aquilo que este entendeu ser importante. Transferida a competncia do
julgamento da causa para outro magistrado, que porventura valorize outras
informaes que no exatamente aquelas presentes no termo de depoimento, ou
ainda, havendo recurso para Corte Superior, cujos integrantes tambm valorizem
outras informaes no presentes no depoimento registrado apenas no papel,
estaro essas outras informaes permanentemente perdidas, sem a mnima
possibilidade de serem recuperadas.
Consistindo o depoimento especial de cpia integral do udio e do vdeo
captados durante a audincia, as informaes que ele contm so muito mais
completas, significativas, permanentes, assim viabilizando que no seja valorizada
apenas a informao, a palavra dada naquele momento, mas tambm o olhar,
a emoo das declaraes e as lgrimas que eventualmente aparecerem. Tais
informaes presentes e registradas de forma permanente em mdia podem ser
revistas a qualquer tempo, por qualquer julgador, tornando assim mais completa
e confivel a prova que foi produzida em juzo. Para que a prova seja efetivamente
permanente, alguns cuidados logsticos para o armazenamento das mdias devem
ser efetivados: cpias devem ser mantidas em local seguro e inacessvel, para o caso
de avaria ou de desaparecimento daquelas juntadas aos autos. Dessa forma, estas
podem ser substitudas.
Concluso
Tendo a prtica do depoimento especial mais de oito anos de atividade no
estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Porto Alegre, no h
como no se concluir que o modelo tradicional para inquirir crianas e adolescentes
nos processos judiciais encontra-se totalmente ultrapassado, sendo urgente uma
alterao no apenas legislativa que o regulamente, mas, principalmente, uma
alterao na prtica forense, que exatamente a mesma existente h vrias dcadas.
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Captulo 16 - A ateno criana e ao adolescente no judicirio: prticas tradicionais em cotejo com prticas no revitimizantes (depoimento especial)
DEPOIMENTO ESPECIAL
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Referncias
BRASIL. Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispe sobre o Estatuto da Criana
e do Adolescente e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 13 jul.
1990. Disponvel em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>.
Acesso em: 5 set. 2013.
BRASIL. Conselho Nacional de Justia. Recomendao n 33, de 23 de novembro
de 2010. Disponvel em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-dapresidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12114-recomendacao-no-33>.
Acesso em: 3 set. 2013.
CONVENO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANA. 1989. Disponvel
em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/
crianca.htm>.
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirio das crianas uma abordagem interdisciplinar.
Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.
FURNISS, T. Multiprofessionelles handbuch sexueller
Gottingen: Verl. fur angewandte Psychologie, 2003.
270
kindesmihandlung.
VIII Preparao
da criana e do
adolescente para a
entrevista forense,
protocolos de entrevista
e acompanhamento
ps-depoimento
especial
Captulo 17
A preparao da criana e do
adolescente para a entrevista na fase de
instruo processual
Vanea Maria Visnievski
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amigos na escola, animal de estimao, msicas, jogos podem desencadear uma boa
interao entre o entrevistado e o entrevistador. Falar sobre si mesmo como forma
de criar empatia com a criana pode ser outra boa estratgia. Exemplos: Eu gostaria
de saber o que voc gosta de fazer na hora do recreio na sua escola. ou Voc tem
bichinho de estimao? Eu tenho uma cachorrinha poodle, o nome dela .........
Perguntas introduzidas com as palavras quem? o que? quando? como? onde? so
perguntas abertas e propiciam respostas com maior quantidade de informaes,
com relato livre e com menos risco de induo por parte do entrevistador. As
perguntas fechadas, por sua vez, restringem a resposta a uma palavra ou a uma frase
curta e podem dificultar a continuidade de uma entrevista.
Explique os objetivos da entrevista ou audincia
recomendado partir da informao da criana, verificar o que ela
sabe sobre a vinda ao tribunal. Perguntar, por exemplo: Voc sabe que lugar
este? O que voc entendeu que veio fazer aqui hoje? Se a criana demonstra
entendimento, deve-se reforar o objetivo da entrevista como oportunidade
para dar seu relato, esclarecendo ser seu direito expressar suas opinies e dar sua
verso dos fatos ao juiz.
Se a criana se cala ou diz no saber o motivo de estar sendo entrevistada,
deve-se procurar saber, com a pessoa que a acompanha, quais foram as explicaes
dadas criana para a vinda ao tribunal, se ela teve ou no acesso ao material de
preparao prvia. O entrevistador deve perguntar a si prprio se sua interao com
a criana foi suficiente; se a formulao de suas perguntas e a linguagem utilizada
estiveram adequadas ao nvel de desenvolvimento da criana. Se for essa a situao,
deve retornar aos assuntos neutros, entrar novamente no mundo da criana. Deve
considerar tambm a possibilidade de a criana no estar querendo falar sobre o
assunto por vergonha, por culpa, por presso familiar. Neste caso, o entrevistador
deve criar uma atmosfera psicolgica de encorajamento demonstrando seu apoio,
seu interesse em ajudar a criana. Pode explicar, por exemplo, que outras crianas
j estiveram ali conversando (mostrar desenhos feitos por outras crianas); pode
dizer criana que, se coisas ruins aconteceram com ela, no culpa dela; so os
adultos que devem saber o que certo e o que errado.
Cabe ao entrevistador adequar a explicao dos objetivos da entrevista para
a criana ou para o adolescente. Uma forma dizer criana, por exemplo (sem
usar tom de voz infantilizado): Ficamos sabendo (entrevistador e juiz) que em
uma de suas visitas na casa de seu pai, ele teria te tocado de uma maneira que tu no
gostaste (reporte-se aos dados da denncia ou do BO, em essncia, sem detalhes).
A tua vinda hoje aqui (no tribunal) para que possamos entender o que realmente
aconteceu. O entrevistador deve estar atento s especificidades e s diferenas de
cada criana ou adolescente na conduo de uma entrevista. Os adolescentes so
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281
Explique o que ser feito, por que isso ser feito e quanto tempo demorar
O entrevistador dever explicar, criana ou ao adolescente, todas as etapas
da entrevista e o motivo de eles falarem em separado como medida de proteo.
Dever ainda informar, criana ou ao adolescente, a previso de quanto tempo
demorar a entrevista completa.
No se encontra, na literatura, limite de tempo para a preparao ou o
transcurso de todas as fases da entrevista. Entretanto, h de se observar o ritmo da
criana e o quanto ela poder sentir-se cansada ou desconfortvel. desejvel que
todo o procedimento da entrevista ou audincia no exceda 1h30min.
Explique as regras bsicas da entrevista para iniciar o depoimento em si
Ao iniciar a coleta do depoimento em si, o entrevistador dever aplicar
as regras de boas prticas de entrevista, que preveem obteno de relato livre,
perguntas abertas, no sugestivas. Destaca-se que, nesta fase, quem deve falar a
maior parte do tempo o entrevistado, pois ele quem detm as informaes, e a
comunicao deve estar bem-ajustada. O entrevistador deve dizer testemunha,
por exemplo: Se eu fizer alguma pergunta e no entenderes, podes me dizer: no
entendi. Se eu fizer alguma pergunta, mas tu no recordas da resposta, podes me
dizer: no lembro.
O entrevistador deve orientar, criana ou ao adolescente, que no tentem
adivinhar uma resposta nem se preocupem em repetir relato que j fizeram para
outras pessoas. Exemplificando, pode-se dizer: Eu quero que me conte tudo que
lembrares sobre o que aconteceu contigo e o (suposto agressor). Sei que se lembrar
de tudo vai exigir um esforo teu. Quero que me contes o que est guardado na tua
cabea. Eu no estava l, eu no vi. O que realmente aconteceu s tu que sabe.
necessrio que o entrevistador explique criana ou ao adolescente
que, enquanto eles falam, o entrevistador far, se necessrio, anotaes para no
esquecer o que vai perguntar depois que eles falarem tudo o que tm para relatar.
Em algumas situaes com crianas, recomendado que o entrevistador certifiquese de que ela entende a diferena entre verdade ou mentira. Lopez, (2004, p. 5) em
guia para entrevista infantil, exemplifica como manejar este aspecto com perguntas
criana: Se te digo, por exemplo, que este ursinho de pelcia azul, isto verdade
ou mentira? (espera-se a reposta). Sim, isto seria uma mentira porque este ursinho,
na verdade branco, vermelho.
De acordo com estudos de diversos protocolos de entrevista, a fase
de preparao fundamental para o sucesso de uma tomada de depoimento de
crianas ou de adolescentes. Pode-se dizer que esta fase o corao da entrevista,
pois facilita, para todos os envolvidos, a continuidade desta.
282
Consideraes finais
A entrevista com crianas ou com adolescentes vtimas de violncia,
especialmente na fase judicial, uma experincia indita na vida da criana ou do
adolescente. Pelo carter investigativo e por seus desfechos legais, exige interveno
por profissional preparado, com competncias pessoais e tcnicas. No mbito do
judicirio, esse trabalho pode ser exercido por profissionais do quadro funcional,
como assistentes sociais, psiclogos, mdicos e pedagogos.
Em relao a competncias pessoais, espera-se que o profissional seja capaz
de se relacionar, de se comunicar e de apoiar uma criana ou um adolescente e seu
responsvel. Espera-se, ainda, que mantenha estabilidade emocional e que tenha
capacidade de empatia para abordar, para ouvir e para intervir em situaes com
histrias muito difceis de sofrimento.
Em relao a competncias tcnicas, o profissional dever ter formao
acadmica, preferencialmente em reas que possibilitem conhecimento acerca, por
exemplo, de desenvolvimento geral de crianas e adolescentes; de dinmica das
situaes de violncia. Dever ter capacidade e intencionalidade para o trabalho
interdisciplinar e treinamento especfico para conduzir a entrevista de tomada de
depoimento com crianas e com adolescentes vtimas de delitos.
Referncias
ASSOCIAO PORTUGUESA DE APOIO VTIMA. Manual CORE para
atendimento de crianas vtimas de violncia sexual: proceder. Disponvel em <.http://
www.apav.pt/pdf/core_proceder.pdf>. Acesso em: 4 set. 2011.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA. (Brasil). Recomendao n 33 de 23
de novembro de 2010. Recomenda aos tribunais a criao de servios especializados
para escuta de crianas e adolescentes vtimas ou testemunhas de violncia nos
processos judiciais. Depoimento Especial. (Dirio justia Eletrnico. Braslia, 25
nov. 2010, p. 33-34. Disponvel em: <www.cnj.jus.br>. Acesso em: 4 set. 2011.
DECLARAO DE ESTOCOLMO, 1972. Disponvel em: <http://www.mp.rs.
gov.br/infancia/documentos_internacionais/id101.htm>. Acesso em: 4 set. 2011.
DEPARTAMENTO DE JUSTIA DO CANAD. Disponvel em: <www.
courtprep.ca>. Acesso em: 4 set. 2011.
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirio das crianas uma abordagem interdisciplinar.
Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.
ECOSOC. Conselho Econmico e Social das Naes Unidas. Resoluo 20/2005.
Disponvel em: <http://www.un.org/docs/ecosoc/documents/2005/resolutions/
Resolution%202005-20.pdf>. Acesso em: 2 set. 2011.
283
284
Captulo 18
Procedimentos ticos e protocolares na
entrevista com crianas e adolescentes
Marlia Lobo Ribeiro
Reginaldo Torres Alves Jnior
Srgio Bitencourt Maciel
285
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288
Informaes
detalhadas
sobre a Entrevista Cognitiva,
disponveis em portugus,
esto no livro Falsas Memrias
Fundamentos Cientficos e suas
Aplicaes Clnicas e Jurdicas
(STEIN, 2010).
289
discutir verdade e mentira est apoiada em evidncias de pesquisa que indicam que
solicitar a uma criana que somente relate as coisas que realmente aconteceram
com ela diminui a possibilidade de relatos fabricados (LAMB et al., 2008).
O investimento no rapport tambm estimulado pelo Protocolo NICHD.
Nesse protocolo, o rapport se faz por meio da discusso de temas prazerosos
criana e do estmulo produo de narrativas detalhadas sobre eventos positivos.
Essa ao pressupe que o entrevistador conhea os interesses da criana com base
em pelo menos uma entrevista com o cuidador no agressor.
Em seguida, h a tcnica do treino da memria episdica, isto , a tcnica
de treinar a pessoa a falar, em detalhes, sobre os eventos acontecidos no passado. O
treino ocorre com o estmulo da narrativa sobre um evento positivo previamente
abordado, sobre o dia anterior e sobre o dia de hoje, com nfase no detalhamento
de cada um desses eventos com perguntas abertas, tais como: E depois, o que
aconteceu?.
Na prxima etapa, h a transio para os eventos significativos, com
questionamento do conhecimento da criana sobre o objetivo da entrevista.
Nesta etapa, o entrevistador introduz, deliberadamente, o assunto, por exemplo,
perguntando: Voc sabe por que veio conversar aqui hoje? Se no houver a
revelao, o Protocolo NICHD solicita que sejam realizadas tentativas de introduzir,
gradualmente, informaes conhecidas sobre a denncia: Eu soube que sua me
est preocupada com voc. Fale-me por que sua me est preocupada. ou Eu
soube que voc contou para a professora que algum estava te incomodando. Faleme sobre isso.
Em seguida, ocorre a avaliao dos incidentes, no caso de haver qualquer
revelao na etapa anterior, com base na maneira como a criana narrou o evento
e com a formulao de perguntas abertas, focais, como: Voc me disse que o tio
Joo pegou no seu piu-piu. Conte-me como foi isso. Em seguida, o protocolo
solicita que sejam explorados os vrios incidentes, desde a ltima vez em que isso
aconteceu, at a primeira vez em que isso aconteceu. Nesse modelo, h a avaliao
de incidentes no mencionados pela criana, mas necessrios ao entendimento da
situao, por exemplo: Ele tocou voc por debaixo da roupa? Ressalta-se que,
apenas nesta etapa do protocolo, admitem-se perguntas fechadas, porm, seguidas
de questes abertas: Conte-me como isso aconteceu. O uso de convites para a
narrativa tambm empregado visando a ajudar crianas que no conseguem falar
sobre experincias j conhecidas pelo entrevistador: Eu ouvi dizer que voc falou
com a tia Maria sobre quando o papai pegou na sua florzinha. Conte-me o que
voc contou para a sua tia Maria. Tambm se estimula a obteno de informaes
sobre a revelao anterior, como: Como foi que voc contou para o tio Joo sobre
isso que aconteceu?
290
291
Livre
Recordao
Mltipla
Sim &
Recordao
Focalizada
Escolha
No
Habilidade Narrativa
(Favorece o uso de questionamentos abertos)
Trauma Emocional
(Desfavorece o uso de questionamentos abertos)
Idade
(Favorece o uso de questionamentos abertos)
Fechadas
Abertas
Sugestiva
Sugerida
Narrativa
Narrativa
Focalizada
Selecionada
Limitada /
pelo
Selecionada
Entrevistador
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293
294
295
Quem
O que
Onde
Quando
Relato
Estruturado
Detalhes do
Contexto
3 anos
4-6 anos
7-8 anos
9-10 anos
11-12 anos
Fonte: ANDERSON, 2010 (adaptado e reproduzido com autorizao).
296
Reflexo com pares sobre as perguntas que no podem ser feitas por ferirem
a dignidade da criana ou adolescente ou as recomendaes tcnicas.
297
298
299
300
ii.
iii.
iv.
301
No dia da audincia
- Alm da presena do profissional que realizar a entrevista forense, outro
profissional, especializado na metodologia, estar presente para acompanhar
a entrevista na sala de audincia. Esse procedimento permite a elucidao
das dvidas que podem ocorrer sobre a metodologia usada ou sobre o
embasamento terico que norteia o entrevistador. As aes realizadas pela
equipe na data da audincia procuram abordar as seguintes questes:
- A garantia de que a criana no ter contato com o acusado nem com os
eventuais familiares deste, ficando em sala de espera separada.
- A garantia de que a criana est alimentada e emocionalmente estvel para
participar da audincia providenciando o que for necessrio para melhor
atender ao interesse dela quando de sua participao nos procedimentos
judiciais.
- A garantia de que o Magistrado, o Ministrio Pblico e o Patrono do Ru
possam apontar os aspectos relevantes que desejam ver esclarecidos e as
questes juridicamente relevantes, caso no tenham sido apresentados
quesitos.
- A sugesto de que a leitura da denncia seja realizada apenas para o
representante legal da criana ou do adolescente e no diretamente para estes
ltimos, uma vez que tal leitura, por si s, pode provocar constrangimento
e influenciar o relato da vtima.
Aps a observao desses aspectos, inicia-se a realizao do protocolo de
entrevista, o qual utiliza os princpios gerais descritos no Captulo 18.
O protocolo da entrevista forense do SERAV/SEPSI
- Seguindo as diretrizes dos protocolos tcnico-cientficos apresentados, a
equipe procura garantir que o rapport com a criana ou com o adolescente
ocorra sobre temas no vinculados s experincias de violncia e que sejam
de interesse da vtima. Nesse momento, so utilizadas, extensivamente,
questes abertas sobre temas neutros para preparar a criana ou adolescente
a relatarem uma sequncia de fatos. Isso feito solicitando que eles narrem
o que fizeram naquele dia, por exemplo. Essa ao poder, ou no, ser
acompanhada pelos profissionais na sala de audincia, segundo deciso do
magistrado.
-
302
303
304
Captulo 19
O processo de acompanhamento e
de apoio a crianas e a adolescentes
vtimas de violncia sexual uma breve
discusso sobre o ps-depoimento
Sandra Santos
Sistema de Garantia de
Direitos (SGD) - O Sistema
de Garantia de Direitos,
constitui-se
na
articulao
e integrao das instncias
pblicas governamentais e da
sociedade civil, na aplicao de
instrumentos normativos e no
funcionamento dos mecanismos
de promoo, defesa e controle
para a efetivao dos direitos da
criana e do adolescente, nos
nveis Federal, Estadual, Distrital
e Municipal. Fonte: http://www.
sedh.g ov.br/clientes/sedh/
sedh/spdca/sgd - Acesso em: 19
mar. 2012.
2
Aprovado pela Lei Federal n
8.069/1990.
3
Redes de Proteo As redes
so uma aliana de atores/foras
num bloco de ao poltico
operacional (...). O foco do
trabalho em redes no um
problema imediato, isolado,
mas a articulao de sujeitos/
atores/foras para propiciar
poder, recursos e dispositivos
para a ao, auto-organizao
e a auto-reflexo do coletivo
(FALEIROS, 1998).
1
Introduo
Nos ltimos anos, muito se tem debatido sobre a escuta de crianas
e de adolescentes vtimas de violncia sexual nas diversas instncias do Sistema
de Garantia de Direitos (SGD1). Esses debates tm sido relevantes no sentido de
reafirmar princpios estabelecidos em normativas internacionais e nacionais de
proteo integral a crianas e a adolescentes. Reconhecer que estes so sujeitos
de direitos e que devem ser tratados como pessoas em condio peculiar de
desenvolvimento constituem etapas imprescindveis no processo de atendimento,
de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes em situao de violncia
sexual. Nesta perspectiva, a busca de alternativas tcnicas e de procedimentos
humanizados deve ser fundamentada nas disposies contidas no Cap. II do
Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA2), que trata do Direito Liberdade, ao
Respeito e Dignidade, para evitar a revitimizao dos sujeitos atendidos.
do conhecimento dos profissionais que atuam na rea da infncia e da
adolescncia que a Rede de Proteo3, composta por segmentos da Assistncia
Social, da Sade, da Educao e do Sistema de Segurana e de Justia, no tem
conseguido realizar essa escuta, de forma a garantir os direitos de crianas e de
adolescentes vtimas. O que tem sido observado que ocorre a repetio da histria
da violncia sofrida a cada um dos atores que compem essa rede, em ambientes
os mais diversos possveis e, quase sempre, sem o cuidado devido com quem est
sendo ouvido no caso, a criana ou o adolescente , com quem est ouvindo
305
As
pessoas
tendem
a
interpretar as situaes como
mais perigosas do que de fato
so, em funo de crenas e de
regras que aprenderam durante
perodos precoces da vida.
Tais crenas talvez tivessem
sido teis em determinadas
situaes do passado, mas se
tornam problemticas quando
eventos vitais ou situaes de
estresse, como as de violncia,
ativam-nas de uma forma
distorcida ou catastrfica,
gerando, assim, o que se
conhece por comportamentos
disfuncionais.
(Adaptado
do
texto
de
Aristides
Volpato Cordioli, Daniela
Tusi Braga, Regina Margis,
Marcelo Basso de Souza,
Flvio Kapczinski: Crenas
Disfuncionais e o Modelo
Cognitivo Comportamental,
no Transtorno Obsessivo
Compulsivo, p. 7 e 8).
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Captulo 19 - O processo de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual uma breve discusso sobre o ps-depoimento
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Captulo 19 - O processo de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual uma breve discusso sobre o ps-depoimento
O Conselho Tutelar a
primeira instncia a ser
acionada toda vez que a criana
ou o adolescente tiverem seus
direitos violados, conforme
prev o art. 98 do ECA. O
Conselho Tutelar garante
a aplicao das medidas de
proteo ali definidas.
Adaptado
do
Programa
de Execuo de Medidas
Socioeducativas de Internao
e de Semiliberdade do Rio
Grande do Sul (Pemseis)
e Processo Penal Juvenil
Wilson D. Liberatti, p. 183
309
310
Captulo 19 - O processo de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual uma breve discusso sobre o ps-depoimento
Encaminhamentos Internos
atendimento psicoterpico,
oficinas de musicoterapia e
grupo de famlias.
311
A autora continua:
Faz-se de grande relevo dividir a importncia desses momentos
com a vtima e seus responsveis, no sentido de t-los
como protagonistas e no coadjuvantes do procedimento
responsabilizao dos acusados. E isso s ser possvel se a
vtima e seus responsveis tiverem conhecimento do que est
acontecendo, do porqu disso ou daquilo e da necessidade
de cada informao que lhe ser requerida. A cincia e a
informao clara e precisa acerca de todo procedimento, alm
de ser um direito compreendido aqui na acepo maior da
palavra ir proporcionar equipe confiana da vtima e de
seus responsveis, que por sua vez elemento imprescindvel
de nosso trabalho (ARRUDA, 2009).
10
312
O acompanhamento e o apoio so contnuos. Aps o depoimento, tornase importante trabalhar possveis impactos e questes que possam advir desse
acontecimento. Neste sentido, vale destacar o fato de que algumas vezes a criana
ou o adolescente, mesmo com toda a orientao que recebem alm do cuidado
para esse momento, no se sentem prontos e nem mesmo conseguem depor. Em
outras situaes, o processo de verbalizao para outras pessoas que no as que
as atendem, torna-se muito doloroso, podendo fazer emergir aspectos subjetivos
ainda no totalmente superados.
Captulo 19 - O processo de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual uma breve discusso sobre o ps-depoimento
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11
12
Atendimento
Psicoterpico
- tratamento realizado pelo
psiclogo, por meio de tcnicas
fundamentadas em uma teoria de
personalidade, com o propsito
de reorganizar padres de
comportamentos
geradores
de sofrimento que interferem
no bem-estar do indivduo e o
impedem de criar possibilidades
de realizao pessoal. Envolve,
tambm, o tratamento de
transtornos psquicos mais
acentuados. (Adaptado do artigo
O que psicoterapia? de Iracema
Teixeira, RJ, 2002).
O Centro de Referncia
Especializado de Assistncia
Social (Creas) uma unidade
pblica estatal responsvel
pelo atendimento s famlias
e aos indivduos com seus
direitos violados, mas que
ainda estejam com os vnculos
familiares, mesmo tnues, e
que se encontrem em situao
de risco pessoal e social por
ocorrncia de violncia fsica,
sexual, psicolgica, explorao
sexual, negligncia, uso de
drogas e trabalho infantil,
entre outros. (CREAS, 2012).
314
Captulo 19 - O processo de acompanhamento e de apoio a crianas e a adolescentes vtimas de violncia sexual uma breve discusso sobre o ps-depoimento
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IX O cuidado dos
cuidadores
Captulo 20
O cuidado com o profissional que toma
o depoimento
Margarete dos Santos Marques
Definio de cuidado
Entre as vrias definies de cuidado, temos as seguintes: aplicar ateno,
considerar, interessar-se por e, o mais curioso, causar inquietao1, que significa
inquietar, provocar o outro e ser provocado por ele. Em latim, donde deriva
o portugus, cuidado significa cura que, por sua vez, um dos sinnimos de
cuidado na traduo do famoso texto Ser e Tempo, de Martin Heidegger. Em seu
sentido mais antigo, cura se escrevia, em latim, coera e era utilizado no contexto de
relaes humanas de amor e de amizade. Queria expressar a atitude de cuidado,
de desvelo, de preocupao e de inquietao pelo objeto ou pela pessoa amada.
Outros derivam cuidado de cogitare-cogitatus, cujo sentido o mesmo de cura:
cogitar pensar no outro, colocar a ateno nele, mostrar interesse por ele e
revelar uma atitude de preocupao pelo outro.
O cuidado somente surge quando a existncia de algum
tem importncia para mim. Passo ento a dedicar-me a ele;
disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de
seus sofrimentos e de suas conquistas, enfim, de sua vida
(BOFF, 2005, p.29).
Definio
do
dicionrio
Aurlio de Lngua Portuguesa
(FERREIRA, 2000).
319
Dimenses do cuidado
A imaturidade biolgica do ser humano em relao a outros mamferos
o torna inbil para lutar por sua sobrevivncia nos primeiros anos de vida.
exatamente por causa dessa completa dependncia do outro que o sujeito humano
se constitui na interao. Esse fato nos torna seres sociais por excelncia. A
humanizao se d pelas aes de cuidado conforme as inquietaes que a criana
causa ao seu cuidador e vice-versa.
A primeira dimenso o acolher: o cuidado com o outro e consigo a fim de
que se forme o sentido humano. As prticas de recepo tm a inteno de propiciar
ao sujeito uma possibilidade de fazer sentido de sua vida e das vicissitudes de sua
existncia ao longo do tempo, do nascimento morte (FIGUEIREDO, 2009, p
134.), desde o nascimento at a sua morte. necessrio construir, com aquele que
acolhido, uma experincia integrada.
A segunda dimenso est em exercer a autoridade presente nas formas do
cuidador pais, mdicos, professores, juzes, amigos ; em demonstrar a presena
implicada desse cuidador, ou seja, o fazer coisas: aquele que amamenta, que
medica, que ensina e que corrige. Esse reconhecer pode ser desdobrado em dois
nveis: o de testemunhar e o do refletir/espelhar, sendo que a segunda depende da
primeira (FIGUEIREDO, 2009, p 138.). Testemunhar uma maneira de se fazer
presente na vida do outro e implica, basicamente, ser capaz de prestar ateno e de
reconhecer o objeto de cuidado no que ele tem de singular, dando testemunho
e, se possvel, levando de volta ao sujeito sua prpria imagem (FIGUEIREDO,
2009, p 138.). O refletir/espelhar quase imperceptvel, pois silencioso. Porm,
est longe de ser efmero ou passageiro. fundamental para a constituio da
autoimagem, na medida em que demonstra um reconhecimento preciso do outro,
marcando-lhe em sua singularidade.
Uma ltima dimenso est no interpelar/questionar o outro, inclusive
em sua sexualidade, passando por questes de gnero e de posio na linhagem
familiar. Podemos estranhar que incluamos esse trao entre os exigidos para o
agente do cuidado, pois muitas vezes a reside uma fonte de graves sofrimentos,
como no caso da confuso de lnguas descrita por Firenczi (FIGUEIREDO, 2009,
p 138.). O autor afirma que a questo do abuso sexual infantil pode confundir a
criana em seu papel social. Entretanto, pela presena do outro desejante, sexuado,
dotado de um inconsciente, provocador de muitos enigmas que despertaro sua
pulsionalidade, que o objeto de cuidado acender a vida e a humanidade. desejar
respeitando limites, fazer com que o outro saiba que amado, porm, respeitando
os limites de acesso ao corpo desse outro.
Para concluirmos, preciso atentar para os extravios das funes
cuidadoras, para o exagero da interpelao e para o exagero na posio de apenas
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Pesquisadores da Universidade
de Ulster, Jordanstown, Co
Antrim, Irlanda do Norte,
Reino Unido.
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Figley (1995 apud COLLINS; LONG, 2003) afirma que o stress traumtico
secundrio uma consequncia natural da dinmica de cuidado que acontece
entre duas pessoas, uma das quais foi inicialmente atnita, e outra, afetada pelas
experincias traumticas da primeira. Esses efeitos no so necessariamente
um problema, mas mais um subproduto natural do cuidado com pessoas
traumatizadas. Explicar a diferena entre as concepes de contratransferncia e
de stress traumtico secundrio complicado, no entanto, a nossa tentativa de fazlo demonstra que a contratransferncia diz mais respeito a como os trabalhadores
da assistncia so afetados pelos clientes e pelo seu material traumtico. O stress
ps-traumtico, por sua vez, refere-se s modalidades traumticas das condies
de vida dos trabalhadores, de suas relaes pessoais e redes sociais e forma como
seu trabalho afetado pelo trauma.
Burn-out
A expresso inglesa burn-out significa queimados at o final e foi traduzida
para o portugus como estar acabado5. No Brasil, a denominao de um quadro
clnico que tambm foi chamado de Sndrome do Esgotamento Profissional.
Freudenberg (1980 apud SELLIGMAN-SILVA, 2011), por sua vez, definiu burnout como: um incndio devastador interno (subjetivo) que reduz a energia, as
expectativas e a autoimagem de algum que antes estava profundamente envolvido
em seu trabalho (SELIGMAN-SILVA, 2011, p. 523).
Os profissionais que desenvolvem o burn-out so, na maioria, cuidadores
como: professores, enfermeiras, mdicos, assistentes sociais e, mais recentemente,
os executivos, devido s grandes mudanas organizacionais que acompanham a
reestruturao produtiva. Em uma anlise abrangente da pesquisa emprica sobre os
sintomas da sndrome, Kahill (1988 apud SELLIGMAN-SILVA, 2011) identificou
cinco categorias:
a) sintomas fsicos: fadiga, sono, dificuldades, problemas somticos, distrbios
gastrointestinais;
b) sintomas emocionais: irritabilidade, ansiedade, depresso, culpa;
c) sintomas comportamentais: agresso, insensibilidade, pessimismo, abuso
de substncias qumicas;
d) sintomas relacionados ao trabalho: demisso, mau desempenho,
absentesmo, atrasos;
e) sintomas interpessoais: incapacidade de se concentrar sobre um assunto,
perda de clientes e colaboradores, interaes desumanizadas e racionalizadas.
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no apenas como quem obtm alimentos ou utenslios, mas tambm como quem
cria mundos, como quem faz cultura. Agir, praticar o inesperado. Interromper
o maquinismo material ou social. Conversar, mover-se por motivos polticos,
motivos de cidade, que abraam e ultrapassam motivos s de casa (GONALVES
FILHO, 2007, p.219).
Por essas razes, o estudo deste tema pode trazer algumas contribuies
demonstrando que a gesto coletiva da organizao do trabalho permite a
transformao do sofrimento em prazer e possibilita o engajamento do trabalhador
na atividade sem maiores prejuzos sua sade mental. Nesse sentido, Dejours
(1987) considera a possibilidade do trabalhador, por no suportar o sofrimento,
de transform-lo em criatividade, e, consequentemente, em prazer, ao invs de
utilizar como nico recurso as estratgias defensivas (DEJOURS, 1987, p.45).
O prazer no trabalho inclui a capacidade de ter loucuras sem ser doida
(LISPECTOR, 1999, p. 253). poder relaxar diante das situaes difceis,
devaneio sem pressa de integrao ao ambiente (LISPECTOR, 1999, p. 253).
A cena est ento preparada para uma apario pessoal. Surge uma sensao, um
impulso vago, mais ou menos angustiante. Aos poucos, o impulso assumido. A
direo comea a esboar-se. A vida adquire forma e sentido, aes e obras vo
desabrochar (LISPECTOR, 1999, p.196).
Referncias
ALAPANIAN, S.; POCAV, C. H. M. A apropriao do saber profissional do
assistente social pelo poder judicirio. Servio Social em Revista. Departamento
de Servio Social da Universidade Estadual de Londrina. v. 8, n. 2 jan/jun 2006.
Disponvel em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c-v8n2_maria.htm>. Acesso
em: 21 ago. 2013.
ARANTES, . M M. Pensando a Psicologia aplicada Justia. Psicologia Jurdica no
Brasil. [s.l.: s.n., s.d.]
BOFF, L. O cuidado essencial: princpio de um novo ethos. Revista IBCIT Incluso
Social. v.1, n.1, Rio de Janeiro: IBCIT, 2005.
BOURDIEU, P. O poder simblico. TOMAZ, F. (Trad.). 3. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000.
CAMPOS, P. E. Quem cuida do cuidador: uma proposta para os profissionais da
sade. Petrpolis: Vozes, 2007.
COLLINS, S.; LONG, A. Working with the psychological effects of trauma:
consequences for mental health-care workers a literature review. Journal of
Psychiatric and Mental Health Nursing, 10, p. 417 424. N. Ireland, 2003.
334
335
336
Depoimento de autoridades e
profissionais
O projeto de escuta de crianas e adolescentes em situao de violncia sexual, sem
sombra de dvida, dos projetos mais relevantes em nosso atual sistema de justia.
O chamado depoimento especial revela a justia em que acreditamos: acessvel,
democrtica, eficiente, humanitria e em prol dos direitos humanos. Alm disso,
enfatiza tambm a importncia da cuidadosa atuao multidisciplinar, integrando o
mundo do direito psicologia e assistncia social.
A Childhood est de parabns pela iniciativa do projeto, colaborando, de forma
definitiva, para a proteo judicial s crianas e adolescentes vtimas de violncia sexual.
Flvio Crocce Caetano - Ex-Secretrio de Reforma do Judicirio
Os textos aqui apresentados trazem uma grande contribuio para o profissional que
atende crianas e adolescentes no sistema de justia, especialmente aquele que realiza
entrevista forense. Vemos a abordagem de temas desde o desenvolvimento infantil
at os diversos protocolos de entrevistas adotados em outros pases. O resultado
uma criteriosa coletnea elaborada para dar subsdio a uma prtica que ainda est em
construo no nosso pas.
Rosimery Medeiros TJPE Pedagoga e Entrevistadora Forense
Este material de leitura nos leva a pensar sobre os fenmenos sociais de forma
contextualizada, mas sem desconsiderar as particularidades existentes. O processo
histrico, as normas, as declaraes e outras posies que visam garantir a proteo
das crianas e adolescentes como sujeitos de direitos fazem parte de seu contedo.
Todos esses temas buscaro correlacionar o contexto da Justia como mais um espao
de proteo das crianas e adolescentes vtimas de violncia sexual, ressaltando
a interdisciplinaridade entre os atores envolvidos na construo de uma prtica
transdisciplinar. O depoimento especial vem contribuir, dessa forma, como mais
uma metodologia de interveno, que permite assegurar uma ateno especial a esses
sujeitos de direitos.
Marcia Maria Borba Lins TJDFT Assistente Social e Entrevistadora Forense.
O dever do Estadode proteger crianas e adolescentes de tratamento indigno ou
vexatrio est explcito no Estatuto da Criana e do Adolescente. Esse dever muitas
vezes se choca com o de averiguar crimessexuais contra crianas, com o objetivo de
proteger as crianas da sociedade de novos abusos.Nesse contexto, desenvolveu-se a
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Silvia R. M. Lordello
Psicloga e pedagoga pela Universidade de Braslia. Doutora em Psicologia
Clnica e Cultura emestre em Psicologia do Desenvolvimento alm deespecialista
em Psicopedagogia. docente do curso de Psicologia da Universidade Catlica
de Braslia. Integrao Ncleo de Sade de Adolescentes da Secretaria de Estado
daSadedoDistrito Federal e atua comopsicoterapeuta de crianas e adolescentes
em clnica particular.
Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/4220453020134352
Vanea Visnievski
Graduada em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande
do Sul, possui treinamento especfico em entrevista forense com crianas vtimas de
violncia. Aposentada com vinte e trs anos de experincia como Assistente Social
Judiciria no TJRS. Participou da formulao, implantao e desenvolvimento
do Projeto Depoimento Sem Dano na Comarca de Porto Alegre, denominado
atualmente Depoimento Especial, tendo conduzido mais de 500 entrevistas com
crianas e adolescentes. tutora e conteudista de EAD, tem ministrado cursos e
participado como expositora em seminrios com tema sobre a Infncia e Juventude.
Vanessa Nascimento Viana
Mestranda em Cincia Poltica pela Universidad Nacional de Rosario, Argentina,
com passagem pela Universidad Complutense de Madri, Espanha. Bacharel e
licenciada em Histria pela Universidade de Braslia. Desde 2001 atua em pesquisas
sociais para organismos como UNESCO, IPEA, Childhood Brasil, Ministrio da
Educao, Sade e Planejamento. Desde 2008 atua como pesquisadora no projeto
Depoimento Especial da Childhood Brasil. Coordenou o campo da pesquisa
internacional Depoimento Sem Medo (?) Culturas e Prticas No-Revitimizantes:
uma Cartografia das Experincias de Tomada de Depoimento Especial de
Crianas e Adolescentes. Fez parte do grupo de autoria da Cartografia Nacional
das Experincias Alternativas de Tomada de Depoimento Especial de Crianas e
Adolescentes em Processos Judiciais no Brasil: o Estado da Arte, em 2013.
Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/7721542113074868
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Esta obra foi editorada pela Editora da Universidade Catlica de Braslia - EdUCB
Impresso: Miolo: Papel offset 90g/m2 Capa: Papel Supremo 250g/m2
Formato: 210x260mm Fontes: Aldine 401 Bt, Myriad pro
Tiragem: 500 Exemplares