Artigo ' Clóvis Gonçalves Um Pentecostal Calvinista
Artigo ' Clóvis Gonçalves Um Pentecostal Calvinista
Artigo ' Clóvis Gonçalves Um Pentecostal Calvinista
Introduo
Historicamente, a relao entre
calvinistas e pentecostais no tem
sido sempre amistosa. Em muitas obras
publicadas o tom belicoso no foi evitado.
Contudo, em tempos mais recentes e
de forma crescente, pentecostais em
busca de uma teologia mais robusta
tem se aproximado do calvinismo, enquanto
estes tem demonstrado maior abertura liturgia pentecostal. Mesmo assim, essa crescente
minoria tem sido vista com cautela, tanto por pentecostais como por calvinistas.
E embora se admita que seja muito possvel que um crente individual, ou uma igreja,
creiam firmemente nos cinco pontos do calvinismo e ao mesmo tempo creiam no batismo
com o Esprito Santo como segunda experincia e na continuidade do dom de lnguas,1
tais crentes e igrejas so vistas como inconsistentes. A questo, pois, se os dois
sistemas so necessariamente auto excludentes ou existe compatibilidade entre as doutrinas
distintivas de pentecostais e calvinistas.
O presente artigo no pretende ser uma defesa da doutrina pentecostal ou da teologia
calvinista. Ao invs de investigar se os dois sistemas resistem a uma anlise
bblico-teolgica, parte-se da premissa de que ambos, ou pelo menos um deles,
so verdadeiros, confrontando-os para descobrir se as duas teologias so
fundamentalmente incompatveis entre si. Dessa forma, o interesse recai sobre os
eventuais conflitos entre os sistemas e sobre objees recprocas que apresentam,
deixando de lado as objees gerais com que os adeptos de uma ou outra corrente
se deparam continuamente.
No raro, nas controvrsias teolgicas, haver ms representaes das posies em
debate. No que diz respeito ao pentecostalismo e calvinismo no diferente, mesmo
em obras tidas como de referncia, que deveriam ser imparciais ao mximo.
Neste trabalho sero seguidas as definies que concordem ao mximo com as
oferecidas pelos prprios movimentos.
O que calvinismo
O calvinismo a tradio doutrinria associada ao reformador Joo Calvino (1509-1564),
que forma a base teolgica de igrejas reformadas e presbiterianas e define o contedo das
confisses de f clssicas como a Confisso Belga (1561), o Catecismo de
Heidelberg (1563), os 39 Artigos da Igreja Anglicana (1562, 1571), os
Snodos de Dort (1619) e a Confisso de F de Westminster (1647), entre vrias outras.
AsInstitutas da Religio Crist, escrita por Calvino em 1536 e ampliada em sucessivas edies,
expe as caractersticas centrais da teologia reformada. Alm da obra de Calvino, os escritos
de Theodore Beza (15191605), seu sucessor em Genebra e de Heinrich Bullinger (1504
1575),
de Zurique, autor da Segunda Confisso Helvtica, contriburam para a formao da tradio
reformada, que se espalhou rapidamente no continente europeu e inspirou o surgimento do
puritanismo na Inglaterra.2
O calvinismo tambm definido como uma viso de mundo fundamentada num nico ponto,
o qual determina sua perspectiva da histria, poltica, artes e de cada detalhe da vida: 3 a total
soberania de Deus sobre a Criao, a Histria e a Redeno. Apesar do seu aspecto
abrangente, o calvinismo muitas vezes definido em termos de cinco pontos: Total
Deus no sofre resistncia, enquanto a Bblia se refere aos que sempre resistem a
graa divina. Por isso, alguns preferem o termo Graa Invencvel, o que indica que a
graa, embora possa ser resistida finalmente eficaz nos eleitos. A Graa Irresistvel
tem a ver com a regenerao, que na viso calvinista monergstica, vale dizer, um
ato simples e exclusivo de Deus, no qual a alma do homem permanece passiva. 14
A Perseverana dos Santos a crena de que uma pessoa regenerada e verdadeiramente
justificada pela f em Cristo tem a salvao eterna e no pode perd-la. 15 uma decorrncia
lgica dos pontos anteriores. Se Deus elegeu incondicionalmente um povo para salvar e se
proveu uma expiao que assegura essa salvao, inevitvel que os eleitos para a vida
eterna vo chegar a essa vida eterna. Em outras palavras, negar a perseverana dos santos
negar a graa soberana de Deus na eleio incondicional. 16Novamente, argumenta-se que
o termo Perseverana dos Santos no o mais adequado, preferindo-se Perseverana do
Salvador ou Preservao dos Santos. De qualquer modo, a perseverana o aspecto visvel
da eleio e da expiao. O que no significa que um crente regenerado no possa cair
parcial ou temporariamente da f. Nem que uma vez salvo, salvo para sempre, no
importando
a vida de santidade ou no pecado. Mas que se ele foi de fato salvo, ento ser reconduzido
f e ao arrependimento, para alcanar a santidade necessria para ver o Senhor.
O que pentecostalismo
Visto de forma isolada, o Movimento Pentecostal o fenmeno religioso de maior destaque do
sculo XX,17 18 . Em 1900, o movimento no existia. Cem anos depois, em conjunto com os
renovados, o grupo maior que todos os outros evanglicos somados, ficando atrs apenas
da Igreja Catlica Romana em nmeros absolutos. Ao invs de se deixar ser tomado pelo
triunfalismo, muitos pentecostais reconhecem que a sua influncia no tem correspondido
ao crescimento numrico, o que tem trazido perigos e desafios.
Como movimento, o pentecostalismo encontra sua origem no trabalho do evangelista da
santidade e pregador de cura divina, Charles F. Parham. Enquanto dirigia uma pequena
escola bblica em Topeka, Kansas, Parham instruiu seus alunos a lerem o livro de Atos
em busca de uma evidncia bblica do batismo com o Esprito Santo. A pesquisa chegou a
um espetacular resultado quando, no primeiro dia do ano de 1901, uma estudante, Agnes
Ozman,
falou em lnguas.19 Embora haja relatos de pessoas falando em lnguas antes de 1901 e
a terminologia batismo com o Esprito Santo tenha sido usada por evanglicos tradicionais
antes disso, o ocorrido em Topeka significativo por estabelecer a ligao entre batismo
com o Esprito Santo como revestimento de poder e a evidncia associada ao falar
em lnguas.20
Poucos anos depois um pregador negro do movimento de santidade, William J. Seymour
foi convencido da experincia pentecostal e passou a preg-lo em Los Angeles, onde
finalmente estabeleceu uma misso pentecostal na Rua Azusa, na qual negros e brancos
cultuavam juntos. Devido a localizao estratgica de Los Angeles para viagens
internacionais e a divulgao pela imprensa local do que acontecia nos cultos da igreja,
muitos tiveram conhecimento e contato com a experincia pentecostal, que se espalhou
pelo globo, embora manifestaes pentecostais tenham surgido em vrias regies do
mundo sem uma influncia direta de Azusa.21
O movimento pentecostal se distingue de outros ramos do protestantismo por dois pontos
doutrinrios: a crena no Batismo com o Esprito Santo como experincia distinta da
converso e na atualidade dos dons espirituais, especialmente o falar em lnguas.
Em geral, os pentecostais adotam uma soteriologia arminiana, so credobatistas,
glorificar a Cristo, por quem somos salvos e por meio de quem recebemos o prprio
Esprito Santo. Assim, sendo disciplinas distintas dentro de uma teologia sistematizada,
no h conflito direto, mas estando inter-relacionadas, um exame sobre eventual
incompatibilidade se faz necessrio.
O maior potencial para conflito est no entendimento do que seja o Batismo com o Esprito
Santo. J houve quem pensasse que o mesmo se referia ao batismo realizado na igreja
local sob direo do Esprito Santo ou que no batismo Deus infunde o Esprito Santo no
batizando . Porm, o mais comum entre os no pentecostais que o Batismo com o
Esprito Santo seja entendido como parte da experincia de converso-iniciao no
Corpo de Cristo, quando no a mesma coisa. Os pentecostais por sua vez mantm
a subsequncia do Batismo com o Esprito Santo em relao converso. Mas ser
que esta diferena tal que incompatibiliza uma convico calvinista-pentecostal
coerente?
Que o Batismo com o Esprito Santo distinto do ato de regenerao e da experincia
de converso parece ser ponto comum, com exceo de poucos que dizem ser a
mesmssima coisa. O ponto em debate a separalidade ou a subsequncia.
Mas mesmo neste caso, h suficiente testemunho de que os reformados nem
sempre discordam dos pentecostais. R. A. Torrey ensinou que uma pessoa pode ou
no ser batizada no momento da regenerao e refere-se ao batismo com o Esprito
Santo de D. L. Moody como tendo ocorrido depois de sua converso .
Martyn Lloyd-Jones tambm se referiu ao Batismo com o Esprito Santo como uma
experincia distinguvel da regenerao e da converso. Para ele, sempre que o Novo
Testamento falava de crentes sendo cheios do Esprito Santo tratava-se de Batismo
com o Esprito Santo, exceto Ef 5:18.34
Os pentecostais, por sua vez, com sua nfase na separalidade, de forma alguma
desvalorizam a obra do Esprito Santo no novo nascimento. Para eles, tanto o pregar
o evangelho, como o responder a ele, uma obra do Esprito Santo.
Nas palavras de Fee, 35fica claro disto tudo que a converso do crente individual comea
com um ato soberano de Deus, executado pelo Esprito Santo... a ao de Deus
claramente a anterior. Para ele, o Esprito parece tanto o que inicia a nossa f como o
que recebido por essa mesma f. Quanto ao Batismo no Esprito Santo como
iniciao-incluso no corpo de Cristo, este o entendimento de muitos pentecostais
com relao a 1Co 12:13, entre eles R. M. Riggs, E. S. Williams, Donald Gee,
P. C. Nelson e Myer Pearlman.36 Portanto, as diferenas entre calvinistas e pentecostais
quanto ao Batismo com o Esprito Santo em si no so to evidentes, nem irreconciliveis,
especialmente luz da herana comum das duas tradies.
Alm disso, tanto calvinistas como pentecostais tem em comum o que Alister McGrath
lista como caractersticas das igrejas evanglicas: suprema autoridade das Escrituras,
majestade de Jesus Cristo, senhorio do Esprito Santo, necessidade de converso pessoal,
prioridade da evangelizao e importncia da comunidade crist. 37 Alm disso, reivindicam
para si o fato de terem os mesmos antepassados. Os pietistas, que se reuniam nos
domingos tarde para estudar a Bblia relatam que em seus dias foram batizados com
o Esprito Santo. Os puritanos, calvinistas que eram estudantes metdicos da Palavra
de Deus, incentivavam uns aos outros a buscarem uma outra experincia com o Esprito
Santo, distinta da converso, qual chamavam de selo do Esprito.
Os mestres de Keswick, entre os quais listam-se Hudson Taylor, Andrew Murray,
F. B. Mayer, G. Campbell Morgan e D. L. Moody tambm se referiram a uma experincia
mais abundante com o Esprito Santo, posterior converso. Todos eles podem, e geralmente
so, considerados como antepassados tanto de tradicionais como de pentecostais. 38
Experincias recentes tm demonstrado que uma pessoa ou igreja pode, de forma coerente,
manter convices calvinistas e pentecostais. Existem seminrios tradicionais dirigidos
por telogos pentecostais, ou por tradicionais e pentecostais em harmonia. Escolas
pentecostais tm em seus quadros de professores calvinistas convictos. cada vez
maior o nmero de alunos pentecostais em seminrios tidos como tradicionais. 39
Um dos pontos do movimento chamado novo calvinismo exatamente o ministrio
cheio do Esprito Santo, ou seja, a crena na atualidade dos dons espirituais. 40
A associao proveitosa
Porm, a associao entre calvinismo e pentecostalismo no apenas possvel, mas
grandemente til. At mesmo obras crticas ao pentecostalismo reconhecem que h
benefcios a serem desfrutados. Como exemplo, Chantry41 (1990) cita o interesse
revivido no Esprito Santo, uma vez que a igreja tradicional tem menosprezado o
ensinamento sobre o Esprito Santo. Depois de reconhecer que nem todas as
igrejas pentecostais tm sido dbeis na doutrina, Macleod 42 diz ser possvel aprender
muito com os pentecostais em termos de zelo, mobilizao de todo o corpo de crentes
e anelo pelo ministrio do Esprito Santo. De outro lado, os pentecostais esto procurando
chegar a um acordo com sua herana evanglica tradicional. 43 Muitos reconhecem que
falando de modo geral, deram mais nfase experincia que teologia, o que os manteve
afastados da tica e dos postulados doutrinrios da Reforma Protestante. 44Uma relao com
calvinistas resultar proveitosa em desenvolver uma maior robustez teolgica.
Banister45 insiste que no precisamos escolher entre o legado tradicional e o renovado quando
podemos aproveitar o que h de melhor nos dois mundos. Os pentecostais s tm a ganhar
com pregaes expositivas, maior nfase na autoridade e suficincia das Escrituras, de uma
viso mais bblica do sofrimento e que o Reino de Deus ainda no est completo aqui.
Os tradicionais ganhariam com uma maior nfase no poder do Esprito, na crena que Deus
fala ainda hoje, no culto participativo e de que o Esprito Santo deve ser experimentado.
Uma mente calvinista e pentecostal no uma mente dividida, mas uma mente que de
forma consistente reconhece a soberania de Deus na salvao e na capacitao
para o servio.
_________________________
1
MACLEOD, Donald. El bautismo con El Espritu Santo: Una perspectiva bblica y Reformada.
San Jos, Costa Rca: CLIR, 2005.
2
REID, D. G.; LINDER, R. D.; SHELLEY, B. L. & STOUT, H. S. Dictionary of Christianity
in America. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1990.
3
REID et all, op. cit.
4
ANDRADE, C. C. Diccionario Teologico. Miami, Flrida: Patmos, 2002
5
BUSWELL JR, J. O. Teologa sistemtica, tomo 3. Miami, Florida: Logoi, Inc., 1983.
6
SPROUL, R. C. The Unexpected Jesus: The Truth Behind His Biblical Names. Fearn, UK:
Christian Focus Publications, 2005
7
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. So Paulo: Martins Fontes, 2005.
8
WOOD, D. R. W., & MARSHALL, I. H. New Bible dictionary. Leicester, England: InterVarsity
Press, 1996.
9
PACKER, J. I. Teologia concisa: sntese dos fundamentos historicos da f crist. So Paulo:
Cultura Crist, 1998.
10
DUFFIELD, G. P. & VAN CLEAVE, N. M. Foundations of Pentecostal theology. Los Angeles,
CA: L.I.F.E. Bible College, 1983.
11
KARLEEN, P. S. The handbook to Bible study: With a guide to the Scofield study system. New
York: Oxford University Press, 1987
12
SPROUL, R. C, op. cit.