VOLUME 1 EntreAspas

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1

hexag
SISTEMA DE ENSINO
1 edio
So Paulo
2016

hexag
SISTEMA DE ENSINO

Hexag Editora, 2016


Direitos desta edio: Hexag Editora Ltda. So Paulo, 2015
Todos os direitos reservados.
Diretor geral
Herlan Fellini
Coordenador geral
Raphael de Souza Motta
Responsabilidade editorial
Hexag Editora
Diretor editorial
Pedro Tadeu Batista
Editor
Antnio Srgio Souza
Revisor
Delano Malta
Programao visual
Hexag Editora
Editorao eletrnica
Cesar Rodrigues da Mata (Schffer Editorial)
Capa
Hexag Editora
Impresso e acabamento
Imagem Digital

Todas as citaes de textos contidas neste livro didtico esto de acordo com a legislao, tendo por fim nico e exclusivo o
ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessria a incluso de informao adicional, ficamos disposio
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforos para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre
as imagens publicadas e estamos disposio para suprir eventual omisso de crdito em futuras edies.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra est sendo usado apenas para fins didticos, no
representando qualquer tipo de recomendao de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.

2016
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SUMRIO

Sonetos

Corao, cabea e estmago

36

Til

54

Prefcio
Caro aluno,
o Entre Aspas volume 1 comea l no Renascimento com os sonetos de Luiz Vaz de Cames, em uma abordagem que prope debruar-se sobre a fase lrica do poeta, uma parcela importante da obra deste, que foi um dos
maiores escritores portugueses. A anlise leva em considerao os sonetos de Cames, esta forma clssica trazida
Portugal por S de Miranda, inspirado pelo poeta italiano Francesco Petrarca. Cames ir formalizar uma parte
de sua produo em funo desta nova esttica, tambm chamada de medida nova, alm de tematizar o amor
neoplatnico e o desconcerto do mundo como principais reflexes destes textos.
Na sequncia cronolgica, o que facilita o estudo, segue o conjunto de obras oriundos da escola literria
do Romantismo. A comear pela obra Viagens na minha terra de Almeida Garrett, ironizando a prpria escola,
misturando a narrao com a novela sentimental e marcando um momento importante da histria de Portugal: a
guerra civil entre miguelistas e liberais.
J o romance urbano do brasileiro Manuel Antnio de Almeida, Memrias de um sargento de milcias,
marca - no Brasil - a chegada dos portugueses e a gentica da malandragem que futuramente vai rotular o modo
de ser brasileiro. Romance de transio, apoia-se na subverso da ordem e, por isso, aproxima-se do Realismo.
Porm, ao final, mantm-se no Romantismo em funo do processo de redeno da personagem neopcaro: Leonardinho, que, vai de malandro a sargento.
Na sequncia, surge a interessante obra satrica de Camilo Castelo Branco: Corao, cabea e estmago,
configurando uma das novidades da Unicamp 2017. O livro possui uma fora narrativa interessante, pois varia o
foco narrativo de acordo com o autor, narrador e personagem autobiografado. O amor, o intelecto e o zoomorfismo
marcam a biografia de Silvestre, que deixa manuscritos para influenciar os jovens e pagar dvidas de boemia e jogo.
Fechando este caderno, seguindo a cronologia de publicao, aparece Til, do cearense Jos de Alencar.
Um livro que vai para o interior de So Paulo, especificamente em uma fazenda entre Campinas e Piracicaba, contar
uma trama interessante e muito bem amarrada de amores, traies, vinganas etc. A obra compe o projeto de
literatura nacional de Alencar no mbito regionalista.
Cada obra possui uma peculiaridade, portanto cada aspecto deve ser levado em considerao, partindo dos
valores estticos da escola literria em questo, da vida do autor e, principalmente, da obra.
Bom estudo, boa prova!

Lucas Limberti

Sonetos
Luis de Cames

Luis de Cames

expira com o incio do declnio do poderio imperial de


Portugal, mesmo ano da Unio da Pennsula Ibrica,
quando o pas fica sob o domnio da coroa espanhola.
Em 1595 publicada a obra Rimas, com uma
compilao de sua obra lrica, de versos redondilhos
elaborados maneira medieval e tambm seus sonetos decasslabos de influncia petrarquiana.
Leia o poema que Cames escreveu por ocasio
da morte de Dinamene:

Alma Minha Gentil, que te Partiste


Alma minha gentil, que te partiste
To cedo desta vida descontente,
Repousa l no Cu eternamente,
E viva eu c na terra sempre triste.

Cames teria nascido em 1524 ou 1525, provavelmente na cidade de Lisboa (talvez Coimbra ou Santarm),
descendente de uma famlia de pequena nobreza.
Estudou numa das mais conceituadas instituies de
Portugal, a Universidade de Coimbra. Recebe boa educao em sua juventude e torna-se um leitor convulso
de Homero, Virglio, Ovdio e Petrarca. Lutando contra
os mouros em 1549, acabou por perder a vista direita.
Sua biografia um tanto quanto nebulosa e
cheia de confuses. Em 1552 foi preso por ter brigado
com Gonalo Jorge que era oficial da corte, e sai perdoado da cadeia contanto que servisse militarmente Portugal na ndia. Em 1556 nomeado provedor-mor de defuntos ausentes em Macau, ento colnia de Portugal.
Durante os nove anos que passou na cadeia, comeou
a escrever Os Lusadas. Acusado de desviar bens enquanto provedor-mor, vai para Goa a fim de se defender
das acusaes. Na viagem seu navio naufraga na foz do
Rio Mekong (Indochina) e diz a lenda que ele se salvou
nadando, deixando sua companheira chinesa, Dinamene
morrer afogada, com a desculpa de salvar o manuscrito
de Os Lusadas que j estava em sua fase final. Viveu
na misria, foi preso outra vez, agora em Moambique
por causa de dvidas e voltou a Lisboa no ano de 1569
por conta de amigos que o ajudaram.
Em 1572 publica Os Lusadas, sua obra-prima e recebe uma penso anual de 15.000 ris oferecida por Dom Sebastio. Morre pobre em 10 de junho
de 1580; curiosamente, o heri da poesia portugus

Se l no assento Etreo, onde subiste,


Memria desta vida se consente,
No te esqueas daquele amor ardente,
Que j nos olhos meus to puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mgoa, sem remdio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que to cedo de c me leve a ver-te,
Quo cedo de meus olhos te levou.
Lus Vaz de Cames, in Sonetos

Obras
Contexto
Tu, s tu, puro amor
O autor e seu tempo
O Quinhentismo em Portugal o movimento cultural
resultante de uma das pocas mais gloriosas da histria desse pas.
Tem como antecedentes o empreendimento lusitano em busca de novos caminhos martimos e as
conquistas que remontam ao reinado de D. Joo I,
mestre de Avis com a tomada de Ceuta em 1415. Os
grandes feitos portugueses prosseguem com D. Joo II
(1481-1495), quando Bartolomeu Dias atinge o Cabo
7

da Boa Esperana. tambm deste perodo a expedio terrestre para reconhecimento dos territrios da
frica e da sia.
A apoteose da expanso martima se d no reinado de D. Manuel, o Venturoso (1495-1521), quando
dois grandes feitos se realizam. O primeiro, ligado ao
nome de Vasco da Gama, que em 1498 atinge as ndias percorrendo a costa oriental da frica. Ser essa
viagem que servir de motivo para a obra Os Lusadas,
de Lus de Cames. Dois anos depois, Cabral chega
Amrica, descobrindo o Brasil.
Os dois prximos reinados aliceram as conquistas. D. Joo III (1521-1557) inicia a colonizao da
Amrica portuguesa, e D. Sebastio (1557-1578) o
ltimo rei a viver em um Portugal rico e heroico. Dois
anos aps sua morte, o pas est sob o domnio espanhol. Cames prenuncia a queda em alguns dos versos
de maior beleza em Os Lusadas:
No mais, Musa, no mais; que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida;
E no do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
No no d a Ptria, no, que est metida
No gosto da cobia e na rudeza
De uma austera, apagada e vil tristeza.

A famosa fala do Velho do Restelo (canto IV


de Os Lusadas) tambm um alerta: representa o velho Portugal ameaado pela cobia e pela riqueza do
alm-mar, que cegamente se deixa levar pela glria e
pela fama.
O perodo , portanto, de riqueza e ostentao.
Lisboa torna-se um centro comercial de primeira linha;
na Corte, impera o luxo. Como a atividade literria reflete essa atmosfera? A exaltao grandiosidade das
conquistas expressa-se nas produes narrativas de
carter pico, e a certeza de um desafogo financeiro
transparece na vida fcil e brejeira, propcia s manifestaes sentimentais comuns na produo lrica. Fora e beleza so constantes na poesia do perodo.
Em 1527, S de Miranda introduz em Portugal
novas ideias que traz da Itlia: o verso decasslabo, o
soneto, a oitava, a comdia clssica. Tambm se torna
o divulgador de obras dos renascentistas italianos.
8

Os ideais clssicos imperam em Portugal at


1580, quando o pas passa para o domnio espanhol.
No mesmo ano morre uma das figuras mximas da
literatura portuguesa: Lus Vaz de Cames, que, com
sua epopeia e os seus versos lricos, levara a poesia
portuguesa a um alto grau de perfeio.
O termo Renascimento significa renascer e,
para os humanistas da poca, a convico de que o
retorno ao conhecimento da cultura greco-latina teria
como resultado a reconquista do antigo esplendor da
cultura clssica. A Idade Mdia, para os humanistas, era
considerada como poca das trevas, de ignorncia, um
perodo brbaro. O Renascimento caracteriza-se, principalmente, pelo esprito crtico, pelo culto razo, ao saber concreto, ao universal, ao conceitual. Estuda-se com
grande entusiasmo a cultura greco-romana, adquire-se
uma confiana renovadora no Homem, que, na sua superioridade, integra-se natureza, sendo capaz de impor-se como a medida de todas as coisas, opondo-se ao
teocentrismo, ao metafisico, ao religioso medieval. Da a
presena da cultura clssica como ilustrao nas produes tanto picas quanto lricas.

Apresentao
A Lrica Camoniana
Na lrica, Cames verseja segundo dois padres: a medida velha, utilizando a tradio medieval e popular

dos redondilhos, e a medida nova, seguindo os padres clssicos, em que se destacam as produes em
sonetos. A UNICAMP escolheu para o vestibular 2016
apenas os sonetos, portanto o foco de seu estudo deve
ser apenas os textos escritos em medida nova, ou seja,
os sonetos que seguem os padres clssicos.

Quanto forma, os poemas em medida nova


so relacionados tradio clssica: sonetos, clogas,
elegias, oitavas, sextinas. Quanto ao contedo, a poesia lrica clssica se relaciona com o petrarquismo.
Francesco Petrarca foi o responsvel por fixar a forma
do soneto, no sculo XIV; o contedo de sua poesia delineia um lirismo amoroso platnico, relacionado indissoluvelmente a uma mulher inacessvel, Laura, a quem
dedicou perto de 360 sonetos, no seu Cancioneiro.

Forma, linguagem e
temas fundamentais
Sonetos
Forma e linguagem
Os sonetos geralmente obedecem ao princpio da
imitao, isto , aceitam a existncia de modelos preconcebidos. O poeta chega a utilizar versos inteiros do
original, mas deve reconstruir com engenho e arte o
que lhe couber como criador.
O soneto clssico obrigatoriamente decasslabo e segue a estrutura italiana de catorze versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos. conhecido
como forma fixa e presta-se a exerccios de construo,

uma vez que o poeta deve ser dotado de recursos estilsticos e de linguagem os mais abrangentes possveis.
Normalmente, a brevidade do soneto deixa transparecer grande concentrao emocional disposta sob a
forma de tese-anttese, com desfecho conclusivo, que
busca a sntese ou a unidade.
Como recurso de linguagem, para atingir a condensao exigida pelo gnero, necessrio buscar a
palavra exata, com o cuidado de examin-la sonoramente, casando-a com o ritmo do metro decasslabo.
As contradies (paradoxos e antteses) e a aparente
irracionalidade na expresso de sentimentos, emoes,
recordaes, desejos ntimos, pensamentos mostram o
poeta atento, observando de forma objetiva e racional
o que se passa no seu esprito. A adequao perfeita
com a ideia procurada por meio de comparaes e
metforas.
Assim, capaz de expressar-se de maneira extremamente concisa tanto em poemas narrativos como
Sete anos de pastor Jac servia [2], ou lamentar, maneira romntica, a ausncia da amada em Alma minha
gentil, que te partiste [10], quando chega ao derramamento sentimental no terceto final. Mas so os sonetos com sentido de anlise que alcanam maior desenvoltura, por exemplo, ao fazer uma reflexo sobre a
mudana dos tempos, com breves apelos descrio,
em Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades [3]
ou, ainda, quando dedutivamente vai chegando a concluses a partir da exposio muitas vezes repleta de
contradies, como em Amor fogo que arde sem se
ver, [12] ou Um mover de olhos, brando e piedoso [4].

Temas fundamentais
Cames utiliza as tradies da composio em soneto
e, em boa parte deles, cumpre os preceitos da imitao,
tomando por modelo Petrarca e dele herdando tambm as sugestes temticas em que h a viso idealizada da mulher, elevada a elemento de purificao e
de divinizao da alma do poeta. Atravs dessa viso
idealista, pretende atingir a supremacia do Bem e da
Beleza.
Os sonetos camonianos no se deixam levar por
excessos subjetivos, embora a temtica seja lrico-amorosa. Dirigido pelos princpios do racionalismo clssico,
o poeta apresenta sentimentos e emoes contidos,
no extravasa sua dor ou seu desespero, isentando-se
9

de colocar na poesia uma estrita viso pessoal. Por isso


consegue construir um todo harmnico e equilibrado
que se abre para a universalidade. Interessa-lhe mais o
Absoluto, surgindo da a preferncia pela Mulher, pelo
Amor, pela Dor. Essa busca no particularizada envolve
o poeta na exposio de seus pensamentos, reflexes
e conceitos a respeito dos sentimentos do Homem, e
no do homem.
A mulher amada aparece iluminada por uma
luz sobrenatural que a toma etrea, transfigurada, inatingvel em sua condio de ser contemplado, objeto
do amor do poeta. A mulher amada por Cames elevada a alturas celestiais e encontra-se no mesmo nvel
de Beatriz, amada de Dante, que o conduz ao Paraso;
ou de Laura, que, mesmo distante pela fora da morte,
serve de inspirao para o poeta Petrarca. No entanto,
a vivncia de Cames no lhe permite realizar-se plenamente na idealizao da mulher, como seu modelo
Petrarca sugeria. Frequente nele o apelo carnal que
ora transparece como conflito, opondo-se concepo
do amor ideal, ora surge como vigorosa unio. Episdios como A Ilha dos Amores de Os Lusadas exemplificam esse sentido de solicitao ertica, porm isto
em sua fase pica.
Nos sonetos, fase lrica, detecta-se tal procedimento em pequenas obras-primas como Transforma-se
o amador na cousa amada [7], em que tenta demons-

10

trar-a possibilidade de se atingir o entendimento de


conceitos como Beleza e Bem atravs da consumao
do amor, isto , quando h a adequao do esprito
forma. Nesse processo antittico espiritualidade
e materialidade, sensualismo e idealizao est a
grande tenso da lrica camoniana. O poeta no chega a resolver os problemas da contradio; portanto,
no chega sntese, racionalizao. Resta-lhe, ento,
encontrar nos paradoxos e nas antteses o apoio necessrio para estabelecer a distino entre os opostos,
isto , encontrar na viso antittica a razo da prpria
essncia. Com isso, antecipa o desequilbrio da esttica
barroca, do sculo XVII.
Alm do tema amoroso, Cames se faz cantor
dos desconcertos do mundo. Esprito muito atento sua
poca, tem plena conscincia de que tudo muda, nada
eterno, como deixa claro no soneto Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades [31]. Perceber as transformaes do mundo faz parte da condio humana.
Como no existe o absoluto ou o eterno, resta
ao homem divagar sobre o real e o ideal, o eterno e o
transitrio, a morte e a vida, o pessoal e o universal.
Nesses pares encontram-se as mais profundas tenses
que a poesia lrica j deixou transparecer.

A lrica amorosa
O tema amoroso explorado na lrica camoniana sob
dupla perspectiva. Com frequncia aparece o amor sensual, prprio da sensualidade renascentista, inspirada no
paganismo da cultura greco-latina. Predomina, porm, o
amor neoplatnico, espcie de extenso e aprofundamento da tradio da poesia medieval portuguesa ou da
poesia humanista italiana, em que o amor e a mulher se
configuram como idealizados e inacessveis.
Na poesia lrica camoniana, tal qual no modelo
legado por Petrarca, o amor um sentimento que eleva
o homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza
e a Verdade, de acordo com a filosofia platnica. Para
Plato, a realidade se divide em mundo dos sentidos
e mundo das ideias. No mundo sensorial, nada
perene; no mundo das ideias, tudo eterno, imutvel.
O amor ideal, de acordo com Plato, um sentido
essencialmente puro e desprovido de paixes, ao passo
que estas so essencialmente cegas, materiais, efmeras e falsas.

dessa concepo que advm o amor neoplatnico dos humanistas e renascentistas: Quanto mais o
amor por uma pessoa estiver desvinculado de prazeres
fsico-sensoriais e se aproximar do amor-ideia, maior e
mais puro ser. o que se observa na 1 e na 2 estrofe
do soneto de Cames que voc vai ler a seguir:
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela est minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma est ligada.

Em Cames, percebe-se o conflito entre o sentimento espiritual, idealizado, e o sentimento de manifestao carnal. O amor , dessa forma, complexo,
contraditrio. Esse duplo enfoque do amor bastante
acentuado no soneto

Amor fogo que arde sem se ver


Amor fogo que arde sem se ver,
ferida que di, e no se sente;
um contentamento descontente,
dor que desatina sem doer.
um no querer mais que bem querer;
um andar solitrio entre a gente;
nunca contentar-se de contente;
um cuidar que ganha em se perder.
querer estar preso por vontade;
servir a quem vence, o vencedor;
ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos coraes humanos amizade,
se to contrrio a si o mesmo Amor?
Amor fogo que arde sem se ver.
Em: CAMES, Lus Vaz de. Lrica. So Paulo, Cultrix, 1976.

Dessa forma, o amor que uma pessoa sente por


outra no passa de uma manifestao particular e imperfeita de algo superior, universal e perfeito: O amor-ideia, grafado com A maisculo.

Mas esta linda e pura semideia,


que, como um acidente em seu sujeito,
assim como a alma minha se conforma,
est no pensamento como ideia:
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matria simples busca a forma.
(Lrica, cit.,p.109)

Nessas estrofes iniciais do poema, a realizao


amorosa se d por meio de imaginao. No preciso
ter a pessoa amada fisicamente, basta t-la em pensamento. E, tendo-a em si, na imaginao, o eu lrico se
transforma na pessoa dama, confunde-se com ela e,
dessa forma, j a tem.
Observe, porm, que nas duas ltimas estofes o
poeta abandona o neoplatonismo e, com uma comparao, manifesta seu desejo fsico pela mulher amada:
do mesmo modo que toda matria busca uma forma, o
seu amor puro, amor-ideia, busca o objeto desse amor,
ou seja, a mulher real.
Esses sentimentos contraditrios, bem como
certo pessimismo existencial que marca a poesia lrica
de Cames, fogem ao esprito harmonioso e racional
do Renascimento e prenunciam o movimento literrio
do sculo XVII: o Barroco. Esse perodo de transio
entre Renascimento e o Barroco chamado nas artes
plsticas de Maneirismo; por isso, alguns crticos consideram como traos maneiristas certas caractersticas
da lrica de Cames.
11

Um amor para sempre

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperana;
Do mal ficam as mgoas na lembrana,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O soneto Sete anos de pastor Jac servia, uma


amostra marcante do Amor platnico, que tem durao
idealizada, independentemente de realizao fsica. Esse
poema de Cames narra o episdio Bblico em que Jac
trabalha para Labo, visando casar-se com sua filha Raquel, mas acaba recebendo a irm dela, Lia.

O tempo cobre o cho de verde manto,


Que j coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

Sete anos de pastor Jacob servia


Labo, pai de Raquel, serrana bela;
Mas no servia ao pai, servia a ela,
E a ela s por prmio pretendia.
Os dias, na esperana de um s dia,
Passava, contentando-se com v-la;
Porm o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a no tivera merecida;

E, afora este mudar-se cada dia,


Outra mudana faz de mor espanto:
Que no se muda j como soa.
Lus de CamesCames, L. V. de. 200 Sonetos.
Porto Alegre: L&PM. 1998.

Sonetos Fogo que arde!


Sonetos
[1]

Comea de servir outros sete anos,


Dizendo: Mais servira, se no fora
Para to longo amor to curta a vida!

Enquanto quis Fortuna que tivesse


Esperana de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Sete anos de pastor Jac servia. Em: CAMES.


Luis Vaz de. Lrico. So Paulo. Cultrix, 1976

Porm, temendo Amor que aviso desse


Minha escritura a algum juzo isento,
Escureceu-me o engenho coo tormento,
Para que seus enganos no disesse

vs que Amor obriga a ser sujeitos


A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos to diversos,

No primeiro quarteto, o pastor Jac serve a Labo porque deseja Raquel. O segundo quarteto mostra
o desejo frustrado de Jac, quando Labo lhe entrega
a irm mais velha, Lia. Humilde, por um amor ideal,
platnico, o pastor se dispe a trabalhar outros sete
anos, e assim, indefinidamente, comprovar sua fidelidade amorosa.

Verdades puras so e no defeitos;


E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

A mutabilidade e o mundo desconcertante


A perfeio do mundo das ideias contrastada por Cames com as imperfeies do mundo terreno. Em sua
obra lrica, nota-se que a vida humana est condicionada a essas imperfeies, enquanto o esprito busca
outros horizontes. Desse contraponto, resulta uma viso
pessimista da vida, que brota dos problemas existenciais
do prprio poeta, de suas frustraes e atribuies.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiana;
Todo o Mundo composto de mudana,
Tomando sempre novas qualidades.
12

[2]
Sete anos de pastor Jacob servia
Labo, pai de Raquel, serrana bela;
Mas no servia ao pai, servia a ela,
E a ela s por prmio pretendia.
Os dias, na esperana de um s dia,
Passava, contentando-se com v-la;
Porm o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos


Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a no tivera merecida;

Farei que amor a todos avivente,


Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Comea de servir outros sete anos,


Dizendo: Mais servira, se no fora
Para to longo amor to curta a vida!

Tambm, Senhora, do desprezo honesto


De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

[3]
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiana:
Todo o mundo composto de mudana,
Tomando sempre novas qualidades.

Porm, pera cantar de vosso gesto


A composio alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

[6]

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperana:
Do mal ficam as mgoas na lembrana,
E do bem (se algum houve) as saudades.

Alegres campos, verdes arvoredos,


Claras e frescas guas de crystal,
Que em vs os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos:

O tempo cobre o cho de verde manto,


Que j coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

Sylvestres montes, asperos penedos


Compostos de concrto desigual;
Sabei que sem licena de meu mal
Ja no podeis fazer meus olhos ledos.

E afora este mudar-se cada dia,


Outra mudana faz de mor espanto,
Que no se muda j como soia

E pois ja me no vdes como vistes,


No me alegrem verduras deleitosas,
Nem guas que correndo alegres vem.

[4]
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de qu; um riso brando e honesto,
Quasi forado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indcio da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mgico veneno
Que pde transformar meu pensamento.

[5]
Eu cantarei de amor to docemente,
Por uns termos em si to concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faa sentir ao peito que no sente.

Semearei em vs lembranas tristes,


Regar-vos-hei com lagrimas saudosas,
E nascero saudades de meu bem.

[7]
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho logo mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela est minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma est liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como o acidente em seu sujeito,
assim coa alma minha se conforma,
est no pensamento como idia;
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como matria simples busca a forma.
13

[8]

Alguma cousa a dor que me ficou


Da mgoa, sem remdio, de perder-te;
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, justamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.
tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Cu voando;
Numa hora acho mil anos, e jeito
Que em mil anos no posso achar uma hora.
Se me pergunta algum por que assim ando,
Respondo que no sei; porm suspeito
Que s porque vos vi, minha Senhora.

[9]
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mgoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela s, quando amena e marchetada
Saa, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d`ua outra vontade,
Que nunca poder ver-se apartada.
Ela s viu as lgrimas em fio,
Que duns e doutros olhos derivadas,
Justando-se, formaram largo rio;
Ela viu as palavras magoadas,
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso as almas condenadas.

[10]
Alma minha gentil, que te partiste
To cedo desta vida descontente,
Repousa l no Cu eternamente,
E viva eu c na terra sempre triste.
Se l no assento etrio, onde subiste,
Memria desta vida se consente,
No te esqueas daquele amor ardente
Que j nos olhos meus to puro viste.
E se vires que pode merecer-te
14

Roga a Deus que teus anos encurtou,


Que to cedo de c me leve a ver-te,
Quo cedo de meus olhos te levou.

[11]
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
No entende o que pede; est enganado.
este amor to fino e to delgado,
Que quem o tem no sabe o que deseja.
No h cousa, a qual natural seja,
Que no queira perptuo o seu estado.
No quer logo o desejo o desejado,
S por que nunca falte onde sobeja.
Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,
Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

[12]
Amor fogo que arde sem se ver,
ferida que di, e no se sente;
um contentamento descontente,
dor que desatina sem doer.
um no querer mais que bem querer;
um andar solitrio entre a gente;
nunca contentar-se de contente;
um cuidar que ganha em se perder.
querer estar preso por vontade;
servir a quem vence, o vencedor;
ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos coraes humanos amizade,
se to contrrio a si o mesmo Amor?

[13]
Erros meus, m Fortuna, Amor ardente
Em minha perdio se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.

Tudo passei; mas tenho to presente


A grande dor das cousas que passaram,
Que j as frequncias suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanas.
De Amor no vi seno breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Gnio de vinganas!

[14]
Este amor, que vos tenho limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade comeado,
T-lo dentro nesta alma s procuro.
Dhaver nelle mudana estou seguro,
Sem temer nenhum caso, ou duro fado,
Nem o supremo bem, ou baixo estado,
Nem o tempo presente, nem futuro.
A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o inverno e estio deita;
S para meu amor he sempre Maio.
Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
E quessa ingratido tudo me engeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.

[15]
O dia em que eu nasci, morra e perea,
No o queira jamais o tempo dar,
No torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padea.
A luz lhe falte, o sol se lhe escurea,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A me ao prprio filho no conhea.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo j se destruiu.
gente temerosa, no te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraada que jamais se viu!

[16]
Quem diz que Amor falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vo, desconhecido,
sem falta lhe ter bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.
Amor brando, doce e piadoso.
Quem o contrrio diz no seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.
Se males faz Amor, em mi se vem;
em mi mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras so de amor;
todos estes seus males so um bem,
que eu por todo outro bem no trocaria.

[17]
Vencido est de amor
O mais que pode ser
Sujeita a vos servir e
Oferecendo tudo

Meu pensamento
Vencida a vida,
Instituda,
A vosso intento.

Contente deste bem,


Outra vez renovar
A causa que me guia
Ou hora em que se viu

Louva o momento
To bem perdida;
A tal ferida,
Seu perdimento.

Mil vezes desejando


Com essa pretenso
To estranha, to doce,

Est segura
Nesta empresa,
Honrosa e alta

Voltando s por vs
Jurando no seguir
Sem ser no vosso amor

Outra ventura,
Rara firmeza,
Achado em falta.

[18]
Quando o sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de huma praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui a vi os cabellos concertando;
Alli coa mo na face, to formosa;
Aqui fallando alegre, alli cuidosa;
Agora estando quda, agora andando.
Aqui esteve sentada, alli me vio,
15

Erguendo aquelles olhos, to isentos;


Commovida aqui hum pouco, alli segura.
Aqui se entristeceo, alli se rio:
E, em fim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida va, que sempre dura.

[19]
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanas me convinha,
Nunca nesta to longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Cu me tem mostrado,
J sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho j que no a tenho.

[20]
No mundo poucos anos, e cansados
Vivi, cheios de vil misria e dura:
Foi-me to cedo a luz do dia escura,
Que no vi cinco lustros acabados.
Corri terras e mares apartados,
Buscando vida algum remdio ou cura:
Mas aquilo que, enfim, no d ventura,
No o do trabalhos arriscados.
Criou-me Portugal na verde e cara
Ptria minha Alenquer; mas ar corrupto,
Que neste meu terreno vaso tinha,
Me fez manjar de peixes em ti, bruto
Mar, que bates a Abssia fera e avara,
To longe da ditosa ptria minha.

[21]
Correm turbas as guas deste rio,
Que as rapidas enchentes enturbro;
Os florecidos campos se seccro;
Intratavel se fez o valle e frio.
16

Passou, como o vero, o ardente estio;


Humas cousas por outras se trocro:
Os fementidos fados ja deixro
Do mundo o regimento, ou desvario.
Ja o tempo a ordem sua tee sabida;
O mundo no; mas anda to confuso,
Que parece que delle Deos se esquece.
Casos, opinies, natura, e uso,
Fazem que nos parea desta vida
Que no ha nella mais do que parece.

[22]
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam, quando deles me partia,
agora que faro? Quem mo diria?
Se porventura estaro em mim cuidando?
Se tero na memria, como ou quando
deles me vim to longe de alegria?
Ou se estaro aquele alegre dia,
que torne a v-los, na alma figurando?
Se contaro as horas e os momentos?
Se acharo num momento muitos anos?
Se falaro co as aves e cos ventos?
Oh! bem-aventurados fingimentos
que, nesta ausncia, to doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

[23]
O ceo, a terra, o vento socegado,
As ondas que se estendem por a areia,
Os peixes que no mar o somno enfreia,
O nocturno silencio repousado;
O Pescador Aonio que, deitado
Onde coo vento a gua se meneia,
Chorando, o nome amado em vo nomeia,
Que no pde ser mais que nomeado,
Ondas, (dizia) antes que Amor me mate,
Tornae-me a minha Nympha, que to cedo
Me fizestes morte estar sujeita.
Ninguem responde; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, quao vento deita.

[24]
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinao cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vo discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remdio, que inda tinha;
se por experincia se adivinha,
qualquer grande esperana grande engano.
Corro aps este bem que no se alcana;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiana.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardana,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperana.

[25]
- Que esperais, esperana? Desespro.
- Quem disso a causa foi? Hua mudana.
- Vs, vida, como estais? Sem esperana.
- Que dizeis, corao? Que muito quero.
- Que sentis, alma, vs? Que amor he fero.
- E, em fim, como viveis? Sem confiana.
- Quem vos sustenta, logo? Huma lembrana.
- E s nella esperais? S nella espero.
- Em que podeis parar? Nisto em que estou.
- E em que estais vs? Em acabar a vida.
- E tnde-lo por bem? Amor o quer.
- Quem vos obriga assi? Saber quem sou.
- E quem sois? Quem de todo est rendida.
- A quem rendida estais? A hum s querer.

[26]
Quando a suprema dor muito me aperta,
Se digo que desejo esquecimento,
He fra que se faz ao pensamento,
De que a vontade livre desconcerta.
Assi de rro to grave me desperta
A luz do bem regido entendimento,
Que mostra ser engano, ou fingimento,
Dizer que em tal descanso mais se acerta.
Porque essa propria imagem, que na mente

Me representa o bem de que careo,


Faz-mo de hum certo modo ser presente.
Ditosa he, logo, a pena que padeo,
Pois que da causa della em mi se sente
Hum bem que, inda sem ver-vos, reconheo.

[27]
C nesta Babilnia, donde mana
Matria a quanto mal o mundo cria;
C, onde o puro Amor no tem valia,
Que a Me, que manda mais, tudo profana;
C, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
C, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vo a Deus engana;
C, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vo
s portas da Cobia e da Vileza;
C, neste escuro caos de confuso,
Cumprindo o curso estou da natureza.
V se me esquecerei de ti, Sio!

[28]
Quem v, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se no perder a vista s em v-los,
J no paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preo honesto;
Mas eu, por de vantagem merec-los,
Dei mais a vida e alma por quer-los,
Donde j no me fica mais de resto.
Assim que a vida e alma e esperana,
E tudo quanto tenho, tudo vosso,
E o proveito disso eu s o levo.
Porque tamanha bem-aventurana
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

[29]
Quando da bela vista e doce riso
Tomando esto meus olhos mantimento,
To enlevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraso.
17

Tanto do bem humano estou diviso,


Que qualquer outro bem julgo por vento;
Assi que, em caso tal, segundo sento,
Assaz de pouco faz quem perde o siso.
Em louvar-vos, Senhora, no me fundo,
Porque quem vossas graas claro sente,
Sentir que no pode merec-las;
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
Que no de estranhar, Dama excelente,
Que quem vos fez fizesse cu e estrelas

[30]
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me to entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.
Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rstico, enganado
Quem no com meu mal engrandecido.
V revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;
Que eu s em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.

[31]
Quando de minhas mgoas a comprida
Maginao os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.
L numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela ento parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: - No me fujais, sombra benina!
- Ela, os olhos em mim cum brando pejo,
Como quem diz que j no pode ser,
Torna a fugir-me; e eu gritando: - Dina...
Antes que diga: - mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
18

[32]
O cisne, quando sente ser chegada
A hora que pe termo sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta por a praia inabitada.
Deseja lograr vida prolongada,
E dela est chorando a despedida:
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto j no extremo fio;
Com mais suave acento de harmonia
Descantei por os vossos desfavores
La vuestra falsa fe, y el amor mo...

[33]
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem no deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, j no posso ver-te,
To asinha esta vida desprezaste!
Como j pera sempre te apartaste
De quem to longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que no visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que to cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh cu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

[34]
Cara minha inimiga, em cuja mo
Ps meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolao.
Eternamente as guas lograro
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharo.

E, se meus rudos versos podem tanto,


Que possam prometer-te longa histria
Daquele amor to puro e verdadeiro,
Celebrada sers sempre em meu canto:
Porque, enquanto no mundo houver memria,
Ser a minha escritura o teu letreiro.

[35]
Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De hum naufragio cruel sahindo a nado,
S de ouvir fallar nelle est medroso:
Firme jura que o v-lo bonanoso
Do seu lar o no tire socegado;
Mas esquecido ja do horror passado,
Delle a fiar se torna cobioso:
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de no mais em outra ver-me;
Com a alma que de vs nunca se ausenta,
Me trno, por cobia de ganhar-me,
Onde estive to perto de perder-me.

[36]
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanas;
que no pode tirar-me as esperanas,
que mal me tirar o que eu no tenho.
Olhai de que esperanas me mantenho!
vede que perigosas seguranas!
que no temo contrastes nem mudanas,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto no pode haver desgosto
onde esperana falta, l me esconde
Amor um mal, que mata e no se v.
que dias h que nalma me tem posto
um no sei qu, que nasce no sei onde,
vem no sei como, e di no sei porqu.

Vrios versos
[37]
Mote
Descala vai pera a fonte

Lianor pela verdura;


Vai fermosa, e no segura.

Voltas
Leva na cabea o pote,
O testo nas mos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de camalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa, e no segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entraado,
Fita de cor encarnado,
To linda que o mundo espanta.
Chove nela graa tanta,
Que d graa fermosura.
Vai fermosa, e no segura.

[38]
Mote
Descala vai pola neve...
Assi faz quem Amor serve.

Voltas
Os privilgios que os reis
no podem dar, pode Amor,
que faz qualquer amador
livre das humanas leis.
Mortes e guerras cruis,
ferro, frio, fogo e neve,
tudo sofre quem o serve.
Moa fermosa despreza
todo o frio e toda a dor.
Olhai quanto pode Amor
mais que a prpria natureza:
medo nem delicadeza
lhe impede que passe a neve.
Assi faz quem Amor serve.
Por mais trabalhos que leve,
a tudo se ofreceria;
passa pela neve fria
mais alva que a prpria neve;
com todo o frio se atreve...
Vede em que fogo ferve
o triste que o Amor serve.
19

[39]
Cantigas alheias
Na fonte est Lianor
Lavando a talha e chorando,
s amigas perguntando:
- Vistes l o meu amor?

Voltas do cames
Posto o pensamento nele,
Porque a tudo o amor obriga,
Cantava, mas a cantiga
Eram suspiros por ele.
Nisto estava Lianor
O seu desejo enganando,
s amigas perguntando:
- Vistes l o meu amor?
O rosto sobre ua mo,
Os olhos no cho pregados,
Que, do chorar j cansados,
Algum descanso lhe do.
Desta sorte Lianor
Suspende de quando em quando
Sua dor; e, em si tornando,
Mais pesada sente a dor.
No deita dos olhos gua,
Que no quer que a dor se abrande
Amor, porque, em mgoa grande,
Seca as lgrimas a mgoa.
Despois que de seu amor
Soube novas perguntando,
De improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!

[40]
Verdes so os campos,
De cor de limo:
Assim so os olhos
Do meu corao.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Vero,
E eu das lembranas
Do meu corao.
20

Gados que pasceis


Com contentamento,
Vosso mantimento
No no entendereis;
Isso que comeis
No so ervas, no:
So graas dos olhos
Do meu corao.

[41]
Cantiga Velha
Sois fermosa e tudo tendes,
seno que tendes os olhos verdes.

Voltas
Ningum vos pode tirar
serdes bem assombrada;
mas heis-me de perdoar,
que os olhos no valem nada.
Fostes mal aconselhada
em querer que fossem verdes:
trabalhai de os esconderdes.
A vossa testa jardim,
onde Amor se desenfada:
branca e bem talhada
que parece de marfim.
Assim , e, quanto a mim,
isso nasce de a terdes
to perto dos olhos verdes.
Os cabelos desatados
o mesmo Sol escurecem;
seno que, por serem ondados,
algum tanto desmerecem:
mas, f, que se parecem
a furto dos olhos verdes,
no vos pese de os terdes.
As pestanas tm mostrado
ser raios que abrasam vidas;
se no foram to compridas
tudo o mais era pintado:
elas me tinham levado
j sem o vs saberdes,
se no foram os olhos verdes.

[42]
Mote velho
Perdigo perdeu a pena
No h mal que lhe no venha.

Voltas
Perdigo que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
No tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
No h mal que lhe no venha.

Quis voar a ua alta torre,


Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lana no fogo mais lenha:
No h mal que lhe no venha.

[43]
Babel e Sio
Sbolos rios que vo
Por Babilnia, me achei,
Onde sentado chorei
As lembranas de Sio
E quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
De meus olhos foi manado;
E, tudo bem comparado,
Babilnia ao mal presente,
Sio ao tempo passado.
Ali, lembranas contentes
Na alma se representaram;
E minhas cousas ausentes
Se fizeram to presentes
Como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
Co rosto banhado em gua,
Deste sonho imaginado,
Vi que todo o bem passado
No gosto, mas mgoa.
E vi que todos os danos
Se causavam das mudanas
e as mudanas dos anos;
Onde vi quantos enganos
Faz o tempo s esperanas.

Ali vi o maior bem


Quo pouco espao que dura;
O mal que depressa vem,
E quo triste estado tem
Quem se fia da ventura.
Vi aquilo que mais vale,
Que ento se entende milhor,
Quando mais perdido for;
Vi ao bem suceder mal
E, ao mal, muito pior.
E vi com muito trabalho
Comprar arrependimento;
Vi nenhum contentamento,
E vejo-me a mim, que espalho
Tristes palavras ao vento.
Bem so rios estas guas
Com que banho este papel;
Bem parece ser cruel
Variedade de mgoas
E confuso de Babel.
Como homem que, por exemplo,
Dos transes em que se achou,
Despois que a guerra deixou,
Pelas paredes do templo
Suas armas pendurou:
Assim, depois que assentei
Que tudo o tempo gastava,
Da tristeza que tomei,
Nos salgueiros pendurei
Os rgos com que cantava.
Aquele instrumento ledo
Deixei da vida passada,
Dizendo: Msica amada,
Deixo-vos neste arvoredo,
memria consagrada.
Frauta minha que, tangendo,
Os montes fazeis vir
Pra onde estveis correndo,
E as guas, que iam descendo,
Tornavam logo a subir,
Jamais vos no ouviro
Os tigres, que se amansavam;
E as ovelhas que pastavam,
Das ervas se fartaro
21

Que por vos ouvir deixavam.


J no fareis docemente
Em rosa tornar abrolhos
Na ribeira florescente;
Nem poreis freio corrente,
E mais se for dos meus olhos.
No movereis a espessura,
Nem podereis j trazer
Atrs de vs a fonte pura,
Pois no pudestes mover
Desconcertos da ventura.
Ficareis oferecida
Fama, que sempre vela,
Frauta de mim to querida;
Porque, mudando-se a vida,
Se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
Prazeres acomodados,
E logo a maior idade
J sente por pouquidade
Aqueles gostos passados.
Um gosto que hoje se alcana,
Amanh j o no vejo:
Assim nos traz a mudana
De esperana em esperana
E de desejo em desejo.
Mas, em vida to escassa,
Que esperana ser forte?
Fraqueza de humana sorte,
Que quanto da vida passa
Est recitando a morte!
Mas deixar nesta espessura
O canto da mocidade!
No cuide a gente futura
Que ser obra da idade
O que fora da ventura.
Que idade, tempo, o espanto
De ver quo ligeiro passe,
Nunca em mim puderam tanto,
Que, posto que deixe o canto,
A causa dele deixasse.
Mas em tristezas e nojos,
Em gosto e contentamento,
22

Por sol, por neve, por vento,


Tendr presente los ojos
Por quien muero tan contento.
rgos e frauta deixava,
Despojo meu to querido,
No salgueiro que ali estava,
Que pera trofu ficava
De quem me tinha vencido.
Mas lembranas da afeio
Que ali cativo me tinha,
Me perguntaram ento:
Que era da msica minha
Que eu cantava em Sio?
Que foi daquele cantar
Das gentes to celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar
Qualquer trabalho passado.
Canta o caminhante ledo
No caminho trabalhoso,
Por entre o espesso arvoredo;
E de noite o temeroso,
Cantando, refreia o medo.
Canta o preso docemente,
Os duros grilhes tocando;
Canta o segador contente,
E o trabalhador, cantando,
O trabalho menos sente.
Eu, que estas cousas senti
Na alma, de mgoas to cheia,
Como dir, respondi,
Quem alheio est de si
Doce canto em terra alheia?
Como poder cantar
Quem em choro banha o peito?
Porque, se quem trabalhar
Canta por menos cansar,
Eu s descansos enjeito.
Que no parece razo
Nem parece cousa idnea,
Por abrandar a paixo,
Que cantasse em Babilnia
As cantigas de Sio.
Que, quando a muita graveza

De saudade quebrante
Esta vital fortaleza,
Antes moura de tristeza
Que, por abrand-la, cante.
Que, se o fino pensamento
S na tristeza consiste,
No tenho medo ao tormento:
Que morrer de puro triste,
Que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei
O que passo e passei j,
Nem menos o escreverei;
Porque a pena cansar
E eu no descansarei.
Que, se a vida to pequena
Se acrescenta em terra estranha,
E se Amor assim o ordena,
Razo que canse a pena
De escrever pena tamanha.
Porm se, pera assentar
O que sente o corao,
A pena j me cansar,
No canse pera voar
A memria em Sio.
Terra bem-aventurada,
Se, por algum movimento,
Da alma me fores mudada,
Minha pena seja dada
A perptuo esquecimento.
A pena deste desterro,
Que eu mais desejo esculpida
Em pedra ou em duro ferro,
Essa nunca seja ouvida,
Em castigo do meu erro.
E se eu cantar quiser,
Em Babilnia sujeito,
Hierusalm, sem te ver,
A voz, quando a mover,
Se me congele no peito.
A minha lngua se apegue
s fauces, pois te perdi,
Se, enquanto viver assi,
Houver tempo em que te negue
Ou que me esquea de ti!

Mas, tu, terra de Glria,


Se eu nunca vi tua essncia,
Como me lembras na ausncia?
No me lembras na memria,
Seno na reminiscncia.
Que a alma tbua rasa
Que com a escrita doutrina
Celeste tanto imagina,
Que voa da prpria casa
E sobe Ptria divina.
No logo a saudade
Das terras onde nasceu
A carne, mas do Cu,
Daquela santa Cidade
De onde esta alma descendeu.
E aquela humana figura,
Que c me pde alterar,
No quem se h-de buscar:
o raio da Fermosura
Que s se deve de amar.
Que os olhos e a luz que ateia
O fogo que c sujeita,
No do sol, mas da candeia
sombra daquela idia
Que em Deus est mais perfeita.
E os que c me cativaram
So poderosos afeitos
Que os coraes tm sujeitos;
Sofistas que me ensinaram
Maus caminhos por direitos.
Destes o mando tirano
Me obriga, com desatino,
A cantar, ao som do dano,
Cantares de amor profano
Por versos de amor divino.
Mas eu, lustrado co santo
Raio, na terra de dor,
De confuso e de espanto,
Como hei-de cantar o canto
Que s se deve ao Senhor?
Tanto pode o benefcio
Da Graa, que d sade,
Que ordena que a vida mude:
E o que eu tomei por vcio
23

Me faz grau pera a virtude.


E faz que este natural
Amor, que tanto se preza,
Suba da sombra ao real,
Da particular beleza
Pera a Beleza geral.
Fique logo pendurada
A frauta com que tangi,
Hierusalm sagrada,
E tome a lira dourada
Pera s cantar de ti;
No cativo e ferrolhado
Na Babilnia infernal,
Mas dos vcios desatado
E c desta a ti levado,
Ptria minha natural.
E se eu mais der a cerviz
A mundanos acidentes,
Duros, tiranos e urgentes,
Risque-se quanto j fiz
Do gro livro dos viventes.
E, tomando j na mo
A lira santa e capaz
Doutra mais alta inveno,
Cale-se esta confuso,
Cante-se a viso da paz!
Oua-me o pastor e o rei,
Retumbe este acento santo,
Mova-se no mudo espanto;
Que do que j mal cantei
A palindia j canto.
A vs s me quero ir,
Senhor e gro Capito
Da alta torre de Sio,
qual no posso subir,
Se me vs no dais a mo.
No gro dia singular
Que na lira o douto som
Hierusalm celebrar,
Lembrai-vos de castigas
Os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vo
No pobre sangue inocente,
24

Soberbos co poder vo,


Arrasai-os igualmente,
Conheam que humanos so.
E aquele poder to duro
Dos afeitos com que venho,
Que incendem a alma e engenho;
Que j me entraram o muro
Do livre alvdrio que tenho;
Estes, que to furiosos
Gritando vm a escalar-me,
Maus espritos danosos,
Que querem como forosos
Do alicerce derrubar-me,
Derrubai-os, fiquem ss,
De foras fracos, imbeles;
Porque no podemos ns
Nem com eles ir a Vs,
Nem sem Vs tirar-nos deles.
No basta minha fraqueza
Pera me dar defenso,
Se Vs, santo Capito,
Nesta minha fortaleza
No puserdes guarnio.
E tu, carne que encantas,
Filha de Babel to feia,
Toda de misrias cheia,
Que mil vezes te levantas
Contra quem te senhoreia,
Beato s pode ser
Quem com a ajuda celeste
Contra ti prevalecer,
E te vier a fazer
O mal que lhe tu fizeste;
Quem com disciplina crua
Se fere mais que uma vez,
Cuja alma, de vcios nua,
Faz ndoas na carne sua,
Que j a carne na alma fez
E beato quem tomar
Seus pensamentos recentes
E em nascendo os afogar,
Por no virem a parar
Em vcios graves e urgentes;

Quem com eles logo der


Na pedra do furor santo
E, batendo, os desfizer
Na Pedra, que veio a ser
Enfim cabea do Canto;
Quem logo, quando imagina
Nos vcios da carne m,
Os pensamentos declina
quela carne divina
Que na Cruz esteve j;
Quem do vil contentamento
C deste mundo visvel,
Quanto ao homem for possvel,
Passar logo o entendimento
Pera o mundo inteligvel,
Ali achar alegria
Em tudo perfeita e cheia
De to suave harmonia,
Que nem, por pouca, escasseia,
Nem, por sobeja, enfastia.
Ali ver to profundo
Mistrio na suma Alteza,
Que, vencida a Natureza,
Os mores faustos do Mundo
Julgue por maior baixeza.
tu, divino aposento,
Minha Ptria singular,
Se s com te imaginar
Tanto sobe o entendimento,
Que far, se em ti se achar?
Ditoso de quem se partir
Pera ti, terra excelente,
To justo e to penitente,
Que, despois de a ti subir,
L descanse eternamente!

[44]
Passado j algum tempo que os amores
de Almeno, por meu mal, eram passados,
porque nunca Amor cumpre o que promete,
entre verdes ulmeiros apartados,
regando pelo campo as brancas flores,
em lgrimas cansadas se derrete;
quando a linda pastora, que compete
co monte em aspereza,

co prado em gentileza,
por quem o triste Almeno endoudecia,
pela praia do Tejo discorria
a lavar a beatilha e o tranado;
j o sol consentia
que sasse da sombra o manso gado.
E acordado j do pensamento
que to desacordado o sempre teve,
viu por acerto o bem que incerto tinha.
E, porque onde Amor a mais se atreve,
ali mais enfraquece o entendimento,
no lhe soube dizer o que convinha.
Como homem que aprazada briga vinha,
a quem de fora engana
a confiana humana,
e depois, vendo o rosto a quem resiste,
treme, teme o perigo, e no insiste,
j se arrepende, a audcia lhe falece:
destarte o pastor triste
ousa, arreceia, esfora e enfraquece.
E tendo assim atnito o sentido,
cometeu com furor desatinado,
e tirou da fraqueza o corao.
Cometimento faz desesperado,
que uma s salvao tem um perdido:
perder toda a esperana salvao.
As mgoas, que passaram, se diro;
mas as que ela dizia,
lembrando-lhe que via
as guas murmurar do Tejo amenas,
remeto a vs, Tgides Camenas,
que, de mgoa, no posso dizer tanto,
porque em tamanhas penas
me cansa a pena e a dor me impede o canto.
BELISA
Que alegre campo e praia deleitosa!
E quo saudosa faz esta espessura
a fermosura anglica e serena
da tarde amena! E quo saudosamente
a sesta ardente abranda, suspirando,
de quando em quando, o vento alegre e frio!
No fundo rio os mudos peixes saltam;
no ar se esmaltam os cus de ouro e verde
e Febo perde a fora da quentura.
Pela espessura levam passeando
o gado brando, ao som das sanfoninas,
pisando as finas e fermosas flores,
os guardadores que, cantando, o gesto
25

fermoso e honesto das pastoras que amam,


ao ar derramam mil suspiros vos.
Um louva as mos, e outro os olhos belos,
outro os cabelos de ouro, em som suave;
a amorosa ave leva o contraponto.
Mas oh! que conto, e que saudosa histria
que na memria aqui se me oferece!
Se no me esquece, j neste lugar
ouvi soar nos vales algum dia,
e respondia o Eco o nome em vo
num corao, Belisa retumbando.
Estou cuidando como o tempo passa
e quo escassa toda alegre vida;
e quo comprida, quando triste e dura.
Nesta espessura longo tempo amei;
se me enganei com quem do peito amava,
no me pesava de ser enganada.
Fui salteada, enfim, de um pensamento,
que um movimento tinha casto e so.
Conversao foi fonte deste engano
que, por meu dano, entrou com falsa cor.
Porque o amor, na Ninfa que segura,
entra em figura de vontade honesta.
Mas que me presta, agora, dar desculpa?
Se a houve culpa, p-la o firme Amor
s num pastor, que nunca o Sol nem Lua
ou serra algua, desde o Ibero ao Indo,
viram outro to lindo e to manhoso.
Neste amoroso estado e f que tinha
c nalma minha to secretamente
vivi contente, amando e encobrindo.
Ele, fingindo mentirosos danos,
que so enganos que no custam nada,
tendo alcanada j no entendimento
a f e intento meu s nele posto
(que logo o rosto mostra os coraes,
e as afeies cos olhos se praticam,
que mais publicam muito que palavras),
com suas cabras sempre parte vinha
onde eu mantinha os olhos e o desejo.
Tu, manso Tejo, e tu, florido prado,
do mais passado, enfim, que aqui no digo,
sereis, me obrigo, testemunho certo,
que descoberto vos foi tudo e claro.
tempo avaro, sorte nunca igual,
Tamanho mal quereis humana gente!
Porque um contente estado assim trocastes?
Vs me tirastes do meu peito isento
o pensamento honesto e repousado,
j dedicado ao coro de Diana;
vs numa ufana vida me pusestes,
e ali quisestes que gozasse o dano
26

do doce engano que se chama amor,


com cujo error passava o tempo ledo.
E vs to cedo me tirais um bem
que Amor j tem impresso nalma minha
depois que a tinha envolta em esperanas
e com lembranas tristes me deixais?
Mal me pagais a f que sempre tive.
Mas assim vive quem sem dita nasce.
Mas j que a face alegre o Sol esconde
e no responde algum a tantas mgoas,
seno as guas que dos olhos saem,
as sombras caem, e vo-se as alimrias,
das ervas vrias fartas, seu caminho;
buscando o ninho os pssaros sem dono
j pelo sono esquecem o comer;
quero esquecer tambm to doce histria,
pois memria que traz mor cuidado.
Isto passado e, se me deu paixo,
os dias vo gastando o mal e o bem,
e no convm querer-me magoar
do que emendar no posso j com mgoas.
Nas claras guas deste rio brando,
que vo regando o campo matizado,
este tranado lavar quero enfim;
que j de mim me esqueo coa lembrana
desta mudana, que esquecer no sei.
Inda que eu mudarei a opinio:
que, enfim, homens so, a que o esquecimento
depressa faz mudar o pensamento.
ALMENO
Se a vista no me engana a fantasia
- como j me enganou mil vezes, quando
minha ventura enganos me sofria -,
parece-me que vejo estar lavando
Uma Ninfa um vu no claro Tejo,
que se me est Belisa afigurando.
No pode ser verdade isto que vejo;
que facilmente aos olhos se afigura
aquilo que se pinta no desejo.
Oh, acontecimento que a ventura
me d para mor dano! Esta , certo,
que no de outrem tanta fermosura.
Se poderei falar-lhe mais de perto?
Mas fugir-me-; no pode ser, que o rio
para acol no tem caminho aberto.
Oh, temor grande! Oh, grande desvario,

que a voz me impede, e a lngua negligente


destarte est tornando o peito frio!

que folgavas de ler nos freixos verdes


o que de ti escrevia cada hora?

De quanto me sobeja estando ausente,


que para lhe falar sempre imagino,
tudo me falta agora em estar presente.

Como to presto assim a memria perdes


do amor que mostravas, que eu no digo,
se vs, altos montes, no disserdes?

Oh, aspeito suave e peregrino!


Pois como to asinha assim se esquece
Uma f verdadeira, um amor fino?

E como te no lembras do perigo


a que, s por me ouvir, te aventuravas,
buscando horas de sesta, horas de abrigo?

BELISA

Coa ma de discrdia me tiravas;


que Vnus que a ganhou por fermosura,
tu, como mais fermosa, lha ganhavas.

altas semidias! Pois padece


em vosso rio a honra delicada
de quem tamanha fora no merece?
Ou seja por vs, Ninfa, reservada,
ou nalguma rvore alta ou pedra dura
seja por vs asinha transformada.

E, escondendo-te entre a espessura,


ias fugindo como vergonhosa
da namorada e doce travessura.

ALMENO

No era esta a ma de ouro fermosa


com que encoberta assim de astcia tanta
Cidipe se enganou, de cobiosa;

Ah! Ninfa! No te mudes a figura;


nem vs, deusas, queirais que eu seja parte
de se mudar tamanha fermosura.

nem a que curso teve de Atalanta;


mas era aquela com que Galatia
o pastor cativou, como ele canta.

Porque a quem falta a voz para falar-te,


e a quem falece a lngua e ousadia
tambm faltaro mos para tocar-te.

Se ms tenes puseram ndoa feia


em nosso firme amor, de inveja pura,
porque pagarei eu a culpa alheia?

BELISA

Quem desta f, quem deste amor no cura,


nunca teve sujeito o corao;
que o firme amor com a alma eterna dura.
BELISA

Que me queres, Almeno, ou que porfia


foi a tua, to spera, comigo?
Minha vontade no to merecia.
Se com o amor o fazes, eu te digo
que amor que tanto mal me faz em tudo
no pode ser amor, mas inimigo.
No s tu de saber to falto e rudo
que to sem siso amasses como amaste.
ALMENO

Mal conheces, Almeno, uma afeio;


que, se eu desse amor tenho esquecimento,
meus olhos magoados to diro.
Mas teu sobejo e livre atrevimento
e teu pouco segredo, descuidando,
foi causa deste longo apartamento.

Onde viste tu, Ninfa, amor sisudo?

Vs as ninfas do Tejo que, mudando


me vo j, pouco a pouco, o claro gesto,
noutra forma mais dura traspassando?

Porque te no te lembra que folgaste


com meus tormentos tristes, e alguma hora
com teus fermosos olhos me olhaste?
Como te esquece j, gentil pastora,

Um s segredo meu te manifesto:


que te quis muito, enquanto Deus queria,
mas de pura afeio e amor honesto.
E pois teu mau cuidado e ousadia
27

causou to dura e spera mudana,


folgo que muitas vezes to dizia.
Fica-te embora, e perde a confiana
que mais me no vers, como j viste,
que assim se desengana uma esperana.
ALMENO

No correro as guas fugitivas


alegres por aqui, mas saudosas,
que paream que vm dos olhos vivas.

duro apartamento! vida triste!


nunca acontecida desventura!
Pois como, Ninfa, assim te despediste?

Nascero pelas praias deleitosas


os speros abrolhos em lugar
dos roxos lrios, das pudicas rosas.

Assim se h de ir tornando sem ter cura


nessa silvestre e spera rudeza
to branda e excelente fermosura?

No traro as ovelhas a pastar


d arredor do sepulcro os guardadores,
que no comero nada, de pesar.

Tua nunca entendida gentileza


e teus membros assim se transformaram,
negando-se-lhe a prpria natureza?

Viro os Faunos, guarda dos pastores,


se morri por amores perguntando.
Respondero os ecos: Por amores.

Destarte teus cabelos se tornaram,


deixando j seu preo ao ouro fino,
em folhas, que a cor tm do que negaram?

E para os que aqui forem caminhando,


um epitfio triste se ler
que esteja minha morte declarando,

Se este consentimento foi divino,


consinta-me tambm que perca a vida,
antes que a mais me obrigue o desatino.

e no tronco de uma rvore estar


numa ruda cortia pendurado;
escrito cuma foice, assim dir:

Que se a Fortuna dura embravecida


tanto em meu tormento se desmede,
no viva mais uma alma to perdida.

Almeno fui, pastor de manso gado,


enquanto consentiu minha ventura
de Ninfas e pastoras celebrado.

E vs, feras do monte, pois vos pede


minha pena o remdio derradeiro,
fartai j de meu sangue vossa sede.

Se algua hora, por dita, na espessura


se perder o amor e a afeio,
tirem a pedra desta sepultura,
e em figura de cinza os acharo.

E vs, pastores rudos deste outeiro,


por que a todos, enfim, se manifeste
que cousa amor puro e verdadeiro,
ao p deste funreo cipreste
me fareis um sepulcro sem arreio,
de boninas que o prado ameno veste.
Com desusadas msicas de Orfeu
que me vs cantareis; e, desta sorte,
no haverei inveja ao Mausolu.
E por que minha cinza se conforte,
em vossos metros doces e suaves
as exquias fareis de minha morte.
28

Ali respondero as altas aves,


no mdulas no canto, nem lascivas,
mas de dor ora roucas, ora graves.

[45]
Nunca manh suave,
estendendo seus raios pelo mundo,
depois de noite grave,
tempestuosa, negra, em mar profundo,
alegrou tanta nau, que j no fundo,
se viu em mares grossos,
como a luz clara a mim dos olhos vossos.
Aquela fermosura
que s no virar deles resplandece,
com que a sombra escura
clara se faz, e o campo reverdece,

quando meu pensamento se entristece,


ela e sua viveza
me desfazem a nuvem da tristeza.
O meu peito, onde estais,
e, para tanto bem, pequeno vaso;
quando acaso virais
os olhos, que de mim no fazem caso,
todo, gentil Senhora, ento me abraso
na luz que me consume
bem como a borboleta faz no lume.
Se mil almas tivera
que a to fermosos olhos entregara,
todas quantas tivera
pelas pestanas deles pendurara;
e, enlevadas na vista pura e clara,
- posto que disso indinas ,
se andaram sempre vendo nas meninas.
E vs, que descuidada
agora vivereis de tais querelas,
de almas minhas cercada
no pudsseis tirar os olhos delas;
no pode ser que, vendo a vossa entre elas,
a dor que lhe mostrassem,
tantas uma alma s no abrandassem.
Mas pois o peito ardente
uma s pode ter, fermosa Dama,
basta que esta somente,
como se fossem duas mil, vos ama,
para que a dor de sua ardente flama
convosco tanto possa
que no queirais ver cinza uma alma vossa

29

Aprofunde seus conhecimentos


1. (Uern 2015) Os gneros literrios so empregados com finalidade esttica. Leia os
textos a seguir.
Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanas;
Que no pode tirar-me as esperanas,
Que mal me tirar o que eu no tenho.
Cames, L. V. de. Sonetos. Lisboa: Livraria
Clssica Editora. 1961. Fragmento.

Porm j cinco sis eram passados


Que dali nos partramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeas aparece.
Cames, L. V. Os Lusadas. Abril Cultural,
1979. So Paulo. Fragmento.

Assinale a alternativa que apresenta, respectivamente, a classificao dos textos.


a) pico e lrico.
b) Lrico e pico.
c) Lrico e dramtico.
d) Dramtico e pico.
2. (Pucrs 2013) Compare o poema de Cames
e o poema Encarnao, leia as afirmativas
que seguem e preencha os parnteses com V
para verdadeiro e F para falso.
Poema 1
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

Sejam carnais todos os sonhos brumos


de estranhos, vagos, estrelados rumos
onde as Vises do amor dormem geladas...
Sonhos, palpitaes, desejos e nsias
formem, com claridades e fragrncias,
a encarnao das lvidas Amadas!
() Os dois poemas falam mais sobre o sentimento do amor do que sobre o objeto
amado.
() No poema de Cames, o amor figura-se no
campo das ideias.
() Quanto forma, os dois poemas so sonetos.
() O ttulo Encarnao contm uma certa
ambiguidade, aliando um sentido espiritual a um ertico.
A sequncia correta de preenchimento dos
parnteses, de cima para baixo, :
a) F F V F
b) V V F V
c) V F V F
d) V V V V
e) F V F F
3. (Ufpe 2013) A poesia lrica o espao ideal
para a temtica do amor, desde a antiguidade clssica at a atualidade. Mudam-se os
tempos, as ideologias, e o amor continua um
sentimento indecifrvel e paradoxal. Da ser
motivo dos dois poemas que seguem. Leia-os
e analise as proposies que a eles se referem.
Sete anos de pastor Jac servia

Se nela est minha alma transformada,


que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma est liada.

Sete anos de pastor Jac servia


Labo, pai de Raquel, serrana bela;
Mas no servia ao pai, servia a ela,
E a ela s por prmio pretendia.

Mas esta linda e pura semideia,


que, como o acidente em seu sujeito,
assim coa alma minha se conforma,

Os dias, na esperana de um s dia,


Passava, contentando-se com v-la;
Porm o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Est no pensamento como ideia;


[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matria simples busca a forma.
Poema 2
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
carnais, sejam carnais tantos anseios,
palpitaes e frmitos e enleios,
das harpas da emoo tantos arpejos...
30

Sonhos, que vo, por trmulos adejos,


noite, ao luar, intumescer os seios
lteos, de finos e azulados veios
de virgindade, de pudor, de pejos...

Vendo o triste pastor que com enganos


Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se no a tivera merecida,
Comea de servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira se no fora
Para to longo amor to curta a vida!
Cames

Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero viv-lo em cada vo momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angstia de quem vive
Quem sabe a solido, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que no seja imortal, posto que chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vincius de Moraes

() Nos dois poemas, pertencentes, respectivamente, ao Classicismo e ao Romantismo, o


tema do amor trabalhado numa forma fixa.
() So dois sonetos que mantm relao de
intertextualidade, pois o segundo retoma o
primeiro em sua forma e em seu contedo.
() Nos dois poemas, a concepo de amor
diversa, pois o primeiro expressa a finitude
desse sentimento, e o segundo, ao contrrio,
apresenta-o como eterno.
() No ltimo verso de seu poema, Cames usa
uma anttese para dar conta da idealizao
do amor. Vinicius de Moraes, nos dois ltimos versos do segundo quarteto, recorre
tambm a oposies, que expressam o desejo
de viver o sentimento amoroso em todos os
momentos.
() Enquanto o segundo soneto apresenta uma
concepo do amor mais fiel vivncia dos
afetos no sculo XX, o primeiro traz uma viso platnica idealizada do sentimento amoroso, prpria do Classicismo do sculo XVI.
4. (Uespi 2012) Dentre os excertos de poemas
abaixo, quais podem ser identificados como
de Lus Vaz de Cames?
1. Sete anos de pastor Jac servia
Labo, pai de Raquel, serrana bela;
Mas no servia ao pai, servia a ela,
Que a ela s por prmio pretendia.
2. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiana;
Todo o mundo composto de mudana,
Tomando sempre novas qualidades.
3. Amor fogo que arde sem se ver;
ferida que di e no se sente;
um contentamento descontente;
dor que desatina sem doer.

4. A praia to longa! E a onda bravia


As roupas de gaza te molha de escuma;
De noite aos serenos a areia to
fria,
To mido o vento que os ares perfuma!.
5. Froixo o verso talvez, plida a rima
Por estes meus delrios cambeteia,
Porm odeio o p que deixa a lima
E o tedioso emendar que gela a veia!
So de Lus Vaz de Cames apenas os excertos:
a) 1, 2 e 3
b) 1, 4 e 5
c) 2, 3 e 4
d) 3, 4 e 5
e) 2, 4 e 5
5. (Insper 2012) Mudam-se os tempos, mudamse as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiana;
todo o mundo composto de mudana,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperana;
do mal ficam as mgoas na lembrana,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o cho de verde manto,
que j coberto foi de neve fria, e, enfim,
converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudana faz de mor espanto,
que no se muda j como soa*.
Lus Vaz de Cames
*soa: Imperfeito do indicativo do verbo soer,
que significa costumar, ser de costume

Assinale a alternativa em que se analisa corretamente o sentido dos versos de Cames.


a) O foco temtico do soneto est relacionado
instabilidade do ser humano, eternamente
insatisfeito com as suas condies de vida e
com a inevitabilidade da morte.
b) Pode-se inferir, a partir da leitura dos dois
tercetos, que, com o passar do tempo, a recusa da instabilidade se torna maior, graas
sabedoria e experincia adquiridas.
c) Ao tratar de mudanas e da passagem do
tempo, o soneto expressa a ideia de circularidade, j que ele se baseia no postulado da
imutabilidade.
d) Na segunda estrofe, o eu lrico v com pessimismo as mudanas que se operam no mundo, porque constata que elas so geradoras
de um mal cuja dor no pode ser superada.
e) As duas ltimas estrofes autorizam concluir
que a ideia de que nada permanente no
passa de uma iluso.
31

Que lambem o sangue e a flor da pele acendem


Quando o rubor me vem tona dgua.
E como arde, ai, como arde, Amor,
Quando a ferida di porque se sente,
E o mover dos meus olhos sob a casca
V muito bem o que devia no ver.

6. (Enem 2 aplicao 2010)


Texto I
XLI
Ouvia:
Que no podia odiar
E nem temer
Porque tu eras eu.
E como seria
Odiar a mim mesma
E a mim mesma temer.

Ilka Brunhilde Laurito

Cames. Sonetos. Disponvel em:


<http://www.jornaldepoesia.jor.br>.
Acesso em: 03 set. 2010 (fragmento).

7. (Mackenzie 2003) Assinale a alternativa


correta sobre o texto I.
a) Expressa as vivncias amorosas do eu lrico em linguagem emotivo-confessional.
b) Apresenta ndices de linguagem potica
marcada pelo racionalismo do sculo XVI.
c) Conceitua o amor de forma unilateral, revelando o intenso sofrimento do corao apaixonado.
d) Notam-se, em todos os versos, imagens poticas contraditrias, criadas a partir de substantivos concretos.
e) Conceitua positivamente o amor correspondido e, negativamente, o amor no-correspondido.

Nesses fragmentos de poemas de Hilda Hilst


e de Cames, a temtica comum :
a) o outro transformado no prprio eu lrico,
o que se realiza por meio de uma espcie de
fuso de dois seres em um s.
b) a fuso do outro com o eu lrico, havendo,
nos versos de Hilda Hilst, a afirmao do eu
lrico de que odeia a si mesmo.
c) o outro que se confunde com o eu lrico, verificando-se, porm, nos versos de Cames, certa resistncia do ser amado.
d) a dissociao entre o outro e o eu lrico,
porque o dio ou o amor se produzem no
imaginrio, sem a realizao concreta.
e) o outro que se associa ao eu lrico, sendo
tratados, nos Textos I e II, respectivamente,
o dio o amor.

8. (Mackenzie 2003) Assinale a alternativa


correta.
a) O texto I, com sua regularidade formal, recupera do texto II o rgido padro da esttica clssica.
b) Os dois textos, ao negarem uma concepo
carnal do amor, enaltecem o platonismo
amoroso.
c) O texto I e o texto II so convergentes no
que se refere concepo do sentimento
amoroso.
d) O texto II contesta o texto I no que se refere
ao ponto de vista sobre o amor.
e) Os dois textos convergem quanto forma e
linguagem, mas divergem quanto ao contedo.

HILST, H. Cantares.
So Paulo: Globo, 2004 (fragmento).

Texto II
Transforma-se o amador na cousa amada
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.

TEXTO PARA AS PRXIMAS 3 QUESTES:


Texto I
Amor fogo que arde sem se ver;
ferida que di e no se sente;
um contentamento descontente;
dor que desatina sem doer.
um no querer mais que bem querer;
solitrio andar por entre a gente;
nunca contentar-se de contente;
cuidar que se ganha em se perder;
Cames

Texto II
Amor fogo? Ou cadente lgrima?
Pois eu naufrago em mar de labaredas
32

9. (Mackenzie 2003) Assinale a alternativa


correta sobre o texto II.
a) A liberdade formal dos quartetos, associada
conteno emotiva, ndice da influncia
parnasiana.
b) Por seguir os princpios estticos clssicos,
sua expresso de teor mais universalista
que individualista.
c) O carter reflexivo das interrogativas iniciais
impede que a linguagem seja marcada por
ndices de emotividade.
d) Recupera, do estilo camoniano, a preferncia
por imagens paradoxais, como, por exemplo,
mar de labaredas.
e) Vale-se de recursos estilsticos conquistados
pelos modernistas, como, por exemplo, versos decasslabos e expresso coloquial.

1
0. (Unicamp 2002) Leia o seguinte soneto de
Cames:
Oh! Como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinao cansada minha.
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vo discurso humano.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remdio, que inda tinha.
Se por experincia se adivinha,
qualquer grande esperana grande engano.
Corro aps este bem que no se alcana;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiana.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardana,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperana.
a) Na primeira estrofe, h uma contraposio
expressa pelos verbos alongar e encurtar. A qual deles est associado o cansao
da vida e qual deles se associa proximidade
da morte?
b) Por que se pode afirmar que existe tambm
uma contraposio no interior do primeiro
verso da segunda estrofe?
c) A que termo se refere o pronome ele da
ltima estrofe?
11. (Ufrgs 2000) Leia o soneto a seguir, de Lus
de Cames.
Um mover de olhos, brando e piedoso,
sem ver de qu; um riso brando e honesto,
quase forado, um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
um despejo quieto e vergonhoso;
um desejo gravssimo e modesto;
uma pura bondade manifesto
indcio da alma, limpo e gracioso;
um encolhido ousar, uma brandura;
um medo sem ter culpa, um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste formosura
da minha Circe, e o mgico veneno
que pde transformar meu pensamento.
Em relao ao poema acima, considere as seguintes afirmaes.
I. O poeta elabora um modelo de mulher
perfeita e superior, idealizando a figura
feminina.
II. O poeta no se deixa seduzir pela beleza
feminina, assumindo uma atitude de insensibilidade.
III. O poeta sugere o desejo ertico ao se referir figura mitolgica de Circe.

Quais esto corretas?


a) Apenas I.
b) Apenas III.
c) Apenas I e II.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.
12. (Fuvest 1999) Quando da bela vista e doce
riso,
tomando esto meus olhos mantimento,1
to enlevado sinto o pensamento
que me faz ver na terra o Paraso.
Tanto do bem humano estou diviso,2
que qualquer outro bem julgo por vento;
assi, que em caso tal, segundo sento,3
assaz de pouco faz quem perde o siso.
Em vos louvar, Senhora, no me fundo,4
porque quem vossas cousas claro sente,
sentir que no pode merec-las.
Que de tanta estranheza sois ao mundo,
que no destranhar, Dama excelente,
que quem vos fez, fizesse Cu e estrelas.
Cames, ed. A.J. da Costa Pimpo
1 Tomando mantimento - tomando conscincia.
2 Estou diviso - estou separado, apartado.
3 Sento - sinto.
4 No me fundo - no me empenho.

a) Caracterize brevemente a concepo de mulher que este soneto apresenta.


b) Aponte duas caractersticas desse soneto
que o filiam ao Classicismo, explicando-as
sucintamente.
13. (Unicamp 1991)
Amor fogo que arde sem se ver;
ferida que di e no se sente
um contentamento descontente;
dor que desatina sem doer;
Lrica de Cames, seleo, prefcio e Notas de
MASSAUD MOISS, S. P., Ed. Cultrix, 1963

Terror de te amar num stio to frgil como


o mundo.
Mal de te amar neste lugar de imperfeio
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, Terror
de te amar, em Antologia Potica

Dos dois textos transcritos, o primeiro de


Lus Vaz de Cames (sculo XVI) e o segundo, de Sophia de Mello Breyner Andresen
(sculo XX). Compare-os, discutindo, atravs
de critrios formais e temticos, aspectos
em que ambos se aproximam e aspectos em
que ambos se distanciam um do outro.
33

14. (Fuvest 1991) Os paradoxos do sentimento


amoroso constituem um dos temas favoritos
de sua poesia lrica, exercitada sobretudo
nos sonetos.
a) De que poeta se trata?
b) Indique um texto do poeta em que este sentimento contraditrio se manifesta.

Soneto

Busque Amor novas artes, novo engenho,


Para matar-me, e novas esquivanas;
Que no pode tirar-me as esperanas,
Que mal me tirar o que eu no tenho.
Olhai de que esperanas me mantenho!
Vede que perigosas seguranas!
Que no temo contrastes nem mudanas,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto no pode haver desgosto
Onde esperana falta, l me esconde
Amor um mal, que me mata e no se v;
Que dias h que na alma me tem posto
Um no sei qu, que nasce no sei onde,
Vem no sei como, e di no sei por qu.
Lus de Cames

1
5. Segundo os versos do poema, o eu lrico
a) est procura do Amor.
b) est amando e cheio de esperanas.
c) est seguro devido ao Amor.
d) est sem esperana.
16. Ao se dirigir ao Amor, na primeira estrofe,
percebe-se por parte do eu lrico um tom de
a) splica
b) desafio
c) ameaa
d) euforia
17. Por que o eu lrico no teme as novas artes
do Amor?
a) Porque o eu lrico no possui mais esse sentimento.
b) Porque onde falta esperana no h desgosto.
c) Porque a esperana que ele tem o faz sentir
mais seguro.
d) Porque ele no teme nada, nem os perigos
de um mar bravo.
18. Apresenta uma contradio a justaposio
dos termos da expresso
a) novo engenho
b) bravo mar
c) perigosas seguranas
d) novas artes
34

1
9. Busque Amor novas artes, novo engenho,
o termo em destaque tem o sentido de
a) artimanha
b) trabalho
c) objetivo
d) soluo
20. De acordo com o eu lrico do texto, o Amor
gera
a) segurana
b) esperana
c) sofrimento
d) dvidas
21. Amor um mal, que me mata e no se v; o
verso sugere que o Amor
a) indefinido
b) misterioso
c) passageiro
d) intransigente
22. A ltima estrofe revela que
a) o eu lrico realmente imune as artes do
Amor.
b) o eu lrico busca descobrir as razes do
Amor.
c) o Amor ainda consegue atingir o eu lrico.
d) o Amor abandona o destemido eu lrico.
2
3. (UNICAMP-2016) Leia o soneto abaixo, de
Lus de Cames:
C nesta Babilnia, donde mana
matria a quanto mal o mundo cria;
c onde o puro Amor no tem valia,
que a Me, que manda mais, tudo profana;
c, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
c, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vo a desengana;
c, neste labirinto, onde a nobreza
com esforo e saber pedindo vo
s portas da cobia e da vileza;
c neste escuro caos de confuso,
cumprindo o curso estou da natureza.
V se me esquecerei de ti, Sio!
Disponvel em http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/bv000164.
pdf. Acessado em 08/09/2015.

a) Uma oposio espacial configura o tema e o


significado desse poema de Cames. Identifique essa oposio, indicando o seu significado para o conjunto dos versos.
b) Identifique nos tercetos duas expresses
que contemplam a noo de desconcerto,
fundamental para a compreenso do tema
do soneto e da lrica camoniana.

Gabarito
1.
B
2.
D
Verdadeiro. Os dois poemas falam do amor
distante e irrealizvel, entre o desejo e a
idealizao.
Verdadeiro. O poema de Cames trata a amada moda do platonismo neoclssico. Portanto, o amor ser sempre distante e idealizado.
Verdadeiro. Os dois poemas so sonetos, pois
so compostos por dois quartetos e dois tercetos com versos decasslabos.
Verdadeiro. O ttulo Encarnao tem a ver
com o sentido espiritual idealizador e com o
sentido mais sensual caractersticos do Simbolismo.
3.
F V F V V.
4.
A
5.
D
6.
A
7.
B
8.
D
9.
D
10.
a) O verbo alongar associa-se a cansao da
vida. O encurtar relaciona-se proximidade da morte.
b) H no primeiro verso da segunda estrofe
uma oposio entre gastando e cresce. Quanto mais a idade avana, o poeta
aproxima-se do fim da vida.
c) O pronome ele refere-se ao vocbulo
bem.
11. D
12.
a) A mulher vista no como uma companheira, mas como um ser angelical. A beleza converte-se em Beleza pura, que leva
ao mundo das ideias e divindade.
b) O soneto composto por dois quartetos
e dois tercetos e a medida nova (versos
decasslabos) so caractersticas do Classicismo. Ainda, h figuras de linguagem
como o hiprbato, alm da seleo lexical
e outros.

13. Aproximam-se pelo tema do amor e pela utilizao de anforas.


Distanciam-se pela mtrica (versos decasslabos em Cames e livres em Andresen) e
pela forma de tratar o amor (em Cames o
amor impessoal, e em Andresen pessoal).
14.
a) Cames
b) Amor fogo que arde sem se ver
15. D
16. B
17. B
18. C
19. A
20. C
21. B
22. C
23.
a) A clara oposio se d entre Babilnia
e Sio. O primeiro espao se configura como impuro, corrupto vil, (eu lrico
c), enquanto Sio corresponde s
aspiraes positivas do eu lrico, embora
esteja distante de l.
b) Trata-se das expresses neste labirinto (verso 9) e escuro caos de confuso
(verso 12).

35

Corao, cabea
e estmago
Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco

O escritor Camilo Castelo Branco nasceu na freguesia


dos Mrtires, em Lisboa, Portugal, no dia 16 de maro de 1825. Filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo
Branco e de Jacinta Rosa do Esprito Santo Ferreira, ficou rfo muito cedo, de me com apenas um ano e de
pai com 10 anos. Sua biografia dramtica certamente
poderia assemelhar-se a sua obra, especialmente suas
tradicionais novelas de cunho passional, do qual ele
foi o criador.
Composta de mais de cem obras, suas publicaes seguem a lgica folhetinesca, abordando
temas em novelas satricas, de terror ou mistrio ou
histricas e passionais. O ficcionista viveu de literatura e foi um dos primeiros portugueses a viver de
sua produo. No ano de 1889 homenageado na
Academia de Lisboa e se trona uma celebridade com
o escritor.
Autor de vrias crnicas de cunho irreverente
para jornais. Recebeu o ttulo de Visconde concedido
pelo rei de Portugal, D. Lus I.
Logo cedo se casou, aos dezesseis anos de idade, porm no durou muito e separado seguiu para o
Porto em 1843. L ingressou na faculdade de medicina, mas no finalizou o curso e se lanou no jornalismo
e na vida boemia portuense. Em 1845 publicou seus
primeiros trabalhos literrios.

Foi detido, julgado e, inclusive, preso em 1852


por protagonizar escndalos amorosos na poca, bigamia e etc. Porm, no ano 1856 conheceu o grande
amor de sua vida, s que havia mais um problema:
Ana Plcido j ser casada com um comerciante brasileiro, mas abandonou o marido em 1859 e foi viver
com Camilo. O casal sempre assolado pelas questes
financeiras, foi morar em Lisboa e depois em So Miguel de Seide.
O ano de 1863 foi decisivo em sua carreira, pois
publica um de seus romances mais renomados que
Amor de Perdio. Suas novelas tambm reconstituram um panorama dos costumes de Portugal de seu
tempo. Camilo sempre buscou estabelecer profunda
sintonia com a cultura do povo portugus.
Tipicamente viveu os dramas dos relacionamentos burgueses, a ideia de que os relacionamentos so
como contratos, em que as pessoas so mercadorias
e posses, por isso a instituio da monogamia tanto
o assolava, bem como o influenciava nas tradicionais
novelas passionais da segunda gerao romntica
portuguesa. A tragdia da gerao que no aceitou os
ditames burgueses, e trouxe (ou levou) da prpria vida
os temas de suas obras literrias fez com que Camilo
Castelo Branco tivesse um fim marcado por uma tragdia: cegueira em 1887 e suicdio no dia 01 de junho
de 1890.

Obras de Camilo Castelo Branco


A obra camiliana compreende mais de 250 ttulos e
sua produo bastante irregular: alternam-se narrativas bem construdas com outras nem tanto. Apesar
dos aspectos novelescos repetitivos que encontramos
em boa parte de sua obra, ele no aceita os preconceitos da nobreza ultrapassada, os novos-ricos (os
brasileiros), os burgueses obcecados pelo dinheiro
e o clero venal.

Os Mistrios de Lisboa, 1854


Duas pocas na Vida, 1854
O Livro Negro do Padre Dinis, 1855
Vingana, 1858
Carlota ngela, 1858
A Morta, 1860
O Romance de um Homem Rico, 1861
37

Doze Casamentos Felizes, 1861


Estrelas Funestas, 1861
Amor de Perdio, 1862
Corao, Cabea e Estmago, 1862
Estrelas Propcias, 1863
Amor de Salvao, 1864
O Olho de Vidro, 1866
O Retrato de Ricardina, 1868
A Mulher Fatal, 1870
Novelas do Minho, 1876
Perfil do Marqus de Pombal, 1882
Vulces de Lama, 1886
Nas Trevas, 1890

tomaram contato com as obras de Lord Byron, Walter


Scott e William Shakespeare.

O Romantismo portugus durou aproximadamente 40 anos, tendo como marco final, por volta de
1865, a Questo Coimbr, ou questo do Bom Senso
e do Bom Gosto, encabeada por Antero de Quental.
Como em pases europeus, o Romantismo portugus
atrelou-se ao liberalismo e ideologia burguesa e assumiu compromissos com o novo pblico leitor.

Geraes do Romantismo
portugus
A luta entre liberais e conservadores foi o pano de
fundo para que os romnticos implantassem, ao seu
tempo, as reformas literrias que de fato modificariam
o quadro esttico neoclssico portugus no qual a produo se desenvolveu de forma indita em Portugal.
Houve trs momentos distintos no desenvolvimento do Romantismo portugus. A obra Corao,
cabea e estmago encontra-se na 2. Gerao romntica (ultrarromntica).

Contexto - o Romantismo
em Portugal
Certamente a literatura escrita na Frana, Inglaterra e
Alemanha influenciou muito os escritores ligados ideologicamente ao liberalismo portugus. O momento
antimiguelista, dos partidrios de D. Pedro conectava
os jovens escritores Almeida Garret e Alexandre Herculano, inclusive exilados na Inglaterra e na Frana, onde
38

A primeira gerao, atualmente entre os anos de


1825 e 1840, muito contribuiu para a consolidao
do liberalismo no pas. (Ex: Almeida Garrett e Alexandre Herculano)
A segunda gerao, ultrarromntica, levou o
movimento ao exagero, e prevaleceu entre os anos
1840 e 1860. (Ex: Camilo Castelo Branco)
A terceira gerao, a de transio para o Realismo, teve presena marcante nos anos de 1860. (Ex:
Jlio Dinis)

Linhas temticas

Enfim, a ignorncia e obscurantismo de um Portugal


que parece engatinhar na era medieval.

A obra

Caricatura de Camilo Castelo Branco feita por Jlio Pomar

Um escritor profissional: No deixei de escrever


um s dia. Essa afirmao demonstra um escritor
que assumiu a literatura como uma misso cotidiana. Camilo concentrou seus esforos profissionais na carreira de escritor, que era a fonte de seu
sustento.

Em suas vrias obras possvel observar que


Camilo Castelo Branco estruturou linhas temticas especficas, lembrando que a obra em questo Corao,
cabea e estmago se coloca na vertente satrica.
foco satrico: com predomnio crtica de costumes (destaque para Corao, cabea e estmago; A queda dum anjo).
foco de mistrio: (exemplos: Os mistrios de
Lisboa; Livro negro de Padre Dinis)
foco histrico: (O judeu; e a srie O regicida,
A filha do regicida e A caveira do mrtir)

Stira de costumes e
a ironia reflexiva
A obra Corao, cabea e estmago apresenta um
repertrio variado no que diz respeito produo de
Camilo Castelo Branco, um exerccio requintado de sua
literatura. Uma abordagem de ironia reflexiva e notvel
crtica social, uma stira de costumes e, acima de tudo,
um humor requintado e hilariante.
Camilo apontou, sem hesitar, os defeitos da sociedade portuguesa: o esnobismo das aparncias dos
poderosos, sobretudo de uma aristocracia falida, a burguesia e a futilidade interesseira de seu pensamento.

Completamente inovador para a sua poca, o romance Corao, cabea e estmago, surge como
uma denncia e uma stira aos maus hbitos da
sociedade do seu tempo. De forma singela, Camilo
estrutura seu raciocnio na trade que compem o
ttulo da obra e o homem segue espontaneamente
a vontade do corpo. Para isso constri uma histria
dividida em trs parte, conforme trs rgos diferentes do corpo: o corao, a cabea e o estmago.

Estrutura
Romance que conta a histria de Silvestre da Silva, em
trs grandes fases da sua vida conforme trs rgos
diferentes do corpo.

Corao

Uma primeira fase em que ele dedica os seus amores e


s coisas do corao, as quais ele depois diz ser uma
tolice brava;
39

Cabea

A segunda fase a do racional, do uso do intelecto;

Estmago

mais de cem obras, a maior parte de novelas satricas,


de mistrio ou terror, histricas e passionais, todas,
claro, folhetinescas. Com histrias cheias de emoo
e uma linguagem simples, ele fez muitssimo sucesso.
Esta tal linguagem simples atraa o leitor mdio, que tinha dificuldade com a linguagem do gnero
potico tradicional. Este falar simples, atraiu tambm
muito o pblico feminino na poca, pois infelizmente,
era um pblico que tinha menos acesso e, logo, menos
afeito erudio.
O aluno deve ficar atento a que, apesar desta
dita linguagem simples, Corao, cabea e estmago um livro do sculo XIX e mais do que isso, escrito
em lngua portuguesa de Portugal. Portanto, quando
mencionada linguagem simples, deve-se salientar que
em funo da poca e a leitura nos dias de hoje deve
levar em considerao esta diferena cronolgica e geogrfica.

O Brasil

Finalmente a terceira fase de sua vida em queafirma


render-se aos apelos do estmago at morrer, reduzindo-se a um estado animalesco, sutentando pela lgica
da fome.

Linguagem

interessante que durante a leitura da obra o aluno


fique atento s inmeras menes ao Brasil que o personagem faz em sua autobiografia. O Brasil que passa
a fazer parte do cenrio poltico e cultural de Portugal,
obviamente na condio de colnia.
Na primeira parte, a do corao, uma das sete
mulheres por quem Silvestre (personagem principal) se
apaixona brasileira, a mulata brasileira, chamada Tupinoyoyo. importante observar o esteretipo da brasileira aos olhos do europeu, mulata de nome indgena.

Personagens

Camilo Castelo Branco foi um exemplo na literatura


da lgica burguesa aplicada ao romance. Um dos primeiros a produzir o romance folhetinesco, ou seja, publicados em parcelas, prendendo o leitor. Escreveu
40

O AUTOR - Personagem que se relaciona com o leitor


por intermdio de notas em que opina e relata a vida
de Silvestre.
SILVESTRE SILVA - Silvestre foi um marido fiel e exerceu
diversos cargos polticos. Abandonou a vida intelectual,
engordou por comer demais e endividou-se no jogo.
TOMSIA - Filha do Sargento-Mor de Soutelo, rapariga
de vinte e seis anos, com pouco entendimento intelectual.
SARGENTO-MOR - Pai de Tomsia.
SETE MULHERES - Na primeira parte, a do corao, o
autor relata suas paixes por sete mulheres.

Espaos

Foco narrativo

Em cada uma das trs partes do livro, a obra se desenvolve em espaos diferentes.

A variedade no foco narrativo um dos grandes destaques da obra que apresenta dois narradores:
1. Pessoa: O prprio personagem principal, Silvestre.
Ele conta sua autobiografia em 3 Pessoa.
O aluno deve estar atento a estas situaes narrativas que transmuta da primeira para a terceira pessoa
a partir de um mesmo personagem. A narrativa em
primeira pessoa (no mbito na autobiografia) surge a
narrativa de Silvestre - narrador sobre um Silvestre personagem do passado.
3. Pessoa: Um narrador em terceira pessoa que um
amigo de Silvestre que recebeu seus manuscritos e vai
public-los para pagar as dvidas deixadas pelo defunto amigo. Neste momento a narrativa surge em carter
metalingustico com advertncia do autor; prembulo; notas; remate.

Lisboa

A primeira fase, a do corao, se passa em uma Lisboa


libertina em que Silvestre da Silva narra seus amores
enganados e desfeitos.

Porto

Apresentao
Corao, cabea e estmago

Na segunda fase, na qual a cabea se sobrepe ao corao, Silvestre calcula uma aproximao com a herdeiras ricas do Porto.

Soutelo

Metalinguagem

Na ltima fase, nomeda de estmago, Silvestre procura


refgio na cidade de seus antepassados, uma vez que
estava cansado das solicitaes citadinas.

Corao, cabea e estmago uma obra romntica


da segunda gerao, porm ela traz um tom mais real
e satrico neste momento ultrarromntico. Trata-se de
uma obra metalingustica, um livro dentro de um livro, pois se inicia contando a histria do prprio livro
com o autor explicando e j apresentando o personagem principal. Silvestre havia morrido j h seis meses,
por indigesto. O mesmo deixou dvidas de jogo e, para
o autor, manuscritos de um romance autobiogrfico. O
foco volta-se ento para o livro, que este romance
41

escrito por Silvestre, porm sempre com o dedo do autor, que acresce observaes e notas. No livro, o que
chamado de Nota pelo autor, pode ser considerado
dentro da lgica tradicional do romance com as introjees do narrador (autor) em carter digressivo.

Trecho
Folheando novamente os manuscritos de Silvestre
da Silva, encontrei algumas pginas que merecem
ser intercaladas nesta 2. Edio de suas memrias.
A simpatia que o meu defunto amigo granjeou
postumamente na repblica das letras e das tetras
impeme o dever de empurrar portas dentro da
imortalidade tudo que lhe diz respeito.
O meu amigo Antnio Augusto Teixeira de Vasconcelos achou que Silvestre algumas vezes abusava do vocabulrio dos eufemismos. Tambm me
parece que sim. Mas j agora deixemos o defunto
com a sua responsabilidade e tenhamos esperanas de que ele se salvar primeiro que o autor da
Fany, livro querido das famlias!
Aqui vem a ponto dizer como Lopo de Vega, na
Arte Nueva de Hacer Comedias:
Sustento en fin lo que escribi y conozco
Que aunque fuera mejor de otra manera, No tuvieran el gusto que han tenido Por que as veces lo
que s contra el justo Por la misma razn deleita
el gusto. O AUTOR

Os trs momentos
1 Parte
A obra dividida em trs momentos, como o prprio ttulo indica. A primeira parte a do corao. Silvestre
vai relatar suas histrias amorosas e suas questes financeiras; ele conta a histria das mulheres por quem
se apaixonou ao seguir seu corao, no caso sete mulheres, porm no ficou com nenhuma delas.
1 mulher Leontina, que era sua vizinha, rf, criada por um ourives, analfabeta, de olhos bonitos.
42

2 mulher Ela s aparecia na janela, assim mesmo ficavam visveis apenas os olhos, entre as
tbuas das persianas e Silvestre nunca soube o
nome desta outra vizinha
3 mulher Era uma quarentona que se chamava
Catarina, conheceu Silvestre pois frequentava a
casa em que ele vivia hospedado.

Trecho
Era a terceira uma dama quarentona, que freqentava a casa em que eu me hospedara. Tinha ela um mano, muito mal-encarado e vestido
marcialmente, como capito da carta, que era. A
Sra. D. Catarina bailava gentilmente, conversava
com todos os pespontos de tagarela muito lida
em Eugenio Sue e conhecia todos os atalhos que
conduzem posse dum corao novio. Declarou-se comigo e eu, urbanamente, acudi ao seu pejo,
confessando que j me tinha primeiro confessado
com a eloqncia do silncio. Trocamos algumas
cartas, e numa das suas me disse ela que era proprietria de bens de raiz, que valiam seis contos
de ris, e tinha, afora isso, uns dez burrinhos em
Cacilhas, que anualmente lhe rendiam cento e
cinqenta mil ris. Cuidou que me seduzia com
o suplemento dos burrinhos! Respeito muito os
burros, mas tanto no! No respondi a este artigo. Falei-lhe do meu corao, assunto sublime de
mais para ser conspurcado no cadastro dos lucros
provenientes do dote quadrpede de D. Catarina.

4 mulher Clotilde. Silvestre a conheceu numa


festa. O cavalheiro que os apresentou alertou
ao rapaz que tanto ela quanto suas companheiras eram vaidosas e fteis.
5 mulher D. Martinha que a proprietria do
hotel onde Silvestre vivia.

Trecho
Aos Domingos, a Sra. D. Martinha honrava os
hspedes ao jantar com a sua presena. Eram
banquetes estes jantares, obrigados a vinho de
Setbal, presente semanal dum tio da senhora,
sujeito de sessenta anos, que remoava aos vinte,
naqueles dias em que ele era certo mesa.

A jovial dama erguia-se sempre escarlate at s


orelhas e lanava-se a um to voluptuariamente
alquebrada, que seria muito para amar-se, se a hiptese consentisse que ela tivesse dentro do seio
tanto corao como vinho de Setbal. Vi-a danar
a jota com requebros de escandecente despejo;
no era menos lbrica no lundum chorado; e, no
sei se de experincia, se de instinto, saracoteava-se to peneirada nas evolues do fado, que eu
estava pasmado do que via.
Convidava eu amigos a jantarem comigo aos domingos, prevenindo-os para gozarem as delcias
gratuitas daquela dama, transfigurada em bacante, posto que as antigas bacantes no o eram
sem a condio da virgindade, e neste ponto, de
modo algum quero ultraj-la com a comparao.
Os meus amigos, j apodrentados de corao, encaravam na desenvolta Martinha com olhos cobiosos, e, a seu pesar, confessavam que o amado
era eu, e unicamente eu. Maus conselheiros excitaram-me a cismar nos encantos, que eles viam,
e com pejo o digo descobri que a mulher tinha
reduzido a pntano uma parte do meu corao
para retouar-se nele.

6 mulher Tupinoyoyo. Uma mulata brasileira


que D. Martinha contratou corno criada. Vale
acrescer do nome indgena como uma meno
estereotipada ao brasileiro.

Trecho
A mulata (agora me lembro que se chamava Tupinyoyo, que nome to amvel!) ficou de me visitar todos os domingos; mas ao terceiro, depois da
promessa, contou-me um aguadeiro de um ricao,
vindo do Brasil, se apaixonou por ela e a levara
consigo para o Minho.
No mentiu o galego. Trs anos depois a vi eu na
segunda ordem do Teatro de S. Joo do Porto, vestida ricamente, ao lado duma grande cabea, que
estava cotada na praa do Porto em dois milhes.
Viu-me, fitou-me; no sei se corou; o pudor naquela ordem de peles no sei a cor que toma. Para
ouvir a opinio pblica, perguntei a diferentes elegantes quem fosse a mulata, e todos. uma, me
responderam que era filha dum titular brasileiro e
que fora educada em Londres.

No desmenti a opinio pblica. Seria uma ingratido mulher que me ergueu dos seus ps,
quando eu lhe pedia o seu amor com lgrimas. Se
eu fosse opulento como o homem vindo do Brasil,
talvez que ao lado dela, no camarote de S. Joo,
estivesse eu, e no ele.

7 mulher Mademoiselle Elise de la Sallete vinda


Frana e que vivia envergonhada por ter sido
abandonada por seu marido, um duque. Chegando em Portugal, mudou de nome e se tornou modista.

Trecho
Tornando francesa, coisa a que no pode chamar-se vaca-fria: Dei-lhe uma idia da minha
alma. Contei-lhe os meus sofrimentos em demanda da mulher, que a fantasia em sonhos me vestia
com as roupas cndidas do anjo. Disse-lhe mais
que a sua imagem como resplendor de lua instantneo, na horrvel cerrao de noite borrascosa,
dans laffreuse obscurit dorageuse nuit, me tinha transluzido nas trevas do meu viver.
A francesa ouviu-me pasmada, e assim a modo de
medrosa, como pomba, que se teme da garrulice
dum papagaio. A cada movimento melodramtico
de minhas mos davam-lhe rebate os nervos, com
menos alvoroo de pudor que o de Virgnia nos
assaltos lbricos do decnviro Appius Claudius, de
desonesta memria.
Convencida da inocncia da minha mmica cobrou
nimo a dama e contou-me que era menina de
boa famlia de Paris, e como tal se julgara digna
consorte de um duque fementido, que a raptara e
abandonara. terceira tentativa intil contra sua
vida, resolveu a vtima do duque fugir de Paris para
que a sua sociedade a no visse na perdio. Acaso
soubera ela que uma notvel modista francesa, estabelecida em Lisboa, mandara escriturar em Paris
algumas oficias. Mademoiselle Elise de La Sallete
mudou o nome, escriturou-se, e veio expiar a sua
culpa na hora do trabalho. Eis aqui a histria, que
eu ouvi com os olhos marejados de lgrimas.

Alm das sete, o autor detona ento como a


sociedade constri esteretipos e julga as pessoas pela
43

aparncia e, claro, pelas questes econmicas. a histria da mulher que o mundo respeita por ser rica,
mesmo sendo promscua, interesseira e de m ndole.
De outro lado, retrata a mulher que o mundo despreza, que jamais deixa de ser bondosa, foi rf de pai
desde criana, filha de uma prostituta, passou muitas
dificuldades e acabou sendo levada prostituio.

2. Parte
No segundo momento da obra, denominado cabea,
surge Silvestre tentando obter mais sucessos na vida
tramando planos e ingressa na carreira jornalstica escrevendo artigos polmicos. Seu objetivo chegar a
ministro e para isso criticou os idosos e a juventude. O
problema que em funo desta postura, o jornal em
que trabalha multado pelos artigos, o que faz com
que mude o direcionamento de seus planos. Como?
Com o casamento...
Em funo desta nova deciso, Silvestre se
aproxima das trs herdeiras mais ricas da sociedade
local, mas no adianta, no consegue se casar com
nenhuma e, o pior, termina sendo preso.

Trecho
Tive ento nojo mortal da sociedade e de mim,
que Deus fizera dum barro menos vil, mas amassado no fel e vinagre do que se chama fora da
alma e desprezo do martrio.
Entendi que devia corrigir a obra do Criador. A minha primeira operao de reforma foi renunciar
para sempre s manifestaes da inteligncia, e
jurei comigo de nunca mais dar na estampa escrito que no abonasse uma conscienciosa parvoce,
talism de tantos que a correm, e conta dos
quais muitos meus colegas na imprensa se afortunaram e benquistaram com o mundo.
Acabou, pois, aqui, minha vida intelectual. Nem j
corao, nem cabea. Principia agora o meu auspicioso reinado do estmago.

3. Parte
A terceira parte do romance a o estmago em
que Silvestre, depois das situaes anteriores, resolve
44

ir para sua casa em uma aldeia para ter um pouco


de paz, ou seja, regular o estmago. Para ter esta
almejada paz, precisa combater a influncia do vigrio e do regedor local. Contra o regedor, move uma
campanha junto aos moradores e tem sucesso, pois
ele perde o cargo. Silvestre se torna ento, regedor e
passa a adversrio poltico do vigrio. Suas aes se
concentram em torno deste objetivo, manda, inclusive, sumirem com o cavalo dele impedindo-o de ir
a assembleias mais distantes. Em funo destas tramoias, Silvestre vence as eleies por boa margem de
vantagem para a renovao da assembleia.

Trecho
Acertou de estar prxima a luta eleitoral. O regedor bateu s portas dos eleitores com o macete das listas, e encontrou em cada lavrador um
doutrinrio, um cidado que falava da liberdade
do sufrgio com muito menos parvoiadas que a
maior parte dos jornalistas. Enraivecido contra as
minhas sugestes, o funcionrio oficiou ao governador civil pedindo-lhe autorizao para me prender. O governador civil deu a ordem pedida, mandando ao secretrio que a lavrasse, e citou a lei do
cdigo eleitoral que me aplicava a captura. Ora,
como quer que o secretrio folheasse o cdigo e
no encontrasse ao artigo, a autoridade superior
do distrito oficiou ao regedor lamentando com ele
a impossibilidade da minha priso.
Seguiu-se perder o governo as eleies e o regedor adoeceu de maleitas. Passados meses, caiu
o Ministrio, caram as autoridades, e eu fui nomeado regedor. Eis aqui o meu primeiro pulo na
carreira poltica. O meu velho inimigo, quando recebeu o ofcio da demisso, tremia como Mariano
Faliero ouvindo as fatais badaladas de S. Marcos.

A terceira parte da obra apresenta-nos a personagem Tomsia, cuja postura realista contrasta com o
romntico bucolismo do campo:

Trecho
O beijo recebeu-o sem estremecimentos de pudor,
como as donzelinhas dos romances.

Casa-se com Tomsia que filha do poderoso


sargento-mor de Soutelo, e vai morar na casa do sogro.

Trecho
Tomsia era um rapariga desempenada e com
olhares derretidos. De entendimento era escura,
como quem no sabia ler, nem tivera, alguma hora,
desgosto de sua ignorncia. Tinha vinte e seis anos
e nunca estivera doente. Nunca tomara ch nem
caf. Almoava caldo de ovos com talhadas de
chourio. O Sol, ao nascer, nunca a surpreendeu em
jejum. Trabalhava de portas adentro com as criadas:
fazia as barrelas, fabricava o po, administrava a
salgadeira e vendia os cereais e as castanhas. Regularmente calava soquinhas debruadas de escarlate e sarapintadas de verde. As meias eram de l
ou algodo azuis; mas no usava ligas, de jeito que
as mei- as caiam em refegos roda do tornozelo o
que no era feio. Nas romarias, calava sapato de
fitas e trazia chapu desabado com plumas brancas. Os pulsos eram duma cana s, como l dizem
para exprimirem a fora. Cada palma de mo parecia uma lixa; e elogiar-lhe o cuidado das unhas seria adulao indigna da minha sinceridade. Dentes
nunca os vi ricos de esmalte. Limpava-os com erva
do monte, que l chamam mentrasto; e as pomadas das suas opulentas tranas louras eram a gua
cristalina do tanque em que ela mergulhava a cabea todas as manhs. Sentava-se depois sombra
dum castanheiro, nos dias festivos, a pentear-se, e
era belo v-la ento coberta de seus cabelos at
cintura, que moura mais linda a no sonharam poetas, em orvalhadas de S. Joo, alisando as madeixas
com pente de ouro.

Na parte do Estmago, Silvestre consegue se


casar, pois desiste de procurar uma moa que se encaixasse no tpico perfil da mulher romntica. Concluindo
que esse tipo de mulher s poderia existir na fico e
no na realidade. Portanto, sobre Silvestre e Tomsia ,
o editor ratifica depois de alguns anos de casamento.

Trecho
Andavam competncia de quem engordaria
mais; e, nas horas de dormir, excediam a toda a
gente, menos um ao outro.

Estabelece-se uma relao conclusiva sobre


suas prticas mundanas, especialmente quanto ao seu
estilo de vida, o que acaba sendo sua causa mortis,
como ele afirma no ltimo verso de seu soneto derradeiro:

Trecho
E por muito comer eu deso cova!

Logo vem uma concluso importante nesta


trajetria de Silvestre no que diz respeito ao amor,
especialmente sob a lgica de uma viso trgica. Segundo ele, que se baseia nos casais bblicos, que no
se casam por amor, que uma coisa do corao sem
nenhuma importncia. Encerrando assim, o romance
autobiogrfico de Silvestre.

Trecho
O mais que pudesses dizer seria um pleonasmo.
Cifra-te nisto. Ado amou Eva, sabendo dizer
muito menos, se me no engana o juzo que eu
formo da organizao das lnguas. Os irracionais
tambm se amam sem dilogo, se no devemos
chamar dilogo ao gorjeio dos passarinhos e aos
bramidos da leoa sedenta de amor, quando o querido lhe ruge da vizinha selva. Imitemos os bichos
para sermos naturais alguma vez.

Concluso e retomada do narrador


Neste momento, retomando para si o romance, o autor,
em nota ao pblico, explica e descreve um pouco a
vida de Silvestre. Relembra que ele foi um marido fiel e
exerceu diversos cargos polticos. Deixou de lado a vida
intelectual, engordou por comer demais e endividou-se no jogo. A questo dos manuscritos deixados por
ele e entregues ao autor pelo seu ex-sogro, (e tinham
como destino serem publicados) surgiram por dois motivos: em primeiro lugar para ensinar aos jovens que
para viver bem e ter a sabedoria preciso estar atento
s fases do corao, da cabea e do estmago. J o
segundo motivo que para que suas dvidas fossem
pagas, ele deixaria os manuscritos e o livro poderia ser
publicado.
45

O que diz a crtica


A ironia reflexiva em corao,
cabea e estmago

Carla da Penha Bernardo

O Romantismo portugus apresenta uma complexidade advinda de seu carter tardio, o que lhe possibilita
uma viso crtica surgida a partir da gerao de Almeida Garrett. A obra de Camilo Castelo Branco, por seu
turno, embora pertencendo cronologicamente ao Realismo, inclui textos ora mais, ora menos canonicamente romnticos e, como consequncia, mais ou menos
vinculados a uma viso crtica. Tal viso se apresenta,
muitas vezes, sob a forma da ironia reflexiva acerca do
fazer literrio, como em Corao, cabea e estmago,
de 1862.
O que chama a ateno ao longo da leitura de
CCB , talvez, seu carter metamrfico trata-se da
biografia romanceada de Silvestre da Silva, lanada a
pblico por um editor ficcional. A se apresenta o percurso do protagonista, partindo de trs distintas fases
de sua vida a do corao, a da cabea e a do estmago , na ltima das quais vem a falecer.
Abrindo o romance, tem-se um prembulo do
editor ficcional e amigo de Silvestre da Silva, em um dilogo com Faustino Xavier de Novais. Retirando qualquer
possvel carter trgico do percurso de vida do amigo,
bem como a expectativa quanto ao final do personagem, o editor lana a pblico, de forma prenunciadora,
a morte deste. Esta morte ou transformao de S. da
Silva parece ser tratada com certo carter filosfico:
O meu amigo Faustino Xavier de Novais conheceu perfeitamente aqule nosso amigo Silvestre
da Silva...
Ora, se conheci!... Como est le?
Est bem: est enterrado h seis mses.
46

Morreu?!
No morreu, meu caro Novais. Um filsofo no
deve aceitar no seu vocabulrio a palavra morte,
seno convencionalmente. No h morte. O que
h metamorfose, transformao, mudana de
feitio /..../ (Prembulo, p. 1).

Cedo, contudo, comea a aflorar propriamente


o humor que mina a seriedade da morte e do tom filosfico, o que feito, sobretudo, com a enumerao
de elementos heterclitos. Na seleo vocabular que
faz, o editor concretiza as imagens e expresses em
um momento em que o espervel seria to-somente a
linguagem figurada, o que feito em pontos diversos
do livro, cada vez de forma mais corprea, banalizando
o filosfico ou, mais precisamente, como diria o protagonista, fazendo-o estmago: O nosso Silvestre da
Silva, a esta hora, anda repartido em partculas. Aqui,
faz parte da garganta dum rouxinol; alm, ptala
duma tulipa; acol, est consubstanciado num lho de
alface /..../. (Id., p. 2).
As fases de S. da Silva, portanto, no so indissociadas. Mesmo na fase espiritualizada, no Corao, pode-se perceber uma corporeidade na linguagem do protagonista, mais prpria de seu estgio
final, o Estmago, e que o prenuncia, por meio da
referida enumerao de elementos heterclitos, provocando o tom humorstico do texto, como aqui: Picado pelo cime, abriu o ourives seu peito rf, e
ofereceu-lhe a mo, e uma pulseira de brilhantes nela
/..../ . (pp. 9-10) ou aqui, onde o narrador desvia
a ateno do sujeito aviltado em sua honra para o
elemento material e para o ridculo do personagem:
[Leontina] Tomou-lhe raiva [a seu galanteador],
fz-lhe arremessos, e induziu a criada a atirar-lhe uma
casca de melo, que lhe sujou um colete de veludinho
amarelo e verde com listas encarnadas e pintas roxas.
Que colete! (id.).
A concluso moral do editor, em nota, , mais
uma vez, prenunciadora, ao falar de um algibebe que
fora desprezado e ridicularizado no passado, tambm
devido a sua simplicidade: /..../ Que mudana de cara
e de maneiras le fizera! O dinheiro faz estas mudanas. (p. 12). Ou seja, o aspecto material fundamental para a mudana de tica do mundo. Ao acentuar a

influncia do meio e das circunstncias sobre o indivduo, tem-se uma concluso que vai de encontro s
tradicionais frmulas da literatura moralizadora (inclusive da romntica), com uma viso objetificada que s
possvel ao S. da Silva que escreve suas memrias s
portas da morte.
O corao assinalado como fonte de enganos,
de iluso de tica. A questo da ficcionalidade prenunciada na epgrafe, que aponta para o limiar entre
o verdico a memria, as coisas passadas e o
ficcional o texto editado e melhorado as coisas
cridas. Repare-se na ambiguidade presente tanto nos
fatos passados mas no cridos quanto nos cridos mas
no passados, o que aponta para a inter-relao (e no
para o maniquesmo) de uma literatura mais factual e
de uma mais idealizada.
De tal modo o editor ficcional se porta como
editor real, a fim de dar veracidade ao texto, que suas
intervenes deixam de se restringir s partes inicial e
final do livro. No corpo do texto, h notas de pgina
quase inteira, esclarecendo passagens obscuras das
memrias de S. da Silva, e, mais do que isso, interferindo diretamente no processo de memria e o transformando em fico. O protagonista se torna tanto mais
risvel e mesmo ridculo quanto maior a distncia de
perspectiva do Silvestre passado em face do futuro ou,
ainda, quanto mais as consideraes digam respeito
ao indivduo no envolvido nos acontecimentos: o editor, sobretudo nessas notas.
A parte inicial do livro fala de desenganos amorosos com sete mulheres. A primeira, Leontina, apresentada como a rf, que vivia da caridade de um
ourives, amigo do seu defunto pai, possui caractersticas romnticas. No entanto, o protagonista-narrador
acresce de forma pouco romntica: Leontina no
tinha caligrafia nem ideias /..../. Assim como nesta
passagem, o narrador far ao longo de todo o Corao: apresentar quadros srios, filosficos e/ou romnticos, para subvert-los ou, ao menos, minor-los
com adjetivaes ou selees vocabulares e imagsticas inusitadas no contexto romntico e, mais ainda,
para caracterizar os personagens antes pela negativa
do que pela assertiva.
O narrador/ protagonista de Corao, cabea e
estmago, nesta primeira parte da obra, lanado nos
moldes das obras romnticas, atuando, todavia, contra

o modelo, de forma consciente, ao ridicularizar-se a si


mesmo diante do amor e de tais romances. Isso, como
se disse, porque a tica no mais a do que vive os fatos, mas a do que os memora. o afastamento temporal que lhe permite criticar um estilo desmedido que foi
o seu. Desse modo, ao se apontar o carter humorstico
e mesmo ridculo de S. da Silva, figura vinculada ao
paraso perdido (ele to ou mais puro do que os selvagens de Rousseau, sobretudo se levamos em conta,
em seu nome, a reduplicao de seu carter silvestre),
faz-se uma reviso dos prottipos romnticos.
O puro S. da Silva no encontrar jamais um
ambiente solidrio (nem o natural, nem o social) e ser
trapaceado por todas as mulheres que ama na fase
do corao e ridicularizado pelo mundo. Est-se, assim,
criticando o carter desmedido de um Romantismo
descabelado. No toa que o corao ganha novas e
maiores dimenses atribudas pelo editor.
Carlos Reis, ao apontar a reflexo crtica presente na segunda parte de CCE acerca do romance e
de seus efeitos sobre a leitora, conclui que tal crtica
mais propriamente ao romance francs enquanto
produto cultural importado, artificialmente transposto (quer dizer: traduzido, imitado, adaptado, plagiado)
para o espao cultural portugus e proposto como leitura de desfastio que mulher burguesa e ociosa serve,
afinal, de motivo de degenerescncia. (pp. 105-106).
Em sua fase inicial, Silvestre da Silva exatamente o prottipo dessa literatura muitas vezes transposta de forma pouco crtica, mas vale lembrar que a
poesia do estmago igualmente passvel de ridculo
pelo editor. Desconfie-se, por isso, do tom peremptrio
da crtica feita nesta passagem: Foi o romance que
degenerou as raas /..../ Mal haja uma literatura que
transtorna fundamentalmente a digesto e o sono, stes dois poderosos esteios da sade, da graa da formosura, e de tudo que poesia e gzo neste mundo!
(p. 89).
No esqueamos que esse S. da Silva da Cabea est a criticar exatamente aquilo que fora no
Corao, onde sequer olheiras roxas deixaram de
ser pintadas fingidamente. Tamanho o vnculo que
a pode ser feito com os romances franceses, que o
prprio editor ficcional, antecipando-se relao que
certamente o leitor far, v-se impelido a declarar, em
um Entre-parntesis ao leitor:
47

H de muita gente pensar que Silvestre da Silva,


nesta parte de suas memrias, anda apegado s
muletas literrias dos regeneradores das mulheres
degeneradas. Argio injusta! A Margarida Gauthier muito mais nova que a Marcolina; e reparem, alm disso, que o processo da reabilitao
moral desta mulher muito diverso do da outra,
se que h aqui processo de reabilitao. /..../
Como quer que seja, aqui no h damas de camlias, nem Armandos. Silvestre no quer que o
romanceiem nem o dramatizem /..../. (pp. 75-76).

Desconfie-se tambm do trecho acima sobretudo porque, como vimos, ele indica uma contradio do
editor quanto interferncia no texto do amigo.
Neste ponto, uma questo fundamental deve
ser assinalada: o caminho seguido por S. da Silva o
oposto do apresentado nos romances franceses e, a se
tem um aspecto humorstico, advindo do carter parodstico de CCE aos romances romnticos, uma vez
que nestes:
Se alguma vez o romancista nos d, no primeiro captulo, uma menina bem fornida de carnes,
e rosada e espanejada como as belas dos campos, contar que, no terceiro captulo, a a temos
prostrada numa otomana, com olheiras a revelar
o cavado do rosto, com a cintura a desarticular-se
dos seus engonos, com as mos translcidas de
magreza, os braos em osso nu e os olhos apagados nas rbitas, orvalhadas de lgrimas. (p. 89).

Contrariamente, o S. da Silva que gastava horas


para produzir uma aparncia fatalista e degenerada
acaba por formar com o peito e o abdme um arco
(p. 159). Mas, ao final, a caquexia o afasta, de alguma
forma, malgrado seu desejo, do Silvestre materialista.
Seu mal , ao fim, tanto do corpo quanto do esprito (p.
168), incluindo o Corao, a Cabea e o Estmago, havendo, assim, um impasse para o corpo e para a
literatura.
Note-se, ademais, o aspecto naturalista desta
pgina que, alis, ao que nos parece, representa a viso cientfica oitocentista sem que haja ironia. Ao se
apontar a vida como um fenmeno cclico interdependente, mostra-se que a doena de S. da Silva no advi48

ria propriamente do Estmago, mas do Corao,


da influncia perniciosa do romance, fato que j a
Cabea indica naquela mesma passagem acerca da
literatura francesa, a qual, alis, antecipa com exatido
o fim do protagonista. L-se, em certa altura:
Estas mulheres desassisadas, que se imolam aos
caprichos duma literatura, por no terem coisa sria em que empreguem a imensa energia do seu
esprito, quando tornam em si, e se correm da sua
inpcia, tarde vem o arrependimento, que, nos
melhores anos, deram cabos das melhores fras.
Obrigadas a viverem nos limites da razo, casam-se, e curam de reconstruir o edifcio desconjuntado da sade, comendo e bebendo e dormindo
regularmente; mas as molas digestivas j tm ento perdido as suas fras; os glbulos cruricos
do sangue no se retingem jamais; as pulsaes
batem frouxas; o ar filtra ao pulmo por canais
obstrudos; e no h contrapor segunda natureza, formada por molestos artifcios, cuidados
medicinais, que vinguem a antiga compleio deteriorada. Que frutos quereis que desentranhem
estas rvores mimosas fenecidas ao ardor do sol,
que lhes cai a prumo em plena vida. (p. 90).

O aspecto naturalista recorrente na obra de


Camilo, ora de forma irnica e subjetiva, ora de forma
objetiva. Diferentemente da objetividade que cremos
haver no trecho acima, depara-se com um humor satrico nessa mesma Cabea, advindo da juno entre
um vocabulrio tpico da cincia e outro dos romances
sentimentais:
Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em
certos casos, uma depravao do nervo tico. A
imagem objetiva que fere o rgo visual no estado patolgico, adquire atributos fictcios. A alma
recebe a impresso quimrica tal como o sensrio
lha transmite, e com ela se identifica a ponto de
revesti-la de qualidade e excelncias que a mais
esmerada natureza denega s suas criaturas diletas. Os certos casos em que acima se modifica a
generalidade da definio, vm a ser aqules em
que o bom senso no pode atinar com o porqu
dalgumas simpatias esquisitas, extravagantes, e
estpidas, que nos enchem de espanto, quando
nos no fazem estourar de inveja.

O Silvestre da Silva representante de um Romantismo cheio de frmulas faz-se plenamente real


em um dos momentos mximos de seu idealismo romntico: constipa-se e se recolhe com uma catarral
(p. 13) aps a oferta de um poema intitulado... Ela!.
O real comea a se impor, mostrando-se at mesmo ao
mais cego crente no amor idealizado: o protagonista.
Por vezes, no entanto, o prprio Silvestre do Corao
observa o desgaste da retrica romntica, como nestas
suas palavras a um amigo: /..../ Eu acho ridcula a tua
posio, se, s primeiras palavras da francesa, tens de
lhe dizer, numa lngua que ela no entende, que no
percebes a lngua, que ela te fala. Vocs afinal acabam
por se rirem francamente um do outro, e com o ridculo
matam o amor (p. 24). Mais adiante, Silvestre chega
mesmo a dar uma espcie de receita romntica3 ao
amigo, a qual recupera situaes conhecidas na literatura romntica:
/..../ Procura um encontro nas trevas, de modo
que a tua inteligncia de lnguas fique tambm
em trevas, dando-lhe tu em compensao as mais
significativas provas da tua sensibilidade, sem
alardo de esprito. s frases, responde suspirando.
O je vous aime vir sempre a propsito. Aprende a
conjugar bem o verbo aimer.
sse j eu sei.
J? Eu amo?
J aime.

terior de sua obra. Assim, uma vez mais ludibriado pelo


corao, confessa S. da Silva ao leitor, causando comicidade (sem que, no entanto, deixemos de ver tambm um
certo carter trgico no personagem): Riram todos, e
eu pus a mo no lado esquerdo, a rebater o corao que
partia as costelas, e rasgava as membranas /..../(p. 29)4.
Se o S. da Silva passado representante daquele ultrarromantismo, o Silvestre que memora os
acontecimentos se finca no Realismo, apegando-se
ao factual e ridicularizando a prpria morbidez. Com
efeito, a desordem fsica e anmica de S. da Silva acaba
por servir tambm como um receiturio da literatura
ultrarromntica:
Nestas minhas confisses hei de ser modesto, e
verdadeiro, como Santo Agostinho e J. J. Rousseau
/..../.
Na minha qualidade de ctico, entendi que a desordem dos cabelos devia ser a imagem da minha
alma. Comecei, pois, por dar cabea um ar fatal
/..../ Um mdico da minha ntima amizade receitou-me uma essncia roxa com a qual eu devia
pintar o que vulgarmente se diz olheiras. /..../
O artstico amor com que eu fazia isto, deu em
resultado uma tal perfeio no colorido, que at
o prprio mdico chegou a persuadir-se, de longe,
que o pisado dos meus olhos era natural, e eu
mesmo tambm me parece que cheguei persuaso do mdico.
Fiz, pois, de mim uma cara entre o sentimental de
Antony e o trgico de Fausto. (p. 32).

Eu amarei?
J aimerai.
Bem. Je t aimerai pour la vie, pour toujours,
ternellement. Entendes?
Perfeitamente.
O mais que pudesses dizer seria um pleonasmo.
(pp. 24-25).

Mesmo nesta complexa fase do Corao, no


deixa de estar presente algum trao realista-naturalista
de Camilo, que ser mais acentuado em um estgio pos-

Assim como o real interfere no mundo criado


por Silvestre da Silva, o oposto tambm ocorre, como
no exemplo acima, ratificando a epgrafe do Corao: a interseco entre o real e a fico.
Minando um dos pontos altos do idealismo romntico, S. da Silva traa um quadro em que a natureza
no se mostra de forma alguma como solidria. Buscando o refgio no aspecto natural, S. da Silva, um gauche por instinto, mostra-se to inadaptado quanto em
suas relaes sociais de conquista amorosa. Note-se,
no trecho abaixo, que nem sequer o elemento providencial deixa de ser lembrado. Alm disso, atente-se
para a evocao significativa da obra garrettiana, em
49

que tambm se anseia pelo encontro com uma das razes histrico-culturais de Portugal Santarm:
ste insulto [os versos de escrnio que recebera
por outro engano do corao] foi providencial.
/..../ Sa de Lisboa, no mais agreste do inverno, e
fui para Santarm, onde vi o Santo milagre, largamente contado no livro das viagens do adorvel
poeta da Joaninha do Vale. /..../ Eu queria chorar
szinho em algum recanto daquelas frondosas
encostas, e dessedentar-me da sde de amor, dando o corao s maravilhas da terra e do cu. /..../
Neste pressuposto, fui dar o primeiro lance de
olhos amoroso natureza. /..../ Apenas asomei ao
alto, fiquei comovido das blandcias da natureza,
que fez favor de me tirar o chape da cabea, e
mo enviou para alm-Tejo nas asas dum furaco.
Retrocedi vexado da grosseria, e sentei-me a recomendar natureza de Santarm e ao diabo os
filsofos encomiastas do campo. Rompeu-se uma
nuvem, e eu abri o guarda-chuva contra a btega
do vento; uma refrega contrria apanhou-me por
dentro em cheio, e converteu-mo em roca. /..../.
(pp. 52-53).

A funo principal do texto, como aponta o editor no prembulo e principalmente em suas palavras
finais, dar um exemplo aos leitores no pelo que
deve ser feito, mas pelo que deve ser evitado, visto
que o protagonista no se classifica como um heri.
Sua marca , portanto, a negativa. Assim, o exemplo
indica que no se deve imitar S. da Silva. Por isso a
evocao do moralista Duclos se torna passvel de um
sorriso discreto, sobretudo porque a constante desarmonia do protagonista com o meio, nas diversas fases
de sua vida, acaba por torn-lo um personagem tambm tocado por aspectos trgicos:
Silvestre acompanhou-me aos banhos de Pvoa, e
j vinha com todos os sintomas de caquexia, resultante da imobilidade, e cansao das molas digestivas. Retirou-se para a provncia, logo que os
primeiros banhos, e as primeiras perdas ao jgo lhe
molestaram o corpo e o esprito. De l me escreveu,
contando os progressos da doena, e prognosticando o seu prximo fim. Nesta carta prometia
o meu amigo legar-me os seus papis, com plena
autorizao de divulg-los, se eu visse que podiam
50

ser de proveito para a iniciao da mocidade. maneira de Duclos, dizia le: J ai vcu, je voudrais
tre utile ceux qui ont vivre. (p. 168).

A este respeito, vale ressaltar a causa mortis de S.


da Silva a caquexia , a qual, no verbete do Dicionrio
da lngua portuguesa, de Aurlio B. H. Ferreira, definida do seguinte modo: Estado de desnutrio profunda,
produzido por diversas causas; enfraquecimento geral.
O tom humorstico advm do fato de que o
cansao das molas digestivas e a consequente caquexia se manifestam na fase do Estmago. Isso indica que esta fase de Silvestre no o pice de sua trajetria, ou seja, no houve, de fato, progresso em sua
vida, apenas metamorfoses. Seu exemplo , portanto, muito questionvel, mas podemos compreend-lo
melhor, levando em conta a constante preocupao
camiliana com a funo moralizadora da fico ou,
como aponta Anbal Pinto de Castro, tambm com sua
funo desmoralizadora ou, ainda, ao menos, com uma
moralidade que segue um caminho diverso do que seria espervel ao contexto romntico.
Em CCE, poder-se-ia crer na existncia de certa virtude associada aos momentos de inocncia e
idealismo (corao), por um lado, e de racionalidade
(cabea), por outro, principalmente por constiturem
estes a maior parte da obra (72 e 43 pginas, respectivamente). Desse modo, o estmago, definido como
o caminho da felicidade (p. 157), a vitria da brutalidade (p. 159), deveria ser simplesmente preterido e
compreendido como uma crtica a uma determinada
conjuntura literria, como s vezes parece ocorrer: Falei em assuntos literrios com o meu antigo colega na
imprensa. O homem ria-se de mim, e dizia:/ Ainda
ests nisso, pobre zote!? Esquece-te, brutaliza-te, faze-te estmago, se queres viver imagem do Deus, que
faz os homens neste tempo! (p. 159).
Assim, se exemplo h, o de no sermos como
S. da Silva em nenhuma fase, ou seja, de no sermos
demasiadamente corao, nem cabea, nem estmago. Parece, assim, no haver soluo para o impasse.
Tambm dessa negao final do exemplo de vida do
protagonista, em lugar da afirmao, advm o humor
do texto e um certo aspecto tragicmico.
O erro de S. da Silva deve-se a seu carter desmedido, uma vez que ele busca a linearidade de sua

aes nos trs momentos de vida e, por jamais a alcanar, passa de uma outra, at chegar sntese a
morte, nico espao em que deixa de haver excesso de
sua parte.
A exemplaridade, assim, est no no que foi escrito o S. da Silva em suas trs fases , mas no que
foi insinuado seu carter desmesurado a ser evitado.
Desse modo, o exemplo que ele deixa ceux qui ont
vivre , ironicamente, o escrito beira de um vazio o
de sua morte. Por isso as derradeiras palavras do editor
so lcidas e impiedosas ao mesmo tempo, como a
ratificarem que para o redundante e desmedido S. da
Silva apenas a sntese a soluo. No encontrada literariamente em uma quarta fase, ela o com seu silncio. Prefira-se, pois, esse silenciamento, a ter de produzir uma literatura silvestre, seja ela do Corao,
da Cabea ou do Estmago eis a uma moralidade depreensvel da posio do editor. Ou ainda:
retire-se desse mesmo silncio metamrfico a pgina
que S. da Silva no capaz de escrever matria para
uma literatura libertria formal e tematicamente, sim,
mas tambm e sobretudo mais criticamente comedida
e consciente de seu papel social, inclusive moralizador.
A est, parece-nos, a moralidade que se pode inferir
a partir de Corao, cabea e estmago.
Escrevendo e desdizendo o que est escrito,
Camilo, com Corao, cabea e estmago, fornece, de
algum modo, um grande receiturio de como fazer literatura na poca do Romantismo.
O que se combate no romance e, portanto,
pode servir de exemplaridade principalmente o Ro-

mantismo exacerbado, o que feito sobretudo na primeira parte do livro. Por outro lado, no se pode deixar
de notar um combate que tambm feito ao exagero
naturalista no por outra razo que o ttulo to
pertinente. Faz-se, no livro, um exame detalhado dos
males atravs da viso microscpica do corao, da
cabea e do estmago sociais e literrios. Todos se
mostram igualmente maus quando desmedidos, seja o
rgo vinculado ao Romantismo (o corao), seja o da
fase intermdia, ou aquele ligado ao Realismo/Naturalismo (o estmago, mas tambm a cabea).
Cada rgo tem seus males. Assim, a digesto
ou a sntese das snteses advm do confronto entre a
exacerbao do processo de vida de Silvestre da Silva
e do vazio de sua morte a obra heterclita que fala
do Romantismo, com processos dele especficos, mas
sem deixar de critic-los, quando exagerados e que, ao
mesmo tempo, fala do Realismo e critica seus exageros.
O excesso que culmina com o vazio representante do
desgaste literrio, seja ele romntico, seja ele realista.
Corao, cabea e estmago , assim, uma conjuno de obra literria e de ensaio crtico que analisa,
sobretudo, a artificialidade da literatura transposta,
independente da escola a que pertena, por meio de
uma verve irnica. Eis a, portanto, ao que nos parece,
mais um exemplo de romance heterodoxo do Romantismo camiliano e do portugus.
(Texto originalmente publicado com Bibliografia e disponvel
para o pblico geral em http://www.geocities.ws/ail_br/aironiareflexivaemcoracao.htm - Bernardo, C.P- Data de pesquisa
03/02/2016)

51

Aprofunde seus conhecimentos


1. uma caracterstica da obra de Camilo Castelo Branco:
a) a influncia rica em sua poesia de smbolos,
imagens alegricas e construes.
b) a oscilao entre o lirismo e o sarcasmo, deixando pginas de autntica dramaticidade,
vibrando com personagens que comumente
intervm no enredo, tecendo comentrios
piedosos, indignados ou sarcsticos.
c) a busca de uma forma adequada para conter
o sentimentalismo do passado e das formas
romnticas.
d) o fato de deixar ao mundo um alerta sobre o
mal-estar trazido pela civilizao moderna e
industrializada.
e) o apego ao conto como principal realizao
literria, atravs do qual se tornou um dos
autores mais respeitados na literatura portuguesa.
2. Visto que o protagonista de Corao, cabea e Estmago, de Camilo Castelo Branco
no pode ser classificado com um heri e
sua marca se estabelece pela negativa, como
pode-se classificar a sua funo no texto.
a) Mostrar que os rgos do corpo servem par
refletir estados nicos da alma em confronto
com a realidade.
b) As negativas, bem ao estilo machadiano,
ampliam o sentido de crtica comportamental ao clero do sculo XIX.
c) A funo principal do texto, como aponta
o editor no prembulo e principalmente em
suas palavras finais, dar um exemplo aos
leitores no pelo que deve ser feito, mas
pelo que deve ser evitado
d) Classifica-se com a ntida funo de desmoralizar as instituies monrquicas ainda em
voga no nterim do desenvolvimento do romance autobiogrfico.
3. Aponte a alternativa correta:
a) Ea de Queirs um dos maiores prosadores
romnticos de Portugal.
b) Cames, alm de poeta pico, notvel
como prosador.
c) toda a poesia de Bocage se enquadra no Arcadismo.
d) Vieira representa o melhor da poesia barroca.
e) Camilo Castelo Branco lembrado sobretudo
pelo romance passional e satrico.
4. Leia o trecho a seguir e faa o que se pede:
Apenas asomei ao alto, fiquei comovido
das blandcias da natureza, que fez favor
de me tirar o chape da cabea, e mo enviou para alm-Tejo nas asas dum furaco.
Retrocedi vexado da grosseria, e sentei-me
52

a recomendar natureza de Santarm e ao


diabo os filsofos encomiastas do campo.
Rompeu-se uma nuvem, e eu abri o guardachuva contra a btega do vento; uma refrega
contrria apanhou-me por dentro em cheio, e
converteu-mo em roca. /..../.
pp. 52-53 Corao, cabea e estmago
Camilo Castelo Branco.

Assim como o real interfere no mundo criado por Silvestre da Silva, o oposto tambm
ocorre e h uma interseo entre o real e a
fico. Um dos pontos altos do idealismo romntico a natureza, determine como S. da
Silva traa um quadro deste espao de seu
pas.
a) S. da Silva mostra-se to inadaptado quanto
em suas relaes sociais de conquista amorosa e a natureza de seu pas um espao de
confortante refgio.
b) O protagonista faz propositalmente um caminho inverso da tradio, ou seja, no descreve as razes histrico-culturais de Portugal Santarm:
c) Nega a natureza como um espao de refgio,
pois nega a idealizao do espao em sua
trajetria.
d) A fico colocada como um pressuposto em
sua relao com as partes do corpo que estabelecem em contradio ao fluxo normal da
natureza.
5. Determine qual foi a causa mortis de S. da
Silva, personagem central de Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco.
a) Ataque cardaco
b) Caquexia
c) Infeco alimentar
d) Assassinato
e) Escorbuto
6. Na primeira parte do livro Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco, o
personagem principal se apaixona por sete
mulheres. Determine qual das alternativas
apresenta um nome que no corresponde a
uma desta mulheres.
a) Leontina
b) Catarina
c) Clotilde
d) Sofie
e) Tupinoyoyo
7. A obra Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco, dividida em trs partes, cada qual com sua especfica simbologia.
Determine a alternativa que segue corretamente tais pressupostos simblicos.

a) Amores, razo e paixo.


b) Razo, esperana e fome.
c) Paz, raciocnio e desiluso.
d) Amores, estado de natureza e f.
e) Amores, intelecto e estado animalesco
8. Como o prprio nome diz, a obra Corao,
Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco dividida em trs partes referente a cada
parte do corpo. Sobre a primeira parte, o
corao pode se afirmar que:
a) A parte inicial do livro fala de desenganos
amorosos com sete mulheres.
b) O incio do livro apresenta um quadro em
que a natureza no se lhe mostra solidria.
c) O trecho matria para uma literatura libertria e por isso informal e tematicamente
crtica, comedida e consciente de seu papel
social.
d) O primeiro momento refere-se a digesto ou
a sntese das snteses que vem do confronto
entre a exacerbao do processo de vida de
Silvestre da Silva.

9. Em nota conclusiva, o narrador (autor) da


obra Corao, Cabea e Estmago de Camilo
Castelo Branco justifica os manuscritos deixados pelo personagem Silvestre Silva como:
a) Um presente aos seus sucessores como recompensa ao amores recebidos.
b) Um ensinamento aos jovens e pagamento de
dvidas.
c) Uma crtica ao ex-sogro pelos infortnios da
vida.
d) Um testamento de sua vida cheia de surpresas e um legado ao povo portugus.
e) NDA.
10. Determine o nome da personagem brasileira
que aparece entre os amores de Silvestre na
primeira parte do romance Corao, Cabea
e Estmago de Camilo Castelo Branco.
a) Iracema
b) Clotilde
c) Tupinoyoyo
d) D. Martinha
e) Rita Baiana

Gabarito
1.
B
2.
C
3.
E
4.
A
5.
B
6.
D
7.
E
8.
A
9.
B
10. C
53

Til
Jos de Alencar

Jos de Alencar

Jos Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana


(CE). Formou-se em Direito em Recife.
Em 1856, teve incio a polmica a respeito de

A Confederao dos Tamoios, de Gonalves de Magalhes no Dirio do Rio de Janeiro. Jos de Alencar criticou a obra utilizando um pseudnimo. O fruto disso foi
o desentendimento com D. Pedro II, amigo particular
de Gonalves de Magalhes. No mesmo ano, Alencar
publicou seu primeiro romance, Cinco minutos. Em
1857, escreveu O Guarani como resposta polmica.

Obras
Romances
Cinco minutos (1856),
O guarani (1857),
A viuvinha (1869),
Lucola (1862), Diva (1865),
Iracema (1865), O gacho (1870),
A pata da gazela (1870),
O tronco do ip (1871),
Guerra dos mascates (1871-1873),
Sonho douro (1872),
Til (1872),
Alfarrbios (1873),
Ubirajara (1874),
Senhora (1875),
O Sertanejo (1875),
Encarnao (1893).

Contexto da publicao

Til um romance regionalista em que o narrador utiliza descries pormenorizadas da regio e de cenrios em torno do rio Piracicaba. O olhar atento para a
valorizao da natureza local um dos pontos altos
da literatura regionalista romntica. Um dos objetivos
deste contexto era mostrar o Brasil e sua grandiosidade aos brasileiros. E neste caso, no era apenas o Brasil
do selvagem nos romances indianistas, mas um Brasil
rural, exaltao de um cenrio exuberante do interior
e da figura do caipira. O sertanejo uma metamorfose
do mito do bom selvagem.
Os romances de Jos de Alencar retratam um
Brasil e personagens idealizados, pelo menos como ele
gostaria que moralmente fossem em sua fantasia romntica e moralismo.

A obra
O romance Til foi publicado em um folhetim no jornal
A Repblica do Rio de Janeiro, entre 21 de novembro
de 1871 e 20 de maro de 1872, num total de 62 folhetins. Em 1872, foi editado em livro.
A ambientao da histria se d nas fazendas
do interior do estado de So Paulo, especificamente
entre Campinas e Piracicaba. Jos de Alencar tinha a
intenso de criar um painel do esplendor da natureza
brasileira em todo o seu esplendor com descries pormenorizadas do espao. Alm disso, esto presentes
na obra os costumes sertanejos. Uma das maneiras de
valorizar a cultura caipira foi descrever uma srie de
costumes desta regio, descrevendo cantigas e as festas populares que ainda se realizam em vrias cidades
no interior.
55

Tempo
Sculo XIX. Durante a narrativa do sculo XIX, so
mencionadas duas datas especficas:
1826, quando descreve a beleza de Besita;
1846, quando Lus Galvo recebe do pai a fazenda das Palmas.
O tempo predominantemente psicolgico em que o
narrador manipula o tempo conforme as necessidades
circunstanciais. Portanto, ele vai ao passado ou ao futuro sem necessariamente seguir s ordens do tempo
cronolgico.
Alencar cria uma trama misteriosa marcada por
uma histria de amor que no se realiza no desfecho
do romance. A ao e o dinamismo fazem parte deste tipo de romance, e em Til ela se d pela ao
criminosa do personagem Jo Fera e pelo mistrio do
nascimento de Berta.
A comear pelo ttulo, que o leitor s vai entender no decorrer da leitura, mas que reflete a idealizao de Berta em suas aes de bondade. Til o apelido utilizado pela protagonista Berta, que tambm
chamada de Inh. A jovem personagem utiliza esse
apelido para ensinar o alfabeto a Brs, uma vez que
seus problemas mentais impedem que ele aprenda a
ler. O narrador o caracteriza como idiota vrias vezes
durante a narrativa.

Anlise estrutural da obra


e seus personagens
A obra possui 62 captulos que so divididos em duas
partes. A primeira apresenta os personagens e na segunda metade do romance temos as tramas e suas
revelaes. uma narrativa linear, porm em alguns
momentos quebrada por flash-back.

Foco narratico
Narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente
neutro que leva ao leitor a tomar conhecimento dos
dramas ntimos de algumas personagens e da influncia de seus sentimentos nas aes. Sua posio
distanciada, porm ele se deixa encantar pela figura
gentil da personagem principal, Berta.
56

Espao
Interior de So Paulo. (Campinas e Piracicaba). A obra
um retrato do Brasil rural.

Personagens
As personagens apresentam apenas certa densidade
psicolgica.
Berta (Inh, Til): protagonista do romance. Uma
jovem muito bonita e bondosa. Filha bastarda do fazendeiro Luis Galvo com Besita. Aps a morte de sua
me, passa a viver com nh Tudinha e seu filho Miguel.
Jo Fera (Joo): Inicialmente, visto como o antagonista. Marcado por inmeros crimes de morte, excessivamente forte e corajoso. Sua ndole resultante de
frustraes vividas no passado: o desprezo amoroso e
o assassinato da amada. Construo psicolgica bem
definida.
Miguel: Filho de nh Tudinha. apaixonado por sua
irm de criao. Miguel busca estudar para melhorar
de vida e se casar com Linda.
Besita: Moa pobre, porm das mais belas da regio.
Filha de Guedes e me de Berta, foi casada com Ribeiro. Teve a filha fora do casamento como resultado
de um estupro cometido por Lus Galvo. Foi o grande
amor de Jo Fera. Foi assassinada por Ribeiro.
Lus Galvo: Rico fazendeiro, dono da fazenda Palmas, pai de Afonso e Linda, casado com D. Ermelinda.
Viveu muitas aventuras amorosas desde a jovem e foi
sempre protegido por seu capanga Jo Fera.
D. Ermelinda: Mulher rica de Campinas, casou-se
com Lus Galvo. Preconceituosa, no aceita o relacio-

namento da filha com Miguel porque ele rapaz pobre.


Afonso: Filho de Lus Galvo e D. Ermelinda. Possui
o esprito conquistador, como de seu pai, e acaba por
se apaixonar por Berta, claro, sem saber que ela sua
irm de sangue.
Linda: Filha de Lus Galvo e D. Ermelinda foi educada aos moldes da corte, mas era amiga dos jovens
de camada social inferior. Manteve um romance com
Miguel.
Nh Tudinha: Me de Miguel, uma mulher que no
consegue ficar parada. Bondosa e caridosa, passou a
cuidar de Berta quando a me da menina foi morta.
Zana: Escrava que serviu a Besita e enlouqueceu com
a morte de sua senhora.
Barroso (Ribeiro): Marido de Besita, Barroso na
verdade o prprio Ribeiro, ele parte para longe e fica
anos afastado logo aps a noite de npcias e voltou
depois de muito tempo. Seu plano era matar Lus Galvo e Berta. Termina sendo morto por Jo Fera.
Gonalo Pinta: Indivduo que tem marcas de ona na
face, metido a valento e inveja as proezas atribudas
a Jo Fera.
Brs: Filho de uma irm de Lus Galvo, um rapaz
com graves problemas mentais, mas com uma ndole
de maldade que parece ultrapassar sua capacidade.

Problemtica e temas
da obra analisada
Til um tpico romance romntico e mostra uma viso
patriarcal e senhorial presentes no Brasil escravista e
patriarcal. Os preconceitos de classe e as relaes de
poder so enfocadas na obra.
Inclusive o preconceito racial na prpria linguagem do narrador, que critica o comportamento festivo
dos negros em suas danas. Ele descreve os costumes
da poca, apesar de ser contra abolir a escravido.
A redeno final de de Jo Fera uma espcie
de hino moralista do autor, como se as pessoas pudessem se regenerar e d a cada homem a esperana de
limpar seus erros. Jo Fera se torna um novo homem
perdoado de seus crimes, inclusive do desejo sexual
que sentia por Berta, que ela nunca soube. Ele recebe
como prmio o papel de pai, ainda que no fosse essa
sua pretenso. Ele substitui a arma pela enxada.

Enredo da obra
A histria do romance gira em torno do misterioso nascimento de Berta, uma jovem muito bondosa e bonita que
foi criada junto com Miguel por nh Tudinha, me do rapaz. Miguel sente cimes de Afonso (filho do fazendeiro
Lus Galvo), pois tem atrao por Berta, a quem chama
de Inh. Berta tenta aproximar Miguel de Linda, irm de
Afonso, e que tem sentimentos pelo rapaz.
Berta encontra-se com Jo Fera em muitos momentos, ele assim chamado por ser um perigoso assassino comparado a um animal feroz. Jo sente-se atrado
por Berta, mas teme a moa, por quem tem verdadeira
adorao e a quem protege em vrias situaes. Jo Fera
foi contratado por um certo Barroso para matar Lus Galvo, mas impedido por Berta. Jo promete moa no
cumprir o crime e no matar o fazendeiro, mas tem que
devolver o dinheiro pago pelo servio.
Barroso na verdade Ribeiro, antigo marido de
Besita, uma bela jovem de quem se enamoraram Lus
Galvo e Jo Fera, amigos desde a infncia. Besita sabe
que Lus no vai se casar com ela porque era pobre e
aceita o pedido de casamento de Ribeiro. Jo Fera abandona os servios para Lus Galvo quando descobre que
o rapaz s tinha intenes de aproveitar-se de Besita.
Depois do casamento, Ribeiro parte atrs de um
comerciante para salvar a herana deixada por um tio
e no volta por dois anos. Besita estuprada por Lus
Galvo e dessa noite de violncia nasce Berta. Quando
Ribeiro volta para casa, v sua mulher com uma filha
e mata Besita. Ele pretendendo fazer o mesmo com a
menina impedido por Jo Fera que ficara na propriedade cuidando de Besita e em companhia tambm de
Zana. Jo no mata Ribeiro porque Besita, antes de
morrer, pede que proteja a filha. Ribeiro foge para Portugal. Zana enlouquece com a morte de Besita e fica
na propriedade, que se transforma em tapera.
Jo Fera torna-se um criminoso procurado depois da morte de Besita. Fica atormentado por no
cumprir sua vingana contra Ribeiro e deseja matar
Lus Galvo. Besita pediu para ele no matar Lus Galvo. Ele cumpre a promessa de proteger Berta, para
quem trazia presentes e dava dinheiro a nh Tudinha
para comprar o que ela precisasse.
Ribeiro retornou para Santa Brbara como Barroso, apelido que usava em Portugal, e contrata Jo
57

Fera para matar Lus Galvo. Os dois no se reconhecem e Jo Fera no consegue cumprir o que foi encomendado, mas consegue devolver o dinheiro para
Barroso. Jo descobre o novo plano criminoso: colocar
fogo no canavial, matar Lus Galvo e casar-se com D.
Ermelinda, ganhando assim uma famlia. Jo Fera impede a morte de Lus Galvo, matando Gonalo Pinta,
Monjolo e Faustino, que faziam parte do plano criminoso e Barroso consegue fugir.
Jo Fera entrega-se a Aguiar, de quem obteve
o dinheiro para pagar Barroso, mas acaba saindo da
propriedade do outro no mesmo dia e voltando para
a cidade. Chega a tempo de salvar Berta de Barroso,
que ia matar a menina e cumprir sua vingana. Jo
reconhece Ribeiro e o destroa diante dos olhos espantados de Berta, que despreza o assassino.
Lus Galvo confessa seu crime do passado
sua mulher. D. Ermelinda quer que ele assuma a histria perante Berta, mas a menina recusa, dizendo que
seu pai Jo Fera para quem a me confiou-a. Berta
pede que Miguel tome seu lugar na famlia. Miguel
mandado para estudar com Afonso e dois anos depois
se casar com Linda. Miguel se despede e Berta fica ao
lado de nh Tudinha e Jo Fera.

Nos quadrinhos

Resumo do enredo
I Capanga
Miguel e Inh andavam perto do rio Piracicaba por volta
das sete horas da manh. Inh no gostou dele olhar
para ela. Ao perceber, Miguel disfarou e fingiu mirar
com a espingarda um cardeal no alto de uma palmeira.
Inh ficou apavorada quando viu Jo Fera aparecer na
orla do mato. Quando viu a menina, o sujeito mal encarado desviou,. Miguel se assustou e depois, como travessura, fingiu armar a espingarda e apontar para o outro.
Jo Fera mandou que atirasse, porque j estava cansado
daquela vida. Miguel perguntou se estava com saudade
da forca. Rapidamente o criminoso estava rosto a rosto
com o rapaz, que ficou pronto para morrer.
Neste captulo, destacada a idealizao dos protagonistas Berta e Miguel. No incio do romance temos o
descritivismo marcando cenrio e personagens.

II Na tronqueira
Inh impediu a vontade de Jo e colocou-se diante
dele e mandou o capanga ir embora. Jo abaixou cabea e devagar se afastou. Duas ou trs vezes, antes
de encobrir-se na alta capoeira, voltou cabea; mas
encontrava os olhos cintilantes de menina; e, apesar
do grande esforo, vergava ante a inflexvel repulsa.
Miguel prometeu a Jo que um dia ainda iriam
se encontrar. Inh ficou curiosa para saber o que o outro lhe havia feito. Miguel contou sobre a ndole de Jo,
por ser um criminoso deveria estar tocaiando algum.
Em seguida ambos chegam numa fazenda. Miguel no queria seguir pelo mesmo percurso dela. Inh
quis saber para onde ele ia.
Jo Fera era conhecido criminoso e temido por
todos e neste captulo cria um contraponto com o jovem casal de amigos.

III Ela

A adaptao para quadrinhos de Til de Jos de Alencar foi feita por Jos
A. Rossin e publicada em julho de 1955.

58

Miguel havia dado vinte passos, Inh correu atrs dele


e mandou que a escutasse. Miguel falou que ia caar.
Inh disse que iriam fazenda e mandou que fizesse
aquilo depois. Miguel se recusou.
Inh confessou que gostava de Afonso tanto
quanto de Miguel, que ficou com cime. Inh, alegan-

do que Linda ficava triste quando no ia v-la, convenceu-o a ir com ela.

IV Monjolo
No ano de 1846 era de recente fundao a fazenda das Palmas, que Lus Galvo, seu proprietrio,
recebera de herana paterna, ainda nas condies
de simples situao, com um velho casebre de caipira, dois cafezais e alguma pouca roa.

Um cavaleiro disfarado imitou o canto do


curiau. Perto do canavial apareceu um rapaz negro que
vinha dar um recado. Era Monjolo que trazia um recado de Faustino de que tudo se tinha acontecido como
prometeu. Porm, o cavaleiro no gostou de ter recebido recado atravs um negro. Monjolo ganhou uma
moeda de prata.
Jo Fera havia ajeitado uma cilada num lugar
chamado Ave-Maria, onde muitos haviam se rendido.

V A tocaia
Jo Fera contemplou o vulto de Inh do seu esconderijo.
Quando viu a menina, suas feies transformaram-se.
Ele ficou transtornado de paixo.
Miguel e Inh no perceberam a presena do
criminoso; conversavam, pois estavam distrados. Inh
estava sentada na tronqueira, quando viu Jo Fera
atravessar a campina.
Assim que o capanga chegou Ave-Maria, ficou encostado ao tronco de uma rvore. Inh saberia
que teria sido ele, apenas no dia seguinte quando recebesse a notcia do crime.
Apesar de Jo Fera sofrer pelos crimes cometidos, sua agonia moral duraria pouco. Pois logo deu
vez ao facnora destemido e ameaador. No demorou muito e ele ouviu o tropel de um cavalo que vinha
naquela direo. Era o cavaleiro disfarado. Jo Fera
esboou um sorriso de desprezo ao avistar o cavaleiro. Apresentou-se diante dele, na rampa. Olhava um e
outro lado com olhos curiosos e rpidos. De chofre
empinou-se o cavalo, arremessando o homem sobre a
escarpa da barranca, donde rolou ao trilho, como um
corpo inerte.
A protagonista Berta (Inh) foi colocada, por
Jos de Alencar, como objeto de atrao no apenas

de personagens morais elevados, mas tambm de um


criminoso. Essa opo do narrador tem como objetivo
um confronto bvio entre o bem e o mal e propor o
risco que corre a protagonista.

VI O empenho
O capanga olhou enojado para o cavaleiro. No tronco
do jequitib, no qual Jo cravara uma cobra urutu pela
cabea, a faca arremessada com fora ainda vibrava. A
serpente negra que assustou o cavalo logo foi morta
pela faca de Jo. O desconhecido levantou-se, sacudindo a roupa e apalpando o corpo. Jo Fera perguntou
como era o nome do desconhecido que afirmou que
no era preciso, quando contratou o capanga.
- Ningum me logra, disse Jo com um sorriso
mostrando a faca. Tenho este fiador. O ponto
outro; s avano com quem conheo.
- Pois no seja essa a dvida. Com os diabos;
chamo-me Barroso!

O capanga estava fora do prazo no servio combinado. Deu de ombros com ar de descaso. Depois de cumprido o servio, os dois ficaram de encontrar-se na venda
do Chico Tingu. Assim que Barroso partiu, Jo Fera ouviu
barulho de animais passando pela ponte de madeira.

VII O marmanjo
Enquanto ajeitava as selas nos animais que aguardavam no terreiro da fazenda, S Mandu reclamou que
os pajens da fazenda ficavam velhos e no aprendiam.
Um mulato de libr cor de pinho, segurava os animais
pelas rdeas. Uma das mucamas, Rosa, conversava e
ouvia as gozaes do mulato e de s Mandu. Foi pega
em flagrante por Faustino e por isso voltou para a sala
de jantar. L estavam os donos da casa, D. Ermelinda
e Lus Galvo, o filho Afonso e a filha Linda, e um menino de quinze anos, Brs, filho de uma irm do dono
da fazenda.
Era feio, e no s isso, porm mal amanhado e
descomposto em seus gestos. Tinha um ar pasmo
que embotava-lhe a fisionomia; e da pupila baa
coava-se um olhar morno, a divagar pelo espao
com expresso indiferente e parva.
59

VIII Pressentimento
Lus Galvo, que se preparava para ir a Campinas,
zombava das cismas da mulher por causa de suas viagens, alegando que no poderia haver perigo em um
passeio que fazia constantemente, e at mais longe e
com maior demora. L, a demorar-se trs dias a fim de
concluir alguns negcios, que talvez o levassem a So
Paulo. D. Ermelinda ficou cheia de premonies, pois
Pereira contou ter visto dois vultos no mato. Lus Galvo assegurou que nada aconteceu daquela vez. Ento,
a senhora contou sobre um homem que foi visto pelos
pretos atravessando a fazenda. O marido alegou se tratar de Jo Bugre ou Jo, como ele o chamava quando
criana. Jo foi criado na casa deles e era afilhado do
seu pai, chegando a servir a Lus de camarada. Depois
transformou-se em um degenerado, mas no esqueceria
de tudo que havia recebidos de sua famlia. D. Ermelinda
disse que aquele tipo de gente sentia-se humilhada pela
caridade e revoltava-se. Lus Galvo tentou acalmar a
mulher quanto aos medos dela, no se convencendo a
ficar, como D. Ermelinda e a filha queriam. O propsito do narrador claro: criar mistrio quanto aos fatos
anunciados no captulo A tocaia.

IX A amostra
Apesar de ter tido esperana do adiamento da viagem,
D. Ermelinda empalideceu quando Lus Galvo resolveu partir. Ele afirmou que com aquela aflio no iria,
ou seja fez com que a deciso ficasse nas mos da
mulher e a filha. Apesar de D. Ermelinda no disfarar
seus medos, ela acabou mandando que fosse para entender ao desejo percebido no olhar da filha quanto
ao presente que o pai traria. Lus Galvo partiu junto
com seu camarada Mandu. Na frente ia o pajem com o
intuito de abrir as porteiras. O fato de Luis estar acompanhado apenas de um camarada, deixou D. Ermelinda
mais preocupada. Afonso indagou se queria sua companhia e a me negou mandando os filhos passearem
para no os preocupar tambm frente sua inquietao.
Ela subiu ao mirante e avistou os viajantes voltando
apressados.
Surpresa com o incidente, D. Ermelinda deu graas
a Deus daquela volta inesperada, que lhe restitua o
marido, a quem por coisa alguma deixaria mais partir.
Lus Galvo esqueceu a lista de encomendas e quando
60

foi ao gabinete escondeu no bolso um papel que tirou


da secretaria. Na verdade, este era o real motivo de seu
retorno. Esta postura do narrador cria o suspense para
despertar a curiosidade do leitor.
Lus Galvo tinha um segredo em sua vida, talvez
uma falta; e o ocultava de todos, mas especialmente da mulher. Ver-se humilhado perante aqueles a quem se ama, e cuja estima se alcanou, no
pode haver maior suplcio para o homem de brios.

X Os gmeos
Por serem gmeos, Linda e Afonso eram muito parecidos.

XI No tanquinho
Linda chamava Berta pelo nome. Ela e Afonso encontram-se com Miguel e Inh (Berta). Miguel disse estar chateado com o amigo. Inh disse que Miguel no
queria vir para ir caar.
- Acham graa em uma coisa toa.
Sbito no mato soou um grito bavio, e logo aps
a voz estranha, ao mesmo tempo saturada de dor
e impregnada de sarcasmo, lanou em uma gama
estridente este clamor incompreensvel:
-Til!... Til!... Til!... Oh! Til...

XII Idlios
Eram frequentes os encontros dos dois lindos pares de passeadores no Tanquinho.
Vinham semanas em que se repetiam todas as
manhs, a menos que as chuvas no permitissem,
ou que Berta e Miguel fossem casa das Palmas,
o que sucedia regularmente aos domingos e dias
de festa.

Apenas D. Ermelinda e o marido no sabiam do


sentimento que ligava os quatro. Afonso no escondia
seus sentimentos por Berta. Linda era tmida quanto
a seu amor por Miguel, cuja condio social inferior

parecia impedir um estreitamento desses laos. Miguel


no sentia o mesmo por Linda, mas por Berta, que se
dividia entre Afonso e ele.
Momento de grande lirismo, pois Berta divide
seu carinho entre os dois rapazes, claro, sem nenhum
contato fsico. A pureza de seus sentimentos a marca
da idealizao amorosa e no de amor fsico tpicos do
Romantismo.

XIII Susto
Na primeira surpresa do grito inesperado, tiveram
os companheiros de passeio um ligeiro sobressalto; mas rpido se desvaneceu.
Tornaram, pois, conversa, indiferentes ao que
passava da distante; apenas Berta, separando-se do grupo, subiu a correr a assomada da colina, curiosa que estava de saber donde partira
o clamor.

Linda sugeriu a Miguel que seguisse para So


Paulo com Afonso juntos para estudarem, porm Miguel no tinha dinheiro. Como soluo, a menina sugeriu que pedisse emprestado ao pai dela, o que era
impossvel, pois ele no teria como pagar. Miguel aceitava sua condio como um fato natural e com certa
filosofia prtica, rara em mancebos.
Afonso quis fazer uma brincadeira e pregar uma
pea em Berta, por isso se afastou do grupo, porm foi
atrado para a figueira. Miguel perguntou a Linda qual
o paradeiro dela. Quando mencionaram a presena do
bugre (Jo Fera), Berta ficou perturbada e Linda percebeu. Afonso ordenou que parasse de faniquitos, seno
chamaria o bugre.
Ao longe avistaram a figura de Lus Galvo passando pela ponte.
Mais uma vez ouviram o chamado: Til! Til! Til. E
Afonso no encontrava Berta, que se distanciou do do
grupo. Linda diz que ela se escondeu de Afonso.

XIV A vespa
Linda falou dos pressentimentos de D. Ermelinda, Berta
se assusta e toma um choque. Jo Fera retorna de seus
passeios e ela percebeu que ele estava diferente, com
um ar soturno e ameaador.

Percebeu que ele estava de tocaia e foi na


direo de Ave-Maria. Assustada com o barulho das
folhagens e ramos despedaados, caiu e se prendeu.
Escondeu-se esperando que um vulto pardo passasse
por onde estava. No conseguiu chegar a tempo aps
se soltar e impediu Jo Fera de dar o bote.
Colhendo o lombo como o tigre para distender o
salto, Jo Fera arrancou. A nuca, porm, lhe vergara contra os ombros, ao impulso de mo invisvel que lhe travara os cabelos. Ao mesmo tempo
soava-lhe ao ouvido uma palavra soturna, mas
carregada de clera e desprezo:
- Malvado!...
O capanga voltou-se rpido e feroz como o tigre
picado pela vespa. Estava em face de Berta.

XV O relicrio
Berta assustou-se com Jo Fera, mas manteve-se firme
at que ele foi mudando da ferocidade para a tranquilidade, depois de ver a menina. Ela indagou se ele
estava ali para matar algum e ele confessou que sim.
O dilogo continua com Berta perguntando o mal que
aquela pessoa havia feito para ele que respondeu ter
sido pago para tal.
Depois de um longo sermo ela demonstra sua
indignao com a frieza do criminoso.
- Tu s um monstro! Disse Berta afinal com uma
exploso de horror. Quando te pintavam como
um assassino, autor dos maiores crimes e capaz
de cometer toda a espcie de atrocidade, eu no
queria crer; porque duvidava que um homem pudesse transformar-se em um tigre carniceiro; e
tambm porque tantas vezes te vi to sossegado
e cuidados comigo, e eu no podia imaginar que
se pudesse ter esse rosto bom e tranquilo, tendo-se dentro do corao uma caninana.

Jo Fera sentiu-se diminudo com aquelas palavras dela e confessou ter aprendido com as feras e que
no se tornava escravo de homem que nasceu rico,
por causa das sobras que lhe atirava, como atiraria
a qualquer outro, ou a seu negro. No foi por mim que
ele fez isso; mas para mostrar ou por vergonha de en61

xotar de sua casa a um pobre diabo. A terra nos d de


comer a todos e ningum se morre por ela.
Um dos motivos pelo qual Jo Fera queria poupar Galvo era por causa de Berta. A menina no queria que cumprisse a palavra. Jo no tinha os quarenta
mil ris do pagamento. Berta mandou que roubasse, j
que no tinha qualquer escrpulo e era prefervel do
que assassinar algum.
Comovida com a submisso do bugre, a garota
lhe d seu cordo de ouro com o amuleto e a cruz. (Era
o relicrio da me de Berta). Depois disso, Jo fugiu
apavorado.
Foi o tempo em que pela rampa do barranco
despenhava-se um corpo humano, que veio cair
estrebuchando aos ps da menina, com a gorja a
estertorar e os dentes a ranger.
Berta o reconheceu.
Era Brs, o idiota.

constante a criao de heris e heronas idealizados com comportamento corajoso. Percebe-ce uma
postura decidida de Berta.

XVI A sura
Berta, sempre preocupada com tudo e todos, a tpica
figura idealizada romntica agora vai cuidar com amor
de uma galinha que possua os ps comidos pelos ratos e andava com dificuldades.
Impulso mais forte era o que movia o corao de
Berta para aquele msero ente, como para todo o
infortnio que encontrava em seu caminho.

Berta, percebendo que Miguel a seguia tentou


despist-lo.

XVII Zana
Neste captulo o processo de idealizao da personagem Berta continua a partir de suas aes de bondade.
Berta parou no caminho para cuidar de um burro,
que quase havia sido morto pela foice de um caipira.
Levou meia dzia de espigas de milho e farinha.
O animal comeu e depois Berta seguiu at o casebre
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de Zana, uma preta velha, coberta apenas de uma tanga de andrajos. Berta trouxe comida. Jos de Alencar
d uma ateno ao registro da cultura popular de influncia africana com a cantiga:
Recostando-se ento aba da prateleira, a menina com os olhos fitos na preta comeou em um
tom brando e suavssimo a repetir este acalanto:
Cala a boca, anda, nhazinha,
Ai-hu, l-l!
Seno olha, canhambola,
Ai-hu, l-l!
Vem c mesmo, Pai Zumbi,
Toma, papanha Beb!

XVIII A viso
Zana, que costumava falar sozinha como se
houvesse algum de seu passado. Ela fazia mmicas
que se repetiam em suas visitas. Berta observa e desconfia de um mistrio.

XIX O desconhecido
Berta no descobriu o segredo Zana, mesmo visitando-a
desde os quinze anos. No entendia os motivos pelos
quais ela vivia abandonada numa casa em runas.
Nh Tudinha, me de Miguel, recolheu e criou-a
com o maior desvelo.
No dia em que estamos no acabou Zana a pantomima de sua viso diria.
Quando se aproximava p ante p da janela da
alcova, em atitude de quem espreita, os olhos da
negra esbarraram com os de um homem. Era o
Barroso que assomara de dentro do mato, pouco
antes, e dirigiu-se passo a passo para as runas.

Barroso ficou olhando para Zana at que se


afastou:
- Eu hei de saber! Ah! Se fosse!...

Berta avistou Zana no cho, cada no terreiro.


Naquele momento, Brs atacou Zana no pescoo e
Berta conseguiu det-lo. Ele no conseguiu encar-la
e fugiu para esconder-se. Berta reanimou Zana e parou
diante de Brs, que comeou a sofrer uma convulso.
Vencida pela compaixo dessa agonia, Berta correu a ele; e sentada sobre a relva, o tomou ao
colo para amim-lo como o faria a uma criana,
acalentando-a com meiguices e carinhos.

XX A pousada
Gonalo chegou taberna do Chico Tingu que ficava
na estrada de Campinas, meia lgua antes de Santa
Brbara. L, perguntou sobre Bugre no momento que
chegou um grupo de caipiras armados de dois ces de
caa e espingardas.

XXI O bacorinho
O Filipe liderava o grupo de caipiras que se arranjaram
na pousada. Gonalo puxou papo e s Filipe respondeu dizendo que eles estavam procurando uma ona,
suuarana. Todos riram e ele acabou contando que na
verdade estavam atrs de Jo Fera.

XXII O trato
Certa vez Jo Fera j havia matado um cabo que levava
Gonalo preso ajudando a escapar. Gonalo que tinha
pintas no rosto e por isso era apelidado de Gonalo
Suuarana ou Gonalo Pinta. Ao contrrio de Jo, tinha
o costume de atacar os inimigos por trs.
Eles partiram no momento que Barroso chegou
venda.

XXIII Nh Tudinha
Nh Tudinha procurava o que fazer o tempo todo, era
uma mulher inquieta e no gostava de ficar sossegada.
Famosa doceira, estava preocupada com os afazeres
da festa de So Joo.

XXV O idiota
Com uma varinha e riscos no cho, Berta ensinava as letras do alfabeto a Brs que era filho de uma irm de Lus
Galvo. D. Ermelinda aceitou receber em sua casa com
a condio de evitar o contato dele com Afonso e Linda.

Lus Galvo levou Brs para aprender a ler com


o Domingo, de Santa Brbara, mas no deu certo:
Nunca, em sua vida, dizia ele, tinha encontrado um
jumento de casco to rijo.
A nica coisa que Brs conseguiu aprender foi
o acento til.
O comportamento de Brs frente ao acento era
motivo de risos e culminava em violncia do professor.
O ttulo da obra faz referncia atitude do personagem
ao ouvir o acento e afetivamente atribu-lo Berta.

XXVI O abec
Numa dessas fugas, Berta consolou-o e levou-o consigo at a casa para deitar-lhe panos de aguardente
nas mos e distra-lo da exasperao em que o via.
Por isso, Berta decide ensinar-lhe todas as manhs a lio para livrar o rapaz da violncia de Domingo. Vendo a atrao do rapaz pelo acento til foi dizer que
ela prpria era o til. E claro, aos poucos, por meio do
aspecto afetivo foi ensinando o alfabeto para o rapaz.

XXVIII A bolsa
Jo Fera foi at a tapera onde vivia Zana, pois queria
encontrar Berta e sabia que ela andava sempre por l.
Percebeu a chegada de Lus Galvo e sentiu que
poderia cumprir seu trato, mas no esquecia o olhar de
Berta e o gesto de seu desprezo. Jo Fera encaminhou-se venda do Tingu depois de Luis Galvo passar
livremente.
Barroso aguardava por Jo Fera, que ao expressar seu arrependimento foi chamado de tratante. Eles
se atracam e rolam no cho. Jo no matou o outro e
deixou que partisse por causa da dvida e prometeu
que cumpriria sua palavra at o So Joo.
Jo Fera encontrou uma bolsa cheia de moedas
e entregou ao Chico para devolver ao Barroso. Quando
ele soube da devoluo de Jo, deixou uma moeda ao
vendedor, mas ele recusou e mandou que Chico guardasse, porque no queria nada daquele peste.

XXIX Desencargo
Apesar de ter ao seu alcance quantia maior do
que precisava, Jo no pensou em atacar o mascate,
mas em pedir emprestado.
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Desistiu do intento de atacar o mascate e preferiu pedir emprestado. Ele retirou-se e nos trs dias
seguintes, procurou meios de arranjar dinheiro. Tentou
no jogo e perdeu. Quanto ao trabalho, ele sempre foi
avesso e considerava inaceitvel. Porm diante da necessidade, ofereceu a um casal de velhinhos que lhe
pagassem cinquenta mil ris para abrir um roado a
eles. Mas, ao se lembrar da enxada, virou as costas aos
velhinhos e foi embora.
Bugre riu-se com o aviso de Chico Tingu que
tramavam contra ele. Dava sua palavra que ia procurar
um fazendeiro que contratou os caipiras .
Jo fera se dirigiu para a casa de Nh Tudinha
depois da partida do Chico. Quando viu Jo a observando, Berta foi ao seu encontro. Ele disse para ela
que no precisava mais se preocupar. Em seguida pediu para beijar o bentinho de Berta e afastou-se. Berta pensou que estivesse embriagado, mas logo sentiu
compaixo e amor como sentimento transformador.

XXX Trama
Era vspera de So Joo.
Na fazenda das Palmas, desde muito cedo que se
faziam os aprestos para a festa daquela noite de
folguedos. J o ptio estava enramado de coqueiros; e no centro erguia-se uma pilha de lenha para
a fogueira fatdica.

D. Ermelinda recebia os hspedes e Nh Tudinha cuidava da cozinha. Linda reclamou que Miguel
no gostava dela, mas de Berta. Surge o barulho de um
apito, o mesmo que Berta ouviu no dia da emboscada.
Lus Galvo chegaria de Campinas naquela manh.
Berta se preocupou, pois o fazendeiro que contratou
Jo Fera poderia ter procurado outro matador para fazer o servio. Berta convidou Linda para ir ao mirante,
ela percebeu um vulto atrs dos pessegueiros e desaparecendo em meio ao canavial. Era o pajem Faustino,
que fora se encontrar com Barroso e Monjolo.
O que eles tramavam era colocar fogo no canavial e trancar a gente da casa. Faustino ficaria com
Rosa e Monjolo ganharia carta de alforria. Lus Galvo
seria morto quando tentasse apagar o incndio. O pajem voltou casa, Monjolo roa e Barroso juntou-se
a Gonalo, que o esperava com dois animais.
64

Brs ouviu toda a trama escondido.


Adivinhara a inteno dos cmplices, como o animal carniceiro conhece o desgnio do caador e
a acompanha para aproveitar dos despojos das
vtimas.

XXXI Pai Quic


Lus Galvo havia chegado e Brs levou um susto ao
ouvir a voz de Berta.
Berta e Linda foram chamar D. Ermelinda. Os
empregados foram cumprimentar o patro e entre eles
um invlido que chamavam de pai Quic. Ele era um
dos favoritos de Berta. O velho sempre trazia para a
menina as histrias que ouvia nas vendas. Pai Quic
ficou de mostrar o esconderijo para Berta e disse que
iam prender Jo Fera

Segunda parte
I O burguezinho
Em 1826, a mais bonita moa que havia nas vizinhanas de Santa Brbara, era Besita.

Guedes era pai de Besita e moravam perto da


casa de Nh Tudinha. Os filhos dos fazendeiros passavam em frente de sua casa duas algumas vezes por dia.
Entre os quais estava Lus Galvo, que parava quase
todos os dias.
Jo era camarada de Lus Galvo nessa poca e
era apelidado de Bugre por causa de sua pele bronzeada. Ele foi criado na antiga fazenda de Afonso Galvo,
nos Piles.
Seu nome de batismo Joo, afilhado de Afonso Galvo. Era valente e forte, mas sempre com um
ar sombrio. Desde pequeno, em vrios momentos ele
defendeu ou salvou a vida de Lus Galvo. Isso era algo
to corriqueiro que Luis se acostumou e mal agradecia
tais posicionamentos de defesa.
Lus Galvo gostava de bulir com as raparigas
e pregar peas aos caipiras. Da o resultavam constantes desavenas, em que Jo, para defender o moo, tinha necessidade de desancar os assaltantes, pagando

em muitas ocasies com a pele as aventuras galantes


do jovem patro.
Certa vez ele assassinou um arrieiro que se irritou com Lus Galvo quando ele lhe ofereceu vinte
pataces pela mula de estimao e que faria dela torresmo do couro. Porm, o poder falou mais alto, tudo
se ajeitou com donativos em dinheiro para os parentes
do sujeito morto.

II O casamento
Jo pensou vrias vezes em raptar Besita e fugir com
ela, era clara sua paixo por ela. Porm, brigou vrias
vezes com Luis, sobretudo quando descobriu e teve
certeza de que ele gostava de Besita.
Se no fosse Lus Galvo, certamente j teria
sido morto por ele.
Besita vendo a situao, preferiu ser fria com
Luis e afetuosa com o Bugre.
De pronto, Lus aceitou somente os encontros
com o velho Guedes, e os encontros com moa na
missa ou em casa de nh Tudinha. Mais tarde, ficou
mais exigente, interpelando a moa durante a noite no
quintal.
Besita no conseguia resistir e no encontrava
ningum para protege-la.
Nessas circunstncias, apareceu em Santa Brbara um moo chamado Ribeiro. Vendo Besita,
apaixonara-se por ela e a pedira em casamento
ao velho Guedes.

Apesar de Guedes afirmar que Lus era melhor,


sua filha jamais aceitou se casar com ele. tarde,
quando Lus Galvo apareceu, Guedes falou da inteno de Ribeiro e solicitou um conselho. Lus duvidoso,
disse que era pessoa desconhecida no lugar. Guedes
disse para sua filha que deveria aceitar Ribeiro, tudo
isso depois de quinze dias.
Jo resolveu ir embora, pegou o que tinha
amarrado em um leno e se foi.
Na sequncia, Besita se casa com o Ribeiro.
No momento da sada da igreja, recebeu uma carta
para salvar a maior parte de herana confiada pelo tio
a um negociante na cidade de Itu. Exatamente no dia
seguinte, Ribeiro partiu. Abandonada, Besita foi morar
na casa da fazendola em Santa Brbara.

III Beb
Aps dois meses que Besita se casara, recolheu-se ao
quarto, depois de rezar e beijar a mo do pai. Ouviu o
anncio de Zana que o sinh voltara. Quando Besita se
preparava para receber o marido, dois braos a seguraram e acariciaram seus lbios. Cena tensa da trama.
Zana a encontrou aos prantos e completamente tensa,
dizendo negra que aquele no era o marido, mas sim
Lus Galvo que fugira.
Suspeitando do ocorrido, Bugre quis assassinar
Lus Galvo, porm s no o fez porque Besita proibiu.
J o marido Ribeiro no pareceu nos meses que se seguiam e nos anos seguintes. No se encontrava em Itu,
ou qualquer outra vila vizinha. A tristeza do abandono
na verdade serviu para encorajar Besita. Ela teve uma
filha e apenas Zana e Jo sabiam. Besita viveu isolada
com a filha, Zana e Bugre que a servia como um escravo humilde e fiel, inclusive levando sua filha para ser
batizada em seus prprios braos.
Besita brincava com a filha, quando viu pela janela meio aberta o rosto de Ribeiro escondido no meio
da folhagem. Assustada ela chamou Zana que pegou a
criana e passou carvo no seu corpo.
Zana corre ao quarto de Besita quando ouviu
um grito.
[...] No meio do quarto, Ribeiro, plido e medonho como um espectro, agarrando a mulher pelo
pescoo, estrangulava-a com as longas tranas de
cabelo.

IV rf
Um grito espantoso retumbou, que estremeceu o
assassino e o lanou espavorido fora do aposento.

Jo s pensava na vingana e Besita tinha medo


que Ribeiro matasse sua filha. Nesse j frio cadver
ainda palpita o corao materno.
Jo foi em busca da menina e teve que tirar a
criana fora do colo de Zana e voltou para junto de
Besita. Ela abraou o capanga e a filha e com dificuldade e beijou a filha. Seus lbios resvalaram o rosto do
bugre, que em seguida desmaiou.
Ribeiro fugiu numa canoa e depois para Portugal. Berta foi cuidada por Nh Tudinha e atrada para
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a casa de Besita em funo do choro de criana. Quando viu Bugre ninar todo desajeitado a menina e tentar
fazer que chupasse a ponta de um pano molhado no
caf para saciar sua fome. Depois que Bugre contou
o que aconteceu, Nh Tudinha passou a considerar a
menina sua filha, j que apesar de Miguel ser muito
mais velho, ela ainda tinha leite para dar de mamar.
A situao levou Zana a enlouquecer. Jo era
a nica testemunha e contou s por cima para nh
Tudinha, que nunca revelou o segredo. A casa onde
Berta nasceu tornou-se a tapera, onde vivia a doida
que nunca deixou de remoer as lembranas da morte
de sua senhora.

V Fera
S o sangue podia acalmar o fogo que o queimava por
dentro, pois Jo nunca esqueceu da fuga do assassino
de Besita. Ele era temido por todos.
Somente dois pensamentos vinham a sua cabea: vingar Besita e proteger sua filha. Sempre vinha at
Santa Brbara para ver Berta. Presenteava nh Tudinha
com algum enfeite e dinheiro. Jo via no rosto da menina que se parecia com a me, a imagem da mulher
que adorara como uma santa.
Berta lhe pertencia. Ela era filha de sua dor.
Afigurava-se sua mente enlevada, que Besita
revivera na filha para pagar a ele Jo os extremos
do puro e humilde afeto.

Jo tem uma construo psicolgica bem trabalhada, o que no comum no romantismo. Ele no via
Berta, mas sim o rosto de Besita.

VI A restituio
Quinze anos depois, Ribeiro voltou para So Paulo e
a trama d a entender que este tempo foi o suficiente
para que ningum o reconhecesse. Ele era chamado de
Barroso em Portugal e aps alguns meses na provncia,
resolveu ir a Santa Brbara para se vingar de Lus Galvo. Foi at o vendedor Chico Tingu e quis contratar
Jo Fera como capanga em sua vingana.
Jo estranhou aquele homem e no o reconheceu, sentia inclusive vontade de brigar com ele e mat-lo. Quase o matou na tocaia na Ave-Maria. Teve at
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uma viso da mesma face de raiva e terror da tarde do


assassinato de Besita.
O assassinato foi marcado para a noite de So
Joo: um incndio no canavial atribudo a algum foguete desgarrado; os escravos trancados por Monjolo;
os pajens por Faustino; Gonalo Pinta derrubaria com
uma cacetada Lus Galvo e o jogaria no fogo. Com
isso, todos achariam que ele seria vtima de incndio e
no daquela trama covarde.
Barroso apagaria o incndio e levaria o corpo
do Galvo casa, oferecendo viva seus servios. Ele
gostaria de estar casado antes de terminado o luto.
Ao voltar das ltimas recomendaes, foi ao encontro Jo Fera. Barroso vacilou na sela. Gonalo Suuarana ficou plido mesmo sem o Bugre ter ameaado,
apenas ficou no meio do caminho para dar o dinheiro
a Barroso, que estava trmulo.

VII Fascinao
Linda interrompeu Berta quando abriu a porta da alcova
atrs do chapu. Berta fugiu para o quarto depois de algumas brincadeiras quando se ouviu um grito. Os irmos
chamaram Berta, porm no receberam resposta. Para
acalmar a irm, Afonso disse que a menina os queria
assustar, porque se angustiava por um terrvel pressentimento. No podia ver Berta pelo buraco da fechadura e
Afonso no distinguiu se Berta havia sentado ou cado.
Percebeu o que ela olhava assustada no espelho: a cabea chata de um animal. Aps um grito de horror se
jogou contra a porta para arromba-la. No conseguiu e
correu para fora para tentar entrar pela janela.

VIII Letargo
O animal era uma cobra e o barulho de Berta
ao bater da porta, fez a cascavel escorregar pelo cho
e enroscar-se para o bote. Berta pegou o chapu na
cama e estava fugindo pela janela quando sentiu um
enjoo ao ouvir o guisado da cobra. Seus lbios estavam
gelados e ela no conseguiu responder s perguntas.
Nessa passagem h uma meno ao mito bblico de
Eva encontrando a serpente.
A estava produzida ao vivo a misteriosa identificao da mulher e da serpente, que deu tema ao
potico mito da tentao.

IX Transe
Brs finalmente conseguiu chegar ao peitoril da janela,
quando viu Berta enlaada pela cascavel, deu um salto
e travou da cabea da cobra e fugiu com ela.
As interrogaes fizeram Berta sumir em busca
de pai Quic, encontrando o negro velho acocorado
numa pedra. No caminho, ouviram um trovo e um o
estalo de ramas despedaadas. Pai Quic fez um olhar
de pavor ao ver que um bando de mais de cem porcos
do mato ferozes trotava em fila.
Pensou em correr em direo s rvores que
estavam longe.
Abandonar o velho decrpito fria dos animais,
no lhe sofria o corao, e contudo uma voz impiedosa, a voz da conservao, lhe exprobrava o
sacrifcio intil de sua existncia. H almas assim,
que Deus apura no crisol da abnegao, e forma
para se derramarem como a luz, o ar, o perfume.

Ele tentou puxar Quic, porm entendeu a impossibilidade do esforo violento. Os caititus j estavam fechando um arco em volta deles e o velho mandou que ela trepasse nas suas costas. Berta percebeu
que Quic tentava atrasar algo que era inevitvel.
Estreitou-se Berta em suas roupas, como a viagem
crist no anfiteatro romano; e pondo os olhos no
cu, esperou o martrio.

X A garrucha
Neste momento o autor cria uma verdadeira batalha
pica, na qual o vilo transforma-se em heri, redimindo-se momentaneamente de seus erros e se responsabilizando por salvar a virgem.
No era comum um bando de porcos do mato
daquelas propores, especialmente em debandada.
Gonalo havia criado um plano para pegar Jo Fera
que seria cercado por Filipe, seus ces e seus homens
na nica sada do esconderijo do capanga. Os ces
farejaram os caititus, que foram acuados e tentaram
defender a matilha atacando os ces e os homens. Um
deles foi despedaado. Assustado pelos tiros, o bando
correu para a floresta.
Jo Fera bradou e saltou por cima dos lombos
dos animais, precipitando-se para onde estava Berta

e Quic. Levantou Berta com o brao esquerdo e com


o direito segurava a faca de maneira ousada sobre os
porcos. Saltou para uma rvore para salvar a menina,
enquanto o negro velho agitando convulsivamente os
braos debateu-se no meio dos queixadas, como um
nufrago no torvelinho das ondas, e estrebuchou.

XI A furna
Bugre se protegia numa caverna formada no meio
da pedra que atravessava a floresta. O lugar permitia
que tivesse boa viso no caso de emboscada. Berta se
soltou dele quando chegaram perto do rochedo. Disse
que queriam prend-lo e que deveria fugir. Ele queria
fugir para longe, mas no podia. Ele tinha mpetos de
se jogar em Berta.
Depois fechou os olhos e avanou.

XII O assalto
Bugre pegou Berta nos braos e foi em direo
caverna. Logo depois que desapareceu, apareceram
os canos de espingarda. As armas, prontas a desfecharem, permaneceram imveis, talvez espera de um
sinal. Escondidos, os inimigos temeram a bala certeira
de Jo. De repente, surge uma voz que manda o bugre
entregar-se para no morrer.
Animado com o silncio, Gonalo saltou do
tronco da rvore, agitou os braos, bateu no cho com
a coronha e gritou que ia cortar suas orelhas, como
havia prometido. Um seixo fez um grande estrondo; ao
cair, Pinta se assustou, pois achou que era o Bugre e
mais uma vez se escondeu atrs da rvore. Muita ao
e aventura, porm esperavam uma investida do inimigo, que nada fez; mesmo em maior nmero sentiram
medo.
Com o objetivo de fazer o bugre deixar o esconderijo eles atiraram na caverna. Aos berros, Gonalo
Pinta ordenou que avanassem, mas o Pinta no deu
mais do que um passo alm da rvore.

XIII Luta
Jo Fera rolou uma pedra bem grande para trancar a
entrada da caverna depois de soltar Berta que vigiava
os movimentos dos assaltantes escondidos no mato.
Jo tinha olhar reflexivo e fixo no cho e no pequeno
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toque no corpinho de Berta gerou nele uma embriaguez remontando a imagem de Besita que mexia com
seu corao e o deixava atordoado.
Comparou o perigo h pouco ocorrido com Berta com o que aconteceu com a me, partiria deste
mundo e o deixaria s, com aquele amor insano.
Pensou em soltar o seixo que escorava o tronco
quando Berta deu um gritinho e correu a esconder-se
junto dele. Quando iam atirar, Bugre perguntou se ela
tinha medo de morrer, e claro ela disse que sim, muito
assustada. Jo ergueu-se de um salto, arrastou o calhau que obstrua uma solapa do rochedo, por onde a
caverna se comunicava com a prxima encosta, e fugiu
horrorizado, levando consigo Berta.

XIV O Beijo
Esquecendo aqueles acontecimentos Berta atravessou
os cafezais brincando e cantando. Ela estava contente
por ter deixado Jo livre. Um agito forte das rvores a
assustou, pois imaginou ser um novo perigo. Ela saiu
correndo e foi acolhida por Afonso que tentou beij-la.
Berta se preparou para o beijo e fechou os olhos, mas
estranhou no sentir o beijo. Ele se envergonhou.
Berta falou que Miguel e Linda precisam se casar e Afonso tentou agora mais uma vez roubar um
beijo dela, mas ela conseguiu enganar Afonso fingindo
que lhe daria um beijo quando ele fechasse os olhos.
Berta beijou o rosto de Afonso vendo que ele ficou
triste. Ela ria-se maliciosamente para disfarar o rubor.
Miguel estava diante deles e eles se afastaram.

XV Confisso
Miguel estava plido, os lbios trmulos no podiam
pronunciar uma palavra. Vieira procura a menina,
pois estavam todos preocupados. Afonso chamou-a
para voltar, mas ela recusou dizendo que ele viera s.
Berta perguntou o que Miguel tinha. Ele estava
enciumado.

XVI So Joo
Uma fogueira grandiosa estava acesa no meio do terreiro em comemorao da festa de So Joo, tradicional festa popular no interior de So Paulo, espao da
narrativa deste romance regionalista alencariano.
68

XVII Cravo branco


H uma aproximao do casal depois da revelao dos
sentimentos por parte do rapaz.

XVIII Revelao
Berta disse palavras meigas a Brs que brincava na
festa. Ela sofria com a proximidade de Miguel e Linda
apesar de ter aproximado os dois.

XIX A lgrima
Por acaso D. Ermelinda ouviu uma conversa do marido
com os amigos, no momento que mencionaram Besita.
Seu corao ficou apertado e mergulhou numa profunda e melanclica reflexo.

XX- O samba
Jos de Alencar faz uma descrio sobre esta dana dos
negros que vai caracterizar o samba e que futuramente
ser abarcado por Alusio Azevedo em O Cortio.

XXI O incndio
D. Ermelinda no conseguiu disfarar a tristeza, o que
surtiu constrangimento nos convidados da festa que
terminou por volta da meia-noite.
Faustino estava pronto para pregar a porta e
o escravo Monjolo, que havia furtado as chaves da
senzala, foi se encontrar com o pajem. Naquele curto
instante correu o pajem srio perigo de que o salvou o
rumor da janela ao abrir-se.
Faustino correu para a senzala e Monjolo soltou o guincho que tranquilizou o fazendeiro. Porm
este era o sinal. Surgiu no canavial a primeira labareda
quando Lus Galvo abriu o trinco da janela.

XXII A traio
Lus Galvo abriu outra vez a janela e se assustou com
a claridade do incndio no terreiro. O mesmo aconteceu com D. Ermelinda. Luis pulou ao terreiro e se colocou a correr para as plantaes, gritando aos feitores e
gente da fazenda.
D. Ermelinda foi para o mirante, quando Afonso
quis saber o paradeiro do pai e desmaiou ao ver, l no
canavial, um homem (Gonalo Suuarana) batendo so-

bre a cabea de Lus Galvo que caiu ao cho como se


estivesse morto. Linda no deixou Afonso ir ao canavial.

XXIII Vampiro
No momento em que Gonalo se preparava para jogar
Lus Galvo, que estava desacordado, no meio das chamas, surge Jo Fera. Suuarana puxou a arma e deu dois
tiros em Jo e no acertou, da puxou o faco e comeou
a cortar o ar. Jo Fera avanava lento desarmado, porm
era Gonalo quem recuava. O pulso de Suuarana afrouxou, quando Jo pulou em seu pescoo no canavial e o
estrangulou. Lus Galvo se levantou a tempo de ver o
fim do embate e entender a existncia a Jo Fera.
Jo Fera foi alertado por Chico Tingu do plano
de Barroso e redobrou a vigilncia.
Monjolo ateara fogo em Faustino e foi morto
pela faca do Bugre. Agora partiu em busca do Barroso,
que devia estar do outro lado do canavial. Barroso reconheceu Jo e fugiu. Quando Jo Fera chegou at ele
foi impedido por Miguel. Como no o deixava passar,
Jo atirou-se sobre Miguel, que foi salvo por um grito
de Berta. Jo saiu pelo campo e desapareceu.

XXIV Na tapera
Ribeiro apareceu no mato e Berta no percebeu, nem
ouviu o riso irnico do assassino. Zana correu para ela
e apertou-a contra o peito. Ribeiro tinha certeza que
a presa estava em suas mos e quis se deliciar com a
vingana. Ele percebeu que Berta era a filha de Besita
e quis se vingar daquilo comeara h vinte anos e que
devia acabar na filha depois da morte do pai.

XXV A entrega
Jo Fera partiu para Campinas e antes de partir quis
despedir-se de Berta. Chico Tingu realiza o plano de
Bugre, depois que pegou o dinheiro com Aguiar entregou para que ele devolvesse ao Barroso.

XXVI O cip
Ainda no cicatrizara em sua alma o golpe que a tinha dilacerado, quando foi ele, Jo, obrigado a rasg-la, ficando junto de Besita, e no perseguindo o assassino. A imagem de Ribeiro no saa da cabea de Jo.
O grito da negra repercutiu na alma do Bugre,
como o eco de um som remoto. Acompanhou a vista

esvairada de Zana e encontrou-se com o espectro, que


tantas vezes lhe aparecera durante a noite. Ribeiro
se aproximou de Berta e quando ele estendia o brao
para tocar a menina, Jo pulou, agarrou o inimigo e o
dilacerou com as mos.

XXVII Despedida
O narrador se vale de sua oniscincia para esclarecer
o drama moral do fazendeiro. Isso tambm leva o leitor a se comover pelo tardio arrependimento do erro
grave do passado.
Lus Galvo entende que a nica forma de resolver a crise era contar tudo mulher. No entanto,
tinha medo que a revelao causasse o abismo da
separao eterna.
Todos colocavam Jo Fera com o responsvel
pelas atrocidades daquela noite, menos Lus Galvo
que lhe devia a vida; mas calava-se a respeito dos sucessos da noite fatal. Depois daquilo, sugeriu mulher uma viagem corte.

XXVIII- O congo
O captulo perpassa sobre os trajes luxuosos que os
fazendeiros atribuam aos seus pajens, como se fossem
reis e rainhas do Congo.

XXIX Confisso
Depois que Afonso viu Berta, foi para junto dela e conversaram, apesar da preocupao de Berta com D. Ermelinda.. Berta queria falar com Linda.
- Teu pai matou a me dela; tu queres matar a
filha; duas vezes!

Foram estas as palavras de um caiap que atravessou a rua na frente deles.


Lus Galvo viu o filho conversando com Berta e lembrou-se de seu tempo, quando se afastava da
famlia para seguir as moas e cumprimentar Besita.
D. Ermelinda percebeu a ternura do olhar do marido e
pensou que infidelidade do passado acrescentaria
Lus Galvo a perfdia no presente?.
Lus Galvo se despediu dos filhos e seguiu com
D. Ermelinda para a tapera.
- Foi aqui!... balbuciou a voz trmula de Lus.
69

XXX A enjeitada
Jo Fera esperava pela chegada de Berta, dois dias depois. Ele esperava, mas estava ressabiado pelo modo
que Berta o receberia por conta das mortes por ele cometidas. Berta correu para Zana depois de atravessar o
terreiro perguntando sobre sua me.
Zana ficou tensa e pasmou depois de pronunciar alguns sons estranhos por conta da loucura.
Durante a noite da festa do congo, Lus Galvo
confessou toda a histria que havia acontecido naquele stio. Revelou que no queria casar com Besita porque ela era pobre, contou tambm de sua inteno de
namoro com a moa; a armadilha para surpreender a
infidelidade de esposa e o abandono em que a deixou.
D. Ermelinda escondeu as lgrimas e foi se
trancar no quarto quando chegaram em casa. Luis no
ficou consolando e passou a noite toda fumando. Ermelinda disse ao marido na manh seguinte:
- Meu amigo, preciso reconhecer a sua filha... a
nossa filha!...

Passado o almoo, D. Ermelinda foi casa de


nh Tudinha e pediu-lhe que preparasse Berta, pois ia
fazer revelao de seu nascimento. Tentou pensar em
uma maneira delicada de contar aquela histria triste.
Besita se casou escondida com Luis, por conta
da oposio do velho Galvo. Morrendo a moa, e casando Lus pela segunda vez, acanhou-se de confessar
a D. Ermelinda que era vivo e tinha uma filha. Por isso
Berta foi criada como uma estranha em casa alheia.
Berta vai at Bugre e pergunta como ele conheceu sua me e quis saber de sua morte. Apesar dele
se negar a contar, ela insistiu e ele aceitou. O Bugre
contou a histria de Besita desde do momento que a

70

conheceu at o quando a tinha perdido para sempre.


Berta surpreendeu-se e percebeu aquele amor e a paixo imensa, dizendo que Jo era seu pai. Apesar de
ele negar, ela diz que era seu pai porque a recebeu do
brao de sua me.
Aos poucos a histria do nascimento de Berta
contada e todas as partes so desvendadas. Ela acredita, mas algo lhe diz que ainda existem mais segredos e
resolve procura Zana e percebe que toda a violncia de
Jo era na verdade para proteg-la.

XXXI Alma sror


O sentimentalismo da cena de despedida de Miguel
tipicamente romntico e mostra a inteno de Alencar
em criar uma personagem principal (Berta) com total
romantismo. Ela caridosa que abre mo da felicidade amorosa e para cuidar das pessoas desafortunadas
como Zana, Brs e Jo Fera.
Berta estava na casa de nh Tudinha costurando uma camisa para Jo. Junto a ela estavam Zana e
Brs, que como sempre admirava Til. Jo estava mexendo na terra afim de plantar feijo. Miguel chegou
porta e foi at a menina.
Depois da confisso, Berta no quis reconhecer
Lus Galvo como pai, pois achava que seu pai era Jo
Fera. Berta dizia que sua me a esperava no cu. Abriu
espao para o Miguel ficar com a Linda. Ele foi estudar
em So Paulo e dois anos depois se casaria com Linda.
Miguel prometeu a Lus Galvo que iria convencer Berta a seguir com toda famlia para So Paulo, porm Berta disse que ficaria para consolar nh Tudinha.
Miguel disse que seu sonho era viver naquela casa com
a me e Berta e a despedida comoveu todos, at Brs
e Jo Fera.

Aprofunde seus conhecimentos


TEXTO PARA A PRXIMA QUESTO
Tornando da malograda espera do tigre, 1alcanou o capanga um casal de velhinhos,
2que seguiam diante dele o mesmo caminho,
e conversavam acerca de seus negcios particulares. Das poucas palavras que apanhara,
percebeu Jo Fera 3que destinavam eles uns
cinquenta mil-ris, tudo quanto possuam,
compra de mantimentos, a fim de fazer um
moquiro*, com que pretendiam abrir uma
boa roa.
- Mas chegar, homem? perguntou a velha.
- H de se espichar bem, mulher!
Uma voz os interrompeu:
- Por este preo dou eu conta da roa!
- Ah! nh Jo!
Conheciam os velhinhos o capanga, a quem
tinham por homem de palavra, e de fazer o
que prometia. Aceitaram sem mais hesitao;
e foram mostrar o lugar que estava destinado
para o roado.
Acompanhou-os Jo Fera; porm, 4mal seus
olhos descobriram entre os utenslios a enxada, a qual ele esquecera um momento no af
de ganhar a soma precisa, que sem mais deu
costas ao par de velhinhos e foi-se deixandoos embasbacados.
ALENCAR, Jos de. Til.
* moquiro = mutiro (mobilizao coletiva
para auxlio mtuo, de carter gratuito).

1. (Fuvest 2015) Considerada no contexto histrico-social figurado no romance Til, a brusca reao de Jo Fera, narrada no final do
excerto, explica-se
a) pela ambio ou ganncia que, no perodo,
caracterizava os homens livres no proprietrios.
b) por sua condio de membro da Guarda Nacional, que lhe interditava o trabalho na lavoura.
c) pela indolncia atribuda ao indgena, da
qual era herdeiro o bugre.
d) pelo estigma que a escravido fazia recair
sobre o trabalho braal.
e) pela ojeriza ao labor agrcola, inerente a sua
condio de homem letrado.
TEXTO PARA A PRXIMA QUESTO
V O samba
direita do terreiro, adumbra-se* na escurido um macio de construes, ao qual s vezes recortam no azul do cu os trmulos vislumbres das labaredas fustigadas pelo vento.

(...)
a o quartel ou quadrado da fazenda, nome
que tem um grande ptio cercado de senzalas, s vezes com alpendrada corrida em volta, e um ou dois portes que o fecham como
praa darmas.
Em torno da fogueira, j esbarrondada pelo
cho, que ela cobriu de brasido e cinzas, danam os pretos o samba com um frenesi que
toca o delrio. No se descreve, nem se imagina esse desesperado saracoteio, no qual
todo o corpo estremece, pula, sacode, gira,
bamboleia, como se quisesse desgrudar-se.
Tudo salta, at os crioulinhos que esperneiam no cangote das mes, ou se enrolam
nas saias das raparigas. Os mais taludos viram cambalhotas e pincham guisa de sapos
em roda do terreiro. Um desses corta jaca
no espinhao do pai, negro fornido, que no
sabendo mais como desconjuntar-se, atirou
consigo ao cho e comeou de rabanar como
um peixe em seco. (...)
Jos de Alencar, Til.
(*) adumbra-se = delineia-se, esboa-se.

2. (Fuvest 2013) Considerada no contexto histrico a que se refere Til, a desenvoltura com
que os escravos, no excerto, se entregam
dana representativa do fato de que
a) a escravido, no Brasil, tal como ocorreu na
Amrica do Norte e no Caribe, foi branda.
b) se permitia a eles, em ocasies especiais e
sob vigilncia, que festejassem a seu modo.
c) teve incio nas fazendas de caf o sincretismo das culturas negra e branca, que viria a
caracterizar a cultura brasileira.
d) o narrador entendia que o samba de terreiro
era, em realidade, um ritual umbandista disfarado.
e) foi a generalizao, entre eles, do alcoolismo,
que tornou antieconmica a explorao da
mo de obra escrava nos cafezais paulistas.
3. (Unesp 2016) Ultrapassando o nvel modesto dos predecessores e demonstrando capacidade narrativa bem mais definida, a obra
romanesca deste autor bastante ambiciosa.
A partir de certa altura, este autor pretendeu abranger com ela, sistematicamente, os
diversos aspectos do pas no tempo e no espao, por meio de narrativas sobre os costumes urbanos, sobre as regies, sobre o ndio.
Para pr em prtica esse projeto, quis forjar
um estilo novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem que, sem perder a correo gramatical, se aproximasse da maneira
71

brasileira de falar. Ao fazer isso, estava tocando o n do problema (caro aos romnticos) da independncia esttica em relao a
Portugal. Com efeito, caberia aos escritores
no apenas focalizar a realidade brasileira,
privilegiando as diferenas patentes na natureza e na populao, mas elaborar a expresso que correspondesse diferenciao
lingustica que nos ia distinguindo cada vez
mais dos portugueses, numa grande aventura dentro da mesma lngua.
Antonio Candido. O romantismo no Brasil, 2002. Adaptado.

O comentrio do crtico Antonio Candido


refere-se ao escritor
a) Raul Pompeia.
b) Manuel Antnio de Almeida.
c) Jos de Alencar.
d) Machado de Assis.
e) Alusio Azevedo.
4. (Unicamp 2013) Leia os seguintes trechos
de Viagens na minha terra e de Memrias
Pstumas de Brs Cubas:
Benvolo e paciente leitor, o que eu tenho
decerto ainda conscincia, um resto de
conscincia: acabemos com estas digresses
e perenais divagaes minhas.
(Almeida Garrett, Viagens na minha terra. So
Paulo: Difuso Europeia do Livro, 1969, p.187.)

Neste despropositado e inclassificvel livro


das minhas Viagens, no que se quebre,
mas enreda-se o fio das histrias e das observaes por tal modo, que, bem o vejo e o
sinto, s com muita pacincia se pode deslindar e seguir em to embaraada meada.
Idem, p. 292.

Mas o livro enfadonho, cheira a sepulcro,


traz certa contrao cadavrica; vcio grave,
e alis ntimo, por que o maior defeito deste
livro s tu, leitor. Tens pressa de envelhecer,
e o livro anda devagar; tu amas a narrao
direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e
este livro e o meu estilo so como os brios,
guinam direita e esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaam o cu, escorregam e caem...
(Machado de Assis, Memrias Pstumas de Brs Cubas, em
Romances, vol I. Rio de Janeiro: Garnier, 1993, p. 140.)

a) No que diz respeito forma de narrar, que


semelhanas entre os dois livros so evidenciadas pelos trechos acima?
b) Que tipo de leitor esta forma de narrar procura frustrar, e de que maneira esse leitor
tratado por ambos os narradores?
5. (Fuvest 2013) Leia com ateno o trecho de
Til, de Jos de Alencar, para responder ao
que se pede.
72

[Berta] Agora creio em tudo no que me


disseram, e no que se pode imaginar de mais
horrvel. Que assassines por paga a quem no
te fez mal, que por vingana pratiques crueldades que espantam, eu concebo; s como a
suuarana, que s vezes mata para estancar
a sede, e outras por desfastio entra na mangueira e estraalha tudo. Mas que te vendas
para assassinar o filho de teu benfeitor, daquele em cuja casa foste criado, o homem de
quem recebeste o sustento; eis o que no se
compreende; porque at as feras lembram-se
do benefcio que se lhes fez, e tm um faro
para conhecerem o amigo que as salvou.
[Jo] Tambm eu tenho, pois aprendi com
elas; respondeu o bugre; e sei me sacrificar
por aqueles que me querem. No me torno,
porm, escravo de um homem, que nasceu
rico, por causa das sobras que me atirava,
como atiraria a qualquer outro, ou a seu negro. No foi por mim que ele fez isso; mas
para se mostrar ou por vergonha de enxotar
de sua casa a um pobre-diabo. A terra nos d
de comer a todos e ningum se morre por ela.
[Berta] Para ti, portanto, no h gratido?
[Jo] No sei o que ; demais, Galvo j
ps-me quites dessa dvida da farinha que
lhe comi. Estamos de contas justas! acrescentou Jo Fera com um suspiro profundo.
a) Nesse trecho, Jo Fera refere-se de modo
acerbo a uma determinada relao social
(aquela que o vinculara, anteriormente, ao
seu benfeitor, conforme diz Berta), revelando o mal-estar que tal relao lhe provoca. Que relao social essa e em que consiste o mal-estar que lhe est associado?
b) A fala de Jo Fera revela que, no contexto
scio-histrico em que estava inserido, sua
posio social o fazia sentir-se ameaado de
ser identificado com um outro tipo social
identificao, essa, que ele considera intolervel. De que identificao se trata e por que
Jo a abomina? Explique sucintamente.
6. (Unicamp 2013) Leia.
(...) Quando o Bugre sai da furna, mau
sinal: vem ao faro do sangue como a ona.
No foi debalde que lhe deram o nome que
tem. E faz garbo disso!
Ento voc cuida que ele anda atrs de algum?
Sou capaz de apostar. uma coisa que toda
a gente sabe. Onde se encontra Jo Fera, ou
houve morte ou no tarda.
Estremeceu Inh com um ligeiro arrepio, e
volvendo em torno a vista inquieta, aproximou-se do companheiro para falar-lhe em
voz submissa:
Mas eu tenho-o encontrado tantas vezes,
aqui perto, quando vou casa de Zana, e no

apareceu nenhuma desgraa.


que anda farejando, ou seno deram-lhe
no rasto e esto-lhe na cola.
Coitado! Se o prendem!
Ora qual. Danar um bocadinho na corda!
Voc no tem pena?
De um malvado, Inh!
Pois eu tenho!
Jos de Alencar, Til, em Obra completa, vol. III.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 825.

O trecho do romance Til transcrito acima evidencia a ambivalncia que caracteriza a personagem Jo Fera ao longo de toda a narrativa.
a) Explicite quais so as duas faces dessa ambivalncia.
b) Exemplifique cada face dessa ambivalncia
com um episdio do romance.
7. Quis Berta, para livrar o pobre rapaz dos bolos e repeles do mestre, ensinar-lhe todas
as manhs a lio; e nesse desgnio preparou-lhe uma carta. Continuaram as cenas da
escola; e repetiram-se as visagens e gaifonas
vista do til; porm desta vez em maior escala, pela liberdade em que estava o parvalho do rapaz. No seu af de imitar o sinal,
que tanto lhe dera no goto, virava cambalhotas e corcoveava pela grama.
Trabalhava a enjeitadinha com toda a meiguice para aplicar s letras o boto engenho
daquele rfo, ainda mais que ela desamparado da fortuna. Vo esforo, em que, no
obstante, porfiava com uma perseverana
incrvel naqueles ternos anos e em to humilde condio.
De seu lado tambm no descorooava o Domingo de meter o abec nos cascos do Brs,
ainda que para isso fosse necessrio abri-los
de meio a meio:
- Burro! gritava ele com uma voz de trompa,
esgrimindo a frula. Ou te racho o quengo
com este bodoque, ou pes em achas o guarant!...
Afinal teve Berta uma inspirao [...]. [destaques nossos]
De acordo com essa passagem, responda ao
que se pede.
a) O que era uma carta com a qual se ensinava a ler?
b) Que sinal era esse e por que Brs gostava
tanto dele a ponto de dar cambalhotas e corcovear pela grama?
8. (UFRR) A obra romanesca de Jos de Alencar introduziu na literatura brasileira quatro
tipos de romances: indianista, histrico, urbano e regional. Desses quatro tipos,os que
tiveram sua vida prolongada , de forma mais
clara e intensa, at o Modernismo, ainda que
modificados, foram:

a) Indianista e histrico;
b) Histrico e urbano;
c) Urbano e regional;
d) Regional e indianista;
e) Indianista e urbano;
9. (UFPR) Qual das informaes sobre Jos de
Alencar correta?
a) Alencar inaugurou a fico brasileira com a
publicao de sua obra Cinco minutos.
b) Alencar foi um romancista que soube conciliar um romantismo exacerbado com certas
reminiscncias do Arcadismo, manifestas,
principalmente, na linguagem clssica.
c) Alencar, apesar de todo o idealismo romntico, conseguiu, nas obras Lucola e Senhora,
captar e denunciar certos aspectos profundos, recalcados, da realidade social e individual, em que podemos detectar um prrealismo ainda inseguro.
d) A obra de Alencar, objetivando atingir a Histria do Brasil e a sntese de suas origens,
volta-se exclusivamente para assuntos indgenas e regionalistas, sem incurses pelo
romance urbano.
e) O indianismo de Jos de Alencar baseou-se
em dados reais e pesquisa antropolgica,
apresentando, por isso, uma imagem do ndio brasileiro sem deformao ou idealismo.
10. (Fuvest) Poderamos sintetizar uma das caractersticas do Romantismo pela seguinte
aproximao de opostos:
a) Aparentemente idealista, foi, na realidade, o
primeiro momento do Naturalismo Literrio.
b) Cultivando o passado, procurou formas de
compreender e explicar o presente.
c) Pregando a liberdade formal, manteve-se
preso aos modelos legados pelos clssicos.
d) Embora marcado por tendncias liberais,
ops-se ao nacionalismo poltico.
e) Voltado para temas nacionalistas, desinteressou-se do elemento extico, incompatvel
com a exaltao da ptria.
11. A que escola literria pertence Til? Cite trs
caractersticas dessa escola presentes na
obra.
12. Explique o motivo da tristeza de Lus Galvo
no trecho abaixo: Abraando a mulher e
beijando-a na face, de novo ps-se o fazendeiro a caminho; e desta vez ia pensativo,
quase triste. Murchara a flor da jovialidade,
que se expandia momentos antes to fresca
em seu nobre semblante, e a alma franca e
generosa sempre a espelhar-se em seu olhar,
dir-se-ia que se acanhava.
13. Caracterize a personagem Berta.
73

14. De acordo com o trecho abaixo, responda:


De seu lado estremecera o rapaz ao dar
com os olhos no homem da camisola, e tal
foi a comoo produzida pelo encontro, que
derramou-lhe no semblante a expresso de
um asco misto de horror, arrancando-lhe involuntariamente dos lbios esta exclamao:
Jo Fera!...
a) O que se dizia a respeito da ndole de Jo
Fera? Por que ele causava tamanho terror
nas pessoas?
b) De acordo com os ltimos captulos da narrativa, essa ndole se confirma?

74

15. Explique a razo de Barroso ter encomendado a morte de Lus Galvo.


16. Qual o tipo de narrador predominante na
obra?
17. Por que Berta visitava com frequncia a exescrava Zana?

Gabarito
1.
D
2.
B
3.
C
4.
a) Em ambos os textos, os narradores em 1
pessoa estabelecem dilogo com o leitor
(Benvolo e paciente leitor, o maior
defeito deste livro s tu, leitor), usam o
recurso da funo metalingustica (Neste despropositado e inclassificvel livro
das minhas Viagens, Mas o livro enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa
contrao cadavrica) e desviam-se da
narrativa cronolgica para abrirem espao
a digresses (acabemos com estas digresses e perenais divagaes minhas, este
livro e o meu estilo so como os brios,
guinam direita e esquerda, andam e
param, resmungam, urram, gargalham,
ameaam o cu, escorregam e caem).
b) O leitor tratado de forma respeitosa no
excerto de Almeida Garrett e irnica no de
Machado de Assis. Ambos deduzem que o
pblico da poca preferia a narrativa linear, com recursos tcnicos facilitadores de
leitura, desenvolvimento de tramas que
provocassem as emoes at um clmax e
conduzissem a um final previsvel.
5.
a) A sociedade retratada em Til est estruturada basicamente em duas camadas
sociais: os grandes latifundirios e os escravos com a gente humilde do campo. Os
personagens que habitam na Fazenda das
Palmas esto submetidos ao poder de Lus
Galvo, representante de uma aristocracia
rural a quem todos devem obrigaes e
favores. Jo Fera reconhece as limitaes
impostas pela sua condio de agregado
que vive da caridade do seu benfeitor e
se v obrigado a uma subservincia humilhante para poder sobreviver.
b) Jo Fera no admitia ser identificado com
o escravo negro, por isso prefere o trabalho de capanga dos ricos ao do trabalho
na lavoura, tpico da ral.
6.
a) Jo Fra era um facnora temido por todos
(Onde se encontra Jo Fera, ou houve

morte ou no tarda), mas despertava


piedade em Berta, como se depreende
do dilogo de Miguel com Berta: Voc
no tem pena?/ De um malvado, Inh!/
Pois eu tenho!.
b) Jo Fra revela gratido a Lus Galvo,
mostra coragem e generosidade na proteo a Berta e, no final da narrativa, arrependimento pela crueldade dos seus atos.
Mas tambm era um assassino profissional a ponto de ser contratado para matar
Lus Galvo e acabar com o mandante de
forma cruel.
7.
a) Cartilha
b) O sinal era o acento til, ttulo do romance
8.
C
9.
C
10. B
11. Til pertence ao Romantismo e apresenta diversas caractersticas dessa escola literria
como: idealizao dos personagens, linguagem emotiva, valorizao da ptria, entre
outras.
12. Lus Galvo recorda-se, com pesar, do grande
erro do seu passado, erro que culminou na
morte de Besita.
13. Moa pequena, esbelta, ligeira, buliosa e
rf, adotada por uma famlia humilde, que
a todos queria bem, e sabia repartir-se de
modo que dava a cada um seu quinho de
agrado.
14.
a) Jo Fera era conhecido pela ndole de
homem perverso e sanguinrio. Ele causava terror nas pessoas principalmente
em virtude do que se dizia a respeito das
muitas mortes que lhe foram encomendadas e executadas fria e cruelmente.
b) No, Jo Fera mostra-se uma boa pessoa,
no entanto, magoado pelo passado.
15. Lus Galvo, fingindo ser Barroso (ou Ribeiro, como era conhecido ento), deitou-se
com sua esposa, engravidando-a.
16. O romance narrado na terceira pessoa, por
isso narrador onisciente.
17. Por ser uma pessoa caridosa e por querer
descobrir o segredo que envolvia o passado
de Zana.

75

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