VOLUME 1 EntreAspas
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VOLUME 1 EntreAspas
hexag
SISTEMA DE ENSINO
1 edio
So Paulo
2016
hexag
SISTEMA DE ENSINO
Todas as citaes de textos contidas neste livro didtico esto de acordo com a legislao, tendo por fim nico e exclusivo o
ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessria a incluso de informao adicional, ficamos disposio
para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforos para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre
as imagens publicadas e estamos disposio para suprir eventual omisso de crdito em futuras edies.
O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra est sendo usado apenas para fins didticos, no
representando qualquer tipo de recomendao de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.
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SUMRIO
Sonetos
36
Til
54
Prefcio
Caro aluno,
o Entre Aspas volume 1 comea l no Renascimento com os sonetos de Luiz Vaz de Cames, em uma abordagem que prope debruar-se sobre a fase lrica do poeta, uma parcela importante da obra deste, que foi um dos
maiores escritores portugueses. A anlise leva em considerao os sonetos de Cames, esta forma clssica trazida
Portugal por S de Miranda, inspirado pelo poeta italiano Francesco Petrarca. Cames ir formalizar uma parte
de sua produo em funo desta nova esttica, tambm chamada de medida nova, alm de tematizar o amor
neoplatnico e o desconcerto do mundo como principais reflexes destes textos.
Na sequncia cronolgica, o que facilita o estudo, segue o conjunto de obras oriundos da escola literria
do Romantismo. A comear pela obra Viagens na minha terra de Almeida Garrett, ironizando a prpria escola,
misturando a narrao com a novela sentimental e marcando um momento importante da histria de Portugal: a
guerra civil entre miguelistas e liberais.
J o romance urbano do brasileiro Manuel Antnio de Almeida, Memrias de um sargento de milcias,
marca - no Brasil - a chegada dos portugueses e a gentica da malandragem que futuramente vai rotular o modo
de ser brasileiro. Romance de transio, apoia-se na subverso da ordem e, por isso, aproxima-se do Realismo.
Porm, ao final, mantm-se no Romantismo em funo do processo de redeno da personagem neopcaro: Leonardinho, que, vai de malandro a sargento.
Na sequncia, surge a interessante obra satrica de Camilo Castelo Branco: Corao, cabea e estmago,
configurando uma das novidades da Unicamp 2017. O livro possui uma fora narrativa interessante, pois varia o
foco narrativo de acordo com o autor, narrador e personagem autobiografado. O amor, o intelecto e o zoomorfismo
marcam a biografia de Silvestre, que deixa manuscritos para influenciar os jovens e pagar dvidas de boemia e jogo.
Fechando este caderno, seguindo a cronologia de publicao, aparece Til, do cearense Jos de Alencar.
Um livro que vai para o interior de So Paulo, especificamente em uma fazenda entre Campinas e Piracicaba, contar
uma trama interessante e muito bem amarrada de amores, traies, vinganas etc. A obra compe o projeto de
literatura nacional de Alencar no mbito regionalista.
Cada obra possui uma peculiaridade, portanto cada aspecto deve ser levado em considerao, partindo dos
valores estticos da escola literria em questo, da vida do autor e, principalmente, da obra.
Bom estudo, boa prova!
Lucas Limberti
Sonetos
Luis de Cames
Luis de Cames
Cames teria nascido em 1524 ou 1525, provavelmente na cidade de Lisboa (talvez Coimbra ou Santarm),
descendente de uma famlia de pequena nobreza.
Estudou numa das mais conceituadas instituies de
Portugal, a Universidade de Coimbra. Recebe boa educao em sua juventude e torna-se um leitor convulso
de Homero, Virglio, Ovdio e Petrarca. Lutando contra
os mouros em 1549, acabou por perder a vista direita.
Sua biografia um tanto quanto nebulosa e
cheia de confuses. Em 1552 foi preso por ter brigado
com Gonalo Jorge que era oficial da corte, e sai perdoado da cadeia contanto que servisse militarmente Portugal na ndia. Em 1556 nomeado provedor-mor de defuntos ausentes em Macau, ento colnia de Portugal.
Durante os nove anos que passou na cadeia, comeou
a escrever Os Lusadas. Acusado de desviar bens enquanto provedor-mor, vai para Goa a fim de se defender
das acusaes. Na viagem seu navio naufraga na foz do
Rio Mekong (Indochina) e diz a lenda que ele se salvou
nadando, deixando sua companheira chinesa, Dinamene
morrer afogada, com a desculpa de salvar o manuscrito
de Os Lusadas que j estava em sua fase final. Viveu
na misria, foi preso outra vez, agora em Moambique
por causa de dvidas e voltou a Lisboa no ano de 1569
por conta de amigos que o ajudaram.
Em 1572 publica Os Lusadas, sua obra-prima e recebe uma penso anual de 15.000 ris oferecida por Dom Sebastio. Morre pobre em 10 de junho
de 1580; curiosamente, o heri da poesia portugus
Obras
Contexto
Tu, s tu, puro amor
O autor e seu tempo
O Quinhentismo em Portugal o movimento cultural
resultante de uma das pocas mais gloriosas da histria desse pas.
Tem como antecedentes o empreendimento lusitano em busca de novos caminhos martimos e as
conquistas que remontam ao reinado de D. Joo I,
mestre de Avis com a tomada de Ceuta em 1415. Os
grandes feitos portugueses prosseguem com D. Joo II
(1481-1495), quando Bartolomeu Dias atinge o Cabo
7
da Boa Esperana. tambm deste perodo a expedio terrestre para reconhecimento dos territrios da
frica e da sia.
A apoteose da expanso martima se d no reinado de D. Manuel, o Venturoso (1495-1521), quando
dois grandes feitos se realizam. O primeiro, ligado ao
nome de Vasco da Gama, que em 1498 atinge as ndias percorrendo a costa oriental da frica. Ser essa
viagem que servir de motivo para a obra Os Lusadas,
de Lus de Cames. Dois anos depois, Cabral chega
Amrica, descobrindo o Brasil.
Os dois prximos reinados aliceram as conquistas. D. Joo III (1521-1557) inicia a colonizao da
Amrica portuguesa, e D. Sebastio (1557-1578) o
ltimo rei a viver em um Portugal rico e heroico. Dois
anos aps sua morte, o pas est sob o domnio espanhol. Cames prenuncia a queda em alguns dos versos
de maior beleza em Os Lusadas:
No mais, Musa, no mais; que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida;
E no do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
No no d a Ptria, no, que est metida
No gosto da cobia e na rudeza
De uma austera, apagada e vil tristeza.
Apresentao
A Lrica Camoniana
Na lrica, Cames verseja segundo dois padres: a medida velha, utilizando a tradio medieval e popular
dos redondilhos, e a medida nova, seguindo os padres clssicos, em que se destacam as produes em
sonetos. A UNICAMP escolheu para o vestibular 2016
apenas os sonetos, portanto o foco de seu estudo deve
ser apenas os textos escritos em medida nova, ou seja,
os sonetos que seguem os padres clssicos.
Forma, linguagem e
temas fundamentais
Sonetos
Forma e linguagem
Os sonetos geralmente obedecem ao princpio da
imitao, isto , aceitam a existncia de modelos preconcebidos. O poeta chega a utilizar versos inteiros do
original, mas deve reconstruir com engenho e arte o
que lhe couber como criador.
O soneto clssico obrigatoriamente decasslabo e segue a estrutura italiana de catorze versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos. conhecido
como forma fixa e presta-se a exerccios de construo,
uma vez que o poeta deve ser dotado de recursos estilsticos e de linguagem os mais abrangentes possveis.
Normalmente, a brevidade do soneto deixa transparecer grande concentrao emocional disposta sob a
forma de tese-anttese, com desfecho conclusivo, que
busca a sntese ou a unidade.
Como recurso de linguagem, para atingir a condensao exigida pelo gnero, necessrio buscar a
palavra exata, com o cuidado de examin-la sonoramente, casando-a com o ritmo do metro decasslabo.
As contradies (paradoxos e antteses) e a aparente
irracionalidade na expresso de sentimentos, emoes,
recordaes, desejos ntimos, pensamentos mostram o
poeta atento, observando de forma objetiva e racional
o que se passa no seu esprito. A adequao perfeita
com a ideia procurada por meio de comparaes e
metforas.
Assim, capaz de expressar-se de maneira extremamente concisa tanto em poemas narrativos como
Sete anos de pastor Jac servia [2], ou lamentar, maneira romntica, a ausncia da amada em Alma minha
gentil, que te partiste [10], quando chega ao derramamento sentimental no terceto final. Mas so os sonetos com sentido de anlise que alcanam maior desenvoltura, por exemplo, ao fazer uma reflexo sobre a
mudana dos tempos, com breves apelos descrio,
em Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades [3]
ou, ainda, quando dedutivamente vai chegando a concluses a partir da exposio muitas vezes repleta de
contradies, como em Amor fogo que arde sem se
ver, [12] ou Um mover de olhos, brando e piedoso [4].
Temas fundamentais
Cames utiliza as tradies da composio em soneto
e, em boa parte deles, cumpre os preceitos da imitao,
tomando por modelo Petrarca e dele herdando tambm as sugestes temticas em que h a viso idealizada da mulher, elevada a elemento de purificao e
de divinizao da alma do poeta. Atravs dessa viso
idealista, pretende atingir a supremacia do Bem e da
Beleza.
Os sonetos camonianos no se deixam levar por
excessos subjetivos, embora a temtica seja lrico-amorosa. Dirigido pelos princpios do racionalismo clssico,
o poeta apresenta sentimentos e emoes contidos,
no extravasa sua dor ou seu desespero, isentando-se
9
10
A lrica amorosa
O tema amoroso explorado na lrica camoniana sob
dupla perspectiva. Com frequncia aparece o amor sensual, prprio da sensualidade renascentista, inspirada no
paganismo da cultura greco-latina. Predomina, porm, o
amor neoplatnico, espcie de extenso e aprofundamento da tradio da poesia medieval portuguesa ou da
poesia humanista italiana, em que o amor e a mulher se
configuram como idealizados e inacessveis.
Na poesia lrica camoniana, tal qual no modelo
legado por Petrarca, o amor um sentimento que eleva
o homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza
e a Verdade, de acordo com a filosofia platnica. Para
Plato, a realidade se divide em mundo dos sentidos
e mundo das ideias. No mundo sensorial, nada
perene; no mundo das ideias, tudo eterno, imutvel.
O amor ideal, de acordo com Plato, um sentido
essencialmente puro e desprovido de paixes, ao passo
que estas so essencialmente cegas, materiais, efmeras e falsas.
dessa concepo que advm o amor neoplatnico dos humanistas e renascentistas: Quanto mais o
amor por uma pessoa estiver desvinculado de prazeres
fsico-sensoriais e se aproximar do amor-ideia, maior e
mais puro ser. o que se observa na 1 e na 2 estrofe
do soneto de Cames que voc vai ler a seguir:
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela est minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma est ligada.
Em Cames, percebe-se o conflito entre o sentimento espiritual, idealizado, e o sentimento de manifestao carnal. O amor , dessa forma, complexo,
contraditrio. Esse duplo enfoque do amor bastante
acentuado no soneto
No primeiro quarteto, o pastor Jac serve a Labo porque deseja Raquel. O segundo quarteto mostra
o desejo frustrado de Jac, quando Labo lhe entrega
a irm mais velha, Lia. Humilde, por um amor ideal,
platnico, o pastor se dispe a trabalhar outros sete
anos, e assim, indefinidamente, comprovar sua fidelidade amorosa.
[2]
Sete anos de pastor Jacob servia
Labo, pai de Raquel, serrana bela;
Mas no servia ao pai, servia a ela,
E a ela s por prmio pretendia.
Os dias, na esperana de um s dia,
Passava, contentando-se com v-la;
Porm o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
[3]
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiana:
Todo o mundo composto de mudana,
Tomando sempre novas qualidades.
[6]
[4]
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de qu; um riso brando e honesto,
Quasi forado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indcio da alma, limpo e gracioso;
Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mgico veneno
Que pde transformar meu pensamento.
[5]
Eu cantarei de amor to docemente,
Por uns termos em si to concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faa sentir ao peito que no sente.
[7]
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho logo mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela est minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcanar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma est liada.
Mas esta linda e pura semideia,
que, como o acidente em seu sujeito,
assim coa alma minha se conforma,
est no pensamento como idia;
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como matria simples busca a forma.
13
[8]
[9]
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mgoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela s, quando amena e marchetada
Saa, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d`ua outra vontade,
Que nunca poder ver-se apartada.
Ela s viu as lgrimas em fio,
Que duns e doutros olhos derivadas,
Justando-se, formaram largo rio;
Ela viu as palavras magoadas,
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso as almas condenadas.
[10]
Alma minha gentil, que te partiste
To cedo desta vida descontente,
Repousa l no Cu eternamente,
E viva eu c na terra sempre triste.
Se l no assento etrio, onde subiste,
Memria desta vida se consente,
No te esqueas daquele amor ardente
Que j nos olhos meus to puro viste.
E se vires que pode merecer-te
14
[11]
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
No entende o que pede; est enganado.
este amor to fino e to delgado,
Que quem o tem no sabe o que deseja.
No h cousa, a qual natural seja,
Que no queira perptuo o seu estado.
No quer logo o desejo o desejado,
S por que nunca falte onde sobeja.
Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,
Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
[12]
Amor fogo que arde sem se ver,
ferida que di, e no se sente;
um contentamento descontente,
dor que desatina sem doer.
um no querer mais que bem querer;
um andar solitrio entre a gente;
nunca contentar-se de contente;
um cuidar que ganha em se perder.
querer estar preso por vontade;
servir a quem vence, o vencedor;
ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos coraes humanos amizade,
se to contrrio a si o mesmo Amor?
[13]
Erros meus, m Fortuna, Amor ardente
Em minha perdio se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
[14]
Este amor, que vos tenho limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade comeado,
T-lo dentro nesta alma s procuro.
Dhaver nelle mudana estou seguro,
Sem temer nenhum caso, ou duro fado,
Nem o supremo bem, ou baixo estado,
Nem o tempo presente, nem futuro.
A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o inverno e estio deita;
S para meu amor he sempre Maio.
Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
E quessa ingratido tudo me engeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.
[15]
O dia em que eu nasci, morra e perea,
No o queira jamais o tempo dar,
No torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padea.
A luz lhe falte, o sol se lhe escurea,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A me ao prprio filho no conhea.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lgrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo j se destruiu.
gente temerosa, no te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraada que jamais se viu!
[16]
Quem diz que Amor falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vo, desconhecido,
sem falta lhe ter bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.
Amor brando, doce e piadoso.
Quem o contrrio diz no seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.
Se males faz Amor, em mi se vem;
em mi mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras so de amor;
todos estes seus males so um bem,
que eu por todo outro bem no trocaria.
[17]
Vencido est de amor
O mais que pode ser
Sujeita a vos servir e
Oferecendo tudo
Meu pensamento
Vencida a vida,
Instituda,
A vosso intento.
Louva o momento
To bem perdida;
A tal ferida,
Seu perdimento.
Est segura
Nesta empresa,
Honrosa e alta
Voltando s por vs
Jurando no seguir
Sem ser no vosso amor
Outra ventura,
Rara firmeza,
Achado em falta.
[18]
Quando o sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de huma praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui a vi os cabellos concertando;
Alli coa mo na face, to formosa;
Aqui fallando alegre, alli cuidosa;
Agora estando quda, agora andando.
Aqui esteve sentada, alli me vio,
15
[19]
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanas me convinha,
Nunca nesta to longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Cu me tem mostrado,
J sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho j que no a tenho.
[20]
No mundo poucos anos, e cansados
Vivi, cheios de vil misria e dura:
Foi-me to cedo a luz do dia escura,
Que no vi cinco lustros acabados.
Corri terras e mares apartados,
Buscando vida algum remdio ou cura:
Mas aquilo que, enfim, no d ventura,
No o do trabalhos arriscados.
Criou-me Portugal na verde e cara
Ptria minha Alenquer; mas ar corrupto,
Que neste meu terreno vaso tinha,
Me fez manjar de peixes em ti, bruto
Mar, que bates a Abssia fera e avara,
To longe da ditosa ptria minha.
[21]
Correm turbas as guas deste rio,
Que as rapidas enchentes enturbro;
Os florecidos campos se seccro;
Intratavel se fez o valle e frio.
16
[22]
Aqueles claros olhos que chorando
ficavam, quando deles me partia,
agora que faro? Quem mo diria?
Se porventura estaro em mim cuidando?
Se tero na memria, como ou quando
deles me vim to longe de alegria?
Ou se estaro aquele alegre dia,
que torne a v-los, na alma figurando?
Se contaro as horas e os momentos?
Se acharo num momento muitos anos?
Se falaro co as aves e cos ventos?
Oh! bem-aventurados fingimentos
que, nesta ausncia, to doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!
[23]
O ceo, a terra, o vento socegado,
As ondas que se estendem por a areia,
Os peixes que no mar o somno enfreia,
O nocturno silencio repousado;
O Pescador Aonio que, deitado
Onde coo vento a gua se meneia,
Chorando, o nome amado em vo nomeia,
Que no pde ser mais que nomeado,
Ondas, (dizia) antes que Amor me mate,
Tornae-me a minha Nympha, que to cedo
Me fizestes morte estar sujeita.
Ninguem responde; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, quao vento deita.
[24]
Oh, como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinao cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vo discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remdio, que inda tinha;
se por experincia se adivinha,
qualquer grande esperana grande engano.
Corro aps este bem que no se alcana;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiana.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardana,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperana.
[25]
- Que esperais, esperana? Desespro.
- Quem disso a causa foi? Hua mudana.
- Vs, vida, como estais? Sem esperana.
- Que dizeis, corao? Que muito quero.
- Que sentis, alma, vs? Que amor he fero.
- E, em fim, como viveis? Sem confiana.
- Quem vos sustenta, logo? Huma lembrana.
- E s nella esperais? S nella espero.
- Em que podeis parar? Nisto em que estou.
- E em que estais vs? Em acabar a vida.
- E tnde-lo por bem? Amor o quer.
- Quem vos obriga assi? Saber quem sou.
- E quem sois? Quem de todo est rendida.
- A quem rendida estais? A hum s querer.
[26]
Quando a suprema dor muito me aperta,
Se digo que desejo esquecimento,
He fra que se faz ao pensamento,
De que a vontade livre desconcerta.
Assi de rro to grave me desperta
A luz do bem regido entendimento,
Que mostra ser engano, ou fingimento,
Dizer que em tal descanso mais se acerta.
Porque essa propria imagem, que na mente
[27]
C nesta Babilnia, donde mana
Matria a quanto mal o mundo cria;
C, onde o puro Amor no tem valia,
Que a Me, que manda mais, tudo profana;
C, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
C, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vo a Deus engana;
C, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vo
s portas da Cobia e da Vileza;
C, neste escuro caos de confuso,
Cumprindo o curso estou da natureza.
V se me esquecerei de ti, Sio!
[28]
Quem v, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se no perder a vista s em v-los,
J no paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preo honesto;
Mas eu, por de vantagem merec-los,
Dei mais a vida e alma por quer-los,
Donde j no me fica mais de resto.
Assim que a vida e alma e esperana,
E tudo quanto tenho, tudo vosso,
E o proveito disso eu s o levo.
Porque tamanha bem-aventurana
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.
[29]
Quando da bela vista e doce riso
Tomando esto meus olhos mantimento,
To enlevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraso.
17
[30]
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me to entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.
Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rstico, enganado
Quem no com meu mal engrandecido.
V revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;
Que eu s em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
[31]
Quando de minhas mgoas a comprida
Maginao os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.
L numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela ento parece
Que mais de mim se alonga, compelida.
Brado: - No me fujais, sombra benina!
- Ela, os olhos em mim cum brando pejo,
Como quem diz que j no pode ser,
Torna a fugir-me; e eu gritando: - Dina...
Antes que diga: - mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
18
[32]
O cisne, quando sente ser chegada
A hora que pe termo sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta por a praia inabitada.
Deseja lograr vida prolongada,
E dela est chorando a despedida:
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto j no extremo fio;
Com mais suave acento de harmonia
Descantei por os vossos desfavores
La vuestra falsa fe, y el amor mo...
[33]
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem no deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, j no posso ver-te,
To asinha esta vida desprezaste!
Como j pera sempre te apartaste
De quem to longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que no visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que to cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh cu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
[34]
Cara minha inimiga, em cuja mo
Ps meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Por que me falte a mim consolao.
Eternamente as guas lograro
A tua peregrina formosura:
Mas enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharo.
[35]
Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De hum naufragio cruel sahindo a nado,
S de ouvir fallar nelle est medroso:
Firme jura que o v-lo bonanoso
Do seu lar o no tire socegado;
Mas esquecido ja do horror passado,
Delle a fiar se torna cobioso:
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de no mais em outra ver-me;
Com a alma que de vs nunca se ausenta,
Me trno, por cobia de ganhar-me,
Onde estive to perto de perder-me.
[36]
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanas;
que no pode tirar-me as esperanas,
que mal me tirar o que eu no tenho.
Olhai de que esperanas me mantenho!
vede que perigosas seguranas!
que no temo contrastes nem mudanas,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto no pode haver desgosto
onde esperana falta, l me esconde
Amor um mal, que mata e no se v.
que dias h que nalma me tem posto
um no sei qu, que nasce no sei onde,
vem no sei como, e di no sei porqu.
Vrios versos
[37]
Mote
Descala vai pera a fonte
Voltas
Leva na cabea o pote,
O testo nas mos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de camalote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa, e no segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entraado,
Fita de cor encarnado,
To linda que o mundo espanta.
Chove nela graa tanta,
Que d graa fermosura.
Vai fermosa, e no segura.
[38]
Mote
Descala vai pola neve...
Assi faz quem Amor serve.
Voltas
Os privilgios que os reis
no podem dar, pode Amor,
que faz qualquer amador
livre das humanas leis.
Mortes e guerras cruis,
ferro, frio, fogo e neve,
tudo sofre quem o serve.
Moa fermosa despreza
todo o frio e toda a dor.
Olhai quanto pode Amor
mais que a prpria natureza:
medo nem delicadeza
lhe impede que passe a neve.
Assi faz quem Amor serve.
Por mais trabalhos que leve,
a tudo se ofreceria;
passa pela neve fria
mais alva que a prpria neve;
com todo o frio se atreve...
Vede em que fogo ferve
o triste que o Amor serve.
19
[39]
Cantigas alheias
Na fonte est Lianor
Lavando a talha e chorando,
s amigas perguntando:
- Vistes l o meu amor?
Voltas do cames
Posto o pensamento nele,
Porque a tudo o amor obriga,
Cantava, mas a cantiga
Eram suspiros por ele.
Nisto estava Lianor
O seu desejo enganando,
s amigas perguntando:
- Vistes l o meu amor?
O rosto sobre ua mo,
Os olhos no cho pregados,
Que, do chorar j cansados,
Algum descanso lhe do.
Desta sorte Lianor
Suspende de quando em quando
Sua dor; e, em si tornando,
Mais pesada sente a dor.
No deita dos olhos gua,
Que no quer que a dor se abrande
Amor, porque, em mgoa grande,
Seca as lgrimas a mgoa.
Despois que de seu amor
Soube novas perguntando,
De improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!
[40]
Verdes so os campos,
De cor de limo:
Assim so os olhos
Do meu corao.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Vero,
E eu das lembranas
Do meu corao.
20
[41]
Cantiga Velha
Sois fermosa e tudo tendes,
seno que tendes os olhos verdes.
Voltas
Ningum vos pode tirar
serdes bem assombrada;
mas heis-me de perdoar,
que os olhos no valem nada.
Fostes mal aconselhada
em querer que fossem verdes:
trabalhai de os esconderdes.
A vossa testa jardim,
onde Amor se desenfada:
branca e bem talhada
que parece de marfim.
Assim , e, quanto a mim,
isso nasce de a terdes
to perto dos olhos verdes.
Os cabelos desatados
o mesmo Sol escurecem;
seno que, por serem ondados,
algum tanto desmerecem:
mas, f, que se parecem
a furto dos olhos verdes,
no vos pese de os terdes.
As pestanas tm mostrado
ser raios que abrasam vidas;
se no foram to compridas
tudo o mais era pintado:
elas me tinham levado
j sem o vs saberdes,
se no foram os olhos verdes.
[42]
Mote velho
Perdigo perdeu a pena
No h mal que lhe no venha.
Voltas
Perdigo que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
No tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
No h mal que lhe no venha.
[43]
Babel e Sio
Sbolos rios que vo
Por Babilnia, me achei,
Onde sentado chorei
As lembranas de Sio
E quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
De meus olhos foi manado;
E, tudo bem comparado,
Babilnia ao mal presente,
Sio ao tempo passado.
Ali, lembranas contentes
Na alma se representaram;
E minhas cousas ausentes
Se fizeram to presentes
Como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
Co rosto banhado em gua,
Deste sonho imaginado,
Vi que todo o bem passado
No gosto, mas mgoa.
E vi que todos os danos
Se causavam das mudanas
e as mudanas dos anos;
Onde vi quantos enganos
Faz o tempo s esperanas.
De saudade quebrante
Esta vital fortaleza,
Antes moura de tristeza
Que, por abrand-la, cante.
Que, se o fino pensamento
S na tristeza consiste,
No tenho medo ao tormento:
Que morrer de puro triste,
Que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei
O que passo e passei j,
Nem menos o escreverei;
Porque a pena cansar
E eu no descansarei.
Que, se a vida to pequena
Se acrescenta em terra estranha,
E se Amor assim o ordena,
Razo que canse a pena
De escrever pena tamanha.
Porm se, pera assentar
O que sente o corao,
A pena j me cansar,
No canse pera voar
A memria em Sio.
Terra bem-aventurada,
Se, por algum movimento,
Da alma me fores mudada,
Minha pena seja dada
A perptuo esquecimento.
A pena deste desterro,
Que eu mais desejo esculpida
Em pedra ou em duro ferro,
Essa nunca seja ouvida,
Em castigo do meu erro.
E se eu cantar quiser,
Em Babilnia sujeito,
Hierusalm, sem te ver,
A voz, quando a mover,
Se me congele no peito.
A minha lngua se apegue
s fauces, pois te perdi,
Se, enquanto viver assi,
Houver tempo em que te negue
Ou que me esquea de ti!
[44]
Passado j algum tempo que os amores
de Almeno, por meu mal, eram passados,
porque nunca Amor cumpre o que promete,
entre verdes ulmeiros apartados,
regando pelo campo as brancas flores,
em lgrimas cansadas se derrete;
quando a linda pastora, que compete
co monte em aspereza,
co prado em gentileza,
por quem o triste Almeno endoudecia,
pela praia do Tejo discorria
a lavar a beatilha e o tranado;
j o sol consentia
que sasse da sombra o manso gado.
E acordado j do pensamento
que to desacordado o sempre teve,
viu por acerto o bem que incerto tinha.
E, porque onde Amor a mais se atreve,
ali mais enfraquece o entendimento,
no lhe soube dizer o que convinha.
Como homem que aprazada briga vinha,
a quem de fora engana
a confiana humana,
e depois, vendo o rosto a quem resiste,
treme, teme o perigo, e no insiste,
j se arrepende, a audcia lhe falece:
destarte o pastor triste
ousa, arreceia, esfora e enfraquece.
E tendo assim atnito o sentido,
cometeu com furor desatinado,
e tirou da fraqueza o corao.
Cometimento faz desesperado,
que uma s salvao tem um perdido:
perder toda a esperana salvao.
As mgoas, que passaram, se diro;
mas as que ela dizia,
lembrando-lhe que via
as guas murmurar do Tejo amenas,
remeto a vs, Tgides Camenas,
que, de mgoa, no posso dizer tanto,
porque em tamanhas penas
me cansa a pena e a dor me impede o canto.
BELISA
Que alegre campo e praia deleitosa!
E quo saudosa faz esta espessura
a fermosura anglica e serena
da tarde amena! E quo saudosamente
a sesta ardente abranda, suspirando,
de quando em quando, o vento alegre e frio!
No fundo rio os mudos peixes saltam;
no ar se esmaltam os cus de ouro e verde
e Febo perde a fora da quentura.
Pela espessura levam passeando
o gado brando, ao som das sanfoninas,
pisando as finas e fermosas flores,
os guardadores que, cantando, o gesto
25
BELISA
ALMENO
BELISA
[45]
Nunca manh suave,
estendendo seus raios pelo mundo,
depois de noite grave,
tempestuosa, negra, em mar profundo,
alegrou tanta nau, que j no fundo,
se viu em mares grossos,
como a luz clara a mim dos olhos vossos.
Aquela fermosura
que s no virar deles resplandece,
com que a sombra escura
clara se faz, e o campo reverdece,
29
Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero viv-lo em cada vo momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angstia de quem vive
Quem sabe a solido, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que no seja imortal, posto que chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vincius de Moraes
HILST, H. Cantares.
So Paulo: Globo, 2004 (fragmento).
Texto II
Transforma-se o amador na cousa amada
Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
no tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Texto II
Amor fogo? Ou cadente lgrima?
Pois eu naufrago em mar de labaredas
32
1
0. (Unicamp 2002) Leia o seguinte soneto de
Cames:
Oh! Como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinao cansada minha.
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vo discurso humano.
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remdio, que inda tinha.
Se por experincia se adivinha,
qualquer grande esperana grande engano.
Corro aps este bem que no se alcana;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiana.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardana,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperana.
a) Na primeira estrofe, h uma contraposio
expressa pelos verbos alongar e encurtar. A qual deles est associado o cansao
da vida e qual deles se associa proximidade
da morte?
b) Por que se pode afirmar que existe tambm
uma contraposio no interior do primeiro
verso da segunda estrofe?
c) A que termo se refere o pronome ele da
ltima estrofe?
11. (Ufrgs 2000) Leia o soneto a seguir, de Lus
de Cames.
Um mover de olhos, brando e piedoso,
sem ver de qu; um riso brando e honesto,
quase forado, um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
um despejo quieto e vergonhoso;
um desejo gravssimo e modesto;
uma pura bondade manifesto
indcio da alma, limpo e gracioso;
um encolhido ousar, uma brandura;
um medo sem ter culpa, um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste formosura
da minha Circe, e o mgico veneno
que pde transformar meu pensamento.
Em relao ao poema acima, considere as seguintes afirmaes.
I. O poeta elabora um modelo de mulher
perfeita e superior, idealizando a figura
feminina.
II. O poeta no se deixa seduzir pela beleza
feminina, assumindo uma atitude de insensibilidade.
III. O poeta sugere o desejo ertico ao se referir figura mitolgica de Circe.
Soneto
1
5. Segundo os versos do poema, o eu lrico
a) est procura do Amor.
b) est amando e cheio de esperanas.
c) est seguro devido ao Amor.
d) est sem esperana.
16. Ao se dirigir ao Amor, na primeira estrofe,
percebe-se por parte do eu lrico um tom de
a) splica
b) desafio
c) ameaa
d) euforia
17. Por que o eu lrico no teme as novas artes
do Amor?
a) Porque o eu lrico no possui mais esse sentimento.
b) Porque onde falta esperana no h desgosto.
c) Porque a esperana que ele tem o faz sentir
mais seguro.
d) Porque ele no teme nada, nem os perigos
de um mar bravo.
18. Apresenta uma contradio a justaposio
dos termos da expresso
a) novo engenho
b) bravo mar
c) perigosas seguranas
d) novas artes
34
1
9. Busque Amor novas artes, novo engenho,
o termo em destaque tem o sentido de
a) artimanha
b) trabalho
c) objetivo
d) soluo
20. De acordo com o eu lrico do texto, o Amor
gera
a) segurana
b) esperana
c) sofrimento
d) dvidas
21. Amor um mal, que me mata e no se v; o
verso sugere que o Amor
a) indefinido
b) misterioso
c) passageiro
d) intransigente
22. A ltima estrofe revela que
a) o eu lrico realmente imune as artes do
Amor.
b) o eu lrico busca descobrir as razes do
Amor.
c) o Amor ainda consegue atingir o eu lrico.
d) o Amor abandona o destemido eu lrico.
2
3. (UNICAMP-2016) Leia o soneto abaixo, de
Lus de Cames:
C nesta Babilnia, donde mana
matria a quanto mal o mundo cria;
c onde o puro Amor no tem valia,
que a Me, que manda mais, tudo profana;
c, onde o mal se afina, e o bem se dana,
e pode mais que a honra a tirania;
c, onde a errada e cega Monarquia
cuida que um nome vo a desengana;
c, neste labirinto, onde a nobreza
com esforo e saber pedindo vo
s portas da cobia e da vileza;
c neste escuro caos de confuso,
cumprindo o curso estou da natureza.
V se me esquecerei de ti, Sio!
Disponvel em http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/bv000164.
pdf. Acessado em 08/09/2015.
Gabarito
1.
B
2.
D
Verdadeiro. Os dois poemas falam do amor
distante e irrealizvel, entre o desejo e a
idealizao.
Verdadeiro. O poema de Cames trata a amada moda do platonismo neoclssico. Portanto, o amor ser sempre distante e idealizado.
Verdadeiro. Os dois poemas so sonetos, pois
so compostos por dois quartetos e dois tercetos com versos decasslabos.
Verdadeiro. O ttulo Encarnao tem a ver
com o sentido espiritual idealizador e com o
sentido mais sensual caractersticos do Simbolismo.
3.
F V F V V.
4.
A
5.
D
6.
A
7.
B
8.
D
9.
D
10.
a) O verbo alongar associa-se a cansao da
vida. O encurtar relaciona-se proximidade da morte.
b) H no primeiro verso da segunda estrofe
uma oposio entre gastando e cresce. Quanto mais a idade avana, o poeta
aproxima-se do fim da vida.
c) O pronome ele refere-se ao vocbulo
bem.
11. D
12.
a) A mulher vista no como uma companheira, mas como um ser angelical. A beleza converte-se em Beleza pura, que leva
ao mundo das ideias e divindade.
b) O soneto composto por dois quartetos
e dois tercetos e a medida nova (versos
decasslabos) so caractersticas do Classicismo. Ainda, h figuras de linguagem
como o hiprbato, alm da seleo lexical
e outros.
35
Corao, cabea
e estmago
Camilo Castelo Branco
O Romantismo portugus durou aproximadamente 40 anos, tendo como marco final, por volta de
1865, a Questo Coimbr, ou questo do Bom Senso
e do Bom Gosto, encabeada por Antero de Quental.
Como em pases europeus, o Romantismo portugus
atrelou-se ao liberalismo e ideologia burguesa e assumiu compromissos com o novo pblico leitor.
Geraes do Romantismo
portugus
A luta entre liberais e conservadores foi o pano de
fundo para que os romnticos implantassem, ao seu
tempo, as reformas literrias que de fato modificariam
o quadro esttico neoclssico portugus no qual a produo se desenvolveu de forma indita em Portugal.
Houve trs momentos distintos no desenvolvimento do Romantismo portugus. A obra Corao,
cabea e estmago encontra-se na 2. Gerao romntica (ultrarromntica).
Contexto - o Romantismo
em Portugal
Certamente a literatura escrita na Frana, Inglaterra e
Alemanha influenciou muito os escritores ligados ideologicamente ao liberalismo portugus. O momento
antimiguelista, dos partidrios de D. Pedro conectava
os jovens escritores Almeida Garret e Alexandre Herculano, inclusive exilados na Inglaterra e na Frana, onde
38
Linhas temticas
A obra
Stira de costumes e
a ironia reflexiva
A obra Corao, cabea e estmago apresenta um
repertrio variado no que diz respeito produo de
Camilo Castelo Branco, um exerccio requintado de sua
literatura. Uma abordagem de ironia reflexiva e notvel
crtica social, uma stira de costumes e, acima de tudo,
um humor requintado e hilariante.
Camilo apontou, sem hesitar, os defeitos da sociedade portuguesa: o esnobismo das aparncias dos
poderosos, sobretudo de uma aristocracia falida, a burguesia e a futilidade interesseira de seu pensamento.
Completamente inovador para a sua poca, o romance Corao, cabea e estmago, surge como
uma denncia e uma stira aos maus hbitos da
sociedade do seu tempo. De forma singela, Camilo
estrutura seu raciocnio na trade que compem o
ttulo da obra e o homem segue espontaneamente
a vontade do corpo. Para isso constri uma histria
dividida em trs parte, conforme trs rgos diferentes do corpo: o corao, a cabea e o estmago.
Estrutura
Romance que conta a histria de Silvestre da Silva, em
trs grandes fases da sua vida conforme trs rgos
diferentes do corpo.
Corao
Cabea
Estmago
O Brasil
Linguagem
Personagens
Espaos
Foco narrativo
Em cada uma das trs partes do livro, a obra se desenvolve em espaos diferentes.
A variedade no foco narrativo um dos grandes destaques da obra que apresenta dois narradores:
1. Pessoa: O prprio personagem principal, Silvestre.
Ele conta sua autobiografia em 3 Pessoa.
O aluno deve estar atento a estas situaes narrativas que transmuta da primeira para a terceira pessoa
a partir de um mesmo personagem. A narrativa em
primeira pessoa (no mbito na autobiografia) surge a
narrativa de Silvestre - narrador sobre um Silvestre personagem do passado.
3. Pessoa: Um narrador em terceira pessoa que um
amigo de Silvestre que recebeu seus manuscritos e vai
public-los para pagar as dvidas deixadas pelo defunto amigo. Neste momento a narrativa surge em carter
metalingustico com advertncia do autor; prembulo; notas; remate.
Lisboa
Porto
Apresentao
Corao, cabea e estmago
Na segunda fase, na qual a cabea se sobrepe ao corao, Silvestre calcula uma aproximao com a herdeiras ricas do Porto.
Soutelo
Metalinguagem
escrito por Silvestre, porm sempre com o dedo do autor, que acresce observaes e notas. No livro, o que
chamado de Nota pelo autor, pode ser considerado
dentro da lgica tradicional do romance com as introjees do narrador (autor) em carter digressivo.
Trecho
Folheando novamente os manuscritos de Silvestre
da Silva, encontrei algumas pginas que merecem
ser intercaladas nesta 2. Edio de suas memrias.
A simpatia que o meu defunto amigo granjeou
postumamente na repblica das letras e das tetras
impeme o dever de empurrar portas dentro da
imortalidade tudo que lhe diz respeito.
O meu amigo Antnio Augusto Teixeira de Vasconcelos achou que Silvestre algumas vezes abusava do vocabulrio dos eufemismos. Tambm me
parece que sim. Mas j agora deixemos o defunto
com a sua responsabilidade e tenhamos esperanas de que ele se salvar primeiro que o autor da
Fany, livro querido das famlias!
Aqui vem a ponto dizer como Lopo de Vega, na
Arte Nueva de Hacer Comedias:
Sustento en fin lo que escribi y conozco
Que aunque fuera mejor de otra manera, No tuvieran el gusto que han tenido Por que as veces lo
que s contra el justo Por la misma razn deleita
el gusto. O AUTOR
Os trs momentos
1 Parte
A obra dividida em trs momentos, como o prprio ttulo indica. A primeira parte a do corao. Silvestre
vai relatar suas histrias amorosas e suas questes financeiras; ele conta a histria das mulheres por quem
se apaixonou ao seguir seu corao, no caso sete mulheres, porm no ficou com nenhuma delas.
1 mulher Leontina, que era sua vizinha, rf, criada por um ourives, analfabeta, de olhos bonitos.
42
2 mulher Ela s aparecia na janela, assim mesmo ficavam visveis apenas os olhos, entre as
tbuas das persianas e Silvestre nunca soube o
nome desta outra vizinha
3 mulher Era uma quarentona que se chamava
Catarina, conheceu Silvestre pois frequentava a
casa em que ele vivia hospedado.
Trecho
Era a terceira uma dama quarentona, que freqentava a casa em que eu me hospedara. Tinha ela um mano, muito mal-encarado e vestido
marcialmente, como capito da carta, que era. A
Sra. D. Catarina bailava gentilmente, conversava
com todos os pespontos de tagarela muito lida
em Eugenio Sue e conhecia todos os atalhos que
conduzem posse dum corao novio. Declarou-se comigo e eu, urbanamente, acudi ao seu pejo,
confessando que j me tinha primeiro confessado
com a eloqncia do silncio. Trocamos algumas
cartas, e numa das suas me disse ela que era proprietria de bens de raiz, que valiam seis contos
de ris, e tinha, afora isso, uns dez burrinhos em
Cacilhas, que anualmente lhe rendiam cento e
cinqenta mil ris. Cuidou que me seduzia com
o suplemento dos burrinhos! Respeito muito os
burros, mas tanto no! No respondi a este artigo. Falei-lhe do meu corao, assunto sublime de
mais para ser conspurcado no cadastro dos lucros
provenientes do dote quadrpede de D. Catarina.
Trecho
Aos Domingos, a Sra. D. Martinha honrava os
hspedes ao jantar com a sua presena. Eram
banquetes estes jantares, obrigados a vinho de
Setbal, presente semanal dum tio da senhora,
sujeito de sessenta anos, que remoava aos vinte,
naqueles dias em que ele era certo mesa.
Trecho
A mulata (agora me lembro que se chamava Tupinyoyo, que nome to amvel!) ficou de me visitar todos os domingos; mas ao terceiro, depois da
promessa, contou-me um aguadeiro de um ricao,
vindo do Brasil, se apaixonou por ela e a levara
consigo para o Minho.
No mentiu o galego. Trs anos depois a vi eu na
segunda ordem do Teatro de S. Joo do Porto, vestida ricamente, ao lado duma grande cabea, que
estava cotada na praa do Porto em dois milhes.
Viu-me, fitou-me; no sei se corou; o pudor naquela ordem de peles no sei a cor que toma. Para
ouvir a opinio pblica, perguntei a diferentes elegantes quem fosse a mulata, e todos. uma, me
responderam que era filha dum titular brasileiro e
que fora educada em Londres.
No desmenti a opinio pblica. Seria uma ingratido mulher que me ergueu dos seus ps,
quando eu lhe pedia o seu amor com lgrimas. Se
eu fosse opulento como o homem vindo do Brasil,
talvez que ao lado dela, no camarote de S. Joo,
estivesse eu, e no ele.
Trecho
Tornando francesa, coisa a que no pode chamar-se vaca-fria: Dei-lhe uma idia da minha
alma. Contei-lhe os meus sofrimentos em demanda da mulher, que a fantasia em sonhos me vestia
com as roupas cndidas do anjo. Disse-lhe mais
que a sua imagem como resplendor de lua instantneo, na horrvel cerrao de noite borrascosa,
dans laffreuse obscurit dorageuse nuit, me tinha transluzido nas trevas do meu viver.
A francesa ouviu-me pasmada, e assim a modo de
medrosa, como pomba, que se teme da garrulice
dum papagaio. A cada movimento melodramtico
de minhas mos davam-lhe rebate os nervos, com
menos alvoroo de pudor que o de Virgnia nos
assaltos lbricos do decnviro Appius Claudius, de
desonesta memria.
Convencida da inocncia da minha mmica cobrou
nimo a dama e contou-me que era menina de
boa famlia de Paris, e como tal se julgara digna
consorte de um duque fementido, que a raptara e
abandonara. terceira tentativa intil contra sua
vida, resolveu a vtima do duque fugir de Paris para
que a sua sociedade a no visse na perdio. Acaso
soubera ela que uma notvel modista francesa, estabelecida em Lisboa, mandara escriturar em Paris
algumas oficias. Mademoiselle Elise de La Sallete
mudou o nome, escriturou-se, e veio expiar a sua
culpa na hora do trabalho. Eis aqui a histria, que
eu ouvi com os olhos marejados de lgrimas.
aparncia e, claro, pelas questes econmicas. a histria da mulher que o mundo respeita por ser rica,
mesmo sendo promscua, interesseira e de m ndole.
De outro lado, retrata a mulher que o mundo despreza, que jamais deixa de ser bondosa, foi rf de pai
desde criana, filha de uma prostituta, passou muitas
dificuldades e acabou sendo levada prostituio.
2. Parte
No segundo momento da obra, denominado cabea,
surge Silvestre tentando obter mais sucessos na vida
tramando planos e ingressa na carreira jornalstica escrevendo artigos polmicos. Seu objetivo chegar a
ministro e para isso criticou os idosos e a juventude. O
problema que em funo desta postura, o jornal em
que trabalha multado pelos artigos, o que faz com
que mude o direcionamento de seus planos. Como?
Com o casamento...
Em funo desta nova deciso, Silvestre se
aproxima das trs herdeiras mais ricas da sociedade
local, mas no adianta, no consegue se casar com
nenhuma e, o pior, termina sendo preso.
Trecho
Tive ento nojo mortal da sociedade e de mim,
que Deus fizera dum barro menos vil, mas amassado no fel e vinagre do que se chama fora da
alma e desprezo do martrio.
Entendi que devia corrigir a obra do Criador. A minha primeira operao de reforma foi renunciar
para sempre s manifestaes da inteligncia, e
jurei comigo de nunca mais dar na estampa escrito que no abonasse uma conscienciosa parvoce,
talism de tantos que a correm, e conta dos
quais muitos meus colegas na imprensa se afortunaram e benquistaram com o mundo.
Acabou, pois, aqui, minha vida intelectual. Nem j
corao, nem cabea. Principia agora o meu auspicioso reinado do estmago.
3. Parte
A terceira parte do romance a o estmago em
que Silvestre, depois das situaes anteriores, resolve
44
Trecho
Acertou de estar prxima a luta eleitoral. O regedor bateu s portas dos eleitores com o macete das listas, e encontrou em cada lavrador um
doutrinrio, um cidado que falava da liberdade
do sufrgio com muito menos parvoiadas que a
maior parte dos jornalistas. Enraivecido contra as
minhas sugestes, o funcionrio oficiou ao governador civil pedindo-lhe autorizao para me prender. O governador civil deu a ordem pedida, mandando ao secretrio que a lavrasse, e citou a lei do
cdigo eleitoral que me aplicava a captura. Ora,
como quer que o secretrio folheasse o cdigo e
no encontrasse ao artigo, a autoridade superior
do distrito oficiou ao regedor lamentando com ele
a impossibilidade da minha priso.
Seguiu-se perder o governo as eleies e o regedor adoeceu de maleitas. Passados meses, caiu
o Ministrio, caram as autoridades, e eu fui nomeado regedor. Eis aqui o meu primeiro pulo na
carreira poltica. O meu velho inimigo, quando recebeu o ofcio da demisso, tremia como Mariano
Faliero ouvindo as fatais badaladas de S. Marcos.
A terceira parte da obra apresenta-nos a personagem Tomsia, cuja postura realista contrasta com o
romntico bucolismo do campo:
Trecho
O beijo recebeu-o sem estremecimentos de pudor,
como as donzelinhas dos romances.
Trecho
Tomsia era um rapariga desempenada e com
olhares derretidos. De entendimento era escura,
como quem no sabia ler, nem tivera, alguma hora,
desgosto de sua ignorncia. Tinha vinte e seis anos
e nunca estivera doente. Nunca tomara ch nem
caf. Almoava caldo de ovos com talhadas de
chourio. O Sol, ao nascer, nunca a surpreendeu em
jejum. Trabalhava de portas adentro com as criadas:
fazia as barrelas, fabricava o po, administrava a
salgadeira e vendia os cereais e as castanhas. Regularmente calava soquinhas debruadas de escarlate e sarapintadas de verde. As meias eram de l
ou algodo azuis; mas no usava ligas, de jeito que
as mei- as caiam em refegos roda do tornozelo o
que no era feio. Nas romarias, calava sapato de
fitas e trazia chapu desabado com plumas brancas. Os pulsos eram duma cana s, como l dizem
para exprimirem a fora. Cada palma de mo parecia uma lixa; e elogiar-lhe o cuidado das unhas seria adulao indigna da minha sinceridade. Dentes
nunca os vi ricos de esmalte. Limpava-os com erva
do monte, que l chamam mentrasto; e as pomadas das suas opulentas tranas louras eram a gua
cristalina do tanque em que ela mergulhava a cabea todas as manhs. Sentava-se depois sombra
dum castanheiro, nos dias festivos, a pentear-se, e
era belo v-la ento coberta de seus cabelos at
cintura, que moura mais linda a no sonharam poetas, em orvalhadas de S. Joo, alisando as madeixas
com pente de ouro.
Trecho
Andavam competncia de quem engordaria
mais; e, nas horas de dormir, excediam a toda a
gente, menos um ao outro.
Trecho
E por muito comer eu deso cova!
Trecho
O mais que pudesses dizer seria um pleonasmo.
Cifra-te nisto. Ado amou Eva, sabendo dizer
muito menos, se me no engana o juzo que eu
formo da organizao das lnguas. Os irracionais
tambm se amam sem dilogo, se no devemos
chamar dilogo ao gorjeio dos passarinhos e aos
bramidos da leoa sedenta de amor, quando o querido lhe ruge da vizinha selva. Imitemos os bichos
para sermos naturais alguma vez.
O Romantismo portugus apresenta uma complexidade advinda de seu carter tardio, o que lhe possibilita
uma viso crtica surgida a partir da gerao de Almeida Garrett. A obra de Camilo Castelo Branco, por seu
turno, embora pertencendo cronologicamente ao Realismo, inclui textos ora mais, ora menos canonicamente romnticos e, como consequncia, mais ou menos
vinculados a uma viso crtica. Tal viso se apresenta,
muitas vezes, sob a forma da ironia reflexiva acerca do
fazer literrio, como em Corao, cabea e estmago,
de 1862.
O que chama a ateno ao longo da leitura de
CCB , talvez, seu carter metamrfico trata-se da
biografia romanceada de Silvestre da Silva, lanada a
pblico por um editor ficcional. A se apresenta o percurso do protagonista, partindo de trs distintas fases
de sua vida a do corao, a da cabea e a do estmago , na ltima das quais vem a falecer.
Abrindo o romance, tem-se um prembulo do
editor ficcional e amigo de Silvestre da Silva, em um dilogo com Faustino Xavier de Novais. Retirando qualquer
possvel carter trgico do percurso de vida do amigo,
bem como a expectativa quanto ao final do personagem, o editor lana a pblico, de forma prenunciadora,
a morte deste. Esta morte ou transformao de S. da
Silva parece ser tratada com certo carter filosfico:
O meu amigo Faustino Xavier de Novais conheceu perfeitamente aqule nosso amigo Silvestre
da Silva...
Ora, se conheci!... Como est le?
Est bem: est enterrado h seis mses.
46
Morreu?!
No morreu, meu caro Novais. Um filsofo no
deve aceitar no seu vocabulrio a palavra morte,
seno convencionalmente. No h morte. O que
h metamorfose, transformao, mudana de
feitio /..../ (Prembulo, p. 1).
influncia do meio e das circunstncias sobre o indivduo, tem-se uma concluso que vai de encontro s
tradicionais frmulas da literatura moralizadora (inclusive da romntica), com uma viso objetificada que s
possvel ao S. da Silva que escreve suas memrias s
portas da morte.
O corao assinalado como fonte de enganos,
de iluso de tica. A questo da ficcionalidade prenunciada na epgrafe, que aponta para o limiar entre
o verdico a memria, as coisas passadas e o
ficcional o texto editado e melhorado as coisas
cridas. Repare-se na ambiguidade presente tanto nos
fatos passados mas no cridos quanto nos cridos mas
no passados, o que aponta para a inter-relao (e no
para o maniquesmo) de uma literatura mais factual e
de uma mais idealizada.
De tal modo o editor ficcional se porta como
editor real, a fim de dar veracidade ao texto, que suas
intervenes deixam de se restringir s partes inicial e
final do livro. No corpo do texto, h notas de pgina
quase inteira, esclarecendo passagens obscuras das
memrias de S. da Silva, e, mais do que isso, interferindo diretamente no processo de memria e o transformando em fico. O protagonista se torna tanto mais
risvel e mesmo ridculo quanto maior a distncia de
perspectiva do Silvestre passado em face do futuro ou,
ainda, quanto mais as consideraes digam respeito
ao indivduo no envolvido nos acontecimentos: o editor, sobretudo nessas notas.
A parte inicial do livro fala de desenganos amorosos com sete mulheres. A primeira, Leontina, apresentada como a rf, que vivia da caridade de um
ourives, amigo do seu defunto pai, possui caractersticas romnticas. No entanto, o protagonista-narrador
acresce de forma pouco romntica: Leontina no
tinha caligrafia nem ideias /..../. Assim como nesta
passagem, o narrador far ao longo de todo o Corao: apresentar quadros srios, filosficos e/ou romnticos, para subvert-los ou, ao menos, minor-los
com adjetivaes ou selees vocabulares e imagsticas inusitadas no contexto romntico e, mais ainda,
para caracterizar os personagens antes pela negativa
do que pela assertiva.
O narrador/ protagonista de Corao, cabea e
estmago, nesta primeira parte da obra, lanado nos
moldes das obras romnticas, atuando, todavia, contra
Desconfie-se tambm do trecho acima sobretudo porque, como vimos, ele indica uma contradio do
editor quanto interferncia no texto do amigo.
Neste ponto, uma questo fundamental deve
ser assinalada: o caminho seguido por S. da Silva o
oposto do apresentado nos romances franceses e, a se
tem um aspecto humorstico, advindo do carter parodstico de CCE aos romances romnticos, uma vez
que nestes:
Se alguma vez o romancista nos d, no primeiro captulo, uma menina bem fornida de carnes,
e rosada e espanejada como as belas dos campos, contar que, no terceiro captulo, a a temos
prostrada numa otomana, com olheiras a revelar
o cavado do rosto, com a cintura a desarticular-se
dos seus engonos, com as mos translcidas de
magreza, os braos em osso nu e os olhos apagados nas rbitas, orvalhadas de lgrimas. (p. 89).
Eu amarei?
J aimerai.
Bem. Je t aimerai pour la vie, pour toujours,
ternellement. Entendes?
Perfeitamente.
O mais que pudesses dizer seria um pleonasmo.
(pp. 24-25).
que tambm se anseia pelo encontro com uma das razes histrico-culturais de Portugal Santarm:
ste insulto [os versos de escrnio que recebera
por outro engano do corao] foi providencial.
/..../ Sa de Lisboa, no mais agreste do inverno, e
fui para Santarm, onde vi o Santo milagre, largamente contado no livro das viagens do adorvel
poeta da Joaninha do Vale. /..../ Eu queria chorar
szinho em algum recanto daquelas frondosas
encostas, e dessedentar-me da sde de amor, dando o corao s maravilhas da terra e do cu. /..../
Neste pressuposto, fui dar o primeiro lance de
olhos amoroso natureza. /..../ Apenas asomei ao
alto, fiquei comovido das blandcias da natureza,
que fez favor de me tirar o chape da cabea, e
mo enviou para alm-Tejo nas asas dum furaco.
Retrocedi vexado da grosseria, e sentei-me a recomendar natureza de Santarm e ao diabo os
filsofos encomiastas do campo. Rompeu-se uma
nuvem, e eu abri o guarda-chuva contra a btega
do vento; uma refrega contrria apanhou-me por
dentro em cheio, e converteu-mo em roca. /..../.
(pp. 52-53).
A funo principal do texto, como aponta o editor no prembulo e principalmente em suas palavras
finais, dar um exemplo aos leitores no pelo que
deve ser feito, mas pelo que deve ser evitado, visto
que o protagonista no se classifica como um heri.
Sua marca , portanto, a negativa. Assim, o exemplo
indica que no se deve imitar S. da Silva. Por isso a
evocao do moralista Duclos se torna passvel de um
sorriso discreto, sobretudo porque a constante desarmonia do protagonista com o meio, nas diversas fases
de sua vida, acaba por torn-lo um personagem tambm tocado por aspectos trgicos:
Silvestre acompanhou-me aos banhos de Pvoa, e
j vinha com todos os sintomas de caquexia, resultante da imobilidade, e cansao das molas digestivas. Retirou-se para a provncia, logo que os
primeiros banhos, e as primeiras perdas ao jgo lhe
molestaram o corpo e o esprito. De l me escreveu,
contando os progressos da doena, e prognosticando o seu prximo fim. Nesta carta prometia
o meu amigo legar-me os seus papis, com plena
autorizao de divulg-los, se eu visse que podiam
50
ser de proveito para a iniciao da mocidade. maneira de Duclos, dizia le: J ai vcu, je voudrais
tre utile ceux qui ont vivre. (p. 168).
aes nos trs momentos de vida e, por jamais a alcanar, passa de uma outra, at chegar sntese a
morte, nico espao em que deixa de haver excesso de
sua parte.
A exemplaridade, assim, est no no que foi escrito o S. da Silva em suas trs fases , mas no que
foi insinuado seu carter desmesurado a ser evitado.
Desse modo, o exemplo que ele deixa ceux qui ont
vivre , ironicamente, o escrito beira de um vazio o
de sua morte. Por isso as derradeiras palavras do editor
so lcidas e impiedosas ao mesmo tempo, como a
ratificarem que para o redundante e desmedido S. da
Silva apenas a sntese a soluo. No encontrada literariamente em uma quarta fase, ela o com seu silncio. Prefira-se, pois, esse silenciamento, a ter de produzir uma literatura silvestre, seja ela do Corao,
da Cabea ou do Estmago eis a uma moralidade depreensvel da posio do editor. Ou ainda:
retire-se desse mesmo silncio metamrfico a pgina
que S. da Silva no capaz de escrever matria para
uma literatura libertria formal e tematicamente, sim,
mas tambm e sobretudo mais criticamente comedida
e consciente de seu papel social, inclusive moralizador.
A est, parece-nos, a moralidade que se pode inferir
a partir de Corao, cabea e estmago.
Escrevendo e desdizendo o que est escrito,
Camilo, com Corao, cabea e estmago, fornece, de
algum modo, um grande receiturio de como fazer literatura na poca do Romantismo.
O que se combate no romance e, portanto,
pode servir de exemplaridade principalmente o Ro-
mantismo exacerbado, o que feito sobretudo na primeira parte do livro. Por outro lado, no se pode deixar
de notar um combate que tambm feito ao exagero
naturalista no por outra razo que o ttulo to
pertinente. Faz-se, no livro, um exame detalhado dos
males atravs da viso microscpica do corao, da
cabea e do estmago sociais e literrios. Todos se
mostram igualmente maus quando desmedidos, seja o
rgo vinculado ao Romantismo (o corao), seja o da
fase intermdia, ou aquele ligado ao Realismo/Naturalismo (o estmago, mas tambm a cabea).
Cada rgo tem seus males. Assim, a digesto
ou a sntese das snteses advm do confronto entre a
exacerbao do processo de vida de Silvestre da Silva
e do vazio de sua morte a obra heterclita que fala
do Romantismo, com processos dele especficos, mas
sem deixar de critic-los, quando exagerados e que, ao
mesmo tempo, fala do Realismo e critica seus exageros.
O excesso que culmina com o vazio representante do
desgaste literrio, seja ele romntico, seja ele realista.
Corao, cabea e estmago , assim, uma conjuno de obra literria e de ensaio crtico que analisa,
sobretudo, a artificialidade da literatura transposta,
independente da escola a que pertena, por meio de
uma verve irnica. Eis a, portanto, ao que nos parece,
mais um exemplo de romance heterodoxo do Romantismo camiliano e do portugus.
(Texto originalmente publicado com Bibliografia e disponvel
para o pblico geral em http://www.geocities.ws/ail_br/aironiareflexivaemcoracao.htm - Bernardo, C.P- Data de pesquisa
03/02/2016)
51
Assim como o real interfere no mundo criado por Silvestre da Silva, o oposto tambm
ocorre e h uma interseo entre o real e a
fico. Um dos pontos altos do idealismo romntico a natureza, determine como S. da
Silva traa um quadro deste espao de seu
pas.
a) S. da Silva mostra-se to inadaptado quanto
em suas relaes sociais de conquista amorosa e a natureza de seu pas um espao de
confortante refgio.
b) O protagonista faz propositalmente um caminho inverso da tradio, ou seja, no descreve as razes histrico-culturais de Portugal Santarm:
c) Nega a natureza como um espao de refgio,
pois nega a idealizao do espao em sua
trajetria.
d) A fico colocada como um pressuposto em
sua relao com as partes do corpo que estabelecem em contradio ao fluxo normal da
natureza.
5. Determine qual foi a causa mortis de S. da
Silva, personagem central de Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco.
a) Ataque cardaco
b) Caquexia
c) Infeco alimentar
d) Assassinato
e) Escorbuto
6. Na primeira parte do livro Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco, o
personagem principal se apaixona por sete
mulheres. Determine qual das alternativas
apresenta um nome que no corresponde a
uma desta mulheres.
a) Leontina
b) Catarina
c) Clotilde
d) Sofie
e) Tupinoyoyo
7. A obra Corao, Cabea e Estmago de Camilo Castelo Branco, dividida em trs partes, cada qual com sua especfica simbologia.
Determine a alternativa que segue corretamente tais pressupostos simblicos.
Gabarito
1.
B
2.
C
3.
E
4.
A
5.
B
6.
D
7.
E
8.
A
9.
B
10. C
53
Til
Jos de Alencar
Jos de Alencar
A Confederao dos Tamoios, de Gonalves de Magalhes no Dirio do Rio de Janeiro. Jos de Alencar criticou a obra utilizando um pseudnimo. O fruto disso foi
o desentendimento com D. Pedro II, amigo particular
de Gonalves de Magalhes. No mesmo ano, Alencar
publicou seu primeiro romance, Cinco minutos. Em
1857, escreveu O Guarani como resposta polmica.
Obras
Romances
Cinco minutos (1856),
O guarani (1857),
A viuvinha (1869),
Lucola (1862), Diva (1865),
Iracema (1865), O gacho (1870),
A pata da gazela (1870),
O tronco do ip (1871),
Guerra dos mascates (1871-1873),
Sonho douro (1872),
Til (1872),
Alfarrbios (1873),
Ubirajara (1874),
Senhora (1875),
O Sertanejo (1875),
Encarnao (1893).
Contexto da publicao
Til um romance regionalista em que o narrador utiliza descries pormenorizadas da regio e de cenrios em torno do rio Piracicaba. O olhar atento para a
valorizao da natureza local um dos pontos altos
da literatura regionalista romntica. Um dos objetivos
deste contexto era mostrar o Brasil e sua grandiosidade aos brasileiros. E neste caso, no era apenas o Brasil
do selvagem nos romances indianistas, mas um Brasil
rural, exaltao de um cenrio exuberante do interior
e da figura do caipira. O sertanejo uma metamorfose
do mito do bom selvagem.
Os romances de Jos de Alencar retratam um
Brasil e personagens idealizados, pelo menos como ele
gostaria que moralmente fossem em sua fantasia romntica e moralismo.
A obra
O romance Til foi publicado em um folhetim no jornal
A Repblica do Rio de Janeiro, entre 21 de novembro
de 1871 e 20 de maro de 1872, num total de 62 folhetins. Em 1872, foi editado em livro.
A ambientao da histria se d nas fazendas
do interior do estado de So Paulo, especificamente
entre Campinas e Piracicaba. Jos de Alencar tinha a
intenso de criar um painel do esplendor da natureza
brasileira em todo o seu esplendor com descries pormenorizadas do espao. Alm disso, esto presentes
na obra os costumes sertanejos. Uma das maneiras de
valorizar a cultura caipira foi descrever uma srie de
costumes desta regio, descrevendo cantigas e as festas populares que ainda se realizam em vrias cidades
no interior.
55
Tempo
Sculo XIX. Durante a narrativa do sculo XIX, so
mencionadas duas datas especficas:
1826, quando descreve a beleza de Besita;
1846, quando Lus Galvo recebe do pai a fazenda das Palmas.
O tempo predominantemente psicolgico em que o
narrador manipula o tempo conforme as necessidades
circunstanciais. Portanto, ele vai ao passado ou ao futuro sem necessariamente seguir s ordens do tempo
cronolgico.
Alencar cria uma trama misteriosa marcada por
uma histria de amor que no se realiza no desfecho
do romance. A ao e o dinamismo fazem parte deste tipo de romance, e em Til ela se d pela ao
criminosa do personagem Jo Fera e pelo mistrio do
nascimento de Berta.
A comear pelo ttulo, que o leitor s vai entender no decorrer da leitura, mas que reflete a idealizao de Berta em suas aes de bondade. Til o apelido utilizado pela protagonista Berta, que tambm
chamada de Inh. A jovem personagem utiliza esse
apelido para ensinar o alfabeto a Brs, uma vez que
seus problemas mentais impedem que ele aprenda a
ler. O narrador o caracteriza como idiota vrias vezes
durante a narrativa.
Foco narratico
Narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente
neutro que leva ao leitor a tomar conhecimento dos
dramas ntimos de algumas personagens e da influncia de seus sentimentos nas aes. Sua posio
distanciada, porm ele se deixa encantar pela figura
gentil da personagem principal, Berta.
56
Espao
Interior de So Paulo. (Campinas e Piracicaba). A obra
um retrato do Brasil rural.
Personagens
As personagens apresentam apenas certa densidade
psicolgica.
Berta (Inh, Til): protagonista do romance. Uma
jovem muito bonita e bondosa. Filha bastarda do fazendeiro Luis Galvo com Besita. Aps a morte de sua
me, passa a viver com nh Tudinha e seu filho Miguel.
Jo Fera (Joo): Inicialmente, visto como o antagonista. Marcado por inmeros crimes de morte, excessivamente forte e corajoso. Sua ndole resultante de
frustraes vividas no passado: o desprezo amoroso e
o assassinato da amada. Construo psicolgica bem
definida.
Miguel: Filho de nh Tudinha. apaixonado por sua
irm de criao. Miguel busca estudar para melhorar
de vida e se casar com Linda.
Besita: Moa pobre, porm das mais belas da regio.
Filha de Guedes e me de Berta, foi casada com Ribeiro. Teve a filha fora do casamento como resultado
de um estupro cometido por Lus Galvo. Foi o grande
amor de Jo Fera. Foi assassinada por Ribeiro.
Lus Galvo: Rico fazendeiro, dono da fazenda Palmas, pai de Afonso e Linda, casado com D. Ermelinda.
Viveu muitas aventuras amorosas desde a jovem e foi
sempre protegido por seu capanga Jo Fera.
D. Ermelinda: Mulher rica de Campinas, casou-se
com Lus Galvo. Preconceituosa, no aceita o relacio-
Problemtica e temas
da obra analisada
Til um tpico romance romntico e mostra uma viso
patriarcal e senhorial presentes no Brasil escravista e
patriarcal. Os preconceitos de classe e as relaes de
poder so enfocadas na obra.
Inclusive o preconceito racial na prpria linguagem do narrador, que critica o comportamento festivo
dos negros em suas danas. Ele descreve os costumes
da poca, apesar de ser contra abolir a escravido.
A redeno final de de Jo Fera uma espcie
de hino moralista do autor, como se as pessoas pudessem se regenerar e d a cada homem a esperana de
limpar seus erros. Jo Fera se torna um novo homem
perdoado de seus crimes, inclusive do desejo sexual
que sentia por Berta, que ela nunca soube. Ele recebe
como prmio o papel de pai, ainda que no fosse essa
sua pretenso. Ele substitui a arma pela enxada.
Enredo da obra
A histria do romance gira em torno do misterioso nascimento de Berta, uma jovem muito bondosa e bonita que
foi criada junto com Miguel por nh Tudinha, me do rapaz. Miguel sente cimes de Afonso (filho do fazendeiro
Lus Galvo), pois tem atrao por Berta, a quem chama
de Inh. Berta tenta aproximar Miguel de Linda, irm de
Afonso, e que tem sentimentos pelo rapaz.
Berta encontra-se com Jo Fera em muitos momentos, ele assim chamado por ser um perigoso assassino comparado a um animal feroz. Jo sente-se atrado
por Berta, mas teme a moa, por quem tem verdadeira
adorao e a quem protege em vrias situaes. Jo Fera
foi contratado por um certo Barroso para matar Lus Galvo, mas impedido por Berta. Jo promete moa no
cumprir o crime e no matar o fazendeiro, mas tem que
devolver o dinheiro pago pelo servio.
Barroso na verdade Ribeiro, antigo marido de
Besita, uma bela jovem de quem se enamoraram Lus
Galvo e Jo Fera, amigos desde a infncia. Besita sabe
que Lus no vai se casar com ela porque era pobre e
aceita o pedido de casamento de Ribeiro. Jo Fera abandona os servios para Lus Galvo quando descobre que
o rapaz s tinha intenes de aproveitar-se de Besita.
Depois do casamento, Ribeiro parte atrs de um
comerciante para salvar a herana deixada por um tio
e no volta por dois anos. Besita estuprada por Lus
Galvo e dessa noite de violncia nasce Berta. Quando
Ribeiro volta para casa, v sua mulher com uma filha
e mata Besita. Ele pretendendo fazer o mesmo com a
menina impedido por Jo Fera que ficara na propriedade cuidando de Besita e em companhia tambm de
Zana. Jo no mata Ribeiro porque Besita, antes de
morrer, pede que proteja a filha. Ribeiro foge para Portugal. Zana enlouquece com a morte de Besita e fica
na propriedade, que se transforma em tapera.
Jo Fera torna-se um criminoso procurado depois da morte de Besita. Fica atormentado por no
cumprir sua vingana contra Ribeiro e deseja matar
Lus Galvo. Besita pediu para ele no matar Lus Galvo. Ele cumpre a promessa de proteger Berta, para
quem trazia presentes e dava dinheiro a nh Tudinha
para comprar o que ela precisasse.
Ribeiro retornou para Santa Brbara como Barroso, apelido que usava em Portugal, e contrata Jo
57
Fera para matar Lus Galvo. Os dois no se reconhecem e Jo Fera no consegue cumprir o que foi encomendado, mas consegue devolver o dinheiro para
Barroso. Jo descobre o novo plano criminoso: colocar
fogo no canavial, matar Lus Galvo e casar-se com D.
Ermelinda, ganhando assim uma famlia. Jo Fera impede a morte de Lus Galvo, matando Gonalo Pinta,
Monjolo e Faustino, que faziam parte do plano criminoso e Barroso consegue fugir.
Jo Fera entrega-se a Aguiar, de quem obteve
o dinheiro para pagar Barroso, mas acaba saindo da
propriedade do outro no mesmo dia e voltando para
a cidade. Chega a tempo de salvar Berta de Barroso,
que ia matar a menina e cumprir sua vingana. Jo
reconhece Ribeiro e o destroa diante dos olhos espantados de Berta, que despreza o assassino.
Lus Galvo confessa seu crime do passado
sua mulher. D. Ermelinda quer que ele assuma a histria perante Berta, mas a menina recusa, dizendo que
seu pai Jo Fera para quem a me confiou-a. Berta
pede que Miguel tome seu lugar na famlia. Miguel
mandado para estudar com Afonso e dois anos depois
se casar com Linda. Miguel se despede e Berta fica ao
lado de nh Tudinha e Jo Fera.
Nos quadrinhos
Resumo do enredo
I Capanga
Miguel e Inh andavam perto do rio Piracicaba por volta
das sete horas da manh. Inh no gostou dele olhar
para ela. Ao perceber, Miguel disfarou e fingiu mirar
com a espingarda um cardeal no alto de uma palmeira.
Inh ficou apavorada quando viu Jo Fera aparecer na
orla do mato. Quando viu a menina, o sujeito mal encarado desviou,. Miguel se assustou e depois, como travessura, fingiu armar a espingarda e apontar para o outro.
Jo Fera mandou que atirasse, porque j estava cansado
daquela vida. Miguel perguntou se estava com saudade
da forca. Rapidamente o criminoso estava rosto a rosto
com o rapaz, que ficou pronto para morrer.
Neste captulo, destacada a idealizao dos protagonistas Berta e Miguel. No incio do romance temos o
descritivismo marcando cenrio e personagens.
II Na tronqueira
Inh impediu a vontade de Jo e colocou-se diante
dele e mandou o capanga ir embora. Jo abaixou cabea e devagar se afastou. Duas ou trs vezes, antes
de encobrir-se na alta capoeira, voltou cabea; mas
encontrava os olhos cintilantes de menina; e, apesar
do grande esforo, vergava ante a inflexvel repulsa.
Miguel prometeu a Jo que um dia ainda iriam
se encontrar. Inh ficou curiosa para saber o que o outro lhe havia feito. Miguel contou sobre a ndole de Jo,
por ser um criminoso deveria estar tocaiando algum.
Em seguida ambos chegam numa fazenda. Miguel no queria seguir pelo mesmo percurso dela. Inh
quis saber para onde ele ia.
Jo Fera era conhecido criminoso e temido por
todos e neste captulo cria um contraponto com o jovem casal de amigos.
III Ela
A adaptao para quadrinhos de Til de Jos de Alencar foi feita por Jos
A. Rossin e publicada em julho de 1955.
58
IV Monjolo
No ano de 1846 era de recente fundao a fazenda das Palmas, que Lus Galvo, seu proprietrio,
recebera de herana paterna, ainda nas condies
de simples situao, com um velho casebre de caipira, dois cafezais e alguma pouca roa.
V A tocaia
Jo Fera contemplou o vulto de Inh do seu esconderijo.
Quando viu a menina, suas feies transformaram-se.
Ele ficou transtornado de paixo.
Miguel e Inh no perceberam a presena do
criminoso; conversavam, pois estavam distrados. Inh
estava sentada na tronqueira, quando viu Jo Fera
atravessar a campina.
Assim que o capanga chegou Ave-Maria, ficou encostado ao tronco de uma rvore. Inh saberia
que teria sido ele, apenas no dia seguinte quando recebesse a notcia do crime.
Apesar de Jo Fera sofrer pelos crimes cometidos, sua agonia moral duraria pouco. Pois logo deu
vez ao facnora destemido e ameaador. No demorou muito e ele ouviu o tropel de um cavalo que vinha
naquela direo. Era o cavaleiro disfarado. Jo Fera
esboou um sorriso de desprezo ao avistar o cavaleiro. Apresentou-se diante dele, na rampa. Olhava um e
outro lado com olhos curiosos e rpidos. De chofre
empinou-se o cavalo, arremessando o homem sobre a
escarpa da barranca, donde rolou ao trilho, como um
corpo inerte.
A protagonista Berta (Inh) foi colocada, por
Jos de Alencar, como objeto de atrao no apenas
VI O empenho
O capanga olhou enojado para o cavaleiro. No tronco
do jequitib, no qual Jo cravara uma cobra urutu pela
cabea, a faca arremessada com fora ainda vibrava. A
serpente negra que assustou o cavalo logo foi morta
pela faca de Jo. O desconhecido levantou-se, sacudindo a roupa e apalpando o corpo. Jo Fera perguntou
como era o nome do desconhecido que afirmou que
no era preciso, quando contratou o capanga.
- Ningum me logra, disse Jo com um sorriso
mostrando a faca. Tenho este fiador. O ponto
outro; s avano com quem conheo.
- Pois no seja essa a dvida. Com os diabos;
chamo-me Barroso!
O capanga estava fora do prazo no servio combinado. Deu de ombros com ar de descaso. Depois de cumprido o servio, os dois ficaram de encontrar-se na venda
do Chico Tingu. Assim que Barroso partiu, Jo Fera ouviu
barulho de animais passando pela ponte de madeira.
VII O marmanjo
Enquanto ajeitava as selas nos animais que aguardavam no terreiro da fazenda, S Mandu reclamou que
os pajens da fazenda ficavam velhos e no aprendiam.
Um mulato de libr cor de pinho, segurava os animais
pelas rdeas. Uma das mucamas, Rosa, conversava e
ouvia as gozaes do mulato e de s Mandu. Foi pega
em flagrante por Faustino e por isso voltou para a sala
de jantar. L estavam os donos da casa, D. Ermelinda
e Lus Galvo, o filho Afonso e a filha Linda, e um menino de quinze anos, Brs, filho de uma irm do dono
da fazenda.
Era feio, e no s isso, porm mal amanhado e
descomposto em seus gestos. Tinha um ar pasmo
que embotava-lhe a fisionomia; e da pupila baa
coava-se um olhar morno, a divagar pelo espao
com expresso indiferente e parva.
59
VIII Pressentimento
Lus Galvo, que se preparava para ir a Campinas,
zombava das cismas da mulher por causa de suas viagens, alegando que no poderia haver perigo em um
passeio que fazia constantemente, e at mais longe e
com maior demora. L, a demorar-se trs dias a fim de
concluir alguns negcios, que talvez o levassem a So
Paulo. D. Ermelinda ficou cheia de premonies, pois
Pereira contou ter visto dois vultos no mato. Lus Galvo assegurou que nada aconteceu daquela vez. Ento,
a senhora contou sobre um homem que foi visto pelos
pretos atravessando a fazenda. O marido alegou se tratar de Jo Bugre ou Jo, como ele o chamava quando
criana. Jo foi criado na casa deles e era afilhado do
seu pai, chegando a servir a Lus de camarada. Depois
transformou-se em um degenerado, mas no esqueceria
de tudo que havia recebidos de sua famlia. D. Ermelinda
disse que aquele tipo de gente sentia-se humilhada pela
caridade e revoltava-se. Lus Galvo tentou acalmar a
mulher quanto aos medos dela, no se convencendo a
ficar, como D. Ermelinda e a filha queriam. O propsito do narrador claro: criar mistrio quanto aos fatos
anunciados no captulo A tocaia.
IX A amostra
Apesar de ter tido esperana do adiamento da viagem,
D. Ermelinda empalideceu quando Lus Galvo resolveu partir. Ele afirmou que com aquela aflio no iria,
ou seja fez com que a deciso ficasse nas mos da
mulher e a filha. Apesar de D. Ermelinda no disfarar
seus medos, ela acabou mandando que fosse para entender ao desejo percebido no olhar da filha quanto
ao presente que o pai traria. Lus Galvo partiu junto
com seu camarada Mandu. Na frente ia o pajem com o
intuito de abrir as porteiras. O fato de Luis estar acompanhado apenas de um camarada, deixou D. Ermelinda
mais preocupada. Afonso indagou se queria sua companhia e a me negou mandando os filhos passearem
para no os preocupar tambm frente sua inquietao.
Ela subiu ao mirante e avistou os viajantes voltando
apressados.
Surpresa com o incidente, D. Ermelinda deu graas
a Deus daquela volta inesperada, que lhe restitua o
marido, a quem por coisa alguma deixaria mais partir.
Lus Galvo esqueceu a lista de encomendas e quando
60
X Os gmeos
Por serem gmeos, Linda e Afonso eram muito parecidos.
XI No tanquinho
Linda chamava Berta pelo nome. Ela e Afonso encontram-se com Miguel e Inh (Berta). Miguel disse estar chateado com o amigo. Inh disse que Miguel no
queria vir para ir caar.
- Acham graa em uma coisa toa.
Sbito no mato soou um grito bavio, e logo aps
a voz estranha, ao mesmo tempo saturada de dor
e impregnada de sarcasmo, lanou em uma gama
estridente este clamor incompreensvel:
-Til!... Til!... Til!... Oh! Til...
XII Idlios
Eram frequentes os encontros dos dois lindos pares de passeadores no Tanquinho.
Vinham semanas em que se repetiam todas as
manhs, a menos que as chuvas no permitissem,
ou que Berta e Miguel fossem casa das Palmas,
o que sucedia regularmente aos domingos e dias
de festa.
XIII Susto
Na primeira surpresa do grito inesperado, tiveram
os companheiros de passeio um ligeiro sobressalto; mas rpido se desvaneceu.
Tornaram, pois, conversa, indiferentes ao que
passava da distante; apenas Berta, separando-se do grupo, subiu a correr a assomada da colina, curiosa que estava de saber donde partira
o clamor.
XIV A vespa
Linda falou dos pressentimentos de D. Ermelinda, Berta
se assusta e toma um choque. Jo Fera retorna de seus
passeios e ela percebeu que ele estava diferente, com
um ar soturno e ameaador.
XV O relicrio
Berta assustou-se com Jo Fera, mas manteve-se firme
at que ele foi mudando da ferocidade para a tranquilidade, depois de ver a menina. Ela indagou se ele
estava ali para matar algum e ele confessou que sim.
O dilogo continua com Berta perguntando o mal que
aquela pessoa havia feito para ele que respondeu ter
sido pago para tal.
Depois de um longo sermo ela demonstra sua
indignao com a frieza do criminoso.
- Tu s um monstro! Disse Berta afinal com uma
exploso de horror. Quando te pintavam como
um assassino, autor dos maiores crimes e capaz
de cometer toda a espcie de atrocidade, eu no
queria crer; porque duvidava que um homem pudesse transformar-se em um tigre carniceiro; e
tambm porque tantas vezes te vi to sossegado
e cuidados comigo, e eu no podia imaginar que
se pudesse ter esse rosto bom e tranquilo, tendo-se dentro do corao uma caninana.
Jo Fera sentiu-se diminudo com aquelas palavras dela e confessou ter aprendido com as feras e que
no se tornava escravo de homem que nasceu rico,
por causa das sobras que lhe atirava, como atiraria
a qualquer outro, ou a seu negro. No foi por mim que
ele fez isso; mas para mostrar ou por vergonha de en61
constante a criao de heris e heronas idealizados com comportamento corajoso. Percebe-ce uma
postura decidida de Berta.
XVI A sura
Berta, sempre preocupada com tudo e todos, a tpica
figura idealizada romntica agora vai cuidar com amor
de uma galinha que possua os ps comidos pelos ratos e andava com dificuldades.
Impulso mais forte era o que movia o corao de
Berta para aquele msero ente, como para todo o
infortnio que encontrava em seu caminho.
XVII Zana
Neste captulo o processo de idealizao da personagem Berta continua a partir de suas aes de bondade.
Berta parou no caminho para cuidar de um burro,
que quase havia sido morto pela foice de um caipira.
Levou meia dzia de espigas de milho e farinha.
O animal comeu e depois Berta seguiu at o casebre
62
de Zana, uma preta velha, coberta apenas de uma tanga de andrajos. Berta trouxe comida. Jos de Alencar
d uma ateno ao registro da cultura popular de influncia africana com a cantiga:
Recostando-se ento aba da prateleira, a menina com os olhos fitos na preta comeou em um
tom brando e suavssimo a repetir este acalanto:
Cala a boca, anda, nhazinha,
Ai-hu, l-l!
Seno olha, canhambola,
Ai-hu, l-l!
Vem c mesmo, Pai Zumbi,
Toma, papanha Beb!
XVIII A viso
Zana, que costumava falar sozinha como se
houvesse algum de seu passado. Ela fazia mmicas
que se repetiam em suas visitas. Berta observa e desconfia de um mistrio.
XIX O desconhecido
Berta no descobriu o segredo Zana, mesmo visitando-a
desde os quinze anos. No entendia os motivos pelos
quais ela vivia abandonada numa casa em runas.
Nh Tudinha, me de Miguel, recolheu e criou-a
com o maior desvelo.
No dia em que estamos no acabou Zana a pantomima de sua viso diria.
Quando se aproximava p ante p da janela da
alcova, em atitude de quem espreita, os olhos da
negra esbarraram com os de um homem. Era o
Barroso que assomara de dentro do mato, pouco
antes, e dirigiu-se passo a passo para as runas.
XX A pousada
Gonalo chegou taberna do Chico Tingu que ficava
na estrada de Campinas, meia lgua antes de Santa
Brbara. L, perguntou sobre Bugre no momento que
chegou um grupo de caipiras armados de dois ces de
caa e espingardas.
XXI O bacorinho
O Filipe liderava o grupo de caipiras que se arranjaram
na pousada. Gonalo puxou papo e s Filipe respondeu dizendo que eles estavam procurando uma ona,
suuarana. Todos riram e ele acabou contando que na
verdade estavam atrs de Jo Fera.
XXII O trato
Certa vez Jo Fera j havia matado um cabo que levava
Gonalo preso ajudando a escapar. Gonalo que tinha
pintas no rosto e por isso era apelidado de Gonalo
Suuarana ou Gonalo Pinta. Ao contrrio de Jo, tinha
o costume de atacar os inimigos por trs.
Eles partiram no momento que Barroso chegou
venda.
XXIII Nh Tudinha
Nh Tudinha procurava o que fazer o tempo todo, era
uma mulher inquieta e no gostava de ficar sossegada.
Famosa doceira, estava preocupada com os afazeres
da festa de So Joo.
XXV O idiota
Com uma varinha e riscos no cho, Berta ensinava as letras do alfabeto a Brs que era filho de uma irm de Lus
Galvo. D. Ermelinda aceitou receber em sua casa com
a condio de evitar o contato dele com Afonso e Linda.
XXVI O abec
Numa dessas fugas, Berta consolou-o e levou-o consigo at a casa para deitar-lhe panos de aguardente
nas mos e distra-lo da exasperao em que o via.
Por isso, Berta decide ensinar-lhe todas as manhs a lio para livrar o rapaz da violncia de Domingo. Vendo a atrao do rapaz pelo acento til foi dizer que
ela prpria era o til. E claro, aos poucos, por meio do
aspecto afetivo foi ensinando o alfabeto para o rapaz.
XXVIII A bolsa
Jo Fera foi at a tapera onde vivia Zana, pois queria
encontrar Berta e sabia que ela andava sempre por l.
Percebeu a chegada de Lus Galvo e sentiu que
poderia cumprir seu trato, mas no esquecia o olhar de
Berta e o gesto de seu desprezo. Jo Fera encaminhou-se venda do Tingu depois de Luis Galvo passar
livremente.
Barroso aguardava por Jo Fera, que ao expressar seu arrependimento foi chamado de tratante. Eles
se atracam e rolam no cho. Jo no matou o outro e
deixou que partisse por causa da dvida e prometeu
que cumpriria sua palavra at o So Joo.
Jo Fera encontrou uma bolsa cheia de moedas
e entregou ao Chico para devolver ao Barroso. Quando
ele soube da devoluo de Jo, deixou uma moeda ao
vendedor, mas ele recusou e mandou que Chico guardasse, porque no queria nada daquele peste.
XXIX Desencargo
Apesar de ter ao seu alcance quantia maior do
que precisava, Jo no pensou em atacar o mascate,
mas em pedir emprestado.
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Desistiu do intento de atacar o mascate e preferiu pedir emprestado. Ele retirou-se e nos trs dias
seguintes, procurou meios de arranjar dinheiro. Tentou
no jogo e perdeu. Quanto ao trabalho, ele sempre foi
avesso e considerava inaceitvel. Porm diante da necessidade, ofereceu a um casal de velhinhos que lhe
pagassem cinquenta mil ris para abrir um roado a
eles. Mas, ao se lembrar da enxada, virou as costas aos
velhinhos e foi embora.
Bugre riu-se com o aviso de Chico Tingu que
tramavam contra ele. Dava sua palavra que ia procurar
um fazendeiro que contratou os caipiras .
Jo fera se dirigiu para a casa de Nh Tudinha
depois da partida do Chico. Quando viu Jo a observando, Berta foi ao seu encontro. Ele disse para ela
que no precisava mais se preocupar. Em seguida pediu para beijar o bentinho de Berta e afastou-se. Berta pensou que estivesse embriagado, mas logo sentiu
compaixo e amor como sentimento transformador.
XXX Trama
Era vspera de So Joo.
Na fazenda das Palmas, desde muito cedo que se
faziam os aprestos para a festa daquela noite de
folguedos. J o ptio estava enramado de coqueiros; e no centro erguia-se uma pilha de lenha para
a fogueira fatdica.
D. Ermelinda recebia os hspedes e Nh Tudinha cuidava da cozinha. Linda reclamou que Miguel
no gostava dela, mas de Berta. Surge o barulho de um
apito, o mesmo que Berta ouviu no dia da emboscada.
Lus Galvo chegaria de Campinas naquela manh.
Berta se preocupou, pois o fazendeiro que contratou
Jo Fera poderia ter procurado outro matador para fazer o servio. Berta convidou Linda para ir ao mirante,
ela percebeu um vulto atrs dos pessegueiros e desaparecendo em meio ao canavial. Era o pajem Faustino,
que fora se encontrar com Barroso e Monjolo.
O que eles tramavam era colocar fogo no canavial e trancar a gente da casa. Faustino ficaria com
Rosa e Monjolo ganharia carta de alforria. Lus Galvo
seria morto quando tentasse apagar o incndio. O pajem voltou casa, Monjolo roa e Barroso juntou-se
a Gonalo, que o esperava com dois animais.
64
Segunda parte
I O burguezinho
Em 1826, a mais bonita moa que havia nas vizinhanas de Santa Brbara, era Besita.
II O casamento
Jo pensou vrias vezes em raptar Besita e fugir com
ela, era clara sua paixo por ela. Porm, brigou vrias
vezes com Luis, sobretudo quando descobriu e teve
certeza de que ele gostava de Besita.
Se no fosse Lus Galvo, certamente j teria
sido morto por ele.
Besita vendo a situao, preferiu ser fria com
Luis e afetuosa com o Bugre.
De pronto, Lus aceitou somente os encontros
com o velho Guedes, e os encontros com moa na
missa ou em casa de nh Tudinha. Mais tarde, ficou
mais exigente, interpelando a moa durante a noite no
quintal.
Besita no conseguia resistir e no encontrava
ningum para protege-la.
Nessas circunstncias, apareceu em Santa Brbara um moo chamado Ribeiro. Vendo Besita,
apaixonara-se por ela e a pedira em casamento
ao velho Guedes.
III Beb
Aps dois meses que Besita se casara, recolheu-se ao
quarto, depois de rezar e beijar a mo do pai. Ouviu o
anncio de Zana que o sinh voltara. Quando Besita se
preparava para receber o marido, dois braos a seguraram e acariciaram seus lbios. Cena tensa da trama.
Zana a encontrou aos prantos e completamente tensa,
dizendo negra que aquele no era o marido, mas sim
Lus Galvo que fugira.
Suspeitando do ocorrido, Bugre quis assassinar
Lus Galvo, porm s no o fez porque Besita proibiu.
J o marido Ribeiro no pareceu nos meses que se seguiam e nos anos seguintes. No se encontrava em Itu,
ou qualquer outra vila vizinha. A tristeza do abandono
na verdade serviu para encorajar Besita. Ela teve uma
filha e apenas Zana e Jo sabiam. Besita viveu isolada
com a filha, Zana e Bugre que a servia como um escravo humilde e fiel, inclusive levando sua filha para ser
batizada em seus prprios braos.
Besita brincava com a filha, quando viu pela janela meio aberta o rosto de Ribeiro escondido no meio
da folhagem. Assustada ela chamou Zana que pegou a
criana e passou carvo no seu corpo.
Zana corre ao quarto de Besita quando ouviu
um grito.
[...] No meio do quarto, Ribeiro, plido e medonho como um espectro, agarrando a mulher pelo
pescoo, estrangulava-a com as longas tranas de
cabelo.
IV rf
Um grito espantoso retumbou, que estremeceu o
assassino e o lanou espavorido fora do aposento.
a casa de Besita em funo do choro de criana. Quando viu Bugre ninar todo desajeitado a menina e tentar
fazer que chupasse a ponta de um pano molhado no
caf para saciar sua fome. Depois que Bugre contou
o que aconteceu, Nh Tudinha passou a considerar a
menina sua filha, j que apesar de Miguel ser muito
mais velho, ela ainda tinha leite para dar de mamar.
A situao levou Zana a enlouquecer. Jo era
a nica testemunha e contou s por cima para nh
Tudinha, que nunca revelou o segredo. A casa onde
Berta nasceu tornou-se a tapera, onde vivia a doida
que nunca deixou de remoer as lembranas da morte
de sua senhora.
V Fera
S o sangue podia acalmar o fogo que o queimava por
dentro, pois Jo nunca esqueceu da fuga do assassino
de Besita. Ele era temido por todos.
Somente dois pensamentos vinham a sua cabea: vingar Besita e proteger sua filha. Sempre vinha at
Santa Brbara para ver Berta. Presenteava nh Tudinha
com algum enfeite e dinheiro. Jo via no rosto da menina que se parecia com a me, a imagem da mulher
que adorara como uma santa.
Berta lhe pertencia. Ela era filha de sua dor.
Afigurava-se sua mente enlevada, que Besita
revivera na filha para pagar a ele Jo os extremos
do puro e humilde afeto.
Jo tem uma construo psicolgica bem trabalhada, o que no comum no romantismo. Ele no via
Berta, mas sim o rosto de Besita.
VI A restituio
Quinze anos depois, Ribeiro voltou para So Paulo e
a trama d a entender que este tempo foi o suficiente
para que ningum o reconhecesse. Ele era chamado de
Barroso em Portugal e aps alguns meses na provncia,
resolveu ir a Santa Brbara para se vingar de Lus Galvo. Foi at o vendedor Chico Tingu e quis contratar
Jo Fera como capanga em sua vingana.
Jo estranhou aquele homem e no o reconheceu, sentia inclusive vontade de brigar com ele e mat-lo. Quase o matou na tocaia na Ave-Maria. Teve at
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VII Fascinao
Linda interrompeu Berta quando abriu a porta da alcova
atrs do chapu. Berta fugiu para o quarto depois de algumas brincadeiras quando se ouviu um grito. Os irmos
chamaram Berta, porm no receberam resposta. Para
acalmar a irm, Afonso disse que a menina os queria
assustar, porque se angustiava por um terrvel pressentimento. No podia ver Berta pelo buraco da fechadura e
Afonso no distinguiu se Berta havia sentado ou cado.
Percebeu o que ela olhava assustada no espelho: a cabea chata de um animal. Aps um grito de horror se
jogou contra a porta para arromba-la. No conseguiu e
correu para fora para tentar entrar pela janela.
VIII Letargo
O animal era uma cobra e o barulho de Berta
ao bater da porta, fez a cascavel escorregar pelo cho
e enroscar-se para o bote. Berta pegou o chapu na
cama e estava fugindo pela janela quando sentiu um
enjoo ao ouvir o guisado da cobra. Seus lbios estavam
gelados e ela no conseguiu responder s perguntas.
Nessa passagem h uma meno ao mito bblico de
Eva encontrando a serpente.
A estava produzida ao vivo a misteriosa identificao da mulher e da serpente, que deu tema ao
potico mito da tentao.
IX Transe
Brs finalmente conseguiu chegar ao peitoril da janela,
quando viu Berta enlaada pela cascavel, deu um salto
e travou da cabea da cobra e fugiu com ela.
As interrogaes fizeram Berta sumir em busca
de pai Quic, encontrando o negro velho acocorado
numa pedra. No caminho, ouviram um trovo e um o
estalo de ramas despedaadas. Pai Quic fez um olhar
de pavor ao ver que um bando de mais de cem porcos
do mato ferozes trotava em fila.
Pensou em correr em direo s rvores que
estavam longe.
Abandonar o velho decrpito fria dos animais,
no lhe sofria o corao, e contudo uma voz impiedosa, a voz da conservao, lhe exprobrava o
sacrifcio intil de sua existncia. H almas assim,
que Deus apura no crisol da abnegao, e forma
para se derramarem como a luz, o ar, o perfume.
Ele tentou puxar Quic, porm entendeu a impossibilidade do esforo violento. Os caititus j estavam fechando um arco em volta deles e o velho mandou que ela trepasse nas suas costas. Berta percebeu
que Quic tentava atrasar algo que era inevitvel.
Estreitou-se Berta em suas roupas, como a viagem
crist no anfiteatro romano; e pondo os olhos no
cu, esperou o martrio.
X A garrucha
Neste momento o autor cria uma verdadeira batalha
pica, na qual o vilo transforma-se em heri, redimindo-se momentaneamente de seus erros e se responsabilizando por salvar a virgem.
No era comum um bando de porcos do mato
daquelas propores, especialmente em debandada.
Gonalo havia criado um plano para pegar Jo Fera
que seria cercado por Filipe, seus ces e seus homens
na nica sada do esconderijo do capanga. Os ces
farejaram os caititus, que foram acuados e tentaram
defender a matilha atacando os ces e os homens. Um
deles foi despedaado. Assustado pelos tiros, o bando
correu para a floresta.
Jo Fera bradou e saltou por cima dos lombos
dos animais, precipitando-se para onde estava Berta
XI A furna
Bugre se protegia numa caverna formada no meio
da pedra que atravessava a floresta. O lugar permitia
que tivesse boa viso no caso de emboscada. Berta se
soltou dele quando chegaram perto do rochedo. Disse
que queriam prend-lo e que deveria fugir. Ele queria
fugir para longe, mas no podia. Ele tinha mpetos de
se jogar em Berta.
Depois fechou os olhos e avanou.
XII O assalto
Bugre pegou Berta nos braos e foi em direo
caverna. Logo depois que desapareceu, apareceram
os canos de espingarda. As armas, prontas a desfecharem, permaneceram imveis, talvez espera de um
sinal. Escondidos, os inimigos temeram a bala certeira
de Jo. De repente, surge uma voz que manda o bugre
entregar-se para no morrer.
Animado com o silncio, Gonalo saltou do
tronco da rvore, agitou os braos, bateu no cho com
a coronha e gritou que ia cortar suas orelhas, como
havia prometido. Um seixo fez um grande estrondo; ao
cair, Pinta se assustou, pois achou que era o Bugre e
mais uma vez se escondeu atrs da rvore. Muita ao
e aventura, porm esperavam uma investida do inimigo, que nada fez; mesmo em maior nmero sentiram
medo.
Com o objetivo de fazer o bugre deixar o esconderijo eles atiraram na caverna. Aos berros, Gonalo
Pinta ordenou que avanassem, mas o Pinta no deu
mais do que um passo alm da rvore.
XIII Luta
Jo Fera rolou uma pedra bem grande para trancar a
entrada da caverna depois de soltar Berta que vigiava
os movimentos dos assaltantes escondidos no mato.
Jo tinha olhar reflexivo e fixo no cho e no pequeno
67
toque no corpinho de Berta gerou nele uma embriaguez remontando a imagem de Besita que mexia com
seu corao e o deixava atordoado.
Comparou o perigo h pouco ocorrido com Berta com o que aconteceu com a me, partiria deste
mundo e o deixaria s, com aquele amor insano.
Pensou em soltar o seixo que escorava o tronco
quando Berta deu um gritinho e correu a esconder-se
junto dele. Quando iam atirar, Bugre perguntou se ela
tinha medo de morrer, e claro ela disse que sim, muito
assustada. Jo ergueu-se de um salto, arrastou o calhau que obstrua uma solapa do rochedo, por onde a
caverna se comunicava com a prxima encosta, e fugiu
horrorizado, levando consigo Berta.
XIV O Beijo
Esquecendo aqueles acontecimentos Berta atravessou
os cafezais brincando e cantando. Ela estava contente
por ter deixado Jo livre. Um agito forte das rvores a
assustou, pois imaginou ser um novo perigo. Ela saiu
correndo e foi acolhida por Afonso que tentou beij-la.
Berta se preparou para o beijo e fechou os olhos, mas
estranhou no sentir o beijo. Ele se envergonhou.
Berta falou que Miguel e Linda precisam se casar e Afonso tentou agora mais uma vez roubar um
beijo dela, mas ela conseguiu enganar Afonso fingindo
que lhe daria um beijo quando ele fechasse os olhos.
Berta beijou o rosto de Afonso vendo que ele ficou
triste. Ela ria-se maliciosamente para disfarar o rubor.
Miguel estava diante deles e eles se afastaram.
XV Confisso
Miguel estava plido, os lbios trmulos no podiam
pronunciar uma palavra. Vieira procura a menina,
pois estavam todos preocupados. Afonso chamou-a
para voltar, mas ela recusou dizendo que ele viera s.
Berta perguntou o que Miguel tinha. Ele estava
enciumado.
XVI So Joo
Uma fogueira grandiosa estava acesa no meio do terreiro em comemorao da festa de So Joo, tradicional festa popular no interior de So Paulo, espao da
narrativa deste romance regionalista alencariano.
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XVIII Revelao
Berta disse palavras meigas a Brs que brincava na
festa. Ela sofria com a proximidade de Miguel e Linda
apesar de ter aproximado os dois.
XIX A lgrima
Por acaso D. Ermelinda ouviu uma conversa do marido
com os amigos, no momento que mencionaram Besita.
Seu corao ficou apertado e mergulhou numa profunda e melanclica reflexo.
XX- O samba
Jos de Alencar faz uma descrio sobre esta dana dos
negros que vai caracterizar o samba e que futuramente
ser abarcado por Alusio Azevedo em O Cortio.
XXI O incndio
D. Ermelinda no conseguiu disfarar a tristeza, o que
surtiu constrangimento nos convidados da festa que
terminou por volta da meia-noite.
Faustino estava pronto para pregar a porta e
o escravo Monjolo, que havia furtado as chaves da
senzala, foi se encontrar com o pajem. Naquele curto
instante correu o pajem srio perigo de que o salvou o
rumor da janela ao abrir-se.
Faustino correu para a senzala e Monjolo soltou o guincho que tranquilizou o fazendeiro. Porm
este era o sinal. Surgiu no canavial a primeira labareda
quando Lus Galvo abriu o trinco da janela.
XXII A traio
Lus Galvo abriu outra vez a janela e se assustou com
a claridade do incndio no terreiro. O mesmo aconteceu com D. Ermelinda. Luis pulou ao terreiro e se colocou a correr para as plantaes, gritando aos feitores e
gente da fazenda.
D. Ermelinda foi para o mirante, quando Afonso
quis saber o paradeiro do pai e desmaiou ao ver, l no
canavial, um homem (Gonalo Suuarana) batendo so-
XXIII Vampiro
No momento em que Gonalo se preparava para jogar
Lus Galvo, que estava desacordado, no meio das chamas, surge Jo Fera. Suuarana puxou a arma e deu dois
tiros em Jo e no acertou, da puxou o faco e comeou
a cortar o ar. Jo Fera avanava lento desarmado, porm
era Gonalo quem recuava. O pulso de Suuarana afrouxou, quando Jo pulou em seu pescoo no canavial e o
estrangulou. Lus Galvo se levantou a tempo de ver o
fim do embate e entender a existncia a Jo Fera.
Jo Fera foi alertado por Chico Tingu do plano
de Barroso e redobrou a vigilncia.
Monjolo ateara fogo em Faustino e foi morto
pela faca do Bugre. Agora partiu em busca do Barroso,
que devia estar do outro lado do canavial. Barroso reconheceu Jo e fugiu. Quando Jo Fera chegou at ele
foi impedido por Miguel. Como no o deixava passar,
Jo atirou-se sobre Miguel, que foi salvo por um grito
de Berta. Jo saiu pelo campo e desapareceu.
XXIV Na tapera
Ribeiro apareceu no mato e Berta no percebeu, nem
ouviu o riso irnico do assassino. Zana correu para ela
e apertou-a contra o peito. Ribeiro tinha certeza que
a presa estava em suas mos e quis se deliciar com a
vingana. Ele percebeu que Berta era a filha de Besita
e quis se vingar daquilo comeara h vinte anos e que
devia acabar na filha depois da morte do pai.
XXV A entrega
Jo Fera partiu para Campinas e antes de partir quis
despedir-se de Berta. Chico Tingu realiza o plano de
Bugre, depois que pegou o dinheiro com Aguiar entregou para que ele devolvesse ao Barroso.
XXVI O cip
Ainda no cicatrizara em sua alma o golpe que a tinha dilacerado, quando foi ele, Jo, obrigado a rasg-la, ficando junto de Besita, e no perseguindo o assassino. A imagem de Ribeiro no saa da cabea de Jo.
O grito da negra repercutiu na alma do Bugre,
como o eco de um som remoto. Acompanhou a vista
XXVII Despedida
O narrador se vale de sua oniscincia para esclarecer
o drama moral do fazendeiro. Isso tambm leva o leitor a se comover pelo tardio arrependimento do erro
grave do passado.
Lus Galvo entende que a nica forma de resolver a crise era contar tudo mulher. No entanto,
tinha medo que a revelao causasse o abismo da
separao eterna.
Todos colocavam Jo Fera com o responsvel
pelas atrocidades daquela noite, menos Lus Galvo
que lhe devia a vida; mas calava-se a respeito dos sucessos da noite fatal. Depois daquilo, sugeriu mulher uma viagem corte.
XXVIII- O congo
O captulo perpassa sobre os trajes luxuosos que os
fazendeiros atribuam aos seus pajens, como se fossem
reis e rainhas do Congo.
XXIX Confisso
Depois que Afonso viu Berta, foi para junto dela e conversaram, apesar da preocupao de Berta com D. Ermelinda.. Berta queria falar com Linda.
- Teu pai matou a me dela; tu queres matar a
filha; duas vezes!
XXX A enjeitada
Jo Fera esperava pela chegada de Berta, dois dias depois. Ele esperava, mas estava ressabiado pelo modo
que Berta o receberia por conta das mortes por ele cometidas. Berta correu para Zana depois de atravessar o
terreiro perguntando sobre sua me.
Zana ficou tensa e pasmou depois de pronunciar alguns sons estranhos por conta da loucura.
Durante a noite da festa do congo, Lus Galvo
confessou toda a histria que havia acontecido naquele stio. Revelou que no queria casar com Besita porque ela era pobre, contou tambm de sua inteno de
namoro com a moa; a armadilha para surpreender a
infidelidade de esposa e o abandono em que a deixou.
D. Ermelinda escondeu as lgrimas e foi se
trancar no quarto quando chegaram em casa. Luis no
ficou consolando e passou a noite toda fumando. Ermelinda disse ao marido na manh seguinte:
- Meu amigo, preciso reconhecer a sua filha... a
nossa filha!...
70
1. (Fuvest 2015) Considerada no contexto histrico-social figurado no romance Til, a brusca reao de Jo Fera, narrada no final do
excerto, explica-se
a) pela ambio ou ganncia que, no perodo,
caracterizava os homens livres no proprietrios.
b) por sua condio de membro da Guarda Nacional, que lhe interditava o trabalho na lavoura.
c) pela indolncia atribuda ao indgena, da
qual era herdeiro o bugre.
d) pelo estigma que a escravido fazia recair
sobre o trabalho braal.
e) pela ojeriza ao labor agrcola, inerente a sua
condio de homem letrado.
TEXTO PARA A PRXIMA QUESTO
V O samba
direita do terreiro, adumbra-se* na escurido um macio de construes, ao qual s vezes recortam no azul do cu os trmulos vislumbres das labaredas fustigadas pelo vento.
(...)
a o quartel ou quadrado da fazenda, nome
que tem um grande ptio cercado de senzalas, s vezes com alpendrada corrida em volta, e um ou dois portes que o fecham como
praa darmas.
Em torno da fogueira, j esbarrondada pelo
cho, que ela cobriu de brasido e cinzas, danam os pretos o samba com um frenesi que
toca o delrio. No se descreve, nem se imagina esse desesperado saracoteio, no qual
todo o corpo estremece, pula, sacode, gira,
bamboleia, como se quisesse desgrudar-se.
Tudo salta, at os crioulinhos que esperneiam no cangote das mes, ou se enrolam
nas saias das raparigas. Os mais taludos viram cambalhotas e pincham guisa de sapos
em roda do terreiro. Um desses corta jaca
no espinhao do pai, negro fornido, que no
sabendo mais como desconjuntar-se, atirou
consigo ao cho e comeou de rabanar como
um peixe em seco. (...)
Jos de Alencar, Til.
(*) adumbra-se = delineia-se, esboa-se.
2. (Fuvest 2013) Considerada no contexto histrico a que se refere Til, a desenvoltura com
que os escravos, no excerto, se entregam
dana representativa do fato de que
a) a escravido, no Brasil, tal como ocorreu na
Amrica do Norte e no Caribe, foi branda.
b) se permitia a eles, em ocasies especiais e
sob vigilncia, que festejassem a seu modo.
c) teve incio nas fazendas de caf o sincretismo das culturas negra e branca, que viria a
caracterizar a cultura brasileira.
d) o narrador entendia que o samba de terreiro
era, em realidade, um ritual umbandista disfarado.
e) foi a generalizao, entre eles, do alcoolismo,
que tornou antieconmica a explorao da
mo de obra escrava nos cafezais paulistas.
3. (Unesp 2016) Ultrapassando o nvel modesto dos predecessores e demonstrando capacidade narrativa bem mais definida, a obra
romanesca deste autor bastante ambiciosa.
A partir de certa altura, este autor pretendeu abranger com ela, sistematicamente, os
diversos aspectos do pas no tempo e no espao, por meio de narrativas sobre os costumes urbanos, sobre as regies, sobre o ndio.
Para pr em prtica esse projeto, quis forjar
um estilo novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem que, sem perder a correo gramatical, se aproximasse da maneira
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brasileira de falar. Ao fazer isso, estava tocando o n do problema (caro aos romnticos) da independncia esttica em relao a
Portugal. Com efeito, caberia aos escritores
no apenas focalizar a realidade brasileira,
privilegiando as diferenas patentes na natureza e na populao, mas elaborar a expresso que correspondesse diferenciao
lingustica que nos ia distinguindo cada vez
mais dos portugueses, numa grande aventura dentro da mesma lngua.
Antonio Candido. O romantismo no Brasil, 2002. Adaptado.
O trecho do romance Til transcrito acima evidencia a ambivalncia que caracteriza a personagem Jo Fera ao longo de toda a narrativa.
a) Explicite quais so as duas faces dessa ambivalncia.
b) Exemplifique cada face dessa ambivalncia
com um episdio do romance.
7. Quis Berta, para livrar o pobre rapaz dos bolos e repeles do mestre, ensinar-lhe todas
as manhs a lio; e nesse desgnio preparou-lhe uma carta. Continuaram as cenas da
escola; e repetiram-se as visagens e gaifonas
vista do til; porm desta vez em maior escala, pela liberdade em que estava o parvalho do rapaz. No seu af de imitar o sinal,
que tanto lhe dera no goto, virava cambalhotas e corcoveava pela grama.
Trabalhava a enjeitadinha com toda a meiguice para aplicar s letras o boto engenho
daquele rfo, ainda mais que ela desamparado da fortuna. Vo esforo, em que, no
obstante, porfiava com uma perseverana
incrvel naqueles ternos anos e em to humilde condio.
De seu lado tambm no descorooava o Domingo de meter o abec nos cascos do Brs,
ainda que para isso fosse necessrio abri-los
de meio a meio:
- Burro! gritava ele com uma voz de trompa,
esgrimindo a frula. Ou te racho o quengo
com este bodoque, ou pes em achas o guarant!...
Afinal teve Berta uma inspirao [...]. [destaques nossos]
De acordo com essa passagem, responda ao
que se pede.
a) O que era uma carta com a qual se ensinava a ler?
b) Que sinal era esse e por que Brs gostava
tanto dele a ponto de dar cambalhotas e corcovear pela grama?
8. (UFRR) A obra romanesca de Jos de Alencar introduziu na literatura brasileira quatro
tipos de romances: indianista, histrico, urbano e regional. Desses quatro tipos,os que
tiveram sua vida prolongada , de forma mais
clara e intensa, at o Modernismo, ainda que
modificados, foram:
a) Indianista e histrico;
b) Histrico e urbano;
c) Urbano e regional;
d) Regional e indianista;
e) Indianista e urbano;
9. (UFPR) Qual das informaes sobre Jos de
Alencar correta?
a) Alencar inaugurou a fico brasileira com a
publicao de sua obra Cinco minutos.
b) Alencar foi um romancista que soube conciliar um romantismo exacerbado com certas
reminiscncias do Arcadismo, manifestas,
principalmente, na linguagem clssica.
c) Alencar, apesar de todo o idealismo romntico, conseguiu, nas obras Lucola e Senhora,
captar e denunciar certos aspectos profundos, recalcados, da realidade social e individual, em que podemos detectar um prrealismo ainda inseguro.
d) A obra de Alencar, objetivando atingir a Histria do Brasil e a sntese de suas origens,
volta-se exclusivamente para assuntos indgenas e regionalistas, sem incurses pelo
romance urbano.
e) O indianismo de Jos de Alencar baseou-se
em dados reais e pesquisa antropolgica,
apresentando, por isso, uma imagem do ndio brasileiro sem deformao ou idealismo.
10. (Fuvest) Poderamos sintetizar uma das caractersticas do Romantismo pela seguinte
aproximao de opostos:
a) Aparentemente idealista, foi, na realidade, o
primeiro momento do Naturalismo Literrio.
b) Cultivando o passado, procurou formas de
compreender e explicar o presente.
c) Pregando a liberdade formal, manteve-se
preso aos modelos legados pelos clssicos.
d) Embora marcado por tendncias liberais,
ops-se ao nacionalismo poltico.
e) Voltado para temas nacionalistas, desinteressou-se do elemento extico, incompatvel
com a exaltao da ptria.
11. A que escola literria pertence Til? Cite trs
caractersticas dessa escola presentes na
obra.
12. Explique o motivo da tristeza de Lus Galvo
no trecho abaixo: Abraando a mulher e
beijando-a na face, de novo ps-se o fazendeiro a caminho; e desta vez ia pensativo,
quase triste. Murchara a flor da jovialidade,
que se expandia momentos antes to fresca
em seu nobre semblante, e a alma franca e
generosa sempre a espelhar-se em seu olhar,
dir-se-ia que se acanhava.
13. Caracterize a personagem Berta.
73
74
Gabarito
1.
D
2.
B
3.
C
4.
a) Em ambos os textos, os narradores em 1
pessoa estabelecem dilogo com o leitor
(Benvolo e paciente leitor, o maior
defeito deste livro s tu, leitor), usam o
recurso da funo metalingustica (Neste despropositado e inclassificvel livro
das minhas Viagens, Mas o livro enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa
contrao cadavrica) e desviam-se da
narrativa cronolgica para abrirem espao
a digresses (acabemos com estas digresses e perenais divagaes minhas, este
livro e o meu estilo so como os brios,
guinam direita e esquerda, andam e
param, resmungam, urram, gargalham,
ameaam o cu, escorregam e caem).
b) O leitor tratado de forma respeitosa no
excerto de Almeida Garrett e irnica no de
Machado de Assis. Ambos deduzem que o
pblico da poca preferia a narrativa linear, com recursos tcnicos facilitadores de
leitura, desenvolvimento de tramas que
provocassem as emoes at um clmax e
conduzissem a um final previsvel.
5.
a) A sociedade retratada em Til est estruturada basicamente em duas camadas
sociais: os grandes latifundirios e os escravos com a gente humilde do campo. Os
personagens que habitam na Fazenda das
Palmas esto submetidos ao poder de Lus
Galvo, representante de uma aristocracia
rural a quem todos devem obrigaes e
favores. Jo Fera reconhece as limitaes
impostas pela sua condio de agregado
que vive da caridade do seu benfeitor e
se v obrigado a uma subservincia humilhante para poder sobreviver.
b) Jo Fera no admitia ser identificado com
o escravo negro, por isso prefere o trabalho de capanga dos ricos ao do trabalho
na lavoura, tpico da ral.
6.
a) Jo Fra era um facnora temido por todos
(Onde se encontra Jo Fera, ou houve
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