Misticismo Da Cristologia Cósmica
Misticismo Da Cristologia Cósmica
Misticismo Da Cristologia Cósmica
13 (2012)
ISSN: 1807-8222
Resumo
Mercab.
Abstract
With this text we seek, in the first place, introduce the mysticism of cosmic
Christology of the Deutero-Pauline letters as a kind of authentic mystical
experience not just a literary character with no relation to religious life and the
feelings experienced by Christians in the late first century. Secondly, we intend to
present the angelomorphic characteristics of Christ exposed in these letters, and
finally present the Jewish-Gnostic dualism of the Deutero-Pauline Christology.
Keywords: Mysticism; Cosmic Christology; Deutero-Pauline; Apocalyptic; Mercaba.
Introduo
Por
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cu, que tem com seu primeiro representante conhecido o profeta Ezequiel, que viu Deus sentado
em um trono carruagem, da o nome Merkab.
5 SCHOLEM, As grandes correntes msticas da judaica, p. 61
6 SCHOLEM, As grandes correntes msticas da judaica, p. 8.
7 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6 ed. So Paulo: Perspectiva, 2006 (Coleo Debates), p. 150.
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MACHADO, Jonas. Paulo, o visionrio: vises e revelaes extticas como paradigma da religio
paulina. In: NOGUEIRA Paulo A. S. (Org.). Religio de visionrios: apocalptica e misticismo no
cristianismo primitivo. So Paulo: Loyola, 2005 (Coleo Bblica Loyola, 48), p. 167-204.
9 ROWLAND, Christopher; MORRAY-JONES, Christopher R. A. The Mystery of God. Early Jewish
Mysticism and the New Testament. Leiden: Brill, 2009, p. 156-166.
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da Bblia para o portugus tenham preferido inseri-la, com a concepo de que ela
deveria ser subentendida, visto que o texto a partir do versculo 4 repetir vrias
vezes a palavra charisma. Conforme Jonas Machado, nesse trecho, Paulo fala a
respeito das coisas, manifestaes ou pessoas espirituais no mbito do culto 11.
Assim, o trecho 12.13-27, Paulo utiliza-se da metfora do corpo, aplicando-a
exclusivamente para a comunidade local, fazendo com que seja incoerente a
tentativa de extrair alguma pretenso universalizante do texto, pois todos os
charismas so teis para a comunidade local.
Outra coisa a ser destacada nesse trecho que, em 12.27, Paulo afirma
vs sois o corpo de Cristo e seus membros em particular, mas, Paulo no est
dizendo que vs sois o corpo de Cristo, que a cabea. Pois, nessa metfora no h
hierarquia entre cabea e corpo, conforme fica claro no versculo 21, a prpria
cabea est envolvida na discusso que afirma a igualdade de todos os membros.
Portanto, vs sois o corpo de Cristo significa que a comunidade (local) e Cristo
so o mesmo, pois os crentes foram inseridos em Cristo atravs do batismo no
esprito (12.13).
Em Rm 12.4-5 aparece um resumo do que est escrito em I Co 12:
Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos
os membros tm a mesma operao. Assim ns, que somos muitos,
somos um s corpo em Cristo, mas individualmente somos membros
uns dos outros.
MACHADO, Jonas. O misticismo apocalptico do apstolo Paulo: Um novo olhar nas Cartas aos
Corntios na perspectiva da experincia religiosa. So Paulo: Paulus, 2009, p. 187s.
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SCHWEITZER, Albert. Misticismo de Paulo: o apstolo. So Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 166.
SCHWEITZER, Misticismo de Paulo: o apstolo, p. 188.
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conhece os anjos que comandam os astros, aps ter conhecido os que comandam o
clima e as estaes. Ainda mais, levando em conta que ao longo das cartas paulinas,
os termos que traduzimos por poderes celestes, ou, simplesmente poderes, sejam
claramente hostis na concepo de Paulo (Rm 8.38-39; I Co 15.24).
Essa relao com os livros de Enoc, ganha nfase devido a possibilidade
de que nas comunidades da sia Menor havia culto aos anjos, conforme afirmam
Morray-Jones e Rowland23, que concordam com essa antiga afirmativa. Em Mystery
of God: Early Jewish Mysticism and the New Testament, apresentam um contexto
que contribui para que se chegue s concluses acima. A seguir apresentaremos
suas argumentaes a respeito disso nos pargrafos que seguem abaixo.
liturgia celestial (4Q 405 23i; cf. En 20.3ss.), dada a comunidade terrena uma
posio correspondente ao propsito eterno (1QS 2.22s; 5.23s; 6.8ss.). A prtica
dos membros da comunidade de Qumran uma forma deles conquistarem um
ntimo relacionamento com os anjos. Essas informaes podem sugerir que os
colossenses imaginaram que a imitao do comportamento anglico de adorao
foi de forma geral apropriado e concedido comunho deles com eles em suas
vises. Outra possibilidade que a adorao de anjos se refere reverncia feita
por anjos na presena do mstico privilegiado. Isto pensado em algumas fontes
tardias do judasmo, em que o humano que penetra o mais secreto lugar sagrado
no cu considerado merecedor de honras anglicas. Embora humanos que
ascenderam aos cus so recebidos com hostilidades pelos anjos, ainda sim,
conhece-se que os msticos eram adorados pelos anjos. No pra menos, que
ento, aqueles que tm tais vises em Colossos poderiam se orgulhar e assim
desqualificar outros que no tiveram tal honra (2.18).
Assim, o falso ensino em Colossos pode ter dois componentes: O
instante preparatrio, e as vises deles mesmos, que oferece ao crente a
oportunidade de participao de padres de comportamento que poderia ser
imitado diariamente em suas vidas. Isso porque o adepto pode dizer que suas
vises so focadas nos comportamentos dos anjos. nesse ponto que o autor da
Carta aos Colossenses v o problema. Ele no se ope s vises, ele se ope s
conseqncias dela. H um foco maior nos anjos do que em Cristo. Por esta razo o
escritor paulinista confronta a hiptese de que o padro de comportamento e de
imitao dos anjos mais importante que se atentar para o exemplo da imagem do
Deus invisvel, que o criador dos anjos, porque ele o nico em que so
encontrados todos os mistrios (2.3) e de que dele vem o verdadeiro entendimento
do que seja humildade (3.12). Ao concentrarem sua ateno na liturgia anglica, os
crentes de Colossos esto perdendo a noo de Cristo como o centro de sua f.
Dois outros elementos na epstola proporcionam uma mstica
interpretao. Alm do hino cristolgico, a importncia de destacar Cristo como o
lugar da revelao divina enfatizada em 2.9. Aqui o autor paulinista fala que em
Cristo corporalmente habita toda a plenitude da divindade. O escritor fala de que
Cristo apresentou corporalmente a glria divina que habitava nele. Colossenses 2.
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10-15 parece indicar que o despojar do corpo carnal na morte de Jesus marcou o
momento em que Cristo herdou um glorioso corpo celestial. Evento que colocou
Cristo alm dos poderes anglicos, um paradigmtico evento em que os benefcios
podem ser compartilhados pelos cristos.
Em 2.11 a iniciao crist contrastada com a circunciso como um rito
que no feito com as mos e envolve afastar-se do corpo carnal (note a linguagem
de transformao implicada na metfora de despir-se). O autor da carta pode usar
essa linguagem para o batismo cristo, porque o crente identificado como um que
em sua morte colocou de lado o corpo carnal e passou para outro lugar de
existncia. Assim como Cristo foi enterrado e ressuscitou para uma nova existncia
no cu, tambm os crentes ressuscitaro com ele para compartilhar aquela glria
no presente (2.12; 3.1). A morte de Jesus marcou o momento em que o tempo do
corpo carnal terminou (1.22). De agora em diante, ele o nico que existe como
lugar da glria divina em forma corprea no cu: ele , ento, a imagem do Deus
invisvel. Ele deixou de lado o corpo carnal e se revestiu de um corpo glorificado
que ser o ltimo destino dos crentes (cf. Fp 3.21). Os poderes divinos no so
compartilhados com um nmero de seres celestiais exaltados, mas encontrados
somente em Cristo, em que esto os segredos de toda a riqueza de sabedoria.
O despojamento do corpo carnal em 2.11 relacionado ao triunfo de
Cristo sobre os poderes. Existe tambm uma dimenso moral para o uso da
metfora que se preocupa em colocar de lado aquela rea da vida que no mais
apropriada para as exigncias que a nova vida em Cristo traz: em 2.11, o corpo
que deve se afastar das coisas carnais; em 2.15, deve-se afastar-se dos poderes dos
principados; e em 3.9, deve-se afastar-se das coisas da velha natureza. Paulo
discute a respeito do ensinamento bsico (2.8) e rejeita preocupaes com
tradies humanas em vez da completa revelao divina em Cristo (2.8s.). A
correspondncia entre circunciso e carne d ao escritor um lugar de partida para
a sua rejeio das prticas seculares pelos crentes por oponentes e o interesse
deles em anjos. Em 2.11, a verdadeira circunciso um sinal do verdadeiro
relacionamento com Deus enraizado na vida ressurreta de Cristo (2.12). Isso
envolve se despir da carne no sentido de colocar um fim para a subservincia dos
valores e prticas do velho eon, por identificao com a morte de Cristo. Esse o
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momento em que ele passou de uma esfera de existncia na qual foi submetido a
ritos que poderia ser manipulado pelos poderes. Assim como Cristo deixou a esfera
da carne em sua morte, tambm os crentes no batismo passaram da influncia dos
anjos e comprometido com um novo padro de existncia (3.1; cf. 3.10). Cristo na
cruz apagou a subscrio para velhas ordenanas. Mas o que na realidade
pregado na cruz nada menos do que o corpo de Jesus (cf. Mc 15.24; Jo 20.27; I Pe
2.24). o corpo carnal no qual a esfera de influncia dos poderes angelicais e o
lugar onde a lei faz a sua exigncia. Quando Cristo morreu, ele triunfou sobre os
poderes (2.14s; cf. 1 Pedro 3.22) e tira a ligao na qual os poderes angelicais
exerciam semelhante domnio sobre a humanidade. O ato de morrer de Cristo o
desveste da carne, a ligao de poder segundo quais os poderes angelicais
tiranizavam a humanidade. A conquista dos poderes angelicais ocorre no momento
do desvestir-se da carne, com aqueles crentes identificados no batismo.
Batismo/morte, ento, marca um momento de transio do terreno para o
celestial, e nisso que os santos no mundo podem gozar nessa era. Nova vida em
Cristo qualifica o crente a uma parte da nova vida do cu. Em Colossenses 1.12 a
igreja privilegiada por participar da herana dos crentes na luz. Os santos nesse
contexto no so somente os crentes, mas os anjos que so frequentementes
descritos desse modo (1QS 19.7s.) Como em Efsios, onde o escritor enfatiza a
comunho da igreja com aqueles do cu em seu servio evangelical, o crente como
um grupo agora desfrutam da herana dos anjos. De acordo com Colossenses 3.1, o
alvo dos crentes o lugar onde Cristo est assentado. Isso consequncia direta do
batismo quando a carne deixada de lado. a esperana aguardada do crente
(Efsios 1.5) e com isso, no necessrio se utilizar de nenhuma prtica do mundo
de baixo. Assim como Col 3.9 mostra, a transformao no somente uma
transformao mstica do adepto, mas uma mudana do ponto de vista moral e
prtica na qual so marcas distintivas daquele que procura depois um lugar nos
cus e estar perto do trono da glria. Esses sentimentos so comparados na
evidncia de uma orientao tica no apocalipsismo de outro texto de um escrito
cristo do primeiro sculo, o Apocalipse de Joo (por exemplo, Ap 3.15-21).
A promessa de uma participao presente na vida ressurreta em Col 3.1
um avano em relao a Rm 6.4ss. Para a comunidade oferecida uma
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plenitude dos propsitos de Deus (Cl 1.12). As outras duas referncias para nos
lugares celestes trata com um diferente assunto: o relacionamento da igreja com
os poderes, terrenos e celestiais. Em Efsios 3.10, o autor fala da sabedoria de Deus
feito conhecido pelos poderes por intermdio da igreja. A igreja transforma-se em
agente de Cristo no trabalho de salvao. De acordo com Efsios 3.10, o mistrio do
evangelho proclamado atravs da ao da igreja. Ela unida a Cristo que a
qualifica a proclamar os mistrios divinos da salvao.
Em Efsios 6.12, o escritor fala da luta de vida ou morte com as hostes
espirituais da maldade nos lugares celestiais. Proteo divina necessria para
esse corpo de pessoas.
Em Efsios 4.8ss; o autor interpretando o Salmo 68, com sua linguagem
de ascenso celestial providencia uma estrutura para a significao teolgica do
ministrio terreno que pode ser afirmado dentro da igreja. Aqui, a especulao da
natureza sobre a ascenso transformou-se em parte a um discurso tico no carter
apocalptico e csmico da vida de Cristo. O normal e o extraordinrio so colocados
juntos na vida comum e aes morais, abertas para todos os santos (3.18). Efsios
representa uma mudana nas preocupaes escatolgicas. Em vez de o
apocalipsismo ser um meio em que o visionrio poderia determinar os segredos do
futuro, Efsios representa aqueles escritos no qual a nfase na presente glria do
cu aplicada. Ideias apocalpticas deixam de ser sobre um deslumbrar futuro,
aquilo do que est por vir, para se transformar na participao presente da igreja e
para buscar o entendimento dos mistrios que agora so revelados.
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Notemos
essa
estrutura
na
cristologia
das
dutero-paulinas.
Apesar de termos traduzido o ttulo, essa obra no foi traduzida para o portugus, contamos com
a edio espanhola: La religin gnstica: El mensage del Dios extrao y los comienzos del
cristianismo. Madrid: Ediciones Siruela, 2003.
35 GOETSCHEL, Roland. Cabala. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009 (Coleo Enciclopdia, 780), p. 31.
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Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abenoou
com todas as bnos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef 1.3).
Estando ns ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente
com Cristo, pela graa sois salvos. E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus (Ef 2.5-6).
E ele mesmo deu uns para apstolos, e outros para profetas, e outros
para evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo o
aperfeioamento dos santos, para a obra do ministrio, para edificao
do corpo de Cristo (Ef 4 11-12).
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Destaca-se o fato que devido ao crente ser parte do corpo de Cristo, ele
goza das bnos da glria a qual est no cu, mas adiantada na liturgia pelo
cristianismo institucional.
Consideraes finais
Nesse texto afirmamos que as cartas dutero-paulinas apresentam uma
experincia mstica autntica, embora distinta da experincia dos primeiros
cristos e exemplarmente distinta da experincia paulina, pois o cristianismo,
nessa poca e lugar, avanava em seu processo de institucionalizao.
Demonstramos isso atravs da metfora do corpo e sua diferena entre
as cartas paulinas autenticas e inautnticas, retomando o argumento de
Schweitzer, porm sob outra perspectiva.
Afirmamos a existncia de uma mstica canalizada, com isso quisemos
dizer que ela se distinguia da mstica crist de outros momentos por que agora ela
est relacionada com elementos litrgicos e pela hierarquia eclesistica, que est
muito presente nessas cartas.
Interessante notar como Scholem afirma a impossibilidade da unio
mystica, no sentido do fiel diluir-se na divindade, mas nada afirma quanto a
possibilidade do fiel diluir-se no vice-regente celestial, como foi caso dos cristos.
O fato da canalizao dessas energias no impediu que a linguagem
apocalptica continuasse circulando, afinal, ela era a base das afirmativas
cristolgicas e j haviam sido declaradas as mesmas palavras para diferentes
personagens da Bblia Hebraica, os quais, acreditava-se, terem sido exaltados.
No s a linguagem, mas tambm a estrutura da Mercab continuou
presente no cristianismo das deutero-paulinas, notamos isso quando as
relacionamos com o gnosticismo judeu.
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Referncias bibliogrficas
BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular na idade mdia e no renascimento: o contexto
de Franois Rabelais. So Paulo: Hucitec, 2010.
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. Santo Andr: Academia Crist,
2008.
CARDOSO, Jos Roberto Corra. Cristologia angelomrfica de Hebreus: Estudo
scio-retrico e Histria das Religies Comparadas em Hebreus 1.1-14; 2.5-18; 7.110. So Bernardo do Campo, 2005. Dissertao (Mestrado em Cincias da Religio)
Faculdade de Filosofia e Cincias da Religio da Universidade Metodista de So
Paulo (UMESP).
DUNN, James. Teologia do Apstolo Paulo. So Paulo: Paulus, 2008.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6 ed. So Paulo: Perspectiva, 2006 (Coleo
Debates).
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